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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
JUDITH DOS SANTOS PEREZ
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SABERES DA EXPERIÊNCIA
POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA-
MENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA
Rio de Janeiro
2011
JUDITH DOS SANTOS PEREZ
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SABERES DA EXPERIÊNCIA
POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA-
MENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA
Dissertação apresentada à Uni-
versidade Estácio de Sá como re-
quisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Helenice Maia
Rio de Janeiro
Abril 2011
P438 Perez, Judith dos Santos Representações sociais de saberes da experiência por profes-
sores dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pú-blica / Judith dos Santos Perez. – Rio de Janeiro, 2011.
111 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação)– Universidade Estácio de Sá, 2011.
1. Professores, formação. 2. Representação social. 3. Experi-
ência profissional. 4. Ensino fundamental. I. Título
CDD 370.71
À Professora, amiga e eterna incentivadora Conceição Perkles
(em memória)
AGRADECIMENTOS
A todos os que de certa forma contribuíram para a realização deste trabalho, em
especial aos meus pais e a minha madrinha Sônia, pela paciência e compreensão nos
momentos ausentes.
Ao meu marido Claudio, por ter entendido que essa conquista também é sua.
À minha orientadora, Helenice Maia, pelo carinho, confiança e por sempre ter
acreditado em meu potencial.
À Sonia Regina Mendes e Monica Rabello de Castro por aceitarem participar da
Banca Examinadora.
Aos demais professores da Universidade Estácio de Sá: Alda Judith Alves
Mazzotti, Tarso Bonilha Mazzotti, Rita Lima, Lucia Regina Vilarinho, Pedro Humberto
de Campos e Laélia Moreira, pelo apoio em todos os momentos, inclusive nos de dúvida
e desânimo.
Aos colegas de turma, pelas amizades conquistadas: José Carlos, Rutemara, Ro-
berta Juliana, Fernanda, Juliana, Terezinha, Camila, Edith, Andrea, Ana Magdala e Eri-
ca.
Às colegas Marcela e Eva pela imensa ajuda na realização das análises e das
transcrições das entrevistas, respectivamente.
À Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, em especial à Profa.
Dra. Mariangela Monteiro e à Profa. Myriam Medeiros, por terem autorizado a realiza-
ção da pesquisa.
À Equipe Diretiva da Escola Municipal pesquisada, em especial aos professores
que concederam as entrevistas e à professora voluntária, que consentiu que suas aulas
fossem filmadas, além de ter participado das sessões de autoconfrontação, junto a sua
colega de ofício, para quem também vai o nosso agradecimento.
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão.
(FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 78)
RESUMO
O presente estudo constitui-se em uma pesquisa qualitativa que tem como objetivo co-
nhecer os indícios das representações sociais de saberes da experiência por professores
dos anos iniciais do ensino fundamental, atuantes em uma escola vinculada à rede mu-
nicipal de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Por entendermos que os valores dos profes-
sores, seu modo de vida e experiências pessoais interferem em sua atividade profissio-
nal, procuramos perceber que saberes da experiência são mobilizados por eles e como
são mobilizados em função das situações de trabalho e das interações estabelecidas com
outros agentes no processo ensino-aprendizagem, privilegiando as dimensões da ativi-
dade e da experiência. Por considerarmos os sujeitos como atores sociais ativos que,
afetados por diferentes aspectos da vida cotidiana, podem possuir percepções diferenci-
adas de um objeto em relação a outros indivíduos do seu grupo, interferindo assim, na
construção de sua representação social, dirigimos também o olhar para um único sujeito
– uma professora voluntária – para verificar processos de ressignificação individual do
conhecimento relativo aos saberes da experiência compartilhado por seu grupo de per-
tença. O estudo foi norteado pela abordagem processual desenvolvida por Serge Mos-
covici, que identifica os processos formadores das representações sociais, a objetivação
e ancoragem. A categoria saberes da experiência foi focalizada à luz dos estudos de
Jacques Therrien, que dá ênfase aos saberes da experiência produzidos em situações
reais de trabalho, utilizando princípios da ergonomia da atividade. Para a coleta de in-
formações, foram realizadas observação, análise documental e entrevistas semi-diretivas
com 24 professores. A pesquisa utilizou ainda como técnica de coleta a Clínica da Ati-
vidade, proposta por Yves Clot, em que situamos a análise entre a tarefa prescrita e a
atividade real, ou seja, como estas se realizam no processo concreto do trabalho. Para
isso, foram gravados em vídeo oito dias de aula da professora voluntária e, em áudio, a
narrativa de sua história de vida. Foram também efetuadas sessões de autoconfrontação
simples e cruzada entre ela, outra professora convidada e a pesquisadora. A análise dos
dados coletados foi realizada segundo o Modelo da Estratégia Argumentativa (MEA),
conforme proposto por Monica Castro e Janet Bolite-Frant. As teses encontradas com-
põem o esquema figurativo da representação social de saberes da experiência. A tese
central que condensa esse esquema é “a experiência profissional orienta a prática cotidi-
ana docente”, de onde os professores buscam certezas que orientam suas práticas e não
em sua formação ou nas ideologias pedagógicas subjacentes aos currículos pedagógicos,
reforçando a ideia de que basta ter experiência para se desenvolver um bom trabalho.
Não podemos afirmar se houve ressignificação individual das representações sociais de
saberes da experiência, uma vez que as teses defendidas pela professora voluntária estão
imbricadas à tese central, permitindo sua adaptabilidade ao grupo.
Palavras-chave: representações sociais – saberes da experiência – clínica da atividade
ABSTRACT
The present study constitutes a qualitative research that aims to understand the evidence
of social representations of experience knowledge by teachers from early years of ele-
mentary school, engaged in a school linked to the municipal network of Duque de Caxi-
as, Rio de Janeiro. Because we believe that the values of the teachers, their way of life
and personal experiences interfere with their professional activity, we realize what kind
of experience knowledge is mobilized by them and how it is deployed on the basis of
work situations and interactions with other agents in the teaching-learning process, fa-
vouring the dimensions of activity and experience. By considering the subject as social
actors that assets, affected by different aspects of everyday life, may have different per-
ceptions of an object relative to other individuals in their group, interfering so in build-
ing their social representation, we also look for a single subject – a voluntary teacher –
to check individual “ressignificação” processes of knowledge concerning the experience
knowledge shared by her group of belonging. The study was guided by the procedural
approach developed by Serge Moscovici, who identifies the processes trainers of social
representations, objectification and anchoring. The experience knowledge category was
focused in the studies of Jacques Therrien, who gives emphasis to experience
knowledge produced in real situations, using ergonomic activity principles. For collect-
ing information, documentary analysis and semi-directive interviews with 24 teachers
were held note. The activity clinic was also used as a technique of collecting, proposed
by Yves Clot, where we situate the analysis between the prescribed task and the real
activity, i.e., as these are taking place in the concrete process of work. For this, were
recorded on video eight days of voluntary teacher's classroom, and in audio, the narra-
tive of her story of life. They also made simple and crusade autoconfrontation sessions
between the voluntary teacher, an invited colleague and the researcher. The analysis of
the data collected was performed on the Argument Strategy Model (MEA), as proposed
by Monica Castro and Janet Bolite-Frant. The found theses have composed the figura-
tive scheme of social representation of the experience knowledge. The central thesis that
condenses this schema is "professional experience drives the everyday teaching prac-
tice", where the teachers are seeking certainties that guide their practices and not in their
formation or in the underlying pedagogical ideologies to educational curricula, reinforc-
ing the idea that it is just taking experience to develop a good job. We cannot say if
there was individual “ressignificação” of the social representations of experience
knowledge, since the thesis defended by the voluntary teacher are intertwined with the
central thesis, allowing her adaptability to the group.
Keywords: social representations - experience knowledge – activity clinic
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 9
CAPÍTULO 1 – A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS -----------------18
CAPÍTULO 2 – OS SABERES DA EXPERIÊNCIA ------------------------------------25
2.1 - Saber docente --------------------------------------------------------------27
2.2 – Racionalidade docente: o sujeito reflexivo --------------------------- 28
2.3 – Trabalho docente: mediação e transformação dos saberes ----------30
2.4 – Concepção de Professor --------------------------------------------------32
2.5 – Ação/cognição situada e Ergonomia da Atividade -------------------33
2.6 – Ergonomia e Clínica da Atividade ------------------------------------ 36
CAPÍTULO 3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS --------------------------38
3.1 - A clínica da atividade -----------------------------------------------------42
3.2 - O modelo da estratégia argumentativa (MEA) ------------------------47
CAPÍTULO 4 – EM BUSCA DOS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AOS SABE-
RES DA EXPERIÊNCIA ---------------------------------------------------------------------51
4.1 – Caracterização da escola -----------------------------------------------52
4.2 - Perfil dos professores ----------------------------------------------------57
4.3 – Entrevistas -------------------------------------------------------------- 58
4.4 - Narrativa de história de vida -------------------------------------------70
4.5 - Autoconfrontação --------------------------------------------------------79
4.5.1 – Autoconfrontação simples ----------------------------------- 80
4.5.2 - Autoconfrontação cruzada -------------------------------------85
4.6 – Representações sociais de saberes da experiência ------------------88
CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------- 91
REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------ 95
APÊNDICES -----------------------------------------------------------------------------------104
ANEXOS --------------------------------------------------------------------------------------- 105
INTRODUÇÃO
A profissão docente, a partir da ótica da formação e do trabalho realizado, tem
sido alvo de muitos estudos em diferentes países (APPLE, 1995; CARROLO, 1997;
ESTEVE, 1995; IMBERNÓN, 2005; NÓVOA, 1999; TARDIF, 2000, 2001; TARDIF,
LESSARD, 2005; THERRIEN,1997; 2001; 2009), inclusive no Brasil (CARLOTTO,
2003; GERALDI, 2003; HAGEMEYER, 2004; HYPOLITO, VIEIRA, PIZZI, 2009;
MARIN, SAMPAIO, 2004; OLIVEIRA, 2008).
As rápidas mudanças observadas no cenário mundial nas últimas décadas do
século XX apontam para novas formas de organização da produção, do trabalho, da vida
econômica e, consequentemente, da educação escolar. A reestruturação produtiva traz
outro modelo de acumulação, denominado flexível, e enseja diferentes formas de
organização do trabalho, inclusive da escola (CORIAT, 1994).
Segundo Tardif e Lessard (2008), o trabalho docente hoje representa uma
atividade profissional que exige conhecimentos e competências em vários campos:
cultura geral e conhecimentos disciplinares; psicopedagogia e didática; conhecimento
dos alunos, de seu ambiente familiar e sociocultural; conhecimento das dificuldades de
aprendizagem, do sistema escolar e de suas finalidades; conhecimento das diversas
matérias do programa, das novas tecnologias da comunicação e da informação etc. Em
resumo, o ensino se transformou em uma atividade complexa e rigorosa.
Noções de coletividade, autonomia e participação são fortemente evocadas nos
documentos das reformas educativas atuais (UNESCO/CEPAL, 2005), porém
compreendidas numa abordagem que privilegia a flexibilidade. É possível observar que
maior flexibilidade na gestão, nas estruturas curriculares e nos processos de avaliação,
corrobora a ideia de que há novos padrões de organização, também do trabalho escolar,
o que acaba por delinear um novo perfil de trabalhador docente, que se encontra diante
da necessidade de se adaptar às novas exigências.
No contexto brasileiro, as reformas educacionais, contempladas, sobretudo na
legislação educacional em vigor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), apresentam um reforço ao trabalho coletivo e a necessidade de
participação e envolvimento da comunidade na gestão da escola. A referida legislação
incumbe os estabelecimentos de ensino a elaborarem e executarem sua proposta
pedagógica e ainda se articularem com as famílias e a comunidade. Para isso, o docente
deve, além de cumprir suas atividades em sala de aula, participar ativamente da
construção do projeto político-pedagógico da(s) unidade(s) escolar(es) em que atua1.
Oliveira (2008) considera que o caráter flexível privilegiado nas reformas
educacionais pode trazer, por um lado, ganhos de autonomia, mas por outro, exige mais
tempo de trabalho do professor, tempo que, se não aumenta sua jornada objetivamente,
acaba se traduzindo numa intensificação de seu trabalho, que o obriga a responder a um
número maior de exigências. A autora afirma, ainda, que essas reformas trouxeram
novas exigências profissionais para o professor, atuando fortemente sobre a organização
escolar, trazendo outras formas de ensinar e de avaliar, muitas vezes sem a necessária
adequação das condições de seu trabalho. Segundo ela, isto resulta também em maior
responsabilização sobre a formação do professor, obrigando-o a buscar constantemente,
por sua própria conta, formas de requalificação. A este novo profissional resta, pois, um
desafio: desenvolver habilidades pessoais para que seja capaz de acompanhar as
tendências e os novos processos educacionais, além de impregnar indivíduos com o
sinal da construção de novos saberes, de indicar caminhos e de ajudar a construir uma
sociedade nova.
Além disso, o professor é considerado pela sociedade contemporânea não
apenas um agente central de mudanças, mas também o principal responsável pelo
desempenho dos alunos, da escola e do próprio sistema educacional. Os resultados da
pesquisa encomendada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), em parceria com o Ministério de Educação (MEC), realizada
pela Fundação CESGRANRIO e publicada em 2006, evidenciam a veracidade dessa
afirmação, pois mostram que a maioria dos pais entrevistados atribui ao professor a
responsabilidade direta pela qualidade do ensino, pela disciplina na sala de aula, pela
motivação dos alunos e, sobretudo, pelo sucesso ou fracasso escolar (PINTO; GARCIA;
LETICHEVSKY, 2006).
Em se tratando de escola pública, diante das variadas funções que assume, o
professor ainda responde a exigências que estão além de sua formação. Muitas vezes
este profissional é obrigado a desempenhar funções de agente público, assistente social,
1 Conforme Art. 13 do Título IV - Da Organização da Educação Nacional: Os docentes incumbir-se-ão de: I – parti-
cipar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho,
segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabe-
lecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas–aula esta-
belecidos além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimen-
to profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (Disponí-
vel em www.planalto.gov.br/.../L9394.htm. Acesso em 01/06/2010).
enfermeiro, psicólogo, entre outras, o que contribui para um sentimento de perda de
identidade, da constatação de que ensinar, às vezes, não é o mais importante
(NORONHA, 2001).
O papel do professor frente às novas demandas sociais e educacionais é,
portanto, foco de preocupações e teorizações. Na literatura pedagógica há produção
intensa de material que aborda sugestões de estratégias metodológicas, de como avaliar,
planejar de modo prescritivo (GANDIN, 1994a, 1994b; HOFFMANN, 1991, 1998,
2001, 2005; LUCKESI, 1995; PADILHA, 2001; PERRENOUD, 1999, 2000;
VASCONCELOS 1995; VEIGA, 2001). Também são encontradas publicações cujo
conteúdo discute os sentidos atribuídos à docência nos dias atuais (ALVES-
MAZZOTTI, 2008; NÓVOA, 1999; PIMENTA, 2002; OLIVEIRA, 2008).
A nosso ver, também devem ser discutidas questões dirigidas ao trabalho
docente situado em contextos reais de sala de aula e que adotem abordagens teórico-
metodológicas que permitam identificar e compreender as especificidades dos sujeitos
dessa prática, bem como a produção de saberes (conhecimentos, hábitos, competências)
na formação de uma nova prática docente.
Conforme explica Maia (2009), o trabalho docente cotidiano é um ato que
engloba não apenas a prática pedagógica, mas também a estrutura organizacional,
pressupostos, valores, condições de trabalho, opções didáticas, métodos, organização e
âmbito das atividades, organização do tempo e do espaço, não sendo nem simples nem
previsível, mas complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e ações
desse atores. De acordo com a autora, dadas as efetivas condições para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico e tendo a responsabilidade como fator
preponderante para a formação dos alunos, os professores contribuem com seus saberes,
seus valores, suas competências para essa tarefa.
Assim, os saberes docentes têm sido mais recentemente objeto de estudo por
representarem a possibilidade de compreender os elementos que estruturam o trabalho
docente, visto que este “requer do professor um fazer que atenda a diversidade de
situações que ocorrem no cotidiano escolar articulada e simultaneamente” (MAIA;
MAGALHÃES, 2008, p. 1).
A ênfase dada ao tema proporcionou discussões sobre sua relação com a
identidade profissional docente e muitas pesquisas sobre esta temática foram marcadas
por enfoques que valorizam os saberes da experiência, apresentando como novo
paradigma formativo, a perspectiva reflexiva (GAUTHIER, 1998; NÓVOA, 1995;
PIMENTA, 1999; TARDIF, 2000; THERRIEN, 2000, entre outros).
O professor em sua atividade pedagógica visa à concretização de objetivos
diferentes que integram, para sua efetiva realização, conhecimentos variados. Os
saberes produzidos na experiência e por ela validados são provenientes da
reorganização dos demais saberes. Tais saberes não são “para” a prática e sim “da”
prática e são produzidos também nas atividades cotidianas ao se confrontarem com as
condições de atuação do professor.
Esses saberes, que são produzidos e apropriados ao longo de sua história de vida,
em sua prática pedagógica diária, na organização escolar, nas relações com os pares,
com os alunos e comunidade escolar, fornecem aos professores, segundo Tardif (2002,
p. 50) “certezas relativas a seu contexto de trabalho na escola de modo a facilitar sua
integração.”
Sendo assim, nesta pesquisa, serão enfocados os saberes da experiência à luz dos
estudos de Jacques Therrien que trata a profissionalização docente em sua
especificidade e constituição com base nos processos de socialização e a partir da
categoria “saber docente”, além de analisar a complexidade dos saberes constituídos na
e para a docência. Seus estudos apontam a necessidade de aprofundar a natureza, a
proveniência e os processos de construção e legitimação do saber da experiência, suas
fontes e seus modos de integração aos demais saberes e à prática cotidiana.
Therrien (2000, p. 82) define cultura docente como “a pluralidade de saberes
ou o repertório de conhecimentos constantemente disponível e mobilizado pelo docente
para conduzir sua ação pedagógica no contexto da sala de aula” e destaca a articulação
dos saberes docentes diante da complexidade das situações de trabalho, enfrentadas pelo
professor (THERRIEN, 2002). De acordo com ele, a reflexão possibilita ao professor a
compreensão e análise racional de sua ação docente na perspectiva de melhor
sistematizá-la e operacionalizá-la. Permite ainda, que o docente desenvolva, a partir de
uma postura crítica e da percepção da natureza da ação pedagógica, saberes relativos ao
seu ofício, considerando que sua prática, por seu caráter situado, histórico e social,
extrapola a mera aplicação de técnicas e de transmissão de conteúdos.
Quanto aos saberes da experiência, Therrien (1997) afirma que, ao articular
diferentes saberes intervindo no contexto social que é a sala de aula, o docente não se
limita a transmiti-los, mas a situação de interação com os alunos inerente a este
ambiente o obriga a adequá-los. Isto significa que suas ações são fruto de julgamentos e
decisões que dão sentido às suas intervenções. Esse conjunto de saberes produzidos na
práxis docente, permitindo-lhe compreender e orientar sua profissão no cotidiano da
escola pode ser abordado como saber da experiência e observado sob o prisma do saber
da prática.
Therrien e Loiola (2003) consideram que os professores não rejeitam
totalmente os outros saberes; eles os incorporam à sua prática, retraduzindo-os em
categorias através de seus próprios discursos. Nesse sentido, a prática pode ser vista
como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua
formação e a adaptam à profissão. Assim, a experiência provoca um efeito de retomada
crítica dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.
Therrien (2000) entende a docência assim como Habermas (1997), como uma
profissão situada e relacionada ao mundo vivido e, de acordo com Dubet (1994 apud
TARDIF, 1999), caracterizada como trabalho de humano com o humano e para o
humano. A docência é, portanto, entendida como um trabalho refletido, interativo, em
que há a relação entre o trabalhador e seu objeto de trabalho. Por essa razão, o autor dá
ênfase aos saberes de experiência produzidos em situações reais de trabalho e utiliza
como suporte metodológico em algumas de suas pesquisas princípios da ergonomia da
atividade (THERRIEN, 2001), o que nos parece ser apropriado para nortear a
investigação sobre os saberes da experiência no lócus de atuação do professor.
A noção de ergonomia refere à análise do trabalho objetivando descrever e
explicar a atividade humana em contexto concreto de ação, ou seja, situada no próprio
terreno. Vista em relação ao trabalho docente, Therrien e Loiola (2001, p. 154) afirmam
que
a ergonomia, aplicada aos estudos no campo da educação, interessa-se
pela investigação da dinâmica que considera o sujeito, a atividade e o
contexto como um todo. De modo mais específico, trata-se de um
ponto de vista centrado no desenvolvimento dos conhecimentos em
contexto.
O trabalho docente, segundo Therrien e Loiola (2001), pois, é concebido como
prática situada, contextualizada e é fruto da multiciplidade de saberes oriundos da
formação, das disciplinas, do currículo, da experiência, da prática social. Therrien
(2000; 2001) afirma que o saber docente é um saber sempre ligado a uma situação de
trabalho com os outros (alunos, colegas, pais), um saber ancorado numa tarefa
complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula), enraizado numa
instituição e numa sociedade. O saber do professor se estabelece então na dinâmica
entre o que ele é, sua personalidade e experiência e o que ele faz, considerando as
condições concretas em que realiza seu trabalho.
Por ser o trabalho docente marcado pela estrutura organizacional escolar, em que
se incluem não apenas as tarefas concretas a serem realizadas pelos professores, mas
também as exigências reais do trabalho cotidiano, a fim de entender a prática docente
em contextos reais de sala de aula, utilizamos a metodologia desenvolvida por Clot
(2006) e situamos a análise entre a tarefa prescrita e a atividade real, ou seja,
pretendemos verificar como estas se realizam no processo concreto do trabalho. O
interesse despertado pelo foco da atividade está na possibilidade de se fazer conhecer o
ponto de vista de quem trabalha para, assim, integrar-se às experiências destes no
processo de produção de conhecimento e articular os conceitos em diálogo crítico com
os saberes de experiência.
Por entendermos que os valores dos professores, seu modo de vida e
experiências pessoais interferem em sua atividade profissional, nesse estudo
intencionamos perceber que saberes da experiência são mobilizados por eles e como
estes são mobilizados em função das situações de trabalho e das interações estabelecidas
com outros agentes no processo ensino-aprendizagem, privilegiando as dimensões da
atividade e da experiência. Assim, adotamos o referencial teórico-metodológico da
Teoria das Representações Sociais.
A representação social é uma forma de conhecimento socialmente elaborado e
compartilhado que ajuda o sujeito a apreender os acontecimentos da vida cotidiana, a
dominar o ambiente, a facilitar a comunicação de fatos e idéias e a se situar frente a
pessoas e grupos, orientando e justificando seu comportamento frente aos objetos
representados e contribuindo para o fortalecimento da identidade grupal (ALVES-
MAZZOTTI, 2000).
Segundo Jodelet (1990), esse conhecimento é socialmente elaborado porque,
embora se constitua a partir da experiência pessoal do sujeito, ele se serve de
informações, crenças, significados e modelos de pensamento negociados através da
tradição, da educação e da comunicação social.
Para esta autora, a articulação entre experiência vivida e representações sociais
é não só possível, mas profundamente enriquecedora para ambas as partes, uma vez que
remetem a uma modalidade de consciência como totalidade que inclui, ao lado dos
aspectos do conhecimento, dimensões emocionais e de linguagem; exige a consideração
das práticas e das ações, assim como dos contextos; e permite observar a emergência da
subjetividade na negociação de sua necessária inscrição social. Ela considera que a
noção de experiência vivida remete a um estado em que o sujeito é tomado pela
emoção. Este estado pode ser privado, mas também pode corresponder a uma fusão da
consciência individual na experiência coletiva podendo assim, ser compartilhado (idem,
2005).
Além do plano emocional e identitário, a experiência comporta uma dimensão
cognitiva, na medida em que implica uma experimentação do mundo e contribui para a
construção da realidade. Os termos em que vai ser formulada essa experiência e sua
correspondência com a situação em que ela emerge vão ser tomados do repertório de
saberes e significados culturais que darão forma e conteúdo a essa experiência; ela
própria constitutiva dos sentidos que o sujeito dá às situações, objetos e pessoas que
povoam seu mundo vivido. De fato, as experiências subjetivas só podem ser conhecidas
a partir dos discursos dos sujeitos, mesmo aqueles interiorizados. E esses discursos são
estruturados a partir de códigos sociais que designam saberes, objetos e sentimentos.
Segundo Aguiar, Davis e Alves-Mazzotti (2010, p. 11), a Análise Ergonômica
do Trabalho (AET) e a Teoria das Representações Sociais (TRS) perseguem fins
distintos. Enquanto na AET a meta é entender o sujeito em sua atividade, a TRS
pretende apreender, via grupos, aquilo que é comum e partilhado em termos de valores,
crenças e conhecimentos. Nesse sentido, a TRS pode contribuir para compreender o
sujeito “ao explicitar o sistema de representações partilhadas por seu grupo de pertença
e pela cultura mais ampla, fornecendo instrumentos para interpretar aquilo que é
experimentado por ele na negociação de sua inserção social”. Portanto, para a TRS a
análise da atividade do sujeito faz-se importante na medida em que traz a
ressignificação2 que este faz de um conhecimento compartilhado. Ressaltamos, que as
representações sociais têm
origem nas condições sócio-estruturais e sócio-dinâmicas de um
grupo. Porém, isso não impede que os indivíduos dêem a essas
representações um toque singular, uma vez que cada um está sujeito as
experiências particulares, embora façam parte de um mesmo grupo
social, o que, por sua vez, possibilita percepções e apreensões
diferenciadas de um objeto, em relação a outros indivíduos de seu
grupo (LEAL, 2008, p. 20).
Cada indivíduo, portanto, pode ter um sistema de pensamento diferenciado e, ao
2Utilizaremos a definição de ressignificação individual conforme Leal (2008, p. 10): “o termo ressignificação se
refere à reconstrução de sentidos a partir de um processo de partilha e negociação de significados”.
mesmo tempo, coerente com o sistema de pensamento do grupo ao qual pertence. Esse
sistema de pensamento é utilizado tanto pelo indivíduo como pelo grupo, como
referência à interação positiva ou negativa de um novo objeto. Jodelet (2001) ressalta
que a representação social não se inscreve numa tábula rasa, ou seja, há sempre um
sistema de representação antigo, algo já pensado, latente ou manifesto, que em contato
com outros sistemas de pensamento sofre seus efeitos mudando seu conteúdo e suas
percepções.
