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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS – PMGPP
AS ATRIBUIÇÕES DAS DELEGACIAS DA MULHER DE SANTA CATARINA NO
CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E DA POLÍTICA NACIONAL DE
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
ANA SILVIA SERRANO GHISI
ITAJAÍ (SC), 2013
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS – PMGPP
AS ATRIBUIÇÕES DAS DELEGACIAS DA MULHER DE SANTA CATARINA NO
CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E DA POLÍTICA NACIONAL DE
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
Ana Silvia Serrano Ghisi
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas,
da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a
orientação da Profa. Dra Ana Cláudia Delfini
Capistrano de Oliveira, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas
Públicas.
ITAJAI (SC), 2013
Ao meu esposo, Fernando, com quem me sinto
maravilhosa "because I see the love light in your eyes and
the wonder of it all is that you just don't realize how much
I love you"...
AGRADECIMENTOS
Agradeço as bênçãos concedidas pelo Senhor Deus, que me dá diariamente a vida, me
conforta diante das aflições e cuida dos meus caminhos.
Aos meus pais e minha avó, que sempre me incentivaram a buscar o conhecimento e
nunca mediram esforços para que eu pudesse receber educação de qualidade.
Ao meu marido, companheiro e amigo, Fernando Benedet Ghisi, que me incentiva
diariamente, me inspira e me dá suporte, por todo seu amor.
À professora Dra. Ana Claudia Delfini Capistrano de Oliveira, minha orientadora, por
todo o conhecimento que me proporcionou, pela dedicação à pesquisa e pela amizade.
A todo o corpo docente do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas,
pela atenção sempre prestada, pelo conhecimento transmitido e pela alegria com que trilharam
conosco esse caminho.
Ao Delegado-Geral da Polícia Civil, Dr. Aldo Pinheiro D'Ávila, por ter prontamente
autorizado a pesquisa de campo e o exame dos sistemas policiais, por acreditar que a pesquisa
acadêmica nos levará a construir a uma Polícia Civil melhor.
Ao Dr. Luiz Fernando Neves Córdova, Psicólogo Policial com quem tive a satisfação
de trabalhar na 6ª Delegacia de Polícia da Capital, por todas as reflexões em mim provocadas,
por todo o apoio e incentivo prestados à minha pesquisa.
Aos Agentes, Escrivães e Psicólogos da 6ª DP, com quem dividi os melhores e mais
difíceis momentos na Delegacia, por terem me apoiado e segurado as pontas durante minha
dedicação ao Mestrado - obrigada pela amizade!
Aos Delegados e Delegadas que voluntariamente participaram da pesquisa, enviando
prontamente seus questionários respondidos, contribuindo para que o os objetivos do trabalho
fossem alcançados.
Enfim, a todos aqueles que contribuíram de alguma forma para meu crescimento
profissional e acadêmico durante esse período, meus sinceros agradecimentos.
RESUMO
A pesquisa analisa as atribuições normativas das Delegacias da Mulher de Santa Catarina, no
contexto das relações de gênero e da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres, compilando as normas existentes e investigando a aplicação dessas normas no
âmbito da Polícia Civil catarinense. Trata-se de uma pesquisa Aplicada, abordando o
problema de maneira Quali-quantitativa, possuindo objetivo Exploratório. Quanto aos
procedimentos técnicos, utiliza-se a revisão bibliográfica, a pesquisa documental e o
levantamento. Assim, apresenta-se um referencial teórico sobre Políticas Públicas e Gênero,
com um breve relato sobre a formulação das políticas de enfrentamento à violência contra
mulheres no Brasil. Em seguida, a pesquisa apresenta a Polícia Civil e sua estrutura
administrativa, contextualizando a Instituição à qual estão vinculadas as Delegacias da
Mulher. Por fim, a pesquisa identifica as novas atividades exigidas da Polícia, previstas na
Lei Maria da Penha e na Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de
Atendimento às Mulheres, comparando com as atividades efetivamente exercidas e com a
estrutura disponível nas unidades. Para tanto, são analisados os questionários respondidos
pelos Delegados e Delegadas que atuam nas Delegacias da Mulher de Santa Catarina,
verificando-se que as atividades executadas nas referidas unidades policiais estão aquém do
previsto nas normativas, tanto em relação à estrutura quanto nos serviços oferecidos às
mulheres . Verifica-se, também, a necessidade de adequação da normativa interna da Polícia
Civil sobre as atribuições das especializadas, apresentando-se uma nova proposta, visando
substituir a atual Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Violência de Gênero; Delegacia da Mulher.
RESUMEN
El estudio analisa las funciones normativas de las Comissarías de Policía de la Mujer de Santa
Catarina, en el contexto de las relaciones de género y la Política Nacional de Enfrentamento
de la Violencia contra la Mujer, haciendo la compilación de las normas existentes y la
investigación de la aplicación de estas normas en la Policía Civil de Santa Catarina. Se trata
de una investigación aplicada, que aborda el problema de manera cuali-cuantitativa, con
objetivo exploratorio. En cuanto a los procedimientos técnicos, usamos la revisión de la
literatura, el estudio y la investigación documental. Por lo tanto, se presenta un marco teórico
para las Políticas Públicas y Género, con una breve reseña de la formulación de políticas para
combatir la violencia contra las mujeres en Brasil. Entonces, la investigación presenta la
Policía Civil y su estructura administrativa, contextualizando la institución a la que están
vinculadas las comissarías de policía de la mujer. Por último, la investigación identifica
nuevas actividades necesarias de la Policía, contenidas en la Ley Maria da Penha y Norma
Técnica de normalización del Servicio de Policía Especializada para Mujeres, en comparación
con las actividades realmente realizadas y la estructura disponible en las unidades. Para ello,
se analizan los cuestionarios respondidos por los delegados que trabajan en Comissarías de
Policía en Santa Catarina, señalando que las atividades estan por debajo das previsiones
normativas, en relación con la estructura y los servicios ofrecidos. Verficamos la necesidad de
adaptar la normativa interna de la Policía Civil en las tareas especializadas, presentando una
nueva propuesta para reemplazar la Resolución actual 007/GAB/CPC/SSP/2003.
Palabras clave: política pública, violencia de género, Comissarías de policía de la Mujer.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Georreferenciamento da Polícia Civil............................................................... 50
FIGURA 2 - Delegacias Regionais da Polícia Civil de Santa Catarina ................................ 51
FIGURA 3 - Organograma da Polícia Civil de Santa Catarina ............................................. 52
FIGURA 4 - Fluxo de atendimento da Rede ......................................................................... 78
GRÁFICO 1 - Horário de Atendimento das DPCAMI em Santa Catarina .......................... 86
GRÁFICO 2 - Perfil dos Delegados/Delegadas de DPCAMI em Santa Catarina ................ 87
GRÁFICO 3 - Policiais que possuem armamento sob cautela nas DPCAMI .......................100
GRÁFICO 4 - Policiais que possuem algema nas DPCAMI................................................. 101
GRÁFICO 5 - Policiais que possuem coletes balísticos nas DPCAMI .................................101
GRÁFICO 6 - Policiais que possuem telefones funcionais nas DPCAMI ........................... 102
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Espécies de violência contra as mulheres e conceito ........................................ 37
TABELA 2 - Quadro de carreira: Agente de Polícia Civil - Descrição e Especificação do
Cargo ....................................................................................................................................... 53
TABELA 3 - Quadro de carreira: Escrivão de Polícia Civil - Descrição e Especificação do
Cargo ....................................................................................................................................... 55
TABELA 4 - Quadro de carreira: Psicólogo Policial Civil - Descrição e Especificação do
Cargo ....................................................................................................................................... 56
TABELA 5 - Quadro de carreira: Delegado de Polícia Civil - Descrição e Especificação do
Cargo ....................................................................................................................................... 58
TABELA 6 - Número de Inquéritos Policiais (IP) Instaurados .............................................. 72
TABELA 7 - Número de Termos Circunstanciados (TC) realizados ..................................... 73
TABELA 8 - Número de Autos de Prisão em Flagrante (APF).............................................. 73
TABELA 9 - Número de Medidas Protetivas (MP) requeridas .............................................. 74
TABELA 10 - Sugestão de quadro de pessoal das Delegacias da Mulher ............................. 81
TABELA 11 - Relação das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, leis de criação e
nomenclatura ........................................................................................................................... 83
TABELA 12 - Número de Inquéritos Instaurados em Joinville no ano de 2012 .................... 92
TABELA 13 - Percentual das Delegacias que realizam as atribuições legais do art. 11 da Lei
Maria da Penha ........................................................................................................................ 94
TABELA 14 - Inquéritos Policiais e Boletins de Ocorrência por DPCAMI em 2012 ........... 97
TABELA 15 - Estrutura das DPCAMI de Santa Catarina ..................................................... 98
TABELA 16 - Equipamentos disponíveis nas DPCAMI de Santa Catarina .........................100
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
2 POLÍTICAS PÚBLICAS: A COMPLEXIDADE DO CAMPO DE ESTUDO ............. 14
2.1 Políticas sociais no Brasil, movimento feminista e o gênero: breves considerações
históricas ................................................................................................................................... 17
2.2 Gênero e Políticas Públicas no Brasil ................................................................................. 25
2.3 Políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres .................................. 31
3 AS ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA ............................ 42
3.1 Polícia Civil: origem, atribuições legais e a atuação preventiva ........................................ 42
3.2 Organização administrativa e carreiras policiais civis em Santa Catarina ......................... 49
3.3 As atribuições de Polícia Judiciária .................................................................................... 59
4 AS DELEGACIAS DA MULHER EM SANTA CATARINA: QUAL SEU PAPEL?.. 64
4.1 Atribuições da Delegacia da Mulher: A Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003, a Lei Maria
da Penha e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento
à Mulher .................................................................................................................................... 64
4.2 A realidade das Delegacias da Mulher em Santa Catarina: análise a partir do questionário
respondido pelos Delegados/Delegadas ................................................................................... 83
4.3 Sugestões para regulamentar as atribuições e a estrutura das Delegacias da Mulher no
Estado ..................................................................................................................................... 102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 109
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 113
ANEXO A - Sugestão de Resolução para disciplinar as atribuições das DPCAMI ....... 120
ANEXO B - Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina
................................................................................................................................................ 122
1 INTRODUÇÃO
A Polícia Civil, por força constitucional, é responsável pelo exercício de Polícia
Judiciária e apuração das infrações penais, exceto as militares. Assim, a atuação desse órgão
ocorre de forma repressiva, ou seja, somente após o cometimento de um crime ou
contravenção, visando colher provas materiais, identificar a autoria dos crimes e encaminhar o
procedimento investigativo ao Ministério Público para processamento e punição do autor.
Por outro lado, a partir da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres no Brasil, dois instrumentos normativos passaram a orientar a atuação das
Delegacias da Mulher, no enfrentamento à violência de gênero: a Lei 11.340/2006 (Lei Maria
da Penha) e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento
à Mulher. A partir dos referidos instrumentos, ampliaram-se as atribuições da Polícia Civil, no
que diz respeito aos procedimentos executados pelas Delegacias da Mulher, exigindo-se a
prática de atividades preventivas e protetoras.
Esta pesquisadora se deparou com esse dilema ao atuar na Delegacia da Mulher de
Florianópolis - 6ª Delegacia de Polícia da Capital, como Delegada responsável pelo setor de
atendimento às mulheres. Apesar de pouco tempo de atuação (entre agosto de 2011 a janeiro
de 2013), foram diversos casos atendidos que demandaram mais do que trabalhos de Polícia
Judiciária: exigiram encaminhamentos a outros órgão da rede, execução de serviços
diferenciados de atenção e proteção às vítimas, recomendaram mudanças nos atendimentos e
rotinas policiais da unidade. Também neste período houve muito debate jurídico com outras
Delegadas e Delegados que atuavam em Delegacias Especializadas, pois as funções e
competências dessas unidades não eram claras o suficiente para determinar o tipo de
atendimento que deveria ser oferecido à população: cada Especializada funcionava de acordo
com o entendimento jurídico da Delegada ou Delegado titular do momento.
Assim, verificou-se que, para analisar as atribuições das Delegacias da Mulher de
Santa Catarina, no contexto das relações de gênero e da Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres, é necessário compilar os instrumentos normativos existentes,
além de identificar a aplicação dessas normas no âmbito da Polícia Civil e verificar a
necessidade de revisão da normativa interna acerca de tais unidades policiais. Esse é o
objetivo geral do trabalho, o qual pode ser subdividido em objetivos específicos: a)
Conceituar Gênero e Políticas Públicas, identificando o contexto histórico de surgimento das
Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra Mulheres no Brasil; b) Identificar os
instrumentos normativos brasileiros que estabelecem atribuições para a Polícia Civil e para as
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Delegacias da Mulher; c) Fazer um levantamento, por meio de questionários aos Delegados
responsáveis, acerca da situação fática das Delegacias da Mulher de Santa Catarina quanto às
atribuições exercidas, à estrutura e aos recursos humanos existentes; d) Propor uma diretriz de
padronização das atribuições das Delegacias da Mulher do Estado de Santa Catarina.
Para atingir esses objetivos, a pesquisa se desenvolve de forma Aplicada, abordando o
problema de maneira Quali-quantitativa, possuindo objetivo Exploratório. Quanto aos
procedimentos técnicos, utiliza-se a revisão bibliográfica, a pesquisa documental e o
levantamento.
Inicialmente, é apresentado um referencial teórico sobre Políticas Públicas e sobre
Gênero, bem como sobre o processo de inserção da temática de gênero na agenda das
políticas públicas brasileiras. Em seguida, é analisado o contexto histórico de surgimento das
políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil, relatando o processo de
construção dos Planos Nacionais de políticas para mulheres e a importância da participação da
sociedade organizada. São apresentadas as diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à
Violência Contra as Mulheres e o principal instrumento normativo para coibir a prática de
violência doméstica e familiar: a Lei Maria da Penha.
Em seguida, a pesquisa busca investigar a importância da Polícia Civil no contexto de
enfrentamento a esse tipo de violência. Para tanto, são resgatadas as funções históricas da
instituição desde seu surgimento no Brasil, a fim de verificar se há espaço para a atuação
preventiva no aparato policial. Analisa-se, também, a organização administrativa da Polícia
Civil de Santa Catarina, para compreender a estrutura onde são inseridas as Delegacias da
Mulher no Estado. Finalizando o estudo referente à Polícia Civil, são descritas as atribuições
das carreiras que compõe o quadro funcional do órgão, bem como as atribuições de polícia
judiciária previstas em Lei.
O último capítulo dedica-se à análise das Delegacias da Mulher em Santa Catarina.
Primeiramente, são compiladas e analisadas as normativas que preveem atribuições
específicas para essas unidades e que as diferenciam de uma delegacia comum: a Resolução
007/GAB/2003 da Polícia Civil catarinense, assim como a Lei Maria da Penha e a Norma
Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento à Mulher. Identificadas as previsões
legais e a estrutura ideal para o desenvolvimento das atividades dessas unidades
especializadas, passa-se a analisar a situação fática das Delegacias da Mulher em Santa
Catarina, considerando a pesquisa de campo realizada por meio de questionário aos
Delegados/Delegadas responsáveis por tais unidades.
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O levantamento de informações por meio dos questionários obedeceu à seguinte
metodologia: primeiramente, verificando no site da Polícia Civil o endereço e telefone das
Delegacias da Mulher em cada Regional, foi realizado contato via e-mail e telefônico com os
colegas Delegados e Delegadas, explicando sobre o desenvolvimento da pesquisa, objetivos e
importância da participação de cada um/uma. Foi encaminhado ao email funcional de cada
colega um link que remetia a um formulário (o questionário), para ser respondido online.
Trata-se de ferramenta gratuita do Google, onde o pesquisador pode colher as informações e
armazená-las em planilha no próprio e-mail (desde que o email do pesquisador seja G-mail).
Findado o prazo para respostas, foi reiterada a solicitação àqueles que não responderam,
concluindo-se a pesquisa com 19 participantes.
Por fim, comprando-se as previsões contidas nas leis e as atividades efetivamente
exercidas pelas Delegacias, analisa-se a necessidade de revisão da normativa interna,
apresentando-se uma proposta de resolução para padronização das atribuições das Delegacias
da Mulher em Santa Catarina.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS: A COMPLEXIDADE DO CAMPO DE ESTUDO
O conceito de políticas públicas difere entre autores, principalmente em razão da
origem dos primeiros estudos sobre o tema. Nos Estados Unidos, as políticas públicas foram
objeto de análise a partir dos anos 50, diferenciando três conceitos: polity, politics e policy.
Assim, conforme Frey (2000, p.215-217), a dimensão polity se refere à “ordem do sistema
político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-
administrativo”, enquanto o termo politics diz respeito ao processo político, “freqüentemente
de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às
decisões de distribuição”. A dimensão policy refere-se aos conteúdos concretos, isto é, “à
configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das
decisões políticas”.
Desta forma, na literatura norteamericana, surgem conceitos diversos sobre o que são
políticas públicas:
Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o
governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de
ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o
mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem
diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye
(1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer
ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja,
decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões:
quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. (SOUZA, 2006, p.24)
Azevedo (2011, p. 17), de forma mais geral, entende política pública como “tudo o
que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas
omissões”. O autor acrescenta, ainda, que um dos elementos da política pública é a busca pelo
consenso, o qual gera melhores condições de aprovação e implementação das políticas
propostas.
Para compreender o significado de política pública, Fernandes (2007, p.1), ao citar
Bolívar Lamounier, ressalta que é necessário: 1) entender a dimensão técnico-administrativa
que a compõe, ou seja, “buscando verificar a eficiência e o resultado prático para a sociedade
das políticas públicas”; e 2) por outro lado, reconhecer que “toda política pública é uma forma
de intervenção nas relações sociais em que o processo decisório condiciona e é condicionado
por interesses e expectativas sociais”.
Esse entendimento é complementado por Johnson (2011, p.181), ao abordar a política
pública como um processo, resultante de uma “atividade intencional do ser humano, desde a
sua formulação à sua execução cotidiana, tornando evidente o caráter político, decorrente de
15
uma complexa disputa de interesses, que se materializa em cada um dos momentos deste
percurso”.
Assim, políticas públicas se constituem num objeto de estudo complexo e, tendo em
vista que são influenciadas e também repercutem na economia e na sociedade, “qualquer
teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política,
economia e sociedade.” (SOUZA, 2006, p.25). Os padrões de interação social são bastante
complexos, dinâmicos e compostos por uma série de aspectos determinantes, que variam em
cada tipo de política e em cada período histórico. Desta forma, muitos modelos foram criados
para estudar os processos de formulação e gestão de políticas públicas, especialmente para
compreenderem os processos de decisão que levam à institucionalização de determinada
política.
Para fins desta pesquisa, consideraremos a abordagem metodológica elaborada por
Flexor e Leite (2007) que, na busca por incorporar aos modelos propostos os processos
econômicos, sociais e políticos que influenciam as políticas públicas, trabalharam as seguintes
dimensões das políticas: a) histórica e institucional, b) processual e c) organizativa, as quais
serão explicitadas a seguir.
Para trabalharem a dimensão histórica, os autores utilizam referencial teórico da
corrente neoinstitucionalista histórica, ressaltando duas contribuições importantes desta
abordagem: 1) o conflito entre grupos pela apropriação de recursos representa a dimensão
central das políticas e, neste aspecto, as instituições atribuem a certos grupos ou interesses um
acesso desproporcional ao processo de decisão; e 2) as instituições constituem parâmetros
históricos essenciais, estruturando uma trajetória que afeta o conjunto de opções de políticas
públicas possíveis.
Neste sentido, Souza (2006, p.39) evidencia que a contribuição importante do
neoinstitucionalismo é a ênfase na luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais como
cerne da formulação de políticas: “Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas
que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento
de outros [...]”.
Quanto à dimensão processual trabalhada por Flexor e Leite (2007, p. 9), parte-se do
pressuposto que “as políticas públicas não dependem somente de processos associados às
trajetórias institucionais especificas, mas possuem, igualmente, uma dinâmica própria.”.
Assim, seguindo a formulação teórica proposta pelo modelo heurístico das sequências, os
autores defendem que a produção de políticas tem início a partir da identificação de um
16
problema e da construção de uma agenda, passando à formulação de soluções, implementação
da política e avaliação.
De acordo com esse modelo, para que um problema seja inscrito numa agenda, é
necessário:
1) que o problema seja relacionado com o escopo de atividades de uma autoridade;
2) que o problema seja capaz de ser traduzido na linguagem da ação política; 3) a
existência de uma situação problemática, i.e., a presença de um hiato entre, por um
lado, as expectativas e aspirações e, por outro lado, os desejos e crenças do que
deveria ser feito e realizado. (FLEXOR; LEITE, 2007, p. 9)
Assim, a construção de uma agenda é um processo que demanda a participação de
diversos atores. Neste sentido, é importante mencionar a tipologia do “ciclo da política
pública”, a qual também contribui com o estudo sobre como os governos definem suas
agendas.
Conforme Souza (2006, p.29), “o ciclo da política pública é constituído dos seguintes
estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das
opções, implementação e avaliação.”. Para esta tipologia, a definição da agenda é enfatizada,
e os estudos se debruçam sobre o motivo pelo qual algumas questões ganham espaço na
agenda política enquanto outras são ignoradas. Assim, essa teoria fornece três respostas sobre
como os problemas se inserem em uma agenda:
A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando
assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos
problemas afeta os resultados da agenda. A segunda resposta focaliza a política
propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a
necessidade de se enfrentar um dado problema. Essa construção se daria via
processo eleitoral, via mudanças nos partidos que governam ou via mudanças nas
ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos
de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre
determinado problema é fator poderoso e determinante na definição da agenda. [...]
A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como visíveis, ou
seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc. e invisíveis, tais como
acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspectiva, os participantes visíveis
definem a agenda e os invisíveis, as alternativas. (SOUZA, 2006, p.30)
Assim, Flexor e Leite (2007, p. 9) destacam a importância dos empreendedores
políticos na formação das agendas, os quais mobilizam recursos e atividades para formarem
as arenas.
O passo seguinte à formulação de uma agenda seria a escolha de soluções, ou seja, o
momento decisório. Escolher a solução pode representar eleger a melhor ou a mais viável,
considerando restrições de tempo, custos e informações. Assim, os Flexor e Leite (2007, p. 9)
descrevem duas atividades que se destacam nessa fase:
17
1) a formulação é a transformação de um problema em solução ou em alternativas, e
é preciso levar em conta os modos de ações e intervenções e as estratégias que as
sustentam (estudos técnicos, conflitos, previsão, coordenação, construção de
coalizões, propaganda, persuasão, etc.); 2) o trabalho de legitimação que consiste em
conformar uma solução com critérios ou regras, inscrevendo a solução num quadro
normativo particular.
Passada a fase decisória, inicia-se a implementação da política pública, que seria a
acomodação das decisões à realidade, ou a aplicação de um programa de ações ao problema.
Esta fase também dependeria dos atores envolvidos, dos instrumentos estabelecidos e do grau
de centralização dos processos. Por fim, o modelo heurístico prevê a avaliação das políticas
como exercício feito pelos diversos atores, seja individualmente ou em grupo, em função de
seus quadros de referências, valores, normas e percepções individuais. (FLEXOR; LEITE,
2007, p.10-11).
Quanto à última dimensão de análise, proposta por Flexor e Leite (2007), que se trata
da dimensão organizativa, os autores enfatizam a necessidade de considerar o papel dos
gestores no processo das políticas públicas. Assim, apontam como fatores que influenciam a
gestão das políticas: a dinâmica interativa do processo de decisão; os jogos de interesses e
negociações intraorganizacionais, ou seja, envolvendo órgãos de execução das políticas;
diversidade dos sistemas de ação e modos de estruturação dos interesses políticos e sociais
entre países e entre setores, ou seja, considerar as redes de políticas públicas, a partir do
“reconhecimento da diversidade das organizações estatais, da pluralidade dos grupos de
interesses e das múltiplas formas de relacionamento entre esses atores”. (FLEXOR; LEITE,
2007, p. 14)
Assim, conforme os aspectos mencionados na metodologia desenvolvida pelos
referidos autores, passaremos a breves considerações históricas sobre as políticas sociais no
Brasil, a fim de possibilitar uma análise do contexto e do processo de surgimento das políticas
para mulheres na agenda brasileira.
2.1 Políticas sociais no Brasil, movimento feminista e o gênero: breves considerações
históricas
Conforme visto, muitos são os fatores que influenciam a formulação e a
implementação de políticas públicas. A análise dos atores sociais e sua interação no processo
de formulação da agenda política de um governo, bem como o contexto institucional e as
arenas decisórias são fundamentais para diferenciar os tipos de políticas desenvolvidas em
cada época e por cada gestão. Assim, também, os poderes determinantes em cada processo e o
18
contexto político-democrático são essenciais para definir o posicionamento do Estado como
provedor de bens e serviços.
Segundo Fernandes (2007, p. 4), para compreender o processo em que o Estado
assumiu o caráter de promotor da justiça social, no século XX, “é necessário observar dois
movimentos da história: A mudança do papel do estado na economia e o avanço da
cidadania.”. Esses dois movimentos, em nível internacional, se desenvolvem mais
intensamente no pós-guerra, a partir de 1945.
No Brasil, desde a formação do Estado até os anos de 1930, as políticas na área social
eram fragmentadas e emergenciais. O Estado não se mostrava como agente protetor ou
provedor da política social, pois o mercado atendia às demandas individuais, enquanto as
questões sociais eram controladas repressivamente. (JOHNSON, 2011, p. 184).
Entretanto, a partir de 1930, com a passagem da economia agroexportadora para a
urbano-industrial, o Estado passou a assumir o papel de provedor, com vistas a fornecer
serviços à população. Entretanto, para Medeiros (2001), a estratégia do governo Vargas está
relacionada ao controle da política e da economia pelo Estado, com fins ao desenvolvimento.
Assim, para o autor, os direitos trabalhistas promulgados neste período tinham os seguintes
objetivos:
(i) evitar que os movimentos de trabalhadores se tornassem base de apoio para
grupos de oposição que reivindicavam mudanças mais profundas na organização da
sociedade; (ii) despolitizar as relações de trabalho, impedindo que as organizações
de trabalhadores se legitimassem como instrumento de reivindicação; e (iii) fazer
dos trabalhadores um ponto de apoio, ainda que passivo, do regime. (MEDEIROS,
2001, p.11)
Nesse contexto, o Estado buscou absorver as demandas populares, para alavancar o
processo de industrialização capitalista, sem romper com a ordem estabelecida. Conforme
Winckler e Moura Neto (2008, p. 113), a reivindicação social, via populismo, e a expansão
econômica de cunho nacional-desenvolvimentista são as características fundamentais da
política social a partir de 1930.
Em seguida, o Estado Novo (1937-1945) é marcado pela repressão aos movimentos de
esquerda e direita, concentração do poder decisório sobre políticas sociais no governo federal
e aumento do poder da burocracia. (MEDEIROS, 2001, p.12). Essas características se repetem
durante o regime militar iniciado em 1964, conforme Draibe (1998, p. 4-5): extrema
centralização dos recursos decisórios e financeiros no Executivo Federal, acentuada
fragmentação institucional, financiamento do gasto público dependente de fundos específicos,
ausência de mecanismos de participação e controle social, estímulos ao setor privado como
19
produtor de serviços sociais, conteúdo corporativista dos programas e uso clientelístico dos
recursos e benefícios.
A lógica predominante durante o regime militar era a de que o desenvolvimento social
seria decorrente do desenvolvimento econômico:
O modelo de crescimento adotado pressupunha a necessidade de se acumular renda
para garantir as bases do crescimento. A redistribuição dessa renda ocorreria
posteriormente, por efeito de trickle down. Assim, a repressão a movimentos sociais
revindicatórios tornou-se um dos elementos da estratégia de desenvolvimento
nacional. A concentração de renda, no entanto, tem custos sociais pesados. Para
compensá-los e garantir a estabilidade política necessária ao crescimento
econômico, o governo implementou uma série de políticas sociais de natureza
assistencialista. (MEDEIROS, 2001, p.14)
Assim, as políticas sociais assistencialistas se constituíram importante instrumento
para possibilitar a vivência do “milagre econômico” na década de 70, num período em que os
direitos civis e políticos eram negados à população. Para Bacelar (2003, p.2), a herança
decorrente do período que vai de 1930 a 1980, é a de um Estado centralizador,
desenvolvimentista, autoritário:
A pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo
do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto
da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de
regulador. Nós não temos tradição de Estado regulador, mas de Estado fazedor,
protetor; não temos tradição de Estado que regule, que negocie com a sociedade os
espaços políticos, o que só hoje estamos aprendendo a fazer. O Estado regulador
requer o diálogo entre governo e sociedade civil, e nós não temos tradição de fazer
isso. O Estado centralizador, em muitos momentos da nossa vida recente, junta-se ao
autoritário: tivemos uma longa ditadura no período Vargas e, depois, uma longa
ditadura nos governos militares pós-64. Então, o viés autoritário é muito forte nas
políticas públicas do país.
Entretanto, a partir dos anos 80, especialmente após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, alteram-se as diretrizes formais para as políticas públicas no Brasil, com a
ampliação dos direitos, especialmente na área trabalhista e de seguridade social. Por outro
lado, conforme Medeiros (2001, p.17), o fim dos regimes militares, “foi acompanhado por
avanços na área política, como o crescimento da atividade partidária e sindical e o próprio
aumento da participação popular no processo eleitoral. Paradoxalmente, seguiu-se também de
retração e desmantelamento das políticas sociais”.
Johnson (2011, p.196) ressalta que as forças sociais reclamavam a ampliação dos
espaços decisórios, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo convocava a sociedade a
compartilhar responsabilidades pela questão social. É um período marcado pela ampliação
dos espaços de participação política e dos movimentos sociais, conforme Draibe (1998, p.12):
Destaque-se em primeiro lugar, a forte reestruturação do tecido social, que se
processa com a emergência de novos atores coletivos, gozando de melhores
condições organizacionais e orientados por novas formas de ação política. Ora, a
20
proliferação de novas associações e partidos, assim como a revitalização da
competição eleitoral influenciaram significativamente o processo de democratização
assim como o debate político acerca da reestruturação das políticas sociais.
Assim, passaram a ganhar reconhecimento, por parte do Estado, movimentos como o
dos camponeses, das crianças e adolescentes, de indígenas, de negros e das mulheres.
Conforme Farah (2004, p. 50), os movimentos sociais constituídos desde os anos 70,
participaram da constituição da nova agenda de políticas públicas, em torno da luta pela
democratização do regime, pelo acesso a serviços públicos e pela melhoria na qualidade de
vida nos centos urbanos. Neste momento, as mulheres e as discussões relativas ao gênero já
estavam presentes, pois os movimentos sociais eram compostos por um número expressivo de
mulheres.
Como afirma Elisabeth Souza-Lobo, lembrada por Farah (2004, p.50),
“frequentemente as análises ignoraram que os principais atores nos movimentos populares
eram, de fato, atrizes”. Ao falar da história das políticas sociais no Brasil é imprescindível
destacar o papel do movimento das mulheres, da sua percepção como sujeito coletivo que
questiona a esfera privada e anseia pelo espaço público, levando a este palco os assuntos que
antes eram considerados privados.
Ao mesmo tempo em que passaram a questionar as questões de classes, as mulheres
envolvidas nos movimentos sociais passaram a levantar temas como o direito a creche, à
saúde da mulher, à sexualidade, à contracepção e à violência contra a mulher (FARAH, 2004,
p. 51). Este engajamento de mulheres não era propriamente o movimento feminista, mas com
ele assinalou uma convergência para os temas relativos à mulher:
O feminismo, diferentemente dos ‘movimentos sociais com participação de
mulheres’, tinha como objetivo central a transformação da situação da mulher na
sociedade, de forma a superar a desigualdade presente nas relações entre homens e
mulheres. O movimento feminista – assim como a discriminação nos movimentos
sociais urbanos de temas específicos à vivência das mulheres - contribuiu para a
inclusão da questão de gênero na agenda pública, como uma das desigualdades a
serem superadas por um regime democrático. A discriminação de questões
diretamente ligadas às mulheres envolveu, por sua vez, tanto uma crítica à ação do
Estado quanto – à medida que a democratização avançava – a formulação de
propostas de políticas públicas que contemplassem a questão de gênero. (FARAH,
2004, p. 51).
