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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VIII PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO SOCIOAMBIENTAL SAMUEL CARVALHO DE AZEVEDO MARQUES POLÍTICAS PÚBLICAS INDIGENISTA E AMBIENTAL NO RASO DA CATARINA BAHIA: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE A TERRA INDÍGENA PANKARARÉ E A CRIAÇÃO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA PAULO AFONSO-BA 2014

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Page 1: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO … · Educação, Campus VIII, Universidade do Estado da Bahia. Paulo Afonso, 2014. Resumo Este trabalho investigou a relação

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VIII

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA HUMANA E GESTÃO

SOCIOAMBIENTAL

SAMUEL CARVALHO DE AZEVEDO MARQUES

POLÍTICAS PÚBLICAS INDIGENISTA E AMBIENTAL NO RASO DA CATARINA

– BAHIA: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE A TERRA INDÍGENA PANKARARÉ E

A CRIAÇÃO DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA

PAULO AFONSO-BA

2014

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Samuel Carvalho de Azevedo Marques

Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina – Bahia: análise da

relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica

Orientador: Prof. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Ecologia Humana e Gestão

Socioambiental da Universidade do Estado da

Bahia como parte dos requisitos para a obtenção do

título de Mestre em Ecologia Humana e Gestão

Socioambiental. Linha de pesquisa: Gestão

Socioambiental.

Paulo Afonso, BA (2014)

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

M357p

Marques, Samuel Carvalho de Azevedo

Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina, Bahia: análise da

relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica/ Samuel

Carvalho de Azevedo Marques. – Paulo Afonso, 2014.

189f.; il.

Orientador: Orientador: Prof. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências

Humanas. Campus VIII. 2014.

Contém referências e anexo.

1. Indígenas – politicas públicas. 2. Demarcação de terras. 3. Raso da Catarina (BA). I.

Bandeira, Fabio Pedro Souza de Ferreira. II. Universidade do Estado da Bahia,

Departamento de Ciências Humanas.

CDD 980.41

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Folha de Aprovação

Samuel Carvalho de Azevedo Marques

Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina – Bahia: análise da

relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica

Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-graduação em Ecologia

Humana e Gestão Socioambiental da Universidade do Estado da Bahia e

__________________________ em 06 de junho de 2014.

Banca Examinadora:

Profº. Dr. Fabio Pedro Souza de Ferreira Bandeira

Doutor em Ciências Biológicas - Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM

Universidade Estadual de Feira de Santana, UEFS

(Orientador)

Profº. Dr. Julio Cesar de Sá da Rocha

Doutor em Direito - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP

Universidade do Estado da Bahia, UNEB / Universidade Federal da Bahia, UFBA

(Examinador Interno)

Profº. Dr. Marco Tromboni de Souza Nascimento

Doutor em Antropologia - Universidade Federal da Bahia, UFBA

Universidade Federal da Bahia, UFBA

(Examinador Externo)

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Dedico aos meus pais Francisco e Diná,

aos meus irmãos Hilda e Eduardo e à Ana Clara.

Por serem fonte de energia, inspiração e amor sempre.

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Agradecimentos

Ao Prof. Fábio Pedro Souza de Ferreira Bandeira por apresentar o tema, ajudar na percepção

das questões pertinentes a temática e sobretudo pela confiança e apoio. Também pela

indicação das pistas a seguir, pela recepção no NUPAS, pela orientação e conversas sobre os

elementos em jogo. Agradeço a relação fraterna e humana durante o trabalho. Muito

Obrigado!

A minha família, sempre presente, mesmo quando por vezes me fiz ausente. Naqueles

momentos do percurso que são parte da vida e quando posso ter me sentido só, sem aprender

a só ser, lembrava sempre do significado daquilo que temos juntos. A distância maior que seja

não abala esse sentimento. Estivemos em momentos difíceis mas seguiremos com muita

alegria e amor. Especial para Ana Clara pelo amor, apoio e força sempre, e Diná, Eduardo,

Tatiana, Nanda, Hilda, Fábio, Julinha, e Duduzinho, só digo que vocês estão gravados fundo

no meu coração.

Aos amigos, colegas e companheiros de estudos, de convivências, de estradas, idas e vindas,

reencontros e surpresas, abastecimentos. Especialmente para os amigos e amigas Jamile,

Bruno, Bruno (NUPAS), Nilton, Igor, Mário Matteus, Jefferson, Fabrício, Carlos Carleba,

Patrícia, Mirna Oliveira, Mirna Ribeiro, sem confusão, Andrei, Larissa, Ricardo, Edilane,

Roberto, Vera, Arthur, Icaro, Thiago, Kessia, Luanna, Socorro, Nilma, Alzeni, Paulo, Jatobá,

Francisco, Fernando, e Carleandro, parceiro logo no início do processo. Especialmente

àqueles que sem saber ajudaram muito, não cobraram nada e estiveram sempre lá apenas

“pela amizade”, uma boa conversa, uma moqueca, diminuindo a tensão numa busca

semelhante.

Aos servidores da UNEB Helena e Alexandro e à Coordenação do Programa de Pós-

graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da Universidade do Estado da

Bahia PPGEcoH, ao ICMBio, e Chefia da ESEC Raso, à FUNAI, e ao pessoal do órgão em

Paulo Afonso (CR). Aos professores Juracy Marques dos Santos (especialmente), Júlio Cesar

de Sá da Rocha, Feliciano José Borralho de Mira, Josemar da Silva Martins (Pinzoh), Alfredo

Wagner de Almeida, Eliane Maria de Souza Nogueira e Erika dos Santos Nunes e demais

professores do Programa. Ao Professor Eugênio Lima Mendes (UEFS) pelos primeiros

passos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de

mestrado CAPES DS que tornou possível a realização dos estudos no curso de Mestrado e a

pesquisa. À Coordenação de pós-graduação da UNEB, à Comissão de bolsas UNEB, e ao

CEP-UNEB. Aos membros da Banca de Examinadora titulares e suplentes por aceitarem

participar do processo, pela leitura, críticas e observações valorosas.

Aos professores e pesquisadores José Augusto Laranjeiras Sampaio, Carlos Alberto Caroso

Soares e Maria Rosário Gonçalves de Carvalho um agradecimento muito especial pela

disposição, recepção calorosa, seriedade, compromisso e por que também foram um exemplo

de firmeza que realmente falta por aí.

Agradeço a todos e em especial a meu pai Francisco Assis Marques Filho que sempre amarei

com saudade e admiração.

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“[...] Glória a todas as lutas inglórias

Que através da nossa história

Não esquecemos jamais [...]”

Trecho de "O Mestre Sala dos Mares" (1974),

música de João Bosco e Aldir Blanc em

homenagem a João Cândido Felisberto, o

Almirante Negro.

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MARQUES, Samuel C. de A. Políticas Públicas Indigenista e Ambiental no Raso da Catarina

– Bahia: análise da relação entre a Terra Indígena Pankararé e a criação da Estação Ecológica.

Dissertação (Mestrado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental) - Departamento de

Educação, Campus VIII, Universidade do Estado da Bahia. Paulo Afonso, 2014.

Resumo

Este trabalho investigou a relação entre a criação da Estação Ecológica do Raso da Catarina e

a Terra Indígena Pankararé. Este trabalho também analisou os processos e atos

administrativos que produziram a confrontação entre as áreas bem como identificou critérios e

justificativas utilizados, contextos, conflitos e articulações. Utiliza como estratégia de

pesquisa o estudo de caso múltiplo, com técnicas de pesquisa documental, entrevista semi-

estruturada, e uso do relato biográfico. Examina os processos administrativos da FUNAI e

ICMBio (SEMA, IBAMA) obtidos por meio da plataforma de “Acesso a Informação ao

Cidadão”, sistema “E-SIC”. Consoante com o que pôde ser identificado nos registros e

memórias dos atos e decisões no âmbito destes processos administrativos, esta pesquisa

identificou que a relação entre a TI Pankararé e a criação da ESEC Raso da Catarina se deu

inicialmente por meio de uma articulação institucional governamental entre a SEMA e a

FUNAI com a mediação dos interesses indígenas. Além disso, houve a rejeição da proposta

de integrar a Reserva Ecológica à Terra Indígena no Raso da Catarina, que seria justificada

por meio de uma “suspeição” vinculada a noção de “perda” cultural. Finalmente, esta

pesquisa, a partir da análise dos processos sociais e históricos relacionados, contribui para o

entendimento do papel dos atores da política ambiental e indigenista no período estudado,

entre 1970 e 1990, no Raso da Catarina, Bahia. Ao investigar a conformação desses espaços,

seus limites e mediação dos conflitos este estudo permitiu refletir sobre as consequências das

escolhas de classes de áreas protegidas que entram em choque com o uso tradicional dos

recursos naturais bem como, de forma isolada, das outras políticas e questões que envolvem

os territórios tradicionais em particular na caatinga, no Nordeste brasileiro.

Palavras-chave: Caatinga; Unidade de Conservação; Administração Pública; Índios do

Nordeste; Mediação.

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MARQUES, Samuel C. de A. Environmental Public Policy and indigenous politics in "Raso

da Catarina" - Bahia: an analysis of the relationship between the Pankararé indigenous land

and the creation of the Ecological Station. Dissertation (MSc in Human Ecology and

Environmental Management) - Department of Education, Campus VIII, University of Bahia.

Paulo Afonso, 2014.

Abstract

This work examines the relationship between the creation of the Raso da Catarina Ecological

Station and the Pankararé Indigenous Land. It also analyses the administrative acts and

processes that led to confrontations between the areas, as well as identifying the criteria and

justifications utilized and the contexts, conflicts and coalitions. The research strategy is

multiple case study with documentary research methods, semi-structured interviews and

biographical reports. It examines the administrative processes of the National Indian

Foundation (Fundação Nacional do Índio: FUNAI) and the Chico Mendes Institute of

Biodiversity Conservation (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade:

ICMBio) (Special Secretariat for the Environment – SEMA, Brazilian Institute for the

Environment and Renewable Natural Resources – IBAMA), obtained via the “E-SIC” system

platform “Citizen Access to Information”. According to information from records and

accounts of the acts and decisions carried out within these administrative processes, the

research identified that the relationship between the Pankararé Indigenous Land and the

creation of the Raso da Catarina Ecological Station initially came about through a government

institutional coalition between SEMA and FUNAI, mediated by indigenous interests.

Furthermore, the proposal to integrate the Ecological Reserve with the Indigenous Land in

Raso da Catarina was initially rejected, which was justified by a “suspicion” linked to the

notion of cultural “loss”. Finally, by analysing related social and historical processes, the

research contributes to an understanding of the role of actors in environmental and indigenous

policies during the period studied (between 1970 and 1990) in Raso da Catarina, Bahia. By

investigating the way these spaces were shaped, their limits and the mediation of conflicts, the

study provides reflections about the consequences of choosing protected area categories that

clash with the traditional use of natural resources and are isolated from other policies and

issues that involve traditional territories, particularly in the Caatinga of the Brazilian

Northeast.

Keywords: Caatinga; Conservation Unit; Public Administration; Indians from the Northeast;

Mediation.

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Lista de ilustrações

Quadro 1 (2) – Área das Unidades de Conservação Federais por categoria ............................42

Quadro 2 (2) – CNUC, UC Federais por categoria no bioma Caatinga .................................43

Quadro 3 (2) – Cronologia da Legislação da Política Indigenista ...........................................51

Quadro 4 (3) – Comparativo a Lei de criação de Estações Ecológicas (1981) e Regulamento

de Parques Nacionais Brasileiros (1979) .................................................................................56

Figura 1 (3) – Localização do Bioma da Caatinga ...................................................................62

Quadro 5 (3) – Unidades de Conservação Federais no Bioma Caatinga, categorias, área total

por categorias e quantidade por categorias ..............................................................................63

Quadro 6 (3) – Situação para conservação da ESEC Raso da Catarina e TI Pankararé ..........65

Figura 2 (3) – Mapa importância biológica e UC da Caatinga ................................................64

Figura 3 (3) – Detalhe da região da ESEC Raso da Catarina ..................................................65

Figura 4 (3) – UC Federais no Bioma Caatinga .......................................................................67

Figura 5 (3) – Ecorregiões da Caatinga ...................................................................................70

Figura 6 (3) – UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga .......................................................73

Figura 7 (3) – Fotografias aéreas do Plano de Manejo da ESEC Raso da Catarina ................77

Figura 8 (3) – “Arara-azul-de-lear fotografada nos paredões ................................................86

Figura 9 (3) – Fotografias da Arara-azul-de-lear, Anodorhynchus leari .................................87

Figura 10 (3) – Pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear .................................................88

Figura 11 (3) – Arara-azul-de-lear forrageando no licurizeiro ................................................89

Figura 12 (4) – Foto: “Saturnino [...]”......................................................................................98

Figura 12 (4) – Foto: Paulo Nogueira-Neto ...........................................................................102

Figura 13 (4) – Foto: Cacique Angelo Pereira Xavier ...........................................................104

Figura 14 (4) – Fotos de Carlos Estevão de Oliveira .............................................................106

Figura 15 (4) – Foto Praiá ......................................................................................................108

Figura 16 (4) – Foto: “A Fonte Grande” ...............................................................................109

Figura 17 (4) – Foto: Ministro Andreazza ............................................................................112

Figura 18 (4) – Mapa Terra Indígena Pankararé ....................................................................114

Figura 19 (4) – Documentação do Sr. André Xavier da Silva ...............................................117

Figura 20 (4) – Bispos da Diocese de Paulo Afonso (BA) ....................................................127

Figura 21 (4) – TI Pankararé ..................................................................................................129

Figura 22 (4) – Uso na Fonte Grande ....................................................................................130

Figura 23 (4) – TI Brejo do Burgo .........................................................................................132

Figura 24 (5) – Localização da ESEC e APA no Raso da Catarina .......................................134

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Lista de abreviaturas e siglas

ARIE Área de Relevante Interesse Ecológico

APA Área de Proteção Ambiental

BA Bahia

CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação

CIMI Conselho Indigenista Missionário

CHESF Companhia Hidroelétrica do São Francisco

CNUC Cadastro Nacional de Unidades de Conservação

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

DIREC Diretoria de Ecossistemas

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

ESEC Estação Ecológica

FBCN Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza

FLONA Floresta Nacional

FUNAI Fundação Nacional do Índio

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INTERBA Instituto de Terras da Bahia

ISA Instituto Socioambiental

MAB Programa Homem e Biosfera (MaB – Man and the Biosphere)

MINTER Ministério do Interior

MMA Ministério do Meio Ambiente

MN Museu Nacional

MONA Monumento Natural

ONG Organização Não Governamental

PARNA Parque Nacional

PINEB Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste

REFAUNA Reserva de Fauna

REBIO Reserva Biológica

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

RESEX Reserva Extrativista

RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural

RVS Refúgio de Vida Silvestre

SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SPU Secretaria de Patrimônio da União

SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

TI Terra Indígena

UC Unidade de Conservação

UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação

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Sumário

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 11

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: TRAÇANDO UM RUMO DE

INVESTIGAÇÃO.............................................................................................................. 11

1.1 O objeto e o problema ............................................................................................... 16

1.2 Objetivos gerais e específicos .................................................................................. 17

1.3 Justificativa e relevância do estudo .......................................................................... 18

1.4 Procedimentos metodológicos .................................................................................. 19

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 21

2.1 Administração Pública e Políticas Públicas em perspectiva histórica ................. 21

2.2 Administração Pública Ambiental, proteção a natureza e modernização

autoritária ......................................................................................................................... 28

2.3 Os Índios do Nordeste e a Política Indigenista ....................................................... 44

3 A CONSERVAÇÃO DA CAATINGA PELO ESTADO .......................................... 52

3.1 A proteção e conservação da natureza na Caatinga .............................................. 59

3.2 O processo de criação da ESEC Raso da Catarina: um estudo de caso ............... 72

4 CONFRONTAÇÃO E PROCESSOS PELAS TERRAS INDÍGENAS

PANKARARÉ .................................................................................................................. 96

4.1 Entre aceitar as “posses individuais” e o “enfrentamento” .................................. 101

4.2 Processos e “acordos” sobre as Terras Pankararé ................................................ 113

5 BREVE DISCUSSÃO DA “RESERVA” NO RASO DA CATARINA ................... 134

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 147

REFERENCIAS ............................................................................................................... 150

GLOSSÁRIO .................................................................................................................... 161

ANEXOS ........................................................................................................................... 165

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Introdução

1 Contextualização da pesquisa: traçando um rumo de investigação

Neste trabalho de dissertação são apresentados os passos seguidos e resultados em um texto

produzido durante o Curso de Mestrado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da

Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Este Programa de Pós-Graduação busca formar

pesquisadores para atuar na área da Gestão Socioambiental entre outras, especificamente

lidando com Unidades de Conservação e Corredores Ecológicos. Entretanto, dotando-os

especialmente de uma leitura das dinâmicas étnico-culturais dos diferenciados grupos

humanos, entre os quais destacamos sociedades, povos e comunidades tradicionais. Portanto,

são “sujeitos” dessa leitura as relações destes povos com o meio natural, e particularmente

com o bioma caatinga.

Diante desta característica do curso podemos explicar o interesse em participar do mesmo, o

enquadramento do projeto elaborado bem como o recorte da pesquisa desenvolvida. Estes

aspectos foram trabalhados no estudo realizado, que esteve dentro da temática envolvendo o

bioma caatinga, os povos tradicionais bem o tema das áreas naturais protegidas. Ao discutir

estes aspectos no contexto cultural e socioambiental no Nordeste envolvemos o elemento

histórico, político e institucional, quando enfocamos o percurso das Políticas Públicas

Ambiental e Indigenista.

Dessa forma tratamos tanto da política de “reconhecimento étnico”, quanto da definição de

áreas protegidas no período a partir de 1970s. A fim de que fosse possível tratar a dinâmica

étnica de grupos humanos no contexto destas políticas públicas num período histórico

determinado, buscamos investigar essa realidade da interação homem-meio ambiente. Porém

sem tentar escapar da complexidade e das contradições com as quais nos deparamos na

situação encontrada no caso da região do Raso da Catarina, onde se deram as intervenções

governamentais.

De acordo com a Linha de Pesquisa Gestão Socioambiental e Sustentabilidade do Bioma

Caatinga do Programa, na qual se situam as investigações sobre os aspectos relativos à

mediação de interesses, como também os conflitos na apropriação e uso dos recursos

ambientais na sociedade, pretendemos analisar ações que “isoladamente” se voltaram à

proteção ambiental na Caatinga. E por outro lado, uma tentativa de “proteção” de populações

humanas indígenas visando garantir sua permanência e recuperação territorial em locais

considerados como ocupações imemoriais e tradicionais.

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Tratamos da unidade de conservação federal de proteção integral denominada Estação

Ecológica Raso da Catarina que foi decretada em 1984 pela Presidência da República e

planejada desde meados dos anos 1970 do século XX por um órgão federal sediado em

Brasília/DF: a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). O aspecto humano foi

considerado a partir da situação das Terras Indígenas que são confrontantes com o limite norte

desta Estação Ecológica: as Terras do Povo Indígena Pankararé.

Os povos indígenas do Nordeste vêm sendo estudados por antropólogos conformando uma

etnologia e etnografia produzida sobre estes povos. A Ecologia e outras especialidades da

Biologia, por sua vez, serviram como suporte para a definição de áreas protegidas na região.

A chamada “Saga Ecológica” de criação de unidades de conservação, personificada pela

SEMA. O órgão ambiental federal que foi substituído pelo IBAMA. A SEMA produziu no

Raso da Catarina uma área protegida com quase 100 (cem) mil hectares, num local

considerado a priori “inóspito” e “desocupado” ou desabitado.

Chegamos a esse objeto e projeto a partir da orientação do Professor Dr. Fabio Bandeira

(UEFS, NUPAS) que já havia realizado e orientado trabalhos nas áreas da Etnobiologia,

Etnoecologia e gestão Etnoambiental junto aos Índios Pankararé. Orientando assim a leitura

sobre a temática, aspectos institucionais explorados, e, a coleta de documentação sobre a

atuação governamental que se deu através da FUNAI e da SEMA (órgão que era responsável

por criar as unidades deste tipo em todo o país). Ao acessar a documentação obtida

diretamente com a FUNAI e ICMBio (atual gestor das unidades no Brasil), fomos analisá-la

considerando o que se processou nos anos 70 e 80 com desdobramentos nos anos 90 e

adiante, dentro dos limites dos objetivos propostos.

Na abordagem dos dois casos estudados, situados na mesma ecorregião e iniciados quase que

ao mesmo tempo, os processos e atos administrativos mesmo não ocorrendo simultaneamente,

tiveram um “contato” que foi revelado pela investigação. Algo que produziria resultados na

conformação dos territórios atuais. Pretendemos então cumprir a etapa proposta no projeto

que se referia a relação entre a Estação Ecológica e a Terra Indígena e assim durante o curso

das disciplinas e coleta de dados foi possível escrever algo sobre o tema para esboçar o

trabalho que era realizado, ainda limitado e parcial. Mas que era parte do que seriam os

chamados “achados” da pesquisa.

No trabalho aqui apresentado a Administração Pública é tomada como objeto de estudo a

partir de dois processos administrativos: um da política de unidades de conservação e outro da

política de demarcação de terras indígenas. Porém é preciso reconhecer os riscos e limites

para a compreensão do todo quando este objeto é tomado a partir de sua subdivisão em

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setores, funções ou áreas de atuação. Assim, aqui são analisados dois casos envolvendo as

política públicas ambiental e indigenista que se realizam no bioma Caatinga, na região

Nordeste, no Estado da Bahia.

Cunha e Coelho (2012) apresentam uma proposta de periodização das políticas ambientais no

Brasil a partir da década de 30, tipificadas como: regulatórias (legislação para estabelecer

“normas, regras de uso e acesso” aos recursos naturais); estruturadoras (“intervenção direta do

poder público” ou ONGs, por exemplo: Unidades de Conservação); e, indutoras de

comportamento (voltadas a “otimizar a alocação de recursos”). Os autores nos trazem um

importante elemento que é a localização e periodização histórica das políticas ambientais no

Brasil.

Este estudo tratou de ações governamentais dentro da política ambiental de unidades de

conservação, e da política oficial indigenista. Que envolveu tanto uma divergência quanto a

apropriação natureza, como a questão do reconhecimento étnico de um grupo humano

específico. Dessa maneira, partimos da perspectiva que haveria uma relação a ser analisada

quando as ações governamentais produziram tanto uma área protegida federal na caatinga

quanto uma Terra Indígena, que se estabeleceram como confrontantes no Raso da Catarina, na

Bahia.

Estes seriam os primórdios da questão ambiental sendo transforma em política pública em um

tempo em que inexistiam e começava a ser definido um marco legal para as questões,

havendo ainda conflitos de atribuição entre as atribuições e sobreposições de interesses. São

tratados os antecedentes históricos e intervenção pública governamental. Considerando que

movimentos ambientalistas modernos e antigos haviam ajudado a configurar a atuação e os

modos de construção da preservação e conservação da natureza no Brasil, com a influência de

modelos exportados e algumas ideologias.

Os cientistas brasileiros ao estudar o mundo natural tiveram um papel importante como

também os estrangeiros que aqui vieram. No caso das unidades de conservação no Brasil é

percebida a influência do mito da natureza vasta, inóspita e intocada, como área privilegiada

para a ação de proteção. Haveria a questão do modelo a ser discutida e dos conflitos com

populações tradicionais dentro e no entorno dos “parques”, genericamente considerados.

A execução da política pública indigenista da FUNAI é tratada na pesquisa observando na

prática uma tentativa “Estadualização” ou quase descentralização feita em parceria Com o

Governo do Estado da Bahia. O que se deu por meio do “convênio” da FUNAI com o

INTERBA para atuar na demarcação de terras indígenas no Estado, o que teria sido

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problemático no caso estudado sofrendo influência da situação política no Estado e também

no local de sua execução.

A administração pública da época enfocada no estudo era comandada por generais, coronéis e

civis, e a ação indigenista tratada como tema de segurança nacional e marcada por

pressupostos conceituais equivocados e que na prática prejudicavam a garantia dos direitos e

interesses indígenas. Além de serem geridos por militares nessa época os órgãos teriam

oscilado entre uma relação clientelista com os índios e o desrespeito a legislação e aos

direitos. Estava em processo no país a demarcação de terras indígenas e também a

mobilização crescente dos indígenas e em alguns momentos essa mobilização se tornaria

“enfrentamento” direto e o choque entre interesses vitimaria lideranças indígenas e também

mobilizaria apoio a causa indígena. Reforçando assim a mudança de postura diante da questão

indígena. Em algum momento esta questão se sobrepôs a ação de proteção da natureza, o

“cercamento” dela.

Com um período marcado pelo fortalecimento da temática ambientalista global e mudanças

na legislação da época cresciam no país os dois movimentos sociais o indígena e o

ambientalista. No contexto do esgotamento da ditadura militar no Brasil, ocorria a produção

de normas e de políticas públicas em um novo contexto, e isso viria a alterar o quadro

institucional. Tanto para questões ambientais quanto para os índios e indigenistas.

Observando situações como a “sobreposição” de áreas e “conflitos”, é possível identificar as

origens e encontrá-los ainda no presente a partir do caso estudado, que pôde ser visto em

comparação com outras situações/locais. Este seria o contexto para as ações da SEMA e da

FUNAI ocorridas no Raso da Catarina, desde meados dos anos 1970.

Neste contexto e no Nordeste brasileiro houve a conscientização e mobilização indígena e

assim demandada a ação do governo para a garantia de direitos, assistência e proteção.

Existindo um histórico de conflitos e violências cometidas contra pessoas e repressão as

práticas culturais e religiosas destes grupos. Os conflitos fundiários e a ausência de proteção

teriam permitido ou possibilitado a ocorrência das tentativas de impedi-los de fazerem justo o

que os diferenciava dos demais. Os outros, no caso, eram os “não-índios”, os trabalhadores

rurais, os “posseiros” ou ocupantes de áreas em vias de uma esperada demarcação na área

como Terra Indígena.

A ausência de ação e definição efetiva acerca do reconhecimento das terras seria um elemento

ampliador da situação de tensão. Que daria margem a mediação e pressões no local. Além

disso, havia a suposição de que sempre nunca existiram. E assim era preciso uma busca de

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antiguidade histórica. Uma busca da autenticidade cultural como coloca João Pacheco de

Oliveira, ao tratar das suspeitas sobre a autenticidade dos índios do Nordeste.

Neste quadro a conservação da natureza foi vista diante da questão do reconhecimento das

terras indígenas no Raso da Catarina na Bahia. Buscando identificar se ocorreram

sobreposições entre áreas na Caatinga. Para demonstrar as medidas tomadas em processos de

modo que isso ocorresse ou não. Se a ESEC Raso da Catarina e a Terra indígena Pankararé

teriam uma situação de sobreposição anterior a demarcação, entre inúmeras possíveis, e se

isto teria um caráter de conflito no local movia a busca de informações.

Sem dúvida, o maior problema para a efetivação da terra indígena não se vinculou a Unidade

de Conservação federal de proteção integral, ainda que esta possa ter causado um impacto

sobre o povo indígena pela sua criação. Porém a situação de intrusão e “soluções” propostas

para “resolver” a situação de conflito sobre as terras seria muito pior. As intervenções se não

foram desastrosas, deram margem a uma expectativa de consenso que nunca se realizaria de

fato sendo confrontados os interesses e mantido aceso o conflito indígenas-posseiros.

Ainda que tenha havido mediação e diálogo o pano de fundo para acordos talvez significasse

uma “imposição” em termos diante da incapacidade do Governo em realizar a sua missão.

Na caatinga foram criadas unidades de conservação dada a revisão da importância da

biodiversidade da região e também por conta de discursos ambientais acerca dos riscos de

extinção, impacto humano e critério de representatividade nacional. Em comparação, no

mesmo período havia situações territoriais e fundiárias a serem solucionadas como a das

terras indígenas, que envolveram a perda de vidas humanas, insegurança e anos de conflitos

que não contaram com a efetiva articulação e desdobramentos positivos da política ambiental

de proteção da natureza.

Entendemos esta condição e situação como relacionada a “suspeita” quanto à identidade

étnica e auto-definição daqueles índios no Nordeste. Assim só seriam possíveis as suas terras

se fossem “acordadas” com a anuência e incentivo de órgãos oficiais. Se havia uma questão

entre ESEC e terra indígena, a questão fundiária se sobrepunha, pois era um questionamento a

sua identidade, e envolvia a sua existência. Eram assim talvez dúvidas sobre se estes índios

deveriam ser protegidos e assistidos. E a presença do órgão, a legislação existente e uma

população “identificada” não foram suficientes para uma efetiva implementação de política

pública no local.

Tentamos aqui demonstrar como ocorreu, a partir das informações encontradas nos

documentos dos processos administrativos abertos na FUNAI, nos relatos da época, em

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registros na imprensa no período, e em depoimentos de pessoas que atuaram diretamente no

caso.

As terras Pankararé ocupam área em torno de 45.600ha situadas na região Nordeste, no

Estado da Bahia em parte dentro da região denominada Raso da Catarina. Neste percurso aqui

analisado ocorreu o assassinato do cacique Pankararé “Ângelo Xavier” no final do ano de

1979, em dezembro, a posteriormente a criação da ESEC Raso da Catarina em 1984 em terras

reservadas desde 1976. A articulação entre o órgão estadual de terras o INTERBA e a FUNAI

se deu nas décadas 80 e 90 do século XX. O primeiro estudo antropológico sobre os

Pankararé ocorreu nos anos setenta realizado pelo pesquisador Carlos Soares, sob orientação

do Professor antropólogo Pedro Agostinho, ambos da UFBA. Estudo vinculado ao PINEB

que tinha um convênio com a FUNAI nos anos 70.

E a criação da Estação Ecológica Raso da Catarina se deu no contexto dos governos militares

onde teve destaque o Professor da USP Paulo Nogueira-Neto, biólogo, assumindo a gestão da

burocracia ambiental federal por 12 anos, de 1974 a 1986. As ações para conservação da

natureza vêm sendo relacionadas a conflitos socioambientais envolvendo diferentes

populações humanas em biomas os diversos.

1.1 O objetivo e o problema

O objeto da pesquisa foi a ação governamental no Raso da Catarina, ecorregião da caatinga

situada na região Nordeste brasileira. Quando a Administração Pública através da Secretaria

Especial do Meio Ambiente planejou e estabeleceu uma Unidade de Conservação no Raso da

Catarina e também era demandada a demarcação de uma Terra Indígena para o povo indígena

Pankararé. Estas ações se deram através de órgãos federais como a FUNAI e também com o

envolvimento temporário do órgão estadual de terras do Governo da Bahia: o INTERBA.

Estas ações foram iniciadas no início da década de 1970 com a definição, proposição e

justificação das áreas em articulação com o governo do Estado da Bahia. Isso a partir de

justificativas diferenciadas e com participação de pesquisadores das ciências naturais do

Museu Nacional/UFRJ e da área de antropologia da UFBA. A definição das áreas se iniciou

quase que de forma simultânea e terminaria gerando a confrontação dos seus limites. O

elemento da ocupação humana e presença do povo Pankararé no Raso da Catarina, envolvido

em mediações, acordos e conflitos étnico-fundiários devido ao enfrentamento por suas terras,

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foi parte desse objeto de investigação que pode ser encarado como um conflito socioambiental

além do étnico e fundiário existente.

Investigamos a partir da noção de conflitos (DIEGUES; 1996, 2000; ACSELRAD, 2010;

LITTLE, 2006), envolvendo sociedades ou comunidades e povos tradicionais e outros grupos

sociais em diferentes apropriações e uso da natureza, encarados tanto pela via “ambiental”

quanto pela “socioambiental” se referem a relação desigual entre grupos sociais e até mesmo

o Estado. E os modos diferenciados de apropriação entrariam em choque por significação

diferenciada dessa apropriação. Considerando também conflitos entre comunidades e o

Estado, em especial o Estado no período autoritário que cobre o período estudado a partir dos

anos 70.

A pesquisa buscou problematizar e investigar como teria ocorrido a “acomodação” de

interesses “conservacionistas” e “preservacionistas” e ações indigenistas no espaço do Raso

da Catarina, que produziram a Estação Ecológica Raso da Catarina e a Terra Indígena

Pankararé como confrontantes. A produção destes dois territórios se realizaria com base tanto

em ideias e informações ecológicas e paisagísticas, quanto em justificativas antropológicas e

pressão social para uma definição sobre a demarcação, que definiria os territórios como

confrontantes. Diante da possível sobreposição o que ocorre no período é marcado por ações

contraditórias dos Governos, Federal e Estadual, enquanto ocorria um expressivo conflito

étnico-fundiário e possivelmente socioambiental.

1.2 Objetivos gerais e específicos

Investigar e interpretar a relação entre a criação da Estação Ecológica Raso da Catarina e a

Terra Indígena Pankararé, analisando os processos e atos administrativos, que tiveram

influência e contribuíram para definir os dois casos abordados. Para tal, buscando identificar

os critérios utilizados para a definição das áreas, abordando contextos, conflitos e articulações

que construiriam a confrontação dos limites da Unidade de Conservação com a Terra

Indígena demarcada. Com o objetivo mais geral de compreender com alguma profundidade

como ocorreu essa confrontação de áreas e políticas públicas no Raso da Catarina.

Identificar as determinações legais para a definição da Estação Ecológica e da Terra indígena.

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Identificar os principais atores, interações entre estes e posições, alianças, coalizões ao longo

do percurso, além de táticas e estratégias, tentativas de resolução, maneiras de resolução de

conflitos.

Identificar a participação dos especialistas biólogos e antropólogos nos processos analisados.

Identificar pontos críticos nos processos, foco central do conflito nos atos administrativos.

Analisar o aspecto político na dinâmica do conflito e nos atos administrativos.

Interpretar a dinâmica de um possível conflito entre Estação ecológica e Terra indígena no

Raso da Catarina, evidenciando a atuação governamental, numa perspectiva histórica da

administração pública, a partir de documentos e atos administrativos oficiais, depoimentos e

informações já produzidas.

1.3 Justificativa e relevância do estudo

Diante de caso específico que possui características particulares, mas também guarda

semelhanças com a situação que afeta outras populações humanas, em especial comunidades e

povos tradicionais em desigual situação de poder nos locais onde se encontram diante do

Estado e empreendimentos diversos, tem importância o estudo por conta do valor social dos

recursos naturais e biodiversidade e por conta da polarização dessas posições e continuidade

de surgimento de situações de difícil conciliação e que tem pressionado os povos.

A relevância da pesquisa remete as relações estabelecidas e interesses em torno de um

elemento comum ao povo, o espaço e natureza na região do Raso da Catarina, na Bahia.

Considera-se a possibilidade de ocorrência de conflitos ligados a criação e classe de manejo

de uma unidade de proteção integral num local onde tradicionalmente os povos indígenas e

outras comunidades tradicionais do entorno tinham como local de uso em períodos de seca.

Pretende-se trazer a tona o histórico do processo de criação da Estação Ecológica do Raso da

Catarina analisar a ação da autoridade federal num local específico com objetivo de apresentar

como se deu a mediação dos interesses com a ação estatal e o modo de apropriação se

sobrepôs a possibilidade da presença indígena dentro da unidade de conservação.

A pesquisa contribuirá para o entendimento do papel dos atores da política ambiental e

indigenista no período e no local no processo envolvendo a Terra Indígena e na proposição e

articulação para criação da reserva/Estação Ecológica Raso da Catarina. Pressupõe-se que ao

investigar a conformação dessas áreas, seus limites e mediação dos conflitos seja possível

refletir sobre as consequências das escolhas de classe de manejo em choque com o uso

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tradicional dos recursos naturais e de forma isolada das outras políticas e questões que

envolvem os territórios tradicionais em particular na caatinga, no Nordeste brasileiro.

1.4 Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa numa abordagem qualitativa teve como estratégia de pesquisa o estudo de caso

múltiplo. No qual buscamos “identificar e analisar a multiplicidade de dimensões que

envolvem” o caso como também “descrever, discutir e analisar a [sua] complexidade”

(MARTINS, 2008, p.9). A unidade de análise foram os documentos em processos

administrativos, registros dos atos e decisões administrativas na execução das políticas

públicas ambiental e indigenista analisadas.

A estratégia de pesquisa visou orientar “[...] a busca de explicações e interpretações

convincentes para situações que envolvam fenômenos sociais complexos [...]” (MARTINS,

2008, p.11). Bem como tenta “possibilitar explicações, discussões e interpretações singulares,

portanto, distintas dos enfoques convencionais pelos quais o tema foi comumente tratado.”

(MARTINS, 2008, p.16).

O tema da relação entre Unidades Conservação e populações humanas orientou o exame dos

documentos e o recorte adotado. Por isso foram observados os resultados da coleta de dados

com foco na percepção sobre a confrontação (possível sobreposição) entre áreas territoriais no

Raso da Catarina. De modo que foi utilizada a pesquisa documental, a entrevista semi-

estruturada, como também o relato biográfico considerado importante dado que contribuiu

para reconstituir atos e percepções.

A partir das questões orientadoras da pesquisa, dos objetivos específicos definidos, acerca

dessa possível confrontação territorial seria necessário encadear evidências encontradas em

documentos oficiais. Embora se trate de um caso múltiplo observado essencialmente pela

documentação seria preciso tentar corroborar o registro documental oficial, o que se daria

através de outras fontes: os depoimentos e relatos biográficos.

A escolha dos informantes privilegiou aqueles indivíduos que atuaram de alguma maneira nos

processos das políticas públicos e que foram acessíveis. De sorte que ao realizar a

triangulação de informações, dos processos, do relato biográfico do gestor da SEMA e das

entrevistas seria possível compreender o percurso histórico dos atos em análise.

A documentação, processos administrativos completos, foi obtida junto a FUNAI

(“Identificação Étnica. [da TI Pankararé]” e “Identificação e Delimitação da terra indígena

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Brejo do Burgo”) e junto ao ICMBio (Processo de criação da “Reserva Ecológica Raso da

Catarina”, processo da extinta SEMA, IBAMA-DIREC). Porém, estes processos não foram

localizados nas representações regionais destes órgãos federais sediadas no Município de

Paulo Afonso/BA. Sendo obtidos os documentos através da plataforma de “Acesso a

Informação ao Cidadão”, o sistema “E-SIC”, previsto em Lei. O pedido de informação foi

realizado para localizar os processos e seria atendido pelos órgãos após autorização das

Diretorias responsáveis. Os documentos foram obtidos diretamente dos arquivos centrais nas

sedes dos órgãos em Brasília-DF com cópias dos processos realizadas pelos mesmos.

Com fontes múltiplas de evidencias seria possível a análise do conteúdo (MARTINS, 2008,

p.33) e dos discursos encontrados (MARTINS, 2008, p.55). Assim, a parir dos documentos e

outras fontes de evidências buscaríamos dar confiabilidade e validade ao trabalho. Tal que,

considerando estas técnicas e fontes diversas se tinha a intenção de responder as questões de

forma adequada e suficiente (validade), buscando a confiabilidade, “consistência ou

estabilidade dos resultados” (MARTINS, 2008, p.91).

Portanto a análise dos dados busca demonstrar um encadeamento das evidências e

triangulações de dados “[...] possibilitando um estilo corroborativo de pesquisa” e “[...]

visando à melhor compreensão e interpretação [do] fenômeno.” (MARTINS, 2008, p.80).

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2 Fundamentação teórica

2.1 Administração Pública e políticas públicas em perspectiva

histórica

A Administração pública é uma conjunção de palavras que designa mais do que um único e

simples objeto, pois o termo se refere tanto à instituição, como um ser ou ente institucional

que executa políticas públicas, quanto à gestão ou administração da “res publica” em suas

formas variadas (LUSTOSA DA COSTA, 2008b). E designa ainda a disciplina ou campo de

conhecimento e formação, que possui uma trajetória histórica, conceitos e paradigmas. A

acepção do termo tomada nesta pesquisa privilegia o sentido organizacional da expressão para

enfocar as políticas públicas. No entanto, sem descartar a noção de disciplina e campo, que de

algum modo fundamenta as ações e estruturação da administração pública, isto sob a direção

de um Governo.

Segundo Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009), o “Estado moderno” é admitido

como uma organização de natureza coercitiva dotado do “monopólio do uso legítimo da

força” ou “coação”, composta por um conjunto de instituições. Este é parte da sociedade que,

no entanto se sobrepõe a ela, instaurando “ordem social” para garantir a propriedade e os

contratos, mediante a instituição e cumprimento de leis, extração de “recursos da sociedade” e

“uso da violência legítima” (LUSTOSA DA COSTA, 2008b). E de acordo com Max Weber

(1999, p. 525) a coação não seria o “meio normal ou o único do Estado”, mas seria, no

entanto, o seu “meio específico”.

O Governo é a “cúpula político-administrativa do Estado”. É o centro das decisões do Estado,

onde se formulam as políticas públicas e se exerce o poder político que determina a

“orientação política” da sociedade (LUSTOSA DA COSTA, 2008b, p.2). O governo então

dirige a administração pública para implementar políticas decididas no âmbito do Estado e do

Governo. E “Política” segundo Weber (1999, p.526) significaria a “tentativa de participar do

poder” ou a tentativa de “influenciar a distribuição do poder”.

A administração pública reconhecida enquanto disciplina, campo de estudos e área de

formação, é marcada justamente pela questão da separação dicotômica entre administração e

política, ou seja, uma separação entre, de um lado, a organização, a gestão e o campo, e, de

outro, o poder. E no sentido de compreender a administração pública que surge com esta

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identidade contraditória que é importante assinalar o percurso em que se dá essa dissociação

entre gestão e política, que pode ter sido superada considerando que a análise de políticas

públicas foi, posteriormente ao surgimento da área, integrada à disciplina, o que é perceptível

conhecendo-se os “períodos paradigmáticos” para área em paralelo ao contexto institucional

da administração pública no Brasil.

Estes conceitos iniciais se referem à estruturação geral do Estado e da Administração, no

intuito de colocar o tema da ação governamental. Neste sentido uma abordagem que foi

necessária ao objetivo da pesquisa envolveu tratar dessa ação visando uma compreensão da

historia da administração pública. Considerando que políticas públicas são executadas em

algum período da história geral e de uma história da administração. Sendo no caso aqui

tratado identificado como período da “Administração para o Desenvolvimento” ou da

“modernização autoritária” no Brasil (LUSTOSA DA COSTA, 2008, p.9).

Ainda que se considere a inserção em contextos mais amplos e disciplinares a pesquisa se

referiu especificamente a dois casos que acabaram nos informando da existência de conflitos

de atribuições e entre setores de atuação. Isto quando nos anos 70 se tratou de preservação da

natureza e da ocupação humana tradicional. A história permite que o passado seja colocado

em caso no contexto e considerando o percurso até dada situação. E a história da

administração com aporte analítico e metodológico da História permite tratar com mais

profundidade as transformações institucionais na implementação de políticas públicas.

Uma “perspectiva histórica” tem sido proposta como uma possibilidade de contribuição para

consideração de relevantes aspectos da construção da administração, das organizações e da

gestão. Essa perspectiva aponta tanto para estudos sobre negócios ou história empresarial,

quanto para o desenvolvimento histórico dos conceitos e práticas de gestão. Uma outra

abordagem tem como foco a historia organizacional ligada aos conceitos da teoria

organizacional, que contempla nos estudos as relações de poder, as ideologias, o sentido e o

significado do passado das organizações e estudos sobre os processos organizacionais para

além das histórias oficiais.

Nessa perspectiva, as teorias e métodos da história são acionados para uma melhor

compreensão dos fenômenos administrativos. E nessa aproximação entre história e

administração, que não seria recente, considera-se que as organizações, sua ação e criação,

são realizados num dado contexto histórico e por indivíduos inseridos nesse contexto

(COSTA, BARROS e MARTINS, 2010). Para os autores as possibilidades de utilização da

abordagem histórica, considerando que existem abordagens em embate na historiografia,

numa “posição reorientacionista”, permitiria refletir a práxis de pesquisadores, considerar

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novas fontes e problemas com consciência da construção social dos fatos históricos e

manipulação da constituição dos saberes administrativos, contribuir com análises críticas das

ideologias administrativas (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p. 297).