Assim, conhecer as representações sociais de saberes da experiência partilhadas
por professores dos anos iniciais do ensino fundamental significa ter acesso a dados que
podem ajudar a compreender os significados atribuídos pelos sujeitos à sua própria
atividade. Para acessá-las, foram elaboradas as seguintes questões de estudo:
1. Como se configuram saberes da experiência para os professores?
2. Que relações os professores estabelecem entre o que aprenderam durante
a formação e o que utilizam em sua prática pedagógica?
3. Que saberes da experiência são mobilizados por esses professores em sua
prática pedagógica?
4. Que sentidos, valores e crenças os professores associam a saberes da
experiência?
5. Como a professora voluntária ressignifica o conhecimento relativo aos
saberes da experiência compartilhado pelo grupo?
Para responder essas questões foram elaborados quatro capítulos. No capítulo 1,
intitulado A teoria das representações sociais, apresentamos o referencial teórico-
metodológico adotado na pesquisa, onde são destacados seus postulados,
contextualizada sua historicidade, conceitos básicos a partir dos estudos seminais de
Serge Moscovici e de seus seguidores, bem como a aplicação e o subsídio dessa teoria
no âmbito educacional.
No segundo capítulo, Os saberes de experiência, discutimos o tema saberes de
experiência à luz dos estudos de Jacques Therrien, por meio de seis seções: Saber
docente; Racionalidade docente: o sujeito reflexivo; Trabalho docente: mediação e
transformação dos saberes; Concepção de Professor; Ação/cognição situada e
Ergonomia da Atividade; e Ergonomia e Clínica da Atividade.
No terceiro capítulo, Procedimentos metodológicos, destacamos, na coleta de
dados, a Clínica da Atividade desenvolvida por Yves Clot, e na análise, o Modelo de
Estratégia Argumentativa (MEA), proposto por Monica Rabello de Castro e Janet
Bolite-Frant.
No quarto capítulo, Em busca dos significados atribuídos aos saberes da
experiência, apresentamos por meio de seis seções, a caracterização da escola, os
sujeitos participantes da pesquisa, as técnicas e os instrumentos utilizados, as análises
realizadas e os resultados encontrados.
Na Conclusão, expomos nossas considerações acerca da pesquisa empreendida,
sua implicação na Educação, na vida dos sujeitos e da sociedade, além de sugestões para
futuros estudos relacionados ao tema.
CAPÍTULO 1
A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
A noção de representação social refere-se à forma como conhecimentos são
constituídos a partir de nossas experiências pessoais, mas também a informações,
saberes, modelos de pensamento que elaboramos e compartilhamos socialmente. Trata-
se, pois, de uma psicossociologia do conhecimento, uma produção mental social, como
o mito, a ciência, a ideologia, distinguindo-se, porém destes por seus modos de
elaboração e funcionamento, distinguindo-se também de opiniões, atitudes, estereótipos
e imagens, por terem estes sido reduzidos pelo modelo behaviorista a disposições de
resposta.
Por meio de sua obra inaugural “A Psicanálise, sua imagem e seu público”,
publicada na França em 1961, Serge Moscovici lança a pedra fundamental de difusão da
Teoria das Representações Sociais (TRS). A teoria surgiu em substituição à Teoria das
Representações Coletivas de Émile Durkheim, a partir da inquietação de que nem a
Sociologia nem a Psicologia eram capazes de explicar os fenômenos coletivos humanos.
Seu objetivo era fazer com que a Ciência Social se tornasse mais adequada ao mundo
moderno, possuidor de uma pluralidade de construções e reconstruções de significados.
Somente por volta de 1970 a teoria encontra seu lugar e começa a ser empregada em
pesquisas, utilizando tanto os métodos experimentais quanto os não experimentais.
A Teoria das Representações Sociais, na linha da Psicologia Social, concebe o
sujeito possuindo um eu, isto é, uma subjetividade, aliada a uma historicidade, que seria
o somatório de todas as experiências vividas por esse sujeito, por isso denominada
teoria do senso comum.
Segundo Moscovici (1978, p. 51), as representações sociais constituem-se para
o homem moderno em uma das vias de apreensão do mundo concreto, elas “determinam
o campo de comunicações possíveis, dos valores ou das idéias presentes nas visões
compartilhadas pelos grupos e regem, subsequentemente, as condutas desejáveis ou
admitidas”. Anos mais tarde, o autor definiria as representações sociais como um
conjunto de conceitos, enunciados e explicações originados na vida cotidiana, a versão
contemporânea do senso comum (idem, 2001).
Desde a formulação inicial nos anos sessenta, o conceito de representação
social vem sofrendo inúmeras análises, críticas, leituras e reformulações. Cabe ressaltar
que o próprio Moscovici (2001, p. 207) aceita esses questionamentos e considera que
o conceito de representações sociais não está perfeitamente claro.
Padece de um conteúdo demasiado amplo e mal definido. Não é
facilmente apreendido intuitivamente e só ganha sentido graças ao uso
concreto. [...] Elas circulam, entrecruzam-se e cristalizam-se sem
cessar por meio de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso
universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, dos
objetos consumidos ou produzidos, das comunicações roçadas estão
impregnadas delas. Como sabemos, elas correspondem, por um lado, à
substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática
que produz a dita substância, assim como a ciência e os mitos
correspondem a uma prática científica e mítica.
O aspecto simbólico das representações sociais é detalhado por Doise (2001, p.
193) que explica serem elas organizadas de maneiras diferentes, “dependentes do
conjunto de relações sociais, princípios ou esquemas que organizam as tomadas de
posição simbólicas ligadas a inserções específicas nessas relações”.
Segundo Spink (1995, p. 90), as representações sociais podem ser enfocadas
como produto e como processo de uma elaboração psicológica do real. Esses dois
enfoques determinam o método e o modo de compreensão de determinado fenômeno.
Enquanto produto, as RS “emergem como pensamento constituído ou campo
estruturado. Nessa perspectiva as pesquisas visam depreender os elementos
constitutivos das representações”. Mas as representações sempre devem ser analisadas
de acordo com as condições em que foram produzidas.
As pesquisas que seguem o enfoque das representações sociais compreendidas
como processo tendem a examinar os processos de objetivação e ancoragem na
elaboração cognitiva – a abordagem processual, proposta por Moscovici.
Denise Jodelet, principal colaboradora de Moscovici, assume a tarefa de
sistematizar o campo e contribui para o aprofundamento teórico, procurando melhor
esclarecer o conceito de representações sociais e a elaborar seus processos formadores.
Para ela, a representação social designa um modo de pensamento social que
compreende uma gama enorme de significados e nomeia cinco características
fundamentais de uma representação: (1) sempre é uma representação de um objeto; (2)
possui uma característica de imagem e uma prioridade de poder que podem interferir na
percepção e no conceito em questão; (3) remete a um significante; (4) possui a
capacidade de construção; (5) é autônoma e criativa (JODELET, 2001).
As representações sociais são produzidas por meio do mundo simbólico,
especificamente através da palavra comunicada. Estão estruturadas em três níveis: (1)
cognitivo (refere-se ao acesso desigual das informações, interesses ou implicações dos
sujeitos, necessidade de agir em relação aos outros); (2) formação da representação
social (objetivação – a propriedade de tornar concreto o abstrato – e ancoragem – a
criação de uma “rede de significações” em torno do objeto representado); e (3)
edificação das condutas (opiniões, atitudes, estereótipos).
Jodelet (1990) define a objetivação como uma operação imaginante e
estruturante que dá corpo aos esquemas conceituais, reabsorvendo o excesso de
significações, procedimento necessário ao fluxo das comunicações. Distingue três fases
nesse processo: a construção seletiva, a esquematização estruturante e a naturalização.
A construção seletiva corresponde ao processo pelo qual o sujeito se apropria
das informações e saberes sobre um dado objeto. Nesta apropriação, alguns elementos
são retidos, enquanto outros são ignorados ou rapidamente esquecidos. As informações
que circulam sobre o objeto vão sofrer uma triagem em função de condicionantes
culturais (acesso diferenciado às informações em decorrência da inserção grupal do
sujeito) e, sobretudo, de critérios normativos (só se retém o que está de acordo com o
sistema de valores circundante).
Na esquematização, uma estrutura imaginante reproduz, de forma visível, a
estrutura conceitual, de modo a proporcionar uma imagem coerente e facilmente
exprimível dos elementos que constituem o objeto da representação, permitindo ao
sujeito apreendê-los individualmente e em suas relações. O resultado dessa organização
é chamado de núcleo ou esquema figurativo.
A naturalização consiste no reflexo do abstrato no real, materializando-se e
determinando o espaço das concepções. Os elementos que foram construídos
socialmente passam a ser identificados como elementos da realidade do objeto.
Para Jodelet (2001, p. 36), o fato de que a representação é uma reconstrução do
objeto, expressiva do sujeito e a serviço de suas necessidades e interesses, conduz a um
jogo de mascaramento ou de acentuação de determinados elementos, provocando “uma
defasagem em relação a seu referente”. A autora aponta três tipos de efeito desse
processo nos conteúdos representados: as distorções, as suplementações e as subtrações.
Na distorção, embora todos os atributos do objeto estejam presentes, alguns se
encontram especialmente acentuados ou minimizados; na suplementação, são atribuídas
ao objeto características e conotações que ele não possui; e na subtração, atributos
pertencentes ao objeto são suprimidos.
O outro processo formador das representações sociais, a ancoragem, diz
respeito ao enraizamento social da representação à integração cognitiva do objeto
representado no sistema de pensamento preexistente e às transformações que, em
conseqüência, ocorrem num e noutro. Não se trata, como na objetivação, da construção
formal de um conhecimento, mas de sua inserção orgânica em um pensamento
constituído.
Segundo Jodelet (1990), a ancoragem, relacionada dialeticamente à
objetivação, articula as três funções básicas da representação: (1) a função cognitiva de
integração da novidade; (2) a função de interpretação da realidade; e (3) a função de
orientação das condutas e das relações sociais. Assim, esse processo permite
compreender como a significação é conferida ao objeto apresentado; como a
representação é utilizada como sistema de interpretação do mundo social e
instrumentaliza a conduta; e como se dá sua integração em um sistema de recepção e
como influenciam e são influenciados pelos elementos que aí se encontram.
São aspectos estruturantes da ancoragem:
A atribuição de sentido – a hierarquia de valores prevalente na sociedade e em
seus diferentes grupos contribui para criar em torno do objeto uma rede de
significações na qual ele é inserido e avaliado como fato social, ou seja, um
grupo pode expressar sua identidade pelos sentidos que imprime a suas
representações;
A instrumentalização do saber – os elementos da representação contribuem para
exprimir e constituir as relações sociais. A estrutura imaginante torna-se, por
“generalização funcional”, referência para a compreensão da realidade. O
sistema de interpretação tem uma função de mediação entre o indivíduo e seu
meio e entre os membros de um mesmo grupo, exercendo poder de influência
entre os indivíduos;
O enraizamento no sistema de pensamento – as novas representações se
inscrevem num sistema de representações preexistentes. Desta forma, o novo
torna-se familiar, ao mesmo tempo em que transforma o conhecimento anterior;
o sistema de pensamento preexistente ainda predomina e serve como referência
para os mecanismos de classificação, comparação e de categorização do novo
objeto.
Segundo Moscovici (2003, p. 66) “ao nomear algo, nós o libertamos de um
anonimato perturbador, para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em um
complexo de palavras específicas, para localizá-lo, de fato, na matriz de identidade de
nossa cultura.”
Para Jodelet (1990, p. 378), o estudo das representações sociais, ao identificar
os mecanismos sócio-cognitivos que operam no pensamento social, oferece uma
poderosa alternativa aos modelos de cognição social. Ela afirma que
seu alcance na Psicologia Social não para aí. Pelos laços que as unem
à linguagem, ao universo do ideológico, do simbólico e do imaginário
social, por seu papel na orientação de condutas e das práticas sociais,
as RS são objetos cujo estudo restitui à disciplina suas dimensões
histórica, social e cultural.
As representações sociais possuem duas funções principais: uma delas é a de
manter uma ordem que permite aos sujeitos se orientarem e dominarem o meio
ambiente social e material no qual estão inseridos. A outra função é de comunicação
entre os membros de um grupo, comunicação esta que estabelece códigos com o
objetivo de nominar e classificar de uma maneira singular partes do mundo desse grupo,
bem como acontecimentos da vida individual e coletiva dessa comunidade.
O estudo das representações sociais de objetos relevantes para o campo da
Educação oferece um rico instrumental para a compreensão das complexas redes de
significados presentes nos processos educacionais. Este instrumental teórico-
metodológico tem se mostrado um caminho promissor na análise das relações entre as
representações e práticas escolares e suas repercussões nos processos de construção da
identidade social.
Segundo Alves-Mazzotti (2005, p. 142), no que se refere à produção brasileira,
um número crescente de pesquisas no campo da educação vem adotando o referencial
teórico das representações sociais, uma vez que
estas nos ajudam a compreender e tentar modificar as práticas
docentes que resultam em desigualdades de oportunidades
educacionais, pelas possibilidades que oferecem de antecipar
hipóteses sobre comportamentos e trajetórias, bem como de identificar
conflitos entre os sentidos atribuídos ao mesmo objeto pelos diferentes
atores envolvidos nas relações pedagógicas.
A Teoria das Representações Sociais pode promover reflexões acerca dos
saberes docentes e, especificamente, dos saberes da experiência, foco da pesquisa em
tela. Therrien (1993 apud TARDIF, 1991, p. 65) considera que importa estudar a
proveniência e os processos de apropriação na prática pedagógica dos docentes, do
saber socialmente construído na sua práxis cotidiana – o saber da experiência - definido
como “o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no quadro da prática
docente” e social, distinguindo-se dos saberes provenientes das instituições de formação
e dos currículos. O autor ressalta que a prática pedagógica é produtora de saberes e que
é por meio dela que os professores aprendem, retraduzindo o que aprenderam durante
sua formação. A experiência é, portanto, uma das dimensões dos saberes que constituem
a prática docente e os saberes da experiência “formam um conjunto de representações a
partir das quais os docentes interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua
prática cotidiana em todas as suas dimensões” (op. cit).
Jodelet (2005) registra que, ao relacionarmos representações sociais e
experiência, devem ser observados os elementos das representações compartilhadas por
um grupo, que estão mobilizados para construir o sentido da experiência vivida.
Segundo ela,
construída no seio de situações concretas com as quais o sujeito se
depara, a noção de experiência constitui um enriquecimento ou um
alargamento da relação com o mundo. Podemos perceber, em geral,
duas dimensões: uma de conhecimento e uma dimensão que é da
ordem do experimentado, da implicação psicológica do sujeito
(JODELET, 2005, p. 26).
A experiência, portanto, está diretamente associada à dimensão do vivido e
Jodelet (op. cit, p. 29) define experiência vivida como “o modo através do qual as
pessoas sentem uma situação, em seu foro íntimo, e o modo como elas elaboram,
através de um trabalho psíquico e cognitivo, as ressonâncias positivas ou negativas
dessa situação e as relações e ações que elas desenvolveram naquela situação”. A autora
complementa que conforme a experiência é formulada e corresponde à situação em que
emerge, existem pré-construções culturais e um estoque comum de saberes que darão
forma e conteúdo a essa experiência, que é constitutiva de sentidos que o sujeito dá aos
acontecimentos, situações, objetos e pessoas de seu meio. Assim, a experiência é
socialmente construída e compartilhada.
Jodelet (2005) lembra que Moscovici (1978), já em seu estudo pioneiro,
mostrou como as categorias da Psicanálise forneceram uma gramática para o sujeito
interpretar sua própria experiência e a dos outros. A autora acrescenta que, em seu
movimento dialético, as relações entre experiência vivida e representações sociais põem
em jogo diferentes instâncias de cada uma. De um lado, no plano cognitivo, o sistema
de representações de uma dada cultura fornece os instrumentos para interpretar aquilo
que é experimentado pelo sujeito. De outro, a experiência vivida pelo sujeito pode fazer
emergir novos sentidos e significados, o que ajuda a compreender suplementações no
processo de objetivação.
Assim, a articulação entre as noções de experiência vivida e representações
sociais oferecem um terreno fértil a ser explorado, já que remetem a uma modalidade de
consciência como totalidade que inclui, ao lado dos aspectos do conhecimento,
dimensões emocionais e de linguagem, exigindo a consideração das práticas e das
ações, bem como dos contextos, além de permitir a observação da emergência da
subjetividade na negociação de sua necessária inscrição social (JODELET, 2005).
Embora a questão do sujeito não seja, até o presente, objeto de uma reflexão
sistemática na abordagem teórica das representações sociais, Jodelet (2009, p. 683)
aponta que autores como Dosse, Kaës e Zavalloni dedicaram seus estudos às relações
entre representações sociais e subjetividade, por considerarem o sujeito como um
indivíduo não isolado no seu modo de vida, mas autenticamente social, “que interioriza
e se apropria das representações ao mesmo tempo em que intervém na sua construção”.
Como afirma Jodelet (2009, p. 705):
Falar de sujeito, no campo de estudo das representações sociais, é
falar de pensamento, ou seja, referir-se a processos que implicam
dimensões físicas e cognitivas, a reflexividade por questionamento e
posicionamento diante da experiência, dos conhecimentos e do saber,
a abertura para o mundo e os outros. Processos que tomam uma forma
concreta em conteúdos representacionais expressos nos atos e nas
palavras, nas formas de viver, nos discursos, nas trocas dialógicas, nas
afiliações e nos conflitos.
Com relação à gênese e às funções das representações sociais produzidas por
indivíduos e grupos localizados em espaços concretos da vida, a autora propõe três
esferas ou universos de pertença: (1) a da subjetividade – que corresponde aos processos
pelos quais o sujeito se apropria e constroi suas representações. Esses processos podem
ser de natureza cognitiva, emocional e dependentes de uma experiência de vida. Eles
remetem igualmente aos estados de sujeição (assujeitamento do indivíduo a regras e
objetivações) ou de resistência; (2) a da intersubjetividade - que remete às situações que,
em um dado contexto, contribuem para estabelecer representações elaboradas na
interação entre os sujeitos, negociadas e estabelecidas em comum pela comunicação
verbal direta, apontando a possibilidade de criação de significações ou de
ressignificações consensuais; (3) a da transubjetividade – composta por elementos
subjetivos e intersubjetivos, dominando tanto os indivíduos e os grupos, quanto os
contextos de interação, as produções discursivas e as trocas verbais (JODELET, 2006).
Segundo Jodelet (idem, p. 20)
na formação das representações sociais, a esfera da transubjetividade
se situa diante da intersubjetividade e remete a tudo que é comum aos
membros de um mesmo coletivo, que pode ter várias origens: a
difusão pelos meios de comunicação de massa, os sistemas de normas
e valores, as hegemonias ideológicas etc. pela sua circulação, as
representações assim geradas ultrapassam o quadro das interações e
são endossadas, sob a forma de adesão ou de submissão pelos sujeitos.
Um mesmo acontecimento pode mobilizar representações transubjetivas
diferentes, que decorrem das diferentes interpretações dos sujeitos, podendo levar a
situações de consenso ou de dissenso. Em outras palavras, “um mesmo objeto ou
acontecimento visto por horizontes diferentes dá lugar a negociações de interpretação,
confrontos de posição pelos quais os indivíduos exprimem uma identidade e uma
pertença” (ibidem, p. 24).
Cada um desses horizontes põe em evidência uma significação central do
objeto em função de sistemas de representações transubjetivas específicos dos espaços
sociais ou públicos nos quais evoluem os sujeitos, que se apropriam dessas
representações em função de sua adesão.
Em se tratando de ressignificação e de transformação das representações
sociais, Leal (2008 apud COSTA, 2006) aponta que a relação entre sistema central e
sistema periférico (ABRIC, 1994) aparece como fundamental, já que estas, por serem
produto de uma história coletiva, só se modificam ou se transformam por meio de
mudanças drásticas que ataquem o núcleo central, uma vez que este elemento garante a
estabilidade das representações sociais construídas por um determinado grupo.
Já os elementos periféricos atuam como sistemas que permitem flexibilidade às
mesmas, que diante de elementos novos, são acionados para realizar as devidas
“adaptações”, permitindo uma modulação personalizada das representações sociais e
das condutas. Segundo Abric (2001, p. 26),
este sistema periférico permite uma adaptação, uma diferenciação em
função do vivido, uma integração das experiências cotidianas. Eles
permitem modulações pessoais em referência ao núcleo central,
gerando representações sociais individualizadas.
Por meio do sistema periférico, os sujeitos acrescentam suas experiências
individuais, modulando novos “modos individuais” de significar os elementos de uma
representação social. Além disso, diferentes formas de “raciocinar” também podem
produzir novas práticas que tendem a se estabilizar.
Ao discorrer sobre o processo de transformação das representações sociais,
autores como Guimelli (2003) apontam que, por tratar-se de um processo dinâmico, as
representações sociais podem ser modificadas e transformadas. Contudo, este processo
de transformação adquire formas diferentes de acordo com o fato de novas práticas
estarem em contradição com representações antigas. Quando o grupo considera a
situação relevante para modificar suas práticas e são igualmente consideradas
irreversíveis, estas são transformadas. Caso contrário, as representações são modificadas
superficialmente.
Cabe trazer à cena, algumas considerações sobre a Teoria do Núcleo Central
(TNC) desenvolvida por Jean Claude Abric, nos anos setenta.
Abric (1994) contribuiu para o desdobramento da teoria ao propor a abordagem
estrutural das representações, elaborando a teoria do núcleo central e retomando o
modelo figurativo de Moscovici: a estrutura da representação social tem dupla natureza:
a figurativa e a simbólica. Segundo Moscovici (1978), modelo figurativo é uma
reconstituição que torna compreensíveis as formas abstratas. Não é somente um modo
de ordenar as informações, mas resultado de uma coordenação que concretiza cada um
dos termos da representação. O núcleo central não se limita ao papel genético e não
exige aspectos figurativos, esquematização, estruturação. A ênfase está nos aspectos
valorativos e cognitivos, em detrimento de dupla natureza (figurativa e simbólica).
A hipótese do núcleo central é de que toda representação se organiza em torno
de um núcleo, constituído de elementos que dão significado à representação. As
representações sociais têm dois componentes que se complementam: sistema central
(núcleo central) e sistema periférico (elementos periféricos). Só identificar conteúdo não
é suficiente, sendo necessário observar como o conteúdo se organiza. Duas
representações sociais definidas por um mesmo conteúdo podem ser radicalmente
diferentes se a organização desses elementos é diferente.
O núcleo central (NC) é determinado por: (1) natureza do objeto representado;
(2) tipo de relações que o grupo mantém com esse objeto e (3) sistema de valores e
normas sociais que constituem o contexto ideológico do grupo. Possui três funções: (1)
geradora – ele é o elemento pelo qual se cria uma representação; (2) organizadora – é
ele que determina a natureza das ligações entre os elementos de uma representação; (3)
estabilizadora – seus elementos são os que mais resistem à mudança.
O NC é determinado por elementos essencialmente sociais: condições históricas,
sociológicas e ideológicas, associadas a valores e normas de indivíduos e grupos. É
duradouro: tem base comum, social e coletiva, que define a homogeneidade de um
grupo. Mantém estabilidade e coerência das representações.
Os elementos periféricos estão organizados em torno do NC. São componentes
mais acessíveis, mais vivos e mais concretos. Possuem cinco funções: (1) concretização
do NC; (2) regulação; (3) prescrição de comportamentos; (4) proteção do NC e (5)
modulações individualizadas. São associados a características individuais e ao contexto
imediato em que os indivíduos estão inseridos. Permitem adaptação, diferenciação em
função do vivido, integração das experiências cotidianas. Protegem o núcleo central,
permitem integração de informações e de práticas diferenciadas.
Abric (1994) elaborou mais duas funções às representações sociais: a
identitária, que assegura a especificidade e imagem positiva do grupo; e a justificadora,
que proporciona aos atores sociais reforçarem ou manterem comportamentos de
diferenciação social ao se relacionarem em grupos. Para Abric (1996, p. 11), a
representação social é “um conjunto organizado e hierarquizado de julgamentos,
atitudes e informações que um dado grupo social elabora sobre um objeto, como
resultado de um processo de apropriação e reconstrução da realidade em um sistema
simbólico”.
Neste estudo, pretende-se conhecer que significados são atribuídos aos saberes
da experiência por professores dos anos iniciais do ensino fundamental de uma
instituição pública, uma vez que ao exercer uma atividade de educação qualquer, os
professores atribuem “a estas atividades, sentidos particulares, que configuram suas
trajetórias de vida e de sua história profissional, criando assim, estratégias variadas para
dar novos significados aos desafios da prática acadêmica” (CAMPOS, 2002, p. 16).
Além disso, por considerarmos os sujeitos como atores sociais ativos que
afetados por diferentes aspectos da vida cotidiana, podem possuir percepções
diferenciadas de um objeto em relação a outros indivíduos do seu grupo, interferindo
assim na construção de sua representação social, dirigimos também nosso olhar para um
único sujeito integrante de um grupo (uma professora voluntária) para verificar se/como
ele ressignifica o conhecimento relativo aos saberes da experiência compartilhado por
seu grupo de pertença (os professores da unidade escolar).
Entendemos que a escola é o espaço propício para o estudo da influência das
representações sociais sobre a prática pedagógica que se efetiva em seu interior e dessas
sobre aquelas. Além disso, consideramos que analisar o processo educativo numa
perspectiva que relaciona o trabalho docente a uma prática profissional fundamentada
numa pluralidade de saberes cultural, social e historicamente construídos - os saberes da
experiência - promove importantes indagações sobre a profissão docente.
CAPÍTULO 2
OS SABERES DA EXPERIÊNCIA
O tema saberes da experiência será aqui discutido à luz dos estudos
desenvolvidos por Jacques Therrien3, professor que tem se destacado pelas pesquisas e
estudos publicados acerca dos saberes docentes, em que prioriza a investigação da
atividade docente em situações reais de trabalho. De acordo com Therrien e Loiola
(2001, p. 149),
mais recentemente, o trabalho docente passa a ser abordado do ponto
de vista da ergonomia. Ele é visto como uma atividade ligada à
concepção e que solicita essencialmente (mas não exclusivamente) a
execução de tarefas de natureza cognitiva e simbólica. Se a interação
professor/aluno é de natureza epistemológica e didática, com efeito ela
é também fundamentalmente uma relação de natureza psicossocial. A
atividade dos professores é profundamente marcada por exigências
próprias e resultantes da interação social, da vida em grupo (Monteil,
1990) e do trabalho coletivo (Leplat, 1994).
Em sua trajetória de formador de formadores, Therrien dedicou-se ao campo da
Pedagogia, tendo como eixo central de investigação os saberes docentes4,
particularmente em torno da categoria fundante dos saberes da experiência, o que
segundo o autor, tem permitido aprofundar o conhecimento sobre a natureza desse saber
e sua função na ação docente. Este enfoque o conduziu ao aprofundamento da relação
dialética teoria-prática sob o prisma da epistemologia da prática e da hermenêutica,
quando procurou compreender a racionalidade que permeia a atividade docente em
situação de intersubjetividade mediada pela dialogicidade.
