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81
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO A APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO BRUNO EDUARDO SCHMIDT Itajaí (SC), novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO

A APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

BRUNO EDUARDO SCHMIDT

Itajaí (SC), novembro de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURS CURSO DE DIREITO

A APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

BRUNO EDUARDO SCHMIDT

Monografia submetida à Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Msc. Alexandre Macedo Tavares

Itajaí (SC), novembro de 2008

iii

Meus Agradecimentos:

Ao meu pai e minha mãe, que me

oportunaram viver nesse mundo com a

graça de Deus, e que me ofereceram

ainda mais compreensão e carinho

nesta fase da minha vida;

Ao meu Avô que participou dessa

jornada conforme na grandeza de seu

exemplo e sua valentia a serem

seguidos;

Aos meus irmãos, que sempre me

apoiaram em tudo que fiz e ainda farei,

sendo ombros amigos para todas as

horas;

Assim como minha irmã, que com sua

ternura e graça move montanhas e

ainda conseguirá tudo que quiser;

Aos meus verdadeiros amigos,

companheiros para muitas aventuras e

sinceros acima de tudo;

Agradeço ainda a todas as pessoas que

fizeram parte de minha história nessa

longa caminhada e contribuíram para

me formar a pessoa que sou.

iv

Este trabalho dedico:

Ao Prof. Alexandre Macedo Tavares por

ter me apoiado na transgressão do

árduo caminho para a minha formação

acadêmica, e em seu nome a todos os

professores que participaram de minha

formação;

Ao meu Avô Lothar Schmidt, e minha

avó Siegrid Schmidt os quais sempre

primaram pelo estudo de todos os netos,

mesmo que distantes;

A meus pais que sempre permaneceram

unidos e nos deram a oportunidade de

ver que a vida há de nos ensinar muito.

v

Por mais que tenhas errado e erres, para

ti haverá sempre esperança enquanto

te envergonhares de teus erros. Olhes

para trás [...], mas vá em frente, pois há

muitos que precisam que chegues para

poderem seguir-te.

[C. Chaplin]

Um príncipe pode dirigir uma

empresa e ser forte, governar um país e

ser fraco. [...]

“Pois os homens nunca se inclinam a empreendimentos que

prometem ser difíceis, e nunca parecerá fácil atacar aquele que

tem sua cidade bem defendida, e não é odiado pro seu povo”.

[Maquiavel]

vi

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Bruno

Eduardo Schmidt, sob o título A APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO

ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO, foi submetida em 18 de novembro

de 2008 à Banca Examinadora composta pelos seguintes Professores:

Alexandre Macedo Tavares (Orientador e Presidente da Banca),

________________________ (Membro) e aprovada com a nota (_________).

Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008.

Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação de Monografia

vii

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,

isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do

Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008.

Bruno Eduardo Schmidt Graduando

viii

ROL DE CATEGORIAS

Abuso de poder:

O abuso de poder consiste no seu emprego em desacordo com a lei, sem

atender os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e

da publicidade. O poder, de que se investe a autoridade publica, tem em

vista o bem estar da instituição ou o bem comum, motivo que deve ser

usado, de conformidade com a lei para atender aos seus fins legítimos. O

abuso de poder com seu uso desproporcional, arbitrário, violento, ou

desviado de sua finalidade, constitui ato ilícito, quer decorra de excesso

ou de desvio de objetivo.1

Direito Líquido e Certo:

Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência,

delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da

impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável

por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer

em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se

sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada;

se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não

rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios

judiciais.2

Habeas Corpus:

O habeas corpus é uma garantia individual, ou seja, um remédio jurídico

destinado a tutelar a liberdade física do individuo, a liberdade de ir, ficar e

1 PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 2 ed. São Paulo: RT, 1991. p. 132.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 1992, P.25.

ix

vir. Pode ser conceituado, pois, como um remédio judicial que tem por

finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de

locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Com ele se

pode impugnar atos administrativos ou judiciários, inclusive coisa julgada,

ou mesmo de particulares.3

Ilegalidade:

A violação de direito liquido e certo – diz a Constituição Federal – deve

nascer de ilegalidade ou abuso de poder. A distinção normalmente feita

pela doutrina, entre ilegalidade e abuso de poder, diz com a natureza do

ato praticado pela autoridade impetrada. Se vinculado, fala-se em

ilegalidade; se discricionário, pode haver abuso de poder.4

Liberdade Pessoal:

O conceito de liberdade pessoal não variou: foi sempre o direito de ir, ficar

e vir, de andar e mover-se ultro et citro. (...) restringir a liberdade pessoal é

limitar, barreirar, comedir, por quaisquer meios específicos, o movimento

de alguém; obrigar o individuo a não ir, a não ficar ou não vir de algum

lugar; constrangê-lo a mover-se ou a caminhar; impedir-lhe que não fique,

vá ou venha.5

Liberdade de Locomoção:

Liberdade de locomoção corresponde à liberdade física da pessoa, sua

liberdade corporal. Equivale dizer que o habeas corpus não protege

somente contra a prisão injusta que impede a pessoa de locomover-se,

3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 709.

4 ALVIM, Eduardo Pellegrini Arruda. Mandado de segurança no direito tributário. São Paulo: RT, 1998. p. 106.

5 MIRANDA, Pontes de. História e prática do habeas corpus. Tomo I. Campinas: Bookseller, 1999. p. 47

x

mas também à tutela a integridade física do indivíduo, o direito de opor-se

à violência e ao castigo corporal.6

6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 709.

xi

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................... XV

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1

Capítulo 1 .................................................................................................................. 4

PROTEÇÃO DAS LIBERDADES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................................. 4

MANDADO DE SEGURANÇA ................................................................................. 4

1.1.1 Sujeitos da ação mandamental ................................................................ 5

1.1.2 Legitimação ativa e passiva ...................................................................... 6

1.1.4 Competência ............................................................................................... 7

1.1.5 Pressupostos de admissibilidade ............................................................... 8

1.1.5.1Ilegalidade ou abuso de poder ............................................................... 9

1.1.5.2 Direito líquido e certo ............................................................................... 9

1.1.5.3 Direito não amparado por habeas corpus ou habeas data ............. 10

1.1.6 Prazo decadencial para impetração ...................................................... 10

1.2 HABEAS DATA ................................................................................................ 11

1.2.1 Conceito ..................................................................................................... 11

1.2.2 Natureza jurídica ....................................................................................... 12

1.2.3 Finalidade ................................................................................................... 12

1.2.4 Cabimento ................................................................................................. 13

1.2.5 Legitimação ativa e passiva .................................................................... 13

1.2.6 Procedimento e Competência ................................................................ 14

1.3 MANDADO DE INJUNÇÃO ............................................................................ 14

1.3.1 Histórico ...................................................................................................... 14

1.3.2 Conceito ..................................................................................................... 15

xii

1.3.3 Objeto e requisitos ..................................................................................... 16

1.3.4 Legitimidade ativa e passiva ................................................................... 16

1.3.5 Procedimento e competência ................................................................. 17

1.4 DIREITO DE CERTIDÃO ................................................................................... 19

1.5 DIREITO DE PETIÇÃO ...................................................................................... 19

1.5.1 Histórico e conceito .................................................................................. 19

1.5.2 Natureza jurídica ....................................................................................... 20

1.5.3 Legitimidade ativa e passiva ................................................................... 20

1.5.4 Finalidade ................................................................................................... 20

1.6 AÇÃO POPULAR ............................................................................................ 21

1.6.1 Conceito e finalidade ............................................................................... 21

1.6.2 Requisitos .................................................................................................... 22

1.6.3 Objeto ......................................................................................................... 22

1.6.4 Legitimidade ativa e passiva ................................................................... 23

1.6.5 Natureza da decisão e competência ..................................................... 23

1.7 HABEAS CORPUS ........................................................................................... 24

Capítulo 2 ................................................................................................................ 25

HABEAS CORPUS ................................................................................................. 25

2.1 HISTÓRICO – HABEAS CORPUS NO BRASIL .................................................. 25

2.2 A ENTRADA DO HABEAS CORPUS EM TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO .............................................................................................................................. 27

2.3 A REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926 E AS DEMAIS CONSTITUICÕES ATÉ A ATUAL ................................................................................................................ 28

2.4 NATUREZA JURÍDICA DO HABEAS CORPUS .................................................. 29

2.5 O HABEAS CORPUS COMO AÇÃO CONTITUCIONAL ................................. 32

xiii

2.6 LEGITIMIDADE ATIVA À IMPETRAÇÃO .......................................................... 33

2.7 ESPÉCIES ......................................................................................................... 36

2.7.1 Habeas Corpus preventivo (salvo-conduto) .......................................... 36

2.7.2 Habeas Corpus liberatório ou repressivo ................................................ 37

2.8 O CONSTRANGIMENTO ................................................................................. 38

2.8.1 Quando o constrangimento é ilegal ....................................................... 38

2.9 APRESENTAÇÃO DO PACIENTE ..................................................................... 42

2.10 COMO PODE SER IMPETRADA A ORDEM DE HABEAS CORPUS ................ 43

2.11 LIMINAR EM HABEAS CORPUS .................................................................... 44

2.12 NÃO-CABIMENTO DE HABEAS CORPUS ..................................................... 45

Capítulo 3 ................................................................................................................ 48

APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO ........................................................................................................... 48

3.1 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO ........................... 48

3.2 CARACTERES DO ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO ............................................... 49

3.3 REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE APLICÁVEL ÀS HIPÓTESES DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS E DOS ILÍCITOS PENAIS TRIBUTÁRIOS ........................ 50

3.4 A LEI 8.137/90 E OS TIPOS PENAIS TRIBUTÁRIOS .......................................... 52

3.5 A IMPRESTABILIDADE DA DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL ANTES DO EXAURIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL ................................. 54

3.5.1 A falta de justa causa da ação penal e o Habeas Corpus .................. 55

3.5.2 A impetração do habeas corpus para fins de se evitar a instauração do inquérito policial ........................................................................................... 56

3.6 O PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO A QUALQUER TEMPO E O HABEAS CORPUS PARA FINS DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ............................. 57

3.7 O PARCELAMENTO DO DÉBITO FISCAL E O HABEAS CORPUS PARA FINS DO SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL ............................................................ 60

xiv

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 62

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .................................................................. 65

xv

RESUMO

Atrelado ao contexto das obrigações fiscais, cresce de

importância o instituto do habeas corpus como medida saneadora de

coações ilegais fundadas em ilícitos penais tributários. Mediante a

utilização do método indutivo objetivou-se analisar os pressupostos de

admissibilidade, o sentido e o alcance do instituto da habeas corpus no

Direito Tributário Brasileiro. Através da pesquisa, obtiveram-se os seguintes

entendimentos: a) o habeas corpus é medida para garantir a liberdade

de contribuinte em caso de ilegalidade constatada por ato de autoridade

coatora eivado de vício ou nulidade; b) em princípio o habeas corpus não

é meio de trancamento da ação penal, contudo nada impede que se

destine a este fim, desde que preenchidos os requisitos de admissibilidade;

c) o principal caso a que se aplica tal remédio constitucional no intuito de

sanar ou garantir a liberdade do infrator tributário, é quando o mesmo

quita o tributo devido ensejador do ilícito, ocasionando, assim, a falta de

justa causa da ação penal; d) nos casos de parcelamento do débito, fica

a ação suspensa, bem como sua prescrição, até a quitação do débito.

INTRODUÇÃO

O núcleo da presente monografia é a investigação dos

aspectos fundamentais do instituto do Habeas Corpus no Direito Tributário,

assim como seu alcance e efeitos jurídicos, à luz do Código Tributário

Nacional, da doutrina nacional e da jurisprudência.

O estudo desse tema é de extrema significância na ordem

tributária atual, justificando uma pesquisa aprofundada, não somente

pela sua importância prática, mas pela falta de consenso entre a doutrina

e jurisprudência, no que se refere ao seu alcance e pressupostos de

admissibilidade.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí – Univali; geral, investigar as notas peculiares

do instituto do habeas corpus; específicos, 1) Identificar a proteção as

liberdades na Constituição Federal de 1988; 2) analisar o aspectos

determinantes do habeas corpus; e, 3) Investigar a aplicabilidade do

instituto do habeas corpus no cenário jurídico nacional.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo7, operacionalizado com as

técnicas8 do referente9, da categoria10, dos conceitos operacionais11 e da

7 O método indutivo consiste em ‘pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral’. [Pasold, 2001, p. 87].

8 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. [Pasold, 2001, p. 88].

9 Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. [Pasold, 2001, p. 63].

10 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. [Pasold, 2001, p. 37].

2

pesquisa bibliográfica, em conjunto com as técnicas propostas por

Colzani12, dividindo-se o relatório final em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes

problemas:

1ª É o Habeas Corpus aplicável a hipótese dos crimes fiscais?

2ª É cabível a deflagração de ação penal antes do exaurimento do

processo administrativo fiscal?