Conforme Silva (1992, p. 18), dentre as iniciativas democratizantes que surgiram na
década de 70, e dentre os discursos dos diversos atores sociais, “a fala feminista é a que
menos ameaça (na óptica dos grupos dominantes)”. Isso porque, até a década de 70, as
iniciativas de disseminação das ideias feministas no país eram experiências isoladas. Por outro
lado, foram elas que deram visibilidade às mulheres como seres sociais e públicos, que
ajudaram a construir novas abordagens do feminino, permitindo a crítica à dominação
21
patriarcal ao questionar a construção social dos discursos sobre o feminino e o masculino na
sociedade ocidental.
Após os anos 70, o movimento feminista contribui de maneira mais intensa para o
desenvolvimento de políticas de igualdade, por considerar a existência de uma “opressão
específica a todas as mulheres” (GARCIA, 1998, p.177). Com essa bandeira, foi realizada a
primeira Conferência Mundial de Mulheres, no México em 1975, onde foram formuladas
propostas para melhoria da condição de vida das mulheres. Em 1979, foi realizada a
Convenção para a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, seguida
pela Conferência Internacional sobre a Mulher em Nairobi (1985) e pela IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, em Beijin (1995) (Cf. BANDEIRA, 2005, p. 9).
Foi também a partir da década de 70 que o movimento feminista passou a incorporar o
debate teórico e acadêmico sobre as relações de gênero, conforme explica Farah (2004, p. 48).
Este foi o período da chamada “segunda onda do movimento feminista”1, quando diversas
correntes interpretativas do feminismo se afirmaram, como o feminismo da diferença e o
feminismo da igualdade. Para este último:
as únicas diferenças efetivamente existentes entre homens e mulheres são
biológicas-sexuais, e que as demais diferenças observáveis são culturais, derivadas
de relações de opressão e, portanto,devem ser eliminadas para dar lugar a relações
entre seres ‘iguais’. Para as teóricas e os teóricos da diferença, o conceito de gênero
remete a traços culturais femininos (ou, no pólo oposto, masculinos) construídos
socialmente sobre a base biológica. Constrói-se assim uma polarização binária entre
os gêneros, em que a diferença é concebida como categoria central de análise,
fundamental na definição de estratégias de ação. As diferenças entre homens e
mulheres são enfatizadas, estabelecendo-se uma polaridade entre masculino e
feminino, produção e reprodução, e público e privado. Para o feminismo da
diferença, o poder concentrar-se-ia na esfera pública, estando nessa polaridade a
origem da subordinação das mulheres.(FARAH, 2004,p.48)
O debate sobre gênero, portanto, foi essencial para fundamentar as demandas
feministas, ao possibilitar o questionamento das supostas diferenças existentes entre homens e
mulheres e que geravam a opressão destas. A principal referência sobre gênero, e que
influenciou pesquisadoras a partir da década de 80, decorre dos estudos de Joan Scott,
1 Conforme Costa (2009, p. 57), a segunda onda do feminismo na América Latina nasceu nos anos 1970, como
consequência da resistência das mulheres à ditadura militar, sendo intrinsecamente ligada aos movimentos de
oposição que lhe deram uma especificidade determinante. Surge sob o impacto do movimento feminista
internacional e como consequência do processo de modernização que gerou um acréscimo das mulheres no
mercado de trabalho e a ampliação do sistema educacional. No Brasil, este processo incorporou também a
questão da “efervescência cultural de 1968”, ou seja, os novos comportamentos afetivos e sexuais, o acesso a
terapias psicológicas e psicanalíticas, a derrota da luta armada e o significado político e pessoal para as mulheres
que lutaram, além das novas experiências que entraram em conflito com o padrão tradicional e as hierarquias de
gênero.
22
historiadora e feminista americana, que publicou o artigo “Gênero: uma categoria útil de
análise histórica”, em 1988.
Em seu artigo, Scott menciona as abordagens das historiadoras feministas que até
então trabalharam com análise de gênero, e as resume em três posições teóricas: 1) explicação
das origens do patriarcado; 2) tradição marxista e crítica feminista; 3) inspiração nas escolas
de psicanálise para explicar a produção e reprodução da identidade de gênero do sujeito.
Quanto às teorias que abordaram a questão de gênero apenas com relação às origens
do patriarcado, Scott apontou algumas críticas: 1) as teorias não explicam o que a
desigualdade de gênero tem a ver com as outras desigualdades; 2) a análise baseia-se na
diferença física entre mulheres e homens, pois considera a dominação como forma de
apropriação masculina do labor reprodutivo da mulher ou pela reificação sexual das mulheres
pelos homens. Assim, Scott pondera que, nessa teoria, a questão da diferença física tem um
caráter universal e imutável, pressupondo um sentido coerente ou inerente ao corpo humano,
fora de qualquer construção sócio-cultural: “De certo ponto de vista, a história se torna um
epifenômeno que oferece variações intermináveis sobre o tema imutável de uma desigualdade
de gênero fixa”. (SCOTT, 1991, p. 10.)
Ao analisar as teorias históricas das feministas marxistas, Scott (1991, p. 13)
considerou que elas enfrentam um problema inverso ao que a teoria do patriarcado coloca:
“No interior do marxismo, o conceito de gênero foi por muito tempo tratado como subproduto
de estruturas econômicas mutantes: o gênero não tem tido o seu próprio estatuto de análise”.
Por último, quando analisou as teorias psicanalíticas sobre gênero, considerou que as
interpretações possuem uma “fixação exclusiva sobre as questões relativas ao sujeito
individual”, além de uma tendência a “reificar como dimensão principal do gênero o
antagonismo subjetivamente produzido entre homens e mulheres”. (SCOTT, 1991, p. 16). A
historiadora pondera que tais teorias acabam por impedir a introdução de uma “noção de
especificidade e variabilidade históricas”. Desta forma, a autora entende que é preciso rejeitar
o caráter fixo e permanente da oposição binária homem-mulher, submetendo as categorias à
crítica:
Se utilizarmos a definição da desconstrução de Jacques Derrida, esta crítica significa
analisar no seu contexto a maneira como opera qualquer oposição binária,
revertendo e deslocando a sua construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como
real, como óbvia ou como estando na natureza das coisas. Em certo sentido, as
feministas, sem dúvida, só fizeram isso durante anos. A história do pensamento
feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da relação entre
masculino e feminino; nos seus contextos específicos é uma tentativa de reverter ou
deslocar seus funcionamentos. (SCOTT, 1991, p. 19).
23
A historiadora lembra que o termo gênero como categoria de análise, como meio de
falar de sistemas de relações sociais ou entre os sexos, somente apareceu no final do século
XX, tomando forma de debate teórico. Assim, considera necessário, para a evolução do
debate e para a compreensão de como funciona o gênero, que sejam tratados tanto o sujeito
individual como a organização social, articulando a natureza de suas inter-relações. Entende,
também, que deve ser superada a noção de que o poder social é unificado, coerente e
centralizado, passando a entender o poder como “constelações dispersas de relações desiguais
constituídas pelo discurso nos ‘campos de forças’” (SCOTT, 1991, p. 19-20).
Assim, emerge a definição de gênero para Scott (1991, p. 21): “O núcleo essencial da
definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento
constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é
uma forma primeira de significar as relações de poder”.
Desdobrando o conceito, a autora entende que, “como elemento constitutivo das
relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, o gênero implica quatro
elementos relacionados entre si”: 1) os símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações múltiplas: Eva e Maria como símbolos da mulher; 2) conceitos normativos que
evidenciam interpretações limitativas dos símbolos: doutrinas religiosas, educativas,
científicas, políticas ou jurídicas que afirmam de forma categórica e sem equívoco o sentido
do masculino e do feminino, como se fossem produtos de um consenso social; 3) Noção do
político, das instituições e das organizações sociais: a nova pesquisa histórica deve “explodir
a noção de fixidade” (Scott, 1991, p. 22) e descobrir a natureza do debate que insiste na
representação binária dos gêneros, incluindo a categoria de gênero ao mercado de trabalho, à
educação, ao sistema político; 4) Identidade Subjetiva: “As diferenças entre os corpos que são
ligados ao sexo, são constantemente solicitadas para testemunhar as relações e fenômenos
sociais que não tem nada a ver com a sexualidade” (GODELIER apud SCOTT, 1991, p. 23).
Na segunda parte da definição de Scott, de que o gênero é uma forma primeira de
significar o poder, a autora traz exemplos, na História Moderna, em que a diferença sexual foi
concebida em termos de dominação e controle de mulheres, a fim de ilustrar os diversos tipos
de relações de poder. Em seguida, afirma que “as estruturas hierárquicas baseiam-se em
compreensões generalizadas da relação pretensamente natural entre o masculino e o
feminino” (SCOTT, 1991, p. 26).
A partir dos estudos de Scott, passou-se a entender o gênero como uma construção
social, baseada nas diferenças biológicas. Assim, Bandeira (2005, p. 07), ao realizar uma
análise sobre transversalidade de gênero nas políticas públicas, conceitua o termo como
24
“conjunto de normas, valores, costumes e práticas através das quais a diferença biológica
entre homens e mulheres é culturalmente significada”. A autora afirma que a categoria de
gênero muda o enfoque de mulheres e homens como sujeitos isolados para analisar as
relações interpessoais e sociais, “através das quais elas são mutuamente constituídas como
categorias sociais desiguais”.
Curado e Auad (2008, p. 23-24), enfatizam que “não é o gênero que é construído sobre
a base da diferença do sexo biológico. Em vez disso, o sexo biológico é socialmente
construído – e percebido – ao se tornar um dado pertinente em razão da existência do gênero”.
As autoras explicam que a diferença biológica existente entre homens e mulheres “é um fato
anatômico que não teria nenhuma significação em si mesmo se não fossem os arranjos de
gênero vigentes.” É por isso que, conforme GARCIA (1998, p. 173), a construção social de
homens e mulheres implica na educação e socialização de cada um de maneira diferente,
criando uma oposição e, às vezes, até mesmo um antagonismo.
A criação da desigualdade baseada na diferença biológica é, portanto, um ato social, o
que demanda a criação de políticas públicas com enfoque em gênero para modificar o
processo, conforme Alvarez (apud VIEZZER, 1989, p. 112):
O gênero de um ser humano é o significado social e político historicamente
atribuído ao seu sexo. Nascemos macho ou fêmea. Somos feitos como um homem
ou uma mulher. E o processo fazer homens e mulheres é então historicamente e
culturalmente variável; consequentemente, pode ser potencialmente modificado
através de luta política e das políticas públicas.
Seguindo esse debate conceitual, a Secretaria de Políticas para Mulheres, em sua
cartilha sobre o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (2011, p. 20),
adota o termo gênero como a construção social, cultural e também política da(s)
masculinidade(s) e da(s) feminilidade(s), assim como das relações entre homens e mulheres.
Assim, considera que a construção de gênero não surge apenas para diferenciar culturalmente
as categorias masculino e feminino, mas especialmente para diferenciar os sexos no contexto
social e político.
Como se pode perceber, não há consenso em torno do polêmico e rico debate acerca
do gênero. Todavia, tanto o movimento de mulheres quanto o movimento feminista foram
impactados pelas discussões das relações de gênero, mas estas ainda parecem não impactar
tanto a esfera pública como se deveria. Além disso, como mostra Farah, “a incorporação da
perspectiva de gênero por políticas públicas é, no entanto, um tema ainda hoje pouco
explorado”. (FARAH, 2004, p.47).
25
2.2 Gênero e Políticas Públicas no Brasil
No Brasil, as primeiras políticas com “recorte” de gênero se traduziram em políticas
dirigidas a mulheres, ou seja, com ações diferenciadas para mulheres, como a criação do
Conselho Estadual da Condição Feminina (1983) e a primeira Delegacia de Polícia de Defesa
da Mulher (1985), ambos em São Paulo (Cf. FARAH, 2004, p. 51). Além disso, criou-se o
Conselho Nacional de Direitos da Mulher (1985), o qual, juntamente com as organizações não
governamentais ligadas a movimento de mulheres, passou a defender inúmeros direitos para
as mulheres, o que ficou conhecido como “lobby do batom”, em 1987, conforme descreve
Pinto (2006, p. 6):
As suas atividades levaram aos seguintes direitos legais, expressos no Código Civil,
dentre os quais foram concedidos: O direito de as mulheres tomarem decisões sobre
a casa, com os tribunais decidindo em caso de conflito; A supremacia dos homens
nas questões familiares foi eliminada; O direito de a mulher casada declarar
separadamente o imposto de renda e de ter os filhos como dependentes para as
deduções do imposto de renda; A eliminação do direito do homem de impedir que as
suas esposas trabalhem em quaisquer circunstâncias; Os mesmos direitos para os
filhos tidos fora do casamento e aqueles gerados no matrimônio assim como os
mesmos direitos para os parceiros que aqueles dos casamentos formais; O direito à
licença-paternidade paga; A violência sexual como um crime contra os direitos
humanos em oposição ao crime moral, implicando assim em penalidades mais duras
para os que cometem crimes sexuais, além dos direitos trabalhistas e previdenciários
terem sido expandidos para as(os) empregadas(os) domésticas(os).
Em 1988, tem-se a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, a
qual reconheceu a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações, garantindo
tratamento igual perante a lei, conforme o artigo 5º, parágrafo 1º. Neste processo, o Conselho
Nacional de Direitos da Mulher teve papel fundamental, pois conduziu a campanha nacional
denominada “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, realizando diversos
eventos em todo o país e sistematizando as propostas regionais na “Carta das Mulheres à
Assembleia Constituinte”. Segundo Costa (2009, p. 63), o movimento feminista conseguiu
aprovar em torno de 80% de suas demandas legislativas, “se constituindo no setor organizado
da sociedade civil que mais vitórias conquistou”.
Assim, ao final da década de 1980, é possível observar uma “agenda de gênero”
conforme ensina Farah(2004, p.53):
A agenda de gênero,por sua vez, constituída nos anos 70 – integrada a uma agenda
mais abrangente, em torno da democratização e da noção de direitos –, já se
discriminara no final dos anos 80, sendo formulada por um movimento não mais
unitário. Assim, quando, ao final da década de 80, a agenda de reforma da ação do
Estado se redefine e se torna mais complexa, também são mais complexos os
vínculos com a agenda de gênero.
26
Porém, esta agenda não está isenta de conflitos e dissensos. A literatura sobre gênero e
políticas públicas aponta para diversas interpretações à luz do gênero que podem ser
resumidas em dois tópicos: 1) Apesar de inicialmente as políticas com “recorte” de gênero
terem sido dirigidas a mulheres a fim de corrigir as desigualdades e assimetrias entre os sexos,
isto não significa que a agenda de gênero ou as políticas públicas devam contemplar apenas as
mulheres; 2) As políticas públicas devem ser feitas com a participação ampla das mulheres,
ultrapassando a ideia de representação na qual apenas um segmento de mulheres fala em
nome de outro. De um modo geral, a agenda de gênero e as políticas públicas devem
questionar e superar o padrão dominante nas identidades de gênero no qual ainda figuram
sistemas hierárquicos e desiguais. Não é uma agenda simples, muitos assuntos emergem
destes tópicos, como a focalização das políticas, a vitimização das mulheres e a sua
participação x representação, assim resumidos por Farah (2004, p.56):
No debate sobre a focalização há, portanto,diferenças significativas nas abordagens
relativas às políticas com foco na mulher. De um lado, uma ênfase na eficiência e
uma certa ‘funcionalização’ da mulher, vista como um ‘instrumento’ do
desenvolvimento, como ‘potencializadora’ de políticas públicas, pelo papel que
desempenha na família. De outro, uma ênfase em direitos, na constituição da mulher
como sujeito. Assim, a exemplo dos distintos vetores presentes na agenda de
reforma do Estado – o da eficiência e o da democratização – também na agenda de
gênero há uma tensão entre diferentes perspectivas.
No contexto mundial, a partir da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres em Beijin
(1995), foi delineada uma estratégia de abordagem reconhecida como “transversalidade de
gênero”, outro tema emergente da agenda de gênero, que significa garantir a incorporação de
melhorias para as mulheres em todas as dimensões: econômica, política, cultural e social, em
aspectos como remuneração, segurança social, educação, partilha nas responsabilidades
profissionais e familiares, além de paridade nos processos de decisão. (Cf FERREIRA, apud
BANDEIRA, 2005, p. 10). Para Bandeira (2005, p.5), a transversalidade de gênero representa
uma “matriz que permite orientar uma nova visão de competências (políticas, institucionais e
administrativas) e uma responsabilização dos agentes públicos em relação à superação das
assimetrias de gênero, nas e entre as distintas esferas do governo.”.
Conforme referencial teórico utilizado na primeira parte deste capítulo, a formulação e
gestão de políticas públicas é um processo que considera diferentes dimensões: histórica,
processual e organizativa. Neste sentido, a formulação, implementação e avaliação de
políticas públicas devem considerar as seguintes questões: 1) o conflito entre grupos de
interesse e a luta pelo poder e recursos; 2) a inserção da problemática na construção da agenda
27
pública, com a formulação de soluções, a implementação destas alternativas e a avaliação
constante das políticas; 3) o papel dos gestores no processo das políticas públicas.
Ora, conforme vimos, a inserção das questões de gênero na agenda pública foi, e ainda
é, uma das bandeiras de luta dos movimentos feministas, na medida em que estes pretendem
demonstrar como as circunstâncias pessoais das mulheres, vividas em âmbito privado, são
estruturadas por fatores públicos, “por leis sobre a violação e o aborto, pelo status de ‘esposa’,
por políticas relativas ao cuidado de crianças, pela definição de subsídios próprios do estado
de bem-estar e pela divisão sexual do trabalho no lar e fora dele. Portanto, os problemas
‘pessoais’ só podem ser resolvidos através dos meios e das ações políticas”. (PATEMAN
apud COSTA, 2009, p. 53).
Entretanto, conforme já mencionamos, a formulação e a implementação das políticas
públicas passa, também, pela dimensão histórica, relativa à desigualdade de acesso ao poder e
aos recursos. Conforme Bandeira (2005, p. 43), embora os movimentos feministas tenham se
esforçado por exigir políticas públicas de gênero, “é certo que seu eco não ressoou ainda no
plano governamental.”. Para a autora, é necessário subsidiar pesquisas que revelem a
desigualdade de gênero, para que seja evidenciado, em nível governamental, que as políticas
não são neutras para gênero e têm impactos diferenciados em mulheres e homens. Além disso,
é necessário reforçar as políticas afirmativas, especialmente quanto à desigualdade de
remuneração das mulheres no mercado de trabalho.
Para ilustrar a importância da dimensão organizativa, que considera o papel dos
gestores no processo de políticas públicas, trazemos a constatação de Bandeira (2005, p. 43),
que verifica a necessidade de fortalecimento da instância de decisão política da Secretaria de
Políticas para Mulheres (SPM), no âmbito da Presidência da República. Para a pesquisadora,
o poder decisório deveria abranger todas as áreas do governo, com desdobramentos nas
esferas estaduais e municipais, incluindo a dimensão de gênero na definição, aplicação e
avaliação das políticas públicas de nível nacional ou setorial. Também importante é
considerar que, além da ênfase na inclusão de mulheres como beneficiárias das políticas, há
uma reivindicação de inclusão das mulheres entre os atores que participam da formulação, da
implementação e do controle das políticas públicas. (FARAH, 2004, p. 54).
A nova agenda de políticas públicas corresponde, portanto, à implementação efetiva
das diretrizes traçadas pela IV Conferência Mundial sobre as Mulheres (Beijin - 1995), as
quais são pontuadas por Farah (2004, p. 57-58): 1) Violência; 2) Saúde; 3) Meninas e
adolescentes; 4) Geração de emprego e renda 5) Educação; 6) Trabalho; 7) Infra-estrutura
28
urbana e habitação; 8) Questão agrária; 9) Incorporação da perspectiva de gênero por toda
política pública (transversalidade); 10) Acesso ao poder político e empowerment.
Quanto a este último aspecto, Farah (2004, p. 58) ressalta que diz respeito à abertura
de espaços de decisão às mulheres, como forma de garantir sua atuação na formulação e
implementação de políticas públicas, além da criação de condições de autonomia para que as
mulheres possam decidir sobre suas próprias vidas, envolvendo mudanças nas relações de
poder nos diversos espaços em que estão inseridas: trabalho, casa, vida pública, etc.
Assim, baseados na plataforma de ação elaborada na Conferência, os países
participantes, entre eles o Brasil, passaram a estruturar a agenda pública nos anos
subsequentes, pensando a questão de gênero. Neste contexto, foi criada a Secretaria Especial
de Políticas para Mulheres, em 2003, ligada à Presidência da República. Em 2004, foi
realizada a I Conferência Nacional para Mulheres, com vistas a criar o Plano Nacional de
Políticas para Mulheres. Esta Conferência foi precedida de plenárias municipais e regionais,
além de Conferências Estaduais:
Calcula-se que aproximadamente 500 mil mulheres participaram em todo o processo
nos âmbitos municipais, estaduais e federal. Participaram, na qualidade de delegadas
das 27 conferências estaduais realizadas no país, 14.050 mulheres, durante os meses
de maio e junho (SEPM, 2004a), das quais 2.000 foram indicadas como delegadas
para a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, realizada em 14
e 15 de julho. Segundo estimativas, 47% das mulheres participantes pertenciam a
organizações do movimento de mulheres negras. (COSTA, 2009, p. 74)
Essa estratégia de participação foi articulada para garantir um maior número de
delegadas vinculadas ao movimento feminista e assegurar a incorporação de demandas
contidas na Plataforma Feminista2 ao Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Além disso,
a participação nas conferências locais e estaduais visavam garantir que o movimento não seria
utilizado de forma meramente ilustrativa, “com poucos resultados concretos sobre as
definições do futuro plano” (ARTICULAÇÃO, apud COSTA, 2009, p. 74).
2 A Plataforma Política Feminista foi elaborada a partir de debates e mobilizações regionais organizadas por uma
Comissão Nacional e 26 comitês regionais, sendo aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras,
ocorrida em junho de 2002. Contou com a participação de diversos segmentos dos movimentos de mulheres
(feministas, sindicalistas, movimentos populares, negras, “terceira idade”, lésbicas, trabalhadoras rurais,
indígenas, juventude, parteiras, domésticas e mulheres com deficiência). A Plataforma se apresenta como: “[...]
um documento extenso, denso, propositivo e de conteúdo amplo e diversificado construído a partir de uma
perspectiva feminista de questionamento da sociedade e de se repensar como sujeito político. Seu texto contém
análise e desafios para a sociedade, para o Estado, e para outros movimentos além do próprio feminismo. As
ênfases da Plataforma estão traduzidas em cinco capítulos, tratando desde os temas da democracia política, da
justiça social e da inserção do Brasil no contexto internacional, e chegando até a democratização da vida social, e
da liberdade sexual e reprodutiva. Nos diferentes capítulos articulam-se as especificidades da dupla estratégia de
luta do feminismo brasileiro com vistas ao reconhecimento das diferenças e dos novos movimentos de mulheres;
e à igualdade, redistribuição de riquezas e pela justiça social.” (PLATAFORMA, 2002, p.8 )
29
Assim, a primeira edição do Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM) foi
lançada em 2005, contendo objetivos para serem alcançados até o ano de 2007. Inicialmente,
o plano se estruturou em 199 ações, distribuídas em 26 prioridades, as quais se encontraram
agrupadas em quatro linhas de ação: a) Autonomia, igualdade no mundo trabalho e cidadania;
b) Educação inclusiva e não sexista; c) Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos
reprodutivos; d) Enfrentamento à violência contra as mulheres. Quanto a este último eixo,
continha os seguintes objetivos (BRASIL, 2005, p. 13):
1. implantar uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher;
2. garantir o atendimento integral, humanizado e de qualidade às mulheres em
situação de violência; 3. reduzir os índices de violência contra as mulheres;
4.garantir o cumprimento dos instrumentos e acordos internacionais e revisar a
legislação brasileira de enfrentamento à violência contra as mulheres
Em 2007, foi realizada a II Conferência Nacional para Mulheres, nos mesmos moldes
da Conferência anterior, com a participação de 2.700 delegadas na etapa nacional. Lançou-se,
no ano seguinte, o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, reformulando-se as linhas de
ação e contemplando 394 ações nos seguintes eixos: I) Autonomia econômica e igualdade no
mundo do trabalho, com inclusão social; II) Educação inclusiva, não-sexista, não-racista, não-
homofóbica e não-lesbofóbica; III) Saúde das Mulheres, direitos sexuais e direitos
reprodutivos; IV) Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres; V)
Participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; VI) Desenvolvimento sustentável
no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental, soberania e
segurança alimentar; VII) Direito à terra, moradia digna e infra-estrutura social nos meios
rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; VIII) Cultura, comunicação e mídia
igualitárias, democráticas e não discriminatórias; IX) Enfrentamento do racismo, sexismo e
lesbofobia; X) Enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com
especial atenção às jovens e idosas; XI) Gestão e monitoramento do plano.
Para este II PNPM, quanto ao eixo relativo ao enfrentamento de todas as formas de
violência contra as mulheres, foram traçados os seguintes objetivos:
I. Consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres com plena efetivação da Lei Maria da Penha; II. Implementação do Pacto
Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres; III. Implementação
do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no que diz respeito às
ações referentes ao tráfico de mulheres, jovens e meninas.
Como se pode observar, os objetivos estão concentrados na implementação de três
políticas: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Pacto Nacional
pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Plano Nacional de Enfretamento ao
30
Tráfico de Pessoas. Constata-se, portanto, que o I PNPM cuidou de prever a elaboração das
políticas, enquanto o II PNPM se preocupou com a questão da implementação.
Em dezembro de 2011, ocorreu a 3ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres,
contando com a participação de 2.125 delegadas eleitas nas etapas regionais. Desta
Conferência, foi elaborado o III PNPM, o qual cria objetivos e metas a serem atingidos entre
os anos de 2013 e 2015. A novidade na estrutura é a previsão de um plano de trabalho, o qual
detalha ações, órgãos responsáveis e órgãos parceiros. Além disso, o plano de trabalho
relaciona cada ação às metas e objetivos do Plano Plurianual do Governo (PPA), como forma
de demonstrar a necessidade da transversalidade de gênero nas políticas públicas:
É preciso considerar o caráter transversal e complexo na implementação do PNPM,
pois algumas ações são implementadas diretamente pela SPM enquanto outras são
implementadas por diversos outros órgãos governamentais, não cabendo à SPM sua
execução. [...] para a implementação transversal do PNPM, a SPM considera
fundamental a consolidação de mecanismos de gênero nos órgãos e ministérios.
Sejam esses mecanismos assessorias, coordenações ou diretorias, a transversalidade
das políticas públicas na questão de gênero somente se institucionaliza quando todos
os órgãos do governo internalizam o olhar de gênero como uma constante em suas
ações. (BRASIL, 2013, p. 12-13)
Quanto às linhas de ação, o III PNPM mantém os grandes temas já consolidados nos
planos anteriores, adequando nomenclaturas e incorporando novas demandas sociais, sempre
com o enfoque de gênero: I) Igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica; II)
Educação para igualdade e cidadania; III) Saúde integral das mulheres, direitos sexuais e
direitos reprodutivos; IV) Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres;
V) Fortalecimento e participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; VI)
Desenvolvimento sustentável com igualdade econômica e social; VII) Direito à terra, com
igualdade para as mulheres do campo e da floresta; VIII) Cultura, esporte, comunicação e
mídia; IX) Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; X) Igualdade para as mulheres
jovens, idosas e mulheres com deficiência.
Quanto ao eixo relativo ao enfrentamento de todas as formas de violência contra as
mulheres, o novo PNPM insiste em objetivos que buscam resolver antigos e persistentes
problemas:
I. Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência
considerando as questões étnicas, raciais, geracionais, de orientação sexual, de
deficiência e de inserção social, econômica e regional. II. Garantir a implementação
e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, por meio de difusão da lei e do
fortalecimento dos instrumentos de proteção dos direitos das mulheres em situação
de violência. III. Ampliar e fortalecer os serviços especializados, integrar e articular
os serviços e instituições de atendimento às mulheres em situação de violência,
especialmente as mulheres do campo e da floresta. IV. Proporcionar às mulheres em
situação de violência um atendimento humanizado, integral e qualificado nos
serviços especializados e na rede de atendimento. V. Desconstruir mitos e
preconceitos em relação à violência contra a mulher, promovendo uma mudança
31
cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito
respeito às diversidades e de valorização da paz. VI. Identificar e responsabilizar os
agressores das mulheres que sofrem violência doméstica e sexual. VII. Prestar
atendimento às mulheres que têm seus direitos humanos e sexuais violados,
garantindo os direitos sexuais e os direitos reprodutivos na perspectiva da autonomia
das mulheres sobre seu corpo e sobre sua sexualidade. VIII. Garantir a inserção das
mulheres em situação de violência nos programas sociais nas três esferas de
governo, de forma a fomentar sua independência e autonomia. (BRASIL, 2013, p.
43)
Percebe-se, assim, que no âmbito do PNPM, os desafios para a questão do
enfrentamento à violência contra a mulher continuam centrados na implementação das
políticas delineadas a partir dos planos anteriores. A luta primeira foi criar uma Política
Nacional, um Pacto e uma Lei - hoje, os desafios estão na verdadeira implementação e na
constante avaliação do plano.
Para os fins propostos neste trabalho, passamos a abordar, então, a questão referente
ao enfrentamento da violência contra as mulheres.
2.3 Políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres
A violência contra as mulheres é uma forma de expressão das relações sociais
estabelecidas em torno da questão de gênero, das relações hierárquicas desiguais que
estabelecem dominação e subalternidade. (CHAUÍ, 1985; SAFFIOTI, 1987; AZEVEDO
1981; GREGORI, 1993). Desta forma, a subordinação da mulher ao homem, conforme
assevera Viezzer (1989, p. 95) atravessou todos os períodos da chamada civilização,
permanecendo até os nossos dias.
Embora cada pesquisadora aponte um conjunto de causas para a existência da
violência contra a mulher, neste trabalho não explicitaremos tais temas, pois o objetivo da
pesquisa não é a investigação sobre as origens da violência: partimos do pressuposto que ela
existe e que as mulheres são vítimas em função da questão de gênero que permeia as relações.
Muitos fatores são apontados por quem pesquisa o fenômeno da violência de gênero,
entretanto, os fatos comprovados estatisticamente revelam: o uso da força física é uma das
formas mais comuns de subjulgar e exercer poder sobre o outro, no caso, "a outra", embora
não seja a única forma de violência existente.
Os indicadores são pontuais neste sentido. O Mapa da Violência 2012 (WAISELFIS,
2012, p. 5), revela que "nos 30 anos decorridos a partir de 1980 foram assassinadas no país
perto de 91 mil mulheres, 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos
passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% – mais que triplicando –
32
nos quantitativos de mulheres vítimas de assassinato." O Dossiê Mulher 2012 apresenta
relatório sobre a violência contra a mulher no Estado do Rio de Janeiro: "Em 2011, foram
registrados 4.871 casos de estupro, 81.273 casos de ameaça, 84.709 casos de lesão corporal
dolosa, 4.242 casos de tentativa de homicídio e 4.279 casos de homicídio doloso. Desses
totais, os percentuais de mulheres vítimas foram, respectivamente, 82,6%, 66,8%, 64,5%,
16,0% e 7,1%". Ou seja, nos casos de estupro, ameaça e lesão corporal, a maioria das vítimas
foram mulheres. (TEIXEIRA; PINTO; MORAES, 2012, p. 10)
Nesta perspectiva, Soihet (2009, p. 371) entende que a normatização, a cultura, a
discriminação e a submissão femininas se constituíram uma espécie de violência já
experimentada pelas mulheres que viveram entre os séculos XVI e XVIII. Para a autora, neste
período, que se iniciou com o Iluminismo e sua suposta racionalidade, a violência se
expressou de inúmeras formas simbólicas: inferioridade jurídica, inculcação escolar dos
papéis sociais, divisão das atribuições e dos espaços, impedimento de participação na esfera
pública, entre outras, ou seja, a violência não se limitou ao embate físico.
