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UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA DISSERTAÇÃO Os Professores de Origem Africana a Lecionar em Portugal Estudo Exploratório Rita Figueira Simões Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre em Ciências da Educação Área de Especialização em Educação Intercultural 2012

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    INSTITUTO DE EDUCAO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

    DISSERTAO

    Os Professores de Origem Africana a Lecionar em Portugal

    Estudo Exploratrio

    Rita Figueira Simes

    Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre em Cincias da Educao

    rea de Especializao em Educao Intercultural

    2012

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    INSTITUTO DE EDUCAO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

    DISSERTAO

    Os Professores de Origem Africana a Lecionar em Portugal

    Estudo Exploratrio

    Rita Simes

    Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre em Cincias da Educao

    rea de Especializao em Educao Intercultural

    Dissertao orientada pela Professora Doutora Helena DOrey Marchand

    2012

  • i

    Ao Av Simes, o Lendrio

    Av Amlia, o meu amor

  • ii

    Agradecimentos

    Professora Doutora Helena Marchand pela orientao na realizao deste trabalho.

    Aos professores que participaram neste estudo, pela disponibilidade para partilhar

    comigo as suas experincias e as suas vidas. So uma fonte de inspirao e admirao.

    s colegas de Mestrado, nomeadamente Mlanie e Lisete, sem as quais o primeiro ano

    teria sido bem mais difcil e bem menos divertido. Mlanie pelo apoio, motivao e

    pelas palavras amigas ao longo deste ltimo ano.

    Ao Kenny e Jessica, por esta amizade to essencial ao meu equilbrio, pelos espaos e

    tempos de descompresso, pelos risos, pelas conversas com/sem sentido.

    A todos os elementos do Sabor A Palco, por me permitirem crescer e aprender

    convosco, por me aceitarem como eu sou e por me darem um espao para criar e voar.

    Diana, pelas conversas de varanda, a qualquer hora, a qualquer dia, que permitem ir

    mantendo a minha sanidade mental.

    Ao Rui, pela Amizade, pelas palavras de encorajamento, pelo ombro amigo e por nunca

    ter deixado de acreditar que eu era capaz, mesmo nos meus momentos de maior

    descrena.

    Ao Rafael, pela companhia ao longo dos bons e dos maus momentos, por ter suportado

    o stress, as ansiedades, os maus humoresconstantes e o roubo do seu Vero, no fundo,

    por me amar... mesmo quando eu no o mereo e por isso mais o necessito.

    minha irm favorita, o amor incondicional.

    Ao meu pai pelo exemplo de profissionalismo e pelo respeito que sempre teve pelas

    minhas escolhas. minha me, por me ter inspirado, embora contrariada, a seguir esta

    profisso e por me ter ensinado o quo especial tocar no corao e na alma dos

    meninos(as) que recebemos todos os anos nas salas de aula. Aos meus pais, pela forma

    como me educaram e por me terem proporcionado desde sempre tantas oportunidades

    para eu crescer e aprender, no fundo, por me terem dado as asas para eu voar.

    Aos meu avs, o Av Simes e a Av Amlia, pelo amor incondicional com que sempre

    me envolveram.

  • iii

    Eu vim de longe,

    de muito longe,

    o que eu andei pra aqui chegar (...)

    Jos Mrio Branco Eu vim de longe

  • iv

    Resumo

    A presente dissertao corresponde a um estudo exploratrio relativo a professores de

    origem africana a lecionar em Portugal e foi realizado para obteno do grau de Mestre

    em Cincias da Educao, na rea da Educao Intercultural.

    O seu objetivo central estabelecer alguns padres de caractersticas comuns entre os

    entrevistados tentando traar o perfil de professores de origem africana a lecionar em

    Portugal. Foram definidas algumas questes de investigao a partir das quais o

    trabalho foi orientado. No fundo, pretende-se caracterizar os trajectos, obstculos,

    desafios e vivncias dos professores de origem africana que lecionam em escolas em

    Portugal, dar-lhes voz.

    Foi efetuado em enquadramento terico incidindo nos aspectos principais focados pelas

    entrevistas, bem como uma explicitao das opes metodolgicas realizadas.

    A metodologia utilizada consistiu na recolha de dados atravs de entrevistas semi-

    diretivas, seguida da sua transcries e posterior anlise de contedo qualitativa. Esta

    anlise de contedo teve como base a codificao dos dados e posterior segmentao

    em unidades de registo e na organizao de um conjunto de indicadores. Estes foram,

    seguidamente, agrupados em categorias e em subcategorias, de forma a possibilitar uma

    interpretao dos dados fornecidos.

    A amostra, foi uma de convenincia, constituda por dez indivduos, sendo que apenas

    dois pertencem designada 2 Gerao de imigrantes em Portugal. Uma das principais

    limitaes do trabalho prendeu-se com a elevada dificuldade em contactar docentes com

    o perfil pretendido e que estivessem na disponibilidade de participar.

    As principais concluses obtidas so as seguintes: i) os entrevistados cresceram a

    valorizar a escola e a perspetiv-la como um meio para atingir um bom emprego; ii) a

    me, ou o pai, ou ambos, independentemente do seu nvel de estudo, sempre os

    motivaram e influenciaram no sentido de eles se empenharem no seu trabalho escolar;

    iii) a profisso de professor no foi a sua primeira escolha para sete dos entrevistados;

    iv) todos gostam da sua profisso, principalmente da relao e do trabalho desenvolvido

    com os alunos; v) a maioria demonstrou a sua insatisfao perante a perda de

    reconhecimento social e a crescente burocratizao da profisso.

  • v

    Para investigaes futuras penso que seria relevante tentar fazer uma distino clara

    entre os professores de primeira e segunda gerao de imigrantes, bem como estudar os

    alunos destes professores, diferenciando-os de acordo com a origem tnica no sentido

    de perceber se existe ou no uma relao entre essas variveis.

    Palavras-chave:

    Minorias tnicas; professor; aluno; escola; profisso; expetativas

  • vi

    Abstract

    The following dissertation is based on an exploratory study regarding teachers of

    African origin currently teaching in Portugal. It was conducted in order to obtain a

    Masters Degree in Educational Sciences, specifically in the Intercultural Area.

    Its main goal is to identify common patterns of distinctive characteristics between

    interviewees, in an attempt to create a profile of a teacher of African origin teaching in

    Portugal. Some investigative questions were previously set and served as guidelines

    throughout the work. Essentially, through this work, the intention is to describe paths,

    obstacles, challenges and experiences that occurred in the life of those teachers, to give

    them a voice.

    It was conducted under a set of theoretical basis and mainly focused on the interviews.

    It also specifies and justifies the applied methodological options.

    The used methodology was based on gathering data through semi directive interviews

    followed by a transcription and a subsequent content qualitative analysis. This

    qualitative analysis was carried out through data coding, the succeeding fragmentation

    into registry units and the organizing them into a set indicators. In turn, these indicators

    were grouped into categories and sub-categories in order to enable an interpretation of

    the original gathered data.

    The sample, out of convenience, was of ten individual. Of those ten, only two

    individuals are part of what is currently designated in Portugal a second generation of

    immigrants. One of the major obstacles encountered during the entire process was

    finding interviewees with the suitable profile and background, willing to participate.

    The main conclusions are the following: i) the interviewees have grown up valuing

    school as a mean to attain a good job; ii) the mother or father of the interviewee have

    always motivated them, kept them committed to their school work and served as a

    significant influence in their lives; iii) being a teacher was not a first choice career for

    seven of the ten interviewees; iv) every interviewee likes being a teacher due

    specifically to the type of work performed with their students as well as the emotional

    attachments formed during such process; v) the majority of interviewees expressed their

    discontentment regarding the lack of social credibility given to their current profession

    and also about the growing bureaucratization in schools.

  • vii

    Regarding future investigations I would consider relevant to try and make a clear

    distinction between teachers of a first generation of immigrants and those of a second

    generation as well as learning more about these teachers students differentiating them

    according to their ethnical origins in order to understand if there is a link between those

    variables.

    Key words:

    Ethnical minorities; teacher; student; school; career; expectations

  • viii

    ndice

    INTRODUO .............................................................................................................. 11

    I ENQUADRAMENTO TERICO ............................................................................. 12

    1. POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL ............................................... 12

    1.1. EVOLUO DA POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL NOS

    LTIMOS 50 ANOS .................................................................................................. 12

    1.2. UM OLHAR SOBRE A POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL 14

    1.3. CONCEITOS RELEVANTES CONCERNENTES PRESENA DE

    POPULAO ESTRANGEIRA ................................................................................. 15

    2. SER PROFESSOR ................................................................................................... 23

    2.1. SER PROFESSOR HOJE ................................................................................ 23

    2.2. A ESCOLHA ................................................................................................... 25

    2.3. FASES DA CARREIRA DOS PROFESSORES ............................................ 26

    2.4. SER PROFESSOR DE UMA MINORIA TNICA ........................................ 30

    3. SER ALUNO DE UMA MINORIA TNICA ........................................................ 38

    3.1. A FAMLIA ..................................................................................................... 39

    3.2. A LNGUA ...................................................................................................... 44

    3.3. OS PROFESSORES ........................................................................................ 46

    II OPES METODOLGICAS DA INVESTIGAO .......................................... 52

    1. ENUNCIAO DO PROBLEMA .......................................................................... 53

    2. A AMOSTRA .......................................................................................................... 54

    3. A ENTREVISTA ..................................................................................................... 54

    4. ANLISE DE CONTEDO ................................................................................... 56

    III APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................... 59

    1. CARATERIZAO DOS ENTREVISTADOS ..................................................... 60

    1.1. DADOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS ....................................................... 65

