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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
EDUCAÇÃO EMOCIONAL E MORAL NA ESCOLA
Por: Lucia Maria Guedes Albrecht
Orientador
Prof. Geni Lima
Rio de Janeiro
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
EDUCAÇÃO EMOCIONAL E MORAL NA ESCOLA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em. Orientação
Educacional e Pedagógica.
Por Lucia Maria Guedes Albrecht
3
AGRADECIMENTOS
A Marta Soares pelo ânimo contagiante
que me levou a fazer esse curso.
A profª. Adriana Mograbi pelas lições
que iluminaram meu caminho.
A Mara Faget cuja ajuda, ao longo dos
anos, me permitiu chegar a esse
momento de plena realização.
Ao Léo pela paciência comigo, nesse
período.
A Cléa e Ana Albrecht pela revisão e
pelo estímulo carinhoso.
A Denise e Valéria pelo apoio e
estímulo.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho a meus filhos Ian e
Lia inspiração e motivação da minha vida
e a meus pais Ernesto Albrecht e Maria
Cléa Guedes Albrecht a quem devo tudo
de bom que tenho.
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RESUMO
Esse trabalho tem o objetivo de discutir as possibilidades da escola
pública de trabalhar com a subjetividade dos alunos e auxiliá-los a lidar com
suas emoções, a fim de melhorar a convivência no contexto escolar. A
justificativa para a escolha desse tema é o cenário de desentendimentos,
indisciplina e violência que a escola pública tem apresentado. Por isso,
investigamos as contribuições teóricas da Inteligência Emocional e da
Educação Moral que oferecem caminhos para minorar esses problemas.
Iniciamos debatendo a importância da escola assumir, como função sua, a
formação moral dos alunos. Nos capítulos seguintes apresentamos as duas
teorias, seus principais conceitos e as possibilidades de aplicação pela escola.
Concluímos que os caminhos para a solução daqueles problemas não são
complexos, ao contrário, são simples. E isso é muito animador!
6
METODOLOGIA
Este trabalho constitui-se de uma pesquisa bibliográfica. De acordo com
(Reis, 2008) esse tipo de pesquisa “fundamenta-se apenas nas contribuições
secundárias, ou seja, nas informações e dados extraídos de livros de leitura
corrente e de referências, de revistas impressas e virtuais, material audiovisual,
entrevistas, documentos, etc. de diferentes autores que versam sobre o tema
selecionado para o estudo.” (p.51)
Sua importância é “fazer a revisão da literatura possibilitando conhecer e
compreender melhor os elementos teóricos que fundamentarão a análise do
tema e do objeto de estudo escolhidos.” (ibidem)
Procuramos fazer uma revisão da produção teórica existente nas áreas
de Inteligência Emocional e Educação Moral. A pesquisa fundamenta-se
principalmente nas obras de Daniel Goleman, , John Gottman, Jean Piaget,
Luciene Tognetta, Telma Vinha e Julio Groppa Aquino.
Utilizamos como recorte, a escola pública de segundo segmento em
geral, na cidade do Rio de Janeiro, onde exercitamos nossa prática profissional
há vinte e um anos.
Participamos também de um congresso realizado em Campinas , em
julho de 2011, o II COPPEM (II Congresso de Pesquisas em Psicologia e
Educação Moral-Conflito nas instituições educativas: Perigo ou Oportunidade?)
que muito contribuiu para alargar nossa compreensão sobre o tema.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - A Importância do Trabalho com a Subjetividade 10
CAPÍTULO II - A Inteligência Emocional e a Orientação Educacional 21
CAPÍTULO III – A Educação Moral e a Orientação Educacional 38
CONCLUSÃO 60
BIBLIOGRAFIA CITADA 62
ÍNDICE 65
FOLHA DE AVALIAÇÃO 66
8
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é discutir o papel da educação emocional e
moral na escola. Pretendemos responder a seguinte pergunta: O trabalho com
a subjetividade pode diminuir a violência e a indisciplina na escola pública?
Vamos verificar através de pesquisa bibliográfica se o orientador
educacional pode contribuir para a melhoria da qualidade das relações dentro
do âmbito escolar utilizando os conceitos da Inteligência Emocional e da
Educação Moral.
Refletir sobre a importância do orientador educacional para que a
comunidade escolar perceba que a subjetividade dos alunos é um campo
importante a ser trabalhado tanto para o desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem quanto para a vida futura dos jovens. Consideramos
essa tarefa como uma das mais importantes do orientador educacional.
Na verdade, a escola tem supervalorizado os aspectos intelectuais da
educação em detrimento dos aspectos subjetivos, criando assim uma lacuna
na formação dos alunos. Apresentar aos alunos e aos adultos que convivem
com eles, tanto os que trabalham na escola como a família dos jovens e seus
representantes, as ferramentas das teorias da Inteligência Emocional e da
Educação Moral para lidar com as emoções e com a moral. O próprio
significante orientador educacional aponta que a sua função é orientar a
educação.
A Educação Moral nos fornece as premissas necessárias ao
desenvolvimento moral e a pesquisa acadêmica paulista nos fornece os dados
sobre quais dessas condições a escola brasileira tem oferecido aos alunos,
assim o presente trabalho objetiva apontar caminhos para essa formação.
No primeiro capítulo, analisamos a importância do trabalho com a
subjetividade e como a escola tem se posicionado frente a essa questão.
No segundo capítulo, apresentamos a teoria da Inteligência Emocional
de Daniel Goleman e suas contribuições para o trabalho da escola e da
9
orientação educacional, em particular. Propiciar aos alunos o aprendizado de
como lidar com as emoções é o tema desse capítulo.
No terceiro capítulo, apresentamos a teoria da Educação Moral e suas
contribuições para o trabalho da escola e da orientação educacional, em
particular. Aqui o foco é o desenvolvimento moral do aluno e o papel do
educador, nesse processo.
.
10
CAPÍTULO I
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM A
SUBJETIVIDADE
Mude, mas comece devagar, porque a direção
é mais importante que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira, no outro lado da
mesa
Mais tarde, mude de mesa.
Clarice Lispector
Nesse capítulo, trataremos da importância do trabalho com aspectos
subjetivos dos alunos para que a escola cumpra a sua função educativa de
forma integral. O orientador educacional, pela natureza de sua função, deve
ser o principal articulador dessa prática. Vamos iniciar apresentando alguns
autores que analisam a escola frente a essas questões
.
Grinspun (s/data) traz uma contribuição filosófica sobre a importância da
subjetividade na pós-modernidade, e para a educação em particular. A autora
faz um histórico da questão, dizendo que no séc. XIX, a ciência buscava
explicar a realidade social através de uma categoria de totalidade, de uma
racionalidade a priori. No final do séc. XIX, questionava-se a possibilidade de
uma ciência social ser tão objetiva quanto as ciências naturais e no séc. XX:
“Aparece, então no cenário da modernidade, a
subjetividade como eixo articulador da mesma, devendo
ser entendida como a questão do sujeito numa
perspectiva social, cultural, portanto coletiva. O sujeito
11
deixa de ser visto, apenas, como o indivíduo com
determinadas características pessoais para assumir o
papel do sujeito social, fruto de uma cultura, de um
espaço, de um momento histórico- social.” (p.2)
Grinspun diz que hoje, a ciência não coloca mais para o homem o
desafio de desvendar os mistérios da realidade, mas sim um chamado para se
comprometer com essa realidade, já que ele faz parte dela.
Nessa perspectiva, a subjetividade se forma na relação com outro
sujeito e se constitui da integração de dois sujeitos: o psíquico, com sua
história individual e o social que é coletivo e que produz e é produzido pela
história social.
Quanto ao papel da escola em relação à subjetividade, a autora
pondera que:
“a organização da educação privilegiando mais o geral, o
total do que o individual e o particular ainda não aderiu a
noção do que se entende por subjetividade. (...) A escola
trabalha, de um modo geral o aluno enquanto indivíduo,
proveniente de um grupo sócio-econômico, com
determinadas características pessoais/sociais. Isto serve
para um diagnóstico da realidade, vendo muito mais o
aluno como produto desse meio do que um agente
transformador desse meio.” (ibidem, p.7)
Outras duas autoras colocam questões sobre o aspecto subjetivo
questionando a divisão comumente feita pela escola entre intelecto e emoção:
Luciene Tognetta da UNICAMP e Maria Isabel da Silva Leme da USP.
12
Tognetta (2009) lembra que Piaget diz0 que,
“não existe ato destituído de um fim e, se a inteligência
nos dá os meios para conseguir realizar uma tarefa, a
afetividade nos dá o fim, o objetivo ao qual cumprir. (...) a
afetividade é, na verdade, o que direciona a inteligência”
(p.32)
Prossegue então a autora,
ӎ preciso levar em conta esses dois aspectos do
psiquismo e não como comumente o fazemos na escola,
apenas a necessidade de saber ou de conhecer.” (p.32)
Segundo Piaget
“para agir, é preciso que a pessoa esteja motivada
por uma espécie de energia que a move. (...) são os
interesses, esforços e sentimentos intrapessoais que
regulam o comportamento.” (ibidem, p. 32)
Ainda segundo Tognetta, essa forma de entender o funcionamento
subjetivo dos indivíduos tem duas implicações para o contexto escolar:
1°) No estabelecimento de um currículo que leve em conta o interesse dos
alunos e que não esteja voltado apenas para a aprovação em vestibulares e
outros concursos. Afinal, de nada adianta acumular conhecimentos que não
estejam relacionados com as possibilidades individuais dos alunos, pois desta
forma ele só serve para dizer, subliminarmente, ao aluno que ele nada sabe.
2°) Nos momentos de conflito, quando se agridem com tapas, mordidas,
xingamentos, etc., as crianças ou adolescentes também são movidos por uma
13
energia que precisa ser reconhecida (nomeada e legitimada) pelo adulto para
que a criança veja que é possível controlá-la. Falaremos sobre isso mais
adiante.
Portanto, ao deixarmos de lado a subjetividade estamos jogando fora
o bebê junto com a água do banho, pois desconsideramos aquilo que faz
agir, que faz querer, que é justamente a queixa maior dos profissionais da
educação em relação aos alunos: que não se interessam pelos estudos, que
não agem com moralidade, etc. São sempre questões ligadas ao aspecto
emocional.
Maria Tereza Perez Soares (2007, p. 13) em uma pesquisa com 3.500
professores de várias regiões do Brasil, revela que 53,5% deles responderam
que a sua maior insatisfação em relação aos alunos é com a falta de respeito e
20,6% responderam que é com o fracasso ao tentar motivar os alunos para as
atividades.
