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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
LUZANILBA MOREIRA DA SILVA
A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO PRESSUPOSTO DE
EFETIVIDADE DO DIREITO HIMANO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA
Rio de Janeiro 2008
2
LUZANILBA MOREIRA DA SILVA
A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO PRESSUPOSTO DE
EFETIVIDADE DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá.
ORIENTADOR: PROF DR HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO
Rio de Janeiro
2008
3
VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO PRESSUPOSTO DE
EFETIVIDADE DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA
elaborada por
LUZANILBA MOREIRA DA SILVA e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de
MESTRE EM DIREITO
Rio de Janeiro, de março de 2008
BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Profº. Dr Humberto Dalla B de Pinho Universidade Estácio de Sá Orientador __________________________________________ Prof Universidade Estácio de Sá __________________________________________ Prof°. Dr Universidade
4
DEDICATÓRIA
Às mulheres que justificam o mais nobre dos sentimentos - o AMOR: filha Beatriz; tia-mãe Mariinha; irmã Luzanira e a melhor das amigas, Gecilda. Obrigada.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores Humberto Dalla B. de Pinho e Theophilo de Azeredo Santos, que ao longo do curso ultrapassaram a orientação acadêmica para direcionar-me na condução da própria vida.
6
RESUMO
A presente dissertação, dentro da Área de Concentração Direito Público e Evolução Social, na
linha de pesquisa a Legitimidade da Defensoria Pública como pressuposto de efetividade do
direito humano fundamental de acesso à Justiça, coordenado pelo prof. Dr. Humberto Dalla B
de Pinho, do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, analisa o contexto histórico
e a evolução da legislação constitucional e infraconstitucional que rege a Defensoria Pública,
bem como a doutrina e jurisprudência referente ao acesso à justiça e tutela coletivas. Com
essa orientação teórica, procura-se, através de interpretação principiológica, contribuir para
dirimir perplexidades que ainda persistem quanto às possibilidades e limite da ação da
Defensoria Pública. Para análise do tema, optou-se por uma abordagem principiológica-
constitucional, tomando-se como fontes, a par da legislação constitucional e
infraconstitucional, a doutrina produzida recentemente por pensadores do direito, sobre
formas de ampliação do acesso à justiça. Os principais resultados indicam que a Defensoria
Pública tem legitimidade para a defesa dos interesses difusos, na forma da recém-alteração da
Lei 7510/85. Ao final, apresentam-se conclusões referentes à ampliação dos procedimentos
processuais para a defesa da tutela coletiva, o que vem a contribuir para o acesso à Justiça.
Essas conclusões deixam claro que a inclusão da Defensoria Pública no seleto rol dos
legitimados para a defesa da tutela coletiva não enfraquece ou inibe a atribuição do Ministério
Público para promover a defesa desses mesmos interesses.
Palavras-chave: Acesso à Justiça; .Defensoria Pública; Tutela Coletiva; Ação Civil Pública
7
ABSTRACT
This essay within the Concentration Area Public Right and Social Evolution,following
the research development of Public Defending Councel Legitimacy as effectiveness
purpose of fundamental human right access to Justice, analyse the historical
context and evolution of constitutional and infraconstitutional legislation
that governs Public Defending Councel as well as the doctrine
and jurisprudence referring to justice access and collective tutelage.With
this theorical orientation, was tried, through principles` comprehension,to
contribute to extinguish the astonishments which still persist when talking
about possibilities and limits of the Public Defending Councel action.In
order to analyse the theme, was chosen a principle constitutional approach,
having as sources to infraconstitutional and constitutional legislation,the
doctrine recently produced by law thinkers about ways of enlarging the access
to Justice.Main results show Public Defending Councel has legitimacy to defend
scaterred interests, based on the newly change of Law 7510/85.In the end,
conclusions about process procedures enlargement to defend collective tutelage
are presented, what contributes to Justice access.These conclusions demonstrate
that Public Defending Councel enclosure in the selected list of legitimized
in the defense of collective tutelage, doesn`t weaken or repress the Public
Ministry attribution to promote defense of the same interests.
