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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE PSICOLOGIA
THAIS DE MELO NUNES
ADOLESCENTES PROTAGONISTAS DA CULTURA: UMA INTERAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO APRENDIZADO DE
MÚSICA ERUDITA
SANTOS 2007
THAIS DE MELO NUNES
ADOLESCENTES PROTAGONISTAS DA CULTURA: UMA INTERAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO APRENDIZADO DE
MÚSICA ERUDITA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Católica de Santos como exigência parcial para a obtenção do título de Psicólogo.
Orientador: Profª Dra Daisy Inocência Margarida Lemos
SANTOS 2007
THAIS DE MELO NUNES
ADOLESCENTES PROTAGONISTAS DA CULTURA: UMA INTERAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO APRENDIZADO DE
MÚSICA ERUDITA
Banca Examinadora:
__________________________________________ ___/___/___
Orientadora: Profª Dr. Daisy Inocência Margarida Lemos
____________________________________________ ___/___/___
Examinadora: Profª Me. Maria Izabel Calil Stamato
_____________________________________________ ___/___/___
Profº Responsável pela coordenação de TCC
SANTOS 2007
Dedico este trabalho a todos os
alunos do projeto de música
que tornaram esta pesquisa
possível.
AGRADECIMENTOS A Deus, por me fortalecer, iluminar e me abençoar para não desistir de
concretizar esta jornada tão árdua e desafiadora, que testou meus limites e
custou muitas horas de dedicação.
Aos meus pais que financiaram meus estudos e acreditarem que é possível
vencer dificuldades para nos tornarmos seres humanos melhores. Também a
minha irmã que proporcionou momentos de descontração.
Ao meu namorado que me apoiou e se disponibilizou para ajudar a qualquer
momento que fosse solicitado. Mas somente o seu amor e dedicação puderam
me acalmar e não permitir que tudo se esvaísse.
Aos meus colegas de classe e principalmente aos amigos que me ampararam
nos momentos de dúvidas e desespero.
A minha orientadora, professora Drª. Daisy Inocência Margarida Lemos, que
permitiu que este estudo ocorresse nos parâmetros científicos e por acreditar
que o trabalho poderia ser possível.
A examinadora professora, Ms. Maria Isabel Calil Stamato que, através de suas
críticas e observações, consolidou a pesquisa. Assim como, pela ajuda e
disponibilidade.
A todo corpo docente e funcionários da Universidade que nos tranqüilizaram
com suas palavras de conforto.
Sem dúvida aos responsáveis pelo projeto de música e a todos os alunos que
viabilizaram esta pesquisa e tornaram possível concretizar o estudo.
Obrigada a todos, mesmo aqueles que não mencionei neste simples
agradecimento.
A música expulsa o ódio dos que vivem sem amor.
Dá paz aos que não têm descanso e consola os que choram.
Os que se perderam encontram novos caminhos,
e os que tudo rejeitam reencontram confiança e esperança.
(Pablo Casals)
NUNES, Thais de Melo. Adolescentes Protagonistas da Cultura: uma interação
social através do aprendizado de música erudita. 2007. 87f. Trabalho de
Conclusão de Curso. Psicologia. Universidade Católica de Santos.
RESUMO
O presente trabalho surgiu ao entrar contato com o projeto de iniciação musical, formado por jovens de Santos e região que, ao finalizarem seus estudos musicais, apresentavam um diferencial. Estavam aptos para continuarem seus estudos de música e também com uma nova concepção sobre a realidade. Então, buscou-se pesquisar e analisar se, através do aprendizado e contato com a música erudita, os adolescentes que freqüentam o curso, provindos de uma camada popular, podem construir uma nova forma de pensamento e assim refletirem sobre a sua realidade, adquirindo capacidade de exercer conscientemente a cidadania. A pesquisa orientou-se de acordo com a abordagem sócio-histórica, principalmente pelos estudos de Vygotsky. Foram realizadas pesquisas bibliográficas e um Estudo de Campo. Os resultados obtidos foram coerentes com a pesquisa teórica e de grande valia para evidenciar os questionamentos desta pesquisa.
Palavras-Chave: adolescente, interação social, música erudita e protagonismo juvenil.
SUMÁRIO
Introdução 9
Capítulo 1: Adolescência 11
1.1 Adolescência na teoria Sócio – Histórica 17
Capítulo 2: Projeto de música 20
2.1 A Orquestra 21
Capítulo 3: A teoria sócio-histórica e as contribuições da Psicologia 24 atual
3.1 A visão de homem 27
3.2 Subjetividade e intersubjetividade 30
3.2.1 Sentido e significado 33
3.2.2 O discurso interior 35
3.3 A construção cultural na humanidade 36
3.4 A afetividade 39
3.4.1 Afetividade e Razão no Cérebro Humano 40
Capítulo 4: Música para ouvir e música para tocar 42 4.1 A música como forma de aprendizado 43
4.2 Os benefícios da música para o desenvolvimento cognitivo e 48
escolar
4.3 Educação Musical 49
Capítulo 5: Protagonismo juvenil 52 Capítulo 6: O projeto de pesquisa 56 6.1 Justificativa 56
6.2 Problema 57
6.3 Objetivo geral 57
6.3.1 Objetivo Específico 57
6.4 Hipótese 58
Capítulo 7: Metodologia 59
7.1 Método de estudo 59
7.2 Sujeitos 59
7.3 Local 59
7.4 Instrumentos 59
7.5 Procedimentos 60
7.5.1 Estudo Piloto 60
Capítulo 8: Resultados 61
8.1 Tabelas de Resultados 61
Capítulo 9: Discussão dos resultados 75
Considerações finais 80
Referências 82
Apêndice 87
INTRODUÇÃO
Existe música em toda parte. Da antiguidade aos tempos atuais, o
homem utiliza a música como “trilha sonora” de seu dia-a-dia. Há música para
comemorar grandes eventos, músicas para ninar e brincar, música para
guerrear, música para dançar e se movimentar e também música para dizer
quem somos e de onde nos originamos. Em todos estes casos existe uma
mente que percebe, canta, toca, dança, compõe, improvisa, julga e aprecia.
A idéia deste trabalho surgiu a partir desta reflexão e da experiência de
trabalhar com adolescentes de baixa renda de Santos e região, que participam
de um projeto de iniciação musical, no qual aprendem a tocar instrumentos de
corda em formato de orquestra (violino, viola, violoncelo e contrabaixo).
A proposta do projeto é aproximar o jovem da cultura musical, através do
aprendizado de instrumentos de corda (descritos acima), tornando-o agente
multiplicador de conhecimento. Dessa forma, contribui para popularizar a
música erudita na comunidade, já que esta é um patrimônio cultural da
humanidade e está sendo deixada de lado principalmente por crianças e
adolescentes, por não terem contado com este tipo de música.
Então verificamos que estes jovens, que nos chegam movidos por
diversos interesses, não necessariamente querendo ser músicos, mas muitas
vezes por curiosidade, acabam ficando e descobrindo um mundo novo dentro
da música. O que nos surpreende é ver como parecem outros ao final.
O aprendizado de música é importante para o desenvolvimento da
imaginação, da criatividade e da emoção que dão o colorido à razão. Ajuda a
ampliar o conhecimento dos jovens que estão em processo de formação
intelectual, com o intuito de ajudá-los a transcender a sua realidade e, a partir
disso, poder mudar seu destino.
A partir destas observações, formulamos o seguinte problema: A
construção do sujeito crítico, por meio do estudo de música erudita, pode
contribuir para desenvolver o exercício consciente da cidadania?
Logo, temos como objetivo neste trabalho, a partir da teoria sócio –
histórica, refletir sobre a influência da música nas atitudes e posturas dos
jovens, verificando se o gênero musical influencia em sua vida e em seu
cotidiano favorecendo relações de respeito, amizade, auto-estima e se propicia
a eles um desenvolvimento psicossocial satisfatório.
Através da pesquisa explicativa (Estudo de Campo) e exploratória,
pretendemos identificar as variáveis que influenciam e definem os membros
deste grupo. O objetivo principal é identificar como o contato com a música
pode modificar a conduta do adolescente de baixa renda, observando e
detectando se podem tornar-se mais aptos a discutir e repensar as questões
que o cercam, por meio do estudo musical.
Cápitulo 1: adolescência
Há alguns anos atrás, a adolescência era tratada como uma fase que
antecede a vida adulta. Rappaport (1982) afirma que a adolescência
caracteriza-se como uma atitude cultural. Esta atitude ou postura do ser
humano durante uma fase de seu desenvolvimento, pode refletir as
expectativas da sociedade sobre as características deste grupo. A
adolescência, portanto, representa um papel social. E esse papel social de
adolescente parece sempre ter sido simultâneo à puberdade.
Campos (1997) diz que a puberdade tem um aspecto biológico e
universal, caracterizada pelas modificações visíveis, como por exemplo, o
crescimento de pêlos pubianos, auxiliares ou torácicos, o aumento da massa
corporal, desenvolvimento das mamas, evolução do pênis, menstruação e
outros. Estas mudanças físicas costumam caracterizar a puberdade que, neste
caso, seria um ato biológico ou da natureza.
Nestes primeiros anos da puberdade (aproximadamente dos 11 até 13
anos), ocorre o processo de maturação sexual, durante o qual toda a química
do sangue muda e novas características aparecem. De acordo com Sperling
(apud BALLONE 2003), através da ação dos hormônios são desencadeados,
em até dois anos, intensas modificações físicas. Em geral começa nas
meninas, por volta de 11 anos, e nos meninos, por volta dos 13 anos.
O autor continua dizendo que a dimensão física também se modifica.
Nas meninas há um desenvolvimento dos seios, o alargamento dos quadris e
pêlos pubianos, logo após a primeira menstruação. Nos meninos, há um
amadurecimento sexual nos órgãos genitais (formação dos espermatozóides),
pêlos pubianos, nas axilas, na face e em outras áreas do corpo do menino. A
voz do menino também sofre mudança. Este amadurecimento sexual tem como
causa modificações no funcionamento nas glândulas endócrinas. Dentre estas
modificações citadas ambos mudam de estatura, assim como crescem devido
à atividade das glândulas sudoríparas.
Crianças e adolescentes já não são mais os mesmos. Eles participam avidamente do mundo dos adultos e se transformam nos novos convidados da realidade orgástica do consumo e dos prazeres. As crianças, tendo nascido no seio de uma família e
considerados como "pertencendo" a esta família, encontram-se, paradoxalmente, cada vez mais solitários e à mercê de seus pares da rua, da escola e do apelo cultural para que se tornem, rapidamente, adultos esbeltos, ricos, formosos, na moda e plenamente sexualizados. (BALLONE, 2003. p.1).
Ballone (2003) diz que atualmente temos visto, cada vez mais cedo,
crianças que incorporam o papel social de adolescentes e,
consequentemente, assumem o papel social de adultos mais precocemente.
E dando asas à imaginação, parece, salvo melhor juízo, que essa adolescência precoce tem arrastado consigo a puberdade precoce, principalmente a feminina, com meninas de 9-10 anos menstruando e desenvolvendo seios. (BALLONE, 2003 p.2).
Após a puberdade, a próxima etapa é a adolescência (aproximadamente
de 13 até 20 anos), durante a qual as modificações continuam de forma mais
branda. Tolstoi descreveu esta fase como ‘[...] um tempo de vitalidade sem os
cuidados da vida adulta, um tempo de amizades gratificantes, um tempo de
idealismo intenso e uma crescente sensação de excitantes possibilidades de
vida [...]’. (MARTIN apud BORGES, 2003, p.4).
Período da vida, como todo o fenômeno humano tem sua exteriorização característica dentro do meio cultural-social no qual se desenvolve. Assim, devemos em parte considerar a adolescência como um fenômeno específico dentro de toda a história do desenvolvimento do ser humano, e, por outro lado, estudar a sua expressão circunstancial de caráter geográfico e temporal histórico-social. (ABERASTURY, 1981, p. 31)
Estas modificações físicas, segundo Becker (1994), são universais, mas
o nível psicológico e as relações deste com o meio, normalmente ocorrem em
outra velocidade. Ou seja, o adolescente internamente não consegue
acompanhar esta “metamorfose” na mesma proporção.
Romano Guardini (apud RAPPAPORT, 1982) fala desta fase intitulando-
a como “crise do amadurecimento” que é caracterizada pelo cruzamento de
dois impulsos humanos básicos: a afirmação individual de si mesmo e a
tendência sexual. A primeira manifesta-se a partir da conscientização de que
se é uma pessoa diferente dos demais – despertar para a personalidade. O
adolescente passa a tentar distinguir-se dos outros sendo ele mesmo; busca
ter um julgamento próprio sobre o mundo e uma situação exclusiva nele; “é
chegar a ser eu mesmo para aproximar-se dos demais, considerando-os como
o outro, enquanto ele é um eu”. (GUARDINI, apud RAPPAPORT, 1982, p.52).
A outra causa é o despertar para a sexualidade e sua inserção na
totalidade da vida pessoal. O jovem deve vencer o obstáculo de reconhecer
como legitima a nova atividade vital despertada, ou seja, que é capaz de obter
prazer sexual e formar uma nova vida a partir deste ato. O que acontece é que,
psicologicamente, o jovem não sabe o que significa ser pai ou mãe no sentido
pleno da palavra ou, como se entregar ao sexo sem embrutecer-se. Faz, mas
não alcança o amor autêntico.
Campos (1997) também enfatiza que, além das transformações físicas,
o adolescente sofre modificações em seu modo de pensar, de ver o mundo,
passará a ter reações próprias da idade (irritabilidade, incompreensão e etc.),
que são reflexo de seu desenvolvimento acelerado. Este comportamento típico
desta fase pode sofrer influência do meio sociocultural em que ele está
inserido.
O grupo é muito importante para o desenvolvimento das relações
interpessoais. Para Campos (1997), o adolescente pode enturmar-se em um
grupo de adolescentes que estejam passando pelo mesmo processo, no qual
há uma probabilidade desta maturação sexual precoce ser naturalizada. Ou,
caso o grupo possua características diferentes da que o adolescente está
passando, há uma ausência na identificação deste individuo com o grupo,
podendo gerar angústia e preocupação.
As mudanças psicológicas ocorrem pelas novas necessidades do corpo
desta criança que cresceu e está transformando-se num adulto. Com esta
transição, o adolescente busca a sua independência - a libertação dos pais, ou
seja, daquilo que o torna dependente deles. Ocorre também um
aprofundamento das relações sociais e emocionais, na qual a cultura apresenta
grande importância em contribuir para a reconstrução das características do
sujeito.
Estas transformações físicas refletem no adolescente uma “crise de
imagem”. Tem que se adaptar ao novo corpo e à nova relação com este, que é
impregnada de significados culturais. O terror de qualquer adolescente é como
aceitar toda esta modificação corpórea, que o torna visivelmente diferente do
grupo que pertence. Podemos citar: o uso de óculos, aparelhos dentários,
acnes, obesidade, reprovação de descargas sexuais, ascetismo que podem
levar esses adolescentes a tornarem-se inibidos.
O desenvolvimento cognitivo, segundo Sperling (apud BALLONE 2003), está no auge da capacidade. O adolescente adquire um novo nível de
consciência social e julgamento moral, já que é capaz de avaliar seus
pensamentos e de imaginar o que as demais pessoas podem estar pensando
sobre ele.
O intelecto, por exemplo, apresenta maior eficácia, rapidez e elaborações mais complexas, a atenção pode se apresentar com aumento da concentração e melhor seleção de informações, a memória adquire melhor capacidade de retenção e evocação, a linguagem torna-se mais completa e complexa com aumento do vocabulário e da expressão. (BALLONE, 2003, p.2).
Piaget (apud BECKER, 1994) relaciona esta fase ao período das
operações formais que é marcado pelo raciocínio abstrato, o qual contribui para
a formulação de hipóteses, para engendrar possibilidades e pensar a respeito
de símbolos sem base na realidade. “Essa transformação na inteligência afeta
todos os aspectos da sua vida, pois ele utiliza as novas capacidades para
pensar a respeito de si mesmo e do mundo que o cerca”. (BECKER, 1994,
p.26).
Para Anna Freud (apud BECKER, 1994), a chegada da puberdade
intensifica os impulsos instintivos do id, levando o indivíduo ao desequilíbrio.
Para lidar com isso, o ego utiliza mecanismos de defesa para “encobrir” da
consciência aquilo que não consegue controlar. O principal mecanismo de
defesa é a intelectualização. Dessa maneira, podemos entender a preocupação
do adolescente com os problemas sociais além de outros, que seriam uma
tentativa de “transferir para o mundo externo conflitos incontroláveis da vida
interior e não preocupações autênticas”. (FREUD, apud BECKER, 1994, p.27).