Em linhas gerais, os saberes da experiência têm sido abordados teoricamente
3 Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Grupo de Pesquisa
Saber e Prática Social do Educador. 4 Pesquisas que contaram com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq): Docência universitária e formação para o trabalho pedagógico: a gestão dos saberes na docência (2007 ao
presente); Pedagogia por competência e epistemologia da prática: implicações para a teoria e a práxis nas instituições
formadoras de professores para a educação básica (2003 a 2007); Experiência e competência no ensino: estudo da
ação pedagógica na perspectiva da ergonomia do trabalho docente (2000 a 2003); O impacto das transformações do
saber nas sociedades contemporâneas sobre a formação de professores (1998 a 2000); Escola e Cultura - produção
cultural, resistência e identidade (1996 a 1998); Saber social e prática docente (1994 a 1996); Avaliação da Educação
Básica no Nordeste Brasileiro. Segmento do Programa EDURURAL/NE. Convênio UFC/MEC/BID (1986 a 1991).
Disponível em www.jacquestherrien.com.br. Acesso em 14/05/10.
por Jacques Therrien à luz da práxis (GRAMSCI, 1978; VASQUEZ, 1977); segundo a
ótica sócio-epistemológica (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991); na perspectiva da
ação comunicativa (HABERMAS, 1997); como experiência social (DUBET, 1994);
enquanto ação reflexiva (SCHÖN, 1987; 1994); confrontando com os pressupostos da
noção de competência no campo do ensino (PERRENOUD, 1995; 1997; 2000); e da
cognição situada (GERVAIS; LOIOLA, 2000). As abordagens teórico-metodológicas
privilegiadas em seus estudos foram a etnometodologia e a ergonomia da atividade
docente, que permitem compreensões multiculturais, interdisciplinares e até
multirreferenciais.
Foram identificadas em seus estudos dimensões da complexidade da prática
docente e dos saberes que a fundamentam (THERRIEN; DAMASCENO, 2000;
THERRIEN; LOIOLA, 2001, por exemplo). À luz de abordagens que definem o
trabalho docente como prática situada, contextualizada, este se revela fruto de um
processo que envolve múltiplos saberes oriundos da formação, da área disciplinar, do
currículo, da experiência, da prática social integrados a uma cultura pessoal.
Segundo Therrien (s/d, p. 3)
o trabalho docente é a práxis de um sujeito transformador (professor)
em interação situada com outro sujeito (aluno), onde a produção de
saberes e significados caracteriza e direciona o processo de
comunicação/entendimento entre ambos na direção de uma
emancipação fundada no ser social. Em outros termos, o Trabalho
Docente constitui um processo educativo de instrução e formação
humana, através da mediação e da interação entre professor e alunos, a
partir do conteúdo de ensino em direção à construção de uma
sociabilidade verdadeiramente humana (grifos do autor)
O trabalho docente é uma atividade regida por uma racionalidade prática que se
apóia em valores, teorias, experiências e em elementos contextuais para justificar as
tomadas de decisão na gestão da sala de aula. Portanto,
o ensino é uma “situação situada”, ou seja, uma atividade complexa
cujo objetivo é a adaptação a uma situação. Consequentemente, não se
pode descrever, analisar, compreender esta atividade sem descrever,
analisar e compreender a situação. Portanto, é conveniente considerar
simultaneamente os limites da situação de ensino e as características
dessa atividade profissional, tendo em vista a análise do saber-ensinar
(THERRIEN; LOIOLA, 2001, p. 150).
Além disso, como ato pedagógico, o trabalho docente incorpora igualmente
conhecimentos desenvolvidos por diferentes áreas como a Psicologia, a Sociologia, a
Filosofia, a Antropologia e a História, dentre outras (THERRIEN; DAMASCENO,
2000).
2.1 - O saber docente
A observação da prática docente e dos saberes que lhe dão sustentação foi
permeada, em todos os estudos realizados pelo autor, por três dimensões
epistemológicas:
(1) a prática produtiva, expressa como produção material ou ainda como produção do
humano com o humano, que aborda o trabalho como princípio educativo, ou seja, na sua
referência inicial com a produção do saber;
(2) a prática política, que situa a educação no seio da comunidade ou no eixo da
formação para a cidadania, numa concepção da educação como ato político;
(3) as práticas pedagógicas, vistas na sua diversidade de formas e através da
multiciplidade de saberes que as permeiam, o que leva a considerar seus autores como
autênticos profissionais de educação, produtores de saber com identidade própria
(THERRIEN, 1993; THERRIEN; DAMASCENO, 2000).
Ao se observar a prática pedagógica dos docentes, é possível distinguir
múltiplos saberes e, nesse sentido, o autor se apoia em Tardif e Lessard (2005) ao
identificar três grandes campos de origem do saber docente: (1) Saberes de formação
profissional, provenientes das instituições de formação; (2) Saberes curriculares,
próprios à escola onde são transmitidos, associados à cultura escolar (mundo sistêmico);
(3) Saberes da experiência, adquiridos na prática docente e social, relacionados à cultura
da experiência vivida (mundo vivido).
Therrien (1993) ao focalizar a heterogeneidade dos saberes docentes, propôs três
dimensões para analisá-los. A primeira é denominada saber ensinado, onde se
destacam os saberes curriculares específicos dos programas de ensino definidos pela
instituição escolar cuja origem principal procede do saber científico; a segunda, saber
ensinar, que se refere ao saber da formação profissional e pedagógica, com seus
aspectos ideológicos e teóricos, que inclui igualmente os saberes disciplinares definidos
pela instituição universitária e que correspondem aos diversos campos do
conhecimento. Para Therrien (s/d) os professores não dominam os processos e
condições da transformação pedagógica da matéria a ensinar e não são preparados para
a docência. Considera ainda que alguns pressupostos fundantes do saber e do processo
pedagógico estão ausentes da práxis dos formadores de formadores.
A terceira dimensão, saber da experiência, é definida como o saber próprio da
identidade do docente e construído no interstício de sua práxis cotidiana como ator
social, educador e docente em interação com outros sujeitos e em relação com a
pluralidade dos demais saberes docentes disponíveis. Nesta ótica, o saber da experiência
ultrapassa o limite dos conhecimentos adquiridos pelos professores na prática de sua
profissão e se identifica com o saber social próprio resultante de sua práxis social
cotidiana.
Therrien e Loiola (2001) aprofundaram seus estudos em torno da dimensão da
experiência no trabalho docente e consideram que esta dimensão do saber se apóia na
hipótese de que o saber da experiência, como elemento de prática docente, é a expressão
de um saber social próprio produzido numa práxis cotidiana e pode ser identificado
como representações de prática pedagógica do docente.
De acordo com a perspectiva de Vasquez (1977), o saber social é resultante de
uma “práxis social” que pode ser observada nas suas dimensões produtiva, política e
educativa. Esta abordagem corrobora a concepção gramsciana (GRAMSCI, 1978) do
homem como sujeito de relações consigo mesmo (individualidade), com os outros seres
humanos (sociabilidade) e com a natureza, num processo de interação criativa e
construtiva (do real) de onde emerge uma consciência individual e social, crítica e
transformadora de si e do meio, o que significa em última análise, um processo de
gestação e de geração de um saber fundamental e social no seio da realidade.
2.2 – Racionalidade docente: o sujeito reflexivo
A abordagem do trabalho docente proposta por Therrien (1993) privilegia a
ação como vetor sociológico de análise do fazer cotidiano do professor sujeito de práxis,
onde se destaca sua relação com o “saber-situado” em contexto pedagógico-didático.
Além disso, conceber o trabalho docente como atividade eminentemente
reflexiva (SCHÖN, 1987, 1994; NÓVOA, 1992) situada em contexto de gestão
pedagógica da sala de aula, segundo o autor, abre caminho para identificar e caracterizar
a racionalidade de um processo que se manifesta no fazer de um sujeito social cuja ação
é orientada por objetivos, ao mesmo tempo específicos de determinado tempo, espaço,
grupo e sujeitos, e também gerais em relação ao processo educacional como um todo.
Therrien e Loiola (2001) identificam uma tríplice dimensão na relação ao saber
da ação reflexiva do professor: (1) disciplinar – múltipla e heterogênea; (2) pedagógica
– transformativa; e (3) ética – intersubjetiva. Disso pode-se deduzir que o estudo da
ação docente enquanto prática reflexiva encerra a necessidade de escuta e de esforço
cognitivo. Deduz-se também que a epistemologia que lhe é peculiar requer a percepção
da vivência e dos propósitos deliberativos que a movam, ou seja, necessita adentrar na
postura reflexiva do sujeito em ação.
A análise do trabalho docente em contexto de ação encontra na abordagem
ergonômica contribuições para a complexidade do referido fenômeno (DURAND;
SAURY; VEYRUMES 2005). É um referencial teórico-metodológico de investigação
cujo objeto é a formação e o trabalho, tendo em vista produzir conhecimentos e
subsídios para os processos de formação, neste caso, a práxis docente vista sob o ângulo
da ação/cognição situada.
Therrien e Carvalho (2009, p. 138) definem saberes docentes ou saberes da
ação docente como
saberes provenientes da ação situada e reflexiva da profissão docente,
os quais o professor manipula para enfrentar as situações advindas do
seu cotidiano. São saberes que contêm em si os conhecimentos
proporcionados à educação pelas ciências humanas, os saberes
pedagógicos da interação com os alunos, da elaboração e
experimentação de hipóteses de trabalho, até a reinvenção de técnicas,
procedimentos e recursos do seu cotidiano pedagógico.
Os autores se apóiam em Sacristán (1999, p. 50) quando afirmam que o saber é
fundamentado na racionalidade e na reflexibilidade “estabelecidas a partir das
representações mentais dos sujeitos, de acordo com suas condições de clareza, de
precisão e de veracidade.” Ao falarmos, por exemplo, sobre o porquê de nossas ações,
estamos construindo uma representação mental e, ao mesmo tempo, exprimindo um
saber específico que nos levou a agir daquela forma. Estamos apresentando um modelo
epistemológico da prática. Da mesma forma, quando procuramos as razões de uma
ação, também estamos expressando uma racionalidade, que pode ser contestada a partir
de outro saber ou de outra racionalidade.
Assim, para os autores, o saber implica racionalidade, o que evidencia a
possibilidade de estudar o saber a partir da fala dos sujeitos, colocando os saberes
profissionais como objeto epistêmico. Portanto, o saber docente também pode ser
definido como a inteligibilidade do professor mediante os fenômenos, uma vez que a
definição de saber dada pelos autores é relativa à razão, aos discursos, aos argumentos,
aos juízos, às ideias que seguem a uma exigência da racionalidade, entendida como uma
forma intencional de conceber o sujeito. Segundo os autores, esta racionalidade pode ser
definida como pedagógica e pode ser estudada pelas vias da etnometodologia e da
ergonomia do trabalho docente, por tratar-se da racionalidade do curso da ação.
2.3 – Trabalho docente: mediação e transformação dos saberes
Segundo Therrien (2006), saberes múltiplos e heterogêneos circulam na
complexidade da ecologia da classe e dos ambientes educacionais de aprendizagem que
são oriundos das experiências e vivências de trajetória de vida cultural, social, familiar,
escolar e profissional do educador, até seu modo próprio de compreensão de vida do
mundo e no mundo, entre outras, sem detrimento dos elementos curriculares,
disciplinares e pedagógicos de sua formação, que igualmente marcam sua identidade
profissional. Assim, a ação docente é regulada tanto por fatores externos como por
fatores internos ao sujeito pedagógico. Os motivos de sua escolha de determinada
intervenção educacional incluem elementos pessoais, institucionais, políticos e sociais
além de conhecimentos e saberes.
Segundo o autor, a reflexidade necessária à busca de sentidos e significados
nas práticas educativas integram uma gama de fatores, que incluem desde hábitos e
elementos afetivos até elementos da razão instrumental/normativa e da razão
comunicativa/interativa, caracterizada como uma racionalidade pedagógica, que cabe
ao educador desenvolver na prática do seu cotidiano profissional (idem).
Na racionalidade que dá suporte ao trabalho docente, na dimensão do campo
pedagógico, os processos de aprendizagem são imbuídos de interações intersubjetivas
em contexto de cognição situada, de modo que a mediação docente se manifesta na
dialogicidade democrática em situação de práticas formadoras de cidadania.
Neste contexto, o professor é visto como um profissional do saber: domina
determinados saberes que, em situação de ensino, os transforma, dando-lhes novas
configurações e, ao mesmo tempo, assegura a dimensão ética de sua práxis cotidiana. É
também mediador de saberes no triângulo interativo da aprendizagem: o docente, os
conteúdos (saberes) e o aluno.
Como reconhecem Tardif (2000) e Sacristán (1999), o docente não somente
domina saberes e conhecimentos como transforma e produz saberes na sua práxis
cotidiana. Para Therrien (2005, 2006), a práxis docente como interação com os alunos
ocasiona a “transformação pedagógica da matéria”. É um saber situado elaborado pela
racionalidade pedagógica na busca de entendimento subjetivo.
Neste sentido, Therrien tece uma crítica acerca da concepção de conhecimento
pedagógico da matéria elaborado por Schulman (1987). Segundo ele, apesar de conferir
um caráter mais dinâmico ao conhecimento e de sustentar a idéia de que o professor
produz saberes no decorrer de sua prática profissional, o modelo apresentado por
Shulman acentua o planejamento da fase pré-ativa e não dá conta suficientemente das
próprias interações ocorridas no chão da sala de aula, além de implicações normativas
que podem advir de sua tentativa de definição de uma tipologia básica dos saberes
docentes. Therrien, Loiola e Mamede (2004) ressaltam que Shulman enfatiza
excessivamente os aspectos formativos da educação e sua preocupação é muito mais
didática do que propriamente pedagógica.
Conforme explica Therrien (2007), o desafio da gestão pedagógica e da
transformação pedagógica da matéria em situações reais de prática e de tomada de
decisão na sala de aula, obriga o professor a produzir saberes. Efetivamente, cabe a ele
articular adequada e criativamente seu reservatório de saberes num determinado
contexto de interação com outros sujeitos. Por isso, a práxis pedagógica faz do educador
um sujeito hermenêutico porque vivencia o desafio de produzir sentidos. A
transformação pedagógica da matéria na práxis da sala de aula o qualifica como sujeito
epistemológico.
Já a formação do sujeito pedagógico, o educador, passa pelos princípios do
conhecimento/compreensão do seu universo social; do domínio de saberes múltiplos e
heterogêneos; da dialética teoria/prática; do disciplinamento para a reflexão e a
transformação como professor-pesquisador; da intersubjetividade, do trabalho
cooperativo e colaborativo; da competência regulada pela autonomia profissional; da
ética de uma profissão que tem sua identidade fundada em saberes próprios, entre
outros.
Therrien apóia-se em Habermas (1997) ao dizer que a reflexidade necessária ao
professor à busca de sentidos e de significados nas práticas educativas integra uma
gama de fatores que incluem desde elementos afetivos até elementos da razão
instrumental/normativa e da razão comunicativa/interativa. A integração desses fatores
passa pela linguagem, ou seja, pela dialogicidade intersubjetiva do entendimento que
caracteriza a racionalidade pedagógica, que é o suporte de uma práxis educativa
enquanto processo de reflexão sistemática sobre a ação por parte de sujeitos social e
coletivamente voltados para a construção de saberes.
A docência como “gestão e transformação pedagógica da matéria” procede,
portanto, de uma racionalidade complexa e dialógica, que não exclui a racionalidade
normativa, instrumental de determinados campos da ciência, mas que a integra num
processo voltado para a emancipação humana e profissional dos sujeitos.
2.4 - A concepção de professor
Diante dos desafios sociais da contemporaneidade, a concepção de professor
pesquisador, reflexivo, crítico e transformador ganha uma certa urgência como proposta
de formação. Num contexto de mudanças na sociedade, o professor exerce um papel
fundamental para a construção e socialização dos saberes docentes que são intrínsecos à
construção do conhecimento. A Ergonomia tem sido convocada por Therrien (2001;
2009) em seus estudos, na tentativa de compreender como esse profissional desenvolve
suas atividades frente a esses desafios e de oferecer subsídios que gerem transformações
positivas ao exercício da docência. A profissão docente vai sendo construída conforme a
articulação que o professor faz entre conhecimento teórico-acadêmico, cultura escolar e
reflexão sobre sua prática.
Para Therrien (2001), o docente é um profissional do saber que domina saberes
múltiplos e heterogêneos, transforma-os e assegura a dimensão ética dos saberes. O
saber-ensinar, ou a competência docente, é intimamente vinculado à experiência oriunda
da prática em contexto situado de interação humana. O desafio da gestão pedagógica e
da transformação pedagógica da matéria consiste em produzir saberes articulando
adequada a criativamente seu reservatório de saberes num determinado contexto de
interação; ser sujeito hermenêutico vivenciando o desafio de produzir sentidos e por
último, ser mediador de saberes numa prática reflexiva e transformadora.
Therrien (2002) entende a educação como uma ação social entre os planos de
ação de dois ou mais sujeitos. A racionalidade da gestão pedagógica passa pela
dialogicidade do entendimento na esfera da emancipação humana. A autonomia docente
na gestão pedagógica em situações de práxis é regulada pela postura ética/moral.
Segundo o autor, a ação docente por ser situada e dialógica resultante do “entendimento
intersubjetivo” tem uma dimensão moral/ética extremamente forte que compõe o âmago
de uma ação educativa plena. Fundamentada nos conhecimentos acumulados,
transformados e construídos pelo docente ao longo de sua vida pessoal e profissional, a
competência do professor encontra sua plenitude a partir do momento em que seu
desenvolvimento está intimamente relacionado à construção de uma autonomia para a
ação atenta, refletida, crítica e ética.
A docência como “gestão pedagógica/ética da matéria” procede de uma
racionalidade interativa, dialógica, do entendimento, que não exclui a racionalidade
normativa, instrumental de determinados campos da ciência e da tecnologia, mas que a
integra num processo voltado à emancipação humana e profissional dos sujeitos em
formação.
A formação do sujeito pedagógico, o docente, passa pelos princípios: do
conhecimento/compreensão do seu universo social, da interação teoria/prática, do
disciplinamento para a reflexão e a transformação como professor-pesquisador, do
trabalho cooperativo e colaborativo, da racionalidade dialógica do entendimento, da
competência regulada pela autonomia profissional, da ética de uma profissão que tem
sua identidade fundada em saberes próprios, entre outros. A formação do profissional de
docência se situa além da formação do profissional dos campos específicos do saber
científico e tecnológico, sem se sobrepor a estes.
Para Therrien (2007), o ponto nodal de deslanche do processo de formação
docente no Brasil reside na formação de formadores, ou seja, na formação para a
docência dos atuais e futuros professores dos cursos de Licenciatura. Para ele, há vários
impasses que precisam ser discutidos, tais como o projeto pedagógico dos cursos, a
epistemologia da prática, a pedagogia por competência, a falta de formação pedagógica
para a docência e a falta de domínio do saber ensinar, enquanto formação pedagógica
profissional. De acordo com o autor, resta avançar mais no que concerne à política de
formação de professores para entender com maior clareza o que é Pedagogia e como
inteirar essa dimensão nas políticas de formação docente.
2.5 – Ação/cognição situada e ergonomia da atividade
Partindo das considerações de Tardif (2000) sobre os saberes docentes,
especialmente no que se refere à competência profissional do professor, ou seja, a
natureza do “saber-ensinar”, Therrien; Loiola (2001) e Therrien; Carvalho (2009) se
debruçam sobre essa questão, apoiando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da
ergonomia do trabalho docente e da ação/cognição situada.
Para Therrien e Carvalho (2009), a noção de ação/cognição situada nos
referenciais da Antropologia cognitiva, Sociologia cognitiva e da Psicologia cognitiva
pode proporcionar um suporte privilegiado para a análise e compreensão do curso da
ação focalizada pelas lentes da ergonomia do trabalho. Os autores retiram dos estudos
de Suchman (1987 apud THEUREAU, 1992, p. 113) a noção de “ação situada”: “nós,
seres humanos, temos a propriedade particular de, não somente agir, mas também de
comentar-justificar, racionalizar – nossas ações”.
O caráter “situado” da cognição refere-se à ligação indissociável entre o produto
de uma atividade, a cultura e o contexto no interior da qual ela se exerce. Desse ponto
de vista, a aquisição dos saberes não pode ser considerada exclusivamente como um
fenômeno mental e individual, mas como um fenômeno constituído de relações no
interior de contextos precisos.
Therrien e Loiola (2001) citam Lave e Chaklin (1993) ao afirmarem que a
aquisição de saberes, o pensamento e o conhecimento são relações entre as pessoas
engajadas em uma atividade no e com um mundo social e culturalmente estruturado, o
que Theureau (1992) define como “ação (cognição) situada”. Para Therrien (2002), o
contexto não deve ser visto como um recipiente vazio dentro do qual se inseriria o agir
humano, mas como um conteúdo a partir do qual o agir humano tomaria forma. Trata-se
de abordar a cultura e o contexto como conteúdos do agir humano e não como
continentes desse.
Sintetizando o debate em torno dos estudos sobre o curso da ação por meio da
abordagem da ergonomia do trabalho, Therrien e Loiola (2001, p. 158) destacam que
o saber-fazer contextualizado se elabora a partir das características do
contexto no interior do qual o professor ou a professora evolui (...)
Assim, a ação situada transforma-se em cognição situada quando ela
se propõe a tornar explícito os suportes informacionais que sustentam
a ação no seu ambiente imediato. A cognição é considerada como
serviço da ação.
Sob esta ótica, a epistemologia da prática objetiva evidenciar tanto os saberes
que estão sendo produzidos na práxis docente, assim como o tipo de racionalidade
utilizada, considerando o paradigma que os fundamenta. Da mesma forma, permite
identificar as intencionalidades que permeiam a prática docente.
De acordo como Therrien e Carvalho (2009), a epistemologia da prática
enquanto campo sistemático de estudo desvela a relação que o professor estabelece com
o objeto de aprendizagem – neste caso, os saberes da formação para o trabalho docente.
Assim, sob o olhar da epistemologia da prática são os saberes docentes, incidentes de
certa racionalidade, que originam um processo educativo.
Therrien e Loiola (2001) consideram que o estudo da epistemologia da prática
docente a partir da racionalidade pedagógica requer a escolha de uma abordagem
qualitativa para compreender o significado do curso da ação, ou seja, “o professor no
trabalho” requer uma postura que compreenda esta prática como um fenômeno em
movimento. Por esta razão, a ergonomia do trabalho docente se apresenta como uma
perspectiva metodológica de pesquisa qualitativa oportuna ao estudo da epistemologia
da prática. Para os autores, a noção de ação/cognição situada serve de elo para o
encontro de enfoques disciplinares distintos, uma vez que se mostram incompreensíveis
fora de um contexto e que, portanto, devem ser estudadas in situ e teorizadas em relação
à situação.
Do ponto de vista da Ergonomia, o trabalho docente é visto como uma
atividade que solicita essencialmente, mas não exclusivamente, a execução de tarefas de
natureza cognitiva e simbólica. Se a interação professor/aluno é de natureza
epistemológica e didática, com efeito, ela é também fundamentalmente uma relação de
natureza psicossocial. A atividade do professor é profundamente marcada por
exigências próprias e resultantes da interação social, da vida em grupo (MONTEIL,
1990) e do trabalho coletivo (LEPLAT, 1994).
A Ergonomia, aplicada aos estudos no campo da Educação, considera o sujeito,
a atividade e o contexto como um todo. Nessa perspectiva, segundo Therrien e Loiola
(2001), o ensino é uma “situação situada”, ou seja, uma atividade complexa, cujo
objetivo é a adaptação a uma situação. Portanto, devem-se considerar simultaneamente
os limites da situação de ensino e as características dessa atividade profissional, tendo
em vista a análise do saber-ensinar.
A ergonomia situada ou da atividade, de origem francesa, tem como objetivo
de estudo a atividade, o trabalho propriamente dito. Ela articula os conceitos de trabalho
prescrito (o que deve ser feito) e trabalho real (o que realmente o trabalhador faz) e
é centrada no entendimento das condutas das pessoas em situação real
de trabalho, voltada para o âmbito das variabilidades devido às
limitações da prescrição. Busca compreender o modo pelo qual o
trabalhador é mobilizado para dar conta das imprevisibilidades, marca
inerente de todo trabalho (MONTMOLLIN, 1998, p.)
Sendo assim, a ergonomia da atividade nos oferece subsídios para o
conhecimento sobre a maneira como os trabalhadores vivem as imprevisibilidades do
meio, como se comportam diante do hiato entre o prescrito e o real, como se colocam,
regulam suas ações no cotidiano de seu trabalho e como são “convocados”, por inteiro,
a dar conta da distância existente entre o prescrito e a atividade real, com suas diversas
possibilidades de realização.
O trabalho docente por ser realizado por meio de interações entre pessoas, já
apresenta uma diversidade de imprevisíveis com os quais o trabalhador se depara ao
longo do exercício de seu ofício e que não são antecipáveis nas prescrições.
A Ergonomia utiliza como método de pesquisa a Análise Ergonômica do
Trabalho (AET), a fim de compreender como este é efetivamente realizado e seus
determinantes. Como instrumento, intenciona conhecer o comportamento humano
durante a realização da atividade e, como método de ação, pretende apresentar sugestões
para a modificação e transformação das situações de trabalho.
2.6- Ergonomia e Clínica da Atividade
Clot (2006) explica que o que a Clínica da Atividade tem em comum com a
Ergonomia é exatamente a observação da atividade de trabalho e a intenção de
transformá-la, adaptando o trabalho ao homem e não o homem ao trabalho. Ambas,
Ergonomia e Clínica da Atividade visam à análise da disfunção da situação, da
organização do trabalho tendo como objetivo “compreender para transformar”. Nas
palavras de Clot (op. cit., p. 3):
É verdade, eu decidi manter a idéia de “clínica” ao lado, colada,
digamos assim, à de “atividade”, “clínica da atividade” porque eu
insisto no fato de que não podemos tratar da atividade sem tratar da
subjetividade. De certa forma, a diferença entre a ergonomia e a
“clínica da atividade” reside no fato de que atividade e subjetividade
são inseparáveis e é essa dupla que me interessou na situação de
trabalho. Por isso eu uso o termo “clínico”: clínico do ponto de vista
de meu engajamento, do lado da experiência vivida, do sentido do
trabalho e do não sentido do trabalho; (...)