Uma “perspectiva analítica centrada na historicidade do fenômeno social” segundo Vizeu

(2010) daria contribuições aos estudos e compreensão da realidade organizacional e

administrativa brasileira. O autor considera que o entendimento da singularidade das práticas

organizacionais no contexto do país tem desafiado os pesquisadores e a perspectiva histórica

seria uma das formas de verificar essas peculiaridades da gestão e organização no Brasil

(VIZEU, 2010). Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009) constatam a pouca quantidade

de estudos que entrelaçam a História dos Estados com a História da administração publica.

Parte dos autores acima, que propõe a perspectiva histórica como relevantes para a

administração o fazem em referência a vertente historiográfica conhecida como “nova

história” ou “história nova”. Essa vertente historiográfica em contraste com a “tradicional”

privilegiaria uma história “vista de baixo” que diria respeito a qualquer atividade humana, não

restrita aos grandes feitos e a política. Estaria preocupada com a análise de estruturas,

baseando em documentos e evidências de diversos tipos, não apenas em documentos oficiais

escritos, levando em consideração movimentos coletivos e a “inevitabilidade da falta de

isenção ao olhar sobre o passado” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p.292).

Com outra noção de fato histórico e a respeito dos documentos, a história também seria aquilo

que é selecionado na realidade para fazer parte do “passado”. Seria a dualidade que envolve a

história como realidade e a história como estudo da realidade. E especialmente a história

política teria seu interesse alargado para questões simbólicas, representações sociais e

coletivas, do imaginário social, das memórias, mentalidades e “práticas discursivas associadas

ao poder.” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010, p.292).

Este era um debate entre abordagens na historiografia que transbordam para o pensamento em

administração. Segundo Lustosa da Costa (2008b) caberia reconstruir a historia da instituição

política e do aparato organizacional reconhecendo fatos, processos, atores e estruturas, mas

também recuperar “narrativas, análises e sistematizações históricas” que constroem as

próprias representações coletivas sobre o Estado, governo e administração pública. Estas

narrativas selecionam aspectos da realidade privilegiando uns e negligenciados outros,

contribuindo também para a análise a verificação das ausências e dos esquecimentos.

A historiografia permitiria identificar o passado social formalizado ou construído e “quais

aspectos desse passado foram ou serão selecionados” (COSTA; BARROS; MARTINS, 2010,

p.296). Então dessa forma se poderia pesquisar a administração publica no aspecto de suas

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mudanças estruturais, reformas, como também as narrativas sobre construção do campo com

área de formação, atuação e de conhecimento produzidos num determinado contexto

brasileiro. Seriam então estas narrativas objeto também dessa história.

A administração pública enquanto disciplina teria se constituído a partir do final do século

19 voltada à formação da burocracia governamental nos EUA (FARAH, 2011). Este “campo

de estudos” e área de formação foi marcado pela tensa separação entre administração e

política, o que segundo a autora seria constitutivo da identidade da área. O campo é definido

pela autora como “multidisciplinar”, no qual são absorvidas contribuições da administração,

ciência política, economia, sociologia e psicologia social. (hoje também da Antropologia).

Segundo Souza (1998) havia uma dicotomia entre política e administração e esta teria se

formado no final do século passado como parte da ciência política e somente a partir dos anos

70 é que se buscaria uma “administração pública como administração pública”, conforme a

evolução da disciplina descrita por Adams (1994 apud SOUZA, 1998). Segundo a autora é

importante que a disciplina não “fuja da política” dada a sua origem e “herança intelectual”,

ontologia e teorias terem sido construídas a partir do “referencial, conceitos e métodos da

ciência política.” (SOUZA, 1998, p.49).

A constituição da área no Brasil teve uma inclinação “filiada ao paradigma que separa

administração e política” assim diluindo uma identidade específica da Administração pública

(FARAH, 2011, p.830). Uma mudança de paradigma ocorreria nos anos 90, pós-1988, “pós-

democratização” quando há emergência de uma articulação entre política e administração,

superando a dissociação entre gestão e política.

Esta mudança teria como eixos a analise de políticas públicas e a gestão. Então a área de

estudo em políticas públicas foi incorporada pela “disciplina administração pública” no

Brasil. Isto ocorrendo sob uma determinada influência e a exemplo do que aconteceu nos

EUA. Porém, a formação da Administração Pública no Brasil teve suas especificidades dada a

condição socioeconômica do país e a presença da “ideologia desenvolvimentista”, em

particular nos anos 50. A “despolitização da disciplina” seria uma forma de reduzir

influências clientelistas existentes na burocracia norte-americana.

A área tem se desenvolvido com referenciais teóricos da área de políticas públicas (economia,

ciência política e gestão), tal como ocorreu nos Estados Unidos (FARAH, 2011). E no Brasil

no final da década de 50 haviam sido criados cursos de formação na área de administração

pública, sendo pioneiros os cursos da FGV no Rio de Janeiro, da Universidade Federal da

Bahia e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estes apoiados mediante um

convênio entre Brasil e EUA assinado em 1959 (PBA-1). Esta formação tinha uma orientação

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para o “desenvolvimento” segundo Marta Ferreira Santos Farah (2011), com base em Fischer

(1984 apud FARAH, 2011) e Keinert (1994 apud FARAH, 2011). Esse período revelaria

ainda uma prevalência da “administração científica” ou “clássica” nos moldes norte-

americanos.

Keinert (1994) delimita “quatro grandes períodos paradigmáticos” da disciplina no século

XX, que sintetiza aliando o instrumental teórico dominante ao contexto institucional no

Brasil. Os paradigmas da administração pública seriam unidades fundamentais

compartilhadas na comunidade científica e que assim identificariam em determinado período

e contexto. Assim, teríamos de 1900 a 1929 o período administração pública como Ciência

Jurídica, limitada e identificada com o Direito Administrativo revelando uma “postura

legalista” relacionada ao sistema ou tradição do direito romano transmitido por meio da

colonização portuguesa.

De 1930 a 1979 a autora define como período paradigmático da “Ciência Administrativa”

dividido em três fases: 1930-1945: fase do “estado administrativo , focada na racionalização e

treinamento técnico inspirado na Escola Clássica com o caráter prescritivo das teorias a ela

vinculadas. A segunda fase do período, de 1946 a 1964, denominada de “Administração para

o desenvolvimento” é fundada na ideologia desenvolvimentista e operada através dos

“projetos de cooperação internacional”. “No desejo dos países ricos criarem, nos países

pobres, pré-condições para investimentos” e transformar as “burocracias de tipo colonial em

instrumentos de mudança social” (KEINERT, 1994, p.44).

A última fase desse período, 1965-1979, Tania Keinert denomina como fase de

“Intervencionismo Estatal”, onde há aumento da centralização, controle e intervenção, com

crescimento da máquina governamental, conhecimento baseado na gestão empresarial, num

período “marcado pelo tecnicismo, pela neutralidade” e separação dicotômica entre

administração e a política (KEINERT, 1994, p. 45).

Os dois últimos paradigmas definidos pela autora em 1994 eram a Administração pública

como ciência política (1980-1989) e a “Administração pública como Administração pública

(1989-...)”. Este último, identificado pela autora como emergente em que seria repensado o

“papel do Estado” em um novo contexto: de “esgotamento” dos modelos anteriores, de

democratização com fortalecimento da noção de direitos e cidadania, de avanços

tecnológicos, mudança na relação com a sociedade, no qual haveria o desafio de superar

“velhas dicotomias” (KEINERT, 1994).

Os antecedentes remontam a situação em que no Estado se buscava alcançar um modelo

racional weberiano para a burocracia estatal em contraposição ao caráter patrimonialista e

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clientelista que marcava a relação entre público, privado e o governo. A década de 30 assim

havia sido um marco inicial da modernização administrativa da administração pública federal.

Passando pela década de 50 com a consolidação do que se chamaria de “administração para o

desenvolvimento”, que serviu para expandir as atividades do estado, flexibilizá-lo através da

administração indireta e também criar entidades de direito privado, assim substituindo o

“modelo clássico” (MARCELINO, 2003).

Após a ditadura no período Vargas, no governo JK, temos um “segundo momento” dessas

tentativas de “reforma administrativa” governamental, o que consolidava a diretriz para o

“desenvolvimento” que se materializou no marco representado pelo Decreto-Lei nº 200 de

1967. A partir daí uma sucessão de governos autoritários iria centralizar e concentrar o

aparelho burocrático estatal até 1985. E apenas no Governo Sarney haveria a proposição e

esforços para uma nova “reforma administrativa” visando: adaptar a gestão ao regime

democrático, eliminar distorções como a “sobreposição de tarefas e conflitos de

atribuições”, racionalizar e tornar instituições eficazes, descentralizar as ações, revitalizar o

serviço público, conter gastos públicos e fortalecer a administração direta num retorno ao

“modelo clássico” (MARCELINO, 2003, p. 646).

O contexto governamental em que se desenvolveram as transformações institucionais e

execução das políticas ambientais e indigenistas enfocadas pela pesquisa remetem então à

certas heranças e recorrências administrativas, políticas e sócio-culturais d administração

pública do período do Estado Novo (Vargas), do período do regime militar instaurado em

1964 e do início do governo Sarney. Segundo Lustosa da Costa, O’Donnell e Mendes (2009)

o país chegaria à década de 1980 com um sistema federativo descaracterizado, após décadas

de centralização do poder, e “forte expansão da burocracia estatal, com destaque ao crescente

domínio da tecnoburocracia” com base em Carvalho (1990 apud LUSTOSA DA COSTA;

O’DONNELL; MENDES, 2009, p.306).

Estes elementos informam o contexto em que se encontravam as ações da SEMA e da FUNAI

na época. Sendo aqui observados os atos e os processos de criação da Estação Ecológica Raso

da Catarina em relação com a Terra indígena Pankararé, ações da política ambiental e

indigenista realizadas no contexto mais amplo de estruturação geral do Estado e da

Administração. Sendo relevante destacar que há limites para uma compreensão mais ampla

quando se analisa a administração pública de forma subdividida em seus setores.

Estes limites se referem aos esforços para uma compreensão da historia do poder instituído,

do Estado e da administração pública como um todo, ainda que a observação dos dois casos

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permita a consideração de interações, possíveis incoerências na estrutura do Estado e

existência de conflitos de atribuições e conflitos entre setores de atuação.

Estas políticas públicas observadas se iniciam e são executadas num momento da história da

administração identificado como período da “Administração para o Desenvolvimento”, de

1964 a 1985, um recorte dentro da chamada “trajetória modernizante” da Administração

pública no Brasil, proposta por Martins (1995 apud LUSTOSA DA COSTA, 2008, p.9). Uma

outra “perspectiva temporal” sugere como periodização para as mudanças políticas e

institucionais ocorridas que de 1930 a 1964 podem se destacar dois períodos: um em que se

dá a “burocratização” do Estado nacional e outro que seria “uma espécie de continuação”

identificado com o “Estado nacional-desenvolvimentista”. Em seguimento os anos de 1964 a

1989 estariam identificados com o “Estado e a modernização autoritária”, segundo a visão de

Lustosa da Costa (2008, p.9). O autor sugere uma revisão da demarcação e referências do que

poderiam ser etapas constitutivas da história do Estado e da administração pública no Brasil

desde 1808 com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro.

Cunha e Coelho (2012) apresentam uma proposta de periodização das políticas ambientais no

Brasil a partir da década de 30, tipificadas como: regulatórias (legislação para estabelecer

“normas, regras de uso e acesso” aos recursos naturais); estruturadoras (“intervenção direta do

poder público” ou ONGs, por exemplo: Unidades de Conservação); e, indutoras de

comportamento (voltadas a “otimizar a alocação de recursos”). Os autores nos trazem um

importante elemento que é a localização e periodização histórica das políticas ambientais no

Brasil, ressaltando a existência de “formulações ambientalistas” ainda no período colonial

(século XVIII) “que integravam um discurso mais amplo de superação do atraso da colônia”

(PADUA, 1998; 1999 apud CUNHA; COELHO, 2012). E também na década de 30 e antes

quando em 1925 houve a criação do Serviço Florestal Federal no país.

Ainda segundo os mesmos houve três grandes momentos na história das políticas ambientais

no Brasil: 1930 – 1971: com a criação de uma base de regulação, criação da FBCN filiada a

UICN (1958); 1972 -1987: criação da SEMA (1973), formulação de uma política nacional,

“ápice intervencionista” e percepção da crise global; e, o período de 1988 aos dias atuais: com

descentralização de políticas, disseminação da noção de desenvolvimento sustentável, criação

do IBAMA, medidas normativas, agendas 21, continuidade do “confronto com políticas

intervencionistas” (CUNHA; COELHO, 2012, p.55), e conceitos de manejo de recursos

naturais aliados a democratização. Os autores destacam que o Estado até meados da década de

80 centralizava a Política Ambiental no Brasil (CUNHA; COELHO, 2012, p.46).

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2.2 Administração pública ambiental, proteção a natureza e

modernização autoritária

Nós temos a semente e o conhecimento biológico: falta-nos o controle do

terreno. Daniel Janzen (1986, apud GUHA, 2000, p.85)

A ocupação do que hoje é o território brasileiro é vista por alguns autores a partir do foco em

suas “implicações ecológicas”. Esta ocupação, ocorrida segundo uma lógica de exploração

colonial sob domínio europeu, marcaria o modelo de desenvolvimento do país (PADUA,

2004). Neste processo de “ocupação” e “conquista” foram estabelecidas atividades

econômicas com mão de obra nativa e africana escravizada para a produção e envio de

riquezas para a Europa. Seria um sistema produtivo nascido de um “macro projeto de

exploração ecológica” ou um “arquipélago” destes projetos (PÁDUA, 2004, p.3).

Para o autor o “modelo de ocupação e exploração” no Brasil pode ser definido por três

aspectos essenciais, que estariam ainda presentes no modo de relação da população brasileira

com a natureza. O primeiro seria o “mito da natureza inesgotável” no qual haveria sempre

uma “fronteira natural” a ser alcançada pela exploração. O segundo revelaria um grau de

“desprezo pela biodiversidade e biomas nativos”. Algo que ao que nesse trabalho pode revelar

em especial o desprezo pela caatinga, o bioma “genuinamente brasileiro”. O terceiro seria um

investimento nas “espécies exóticas, especialmente em regime de monocultura” para

enriquecimento e controle territorial (PADUA, 2004).

Os colonizadores estariam agindo propriamente dentro da racionalidade e contexto de uma

colônia a ser explorada em que não haveria o ideal de nação e de “continuidade histórica” a

ser colocado na “lógica” dos colonizadores. O que aponta o autor como questionável é que

mesmo na independência e até os “nossos dias” tenha havido a “permanência” dessa “herança

colonial predatória” e de modo especial nas “elites econômicas” (PADUA, 2004).

Araújo (2007) faz referencia ao período imperial quando surgiu a primeira proposta de criação

de parques nacionais no Brasil feita em 1876 por André Rebouças, engenheiro e proprietário

da Companhia Florestal Paranaense, especializada no corte de madeiras. Os parques seriam na

Ilha do bananal no rio Araguaia e em Sete Quedas no rio Paraná, no entanto estes seriam

criados apenas em 1959 e 1961 respectivamente, sendo que o último foi “destruído, em 1980,

para dar lugar ao lago da barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipu.” (DRUMMOND et al,

2010). Esta primeira proposta poderia ter sido inspirada pelo conhecimento da criação de

Parque Nacional nos Estados Unidos.

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Barretto Filho (2004), com base nos trabalhos de José Augusto Pádua, traça um quadro inicial

para a compreensão das primeiras sugestões de regulação do uso dos recursos e proteção em

reservas. E desde o século 18 haveria no Brasil uma reflexão “ecológico-política”, ou um

“ambientalismo político”, que revelava uma preocupada crítica da relação da sociedade com o

meio natural, na perspectiva de sobrevivência e desenvolvimento da sociedade pela via da

utilização da natureza. No contexto de valorização dos recursos naturais em fins do século 18

a Coroa Portuguesa teria a perspectiva de alterar o padrão de exploração dominante na

formação colonial numa preparação para a transferência da sede do Império. Houve assim a

determinação para que “estabelecimentos botânicos” fossem organizados para intercambiar

“plantas úteis à economia portuguesa” (BARRETTO FILHO, 2004, p.54).

Pádua (2004) por outro lado encontra no século XVIII alguns personagens que já naquele

tempo registraram o que seria a “mentalidade” da época que via na natureza nativa um

“embaraço”, um obstáculo a ser destruído e transposto. Haveria nestes relatos uma

“agricultura bárbara” destruidora que reduzia a cinzas as “amenas selvas” que não teria “amor

ao território que cultiva” (COUTO, 1848 apud PADUA, 2004). Assim vieram as espécies

úteis e exóticas, a cana-de-açúcar, o café, o gado bovino, algodão, tabaco, e na atualidade o

eucalipto e a soja.

Barretto Filho (2004) destaca que nos séculos 17 e 18 havia uma preocupação com florestas,

mananciais e água potável no Rio de Janeiro, onde já havia ocorrido a devastação para

instalação de grandes cafezais. No início do século 19 houve a proibição de cortes de arvores

visando resguardar a oferta de água e em meados do século a intenção de “replantio” em

terras particulares na Tijuca e decisões determinando “plantio regular de árvores” nas

Florestas das Paineiras e da Tijuca, criadas em 1861 por decisão do Ministério da Agricultura,

Comércio e Obras públicas). A Tijuca seria, para as elites, um refúgio “longe da febre amarela

e da insalubridade urbana” (DEAN, 1996 apud BARRETTO FILHO, 2004, p.55). Para

Drummond et al (2010) esse replantio de parte de da Floresta da Tijuca entre 1861 e 1889

esteve relacionado a preocupação com a oferta e controle da qualidade da água que servia a

uma população urbana na época.

Larrère e Selmi (2006) analisando a criação de um “parque nacional à francesa” trazem a tona

um contexto que não é comumente referido quando se trata do surgimento dos parques ou das

áreas protegidas: o contexto europeu. A exemplo disso ocorreu em 1913 o Congresso

Florestal Mundial em Paris por iniciativa do “Turing Club de França” que associou os

interesses franceses de “proteção das florestas à proteção das paisagens excepcionais” e

juntamente com o turismo nas regiões montanhosas em que havia neve. Dez anos antes havia

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ocorrido a Conferencia Internacional de Paris sobre a proteção da natureza, ocorrida em 1902.

Conferencia que esboçou concepção “fiel à idéia de parques norte-americanos, que pretendem

preservar a wilderness” numa “tradição paisagística” que se associa a “um movimento

naturalista”. Este preocupado com a “proteção de espécies ameaçadas de extinção e seus

habitats” que apoiaria as propostas de criação de parques nacionais na França (LARRÈRE;

SELMI, 2006, p. 249).

A política de preservação nos Estados Unidos viria a ser legitimada só em 1964 através do

Wilderness Act. No entanto, conforme Drummond et al (2010) o Parque nacional de

Yellowstone, criado em 1872, seria um reconhecido marco fundador da política de unidades

de conservação.

Olmos et al (2001) estabelecem um antagonismo ambiente-sociedade apresentando o que

seria uma manifestação naturalista de “discordância quanto a presença”, e consequente “dano

ambiental” e “ameaça” na visão dos autores, de populações indígenas, caiçaras ou

quilombolas no interior de unidades de conservação na Mata Atlântica “ou qualquer outro

bioma”. Além disso, que parece ser a tese central dos autores, estes, colocam que “setores da

intelectualidade pseudo-ambientalista” teriam sido um “campo fértil” para o “mito” ou

“ilusão”, conforme declarado no texto, de que teria havido uma “imposição sócio-cultural-

política” do “modelo Yellowstone” gerando uma cópia do mesmo no modelo brasileiro de

unidades de conservação (OLMOS et al, 2001, p.290). Os autores estão preocupados com o

modelo assumido no Brasil que desprivilegiaria a natureza em favor de questões sociais, o que

não deveria ocorrer segundo os autores, numa defesa da técnica e ciência conservação e das

áreas protegidas essenciais sem intervenção e presença humana.

Não colocando em termos de “imposição” do modelo norte-americano, Barreto Filho (2004),

entretanto faz referencia a ida de 14 técnicos florestais brasileiros aos EUA para um

treinamento em Forestry Leadership em 1965. A partir do que teria se institucionalizado a

divisão entre “uso direto” e “uso indireto” da paisagem, flora e fauna, o que segundo o autor

seriam “atividades conservacionistas – nos moldes norte-americanos”. (BARRETTO FILHO,

2004, p.62). Larrère e Selmi (2006, p.251) relatam que entre 1906 e 1930 quatrocentos

cinqüenta e nove (459) sítios foram “classificados como reservas naturais” na França mesmo

que sem existir ainda o “status jurídico”. A noção de parque nacional na França só seria

definida em lei no ano de 1960, antes do ato norte americano. Porém segundo os autores

desde a década de 20 do século XX parques nacionais e reservas naturais são criados nas

colônias, realizando as aspirações de engenheiros florestais, de naturalistas, da elite de

caçadores e das associações turísticas, o que ocorreu na Argélia (1921), Tunísia (1919), Costa

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do Marfim (1924), Guiné Francesa, Congo Camarões e Senegal. Estas “realizações do

império Francês na África” teriam sido mais tardias e “menos espetaculares que a do império

britânico” que em 1898 criou o “primeiro grande parque africano” o Parque Kruger com hum

milhão e oitocentos mil hectares (1.800.000ha).

O período imperial do Brasil não produziu nenhum parque nacional inspirado no modelo de

área não “antropizada” e uso diferenciado, previa apenas que fossem plantadas arvores com

mudas de “espécies nativas”, estaria proibido o desmatamento a partir de 1862, e seria um

empreendimento que segundo Drummond teria o aspecto de um local destinado ao “lazer da

população urbana” como um “parque suburbano” na capital imperial. O “Parque Nacional da

Tijuca” que tomaria a lugar da “Floresta” seria estabelecido quase 100 anos depois em 1961.

(BARRETTO FILHO, 2004, p.55).

A árvore, a floresta e as matas foram se tornando assim preocupações das elites e associações

culturais e científicas da época, e cientistas estrangeiros residentes no Brasil. Um deles,

Alberto Loefgren (1854-1918), botânico sueco, fez campanha pela criação de um serviço

florestal, parques nacionais e a criação de um código florestal. Este conseguiu que em terras

adquiridas pelo Governo Federal fosse estabelecida uma “estação biológica” no Itatiaia

ARAUJO, 2007; DRUMMOND et al, 2010). Local onde seria criado posteriormente em 1937

o primeiro Parque Nacional Brasileiro, “nas montanhas da Mata Atlântica no estado do Rio de

Janeiro” dentro dos marcos do código florestal brasileiro de (RYLANDS; BRANDON, 2005,

p.28). O Parque Nacional do Itatiaia possui atualmente 28.084,100 hectares na Mata Atlântica

em áreas nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O “Serviço Florestal” foi criado em 1921 na estrutura do Ministério da Agricultura e o

“Código Florestal” só aconteceria em 1934, estes dispositivos reconheciam as categorias de

“parque nacional” e “área reservada” respectivamente. E neste inicio de século XX havia uma

“pluralidade de categorias de espaços florestados protegidos” (BARRETTO FILHO, 2004).

Segundo Araujo (2007, p.65), o código representou também a demarcação de um

ordenamento limitador do direito de propriedade no contexto da ascensão do Estado Social

Nacionalista empreendido por Getúlio Vargas. O código definiu que as florestas constituiriam

um “bem comum a todos os habitantes do país” e desse modo seriam exercidos os “direitos de

propriedade com as limitações” estabelecidas pelo código e leis gerais.

Araújo (2007, p.65) revela no capítulo em que trata da “História de um povo em busca do

Desenvolvimento e da Proteção da Natureza” que a subcomissão que elaborou o anteprojeto

do Código Florestal de 1934, no que se refere a Parques Nacionais, se inspirou no “modelo

suíço, que era mais restritivo do que o norte-americano.” A comissão concebia o parque

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nacional como “um verdadeiro santuário” de absoluta segurança para animais e plantas, que

“não visam atrair turistas” e seriam “verdadeiras instituições científicas” onde a natureza

selvagem poderia ser “estudada” (ARAUJO, 2007, p.66).

Nas décadas seguintes até os anos 60 seriam criados os primeiros parques no contexto da

ampliação do papel do Estado, definindo de dominialidade pública estatal dos recursos

naturais (BARRETO FILHO, 2004). Nos anos sessenta durante a presidência de JK são

criados parques nacionais, no governo Janio Quadros num curto período também se criam

parques, como por exemplo, o Parque da Tijuca (RJ) e o Parque Nacional Monte Pascoal

(BA). E com o golpe militar em 1964 a Amazônia como nova fronteira foi recolocada na

estratégia de desenvolvimento nacional a partir da infra-estrutura e incentivos creditícios e

fiscais. Além disso, foi instituído um novo código florestal em 1965 prevendo parques

nacionais e florestas nacionais (ARAUJO, 2007).

Ocorre em 1967 a criação do IBDF como autarquia ligada ao Ministério da Agricultura, no

contexto de reforma da administração pública, o que segundo Araujo (2007) seria uma

resposta a Convenção para a Proteção da Flora e das Belezas Cênicas dos países da América.

O IBDF assumia a partir daí as funções e competências da administração pública com as

unidades de conservação, o que de fato aconteceria se não fosse criado outro órgão

“concorrente” ou “paralelo” alguns anos depois. O código florestal de 1965 segundo

Drummond et al (2010) teve com principal inovação estabelecer a divisão entre uso indireto -

que se daria nos parques e reservas biológicas, e uso direto – florestas nacionais e parques de

caça. Já havia ocorrido um “boom de criação de UCs de Proteção Integral” no Brasil desde

1959 e que só ocorreria novamente na virada dos anos 1970 (BARRETO FILHO, 2004).

Mittermeier et al (2005, p.14) associa a “proliferação de parques e reservas” desde o início

dos anos setenta do século XX a um “crescimento da consciência de conservação e da ciência

da conservação no Brasil”, uma realização que seria “maior que [o ocorrido em] qualquer

outro país tropical e comparável ao de países em desenvolvimento.” Para estes autores a

ocupação da Amazônia teria sido um “estímulo chave” para o “avanço” na ação de

conservação e desenvolvimento de uma “capacidade de conservação”. Esta capacidade

ampliada segundo os autores era “não governamental” e juntamente com uma “comunidade

forte de cientistas e profissionais de conservação de classe mundial” formaria a “base para

uma conservação bem-sucedida”.

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Essa articulação entre o “marcha para o oeste”, desenvolvimentismo e conservação naturalista

durante a ditadura militar no Brasil serviram de apoio seguro para a criação de unidades de

conservação principalmente na Amazônia e Centro-oeste do país. Conjugaram-se efeitos

“deletérios” de expansão agrícola e “facilidade” de estabelecimento de UCs de proteção

integral mediante uma “gestão estatal estratégica do território” enraizada no contexto do

regime militar nas décadas de 1970 e 1980 (BARRETO FILHO, 2004). Assim é criado o

Parque Nacional da Amazônia em 1974 com 994 mil hectares (reduzido em 1985) em Itaituba

(PA) que antes havia sido designado com uma área de 1.258.000ha, ao longo rio Tapajós

(RYLANDS; BRANDON, 2005).

Em 1970 existiam 14 parques nacionais (MITTERMEIER et al, 2005) estava proibida a caça

desde 1967, nos anos 1970 uma seca se abateu sobre o nordeste e assim os “homens sem

terra” da região serviram aos planos de ocupação humana e integração física

desenvolvimentista da Amazônia, “terra sem homens” nas palavras do presidente Médici

(ARAUJO, 2007, p.75). Havia se chegado aos anos 1970 com 12 florestas nacionais

totalizando 0,36% das terras brasileiras e com 26 parques e reservas estaduais e 13 florestas

estaduais, período em que se iniciou o “Plano de Integração Nacional” (PIN) baseado nos

“eixos do desenvolvimento” infra-estrutural ao longo de rodovias como a Transamazônica e a

Cuiabá-santarém (RYLANDS; BRANDON, 2005).

Em 1972 era realizada a Conferencia de Estocolmo para a qual o Brasil envia sua delegação e

assina a declaração. No ano seguinte é decretada a criação de outro órgão federal a SEMA no

Ministério do Interior, havia no Ministério da Agricultura o IBDF. A SEMA criada em 1973

era o órgão ambiental com atribuições específicas antes não existentes na estrutura do

governo, porém em relação as áreas protegidas este se tornaria talvez um “concorrente” do

IBDF ou um agente que atuaria em quase “paralelo” quando se trata de criação de unidades de

conservação.

Nesse período de existência os dois órgãos se sobrepuseram cada qual com suas categorias de

UC, e depois ao serem extintos foram substituídos pelo IBAMA em 1989 que assumiria a

gestão conjunta de todas as áreas de proteção federais criadas em suas diversas categorias.

Uma alteração que pareceu ter “corrigido” a situação que havia antes com dois ministérios e

autarquias criando unidades de conservação federais, ainda que em “categorias” distintas.

Eram dois órgãos atuando para a criação de unidades de conservação dividindo a criação de

áreas protegidas federais atuando ambos com áreas protegidas de uso indireto e uso direto.

Tinham assim alguns objetivos comuns e não excludentes quando se trata de UC, além dos

objetivos específicos. Tinham ainda em comum a defesa “conservacionista” ligada à ciência

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natural que era encampada pelos dois órgãos, mesmo estando separados. Um no Ministério da

Agricultura o outro no Ministério do Interior. Segundo Barreto Filho (2004, p.61) sintetiza, o

IBDF era uma “agência de fomento num Ministério de produção” e a SEMA uma “agência

ambiental num Ministério de desenvolvimento” ambos atuando num contexto de utilização

racional dos recursos florestais.

A realização das UC no período teria relação com movimentos sociais e a “articulação de

ONGs ambientalistas e conservacionistas” surgidas no país e contradições nas formas

centralizadas e autoritárias de implementação de um “projeto geopolítico para a

modernidade”. Projeto que partilhava com as “prioridades de conservação” a intenção de um

domínio científico e técnico do espaço. Em 1979 haviam 16 categorias de unidades de

conservação no Brasil e o IBDF produziu um plano para “racionalizar” as categorias e seus

objetivos de manejo propondo a constituição de um “sistema de unidades de conservação”

(RYLANDS; BRANDON, 2005, p.29).

A separação estrutural de uma “política nacional de unidades de conservação federais” em

órgãos distintos não seria então meramente explicada pelo tipo, especialidade e variação das

categorias que cada órgão produzia. Uma mudança ocorreria também com criação do

Ministério do Meio Ambiente que assim abrigaria o IBAMA, depois deste órgão ter sido

criado no Ministério do Interior, a qual antes estava ligada a SEMA. Com a articulação feita,

este Ministério foi também extinto e de um ponto de vista a SEMA ou MINTER iria

“absorver” o IBDF surgindo desse modo um novo órgão, o IBAMA, reunindo as atribuições e

as unidades de conservação até então criadas, desde a década de 1930. Uma herança que

também não ficaria a cargo do IBAMA que desmembraria esta atribuição histórica da sua

estrutura, e o Governo Federal acabaria criando um novo órgão em 2007, o ICMBio, atual

herdeiro do IBDF e da SEMA.

Mittermeier et al (2005, p.15) faz referência ao papel da comunidade de cientistas,

profissionais e “proeminentes lideres conservacionistas”, agrônomos, naturalistas,

pesquisadores e estrangeiros, como Wetterberg, Magnanini, Maria Tereza Jorge Pádua, Paulo

Nogueira-Neto (PN-N), Almirante Ibsen Gusmão Câmara todos envolvidos de algum modo

na consolidação de um sistema nacional de unidades de conservação, que só se realizaria no

ano 2000, Com a chamada “Lei do SNUC” como ficou conhecida.

Segundo Drummond et al (2010, p.347), alguns fatores deram origem a “pluralidade de

categorias” e “diferentes tipos de UCs” encontrados no Brasil nos anos 1990. Estes fatores

seriam: a “sintonia de cientistas e administradores” com mudanças no quadro internacional da

conservação; o interesse da sociedade no assunto; a pressão internacional e uma

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“concorrência entre organismos gestores e as suas diferentes políticas.” Nos interessam

principalmente destes fatores a “concorrência” ou sobreposição entre o IBDF e a SEMA, e, a

“sintonia” entre cientistas e administradores. Porém não só sintonia para com “as mudanças

no panorama mundial”, mas a sintonia e articulação que houve entre estes cientistas e a

administração pública para a realização das UC, e, inclusive o conflito que houve entre os

mesmos nessa área.

O IBDF que era uma continuidade que vinha desde o Serviço Florestal criado no Ministério

da Agricultura trabalhava com as categorias de manejo “Parque Nacional” e “Reserva

Biológica”. O plano de sistema de UC de 1979 recomendava a criação de mais categorias, o

que a legislação não acatou na época (BARRETO FILHO, 2004). Havia no IBDF ainda a

responsabilidade pelas as Florestas Nacionais “para uso” (RYLANDS; BRANDON, 2005).

PN-N e a SEMA teriam encontrado um filão-nicho de atuação para fora da área do controle

da poluição que ainda não havia sido explorado explicitamente, pretendeu então criar UCs

“representando todos os ecossistemas brasileiros principais” e ao mesmo tempo “estações de

pesquisa” num “esforço paralelo” que produziu de 1974 a 1989 vinte e cinco (25) estações

ecológicas por todo o país (MITTERMEIER et al, 2005, p.15).

Gary Wetterberg, do Serviço de Pesca e Vida Silvestre dos Estados Unidos, conduziu com

Jorge Pádua a identificação de áreas prioritárias para a biodiversidade na Amazônia, com base

em “análise biogeográfica”, “regiões fitogeográficas”, “tipos vegetacionais” e o conceito de

“refúgios do pleistoceno” para determinar essas áreas (MITTERMEIER et al, 2005).

Wetterberg era um “especialista americano em áreas protegidas” que foi contratado para

contribuir no planejamento de UC na Amazônia, foi lotado no INPA em 1975. Dessa

iniciativa articulando o que seria “o melhor conhecimento científico então disponível”

surgiam “novos critérios técnico-científicos” para justificar a criação de UC no Brasil

(ARAUJO, 2007, p.81).

Esse método para época seria o mais avançado em termos de definição de áreas prioritárias

para a conservação e alguns parques foram criados de acordo com essa proposta. No entanto o

“ímpeto foi perdido” pela razão de criação das estações ecológicas representando todos os

ecossistemas brasileiros, entre outras assinaladas (RYLANDS; BRANDON, 2005). Depois

desse método surgiriam outras iniciativas para localização de novas unidades: o conceito de

“corredores de biodiversidade”, os workshops de especialistas para definição regional das

áreas que definiram 900 áreas para conservação (82 na Caatinga), e o método das ecorregiões

utilizado no ARPA do MMA (RYLANDS;BRANDON, 2005, p.31).

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A SEMA teria lançado o Programa de Estações Ecológicas em 1976 (BARRETO FILHO,

2004) e iniciado esse programa em 1981 (RYLANDS;BRANDON, 2005) criando 15 estações

entre 1981 e 1985, 11 delas só na Amazônia. Segundo Foresta (1991 apud BARRETO

FILHO, 2004, p.59) a criação de UCs na Amazônia pela SEMA e IBDF no período do regime

militar seriam fruto da “astúcia política dos planejadores da conservação” e do

favorecimento de iniciativas cientificamente orientadas no ambiente tecnocrático do

regime. Segundo Barreto Filho (2004, p.60) o trabalho de Wetterberg seria fiel ao

“mainstream do conservacionismo internacional” constituindo uma base firme no

conhecimento científico da época, conjugando teorias num momento em que ainda era

incipiente a produção científica sobre as “florestas tropicais úmidas”.

Começava a ganhar atenção o contraditório concerto entre a conservação da natureza e a

ocupação da Amazônia. Incentivada pelo governo gerando atividades produtivas, infra-

estruturais e extração de recursos naturais, além de ampliação do desmatamento, nesse

contexto havia a luta dos seringueiros por “sobrevivência na floresta, contra a expansão dos

fazendeiros de gado”. Crescendo assim uma “comoção internacional”. Assim a partir daí

surgiriam medidas governamentais respondendo com criação de mais unidades de

conservação, definição de programas ambientais, planos de ação emergenciais, implantação

de infra-estrutura e treinamento para UCs, levantamento fundiário, planos de manejo e

recursos na ordem de 44 milhões de dólares na primeira fase do PNMA I, de 1991 a 1998. A

década de 1980 teria sido “generosa para conservação” e a década seguinte teria incrementado

ainda mais as UC no Brasil (ARAUJO, 2007, p.85).

Havia, no entanto uma dificuldade em racionalizar ou sistematizar as UCs no Brasil o que

segundo Drummond et al (2010) se expressou no longo tramite, toda a década de 1990, que

institui o sistema de unidades de conservação. A lei de 2000 teria sido um “momento histórico

para a conservação da Biodiversidade no país” (MITTERMEIER et al, 2005). O que

encerrava o período em que supostamente as UC eram criadas por critérios “estéticos”,

refletindo momentâneas “circunstâncias políticas favoráveis”, sem “planejamento

abrangente”, sem um “sistema” e sem seguir “critérios técnicos e científicos”, afirmativa com

base em Maria Tereza Pádua e Quintão (1984 apud ARAUJO, 2007, p.90). As questões de

uso da terra nessa época seriam mais levadas em conta do que a conservação ampla da

biodiversidade (ARAUJO, 2007).

Independente de cada caso concreto possível de criação de UC ocorrido, que não seria tomado

de forma generalizada, o SNUC estabeleceu um ordenamento geral antes inexistente.

Ademais representava também uma ascensão das “prioridades de conservação da natureza”

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conforme os “planos” de Wetterberg colocando ainda de lado critérios não fundamentados na

“melhor” Técnica e Ciência. O que não impediu que fossem reconhecidas outras

possibilidades de conservação como as Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento

Sustentável, o que implicou num descontentamento por parte de alguns setores mais

“radicais” da conservação.

Segundo Barreto Filho (2004) categorias de manejo distintas, relativas a objetivos específicos,

se consolidaram, e, a origem da distinção “uso direto” e “uso indireto” é considerada como

uma moldagem das UCs brasileiras ao padrão norte-americano, relacionada também ao

contato e formação de técnicos brasileiros a convite da United States Agency for International

Development (USAID) – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional,

que assim expressariam pela primeira vez essa distinção no país.

O autor assinala ainda a aproximação que houve entre a produção dos critérios técnico-

científicos que justificariam as prioridades para conservação e também os objetivos do plano

nacional de desenvolvimento (II PND), deste modo o plano incorporava a conservação como

um de seus objetivos. Uma associação contraditória, mas que teria permitido conservar

espaços, aproveitando-se da “lógica” da Segurança Nacional e da natureza como patrimônio

nacional, a que caberia ao Estado, representado no Governo Militar, em última instância

protegê-la frente às “ameaças”. Porém, se pode considerar que entre as ameaças possíveis

algumas eram justamente fomentadas pelo regime militar.

Nesse contexto, segundo Barreto Filho (2004, p.60), havia um “entendimento” de que a

conservação da natureza “era um setor técnico e burocrático de atividade” e que por isso

“todo o questionamento às políticas de desenvolvimento deveria ser encaminhado dentro

desses marcos – da técnica e da ciência”.

Retornando a José Augusto de Pádua quando se refere ao modelo de ocupação e exploração

no Brasil, é possível compreender esse concerto não conflituoso entre os militares no poder

(com os planos de desenvolvimento, modernização, industrialização, etc.) e entre os cientistas

e lideranças da conservação da biodiversidade, flora, fauna, paisagens representativas. Basta

considerar um dos aspectos que o autor caracteriza como “modo de relacionamento da

sociedade brasileira com o seu entorno ecológico”: a idéia de uma fronteira natural

inesgotável “aberta para o avanço da exploração”.

Não que “cientistas” estivessem simplesmente agindo sob influencia desse “mito”, porém o

regime militar, administradores e planejadores poderiam considerar como algo razoável

conservar certas áreas “prioritárias” diante de haverem “tantas” outras inesgotáveis a serem

ainda exploradas. Seria ainda uma resposta à “comoção internacional” diante do

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desmatamento causado no Brasil e em franco crescimento, acatando ainda a ciência mais

moderna aceita e disponível para justificar as medidas governamentais articuladas ainda numa

interação com o que se fazia nos EUA, o modelo e criador do primeiro parque. E isso

ocorreria com a legitimidade fornecida pelos líderes pioneiros conservacionistas e cientistas

brasileiros que há muito demandavam o crescimento e racionalização das UC no país.

A política de UC no Brasil tem sido considerada como tendo um relativo “sucesso” pelo

quantitativo criado, localização das áreas, articulação não-governamental, adesão as

convenções e modelos internacionais, forte embasamento técnico científico, alguma

representatividade dos biomas. Porém, existem pendências, “passivos” fundiários, problemas

estruturais, demandas por criação de mais áreas e maiores, corredores entre as áreas existentes

e toda sorte de conflitos nos locais e também entre posições e escolhas no que se refere aos

recursos empregados, categorias e especialmente sobre a presença de seres humanos nas áreas

e no entorno destas.

Há, além disso, alguns casos que Drummond et al (2010, p.346) denomina como “capítulo de

UCs frustradas” na história das áreas protegidas no Brasil. Além do Parque Nacional de Sete

Quedas que deu lugar a usina de Itaipu, no Nordeste o Parque Nacional de Paulo Afonso

criado em 1948, com 17 mil hectares em área dos estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas,

também foi “extinto em 1968” para que fosse construída a hidrelétrica de Paulo

Afonso(ARAUJO, 2007, p.70), mesmo nome da cidade que fica na Bahia. Também no

Nordeste foi criada a primeira UC na categoria floresta nacional, a Floresta Nacional do

Araripe-Apodi entre os estados do Ceará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

Atualmente a FLONA Araripe-Apodi possui área de 38.919,47 hectares no bioma Caatinga.

Em 1988, após redemocratização, o surgimento de um movimento “socioambientalista” e

criação de ONGs culmina com estabelecimento na Constituição Federal brasileira que “todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo [...]

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo”. Caberia

ao Poder Público, segundo o art. 225, § 1º da Constituição Federal de 88, efetivar esse direito

através da preservação de “processos ecológicos essenciais” e “manejo ecológico das espécies

e ecossistemas” (inciso I) e definição de espaços territoriais “especialmente protegidos” em

toda Federação. Sendo proibida a utilização que pudesse comprometer a “integridade dos

atributos que justifiquem sua proteção”, salvo se a “alteração e a supressão” fossem

permitidas através de lei (inciso III) e ficavam a cargo do poder público “proteger a fauna e a

flora” estando proibidas as “práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem

a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VI).

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Estes incisos que definiram competências, encargos, deveres ou obrigações foram

regulamentados pela lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza – SNUC (Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000). Esse sistema teve como precursores

os dois planos de sistema de UC do IBDF e FBCN de 1979 e 1982 (etapas 1 e 2

respectivamente) “expressão mais acabada” de um esforço de planejamento que pretendeu

estabelecer diretrizes para a criação e gerenciamento de UCs no Brasil, (ROCHA et al, 2010,

p.208).

Esse projeto de lei tramitou durante mais de dez anos e provocou intenso debate entre

ambientalistas brasileiros (ROCHA et al, 2010). Criou dois grandes grupos divididos entre a

proteção integral e o uso sustentável, padronizando, organizando e reconhecendo categorias

de manejo, e também deixando sem reconhecimento algumas categorias existentes e que

deveriam ser assim “recategorizadas”, o caso das Reservas Ecológicas e Florestais, dos

Parques Ecológicos e Florestais, Estações Biológicas e Estradas-Parque antes existentes

(DRUMMOND et al, 2010).