O adolescente adere a ideais e ideologias, até mesmo com fanatismo, como uma saída mais aceitável, em termos sociais ou pessoais, para suas energias agressivas ou sexuais. (RAPPAPORT, 1982, p. 13).
Becker (1994) diz, ainda, que as crises de rebeldia do jovem para com a
sociedade são uma transferência do conflito com os pais, devido à sociedade
representar um meio controlador.
À medida que as faculdades cognitivas amadurecem, muitos adolescentes começam a pensar sobre que é possível em termos ideais. Por isso, passam a criticar a sociedade, os pais e até mesmo suas próprias deficiências. (SPERLING apud BALLONE, 2003, p.3-4).
Outro psicanalista, Erik Erikson (apud BECKER, 1994) em sua teoria,
apresenta o adolescente como um ser que “busca consolidar o sentimento do
eu à própria identidade” (SPERLING apud BALLONE, 2003, p.4). Ou seja, a
busca do seu eu único se torna uma crise, pois o adolescente passa a ter
necessidade de se diferenciar dos demais. O autor também afirma que a
identidade do jovem está ligada à capacidade de modificar os valores
dominantes em valores próprios.
Weinberg (1999) usa o termo crise de identidade para descrever a
necessidade de o adolescente colocar um fim a essa confusão de papéis. Diz
que ocorre devido à existência de duas forças antagônicas: uma impulsionando
– o para a vida adulta e outra chamando-o para os privilégios da infância.
“Entrar no mundo dos adultos - desejado e temido – significa a perda da
condição de criança.” (WEINBERG, 1999, p. 31).
Por isso este é um período de contradições, confuso, ambivalente e
muito doloroso. Aberastury e Knobel (1981) investigaram bem esta crise que
atormenta os adolescentes. Segundo estes autores, o jovem passa por três
lutos: o luto pelo corpo infantil; o luto pelo papel e pela identidade infantil; o luto
pela perda dos pais da infância.
O primeiro luto ocorre no início da puberdade durante a qual acontecem
as mudanças corporais mais drásticas. Pode causar no adolescente angústia e
“estados de despersonalização” por não aceitar que o próprio corpo está
produzindo estas mudanças.
O segundo luto leva o adolescente à construção de um novo ego
corporal, à busca da identidade e ao cumprimento de novos papéis. O terceiro
luto revela que aqueles pais que sabiam de tudo e os protegia, agora parecem
não ser mais os mesmos. O jovem dá-se conta de que eles estão
envelhecendo e que um dia irão morrer. Então não querem perder a lembrança
destes pais. Começam a procurar por “pais substitutos” - professores, ídolos,
amigos e etc. - que servirão como um novo referencial contribuindo, desse
modo, para a edificação da sua identidade.
A ideologia tem um papel importante por atuar na construção da
identidade de forma facilitadora. Contudo, dita modos de vida que valem a
pena ser vividos, que funcionam como parâmetro para a construção da sua
identidade no meio social. Neste sentido Erik Erikson (apud RAPPAPORT, 1982) diz que o aparecimento do sentido da identidade adulta faz com que o jovem comece a se perguntar como será o futuro deixando de se preocupar com o presente. “A certeza quanto ao lugar que ocupa no presente e no futuro permite que o indivíduo conquiste confiança e avance para níveis superiores de desenvolvimento”. (ERIK ERIKSON apud RAPPAPORT, 1982, p. 82).
Afirma ainda que a adolescência é o período da moratória psicossocial, durante o qual o sujeito prepara-se para a autonomia ao mesmo tempo em que ainda depende da família como suporte de proteção e orientação, sendo assim menos exigido socialmente do que um adulto. Dessa maneira vai ensaiando modos de viver e de relacionar-se, como também de testar suas capacidades e limites.
Knobel (apud RAPPAPORT, 1982) relata que a adolescência é uma fase
vulnerável do ser humano; logo, funciona como depositário de fenômenos
patológicos da sociedade, tais como a delinqüência, os vícios, a prostituição e
a promiscuidade sexual - fenômenos sociais que não são exclusivos desta
faixa etária.
Dessa forma, não se devem tomar medidas que visem à educação e à
proteção dos jovens; é necessário tomar medidas que modifiquem o provedor
destas ações – o mundo adulto. “As características psicológicas de rebeldia e
inconformismo tornam o adolescente um fácil depositário desses fenômenos
patológicos de organização social.” (KNOBEL apud RAPPAPORT, 1982, p.63).
Sabemos que, por isso, também existe uma atenção voltada a este
público por parte das grandes indústrias de consumo que o tem como principal
alvo de propagandas e produtos. Ditam regras de moda, estilos musicais e etc.
para cativar a assiduidade dos jovens.
Em nosso país temos também diversos problemas sociais que influem
diretamente no desenvolvimento do adolescente. Becker (1994) classifica dois
grandes grupos de adolescentes: os de classe média e classe média alta e os
demais (que são a grande maioria).
A situação sócio-econômica do jovem pode impulsioná-lo a passar por
esta fase de forma mais superficial, já que ingressam mais cedo no mundo dos
adultos – vão trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família. Neste
ponto, o processo de maturação deve ser percebido de forma relativa, por estar
relacionado com um tipo de grau de dificuldade eminente da sociedade.
1.1 Adolescência na teoria Sócio – Histórica
De acordo com Bock (apud CALIL, 2001) a psicologia sócio-histórica,
entende o homem como um ser histórico (constituído ao longo do tempo),
possuidor de características estabelecidas pelas relações interpessoais e pela
cultura; em uma relação dialética, no qual um precisa do outro para estabelecer
seu próprio desenvolvimento. Neste sentido, o homem, ao construir sua realidade, se constrói, enquanto sujeito, através da atividade que exerce sobre o mundo e da vivência das relações sociais que acompanham esta atividade. Por meio de mediações como a linguagem, vai desenvolvendo sua consciência, sua forma de significar o mundo e seus sentidos pessoais, os quais orientam suas ações. (CALIL, 2001, p.49)
Bock e Liebesny (2003) dizem que a adolescência é um modelo
construído historicamente pelo homem em suas relações sociais, sendo um
ponto de partida para o jovem buscar, por meio de relações com o mundo que
o cerca estabelecer sua identidade individual. A representação social e
psicológica ajudam-no a atribuir um significado cultural, e a linguagem será o
instrumento que contribuirá para a mediação nestas relações sociais.
A abordagem sócio-histórica não nega a existência da adolescência enquanto um conceito importante para a Psicologia. Entretanto não a considera como uma fase natural do desenvolvimento mas sim como uma criação histórica da humanidade. Um fato que passou a fazer parte da cultura enquanto significado, isto é, um momento interpretado e construído pelos homens, um período constituído historicamente. (OZELLA, 2003, p. 9).
As autoras continuam dizendo que cada sociedade dará sua relevância a
esta nova etapa da vida do ser humano. Desta maneira, afirma-se que o
individuo irá construir maneiras de satisfazer suas necessidades junto aos
outros homens. Então, pode-se dizer que várias situações sociais conformam o
adolescente ao longo de sua história.
Neste sentido, o jovem se constituí enquanto sujeito através das relações sociais, onde suas características são interpretadas e significadas, dando origem a um modelo de construção pessoal. O
indivíduo trabalha com suas significações pessoais e seus afetos, a partir do mundo social, construir seu mundo psíquico.(CALIL,2001, p.50)
Para Bock (apud CALIL, 2001), a adolescência é um processo de
construção social, que se manifesta a partir das “necessidades sociais e
econômicas”, durante o qual são formadas as características próprias do
sujeito no desenrolar do processo. “O que implica em romper com teorias
psicológicas que naturalizam, universalizam e patologizam a adolescência, e
que ao negarem seu caráter histórico, ocultam as condições sociais geradoras
da adolescência, tornando-se ideológicas”. (BOCK apud CALIL, 2001, p.51)
Gonçalves (2003) diz que cada adolescente deve ser visto como um ser
único, assim como seu desenvolvimento consciente. Porém a atividade dos
jovens é definida pelo meio social em que estão inseridos.
O lugar do jovem na sociedade é considerado natural e universal – independente de classe social, de época, de realidade social concreta e específica -, como os significados sociais desse campo ratificam esse lugar e as atividades dele decorrentes, atribuindo naturalidade aos processos observados. (GONÇALVES, 2003, p. 43).
Gonçalves (2003) fala que, a partir do momento em que o adolescente
começa a se apropriar dos significados, as mediações iniciam a construção de
sua consciência. “[...] o jovem terá tais concepções como parte das
determinações de sua conduta enquanto adolescente. [...] Podendo mover-se
para a reprodução ou transformação da realidade.” (GONÇALVES, 2003, p.
43). O caráter ideológico dessa produção (discurso próprio) decorre do fato de que os significados sociais expressam interesses concretos, definidos historicamente pela contradição de classes. E também do fato de que a atividade do indivíduo insere-se nesse contexto social fundado sobre a existência de classes com interesses concretos diferentes. Essas determinações históricas e contraditórias estão presentes, enquanto mediações, na relação atividade – consciência. (GONÇALVES, 2003, p.42).
A identidade adolescente surge no momento em que o indivíduo se
defronta com conceitos que adquiriu passivamente e os introjetou sem
argumentos. Agora as verdades absolutas são questionadas, mesmo que
cheguem às mesmas conclusões obtidas por outros. Começam a ter idéias e
posições próprias sobre todos os assuntos. [...] a construção da identidade do sujeito como um processo contínuo, fruto de sua pertinência ao grupo social em que concretiza suas relações de produção de si mesmo e da realidade na qual se insere. O projeto de vida de um sujeito contam, portanto, as possibilidades criadas nessas relações: embora se referindo a um futuro, é no presente que são construídas suas formas; estas têm, por limite, a amplitude que a realidade presente lhes confere. (BOCK E LIEBESNY, 2003, p.212).
Vygotsky (2000) diz que neste período atinge-se o grande
desenvolvimento na formação de conceitos, adquire-se a capacidade de
controlar suas ações utilizando os mecanismos auxiliares.
O novo e significativo uso da palavra, a sua utilização como um meio para a formação de conceitos, é a causa psicológica imediata da transformação radical por que passa o processo intelectual no limiar da adolescência (VYGOTSKY, 2000, p.73).
O adolescente, ao se deparar com o mundo dos adultos, necessita de
um crescimento social e cultural para se inserir neste novo patamar. Para isso,
precisa também modificar, não apenas seu conteúdo, mas toda a forma de
raciocinar.
Estes conceitos serão explicitados mais claramente no capítulo 3 que
abordará mais profundamente os preceitos da teoria sócio-histórica, como
também outros estudos dentro da Psicologia que complementam nossa
compreensão sobre o homem como um ser social.
CAPÍTULO 2: PROJETO MÚSICA
O projeto de música surgiu pela iniciativa de um músico brasileiro que
leciona até hoje em uma universidade nos Estados Unidos. Começou
ensinando a seus filhos de forma didática como tocar um instrumento de
corda; verificou que a aula individual era muito cansativa e quando estavam
juntos a aula rendia muito mais. Selecionou os exercícios e trechos de
músicas de que mais gostavam e montou seu método coletivo de ensino
musical, que mais tarde foi oferecido a outros jovens.
Sua filha, que também é musicista, trouxe este método para o Brasil,
iniciando-o em espaços públicos, como igrejas. Mais tarde puderam contar
com a parceria desta empresa que passou a financiar todo o projeto e que
oferece aos alunos, gratuitamente, o acesso aos instrumentos e às aulas com
professores, que por sua vez, também foram alunos deste projeto.
Este projeto consiste em proporcionar a crianças e adolescentes (de 10
até 18 anos), ensino e divulgação da música, por meio de ensino coletivo de
instrumentos de cordas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo).
As aulas são coletivas, ou seja, cada participante aprende a tocar
algum destes instrumentos junto com os outros – em formato de orquestra.
Nenhum deles possui conhecimento musical prévio; toda a noção de teoria e
prática são passadas ao longo das aulas, as quais vão aprofundando o grau
de dificuldade em cada exercício.
Após dois anos de curso (ministrados duas vezes por semana em uma
hora e meia de aula), o aluno forma-se neste método e, se tiver interesse,
ingressa na orquestra jovem mantida pela instituição. Assim continua
estudando música e se aperfeiçoa em seu instrumento através de aulas
particulares que são oferecidas por outras instituições, como: conservatórios,
professores particulares, etc.
O curso de música tem, por objetivo, oferecer ao jovem:
• Acesso e possibilidade de aprender música, por meio do ensino de
instrumentos de cordas: violino, viola, violoncelo e contrabaixo;
• Desmistificar supostos tabus e dificuldades a respeito da música erudita;
• Promover o ensino da teoria musical básica, história da música e seus
grandes compositores;
• Promover o gosto pela música e pela apreciação musical;
• Promover o desenvolvimento humano através dos valores
representados pelo ensino da música: ouvir, respeitar o outro, esperar
sua vez, concentrar-se, ter disciplina, dedicar-se, empenhar-se e
desenvolver o senso de equipe;
• Criar um público novo, apreciador de concertos, com conhecimento
musical mais abrangente, não só os participantes, mas também seus
amigos e familiares;
• Possibilitar que todos os alunos participem de apresentações de
“Orquestras”.
A participação na Orquestra Escola, cujas apresentações estão restritas
ao ambiente da instituição e à comunidade. O jovem tem a possibilidade de
experienciar o palco como cenário de execução de grandes obras da música
brasileira e mundial. As apresentações também têm o objetivo de disseminar a
diversidade musical, gratuitamente, em diversos espaços públicos da cidade.
2.1 A Orquestra
Este programa implementa o ensino coletivo e individual de instrumentos
de cordas para jovens entre 10 e 18 anos e formação de uma orquestra de
cordas. Para isto, conta com a realização do Instituto que oferece os recursos
necessários para a realização do projeto e com a execução de uma equipe
especializada, que utiliza um método de ensino coletivo de música. É realizado
nas Unidades Educacionais da instituição pesquisada, em Santos e São Paulo.
Justifica-se a escolha de um projeto voltado para o ensino de música,
considerando-se que é esta uma das mais elevadas formas de cultura, lazer e
expressão dos vários sentimentos e emoções que podem traduzir a tradição
cultural de um povo. Considerando o pressuposto de que boa parcela da
população, considera o “ouvir e aprender” música um privilégio de poucos, a
instituição que mantém este projeto, propôs a implementação do ensino
coletivo de instrumentos de cordas. O nome dado ao projeto foi Música.
Este programa vai inevitavelmente contribuir para a formação musical
de crianças e jovens através do ensino de instrumentos de cordas (violino,
viola, violoncelo e contrabaixo) de forma rápida e prazerosa, do ensino da
história da música e apreciação de seus compositores, além de promover o
enriquecimento cultural e o desenvolvimento da qualidade de vida.
O contato com a música e com espaços culturais que esta proporciona
traduz-se em mudanças positivas e significativas na vida dos jovens: seu
discurso passa a ser diferente, o círculo de amizades é ampliado e ganha
qualidade. Além disso, estudar música significa dedicação, empenho,
concentração, estudo, trabalho em grupo.
Neste sentido, as atitudes e comportamentos dos jovens mudam: ficam
mais responsáveis, disciplinados, concentrados, escolhem suas amizades,
valorizam a qualidade e o tempo de lazer, aprendem a conviver com as
pessoas , vislumbram
melhor seu futuro.
A realização do programa resultou na formação de duas orquestras,
formadas pelos melhores alunos. Os objetivos dessas Orquestras são:
• Permitir o ingresso dos alunos do ensino coletivo de instrumentos de
cordas, na orquestra;
• Oferecer, aos jovens integrantes da orquestra, a possibilidade de se
apresentarem em espaços culturais relevantes na cidade como: Teatro
Municipal e teatros de bairro;
• Permitir a elevação cultural, social e espiritual dos jovens através do contato com a música.
São objetivos relativos ao público espectador:
Possibilitar que o público aprenda um pouco sobre a música e seus
compositores, desde os barrocos, clássicos, românticos, modernos,
entre outros;
Promover o acesso à música por meio de apresentações didáticas,
estimulantes e prazerosas;
Permitir o contato com os instrumentos de cordas que formam uma
orquestra e suas características;
Disseminar o gosto pela música e pela apreciação musical, criando um
público apreciador de concertos;
Promover a integração social entre o público e os artistas;
Mostrar que a música clássica não é só para elites; pode e deve ser
ouvida e apreciada por qualquer público.