    1.2. FAMLIA ......................................................................................................... 66

    2. PERCURSO ESCOLAR .......................................................................................... 66

    2.1 EVOLUO ..................................................................................................... 66

    2.1.1. 1 CICLO ............................................................................................ 67

    2.1.2. 2 CICLO ............................................................................................ 68

    2.1.3. 3 CICLO ............................................................................................ 70

    2.1.4. ENSINO SECUNDRIO ................................................................... 71

  • ix

    2.1.5. ACESSO AO ENSINO SUPERIOR .................................................. 72

    2.1.6. ENSINO SUPERIOR .......................................................................... 75

    2.2 RELAO COM OS ELEMENTOS DA COMUNIDADE EDUCATIVA ... 78

    2.2.1. COLEGAS ......................................................................................... 78

    2.2.2. PROFESSORES ................................................................................ 82

    2.2.3. FUNCIONRIOS .............................................................................. 85

    2.3 INFLUNCIAS ................................................................................................ 86

    2.3.1. FAMLIA ........................................................................................... 86

    2.3.2. COLEGAS ......................................................................................... 90

    2.3.3. PROFESSORES ................................................................................ 91

    2.3.4. SOCIEDADE ...................................................................................... 93

    2.3.5. OUTROS ............................................................................................. 94

    3. SER PROFESSOR ................................................................................................... 94

    3.1 A ESCOLHA ..................................................................................................... 94

    3.1.1. MOTIVAES ................................................................................. 94

    3.1.2. EXPETATIVAS ................................................................................ 97

    3.1.3. FORMAO PROFISSIONAL ........................................................ 99

    3.2 A RELAO COM OS ELEMENTOS DA COMUNIDADE EDUCATIVA104

    3.2.1. ALUNOS ......................................................................................... 104

    3.2.2. ENCARREGADOS DE EDUCAO ............................................. 109

    3.2.3. COLEGAS ....................................................................................... 112

    3.3 A PROFISSO ................................................................................................ 115

    3.3.1. VISO PESSOAL ........................................................................... 115

    3.3.2. PERCURSO ...................................................................................... 124

    3.3.3. PRTICA LETIVA ......................................................................... 125

    3.3.4. INFLUNCIAS ................................................................................ 128

    IV CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 131

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 136

  • x

    Anexos

    Anexo I Guio da Entrevista

    Anexo II Entrevistas

    Anexo III Anlise de Contedo das Entrevistas

    ndice de Figuras

    Figura 1 Processo cclico das expetativas de um professor .......................................... 49

    ndice de Quadros

    Quadro 1 Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural /

    nacionalidade em 2003/2004 ........................................................................................... 38

    Quadro2 Sntese dos dados pessoais e profissionais dos professores entrevistados. ... 65

    ndice de Grficos

    Grfico 1 Distribuio dos docentes (%), segundo a nacionalidade (no portuguesa)

    (2010/2011) ..................................................................................................................... 30

  • 11

    INTRODUO

    Ao terminar o primeiro ano do Mestrado em Cincias da Educao na rea de

    especializao Educao Intercultural, face s opes que foram apresentadas, escolhi

    realizar uma dissertao. Essa escolha prendeu-se com vrias questes que foram

    surgindo ao longo desse ano enquanto estudvamos e debatamos diversos assuntos

    relacionados com esta temtica. Falmos frequentemente sobre os alunos de minorias

    tnicas e sobre o papel dos professores enquanto agentes de uma educao intercultural,

    contudo nunca se fez referncia aos professores oriundos de minorias tnicas. Quem

    seriam estes indivduos? Porque que se tornaram professores? Como ser a sua relao

    com os alunos? Tero dificuldade em se integrar nas escolas?

    Ao iniciar a pesquisa deste tema verifiquei uma parca existncia de dados sobre estes

    professores em Portugal, sendo porm notria a preocupao de pases como Estados

    Unidos da Amrica e Reino Unido no estudo destes profissionais. Optei, ento, por

    realizar um estudo exploratrio que abrisse caminho a futuras investigaes, com base

    em entrevistas a professores de origem africana a lecionar em Portugal.

    Esta dissertao est organizada em quatro captulos. O primeiro captulo apresenta um

    enquadramento terico sobre os principais focos temticos das entrevistas, a populao

    estrangeira em Portugal, ser professor e ser aluno de uma minoria tnica. Este captulo

    foi fundamental para perceber se os resultados encontrados se enquadravam nos

    resultados obtidos por outros estudos. O captulo seguinte expe as opes

    metodlogicas realizadas. O terceiro captulo tem como finalidade apresentar os

    resultados finais. Por fim, o ltimo captulo consiste numa reflexo final onde se

    sintetizam os resultados alcanados e se indicam algumas pistas para investigaes

    futuras.

  • 12

    I ENQUADRAMENTO TERICO

    1. POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL

    1.1. EVOLUO DA POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL NOS

    LTIMOS 50 ANOS

    A populao estrangeira a residir em Portugal no final do ano de 2011 era de 436 822

    cidados, representando um decrscimo relativamente aos anos anteriores. Os principais

    pases de origem desta populao so sobretudo os de lngua oficial portuguesa

    (P.A.L.O.P.) (47,9%), destacando-se o Brasil (25,5%), Cabo Verde (10,1%), Angola

    (4,9%) e Guin-Bissau (4,2%), outros pases igualmente representativos so a Ucrnia

    (11%) e a Romnia (9%). de salientar que o efetivo das comunidades originrias dos

    P.A.L.O.P. tem vindo a decrescer, de forma consistente, nos ltimos anos. (SEF, 2012).

    Porm, Portugal nem sempre apresentou estas caractersticas. O pas, um imprio no

    qual o sol nunca se punha, tinha territrios em diversos continentes, sempre cultivou a

    imagem de homogeneidade, nas suas diversas componentes: lngua, cultura e religio.

    Com o regime ditatorial e subsequente fomento do sentimento nacionalista esta ideia foi

    reforada e propagandeada, Portugal deveria ser visto com um todo indivisvel e uno,

    que englobava a metrpole as colnias (Miranda, 2002).

    At dcada de 60 do sculo XX o pas apresentava uma tendncia marcadamente

    emigratria. Nessa dcada e na subsequente, anos 70, foi encorajada a emigrao de

    trabalhadores cabo-verdianos e de outras colnias africanas sobretudo devido escassez

    de mo-de-obra. Todavia, a Revoluo de 25 de Abril de 1974 e a independncia das

    colnias em frica no ano seguinte, veio modificar este panorama, situao acentuada

    pelos conflitos militares que existiam nesses pases. No final dos anos 70 e incio da

    dcada de 80 do sculo passado, verificou-se um aumento exponencial do nmero de

    estrangeiros residentes no pas, predominando os fluxos provenientes dos P.A.L.O.P. e,

    apesar de em menor nmero, do Brasil, naquilo que segundo Peixoto (2007:461) se

    designa por sistema migratrio lusfono (SEF, 2012; ACIME, 2006; Rocha-Trindade,

    1995; Peixoto, 2007).

  • 13

    Outro marco histrico em Portugal foi a entrada na Comunidade Econmica Europeia

    (C.E.E.) no ano de 1986. A partir desta data verificou-se um incremento do nmero de

    estrangeiros ligados a atividades econmicas que provinham no s dos pases

    lusfonos mas, igualmente, de pases europeus e americanos. Em 1989, com o fim da

    Unio Sovitica e consequentes transformaes geopolticas, comeou a surgir um

    nmero crescente de imigrantes oriundos desses territrios. (SEF, 2012; ACIME, 2006;

    Miranda, 2002; Rocha-Trindade, 1995).

    A dcada de 90, ficou marcada pela consolidao e crescimento da populao

    estrangeira residente quer proveniente dos pases africanos, quer oriunda do Brasil. A

    livre circulao de pessoas e servios no espao europeu, a partir de 1993, tornaram a

    imigrao para Portugal mais desejada, sobretudo pela comunidade africana que

    perspetivava o pas como uma porta de entrada para a Europa. J nos finais dos anos 90

    e incio do sculo XXI assistimos a um crescimento dos imigrantes vindos dos pases de

    Leste da Europa. Este movimento justificado pelo grande crescimento econmico de

    Portugal associado necessidade de mo de obra para os grandes projetos como a Expo

    98, Ponte Vasco da Gama ou os estdios do Euro 2004 (SEF, 2012; ACIME, 2006;

    Miranda, 2002).

    Em 2007 registou-se pela primeira vez uma maior representatividade da populao

    brasileira em detrimento da caboverdiana o que se tem mantido at atualidade. A

    imigrao caboverdiana atual de carter residual j que se realiza predominantemente

    ao abrigo da reunio familiar ou com fins acadmicos, ao contrrio da brasileira, e

    mesmo a de Europa de Leste, cuja finalidade essencialmente laboral. relevante

    salientar que nas comunidades imigrantes africanas muitos dos fluxos migratrios

    tornaram-se parte da comunidade portuguesa constituindo a designada imigrao de 2 e

    de 3 gerao. (SEF, 2012; ACIME, 2006).

    No ano de 2010 iniciou-se uma nova tendncia, a de decrscimo de populao

    estrangeira residente. Tal ocorreu devido ao aumento do acesso nacionalidade

    portuguesa (ao abrigo da atual Lei da Nacionalidade), aos impactos da crise econmica

    e financeira em Portugal (reduo do investimento e do emprego) e a alterao dos

    processos migratrios em alguns pases de origem (nomeadamente Brasil e Angola)

    (SEF, 2012).

  • 14

    1.2. UM OLHAR SOBRE A POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL

    O Fundo das Naes Unidas para a Populao (FNUAP), no relatrio A Situao da

    Populao Mundial relaciona o fenmeno de migrao com o contexto social,

    econmico e poltico afirmando que (...) a migrao um sinal de grandes

    disparidades, relativamente s condies econmicas e sociais, entre o local de origem

    e de destino., acrescentando ainda que: Se as condies mnimas de sobrevivncia

    diminuem, pode ser impossvel atribuir o movimento de pessoas a uma nica causa. A

    migrao provocada pela economia, pelo ambiente degradado, pela poltica, pelo

    conflito ou por uma conjugao de alguns ou de todos estes factores. (1993:15, in

    Rocha-Trindade, 1995:195). Rocha-Trindade (1995) alerta para o facto da maioria desta

    populao integrar camadas sociais desfavorecidas quer no pas de origem quer no de

    acolhimento, o que influenciar a situao escolar dos seus descendentes.