Key words/. Justice access,Public Defending Councel,Collective Tutelage,Public
Civil Action
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SUMÁRIO Páginas
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1. Introdução ao Tema ................................................................... 01 2 – TUTELA COLETIVA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA. 2.1 - Panorama da História da Tutela Coletiva ................................................................. 29 2.1.1 Do Código de Hamurabi à Modernidade ................................................................... 33 2.2. Despertar do tema com Mauro Cappelletti ............................................................... 39 2.3. Os interesses transindividuais nas legislações infraconstitucionais ......................... 44 2.4. A defesa dos interesses transindividuais na Carta Magna de 1988........................... 52 2.5. O Código de Defesa do Consumidor ........................................................................ 55 2.6 - A class Action do Direito Norte Americano ............................................................ 59 3 - DO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA LEGITIMIDADE DA
DEFENSORIA PÚBLICA DIANTE DA LEI 11448/07 3.1 - Interpretação e alteração da norma constitucional .................................................. 67 3.2. Princípios como forma de hermenêutica constitucional .......................................... 73 3.3 - Considerações sobre a recém-legitimidade .............................................................. 80 3.4 - A Defensoria Pública e o procedimento análogo ao inquérito civil ........................ 92 3.5 - Críticas à nova autorização legislativa e comentários às ADINs 3943/07 e ADI 558-8/600 /1991.............................................................................................. 94 4 - A DEFENSORIA PÚBLICA E A DEFESA DO ACESSO ÀS POLÍTICAS
PÚBLICAS COMO FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL 4.1 - Interesse difuso e interesse social ........................................................................... 105 4.2. Políticas Públicas .................................................................................................... 112 4.3. Atos discricionários ................................................................................................ 121 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 134 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 144
9
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A retrospectiva da evolução do homem em sociedade e a recente história da
Defensoria Pública, cotejadas ao avanço doutrinário decorrente do movimento social
motivador do projeto de lei que determinou a inclusão dessa Instituição no rol dos legitimados
para defesa da ação civil pública, o que resultou na edição da Lei 11.448/07, serão de
fundamental importância para compreender o porquê do interesse do legislador em instituir
outro legitimado para a defesa desses direitos; garantindo o acesso de maior número de
jurisdicionados à efetivação dos seus direitos.
Quando se reflete, no contexto da Lei 11.448/07, sobre a recém-outorgada
legitimidade ativa à Defensoria Pública para a defesa da tutela coletiva como forma de acesso
à Justiça, torna-se evidente seu reflexo na elaboração do termo de ajustamento de conduta
(TAC), com atenção especial para a defesa ao acesso às políticas públicas como forma de
inclusão social.
Um dos problemas freqüentemente debatidos é o aumento da demanda dos
jurisdicionados, o que traz a lume, entre outros fenômenos sócio-culturais e econômicos, a
globalização, que promoveu o incremento da circulação de capitais, informações, bens e
serviços, facilitou o acesso ao crédito, e a conseqüente volatilização dos bens, no contexto de
uma sociedade marcada pela velocidade e dinamismo de inovações tecnológicas. A
globalização serviu, ainda, para encurtar distâncias e formar a consciência da sociedade no
sentido de equilibrar as relações entre produtor de bens, fornecedor de serviços e consumidor,
estimulando a criação de novas regras jurídicas a fim de garantir os direitos.
Nesse cenário, o consumidor, consciente dos seus direitos, não mais aceita
pacificamente as regras ditadas no interesse dos produtores ou fornecedores de serviço,
socorrendo-se do Judiciário sempre que se sentir lesado.
Diante dessas peculiaridades, a presente pesquisa tem por finalidade suscitar e
propor questionamentos a respeito da recém-legitimidade ativa da instituição Defensoria
Pública para a defesa da tutela coletiva como forma de acesso à Justiça, em especial no que
concerne à legitimação da instituição na defesa dos interesses difusos. Desta feita, o tema
dissertado estará atrelado ao interesse público, tendo o povo como o destinatário final da
aplicação das normas jurídicas.
10
O tema é instigante em razão da abordagem sistêmica que se pretende realizar,
enfocando argumentos não somente da ciência jurídica, como também das demais ciências,
como a sociologia, filosofia, história e economia, entre outras. A perspectiva é a de que o
acesso individual do cidadão ao Judiciário acarreta uma sobrecarga desnecessária da máquina
jurisdicional, envolvendo maior número de pessoas para a solução dessa demanda, retardando
ou cerceando o acesso à prestação da tutela jurisdicional, como também possibilitando a
ocorrência de decisões conflitantes.