O Projeto de Lei, gestado pelo IBDF com elaboração pela ONG FUNATURA dirigida por

Maria Teresa Jorge Pádua, foi encaminhado ao Congresso nacional pelo Presidente Collor em

1992 e teve relatoria iniciada pelo Deputado Fabio Feldman que depois passou ao Deputado

Fernando Gabeira tendo sido realizadas audiências em todas as regiões do país (ARAUJO,

2007). Teria havido um debate entre posições divergentes sobre a presença e envolvimento

das populações no entorno e dentro das UC na conservação, que considerariam este aspecto

como negativo ou positivo para a conservação da natureza. Esse debate segundo Mercadante

(XXX) se daria entre “conservacionistas” e “socioambientalistas”, e segundo Araujo (2007,

p.95) o debate permitiu que posições “defendidas pelos socioambientalistas fossem

incorporadas a Lei do SNUC”.

Segundo ROCHA et al (2010) nesse intenso debate nos anos 90 se enfrentaram

“preservacionistas” e “socioambientalistas”. E a polêmica seria em torno da presença de

população humana no conceito ou concepção de parque nacional, em que a conservação não

permitiria a “presença humana permanente, nem a posse particular das terras”, com o preceito

de que a presença humana seria “destruidora” ou “modificadora” interferindo negativamente

na natureza. Segundo o autor essa polêmica não ocorre em todos os países e no Japão, Canadá

e países da Europa “se admite tanto a presença humana como a propriedade particular nos

parques.” (ROCHA et al, 2010, p.209).

A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN ou

IUCN - International Union for Conservation of Nature), fundada em 1948 na Suíça, tem

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influenciado países com modelos para as políticas de UC e desde 1982 em um Congresso

Mundial de Parques Nacionais a questão da presença humana foi refletida como algo que

poderia estar inserido no desenvolvimento regional e melhoria do padrão de vida de

comunidades locais, numa concepção em que a proteção da biodiversidade poderia ser

somada ao manejo conjunto com habitantes tradicionais ou originais e a partir de critérios de

zoneamento das áreas que abrigaria populações, conservação e alguma contribuição ao

desenvolvimento local (ROCHA et al, 2010). A UICN é uma organização que conta com mais

de mil e duzentas organizações membro associadas incluindo mais de 200 governos, incluindo

o ICMBio.

Porém no Brasil as políticas de UC não absorveram as recomendações da UICN no que se

refere a presença humana nos parques, ainda que outras recomendações da UICN para criação

e gestão de parques tenham sido adotadas no país (ROCHA, 2010). A escolha parece ter sido

a de criar categorias que acomodassem a “cisão no ambientalismo brasileiro” optando-se por

dois modelos extremos com categorias separadas. O fato é que, além de áreas de proteção de

uso indireto, se admitiu a possibilidade de áreas protegidas com a presença humana e uso

direto sustentável, mas com “posse e domínio públicos”. Ou seja, as posses particulares não

são admitidas nas áreas e são desapropriadas com direito a indenização e realocação, dentro

do “princípio do controle público integral das terras” (ROCHA, 2010, p.210).

A Lei do SNUC (Nº 9.985/2000) define uma série de termos e as categorias do grupo de

Unidades de Conservação de Proteção Integral são as seguintes: as Estações Ecológicas, as

Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida

Silvestre. O grupo das Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção

Ambiental, é composto por: Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais,

Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e

Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

O uso sustentável é definido como exploração do ambiente (“coleta e uso, comercial ou não”)

garantindo a perenidade dos recursos renováveis e processos ecológicos, mantendo a

biodiversidade e atributos ecológicos, e ainda de modo socialmente justo e viável

economicamente, com objetivo de “compatibilizar a conservação da natureza com o uso

sustentável” de parte dos recursos. Em contrapartida a proteção integral é definida como

manutenção de ecossistemas livre de alterações e interferência humana e que não envolve

consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, com objetivo básico de “preservar

a natureza” (SNUC).

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A categoria de unidade de conservação de proteção integral do tipo Estação Ecológica, em

particular, tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas

científicas. A área é de posse e domínio públicos, sendo que áreas particulares incluídas em

seus limites devem ser desapropriadas. As unidades de conservação em geral têm objetivos de

conservação e regime especial de administração, são instituídas pelo poder público e podem

estar em áreas de posse privada no caso de RVS, MoNa, ARIEs, APAs ou RPPNs. A posse e

o domínio públicos são requisitos das ESEC, REBIO, PARNA, FLONA e REFAUNA. A

RESEX e a RDS são de domínio público, ocorrendo a desapropriação de áreas particulares

inseridas nos limites e a concessão de direitos de uso a comunidades extrativistas, e no caso

das RDS poderia haver ou não a desapropriação (SNUC).

A lei define conservação da natureza como manejo do uso humano da natureza,

compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a

recuperação do ambiente natural. A preservação seria o conjunto de métodos, procedimentos

e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da

manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais.

As posições de “conservacionistas”, “preservacionistas” e “socioambientalistas” estariam

relacionadas ao fator da “proteção integral” como algo que pretende deixar os ecossistemas

livres de alterações e interferência humana, e do consumo, coleta, dano ou destruição dos

recursos naturais. Assim suposto um descontrole ou incompatibilidade entre “proteção” e

qualquer “interferência humana” que não tenha como finalidade a pesquisa científica, a

preservação, algum tipo de visitação pública, o manejo de espécies ou alguma utilização da

terra autorizada e compatível com os objetivos das unidades, tudo sob controle da

Administração pública (SNUC).

No entorno de uma unidade de conservação (exceto APAs e RPPNs), denominado zona de

amortecimento, as atividades humanas ficaram sujeitas a normas e restrições específicas, na

concepção de que se deveria “minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. E caberia a

administração da unidade de conservação estabelecer normas regulamentando a ocupação e o

uso dos recursos destas zonas. Segundo o texto legal as UC devem possuir uma zona deste

tipo, e os limites de amortecimento poderiam ser definidos no ato da criação das unidades ou

mesmo posteriormente.

Segundo Drummond et al (2010) o bioma Caatinga ocupa cerca de 9,92% do território

brasileiro e estava protegido com 30 unidades de conservação federais que correspondiam a

4,03% do total do bioma. Aproximadamente 20% da área protegida se encontrava em UC de

proteção integral e 80% em UC de uso sustentável num total de 3.399.941,00 hectares. O

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bioma ocupa uma área total de 84.445.300 hectares ou aproximadamente 845 mil km2

segundo dados dos autores com base em dados do MMA e IBGE (DRUMMOND et al, 2010).

A política pública ambiental das unidades de conservação esteve dividida entre IBDF e

SEMA e à segunda cabia criação de Estações ecológicas no Brasil, o que só mudaria em 1989

com a criação do IBAMA. Existem quase sete milhões de hectares em áreas de estações em

todo o país sendo a quinta categoria entre as UC com maior área total definida entre as 12

categorias do SNUC. Durante a década de 1980 e no período de 2000 à 2009 foram criadas

aproximadamente 99% das áreas num total de 31 ESEC federais em todo o Brasil com

6.862.260,49 hectares ou 68.035 km2 de área federal. No Bioma caatinga se encontram 32

UC de proteção integral e 97 de uso sustentável somando 7,5% do Bioma em UC (63.466

km2) a partir dos dados atualizados do CNUC de fevereiro de 2014 e considerando não só as

áreas federais, mas também as estaduais e municipais num total de 129 UC na caatinga. O

total de UC no Brasil é de 1.860 (federais, estaduais e municipais em todas as categorias) com

área continental de 1.442.685km2, isto representa 16,9% da área continental nacional

(CNUC/MMA, 2014). Abaixo no Quadro 1(2) quantitativo de unidades de conservação

federais:

Quadro 1 (2) - Área das Unidades de Conservação Federais por categoria

Fonte: ICMBio, 20141

1

<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/servicos/geoprocessamento/DCOL/dados_tabulares/%C3%81r

ea_das_UC_federais_por_Categoria_jan_2014.pdf>

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No Bioma Caatinga temos o seguinte quadro de UC proteção integral terrestre, sem

considerar algumas divergências de informação entre a listagem apresentada pelo Cadastro

Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) do MMA, que até incluiu a APA Cavernas do

Peruaçu (Bioma Cerrado, MG), e o que é apresentado no site oficial do ICMBio na seção

“Unidades de Conservação nos Biomas” (ICMBio, 2014), Quadro 2 (2).

Quadro 2 (2) - Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, Unidades de Conservação

Federais por categoria no bioma Caatinga

Categoria / Nome Categoria / Nome

1

2

3

APA da Chapada do Araripe

APA Serra da Ibiapaba

APA Serra da Meruoca

13

14

15

Flona de Negreiros

Flona de Palmares

Flona de Sobral

4

5

Arie Cocorobó

Arie Vale dos Dinossauros

16 Mona do Rio São Francisco

17

18

19

20

21

22

23

Parna da Chapada Diamantina

Parna da Furna Feia

Parna da Serra da Capivara

Parna da Serra das Confusões

Parna de Sete Cidades

Parna de Ubajara

Parna do Catimbau

6

7

8

9

Esec de Aiuaba

Esec do Castanhão

Esec do Seridó

Esec Raso da Catarina

10

11

12

Flona Araripe-Apodi

Flona Contendas do Sincorá

Flona de Açu 24 Rebio de Serra Negra

Fonte: ICMBio, 2014

A implementação destas políticas públicas na caatinga produziu quatro (04) estações

ecológicas federais. No Nordeste como um todo são sete (07) ESEC federais e cinco (05)

ESEC estaduais. Existem 237 UC federais dentre as 365 existentes no Nordeste brasileiro,

destas 365 UCs apenas 12 são estações ecológicas. As quatro estações ecológicas federais

criadas no bioma caatinga são a ESEC de Aiuaba no Ceará (11.525 ha), a ESEC do Castanhão

também no Ceará (12.579 ha), a ESEC do Seridó no Rio Grande do Norte (28.700 ha), e, a

ESEC Raso da Catarina na Bahia (99.772 ha), totalizam 1.303km2 ou aproximadamente 0,2%

do Bioma. As quatro juntas representam 12% das áreas de proteção integral no bioma e 2% do

total de áreas de UCs de todos os tipos criadas no bioma (CNUC/MMA, 2014). E a área da

ESEC Raso da Catarina em particular representa 64% dessa proteção na categoria ESEC de

proteção integral na caatinga.

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2.3 Os Índios do Nordeste e a política indigenista

Mas a “cultura” não pode ser abandonada, sob pena de deixarmos de

compreender o fenômeno único que ela nomeia e distingue: a organização da

experiência e da ação humanas por meios simbólicos. [...] Justamente por

participarem de um processo global de aculturação, os povos “locais”

continuam a se distinguir entre si pelos modos específicos como o fazem.

Marshall Sahlins (1997)

A Região Nordeste, a que se atribuem estigmas causadores de sofrimento e dificuldades, que

persistem ao longo do tempo questionamentos, talvez ainda presentes no senso comum, sobre

a existência de povos indígenas ou sociedades indígenas no local e entre a população desta

região brasileira. No continente “tropical” em que predominam climas chuvosos e riqueza de

recursos hídricos a caatinga brasileira, um dos três espaços semi-áridos da América do Sul,

seria o espaço mais homogêneo “do ponto de vista fisiográfico, ecológico e social” dentre

estes, segundo Aziz Nacib Ab'Sáber (2003) referindo a região dos “sertões do Nordeste

brasileiro”.

Seria um grande espaço semi-árido insulado, com um vazio de precipitações que chega a

metade de um ano ou mais, dotado de originalidade nos seus atributos climático, hidrológico e

ecológico. O clima é muito quente, com ausência de perenidade dos rios e água nos solos,

longas estiagens, e chuvas com média anual que varia entre 268 e 800mm (AB'SÁBER,

2003). O cerra tem média de 1500 a 1800mm de precipitações anuais segundo autor. As

chuvas são periódicas, escassas e irregulares quando um longo período seco exerce uma

fortíssima evaporação, e no entanto segundo o autor trata-se da “região semi-árida mais

povoada do mundo” e talvez a “estrutura agrária mais rígida na face da Terra” (AB'SÁBER,

2003, p. 92).

Segundo o autor que ressalta que a região nordeste teria passado a desempenhar um papel de

fornecimento de mão-de-obra barata aos pólos de trabalho do país, é também um local onde

os “sertanejos” tem conhecimento das potencialidades produtivas dos subespaços dos sertões

secos, numa especialidade, “cultura de longa maturação”, que cada grupo tem sobre o local

de que trabalha. Nesse sentido não caberia “ensinar o nordestino a conviver com a seca”

(AB'SÁBER, 2003, p.95). O autor faz referência ao contato colonial com os “grupos

indígenas habitantes das caatingas”, referenciando áreas secas que constituíam domínios dos

índios e “espaços ecológicos de sobrevivência física e cultural” no contexto do século XVII e

XVIII. Com introdução da pecuária, e assim o povoamento, o uso de montarias e de animais

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de tração, acabaram-se por descobrir a “vocação agrária dos ‘brejos’ e ‘abrejados’”, havendo

uma guerra e investida para conquistar os espaços mais úmidos, tendo assim os colonizadores

se apossado dos “refúgios temporários dos indígenas regionais” e das “melhores reservas de

terras indígenas” (AB'SÁBER, 2003, p.97).

As populações indígenas no Brasil sofreram um “holocausto demográfico” nos cem primeiros

anos de contato com os europeus, o que teria chegado a 90%, (PÁDUA, 2004). Com nove em

cada dez índios que viviam no Litoral brasileiro sendo mortos, por violências ou “choque

epidemiológico” conforme a via explicativa mais aceita. E as monoculturas e o gado teriam

exercido um destacado papel nesse aspecto, por exemplo, quando por volta de 1700 haviam

em todo o Brasil cerca de 300.000 indivíduos (destes apenas 100.000 eram europeus) a

quantidade de cabeças de gado apenas na Bahia e Pernambuco somava cerca de 1 milhão e

300 mil (1.300.000).

O autor lança o questionamento sobre se homens ou bois efetivamente teriam conquistado o

sertão nordestino ao analisar o modelo histórico de ocupação do território brasileiro. O

modelo teria legado aos brasileiros uma herança colonial que definiu a permanência de uma

lógica predatória de exploração da natureza visando o ganho de curto prazo. O modelo se

caracterizava ainda por um desprezo e desvalorização da “biodiversidade” e bioma nativos, e,

pelo investimento em espécies ou culturas exóticas com cana-de-açúcar, café, tabaco e

algodão, em detrimento das nativas, visando o mercado internacional, e atualmente a soja e o

eucalipto (PÁDUA, 2004).

Segundo Marcondes Secundino (2011, p.631) nas décadas de 1920, 1930 e 1940 eram

ensaiados os “primeiros passos da antropologia indígena no Nordeste” pelos pernambucanos

Carlos Estevão de Oliveira (1880-1946) e Mario Melo (1884-1959). Ambos formados em

Direito e atuando com interesse em desenvolver uma “etnografia indígena” além de

intervirem em “defesa dos direitos dos povos indígenas” agindo com interlocutores destas

diante do Estado brasileiro. Houve assim um “pioneirismo” nos estudos dos índios do

Nordeste identificado com estes personagens que teria contribuído para uma política

indigenista e sua justificação na região.

Ações no sentido de assistir e proteger os índios nesta junção de “mediação” e “dedicação aos

estudos” sobre os índios do Nordeste. Assim Carlos Estevão iria lidar e ter contato com a

cultura indígena observando os “costumes e as práticas socioculturais”, como registro ou

salvamento, categorizando os indígenas, estabelecendo comparações e escalas para identificar

graus de aculturação. Os indígenas nestas observações segundo Secundino (2011, p. 639)

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eram categorizados como “remanescentes, descendentes, caboclos e aborígenes” no espectro

de uma busca por vestígios arqueológicos dessa existência indígena no Nordeste.

Carlos Estevão de Oliveira, conforme Secundino (2011), viajou pelos estados de Pernambuco

e Alagoas e teve contato que possibilitou descrever a tradição e rituais dos Pankararú no Brejo

dos Padres em Tacaratu (PE). Menciona as origens dos índios na região a partir de

informantes “caboclos” e descreve as práticas do Toré, “adornos com o praiá”, o ritual da

“Jurema ou Ajucá”, vinculado a uma prática com perspectiva “culturalista” da antropologia

que seria “vigente” na época, alertando ainda para a destituição de direitos que precisariam ser

defendidos.

João Pacheco de Oliveira Filho (1998) analisa como correu a formação e estabelecimento do

“objeto de investigação e reflexão” sobre “índios do Nordeste” considerando que estes “não

foram objeto de especial interesse para os etnólogos brasileiros”. Quando ocorreu, a avaliação

sobre as culturas indígenas do nordeste ou uma etnologia destes povos, seria negativa, por

conta de estes “resíduos de população” já estarem, desde os anos setenta, “mesclados”,

“altamente mestiçados” com sertanejos locais, conforme o autor encontra em textos de Darcy

Ribeiro (1970) e Eduardo Galvão (1979). Assim os “suspeitos” remanescentes dos índios do

Nordeste “não possuiriam mais importância enquanto objeto de ação política (indigenista),

nem permitiriam visualizar perspectivas para os estudos etnológicos.” (OLIVEIRA FILHO,

1998, p.50).

Oliveira (1998) faz referência ao termo de cooperação entre a UFBA e a FUNAI a partir de

1975 que teria sido de curta duração e ainda assim estimulado um “grupo de trabalhos”. Esse

termo, a criação da ANAI e do PINEB seriam elementos geradores de “dados e argumentos”

que fortaleceriam as demandas de populações indígenas que passavam a ser conhecidas em

suas “condições de existência”.

No caso da cooperação com a FUNAI, seriam estudos-subsídios para “programas de

assistência e desenvolvimento”. Segundo o autor é nesse contexto e a partir de “fatos de

natureza política” (demandas por terra e assistência) que os povos indígenas têm a atenção

dos antropólogos na região.

Teria assim surgido “a primeira tentativa de definição dos ‘índios do nordeste’ como uma

unidade, isto é, um conjunto étnico e histórico” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.51). Definição

que era relacionada à caatinga, historicamente associada às missões e frentes pastoris dos

séculos XVII e XVIII. Como uma “unidade” que se daria em torno do Nordeste enquanto

“conglomerado histórico e geográfico”. Estes índios na produção local eram observados,

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considerando o “estigma” a eles atribuído na expressão “índios misturados”, colocados como

opostos aos “índios puros” do passado ou que eram idealizados.

João Pacheco de Oliveira Filho (1998) avalia que os estudos não teriam incorporado “um

esforço de conceituação” e um diálogo com “tentativas de criar instrumentos teóricos” já

existentes para estudo do fenômeno “interétnico”, por meio, por exemplo da noção de “fricção

interétnica” e críticas à noção de “aculturação”. Segundo o autor haveria uma “tendência”

nestes estudos de restringir-se a trabalhar sobre a “região” e “discutir a ‘mistura’ como uma

fabricação ideológica e distorcida”. (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.52).

O órgão indigenista teria manifestado hesitação em atuar e exercer a tutela sobre os índios do

nordeste, pois a “incorporação” na sociedade regional teria feito destes “apenas”

remanescentes, (OLIVEIRA FILHO, 1998). Essa incorporação seria conseqüência de fluxos

coloniais anteriores que teria impactado as posses indígenas estabelecendo um atual problema

de caráter fundiário que demandava intervenção estatal. O órgão ao atuar de “maneira

esporádica” apenas em demandas incisivas tinha de justificar a sua atuação e o objeto desta

confirmando tratar-se de índios. No entanto, esta situação não impediu a “emergência de

novas identidades” indígenas e o “processo de etnogênese” apontado pelo autor como

característico da região.

O “padrão” de ação indigenista seria atuar em situações de expansão de fronteiras como

“força” mediadora e disciplinadora de fluxos colonizadores de ocupação territorial e de

exploração de recursos. Esses fluxos ocorreram mais tarde no nordeste do que ocorreram na

Amazônia o que talvez explique a diferença dos “problemas e mobilizações dos povos

indígenas” (OLIVEIRA FILHO, 1998). A invasão dos territórios indígenas do Nordeste tendo

ocorrido há séculos demandaria o restabelecimento dos territórios com a retirada dos não

índios e “desnaturalização” da “mistura”. Na Amazônia os problemas teriam uma “dimensão

ambiental e geopolítica” e no Nordeste seriam “primordialmente nas esferas fundiárias e de

intervenção assistencial.” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.53).

Ao passo que foi decretada a extinção de antigos aldeamentos indígenas, antes do final do

século XIX os índios do Nordeste eram reconhecidos apenas como “remanescentes” e

“descendentes” individualmente considerados. Os aldeamentos das missões religiosas nos

séculos XVII e XVIII exerceram controle sobre as coletividades indígenas conjugando

aspectos “assimilacionistas e preservacionistas” em relação aqueles índios. Num segundo

momento após os estímulos a fixação de “colonos brancos” e “casamentos interétnicos” na

região, as terras dos aldeamentos são ocupadas e incorporadas a comarcas e municípios em

formação. Mais adiante com a Lei de Terras de 1850 a regularização de propriedades ajudaria

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consolidar a presença de pequenos agricultores não-indígenas e o “controle sobre parcelas

importantes das terras” (OLIVEIRA FILHO, 1998, p.58).

Os índios do nordeste teriam sido envolvidos em processos de “territorialização”. O que no

século XX se instaurou na forma de uma tutela “antiassimilacionista”, reconhecendo uma

afirmada cultura diferenciada que teria como objeto uma demarcação cultural e territorial para

aquela população (OLIVEIRA FILHO, 1998). O “indigenismo oficial” instalou Postos

Indígenas nos Estados de Pernambuco, Bahia e Alagoas a partir de 1937, juntamente com o

controle da assistência exercido pelos agentes da política indigenista no local. Porém, ainda

que seja generalizada de algum modo essa ação oficial, oriunda do SPI, na região que exigiria

características da “indianidade”, o processo não é entendido por Oliveira como algo

“homogeneizador” das identidades ou de “mão única”, isto é, externamente dirigido, sem

condução pelos grupos indígenas, pelo contrário.

A caracterização destes índios como “emergentes” fruto de alguma “etnogênese” ou de

“emergência étnica”, ou também índios “acamponesados” são vistas como metáforas

naturalizantes, referindo-os a um ciclo biológico e evolutivo (histórico determinado), que não

contribuiriam para o entendimento, até comprometendo a investigação dos fenômenos que

tentam designar (OLIVEIRA FILHO, 1998).

Para o autor,

[...] o surgimento de uma nova sociedade indígena não é apenas o ato de

outorga de território, de “etnificação” puramente administrativa, de

submissões, mandatos políticos e imposições culturais, é também aquele da

comunhão de sentidos e valores, do batismo de cada um de seus membros,

da obediência a uma autoridade simultaneamente religiosa e política.

(OLIVEIRA FILHO, 1998, p.66).

Os povos indígenas do nordeste não se enquadrariam na “representação genérica do índio

como primitivo” e não poderiam ser pensados segundo os “esquemas convencionais do

indigenismo brasileiro”. Seus problemas fariam parte da “questão camponesa” e os conflitos

seriam “fundamentalmente fundiários”, seria um “campesinato indígena”. (OLIVEIRA

FILHO, 1993). No entanto, considerando alternativas para interpretação da situação, mais

tarde seria possível considerar que “culturas nativas foram idealmente” construídas numa

concepção “naturalizada da cultura” que representava o índio como primitivo morador das

selvas e assim próximo da natureza (OLIVEIRA FILHO, 2000). Noção que serviria de base

para as suspeitas quanto à “pureza” e “autenticidade” daqueles povos, também existente num

senso comum arraigado.

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Os direitos indígenas decorreriam do reconhecimento pelo Estado através de um “mecanismo

compensatório pela expropriação territorial”, extermínio e “perda de uma parcela significativa

de seus conhecimentos e de seu patrimônio cultural” (OLIVEIRA FILHO, 2000, p.24). Estes

não teriam a ver com a “pureza cultural”, a comprovação da ocupação anterior a chegada de

“brancos” em dado local, ou existência de registro em alguma “listagem” localizada no

passado (OLIVEIRA FILHO, 2000).

Segundo Maia (2012, p.171) os Pankararé, por exemplo, poderiam ser entendidos como um

“‘campesinato indígena’, historicamente construído”, sobre os quais “transformações

demográficas e na estrutura fundiária” tiverem influencia na “demarcação de fronteiras

étnicas”. Os Pankararé, índios do nordeste, seriam “camponeses” com distinção em relação a

“população dos demais camponeses não índios” do local onde vivem, numa situação de

“fricção interétnica”. Estes índios retomam tradições, reinventam símbolos e revalorizam

sinais diferenciadores. Assim, para a autora, “ações étnicas reinventam e recompõem uma

cultura dinâmica e flexível, construída em resposta a realidades mutáveis”, que teria “uma

estreita vinculação com a territorialidade e a reivindicação de um espaço territorial.” (MAIA,

2012, p.174).

Haveria um contexto tanto ecológico dos povos relacionado à caatinga, quanto histórico

associado às frentes pastoris e missões religiosas, identificado ao conjunto étnico ao nordeste

em que se dariam situações de contato específicas (DANTAS et al., 1992). Nesse contexto a

“mistura” seria encarada pelo senso comum e pela antropologia passada como um elemento

“diluidor”. Porém, a ação indigenista oficial provavelmente iria manter-se nesse aspecto ideal

ao lidar com as reivindicações dos índios do Nordeste, e além do SPI e da FUNAI,

provavelmente a SEMA ao se deparar com a informação de índios no Raso da Catarina. Estes

sem dúvida estariam fora dos padrões ideais do que seria o índio na época, pelo menos no

senso comum de conservacionistas e “homens de Estado”.

A intervenção do estado no problema indígena foi considerada no passado, sobretudo como

“uma questão amazônica”. O SPI, criado em 1910, teve apenas três intervenções na região

Nordeste de 1924 até 1945: criando oito postos indígenas. Até o final dos anos 1950 seriam

criados mais cinco postos, com pouca intervenção fundiária e limitando-se a “agir como

unidades assistenciais”, precariamente fornecendo serviços educacionais, medicamentos,

eventualmente empregando indígenas e atuando em situações de violência grave (OLIVEIRA

FILHO, 2011).

A questão das terras indígenas a partir dos anos 1970 se tornaria um elemento de grande

importância na “questão indígena”. Essas terras chegaram a ser estimadas no início dos anos

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1980 repercutindo de forma diferente entre setores indigenistas e rurais. Ao situar a questão

como assunto ligado a segurança nacional o governo exprimia preocupação com as terras e

recursos ambientais envolvidos e os interesses privados. Havia uma “sistemática de criação de

terras indígenas” e as decisões seriam tomadas “exclusivamente no âmbito da FUNAI”, pelo

menos até 1983 quando o Decreto 88.18/1983 alterou o processo administrativo de

demarcação de terras indígenas, durante o Governo Figueiredo. (OLIVEIRA FILHO, 2011,

p.671). Com a alteração a demarcação das terras estaria submetida a decisão final dos

Ministros de Estado do Interior e Extraordinário para Assuntos Fundiários e não mais a uma

homologação pelo Presidente da República como era previsto (BRASIL, 1976).

A FUNAI que substituiu o SPI em 5 de dezembro de 1967 passou a lidar com demandas

maiores que suas próprias expectativas, após serem quantificadas em estudos produzidos pelo

Museu Nacional/UFRJ que revisaram e atualizaram as demandas dos índios (OLIVEIRA

FILHO, 2011, p.672). Essa listagem do Museu Nacional apresentada em 1987 já considerava

demandas no Nordeste. Em município onde há pelo menos uma área indígena reconhecida

pela FUNAI haveria uma população de 57.149 índios, segundo dados do IBGE (2000 apud

OLIVEIRA FILHO, 2011, p.678). A FUNAI estima segundo autor que nas 69 terras

indígenas existentes no Nordeste haveria 77 mil pessoas.

O censo demográfico de 2010 (IBGE),

revelou que, das 896 mil pessoas que se declaravam ou se consideravam

indígenas, 572 mil ou 63,8 %, viviam na área rural e 517 mil, ou 57,5 %,

moravam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas. (IBGE, 2010)

Segundo a FUNAI das terras indígenas tradicionalmente ocupadas referidas no art. 231 da

Constituição Federal de 1988, com processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º

1775/96, no total de 543 terras: 426 foram regularizadas, 38 foram delimitadas, 65 foram

declaradas, 14 homologadas e 128 destas estão em estudo, além destas, 6 terras estão

interditadas para proteção de índios isolados (FUNAI, 20142). A seguir apresentamos Quadro

3 (2) cronológico da Legislação da Política Indigenista brasileira sobre as Terras Indígenas

com base no Portal da Legislação da Presidência da República (2014).

2 Site Oficial da FUNAI. Modalidades de Terras Indígenas. Disponível em:

<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas>.

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Quadro 3 (2) - Cronologia da Legislação da Política Indigenista brasileira sobre as Terras

Indígenas

Ano Legislação da política indigenista referente às Terras Indígenas

1966 Decreto No 58.824, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº 107 (“sobre a proteção

e integração das populações tribais e semitribais de países independentes, adotada em

Genebra, a 26 de junho de 1957, por ocasião da quadragésima sessão da Conferência Geral da

Organização Internacional do Trabalho”) sobre as populações indígenas e tribais.

1967 Lei Nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Autoriza a instituição da "Fundação Nacional do

Índio" e dá outras providências.

1973 Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Título III - Das

Terras dos Índios

1976 Decreto nº 76.999, de 08 de janeiro de 1976. Dispõe sobre o processo administrativo de

demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

1983 Decreto nº 88.118, de 23 de Fevereiro de 1983. Dispõe sobre o processo administrativo de

demarcação de terras indígenas e dá outras providências.

1987 Decreto nº 94.945, de 23 de Setembro de 1987. Dispõe sobre o processo administrativo de

demarcação de terras indígenas e dá outras providências.

1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Capítulo VIII - Dos Índios, Art. 231.

1991 Decreto n° 22, de 04 de fevereiro de 1991. Dispõe sobre o processo administrativo de

demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

1996 Decreto nº 1.775, de 8 de Janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de

demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

2004 Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

Fonte: Produzido pelo autor com base em consulta no Portal da Legislação da Presidência da

República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >.

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3 A Conservação da caatinga pelo Estado

Mais de 25 milhões de pessoas, aproximadamente 15% da população do

Brasil, vivem na Caatinga (MITTERMEIER et al., 2002).

A população rural é extremamente pobre e os longos períodos de seca

diminuem ainda mais a produtividade da região, aumentando o sofrimento

da população (SAMPAIO; BATISTA, 2004 apud LEAL, 2005, p.142).

A Caatinga, além da sua exclusividade é identificada como “o mais negligenciado dos biomas

brasileiros” (VELLOSO, 2002). A região, uma das mais ameaçadas, foi subestimada

cientificamente e ecologicamente menosprezada no passado, o que talvez tenha implicado em

menores investimentos para sua conservação e proteção. Ou incentivo ou determinação para

houvesse um “uso racional” ou ordenado dos “recursos naturais” nela encontrados.

Atualmente esta área vem sendo considerada por seu valor e contribuição para a

biodiversidade, valoração das paisagens, pela quantidade e endemismo das espécies

encontradas e também por sua exclusividade natural e total pertencimento ao território

brasileiro. Tanto que, pesquisadores, conservacionistas, ambientalistas, sociedade civil e

governos têm atuado há pelo menos 40 anos apontando áreas importantes e prioritárias para

conservação. Esta proposição informada advém de estudos no bioma, consideração de

alternativas e prioridades de ação, valorizando o conhecimento gerado sobre a região. Essa

mobilização se deu pela importância considerada das espécies encontradas e necessidade da

sua proteção frente às alterações ocorridas, previsões de risco, desmatamento ocorrido, risco

de desertificação e os riscos de extinção de espécies.

Um conjunto de órgãos governamentais, instrumentos normativos e ações ou programas tem

sido de alguma forma mobilizados para essa proteção. Com o envolvimento de consultores,

pesquisadores, organizações, universidades e centros de produção de conhecimento diversos.

No âmbito Federal, esfera governamental que interessou a esta pesquisa em maior parte,

podemos relacionar o envolvimento de elementos como os órgãos MMA, IBAMA,

CONAMA, os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, e também o Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia de regime especial criada em

2007, pela Lei 11.516, vinculado ao MMA.

O ICMBio que integra o SISNAMA e atualmente possui a finalidade de executar a Política

Nacional de Unidades de Conservação, políticas relativas ao uso sustentável dos recursos

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renováveis, fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação

da biodiversidade e de educação ambiental, dentre outras em sua área de atuação.

No passado, considerando desde os anos de 1960, e até antes disso, é possível encontrar as

bases da atual estrutura de ações de proteção e conservação da natureza. Esta base pode

considerar elementos como o Código Florestal (de 1965), a lei de Proteção à Fauna (de 1967),

a criação do IBDF (do 1967) ligado Ministério da Agricultura (ligado aos primeiros Parques

no país) e a criação da SEMA em 1973, ator importante no processo da ESEC Raso da

Catarina sobre o qual nos deteremos adiante e com mais detalhe.

A Lei que institui um novo Código Florestal em 15 de setembro de 1965, no seu Art. 5º,

determinava que o poder público criasse Parques nacionais com a finalidade de,

[...] resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção

integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para

objetivos educacionais, recreativos e científicos; (BRASIL, 1965, Lei nº

4.771/65).

Mais adiante em 3 de janeiro de 1967, uma Lei dispondo sobre a proteção à fauna e outras

providências determinaria que o poder pública também criasse “Reservas Biológicas

Nacionais”, onde:

as atividades de utilização, perseguição, caça, apanha, ou introdução de

espécimes da fauna e flora silvestres e domésticas, bem como modificações

do meio ambiente a qualquer título são proibidas, ressalvadas as atividades

científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente. (BRASIL,

1967, Art. 5º da Lei N° 5.197/67, revogado pela Lei nº 9.985/2000).

Em 28 de fevereiro de 1967 era criado o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal,

(IBDF), entidade autárquica ligada ao Ministério da Agricultura. Ao IBDF competia

"administrar o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, os Parques Nacionais, as Florestas

Nacionais, as Reservas Biológicas e os Parques de Caça Federais" (Decreto-Lei Nº 289, inciso

VIII, Art. 5º). Este poderia, se “necessário a política florestal do País” (BRASIL, 1967,

Art.7º), promover a criação, instalação e manutenção de novos parques, florestas, reservas,

monumentos naturais e parques de caça federais (estes últimos ainda existentes nessa época).

A Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) é criada no Ministério do Interior, quando

o IBDF já possuía 6 (seis) anos de atuação, em 30 de outubro de 1973 (Decreto Nº 73.030 de

1973). A SEMA estava "orientada para a conservação do meio ambiente, e o uso racional dos

recursos naturais.” (BRASIL, 1973, Art. 1º). E atuaria “de preferência, mediante Convênio” e

“contrato com empresas privadas”, visando,

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[...] a realização de “serviços de pesquisa, planejamento, controle e

fiscalização relacionados com a conservação do meio ambiente, em

particular no combate à poluição hídrica e do uso racional dos recursos

naturais.” (BRASIL, 1973).

Competia a SEMA em relação à conservação:

b) assessorar órgão e entidades incumbidas da conservação do meio

ambiente, tendo em vista o uso racional dos recursos naturais; [...]

i) promover, intensamente, através de programas em escala nacional, o

esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos

recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente.”

(BRASIL, 1973, Art. 4º).

A SEMA deveria exercer sua atividade “sem prejuízo das atribuições específicas legalmente

afetas a outros Ministérios.” (BRASIL, 1973, §1º, Art.1º). E o Ministério do Interior atuaria

em articulação com o Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, para examinar “[...]

principalmente as implicações, para a conservação do meio ambiente, da estratégia de

desenvolvimento nacional e do progresso tecnológico” (BRASIL, 1973, §2º, Art.1º).

Além das duas competências relativas à “conservação do meio ambiente” transcritas acima,

competia ainda a SEMA o seguinte conjunto de atividades (BRASIL, 1973):

a) Acompanhar e identificar transformações adversas do meio ambiente,

b) Promover o estabelecimento de normas e padrões relativos a preservação

do meio ambiente,

c) Controlar e fiscalizar normas e padrões estabelecidos diretamente ou em

colaboração com outros órgãos especializados,

d) Promover a formação e treinamento de pessoal em preservação,

e) Atuar na junto a agentes financeiros para a concessão de financiamentos

para recuperação de recursos naturais,

f) Cooperar com órgãos especializados na preservação de espécies animais

e vegetais ameaçadas de extinção e

g) Manter atualizada a Relação de Agentes Poluidores e Substâncias

Nocivas. (BRASIL, 1973).

Funcionaria ainda junto a SEMA o Conselho Consultivo do Meio Ambiente (CCMA)

"composto por 9 (nove) membros de notória competência em assuntos relacionados com a

utilização racional de recursos naturais e preservação do meio ambiente." "nomeados pelo

Presidente da República por indicação do Ministro do Interior." (BRASIL, 1973).

Com a função de assessorar a SEMA nos seus programas de trabalho e elaborar atos

normativos e textos legais relacionados às atribuições da SEMA. No decreto que criou a

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SEMA não havia atribuição direta em relação às Florestas Nacionais, Reservas Biológicas,

Monumentos Naturais ou Parques de Caça na época previstos.

Em setembro de 1979 é decretado o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros e em

abril de 1981 é decretada a criação da categoria Estações ecológicas. Os parques se

encontravam sob a responsabilidade do IBDF no âmbito do Ministério da Agricultura (órgão

que vinha de desde a década de 1930 criando as unidades de conservação no Brasil).

As Estações Ecológicas poderiam ser criadas pela União, Estados ou Municípios e a sua

administração da unidade seria definida apenas no ato de criação (indefinições que não

ocorriam com o IBDF), cabendo a SEMA manter um cadastro delas, promover a elaboração

de planos para estas e zelar pelo cumprimento de sua destinação. Uma atuação objetiva e

restrita em relação às unidades de conservação criadas.

Apresentamos abaixo Quadro 4 (3) acerca de elementos que podem diferenciar os dois

modelos/estratégias, o que deu através do IBDF e “modelo” da SEMA. A prevalência destas

duas ações sugere que talvez tenha havido uma divisão de atribuições dentro do Governo

Federal em relação às unidades de conservação na época no inicio de 1980, entre os

Ministérios do Interior (IBDF) e da Agricultura (SEMA).

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Quadro 4 (3) – Comparativo entre elementos da Lei de criação de Estações Ecológicas (1981)

e Decreto que aprova o Regulamento de Parques Nacionais Brasileiros (1979)

Instrumen-to Decreto Nº 84.017 - 21/09/1979 Lei Nº 6.902 - 27/04/1981

Conceito

/Definição

/Objeto

Consideram-se Parques Nacionais,

áreas geográficas extensas e

delimitadas, dotadas de atributos

naturais excepcionais, objeto de

preservação permanente, submetidas

à condição de inalienabilidade e

indisponibilidade

São áreas representativas de ecossistemas

brasileiros, destinadas à realização de

pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à

proteção do ambiente natural e ao

desenvolvimento da educação

conservacionista

Finalidade

/Destina-ção

Destinadas a fins científicos,

culturais: educativos e recreativos,

cabendo às autoridades, pelas razões

de sua criação, preservá-los e mantê-

los intocáveis

90% (noventa por cento) ou mais da área de

cada Estação Ecológica será destinada

preservação integral da biota

Objetivo

diante das

alterações

Objetivo principal dos Parques

Nacionais reside na preservação dos

ecossistemas naturais englobados

contra quaisquer alterações que os

desvirtuem

Na área restante (10%), desde que haja um

plano de zoneamento aprovado, [...] poderá

ser autorizada a realização de pesquisas

ecológicas acarretem modificações no

ambiente natural

Criação e

Estratégia

Estudo para criação de Parques,

Nacionais deve considerar as

necessidades do sistema nacional de

unidades de conservação, onde

amostras dos principais ecossistemas

naturais fiquem preservadas,

evitando-se o estabelecimento de

unidades isoladas que não permitam

total segurança para a proteção dos

recursos naturais renováveis.

As Estações Ecológicas serão implantadas e

estruturadas de modo a permitir estudos

comparativos com as áreas da mesma

região ocupadas e modificadas pelo

homem, a fim de obter informações úteis ao

planejamento regional e ao uso racional de

recursos naturais.

As Estações Ecológicas Federais serão

criadas por Decreto do Poder Executivo,

mediante proposta do Ministro de Estado

do Interior, e terão sua administração

coordenada pela SEMA. (Lei 88351/1983)

Estudos e

trabalhos

científicos

Propostas para criação de Parques

Nacionais devem ser precedidas de

estudos demonstrativos das bases

técnico - científicas e sócio-

econômicas, que justifiquem sua

implantação

Os órgãos federais financiadores de

pesquisas e projetos no campo da ecologia

darão atenção especial aos trabalhos

científicos a serem realizados nas Estações

Ecológicas

Competencia

para criação

Criados e administrados pelo

Governo Federal, constituem bens da

União destinados ao uso comum do

povo

Criadas pela União, Estados e Municípios,

em terras de seus domínios, definidos, no

ato de criação, limites geográficos e o órgão

responsável pela administração

Adminis-

tração

Terras, valores e benfeitorias, serão

administrados pelo Instituto Brasileiro

de Desenvolvimento Florestal – IBDF

Ministério do Interior, através da SEMA

deve zelar pelo cumprimento da destinação

das Estações Ecológicas, manter organizado

o cadastro das criadas e promover reuniões

científicas visando à elaboração de planos e

trabalhos a serem desenvolvidos

Fonte: Produzido pelo autor com base em Decreto Nº 84.017 e Lei Nº 6.902

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Em 31 de agosto de 1981 a Lei Nº 6.938 que dispôs sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente definiu entre os instrumentos desta política, o seguinte:

VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção

ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal,

Estadual e Municipal; (BRASIL, 1981).

A Política Nacional do Meio Ambiente, da forma que é vigente, tem por objetivo a

preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando

assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da

segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (1981, Art. 2). Para tal objetivo

deviam ser atendidos 10 (dez) princípios, dos quais destacamos os seguintes: a proteção dos

ecossistemas, com a preservação de áreas representativas (IV); os incentivos ao estudo e à

pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais

(VI); e, a proteção de áreas ameaçadas de degradação (IX).

Pelo artigo 18 desta Lei foram também transformadas em reservas ou estações ecológicas,

sob a responsabilidade da SEMA, as florestas e demais formas de vegetação natural de

preservação permanente, ao longo dos rios, cursos d’água, ao redor de lagoas, lagos,

reservatórios de água natural ou artificial, nascentes, topos de morro, montanha, serras,

montes, restingas, bordas de tabuleiros ou chapadas, e em campos, florestas nativas,

vegetações campestres em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros (conforme art.

2º da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal).

Assim também os pousos das aves de arribação, protegidas por convênios, acordos ou

tratados assinados pelo Brasil com outras nações. O artigo 18 que foi revogado pela Lei que

instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, Lei nº 9.985

de 18 de julho de 2000.

Em junho de 1983 o Decreto nº 88.351/83, regulamentando a Lei da Política Nacional do

Meio Ambiente (6.938) e a Lei de criação das Estações Ecológicas (6.902), definia que um

dos objetivos da política era “II - proteger as áreas representativas de ecossistemas

mediante a implantação de unidades de conservação e preservação ecológica;” (BRASIL,

1983, Art. 1º).

E que as Estações Ecológicas Federais seriam “criadas por Decreto do Poder Executivo,

mediante proposta do Ministro de Estado do Interior, e terão sua administração

coordenada pela SEMA.” (BRASIL, 1983, Art. 28.) E também o zoneamento seria

estabelecido pela SEMA, deixando ao CONAMA a competência para “estabelecer normas

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gerais relativas às Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Ecológicas

e Áreas de Relevante Interesse Ecológico;” (BRASIL, 1983, Art. 9º). Este decreto só foi

revogado em de 6 de junho de 1990 (DECRETO No 99.274/1990).