Maria Isabel da Silva Leme (2011) busca compreender a separação
entre cognição e afeto, a partir das origens da cultura ocidental:
“Uma crença que (...), impregna a civilização ocidental é a
de que afeto e cognição são processos psicológicos
separados, que não interagem, e mais, que o afeto é um
processo inferior à cognição. Tal crença teve origem no
pensamento grego já na Antiguidade, cujo foco recaia na
racionalidade, como na filosofia, na lógica, e mesmo na
ciência com Aristóteles.” (p.174)
Para a autora a principal conseqüência dessa crença para a escola é
que esta:
14
“(...) considera que sua atribuição principal é ensinar
conhecimentos acumulados pela cultura ao longo da
história da civilização. E, consequentemente, considera
que a educação dos sentimentos, afetos, sociabilidade
são atribuição quase exclusiva da família. Entretanto,com
isso, a escola se esquece de que o aluno não deixa sua
afetividade do lado de fora quando adentra seus muros
para ser ensinado.”(ibidem, p. 175)
No entanto, é justamente na escola, longe da proteção da família
e entre pares, que meninos e meninas enfrentam problemas afetivos, como por
exemplo, quando são excluídos de um grupo, zoados por alguma característica
física ou na ocorrência de bullying. Eles acabam tendo que enfrentar sozinhos
essas situações, pois as questões emocionais são vistas como não
concernentes á função da escola, e portanto mais um trabalho extra que é
empurrado pela família.
O irônico nesta situação, é que há uma flagrante insatisfação dos
educadores com relação ao comportamento dos alunos, vide pesquisa
supracitada de Maria Tereza Perez Soares. E essas questões
comportamentais são, justamente, de ordem subjetiva.
Como diz Macedo (1996):
“(...) verificamos, principalmente com aqueles que
apresentam dificuldades de aprendizagem escolar,
condutas, tais como desatenção, conversas sobre
assuntos não relacionados ao jogo proposto,
brincadeiras, brigas, idas freqüentes ao banheiro etc. Em
outras palavras, esses alunos têm um comportamento
duvidoso, errático, desesperançado, sem projeto, o qual
indica um presente que apenas conhece a atenção
15
fugidia e o gozo imediato, sem muito trabalho ou
empenho.” (p.176)
E assim, dessa maneira, não dando relevância aos aspectos emocionais
dos alunos e considerando-os de inteira responsabilidade da família, a escola
abre mão de ajudar os alunos a encontrarem uma saída para este verdadeiro
labirinto existencial, que é se lidar sozinho na infância e na adolescência com
as emoções, principalmente as negativas como raiva, medo, tristeza e
frustração.
Não se trata de transformar a escola em um consultório psi, mas sim de
ter o conhecimento teórico, que a psicologia fornece através dos estudos da
Inteligência Emocional e da Educação Moral, que permita aos educadores
agirem de forma profícua nas situações que envolvem a subjetividade.
O dado animador é que, não só é possível educar as emoções, como
Daniel Goleman e Oliver Sacks comprovam em suas pesquisas, como existem
instituições que utilizam essas concepções com enorme sucesso. (Antunes,
2008, p.23)
Da mesma forma que as emoções, a moralidade também é passível de
ser desenvolvida através da intervenção de educadores, familiares e adultos,
em geral, e da convivência em um ambiente sociomoral cooperativo.
O mais incongruente dessa situação, é que a violência, a indisciplina, o
suicídio juvenil, o bullying, etc, não param de aumentar a cada dia e a solução
está ao alcance, mas precisa enfrentar o Minotauro do senso comum, da
prática cotidiana, do que é feito há muito tempo. Nos aspectos, subjetivo e
moral, temos hoje, uma escola que pouco mudou nos últimos cinqüenta anos.
No entanto, as mudanças na concepção do papel do orientador
educacional estão a nosso favor, pois ultrapassou-se o conceito de uma
16
orientação educacional terapêutica ou psicologizante, de trabalhar apenas com
os alunos problemas para uma idéia de formar um “cidadão” comprometido
com seu tempo e sua gente. (Grinspun,2008, p.8)
Como diz a autora:
“Pretende-se trabalhar com o aluno no desenvolvimento
do seu processo de cidadania, trabalhando a
subjetividade e a intersubjetividade, obtidas através do
diálogo nas relações estabelecidas” (ibidem, p. 13)
Assim, o papel do orientador educacional torna-se crucial na introdução
desses novos conhecimentos e práticas, no longo caminho de reflexão sobre
as práticas existentes e as concepções que as fundamentam, que
normalmente são muito mais consuetudinárias, ou seja, baseadas nos
costumes, na própria vivência, na cultura escolar, que é muito poderosa, do
que resultado de uma escolha consciente, refletida e baseada em estudos.
Para Grinspun (2008) é tarefa do orientador educacional trabalhar o
aluno de maneira a garantir a integração da cognição e da subjetividade.
“Além de aprender a ler, escrever e contar, a escola tem
um compromisso em formar o sujeito que nela está
matriculado. O momento pessoal tanto de professores, e
em especial dos alunos, diz respeito sim aos
conhecimentos, aos saberes produzidos, e
principalmente, diz respeito ao sujeito que apreende
esses conhecimentos que estão vinculados aos
sentimentos e valores que ele é capaz de produzir.” (p. IV)
17
Aqui vale falar também, da importância das relações afetivas entre
professores e alunos tão importantes no processo ensino-aprendizagem, onde
o professor deveria se colocar como um pesquisador ao lado de seus alunos
procurando entender e traduzir os seus anseios e necessidades não só em
relação ao conhecimento, mas também na construção de valores e atitudes
imprescindíveis para a melhoria da qualidade das relações humanas e da
sobrevivência do planeta!
De que adianta transmitir conhecimentos que não estejam associados à
ética. Como serão utilizados esses conhecimentos? Será que a resposta a
essa pergunta não interessa a nós educadores?
Ainda no campo da subjetividade, gostaríamos de abordar outro aspecto
que é a contribuição da escola para que os jovens descubram os seus
talentos, continuem os estudos estimulados e cheguem naturalmente ao
mundo do trabalho, sem tantos percalços. O reconhecimento e o estímulo aos
talentos individuais são necessários, pois elevam a autoestima e a
autoconfiança tão necessárias para a plena realização na vida.
Os índices de abandono dos cursos universitários são muito altos.
Segundo o Grupo Orientando (2007)
“... apenas 42% dos estudantes brasileiros de ensino
superior conseguem completar a faculdade e de 3,5
milhões de trabalhadores formados em 21 áreas
diferentes, os pesquisadores descobriram que a maioria
deles, mais precisamente 53%, está hoje numa profissão
distinta daquela para a qual se preparou.”
É impossível não se perguntar, qual parte desse problema cabe à escola
resolver?
18
Mas Howard Gardner (apud Goleman, 1995), autor da Teoria das
Inteligências Múltiplas nos aponta possíveis caminhos:
“Chegou à hora de ampliar nossa noção sobre o espectro
de talentos. A maior contribuição que a educação pode
dar ao desenvolvimento de uma criança é ajudá-la a
escolher uma profissão onde possa melhor utilizar os
seus talentos, onde ela será feliz e competente.
Perdemos isso inteiramente de vista. Em vez disso,
sujeitamos todos a uma educação em que, se você for
bem-sucedido, estará mais bem capacitado para ser
professor universitário. E avaliamos todos, ao longo do
percurso, conforme satisfaçam ou não esse estreito
padrão de sucesso. Devíamos gastar menos tempo
avaliando as crianças e mais tempo ajudando-as a
identificar suas aptidões e dons naturais e a cultivá-los.”
(p.50)
Gardner conclui dizendo há centenas e centenas de maneiras de ser
bem-sucedido e muitas, muitas aptidões diferentes que as ajudarão a chegar
lá.
O problema desse modelo pedagógico, que tem por principal objetivo a
avaliação, é que ele desqualifica o aluno, pois parte do pressuposto de que ele
é incapaz até que prove o contrário, atingindo uma meta estabelecida pelo
professor, mas que não necessariamente faz sentido para os alunos. Portanto,
esse conhecimento não terá a função de elevar a autoestima e a
autoconfiança e dar aquela sensação tão boa de aprender algo importante.
Segundo Celso Antunes (2001a), a função da escola não é transmitir
conteúdos, mas sim estimular habilidades e talentos. Não se consegue fazer
nada com um monte de conhecimentos que não estejam conectados com suas
habilidades e competências, as quais foram ignoradas durante toda a sua
escolaridade, caso não fossem das áreas verbal e matemática.
19
Antunes (2008) diz ainda que
“... dispomos de uma escola adaptada para trabalhar
apenas duas inteligências - Linguística ou Verbal e
Lógico-Matemática – negligenciando o fantástico espectro
de muitas outras. Guardando-se as devidas proporções,
educamos seres humanos para agirem como
chimpanzés.” (p.19)
Nossa idéia é que a escola não estimula os talentos individuais porque
dessa forma não cumpriria sua função principal que é fazer um ranking de
alunos, classificando-os em bons, médios e fracos.
Na verdade estamos sim socializando nossos jovens, mas para inseri-
los no que há de pior na nossa sociedade, na competitividade desenfreada, no
salve-se quem puder. Por isso, não é de se estranhar que os alunos briguem e
compitam tanto no ambiente escolar.
No entanto, até essa função classificatória, não assumida, a escola não
consegue cumprir, pois segundo Goleman (1995, p.48) em uma pesquisa feita
em 1981 com oitenta e um alunos “primeiros de turma”, dez anos após
concluírem o ginásio, só um em cada quatro estava em um nível mais alto
entre os jovens da sua idade na mesma profissão, e muitos estavam em
posição inferior.
Finalizamos essa reflexão com as belas e sábias palavras de Cipriano
Carlos Luckesi (2005)
“Entendo que a avaliação é um ato inclusivo, na medida
em que ele está a serviço da obtenção de resultados
satisfatórios (e, portanto, de vida viva) e isso, implica em
inclusão, não em exclusão, como tem sido usualmente,
nossas práticas de examinar, na vida escolar e em outras
variadas experiências humanas.”
20
O autor nos faz então, um convite (ibidem)
“Acredito que nós todos estamos sendo convidados pela
história a entrar num caminho de inclusão, o que significa
a possibilidade de não excluir nada, mas incluir tudo, de
forma amorosa, consciente e crítica, de tal forma que,
juntos, possamos construir uma experiência mais sadia
para nós mesmos e nossos contemporâneos, assim como
para nossos pósteros. Entendo que esse é o convite, ao
qual não podemos negar nossa aquiescência, a menos
que desejemos excluir-nos da trajetória de vida que vem
emergindo no planeta, neste momento da história.”