O que viabiliza concretizar este objetivo na cidade de Santos e de São
Paulo são as apresentações didáticas e gratuitas realizadas pela Orquestra
desta instituição privada, nos espaços da região que se abrem para a
apresentação dos mesmos.
No capítulo 4 voltaremos a tratar deste assunto observando como o
aprendizado de música pode mobilizar o desenvolvimento intelectual, corporal
e estrutural de crianças e adolescentes.
CAPÍTULO 3: A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA E AS
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ATUAL
Yanaze (2000) nos fala que Lev S. Vygotsky não tinha a pretensão de
elaborar uma teoria sobre o desenvolvimento infantil e sim estudar os
processos da transformação deste desenvolvimento em uma abordagem
genética (compreensão da gênese).
Por ter sido fortemente influenciado por Engels e Marx, obteve a noção
de indivíduo a partir dos diferentes contextos culturais e históricos em que
estão inseridos. Tentou unir a Psicologia Behaviorista – naturalista, que estuda
os comportamentos externalizados pelo indivíduo, com a abordagem mental
que se originou da filosofia idealista – que descreve subjetivamente os
fenômenos psíquicos. Pretendeu elucidar, a partir do materialismo histórico da
teoria marxista, uma nova abordagem que contemplasse a visão do homem em
contato com o ambiente e em atividade com o outro.
A autora relata-nos que Vygotsky entende o homem como um ser que
nasce munido de características únicas de sua espécie. Porém o
funcionamento mental depende da aprendizagem. Assim, o sujeito constitui
suas formas de ação em atividades conscientes para que se dê as relações
sociais.
Vygotsky (2000) aponta caminhos para a superação da dicotomia
social/individual, pois a ação do sujeito é considerada a partir da ação entre
sujeitos e o sujeito só é sujeito no contexto social.
Assim, o psicológico só pode ser compreendido nas suas dimensões
social, cultural e individual. “A atividade humana caracteriza-se pelo trabalho
social este, mediante a divisão das funções, origina novas formas de
comportamento independente dos motivos biológicos elementares”. (LURIA
apud FURTADO, 2001, p. 52). A conduta não se determina pelo instinto – a
atividade social complexa, o trabalho e a divisão de trabalho promovem o
surgimento de agentes sociais do comportamento.
Furtado (2001) diz que, para formar-se a consciência humana tal como
conhecemos hoje, “buscamos na conformação sócio-histórica da atividade vital,
relacionada ao trabalho social, ao uso de ferramentas e ao aparecimento da
linguagem”. Logo, as raízes da consciência humana surgem das condições
sociais de vida historicamente construídas.
Neste sentido, relata que o homem, por motivação biológica direta, é
conduzido por um objetivo consciente a atingir um sentido. E, se conseguir
correlacionar tais atos com o resultado final, poderão surgir outras “operações”
complementares que o ajudam a executar a ação. “Constitui em si uma
reestruturação cardinal do comportamento e constitui a nova estrutura da
atividade consciente do homem”. (FURTADO, 2001, p.78).
A linguagem também é outro fator que complementa a estruturação
complexa da atividade consciente humana. De acordo com Furtado (2001), a
linguagem tem papel primordial na construção da consciência. Para que se
tenha um vocabulário fluente, por exemplo, é necessário que o sujeito possua
um repertório gravado em seu cérebro para comunicar-se com eficiência.
Então, quando o homem começou a comunicar-se, se fez necessário ativar
uma região cerebral chamada memória que é responsável por reter diversas
informações, inclusive a lingüística, permitindo assim que ao longo do tempo
este repertório fosse se ampliando. Este resgate ocorre mentalmente, na
medida em que o sujeito ache necessário ser feito.
Dessa forma, é possível reter muitas informações, sensações,
sentimentos, enfim, todas as relações humanas, que possibilitam a criação do
mundo de imagens internas, peculiares de cada sujeito, formando assim a
subjetividade - processo de generalização e abstração. A palavra permite o processo de análise e classificação que tomou corpo no processo de história social e que possibilitou que ela se convertesse em meio de comunicação e no supremo instrumento do pensar que proporciona o trânsito do reflexo sensorial para a construção do mundo racional. A linguagem permite ao homem se desligar da experiência direta e garante o nascimento da imaginação, que serve de base para a criatividade, orientada e governada. Não menos essenciais são as modificações que a linguagem – elevando a um novo nível os processos psíquicos – permite na reestruturação das reações emocionais. (FURTADO, 2001, p.78-79).
A gênese social do desenvolvimento pode ser evidenciada através da
identificação de mecanismos pelos quais o plano intersubjetivo permite elevar
as formas de ação individual. Leontiev (apud LA TAILLE, 1992) diz que as
ações humanas são consideradas como formas de relação do homem com o
mundo, dirigidas por motivos, por fins a serem alcançados.
A maneira de ver o sujeito, na concepção de Vygotsky (apud LA TAILLE,
1992) e de ver o seu desenvolvimento, confere à teoria uma postura “sócio-
interacionaista”, pela colocação de que o conhecimento é construído na
interação sujeito-objeto e de que essa ação do sujeito sobre o objeto é
socialmente mediada (necessita da presença do outro).
Os processos de incorporação da cultura e individuação permitem a
passagem de formas elementares de ação a formas complexas, mediadas. As
funções psicológicas superiores (percepção, memorização, atenção,
pensamento e imaginação) são marcadas pelo uso de recursos mediacionais
internalizados. Vygotsky (apud LA TAILLE, 1992) ainda diz que o alcance de
formas superiores ocorre de modo descontínuo; os avanços são resultado de
revoluções, que consistem de momentos de emergências de novas formas de
mediação. Tais mudanças podem ser interpretadas como uma crescente
descontextualização de recursos mediacionais ou uma crescente
independência dos significados em relação ao contexto espaço-temporal em
que estes foram construídos. Essa libertação do imediato produz-se por
mudanças geradas no plano interativo.
Vygotsky (apud LA TAILLE, 1992) dá uma atenção especial à educação
por considerar que ela possibilita desenvolver modalidades de pensamento
bastante específicas, possuindo um papel diferente e insubstituível na
apropriação, pelo sujeito, da experiência culturalmente acumulada. Justamente
por isso, ela representa o elemento imprescindível para a realização plena do
desenvolvimento psíquico dos indivíduos, já que promove um modo mais
sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento
conceitual.
Para ele, o universo da educação escolar torna acessível ao sujeito o
conhecimento formalmente organizado, que o desafia a entender as bases dos
sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus próprios
processos mentais.
Nesse sentido, o importante no processo educacional é a formação da
consciência, que é de certa forma determinada pela natureza das relações que
a engendram: trata-se das relações sociais com as quais cada sujeito realiza
sua atividade coletiva, onde o trabalho ocupa lugar central. Vygotsky (apud LA
TAILLE, 1992), assim, enfatiza que a relação ensino e aprendizagem é um
fenômeno complexo, pois diversos fatores de ordem social, política e
econômica interferem na dinâmica da sala de aula, isto porque a escola não é
uma instituição independente, está inserida na trama do tecido social. Desse
modo, as interações estabelecidas na escola revelam facetas do contexto
social mais amplo em que o ensino se insere.
Uma educação voltada à realidade existencial do sujeito e nela
fundamentada tem maior significado, pelo fato já visto de que nossa
compreensão está radicada na vivência que temos no mundo. Assim, na
multiplicidade de sentidos de nossa cultura, o educando somente pode
apreender e aprender o significado destes sentidos através daqueles que o
auxiliem em sua compreensão.
A educação, tendo o papel de desenvolver pensamentos superiores,
auxilia no desenvolvimento psíquico do sujeito, pois a intersubjetividade
existente nesse espaço e nas relações ali estabelecidas ampliam o horizonte e
a consciência, ou seja, modificam o modo de ver e relacionar-se com o mundo.
É um fator de enriquecimento para o desenvolvimento do ser humano.
3.1 A visão de homem
De acordo com Veer e Valsiner (2001), a construção de instrumentos
rudimentares marcou o primórdio da civilização humana e possibilitou uma
série de desenvolvimentos bio-psicológicos como: “o desenvolvimento da mão
com um domínio maior do polegar e a expansão do cérebro humano a seu
tamanho atual” (VEER e VALSINER, 2001, p. 201).
Os autores dizem que todos estes recursos desencadearam a
elaboração dos sistemas de signos externos, “como os recursos
mnemotécnicos e a fala”. Com o uso destes sistemas de signos, o homem
passou a exercer o controle sobre a mente. E as gerações posteriores fazem
uso de muitos dos sistemas culturais em seu próprio funcionamento mental.
Leontiev (apud FURTADO, 2001) fala de um homem distinto de seus
antepassados animais. O homem se “hominizou” através da passagem da vida
nômade para a vida em sociedade organizada, que se consolidou com o
trabalho. Passou assim a submeter-se às leis sócio-históricas e não mais às
leis biológicas.
O desenvolvimento biológico estava tornando-se dependente do
desenvolvimento da produção. “Mas a produção é desde o início um processo
social que se desenvolve segundo leis objetivas próprias, leis sócio-históricas”.
(LEONTIEV apud FURTADO, 2001, p. 72).
Assim o Homo sapiens representa o momento em que a evolução do homem se liberta totalmente da sua dependência inicial para com as mudanças biológicas inevitavelmente lentas, que se transmitem por hereditariedade. Doravante a evolução do homem será regida apenas por leis sócio-históricas. (FURTADO, 2001, p.79).
Logo, podemos concluir que o homem não nasce pronto, por possuir sua
característica sócio-histórica. Cada sujeito aprende a ser homem. O que possui
ao nascer não é suficiente para conseguir viver em sociedade. É necessário
ainda adquirir o que foi alcançado no decorrer do desenvolvimento histórico da
humanidade.
Este processo de apropriação ocorre primeiramente através da
aquisição do instrumento – função de retenção (base para a construção
cultural). Caracteriza-se pela atividade humana criadora (desenvolvimento
filogenético). A segunda aquisição é a linguagem que é um processo de
incorporação de palavras que possuem significados historicamente fixados.
Furtado (2001) mostra o homem como responsável por construir sua
natureza. Sua relação com o mundo sempre será intermediada através de sua
relação com os outros homens, sendo que nesta atividade necessita-se de
algum tipo de comunicação. Esta comunicação é uma condição exclusiva e
imprescindível do homem para seu desenvolvimento em sociedade, servindo
como “retenção coletiva do conhecimento” (FURTADO, 2001, p.81).
Posteriormente, o acúmulo de repertório lingüístico memorizado passará de
geração para geração, formando a cultura humana.
A cultura como acervo de tudo o que o homem produziu coletivamente a partir de suas relações sociais e da forma como ele retém essa produção na sua memória. A sociedade de classes como forma específica de dominação do homem sobre o homem, derivada do processo de desenvolvimento econômico, que é a forma de ele definir
a condição de produção dos bens para sua própria reprodução.(FURTADO, 2001, p.82).
Vygotsky (apud FURTADO, 2001) diz que a internalização psíquica
constitui-se através da vida em sociedade e não no indivíduo.
A intervenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Mas essa analogia, como qualquer outra, não implica uma identidade desses conceitos similares. (VYGOTSKY, 1984).
O signo é uma orientação interna, subjetiva do sujeito que funciona
como forma de controle. O instrumento, ao contrário, tem orientação externa –
objetividade; mediando a ação entre homem e objeto. A combinação de signo e
instrumento dentro das atividades psicológicas proporciona ao indivíduo um
desenvolvimento superior nas funções cerebrais.
Para Ozella (2003), a psicologia sócio-histórica fundamenta-se no
marxismo e adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e
método. Nesse sentido, concebe o homem como ativo, social e histórico.
A sociedade é tida como uma produção histórica dos homens que,
através do trabalho, produzem sua vida material. A realidade material, como
fundada em contradições que se expressam nas idéias. E a história, como o
movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da base
material, deve ser compreendida toda produção de idéias. Ou seja, os
significados culturais da sociedade tem significação própria, foram passados
pelas gerações, e incorporados pelo indivíduo. Quando o sujeito incorpora
estes conhecimentos, aquilo começa a ecoar dentro dele, e algumas coisas
apresentam sentido a ele, e outras não. Então atribui um novo significado para
todas as informações recebidas, passa a visualizar a todas as coisas através
de seu filtro próprio.
O homem é um ser histórico, possui características forjadas pelo
tempo, pelas relações e pela sociedade. Assim, constrói formas de satisfação
das suas necessidades em conjunto com outros seres humanos - condição
humana.
Ozella (2003) diz que a relação indivíduo / sociedade ocorre de forma
dialética. Ou seja, ao atuar na realidade ele vai se construindo conjuntamente.
Assim, o mundo interno surge apropriando-se destas relações com o mundo
físico e social. Bock (2001) afirma que a compreensão do “mundo interno”
remete a uma compreensão do “mundo externo” do indivíduo, pois ambos
aspectos em movimento comum (atuando e construindo) modificam o mundo e
este apresenta elementos para a construção psicológica humana.
Diz, ainda, que as capacidades humanas devem ser analisadas pela
sucessão de transformações qualitativas, sendo que a cada transformação
originam-se novas condições de proporcionar outras transformações em um
processo histórico e não natural.
Bock (2001) analisou que o fenômeno psicológico é visto como uma
edificação, no nível individual, do mundo simbólico (social). Algo que se
constituiu na relação com o mundo material e social, que existe pela atividade
humana. A subjetividade e a objetividade surgem sem se fundir. E através da
linguagem, é feita a internalização da objetividade, possibilitando a construção
dos sentidos pessoais que constituem a subjetividade.
3.2 Subjetividade e intersubjetividade
Gonçalves (2003) entende que a subjetividade é toda atividade humana
realizada socialmente de modo a atender suas indulgências, produzindo assim
sua existência. Os saberes concretos, produto destas atividades humanas,
sugerem uma fabricação de idéias e representações sobre elas, que se
refletirão na vida real.
O homem, na sua historicidade, herda a constituição de homem dos
seus antepassados, adaptando-se em seu tempo às transformações sociais
para a construção de sua existência. Nesta constituição histórica, o homem
cultiva bens materiais e espirituais – crenças, valores e conhecimentos de toda
ordem.
Diz que a subjetividade é um conjunto de experiências adquiridas pelo
conhecimento e por experiências subjetivas. González Rey (apud FURTADO,
2001) entende que a subjetividade é uma constituição individual do sujeito,
integrando os processos e estados que o caracterizam em todos os momentos
de ação em sociedade, que mobilizam sentido único no sujeito.
A subjetividade só poderá se legitimar como constitutiva do real, com uma definição ontológica própria, a partir de uma definição histórico-social de sua determinação. Somente a partir de um marco histórico que permanentemente se reorganiza no tempo social, da qual o sujeito é um constituinte ativo do próprio processo em que ele próprio se constitui, poderemos entender a subjetividade sem reduzi-la a um epifenômeno do social ou do biológico. A subjetividade se constitui no curso de sua própria história, que é social por natureza mas irredutível em sua origem uma vez constituída em sua própria dimensão histórica. O social se constitui como subjetivo na própria história do sujeito individual e em suas diferentes formas de relação e, uma vez constituída, se desenvolve continuamente dentro de seu curso histórico, o qual se integra permanentemente os desafios e experiências do sujeito individual, nunca como resposta pontual e imediata ante o agente externo. [...].(REY apud FURTADO, 1997, p.113).
Oliveira (apud LA TAILLE, 1992) diz que o processo de internalização,
que resulta da própria formação da consciência, também é um mecanismo de
construção da subjetividade, por conseqüência de relações de
intersubjetividade.
A passagem do nível interpsicológico para o nível intrapsicológico envolve, assim, relações interpessoais densas, mediadas simbolicamente, e não trocas mecânicas limitadas a um patamar meramente intelectual. Envolve também a construção de sujeitos absolutamente únicos, com trajetórias pessoais singulares e experiências particulares, com outras pessoas. (OLIVEIRA apud LA TAILLE, 1992, p. 80).
Assim, o papel da intersubjetividade é permitir que as transformações
ocorram no caráter da ação, por exemplo, o desenvolvimento é alicerçado
sobre o plano das interações. O sujeito faz uma ação que tem inicialmente um
significado partilhado. Nesse sentido, é importante desenvolvermos o conceito
de ação internalizada e zona de desenvolvimento proximal para entendermos
melhor que o desenvolvimento é socialmente constituído.