Os discursos sobre a inferioridade feminina se afirmaram em textos filosóficos da
época:
Quanto ao físico, a mulher é, pela sua fisiologia, mais fraca do que o homem, as
perdas periódicas de sangue que enfraquecem as mulheres e as doenças que
aparecem com a sua supressão, os tempos de gravidez, a necessidade de
amamentarem os filhos e de velarem constantemente por eles, e a delicadeza de seus
membros, tornam-na pouco propícias para todos os trabalhos e para todas as
profissões que exigem força e resistência. (VOLTAIRE, apud DUBY; PERROT,
1993, p. 382)
Beauvoir (1980, p. 73), entretanto, afirma que a humanidade não é uma espécie
animal: é uma realidade histórica. Dito isso, a filósofa contesta o argumento puramente
biológico que atribui às mulheres a inferioridade e que serviu de embasamento para discursos
legitimadores do domínio e do poder dos homens: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume
no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre
o macho e o castrado que qualificam de feminino." (BEAUVOIR, 1967, p. 9).
Disso se pode extrair que há um fator cultural que julga certas práticas normais ou
violentas. As condutas que hoje se compreendem como "violência contra a mulher", na
realidade, nem sempre foram consideradas ilegítimas ou injustas, nem sempre constaram em
estatísticas ou alarmaram as sociedades, embora haja um consenso entre as pesquisadoras do
gênero de que as formas de subjugação sempre existiram.
33
Entretanto, conforme Blay (2003, p. 87), desde a metade do século XIX até depois da
Primeira Guerra Mundial, com a profunda mudança no panorama econômico e cultural
mundial, na industrialização e na urbanização, esse cenário de submissão das mulheres foi se
alterando, passando as mesmas cada vez mais a ocupar espaço nas ruas, a trabalhar fora de
casa, a estudar e exercer outras atividades, antes destinada somente a homens.
No Brasil, conforme De Souza, Baldwin e Da Rosa (2000, p. 487), houve a influência
de três setores para a criação dessa conjuntura histórica. Primeiramente o político, em 1975,
quando a ditadura militar enfraquecia e a abertura política permitia às Nações Unidas uma
coesão com os movimentos feministas que já eclodiam no país, por meio da realização de
conferências, convenções e tratados internacionais.
Em segundo lugar, o setor econômico, no mesmo período:
[...] a participação feminina na população economicamente ativa (PEA) brasileira
aumentou de 18,5% para 26,9%. A participação feminina na PEA em posições
administrativas quase dobrou entre 1960 e 1980 de 8,2% para 15,4%. O número de
mulheres em profissões de alto prestígio (p. ex., engenheiras, economistas, médicas,
professoras universitárias e advogadas) cresceu aproximadamente 400% nessa
década, de 19.000 em 1970 para 95.800 em 1980. Em 1980, já havia
aproximadamente o mesmo número de homens e mulheres brasileiros nas
universidades (689.000 homens e 663.000 mulheres). (DE SOUZA; BALDWIN;
DA ROSA, 2000, p. 487).
O terceiro setor que auxiliou na nova compreensão do papel da mulher na sociedade
foi o religioso. O modelo de Maria (Marianismo), que pregava a abnegação, a passividade, a
castidade e a dedicação materna, foi reformulado até mesmo pela Igreja Católica nos anos 70,
com a Teologia da Libertação. Foram formados grupos comunitários (Comunidades
Eclesiásticas de Base) que se dedicavam às ações sociais e políticas em prol dos trabalhadores
e das classes mais pobres, e estes grupos frequentemente eram liderados por mulheres. Daí
então, que a Igreja passou a apoiar as mulheres como, também, um grupo social oprimido. As
religiões afro-brasileiras também concederam força libertadora às mulheres, especialmente
entre as pobres, “oferecendo-lhes modelos de papéis positivos (p. ex., mãe-de-santo),
compensando a falta de poder que elas experimentam na sociedade” (DE SOUZA;
BALDWIN; DA ROSA, 2000, p. 487).
Com isso, comportamentos que antes eram considerados "normais" passaram a ser
questionados e classificados como violência, como por exemplo, proibir a mulher de trabalhar
fora de casa, determinar o tipo de roupa que deve usar, impedir sua participação em atividades
sociais, entre outras, ocorrendo uma certa emancipação da mulher, minimizando a dominação
patriarcal no espaço doméstico.
34
Desta forma, a questão da violência passou a se tornar um tema visível, demandando
inserção na agenda de políticas públicas. No Brasil, o tema ganhou espaço também nos meios
midiáticos no final da década de 70, despertando sentimentos na sociedade civil a partir de
casos como o de “Doca Street”, que matou a namorada, Angela Diniz - uma personalidade
conhecida nas colunas sociais do Rio de Janeiro. A principal estratégia da defesa do réu foi a
desqualificação da vítima, fazendo uma alusão à sua vida desregrada e a problemas judiciais
enfrentados, como porte de entorpecentes e a perda da guarda dos filhos. Tais argumentos,
longe de advogarem a favor do criminoso, passaram a despertar revolta nos movimentos
feministas organizados, que foram para as ruas e protestaram sob o lema “quem ama não
mata”. (Cf. MIRANDA, 2008).
Em termos de políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher,
surgem as primeiras iniciativas isoladas: a criação de Casas Abrigos e de Delegacias da
Mulher em diversos Estados, entre os anos 1985 e 2003. (BRASIL, 2011b, p.16.)
A partir de 2003, com a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres, no âmbito do
Governo Federal, as políticas de enfrentamento são ampliadas, passando-se à inclusão de
ações integradas, como: “criação de normas e padrões de atendimento, aperfeiçoamento da
legislação, incentivo à constituição de redes de serviços, o apoio a projetos educativos e
culturais de prevenção à violência e ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços
de segurança pública.” (BRASIL, 2011b, p.7)
Também a partir da construção dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres, o
enfrentamento à violência contra mulheres é consolidado como prioritário no campo de
políticas públicas. As ações de enfrentamento não se restringem às ações de segurança e
assistência, mas objetivam a criação de diversos serviços como centros de referência,
defensorias públicas, serviços de responsabilização e educação do agressor, promotorias e
varas especializadas, dentre outros. (Cf. BRASIL, 2011b, p.16).
Paralelamente à construção dos instrumentos políticos, se desenvolvia o processo
legislativo que culminou, em 07 de agosto de 2006, com a publicação da Lei 11.340 –
conhecida por Lei Maria da Penha. A referida lei, conforme previsto no artigo 1º, cria
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de
dispor sobre a criação dos Juizados de violência doméstica e familiar, e estabelecer medidas
de assistência e proteção às mulheres. (BRASIL, 2006).
É importante lembrar, entretanto, que a criação da Lei Maria da Penha foi resultado de
uma condenação do Brasil, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos - OEA (cf. SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES,
35
2012). Movida por denúncia de organismos de defesa dos direitos humanos, a referida
Comissão entendeu que o Estado brasileiro se omitiu no caso das duas tentativas de homicídio
sofridas pela biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes, perpetrados por seu marido,
restando impune o autor dos crimes. Assim, como condenação, o Brasil precisou realizar o
julgamento do agressor e também elaborar uma lei específica para os casos de violência
doméstica, o que desencadeou o processo legislativo que deu origem à publicação da Lei
Maria da Penha.
A lei tem o mérito de conceituar violência doméstica e familiar, fazendo uma relação
com a ação ou omissão baseada no gênero:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito
da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de
pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II -
no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor
conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual. (grifo nosso)
Este artigo prevê que a violência pode ser doméstica ou familiar, desde que haja uma
ação ou omissão baseada no gênero. A lei, portanto, não difere quando se trata de violência
doméstica, familiar: o que importa é que seja contra a mulher e que seja baseada no gênero.
Assim porque a Lei Maria da Penha não tem aplicação direta para homens que sofrem
violência doméstica, por exemplo, um filho em relação a um pai. Alguns tribunais já
estenderam a aplicação da lei para casos de uniões entre homossexuais e também para
violência familiar perpetrada contra transexuais. Entretanto, são decisões minoritárias e
derivam de uma interpretação extensiva da lei.
Sobre este aspecto, é importante ressaltar que, teoricamente, as violências doméstica e
a familiar são categorias distintas, e que merecem ser especificadas, pois também diferem da
violência de gênero, conforme trabalhado por Saffioti antes mesmo da publicação da Lei
Maria da Penha (1999, p. 82-83):
A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de
violência familiar e, não raramente, de violência de gênero. [...] Não há maiores
dificuldades em se comprometer a violência familiar, ou seja, aquela que envolve
membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a
consanguinidade e a afinidade. Compreendida na violência de gênero, a violência
familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais
frequente no primeiro caso. A violência intrafamiliar extrapola os limites do
domicílio. [...] A violência doméstica apresenta pontos de sobreposição com a
familiar, podendo também atingir pessoas que, não pertencendo à família, vivem,
parcial ou integralmente, no domicílio do agressor, como é o caso de agregados e
36
empregadas (os) domésticas (os). Estabelecido o domínio de um território, o chefe,
via de regra um homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais
ocupantes. O processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico,
mas também simbólico.
Quanto à violência de gênero, a autora ressalta que concerne preferencialmente às
relações homem-mulher, o que não significa que uma relação entre duas mulheres ou dois
homens não possa se enquadrar nesta categoria. Em outra obra, Saffioti (2001, p. 115) ressalta
que a violência de gênero é conceito amplo, abrangendo vítimas mulheres, crianças e
adolescentes de ambos os sexos:
No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta
das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância
da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja
nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do
prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da
categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela
violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência
das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este necessidade de fazer uso
da violência. Nada impede, embora seja inusitado, que uma mulher pratique
violência física contra seu marido/companheiro/namorado. As mulheres como
categoria social não têm, contudo, um projeto de dominação-exploração dos
homens.
As mulheres podem, portanto, serem vítimas de violência de gênero, mas também
violentadoras, quando exercem por delegação do chefe do grupo domiciliar uma violência que
seria masculina: "a violência doméstica tem um gênero: o masculino, qualquer que seja o sexo
físico do/da dominante" (WELZER-LANG apud SAFFIOTI, 1999, p. 84). Assim, a violência
de gênero pode ser entendida para além da relação violenta entre homem e mulher,
compreendendo também a de adultos contra crianças e adolescentes.
Estas considerações servem para ilustrar o quanto o debate sobre violência de gênero
ainda deve avançar, pois hoje a Lei Maria da Penha não diferencia estas categorias e se
restringe à proteção de mulheres, que estejam sob violência doméstica e familiar baseadas no
gênero, ou seja, é necessário que todas as categorias estejam combinadas e possam ser
comprovadas de plano no processo.
Por outro lado, tem-se a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres, a qual foi um dos objetivos I Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Este
instrumento tem por finalidade "estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de
prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de
direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e instrumentos internacionais
de direitos humanos e legislação nacional." (BRASIL, 2011b, p.9).
37
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres adota uma
definição mais ampla sobre violência, fundamentada na Convenção de Belém do Pará (1994),
segundo a qual a violência contra a mulher constitui "qualquer ação ou conduta, baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no
âmbito público como no privado.", compreendendo:
1) A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o
agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que
compreende, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e
patrimonial (Lei 11.340/2006); 2) A violência ocorrida na comunidade e seja
perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso
sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual
no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de
saúde ou qualquer outro lugar; 3) A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou
seus agentes, onde quer que ocorra (violência institucional). (BRASIL, 2011b, p. 19)
As ações se concentram nas seguintes espécies de violência contra a mulher: violência
doméstica e familiar e suas subdivisões (lei 11.340/2006); tráfico de mulheres; violência
sexual; exploração sexual comercial de mulheres adolescentes/jovens; violência institucional;
assédio sexual, assédio moral e cárcere privado. Abaixo, apresento quadro contendo o resumo
dos conceitos de cada espécie de violência, conforme o texto da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres:
Tabela 1 - Espécies de violência contra as mulheres e conceito.
ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA CONCEITO
Violência Doméstica Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à
mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no
âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, na
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação (Lei nº 11.340/2006). Divide-
se em violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral)
Violência Sexual "É a ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico
ou verbal, ou participar de outras relações sexuais com uso da
força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação,
ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule o limite
da vontade pessoal." (BRASIL, 2011b, p. 22)
Violência física Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da
mulher.
Violência Psicológica "Conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima
da mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que
lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação"
38
(BRASIL, 2011b, p. 22)
Violência Patrimonial Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades. (BRASIL, 2011b, p. 22)
Violência Moral Entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. (BRASIL, 2011b, p. 22)
Violência Institucional É aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições
prestadoras de serviços públicos. Mulheres em situação de
violência são, por vezes, ‘revitimizadas’ nos serviços quando:
são julgadas; não têm sua autonomia respeitada; são forçadas a
contar a história de violência inúmeras vezes; são discriminadas
em função de questões de raça/etnia, de classe e geracionais.
Outra forma de violência institucional que merece destaque é a
violência sofrida pelas mulheres em situação de prisão, que são
privadas de seus direitos humanos, em especial de seus direitos
sexuais e reprodutivos. (BRASIL, 2011b, p. 23)
Tráfico de Mulheres "[...]baseia-se em uma abordagem focada na perspectiva dos
direitos humanos das mulheres e no Protocolo de Palermo, em
que há três elementos centrais: 1.movimento de pessoas, seja
dentro do território nacional ou entre fronteiras; 2. uso de engano
ou coerção, incluindo o uso ou ameaça da força ou abuso de
autoridade ou situação de vulnerabilidade; e, 3. a finalidade de
exploração (exploração sexual; trabalho ou serviços forçados,
incluindo o doméstico; escravatura ou práticas similares à
escravatura; servidão; remoção de órgãos; casamento servil)."
(BRASIL, 2011b, p. 23)
Exploração Sexual de Mulheres meio pelo qual um indivíduo tira proveito da sexualidade de
outra pessoa (neste caso, das mulheres) com base numa relação
desigual de poder, podendo fazer uso da coerção física,
psicológica e do engano. (BRASIL, 2011b, p. 24)
Exploração sexual comercial de
mulheres, adolescentes/jovens
"Exploração sexual para fins comerciais trata-se de uma prática
que envolve troca de dinheiro com/ou favores entre um usuário
um intermediário/aliciador/agente e outros que obtêm lucro com
a compra e venda do uso do corpo das crianças e dos
adolescentes, como se fosse uma mercadoria”. [...] Existem três
formas primárias de exploração sexual comercial e que possuem
uma relação entre si: a prostituição, a pornografia e o tráfico
com fins sexuais, incluindo-se aí o turismo sexual." (BRASIL,
2011b, p. 24)
Assedio Sexual "A abordagem, não desejada pelo outro, com intenção sexual ou
insistência inoportuna de alguém em posição privilegiada que
usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subalternos ou
dependentes. Para sua perfeita caracterização, o constrangimento
deve ser causado por quem se prevaleça de sua condição de
superior hierárquico ou ascendência, inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função" (BRASIL, 2011b, p. 24)
Assedio Moral É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos,
comportamento, atitude, etc.) que, intencional e frequentemente,
fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa,
ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
(BRASIL, 2011b, p. 24)
Cárcere Privado Segundo o Art. 148 do Código Penal Brasileiro, configura-se
39
quando uma pessoa é impedida de andar com liberdade e é
mantida presa contra a vontade. E se a vítima é a mãe, pai, filho,
filha ou esposa do agressor, a pena é aumentada. (BRASIL,
2011b, p. 24)
Fonte: a autora.
De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres
(BRASIL, 2011b, p. 21), o enfoque de gênero é fundamental para compreender estes tipos de
violência:
A violência contra as mulheres só pode ser entendida no contexto das relações
desiguais de gênero, como forma de reprodução do controle do corpo feminino e das
mulheres numa sociedade sexista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm,
assim, na violência contra as mulheres, sua expressão máxima que, por sua vez,
deve ser compreendida como uma violação dos direitos humanos das mulheres.
O texto reconhece, ainda, que a violência de gênero contra as mulheres remete "a um
fenômeno multifacetado, com raízes histórico-culturais, é permeado por questões étnico-
raciais, de classe e de geração" (BRASIL, 2011b, p. 21), requerendo do Estado e demais
agentes uma abordagem intersetorial e multidimensional, que envolva diversos setores como
saúde, educação, assistência social, segurança pública, cultura, justiça e outros. Por isso, a
política não se denomina combate à violência, e sim enfrentamento, pois "a noção de
enfrentamento não se restringe à questão do combate, mas compreende também as dimensões
da prevenção, da assistência e da garantia de direitos das mulheres." (BRASIL, 2011b, p. 25).
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é composta
pelas seguintes diretrizes: 1) Garantir o cumprimento dos tratados, acordos e convenções
internacionais firmados e ratificados pelo Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da
violência contra as mulheres; 2) Reconhecer a violência de gênero, raça e etnia como
violência estrutural e histórica que expressa a opressão das mulheres e que precisa ser tratada
como questão da segurança, justiça, educação, assistência social e saúde pública; 3) Combater
as distintas formas de apropriação e exploração mercantil do corpo e da vida das mulheres,
como a exploração sexual e o tráfico de mulheres; 4) Implementar medidas preventivas nas
políticas públicas, de maneira integrada e intersetorial nas áreas de saúde, educação,
assistência, turismo, comunicação, cultura, direitos humanos e justiça; 5) Incentivar a
formação e capacitação de profissionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres,
em especial no que tange à assistência; 6) Estruturar a Redes de Atendimento à mulher em
situação de violência nos Estados, Municípios e Distrito Federal. (BRASIL, 2011b, p. 32-33).
40
Para implementar as ações nos Estados e Municípios, o Governo lançou, em 2007, o
Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, como parte de sua agenda
social. Conforme a Secretaria de Políticas para Mulheres (BRASIL, 2011a, p.11), o pacto
consiste:
[...] em um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos
municípios brasileiros para o planejamento de ações que consolidassem a Política
Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da
implantação de políticas públicas integradas em todo território nacional.
A proposta inicial do Pacto era estruturar as ações em torno de quatro áreas, os quais
foram ampliados, no ano de 2011, para cinco eixos: 1) Garantia da aplicabilidade da Lei
Maria da Penha; 2) Ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres em
situação de violência; 3) Garantia da segurança cidadã e acesso à Justiça; 4) Garantia dos
direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres;
5) Garantia da autonomia das mulheres em situação de violência e ampliação de seus direitos.
(BRASIL, 2011a, p.12).
O Pacto e as ações nele propostas se baseiam em três premissas: a transversalidade de
gênero, a intersetorialidade e a capilaridade:
A transversalidade de gênero visa garantir que a questão de violência contra a
mulher e de gênero perpasse as mais diversas políticas públicas setoriais. A
intersetorialidade, por sua vez, compreende ações em duas dimensões: uma
envolvendo parcerias entre organismos setoriais e atores em cada esfera de governo
(ministérios, secretarias, coordenadorias, etc.); e outra, implica uma maior
articulação entre políticas nacionais e locais em diferentes áreas (saúde, justiça,
educação, trabalho, segurança pública, etc.). Dessa articulação decorre a terceira
premissa que diz respeito à capilaridade destas ações, programas e políticas; levando
a proposta de execução de uma política nacional de enfrentamento à violência contra
as mulheres até os níveis locais de governo. (BRASIL, 2011a, p.24).
Desta forma, percebe-se que o Pacto Nacional visa desenvolver ações para além das
áreas de segurança pública e assistência social, pois tem como Objetivo Geral “enfrentar todas
as formas de violência contra as mulheres a partir de uma visão integral deste fenômeno”.
(BRASIL, 2011a, p.26). Tem, ainda, como objetivos específicos: a redução dos índices de
violência contra as mulheres; a promoção de uma mudança cultural a partir da disseminação
de atitudes igualitárias, de valores éticos de respeito às diversidades de gênero e de
valorização da paz; a garantia e proteção dos direitos das mulheres em situação de violência,
considerando questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de
inserção social, além de fatores econômicos e regionais.
Para cada Eixo previsto no Pacto, são previstas uma série de ações, que “alinham
aspectos técnicos, políticos, culturais, sociais e conceituais acerca do tema, orientando
41
procedimentos, construindo protocolos, normas e fluxos que institucionalizem e que garantam
legitimidade aos serviços prestados e às políticas implementadas.” (BRASIL, 2011a, p.56).
As ações envolvem políticas de diferentes esferas de governo e de diversos órgãos, como
resultado do princípio da transversalidade de gênero.
É importante ressaltar que o próprio Pacto prevê, também, etapas para sua
implementação, gestão e monitoramento, tanto em nível federal, como estadual e municipal.
Os Estados que aderiram ao Pacto e executam as ações nele previstas, recebem repasses do
Governo Federal, por meio da Secretaria de Políticas para Mulheres. As informações sobre o
Pacto em cada Estado se encontram disponíveis no sítio da Secretaria, sendo que a Região Sul
foi uma das que menos recebeu repasses, provavelmente em virtude dos Estados não terem
aderido efetivamente o Pacto – apenas realizaram acordos de cooperação federativos.
Passamos, agora, ao estudo sobre a Polícia Civil de Santa Catarina, a fim de
compreender sua estrutura e atribuições legais, bem como seu papel no contexto de
enfrentamento à violência contra a mulher.
3 AS ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA
Na obra “Violência contra a mulher: quem mete a colher?”, Vinagre Silva (1992, p.40)
analisa a prática policial civil no Rio de Janeiro, especialmente no que se refere ao
atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ao iniciar o estudo sobre
a Polícia Civil, destaca que “a tradição institucional brasileira cria, aliada a um conjunto de
traços culturais e estruturais, um caldo autoritário e antidemocrático, que a priori tende a
inviabilizar o sentido expresso da existência da instituição policial: garantir a ordem e cumprir
a lei.”.
Para a pesquisadora, há um suporte cultural, uma cultura de violência, autoritarismo e
impunidade, onde o direito de cidadania não é reconhecido. Por outro lado, ela pontua que a
instituição policial é percebida pelas frações de classe que não tem acesso a informações
básicas sobre seus direitos sociais como “concreta, real e única mediadora entre as situações
cotidianas de violência e o ordenamento jurídico estabelecido” (FICHER apud VINAGRE
SILVA, 1992, p. 45).
A lógica de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” foi superada pela
atual legislação e é, portanto, vedada aos servidores públicos que atuam na área da segurança,
especialmente nas Delegacias de Polícia. Entretanto, é necessário resgatar o surgimento
histórico e as funções cultural e legalmente atribuídas a essa instituição, a fim de que se possa
vislumbrar uma transição de uma polícia repressiva, truculenta e antidemocrática para uma
instituição que atue de forma preventiva e garanta a proteção das vítimas de violência
3.1 Polícia Civil: origem, atribuições legais e a atuação preventiva
A história da polícia no Brasil teve início com a vinda da Família Real
Portuguesa, quando foi adotado o modelo de Intendência de Polícia, por meio de alvará do
Príncipe Regente, em 10 de maio de 1808 (BRASIL, 1891, p. 26-27). Este modelo já
funcionava em Lisboa desde 1760, onde o Intendente coordenava as atribuições policiais dos
magistrados judiciais, além de manter sob sua subordinação a Real Casa Pia e a Guarda Real
de Polícia3. Segundo Marcineiro (2009, p.25), no Rio de Janeiro o Intendente exercia as
seguintes atribuições:
3 A Real Casa Pia era uma instituição responsável pela integração sócio-profissional de jovens envolvidos com
atividades irregulares e a marginalidade. A Guarda Real de Polícia era uma força armada dependente da
43
Dentre as suas funções, além de ter a responsabilidade de policiar as ruas, expedir
passaportes, vigiar os estrangeiros, fiscalizar as condições sanitárias dos depósitos
de escravos e providenciar moradia para os novos habitantes que a cidade recebeu
com a chegada da corte, esperava-se que ele transformasse a vila colonial,
provinciana, inculta, suja e perigosa em algo mais parecido com uma capital
européia, digna de sediar a monarquia portuguesa. Além de tudo isso, ele deveria
aterrar pântanos, organizar o abastecimento de água e comida e a coleta de lixo e
esgoto, calçar e iluminar as ruas usando lampiões a óleo de baleia, construir
estradas, pontes, aquedutos, fontes, passeios e praças públicas.
Segundo Genovez (2011), a Intendência de Polícia foi extinta no ano de 1831,
sendo sucedida pela Chefia de Polícia, cargo previsto no Código de Processo Criminal do
Império, de 1832. Dois anos depois, foi implantada a Chefia de Polícia em Santa Catarina e,
em 1835, a Força Pública, que tinha como função “atender os interesses da Monarquia, evitar
aglomeração de escravos e atender aos anseios da classe dominante, além de se constituírem
em braço armado do poder público para execução das posturas municipais.” (MARCINEIRO,
2009, p.27).
Assim, inicia-se a distinção de atribuições entre Polícia Judiciária, a qual originou
a Polícia Civil, e Força Pública, que originou a Polícia Militar, pois enquanto a primeira se
constituía em órgão do sistema criminal, a segunda atuava no policiamento e na defesa
interna. A distinção expressa ser daria apenas no ano de 1866, com o Decreto Imperial nº
3.598, de 27 de janeiro de 1866, que reorganizou a Força Policial da corte, dividindo-a em
dois corpos: um civil e outro militar. (Cf. AMORIM, 2009, p. 89).
Com relação à Polícia Judiciária, ela tem redefinidas suas atribuições a partir da
Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, que promoveu reformas ao Código de Processo
Criminal do Império e estabeleceu competências para cada cargo: chefias de polícia, juízes
municipais, promotores públicos e juízes de direito.
Assim, às Chefias de Polícia, restaram as atribuições anteriormente exercidas
pelos Juízes de Paz: tinham amplos poderes para exercer a vigilância sobre sua jurisdição,
desfazer reuniões ilegais, reunir provas de crimes, prender e julgar infratores. Ainda, cabia à
polícia judiciária proceder ao exame de corpo de delito, prender pessoas consideradas
culpadas, expedir mandados de busca e apreensão, e julgar alguns crimes conforme o tipo de
pena prevista (algumas espécies de multa, de prisão, de degredo ou de desterro). (Cf.
BARROS, 2005, p. 37-38).
Intendência Geral de Polícia quanto às atividades e atribuições, sendo criada para melhor consecução dos
objetivos de segurança pública desse órgão. (ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA TORRE DO TOMBO, 2013)
44
É na Lei n.261, de 1841, que aparece, pela primeira vez, o termo "Delegado",
prevendo que estes seriam nomeados pelo Imperador ou pelos Presidentes da Província,
escolhidos entre juízes ou cidadãos:
Art. 1º Haverá no Municipio da Côrte, e em cada Provincia um Chefe de Policia,
com os Delegados e Subdelegados necessarios, os quaes, sobre proposta, serão
nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas as Autoridades Policiaes são
subordinadas ao Chefe da Policia. Art. 2º Os Chefes de Policia serão escolhidos
d'entre os Desembargadores, e Juizes de Direito: os Delegados e Subdelegados
d'entre quaesquer Juizes e Cidadãos: serão todos amoviveis, e obrigados a acceitar.
(BRASIL, 1841)
No ano seguinte, é publicado o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842,
que distingue as funções de polícia administrativa e polícia judiciária, embora continuassem a
ser exercidas pelos mesmos órgãos. O artigo 1º do referido regulamento previa que as
atividades de polícia administrativa e judiciária serão incumbidas ao Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios da Justiça, no âmbito do Império, aos Presidentes das Províncias e aos
Chefes de Polícia no âmbito provincial, aos Delegados de Polícia e Subdelegados nos distritos
de suas jurisdições, aos Juízes de Paz nos distritos, aos Inspetores de Quarteirão nos
quarteirões, e às Câmaras Municipais e seus fiscais nos municípios. A sessão I do
Regulamento 120/1842, traz as atribuições da polícia administrativa, as quais foram
sintetizadas por Machado (Apud BARROS, 2005, p.38):
Reconhecimento de suspeitos; a repressão dos ébrios, vadios, vagabundos,
mendigos, turbulentos, prostitutas escandalosas e outros indivíduos perigosos, aos
quais pode ser imposta a obrigação de assinar os termos de bem viver e segurança;
evitar ajuntamentos ilícitos e vigiar as sociedades secretas; inspecionar os teatros,
espetáculos e divertimentos públicos, formar os relatórios gerais e especiais, assim
como estatística policial e criminal; julgar as contravenções às posturas das Câmaras
Municipais; vigiar sobretudo o que diz respeito à prevenção dos delitos e
manutenção da ordem e tranqüilidade pública.
Portanto, podemos perceber que neste período, que coincide com o final do
Império, a polícia acumulava muitas funções, tanto repressivas como preventivas,
principalmente em razão da atribuição de competências que, hoje, são do Poder Judiciário e
do Poder Executivo (Prefeituras Municipais). Conforme Santos (2005, p.59), a separação
entre a função policial e judicial se deu somente a partir da edição da Lei 2.033, de 20 de
setembro de 1871. A partir deste momento, a polícia judiciária ficou com a missão de
instaurar o inquérito policial para constituir as provas que levariam os criminosos à punição
pelo judiciário.
Segundo Daura, (2008, p. 91), mesmo com o advento da República, em 1889, e
toda a modificação nos órgãos do Estado, a organização policial não sofreu significativas
45
alterações quanto às atribuições, destacando-se que a polícia judiciária passou a ser
subordinada ao Poder Executivo, prevendo-se sua organização estadual e respectivas
carreiras.
Atualmente, a Constituição Federal de 15 de outubro de 1988, no artigo 144, prevê a
Segurança Pública como sendo “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” sendo
exercida “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio” (BRASIL, 1988). O referido artigo traz, ainda, um rol de órgãos que exercerão a
Segurança Pública4: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal,
Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
À Polícia Civil coube a missão constitucional de exercício das funções de polícia
judiciária e apuração das infrações penais, exceto as de competência da Polícia Federal e as
infrações penais militares. O texto da Constituição Federal prevê, ainda, que as Polícias Civis
serão dirigidas por Delegados de Polícia de carreira e se subordinarão aos Governadores dos
Estados (Art. 144, §4º e §6º).
O sítio institucional da Polícia Civil catarinense descreve a missão do órgão:
“Contribuir para a harmonia das relações sociais e o exercício pleno da cidadania,
promovendo e desenvolvendo a investigação criminal e serviços administrativos de
fiscalização e controle.” (grifo nosso). Para tanto, são relacionados como objetivos, além da
garantia da segurança dos cidadãos, a investigação dos crimes “[...] que não puderam ser
prevenidos, colhendo e transmitindo às autoridades competentes os indícios e provas,
indagando quais sejam os seus autores e cúmplices, e concorrendo eficazmente para que
sejam levados aos tribunais.” (POLICIA CIVIL DE SANTA CATARINA, 2013).
No caso de Santa Catarina, a Polícia Civil tem outras atribuições, além da investigação
de infrações penais, as quais estão previstas na Constituição do Estado de Santa Catarina, de
1989:
Art. 106. A Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia, subordina-se ao
Governador do Estado, cabendo-lhe: I - ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares;
II - (revogado – EC 39) III - a execução dos serviços administrativos de trânsito;
IV - a supervisão dos serviços de segurança privada; V - o controle da propriedade e
uso de armas, munições, explosivos e outros produtos controlados; VI - a
fiscalização de jogos e diversões públicas.