Para encerrar esse primeiro capítulo citaremos Celso Antunes (2008), um
educador apaixonado, lutador incansável pelas mudanças das velhas
estruturas escolares que tanto prejudicam a juventude, o presente e o futuro do
país
“Uma visão da natureza humana que ignora o poder das
emoções é lamentavelmente míope. O próprio nome
homo sapiens, a espécie pensante, é enganoso à luz da
nova apreciação e opinião do lugar das emoções em
nossas vidas, que nos oferece hoje a ciência. (...) Fomos
longe demais na enfatização do valor e importância do
puramente racional – do que mede o Q.I.– na vida
humana.”(p.23)
21
Capítulo II
A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E A ORIENTAÇÃO
EDUCACIONAL
“Na arte de viver, o homem é ao mesmo tempo o artista e o objeto da arte, é o escultor e o mármore, o médico e o paciente.[...] Ser capaz de prestar atenção a si mesmo é pré-requisito para ter a capacidade de prestar atenção aos outros; sentir-se bem consigo mesmo é condição necessária para relacionar-se com os outros.”
Erich Fromm
Nesse capítulo, gostaríamos de trazer para discussão uma contribuição
teórica para a formação subjetiva dos jovens. Falaremos sobre a Inteligência
Emocional que em nossa opinião, é um aporte teórico que muito pode ajudar o
trabalho do orientador educacional, nesse aspecto. A palavra oriente vem do
latim oriens, "o sol nascente", de orior, orire, "surgir, tornar-se visível". Vemos
o orientador como aquele que deve lançar uma luz na escola sobre o
tratamento das questões subjetivas, das emoções. Não se trata de
sentimentalismos ou de dar um tom confessional ao ofício do orientador, mas
sim de um aprendizado de controle das emoções e de um desenvolvimento
moral em direção à autonomia.
Também no enfrentamento da indisciplina, da violência e na mediação
dos conflitos interpessoais na escola, o orientador pode ter um valioso auxílio
nessa contribuição da psicologia que vai ajudá-lo na construção de uma escola
que assuma a sua função de formadora de subjetividades e que tire do papel
todas as ‘boas intenções’ de formar cidadãos críticos, solidários e
participativos. Atualmente, as crianças entram na escola na mais tenra idade,
muitas vezes, ainda bebês já passam várias horas por dia na creche, não é
22
razoável pensar que tanta vivência dentro das instituições educativas não
forme os sujeitos.
Ao negar essa função, a escola não deixa de exercê-la, porque isso
não é possível. Ela, simplesmente, forma os sujeitos, mas sem uma reflexão
sobre isso. Uma recente pesquisa (Leme, 2011, p.175) feita com um grupo
significativo de diretores escolares, da cidade de São Paulo, sobre o convívio
escolar, demonstra como isso acontece. Segundo o estudo, os diretores
acreditam que os alunos são os responsáveis pelos conflitos que acontecem
na escola, porque são mal educados por seus pais, que não lhes dão limites.
Para Maria Isabel da Silva Leme (2011),
“(...) ao culpar o aluno ou sua família pelos conflitos que
ocorrem na escola, os diretores isentam, total ou
parcialmente, a instituição de sua parcela de
responsabilidade, e também, se eximem de qualquer
participação nos mesmos. E, consequentemente, de
qualquer forma de intervenção que possa modificar este
estado de coisas.” (p.177)
Ironicamente, a escola é, por excelência, o ambiente ideal para o
desenvolvimento moral dos alunos, pelo fato de lá, eles conviverem entre
pares. Como disse Piaget (1932/1977):
“... são as relações sociais entre coetâneos que
constituem o meio propício ao desenvolvimento da noção
de justiça...”
(p. 254)
O resultado disso é retratado em outra pesquisa realizada por Mizusaki
e Menin (2011) sobre queixas e representações de injustiça em alunos de
23
quinta série do ensino fundamental e primeiro ano de ensino médio de escolas
públicas e particulares brasileiras:
“O espaço escolar mostrou-se, muitas vezes, como uma
verdadeira arena onde o estranhamento e a falta de
diálogo, de cooperação, de empatia apareceram de forma
categórica, (...). A tônica das relações pareceu guiar-se
pelo princípio do “olho por olho e dente por dente”. A
violência foi usada para resolver a violência; fazendo,
assim, com que um círculo vicioso se instalasse e
marcasse aquela dinâmica, naturalizando-a.” (p.51)
Fica claro, assim que, embora a LDB (9394/96), os PCNs, as leis
estaduais e municipais e os projetos políticos pedagógicos advoguem pela
formação ética dos alunos e que esse seja, com certeza, o maior desejo de
todos aqueles que suam a camisa cotidianamente na escola, essa não tem os
instrumentos necessários para realizar essa tarefa.
Quais sejam:
1º) A consciência de que essa é sua atribuição, sim.
2°) O arcabouço teórico fornecido pela psicologia da educação
que esclarece como se dá o desenvolvimento moral e emocional
em crianças e adolescentes.
Começaremos então, discorrendo sobre a teoria da Inteligência
Emocional de Daniel Goleman, psicólogo da Universidade de Harvard, que deu
prosseguimento aos estudos de Howard Gardner, autor da teoria das Múltiplas
Inteligências, pesquisando especificamente duas delas, a intra e a
24
interpessoal. Tais inteligências se referem respectivamente à capacidade de
identificar e lidar com as próprias emoções e as dos outros.
Ao defendermos a utilização dessa teoria pelo orientador educacional,
temos como objetivo principal permitir que os alunos desenvolvam habilidades
pessoais e sociais que os ajudarão a controlar suas angústias e ansiedades, e
compreender seus próprios sentimentos e os dos outros. Além de essas
capacidades os ajudarem pela vida toda em suas relações pessoais, são
também competências cada vez mais exigidas pelo mercado de trabalho.
Como diz o autor da teoria Daniel Goleman (2001)
“Os parâmetros do mercado de trabalho estão mudando.
Estamos sendo avaliados por novos critérios. Já não
importa apenas o quanto somos inteligentes, nem a
nossa formação ou o nosso grau de especialização, mas
também a maneira como lidamos com nós mesmos e com
os outros.” (p.15)
Além desse aspecto, a depressão e o suicídio entre jovens vem
aumentando. Segundo a Fiocruz,
“A depressão que sempre pareceu um mal exclusivo dos
adultos hoje em dia afeta cerca de 2% das crianças e 5%
dos adolescentes do mundo.”
Segundo Goleman (1995), há uma tendência mundial de aumento dos
casos de violência envolvendo jovens, e entre crianças e jovens, há um
aumento de problemas de relacionamento social, ansiedade, problemas de
atenção e raciocínio, delinqüência e agressividade. Para o autor,
25
“... são barômetros de uma mudança de maré, de um
novo tipo de toxicidade vazando e envenenando a
experiência que é própria da infância, significando
abrangentes déficits de aptidões emocionais. Esse mal-
estar emocional parece ser o preço que a modernidade
cobra às crianças” (p.247)
Inserindo pois, a escola nesse contexto temos o estudo da professora
do departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Infantil de Ribeirão
Preto da USP, Patrícia L. dos Santos (2003) que em sua pesquisa sobre as
características e queixas comportamentais e emocionais mais freqüentes da
clientela atendida por um serviço público de Psicologia Infantil, afirma que,
“(...) estudos têm mostrado que grande parte da clientela
que procura os serviços de saúde mental é composta por
crianças e adolescentes, sendo a queixa de maior
incidência o mau desempenho acadêmico, seguido de
comportamento agressivo e desobediência em casa e na
escola.” (p.2)
Por isso, é tão importante que a escola se preocupe e se ocupe com o
preparo emocional dos jovens. Não propomos que a instituição escolar se
transforme em um espaço psicanalítico, que é importantíssimo e tem as suas
singularidades. Propomos que, como as crianças não deixam seu lado
emocional do lado de fora da escola quando entram, diga-se de passagem, às
vezes, muitos adultos também não conseguem, é na emergência de certas
emoções que os adultos podem auxiliá-las a lidar com os sentimentos. Alguns
dirão, lá vêm eles determinando mais uma atribuição para os professores, no
entanto essa, com certeza, ao invés de se tornar um peso a mais, tornará a
tarefa educativa mais leve, na medida em que os alunos aprendam a controlar
suas emoções.
26
John Gottman (1997, p.25) após observar e analisar várias famílias ao
longo do tempo enumera as seguintes mudanças nas crianças que foram
preparadas emocionalmente por seus pais:
1ª) são fisicamente mais saudáveis
2°) têm melhor desempenho acadêmico
3°) se dão melhor com os amigos
4°) têm menos problema de comportamento
5°) são menos propensas à violência
6°) têm menos sentimentos negativos e mais positivos
Além dessa mudança a curto prazo, o aprendizado emocional tem
efeitos para a vida toda. Como diz Goleman (1995),
“O que aparece discretamente no início da vida
desabrocha numa ampla gama de aptidões sociais e
emocionais com o desenrolar dela.” (p. 95)
Para demonstrar isso, Goleman (ibidem, p.95) relata uma experiência
que ele denominou de Teste do Marshmallow, com crianças de quatro anos
que receberam a seguinte proposta de um adulto: se a criança esperasse ele
concluir uma tarefa ganharia dois marshmallows, senão conseguisse esperar
ganharia apenas um.
Essas crianças foram analisadas novamente, no final do ginasial, isto é,
aproximadamente dez anos depois, e as que tinham esperado eram
estudantes mais competentes do que as que optaram por comer um
27
marshmallow só, imediatamente. Eram mais capazes de expressar as suas
idéias, de pensar racionalmente, de se concentrar, de fazer planos e executá-
los até o final, e eram mais interessados em aprender.
Falando então, da teoria propriamente dita, primeiramente vamos expor
o que caracteriza uma pessoa emocionalmente inteligente e depois vamos
explicar de que maneira pode-se educar alguém com esse objetivo.
Goleman ressalta os seguintes aspectos principais que compõem a
Inteligência Emocional:
1°) Autoconfiança - capacidade de persistir nos seus objetivos apesar das
adversidades
Exemplo:
Um grupo de estudantes universitários recebe a nota D quando esperavam um
B. O grupo autoconfiante disse que iria estudar mais e tentar alternativas para
aumentar a nota final. O outro grupo também disse que ia pensar em maneiras
de subir a nota, mas com pouca determinação e esperança desistiu, com a
moral abatida. (ibidem, p.99)
2°) Autocontrole – capacidade de controlar impulsos, adiar a satisfação de
seus desejos , transformar sentimentos negativos em alguma atividade
produtiva.