    Peixoto (2007) afirma que as caractersticas, expetativas quanto ao futuro, culturas,

    interesses e necessidades dos imigrantes variam muito com a nacionalidade, bem como

    as diferenas relativamente ao nvel da instruo e da insero profissional. Por

    exemplo, as comunidades africanas apresentam, em geral, habilitaes escolares baixas

    e qualificaes profissionais ao nvel do setor primrio, contrastando com os imigrantes

    do Leste da Europa, cujas habilitaes se situam ao nvel do ensino superior. No que se

    refere distribuio geogrfica os africanos tendem a localizar-se sobretudo na rea

    Metropolitana de Lisboa enquanto os imigrantes do Leste Europeu se distribuem ao

    longo do pas. Todavia, apesar das diferenas enunciadas, a nvel profissional

    desempenham funes no qualificadas na construo civil, no caso dos homens, e nos

    servios domstico no que concerne o sexo feminino (Peixoto, 2007). As suas situaes

    profissionais caracterizam-se pela precariedade e pelas baixas remuneraes (Miranda,

    2002; Rocha-Trindade, 1995).

    O estatuto econmico e social mais baixo, comparativamente com o dos portugueses,

    origina um acesso negativamente diferenciado no que concerne habitao, emprego,

    educao, sade, sade, entre outros recursos da sociedade portuguesa (Baganha &

    Marques, 2001).

    No concernente forma como a sociedade portuguesa perspetivou esta populao,

    importante referir que apenas nos anos 60 do sculo XX que os naturais das colnias

    deixaram de ser designados por indgenas e os portugueses brancos que tinham

  • 15

    nascido em frica como portugueses de segunda. At data referida, os naturais das

    colnias, que no fossem filhos de portugueses oriundos de Portugal, viam o seu acesso

    aos direitos civis limitado por normas restritivas, mesmo que estes indivduos fossem

    brancos (Esteves, 1991; Rocha-Trindade, 1995). Mais recentemente, Bastos & Bastos

    (1999) referem que a populao portuguesa no reconhece diferenas intertnicas na

    populao africana reduzindo todos estes indivduos condio racial de negros.

    1.3. CONCEITOS RELEVANTES CONCERNENTES PRESENA DE

    POPULAO ESTRANGEIRA

    Quando se estuda uma comunidade estrangeira, quer na sua globalidade, quer apenas

    um segmento, surgem diversos conceitos associados sua caracterizao e

    relacionamento com outros, desta forma, torna-se fundamental clarific-los.

    ACULTURAO

    Uma das mais marcantes caractersticas das sociedades contemporneas a existncia

    de uma enorme heterogeneidade tnica e cultural, ilustrada pela coexistncia de grupos

    diversificados num mesmo espao geogrfico. Esta situao gera tenses resultantes de

    situaes de imposio por parte de grupos dominantes, da dificuldade de aceitao das

    diferenas, de depreciao de culturas minoritrias, de encerramento de cada cultura

    sobre si prpria (Barbosa, 1996).

    De acordo com Silva (2008), a aculturao o resultado do contato de culturas, no

    processo histrico de domnio do mais forte sobre o mais fraco. Segundo Ferreira

    (2003), a aculturao consiste num fenmeno do qual resultam alteraes nos padres

    culturais originais de um ou de dois (ou mais) grupos em contacto. Ramos (2004:217),

    refere-se definio de aculturao elaborada pela primeira vez por Herkovitz (1936)

    como sendo () o conjunto de fenmenos que resultam do contacto directo e contnuo

    entre grupos de indivduos de culturas diferentes, com mudanas subsequentes nos

    tipos e modalidades culturais de um ou dos restantes grupos.. Esta perspetiva

    assumia-se como exclusivamente grupal. Porm, Graves (1967, in Neto 1993)

    amplificou este conceito abrangendo tambm a dimenso psicolgica do indivduo,

    afirmando que a aculturao refere-se a mudanas que um indivduo vivencia por estar

    em contato com outras culturas e por participar no processo de aculturao

  • 16

    experienciado pelo seu grupo cultural ou tnico. Sam & Berry (2006) sintetizam estas

    ideias afirmando que a aculturao psicolgica consiste nas mudanas decorrentes do

    contacto com outras culturas. Estas podem ocorrer ao nvel do grupo, influenciando a

    sua estrutura social, econmica e poltica, bem como a nvel individual afetando

    identidade, valores, atitudes e comportamento.

    Berry (2001) e Neto (1993) mencionam quatro processos diferentes de aculturao que

    um indivduo ou grupo podem atravessar:

    - Assimilao Consiste na adoo da identidade cultural da comunidade dominante

    em detrimento da prpria, originando uma subjugao do grupo minoritrio pelo grupo

    maioritrio com a respetiva perda de identidade. Abou (1981) defende que a assimilao

    traduz o prprio fracasso da aculturao, j que comporta que o grupo minoritrio

    elimine a sua identidade etnocultural para assumir outra identidade, deixando de ser eles

    prprios para serem outros. Acrescenta ainda Perotti (in Clanet, 1990) que a assimilao

    implica a passividade de uma cultura face outra, ou seja, a assumida superioridade de

    uma comunidade em relao outra.

    - Integrao Implica a manuteno parcial da prpria identidade cultural

    concomitantemente com uma progressiva participao no seio da nova sociedade.

    - Separao / Segregao A separao consiste na no procura de estabelecimento de

    relaes com a comunidade dominante devido ao desejo de preservao da sua prpria

    identidade cultural pelo prprio indivduo. J a segregao o impedimento de

    estabelecimento de relaes com a comunidade dominante e a obrigao do grupo

    minoritrio de manter a sua identidade cultural por parte da sociedade maioritria. O

    que diferencia a separao da marginalizao o poder e o desejo que o grupo tnico

    tem, ou no, de decidir a sua prpria orientao, sendo que o resultado final sempre o

    seu afastamento do grupo marioritrio.

    - Marginalizao Este processo no consiste numa escolha mas sim de uma imposio

    pela comunidade dominante ao grupo minoritrio. Este no ter o direito de participar

    no funcionamento das instituies e na vida do grupo maioritrio devido a prticas

    discriminatrias. A comunidade minoritria perde a sua identidade cultural

    frequentemente por o grupo maioritrio estar a direcionar o processo para a assimilao.

  • 17

    Quer os indivduos, quer o grupo vivenciam durante este processo sentimentos de

    confuso e stress.

    o grupo dominante que determina os modos de aculturao, deste modo a escolha do

    grupo minoritrio pela assimilao relaciona-se, em grande parte, com a presso da

    maioria para a sua adoo. De igual forma, a integrao s possvel se a comunidade

    maioritria for tolerante e valorizar a diversidade. Neto (1993) salienta que impossvel

    encontrar estes quatro processos numa forma pura, alm de que dentro de um grupo

    cada indivduo pode estar num grau de envolvimento diferente do outro. de ressalvar

    que nos grupos minoritrios existem pessoas que so mais favorveis a uma situao de

    assimilao, outras para a integrao ou mesmo para a separao. As diferentes

    perspetivas podem originar conflitos entre os indivduos que se encontram a atravessar

    um processo de aculturao (Neto, 1993). Ramos (1993) ilustra estes conflitos

    afirmando quea aculturao implica a aprendizagem de uma nova cultura, bem como

    escolhas por vezes difceis entre o que o imigrante gostaria de manter e o que tem de

    abandonar dos hbitos e cultura de origem. A mesma autora (1993) acentua tambm a

    emergncia de dvidas e ansiedade dividindo o indivduo entre o desejo de integrar os

    elementos da cultura do pas de acolhimento e o desejo de manter tradies e hbitos de

    origem profundamente enraizados. Neto (2002) salienta a desvinculao, o stress de

    aculturao, os esteretipos, o vis nas atribuies, a ansiedade intergrupal, o

    etnocentrismo e a discriminao percepcionada como as principais dificuldades

    catalizadas pelo contato intercultural. De acordo com Ramos (2001), as transformaes

    que a aculturao provoca so visveis ao nvel do comportamento, da identidade, dos

    valores e das atitudes. Erikson (1968, in Ramos 2004) alerta para o facto destas

    transformaes obrigarem o indivduos a atravessar vrias crises de identidade com

    reajustamentos sucessivos a nvel psquico. Segundo o mesmo autor, estas crises podem

    ser traumatizantes para a formao do sentimento de identidade

    Como sntese citamos Ramos (2001:165) quando salienta queo processo de

    aculturao acompanha-se de mudanas culturais diversas, espaciais e temporais e

    provoca a perda, a aquisio, a transformao, a substituio e a reinterpretao de

    traos culturais dos grupos em presena.

  • 18

    DISCRIMINAO

    A discriminao define-se, segundo Allport (1954), como um comportamento ou

    conjunto de aces contra um grupo alvo ou membros desse grupo. Cardoso (1996)

    considera que este termo se aplica ao tratamento diferenciado e desfavorvel de

    indivduos ou grupos baseados numa categorizao a partir de elementos como a raa, a

    etnicidade, o sexo, a religio ou outros elementos.

    ESTERETIPO

    Um esteretipo uma estrutura de conhecimento que influencia a forma como tratada

    a informao sobre o grupo como um todo e sobre os membros particulares do grupo

    (Hamilton, Sherman, & Ruvolo, 1990). De forma a simplificar a percepo dos outros

    cada indivduo constri e usa continuamente representaes. Estas vo dar origem a

    julgamentos que se baseiam em preconceitos que emergem automaticamente de

    categorizaes que pretendem ser descries gerais de grupos e dos seus membros

    (Allport, 1954). Hamilton et al. (1990) considera que os esteretipos no passam de

    mecanismos que permitem ao indivduos lidar com infinitos detalhes sem perder

    demasiada informao numa sociedade progressivamente mais complexa. Assim, a

    ampla difuso de esteretipos relativamente s categorias sociais, como ser branco ou

    ser negro, influencia a construo da concepo dos membros dos grupos que lhe esto

    associados. Cardoso (1996) afirma que os esteretipos consistem em imagens-rtulos,

    que apresentam uma conotao negativa que indivduos de um determinado grupo

    atribuem s pessoas de um outro grupo, baseados em argumentos no comprovados. O

    mesmo autor declara que estes tanto podem ser negativos ou positivos sendo aplicados

    ao grupo sem qualquer considerao por eventuais diferenas individuais. Rocha-

    Trindade (1995) refere-se a este conceito como sendo uma ideia pr-concebida e

    estandardizada partilhada por uma significativa parte de um grupo ou sociedade,

    relativamente a um determinado grupo de pessoas, no consideradando as diferenas

    individuais de cada elemento que o integra. A mesma autora afirma ainda, que consiste

    numa categorizao rgida e inflexvel que resume as caractersticas tidas como tpicas

    de uma categoria de indivduos.