A retrospectiva histórica comprova que a consciência do indivíduo acerca dos
seus direitos, bem como a responsabilidade do Estado em assegurá-los, teve início já na
vigência do Estado Liberal, fundado com o propósito de proteger o indivíduo das ações do
Estado, que para tanto precisou assumir o compromisso de garantir a convivência harmoniosa
dos indivíduos entre si e com as instituições. Essa função é atualmente denominada de
garantia dos direitos de primeira geração1, os quais, isoladamente, não foram suficientes para
atender às expectativas da sociedade da época, que reclamava por uma atuação positiva do
Estado, no sentido de concretizar os direitos já existentes, bem como os de segunda geração,
que marcaram a passagem do chamado Estado Mínimo para o Estado Intervencionista,
levado a incorporar tarefas até então próprias da iniciativa privada2
A decadência do liberalismo decorreu da evolução da economia, da perspectiva
individualista e dos conflitos sociais, decorrentes da excessiva patrimonialização e do que se
passou a designar como capitalismo selvagem. Em outras palavras: a filosofia individualista
do Estado Liberal revelou-se incapaz de responder aos questionamentos da nova sociedade.
Essa foi a gênese dos direitos de segunda geração, que correspondiam à exigência por
transformação política do Estado, tendo em vista a inclusão de um número maior de cidadãos,
pois restou demonstrada a inconsistência do fundamento do liberalismo, calcado na tese de
que todos os homens eram iguais3.
A partir de então, emergiu a semente da nova filosofia do solidarismo, o qual
tem se desenvolvido ao longo dos séculos, privilegiando-se a visão coletiva da sociedade, em
detrimento do individualismo liberal, abrindo espaço para a reflexão e defesa dos direitos
difusos, os quais não podem ser personificados, são indivisíveis.
1 MARINONI, Luiz Guilherme, in A Jurisdição no Estado Constitucional, texto acessado no site www.jus2.uol.com.br em novembro de 2006 2 Idem 3 Ibidem
11
O interesse para aprofundar a análise do tema teve início com a observação da
atuação dos Defensores Públicos em órgãos de execução com atribuições diversas, seja em
varas cíveis, ou criminais. À época, emergiu o sentimento de que faltava algo para
aperfeiçoar a atuação desses profissionais, com possibilidade de melhor desenvolvimento
jurídico, o que resultaria no melhor atendimento dos interesses daqueles que recorrem aos
serviços prestados pela Defensoria Pública. Inúmeras foram as oportunidades em que se
verificou a ausência do Estado no cumprimento de matérias de sua competência, resultando
sua omissão na transferência de responsabilidade para as organizações não governamentais e
para a iniciativa privada. Trata-se de grave problema, eis que deixa a descoberto seu papel
constitucional, inclusive a responsabilidade de executar os fundamentos do Estado
Democrático de Direito, esculpidos no artigo 1º, e assegurar os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, elencados no artigo 3º, todos da Carta Magna.
Com freqüência muito maior do que admissível, alguns entes da administração
pública, seguindo a ideologia do laissez-faire, são omissos na implementação dos deveres
prestacionais, sob o argumento de que o respeito aos direitos de liberdade individual impedem
a interferência na autonomia privada dos cidadãos. Criou-se, dessa forma, um Estado
irresponsável, alienado em relação às questões sociais, no qual as autoridades públicas ficam à
margem da aplicação dos direitos e garantias individuais assegurados ao cidadão na Carta
Magna, com clara violação da democracia e inobservância dos direitos fundamentais, em total
afronta aos princípios do Estado Democrático de Direito.
Em contraponto à omissão estatal, defende-se o reconhecimento dos interesses
plurissubjetivos, no contexto do Estado Social de Direito, inicialmente com a Constituição
Mexicana de 1917, a de Weimar de 19194. No Brasil, isso somente ocorreu com a
Constituição de 1934, mas de curta vigência, vez que em 1937 foi instituído o Estado Novo,
com a outorga de nova Carta Constitucional. A preocupação exclusiva com o indivíduo foi
estendida para prestar e assegurar aos particulares condições materiais mínimas para que
pudessem viver dignamente, buscando a redução das desigualdades com o fim de amenizar os
problemas decorrentes da massificação. .
O Estado Social de Direito, também designado como Estado Providência,
decorreu da redução da capacidade auto-regulamentadora da sociedade civil e da conseqüente
necessidade de intervenção do Estado nas áreas relacionadas ao social. O Estado
4 Idem
12
Intervencionista se caracteriza pelo interesse nas funções desempenhadas pela norma e nos
aspectos sociais da aplicação do direito, com manifesta preocupação com o interesse difuso,
mesmo que inicialmente em menor escala que a atual. Enquadra-se na segunda geração de
direitos fundamentais e se encontra relacionado aos ideais de liberdade, àqueles inerentes
somente à autonomia privada, com vistas a garantir renda mínima, alimentação, saúde,
habitação e educação à população, sendo, desta feita, não mais como caridade, mas como
direito político5.