Exemplo:
No caso já mencionado do Teste do Marshmallow, as crianças que esperaram
para ganhar os dois doces se tornaram adolescentes mais competentes
socialmente, mais preparados para aceitar frustrações, menos suscetíveis a
ficarem paralisados e desarvorados diante de situações de pressão.
Goleman explica que,
28
“O adiamento da satisfação é uma das aptidões
psicológicas mais fundamentais, pois ela requer a
contenção do impulso que é a base de todo autocontrole
emocional já que as emoções levam sempre a um ou
outro impulso para agir.” (ibidem, p.95)
3°) Autoconhecimento – capacidade de identificar as próprias emoções.
Exemplo:
Quando uma criança bate em outra porque essa pegou o seu brinquedo e
dizemos, “Pare com isso!”, conseguimos que ela pare de bater no colega, mas
ela não se livra da raiva. Por outro lado, se dizemos “Você está com raiva
porque pegaram seu brinquedo”, a autoconsciência de pensar “O que estou
sentindo é raiva” abre a opção de se livrar dela e de não agir sob a sua
influencia.
4°) Empatia – capacidade de se colocar no lugar do outro e entender os seus
sentimentos.
Exemplo:
Gottman(1997) conta que voltava de avião com sua filha de dois anos, quando
ela já cansada, pediu seu bicho de pelúcia, o Zebra, e ele lhe explicou que ele
estava no bagageiro do avião e que não era possível pegá-lo, naquele
momento. A filha continuou insistindo que queria o bichinho e ele propôs ler
histórias, mas a filha cada vez ficava mais inquieta e falava mais alta. Àquela
altura, todos no avião olhavam para ele exigindo que fizesse alguma coisa.
Então, ele se deu conta de que poderia ajudá-la e disse:
“- Você queria o Zebra agora, e você está brava porque a
gente não pode ir buscá-lo para você.
29
- Queria.
- Você está cansada, e sentir o cheirinho do Zebra e ficar
abraçada com ele seria ótimo.”(p.73)
E a conversa sobre como ela se sentia mal foi acalmando-a até dormir.
O fato de ver que o pai a entendia a fez sentir-se melhor. Dessa forma,
empatia é compreender como o outro se sente e fazê-lo perceber isso.
Para expor como se dá a educação emocional, utilizaremos o livro de
John Gottman “Inteligência Emocional e a arte de educar nossos filhos” que foi
escrito com a finalidade de ensinar os pais a aplicar os conceitos da
Inteligência Emocional na sua relação com os filhos.
O autor relacionou cinco passos da preparação emocional:
1° passo) Percebendo as emoções da criança.
2° passo) Reconhecendo a emoção como oportunidade de intimidade e
aprendizado
3° passo) Ouvindo com empatia e legitimando os sentimentos da
criança
4° passo) Nomeando e verbalizando as emoções
5° passo) Impondo limites e ajudando a criança a encontrar soluções.
O primeiro passo (Percebendo as emoções da criança) é estar
atento aos sentimentos que surgem, pois muitas vezes eles podem não ser
muito claros, mas com persistência e interesse eles acabam se revelando.
30
Gottman (1997, p.96) explica que as crianças nem sempre expressam
os sentimentos de forma direta, mas se estivermos com a sensibilidade
aguçada, podemos decifrá-los. E conta um episódio acontecido com um pai
cuja filha estava muita mal-humorada e briguenta com o irmão mais novo.
Perguntada por que estava tão aborrecida com o irmão, ela só chorou. À noite
quando foi ao quarto da filha ajudá-la a se deitar, ela continuava emburrada.
Ao abrir a gaveta, o pai viu que só havia um pijama pequeno, daqueles que
tem pé e perguntou à menina:
“- Será que esse dá em você?
Os dois pegaram uma tesoura para cortar os pés do
pijama e o pai disse a filha:
-Incrível como você está crescendo, vai ficar uma moça
bem alta.” (p.96)
Passaram-se cinco minutos e a família toda estava na cozinha para
comer algo antes de dormir, e a filha estava bem falante e animada.
O pai, mesmo sem saber ao certo o que estava incomodando a filha,
conseguiu ajudá-la a lidar com aqueles sentimentos ruins.
Gottman propõe, também, algumas técnicas para aguçar a
sensibilidade como meditação, manutenção de um diário de emoções e
expressões artísticas.
O segundo passo (Reconhecendo a emoção como oportunidade
de intimidade e aprendizado) trata da forma de encarar os sentimentos
negativos.
Segundo Gottman, muitos pais se assustam ou se sentem
culpados diante das manifestações de raiva, medo ou tristeza de seus
31
filhos e os ignoram esperando que passem. Para ele isso é um
equívoco, pois,
“O que acontece é que os sentimentos negativos se
dissipam quando a criança pode falar sobre suas
emoções, nomeá-las e sentir-se compreendida.”
(ibidem, p. 98)
Assim, os momentos difíceis pelos quais as crianças passam podem ser
uma boa oportunidade de ganhar intimidade e ensiná-las a lidar com os
sentimentos, por isso esse é o momento da aproximação.
Transpondo isso para a escola, não vemos nada melhor para um
orientador educacional do que ganhar a confiança dos alunos para poder
orientá-los melhor.
É por isso, que vemos nesse aporte teórico uma grande oportunidade
do trabalho do orientador realmente fazer diferença para o aluno. A sala da OE
se tornaria um lugar onde acontece realmente um trabalho e não
simplesmente, como ocorre muitas vezes, de ser um lugar de passagem, onde
o aluno passa para ser encaminhado para outras instâncias, seja a família,
outros colégios, consultórios, conselhos tutelares, etc.
Ao sentir-se compreendido, o aluno respeitará muito mais a fala do
orientador do que no habitual sermão doutrinário sobre qual é o modo correto
de se agir. Isso não quer dizer, que o limite não será dado, que não se falará
sobre qual é o comportamento desejável, mas que se considerará os motivos
pelos quais ele não está acontecendo. Porque quando falamos só sobre o ato
desviante sem falarmos das causas, o que fica subentendido é que o aluno
cometeu o erro não movido por algum sentimento, mas porque tem um caráter
ruim e isso deixa marcas no aluno.
32
A personalidade se forma na relação com o outro, se esse outro está
sempre vendo o aluno de forma negativa, não tem como ele ser positivo. Por
isso é tão importante a aproximação que o segundo passo propõe, no sentido
da busca de um entendimento do que realmente está ocorrendo com a criança
intimamente e não já ter um julgamento preconcebido. A final, o mau
comportamento é a conseqüência de um estado emocional não resolvido e
para solucioná-lo precisamos ir às causas.
O terceiro passo (Ouvindo com empatia e legitimando os sentimentos da
criança) é crucial, pois é quando o adulto irá ouvir a criança e dizer a ela que
compreende como ela se sente. Essa escuta é feita também com os olhos
para captar a linguagem corporal, já que grande parte das emoções é expressa
de forma não verbal. É importante estar concentrado, pois como diz Gottman
(ibidem),
“Sua atenção mostrará a seu filho que você o leva a sério
e está disposto a perder algum tempo com os problemas
dele” (p.99)
E depois de ouvir, é o momento de legitimar os sentimentos da criança,
sejam eles quais forem. Como diz Haim Ginott (apud, Gottman, 1997)
“Todos os sentimentos e todos os desejos são aceitáveis,
mas nem todos os comportamentos o são.” (p.106)
A legitimação é quando o adulto diz à criança que entende como ela se
sente e que ela tem motivos para se sentir mal. A sua importância reside no
fato de que sem ela a criança passa a não confiar no que sente. Por exemplo,
se os pais dizem “não se sinta assim”, isso não faz sumirem as emoções, só
faz ela não confiar nos próprios sentimentos e abaixa sua auto-estima.
33
“Dizer a uma criança como ela deve sentir- se só a
faz desconfiar do que ela sente, o que a deixa insegura e
a faz perder a auto-estima.” (ibidem, p. 106)
No exemplo dado por Gottman (ibidem), um menino de quatro anos está
furioso porque a avó mandou um presente de aniversário para o irmão e não
mandou para ele. O pai explica que no aniversário dele ela mandará um para
ele, também. E o menino fica mais zangado ainda, porque agora além dos
ciúmes do irmão, ele se sente incompreendido pelo pai. No entanto, se o pai
dissesse que entende que ele queira um presente da avó também, o menino
se sentiria mais tranqüilo para ouvir que no seu aniversário ele também vai
ganhar um.
Nas palavras do autor (ibidem)
“Se pudermos transmitir este tipo de compreensão
emocional aos nossos filhos, damos crédito às
experiências deles e os ajudamos a aprender a se
acalmar.” (p. 77)
Na verdade, são atitudes muito simples que fazem toda a diferença ao
se lidar com sentimentos difíceis que, ao não serem expressos e acolhidos,
vão ganhando graus de complexidade e de sofrimento extremamente
elevados.
O quarto passo (Nomeando e verbalizando as emoções) é ajudar
“a criança a encontrar as palavras para identificar a emoção que ela está
sentindo.”,(ibidem,p.24). Pode parecer sem sentido para nós que somos
adultos e conhecemos os vários tipos de sentimentos que temos, no entanto
para quem é jovem e tem pouca experiência, as emoções são assustadoras,
34
pois todos nós sabemos que podem ser muito intensas e as crianças não
sabem o que é e nem de onde vem.
Gottman diz que
“Fornecer as palavras dessa maneira pode ajudar a
criança a transformar um sentimento amorfo, assustador
e incômodo em algo definível, enquadrado e que faz parte
da vida. Raiva, tristeza e medo tornam-se experiências
que todo mundo tem e com as quais todo mundo é capaz
de lidar.” (ibidem, p.104)
No quinto passo da educação emocional (Impondo limites e ajudando a
criança a encontrar soluções), Gottman sugere que após ter escutado a
criança, legitimado seus sentimentos, dado nome a eles, é o momento de
impor limites, se for o caso, e ajudar a encontrar soluções para os problemas.
O autor dá então, uma série de exemplos muito ilustrativos de como se impõe
limites, segundo essa concepção
.