    Vieira (2008) relaciona o esteretipo ao mecanismo psicolgico de mudana no qual os

    sentimentos de hostilidade se projetam em bodes expiatrios, estes so muitas vezes

    associados a grupos tnicos e desfavorecidos aos quais so atribudas as causas das suas

  • 19

    prprias frustraes e incertezas vivenciadas. Allport (1954) acrescenta que como os

    indivduos so incapazes de assumir a responsabilidade pelos seus desaires projetam-na

    nos outros, que acabam por ser um alvo de agresso deslocada e contida. Assim, como

    as pessoas no so capazes de agredir diretamente a fonte da sua frustrao, com origem

    frequente em situaes de insegurao econmica, os grupos desfavorecidos ou

    estigmatizados tornam-se um alvo sendo considerados como a origem dos problemas

    que afetam essas pessoas, dando assim origem agresso deslocada perante a frustrao

    (Vieira, 2008).

    ETNIA

    A Enciplopdia Larousse (1994) citada por Ferreira (2003) defende que este termo

    designa um grupo humano que se reconhece num nome que lhe prprio, num mito de

    ancestralidade comum, em memrias histricas partilhadas e em elementos culturais

    coletivos (...).. Ferreira (2003) acrescenta ainda que os membros desse grupo

    apresentam, na generalidade, traos anatmicos ou fisionmicos particulares como a cor

    da pele ou a textura do cabelo.

    ETNOCENTRISMO

    Rocha-Trindade (1995) define este conceito como sendo o uso da prpria cultura como

    referencial para o julgamento de modos de vida diferentes, ou seja, a tendncia para

    avaliar uma cultura diferente comparando com os prprios padres culturais e prticas

    sociais considerados superiores. A autora afirma ainda que aqueles que no pertencem

    mesma cultura so encarados como estranhos, forasteiros, hostis e mesmo moral e

    mentalmente inferiores.

    GRUPO TNICO

    Cardoso (1996) refere-se a este termo como sendo um conjunto de indivduos que, no

    contexto de sistemas culturais alargados, se reconhecem e so perspetivados como

    culturalmente diferentes, atendendo a elementos distintivos no visveis (lngua,

    histria, religio) ou visveis (vesturio, caractersticas fsicas). Rocha-Trindade (1995)

    sintetiza esta ideia afirmando que um grupo tnico aqueles cujos membros partilham a

    conscincia de uma identidade cultural comum, separando-se de outros gurpos que

    existam no mesmo contexto social. Rocha-Trindade (1995) menciona, tambm, que as

    diferenas que este grupo apresenta face a uma maioria originam conotaes negativas

  • 20

    baseadas em preconceito e esteretipos, construdos por essa mesma maioria,

    conduzindo a tratamentos desiguais e discriminatrios.

    MINORIA TNICA

    Gillborn (1990) citado por Cardoso (1996) constata que este conceito alude a um grupo

    tnico que se encontra numericamente numa posio minoritria sendo-lhe atribudo um

    status menor/inferior em termos de poder e direitos no contexto da sociedade da

    sociedade alargada. Estes grupos so alvo de uma discriminao por parte do grupo

    maioritrio quanto ao acesso aos valores e bens estimveis duma sociedade.

    PRECONCEITO

    Segundo Cardoso (1996), preconceitos so opinies pr-concebidas pouco flexveis, na

    sua generalidade, desfavorveis em relao a indivduos ou grupos. Estas opinies so

    concebidas sem ateno aos factos, experincia ou informao adequados

    formulao de juzos racionais que conduzem, frequentemente, ao tratamento desigual

    desses indivduos ou grupos. Klineberg (1968, in Vieira 2008) afirma que o preconceito

    implica sempre um valor positivo ou negativo, uma atitude favorvel ou contrria, uma

    componente afectiva ou um sentimento que se resulta na transposio dos juzos ou

    sentimentos para uma determinada ao que ir consequentemente reflectir a aceitao

    ou rejeio dos outros.

    Giddens (1993, in Vieira 2008) acrescenta que as ideias pr-concebidas relativamente a

    um indivduo ou grupo so mais frequentemente baseadas em boatos do que em

    evidncias diretas. De acordo com o mesmo autor, estas ideias so bastante resistentes

    mudana mesmo quando confrontadas com novas informaes.

    Desta forma, possvel estabelecer uma forte relao entre o conceito de preconceito e

    de esteretipo j que a formulao deste tem origem na existncia do primeiro e vice-

    versa, no entanto importante ressalvar que nem sempre os traos estereotipados

    associados a um determinado grupo correspondem a atitudes negativas em relao ao

    mesmo.

    RAA

    O conceito de raa um dos termos mais discutidos nas ltimas dcadas. Inicialmente

    foi promovida pela antropologia fsica clssica que as diferenciava com base na cor da

  • 21

    pele, na forma craniana e na textura do cabelo. Generalizou-se, ento, a ideia da

    existncia de trs raas principais: brancos (caucaside), amarelos (mongolide), e

    negros (negride). Foi, no entanto, a psicologia que formulou a hiptese da ligao

    entre estas caractersticas fsicas e as diferentes aptides e capacidades dos indivduos.

    Atravs de instrumentos como os testes relativos ao Quociente de Inteligncia

    demonstrou-se uma alegada superioridade intelectual dos brancos. Estas ideias

    comearam a ser incorporadas no senso comum consolidando-se a ideia da existncia de

    fundamentao cientfica para a existncia de preconceitos, racismo e disciminao

    contra grupos considerados inferiores.As mudanas sociais e polticas que decorreram

    nas dcadas de 40 e de 50 no sculo XX, como resultado da II Guerra Mundial e

    Declarao Universal dos Direitos Humanadas, levaram a uma forte censura

    relativamente diferenciao racial dos grupos humanos. Desta forma, as bases

    cientficas para a superioridade da raa branca comearam progressivamente a ser

    questionados e debatidos .(Vieira, 1995)

    J na dcada seguinte, anos 60, a UNESCO, rejeitou as classificaes raciais e sugeriu a

    utilizao da expresso grupos tnicos argumentando que esta consistia numa

    expresso no racista e no discriminatria. Porm, esta mudana na numenclatura

    utilizada no teve o efeito previsto na reduo do racismo, j que quer o preconceito,

    quer o racismo, mantm-se como problemas graves nas sociedades contemporneas

    (UNESCO, 1960/1973). Neste sentido, os estudos desenvolvidos por Vala, Brito &

    Lopes, (1999) defendem que a designao grupos tnicos perpetua os processos de

    inferiorizao das minorias j que houve a substituio do termo raa, que se

    encontrava associado s diferenas genotpicas dos grupos humanos, pelo termo grupo

    tnico, associado s diferenas culturais e comportamentais. O uso do termo grupo

    tnico em detrimento de raa continua a fundamentar as ideias racistas pois a

    diferenciao dos grupos sociais com base em diferenas culturais no viola a norma

    social vigente anti-racista. Desta forma, os autores deste estudo, afirmam que a noo de

    etnia, enquanto expresso politicamente correcta, veio substituir progressivamente o

    conceito de raa mas, que, semelhana da anterior, continua a hierarquizar os grupos

    sociais atribuindo um nvel superior a umas culturas e inferior a outras.

    Rocha-Trindade (1995:376) embora afirme que atualmente se prefere a designao de

    etnia, sintetisa o conceito de raa da seguinte forma: Classificao dos seres humanos

  • 22

    com base nas suas caratersticas biolgicas, geneticamente herdadas e atribuda a uma

    dada origem geogrfica ancestral.

    RACISMO

    Vala, Brito e Lopes (1999) consideram que o racismo corresponde a uma configurao

    multidimensional, e tendencialmente articulada, de crenas e emoes negativas quanto

    a um membro ou a todo um grupo, categorizado e objectivado como um grupo racial

    a partir da cor. O racismo assim perspetivado como um processo de hierarquizao,

    excluso e discriminao contra um indivduo ou toda uma categoria social que

    identificada como diferente. Esta diferena identificada a partir de uma marca fsica

    externa como, por exemplo, a cor de pele que associada a uma cultura especfica e a

    comportamentos prprios. Desta forma, o racismo consiste numa associao das

    diferenas culturais s diferenas biolgicas (Jahoda, 1999). Em sntese, de acordo com

    Foster (1990) citado por Cardoso (1996), o racismo uma modalidade de discriminao

    baseado em critrios raciais e/ou tnicos. Esta atitude expressa-se atravs de prticas

    sociais que limitam as oportunidades dos indivduos, pertencentes a um grupo racial ou

    tnico, de acederem a bens sociais e que so baseadas em, ou legitimadas, por crenas

    de que esse grupo racial ou tnico, por inerncia, moral, cultural ou inteletualmente

    inferior.

  • 23

    2. SER PROFESSOR

    O professor um profissional, que exerce uma funo remunerada no

    sistema de ensino pblico ou privado. O professor um cidado, o que lhe

    confere uma dimenso cvica e poltica incontornvel. O professor uma

    pessoa com sentimentos, valores, preocupaes e emoes, pelo que a sua

    dimenso humana, moral e afectiva no pode ser negligenciada. O professor

    ainda um membro da organizao escolar e da comunidade educativa,

    pelo que tem igualmente uma dimenso organizacional e associativa,

    integrando uma cultura profissional especfica.

    (Ponte, J., Janurio, C., Ferreira, I., & Cruz, I., 2000:5)

    2.1. SER PROFESSOR HOJE

    A escola atualmente o produto de modificaes polticas, sociais e econmicas

    decorrentes da democratizao de Portugal com a Revoluo dos Cravos, a 25 de Abril

    de 1974. A mais importante alterao verificada prende-se com a massificao e

    democratizao do ensino desde essa data. O sistema de ensino portugus foi concebido

    para um determinado grupo sociocultural que antes da Revoluo representava quase a

    totalidade da popoluo portuguesa discente. A partir de 1974 a escola de elites abriu

    portas a uma populao escolar com caractersticas hetergeneas num espao repleto de

    descontinuidades e contradies (Arroteia, 1991; Corteso, 2000). Este o principal

    desafio que a escola tem que enfrentar e para o qual tem de encontrar solues.