Gregório Assagra de Almeida observa que foi no Estado Social que eclodiu a
conflituosidade social decorrente das novas necessidades da sociedade de massa, exigindo a
regulação e a proteção dos interesses transindividuais.6
Atualmente, defende-se o Estado Democrático de Direito, com a perspectiva
de transformação da realidade social, em busca da redução da desigualdade material, em
contraposição ao conformismo da igualdade formal preconizado pelo Estado Liberal. A
desigualdade é reconhecida, mas busca-se erradicá-la7. Nessa linha de pensamento, o
desequilíbrio social deve ser revisto e sanado por meio de ações positivas do Estado, através
dos direitos prestacionais, investindo-se o Judiciário no poder de cumprir a sua parte no
processo de transformação social.
Contudo, quando se trata de direitos prestacionais comumente são usados
argumentos que transbordam o âmbito das normas jurídicas pertinentes ao tema, utilizando-se
das expressões como “reserva do possível”, “mínimo existencial” e “discricionariedade”,
comprovando que a reflexão jurídica não está adstrita às normas, mas também a conceitos-
chaves doutrinários8.
Mesmo diante dessa afirmação, não há como deixar de reconhecer que a
Constituição da República de 1988 assegura aos cidadãos os direitos de terceira dimensão
que, segundo Ingo Sarlet9, também são denominados direitos de fraternidade - último ideal do
lema revolucionário francês do século XVIII, os chamados direitos de solidariedade. Eles
abarcam aqueles dotados de titularidade plurissubjetiva e ligados aos direitos coletivos em
sentido lato.
5 MARINONI, Op cit 6 ALMEIDA, Gregório Assagra, Direito Processual Coletivo Brasileiro, Ed. Saraiva, São Paulo, 2003, p.53 7 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, 13ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2003 8 GOUVEA, Marcio Maselli, O controle judicial das Omissões Administrativas, Rio de Janeiro: Forense, 2003 9 SARLET, Ingo, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1998.
13
Essa mudança de paradigma do pensamento liberal clássico, que restringia o
dano, risco ou lesão à esfera pessoal do indivíduo, foi substituída pela socialização do risco ou
do próprio dano, com a celebração de acordos de solidariedade, celebrados de forma
espontânea ou compulsória para a garantia de existência da humanidade. A síntese dessa
mudança está em que o direito social passa a ser o resultado de um equilíbrio entre interesses
conflitantes, formalizados por acordo que visa à pacificação social.
O Mestre Jose Afonso da Silva10 adverte que a terminologia “Estado
Democrático de Direito” não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado
Democrático e Estado de Direito, eis que o termo democrático, que qualifica o Estado, irradia
os valores de democracia sobre todos os elementos constitutivos deste. Tem por fim realizar a
síntese do processo contraditório do mundo contemporâneo, marcado pela conflituosidade,
superando o Estado capitalista para configurar um Estado promotor de justiça social, que deve
estar acima das questões individuais.
O individualismo processual que, até então, predominava, era definido como
conseqüência natural e necessária para regular os interesses decorrentes dos direitos
subjetivos do indivíduo. Com isso, somente o titular do direito material era legitimado para
propor ação para a defesa dos seus interesses, uma vez que o direito de ação era
compreendido como propriedade individual privada, integrando o patrimônio do indivíduo.
Norberto Bobbio11 atribui a alteração na identificação dos direitos, bem como a
sua conseqüente defesa, ao fato da passagem do indivíduo uti singuli (pessoa) a sujeito que
extrapola o indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas e inclui a humanidade
em seu conjunto.
Ao mesmo tempo em que ocorria a transformação acima mencionada, o
homem passou a ser visto em suas peculiaridades com outros em igual situação.
Exemplificativamente, nos últimos anos do século passado e até mais recentemente houve a
edição do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8069/1990), a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), as condições de acessibilidade para os
portadores de necessidade especial (Lei 7853/1989), dentre outras legislações especiais.
Todos esses diplomas legais permitem tratamento adequado e diferenciado para tais
singularidades, proporcionando tratar de forma desigual os desiguais, com o fim de diminuir,
10 SILVA, Jose Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 119 11 BOBBIO, Norbertto, A era dos direitos, Rio de Janeiro :Caupes, 1992)
14
caso não seja possível erradicar, a desigualdade existente. Pode e deve haver diferenças, que
devem ser respeitadas; o que se pretende é erradicar as desigualdades produzidas socialmente.
