universidade cÂndido mendes prÓ- reitoria de … venceslau da silva.pdfhistoricamente sobre o ......
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE ”
AS DIFERENTES CONCEPÇÕES CONSTRUÍDAS
HISTORICAMENTE SOBRE O FRACASSO ESCOLAR NAS SÉRIES INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL, E ALGUMAS FORMAS ALTERNATIVAS DE
COMBATE AO PROBLEMA CONSTRUÍDAS PELA ESCOLA PÚBLICA NO
BRASIL, NO ÂMBITO CURRICULAR.
SIMONE VENCESLAU DA SILVA
ORIENTADOR: ANTONIO FERNANDO NEY
Rio de janeiro
AGOSTO/2002
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE ”
AS DIFERNTES CONCEPÇÕES CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE SOBRE O
FRACASSO ESCOLAR NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL, E
ALGUMAS FORMAS ALTERNATIVAS DE COMBATE AO PROBLEMA
CONSTRUÍDAS PELA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL, NO ÂMBITO
CURRICULAR.
SIMONE VENCESLAU DA SILVA
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em PSICOPEDAGOGIA.
Rio de Janeiro
Agosto/2002
AGRADECIMENTOS.
Ao meu Deus.
À minha mãe, pela dedicação e empenho.
Ao Profº ANTONIO NEY, pela orientação, pelos incentivos acadêmicos e paciência durante o curso.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------07
2. ORIGENS HISTÓRICAS DE FRACASSO ESCOLAR--------------- 15
2.1- Iluminismo------------------------------------------------------------------------ 16
2.2- Revolução Francesa--------------------------------------------------------------16
2.3- Revolução Industrial-----------------------------------------------------------18
2.4- Os Sistemas Nacionais de Ensino--------------------------------------------20
2.5- As Teorias Racistas-------------------------------------------------------------21
2.6- A Psicologia Diferencial-------------------------------------------------------23
2.7- A Proclamação da República------------------------------------------------25
2.8- As Teorias Racistas (o caso brasileiro)------------------------------------28
3. AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE FRACASSO ESCOLAR
CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE PELA ESCOLA PÚBLICA-------------
----------------------------------------------------------------------------30
3.1- A Ideologia do Dom-----------------------------------------------------31
3.2-A Ideologia da Deficiência Cultural-----------------------------------32
3.3 -Ideologia das Diferenças culturais----------------------------------------33
3.3- A Ideologia das Deficiências Lingüísticas--------------------------------34
4- ALTERNATIVAS PARA ENFRENTAR O FRACASSO ESCOLAR NO
ÁMBITO CURRICULAR---------------------------------------------------39
4.1- Propostas Curriculares ------------------------------------------------------40
4.1.1- Propostas Curriculares dos Anos 80-------------------------------------41
4.1.2- Reforma Curricular de Minas Gerais-----------------------------------42
4.1.3 - Reforma Curricular do Município de São Paulo--------------------42
4.1.4- Reforma Curricular do Estado do Rio de Janeiro---------------------43
4.1.5- Propostas Curriculares dos Anos 90-------------------------------------45
4.1.6- - Reforma Curricular do Município de São Paulo--------------------45
4.1.7- Reforma Curricular do Município de Porto Alegre------------------46
4.1.8- Reforma Curricular do Município do Rio de Janeiro---------------46
4.1.9- Reforma Curricular do Município de Belo Horizonte---------------46
5- CONCLUSÃO-----------------------------------------------------------------51
6- BIBLIOGRAFIA---------------------------------------------------------------54
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
Este capítulo apresenta a introdução da monografia, incluindo tema,
problema, questões norteadoras, objetivos, justificativa, fundamentação teórica e
metodologia de estudo.
Atualmente, existem inúmeros fatores que contribuem para a evolução de
um problema tão comum aos brasileiros: o fracasso escolar. Esse problema se torna mais
intenso visto que as reprovações nas escolas públicas têm sofrido aumento significativo.
O fracasso escolar aumenta em grande proporção nas séries iniciais do
ensino fundamental, pelo grande número de reprovações, e muitas vezes o aluno leva,
em média, muito mais tempo na escola que o mínimo estabelecido por lei para concluir
o ensino fundamental. Como o grande número de crianças que fracassa na escola ainda
é de escola pública, conclui-se, então, que a classe que mais fracassa é oriunda das
classes trabalhadoras. E que a educação não deve ser um benefício de alguns (elite) e
sim um direito básico, como a saúde, o trabalho e o salário. Direito este que mesmo
sendo estabelecido por lei sequer garante à classe trabalhadora o término do ensino
básico. O que se vê, na verdade, é um ensino negligenciado pelas autoridades
responsáveis, visto que o Brasil tem um índice de evasão escolar maior que países
latinos e europeus. O sistema educacional brasileiro não consegue garantir o direito à
educação mínima, de quatro anos; em muitos Estados brasileiros a escolarização
elementar ainda não está assegurada.
Este estudo tem como tema as diferentes concepções construídas
historicamente sobre o fracasso escolar nas séries iniciais do ensino fundamental da escola
pública, e algumas formas alternativas de combate ao problema construídas pela Escola
Pública no Brasil, no âmbito curricular. A dimensão curricular através das Reformas
curriculares implementadas pelas Secretarias Estaduais de Educação e Secretarias
Municipais de Educação, têm sido, nas duas últimas décadas, uma das principais
iniciativas públicas, de larga escala, para enfrentamento do problema do fracasso escolar.
1.2. Formulação do Problema
Formulou-se a partir desse estudo uma grande questão, um problema cuja
resposta foi buscada ao longo da pesquisa: quais as origens históricas que favoreceram o
surgimento das diversas concepções de fracasso escolar na escola pública?
Construiu-se, então, uma lista de questões que nortearam o percurso da
pesquisa:
- Como surgem as idéias sobre fracasso escolar ?
- A que concepções teóricas pertencem?
- Como está o estudo destas concepções, hoje?
- Quais as alternativas de enfrentamento encontradas, no campo curricular, pelas
redes públicas?
1.3. Objetivo do Estudo
Objetivo geral:
Estudar as diferentes concepções de fracasso construídas historicamente pela
escola pública, no Brasil, e suas alternativas de enfrentamento, no âmbito curricular, pelas
redes públicas de ensino.
Objetivo específico:
- Buscar as origens históricas do conceito de fracasso escolar;
- Analisar criticamente as diferentes concepções de fracasso escolar construídas
historicamente pela escola pública;
- Analisar o conceito atual de fracasso escolar presente na escola pública de hoje;
- Levantar as estratégias de enfrentamento do problema construídas pela escola
pública no âmbito curricular, pelas redes públicas de ensino.
- Estudar o caso da “Escola Plural”, da Secretaria Municipal de Educação de Belo
Horizonte.
1.4. Justificativa
Considerando o grande índice de evasão e repetência na rede pública por
parte dos alunos oriundos da classe trabalhadora, torna-se necessário fazer uma revisão nas
origens deste conceito. Nesta perspectiva, pretende-se analisar as diferentes teorias
construídas historicamente pela escola pública, levando-se em consideração a realidade
social das crianças que fracassam e considerando, também, a criança como indivíduo e não
a partir de um modelo ideal de escola, infância e normalidade. Modelo este que é
determinado por uma classe dominante vigente em nosso país cuja ideologia que favorece
exclusivamente os setores sociais médios e superiores da população.
1.5. Referencial Teórico
Neste estudo, foram consultados autores que se dedicaram ao tema fracasso,
entre eles destacam-se Patto (1990 ) , Soares (1995 ) e Moreira (1999), que dedicou-se a
pesquisar as Reformas Curriculares implementadas algumas Secretarias estaduais de
Educação e Secretarias Municipais de Educação, no Brasil.
Em Patto (1990) , notou-se um levantamento histórico do fracasso escolar. Ela
aponta as diferentes tendências ao longo de um rastreamento histórico das origens das
formulações científicas que desenharam o modelo de preconceitos étnicos e de classe. Esta
caminhada que a Patto fez, pôde revelar a formação de alguns modos tradicionais de falar e
pensar sobre as classes populares e de como esta classe foi por décadas sofrendo com o
comportamento de uma sociedade injusta, diante de uma realidade opressiva, onde tantos
são omissos, passivos e coniventes.
Soares (1995) busca abordar as diversas concepções de fracasso escolar,
desenvolvidas ao longo dos anos pela escola pública. Ela classifica estas tendências em :
ideologia do dom; ideologia da deficiência cultural; ideologia das diferenças culturais e
ideologia da deficiência lingüística. A autora procura explicar o processo de marginalização
sofrido pelas camadas populares e como se expressam os preconceitos disfarçados pelas
diferenças individuais e culturais e pela teoria da carência cultural.