    Num passado relativamente recente a identidade do professor definia-se pelo domnio

    do saber compreendido nas disciplinas escolares, apresentando a imagem de portador

    absoluto do saber e do poder desses conhecimentos que dominava.

    Consequentemente, ao professor era devido respeito, considerao e obedincia, em

    funo dos saberes e poderes que detinha, por parte dos seus discentes, todavia a

    modificao do seu estatuto alterou esta situao diversificando os papes a

    desempenhar e aumentando a exigncia no cumprimento da sua funo. Ensinar

    apenas mais uma entre a multiplicidade de tarefas que um docente hoje em dia tem que

    desempenhar. Assim, atualmente o trabalho dos professores multifacetado e exigente

    tendo originado uma crise de identidade no seio da profisso. (Arroteia, 1991;

    Roldo, 1998; Corteso, 2000).

    As modificaes ocorreram a todos os nveis do sistema educativo e tiveram

    repercusses relevantes ao nvel das funes dos diferentes elementos da comunidade

    educativa, mormente a do professor. Como Estrela (2001) afirma as transformaes ao

    nvel do sistema educativo e da escola exigem a construo de uma nova

  • 24

    profissionalidade docente que no esteja apenas circunscrita sala de aula mas que

    abranja a escola, todos os parceiros educativos, a comunidade envolvente, e que

    implique o confronto entre teoria e prtica e o desejo de formao contnua.

    Na sociedade ocidental moderna, que Estrela (2010) designa por sociedades de risco,

    a presso exercida sobre estes profissionais para satisfazer expetativas sociais,

    desempenhar funes diversificadas e progressivamente mais difceis, na opinio

    desta autora irrealista, considerando esta uma profisso de risco e crescentemente

    complexa e paradoxal. Perrenoud (2000) vai de encontro a esta ideia declarando que o

    ofcio de professor caracteriza-se pela incerteza da deciso e pela urgncia na aco, o

    que torna esta profisso muitas vezes quase impossvel pela imprevisibilidade da

    natureza da sua abrangncia e pelas competncias que atualmente emergem na prtica

    quotidiana.

    Holly (2007) afirma que as tarefas que um professor desempenha hoje em dia exigem

    uma srie de competncias como flexibilidade, maturidade psicolgica, criatividade e

    complexidade cognitiva, pois este tem que considerar na sua atuao as caractersticas e

    qualidades de desenvolvimento culturais das crianas, bem como as suas histrias de

    vida e contextos sociais. Vieira (1999) enriquece esta ideia referindo que a atividade do

    professor cognitiva, inteletual mas igualmente humana, comparando-a a um tcnico de

    relaes humanas j que tem que existir empatia para comunicar e levar a aprender o

    que se quer ensinar. Tambm Perrenoud (2001) refora esta ideia declarando que os

    professores no possuem apenas saberes cientficos mas essencialmente competncias

    profissionais. Estas no se restringem apenas aos contedos lecionados mas igualmente

    quilo que o autor designa de fabricao da alma de pblicos heterogneos e

    extremamente diversos.

    Os professores tm tentado responder aos novos desafios que as transformaes nas

    sociedades acarretam para o sistema educativo ficando muitas vezes divididos entre o

    ser professor e o sentido da escola ou dos objectivos da educao escolar,

    originando um profissional que se v, assim, obrigado a multiplicar-se em diferentes

    papis, funes e identidades tentanto assim consubstanciar o novo paradigma de escola

    e de espao educativo (Teodoro, 2006; Corteso, 2000; Jesus, 2000; Roldo 1998).

    J em 1999 o famoso Relatrio Delors alertava para a exigncia excessiva para com o

    professor. Para alm das suas funes na rea da educao e formao dos jovens -lhe

  • 25

    solicitado que oriente os seus alunos no sentido da aprendizagem com gosto, empenho,

    esforo, rigor e ateno. No mesmo Relatrio sublinhada a importncia do papel do

    professor como agente de transformao, encarregue de um leque de funes cada vez

    mais amplo e diversificado, essenciais para o sculo XXI.

    2.2. A ESCOLHA

    Cada indivduo tem razes ntrinsecas e extrnsecas para a escolha da sua profisso

    futura, que variam de importncia consoante a especificidade de cada percurso de vida.

    Como fatores de atraco para a carreira docente so referidos em diferentes estudos

    (Lortie, 1975; OCDE, 1987; Observatoire Des Enseignalfts, 1987 cit. por Curado,

    1992):

    - Fatores econmicos condies salariais, progresso na carreira.

    - Fatores sociais condies de trabalho, possibilidade de gesto do tempo livre, frias,

    proporcionar uma continuidade cultural, estatuto social do ensino, importncia atribuida

    Educaao

    - Fatores psicolgicos aspeto vocacional da profisso, desejo de contactar com jovens,

    prestar servios a outrm, sensao de poder e de autoridade, autonomia, segurana do

    emprego

    Como fatores dissuasivos para o exerccio da profisso so indicados a rotina, a faceta

    repetitiva, a necessidade de manter a disciplina e o desgaste nervoso a ela inerente.

    J no estudo de Huberman (1989) verificou-se que para uma parte dos professores o

    interesse pela profisso apenas foi descoberto no exerccio da sua profisso, no sendo

    uma escolha realizada no incio dos seus estudos superiores. De acordo com Prick

    (1986, in Curado, 1992) existe uma diferena relevante consoante os gneros j que

    mais pronunciado no gnero masculino a escolha devido ao grau acadmico obtido e

    no por uma questo de vocao. As motivaes para os homems consistem sobretudo

    em questes materiais vendo a profisso como meio de subsistncia e apresentando

    condies de trabalho favorveis, no caso das mulheres estes fatores no so to

    preponderantes. igualmente referido por Prick (1986, in Curado, 1992) que os

  • 26

    professores das reas de cincias revelaram uma maior hesitao em escolher a

    profisso de professor do que os docentes dos ramos literrios.

    Estas informaes esto em consonncia com os resultados obtidos por Curado (1992),

    Postic (1991, in Curado, 1992) e do Observatoire Des Enseignalfts (1987, in Curado,

    1992) em que se conclu que mais de metade dos professores principiantes queriam ter

    escolhido outra carreira, nomeadamente os das reas cientficas.

    Azevedo (1991) apresentou um estudo relativo s expetativas profissionais dos jovens

    no 9 ano de escolaridade, no qual se concluu que as profisses mais escolhidas foram

    aquelas que possuiam um maior reconhecimento social tais como mdico, advogado,

    engenheiro, economista e arquiteto. Nessa poca houve uma queda na preferncia por

    profisses docentes ao que o investigador atribuu um decrscimo do reconhecimento

    social dessa profisso.

    2.3. FASES DA CARREIRA DOS PROFESSORES

    Apesar de cada professor ser um indivduo tm sido feitas vrias tentativas para

    delimitar as fases da carreira de um professor. O estudo mais citado na literatura o de

    Huberman. Segundo este autor (in Novoa, 2007), o desenvolvimento de uma carreira

    consiste num processo no sendo um acumular de acontecimentos. Esse processo

    poder ser linear para alguns indivduos e descontnuos para outros sendo que cada

    professor adopta posturas individualizadas na forma como perspetiva o seu

    desenvolvimento profissional e o seu percurso na instituio escola. Huberman

    pretendeu explicar a atuao do professor ao longo da sua vida de ensino. As fases

    propostas so as seguintes:

    - Entrada da carreira Esta fase ocorre, normalmente, durante os dois/trs primeiros

    anos de servio. Subdivide-se em duas componentes diferentes que podem ser vividas

    de forma combinada, com predomnio de uma delas ou ento alternadamente. A

    designada por sobrevivncia relaciona-se com o choque com a realidade, ou seja, h

    um confronto entre os seus ideais com a realidade quotidiana da sala de aula e da escola,

    uma consciencializao da complexidade da profisso. Para tudo isso contribui a

    fragmentao do seu trabalho e a dificuldade em conciliar simultaneamente a relao

    pedaggica, demasiadadamente ntima ou distante, com a transmisso de

  • 27

    conhecimentos. A outra denomina-se de descoberta, associando-se ao entusiasmo

    inicial, explorao de novas situaes, exaltao por desempenhar um papel de

    responsabilidade, tendo a sua sala de aula, os seus alunos e o seu programa, ou mesmo

    por finalmente pertencer e se sentir colega de um determinado grupo profissional.

    Segundo Garca (2005) ao referir-se obra de Huberman, esta experincia pode ser

    vivenciada pelos professores de forma fcil ou difcil. Esta dicotomia caracterizada

    por diferentes fatores. Os docentes que classificaram essa etapa como sendo fcil so

    aqueles que mantinham relaes positivas com os discentes, que possuam um

    considervel sentido de domnio do ensino e que tinham o entusiasmo inicial. Em

    contraste, aqueles que caracterizaram esta fase como sendo difcil indicam como fatores

    catalisadores uma carga docente excessiva, a ansiedade, as dificuldades com os alunos,

    sentimentos de isolamento, entre outros.

    - Estabilidade nesta fase que o professor alcana o sentimento de pertena a um

    corpo profissional e a independncia. O docente assume a funo com confiana,

    consciencializando-se da sua capacidade de gerir o processo de ensino-aprendizagem,

    alcanando um sentimento de competncia pedaggica e de satisfao pelo trabalho

    desenvolvido, concomitantemente com um gosto pelo ensino. De acordo com Garca

    (2005) ao aludir obra de Huberman, a atuao do professor mais independente e este

    sente-se bem integrado no seio profissional, mormente com os seus colegas, e comea a

    pensar numa eventual promoo.

    - Diversificao Durante este perodo verifica-se uma divergncia nos percursos

    individuais da carreira dos docentes, o que conduz a uma poca de experimentao e de

    diversificao. A primeira caracteriza-se por uma multiplicidade de experincias

    pessoais nas quais se diversifica o material didtico, os modos de avaliao, a tipologia

    de agrupamento dos alunos, a gesto do currculo, entre outros aspectos. Esta postura

    experimentalista encontra agora o seu momento ideal pois antes da fase da estabilidade

    o professor encontrava-se repleto de incertezas e inseguranas que restringiam as

    oportunidades de diversificar a gesto das aulas e criavam uma tendncia de aplicar uma

    certa rigidez pedaggica.