Yanaze (2000) comenta que a aprendizagem tem um papel fundamental
para o desenvolvimento humano e é possibilitada pela relação com os outros
(mediação). O cérebro é um sistema plástico que absorve muitas informações,
adquire novas maneiras de ação na medida em que a história social do
indivíduo se desenrola através da aprendizagem e da mediação.
Enquanto sujeito de conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, o acesso é mediado por outras pessoas, representações, objetos e sistemas simbólicos, sendo a linguagem um sistema simbólico da maior qualidade – simplifica, generaliza, ordena em categorias. Contudo, quando um processo interpessoal (externo) se transforma num processo intrapessoal (interior), uma atividade externa é reconstruída internamente, ocorre a internalização. (YANAZE, 2000, p. 10).
Vygotsky (2000) diz que a aprendizagem é o processo pelo qual o
indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc., a partir de
seu contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. É um
processo que se diferencia das posturas inatistas, dos processos de maturação
do organismo e das posturas empíricas que enfatizam a supremacia do meio
no desenvolvimento. Pela ênfase dada aos processos sócio-históricos, na
teoria vigotskiana, a idéia de aprendizagem inclui a interdependência dos
indivíduos envolvidos no processo.
O aprendizado possibilita um despertar dos processos internos (mobiliza
funções mentais para que o sujeito incorpore novas maneiras de relacionar-se
com o ambiente) do indivíduo que liga o desenvolvimento pessoal
(subjetividade) à sua relação com o ambiente sócio-cultural em que vive.
Reconhece que a situação de homem como organismo não se desenvolve
plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. Assim, o
conceito de zona de desenvolvimento proximal diz respeito a funções
emergentes no sujeito, a capacidades ainda manifestadas com o apoio em
recursos auxiliares oferecidos pelo outro. O que irá caracterizar o
desenvolvimento proximal é justamente a capacidade que surge e se
desenvolve de modo partilhado. Com seu burilamento e internalização, o
desenvolvimento se consolida, abrindo sempre novas possibilidades de
funções emergentes.
Através da mediação o sujeito internaliza conceitos externos, num processo de formação das funções psíquicas superiores. Aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados, e a aprendizagem antecede o desenvolvimento, ou melhor, o objetivo da aprendizagem é prever o desenvolvimento potencial, e intervir na
zona de desenvolvimento proximal, promovendo o desenvolvimento do sujeito. Esta visão prospectiva, deve-se olhar para além do momento atual.[...] A trajetória do desenvolvimento humano é de “fora para dentro”, por meio da internalização de processos interpsicológicos que se tornam intrapsicológicos.(YANAZE, 2000, p.16)
Nesse movimento, as experiências de aprendizagem vão gerando a
consolidação e a automatização de formas de ação e abrindo zonas de
desenvolvimento proximal. Assim, a potencialidade do sujeito não é um simples
vir-a-ser que se atualiza pela influência social, como se já fosse algo pré-
suposto, mas que se cria na ocorrência concreta de capacidades emergentes
que se manifestam em algum grau, embora ainda com apoio de outros sujeitos.
3.2.1 Sentido e significado
De acordo com o autor, o significado é parte essencial da palavra, ao
mesmo tempo, sendo um ato de pensamento e uma generalização, já que é
carregado de conteúdos próprios.
O sentido, por sua vez, designa o significado da palavra para cada
indivíduo, e é utilizada em seu contexto usual de vocabulário e a partir das
experiências emotivas do sujeito.
Mas como se dá a construção do significado e do sentido? De acordo
com Vygotsky (2000), a formação de conceitos é uma atividade muito
complexa, depende de uma série de funções mentais, tais como: atenção,
associação, formação de imagens, entre outros, que precisam dos signos –
que conduzem as operações mentais, que controlam o curso das informações
e na qual utilizamos para solucionar problemas – no qual sem eles (signos) são
insuficientes.
Com o aparecimento de um novo problema, exige-se uma formação de
conceitos. Porém não surgirá uma nova forma de pensar, somente para
solucionar este problema; quando nos deparamos com uma exigência cultural,
cívica, profissional, para entrar em um estágio novo de desenvolvimento, aí sim
surgirá um novo pensamento conceitual.
O pensamento, segundo Vygotsky (2000), passa por algumas etapas ao
longo do desenvolvimento infantil. A primeira seria o que ele denomina um
conglomerado vago e sincrético de objetos isolados, que de algum modo se
internalizaram através de uma imagem mental. Mas é instável, suscetível a
alterações no decorrer do crescimento.
A segunda etapa chama-se pensamento por complexos, no qual os
objetos são associados na mente da criança não apenas pela afeição subjetiva,
mas pelas relações que existem em cada objeto. Após este grande avanço,
esta forma de pensamento passa para a sub etapa: coleções “os objetos são
agrupados com base em alguma característica que os torna diferentes e,
conseqüentemente, complementares entre si” (VYGOTSKY, 2000, p.78).
Em seguida surge a terceira etapa: complexo por cadeia “uma junção
dinâmica e consecutiva de elos isolados numa única corrente, com a
transmissão de significado de um elo para outro”.(VYGOTSKY, 2000, p.79).
Neste período, a qualidade de abstração é muito vaga, pois os objetos
associados nem sempre se assemelham realmente; podem ser integrados pela
impressão de semelhança que apresentam.
A quarta etapa é chamada complexo difuso, “[...] fluidez do próprio
atributo que une os seus elementos. Grupos de objetos ou imagens
perceptualmente concretos são formados por meio de conexões difusas e
indeterminadas”. (VYGOTSKY, 2000, p.81).
O último estágio é o pseudoconceito, que se caracteriza pela falsa
conceituação, ou seja, a criança domina o vocabulário como os adultos, assim
como o significado, mas ainda é muito imatura psicologicamente para
compreender o conceito real. [...] os complexos que correspondem ao significado das palavras não são desenvolvidos espontaneamente pela criança: as linhas ao longo das quais um complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado que uma determinada palavra já possui na linguagem dos adultos. (VYGOTSKY, 2000, p.84).
Vygotsky (2000) afirma que o conceito, desde o princípio, é fornecido à
criança pronto, não possibilitando o desenvolvimento intelectual. O
pseudoconceito será a ligação entre o pensamento por complexos e o
pensamento por conceitos.
O que foi criado em forma de complexo, com referência um atributo, se
conflitará com o conceito que existia antes. Então, nesta luta, a imagem original
gradativamente desaparece da memória, restando o significado real da palavra.
Dentro da formação de conceitos abstratos, surge a capacidade de
agrupar objetos com alta precisão de semelhança, modificando o agrupamento
anterior por um único atributo. Ao atingir a adolescência, esta função se
consolida, mas ainda terá dificuldade em empregar os conceitos em palavras,
fazendo com que seu vocabulário verbal seja limitado. No fim da adolescência,
esta transição de abstrato para concreto se estabiliza.
3.2.2 O discurso interior
Segundo Vygotsky (apud LA TAILLE, 1992) o discurso interior trata-se
de uma forma internalizada da linguagem, ou seja, um diálogo consigo mesmo,
voltado para a reflexão, com o intuito de ajudar o sujeito em sua organização
de pensamento.
Este discurso interno surge no período do egocentrismo infantil, quando
esse “falar sozinho” ajuda a organizar melhor as idéias e planejar melhor as
ações. É como se a criança precisasse verbalizar para resolver um problema
que, quando se tornar um adulto, resolveria apenas no plano do pensamento.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança
progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as
palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso
interior.
A fala interior representa o ‘pensar para si próprio’, muito mais do que adaptação social, isto é, desempenha a mesma função da fala egocêntrica nas crianças [...] ao desaparecer de vista, a fala egocêntrica não se atrofia simplesmente, mas ‘se esconde’, isto é, transforma-se em fala interior. [...] os processos da fala interior podem se desenvolver e se estabilizar aproximadamente na idade escolar, e que isso provoca uma súbita diminuição da fala egocêntrica observada neste estágio. (VYGOTSKY apud YANAZE, 2000, p.10).
Sua função é sustentar os processos psicológicos mais complexos:
'processos de pensamento, de auto – regulação, de planejamento da ação, de
monitoração do próprio funcionamento afetivo – volitivo'. (VYGOTSKY apud LA
TAILLE, 1992, p. 126).
3.3 A construção cultural na humanidade
Vygotsky (2000) diz que o meio exerce enorme influência sobre o
desenvolvimento infantil, dando importância à educação formal como um modo
de promoção desse desenvolvimento. Oliveira (2002) mostra-nos que, para
Vygotsky:
A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado (ferramentas), fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo. (OLIVEIRA, 2002, p. 2).
Bruner (apud CORREIA, 2003) um cognitivista, que baseou sua teoria
nos estudos de Piaget e Vygotsky, compreende que a cultura é um fator
motivacional para que se dê a aprendizagem. Discute a idéia de que, apesar
da psicologia humana precisar considerar o desenvolvimento humano
enquanto processo biológico intrínseco à espécie, essa mesma psicologia não
pode deixar de considerar os aspectos da cultura na qual todo ser humano
está inserido.
Este autor, de forma ousada, considera que existem duas formas pelas
quais as “instruções” sobre como devemos nos desenvolver – enquanto seres
humanos – são repassadas de geração a geração: uma é o genoma e a outra
é a cultura. O homem está sempre “condicionado” pelo seu genoma e pela
sua cultura, que oferece modos de desenvolvimento possíveis para a atuação
da sua maleável herança genética. Logo, a psicologia humana não poderia
deixar de ser uma psicologia cultural. Enfatiza que “dizer, então, que uma
teoria do desenvolvimento é independente da cultura não é fazer uma
afirmação errada, mas absurda”. (BRUNER apud CORREIA, 2003, p.3).
Outro ponto que esse teórico considera fundamental numa visão
cultural do desenvolvimento humano é o papel da intersubjetividade – como
os seres humanos passam a conhecer a mente uns dos outros. Sugere,
então, a idéia de psicologia cultural, onde a realidade externa (objetiva) só
pode ser conhecida pelas propriedades da mente e pelos sistemas de
símbolos nos quais a mente se baseia.
O homem cresce pelo processo de internalização dos modos de agir, imaginar e de simbolizar que existem em sua cultura, modos que amplificam suas potencialidades. Ele, então, desenvolve estes poderes de modo que reflete os usos para os quais ele as coloca. (BRUNER, apud CORREIA, 2003, p. 8).
Contudo o olhar de Bruner (apud CORREIA, 2003) para as questões
subjetivas da mente está em suas considerações sobre as relações existentes
entre emoção, sentimento e cognição, pois para ele a cognição não os
descarta e os representa nos processos de produção de significados e em
nossas construções da realidade.
Coloca a cultura em relação à evolução biológica, afirmando que essa instância constitui apenas o substrato que define as possibilidades de realização do processo de adaptação, que só é plenamente realizado através da conquista do universo simbólico compartilhado pela sociedade. (BRUNER, apud CORREIA, 2003, p. 7).
Bruner afirma: “a narrativa, a invenção de histórias, é o modo de pensar
e sentir que ajuda as crianças e as pessoas a criar uma versão do mundo no
qual, psicologicamente, elas podem vislumbrar um lugar para si – um mundo
pessoal”. (BRUNER, apud CORREIA, 2003, p. 15).
O autor entende a narrativa como um modo de pensamento e como um
veículo de produção de significado. Para ele existem duas formas pelas quais
os seres humanos organizam e estruturam seu conhecimento do mundo: uma
está mais voltada para tratar as coisas físicas (pensamento lógico-científico); a
outra, para tratar de pessoas e de suas condições (pensamento narrativo).
Bruner acredita que, como são características universais, apesar de se
manifestarem de formas diferentes em diferentes culturas, têm suas raízes no
genoma humano.
As escolas têm privilegiado o pensamento lógico-científico, deixando
para o pensamento narrativo um papel secundário. Porém, a importância da
narrativa para a coesão de uma cultura é tão grande quanto o é para a
construção da história de um indivíduo. Então, precisamos desenvolver nas
crianças a habilidade de construção e compreensão de narrativas, pois assim
promoveremos a compreensão de si própria e de seu lugar no mundo.
De acordo com Vygotsky (apud LA TAILLE, 1992), a cultura é parte da
natureza humana em um processo histórico e, no decorrer do desenvolvimento,
esta cultura foi transmitida de espécie para espécie, contribuindo para moldar a
forma de pensar do homem. Isto se dá através das relações deste homem com
o ambiente, no qual utiliza instrumentos e símbolos próprios de sua cultura e
construindo seu modo de ação diferentemente dos animais.
Este autor acredita que o cérebro apresenta um sistema aberto, cujas
estruturas funcionais são incorporadas no decorrer da história do homem e do
desenvolvimento individual.
Quando pensamos em tarefas mais distantes, dos funcionamentos psicológicos básicos e mais ligados à relação do indivíduo com o meio sócio – cultural onde ele vive, o mais fundamental se torna a idéia da complexidade dos sistemas funcionais que dirigem a realização dessas tarefas. (OLIVEIRA, 2002, p.2).
Dentro dessa concepção de organização cerebral, o sistema funcional
estabelece-se pelo processo filogenético (desenvolvimento da espécie
humana) e ontogenético (desenvolvimento do indivíduo).
Vygotsky (apud VEER E VALSINER, 2001) diz que o homem não tem
acesso direto ao conhecimento. Ele precisa de meios que o aproximem da
realidade, a partir da operacionalização do sistema simbólico de que dispõe.
Este é o conceito de mediação, que possui dois aspectos complementares:
pode referir-se ao processo de representação mental - capacidade humana de
criar imagens simbólicas que representam o real. Isto possibilita que imagine
coisas que nunca viveu e o ajuda a fazer relações mentais na falta de
referencial concreto. E a funcionalidade o outro aspecto, que atua no sistema
simbólico somado à capacidade de abstração e da generalização, admite
maneiras de raciocinar que não poderiam existir sem esses processos de
representação.
Se por um lado a idéia de mediação remete a processos de representação mental, por outro lado refere-se ao fato de que os sistemas simbólicos que se interpõem entre o sujeito e objeto de conhecimento têm origem social. Isto é, é a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações que permite construir uma ordenação, uma interpretação, dos dados do mundo real. Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas culturalmente
dadas de comportamento, num processo em que atividades externas, funções interpessoais, transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas. As funções psicológicas superiores, baseadas na operação com sistemas simbólicos, são, pois, construídas de fora para dentro do indivíduo. O processo de internalização é, assim, fundamental no desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. (OLIVEIRA, 2002, p. 1).
3.4 A afetividade
‘[...] os processos pelos quais o afeto e o intelecto se desenvolvem estão
inteiramente enraizados em suas inter-relações e influências mútuas [...]’.
(VYGOTSKY apud VEER E VALSINER, 2001, p.65).
Vygotsky (apud LA TAILLE, 1992), em sua obra, traz conceitos
importantes para designar a construção da afetividade. Um deles é o conceito
de consciência que ele considera a própria essência da psique humana,
constituída por um processo dinâmico de inter – relação e que está sujeito a
modificações no decorrer do desenvolvimento, “[...] entre intelecto e afeto,
atividade no mundo e representação simbólica, controle dos próprios
processos psicológicos, subjetividade e interação social [...]”. (OLIVEIRA, apud
LA TAILLE 1992, p. 79).
Entende-se que o desenvolvimento intelectual envolve os aspectos
cognitivos e afetivos Piaget (apud FERREIRA, 2003) considerava a
afetividade com um agente motivador da atividade intelectual e, também,
como um agente selecionador da mesma, pois acreditava que toda atividade
intelectual é sempre dirigida a objetos ou eventos particulares. Na visão
piagetiana, essa escolha não é provocada pelas atividades cognitivas, mas
pela afetividade.
[...] a afetividade constitui a energética das condutas, cujo aspecto cognitivo se refere apenas às estruturas. Não existe, portanto, nenhuma conduta, por mais intelectual que seja, que não comporte, na qualidade de móveis, fatores afetivos; mas, reciprocamente, não poderia haver estados afetivos sem a intervenção de percepções ou compreensão, que constituem a estrutura cognitiva. A conduta é, portanto, uma, mesmo que, reciprocamente, esta não tome aquelas em consideração: os dois aspectos afetivo e cognitivo são, ao mesmo tempo, inseparáveis e irredutíveis. (FERREIRA, 2003, p.5).
Para Vygotsky (apud FERREIRA, 2003), a afetividade atua na
construção das relações do ser humano dentro de uma perspectiva social e
cultural; segundo Bruner (apud FERREIRA, 2003), a afetividade é
fundamental para o desenvolvimento humano, tanto no que se refere às
questões intersubjetivas quanto à forma do pensamento intuitivo ou narrativo,
onde o homem constrói a sua história através da elaboração de significados
compartilhados. Porém, todos esses autores abordam apenas a dimensão
consciente da mente humana.