Já Moreira (1999) aborda propostas curriculares que procuram caminhar no
sentido contrário ao fracasso e enfatiza as alternativas que são possíveis para o
enfrentamento do fracasso escolar nas escolas públicas. Ele historiciza os movimentos de
reorientação curricular, apontando as propostas curriculares que alguns Estados e
Municípios brasileiros nas décadas de 80 e 90, implementaram e que contrariavam as idéias
oficiais. Moreira mostra as características dessas propostas, enfatiza suas conquistas e
alternativas possíveis, desejáveis e merecedoras de divulgação e estudo.
1.6. Questões de Estudo
- Como surgem?
- A que concepções teóricas pertencem?
- Como está o estudo destas concepções hoje?
1.7. Procedimentos Metodológicos
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo.
Como diz Gil ( 1991, p.48) :
“A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem á análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente a partir de fontes bibliográficas”.
Este foi, portanto, o motivo pelo qual optou-se por esse delineamento
metodológico nessa pesquisa.
Os autores utilizados ( Soares e Patto) são considerados clássicos no estudo do tema
no Brasil, e Moreira é um especialista nas pesquisas sobre currículo.
1.8. Organização do Estudo
Esta monografia está organizada em 5 capítulos, sendo o primeiro a
Introdução. O segundo apresenta as origens históricas do conceito de fracasso escolar . No
terceiro capítulo, buscou-se analisar as diferentes concepções de fracasso escolar
construídas historicamente pela escola pública. O quarto capítulo trata de analisar o
contexto atual da escola pública, apontando algumas propostas alternativas para enfrentar o
problema do fracasso escolar, no âmbito da reestruturação curricular . No quinto capítulo,
apresenta-se a conclusão.
Acredita-se que este estudo possa auxiliar a comunidade educativa,
principalmente àqueles que se dedicam ao tema abordado e preocupam-se com a melhoria
da qualidade da escola pública.
CAPÍTULO II - ORIGENS HISTÓRICAS DE FRACASSO ESCOLAR
Estamos no século XXI e para entendermos as idéias sobre o tema das
dificuldades de aprendizagem , precisamos retornar aos acontecimentos do século XIX,
que fizeram marcar toda uma história da educação. Era de revoluções, idéias de natureza
progressista contribuíram para esclarecer as concepções históricas do fracasso escolar.
O século XIX é o “ berço’’ das revoluções, a revolução política francesa
(1789-1792) e a Revolução Industrial Inglesa, assim como a revolução das idéias: o
Iluminismo . E é levando em consideração todas estas Revoluções que a seguir irei abordar
a questão da história do fracasso escolar na escola pública no Brasil.
2.1- Iluminismo
O século XVIII foi chamado de “Século das Luzes” por causa da grande
influência das idéias do iluminismo. O iluminismo também foi chamado de filosofia das
luzes, ilustração, esclarecimento e, na França, de enciclopedismo. Os pensadores
iluministas atacavam a sociedade do Antigo Regime (o absolutismo e os privilégios
feudais da nobreza) . Defendiam uma sociedade baseada nos princípios da liberdade
individual e da igualdade de todos diante da lei, do respeito aos direitos do cidadão.
Havia pensadores ilustrados em toda a Europa, porém os mais influentes eram os
franceses (Rousseau, Voltaire, Montesquieu e Diderot). Os iluministas propunham o
combate das “luzes da razão” (a capacidade humana de raciocinar) contra as “trevas da
ignorância”, do fanatismo, da intolerância. Para eles, as grandes desgraças humanas
eram provocadas pela irracionalidade. Os iluministas acreditavam no triunfo da razão, da
educação, das ciências, da tolerância política e religiosa ( respeito aos que pensam
diferente), do progresso. Tinha como temas de relevância, a liberdade e o progresso. O
homem encontrou apoio na classe intelectual – os escritores franceses logo tornaram-se
grandes colaboradores e divulgadores das idéias iluministas entre toda a elite intelectual
européia, que se tornará hegemônica, resultando na Revolução Francesa. Ela será a base
sobre a qual se construirá a idéia de Escola Pública.
2.2- A Revolução Francesa
Em 1789, ocorreu um fato que desestabilizou o que até então era
considerado o auge da sociedade ocidental. A revolução cunhou mudanças que afetaram
não só a França, mas o mundo inteiro.
A Revolução Francesa deve ser entendida como a Revolução que não foi
feita somente por burgueses, mas foi de extremo benefício para esta classe. A verdadeira
situação foi de triunfo, tendo no sacrifício das classes trabalhadoras o enriquecimento da
classe burguesa. Esta foi a mais importante das revoluções burguesas. A crise econômica, a
insistência dos nobres em manter seus privilégios e a miséria da população levaram a
revolta de camponeses e dos sans- cullotes (artesãos e pequenos proprietários nas cidades).
O símbolo da rebelião foi a queda da Bastilha(1789).
Podemos dividir a Revolução Francesa em três etapas. Na era das
instituições (1789-1791), a França tornou-se uma monarquia constitucional e foi aprovada
a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão (baseada nos ideais iluministas de
liberdade e igualdade jurídica). Mas o voto era censitário ( só quem tinha uma certa renda
podia votar ) e os camponeses não receberam terras. Os países absolutistas lançaram seus
exércitos contra a França. Os sans-cullotes se rebelaram e prenderam o rei. Começava a era
das antecipações (1792-1794), o período mais radical. O rei Luís XVI foi condenado por
um tribunal e guilhotinado. O governo passou a ser exercido pela Convenção, uma
assembléia de deputados eleitos com voto universal masculino. Os dois principais partidos
eram: girondino (alta burguesia, favorável a moderar a revolução) e o jacobino (liderado
por membros da classe média e da pequena burguesia, favorável ao aumento dos direitos
dos mais pobres). Uma nova rebelião dos sans-cullotes entregou totais poderes aos
jacobinos liderados por Robespierre. Foi o momento supremo da revolução. Estabeleceu-se
a lei do Máximo, que proibia a burguesia de aumentar os preços dos itens populares (pão,
aluguel etc.), as terras dos nobres emigrados foram distribuídas aos camponeses. O governo
determinou a criação de escolas primárias gratuitas para todos os cidadãos. Os “inimigos da
revolução” foram presos e tiveram suas cabeças cortadas pela guilhotina. Mas o terror e as
brigas entre os próprios dirigentes do partido (Robespierre versus Danton) enfraqueceram
os jacobinos. Foi a chamada reação termidoriana. Começava a era das consolidações
(1794-1799). Uma nova assembléia, o Diretório, assumiu o governo. Tinha sido eleita com
voto censitário. Foi uma época de perseguição contra os líderes populares jacobinos. A
anulação da lei do Máximo provocou uma alta inflação. Em 1799, o jovem general
Napoleão Bonaparte comandou um golpe de Estado, tornando-se ditador da França.
Com a burguesia no poder, criam-se as condições sócio-econômicas para a
Revolução Industrial, e com ela a idéia de Sistemas Educacionais, para atender as
necessidades de formação de mão - de – obra para o capitalismo.
2.3 - Revolução Industrial
“Todos os dias, o apito pujante da fábrica cortava o ar esfumaçado e pegajoso que
envolvia o bairro operário e, obedientes ao chamado, seres sombrios, de músculos
ainda cansados, deixavam seus casebres, acanhados e escuros, feito baratas
assustadas. Sob o frio amanhecer, seguiam pela rua esburacada em direção ás
enormes jaulas de pedra da fábrica que os aguardava desdenhosa (...) Vozes
sonolentas emitiam roucas saudações, palavrões dilaceravam, raivosamente, o ar.
Mas eram diferentes os sons que acolhiam os operários: pesadas máquinas em
funcionamento, o resfolegar do vapor (...) O dia consumia-se na fábrica, suas
máquinas sugavam de seus músculos toda a energia de que necessitavam. Mais um
dia irremediavelmente riscado de suas vidas, o homem dera mais um passo em
direção ao túmulo, mas ele antevia, apenas, o gozo imediato do descanso, as alegrias
do bar repleto de fumaça e sentia-se satisfeito.” ( GORKI, M., Mãe, Companhia
Editora Americana, p.9 )
Esse é o resumo da primeira página da novela “Mãe, de Máximo Gorki,
que mesmo sendo datada de 1906, descreve como foi a revolução industrial e o que
esta revolução veio significar para a massa de trabalhadores.
Vê- se nisso um futuro mórbido. Por quê?
Nas últimas décadas do século XVIII, funcionaram as primeiras fábricas
com máquinas a vapor. A Revolução Industrial começou na Inglaterra e, no século XIX,
espalhou-se pela Europa, EUA e Japão.
Surgia uma nova classe social: o proletariado (trabalhadores assalariados
das indústrias). No século XIX, a situação do proletariado era muito difícil: longas
jornadas de trabalho, salários baixos, os trabalhadores não tinham direito a férias nem
aposentadoria e havia trabalho infantil. Não existiam leis sociais. Os trabalhadores,
então reagiram. De início, destruíam as máquinas (ludismo). Depois, se uniram para
criar sindicatos e organizaram as primeiras greves. Na Inglaterra, o movimento cartista
lutava pelo direito de voto para os pobres.