    Garca (2005) relativamente ao estudo de Huberman, distingue nesta fase trs grupos de

    professores. O primeiro no qual os docentes investem as suas energias para melhorar o

    seu desempenho profissional, quer seja atravs da diversificao de mtodos de ensino,

  • 28

    quer pela busca de estmulo profissional fora da classe. O segundo grupo diferencia-se

    pelo seu esforo na procura de formao profissional atravs do desempenho de funes

    administrativas. Por fim, o ltimo grupo caracteriza-se pela progressiva reduo dos

    seus compromissos profissionais sendo que alguns chegam mesmo a abandonar a

    docncia ou a assumir responsabilidades paralelas. Estes professores efectuam assim um

    reenquadramento da sua carreira alternando entre um tnue sentimento de rotina e uma

    crise existencial concernente ao prosseguimento na carreira.

    Silkes referido por Huberman (1985, in Novoa, 2007) defende que o desejo de cada

    docente em potenciar a sua prestao em sala de aula conduz a uma consciencializao

    mais acentuada dos fatores institucionais que contrariam essa vontade. Assim, cresce

    nos professores a vontade de tentar implementar reformas efectivas no sistema.

    Considera- se por isso, que os docentes que se encontram nesta fase das suas carreiras

    so aqueles que so mais motivados, mais dinmicos e mais empenhados quer nas

    equipas pedaggicas quer nas comisses de reforma de cada instituio.

    - Pr-se em questo Huberman (in Novoa, 2007) afirma que a fase anterior conduz

    emergncia, num grande nmero de casos,ao questionamento pessoal sem, todavia,

    existir uma efectiva conscincia do tipo de diversificao nem do que est a ser

    questionado. Esta postura poder originar uma sensao de rotina, bem como uma crise

    existencial relativamente prossecuo da carreira. O mesmo autor acrescenta ainda

    que existe um grupo de pessoas que culminam nesta postura sem ter atravessado uma

    fase de atividade inovadora significativa.

    Porm, Huberman (in Novoa, 2007) alerta para o facto de esta ser uma fase com

    inmeras facetas sendo portanto complicado fazer-lhe corresponder uma definio

    redutora. A crise desencadeia-se por motivos diferentes consoante a pessoa. Enquanto

    para alguns indivduos a monotonia da vida quotidiana, sem situao de sala de aula

    que conduz ao questionamento, para outros o que despoleta esse sentimento o

    desencanto, devido aos fracassos das experincias e das reformams estruturais nas quais

    os professores se envolveram activamente.

    Esta fase surge no contexto do meio da carreira, poca que decorre, geralmente, entre

    os 35/50 anos ou entre o 15 e o 25 ano de ensino. Huberman (in Novoa, 2007) refere

    vrios estudos empricos, como o de Prick (1986), o de Adams (1982), o de Sikes

    (1985) e o Harmer (1979), em que os entrevistados afirmam que ponderam, ao fazer o

  • 29

    balano da sua vida, seguir outras carreiras, embora alguns revelem um sentimento de

    pnico nessa situao.

    Assim, esta fase consiste numa reflexo sobre o percurso de vida, confrontando-o com

    os objetivos e ideiais dos primeiros tempo. Esta reflexo conduz a uma encruzilhada na

    qual os indivduos vem-se face a uma escolha, ou continuar o mesmo percurso ou optar

    pela incerteza e insegurana de outro caminho.

    - Serenidade e distanciamento afetivo Huberman (in Novoa, 2007) caracteriza esta

    fase por uma diminuio na ambio profissional e subsequentemente no nvel de

    investimento na carreira, concomitantemente com um aumento da confiana e

    serenidade na sua ao. Esta postura o resultado dos indivduos sentirem que nada

    mais h a provar quer a si prprio quer aos outros. Assim, reduz-se a distncia que

    separa os objetivos do incio da carreira com aquilo que possvel conseguir at esse

    momento, ou seja, as metas futuras so estabelecidas de forma menos ambiciosa.

    - Conservantismo e Lamentaes Segundo Huberman (in Novoa, 2007), este perodo

    marcado pelas lamentaes constantes relativamente ao sistema: so os alunos que so

    mais indisciplinados, menos motivados e que apresentam uma atitude negativa para

    com o processo de ensino-aprendizagem; a poltica educacional que fraca e no tem

    um rumo definido; ou so os colegas mais novos que so menos srios ou empenhados.

    - Desinvestimento De acordo com Huberman (in Novoa, 2007), esta fase representa

    um desprendimento do final da carreira, durante o qual passam o testemunho aos mais

    jovens e preparam a sua retirada da vida profissional. a altura em que as pessoas

    passam a investir mais em si como indivduos e menos na componente profissional.

    Garca (2005) no que concerne o estudo de Huberman, agrupa os docentes em grupos

    distintos relativamente aos padres de reao face a esta etapa:

    . Padro positivista Implica um interesse em especializar-se mais profundamente, uma

    maior preocupao com a aprendizagem dos alunos e a realizao do seu trabalho com

    os seus pares com quem estabeleceu uma melhor relao.

    . Padro defensivo Bastante semelhante ao padro anterior, porm, os docentes

    demonstram menos otimismo e uma atitude menos generosa face s experincias

    pessoais.

  • 30

    . Padro de desencantamento Estes indivduos esto cansados e desanimados

    constituindo frequentemente uma barreira para a ao dos professores mais jovens.

    Burke (1990, in Garca, 2005) refere que a evoluo do ciclo vital dos docentes no se

    constitui como um processo unvoco. Este deve ser perspetivado atendendo a duas

    dimenses distintas, a pessoal e a organizacional. A primeira relaciona-se com os

    fatores do foro pessoal que influenciam os professores como as relaes familiares, as

    crises pessoais, entre outros. A dimenso organizacional, por sua vez, influencia a

    carreira docente atravs regulaes da profisso, os estilos de gesto, as expetativas

    sociais, etc.

    2.4. SER PROFESSOR DE UMA MINORIA TNICA

    Em Portugal no existem estudos focados nos professores de minorias tnicas que

    lecionam neste territrio. A informao mais concreta que possvel obter atravs da

    D.G.E.E.C. (Direo-Geral de Estatsticas da Educao e Cincia, 2012) que na

    publicao do Perfil do Docente apresenta dados referentes aos docentes segundo a sua

    nacionalidade.

    Conforme se pode observar no Grfico 1, a maioria dos professores estrangeiros a

    lecionar em Portugal provm dos Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa

    (P.A.L.O.P.), nomeadamente Angola e Moambique, embora a diferena relativamente

    Grfico 1 Distribuio dos docentes (%), segundo a nacionalidade (no portuguesa)

    (2010/2011)

  • 31

    s outras nacionalidades no seja significativa. Como a comunidade originria dos

    P.A.L.O.P. foi durante um perodo prolongado de anos a maior comunidade de

    imigrantes a residir em Portugal (Favilli et al 2004), seria expetvel que houvesse uma

    diferena mais marcante. O facto de tal no acontecer poder estar relacionado com o

    acesso naturalidade portuguesa no s aos imigrantes c residentes como igualmente

    aos seus descendentes, o que poder significar que a existncia de professores de origem

    africana, designadamente dos P.A.L.O.P. poder ser maior do que a que est aqui

    registada.

    tambm de salientar que existe uma elevada percentagem de franceses, ingleses e

    alemes a lecionarem em Portugal. Existe uma categoria denominada de outros que

    agregam outras nacionalidades no existindo porm uma discriminao relativamente

    rea geogrfica desses docentes.

    Se no nosso pas no se atribui grande importncia a este segmento do corpo docente, j

    outros pases, como os anglfonos, tm realizado inmeros estudos no sentido de

    perceber o percurso destes professores e a sua influncia, ou no, no sucesso escolar dos

    alunos, frequentemente tambm originrios de uma minoria tnica.

    Atravs do estudo The Teacher Status Project, cujos resultados foram publicados em

    2007, conduzido por Mark Cunningham and Linda Hargreaves, foi concludo que, de

    uma forma geral, a principal razo para a entrada na profisso de indivduos

    provenientes de minorias tnicas a sua preocupao e a sua vontade de servir a sua

    comunidade, consituindo-se esta como uma profisso respeitvel e desejvel. Foi ainda

    salientado o desejo de ser tornar um exemplo para todos os alunos, particularmente os

    de minorias tnicas, que poderiam estar em risco de insucesso escolar.

    Hargreaves (2011) acrescenta ainda que os grupos que estudou tambm declararam ter

    escolhido a profisso de docente no pelo seu estatuto social mas devido a razes

    intrnsecas tais como; a melhoria do desempenho estudantil, o progresso no alcance da

    igualdade de oportunidades para todas as crianas, tornar-se um modelo para todas as

    crianas e para outros professores e influenciar aquilo que estes docentes entendem ser

    um sistema mono-cultural que falha no reconhecimento e na assuno das histrias e

    das identidades das crianas provenientes de minorias tnicas. Muitos destes professores

    sentiram que a existncia de professores de minorias tnicas teria um grande impacto

    nas expetativas e nas ambies dos jovens.

  • 32

    Hargreaves (2011) mencionou igualmente que na sua obra The Teacher Status Project

    verificou-se que, quer os docentes quer a opinio pblica, considerava que ser professor

    j no era considerada uma profisso com um elevado estatuto social, apesar da

    remunerao j no ser vista como o problema principal. Contudo, esta desvalorizao

    social da profisso no desmotivou os indivduos a tornarem-se professores. A sua

    motivao para ensinar era, frequentemente, uma ambio j antiga e que tinha sido,

    algumas vezes, inspirada por um professor de uma minoria tnica. Nesse estudo foi

    salientada a importncia de se ser um modelo a seguir, um exemplo, como professor,

    para inspirar no apenas crianas mas tambm os professores brancos. Porm, Ross

    (2002) alerta para o facto do desejo dos jovens provenientes de minorias tnicas de no

    se tornarem professores residir nas suas prprias experincias no sistema educativo.