Em 31 de janeiro de 1984 constou no Decreto Nº 89.336 a complementação ao regulamento

acima confirmando que:

Art. 1º São consideradas Reservas Ecológicas as áreas de preservação

permanente mencionadas no artigo 18 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de

1981, bem como as que forem estabelecidas por ato do Poder Público.

§ 1º Excetuam-se ao disposto no caput deste artigo, as áreas nas quais o

Poder Público estabeleça Estações Ecológica [...].

§ 2º As Reservas Ecológicas serão públicas ou particulares, de acordo com a

sua situação dominial. (BRASIL, 1984)

Após quase 10 anos de criação da SEMA estava determinado que o Ministério do Interior e

SEMA teriam a competência para atos de criação de unidades de conservação e a

competência para coordenar a administração destas. É relevante observarmos que a Secretaria

em sua criação não teve esta competência original ou atribuição, algo que era consolidado no

IBDF. O ultimo decreto acima (Nº 89.336/1984) estabelecia também que a proteção das

Reservas ecológicas e das ARIE tinha por finalidade “manter os ecossistemas naturais de

importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas [...]”, compatibilizando-

os com os “[...] objetivos da conservação ambiental.” (BRASIL, 1984).

Paulo Nogueira-Neto, secretário (geral) da SEMA desde a sua criação até 1986, registra o

seguinte sobre este período em que esteve “a frente” da secretaria: “Juntos, plantamos a

bandeira ambientalista pelos quatro cantos da Federação Brasileira.” (Nogueira-Neto, 1991,

p. 09). Nos “quatro cantos” encontraremos diferentes biomas e situações no que se refere a

intervenção publica para a conservação. Em particular interessou a pesquisa aqui relatada o

domínio de natureza denominado como “nordeste seco” ou domínio dos “sertões secos”,

região semi-árida quente, um domínio climático, hidrológico e ecológico peculiar brasileiro. E

que se diferencia dos outros domínios sendo também uma região de “grande diversidade

regional e ecossistêmica”, como em Ab’Sáber (1990, p. 150). Onde encontra-se a ESEC Raso

da Catarina e o Povo Indígena Pankararé na Bahia.

Estas peculiaridades naturais regionais envolvem as precipitações anuais inferiores a 800mm,

rios intermitentes sazonários, fortíssima entrada de energia solar, uma relevante “série de

estoques de biodiversidade”, existência de “diferentes sistemas ecológicos das caatingas”;

presença de estreitas “florestas beradeiras” ao longo de rios, riachos e riachões; matas

tropicais em “ilhas de umidade”, os chamados brejos nordestinos (AB’SÁBER, 1990,

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59

p.158). Também se caracteriza o “bioma” como um “conjuntos de ecossistemas das

caatingas”, com cantigas arbustivas e arbustivo-arbóreas, matas secas dos agrestes, sertões

secos e serras úmidas, ainda colinas, serras secas, e paredões não servidos por umidade. Seria

possível inclusive se tratar de “caatingas” no plural e não de uma única caatinga nesta região

identificada no nordeste do Brasil.

3.1 A proteção e conservação da natureza na caatinga

Embora a Caatinga seja a única grande região natural com limites restritos

somente ao território nacional, o investimento realizado nas pesquisas sobre

a sua biodiversidade e conservação é inexpressivo. Segundo o Ministério do

Meio Ambiente (1999), entre 1985 e 1996 foram alocados cerca de 135

milhões de dólares para financiar 2.439 projetos de biodiversidade no país,

dos quais, apenas 4% foram destinados ao conhecimento e à conservação da

Caatinga. (PAES, 2008, p. 28)

A caatinga, localização, Bioma e biodiversidade

O Bioma Caatinga e o Cerrado não foram considerados como Patrimônio Nacional pela

Constituição Federal de 1988. Os Biomas brasileiros considerados como patrimônio da Nação

em 1988 são: a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal

Mato-Grossense e a Zona Costeira (§4º, artigo 225, capítulo Meio Ambiente). Essa

declaração implica que a utilização destes biomas e “recursos naturais” deve assegurar

condições de preservação do meio ambiente. Os biomas não reconhecidos como Patrimônio

Nacional se tornaram tema de campanha da sociedade civil organizada e de Propostas de

Emenda Constitucional em tramitação há quase 20 anos na Câmara Federal e no Senado (PEC

115/1995 e a proposta substituta a PEC 504/2010) para que houvesse essa correção e

equiparação.

Segundo Leal et al. (2005), a Caatinga limita-se a leste pela floresta Atlântica, a oeste pela

floresta Amazônica e ao sul pelo Cerrado, metade da região tem precipitação de média de

menos de 750mm, a maioria das chuvas são concentradas em três meses, com longos e

periódicos períodos de secas severas. Consideram os autores que as secas tornariam a vida na

Caatinga “difícil para o sertanejo” (LEAL et al., 2005, p.140).

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Segundo Leal et al. (2005), o termo Caatinga de origem Tupi significa “mata branca” em que

seria uma referencia aos troncos “esbranquiçados”3 de árvores que durante a seca perderam

suas folhas e assim dominariam a paisagem com esta visão predominante. Com o risco da

desertificação que ameaça 15% da região. Essa vegetação seria a caatinga arbórea, hoje rara,

esparsa e fragmentada, substituída vegetação arbustiva, espinhosa e ramificada dominante na

paisagem. (LEAL, 2005).

Segundo o autor apesar de sua condição de “única grande região natural brasileira” e sua

contribuição a biodiversidade a caatinga “tem sido subestimada”. Já inclusive considerada

cientificamente como “um ecossistema pobre em espécies e endemismos” (LEAL, 2005, p.

141). Porém a importância da sua biodiversidade tem sido demonstrada pela quantidade de

espécies de plantas, abelhas, peixes, repteis, anfíbios, aves e mamíferos registradas; e pelo

nível de endemismo encontrado em aves (3%), mamíferos (7%), peixes (57%), com

informações de até 2005. E mereceriam atenção especial casos em que há o risco de extinção

de espécies, como a “ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), por exemplo, [que] parece estar

extinta na natureza” vista pela última vez em 2000 (BirdLife International, 2000 apud LEAL,

2005, p.141). A ararinha azul de lear, o mocó e o tatu-bola, mereceriam atenção pelo

endemismo e raridade destas espécies.

Estimava-se em 2005 que entre 30,4% e 51,7% da caatinga foram alterados por ação

antrópica, mesmo que seja difícil dimensionar a perda de ecossistemas naturais, flora e fauna

ao longo de séculos de devastação e modificações. Nessa época também o bioma tinha o

“menor numero e menor extensão protegida dentre todos os biomas brasileiros.” O que é

corroborado por Gouveia (2010), pois a Caatinga segundo o autor tem o menor percentual de

áreas protegidas dentre os biomas brasileiros, apenas 7,12%. E as unidades conservação que

eram 47 com 11 áreas de proteção integral “ainda falham em proteger toda a biodiversidade

da Caatinga”: 4 de 13 tipos de vegetação reconhecidos na caatinga não estão em nenhum tipo

UC; 44 espécies de aves endêmicas ou ameaçadas não estão protegidas no sistema de unidade

de conservação; além de problemas como falta de infraestrutura e de pessoal, problemas com

antigos proprietários, demarcação inadequada, e vulnerabilidades diversas.

Segundo Gouveia (2010, p. 85), a Caatinga abrange uma área de 84.445.300 ha (IBGE, 2004)

de paisagens semiáridas onde predominam arbustos e arvores baixas caducifólias, solos rasos,

escassa e mal distribuída precipitação, o que seria uma “paisagem hostil”, com “extensas

3 Segundo Darién E. Prado “a floresta esbranquiçada”. “A etimologia Tupi-Guarani consiste das partículas ca’a,

planta ou floresta; tî, branco (derivado de morotî, branco); e o sufixo ’ngá (de angá), que lembra, perto de”

(PERALTA; OSUNA, 1952 apud PRADO, 2003, p.3).

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áreas degradadas” e “núcleos de desertificação”. Segundo Hauff (2010) 62% das áreas

suscetíveis a desertificação estão no bioma Caatinga. A área alterada seria “superior a 45% da

sua cobertura original”.

Segundo o IBGE (2004)4, a área aproximada do Bioma Caatinga é de 844.453 km2,

representando 9,92% do Brasil. O IBGE estimou a Caatinga em 1985 em cerca de 800.000

km2 (PRADO, 2003). Bovinos e caprinos desde o século XVI rapidamente devastaram a

vegetação da caatinga, chegando a 10 milhões de cabeças de gado em 2000, florestas

largamente substituídas nos últimos 500 anos afetaram ainda o regime das chuvas e córregos e

rios, além do uso de técnicas de irrigação mais recentes que nas últimas décadas tem sido

consideradas como contribuintes para uma acelerado processo de desertificação.

Segundo o Mapa de Biomas do Brasil, resultado do termo de cooperação entre o IBGE e o

MMA de agosto de 2003, o Bioma Caatinga se estende pelos Estados nas seguintes

proporções: Ceará (100%), Bahia (54%), Paraíba (92%), Pernambuco (83%), Piauí (63%),

Rio Grande do Norte (95%), Alagoas (48%), Sergipe (49%), Minas Gerais (2%) e Maranhão

(1%).

A área total do Bioma Caatinga no relatório das áreas prioritárias para biodiversidade é um

total de 852.261 km2 (MMA, 2007, p. 72), sendo antes como “uma área de aproximadamente

734.478 km2, cerca de 11% do território nacional” (IBGE, 1993 apud MMA, 2007, p. 65).

Abaixo a localização do Bioma na Figura 1(3):

4 IBGE (2004). Mapa de Biomas e de Vegetação. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/21052004biomashtml.shtm>.

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Figura 1(3) – Localização do Bioma da Caatinga

Figura 1(4) A Figura 1(4) B

A) Fonte: http://www.florestal.gov.br/snif/images/stories/RecursosFlorestais/biomas.jpg

B) Fonte: http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/caatinga.htm

Segundo a síntese dos resultados obtidos do “Monitoramento do Bioma Caatinga” período

2008-2009, através de acordo de cooperação técnica MMA/IBAMA5, a área total do bioma

caatinga é de 826.411 km2, e haveria uma área desmatada até 2008 de 375.116km2 (MMA,

p.06).

Dados do ICMBio (2014) informam como área do Bioma Caatinga um total de 82.652.444,73

ha. Estando protegidos em UC Federais o total de 3.195.636 ha distribuídos em 8 categorias

diferentes, o que representa 3,9% do Bioma ocupado por Unidades de conservação Federais.

Não existem na caatinga as UC Federais nas categorias de Refugio da Vida Silvestre e

Reserva de Desenvolvimento Sustentável (MMA; TNC, 2008; ICMBio, 2014).

Segundo Leal (2005, p.142), entretanto 03 “áreas protegidas significativas” seriam a “espinha

dorsal de qualquer expansão futura da rede de unidades de conservação da Caatinga”: o

5 MMA/IBAMA (2011). Relatório Técnico Caatinga, junho 2011. Disponível em:

<http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/relatorio_tecnico_caatinga_2008-2009.pdf>. E PMDBBS,

“Projeto de Monitoramento do Desmatamento nos Biomas Brasileiros por Satélite” – Resultados Caatinga:

<http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/caatinga.htm>.

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Parque Nacional Chapada Diamantina (152.000ha), a Estação Ecológica do Raso da Catarina

(99.772ha), ambos na Bahia; e o Parque Nacional da Serra da Capivara (92.228ha), no Piauí.

Quadro 5 (3) – Unidades de Conservação Federais no Bioma Caatinga, categorias, área total

por categorias e quantidade por categorias

Fonte: ICMBio, 20146

Em 2000 o MMA promoveu workshop “Avaliação e Ações Prioritárias para Conservação da

Biodiversidade na Caatinga”, com 150 pesquisadores, conservacionistas e setor privado para

selecionar áreas e ações para a conservação da caatinga. Foram definidas 57 áreas para

conservação da biodiversidade, 25 para pesquisa científica e um corredor de biodiversidade ao

longo do rio são Francisco, (LEAL, 2005).

Segundo Gouveia (2010), além da criação de UC que seria umas das principais ações de

proteção da biodiversidade, a estratégia de definir previamente zonas prioritárias tem sido

apontada como pré-requisito para elas, método que no Brasil foi utilizado em todos os seus

biomas. Pelos resultados da atualização das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização

Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira ou Áreas Prioritárias para

a Biodiversidade, a caatinga possui 292 áreas prioritárias, o que representa 8,9% das 2.683

áreas atuais definidas no país.

Através da Portaria MMA nº 9, de 23 de janeiro de 2007 foi reconhecida7 a atualização das

Áreas Prioritárias para a Biodiversidade, com informações atualizadas e um novo mapa com

as áreas e ações prioritárias (GOUVEIA, 2010; MMA,2007). Esta atualização e definições

serviriam como subsídio para a formulação e implementação de ações (políticas públicas,

programas, projetos e atividades) sob a responsabilidade do Governo Federal. Na Portaria são

informadas as classes de importância e a prioridade de ação. Sobre a caatinga é definido por

6

<http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/servicos/geoprocessamento/DCOL/dados_tabulares/UC_por_B

ioma_Jan_2014.pdf> 7 Com base Decretos nos 2.519, de 16 de março de 1998 e 5.092, de 21 de maio de 2004.

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exemplo que 9,5% do total do bioma esteja em áreas de UC de Proteção integral e 2,2% do

total do bioma em UC de uso sustentável (MMA, 2007). Na figura abaixo são apresentadas

num mapa as áreas prioritárias por importância biológica.

Figura 2(4) – Mapa importância biológica e UC da Caatinga

Fonte: MMA, 2007

Das 292 áreas consideradas prioritárias 72 já eram áreas protegidas e total das áreas ocupam

cerca de 51% da área total do bioma (442.564 km2). A ação mais recomendada foi a criação

de unidades de conservação, indicada para 94 áreas. Sendo 40 de proteção integral, 8 de uso

sustentável, para o restante não foi indicado nenhum tipo. No Quadro 6 (3) abaixo podemos

ver a seguinte referencia ao Raso da Catarina e a Terra indígena Pankararé (MMA, 2007).

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Quadro 2 (4) – Situação para conservação da ESEC Raso da Catarina e TI Pankararé

Nome Área Classe de

importância

biológica

Classe de

urgência de ação

(prioridade)

Principal

ação

prioritária

indicada

Município

principal

Entorno da ESEC

Raso da Catarina

3.199

km2

Extremamente

alta

Alta Mosaico/corre

dor

Paulo Afonso

(BA)

ESEC Raso da

Catarina

1.086

km2

Extremamente

alta

Extremamente

alta

Área protegida Paulo Afonso

(BA)

TI Pankararé 492 km2 Extremamente

alta

Extremamente

alta

Área protegida Paulo Afonso

(BA)

Fonte: MMA (2007, p.246).

Segundo dados de legenda do “Mapa de Unidades de Conservação e Terras Indígenas do

Bioma Caatinga”, em detalhe na Figura (4) acima, a Terra Indígena Pankararé e Brejo do

Burgo protegem respectivamente 0,10% e 0,06% da Caatinga no Estado da Bahia. A ESEC

Raso da Catarina representa 0,33% de Caatinga protegido na Bahia. Segundo o Mapa TNC;

MMA (2008) o total das UC de proteção integral na Bahia protege 1,00% da Caatinga no

Estado, as UC de uso sustentável protegem 7,48% da Caatinga e as RPPNs 0,03%.

Figura 3(3) – Detalhe da região da ESEC Raso da Catarina no “Mapa de Unidades de

Conservação e Terras Indígenas do Bioma Caatinga”

Fonte: TNC e MMA (2008). Elaborado em 2008, por Yuri Botelho Salmona.

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A área total da Caatinga do Estado é de 30.092.536 ha e o total de unidades de conservação na

Bahia representa uma área de 2.559.316 ha (8,5% do total da área). A área total de terras

indígenas na caatinga no Estado no mapa é de 69.912 ha, representando 0,23% de caatinga

protegido, em 07 terras indígenas, com 02 ainda em identificação Tumbalalá e Tuxá (MMA;

TNC, 2008).

As unidades de proteção integral federais e estaduais protegeriam apenas aproximadamente

1% deste bioma (MMA; TNC, 2008). E "Menos de 5% da área da Caatinga está protegida em

unidades de conservação federais, sejam elas de proteção integral ou de uso sustentável"

(IBAMA, 2004 apud MMA, 2007, p. 66). Estando a maior parte protegida em APAs. Por sua

vez, as Terras Indígenas, “que são também importantes para manter a biodiversidade em

outras regiões, ocupam menos de 1% da área da região" (Souza, 2004 apud MMA, 2007, p.

66).

Segundo Leal (2005), menos de 1% da região é de áreas protegidas em proteção integral, com

11 reservas. Gouveia (2010, p. 87) analisou os avanços em termos de criação de unidades de

conservação, a partir de 2003 e até 2009, em relação às áreas prioritárias propostas para a

conservação da biodiversidade da Caatinga. Ou seja, a assimilação pelos órgãos gestores e

decisões tomadas em relação às definições de áreas prioritárias para a biodiversidade. Os

autores encontraram que oito unidade de conservação foram criadas na Caatinga somando

uma área total de 1.079.007 ha. Foram 4 unidades de proteção integral e 4 unidades de uso

sustentável (96,36% do total instituído). A UC forma criadas nos Estados do Ceará, Paraíba,

Sergipe, Bahia (a APA Lago de Sobradinho compreendeu 94,35% do total estabelecido na

Caatinga no período, com 1.018.000 ha), Alagoas, Pernambuco e Piauí. O governo federal

contribui com 2,77% da área criada, equivalente a 30.486 ha.

Seis das oito áreas criadas tem intersecção com áreas prioritárias apontadas e as seis foram

recomendadas para criação de UC de proteção integral, e três cumpriram esse requisito. O

governo federal estabeleceu superfície maior de UC de proteção integral em área de

importância extrema e os estados criaram um numero maior de unidades no período analisado

(GOUVEIA, 2010). No entanto, os autores apontam que historicamente pouca atenção tem

sido dada ao semiárido por parte do poder publico federal e os dados apóiam a assertiva de

que há uma “distribuição desigual” de UC federais entre os biomas. Abaixo na Figura 4 (3)

apresentamos a as UC federais no bioma caatinga:

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Figura 4 (4) – UC Federais no Bioma Caatinga

Fonte: ICMBio8

8 Disponível em: < http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/o-que-fazemos/mapa_biomacaatinga.jpg>

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Os dados revelam ainda que nesse período houve uma pequena aplicação das recomendações

em relação ao tipo de UC a ser criada. Sendo a maioria criada de uso sustentável sem objetivo

primário de preservação da biodiversidade. Que suspeitamos ter possivelmente alguma

relação com a situação fundiária da região.

Gouveia (2010) considera essa dificuldade fundiária e outras como baixo investimento e

interesses políticos difusos e ressalta que diante do esforço empreendido para se gerarem

recomendações estas deveriam ser atendidas para se cumprir com os objetivos definidos

previamente. Van Schaik e Rao (2002 apud Gouveia, 2010, p. 91) assinalam situações em que

“tomadores de decisões são forçados, por pressões sociais diversas, a reduzir o nível de

proteção da unidade” escolhendo “categorias mais permissíveis a utilização dos recursos

naturais a serem protegidos.” Obstáculos que os autores consideram que podem ser

contornados “com o acumulo de conhecimento sobre os recursos naturais e com a aplicação

de metodologias mais avançadas que contemplem nas análises as limitações práticas”

(GOUVEIA, 2010, p.91-92).

Área-núcleo na Reserva da Bioesfera da caatinga

Em 1971 a Unesco criou o “Programa o Homem e a Biosfera (The Man and the Biosphere

Program - MaB)” um programa de cooperação científica internacional sobre as interações

entre o homem e seu meio9. A principal linha de atuação seria a criação de reservas da

Boiesfera, e o Brasil aderiu ao programa MaB/UNESCO em 1974 definido como meta criar

uma grande Reserva da Biosfera pelo menos em cada bioma brasileiro.

Este programa visa cumprir uma das diretrizes formuladas durante a Conferência sobre

“Conservação e Uso Racional dos Recursos da Biosfera”, realizada em 1968 (MMA, 2004

apud PAES, 2008, p. 25). E foi conceituado como reserva da biosfera “uma porção

representativa de ecossistemas terrestres e costeiros” com objetivo de “integrar as

necessidades de conservação da natureza ao uso dos recursos naturais, pelas comunidades.”

Até 2006 foram criadas “525 reservas da biosfera em 110 países dos cinco continentes.”

(PAES, 2008, p. 25).

Segundo Paes (2008), até 2007 foram reconhecidas sete unidades desse tipo, no país: Mata

Atlântica, Cinturão Verde de São Paulo, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Amazônia Central e

Serra do Espinhaço. A primeira reserva reconhecida foi a da Mata Atlântica, entre 1991 e

2002. A Caatinga foi incluída entre as Reservas da Biosfera por decisão do Conselho

9 Programa O Homem e a Biosfera (MaB), © UNESCO, <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-

sciences/environment/biodiversity/biodiversity/mab-programme-in-brazil/>

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Internacional do MaB na reunião de setembro de 2001 em Paris, França. Esta reserva envolve

“cinco estados brasileiros e abrange uma área de 189.990 km2 (19.899.000ha),

correspondendo a 25,86% da Caatinga.” (PAES, 2008, p.26).

O MaB estabeleceu um zoneamento em áreas-núcleo, zonas-tampão ou zona intermediária e,

na faixa de contato entre as zonas-tampão com o restante do território, criou a zona de

transição. As UC de proteção integral são áreas-núcleo nesse zoneamento do MaB pelo fato

de “serem consideradas as porções mais preservadas de ecossistemas representativos e habitat

favorável ao desenvolvimento de numerosas espécies vegetais e animais” (PAES, 2008, p.26).

A Estação Ecológica Raso da Catarina é uma das áreas-núcleo da Reserva da Biosfera da

Caatinga.

As unidades de conservação na caatinga

As fontes de informação consultadas por Hauff (2010b) dão conta de 105 UC de

administração pública, com 48 de proteção integral e 57 de uso sustentável. O que representa

em extensão uma área de uso sustentável seis vezes maior que o outro grupo. A Caatinga

segundo a autora com base em Tabarelli e Vicente representaria uma biodiversidade ainda

maior, com riqueza maior de espécies, sendo a proteção efetiva ainda desconhecida.

Considera ainda que a carência de informação é um obstáculo e que a informação sobre a

diversidade natural reforçaria e valorizaria as Unidades de conservação.

Considerando as oito ecorregiões da Caatinga a avaliação de Hauff (2010b, p. 27) informa

que das UC públicas de Proteção integral a ecorregião do Raso da Catarina tem a melhor

porcentagem de área protegida em relação a sua extensão, 5,3% de área protegida (162.995

ha).

As UC de Uso sustentável correspondem a mais 2,2% de área protegida, sendo que 2,1%

(64.460 ha) estão em UC estadual e 0,1 (3.043 ha) são UC em área federal de uso sustentável.

A menor das ecorregiões da Caatinga é a do Raso da Catarina com 30.800 km2, no âmbito do

Bioma considerado por Hauff, com um total de 851.050 km2. As terras indígenas e outras

áreas de proteção somam na ecorregião do Raso da Catarina o total de 117.741 ha. Abaixo

apresentamos o mapa das ecorregiões propostas para a caatinga na Figura 5 (3).

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Figura 5 (3) – Ecorregiões da Caatinga

Fonte: VELLOSO et al (2002). Ecorregiões Propostas para o Bioma caatinga. TNC-Brasil,

Associação Plantas do Nordeste.

O Estado da Bahia pelos dados apresentados em Hauff (2010a) possui a maior área de

Caatinga em UC e a maior extensão de área em UC de Proteção Integral, com 260.852 ha, e

também com 2.250.354 ha em áreas de uso sustentável. Porém, Bahia, Ceará e Piauí são os

Estados que mais protegem as áreas com unidade de uso sustentável, principalmente através

de APAS (HAUFF, 2009).

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O Raso da Catarina na Caatinga recebeu atenção durante o “Seminário de Planejamento

Ecorregional da Caatinga” organizado pela “The Nature Conservancy do Brasil” e Associação

Plantas do Nordeste (associação voltada ao conhecimento dos ecossistemas nordestinos e

envolvida na preservação da caatinga), em novembro de 2001 em Aldeia, Pernambuco. O

seminário objetivou contribuir com a definição de “grandes subdivisões ecogeográficas da

caatinga” que permitisse uma compreensão da distribuição da biodiversidade no bioma.

Esse seminário, além de identificar oito ecorregiões (Figura 4(4)-B), analisou as áreas

prioritárias indicadas pelo PROBIO em 2000 (que foram reavaliadas em 2007), considerando

que havia necessidade de focalizar áreas dentro das indicações segundo “critérios de

viabilidade” diante do número de prioridades ser maior que as “possibilidades imediatas de

ação de conservação” (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002).

Os resultados apontam que o Raso da Catarina tem um tamanho de 30.800 km2 localizado no

centro-leste do bioma. Identificaram uma bacia de solos muito arenosos, profundos, drenados,

e com fertilidade baixa, o relevo é plano, mas há canyons a oeste. Segundo os autores a

“pequena disponibilidade de água de superfície levou a um vazio demográfico muito

grande.” (VELLOSO; SAMPAIO; PAREYN, 2002, p.34) ou baixa densidade populacional. A

área na época do estudo foi considerada como “razoavelmente preservada” com 60-70% da

área em boas condições. A precipitação média é de 650 mm na parte sul e 450 mm na parte

norte. E é local de reprodução da arara-azul-de-lear ameaçada de extinção.

Por motivo de falta de discernimento cultural e científico, preserva-se o

Raso da Catarina, enquanto se deixou à margem de qualquer unidade de

preservação o único documento de um deserto arenoso interior, de que há

notícia no território brasileiro, fixado por vegetação especializada nos

últimos 10 ou 12.000 anos. (AB’SÁBER, 1990, p.157).

Esta consideração do geógrafo e ambientalista Aziz Ab’Sáber se refere aos “campos de dunas

de Xique-Xique”, uma “exceção nos sertões nordestinos” a ser preservada com urgência pela

sua fragilidade e quadro geológico e biótico frágil, situado na Bahia.

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3.2 O processo de criação da ESEC Raso da Catarina: um estudo

de caso

O Raso da Catarina é um mundo semi-árido e desabitado, com ribeirões

secos mesmo quando a vegetação ainda está verde. (NOGUEIRA-NETO,

1991, p.66. Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental).

Com base neste diagnóstico a UC é situada com relação à sua raridade,

fragilidade, representatividade e importância ambiental, cultural,

antropológica, [...] justificando a necessidade de manutenção da categoria

de manejo e enfatizando sua importância para a manutenção da

biodiversidade regional, nacional e internacional. (PAES, 2008, p.123.

Plano de Manejo da Estação Ecológica Raso da Catarina/BA).

O processo de criação da “Reserva Ecológica Raso da Catarina”, Processo nº

02001.001784/90-84, está localizado na sede do ICMBio em Brasília/DF, e foi encaminhado

para arquivamento em 19 de outubro de 2012. O processo se encontra em bom estado com

folhas numeradas de 01 a 138, faltando na cópia coletada junto ao órgão a folha de número

137, todas contidas estão datadas, com rubrica e carimbo “IBAMA/DIREC”.

Alguns documentos referentes a ESEC Raso da Catarina não foram localizados na cópia do

processo e a ordem de numeração das folhas não se acha em ordem cronológica dos atos

ocorridos e juntados aos autos. No entanto, foram encontradas informações suficientes,

juntando-se a estas outras fontes sobre o histórico e justificação da ESEC: as memórias

publicadas do Secretário da SEMA entre 1974 a 1986 (Paulo Nogueira-Neto) e documentação

não inserida no processo. Foram observados dois relatos de estudos realizados antes da efetiva

criação da Reserva/Estação (Decreto Federal em 1984). São estudos que foram viabilizados

com o apoio da SEMA: na área de ornitologia (Museu Nacional) com resultados em 1979, e

na de “bioecologia” pelo Instituto de Biologia da UFBA realizado entre 1980 e 1983.

A ESEC Raso da Catarina é uma unidade de conservação federal de proteção integral

localizada na região Nordeste, Estado da Bahia, nos “municípios de Paulo Afonso (8,37%),

Rodelas (31,39%) e Jeremoabo (60,24%)”, criada em 1984 como Reserva Ecológica e

posteriormente recategorizada.

Nesta área é permitido apenas o uso indireto dos recursos naturais protegidos, e os objetivos

principais são de preservação e proteção da natureza, com a realização de pesquisas

científicas. É vedada a visitação pública, salvo em atividades de educação ambiental e outros

previstos no Plano de Manejo. São permitidas ações de restauração, manejo com fins de

preservação e coleta para fins científicos (SOUSA, 2007; PAES, 2008).

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A ESEC Raso da Catarina situa-se no Bioma Caatinga com área de 99.772ha, abrangendo os

municípios de Rodelas, Paulo Afonso e Jeremoabo. Limita-se ao norte com a Terra Indígena

dos Pankararé, ao leste com as comunidades rurais moradoras dos municípios de Paulo

Afonso e Jeremoabo, ao sul com a APA Serra Branca e a malha de drenagem do rio Vaza-

Barris e ao oeste com propriedades rurais dos municípios de Canudos, Rodelas e Macururé.

Abaixo na Figura 6 (3) a localização das UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga e

considerando as ecorregiões propostas.

Figura 6 (3) - UC e Terras Indígenas no Bioma caatinga

Fonte: VELLOSO et al (2002). TNC-Brasil, Associação Plantas do Nordeste.

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Segundo o Plano de Manejo da ESEC Raso o “principal objetivo para a criação da unidade”

foi a “proteção da arara-azul-de-lear” (PAES, 2008, p. 33). A Anodorhynchus leari , da

família Psittacidae, é uma espécie inserida na lista vermelha da extinção na qualidade

“endangered”, em perigo.

Segundo Paes (2008) na região de influência da Estação Ecológica Raso da Catarina habitam

comunidades quilombolas e populações indígenas, estas em cinco áreas pertencentes às etnias

Tuxá, Kantaruré, Xukuru-kariri e em particular os índios Pankararé que habitam a zona de

amortecimento da Estação. Os índios Pankararé tem parte de suas terras sobrepostas pela zona

de amortecimento da ESEC Raso da Catarina, e se encontram no entorno dessa unidade de

conservação.

As Estações Ecológicas foram mantidas entre as unidades de conservação e inseridas no

grupo das unidades de proteção integral. Seus objetivos específicos (art. 9º) são a preservação

da natureza e a realização de pesquisas científicas, inclusive com proibição da visitação

pública, exceto para objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo

da unidade ou algum regulamento específico para a situação.

Segundo o Plano de manejo visando adaptar a ESEC ao SNUC, onde não existiu mais a

categoria das “Reservas Ecológicas”, a Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 373, de

11 de outubro de 2001, alterou-lhe a denominação para Estação Ecológica Raso da Catarina.

Todavia desde a criação esta teria sido imaginada e tinha tido a “denominação” de Estação

ecológica.

Natureza “intocada” no Raso da Catarina: um “Paraíso das abelhas” (1974)

No livro “Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental” de Paulo Nogueira-

Neto (1991) conta como teria tido conhecimento do Raso da Catarina.

Em setembro de 1974, participei do sexto Congresso Brasileiro de

Apicultura, realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,

Piracicaba (SP). Um dos presentes Celso Didier, pediu a palavra e fez uma

descrição vibrante de uma região Nordestina que era uma espécie de Terra

da Promissão para as abelhas. A região era um manancial de néctar e

estava intocada, coisa de transformar a cabeça de qualquer apicultor amigo

da natureza. Pelo menos foi o que aconteceu comigo. A imagem daquele

Shangri-lá constantemente me voltava à lembrança. Haveria, realmente essa

joia natural, ou seria um sonho? (NOGUEIRA-NETO, 1991, p. 67).

No processo há um documento intitulado “Histórico e informações sobre o Raso da Catarina”

referenciado como tendo sido elaborado por Paulo Nogueira-Neto,. Não possui data e é

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rubricado ao final de cada folha, tendo sido escrito após a edição do Decreto federal que criou

a SEMA em 1984. Segundo este “Histórico”, o evento acima teria sido realizado no dia 07 de

setembro de 1974, e o autor conta que:

Durante essa reunião falou Paulo Sommer, do INCRA, ressaltando a

existência de uma região que seria muito importante para os apicultores.

Tratava-se do Raso da Catarina, com muitas terras devolutas. Depois dessa

palestra, durante uma conversa informal com apicultores, fui procurado por

Celso Didier, que residia em Paulo Afonso. Ele me deu maiores detalhes

sobre o que seria um verdadeiro ‘paraíso’ das abelhas. Contou-me que

havia uma enorme região, relativamente próxima a Paulo Afonso, onde a

natureza ainda estava praticamente intacta. Era o famoso Raso da

Catarina. Guardei essas informações e na primeira oportunidade fui até

Paulo Afonso. (IBAMA-DIREC, p.68)

Articulação com INCRA - 1975

Encontramos no processo de Criação da Reserva Ecológica Raso da Catarina uma referencia

ao documento que provavelmente seja o registro de um dos primeiros atos oficiais da SEMA

para a criação do que hoje é a Estação Ecológica Raso da Catarina (a cópia deste ofício não

consta no processo). O Ofício foi emitido em 10 de outubro de 1975 e dirigido ao INCRA

solicitando a transferência de bens imóveis,

“[...] situados área urbana do ex-PIC Jeremoabo, no Município de Santa

Brígida, estado da Bahia, com a finalidade de “dar apoio logístico à Estação

Ecológica do Raso da Catarina, criada com o objetivo de preservar a flora

e a fauna característicos do ecossistema caatinga, que se encontram em

processo acelerado de extinção.” (PROCESSO IBAMA/DIREC, 90-84,

OF/SEMA/Nº 911/1975, p. 07).

O INCRA então abriu no mesmo ano o Processo nº INCRA/CR-05/2308/75 para proceder a

“doação” à União de “área de 486.780 m2 localizada no EX-PIC Jeremoabo” (p.2). Sendo

apensados depois os Processos nº INCRA/CR-05 352/75 e posteriormente nº 369/78. Se a

SEMA havia sido informada de que a flora e fauna do Raso da Catarina estariam em

“extinção”, tendo sido a área referida pelo Secretário como sendo um lugar de natureza

“intacta” e “intocada”, não foi identificado. Porém, em 1975 o processo acelerado de extinção

foi um discurso “ecológico” forjado em lugar da verdadeira informação inicial que dava conta

apenas de um “paraíso das abelhas”, “Shangri-lá apícola” ou “manancial do néctar”

“descoberto” na caatinga.

Foi com ajuda CHESF que Paulo Nogueira-Neto pode sobrevoar a área do Raso da Catarina.

Em 26 de março de 1976 ele estava em Paulo Afonso (BA) segundo consta no seu diário,

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publicado como livro em 2010 e intitulado “Uma Trajetória Ambientalista: Diário de Paulo

Nogueira-Neto”.

O vôo aconteceu no helicóptero Bell da CHESF, tendo como guia Manoel Alves dos Santos,

sobrevoaram o povoado de Juá, povoado de “Várzea” “com uma grande açude no centro”,

povoado de São José, e ocupações humanas a 8km de Várzea num “terreno acidentado, algo

erodido”, “na parte baixa”, “depois começa o Raso imenso, a perder de vista”

(NOGUEIRA-NETO, 2010, p.404). Visitaram as instalações do INCRA, e o diário relata

novamente mais “uma imensidão, a perder de vista, sem qualquer sinal de ocupação

humana.”

Em terra o Secretário continua relatando:

Almoçamos com o engenheiro agrônomo José Severino de Oliveira,

representante da direção da Chesf e chefe da Piscicultura. Também almoçou

conosco Celso Didier, pai da idéia de preservar o Raso da Catarina, e

chefe da apicultura da Chesf. Didier explicou que o Juá, junto ao Raso, é

um centro de comércio de peles de animais silvestres, tão abundante é a

caça lá (cotias, caitetus etc.). (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.405)

No “Histórico” do processo ficou registrado que:

Trata-se da ultima grande área verde de todo o Nordeste. A perder de

vista, extende-se uma imensa caatinga sem sinais de ocupação humana,

exceto uma estrada aberta pela Petrobrás, que ali tentara encontrar petróleo,

sem sucesso. (IBAMA-DIREC, p.68).

Ao seguir viagem levantaram vôo no avião que os havia levado a Paulo Afonso (Paulo

Nogueira-Neto, Eduardo Nogueira e Lucia), sobrevoaram novamente o Raso da Catarina,

registrou que “Durante aproximadamente 30 ou 40 km prossegue o Raso, imenso, sem

ocupação. Glebas ocupadas, ou povoados, só podem ser vistas ao longe.” (NOGUEIRA-

NETO, 2010, p.405). O que se pode destacar além da surpresa com o lugar e suas qualidades,

é o recorrente registro da ausência de ocupação humana no lugar. Abaixo na Figura 7 (4)

apresentamos imagens de vistas áreas encontradas no Plano de Manejo da ESEC Raso da

Catarina.

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Figura 7 (4) – Fotografias aéreas do Plano de Manejo da ESEC Raso da Catarina

Fonte: ROCHA (2005 apud PAES, 2008).

No livro de 1991 Nogueira-Neto descreve o Raso da Catarina como um “mundo semi-árido e

desabitado” (NOGUEIRA-NETO, 1991, p.66). Era para o autor a “última bela e vasta área

natural Nordestina sem ocupação humana.” Com uma “extensão verde intacta tão vasta,

[...] a ocupação humana no Raso era praticamente inexistente.” O que logo justifica a seguir

dizendo que “Sem água, não é possível estabelecer uma ocupação humana permanente.”

(NOGUEIRA-NETO, 1991, p.67, grifo nosso).

Segundo Ab’Sáber (p.149), “homens dos sertões” não poderiam resistir normalmente aos

anos de grande secura quando há falta de água para o gado e plantações ocasionando o

desemprego rural e migrações aos centros urbanos. Ainda que o autor considere que:

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Os grupos humanos dos sertões secos aprenderam a conviver com o

ambiente semi-árido, seus rios periódicos, seus solos de difícil manejo e sua

estrutura agrária certamente muito arcaica e inflexível. (AB’SÁBER, p.149).

Se havia certeza quanto a essa inexistência de ocupação humana com base nesse contato com

o local e informações da época, ou não, o fato é que no diário no dia 4 agosto 1976 consta

registrado por PN-N o seguinte:

Na Sema tive de manhã uma reunião sobre acertos dos projetos de várias

Estações Ecológicas. Fiz uma alteração na planta-mapa do Raso da Catarina,

para proteger melhor seu principal acesso, via estrada da Petrobrás. A

Estação Ecológica de lá terá 236 mil hectares. P.S. 2009: No acerto final,

a área ficou com cerca de 100 mil hectares, devido em parte à criação de

uma Reserva Indígena. (NOGUEIRA-NETO, 2010, p. 405).

Articulação com o Governo da Bahia – 1976

Em 6 de dezembro de 1976 o Secretário da SEMA vai até a Bahia para encontrar o

Governador do Estado e encontra também o Coordenador do INCRA no Estado para tratar

das construções próximas do Raso, ao que segue narrando:

De lá fomos ao Palácio Ondina, onde falei à imprensa e à TV. Depois, eu me

reuni com o governador (Roberto Santos) e vários auxiliares, expondo a

situação do Raso da Catarina e explicando o documento que iríamos assinar.

Em seguida firmamos um Convênio, pelo qual o Governo do Estado dá à

Sema um comodato por cinco anos, renováveis. Além disso, o Governo

Estadual se comprometeu a enviar mensagem à Assembleia, pedindo a

transferência definitiva do Raso à Sema. (NOGUEIRA-NETO)

Antes em novembro já havia sido reservada “para efeito de preservação do meio ambiente” a

área de 200.000 ha (duzentos mil hectares) de terras devolutas do Estado, com coordenadas

constantes do Decreto nº 25.469/1976 (p.100) emitido pelo então Governador Roberto Santos,

em 03 de novembro de 1976.

O Decreto Estadual foi emitido considerando que a SEMA “pretende instalar uma Estação

Ecológica, na zona denominada Raso da Catarina, no município de Euclides da Cunha” (um

erro?), considerava que havia “sido feito o levantamento da área necessária a instalação da

referida estação”, e que o “empreendimento era de interesse do Estado, principalmente para

evitar a utilização predatória de matas e extinção da fauna.”

Em 06 de dezembro de 1976 era firmado este convênio entre a União através da SEMA e o

Governo da Bahia (p.34), representado pelo Governador Roberto Figueira Santos, para que a

posse das terras fosse cedida através de um “comodato” e estivesse firmado um compromisso

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do Governo do Estado para submeter a Assembléia Legislativa do Estado a “doação” da área

já reservada pelo Decreto nº 25.469/1976, ato do Governador Roberto Figueira Santos. O

objetivo do termo era “preservar o ecossistema regional e implantar uma infra-estrutura que

permita a realização de estudos ecológicos de alto nível,”. Podemos verificar que passados

mais de 30 anos ocorreram estudos no local, realizados pela UNEB, UEFS e UFPE, e também

realizados por unidades do órgão ambiental responsável pelas UC no Brasil.

O secretário da SEMA, conforme acima, explicou ao governador e sua equipe o termo que

seria assinado, a área já havia sido medida anteriormente a mais de um mês atrás. Como

ocorreu essa medição antes de novembro de 1976 não conseguimos verificar através da

documentação ou bibliografia, porém, a área de fato estava medida, pois as coordenadas

constaram do Decreto Estadual de 3 de novembro de 1976.

Não consta no processo o pedido ou qualquer informação sobre a medição da área nessa

época, inclusive consta no Diário de Paulo Nogueira-Neto o registro: “Mandei iniciar os

serviços de topografia no Raso da Catarina [...]”, em 17 de maio de 1977, que retomaremos

mais adiante (Nogueira-Neto, 2010, p. 406). Se causar alguma estranheza atos dessa

magnitude realizados com pouco fundamento aparente, causaria também surpresa a

justificativa para a estação ecológica ter sido baseada ao que parece em informações e

especulações preliminares num primeiro momento, com pouca ou nenhuma comprovação

científica ou base ecológica para sua criação, pelo menos inicialmente.

Pelos documentos se nota que, ao omitir o motivo inicial do paraíso das abelhas onde a

natureza era intacta e intocada definida como uma imensidão verde, se coloca como discurso

de justificativa da Estação Ecológica a pura preservação do ecossistema e necessidade de

intervenção diante de uma suposta ação predatória de matas e a extinção da fauna. Estas

últimas, ao que parece não tinham comprovação naquele momento, dezembro de 1976, e

contradizem com a inexistência ou baixíssima ocupação humana no Raso da Catarina, pois

então o que causaria a “predação” das matas e a extinção da fauna?

Ao passar por Salvador/BA nessa data Paulo Nogueira-Neto em relação ao INCRA registrou

no diário que “Parece haver algumas dificuldades burocráticas a sobrepujar, para a SEMA

receber construções que o INCRA possui perto do Raso.” (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.

406). No ano seguinte, em agosto de 1977 a Informação DFT/INCRA Nº /77 dava

conhecimento sobre o seguinte a respeito do processo aberto no INCRA para este fim, que:

2. A instrução do presente se encontra, data venia, muito confusa,

incompleta, visto que não foi dado o seguimento ditado pela NORMA

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DFT.1-F/1a. [...] Finalmente, acrescentamos que o processamento da

transferência destes imóveis, necessitando sempre audiência previa da SPU;

(1977, p.21)”

[...] 15. As peças técnicas não nos oferece um quadro claro da situação em

que se encontra o acervo dão ex-NC Geremoabo. Enfim, repetindo, o

processo se encontra bastante tumultuado, [...] partindo de um novo

requerimento de quem de direito, representante da União; ‘in casu’ o

Serviço de Patrimônio da União, que deverá solicitar os referidos imóveis,

com o fim de serem destinados à SEMA, visto que a referida secretaria, [...]

não é detentora de patrimônio, os seus bens pertencem a União. (1977, p.

