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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CRIME ORGANIZADO E A LEI 9.034/95 COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.217/01
MICHELLE CARMINATTI
Itajaí, outubro de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CRIME ORGANIZADO E A LEI 9.034/95 COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.217/01
MICHELLE CARMINATTI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Especialista Eduardo Erivelton Campos
Itajaí, outubro de 2006.
AGRADECIMENTO
Meus agradecimentos vão a todas as pessoas que de alguma forma me apoiaram na vida
acadêmica.
Aos professores que me acompanharam durante o curso, em especial ao professor coordenador do curso de direito e ao meu orientador, Osmar Diniz Facchini e Eduardo Campos, pela dedicação, pela
paciência e pela sabedoria a mim dispensada.
A minha amiga e atenciosa tia Justina, que sempre me incentivou quando o desânimo se
abatia, trazendo uma palavra de conforto e um afago carinhoso.
Aos meus padrinhos, Terezinha e Vitor, pessoas que sempre acreditaram em mim e me apoiaram.
Ao meu lindo irmão, Jyonathan, pelo amor e pela confiança que sempre demonstrou.
A minha querida mãe, Almerinda, pelo incentivo de todas as horas.
Ao meu amado pai, Luis, o qual não mediu esforços durante toda a jornada acadêmica para
que essa se concretizasse.
Ao meu querido namorado, Cristiano, pela dedicação e compreensão.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a melhor família do mundo e a minha querida tia Ju, pessoas admiráveis e
amadas, a qual só tenho agradecer, pois sempre estiveram ao meu lado em todos os momento de minha vida e que com certeza estão orgulhosos de me ver feliz por um motivo que eles tanto me
incentivaram.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, outubro de 2006
Michelle Carminatti Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduando Michelle Carminatti, sob o título
[Titulo da Monografia], foi submetida em [Data] à banca examinadora composta
pelos seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com
a nota [Nota] ([nota Extenso]).
Itajaí, outubro de 2006
Professor Eduardo Erivelton Campos Orientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Ação Criminosa
“A expressão ação criminosa tem, em sentido vulgar, várias acepções não
estritamente jurídicas e que dizem respeito a comportamentos tidos como
desviados. Nesse sentido amplo, referem-se antes a uma forma continuada de
atuação ou comportamento do que a uma ação isolada. Num sentido mais restrito
e concreto, serve também para designar a perpetração de um delito”.1
Agente
“Pessoa que está a frente de cargos ou desempenha funções(...); intermediário de
negócio(...); sujeito ativo da infração penal”. 2
Agente do Crime
“São (...) as pessoas que se apontam como responsáveis ou culpáveis, seja como
autores ou cúmplices, pelos crimes que cometeram.”3
Antijuridicidade
“(...) é a falta de autorização para a prática da ação típica. No Direito Penal, é
considerada antijurídica uma ação típica que não está amparada por nenhuma
causa de justificação. Portanto, ela é caracterizada por dois fatores: a realização
do fato típico e a ausência de uma causa de justificação. (...)”4
Crime
1 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho.
27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2006. p. 16 2 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p. 76 3 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 78 4 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 114
“(...) a doutrina finalista moderna tem considerado o crime como a conduta típica,
antijurídica e culpável.”5
Crime Organizado
“A expressão crime organizado (organized crims’) é uma palavra nova, de origem
americana, entendendo como grupos criminosos organizados para a execução de
crimes, nos mais variados campos (tráfico armas, drogas, mulheres – ainda
comum hoje em dia, entre nós, como a Espanha e Oriente Médio, em regra,
Japão – jogos, assaltos, extorsão, corrupção, entre outros)”.6
A expressão crime organizado traz ínsita em si(sic) a noção básica de
associação de pessoas, em grupos, com finalidades de, através de práticas
criminosas (animus delinquendi) tirarem, quase sempre proveitos patrimoniais ou
políticos.
Culpabilidade
“Derivado do adjetivo latino culpabilis, de culpa (que merece repressão, digno de
exploração, culpável), possui o sentido de indicar, em acepção estrita, o estado
da falta ou violação considerada como condição para imputabilidade da
responsabilidade penal ou civil. Mostra, assim, a evidência da culpa argüida
contra o agente, em virtude da violação por ele praticada. Em sentido mais amplo,
significa a mera possibilidade de ser imputável ao agente a autoria de um delito,
penal o civil, pelo que lhe será sancionada a responsabilidade inscrita na lei
respectiva, que foi transgredida. (...)”7
Delação
“Originado de delatio, de deferre (na acepção de denunciar, delatar, acusar,
deferir), é aplicado na linguagem forense mais propriamente para designar a
denúncia de um delito, praticado por uma pessoa, sem que o denunciante
(delator) se mostre parte interessada diretamente na sua repressão, feita perante
5 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 399 6 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 401 7 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 403
autoridade judiciária ou policial, a quem compete a iniciativa de promover a
verificação da denuncia e a punição do criminoso. (...)”8
Delação premiada
“É a delação realizada por pessoa envolvida no delito e que procura obter o
benefício de redução ou mesmo isenção das respectivas. (nsf)”9
Máfia
“A terminologia é discutida: para alguns, vem do árabe mahyah, significando
audácia ou arrogância; ou ainda árabe , machfil, significando lugar de reunião. È
uma associação secreta e ilícita, nascida na Silícia, com ramificações em todo o
mundo, atuando em negócios excusos como o tráfico de drogas, prostituição,
crimes financeiros e outros” 10
Nexo causal
“Diz-se, na composição da responsabilidade civil, da relação de causa e efeito
entre o fato e o dano objeto de ressarcimento.”11
Organização
(...) conjunto dos instrumentos (órgãos) escolhidos, predispostos e oportunamente
coordenados por um indivíduo ou grupo, com vistas à consecução de
determinados fins.”12
Organização Criminosa
“(...) aparatos organizados de poder, dotados de estruturas hierarquizadas, por
conta da qual o centro de imputação de condutas delituosas atua sobre um
coletivo de executores fungíveis, ligados à organização por vontade própria, mas
com a consciência de integrarem uma rede com grande número de membros.”13
8 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 423 9 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 423 10 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 873 11 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 952 12 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 989 13 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 989
Resultado
“De resultar, do latim resultare (voltar para trás, repercutir), vulgarmente é
entendido como efeito ou a conseqüência de algum fato ou ato; é, assim, o estado
a que se chegou ou o que se originou de algum fato ou ato. Extensivamente,
então, é tido no sentido de solução ou deliberação tomada acerca de uma
questão. Exprime, pois, a própria decisão, em que se põe fim ou termo à
pendência ou à questão.”14
Tipicidade
“(...) conjunto das características de determinado delito. Em síntese é a descrição
legal de um fato que a lei proíbe ou ordena. Em direito penal, diz-se que há
tipicidade quando o fato se adequa ao tipo, ou seja, quando corresponde às
características objetivas e subjetivas do modelo legal, abstratamente formulado
pelo legislador.”15
14 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 1227 15 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 1401
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... XII
INTRODUÇÃO..................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ......................................................................................... 4 1.1 CONCEITO FORMAL.......................................................................................5 1.2 CONCEITO MATERIAL....................................................................................6 1.3 CONCEITO ANALÍTICO...................................................................................7 1.4 CARACTERISTICAS DO CRIME .....................................................................9 1.4.1 AÇÃO TÍPICA ....................................................................................................9 1.4.1.1 Conduta: ..................................................................................................10 1.4.1.2 Resultado:................................................................................................12 1.4.1.3 Nexo Causal: ..........................................................................................13 1.4.1.4 Tipicidade: ...............................................................................................14 1.4.2 ANTIJURIDICIDADE ..........................................................................................15 1.4.3 CULPABILIDADE..............................................................................................17
CAPITULO 2.............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1 ORIGENS HISTÓRICAS................................................................................20 2.2 NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO ...........................................21 2.2.1CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO .......................................................23 2.2.2 TIPOS PENAIS PRATICADOS PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS.........................25 2.3 MÁFIAS ..........................................................................................................27 2.4 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS MUNDIAIS ................................................28 2.4.1 AS TRÍADES CHINESAS ....................................................................................28 2.4.2 COSA NOSTRA SICILIANA................................................................................29 2.4.3 COSA NOSTRA NORTE-AMERICANA ..................................................................30 2.4.4 CAMORRA – NDRANGHETA – SACRA COROA UNITA..........................................31 2.4.5 MÁFIA RUSSA ................................................................................................32 2.4.6 YAKUSA.........................................................................................................33 2.4.7 CARTÉIS MEXICANOS ......................................................................................34 2.4.8 CARTÉIS COLOMBIANOS ..................................................................................35 2.5 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL ..............................................................37
CAPITULO 3.............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA EM FACE DO CRIME ORGANIZADO................................................................................... 41 3.1 BANDO OU QUADRILHA ..............................................................................41 3.2 A LEI 9.034/95 E SUBSEQÜENTES ALTERAÇÕES: ...................................43 3.3 A LEI 10.217/01 ..............................................................................................45
3.4 FORMAS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL...............48 3.4.1 DELAÇÃO PREMIADA ......................................................................................48 3.4.2 INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS................................................................52 3.4.3 AÇÃO CONTROLADA POR POLICIAIS..................................................................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 60
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 64
RESUMO
Através da analise das origens da criminalidade organizada
em suas mais diversas vertentes no mundo é possível diagnosticarmos, através
de suas similaridades, as formas de combate a serem aplicadas. As origens das
organizações criminosas, seja de que local forem, apresentam alguns aspectos
em comum, surgiram onde não se fez presente o estado subjugando-se no papel
deste, deram ao cidadão marginalizado e oprimido, o assistencialismo que o
Estado lhe negou e passaram a contar com o apoio daquela população. Assim é
fácil constar que a política adotada pelas autoridades nacionais para o combate a
criminalidade do tipo organizada, qual seja, a edição de leis rigorosamente
repressivas, sem nenhum tipo de política pública é ineficaz. Inobstante tal
constatação, fez-se ainda, um estudo da Lei 9.034 e suas ulteriores modificações
a qual trata do crime organizado no Brasil.
INTRODUÇÃO
O direito tem despertado no homem o interesse na proteção
dos bens que lhe são mais caros, entre eles, a liberdade.
Objeto de tutela do Direito Penal, tem sofrido restrições na
defesa da boa convivência social através da tipificação de condutas que
ofendem a moral e os bons costumes.
Estas condutas, tipificadas como crime, normalmente
referem-se a fatos realizados por uma única pessoa. Contudo, o fato punível
pode ser obra de vários agentes associados ou não, mas, com finalidade única.
Esta reunião de pessoas no cometimento da infração penal,
da origem ao que a doutrina chama de crime organizado, tema escolhido para
esta pesquisa.
Assim, a pesquisa tem por objetivos: institucional; produzir
uma monografia para a obtenção do título de bacharel em Direito pela
Universidade do Vale do Itajaí. geral; investigar no âmbito do direito penal
brasileiro, o conceito de crime suas características essenciais, a organização
criminosa, sua formação e abrangência. específicos; verificar à luz da legislação
penal brasileira a Lei 9.034/95, como diploma legal que tem por escopo combater
o crime organizado, principalmente, no tocante a infiltração por agentes estatais
em sua estrutura para seu desmantelamento e a delação premiada com o mesmo
objetivo.
Ao Capítulo 1, reserva-se a conceituação do crime, sob o
tríplice aspecto, formal, material e analítico definindo-se a qual deles a doutrina
penal brasileira se filia. Destaca-se ainda, no primeiro capitulo as características
essenciais do crime tais como: a conduta, o resultado, o nexo causal, a tipicidade,
a antijuridicidade e a culpabilidade.
No Capítulo 2, tratar-se-á em breves considerações das
2
origens do crime organizado, destacando as suas primeiras associações até a
chegada das máfias que proliferaram pelos mais variados recantos da terra.
Destacar-se-á ainda as características da organização criminosa, os principais
tipos penais por elas violados, bem como, sua estrutura organizacional de acordo
com a peculiaridade de cada uma delas. Pesquisar-se-á ainda as origens do
crime organizado no Brasil, posto que, é dele que a Lei 9.034/95 irá se ocupar.
O Capítulo 3 destina-se ao estudo do que seja o crime de
quadrilha ou bando previstos no Código Penal em seu artigo 288 e a organização
criminosa prevista na Lei 9.034/95 e suas subseqüentes alterações. Parte-se das
dificuldades apresentadas para a conceituação do que seja a organização
criminosa uma vez que, a lei brasileira não a definiu em seus próprios
dispositivos. A parte final destina-se a infiltração dos agentes estatais nas
organizações criminosas visando o seu desmantelamento, bem como, a
importância do instituto da delação premiada como forma de atacar e destruir
essas organizações. Aborda-se ainda a ação controlada por policiais como meio
de se coibir à ação das organizações criminosas quanto ao momento oportuno da
prisão em flagrante.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre o tema pesquisado.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
A Lei 9.034/95 com as modificações introduzidas pela Lei 10.217/01, define com clareza, frente ao ordenamento jurídico brasileiro o que seja a organização criminosa.