4 A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada
com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência,
efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei. (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2013)
46
É importante lembrar que a lei federal n. 10.826 de 22 de dezembro de 2003, instituiu
o Sistema Nacional de Armas (SINARM) no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia
Federal, a qual passou a ter competência em todo o território nacional para controle da
propriedade e uso de armas e munições. Portanto, a Polícia Civil deixou de possuir esta
atribuição. Com relação à supervisão de serviços de segurança privada, a Lei 7.102, de 20 de
julho de 1983, autorizava que o Ministério da Justiça efetuasse convênio com as Secretarias
de Segurança Pública dos Estados para supervisionar tais atividades. Entretanto, a Lei 9.017,
de 30 de março de 1995 modificou a legislação anterior e passou a atribuir à Polícia Federal a
exclusividade para normatização, controle e fiscalização das atividades de segurança privada.
Restaram à Polícia Civil, portanto, as atividades relativas à execução dos serviços de
polícia judiciária, apuração das infrações penais, supervisão dos serviços de trânsito e
fiscalização de jogos e diversões públicas. Desta forma, percebe-se que, além das funções
investigativas, algumas atribuições de polícia administrativa ficaram a cargo da Polícia Civil,
em razão da tradição histórica que sempre atribuiu a este órgão as funções de polícia
judiciária e polícia administrativa, como visto anteriormente.
Conforme Meirelles (2012, p. 137), é importante distinguir os conceitos de polícia
administrativa, polícia de preservação da ordem pública e polícia judiciária. Para o autor,
polícia administrativa corresponde ao poder de polícia que a Administração Pública possui e
que incide sobre bens, direitos e atividades. O Código Tributário Nacional conceitua o poder
de polícia:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à
tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou
coletivos.
Conforme se extrai do conceito acima exposto, polícia administrativa se refere à
atividade de limitação, disciplina, regulação de bens, direitos e serviços, sendo difundida por
diversos órgãos da Administração (Ex: atuação da vigilância sanitária, do PROCON, das
agências de saúde, telecomunicações, entre outras.). Portanto, ela não é uma atividade
exercida exclusivamente por órgãos policiais.
A polícia administrativa pode agir preventivamente, expedindo alvarás de licença ou
de autorização. Também pode agir de forma repressiva, fiscalizando as atividades e bens
sujeitos ao controle da Administração, além de lavrar o auto de infração no caso de ocorrência
de violação de normas administrativas e promover a aplicação da respectiva sanção.
47
Mereilles (2012, p. 137) observa que as polícias da ordem pública e a judiciária, em
vez de atuarem sobre direitos, bens e serviços, atuam sobre pessoas, sendo executadas pelos
órgãos de segurança pública, listados no art. 144 da Constituição Federal (Ex: Polícia Militar
e Polícia Civil). Portanto, embora a Constituição Federal tenha atribuído às polícias suas
funções precípuas, ela não impediu o exercício de polícia administrativa pelos órgãos
policiais, no que for relacionado à preservação da ordem pública. O conceito legal de ordem
pública se encontra no Decreto n. 88.777, de 1983:
Art. 2º [...] 21- Ordem Pública: Conjunto de regras formais que emanam do
ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de
todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência
harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação
ou condição que conduza ao bem comum.
Em que pese esse entendimento, alguns autores consideram a Polícia Civil como órgão
meramente repressivo, e que deveria atuar somente a partir da ocorrência de um crime:
Tão logo o autor de um delito seja contido após o cometimento do ilícito, ou mesmo
que não se conheça o autor, mas havendo quebra da ordem, o assunto passa a ser, de
fato e de direito, da polícia judiciária. [...] De qualquer forma, em havendo a atuação
da policial judiciária, os atos serão regidos pelo Direito Processual Penal, sob a
égide do Poder Judiciário como destinatário final da investigação, bem como do
controle externo do Ministério Público. Esta fase é iniciada como Auto de Prisão
em Flagrante ou a instauração do Inquérito Policial (comum ou militar). [...].
(AMORIM, 2009, p. 123).
Esta posição pode ser correta quando se fala na atividade policial visando somente a
restauração da ordem pública violada, ou seja, a partir da ocorrência do crime e objetivando
sua punição no âmbito judicial. Por outro lado, quando se fala em missão de preservação da
ordem pública, que é a atividade atribuída a todos os órgãos da segurança pública listados no
artigo 144 da Constituição Federal, a atuação policial civil deve superar a atitude meramente
repressiva. Este é o entendimento do Ministério da Justiça, no Projeto de Modernização das
Polícias Civis:
Conquanto esta competência legal não se caracterize pela prevenção de caráter
ostensivo, como ocorre com a Polícia Militar, ela também abarca o sentido
finalístico de prevenir o delito, seja por dissuasão gerada pela eficiência e eficácia
do método repressivo, seja pelo papel proativo de interlocução com a sociedade
civil, pelo qual a polícia também desempenha uma função pedagógica, fomentadora
das posturas concorrentes do cidadão, na produção da segurança pública. Neste
último sentido, a polícia atua como educadora para a cidadania, comunicando
técnicas, recomendando procedimentos e atitudes que resultem em efetiva prevenção
ao crime, perfazendo a vocação da chamada polícia comunitária. (MINISTERIO DA
JUSTIÇA, 2005, p.21-22).
O documento recomenda, ainda, a correta audição do público usuário. Neste sentido, é
importante a observação de Vinagre Silva (1992, p. 44), que entende ser a Delegacia de
48
Polícia um dos órgãos mais próximos à população, se constituindo em pronto-socorro social
devido à inexistência ou inoperância de outros órgãos da rede de equipamentos sociais:
A experiência como assistente social, que vivenciou a realidade das demandas que
emergem nas delegacias, mostrou que é comum a procura da instituição policial na
expectativa de receber orientação judiciária ou ver alguma situação atendida , que
por direito está circunscrita ao âmbito do aparato judiciário. Nesses casos incluem-se
situações que envolvem pedido de pensão alimentícia, de guarda de filhos menores e
separação.
A autora enfatiza que a instituição policial é, simultaneamente, um instrumento e um
espaço de poder que se relaciona com a sociedade civil inclusive exercendo um papel
pedagógico em sentido amplo, tanto nos aspectos negativos como positivos: “A sociedade e
as instituições educam. A população recorre é a essas instituições, é o 190 e é a delegacia, é a
PM e é a Polícia Civil. É como diz o Hélio Luz, dia e noite, a delegacia não tem porta. A
delegacia está aberta mais do que a prefeitura, mais que o judiciário...” (PERCINOTO, apud
VINAGRE SILVA, 1992, p. 47).
A delegacia é o órgão que está aberto 24h por dia, atendendo demandas jurídicas,
orientando o cidadão, muito mais do que apenas se comportando de forma passiva, a espera
da ocorrência de um crime. E, muitas vezes, nessa função de órgão aberto ao cidadão, acaba
exercendo atividades puramente “cartoriais”, as quais são demandadas pelos cidadãos para
viabilizar compensações patrimoniais (ex: boletim de ocorrência de furto de veículo para
acionar o seguro). (Cf. VINAGRE SILVA, 1992, p. 47).
Entretanto, é importante ressaltar que a atuação anterior à fase repressiva do delito não
se confunde com o policiamento ostensivo, que é uma atividade exercida exclusivamente pela
Polícia Militar. Esta se caracteriza pelo uso de fardamento e equipamento, e pode ser um dos
seguintes tipos: policiamento ostensivo geral, urbano e rural, de trânsito, florestal e de
mananciais, rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais; portuário; fluvial e lacustre; de
radiopatrulha terrestre e aérea; de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado,
além de outros fixados em legislação estadual. Este é o conceito do Decreto 88.777, de
setembro de 1983: “Art. 2º [...] 27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das
Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam
identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a
manutenção da ordem pública.”
Verifica-se que, apesar de haver distinção entre os trabalhos de Polícia Civil e Militar,
ambas possuem a função de preservar a ordem pública e garantir a segurança dos cidadãos.
Por isso, o Ministério da Justiça recomenda a atuação de forma integrada, de maneira alinhada
49
e complementar. Para esse órgão, integração significa “o posicionamento racional de cada
organização em sua esfera de competência constitucional, mas de uma maneira sincronizada
do ponto de vista técnico”:
Uma série de medidas pode ser apontada como referência de um processo de
articulação eficaz: · utilização da mesma infra-estrutura das redes de
telecomunicação; · compatibilização das áreas de atuação; · planejamento comum
descentralizado; · implantação de Centros Integrados de Atendimento e Despacho,
com aplicativos georeferenciados dos atendimentos e registros de boletins de
ocorrência em sistema comum; · política de ensino e pesquisa sob matrizes
curriculares comuns; · atividades de cunho cultural, social e esportivas conjuntas.
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005, p. 23.)
Em Santa Catarina, ambos os órgãos se encontram subordinados à Secretaria de
Estado de Segurança Pública, juntamente com o Corpo de Bombeiros Militar, o Instituto
Geral de Perícias e o Departamento Estadual de Trânsito. A organização administrativa dessa
Secretaria é prevista na Lei complementar estadual n. 381/2007, com as modificações
instituídas pela Lei Complementar n. 534, de 20 de abril de 2011.
3.2 Organização administrativa e carreiras policiais civis em Santa Catarina
A Polícia Civil de Santa Catarina está presente em todo o território estadual,
organizada em Diretorias de Polícia, Delegacias Regionais de Polícia, Delegacias de Comarca
e Delegacias de Município. As atribuições das referidas unidades estão disciplinadas no
Decreto Estadual n. 4.141, de 23 de dezembro de 1977.
As Delegacias de Comarca (DPCOs) são instaladas de acordo com as sedes de
comarcas judiciais, conforme definição do Código de Divisão e Organização Judiciárias do
Estado de Santa Catarina5(Lei 5.624, de 09 de novembro de 1979). Por exclusão, nas cidades
que não são sedes de comarcas, as delegacias se denominam Delegacias de Polícia de
Município (DPMUs) e se subordinam administrativamente à DPCO.
Tanto as DPCOs como as DPMUs compõem regiões policiais, sendo subordinadas às
Delegacias Regionais de Polícia (DRPs). Essas DRPs coordenam administrativamente as
DPCOs e DPMUs, além de congregarem serviços de expedição de documentos de trânsito,
documentos de identificação e alvarás de jogos e diversões públicas. As DRPs subordinam-se
5 Art. 5º - O território do Estado, para a administração da Justiça, divide-se em distritos, subdistritos, municípios,
comarcas e comarcas integradas, formando, porém, uma só circunscrição para os atos da competência do
Tribunal de Justiça. Art. 6º - As comarcas, classificadas em quatro entrâncias, são as que integram a relação
contida no anexo I* deste Código. Art. 7º - A comarca constituir-se-á de um ou mais municípios, recebendo a
denominação daquele que lhe servir de sede. (SANTA CATARINA. 1979).
50
às Diretorias de Polícia, conforme figura abaixo: Diretoria de Polícia do Litoral (DPL),
Diretoria de Polícia do Interior (DPOI) ou Diretoria de Polícia da Grande Florianópolis
(DPGF).
Figura 1 - Georreferenciamento da Polícia Civil.
Fonte: Setor de Recursos Humanos da Polícia Civil.
Abaixo, o mapa de Santa Catarina dividido pela circunscrição das Delegacias
Regionais de Polícia. Atualmente, são trinta DRPs no Estado:
51
Figura 2 - Delegacias Regionais da Polícia Civil de Santa Catarina
Fonte: Polícia Civil de Santa Catarina.
Na estrutura catarinense há, ainda, uma Diretoria Estadual de Investigação Criminal
(DEIC), e a Diretoria de Inteligência, ambas com atribuição para atuação em todo o Estado.
Todas as Diretorias, juntamente com a Academia da Polícia Civil (órgão de ensino e pesquisa)
e a Corregedoria (órgão correicional), estão subordinadas ao Gabinete do Delegado Geral, que
é o chefe maior da instituição. Há, ainda, setores de apoio, como o Fundo de Melhorias da
Polícia Civil, o qual é responsável pela administração logística e pelas finanças da Instituição.
Ressalta-se, ainda, a existência de gerências, dentre as quais podemos citar a Gerência de
Recursos Humanos e a Gerência de Jogos e Diversões, sendo esta responsável pela
fiscalização dos espetáculos públicos e concessão de alvarás para diversas atividades, como
hotéis, pensões, bares, boates, teatros, cinemas, entre outras previstas no Decreto estadual
nº894/72. Abaixo, o organograma da Polícia Civil:
52
Figura 3 – Organograma da Polícia Civil de Santa
Catarina.
Fonte: Polícia Civil de Santa Catarina (2013).
É importante ressaltar que, apesar de não constarem expressamente no organograma
da instituição, existem delegacias especializadas na apuração de diferentes tipos de crimes. É
o caso da Delegacia de Homicídios, Delegacia de Repressão a Roubos, Delegacia de Pessoas
Desaparecidas, Delegacias de Crimes de Trânsito, Delegacia de Crimes Ambientais,
Delegacia de Proteção ao Turista e Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e
Idoso. Há, ainda, uma Central de Operações Policiais Especiais e trinta Divisões de
Investigação Criminal no Estado.
Verificou-se, anteriormente, que a Polícia Judiciária é dirigida por Delegados de
Polícia de carreira, que são as autoridades policiais. O Plano de Carreira da Polícia Civil
catarinense (Lei Complementar n. 453/2009) prevê que os agentes da autoridade policial são
os Agentes de Polícia, os Escrivães de Polícia e os Psicólogos Policiais. Portanto, as
53
atividades de polícia civil são exercidas por essas quatro carreiras, as quais passamos a
descrever, haja vista as diversas atribuições previstas.
Os agentes da autoridade policial passaram a se qualificar, a partir da Lei
Complementar n. 453, de 2009, como cargos de nível superior, com atividades técnico-
jurídica:
Art. 14. [...] § 2º Além das atribuições que estão descritas nos Anexos IX, X e XI
desta Lei Complementar, os Agentes da Autoridade Policial, mencionados no inciso
I e II do caput deste artigo têm atividades de nível superior técnico-jurídico,
principalmente na execução de operações e investigações policiais, e nas
formalidades e procedimentos necessários à realização dos serviços cartorários, os
quais desempenharão além das atividades de polícia judiciária ou administrativas,
outras determinadas pelas autoridades policiais, previstas nas normas legais e
regulamentares em vigor.
Extinguiram-se os cargos de Escrevente, Investigador, Comissário e Inspetor, os quais
passaram a ser denominados Agentes de Polícia Civil. As atribuições desse cargo se
encontram previstas no Anexo IX do Plano de Carreira:
Tabela 2 - Quadro de Carreira: Agente de Polícia Civil – Descrição e Especificação do Cargo.
DENOMINAÇÃO DO CARGO: AGENTE DE POLÍCIA CIVIL
GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL
SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL
CÓDIGO: SP-PC-AP
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma em Curso Superior e aprovação em curso de
formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400 (quatrocentas) horas-aula de
duração.
JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA: executar os serviços de polícia judiciária e investigativa ou administrativa,
sob a direção da autoridade policial ou do superior imediato, além de todas as atividades previstas em
lei, inerentes ao exercício de seu cargo.
ATRIBUIÇÕES- DESCRIÇÃO DETALHADA
1. Conduzir viaturas policiais;
2. Cumprir os horários estabelecidos, bem como concorrer à escala de serviço e operações especiais
para as quais seja designado;
3. Zelar pela manutenção das viaturas, dos equipamentos, armas e demais utensílios móveis e imóveis
de sua unidade policial;
4. Operar todos os equipamentos de comunicação disponíveis na unidade policial a que pertencer;
5. Proceder à entrega de correspondências e intimações que lhe forem determinadas;
6. Informar a unidade policial, através de relatório sobre a conclusão de diligências que lhe forem
incumbidas;
7. Velar permanentemente sobre todos os fatos e atos que possa interessar à prevenção e repressão de
crimes e contravenções;
8. Deter, apresentando à autoridade policial competente, quem quer que seja encontrado em flagrante
delito;
9. Permanecer em sua unidade policial durante o horário de trabalho, somente se ausentando quando
autorizado ou nos casos previstos em lei ou regulamento;
10. Guardar sigilo sobre serviços que lhe forem confiados;
11. Dar ciência imediata à autoridade policial de fato ou ato delituoso;
12. Zelar pela manutenção da ordem pública em geral;
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13. Cumprir com presteza as diligências e determinações superiores;
14. Operar sistema de comunicação nas centrais de rádio da polícia civil;
15. Controlar o tráfego de informações via rádio entre bases fixas, móveis e portáteis;
16. Utilizar linguagem técnica na radiocomunicação;
17. Zelar pelo equipamento de radiocomunicação;
18. Organizar e manter atualizados mapas de localização de ruas e logradouros;
19. Manter cadastro de endereços e telefones de todas as unidades policiais do Estado;
20. Fazer, quando competente para tanto, a manutenção e conserto dos equipamentos de
radiocomunicação;
21. Desenvolver, sempre que possível, projetos, aplicativos e sistemas informatizados de interesse da
polícia civil;
22. Proceder, quando competente, à instalação, manutenção e substituição dos equipamentos de
informática;
23. Dar suporte técnico, quando possível, aos projetos, aplicativos e sistemas informatizados da
polícia civil;
24. Executar, quando competente, o cadastramento e alimentação dos programas e aplicativos
informatizados da polícia civil;
25. Executar em trabalho de equipe operações de resgate de reféns;
26. Realizar treinamento constante com finalidade de manter-se preparado para o enfrentamento de
situações de alto risco;
27. Dar apoio tático operacional às unidades policiais, quando solicitado;
28. Manter cadastro e arquivo de criminosos e do crime organizado;
29. Exercer segurança para dignatários;
30. Executar outras operações de caráter especial;
31. Proceder à investigação criminal, mediante ciência e supervisão da autoridade policial, valendo-se
de todos os mecanismos legais disponibilizados;
32. Deslocar-se imediatamente, quando não houver impedimento devidamente justificado, ao local da
infração penal, providenciando para que não se alterem o estado e a conservação da coisa até a
realização da perícia;
33. Realizar levantamento preliminar de local de crime ou que demande investigação policial,
colhendo materiais e informações necessárias às providências da autoridade policial, quando houver
risco de graves prejuízos à formação da prova pela ausência de perito oficial;
34. Emitir relatórios circunstanciados do curso das investigações;
35. Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;
36. Manter atualizados os arquivos e dados estatísticos da unidade policial, relativos à incidência
criminal e seus infratores;
37. Atender ao público e registrar delitos e ocorrências trazidos ao seu conhecimento, dando ciência à
autoridade policial;
38. Providenciar a expedição de guia para fins de exame pericial;
39. Solicitar auxílio de órgãos técnicos quando necessário;
40. Executar serviços de carceragem e transporte de presos provisórios, sob custódia da polícia civil,
quando determinado;
41. Elaborar relatório diário das atividades desenvolvidas, formatando estatisticamente os registros
efetuados, sua natureza e providências adotadas;
42. Atuar no recebimento e emissão de expedientes da unidade policial, mantendo organizado o
correspondente arquivo documental;
43. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e
44. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.
Fonte: Lei Complementar 435/2009.
Portanto,verificam-se diversas atribuições relacionadas à função investigativa
criminal, de polícia judiciária e de polícia administrativa. É evidente a atuação preventiva no
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âmbito das funções de segurança pública: “7. Velar permanentemente sobre todos os fatos e
atos que possa interessar à prevenção e repressão de crimes e contravenções; 12. Zelar pela
manutenção da ordem pública em geral;” (grifo nosso). Por outro lado, não há qualquer
referência especificamente ao atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e
familiar.
O segundo cargo que consta como agente da autoridade policial é a carreira de
Escrivão de Polícia Civil, ao qual compete a lavratura dos procedimentos de polícia judiciária
(auto de prisão em flagrante, inquérito policial e termo circunstanciado), além de outros
termos específicos durante o procedimento investigativo (termo de apreensão, termo de
reconhecimento, etc):
Tabela 3 – Quadro de Carreira: Escrivão de Polícia Civil – Descrição e especificação do
Cargo.
DENOMINAÇÃO DO CARGO: ESCRIVÃO DE POLÍCIA CIVIL
GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL
SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL
CÓDIGO: SP-PC-AP
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma em Curso Superior e aprovação em curso de
formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400 (quatrocentas) horas-aula de
duração.
JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA: lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na
atividade de polícia judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação normal, sob
orientação do Delegado de Polícia.
ATRIBUIÇÕES - DESCRIÇÃO DETALHADA:
1. Cumprir ordens, despachos e outras determinações legais emanadas do Delegado de Polícia;
2. Executar os trabalhos cartorários das unidades policiais;
3. Cumprir os horários estabelecidos, bem como concorrer às escalas de serviços e operações
especiais quando convocado;
4. Conduzir viaturas policiais, quando necessário;
5. Lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na atividade de polícia
judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação normal, sob orientação do Delegado de
Polícia;
6. Contribuir para a preservação do patrimônio da unidade policial e zelar pelos equipamentos e
materiais sob sua responsabilidade;
7. Adotar providências necessárias à expedição de mandados, dentre outros, de intimação às partes e
requisição de servidores públicos, a fim de serem inquiridos;
8. Expedir certidões e providenciar cópia de documentos, após deferimento do Delegado de Polícia;
9. Providenciar o recolhimento da fiança arbitrada pela autoridade policial;
10. Acautelar objetos e valores vinculados a procedimento investigatório, em conformidade com o
despacho do Delegado de Polícia;
11. Dar destinação a objetos e documentos vinculados a procedimentos policiais sob sua
responsabilidade, cumprindo despacho do Delegado de Polícia;
12. Providenciar guia de exame pericial, no curso do procedimento policial;
13. Organizar mapas de estatística criminal e relatórios mensais das atividades do cartório sob sua
responsabilidade e contribuir para a atualização dos arquivos da unidade policial;
14. Impedir a retirada da unidade policial de autos de procedimentos policiais, sem a expressa
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autorização do Delegado de Polícia;
15. Cumprir mandados de prisão, coordenar, participar de atividades operacionais, tais como:
barreiras , operações de cumprimento de mandados de busca e apreensão;
16. Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;
17. Executar outras operações de caráter especial;
18. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e
19. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.
Fonte: Lei Complementar 435/2009.
Assim como para o cargo de Agente de Polícia Civil, não há qualquer referência
específica à lavratura de procedimentos referentes ao enfrentamento à violência contra a
mulher. Também não há referência aos procedimentos específicos previstos na legislação
especial sobre crianças e adolescentes, os quais não são presos em flagrante delito, nem
investigados mediante inquérito policial.
O cargo de Psicólogo Policial é uma carreira que só existe na Polícia Civil catarinense.
Inicialmente, a carreira se destinava ao trabalho junto às questões de trânsito, atuando nos
exames psicotécnicos do Departamento Estadual de Trânsito, que pertencia à estrutura da
Polícia Civil. Entretanto, a carreira passou por significativas mudanças, constituindo-se em
importante corpo técnico a serviço da segurança pública e também dos próprios policiais
civis. As atribuições desse cargo estão previstas no Anexo X do Plano de Carreira:
Tabela 4 - Quadro de Carreira: Psicólogo Policial Civil – Descrição e especificação do Cargo.
DENOMINAÇÃO DO CARGO: PSICÓLOGO POLICIAL CIVIL
GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL
SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL
CÓDIGO: SP-PC-AP
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: portador de Diploma de Psicólogo, currículo de 05 (cinco) anos, e
aprovação em curso de formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400
(quatrocentas) horas-aula de duração.
JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA: emitir laudos psicológicos e demais funções inerentes ao cargo.
ATRIBUIÇÕES - DESCRIÇÃO DETALHADA:
1. Prestar atendimento em psicoterapia aos policiais envolvidos com alcoolismo e drogas, ou em
qualquer outra necessidade de natureza emocional e/ou funcional e, quando necessário, providenciar
o encaminhamento a profissionais e instituições congêneres, bem como orientar seus familiares;
2. Proporcionar meios de superação no trato dos problemas de relacionamento, inadequação funcional
e motivação dos servidores que atuam na área de segurança pública;
3. Realizar, por solicitação de órgãos das Secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa do
Cidadão e da Administração, avaliações psicológicas dos servidores que prestam serviços na área de
segurança pública, em especial, nos casos de desajuste funcional ou qualquer outro problema de
ordem comportamental;
4. Conduzir viaturas, acompanhar os policiais em locais de infração, nos quais haver partes
emocionalmente alteradas;
5. Participar de operações, principalmente em situações críticas, que seja necessário o gerenciamento
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de crise;
6. Manifestar-se, quando solicitado, nos casos de concessão de auxílio-saúde, readaptação,
aproveitamento, exoneração e demissão dos policiais civis ocupantes de cargos de provimento
efetivo;
7. Propor meios de avaliação e acompanhamento do desempenho de policiais civis;
8. Atuar na área do desenvolvimento de recursos humanos, assessorando os órgãos deliberativos na
identificação das necessidades de seu pessoal, bem como na definição de estratégias e
aperfeiçoamento das atividades funcionais;
9. Apresentar programas de capacitação e aperfeiçoamento a partir das necessidades funcionais e
motivacionais identificadas no pessoal, planejando, realizando e avaliando cursos e outras atividades
de cunho profissional;
10. Desenvolver estudos e pesquisas objetivando ampliar o conhecimento sobre o comportamento
humano que possam contribuir com os objetivos gerais da Polícia Civil e da Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Defesa do Cidadão;
11. Planejar e executar avaliações psicológicas, bem como elaborar e emitir os respectivos laudos
psicológicos, especialmente, nos processos seletivos para provimento de cargos no âmbito da Polícia
Civil e para concessão da licença para porte de arma para o policial civil aposentado;
12. Emitir laudos psicológicos nos casos de suicídio, de personalidade de criminosos e adolescentes
infratores, quando solicitado pela autoridade policial;
13. Proceder, quando solicitado por autoridade policial ou judiciária ou por membros do Ministério
Público, apoio psicológico e perícias na sua área profissional como avaliações, pareceres e laudos
psicológicos;
14. Integrar comissões e participar de atividades juntamente com outras entidades em assuntos de
interesse da segurança pública;
15. Prestar, quando solicitado pela autoridade competente, atendimento psicológico à criança, ao
adolescente, à mulher, e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na condição de vítima ou
infrator) e, quando necessário, providenciar o encaminhamento aos órgãos competentes;
16. Participar, quando solicitado pela autoridade competente, no planejamento e execução de
campanhas educativas referentes à violência, prevenção e combate a drogas, trânsito, e outros
assuntos atinentes à segurança pública;
17. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e
18. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.
Fonte: Lei Complementar 435/2009
Portanto, é na descrição de atividades dos Psicólogos Policiais que encontramos as
primeiras referências ao atendimento especializado de vítimas em situação de vulnerabilidade,
como crianças, adolescentes e mulheres. Também é prevista a atuação em campanhas de
prevenção referentes à violência e assuntos atinentes à segurança pública:
14. Integrar comissões e participar de atividades juntamente com outras entidades
em assuntos de interesse da segurança pública;15. Prestar, quando solicitado pela
autoridade competente, atendimento psicológico à criança, ao adolescente, à mulher,
e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na condição de vítima ou infrator)
e, quando necessário, providenciar o encaminhamento aos órgãos competentes; 16.
Participar, quando solicitado pela autoridade competente, no planejamento e
execução de campanhas educativas referentes à violência, prevenção e combate a
drogas, trânsito, e outros assuntos atinentes à segurança pública; [...]
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Com relação às atribuições do cargo de Delegado de Polícia, o Plano de Carreira o
define como servidor responsável por “Planejar, programar, organizar, dirigir, coordenar,
supervisionar e controlar as atividades de polícia judiciária, de apuração de infrações penais e
de polícia administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e legais.” (grifo
nosso).
Tabela 5 – Quadro de Carreira: Delegado de Polícia Civil – Descrição e especificação do
Cargo.
DENOMINAÇÃO DO CARGO: DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL
GRUPO OPERACIONAL: OCUPAÇÕES DE NÍVEL SUPERIOR -
AUTORIDADE POLICIAL
CÓDIGO: SP-PC-AP
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma de Bacharel em Direito e aprovação em
curso de formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 600 (seiscentas) horas-aula de
duração.
JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Planejar, programar, organizar, dirigir, coordenar, supervisionar e
controlar as atividades de polícia judiciária, de apuração de infrações penais e de polícia
administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e legais.
RESPONSABILIDADE: Chefia das atividades de polícia judiciária do Estado e de apuração de
infrações penais, exceto as militares e de atividades meio de interesse policial civil e de segurança
pública.
1. Presidir, com exclusividade, procedimentos processuais relativos à polícia judiciária do Estado e à
apuração de infrações penais, exceto as militares;
2. Dirigir as atividades administrativas de unidade policial civil;
3. Garantir o cumprimento das normas referentes a procedimentos processuais, prazos, documentos,
registros, livros e arquivos da unidade policial;
4. Requisitar exames e perícias necessárias à apuração da infração penal;
5. Fornecer certidões, atestados e documentos no âmbito de suas atribuições;
6. Expedir certificado de registro de veículo, carteira nacional de habilitação, cédula de identidade
civil, registro de porte de arma de fogo, carteira e atestado de blaster, alvarás, licenças e outros atos e
documentos inerentes às atividades de competência da Polícia Civil;
7. Fiscalizar o uso de armas, munições, explosivos e outros produtos controlados e atividades de jogos
e diversões públicas;
8. Presidir sindicâncias administrativas, disciplinares e processos disciplinares;
9. Dirigir, executar, orientar, coordenar e controlar os serviços de investigação policial, bem como
elaborar, organizar e promover planos e operações direcionadas à segurança pública;
10. Representar pela expedição de atos judiciais e promover o devido cumprimento;
11. Arbitrar fiança nos termos da legislação vigente;
12. Promover periodicamente, reuniões de trabalho e de avaliação de desempenho com os funcionários
que prestam serviço na unidade policial;
13. Manter intercâmbio com demais órgãos públicos, promovendo o intercâmbio de informações
necessárias à execução, continuidade e aperfeiçoamento da atividade policial;
14. Comparecer, sempre que possível, nos locais da prática de infrações penais, coordenando e
orientando as ações necessárias a sua elucidação;
15. Auxiliar, quando solicitado, na apuração de infração cuja competência seja de outra Autoridade
Policial;
16. Expedir notificações de trânsito e multas previstas em lei de sua competência funcional;
17. Responsabilizar-se pelas necessidades de pessoal e material da unidade policial onde prestar
59
exercício, solicitando, com antecedência, providências a quem de direito, necessárias ao seu
atendimento;
18. Cumprir e fazer cumprir as leis e normas regulamentares, em especial as inerentes às atividades da
Polícia Civil;
19. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública;
20. Expedir atestados e certidões inerentes a sua atividade profissional;
21. Solicitar auxílio de unidades policiais, quando necessário para o bom desempenho das atividades
do órgão onde presta exercício;
22. Elaborar relatório circunstanciado sobre as atividades, pessoal e material da unidade policial onde
passar a prestar serviços e por ocasião da sua transferência definitiva para outro órgão;
23. Cumprir mandados de prisão, coordenar, participar de atividades operacionais, tais como:
barreiras, operações de cumprimento de mandados de busca e apreensão;
24. Conduzir viaturas e realizar prisões, quando no cumprimento de ordens judiciais e situações de
flagrância;
25. Chefiar e coordenar as diligências de cumprimento de mandados de busca e apreensão; e
26. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.
Fonte: Lei Complementar 435/2009.
Portanto, são os Delegados e Delegadas de Polícia os responsável constitucionalmente
por dirigirem as Polícias Civis, possuindo diversas atribuições relacionadas à coordenação
administrativa das unidades policiais, coordenação das atividades investigativas e condução
dos procedimentos de polícia judiciária, além de expedir alvarás e atestados, relacionados à
atividade de polícia administrativa.