“- Você ficou danado porque o Danny lhe tomou aquele
jogo (...). Eu também ficaria. Mas não é certo você bater
nele. O que você pode fazer em vez de bater? Ou
- Tudo bem que você fique com ciúmes porque sua irmã
pulou para o banco da frente antes de você, mas não
pode ficar chamando-a de nomes feios. Dá para pensar
numa maneira diferente de lidar com seus sentimentos?”
(ibidem, p.106)
Quanto aos limites, Ginott (apud, Gottman,1997) propõe a criação de
três “zonas” de comportamento – a verde, a amarela e a vermelha. A zona
verde representa tudo que é permitido, é o comportamento que queremos que
eles tenham.
35
A zona amarela representa comportamentos inconvenientes, mas
toleráveis, ou por motivos de idade ou por se tratar de momentos difíceis. Por
exemplo, a criança de quatro anos que não fica quieta a missa toda, manhas
quando a criança está doente, mal criações do filho adolescente quando os
pais estão se separando.
E a zona vermelha representa o comportamento que não será admitido
em hipótese alguma porque põe em risco o bem-estar do filho ou dos outros,
comportamentos ilegais, imorais, antiéticos e socialmente inaceitáveis.
Quanto ao último ponto, a ajuda na busca de soluções Gottman alerta
que ao conduzir esse processo é importante não se antecipar e dar soluções
prontas. Ele sugere que se pergunte à criança quais soluções ela poderia dar,
pois não podemos esquecer que o nosso objetivo é que ela aprenda a lidar
com seus sentimentos negativos e saiba encontrar soluções para eles.
Gostaríamos de concluir esse segundo capítulo com duas observações.
A primeira é sobre esse passo a passo que John Gottman propõe que é
um pouco esquemático demais para a dinâmica das relações interpessoais, no
entanto nós o reproduzimos porque para efeito de compreensão da teoria, ele
permite o aprofundamento de cada aspecto separadamente.
A segunda é que esperamos que, o fato do livro utilizado para expor o
método do preparo emocional ser voltado para os pais, não reforce a visão, tão
combatida no primeiro capítulo, de que a família é a única responsável pela
educação emocional dos alunos.
Daniel Goleman dedica o último capítulo de seu livro, chamado
”Ensinando as Emoções” para comentar sobre as escolas que utilizam os
conceitos dessa teoria. Assim que, mais do que nunca é necessário que a
36
orientação educacional olhe para o aluno integralmente, de forma que, ela
realmente oriente as famílias e os profissionais da educação, em geral, a lidar
com a subjetividade dos alunos. Nas palavras do próprio autor da teoria
“Muitas pessoas com160 de QI trabalham para outras
com 100 de QI, caso as primeiras tenham baixa
inteligência intrapessoal e as última, alta. E, no dia-a-dia,
nenhuma inteligência é mais importante do que a
intrapessoal. Se não a temos, faremos escolhas errôneas
sobre quem desposar, que emprego arranjar, e assim por
diante. Precisamos treinar as crianças em inteligências
intrapessoais na escola.” (p.54)
Em nossa opinião, muitas providências comuns na OE como,
suspensões, chamamentos de responsáveis, transferências para outras
escolas, etc., seriam desnecessárias se o tema das conversas na sala do SOE
fosse como lidar com as emoções e não o mau comportamento em si, que
nada mais é, do que uma conseqüência do fato do aluno não saber como agir
frente aos seus sentimentos negativos.
Como diz Miriam Grinspun (2003)
“Seu compromisso é com a formação permanente no que
diz respeito a valores, atitudes, emoções e sentimentos,
sempre discutindo, analisando e criticando.”
Como diz Goleman (2011)
“Muitos indícios atestam que as pessoas emocionalmente
competentes – que conhecem e lidam bem com os
próprios sentimentos e com o de outras pessoas – levam
37
vantagem em qualquer campo da vida, assimilando as
regras tácitas que governam o sucesso na política
organizacional. As pessoas com prática emocional bem
desenvolvida têm mais probabilidade de sentirem-se
satisfeitas e serem eficientes, dominando os hábitos
mentais que fomentam sua produtividade. As que não
conseguem exercer controle sobre a vida emocional
travam batalhas internas que sabotam sua capacidade de
se concentrar no trabalho e pensar com clareza.”
Fazer da orientação educacional um local de apoio para as famílias, que
muitas vezes estão desorientadas, ajudando-as na sua lida educativa, que
sabemos, é difícil! Muitas vezes, as famílias confundem educar com brigar, e
isso cria afastamento, solidão depressão. A educação emocional ensina como
educar com respeito, com carinho. Fazer da escola um local de difusão da
educação emocional para prevenir as doenças da alma.
Mudar a prática da OE para uma orientação de fato, a professores, pais
e todo o corpo escolar,de como ajudar nossos alunos a enfrentar as
turbulências da vida, esse foi o nosso objetivo ao apresentar a teoria da
Inteligência Emocional.
38
Capítulo III
A EDUCAÇÃO MORAL E O ORIENTADOR
EDUCACIONAL
“Atualmente, a matéria mais difícil da escola não é a
matemática ou a biologia: a convivência, para muitos alunos
e de todas as séries, talvez seja a matéria mais difícil de ser
aprendida.”
Cleo Fante
Falar de Educação Moral nos mantém na mesma linha de pensamento
da Inteligência Emocional, pois continuamos falando do olhar da escola,
especialmente, da orientação educacional para as subjetividades.
Essa teoria, tendo como objeto o desenvolvimento moral infantil, analisa
os aspectos cognitivos, afetivos e da interação interpessoal que ensejam cada
etapa dessa evolução.
No Brasil, um grupo de pesquisadores do estado de São Paulo, vem
ampliando significativamente a produção teórica sobre a Educação Moral, nos
últimos anos. As escolas, seus ambientes sociomorais, alunos, professores,
diretores, e etc., tem tido suas práticas e concepções pesquisadas e
analisadas com lentes de aumento, com o objetivo de produzir sínteses que
expliquem a realidade e orientem a formulação de propostas de atuação. A
singularidade desse grupo está no fato de que, raramente, encontramos
pesquisa teórica que não se distancie da realidade, em vôos teóricos que nada
agregam na busca de caminhos para a melhoria, tão desejada, das práticas
escolares.
39
O que justifica a proposição de que a orientação educacional se
aproprie destes conceitos teóricos, é o cenário de desencontros e
desentendimentos que a escola apresenta. São notícias cada vez mais
freqüentes, de situações de conflito na escola, que resultam em violência, de
bullying, de indisciplina, etc. Enfim, parece que educadores e alunos não estão
se entendendo.
E a proposta da Educação Moral é justamente o estudo e a prática do
controle dessas emoções que, indubitavelmente, não são olhadas pela escola
e pela orientação educacional, em particular, como algo que lhe diga respeito.
Ou porque acreditam que é função da família ou porque vêm e não sabendo
como lidar, acreditam que é preciso encaminhar a um especialista.
No caso dos alunos, na maioria das vezes eles são repassados para
outras instâncias (Leme, 2006 apud Tognetta, 2010 p.17) como a família, o
psicólogo, o neurologista, o conselho tutelar e outras escolas. Não quer dizer
que, a família, o psicólogo e o conselho tutelar não tenham suas contribuições
a dar para a busca de soluções para esses problemas. A questão é que no
espaço escolar existem procedimentos que, em alguns casos, torna
desnecessário recorrer a essas instâncias e em todos os casos, permite a
expressão e a autorregulação das emoções que estão por trás dos
comportamentos violentos e indisciplinados.
Mesmo que essas outras instâncias façam ótimos trabalhos, ainda
assim é imprescindível que a escola propicie um ambiente moralmente
desenvolvido onde os alunos tenham relações respeitosas, solidárias e justas.
Assim, acreditamos que a orientação educacional tem um papel crucial nesse
desafio, ao ocupar uma função de articulação e integração de todos os setores
da comunidade escolar. Dessa forma, ela pode ser um pólo difusor desses
conhecimentos, tão imprescindíveis para o bem estar de todos.
40
3.1 – O Desenvolvimento Moral Infantil
A Educação Moral parte das idéias de Piaget expostas no livro
“O Julgamento Moral na Criança” escrito em 1932. A partir da observação,
da interação e da aplicação de questionários em crianças, o pesquisador
estabeleceu três etapas do desenvolvimento moral na criança.
1ª etapa) Anomia (ausência de regras) – do nascimento aos seis anos.
2ª etapa) Heteronomia (as regras vem do outro) – dos sete aos dez
anos
3ª etapa) Autonomia (as regras estão internalizadas) – dos dez anos em
diante
A anomia ocorre no início da vida, quando a criança não se
diferencia do mundo, está centrada em si mesma e não sabe que existem
regras. É a fase do egocentrismo.
Através da interação com os adultos e da pressão que eles exercem, a
criança começa a perceber que existem regras que tem que ser obedecidas.
Para ela, essas regras são sagradas e imutáveis e só quem sabe o que é certo
ou errado é o adulto. É a fase da heteronomia também chamada de realismo
moral. Assim, nessa etapa, a criança obedece porque teme ser punida pelo
adulto, física e psicologicamente, nesse último caso, teme perder o seu amor.
Esse temor da criança frente ao adulto é chamado de respeito unilateral, que
vai da criança para a autoridade e não é recíproco. Portanto, a obediência não
vem de uma consciência sobre a importância das regras.
Araújo(1996) explica que,
“Durante o desenvolvimento humano, o
egocentrismo infantil gradualmente cede lugar a um
41
processo mais amplo de socialização, colocando a
criança em contato com um mundo cada vez mais
complexo e rico na convivência com sujeitos da mesma
idade.” (p. 107)
A passagem para a autonomia se dá através da vivência entre iguais.
Com a cooperação entre pares, a criança percebe a necessidade das regras.
Içami Tiba (2006, p.19) dá um bom exemplo dessa percepção ao contar que
dois meninos, um alto e magro e outro baixo e gordo iam brincar. O magro
escolheu primeiro a brincadeira “É pega-pega e você é o pegador” e saiu
correndo. O gordo tentou alcançá-lo, mas depois de um tempo gritou
“Aí não vale” e o magro mesmo sabendo que aquilo não era combinado, parou,
para a brincadeira não acabar. O autor conclui dizendo,
“(...) as crianças sabem, intuitivamente, que a
brincadeira é um tipo de relacionamento em que um
depende do outro. Para continuar a brincar é necessário
que aceitem, nessa experiência social que elas mesmas
criaram, uma série de regras” (ibidem, p.20)
Segundo Araújo,
“Esse novo momento, que é também de grandes
transformações no campo cognitivo, abre espaço para
que ocorra o processo de cooperação, quando a criança
irá se confrontar com o ponto de vista de outros sujeitos
com os quais não mantém relações que ensejam o
respeito unilateral.” (p.108)
42
É o surgimento do respeito mútuo baseado em relações de
reciprocidade que leva à autonomia moral. Nessa fase, a regra nasce do
consenso e pode ser mudada se todos concordarem. Aqui se superou a
obediência baseada no medo, o que prevalece é o respeito à regra.