A infiltração policial permitida pela Lei 9.034/95 com as modificações introduzidas pela Lei 10.217/01 é instrumento eficaz de combate a organização criminosa, conforme entendimento pacífico da doutrina penal pátria.
3
A delação premiada, que permite a diminuição da pena, para o componente da organização criminosa, que de forma decisiva colabora com as autoridades, tem se tornado instrumento eficaz para combater o crime organizado, muito embora, deva ser aceito com reservas frente a sua característica de traição, pois a traição pauta-se pelo antivalor e pelo antiético, podendo às vezes conduzir a decisões injustas face a possibilidade de ocorrer a vingança.
A ação controlada praticada pela polícia na espera do momento mais oportuno para a prisão em flagrante, visando atingir de forma mais efetiva a organização criminosa não se constitui em prevaricação, muito embora exista esta possibilidade.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
O CRIME E SUAS CARACTERÍSTICAS
O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo enforcar
os aspectos fundamentais acerca da legislação vigente sobre o crime organizado,
em especial no âmbito do Direito Penal brasileiro.
Dentro deste objetivo, busca-se pesquisar, analisar e
descrever o entendimento doutrinário acerca desta espécie de crime destacando
as conseqüências deste e as medidas legais cabíveis para combatê-lo.
No entanto, para se chegar a esta categoria de crime far-se-
á uma breve incursão sobre o que é crime em sua generalidade partindo-se
desde a etimologia da palavra crime.
Desde início é importante salientar que a definição do que é
crime não é objeto somente das ciências criminais, mas, também, de outros
ramos do conhecimento humano, tais como a criminologia, a filosofia, a
sociologia, a psicologia, etc, no entanto a ter-se-á somente aos conceitos emitidos
pela doutrina penal.
No âmbito do Direito Penal a conceituação de crime também
não obedece a um único modelo pois nela encontrar-se-á definições quanto ao
aspecto formal, material e analítico.
Antes de se chegar a esta particularidade do conceito de
crime é preciso se entender o que quer dizer etimologicamente a palavra crime
que segundo Leal. 16
Vem do latim, de onde se origina (crimen, inis) o termo crime significa queixa, calunia, injuria, erro. Enfim, tem uma acepção semântica relacionada com a idéia de mal, o que ainda hoje expressa o seu verdadeiro sentido. Do ponto de vista
16 LEAL, João José,Direito Penal: parte geral, 2004, p 180
5
terminológico, deve-se esclarecer que infração penal, conduta delituosa, conduta criminosa, ilícito penal, tipo penal, fato punível, são termos que, em sentido amplo, podem ser utilizados com sinônimos da entidade jurídica denominada crime, pois dizem respeito ao mesmo objeto de estudo.
Por outro lado a lei de introdução ao Código Penal, em seu
artigo 1º, decreto-lei, nº 3.914, diz que:
Art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativa.
Temos, portanto, a frisar que de acordo com o âmbito
estritamente conceitual, ficou a cargo da doutrina uma maior análise acerca do
conceito de crime, onde o ilícito penal apresenta-se sob três aspectos o qual
passa-se a analisar.
1.1 CONCEITO FORMAL
Sob o aspecto formal tem-se que crime nada mais é do que
a relação de contrariedade entre o fato e a lei.
Para Leal17, ao se referir ao conceito formal de crime, nos
informa que pode ele ser definido como sendo:
a conduta humana (ação ou omissão), contraria a lei penal, o que nos dá, sem dúvida, a idéia do que é uma infração penal. Trata-se de um conceito meramente formal, pois não nos esclarece qual a natureza desta conduta, nem porque é ela assim considerada.
17 LEAL, João José. Direito Penal: parte geral, 2004, p 181.
6
No mesmo sentido é o entendimento de Prado ao afirmar
que “podemos dizer que crime é a conduta proibida e sancionada pela lei, nos
dando sem dúvida a idéia de que é uma infração penal.” 18
Idêntico entendimento encontra-se em Mirabete quando diz
que “o crime é o fato humano contrário à lei (Carmignani). Crime é qualquer ação
legalmente punível. Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça
de pena. Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária ao direito a que a lei
atribui uma pena.” 19
Desta forma é fácil de se constatar que sob o aspecto formal
crime nada mais é do que a contrariedade do fato humano à lei penal.
1.2 CONCEITO MATERIAL
Na esfera material ou substancial, o ilícito penal versa sobre
lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, podendo apresentar caráter
individual, coletivo ou difuso.20
Da mesma forma destaca o seu conteúdo teleológico, tendo
em vista o bem protegido pela lei penal onde se pode dizer por que determinado
fato é considerado criminoso e outro não. 21
Para Noronha sob o aspecto material “crime é a conduta
humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.” 22
Portanto neste sentido o aspecto material “ 18 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, art. 1º a 120º. 6 ed. Ver.,
atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. 1. p 133. 19 MIRABETE. Manual de Direito Penal, p. 91 20 PRADO. Curso de direito penal brasileiro, p. 134 21 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal- Parte geral. Código Penal arts. 1º a
120º.3 ed., ver., atual. e ampl.- Bauru, SP: EDIPRO, , 2002, p. 97 22 NORONHA, Direito penal: introdução e parte geral , P. 96
7
é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o por que de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como o todo fato humano que propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social 23
Ainda nessa linha é importante salientar que este conceito busca apresentar o crime como uma ação contrária aos valores essenciais de proteção da coletividade, haja vista que a natureza da conduta determina a opção legislativa no que diz respeito à instituição da figura delituosa.24
Assim o entendimento doutrinário é praticamente unânime
ao afirmar que sob o aspecto material o crime é a conduta humana que lesa ou
expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.
1.3 CONCEITO ANALÍTICO
Este conceito busca estabelecer os elementos estruturais do
crime, sendo que para uns é um fato típico e antijurídico enquanto que para
outros é um fato típico, antijurídico e culpável e para outros mais é um fato típico,
antijurídico, culpável e punível.
Analisando-se este conceito verifica-se que o mesmo parte
de um ponto para chegar a outro, obedecendo portanto um caráter de
progressividade partindo da tipicidade, para a antijuridicidade, para culpabilidade
e por fim a punibilidade.
No entanto autores há que entendem que o correto é
conceituá-lo como sendo apenas um fato típico e antijurídico conforme nos
23 BONFIM, Edilson Mougenot. Direito Penal: parte geral/ Fernando Capez – São Paulo: Saraiva,
2004, p. 252 24 LEAL, Direito Penal: parte geral, p. 65
8
informa Andreucci ao dizer que “o conceito analítico apresenta posição
dicotômica, onde o crime deve ser composto pela tipicidade e ilicitude.” 25
Os adeptos desta corrente excluem a culpabilidade e a
punibilidade por entendê-las como pressupostos ou condições para se impor a
pena.
Já em oposição a este entendimento, René Ariel Dotti, em
seu Curso de Direito Penal menciona que:
o crime é conduta humana típica,ilícita e culpável.
Sem rejeitar alguns aspectos que estruturam critérios anteriores, como, p. ex., o do bem jurídico a ser tutelado pela norma penal, este é o conceito dominante na literatura nacional e estrangeira levando em conta as exigências de segurança individual, posto indicar um aspecto fundamental para autorizar a pena criminal: a culpabilidade.
A conduta é representada por uma ação ou omissão humana dirigida a um fim; a tipicidade é a adequação, objetiva e subjetiva, dessa conduta a uma norma legal; a ilicitude é a quantidade de um comportamento não autorizado pelo Direito e a culpabilidade é o juízo de reprovação que recaia sobre a conduta humana do sujeito que tem ou pode ter a consciência da ilicitude e de atuar segundo as normas jurídico-penais.
Esse conceito acolhe a formulação analítica, completando com a exigência de que somente haverá crime através do comportamento das pessoas naturais (físicas) e jamais das pessoas jurídicas (morais).26
No mesmo sentido é o entendimento de Leal a dizer que:
Até o começo do século XX a doutrina concebia o crime a partir
25 ANDREUSSI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120º). 3. ed.
atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p.33 26 DOTTI, René Ariel, Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.
300/301
9
de um critério bipartido, constituído de dois elementos: um objetivo, representado pela ação ou omissão e, outro subjetivo, representado pela culpabilidade. Em 1906, o jurista alemão Ernst Von Beling, reformulou o conceito analítico de crime, inserindo um novo elemento: a tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Este conceito passou a ser entendido como o mais adequado para definir o crime do ponto de vista técnico-jurídico. É aceito pela grande maioria dos penalistas.27
Do exposto verifica-se que o conceito mais adequado para o
crime no momento atual é o analítico, no seu aspecto tricotômico, como fato
típico, antijurídico e culpável.
1.4 CARACTERISTICAS DO CRIME
Outro aspecto a ser pesquisado e analisado neste trabalho
monográfico é aquele atinente às características do crime, que Leal o
decompõem como: ação típica, antijurídica e culpável.28
1.4.1 Ação típica
Na doutrina penal, tem-se que o fato típico é um
comportamento ativo ou omissivo, provocado pelo homem e que está
correlacionado com a norma jurídica. Seria, outro sim, o que diz a lógica jurídica,
a subjunção, isto é, a perfeita correlação do fato a norma.
Neste sentido Damásio de Jesus relaciona que: “fato típico é
o comportamento humano que provoca um resultado e é previsto na lei penal
27 LEAL, João José,Direito Penal: parte geral, 2004, p.184 28 LEAL. Direito Penal. p. 185
10
como infração”.29
Mirabete menciona que “fato típico é o comportamento
humano que provoca, em regra, um resultado, e é previsto como infração penal”. 30
Em suma pode-se perceber que o fato típico nada mais é do
que a correlação da ação desenvolvida pelo sujeito que encontra uma norma
penal que o coíbe.
Por outro lado, verifica-se que o fato típico compõem-se de
quatro elementos, a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade.
1.4.1.1 Conduta:
Para os adeptos da teoria finalista da ação, que é a adotada
pelo Direito Penal pátrio, todo movimento realizado pelo homem visa atingir um
fim.
Neste caminhar, Damásio de Jesus nos diz que:
“Conduta é a ação ou omissão humana consciente e
dirigida à determinada finalidade”, isto é, em busca de um resultado pretendido
pelo homem.31
Caminhando no mesmo sentido, Francisco de Assis Toledo,
apresenta uma definição descritiva e, ao mesmo tempo eclética, sobre a conduta,
quando afirma que ela é “o comportamento humano, dominante ou dominável
pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem
29 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p.83 30 MIRABETE, Manual de direito penal, 1998, P. 96 31 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal. 23. ed. São Paulo: Atlas 2006, p. 91
11
jurídico ou, ainda, para a causação de uma possível lesão a um bem jurídico”. 32
Mas, a conduta, apresenta algumas características
importantes, que, sem a sua integralização não permite a realização do tipo penal
e que são, a vontade, a consciência, a finalidade e a exteriorização.
Por isso, Mirabette nos diz que ela é
um comportamento humano, não estando incluídos, os fatos naturais (raio, chuva, terremoto), os do mundo animal e os atos praticados pelas pessoas jurídicas. (...) A conduta exige a necessidade de repercussão externa da vontade do agente. O pensar e o querer humanos não preenchem as características da ação enquanto não se tenham iniciado a manifestação exterior da vontade. Não constituem conduta o simples pensamento, a cogitação, o planejamento intelectual da prática de um crime.33
Assim, a vontade, consciência, finalidade e exteriorização
(inexiste enquanto enclausurada na mente), constituem os elementos da conduta.
A falta de um desses elementos essenciais acarreta a ausência da mesma. 34
A conduta pode manifestar-se de várias formas, como:
conduta comissiva, conduta omissiva, conduta comissiva omissiva.
Maggio, em seu Direito Penal-parte geral menciona:
Conduta comissiva é o movimento corpóreo humano, consistente em fazer alguma coisa, ou seja, é o comportamento ativo, como, por exemplo, atirar, subtrair, ofender, etc.
Conduta omissiva consiste na inatividade, na abstenção de movimento, é o não fazer alguma coisa que devia ser feita. Para Julio Mirabete, o fundamento de todo crime omissivo constitui-se em uma ação esperada e na não-realização de um comportamento exigido do sujeito.
32 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p. 212 33 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 91 34 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 86
12
Conduta comissiva omissiva, neste caso a conduta descrita no tipo é comissiva de fazer (matar, por exemplo) mas o resultado ocorre porque o agente não o impediu. Para que o sujeito responda pelo crime, porém, é necessário que tenha o dever jurídico de agir, ou seja, o dever de impedir o resultado. 35
Consoante vale lembrar que o Código Penal em seu artigo
13, parágrafo 2.º dispõe:
A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.36
Verificado o que seja a conduta como elemento constitutivo
do fato típico é importante que se analise o que dela resulta.
1.4.1.2 Resultado:
Acerca do resultado vislumbra-se que não existe ainda uma
corrente pacífica, haja vista que uns doutrinadores defendem que não há crime
sem que haja resultado; já outros acreditam que pode haver crime que não exijam
a ocorrência de um resultado.