Passamos, então, à análise das atribuições de polícia judiciária, haja vista ser uma
função exercida exclusivamente pelo cargo de Delegado de Polícia, nos crimes de sua
competência.
3.3 As atribuições de Polícia Judiciária
Conforme Daura (2008, p. 62-63), as atribuições policiais se dividem em polícia
administrativa e polícia judiciária, sendo função da primeira atuar de forma preventiva,
enquanto cabe à segunda a atuação após o cometimento do ilícito, visando colher provas e
informações para possibilitar a repressão pelo Poder Judiciário. Desta forma, o exercício de
polícia judiciária por parte da Polícia Civil visa apontar o eventual autor de uma infração, a
fim de se aproximar ao máximo da verdade real e possibilitar a atuação judicial de forma
imparcial e eficiente.
As funções de polícia judiciária estão previstas no Código de Processo Penal brasileiro
(Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941) que prevê, nos artigos 4º ao 23, as atribuições
da autoridade policial desde o momento em que toma ciência de um fato criminoso até a
remessa do inquérito policial ao juízo competente para processar e julgar o autor do crime.
60
O artigo 4º, caput, descreve: "Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas
autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração
das infrações penais e da sua autoria." Portanto, mais uma vez, verifica-se que, no
ordenamento jurídico brasileiro, o termo autoridade policial corresponde ao Delegado de
Polícia de carreira, sendo que o exercício dos poderes é feito por meio dos agentes,
congregados no órgão de Polícia Judiciária (Cf THOMÉ, 1997, p. 25).
No artigo 6º, o Código de Processo Penal determina algumas providências que o
Delegado de Polícia deve adotar quando tiver conhecimento da prática de uma infração penal:
Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade
policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o
estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender
os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no
que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o
respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar,
se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível,
e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do
indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica,
sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer
outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
O referido artigo, portanto, descreve que a autoridade policial deverá preservar a cena
do crime, realizar apreensões de objetos necessários à investigação, colher todas as provas
para o esclarecimento dos fatos, inclusive ouvindo testemunhas, ofendido e suspeitos. Pode,
ainda, proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, fazer acareações, determinar que se
realizem exames periciais e ordenar a identificação datiloscópica do indiciado nos casos
previstos em lei. O artigo 7º também prevê a possibilidade de reprodução simulada dos fatos,
quando esta não contrarie a moralidade e a ordem pública – este ato é conhecido
popularmente como “reconstituição do crime”.
Esta etapa de colheita de provas sobre o delito, que visa à apuração da infração penal e
da autoria é denominada investigação policial e exterioriza-se através de um procedimento
formal e escrito chamado de inquérito policial. Conforme Daura (2009, p. 102), a
conceituação deste instrumento remonta à Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, que dizia em
seu artigo 42: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o
descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,
devendo ser reduzido a instrumento escrito”.
61
O inquérito policial serve como base para que o Ministério Público, órgão de
acusação, decida por oferecer a denúncia criminal, ou seja, “para que, em sede judicial, se
delibere com dados concretos, sobre o cabimento da mesma, além de se aproveitar algumas
provas já produzidas e embasar a decretação de medidas urgentes”. (DAURA, 2008, p. 102).
Também incumbe à autoridade policial, conforme o artigo 13 do Código de Processo
Penal, o fornecimento de informações às autoridades judiciárias, quando for necessário à
instrução e julgamento dos processos; a realização de diligências requisitadas pelo juiz ou
pelo Ministério Público; o cumprimento de mandados de prisão expedidos pelas autoridades
judiciárias e o poder de representar por prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza.
É de competência do Delegado de Polícia a formalização da prisão em flagrante, nos
termos do artigo 304 do Código de Processo Penal. A prisão em flagrante ocorre nas seguintes
hipóteses (artigo 302): quando o agente é surpreendido cometendo uma infração penal,
quando acabou de cometê-la, ou quando é encontrado logo depois, com instrumentos, armas,
objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Também é possível quando
o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em
situação que o faça presumir ser o autor da infração penal.
Conforme Greco (2009, p. 25), o auto de prisão em flagrante é uma peça a ser
confeccionada pelo Delegado de Polícia, nos crimes de sua competência, e é composta pela:
“a) oitiva das testemunhas; b) oitiva da vítima, quando houver, embora não tenha sido
mencionada pelo caput do art.304 do Código de Processo Penal; c) interrogatório do preso.”.
Além do Inquérito Policial e do Auto de Prisão em Flagrante, a autoridade policial
deve conduzir a formalização do Termo Circunstanciado. Esse procedimento se encontra
previsto na Lei 9.099, de 20 de setembro de 1995, que instituiu os juizados especiais cíveis e
criminais, sendo estes competentes para julgamento das infrações penais de menor potencial
ofensivo:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e
leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações
penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
[...] Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os
efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena
máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
A partir desta lei, os crimes cuja pena máxima seja até dois anos de prisão passaram a
ser processados de forma mais célere e evitando-se a aplicação de penas privativas de
liberdade. Assim, caso uma pessoa seja surpreendida cometendo ou logo após cometer um
crime de menor potencial ofensivo, a autoridade policial deverá lavrar o termo
circunstanciado e providenciar a apresentação das partes ao poder judiciário: “Art. 69. A
62
autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as
requisições dos exames periciais necessários.”.
É importante recordar que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) vedou
expressamente a possibilidade de aplicação da lei 9.099 aos crimes relacionados à violência
doméstica e familiar contra a mulher. Assim, tratando-se dos referidos crimes, não há outra
possibilidade senão a prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial.
Também deve-se mencionar que a Lei 9.099 transformou o delito de lesão corporal de
natureza leve (art.129, caput do Código Penal) em crime cuja ação é pública, mas
condicionada à representação da vítima. Assim, desde a edição da referida lei, para que uma
pessoa seja processada e punida pelo crime de lesão corporal leve, a vítima deve manifestar
sua intenção neste sentido. Entretanto, tendo em vista que a Lei Maria da Penha vedou a
aplicação da Lei 9.099 aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lesão
corporal leve passou a ser de ação pública incondicionada, isto é, o autor é processado e
punido mesmo sem a anuência da ofendida (CUNHA; PINTO, 2011, p. 180):
Dentre as atribuições do Delegado de Polícia, é importante mencionar o poder para
representar judicialmente pela prisão preventiva, pela prisão temporária, pela interceptação de
comunicações telefônicas e dados telemáticos, pela quebra de sigilo bancário e fiscal, pelo
sequestro de bens e pela busca domiciliar.
Também é de atribuição do Delegado de Polícia a concessão de fiança, nos termos do
artigo 322 do Código de Processo Penal: “Art. 322. A autoridade policial somente poderá
conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja
superior a 4 (quatro) anos”. Conforme Daura (2008, p. 161), a fiança significa
responsabilidade financeira, uma garantia oferecida junto ao processo:
É um instrumento processual o qual objetiva que o acusado, posto em liberdade, se
vincule ao processo não deixando de comparecer aos seus atos, obedecendo a
imposições, para não perder a quantia paga e lhe garantir a liberdade até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória.
A fiança é acompanhada de imposições ao indiciado, as quais devem ser cumpridas
para que não seja perdido o valor depositado e também para que não seja, eventualmente,
decretada a prisão preventiva.
Além de todas as funções de polícia administrativa e judiciária, os Delegados que
atuam em Delegacias da Mulher possuem outras atribuições, tanto em razão da existência da
Portaria 007/2003, do Gabinete do Delegado Geral, que regulamenta as atribuições das
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Delegacias especializadas, assim como em razão de novas previsões decorrentes de leis e
políticas públicas específicas sobre o enfrentamento à violência contra a mulher.
A partir da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no
Brasil, dois instrumentos normativos passaram a orientar a atuação das Delegacias da Mulher,
no enfrentamento à violência de gênero: a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Norma
Técnica de Padronização das Delegacias da Mulher. Os referidos instrumentos ampliaram as
atribuições da Polícia Civil, no que diz respeito aos procedimentos executados pelas
Delegacias da Mulher, exigindo-se a prática de atividades preventivas e protetoras.
Desta forma, passamos à análise das atribuições específicas das Delegacias da Mulher,
bem como da situação fática vivenciada nessas unidades policiais catarinenses.
4 AS DELEGACIAS DA MULHER EM SANTA CATARINA: QUAL SEU PAPEL?
Apesar das previsões legais referentes à atuação da Polícia Civil enfatizarem seu papel
na atuação repressiva do crime, a lógica das políticas de segurança pública e também de
enfrentamento à violência contra a mulher têm demandando o exercício de diversas funções
de cunho preventivo e protetor. Essas atividades, em Santa Catarina, são executadas pelas
Delegacias da Mulher, que são consideradas unidades especializadas no atendimento de
mulheres vítimas de violência.
Para compreender o papel das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, iniciaremos
apresentando as atribuições legais específicas a essas unidades, previstas na Resolução
007/GAB/CPC/SSP/2003, assim como as novas demandas contidas na Lei Maria da Penha e
diretrizes da Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento
à Mulher.
4.1 Atribuições da Delegacia da Mulher: A Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003, a Lei
Maria da Penha e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher
No organograma da Polícia Civil de Santa Catarina, não se encontram especificadas as
unidades que correspondem às Delegacias da Mulher, haja vista que elas são consideradas, em
estrutura e hierarquia, como uma Delegacia de Polícia de Comarca (DPCo).
A história das delegacias da mulher em Santa Catarina começa com a criação da
Delegacia da Mulher da Capital, que foi a segunda unidade especializada a ser criada no país,
antecedida apenas pela Delegacia da Mulher de São Paulo, inaugurada em 06 de agosto de
1985. A origem dessa unidade em Santa Catarina remonta ao Decreto estadual n.19.273, de
11 de abril de 1983, criou seis “distritos policiais” na Capital catarinense, prevendo que a
“jurisdição” de cada um ficasse a cargo do Secretário de Segurança. Conforme Nizer (2010, p.
142), foi por meio da Portaria 915/GAB/SSP/85, de 27 de setembro de 1985, que o Secretário
de Segurança criou o “setor de proteção à criança e adolescente e o setor de proteção à
mulher”, dentro do 6ª Distrito Policial. Desde então, a 6ª Delegacia de Polícia da Capital
engloba a Delegacia da Criança e do Adolescente e a Delegacia da Mulher.
Desta forma, conforme observa Forcellini (2010, p. 301), a 6ª Delegacia de Polícia,
conhecida popularmente como Delegacia da Mulher, engloba dois setores distintos, embora
harmônicos: “o setor de atendimento à criança e ao adolescente vítimas de violência sexual e
de maus tratos, e o setor de violência doméstica, no qual atende-se às mulheres vítimas, bem
65
como seus ofensores, conforme a Lei Maria da Penha.” A autora observa, ainda, que uma das
distinções existentes entre a 6ª Delegacia e as demais delegacias existentes no quadro da
Polícia Civil está na composição de seu quadro funcional, que possui carreira de Psicólogo
Policial, cujas atribuições foram elencadas no capítulo anterior.
Após a criação da Delegacia da Mulher de Florianópolis, outras unidades foram
criadas no Estado, atendendo esse mesmo público: mulheres, crianças e adolescentes. Desta
forma, foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 14 de janeiro de 2004, a Resolução
007/GAB/CPC/SSP/2003, do Gabinete do Delegado Geral da Polícia Civil, a qual
regulamentou as atribuições dessas unidades especializadas:
Art. 1º As Delegacias de Polícia da Mulher, da Criança e do Adolescente, terão
atuação na circunscrição da respectiva comarca, com competência para: I –
Desenvolver os procedimentos legais relativos à apuração de atos infracionais,
conforme o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente; II – Apurar os ilícitos
criminais referentes à prática de violência física e moral contra a mulher, cujo
sujeito ativo do delito seja pessoa do sexo masculino; III – Apurar ilícitos criminais
referentes à prática de violência sexual contra a mulher, cujos sujeitos ativos sejam
pessoas do sexo masculino ou feminino.
Portanto, de acordo com a redação da mencionada resolução, as Delegacias passam a
ser chamadas “da Mulher, da Criança e do Adolescente”, possuindo atribuições relacionadas à
proteção das crianças, à apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes, além da
apuração de ilícitos criminais contra a mulher.
É importante notar que essa portaria não diferencia os crimes cometidos contra
mulheres, entre violência doméstica e crimes comuns. O que orienta a atribuição da delegacia
é o sexo sujeito passivo: se for mulher, vítima de qualquer violência física ou moral praticada
por homem, deve ser atendida na unidade. Da mesma forma, qualquer ato de violência sexual
perpetrado contra a mulher, independente do sexo do agressor, a atribuição é também da
especializada. Vale frisar: a circunscrição, ou seja, o âmbito de atuação da delegacia,
corresponde à comarca onde ela está situada. Desta forma, a 6ª Delegacia da Capital, por
exemplo, atende todas as mulheres de Florianópolis que sofrerem os crimes acima descritos,
além de todas as crianças vítimas e os adolescentes em conflito com a lei.
Posterior à edição dessa resolução, entra em vigor a Lei 11.340, de 07 de agosto de
2006 – Lei Maria da Penha. Entre outras inovações no tema do enfrentamento à violência
doméstica e familiar, a referida lei definiu o que é violência doméstica e familiar, em seu
artigo 5º:
[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica,
compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem
vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família,
66
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. [...]
Portanto, como já evidenciado anteriormente neste trabalho, a violência doméstica
teve seu conceito ampliado, pois passou a ser definida como toda aquela baseada no gênero e
praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação
íntima de afeto. A mesma lei, no artigo 7º, definiu as cinco formas de violência doméstica e
familiar contra a mulher, como sendo: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Desta
forma, se amplia também o rol de crimes e circunstâncias onde atribuição passa a ser da
Delegacia da Mulher.
Simão e Toneli (2010, p. 66) realizaram pesquisa junto aos boletins de ocorrência
registrados na 6ª Delegacia da Capital, especificamente na unidade referente à Delegacia da
Mulher, observando dois períodos: de 22/09/2006 a 22/10/2006, que corresponde ao mês
seguinte à vigência da Lei Maria da Penha, e entre 13/08/2007 a 13/09/2007, um ano após o
primeiro período, totalizando 470 boletins de ocorrência.
Esta pesquisa demonstrou que 82% das ocorrências registradas nos dois períodos
classificam-se como domésticas, segundo o conceito inaugurado pela Lei Maria da Penha,
sendo que 93,2% dos agressores eram do sexo masculino. Quanto ao tipo de vínculo entre
autores e vítimas, 77,39% dos homens denunciados se referem a companheiros, ex-
companheiros, marido, ex-marido, namorado e ex-namorado, enquanto outros familiares
como irmãos e filhos correspondem a 8,86% da amostra. Apenas 13, 75% estão fora do
ambiente doméstico e familiar, “outro indicador de que o ambiente doméstico é o principal
foco de incidência da violência contra a mulher.” (SIMÃO; TONELI, 2010, p. 70). Por outro
lado, quando se verificou o vínculo existente entre as mulheres autoras de violência, foi
percebido que apenas 25% estão inseridas no ambiente doméstico e familiar, sendo alta a
frequencia de irmãs e sobrinhas como autoras de violência, seguida por mães, filhas e sogras,
enquanto as autoras que não pertencentes à família (conhecidas, familiares do ex-cônjuge e
vizinhas), correspondem a 59,38%.
Além de outras categorias de análise, Simão e Toneli (2010, p. 75) observaram os
tipos de crimes cometidos. Nos boletins pesquisados, foram apontados 834 crimes contra a
mulher, sendo que 74,7% se referiam aos crimes de Ameaça, Injúria, Difamação e Lesão
Corporal. Os demais tipos de crimes apresentam ocorrência menor, destacando-se a
perturbação da tranquilidade (perseguição ou ligações telefônicas), o dano (destruição de bens
da vítima) e o constrangimento ilegal.
67
Por fim, compararam com pesquisa realizada por Lodetti (2007) na mesma delegacia,
concluindo que a Lei Maria da Penha possibilitou o aumento de denúncias contra autores de
crime com vínculos afetivos diversos da relação estritamente conjugal. Entretanto, quanto aos
tipos de crimes praticados, não houve alteração, pois a grande concentração de denúncias é
relacionada aos crimes de ameaça, injúria, difamação e lesão corporal.
Outra pesquisa importante realizada na Delegacia da Mulher da Capital analisou os
registros efetuados durante todo o ano de 2006, tanto na 6ª Delegacia, como em outras
unidades policiais da cidade, os quais foram encaminhados à delegacia especializada. Nizer
(2010, p. 145) analisou 4.765 boletins de ocorrência, constatando que 48,14% se referem ao
crime de Ameaça, seguido de violência física (14,21%) e lesão corporal (9,99%). Além desses
tipos penais, 6,05% dos registros apresentam denúncias relacionadas à violência psicológica,
a qual foi descrita na Lei Maria da Penha.
Estas pesquisas demonstram que a Lei Maria da Penha ampliou o rol de crimes e
situações que passam a ser de atribuição das Delegacias da Mulher. Entretanto, as alterações
mais significativas para o enfrentamento à violência doméstica e familiar são de ordem
processual e procedimental.
Marcelino (2010, p. 101) observa que antes da Lei Maria da Penha, muitas mulheres
chegavam à Delegacia com o intuito de que um policial se dirigisse a sua casa e intimidasse
seu agressor, dando ideia que ela estava pronta para denunciá-lo à polícia se ocorresse outro
tipo de agressão. É o que se chama de “susto” (SANTOS, 2001, p. 102), ou seja, a
demonstração de que a polícia já o conhece e sabe o que ele está fazendo, sendo uma
condição para imposição de mudança. Muitas mulheres desejam que os policiais deem um
susto nos agressores ou ameaçadores, demonstrando que eles podem ser chamados a
comparecer diante da autoridade policial.
Outras mulheres que chegavam à delegacia vinham com vontade de denunciar a
agressão, porém percebia-se claramente que esta não era a vontade real, muitas vezes estavam
ali apenas para desabafar, ou mostrar para si mesmas que tinham coragem de fazer a
denúncia:
Muitos foram os casos em que o policial registro o Boletim de Ocorrência e,duas
horas depois, a mulher agredida, aquela que veio cheia de hematomas, olhos
arrebentados e orgulho ferido, voltou para solicitar que o Boletim de Ocorrência
fosse retirado, pois a agressão havia sido somente um momento de fraqueza, por
culpa do álcool, pois ‘quando está sóbrio, ele é tão bom’, ou por que gostaria de
retirar a Ocorrência com medo do amante descobrir e vir tomar satisfações.
(MARCELINO, 2010, p. 101).
68
Segundo o referido autor, com esse tipo de atitude, a própria delegacia “não tinha
muito o que fazer”, pois ao mesmo tempo que estava disponibilizando um policial para ouvir
e registrar o Boletim de Ocorrência, sabia-se que nada aconteceria, porque a própria mulher se
arrependeria do registro. No caso em que a mulher levava até o fim a denúncia, encontrava no
judiciário outro fator de arrependimento: a pena que esperava do agressor era a punição de
pagamento de cestas básicas.
Isso porque a Lei 9.099/95 instituiu o chamado Termo Circunstanciado para os delitos
de menor potencial ofensivo (com penas de até dois anos de prisão). Assim, a autoridade
policial deveria liberar o agressor diante do compromisso do mesmo em comparecer em
audiência do Juizado Especial Criminal, mesmo que ele tivesse sido preso em flagrante. E na
audiência do Juizado, o autor do crime poderia optar por uma pena não restritiva de liberdade
para que o processo fosse suspenso: daí porque muitos agressores “pagavam cestas básicas” a
instituições beneficentes e deixavam de ser punidos criminalmente. “Isto fez com que as
mulheres agredidas ficassem desamparadas e sem saber o que fazer, ou melhor, onde
realmente buscar ajuda, pois o próprio sistema parecia que cobria com lençóis a violência
doméstica.” (MARCELINO, 2010, p. 103).
Conforme Santos (2001, p. 69), neste universo, a perspectiva feminista e a
preocupação com a impunidade levavam a crer que a delegacia da mulher era inoperante e
ineficiente, enquanto alguns pesquisadores entendem que os eventos ali ocorridos eram
positivos, especialmente no que tange ao arquivamento das denúncias pelas mulheres e na
mediação dos conflitos, pois atendiam às expectativas da demanda. Por outro lado, os
policiais somam insatisfações e desmotivação, pois não entendem seu trabalho como “fazer
polícia”.
Conforme discutido no segundo capítulo, a Lei Maria da Penha foi significativa em
razão de alterar os procedimentos realizados pelas delegacias da mulher. A referida lei criou
um sistema que visa coibir a prática da violência doméstica, caracterizando-se pela prevenção
e assistência, prevendo diversos instrumentos jurídicos de caráter protetivo.
Quanto à nomenclatura das delegacias, Santos (2001, p. 76) entende que a
denominação interfere nas rotinas de atendimentos: “delegacias especiais de defesa da
mulher”, ou “delegacias de proteção à mulher” diferem de “delegacias de atendimento” à
mulher, pois refletem nas práticas policiais e nas expectativas da demanda. Neste sentido,
visando padronizar o atendimento, o artigo 8º, inciso IV, da Lei Maria da Penha define como
uma das diretrizes de política pública “a implementação de atendimento policial especializado
para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher”. Assim, para esta
69
lei, as unidades policiais devem ser denominadas DEAMs – Delegacias de Atendimento à
Mulher e possuir atendimento policial especializado.
A Lei 11.340/2006 possui um capítulo destinado ao atendimento pela Autoridade
Policial, determinando que “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará,
de imediato, as providências legais cabíveis” (art.10).
O artigo 11 prevê que a autoridade policial, no atendimento às mulheres em situação
de violência doméstica, deverá adotar as seguintes providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato o
Ministério Público e o Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou
posto de saúde e ao Instituto; III – fornecer transporte para a ofendida e seus
dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se
necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do
local da ocorrência ou do domicílio familiar; V – informar à ofendida os direitos a
ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Desta forma, a lei garante à vítima que seja protegida, com fins a evitar nova prática
de crimes, sendo por meio de transporte a local seguro, ou por meio de acompanhamento ao
local da ocorrência para retirada de pertences pessoais. São medidas que não se relacionam
diretamente à apuração do crime, mas são relevantes como meio de prevenção de novas
ocorrências.
O artigo 12 da Lei Maria da Penha descreve procedimentos a serem adotados, com
relação ao registro de ocorrência de violência doméstica. O referido artigo prevê que a
autoridade policial deve ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência, tomar a
representação a termo, colher as provas do crime, determinar que se proceda ao exame de
corpo de delito e outras perícias, ouvir o agressor e as testemunhas, juntar os antecedentes
criminais do agressor e remeter o inquérito policial ao juiz, no prazo legal. Além disso, o
referido artigo impõe prazo para que a autoridade policial remeta o pedido da ofendida para
concessão de medidas protetivas de urgência. (Cf. CUNHA; PINTO, 2011, p. 81-82).
Sobre as medidas protetivas de urgência, é importante ressaltar que se trata de uma
inovação importante no que se refere à proteção das vítimas de violência doméstica e familiar.
Previstas no artigo 22 da Lei Maria da Penha, as medidas tem como objetivo proteger a
ofendida e evitar a ocorrência de novos crimes ou de crimes mais graves. Assim, pode ser
requerido o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato por qualquer meio, a
proibição de aproximação a uma distância mínima, entre outras medidas. Elas podem ser
solicitadas na Delegacia e devem ser encaminhadas pela autoridade policial ao Poder
Judiciário no prazo de 48h para apreciação. (Cf. CUNHA; PINTO, 2011, p. 86).
70
A Lei previu a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, com competência cível e criminal, para processo e julgamento das demandas
relacionadas à violência doméstica e familiar. Nos locais onde não há instalação de juizados
especializados, geralmente se atribui a uma vara criminal as competências desses processos.
Em razão do alto índice de desistências dos processos, por parte das mulheres, foi
previsto, no artigo 16 que, nas ações que dependem de representação da vítima, somente será
admitida a renúncia perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,
antes do oferecimento da Denúncia pelo Ministério Público. É o caso de inquéritos relativos
aos crimes de Ameaça, Perturbação da Tranquilidade, Vias de Fato, entre outros.
Embora a intenção do legislador tenha sido a de preservar a veracidade e
espontaneidade da manifestação de vontade da vítima, esta previsão tem sido considerada
polêmica. Autoras como Karan (Apud CUNHA; PINTO, 2011, p. 101), entendem que este
dispositivo inferioriza a mulher, a qual passa a ocupar “uma posição passiva e vitimizadora,
tratada como alguém incapaz de tomar decisões por si própria”.
A decisão da mulher entre processar seu companheiro – levar a “queixa” adiante, ou
desistir e manter a violência restrita ao âmbito privado, é fortemente influenciada pelos papéis
de gênero na família: o que se espera da mulher e do homem em uma relação? O que é normal
entre um casal? O que é e sempre foi “natural”? O que vai mudar com o processo? Como
recorda Gregori (1992, p. 193), o casal é uma unidade construída culturamente e as distinções
sexuais servem para compor os gêneros e as definições de condutas atribuídas a cada um
nessa unidade familiar. Essa naturalização torna complexa a posição da mulher: ela é
cúmplice ao tomar como referência “o masculino” como complementar e definidor do
feminino:
Nesse contexto, cabem à mulher determinados atributos associados à sua natureza
(seus instintos, a feminilidade construída a partir do corpo feminino, etc). Isso
explica, em parte, sua clausura no doméstico, no universo da reprodução. Universo
privado no qual é tecida a trama que aprisiona a mulher e, simultaneamente, torna-a
singular e indispensável. E ela vive essa situação de forma ambígua: gosta de ser
indispensável, mas se ressente com a limitação de sua liberdade. O prazer de se
sentir indispensável e os ressentimentos são vividos num dia-a-dia que não é de todo
imprevisível, mas que gera medo – a violência sobre o corpo da mulher existe de
fato. O medo alimenta a cumplicidade. Ela permitirá à mulher encontrar alguns dos
seus recursos de vingança (recriminá-lo, exigir dele o cumprimento do seu papel).
(GREGORI, 1992, p. 194).
Entretanto, essa vingança, essa a exigência do cumprimento do papel do marido
enquanto homem, pode ser atingida com o simples registro da ocorrência, ou ainda no
momento da intimação do agressor pela Delegacia. Assim, muitas mulheres têm satisfeitas
71
suas pretensões mesmo sem que o processo seja deflagrado no âmbito judicial. Resguardam-
se os problemas domésticos ao âmbito privado e afasta-se o medo da dissolução conjugal.
Muitas mulheres não consideram relevante negar a ordem moral que mantém esse
conjunto de referências aos papeis atribuídos aos sexos nas relações. Conforme Gregori
(1992, p. 196), todo o sofrimento que as mulheres descrevem em suas queixas personificam
um agente concreto: o homem. A violência, portanto, reside no outro, e não na ordem de
padrões culturais que regem essa relação que a vítima estabelece com o agressor.
Ao prever que a desistência será admitida somente em juízo, a Lei tem considerado a
possibilidade de imersão das mulheres nessa ordem cultural de naturalização de seu papel na
relação conjugal, onde não é fácil ou permitido o enfrentamento dos medos, exigindo-se uma
postura concreta e de decisão.
Dentre as inovações da Lei também foi imposta a vedação de aplicação de cestas
básicas, prestações pecuniárias ou penas isoladas de multa, aos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher. Conforme Cunha e Pinto (2011, p. 106), a intenção estampada no
artigo 17 é ver o agressor cumprir pena de caráter pessoal, ou seja, restritiva de liberdade
(prisão) ou restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de finais de
semana, interdição temporária de direitos).
Outra questão que a Lei procurou vedar foi a entrega, pela vítima, de intimação da
Delegacia ao agressor. Tratava-se de “situação até comum, principalmente em locais dotados
de precárias condições de atendimento, com falta de pessoal e equipamentos materiais
adequados” (CUNHA; PINTO, 2011, p. 123). A vítima registrava o boletim de ocorrência e
ainda se via na obrigação de entregar a intimação ao agressor para que ele comparecesse à
Delegacia ou até mesmo ao Fórum. O artigo 21, em seu parágrafo único, veda essa
possibilidade, demandando que as delegacias e os juizados utilizem policiais e oficiais de
justiça para efetuar a notificação ao agressor. Além disso, o mesmo artigo determina que a
ofendida deverá ser notificada quanto aos atos processuais envolvendo o agressor,
especialmente sobre seu ingresso e saída da prisão.
A Lei Maria da Penha também vedou a aplicação dos artigos da lei dos juizados
especiais criminais, a Lei 9.099/95. Desta forma, os crimes de violência doméstica ou familiar
cometida contra mulheres, independente da quantidade de pena, somente serão processados
mediante inquérito policial. No caso de prisão em flagrante, não há possibilidade de
confeccionar Termo Circunstanciado e liberar o agressor: será lavrado Auto de Prisão em
Flagrante, independente da quantidade de pena atribuída ao crime cometido.
72
Também em decorrência da inaplicabilidade da lei 9.099/95, o crime de lesão corporal
leve é considerado de ação pública incondicionada, ou seja, o processo ocorre independente
de manifestação de vontade da vítima. O contrário também é válido: mesmo que a vítima não
deseje processar o autor, a Autoridade Policial é obrigada a instaurar o inquérito, produzir as
provas e remeter o resultado da investigação ao Juizado de Violência Doméstica. Essa
situação é particularmente importante no momento da prisão em flagrante, a qual deverá ser
executada independente da vontade da vítima – não há possibilidade de desistir na delegacia,
ou de fazer o boletim apenas para dar “um susto” no agressor.
Verifica-se, pois, os avanços da lei em termos de relações de gênero, primeiro por
tornar de ordem pública o que antes era considerado apenas um problema de privado. A Lei
também forneceu instrumentos às mulheres agredidas e que antes não podiam discutir em pé
de igualdade com seus companheiros alguns assuntos relativos à ordem familiar, como a
guarda e a educação de filhos, a pensão alimentícia, a moradia provisória durante o processo.
Além disso, a Lei inova ao assumir, no artigo 8º, que as políticas públicas devem
promover valores ligados à equidade de gênero, desde a educação escolar baseada na
igualdade e nos direitos humanos, chegando aos meios de comunicação, visando coibir os
papéis estereotipados que perpetuam a violência doméstica. Se o gênero é o significado social
e político atribuído aos sexos, então as representações a respeito dos sexos dentro da
sociedade e da política podem e devem ser modificados por meio das políticas públicas.
Após o advento da Lei Maria da Penha, o número de inquéritos policiais instaurados
junto à 6ª Delegacia de Polícia da Capital dobrou. Nizer (2011, p. 39) realizou pesquisa junto
aos registros efetuados e observou que esse aumento foi inversamente proporcional ao
número de termos circunstanciados:
Tabela 6 – Número de Inquéritos Policiais (IP) Instaurados
Ano Nº de Inquéritos
2006 636
2007 1142
2008 937
2009 1822
2010 986
Fonte: Nizer, 2011, p. 40.
73
Tabela 7 – Número de Termos Circunstanciados (TC) realizados
Ano Nº de TC’s
2005 605
2006 578
2007 287
2008 228
2009 198
2010 167
Fonte: Nizer, 2011, p.46.
O aumento no primeiro ano da vigência da Lei decorre, principalmente, da mudança
explicada anteriormente: deixou de ser aplicada a Lei 9.099 para os casos de violência
doméstica, passando a ser admitido o Termo Circunstanciado apenas quando não envolve esse
tipo de violência. Ou seja, casos em que a mulher é vítima de agressão por parte de estranhos,
como por exemplo, durante briga em show, discussão verbal com vizinhos, assédio sexual no
âmbito do trabalho, entre outros.
A redução no número de inquéritos no ano de 2008 e impressionante aumento no
seguinte, pode ser atribuída ao entendimento judicial acerca da necessidade de representação
nos crimes de lesões corporais leves e também quanto à contravenção penal de vias de fato.