22).

Na SEMA tramitava o “Memorial Descritivo e Ordem de Serviço para execução de Trabalhos

Topográficos na área da Estação Ecológica Raso da Catarina – BA” e como lemos no

processo a SUDENE seria a executara dos trabalhos e as especificações já teriam sido aceitas,

em 07 de outubro de 1977, conforme consta no MEMO/SEMA/SACT/Nº 84 (P. 25).

No Memorial Descritivo (p.26), anexo ao MEMO acima de outubro de 1977 constava a área

total de 200.00 ha (duzentos mil hectares), e descrevia a mesma área do Decreto Estadual que

reservava a área, com os mesmos paralelos e meridianos de localização e indicação para

demarcação com coordenadas para 9 marcos idênticos. Eram os pontos das coordenadas do

Decreto anterior e são próximos aos encontrados no Decreto nº 89.268/1984 (Governo

Figueiredo) que cria a ESEC Raso da Catarina e depois incluídos na Portaria MMA nº

373/2001 (Governo Sarney) quando da sua recategorização.

Assim foi assentado o tamanho da área com 200 mil hectares. Nessa época a A.Leari (ararinha

azul de lear) ainda não havia sido “descoberta” no local, nem haviam sido realizados estudos

ecológicos do convênio UFBA-SEMA/MINTER (1980), que ocorreriam mais tarde. No

entanto, nesta época ocorriam os estudos antropológicos com os Pankararé pelo PINEB-

UFBA. E pelo que pode ser lido abaixo, retomando o registro de 17 de maio de 1977 no diário

do Secretário da SEMA, os índios já eram do seu conhecimento:

Mandei iniciar os serviços de topografia no Raso da Catarina, mesmo antes

de chegarmos a um acordo com a Funai. Não é possível perder uma área

de 220 mil hectares devido à presença de 26 pessoas (dez adultos e 16

crianças), caboclos descendentes de índios.

Vamos deixar de lado uma área de 60 a 50 mil hectares, onde eles estão para

discutir o caso com a Funai. De maneira nenhuma, porém,

concordaremos em abrir mão de um extensão maior que essa, pois isso

seria um absurdo total. O critério que seguimos foi passar a linha

divisória, no lado sul, a 6 km (1 hora de marcha a pé) das casas dos

caboclos. Mais que isso, seria cometer um crime contra as gerações

futuras, liquidando com uma joia da natureza. (NOGUEIRA-NETO,

2010, p.406, grifo nosso)

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Esse registro é do mês de maio de 1977 e dá conta de que se haviam feitos serviços

topográficos a revelia de qualquer situação que poderia ser acordada ou dialogada com a

FUNAI a respeito de indígenas, seres humanos, no local. O que teria motivado a ação

intempestiva do secretário para proteger o “Shangri-la apícola” ou a “jóia da natureza”? No

Processo de criação da Reserva/Estação encontramos no “Histórico...” registrado o seguinte

sobre a situação, o que teria sido escrito por Paulo Nogueira-Neto:

No entanto, dos 200.000 ha iniciais perdemos 50 mil ha, pois na região do

cânion existiam 23 descendentes da tribo Pancaré, contando-se nesse numero

homens, mulheres e crianças. Eles são caboclos que já não falam nenhuma

língua indígena, mas apesar disso a FUNAI os protege. (IBAMA/DIREC,

p. 69, grifo nosso)

Nota-se que a ocupação humana não seria assim inexistente no Raso da Catarina como

afirmava e relatava preliminarmente o secretário da SEMA e continuou afirmando de modo

geral (NOGUEIRA-NETO, 1991; 2010). O registro no processo continua assim:

Para não perder tudo, cedemos aquela parte do Raso, de tal maneira que a

nossa área ficou reduzida a cerca de 100.000 ha. Alguns antropólogos da

FUNAI faziam muita pressão contra nós, dizendo que os necessitavam de

uma área de perambulação para caçar. (IBAMA/DIREC, p. 69, grifo

nosso)

Em 1975*, ou nessa época, Paulo Nogueira Neto parecia querer que os índios saíssem da

futura área da Estação Ecológica, enquanto foi proposta a sugestão dos índios serem agentes

da conservação de alguma forma, segundo entrevista 2 (Caroso*, 2013), como acima vimos

que a SEMA não tinha “acordo com a FUNAI” nessa época. A área já havia sido reservada

por decreto estadual e possuía memorial descritivo com os pontos para demarcação definidos

para um total de 200 mil hectares. Nessa época já haviam quase dois anos do Ofício da SEMA

para “transferência” dos bens do “ex-PIC Jeremoabo” do INCRA. Então a Secretaria emite

um novo Ofício em 27 de outubro de 1977, agora dirigido ao Coordenador Regional do

INCRA na Bahia, Demóstenes Ângelo de Lima. A comunicação segundo o próprio ofício se

deu após “vistas dos autos do processo” quando se tomou “conhecimento das dúvidas

suscitadas pelo Departamento Fundiário.”, a DFT do INCRA.

O Ofício, constante do processo, teve “a finalidade de afastar essas objeções e de apressar o

andamento do pleito”, esclarecendo que a “doação sob condições dos bens imóveis” deveria

ser “feita ao Ministério do Interior, representando a União” e destinados a instalação pela

SEMA da “sede da Estação Ecológica do Raso da Catarina;”. Neste ofício assinado pelo

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Secretário Paulo Nogueira-Neto foi manifestado também que a SEMA tinha “[...] interesse no

total da área, atendidas as limitações impostas pelo próprio INCRA.” O Secretário ao final do

ofício solicita também,

“autorização provisória para ocupação da área, tendo em vista os trabalhos

a serem executados e a aplicação, ainda no presente exercício financeiro, da

verba a esse fim destinada.” (OF/SEMA Nº 0000883, de 27 de outubro de

1977, p.17).

O Coordenador do INCRA na Bahia informa o pleito da Secretaria ao Presidente do INCRA

em 01 de novembro de 1977, afirmando que a coordenadoria na Bahia estava “de acordo com

a proposição da SEMA” (p.15). Conforme encontramos no processo, o presidente do INCRA,

“Lourenço Vieira da Silva”, emitiu Ofício dirigido à SEMA, em de 6 de março de 1978,

informando quais as providencias que vinham sendo e seriam tomadas para a “transferência,

em caráter definitivo” de bens imóveis situados na área urbana do “ex-PIC Jeremoabo” (p.

07).

Segundo o ofício o “Ex-PIC Jeremoabo” já teria sido declarado emancipado pelo Conselho de

Diretores do INCRA em 1973 e assim os imóveis remanescentes podiam ser doados pelo

órgão. E também por se tratarem de imóveis em Núcleos de Colonização ou Projetos de

Reforma Agrária que tinham “perdido a vocação agrícola ou se destinem à utilização urbana

[...]”, com base na Lei nº 5.954/1973 (p. 09).

No entanto, a SEMA não receberia o total da área, pelo seguinte:

a área urbana remanescente do ex-PIC Jeremoabo, após extremada da que irá

ser transferida a essa Secretaria [SEMA], será doada a Prefeitura Municipal

de Santa Brígida, para que se integre a vida autônoma do município [...] (OF.

INCRA/P/Nº 79/78, p. 09).

Todavia a SEMA obteve êxito ao conseguir da Presidência do INCRA autorização para

utilizar os imóveis solicitados “de imediato, excetuando os lotes ou prédios discriminados”,

conforme pleiteou. Assim, a SEMA conseguira em 6 de março de 1978 uma sede provisória

a Reserva ou Estação Ecológica do Raso da Catarina, que de fato ainda não existia, pois

não havia sido criada, existia apenas nos planos da SEMA, “nos papéis” e no Decreto do

Governo do Estado da Bahia que reservou uma área de 200.000 ha (duzentos mil hectares) no

Raso da Catarina.

Em 09 de maio 1979 se estavam realizando os trabalhos técnicos do INCRA para atender a

SEMA e se informava que nos “autos, o impasse persiste” e que a “doação não poderá ser

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formalizada”, pois existiam “2 (duas) ocupações” que “não podiam ser transferidas a SEMA”

na área em referência “medindo 64,6724 ha”, se tratava de uma Igreja e uma escola, e se

deveria “estremar da área em questão os imóveis (terra nua e benfeitorias)” (p. 102), segundo

o chefe da DFT-3 Luiz Cezar Barata (Informação DFT.3/Nº 037/1979, processo nº

INCRA/CR-05/2308/75).

O Chefe da DFT informava no mesmo dia sobre o “ex-Núcleo Colonial Jeremoabo” que dado

que a SEMA se manifestara por toda a “área urbana remanescente do antigo Núcleo”

justificando ao INCRA planejar ter “implantado [um] campo experimental de estudos e

pesquisas relacionados à Estação Ecológica Raso da Catarina”, era preciso descrever também

prédios e edificações de propriedade do INCRA (que já haviam sido relacionados), ocupações

tituláveis de posseiros fora da área central do núcleo (confirmados), estremando-se também a

escola e igreja para que a área fosse “doada à SEMA, através da SPU” (p. 104, grifo nosso).

Ainda em maio o Diretor do INCRA-DF, Domingos Martins Filho, encaminha o caso a CR-

05 pedindo “urgência no pronunciamento”, pois a “SEMA vem pressionando insistentemente

este Departamento no sentido de que seja formalizada a doação da área solicitada” (p. 106).

Ainda sem a “doação” a “Estação Ecológica do Raso da Catarina”, referida desta forma pela

SEMA, começava a se tornar uma realidade com sua “[...] sede localizada no Núcleo de

Colonização de Jeremoabo.”, como se pode ler no ofício, de 18 de julho de 1979, expedido

pela secretaria onde se observa um pedido feito ao DNOCS para colaborar com a SEMA ao

furar um poço artesiano na “Estação Ecológica” coordenadas “Latitude: 9º 43’ S Longitude

38º 15’ W”, propriamente assinado pelo Secretário Paulo Nogueira-Neto

(OF/SEMA/SAO/CEE Nº 0000675, p. 06). No Oficio encontramos ainda expresso o seguinte

na comunicação ao DNOCS:

Estamos implantando Estações Ecológicas em áreas representativas de

ecossistemas, no sentido de preservar e propiciar estudos ecológicos, às

Universidades brasileiras, na certeza de, a curto e médio prazo podermos

colaborar no planejamento de desenvolvimentos regionais em bases

conservacionistas. (OF/SEMA/SAO/CEE Nº 0000675/18/JUL/1979, p. 05)

Em 11 de outubro de 1979 o Coordenador Regional Substituto do INCRA CR-05 informa ao

representante da SEMA em Paulo Afonso, Newton Calazans Rêgo, que a área a ser doada

“não será de 64,6724 ha, com todas edificações nela existentes e, sim parte da mesma, em

torno de 50 hectares, incluindo as benfeitorias.” (p. 04).

O Conselho de Diretores do INCRA autoriza pela Resolução Nº 037 em 12 fevereiro de 1981

o Presidente do órgão Paulo Yokota promover as medidas necessárias visando doar área de

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486.780 m2 localizada no “ex-Projeto de Integrado de Colonização Jeremoabo” com vistas a

preservação da flora e da fauna, “em processo acelerado de extinção” (p. 118). No dia

seguinte, é firmado um Termo de Doação em que a União (outorgada donatária) foi

representada pelo Procurador-Chefe da Procuradoria da Fazenda Nacional Hermano Américo

Frederico Falcone, em 13 fev 1981.

Nova articulação com o Governo da Bahia –1981

Em 23 de julho de 1981 foi firmado um termo aditivo ao convênio entre a União, através da

SEMA e o Estado da Bahia (p.37), representado pelo Governador Antonio Carlos Magalhães.

Neste aditivo é firmado que,

O comodato permanecerá em vigor, pelo prazo de cinco anos, a partir desta

data, podendo ser prorrogado, no interesse das partes, por igual período e

mediante termo aditivo.” (p.38)

Paulo Nogueira-Neto (2010, 407) faz referência a este fato com uma anotação em seu diário

com o título de "Raso da Catarina (BA): Quase um passa-moleque", datada de “22 de junho

de 1983”.

Verifiquei hoje que cometi um erro monumental, há alguns anos. Pensei que

estávamos a descoberto, sem um comodato, no Raso da Catarina. Pedi ao

Governo da Bahia para nos dar um comodato. E o governador, junto com o

secretário de Planejamento da época, nos deram um comodato por apenas

cinco anos (até 1986) renováveis mediante termo aditivo. Acontece que o

documento me foi apresentado durante uma solenidade, para assinatura,

quando não podia ler seu texto. Assinei. Hoje descobri que tínhamos um

comodato anterior assinado pelo governador Roberto Santos, por tempo

indeterminado!! E o novo comodato revogava expressamente essa cláusula.

Esse foi um passa-moleque incrível, o maior que já sofri na Sema!!! Mas

nem tudo está perdido. O comodato consta de um convênio, ao passo que há

um decreto anterior, portanto de maior categoria, que reserva a área para

uso da Sema, sem prazo. Convênio não pode revogar Decreto. Respirei

aliviado. Além disso estamos firmemente instalados no Raso. Vamos

imediatamente pedir a criação de uma Reserva Ecológica lá, por

Decreto do Presidente da República. Venceremos. (NOGUEIRA-NETO,

2010, p.407, grifo nosso)

Descoberta no Raso da Catarina: a Ararinha Azul que valia ouro

Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento

e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre,

bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do

Estado [...]. (Art. 1º da Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que dispõe

sobre a Proteção à Fauna)

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Um elemento que consolidou e reforçou argumentos do discurso de justificativa da criação de

uma Unidade de Conservação no Raso da Catarina foi sem dúvida a descoberta e existência

da Anodorynchus leari no local.

Em 1979 os pesquisadores do Museu Nacional Helmut Sick (Ph.D. Professor Titular UFRJ) e

Dante Luiz Martins Teixeira (Seção de Ornitologia do Museu Nacional-RJ) informam numa

publicação uma “significativa descoberta [no Raso da Catarina], ao [...] localizar a pátria da

raríssima arara Anodorynchus leari Bonaparte 1856, após cinco anos de busca em campo

(Sick; Teixeira, 1979).”. Essa arara segundo os pesquisadores representava,

[...] um dos maiores enigmas da ornitologia sul-americana, pois embora

descrita no século passado, a espécie permaneceu, até nossos dias, conhecida

apenas por exemplares de procedência ignota que chegavam as coleções da

Europa e E.U.A. através do infeliz comércio de aves de gaiola. (TEIXEIRA;

GONZAGA, 1979, p. 1)

Ao saberem que a SEMA está instalando uma estação ecológica no Raso da Catarina estes

entraram “em contato com o Secretario Geral Dr. Paulo Nogueira-Netto, apresentando-lhe a

questão.” (TEIXEIRA; GONZAGA, 1979, p. 1). Segundo o diário do Secretário da SEMA,

em 11 de março de 1978,

À tarde estiveram na Sema dois assistentes do professor H. Sick, do Museu

Nacional. Eles descobriram que o Raso da Catarina é um dos locais onde

procriam as ararinhas azuis, Anodorhynchus leari, espécie que se

considerava extinta na Natureza!! Vamos logo redefinir os limites do Raso,

para incluir outros criadouros naturais dessa raríssima ave. (NOGUEIRA-

NETO, 2010, p.407)

A ararinha azul foi algo importante para a SEMA e para os planos da Estação ecológica, a

descoberta da uma espécie extinta da natureza há mais de 50 anos, a Anodorhynchus leari, e

que ainda hoje continua uma espécie ameaçada de extinção. Atualmente segundo o órgão

ambiental esta nidificaria e se alimentaria exclusivamente na região do Raso da Catarina.

O Dr. Helmut Sick e os ornitólogos Dante L. M. Teixeira e Luiz Antonio Pedreira Gonzaga se

dispuseram a participar da prospecção para segundo o “Dr. Sick”, “dar as nossas sugestões no

estabelecimento de novos limites da área da Estação Ecológica.” Pois e. (SICK, 1979), ou

“auxiliar na redelimitação da Estação Ecológica Raso da Catarina” (TEIXEIRA, 1979). Assim

aconteceu a:

segunda expedição científica à área, para que se aprofundasse os

conhecimentos sobre o atual ‘status’ de A.leari e se propusesse uma

redefinição dos atuais limites da Estação Ecológica do Raso da Catarina na

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tentativa de uma real proteção de tão significativo Psittacidae. (TEIXEIRA;

GONZAGA, 1979, p. 2)

Os pesquisadores relatam o seguinte:

O fato é que a já pequena área de ocorrência de Anodorhynchus leari

reduziu-se bastante, principalmente depois do começo dos trabalhos da

hidroelétrica de Paulo Afonso na década de 30, o que imprimiu ponderável

ritmo de ocupação na região.

[...] Mesmo o simples aumento da ocupação humana do Raso da Catarina e

adjacências, bastou para expulsar A.leari da porção mais setentrional de seus

domínios, fazendo com que ela mais e mais se internasse Raso adentro.

[...] Anodorhynchus leari está praticamente restrita ao alto Vaza-Barris. E

isso se considerarmos inclusive localidades onde a espécie surge algo

esporadicamente, em busca de comida. (TEIXEIRA; GONZAGA, 1979, p.

2).

Segundo os ornitólogos A.leari estava “extremamente ameaçada”, com “população pequena

([estimada] entre 400 e 600 indivíduos) de aves com grande raio de ação.” Que refugiavam-se

nos “talhados”. A situação da ave era “paradoxal”, pois a “intensa ocupação humana que se

processara região sem dúvida expulsou a espécie de muitos de seus refúgios”, porém essa

“ocupação não foi traduzida em uma eliminação maciça dos vegetais que servem de alimento

a essa arara como frequente ocorre [com] Psittacidae ameaçados.” (TEIXEIRA; GONZAGA,

1979, p. 5). Abaixo figura 8 com fotografia da Arara-azul-de-lear.

Figura 8 (3) – “Arara-azul-de-lear fotografada nos paredões da Estação Ecológica Raso da

Catarina, em Jeremoabo (BA).”

Fonte: Foto: Eduardo Milano

10.

10

Fonte: Jornal Estado de Minas. “Recenseamento mostra baixa reprodução da arara-azul-de-lear no Raso da

Catarina, BA”. Data: 13/01/2014 - O Estado de Minas - Belo Horizonte/MG.

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Os ornitólogos propuseram uma estratégia para preservação das araras baseada na

conservação dos “canyons” que lhes servem de criadouros e dormitórios. Segundo eles não

eram muitos “talhados” que abrigavam as araras, no entanto a A.leari necessitaria que estes

fossem “tranquilos (com ocupação humana de média para fraca) para sobreviver;”, os

pesquisadores indicavam que os limites da estação deveriam ser dilatados de modo cobrir

estes “talhados” e se deveria promover “uma efetiva proteção” dentro e fora dos limites com

guardas da Estação “[...] de modo que as araras, quando saírem da zona reservada em busca

de alimento não sejam abatidas.” Dentro e fora da área reservada. (TEIXEIRA; GONZAGA,

1979, p. 7). Abaixo Figura 9 (3) com fotografias da Arara-azul-de-lear.

Figura 9 (3) – Fotografias da Arara-azul-de-lear, Anodorhynchus leari

Fonte: ICMbio11

Para os autores era importante não só incluir locais importantes na área reservada para a arara

como também “proibir o abate de elementos botânicos que as sustentam, ou, quem sabe, até

incentivar o seu plantio ou replantio, dentro e fora da área da Estação.” Segundo os autores a

“ocupação humana da área não se deteve e só tende a aumentar” (TEIXEIRA; GONZAGA,

1979, p. 8), e os talhados indicados deveriam ser “protegidos a todo custo.” (p.9). Estas

informações que foram solicitadas pela SEMA aos ornitólogos foram dirigidas ao “Dr. Paulo

Nogueira-Neto” em 05 de outubro de 1979 por ofício encaminhado pelo diretor executivo da

Fundação Brasileira para a Conservação da natureza (FBCN), Mario Donato Amoroso

Anastacio (1979). Abaixo o mapa dos pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear na Figura

5 (3).

11

Fonte: <http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/lista-especies/354-arara-azul-de-

lear.html>

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Figura 10 (3) – Pontos de alimentação da Arara-azul-de-lear

Fonte: PAES (2008, p.157)

Dante Teixeira e Luiz Gonzaga não negavam a ocupação humana no local que ajudavam a

delimitar e inclusive consideravam o paradoxo que a presença humana não tenha diminuído

estoques alimentares de A.leari. Consideravam ainda a possibilidade de ser incentivado o

manejo, plantio, replantio em favor de espécies que serviam de alimento a Arara-azul-de-lear

em extinção que recentemente descobriram. Abaixo Figura 11 (3) fotografia da alimentação

da Arara-azul-de-lear.

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Figura 11 (3) Arara-azul-de-lear forrageando no licurizeiro

Fonte: PAES (2008, p.156)

No livro “Estações ecológicas” Paulo Nogueira-Neto (1991, p. 67) escreveu que, “Os

caboclos da região às vezes caçam essa ave, abatendo-a a tiros, para obter assim algum

alimento extra.” São alguns os registros das questões surgidas entre interesses de unidade de

conservação em conflito com interesses de povos indígenas. Alguns conflitos entre a SEMA e

a FUNAI, e especificamente alguns casos entre Estações ecológicas e povos indígenas e suas

terras. Estes relatados no Diário de Paulo Nogueira-Neto geralmente com indignação,

inconformidade ou de modo a representar uma competição entre objetivos diferentes pelas

áreas.

A FUNAI ganha quando a SEMA perde, numa relação que parece conflituosa pela posição

explicitada do Secretário, não com a instituição em si de modo formal ou oficial, mas sim

com as demandas, trazidas por este grupo social e suas ações e o direito a suas estas terras

tradicionais. Há visão integracionista. E quando se trata daqueles que afirma serem

“caboclos” e assim não mais “índios” parece ainda pior, pois a possibilidade de um “acordo

com a FUNAI” foi frustrada “de imediato” talvez.

Reportando a alguns anos atrás encontramos no Diário de Paulo Nogueira-Neto, quando

esteve em Brasília/DF, e havia se reunido com a “direção da FUNAI (Fundação Nacional do

Índio)”, conforme registrou no dia em 15 maio 1974,

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Explicamos as finalidades das Estações Ecológicas da Sema e o nosso desejo

de aproveitar, para as mesmas, terras excedentes de Reservas Indígenas. Se

isso não for feito, a União poderá no final perder essas terras, pois há

poucos índios e as áreas reservadas são imensas. As Estações Ecológicas

e os postos indígenas poderão se utilizar de equipamentos comuns (campos

de pouso, rádio etc.). Além disso, as Estações proporcionariam também

empregos a índios. Tenho a impressão de que a Funai compreendeu assim

nossos objetivos e vai cooperar. (NOGUEIRA-NETO, 2010, p.381).

Verificação dos serviços topográficos executados - 1982

Encontramos no processo IBAMA/DIREC que entre julho e agosto de 1982 um assessor da

SEMA informava sobre ida ao Raso da Catarina com o objetivo de verificar títulos de

propriedade em três áreas que SEMA desejava, fazendo referência aos cânions habitados por

“espécimes raros de araras-azuis”, a busca localizou em cartório a existência de propriedades

particulares. Em agosto deste mesmo ano a SEMA consultou por ofício o INCRA também

sobre as três áreas circunvizinhas à Estação Ecológica, afirmando ao órgão que se tratavam de

áreas relativas à “necessidade de preservar raríssima espécie de arara-zul” localizada nos

canyons daquela região e que “apresentavam notáveis ecossistemas circunvizinhos” à Estação

Ecológica do raso da Catarina”.

Foi respondido a SEMA em 15 de outubro de 1982 pelo INCRA que existiam “inúmeras

propriedades cadastradas no INCRA e com registro em Cartório de Imóveis, cujas posses

datam de muitos anos”, nas imediações de vila “canché” havia uma “Projeto de Colonização

do DNOCS”, que não foram constatadas a “presença de posseiros” ou “problemas de tensão

social”, sendo que elas não estavam localizadas nas “áreas declaradas prioritárias para fins de

Reforma Agrária;” (IBAMA/DIREC, p. 123)

A Lei 6.902/81, que regulamentava as estações ecológicas, definia-as como “áreas

representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e

aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação

conservacionista”.

Convenio UFBA/SEMA-MINTER – de 1980 a maio de 1983

Em outubro de 1980 começou a ser realizado um programa de estudos do Instituto de

Biologia da Universidade Federal da Bahia na “reserva federal da Estação ecológica do raso

da Catarina – Ba”, abordava aspectos da biologia e ecologia da área com objetivo de conhecer

o ambiente e obter informações para a sua melhor preservação e manejo. No âmbito de um

convenio UFBA/SEMA-MINTER cujo “Relatório parcial das atividades”, datado de maio de

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1983, do Sub-projeto “Bioecologia da Estação Ecológica do Raso da Catarina” tivemos

acesso.

O relatório faz referencia a uma área de 200.000 ha, informa sobre aspectos da biologia e

ecologia estudados, como por exemplo, a existência de vegetação fechada com arvores de

cerca de 15 metros, constituindo um “verdadeiro oásis florestal, dentro do panorama geral de

caatinga arbustiva.” Que permanece verde mesmo nos períodos de estiagem, quando o resto

da caatinga perde todas as folhas. Os resultados davam conta de um avanço atingido em

relação aos objetivos propostos no projeto, de levantamentos da fauna e flora (220 espécimes

coletados, e após sistemática 174 espécies, pertencentes a 104 gêneros e 59 famílias). Para o

futuro do projeto o relatório indicava um objetivo global de desenvolver uma investigação

para obter um “zoneamento ecológico para a área e estabelecer um manejo e preservação

ideais.” (SANTOS, 1983, p. 04).

O estudo contou ainda com aplicação de questionários com a “população da vizinhança” para

saber “quais as plantas eram por ela utilizadas com fins medicinais”. O questionário foi

aplicado com cerca de 100 pessoas sendo entrevistadas “entre a população de São José, Brejo

do Burgo, Grotão do Chico (ou canyon ou Chico) e Varzea”, sendo obtidas a informação

sobre cerca de “38 plantas por eles utilizadas”. Foram feitos também estudos com insetos,

animais peçonhentos (aracnídeos, escorpiões e serpentes), alem de estudo sobre o clima da

região e balanço hídrico. Resultados estes que foram publicados em uma serie de trabalhos

apresentados em eventos nacionais como o 34º Congresso Nacional de Botânica (23-

29/01/1983 em Porto alegre/RS), 33º Reunião anual da SBPC (08-15/07/1981 em

Salvador/BA) que constam no relatório do Subprojeto, no âmbito deste Convenio UFBA-

SEMA/MINTER.

Esse projeto formalizado e continuado realizado pela UFBA em parceria com a SEMA,

envolvendo vários pesquisadores, que fora iniciado em 1980 e com no mínimo três anos de

execução comprovada e publicada em eventos acadêmicos, não recebeu nenhuma menção no

processo de criação da Estação Ecológica e nem nos livros de Paulo Nogueira-Neto:

“Estações ecológicas: uma saga de ecologia e política ambiental.” (1991) e “Uma trajetória

ambientalista : diário de Paulo Nogueira-Neto.” (NOGUEIRA-NETO, 2010).

Os resultados dessa pesquisa assim estranhamente não serviram para justificar ou embasar a

criação da estação de modo explicita, eram as informações como base em pesquisa científica

realizada em convenio UFBA-SEMA e que serviriam para justificar a área. Estes ocupariam o

lugar do discurso de que haveria uma extinção acelerada, de uma suposta “predação” da

fauna, de uma ultima imensidão verde no Nordeste ou até mesmo o inicial sonho com o

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“paraíso das abelhas” na caatinga. Isso inclusive tendo em vista que tanto a UFBA e

ornitólogos do Museu Nacional acabam por contradizer o discurso, a lógica ou desejo de que

a ocupação humana fosse inexistente no local. Está significando um ideal de natureza

intocada e intacta. E também uma estratégia para distanciar essa natureza descoberta de seres

humanos predadores da região, que seriam os caboclos, ora chamados de índios aculturados.

Os estudos da UFBa e do Museu não só verificaram existência de ocupação humana no local,

quanto consideraram a relação desta população com a fauna e a flora. Estas pessoas eram

consideradas podendo inclusive contribuir com o manejo para manter a alimentação natural

de A.leari. A UFBa buscou na vizinhança da “Estação” conhecimentos sobre a flora com fins

medicinais. Por sua vez, Paulo Nogueira-Neto permaneceu nos extremos entre não enxergar a

ocupação humana e vê-la como predatória.

A despeito das demais pesquisas ecológicas realizadas, a partir da descoberta da arara azul,

esta parece ter sido oficialmente escolhida como representante principal do Raso da Catarina.

A descoberta da arara azul A.leari, então, por seu valor histórico-científico e de espécie

extinta a 50 anos, viria a servir a intenção da SEMA de justificar uma proteção integral.

A partir daquele momento a SEMA tinha bases científicas para continuar com o discurso

ecológico de proteção da natureza, contra a extinção e “predação” daquela espécie,

mobilizando apoios e justificando a área reservada. Vale ressaltar que antes da descoberta da

arara a Secretaria já utilizava um discurso de extinção e “predação” da fauna, sem aparente

fundamentação ecológica científica, argumentos presentes em comunicações oficiais

encontradas nesta pesquisa.

Decreto da Estação ecológica – 1984

Em 1984 a estação deixa de ser provisória e ocorre a sua oficialização como “Reserva

Ecológica Raso da Catarina” através do Decreto Federal nº. 89.268/84. Segundo o Pano de

Manejo (PAES, 2008) a atual ESEC Raso da Catarina “não foi criada diretamente como uma

estação ecológica, uma vez que a Sema não possuía naquela época o domínio da terra,” que

seria uma condição legal para a categoria estação ecológica. Segundo Plano de manejo “[...]

embora a posse da área da estação ecológica esteja registrada na SPU, é necessária a sua

legalização jurídica.” (PAES, 2008, p. 126). O Plano de Manejo descreve a situação das terras

da seguinte maneira:

A partir daí a Sema tomou posse da área, onde originalmente foram medidos

150.000 ha, no entanto, desse total foram repassados 50.000 ha para a Funai

[...] com a cessão dessas terras devolutas estaduais pelo Governo da Bahia, a

Sema então realizou o registro delas na Secretaria do Patrimônio da

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93

União (SPU), transformando-as em áreas devolutas da União, possibilitando

a criação de uma unidade de conservação federal. (p. 126, grifo nosso)

[...] Em novembro de 1979, a Secretaria Especial do Meio Ambiente/Sema

tomou posse dessas terras e instalou-se na área, porém, somente decretou-a

como unidade de conservação em 1984, após sua inscrição como área

devoluta federal na Secretaria de Patrimônio da União – SPU. (PAES,

2008, p. 165, grifo nosso).

Verificamos essas informações de “registro” ou “inscrição” junto a SPU12

em 13/11/2013

(Protocolo 03950004436201350), pois não encontramos estes dados no Processo

IBAMA/DIREC acessado através do ICMBio. Na consulta obtivemos com a

Superintendência do Patrimônio da União na Bahia regional da Secretaria do Patrimônio da

União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), a informação de que “não

foi identificado cadastro da área da Estação Ecológica Raso da Catarina nos sistemas de

controle de processos da Secretaria do Patrimônio da União.” (SPU/MP, 2013).

Uma informação que em vista da documentação encontramos diferença em relação ao Plano

de Manejo é que a área reservada no Raso da Catarina para a Estação ecológica e que também

já havia sido medida na época tinha 200.000 ha e não 150.000 hectares. Conforme

encontramos tanto no processo IBAMA/DIREC como no Decreto Estadual do Governo da

Bahia de 1976.

No plano de manejo consta que a SEMA decretou a área após a inscrição na SPU em 1984,

algo que não corresponde às informações encontradas no processo de criação

IBAMA/DIREC. O próprio plano também informa que a área teria sido decretada como

“Reserva” e não “Estação” devido a ausência de domínio sobre as terras. Entretanto, para

além do registro correto desta informação nos interessa que de fato o Presidente da República

decretou a ESEC Raso da Catarina sem que a terra fosse de domínio da União em 03 de

janeiro de 1984 (data do decreto).

No processo consta Informação Nº 63/84, de 19 de março de 1984, com um parecer

importante sobre este fato, baseado na Lei 6.902/81 que dispunha sobre a criação de estações

ecológicas e na Constituição Estadual da Bahia. O parecer concluiu que se deveria

encaminhar um “aviso ministerial ao Senhor Governador do Estado da Bahia solicitando a

transferência do domínio das terras à União, através da aprovação de lei estadual”. Isto para

que fosse atendido ao requisito legal do Art. 2º da Lei acima, que determina que “as Estações

12

Atualmente fazem parte do patrimônio da União os prédios públicos de uso da Administração Pública, as

unidades de conservação ambiental federais, as reservas indígenas, o mar territorial, os terrenos e acrescidos de

marinha e marginais, as ilhas oceânicas, os potenciais de energia elétrica, os recursos minerais, as cavidades

naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré históricos, e quaisquer outros bens que a União adquira. Os

bens da União estão dispostos no art. 20 da Constituição Federal 1988.

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Ecológicas serão criadas pela União, Estados e Municípios, em terras de seus domínios,”

(BRASIL, 1981).

O aviso foi enviado ao Governador da Bahia. Por conta desta “falha” cometida pela SEMA e

para saná-la o Ministro do Interior, Mário David Andreazza, enviou o Aviso Nº 124 dirigido

ao Governador da Bahia João Durval Carneiro, em 26 de março de 1984 (IBAMA/DIREC,

p.85-86). Não encontramos até o momento o registro dessa Lei Estadual transferindo as terras

devolutas do Estado da Bahia à União para permitir a criação da estação, nem há

registro/matricula na SPU referente a terras do Patrimônio da União referentes a Estação

Ecológica do Raso da Catarina ou entregues a Ministério com este fim (aguardamos resultado

de nova consulta protocolada, com resposta acerca de terras da união matriculadas nos 03

municípios que abrangem a estação ecológica, entregues ao MMA, IBMA ou ICMBio).

Seria a ESEC Raso da Catarina uma unidade de conservação federal em terras devolutas

estaduais e ainda em caráter provisório como foi a sua primeira sede em 1978? Um

aprofundamento da pesquisa documental poderia responder a essa questão aqui suscitada

surgida do contato com a documentação.

Em 11 de outubro de 2001, em menos de (3) três meses após a promulgação da Lei nº.

9.985/2000 ocorreu a recategorização da Reserva Ecológica Raso da Catarina pela Portaria nº.

373. Com base na Lei nº. 9.985/2000 (“Lei do SNUC”) as unidades de conservação e áreas

protegidas criadas com base em legislação anterior e que não pertenciam às categorias

previstas nesta Lei seriam reavaliadas no prazo de até dois anos para se definir sua

destinação, com base na categoria e função para as quais foram criadas (Art. 55). Isto foi

complementada com a determinação que ato deveria ser feito através de Portaria do MMA e o

IBAMA faria a reavaliação (Decreto 3.834/2001). No entanto a Lei posteriormente definiu

que a reavaliação da unidade de conservação deveria ser feita mediante ato normativo de

mesmo nível que a criou (Decreto 4.340/2002), no caso da ESEC Raso Catarina um Decreto

da Presidência da República.

Suspeitamos que a ESEC Raso se criou como reserva pois não se tinha o domínio da terras

devolutas da Bahia à época do decreto presidencial, em janeiro de 1984, e essa era a categoria

“possível” na época. Posteriormente esta foi “recategorizada” por Portaria do MMA em 2001,

sendo que pode ter havido ou não a alteração da situação dominial na qual se encontravam as

terras devolutas do Estado da Bahia reservadas. Assim, pode ter sido sanada ou não a situação

dominial junto a Estado da Bahia (Governo do Estado e Assembléia Legislativa) e também

junto à SPU/MP. Pode ainda ter ocorrido a simples reavaliação pelo IBAMA, a (re)definição

e a emissão de Portaria pelo MMA com base na Lei do SNUC, em apenas três meses

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decorridos da edição da lei do SNUC, mesmo tendo-se 2 anos de prazo limite para fazê-lo.

O que pode ter sido feito sem se levar em conta a situação dominial encontrada na época e

que já havia sido assinalada em parecer informado. As reservas ecológicas podiam ser criadas

pela União em terras devolutas estaduais? As estações ecológicas não podiam ser criadas

dessa forma, e isto estava expresso na Lei vigente.

Para além e anteriormente a esta dúvida, constatamos que desde 1975 antes da possibilidade e

competência legal para a SEMA estabelecer reservas ecológicas isso foi uma posição por

diversas vezes assumida pela SEMA no caso do Raso da Catarina (BA). Inclusive sendo

registrado oficialmente em documentação e comunicado a outros órgãos como o INCRA,

Universidades, Governo Estadual. Se havia ou não esta permissão de algum modo ela se

impôs acima da Lei, diante da competência do IBDF e a partir da ação direta do Secretário

Paulo Nogueira-Neto.

E como a decretação da área pela presidência da república segundo registro feito por Paulo

Nogueira-Neto como reserva ecológica, do ponto de vista fundiário, baseava-se naquela época

somente na reserva de Terras Devolutas Estaduais decretada pelo Governo do Estado da

Bahia, é forte a dúvida sobre o encaminhamento à Assembléia Legislativa do Estado para que

ficasse definida a dominialidade da União sobre as terras.

Não identificamos até o momento se houve essa destinação das terras a União depois de 1984.

Buscamos junto aos órgãos federais competentes identificar esse registro das terras, para

esclarecer esse aspecto da história da ESEC que demonstraria a sua regularidade fundiária

necessária como unidade de conservação federal, ou a sua “provisoriedade” desde o passado.

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4 Confrontação e processos pelas terras indígenas

Pankararé

O professor Pedro Agostinho relatou parte da sua experiência na Universidade Federal da

Bahia numa comunicação apresentada em mesa redonda organizada por Roberto Cardoso de

Oliveira, ocorrida na XI Reunião da ABA. A comunicação que foi publicada na “Revista de

Antropologia” da USP e registrava o inicio do seu trabalho como docente no Departamento de

Antropologia e Etnologia na UFBA em 1971.

Neste relato o Professor constatava que naquele início era “quase nulo o conhecimento dos

estudantes a respeito dos problemas indígenas”, e com relação aos grupos indígenas no Estado

“era também quase nulo o que deles se sabia.” (AGOSTINHO, 1979). Pedro Agostinho diante

do quadro que verificara considerava então necessário “criar uma consciência crítica e

cientificamente preparada”, e, obter informações sobre os grupos indígenas e “seu estado de

aculturação e situação de contacto”. Também objetivava “organizar uma equipe capaz de

levar a cabo uma investigação abrangente da totalidade daqueles grupos”. (AGOSTINHO,

1979, p.133)

No “Boletín Bibliográfico de Antropología Americana (1973-1979)”, publicado em 1974 pelo

Pan American Institute of Geography and History (PAIGH), encontramos um artigo

intitulado “BRASIL” com a seção “Universidade Federal da Bahia estuda populações

indígenas na Bahia”. No artigo é transmitido que o Professor Pedro Agostinho executava

naquele o projeto de pesquisa “Populações Indígenas da Bahia”, objetivando a “descrição e a

compreensão do processo de integração dos índios no Estado da Bahia à sociedade nacional”

(AZEVEDO et al., 1974, p.17).

A iniciativa era precursora do que se tornaria o Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas

do Nordeste Brasileiro, o PINEB. Hoje estabelecido no Departamento de Antropologia e

Etnologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFBA. O programa continuou

em atuação e produzindo estudos na área, tendo reconhecidamente se iniciado “sob a

orientação do Professor Pedro Agostinho da Silva”, conforme site PINEB:

<http://www.pineb.ffch.ufba.br/> (PROGRAMA..., 2013).

O programa se dedicou à “pesquisa etnológica e etnohistórica das sociedades indígenas no

Brasil, em geral, e no Nordeste”. E seria “apenas em 1971, após a chegada ao Departamento

de Pedro Agostinho da Silva, procedente da Universidade de Brasília”, que teriam início os

“estudos de etnologia indígena contemporânea”.

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No seu princípio o programa teria se dedicado a “formar estudantes e encetar estudos

etnográficos dos povos indígenas na Bahia”, “[...] em que se destacam pesquisas sobre

emergência étnica, fenômenos religiosos como o Toré, sistema de dominação interétnica e

etnohistória”. Atualmente se trata de uma linha de pesquisa com “acumulada experiência,

sempre posta ao serviço da etnologia e etnohistória produzidas no Departamento de

Antropologia e Etnologia da FFCH-UFBA” (Site PINEB). Segundo Maria Rosário de

Carvalho e Ana Magda Carvalho (2012, p.25), na introdução do livro “Índios e Caboclos: a

história recontada”, a trajetória do PINEB “[...] têm estreita relação com a história recente dos

povos indígenas da Bahia, e mais extensamente, do Nordeste Brasileiro”.

Nesse contexto, ao iniciar essa experiência e acumulo de conhecimentos, que o professor

Pedro Agostinho “decidiu não somente que era relevante estudar os índios considerados

pouco ‘aculturados’, mas também um pequeno número de povos conhecidos no Estado e

praticamente ignorados pela antropologia da época”. Isto é, aqueles “[...] povos, usualmente

considerados como em vias de extinção a partir do ponto de vista da ‘aculturação’.”,

conforme site do Programa de Pesquisas Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro:

<http://www.pineb.blogspot.com.br/> (PROGRAMA..., 2013).

Segundo o Boletim bibliográfico o estudo “Populações indígenas da Bahia” pretendia “criar

base factual e teórica” para a “uma orientação racional da política indigenista a executar na

Bahia.” A equipe vinha trabalhando desde 1971 e havia um “convenio firmado, para este fim,

entre a UFBA e a Fundação Nacional do Índio” (AZEVEDO et al, 1974).

Em 1976 era comunicada a primeira pesquisa no âmbito do PINEB/UFBA sobre os índios

Pankararé na X Reunião da ABA realizada por Carlos Alberto Caroso Soares, atualmente um

pesquisador e professor da UFBA. Já se informava nesse período que no local onde estavam

as terras ocupadas “imemorialmente por [estes] indígenas” havia uma “tensa situação

interétnica”. É nessa época, precisamente em 23 de setembro de 1976, quando era executado

o convênio entre FUNAI e UFBA, que Pedro Agostinho faz um relato sobre a “perda de parte

de terras dos índios Pankararé” que estava relacionada “aos problemas acarretados pela

implantação [pela SEMA]” da Estação Ecológica Raso da Catarina, no local que era um

“território (imemorial) de caça dos índios Pankararé de Brejo do Burgo, lugar que dele

dependem para obtenção de proteína durante a seca” (FUNAI, 1991, fls. 242). O primeiro

campo e demais realizados por Caroso teriam iniciado por volta de maio de 1975. (informação

verbal)13

. Segundo Rocha Junior (1982) o local “Serra do Chico”, próximo aos limites do que

13

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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seria a Reserva do Raso da Catarina, era importante para os índios como uma “base para as

atividades de caça fundamental para a sobrevivência em épocas de seca” além de lá viver uma

“família extensa do tronco antigo”, família de “Saturino [...]”, ver foto Figura (4).

Figura 12 (4) – Foto: “Saturnino [...]”

Fonte: Arquivo pessoal, CAROSO, aldeia do Chico (Antes de 1980).

Nesse período, com o país vivendo uma ditadura militar, o presidente da FUNAI era o

General do Exército Ismarth Araújo de Oliveira (1974-1979) durante a Presidência da

República do General Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979). O General Ismarth em 15 de

outubro de 1976 propôs a SEMA a “formação de uma comissão mista SEMA/FUNAI” para

que os dois órgãos estudassem a “inclusão dos ditos indígenas nos planos da referida estação”

(Ofício nº 600/76). A SEMA respondeu de modo positivo, oficialmente, afirmando ter

“interesse” e indicou por duas vezes técnicos e coordenadores para compor a comissão que

seria criada, formalizada pela Portaria nº 289/E de 10 de novembro de 1976.