Na verdade o que poderia impulsionar essa mudança seria a necessidade
da qualificação, pois isso envolveria o intelecto, já que a força braçal acabaria, deve-se,
então, entender a Revolução Industrial como um movimento, cujas mudanças ocorreram
na indústria, na agricultura, nos transportes, nos bancos, no comércio, nas
comunicações, enfim em toda a economia que se tornou capitalista. Nesse, processo
envolveu-se a própria sociedade que se dividiu em duas classes básicas: a burguesia e o
proletariado, classe assalariada, que vende o único bem que possui, sua força de
trabalho.
2.4. Os Sistemas Nacionais de Ensino
Os sistemas nacionais de ensino poderão ser entendidos pelo fato de a
burguesia ter no nacionalismo uma ponte para as futuras explicações do fracasso escolar,
uma vez que, com a defesa de um regime constitucional, a burguesia viria a defender os
interesses do “povo”.
O que motivou a implantação das redes públicas de ensino, foram,
principalmente, os ideais nacionalistas, que afetavam a sociedade da época e envolviam
toda a Europa e América do Norte no final do século XIX. Estes ideais criaram uma
expectativa muito grande na formação de uma “vida social igualitária”, princípio
defendido pela Revolução Francesa.
Não se tem relato de uma política educacional daquela época, mesmo
sendo a educação garantida por lei. O fraco empenho da classe popular por
escolarização, assim como a própria marcha do nacionalismo e suas contradições,
contribuíram para a inexistência desta política educacional. Até a Revolução Francesa
não havia interesse em se qualificar a mão- de- obra da classe trabalhadora. É a partir da
Revolução industrial que surge a necessidade de se qualificar a mão – de obra desta
classe a fim de inseri-la no mercado de trabalho.
Portanto, durante os setenta primeiros anos do século XIX, os sistemas
nacionais de ensino não são realidade. Só a partir de então é que se vai fazer menção as
primeiras escolas, que Zanotti descreve muito bem ao periodicizar a historia da política
educacional.
Inicialmente, Zanotti (apud Patto, op. cit.: 42) destaca a primeira etapa no
ano de 1870, até 1914, e “atribui á escola a missão de redimir a humanidade”. A partir
de 1870, a escola recebe a responsabilidade de transformar a humanidade,
resgatando-a da ignorância e da opressão. Foi neste período, que os defensores da
escola da época perceberam o fracasso da mesma, uma vez que com a chegada da I
Guerra, a escola tinha sido responsabilizada pela formação de tiranos, pela
desigualdade social e pela exploração. Houve, então, necessidade de uma pedagogia
nova que enfocasse o ser humano de forma mais democrática, que resgatasse os
conhecimentos acumulados pela psicologia nascente e que substituísse o verbalismo
do professor pela participação ativa do aluno no processo de aprendizagem. No início
do século XX, os pedagogos liberais, ainda que bem interessados, tinham uma visão
ilusória da educação, acompanhada de um humanismo ingênuo. Eles acreditavam na
“possibilidade de a escola realizar uma sociedade de classe igualitária, ou seja, uma
sociedade na qual os lugares sociais seriam ocupados com base no mérito pessoal”.
(Patto, 1990:44).
A psicologia nascente deveria buscar explicação para as diferenças
individuais e esta explicação se tornará fundamental para que se entenda a origem de
várias pesquisas e discursos educacionais sobre a reprovação escolar, como veremos nas
formulações das primeiras teorias racistas que se desenvolveram na mesma época e
lugar das explicações das diferenças individuais.
2.5. As Teorias Racistas
A Revolução Francesa enfocou muito a idéia de igualdade, liberdade e
fraternidade, levando a um afluxo de pessoas confiantes nesta possibilidade de conseguir
direitos iguais. Mas, no entanto, esbarram-se com a desigualdade já existente que, agora,
além de social torna-se também cultural. Como se traduz isto? Uma classe minoritária
sempre estava sendo beneficiada com privilégios ao passo que a grande massa
continuava sem direitos.
Nas sociedades capitalistas, o racismo, era uma maneira que alguns povos
encontraram para explicar as diferenças de classes, e essa explicação ganha mais força,
nos países onde o nível das classes tem relação direta com a raça, desculpando com isso
a dominação de classes.
A igualdade cultural não era interessante para o ideário cultural
hegemônico burguês pela simples razão enfocada por Dunoyer (apud Patto, op.cit.:49)
“da desigual perfectibilidade das raças podem resultar muitas coisas bastante tristes
como, por exemplo, a impossibilidade de que todas se tornem igualmente industriosas ,
ricas, estabelecidas, morais e felizes.”
As idéias racistas vão ter respaldo nas teses poligenistas, segundo as quais
“ a origem da espécie humana é múltipla, o que autoriza a conclusão de que existem
raças anatômica e fisiologicamente distintas e, por isso mesmo, psiquicamente
desiguais”. (Patto, 1990:48)
A força que as teorias racistas tinham é destacada nesta afirmativa feita
por Poliakov (apud Patto, op.cit.:50)”no fim do século XIX a teoria ariana tinha
adquirido direito de cidadania entre os sábios”.
Foi assim que as teorias racistas encontraram na teoria evolucionista de
Darwin (1809-1882) apoio para sua confirmação. A teoria evolucionista, sofreu algumas
transformações feitas pelos intelectuais da burguesia e passou a ser usada para justificar
a reconstrução da hierarquia social(darwinismo social). Contudo Darwin não elaborou
sua tese para explicar o racismo ou as desigualdades sociais. A mudança das idéias de
Darwin para o lado social – que significaria uma seleção dos mais aptos em uma
sociedade supostamente igualitária – acarreta na “biologização” da vida em sociedade e
na justificação da exploração e da opressão que exercem as classes dominantes dos
países colonialistas.
2.6. A Psicologia Diferencial
Com o declínio da pedagogia tradicional, aquela que dava muita ênfase à
arte da ciência e ao abecedário, ascendeu a Psicologia, ciência que tinha como objetivo
estudar o indivíduo e o grupo nas suas diferenças existentes.
Com base nas teorias de Darwin, Galton, (que era adepto das mesmas),
elaborou estudos que determinavam que “as aptidões naturais humanas são herdadas
exatamente de todo o mundo orgânico” .(Patto,1990:55 ).Esse conceito encontra-se
esboçado em seu livro, “Hereditary Genius”, de 1869.
Com o intento de tornar conhecida as suas preocupações, que até então
não estavam sendo enfocadas em nenhuma área, ele desenvolveu alguns testes
psicológicos que tinham como objetivo estimar: discriminação visual, auditiva,
sinestésica e motora.
Vale considerar o seguinte ponto destacado por Hobsbawn (apud Patto,
op.cit.: 56) .
“O mundo da classe média estava livremente aberto a todos. Portanto, os que não conseguiam cruzar seus umbrais demonstravam uma falta de inteligência pessoal, de força moral ou de energia que automaticamente os condenava, ou na melhor das hipóteses, uma herança racial ou histórica que deveria invalidá-los eternamente, como se já tivessem feito uso, para sempre de suas oportunidades”.
Havia um parâmetro, e através dele se media a inteligência do indivíduo:
aqueles que não o alcançavam, eram simplesmente classificados como inaptos, o que iria
interferir por toda sua vida.
Isto se tornou inadequado uma vez que esses parâmetros eram elaborados
com base em um grupo específico, que já tinham suas aptidões desenvolvidas, talvez até
pelo meio em que viviam e não atingiriam aqueles menos favorecidos (classe
trabalhadora, proletariado).
Um outro aspecto dentro deste contexto é a teoria da eugenia (construída
por Galton), que “constituía no aperfeiçoamento da espécie humana através do
cruzamento de indivíduos escolhidos especialmente para este fim” (Patto,1990:56).
Mesmo sendo o precursor desta idéia, Galton não foi muito difundido, pois a lei da
hereditariedade ainda não era plenamente entendida.
Na verdade, esta teoria torna-se inviável uma vez que o problema não era
de seleção natural e sim de caráter social.
Assim, com suas idéias da inteligência herdada, Galton contribuiu muito
para vários estudos, inclusive os de influência mental. Contrapondo estas idéias, só os
psicólogos e pedagogos escolanavistas, que acreditavam em uma “psicometria e uma
pedagogia a serviço de uma sociedade igualitária”.
Saindo da psicologia diferencial, abordaremos historicamente agora o
modo de pensar os problemas de escolaridade no âmbito brasileiro.
2.7. Proclamação da República
A Proclamação da República é o período da história do Brasil que marcou
o surgimento de idéias, embora contraditórias, da natureza humana , voltadas em
especial para a natureza do brasileiro, e isso traz implicações para a concepção de
educação e também, ás idéias de fracasso escolar.