Até o ano de 2012, não havia posicionamento jurisprudencial fixado no sentido de que tais
crimes deveriam ser apurados sem necessidade de representação da vítima. Então, os
inquéritos eram instaurados – ou não – conforme o entendimento jurídico do Delegado que
presidia o inquérito e do Promotor que oferecia a denúncia. Daí porque esses números sempre
variavam.
Também em razão da possibilidade de prisão em flagrante, o número de autuações
aumentou consideravelmente. Em 2005, ano anterior à vigência da Lei, foram apenas duas
prisões em flagrante, enquanto no ano seguinte (2007) foram 80 prisões:
Tabela 8 – Número de Autos de Prisão em Flagrante (APF)
Ano Nº de APF’s
2005 02
2006 75
2007 80
2008 51
2009 35
2010 19
Fonte: Nizer, 2011, p. 42.
74
Da mesma forma, com relação às medidas protetivas, a partir da vigência da Lei Maria
da Penha, o número de requerimentos tem aumentado ano após ano, provavelmente em razão
da eficácia imediata diante da violência:
Tabela 9 – Número de Medidas Protetivas (MP) requeridas
Ano Nº de Medidas
2006 34
2007 293
2008 318
2009 607
2010 646
Fonte: Nizer, 2011, p. 40.
A Lei modificou, ainda, o artigo 61 do Código Penal, prevendo como agravante de
pena qualquer crime praticado “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da
lei específica”. Além disso, criou uma figura penal no artigo 129, §9º, prevendo pena de 3
meses a 3 anos de detenção para as lesões praticadas contra ascendente, descendente, irmão,
cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda prevalecendo-
se das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Este tipo penal é aplicável
tanto para vítimas mulheres como homens, garantindo a punição mais rigorosa a todo crime
perpetrado no seio da família e das relações domésticas.6 E mais: se o crime for contra pessoa
portadora de deficiência, essa pena poderá ser aumentada de um terço.
Por fim, uma das modificações mais relevantes à atividade policial refere-se à questão
da prisão preventiva como garantia da execução das medidas protetivas. Segundo o Código de
Processo Penal (art. 312) a prisão preventiva poderá ser decretada: a) como garantia da ordem
pública; b) como garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal ou
d) para assegurar a aplicação da lei penal. Em todos os casos, deve haver prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria. A prisão preventiva também poderá ser decretada em
caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas
cautelares previstas no artigo 282, §4º do Código de Processo Penal.
6 Segundo CUNHA e PINTO, (2011, p. 46), a agressão no âmbito doméstico inclui as pessoas esporadicamente
agregadas, ainda que não tenham vínculo familiar com o agressor. Assim, essa definição abrange as empregadas
domésticas que prestam serviço no seio das famílias e no ambiente residencial.
75
Além de cumprir esses requisitos, o artigo 313 prevê as hipóteses para decretação da
preventiva: 1) em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade superior a quatro
anos; ou 2) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em
julgado; ou 3) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas
protetivas de urgência; ou ainda 4) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa
ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser
colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida.
Desta forma, percebe-se que somente em situações excepcionais será decretada a
preventiva em um crime comum. Entretanto, no rol de situações se encontra a questão da
violência doméstica e familiar, a fim de tornar efetivas as medidas protetivas de urgência.
Assim, caso o autor dos fatos venha a descumprir os termos impostos pelo juiz (ex: proibição
de aproximação da vítima), poderá ser decretada sua prisão preventiva visando assegurar a
execução dos termos da medida. A prisão preventiva poderá ocorrer em razão do mero
descumprimento, ainda que o autor dos fatos não tenha praticado novo crime contra a vítima e
mesmo que o inquérito sobre o crime anterior ainda não tenha sido concluído.
Vale observar que a redação atual deste artigo foi dada pela Lei 12.403/2011, a qual
ampliou o rol de proteção concedido pela Lei Maria da Penha às mulheres, abrangendo
também as crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência, haja vista que
medidas de natureza protetiva podem ser concedidas a estes, conforme legislação específica.
Desta forma, percebemos que Lei Maria da Penha demandou uma substancial
modificação nas atribuições policiais, em razão das novas ações a serem executadas pela
autoridade policial visando a proteção da ofendida no primeiro atendimento, até a
possibilidade de solicitação de medidas protetivas e a decretação de prisão preventiva.
Além disso, a lei prevê diversas medidas integradas de assistência à mulher em
situação de violência, demandando a organização de diversos serviços em rede: Poder
Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, segurança pública, assistência social,
saúde, educação, trabalho e habitação. Com isso, o trabalho policial precisa ser repensado,
englobando as atividades de cunho preventivo, mas também realizando os encaminhamentos
dos casos aos órgãos competentes da rede de atendimento à mulher.
É importante ressaltar que as novas atribuições da Delegacia da Mulher demandaram a
elaboração de uma diretriz para a estruturação dessas unidades policiais. Assim, por iniciativa
da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e da Secretaria de Políticas para
76
Mulheres (SPM), foi elaborada a “Norma Técnica de Padronização das Delegacias
Especializadas de Atendimento às Mulheres - DEAMs”. (BRASIL, 2010, p.12).
A referida Norma Técnica foi dividida em cinco capítulos, abordando os seguintes
temas: 1) Legislações nacionais e internacionais sobre direitos humanos das mulheres; 2)
Papel das Delegacias da Mulher no âmbito do Sistema de Segurança Pública; 3) Princípios e
novas atribuições das Delegacias da Mulher; 4) Redes de Serviço; 5) Estrutura física, recursos
humanos e materiais necessários à implantação da Lei Maria da Penha.
Ao abordar o papel das Delegacias da Mulher, no segundo capítulo, a diretriz ressalta
as novas atribuições da polícia civil, em consonância com o Projeto de Modernização das
Polícias Civis, elaborado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. A Norma Técnica
ressalta que compete à Polícia Civil desempenhar a primeira fase da repressão estatal, de
caráter preliminar à persecução processual. Por outro lado, destaca que o papel da Polícia
Civil não pode ser apenas como órgão repressor, “mas educador e aberto à audição do público
usuário” (BRASIL, 2010, p. 28).
Segundo a Norma Técnica, os novos desafios para a Polícia Civil e para as Delegacias
da Mulher consistem em agir com: a) profissionalização (posturas profissionalizadas por
técnicas de gestão e ação operativa); b) prevenção (dissuasão, eficiência e eficácia do método
investigativo e atuando como educadora da cidadania); c) educação e cidadania (correta
audição do público usuário, superando o papel meramente reativo da atividade investigativa);
d) investigação (executar de modo otimizado o ciclo produtivo do sistema de justiça
criminal). (Cf. BRASIL, 2010, p. 28-29)
Além de ressaltar os novos princípios de atuação das Delegacias, a norma técnica
estabelece, expressamente, que “as atividades das DEAMs têm caráter preventivo e
repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento
legal, às quais devem ser pautadas no respeito aos direitos humanos e aos princípios do
Estado Democrático de Direito”. (BRASIL, 2010, p. 30). Além disso, desenvolvem ações
complementares, tendo competências concorrentes com as delegacias de base territorial,
devendo atuar com parceria, potencializando a ação policial na área territorial da respectiva
especializada.
É importante mencionar que as DEAMs tem competência definida pela matéria, isto é,
o tipo de crime a ser investigado: no caso, a violência de gênero. Assim, as beneficiárias
diretas do serviço são todas as mulheres vítimas de violência de gênero, e não somente aos
crimes de violência doméstica e familiar nos termos da Lei Maria da Penha. Daí a importância
77
do atendimento ser conduzido por profissionais previamente capacitados em violência de
gênero.
O terceiro capítulo da Norma Técnica de Padronização descreve as novas atribuições
das DEAMs em conformidade com a Lei Maria da Penha. Observa, de forma bastante
acertada,que as novas atribuições são cumulativas, ou seja, além das investigações originárias
decorrentes da especialização de gênero, somam-se as novas, da recente legislação.
Quanto aos procedimentos a serem adotados pelas DEAMs, destaca que “o primeiro
contato entre o/a policial e mulher é muito importante porque pode ser determinante para o
desenrolar da queixa-crime e/ou da investigação criminal” (BRASIL, 2010, p.36). Assim,
considera que tanto a concepção arquitetônica das Delegacias como a postura dos agentes
policiais devem propiciar um atendimento acolhedor.
São apontadas como diretrizes para o atendimento da mulher: a existência de
ambientes separados para a vítima e o agressor; o acolhimento humanizado, garantindo a
privacidade do depoimento da mulher; a ausência de preconceitos ou discriminações no
atendimento; a equipe de atendimento ser qualificada profissionalmente no tema de gênero e,
de preferência, do sexo feminino; o conhecimento das diretrizes e procedimentos, além da
disponibilidade de materiais de informação e orientação para as mulheres; o acolhimento de
todas as mulheres em situação de violência de gênero, ainda que a Delegacia não tenha
atribuição específica, como no tráfico de seres humanos, cuja competência é Federal,
procedendo o encaminhamento para a instância competente; e, por fim, ter a escuta
qualificada, sigilosa e não julgadora. (Cf. BRASIL, 2010, p.36-37).
Desta forma, verificamos que a Delegacia passa a ser um espaço de acolhimento e
proteção – funções estas que exigem uma postura diferenciada por parte da Polícia Civil,
superando a lógica repressiva-punitiva. A qualidade do serviço passa, antes, pela
reformulação dos conceitos de “ação policial”, por parte da própria instituição, e também dos
policiais que trabalham nas unidades especializadas. Santos (2001, p. 96), ao realizar um
estudo antropológico na 6ª Delegacia da Capital, percebeu a problemática da seguinte forma:
A vivência da ação policial na delegacia da mulher tem sido percebida como distante
do fazer polícia: prender, investigar, processar. Distantes da concepção aprendida
nas academias, as práticas são vistas como desestimulantes. Assim, quando a
queixosa chega querendo conversar, a maioria das policiais procuram na delegacia
aquela que pode realizar essa tarefa e de preferência uma assistente social e/ou uma
psicóloga. [...]. Na concepção das policiais, não havia distinção entre o trabalho de
uma psicóloga e de uma assistente social, o que revela um aspecto importante da
divisão do trabalho policial e do não-policial. A ação policial, portanto, deveria se
restringir à determinadas práticas. [...]
78
Desta forma, verifica-se a importância de se estabelecerem os papéis da Delegacia da
Mulher, bem como a necessidade de elaboração, em nível estadual, de diretrizes de
atendimento e de regulamentação dos processos, a fim de que os policiais sejam qualificados
para atuarem nesse serviço.
Por isso, é importante que os policiais conheçam os serviços disponíveis em sua
localidade, a fim de encaminharem corretamente as mulheres em situação de violência, bem
como para que contribuam para o fortalecimento da rede de serviços de atendimento:
A rede de atendimento é composta por todos os serviços, governamentais e não
governamentais que prestam assistência às mulheres em situação de violência,
dentre os quais os centros de referência, as casas abrigo, os postos de saúde e
hospitais, IML (DML), serviços de assistência jurídica e psicológica, defensoria
pública, Delegacia da Mulher e Poder Judiciário, serviços de assistência social,
como os que compõe o Sistema Único de Assistência Social (Cras e Creas), dentre
outros. (BRASIL, 2010, p. 45-46).
A parceria entre esses serviços contribui para a formação de um fluxo de atendimento,
garantindo qualidade dos serviços prestados à vítima. Abaixo, a proposta de fluxo de
atendimento a partir de uma DEAM:
Figura 4 - Fluxo da Rede de Atendimento
Fonte: Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. (BRASIL,
2010, p. 48)
79
A Norma Técnica lista algumas medidas para auxiliar na articulação da rede: obter
uma lista com o nome, endereço e telefone de todas as instituições sociais que compõem a
Rede de Atendimento; visitar os serviços da Rede de Atendimento; afixar a lista em local
visível para que as mulheres tomem conhecimento; manter a lista atualizada; participar de
reuniões da Rede para trocas de experiências e avaliação do funcionamento da Rede
(BRASIL, 2010, p. 47).
No capítulo cinco, a Norma Técnica fala sobre a Estrutura das DEAMs. Inicia
mencionando a importância da criação de uma Coordenação das Delegacias Especializadas no
âmbito de cada Estado que tiver implantado, no mínimo, dez Delegacias da Mulher (BRASIL,
2010, p. 49), com o objetivo de promover articulação da política de atendimento e
enfrentamento da violência contra as mulheres.
A Norma Técnica prevê que a coordenação deve ter uma gestora, preferencialmente
Delegada de Polícia com experiência em trabalho na DEAM, com formação em violência de
gênero e direitos humanos, e com uma equipe de trabalho que possa executar todas as
atribuições da coordenadoria. Por questões didáticas, agrupamos as atribuições previstas na
Norma Técnica em quatro tipos: a) quanto às políticas públicas; b) quanto ao
acompanhamento dos trabalhos das DEAMs; c) quanto à articulação com as redes de serviços;
e d) quanto à produção de estudos técnicos:
a) quanto às políticas públicas: Assessorar as políticas públicas de segurança pública
da mulher; Coordenar a política de atendimento às mulheres em situação de violência, no
âmbito estadual, orientando tecnicamente o seu desempenho operacional e facilitando a
interlocução na esfera federal, com a SENASP e SPM; Exercer a interlocução das unidades
especializadas com a Secretaria de Segurança Pública, Chefia da Polícia Civil, a Secretaria
Estadual de Segurança e os demais órgãos no âmbito da administração pública; Auxiliar na
divulgação do Disque Denúncia – 180, na sistematização e no atendimento das denúncias e
avaliação dos procedimentos relacionados ao atendimento da Central 180. (Cf. BRASIL,
2010, p. 49-51).
b) quanto ao acompanhamento dos trabalhos das DEAMs: Dar acompanhamento
permanente às Especializadas da Mulher; Orientar as Delegacias da Mulher quanto ao
preenchimento dos boletins de ocorrência (BO) ou registro de ocorrência (RO) e quanto à
produção de estatísticas criminais; Acompanhar os desdobramentos dos casos mais graves
atendidos pelas DEAMs, dialogando com outras instituições envolvidas no atendimento;
Propor a realização de cursos de formação/formação continuada para os profissionais de
Segurança Pública que estão lotados nas DEAMs; Realizar reuniões periódicas com as
80
equipes das DEAMs; Fazer vistorias periódicas às DEAMs; Fiscalizar a efetiva aplicação de
atendimento psicossocial para os profissionais que atuam nas DEAMs. (Cf. BRASIL, 2010, p.
49-51).
c) quanto à articulação com a rede de serviços: “Articular com a rede de serviços,
privilegiando o encaminhamento das mulheres em situação de violência aos Centros de
Referência; Facilitar o acesso aos serviços de saúde e a qualquer outro serviço que se faça
necessário e à rede de atendimento; Efetivar a articulação institucional das Unidades
Especializadas com a Rede de Serviços existentes, acompanhar e dirimir dúvidas e impasses
na relação entre as unidades especializadas e os demais serviços da Rede de Atendimento;
Propor discussão permanente com a Rede de Atendimento, promovendo reuniões e formação
conjunta, acompanhando, dirimindo dúvidas e impasses na relação das delegacias com os
serviços da Rede de Atendimento; Participar ativamente da Rede de Atendimento,
promovendo reuniões para fortalecimento das articulações entre as diversas unidades
envolvidas e atividades de formação conjunta, visando estabelecer um sistema de referência e
contra-referência para acompanhar as mulheres atendidas e os desdobramentos efetivados.
(Cf. BRASIL, 2010, p. 49-51).
d) quanto à produção de estudos técnicos: Proceder estudos a respeito do perfil das
(os) policiais que atuam e/ou deverão autuar nas Unidades Especializadas, indicando critérios
a serem adotados para a sua seleção e/ou transferência; Efetuar estudos para a ampliação do
número de Delegacias Especializadas no estado, indicando também a necessidade de reformas
e adaptações nos prédios e de outras necessidades materiais apresentadas pelas DEAMs;
Coordenar e administrar o banco de dados sobre violência de gênero, administrando as
seguintes atividades: receber os dados coletados pelas unidades especializadas; proceder à
interpretação e análise dos dados para informação e divulgação; e elaborar relatórios de
análise estatística, que serão utilizados pelas unidades especializadas no planejamento das
suas ações; Participar de estudos e pesquisas sobre violência de gênero, em parcerias com
núcleos de estudos de gênero das universidades, ONGs e fundações. (Cf. BRASIL, 2010, p.
49-51).
Outro aspecto importante que é recomendado pela Norma Técnica, diz respeito aos
recursos humanos (BRASIL, 2010, p.52-53). Baseada em um estudo do Departamento de
Planejamento Organizacional da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado Rio
Grande do Sul, que considerou fatores como a população, área geográfica, número de
ocorrências, dentre outros, a Norma Técnica apresenta um quadro de referência para lotação
mínima necessária de servidores na unidade:
81
Tabela 10 – Sugestão de quadro de pessoal das Delegacias da Mulher
Categoria
Profissional
Até 100 mil
hab.
Até 300 mil
hab.
Até 500 mil
hab.
Até 1
milhão hab.
Acima de 1
milhão hab.
Delegado (a) 02 03 04 05 A partir de 5
Agente policial
(escrivão ou
investigador)
21 42 63 84 105
Apoio
Administrativo
02 04 06 08 10
Serviços Gerais 01 02 03 04 05
Fonte: Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à
Mulher. (BRASIL, 2010, p. 53)
A Norma Técnica considerou como ideal o seguinte efetivo para uma DEAM: 02
Delegados, 21 Agentes (Escrivães e Investigadores), 02 apoios e 01 Serviços Gerais. Esses
números, entretanto, correspondem a uma Delegacia de cidade com até 100 mil habitantes.
Para cidades maiores, estabeleceu que a quantidade de DEAMs deve ser maior,
localizando-as em áreas geográficas antagônicas: a) municípios com até 300 mil habitantes: 2
DEAMS; b) municípios com até 500 mil habitantes: 3 DEAMS; c) municípios com população
entre 500 e 1 milhão de habitantes: 4 DEAMS; d) municípios com mais de 1 milhão de
habitantes: 5 DEAMs.
De acordo com esses parâmetros, o setor de Recursos Humanos da Polícia Civil pode
elaborar um estudo comparativo com a realidade existente nas Delegacias do Estado,
sugerindo mudanças no quadro lotacional de servidores ou até mesmo fundamentando a
abertura de concurso público.
Quanto ao horário de atendimento nas DEAMs, deve ser ofertado de maneira
ininterrupta, em plantão de 24h, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Além disso, a
Delegacia deve dispor de uma equipe presente em horário de expediente, entre 8h-18h.
A Norma Técnica sugere, também, questões relacionadas à infraestrutura da unidade
policial, destacando a importância de equipamentos mínimos de comunicação, transporte,
armamento e informática, entre outros:
a. Comunicação – Neste item estão especificados os seguintes equipamentos: 1
Central fixa de rádio, 1 Central telefônica, 2 Rádios HT e um telefone fax; b.
Transporte – Estão especificados 1 (um) camburão (com cela), 2 (dois ) veículos
caracterizados e 2 veículos sem caracterização; c. Armamento – Neste item, a
82
especificação é destinada a cada policial em exercício na Delegacia, sendo
necessária uma pistola 40 PT 940, revólver, algemas e colete balístico. A munição
deve ser, no mínimo, de 50 cartuchos para cada arma; além disso, é importante o
manuseio de instrumentos de tecnologia menos letais. d. Informática – A
especificação prevê, no mínimo, 4 computadores e 4 impressoras, sendo 1
multifuncional e 2 modelos deskjet, com previsão de rede lógica e internet, com
acesso ao Infoseg; computador portátil, implantação de sistema informatizado para
coleta e análise de dados estatísticos, registros, informações, software para banco de
dados; e. Diversos – neste item, os equipamentos especificados devem observar o
avanço tecnológico, incluindo: 1 TV LCD de, no mínimo, 29 polegadas, 1 video e
DVD, 1 máquina fotográfica digital, 4 minigravadores, 1 bebedouro refrigerado, 1
filmadora, 1 fogão, 1 geladeira, ventiladores e detector de metal, equipamento de
datashow e ar- condicionado. Além disso, materiais de consumo, panfletos de
divulgação e informação, cartilhas e outros materiais informativos. (BRASIL, 2010,
p. 55-56).
Sobre a localização e o espaço físico, a Norma Técnica recomenda que as DEAMs
devem estar localizadas em áreas próximas a outros serviços que compõe a rede de
atendimento e que sejam providas de transporte urbano. Quanto às instalações, observa que
devem ser “amplas, com fachadas bem iluminadas e sinalizadas de forma a facilitar o acesso
da população e observar as especificações constantes na legislação vigente, em especial, no
que se refere à acessibilidade”. (BRASIL, 2010, p. 56).
Quanto ao espaço físico, compreende necessária a existência de uma área de recepção,
com espaços separados para espera da vítima e do agressor; uma área de registro, composta
por cartório, sala de espera e sala de registro de boletim de ocorrência; um local para
assistência judiciária; uma área para a equipe técnica, com três salas: para a equipe de
investigação, para a comunicação e para reconhecimentos, com espelho gessel; uma área para
a coordenação, que se refere à sala da Delegada, à sala de reunião e uma sala de espera; uma
área de apoio, composta por almoxarifado, sala de estar para servidores, copa e cozinha, sala
de equipamentos e armamentos e sala de detenção provisória; e, por fim, áreas comuns,
compostas por estacionamentos para público e para as viaturas, banheiro feminino e
masculino, sala de audiência e sala de reuniões. (BRASIL, 2010, p.55-56).
Apesar de prever condições ideais para estruturação das Delegacias da Mulher, é
importante ressaltar que a referida Norma Técnica não é uma lei que obriga a Administração
Pública, e sim uma diretriz nacional que visa melhorar os processos e padronizar as unidades
no país. Entretanto, é inegável que a implantação das diretrizes constantes nessa Norma
Técnica pode refletir em melhoria da qualidade de atendimento das vítimas e no
fortalecimento do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
83
Desta forma, passamos ao estudo da estrutura das Delegacias da Mulher em Santa
Catarina, buscando verificar a realidade fática quanto às atribuições exercidas, à estrutura e
aos recursos humanos existentes.
4.2 A realidade das Delegacias da Mulher em Santa Catarina: análise a partir do
questionário respondido pelos Delegados/Delegadas
Para verificar as condições estruturais das Delegacias da Mulher em Santa Catarina,
elaboramos um questionário para ser respondido pelos Delegados ou Delegadas titulares das
unidades policiais especializadas. O questionário visou levantar informações sobre a estrutura
física e de equipamentos da Delegacia, a rotina de funcionamento, os tipos de crimes
investigados, as atribuições exercidas e os procedimentos efetuados. Também objetivou
levantar informações sobre o perfil dos/das Delegados/Delegadas atuantes em tais unidades,
bem como a percepção das mesmas sobre gênero e políticas públicas. O questionário foi
enviado por email, em formato de formulário online, e os participantes tiveram 20 dias para
responde-lo.
A primeira dificuldade enfrentada foi a identificação das Delegacias da Mulher
existentes no âmbito da Polícia Civil. Conforme já mencionado anteriormente, Santa Catarina
foi o segundo Estado brasileiro a inaugurar uma Delegacia da Mulher, sob a forma de setor
especializado dentro da 6ª Delegacia da Capital. Após essa iniciativa, as demais unidades
foram criadas sucessivamente por lei, subordinando-se às Delegacias Regionais de Polícia
(DRP). Desta forma, em pesquisa realizada junto ao site da Assembleia Legislativa de Santa
Catarina, identificamos a criação de 30 Delegacias da Mulher no Estado, conforme o quadro
abaixo:
Tabela 11 - Relação das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, leis de criação e
nomenclatura
DRP Sede Lei de criação da DP da Mulher Nome atribuído
0 Florianópolis Dec 19.273, de 11 de abril de 1983
“6ª Delegacia de Polícia” – Setor de
Proteção à Mulher
1ª São José Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
2ª Joinville Dec 3357, de 30 de maio de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher
3ª Blumenau Dec 3290, de 18 de maio de 1989
Delegacia de Proteção à Mulher e ao
menor
4ª Itajaí Dec 3134, de 29 de março de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher
5ª Tubarão Dec 3359, de 31 de maio de 1989
Delegacia de Polícia de proteção à
Mulher e ao Menor
6ª Criciúma
Dec 2542, de 21 de novembro de
1988 Delegacia de Proteção à Mulher
84
Fonte: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina
É importante ressaltar que a Delegacia da Mulher da Palhoça, constante no quadro
acima, está estruturada e em funcionamento desde 2012, embora o decreto de sua
7ª Rio do Sul Dec 2128, de 18 de agosto de 1997
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
8ª Lages Dec 3289, de 18 de maio de 1989
Delegacia de Proteção à Mulher e ao
menor
9ª Mafra Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
10ª Caçador Dec 2128, de 18 de agosto de 1997
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
11ª Joaçaba Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
12ª Chapecó Dec 4196, de 11 de janeiro de 1994
Delegacia de Polícia da Criança,
Adolescente e Proteção à Mulher
13ª
São Miguel
Do Oeste Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
14ª Concórdia Dec 4709, de 19 de abril de 1990
Delegacia de Proteção à Mulher e ao
menor
15ª
Jaraguá do
Sul Dec 4587, de 22 de janeiro de 1990
Delegacia de Proteção à Mulher e ao
menor
16ª Xanxerê Dec 2286, de 14 de outubro de 1997
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
17ª Brusque Dec 3387, de 02 de junho de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher
18ª Laguna
Dec 4983, de 23 de novembro de
1994
Delegacia de Polícia da Criança,
Adolescente e Proteção à Mulher
19ª Araranguá Dec 3360, de 31 de maio de 1989
Delegacia de Proteção à Mulher e ao
menor
20ª Ituporanga
Dec 4983, de 23 de novembro de
1994
Delegacia de Polícia da Criança,
Adolescente e Proteção à Mulher
21ª
São Bento do
Sul
Dec 4983, de 23 de novembro de
1994
Delegacia de Polícia da Criança,
Adolescente e Proteção à Mulher
22ª Canoinhas
Dec 4983, de 23 de novembro de
1994
Delegacia de Polícia da Criança,
Adolescente e Proteção à Mulher
23ª Porto União Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
24ª Curitibanos Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
25ª Videira Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
26ª
Campos
Novos Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
27ª São Joaquim Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
28ª
São Lourenço
Do Oeste Dec 2286, de 14 de outubro de 1997
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
29ª
Balneário
Camboriú Dec 3200, de 24 de setembro de 1998
Delegacia de Polícia da Mulher, da
Criança e do Adolescente
30ª Palhoça
Em funcionamento, mas não foi
criada por lei
DCAMI – Delegacia de Proteção à
Criança, Adolescente, Mulher e Idoso
85
regulamentação ainda não tenha sido publicado. Já a Delegacia da Mulher de Laguna, embora
prevista em lei, não foi completamente estruturada, havendo previsões para entrar em
funcionamento a partir de 2014. Por outro lado, duas unidades foram criadas por lei, mas
nunca foram instaladas: é o caso das DEAMs de Xanxerê e de São Lourenço Do Oeste.
Desta forma, encaminhamos o questionário para 28 Delegados/Delegadas de Polícia,
titulares das especializadas em funcionamento. Destes, 19 responderam à pesquisa: Porto
União, Mafra, São Joaquim, Itajaí, Araranguá, Joinville, Blumenau, Palhoça, Tubarão,
Campos Novos, Rio do Sul, Lages, Chapecó, Jaraguá do Sul, Balneário Camboriú, Joaçaba,
Florianópolis, Videira e São Bento do Sul. Portanto, deixam de fazer parte da presente
pesquisa as unidades de São Miguel D’Oeste, Concórdia, Caçador, Curitibanos, Canoinhas,
Ituporanga, Criciúma, Brusque e São José.
Ao analisar as respostas, verifica-se que a falta de padronização destas unidades já
começa pela nomenclatura: grande parte se denomina “DPCAMI (Delegacia de Proteção à
Criança, Adolescente, Mulher e Idoso”, enquanto algumas se dizem “DPCAMI-FRON
(Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Fronteira)”, e uma se
chama “6ª Delegacia de Polícia da Capital”. Entretanto, nenhuma das nomenclaturas existe
por lei, conforme se verifica a partir dos Decretos estaduais de criação, citados na tabela
acima.
Conforme se pode perceber, cada Decreto que criou uma unidade a batizou com nome
distinto. Em algumas regionais, a denominação oficial é “Delegacia de Proteção à Mulher”,
enquanto em outras unidades foram criadas com o nome de “Delegacia de Proteção à Mulher,
Criança e Adolescente”. Administrativamente, para garantir uma padronização mínima, no
ano de 2008 passou a se instituir a denominação extraoficial “DPCAMI – Delegacia de
Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso” para todas as unidades.
A inserção da população idosa no atendimento preferencial por esta especializada se
deu exclusivamente em razão da publicação do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de
outubro de 2003). Não há criação formal dessas unidades no Estado, tampouco existe Portaria
regulamentadora das atribuições que essas delegacias possuem. O fato é que tal demanda
subdividiu ainda mais os trabalhos da Delegacia da Mulher, a qual já contava com setor de
proteção à criança e ao adolescente, além do atendimento de adolescentes em conflito com a
lei. A Delegacia da Mulher da Capital foi a única unidade especializada que não incorporou a
demanda do idoso, realizando atendimentos apenas a Crianças, Adolescentes e Mulheres.
Já com relação à denominação “DPCAMI – Fron”, origina-se do Projeto ENAFRON -
Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras, um convênio celebrado entre Estado
86
e Federação, por meio do Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.
De acordo com o Decreto estadual n.1.227, de 30 de outubro de 2012, as unidades policiais
localizadas em regiões de fronteira passam a receber nova denominação. Assim, por exemplo,
a região de Chapecó passa a ser a 12ª Delegacia Regional de Polícia de Fronteira – 12ª DRP-
Fron, e assim as unidades policiais subordinadas, motivo pelo qual a DPCAMI de Chapecó se
denomina DPCAMI – Fron.
A área de atuação também não segue um padrão: algumas delegacias têm o âmbito
circunscricional adstrito à cidade sede da Comarca onde estão instaladas (Ex: Porto União,
Joaçaba, Palhoça, Joinville, Florianópolis, Itajaí), enquanto outras atendem ao público das
cidades vizinhas (Ex: Rio do Sul, que atende Agronômica, Lontras, Presidente Nereu e
Aurora; São Bento do Sul que atende também Campo Alegre; Campos Novos que atende
também Zortéa, Brunópolis e Vargem; Jaraguá do Sul, que atende também Corupá).
Quanto ao horário de atendimento, 47% atendem somente em horário de expediente,
compreendido entre 8h-18h, enquanto 16% atendem em expediente e realizam sobreaviso
noturno. Apenas 7 unidades atendem em regime de plantão 24 horas.
Gráfico 1 – Horário de Atendimento das DPCAMI em Santa Catarina.
Expediente 8-18h47%Expediente e
sobreaviso16%
Plantão 24h37%
Horário de Atendimento
Fonte: Questionários aplicados
Outro objetivo da aplicação do questionário visava traçar um perfil dos
Delegados/Delegadas atuantes nas DPCAMI. As respostas demonstraram que a maioria é do
sexo masculino (13 Delegados e 6 Delegadas), e possuem pouco tempo de serviço na
Especializada - até 5 anos (17 delegados). A faixa etária predominante é de 30-40 anos,
seguida pelos que possuem entre 40-50, verificando-se, ainda, a presença de dois Delegados
com idade inferior a 30 anos e dois na faixa etária de 50-60 anos:
87
Gráfico 2 - Perfil dos Delegados/Delegadas de DPCAMI em Santa Catarina.
Fonte: Questionários aplicados
Dentre os que responderam ao questionário, verificamos que apenas 8 possuem curso
certificado sobre gênero ou Lei Maria da Penha, o que demonstra duas situações: a) que não
há preparação especializada aos Delegados que assumirão DPCAMI; b) a necessidade de
investimento em formação continuada. Não se pode esquecer que a qualidade do atendimento
e a atenção integral das vítimas tem relação direta com o conhecimento sobre a legislação e os
deveres inerentes à Polícia Civil no enfrentamento à violência de gênero.