O pensamento humano é permeado pela afetividade, inclusive na sua
dimensão inconsciente.
Nada menos próximo da inteligência real do que a inteligência segundo os psicólogos. Na primeira, o coração, pelo menos, tempera o rigor dedutivo! Em compensação, nada mais falso do que assimilar afetivamente à subjetividade e atividade racional ou conhecimento à objetividade. A interação sujeito-objeto vem a propósito para retificar essas aberrações. É na dialética interativa sujeito-objeto que se constitui e se constrói a dialética da objetividade e da subjetividade onde se vê que uma compreende sempre a outra, e reciprocamente. [...]. (DOLLE, apud FERREIRA, 2003, p. 6).
Os sistemas de significação são afetivos, cognitivos, sociais,
biofisiológicos, isto é, especificamente afetivos, cognitivos etc., e
interativamente afetivos, cognitivos etc. No meio educacional, as emoções têm
ocupado um papel secundário, quando nos referimos à percepção, à memória,
ao pensamento e à linguagem.
Além de oferecerem repertórios de prontidão e ação para certos tipos de situações que ocorram periodicamente na vida de nossa espécie (como conquistas, perdas, frustrações, ameaças), cada emoção também tem um efeito cognitivo: ela influência nossas interpretações de nosso ambiente e tornam disponíveis certos recursos cognitivos que permitem que os indivíduos reformulem seus planos e ações atuais. (OATLEY, apud FERREIRA, 2003, p.6).
3.4.1 Afetividade e Razão no Cérebro Humano
Hoje sabemos que o cérebro é o órgão responsável pela realização das
funções humanas, razão e afetividade. Antonio Damásio (apud FERREIRA,
2003) é um médico neurologista que se dedica a estudar o papel das emoções
e dos sentimentos no funcionamento cognitivo. Depois de estudar uma série de
pacientes com lesões cerebrais localizadas na área pré-frontal, considerada
fundamental para o raciocínio, encontrou em todos eles uma importante
redução da atividade emocional, o que o levou à conclusão de que existe uma
profunda interação entre a razão e as emoções.
Não me parece sensato excluir as emoções e os sentimentos de qualquer concepção geral da mente, muito embora seja exatamente o que vários estudos científicos e respeitáveis fazem quando separam as emoções e os sentimentos dos tratamentos dos sistemas cognitivos [...]. Os sentimentos são tão cognitivos como qualquer outra imagem perceptual e tão dependente do córtex cerebral como qualquer outra imagem. (DAMÁSIO apud FERREIRA, 2003, p.8).
A partir de seus estudos, Damásio (apud FERREIRA, 2003) pode trazer
à luz um modo de compreender a dimensão biológica das emoções e como
elas interferem no processo racional do ser humano.
[...] é importante percebermos que a definição concreta de emoção e sentimento em termos cognitivos e neurais não diminui sua beleza ou horror, ou seu estatuto na poesia ou na música. Compreender como vemos ou falamos não desvaloriza o que é visto ou falado. Compreender os mecanismos biológicos subjacentes às emoções e aos sentimentos é perfeitamente compatível com uma visão romântica do seu valor para os seres humanos. (DAMÁSIO apud FERREIRA, 2003, p.8).
Então, podemos perceber que a influência dos sentimentos sobre o
funcionamento cerebral é imensa, seguindo o proposto por Damásio (apud
FERREIRA, 2003) cuja manifestação cerebral constitui um marco de
referência, no qual se elabora o pensamento. O autor revela que os
sentimentos têm a última palavra no que se refere à maneira como o resto do
cérebro se ocupa de suas tarefas, em especial a cognição.
A seguir, o leitor poderá entrar em contato com o mundo mágico da
música e como a música pode interferir no processo de desenvolvimento
humano.
CAPÍTULO 4: MÚSICA PARA OUVIR E MÚSICA PARA TOCAR
Segundo Hargreaves (apud PALHEIROS, 2006), a música apresenta
multifuncionalidade e existe em diversos meios. Há pessoas que ouvem música
enquanto executam alguma atividade em diferentes graus de atenção. Para
que se tenha atenção, é necessário haver uma seleção de processamento, um
foco e concentração.
Eysenck e Keane (apud PALHEIROS, 2006) afirmam que a atenção
pode ser focada (escolhe-se um estímulo de vários) ou pode ser dividida
(responde a todos os estímulos). Estudos sobre esse segundo tipo de atenção
elucidaram que é possível realizar duas tarefas complexas ao mesmo tempo,
desde que se utilizem sentidos diferentes (visão e audição). Moraes (apud
PERPÉTUO, 2006), diz que existem três modos de se ouvir música. Um é com
o corpo, o outro é com coração e o outro com a cabeça. Ouvir com o corpo é o que faz o freqüentador de uma danceteria: deixar que todo o ser fique impregnado pela música, que transcende o ouvido, impulsionando irresistivelmente todos os membros. Já ouvir com o coração é utilizar a música como veículo para nossas emoções internas. É colocar no aparelho de som, depois de uma desilusão amorosa, um disco cheio de canções de dor de cotovelo. Ou, depois de um dia de trabalho duro, botar uma música bem calma para relaxar. A terceira maneira é emprestada de Haroldo de Campos: “ouvir estruturas”. Ouvir com a cabeça: prestar atenção na música, tentar discernir sua forma, sua estrutura, como ela se organiza e aonde ela chega (se é que chega). Muito complicado? Menos do que parece. Afinal, a rigor, ninguém precisa “entender” a música – sua linguagem não é verbal, ela não passa nenhuma “mensagem” no sentido estrito da palavra, não tem “significado”. A música só expressa a si mesma – tanto que, quando um compositor faz muita questão de dizer alguma coisa com clareza, adiciona a ela palavras. É claro que os três modos acima descritos estão amplamente relacionadas – e um delas pode servir como trampolim para a outra. Por exemplo: é difícil ficar com o corpo parado ao ouvir o tam – tam – tam - TAM que abre o primeiro movimento da Quinta Sinfonia de Beethoven. Ouvir intelectualmente este movimento é, simplesmente, prestar atenção no que o autor faz com o tema. Ele não está ali de graça: com uma audição atenta, não há como não ficar abismado com a maneira engenhosa como Beethoven joga com ele, o modifica e relaciona com outros temas da sinfonia. (MORAES, apudPERPÉTUO,2006,p.3).
Para Madsen e Geringer (apud PALHEIROS, 2006), músicos e não –
músicos se atentam a elementos musicais diferentes, e ouvintes músicos
modificam a atenção quando ouvem.
A música polifônica é percepcionada, como um padrão ambíguo, suscetível de alternância ‘figura – fundo’. Presta-se atenção focada a uma linha melódica de cada vez, e as restantes linhas formam o fundo. Um padrão semelhante pode propôr-se para atenção das crianças quando ouvem música: esta pode ser a “figura” ou o “fundo”, o foco de atenção principal ou secundário. (SLOBODA, apud PALHEIROS, 1985, p.168)
O ambiente e a utilidade da música podem interferir na forma como o
indivíduo ouve, e no seu grau de atenção e envolvimento emocional. De acordo
com Palheiros (2006), o gosto musical pode ser influenciado por muitos fatores
inter-relacionados:
[...] característica da música – como elementos musicais, estilo e interpretação (instrumento intérpretes), complexidade e familiaridade (repetição), caráter emocional (emoções da música e estados emocionais que a música pode suscitar); características pessoais – idade, sexo, nacionalidade, estatuto socioeconômico, personalidade, formação musical; e fatores extramusicais – contexto social (situação de audição), agentes de socialização (família, amigos, professores), efeitos de grupo (por exemplo, conformidade e prestígio), e aculturação (meio musical) [...]. (PALHEIROS, 2006, p.330).
Gregory e Vaney (apud PALHEIROS, 2006) estudaram jovens de
diferentes culturas mundiais e chegaram à conclusão de que a resposta afetiva
à musica é determinada pelo contexto cultural. Porém Sloboda (apud
PALHEIROS, 2006) sugere que as respostas emocionais intensas em relação
a estruturas específicas da música clássica é aprendida. Isto quer dizer que a
sensibilidade musical pode ser aprendida.
4.1 A música como forma de aprendizado
De acordo com Bréscia (2003), quando falamos de aprendizado,
estamos considerando o modo como os indivíduos formam seus modelos
mentais do mundo que os cercam (inclusive o mundo musical), e que lhes
permitem buscar, organizar, e acrescentar mais conhecimento, ampliando sua
compreensão. Diversos conceitos estruturais formam o esqueleto do modelo
musical em nossas mentes, que são preenchidas pelas experiências
perceptivas (sons = timbre, volume) que adquirimos ao longo do
desenvolvimento. Então o aprendizado perceptivo desaparece e é substituído
pelo conceitual; ambos são interdependentes, já que trabalham juntos na
experiência musical.
A partir das diversas percepções de música que adquirimos, formamos
conceitos musicais que nos permitem fazer discriminações e comparações,
organizar sons e por em prática conceitos que surgiram a novas situações
musicais, ou seja, timbres diferentes que possibilitem uma nova reorganização
mental de sons. A cada música, um novo aprendizado.
Historicamente, a arte tem sido uma contínua forma de expressão de
sentimentos que retrata uma época. A música é a mais popular das artes
superando até a escrita, e pode ser um meio de organizar o caos, de integrar
os conhecimentos e descobertas na área da tecnologia, das artes, das ciências
exatas e sociais. A música é um legado da Humanidade, quase tão antigo quanto a própria civilização. Onde, senão na escola, transmitir este legado? A educação musical não tem como função formar grandes solistas, ou dar material para as orquestras sinfônicas. Ela serve, simplesmente, para formar cidadãos plenos – a musicalidade é aspecto indissociável do ser humano, e, portanto, sem o desenvolvimento desta potencialidade, o indivíduo não se completa. (PERPÉTUO, 2006,p.1).
Bréscia (2003) diz que podemos perceber que a construção lógica do
pensamento racional não condiz com a lógica da música, devido não se
formular a partir de argumentos abstratos, mas sim compartilhar qualidades
discursivas de outras linguagens temporais, como as verbais. Isto pode explicar
porque, ao ouvirmos uma música, ela se apresenta para cada ouvinte de forma
diferente.
O processo criativo contínuo busca novas saídas e pressupõe a
capacidade de estabelecer conexões e visualização de perspectiva, de humor,
velocidade do pensamento, a originalidade da ação.
Dessa forma podemos dizer que o sujeito pode ser visto como um ser -
cultural, um ser - social e um ser-dotado de inteligência suficiente para atribuir
novas significações para o ambiente que o cerca. Então, dentro de um contexto
social, é possível qualificar a música como uma forma de comunicação, de
linguagem pois, por meio do significado que ela carrega e da relação com o
contexto social no qual está inserida, possibilita aos sujeitos a construção de
múltiplos sentidos singulares e coletivos.
De acordo com Maheirie (2002), a música, de forma geral, aborda-nos
num primeiro momento de maneira espontânea e, neste estado especifico, ela
nos atinge no âmbito da afetividade, predominando esta esfera do humano no
ouvir e, até mesmo, no fazer musical. A afetividade, em síntese, envolve todas
as relações humanas consideradas espontâneas, seja imaginação ou reflexão,
contemplando, assim, os sentimentos e as emoções como formas específicas
de relação entre subjetividade e objetividade.
A música tem com o tempo relação bastante peculiar. Duração é uma de
suas quatro propriedades fundamentais. Na escrita musical ocidental, há
figuras para indicar a duração de um som ou de sua ausência (pausa) em uma
composição. Números são usados para indicar a divisão da música em
"unidades de tempo". Em uma valsa, por exemplo, a música é dividida em
compassos de três unidades de tempo, sendo a primeira, convencionalmente,
a que é tocada com mais intensidade — TUM, tam, tam...
Quando a música é escrita com gênio, todos os acontecimentos são cuidadosamente selecionados, a fim de construírem a subestrutura para relações excepcionalmente profundas. [...] Assim, embora por um breve espaço de tempo, alcançamos uma compreensão mais profunda do mundo (ou, pelo menos, de uma pequena parte dele) [...] É por esse motivo que a música pode ser transcendente. Durante alguns momentos, ela nos torna maiores do que realmente somos, e ao mundo, mais ordenado do que ele realmente é. (JORDAIN, apud MAHEIRIE , 1998, p.416).
De acordo com a autora, quando o sujeito está “mergulhado” em uma
música, ele significa o mundo que está a sua volta, por meio de consciências
afetivas. Nesta perspectiva, pode-se dizer que a música é uma linguagem
reflexivo-afetiva, já que envolve um tipo de reflexão que se faz possível por
meio da afetividade, e uma afetividade que se faz possível por meio de
determinado tipo de reflexão. O impacto causado pela música não é sentido
apenas em sua singularidade de sujeito. Já que a afetividade é despertada, o
sujeito, ao envolver-se com a música, parece alterar a forma de significar as
coisas que o cercam. Ao ser tomado pela emoção, tudo ganha um novo
sentido, e o que parecia impossível, torna-se completamente imprescindível. A
subjetividade humana dá uma nova cor ao mundo do sujeito que antes
“enxergava cinza”.
Para Sartre (apud MAHEIRIE, 2002), o sentido que se origina a partir
deste momento não se encontra somente na materialidade do som e do
silêncio, mas também pela forma de como se estabelece cada encadeamento.
“Este é traçado por um sujeito que inscreve sua subjetividade naquela
objetividade, transformando a realidade física, para si e para os outros que
escutam aquela música, numa objetividade subjetivada” (MAHEIRIE, 2002,
p.27). Então devemos compreender que “a emoção não é um acidente, é um
modo de existência da consciência, uma das formas pela qual ela compreende
o seu ser – no – mundo” (SARTRE apud MAHEIRIE, 2002, p.28).
O autor ainda diz que a imaginação – consciência afetiva de um objeto
em imagem se compõe pela transformação de um saber já incorporado. Ou
seja, primeiro o indivíduo percebe o objeto; registra sua materialidade do jeito
que viu e opera uma síntese de significação, que é inserida no saber já
incorporado, formando a intuição do sujeito. O intermédio da afetividade
possibilita este processo, devido à postura relacional garantir a percepção, a
imaginação, uma reflexão espontânea, envolvendo o processo do saber e a
síntese de significação.
Vygotsky (apud MAHEIRIE, 2002) afirma que a emoção vivida na arte
não deve ser confundida com nenhuma outra emoção, pois esta acontece
primeiramente na forma. Ou seja, se mudarmos uma pausa de lugar, por
exemplo, a música perde todo o seu sentido.
As emoções são sentimentos que se expressam em impulsos e numa vasta gama de intensidade, gerando idéias, condutas, ações e reações. Equilibradas e bem-conduzidas transformam-se em sentimentos elevados, sublimados, tornando-se assim virtudes. (GOLEMAN, 1995, p.37)
Deste modo o contato com a música torna o sujeito mais confiante e
seguro para relacionar-se socialmente, compreendendo de forma mais abstrata
o mundo que o cerca.
Esta exposição contribui para que nós compreendamos que o ser
humano é dotado de capacidades cognitivas que o capacitam para criar, refletir
e modificar tudo que está ao seu alcance. Então apresenta diversas formas de
expressão que são carregadas de emoção – significado, para que lhes faça
sentido em sua existência. A partir daí, também pode resignificar ou reelaborar
conceitos que já formou no mundo das idéias, ou seja, quando estimulamos
estas áreas cerebrais responsáveis pela consciência difusa, podemos chegar
até o intimo de nós mesmos e resgatar ou encontrar algo que faça um eco e
volte sendo nossa voz.
Para Lightfoot (apud LYRA e MOURA, 2004), o principal aspecto que
distingue estas diferentes concepções do sujeito psicológico diz respeito à
progressiva infusão do tempo como participando da transformação e
constituição desses indivíduos. Somente indivíduos com capacidade auto-
reflexiva são capazes de se transformar, com o resultado da experiência – que
se dá através do tempo que se constitui em sua história – e se tornar
responsável pelas conseqüências de seus atos de um ponto de vista moral.
Bruner (apud LYRA e MOURA, 2004) diz que os “significados estão na
mente”, mas têm origem na cultura em que são construídos. Isto permite que
sejam negociados, que haja comunicabilidade e a troca cultural. Desse modo, é
a cultura que oferece os instrumentos para organizar e compreender nossos
mundos de formas comunicáveis. No entanto, os indivíduos não são meros
reflexos da cultura, mas são produtos também de suas histórias.