3ª se o Habeas Corpus pode ser utilizado para fins do sobrestamento de

uma ação penal tributária?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram

levantadas as seguintes hipóteses:

a) partindo-se do princípio de que o Habeas Corpus serve para ilidir

coação a liberdade de ir e vir, entende-se ser possível a aplicação do

instituto do Habeas Corpus na hipótese dos crimes fiscais puníveis com a

pena privativa de liberdade;

b) pela separação e independência das esferas do Direito Administrativo

e Direito Penal, entende-se por ser cabível a deflagração da ação penal

concomitantemente ao processo administrativo fiscal;

c) desde que preenchidos os pressupostos de admissibilidade do instituto

entende-se por ser cabível a utilização do Habeas Corpus na ação penal

tributária.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam a

11

Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de

que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. [Pasold, 2001, p. 51]. 12

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

3

aplicabilidade do instituto do habeas corpus na ação penal tributária, o

trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo tratar-se-á a respeito das liberdades

garantidas pela Constituição Federal de 1988, com ênfase nos elementos

dos remédios constitucionais abrigadores da liberdade de ir, ficar e vir.

No segundo capítulo, discorrer-se-á acerca do instituto do

habeas corpus, abordando-se a relação do remédio heróico com a ação

penal.

No terceiro e último capítulo, investigar-se-á o ilícito penal

tributário, e a aplicabilidade do instituto do habeas corpus para o

trancamento da ação penal fundada nos crimes contra a ordem tributária

bem como as espécies de infrações alcançadas e efeitos.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo e

demonstração sobre as hipóteses básicas da pesquisa, verificando se as

mesmas restaram ou não confirmadas.

4

Capítulo 1

PROTEÇÃO DAS LIBERDADES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

MANDADO DE SEGURANÇA

Constitui instituto previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição

de 1988, advindo da Constituição de 1934, com função de proteger

direito líquido e certo, que não se encontre amparado pelos institutos do

habeas corpus ou habeas data contra ato praticado mediante de abuso

de poder ou ilegalidade na qual o agente coator for autoridade pública

ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder

Público.

Define Hely Lopes Meirelles:

(...) o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física

ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade

reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou

coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou

habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de

autoridade, seja de que categoria for e sejam as funções que

exerça.13

Assim configurado, é de suma importância ressaltar a lição de

Alexandre de Moraes quanto aos atos aos quais se destina o Mandado de

Segurança:

(...) o mandado de segurança caberá contra os atos discricionários

e os atos vinculados, pois nos primeiros, apesar de não se poder

examinar o mérito do ato, deve-se verificar se ocorreram os

pressupostos autorizadores de sua edição e, nos últimos, as

hipóteses vinculadoras da expedição do ato.14

13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P.682.

14 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 140.

5

Neste tom, define Alexandre de Moraes citando de Ary

Florêncio Guimarães:

O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles

se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder,

constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e

liberdade política.15

D`outro ponto, define Hugo de Brito Machado: “mandado de

segurança é o processo do qual as pessoas podem dispor para obrigar o

governo a fazer o que deve, e não faz, ou a não fazer o que faz, mas não

deve”.16

Definido o instituto, cabe tratar das partes da ação

mandamental.

1.1.1 Sujeitos da ação mandamental

Como se trata de uma ação constitucional, segundo definido

anteriormente, o mandado de segurança deve ser interpretado da forma

mais ampla possível, a fim de se viabilizar ao máximo sua utilização.

Ensina Cássio Scapinella Bueno:

(...) o reconhecimento de quem pode ser impetrante do mandado

de segurança deve acompanhar, assim, a interpretação

(necessariamente ampla) de todos aqueles que podem invocar as

garantias do art. 5º da Constituição.17

Ante a amplitude da definição retro, preconiza o Fredie Didier

Jr que “a capacidade para figurar no pólo ativo da relação processual,

além de alcançar a todas as pessoas físicas e jurídicas, engloba os órgãos

15 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 139.

16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 13.

17 BUENO, Cassio Scapinella. Mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 27.

6

públicos despersonalizados e as universalidades reconhecidas por lei.”18

1.1.2 Legitimação ativa e passiva

Desvencilhando as partes legítimas do mandado de

segurança, sejam elas, sujeito ativo e passivo, tem-se que o primeiro é: “o

titular do direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou

habeas data19.

Segundo Alexandre de Moraes:

Tanto pode ser a pessoa física como jurídica, nacional ou

estrangeira, domiciliada ou não em nosso País, além das

universalidades reconhecidas por lei (espólio, massa falida, por

exemplo) e também os órgãos públicos despersonalizados, mas

dotados de capacidade processual (chefia do Poder Executivo,

Mesas do Congresso, Senado, Câmara, Assembléias, Ministério

Publico, por exemplo). O que se exige é que o impetrante tenha o

direito invocado, e que este direito esteja sob a jurisdição da Justiça

brasileira.20

Porém, como dispõe Eduardo Sodré, pode-se entender que a

legitimidade ativa pode ser dividida em ordinária ou extraordinária:

Na primeira hipótese, própria da ação individual, o titular do direito

violado ou em vias de violação, exerce pessoalmente o direito de

ação. Já no segundo caso, (...), por forca de substituição processual

autorizada pelo art. 5°, inciso LXX, da Constituição da República, é

possível a defesa de direitos alheios em nome próprio, situação em

que se terá o mandado de segurança coletivo.21

A legitimação passiva aduz acerca de contra quem deve ser

impetrado o mandado de segurança.

18 DIDIER Jr, Fredie. Ações Constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 91.

19 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 143.

20 Idem 19.

21 Idem 18.

7

Para Eduardo Sodré:

A parte é o ente ao qual se encontra vinculada a autoridade

coatora e não ela própria, cabendo, desta forma, à pessoa jurídica

em nome da qual o ato foi praticado não apenas o oferecimento

de contestação e o manejo de recursos, mas também suportar os

efeitos, em especial patrimoniais, da impetração.22

Em sentido oposto, aponta Alexandre de Moraes:

Poderão ser sujeitos passivos do mandado de segurança os

praticantes de atos ou omissões revestidos de força jurídica especial

e componentes de qualquer dos Poderes da União, Estados,

Municípios, de autarquias, de empresas públicas e sociedades de

economia mista exercentes de serviços públicos e, ainda, de

pessoas naturais ou jurídicas de direito privado com funções

delegadas do Poder Público, como ocorre em relação às

concessionárias de serviços de utilidade pública.23

Assim, entende-se que a legitimação passiva se refere as

pessoas que figurarão no pólo passivo, podendo vir a responder

futuramente de forma patrimonial pela ação ou omissão à qual objetiva-

se o mandado de segurança.

1.1.4 Competência

A competência no mandado de segurança vincula-se

diretamente com a autoridade coatora, ou seja, a quem pratica ou

deveria ter legitimidade para praticar o ato ou omissão.

Neste sentido pondera Alexandre de Moraes:

A competência para processar o mandado de segurança, é

definida em função da hierarquia da autoridade legitimada a

praticar a conduta, comissiva ou omissiva, que possa resultar em

lesão ao direito subjetivo da parte e não será alterada pela

22 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 95

23 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 144.

8

posterior elevação funcional da mesma.24

Assim também já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de

Justiça: “em ação de mandado de segurança firma-se a competência

pelo local da pratica do ato de autoridade”25.

Na lição de Eduardo Sodré:

A competência para julgamento da ação mandamental é sempre

decorrente de lei ou norma constitucional, sendo aferida com base

na qualidade da autoridade publica ou da delegação titularizada

pelo particular.26

Portanto, em síntese, reputa-se não ser de suma importância o

domicílio do impetrante, mas, sim, para se firmar a competência, o

relevante é onde a autoridade coatora responde por seus atos.

1.1.5 Pressupostos de admissibilidade

Os pressupostos de admissibilidade da ação mandamental

estão intimamente vinculados a sua definição, que se impõe, por tratar-se

de natureza constitucional, em proteção de direito líquido e certo.

Tem-se que o cabimento do mandado de segurança, em

regra, será contra todo ato comissivo ou omissivo de qualquer autoridade

pública.

Ensina Alexandre de Moraes serem quatro os requisitos

identificadores do mandado de segurança:

a) Ato comissivo ou omissivo de autoridade praticado pelo Poder

Público ou por particular decorrente de delegação do Poder

Público;

24 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 147.

25 Conflito de competência 305 – SP, RSTJ, 1/347-348.

26 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 115.

9

b) Ilegalidade ou abuso de poder;

c) Lesão ou ameaça de lesão;

d) Caráter subsidiário proteção ao direito líquido e certo não

amparado por habeas corpus ou habeas data.27

1.1.5.1Ilegalidade ou abuso de poder

Se o ato a que se refere o mandado de segurança for

vinculado28,ou seja, quando deva ser realizado com observância de

requisitos legais, tem-se a ilegalidade. No entanto, tratando-se de ato

discricionário29, isto é, passível de execução de acordo com a

conveniência e a oportunidade que lhe é facultada por lei, tem-se então

o abuso de poder.

1.1.5.2 Direito líquido e certo

Direito Liquido e Certo ensejador de um mandado de

segurança, como ensina Alexandre de Moraes:

(...) é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser

comprovado, de plano, por documentação inequívoca. Note-se

que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de

imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam de

comprovação. Importante notar que está englobado na

conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se

27 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 140.

28 “Atos Vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal, para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado.” (hely l. Meireles . 149)

29 “Atos Discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade, e do modo de sua realização. A rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.” (hely Lopes Meireles p. 150)

10

incontroverso necessite somente de adequada interpretação do

direito, não havendo possibilidade de o juiz denegá-lo, sob o

pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade

jurídica.30

Na definição de Eduardo Sodré, direito líquido e certo é

“aquele direito titularizado pelo impetrante, embasado em situação fática

perfeitamente delineada e comprovada de plano por meio de prova pré-

constituída.”31

1.1.5.3 Direito não amparado por habeas corpus ou habeas data

Cumpre salientar que não é todo e qualquer direito líquido e

certo a que se pode amparar pela via da ação mandamental,

porquanto, excluem-se desta tutela específica aqueles amparados por

habeas corpus e habeas data, conforme versa o texto constitucional.

A causa de tal ressalva constitucional, aponta Eduardo Sodré,

é bastante simples:

Em sendo o mandado de segurança remédio utilizado

genericamente para a tutela de direitos líquidos e certos, e

havendo instrumentos específicos para a defesa dos direitos líquidos

e certos à liberdade e informação (habeas corpus e habeas data),

não pode o primeiro (remédio genérico), sob pena de carência do

direito de ação – falta de interesse adequação – ser utilizado para

proteção destes bens jurídicos específicos.”32

Trata-se, pois, de ressalva que converge com o entendimento

de que à proteção de cada direito existe uma ação correspondente.

1.1.6 Prazo decadencial para impetração

A Lei nº 1.533/51, a qual regulamenta o mandado se

segurança, no seu art. 18 prescreve que “o direito de requerer mandado 30 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 142.

31 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 102.

32 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 103.

11

de segurança extinguir-se-á decorridos 120 dias, contados da ciência,

pelo interessado, do ato impugnado”.

Expresso de forma límpida e clara na legislação

infraconstitucional, o prazo de decadência do mandado de segurança já

chegou a gerar controvérsias sobre sua constitucionalidade, contudo,

conforme sinaliza súmula 632 do STF: “É constitucional lei que fixa o prazo

de decadência para impetração de mandado de segurança.”

1.2 HABEAS DATA

1.2.1 Conceito

“Remédio Jurídico” ou garantia constitucional, como queira, o

habeas data foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela

Constituição de 1988, no seu art. 5º, LXXII, e regulamentado pela Lei nº

9.507/97, destinando-se a prestar tutela jurisdicional ao direito de

informação.

Nas palavras de Alexandre de Moraes, o habeas data pode

ser definido como:

O direito que assiste a todas as pessoas de solicitar juridicamente a

exibição de registros públicos ou privados, nos quais estejam

incluídos seus dados pessoais, para que deles se tome

conhecimento e se necessário for, sejam retificados os dados

inexatos ou obsoletos ou que impliquem em discriminação.33

Neste tom reafirma Celso Ribeiros Bastos: “O objeto do habeas

data é o asseguramento do acesso às informações pessoais do

impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades

governamentais ou de caráter público com o fim de restrição.”34

33 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 144.

34 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a constituição do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988. Vol. 2. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 362.

12

1.2.2 Natureza jurídica

A natureza do habeas data, parafraseando Alexandre de

Moraes, é de uma ação constitucional, porém, de caráter civil cujo

conteúdo e rito são sumários, e que tem por objeto oferecer proteção a

direito líquido e certo do impetrante, o qual para eventual retificação de

seus dados pessoais que constem em repartições publicas ou particulares.

1.2.3 Finalidade

O habeas data, nos termos de André Ramos Tavares, “é o

meio pelo qual o impetrante requer sejam lhe revelados os dados e

informações constantes de arquivos pertencentes ao Poder Público, ou

que, embora privados, sejam de consulta pública.”35

Assim prevê também Cassio Scapinella Bueno: “É ele forma de

exercer e, portanto, de garantir os direitos de intimidade e, de forma mais

ampla, de informação, largamente reconhecidos pelo art. 5° da

Constituição Federal,”36

Percebe-se que o ensejo de aplicação do instituto é bastante

restrito na defesa da garantia à informação, pois como delineado por

Alexandre de Moraes: “por meio do habeas data objetiva-se fazer com

que todos tenham acesso às informações que o Poder Público ou

entidades de caráter público (ex: serviço de proteção ao crédito)

possuam a seu respeito.”37

Neste contexto, pode-se dizer que o objetivo do habeas data

é garantir o direito à informação de particular sob domínio de entidade

pública ou de caráter similar.