Segundo Borges (2004, p. 43), a Clínica da Atividade dá um passo adiante dos
ergonomistas da análise da atividade de trabalho, uma vez que a Ergonomia, ao se
aproximar da atividade de trabalho em situações reais, desvelou que a atividade
realizada jamais corresponde à atividade de trabalho esperada, fixada por regras,
orientada por objetivos determinados (ao prescrito), pois, ao realizar a tarefa, o
trabalhador “se encontra diante de várias fontes de variabilidades: panes, fadiga,
experiência”. Clot (2006, p. 64-66) acrescenta a esta idéia o conceito de real da
atividade, que se refere à atividade do sujeito sobre si mesmo. Ele afirma que a
atividade realizada não engloba somente o que foi efetivamente realizado, mas também
as possibilidades não realizadas ou impedidas de serem realizadas.
A atividade realizada, segundo Clot (2006), é o resultado do conflito entre as
várias ações possíveis dentre as quais o sujeito escolheu. Para ele é exatamente este
conflito que possibilita o desenvolvimento e a transformação da atividade de trabalho.
CAPÍTULO 3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo está vinculado ao Programa Nacional de Cooperação
Acadêmica - PROCAD, Edital n. 01/2007, que envolve pesquisadores integrantes de
três instituições: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade Estácio
de Sá e Universidade Federal de Alagoas, cujo objetivo é desenvolver atividades de
pesquisa orientadas por um único eixo temático: o trabalho docente. As equipes
envolvidas procuram articular a abordagem das representações sociais e abordagem
sócio-histórica, tomando como ponto de partida a relação entre os sentidos elaborados
pelo sujeito em função de sua história e de suas experiências únicas e as representações
partilhadas por um dado grupo. Tomam as reflexões de Jodelet (2005) acerca da
experiência vivida para justificar que a “articulação entre experiência vivida e RS é, não
só possível, mas profundamente enriquecedora para ambas as partes” (AGUIAR;
DAVIS; ALVES-MAZZOTTI, 2010, p. 9).
Como metodologia, as pesquisas decorrentes do PROCAD têm adotado a
proposta der Yves Clot, uma das vertentes atuais da ergonomia francesa, que considera
que o sujeito, além de ser observado pelo pesquisador e por um colega de profissão,
possa se tornar, ele mesmo, observador de seu próprio trabalho, colocando-o em posição
de transformá-lo. Fica claro, portanto, que a pretensão, ao se utilizar uma ou várias
observações de atividades profissionais, é a de desnaturalizar os pontos de vista a partir
dos quais elas são olhadas e avaliadas, transformando, consequentemente, a atividade do
outro em recurso para a atividade de cada um. A meta, portanto, não é só alcançar uma
interpretação da situação observada, mas, sobretudo, desenvolver a interpretação dessa
mesma situação por aqueles que a exercem.
As categorias da ergonomia francesa atual compartilham os pressupostos
teóricos e metodológicos da psicologia sócio-histórica, mas na tentativa de conhecer o
processo de constituição do sujeito na atividade e para além da aparência, agrega-lhe
outras categorias: “real da atividade” e “atividade real”. A atividade, na visão discutida,
não se constitui apenas do que é realizado, mas também daquilo que não foi possível
realizar. As contribuições de Clot (2006) ajudam a operacionalizar uma maneira de
proceder que leva os sujeitos a produzir informações usualmente pouco exploradas e
que, não obstante, parecem ser nodais para uma análise mais profunda dos significados
que a atividade tem para aquele que a executa.
No que se refere às representações sociais, tal metodologia possibilita olhar um
único sujeito (uma professora) integrante de um grupo (professores da escola) e
verificar se e como ele ressignifica o conhecimento relativo aos saberes da experiência
compartilhado pelo grupo, isto é, as representações sociais de saberes da experiência
produzidas por professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Devido à complexidade envolvida no estudo das representações sociais5, a
abordagem adotada na pesquisa ora apresentada foi multi-metodológica e envolveu uma
sequência de etapas, cada uma envolvendo procedimentos de coleta de dados distintos,
conforme apresentado a seguir:
(1) Seleção do campo de pesquisa, com o objetivo de compreender o espaço e dinâmica
de funcionamento. A escola selecionada localiza-se no município de Duque de Caxias,
Rio de Janeiro e foi escolhida por atender aos critérios de seleção: pertencer à rede
pública de ensino; estar localizada em área carente; conter professores atuantes dos anos
iniciais do ensino fundamental; e possuir poucos recursos para atualização profissional;
(2) Estabelecimento de contato com a escola e com os professores, uma vez que o
método prevê a filmagem das práticas pedagógicas diárias de um (a) professor(a), foi
necessário contornar a resistência para aceitar participar da pesquisa, tanto por parte da
escola, quanto por parte dos professores. Promovemos um espaço de aproximação e
realizamos um trabalho de conscientização a respeito dos benefícios que a pesquisa
traria para a instituição e para o trabalho docente;
(3) Seleção dos sujeitos: 24 professores que compõem o corpo docente e que se
mostraram dispostos a colaborar. Dentre eles, uma professora se apresentou como
voluntária para a realização das filmagens e de autoconfrontações e para refletir a
respeito de sua atuação no cotidiano escolar;
5 Moscovici e seus diversos colaboradores utilizam métodos quantitativos e qualitativos na investigação
das representações sociais. Os estudos estruturais de Abric (1994) valem-se de técnicas quantitativas e no
Brasil, pesquisadores como Sá (1996), Campos (2003) e Oliveira (1996) também as utilizam. Já a
metodologia qualitativa e suas técnicas são particularmente exploradas nos estudos orientados pela
abordagem processual das representações, sendo usadas por Jodelet (2003), Bawer (2002) e
pesquisadores brasileiros, como Camargo (2005), Arruda (1998), Prado (2005) dentre outros.
(4) Observação da escola: foi produzido um diário reflexivo onde foram registrados o
funcionamento da escola e as relações interpessoais que ali se estabelecem;
(5) Análise de projeto político pedagógico, programas de ensino e planejamento de
aulas para compreender as ações norteadoras do trabalho pedagógico desenvolvido na
unidade escolar;
(6) Realização de entrevistas semi diretivas com os 24 professores da escola
selecionada, cujo roteiro foi adaptado daquele elaborado por Alves-Mazzotti (2010)
para aplicação no PROCAD (Apêndice 1). Vale lembrar que, na entrevista semi
diretiva, as perguntas são apresentadas ao entrevistado de modo que ele se sinta
confortável para se expressar naturalmente e o roteiro, que é um guia pelo qual o
entrevistador se rege ao longo do processo. Neste, além das perguntas relacionadas à
caracterização dos respondentes, há 11 questões relativas à formação, trabalho e
atividade docente;
(7) Levantamento da história de vida da professora voluntária cuja atividade diária foi
filmada, de modo a entender a dinâmica de sua construção enquanto docente. Conforme
explica Paulilo (1999, p. 1), por meio da
história de vida pode-se captar o que acontece na intersecção do
individual com o social, [sendo] considerada instrumento privilegiado
para análise e interpretação, na medida em que incorpora experiências
subjetivas mescladas a contextos sociais. Ela fornece, portanto, base
consistente para o entendimento do componente histórico dos
fenômenos individuais, assim como para a compreensão do
componente individual dos fenômenos históricos;
(8) Observação das aulas da professora voluntária para familiarizar-se com a situação de
sala de aula. Foi produzido um diário reflexivo onde foram registrados rotina, rituais,
interação professor-aluno/aluno-aluno, dificuldades pedagógicas encontradas no
cotidiano escolar;
(9) Filmagens de oito dias de aula;
(10) Seleção e edição de cenas tidas como relevantes para responder às questões da
pesquisa e que são denominadas episódios. O pressuposto básico é, segundo Clot
(2001), que a imagem constitui o principal apoio para as observações, ao criar um
cenário que permite o desenvolvimento da atividade profissional do coletivo, a partir de
sua participação na análise das atividades individuais;
(11) Realização de autoconfrontação simples, momento nos quais a docente cuja
atividade foi filmada observa sua própria atuação em sala de aula e a analisa em
conjunto com a pesquisadora. A autoconfrontação simples refere-se à interação entre
sujeito, imagem e investigador. Aqui, a discussão fica centrada na observação de dois
agentes: o professor que ao se ver na tela, fala sobre o que fez e o que poderia (ou não)
ter feito; e o pesquisador que querendo se assegurar de ter compreendido bem os
comentários do docente, tece conjecturas sobre eles. Na filmagem, deve-se enquadrar
tanto um quanto o outro. Em seguida, a pesquisadora fica fora da tela e o foco recai
sobre o professor, tomado de frente. O papel da pesquisadora é, agora, o de comandar o
aparecimento das imagens, o ir para a frente e o voltar atrás. Pretende-se, com isso,
pontuar o discurso que o sujeito dirige à pesquisadora, mostrando como alcançar, por
meio de detalhes da observação da atividade realizada, a atividade real. De fato, só se
chega lá porque a pesquisadora faz com que a atenção não seja voltada apenas para o
objeto (a situação visível), mas também para a atividade investigativa que ambos estão
realizando juntos. Daí a importância da linguagem, que deve apenas servir de
instrumento para o sujeito comunicar aquilo que faz ou que vê: ela é, principalmente,
entendida como um meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir segundo a
perspectiva adotada;
(12) Realização de autoconfrontação cruzada. Nesse momento, dois professores –
aquele cuja atividade de trabalho foi filmada e o outro, um docente convidado, mais
experiente – reúnem-se para analisar as cenas selecionadas, com a presença da
pesquisadora. A relação estabelecida entre sujeito, imagens do colega trabalhando e
investigador chama-se autoconfrontação cruzada. O encontro também é filmado, com os
professores de frente. A pesquisadora apresenta, então, o registro da atividade do
professor, solicitando que o professor visitante o comente. O docente cuja atividade está
sendo analisada confronta-se, assim, com as observações do colega. Podem ocorrer,
nesse momento, controvérsias profissionais entre os dois, incidindo sobre o estilo de
ação adotado por um e por outro. As intervenções da pesquisadora, com o auxílio do
comando de tela, possibilitam passar de diálogos (durante os quais os profissionais
falam dos estilos de suas ações a partir de gêneros) a pausas (quando a atenção recai
sobre as atividades filmadas, possibilitando que os sujeitos observem os gêneros a partir
dos estilos de suas ações) e vice-versa. Cabe ressaltar que, atentos aos preceitos éticos e
legais, todos os procedimentos, tais como entrevistas, gravações em áudio e em vídeo
foram feitos mediante prévia autorização de todos os envolvidos;
(13) Análise dos dados coletados. Os dados coletados serão analisados segundo o
Modelo de Estratégia Argumentativa (MEA) e confrontados para que se possam
compreender os significados compartilhados sobre os saberes da experiência por meio
da produção discursiva dos sujeitos.
Da sequência apresentada, duas técnicas serão destacadas nas próximas seções: a
clínica da atividade, desenvolvida por Yves Clot e utilizada na coleta de dados no
campo, e o método da estratégia argumentativa, proposta por Monica Rabello de Castro
e Janet Bolite-Frant e usada na análise dos dados.
3.1 - A clínica da atividade
Uma das técnicas de coleta de dados utilizadas neste estudo é a Clínica da
Atividade, denominação adotada por Yves Clot para o método desenvolvido por ele
para a análise e compreensão do trabalho realizado, complementada pela tradição
ergonômica francesa (CLOT, 1999).
Yves Clot é responsável pela Clínica da Atividade no Laboratório de Psicologia
do Trabalho do Conservatoire National dês Arts Métiers (CNAM) situado em Paris,
França. Tem apoiado suas reflexões na Psicologia Sócio-Histórica de Vygotski,
Leontiev e Luria; nos estudos de lingüística de Bakhtin em torno da análise do discurso;
e no trabalho desenvolvido por seus antecessores Wallon, Meyerson e Guillant. Na
abordagem que faz da atividade de trabalho, a subjetividade dos trabalhadores ocupa
lugar central (LIMA, 2007).
Para a análise da atividade que propõe em sua Clínica da Atividade, utiliza como
recurso metodológico a autoconfrontação simples e a autoconfrontação cruzada, onde a
colaboração dos trabalhadores é fundamental, já que participam daquilo que denominou
como co-análise de trabalho. Clot propõe alguns conceitos, a saber: real da atividade,
atividade real, gênero de atividade, estilo da ação e catacreses, que fizeram sua análise
avançar além da realizada na perspectiva da Análise Ergonômica do Trabalho.
Uma das contribuições da ergonomia francesa para o estudo da atividade
consiste na diferenciação entre trabalho prescrito (que é denominado de tarefa) e
trabalho real (que é o efetivamente realizado daquilo que é prescrito).
Guérin (1997) mostra que trabalhadores, quando questionados sobre seu
trabalho, tendem a apontar os resultados a serem alcançados, ou seja, tendem a falar da
tarefa a ser cumprida e não do trabalho. Nesse sentido, pode-se dizer que a tarefa é o
prescrito, o imposto. Murta (2008, p. 51) afirma que a tarefa “determina e constrange a
atividade, mas ao determinar a atividade do trabalhador, ela a autoriza”. Ela acrescenta
ainda que “a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real é a manifestação
concreta da contradição sempre presente no ato do trabalho”. Entende-se por tarefa tudo
que se inscreve na ordem do que deve ser realizado. Considera-se, por outro lado, que
atividade é tão somente aquilo que foi efetivamente cumprido, a atualização de uma das
várias atividades passíveis de serem realizadas na situação em que ocorre.
Apoiando-se em Vygotski, Clot (1999) afirma também que, nessa situação, o
desenvolvimento da atividade que prevaleceu sobre as demais é governado pelos
conflitos que se estabelecem entre ela e suas concorrentes, ou seja, outras formas de
realizar a tarefa que, podendo ter sido empregadas, não o foram. Assim, Clot (2006, p.
16) ressalta a importância de se estar atento não só às ações realizadas e observadas,
mas àquelas que foram pensadas, mas não realizadas pelo sujeito, tendo em vista que
o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não se
pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos –
aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou
que se sonha poder fazer alhures. É preciso acrescentar a isso – o que
é um paradoxo freqüente – aquilo que se faz para não fazer aquilo que
se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer fazer.
Segundo o autor, ações envolvem pensamentos e reações e, em se pretendendo
apreender o “real da atividade”, é preciso mobilizar o sujeito para que ele revele o que
pretendeu fazer e não foi feito, permanecendo, portanto, de alguma forma, reprimido.
De acordo com Clot (2006, p. 115-116) “as reações que não venceram – e que foram ora
mais ora menos reprimidas – formam resíduos incontroláveis, cuja força é suficiente
para exercer uma influência na atividade do sujeito, mas contra as quais ele pode ficar
sem defesa”.
As contribuições de Clot (2006, p. 133) podem ajudar a operacionalizar uma
maneira de proceder que leva os sujeitos da pesquisa a produzir informações que
usualmente não são exploradas e que, não obstante, parecem ser nodais para uma
análise mais profunda dos sentidos que a atividade tem para aqueles que a exercem,
uma vez que
o real da atividade ultrapassa não somente a tarefa prescrita, mas
também a própria atividade realizada. Ora, esse real da atividade, ou
seja, aquilo que se revela possível, impossível ou inesperado no
contato com as realidades, não faz parte das coisas que podemos
observar diretamente.
Fazer ou realizar é, portanto, fazer e refazer. Nesse caso, Clot (2001) considera
que a atividade pode ser entendida como uma difícil escolha subjetiva, na medida em
que cada pessoa avalia a si mesma e aos outros ao avaliar o real, buscando uma
oportunidade de fazer o que deve ser feito. Considerando que as atividades não
realizadas – que não foram ou não puderam ser concretizadas – têm, inegavelmente, um
impacto na atividade realizada, o autor propõe que elas sejam também incluídas na
análise da atividade.
Em suma, se a atividade realizada é apenas uma parte muito pequena do real da
atividade, parece ser fecunda a distinção entre prescrito e realizado. Clot (2001) ressalta,
no entanto, que não se trata de buscar um hiato entre a prescrição social e a atividade
real. Ao contrário, aponta que há, entre elas, simultaneamente, uma reorganização da
tarefa por parte dos coletivos profissionais e uma recriação da organização do trabalho,
pelo trabalho de organização do coletivo.
Esse duplo movimento é chamado de “gênero social do ofício” ou “gênero
profissional”. O gênero refere-se às obrigações que se impõem sem serem buscadas,
mas também sem poderem ser evitadas – àqueles que tentam realizar seu trabalho a
despeito de como ele é prescrito pela organização do trabalho.
O gênero, idéia reelaborada a partir da noção de gênero do discurso de Bakthin
(2003), seria a história da atividade compartilhada por determinado grupo de
trabalhadores. Nessa história, incluem-se regras implícitas, modos de dizer, de fazer,
anseios, expectativas. Através do gênero, cada sujeito pode predizer e antecipar –
parcialmente, ao menos – os resultados de sua ação. Segundo Clot (2006, p. 50),
entende-se por gênero
o sistema aberto de regras impessoais não escritas que definem, num
meio dado, o uso dos objetos e o intercâmbio entre as pessoas: uma
forma de rascunho social que esboça as relações dos homens entre si
para agir sobre o mundo. Pode-se defini-lo como um sistema flexível
de variantes normativas e de descrições que comportam vários
cenários e um jogo de indeterminação que nos diz de que modo agem
aqueles com quem trabalhamos, como agir ou deixar em situações
precisas; como bem realizar as transações entre colegas de trabalho
requeridas pela vida em comum organizada em torno de objetivos de
ação.
O gênero profissional é, enfim, um corpo de avaliações partilhadas que regula,
de maneira tácita, a atividade pessoal. Segundo Clot (2001), as regras do trabalho, em
sendo restritivas, são também fontes de recursos para a vida profissional. Assim, o
gênero é um meio de saber se organizar em determinadas situações, evitando, tanto
quanto possível, o erro em face ao previsto.
A adoção do gênero demonstra o pertencimento a certo grupo e ainda uma
orientação para a ação. O gênero organiza as atribuições e as obrigações ao definir as
atividades a serem realizadas independentemente das qualidades subjetivas dos
indivíduos que as executam em um determinado tempo e lugar. Além disso, também
impõe e regulamenta as relações intersubjetivas e interprofissionais. A consistência e
perenidade do gênero decorrem, justamente, de seu caráter normativo, ou seja, de atuar
como norte para a atividade de qualquer pessoa.
Para constituir um instrumento da ação, o gênero passa por um processo de
ajustes, denominado estilo. Tais ajustes buscam libertar o sujeito dos constrangimentos
que decorrem tanto da memória impessoal como de sua própria memória. De fato, ao
retocar uma regra, um gesto ou uma palavra do gênero, o sujeito cria uma variante (o
estilo) que será avaliada e, eventualmente, validada pelo coletivo, assegurando a vida e
o desenvolvimento do próprio gênero. Por outro lado, o sujeito só pode se liberar de
suas determinações, tomando distância de si mesmo, algo que é alcançado apenas por
meio do desenvolvimento da própria experiência com o gênero. O estilo pode, portanto,
ser definido como algo híbrido, que descreve os esforços empreendidos pelo sujeito
para se emancipar tanto da memória impessoal como da pessoal, na tentativa de
alcançar uma maior eficácia em seu trabalho.
Vinculado ao estilo está a noção de catacrese, que trata da atribuição de novas
funções aos instrumentos de trabalho, que passam a serem empregados de maneiras
novas e criativas. Essa alteração de uso é, segundo Clot (2001, p. 40), uma característica
própria do desenvolvimento psicológico real que “é alcançado não pela internalização
do modo de funcionamento exterior ou das significações já existentes e, sim, por sua
recriação, com vistas a lhes dar uma segunda vida, a serviço da atividade atual do
sujeito”.
Segundo Clot (1999), a análise do trabalho que se quer empreender é aquela que
visa a enriquecer não só o coletivo como também o próprio sujeito. Para tanto, deve
permitir que o sujeito desenvolva seu poder pessoal de agir, de modo a enfrentar melhor
sua situação de trabalho e o coletivo expanda seu campo de ação, por meio das ações
inovadoras do sujeito. Desse modo, a análise considera que há uma função psicológica
dos gêneros sociais, bem como uma função social dos estilos pessoais. Logo, a análise
não pode ser reduzida às ações observadas. Importa, de fato, apreender o real da
atividade, tanto o que o sujeito faz como o que deixa de fazer, o que se encontra
impedido de fazer e o que desejaria fazer, “expondo-o às discordâncias da atividade dos
outros, às suas próprias e aos objetos do mundo” (CLOT, 1999).
Para Clot (idem), a atividade é o meio pelo qual o sujeito se constitui, uma vez
que ele só se mostra aos outros por meio da atividade e estes só se mostram ao sujeito
via atividade. Esta, por sua vez, é sempre social, ainda que realizada individualmente, é
sempre permeada pela cultura e, portanto, pelo social.
Um dos principais recursos do método desenvolvido por Yves Clot e empregado
neste estudo está na imagem como suporte da observação. Todas as situações de
desempenho profissional foram gravadas em vídeo e posteriormente analisadas e
discutidas conjuntamente pelo sujeito (professora voluntária), pela pesquisadora e por
uma professora parceira do sujeito (convidada), alcançando, assim, o “real da atividade”
(CLOT, 2006). Atividade que, ao ser discutida, não se constitui apenas do que é
realizado, mas também daquilo que não foi possível realizar. Daí a importância de se
estar atento não só às ações realizadas e observadas, mas àquelas que foram pensadas,
mas não realizadas pelo sujeito, uma vez que o real da atividade envolve tanto o que foi
realmente feito como tudo aquilo que poderia ter sido feito, o que se procurou fazer sem
o conseguir, o que se queria ter podido fazer e o que ainda se pretende fazer em outra
ocasião. Envolve ainda, e especialmente, tudo o que se faz para não se fazer o que deve
ser feito.
3.2 - O modelo da estratégia argumentativa (MEA)
Os dados coletados (entrevistas, narrativa de história de vida e
autoconfrontações) foram analisados segundo o Modelo da Estratégia Argumentativa
(MEA), proposto por Castro e Bolite-Frant em 1995 e fundamentado na teoria da
argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958]1996), nos conceitos de
implícitos de Oswald Ducrot e de metáfora, desenvolvido por George Lakoff e Mark
Johnson (2002), tomando-se a linguagem como aspecto central do arcabouço teórico,
objetivando-se analisar a relação que ela mantém com o trabalho docente e com o
pensamento.
Neste estudo, buscou-se organizar um espaço de interlocução entre os atores,
destinado a produzir e a mobilizar recursos dialógicos em torno de uma atividade de
trabalho. Castro (1997) afirma que a principal ferramenta de trabalho do educador é a
sua fala, que pode ser entendida como ação pedagógica. Esta, por sua vez, tem por
objetivo provocar mudanças no sujeito, o que supõe a intenção de persuadir, de
convencer o outro. Pode-se dizer, então, que a fala dos professores são práticas sociais
que implicam processos argumentativos. Por seu caráter persuasivo, os processos
argumentativos são capazes de apreender os significados que os sujeitos atribuem aos
objetos sociais, nesse caso, as representações sociais sobre os saberes da experiência, o
que justifica o uso do MEA (CASTRO, 2004) como metodologia de análise dos dados
obtidos por meio dos discursos produzidos pelos sujeitos da pesquisa.
A análise baseada na Nova Retórica6 centra-se na busca das estratégias utilizadas
para convencer o outro através de argumentos. Essa ferramenta pode ser utilizada para
encontrar as relações entre os argumentos e os “efeitos” do discurso, ou seja, a adesão
do outro ou uma ação decorrente da adesão.
É no discurso que as representações se formam, se modificam e se revelam e é a
relação retórica que integra os três elementos centrais do discurso (orador, discurso e
auditório), permitindo a comunicação (MEYER, 2002 apud DUARTE; MAZZOTTI,
2004). O orador, com o objetivo de persuadir e ser aceito, constrói um esquema
argumentativo, o discurso, baseado nos seus valores e nos valores do grupo a que se
destina, o auditório. Este último não recebe passivamente a mensagem, mas a
“reconstrói a partir de seus próprios esquemas conceituais, como apresentado pela teoria
das representações sociais, tornando-se co-autor da mensagem” (op. cit, p. 86)
A análise argumentativa não tem a intenção de estabelecer verdades, ou de dizer
que este discurso tem razão ou não, pois a retórica, assim como as representações
6 Em 1958, no mesmo ano em que Toulmin publicava o seu The Uses of Argument, no continente e re-
clamando-se de uma outra tradição filosófica, Perelman, Professor na Universidade Livre de Bruxelas,
publica um livro que terá pelo menos o mesmo relevo no renascimento contemporâneo da retórica: Traité
de l’Argumentation. La Nouvelle Rhétorique (CARDOSO E CUNHA, s/d).
sociais, operam com juízos de valor, com o que é verossímil e as análises desses
argumentos buscam identificar “as verdades” para um grupo estudado (CASTRO;
BOLITE-FRANT, no prelo).
Da mesma maneira, as representações sociais, por serem uma construção de
grupo, também assumem múltiplas facetas, pois é a partir de suas vivências e
experiências que os conceitos e informações recebidas são organizadas e hierarquizadas
de acordo com o preferível para cada grupo. São os preferíveis, os interesses do grupo
que o fazem aceitar ou rejeitar determinado discurso, por isso a identificação dos
argumentos contra ou a favor permite revelar indícios dos valores compartilhados pelo
grupo, podendo assim identificar suas representações sobre determinado objeto. As
representações que são compartilhadas pelos grupos permitem que o objeto seja alvo de
discussões. Assim, a análise argumentativa é uma forte ferramenta para as
representações sociais, uma vez que ao se construir representações de algo, torna-se
necessário negociar significados, ou seja, argumentar.
CAPÍTULO 4
EM BUSCA DOS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AOS SABERES
DA EXPERIÊNCIA
O primeiro contato com a Escola Municipal ocorreu em dezembro de 2009,
quando conversamos com a dirigente de turno sobre o desejo de realizar a pesquisa de
campo naquela unidade escolar. Na ocasião, ela solicitou que nos dirigíssemos à
Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias (SME) para obter a devida
autorização. A Coordenadora de Ensino da SME concedeu parecer positivo, exigindo,
para fins legais, uma declaração da Universidade, contendo informações sobre o
Mestrado, a Linha de Pesquisa, além da apresentação do projeto de pesquisa.
Como em janeiro a escola entraria em recesso, retornamos em fevereiro de 2010,
quando fomos apresentadas à Diretora, que nos deu boas vindas e convidou para
participar da primeira reunião geral com os professores. Nesse encontro, tivemos a
oportunidade de explicar a razão de nossa presença na escola por um determinado
período, bem como os objetivos do trabalho a ser ali desenvolvido. Explicamos que
realizaríamos entrevistas com todos os 24 professores atuantes, caso concordassem, e
que precisaríamos do consentimento de um dos professores para a videogravação de
algumas de suas aulas. Todos foram receptivos naquele momento e não percebemos
resistência à proposta.