O caput do artigo 13 do Código Penal Brasileiro aduz: “o
resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe
deu causa. Considera-se causa ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido”. 37
Neste sentido, constata-se que para que exista o crime não
35 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 87 36 VADE MECUM, 2006, p. 540 37 VADE MECUM, 2006 p. 540
13
basta a conduta e sim também o resultado, vez que este deve ser entendido
como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal.38
Constata-se, portanto, que o resultado, nada mais é do que
a conseqüência que adveio da realização da conduta, isto é, a modificação por
ela criada no mundo exterior.
Mas, esta modificação, causada ao mundo exterior deve ser
atribuída ao comportamento praticado por alguém, portanto, alguém lhe deu
causa, exigindo-se por isso uma ligação entre a conduta, o agente e o resultado
para que se possa atribuir ao autor da conduta a prática do crime.
1.4.1.3 Nexo Causal:
O terceiro elemento do fato típico é o nexo causal, ou seja, a
relação de causalidade entre a conduta e o resultado.
Desta forma Mirabete, ensina:
o conceito de causa não é jurídico, mas de natureza; é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem. Causar, como ensina os léxicos, é modificar, originar, produzir fenômeno natural que independe de definição. 39
Varias foram as teorias elaboradas sobre o tema, mas a
teoria empregada pelo Código Penal foi a da equivalência dos antecedentes,
onde considera como causa toda a ação ou omissão sem qual o resultado não
teria ocorrido.
Neste sentido vislumbra-se que sempre deve existir o nexo
causal para a atribuição de uma conduta típica ao agente. Não havendo nexo
38 MIRABETE, Manual de direito penal , p. 97 39 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 98
14
causal, não há que se cogitar a responsabilidade penal.
“A simples duvida a respeito da existência do nexo de
causalidade impede a responsabilização do agente pelo resultado”.40
Consoante, não se pode deixar de mencionar que não existe
nexo causal entre a omissão e o resultado, haja vista que “a estrutura da conduta
omissiva é essencialmente normativa, não naturalista o omitente responde pelo
resultado não porque causou o resultado, mas porque não agiu para impedi-lo,
realizando a conduta a que estava obrigado”.41
O desencadeamento lógico das três características do tipo
penal acima abordados levam a tipicidade, pois que, sem ele, impossível seria a
punição, pois, o próprio direito penal moderno exige, por questão de segurança
jurídica, de que ninguém pode ser punido sem que o comportamento por ele
praticado esteja previsto numa lei penal.
1.4.1.4 Tipicidade:
A tipicidade também integra o fato típico, sendo que onde
não houver tipicidade não há crime.
René Ariel Dotti, menciona que:
A tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contido na norma incriminadora. Ou, em outras palavras: é a conformidade do fato à imagem diretriz traçada pela lei, a característica que apresenta o fato quando realiza concretamente o tipo legal. 42
Desta forma, constata-se que o juízo de tipicidade consiste
em verificar se determinado comportamento humano se enquadra perfeitamente
na definição legal de crime.
40 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 100 41 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 100 42 DOTTI, Curso de direito penal: parte geral, P. 311
15
Consoante Leal, ensina que:
a tipicidade foi definida como a conformidade do fato àquela imagem diretriz traçada na lei, ou seja, é a condição de que deve revestir-se o fato para realizar concretamente o tipo legal. Ou, ainda, é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora. 43
Desta forma, a tipicidade consiste na correspondência exata,
na adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei.
Para exemplificar o caso em tela, o artigo 288 do Código
Penal nos trás:”Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando,
para fim de cometer crimes...”44
Destarte que Maggio aduz acerca do fato acima:
Neste crime não haverá tipicidade se a associação reunir apenas duas ou três pessoas, vez que o tipo exige um mínimo de quatro pessoas(mais de três). Assim também se a finalidade for apenas de praticar contravenção, atos imorais ou ilícitos administrativos, pois o tipo exige a deliberação específica de cometer crimes.45
Não se pode deixar de mencionar que a doutrina e a
jurisprudência vêm admitindo que a excludente da tipicidade pelo principio da
insignificância, não está inserida na legislação brasileira, mas é aceita por
analogia desde que não contraria à lei.46
1.4.2 Antijuridicidade
A segunda característica do crime e não menos importante 43 LEAL, Direito Penal Geral, P. 233 44 VADE MECUM, Código Penal, P. 568 45 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 90 46 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 91
16
que a primeira é a antijuridicidade, daí a necessidade de abordá-la, embora de
forma sucinta para, melhor compreendê-la.
Originária do latim “on ilicitude”, acontece quando o
comportamento for oposto à ordem jurídica como um todo, além do mais, exige
que o fato material causado seja lesivo a interesse juridicamente protegido. É
aquilo em que a lei penal manda ou deixa de fazer sob pena de uma sanção. É a
relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico. 47
A Antijuridicidade, que para alguns é sinônimo de ilicitude, é
a contrariedade do fato típico comparado com a lei, é dizer, o fato contraria o
disposto no ordenamento jurídico.
Everaldo da Cunha Luna afirma que “o crime é um fato
jurídico porque definido pelo direito e fato antijurídico porque contraria ao
ordenamento jurídico”.
Sendo assim, para que ocorra crime, não basta somente que
o fato seja típico e sim é necessário que a conduta típica seja também contrária
ao Direito Penal. Caso haja alguma norma permissiva, inexiste ilicitude e, em
conseqüência, não há crime.48
Para Mirabete:
(...) antijuridicidade no direito penal é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico. Se em princípio for injurídico o fato típico, não será contrário ao direito quando estiver protegido pela própria lei penal.49
Em suma, não podemos deixar de ressaltar que a
antijuridicidade é sempre material, constituindo a lesão de um interesse
penalmente protegido, ela existe por si só, deve ser determinada objetivamente,
47 MIRABETE, Manual de direito penal ,1996, P. 94 48 LEAL, Direito Penal Geral, p. 184 49 MIRABETE, Manual de direito penal, 1996, P. 94
17
independente da culpa ou da imputabilidade do sujeito.
Atualmente utiliza-se o termo “ilicitude” como sinônimo de
antijuridicidade, uma vez que o crime, embora contrário à lei penal, não deixa de
ser um fato jurídico, dado que produz inúmeros efeitos nessa órbita. 50
Vislumbra-se que o crime é a violação de um interesse
penalmente protegido. Percebe-se então que é o fato que não é permitido pelo
direito, ou seja, é toda conduta humana que fere o interesse social protegido pela
própria norma.
1.4.3 Culpabilidade
A outra característica do crime que merece estudo é a
culpabilidade e está ela intimamente ligada à reprovabilidade do comportamento
praticado pelo agente.
Na Doutrina Penal Brasileira não é pacífico o entendimento
de que a culpabilidade é uma das características do crime, pois, à os que dizem
ser ela mero pressuposto para aplicação da pena.
Dessa controvérsia emergem os entendimentos bipartite e
tripartite.
A corrente doutrinária que se avulta, embora ainda
minoritária, mas que toma corpo é a que adota o critério bipartite e é capitaneada
por Damásio de Jesus onde acredita que a culpabilidade não deve fazer parte das
características do crime, mas sim funcionar como mero pressuposto da pena,
visto que, com a Teoria Finalista, a mesma esvaziou-se dos "seus" elementos
fundamentais, quais seja o dolo e a culpa, integrantes, a partir de então, da
50 CAPEZ, Curso de direito penal: parte geral, P. 254
18
conduta, elemento do fato típico.51
Vicente de Paula Rodrigues Maggio, adepto do mesmo
entendimento menciona que “A culpabilidade não é característica, aspecto ou
elemento do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela
reprovabilidade da conduta. “52
Assim a idéia de que a culpabilidade é pressuposto da pena
pauta-se basicamente no entendimento de que aquela não incide sobre o fato,
mas sim sobre o sujeito isoladamente. Com efeito, o agente, ao praticar um fato
típico e antijurídico, estará incidindo em um ilícito penal e, portanto, haverá crime,
independentemente do mesmo ser culpável ou não. O juízo de reprovação
apenas funcionará como elo de ligação entre o indivíduo e a pena; em outras
palavras haverá crime sempre que o sujeito praticar um fato descrito e definido
em lei como crime e não acobertado por uma das causas excludentes da ilicitude,
entretanto, o indivíduo só será punido se for culpável.53
Já os adeptos do critério tripartite entendem que a
culpabilidade é e sempre será característica do crime, acreditam, basicamente,
que o crime possui três notas características, quais sejam: a tipicidade, a
antijuridicidade e a culpabilidade. O verdadeiro pressuposto da pena é o crime,
em si, com todas as suas peculiaridades. Em verdade, a culpabilidade incide
sobre o comportamento do sujeito e não sobre ele isoladamente. O que o direito
pune são os fatos praticados pelos indivíduos e não estes propriamente ditos.54
Ambas as correntes doutrinárias merecem ser respeitadas,
entretanto, data vênia, a idéia de que a culpabilidade é característica do crime é a
mais concisa a respeito do assunto.
51 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, v 3,1999, P. 454 52 MAGGIO, Direito penal: parte geral, p. 77 53 MIRABETTE. Manual de direito penal. p.230 54 AZEVEDO, 1993, p. 65
19
Desta forma, torna-se crucial a precisa conclusão de David
Teixeira de Azevedo, onde afirma que não se pode acolher a concepção bipartida
do crime que refere ser este apenas um fato típico e antijurídico, simplificando em
demasia a culpabilidade e colocando-a como mero pressuposto da pena,
criticando assim, identicamente, a posição bipartida do crime.55
Assim a concepção do crime apenas como conduta típica e
antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente a teoria da pena,
desmonta lógica e essencialmente a idéia jurídico penal de delito além de trazer
sérios riscos ao Direito Penal de matiz democrático, porquanto todos os
elementos que constituem pressuposto da intervenção estatal na esfera da
liberdade- sustentação de um Direito Penal minimalista- são diminuídos de modo
a conferir-se destaque à categoria da culpa, elevada agora a pressuposto único
da intervenção. Abre-se perigoso flanco à concepção da culpabilidade pela
conduta de vida, pelo caráter, numa avaliação tão-só subjetiva do fenômeno
criminal.
Daí a afirmação de Leal ao dizer que embora alguns
doutrinadores entendam que a culpabilidade não é elemento do crime e sim
pressuposto da pena, prevalece o entendimento tripartite.
Concluída esta primeira etapa da pesquisa cumpre definir
em sua segunda parte a organização criminosa, principalmente no que concerne
a sua estrutura organizacional.
55AZEVEDO, 1993, p. 66
NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO
Tratar-se-á neste capitulo, em breves considerações, das
origens do crime organizado, destacando suas primeiras associações até a
chegada das máfias, que se espalharam pelos mais variados recantos da terra.
Procurar-se-á também, conceituar o que seja crime
organizado, apesar das dificuldades apontadas pela doutrina e pela jurisprudência
para se alcançar tal conceito.
2.1 ORIGENS HISTÓRICAS
Inobstante, deve-se relatar que o crime em larga escala não
é um fenômeno recente, haja vista que de acordo com relatos que nos chegam ao
conhecimento pela doutrina penal, pode-se verificar que as grandes quadrilhas
que atuavam na França a séculos atrás atestam isso.
Ademais, durante o reinado de Luiz XV, Louis Mandrin, Rei
dos contrabandistas, comandou centenas de homens onde estes tinham como
objetivo infernizar a vida dos guardas aduaneiros.56
Consoante, deve-se ressaltar os piratas do século XVII e
XVIII que apresentavam uma organização devidamente estruturada. Acontece
que estes grupos eram constituídos em torno de uma liderança, que, com a morte
ou retirada de seu líder, acabava se disseminando ou desaparecendo de cena.
Verifica-se assim, que nos tempos mais remotos o que se
56 MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 47
21
tinha de conhecido eram os piratas e os corsários muitas vezes aliados a própria
realeza, promoviam saques e invasões a navios e cidades pilhando–as e
repartindo ao depois os bens espoliados, com a própria nobreza ou realeza .
Mingardi, nos dá a conhecer que :
O caso mais conhecido é dos corsários que Elizabeth I usou em sua guerra com a Espanha, cujos nomes mais conhecidos são Hawkins e Drake. Esses corsários recebiam o aval do Estado para atacar navios e possessões espanholas,e repartiam o butim com os cofres reais. 57
No século XVII, esse tipo de ligação citado acima, caiu em
desuso, haja vista que o lucro da pirataria passou para as mãos de altos
funcionários das administrações coloniais.
“Foi no começo do século XX que a racionalização presente
nas atividades econômicas lícitas começaram a ser empregadas nas atividades
ilícitas “58, propiciando novas estruturas as organizações criminosas que passaram
a se estruturar de forma igual as empresas regulares e oficiais.
2.2 NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO
Diante da evolução dos conflitos sociais verifica-se que a
criminalidade vem assumindo um contorno cada vez mais diverso daquele
apresentado no passado, propiciando o surgimento das organizações criminosas,
tais como as máfias a nível mundial e o Comando Vermelho e o Primeiro
Comando da Capital, a nível nacional.