35 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 887.

36 BUENO, Cassio Scapinella. Mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 47.

37 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 129.

13

1.2.4 Cabimento

O cabimento do habeas data já foi motivo de muita discórdia

na doutrina e jurisprudência brasileiras, principalmente sobre a premissa de

haver ou não a necessidade da negativa, via administrativa, do objeto

requerido.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal supriu essa dúvida ao

dispor que:

(...) o acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições

de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o

interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse

remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do

pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em

atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o

interesse de agir no habeas data. Sem que se configure a situação

previa da pretensão resistida, há carência de ação constitucional

do habeas data.38

1.2.5 Legitimação ativa e passiva

No pólo ativo da ação cabe figurar o detentor do direito

invocado, pelo caráter personalíssimo da ação, seja ele pessoa física,

brasileira ou estrangeira, ou pessoa jurídica39, por sua condição

excepcional de personalidade.

Já no pólo passivo “deverão figurar sempre entidades

governamentais ou de caráter público.”40

Em consonância também dispõe Alexandre de Moraes:

Poderão ser sujeitos passivos do habeas data as entidades

governamentais, da administração pública direta e indireta, bem

como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que

38 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 156.

39 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 130.

40 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 129.

14

prestem serviços para o público ou de interesse público, e desde

que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas.41

1.2.6 Procedimento e Competência

O procedimento do habeas data encontra-se amplamente

regulado na Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, instruindo todos os

meios e procedimentos relativos à ação.

Cabe salientar que em seu art. 8º, a referida Lei prevê a

necessidade da recusa de informações por parte da autoridade,

devendo haver assim a pretensão resistida, sob pena de carência da

ação por falta de interesse de agir.

Outro ponto que convém mencionar, dispõe sobre a

gratuidade do procedimento, em conformidade com o art. 21 da Lei

9.507/97 e com o inciso LXXVII do art. 5° da CRFB/88.

A competência do habeas data está disposta no art. 20 da Lei

9.507/97 que repete as disposições contidas na CRFB/88.

1.3 MANDADO DE INJUNÇÃO

1.3.1 Histórico

Encontra-se firmado pela Constituição de 1988, em seu art. 5º,

inciso LXXI, nos seguintes termos:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a

falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e

liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania;

Registra Fernando Capez:

A origem do instituto remonta aos fins do século XIV, na Inglaterra,

41 Ibidem, p. 132.

15

onde existia sob a forma de ordem de um tribunal para que alguém

fizesse ou se abstivesse de fazer algum ato, sob pena de

desobediência à Corte. Sua abrangência era ampla e alcançava

diversas situações.42

Contudo, não se encontra no direito comparado paradigma

objetivo quanto à origem do mandado de injunção, ficando a cabo da

doutrina e jurisprudência nacionais aprimorar fixação dos contornos de

abrangência do writ no nosso sistema.

1.3.2 Conceito

Conceitua Alexandre de Moraes:

O mandado de injunção consiste numa ação constitucional de

Carter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão

do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito,

uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição

Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade

por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das

normas constitucionais.43

Nesta esteira, tem-se a eminente de André Ramos Tavares:

O mandado de injunção é uma ação judicial, de berço

constitucional, de natureza civil, com caráter especial, que objetiva

combater a morosidade do Poder Público em sua função

legislativa-regulamentadora, entendida em sentido amplo, para

que se viabilize, assim, o exercício concreto de direitos, liberdades

ou prerrogativas constitucionalmente previstos.44

Pode-se concluir, pois, que se trata de mais um remédio

constitucional, para assegurar a proteção aos direitos e prerrogativas

constitucionais inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

42 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. P. 102.

43 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P 156.

44 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 880.

16

1.3.3 Objeto e requisitos

No que tange ao objeto do mandado de injunção, cabe

aderir ao que estabelece Alexandre de Moraes:

As normas constitucionais que permitem o ajuizamento do

mandado de injunção assemelham-se as da ação direta de

inconstitucionalidade por omissão e não decorrem de todas as

espécies de omissões do Poder Público, mas tão-só em relação às

normas constitucionais de eficácia limitada de principio institutivo e

de caráter impositivo e das normas programáticas vinculadas ao

principio da legalidade, por dependerem de atuação normativa

ulterior para garantir sua aplicabilidade. Assim, sempre haverá a

necessidade de lacunas na estrutura normativa, que necessitarem

ser colmatadas por leis ou atos normativos45

Em síntese, diz-se que o mandado de injunção tem por objeto

direito ou prerrogativa tutelado, não passível de exercício ante omissão do

Poder Público.

Quanto aos requisitos, pondera André Ramos Tavares:

Têm-se como condições para o cabimento da ação: 1 ) previsão

de direito pela Constituição; 2 ) necessidade de uma

regulamentação que torne esse direito exercitável; 3 ) falta de

norma que implemente tal regulamentação; 4 ) inviabilização

referente aos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas

inerentes à nacionalidade, cidadania e soberania; 5 ) nexo de

causalidade entre a omissão e a inviabilização.46

1.3.4 Legitimidade ativa e passiva

Qualquer pessoa é parte legitima para ajuizar a ação

injuncional, desde que atendidas as condições constitucionais especificas.

Nesse sentido discorre Alexandre de Moraes:

45 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P 157.

46 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 881.

17

O mandado de injunção poderá ser ajuizado por qualquer pessoa

cujo exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa

constitucional esteja sendo inviabilizado em virtude de falta de

norma reguladora da Constituição Federal. Anote-se que apesar de

ausência de previsão expressa da Constituição Federal, é

plenamente possível o mandado de injunção coletivo, tendo sido

reconhecida a legitimidade para as associações de classe

devidamente constituídas.47

No mesmo sentido escreve Fernando Capez sobre a

legitimação ativa quando dispõe que pode ser qualquer pessoa, física ou

jurídica, que pretenda exercer um direito ou liberdade constitucional, ou,

ainda, prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania, porém encontre-se impedido em razão de ausência de

norma.48

Já a legitimidade passiva deve ser exercida por órgão ou

Poder incumbido de editar a norma a que obsta o exercício de direito ou

prerrogativa constitucional.

Parafraseando André Ramos Tavares, entende-se que o

mandado de injunção pode ser ajuizado contra a autoridade

competente para a expedição da norma regulamentadora da vontade

constitucional.49

1.3.5 Procedimento e competência

O procedimento do mandado de injunção acompanha o

disposto para o mandado de segurança, por aplicação subsidiaria da lei

8.038/90, enquanto não editada legislação especifica à regê-lo.

Quando a competência couber ao Superior Tribunal de 47 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 158/159

48 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. P. 276.

49 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 881.

18

Justiça, acompanha-se o que dispõe André Ramos Tavares no

procedimento: “No Superior Tribunal de Justiça o Regimento interno prevê

que o mandado de injunção tem prioridade sobre os demais atos judiciais,

salvo sobre o habeas corpus, o mandado de segurança e o habeas

data.”50

A competência vem regulada pela própria Constituição de

1988, art. 102, I, “q”, o qual prevê a competência originária do STF para

julgar mandado de injunção nos casos em que a norma regulamentadora

seja objeto de atribuição do Presidente da República, do Congresso

Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de

uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos

Tribunais Superiores, ou do Próprio Supremo Tribunal Federal.

A competência do STJ confirma-se pelo art. 105, I, h, como

leciona Alexandre de Moraes:

A constituição Federal prevê, ainda, no art. 105, I, h, que compete

ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente,

mandado de injunção, quando a elaboração da norma

regulamentadora for atribuição de órgão,entidade ou autoridade

federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos

de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da

Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da

Justiça federal. P. 160

No âmbito da Justiça Eleitoral, quando houver mandado de

injunção denegado pelo Tribunal Regional Eleitoral, o recurso será julgado

pelo Tribunal Superior Eleitoral, como disposto no art. 121, § 4º, V, da CRFB.

Já na Justiça Estadual, a competência para o julgamento do

mandado de injunção acompanha a disposição da Constituição do

Estado-membro a que se refere, assim como no habeas data.

50 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 882.

19

1.4 DIREITO DE CERTIDÃO

Conforme a Constituição 1988, em seu art. 5º, XXXIV, “b”, está

expresso um direito de todo cidadão tem o direito de obter junto a órgão

público documento que certifique ato de autoridade ou esclareça

situação, desde que demonstrado legitimo interesse.

Extrai-se das palavras de Celso Ribeiro Bastos: “Por meio deste

inciso, o que fica assegurado é o direito à obtenção de informações, que

confere sem duvida uma dimensão nova que o tradicional direito de

petição não oferece.”51

O direito de certidão encontra-se orientado pela Lei 9.051, de

18 de maio de 1995, que dispõe sobre o prazo improrrogável de quinze

dias para a expedição de certidões, no intuito de defesa de direitos e

esclarecimentos de situações.

1.5 DIREITO DE PETIÇÃO

1.5.1 Histórico e conceito

Do ponto de vista histórico, a doutrina é pacífica no que

tange à origem do direito de petição, tendo este surgido na Inglaterra na

Idade Média oriundo do Bill of Rights, como conta André Ramos Tavares:

Sua origem remonta à Inglaterra, durante a Idade Média, por meio

do right of petition, que se consolidou no Bill of Rights, de 1689. por

meio deste, foi prevista a possibilidade de os súditos dirigirem

petições contra a realeza.52

Igualmente nesse contexto histórico, completa Alexandre de

Moraes que este direito também se encontrava previsto nas clássicas

Declarações de Direitos, como a da Pensilvânia de 1776, e também na

51 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a constituição do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988. Vol. 2. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 183.

52 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.p

20

Constituição Francesa de 1791.53

1.5.2 Natureza jurídica

A natureza jurídica do direito de petição constitui-se de um

direito constitucional de cunho pessoal ou coletivo que objetiva

apresentar um pleito no intuito de obter medida em prol de interesse

pessoal ou público.

1.5.3 Legitimidade ativa e passiva

“Tem legitimidade ativa a propor pleito, qualquer pessoa,

física ou jurídica, de origem nacional ou estrangeira.”54

Sobre a legitimidade ativa versa Alexandre de Moraes:

A Constituição Federal assegura a qualquer pessoa, física ou

jurídica, nacional ou estrangeira, o direito de apresentar

reclamações aos Poderes Públicos, Legislativo, Executivo e

Judiciário, bem como ao Ministério Publico, contra ilegalidade ou

abuso de poder.55

Como colaciona a doutrina, entende-se por legítimo

exercedor do direito de petição qualquer ente dotado de personalidade,

ou seja, pessoa física ou jurídica, nacional ou internacional.

1.5.4 Finalidade

O direito de petição tem o objetivo de permitir que qualquer

indivíduo exerça função participativa na gestão do interesse público,

podendo insurgir-se contra qualquer abuso constatado, reclamando à

autoridade que se pronuncie e aplique a sanção devida.

Em conseguinte ensina Alexandre de Moraes: “A finalidade do

53 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 167.

54 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P.622.

55 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 168.

21

direito de petição é dar-se notícia de fato ilegal ou abusivo do Poder

Público, para que providencie as medidas adequadas.”56

1.6 AÇÃO POPULAR

1.6.1 Conceito e finalidade

Ab initio transcreve-se o que prega Manoel Gonçalves Ferreira

Filho sobre o tema:

A ação popular é um remédio constitucional nascido da

necessidade de se melhorar a defesa do interesse público e da

moral administrativa. Inspira-se na intenção de fazer de todo

cidadão um fiscal do bem comum.

O artigo 5º, LXXIII, da Constituição de 1988 dispõe sobre uma

oportunidade que todo cidadão tem de encontrar legitimado a defender

direito da coletividade agindo em nome próprio, recorrendo ao Poder

Judiciário para que este preste atividade jurisdicional competente.

A ação popular, segundo André Ramos Tavares:

(…) é um instrumento de participação política no exercício do

Poder Público, que foi conferido ao cidadão pela Constituição, o

que se dá por via do Poder Judiciário, e que se circunscreve, nos

termos constitucionais, à invalidação de atos ou contratos

praticados pelas entidades indicadas nas normas de regência

(Constituição e lei específica), que estejam maculados pelo vicio da

lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio

ambiente, ao patrimônio histórico ou cultural.57

Compreendido o conceito do sufrágio democrático da ação

popular, cabe salientar que se encontra regulamentada na Lei nº

4.717/65.

A ação popular tanto pode ser exercida na forma 56 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 168.

57 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 848.

22

preventiva, ou seja, visando prevenir a lesão, quanto na forma repressiva,

como meio de corrigir atos danosos já consumados.

Conclui-se, assim, ser a ação popular um importante

instrumento de democracia e participação política do cidadão.

1.6.2 Requisitos

Seguindo o raciocínio expresso por Alexandre de Moraes, os

requisitos da ação popular são: o objetivo que legitima qualquer cidadão

para propor a ação popular, e o subjetivo o qual se refere a natureza do

ato ou omissão a ser impugnado, seja por ilegalidade ou por imoralidade.