Piaget estabelece então, as fontes de cada tipo de moral:
a) Na heteronomia as fontes são a coação e o respeito unilateral.
b) Na autonomia as fontes são a cooperação, a reciprocidade e o respeito mútuo.
Dessa forma, temos o seguinte esquema de desenvolvimento da
moralidade infantil, na passagem da heteronomia para a autonomia. Através
da cooperação entre iguais, ocorrem as seguintes transformações:
- o respeito unilateral transforma-se em respeito mútuo
- a obediência transforma-se em reciprocidade
- a imposição transforma-se em cooperação
- a autoridade transforma-se em legalidade
A partir de suas observações, Piaget analisou outros aspectos do
pensamento moral infantil como, as noções de justiça, as regras e as sanções.
Classificou as noções de justiça das crianças em três tipos:
1°) Imanente – as crianças pequenas acreditam que uma transgressão
implica em um castigo necessariamente. Por exemplo, se alguém descumpre
uma regra e cai, a queda foi causada pela violação da regra.
2°) Retributiva - as crianças heterônomas entendem a justiça como
uma resposta da autoridade em retribuição a um ato errado. Assim, a punição
deve ser proporcional a falta cometida.
43
3°) Distributiva - os adolescentes têm essa noção de justiça que é
baseada no princípio da equidade. Eles não aceitam se submeter a regras com
as quais não concordem, por isso discutem princípios e reelaboram regras.
Quanto às concepções de Piaget sobre as regras, vamos utilizar as
palavras de Parrat-Dayan que sintetizam as idéias do pesquisador suíço,
“Para Piaget, existem dois tipos de regra: a regra
devida ao respeito unilateral e aquela devida ao respeito
mútuo. Esses dois tipos de regra chegam a resultados
opostos. A regra da coação, vinculada ao respeito
unilateral, é considerada como sagrada. É exterior à
consciência da criança e não chega a ser obedecida de
maneira efetiva. A regra devida ao acordo mútuo e à
cooperação nasce no interior da consciência da criança e
é praticada positivamente na medida em que se relaciona
com a vontade autônoma da criança.” (grifo nosso, p. 34)
E finalmente, quanto às sanções, Piaget as classifica em dois
tipos:
a) sanção expiatória – é aquela em que o castigo não tem relação direta com a
falta cometida, mas sim com a gravidade do erro. Por exemplo, um aluno que
pichou a escola é expulso dela. Assim, o objetivo é causar um sofrimento
proporcional ao delito cometido. Essas sanções têm correspondência com
relações de coação e de respeito unilateral, e não levam a uma reflexão por
parte dos envolvidos. Por isso, elas,
“(...) impedem ou atrasam a ocorrência do
desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral. Por estarem
intimamente ligadas às regras impostas e arbitrárias, não
obrigam os sujeitos a se descentrarem e,
44
consequentemente, a se desenvolverem cognitiva e
moralmente. (Pedro-Silva, 2006, p.74)
b) sanção por reciprocidade - ela tem uma relação direta com a infração
cometida e tem como princípio a reparação do dano causado. Por exemplo,
no caso citado anteriormente, o aluno que pichou a escola limpa a sujeira que
fez. Esse tipo de sanção ocorre quando há relações igualitárias, de respeito
mútuo. Por isso, elas permitem o desenvolvimento moral, na medida em que
aquele que cometeu a falta tem a oportunidade de refletir sobre as
conseqüências de seus atos.
Segundo Parrat-Dayan (2009),
“O essencial na sanção por reciprocidade é que a criança
entenda que se quebrou o laço de reciprocidade que a
une aos outros.” (p. 44)
Para finalizar esse breve resumo das principais idéias de Piaget sobre a
moral infantil, não podemos deixar de falar dos aspectos cognitivo e afetivo
que são imprescindíveis para o desenvolvimento moral.
A moral autônoma depende de algumas habilidades cognitivas como:
interiorização das regras, capacidade de refletir sobre elas e seus princípios
subjacentes, capacidade de coordenar diferentes pontos de vista subjetivos em
uma mesma situação e pensamento recíproco. Dessa forma a inteligência é
condição sine que non para a moral, mas não é suficiente por si só, para forjá-
la.
Telma Vinha (2010/2011) diz que
“Inicialmente é preciso esclarecer que para que haja uma
ação moral é necessário primeiro que se conheça
a norma, o princípio, e também estar convencido de sua
validade nas relações. Todavia, apenas isso
45
não é suficiente. (...) muitas vezes sabemos o
que deveríamos fazer, porém, nem
sempre agimos como deveríamos.” (p.22)
A outra condição é a afetividade. A autora conclui dizendo que
Para que uma regra, conhecimento ou princípio se
transforme em ação é preciso mais que o conhecimento,
é preciso de uma “energia” que desencadeie a ação. Que
energia seria essa? É o valor. Ou seja, valor é aquilo que
é importante pra mim; é quando um conhecimento, ideia,
princípio ou norma é revestido de afetividade, de uma
energia que faz com que tenham significado, levando-me
a agir. (ibidem)
Assim, valor moral são idéias de justiça, solidariedade e respeito
investidas de afeto.
Mas essas premissas da autonomia ainda necessitam de que o
indivíduo vivencie situações onde preponderem relações de respeito mútuo, de
reciprocidade e de cooperação, para que ele possa, na convivência entre
pares, fazer escolhas, expressar sentimentos, refletir sobre os princípios
morais e perceber as consequências de seus atos. São os chamados
ambientes sociomorais cooperativos. Isto significa dizer que, ambientes
coercitivos e não democráticos reforçam a heteronomia.
Podemos ver, então, que todos esses conceitos colocam muitas
questões para a escola. Como por exemplo:
- Estamos conseguindo ajudar nossos alunos a se desenvolverem
moralmente?
46
- Estamos favorecendo o respeito mútuo, a cooperação e a
solidariedade, enfim criando um ambiente sociomoral cooperativo,
imprescindível para o desenvolvimento moral? Ou estamos reforçando o
respeito unilateral fortalecendo a autoridade?
- Quando nosso aluno utiliza sua noção de justiça distributiva e
questiona as regras, estamos, verdadeiramente, abertos ao debate?
- Que tipo de regra estabelecemos, a coercitiva ou a por acordo mútuo?
- Que tipo de sanção utilizamos a expiatória ou a por reciprocidade?
- Propiciamos aos alunos as situações que permitem a coordenação de
diferentes pontos de vista e o pensamento recíproco?
- Como podemos transformar os princípios morais em valores para os
alunos?
3.2 – Lidando com a Indisciplina
Vamos refletir sobre a escola à luz dos conceitos apresentados, através
de um olhar para a questão disciplinar. Para isso vamos utilizar dois recortes:
as regras e a resolução de conflitos.
A indisciplina na escola pública está cada vez mais alarmante. A
imprensa está cotidianamente alardeando os casos de agressão entre alunos,
entre alunos e professores, dos alunos contra as instalações físicas da escola,
de pais contra professores e colegas dos filhos e etc. Ou seja, de educativa a
instituição não está tendo nada. . No entanto, precisamos refletir um pouco
sobre as causas disso, e a partir daí encontrar soluções.
47
Antes de abordar o tema pelo aspecto subjetivo, vamos salientar o
aspecto social da questão disciplinar que achamos importante considerar
juntamente com a moralidade.
Vários autores ressaltam o embate ideológico que ocorreu, a partir dos
anos 70, quando as classes populares entraram maciçamente na escola
pública. Nesse confronto, essa democratização da educação passou a ser
confundida com a deterioração da escola pública. (Aquino, 1996, p. 44)
Assim, algumas causas da indisciplina podem estar relacionadas com a
entrada das camadas populares em uma escola elitista e conservadora
destinada prioritariamente às classes privilegiadas.
Segundo Julio Groppa Aquino
“O que os dias atuais atestam, no entanto, é que as
estratégias de exclusão, além de continuarem existindo,
sofisticaram-se. Se antes a dificuldade residia no acesso
propriamente, hoje o fracasso contínuo encarrega-se de
expurgar aqueles que se aventuram neste trajeto, de
certa forma, ainda elitizado e militarizado.” (ibidem)
Para Olívia Porto (2009) as inovações exigem uma mudança de
mentalidade dos profissionais de ensino. A autora lembra que
“(...) nós educadores, devemos fazer todo o esforço para
que nosso aluno conclua o nível médio de ensino,
capacitando-o para o exercício da cidadania e o
prosseguimento dos estudos. A persistência de altas
taxas de reprovação em séries iniciais - que se mantêm
inalteradas há décadas – é, sem sombra de dúvida, o
principal obstáculo para se atingir este objetivo.” (p.40)
48
José Carlos Libâneo (apud Aquino, 1996) explica como funciona esse
mecanismo de exclusão.
“Os padrões de comportamento a serem ensinados ou
modificados correspondem à perspectiva da classe
dominante, que os torna universais e, portanto,
compulsórios” (apud, p. 44)
Aquino (ibidem) conclui que
“Ela (a indisciplina) pode estar indicando o impacto do
ingresso de um novo sujeito histórico, com outras
demandas e valores, numa ordem arcaica e
despreparada para absorvê-lo plenamente. Nesse
sentido, a gênese da indisciplina não residiria na figura do
aluno, mas na rejeição operada por esta escola incapaz
de administrar as novas formas de existência social
concreta, personificadas nas transformações do perfil de
sua clientela” (p.45)
Cláudia Werneck (apud Dominguez, 2011), superintendente geral da
Escola de Gente, diz que
“Nosso sistema é violento e discriminador e a
agressividade entre estudantes é a representação
máxima de uma proposta pedagógica excludente.”
(p. 17)
Passos (in Aquino, 1996) denuncia que
49
“(...) a cultura popular tem sido menosprezada e
considerada ilegítima enquanto forma de produção
cultural. (...) A possibilidade de perceber e deixar entrar
na escola uma outra realidade (aquela que os alunos
trazem) poderá permitir que habitemos territórios mais
amplos, onde os modos de ensinar e aprender sejam
determinados pelas relações que acontecem na sala de
aula.” (p. 120)
Esse choque de culturas, no interior do espaço escolar, é relevante na
medida em que o não reconhecimento do universo dos alunos os coloca num
lugar de não pertencimento à escola, o que estimula a indisciplina e a
violência.