Como vimos, em 03 de novembro o Governo da Bahia reservou 200.000 ha de terras

devolutas estaduais para a estação em articulação com a SEMA, mediante um decreto

estadual e firmou um convenio estabelecendo compromissos e condições entre as partes.

Paulo Nogueira, Secretário da SEMA por mais de dez anos, não mencionou este “detalhe” da

história da ESEC Raso da Catarina, e em suas memórias bastante detalhadas, reserva-se a

fazer referencias aos “caboclos” da região do Raso da Catarina e a uma “pressão” de

antropólogos da FUNAI e da UFBA, ambos negativamente referenciados.

O gestor da SEMA mandaria inclusive fazer o levantamento topográfico antes de algum

“acordo” com a FUNAI. A comissão fora proposta “pelo” General Ismarth antes do decreto

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que reservou as terras devolutas no Raso da Catarina, mas antes da Portaria de sua criação a

terra já havia sido medida e decretada pelo Governador em parceria direta com a SEMA.

Visando assim a criação de uma estação ecológica, sem fazer referencia a indígenas,

antropólogos, FUNAI ou UFBA. Assim talvez a revelia do próprio Ministério do Interior

(órgão só extinto em 1990). Como se pode notar no trecho abaixo:

Infelizmente surgiu um problema sério que chegou a por em risco essa área.

Numa das extremidades, havia um cânion, vivia uma pequena população de

caboclos, composta por apenas vinte e três pessoas, entre adultos e crianças.

Eram descendentes de indígenas, mas já haviam se esquecido do seu idioma

e de muitos de seus costumes. Contudo alguns antropólogos da FUNAI, ao

saberem da existência dessa Estação Ecológica da SEMA, disseram que toda

a área deveria pertencer a esses descendentes de índios. Inconformado com

esse projeto, verdadeiramente despropositado, reconhecendo que as

comunidades indígenas tem direito a posse de terras, separamos cinquenta

mil hectares para esses índios aculturados.

[...] É curioso notar que um antropólogo da Universidade Federal da

Bahia ia lá para ensinar aos caboclos acima referidos as danças e outras

tradições indígenas, que eles já haviam esquecido. (Nogueira-Neto, 1991, p.

68, grifo nosso).

A respeito do tipo de suposição acima se poderia associar uma outra que geraria uma

expressão surgida em 1975 na área Pankararé, devido ao trabalho antropológico em campo:

que era a da existência de um processo em que as pessoas iriam se “assinar como índio” nesse

contato da pesquisa entre antropólogo com o grupo (informação verbal)14

. Rocha Junior

(1982) explica que o trabalho do antropólogo ao “realizar um censo dos índios” teria feito

surgir a figura do “índio alistado”, aquele se identificara ao pesquisador.

Todavia a comissão, criada pela Portaria de 1976, formada por FUNAI, SEMA e UFBA

sugeriu que fosse feito “um estudo mais aprofundado da área” (FUNAI, 1991, fls.153),

concluindo esta “pela permanência dos índios que já se encontravam no interior da área

proposta para a Estação” sem estender esta condição aos “demais índios [...] mesclados aos

brancos” (fls. 208). A comissão segundo consta no processo considerou “inexequível a

criação de uma reserva indígena englobando somente os índios dado o adiantado grau de

aculturação deste”, “acentuado numero de casamentos inter-étnicos” e “assimilação aos

costumes da sociedade envolvente” (fls.193).

A comissão FUNAI/SEMA teria apontado ainda como “solução” a promoção da “legalização

das posses individuais existentes, tanto de índios como de não-índios.”, e também, segundo

consta no processo, “concluiu [a comissão] que seria viável a instalação da Estação Ecológica

14

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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do Raso da Catarina, com os Pankararé, desde que fossem atendida[s] as necessidades de

subsistência e outras dos índios.” (fls. 242).

Porém estas conclusões e sugestões não foram utilizadas como subsídio pela SEMA, que

havia logrado via Decreto Estadual obter uma área reservada de terras devolutas na Bahia

com 200 mil hectares. O secretário da SEMA registrou a situação com os índios, de modo a

não fazer referencia a esse “detalhe”, ainda que por isso tenha “perdido”, “cedido” ou que a

área tivesse sido reduzida a revelia do interesse do órgão diante da questão indígena, não se

sabe ao certo. Quando parece ter havido um formal procedimento para tratar da questão com

proposição e tratamento conjunto do caso. Do modo como ficou registrado por Paulo

Nogueira-Neto a FUNAI ou os antropólogos seriam antagonistas da SEMA, com os quais não

se pretenderia fazer nenhum acordo ou ação conjunta, restando o desagrado quanto à situação.

A respeito da proposição das “posses individuais” podemos trazer a observação de Cunha

(1992) segundo a qual o governo, após ter favorecido durante um século a “presença de

estranhos junto ou dentro das terras das aldeias”, lançaria mão de “critérios de existência de

população não indígena” e “aparente assimilação para despojá-los. A eles só restaria, em

certos casos, lotes individuais de terra.” (apud CARVALHO, M.; CARVALHO, A., 2012,

p.15).

No processo FUNAI Pankararé faz-se referencia a comissão FUNAI/SEMA/UFBA de 1976 e

ao Convênio FUNAI-UFBA na área de Antropologia, ambos trataram da situação dos

Pankararé com objetivos distintos, embora fortemente relacionados. E também no ano 1980

haveria o convenio UFBA-SEMA na área de Biologia que passara pelo local, inclusive

realizando entrevistas. Estes todos estavam atuando na região onde estavam os índios

Pankararé e na região do Raso da Catarina.

No entanto, não foi suficiente o diálogo institucional. Pois o único encaminhamento oficial

aproximado a proposta da comissão levado adiante foi o de titular individualmente índios e

não-índios. Mesmo diante dos relatos informados de Caroso Soares e Agostinho da Silva, a

verificação de um grave problema fundiário e tensão “interétnica”, a única “solução”

visualizada seria sempre a de se “impor” o “acordo” e “consenso” forçado entre as “partes”,

como a única “saída” para o caso dos índios e não índios, ou “caboclos” e “posseiros”. Um

parecer de 18 de maio de 2000 no processo FUNAI (1991) considera de forma lúcida e

transparente que “os próprios servidores da FUNAI, ou técnicos de outras instituições

enviados pela FUNAI, não se mantiveram firmes na defesa dos interesses dos índios.”

(fls.244).

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4.1 Entre aceitar as “posses individuais” e o “enfrentamento”

Os acordos não foram objeto de tratamento aprofundado nesta pesquisa, que não objetivou

investigá-los em si, porém é inegável a importância destes como elemento que revelam algo

contraditório na ação dos Governos Federal e Estadual e na história dos Pankararé. Estes, por

revelarem um elemento com muitos aspectos dentro do conflito, e a estratégia do “acordo

[como] foi sugerida inicialmente, ao que tudo indica não pelos índios ou posseiros, mas sim

pelo Governo (FUNAI, SEMA e posteriormente INTERBA), ao negar-lhes a possibilidade de

ter a demarcação de suas terras, ou uma “Reserva indígena” ou até um “Parque indígena”

previstos no Estatuto do Índio.

Os Pankararé deixados a sorte dos “acordos” estavam submetidos às relações de poder das

forças locais, Igreja, Sindicatos, Prefeitura, posseiros, que estavam mobilizadas, como indica

o registro no processo, para tentar inviabilizar a demarcação das terras indígenas. A própria

FUNAI admite o fracasso da tentativa “por aproximadamente quinze anos [de] um diálogo

com os posseiros” quando estes provavelmente foram causadores do fato “que entre os anos

de 1981 e 1987 os índios tiveram sua área de ocupação diminuída em 30%” (fls. 147 e 244)

conforme o próprio INTERBA levantou.

A categoria introduzida e grupo dos “posseiros” teria surgido na área da formação de

“partido” dos “não índios” em oposição ao índios, e que os acusariam de “quererem tomar as

suas casas” e de nunca terem existido (ROCHA JUNIOR, 1982, p.2). Em meio a esse

contexto haveriam também o “índio sem vergonha” ou “não assumido” que seria reconhecido

pelo grupo indígena como um deles mas negaria essa identidade se posicionado no “partido”

oposto. O sindicato rural que antes disso fazia oposição aos que passaram a ser opositores dos

índios, diante da questão étnica criada, acabava por aproximar “posseiros” do sindicato com

os “grandes” donos poder local como Artur Figueiredo. Mas uma outra posição era a da

“comissão índio-posseiro”, que não seguia a liderança de Figueiredo, todos assentados no

Brejo do Burgo.

Aquela “consciência crítica e cientificamente preparada”, que desejava Pedro Agostinho para

o trato das questões indígenas na área de Antropologia da UFBA, faltava aos órgãos

governamentais envolvidos. Havia base legal na época, como se observa no Estatuto do Índio

que previa o reconhecimento do direito dos índios à posse permanente das terras por eles

habitadas, era algo que independia inclusive da demarcação (Art. 25.), a ser assegurado pela

FUNAI. Dessa forma, o não cumprimento deste reconhecimento que parece sido o estopim

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das inglórias situações de violência e insegurança ocorridas ao longo de quase 40 anos de

ação governamental envolvendo os Pankararé suas terras.

Ou teria sido a ação de um órgão contraditório na época (FUNAI) num governo dirigido por

militares agindo através de uma visão “assimilacionistas” quanto aos indígenas, ou

simplesmente recusa a agir, indo de encontro ao marco legal vigente na época. Ou teria sido

uma demonstração de força da SEMA, recusando a proposição da FUNAI, o civil

sobrepondo-se ao General, ambos dirigentes de órgãos do Ministério do Interior.

O que pareceu ter se colocado na ação do governo (SEMA e FUNAI) é o mesmo que pode ser

interpretado no Diário de Paulo Nogueira-Neto (Figura 12), quando registra a sua

“inconformidade” ao ter que “ceder” parte de uma “jóia da natureza” para caboclos

“aculturados”, “mesclados”, e que já haviam “perdido” sua “cultura”, como se encontravam

preconcebidos os índios Pankararé. Talvez haja o elemento do repúdio a caça tradicional no

Raso da Catarina.

Figura 12 (4) – Foto: Paulo Nogueira-Neto

Fonte: Teresa Urban. Em “A saudade do matão”.

Duas questões de fundo parecem emergir: a primeira seria a desconfiança acerca da

identidade dos Pankararé que poderia ser encontrada no grupo dos “regionais”, “nacionais”,

“não-índios”, “brancos” ou resumidamente “posseiros”. Desconfiança que parecia persistir

diante do reconhecimento reforçando o “acordo” como solução para o conflito (fundiário e

étnico). A segunda questão seria a firmeza quase despótica para preservar o Raso da Catarina

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acima de qualquer questão em separado, obtendo relativo sucesso e referida posteriormente

como parte de uma “saga ecológica”, buscando um caráter notável e heróico.

As “categorias étnicas” índio e caboclo segundo costumam se opor a outras em contextos

empíricos nos quais se apresentam. O sentido da ampla categoria “caboclo”, originada “do

tupi caa ‘floresta’, e boc ‘que vem de’ (procedente do mato)” em distintos campos semânticos

remeteria ao “mestiço de branco com índio”, “representações do índio e de seus deuses” e o

“caboclo dos cultos” categoria de um “sistema religioso” incorporaria “representações

relativas a vários grupos da população” (BOYER, 1999; GRENAND; GRENAND, 1990 apud

CARVALHO; CARVALHO, 2012, p.13).

A partir da década de 60 é que o grupo Pankararé teria voltado a se “reunir na região e a

reivindicar suas terras, criando uma situação de conflito com a sociedade local”, segundo

Garcez (1997, p.58). A década de sessenta teria sido o período de intensificação de contato

entre os índios Pankararé e os Pankararú, inclusive os primeiros teriam buscado recorrer a

FUNAI no local Brejo dos Padres e teria havido uma influencia dos Pankararu na “retomada”

das “práticas rituais tradicionais”, emergem “conflitos sobre limites de roças” devida a

obstrução da pratica de coleta (MAIA, 1992), se iniciam também “batidas policiais” em busca

de “vestimentas e aparatos rituais” relativos ao “Toré”, “Praiá” e a “Jurema” (MAIA, 2012).

Segundo entrevista o praiá e tonãs eram presentes nos anos 70, o toré também, as penas não, e

dos Pankararu seriam “Luis preto e outro” que “ensinavam” e “reinventavam” a cultura

indígena a partir da leitura Pankararu, com os rituais do “tore, praia, e um ritual fechado,

chamado quarto, ou roda de caboclo ou ritual da jurema”. Esses rituais eram reprimidos, e até

haviam sido levadas para delegacia em Glória. (informação verbal)15

. O SPI, mediante

notificação através do posto indígena Pankararu, teria garantido uma posse indígena frente a

um invasor no Brejo do Burgo, o que teria reforçado a conscientização Pankararé, segundo

Maia (1992).

Segundo Caroso, que fez um “relatório” “laudo” apresentado a FUNAI depois de 1975, ele

próprio tinha sido nomeado para ser agente na relação “negociação” com a SEMA sobre a

Estação Ecológica, trabalho iniciado em 1975 pela SEMA (informação verbal)16

. Suzana

Maia (1992) coloca o seguinte sobre impacto da Reserva Ecológica sobre os índios Pankararé:

Outra significativa interferência foi a criação da reserva ecológica do Raso

da Catarina, em 1976, quando a caça, importante fonte de complementação

15

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor. 16

Informação fornecida pelo pesquisador em entrevista realizada pelo autor.

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alimentar indígena, é proibida em toda a região demarcada pela Secretaria do

Meio Ambiente. (MAIA, 1992, p.21).

Segundo Bandeira (1992), os índios Pankararé teriam conhecimento ecológico e biológico

que seria um dos aspectos fundamentais da adaptação destes índios ao Raso da Catarina.

Bandeira (1992, p.29) à época do seu estudo considerou que os índios encontravam-se numa

“situação de fricção interétnica” com os posseiros. Maia (2012) numa publicação mais recente

sobre os Pankararé observou que a “crise fundiária” e “conflitos étnicos” agravaram-se “ainda

mais devido a criação da Reserva Ecológica do raso da Catarina”, ocasião em que a caça teria

sido “proibida em toda a região demarcada pela Secretaria do Meio Ambiente.” (MAIA,

2012, p.174).

Nessa época já havia sido reconhecida a liderança do “cacique Angelo Pereira Xavier”, e

eram também lideres: “nego de rosa, Luis de Aprígio (Cerquinha)”, porém “Angelo” era

apontado pelas pessoas como principal liderança (informação verbal)17

. A UFBA havia

iniciado os “primeiros estudos de caráter antropológico” (BANDEIRA, 1992) no contexto do

convênio UFBA-FUNAI; e, a SEMA havia sido alertada quanto a situação dos índios diante

dos planos de se instalar no local uma área protegida. A FUNAI que havia sido criada em

1967 e o Estatuto do Índio que fora sancionado em 19 de dezembro de 1973, permitiam a

resolução como previsto em Lei.

Figura 13 (4) – Foto: Cacique Angelo Pereira Xavier

Fonte: arquivo pessoal de Carlos Caroso.

17

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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105

Segundo entrevista na Portaria conjunta FUNAI SEMA Caroso, um jovem, foi nomeado e

junto na Comissão, com “funcionária de carreira da FUNAI” defendendo o ponto de vista de

permanência dos índios no local da Estação, juntamente com “Pedro Agostinho e Enir”

(funcionária). Segundo relatado a SEMA “queria a retirada do índios e teve uma aliada” a

FUNAI. Houve ainda uma reunião com o próprio General presidente da FUNAI e a SEMA,

realizada na FUNAI sobre a retirada dos índios. Segundo relato o principal argumento de

Paulo Nogueira Neto presidente da SEMA era a Ararinha cinza, e “em nome das ararinhas

você limpava o raso da Catarina das pessoas – idéia básica da SEMA na época, para Paulo

Nogueira a natureza era mais importante que gente (24:3h). Em 1980 deve ter sido a reunião

com a FUNAI e SEMA. (informação verbal)18

.

Porém, antes uma solução ser proposta, o acirramento do conflito geraria um elemento terrível

para os Pankararé em 26 de dezembro de 1979: o assassinato do seu cacique a tiros numa

emboscada. Caberia perguntar:

Onde está o cacique Ângelo Cretã dos Kaingang? Angelo Pereira dos

Pankararé? Norberto Poty dos Guarani? Moacir e Mateus, Guajajaras

assassinados unicamente porque eram índios? A família de Tikuna mortos a

tiros por seringalistas? O líder apurinã morto espancado unicamente porque

se recusou a continuar vendendo a produção de borracha da tribo a preços

irrisórios para os seringalistas? (ISA/CEDI, 1981)

Esse trecho acima é parte do texto de apresentação da edição “Aconteceu Especial (número 6)

- Povos Indígenas no Brasil 1980”, publicado em abril de 1981 pelo Centro Ecumênico de

Documentação e Informação (CEDI) e Editora Tempo e Presença. Publicação que

apresentava os fatos destacados na imprensa principalmente nos jornais do Rio de Janeiro e

São Paulo sobre os povos indígenas naquele ano de 1980. A publicação era voltada aos

“trabalhadores do campo, aos operários, aos índios, às lideranças sindicais, aos agentes de

pastoral” informando-os o que “se passa[va] no Brasil” referente a “suas lutas e suas áreas de

atuação.” (ISA/CEDI, 1981).

Para situarmos esse terrível fato, observamos que mais de 40 anos antes, em 10 de julho de

1937, Carlos Estevão de Oliveira apresentava uma palestra em Recife, Pernambuco, no

Instituto Arqueológico e geográfico pernambucano, que depois seria publicada no Boletim do

Museu Nacional, dava “notícias sobre remanescentes indígenas do Nordeste”, narrando as

investigações etnográficas e arqueológicas que havia feito em 1935 e 1937 nos “sertões de

Pernambuco, Baia e Alagoas.”

18

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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O pesquisador visitara os “Pankararu do Brejo dos Padres” em Tacaratu (Pernambuco) em

1935 e os “Fulniô de Águas Belas”. Ele teve amplo contato com os Pankararu e recebeu

informações transmitidas pelo “chefe da aldeia, o velho Serafim, [e] por outros caboclos”.

Segundo as informações obtidas estes haviam habitado o “Curral-dos-Bois” na Bahia e neste

“reuniram-se povos de outros lugares” inclusive tendo chegado gente do “Brejo-do-Burgo” e

o pesquisador faz referencia a “Missão que nele existiu em épocas remotas” (OLIVEIRA,

1942, p.159).

Segundo Estevão narra ele pode observar e conhecer sobre a “comunidade dos Praiás”, a

“incarnação dos espíritos protetores da aldeia” que “se reúnem por ocasião das festas” no

“Poró” (OLIVEIRA, 1942, p.163). Assistira ao “Toré”, à iniciação na “sociedade dos praiás

ou dos encantados” e assistira durante o dia a uma “festa da Jurema ou do Ajucá”, que “se

realiza no meio da caatinga, principalmente a noite”. Assistiu a “todo o preparo do Ajucá” que

descreveu como sendo uma “bebida milagrosa feita com a raiz da Jurema” (OLIVEIRA,

1942, p.165). No relato de Estevão era esta uma “bebida mágica que transporta os indivíduos

a mundos estranhos e lhes permite entrar em contacto com as almas dos mortos e espíritos

protetores” (OLIVEIRA, 1942, p.166).

Figura 14 (4) – Fotos de Carlos Estevão de Oliveira

Foto A Foto B

A) Fot.050 - Índios Pankararu, dança do praia; B) Fot.046 - Índios Pankararu, dança do praiá.

Fonte: Coleção etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, Site

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O pesquisador relata à época três situações em que os Pankararú haviam sofrido violência:

quando a aldeia foi invadida por homens que dispararam tiros baleando gravemente uma

mulher de nome Maria da Conceição e seu filho de 11 anos no momento em que “os Praiás

estavam dansando”, o gado sendo solto por proprietários e destruindo as roças indígenas e o

relato de um envenenamento proposital de pessoas por “estricnina e arsênico” causado por um

proprietário de gado que tentava vingar-se (OLIVEIRA, 1942, p.179).

O Praiá é um ritual de culto aos “encantados” que são seres espirituais de origem mística no

qual “os Praiá” tem a função de “unir o universo mítico e o mundo dos homens” num

momento lúdico de afirmação da etnia, em que ocorre o uso da Jurema, bebida preparada

especialmente para estas ocasiões (MAIA, 1992, p.50).

Angelina N. R. Garcez (1997) no livro “Em torno da propriedade da terra” escreve sobre as

“Terras dos Pankararé”, fruto, segundo a autora, de uma pesquisa com base na documentação

oficial do século XIX existente no Arquivo Publico do Estado da Bahia. Segundo a autora, os

“remanescentes Pankararé distribuem-se pelos povoados Brejo do Burgo (antigo Curral dos

Bois) e Chico” e supõe-se que sua presença no local tenha origem nos “aldeamentos e missões

religiosas estabelecidas no século XVII” (GARCEZ, 1997, p.19).

O Curral do Bois está registrado como “nome de aldeias de índios” na região do São

Francisco na Bahia em documento de 18 de dezembro de 1698 citado por Serafim Leite e

como “aldeia existente” no século XVIII, criada em 1702 e denominada “São Francisco do

Curral dos Bois” segundo Felisberto Freire (apud GARCEZ, 1997, p.55).

Segundo Garcez (1997) com base nos documentos do arquivo público as terras da missão

denominada Curral dos Bois, aldeia Brejo do Burgo, foram cedidas a aldeia “pela mercê real,

na forma do Alvará de 13 de novembro de 1700”, o “quadro de légoa” ou “légoa em quadra”.

Isto é, as terras “foram concedidas”, “sendo a área patrimonial dos respectivos grupos”, o que

não impediu que ocorressem “invasões e esbulho” e “expropriação das terras” por “vários

brasileiros que pretendem haver a si as terras da dita aldeia” conforme “carta do Juiz de Paz

Miguel Gomes da Cruz dirigida ao Presidente da Província”, de 19 de novembro de 1833, em

que o Juiz “pede instruções de como proceder para proteger as terras dos aldeados”

(GARCEZ, 1997, p.58).

A respeito dessa antiguidade histórica, anos a frente, no trabalho de Suzana Maia (1992)

encontramos que:

Em 1910, é criado o Serviço de Proteção aos Índios que mantivera então

onze postos indígenas, sendo três deles situados as margens do São

Francisco, totalizando cerca de mil e quinhentos descendentes indígenas. Os

Pankararé são referidos, em 1951-52, como “um grupozinho de

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sobreviventes índios que não estão sob jurisdição do S.P.I.”, numa

população estimada em 225 indivíduos (Hohenthal, 1960:58). Pelo menos

superficialmente, seriam indistintos das povoações neo-brasileiras do local, a

não ser pela persistência de algumas praticas culturais como o Toré19

e o

Praiá (18). (MAIA, 1992, p. 18).

A esta “persistência das tradições” Maria do Rosário Carvalho e Ana Magda Carvalho (2012,

p.21) fazem também referência a Hohenthal Junior, antropólogo americano, que nos anos 50

do século XX, realizou expedição de campo ao vale do São Francisco e “observou que os

povos indígenas aí estabelecidos, não obstante a mistura inter-racial contínua e de longa

duração” apresentavam surpreendentemente esta “persistência”. Assim “registrando a

presença de seres tutelares, espíritos guardiões, a grande recorrência ao culto da jurema e a

persistência do xamanismo [...]”. A pesquisa do PINEB seguiria esta “pista na literatura

Hohenthal”, década de 60 (informação verbal) 20

.

Figura 15 (4) – Foto Praiá

Fonte: arquivo pessoal, antes de 1980. (CAROSO).

O local de “origem histórica”, que é remetido aos Pankararé, que concentra os “índios

aldeados” é o Curral dos Bois, um aldeamento do Século XVIII. Que teria entrado em

decadência em meados do século XVIII, somada a decisão imperial de 1850 que praticamente

19

O Toré constitui-se em uma dança coletiva aberta a participação do público, com pausas apenas para o

consumo da Jurema; podendo durar até o amanhecer. (MAIA, 1992, p. 50). 20

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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considerava e dava por extintos os povos indígenas, por já não estarem “aldeados”, ou

estarem dispersos, e com suas terras usurpadas, sugere-se que assim tiveram que buscar áreas

como o Brejo do Burgo (SAMPAIO, 1986 apud MAIA, 1992).

Os Pankaré ou Pankararé, como são comumente denominados, estão

situados de forma mais concentrada em Brejo do Burgo, município de gloria.

Outros grupos de menores proporções habitam a Serrota, a 6 km ao sul do

Brejo e as cabeceiras de um “canyon”, na Serra do Chico, todos no estado da

Bahia [...], (MAIA, 1992, p. 12).

[..] A reserva indígena, onde se localiza os povoados da Serrota e Serra do

Chico, está situada, na área do Raso da Catarina, ao norte da área doada pelo

governo estadual a SEMA, em ‘1973’, para a criação de uma estação

ecológica. (MAIA, 1992, p. 14)

Segundo entrevista ao tratar das origens no local, refere-se que houve aldeamento indígena,

curral dos bois sendo um ponto de parada de boiadas do Piauí. Sendo local de difícil acesso,

com fontes de água, o Brejo do Burgo e a fonte de água doce, a “Fonte Grande”, que existia

e se tomava banho, lavava roupas. A vantagem do Brejo do Burgo sobre outros lugares seria

que é um vale que tem lagoa, Fonte Grande, a principal fonte de água potável, e assim havia

tensão sobre a água. (Informação verbal)21

.

Figura 16 (4) – Foto: “A Fonte Grande”

Fonte: Foto antes de 1980 (CAROSO).

21

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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Retornando ao final do ano de 1979, quando do assassinato do cacique Pankararé,

encontramos que no dia seguinte (27/12/1979) ao acontecido o jornal Folha de São Paulo

(anexo) noticiaria o fato, matéria que apresentou a versão da FUNAI e manifestação do CIMI

e Comissão Pró-índio de São Paulo. Para a FUNAI se tratava de uma morte por “rixa pessoal”

com um familiar, o CIMI em nota expressou que a violência tinha “conivência da FUNAI” e a

comissão Pró-índio responsabilizava a FUNAI afirmando que desde 1975 os conflitos haviam

se exacerbado sem que os índios fossem “jamais assistido[s]”, para comissão a FUNAI na

época “se omitiu e por isso os litígios começaram”. Segundo a comissão a matéria da Folha

(1979) a delegacia regional do INTERBA havia recebido “pedidos de titulação de terras por

parte dos brancos” ao que “se opunha o chefe índio assassinado” e suspendeu qualquer ação

neste sentido.

A matéria fazia referencia a 1.200 índios Pankararé que sofriam “perseguições dos líderes

políticos das cidades de Paulo Afonso e Glória, Adauto Pereira de Souza e Artur Figueiredo”,

segundo o antropólogo Olimpio Serra entrevistado em Brasília-DF. “Artur Pereira e

Pedrinho” eram na época as principais lideranças contra os índios, e Artur Pereira, que

supõe-se fora “cangaceiro da volante”, vereador e prefeito, dominava a política no local, era

tio de Adauto Pereira de Souza. (informação verbal)22

. Adauto Pereira de Souza, sobrinho de

Artur Pereira, morre num acidente aéreo em que também estava Cleriston Andrade, ex-

prefeito de Salvador/BA, político ligado ao ex-Governador do Estado da Bahia Antonio C.

Magalhães.

O antropólogo afirmou ainda que “a inexistência de qualquer auxílio da Funai” se devia aos

“Pankararé não oferecerem nenhum tipo de exotismo e não são considerados como índios.”. A

notícia ainda revelava que a FUNAI teria sido advertida mais de uma vez pelo “antropólogo

Carlos Alberto Soares da [UFBA]” que entregara ao órgão “em outubro um relatório [...] onde

já estava previsto o recrudescimento da luta [..]”. As reivindicações “do cacique” estavam na

“instalação de um posto indígena que impedisse a perseguição sofrida” que impedia a prática

das “festas tradicionais” e “manifestações culturais”. Além disso, o CIMI em nota lamentava

a morte do “cacique Angelo Pereira Xavier” que havia se destacado “pela organização da

resistência de seu povo contra a titulação ilegal das terras pelo Governo do Estado da Bahia”

(FOLHA..., 1979).

Segundo entrevista no trabalho de campo nos Pankararé houve uma reunião em que estaria

Alcides Modesto”ex-padre, candidato a deputado logo depois, que tinha discurso a favor dos

22

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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índios”, era amigo de Pedro Agostinho, e “mobilizou os sindicatos contra os índios

juntamente com “Mario Zanetta (Bispo)”, também os posseiros foram mobilizados por

representante do sindicato local. Até 1980 terminaria essa fase com a ultima ida a campo. O

entrevista era na época era acusado ou apontado como tendo inventado os índios. (Informação

verbal)23

. Algo que é encontrado em Nogueira-Neto.

Na edição número 6 do “Aconteceu Especial” (1981, p. 27) encontramos transcritas três

matérias em jornais do ano de 1980: 1) “Missa pelo cacique Ângelo Pereira Xavier

assassinado” (Folha de São Paulo), registrando a realização da missa de sétimo dia, em que

estava presente o “Pe. Paulo Suess, secretário do CIMI”; 2) “Pankararé vão a Brasília

comunicar assassinato de seu líder” (A crítica – Manaus), informando que os índios iriam

“reivindicar a demarcação de suas terras cuja posse vem sendo ameaçada por fazendeiros”; e,

3) “FUNAI inicia demarcação de terras dos índios Pankararé” (JB), quando era informada a

chegada a Salvador/BA de um antropólogo e um agrimensor da FUNAI que iriam ao Brejo do

Burgo para iniciar os trabalhos de campo e definir a área a ser “reservada ao grupo indígena

Pankararé”. Esta ultima publicada em março de 1980, dois meses após o enterro do cacique

Angelo Xavier. (ANEXO...).

A FUNAI é hoje um órgão federal prestes a completar 50 anos de história e atuação, sendo

criticado em sua trajetória, acusado de corrupção em algumas ocasiões e tendo sido dirigido

por vezes de modo contrário e conflitante em relação aos interesses indígenas. O ano de

1980, segundo o que foi publicado na imprensa, parece ter sido embaraçoso e crítico com

relação a questão indígena para a FUNAI, Ministério do Interior e para a Presidência da

república do General de Exército João Baptista Figueiredo (15.03.1979 a 15.03.1985).

O embaraço se deu para a FUNAI pela demissão de dezenas funcionários por justa causa

acusando-os de insubordinação; pela ameaça de expulsão dos missionários das áreas

indígenas; a vinculação da FUNAI ao SNI e CSN; a denuncia feita pela ABA de proibição do

ingresso de antropólogos e da impressa em áreas indígenas; com o presidente do órgão (o

Coronel da reserva J. C. Nobre da Veiga) acusando antropólogos e indigenistas de insuflarem

índios, chamando-os ainda de “maus brasileiros”; o Ministro do Interior (coronel Mário David

Andreazza) admitiu não se ter conseguido “regularizar nenhuma das suas 250 reservas”

indígenas e ainda admitiria que a FUNAI tinha emitido certidões negativas ilegais ou

inverídicas atestando erroneamente que não havia índios em terras dos Txucahamãe no Mato

Grosso, o que gerou conflitos mais de 10 mortes.

23

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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Figura 17 (4) – Foto: Ministro Andreazza em Aconteceu-Especial-numero-15-Povos-

Indigenas-no-Brasil-1984

Fonte: ISA/CEDI, 1984.

Em dezembro com a realização do “4º Tribunal Bertrand Russell de Direitos Humanos”, em

Roterdã na Holanda, o Brasil foi condenado por praticar o genocídio contra os indígenas.

Reforçava a péssima imagem internacional o fato de o governo ter tentado proibir a saída do

país do “cacique Xavante Mario Juruna”, que havia sido também eleito presidente do júri. O

cacique ficou retido no país chegando ao evento apenas no ultimo dia, por ordem do

Ministério do Interior, que tentara impedir a saída ainda que fosse usado um instancia judicial

para isso. Neste também foi entregue ao Papa João Paulo II uma carta elaborada por índios de

18 nações indígenas listando políticos e autoridades “inimigos dos índios” ou “anti-

indigenistas” (ISA/CEDI, 1981, p.38).

A FUNAI teve 34 presidentes ao longo de 47 anos de atuação. E no período de junho de

1970 a outubro de 1981 foram nomeados quatro presidentes (ISA): dois generais da reserva

(Oscar J. Bandeira de Mello-Médici), um coronel da reserva (João C. N. da Veiga) e um

engenheiro (oriundo do DNER). Desta época destacam-se as seguintes ocorrências: o Plano

de Integração Nacional (Conv. SUDAM, 1970), a promulgação do Estatuto do Índio (1973), é

extinto o SPI, as tentativas de imposição da “integração” dos índios, é facilitada a exploração

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mineral em terras indígenas por empresas estatais, são propostos “critérios de indianidade” e

de “emancipação” dos índios, e ocorre a demissão de 39 indigenistas e antropólogos.

No período seguinte, de outubro de 1981 até março de 1990, foram indicados 10 presidentes

para dirigir o órgão. Época em que dirigiram o órgão diferentes figuras políticas, incluindo

um coronel da aeronáutica ligado ao CSN, dois economistas, dois advogados, um policial de

carreira, um sargento do exercito, o “indigenista” Alvaro Villas Boas, um “sertanista”, e um

ex-diretor do INCRA que não chegou a tomar posse por ter sido impedido (ISA). Nesse

período, por exemplo, foi autorizada a entrada de empresas mineradoras em terras indígenas

(Dec. 88.985/1983).

4.2 Processos e “acordos” sobre as terras Pankararé

As Terras Indígenas Pankararé ocupam área em torno de 45.600ha no nordeste do estado da

Bahia situada dentro da região denominada Raso da Catarina (BRASIL 1983 apud COLAÇO,

2006; BANDEIRA, 1992, 2007), no quadrilátero formado pelas cidades de Paulo Afonso,

Jeremoabo, Canudos e Macururé, e com localização fronteiriça a Estação Ecológica Raso da

Catarina (SAMPAIO et al., 2009). Abaixo localização das terras Pankararé na Figura 18.

O território é composto da T.I. Pankararé (29.597ha) homologada em 1996, e de outra parte

denominada T.I. Brejo do Burgo (medindo 17.924 ha) homologada em 2001, a segunda é

onde se encontra o foco dos conflitos fundiários. Segundo o Plano de manejo aprovado para a

Estação Ecológica Raso da Catarina (PAES, 2008):

A terra indígena Pankararé está situada a sete quilômetros da Esec e, no

entendimento dos indígenas e de alguns moradores da região, a Estação

Ecológica não deveria ser demarcada por cercas, impedindo a entrada e o

uso comunitário da terra que, segundo eles, perdura quase 160 anos. Tal

afirmação contraria os historiadores que narram que na década de 1930

Lampião e seu bando passaram pela região, ressaltando que essa passagem

foi determinante para a fuga das comunidades locais. Isso reforça a

hipótese de que muitos residentes atuais do entorno têm moradia

recente em muitos locais24

. (grifos nossos, PAES, 2008, p. 84)

24

Trecho que encerra a seção que apresenta as “Populações tradicionais residentes na Região da Esec Raso da

Catarina” dentro da parte “Aspectos culturais e históricos da região da Esec Raso da Catarina” (PAES, 2008).

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Figura 18 (4) – Mapa Terra Indígena Pankararé

Fonte: FUNDAJ. <http://www.fundaj.gov.br/images/stories/pankarare-brejo-do-burgo-

ba.jpg>

A ESEC Raso da Catarina é situada na área dos municípios de Jeremoabo, Rodelas e Paulo

Afonso, e as Terras Pankararé situam-se nos municípios de Rodelas, Glória, Paulo Afonso.

Segundo Isabel Modercin (2011, p. 150) num trabalho sobre os índios Pankararé e Pataxó

ambos vivem hoje em “territórios diminutos cercados por latifundiários, empreendimentos

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privados de toda ordem e assentamentos de reforma agrária.”. Sua organização social tem

como características a auto-exploração da mão-de-obra familiar, a economia de subsistência

(agricultura e pecuária em pequena escala, somente para consumo interno do grupo); a

produção agrícola (feijão, milho e mandioca), além dos frutos silvestres (BANDEIRA, 1996;

2007).

A situação dos Pankararé em dois processos recebidos diretamente da FUNAI, na íntegra,

com páginas numeradas, paginadas com assinatura e carimbo nas peças, bastante completos,

foi observada na pesquisa. A documentação é reveladora de atos do órgão e ao mesmo tempo

a partir dela se podem aventar questões sobre acontecimentos e lacunas. Algumas que não

podem ser explicadas apenas na leitura dos documentos do processo.

Por conta de um lapso processual é que teve importância a coleta dados de outras fontes como

a imprensa da época, pesquisas e produção científica divulgada sobre os Pankararé e

relevantes depoimentos de pessoas envolvidas desde os anos 70 na pesquisa sobre povos

indígenas na Bahia especificamente as vinculadas a área de Antropologia da UFBA. Houve

dúvida quanto a alguns fatos noticiados na imprensa da época encontrados, como por exemplo

na notícia de que a “FUNAI inicia demarcação de terras dos índios Pankararé” em março de

1980 (JB em ISA/CEDI, 1981, anexo).

Não se pode confirmar essa notícia através dos processos que culminaram na homologação da

demarcação das terras analisados, o que fez crer ou evidenciou que se ocorreu esta ação do

órgão na época da notícia, não foi registrada pelo menos na documentação acessada que se

refere ao interesse dos Pankararé. E sendo também posteriores todos os atos documentados e

arquivados, nos dois processos relacionados as terras Pankararé e Brejo do Burgo, com um

lapso de mais dois anos entre a notícia acima e os atos do processo.

Reforça ainda esta dúvida gerada pela ausência de quaisquer de documentos ou referências a

essa demarcação iniciada, quando há no processo menções da própria regional da FUNAI de

que em 1982 os Pankararé estariam “em vias de serem reconhecidos” e receberem um “posto

indígena”, havendo também uma “indefinição da área do aldeamento de Brejo do Burgo”

nessa época.

Os dois processos Pankararé na FUNAI (1982 e 1991)

O processo da FUNAI de número 08620.001791/1982-31 ou “FUNAI/BSB/1791/82” foi

aberto em 07 de junho de 1982, com o assunto: “Identificação Étnica. [da TI Pankararé]”,

cujo interessado no processo era “Andre Xavier da Silva”.

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Este processo teve origem através do documento interno da FUNAI “Memo. Nº 352/82-

AGESP [Assessoria Geral de Estudos e Pesquisas]”, de 07/06/1982, em que a antropóloga

Maria da Penha C. de Almeida se dirigia a Coordenadora da CPA informando que o Sr. André

Xavier da Silva era sobrinho de “Angelo Xavier, líder indígena Pankararé assassinado” e “se

auto-indentifica[va] como índio.”, que além disso:

[...] a família dele era proveniente de Brejo do Burgo, sendo que sua Bisavó,

D. mariana, teria abandonado o Brejo e se instalado na baixa da Mata,

juntamente com outras famílias de Brejo do Burgo.”

Em Brejo do Burgo, existe o problema da negação da identidade étnica, [...]

é muito difícil continuar se identificando como índio, isto porque a auto-

identificação implica no surgimento de estereótipos e preconceitos. A

própria discriminação social de que são vítimas, ao serem chamados de

‘caboclos’, etc... (Processo FUNAI, 1982).

A antropóloga informa no documento que a “situação na área era tensa” e fazia referencia ao

trabalho de 1977 do “antropólogo Carlos Alberto Caroso Soares” (da UFBA). Escreve no

memorando que havia um “problema de caráter fundiário na região”, que “as poucas áreas

possíveis de agricultura, em Brejo do Burgo, se encontravam tomadas por posseiros.”, e se

fazia necessária a obtenção de subsídios e um “levantamento antropológico na área”. Era

preciso “determinar se ele e os demais que habitam S.[São] José são identificados como tal,

pelos Pankararé do Brejo do Burgo.” E, diante das informações recebidas do “Sr. André”, que

se encontrava “ameaçado de morte em S. José”, e a consideração de que era “viável o

atendimento de seu pedido”, havia que:

Entretanto, para utilizarmos um critério de auto-identificação étnica

dependemos de um levantamento em campo, podendo então nos utilizarmos,

das formas de discriminação que eles tem sofrido na região, como prova de

sua identidade. (FUNAI, 1982, fls. 02).

No Memorando 352/82 a antropóloga escreveu em relação ao pleito do Sr. André Xavier da

Silva (Figura 19) que “haverá demora na solução de seu problema, (Terra)” e considerava que

se “a FUNAI definisse o problema de caráter fundiário na região” os índios Pankararé

“retornariam às suas Terras” (FUNAI, 1982).

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117

Figura 19 (4) – Documentação do Sr. André Xavier da Silva

Fonte: Processo FUNAI (1982)

André Xavier da Silva esteve em Brasília-DF na DID [divisão do DGPI, Departamento Geral

do Patrimônio Indígena] da FUNAI no dia 04 de abril de 1982. Foi quando apresentou a

situação acima descrita e vários documentos (todos juntados ao processo FUNAI) que davam

conta de “cerca de 7 anos de luta através de canais burocráticos da Organização do Serviço

Público Federal e Estadual a procura de uma solução para o seu problema”.

Segundo a antropóloga Maria da Penha C. de Almeida (no Memorando FUNAI nº

061/DID/DGPI/82) essas “reivindicações” visavam a subsistência própria e “de sua gente em

S. José, onde suas terras se encontram invadidas e suas vidas ameaçadas”(FUNAI, 1982, fls.

08). Todavia, a antropóloga da FUNAI não afirmava que se trata de “um agrupamento

Pankararé, desconhecido e ainda não reconhecido pela FUNAI” e que se fosse “provada a

competência” do órgão se deveria “buscar uma solução definitiva” para o caso do Sr. André

como também para “os próprios Pankararé de Brejo do Burgo que há anos lutam pelo seu

reconhecimento e assistência efetiva da FUNAI”. E que “especialmente lutam por medidas

de caráter fundiário que lhes assegure posse definitiva de seu território tradicional” (FUNAI,

1982, fls 09).

Assim foi aberto o processo “FUNAI/BSB/1791/82” em 07 de junho de 1982. Esta

documentação de André Xavier da Silva compôs o processo que tramitou fazendo-se alusão

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da situação do Sr. Andre “com relação ao P.I [povo indígena] Pankararé”. Foi assim solicitado

e deslocado um antropólogo para realizar o “levantamento antropológico” (fls. 34) e uma

“complementação de Laudo Antropológico, referente ao Sr. André Xavier da Silva” (fls.37).

Antropólogo Miguel V. Foti foi encarrego da tarefa de levantar os subsídios do caso acima.

Porém, este comunicou ao Diretor Regional da 3ªDR (José Leonardo Reis) em 27/07/82,

conforme consta no processo, que a situação seria “melhor direcionada” se equacionada a

situação do Sr. André junto “junto com o problema geral do Pankararé de Brejo do Burgo”,

com o “trabalho de definição da área indígena” que estava planejado na época segundo

consta no processo.

Os Pankararé estavam segundo essa documentação em “vias de serem reconhecidos e

receberem um Posto Indígena” solicitado em 30/06/1982 pela 3ª Delegacia Regional da

FUNAI (fls. 38-39-41). O “Antropólogo do quadro” da 3ªDR/FUNAI Miguel V. Foti relatou

o trabalho de campo a que foi encarregado, escrevendo que ao chegar em Baixa da Mata, São

José, no município de Jeremoabo, em 14 de abril de 1983, foi informado de que o Sr. Andre

Xavier da Silva havia falecido em dezembro de 1982.