Fruto da intensa atividade criminosa desenvolvida nas
57 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 48 58 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 49
22
periferias das grandes cidades foram tomando corpo e se estruturando como
verdadeiras empresas, que no âmbito do Direito penal passariam a serem
chamadas de organizações criminosas, cujo conceito apresenta dificuldades
estruturais de conceituação.
Assim, uma das melhores e das mais recentes definições é
de autoria da Pennssylvania Crime Comission que nos diz que:
Crime Organizado é a ilegítima atividade de uma organização traficando bens ou serviços ilegais, incluindo, mas não se limitando, ao jogo, prostituição, agiotagem, substâncias controladas, extorsão, ou outra atividade ilegítima contínua, ou outra prática ilegal que tenha o objetivo de grandes ganhos econômicos através de práticas fraudulentas ou coercitivas ou influência imprópria no governo.59
Já o Federal Bureau of Invetigations traz uma definição mais
prática e ao mesmo tempo mais completa:
Crime Organizado: Qualquer grupo que tenha de alguma forma uma estrutura formalizada e cujo objetivo primário seja obter lucros através de atividades ilegais. Tais grupos mantém suas posições através do uso da violência, ou ameaça de violência, corrupção de funcionários públicos, suborno ou extorsão e geralmente tem um impacto significativo na população local, da região ou país como um todo. Um grupo criminoso resume esta definição – La Cosa Nostra.60
Cumpre, todavia, salientar que a definição do FBI tem
algumas vantagens nítidas , sendo que menciona a estrutura formal, o impacto na
população definindo através da Máfia.
Resta, por fim, dizer que o crime organizado é como
qualquer outro grupo que tenha uma estrutura organizada formalizada cujo
objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais. 59 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 42 60 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 43
23
Consoante se enumera as características do crime
organizado.
2.2.1Características do crime organizado
No que tange às características das organizações
criminosas, vale ressaltar que também se encontram divergências, as quais
mostram-se:
A Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil aponta 10
características principais: planejamento empresarial, antijuridicidade,
diversificação de áreas de atuação, estabilidade dos seus integrantes, cadeia de
comando, pluralidade de agentes, compartimentação, códigos de honra, controle
territorial e fins lucrativos.61
Já Mingardi enumera 15 características do crime organizado
que são: práticas de atividades ilícitas, atividade clandestina, hierarquia
organizacional, previsão de lucros, divisão de trabalho, uso da violência, simbiose
com o Estado, mercadorias ilícitas, planejamento empresarial, uso da intimidação,
vendas de serviços ilícitos, relações clientelistas, presença da lei do silêncio,
monopólio da violência e controle territorial.62
De fato todas as características mencionadas apresentam
relação com o crime organizado. A este respeito é oportuno destacar as mais
importantes, que são:
organização bastante rígida: seus membros procuram fazer
tudo da maneira mais organizada possível, buscando com isso o respeito;
61OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de
2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br. 62 OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de
2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br.
24
estrutura hierárquica: esta estrutura é permanente e estável,
uma vez que cada membro possui sua tarefa;
certeza de impunidade: acreditam que a Lei jamais os
alcançará, vez que procuram sempre estar ligados a pessoas “funcionários
públicos” ;
vítimas difusas: suas vítimas são dificilmente
individualizadas;
pouca visibilidade dos danos causados: seus danos são de
pouca visualização, pois estas organizações causam danos a nação e não
somente a uma pessoa;
modus operandi: utiliza-se de profissionais qualificados,
onde transformam atividades ilícitas em lícitas, além de contribuir para a difícil
capturação dessas organizações;
transnacionalidade: significa a expansão para vários países,
deixando de atuar somente no seu, desta forma delimita o Estado pelo fato de
este encontrar-se limitado pela territorialidade de seus limites geográficos;
meios tecnológicos avançados: como detém imenso capital,
utiliza-se de meios tecnológicos mais avançados, ou seja o que há de mais novo
no mercado;
conexões com o poder público: trabalham simultaneamente
com órgãos do poder público favorecendo a troca de favores, o oferecimento de
vantagens, sem deixar pistas, estes podem fazer parte integrante direta ou
indiretamente, como se favorecer da benesse, conivências e coberturas que estas
podem oferecer ;
violência: utilizam-se de todos os meios necessários para
conseguir atingir seus objetivos, sendo que a violência é um destes, utilizando-se
da chantagem, seqüestro entre outros;
25
Sendo assim, vislumbra-se que inúmeras são as
características, uma vez que se constituem em verdadeiras empresas de alcance
transnacional de poder centralizado e firme cujo método de controle é a violência.
Assim, paralelamente as características acima expostas, não
se pode deixar de relatar os tipos penais e contravencionais praticados por estas
organizações criminosas.
2.2.2 Tipos penais praticados pelas organizações criminosas
Os tipos penais praticados pelas organizações criminosas,
mais comuns em termos de Brasil, são:
Tráfico de drogas;
Furto e roubo de veículos;
Roubo de cargas;
O jogo do bicho;
Lavagem de dinheiro e fraudes;
Falsificação de remédios;
Contrabando;
Corrupção;
Sonegação fiscal e crimes contra a ordem tributária;
Roubos em bancos;
Seqüestros;
Grupos de extermínio;
26
Em suma, deve-se levar em conta que o crime organizado é
um fenômeno social e gerador de atividades ilícitas, haja vista que se evidencia
através das condutas deletivas amplamente conhecidas e difundidas pelos
organismos vinculados aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além das
instituições internacionais “ONU”.
Sznick menciona:
A verdade é que a criminalidade organizada se apresenta cada vez mais organizada, mais rica, prepotente, avassaladora e violenta, com ramificações amplas até no Estado, formando muitas delas verdadeiras redes.63
As organizações criminosas buscam apoio para sua atuação
no âmbito institucional, instituições do Estado, sendo assim, estas organizações
precisam de agentes estatais para ser lucrativa e ter uma vida durável.
Na verdade essas organizações necessitam para sua
sobrevivência de uma aproximação com o Estado. Seus chefes não têm o menor
escrúpulo em dizer: ”Não preciso mais de pistoleiros. Agora quero deputados e
senadores” 64
Por conta do fato acima aduzido, esses agentes do Estado
perdem a sua transparência e passam a funcionar de acordo com os interesses
dos chefões do crime organizado.
Em outras palavras Gomes aduz:
“O crime organizado é a película cinzenta do Estado.”
Neste sentido, vislumbra-se que há muito tempo o crime
organizado vem ocupando o espaço do Estado, sendo que em muitos lugares
emprega mais que o poder público, concede muito mais proteção e dá aos jovens 63 SZNICK, Valdir. Crime organizado comentários. São Paulo: Livraria e Editora Universidade
de Direito Ltda, 1997, p. 16. 64 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 66
27
mais oportunidade de ganhos oficiais.
Desta forma, pode-se constatar que em muitas vezes tende
a se arrogar o papel de árbitro e a exercer a pacificação que caberia ao Estado.
No tocante ao fato, não se pode deixar de mencionar que o
Estado, ou seja, o poder institucional e o econômico propiciaram ao crime
organizado a formar suas estruturas nos mesmos moldes dessas instituições.
Consoante a isso, vislumbra-se que as organizações criminosas embora se
assemelhem as organizações lícitas tem seus poderes classificados por
dimensões.
Assim, o crime organizado destaca-se por apresentar uma
atuação tanto regional, como nacional e/ou internacional e podem dominar tanto
uma parcela do mercado econômico como um território geograficamente
definido.65
Por atuarem de forma organizada e intimidatória, passaram
a receber a designação de máfias, cujo conceito é originário do direito penal
italiano.
2.3 MÁFIAS
Inicialmente a palavra máfia encontra-se prevista no artigo
416, do Código Penal Italiano e tem como significado gênero de comportar várias
espécies de organizações criminosas.
Amélia Crisantino, apud Guiseppe Pitré, menciona que a
palavra máfia era usada em alguns bairros italianos como sinônimo de audácia,
coragem e orgulho.
Desta forma se pode verificar que as máfias definem-se 65OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de
2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br.
28
como organizações que tem como objetivo o controle social imposto pela
corrupção e pela força.
No ano de 1838, na Itália, ocorre a primeira referência oficial
à palavra Máfia, mencionada com o significado de “irmandades” de criminosos.
Já no ano de 1863, neste mesmo país, utiliza-se o termo
mafioso, como atribuição dada aos membros de uma organização criminosa
representados em uma peça de teatro cujo nome era I Mafiusi di la Vicária.
Mas a nota de toque dessas organizações criminosas que
não se deve deixar de mencionar e que se constituem em sua característica
principal é a Lei do Silêncio e que a este respeito Mingardi expõe: “o silêncio
sobre um crime específico praticado por membros da organização é necessário,
mas silenciar sobre a própria organização também o é.”66
Essas organizações centenárias, de estrutura forte,
fechadas, de obediência irrestrita, que não medem conseqüências para seus atos,
atuam em todas as parte do mundo e por isso merecem especial destaque.
2.4 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS MUNDIAIS
2.4.1 As tríades chinesas
As tríades chinesas, destacam-se como as mais antigas
organizações criminosas do mundo e tem sua origem no ano de 1699, através de
um movimento popular para expulsar os invasores do império Ming na China.
Deve-se ressaltar que de acordo com dados relatados pelo
I.B.G.F. atuam de forma silenciosa e possuem várias facções divididas em células
menores, onde apresentam uma estrutura tradicional como: chefe, sub-chefe,
66 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 44
29
chefe de recrutamentos, sandálias de palha (vínculo de comunicação), mastro
vermelho (segurança), leque de papel branco (administração financeira), base
(soldados). 67
Surgida no século XVI, essas organizações exploram a
prostituição no mundo sendo que traficam mulheres do Sudeste Asiático, da
América do Sul e Leste Europeu para a Europa Ocidental. Além do mais atuam no
campo da imigração ilegal, tráfico de drogas, usura, jogo, apostas ilegais,
extorsões e lavagem de dinheiro.
Atente-se ainda para o fato de sua atuação no mundo, esta
tem como destaques: EUA, Canadá, Grã Bretanha, Myanmar, Malásia, Austrália,
Taiwan, Hong Kong e Filipinas.
2.4.2 Cosa Nostra Siciliana
Segundo Rinaldi, o termo máfia refere-se a organizações
criminais que operam na região da Sicília. 68
Segundo dados do IBGF, constata-se que a Cosa Nostra
Siciliana possui cerca de cinco mil membros e centenas de simpatizantes. Dentre
este todos os membros encontram-se divididos em graus: picciotto, uomo d’onore
(homem de honra), capodecina (líder de uma unidade de dez membros),
capomandamento (líder de vários decini), representante regional, representante
municipal, consigliere (conselheiro).
Além do mais não se pode deixar de ressaltar que esta
organização apresenta como atividades principais o tráfico internacional de
drogas e atividades financeiras de lavagem de dinheiro.
67 LAVORENTI, Wilson e SILVA, José Geraldo da. Crime organizado na atualidade. Campinas:
Boockseller, 2000. p. 29. 68 RINALDI, Stanislao. Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália. In:
Revista brasileira de ciências criminais, ano 6 n. 22, abril/junho 1998, p. 12
30
A Cosa Nostra Siciliana apresenta conexões internacionais
com:
Cosa Nostra dos EUA;
Cartéis colombianos;
Máfia Russa;
Famílias mafiosas na Alemanha, Bélgica, França, Espanha,
Grã Bretanha e Brasil;
Tríades chinesas;
Vínculos internos na Itália;
Sicília;
Conexões na Itália inteira e vínculos com a Camorra
’Ndtangheta e a Sacra Coroa Unita.
Lavorenti vislumbra:
“O tráfico de drogas tornou-se a atividade principal da Cosa Nostra, que atua como contadoria para acordos internacionais e rotas de tráfico. Atividades financeiras de lavagem de quantidades enormes de dinheiro, extorsões, e participação (por meio de chantagem) em obras públicas”.69
2.4.3 Cosa Nostra norte-americana
Possui cerca de três mil soldados, reunidos em vinte e cinco
famílias, presentes em vários Estados. Atualmente liderada por uma comissão
reunindo vinte e quatro famílias, onde vinte chefões encontram-se presos, junto
69 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 27
31
com 300 soldados de Nova York.
As famílias de Nova York detêm a maior influência e contam
com 5 famílias.
Conexões internacionais:
Cartéis colombianos;
Máfia siciliana;
Máfia russa;
Estados Unidos da América;70
O tráfico de drogas, tráfico de armas, prostituição, extorsões,
usura e jogos ilícitos são as principais atividades realizadas por essa organização.
2.4.4 Camorra – Ndrangheta – Sacra Coroa Unita
De acordo com informações extraídas do IBGF, a máfia
definida como Camorra possui cerca de 100 organizações e 6.700 membros. Já
‘Ndranheta conta com aproximadamente 144 organizações e 5.600 membros.
Enquanto que a Sacra Coroa Unita apresenta 17 grupos e mil membros.