A partir dali, teve início a observação da escola: sua estrutura física, seu
funcionamento e as relações cotidianas entre professores, alunos e funcionários. Todas
as impressões, diálogos e o que julgasse ser relevante para a pesquisa foram registrados
em um diário de campo.
Nesta fase, foi possível realizar entrevistas livres com a secretária da escola,
quando tivemos liberdade para fazer perguntas e obter informações de maneira livre e
espontânea sobre horário de funcionamento, grade de horário e normas administrativas.
Também foram analisados documentos fornecidos pela orientadora pedagógica,
a saber: Projeto Político Pedagógico (PPP), planejamentos de curso, diários de classe e
posteriormente, o caderno de plano de aula da professora voluntária. Ao fazer a leitura
deste material, foram destacados os seguintes aspectos: eixo norteador do PPP, forma do
processo avaliativo, metodologia de ensino adotada, projetos temáticos realizados, além
dos conteúdos e habilidades previstos para serem consolidados pelos alunos.
Concomitantemente ao processo de análise documental, eram travadas conversas
informais com os professores durante os intervalos das aulas. Os assuntos eram variados
e sempre que havia oportunidade, procurávamos envolvê-los com a pesquisa. Aos
poucos fomos conquistando a confiança de todos e nossa presença já não causava mais
tanta estranheza na escola.
4.1 - Caracterização da escola
Para conhecer a atividade do professor, é relevante conhecer a instituição onde
ele trabalha, o projeto político-pedagógico da escola, bem como as relações que nela se
estabelecem.
A Escola Municipal selecionada está situada no 1º Distrito do município de
Duque de Caxias, Rio de Janeiro, numa comunidade urbana. O bairro onde a escola se
localiza fica próximo do centro do município. No mesmo bairro se encontra a Faculdade
de Educação da Baixada Fluminense/UERJ que, sempre que solicitada, cede sua quadra
esportiva para eventos promovidos pela escola.
As ruas do bairro são asfaltadas, o comércio é farto e a comunidade é servida por
várias linhas de ônibus, o que facilita o acesso de seus moradores. A energia elétrica é
fornecida pela LIGHT e o abastecimento de água, pela CEDAE, que é feito de forma
irregular.
A renda das famílias é média baixa e os responsáveis trabalham geralmente em
profissões simples e até em subprofissões, os chamados “bicos”. As opções de lazer
promovidas pela escola ─ oficinas, festas, bingos, passeios ─ são geralmente bem
aceitas pela comunidade escolar, porém, segundo relato dos professores, não há uma
participação efetiva da comunidade local.
Atualmente a escola oferece atendimento a 671 alunos distribuídos em 24
turmas, em quatro turnos de aulas, como mostram as Tabelas 1 e 2 a seguir:
Tabela 1 – Quadro de horário de funcionamento da escola selecionada.
MODALIDADE TURNOS HORÁRIO DE
FUNCIONAMENTO
1º, 2º e 3º ano de escolaridade 1º e 2º 7h às 11h
11h às 15h
4º e 5º ano de escolaridade 3º 15h às 19h
Classe de Alfabetização
Ciclos I e II (EJA presencial)
4º
18h às 22h Fonte: Projeto Político Pedagógico (2009, p. 11)
Tabela 2 – Quadro de composição de turmas por ano de escolaridade na escola
selecionada.
MODALIDADE NÚMERO DE TURMAS NÚMERO DE ALUNOS
1º ano de escolaridade 3 72
2º ano de escolaridade 4 98
3º ano de escolaridade 5 136
4º ano de escolaridade 4 125
5º ano de escolaridade 2 72
Classe de Alfabetização 2 44
Ciclo I 2 48
Ciclo II 2 72
Total 24 671 Fonte: Livro de Matrículas da Escola Municipal selecionada (2010)
O quadro funcional é formado por 61 funcionários, sendo uma diretora; uma
vice-diretora; duas orientadoras pedagógicas; duas orientadoras educacionais; quatro
dirigentes de turno; quatro assistentes de secretaria; 24 professores regentes; duas
professoras de sala de leitura; três professoras de projeto; uma professora de Ensino
Religioso; três inspetores de disciplina; um supervisor educacional; um supervisor
administrativo; um supervisor de merenda; dois auxiliares administrativos; dois
atendentes; três merendeiras; dois serventes; e dois porteiros.
Atualmente a escola possui uma área externa murada com um pátio coberto onde
são realizadas as atividades recreativas. Há seis salas de aula; sala da diretora;
secretaria; sala de professores; uma sala adaptada para Orientação Pedagógica (OP) e
Orientação Educacional (OE); um banheiro de professores; três banheiros para alunos;
uma sala de leitura adaptada; uma cozinha; uma despensa; e um refeitório adaptado.
A escola se encontrava em obras para ampliação de seu espaço físico no período
de realização da coleta de dados. Com a reforma pretende-se a construção de uma nova
cozinha; um refeitório; secretaria; sala da direção; sala de dirigente de turno; uma sala
para OP e OE; uma sala de leitura e biblioteca (unificadas); nova sala de professores;
uma sala de informática; uma sala de Educação Especial; quadra de esportes; mais dois
banheiros para alunos com adaptação para deficientes físicos e mais seis salas de aula.
Por ser uma reforma de grande porte, a obra não pôde ser concluída durante o recesso
escolar, portanto, tem se estendido ao longo do ano letivo e algumas turmas
necessitaram ser realocadas em uma escola municipal próxima por alguns meses.
As seis salas de aula são de tamanho regular, com capacidade para comportar
aproximadamente quarenta carteiras escolares. Todas possuem armários, onde os
professores guardam materiais diversos. As paredes possuem murais, onde são afixados
trabalhos realizados pelos alunos e cartazes confeccionados pelos professores. Há
quadros de giz, que já estão sendo substituídos por quadros brancos.
Como recursos tecnológicos há televisão, rádio e um aparelho de DVD. Não há
computadores, data show ou retroprojetores. O computador existente na escola é
utilizado somente para os serviços de secretaria.
O relacionamento interpessoal (professores, funcionários administrativos, equipe
diretiva, alunos) é amistoso, o que promove um ambiente acolhedor e de convivência
agradável. Fomos bem recebidas pela equipe diretiva, pelos professores e demais
funcionários e não tivemos problemas para acessar e manipular documentos ou circular
pelas dependências da escola.
A escola é regimentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.
9394/96, pelo Regimento Escolar do Município de Duque de Caxias, pelo Estatuto do
Funcionalismo Público e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90.
Mantida com recursos públicos da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, recebe
verba anualmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação (FNDE).
Do PPP foi possível extrair a maior parte das informações. Tivemos a
oportunidade de participar, durante o início do ano letivo de 2010, de uma reunião com
todo o corpo de funcionários, com o objetivo de reavaliar o PPP. O grupo pretendia,
com isso, garantir que este não seria um simples “pedaço de papel” a ser arquivado ou
que se consolidasse como apenas um documento normativo ou como um conjunto de
planos e propostas distanciado das práticas correntes. Todos consideravam que o PPP
deveria ser exequível, legítimo, dinâmico, construído e vivenciado por todos os
envolvidos no processo educacional, fruto de uma ação articulada entre os atores
escolares, por eles validada e legitimada. No entanto, não houve a presença de
representantes de pais e de alunos.
Outro ponto observado está relacionado à formação crítica e autônoma que a
escola pretende garantir ao aluno. Esta preocupação aparece diversas vezes registrada
no PPP, seja no seu Marco Doutrinal, no Marco Operativo ou na Dimensão Pedagógica.
Segundo o projeto, a escola tem como principal objetivo, “construir uma sociedade
crítica, igualitária e justa, onde o sujeito que dela participa assuma uma postura crítica,
consciente, humana e politizada.” (PPP, 2009, p. 4). Entretanto, a unidade escolar não
possui grêmio estudantil nem realiza eleições para a escolha de alunos representantes de
turma. Não há momentos destinados em reuniões para que alunos se posicionem perante
os assuntos da escola, o que contradiz o PPP (2009, p. 4):
O aluno – sujeito da sua aprendizagem, participante ativo nas decisões
que dizem respeito ao projeto da escola e não apenas cliente dela. A
escola – instituição integrada com a comunidade, que valoriza as
linguagens, os conhecimentos formais, os valores e manifestações
culturais, sempre aberta à participação consciente, crítica e ativa de
crianças, jovens e adultos, garantindo-lhes a posse de sua cidadania na
gerência e usufruto dos benefícios da sociedade. A escola tem como
marco operativo o desafio de concretizar uma educação voltada para a
transformação da realidade, que leve em conta seus sujeitos,
promovendo um trabalho pedagógico crítico, dinâmico e aberto a
projetos.
Na sequência da análise desse documento, observou-se que, apesar da escola
possuir um Conselho Escolar, este se reúne, basicamente, para discutir sobre o destino
das verbas da escola. Os pais e/ou a comunidade não têm participação efetiva na
elaboração de projetos, eventos e/ou momentos coletivos. Esta se restringe,
praticamente, a reuniões para entrega de notas, o que contradiz o que está no PPP (2009,
p. 6):
A direção deve promover ações que elevem a auto estima de toda
comunidade escolar. Atuando como um elo entre a comunidade, a
escola e os funcionários, discutindo juntos, os problemas em busca de
soluções, reconhecendo que a gestão democrática faz parte da própria
natureza do Ato Pedagógico e fundamenta a concepção democrática
da educação.
A participação da comunidade é restrita a ocasiões especiais e não contribui para
a construção de uma identidade escolar democrática, uma vez que aquela está alijada de
decisões significativas tais como análise da problemática pedagógica ou da organização
escolar. É importante ressaltar que essa circunstância descaracteriza a participação
como um processo dinâmico e coletivo, benéfica para a superação de dificuldades e que
pode apontar melhorias para o processo educativo.
Segundo o documento, os docentes norteiam sua ação pedagógica de acordo
com a linha sociointeracionista. Mas não há justificativas ou considerações quanto à
escolha da filosofia escolhida.
Quanto aos projetos coletivos a serem realizados pela escola durante o ano
letivo, não há registro no PPP.
No que se refere à gestão, a escola se organiza a partir de uma equipe diretiva,
formada pela diretora, vice-diretora (cargos comissionados indicados pela Secretaria de
Educação), dirigentes de turno (função assumida por um professor indicado ou
escolhido pelo diretor), orientadoras pedagógicas e orientadoras educacionais
(admitidas por concurso público).
A escola possui pouca autonomia, estando subordinada à Secretaria Municipal
de Educação no que diz respeito ao calendário escolar, ao planejamento de ensino, à
escolha da merenda, às datas e temas das reuniões pedagógicas, à execução de projetos
pedagógicos por ela promovidos.
Quanto à avaliação, desde o ano letivo de 2005 todas as escolas municipais de
Duque de Caxias passaram a ter novas orientações. Os alunos do 4º ao 9º ano de
escolaridade e Ciclos I, II, III e IV são aprovados mediante a média anual igual a seis. O
aluno que obtiver nota inferior a seis, terá direito a uma nova avaliação final, onde
deverá alcançar no somatório da média anual com o resultado da recuperação final,
dividido por dois, média final igual ou maior que cinco e freqüência igual ou superior a
75% durante o ano letivo.
Considerando a filosofia da Unidade Escolar, a Escola Municipal selecionada
estabeleceu os seguintes critérios de avaliação para o ensino fundamental:
(a) Os alunos que atingirem 50% dos objetivos terão média igual a seis;
(b) Considerando a construção dos conhecimentos, o aluno deverá: ler e escrever
na base alfabética (1º, 2º e 3º AE) e ortográfica. Os demais anos de
escolaridade: produzir e interpretar diferentes gêneros textuais, resolver
situações-problemas utilizando as quatro operações, criticar, argumentar,
pesquisar com autonomia e disciplina, desenvolver atitudes de convivência
em grupo. Estes critérios serão aplicados em todas as áreas de conhecimento,
de acordo com a sua especificidade;
(c) Quanto aos instrumentos de avaliação: trabalhos (grupo/individual),
participação/expressão oral e escrita;
(d) A avaliação das turmas de alfabetização será feita através dos registros
descritivos bimestrais.
Além da recuperação final prevista no calendário oficial da SME, a escola
oportunizará, ao longo do período letivo, atividades de recuperação paralela, utilizando-
se, por decisão dos docentes, técnicas de trabalho diversificado, classe de apoio e
módulos de ensino.
Os professores se reúnem para troca de experiências e aperfeiçoamento dos
trabalhos realizados por meio de reuniões de planejamento de atividades (semanais) e
pelos grupos de estudos (quinzenais), que são garantidos pela SME no calendário
escolar.
Ao analisar o Planejamento de Curso do 1º Ano de Escolaridade, foi observado
que o mesmo está em conformidade com o PPP no que diz respeito à promoção de
autonomia e criticidade, aproveitando o repertório cultural do aluno, ao registrar que:
A escola tem como marco referencial reestruturar o mundo e resgatar
o ser humano, aproveitando o máximo os seus talentos e habilidades
de pensar, analisar e refletir com arte e cidadania, levando os homens
a compartilhar e autonomizar a busca dos conhecimentos e tendo
domínio dos meios de captar e armazenar informações.
Considerando a construção dos conhecimentos, no que se refere aos objetivos
propostos para serem alcançados no referido ano de escolaridade, também estes estão de
acordo com o que está estabelecido no PPP em relação aos critérios de avaliação:
“Produzir e interpretar variados gêneros textuais; interpretar e resolver situações-
problema envolvendo as operações de adição e subtração; desenvolver atitudes de
convivência em grupo.”
Quanto ao plano de aula, foi analisado aquele elaborado pela professora que se
apresentou como voluntária e que teve suas aulas observadas e filmadas durante uma
semana. Ela possui um plano de aula diário, onde são registradas todas as suas
atividades, que também estão em conformidade com o Planejamento de Curso e com o
PPP.
4.2 - Perfil dos professores
O sexo predominante no grupo de professores que atua na escola é feminino.
Dos 24 professores participantes, apenas um é do sexo masculino.
A faixa salarial varia de R$1.500,00 a R$5.000,00. Os professores da Rede
Municipal de Duque de Caxias possuem Plano de Carreira e mudam de faixa salarial a
cada cinco anos (por tempo de serviço) e/ou a cada dois anos (por formação).
Quanto à formação, cinco professores possuem somente o curso Normal Médio,
19 têm Curso Superior e 13 fizeram Curso de Especialização.
A carga horária semanal se concentra em duas faixas: 20h e 40h, o que
corresponde à jornada de trabalho requerida de professores que têm uma e duas
matrículas na rede pública, ou ainda, que trabalham em dois períodos, ou seja, exercem
dupla regência.
A média de idade é compreendida entre 20 e 63 anos, sendo que dois professores
se encontram na faixa etária de 20 a 25 anos; três de 26 a 30 anos; dois de 31 a 35 anos;
quatro entre 36 e 40 anos; sete de 41 a 45 anos; dois de 46 a 50 anos; um de 51 a 55
anos; dois de 56 a 60 anos; e um de 63 anos de idade.
O tempo de magistério também é variado: de 5 a 40 anos, sendo que quatro
professores possuem de 5 a 10 anos; quatro de 11 a 15 anos; cinco entre 15 e 20 anos;
dois de 21 a 25 anos; e nove professores possuindo mais de 25 anos de magistério
exercidos efetivamente em sala de aula.
Ao conversar com o grupo que possui mais de 25 anos de magistério e
questionar o motivo de ainda continuarem em pleno exercício da profissão, fomos
informadas que de acordo com as novas regras da Previdência (art. 40, inciso 5º da
Constituição Federal), o professor da rede pública só estará em condições de se
aposentar voluntariamente ao completar 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos
(mulher) e 55 anos de idade (homem) e 50 anos (mulher). Assim, a maioria só está
aguardando completar 50 anos de idade para se aposentar. Quanto àqueles que já
apresentam idade e tempo de serviço, afirmaram que permanecem no exercício porque
não conseguem se imaginar longe da profissão.
4.3 - Entrevistas
As entrevistas individuais foram realizadas no início do ano letivo. Embora se
mostrassem disponíveis, de imediato, alguns professores mostraram certa inibição para
falar, uma vez que suas falas eram gravadas em áudio, mas não se furtaram a responder
as perguntas propostas. As entrevistas tiveram uma duração média de 20 minutos cada
uma e foram posteriormente transcritas literalmente, registrando-se a entonação de voz,
os silêncios, os risos, os suspiros e outras manifestações relevantes (BOURDIEU,
1999). Na reprodução das falas, os participantes estão identificados pela letra (P)
seguidos pelo número de ordem do protocolo de entrevista.
Para analisar as respostas dos professores, foi utilizado o MEA, a partir do qual
encontramos a seguinte tese central:
A experiência profissional orienta a prática cotidiana.
Essa tese é sustentada por meio do seguinte argumento: devido à precariedade
dos cursos de formação de professores que, segundo eles, não propiciam base adequada
para a atuação profissional não os preparando para lidar com o aluno real, esses
docentes revelaram que é na experiência profissional cotidiana que constroem os
saberes necessários para desenvolver seu trabalho. Defendida pelos professores em seus
discursos, afirmam que são as certezas de sua experiência profissional que orientam sua
prática cotidiana e não sua formação ou ideologias pedagógicas subjacentes aos
currículos pedagógicos, o que é evidenciado em algumas falas, como as dessas
professoras:
A minha formação foi muito assim, uma coisa muito impessoal, uma
coisa que não tem nada a ver com a prática. Na prática, quando você
de fato se entrega e se doa, tudo fica contaminado por características
da nossa personalidade, na personalidade do professor, na
personalidade do aluno, por aspectos de afetividade, isso tudo muda
toda a história daquela coisa formatada que a gente aprende na época
da formação de professor. É, então eu acho que é isso, a gente
constroi, a gente aprende mesmo no dia-a-dia, nos vínculos. (...)
Infelizmente a formação brasileira a nível de magistério de segundo
grau passa muito pouco, sabe, eu não sei hoje, hoje eu não posso falar,
mas eu não vejo muita coisa assim, eu aprendi mesmo na minha
prática, né, com experiências mesmo, contato com aluno, contato com
os pais (...) (P-21)
Então fica tudo muito na teoria, tudo o que a gente aprende, quando
chega em sala de aula você entra em choque, você vê que é muito
diferente, tudo fica muito na teoria, a prática é muito diferente. Aí a
gente acaba é aprendendo no dia-a-dia mesmo (...) (P-1)
Quando você estuda, você faz uma formação, você tem muita, muita
teoria bonita, mas que a realidade do seu aluno é muito diferente
daquilo que está nos livros, de repente o cara não teve uma
alimentação boa, o cara não tem uma estrutura familiar, então através
da minha prática, eu vou adaptar aquela atividade, ou material, seja lá
o que for, então eu, a atividade que eu quero realizar, eu tiro uma idéia
e tento adaptar pro meu aluno com o que eu tenho e com o que eu
posso. (...) (P-7)
Falta trabalhar com a realidade da sala de aula das escolas. Eu recebi
muita teoria, mas não procurava ver alguns conflitos que acontece na
escola que você só vai ter que resolver quando estiver em sala de aula
quando adquire experiência e no curso não te preparam pra isso. (p-9)
Eu acho que as disciplinas ensinadas na formação ajudaram no início,
mas a prática com o decorrer do tempo é que vai nos aperfeiçoando,
né? Porque só a Didática em si foi muito pouca coisa. (P-13)
A teoria te prega uma Educação que não existe, te prepara pra um
aluno que não existe. (...) Quando você chega na Educação com uma
formação só teórica acaba ficando frustrado, você se frustra no sentido
de que o aluno com que você foi preparado pra trabalhar, que é um
aluno fictício, não tem. (...)Você aprende mesmo é na sala de aula.Por
isso eu acho que a formação de professores tem que trabalhar mais
voltada pra realidade da educação, pro aluno que a gente tem hoje, da
nossa clientela de verdade. (P-19)
Eu acho que quanto mais você trabalha você vai aprendendo, você vai
sabendo entender melhor o seu aluno, você vai criando nas
experiências dentro daquilo que você tá fazendo, então, eu acho que é
a experiência mesmo (...) (P-23)
Para esses professores é a experiência profissional que norteia a prática cotidiana
e não aquilo que aprenderam em sua formação acadêmica. Por isso no discurso dos
professores a tese central é defendida por meio de argumentos que indicam que a
aprendizagem docente é um processo contínuo e que ocorre ao longo da trajetória
profissional; que não se limita aos espaços formais e tradicionais de formação.
A experiência propiciada pelos estágios no seu curso de formação, apesar de ser
reconhecida como necessária para o ingresso na carreira profissional, não trouxe a esses
professores contribuições significativas quanto à percepção da realidade educacional,
uma vez que eram distanciados da prática, como observado nas seguintes declarações:
Lá nos estágios no curso de formação todo esse conhecimento vem
cercado de uma teoria. Quando a gente chega aqui fazendo essa
exposição didática é um grande lance. Como eu pego tudo isso que eu
aprendi, (...) a gente tem um grupo de crianças e tem que pegar essa
gama de conhecimento e transformar em conteúdo pra que sirva a essa
criança (...) agora nós precisamos de mais tempo pra entender essa
prática, essa teoria (...) pra estudar a relação dessa teoria com essa
prática, [...] (P-12)
Eu acho que quando a gente tá no estágio, quando a gente tá
estudando, a gente tá tendo assim, um recorte do que é a sala de aula,
aquilo ali é muito pouco, é muito limitado, então eu acho que a gente
já chega no estágio muito bem preparada, a turma já é tipo ensaiada
né, então eu acho que falta isso, realidade mesmo, nua e crua. (P-17)
Eu acho que a vivência na sala de aula, porque pelo menos, quando eu
fiz , foram só três anos, no Normal, e no estágio foi muito pouco
tempo, então eu sinto falta da vivência em sala de aula, de atuar
mesmo, não só de ficar observando. Eu ficava muito tempo só
observando o professor dar aula, mas eu não atuava, eu não tinha
contato com os alunos. (...) eu acho que faz falta é essa vivência
mesmo, de estar mais com o aluno. (P-1)
No estágio a aula sempre corre bem sem ter nenhum imprevisto e é
uma aula maravilhosa, que é uma coisa diferente pra eles (alunos),
eles acham tudo um máximo! (P-3)
As didáticas e os estágios de modo geral eu achei assim muito
desvinculado da realidade, quando você tá dentro de sala de aula, você
não se sente de nenhuma forma preparada pra aquilo que você vai
enfrentar, das dificuldades, dos desafios, da realidade da sala de aula
mesmo. (P-15)
Percebemos que, para esses professores, o estágio é significativo e relevante
quando envolve uma proposta de formação baseada na aproximação da realidade
escolar, estreitada pela relação teoria e prática como possibilidade de transformação.
Pimenta (2002) considera que o estágio tem a intenção de propiciar ao aluno
uma aproximação à realidade na qual irá atuar, ressaltando que não se deve colocá-lo
como “pólo prático” do curso, mas como uma mera aproximação à prática, que será
concludente à teoria estudada no curso de formação.
De acordo com Cunha (2003), o estágio supervisionado é o eixo articulador no
curso de formação de professores, podendo ser considerado, metodologicamente, um
processo de investigação-ação por meio, por exemplo, de projetos didáticos de ação,
realizados com os professores das escolas. Procura-se assim, evidenciar a relação entre
teoria e prática, o que poderia desenvolver uma visão crítica nos alunos sobre a
educação.
Um fenômeno recorrente identificado nas falas da maioria dos professores
entrevistados e que sustentam uma segunda tese, diz respeito às reflexões acerca das
concepções construtivistas no processo pedagógico:
O método tradicional traz segurança.
Embora a maioria reconheça e seja favorável às contribuições do construtivismo
para a educação, em quase todas as falas há referências à necessidade de não se perder
de vista o referencial tradicional como orientador de suas práticas. Os discursos dos
professores perpassam intenções e experiências explícitas de junção das duas
abordagens (tradicional e construtivista) como forma de obter sucesso no campo
educacional. Para eles, foi a experiência do trabalho profissional que lhes proporcionou
a prova da eficiência deste saber-fazer, representado pela seguinte fala:
Se você me perguntar qual é o método que você usa para as turmas do
ciclo, são vários, eu misturo. E daí eu tento ver qual é o resultado que
eu vou obter com aquela criança. (P-14)
Alguns afirmam “mesclar” tudo e parecem não dominar a proposta pedagógica
da rede, como relata a professora:
Eu sinto que eu ainda não consegui entender o método que a rede
trabalha, então, eu acabo assim, mesclando, um pouco de tudo, até por
eu, de repente, ter falta de uma formação que trabalhe, é, esse método,
eu sinto uma dificuldade que não chega a comprometer o meu
trabalho, que eu vou atrás de outros caminhos, (...) mas até hoje eu
não sei como é que funciona na prática. (P-3)
“Misturar, mesclar tudo” se opõe a algum método, notadamente aos métodos
tradicionais, entendidos como o antigo, aquele que é responsável pelo fracasso dos
alunos7. Entretanto, embora a maioria dos professores reconheça e seja favorável às
contribuições do construtivismo para a educação, se verificou em suas falas, referências
explícitas à necessidade de não se perder de vista o referencial tradicional como
orientador de suas práticas, pois ele lhes traz segurança para atuar.
Assim, a tese O método tradicional traz segurança, defendida pelos
professores, evidencia intenções e experiências de junção de duas abordagens
(tradicional e construtivista) como forma de obter sucesso no campo educacional. Além
disso, uma vez que o Construtivismo não foi incorporado aos pensamentos e práticas de
alguns professores, justifica-se a persistência da permanência do tradicional na prática
pedagógica. As falas das professoras exemplificam essa questão, que ainda transferem
para o aluno o despreparo para aprender o método:
Então, eu fico com essa dificuldade de entender isso, porque eu não
acho que os alunos, que a clientela da rede esteja preparada pra esse
método. Não que eu seja contra o construtivismo, mas eu acho isso
multicultural também, que o nosso país não é, então, eu acho que no
meu entender, ainda sou pelo tradicional. (P-7)
7 Mortatti (2006, p. 4) explica que a história do ensino da leitura e escrita na fase inicial de escolarização de crianças,
tem sua face mais visível na história dos métodos de alfabetização. Para mostrar a oposição tradicional (antigo) x
moderno (novo) com relação a esses métodos, a autora divide o período que vai desde as décadas finais do século
XIX até a atualidade em quatro momentos,”cada um deles caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações,
normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas e melhores, em
relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e tradicional nesse ensino”. Assim, no primeiro período se
opõem os métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e o “método João de Deus" (iniciar o
ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras); no segundo, os métodos
de marcha sintética versus o método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação); no terceiro, méto-
dos de marcha sintética versus métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa) e também método global
(de contos); no último, métodos tradicionais (sobretudo o misto ou eclético) versus construtivismo, “se apresenta, não
como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-
se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das
cartilhas” (op. cit. p. 10).