Em 1824, foi elaborada a primeira Constituição brasileira, tendo como base
alguns princípios da “Declaração do Direitos do Homem”, que foram conquistados
mediante a Revolução Francesa. Nela, encontramos o artigo 179. A importância dele?
“garantia formalmente a gratuidade do ensino primário a todos os cidadãos”.
(Patto,1990:75)
Um outro marco na história do Brasil foi o ano de 1827, onde outra lei
determinava a criação de escolas primárias em todas as cidades, vilas e lugarejos.
Embora o ensino primário fosse assistido pela lei, o Estado mostrou-se negligente neste
sentido, renegando-o a segundo plano e voltando-se para o ensino secundário e superior,
privilegiando, assim, os mais ricos.
A história não mudou, o que se via antes era um grupo menor sendo
beneficiado, ao passo que a grande massa era desconsiderada. Um dado estatístico
comprova isso: no período da proclamação da República, menos de 3% da população
freqüentavam a escola em todos os seus níveis e 70% da população adulta eram
analfabetos.
Diante dessa realidade, surgiu a Revolução de 1930 reivindicando
mudanças no quadro econômico, social, político e cultural. Mas antes de entendermos o
que aconteceu na década de 30, voltemos para a década de 20, que em termos gerais foi
a época em que surgiram os movimentos a favor da educação, com intuito de expor o
atraso do país no debate educacional.
A década de vinte foi grande produtora de movimentos de contestação.
Sob a influência de greves e outros movimentos, mostra o descontentamento dos grupos,
entre os quais a elite progressista, cujos políticos e empresários, discordando da
situação política, da época, usaram a idéia de escola para todos a fim somente aumentar
o número de eleitores e enfraquecer a política do “café- com- leite”, que se refere à
alternância no poder dos líderes latifundiários paulistas e mineiros.
A situação se agrava visto que o índice de analfabetismo é muito grande;
então, a classe operária se junta aos descontentes para fazer reivindicações, exigindo
escolarização mínima e democracia.
Os educadores da Escola Nova introduzem o pensamento liberal, imbuídos
das melhores intenções, acreditando na possibilidade de democratização por intermédio
da escola.
Assim, o que devemos entender da teoria escolanovista é que para ela as
causas das dificuldades de aprendizagem não estavam no aprendiz e sim nos métodos
que eram usados, isto é, a Escola Nova há muito tempo percebeu que a criança, na sua
individualidade, poderia ser levada em consideração e fazer-se então a conexão da
pedagogia com a natureza de cada aprendiz.
Em Anastasi (apud Patto, op.cit.:5), encontramos uma passagem que
confirma esta hipótese:
“Nos escritos e nas práticas de um grupo de educadores naturalistas de fins do
século dezoito e início do século dezenove, que incluía Rousseau, Pestalozzi, Herbart
e Froebel, evidencia-se uma alteração definida de interesse em relação à criança
individual. Os programas e métodos educacionais deveriam ser determinados não por
critérios externos, mas pela observação do indivíduo como representativo de todos os
indivíduos em geral, e não como distinto dos outros indivíduos. Embora se possa
encontrar, nos escritos destes, afirmação de que sua educação deveria ser adaptada a
estas diferenças, mesmo assim a ênfase era mais na educação livre, ‘natural’ , em
contraste com procedimentos impostos externamente, do que nas diferenças
individuais em si. O termo indivíduo’ é freqüentemente empregado para significar
simplesmente ’natureza humana’.”
Portanto, para a psicologia da época, que estava preocupada em
compreender a mente humana, e uma pedagogia nova, que estava apresentando um
método de ensino baseado na natureza humana, era necessária uma relação de
complemento, para que ambas se constituíssem, embora as duas não estivessem
atribuindo ao fracasso escolar as causas situadas no aluno e nos fatores fora da escola.
Partindo então de estudos experimentais da mente humana, através de
procedimentos psicofísicos, a psicologia vai classificar a criança como ’anormal’ e o
estudo passa a ser feito pelos médicos, que vão ter participação fundamental na
construção de um modelo baseado em seus estudos. Assim, a psicologia passará a ser
muito mais entendida na prática de diagnósticos e tratamentos psíquicos, justificando o
fracasso escolar como “distúrbios no desenvolvimento psicológico infantil”.
Portanto, mesmo a psicologia tendo distorcido o ideal escolonavista
quando enfraqueceu a idéia de um método de ensino baseado na especificidade do
aprendiz, não podemos esquecer que tanto a psicologia como a pedagogia surgiram com
o intuito de identificar e promover os mais capazes independente de sua origem étnica e
social.
Então, para entender as contradições presentes na sociedade brasileira da
Primeira República e do Segundo Império, devemos entender outro componente, o das
teorias racistas, que, vamos ver será o elo com o pensamento educacional da época.
2.8- Teorias Racistas ( o caso brasileiro )
A sociedade brasileira, desde o século XIX, vivia mergulhada em idéias
liberais, e no plano cultural já estava convivendo com as teorias racistas. Sua presença se
intensifica com os movimentos literários, que começam a ganhar força. O Romantismo
fazendo referência ao povo brasileiro e valorizando-o, tratava-o de forma
preconceituosa, quando na literatura romântica fazia menção ao mestiço e às populações
indígenas; e mesmo sendo estas últimas massacradas eram enaltecidas, demonstrando
uma total inversão da realidade. Assim tanto na política como na literatura de então, o
que se notava era apenas o enaltecimento do Brasil, mas o que realmente acontecia era
uma pura cópia do que se passava na Europa.
Segundo Schwarz, (apud Patto, op.cit.:155), “as palavras de ordem do
liberalismo sobrepunham-se a uma realidade social que as desmentia a cada detalhe e
encontravam sustentação apenas no prestígio de tudo quanto fosse europeu”.
As teorias racistas ganharam força com a adequação que o cientificismo
fez do liberalismo e do racismo. A déia de inferioridade das raças não brancas, para
justificar a submissão ao branco, e que mesmo depois da abolição dos escravos e a
instauração do Estado Republicano, vigorou tanto no Brasil Império como no Brasil
Republica, significou (negros, mestiços e índios) períodos de dominação de povos ou
de dominação de classe.
Alguns autores, como Raimundo Nina Rodrigues, dedicaram-se à
demonstração da tese da inferioridade racial do negro e do mestiço e a desenvolver suas
teorias racistas, aliadas aos componentes biológicos.
Raimundo Nina Rodrigues (1862- 1906 ) foi professor de medicina legal
na Faculdade de Medicina da Bahia, e desenvolveu sua teoria racial, a partir de
componentes biológicos. Foi grande estudioso da obra de Spencer, e aliou-se às teses do
darwinismo social, acreditando que com elas iria provar que o negro e seus descendentes
não teriam outro destino, senão o que já tiveram.
O que vimos neste capítulo é que a explicação do surgimento desta
concepção e suas origens históricas são pontos de contato com o pensamento
educacional, que refletiram o quadro sócio- cultural mais amplo da sociedade brasileira
como um todo. Estudaremos, a partir de agora, as diferentes concepções de fracasso
escolar que foram construídas historicamente, pela escola pública no Brasil.
CAPÍTULO III – AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE FRACASSO
ESCOLAR CONSTRUÍDAS HISTORICAMENTE PELA ESCOLA PÚBLICA
Para podermos estudar as diferentes explicações de fracasso escolar que
foram construídas historicamente pela escola pública, devemos entender, aqui, que estas
concepções estão ligadas diretamente à realidade brasileira e que estabelecem ligação
com a precariedade do ensino, de um modo geral.
O estudo desta explicação é no intuito de mostrar que há muito tempo existe
no Brasil um discurso a favor da educação, mas não escapa à vergonha de ainda querer
chegar a um objetivo específico, isto é, à igualdade social e a democratização do ensino,
por intermédio da educação, tornando expressões comuns, como: “igualdade de
oportunidades educacionais” e “educação como direito de todos”.
Desde então, as diversas formas de democratização do ensino, encontram
rumos diferentes, pois às vezes vão em direção à procura da quantidade, isto é, aumento
do número de escolas para as classes populares; obrigatoriedade e gratuidade do ensino
básico, ou às vezes, à procura da qualidade do ensino, isto é, reformas educacionais,
propostas de reorganização escolar, apresentação de novas tecnologias de ensino e
aprimoramento de professores.
A escola pública assume uma responsabilidade com as camadas mais
populares. Ela não deve ser vista como uma doação do Estado para o povo, mas sim
como uma aquisição lenta e progressiva das camadas menos privilegiadas da sociedade,
que anseiam por um ensino justo, e que responda às suas necessidades, dando-lhes
acesso à “ instrução e ao saber “
E nesta idéia de qualidade e quantidade, a verdade é que o povo ainda
continua vencido, não há escolas para todos e as que existem ainda não os favorecem.