As formas de significação de que dispõem são, por um lado, limitadas
tanto pela própria natureza do funcionamento mental humano, como pelos
sistemas simbólicos disponíveis e acessíveis. São essas formas de significação
que levam à construção da realidade que é imputada aos mundos que
habitamos como indivíduos. Para a construção individual desses modos de
significação, a base é a interação com os outros, possibilitada por uma
capacidade de intersubjetividade.
Entretanto, para Lévi-Strauss (apud MAGRO, 2003) a música é cultura e
natureza. Além de operar no molde cultural, opera também no molde natural ao
dirigir-se ao tempo psicológico, fisiológico e "até visceral" do ouvinte:
"periodicidade das ondas cerebrais e dos ritmos orgânicos, capacidade da
memória e capacidade de atenção". É a partir desta dupla ancoragem —
natureza e cultura — e da dupla dimensão temporal presente no mito e na
música que Lévi-Strauss derivará seu potencial extraordinário de agir sobre "o
espírito e os sentidos", de mover "idéias e emoções" (MAGRO, 2003, p. 26).
Contudo, esta relação com a música pode ocorrer durante qualquer
momento de nossas vidas, mas introduzi-la didaticamente para adolescentes,
ajuda-os a organizar os seus conflitos internos através da disciplina e estudo
do instrumento, por exemplo, além de encontrar campo fértil para germinar
formas ousadas de criar novas possibilidades de ver o mundo.
4.2 Os benefícios da música para o desenvolvimento cognitivo e escolar
Segundo Giomi (2006), os professores de música e os pais de alunos,
acreditam que os jovens, ao aprenderem e praticarem os exercícios musicais
em seus instrumentos, passam a desenvolver disciplina e concentração, a
sentir-se melhor consigo mesmos e até mais felizes.
Também verificaram que o prazer e a diversão contribuem para que
entrem em contato com um mundo cultural, ao mesmo tempo em que adquirem
concentração e disciplina, modificam sua forma de pensar, demonstram
interesse pelas atividades educacionais e fortalecem a auto-estima.
Em alunos que estudam música há mais tempo, Giomi (2006) relata
outros benefícios como: um aumento do conhecimento e destreza artística,
desenvolvimento pessoal e social, interesse em praticar outras atividades fora
da escola, fluidez verbal, e enriquecimento na forma de pensar.
Para que se dêem estas modificações cognitivas e sociais, a criança / o
jovem dedica um bom tempo estudando e se esforçando para compreender
corretamente como tocar o instrumento.
Giomi (2006) diz, ainda, que a leitura de crianças e adolescentes
melhora muito devido à audição se desenvolver mais, para perceber os sons.
Com a percepção mais aguçada, associam os fonemas às letras a partir da
memorização dos sons. A “memória verbal” amplia-se, tornando o vocabulário
mais fluente.
Neurologicamente falando, o estudo de Pascual-Leone (apud GIOMI,
2006) mostra que existem funções cerebrais que se modificam ao longo do
aprendizado musical. Por exemplo: Pantev (apud GIOMI, 2006) comparou a
parte cerebral responsável pelos dedos das mãos de instrumentistas de corda
e não instrumentistas. Por exemplo: na execução do violino, as mãos cumprem
funções muito diferentes. Na mão esquerda os dedos adquirem grande
independência e autonomia para fazer as notas e a mão direita controla o arco,
assim gerando uma nova coordenação.
Em sua pesquisa, Pantev (apud GIOMI, 2006) encontrou uma grande
diferença entre a representação dos dedos esquerdos em um grupo
(instrumentistas) e no outro referente à mão direita (não-instrumentistas),
levando a crer que os violinistas - por exemplo, devido ao excesso de estudo
reestruturam as regiões corticais para adquirirem maior habilidade nos dedos.
As diferenças são maiores quando os músicos começam muito cedo.
Quando crianças, a plasticidade neural é maior e a reestruturação é realizada
sem requerer muito esforço. “O corpo caloso, o córtex motor e o cerebelo são
mais volumosos em músicos do que nas pessoas que nunca tocaram um
instrumento”. (GIOMI, 2006, p. 415). Parece que o cérebro, ao receber a
demanda do externo (destreza manual), que é extremamente complexa,
adapta-se através da repetição dos movimentos.
4.3 Educação Musical
De acordo com Bréscia (2003), desde a antigüidade, o ensino musical
faz parte da formação acadêmica das crianças - principalmente entre os
gregos. Na Grécia Antiga, a música fazia parte do “conjunto essencial” do
currículo, composto por ginástica, gramática (educação intelectual) e música.
Esta concepção tripartida da educação de crianças e jovens se manteve ao longo dos séculos nos povos civilizados, originando os desdobramentos que conduziram aos currículos da atualidade nos quais, a despeito da hipertrofia do componente intelectual, diversificando em numerosas disciplinas, a música continua presente, sendo universalmente reconhecidos os seus benefícios na formação infantil e juvenil. (MOROE, 1930 e MARROU, 1950 apud BRÉSCIA, 2003, p. 76).
Segundo Leonhard (apud BRÉSCIA, 2003), o aprendizado de música
torna a pessoa qualificada a: “reconhecer os fatores essenciais para o
desempenho musical efetivo – conhecimento”; capacidade de evocação da
história da música que o agrada – conhecimento; procura contar afinado,
acurado – habilidade de desempenho; “lê música suficientemente bem para
fazê-lo com independência – habilidade de desempenho”; detém a melodia
musical que ouve – habilidade de ouvir; “responde à qualidade do desempenho
musical – apreciação”; valoriza diferentes tipos de música – apreciação;
retorquir positivamente a críticas para melhorar seu desempenho musical –
atitude e se empenha para aperfeiçoar sua competência musical – hábito. A prática da educação musical se faz necessária a compreensão dos fenômenos de ordem psicológica relacionados tanto à prática didática – sala de aula, quanto ao objeto de estudo – educação musical, a relação entre a psicologia e os fenômenos musicais. A música, no âmbito da escola regular é, sobretudo, atividade de grupo. A ação do professor se dará no sentido de trabalhar em grupo. Realidade diferente é encontrada na prática conservatorial e também na prática de aulas individuais, muito freqüentes no que tangem a linguagem musical. Em tal prática a orientação se dará no sentido de encontrar soluções diferenciadas para cada aluno, levando em conta seus aspectos individuais. (BORGES, 2003, p.3)
Ao trabalhar com a música, no ensino fundamental, a autora diz que
pode possibilitar modos novos de “percepção e sensações do aluno em sua
relação com o mundo, através de recursos expressivos de que dispõe o seu
organismo para a comunicação e o conhecimento do mundo em que ele vive”.
(BRÉCIA, 2003, p.84-85).
A música na escola não pode ser simplesmente ornamental para animar as festas, mas deve ser concebida e praticada à luz da vivência das dimensões estéticas, sonoras, visuais, plásticas e gestuais, a fim de desenvolver a consciência crítica dos valores humanos e encontrar meios de levar os alunos a atuarem como cidadãos. (BRÉSCIA, 2003, p.85).
Dentro da educação, devemos considerar as fantasias, os valores e
sentimentos – principalmente da educação artística, assim como a pesquisa, a
criação, as habilidades cognitivas, a descoberta, a reflexão, fazendo com que o
aprendiz absorva, pense – internalize e depois comunique os conteúdos
“digeridos”.
De acordo com Bréscia (2003), a iniciação musical deve possuir uma
metodologia lúdica, para que o aluno possa a interagir aos poucos e se
sensibilizar na medida em que vai se envolvendo nesta trama.
Por meio de jogos e brincadeiras, parte-se do nível sensorial, trabalhando o corpo de maneira natural até ser atingido o nível da sensibilidade, responsável pelo aprimoramento do trabalho, de maneira a coroar o processo num nível mental superior, no qual as experiências vividas serão compreendidas e teorizadas. (BRÉSCIA, 2003, p.85).
Contudo, a música também tem função de proporcionar a auto-
expressão do indivíduo. Oferece a ele um meio de “expressar seus sentimentos
a outros, enquanto observa, ouve, executa e cria”. Funciona como uma
“disciplina socializadora”, e prática que irá complementar a vida do sujeito. “[...]
a linguagem musical é um meio de organização da realidade e que sua
compreensão não é anterior a seu uso: é seu uso que organiza a experiência e
permite sua compreensão.” (FONTERRADA, apud LINO, 1999. p. 64). A utilização do intelecto amplia os limites da audição. O corpo ou o coração fazem você se interessar por um tema: prestar atenção nele garante o interesse por todo o movimento (as partes que compõem uma obra orquestral). Trata-se de um aprendizado contínuo e infindável. Ouvir bastante uma mesma obra não a esgota – pelo contrário, a cada vez se descobre novas belezas, novos aspectos, novas possibilidades. (PERPÉTUO, 2006, p.2).
No próximo capítulo, apresentaremos o termo protagonismo juvenil, que
nos possibilitará entender como o projeto de música influência positivamente
estes adolescentes a buscarem recursos externos para sanar as dificuldades
que encontram em expor seu aprendizado. Estes dados ficaram claros na
coleta de dados – capítulo 8.
CAPÍTULO 5: PROTAGONISMO JUVENIL
De acordo com Silva e Souza (2003), protagonismo juvenil pode ser
definido como uma ação interventiva e de conscientização do jovem, com o
intuito de proporcionar-lhe conhecimentos necessários para sua atuação
responsável em seu contexto social. Neste sentido, promove seu crescimento
pessoal e exerce a cidadania.
Podemos definir, de acordo com Ricci (2004), que protagonismo vem do
grego e significa o principal lutador (proto + agos), proto = primeiro e agon =
luta. Esta palavra sugere que protagonismo seria “a personagem principal de
uma peça dramática, pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro lugar em
um acontecimento”. (RICCI, 2004, p. 1).
O Protagonismo Juvenil significa, tecnicamente, o jovem participar como ator principal em ações que não dizem respeito à sua vida privada, familiar e afetiva, mas a problemas relativos ao bem comum, na escola, na comunidade ou na sociedade mais ampla. Outro aspecto do protagonismo é a concepção do jovem como fonte de iniciativa, que é ação; como fonte de liberdade, que é opção; e como fonte de compromissos, que é responsabilidade. (SILVA E SOUZA, 2003, p.2)
Scarabelly (2004) diz que o termo protagonismo hoje em dia está
bastante difundido, mas é necessário distingui-lo de voluntariado. Ambos são
ações de cidadania; contudo ser voluntário é oferecer-se espontaneamente a
um projeto já criado e ser protagonista é ocupar o papel principal, ou seja, é
aquele que idealiza, cria e coloca em prática.
O autor afirma que o termo protagonismo surgiu por volta do período pós
Guerra Mundial devido a um movimento conhecido como “rebeldes sem
causas”, compostos por jovens insatisfeitos com a situação caótica desta
época. Mais tarde, na França, surge o movimento hippie (1968), que era
composto por jovens revolucionários. Já na década de 80, aparecem os
chamados “movimentos urbanos”, as populares “gangs”, que se caracterizam
por jovens com alguma identificação comum, como tribos. Estas permanecem
até a década de 90. Hoje em dia o jovem utiliza sua facilidade de iniciativa e liderança
para atender e tentar suprir problemas sociais, políticos e econômicos, o jovem exerce cidadania não só através da filantropia, mas dentro das políticas públicas, agindo como um agente fiscal, colaborando e cobrando resultados do poder público. (SCARABELLY,2004,p.1).
Silva e Souza (2003) afirmam que a população jovem brasileira é cerca
de 12,5%, baseado no Relatório da Situação da Adolescência Brasileira –
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) de 2002. Então é uma
população que deve ser analisada com bastante propriedade; é importante
que se proponham ações que o façam refletir, compreender como os
acontecimentos mundiais atingem seu cotidiano, por exemplo.
[...] que o leve a estabelecer uma relação de segurança com seu próprio crescimento, mesmo estando envolto a algumas situações cotidianas que fazem parte de sua realidade, e nem sempre são situações propícias a um crescimento seguro. Só fazemos história no futuro se soubermos entender e aceitar nosso passado e assim realizar nosso presente. (SILVA E SOUZA, 2003, p. 2).
Costa (2004), diz que o adolescente, quando protagonizado, adquire
autonomia, confiança e determinação tornando-se uma pessoa mais segura,
num período em que a busca da identidade provoca grande instabilidade
subjetiva. Scarabelly (2004) comenta que a participação efetiva do jovem,
neste tipo de atuação, o ajuda no exercício consciente da democracia,
aprendendo a respeitar o outro e a se solidarizar com as causas diversas em
que nossa sociedade enfrenta timidamente.
Para o jovem a necessidade momentânea é a de ser aceito, ouvido, de estabelecer relações afetivas, de ser acolhido, de “errar” sem o conceito da gravidade de um erro, pois é necessário descobrir, se desenvolver com responsabilidade, assumir seus erros, pois deles o jovem fortalece seus conceitos. É necessário que ele seja respeitado pelo seu modo de vestir-se, andar e falar, é importante que ele seja apenas jovem, e não perca seus ideais, o que faz de um jovem por exclusividade, um líder, eis a importância de provocar ações e debates com eles para que torne concretas todas suas ansiedades correspondentes a sexualidade, drogas, profissão, estudo, ética, ser humano, sobre “vida”. (SILVA E SOUZA, 2003, p. 2).
Ricci (2004) ressalta que, ao se consolidar o pensamento abstrato e a
formação de ideologias, os adolescentes são fontes de informação e não
apenas receptores; por isso é importante montar atividades pedagógicas que
estimulem a produção de idéias e desenvolvam um ambiente formador de
conceitos. Para se obter eficiência, é necessário incorporar, neste projeto de
ação, a comunidade e a família destes jovens que, segundo o autor, formam “a
rede de apoio”.
O autor afirma que o exercício da cidadania efetiva é um meio de buscar
junto aos governantes, políticas públicas que proporcionem a esta população e
a outras a aplicação de seus direitos assegurados pela constituição brasileira.
O agente protagonista desenvolve quatro competências de trabalho, a
primeira é a capacidade de criar e empregar as informações teóricas para a
elaboração dos planos de ação; a segunda é elaborar projetos de intervenção
na comunidade; a terceira é “a capacidade e oportunidade de gestão de
projetos comunitários, públicos” (RICCI, 2004, p. 3). E a quarta é a avaliação
dos projetos voltados para os jovens.
Assim, ao falarmos do protagonismo juvenil estamos sugerindo um projeto pedagógico com uma clara opção participacionista (desde sua elaboração, os objetivos que persegue, sua execução, avaliação e reformulação), sustentado por um novo estatuto político do jovem, portador de hábitos e cultura específica. (RICCI, 2004, p. 3).
A escola pode ser um agente formador de protagonismo. Segundo Costa
(1999), a proposta da ONU (Organização das Nações Unidas) para a educação
do século XXI é desenvolver quatro competências: a) Competência pessoal
(aprender a ser) – responsabilidade, autonomia e solidariedade; b)
Competência social (aprender a conviver) – cooperação, compreender o outro e
a interdependência entre todos os seres humanos, valorizar as diferenças; c)
Competência produtiva (aprender a fazer) – colocar em prática os
conhecimentos aprendidos; d) Competência cognitiva (aprender a conhecer) –
Compreender todos os ensinamentos básicos (ler e escrever, calcular,
interpretação, etc.). “Despertar a curiosidade intelectual, o sentido crítico, a
compreensão do real e a capacidade de discernir. Construir as bases que
permitirão ao indivíduo continuar aprendendo ao longo de toda a vida”.
(COSTA, 1999, p. 56) Portanto, qualquer projeto que tenha por objetivo incentivar ou promover o protagonismo juvenil parte do princípio que o adolescente ou jovem possui capacidade política de um cidadão. A cidadania pressupõe direitos universais, de onde emerge um ser político, que decide sobre o seu destino e o de sua coletividade. Contudo, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), o adolescente (aquele que possui de 12 a 18 anos de idade) é um cidadão em formação, merecendo atenção e promoção. Por este motivo o adolescente é responsável por seus atos, mas é inimputável, ou seja, não é merecedor de punição, pois é um “cidadão em formação”. (RICCI, 2004, p. 1 – 2)
A seguir, falaremos do projeto de pesquisa. E por qual motivo decidiu-se
fazer um trabalho no campo musical.