1.6.3 Objeto

O objeto desta ação é encontrado no art. 4° da Lei 4.717/65,

de forma exemplificada, além dos atos lesivos e ilegalidades provenientes

de atos do Poder Público de forma geral.

Ensina Alexandre de Moraes:

O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral

lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultima

ratio, ou seja, não se exige o esgotamento de todos os meios

administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos

ilegais ou imorais lesivos ao patrimônio público para seu

ajuizamento.58

A respeito dos atos alcançados pela ação popular, versa

Fernando Capez: “Anulam-se todos os atos que contiverem qualquer

destes vícios: incompetência de quem os praticou; forma não prescrita em

lei; desvio de finalidade; ilegalidade do objeto e inexistência de motivos.

Além desses, a Lei de Ação Popular elenca outros (art. 4°, I a IX).”59

58 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 170.

59 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. P.263.

23

1.6.4 Legitimidade ativa e passiva

Quando o texto constitucional dispõe que “qualquer cidadão

é parte legítima para propor ação popular”, o termo “cidadão” foi

utilizado no sentido político de legitimar somente aos nacionais no gozo de

seus direitos políticos o direito de interpor a ação popular, segundo André

Ramos Tavares.60

Preleciona Alexandre de Moraes que:

Somente o cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive

aqueles entre 16 e 18 anos, e ainda, o português equiparado, no

gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional

para a propositura da ação popular. A comprovação da

legitimidade será feita coma a juntada do titulo de eleitor

(brasileiros) ou do certificado de equiparação de gozo dos direitos

civis e políticos e titulo de eleitor (português equiparado).61

Assim, não são partes legítimas para propor a ação popular as

pessoas jurídicas, estrangeiro (que não português equiparado), apátridas

e pessoas com seus direitos políticos suspensos ou cassados, cabendo

somente ao cidadão, no sentido constitucional da palavra, interpor ação

popular.

O art. 6º da lei da ação popular dispõe sobre a parte passiva

na ação de maneira minuciosa, figurando neste pólo as pessoas jurídicas

de direito público ou privado (diga-se a entidade lesada), os responsáveis

pelo ato e seus beneficiários, formando assim um litisconsórcio obrigatório.

1.6.5 Natureza da decisão e competência

A natureza jurídica da decisão em ação popular é

“desconstitutiva – condenatória”, ou seja, com o fim de anular o ato ou

contrato impugnado e também, condenar os respectivos responsáveis e 60 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 886/887.

61 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 171.

24

beneficiários do mesmo.62

1.7 HABEAS CORPUS

Por fim, em proteção as liberdades, tem-se o habeas corpus,

que, por figurar como objeto da presente pesquisa, será tratado nos

próximos capítulos.

62 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. 172.

25

Capítulo 2

HABEAS CORPUS

2.1 HISTÓRICO – HABEAS CORPUS NO BRASIL

A expressão habeas corpus significa, ‘exiba o corpo’,

apresente a pessoa, porém, a origem do instituto é causa de controvérsia

na doutrina geral. Sua raiz remonta ao antigo Direito Romano, quando

havia a possibilidade de um cidadão reclamar a exibição de um homem

livre detido ilegalmente, através de uma ação, dotada de privilégios, a

qual se chamava “interdictum de libero homine exhibendo”.

Entretanto, a doutrina reconhece como sendo os ingleses os

precursores do instituto, apontado na Charta Libertatum, no seu Capítulo

XXIX, a qual foi outorgada pelo Rei João sem Terra, em19 de junho de

1925, nos campos de Runnymed, após uma revolta dos Condes, Barões e

Clero.63

Em contrapartida, a respeito de outra provável origem do writ,

escreve Julio Fabbrini Mirabete:

Há outros autores que negam tal origem, afirmando que o instituto

surgiu apenas em 1679, na Espanha, no reinado de Carlos II. Foi

quando surgiu o Habeas Corpus Act, considerado pelos ingleses

como outra Magna Carta. Daí em diante, além da eficácia do writ

of “habeas corpus” para a soltura de pessoa ilegalmente presa ou

detida em uma prisão pública, sua influência estende-se a fazer

cassar toda a restrição injusta ã liberdade pessoal. Por meio do writ

os “habeas corpus”, a pessoa que estivesse sofrendo uma restrição

na liberdade pedida ao juiz a expedição de uma ordem, a fim de

que o responsável pela ilegal detenção a apresentasse ao

magistrado, para se constatar a legitimidade, ou não, do

encarceramento ou detenção. Daí a expressão habeas corpus; que

63 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 559.

26

tomes o corpo e apresentes, ou apresenta, exibe a pessoa detida

ao Juiz.64

A partir de então o habeas corpus passou a se difundir por

toda a Europa, até 1816, quando foi editado outro Habeas Corpus Act,

aparando as arestas de definição do instituto e estendendo-lhe a área de

incidência.65

Através dos colonizadores, então, a garantia foi levada ao

direito norte-americano, de forma que naquele ordenamento jurídico não

se restringiu à garantia somente da liberdade de locomoção, mas sim

como “remédio” a toda violência ou constrangimento à liberdade. Para

efeitos de sua concessão, nos Estados Unidos, todo e qualquer obstáculo à

liberdade do homem é equiparado, aos olhos da lei, como uma prisão.

Ainda continua Mirabete:

O certo é que se difundiu por todas as nações da Europa,

chegando aos Estados Unidos da America do Norte, já que fora

levado por seus colonizadores ingleses, e passado a ser conhecido

na maioria dos países civilizados, notadamente após a célebre

‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’, pois embora

não seja o habeas corpus a única medida para fazer cessar um

constrangimento ilegal, constitui, sem dúvida, o remédio mais eficaz

e célere para concedê-lo.66

Todavia, a chegada do habeas corpus no Brasil se deu com a

chegada de Dom João VI, como aponta Alexandre de Moraes:

No Brasil, embora introduzido com a vinda de D. João VI, quando

expedido o Decreto de 25-5-1821, referendado pelo Conde dos

Arcos e implícito na Constituição Imperial de 1824, que proibia as

prisões arbitrarias e nas codificações portuguesas, o habeas corpus

surgiu expressamente no direito pátrio no Código de Processo

64 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 708.

65 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 111.

66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 709.

27

Criminal de 29-11-1832, e elevou-se à regra constitucional na Carta

de 1891, introduzido, pela primeira vez, o instituto do habeas

corpus.67

2.2 A ENTRADO DO HABEAS CORPUS EM TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Como visto anteriormente, a evolução histórica do habeas

corpus no Brasil iniciou-se com o denominado interdictum de liberis

exhibendis, um instituto da classe dos interditos exibitórios do direito

romano o qual fazia cessar a prisão nos casos fora de condições legais.

Espínola Filho, apud José de Alencar, leciona:

(...) embora caiba aos autores do Código de Processo a glória de

terem compreendido e tratado de desenvolver o pensamento

constitucional, todavia, o habeas corpus, é uma instituição

constitucional, o habeas corpus está incluído, está implícito na

Constituição, quando ela decretou a independência dos Poderes e

quando deu ao Poder Judiciário o direito exclusivo de conhecer

tudo quanto entende com a inviolabilidade pessoal.68

No entanto, Tourinho Filho alega em sua obra que só no

Código de Processo Criminal, em 1832, é que se deu a real entrada da

ordem de habeas corpus:

O habeas Corpus entrou, pela primeira vez, na nossa legislação, em

1832, com a promulgação do Código de Processo Criminal, cujo art.

340 dispunha: ‘Todo o cidadão que entender que ele ou outrem

sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem

direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor’.69

Ainda durante o Império várias leis modificaram o tratamento

do habeas corpus, em cujo período histórico ganhou vulto de garantia

67 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 111.

68 ESPINOLA Filho, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. V. VII. Campinas: Bookseller, 2000. P.26.

69 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 558.

28

constitucional, na qual foram introduzidas algumas limitações, hoje ainda

mantidas, quanto a prisões administrativas, etc., mas sem afetarem a

estrutura conceitual do instituto.

Na data de 11 de outubro de 1890 o Ministro Campos Sales

apresentou o Decreto n° 848, o qual regulou o habeas corpus, que passou

de simples remédio processual a adquirir o caráter de direito

constitucional, inderrogável e imperativo.

Erigido pela Constituição de 1891 perdurou até a revisão de

1926, quando passou a ser redigido de tal forma:

Art. 72 § 22 – Dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou

se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão

ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.

A partir desta previsão constitucional, é que o writ foi

perpetuado, até sua alteração na Constituição de 1926, visto que sua

aplicabilidade encontrava-se devassada pelos juristas da época, havendo

de utilizar-se de tal instrumento para cessar qualquer espécie de lesão à

liberdade ou direito.

2.3 A REFORMA CONSTITUCIONAL DE 1926 E AS DEMAIS CONSTITUIÇÕES ATÉ A ATUAL

Com a reforma constitucional de 1926, segundo André Ramos

Tavares:

(...) o habeas corpus foi desenhado especificamente para a tutela

do direito de locomoção. Contudo, apenas posteriormente se criou

o mandado de segurança. Nesse interregno, Rui Barbosa defendeu

a possibilidade de reintegração de posse em direitos pessoais, para

dar amparo aos demais direitos violados.70

A respeito da discussão entre Ruy Barbosa e Pedro Lessa,

70 TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 772.

29

registra Tourinho Filho:

O debate entre Ruy e Pedro Lessa serviu para engrandecer nossas

letras jurídicas. Finalmente, a maior revisão constitucional de 1926

deu ao texto do art. 72, § 22, da Lei Maior a seguinte redação: ‘Dar-

se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio

de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de

locomoção’. Foram alijados os demais direitos subjetivos. (...). para

amparar outros direitos, criou-se o instituto do mandado de

segurança, dispondo, assim, o art. 113, inc. 33: ‘Dar-se-á mandado

de segurança para defesa de direito, certo e incontestável,

ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou

ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas

corpus, devendo sempre ser ouvida a pessoa de direito publico

interessada’.71

E é essa a maior vitória da reforma de 1926, qual seja a

criação do mandado de segurança, separando os institutos de acordo

com o direito a que se refere sua tutela.

2.4 NATUREZA JURÍDICA DO HABEAS CORPUS

Apesar de nossa legislação incluir o habeas corpus entre os

recursos, sua verdadeira natureza jurídica é objeto de discussão,

especialmente em razão de sua situação “topográfica” no Código de

Processo Penal.

A opinião mais aceita é a de que se trata de uma ação. O

pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação. É

ação contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir. É

ação preponderantemente mandamental. Não se trata, portanto, de

recurso, pois a pretensão não é, primordialmente, de revisão de decisão,

e, além disso, o habeas corpus pode ser instaurado independentemente

da existência de outro processo, ou mesmo para atacar a coisa julgada,

ou pode ser impetrado pelo acusado que pretende seja declarada a 71 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 567.

30

inexistência do direito de punir.

Assim, embora encartado no Código de Processo Penal como

recurso, a doutrina predominante o considera verdadeira ação, cuja

finalidade é amparar o direito de liberdade, haja vista que o habeas

corpus transcende os limites do recurso.

Pontes de Miranda, sobre a natureza jurídica do writ, ensina:

É verdade que no Código de Processo Penal de 1941 o legislador

revelou grande ignorância ao pôr no Livro III, Título II, ‘Dos recursos

em geral’, o Capítulo X (“Do habeas corpus e seu processo”), arts.

647-667. Trata-se de direito subjetivo, com a pretensão e a ação,

criando no direito público, a que corresponde a “ação” (no sentido

do direito processual). À “ação” tinha-se de reconhecer a

necessidade de presteza e de seguridade.72

No mesmo sentido, leciona Tourinho Filho:

Note-se, por exemplo, que, se o processo for manifestamente nulo,

embora haja sentença condenatória irrecorrível, possível será a

impetração de ordem de habeas corpus, com fundamento no art.

648, VI, do Código de Processo Penal. Ora, se o recurso, entre nós,

pressupõe uma decisão intrânsita em julgado, no exemplo dado

não se pode o habeas corpus como recurso. Ainda neste mesmo

caso, se, em vez de nulidade, já houvesse ocorrido causa extintiva

de punibilidade, mesmo transitada em julgado a sentença

condenatória, impetrável seria a ordem de habeas corpus, com

base no art. 648, VII, do estatuto processual penal. E, pelas mesmas

razoes, não poderá ser ele considerado recurso, que, no nosso

sistema, pressupõe sempre decisão sem trânsito em julgado.73

É certo que às vezes o habeas corpus funciona como

verdadeira medida destinada à impugnação de uma decisão, tal qual o

recurso. Entretanto, por meio do habeas corpus pode ser impugnada uma 72 MIRANDA, Pontes de. História e pratica do habeas corpus. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo I. Campinas: Booksellerr, 1999. Tomo I, p. 39.

73 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 568/569.

31

sentença, um simples ato administrativo, como a prisão, e, até mesmo, os

atos restritivos da liberdade ambulatória, cometidos por particulares,

enquanto que para que haja o recurso é indispensável a existência de um

ato jurisdicional. Trata-se realmente de ação penal popular constitucional.