É através da repetência e da evasão que a chamada “pirâmide educacional
brasileira” sofre um gradual estreitamento. Isso se dá através da relação que se tem feito
entre origem social e fracasso escolar, ou seja, “a escola que seria para o povo; é, na
verdade, contra o povo”. Esta expressão foi usada por Magda Soares, para explicar a
situação em que se encontra o ensino brasileiro.
Veremos, a seguir, algumas dessas concepções que justifiquem a relação
existente entre origem social e fracasso escolar, segundo os trabalhos já clássicos sobre o
tema, em especial Soares e Patto.
3.1- A Ideologia do Dom
Segundo Soares (1995) para a ideologia do dom, o que vai determinar o
sucesso ou o fracasso na escola são as características individuais, isto é, a escola oferece
‘igualdade de oportunidades’, e o aproveitamento dessas oportunidades vai depender do
dom de cada um. E entenda-se dom como: aptidão, inteligência, talento de cada um.
Esta ideologia usou o discurso da existência de desigualdades naturais, de
diferenças individuais, também usado por parte da Psicologia, para explicar as
diferenças de rendimento escolar.
Então, a escola não seria responsável pelo fracasso escolar e sim a falta de
condições básicas no aluno para a aprendizagem. E estas condições só seriam possíveis
diante de determinadas características necessárias ao progresso no estudo oferecido pela
escola.
Agora, a escola tem sua parcela de culpa no ‘atendimento às diferenças
individuais’, ou seja, dá tratamento diferenciado aos diferentes.
Para a ideologia do dom, a escola deveria adaptar e ajustar os alunos à
sociedade de acordo com suas características e aptidões individuais. O fracasso só
acontece, segundo esta ideologia, porque o aluno é incapaz de adaptar-se ao que lhe é
dado. De alguma forma, esta idéia já está embutida nos alunos, que sempre se sentem
responsáveis quando fracassam e raramente questionam a escola por isso. Portanto, nesta
concepção, não é a escola que vai contra o povo, mas sim o povo que é incapaz de se
adaptar às oportunidades que lhe são oferecidas.
Mesmo estando esta ideologia enraizada na educação, o que se evidenciou a
partir do aumento da entrada das camadas populares na escola pública é que as
‘diferenças naturais’ não ocorriam entre indivíduos. E é por isso que devemos entender
uma outra ideologia: a ideologia da deficiência cultural.
3.2- A Ideologia da Deficiência Cultural
Houve quem tentasse fazer a relação entre diferenças sociais e a origem
das diferenças de aptidão e inteligência, mas caiu por terra esta concepção de que a
posição dos indivíduos na hierarquia social estaria diretamente ligada por suas
características pessoais, uma vez que nas sociedades capitalistas a divisão de classes não
se dá por meio das características do indivíduo, mas é determinada pelo modo de
produção capitalista, onde um grupo, detentor do capital, se apropria do trabalho de
outro grupo, que vende sua força de trabalho.
Portanto, não existe ligação entre desigualdade social e com desigualdade
natural ou de dom, aptidão ou inteligência.
Assim, para esta outra concepção, as desigualdades sociais são as
responsáveis pelas diferenças de rendimento dos alunos na escola, pois as condições de
vida das classes privilegiadas favorecerão o desenvolvimento das crianças provenientes
desta classe, enquanto que as condições de vida das classes menos favorecidas e a
maneira de viver de suas crianças não favoreceriam o desenvolvimento de suas
características e seriam culpadas pelas dificuldades de aprendizagem do aluno.
Do ponto de vista das ciências, é inaceitável uma cultura prevalecer sobre
outra, uma vez que, para a sociologia e a antropologia, não existem culturas superiores e
inferiores, complexas e menos complexas, ricas e pobres; o que existem são culturas
diferentes.
Veremos, então que, a explicação dada pela Ideologia da Diferença
Cultural, para o fracasso na escola, está no fato de alunos fazerem parte de uma classe
desfavorecida.
3.3- A Ideologia das Diferenças Culturais
Para esta concepção, não é adequado classificar grupos sociais como
“culturalmente deficientes” ou “privados de cultura” ou “carentes de cultura”, pois estas
expressões significam falta ou ausência de cultura e em um grupo social não se pode
dizer que falte cultura. O que há é uma variedade de “culturas”, diferentes umas das
outras, mas que se estruturam da mesma forma.
É importante observar que estas expressões “deficiência, carência e
privação cultural” tenham surgido, justamente, em países onde a diversidade cultural se
soma à estrutura capitalista da sociedade. Nessas sociedades, o que impera são os
padrões dos grupos dominantes, que vão determinar a cultura daquela sociedade,
achando-se, assim, ‘superior’ sobre as demais. Sob este aspecto também os padrões das
classes desfavorecidas serão desconsiderados; daí a transformação de diferença para
deficiência, carência e ou privação.
A escola, então, dentro de uma sociedade capitalista é a reprodutora dos
modelos impostos pela classe dominante. O aluno da classe desfavorecida defronta-se
com uma escola e cujas normas são totalmente diferentes das suas e terá que se
acostumar com novas regras, tendo até, em muitos casos, que renegar suas próprias
normas.
Seu procedimento é considerado inferior em relação ao modelo imposto
determinado pela classe privilegiada. Esse processo vai se constituindo através da
marginalização cultural, o aluno falha não por carências intelectuais ou culturais, como
propõe as Ideologia do Dom e da Deficiência Cultural , mas por ser diferente. Conforme
demonstrou a Ideologia da Diferença Cultural, quem tem grande parcela de culpa pelo
fracasso do aluno é a escola, pois trata suas diferenças discriminadamente.
È necessário estudar ainda mais uma explicação dada ao fracasso escolar:
A Ideologia da Deficiência Lingüística.
3.4- A Ideologia do Déficit Lingüístico
A linguagem desempenha papel fundamental nas diversas abordagens e
ideologias sobre o fracasso escolar. A linguagem pode ser considerada como produto de
grande importância para uma cultura e instrumento essencial para sua transmissão. É
através da língua, que a escola torna as diferenças entre grupos sociais evidente e
portanto contribui para as descriminações e o fracasso. Os alunos provenientes das
camadas populares sofrem muitos preconceitos com o modo que a escola usa para
rotulá-los. Segundo Soares (1995) “ a escola usa e quer ver usada a variante – padrão
socialmente prestigiada.”
De acordo com a teoria do Déficit Lingüístico a criança da camada
popular, chega à escola com uma linguagem falha, que não permite o sucesso das
atividades e em conseqüência o aprendizado. São crianças que apresentam um
vocabulário insuficiente. Para os defensores desta teoria, o Déficit Lingüístico está
diretamente relacionado com a aquisição de conhecimento, por isso buscam pautar-se
em psicólogos ( como Vigotsky e Luria) defensores do desenvolvimento do pensamento
e do raciocínio como originário do desenvolvimento da linguagem. A partir daí nota-se
que as deficiências Lingüísticas da criança de camadas populares, são também
cognitivas, uma vez, que sua linguagem insuficiente torna-se uma barreira para seu
desenvolvimento cognitivo.
Essa teoria, ainda considera o contexto lingüístico em que vive a criança,
em especial com a família. A relação da criança com os adultos poderá interferir no seu
desenvolvimento. Para os defensores dessa teoria, o meio lingüístico afetará o
desenvolvimento da criança. Pois, nas camadas populares a criança não é estimulada, a
mãe pouco conversa e o diálogo não favorece a reflexão. Ao contrário da criança da
classe favorecida, que vive em um meio rico em estímulos verbais e como conseqüência
desenvolve-se lingüística e cognitivamente, não sofrendo com isso de dificuldades de
aprendizagem, quando entram na escola.
Déficit Lingüístico é considerado, então elemento de maior
responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem da criança desfavorecida na escola.
Tal ideologia surgiu nos Estados Unidos, na década de sessenta. Neste
período, intensificou-se um grande movimento a favor da igualdade de oportunidades,
uma vez que a maioria de negros e latinos estava na miséria, naquele país. Estes também
eram discriminados tanto no mercado de trabalho quanto na escola, o que acentuava a
alta taxa de desemprego e o abandono escolar. Com tantas ameaças ao equilíbrio social e
econômico, o governo americano precisou agir rápido e movimentou medidas para que
houvesse uma integração social, com o intuito de acalmar as minorias e assim integrá-las
ao sistema liberal, na sociedade capitalista de então.
As medidas que deveriam ter a intenção de sanar as desigualdades de uma
sociedade capitalista, acabaram partindo para um outro lado, buscando, assim, explicar a
situação de segregação que sofria a classe minoritária, sem ao menos colocar em dúvida
a estrutura da sociedade de então.