CAPÍTULO 6: O PROJETO DE PESQUISA
6.1 Justificativa
Esta pesquisa partiu de um interesse pessoal sobre o assunto. A música
para mim é uma expressão única de alcançar a transcendência, sem deixar o
corpo material. Participei deste projeto, durante o qual aprendi a tocar
violoncelo. Esta experiência me marcou muito, pois ouvir e compreender a
música é uma possibilidade singular, mas tocar um instrumento é falar para o
público como nos sentimos, como pensamos, utilizando a linguagem do
compositor interpretado.
Em todas as artes, o artista canaliza sua inspiração para expressar o
modo como vê a realidade e demonstrar suas experiências de vida. Este
projeto deve ser conhecido por todas as pessoas, não só porque faço parte do
corpo docente, mas devido à cultura musical representar para o sujeito a
possibilidade de entrar em contato com seu mundo interno e, assim,
proporcionar um exercício de ressignificação. Também por fazê-lo ver a
realidade por um outro ângulo e, desse modo, ter uma visão crítica privilegiada
sobre aquilo que o cerca. Para a Baixada Santista esta iniciativa é um ganho
enorme, por proporcionar o ensino gratuito de música a uma população que
dificilmente teria contato com este tipo de atividade.
Projetos como este devem ser valorizados e podemos incentivar outras
iniciativas semelhantes, a fim de auxiliar na formação dos futuros adultos.
Tenho este compromisso por ser uma cidadã e por acreditar que é possível
modificar a imagem que a sociedade tem do adolescente, assim como torná-lo
apto para discutir e compreender sua realidade social e qual é seu papel nela.
No âmbito científico, já existem pesquisas sobre como o aprendizado
musical pode contribuir para que crianças e adolescentes desenvolvam
habilidades extras ou facilidades cognitivas que os ajudem a desempenhar-se
melhor na escola. Infelizmente constatou-se que os estudos são mínimos nesta
área. Em nosso país, quase não há literatura sobre o assunto e o pouco que
existe não é valorizado.
Através deste trabalho, pretende-se contribuir para começar a mudar
esta realidade e despertar em outros profissionais o interesse em contribuir
para o aprimoramento de conteúdos que busquei desenvolver, permitindo que
novos conhecimentos surjam para complementar e aprofundar a importância
da música para o desenvolvimento humano.
Cognição, criatividade, atenção e outras habilidades específicas são
assuntos estudados pela Psicologia; são de interesse acadêmico e de
relevância para os profissionais da área, que devem entrar em contato com
esta experiência desenvolvida por músicos que obtiveram resultados
surpreendentes com jovens que participam do projeto. Este estudo é público e
servirá para que outros psicólogos se familiarizem com o assunto e, a partir
deste, possam desenvolver novos conhecimentos neste campo.
Contudo acredito que, a partir deste estudo, a sociedade possa encarar
o jovem de uma nova forma e abrir-se para novos caminhos educacionais que
tornem os adolescentes sujeitos de si próprios e capazes de lutar por seus
direitos. Este caminho não é o único. Esperamos que surjam outras
oportunidades para que estes indivíduos sejam ouvidos e não considerados
como um problema social.
6.2 Problema
A construção do sujeito crítico através do estudo de música erudita pode
desenvolver o exercício consciente da cidadania?
6.3 Objetivo Geral
Identificar se a prática musical pode contribuir para que o adolescente
consiga compreender melhor sua realidade social, construindo - se assim um
sujeito mais crítico e reflexivo.
6.3.1 Objetivo Específico
Constatar se os jovens participantes deste projeto, ao entrarem em
contato com o aprendizado musical, tornaram-se cidadãos mais críticos à
respeito de sua realidade social.
6.4 Hipótese
Adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária de 16 a 18 anos,
provenientes de classe econômica baixa, ao terem contato com música erudita
de forma efetiva, adquirem competência social e se tornam mais hábeis
socialmente para problematizar sua realidade, tomando consciência dos
determinantes de sua condição.
No próximo capítulo, demonstraremos a metodologia utilizada para a
execução deste trabalho.
CAPÍTULO 7: METODOLOGIA
7.1 Método de estudo
Neste trabalho será realizada a pesquisa explicativa que, de acordo com
Gil (2002), busca definir as variáveis que influenciam e definem o grupo de
estudo.
Dentro dos tipos de pesquisa explicativa, escolhemos o Estudo de
Campo como método de estudo.
O Estudo de Campo focaliza uma comunidade, que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo. (GIL, 2002, p.53).
Trata-se, também, de um estudo exploratório que, de acordo com Gil
(2002) é muito utilizado quando o tema é pouco explorado.
7.2 Sujeitos
A amostra consistiu de 30 adolescentes de 16 a 18 anos, de ambos os
sexos, que freqüentem o curso de aprendizado musical.
7.3 Local
Programa de iniciação musical vinculado a uma empresa particular em
Santos.
7.4 Instrumentos
Foi feita a observação dos alunos do projeto durante o último semestre
(fevereiro até junho), com a finalidade de ampliar a visão do campo pesquisado
Na coleta de dados, foi utilizado um questionário semi-estruturado elaborado
pela autora deste trabalho, contendo dez questões. Os resultados foram
analisados para verificar se a hipótese deste projeto seria confirmada ou
refutada.
7.5 Procedimentos
1. Observação dos adolescentes que fazem parte do Projeto de
iniciação musical;
2. Seleção dos participantes;
3. Entrevistas para colher os dados que complementaram a
avaliação;
4. Inicialmente fez-se um estudo piloto para verificar se o
instrumento utilizado realmente refletiria o que queríamos
pesquisar;
5. Avaliação da coleta de dados e interpretação.
7.5.1 Estudo Piloto
Antes de se aplicar a pesquisa de campo com todos os adolescentes foi
realizado um estudo piloto, com a finalidade de avaliar o instrumento que seria,
um questionário elaborado especialmente para este estudo.
O estudo piloto foi feito em dois sujeitos com o perfil adequado, e
constatamos que, em algumas questões (nº 2 e nº 10), surgiram dúvidas e
difícil entendimento, necessitando de explicações extras para sua
compreensão. A partir dessa constatação foram feitas alterações, que tornaram
as questões mais claras aos sujeitos.
No capítulo 8, apresentamos os dados colhidos com os alunos do
projeto de iniciação musical pesquisado.
CAPÍTULO 8: RESULTADOS
8.1 Tabelas de Resultados
Neste capítulo estão apresentados os resultados das entrevistas semi-
estruturadas, aplicada em 30 (trinta) alunos do curso de iniciação musical de
uma empresa privada de Santos, conforme citado no capítulo 7. Dentre as
questões, em algumas poderiam assinalar mais de uma resposta. As Tabelas e
Figuras a seguir, mostram os dados evidenciados em cada questão.
Questão 1: Como você teve conhecimento deste Projeto de Iniciação Musical?
Resposta Quantidade
Amigos 17 Pais 8 Apresentações 3 Funcionários 2 Divulgação: Jornais/Revista 1 Outros: músicos de rua 1 cartazes nas lojas 1
Tabela 1
Figura 1
Como você teve conhecimento deste Projeto de Iniciação Musical?
178
3 2 2 1
Amigos
Pais
Apresentações
Funcionários
Outros
Divulgação: Jornais/Revista
Na primeira questão era possível assinalar mais de uma opção. Pode-se
perceber que a maioria dos entrevistados chegaram até o curso através da
divulgação de amigos que faziam parte do projeto.
Questão 2: Relate algumas de suas características que tinha antes de freqüentar o curso de música?
Resposta Quantidade Tímido 25 Imaturo 12 Dedicado aos Estudos 8 Responsável 7 Consciente sobre seus direitos e deveres 3 Habilidade Motora 3 Extrovertido 2 Outros: visão de mercado de trabalho 1 curiosidade 1 não acreditava em si mesmo 1 indisciplinado 1
Tabela 2
Figura 2
Na segunda questão, os adolescentes deveriam identificar as principais
Relate algumas de suas características que tinha antes de freqüentar o curso de música?
25
12 8 7
4 3 3 20
5
10
15
20
25
30
1
Tímido
Imaturo
Dedicado aos Estudos Responsável
Outros
Consciente sobredireitos e deveresHabilidade Motora
Extrovertido
características que possuíam antes de participar do curso, podendo assinalar
mais de uma alternativa. Apesar da timidez aparecer em maior número, a
imaturidade vem logo em seguida. É importante destacar que tais
características são comuns a esta faixa etária. Questão 3: O que o fez ficar até hoje neste projeto?
Resposta Quantidade Gosto pela música 30 Amizades 19 O instrumento 15 Família 4 Outros: visualizar uma profissão 1
Tabela 3
O que o fez ficar até hoje neste projeto?
30
19
154 1
Gosto pela música
Amizades
O instrumento
Família
Outros: visualizar umaprofissão
Figura 3
Justificativa:
Respostas Quantidade Não responderam 13 Amizades 8
Conhecimento musical abrangente 7 Aprendizado do instrumento 7 Vontade de aprender mais 3 Profissionalização 3 Sensibilidade 2
Tabela 4
Figura 4
Na terceira questão, muitos disseram que fora o gosto pela música que
os mantiveram no curso. Apesar de a maioria não ter justificado, é possível
identificar que a amizade aparece novamente nesta questão como um fator de
identificação e aceitação (grupo), traços da adolescência.
Questão 4: Atualmente tem interesse em continuar a estudar música ou o instrumento que toca?
Resposta QuantidadeSim 25 Não 5
Tabela 5 Justificativa:
O que o fez ficar até hoje neste projeto? Justificativa
13
87
7
3 3 2
Não responderam
Amizades
Conhecimento musical abrangenteAprendizado do instrumento Vontade de aprender mais Profissionalização
Sensibilidade
Resposta Resposta Sim Não
Mudança de vida 11 Interesse por outras áreas do conhecimento
4
Profissão
9 Faz outros cursos de arte 1
Apego ao instrumento 8 Falta de Incentivo Familiar 1
Sensibilidade 6 Iniciação no mercado de trabalho 1
Amizades
1 -------------- ---
Compromisso Social 1 -------------- --- Tabela 6
Atualmente tem interesse em continuar a estudar música ou o instrumento que toca?
25
119 8
6
1 10
5
10
15
20
25
30
1
Sim
Mudança de vida
Profissão
Apego ao instrumento
Sensibilidade
Amizades
Compromisso Social
Figura 5
Atualmente tem interesse em continuar a estudar música ou o instrumento que toca? Não
5
4
1 1 1
01
234
56
1
Não
Interesse por outrasáreas do conhecimento
Faz outros cursos dearte
Falta de IncentivoFamiliar
Iniciação no mercadode trabalho
Figura 6
Na quarta questão, a maioria afirmou que pretende continuar a estudar
música futuramente, contra uma minoria que já está buscando outros campos
de estudo ou profissão. Com a justificativa podemos visualizar que o
aprendizado musical modificou a vida de muitos deles, seja para o
desempenho profissional, pelo instrumento ou outros motivos.
Questão 5: Se você nunca tivesse participado deste projeto de música, você teria buscado em outras fontes para aprender a tocar um instrumento ou entender mais sobre música erudita?
Resposta QuantidadeSim 16 Não 14
Tabela 7 Justificativa:
Resposta Resposta Sim Não
Queria conhecer mais de música 8 Não tinha conhecimento 5Sempre quis aprender a tocar um instrumento clássico
4 Não tinha acesso 5
Fazia outro projeto 2 Não possuía interesse 3Fazia outro projeto 2 Não possuía interesse 3Teria aprendido instrumentos populares 2 Alto custo de investimento 1Conhecimento de casa 1 --------- - Trabalha com música 1 --------- -
Tabela 8
Se você nunca tivesse participado deste projeto de música, você teria buscado em outras fontes para aprender a tocar
um instrumento ou entender mais sobre música erudita?Sim
16
8
42 2 1 1
0
5
10
15
20
1
Sim
Conhecer mais demúsicaSempre quis aprender atocar Fazia outro projeto
Aprenderia instrumentospopularesConhecimento de casa
Trabalha com música
Figura 7
Se você nunca tivesse participado deste projeto de música, você teria buscado em outras fontes para
aprender a tocar um instrumento ou entender mais sobre música erudita?Não
14
5 53
10
5
10
15
1
NãoSem conhecimentoSem acessoSem interesseInvestimento alto
Figura 8
Na quinta questão, observamos que a busca pelo conhecimento teria
sido alcançada por alguns, mas não necessariamente por este tipo de música
(erudita). Sabemos como o jovem está ligado à expressão musical, e
atualmente existem muitos músicos incorporando instrumentos clássicos em
suas bandas, por exemplo. Porém, aqueles que responderam que não teriam
buscado outras formas de aprendizado justificaram que desconheciam esta
prática e a ela não tinham acesso. A música erudita em nosso país tem este
traço, de música elitista, mas podemos perceber que hoje a informação e o
conhecimento são maiores que há dez anos atrás. Contudo o acesso ainda é
restrito para boa parte da população menos abastada, que não se atrai por este
tipo musical devido muitas vezes não a compreenderem ou pelas
apresentações ocorrerem em teatros ou espaços cujo acesso é mais restrito. Questão 6: Com tudo que aprendeu neste curso, sobre tocar um instrumento / teoria musical, vida e obra dos compositores, etc.
a) Todo este conteúdo o tornou uma pessoa diferente de antes?
Resposta QuantidadeSim 30 Não 0
Tabela 9
a) Todo este conteúdo o tornou uma pessoa diferente de antes?
30
0
Sim Não
Figura 9
b) O que mudou? Escolha pelo menos três caracteres.
Resposta Quantidade
Concentração 23 Disciplina 19 Percepção auditiva 19 Atenção 16 Socialização (novas amizades) 16 Agilidade Motora 14 Capacidade de ser crítico sobre sua realidade 13 Criatividade 13 Afetividade / Emoção 12 Compromisso Social 10 Respeito ao próximo 7 Inteligência 6 Melhorou desempenho escolar 4 Outros: responsabilidade 1 passou a dar valor as coisas que tem 1 excitação 1
Tabela 10
b) O que mudou? Escolha pelo menos três caracteres.
23
1919
161614131312
10
7 64 3
0
5
10
15
20
25
1
Concentração
Disciplina
Percepção auditiva
Atenção
Socialização (novasamizades)Agilidade Motora
Capacidade de ser críticosobre sua realidadeCriatividade
Afetividade
Compromisso Social
Respeito ao próximo
Inteligência
Melhorou desempenhoescolarOutros
Figura 10
A sexta questão foi subdividida para que os resultados pudessem ficar
mais claros. Na letra “a”, todos acreditam que são novas pessoas, após o curso
de música; e na letra “b”, verificamos algumas das características que tiveram
modificação no decorrer do curso. Em ambas, deveriam assinalar mais de uma
alternativa.
As primeiras características selecionadas pelos jovens são habilidades
que qualquer estudante de música deve desenvolver e/ou possuir para
progredir em seus estudos. Há outras características que também são
resultados do estudo musical: criatividade, afetividade, inteligência. A amizade
(socialização) mais uma vez aparece, pois muitos formaram seu grupo de
amigos dentro do curso.
Dentro destas opções, encontramos algumas características que não
são despertadas apenas pelo ensino de música: capacidade de ser crítico,
compromisso social, respeito ao próximo, que apareceram em um número
significativo.
Questão 7: Você acredita que todos devem ter acesso à cultura, no caso musical? Por quê? (Questão dissertativa - principais respostas)
Resposta QuantidadeSim 30 Não 0
Tabela 11 Justificativa:
Resposta Sim Mudança de Comportamento 20 Conhecimento 19 Senso Crítico 14 Desenvolve novas habilidades 8 Por entrar em contato com seu interior 8 Compromisso Social 4 Diminuir as fronteiras de acesso 4 Socialização 3 Desperta interesse para outras formas de expressão 1 Profissão 1
Tabela 12
Na sétima questão, pode-se observar que todos acreditam que a música
deve ser difundida para toda a população. Com a justificativa, fica evidente
como eles obtiveram uma nova vida após a participação no projeto e querem
que outros possam também ter esta experiência.
As respostas que alcançaram, o segundo e terceiro lugar
(respectivamente: conhecimento e senso crítico), revelam um dado
interessante. O conhecimento musical, para muitos deles, só foi possível
através do curso que funcionou como “ponte” entre o aluno e a música.
Contudo, por meio desse aprendizado, os jovens aos poucos passam a
“caminhar por suas próprias pernas”, desenvolvendo um pensamento crítico
que o ajuda a selecionar e discriminar melhor as informações que lhes chegam,
quer seja sobre música ou sobre qualquer outro assunto.