Concordamos com Miguel Arroyo (apud Dominguez, 2011) quando diz,
“(...) a relação pedagógica deve ser um diálogo de
saberes, vivências, valores, culturas, formas de pensar e
de ler o mundo. (...) Essa concepção de prática
pedagógica instaura relacionamentos mais delicados.”
(p. 17)
3.2.1 – As Regras
A indisciplina na escola só pode ser pensada em relação a uma
concepção de disciplina, ou seja, a um conjunto de regras e de padrões de
comportamento que devem ser cumpridos. A indisciplina por sua vez seria a
não obediência a essas regras.
Como diz Piaget (1932/1977),
50
“toda moral consiste num sistema de regras, e a essência
de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o
indivíduo adquire por essas regras.” (p.11)
Dessa forma, não é possível discutir a indisciplina sem entrar no mérito
das regras, e essas devem ser analisadas, segundo dois critérios:
1° critério) Quais são os princípios subjacentes a elas?
Podemos distinguir dois tipos de regras quanto aos princípios que as
fundamentam (Telma Vinha, 2010/2011):
a) Regras Morais são fundamentadas em princípios morais como,
respeito, justiça, diálogo para a resolução de conflitos, não agressão,
reparação do dano causado, etc.
b) Regras Convencionais são fundamentadas em convenções como,
não usar boné, não usar modismos, o aluno só pode usar sapato
preto, não chupar chicletes, etc.
Várias autoras do grupo de São Paulo (Leme, 2011; Tognetta,
2011;Tognetta et ali, 2010; Vinha, 2010/2011) apontam que os professores e
demais educadores tendem a dar mais importância às regras convencionais do
que às regras morais. Assim, a escola se cala em agressões morais, mas
investe em proibir o uso da sandália da moda. Isso se deve ao fato do
descumprimento das regras convencionais, tais como mandar bilhetinhos, usar
celular, usar boné, falar durante a aula, etc. ser interpretado como desacato
enquanto que o xingamento entre alunos, furtar o material do colega, agredir o
colega são vistos como menos importantes e naturais da idade.
51
Tognetta (2011) aponta que
“Gastamos tempo demasiadamente grande com
discursos sobre a importância do uniforme não composto
pelo boné, mas não paramos para discutir os problemas
que acontecem nos recreios em que meninos e meninas
são deixados de lado, são ameaçados por não serem
‘iguais’ aos demais... (p.137)
Está claro que é totalmente compreensível que os professores vejam
dessa forma, pois é a maneira mais difundida de se entender a indisciplina. Há
décadas, ela é vista como conseqüência da falta de rigor por parte da
instituição escolar. As escolas de formação de docentes não abordam esses
temas e os níveis centrais e intermediários das secretarias de educação,
também não.
O problema dessa forma de encarar as regras é que se perde a
oportunidade de educar moralmente os alunos e acaba-se por reforçar a
heteronomia ao invés da autonomia. Dessa forma, as regras, nas quais
depositamos todas as nossas esperanças de minorar o problema da
indisciplina, podem ter o efeito oposto ao esperado, ou seja, fomentar a
indisciplina.
Explicando melhor, quando os alunos se ofendem, se batem e não
fazemos nenhuma intervenção, a mensagem subliminar que passamos é que
desrespeitar um igual não é grave. E quando damos muita importância às
regras convencionais passamos a mensagem de que só tem valor o que é
hierarquicamente superior.
A escola é a primeira instituição coletiva que as crianças freqüentam, se
nela elas aprendem que o importante é respeitar somente a autoridade e não
52
os pares, toda a construção do sentimento moral de respeito mútuo que funda
a cidadania fica comprometida.
Outra conseqüência disso é o reforço do status de poder como valor, o
que pode levar a aumentar as disputas e as ocorrências de bullying entre os
alunos.
2° critério) Como foram estabelecidas as regras?
Para que o jovem atinja a autonomia moral é importante que ele vivencie
a necessidade de estabelecer regras para poder respeitá-las, depois. Por
exemplo, se meninos e meninas não se entendem quanto ao uso da quadra,
discute-se uma regra que seja boa para todos. Se ela não funciona, modifica-
se a regra. Nesse processo de discussão de regras é importante que os
educadores reafirmem os princípios morais e as regras que são inegociáveis.
Vicentin lembra que
“Vinha e Tognetta (2006) afirmam que nem tudo
pode ser combinado. Essas leis não negociáveis dizem
respeito, principalmente, a não causar dano a si mesmo
ou aos outros (inclusive ao patrimônio). Macedo (1996)
afirma que estas têm relação à boa saúde, bom estudo, e
boa convivência social. “(p.50)
Esse exercício de problematizar o coletivo, pensar em possibilidades
que atendam a todos, tentar soluções e refazer as regras caso seja preciso, é
imprescindível para a construção das habilidades cognitivas e afetivas
necessárias para a autonomia moral, quando o respeito às regras está dentro
do sujeito. Portanto, ele obedece por uma obrigação consigo mesmo e não por
medo. Ele obedece para não decair aos seus próprios olhos.
53
Quando as regras são coletivas, o professor questiona o seu
descumprimento em nome do grupo e não no seu, como acontece,
comumente. Dessa forma, a obediência às regras passa a ser uma questão de
todos e não apenas do professor.
Leme (2011) diz que
“(...) a percepção de efetiva participação na
elaboração das normas aumenta muito a probabilidade de
que sejam seguidas, pelo sentido de legitimidade da
autoridade que as propõe, de compromisso e
responsabilidade pelas mesmas que são conferidos.”
(p.178)
Mas se as regras são autoritárias e arbitrárias, a indisciplina pode ser
considerada como positiva e ter legitimidade moral. Nesse caso, não se trata
de indisciplina, e sim de uma consciência social em formação, que é a base da
cidadania que almejamos.
Não podemos nos esquecer de quantos avanços os jovens já deram
partindo de atos indisciplinados. Podemos citar as recentes revoltas árabes, o
impeachment do presidente Collor, a luta contra a ditadura no Brasil e em
vários outros países, os protestos estudantis de Maio de 1968 pelo mundo, o
movimento hippie, o movimento pelo fim da guerra do Vietnã e etc., que são
exemplos de desobediência a regras estabelecidas, mas que não eram
legitimadas pelos jovens e que hoje são consideradas conquistas históricas
importantes. Em todos os casos citados, o desrespeito às regras ocorreu
justamente, porque elas não eram baseadas em princípios morais, então a
indisciplina visava o restabelecimento da moral.
O principal equívoco da escola é acreditar que o problema da
indisciplina é a falta de regra, de autoridade e de controle. Podemos dizer que
é o contrário: o excesso de regras não baseadas em princípios morais que são
54
estabelecidas sem qualquer discussão com os alunos e o excesso de
afirmação da autoridade é que impede o desenvolvimento moral dos alunos.
“(...) uma educação que se pauta na submissão à
autoridade e na obediência cega à ordem instituída sem
que haja a compreensão por parte daqueles que estão
envolvidos nos problemas, das necessidades ou dos
princípios que inspiram as regras, apenas contribuirá para
a formação de pessoas conformistas ou que encontram
na força, física ou moral, as formas de resolver seus
problemas.” (Tognetta et all, 2010, p. 46)
3.2.2 – Resolução de Conflitos
Esse aspecto da Educação Moral é muito importante, pois os conflitos
propiciam as vivências necessárias ao desenvolvimento cognitivo e afetivo
para se atingir a autonomia moral. No entanto, para que isso ocorra, é preciso
que os educadores ajam no sentido de permitir tal desenvolvimento.
Vamos enumerar algumas orientações dos autores da Educação Moral
(Vinha, Perspectiva Construtivista dos Conflitos, DVD).
1ª) Os conflitos são oportunidades de aprendizado porque dá pistas
ao educador de qual aspecto cada aluno precisa desenvolver. Por
exemplo, um precisa aprender a dizer o que sente sem agredir, outro
precisa deixar de se ver como vítima, outro precisa aprender a escutar e
etc. Eles também possibilitam aos jovens criar um repertório de
experiências anteriores que será utilizado toda vez que ocorrerem
conflitos similares.
55
2º) O conflito pertence aos envolvidos, portanto são eles que têm que
resolvê-lo. Isso não significa deixar os alunos sozinhos para fazer isso,
mas mediar a resolução descrevendo o problema sem julgar, pedindo
que os envolvidos coloquem como se sentiram diante dele e
perguntando de que maneira podem resolvê-lo sem agressão ou
desrespeito.
3°) O professor deve manter o equilíbrio e não agir por impulso
tentando resolver a situação imediatamente. Ele deve planejar a melhor
intervenção para a situação. Ele pode dizer aos alunos que ficou tão
zangado com o ocorrido que não tomará nenhuma decisão, naquele
momento.
4º) É preciso confiar nos envolvidos, na sua capacidade de pensar
sobre os problemas. É muito importante que os educadores não se
antecipem sugerindo soluções. O processo é mais importante do que o
produto.
A resolução de conflitos deve incidir sobre as causas do conflito
e não sobre as conseqüências. Assim, se um menino agrediu outro,
pergunta-se porque ele fez aquilo, legitima-se o sentimento de raiva e
pergunta-se a ele de que outra maneira ele pode lidar com aquele
sentimento sem agredir. Nessa concepção, a repreensão é ao ato
cometido e não à pessoa do aluno.
Nesse sentido, outra proposta dos autores da Educação Moral é
a realização de assembléias escolares, que são reuniões que visam à
resolução de conflitos através do diálogo, onde as crianças elaboram e
reelaboram regras que regulam o convívio escolar. (Vicentin, 2009)
Segundo Nilda Teves Ferreira (1993, p. 17-18)
“É pelo diálogo que os homens, nas condições de
indivíduos cidadãos, constroem a inteligibilidade das
relações sociais. Trata-se, pois, de eliminar tudo aquilo
56
que possa prejudicar a comunicação entre as pessoas,
pois só através dela se pode chegar a um mínimo de
consenso. (...) A cidadania aparece como resultado da
comunicação intersubjetiva, através da qual indivíduos
livres concordam em construir e viver numa sociedade
melhor.” (apud Grinspun, 2008, p. 13)
Outra proposta desses teóricos, é que sejam planejadas atividades nas
quais a moral se torne objeto de conhecimento. Através da discussão de
situações com dilemas morais, os alunos podem pensar sobre um problema,
suas causas, buscar soluções justas, ouvir argumentos diferentes, analisar as
possibilidades, escolher uma solução e depois revê-la, se ela não resolver o
problema, sem se sentir mal por isso. (Vinha, DVD)
Gostaríamos de encerrar esse capítulo falando sobre um aspecto que
consideramos imprescindível para uma atuação comprometida do orientador
educacional da escola pública.