Havia se passado pouco mais de um ano de quando Andre Xavier da Silva estivera na FUNAI

com sua reivindicação e documentos. Durante esse tempo decorrido havia sido dada uma

tramitação e abertura do processo em junho de 1982 e chegava-se aquele trabalho de campo

quase um ano depois da abertura do processo. Após a tramitação na 3ª DR e nos

departamentos gerais na FUNAI Brasília-DF, ocorrido o trabalho de campo, observação e

entrevistas, entre os dias 12 e 19 de abril de 1983, chegou o antropólogo Miguel V. Foti a

seguinte conclusão relatada: que as “famílias residentes em Baixa da Mata [...] não se

identificam como indígenas.”, aos “moradores da região [...] se quer se colocava a discussão

da quanto a existência de caboclos na área”, e estes “desconhecem o cerimonial do ouricuri e

não praticam a dança Toré, a exemplo das populações indígenas nordestinas”. (fls.47).

Assim o antropólogo encarregado Miguel V. Foti ao parecer de que sobre aquele grupo “[...]

não se tratam de índios, para efeitos de tutela e assistência, de acordo com critérios aceitáveis

do ponto de vista antropológico, bem como de acordo com o que dispõe a legislação.”

(fls.48). Concluindo o relatório que “o problema extrapola a competência” da FUNAI por

“não ser aquela uma população indígena” devendo o problema ser encaminhado ao INCRA.

Desse modo a Chefia da Divisão de Identificação e Delimitação, o DID do DGPI sugere o

arquivamento do processo em 16 de maio de 1983.

Em algumas partes do processo este é referido como sendo um processo que trata “sobre a

identidade étnica do Sr. André Xavier da Silva”. Desse modo, talvez por isso, conste na

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documentação do processo que se deveriam ser discriminados “critérios aceitáveis pela

Antropologia” por necessidade de conhecer “elementos comprobatórios da falsa identidade

étnica” do Sr. André, segundo uma “Informação” visando “resguardar os interesses dos

Pankararé que venham, em época oportuna, a reivindicar seus direitos.” (fls.54).

A informação pretendia resguardar o órgão ou o direito do Pankararé que naquela época, 06

de junho de 1983, os índios não haviam, segundo a informação, reivindicado suas terras. Mas

havia o processo de solicitação do posto indígena e uma menção de que estariam “em vias” de

reconhecimento, parecia que não tramitava um pleito Pankararé quanto às terras ou havia uma

desinformação no processo.

O Antropólogo Miguel V. Foti apresentou formalmente no processo os seus critérios adotados

e utilizados para definir suas conclusões quanto a questão do Sr. André. E está foi encerrada

em agosto de 1983 quando o Diretor da DPI (Diretoria do Patrimônio Indígena) sugere que a

família seja comunicada da decisão da FUNAI e orientada a procurar a regional do INCRA.

Medições e “acordos” contra as terras Pankararé

Nos anos 80 a FUNAI estabeleceria um “convenio” com o INTERBA (primeiramente no

governo João Durval Carneiro - março de 1983 até março de 1987, e que também continuaria

com execução no governo de Waldir Pires - março de 1987 até maio de 1989) para medição e

titulação de terras, o que teria gerado um alerta aos posseiros e estes tentariam dominar toda a

área devoluta (MAIA, 1992). Após o assassinato do cacique Angelo “seu filho Manoel Xavier

é elevado pela comunidade ao cargo de cacique.” E são instituídos “representantes ou

conselheiros” dentro da comunidade para articulação interna. (MAIA, 1992, p.22). Os índios

também consolidaram o “direito à prática do tore/praia” em dois terreiros o “Nascente” e o

“Poente” a medida que exigiam justiça, e contavam com o apoio da ANAI-BA e do CIMI

nessa época (ROCHA, Junior, 1982, p.3).

O Jornal da Bahia de 12 de junho de 1982 (ISA/CEDI, 1983) noticiou que os Pankararé de

Nova Glória estariam “dispostos a fazer valer seus direitos” sobre a terra o que poderia gerar

“um serio conflito entre eles e os posseiros e fazendeiros que ocupam as áreas indígenas”. O

cacique Manoel Pereira Xavier estava em Salvador a caminho de Brasília para o II congresso

nacional das Nações Indígenas e declarou que o INTERBA da Secretaria de Agricultura do

Estado estava “fazendo medição de terras na área, indicando que pretende legalizar a posse

para os brancos, medida que os índios dizem que, de modo nenhum, vão aceitar.”

Maria do Rosário escrever uma nota “Intensificam-se conflitos no NE” na publicação

Aconteceu Especial numero 12 (ISA/CEDI, 1983) observando que os conflitos ligavam-se a

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ausência de demarcação das terras indígenas e que havia uma “interferência indevida do

Governo do Estado no trato da questão indígena,, [...] referindo-se mais particularmente ao

Estado da Bahia.” No ano 1982 os pankararé participam da mobilização indígena nacional e

regional e vão até Brasília. Quando “obtém reconhecimento oficial da FUNAI [...] com a

criação de um posto indígena”, segundo Maia (1992, p.22). Os índios do nordeste criticaram a

atuação da FUNAI, discutiram o “reconhecimento da identidade étnica”, e reivindicaram a

“identificação, demarcação e regularização de suas terras” (ISA/CEDI, 1983, p.93).

Em 1983 foi instalado um posto indígena da FUNAI, e Manoel Pereira Xavier, conhecido

também como “Lelo”, cacique, se transformaria num “funcionário” da FUNAI. O mesmo foi

de fato servidor da FUNAI “Tratorista, nível NA-A.III, matricula nº 0443965” e ainda

assumiu a posição de “substituto do Chefe do Posto Indígena Pankararé”, com cargo de

confiança código DAS 101.2 da regional de Paulo Afonso da FUNAI, nomeado em 1992 pela

Portaria DA nº 452/92 sendo dispensado em 19 de junho de 2000. “Lelo” estaria

“oficialmente impossibilitado de exercer a chefia política do grupo” desde quando se tornou

funcionário do órgão, segundo Maia (2012, p.175).

Antes dessa mobilização regional e nacional de 1982 e chegada do posto indígena, o cacique

Pankararé Manoel Pereira Xavier e o “índio Pankararé” Menezes Celestino estavam no dia 06

de maio de 1981 em Brasília-DF, onde assinaram uma declaração em que concordavam “em

nome da comunidade indígena Pankararé, com a solução apresentada para resolver o

problema da referida comunidade”, conforme a folha 163 do processo FUNAI (1991). Essa

“solução” proposta consistiria em “imediatas providencias por parte da FUNAI” a saber:

DECLARAÇÃO

Titulação definitiva de todos os índios e civilizados no brejo do burgo [...]

respeitados os limites atuais de respeitos entre todos os ocupantes da área;

Estabelecimento de áreas reservadas a usufruto da comunidade [em área]

devoluta vaga [...] para coleta de lenha para consumo diário, implantação de

novas roças, coleta de mel e exercício da caça para subsistência do grupo

indígena;

Criação de um posto indígena na área do Brejo do Burgo, a fim de

proporcionar a comunidade indígena assistência médica, educacional e de

fomento agro-pastoril e social. (FUNAI, 1991, p.163).

Esta declaração estava selando um tipo de acordo baseado nas promessas de um posto

indígena, de uma reserva que teria inclusive “cobertura florestal” e assistência. Em troca a

FUNAI conseguirá anuência para a proposta de titular lotes individuais no Brejo do Burgo

como solução. Seria a FUNAI talvez a própria mentora original da chamada “titulação ilegal”

de terras e interferência que seria realizada pelo governo estadual via convenio com o

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INTERBA. Isso ocorreu em 1981 conforme foi assinado pelo cacique e com o polegar o índio

Menezes (que seria um “conselheiro”), tendo como testemunhas dois servidores da FUNAI.

Este ato oficial conforme consta registrado foi precedido de uma reunião com o Diretor do

DGPI/FUNAI.

Segundo Maia (1992) os índios ao perceberem a titulação de terras para os posseiros e o seu

avanço sobre as áreas devolutas teriam resolvido sustar a titulação, pois tinham como

reivindicação a “demarcação de seu território tradicional e a retirada dos não-índios. A autora

não faz referencia a origem ou data dessa informação. E continua narrando que “sob a

liderança de um novo cacique, Afonso” o índios teriam capitulado e aceitado a “titulação

individual das terras do Brejo” do Burgo, se em troca recebessem “uma área reservada ao

usufruto exclusivo da comunidade, além da criação de um posto indígena.” (MAIA, 1992,

p.22).

Rocha Junior (1982) escreveu que a luta dos índios “num primeiro momento’ reivindicava

todo o Brejo e a retirada do não-índios, mas que “com o tempo” teriam se convencido de que

“tal solução é quase impossível”, assim em 1981 o cacique teria assinado o termo declaração

com a FUNAI a esse respeito.

Esta informação de MAIA (1992) pode não estar correta diante da documentação analisada,

haja visto que a declaração acima citada e que consta no processo FUNAI, foi assinada pelo

cacique Manuel Pereira Xavier, em 1981 em Brasília-DF, que inclusive se tornaria servidor da

FUNAI tratorista com cargo de confiança da DR da FUNAI em Paulo Afonso. Não podemos

afirmar em que condições isso ocorreu e de que modo foi proposto. É apenas estranho que o

cacique em 1982, segundo a imprensa, afirmasse que não aceitaria titulação ou legalização de

posse dos “brancos”, a notícia estava correta.

O fato é que esta parecia se tornar a única opção tinha origem em 1976 na comissão

FUNAI/SEMA e seguiu até 1981 quando o cacique a assume e aceita em nome da

comunidade em Brasília-DF. Ocorreram então conflitos baseados nessa tensão sobre as roças

e locais específicos no Brejo do Burgo e segundo consta na documentação os “acordos” e a

sua “quebra” seriam uma constante, apesar das reuniões e assinaturas. Assim “com o tempo”

são impostas condições para a demarcação do Brejo e seus limites, condicionando inclusive a

relação dos índios com os órgãos governamentais responsáveis. A titulação individual parecia

ter vencido como uma “solução” viável, consensual e pacífica, mas ao mesmo tempo não

resolveria a situação por esta via.

Segundo entrevista, houve negociação entre o “Lelo” (quando este não era mais cacique e no

lugar dele ficara “Judival da Conceição”) e também “Afonso Eneas Feitosa” que entraria em

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divergência com “Lelo”, o povo passaria a ter dois caciques. Sobre a área haveria um recorte

no território, pois a área mista teria muitos posseiros e os Pankararé em torno de 22 mil

hectares, os índios reconheciam algum direito aos posseiros, e o brejo é local da disputa.

(informação verbal)25

.

Os índios teriam percebido não só que os “posseiros” avançaram sobre as terras antes da

medição do INTERBA, como também que o órgão optara por medir primeiro as áreas dos

posseiros. Teria ocorrido que o órgão inclusive teria feito os índios assinassem folhas em

branco que seriam segundo Rocha Junior (1982, p.6) termos de concordância com limites de

roças. Ou seja, o acordo e consenso ao que parece ia contra os interesses dos índios. Além da

promessa da FUNAI parecia que os colocaria no Raso da Catarina longe do povoado e com

títulos individuais no Brejo do Burgo.

Os índios temiam “perder a Fonte Grande e seus direitos no Brejo”. Se com a proposta

assinada pelo cacique Manoel prometia um “oásis” com cobertura florestal até os “limites da

SEMA” e estes só teriam lotes no Brejo os índios estavam sendo colocados em uma área que

ainda que fosse “extensa” não seria útil no que se refere ao proveito e acesso a água, etc. Os

Pankararé perceberam isso a tempo. O sindicato (Silvestre Aprígio da Silva, presidente do

STR de Glória.) ainda denunciaria que os técnicos estariam se reunindo com os políticos

(supostamente Artur Figueiredo, outros da Câmara de Vereadores de Gloria, Bahia) e

transformando a “medição” em “jogo eleitoreiro”, a comissão índio-posseiro se reuniria e

pediria a suspensão até novo acordo, segundo Rocha Junior (1982). Um “setor descontente”

entre os índios Pankararé “contestou a autoridade do cacique” Manoel Pereira Xavier e

“propôs um novo, Afonso”.

Em 11 de outubro de 1984 sem mais informações sobre atos do órgão no tempo decorrido o

presidente da FUNAI Nelson Marabuto Domingues (policial de carreira e que não

completaria um ano de exercício no cargo) designou três servidores para procederem os

“estudos de identificação e Levantamento Ocupacional” visando definir os limites da “Área

Indígena Pankararé”, acompanhados de técnico a ser indicado pelo Interba/BA, mediante

Portaria nº 1788. Foram indicados dois técnicos do INTERBA que fizeram parte deste Grupo

de Trabalho (GT Pankararé).

Segundo relatório do GT Pankararé a situação era tensa e havia no INTERBA os termos de

um “acordo firmado anteriormente com a comunidade” para a “titulação de lotes individuais

para os índios de Brejo do Burgo e demarcação de uma área contínua” (FUNAI, 1982, fls.64).

25

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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O chefe do Posto indígena (Sr. Fagundes) acompanhou essa atividade de campo do GT e

segundo o relatório. A posição dos índios Pankararé era que se devia regularizar uma

“reserva” e lotes individuais, que seria “a mesma [posição] desde 1976; demarcação de uma

área continua para a reserva da comunidade, e titulação dos lotes individuais em Brejo do

Burgo”. (FUNAI, 1982, fls.65)

A comissão se reuniu em 22 de outubro de 1984 para avaliar a possibilidade de “definir uma

área indígena” Pankararé e considerou que após contatos com índios e posseiros “os quais não

apresentaram consenso nas suas opiniões” esta foi levada a “sugerir a indicação da área já

prevista no referido acordo.” (FUNAI, 1982, fls.73). Nesse período o processo administrativo

de demarcação de terras indígenas era regido pelo Decreto nº 88.118, de 23 de fevereiro de

1983.

A norma vigente previa o reconhecimento, identificação e delimitação das áreas indígenas

conforme o Estatuto do Índio (Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973) que previa que as

terras indígenas seriam demarcadas administrativamente por iniciativa e sob orientação do

órgão responsável federal de assistência ao índio. E que cabia aos índios lhes cabia a posse

permanente das terras que habitavam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e

de todas as utilidades naquelas terras existentes.

A FUNAI não parecia orientar o processo e o INTERBA (que recebia incumbência parecia ir

além da simples medição) parecia buscar tecnicamente viabilizar não só os acordos com os

posseiros, mas envolver-se com o poder local. Seria essa uma prática utilizada em terras

indígenas em conflito fundiário, fazer acordos? Se era um fator de influencia o fato de

“serem” os índios “caboclos”, é algo a ser investigado mais a fundo, e a atuação buscando um

“consenso” entre índios e posseiros poderia ser analisada em comparação com outros casos

semelhantes na região nordeste e fora dela. O Estatuto do Índio previa que no Art. 18 que as

terras indígenas não poderiam ser “objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio

jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena”.

É possível que estes atos pudessem contrariar em algum modo a legislação vigente. Se através

dos órgãos que atuavam como mediadores de um aludido “consenso” e “acordo”, o faziam

diante da previsão em Lei de 19 de dezembro de 1973, o Estatuto do Índio, segundo o qual,

O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente

das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição

Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão

federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao

consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação, sem prejuízo das

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medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer

dos Poderes da República. (BRASIL, Art. 25, Lei 6.001/1973)

A “Solução das terras Pankararé” (FUNAI, p.41) e a busca de “uma solução definitiva” foram

dirigidas pela idéia de que era necessário realizar um “consenso” e “acordo” “índio-não-

índio” assumida ou até mesmo proposta pela FUNAI, e levada a cabo pelo INTERBA. Sendo

que surgiram aí “mediadores”, defensores e facilitadores para ajustar o acordo nos termos em

que se tornasse viável a sua realização, e não dependia apenas da FUNAI e operacionalmente

deveria ser algo dificílimo, como seria mesmo hoje. O que havia sido proposto estava firmado

da parte dos índios perante a FUNAI e perante aos “não-índios” haviam forças diversas e

contrárias, inclusive opositores ao próprio acordo (possivelmente ligados a “Artur

Figueiredo”).

Entre os indígenas também se dividiriam as forças e lideranças, variando conforme o tempo,

em torno da proposta em si e na forma de sua aplicação e nos termos a serem aplicados. E as

lideranças indígenas estariam em apoio a ela ou contra ela em algum momento. Algo que não

se pretendeu avaliar aqui investigando estas relações em torno do poder de decisão e

representação na aldeia, mas observamos que esta posição dentro dos governos e era

convenientemente aceita pela FUNAI como solução para o problema fundiário que perdurava

diante da inércia institucional.

Ou seja, se o assunto fundiário Pankararé na FUNAI estava colocado como sendo de possível

solução em um “acordo” entre partes e não como um direito dos índios, o que ainda era

possível de ser repassado ao Governo do Estado, não poderia ser mais conveniente aquele

período do órgão. O que refletiria tanto uma incapacidade para garantir a aplicação da Lei

quanto um tratamento desinteressado dado ao caso Pankararé (talvez diferenciado). Ou seria

ainda uma típica deliberação que refletia a pratica da atuação vigente no órgão na época, se

regionalizada, no Nordeste pelo menos, ou em todo no país. Algo a ser investigado.

Segundo entrevista haveria “um” INTERBA no Governo Estadual de João Durval (1983-

1987) e “outro” no Governo Estadual de Waldir Pires (1897-1989). O trabalho se desenvolvia

na chamada “Área mista” que era a área limite, área a ser “estudada”, considerando a linha de

transmissão, assim foi feito “cadastro lote por lote no Brejo”, com nome dos proprietários.

Nessa época o “pólo sindical” (força política que reuniu sindicatos dos municípios, ligada a

Alcides Modesto e que fizeram frente ao processo, com advogados inclusive) “dizia”: “deixa

o INTERBA estudar, [eles] visando garantir os lotes individuais”. (Informação verbal)26

.

26

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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Havia uma “comissão” no Estado da Bahia criada por “Eduardo Almeida” (indigenista, que

foi o primeiro presidente da FUNAI no Governo Lula, e era filho de Rômulo Almeida) no

Governo Waldir Pires através de portaria do Sec. de Agricultura do Estado da Bahia. Da

comissão fizeram parte “Pedro Agostinho, Augusto Sampaio, Carlos Caroso, e o próprio

Eduardo Almeida” para tratar das questões de terra indígenas.

Segundo entrevista a área teria sido “Feita com base na idéia de acordo”, o que só mudaria em

1985. (Informação verbal)27

. O que pode estar relacionado a medidas como a “auto-

demarcação Pankararé” ato dos índios em janeiro de 1984. A “auto-demarcação” mostrava

que os índios haviam “cansado” de esperar o que havia sido “prometido”. Em 1981 já haviam

“capitulado” e ainda assim não tinham sido “atendidos”.

Das mediações e comunicações destas ao poder público, em 02 de novembro de 1984 com

referencia a comunicação de 05 de agosto de 1984, participavam “D. Aloysio José Leal

Penna”, Bispo Diocesano, o “Cacique Manuel P. Xavier”, Pankararé e “Silvestre Aprígio da

Silva”, presidente do “STR de Glória”. Havia um termo de acordo de 02 de agosto de 1985,

um “Termo de acordo” (FUNAI, 1991, fls.169) com assinaturas de “D. Aloysio Jose Leal

Penna”, representante do CIMI, representante do INCRA, representante do FUNAI (“Maria

Hilda Baqueiro Paraíso”), representante do “STR GLORIA”. Termos que teriam sido

“clareados” em 18 de dezembro de 1985.

Segundo entrevista os estudos do INTERBA sobre a área mista levaram quase 2 anos e o

INTERBA mapeia e cadastra os lotes individuais de posseiros e índios com a ação de Eduardo

Almeida, e haveria “negociação para acordo quanto a definição do território, mas não houve

acordo”. (Informação verbal) 28

. A portaria do INCRA 1990 de 4 de dezembro de 1985

reconhece e determina que se deva “recompor os termos do Acordo assinado em 02 de agosto

do corrente ano [1985], em decorrência da Portaria nº 1909/E, de 22 de junho de 1985”. E

determina o “inicio imediato dos trabalhos demarcatórios [...] dentro dos limites do acordo”

(FUNAI, 1991, fls.179), portaria assinada pelo Presidente da FUNAI “Apoena Soares

Meireles” (que era autor de projeto de descentralização da FUNAI para os Estados, ISA).

A demarcação da “reserva” em 1986, portaria de 85 (?), definida em 84 e 85 teve a

participação do INCRA. Segundo entrevista o superintendente Jose Carlos Arruti da

Superintendência Estadual da Bahia, teria arbitrado o limite, a linha ao meio, “meio

salomônica” que “não valeu”, pois “a que valeu foi a da FUNAI”, os “supostos acordos”

teriam existiu para o INCRA e para os posseiros, mas “não na FUNAI”. A “disputa agrária

27

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 28

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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126

era em torno do Brejo”, pois o valor da terra era “20 vezes maior que a da caatinga em 1992”,

dados levantados por “Augusto [...]” na época, a caatinga não valia nada. (Informação

verbal)29

.

Nessa época os posseiros “esperavam que os índios saíssem do brejo” e fossem para a

“reserva”, os “posseiros esperam ter os índios apenas na ‘reserva’”. Era a voz dos posseiros e

do “Pólo Sindical de Petrolândia”, sindicatos de Gloria, Rodelas, etc. que fizeram

contestações. A “exótica área mista” teria sido criada em 1987 e a “terra Pankararé” a

chamada “Reserva” era apenas “Aldeia do Chico (família do velho Saturnino) e Aldeia da

Serrota”.

No contexto da promulgação da Constituição de 1988, quando o antropólogo Augusto

Sampaio saiu do INTERBA em 1989, “Waldir [...]” renunciara também em 89 em março indo

para concorrer a presidência como vice-presidente com Ulysses Guimarães. Os cargos do seu

governo ficavam disponíveis até novembro daquele ano iniciando o Governo da Bahia de Nilo

Coelho. Assim o trabalho “se concluiu e ficou o impasse”, acreditava-se que os dados

serviriam para a outra terra indígena, em 1992, e os dados “do INTERBA” (mapas, cadastro)

davam conta e diziam quem eram todos os posseiros. O desfecho segundo a entrevista “foi

“empoderado” pela Constituição de 1988”. “Dom Aluisio Pena” (Figura 20), tinha

neutralidade, “o bom mediador”, por volta de 83/84 a 88, era jesuíta do RJ e trouxe o CIMI

para Paulo Afonso, que teria sido um “aliado dos Pankararé” dando “assessoria, formação

política, crescem em poder de argumentação, consciência dos direitos”. Precedido pelo “Dom

Jackson Berenger” primeiro Bispo de PA. E “Dom Mario Zanetta” que ascendeu depois.

Haviam nessa época o “Silvestre do Sindicato”. O “Jose Carajá do CIMI”. Uma “carta de

acordo de 84” encerrava com a saída do INTERBA, o fim dos trabalhos, “saída de Waldir” do

governo do estado, o “INTERBA sai de cena com Nilo Coelho no governo”. Era também o

“fim do grupão” (Governo Sarney) e o INCRA ficaria mesmo só com a função de reassentar

os intrusos. No final de 89, 90 e inicio de 91 a pressão era do pólo para continuar o processo.

(Informação verbal)30

. Resumindo o desfecho dos acontecimentos que estiveram permeados

pelas mudanças na política do Estado.

29

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 30

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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Figura 20 (4) – Bispos da Diocese de Paulo Afonso (BA)

A B

A) Dom Aloysio Penna, 2º Bispo, de 1984 a 1987. Fonte: foto divulgação;

B) Dom Mario Zaneta, 3º Bispo, de 1988 a 1998 Fonte: cartaz Diocese, 2013.

Findo o trabalho do INTERBA enquanto participante na política para demarcação da terra

Pankararé, pois era o fim do governo de Waldir Pires, em que atuou “Eduardo Almeida” no

INTERBA e no INCRA de “Jose Carlos Arruti” (ex-superintendente do INCRA dispensado

do cargo em março de 1988). Era publicado o Decreto nº 22 em 4 de fevereiro de 1991, no

Governo Fernando Collor, que novamente regulamentava o processo administrativo de

demarcação das terras indígenas e revogavam-se as regras de 1987 para a demarcação até

então vigentes. Quando então seria aberto um novo processo.

Um processo a ser estudado

Em janeiro de 1991 a Superintendência Executiva Regional da FUNAI (da 3ª região, 3ª

SUER) endereçou comunicação ao assessor especial da Presidência da FUNAI informando

que o “cacique e lideranças indígenas Pankararé” aguardavam uma posição em relação ao

conflito fundiário e a superintendência reiterava a solicitação de “deslocamento urgente um

antropólogo” e esclarecia ainda que segundo os indígenas haviam denunciado “os posseiros

se encontravam armados e são liderados pelo vulgo ‘Ze Roque’ residente no Poço.” (FUNAI,

1991, fls.06). Segundo entrevista o local Poço concentrava “não regionais ou não índios”, o

resto era muito “misturado”. (Informação verbal)31

.

O processo da FUNAI de número 08620.001090/1991-27 foi aberto em 07 de maio de 1991,

com o assunto: “Identificação e Delimitação da terra indígena Brejo do Burgo, localizada no

Município de Glória, Estado da Bahia”, cujo o interessado no processo era o “Grupo indígena

Pankararé”, este processo tendo como documento primário ou de origem a “CARTA S/N

[sem número], de 23 de abril de 1991”. A carta constante do mesmo foi assinada pelo

31

Informação fornecida pelo pesquisador Caroso Soares em entrevista realizada pelo autor.

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“Cacique Afonso Eneas Feitosa” e dirigida a Superintendência de assuntos fundiários da

FUNAI em Brasília-DF. Era um novo acirramento do conflito e a abertura de novas

mediações, que não foram objeto de análise desta pesquisa.

O outro processo parecia não existir e nada que havia ocorrido antes estava no processo que

era aberto em 1991, a não ser pelas contestações que iriam fazer parte dele, enviadas pelo

Sindicato. Seria um processo novo como se não houvesse uma série de encaminhamentos

anteriores. Os documentos mais antigos seriam anexados por via das contestações, a maioria

dos documentos FUNAI se refere a década de 1990 em diante.

Em 24 de maio de 1991 ocorre a criação do GT Pankararé, a homologação se daria em 5 de

janeiro de 1996. José Augusto Laranjeiras Sampaio foi o antropólogo indicado pela ABA pelo

então Presidente Roque Laraia (antropólogo que foi professor da UFRJ, UNB, Diretor de

Assuntos Fundiários da FUNAI e presidente interino por curto período em 2000). Consta no

processo a indicação via telex e também é registrado em outras peças a indicação da ABA,

além de peças produzidas durante o processo. Segundo entrevista foi uma “indicação de Pedro

Agostinho”, pois ele (Augusto) tinha trabalhado no INTERBA e conhecia a área. O “Célio

Host” que foi o nome que saiu na portaria seria “primo da mulher do Geisel” e assinava

documentos e informações produzidos de fato por “Augusto”, que foi a campo e fez o estudo.

(Informação verbal)32

.

Em 5 de janeiro de 1996 era homologada a demarcação da TI Pankararé (Figura ). A

desintrusão não ocorreu segundo por conta da indisponibilidade de terras públicas. Seriam

problemas as agrovilas da CHESF, os posseiros, e falta mapa destas terras de pessoas

reassentadas de Itaparica. O Estado não saberia o que tem ali na verdade em relação ao

domínio. (informação verbal)33

.

Na “Cerquinha” – leste da área a proporção era de 10 posseiros para cada índio (os índios

ligados ao cacique Afonso). Havia um “consenso sobre dividir o brejo meio a meio”. Segundo

entrevista como na “Cerquinha” tinha população indígena pequena, com anuência daqueles

índios a “Cerquinha” não ficou na área indígena tradicional, “perderam a Cerquinha (“índios

de Afonso”, onde tinha maioria não indígena preponderante)”. Assim os Pankararé “perdem

metade do brejo”, “abrindo mão” de 5 mil hectare dos 22 mil, ficando com 17 mil hectares, e

assim evitam a “maioria dos posseiros”, de 1200 índios e dos 2000 posseiros, assim “1500

posseiros ficariam fora da área” e “200 índios”, com o “brejo meio a meio”, feito com base

em dados do INTERBA. Ainda que os posseiros não tenham respondido os cadastros, e

32

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 33

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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sindicato não dialogava apesar do convite feito pela equipe. O “Bispo Zanetta” “apenas não

aprovava aquilo”. (Informação verbal)34

.

Figura 21 (4) – TI Pankararé

Fonte: FUNAI - Coordenação Regional Baixo São Francisco

34

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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A fonte grande no centro do conflito, descobridores e posseiros

Um lugar de grande importância no povoado e que teria sido a primeira a ser descoberta e de

“melhores águas”, “mantida e zelada” pelos índios, sem “negarem água aos posseiros”. Um

posseiro alegaria tê-la comprado junto com sua parte no brejo. Próximo a fonte era o poro.

Era um “local carregado de valor simbólico pelos Pankararé que temem perde-la mais que

tudo”. (ROCHA JUNIOR, 1982, p.6).

Segundo entrevista o povo indígena Pankararé seria dotado de uma “consciência Pankararé”

de que chegaram ao Brejo do Burgo “primeiro”, assim, depois é que chegaram o “Artur

Figueiredo, Adalto Batista” – “uma elite de Gloria” (informação verbal)35

. A Fonte Grande

(Figura 21) nessa época (do segundo processo) era cercada pelos posseiros, e era “referencia

histórica para os índios”, esta “havia sido cercada e entupida pelos posseiros”. Até para

“plotar” a fonte foi preciso reforço policial da Policia Federal, pois os posseiros “estavam

armados nesse tempo tinham poder sobre a fonte” e então índios não a acessavam.

(Informação verbal)36

.

Figura 21 (4): Uso na Fonte Grande

Fonte: arquivo pessoal (CAROSO)

A fonte de água doce serviria no passado aos momentos de caça, e o Brejo do Burgo teria

“nascido” após a “abertura da dita fonte” (GEAP, 2008 apud REGO, 2012), o lugar se

tornaria de “relevância histórica para os Pankararé”, inclusive trazendo significado ao nome

35

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor. 36

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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Brejo do Burgo (“Burgo, Bugre, Burgio” seria o guia que levara até a fonte). (Ver A água e os

Pankararé, 2008). Segundo Sampaio (1995), um dos seus informantes relatara que a “fonte

perene na caatinga” era habitada por “caboclos bravos” e teria saído da Vila de Santo Antonio

da Gloria (antiga Curral do Bois) uma “nova retirada” “guiada por um ‘caboclinho’”, o

mesmo local do Brejo do Burgo, e única fonte perene “num raio de pelo menos cinquenta

quilômetros na caatinga.”

Haveria uma “História da Fonte Grande” entre os Pankararé , narrativa da fundação do Brejo

do Burgo, de “significado quase mítico”. A ocupação da área estaria relacionada a descoberta

da água no local (MODERCIN, 2010, p.44). Como em GEAP (2008 apud MODERCIN,

2010) citam com referencia a uma das versões da história da fonte:

Muitos acreditam que, nesse local, vivem os encantados das águas e outros.

Dizem que, logo que a fonte foi descoberta, quem se aproximava ouvia um

barulho como se algo caísse dentro d’água. Acredita-se ser a mãe d’água.

Hoje, o lugar da fonte já não é o mesmo de alguns anos atrás. Foi feito um

pequeno muro de tijolos e cimento ao redor da fonte. As plantas e as árvores

que havia no lugar não existem mais. A Fonte Grande já não dá mais água

como antigamente. (GEAP, 2008, p. 24 apud MODERCIN, 2010, p44).

Segundo Maia, sobre os habitantes do Brejo que “estão sujeitos a problemas carenciais de

água devido às secas periódicas”, período em que as fontes de fornecimento secariam em

“períodos críticos, à exceção da Fonte Grande, que nunca perece” (1992, p.13). A Fonte

Grande teria sido obstruída nos momentos de conflito, mesmo momento das “prisões ilegais,

ameaças e invasões de terras”, que ocorreram quando “Braz – partido de Figueredo” era o

prefeito de Gloria (MAIA, 1992, p.21). Seria a fonte segundo Suzana Maia um dos “espaços

considerados sagrados” ao lado do terreiro e do “Poró”.

Segundo entrevista a Fonte Grande e o Brejo do Burgo (Figura ) é que “eram” o “problema” e

o “foco” das disputas, houve a derrubada consecutiva do “Poró” de palha até a construção do

poro de concreto com apoio financeiro da CESI (entidade) e que foi destruído “a marretada”.

Houve o envolvimento do CIMI, da Igreja e as disputas com o “Pólo Sindical” e os posseiros.

Mas a fonte grande “ficou toda na área indígena”. Os cadastros do INTERBA acabaram

servindo para FUNAI. E os acordos e as muitas reuniões dos anos 80 não foram cumpridos

e não levaram a nada e os índios não queriam mais isso quando se consolidaram os

parâmetros técnicos. A terra anterior Pankararé foi feita em negociação/acordo no paradigma

não técnico. (Informação verbal)37

.

37

Informação fornecida pelo pesquisador Augusto S. em entrevista realizada pelo autor.

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Figura 23 (4) – TI Brejo do Burgo

Fonte: FUNAI - Coordenação Regional Baixo São Francisco

Sobre a situação das terras Pankararé há um histórico complexo que envolve o poder local,

relações internas ao grupo indígena, e o histórico da atuação do estado, governos federal e

estadual através de seus órgãos, com uma série de conflitos e produção de acordos e quebra

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dos mesmos. Tudo permeado por uma atuação contraditória do Estado em relação a situação

das terras e direito dos índios, o que abriu margem a produção de tentativas de efetivação

parcial da demarcação.

Da situação criada pela proposição da criação da Estação Ecológica do Raso da Catarina que

causaria impacto sobre os índios Pankararé, principalmente sobre a caça (obtenção de

proteína) e sobre a “aldeia do Chico” na década de 1970, parece ter surgido a proposição de

demarcação diferenciada. Os “índios do Chico” ficariam na Reserva ecológica demarcada

continua e os demais índios, por serem “aculturados” e “misturados”, teriam “títulos

individuais” e do mesmo modo os não-índios, todos no Brejo do Burgo.

A proposta ganharia vida nos anos seguintes nos processos, nos órgãos e no Brejo do Burgo,

sendo acordada, negociada, posta a termo desde 1981. A atuação dos órgãos desconsideraria

locais sagrados se apenas fossem medidas as áreas sem avaliar a situação de invasão ocorrida

e demais critérios necessários. Por força da percepção, articulação e “enfrentamento”

colocados em ação os indígenas conseguiram impedir que o acordo fosse contra seus

interesses. Ao final o acordo fracassaria no contexto de fortalecimento democrático e garantia

de direitos, além de mudanças na forma de atuação dos órgãos que agiriam num outro

contexto social e político.

A iniciativa de ter os índios na reserva ecológica não aconteceu ao que tudo indica por

“decisão” do Secretário da SEMA que não acataria a presença dos índios sugerida

“preferindo” reduzir a área da futura “Estação Ecológica Raso da Catarina”. A iniciativa no

entanto de reunir uma comissão para propor uma “solução” seria válida e proporia uma saída

em parte bastante “avançada” para época (1976) com índios dentro da “reserva” e por outro

lado “prejudicial” com a “titulação individual” que ia submeteria os índios a um convívio com

aqueles que atuavam contra eles, justamente por aquilo que os diferenciava. A comissão foi

composta pela SEMA e FUNAI, e a presença dos antropólogos da UFBA numa participação

como especialistas provavelmente indicados pela FUNAI, teria sido de grande importância

para defender a importância do Raso da Catarina para os índios Pankararé na época.

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5 Breve discussão da “reserva” no Raso da Catarina

Na ecorregião do Raso da Catarina no semi-árido brasileiro encontram-se a ESEC Raso da

Catarina e Terras Indígenas Pankararé e Brejo do burgo. Além destas estão presentes outras

Terras Indígenas e outras Unidades de Conservação. Existem tanto UC públicas quanto de

domínio privado nesta ecorregião em que há pouca “disponibilidade de água de superfície” e

solos pouco férteis. Haveria um “vazio demográfico” ou populacional decorrente da pequena

quantidade de água disponível e como conseqüência disto a área estaria “razoavelmente

preservada” com uma estimativa de 2001 de um estado de conservação em que “60-70% da

área” estivesse em “boas condições”(VELLOSO et al., 2002, p.33).

Num levantamento aproximado existiriam oito (08) Terras Indígenas na área considerada

como ecorregião do Raso da Catarina. Considerando áreas em estudo até 2008 e conforme

informações em Velloso et al. (2002), Oliveira e Chaves (2010) e no mapa “Unidades de

Conservação e Terras Indígenas do Bioma Caatinga” ( TNC; MMA, 2008).

Figura 24 (5). Localização da ESEC e APA no Raso da Catarina

Fonte: DOURADO; CONCEICAO; SANTOS-SILVA. Biota Neotropica. 2013. v. 13, n. 4.

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As UC na ecorregião seriam sete (06): a i) ESEC Raso da Catarina, ii) a RPPN Fazenda Flor

de Liz, iii) a APA Serra Branca/Raso da Catarina (Figura 24 acima), Área do polígono (km²):

672,8441, Jeremoabo – BA), iv) a ARIE Corobobo, Área do polígono (km²): 74,7345,

Jeremoabo – BA), v) a Reserva Biológica de Serra Negra, Área do polígono (km²): 6,2485,

nos municípios de Floresta - PE, Inajá - PE, Tacaratu - PE), vi) Parque Estadual de Canudos;

e, uma área particular pertencente a uma fundação privada, que segundo Velloso et al (2002)

ainda não seria uma RPPN, denominada “Estação Biológica de Canudos” com

aproximadamente 1.500 ha (área segundo site da Fundação Biodiversitas,

<www.biodiversitas.org.br/canudos/>).

Entre as ecorregiões da caatinga o raso da Catarina é listada em último numa “ordem de

urgência de conservação” conforme avaliação feita em 2001. Esta área seria “menos

ameaçada” embora possua poucas áreas protegidas tendo sofrido menos impactos segundo as

informações do Seminário de Planejamento Ecorregional da Caatinga que reuniu especialistas

em botânica, pedologia e geologia da caatinga (VELLOSO et al, 2002).

Segundo dados levantados pela Coordenação Regional Baixo São Francisco da FUNAI

(2011), junto ao povo Pankararé a sua população seria de 2.850 pessoas. Os índios estariam

vivendo nas Terras Indígenas Pankararé e Brejo do Burgo distribuídos em seis aldeias:

“Brejo, Chico, Serrota, Ponta d’Água, Poço, Caraíba e Cerquinha” (Relatório Técnico

Pankararé – 2011 do Projeto “Conhecendo Realidades”).

Segundo Medeiros e Garay (2006, p.166) a demarcação de terras indígenas “ganhou maior

efetividade” em 1967 a partir da criação da FUNAI e da instituição em 1973 do Estatuto do

Índio, mas idéia de demarcar terras para os índios teria surgido em 1910 com o SPI.

Para os autores estas terras mesmo não tendo sido consideradas áreas protegidas

representaram um “importante instrumento de conservação e manejo da biodiversidade pelas

populações autóctones”. (p.167). era previsto inclusive um “parque indígena” no Estatuto do

índio, o que segundo os autores reforçaria a idéia do “instrumento de conservação”.

Para os Pankararé foi um obstáculo o parque indígena pois o critério da aculturação pesou

contra os índios naquele momento, no julgamento dos agentes públicos em atuação na época,

sem nenhuma consulta a estes que tenha sido registrada. Ao contrário seria proposto o título

individual no brejo do burgo e a “reserva” no Chico. As justificativas para o Raso da Catarina

não serviram pra justificar um parque indígena.

Mittermeier et al (2005, p.17) afirmam que as Terras Indígenas demarcadas no Brasil

somavam uma área maior do que a dos parques e reservas “voltados para a conservação da

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biodiversidade”. Muito embora considerem que as Terras Indígenas são de “grande

importância para conservação”. Mittermeier et al (2005) tratam do assunto com referência

centrada na biodiversidade de áreas na Amazônia e Mata Atlântica. Portanto nessa visão a

conservação da caatinga é algo pouco considerado quando se trata da relação com Terras

indígenas.

Logo o paradigma de isolar certas áreas das populações em geral seja talvez mais facilmente

aceito para caatinga. Além disso, considerando que o mito do “bom selvagem” poderia ser

mais presente no imaginário de um “contexto amazônico” do que para o contexto dos “Índios

do Nordeste” situados numa subestimada caatinga. Índios que estariam numa situação de

contato de longa duração onde os territórios precisariam ser restituídos como um problema

“mais fundiário” do que de conservação ou proteção da biodiversidade.

Na Amazônia brasileira as “reservas indígenas” teriam um “papel muito importante na

proteção da floresta frente a destruição e ao desenvolvimento progressivos” sendo uma

importante contribuição para o sistema de unidades de conservação pela “enorme área que

cobrem” (RYLANDS; BRANDON, 2005, p.33). Segundo os autores 66% das reservas

indígenas brasileiras cobririam cerca de 20% da Amazônia brasileira e seria vital para as

unidades de conservação ter alianças com “outros gestores da terra, especialmente os povos

indígenas” (RYLANDS; BRANDON, 2005, p.34).

Barreto Filho (2004) destacou sobre o Parque Nacional do Xingu, criado em 1961, que a

“presença dos povos indígenas [...] era vista como um atrativo a mais para adicionar um toque

de exotismo e autenticidade à paisagem natural e primitiva.” Por conseguinte, o índio como

“assimilado à natureza” seria preservado bem como o “natural” meio ambiente encontrado

nos locais a serem instalados os “parques”, conforme o pensamento da época consoante com a

visão ligada a um “primitivismo romântico” (BARRETO FILHO, 2004, p.53).

A “assimilação” ou “integração” do índio à “sociedade regional” no nordeste então “pesaria”

contra estes quando a situação seria a de reconhecê-los enquanto portadores de identidade

étnica e com um pertencimento territorial quando fosse o caso de demarcar as suas terras.

Alem disto essa situação histórica acabaria, sendo utilizada, antes mesmo do início da

demarcação de terras, para justificar uma negativa para a proposta de integrar

Reserva/Estação Ecológica e Parque Indígena Pankararé no Raso da Catarina. Assim evitando

o reconhecimento daqueles índios como sendo “naturais” àquele “meio ambiente” particular

da caatinga que era o Raso da Catarina. De tal forma que, uma vez que não eram mais

“primitivos” e “isolados” da sociedade abrangente não podiam ser “enquadrados” num Parque

Indígena, pois estavam fora dos moldes “xinguanos”.

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A “necessidade” tanto de preservar árvores e florestas (como símbolo para toda natureza)

quanto a de proteger culturas indígenas demoraria a se adequar a realidade do Nordeste

brasileiro. Esse fato somado a lentidão para a mudança na perspectiva de agentes públicos

prejudicaria a conservação da caatinga e a sobrevivência dos povos na região. Modelos

centrados nos biomas tropicais e mitos naturalistas fariam com que surgisse uma retardada

ação para efetivar direitos constituídos há décadas, que se buscou repetidamente negar no

caso dos índios Pankararé, num contexto de ausência de garantia de direitos e falta de

efetividade do Estado brasileiro.

Não obstante, foi possível criar uma unidade de conservação de proteção integral no Raso da

Catarina com relativa facilidade no regime militar se comparado ao longo processo que foi

instaurado para demarcar as Terras Indígenas dos Pankararé. De maneira que no período

militar a conservação e proteção a natureza estariam melhor acomodadas que as

reivindicações territoriais indígenas, salvo quando estivessem em acordo com os interesses

em jogo. No caso do bioma caatinga a presença de conservacionistas em postos

administrativos no regime teria sido fundamental para o resultado de criação de UC no país.