Esta definição encontra amparo em Alexandre de Moraes:

O habeas corpus é uma ação constitucional de caráter penal e de

procedimento especial, isenta de custas, e que visa evitar ou cessar

violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade

ou abuso de poder. Não se trata, portanto, de uma espécie de

recurso, apesar de regulamentado no capítulo a eles destinado no

Código de Processo Penal.74

Acompanha Fernando Capez:

Trata-se de ação penal popular com assento constitucional, de

natureza cautelar, nas hipóteses dos incs. II, III, IV e V do art. 648 do

CPP; de natureza constitutiva negativa, e de natureza rescisória,

dependendo do caso,nas hipóteses dos incs. VI e VII do

mencionado dispositivo; de natureza cautelar, constitutiva ou

declaratória, dependendo do caso, na hipótese do inc. I.75

Por fim, transcreve-se o entendimento de Tourinho Filho:

(…) às vezes, como nas hipóteses dos incs. II, III, IV e V do art. 648, é

uma verdadeira ação penal cautelar, pois visa impedir que o

desenrolar moroso do processo, ou de outra qualquer providência,

que possa ser tomada, venha acarretar maior restrição ao status

libertatis do paciente. Nas hipóteses dos incs. VI e VII, se houver

sentença com trânsito em julgado, funciona o habeas corpus como

verdadeira ação penal constitutiva, pois visa a extinguir uma

situação jurídica. Seu caráter aí, seria semelhante ao de uma ação

rescisória. Todavia, nessas mesmas hipóteses (VI e VII), se a decisão

não transitou em julgado, ou o processo não foi instaurado, porque

na fase de investigações, a ação seria declaratória, porquanto teria

74 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 114.

75 CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. P.286.

32

por finalidade a declaração da inexistência de uma relação

jurídico-material. E, dependendo da hipótese concreta, o habeas

corpus, com fundamento no inc. I, poderá ter a natureza de ação

cautelar, de ação penal constitutiva ou até mesmo declaratória.76

Assim, o habeas corpus é verdadeira ação, e, havendo

pretensão liberatória, o interessado deve deduzi-la em juízo por meio

daquele, instaurando-se, assim, um verdadeiro processo, sendo este

bastante simplificado, pela própria natureza da pretensão deduzida.

2.5 O HABEAS CORPUS COMO AÇÃO CONTITUCIONAL

Como colacionado anteriormente, o habeas corpus é uma

ação constitucional com caráter penal, visto tutelar o direito de

locomoção versado no art. 5º, XV da CRFB/88, como segue:

Art. 5º (...)

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,

podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,

permanecer ou dele sair com seus bens;

Nesse sentido, Tourinho Filho:

O habeas corpus é uma garantia constitucional que se obtém por

meio do processo. É remedium juris destinado a tutelar, de maneira

eficaz e imediata, a liberdade de locomoção, do direito de ir e vir, o

jus manendi, ambulandi, eundi, veniendi, ultro citroque.77

Nesse contexto, tem-se que o habeas corpus é uma ação

constitucional concreta, de caráter penal e que visa garantir a liberdade

de locomoção da pessoa humana constrangida face à ilegalidade ou

abuso de poder.

76 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 569.

77 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 568.

33

2.6 LEGITIMIDADE ATIVA À IMPETRAÇÃO

Como disposto no art. 654 do Código do Processo Penal, “o

habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor

ou de outrem, bem como pelo Ministério Publico”, ou seja, qualquer

pessoa pode ingressar o writ, inclusive o próprio beneficiário, tendo ele ou

não capacidade postulatória.

O direito constitucional de impetrar o habeas corpus é atributo

da personalidade, e, quando se trata de postulação em favor de terceira

pessoa, há apenas, e tão somente, uma substituição processual, não se

ferindo o dispositivo do art. 133 da CRFB 88 (“Art. 133. O advogado é

indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e

manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”), visto que,

abrigado pelo princípio do direito de defesa à luz da CRFB/88, dispensa o

patrocínio judicial de advogado.

Sobre a legitimação ativa, observa-se o disposto na obra de

Alexandre de Moraes:

Assim, qualquer do povo, nacional ou estrangeiro,

independentemente de capacidade civil, política, profissional, de

idade, sexo, profissão, estado mental, pode fazer uso do habeas

corpus, em beneficio próprio ou alheio, (habeas corpus de

terceiro). Não há impedimento para que dele se utilize pessoa

menor de idade, insana mental, mesmo sem estarem representados

ou assistidos por outrem. O analfabeto, também, desde que alguém

assine a petição a rogo, poderá ajuizar a ação de habeas corpus.78

Portanto, se o impetrante for o advogado, ou mesmo

qualquer pessoa, mesmo sem capacidade postulatória, não haverá

necessidade de qualquer autorização outorgada, ou tão pouco

procuração.

78 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 116.

34

Pontes de Miranda ensina sobre a capacidade de postulação

de ação de habeas corpus de terceiros:

O direito de requerer habeas corpus para outrem, pressupõe,

todavia, como condição imprescindível de sua legitimidade, que o

requerente tenha, sincera e preciosamente, por fim resguardar a

liberdade daquele em cujo benefício invoca a proteção legal.79

Cumpre ainda deixar claro que não há qualquer impedimento

a que pessoa jurídica impetre habeas corpus, em favor de quem está

submetido a constrangimento ilegal na liberdade de locomoção.80

Já quanto a oportunidade do representante do Ministério

Publico propor o referido instituto, há controvérsias na doutrina. Para

Tourinho Filho:

Cumpre observar que o órgão do Ministério Público da inferior

instância não pode impetrar ordem de habeas corpus diretamente

no Tribunal. Pode fazê-lo junto ao juiz da Comarca. Junto ao Tribunal

oficiam o Procurador-Geral e os Procuradores de Justiça. Estes, sim,

podem fazê-lo. Os Promotores de Justiça não, mesmo porque não

há previsão legislativa conferindo-lhes legitimidade para tanto,

conforme já se decidiu.81

Ainda complementa Alexandre de Moraes:

Em relação aos membros do Ministério Público, importante ressaltar

que, apesar de disporem genericamente de legitimidade ativa ad

causam para ajuizamento de ação constitucional de habeas

corpus em favor de terceiros, no caso concreto deverá ser

analisada a finalidade buscada pelo Parquet. Assim, o citado writ

nunca poderá ser utilizado para tutela dos direitos estatais na

persecução penal, em prejuízo do paciente, com claro desvio de

sua finalidade de tutelar a liberdade de locomoção do paciente, 79 MIRANDA, Pontes de. História e pratica do habeas corpus. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo I. Campinas: Booksellerr, 1999. P. 39.

80 Idem 78, p.117.

81 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 406/407.

35

sob pena de não conhecimento do pedido.82

Pode, no entanto, qualquer funcionário público impetrar

habeas corpus, assim como também o Delegado de Polícia, mas não

como autoridade, e sim como ut civis, ou seja, como cidadão.

O Juiz, entretanto, não poderá impetrá-lo, a menos que seja

ele mesmo o paciente, já que sua função não é postular, e sim decidir,

julgar. Poderá, sim, quando no curso de um processo, para o qual tenha

competência, verificando que alguém sofre ou está na iminência de sofrer

coação ilegal, expedir de ofício, isto é, sem que haja provocação de

quem quer que seja, ordem de habeas corpus, tal como permite o § 2º do

art. 654 do estatuto processual penal.

Esta iniciativa do julgador é uma atribuição natural, inerente

às funções do Poder Judiciário, como órgão tutelar dos direitos

ameaçados ou violados. Nesta hipótese, sob o ponto de vista de Espínola

Filho:

(...) não há a necessidade de processo especial, a autoridade

judiciária serve-se dos próprios elementos do processo, que corre

sob sua jurisdição, quando a prova nele colhida, a convença de

efetividade, ou de ameaça real e iminente, de constrangimento

ilegal, do qual seja paciente o réu, o ofendido, o querelante, a

testemunha, o advogado, etc.83

Concedendo o juiz a ordem de habeas corpus de ofício, ou,

mediante provocação de outrem, deverá submeter sua decisão à

reexame necessário da instância superior, assim como determina o inciso I

do art. 574, do Código de Processo Penal. Contudo, tal reexame só se faz

necessário quando a decisão que conceder o writ emanar de órgão

monocrático, e não de colegiado.

82 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 117.

83 ESPINOLA Filho, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. V. VII. Campinas: Bookseller, 2000. P. 272.

36

2.7 ESPÉCIES

2.7.1 Habeas Corpus preventivo (salvo-conduto)

O habeas corpus preventivo pode ser impetrado quando

houver uma ameaça à liberdade de locomoção, destinando-se a

assegurar a liberdade do indivíduo contra violência que se teme, ou seja,

violência futura quando aquele esteja na iminência de sofrer a coação.

Nesta espécie, é expedido um “salvo-conduto”, como define

Mirabete, “Salvo-conduto, do latim salvus (salvo) conductus (conduzido),

dá a precisa idéia de uma pessoa conduzida a salvo.”84

A ordem deve vir assinada pela autoridade competente, e é

aplicada no caso de fundado receio do paciente ser preso ilegalmente,

mediante prova efetiva de ato concreto do receio à violência.

Todavia, um temor vago, incerto, presumido, sem prova ou

uma ameaça remota, que possa ser evitada por meios comuns, não dá

lugar à concessão de habeas corpus preventivo.

Sobre o habeas corpus preventivo encontra-se amparo nas

palavras de Miranda:

A atualidade ou a futuridade da coação é essencial. Violências,

que passaram, por maiores que tenham sido, não encontram

nenhum amparo no remédio do habeas corpus. O passado não

importa ao instituto do habeas corpus. Violências passadas

constituem crimes, que enchem alguns artigos do Código Penal, e

pode o paciente recorrer ao juízo cível a fim de haver perdas e

danos.85

No entendimento de Espínola Filho:

84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 710.

85 MIRANDA, Pontes de. História e pratica do habeas corpus. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tomo I. Campinas: Booksellerr, 1999. P. 209.

37

Sucede, porem, intervenha o remédio, e ai se manifesta a sua

virtude máxima, antes mesmo de efetivar-se o constrangimento

ilegal, para obstar a ação da violência, que se projeta, criando uma

ameaça real, atual, iminente, de coação, cuja objetividade é

impedida pelo prevenir do habeas corpus. Então, tem o habeas

corpus o caráter preventivo, termo em que se junta, em casos tais,

às sua denominação.86

Por fim, define Alexandre de Moraes:

Quando alguém se achar ameaçado de sofrer violência ou

coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso

de poder. Assim, bastará, pois, a ameaça de coação em sua

liberdade de locomoção, para a obtenção do salvo-conduto ao

paciente, concedendo-lhe livre trânsito, de forma a impedir sua

prisão ou detenção pelo mesmo motivo que ensejou o habeas

corpus. Pretende evitar o desrespeito à liberdade de locomoção.87

Assim, o habeas corpus preventivo se caracteriza por antever

a coação ilegal e exprime a possibilidade que garante direito futuro à

liberdade de locomoção do paciente mediante a emissão da ordem

chamada salvo-conduto.

2.7.2 Habeas Corpus liberatório ou repressivo

O habeas corpus liberatório pode ser impetrado quando o

paciente já estiver sofrendo a violência ou coação na sua liberdade. Ele

servirá para que cesse violência atual, para afastar constrangimento ilegal

à liberdade de locomoção, já existente.

Para Coelho, o habeas corpus será liberatório: “quando

alguém estiver sofrendo violência ou coação em sua liberdade de

locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Pretende fazer cessar o

86 ESPINOLA Filho, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. V. VII. Campinas: Bookseller, 2000. P. 235.

87 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 119.

38

desrespeito à liberdade de locomoção.”88

Também ensina Espínola Filho que: “O habeas corpus,

comumente, tem eficácia para pôr termo, dada a ilegalidade que a vicia,

a uma violência existente, ao constrangimento consumado, e tem Carter

liberatório, porque livra o paciente da prisão, onde esta arbitrariamente.”89

2.8 O CONSTRANGIMENTO

2.8.1 Quando o constrangimento é ilegal

Conforme ‘De Plácido e Silva’ a expressão constrangimento

“vem do latim constrangere (apertar, prender, ligar), é aperto, embaraço,

acanhamento, violência, força. Mas em sentido propriamente jurídico, é o

ato pelo qual uma pessoa obriga outra a fazer o que não pretende ou

não quer fazer, ou obriga a não fazer o que era de seu desejo de seu

interesse.”90

Já a coação, como define o mesmo dicionarista: “Deriva do

latim coactio de cogere (constranger, obrigar, violentar) possui na técnica

jurídica dois significados completamente distintos.”91

Em acordo com a semântica da expressão, dispõe o Código

de Processo Penal sobre as hipóteses em que é cabível o habeas corpus

por haver constrangimento ilegal à liberdade de locomoção.

Art. 648 – A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa;

II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina

88 COELHO, Roberto Geraldo. Habeas corpus no direito brasileiro. Rio de janeiro: Aide, 1990. P. 245.

89 ESPINOLA Filho, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. V. VII. Campinas: Bookseller, 2000. P. 235.

90 SILVA, De Plácido e. Vocabulario Jurídico. 22 ed. Rio de janeiro: Forense, 2003. P. 359.

91 Idem.

39

a lei;

III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para

fazê-lo;

IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V – quando não for alguém admitido a presta fiança, nos casos em

que a lei a autoriza;

VI – quando o processo for manifestamente nulo;

VII – quando extinta a punibilidade.