Olha, essas mudanças são grandes, né? Porque hoje não é mais o
tradicional, nós estamos no Construtivismo e isso vai dificultando não
só a criança e até o nosso trabalho enquanto alfabetizadoras. (P-4)
Esses discursos entendidos a partir da Teoria das Representações Sociais
expressam indícios de ancoragem. Segundo Moscovici (1978), isto significa que os
professores estão incorporando algo desconhecido (o construtivismo) à malha de
categorias ou saberes que já possuíam acerca do fazer docente (o tradicional). Para o
autor, esse processo de incorporação do objeto novo sugere confrontos, conflitos e
comparações com o já estabelecido, arraigado.
Conforme apresentado anteriormente, para Jodelet (2001), o processo de
ancoragem se estrutura a partir de três condições: a atribuição de sentido (incorporação
do novo ao já conhecido, nesse caso, incorporar o construtivismo ao método tradicional
de ensino); instrumentalização do saber (transformação do novo em algo útil, nesse
caso, o construtivismo permite compreender as diferenças e desenvolver um trabalho
pedagógico mais eficaz) e enraizamento no sistema de pensamento (amenização da
oposição, nesse caso, é possível “misturar” construtivismo com método tradicional,
porque este traz mais segurança ao fazer). Assim, o novo ou estranho é familiarizado.
Na perspectiva dos saberes docentes, a mistura do novo e do tradicional presente
nas práticas docentes envolve conflitos de saberes, de racionalidades ou de lógicas, que
podem também ser interpretadas como falta de domínio teórico das propostas
pedagógicas. Contudo, podem também refletir a dimensão dinâmica, crítica e dialética
de uma prática educacional situada de atores que de algum modo sabem justificar suas
decisões na ação fundadas em saberes da experiência (THERRIEN, 1997).
A característica do professor como profissional reflexivo também se manifesta
em algumas falas destes atores. O relato de uma das professoras aponta não somente
uma prática interativa e sua racionalidade própria, bem como uma reflexão acerca de
sua formação e de sua experiência profissional. Elabora teorias próprias, expressando as
razões de seus procedimentos:
Olha, o que me dá segurança é o feedback do aluno. Eu posso estar
cheia das teorias, mas o feedback do aluno é que vai me dar segurança.
Eu posso ir contra muita coisa que falaram, mas se aquilo tá dando
certo com o aluno, ele, ele, me mostrou pelo olhar, pela satisfação,
pela realização, pelo esforço dele, pela motivação que ele me
demonstra, a partir do desempenho dele, aquilo me dá segurança, é
meu aluno que me dá segurança e me estimula a continuar. Se não
fosse a sala de aula, olho no olho do aluno, eu não estaria numa
escola. (P-15)
Therrien (2007) descreve o trabalho docente como a práxis de um sujeito
transformador (professor) em interação situada com outro sujeito (aluno), onde a
produção de saberes e a mediação de significados caracterizam e direcionam o processo
de comunicação e entendimento entre ambos. Em outros termos, o trabalho docente é
um processo educativo de instrução e formação humana, através da mediação e da
interação entre professor e aluno a partir do conteúdo de ensino. A fala da professora é
ilustrativa:
É preciso querer ajudar pra acreditar neles (alunos). Eu aprendi muito,
eu aprendi e acho que isso não se aprende em nenhuma disciplina,
você pode ler todas as teorias do mundo, mas a estabilidade, você
pode pegar e você sabe até repetir palavra por palavra do que você lê,
mas adquirir estabilidade você não vai se você não sabe, não for, se
você não tiver percepção, se você não acolher, se você não tiver
sensibilidade, você não fará muito. Se você for uma pessoa dura, se
você sempre enxerga o outro como um estorvo, sempre como uma
dificuldade, se você estiver vindo pra cá pra receber seu salário, como
já foi dito aqui dentro, tá (...) isso aí é uma prática que você precisa
construir ao longo da sua profissão. (P-11)
Para Therrien (op. cit), a relação que o professor estabelece com seus alunos está
profundamente condicionada pela maneira com que ele lida com os conteúdos. A fala a
seguir corrobora essa afirmação:
Então, quer dizer, eles estão fazendo pontes e isso é legal, não sei se é
certo ou errado, mas eu tô ajudando a eles a fazerem as pontes que
eles têm que fazer, de um conteúdo com o outro, de História,
Geografia e Matemática, eu não entendo porque se a gente fala que é,
que o conteúdo é integrado, a gente fala tanto por matérias, por áreas,
eu acho que isso continua dificultando alguma coisa. Lógico que eu
também não sei trabalhar com tudo, eu tô aprendendo, mas acho que
seria interessante a gente lá nas séries iniciaizinhas mesmo, aos
poucos ir separando né, seja Matemática, Ciências... (P-2)
A decisão da professora pode ser questionável, entretanto, mostra que a tomada
de decisão sobre o andamento de sua atividade é realizada a partir de elementos que ela
julga pertinentes e reunida ao longo de sua experiência profissional. Ela considera que
sua função dentro de sala de aula é ajudar aos alunos na apreensão dos conteúdos
curriculares, adequando-os conforme as características da sua turma.
O docente é, portanto, responsável pela transformação das orientações
curriculares (o prescrito) em ações efetivas. As tarefas prescritas podem assumir as mais
diversas configurações quando transformadas em atividades efetivas em contexto, o que
é denominado por Clot (2006) de “real da atividade” e o que Therrien (2005; 2006)
denomina de “transformação pedagógica da matéria”.
As definições curriculares servem ao docente como um referencial de base para
orientar sua atuação pedagógica junto aos alunos. Entretanto, é a partir das necessidades
concretas desses alunos que o professor decide quais conteúdos irá priorizar ou
descartar e de que forma irá fazê-lo. Ele imprime o que Clot (2006) chama de “estilo”
pessoal em sua atividade e é esta impressão que garantirá aos alunos uma aprendizagem
efetiva, pois a adaptação do prescrito para ele é fundamental.
Essa modificação que ocorre dentro da própria sala de aula, de responsabilidade
exclusiva do professor, de um conteúdo a ensinar em um conteúdo efetivamente
ensinado é denominado por Clot (2006) de real da atividade.
Cunha (2007) aponta que entre o trabalho prescrito a ser feito e o trabalho real
finalmente realizado o produtor resolve problemas que aparecem no processo de
produção. Trabalhar é resolver questões que se interpõem na realização das tarefas
determinadas por outrem ou por si mesmo. Segundo Osório e Maia (2004), entre a
prescrição ou a norma e o que é efetivamente realizado, há sempre um deslocamento,
uma recriação, e é isso que faz com que cada tarefa possa ser realizada.
As falas dos professores também apontam a dimensão interativa da apreensão
dos saberes da experiência, revelando assim, uma nova tese:
Aprende-se a ser bom professor na vivência com os alunos
Aprender a ser professor não só na ação, na prática profissional, mas também na
interação com os alunos, é compartilhado por esse grupo de professores. Os docentes
afirmam que a interação com os alunos constitui a base da condução do seu processo
pedagógico, conforme expresso nas falas a seguir:
Eu me sinto segura na qualidade da relação que eu estabeleço com
meu aluno, com a minha turma, é isso que me dá tranqüilidade pra
chegar todo dia e me encontrar com essa turma e ficar construindo,
trabalhando. A partir do momento em que a gente constrói um vínculo
ou que estabelece uma aliança de trabalho, eu me sinto bem pra
construir, pra apresentar as minhas propostas, então eu jogo pesado e
aposto no estabelecimento de vínculo na relação. (P-21)
Essa vivência (aluno) me constrói também enquanto pessoa, essa
vivência me modifica, me melhora, me lapida, me refina... (P-11)
Eu acho assim, o professor, pra poder desenvolver um trabalho bom
necessita, é, desenvolver junto com os alunos uma parceria, uma
amizade, assim à base do afeto mesmo, pra que as crianças se
acheguem a ele e ele consiga alcançar o que é necessário. (P-8)
Vale destacar que a importância em interagir com os pares só foi mencionada
por um dos professores, como expressado abaixo:
O que te deixa mais segura em sua prática em sala de aula?
(Pesquisadora)
Olha, o que me deixa mais segura é justamente o intercâmbio entre os
professores, sabe, um passa pro outro e a gente vai se sentindo mais
segura, porque o que geralmente uma tem, passa pra outra, né, aquilo
que a gente tem falta a gente recorre, tá sempre tendo o intercâmbio
aqui, graças a Deus. O grupo é muito bom. (P-13)
Em conversa informal com uma das orientadoras pedagógicas da unidade
escolar, ela afirmou que apesar de recém chegada ao grupo, já havia observado a
individualidade no que se refere ao trabalho dos professores. Ela percebeu haver
dificuldade em compartilhar experiências e até mesmo material pedagógico por grande
parte dos professores, apesar de serem oportunizados momentos de planejamento
coletivo. Acrescentou, ainda, que a equipe de orientação estava iniciando um trabalho
de sensibilização com o grupo na tentativa de conscientizá-lo acerca da importância da
interação entre os pares para o processo ensino-aprendizagem.
Os professores parecem buscar nas situações de interação com os alunos
elementos para uma reflexão coletiva voltada à aprendizagem. É o caso de diversificar
as atividades para prender a atenção dos alunos, por exemplo. A fala da professora
ilustra essa situação:
Eu trouxe um texto doido, às vezes eu crio, então são coisas pra eles
despertarem, (...) então eu gosto dessas coisas de descobrir e construir
com eles, então isso é gostoso, você construir os conceitos através do
que ele tá vivenciando... (P-2).
Segundo Therrien (2007 apud TOCHON, 1992), na medida em que o professor
adquire experiência, torna-se capaz de sintetizar estrategicamente o didático (a realidade
explícita e generalizável do saber) e o pedagógico (a relação sócio-afetiva, singular e
implícita, de uma situação específica, como forma de transmissão do saber). Para o
autor esta fusão ocorre no momento da prática profissional.
Ao serem inquiridos sobre o que seria trabalho docente, a dicotomia
novo/tradicional permanece no discurso dos professores. Alguns utilizam metáforas
para descrevê-lo, pautadas numa visão tradicional do conhecimento:
O professor tem que ser um criador de pontes pro aluno atravessar.
(P-21)
Ele é o mediador, é como se ele fosse a ponte entre o aluno e o
conhecimento. (P-19)
A metáfora da ponte, neste caso, remete a uma determinada situação do humano:
estar alienado. Lembremos de Platão e do “mito da caverna”. Nela, os homens estão
presos em seu no interior e ali vêem apenas sombras do mundo real. É possível sair de
uma caverna pelas mãos do filósofo, que os leva de um lugar a outro.
Tal como o filósofo, o professor representa o guia para aqueles que estão com os
olhos vendados (os alunos, aqueles que não têm luz) ou com a visão condicionada
apenas pela visão das sombras que se projetam na parede de uma caverna (a falta de
conhecimento) e que os conduz (a ponte, isto é, ele mesmo) para o lado onde há luz (o
conhecimento) (MAIA, 2007). A metáfora da ponte, portanto, está relacionada à visão
tradicional do conhecimento, em que o aluno é visto como uma “tábula rasa” e o
professor é que irá conduzi-lo ao saber, salvando-os da ignorância.
Almeida (2005) explica que as metáforas, fazendo parte da linguagem cotidiana,
exercem um papel muito importante em nosso sistema conceitual, colaborando para a
estruturação do conhecimento e da experiência, pois muito mais que refletir, elas
ajudam a construir nossa realidade social, iluminando certos aspectos dos fenômenos a
que se referem, enquanto obscurecem outros.
Mazzotti e Oliveira (2000, p. 52) entendem metáfora como uma “analogia entre
os elementos que parecem comuns aos objetos (o conhecido e o ainda não conhecido)”.
Desse modo, ressaltam a importância de seu papel em processos que envolvem objetos
desconhecidos. Nesse sentido, a metáfora denuncia sentidos evocando imagens,
acarretando um duplo papel, o de instrumento que as pessoas utilizam para serem
entendidas ou para dar força a sua argumentação. A metáfora evoca imagens do que
queremos que se torne conhecido para tornar compreensível dado objeto ou fenômeno.
De acordo com Almeida (2005), se é certo que as metáforas que usamos
constroem em parte nossa realidade, também o é que transformações sociais ao longo da
história podem fazer cair em desuso determinadas metáforas e dar origem a outras, mais
adequadas aos novos tempos (as metáforas novas).
Assim, o uso da linguagem metafórica afeta e é afetado pelo contexto social em
que se desenvolve. Entretanto, mesmo quando bem aceita nos círculos a que se destina,
uma metáfora nova tem que disputar espaço com as metáforas tradicionais. E quanto
mais enraizadas estas últimas estiverem em nossa linguagem e em nosso cotidiano, mais
efeitos sobre nossas ações ela terá.
A Educação neste início de século parece ser um bom exemplo desse quadro:
diversas metáforas sobre a natureza do conhecimento parecem disputar espaço e
interagir na consciência, discurso e prática dos educadores. Almeida (op.cit) se refere a
três metáforas para o conhecimento que parecem servir de base para o pensamento e a
ação de professores em diversos níveis de ensino:
1- a metáfora da transmissão, mais tradicional, onde “o conhecimento é uma
substância que se adquire e se transmite”;
2- a metáfora da construção, onde “o conhecimento é uma construção”. Tal
formulação traz algumas implicações tanto para o papel do aluno quanto para o do
professor. Aquele deixa de ser um receptor passivo e passa a ativo, construtor de seu
próprio conhecimento e este deixa de ser o detentor e transmissor do saber passando a
ser facilitador do processo de aprendizagem, aquele que ajuda a construção;
3- a metáfora da rede, onde “o conhecimento é uma rede de significações”, como
forma de representação mais acurada da complexidade de relações que se estabelecem
no processo social da cognição.
Vale lembrar que o construtivismo, corrente originária dos escritos de Piaget,
Ferreiro e de cognitivistas mais sociais como Vygotsky e Luria, foi adotado como linha
teórico-metodológica em muitas redes oficiais de ensino no Brasil na década de 19908.
Tal fato gerou o uso do jargão e das imagens construtivistas no discurso de professores,
instituindo-se uma metáfora nova ligada ao conhecimento: a metáfora da construção.
Esse fenômeno parece estar presente no discurso de grande parte dos professores
entrevistados, ao descreverem as atividades docentes, apresentando indícios de se apoiar
8 Maia (2005) ao analisar o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental
publicado em 1995 mostra que ao longo de todo o texto, a perspectiva construtivista e o referencial psicopedagógico
defendidos pelos autores do documento são nitidamente percebidos.
na metáfora da construção:
Olha eu acho que a principal atividade do professor é levar o aluno a
construir seus conhecimentos (...) (P-8).
Eu acho que o professor tem que se colocar como um facilitador né,
do processo do conhecimento do aluno, isso aí, ele é o mediador, é
como se ele fosse a ponte entre o aluno e o conhecimento (P-19).
Ajudar as pessoas a construir um conhecimento. (P-9)
Eu preciso ter um meio de ser um facilitador e não um complicador.
(P-10)
Uma professora chega a “misturar” a metáfora da construção e a da transmissão
para se referir ao trabalho do professor em sala de aula:
O professor, ele seria o que, o mediador né, aquela pessoa que vai te
transmitir conhecimento (...) (P-3)
Nas falas de uma das professoras em momentos diferentes da entrevista,
observa-se a afirmação sobre o desconhecimento da teoria construtivista9 e em seguida,
a utilização de da metáfora da construção, implícita àquela teoria:
Eu acho que faz falta não só a gente conhecer os teóricos, mas
conhecer algumas coisas novas que estão acontecendo, eu nunca ouvi
falar sobre construtivismo na minha época, eu nunca ouvi falar, nem
sei o nome dele, Vy... (P-2)
Eu trouxe um texto doido, às vezes eu crio, então são coisas pra eles
despertarem (...) então eu gosto dessas coisas de descobrir e construir
com eles, então isso é gostoso, você construir os conceitos através do
que ele tá vivenciando (...) (P-2)
A professora utiliza o discurso moderno, recorrendo a metáfora da construção
para descrever sua prática pedagógica, embora em momento anterior da entrevista
afirmou desconhecer a teoria construtivista. Utiliza ainda a metáfora “professor doido”
que, implicitamente, se refere ao “professor moderno”. Para ela, ser “doido” significa
ser diferente, destacar-se do comum. Por desconhecer a teoria construtivista, a
9 “Construtivismo é uma teoria, um modo de ser do conhecimento ou um movimento do pensamento que emerge do
avanço das ciências e da Filosofia dos últimos séculos [...] Construtivismo não é uma prática ou um método; não é
uma técnica de ensino nem uma forma de aprendizagem; não é um projeto escolar; é, sim, uma teoria que permite
(re)interpretar todas essas coisas, jogando-nos para dentro do movimento da História - da Humanidade e do Univer-
so” (BECKER, 1992, p. 3).
professora elabora suas próprias teorias baseadas em processos de ensaio e erro,
levando-a a pensar que assim está afastando-se do convencional (tradicional).
Embora os professores mencionem diversas expressões e jargões educacionais
(SCHEFFLER, 1974) relacionados às concepções construtivistas, afirmam ter
dificuldades quanto à compreensão e à aplicação do construtivismo em suas práticas
pedagógicas, o que os leva a utilizar o método tradicional como orientador, revelando
que a metáfora da transmissão ainda está presente e é forte nesse grupo. Podemos
perceber que os professores reproduzem jargões educacionais construtivistas descolados
da teoria e que a metáfora da construção disputa espaço com a da transmissão.
O contraste entre o discurso dos professores e sua prática parece corroborar o
pensamento de Lakoff e Johnson (2002, p. 242), quando afirmam que “uma coisa é estar
consciente das possibilidades inerentes a uma metáfora nova; outra, muito mais difícil, é
passar a viver em função dela com base em uma decisão consciente”. Ou seja, a
assunção consciente de uma metáfora nova não implica necessariamente na sua entrada
em nossos sistemas conceituais, gerando por vezes contradições no discurso e na prática
do sujeito. Nesse grupo de professores, as propostas teóricas de transformação das
metáforas conceituais ligadas ao conhecimento ─ neste caso, ligadas às concepções
construtivistas ─ não foram por si só capazes de gerar transformações no discurso e,
consequentemente nas práticas pedagógicas desses professores.
Uma nova tese é defendida pelo grupo de professores entrevistados ao
discutirem sobre as atribuições que lhes são imputadas para além de ensinar:
O professor possui inúmeras funções.
Os professores se assumem como substitutos do pai e/ou da mãe. Consideram
que são psicólogos, médicos, assistentes sociais, amigos, entre outras. Estudos como o
de Alves-Mazzotti (2008) mostraram que a omissão da família no apoio e
acompanhamento ao aluno é uma das fontes de desajustamento face ao que era exigido
ao docente no passado e as expectativas do presente. Todo tipo de carência afetiva de
que o aluno é eventualmente portador faz aumentar significativamente as
responsabilidades do professor, em áreas anteriormente voltadas à esfera íntima da
família.
Também lhes recaem nos ombros as funções que deveriam ser da escola, do
sistema educacional. Para Esteves (1999) há uma confusão geral relativa à complexa e
extensa função do professor. As responsabilidades e exigências que se projetam sobre
esses profissionais têm aumentado, coincidindo com o processo histórico de uma rápida
transformação da sociedade. Esta confusão geral tem sido traduzida em uma fonte de
incessante mal-estar para muitos docentes. Entretanto, alguns dos professores
entrevistados parecem aceitar tais atribuições de forma resignada e as assumindo
realmente como suas. Os trechos abaixo exemplificam tal afirmativa:
Olha, antigamente eu achava que era só ensinar e passar conteúdo,
mas hoje é tudo né, é mãe, é pai, é tia, é psicóloga, é tudo, que a gente
faz tudo, precisa educar, precisa ensinar tudo, ensinar boas maneiras,
higiene, além de passar todo o conteúdo, aquela grade toda ... (P-1)
O professor faz quase que parte da família, tem que olhar, se tá com
dor, se não tá, tem que observar tudo, é o aluno que tem problema, é a
gente que tem que correr atrás, é a gente que tem que ver tudo. (P-15)
Eu acho que a tarefa do professor é ensinar, é ele que tem que se dar
conta de a ele foi dado uma turma, conteúdo cheio de dever, esse
conteúdo passa pela contextualização, de que não é um conteúdo
isolado do mundo, isso tudo ele tem que fazer e bem feito. Mas sabe
que, além disso, hoje tem “n” coisas, dar conta de “n” projetos
externos que vêm pra escola, a gente tem que dar conta, e que dificulta
um pouco o nosso trabalho mesmo de estar ensinando. (P-12)
Ao afirmarem assumir a função de pai e/ou mãe do aluno, há no discurso desses
professores um aspecto recorrente: a ausência da parceria família-escola, vista pela
maioria dos entrevistados como um dos impedimentos que constrangem a atividade
docente, como mostrado a seguir:
É necessário que a família trabalhe junto com o professor. Quando
existe essa parceria, existe essa comunhão, professor e família, o
trabalho se desenvolve de uma forma que você vê o desenvolvimento
da criança. (P-5)
Porque a maioria das crianças hoje elas não têm a presença da família,
igual se tinha antigamente, né, e elas trazem pra escola todos os seus
problemas. Então tudo isso vem pra sala de aula e aí aonde vem
prejudicando o aprendizado. (P-4)
Quando isso acontece, de me afetar como pessoa, geralmente está
relacionada à desestrutura familiar. A forma como a criança é tratada,
os problemas que ela vivencia diariamente dentro de casa, quando traz
isso pra escola, isso me desestrutura. (P-15)
Às vezes essas dificuldades que você encontra principalmente na
relação com os pais daquele aluno que estão pouco presentes e quando
estão presentes é geralmente pra causar conflito, desestabilizar o
ambiente emocional da escola, você leva isso pra sua casa junto
(...)isso prejudica o seu lado pessoal, porque às vezes o profissional
interfere no seu pessoal também (...) (P-19)
Segundo Clot (2006 p. 16), esses impedimentos também fazem parte do real da
atividade, uma vez que “o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que
não se pode fazer, aquilo que se busca sem conseguir – os fracassos.”
Como expõe Paiva (2008, p. 85), a família é considerada ausente e
desestruturada por não se encaixar nos moldes tradicionais da família nuclear, a que se
fazia presente em outros tempos, atualizada com imagem, referência e, portanto, como
para a vida. Essa situação de “desencaixe” e não (re)conhecimento da família de hoje,
idealizada e desejada, remete a saudosismos e sentimentos de culpa por parte do
professor.
A ausência das famílias está associada ao fato de os professores não
reconhecerem as atitudes das famílias atuais de acordo com o que desejam e julgam
certo (preferível), utilizando como referência a famílias de “ontem”. Atitudes que
consideram também favorecer suas práticas em sala de aula, à medida que se fazem
condições para que ocorra aprendizagem.
Inquiridos então, sobre o que fazem para que a família participe da vida escolar
dos filhos, alguns professores mencionam que chamam os pais para conversar, expõem
suas propostas pedagógicas e que a escola promove encontros, porém não têm sido bem
sucedidos em suas tentativas. No entanto, a participação da comunidade não ocorre na
organização escolar, restringindo-se a reuniões para entregas de notas e festas temáticas,
ou seja, não são oportunizados momentos de discussão coletiva (pais e professores) na
busca de soluções para a superação de dificuldades que impedem o desenvolvimento do
processo ensino-aprendizagem.
As teses identificadas até o momento permitem afirmar que os saberes da
experiência construídos ao longo da trajetória profissional orientam a prática
pedagógica desses docentes. Esses saberes se encontram apoiados na pedagogia
tradicional que é aquela que lhes traz segurança e os tornam bons professores. É por
meio dela, também, que vivenciam inúmeras interações com seus alunos e assumem
funções que não lhes cabem, mas que aceitam com prazer.
4.4 - Narrativa de história de vida
Segundo Rizzini et al (1999, p. 69), “a entrevista de narrativa de história de vida
é uma técnica muito útil para se obter visões de mundo, expectativas de vida, sonhos,
formas de perceber as relações entre diferentes situações”.
O sujeito ao narrar sua história de vida, considera que desvela memórias,
formula idéias baseadas em valores e necessidades constituídas socialmente e, num
movimento dialético, enquanto fala de suas experiências vai ao mesmo tempo
“transformando suas idéias, atribuindo novos sentidos a elas” (MINAYO, 2000, p. 58-
59). A narrativa possibilita também que o sujeito discorra sobre vários temas, mesmo
que aparentemente não estejam ligados ao tema estudado no momento. Tais fatos
auxiliam na compreensão e/ou na possibilidade de levantar hipóteses sobre os motivos
afetivo-volitivos que impulsionaram o sujeito a pensar, sentir e agir de uma maneira e
não de outra.
Nunes (2002, p. 211) acrescenta que esse tipo de estratégia metodológica quando
aplicada à educação pode ajudar a “compreender melhor as práticas pedagógicas, as
representações de professores sobre seu próprio trabalho e sobre a instituição na qual ela
o desenvolve.”
Nessa etapa da pesquisa, foram realizadas entrevistas de narrativa de história de
vida com a professora voluntária em dois momentos: o primeiro teve como foco sua
trajetória profissional e o segundo, o trabalho efetuado por ela em sala de aula, quando
procurávamos obter informações que pudessem revelar os sentidos que a professora lhe
atribui. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas para posterior análise.
A professora voluntária tem 43 anos, é casada e tem dois filhos adolescentes:
uma moça de 15 anos e um rapaz de 17 anos. Ambos cursam o Ensino Médio. É natural
de Duque de Caxias onde também reside e trabalha. Tem 25 anos de experiência no
magistério, tendo sempre atuado nas séries iniciais. Atualmente trabalha com uma turma
de alfabetização.
Possui apenas uma matrícula na rede municipal de Duque de Caxias, mas
também trabalha em regime de dupla regência no cargo de dirigente de turno. Está na
mesma escola desde que começou a atuar no magistério, por isso possui vínculo afetivo
muito grande com a instituição e com as pessoas que ali trabalham.
Tornou-se professora por imposição da mãe, pois a profissão escolhida por ela
(enfermeira) “não era vista com bons olhos” naquela época. O contato com os alunos e a
ajuda de sua primeira diretora foram decisivos para que passasse a gostar de ser
professora. Ela relata:
Eu nem queria ser professora, eu queria ser enfermeira, mas aí a
minha mãe achava que essa era uma profissão que não era olhada com
bons olhos sabe, que as meninas que se formavam em enfermeiras
eram muito vulgares e ela não deixou eu fazer enfermagem e eu não
pude optar.