Trata-se da relação da escola com as famílias. O procedimento mais
comumente encontrado é chamá-las à escola para cobrar delas que dêem um
jeito em seus filhos.
Concordamos com Parrat-Dayan (2009) quando diz que
“(...) a indisciplina na escola pode expressar, na
realidade, alguma coisa para além do desejo de perturbar
ou de ser indisciplinado. Às vezes, ela representa a
dificuldade do aluno para ser reconhecido; outras é a
expressão dos maus tratos que recebe ou dos problemas
familiares.” (p. 9)
Acreditamos que muitos desses alunos que apresentam problemas de
indisciplina, estão nos sinalizando que não estão bem, extravasando na escola
sentimentos difíceis que carregam e para os quais não possuem válvula de
escape para aliviar a pressão.
57
Recentemente, conversando com um aluno que havia sido muito
criticado pela professora, numa reunião de pais, a qual sua mãe não havia
comparecido, ele nos disse que o padrasto não batia de chinelo, dava logo
soco na cara e nos mostrou as marcas de uma surra de fio que havia levado,
recentemente. Com tantas coisas desestruturantes acontecendo em casa, é
compreensível que ele não consiga assistir aulas tranquilamente.
Como diz Dan Pursuit (apud, Tognetta 2009)
“Todas as crianças levam um sinal:
Quero ser importante agora.
Muitos de nossos problemas
com deliquentes juvenis
acontecem porque ninguém lê esse sinal.”
( p. 165)
Perguntamos então, essa é a família que vai nos ajudar a fazer o aluno
aprender a lidar com suas tristezas, raivas e frustrações, sem indisciplina e
violência?
Como disse Joe Garcia numa palestra, em 2010, no Rio de Janeiro,
“A família está se tornando violentíssima. E isso é uma
epidemia.”
Pedro-Silva (2005) diz que
“ (...) não adianta ficar responsabilizando a família
pelas condutas indisciplinares dos alunos.(...) Ao agir
assim, estar-se-á sendo mais perverso com as famílias,
que já sofrem todo tipo de acusação pelas mazelas
sociais e, ao contrário, contribuindo para a produção de
mais indisciplina.” (p.63)
58
Quando chamamos os pais à escola para reclamar dos seus filhos,
esperamos que eles imponham limites. Só que esses são dados pela
presença amorosa que faz uma linha demarcatória entre os comportamentos
desejáveis, os toleráveis e os inegociáveis. Muitas vezes, os pais não podem
estar fisicamente ao lado dos filhos, mas apesar disso, se fazem presentes por
telefone, bilhetes, recados da vizinha, etc. O que dá o limite é o interesse dos
pais pelos filhos. É ter rotina de alimentação, de sono, de estudo, ter horário de
computador e videogame. É monitoramento. É justamente aquilo que os pais
de nossos alunos indisciplinados não conseguem fazer.
Ao chamar os pais para criticar seus filhos, ao invés de ajudá-los, nós os
deixamos desesperançados e sem ânimo para prosseguir. É o oposto do que a
situação requer.
Como diz Pedro-Silva (ibidem)
“(...) um filho é um prolongamento da nossa
existência. Depositamos nele todos os nossos sonhos
não realizados e os que ainda pretendemos tornar reais.
Assim, desqualificar os filhos significa desclassificar os
próprios pais, como pessoas competentes (...).” (p.64)
São freqüentes os casos de pais que batem nos filhos dentro da própria
escola, outras vezes, ameaçam abertamente fazer isso em casa. Não
podemos mais compactuar com esse tipo de violência. A conseqüência do
nosso gesto (de cuidado ou de impaciência?) é uma surra! Estamos educando
ou nos vingando dos nossos alunos? Todos os sentimentos legítimos do aluno
continuam no mesmo lugar, sem atenção de ninguém.
59
Portanto, precisamos parar de contribuir com essa violência contra
nossos jovens. Nosso papel junto à família é de auxiliá-la a educar seus filhos
com palavras de estímulo e orientação. Ouvimos muitas mães e pais
desesperados dizendo não saber mais o que fazer e que vão entregá-los ao
conselho tutelar. Precisamos ajudá-los a encontrar caminhos para se
aproximar e cuidar de seus filhos.
Outro procedimento questionável que tem crescido, na orientação
educacional é o encaminhamento de crianças para psicopedagogos,
neurologistas e psiquiatras, a fim de que, se encontrem indícios de problemas
físicos que justifiquem a indisciplina. Isto significa que, migramos de uma
culpabilização da família para uma responsabilização do corpo da criança. E o
mais grave é a medicalização da indisciplina. Ao invés de ensinarmos para
nossas crianças os princípios morais, estamos lhes dando medicamentos.
Parrat-Dayan (2009) denuncia que
“(...) muitas vezes a indisciplina é interpretada
como uma doença que deve ser curada com remédios.
Então, prescreve-se ritalina para todos. A indisciplina vira
problema para especialistas, médicos ou psicólogos, e
deixa de ser um problema que concerne ao professor ou
aos pais.” (p.20)
Tudo o que foi exposto ocorre porque a orientação educacional e a
escola pública não encontram caminhos para lidar com a indisciplina. A
potência da Educação Moral está justamente, em apresentar respostas para
perguntas que a escola se faz, há décadas.
Pela lição aos alunos, para toda a vida, de como lidar com seus
sentimentos, avaliamos como imprescindível que a orientação educacional
abrace esses conceitos e os dissemine por toda a comunidade escolar.
60
CONCLUSÃO
A partir dos estudos teóricos da Inteligência Emocional e da Educação
Moral percebemos que a atuação da escola pode ter seu alcance ampliado
significativamente, no sentido de preparar integralmente os alunos para a vida.
Os resultados positivos das duas propostas teóricas são comprovados
através de pesquisas que atestam a potência do trabalho com a subjetividade.
Afinal de contas não estamos lidando com robôs.
Vemos as duas linhas teóricas como complementares. Há uma
intersecção entre as duas correntes, na medida em que as duas propõem que
o adulto apure a sua escuta, desenvolva a sua empatia para entrar em contato
com os sentimentos da criança ou do adolescente, legitime-os acolhendo-os e
então auxilie o jovem na busca de uma solução para o problema. Nesse
processo de busca de possibilidades para a resolução dos problemas, o adulto
reafirma os princípios morais e os limites.
As duas linhas teóricas possuem a qualidade que acreditamos ser
imprescindível para o seu aproveitamento no cotidiano escolar. Elas são
voltadas para a solução de problemas práticos, assim, elas partem da
realidade, investigando-a e voltam a ela com propostas concretas de aplicação
desses saberes produzidos. Por isso, as duas teorias utilizam frequentemente,
exemplos do dia-a-dia para apresentar seus conceitos. Esse debate constante
sobre o cotidiano suscita facilmente o interesse dos educadores, pois as
situações analisadas são exatamente aquelas vivenciadas diariamente, o que
facilita também a compreensão das teorias.
A mudança proposta parece pequena, porém inverte o sentido da
intervenção. Na forma tradicional de um adulto agir com uma criança que tem
um comportamento indesejável, ele passa um pinto, dá um sermão ou uma
bronca, são formas de doutrinação. A conversa gira em torno da necessidade
de se suprimir tais atitudes. No entanto, tanto na concepção da Inteligência
Emocional quanto na da Educação Moral, primeiramente, o adulto tenta
61
entender o que levou a criança a fazer aquilo e depois a leva a pensar de que
outras maneiras ela pode lidar com esse sentimento. Isso permite que ela
reflita sobre as suas emoções, suas ações e as conseqüências. Esse método
dá crédito aos jovens, tanto ao compreender suas motivações quanto ao
permitir que ele escolha a forma de resolver o problema. Enquanto o método
tradicional, parte do pressuposto de que a criança está se desviando do bom
caminho e age sobre a conseqüência, ou seja sobre o erro, os métodos
propostos agem sobre as causas, os sentimentos que geraram o
comportamento. Dessa forma, eles permitem que a criança aprenda a lidar
com os seus sentimentos. São intervenções que sinalizam ao jovem que o
educador tem confiança e respeito por ele.
E, além disso, são procedimentos que tem como base o diálogo, cuja
definição é troca de idéias. Isto significa que os jovens nunca vão aprender a
resolver seus conflitos conversando, expondo seus pontos de vista, ouvindo os
dos outros, chegando a soluções justas para todos se quando ocorre algum
fato conflituoso eles não tiverem a oportunidade de vivenciar isso. Se o adulto
determina qual é a solução. Todas essas experiências são necessárias para a
formação da cidadania. Não adianta colocar na missão das escolas formar
cidadãos se na prática não refletimos sobre como cumprir essa tarefa.
Enfim, nosso objetivo é que a escola colabore para que as gerações
futuras sejam mais felizes, responsáveis e éticas. Chega de fazer o que
sempre foi feito e já nem sabemos mais por que. A escola existe em todos os
cantos desse país, vamos aproveitar essa capilaridade para disseminar
maneiras mais delicadas e respeitosas de tratar as crianças e os jovens
brasileiros. Dessa forma, teremos um país mais humano no futuro e
poderemos nos orgulhar disso.
A escola, por sua natureza de formadora da juventude, tem a
possibilidade de criar uma nova cultura.
Vamos parar de nos queixar de tudo e de todos e por “mãos à obra”.
62
BIBLIOGRAFIA CITADA
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AUDIOVISUAIS Vinha, Telma. (DVD) Conflitos na Escola: perspectiva construtivista dos conflitos. São Paulo, Atta Mídia e Educação
65
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM A
SUBJETIVIDADE 10
CAPÍTULO II
A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E A ORIENTAÇÃO
EDUCACIONAL 21
CAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO MORAL E A ORIENTAÇÃO
EDUCACIONAL 38
3.1 O DESENVOLVIMENTO MORAL 40
3.2 LIDANDO COM A INDISCIPLINA 46
3.2.1 AS REGRAS 49
3.2.2 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 54
CONCLUSÃO 60
BIBLIOGRAFIA CITADA 62
ÍNDICE 65
66
67
68
69
70