Da mesma forma, a interlocução com outros órgãos, a formação de redes e a
elaboração de políticas públicas efetivas no enfrentamento à violência de gênero passam pela
atuação dos Delegados em Conselhos de Direito da Mulher, Conselhos da Criança e do
Adolescente, Conselhos do Idoso, entre outros. O questionário revelou que apenas 6
Delegados participam de algum conselho Federal, Estadual ou Municipal.
Também foram realizadas perguntas abertas aos Delegados, com o objetivo de
verificar o que pensam a respeito de gênero, violência de gênero e Políticas Públicas. À
primeira pergunta: “O que você entende por gênero?”, 13 Delegados/Delegadas responderam,
e observou-se que 06 respostas continham a palavra “sociedade” ou “relações sociais”, ou
seja, para esses delegados, gênero se relaciona com “papéis atribuídos pela sociedade”, ou
“construção social” sobre os sexos:
“Entendo que gênero é um termo utilizado no intuito de superar os determinismos
biológicos que diferem os sexos feminino e masculino, no intuito de redefinir as
relações entre homens e mulheres e questionar o lugar e os papéis que eles ocupam
na sociedade e as relações de poder que se estabelecem”. // “Trata-se não só da
distinção entre homens e mulheres, mas nas relações sociais entre eles estabelecidas
e também nos diferentes papeis por eles ocupados na sociedade.” // “Gênero são as
atribuições/estereótipos que determinada sociedade atribui as pessoas, as
classificando em homens ou mulheres.” // “A palavra gênero tem alguns
88
significados.Contudo, relacionado ao tema proposto (Delegacias Especializadas),
gênero é a diferença existente entre o "mundo" masculino e o feminino; são as
características atribuídas a cada sexo pela sociedade.”// “Trata-se de uma construção
social que define o que seja ser homem ou ser mulher.”// ” Refere-se à identidade
adotada ou atribuída a uma pessoa de acordo com seus genitais, psicologia ou seu
papel na sociedade.”
Também foi possível observar 03 respostas que relacionaram “gênero” e violência, ou
seja, crimes específicos contra determinados grupos como mulheres, crianças, adolescentes e
idosos. Pode-se dizer que existe, por parte desses profissionais, a compreensão do gênero
como uma relação de hipossuficiência, de desigualdade, onde a violência é a forma de poder
exercida sobre tais grupos em situação de vulnerabilidade.
Uma resposta referiu gênero “a tudo o que se refere à lei Maria da Penha”. Esta
percepção é fruto do novo paradigma normativo e conceitual que a Lei Maria da Penha
inaugurou, ao definir as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi a
primeira vez que uma lei brasileira instituiu o debate de gênero no âmbito da Segurança
Pública, prevendo expressamente o termo “violência de gênero”.
Quando questionados se consideram que a Delegacia atende às demandas relacionadas
à violência de gênero, 14 responderam positivamente, sendo que apenas uma resposta foi em
sentido negativo:
De forma alguma. As Delegacias da Mulher tem sido utilizadas pela população
como o único espaço público de reclamação de suas questões pessoais. As mulheres
que procuram a Delegacia buscam por soluções que só um atendimento psicossocial
e jurídico poderia resolver. Pela ausência desse serviço, a mulher se frustra e o
trágico resultado é a criminalização das questões familiares de pessoas menos
esclarecidas e, geralmente, de baixa renda. Cabe esclarecer que as pessoas que
verdadeiramente sofrem violência de gênero não procuram as Delegacias de Polícia,
por medo, por desconhecimento de seus direitos e por serem resilientes às violências
sofridas.
Na visão desse delegado (a), o público que procura a Delegacia de Polícia precisaria
de assistência social por parte de outros órgãos da rede de atendimento. Na falta destes, a
solução criminal oferecida pelo procedimento policial é a mais barata e viável para resolução
dos conflitos familiares. O (a) Delegado (a) acredita que as pessoas que realmente sofrem
violência de gênero não têm procurado a delegacia – essa percepção provavelmente ocorre
diante do perfil diversificado de mulheres que tem procurado acesso aos serviços policiais. Ao
mesmo tempo em que algumas pesquisas demonstram que as mulheres vítimas de violência
doméstica são submissas, economicamente dependentes e com baixo poder de decisão sobre
os atos da própria vida, esse nem sempre é o perfil, pois conforme observa Nizer (2010, p.
150), grande parte das mulheres que procuraram a Delegacia da Mulher de Florianópolis
89
trabalham e têm condições de sustentar a si e aos filhos, e continuam possuindo os direitos
assegurados pela Lei Maria da Penha.7
Aqueles que consideram que a delegacia atende às demandas de gênero justificaram
sua posição afirmando cumprimento às demandas da Lei Maria da Penha, que exige a
ocorrência de violência baseada no gênero, além da previsão de atendimento a todos os crimes
em que as vítimas sejam mulheres.
Também foi questionado se eles/elas consideram que a Delegacia tem implantado
Políticas Públicas de Gênero ou Políticas Públicas para Mulheres, e se eles entendem haver
diferença entre tais políticas. Com relação a essa questão, obtivemos 14 respostas, sendo que
06 Delegados entenderam que a Delegacia não tem implantado políticas públicas de gênero
ou políticas para as mulheres.
Nas respostas oferecidas por esses Delegados/Delegadas, pode-se verificar que não há
uma percepção da atividade policial especializada como parte da política pública de
enfrentamento à violência de gênero. Alguns responderam que as políticas públicas competem
ao Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, sendo que à Delegacia de Polícia cabe
orientar às usuárias sobre quais políticas estão disponíveis, de acordo com o perfil e
necessidades. Outros responderam que só conseguem se limitar ao trabalho da Delegacia, às
demandas de procedimentos policiais a serem encaminhados para o Poder Judiciário, não
conseguindo participar de fóruns, cursos, debates.
Estas falas são preocupantes, pois evidenciam certa frustração dos profissionais, os
quais esperavam participar mais ativamente da política de enfrentamento à violência contra as
mulheres. Ao mesmo tempo, as afirmativas demonstram certo desconhecimento sobre tais
políticas, as quais passam necessariamente pelo registro das ocorrências, pela investigação
dos crimes e pela responsabilização do agressor – atividades essas que tornam visíveis as
violências, produzem estatísticas, promovem o encorajamento e oportunizam o acolhimento
das queixas e denúncias. Neste contexto, a função da Delegacia de Polícia é essencial para tal
7 Sobre a confusão existente entre violência de gênero e vulnerabilidade, vale recordar a decisão judicial no caso
de agressão sofrido pela atriz Luana Piovani, perpetrado em 2008 pelo seu, então, namorado, Dado Dolabella. O
Tribunal do Rio de Janeiro, em decisão publicada no dia 25/06/2013 entendeu que o Juizado de Violência
Doméstica é incompetente para julgar a ação, deixando de aplicar a Lei Maria da Penha ao caso. Conforme
notícia publicada no sítio do Poder Judiciário do Rio de Janeiro, “Ao traçar um histórico sobre a Lei Maria da
Penha, o desembargador Sidney Rosa da Silva ressaltou que a regra se aplica “pelo binômio ‘hipossuficiência’ e
‘vulnerabilidade’, em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações
diversas movidas por afetividade ou afinidade”. O magistrado acrescentou que é “público e notório que a
indicada vítima nunca foi uma mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do homem”. Disponível em:
<http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/129505>.
90
política, ainda naquelas unidades que se restringem a elaborar os procedimentos policiais e
encaminhá-los à Justiça.
Esta percepção acerca da importância da especializada está presente na fala dos
Delegados que consideram a Delegacia como promotora de políticas públicas. Estes entendem
que a própria implantação da Delegacia da Mulher já é uma política pública para mulheres e
assim se consolida por possuir atendimento específico para o público feminino, quando
fornece “apoio psicossocial no local, encaminhamento a centros especializados em
acolhimento social, encaminhamento de pedidos de medidas protetivas, encaminhamento à
Casa Abrigo da Mulher, etc.”.
Algumas falas evidenciaram, também, um descontentamento com as políticas públicas
de segurança, as quais “privilegiam crimes de maior repercussão midiática”, fazendo com que
as DPCAMI sejam “carentes em recursos, em efetivo qualificado e em equipamentos, apesar
da grande demanda de trabalho”. Além disso, alguns delegados mencionaram o fato de que a
Delegacia atende diversos públicos além da violência contra a mulher – o caso das crianças,
adolescentes e idosos, o que aumenta o número de procedimentos policiais e faz com que,
muitas vezes, “as Delegacias cumpram os preceitos legais de forma mecânica [...]”.
Quanto à diferença entre políticas de gênero e políticas para mulheres, 01
Delegado/Delegada disse não haver distinção entre tais políticas, enquanto 04
Delegados/Delegadas responderam afirmativamente, definindo-as:
“Há diferenças sim, a política pública de gênero tem uma abrangência muito maior
do que a política pública para mulheres, abrangendo não só estas, mas também toda
relação entre pessoas, seja do mesmo sexo ou não, em que exista vulnerabilidade e
dependência de uma parte em relação a outra, com ressalvas para a discussão
doutrinária acerca das relações homoafetivas masculinas, onde ainda há muita
discussão e polêmica sobre o tema.” // “Sim, há diferença entre políticas públicas de
Gênero e Políticas Públicas para Mulheres, pois as primeiras são voltadas a garantia
da igualdade material entre homens e mulheres, enquanto as segundas visam apenas
melhorar as condições das mulheres sem estarem baseadas nas preocupações
atinentes as diferenças de gênero.” // “Entendo que há diferença entre política
pública de gênero e política pública para mulheres, porque a primeira teria o intuito
de chegar-se à equidade tão esperada”.
A segunda parte do questionário diz respeito às atribuições e estrutura das Delegacias
da Mulher. Conforme já mencionado anteriormente, a resolução interna da Polícia Civil que
disciplina as atribuições dessas especializadas (Resolução 007/GAB/2003) está defasada,
porque confeccionada anteriormente à Lei Maria da Penha e não incorporou o conceito de
gênero. Além disso, existem inúmeras divergências quanto ao atendimento de crianças e
adolescentes, pois a referida portaria mencionou o termo “Criança” apenas na nomenclatura
91
da delegacia, não descreveu em quais casos a criança vítima deverá ser atendida por estas
unidades.
Assim, o questionário possuía a seguinte questão: “Quanto aos crimes investigados
pela Delegacia Especializada, assinale as atribuições de sua unidade:”. A única resposta que
foi assinalada em todos os questionários se refere à apuração de atos infracionais praticados
por adolescentes. Ou seja, o único padrão de atendimento nessas delegacias é que todas são
responsáveis pelos adolescentes em conflito com a lei.
Entretanto, com relação às atribuições relacionadas à proteção das crianças e
adolescentes, há bastante divergência: 07 unidades responderam que somente atendem
crianças na condição de vítima de qualquer tipo de crime, e nunca os adolescentes nesta
condição, enquanto 10 Delegacias responderam que atendem ambos os públicos, quando são
vítimas de crimes de qualquer natureza. Por outro lado, quando crianças e adolescentes são
vítimas de crimes específicos, como maus tratos e violência sexual, 11 Delegacias entendem
ser de atribuição da especializada a apuração do fato.
Com relação ao atendimento da mulher, nem todas as delegacias cumprem fielmente o
disposto na Resolução 007/GAB/2003. Dos 19 Delegados que responderam o questionário, 15
dizem seguir literalmente o que está previsto na primeira parte da resolução: “Apurar os
ilícitos criminais referentes à prática de violência física e moral contra a mulher, cujo sujeito
ativo do delito seja pessoa do sexo masculino”, enquanto 14 Delegados/Delegadas disseram
cumprir a atribuição prevista na segunda parte da referida resolução: “Apurar os ilícitos
criminais referentes à prática de violência sexual contra a mulher, cujos sujeitos ativos sejam
pessoas do sexo masculino e feminino”.
Na questão relativa à apuração de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, 18
Delegacias responderam que apuram todas as formas dessa espécie de violência, embora não
existe referência expressa na Resolução 007/GAB/2003. O desempenho desta atribuição
decorre, portanto, das inovações e demandas originadas com a Lei Maria da Penha.
Há, ainda, o registro de seis Delegacias que dizem atender todo o tipo de crime
cometido contra a mulher, em sua área de circunscrição, desde que tenham sido cometidos por
homens. Desta forma, nessas unidades, ainda que não se enquadre no conceito da Resolução
007/GAB/2003, tampouco na Lei Maria da Penha, mesmo assim o crime é apurado pela
Delegacia da Mulher.
Quanto à demanda de proteção ao Idoso, não há consenso quanto ao critério a ser
adotado para atender esse público, pois sequer há previsão em lei ou regulamentação interna
da Polícia Civil: 7 Delegacias que apuram todo o tipo de crime cometido contra o idoso; 8
92
delegacias apuram somente crimes contra o idoso quando houver a ocorrência de violência
doméstica ou familiar nos termos da Lei Maria da Penha; e 13 Delegacias apuram os crimes
previstos no Estatuto do Idoso.
Essas divergências relacionadas às atribuições são enfrentadas diariamente pelas
DPCAMIs, pois as demais unidades policiais tendem a encaminhar toda a vítima mulher,
criança, adolescente e idoso às especializadas, restando às Delegacias comuns a atribuição
exclusiva para atender os crimes praticados contra outras vítimas (O Estado, a coletividade,
empresas, homens entre 18 e 59 anos, e ainda os crimes patrimoniais contra qualquer
cidadão). Logo, surge uma questão a ser refletida: a criação de delegacias especializadas
promoveu a priorização do atendimento dos grupos vulneráveis, ou produziu desigualdades?
Se verificarmos o caso da cidade mais populosa do Estado (Joinville), há apenas uma
Delegacia para Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, enquanto existem nove Delegacias de
Polícia distribuídas em bairros estratégicos para o público em geral. O cidadão tem o direito
de ser atendido em uma das referidas unidades policiais, seja ela especializada ou não.
Entretanto, todos os boletins registrados que dizem respeito ao público atendido pela
DPCAMI são encaminhados para essa unidade, que deverá providenciar a instauração do
respectivo inquérito policial e tramitação até envio para o juízo competente. Desta forma, a
DPCAMI de Joinville lidera o ranking de instauração de inquéritos, se comparada com as
demais unidades de sua região:
Tabela 12 - Número de Inquéritos Instaurados em Joinville no ano de 2012
Delegacia de Polícia Número de Inquéritos 01/01/2012 a 31/12/2012
1ª DP Indisponível
2ª DP 342
3ª DP 193
4ª DP 189
5ª DP 82
6ª DP 100
7ª DP 225
8ª DP 203
Central de Plantão Policial 12
Delegacia de Delitos de Trânsito 116
Divisão de Investigação Criminal 102
DPCAMI 1.412
Fonte: Sistema Integrado de Segurança Pública
93
Devemos observar que esses números não servem para comparar qualitativamente o
trabalho realizado pelas delegacias. Os inquéritos que tramitam em unidades comuns e
especializadas são diferentes, cada um com sua particularidade: as diligências investigativas
em crimes de violência doméstica, por exemplo, são mais simples se comparadas a uma
investigação de tráfico de drogas. Entretanto, esses números evidenciam a demanda existente
com relação aos crimes de atribuição das especializadas: a DPCAMI de Joinville é
responsável por 47% dos inquéritos instaurados na cidade, significando a delegacia com
maior volume de trabalho cartorário no Estado.
Vale, ainda, ressaltar que esses números não consideram a quantidade de
procedimentos realizados contra adolescentes em conflito com a lei. Por força do Estatuto da
Criança e do Adolescente, aquele que comete ato infracional não responde a inquérito policial
– o procedimento é formalizado sob a nomenclatura “Auto de Apuração de Ato Infracional”,
quando a autoria ou materialidade precisam ser investigadas. Quando o adolescente é
apreendido em flagrante, confecciona-se o “Auto de Apreensão de Adolescente Infrator”,
quando o crime for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou o “Boletim de
Ocorrência Circunstanciado” nos demais crimes. Logo, as estatísticas relativas a esses
procedimentos são contabilizadas à parte, não integrando a tabela acima.
Além do volume de trabalho gerado pela demanda que recai sobre as especializadas,
tem-se a necessidade de adotar procedimentos especiais de atendimento às vítimas,
especialmente em razão da previsão contida no artigo 11 da Lei Maria da Penha. Desta forma,
inserimos no questionário aos Delegados uma questão sobre quais destes procedimentos são
adotados pelas Delegacias, chegando-se aos seguintes resultados:
94
Tabela 13 - Percentual de Delegacias que realizam as atribuições legais do art.11 da Lei Maria
da Penha.
Previsão Legal (art. 11, Lei 11.340/2006) Delegacias que
realizam (%)
“I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato
ao Ministério Público e ao Poder Judiciário”
52,63%
“II – encaminhar a mulher aos estabelecimentos de saúde e ao Instituto
Médico legal”
84,21%
“III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou
local seguro, quando houver risco de vida”
63,15%
“IV – acompanhá-la para a retirada de seus pertences, quando necessário” 94,73%
“V – informá-la de seus direitos e sobre os serviços disponíveis”. 100%
Fonte: Questionários aplicados
Verifica-se, desta forma, que o atendimento às vítimas nas unidades pesquisadas ainda
não é integral, conforme prevê a Lei Maria da Penha. Vários fatores podem contribuir para
que as atribuições acima elencadas não sejam efetivamente realizadas pelas Delegacias: 1)
Desconhecimento por parte das vítimas, que deixam de solicitar os serviços; 2)
Desconhecimento por parte dos policiais de que é dever da Polícia realizar tais tarefas; 3)
Dificuldades operacionais, em razão de baixo número de policiais no plantão ou de escassez
de viaturas para a demanda; 4) Acordo com outras entidades como Conselho Tutelar, Centros
de Referência, Polícia Militar e Guarda Municipal, as quais prestam o serviço de forma
auxiliar, desobrigando a Delegacia.
Há, ainda, a previsão do artigo 12 da Lei Maria da Penha, que determina à Autoridade
Policial procedimentos diferenciados para o atendimento da ofendida, descrevendo a
necessidade de “tomar a termo a representação, se apresentada”. Nos crimes de Ação Penal
Pública Condicionada, no qual a representação é necessária, essa informação deve ser
prestada à vítima, assim como sobre a impossibilidade de renúncia na Delegacia. Sobre esse
item, 94,73% das Delegacias responderam que prestam “orientação acerca da necessidade de
representação ou queixa-crime, nos casos em que os crimes se processam mediante Ação
Penal Pública condicionada e Ação Penal Privada”.
Com relação ao pedido de concessão de Medidas Protetivas de Urgência, previsto no
artigo 12, inciso III, da Lei 11.340/06, todas as Delegacias responderam que confeccionam e
encaminham ao juízo competente. Esse pode ser o fator que diferencia o atendimento em uma
Delegacia de Polícia, já que é o único órgão estadual que realiza tal serviço de forma pública
95
e gratuita (pelo menos enquanto não se implanta a Defensoria Pública no Estado). Além disso,
em caso de descumprimento por parte do agressor, 89,47% dos Delegados responderam que
têm representado pela Prisão Preventiva e 94,73% têm realizado operações externas para
cumprimento dos mandados de prisão e condução coercitiva.
Em razão da peculiaridade da Polícia Civil catarinense, que possui em seu quadro
funcional o Psicólogo Policial, 78,94% das Delegacias realizam atendimento psicológico às
vítimas atendidas na unidade. Essa atividade pode contribuir para o acolhimento das vítimas,
especialmente por oferecer uma escuta qualificada e uma orientação técnica especializada.
Entretanto, é importante observar que não é realizado qualquer tipo de tratamento ou terapia
na Delegacia, embora possa haver encaminhamento aos órgãos da rede de atendimento.
Além dessas atividades, ressalta-se que 63,15% das unidades policiais especializadas
afirmaram seguirem um protocolo de atendimento padronizado para as vítimas de violência
sexual, em parceria com outros órgãos da rede de atendimento. Em Florianópolis, esse
protocolo se chama “Protocolo de Atenção às Vítimas de Violência Sexual do Município de
Florianópolis”, e foi firmado entre a Prefeitura Municipal, a Secretaria de Segurança Pública,
a Universidade Federal de Santa Catarina, a Secretaria de Justiça e Cidadania e a Secretaria de
Saúde.
Por este protocolo, a vítima de violência sexual poderá dar entrada em qualquer
instituição pública ou privada das áreas da saúde, segurança, órgãos de proteção à infância ou
de cunho social, devendo ser encaminhada imediatamente às Unidades de Referência da Rede
de Atendimento: Universidade Federal de Santa Catarina, Maternidade Carmela Dutra e
Hospital Infantil Joana de Gusmão (Cf. FLORIANÓPOLIS, 2010, p.13).
Nessas unidades, o atendimento é realizado de acordo com um fluxograma que
considera a idade da vítima e o tipo de crime sexual praticado: A 6ª Delegacia é acionada nos
casos em que há violência sexual contra crianças e adolescentes, e comparece ao local para
registro compulsório do Boletim de Ocorrência, providenciando o acionamento do IML, que
também comparece ao local para exame de corpo de delito. Caso a vítima seja maior de 18
anos, a Delegacia somente é acionada se houver seu interesse. De qualquer forma, são
coletados os materiais necessários para futuros exames e encaminhados ao IML, caso a vítima
decida requisitar a investigação posteriormente. Desta forma, a vítima não precisa sair do
hospital e procurar outras unidades como uma delegacia ou IML, o que contribui para reduzir
os danos e traumas provocados pelo crime. A vítima é, ainda, encaminhada para atendimento
psicossocial e jurídico junto ao CEAV (Centro de Atendimento às Vítimas de Crimes). (Cf.
FLORIANÓPOLIS, 2010, p. 21).
96
Em algumas localidades não há um protocolo a ser seguido, motivo pelo qual as
próprias Delegacias criaram rotinas internas para melhoria do atendimento. É o caso de 43,1%
das DPCAMIs que responderam ao questionário.
Além de todas essas atividades relacionadas diretamente ao atendimento de mulheres,
os Delegados responderam que realizam operações externas de fiscalização em bares, boates e
casas noturnas (58%), além de mutirões para conclusão de procedimentos em atraso (36,84%)
e reuniões de trabalho e avaliação de desempenho dos servidores da unidade (47,36%).
Outra questão relacionada aos procedimentos efetuados na Especializada diz respeito à
utilização do Sistema Integrado de Segurança Pública – SISP. Esse sistema possui integração
de diversos bancos de dados, sendo utilizado e alimentado por órgãos da Segurança Pública e
do Poder Judiciário, constituindo-se importante ferramenta de investigação e execução do
trabalho policial. Desta forma, é importante que as Delegacias utilizem as rotinas do SISP
para alimentar o banco de dados e proporcionar estatísticas criminais confiáveis,
especialmente no tocante à violência de gênero. Neste aspecto, verificamos que 100% das
Delegacias que responderam ao questionário utilizam o Sistema Integrado de Segurança
Pública para confecção de Boletins de Ocorrência, Termos Circunstanciados e Inquéritos
Policiais. Quanto aos Autos de Prisão em Flagrante, apenas uma delegacia respondeu não
realizá-lo no ambiente do SISP.
Desta forma, com autorização do Delegado-Geral da Polícia Civil, foi extraído
relatório do SISP, referente à quantidade de boletins de ocorrência e inquéritos policiais
registrados em cada unidade especializada que participou da pesquisa, no período
compreendido entre 01/01/2012 a 31/12/2012:
97
Tabela 14 - Inquéritos Policiais e Boletins de Ocorrência por DPCAMI em 2012
DPCAMI Boletins de Ocorrência Inquéritos Policiais
Joinville 6.256 1.412
Blumenau 5.797 896
Florianópolis 5.291 965
Balneário Camboriú 3.077 257
Tubarão 2.296 247
Chapecó 1.964 662
Lages 1.819 327
Jaraguá do Sul 1.311 Indisponível
São Bento do Sul 1.161 164
Araranguá 866 332
Mafra 761 196
Videira 735 221
Palhoça 598 247
Rio do Sul 559 199
Campos Novos 543 280
Itajaí 529 299
Porto União 518 209
São Joaquim 339 163
Joaçaba 53 14
TOTAL 34.473 7.090
*Refere-se ao período a partir de setembro a dezembro de 2012, quando foi inaugurada a DPCAMI de Palhoça.
** Refere-se ao período a partir de 13/11/2012 a 31/12/2012, quando passou a funcionar a DPCAMI de Joaçaba.
Fonte: Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP)
O número de boletins de ocorrência é sempre superior ao de inquéritos policiais, pois
eles podem dar origem a termos circunstanciados, autos de apuração de ato infracional, autos
de prisão em flagrante, ou ainda serem juntados a outro inquérito já existente em relação aos
mesmos envolvidos. Nos casos de crimes de ação penal pública condicionada à representação
ou ação penal privada, a vítima pode não oferecer a representação ou queixa-crime no boletim
de ocorrência, o que impede a instauração de inquérito.
Além dos procedimentos realizados pelas DPCAMI, o questionário objetivou verificar
a estrutura e os equipamentos disponíveis nessas Delegacias, tomando como diretriz a Norma
Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres
(BRASIL, 2011, p.56), discutida anteriormente. Os espaços deveriam ser divididos entre área
98
de recepção, de registro, de assistência judiciária, para a equipe técnica, para coordenação,
áreas de apoio e áreas comuns. Assim, o questionário apresentou opções referentes à
infraestrutura, para que as Delegadas selecionassem o que existe no espaço de suas unidades.
Tabela 15 – Estrutura das DPCAMI de Santa Catarina
Quanto à estrutura da Delegacia, assinale o que a unidade possui:
Nº de
Delegacias que
possuem
recepção com espaços separados para agressor e vítima 2
comissariado com salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro
do boletim de ocorrência 11
comissariado sem salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro
do boletim de ocorrência 5
cartório (s) policial (is) reservados, onde o depoimento é prestado com sigilo,
garantindo separação entre vítima e agressor 16
sala para advogados ou assistência judiciária 0
sala (s) para atendimento psicológico 15
sala da investigação 4
sala com espelho gessel (para reconhecimento) 4
sala para a coordenação (Delegado de Polícia) 18
sala de espera para atendimento com o Delegado de Polícia 9
sala de reunião 1
Almoxarifado 3
Arquivo 13
sala de equipamentos e armas 2
sala de estar/espaço de convivência para os servidores 0
copa-cozinha 12
sala de detenção provisória 2
cela para permanência de presos 8
estacionamento para policiais 12
estacionamento para viaturas 15
estacionamento para público em geral 2
sala para crianças – brinquedoteca 4
sala para atendimento de crianças vítimas de violência, com recursos de apoio 5
sala de protocolo de documentos 7
banheiros separados - feminino e masculino 9
vestiários separados - masculino e feminino 1
vestiário de uso comum 2
alojamento para policiais - separado masculino e feminino 2
alojamento para policais - de uso comum 7
sala para exames médicos 0
Acessibilidade a portadores de necessidades especiais 6
Fonte: Questionários aplicados
99
É importante ressaltar que, quanto à área para recepção, apenas duas delegacias
responderam possuir espaços separados para agressor e vítima. Por outro lado, 58% das
unidades responderam possuir comissariado com salas ou repartições individualizadas para
registro do boletim de ocorrência e 84,21% possuem cartórios policiais reservados, onde o
depoimento é prestado com sigilo, garantindo separação entre vítima e agressor.
Com relação à área para equipe técnica, ressalta-se que 15 unidades, das 19 que
responderam ao questionário, possuem sala específica para atendimento psicológico. Por
outro lado, a sala para a investigação e a sala para reconhecimentos, com espelho gessel, estão
presentes em apenas 4 unidades policiais.
Outro ponto importante que o questionário revelou diz respeito à acessibilidade do
público externo: o estacionamento para público em geral somente é presente em duas
unidades policiais e apenas seis Delegacias responderam estar adequadas ao acesso por
portadores de necessidades especiais. Esse fato ocorre porque muitas unidades policiais são
instaladas em espaços locados, os quais não foram construídos com a finalidade específica de
abrigar uma especializada. O Estado, entretanto, deverá providenciar as reformas e
ampliações necessárias para garantir o amplo acesso da população, conforme a exigência
legal.
Outro dado preocupante diz respeito ao ambiente de trabalho para os policiais. Apenas
9 delegacias relataram possuir alojamento para os policiais, sendo que em 7 unidades ele é de
uso comum para homens e mulheres. Também na maioria das unidades não existe a separação
de banheiros entre os públicos feminino e masculino. Além disso, nenhuma delegacia
respondeu possuir sala de estar/espaço de convivência para os servidores. Esses dados podem
expressar o quanto o espaço policial ainda é eminentemente masculino e autoritário, com
pouca abertura à prática acolhedora tanto para o público externo como para os novos e novas
policiais que possam integrar a equipe.
Percebe-se, portanto, que a realidade de infraestrutura da maioria das unidades
especializadas que responderam ao questionário está aquém do ideal previsto nas diretrizes da
Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres.
Com relação aos equipamentos disponíveis, é importante ressaltar que todas possuem
computadores com acesso à internet, onde se realizam os procedimentos policiais, e a maioria
conta com impressoras à laser, o que confere qualidade na produção dos documentos. Além
disso, 84% das delegacias responderam que possuem ar condicionado nas salas de
atendimento, o que contribui para aumentar a qualidade do ambiente e do serviço.
100
Tabela 16 – Equipamentos disponíveis nas DPCAMI de Santa Catarina.
Equipamentos Nº de Delegacias que
possuem
Computadores com acesso à internet 19
Ar condicionado nas salas de atendimento 17
Notebook 10
Modem 3G 0
Impressoras laser 14
Televisor 9
Máquina fotográfica digital 18
Webcam para computadores 9
Filmadora digital 3
Gravadores portáteis de voz 1
Central de rádio 1
Rádios HT 1
Viaturas com cela 7
Viaturas descaracterizadas 13
Fonte: Questionários aplicados
Com relação ao armamento policial, 14 unidades responderam que todos os policiais
possuem arma sob cautela. Apenas 5 unidades responderam que “a maioria” de seus policiais
têm armas. Diferente do que ocorre em outras corporações, na Polícia Civil catarinense o
policial recebe a arma no momento em que se forma na Academia de Polícia, após passar pelo
treinamento recomendado pela matriz curricular da SENASP.
Gráfico 3 – Policiais que possuem armamento sob cautela nas DPCAMI
Fonte: Questionários aplicados
101
Quanto às algemas e coletes balísticos, uma Delegacia respondeu que nenhum de seus
policiais possui algema e colete balístico. O ideal é que todos os policiais recebam esses itens
no momento de sua formação na Academia, como ocorre com o armamento de uso pessoal.
Da mesma forma, com relação aos telefones funcionais, cuja conta é custeada pelo Estado até
certo limite e garante gratuidade de comunicação entre telefones da mesma operadora, nas
DPCAMI são poucos os policiais que possuem. Apenas três Delegacias responderam que este
telefone foi concedido à maioria dos policiais.
Gráfico 4 – Policiais que possuem algemas nas DPCAMI
Nenhum5%
Todos26%
Poucos32%
A maioria
32%
Metade5%
Algemas
Fonte: questionários aplicados
Gráfico 5 – Policiais que possuem coletes balísticos nas DPCAMI
Fonte: Questionários aplicados
102
Gráfico 6 – Policiais que possuem telefones funcionais nas DPCAMI.
Fonte: Questionários aplicados
Para finalizar, questionamos se os Delegados/Delegadas consideram a necessidade de
reformulação da atual Resolução que disciplina as atribuições das Especializadas no âmbito
da Polícia Civil catarinense. Esta questão foi unânime entre os que responderam o
questionário, evidenciando que a normativa é considerada defasada e sua atualização é
urgente.