Seu inciso ‘I’ disciplina que a coação será ilegal quando não

“houver justa causa”, que nada mais significa senão a ausência do fumus

boni júris para a prisão, inquérito ou ação penal, ou, ainda, qualquer

constrangimento à liberdade de locomoção.

Justa causa nada mais é do que a existência de fundamentos

jurídicos e suporte fático autorizadores do constrangimento à liberdade

ambulatória.

Assim como ensina Tourinho Filho “se o ato de que se queixa o

cidadão não tem sanção da lei, ou não satisfaz os seus requisitos, não há

justa causa”.92

Registram ainda os incisos II a IV do mesmo dispositivo

supracitado, casos específicos de coação ilegal à liberdade de

locomoção passíveis de serem afastados via habeas corpus.

O inciso II dispõe que há constrangimento ilegal “quando

alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei”, referindo-se

o dispositivo aos casos de excesso de prazo na prisão provisória.

92 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 420.

40

A lei fixa prazos para a finalização do inquérito policial e para

a realização de determinados atos processuais, e quando houver excesso

de prazo no recolhimento do paciente à prisão, ocorrerá o

constrangimento ilegal sanável pela via do habeas corpus.

Isto ocorre, em regra, nos casos em que estiver o indiciado

preso, e não for remetido a Juízo o inquérito policial devidamente

concluído no prazo de dez dias, ou quando não for oferecida a denúncia

ou queixa crime no prazo de cinco dias. Já na ação penal, ocorrerá a

coação ilegal quando, no processo de rito ordinário, da competência de

Juiz singular, restar ultrapassado o prazo máximo de 81 dias, fixado para o

encerramento do processo de rito comum.

O inciso III, do art. 648 do CPP, define a coação como ilegal

“quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo”,

assim excluída a hipótese de flagrante delito. Em outros termos, a prisão

somente será legal se determinada por despacho fundamentado da

autoridade judiciária competente, cabendo a concessão do writ se for ela

decretada por quem não detém poder jurisdicional, podendo, ainda, a

ilegalidade decorrer de falta de competência ratione loci, ratione

materiae ou ratione personae.93

Dispõe ainda o inciso IV que há coação ilegal “quando

houver cessado o motivo que autorizou a coação”. Neste caso, a causa

da prisão do paciente já cessou de produzir efeitos, mas ele permanece

preso, como, por exemplo, quando ele termina de cumprir sua pena, ou

por ter sido reconhecida a nulidade do auto de prisão em flagrante,

relaxada a sua prisão, por ter sido impronunciado ou absolvido, ou, ainda,

agraciado com o sursis ou livramento condicional.

O inciso V define o constrangimento ilegal “quando não for

93 Tradução: em razão do Local, em razão da Matéria, em razão da Pessoa.

41

alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei autoriza” bem

como disposto nos arts. 322, 323, 324 e 325, do CPP.

A própria CRFB/88, em seu art. 5º, LXVI, estabelece que

ninguém poderá ser preso, nos casos em que a lei admitir a prestação de

fiança.

Cabe ainda o habeas corpus quando conforme o disposto no

inciso VI “o processo for manifestamente nulo”, nulidade esta que pode

decorrer de qualquer causa, como falta de condição de procedibilidade

(representação nos casos de ação penal pública condicionada),

ilegitimidade de parte, incompetência do juízo, ausência de citação ou

de concessão de prazo para a defesa prévia, alegações finais, etc., e que

pode ser reconhecida no andamento do processo ou mesmo após o

transito em julgado da sentença, causando a anulação total ou parcial

do processo.

Finalmente, previsto pelo inciso VII, há constrangimento ilegal

“quando extinta a punibilidade”, e o paciente permaneça segregado, ou

subsistam os efeitos da condenação, mesmo que solto. Assim, se ocorrer

qualquer das causas extintivas de punibilidade, deve o paciente livrar-se

solto imediatamente, a fim de evitar a coação ilegal.

Encerrando o tema, resume Tourinho Filho:

O constrangimento diz-se ilegal se a hipótese concreta subsumir-se

na moldura de uma daquelas figuras descritas nos sete incisos do

art. 648 do CPP. Uma vez verificada a constrição à liberdade

ambulatória, ou mesmo a simples ameaça a tal direito, poderá

qualquer pessoa impetrar a ordem de habeas corpus, perante o

Juiz ou Tribunal, dentro dos limites de sua jurisdição.94

94 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 574.

42

2.9 APRESENTAÇÃO DO PACIENTE

Propõe o art. 656 do Código de Processo Penal:

Art. 656. Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar

necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este Ihe seja

imediatamente apresentado em dia e hora que designar.

Em consonância ao que versa o dispositivo retro, entende-se

que auferidas as formalidades legais, o juiz deverá receber a petição de

habeas corpus e caso entenda como necessário, chamará o paciente a

ser apresentado em dia e hora por ele designada. Cabe salientar o que

não obedecida a ordem de apresentação, tal conduta viabiliza a prisão

do descumpridor do ato, o qual será processado na forma da lei, havendo

o Juiz de tomar as providências para que seja apresentado o paciente.

Ensina Tourinho Filho:

Impetrada a ordem de habeas corpus, estando preso o paciente,

pode o Juiz ou até mesmo o Tribunal, se entender conveniente,

determinar sua apresentação em dia e hora que forem designados.

Desobedecendo-lhe o detentor, poderá ser este preso e

processado, sem embargo das providencias tomadas para que o

paciente seja excarcerado e apresentado perante o órgão

competente para o julgamento do ‘remédio heróico’.95

O artigo 657 do CPP prescreve que estando o paciente preso,

nenhum motivo justificará sua ausência na apresentação ao Juiz, exceto:

“I – grave enfermidade do paciente; II – não estar sob a aguarda da

pessoa a quem se atribui a detenção; III – se o comparecimento não tiver

sido determinado pelo Juiz ou pelo Tribunal”

Contudo é facultado ao juiz deslocar-se ao local onde se

encontra preso o paciente, no caso de este se encontrar doente, fato este

considerado excepcionalíssimo. 95 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 602.

43

Em continuidade, o art. 658 dispõe ser de obrigação do

detentor informar sob ordem de quem o paciente encontra-se preso,

devendo o mesmo prestar ao juiz esta informação.

2.10 COMO PODE SER IMPETRADA A ORDEM DE HABEAS CORPUS

Encontra-se discriminada no art. 654 § 1°, alíneas a, b e c, do

Código de Processo Penal, a forma como se deve interpor o habeas

corpus, devendo este conter “o nome da pessoa que sofre ou está

ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a

violência, coação ou ameaça”, identificando-se assim, o paciente.

Na alínea b, encontra-se estampada a necessidade de ser

declarada a espécie de constrangimento, ou, no caso de temor futuro, à

que se funda esta ameaça.

Por fim, dispõe a alínea c, do artigo retro, o dever de conter a

assinatura do impetrante, ainda que a rogo no caso de analfabeto, a fim

de se estabelecer a legitimidade ativa da ordem, pois no caso de

requerimento apócrifo, será este denegado. Pode também,

evidentemente, ser assinada por advogado, mesmo que sem procuração.

Ensina Tourinho Filho, que a capacidade postulatória é

indispensável para interposição de recurso, ou sustentação oral nos

Tribunais, embora não seja exigida para a impetração.96

A respeito de outros modos de impetração, comenta Julio

Fabbrini Mirabete:

É possível, segundo a jurisprudência, que o requerimento seja feito

por telegrama, radiograma ou telex, embora se exija a sua

autenticação, diante do que dispõe o artigo 654 § 1°, c. não se

conheceu de pedido efetuado por telegrama fonado por não estar

96 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 604.

44

autenticada a assinatura. Sem razão, já se negou conhecimento

inclusive por falta de autenticação de copias xerográficas. Mas, em

recentes decisões do STF e do STJ, se tem prescindido dessa

formalidade mesmo quanto à impetração. No Tribunal de Alçada

do rio grande do Sul, já se conheceu de habeas corpus impetrado

por telefone e reduzido a termo pela Secretaria. Convenha-se que

nesta hipótese, estão sendo afastadas as mínimas formalidades

legais exigidas para o pedido judicial, o que pode acarretar

fraudes, abusos e insegurança na realização da Justiça.97

Quanto às provas, torna-se quase dispensável afirmar que a

impetração deve vir instruída das provas que lhe couberem a provar a

coação ilegal ou o abuso de poder, inclusive depoimento de

testemunhas.

2.11 LIMINAR EM HABEAS CORPUS

Para melhor entendimento deste tema, cumpre inicialmente

citar o contexto histórico referente à origem desta possibilidade

processual, pois, conforme adverte Tourinho Filho:

Uma das mais belas criações da nossa jurisprudência foi a liminar em

pedido de habeas corpus, assegurando de maneira eficaz o direito

de liberdade. Malgrado as criticas que, injustamente, se fazem à

Justiça Militar, cumpre registrar que tal providência – liminar em

habeas corpus preventivo – foi concedida pelo Almirante José

Espínola, ilustre figura que perolou no STM (cf. RT, 33/590).98

Nos dias hodiernos, conforme a doutrina e jurisprudência

predominante, há possibilidade de se encontrar êxito no pedido de liminar

em habeas corpus, garantido nesse contexto a celeridade tão necessária,

quanto determinante deste instituto.

Sobre esta possibilidade, comentam Gamil Föppel e Rafael

Santana: 97 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 726.

98 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 605.

45

Não obstante a sumariedade do procedimento delineado no

Código de Processo Penal, como acima analisado, a dimensão

temporal entre a impetração e o julgamento do habeas corpus, em

casos de escancarada ilegalidade, pode resultar em irreparável

dano à liberdade física do paciente.99

Tal argumentação encontra amparo no noticiado por Alberto

Silva Franco:100

Para obviar tal situação é que, numa linha lógica inafastável, foi

sendo construído, pretoriamente, em nível de habeas corpus, o

instituto da liminar, tomado de empréstimo do mandado de

segurança, que é dele gênero idêntico. A liminar, em habeas

corpus, tem o mesmo caráter de medida de cautela, que lhe é

atribuída no mandado de segurança.

Em idêntico raciocínio ensina o mestre Mirabete: “nada

impede seja concedida liminar no processo de habeas corpus, preventivo

ou liberatório, quando houver extrema urgência.”101

Portanto, fica evidenciada a plenitude da possibilidade acima

acostada, caracterizada da seguinte forma por Föppel e Santana:

A medida liminar em habeas corpus ostenta o caráter de

providencia cautelar, desempenhando ‘importante função

instrumental, pois se destina a garantir – pela preservação cautelar

da liberdade de locomoção física do indivíduo – a eficácia da

decisão a ser proferida quando do julgamento definitivo do writ

constitucional’102

2.12 NÃO-CABIMENTO DE HABEAS CORPUS

Caso o pedido proveniente não contenha os requisitos

necessários para ser sequer recebido, ou dotado de vícios sanáveis a que

99 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 35

100 Idem.

101 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 726.

102 DIDIER Jr, Fredie. Ações constitucionais. 2 ed. Bahia: Jus Podivm: 2007. P. 35.

46

não se tenha suprido, pode o Presidente do Tribunal, mediante as devidas

formalidades, rejeitar o pedido liminarmente.

No Código de Processo Penal Comentado do Julio Fabbrini

Mirabete averba o seguinte:

O presidente poderá entender serem desnecessários o pedido de

informações e a ordem para complementar a petição se entender

que o pedido deve ser indeferido in limine. Segundo o Código, o

indeferimento deve ser confirmado pelo órgão competente para

julgar o pedido, a quem encaminhara os autos. Entretanto, tem se

entendido, que, em decorrência do art. 68 da LOMN, é apenas do

Presidente a decisão, da qual cabe recurso ao próprio Tribunal. O

mesmo procedimento deve ser aplicado se, determinada a

complementação do pedido, na forma do artigo anterior, não for

ela providenciada pelo impetrante.103

Outra hipótese em que não caberá o “remédio heróico” é a

que trata o art. 650 do CPP, quando desabilita especificamente este

instituto no caso de prisão administrativa dos responsáveis por dinheiro ou

valor pertencente à Fazenda Pública, exceto os casos de quitação,

depósito ou se verificado a prisão excessiva ao prazo legal.

Existem, ainda, hipóteses em que o exercício do habeas

corpus encontra-se restringido no âmbito de sua aplicação, sejam elas

quando decretado o Estado de sítio, ou, ainda, Estado de Defesa (guerra),

ambos previstos no texto constitucional de 1988, nos artigos 139 e 136,

respectivamente. Todavia, jamais o direito a tal requerimento encontrar-

se-á suprimido, por tratar-se de ‘cláusula pétrea’.

Sobre esta diminuição de abrangência ensina Alexandre de

Moraes:

Assim, o Estado de Defesa e o Estado de Sítio não suspendem a

103 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 1771.

47

garantia fundamental do habeas corpus, mas diminuem sua

abrangência, pois as medidas excepcionais permitem uma maior

restrição legal à liberdade de locomoção, inclusive, repita-se, por

ordem de autoridade administrativa.104

Uma vez analisadas algumas questões afetas ao instituto, no

capítulo 3 abordar-se-á acerca de sua aplicabilidade no âmbito do Direito

Penal Tributário.