    Osler (in Ross, 2002) relata que alguns jovens sentem que as experincias racistas que

    eles tiveram na escola podem ser um impedimento para assumir uma funo na qual

    eles prprios se tornaro parte do sistema. ainda acrescentado que estes jovens

    pensam que se se tornarem professores iro ser racialmente assedidados pelos alunos.

    Esta ideia reforada por Cunninghan & Hargreaves (2007) quando indicam que o

    medo de uma potencial discriminao racista por parte de outros professores, pais e

    comunidades locais resulta na no participao em oportunidades de recrutamento em

    reas com pouca ou nenhuma proporo de habitantes de minorias tnicas. Foster (1990,

    in Vieira, 2008) menciona mesmo que alguns professores Afro-Americanos

    vivenciaram conflitos com os colegas, diretores e pais brancos, sendo a sua competncia

    profissional questionada apenas atendendo sua raa.

    Ross (2002) indica diversos argumentos no que concerne importncia da existncia de

    professores de minorias tnicas. A maioria resulta de algumas caractersticas especficas

    da natureza da ao educativa e da forma como o processo de ensino-aprendizagem est

    institudo no sistema educativo:

    - Considera-se que o processo de ensino-aprendizagem uma atividade formativa

    conduzida atravs de uma variedade de processos, alguns dos quais so explcitos e

    visveis e outros que so subtis, praticamente invisveis e fracamente compreendidos,

    mesmo at pelos responsveis da ao educativa. Os vrios processos de ensino-

    aprendizagem, possuem uma enorme variedade de significados para os jovens, que se

    encontram num perodo das suas vidas fortemente formativo e marcante, desta forma, a

    pessoa que conduz este processo uma parte fundamental do mesmo.

  • 33

    - A aprendizagem um processo social que decorre atravs das interaes entre o

    professor e o aluno, e o aluno com o aluno. As pessoas que se tornam professoras tm

    um papel crucial na determinao das relaes sociais no mbito das quais ocorre o

    processo de ensino-aprendizagem, assumindo uma forte posio de autoridade,

    confiana e poder. Quem ensina, bem como quem aprende, por isso fundamental para

    todo este processo. No de forma leviana que uma sociedade determina quem que se

    torna professor, j que essa escolha transmite uma mensagem importante para toda a

    comunidade educativa, sobretudo para os alunos.

    - O sistema de educao destinado a todas as crianas e jovens de forma contnua e

    prolongada. Outros dos servios sociais dos quais usufruimos fazemo-lo de forma

    ocasional e intermitente, j que, por exemplo, no pensamos vir a vivenciar o servio de

    sade como o fazemos com o sistema educativo.

    - O processo de ensino-aprendizagem decorre durante um longo perodo de tempo. No

    obstante os conceitos referentes aprendizagem ao longo da vida, este um processo

    que exige que os jovens se submetam a um perodo de pelo menos onze anos de ensino.

    Assegurar que o corpo docente representativo, certificando-se que h suficientes

    indivduos de minorias tnicas, pode ser visto como algo apenas simblico, porm os

    quatro pontos indicados anteriormente tornam essencial a questo a quem se confia a

    educao das crianas e jovens. Ter uma proporo representativa de minorias tnicas

    no corpo docente crucial devido s suas caractersticas, sua ubiquidade, sua

    perserverana, sua durao e importncia como atividade social. A maioria dos

    professores de minorias tnicas sente a necessidade da existncia de uma maior

    representao desses grupos na profisso de docente, quer para apoiar a aprendizagem

    dos alunos mas igualmente para encorajar uma crescente participao no sistema

    educativo pelas suas comunidades (Cunnignham, M., Hargreaves, L., 2007). Existem,

    de acordo com Ross (2002), trs razes especficas para a necessidade de recrutar mais

    professores de minorias tnicas.

    Em primeiro lugar, a profisso de professor tem que ser capaz de refletir o espectro

    global das tradies sociais e culturais e sistemas na sua prtica profissional coletiva.

    Cada um dos professores carrega consigo para o seu local de trabalho um conjunto de

    normas culturais e expetativas. Os bons professores so reflexivos e conscientemente

    auto-crticos no que respeita a esta questo, todavia nenhum de ns conseque

  • 34

    reconhecer todos os costumes culturais e socias que carregamos connosco.

    fundamental que esta profisso de uma forma global consiga corresponder ao leque

    variado de culturas e diferenas sociais que a nossa sociedade contm. As sociedades

    atuais tm uma populao diversificada e consequentemente uma grande multiplicidade

    de costumes, culturas, lnguas, religies e crenas. O sistema educacional necessita de

    uma equipa de profissionais que consigam abranger toda esta diversidade quer na sua

    prtica pedaggica explcita quer nos seus comportamento e atitudes subconscientes.

    Quer o currculo formal quer o oculto devem ser trabalhados num sentido que reflita a

    variedade das prticas sociais na nossa sociedades, o que determina que esta profisso

    seja plena e concretamente enquadrada nessa multiplicidade de culturas e etnicidades

    existentes na sociedade. Com essa diversidade de professores ser possivel aspirarmos a

    proporcionar um sistema educativo que de uma forma subtil faa com que cada

    indivduo sinta que a sua cultura reconhecida e valorizada, capacitando-o como

    estudante (Ross, 2002). Os professores de minorias tnicas consideram que os requisitos

    do currculo nacional limitam a sua capacidade de apoiar a aprendizagem dos alunos de

    minorias tnicas comprometendo as suas competncias profissionais. Foi igualmente

    referido que a relutncia de alguns professores em considerarem as necessidades de uma

    populao crescentemente diversificada comprometeu o significado cultural e social das

    suas comunidades. A maioria dos professores de minorias tnicas considerou que a sua

    disponibilidade para pesquisar e compreender as diferenas sociais e culturais dos

    alunos de minorias tnicas e a capacidade de adaptao do processo de ensino-

    aprendizagem de acordo com essas diferenas um ponto central no seu

    profissionalismo. Isto permite-lhes desenvolver um currculo que responda s

    necessidades e motivaes destes alunos, na condio de que este currculo fosse

    flexvel suficiente para permitir tais adaptaes. Contudo, alguns sentiram que os

    responsveis das escolas subjugaram o seu profissionalismo s disposies inflexveis e

    intransigentes do currculo nacional, ao ponto de alguns professores recorrerem a

    mtodos subterfugiosos para transmitirem conhecimentos culturalmente relevantes para

    os seus alunos. Estes professores ressentiram-se da responsabilidade de ensinar o que

    eles consideravam ser um currculo nacional monocultural que julgava as outras

    culturas de forma depreciativa para toda a diversidade de alunos (Cunnignham, M.,

    Hargreaves, L., 2007).

  • 35

    Em segundo lugar, o racismo e a xenofobia, individual ou institucional, continua a ser

    uma das maiores questes da sociedade contempornea. O racismo na escola tem que

    ser explcita e fortemente confrontado, sobretudo porque este um momento fulcral na

    vida das crianas e dos jovens, durante o qual se verifica o desenvolvimento e o

    estabelecimento do sistema individual de valores. nesta fase do seu desenvolvimento

    que possvel interromper e desafiar o crescimento desse tipo de crenas e atitudes.

    Outro aspeto a considerar consiste nos seus efeitos quer nas comunidades minoritrias

    quer nas maioritrias, j que nas primeiras enquanto estudantes sero marginalizados e

    sentir-se-o incapazes de prosseguir o seu percurso, resultando num imenso desperdcio

    econmico e social. Os grupos maioritrios desenvolvero atitudes de intolerncia e

    incapacidade de valorizar a diversidade. Combater comportamentos discriminatrios

    importante em salas de aula e escolas, mas o racismo no sempre explcito, bvio ou

    at mesmo intencional. Apesar do racismo ser, muito justificadamente, uma

    preocupao relevante para todos os docente algumas das sutilezas do comportamento e

    prtica e racista sero mais bvios e mais facilmente identificveis por professores que

    tm alguma experincia de ter sido alvo desse gnero de atitudes. Os professores da

    comunidade maioritria, embora possam estar bem intencionados, ter sido devidamente

    treinados e ser experientes em trabalho anti-racista, ainda lhes ser difcil reconhecer e

    tomar conscincia de muitas das formas de xenofobia, chauvinismo e racismo existentes

    na sociedade.

    Por fim, Ross (2002) acrescenta que so nessrios exemplos, modelos, inspiradores para

    os alunos, particularmente para os provenientes de minorias tnicas. Estas esto

    geralmente fracamente representadas nos lugares de autoridade e prestgio na nossa

    sociedade. Existe claramente uma necessidade de existirem mais assistentes sociais,

    polcias, polticos, contabilistas, empresrios, entre outros de minorias tnicas. Contudo,

    os professores esto inseridos numa categoria especfica, eles so a nica face da

    sociedade civil que todas as crianas iro conhecer, todos os dias durante todo processo

    de educao formal. Deste modo, fulcral que esta face representativa do poder

    sovial seja vista como representando explicitamente toda a nossa sociedade, neste

    ponto que a incluso essencial. A presena de professores oriundos de todos os grupos

    tnicos da nossa sociedade, bem como de todas as classes sociais, orientaes sexuais,

    entre outros aspetos, significar que todos os alunos, qualquer que seja o grupo de onde

    seja proveniente, reconhecero que os membros das minorias tm tanto poder e

  • 36

    prestgio como qualquer cidado. Acrescente-se, ainda, que os alunos provenientes dos

    grupos minoritrios consciencializaro-se de que eles tambm podero ter expetativas

    de almejar excelncia, estima e autoridade.

    Ross (2002) alude tambm ao papel que os professores de minorias tnicas

    desempenham nas escolas devido sua origem. Estes so frequentemente chamados

    para lidar com os pais ou com as crianas de minorias tnicas, sendo que afirmam sentir

    que o seu papel legitimar as decises da instiuio ou a ao de colegas pertencentes

    comunidade maioritria, a qual se suspeita possa ter origem discriminatria. -lhes

    tambm pedido que sirvam de tradutores nas reunies de pais de uma forma exploradora

    e simblica.

    curioso que no estudo de Rasekoala (1997, in Vieira, 2008) foi revelado que quando

    inquiridos alunos brancos, negros e asiticos sobre professores seus (igualmente

    brancos, negros e asiticos), os trs grupos escolheram unanimemente os professores

    negros em primeiro lugar. Ao terem que justificar a sua opo surgiram trs aspetos em

    comum:

    - Os professores negros so os mais rigorosos mas o trabalho feito.