A Biologia e Ecologia se colocariam como ciências neutras a serviço da conservação da

natureza independentes desse modo do estado político em que se encontravam as ações de

criação de áreas protegidas. A administração pública no Brasil é localizada em seu período de

“Administração para o Desenvolvimento” ou da “modernização autoritária” no Brasil

(COSTA, 2008, p.9) quando se dão alguns dos processos e atos administrativos para criação

de UC.

Se por um lado índios “de baixo para cima” demandavam terras ao Estado, por outro lado os

cientistas naturais e técnicos governamentais definiam UC “de cima para baixo” a partir dos

órgãos federais. Também estabelecendo um marco regulatório conservacionista que seria

herdeiro da centralização do período. Segundo Araujo (2007, p.84) a fusão do IBDF e SEMA

a análise do Governo Sarney, após o regime militar, foi que “deveria haver uma única

instituição para gerir a política de conservação dos recursos naturais”, o que foi realizado

segundo o autor sem preparação prévia. Segundo Diegues (2008, p.119) havia pouca

mobilização social para criação de UCs e assim estas dependeram da “ação de cientistas e

alguns poucos conservacionistas com acesso relativamente fácil ao governo militar.” Período

em que mais foram criadas UC no país.

Os antecedentes para a questão ambiental transformada em políticas públicas tiveram relação

com o contexto internacional e uma origem nacional. Entretanto a prática foi inicialmente

marcada pela construção nacional de um marco legal e estrutura institucional permeada por

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sobreposições de atribuições e interesses conflitantes na execução da política de conservação,

além disso, em geral viria a desconsiderar a participação da sociedade nos processos

decisórios.

Se as UC de 1937 até meados de 1970 foram criadas sem seguir “critérios técnicos e

científicos” conforme Pádua e Quintão (1984 apud ARAUJO, 2007, p.90), houve por outro

lado uma ascensão de critérios técnicos e científicos. Esta ascensão se chocaria com o

“socioambientalismo” na discussão do SNUC, quando desta vez o “conservacionismo” seria

confrontado num contexto democrático.

Segundo Olmos et al (2001) “visões equivocadas” estariam ameaçando as áreas protegidas no

Brasil. Os autores criticam o que chamam de “ilusão” do “bom selvagem ecologicamente

correto” e sua adoção entre os “setores conservacionistas governamentais e não-

governamentais”. Afirmam ainda que “em detrimento da abordagem tradicional de criar

espaços protegidos sem habitantes” projetos conservacionistas estariam sendo financiados

com base neste “mito” ou “ilusão” (OLMOS et al, 2001, p.281).

Estes autores estão preocupados com o uso ou “desperdício de recursos” destinados a

conservação em projetos de “desenvolvimento sustentado” que segundo os mesmos não

deveriam “não utilizar recursos destinados a conservação da natureza”. Para estes autores

haveria uma confusão entre “questões ambientais” de um lado e “demandas sociais”, porém

afirmam que “a questão básica de nossa crise ambiental, que é o crescimento populacional,

tem sido deliberadamente evitada [...]”. (OLMOS et al, 2001, p.289). Na visão destes autores,

por exemplo os índios Pataxó seriam um exemplo de “neo-índios” e “tribos emergentes” que

“perderam a maior parte de sua cultura, incluindo a língua” e “com um empurrão

antropológico”, “pipocam pelo país, atrelados a movimentos de reivindicação de terras e ao

senso de oportunidades do brasileiro” (OLMOS et al, 2001, p.291).

São argumentos semelhantes ao que observamos no questionamento aos Pankararé nos anos

1970 inclusive polarizando a questão de forma direcionada aos “antropólogos”. Ainda que 40

anos tenham se passado e estejamos num outro contexto social e de conhecimentos se poderia

caracterizar ambos os argumentos como representativos de um “anti-humanismo” ou um

“conservacionismo autoritário”. Porém no passado estas posições tinham um lugar de

fundamento naquela época.

De alguma maneira, ao defender a “natureza” isolada da sociedade ainda assumindo uma

contestação, não só dos mitos, como da condição “identitária” sem preocupação em traçar

algum diálogo com conhecimentos em campos científicos para além da “biologia da

conservação”, seria um “neo-conservadorismo” ou um “neo-anti-humanismo” naturalista,

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para tentar definir a argumentação dos autores. A conservação seria exclusivamente “proteção

da natureza” para Olmos et al (2001) e esta estaria sendo desviada para “agendas sociais e

políticas” o que seria uma conseqüência da “influencia negativa do pós-modernismo” sobre a

conservação.

Neste sentido haveria uma “politização” e uma “despolitização” da conservação tal qual o

ponto de vista que ocorreu com a disciplina de Administração Pública, surgindo “lados”

advogando por via de um “tecnicismo” ligado a biologia e ao cientificismo da conservação e

outra via que advogaria a integração da conservação com justiça social. Nesta agenda da

justiça socioambiental temas envolvendo problemas humanos, sociais, étnicos, escolhas

políticas e o próprio modelo de desenvolvimento estariam entre as questões.

Não nessa posição extremada conservacionista alguma noção histórica sobre a própria

conservação ou sua “tradição” nacional ou internacional. Assim não é observado nessa crítica

a atual conservação brasileira encontrada em Olmos et al (2001) uma avaliação mais profunda

sobre “quem” teria definido a “tradicional conservação”, para “quem” e a “quais” interesses

essa tradição esteve ligada no Brasil e no mundo. Salvo para uma crítica a populações

humanas em conflito com a conservação os autores sugerem apenas uma estrita proteção

mesmo dentro de terras indígenas e mesmo “limites aos direitos atuais”.

Após questionar o trabalho de antropólogos e a identidade de povos reconhecidos os autores

(OLMOS et al, 2001, p.299) afirmam que,

[...] a discordância quanto a presença de índios caiçaras ou quilombolas,

assim como de qualquer ocupação e exploração humana no interior das UC’s

[...] não se baseia em considerações étnicas, mas sim devido ao dano

ambiental que as mesmas causam e à ameaça que suas atividades e seu

crescimento populacional potencial representam [...](OLMOS et al, 2001,

p.299).

Para estes autores o crescimento demográfico seria uma ameaça as áreas protegidas e os

“direitos de uma minoria” estariam em colisão com o direito da sociedade e de “milhões de

formas de vida [...] que também tem direito a existência”. Pelo argumento de Olmos et al,

(2001, p.299) áreas “preciosas” seriam destruídas fatalmente por “comunidades tradicionais”.

E argumentam ainda que em áreas “biologicamente importantes” estas comunidades seja

“relocadas”. Para estes autores em sua visão naturalista do conflito entre conservação as

“espécies” teriam direitos de existência “no mínino tão importante quanto o direito a terra

que os Pataxó, Guarani caiçaras quilombolas e qualquer brasileiro tem.” (OLMOS et al, 2001,

p.301).

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Seriam posições radicalmente contrárias ao que é vigente no sistema legal brasileiro e

inclusive ao que foi construída como proteção a natureza no país. Assim considerando que a

conservação nunca esteve assim isolada de algum uso paisagístico, recreativo ou de uso de

forma a superar o valor cultural dos povos que é constitucionalmente respeitado. Numa visão

“biocêntrica” ou “ecocêntrica” (DIEGUES, 2008, p.44) em que o homem seria mais um ser

vivo entre tantos outros, a conservação parece não ter nenhuma preocupação com o

desenvolvimento e o que Pádua (2004) define como ocupação predatória do espaço brasileiro.

Os adversários da conservação seriam comunidades tradicionais, povos indígenas, caiçaras,

quilombolas, antropólogos, cientistas sociais e a FUNAI. Segundo Olmos et al (2001),

Se “cientistas” sociais querem tentar conservar a biodiversidade com suas

estratégias politicamente corretas, devem tentar fazê-lo fora de áreas

biologicamente importantes e das unidades de conservação. [...] A FUNAI e

os indigenistas cristalizaram suas posições, sendo intransigentes quanto à

retirada de índios de UC’s e sua transferência para áreas ecologicamente

menos preciosas onde possam viver dignamente. (OLMOS et al, 2001,

p.299)

Segundo Lauriola (2001) o IBAMA reconhecia a existência de 28 casos de sobreposição entre

UC e TI, considerando apenas as terras homologadas. O caso dos índios Pataxó e do Parque

Nacional do Monte Pascoal seria um dos mais conhecidos e haveria uma radicalização de

posições quanto a presença humana em UCs levada até a aprovação do SNUC, que segundo o

autor indicam a existência de uma “batalha política e ideológica em ato nos meio científicos e

institucionais da política brasileira da conservação” e os povos indígenas teriam “entrada na

linha de fogo” (LAURIOLA, 2001, p.243). Para Rocha et al (2010, p. 217) a Lei do SNUC

refletiu a “cisão no ambientalismo brasileiro” em torno da questão da presença humana em

parques e envolvendo “dois mitos”: i) o mito do homem “destruidor da natureza”, e ii) o mito

da “natureza intocada”. Haveria ainda o mito do “bom selvagem” conforme citamos acima.

Além disto, a “cisão no ambientalismo” pode ser considerada como tendo continuado mesmo

após a aprovação do SNUC. Assim as posições radicalizadas em defesa de “direitos da

natureza” e das espécies se chocam com a presença humana em parques, em especial em áreas

prioritárias para a conservação, biologicamente importantes ou preciosas para “cientistas

naturais”.

Não temos informações se o caso de UCs frustradas causaram alguma manifestação no campo

da biologia da conservação, como este debate causado por conta da presença humana em

parques e UCs. A exemplo do que ocorreu com o Parque Nacional de Paulo Afonso, extinto

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para criação da Usina Hidrelétrica de mesmo nome, e, do Parque Sete Quedas, que daria lugar

a Hidrelétrica de Itaipu.

Segundo Acselrad (2010) ao tratar do processo de “ambientalização” de conflitos sociais

refere-se a lutas contra a desigualdade e por desenvolvimento são consideradas em suas

implicações ambientais. O autor adota o conceito de “nebulosa associativa” para designar o

conjunto multiforme de entidades envolvidas na questão ambiental no Brasil no que seria um

“movimento ambientalista”, espaço social de discursos e práticas relacionados à “proteção

ambiental. Ao se focar na “nebulosa ambientalista” o autor considera que no anos 1980 teria

havido um diálogo entre pautas ambientalistas e o sindicais, relacionando meio ambiente e

justiça social.

A questão ambiental teria sido “ressignificada” em dois sentidos: uma “razão utilitarista” e

uma “razão cultural”. No primeiro o meio ambiente é composto de “recursos naturais, sem

conteúdos socioculturais” diferenciados, um ambiente único que pressupõe um risco

ambiental único sem diferenças ou distinções de classe por exemplo. Na razão cultural, o

meio ambiente seria “múltiplo em qualidades socioculturais”, um ambiente com significações

distintas e que não prescinde do sujeito. Esta última denuncia uma “distribuição desigual dos

benefícios e danos ambientais”, uma desigualdade ambiental que se daria em conflitos

ambientais e numa distribuição desigual de “poder sobre os recursos ambientais”

(ACSELRAD, 2010, p.109)

A noção de justiça ambiental expressa essa ressignificação questionando como se organizam e

se distribuem “distintas formas sociais de apropriação dos recursos ambientais” e como estas

formas e práticas afetam outras no tempo e no espaço (ACSELRAD, 2010). No caso

brasileiro as “lutas por justiça ambiental” combinam: i) a defesa dos direitos a ambientes

culturalmente específicos por comunidades diante de atividades de mercado; ii) a defesa dos

direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação sócio territorial promovida

pelo mercado; e a defesa de direitos de acesso equânime aos recursos ambientais, contra a

concentração de terras, água e solos por interesses fortes de mercado (ACSELRAD, 2010,

p.114).

A partir da noção de desigualdade ambiental, justiça ambiental e distintas razões da

ressignificação da questão ambiental, é possível incluir um aspecto não trazido por Acselrad

(2010) que envolvendo comunidades tradicionais e povos em um conflito com interesses

conservacionistas. Poderia ser viável considerar que a desigualdade se daria diante do Estado

e órgãos ambientais que estariam em uma situação de reconhecer direitos culturais sobre

territórios em lugar de relocar estas populações ao definir soluções para áreas de proteção

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integral. Se os grupos sociais em diferentes formas de apropriação da natureza pudessem ser

encarados como sendo de um lado povos tradicionais e de outro o “ecologismo de resultados”,

“pragmático” e “tecnicista” definindo áreas de proteção de posse e domínio públicos e

controlados integralmente pelo Estado com uso publico restritivo.

A relação desigual entre grupos sociais seria também um reconhecimento desigual de

conhecimentos em jogo. O conhecimento científico estaria acima do conhecimento

tradicional, ou mesmo não o reconheceria enquanto válido para o manejo destas áreas, e além

do mais consideraria aqueles grupos como “naturalmente destruidores” da biodiversidade,

espécies e “recursos”. Estas expressões tecnicistas e práticas da ciência “conservacionista”

poderiam ser consideradas como algo próximo a um “ecologismo desenraizado”

(ACSELRAD, 2010).

Este “ecologismo” mereceria uma apreciação mais profunda para identificar se um

“ambientalismo contestatório” o teria antecedido. E para identificar se o conservacionismo

tenha tido uma expressado contestatória diante do mercado e do desenvolvimento, e quais

setores representariam este caráter contestatório. De tal maneira nos parece correto afirma

que desde a formulação do SNUC após a democratização movimentos sociais e

socioambientalistas demarcaram linhas diferentes no que se refere ao manejo e categorização

das UC, o pode expressar razões diferenciadas na forma como sugere Acselrad (2010).

Para Coelho, Cunha e Monteiro (2009) constituir unidades de conservação implica sobrepor

múltiplas territorialidades, pois diferentes atores, projetos, interesses, praticas e

representações estão “envolvidos/afetados” pela delimitação das áreas. Segundo os autores

pesquisadores da área de geografia, sociologia e antropologia tem contribuído para uma

“desnaturalização” das políticas de conservação ambiental, evidenciando a necessidade de

análises sobre a “partilha desigual de custos e benefícios associados à criação de unidades de

conservação.” (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.68). Nesse sentido a abordagem

da ecologia política forneceria os meios para problematizar e analisar as relações entre

populações, territorialidades e a proteção da natureza.

Estas relações seriam compreendidas a parti do elemento analítico dos diferenciais de poder

entre grupos sociais, permitindo o estudo da constituição de UC como políticas públicas em

perspectiva também histórica e processual, revelando “redes de poder”, interesses, visões

de mundo e formações sociais diversas. As UC seriam vistas nesta abordagem como fruto de

processos sociais e examinadas como “territórios de exercício de poder”, “resultados das

contradições, conflitos e negociações entre diferentes grupos sociais [...]” e não como

processos “dados”. (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.76)

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Segundo estes autores as UC seriam analisadas como “instrumentos de gestão territorial e

ambiental”, como “espaços de rivalidades territoriais” e parte de um processo global sujeito a

redes de pressão mundiais, na lógica dos limites de exploração, proteção de recursos

renováveis e reprodução de recursos renováveis em reservas territoriais. As UC seriam

analisadas com base na abordagem da ecologia política tomando como objeto de análise as

“tensões, relações e alianças entre grupos sociais e atores diversos – estabelecidos no interior

de um espaço” delimitado. (COELHO; CUNHA; MONTEIRO, 2009, p.77). Esta

interpretação seria possível para a continuidade de um estudo detalhado das estações

ecológicas e UCs no Nordeste brasileiro.

A ESEC Raso da Catarina possui um histórico descrito em capítulo anterior ligado a SEMA,

no contexto da política ambiental e da administração pública da sua época de sua criação. A

relação entre a política indigenista e ambiental na ecorregião do Raso da Catarina aponta para

um conflito que não se deu no “espaço” delimitado. Mas sim nos gabinetes federais e

tentativas de diálogo e negociação entre FUNAI e SEMA, ecologistas e antropólogos. No

entanto havia outro conflito no espaço que ocorria entre indígenas e posseiros, em tensas

relações mediadas por atores externos e internos ao processo, onde a conservação não

apareceria enquanto elemento do embate.

Havia o conflito quanto as terras a serem recuperadas para os índios, que se “resolveria”

somente após o fim do regime militar e com garantias trazidas pela Constituição de 1988. Se

não está ainda “resolvido” o conflito étnico fundiário no local onde vivem os índios

Pankararé é algo está intrinsecamente ligado a complexidade da situação e uma falta de

efetividade para garantir os direitos daqueles Índios no Nordeste. Porém se não há uma

questão de (in)justiça ambiental ou conflito socioambiental na relação entre a UC Estação

Ecológica do Raso e a TI Pankararé qual seria a questão em debate e qual o “espaço” do

embate desigual?

Interpretando a prática da Administração Pública na época haveria um embate dentro da

própria política pública indigenista e outro na relação entre a SEMA e a FUNAI, envolvendo

algum debate entre argumentos de especialistas em Antropologia e naturalistas. A narrativa de

Paulo Nogueira-Neto, secretário da SEMA, evidencia essa tensão e recusa em estabelecer

alianças com a FUNAI, por via de uma descaracterização dos índios Pankararé enquanto

“merecedores” de reconhecimento étnico por parte do órgão ambiental. Assim a ESEC Raso

da Catarina estaria melhor se fosse afastada da futura Terra Indígena.

Paulo Nogueira-Neto constrói a sua própria representação sobre estes fatos selecionando os

aspectos da realidade, privilegiando uns e negligenciados outros, de modo que numa análise é

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possível verificar a ausência e esquecimento sobre alguns elementos da relação entre UC e TI

no Raso da Catarina. E os aspectos selecionados deste passado (COSTA, et al, 2010) são

também encontrados nos processos e atos administrativos que viriam a realizar o “sonho com

o paraíso das abelhas” e com a “última imensidão verde”. A “preservação em bases

conservacionistas” diante do risco de “extinção acelerada da caatinga” seriam recursos

retóricos para uma estratégia de ecossistemas representativos mesmo que sem base em

estudos científicos aprofundados na época.

O surgimento da “espécie bandeira ararinha azul de lear” seria assim um elemento

complementar e não original para justificar a prévia consideração da presença humana como

danosa ao Raso da Catarina. Os cientistas ao estudar o mundo natural contribuiriam com o

fundamento científico para uma relação de poder já estabelecida a priori, pois em alguma

medida a conservação estava “dentro dos planos” de expansão, ocupação e exploração

desenvolvimentista no período do regime militar. Assim de maneira independente dos

critérios, tipos e categorias de áreas protegidas utilizados os problemas para criar as áreas

protegidas seriam vinculados a presença humana danosa e não à exploração pelo mercado de

recursos naturais e florestais ou mesmo um papel contraditório por parte do Estado.

A relação desigual de poder seria observada nas alianças e articulações para conservação do

Raso da Catarina gerada através da Administração Pública Federal com apoio do Governo do

Estado da Bahia que reservou terras devolutas com este objetivo. Dessa maneira a SEMA

realiza a UC e a FUNAI se articula com Governo do Estado da Bahia por meio do INTERBA,

seguindo definições de um “acordo” entre índios e posseiros para “solucionar” o conflito

fundiário.

Negando aquilo que não fosse de caráter biológico, ecológico ou científico referente a criação

da Reserva Ecológica do Raso da Catarina a SEMA rejeitaria a “demanda” Pankararé no Raso

da Catarina e questionaria a atuação dos antropólogos da UFBA junto ao grupo indígena, tal

qual é repetido por Olmos et al (2001). Envolvidos em redes de poder diferenciadas a SEMA

e a FUNAI utilizariam os mesmos critérios de “medida” da “aculturação” dos índios tanto

para evitar um Parque Indígena no local, quanto para postergar a demarcação completa das

Terras Indígenas.

A atuação indigenista federal e estadual na região revelaria uma estratégia do “território

possível” naquela época diante do conflito trazido pela “mistura” entre índios e “não-índios”,

especialmente no Brejo do Burgo. Até certo momento esta estratégia teria tido a anuência dos

grupos envolvidos, refletindo uma “escolha” resultante da tensão causada pela complexidade

da situação e também pela ação governamental tardia. Além disso, relações de poder estariam

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estabelecidas no local e o Estado teria um posição dúbia em relação garantia dos direitos do

índios Pankararé.

O IBDF e a SEMA atuando juntos na proteção integral com a atribuições das políticas

ambientais no Brasil levariam a frente a ecologia, a conservação, o “conservacionismo”,

reforçada por avanços nas descobertas ecológicas que viriam a justificar ecologicamente a

proteção integral e o anti-humanismo. Assim tal como ocorreu no Raso da Catarina os

problemas com Terras Indígenas colocariam os antropólogos e a FUNAI na “linha de fogo”. E

a suspeita sobre os Índios do Nordeste seria definida como uma “ameaça cabocla” a proteção

da natureza. Não sendo reconhecidos como “bons selvagens” e possivelmente identificados

com a destruição colonial do bioma da caatinga, seriam triplamente “culpados”: i) por não

terem sua “cultura preservada”; ii) terem se “misturado” com a sociedade abrangente

assumindo uma prática destruidora da natureza, o que não condizia com índios “verdadeiros”,

“intocados” e “naturais”; e iii) reivindicarem direitos que não lhes caberiam; numa visão

contrária aos índios.

Segundo Little (2006) os conflitos socioambientais teriam se tornado uma temática central da

ecologia política. O autor enfatiza que a ecologia política revelaria conexões e relações de

poder antes ignoradas. Além disso, ao etnógrafo caberia apresentar grupos ou “atores

socioambientais marginalizados” com foco no conflito socioambiental como objeto principal

de análise. Sem deixar de perceber as múltiplas interações sociais e naturais que fundamentam

estes conflitos identificando os atores, interesses numa arena política, discursos em choque e o

exercício do poder. Essa abordagem demandaria uma abordagem de dinâmicas tanto na

dimensão política quanto na “biofísica”, considerando que cientistas naturais teriam “que

levar em conta o mundo humano e suas estruturas políticas e socioeconômicas”. Assim no

contexto de uma “divisa entre a natureza e cultura”, isto é, uma separação epistemológica e

institucional entre as ciências naturais e as ciências sociais. (LITTLE, 2006, p.88)

O conflito entre a ESEC Raso da Catarina e a presença humana Pankararé na ecorregião se

daria no âmbito da política pública e entre modos possíveis de definir uma territorialização

para duas propostas distintas: demarcar a terra indígena e proteger a caatinga. De modo

restrito nesta análise ao período de criação e justificação da ESEC e início do processo de

demarcação das Terras Indígenas. Sem dúvida que após a criação teria ocorrido um impacto

sobre o povo Pankararé e outros do entorno da Reserva/Estação Ecológica, entretanto aqui

nos restringimos a identificar a relação entre as propostas quando da proposição e criação da

Unidade de Conservação federal. Ou seja, de início o conflito se daria fora do espaço

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delimitado pela unidade e após a sua implantação é provável que tenha ocorrido no próprio

local onde foi delimitada a UC envolvendo populações que habitam seu entorno.

Segundo o que propõe Diegues (2008) seria preciso reconhecer nas sociedades tradicionais a

existência do conhecimento válido para o manejo da biodiversidade. Para o autor modelos

científicos reducionistas levariam a uma “conservação hegemônica, autoritária e pouco

eficaz” (DIEGUES, 2008, p.184). Diegues (2008) considera que no contexto brasileiro a

integração das populações na conservação contribuiria para esta ser alcançada. Ademais estas

sociedades possuiriam “vasto conhecimento empírico” do mundo natural a ser “aproveitado”

em lugar de uma relocação ou expulsão “em prol da natureza” e de benefícios para a

“sociedade nacional” (DIEGUES, 2008, p.122)

Se o a SEMA pretendeu uma ESEC no Raso do Catarina por seu apelo estético e paisagístico,

logo depois a reserva de terras devolutas viria a ser cientificamente fundamentada por conta

da descoberta da arara azul de lear. A proposição da reserva/Estação Ecológica tinha a priori

a intenção do projeto de representatividade dos biomas e de manejo científico e realização de

pesquisas na caatinga no Nordeste brasileiro. Segundo Ferreira (2004, p.43) as UC brasileiras

foram “resultado de um processo arbitrário de tomada de decisões” e na realidade estaria em

disputa não o mito ou realidade “se havia ou não áreas intocadas para serem protegidas

intactas, mas a necessidade de esvaziar algumas para a partir daí mantê-las intactas [...]”.

(FERREIRA, 2004, p.43)

No caso do Raso da Catarina envolvendo principalmente a SEMA, a FUNAI, antropólogos e

demandas territoriais dos índios Pankararé não haveria uma situação de relocação ou expulsão

sumária daquele espaço. Diante do aviso da presença indígena no local preferiu-se fazer um

“recorte” no tamanho inicialmente desejado e que foi reservado a pedido da SEMA em terras

do Estado da Bahia. Após o “reconhecimento” da área por Paulo Nogueira-Neto, recusa de

um “parque indígena” integrando a reserva/estação aos indígenas, viria o decreto de criação

da ESEC estabelecendo um “domínio” federal para aquela parte do Raso da Catarina. No

entanto persistiria o conflito étnico-fundiário envolvendo os Pankararé em busca de obter

garantias para os seus direitos e a demarcação de seu território indígena.

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6 Considerações finais

Em primeiro lugar caberia assinalar que a importância do Raso da Catarina para os índios

Pankararé foi afirmada desde o início os anos 1970. E desse modo a sua interação com aquele

lugar. Daquele momento em diante em processos administrativos os Pankararé seriam vistos a

partir de uma suspeição que pode ser vinculada a noção de “perda” cultural, como critério que

impediria a sua distinção entre os demais moradores da região, “não-índios”. Essas visões

seria levadas em conta também para uma rejeição da proposta destes permanecerem no local

onde seria criada a Reserva Ecológica do Raso da Catarina, proposta pela SEMA.

Depois seria encaminhada a proposição da demarcação da Terra Indígena Pankararé

confrontante com a atual Estação Ecológica Raso da Catarina. A relação entre a presença

Pankararé e a área protegida se deu inicialmente na articulação institucional governamental

entre SEMA e FUNAI para avaliar a proposta de permanência dos índios. Desta comissão

governamental participaram Antropólogos da UFBA-PINEB, que atuaram em defesa da

permanência dos Pankararé no local. A proposição integraria a proposta de área protegida em

andamento com um território tradicional a ser reconhecido.

A proposição foi discutida em comissão mista daqueles órgãos, que foi anterior a mobilização

indígena e teria contribuído para produzir uma demarcação diferenciada daquelas Terras

Indígenas, conjugando duas propostas com definições diferenciadas para os direitos indígenas

no Raso da Catarina. A permanência dos índios na “Reserva Ecológica” não ocorreu porque a

SEMA reduziu a área inicialmente definida para a unidade de conservação no Raso da

Catarina. O que teria ocorrido a revelia de algum “acordo” possível fruto da comissão SEMA-

FUNAI que estava oficialmente criada. Nessa decisão pesaria um viés autoritário e anti-

humanista no caso, quando a personalização da tomada de decisão ocorre desconsiderando o

processo formal que tinha sido estabelecido. Esse aspecto não foi registrado nas memórias do

Secretário da SEMA Paulo Nogueira-Neto. O “esquecimento” seletivo ocorreu no relato

biográfico, porém os processos administrativos analisados e entrevistas com Antropólogos da

UFBA guardaram os fatos ocorridos.

A redução da área não afetou os critérios utilizados para justificar a criação da ESEC Raso da

Catarina que seriam forjados a priori. Dessa maneira o local seria identificado como um

“paraíso das abelhas”, uma “imensidão verde” única na caatinga em “risco de extinção”,

como local para a “representatividade” do bioma e por fim a “espécie-bandeira” Arara azul de

lear se tornaria o principal “justificador” da relevância da área protegida. Atualmente a

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biodiversidade, endemismo e valor da ecorregião ampliam as justificativas para a proteção

integral e outros moldes de conservação no Raso da Catarina.

Essa perspectiva revela que critérios fluídos e inicialmente ausentes da exigida e propalada

base científica justificaram a criação da área protegida no local. Uma imagem superficial de

“natureza intocada” e critério “paisagístico” foram acionados para estabelecer o controle do

Estado sobre a área, em que também a “ameaça” dos seres humanos presentes ou ausentes fez

parte do discurso da conservação produzido para o Raso da Catarina, contra a caça e uso dos

recursos. A situação não foi geradora de “relocação” e impedimentos geradores de conflitos

abertos e diretos na criação da UC. E somente a partir de 1984 a ESEC Raso da Catarina seria

instituída de fato formalmente impedindo o uso público e acesso não autorizado, fora das

finalidades da ESEC. A área sob “domínio” do Estado teria destinação voltada para o uso

científico e estaria submetida ao controle e fiscalização pelo Governo Federal. Conforme a

categoria definida para a unidade de conservação no seu processo histórico de constituição

que produziu a sua criação.

O contexto deste processo social numa perspectiva histórica da Administração Pública e com

a abordagem da ecologia política revela que atores envolvidos estiveram em desiguais

relações de poder. A partir de documentos e análise dos atos administrativos oficiais e

depoimentos é possível observar a força que teve a criação de UC se comparada a situação de

demarcação de terras indígenas no local. Ambos os processos demandaram articulação com o

Governo da Bahia para se obter as terras e também iniciar a demarcação das terras Pankararé.

Ainda que existam conflitos étnico-fundiários no local, no que se refere à criação da ESEC

não localizamos na época além do impacto causado sobre a caça tradicional um confronto

direto entre agentes da conservação e o grupo indígena no período da criação da unidade.

Haja vista que iniciava um foco de enfrentamento no processo dos estudos para a demarcação

das terras, em que “posseiros”, e uma série de “acordos” mediados surgiriam e depois seriam

suspensos.

Os atos e processos administrativos foram influenciados por alguns preconceitos e uso de

definições negativas quanto aos índios Pankararé. Que afetaram a proposta de integrar a

Estação Ecológica ao processo de reconhecimento das suas terras. Especialistas biólogos e

antropólogos atuaram nos processos produzindo justificativas científicas para as áreas. No

entanto, a dificuldade para demarcar as Terras Indígenas é revelada como tendo sido fruto de

desigual inserção no processo capitaneado pelo próprio Estado, atuando como mediador da

situação de contato índio e não-índio sem expressar uma defesa clara dos interesses dos

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primeiros. Assim seria crítico no processo Pankararé o conflito étnico-fundiário com foco

central na apropriação dos recursos naturais disponíveis e na reprodução cultural do grupo.

Ocorrida a criação da fronteira entre ESEC Raso da Catarina e Terra Indígena Pankararé, o

planejamento posterior da UC definiria uma sobreposição com a zona de amortecimento da

Estação Ecológica. As duas “territorializações” possuem histórias distintas com justificativas

próprias e processos diferenciados. Porém quando nos anos 1970 antropólogos da UFBA

buscaram viabilizar uma mediação entre a conservação do Raso da Catarina e o

reconhecimento dos Pankararé houve um contato entre as políticas públicas ambiental e

indigenista. Este contato produziu a redução da reserva ecológica com base numa separação

das questões envolvidas que refletiu tanto uma suspeita com relação a condição étnica dos

índios do nordeste, quanto possível separação entre as ciências naturais e ciências sociais.

Podemos concluir brevemente que o tratamento do processo histórico da política pública pode

contribuir com o estudo dos processos de criação de UC e das relações desiguais de poder

estabelecidas entre os atores envolvidos (agentes públicos, cientistas, grupos étnicos e

possíveis antagonistas). Os conflitos envolvendo populações tradicionais dentro e no entorno

das áreas protegidas poderão utilizar este tipo de abordagem que permite recuperar o histórico

das justificativas utilizadas para sua criação das UC, considerando o contexto administrativo

como parte das relações de poder estabelecidas nos processos administrativos e tomadas de

decisão.

Caberia num estudo futuro investigar contextos históricos, sociais e políticos locais quando da

criação da Unidade de Conservação Federal. De modo que se possa tratar do impacto do

surgimento das áreas protegidas no contexto da região, dos municípios e de outras populações

humanas envolvidas. Assim permitindo conhecer as repercussões locais mais amplas das

estratégias para conservação na caatinga. Além disso, incluir o tratamento das diferentes

lógicas de manejo que se dão nos espaços de criação de UC, considerando a possibilidade de

valorização dos saberes tradicionais para a conservação da caatinga.

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Interior, a Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA, e da outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 76.999, de 8 de janeiro de 1976. Dispõe sobre o processo

administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

BRASIL. Decreto No 84.017, de 21 de setembro de 1979. Aprova o Regulamento dos

Parques Nacionais Brasileiros.

BRASIL. Decreto nº 88.118, de 23 de Fevereiro de 1983. Dispõe sobre o processo

administrativo de demarcação de terras indígenas e dá outras providências.

BRASIL. Decreto nº 88.351, de 1º de Junho de 1983. Regulamenta a Lei n° 6.938, de 31 de

agosto de 1981, e a Lei n° 6.902, de 27 de abril de 1981, que dispõem, respectivamente, sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente e sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de

Proteção Ambiental, e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 89.336, de 31 de janeiro de 1984. Dispõe sobre as Reservas

Econômicas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico, e dá outras providencias.

BRASIL. Decreto Nº 89.268, DE 03 de janeiro de 1984. Cria a Reserva Ecológica Raso da

Catarina, em área de terras que indica e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de

abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre

a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional

do Meio Ambiente, e dá outras providências

BRASIL. Decreto nº 1.775, de 8 de Janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento

administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências.

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152

BRASIL. Decreto Nº 4.340, DE 22 de agosto de 2002 Regulamenta artigos da Lei no 9.985,

de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza - SNUC, e dá outras providências

BRASIL. Decreto-Lei Nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da

Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras

providências.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 289, de 28 de fevereiro de 1967. Cria o Instituto Brasileiro do

Desenvolvimento Florestal e dá outras providências.

BRASIL. Decreto Nº 3.834, de 5 de junho de 2001. Regulamenta o art. 55 da Lei no 9.985,

de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza, e delega competência ao Ministro de Estado do Meio Ambiente para a prática do

ato que menciona, e dá outras providências. (Revogado pelo Decreto nº 4.340, de 22.8.2002)

BRASIL. Decreto de 5 de janeiro de 1996. Homologa a demarcação administrativa da Terra

Indígena Pankararé, localizada no Município de Glória, Estado da Bahia.

BRASIL. Decreto DE 30 de abril de 2001. Homologa a demarcação administrativa da Terra

Indígena Brejo do Burgo, localizada nos Municípios de Glória, Paulo Afonso e Rodelas,

Estado da Bahia.

BRASIL. Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal.

(Revogado pela Lei nº 12.651, de 2012).

BRASIL. Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras

providências.

BRASIL. Lei Nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967. Autoriza a instituição da "Fundação

Nacional do Índio" e dá outras providências.

BRASIL. Lei No 6.902, de 27 de abril de 1981. Dispõe sobre a criação de Estações

Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências.

BRASIL. Lei Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

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153

BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III

e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007. Dispõe sobre a criação do Instituto Chico

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Glossário

Agreste Denominação aplicada a vegetação semi-árida, fisiologicamente seca,

com plantas providas de proteção contra déficit hídrico.

Agreste (Geografia): Nome dado a região de transição entre a costa úmida e o

interior semi árido do Nordeste brasileiro. Originalmente a região era recoberta

por florestas estacionais.

Área de proteção ambiental (APA) Área pertencente ao grupo das unidades de

conservação de uso direto, sustentável e regida por dispositivos legais. Constituise

de área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de

atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais, especialmente importantes

para a qualidade de vida e bem estar da população residente e do entorno. Tem

por objetivo disciplinar o uso sustentável dos recursos naturais e promover, quando

necessário, a recuperação dos ecossistemas degradados.

Área de relevante interesse ecológico (ARIE) Área possuidora de características

extraordinárias ou que abriga exemplares raros da flora e da fauna de uma determinada

região, o que exige cuidados especiais de proteção por parte do Estado.

Avifauna Conjunto de espécies de aves que vivem em uma determinada região.

Biodiversidade Total de genes, espécies e ecossistemas de uma região. A

biodiversidade genética refere-se à variação dos genes dentro das espécies, cobrindo

diferentes populações da mesma espécie ou a variação genética dentro de

uma população. A diversidade de espécies refere-se à variedade de espécies existentes

dentro de uma região. A diversidade de ecossistemas refere-se à variedade de

ecossistemas de uma dada região. A diversidade cultural humana também pode

ser considerada parte da biodiversidade, pois alguns atributos das culturas humanas

representam soluções aos problemas de sobrevivência em determinados

ambientes. A diversidade cultural manifesta-se pela diversidade de linguagem,

crenças religiosas, práticas de manejo da terra, arte, música, estrutura social e

seleção de cultivos agrícolas, dentre outros.

Biologia Ciência natural voltada ao estudo dos seres vivos, através da

morfologia,da fisiologia, da ecologia e da sistemática, dentre outros. Inclui a

botânica e a zoologia.

Bioma Conjunto de vida (vegetal e animal) definida pelo agrupamento de tipos

de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições

geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, resultando em uma

diversidade biológica própria.

Biota Denominação utilizada para o conjunto da fauna e flora de uma determinada

região.

Brejo Terreno plano, encharcado, que aparece nas regiões de cabeceiras ou em

zonas de transbordamento de rios. Embora os brejos das regiões litorâneas geralmente

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sejam originados à partir de rios permanentes, os brejos de cabeceiras podem

se formar em regiões com rios intermitentes.

Caatinga Nome genérico dado as formações vegetais típicas do interior semi

árido do Nordeste do Brasil. As plantas da caatinga apresentam adaptação à escassez

e irregularidade das chuvas. Predominam espécies arbóreas e arbustivas

de pequeno porte, espinhosas, que perdem as folhas na estação seca, associadas a

cactáceas e bromeliáceas.

Clima Conjunto de estados de tempo meteorológico que caracteriza uma determinada

região durante um grande período de tempo, incluindo o comportamento

habitual e as flutuações, resultante das complexas relações entre a atmosfera,

geosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera.

Conservação (Ecologia) Em sentido amplo, é o conjunto de atividades e

políticas que asseguram a contínua disponibilidade e existência de um recurso.

Em sentido mais restrito, é o armazenamento e a guarda do germoplasma

em condições ideais, permitindo a manutenção de sua integridade. A conservação

engloba a preservação, que é usada para germoplasma armazenado em

temperaturas criogênicas.

Conservação da natureza Utilização racional dos recursos naturais renováveis

(ar, água, solo, flora e fauna) e obtenção de rendimento máximo dos não renováveis

(jazidas minerais), de modo a produzir o maior benefício sustentado para as gerações

atuais, mantendo suas potencialidades para satisfazer as necessidades das

gerações futuras. Não é sinônimo de preservação porque está voltada para o uso

humano da natureza, em bases sustentáveis, enquanto a preservação visa à proteção

a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas.

Corredores ecológicos Termo adotado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC), que abrange as porções de ecossistemas naturais ou seminaturais

que interligam unidades de conservação e outras áreas naturais, possibilitando o

fluxo de genes e o movimento da biota entre elas, facilitando a dispersão de espécies,

a recolonização de áreas degradadas, a preservação das espécies raras e a manutenção

de populações que necessitam, para sua sobrevivência, de áreas maiores do

que as disponíveis nas unidades de conservação. Os corredores ecológicos são fundamentais

para a manutenção da biodiversidade a médio e longo prazos.

Desertificação Degradação da terra nas regiões áridas, semi-áridas e

subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas

e as atividades humanas. A degradação da terra compreende a degradação

dos solos, dos recursos hídricos, da vegetação e a redução da qualidade de

vida das populações afetadas.

Ecologia Ciência que estuda todas as relações entre os organismos atuais e os

ambientes envolventes, a distribuição dos organismos nestes ambientes, bem como

a natureza das suas interações.

Ecologia da paisagem (ing. landscape ecology) Ver geoecologia.

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Ecossistema Sistema integrado e autofuncionante que consiste em interações dos

elementos bióticos e abióticos, e cujas dimensões podem variar consideravelmente.

Espécie (Biologia) Unidade básica de classificação dos seres vivos. Designa populações

de seres com características genéticas comuns, que em condições

naturais reproduzem-se gerando descendentes férteis e viáveis. Embora possa

haver grande variação morfológica entre os indivíduos de uma mesma espécie,

em geral, as características externas de uma espécie são razoavelmente constantes,

permitindo que as espécies possam ser reconhecidas e diferenciadas uma das

outras por sua morfologia.

Espécie ameaçada Espécie animal ou vegetal que se encontra em perigo de

extinção, sendo sua sobrevivência incerta, caso os fatores que causam essa

ameaça continuem atuando.

Espécie endêmica Espécie animal ou vegetal que ocorre somente em uma determinada

área ou região geográfica.

Espécie extinta Espécie animal ou vegetal de cuja existência não se tem mais

conhecimento por um período superior a 50 anos.

Espécie fora de perigo Espécie vegetal ou animal que foi protegida através de

medidas bem-sucedidas e que portanto não mais se encontra em uma das categorias

de risco.

Espécie rara Espécie vegetal ou animal que não está ameaçada e nem é vulnerável,

porém corre um certo risco, pelo fato de apresentar distribuição geográfica

restrita, ou habitat pequeno, ou ainda baixa densidade na natureza.

Espécie vulnerável Espécie vegetal ou animal que poderá ser considerada em

perigo de extinção, caso os fatores causais da ameaça continuem a operar. Incluem-

se aqui as populações que sofrem grande pressão de explotação.

Estação ecológica Área representativa de um ecossistema destinada à realização

de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia, à proteção do ambiente natural e ao

desenvolvimento da educação conservacionista.

Flora Conjunto de entidades taxonômicas vegetais (espécies, gêneros etc.) que

compõe a vegetação de um território de dimensões consideráveis, como por exemplo,

a flora do cerrado.

Geoecologia Ciência que atua na interface entre a Geografia e a Ecologia, através

de uma estrutura multi e interdisciplinar. Resulta de uma abordagem holística por

todas as áreas das ciências envolvidas, para estabelecer e definir os relacionamentos

entre os diversos meios que integram os sistemas da paisagem. Sua importância

está diretamente relacionada à capacidade de apoio à gestão ambiental

a ao planejamento territorial. Ecologia da paisagem.

Impacto ambiental Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas

do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia

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resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a

segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota,

as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos

ambientais. Resolução CONAMA nº 306, de 5 de julho de 2002.

Manejo Interferência planejada e criteriosa do homem no sistema natural, para

produzir um benefício ou alcançar um objetivo, favorecendo o funcionalismo

essencial desse sistema natural. É baseado em método científico, apoiado em pesquisa

e em conhecimentos sólidos, com base nas seguintes etapas: observação,

hipótese, teste da hipótese e execução do plano experimental.

Poluição Degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou

indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem

condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a

biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, e lancem materiais

ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Reserva biológica Área de domínio público, compreendida na categoria de Áreas

Naturais Protegidas, criada com a finalidade de preservar ecossistemas naturais

que abriguem exemplares da flora e da fauna nativas.

Reserva florestal Área extensa, em estado natural, protegida pela legislação federal

ou estadual, sem ocupação humana até que possa ser objeto de pesquisa e

ter seus recursos sustentavelmente utilizados.

Unidade de conservação Espaço territorial e seus componentes, incluindo as

águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído

pelo poder público, com objetivos de preservação e/ou conservação e limites

definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias

adequadas de proteção. As unidades de conservação podem ser de uso indireto

quando não envolvem consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais,

e de uso direto quando envolvem o uso comercial ou não dos recursos naturais.

Zona de amortecimento (Ecologia) Entorno de uma unidade de conservação,

onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com

o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.

Zoneamento ambiental Integração sistemática e interdisciplinar da análise

ambiental ao planejamento dos usos do solo, com o objetivo de definir a melhor

gestão dos recursos ambientais identificados.

Zoneamento ecológico-econômico (ZEE) Instrumento de racionalização da ocupação

dos espaços e de redirecionamento das atividades econômicas. O ZEE serve

como subsídio a estratégias e ações para a elaboração e execução de planos

regionais de busca do desenvolvimento sustentável.

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE.

Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. 2ª edição. Rio de Janeiro/RJ.

2004.

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ANEXOS