Na educação, procurou-se fazer estudos sobre o problema da dificuldade
de aprendizagem e do fracasso na escola, das crianças provenientes das classes
dominadas. A psicologia, que já estava fazendo estudos neste assunto, começou a
utilizar testes, realizar entrevistas, observando o comportamento das crianças no
contexto escolar. Os estudos feitos sempre levavam em conta um modelo de
comportamento avaliado e comparado ao modelo de comportamento das crianças da
classe dominante. A criança da classe menos favorecida passa a ser considerada como:
“Deficiente mental educável / anti-intelectual/ criança com
desenvolvimento inadequado / criança com repertório comportamental
indesejável / criança com repertório comportamental limitado / criança
com distúrbio de aprendizagem / criança lenta / criança com problema de
memorização / criança com linguajar trôpego / carente cultural / carente
lingüístico / criança com pobreza vocabular / criança com distúrbio
psicomotor / criança disléxica ou com dislexia adquirida / criança que
desvia da média / alunos com necessidades especiais / alunos com
características especiais para aprender / criança não preparada para
responder / criança com desenvolvimento não harmonioso das funções
psiconeurológicas / crianças desastradas, desajeitadas, sem harmonia de
movimento / alunos com padrões de aprendizagem não compatíveis com
as exigências do ensino / alunos que não possuem um mínimo de
habilidades para iniciar as tarefas / crianças que apresentam problemas
acadêmicos / crianças em estado de confusão cognitiva / crianças com
raciocínio preso ao dado perceptivo / crianças com atraso de maturação /
crianças com falta de estímulos adequados na idade pré-escolar / criança
com inibição motora / criança com debilidade psicomotora / criança com
instabilidade psicomotora / criança com lateralidade cruzada / indivíduos
com retardo no desenvolvimento / crianças com déficits comportamentais
/ alunos incapazes de acompanhar o programa de ensino / duros de
aprender / elementos perturbadores da classe / alunos mentalmente
retardados / alunos com funcionamento intelectual inadequado / alunos
com baixo nível intelectual / alunos com desajustamento social / aluno
excepcional / deficiente no desempenho escolar / crianças com problema
de socialização” ( Souza, p. 13-15,2001).
Com tantos rótulos, a criança é apresentada como carente, deficiente tanto
afetivamente como lingüisticamente. O que houve, na verdade, como bem descreveu Soares
(1995), foi a ‘psicologia da pobreza’, que atribuiu à pobreza culpa por gerar ‘doenças, defeitos
e deficiências; mascarando, assim, a real situação ‘sócio-político-econômica de
desigualdade’.
Neste aspecto, os países que tinham a mesma estrutura ( capitalista) que os
Estados Unidos, logo introduziram a teoria da deficiência cultural, porém em alguns países,
como no Brasil, tal concepção chegou somente quando nos Estados Unidos já estava
ultrapassada. Aqui, desenvolveu-se no discurso pedagógico e enraizou-se de tal maneira que
as escolas e os professores possuem uma postura de inferiorizar a qualidade e a quantidade do
ensino para as classes desfavorecidas.
CAPÍTULO IV – ALTERNATIVAS PARA ENFRENTAR O
FRACASSO ESCOLAR NO ÁMBITO CURRICULAR
Dentre as várias alternativas de enfrentamento do fracasso escolar encontra-se
um item fundamental que se deve levar em consideração: as novas formas de organização
escolar, que privilegiam reformas curriculares.
Visando tal problema, a escola passou a se considerar responsável pelo fracasso
e começou a discutir necessidades de mudanças na estrutura escolar.
Diante de tais mudanças, surgem as várias propostas de reestruturação curricular
que foram implementadas em diversos Estados e capitais brasileiras, nas duas últimas décadas.
Neste capítulo, iremos analisar algumas propostas alternativas de enfrentar o
problema do fracasso escolar, no âmbito da reestruturação curricular, dado a importância e o
alcance de tais medidas, atingindo grandes contingentes de alunos das redes públicas.
4.1- Propostas Curriculares
Alguns estudos mostram que as propostas de reestruturação dos sistemas
educacionais, atuam geralmente para priorizar os interesses de alguns grupos
conservadores, que visam imbutir nas escolas suas políticas educacionais pautadas em
sistemas capazes de produzir a inclusão e a exclusão.
As reformulações curriculares estudadas procuram o lado oposto do discurso
hegemônico neo-liberal, sendo, pelo menos no Brasil, pouco frisadas. Em diversos
estudos de propostas curriculares alternativas, Moreira (1999) discute a necessidade que
estas propostas possuem de “ contribuir para o avanço do conhecimento no campo do
currículo como para estimular outras reações”, considerando que o resultado esperado não
é a busca da alternativa correta e sim sua divulgação.
Entre outros autores que buscam estudar estas propostas, Moreira (1999)
menciona aqui dois autores americanos, Apple e Beane (2000) , defensores da criação e
expansão de espaços em que se contem as histórias de práticas inovadoras bem sucedidas.
Mas, o que se deve lembrar, aqui, é que estas propostas difundidas por esses
dois autores não devem ser confundidas com outras propostas de visão conservadora e
que acabam como afirma Moreira (1999), “secundarizando as expressivas diferenças
envolvidas nas condições de produção dos dois discursos e nos fins sociais e políticos que
os norteiam”.
Por isso, não teremos neste estudo, a pretensão de buscar nenhuma resposta, o
que faremos é um estudo das propostas alternativas que alguns Estados e capitais
desenvolveram nos anos 80 e 90, a fim de conhecer a democratização do espaço escolar e
o desenvolvimento de currículos centrados nas escolas, com objetivo de diminuir os
índices de fracasso escolar.
4.1.1 – Propostas Curriculares dos anos 80
Nos anos 80, ocorreu um movimento de renovação curricular que atingiu,
principalmente, as regiões Sudeste e Sul, seguindo as eleições governamentais em oposição ao
regime militar. Como prioridade estavam a melhoria da qualidade do ensino público, a
diminuição dos altos índices de repetência e a evasão escolar, que atingiam as crianças das
camadas populares, assim como incentivar a participação da comunidade escolar nas
decisões, de maneira a extinguir o regime autoritário imposto pela ditadura militar.
No campo das reformas curriculares, elas estavam apoiadas na pedagogia crítico
– social dos conteúdos e na educação popular, apesar das duas divergirem em relação ao
conteúdo proposto.
O estado deveria ser responsável pela determinação de um sistema de ensino que
fosse capaz de organizar e favorecer a união nacional e o desenvolvimento cultural da
sociedade. Para a pedagogia dos conteúdos, era necessário o favorecimento de programas
oficiais, que deveriam ser bem desenvolvidos pelos professores, para então serem
consideradas as condições da escola, as experiências dos alunos assim como as situações
didáticas diferentes a cada série e matéria.
Nesta proposta realizada por Minas Gerais e São Paulo, o que favoreceu foi a
qualidade do ensino público para as camadas populares e a democratização do espaço escolar.
4.1.1- Reforma Curricular de Minas Gerais
Em Minas Gerais, este movimento é liderado por Neidson Rodrigues, que
convocou pais, professores e alunos para participar das mudanças pretendidas. A Secretaria de
Educação organizou um congresso, do qual participaram mais de 5 mil escolas estaduais, com
o intuito de conhecer a situação das escolas, seus projetos pedagógicos e fazer um
levantamento das propostas para, então, encaminhá-las a uma nova política de educação.
Neste congresso, ficou determinado o abandono de métodos autoritários no
tratamento das questões educacionais, e em termos pedagógicos, a escola teria que conduzir a
transmissão do “saber universal, ou seja, o saber historicamente acumulado, necessário á
formação dos cidadãos” (Estado de Minas Gerais, apud Cunha 1991).
No plano curricular, ficou estabelecida a preservação das disciplinas tradicionais
e ao mesmo tempo foram introduzidas mudanças em algumas disciplinas, como em História,
Geografia e Educação para o trabalho. Tais mudanças tinham como objetivo o domínio da
linguagem científica, a compreensão da realidade cultural como produto histórico das ações
humanas, a compreensão das condições de vida do homem e da sociedade em suas
determinações fundamentais e representações culturais.
4.1.1.2- Reforma Curricular no Município de São Paulo
No município de São Paulo, o movimento é coordenado por Guiomar Namo de
Mello, e nele se valorizou a escola como “transmissora do saber sistematizado, de validade
universal, que constituía parte dos bens culturais produzidos historicamente pela humanidade”.
Todavia as mudanças desejadas não foram concretizadas; acabou-se com a disciplina Estudos
Sociais na 5ª e 6ª séries voltando-se a ensinar Geografia e História.( Moreira, 1999:113)
Em um documento oficial, o município de São Paulo (apud Moreira,
op.cit:.113): declarou a intenção de se desenvolver um trabalho educativo capaz de atender às
“necessidades de aprendizagem e ás características sociopsicoculturais das crianças das
camadas populares, permitindo que o aluno adquira e domine efetivamente as habilidades e os
conceitos básicos das diferentes áreas do conhecimento”.