Atividades como o tráfico de drogas, extorsões,
financiamentos ilícitos, contrabando de cigarros, loterias clandestinas,
participações em obras são desempenhadas pela Camorra.
‘Ndrangheta desenvolve praticamente seqüestros em vista
de resgates e extorsões, além do mais atualmente atua também no tráfico de
drogas.
70 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 27
32
No que tange a Sacra Coroa Unita destaca-se o
contrabando de cigarros, tráfico de drogas, extorsões, usura, jogos e fraudes
contra a Comunidade Européia.
2.4.5 Máfia Russa
Após a queda da União Soviética, alastrou-se uma enorme
crise, desta forma doutores em física, química, matemática, estrategistas
militares, médicos, entre outros profissionais qualificados, passaram a fazer parte
desta organização.
Como se vê esta máfia é a mais violenta de todas, uma vez
que seus membros são altamente qualificados.
Apresenta cerca de três milhões de membros, divididos
entre 5.700 bandos dentre os quais 200 possuem estruturas altamente
sofisticadas.
Apresenta um faturamento estimado em centenas de
milhões de dólares.
Acerca de suas principais atividades Lavorenti menciona:
Como atividades principais apresenta o tráfico de todos os tipos, matéria primas, armas do ex-Exército Vermelho, material nuclear, fraudes, prostituição, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, vendas de produtos falsificados no mercado negro.71
No que tange as suas conexões internacionais, destacam-
se:
Colônias estrangeiras e EUA;
Cartéis colombianos;
71 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 25
33
Máfia siciliana;
Ex-União Soviética;
2.4.6 Yakusa
A Yakusa japonesa destaca-se dentre as mais antigas
organizações, vez que surgiu nos tempos do Japão feudal, ou seja, seus
primeiros vestígios são do século XVII, mas só no século seguinte tomou a forma
que mantém.
Criou-se a partir de dois grupos distintos: o dos jogadores,
Bakuto, e dos vendedores ambulantes, Tekiya, tem como base a relação oyabun-
kobun, o qual significa mestre-discípulo, ou mesmo pai-filho
O nome Yakusa significa:
[...] deriva do pior resultado possível no jogo de cartas hanafuda (cartas de flores). Essas cartas são dadas por jogadores e o último dígito de seu total conta como o número da mão. Por conseguinte, com mão 20 – o pior resultado – total do jogador é zero. Entre as combinações que pedem, a seqüência 8-9-3 forma 20 ou, em japonês, ya-ku-as.”72
Apresenta uma estrutura de forma bem tradicional, cerca de
60 mil membros e 25 mil associados.
Mormente podemos verificar conforme um relatório do
Departamento Nacional de Polícia do Japão publicado na década de 80, onde
mencionava de 42% dos yakusas não apresentavam uma parte do dedo mínimo e
que cerca de 75% tinham alguma tatuagem no corpo.
Desta forma podemos destacar a enorme fidelidade destes
membros, uma vez que, diga-se de passagem, era o mandamento fundamental
72 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 57
34
em seu universo.
Antigamente tinha como principal atividade a cobrança de
uma taxa de proteção aos comerciantes, agora compra participações em
empresas, desenvolvendo assim a chantagem e a ameaça aos executivos.
Sua área de atuação não se restringe somente ao Japão e
sim, realiza negócios com qualquer outro país que exista colônia japonesa.
Destaca-se Ásia, Tailândia, Hong Kong e Taiwan.73
Não podemos deixar de mencionar sua ligação com outras
máfias: EUA, Colômbia, Alemanha, Rússia, China, Coréia do Sul.
Jogo, extorsão, prostituição, tráfico de entorpecentes e o
controle de camelôs são suas principais atividades.
2.4.7 Cartéis mexicanos
Constata-se ultimamente que o México, vem sendo utilizado
como um corredor de passagem de drogas pesadas colombianas, cerca de 70%
do que chega nos EUA.
Apresentam quatro cartéis, os quais passo a mencionar:
Cartel Tijuana: tem sua sede na cidade de Tijuana, destaca-
se como a mais violenta entre os cartéis mexicanos. Arellano-Felix Benjamin,
Francisco e Ramon são seus comandantes.
Cartel Sonora: atua em todo território entre Hermosillo e
Culiacan, Miguel Caro Quintero é seu comandante.
Cartel Juarez: encontra-se ligado aos cartéis colombianos, 73 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 58
35
Amado Carillo Fuentes, maior traficante do México, sua droga é transportada por
hidro-aviões.
Grupo do Golfo: atua em Matamoros, Juan Garcia Abrego,
seu chefe, seu grupo é responsável pela entrada de droga em Michingan, New
Jersey e New York.
2.4.8 Cartéis colombianos
A Colômbia tornou-se uma potência mundial da droga
quando se integrou à Cosa Nostra siciliana.
Segundo Betancourt, existem cinco focos iniciais da máfia
Colombiana, que são:
a) Núcleo da Costa: especializado no contrabando de
cigarros, bebidas e eletrodomésticos. Na década de 70, a maconha era o grande
produto da região, tanto para o cultivo como para a exportação.
b) Núcleo de Antioquia ou Cartel de Medellín: tráfico de
maconha, refino e tráfico de cocaína eram suas principais atividades desde os
anos 70.Pablo Emílio Scobar Gavíria foi seu protótipo.
c) Núcleo Valluno ou Cartel de Cali: refino e trafico de
cocaína; constituído por indivíduos das classes média ou alta, seus fundadores
foram os irmãos Rodriguez Orejuela (banqueiros).
d) Núcleo Central: líder José Rodrigez Gacha , conhecido
como “El Mexicano”, formado a partir dos exploradores e capangas das minas de
esmeraldas.
e) Núcleo Oriental: menos conhecido dos cinco,
especializou-se em investimentos na construção civil e no comércio.
36
Consoante se deve lembrar que a partir da década de 70 é
que a cocaína expande-se aos mercados consumidores dos EUA e da Europa.
Sendo assim, os cartéis colombianos desde o início tinham a
droga como sua atividade, primeiramente era a maconha, mais tarde a cocaína e
atualmente a heroína.
Desta forma destacam-se como sendo o segundo maior
produtor de heroína do mundo.
Lavorenti aduz:
os cartéis colombianos representam um caso único entre as organizações criminosas, por ter como atividade desde o começo sempre e somente as drogas, primeiro a marijuana, e mais tarde,a cocaína. Os cartéis administram todo o ciclo, desde a produção até a distribuição no mundo inteiro.74
Diga-se de passagem que os cartéis colombianos ficaram
conhecidos mundialmente depois que quase desencadearam a guerra civil.
Sendo que na verdade três guerras. A primeira entre traficantes e o sistema legal;
a segunda entre traficantes e latifundiários da esquerda que desejava a reforma
agrária e a terceira entre o Cartel de Medellín e a elite tradicional.
Integrada por centenas de membros, controlada por chefões
de várias famílias, todos reunidos em cartéis, sendo que se pode destacar
Medellín e Cali como os mais importantes.
Cosa Nostra norte-americana, Cartéis colombianos, Máfia
siciliana, Tríades chinesas, Yakusa japonesa e Colombia, são suas principais
conxões internacionais.75
Como afirma Fernandes,cabe observar:
74 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 26 75 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 26
37
(...) não se prende exclusivamente ao desenvolvimento econômico ou a certos estágios de desenvolvimento. A prova inconteste dessa conclusão reside em que a máfia italiana, oriunda de uma nova região pobre como a Sicília, ao transportar-se para os Estados Unidos, cresceu e sofisticou-se até atingir um sistema criminoso altamente refinado. Depreende-se disso que não é o grau de desenvolvimento econômico que condiciona o crime organizado e tampouco fatores socioeconômicos, como a pobreza o desemprego etc. A correlação que existe entre a economia e crimes é que determinados sistemas econômicos são mais propícios à eclosão de certas formas de criminalidade do que outros.76
Não se pode deixar de mencionar que grande parte do
dinheiro que circula no sistema financeiro mundial está na mão das máfias, diante
disso, Arbx Jr & Tognoli afirma “Podemos afirmar com tranqüilidade que, se todas
as máfias fossem subitamente destruídas, isso causaria uma catástrofe no
mercado de valores mundial”.77
Diante do estudo feito acerca da máfia se pode tirar algumas
lições significativas, destacando que as organizações mafiosas podem tomar
várias formas, sendo que algumas mais violentas, outras menos, umas
confrontam o Estado, outras se compõem com ele, tendo sempre em mente que
embora apresentem inúmeras semelhanças, não existe um modelo o qual deve
ser seguindo, pois cada qual tem suas características.
2.5 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Notadamente pode-se relatar que o Cangaço78, foi o grande
76 SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes praticados por organizações criminosas
inovações da lei 9.034/95. Revista dos Tribunais 716, junho de 1995, São Paulo 77 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 34. 78 A palavra se origina de canga, o conjunto de arreios que amarram o boi ao carro. Segundo
Antonio Carlos Olivieiri, é provável que esse nome tenha surgido porque os bandoleiros usavam as espingardas a tiracolo ou com as correias cruzadas no peito, lembrando a canga do boi (Olivieri, Antonio Carlos. O cangaço. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1997, in SILVA, E. A op. cit. p. 25).
38
antecedente da criminalidade organizada em nosso país, teve sua origem no fim
do século XIX e início do século XX, no sertão nordestino, tendo como objetivo a
própria colonização da região pelos portugueses.
Os cangaceiros, como eram conhecidos seus integrantes,
tinham como chefe Lampião 79 , figura lendária de Virgulino Ferreira da Silva.
Atuavam em várias frentes ao mesmo tempo, devido sua boa relação com
políticos e fazendeiros, dedicavam-se a saquear vilas, fazendas e pequenas
cidades.
A outra semente das organizações criminosas brasileiras,
surge da necessidade de se proteger os animais do jardim zoológico no Rio de
Janeiro, dando origem ao que hoje conhecemos como jogo do bicho.
Segundo dados históricos, Barão de Drumond foi quem deu
origem a primeira contravenção “jogo do bicho” no Brasil, vez que tinha como
objetivo arrecadar fundos para salvar os animais do jardim zoológico do Rio de
Janeiro.80
Diante disto, cariocas passaram a monopolizar o jogo a
partir da corrupção de policiais e políticos. Vale mencionar que na década de 80,
os adeptos a estas contravenções movimentavam cerca de U$ 500.00
79Nascido em 7 de julho de 1897, em Vila Bela (atual Serra Talhada), no sertão de Pernambuco,
Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos ingressaram no bando do mais famoso cangaceiro da época, Sinhô Pereira, por volta de 1920, após sua família vender sua propriedade, em razão de pressões de coronéis. Em 1922, assumiu a liderança do bando, iniciando uma série de ataques a vilas e cidades localizadas nos sertões dos Estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe, conquistando, entretanto, a fama de homem generoso e amigo dos pobres, nos quais promovia festas e distribuía presentes e dinheiro. Em 1929, refugiou-se em Sergipe, onde contava com a proteção de poderosos chefes políticos, entre os quais, Eronildes Carvalho, capitão-médico do exército que, com a revolução de 1930, chegou a ser interventor federal desse estado. Graças à ajuda voluntária de um coiteiro (cidadãos indefesos, que abrigavam os cangaceiros com medo de represálias) e com a colaboração forçada de outro, foi localizado às margens do rio São Francisco, nu ma fazenda chamada Angicos, Sergipe, onde foi morto por soldados de uma volante (grupo de policiais criado exclusivamente para o combate específico aos cangaceiros pelo sertão), comandada por José Lucena, em 28 de julho de 1938, com sua companheira Maria Déia Neném, conhecida como Maria Bonita, e mais nove integrantes de seu bando (Olivieri, Antonio Carlos. O cangaço. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1997, in SILVA, E. A op. cit. p. 25).
80 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 92.
39
(quinhentos mil dólares por dia), sendo que deste montante 4% à 10% era
destinado aos banqueiros.
Acerca da criminalidade organizada no Brasil Gomes ensina:
Brasil, possuidor da maior economia da América Latina, com uma sociedade marcada por extrema desigualdade social e um Estado emperrado pela burocracia, minado pela corrupção e pela deficiência administrativa, um negócio atraente para a expansão dos negócios e do poder do chamado crime organizado. 81
Desta forma se pode verificar que também no Brasil o crime
organizado infiltra-se, corrompendo todos os setores da economia de forma
rápida e progressiva.
O Brasil segundo a visão de alguns se classifica como:
“a) é refúgio ideal para mafiosos de alto nível;
b) interessante praça de lavagem de dinheiro;
c) é caminho para o tráfico de drogas;
concentra 17% das contas bancárias dos narcotraficantes;
é o principal produtor e fornecedor de matérias químicas
para os laboratórios clandestinos;”82
Às vezes duvida-se da existência das organizações
criminosas em solo brasileiro, talvez por não existir prova direta de sua existência
ou por que essas gozam de informações privilegiadas, dificultando ainda mais de
serem detectadas.