104 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 146

48

Capítulo 3

APLICABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

3.1 DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL E DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

Aquilo que para muitos soa como sinônimo merece um melhor

esclarecimento, para que não se incorra em erro de nominação da

matéria a que se pretende tratar. Assim, dispõe sobre a diferença de

Direito Tributário Penal e Direito Penal Tributário, Kiyoshi Harada:

A doutrina em geral, para distinguir as infrações tributárias definidas

e punidas pelo Direito Tributário daquelas configuradas e

sancionadas pelo Direito Penal, costuma falar em Direito Tributário

Penal e em Direito Penal Tributário. O primeiro abarcaria todas as

infrações tributárias decorrentes do descumprimento de obrigações

tributárias principais ou acessórias, vale dizer, alcançaria todas as

condutas comissivas e omissivas que, por afrontosas às normas

tributárias de natureza substantiva ou formal, ensejam sanções de

natureza administrativa. (...)Já o “chamado Direito Penal Tributário a

disciplina contra o crime é mais rigorosa ou destacada” exigindo,

“em boa técnica, a expedição de uma lei configurando o crime e

cominando a pena”, como preleciona Ruy Barbosa Nogueira.105

Como relata o doutrinador, há uma grande diferença no que

há de se tratar com as diferentes terminologias. Sobre a definição destas,

dispõe Alexandre Macedo Tavares citando Andréas Eisele:

Quando se alude ao Direito Tributário Penal, “o objeto pertence ao

Direito Tributário, e está delimitado dentro deste como a parcela de

atos ilícitos de natureza tributaria que ensejam a aplicação de uma

sanção administrativa, verificados pela observância de normas do

Direito Tributário”.

Noutro giro, o Direito Penal Tributário “é uma das matérias do Direito

Penal, qual seja, a que trata dos crimes que tenham o tributo como

105 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 15 ed. São Paulo : Atlas, 2006. P. 602.

49

objeto jurídico, direta ou indiretamente considerado”. 106

Portanto, em consentimento ao disposto pelos autores,

verifica-se bem distinta e clara diferença das matérias, inclusive,

demonstrado um equívoco de denominação quando se trata de Direito

Tributário Penal, o qual deveria ser chamado Direito Administrativo

Tributário Penal em função de seu objeto, diga-se, a sanção administrativa

do ilícito tributário.

Já o Direito Penal Tributário consiste de matéria de Direito

Penal cuja res delitiva tem por objeto matéria fiscal julgada pelo Poder

Judiciário, cominando penas privativas de liberdades ao autor.

3.2 CARACTERES DO ILÍCITO PENAL TRIBUTÁRIO

Citando Alexandre Macedo Tavares:

Considerando-se a distinção terminológica existente entre Direito

Tributário Penal e Direito Penal Tributário, claro está que o Código

Tributário Nacional somente disciplina os ilícitos administrativos

tributários, cuja aplicabilidade de seus preceitos enseja uma sanção

civil de natureza e finalidade reparatória/ compensatória, de índole

essencialmente patrimonial.

Em contrapartida, uma mesma conduta material (comissiva ou

omissiva) sob certo prisma, pode assumir dupla identidade, isto é,

pode assumir a roupagem tanto de um ilícito administrativo

tributário (infrações tributárias) quanto de um ilícito penal tributário

(delitos fiscais).107

Assim, partindo da premissa de que ilícito é o que viola a

ordem jurídica, então o ilícito tributário é o ilícito decorrente da violação

da norma tributária, podendo, segundo Sergio Pinto Martins, “envolver três

espécies: infração tributária, infração tributária e penal e infração

106 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 163

107 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3 ed. Florianópolis: Momento atual, 2006. P. 165.

50

penal”.108

Sobre as espécies ensina o mesmo autor:

A infração tributária é decorrente da inobservância da legislação

tributária como ocorre com o pagamento incorreto do tributo.

A infração tributária e penal irá ocorrer quando o contribuinte vem

a burlar a legislação com o objetivo de não pagar o tributo. O fisco

irá apurar o tributo e aplicar a penalidade cabível, mas também

haverá crime, como, por exemplo, de sonegação fiscal.

Haverá apenas infração penal quando o fato praticado implicar

apenas violação à lei penal, como do fiscal que exige tributo que

sabe indevido.109

Em via do exposto, a caracterização do ilícito penal depende

não só da conduta praticada, como também de em que diploma legal

encontra-se tipificada a conduta e qual a característica de sua sanção,

ou seja, a antijuridicidade pode ser uma só, porém, pode ter

conseqüências nas diversas disciplinas do Direito.

3.3 REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE APLICÁVEL ÀS HIPÓTESES DAS INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS E DOS ILÍCITOS PENAIS TRIBUTÁRIOS

Sobre este tema, se encontra razão no trazido por Alexandre

Macedo Tavares sobre a obra de Misabel Derzi:

Se há crime, repetimos, haverá dupla infração, necessariamente, a

penal e a tributária. Mas o regime jurídico da responsabilidade

penal é diferente do regime jurídico da responsabilidade fiscal por

infração. A primeira, mesmo quando o delito é de fundo fiscal,

configurando crime contra a ordem tributária, sujeita-se

integralmente aos princípios gerais do Direito Penal e à parte geral

do Código Penal. Direito Penal Tributário não guarda nenhuma

peculiaridade. É Direito Penal. Rege-se por, entre outros, pelo

principio da pessoalidade do injusto, segundo o qual o delito é

108 MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. 5 ed. São Paulo : Atlas, 2006. P. 243.

109 Idem.

51

subjetivo, e a apuração do dolo é regra norteadora fundamental.

Assim, os delitos contra a ordem tributária submetem-se às seguintes

regras:

1. sujeitam-se às leis editadas exclusivamente pela União, que

monopoliza competência para legislar sobre o Direito Penal;

2. sendo Direito Penal propriamente dito, são regidos pelos princípios

constitucionais-penais, jurisdicionais e legais, que representam a

proteção histórica do cidadão frente às possíveis arbitrariedades do

Estado, como legalidade, especificidade conceitual rígida dos

delitos, irretroatividade da lei mais benigna, culpabilidade pessoal,

beneficio da dúvida, devido processo legal, admissão do erro

escusável (...), além da integral aplicação de toda a parte geral do

Código Penal;

3. são disciplinados em normas penais de sobreposição, de modo

que sua identificação e penalização dependem da exata

compreensão das normas tributárias, relacionadas com a espécie.

Saber que tributo é devido e se ele é devido ou quais são as

obrigações acessórias, previstas nas leis tributárias, é essencial para

o encontro da espécie penal;

4. em cada caso concreto, a definição da conduta do agente à

especial penal depende não só da subsunção aos dados

descritivos, contidos na lei penal, como àqueles complementares

da norma tributaria;

5. exclui-se a existência do delito, se a conduta do agente estiver

autorizada pelo Direito Tributário, pois a antijuridicidade penal

decorre da totalidade da ordem jurídica (exercício regular do

direito, por exemplo). Assim, se inexiste tributo a pagar graças à

ocorrência de uma causa imunitória, ou de uma isenção, ou

remissão, anistia, pagamento, etc., auto-denúncia espontânea, nas

condições determinadas pelo Direito Tributário, que sejam

excludentes da responsabilidade tributária, não poderá haver

responsabilidade penal.110

Conclui-se do disposto a impossibilidade de que se configure o 110 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3 ed. Florianópolis: Momento atual, 2006. P. 170/171.

52

cometimento de um crime fiscal sem que se haja uma infração tributária

administrativa, todavia, existe casos em que há a configuração de uma

infração tributária sem que se incorra em conduta típica de natureza

criminal.

3.4 A LEI 8.137/90 E OS TIPOS PENAIS TRIBUTÁRIOS

A Lei 8.137/90 foi promulgada para redefinir os crimes contra a

ordem tributária, ordem econômica e as relações de consumo. Contudo,

ainda existe discórdia se ela realmente veio a revogar por completo a Lei

nº 4.729/65.

Sobre o tema, dispõe Kiyoshi Harada:

Finalmente, com o advento da Lei nº 4.729/65, a chamada lei de

sonegação fiscal, surgiu o primeiro estatuto regendo os crimes de

natureza tributária, atualmente, substituído pela Lei de nº 8.197/90,

que definiu os crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica

e as relações de consumo.

(...)

De nossa parte consideramos revogada a lei de sonegação fiscal

naquilo que contrariar disposições da Lei nº 8.137/90. Não pode

haver penas distintas para uma mesma conduta, (...). (p.609)

Conforme preleciona o autor, acompanha-se a vertente que

dispõe como revogada a lei anterior à Lei nº 8.137/90.

Os tipos penais tributários estão previstos no Código penal ou

em legislação esparsa. Dentre os definidos no Código Penal, encontra-se o

contrabando, descaminho, falsificação de papeis públicos, e outros que

indiretamente decorrem de matéria tributaria como excesso de exação,

prevaricação e falsidade. Já os contidos na legislação esparsa, estão

definidos na Lei nº8137/90, nos seus artigos 1º e 2º, dentre outras.

Sobre os crimes contra a ordem tributária, define-os Sérgio

53

Pinto Martins:

Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou

retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da

autoridade fazendária: (1) da ocorrência do fato geradora

obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstancias

materiais; (2) das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de

afetar a obrigação tributária principal ou do crédito tributário

correspondente (art. 71 da Lei nº 4.502/1964).

A sonegação diz respeito a fato gerador já ocorrido e não a realizar.

O contribuinte oculta o fato gerador com o objetivo de não pagar

o tributo devido.

Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou

retardar total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da

obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar suas

características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto

devido, ou a evitar seu pagamento (art. 72 da Lei nº 4.502/1964).

Na fraude, o contribuinte falsifica dados ou insere elementos

incorretos nos livros fiscais, visando não pagar o tributo ou pagar

valor inferior ao devido.

Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas, naturais ou

jurídicas, visando os efeitos da sonegação ou da fraude (art. 73 da

Lei nº 4.502/1964).

No conluio, há vontade de duas ou mais pessoas de não indicar,

por exemplo, renda em um negócio jurídico, par não haver a

respectiva tributação.111

Em resumo, os tipos penais tributários são condutas delituosas

de natureza híbrida, apenadas sob a égide de duas vertentes da ciência

jurídica, sejam elas o Direito Penal e o Direito Tributário, independentes e

paralelas, mas intercomunicadas em função do objeto do ato delituoso.

111 MARTINS, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2006. P.247/248.

54

3.5 A IMPRESTABILIDADE DA DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL ANTES DO EXAURIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

É uma questão que está ligada à situação de prejudicialidade

da ação penal ante ao processo administrativo tributário, ou seja, se existe

ou não a possibilidade de condenar o réu em ação penal decorrente de

fato tributário antes de deflagrado por completo o processo administrativo

tributário.

Sobre o tema dispõe, Kiyoshi Harada:

Se na esfera administrativa ficar comprovado que o tributo é

inexigível ou inexistente, a ação penal ficará comprometida. A

jurisprudência em torno da Lei nº 4.729/65 quanto à independência

das esferas fiscal e penal deve ser repensada, pelo menos em

relação às hipóteses tipificadas no art. 1º da Lei 8.137/90, que

cuidam dos crimes de dano.

(…)

Por isso é possível sustentar, com razoabilidade, a tese de que a

ação penal para apuração de tributo, deveria ficar sobrestada até

final pronunciamento da esfera administrativa fiscal.

(...)

O enunciado da Súmula 609 do STF deve ser entendido apenas no

sentido da procedibilidade da ação penal, nunca na acepção de

que o juiz pode condenar, por sonegação fiscal, aquele a quem a

decisão administrativa reconheceu não ser devedor de tributo. Por

tais razões o Plenário do STF, por maioria de votos, acolheu a tese de

prejudicialidade da ação penal, firmando, contudo, entendimento

de que fica suspenso o prazo prescricional da ação penal,

enquanto perdurar o processo administrativo tributário.112

Assim, com escopo na decisão do STF, pode-se dizer que se

encontra prejudicada a ação penal frente a extinção do credito tributário

administrativo fiscal

112 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 15 ed. São Paulo : Atlas, 2006. P. 623.

55

3.5.1 A falta de justa causa da ação penal e o Habeas Corpus

Conforme dispõe o Código de Processo Penal brasileiro em

seu artigo 648, I, a ausência de justa causa constitui um dos pressupostos

para que se considere uma coação (prisão, ação) ilegal, ou seja, passível

de resolução mediante habeas corpus.

Como relatado em capítulo anterior, justa causa se resume à

presença do fumus boni juris como elemento constituidor do ato da

autoridade pública, que se funda na evidência da prática de um delito.

Nesse sentido, Julio Fabbrini Mirabete argumenta:

Fora das hipóteses mencionadas na Carta Magna não há justa

causa para o constrangimento, que é ilegal e pode ser sanado via

do habeas corpus. Também cabível o remédio heróico na prisão

em flagrante decretada por autoridade judiciária quando não

foram obedecidos os requisitos formais ou materiais exigíveis na

espécie.113

Em observância ao disposto percebe-se que a ausência da

justa causa é um dos principais motivos ensejadores da impetração do

mandamus a fim de sanar irregularidades de ordem penal.