Questão 8: Você acredita que a desigualdade social ajuda a dificultar o acesso à cultura, de forma geral?
Resposta QuantidadeSim 24 Não 3 Não responderam 2 Rasura 1
Tabela 13
Você acredita que a desigualdade social ajuda a dificultar o acesso à cultura, de forma geral?
24
32 1
SimNãoNão responderamRasura
Figura 12
Na oitava questão, a maioria dos entrevistados acredita que a
desigualdade social pode impedir o acesso à cultura. As respostas permite-nos
visualizar quanto ainda precisamos diminuir fronteiras entre classes sociais em
relação à cultura. Sabe-se que a cultura está disseminada na população, mas
ainda de forma muito incipiente, em alguns setores. É difícil competir com a
cultura de massa.
Questão 9: Você contribui de alguma forma para que outras pessoas tenham acesso às informações que adquiriu neste curso? Escolha alguma das opções abaixo.
Resposta QuantidadeLeva outros a apresentações 23 Convida pessoas para participar do projeto 19 Divulga em casa ou na comunidade o que aprendeu no curso 18 Dá aulas 7 Outros: participa de manifestações culturais 1 toca nas ruas de diversas cidades 1 desenha notas musicais 1
Tabela 14
Você contribui de alguma forma para que outras pessoas tenham acesso às informações que adquiriu neste curso?
Escolha alguma das opções abaixo.
23
19
18
7 3
Leva a apresentações
Convida p/ participar doprojeto
Divulga na comunidadeo que aprendeu
Dá aulas
Outros
Figura 13
Na nona questão, podemos ver que a principal contribuição destes alu -
nos para divulgar o propósito do curso é através das apresentações. Logo em
seguida, vem à inclusão de outros no curso – que em sua maioria fazem a
inscrição após assistir o concerto da orquestra formada através deste projeto.
Quanto à divulgação do que aprenderam, alguns alunos tocam em suas
comunidades, tocam em espaços públicos: praças, ruas, feiras, como uma
forma de propagar a cultura ou até como fonte de renda para prosseguir com
seus estudos.
Questão 10: O que você faz para que outras pessoas tenham acesso à música erudita? Que dificuldades encontra? (Questão dissertativa - principais respostas)
O que faz Dificuldades encontradas Convida para apresentações diversas
12 Preconceito / Não tem acesso 12
Explica o significado da música erudita
8 Desinteresse da população brasileira
8
Mostra o que aprendeu no curso 8 Música para 3º idade/ elite 5 Divulga o curso 6 Não existe divulgação 5 Toca em locais públicos : ruas 4 Falta de apoio governamental 3 Toca em sua comunidade 1 “Música Chata” – não
comercial 3
Compromisso de mudar a realidade 1 Investimento alto 1 Tabela 15
O que você faz ?
12
8 86
4
1 1
02468
101214
1
Convida paraapresentaçõesExplica o significadoda música Mostra o queaprendeu Divulga o curso
Toca em locaispúblicos Toca na comunidade
Compromisso demudar a realidade
Figura 14
Respostas
Dificuldades encontradas
12
8
5 53 3
102468
101214
1
Preconceito / Não temacesso Desinteresse dapopulação brasileira Música para 3º idade/eliteNão existe divulgação
Falta de apoiogovernamental “Música Chata” – nãocomercialInvestimento alto
Figura 15
Na décima questão, foram repetidos alguns dados da questão anterior,
tais como: convidar para apresentações, divulgar o curso e mostrar o que
aprendeu. Entretanto as dificuldades que eles encontram em divulgar a música
erudita são praticamente a mesma que constatamos na questão oito. No ramo
musical, a música erudita é absorvida pelo mesmo público – principalmente por
pessoas com uma educação mais “refinada”. Não é o tipo de música que
concorre com as “paradas do momento”. Principalmente por exigir alguma
apuração de ouvido, ela deixa de ser consumida pela população, talvez por
esta se identificar mais com músicas populares, por exemplo.
CAPÍTULO 9: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Com base nas observações e nos dados obtidos através das entrevistas,
podemos constatar que os jovens de 16 a 18 anos de idade, que escolheram
espontaneamente - principalmente por intermédio de amigos (como verificamos
na questão 1) participar deste projeto de música, relataram que ao
ingressarem, eram pessoas imaturas e tímidas e que, no desenrolar do curso,
passaram a ser pessoas mais responsáveis e “extrovertidas”.
Quanto a isso, podemos supor que o curso pode ter agido como um
facilitador para agilizar este processo de amadurecimento, que muitas vezes
demora o período inteiro da adolescência para ocorrer.
Outro dado, apesar de aparecer em menor número de resposta, chamou
atenção sobre como este estudo pode encaminhá-los para a profissionalização.
Como vimos, no capítulo 2, o projeto não visa formar músicos, e sim divulgar o
conhecimento musical à população. Porém, na faixa etária em que tais jovens
se encontram, a escolha profissional é uma das questões que os perturbam
constantemente.
Nas questões seguintes (questão 4 a 6), aparecem como se tornam
envolvidos pela música e como ela abre portas para novas oportunidades de
existência neste mundo. Além disso, as respostas, refletem como os jovens
encontraram esperança em mudar seu contexto social a partir da progressão
educacional que receberam consolidando-os como indivíduos - cidadãos.
Estar diferente de antes mobiliza-os a quererem modificar outras
pessoas, sejam próximas a eles ou distantes, como o público em geral, por
exemplo. Tais jovens provêm de bairros diferentes e até de cidades diferentes,
cada qual com suas particularidades e também com suas igualdades, como
pudemos ver nas dificuldades que encontram em divulgar este tipo de música.
As mudanças principais, assinaladas pelos entrevistados, são em
habilidades cognitivas – motoras (concentração, disciplina, atenção, percepção
auditiva e agilidade motora) que, como já vimos no capítulo 4, acompanham
todo estudante de música no decorrer de seu desempenho.
A falta de acesso, o preconceito, o desmerecimento ocasionados pela
colocação social são as causas essenciais que os pesquisados levantaram a
respeito desta dura realidade.
Perpétuo (2006) relata que historicamente, o aprendizado de um
instrumento clássico, ou a noção de música como conhecimento cultural,
mostravam o quanto a família era abastada. Logo, este tipo de conhecimento
foi negado à grande parte da população que antes de ter acesso se exclui por
achar que não pertence a este grupo, que necessita de uma educação especial
para apreciar música erudita.
Tamanho desconhecimento acaba criando em torno da música erudita uma mística de mistério para iniciados, parte integrante de uma estratégia de refinamento social. A mensagem é clara: “eu, que degusto Mozart, sou infinitamente superior a você, que suspira por Roberto Carlos”. Uma rápida olhada nos figurinos utilizados pelo público dos concertos comprova facilmente a transformação da música erudita em artigo de esnobismo cultural. O próprio termo “música erudita” contribui para este distanciamento. Erudito sugere acadêmico, hermético, difícil, incompreensível. O pior é que não há expressão melhor.( PERPÉTUO, 2006, p.1).
As habilidades que destacamos como importantes para esta análise,
assim como os demais conteúdos já expressos, retratam como a cultura foi
exposta ao longo dos séculos e o quanto ela foi privando e selecionando a
quem se mostrar. Quando Vygotsky fala da cultura humana como um processo
construído historicamente e capaz de formar os processos significativos para a
consolidação do raciocínio abstrato, a privação de parte dela impede que o
indivíduo tenha um desenvolvimento pleno.
A música clássica é um mergulho profundo nos sentimentos que regem a angústia da existência humana, servindo como uma catarse pessoal para o auto-aprimoramento do homem que tenta evoluir sempre equilibrando razão com emoção. É um exercício para a aniquilação do pequeno ego. Ego é uma palavra pequena, mas assim como pequenas traças podem derrubar grandes árvores, ele pode derrubar grandes homens. Conhecendo a ti mesmo, conhecerás as pessoas, coisas e animais, e então você achará respostas para si e para os outros, tornando-se um ser humano melhor. (BORGES, 2007, p.2).
As demais habilidades que também surgiram a partir do aprendizado de
música erudita são os que mais nos interessam nesta pesquisa (socialização,
capacidade de ser crítico sobre sua realidade, criatividade, afetividade/emoção,
compromisso social e respeito ao próximo). A seguir aprofundaremos a
interpretação de cada uma destas características que foram destacadas.
A socialização, como vimos no capítulo 1, durante a adolescência o
sujeito passa por diversas modificações físicas e mentais, e também busca
integrar-se em grupo de iguais (que possuem características semelhantes as
suas). Então podemos afirmar que se identificam com o grupo de alunos do
curso, assim como se tornam sujeitos mais confiantes e seguros para
estabelecerem relações interpessoais. Por desenvolver uma compreensão
mais ampliada sobre o mundo que o cerca (capítulo 4). Vygotsky (apud LA
TAILLE, 1992) a educação pode ser um agente que auxilia no desenvolvimento
do pensamento abstrato e da subjetividade do indivíduo proporcionando uma
variedade de experiências nas relações sociais.
A criatividade é uma capacidade de criar com engenho, ou seja, a
música é um processo criativo, por estar relacionada diretamente com a
imaginação. Para Vygotsky (apud JAPIASSU, 2006), existem dois tipos de
condutas humanas: o primeiro nomeado de impulso reprodutor ou reprodutivo –
que está ligado à memória e o segundo chamado o impulso criador ou
combinador – ligado ao processo imaginativo. Não nos aprofundaremos nestes
conceitos, vamos apenas nos ater ao termo imaginação, que designa toda a
atividade inovadora que se apresentam na vida cultural, ocasionando a criação
artística, além de outras.
Existe criação não apenas onde têm origem os acontecimentos históricos, mas também onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo, por insignificante que esta novidade possa parecer se comparada com as realizações dos grandes gênios. Se somarmos a isso a existência da criação coletiva que reúne todas essas pequenas descobertas insignificantes em si mesmas da criação individual, compreenderemos quão grande é a parte de tudo o que foi criado pelo gênero humano e que corresponde à criação anônima coletiva de inventores desconhecidos. (Vygotsky, apud JAPIASSU, 2006, p. 2),
Alguns entrevistados citaram a criatividade como uma característica que
adquiriu ao longo do curso. Através dos capítulos 3 e 4, pudemos verificar que
o indivíduo vai resignificando seu modo de visualizar o mundo na medida em
que adquire novas informações, no caso musicais.
Afetividade / Emoção segundo nossa pesquisa, funciona como uma
canalização entre a recepção da música até a significação atribuída ao sujeito.
Maheirie (2002) cita Sartre para exemplificar como ocorre este processo que
apresentamos. Para ele, a subjetividade em contato com o aprendizado
musical, possibilita ao indivíduo desenvolver uma realidade mais subjetiva, ou
seja, uma realidade que representa um significado afetivo. Vygotsky (apud
Maheirie, 2002) e outros teóricos atribuíram à afetividade / emoção uma função
essencial na construção da consciência do ser humano.
Damásio (apud FERREIRA, 2003), explica que neurologicamente, o
cérebro utiliza a emoção em suas diversas atividades, e afirma o quão
importante esta é para o processo cognitivo. Pelo menos doze dos
entrevistados apontaram a afetividade / emoção como mais uma habilidade
que adquiriram através do ensino de música. Mas isto não quer dizer que este
seja o único meio de trazer à tona tais “sentimentos”. Pudemos verificar
anteriormente que a afetividade / emoção faz em parte da mola propulsora do
mecanismo cerebral do qual todos são dotados. Ela pode ser mais evidente,
em artistas, de modo geral.
Quanto à capacidade de ser crítico sobre sua realidade, de ter respeito
ao próximo e compromisso social, que foram alternativas destacadas por parte
dos entrevistados, remetem a outras questões que podem elucidar melhor
estes dados. Relataram, em mais de uma questão, que obtiveram mudança de
comportamento e que a noção de comprometimento com o outro surgiu por
meio da socialização e troca de experiências entre os alunos. Sabemos que
nem todos percebem como estas características estão evidentes, tanto quanto
as habilidades motoras, auditivas entre outras.
Ser crítico é poder distinguir, entre tantas informações, aquela que
representa melhor o que somos. Conseguimos isto com a maturidade, mas não
efetivamente. A educação tem papel fundamental em desenvolver o raciocínio
global do sujeito e infelizmente esta realidade está cada vez mais longe das
salas de aula. Podemos chamar a educação atual de educação de massa que
despeja informações, mas não ensina a digeri-las, tornando o sujeito alienado.
Estas habilidades combinadas com as demais podem promover o
protagonismo juvenil. Ser agente multiplicador de conhecimento é uma ação
que os alunos são estimulados a fazer por meio da divulgação do curso ou de
apresentações; por poder discutir com outras pessoas sobre seus
conhecimentos adquiridos; por ter a missão de modificar a visão de seus
familiares e amigos sobre sua capacidade de se tornarem músicos ou de
dominar em tais conhecimentos. Além do mais que podem aprimorar suas
habilidades em lidar com outras tarefas, assim como ampliam o seu
conhecimento. Neste ponto podemos encaixar, também, o respeito ao próximo
e o compromisso social.
Podemos afirmar que o projeto funciona como um processo interventivo
na realidade social de comunidades carentes e por meio do ensino de música
proporciona aos adolescentes o conhecimento necessário para que se tornem
cidadãos mais comprometidos e menos conformados com a realidade de sua
cidade, estado, país e mundo. O jovem tem espírito de inovação e a educação
pode oferecer-lhe o primeiro passo para modificar seu contexto social, não
determinando, mas conscientizando-o.
Dessa forma os dados confirmam o questionamento feito inicialmente
e afirmam a hipótese levantada neste trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adolescência é uma fase de transição entre a infância e a vida adulta.
Nesta fase os jovens estão aptos a relacionar-se de todas as maneiras com o
ambiente, e interagir com os outros. A diferença desta “relação” com as
relações infantis expressa-se pela descoberta e assimilação de conceitos. O
adolescente continua descobrindo e interiorizando novos conceitos, mas
partindo de um referencial basicamente estruturado que utiliza para discriminar
cada informação que chega. Desse modo as informações são filtradas,
podendo complementar as informações que estão registradas ou serem
completamente rejeitadas. Muitas funções mentais estão envolvidas neste
desenvolvimento.
Então o adolescente está sedento de novas informações e busca-as
compulsivamente. Qualquer informação que lhe apresente algum sentido é
incorporada de acordo com os valores culturais de cada um.
A qualidade da informação é o que temos que questionar. Todo este
processo de evolução, foi descrito anteriormente, ocorre em todos os seres
humanos, porém os valores culturais estão mudando e nem sempre o jovem
apresenta o discernimento necessário para selecionar as informações que
chegam até ele.
Com isso, os jovens são “terrenos férteis” para a disseminação da
cultura de massa, a qual importa valores globalizados que segregam a cultura
tradicional e unifica todos os povos. Este tipo de cultura aliena o indivíduo e o
torna incapaz de se reconhecer individualmente.
Logo, a educação de modo geral foi encarregada de oferecer
informações necessárias para que os alunos fossem capazes de compreender
melhor o lugar deles na sociedade. Contudo, a escola sobrecarregou-se de
mais um encargo que antes era da família, e repassou para a sociedade que
por sua vez...
Toda esta reflexão somada a tudo que foi pesquisado neste trabalho
mostra-nos que é necessário fazer algo pelos adolescentes de nosso país,
independente de classe econômica. O jovem pode ser um instrumento de
pacificação, de libertação, de eqüidade, enfim parte da estruturação de um país
melhor para se viver.
Uma das chaves é a educação e neste simples projeto verificamos o
quanto o ensino comprometido e responsável surtiu efeitos significativos para
jovens que nunca imaginaram tocar um instrumento. Existem muitos outros
projetos que proporcionam esta mudança de comportamento, sendo projeto de
música ou não, cada qual se desenvolve com o mesmo objetivo: multiplicar
conhecimento.
Sem dúvida esta pesquisa não pode representar como o trabalho com
adolescente é enriquecedor. Acredito que este tenha sido o início de uma longa
jornada de estudos que a ele se sucederão, assim espero, para que tenhamos
uma visão mais ampliada sobre o desenvolvimento do adolescente do século
XXI, assim como sobre o aprendizado de música e suas implicações no campo
cognitivo, afetivo e comportamental do indivíduo.
Sugiro novos estudos, mais profundos talvez em outras abordagens para
que enriqueçam este campo educacional. Espero que este trabalho sucite em
todo o meio acadêmico e social curiosidade suficiente para desbravar os
caminhos intrigantes do meio musical. Este foi apenas uma semente inicial.
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