Existem diversos fatores que são determinantes na escolha profissional, como os
familiares e culturais. Skinner (1977), Pires e Araújo (1976), entre outros, defendem que
as escolhas não são dadas como opção, pois são dependentes de alguns eventos diversos
que exercem influência sobre o comportamento e suas ações. Bohoslavsky (1980)
afirma em especial que as escolhas profissionais são multi e sobredeterminadas pela
família. Silva (1996) acrescenta que a escolha profissional do jovem pode ser reativa às
escolhas dos pais, acarretando antigos conflitos que muitas vezes não foram superados.
Esse momento também pode ser encarado pelos pais como uma possibilidade de
reparação das próprias escolhas. Isso sugere que o jovem seja o depositário de fantasias
inconscientes da família (neste caso, da mãe dessa professora), cabe-lhe realizar aquilo
que a família não realizou.
Segundo Soares (2002), a busca de realização das expectativas familiares em
detrimento dos interesses pessoais exerce grande influência na decisão e na fabricação
dos diferentes papéis profissionais, bem como dos modelos que apresenta. Como a
família é a célula que faz intermediação entre o social e o indivíduo e também é
responsável pelos valores morais e pela cultura, o sistema de valores sócio-cultural
acaba ditando regras quanto a profissões consideradas fontes de status social (nesse
caso, o magistério na época da escolha profissional da professora) e aquelas vistas com
preconceito, relacionadas a crenças instituídas acerca da realidade sócio-profissional
(“as enfermeiras são vulgares”, como disse sua mãe) ou relacionadas ao gênero (a
profissão não é adequada às mulheres). Trata-se, portanto, de estereótipos sobre
atividades profissionais.
As expectativas, os valores e os projetos familiares, por mais bem intencionados
que sejam, são como “marcas de um desejo do outro”. Mas, o que podemos inferir, é
que a professora, implicitamente, identificou-se com os desejos do outro (sua mãe), que
acabaram se misturando aos dela.
Sentimentos ligados à maternidade, ao cuidar e ao proteger estão presentes nas
falas da professora. Por um lado, isto pode estar associado ao fato de que ao se trabalhar
com crianças, se estabelece um vínculo afetivo mais forte com elas. Por outro lado,
também pode estar associado à sua verdadeira escolha profissional, a enfermagem, que
também remete aos mesmos sentimentos: o de cuidar, amparar e proteger.
Inconscientemente a professora buscou razões para encontrar na profissão docente
aquilo que deseja fazer na enfermagem: cuidar do outro. Tanto a enfermeira quanto a
professora são mulheres, cuidadoras, portanto, dão amor, carinho e atenção. Vale
lembrar que o grande problema e que tem sido alvo de discussão na área da Educação é
o processo de desprofissionalização que essa substituição inconsciente do pai/mãe acaba
gerando ao professor.
Assim, a relação que a professora voluntária estabelece com os alunos parece ser
decisiva para que ela goste e permaneça na profissão:
Mas o que especificamente fez você olhar com outros olhos o
magistério? (Pesquisadora)
Foram as crianças mesmo, assim, foi trabalhar com aquelas crianças
que você vê que elas precisavam é, estar recebendo é, não era só
conhecimento, era carinho, atenção sabe, aí você acaba criando um
vínculo de pai, aí eu fui começando a gostar, gostar de ensinar e gostar
de fazer diferença na vida de alguém. (Professora)
Reconhece várias barreiras e dificuldades acerca do trabalho docente,
enumerando algumas, como falta de parceria família-escola, desinteresse do aluno em
aprender, contudo, não mostra desânimo ou frustração por não conseguir romper tais
barreiras e sim tranqüilidade e força para continuar atuando em sala de aula.
Diz que só se aposentaria porque abriu uma pizzaria e precisa de maior tempo
para administrá-la. Acrescenta que gostaria de ser lembrada como a professora que fez
diferença na Educação.
No segundo encontro, a professora falou de sua trajetória profissional,
relacionada a uma aprendizagem vicariante, ou seja, aquela adquirida por meio das
experiências dos outros:
Aí o primeiro ano que eu peguei na prefeitura, eu trabalhei com
Ensino Religioso, aí sim eu comecei a olhar com outros olhos sabe, aí
eu comecei a gostar do que eu fazia, aí eu tive uma diretora na época,
a Eunice, que era muito boa, ela me ajudou muito (...) eu fui
caminhando e hoje gosto muito disso (...) e aí ela era coordenadora do
Colégio das Irmãs, então a Eunice me fazia fazer caligrafia, montava o
planejamento comigo, a elaborar as avaliações, (...) eu cresci muito
com ela, que já tinha experiência de muitos anos (...)
Neste tipo de aprendizagem, o comportamento é aprendido ou mantido através
da observação do comportamento dos outros e/ou das consequências desse
comportamento. Eunice (a primeira diretora da professora) constituiu sua primeira
referência profissional, o modelo idealizado de professor. Possuía prestígio (“era
coordenadora do Colégio das Irmãs”) e competência (“já tinha experiência de muitos
anos”) que a professora julgava como apropriadas para a carreira profissional.e que lhe
trariam resultados gratificantes.
A partir dos argumentos da professora foi possível identificar a seguinte tese:
O professor experiente é bom profissional
porque aprendeu através da experiência profissional.
Na Teoria da Argumentação proposta por Perelman (1993) e Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1992), os argumentos se caracterizam por procedimentos de ligação
entre ideias e de dissociação de ideias. Os de ligação são esquemas que aproximam
elementos distintos e permitem estabelecer entre eles uma solidariedade. Os de
dissociação são técnicas de ruptura que têm por objetivo separar elementos
considerados como um todo ou, ao menos, como um conjunto solidário no seio de um
mesmo sistema de pensamento. Quando uma tese está associada a algo que nos parece
ruim, tentamos dissociá-la desse algo para que possamos fazer nosso interlocutor aceitá-
la mais adiante.
Ao falar sobre sua trajetória profissional, a professora separa o “todo”
(professor) em dois elementos: o professor iniciante e o professor experiente, instituindo
uma hierarquização entre eles. Ao dissociar a noção (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 1996) “professor” em dois termos (I e II), o segundo termo apresenta todas
as boas qualidades que se diz faltar ao primeiro. As inferências sustentadas pela
professora estabelecem o real (fatos, verdades) a partir do que ela julga ser melhor ou
preferível (valores), conforme exposto no quadro a seguir.
Quadro 1 – Dissociação de noções: professor iniciante e professor experiente.
PROFESSOR
INICIANTE (termo I) EXPERIENTE (termo II)
Imaturo Maduro
Impaciente Paciente
Ausente Presente (amigo)
Não ouve o aluno Ouve o aluno
Não sabe conduzir Sabe conduzir
Para ela, o professor iniciante possui características negativas e, na medida em
que ele adquire experiência profissional, estas vão se transformando em qualidades, ou
seja, conforme o professor vai adquirindo experiência, ele se aprimora, faz ajustes em
sua prática, tornando-se um profissional melhor, superior. Em outras palavras, mais
experiência, melhores práticas. Tal aspecto ela reconhece nela mesma e expressa isso ao
lembrar a fase inicial de sua carreira:
Eu gritava igual a uma maluca, eu pegava o aluno pelo braço e
sacudia, mandava calar a boca, (...) era assim uma imaturidade de
comportamento (...) hoje eu sou muito mais paciente, muito mais
presente, muito mais amiga dos meus alunos.
Ah, eu acho que não é bom no iniciante é a inexperiência mesmo
porque conforme ela vai construindo o dia-a-dia aí tudo vai ficando
diferente, mas quando ela entra, aquela inexperiência, isso prejudica
de certa forma porque realmente ela não sabe conduzir
Ele [o professor experiente] sabe peneirar, peneira com maturidade!
Ele sabe o que realmente vai ser melhor e o que não vai, ele peneira
com razão e quando a gente tá começando às vezes a gente extrapola,
né?
Com relação à carreira docente, a literatura da área de formação vem destacando
que professores iniciantes e aqueles mais experientes apresentam competências
profissionais distintas e demandas formativas específicas. Entretanto, as escolas exigem
dos professores iniciantes desempenhos semelhantes aos experientes e os programas de
formação continuada não têm dado ênfase às especificidades de diferentes fases da
carreira, desenvolvendo propostas generalizantes, mesmo quando centradas na escola.
A literatura aponta que a formação inicial costuma ser um antídoto fraco para
desmanchar/apagar as teorias pessoais que norteiam as práticas pedagógicas dos
professores e que têm como base suas experiências passadas, especialmente como
alunos (BALL; COHEN, 1999). Essas teorias funcionam como filtros para novas
aprendizagens de modo que crenças culturalmente sustentadas dificilmente são
confrontadas sendo, ao contrário, reforçadas.
Os primeiros anos da docência compõem uma fase em que o professor
aparentemente sofre um tipo de “miopia” (GROSSMAN; THOMPSON, 2001), pois
focaliza suas ações em competências mais voltadas para a sua socialização na
instituição escolar onde está trabalhando e no gerenciamento das demandas mais
imediatas da sala de aula, como o controle da disciplina dos alunos, do que
propriamente o processo de ensino-aprendizagem. Foi o que aconteceu com a
professora, preocupada com o controle disciplinar de sua turma:
Eu gritava igual a uma maluca, eu pegava o aluno pelo braço e
sacudia, mandava calar a boca (....)
O inicio da profissão costuma ser um período caracterizado pela incerteza,
insegurança e tensão, além de, simultaneamente, configurar como um período de
aprendizagens intensas em contextos pouco conhecidos e cujas tarefas principais são a
construção de conhecimentos profissionais e a manutenção de equilíbrio emocional.
Muitas vezes, essa é uma fase marcadamente solitária, em que a imitação de outros
professores prepondera e a transferência dos conhecimentos teóricos adquiridos
anteriormente para a prática é difícil.
Segundo Guarnieri (2005), como mecanismo de sobrevivência, muitos
professores iniciantes podem desenvolver as seguintes posturas: priorizarem as relações
interpessoais em detrimento das aprendizagens dos conteúdos específicos; darem ênfase
às questões práticas da sala de aula e a processos de aprendizagem baseados no ensaio e
erro; rejeitarem ou ainda abandonarem os conhecimentos acadêmicos; realizarem a
transposição de uma concepção teórica sem uma análise mais aprofundada dos
problemas enfrentados.
Esses fatores podem gerar representações negativas em relação à fase inicial da
carreira docente, levando a considerar que a competência profissional para a docência se
dá apenas ao longo da trajetória profissional, ou seja, para muitos docentes somente ao
longo da carreira - e não também - é que irão aprender a serem professores, aprender a
ensinar, desconsiderando outras experiências adquiridas anteriormente.
A atual turma da professora é composta por 26 alunos e de acordo com ela todos
são participativos, “bonzinhos”, colaborativos entre eles e com ela e “obedientes”.
Classifica a turma como bastante heterogênea no que se refere ao aprendizado:
Existe uma mistura dentro da sala, tem alguns que já se encontram
alfabéticos, existem aqueles que ainda não estão na fase da leitura e da
escrita, existem aqueles que ainda estão na fase silábica, que às vezes
escrevem a palavra usando apenas as vogais, outros que apenas usam
as consoantes e aqueles que estão na fase pré-silábica, que ainda nem
conhecem as vogais nem as consoantes.
Na fala destacada, a professora se refere à concepção construtivista da
alfabetização elaborada por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985) a partir da teoria
construtivista desenvolvida por Jean Piaget. Para as autoras, cada criança aprende a ler e
a escrever, construindo seu conhecimento por meio da elaboração de hipóteses e do
produto de um conflito cognitivo que lhe permite avanços no sistema de escrita. Em
seus estudos sobre a psicogênese da língua escrita, destacam níveis estruturais da
linguagem escrita.
Apesar identificar os níveis de alfabetização em que se encontram os alunos,
quando perguntado à professora acerca do método que utiliza para orientar suas ações
pedagógicas, ela não aponta um método específico. Mas lembra que participou de um
curso de formação continuada em que foi apresentado algum tipo de proposta de
alfabetização, como pode ser observado no diálogo reproduzido a seguir:
Eu fiz um curso com uma proposta de alfabetização diferente, que foi
o PROFA. (Professora)
O que significa PROFA? (Pesquisadora)
A sigla eu não sei não. Mas é um programa que a rede investiu muito
dentro da área de Educação em alfabetização (...) muito bom, que era
uma maneira diferente de olhar o aprender da criança10
. (Professora)
E ele é baseado em alguma teoria? (Pesquisadora)
É uma proposta numa que eles citam vários pensadores, mas não é
uma teoria não, mas eu não tenho certeza não, mas eu acho que não é
não. (Professora)
Construtivista? (Pesquisadora)
Acho que sim... não tenho certeza, só sei que esse professor tinha que
ter vontade de mudar... (Professora)
É possível inferir que as concepções construtivistas não foram incorporadas pela
professora e não domina efetivamente o método adotado na rede. Como seus colegas da
mesma escola, ela “mistura” o novo e o tradicional, pois é o que lhe traz segurança em
sua prática pedagógica, conforme ela mesma afirma:
O que era antes era aquela coisa tradicional, muito cuspe e giz,
entendeu, o PROFA fez a gente repensar em como a gente aplicava
10
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores é um curso de aprofundamento, desenvolvido pelo MEC
em 2001, destinado a professores e formadores que se orienta pelo objetivo de desenvolver as competências profissi-
onais necessárias a todo professor que ensina a ler e escrever.
essas atividades, não é que a gente não use as atividades antigas, só
que a gente usa de forma diferente, agora a gente faz o aluno pensar, a
gente já não dá mais pronto pra ele, a gente faz com que ele construa.
Cabe ressaltar que o domínio de teorias pelos professores é fundamental para o
andamento do processo de ensino aprendizagem, mas a professora, embora não muito
segura acerca do domínio das teorias pedagógicas, propõe atividades interessantes e
diversificadas para a turma, conforme pudemos constatar durante a observação realizada
em sua sala de aula.
A professora pondera que “fazer com que cada aluno construa conhecimento”
não é tão simples:
O que dificulta em trabalhar individualmente é em controlar os outros
que terminam as atividades rápido né, pra atender aqueles que
necessitam da minha interferência (...) às vezes eu não trago exercícios
diferentes para aqueles que estão alfabetizados e que terminam muito
rápido, aí eles se acham no direito de ficar perturbando, passeando
pela sala, brincando, gritando, aí atrapalha.
O fato de os alunos levantarem, andarem e conversarem ao terminarem as
atividades antes a incomoda muito e gera transtornos à tarefa por ela proposta. O
“brincar”, “passear pela sala” são identificados pela professora como “bagunça” e não
como forma de interação. Tampouco é percebido como oportunidade pedagógica onde
estes alunos estariam aprendendo a serem colaborativos e solidários uns com os outros.
Este momento não é visto pela professora como forma de construção do conhecimento.
De acordo com a teoria construtivista, “o conhecimento se constitui pela
interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o
mundo das relações sociais e se constitui por força de sua ação” (BECKER, 1992, p.
88). Deste ponto de vista, o conhecimento não é dado nem nos objetos (empirismo) nem
na bagagem hereditária (apriorismo). O conhecimento é uma construção. O sujeito age
espontaneamente, isto é, independentemente do ensino, mas não independentemente dos
estímulos sociais, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou
social. Becker (op. cit) afirma que uma simples mudança de concepção epistemológica
não garante, necessariamente, uma mudança de concepção pedagógica ou de prática
escolar. Para ele o docente precisa refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da
qual é sujeito. Somente então poderá se apropriar de teoria capaz de desmontar a prática
conservadora e apontar para as construções futuras.
Da tese defendida pela professora, é possível verificar a importância que dá à
experiência vivida ao longo de sua trajetória profissional, em detrimento da formação.
Ela compartilha com seu grupo que a experiência profissional norteia as práticas
cotidianas docentes e que só se aprende a ser um bom profissional quando se adquire
experiência. Embora procure manter em seu discurso o rompimento com os métodos
tradicionais de ensino e afirmar fazer uso de técnicas modernas, o que norteia sua ação
está impregnado de elementos pautados na pedagogia tradicional.
4.5 - Auto-autoconfrontação
Após explicar detalhadamente a metodologia a ser utilizada, a professora, uma
das três responsáveis por Classe de Alfabetização, mostrou-se interessada em participar
como voluntária, autorizando a observação e a gravação em vídeo de suas aulas por uma
semana para posterior discussão. Foi solicitado a ela e aos responsáveis pelas crianças
que assinassem um termo de autorização de uso de imagem (ANEXO I e II).
Duas semanas antes da realização das videogravações, ficávamos na sala de aula
sem a câmera para que os alunos se acostumassem com nossa presença. Além disso,
antes de começar a gravar oficialmente, deixávamos que os alunos manuseassem a
câmera com nossa supervisão.
Durante o período que permanecemos em sua sala, registramos que há uma
rotina bem marcada. A professora começa a aula com uma oração, logo após faz uma
leitura compartilhada e só depois, inicia o tema da aula.
As carteiras são dispostas sempre da mesma maneira: três colunas, de duas a
duas. A maioria das tarefas é feita individualmente, às vezes em duplas, nunca em
grupos. A professora oferece atividades prontas em folhas xerocopiadas e os alunos
raramente as constroem. Além disso, não foram realizadas atividades recreativas
extraclasse, apesar de registradas no Plano de Curso e no plano de aula da professora.
Foram combinados com a professora os dias em que seriam feitas as gravações:
dias em que ela permanecia em sala de aula por maior período de tempo, uma vez que
os alunos também tinham atividades com outros professores.
As videogravações das aulas aconteceram nos meses de maio e junho de 2010,
totalizando oito dias intercalados, com a duração de quatro horas cada dia. Foram
realizadas com câmera fixa e o principal foco foi a interação professor/aluno durante as
atividades pedagógicas.
Gravadas em vídeo 32h de aulas, foram selecionadas para a montagem dos
episódios, cenas julgadas relevantes e com maior potencial para provocar discussões
acerca do trabalho realizado pela professora em sala As cenas foram editadas e
compiladas em um DVD para posterior autoconfrontação e análise.
Foram montados seis episódios, assim denominados:
1- Rotina e leitura compartilhada
2- Leitura de ajuste
3- Compromisso da família
4- Formando palavras
5- Formando palavras e classificando
6- Adição e subtração
Desses, apenas o episódio 5 foi utilizado para as sessões de autoconfrontação
simples e cruzada, uma vez que o identificamos como exemplar para discutir sobre a
metodologia empregada pela professora numa classe de alfabetização. O episódio 5, que
tem a duração de 1min e 5 seg, é descrito a seguir.
A professora inicia a atividade afixando um cartaz no quadro, com o título
Palavras com G. Abaixo, há três categorias: objetos, animais e nomes próprios. Ela
pede aos alunos que falem, primeiramente, nomes de objetos escritos com a letra G para
que ela possa registrá-los no cartaz. Alerta que a atividade será realizada “sem
bagunça”.
Um aluno confunde “J” e “G” (jaca); outro troca o “G” por “CH” (jinelo);
alguns mencionam nomes de frutas, ao invés de objetos. A professora explica as
diferenças no quadro, mas as apaga em seguida, rapidamente.
Diante da dificuldade apresentada pelos alunos em identificar objetos, passa para
as outras categorias, dizendo que a palavra não precisa mais ser iniciada por “G”, a letra
pode estar no meio da palavra.
Na categoria “nomes próprios” há maior identificação com os alunos, uma vez
que há nomes iniciados por “G” na sala (Guilherme, Gustavo, Gabriel). Apesar disso,
não houve participação de todos os alunos nessa atividade.
4.5.1 - Auto-autoconfrontação simples
Para a autoconfrontação simples foi elaborado um roteiro contendo as seguintes
questões:
1- Qual o objetivo da atividade proposta?
2- O objetivo proposto para a atividade foi alcançado?
3- O que foi efetivamente realizado?
4- O que a impediu de realizar o que foi proposto?
5- O que ela faria de diferente?
6- Compare o sentimento no momento em que a atividade foi realizada e no
momento em que a assistiu.
Ressaltamos que o objetivo da autoconfrontação simples é possibilitar a
redescrição do vivido pela professora e não somente a descrição da atividade realizada.
As análises foram realizadas a partir das transcrições das discussões produzidas tanto na
sessão de autoconfrontação simples, quanto na sessão de autoconfrontação cruzada.
Foi realizado um encontro onde a professora assistiu ao episódio. Ao final da
exibição, foi solicitado que a professora comentasse espontaneamente sobre as cenas
apresentadas. Em seguida eram feitas as perguntas do roteiro. A professora assistia
novamente às cenas, só que desta vez a pesquisadora fazia pausas em momentos
específicos das cenas e fazia perguntas diretamente relacionadas ao episódio.
Nesse momento, a professora é colocada para ser a observadora da própria
atividade docente. A função da pesquisadora é a de provocar a reflexão para além da
atividade prescrita e realizada. A intenção é que, a partir da autoconfrontação, a
professora acesse o real de sua atividade trazendo para a cena as suas inúmeras
possibilidades, uma vez que Clot (2006) afirma que o trabalhador, ao tomar ciência de
suas possibilidades, é capaz de readquirir seu poder de agir.
Ao ser questionada sobre qual seriam os objetivos da atividade proposta, a
professora relata que era trabalhar a letra G, para os alunos começarem a dominar as
sílabas, ler e escrever as palavras com G. Quando perguntada se tinha conseguido
atingir o objetivo proposto, ela respondeu afirmativamente, uma vez que os alunos
conseguiram aprender, como expresso na fala registrada a seguir:
Você conseguiu atingir seu objetivo? (Pesquisadora)
Acho que sim, porque eles conseguiram aprender, né, porque
identificaram algumas palavras já conhecidas deles porque tem acesso
na sala à chamadinha, então todas as vezes que eles liam lá eles
lembravam da atividade que a gente tinha feito e a letra G, né, então...
acho que sim. (Professora)
Percebemos um contraste entre o objetivo proposto na atividade e o argumento
da professora. Inicialmente ela afirmou que o objetivo era o domínio das sílabas, leitura
e escrita de palavras com G e em seguida que o objetivo foi atingido porque ao se
depararem com uma lista de palavras afixadas na parede, os alunos reconheciam
algumas palavras que tinham visto na atividade anterior. Isso não significa que houve
aprendizagem, uma vez que eles poderiam ter memorizado apenas aquelas palavras, o
que não garante que tenham aprendido a ler e a escrever outras palavras com G.
Quanto aos impedimentos que dificultaram a realização da atividade, relatou que
“sempre tem alguma coisa que atrapalha um pouquinho como fatores externos”. Embora
naquela época, a escola estivesse passando por reformas, haver muito barulho e a
presença da pesquisadora contribuir para dispersão e agitação dos alunos, a professora
retira o foco da atividade que estava sendo realizada, defendendo a tese:
Fatores externos prejudicam a aprendizagem.
Ela argumenta que apenas esses fatores constituíram obstáculos para que a
atividade proposta não se desenvolvesse de maneira mais produtiva.
Embora a professora já considere que a atividade precisa ser alterada, ao
perguntar se faria algo diferente se fizesse de novo essa atividade, disse que a tornaria
mais curta, porque “tudo que é muito comprido pra eles, fica difícil pra eles reterem
atenção por muito tempo. Não faria uma atividade diferente, faria com que ela ficasse
mais curta”.
Nesse momento, a professora parece ter sido capaz de voltar o foco para a
atividade, provocando o encontro com o gênero da atividade docente, capaz de dar-lhe
recurso para “enfrentar o real e elementos que podem ser combinados de várias outras
formas na resolução dos impasses surgidos” (CLOT, 2006, p. 50). Mesmo assim,
mediante a possibilidade de promover articulações entre o encontro entre a atividade
proposta e a atividade real, a professora não consegue recriar e revitalizar a própria
atividade.
Para ela, o que a incomoda é a agitação dos alunos, a indisciplina, portanto, com
uma atividade menor prende-se a atenção e eles ficam “quietos”. Destacamos então,
nova tese defendida pela professora:
A aprendizagem só é efetiva, se os alunos forem disciplinados.
A “bagunça”, tópico discutido durante a narrativa de história de vida, impede a
aprendizagem. Para aprender o aluno tem que estar sentado, em ordem:
Você precisa que eles fiquem atentos, em silêncio... (Pesquisadora)
Não necessariamente em silêncio, mas estarem prestando atenção.
(Professora)
Para aprender eles têm que estar sentados, numa ordem.
(Pesquisadora)
É. (Professora)
As ações da professora em sala de aula são voltadas para o controle da disciplina
dos alunos, sendo deixada em segundo plano a aprendizagem dos conteúdos. Ela
considera que a indisciplina é geradora de transtornos e atrapalha o desenvolvimento
das atividades propostas.
Perguntada por que dividiu em três categorias (nomes próprios, objetos e
animais), afirmou que poderia ter sido qualquer outra categoria, mas que as escolheu
pelos seguintes motivos:
Nomes próprios porque era a forma de trabalhar o nome deles, objeto
porque eles têm mania de falar qualquer palavra que pra eles é objeto,
quando a gente fala em objeto ainda não é bem claro pra eles o que é
objeto, então a gente tava trabalhando ali que de certa forma a gente tá
trabalhando o conceito do que era aquilo. E animais porque pra eles é
familiar.
Diante da dificuldade apresentada pelos alunos em identificar objetos,
perguntamos:
Justamente falando em objeto, você já tinha conversado com eles
sobre o que era objeto? Porque parece que eles tiveram maior
dificuldade, né, em identificar o que era objeto... (Pesquisadora)
Na minha turma eu não trabalho assim especificamente, hoje a gente
vai falar sobre o que é objeto, eu falo assim: vai pegar aquele objeto,
isso aqui é um objeto, pra que ele possa criar na cabecinha dele a
noção do que é objeto. (Professora)
A partir da cena observada, a professora vê a pouca participação da turma na
atividade proposta. Novamente ela comenta que a atividade deveria ser mais curta, o
que garantiria maior participação.
Observamos também que ao pronunciar as palavras para os alunos, a professora
não o faz naturalmente, carregando fortemente em alguns fonemas, como nas palavras
garfo, Guilherme e caixa. Perguntamos por que fez isso, a professora defendeu uma
nova tese:
Escrever como se fala é escrever errado.
E ela explica que “ao falarmos “CAXA” e não “CAIXA”, o fazemos por vício,
mania de falar errado”, acrescentando que não se lembra de alguma vez ter falado com
os alunos sobre a diferença entre fala e escrita. Esse conteúdo está expresso em seu
planejamento de curso, como objetivo da área de linguagem ─ Compreender a escrita
como um sistema de representação da fala. Ao considerar erro e não variante
linguística11
o fato de falarmos de um jeito e escrevermos de outro, a professora além de
desconsiderar o planejamento, distancia-se das possibilidades de refletir sobre as
diferenças entre língua falada e escrita com seus alunos.