No entanto a realidade nacional tem demonstrado que ele
81 SANTOS, J. C. op. cit. p. 20-1. 82RINALDI. Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália. p. 13
40
existe e em alguns lugares em oposição ao Estado e noutro ocupando o seu
próprio espaço em face da omissão e do abandono a que foram relegadas
significativas parcelas da população brasileira.
Por outro lado verifica-se, que embora a organização
criminosa, por vezes, se oponha ao Estado e com ele confronta para ocupar seus
espaços, não pode ela sobreviver sem a existência deste.
Neste sentido Rodrigues, aduz:
E o interessante de tudo isso é que o crime organizado, que mantém uma relação de amor e ódio com o Estado, retira deste as condições necessárias para a sua sobrevivência. Sem o Estado o CO simplesmente fenece. È uma relação simbólica e paradoxal, onde o hospede combate o hospedeiro, porém precisa deste para sobreviver.83
Extrai-se do estudo ora feito que o crime organizado, quer
no Brasil, quer em outras partes do mundo, sobrevive graças as mazelas oriundas
do próprio Estado que não cumpre com parte significativa de sua finalidade.
Isto posto, verificar-se-á a legislação penal vigente no direito
brasileiro para combater tais organizações, mormente a sua eficácia.
83 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da Lei 6.368/76. Campinas:
Boockseller, 2001, p. 337
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA EM FACE DO CRIME ORGANIZADO
Neste capítulo, analisar-se-á os principais aspectos da
legislação nacional em face do crime organizado. As deficiências normativas e as
possíveis inconstitucionalidades dos diplomas legais.
Em síntese, com o estudo da Lei 9.034 e seus termos, será
possível observar qual sua aplicação e qual os resultados práticos daí advindos,
para então, traçarmos comentários finais sobre a conveniência ou não do modelo
político-criminal adotado pelo Brasil.
3.1 BANDO OU QUADRILHA
A expressão quadrilha ou bando equivale a um termo
jurídico-penal específico e bem delimitado, capitulado no art. 288 do Código
Penal, onde, refere-se à associação como união de pessoas, de forma estável e
permanente, com objetivos em comum à prática de delitos. Já a Constituição
Federal de 1988 garante a todos a possibilidade de se associarem, desde que
não seja para fins ilícitos, como é o caso referido no artigo em discussão.84
O artigo 288 do Código Penal Comentado preceitua:
Art. 288. Associar-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão de um a três anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.85
Esse delito exige para sua configuração, um mínimo de
quatro agentes ativos, em concurso necessário, o que desde logo excluiria a
aplicação às organizações criminosas de dois ou três integrantes, o que é
84 JESUS, Direito penal , p. 413 85 DALMANTO, Código penal comentado, p 568
42
perfeitamente possível em razão dos avanços tecnológicos atuais.
Consoante ao fato acima exposto, extrai-se da
jurisprudência:
Para a caracterização do crime de quadrilha ou bando previsto no artigo 288 do CP, exige a lei que da empreitada criminosa participem mais de três pessoas, resultando o número mínimo de quatro, que não se perfaz com a simples co-participação, pois é necessária a associação permanente com finalidade estabelecida para o cometimento de crimes”(RT764/562) TJSP.86
Destarte salientar que mesmo com a absolvição de um dos
agentes ou do não conhecimento da autoria de um dos criminosos, havendo
prova, irá ser caracterizada a associação de mais de três pessoas.87
O delito de bando e quadrilha também se caracteriza por ser
um crime permanente, isto é, se prolonga no tempo, não admitindo a tentativa,
pois sua consumação se dá com a simples associação de mais de três pessoas
com o fim de praticar crimes.
Soa do parágrafo único do mesmo dispositivo legal uma
circunstância de aumento de pena, aplicando-se em dobro a pena no caso de
bando ou quadrilha serem armados. O motivo deste aumento é a maior
periculosidade e temibilidade que o emprego de uma arma cause por seus
componentes. Para a doutrina não é necessário que todos integrantes estejam
armados, o que importa é que o bando ou quadrilha demonstre maior
periculosidade graças ao emprego da arma.88
Ademais, a jurisprudência pátria exige, para a configuração
deste delito, o requisito da estabilidade, o que pode levar em muitos casos à
exclusão da aplicação da lei aos bandos em relação aos quais não se consiga o
86 MIRABETE, Manual de direito penal, 2004, p. 2128 87 JESUS, Direito penal, p. 414 88 JESUS, Direito penal, p. 416
43
enquadramento rígido e formalista dos nossos tribunais.89
Conceituado o que seja o crime de bando ou quadrilha
previsto na legislação brasileira, passa-se a analisar a Lei 9.034/95, criada para
combater as organizações criminosas e aferir, no âmbito doutrinário sua eficácia,
principalmente, no que concerne a problemática conceitual, a delação premiada,
ao instituto da infiltração policial nestas organizações e a ação controlada por
policiais, modificações que foram introduzidas pela Lei 10.217/01.
3.2 A LEI 9.034/95 E SUBSEQÜENTES ALTERAÇÕES:
A fim de se combater o crime organizado no Brasil, foi
editado a Lei 9.034/95 que veio com a pretensão de solucionar ou ao menos
enfraquecer o crime organizado em nosso país.
Diante do fato, passa-se a demonstrar algumas deficiências
normativas apresentadas por esta lei.
Inicia-se esta análise por seu artigo 1º que menciona:
Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crimes resultantes de quadrilha ou bando ou organizações ou associações de qualquer tipo.90
Conforme exposto acima, no seu primeiro artigo, nota-se um
grande pecado desta legislação, que é a indefinição de seus termos. Conforme se
pode perceber, esta não define o que é o crime organizado, e tampouco as
organizações criminosas.
89 NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. A lei da “caixa preta”. São Paulo : Revista dos
tribunais, vol. 720, out/95, p. 574. 90 Lei 9034/95. Acessado em 22 de agosto de 2006, disponível em www.planalto.gov.br
44
Denota-se que, o projeto inicial tentou tipificar o crime
organizado e as organizações criminosas, entretanto, o fez de maneira
extremamente abstrata e de inominável amplitude. Como a Lei 9.034/95
pretendeu dispor sobre a utilização e repressão das ações praticadas por
organizações criminosas, mas não a definiu. 91
Gomes e Cervini chegaram a elaborar um esboço de projeto
de lei, daquilo que nas suas visões deveria ter preceituado a lei 9.034/95, como
organização criminosa92.
A organização criminosa seria definida em lei como toda a associação ilícita que reunisse ao menos três das seguintes características: previsão de acumulação de riqueza indevida; hierarquia estrutural; planejamento empresarial; uso de meios tecnológicos sofisticados; recrutamento de pessoas; divisão funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público, ou com agentes do poder público; ampla oferta de prestações sociais; divisão territorial das atividades ilícitas; alto poder de intimidação; real capacidade para fraude difusa; conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.93
Mesmo assim. para estes autores, a Lei 9.034/95 apesar de
não corretamente, acabou dando um mínimo de definição.
91 CASTANHEIRA, Beatriz Rizo. Organizações criminosas no direito penal brasileiro: o estado de
prevenção e o princípio da legalidade estrita. Revista brasileira de ciências criminais. Ano 6. n. 24 out./dez. 1998, p. 111.
92 Art. 1º O art. 288 e seu parágrafo único do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a ter a seguinte redação:ASSOCIAÇÃO ILÍCITA ‘Art. 288. Associarem-se duas ou mais pessoas, de modo estável e permanente, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de um (1) a três (3) anos. ASSOCIAÇÃO ARMADA § 1º A pena aplica-se em dobro, se a associação ilícita é armada. ASSOCIAÇÃO ORGANIZADA§ 2º Se a associação ilícita é organizada: Pena – reclusão, de três (3) a seis (6) anos. § 3º Considera-se organizada a associação ilícita quando presentes no mínimo três das seguintes características: I – hierarquia estrutural; II – planejamento empresarial; III – uso de meios tecnológicos avançados; IV – recrutamento de pessoas; V – divisão funcional das atividades; VI – conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com o agente do poder público; VII – oferta de prestações sociais; VIII – divisão territorial das atividades ilícitas; IX – alto poder de intimidação; X – alta capacitação para a prática de fraude; XI – conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.” (GOMES, L. F; CERVINI, R. op. cit., p. 99-100).
93 BORGES, Paulo César Corrêa. O crime organizado. São Paulo : Unesp, 2002, p 20.
45
Já para Beatriz Riso Castanheira, tal posição é errônea ao
afirmar que:
A figura típica, crime organizado, cuja existência e validade sustentam é tão vaga que ao contrário do que entendem, o juízo de complementação pelo magistrado seria verdadeira criação normativa. 94 E desta forma colocaria o julgador na função de legislador, o que parece ser inconcessível.
Desta forma, pode se perceber que a Lei 9.034/95 ao invés
de trazer um conceito adequado de crime organizado, que atingisse um certo
consenso na doutrina penal, preferiu a não conceituação e em função disto é alvo
de contundentes críticas, em face da imprecisão conceitual adotada.
O legislador, em razão das críticas ao diploma legal em
apresso e verificando a necessidade de modificações nesta Lei edita um novo
diploma, de procura resolve estas questões controvertidas, acrescentando outros
institutos modificativos para torná-la mais eficiente.
3.3 A LEI 10.217/01
A Lei 10.217 de 11 de abril de 2001, veio a incluir no
primeiro artigo do diploma legal que modifica, organizações e associações
criminosas de qualquer tipo, porém não especificou o que seriam tais
organizações, é verdade, mas ampliou o restritivo conceito de quadrilha ou bando
já verificado.
Teria evitado, a referida lei, certos embaraços se tivesse
especificado o tipo de quadrilha que entende caracterizar por organização
criminosa, fazendo menção àquela de tipo mafioso, enumerando também os
delitos que entende serem praticados por organizações criminosas e não por
94 CASTANHEIRA. Organizações criminosas no direito penal brasileiro: o estado de
prevenção e o princípio da legalidade estrita, p. 114
46
quadrilhas comuns.
Nesse sentido, o código penal italiano, tipificou a associação
do tipo mafioso, como:
uma associação mafiosa é aquela que tem como características: a intimidação; a sujeição à hierarquia e à lei do silêncio, tendo por finalidade a obtenção, de modo direito ou indireto, da gestão do controle de atividade econômica; a concessão, autorização, empreitada de serviço público; o impedimento do livre exercício de voto.95
Quanto às alterações promovidas pela Lei 10.217/01,
Gomes, entende que sua introdução ocasionou a perda de eficácia de vários
dispositivos legais da Lei 9.034/95, dentre eles os arts. 2.º, II, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 10.
Isso porque, para o citado doutrinador, a lei anterior que só valia para crimes
resultantes de organizações criminosas que, não se confundiam com a quadrilha
ou bando do art. 288, passa agora a ter três conteúdos diversos: organização
criminosa (sem tipificação no ordenamento nacional), quadrilha ou bando (art. 288
CP) e associação criminosa (ex: lei de tóxicos, art. 14).96
Em relação à indefinição do que seja organização criminosa,
uma vez que não existe em nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico sua
definição, entende o referido autor que:
Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que,
95 BORGES. O crime organizado, p 22. 96 Lei 10.217 de 10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei
9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.) 96 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de
10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de 10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)
47
nesse ponto, a Lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade). Se as leis do crime organizado no Brasil que existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. 97
A conclusão chegada com esses apontamentos é de que,
embora a ciência criminal já tenha definido vários fatores que possam servir de
identificação das organizações criminosas, o juiz não pode substituir o legislador,
cabendo apenas a lei definir o que se deve entender por crime organizado “a não
ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa do legislador e diga do que se
trata. Mas até onde vão os limites da Constituição vigente, não se vislumbra a
mínima possibilidade de qualquer Juiz desempenhar esse anômalo papel”.98
Vê-se assim, a dificuldade em que se colocou a legislação
pátria de combate ao crime organizado, uma vez que seus criadores, usaram de
uma técnica legislativa merecedora, sem dúvida, de reparos. Nos parece claro
que, o espírito da lei, sabedora da dificuldade de se conceituar as organizações
criminosas, bem como, preocupada com o alto poder de mutabilidade de tais
associações, foi criar um conceito que acompanhasse o limiar dos tempos,
deixando em aberto sua possível definição a cargo do julgador que poderia
conceituar a organização criminosa no seu tempo e da sua forma. Contudo,
vimos que tal procedimento não é dos mais apropriados frente à Constituição da
República, e é assim considerado por muitos e conceituados doutrinadores,
inconstitucional.
É preciso que a lei defina o quanto antes o que são as 97 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de
10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)
98 GOMES, Luiz Flávio. Juiz já não pode investigar o crime organizado. Acessado em 28 de agosto de 2006, disponível em www.iunet.com.br,
48
associações atingidas pela lei de combate ao crime organizado, a fim de se evitar
que os destinatários dessa norma utilizem-se da imprecisão dos seus termos para
escapar da persecução penal, fazendo com que a lei criada para combater tais
condutas lesivas, sirva-lhes de proteção, causando uma inversão de valores da
mais alta periculosidade para a sociedade moderna.