Foi organizado um novo regimento para as escolas municipais e este representou,
em São Paulo, elemento central no processo que simbolizava a democratização da escola, uma
vez que neste regimento o poder foi redistribuído tendo a participação de professores, pais,
alunos, administradores e funcionários.
4.1.1.3- Reforma Curricular no Estado do Rio de Janeiro
A reforma implantada neste Estado foi bem diferente da reforma implantada nos
municípios de São Paulo e Minas Gerais. Nela, havia a nítida presença dos ideais de Paulo
Freire e a defesa de um ensino onde se levasse em conta o ‘saber popular’, defendido por
muitas vezes por esse autor, com os pressupostos da educação popular, rejeitando a divisão
entre transmissão do saber sistematizado e conscientização. Segundo Giroux (apud Moreira,
op. Cit.:114) “tudo o que fosse ensinado e aprendido deveria sê-lo criticamente”.
Para Paulo Freire, os currículos deveriam ser organizados de acordo com as
necessidades da vida social; por isso se preocupava tanto com os temas geradores. No
entanto, na reforma feita no Rio de Janeiro, segundo Moreira (1999),os princípios de Freire
não foram seguidos. Em determinados momentos da reforma, as propostas pedagógicas foram
misturadas, partindo, então, para tendências da pedagogia dos conteúdos e com idéias do
escolanovismo de Piaget, Rogers e Gramsci.
A proposta era oferecer para as crianças das camadas populares condições de
aprendizagem, de enriquecimento cultural e de engajamento na luta por mudanças sociais.
Para que isso ocorresse, seria preciso o estabelecimento de novas prioridades para a educação
no Estado do Rio de Janeiro, tais como: aumento da permanência do aluno na escola e
ampliação da rede escolar, a fim de estabelecer a democratização no processo. Isto não foi
obtido porque houve uma convergência por parte dos docentes, que recusaram as propostas
apresentadas em um encontro de professores de primeiro grau, presidido por Darcy Ribeiro.
Os docentes consideraram as teses como impostas e foram severamente criticadas. No final do
encontro, não se tinha nenhuma proposta de criação de um espaço mais democrático de
tomada de decisões.
Do processo de democratização da rede escolar na década de 80, convém
salientar que, a partir da estimulação feita por estas três administrações, se criaram novos
espaços para novas relações entre escola e secretaria, entre os vários sujeitos da escola, assim
como entre comunidade e escola.
Notou-se, como bem descreveu Barreto (apud Moreira, op.cit.:117) que a
tentativa de democratizar a escola ajudou a reforçar a luta pela democratização da sociedade
consolidando a idéia de que a própria educação correspondia a um direito de cidadania e que
deveria instrumentalizar os estudantes para uma participação mais ativa nos assuntos relativos
aos interesses comuns.
Infelizmente, foi dado, para a sociologia crítica do currículo assim como para a
pedagogia dos conteúdos e a educação popular, um outro significado. Os interesses políticos
entravam quase sempre em choque e acabaram levando os resultados das reformas para além
do desejado, segundo Moreira(1999) muitas das mudanças feitas não afetaram a realidade em
que viviam as crianças pertencentes á classe em questão. Essa ineficiência dos sistemas
públicos responsáveis fez com que chegássemos aos anos 90, com uma situação onde os
índices de evasão e repetência continuavam sem demonstrar nenhuma taxa considerável de
diminuição.
4.1.2 – Propostas Curriculares dos Anos 90
As propostas dos anos 90 pautaram-se, segundo Moreira(1999), no
desenvolvimento de currículos centrados nas escolas, quer dizer, as reformulações desta
década vão ser influenciadas pelos estudos culturais, pelo pós-estruturalismo e pelo pós-
modernismo. Tanta pluralidade levou à elaboração, em algumas capitais do Brasil, de um
currículo com princípios mais integradores, que pretendiam possibilitar a aprendizagem de
maneira mais interessante. As propostas, como define Barreto (apud Moreira, op.cit.: 27)
pautaram-se na “ idéia de integração do currículo como recurso facilitador da postura reflexiva
em relação ao saber constituído, reiterando o propósito de inserção do aluno na sociedade
como cidadão autônomo, consciente e crítico”.
Entendeu-se que para construir um projeto político pedagógico era necessária a
definição dele mesmo no próprio estabelecimento de ensino, deixando para os órgãos
responsáveis somente o estabelecimento dos objetivos gerais que norteiam o projeto.
Como espelho dessa nova reformulação, pretende-se analisar as propostas de
algumas capitais.
4.1.2.1- Reforma Curricular no Município de São Paulo
No município de São Paulo, a proposta – Ciclo Básico em Jornada Única – teve
três princípios que a norteavam: a participação, a descentralização e a autonomia. A partir
desses princípios, foram elaborados estudos para que a comunidade pudesse analisar os
problemas vividos pela população.
Organizou-se o material coletado, discutiram-se as informações em grupo com vistas à construção de categorias, definiram-se categorias para identificação e análise das situações mais significativas da comunidade. Selecionaram-se os temas geradores, vistos como caminhos para se conhecer, compreender e intervir criticamente na realidade. Tais temas pressupunham uma metodologia de trabalho coletivo pautado no diálogo e constituíam pontos de encontro interdisciplinares das áreas do saber. (São Paulo, Secretaria Municipal de Educação de São Paulo 1991)
Neste sentido, cada área do conhecimento manteve sua especificidade, até
quando tencionava a divisão do “saber escolar” e do “senso comum”. Desta maneira, fez-
se do currículo ferramenta para a “ação transformadora escolar”, fazendo-o ganhar nova
visão, inserido em uma construção coletiva e requerendo uma estrutura escolar mais
flexível, democrática e autônoma. Vislumbrava-se, assim, uma educação em ciclos capaz
e transformar a escola em um ambiente menos seletivo, excludente e autoritário.
4.1.3 -Reforma Curricular no Município de Belo Horizonte: o caso da Escola Plural
No município de Belo Horizonte a proposta foi de “Escola Plural”, que “busca a
ampliação da ação educativa e a construção da escola enquanto espaço sociocultural”. E,
como seu nome já diz, defende ou engloba um ensino abrangente, baseado em projetos de
trabalho, espaço escolar, reformulação curricular, formação de alunos, etc...
Neste estudo, analisarei mais pormenorizadamente a proposta da Escola Plural,
visto que, sua proposta desencadeou um interesse maior por sua organização e por seus
temas estarem diretamente ligados com o trabalho desenvolvido pela autora.
• Projetos de Trabalho
O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva para entendermos o processo de
ensino-aprendizagem.
Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos. Nesta postura, todo conhecimento é construído em estreita relação com os contextos em que são utilizados, sendo, por isso mesmo, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo. A formação dos alunos não pode ser pensada apenas como uma atividade intelectual. É um processo global e complexo, onde o conhecer e intervir no real não se encontram dissociados. ( Cadernos Escola Plural, Secretária Municipal de Educação de Belo Horizonte 1995. Pg. 8)
Nesta perspectiva, o ato de aprender deve ser de forma participativa, estando o
aprendizado ligado diretamente com a vivência do aluno e este optando por escolher melhor
os procedimentos para atingir determinados objetivos ( Cadernos Escola Plural de BH,
1996). Isso porque os velhos métodos de ensino colocam o aluno como mero espectador,
passivo e ouvinte.
• Formação de Alunos
O discurso pedagógico mais conhecido é a preocupação dos educadores em
formar alunos atuantes, reflexivos e participativos. No entanto, a realidade cotidiana exclui
completamente o que se ouve em tais discursos. Até mesmo em pequenas decisões o aluno
ainda fica à mercê do seu professor. A Escola Plural tem por objetivo concretizar uma nova
realidade, abrindo espaço para a complementação de conhecimentos já existentes no
indivíduo, criando oportunidades para ele expor suas experiências acumuladas.
É preciso sim, que o professor conheça e domine o objeto de conhecimento com o qual trabalha: ninguém pode desencadear um processo sobre o qual desconhece. Mas, além dos conteúdos disciplinares, o professor precisa também conhecer esse aluno, suas experiências prévias, suas inquietações, suas formas de representar a realidade. E é na articulação desses dois conhecimentos que o professor organiza o seu trabalho pedagógico.( Cadernos Escola Plural, Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte1996.pg.34 )
• Reformulação de Currículo
Para entender como é feita a reformulação do currículo na Escola Plural, deve-se
antes estabelecer os objetivos gerais para esta proposta.
O currículo deve ser entendido a ‘priori’, “como uma expressão advinda do séc.
XVI, cujo nome curriculum indica conforme Hamilton (1992) “maior controle sobre o ensino
–aprendizagem, que denota o caráter de ordenamento e organização que é implícito ao termo”.
E é por isso que o termo currículo, apesar de já ter passado por vários movimentos, sofre
mudanças que vão muita das vezes interferir no caráter técnico ou político, pois determina a
estrutura de uma sociedade que planeja, a forma de organização do trabalho na escola, as
posturas dos educadores, a organização dos conteúdos e a metodologia de trabalho.