4.3 Sugestões para regulamentar as atribuições e a estrutura das Delegacias da Mulher
no Estado
Em 2012, foi realizada uma reunião de trabalho na Academia da Polícia Civil, a qual
contou com a participação de Delegados e Delegadas titulares ou atuantes em DPCAMI no
Estado. O objetivo foi debater a atual resolução que disciplina as atribuições das
especializadas e elaborar uma proposta ao Delegado-Geral da Polícia Civil, visando adequar a
normativa. A nova portaria se encontra em análise no Gabinete do Delegado-Geral, para
adequações e publicação.
Em que pese a existência de tal documento, é possível apresentar sugestões para
normatização das novas atribuições das Delegacias da Mulher, de acordo com as demandas
surgidas a partir da Lei Maria da Penha, do Estatuto do Idoso e também pelas diretrizes
constantes na Norma Técnica de Padronização das DEAMs, verificadas na presente pesquisa.
Primeiramente, seria importante a edição de um Decreto estadual para regulamentar a
matéria, ou seja, para definir um padrão de nomenclatura das delegacias especializadas, bem
como suas atribuições e a circunscrição. Essa providência, embora não seja obrigatória, seria
ideal, diante de tantos decretos existentes, os quais batizam as delegacias sob diversos nomes,
não identificam o âmbito de atuação da Delegacia e não definem as atribuições.
103
Tendo em vista que o Estado já possui mais de dez Delegacias da Mulher instituídas
por lei e em funcionamento, também é necessário implementar a Coordenação das Delegacias
Especializadas no âmbito da Polícia Civil catarinense, como órgão de assessoria ao Delegado-
Geral para articulação e aprimoramento das políticas públicas de enfrentamento à violência
contra as mulheres. Na pesquisa realizada junto aos Delegados, 95% responderam que a
criação da coordenação pode contribuir para a melhoria dos serviços prestados pelas
Especializadas.
Esta Coordenação, cujas atribuições foram anteriormente elencadas, deverá priorizar
no caso de Santa Catarina, estudos sobre as Delegacias, principalmente quanto ao perfil dos
policiais que atuam nas unidades, quanto às necessidades de reformas e equipamentos, e à
criação de novas unidades no Estado. Além disso, tal coordenação deverá promover, em
parceria com a Academia de Polícia Civil, cursos de formação específicos para policiais que
atuarão nas Especializadas, bem como a formação continuada.
Ao mesmo tempo em que a Coordenação atua para o fortalecimento das unidades,
também pode realizar o monitoramento das novas atribuições exercidas pelas DPCAMI, a fim
de propor mudanças que acompanhem as novas demandas. Desta forma, é importante que a
resolução ou Portaria do Delegado-Geral não engesse as unidades, permitindo que os casos
excepcionais sejam assim considerados. Por exemplo, em Delegacias de cidades mais
populosas, e com alto índice de ocorrências, deve-se projetar futura divisão entre o
atendimento de vítimas de violência de gênero e o recebimento de adolescentes infratores,
com a criação de uma unidade própria para o segundo caso, haja vista as peculiaridades
decorrentes de lei.
Quanto à estrutura mínima das Delegacias, é importante que sejam comparadas as
exigências constantes na Norma Técnica de Padronização das DEAMs com a atual estrutura
existente, verificando-se as prioridades e elaborando um planejamento de reformas e compras
que contemplem tais unidades. Com relação aos recursos humanos, é importante lembrar que
a Lei Maria da Penha aumentou o número de inquéritos policiais, demandando também um
estudo direcionado às DPCAMI, por parte do Setor de Recursos Humanos da Polícia Civil, a
fim de se verificar o quadro lotacional mínimo de Escrivães de Polícia para cada unidade,
além de Agentes, Psicólogos e Delegados.
É importante que sejam consideradas as demandas de atividades a serem exercidas
pelas DPCAMI também no momento do planejamento de distribuição de viaturas e quotas de
combustível, haja vista que a mulher pode solicitar o transporte para local seguro, o
104
acompanhamento para retirada de pertences do local da ocorrência, entre outros tipos de
transporte, os quais competem à unidade policial promover.
Com relação às atribuições descritas na Resolução 007/GAB/SSP/2003, sugere-se que
sejam modificados os seguintes aspectos:
1) Definir quais os crimes serão de atribuição da especializada quando a vítima for
criança ou adolescente;
2) Definir quais os crimes serão de atribuição da especializada quando a vítima for
mulher;
3) Definir quais as situações em que o idoso ou idosa serão atendidos na
Especializada;
4) Definir a atribuição para apuração de atos infracionais, ou seja, os crimes e
contravenções praticados por adolescentes.
Quanto à questão do atendimento à criança e ao adolescente, a Especializada busca
atender à Doutrina da Proteção Integral, delineada na Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
A doutrina da proteção integral está prevista, também, no artigo 3º do Estatuto da
Criança e do Adolescente e parte da compreensão de que as normas devem concebê-los como
cidadãos plenos, sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento. (BRASIL, 1990).
Desta forma, não é possível que uma resolução ou portaria seja discriminadora quanto
aos casos em que esses sujeitos devem ser atendidos: ou a proteção é integral, ou a Delegacia
não pode receber o título “proteção à criança e ao adolescente”. Evidentemente, se a unidade
for responsável todo o caso em que a criança ou o adolescente se encontrar na condição de
vítima, haverá um aumento considerável no número de procedimentos, pois isso corresponde
a investigar desde as mortes culposas (no trânsito, ou ocorridas em hospitais sob suspeita de
negligência médica), até os casos de bulling sofridos no ambiente escolar.
Definir a atribuição da Delegacia com base na idade ou sexo da vítima implica dizer
que não será realizada uma seleção dos tipos de crimes a serem investigados: podem ser
105
quaisquer dos previstos no Código Penal, ou ainda em leis esparsas, como é o caso dos crimes
do Estatuto da Criança e do Adolescente. As DPCAMI estão preparadas para esta demanda?
Com relação aos crimes praticados contra as mulheres, há que se observar a distinção
entre dois tipos de ocorrência: os crimes comuns, que vitimam tanto mulheres como homens
(ex: furto, roubo, estelionato, ameaça, lesão corporal), e aqueles nos quais a mulher é vítima
de violência doméstica e familiar (todo o crime cometido nos termos da Lei Maria da Penha).
A atual normativa da Polícia Civil catarinense apenas retira da especializada a apuração dos
crimes patrimoniais comuns, praticados contra mulheres, os quais devem ser investigados pela
Delegacia de Comarca, por não ser considerado um crime sofrido em razão do gênero.
A Norma Técnica de Padronização das DEAMs estima que 25% das ocorrências
criminais registradas em uma cidade correspondem a crimes onde mulheres são
vítimas.(BRASIL, 2010, p. 53). Assim, caso a Especializada possua, também, atendimento de
crianças, adolescentes e idosos, deve-se considerar o aumento desse percentual e,
consequentemente, a necessidade de reforçar a estrutura e o quantitativo de pessoal à serviço
da Delegacia.
Conforme já exposto, a atual resolução sobre as atribuições não disciplina a questão do
atendimento ao idoso. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003, conhecida como Estatuto do
Idoso, dispõe que o Poder Judiciário pode criar varas especializadas para tramitação dos
processos de idosos (art. 70). Além disso, assegura prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou
interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 71). A lei não fala,
entretanto, em criação de Delegacias Especializadas.
Haja vista que foi criada uma cultura de atendimento às demandas dos idosos nas
DPCAMI do Estado, seria um retrocesso retirar esse público das atribuições da especializada.
Entretanto, é preciso regulamentar em quais casos os idosos serão atendidos, ou seja, o
motivo pelo qual devem receber tratamento especializado. Além disso, os idosos também são
vítimas de violência doméstica, tanto quanto crianças e adolescentes, pois conforme Safiotti
(1999, p. 84), no exercício da função patriarcal, o gênero masculino detêm o poder de
determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos,
tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda quando o
crime é cometido por mulheres, a violência tem um gênero, e ele é o masculino, independente
do sexo físico do agressor.
Definindo-se que o atendimento continuará especializado em Crianças, Adolescentes,
Mulheres e Idosos, resta definir os tipos de crime que têm relação com a questão de gênero e
106
que tais públicos costumam ser vítimas, exigindo-se atendimento especializado e integrado
com outros órgãos da rede de serviços.
Assim, quando a vítima for mulher, deve ser atribuição da Especializada: 1) a
apuração de todos os crimes previstos na legislação vigente, quando cometidos com violência
doméstica ou familiar, nos termos do artigo 5º da Lei 11.340/2006; b) Os crimes previstos no
Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a
família), quando o sujeito passivo do crime for mulher e o sujeito ativo for homem; c) Os
crimes previstos no Código Penal, no Título VI (Dos crimes contra a dignidade sexual),
independente do sexo do sujeito ativo.
Nestes Títulos, se encontram previstos os crimes de homicídio, lesões corporais,
ameaça, maus tratos, constrangimento ilegal, estupro, entre outros. Os bens jurídicos tutelados
por esses tipos penais são: Título I - a vida, a incolumidade física, a saúde, a liberdade e a
honra; Título VI - a liberdade sexual; VII - a família.
Ficam excluídos do atendimento pela DPCAMI, portanto, os crimes contra o
patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita, entre outros), porque não possuem relação
com a questão de gênero, e sim com o poder aquisitivo, posse e propriedade. A DPCAMI
investigaria apenas os crimes patrimoniais praticados na condição de violência doméstica ou
familiar. Essa distinção ocorre porque os crimes patrimoniais compõem estatísticas
diferenciadas e resultam em medidas específicas de segurança pública, o que demanda a
investigação pelas delegacias comuns.
Também ficam excluídos da atribuição das DPCAMI os crimes contra a propriedade
imaterial, haja vista que o bem jurídico tutelado não possui qualquer relação com a questão de
gênero ou vulnerabilidade social. Da mesma forma, os crimes previstos no Título IV - Dos
crimes contra a organização do trabalho, haja vista que o bem jurídico tutelado é o direito
coletivo ao trabalho.
Outro título que não se encaixa na atribuição da DPCAMI engloba aos crimes contra o
sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (Título V), eis que o objetivo da norma é
proteger a liberdade de crença. Não há qualquer relação deste crime com a questão de gênero.
Evidentemente, quando um companheiro, pai ou irmão cometer os crimes descritos nesta
parte do Código Penal, será atribuição da DPCAMI, em razão da previsão de que todo crime
cometido mediante violência doméstica ou familiar deve ser investigado pela especializada.
Os crimes previstos no Título VIII - Dos crimes contra a incolumidade pública,
também não tem razão de serem investigados pelas DPCAMI, pois os sujeitos passivos de tais
107
crimes são a coletividade, os meios de comunicação, transporte e outros serviços, ou seja,
nenhuma relação com a questão de gênero.
Quanto ao Título IX, diz respeito aos crimes contra a paz pública (Ex: formação de
quadrilha, constituição de milícia privada, entre outros). O bem jurídico tutelado é a paz
pública, não tem qualquer relação com questões de gênero. Da mesma forma, os crimes
descritos nos Título X e XI do Código Penal, ou seja, crimes contra a Fé Pública e contra a
Administração Pública, cujas vítimas são o Estado e a Administração.
Com relação aos crimes contra a dignidade sexual, a sugestão de prever na nova
Resolução que toda mulher deverá ser atendida quando for sujeito passivo de tal delito,
independente do sexo do sujeito ativo, visa garantir a aplicação dos protocolos especiais de
atendimento. Os crimes contra a dignidade sexual possuem relação direta com o gênero,
podendo também ser cometidos por mulheres. Desta forma, sendo um dos crimes mais graves
e de consequências mais nefastas, é importante que seja garantida à vítima o atendimento
integral, o encaminhamento para unidades de saúde de referência e a possibilidade de impedir
ou interromper uma gravidez indesejada.
A nova resolução deverá prever, também, os casos em que as crianças e adolescentes
deverão ser atendidos pela DPCAMI. A condição para o atendimento independe do sexo e se
dá em razão da doutrina da proteção integral. Desta forma, a DPCAMI deve ter atribuição
para investigar todos os crimes cometidos contra crianças e adolescentes, previstos no Código
Penal, nos seguintes Títulos: I - Dos Crimes contra a Pessoa; VI - Dos crimes contra a
dignidade sexual; e VII - Dos crimes contra a família, da mesma forma como foi diferenciado
para as mulheres. Também deverão ser atendidos quando vítimas de violência doméstica e
familiar, nos termos da Lei Maria da Penha. Além disso, também deve ser de atribuição da
Especializada a investigação de todos os crimes previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente, dentre os quais, por exemplo. estão previstos crimes relacionados à pedofilia.
Com relação ao atendimento de Idosos, também deve se ter como obrigatório o
atendimento àquelas que sofrerem violência doméstica e familiar, nos termos da Lei
11.340/2006. Além desses casos, a especializada deve possuir atribuição para os crimes
previstos no Estatuto do Idoso, os quais tramitam em procedimento especial e demandam
encaminhamentos das vítimas para atendimento em outros órgãos da rede de serviços.
Ficam, portanto, excluídos do atendimento pelas DPCAMI os crimes previstos no
Código de Trânsito Brasileiro, culposos ou dolosos, e também os Crimes do Código de
Defesa do Consumidor, mesmo que a vítima seja mulher, criança, adolescente ou idoso, pois
108
tais crimes não possuem relação com o gênero – o bem jurídico tutelado é a segurança no
trânsito e as relações de consumo.
Por fim, tem-se a questão polêmica do atendimento aos adolescentes que cometem
atos infracionais. A doutrina da proteção integral também visa proteger o adolescente infrator,
o qual é sujeito em condição peculiar de desenvolvimento. Por isso, o Estatuto da Criança e
do Adolescente prevê que este não é penalizado, não se submete a processo criminal e não
cumpre pena, sendo-lhe aplicadas medidas sócio-educativas e medidas protetivas.
Justifica-se a necessidade de existirem delegacias especializadas, a fim de garantir que
o adolescente apreendido seja mantido separadamente aos presos adultos, bem como para que
a formalização do procedimento seja adequada às exigências da lei e o apreendido seja
encaminhado à autoridade judiciária competente. Entretanto, diante da demanda de trabalho
destinada às DPCAMI, deve-se repensar o atendimento de adolescentes infratores por essa
unidade.
Nada impede que sejam criadas unidades específicas de atendimento ao adolescente
infrator, separadas das unidades comuns e também das DPCAMI, onde o protocolo de
recebimento das ocorrências continuará seguindo o fluxo previsto no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Neste caso, as DPCAMI terão a demanda de trabalho reduzida e poderão
investir na padronização do atendimento às vítimas de violência de gênero, exercendo todas
as atribuições previstas em lei, além de garantir a produção dos atos de polícia judiciária
relativos a esses crimes.
Portanto, a resolução que disciplinar as novas atribuições da especializada não poderá
obrigar a DPCAMI a atender adolescentes infratores, sob pena de inviabilizar a futura
separação de tal setor, especialmente nas DPCAMI das maiores cidades do Estado, como
Joinville, Florianópolis e Blumenau.
No anexo A, segue uma proposta de resolução, compilando o que foi acima descrito
como sugestão para disciplinar as atribuições das especializadas em Santa Catarina.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa buscou investigar as atribuições das Delegacias da Mulher de
Santa Catarina, por meio da compilação de instrumentos normativos existentes e
considerando o contexto da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres. Também buscou verificar a aplicação dos referidos instrumentos normativos no
âmbito da Polícia Civil catarinense e a necessidade de revisão da normativa interna acerca das
atribuições de tais unidades policiais.
Para delinear quais atribuições uma Delegacia da Mulher deve desempenhar, foi
necessário entender o contexto que demandou o surgimento de tais unidades especializadas,
ou seja, em que momento a problemática da violência contra a mulher se inseriu na agenda
das políticas públicas. Assim, a pesquisa apresentou um referencial teórico sobre Gênero e
Políticas Públicas, demonstrando a importância dos atores (atrizes) sociais, os contextos
institucionais e as arenas decisórias fundamentais nesse processo.
Para as mulheres, a inserção de suas demandas como políticas públicas foi (é) um
processo difícil, porque antes precisou ser evidenciado que o tratamento desigual não é algo
natural - é fruto de uma concepção acerca do gênero, uma atribuição social de papeis aos
sexos biológicos, onde à mulher resta o que é privado, jamais o público, o político, o social.
Portanto, foi de extrema importância evidenciar os conceitos e teorias sobre gênero e
violência de gênero, as quais embasaram a luta dos movimentos feministas e de mulheres.
As considerações históricas sobre esse processo puderam demonstrar que a projeção
pública dos problemas antes considerados privados foi impulsionada pelas atrocidades
cometidas contra mulheres no âmbito das relações íntimas de afeto. O clamor popular foi
crescendo e tornou-se impossível perpetuar a prática de "maquiar" as feridas infligidas às
mulheres. E a legislação foi, embora de forma lenta, acompanhando as novas aspirações para
o antigo problema da violência doméstica e familiar.
Verificamos o processo de participação das mulheres na construção dos Planos
Nacionais de Políticas Para Mulheres, o que certamente conferiu legitimidade às políticas dali
oriundas, porque foram debatidas em diversas instâncias, por atrizes que representavam
diferentes segmentos. A abordagem sobre a Política Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres e sobre a Lei Maria da Penha possibilitou identificar os principais
instrumentos normativos e as novas demandas que surgiram quanto ao tema do enfrentamento
à violência de gênero.
110
Antes de verificar se tais instrumentos modificaram as atribuições das Delegacias da
Mulher no Estado, a pesquisa buscou resgatar as funções históricas atribuídas à Polícia Civil
desde seu surgimento no Brasil até a atual Constituição Federal. Verificou-se que a instituição
possui atribuições relacionadas à preservação da ordem pública que vão além da simples
repressão ao crime, ou seja, também é função da Polícia Civil realizar atividades de cunho
preventivo, especialmente no que diz respeito à violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Para compreender onde as Delegacias da Mulher estão inseridas no quadro
organizacional da Polícia Civil, foi apresentada a estrutura administrativa e organogramas da
instituição. Verificou-se que as DPCAMI não constam expressamente no organograma, sendo
igualadas às Delegacias de Comarca. Ao final do estudo sobre a Polícia Civil, foram descritas
as atribuições das carreiras que compõe o quadro funcional do órgão, verificando-se que
somente no cargo de Psicólogo Policial existem funções relacionadas à atuação nas
especializadas.
Esta parte da pesquisa teve um maior grau de dificuldade, no que diz respeito à
história e estrutura administrativa da Polícia Civil. Não há publicações oficiais sobre o tema,
fazendo-se necessário analisar documentos legislativos, sem referências do contexto histórico
de suas edições. Também houve dificuldade para localizar a legislação correspondente à atual
estrutura administrativa da instituição, pois foram sucessivas "reformas administrativas"
promovidas pelo Poder Executivo e não há uma compilação atualizada contendo o
organograma oficial, com as diretorias e unidades subordinadas.
Quanto ao último capítulo, dedicou-se à análise específica das Delegacias da Mulher
em Santa Catarina, quanto às atribuições que deveriam exercer, as efetivamente exercidas e
estrutura material existente. Primeiramente, foram compiladas e analisadas as previsões
normativas que relacionam atribuições específicas para essas unidades: a Resolução
007/GAB/2003 da Polícia Civil catarinense, assim como artigos da Lei Maria da Penha e as
diretrizes da Norma Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento à Mulher.
Identificadas as previsões legais e a estrutura ideal para o desenvolvimento das atividades
dessas unidades especializadas, passou-se a analisar a situação fática das Delegacias da
Mulher em Santa Catarina, considerando respostas dos questionários enviados aos
Delegados/Delegadas responsáveis por tais unidades.
Verificou-se que, embora as políticas públicas formuladas tenha sido inovadoras,
prevendo instrumentos e serviços ideais, a implementação de tais políticas ainda está muito
aquém das previsões normativas, no que esta pesquisa se propôs a investigar, ou seja, as
111
atribuições das Delegacias da Mulher em Santa Catarina. O objetivo não foi avaliar a
qualidade dos serviços prestados pelas unidades, pois antes de uma avaliação desse tipo, é
preciso identificar quais serviços deveriam ser prestados, quais atribuições deveriam ser
exercidas e quais são efetivamente desempenhadas.
Apesar da Polícia Civil catarinense ter sido uma das pioneiras a inaugurar a Delegacia
de Proteção à Mulher no país, e embora tenha hoje maior número de unidades que outros
Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, há muito o que atualizar em termos de organização
administrativa, regulamentação de atribuições e estruturação das unidades. Sequer houve a
criação de uma Coordenação das DEAMs, apesar de possuir mais de dez delegacias,
conforme prevê a Norma Técnica.
Houve, também, dificuldade para localizar as diversas leis de criação das Delegacias
Especializadas, pois não há um setor da Secretaria de Segurança que tenha compilados todos
os referidos decretos. Diante disso, a falta de um padrão para as unidades especializadas é
visível desde a nomenclatura atribuída a cada uma: o nome que consta nas placas das
Delegacias (DPCAMI) não corresponde à nomenclatura atribuída pelas leis de criação.
Examinada a Resolução 007/GAB/2003, que disciplina as atribuições das Delegacias
da Mulher, verificou-se que a redação é confusa, não abrange as novas situações previstas em
lei e ainda possibilita entendimentos jurídicos diversos entre os Delegados e Delegadas,
fazendo com que cada unidade atenda públicos diferentes. Além disso, foi editada antes da
Lei Maria da Penha e do Estatuto do Idoso - deixando de prever, portanto, todas as
atribuições e atividades decorrentes de tais leis. Há, ainda, a mescla de atendimento com os
adolescentes em conflito com a lei, o que demanda uma divisão interna do trabalho e
certamente sobrecarrega os policiais que atuam nessas unidades.
Verificou-se que a demanda de trabalho (boletins de ocorrência e inquéritos policiais)
dessas unidades é muito superior às Delegacias comuns, especialmente nos grandes centros
como Joinville, Florianópolis, Blumenau. Por outro lado, a estrutura física e os equipamentos
à disposição de tais unidades está aquém das diretrizes contidas na Norma Técnica de
Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres.
Diante dessas considerações, foi elaborada uma proposta de resolução para padronizar
as atribuições das DPCAMI no Estado, expondo os motivos que levaram a tal construção.
Somente a partir da reformulação das atribuições na normativa interna e da
estruturação das unidades com os equipamentos e recursos humanos necessários é que poderá
ser avaliada a efetiva implementação das diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres.
112
Desta forma, espera-se que essa pesquisa contribua para futuras pesquisas que avaliem
a qualidade da execução das atribuições e serviços prestados pelas Delegacias. Espera-se,
também, que a pesquisa possa contribuir para a formulação de políticas públicas no âmbito da
Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil, relativas à atualização da normativa
existente, à estruturação das unidades especializadas e ao investimento em capacitação e
valorização para os profissionais que trabalham nas referidas Delegacias.
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120
ANEXO A - Sugestão de Resolução para disciplinar as atribuições das DPCAMI
RESOLUÇÃO Nº____ /DGPC/2013
O DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA CIVIL do Estado de Santa Catarina, no uso de
suas atribuições legais,
Considerando a necessidade de dispor sobre a competência e atribuições das
Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso, conforme previsto no
Decreto nº 4196, de 11 de janeiro de 1994, com as alterações previstas no Decreto nº 3200, de
24 de setembro de 1998,
RESOLVE:
Art. 1º. As Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso, no
Estado de Santa Catarina, serão denominadas DPCAMI;
Art. 2º. As Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso
terão atuação na circunscrição das respectivas Comarcas, com atribuições para desenvolver os
procedimentos legais relativos à apuração das seguintes infrações:
I) os crimes previstos no Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a
pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a família), quando o sujeito passivo do crime for
mulher e o sujeito ativo for homem;
II) os crimes previstos no Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a
pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a família), quando o sujeito passivo do crime for
criança ou adolescente;
III) os crimes previstos no Código Penal, no Título VI (Dos crimes contra a
dignidade sexual) sempre que o sujeito passivo do crime for criança, adolescente, mulher ou
idoso;
IV) todo o crime cometido mediante violência doméstica ou familiar, nos
termos do art. 5º da Lei 11.340, de ;
V) os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de
13 de julho de 1990);
VI) Os crimes previstos no Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de
2003);
121
Parágrafo único: As DPCAMI poderão ter atribuição para apuração de atos
infracionais cometidos por adolescentes, por decisão do Delegado Regional de Polícia em
cada região, quando não houver uma unidade policial destinada especificamente para este fim.
Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução nº
007/GAB/CPC/SSP/2003.
Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
122
ANEXO B - Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina
Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina
Este questionário pretende levantar informações sobre as atribuições, os procedimentos e a estrutura física das Delegacias Especializadas de Santa Catarina. A análise das respostas pretende verificar se existe padronização e/ou cumprimento das diretrizes nacionais e estaduais sobre as Especializadas. Assim, solicito sua colaboração!
Esta pesquisa tem fins meramente acadêmicos e não será publicada na íntegra, apenas o resultado da análise das respostas.
*Obrigatório Qual o nome de sua unidade policial? A qual Delegacia Regional de Polícia ela se subordina? *
Qual a área de abrangência da Delegacia? * (comarcas, municípios)
Qual o horário de atendimento da Delegacia? *
PERFIL DA ENTREVISTADA - Sexo: *
PERFIL DA ENTREVISTADA - Tempo de Serviço na Especializada *
PERFIL DA ENTREVISTADA - Faixa etária?
PERFIL DA ENTREVISTADA - Possui curso certificado sobre gênero ou Lei Maria da Penha?*
PERFIL DA ENTREVISTADA - Participa de algum Conselho Municipal, Estadual ou Federal? *
PERFIL DA ENTREVISTADA - O que você entende por gênero?
PERFIL DA ENTREVISTADA - Você considera que a Delegacia atende demandas relacionadas à violência de gênero? Por que?
123
PERFIL DA ENTREVISTADA - Você considera que a Delegacia tem implementado Políticas Públicas de Gênero ou Políticas Públicas para Mulheres? Você considera que há diferença entre tais políticas?
Quanto aos crimes investigados pela Delegacia Especializada, assinale as atribuições de sua unidade: *
o Apurar os ilícitos criminais referentes à prática de violência física e moral contra
a mulher, cujo sujeito ativo do delito seja pessoa do sexo masculino;
o Apurar os ilícitos criminais referentes à prática de violência sexual contra a
mulher, cujos sujeitos ativos sejam pessoas do sexo masculino ou feminino
o Apurar todos os ilícitos criminais ocorridos na área de circunscrição, desde que
cometidos por homens, contra mulheres;
o Apurar toda a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei
Maria da Penha;
o Apurar atos infracionais praticados por adolescentes
o Apurar crimes de qualquer natureza, praticado somente contra crianças (não
inclui adolescentes)
o Apurar crimes de qualquer natureza, praticados contra crianças e adolescentes
o Apurar crimes contra crianças e adolescentes, desde que estes sejam vítimas
de crimes específicos (ex: maus tratos, violência sexual)
o Apurar crimes contra crianças e adolescentes, desde que vítimas de violência
doméstica nos termos da Lei Maria da Penha
o Apurar crimes contra idosos - somente os previstos no Estatuto do Idoso
o Apurar crimes de qualquer natureza, praticados contra idosos
o Apurar crimes praticados contra idosos, mas somente na condição de violência
doméstica nos termos da Lei Maria da Penha
o Outro:
Quanto aos procedimentos, assinale aqueles realizados ou implantados por sua unidade policial: *
124
o existência de protocolo de atendimento padronizado para vítimas de violência
sexual, em parceria com outros órgãos da rede de atendimento
o existência de procedimentos criados pela unidade, quanto ao atendimento de
vítimas de violência sexual
o existência de protocolo criado pela Instituição, padronizando o atendimento de
vítimas de violência sexual
o existência de orientações não normatizadas, recebidas durante a formação
policial, acerca do atendimento de vítimas de violência sexual
o garantia de proteção policial à vítima de violência doméstica, quando
necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário
o encaminhamento da vítima de violência doméstica aos estabelecimentos de
saúde e ao Instituto Médico Legal
o fornecimento de transporte para a vítima de violência doméstica e os
dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida
o acompanhamento da vítima de violência doméstica para retirada dos pertences
do local da ocorrência ou de casa, quando necessário
o orientação para a vítima de violência doméstica sobre os direitos e deveres
disponíveis
o confecção de pedido de Medida Protetiva de Urgência para a vítima de violência
doméstica e encaminhamento ao juízo competente
o representação por prisão preventiva, no caso de descumprimento de Medidas
Protetivas de Urgência
o Atendimento por psicólogo policial às vítimas atendidas pela unidade
o orientação acerca da necessidade de Representação ou Queixa-crime, nos
casos em que os crimes se processam mediante Ação Penal Pública condicionada e Ação
Penal Privada.
o Operações externas: fiscalização em bares, boates, casas noturnas
o Operações externas: cumprimento de mandados de prisão e condução
coercitiva
o Operações internas: mutirão para conclusão de procedimentos atrasados
o Operações internas: reuniões de trabalho e de avaliação de desempenho com
os servidores que prestam serviço na unidade policial
o Outro:
Assinale quais procedimentos sua Delegacia Especializada realiza no SISP (Sistema Integrado de Segurança Pública): *
o Auto de Prisão em Flagrante
o Inquérito Policial
o Termo Circunstanciado
125
o Boletim de Ocorrência
o Boletim de Ocorrência Circunstanciado (Adolescente)
o Auto de Apreensão de Adolescente
o Auto de Apuração de Ato Infracional
o Rotina "Providências" no Boletim de Ocorrência
Quanto à estrutura da Delegacia, assinale o que a unidade possui: *
o recepção com espaços separados para agressor e vítima
o comissariado com salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro
do boletim de ocorrência
o comissariado sem salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro
do boletim de ocorrência
o cartório (s) policial (is) reservados, onde o depoimento é prestado com sigilo,
garantindo separação entre vítima e agressor
o sala para advogados ou assistência judiciária
o sala (s) para atendimento psicológico
o sala da investigação
o sala com espelho gessel (para reconhecimento)
o sala para a coordenação (Delegado de Polícia)
o sala de espera para atendimento com o Delegado de Polícia
o sala de reunião
o almoxarifado
o arquivo
o sala de equipamentos e armas
o sala de estar/espaço de convivência para os servidores
o copa-cozinha
o sala de detenção provisória
o cela para permanência de presos
o estacionamento para policiais
o estacionamento para viaturas
o estacionamento para público em geral
o sala para crianças - brinquedoteca
o sala para atendimento de crianças vítimas de violência, com recursos de apoio
o sala de protocolo de documentos
o banheiros separados - feminino e masculino
o vestiários separados - masculino e feminino
126
o vestiário de uso comum
o alojamento para policiais - separado masculino e feminino
o alojamento para policais - de uso comum
o sala para exames médicos
o Acessibilidade a portadores de necessidades especiais
Quanto aos equipamentos, assinale o que a unidade possui: *
o Computadores com acesso à internet
o Ar condicionado nas salas de atendimento
o Notebook
o Modem 3G
o Impressoras laser
o Televisor
o Máquina fotográfica digital
o Webcam para computadores
o Filmadora digital
o Gravadores portáteis de voz
o Central de rádio
o Rádios HT
o Viaturas com cela
o Viaturas descaracterizadas
Quanto aos equipamentos de uso dos policiais, assinale: *
Nenhum Todos Poucos A maioria
Cerca da
metade
Policiais que
possuem arma
Policiais que
possuem algema
Policiais que
possuem colete
balístico
Policiais que
possuem telefone
funcional
Você considera que a implantação de uma Coordenadoria Estadual das Delegacias da Mulher pode contribuir para melhoria da qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelas Especializadas? *
o Sim
127
o Não
o Não sei
Você considera que há necessidade de reformular a Resolução 007/GAB/2003, que regula as atribuições das Especializadas no âmbito da Polícia Civil de Santa Catarina? *
o Sim
o Não
o Não sei