3.4FORMAS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
3.4.1 Delação Premiada
A delação no ordenamento jurídico brasileiro não é
exclusividade da lei de combate ao crime organizado. Está presente também na
lei de proteção aos réus colaboradores – Lei 9.807/99 – na Lei de combate a
lavagem de dinheiro – 9.613/98- e na Lei dos crimes hediondos – 8.072/90, a
qual primeiro apresentou o instituto no país.
Em síntese, a delação embora com os problemas descritos é
um instituto que não pode ter sua importância desconsiderada pelo mundo
jurídico. É um dos meios mais utilizados para se enfrentar a criminalidade
organizada. Mas, é preciso que nos cerquemos dos cuidados necessários. 99
Esta é de suma importância para o direito penal moderno,
mas não pode subjugar as liberdades individuais, tampouco pode ser usada a
todo o momento e em qualquer delito, sob pena de se configurar em uma
verdadeira “roleta russa”, onde os acusados, que não são criminosos e nem
condenados, possam ser atingidos e ter sua vida marcada.
O artigo 6º da Lei nos trás:
Art. 6º Nos crimes praticados por organizações criminosas a
99 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei 10.217 de
11.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br,
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pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.
Em relação a esse dispositivo legal, a primeira vista já se
observa que delega grande discricionariedade ao julgador, uma vez que
estabelece a redução de um a dois terços a quem o juiz considere haver
colaborado, espontaneamente, ao esclarecimento de infrações penais.100
A lei exige que não basta a espontaneidade da colaboração,
é necessário também que se traga nomes e condutas criminosas, ainda que
desconhecidas da polícia e do Ministério Público. O momento processual em que
é prestada a delação torna-se de suma importância, uma vez que quanto mais
próxima da sentença final, menos util se revelerá. 101
Cabe frisar ainda que:
o prêmio ao delator deve ser dado antes do encerramento do processo, onde as partes, inclusive o Ministério Público, opinarão a respeito do grau de esclarecimento proporcionado pela delação, concordando ou não com o benefício e em que proporção.102
Contudo, a lei não descreve nem exige um momento
oportuno para o arrependimento e a conseqüente delação do criminoso, embora,
imagina-se um certo embaraço, se, por exemplo, após o trânsito em julgado de
um crime, já estando na fase de execução resolve o delator se manifestar.
O maior problema da delação, entretanto, não nos parece residir no seu momento processual ou sua aplicação, mas sim seu grau de confiabilidade. A delação premiada assenta-se na traição, e como tal requer muita cautela, porque pode haver incriminação puramente vingativa. A delação é fruto do direito excepcional
100 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais.
São Paulo : Juarez de Oliveira, 2002, p. 58. 101 MENDRONI, Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 58. MENDRONI,
Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 59. 102 MENDRONI, Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 58. MENDRONI,
Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 59.
50
italiano de combate as organizações criminosas, que acabou incorporando-se ao direito comum, numa inversão de valores onde os fins, no caso a identificação criminal, subjugam os meios.103 104
Torna-se assim, por demais temerosa a aplicação da
delação premiada, a qual exige inúmeros cuidados para que não se cometam
injustiças, a delação não deve ser tomada isoladamente, é necessário que se
encontre correlata ao contexto probatório apurado em cada caso concreto. É
preciso, também, que se adotem sanções rigorosas para as delações mentirosas,
para se evitarem danos à imagem pública de inocentes.105
O entendimento dos Tribunais brasileiros é de que a delação
se tomada em conjunto com os demais elementos coligidos dos autos é
admissível:
PROVA - DELAÇÃO - VALIDADE. Mostra-se fundamentado o provimento judicial quando há referência a depoimentos que respaldam delação de co-réus. Se de um lado a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas" 106
103 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico
(lei 9.034/95) e político-criminal. 2ª edição, revisada e atualizada, São Paulo : Revista dos Tribunais Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1997, p.111.
103 STF, HC n. 75.226/MS, rel. Min. Marco Aurelio, DJU 19.9.97, p. 45528)., 1997, p. 164. 104 No direito inglês, até meados do ano 1700 era excluído radicalmente o valor probatório das
declarações do co-réu delator (accomplice evidence). A partir do julgamento do caso Rer x Atwood and Robbins, ocorrido no ano de 1778, passou a prevalecer uma orientação menos rigorosa, no sentido de que uma condenação fundada em delação do co-réu era perfeitamente legítima, pois a valoração da prova era reservada ao júri; todavia, era dever do juiz alertar os jurados sobre o caráter suspeito da prova e os riscos de uma condenação amparada nas palavras do co-réu sem apoio em outras provas. Com o julgamento do caso Davies x D.P.P, no ano de 1954, a rule of practice se transformou em rule of law, impondo aos juízes o dever de orientar os jurados sobre a conveniência da confirmação da delação, a qual, entretanto permanece na esfera de discricionaridade dos jurados, que podem condenar com base apenas nas palavras do co-réu. (ENNIO, Amodio, in SILVA, E. A. op. cit., p. 149).
105 MAIA, Rodolfo Tigre. O estado desorganizado contra o crime organizado: anotações a lei federal n. 9.034/95 (organizações criminosas). Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1997, p.111.
106 STF, HC n. 75.226/MS, rel. Min. Marco Aurelio, DJU 19.9.97, p. 45528).
51
É necessário ainda que, para a plena eficácia da delação
premiada, se adote um sistema extremamente eficaz de proteção as
testemunhas, a fim de estimular a prática de tal conduta. Como esclarece o
Magistrado italiano Aldo Grassi:
É minha crença que as maiores críticas do fenômeno dos informantes não resultam do descrédito das próprias declarações destes, que são usadas quer como evidência, quer como ferramentas de investigação, mas sobretudo, pela falta de profissionalismo de alguns magistrados investigantes. Certamente as declarações de informantes devem ser intensamente verificadas, em sua confiabilidade intrínseca e extrínseca, e devem estar alicerçadas por evidências objetivas e testadas.107
Ademais, a proteção posterior do delator é de suma
importância para o funcionamento do instituto probatório. “Dar ‘prêmio’ penal pela
delação sem se oferecer nenhuma ‘proteção’ ao delator é algo que se aproxima
do nada, porque todos sabem que o delator passa a ser alvo de vingança
imediatamente.” 108
Embora a delação venha sendo usada em vários cantos do
mundo, com sucesso em vários casos, é ela amplamente criticada por boa parte
da doutrina, “o Estado não pode se valer de meios imorais para evitar a
impunidade (...) o Estado está se valendo da cooperação de um delinqüente,
comprada ao preço de sua impunidade para fazer justiça, coisa que o direito
penal repugna desde os tempos de Beccaria.”109
O direito é um conjunto normativo eminentemente ético e é por isso que é acatado e respeitado. Ele existe em função de alguns valores, hoje postos explicitamente no frontispício da nossa
107 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo : Atlas,
2003, p. 112. 108 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-
criminal, p. 164 109 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-
criminal, p. 166
52
Constituição. Em determinadas circunstâncias até se compreende o prevalecimento de um valor sobre o outro, mas o que não dá para entender é a transformação do Direito em um instrumento de antivalores. Colocar em lei que o traidor merece prêmio é difundir uma cultura antivalorativa. É um equívoco pedagógico enorme. Ainda que o valor perseguido seja o de combater o crime, ainda assim, constitui um preço muito alto tentar alcançar esse fim com um meio tão questionado. O fim, em última instância, está justificando os meios.110
Parece-nos, data vênia, que a delação se tomada dentro das cautelas exigíveis e em harmonia com o contexto probatório apurado é um instrumento de extrema utilidade no combate ao crime organizado e nas proporções que este vem tomando. Os tribunais nacionais vem adotando o referido mecanismo legal com as cautelas devidas.
Dos comentários emitidos pela doutrina, verifica-se que a
delação premiada, embora aceita pelos tribunais, é instituto que deve ser
recepcionado com reservas, em virtude de calcar-se no anti-valor, no anti-ético e
que pode conduzir a decisões injustas, com a possibilidade de serem, na verdade,
não instrumento de colaboração, mas de vingança.
3.4.2 Infiltração de agentes policiais
A infiltração de agentes consiste numa técnica de
investigação criminal onde um agente do Estado, notadamente um policial,
mediante prévia autorização judicial infiltra-se em uma organização criminosa,
simulando a condição de integrante desta.
A doutrina internacional, classifica em três as premissas
básicas desse instituto, quais sejam: a dissimulação (ocultação do agente e de
suas verdadeiras intenções), o engano (toda a operação baseia-se em uma
encenação) e a interação (uma relação direta entre o agente e o autor
110 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-
criminal, p. 165.
53
potencial).111
A infiltração policial desembarcou no Brasil através da Lei
10.217/011, que introduziu o inciso V ao art. 2º da lei 9.034/95.
Art. 2º. Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em Lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
V- infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.
Inobstante a indefinição legislativa, a maior dúvida que a
infiltração de agentes policias parece trazer é acerca da possibilidade do
cometimento de crimes pelos agentes infiltrados.
O simples fato de o agente policial atuar em uma quadrilha,
por exemplo, faz com que o mesmo já esteja incorrendo na figura típica do art.
288 do Código Penal.
Uma vez inseridos nas organizações criminosas, não há
como o agente infiltrado não praticar qualquer espécie de delito, inclusive atos de
execução, sob pena de ter sua identidade descoberta, frustrando o objetivo de
sua ação e colocando sua vida em grande risco.
Acentua-se, ainda, que, a atividade do agente infiltrado deve
estar limitada à busca dos elementos de provas, não pode, pois, provocar a
conduta a ser desenvolvida pelos investigados, sob pena de se comprometer à
validade da prova obtida. 112 Não pode ainda, praticar atos diversos dos
111 GOMES. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei 10.217 de 11.04.01,
p. 86. 112 Na prática norte-americana e pelas diretrizes da Procuradoria-Geral, são impostos os
seguintes limites aos agentes infiltrados: obter benefício pessoal dos delitos que deve cometer; vulnerar direitos constitucionais protegidos por leis, salvo mediante prévia autorização; oferecer e receber favores sexuais no exercício de suas funções; intimidar ou ameaçar os investigados; provocar o cometimento de crime pelos investigados. Por outro lado, somente poderão agir com prévia autorização para: utilização de identidade suspeita; permitir que um confidente participe
54
pretendidos sob pena de se caracterizar verdadeiro desvio de função no exercício
dessa atividade estatal.113
A figura do agente infiltrado não se confunde com a do
agente provocador que, deliberadamente desencadeia práticas ilícitas pelos
integrantes de uma organização criminosa, sem dela fazer parte, para em seguida
impedir a consumação do ato.
Denota-se assim, que o policial infiltrado deve cercar-se de
inúmeros cuidados quando de sua atuação, não apenas nos que diz respeito a
sua integridade física, mas também os jurídicos, uma vez que caso desconheça a
legislação, pode, no anseio de prender criminosos, colocar em xeque toda a
operação da qual faz parte.
E, é talvez aí que resida o grande problema da infiltração
policial no Brasil, haja vista que a forma de atuação preconizada requer uma
polícia extremamente preparada, cujos agentes possuam qualidades singulares e
treinamento específico, inclusive psicológico, sob pena de serem seduzidos pelo
fascínio do proveito financeiro que essas organizações criminosas logram aos
seus integrantes.114
Ademais, a própria omissão legislativa em expressar quais
as atividades que podem ser praticadas pelo agente infiltrado, pode vir a
prejudicar o próprio investigador, como no caso de cometimento de crimes, uma
vez que não tendo expressa previsão legal pode o agente vir a ser processado
criminalmente o que pode fazer com que esse instituto perca sua eficácia caso
não suprimida essa lacuna legislativa.
De outro lado, não há como se afastar a importância de tal
de um delito; utilizar equipamentos eletrônicos de vigilância; utilizar fundos de governo; e iniciar investigação sobre líderes políticos ou religiosos, diplomatas, altos cargos do governo, empresários e artistas. (SILVA. E. A, Op. cit. p. 91).
113 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 91. 114 OLIVEIRA FILHO, Edmundo Dias. O vácuo do poder e o crime organizado. Goiânia : AB,
2002, p. 120.
55
instrumento probatório nos rumos que o crime organizado vem tomando
atualmente, se é cada vez mais difícil se combater os criminosos com os meios
tradicionais, quase irracional seria não acatar as novas formas de combate que
vieram dando certo no decorrer dos anos nas mais diversas partes do globo.
É preciso, entretanto, se combater o crime da maneira mais
eficaz possível, e essa eficácia para ser alcançada deve preceder do atendimento
aos direitos individuais primordialmente e, além de tudo, é necessário que o
Estado não se omita de sua obrigação de dar segurança à população e equipe
suas polícias, dê as condições necessárias de trabalho e adote políticas públicas
que visem a segurança e o bem estar da população dissociados de interesses
políticos eleitoreiros, como infelizmente, é praxe no nosso país.
3.4.3 Ação controlada por policiais
A ação controlada por policiais, consiste na estratégia de
investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções
em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para
acompanhar atos de seus membros até o momento mais apropriado para a
obtenção da prova e conseqüentemente efetuar suas prisões.115
Prevê o art. 2º da lei que:
a ação controlada consiste em retardar a intervenção policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculadas, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.