A definição do currículo é, normalmente, estabelecida nos Gabinetes das
Secretárias de Educação, onde se resolve quais os objetivos que deverão ser alcançados e se
decide as grades curriculares, que definem as disciplinas ou tópicos de conteúdo, a carga
horária, os métodos e as técnicas de ensino e a avaliação de objetivos preestabelecidos.
É levando em consideração todos esses pontos, que a Escola Plural procurou
redimensionar a escola pública, buscando em seus objetivos tornar o aluno um ser capaz de
produzir sua identidade’ sociocultural, sem que haja estancamentos nesta construção e este
possa transformar-se em indivíduo pensante e expressar suas opiniões.
Nesta concepção, não podemos esquecer um outro ator fundamental nesta
construção: o professor, que deverá levar em conta as experiências de cada um, e não ser
apenas aquele que fornece estímulos, mas sim estimulador de atividades que possam levar o
aluno a refletir e superar cada instante. O educador deve, ainda, se superar na sua prática
pedagógica.
Enfim, deve haver uma nova estrutura de trabalho no contexto escolar, deve-se
superar a grade curricular e o programa de conteúdos, definidos pelo mercado do livro
didático, que estabelece verdades prontas e acabadas que não podem ser questionadas.
• Ciclos
Quando se pensa em uma reformulação curricular não se pode deixar de levar
em conta como essa vai afetar os ciclos iniciais do ensino, uma vez que estes devem atender às
necessidade.
A Escola Plural, preenche esses requisitos, visto que os ciclos são formulados
para atender a interação do aluno com a realidade ( sua própria vivência).
A criança, então no primeiro ciclo de 06 á 09 anos deve ser capaz de
desenvolver a linguagem, objetivando estimular reações necessárias ás suas ações futuras
“recordar, planificar, sistematizar o resultado de suas ações”. No segundo ciclo, a criança já
deverá trabalhar o lado excêntrico, incentivando mais seu desenvolvimento em grupo. Nesse,
período existe uma construção de idéias próprias sem necessariamente desprezar as dos outros,
porém desligando-se das colocadas por imposição.
• Avaliação
A partir do aprendizado contínuo da criança já constitui-se uma avaliação
visando buscar resultados significativos e meritórios não determinando período, mas dentro de
uma continuidade no desenvolvimento de atividades, comportamentos e etc.
Verificou-se, segundo Moreira(1999), que todas as propostas curriculares aqui
analisadas concentraram-se no “processo de construção curricular” no campo da escola,
contribuindo para a descentralização proposta pelo governo federal e tendo como objetivo a
democratização do espaço escolar e o desenvolvimento do currículo nas escolas, promovendo,
ainda, currículos centrados nas escolas com a integração dos conteúdos e das atividades.
CAPÍTULO V – CONCLUSÃO
Ao longo desta retrospectiva histórica das concepções de fracasso escolar,
observou-se que a sociedade foi estabelecendo, na divisão de classes, preconceitos que foram
sendo enraizados dentro das teorias racistas, de modo à inferiorizar as classes trabalhadoras
que não podem, ser responsabilizadas por problemas educacionais.
Nesse estudo, foi abordada especialmente a raiz do mais presente problema das
escolas públicas - o fracasso escolar -, raiz esta que se encontra vinculada a muitos
movimentos desencadeados em séculos passados.
Falou-se sobre o Iluminismo, que destacou idéias renovadas, abrindo novos
caminhos para a resolução do então obscurecido problema.
A Revolução Francesa destacou-se pelas suas conquistas de ideais, até então mais
distantes para uma pequena classe. Com o tão forte desejo de liberdade, progresso e igualdade
social, essa luta tornou-se vitoriosa, para a classe burguesa, que implantou o modelo de escola
adequado às suas concepções de mundo.
Mais à frente, aconteceu a Revolução Industrial, impulsionando a divisão de
classes e evidenciando, assim, o que parecia menos importante no que diz respeito a atender
essa necessidade: buscar respostas ao porquê do fracasso escolar ocorrer somente no
proletariado.
Tais conquistas, embora avançando no tempo, não prosseguem no mesmo ritmo
que deviam, pois esbarram no fantasma constante da desigualdade social, agora também
cultural, visto que persistem os benefícios da classe burguesa minoritária. É o que enfocam
exatamente as teorias racistas.
Com os sistemas nacionais de ensino, havia o interesse principal de realizar uma
vida social igualitária priorizando o aprendizado . A primeira guerra mundial abalou a
pedagogia tradicional, dando lugar à psicologia diferencial, que contribuiu para o estudo do
fracasso escolar, por olhar o indivíduo no cerne da sua dificuldade, estudando as suas
diferenças.
Caminhando nessa mesma direção, ou seja, de buscar respostas ao problema
global, que é o fracasso escolar, chegou-se ao caso brasileiro. Neste âmbito, difundiam-se
idéias implementadas nas bases já existentes das conquistas anteriormente mencionadas e,
como mostrado neste estudo, ajudaram a proliferar um problema tão antigo.
As várias teorias elaboradas para justificar o fracasso escolar , como foi
observado neste estudo, estão ainda muito ligadas a aspectos sociais e não observam o aluno
como ser individual; deve-se notar, ainda, que estas teorias fizeram uma “patologização do
problema” e não conseguem desmistificar essa idéia. São anos de rótulos colocados em
crianças, que na verdade só precisam de verdadeira atenção e na maioria das vezes, ao menos
falando das crianças brasileiras, as que apresentam dificuldades de aprendizagem não podem
ser consideradas possuidoras de problemas em qualquer área.
Ao fazer uma reflexão sobre essas limitações, é preciso rever as reformas
curriculares. O que se nota é que estas propostas estão fortemente ligadas a aspectos de caráter
político, o que dificulta o sucesso das reformas analisadas. São os mesmos movimentos e as
constantes mudanças que as políticas educacionais sofrem o que Cunha ( apud Moreira, op.
Cit.: 126), chamou de política do ‘Ziguezague’. Todo esse movimento, além de favorecer a
falta de êxito das reformas, também favorece a descredibilidade do corpo docente em relação
às reformas citadas.
Para que houvesse mais êxito nessas propostas há de se pensar, como Moreira (
1999 ) em que “centrar o currículo na concretude das realidades escolares, não pode
significar omissão da Secretaria ou sua retirada do cenário”. Em outras palavras, a
concentração do currículo na escola deve ser defendida por todos, porém deve-se exigir a
participação intensa das Secretarias. Há de se fazer também uma reorganização das
Secretarias de Educação, pois assim ficará mais fácil preservar e renovar as experiências com
sucesso.
É preciso que haja realmente empenho por parte de quem está no topo das
decisões, para que as alternativas de enfrentamento de um problema tão antigo e ao mesmo
tempo tão recente possam ter sucesso. Não basta ter programas de enfrentamento para o
fracasso escolar perfeitos na tese, em seus manuais de apresentação, enquanto, na realidade, o
que se vê é um total descaso com a educação. Deve realmente haver uma proposta que
relacione estrutura de trabalho, salários decentes e proposta pedagógica condizente com a
realidade do aluno. Só assim, o ensino poderá contribuir para a superação do fracasso escolar.
BIBLIOGRAFIA
CARRAHER, Terezinha. CARRAHER, David. SCHLIEMANN, Ana Lúcia. Na Vida Dez, Na Escola Zero.11ª ed.Cortez, 2001.
COSTA, Dóris Anita Freire. Fracasso Escolar: Diferença ou Deficiência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
CUNHA, L.A. Educação, Estado e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez; Niterói: EDUFF; Brasília: FLACSO do Brasil, 1991.
_____. “Os males do ziguezague”. Presença Pedagógica, n.6, 1995, pp. 5-15.
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1991.
PAIN, Sara. Diagnósticos e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. 3ª ed. Artes Médicas, 1989.
PATTO, Maria Helena Souza. A Produção do Fracasso Escolar: Histórias de Submissão e Rebeldia. São Paulo: Queiróz, 1990.
_________________________.”A criança da Escola Pública: Deficiente ou Mal Trabalhada?”. Ciclo Básico, SP, SE/CENP,1987.
SOARES, Magda. Linguagem: Escola e uma Perspectiva Social. São Paulo, Ática, 1995.
SOUZA, Maria Ângela Gomes. “Dificuldade de Aprendizagem na Alfabetização”. Monografia do Curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia. UEM.G.Universidade Estadual de Minas Gerais. Orientação: Domingos Nobre.Carambola. MG.2001.
MOREIRA, A. Flávio. “ Propostas Curriculares Alternativas. Limites e Avanços”. In: Educação & Sociedade. Dossiê “ Políticas Curriculares e Decisões Epistemológicas” N. 73, Cedes, 2000.