Quando comentamos com ela sobre alunos que apresentam distúrbios na fala,
diz que entende o que eles dizem e explica:
Esse dia-a-dia com eles a gente acaba entendendo o que eles querem
falar e a gente trabalha da forma com que a gente sabe, do jeito que a
gente acha que pode estar contribuindo de alguma forma pra eles. O
que que acontece: quando a Andressa fala, por essa convivência
diária, a gente já entende o que ela quer falar, embora o som seja
completamente diferente. Com o Raí é a mesma coisa (...) Esses
alunos já foram encaminhados pro serviço de orientação educacional,
que já conversou com a família e até agora nada (...)
A fala da professora remete a tese defendida pelos professores da escola: O
professor possui inúmeras funções, pois ela enfatiza a omissão da família (“já
conversou com a família e até agora nada”) e do sistema educacional. As tentativas mal
sucedidas de encaminhamento ao serviço de fonoaudiologia, por intermédio da
11 De acordo com Soares (1991), são modalidades da língua caracterizadas por peculiaridades fonológicas, sintáticas
e semânticas, determinadas, geralmente por três fatores: (1) geográfico, responsável pela variedade linguística entre
comunidades fisicamente distantes, resultando nos dialetos ou nos falares regionais; (2) sócio-cultural, responsável
pela divergência linguística entre diferentes subgrupos de uma comunidade local, estando entre os aspectos
distintivos: idade, sexo, classe social, profissão e grau de escolaridade e (3) nível da fala, que se refere ao nível de
formalidade da situação em que ocorre a comunicação. Nessa rede de diversidades lingüísticas, uma delas é eleita ao
status de língua padrão (norma culta), por fatores de prestígio social e convenção, que é geralmente ensinada nas
escolas e a falantes não-nativos. Por possuir uma gramática e um vocabulário amplamente aceitos e codificados, a
variedade padrão é geralmente considerada como correta, superior e as outras variedades (não-padrão) são
frequentemente tidas como erradas, inferiores e associadas à indolência, ignorância ou à falta de inteligência.
orientação educacional, acabaram gerando a descrença nas possibilidades relativas à
alfabetização desses alunos. A falta de apoio propicia que ela justifique o não
aproveitamento da atividade proposta para trabalhar essa dificuldade afirmando que “faz
do jeito que sabe, do jeito que a gente acha que pode estar contribuindo...”. A professora
acredita que assim procedendo, está “solucionando” o problema de seus alunos e que
seus muitos anos de experiência profissional superam a falta de competência para lidar
pedagogicamente com esses alunos. Pautada nos saberes da experiência, entende que
está fazendo sua parte. Essa mesma experiência nos leva a crer que para determinadas
ações do professor, basta ter instinto, dom natural, uma vez que a professora não soube
justificar algumas delas (foram por hábito, automáticas, escolhas aleatórias).
Finalizando a sessão, perguntamos novamente o que ela faria diferente. A
professora responde que “agora eu poderia ter feito melhor”, parecendo refletir sobre a
atividade e explica:
Eu tenho 26 anos de sala de aula, mas é muito interessante eu poder
observar algumas coisas que acontecem que é automático e a gente
não percebe, mas assim, eu poderia ter deixado as dificuldades que
eles apresentaram, eu poderia ter deixado pra servir de pesquisa pra
eles, mas não sei e foi automático, eu fui apagando e eu também
percebi que embora a gente não tinha escrito muitas palavras ali eles
estavam com pouco vocabulário, então ficou uma aula muito
comprida, poderia ter reduzido pra ficar menos cansativo, porque tudo
que é muito longo faz com que eles percam a atenção, então, de
repente, eu poderia ter trabalhado de uma outra forma usando a
mesma atividade, mas em tempo reduzido.
Verificamos que após a realização da autoconfrontação simples, a professora
mostrou certa insegurança quanto às certezas que tinha antes acerca da atividade
realizada, já que propõe mudanças. No entanto, insiste que a única coisa que faria seria
diminuir o tempo da mesma porque ficou cansativa e os alunos perdem a atenção.
4.5.2 - Auto-confrontação cruzada
Tanto a autoconfrontação simples e quanto a cruzada ocorreram em dezembro.
Por ser um mês exaustivo para o professor (formatura, conselhos finais, encerramento
do ano letivo), foi difícil encontrar um professor que se dispusesse a participar da
autoconfrontação cruzada. Após várias tentativas, uma professora da mesma escola se
ofereceu para colaborar. As professoras trabalham em turnos diferentes, com turmas de
alfabetização e lecionam há mais de 20 anos.
Segundo Clot (2006) quando se pratica a autoconfrontação cruzada, há mudança
de destinatário da análise – o colega de ofício – esta modifica a própria análise, assim
como também o próprio processo de produção das falas é, portanto, sua natureza e
qualidade. A variação das verbalizações, conforme é dirigida a um ou a outro, dá um
acesso diferente ao real da atividade do sujeito.
Para a realização da autoconfrontação cruzada, as professoras assistiram ao
mesmo episódio utilizado na autoconfrontação simples. Foi explicado à professora
convidada que ela poderia fazer observações e comentários sobre a atividade da colega.
A professora voluntária também poderia falar sobre os comentários da primeira.
Propusemo-nos a analisar o objetivo da atividade proposta pela professora, bem
como o que ela disse ter feito efetivamente, o que ela disse ter deixado de fazer, o que
ela disse que gostaria de ter feito diferente e o que disse pretender fazer. Assim, nos
aproximamos do real da atividade. O objetivo, neste momento, é como e se a
autoconfrontação cruzada gera novos significados à atividade docente da professora
voluntária, a partir do olhar da professora convidada.
A professora voluntária, ao assistir novamente ao episódio e antes de iniciar o
diálogo com a professora convidada, antecipa uma observação acerca da atividade
desenvolvida diferente daquela que havia feito na sessão de autoconfrontação simples.
Ela diz que a atividade poderia ter sido diferente, não o tempo que poderia ter sido
reduzido:
Ali eu podia ter feito diferente com a Larissa, quando eu perguntei
“garfo”, fiz o som do R e ela falou /RO/, eu deveria ter escrito no
quadro pra ela refletir o porquê que ela tava falando que o /GA/ tem o
/O/.
A professora convidada comenta como ela mesma desenvolveria a atividade:
Você perde muito tempo, talvez eu não faria assim, é a questão de
você separar o objeto, nome e animais, né, eu acho que isso aí deveria
ficar como exercício, depois até mesmo a questão das listas e tudo
mais... Isso aí pra mim funcionaria como exercício. Como é que eu
quando apresento uma letra , quando eu estou alfabetizando, apesar
que eu aprendi assim, não foi nem no FAPE, funcionou muito bem,
inclusive com adultos, é a questão de não apresentar a letra puramente,
é apresentar aquilo que ela fez lá no começo, o /G/ com o /A/, fazer o
som e pedir pros alunos falarem palavras que conheçam com /GA/,
com /GE/, com /GI/ e ainda tem aquela coisa de você separar a
dificuldade do /CE/ e do /GE/, tem essa quebra da família. Aí você
escolhe, se você vai trabalhar o /GA/, /GO/, /GU/ e o /GÃO/. (...) Eu
gosto de separar, acho que confunde menos a cabeça do aluno. Se
você dá só a letra, o aluno faz aquela confusão (...)
A professora voluntária percebe que a atividade poderia ter sido organizada de
forma diferente e comenta:
A partir do que você falou, seria legal se eu tivesse partido da lista pra
depois separar ali e pedido pra eles separarem da lista o que era nome
próprio, o que era animal, o que era objeto, seria mais fácil pra eles.
Nesse momento percebe-se o encontro com o gênero profissional, o gênero da
atividade docente, em que diante de novas possibilidades de recriação da atividade, a
professora convidada imprime seu estilo ao apresentar à professora voluntária uma nova
estratégia pedagógica acerca da atividade realizada. Em sua fala, a professora convidada
vai apresentando novas sugestões:
Eu misturo tudo. Me dá palavras com /GA/ (...) Aí depois que a gente
criou palavras com /GA/, /GO, /GU/ e /GÃO/, aí eu faço um
paradigma: vamos circular aqui as sílabas iguais. Depois pra fixar
essas palavras, a gente monta um texto com essas palavras (...)
A professora voluntária pergunta:
Aí você então faz uma produção de texto utilizando todas as palavras
que eles falaram?
A professora convidada explica:
Não todas, mas a grande maioria. O barato é você montar uma estória
inserindo o máximo daquelas palavras (...) fica um texto muitas vezes
ingênuo (...) mas você trabalha com o repertório do aluno (...) É um
texto genuíno, (...) você trabalha com a autonomia deles (...)
Para a professora voluntária, as decisões que toma durante o andamento a
atividade são em função do que ela julga pertinentes às necessidades de seus alunos e
reunida ao longo de sua experiência profissional. Ela entende que adequa os conteúdos
conforme as características da turma, mas não improvisa, não utiliza desvios criativos
que tornem a realização da tarefa prescrita mais significativa.
Vale salientar que embora as atividades sugeridas pela professora convidada
pareçam fundamentadas em alguma teoria, possivelmente o construtivismo, ela não diz
recorrer a ela e, consequentemente, à metodologia que lhe é subjacente. Para ela, a
experiência profissional também parece ser a protagonista deste episódio. Aqui, os
argumentos das duas professoras defendem a tese central: a experiência profissional é a
orientadora da prática profissional.
Na autoconfrontação cruzada, retornar à observação da cena com um terceiro
elemento pode modificar a análise realizada na autoconfrontação simples. A professora
convidada, mesmo fazendo parte do mesmo gênero da atividade e da linguagem do
ofício do outro, pode não possuir as mesmas opiniões e posições acerca do observado e
esta dissonância possibilita maior reflexão sobre a atividade da professora voluntária.
Entretanto, embora a professora convidada tenha sugerido novas formas de metodologia
na realização de uma mesma atividade, suas percepções acerca dos saberes da
experiência parecem ser as mesmas que as da professora voluntária e as do grupo: a
prática adquirida no cotidiano se sobrepõe ao saber teórico advindo dos cursos de
formação.
A professora voluntária ouve a colega e parece aberta a novas possibilidades,
que podem lhe permitir refletir sobre a atividade realizada, sobre novas formas de
realização, porém mudar sua prática pedagógica ainda não nos pareceu viável, uma vez
que não transformou para si novas práticas que determinem suas ações e seu modo de
pensar.
4.6 - Representações sociais de saberes da experiência
As teses encontradas nas entrevistas, narrativa de história de vida e sessões de
autoconfrontação, a partir da análise realizada segundo o MEA, permitiram desenhar o
seguinte esquema figurativo:
↑
TESE PRINCIPAL
A experiência profissional orienta a
prática cotidiana
O método tradicional traz segurança.
A aprendizagem só é efetiva se os alunos forem disciplinados.
Escrever como se fala é escrever errado.
O professor possui inúmeras funções.
Fatores externos prejudicam a aprendizagem.
Aprende-se a ser bom professor na
vivência com os alunos.
Professor experiente é bom profis-
sional porque aprendeu através da
experiência profissional.
As teses foram agrupadas da seguinte forma: no centro encontra-se a tese
principal defendida pelo grupo que representa o núcleo figurativo da representação
social de saberes da experiência, face à grande influência que exerce no e pelo grupo.
Dela, decorrem todas as demais.
Acima, foram reunidas as teses que remetem aos saberes pautados no método
tradicional e que trazem segurança ao grupo para exercer seu trabalho. É o método que
está arraigado às suas práticas pedagógicas. Abaixo e à esquerda, foram agrupadas as
teses que correspondem à distorção da função docente, levando à culpabilização do
outro: as várias funções que o professor assume (por omissão da família e do sistema
educacional) e os fatores externos (que atrapalham a aprendizagem). À direita estão as
teses que se referem à competência do professor: a vivência das interações (com os
alunos), a prática cotidiana e a experiência adquirida nos anos de profissão.
A partir desse esquema, é possível identificar a gênese da representação social
de saberes da experiência, por meio de seus processos formadores: a objetivação e a
ancoragem. Ambos permitem conhecer como as representações sociais são construídas
por sujeitos e grupos, na tentativa de compreender o que faz as pessoas pensarem de
uma maneira e não de outra, principalmente em função de seu contexto sócio-cultural.
O processo de objetivação transforma elementos conceituais em figuras ou
imagens (MOSCOVICI, 1978), ou seja, visa a “transformar algo abstrato em algo quase
concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico”
(MOSCOVICI, 2003, p. 61). A ancoragem, articulada à objetivação, diz respeito à
inserção do objeto representado no universo simbólico e significante das pessoas.
Aproxima o estranho ao já conhecido. É um processo que leva considera o movimento
de familiarização do não-familiar e o de des-familiarização do familiar (ARRUDA,
2000).
Com relação à objetivação, os professores sobrepõem a prática adquirida no
cotidiano de sua atividade como docente ao saber teórico, construído ao longo dos anos
de estudo. Os saberes adquiridos e empregados na prática cotidiana docente dão
significado às situações de trabalho que lhes são inerentes.
Segundo os professores, o abismo entre o que aprenderam na formação (não
foram preparados para lidar com o aluno real) e a gravidade dos problemas que
encontram hoje nas escolas (ausência da família, por exemplo) é tão grande que a
aplicação daqueles saberes à sua prática pedagógica se torna inviável. Por isso, norteiam
sua prática cotidiana a partir da experiência profissional, vivenciada nas interações com
os alunos, o que para o grupo constitui a base para uma aprendizagem efetiva. Essa
interação faz com que muitos professores distorçam a idéia do que seja o trabalho
docente, suplementando-a ao assumirem o papel de pai/mãe, embora alguns se
descrevam como agentes favorecedores da construção do conhecimento e façam
referências a sua função de ensinar.
Os significados da experiência profissional parecem estar ancorados nas
trajetórias profissionais desses professores. Um aspecto evidenciador desse fenômeno
está presente nos argumentos dos professores ao imputar à pedagogia tradicional a única
possibilidade de desenvolver suas práticas pedagógicas com segurança.
Quando se descrevem como agentes favorecedores do conhecimento, voltados
para uma concepção construtivista, reproduzem slogans educacionais, pensamentos
prontos, que na verdade não foram incorporados à sua prática, uma vez que seus
argumentos são permeados por referências à pedagogia tradicional.
Buscamos analisar também os processos de ressignificação do sujeito (a
professora voluntária), ou seja, observar se havia mudança nas modulações
individualizadas que o sujeito opera em elementos já existentes na representação social
construída pelo grupo e que se refere à reconstrução de significados a partir de um
processo de partilha de experiências e negociação de significados. Entendemos que não
podemos afirmar se houve ressignificação individual das representações de saberes da
experiência, uma vez que a professora voluntária, por meio de seus argumentos,
reafirmou a tese central defendida pelo grupo. Embora ela tenha elaborado novas teses,
todas estão imbricadas à tese central defendida pelo grupo. A integração das
experiências da professora e de sua história individual permite sua adaptabilidade ao
grupo, garantindo um caráter de estabilidade ao núcleo, por ser a base do pensamento
comum desse grupo.
CONCLUSÃO
Com base na análise das entrevistas, narrativa de história de vida e sessões de
autoconfrontação, alicerçada aos referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa,
apreendemos indícios das representações sociais de saberes da experiência por
professores dos anos iniciais de uma escola pública, que configuram grupos sociais que
apresentam suas posições no âmbito escolar de acordo com suas pertenças e referência e
dos significados, valores e crenças por eles compartilhados. Esses indícios nos ajudaram
a pensar o trabalho docente como um trabalho interativo, em que a investigação da
atividade em situações cotidianas foi essencial para o reconhecimento das
representações sociais de saberes da experiência por aquele grupo.
A atividade docente, o ato de ensinar, é construído cotidianamente a partir de
situações complexas e singulares, onde se faz presente a dinamicidade de ações, por
conta das imprevisibilidades existentes entre a tarefa prescrita e a real, com as quais o
profissional, durante o exercício de seu ofício, precisa se confrontar.
Apresentava-se, pois, como necessário conhecer que saberes da experiência são
mobilizados por aquele grupo, uma vez que os saberes da experiência servem de base
para o exercício da docência, fornecendo ao professor certezas relativas a seu contexto
de trabalho, já que não é mais possível pensar no saber disciplinar como suficiente para
o ensino nesse novo contexto, diante do enfrentamento do complexo cenário em que o
ofício de mestre se encontra na atualidade.
A representação social de saberes da experiência daquele grupo se condensa na
tese central “a experiência profissional orienta a prática cotidiana”, de onde os
professores buscam suas certezas que orientam sua prática cotidiana e não em sua
formação ou nas ideologias pedagógicas subjacentes aos currículos pedagógicos. O
grupo se apóia num saber da experiência construído na vivência das interações com os
alunos, constituindo para os professores a base para a realização daquilo que
consideram um bom trabalho.
A prática cotidiana sobrepõe-se ao saber teórico, que é negligenciado por esses
professores. Os significados atribuídos a essa experiência parecem estar ancorados nas
trajetórias profissionais do grupo, na qual o método tradicional é que traz segurança à
sua prática pedagógica. O discurso dos professores traz pensamentos pautados no
tradicionalismo e por isso, afirmam ter grande dificuldade para aplicar o que chamam de
“método construtivista”.
Embora utilizem o discurso moderno, muitas vezes utilizando a metáfora da
construção, os professores não abandonaram o saber pautado em práticas tradicionais,
que lhes dá segurança. Observa-se, pois, que um novo paradigma científico não foi
incorporado a outros quadros de referência desses sujeitos. Neste sentido, uma
representação social só se transforma sob condições muito bem definidas.
Sendo as representações sociais além de um conjunto de opiniões, informações e
crenças associadas a um objeto dado e que em uma população homogênea, neste caso, o
grupo de professores participantes da pesquisa, conjunto relativamente estável, evoluem
muito vagarosamente, percebemos evidências de mudanças. Uma delas é a mesclagem
das metáforas do conhecimento presente na fala dos professores. Entretanto,
entendemos que a transformação de uma RS somente ocorre quando os indivíduos
estiverem realmente envolvidos com práticas que diferem de seus saberes A dinâmica
representacional é originada de um processo de racionalização (individual e/ou social)
suscitada pela realização de um ato ou adoção de uma prática diferente de crenças e
saberes anteriores. Assim, para mudança de paradigmas é necessário mudança de
mentalidades.
O profissional docente é dotado de uma pluralidade de saberes que são
mobilizados por ele para conduzir sua ação pedagógica no contexto da sala de aula. Os
professores não rejeitam totalmente outros saberes, incorporando-os e retraduzindo-os
em categorias através dos seus próprios discursos. Nesse sentido, a prática pode ser
vista como um processo de aprendizagem através do qual os professores retraduzem sua
formação e a adaptam à profissão. A experiência provocaria, assim, um efeito de
retomada crítica dos saberes adquiridos antes ou fora da prática profissional.
Isto, porém, não é o que parece ocorrer com os professores participantes dessa
pesquisa. Segundo seus discursos, o abismo entre o que aprenderam na formação e os
problemas que encontram hoje nas escolas é tão grande que a aplicação daqueles
saberes à sua prática se torna inviável. Conforme suas falas, a formação de professores,
bem como os estágios supervisionados, pouco levam em conta as práticas, o trabalho
real dos professores do dia-a-dia, em sua diversidade e ambiente atuais. Em vista disso,
os profissionais, quando se deparam com realidades específicas não se sentem
preparados para enfrentá-las, pois não conseguem estabelecer relação entre os saberes
adquiridos na formação e os saberes necessários à resolução de problemas advindos das
situações cotidianas de trabalho. Muitos, então, acabam desqualificando a formação
recebida e recusam a necessidade do saber teórico no fazer pedagógico, ou seja, a
experiência profissional é necessária e suficiente para esses professores.
Assim, as falas dos professores investigados indicam que o significado atribuído
aos saberes da experiência se apóia na prática cotidiana, o que configuraria nas palavras
de Gauthier et al (1998) como um ofício sem saberes. Consideramos a experiência
essencial ao exercício da atividade docente, mas tomá-la como exclusiva é contribuir
para perpetuar o erro de “manter o ensino numa cegueira conceitual” (ALVES-
MAZZOTTI, 2008), reforçando a ideia de que na docência basta adquirir experiência
para se desenvolver um “bom” trabalho.
A busca por um ofício com saberes diversos, pois, pressupõe um olhar para o
ambiente cotidiano da escola e da sala de aula, distante, entretanto, dos modelos de
racionalidade técnica que procuraram organizar um código de saberes
descontextualizados da atividade docente, desconsiderando as singularidades,
instabilidades e incertezas inerentes ao ato pedagógico.
O número de professores investigados nesta pesquisa pode não ser considerado
representativo, uma vez que não foram ouvidos os professores de toda a rede municipal
de ensino, apenas os docentes atuantes de uma única unidade escolar. Aí, os 24
professores constituem o universo de docentes atuantes nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. Por isso acreditamos na necessidade de considerar suas representações
sociais de saberes da experiência. Sugerimos que elas sejam tomadas como ponto de
partida para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o trabalho docente. Apreender
o que esses profissionais pensam e sabem, analisar suas reflexões sobre suas práticas,
podem se configurar como possibilidades para se obter avanços significativos no
processo de formação docente.
Assim, entendemos que a formação inicial e continuada de professores deveria
ser, no mínimo, repensada, para que fosse desenvolvida uma abordagem mediada pelo
exercício da reflexão crítica, na qual o trabalho docente tem como base uma prática em
saberes, ampliando-se o espaço para as informações e conhecimentos daqueles que
vivem o trabalho, na tentativa de amenizar a distância sentida e sofrida pelos
profissionais de ensino entre a formação acadêmica e a prática desenvolvida em sala de
aula.
Nossa pesquisa pode ajudar a (re) pensar a formação do profissional de ensino,
frente aos desafios impostos a ele pelas mudanças que vêm ocorrendo na
contemporaneidade e incidem diretamente sobre o espaço de atuação docente e seu
objeto de trabalho: o aluno.
Quanto às sessões de autoconfrontação simples e cruzada, metodologia
recentemente utilizada na área da Educação, podem ampliar a possibilidade do
desvelamento dos vários impedimentos que a atividade sofre no seu decurso a partir da
possibilidade que o docente tem de ver e refletir sobre a própria atividade a partir do
olhar do outro e de ter acesso ao “real da atividade”. Esta reflexão pode ajudá-lo a
manter as estratégias de ação de sucesso e abandonar ou transformar aquelas que não
promoveram o efeito desejado, como parece ter acontecido com a professora voluntária
participante de nossa pesquisa.
A atividade docente, como qualquer outra, exige resolver problemas e quando há
necessidade de fazer adaptações ao prescrito, o professor entra em ação recorrendo ao
gênero do ofício, recriando-o, imprimindo seu estilo e foi isso que tivemos a
oportunidade de observar nas videogravações.
O material coletado nesta pesquisa (gravado em vídeo), com os devidos
cuidados éticos, pode ser utilizado em cursos de formação inicial ou continuada,
permitindo aos professores aprenderem assistindo a atividades reais, desempenhadas por
um professor real, em uma sala de aula real. Poderão, ainda, tirar proveito das
discussões entre as professoras colaboradoras e a pesquisadora, entrando em contato
com diferentes olhares que podem auxiliar a análise de suas próprias atividades
docentes.
Por fim, parece-nos ainda muito importante que se valorize toda e qualquer
mudança de atitude do professor no sentido de melhorar suas práticas pedagógicas.
Estas não ocorrerão do dia para a noite, nem poderão ser impostas por teóricos,
pesquisadores ou formuladores de políticas educacionais, ainda que estes tenham um
papel importante no processo. Este processo, contudo, é, principalmente, de
esclarecimento, de convencimento e de luta cotidiana, mas também como insumo para
uma reflexão mais comprometida com a práxis.
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APÊNDICE I
Roteiro para entrevista semi diretiva com professores
1- Dentre as disciplinas que você aprendeu durante sua formação para ser professor(a),
quais as que você considera que têm sido mais úteis para orientar o trabalho que você
realiza como professor(a)?
2- O que você acha que mais faz falta na formação para ser professor?
3- O que você aprendeu no seu curso de formação de professores e achava que poderia
usar, mas não usa na sua prática?
4- Por quê?
5- O que precisou e ainda precisa para desempenhar o trabalho que você realiza como
professor(a)?
6- O que você faz para que isso aconteça?
7- Em que você se sente mais seguro(a) ao desempenhar seu trabalho em sala de aula?
8- Em que você se sente menos seguro(a)?
9- Como as dificuldades relacionadas ao trabalho que você realiza enquanto professor(a)
afetam você como pessoa?
10- O que seria, no seu entender, o trabalho docente?
11- No que o trabalho que você desempenha como professor(a) é diferente daqueles
conhecimentos que você adquiriu (nos estágios, nas disciplinas etc.) em sua formação
para ser professor(a)?
ANEXO I
AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E SOM DE VOZ
Nos termos do Art. 5º, LXXVIII, letra “a”, da Constituição Federal de 1988, eu,
abaixo assinado e identificado, autorizo o uso de minha imagem e som de minha voz
durante as minhas atividades em sala de aula e em depoimentos concedidos e, além de
todo e qualquer material entre documentos por mim apresentados para compor a pesqui-
sa “Representações Sociais de Saberes da Experiência por Professores dos Anos Ini-
ciais de uma Escola Pública” a ser realizada na E. M. _________, no período de maio
a setembro de 2010, sem nenhum ônus econômico ou contrapartida de qualquer espécie,
sejam essas destinadas à divulgação apenas para os integrantes da pesquisa.
Por ser esta a expressão da minha vontade, declaro que autorizo o uso acima
descrito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos a minha ima-
gem, ou a qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 (duas) vias de igual teor
e forma.
Duque de Caxias,____de maio de 2010.
Assinatura:__________________________________________
CPF:_________________________
RG:__________________________
ANEXO II
AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM DE MENOR
Nos termos do Art. 5º, LXXVIII, letra “a”, da Constituição federal de 1988, eu,
abaixo assinado e identificado, autorizo o uso da imagem do me-
nor_________________________________________________________________
durante suas atividades em sala de aula para compor a pesquisa “Representações Soci-
ais de Saberes da Experiência por Professores dos Anos Iniciais de uma Escola Pú-
blica” a ser realizada na E. M. ______________, no período de maio a julho de 2010,
sem nenhum ônus econômico ou contrapartida de qualquer espécie, sejam essas desti-
nadas à divulgação apenas para os integrantes da pesquisa.
Por ser esta a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima des-
crito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos à imagem, ou a
qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 vias de igual teor e forma.
Duque de Caxias,____de Maio de 2010.
Assinatura_______________________________________(Pai, mãe ou responsável
legal)
CPF___________________
RG____________________