Esta ação consiste em suma no retardamento da prisão em
flagrante. Até a promulgação da Lei 9.034/95, não havia nenhuma possibilidade
de se retardar ou prolongar o flagrante, embora, saiba-se que tais atitudes eram
115 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 93.
56
praticadas até comumente por policias, com a realização de campanas, etc.116
Cabe a autoridade policial exclusivamente definir sobre o
retardamento da ação e sobre o momento oportuno em que se dará a
intervenção. A lei não estabeleceu nenhuma forma de controle, da ação, seja pela
Magistratura, seja pelo Ministério Público, ficando a responsabilidade toda com a
Autoridade Policial.
Gomes critica a falta de qualquer controle sobre a atividade
policial: “é lamentável, aliás, que a lei não tenha estabelecido qualquer forma de
controle. Nenhuma polícia do mundo pode agir sem controle porque, às vezes, ela
é a expressão nua e crua do autoritarismo”.117
Silva é mais ameno, mas concorda que:
(...) Embora não se desconheça a dificuldade prática para a adoção de um procedimento prévio para acompanhar determinadas condutas criminosas já em curso, a exigência de prévia autorização judicial, após parecer do Ministério Público, é relevante, sobretudo porque o emprego dessa técnica de apuração criminal pode resultar em violação do direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos investigados. Além de evitar eventuais excessos durante a investigação, o acompanhamento judicial também é salutar para assegurar a idoneidade da conduta dos próprios policiais, contra eventuais acusações de prevaricação em seus atos.118
Carlos Alberto Marchi de Queirós, também entende que se
trata de medida que invade a atribuição do Poder Judiciário, já que pode dar
margens a eventuais arbitrariedades, e outros desvios, visto que confere aos
116 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,
p. 117. 117 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,
p. 118. 118 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 94.
57
policiais poderes judiciais.119
Inobstante a falta de controle judicial sobre a atividade
policial, é preciso que se faça a distinção entre o flagrante preparado120, ilegal no
ordenamento pátrio e o flagrante disposto na Lei 9.034, chamado pela doutrina de
flagrante prorrogado ou retardado, aventadas pela doutrina para designar a
situação decorrente da ação controlada em consonância com o art. 303 do
Código de Processo Penal, que prevê que para as infrações permanentes
“entende-se o agente em flagrante-delito, enquanto não cessar a permanência”.121
No flagrante preparado, há instigação, participação ou
colaboração da autoridade. No esperado, a autoridade aguarda, vigilante, o
desenrolar dos fatos até o momento mais oportuno ou conveniente para a prisão.
Na primeira hipótese o flagrante é nulo, na segunda não.122 As duas definições
não se confundem ainda com o flagrante forjado, em que policiais ou particulares
criam provas de um crime inexistente, colocando por exemplo no bolso de quem é
revistado, substância entorpecente.123
A regra geral para o policial é a do art. 301 do CPP:
há o dever policial de prender em flagrante quem é colhido em situação de flagrância. Essa regra, por isso mesmo, só pode ser quebrada quando razões fundadas autorizarem a estratégia excepcional. A imprescindibilidade desse pressuposto, exsurge mais evidente se imaginarmos que por causa da ação controlada pode inclusive desaparecer a situação flagrancial e nada ser feito. Assim, a ação controlada pode, tanto assegurar a eficácia probatória, como ensejar o desaparecimento da situação flagrancial. É óbvio que, nessa hipótese não há que se falar em
119 QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime Organizado no Brasil Comentários a lei 9.034,
aspectos judiciais e policiais teoria e prática. São Paulo : Iglu, 1998, p. 22. 120 Súmula 145 do STF ‘ não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação.’ 121 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 93. 122 MAIA. O estado desorganizado contra o crime organizado: anotações a lei federal n.
9.034/95, p. 76. 123 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo : Atlas, 2002, p. 376.
58
responsabilidade do policial que dirigiu a operação, desde que tenha atuado com boa-fé e pautado seus atos em razões fundadas.124
Ademais, o flagrante prorrogado só é admitido quando se
supõe que a ação que está sendo praticada é oriunda de organizações criminosas
ou a ela vinculadas. Além do que a autoridade policial só pode se decidir pela
prorrogação do flagrante quando já conta com evidentes indícios de organização
criminosa, caso contrário, todo o caso de prevaricação policial poderia ficar
impune, alegando-se a suposição de se tratar de organizações criminosas.125
Nota-se assim, que a ação controlada é mais um dispositivo
que, senão inovador, uma vez que a polícia nacional vinha constantemente
fazendo uso do flagrante esperado, auxilia sobremaneira a investigação criminal,
pois agora, dispõe a legislação pátria como um instrumento discricionário em
poder da polícia.
Com essas observações, pôde-se constatar as principais
inovações legislativas trazidas pelas leis 9.034/95 e 10.217/01 para o
ordenamento pátrio. O rigor repressivo é marcante na legislação, como o são
também, as indefinições conceituais e procedimentais de seus institutos
probatórios. A não conceituação clara do que seja o crime organizado e as
organizações criminosas é uma questão que irá suscitar inúmeras dúvidas, por
um longo tempo, o que só contribuirá, não temos dúvida, com as próprias
organizações criminosas, que passam a ter contra elas uma legislação ambígua e
confusa. A falta de procedimentos claros para as infiltrações e ações controladas
por policiais é questão que também só tende a atrapalhar as operações policias.
Desde que começaram as demandas de solução imediata
nunca houve no Brasil, nenhuma política criminal global, séria e responsável em
124 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,
p. 118. 125 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,
p. 119.
59
matéria de prevenção de delinqüência. Praticamente nada foi feito para evitar a
catástrofe anunciada, pelo contrário, inúmeros fatores criminológicos vêm sendo
incrementados (falta de educação, analfabetismo, desemprego, baixos salários,
escassa qualidade de vida, desagregação familiar, etc). Urge que, imediatamente
se abandonem as políticas ilusórias, enganosas, irresponsáveis e demagógicas.
Seria um bom começo fazer o necessário expurgo nos órgãos policiais, para
separar o joio do trigo, isto é, o bom do mau policial. Reformular as polícias,
remunerar bem o policial e dar-lhe estrutura são outras providências urgentes. E
se a população, principalmente a favelada, começar a perceber que não foi
abandonada pelo Estado certamente não requererá o auxílio-paralelo de certas
organizações criminosas. Não basta aquela população perceber a presença do
Estado na “pele” dos policiais repressores nos momentos de tensão, mas que
vejam também o lado sócio-econômico do Estado no seu meio.126
Portanto a eficácia da legislação encarregada de combater o
crime organizado no Brasil carece de um maior amadurecimento e
aperfeiçoamento.
Quanto a possíveis inconstitucionalidades, nada se detectou
na pesquisa realizada, muito embora, discute-se se a conceituação do que seja
organização criminosa por ser vaga não esteja ferindo o princípio da reserva
legal.
126 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-
criminal, p. 46.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa ora desenvolvida fixou-se em vários pontos que
entende-se fundamental para a compreensão do que seja á organização
criminosa e de que forma o legislador pátrio pretende combate-la com eficiência.
Embora, por vezes, tenha se detectada de que boa parcela
das dificuldades encontradas para se combater o crime organizado no Brasil é um
estudo mais aprofundado quanto as causas que dão origem a este tipo de
criminalidade, não é a elas que a pesquisa se dirige, mas sim, à legislação
vigente, primordialmente à Lei 9.034/95 e 10.217/01.
No entanto, antes de se chegar a elas e seus principais
institutos, procurou-se definir no primeiro capítulo deste trabalho, até para se
compreender melhor o que é o crime organizado, o conceito crime sob seus
variados aspectos.
Na abordagem realizada, além do conceito procurou-se
estudar o fato típico, relacionado às suas características essenciais, tais como: a
conduta, o resultado dela proveniente, o nexo de causalidade, a tipicidade voltada
à adequação da conduta à Lei penal, a antijuridicidade como juízo de
contrariedade à Lei, a culpabilidade relacionada a censura que se deve atribuir a
quem pratica a conduta típica e antijurídica, no intuito, de se compreender o tipo
penal e posteriormente aplicar estes conhecimentos especificamente ao combate
a organizações criminosas como conduta típica.
No capítulo dois define-se a organização criminosa, não só
quanto a seu conceito, mas principalmente quanto a sua estrutura e alcance,
tonto no âmbito nacional, como também, no âmbito internacional, pois, este tipo
de organização não se limita as fronteiras de um único país, mas, pela
transnacionalidade até para permanecer na impunidade.
61
Verificou-se ainda, que seu ambiente preferido é onde o
Estado se faz ausente, pois, ai, encontra os elementos indispensáveis para sua
organização e exploração.
No terceiro capítulo o foco voltou-se para a apreciação da
legislação vigente em nosso país para o combate a essa tipologia criminal, onde
se constatou a ausência de conceituação para a organização criminosa, trazendo
conseqüências sérias, como a apontado por Luiz Flávio Gomes as assim se
referiu: “Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto,
absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria
antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do
fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a Lei (9.034/95) passou a ser
letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje no ordenamento jurídico
brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um
conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade). Se as leis do crime
organizado no Brasil que existem para definir o que se entende por organização
criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde
12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito
que ninguém sabe o que é”. 127
Quanto aos institutos da delação premiada, da infiltração e
da ação controlada, alerta a doutrina sobre o perigo que eles representam, se
utilizados de forma inadequada, pois, por se caracterizarem por desvios aos
comandos estabelecidos pela Lei processual penal, podem se transformar em
instrumentos de injustiças e não de justiça penal.
Por outro lado, entende a doutrina penal que quando
utilizados, estes institutos, nos estreitos limites da ética e da moral se constituem
em eficientes mecanismos de combate à criminalidade organizada.
Diante disto, pode-se afirmar sem qualquer receio que a
primeira hipótese levantada para a elaboração deste trabalho resta parcialmente
127 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de
10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)
62
comprovada, pois, a falta de um conceito preciso do que seja a organização
criminosa, torna-se óbice intransponível para um combate efetivo a esta tipologia
criminal.
A segunda hipótese também resta parcialmente
comprovada, pois, se utilizada de forma inadequada pode se tornar um
instrumento de injustiça penal, pois, torna-se imperioso que se verifique de caso a
caso, se o espoco principal do delator é única e exclusivamente vingar-se de seus
opositores.
Há que se ponderar ainda que a delação nada mais é do
que a traição, daí, sua origem basear-se no desvalor, portanto, na imoralidade e
no antiético, forma combatida por pensadores como Becaria, entendendo, que
este procedimento coloca em cheque a moralidade como requisito indispensável
da norma jurídica.
A terceira hipótese refere-se à eficácia da infiltração policial
na organização criminosa no intuito de desmantela-la. Neste particular a doutrina
se manifesta de forma menos rígida, embora, alerta, para riscos provenientes da
infiltração, onde, o policial infiltrado torna-se, numa primeira análise em infrator da
Lei. A questão é como eximi-lo da responsabilidade penal se agregado à
organização está delinqüindo. Outro aspecto é o de se integrado a organização
ter que praticar comportamentos criminosos o que poderá levá-lo a se desviar de
sua finalidade principal.
Neste caso entende-se como tarefa difícil de se realizar,
porém, se levada a bom termo é instrumento eficiente de combate ao crime
organizado, confirmando parcialmente esta hipótese.
A derradeira é a ação controlada que no entender da
doutrina é a que apresenta o menor grau de dificuldade, embora, exige-se que
deva sobre ela se exercer o controle judicial. Na verdade, a espera para a
realização do flagrante, no momento mais adequado, para combater e
enfraquecer a organização criminosa é medida que se impõe e por isso poderoso
instrumento perfeitamente legal.
Por fim, pôde-se constatar, entre outras considerações que o
crime organizado é muito mais complexo do que comumente se imagina, devendo
63
ser tratado de maneira especial. Destarte que não se quer aqui, simplesmente
acabar com a produção legislativa nacional por achá-la ineficiente, mas quer se
demonstrar que ela sozinha não resolve e nem ira resolver o complexo problema
da criminalidade organizada. Leis duras são importantes, não temos dúvida,
sozinhas são ineficazes.
Daí a certeza de que as hipóteses levantadas terem sido
parcialmente confirmadas, pois que, necessitam como medidas de contensão da
criminalidade outras alternativas extra penais que as auxiliem para que em
conjunto possam ser mais eficazes neste mister.
Portanto leis duras, implacáveis, contra o crime organizado
sim, mas, políticas públicas agressivas, voltadas para a área social também. Só
as extremas é insuficiente, as duas, permitem a ponderação e o equilíbrio. Do
equilíbrio resulta a recuperação do Estado como instrumento de organização
social.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ANDREUSSI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º a
120º). 3. ed. atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2004.v. 1.
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BORGES, Paulo César Corrêa. O crime organizado. São Paulo : Unesp, 2002.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. (arts. 1º a 120º). 9
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