    - Os professores negros so vistoscomo os mais justos e sem serem influenciados pela

    raa, gnero e, sobretudo, pelas capacidades acadmicas. Com um professor negro

    qualquer aluno tem oportunidade, mesmo sendo pouco inteligente.

    - Os professores negros so vistos como os mais preocupados. Se tu ests a ser

    agredido no corredor, alguns professores brancos passam e no fazem nada, mas um

    professor negro envolver-se- sempre e por fim situao (ob.cit; 26).

    Sprinthall & Sprinthall (1993) acrescem ainda que legtimo que quando o professor

    pertence a uma minoria se verifique o estabelecimento imediato de uma relao positiva

    com um aluno que tenha a mesma origem. Estes autores afirmam que a estes

    professores ser mais fcil compreender as necessidades emocionais e motivacionais

    dos estudantes provenientes de minorias, o que no significa que a aceitao seja

    automtica, sobretudo por parte daqueles que apesar de pertencerem a minorias tm um

    antecedente diferente do do docente. Ocasionalmente, sobretudo com adolescentes,

    possvel perceber certas insinuaes de que o sucesso educacional do professor foi uma

    esmola e que este sucumbiu ao domnio da comunidade maioritria. Esta postura tende

  • 37

    a desaparecer rapidamente quando as qualidades humanas e a preocupao do professor

    para com os discentes se tornam evidentes. Assim, um professor de minoria tnica tem

    uma vantagem relativamente relao pedaggica com os alunos tambm oriundos de

    uma minoria, comparativamente a um professor pertencente maioria. Porm, enfrenta

    desafios bem mais difceis ao ter de lidar com os preconceitos dos seus pares, dos

    encarregados de educao e da sociedade de uma forma geral.

  • 38

    3. SER ALUNO DE UMA MINORIA TNICA

    Em Portugal nas mais recentes publicaes do Ministrio de Educao, nomeadamente

    as do Gabinete de Estatstica e Planeamento da Educao, no existem dados concretos

    referentes nacionalidade ou grupo cultural dos alunos inscritos no sistema educativo.

    necessrio recuar ao ano letivo de 2003 / 2004 para poder analisar dados referentes a

    essa informao. importante esclarecer que por grupo cultural / nacionalidade deve

    entender-se o conjunto dos alunos de nacionalidade estrangeira ou de nacionalidade

    portuguesa cujos ascendentes pertenam a um determinado grupo

    cultural/nacionalidade (GIASE, 2006). No ano letivo referido, existiam cerca de

    60 756 alunos pertencentes a essa categoria. A nacionalidade mais representada era a

    angolana, seguida da cabo-verdiana e em terceiro lugar a etnia cigana. Como era

    expetvel existe uma abundante representao dos alunos provenientes dos P.A.L.O.P..

    Quadro 1 Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural / nacionalidade em 2003/2004

    Fonte: G.I.A.S.E., 2005

    Quadro 1 (cont.) Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural / nacionalidade em 2003/2004

    Fonte: G.I.A.S.E., 2005

    Como Cardoso (1996) afiana, as estatsticas relativas ao insucesso escolar,

    nomeadamente a concernente repetncia e abandonos escolares, confirmam que as

    minorias tnicas esto numa situao desvantajosa no sistema educativo. Tambm Bruto

    Total Etnia Cigana Angola Cabo-Verde Guin-Bissau Moambique So Tom e Prncipe Brasil Timor

    1 Ciclo 35154 7216 5471 5558 1974 672 1211 3579 89

    2 Ciclo 11818 857 2159 1855 864 227 473 1375 22

    3 Ciclo 13784 217 2564 1887 932 334 516 1804 37

    Total 60756 8290 10194 9300 3770 1233 2200 6758 148

    Moldvia Romnia Rssia Ucrnia India / Paquisto China Unio Europeia Outras nacionalidades

    1 Ciclo 514 510 270 1267 509 450 3217 2647

    2 Ciclo 176 163 114 364 142 211 1611 1205

    3 Ciclo 185 166 145 463 152 223 2290 1869

    Total 875 839 529 2094 803 884 7118 5721

  • 39

    da Costa e Pimenta (1991), referem que apesar de j terem nascido em Portugal os

    filhos de imigrantes apresentavam taxas de insucesso escolar mais elevadas e em

    contrapartida menos oportunidades futuras de integrao quer na sociedade quer no

    mercado de trabalho. Batalha (in Gis, 2008) exemplifica o caso dos jovens

    descendentes de famlias caboverdianas, os quais vivem, maioritariamente em bairros

    sociais e tm elevadas taxas de desistncia e reprovao no ensino bsico. Muitos

    abandonam o sistema educativo antes de terem concludo o 9 ano e por terem

    ultrapassado a idade limite para o fazer no regime normal. So escassos aqueles que

    voltam escola na tentativa de o completar no ensino noturno.

    Um meio scioeconmico desfavorecido influencia negativamente os processos de

    ensino-aprendizagem das crianas. Em sociedade etnicamente heterogneas, problemas

    como salrios baixos, desemprego, clandestinidade, falta de assistncia mdia-social,

    habitaes precrias afectam particularmente famlias pertencentes minorias tnicas

    (Cardoso, 1996). Cardoso (1996) afirma ainda que os docentes ao sobrevalorizarem as

    condies sociais desses alunos poder influenci-los a adoptarem atitudes de

    desistncia ou de demisso do seu dever de proporcionar a todos os discentes igualdade

    de oportunidades para o sucesso educativo.

    O percurso escolar dos alunos oriundos de minorias tnica logo partida mais difcil e

    desvantajoso do que dos alunos pertencentes cultura dominante. Estes usufruem de um

    trajeto de vida cujos modelos e sistemas esto feitos sua medida quanto aos objetivos,

    contedos, metodologias de ensino, processos de avaliao e estilos de ensino e de

    aprendizagem. Quer na escola, quer no mercado de trabalho, tudo veiculado atravs da

    sua lngua e no contexto da sua cultura, privilegiando os conhecimentos, as

    competncias, os valores e as atitudes da sua comunidade. Em oposio, aos alunos de

    minorias tnicas -lhes exigido que seja bilingues e biculturais para poderem usufruir

    das mesmas oportunidades escolares que os restantes e possam obter sucesso educativo

    (Cardoso, 1996).

    3.1. A FAMLIA

    Durante milhares de anos a socializao das crianas era uma responsabilidade e funo

    das famlias. Porm, devido s mudanas na sociedade essa realidade tem vindo a

  • 40

    modificar-se, so disso reflexo as novas estruturas familiares e as crescentes exigncias

    do mercado de trabalho que retira aos pais o tempo necessrio para acompanharem os

    seus filhos.

    A famlia tem um papel de relevo na evoluo de uma criana. no seio familiar que

    esta comea a vivenciar as primeiras experincias, apropriando-se de um conjunto

    variado de normas e formando um sistema estruturado de relaes durveis. A

    socializao primria da criana realizada no contexto social e cultural do meio

    familiar (Cosme & Trindade, 2002). Bernstein (in Cosme & Trindade, 2002) defendeu

    que ao entrar na escola criana ir passar por um processo de descontextualizao e

    recontextualizao, to mais acentuado quanto maiores forem as assimetrias entre a casa

    e a escola, quanto mais a cultura da famlia se distanciar da cultura dominante, quanto

    mais restritos os cdigos lingusticos familiares e mais complexos os cdigos

    lingusticos da escola. Bronfenbrenner (1987, in Cosme & Trindade, 2002) acrescenta

    que devido importncia destes dois contextos, o familiar e o escolar, para o

    desenvolvimento de um indivduo que to fulcral que entre eles no existam barreiras

    intransponveis, sendo essencial que comuniquem entre si e que desenvolvam uma

    relao de conhecimento, compreenso, respeito, proximidade e valorizao mtua. Se

    esta relao se concretizar as crianas podero usufruir de uma transio tranquila de

    um contexto para o outro, desempenhando, logicamente, diferentes papis que no se

    contradizem mas que se articulam entre si (Cosme & Trindade, 2002).

    Vrios estudos tm demonstrado que as vantagens do envolvimento dos pais no

    desenvolvimento da criana e no seu sucesso escolar e social. Ao envolverem-se os pais

    esto a contribuir para a integrao escolar dos seus filhos, impulsionando o seu

    rendimento escolar concomitantemente com uma progressiva valorizao da escola.

    Assim, as crianas sentem-se mais icentivadas e apoiadas o que ir influenciar

    positivamente as suas perspectivas de escolarizao, bem como as expetativas dos

    professores relativamente a estes alunos (Cosme & Trindade, 2002). tambm

    essencial para a escola conhecer o ambiente familiar, designadamente tudo o que possa

    afectar o desenvolvimento normal da criana, tal como as separaes dos pais, as

    doenas e os dramas, para que os professores possam realizar os ajustes necessrios.

    Ser impossvel perceber os sucessos ou insucessos escolares dos alunos sem termos

    concincia do seu ambiente familiar, no qual continua a ser desenvolvida a sua

    personalidade e o seu sistema de valores (Almeida, 2005).

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    A par com estes benefcios tm sido tambm indicados os efeitos negativos das

    descontinuidades entre a famlia e a escola, sobretudo nas famlias oriundas do meios

    sociais mais desfavorecidos e que utilizam cdigos lingusticos mais distantes da cultura

    dominante, valorizado e reproduzida pela escola (Cosme & Trindade, 2002). Stephen

    Stoer (1993, in Silva, 2003:65) afirma que () a escola concebida de forma a servir

    o aluno que corporiza as caractersticas da criana-tipo que frequenta o sistema

    educativo. E o aluno assim concebido ser uma criana portuguesa, branca, de classe

    mdia, oriunda de meios urbanos e que professa a religio catlica, assim a escola

    acaba por reproduzir as desigualdades escolares e sociais existentes na sociedade. Henry