Com a consciência de que são necessárias respostas coletivas, alguns
processualistas12, cientes de que o processo civil atua como resolução de conflitos e
instrumento de modificação de comportamento, voltaram os olhos para a instrumentalidade e
a efetividade do processo, com a concepção do processo coletivo como instrumento de
transformação social.
Como é consenso entre os pensadores do Direito e na própria sociedade,
mesmo os conflitos tipicamente individuais não encontram no processo civil o amparo que
merecem, haja vista a morosidade e o alto custo do sistema judicial, incompatível, muita vez,
com o valor econômico do direito violado. Há de ser lembrado que, por trás deste aspecto
econômico, está o desrespeito àquele que foi violado na sua qualidade primeira, a de ser
cidadão.
É ilusório pensar que um cidadão lesado nos seus direitos, titular de um
interesse econômico de pequena monta ingresse com medida judicial que lhe custará mais do
que perdeu economicamente em razão dessa violação. Comprovação dessa tese está da
explosão de ações perante os Juizados Especiais, onde não há custas judiciais, além da não
obrigatoriedade de advogado para a defesa do direito. A negação do acesso à Justiça repousa
no fato de que, juntamente com o custo do processo, deve ser considerar o deslocamento para
o próprio jurisdicionado e suas eventuais testemunhas, os dias em que faltará ao emprego para
acompanhar o processo, além do incomensurável desgaste emocional que se perpetuará
enquanto não houver decisão final. Ao largo disso, o litigante habitual usufruirá de todos
esses contratempos e contará com a passividade do lesado, com a complexidade e morosidade
do sistema judicial para continuar violando direitos.
A idéia básica do Estado Providência é a de equilíbrio entre fortes e fracos.13
Na hipótese de negação a esse equilíbrio, o acesso à Justiça restará prejudicado porque negará
aos hipossuficientes a possibilidade de exercício dos seus direitos, até dos mais simples e
gerará o efeito perverso de contaminar a jurisprudência com a visão dos litigantes habituais,
12 Entre esses podemos citar Luiz Guilherme Marinoni, Humberto Dalla B. Pinho, Gregório Assagra de Almeida e Nelson Nery Junior. 13 SARMENTO, Daniel, Livres e Iguais – estudos de direito constitucional, Rio de Janeiro, Lúmen Iuris, 2006
15
acima mencionados, aqueles econômica e processualmente possibilitados a usar, com
eficiência, o aparelho judicial.
As constituições falam com freqüência do povo em razão da necessidade de
assim legitimá-las, acondicionando-as a um invólucro democrático, por mais que o seu
conteúdo não o seja. A doutrina, de forma mais presente no dia-a-dia dos juristas, bem como a
jurisprudência, desde que essa não seja elaborada de forma retrospectiva, devem tornar o
poder constituinte do povo como prática diária. Um texto constitucional que pretende ser tido
como democrático não pode pretender obter a legitimidade de uma vez para sempre, com a
sua simples promulgação, uma vez que essa aferição deve ser feita de forma cotidiana,
adequando-se à realidade de maneira permanente. Não se pode aceitar que a divisão da
sociedade em grupos acabe por criar minorias excluídas, privadas de qualquer possibilidade
de ação, alienadas do sistema, reduzidas a meros corpos sem individualidade.
A leitura da norma constitucional vigente, bem como seu reflexo na legislação
infraconstitucional, deve ser feita sob o ângulo da ampliação da antiga dicotomia público-
privado para a atual realidade tricotômica do Direito: público-privado-transindividual. Existe
entre a classificação “privado” e “público” um número expressivo de direitos e interesses
difusos e coletivos que estão à espera de coletivização. Inicialmente, ainda se justificava a
dicotomia, por meio da inserção dos direitos transindividuais na categoria de público; no
entanto, autores como Antônio Herman V. Benjamin14 esclarecem que os direitos públicos
são dotados de conflituosidade mínima, o que não ocorre com os direitos metaindividuais,
que podem surgir de uma situação de alta conflituosidade, diferença que impede que o
mesmo seja subdivisão do direito público.
É nesse cenário de renovação doutrinária e legislativa que surgiu a Lei da
Ação Civil Pública, elevada à categoria de garantia fundamental ao acesso coletivo à Justiça,
onde o acesso à tutela de direitos ou interesses violados deve ser permitido através de
mecanismos jurídicos variados, sejam esses judiciais ou não, onde os titulares dos direitos
envolvidos devem estar plenamente conscientes dos direitos e habilitados material e
psicologicamente para exercê-los.