Confirma a assertativa Fernando da Costa Tourinho Filho:

Alguns casos comportam a impetração de habeas corpus: a) se o

Juiz recebe denuncia ou queixa, cujo fato descrito não constitua

crime em tese, cabe habeas corpus; b) mesmo que o fato descrito

constitua crime, se os autos do inquérito ou pecas de informação

que instruíram a denuncia ou queixa não contiverem algum

elemento serio de convicção quanto à existência do crime ou sua

autoria, cabe habeas corpus;114

Por fim, se pode concluir que há a possibilidade de

113 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2001. P. 717.

114 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 588.

56

impetração do habeas corpus, fundado em ausência de justa causa da

ação penal; desde que ela não resulte de análise profunda e valorativa

da prova, devendo ser demonstrada de forma nítida, patente e

incontroversa.

3.5.2 A impetração do habeas corpus para fins de se evitar a instauração do inquérito policial

Em tese, o habeas corpus destina-se principalmente em fazer

cessar constrangimento ilegal, ou ameaça de constrangimento ilegal, que

venha, ou possa vir a ferir o direito de locomoção do paciente. Entretanto,

a partir do momento em que se pode conceder o salvo-conduto, ou seja,

o habeas corpus preventivo, por meio deste haver-se-ia de evitar que

venha o paciente a responder por inquérito policial ou ação penal da

qual já possui salvo-conduto.

Nessa linha ensina Fernando da Costa Tourinho Filho:

Se, porventura, houver inquérito ou processo criminal em

andamento, implica a concessão do habeas corpus seu

trancamento? Nem sempre. À maneira do que dizia o art. 297 do

CPP do Amazonas, cuja clareza, com justa razão Espínola Filho

enaltece, podemos afirmar: a concessão do habeas corpus só

impede o andamento do inquérito ou a marcha do processo,

quando o prosseguimento de um ou de outro for incompatível com

a decisão proferida. Assim, se o Juiz entender que o fato objeto do

inquérito policial é absolutamente atípico, aquele será trancado.115

(p. 601)

E mais:

O extinto TFR, no Recurso de Habeas Corpus nº 4.686/RS (DJU 23-4-

1980, P. 2730), assim pronunciou:

O trancamento de inquérito policial através de habeas corpus só

pode como medida excepcional, quando se verifica ausência

115 TOURINHO Filho, Fernando da Costa. Vol. 4. Processo penal. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 601.

57

evidente de criminalidade. Existindo suspeita de crime, não se tem

como impedir se prossiga na investigação.

No caso, já remetido o inquérito à Justiça, não seria possível sonega-

se ao Ministério Público a faculdade de requerer diligências para o

cabal esclarecimento dos fatos.116

Assim, entende-se que, via de regra, o habeas corpus não é

meio para trancar o inquérito policial já que, para a instauração do

procedimento investigatório deve haver elementos que indiquem a

ocorrência de fato típico, cabendo a autoridade policial, o dever de

investigá-lo.

Contudo, admite-se a impetração do writ quando desde logo

se verifique a atipicidade do fato investigado, ou a evidente

impossibilidade do indiciado ser o autor do ilícito ou ainda havendo

imputação de fato que não se configurem como crime, havendo assim

constrangimento ilegal na instauração do referido inquérito policial,

podendo evidentemente ser sanado pelo habeas corpus.

Em consonância tem-se a jurisprudência do STF:

Só se admite o trancamento do inquérito Policial por via de Habeas

Corpus em casos excepcionais, isto é, quando a falta de justa

causa resulta desde logo evidente.117

3.6 O PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO A QUALQUER TEMPO E O HABEAS CORPUS PARA FINS DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

Prescreve o Código Tributário Nacional:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

116 Idem.

117 RT 599/448

58

Neste contexto também foi editada a Lei n° 10.648/03,

também conhecida como Refis II, que em seu art. 9°. estatui:

Art. 9°. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos

crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei 8.137 de dezembro de 1990, e

nos arts. 168-A e 337-A do Decreto Lei n° 2.848, de 7 de dezembro

de de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa

jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver

incluída no regime de parcelamento.

§1° A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão

da pretensão punitiva.

§2° (...)

§3° Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo

quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o

pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições

sociais, inclusive acessórios.

De acordo com a legislação acostada, fica caracterizada

uma excludente de criminalidade, ou seja, mediante o requisito primordial,

o pagamento integral do debito, exclui-se a tipicidade da conduta face

ao interesse público e, por conseguinte, se torna inviável a ação penal.

Assim versa Kiyoshi Harada:

Acontece que, se o pedido de parcelamento do debito implica

suspensão da prestação punitiva, a qual ficará extinta com o

pagamento da ultima parcela, seria uma iniqüidade permitir o

prosseguimento da ação penal em relação àquele que promover o

pagamento integral do debito, de uma só vez, após o recebimento

da denúncia. Se a razão da extinção da punibilidade está fundada

no pagamento integral do tributo reclamado, não há como deixar

de reconhecer a incidência do princípio da retroatividade da lei

penal benigna, para reconhecer a extinção da punibilidade em

todos os casos em que houver pagamento integral do tributo,

independentemente do momento e das condições desse

pagamento.

59

(...)

Com o pagamento integral do tributo, por via da função

intimidadora da sanção penal, fica satisfeito o interesse público

tutelado pela norma penal, não se justificando mais a perseguição

criminal.118

Nessa esteira, resta delineado o raciocínio de que satisfeita a

obrigação tributária por completo, não há mais que se falar em ação

penal, visto que, esta, se encontrará prejudicada pelo pagamento integral

do tributo.

Neste tom, apresenta-se jurisprudência do TJSC que denegou

a ordem de habeas corpus no sentido do trancamento da ação penal,

contudo analisando-a sob uma ótica antagônica, é possível notar que se

encontram descritos todos os requisitos para a concessão do writ no caso

em tela: a desnecessidade de alusão probatória que demande produção

minuciosa, indícios e possibilidade de materialidade e autoria, e, por fim, a

justa causa:

HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – CONDUTA

CRIMINOSA ADEQUADAMENTE DESCRITA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA

– DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP –

Ocorrência ou não da prática lesiva aos cofres estaduais ou

atendimento ou não da solicitação do fisco que, por serem teses

que demandam produção e minuciosa análise de provas, não

podem ser examinadas no campo restrito do writ – Existência de

indícios da materialidade e autoria delitivas – Justa causa para a

deflagração da ação penal evidenciada – Constrangimento ilegal

inocorrente – Trancamento impossível – Ordem denegada. (TJSC –

HC 01.000608-7 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Jorge Mussi – J. 06.02.2001)

Corroborando a posição colacionada de nosso Tribunal de

Justiça, dispõe o STF como encontrado na obra de Kiyoshi Harada:

A tendência do STF é exatamente no sentido da despenalização

118 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 15 ed. São Paulo : Atlas, 2006. P.622/623.

60

dos chamados crimes tributários ante o pagamento, a qualquer

tempo, do tributo reclamado, como se pode verificar das decisões

proferidas em habeas corpus, entendendo que o §2° do art. 9° da

Lei 10.648/03 criou uma causa extintiva da punibilidade consistente

no pagamento, a qualquer tempo, do débito tributário.119

Seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial,

entende-se pelo cabimento do habeas corpus para fim de trancamento

da ação penal, fundada em crime contra a ordem tributaria, ante o

pagamento do tributo devido.

3.7 O PARCELAMENTO DO DÉBITO FISCAL E O HABEAS CORPUS PARA FINS DO SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL

Sobre o parcelamento do débito fiscal, cita-se Alexandre

Macedo Tavares:

Embora acrescida pela LC 104/01 como uma modalidade

suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, entendemos que

sua inserção ao rol do art. 151 do CTN se revela desnecessária, haja

vista que sempre lhe foi reconhecido esse efeito, mormente por

caracterizar subespécie de moratória.120

Acompanhando o disposto pelo autor, passa-se a definição

da moratória segundo o mesmo, no intuído de elucidar a questão do

parcelamento do débito e seus efeitos:

Moratória significa prorrogação do prazo para o pagamento do

crédito tributário, a qual pode contemplar pagamento à vista ou

parceladamente. De todas as modalidades suspensivas do crédito

tributário, mormente por não ter cunho processual, foi a única que

recebeu disciplinamento especifico no CTN. Entregue ao campo da

legalidade material (CTN, art. 97, VI), pode ser concedida em

119 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 15 ed. São Paulo : Atlas, 2006. P.622.

120 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3 ed. Florianópolis: Momento atual, 2006. P. 127.

61

caráter geral ou em caráter individual.121

Em atenção à definição do autor, quando decorrer

diretamente de lei e independendo de qualquer condição prévia,será a

moratória concedida em caráter geral, e, quando autorizada por lei,

verificado o preenchimento dos requisitos preestabelecidos e

despachado por autoridade administrativa competente, será concedida

em caráter individual, parafraseando Alexandre Tavares.

Delineada a situação de suspensão da exigibilidade do

crédito tributário, encontra-se novamente na situação descrita no item

anterior, quer seja de ausência de justa causa a amparar a ação penal

fundada no ilícito tributário, visto que suspensa a exigibilidade do crédito,

também se suspende a causa de punição deflagradora da ação penal.

Não havendo causa de punir, torna-se a ação penal fundada

em crédito tributário suspenso mediante parcelamento, ou moratória, uma

coação ilegal sanável pelo habeas corpus, voltado a suspender o curso

da ação penal.

121 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário. 3 ed. Florianópolis: Momento atual, 2006. P. 127.

62

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à

luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência, a aplicabilidade do

instituto do habeas corpus como meio de trancamento da ação penal no

ordenamento jurídico brasileiro.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua

diversidade, amplitude e importância, notadamente pelo fato de ser

concebido não somente para beneficiar o contribuinte faltoso, mas

também para favorecer a Fazenda Pública, pois, ao afastar as

penalidades mediante o pagamento integral do débito como excludente

de punibilidade, estimula o cumprimento das obrigações tributárias e, por

conseqüência, o aumento da arrecadação.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi

dividido em três capítulos. No primeiro, viu-se as liberdades garantidas pela

Constituição de 1988 e suas várias formas de serem obtidas mediante

procedimentos próprios e nominados pela mesma.

No segundo capítulo, pesquisou-se acerca do instituto

do habeas corpus, incluindo sua história, origens e fundamentos jurídicos

atuais ensejadores de seu contexto no ordenamento jurídico pátrio, assim

como as hipóteses em que lhe é cabível.

No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa

sobre o bem delineado contorno jurídico da aplicabilidade do habeas

corpus para o trancamento da ação penal, do inquérito policial, como

também os crimes contra a ordem tributária.

Como principais resultados da pesquisa, pode-se

ressaltar que o habeas corpus não é medida principal para se fazer

63

trancar a ação penal, contudo, é perfeitamente cabível nas hipótese em

que houver prova cabal de impossibilidade de autoria ou de conduta

atípica, neste caso configurando abuso de poder da autoridade coatora,

passível de ser sanado via Habeas Corpus.

Também enfatizou-se o caso do pagamento integral

do débito, a qualquer momento, constituir causa excludente de

punibilidade, carecendo assim de justa causa a ação penal, podendo a

mesma ser coibida pelo instituto do Habeas Corpus.

No mais, retomam-se as hipóteses levantadas e que

impulsionaram a presente pesquisa:

a) partindo-se do princípio de que o Habeas Corpus

serve para ilidir coação a liberdade de ir e vir

entende-se ser possível a aplicação do instituto do

Habeas Corpus na hipótese dos crimes fiscais puníveis

com a pena privativa de liberdade;

b) pela separação e independência das esferas do

Direito Administrativo e Direito Penal, entende-se por

ser cabível a deflagração da ação penal

concomitantemente ao processo administrativo fiscal;

c) desde que preenchidos os pressupostos de

admissibilidade do instituto entende-se por ser cabível

a utilização do Habeas Corpus na ação penal

tributária.

No tocante a primeira hipótese, restou confirmada, visto que

quando se tratar de uma ação penal cujo objeto é de ordem fiscal é

aplicável o instituto do Habeas Corpus quando ocorrer qualquer causa de

constrangimento ilegal, ou ilegalidade de ato de autoridade pública.

64

A segunda hipótese não restou confirmada, pois por se tratar

de crimes contra a ordem tributária, há a necessidade de exaurimento do

processo administrativo fiscal para deflagração da ação penal fundada

em crime contra a ordem tributária, ou que pelo menos esta fique

sobrestada até que se julgue definitivamente o processo administrativo

fiscal, podendo ficar prejudicada a ação penal no caso de extinção do

crédito tributário.

Quanto a última hipótese, registra-se que restou confirmada,

pois realmente é cabível o Habeas Corpus em ação penal tributária nas

hipóteses em que se fizer necessário sanar ilegalidade existente ou à existir

advinda de ato de autoridade.

Por fim, fica o registro de que o presente trabalho não tem

caráter exaustivo, isto é, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar

de todas as questões que norteiam a aplicabilidade do Habeas Corpus

para o trancamento da ação penal tributária, razão pela qual deve servir

apenas de ponto de partida para o necessário e contínuo

acompanhamento da evolução de entendimento doutrinário e

jurisprudencial acerca desta tão relevante matéria do Direito Penal

Tributário.

65

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tributário. São Paulo: RT, 1998.

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66

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