Anteriormente à promulgação da Lei 11.448, de 15 de janeiro de 2007, quando
ainda não havia a indicação expressa da Defensoria Pública no rol dos legitimados do art. 5º
14 BENJAMIN, Antônio Herman V., A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico:apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumido, acessado em http// bdjur.stj.gov.br em 23/11/2007
16
da Lei 7.347/85, o fundamento legal para afirmação da legitimidade genérica dessa instituição
para as ações coletivas estava presente na interpretação da norma constitucional,
especialmente no que não foi normatizado pelo Poder Constituinte Originário e Derivado.
Essa afirmativa era fundamentada na atribuição outorgada à Defensoria Pública
na Carta Constitucional de 1988 no Capítulo IV, que menciona as instituições que exercem as
funções essenciais à Justiça; onde a Defensoria Pública consta no artigo 134, bem como na
Lei 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor e acrescentou o artigo 21 na
Lei da Ação Civil Pública a fim de aplicar à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos
e individuais, no que for cabível, o Título III do CDC, que dispõe sobre a Defesa do
Consumidor em Juízo.
Ao refletir sobre o problema, é pertinente ter em conta que a Constituição é um
sistema de normas abertas a várias soluções interpretativas em razão de estar em constante
comunicação com o sistema social, tal qual um rio que é abastecido pelos afluentes que
compõem aquele sistema hidrográfico (fundamento sociológico); constituída por mecanismos
capazes para perceber e acatar as modificações apresentadas pela dinâmica social.
A forma sistêmica de como o texto constitucional se apresenta decorre da
ordem teleológica dos seus princípios jurídicos, que tem função organizadora do pensamento
expressado pelo Poder Constituinte. Esses princípios devem ser entendidos como matriz e
diretriz desse sistema e harmonizar-se entre si.
A afirmativa de que não há norma jurídica que dispense interpretação decorre
da característica de generalidade das normas, sendo necessário, quando o caso concreto se
apresenta, perquirir a melhor interpretação atual da norma jurídica diante das novas
necessidades e condições sociais.
Por essa razão, e sempre em vista a realização da filtragem constitucional para
abordar o tema, faz-se necessário discorrer sobre os princípios constitucionais fundamentais, o
que será abordado à frente.
Resta cristalino que o poder do legitimado para representar os interesses da
coletividade deve obedecer, no processo, aos mesmos princípios fundamentais que o próprio
titular do direito material obedeceria se estivesse em juízo, não sendo permitido ao legitimado
ir de encontro àquele, sob pena dessa legitimidade deixar de ser legítima por estar dissociada
dos princípios constitucionais.
17
Peter Häberle15 defende a adequação da hermenêutica constitucional à
sociedade aberta por meio da democratização da interpretação da Constituição, com vistas a
possibilitar a ampliação dos participantes nesse processo hermenêutico, questionando-os sob
uma abordagem puramente sociológica da experiência”.16
Ademais, fortalecendo a tese da legitimidade, a Defensoria Pública, segundo
dispõe o artigo 134 da Constituição Federal, é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa integral e permanente, em todos os
graus, dos necessitados, assim considerados aqueles que comprovem insuficiência de
recursos. O teor desse artigo é de vital importância e não pode ser objeto de interpretação
literal, pois são de conteúdo jurídico indeterminado, pendente de interpretação conforme a
constituição.
Com o reconhecimento constitucional expresso do desiderato dessa instituição,
o que ocorreu em momento anterior à alteração do rol dos legitimados expressos, a Defensoria
Pública já alcançara reconhecimento doutrinário17 e jurisprudencial18 acerca da possibilidade
de ingressar com ações visando à defesa da tutela coletiva.
Exemplo dessa conquista está na ação civil pública proposta pelo NUDECON
– Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em
janeiro de 1999, contra a excessiva onerosidade a desfavor da massa consumidora quando da
15 HÄBERLE, Peter, Hermenêutica constitucional, Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, reimpressão 2002 16 Idem. P. 19 17 Nessa qualidade podemos citar Nelson Nery Junior e Humberto Dalla B. de Pinho
18 “Agravo de Instrumento. - Ação civil pública. - Defesa de direito coletivo. - Legitimidade ativa da Defensoria Pública. - Existência. - Decisão que impede a interrupção do fornecimento de energia elétrica, motivada pelo não pagamento das contas. - Imperceptível a necessária verossimilhança. Ausente a razoabilidade, quando se premia a inadimplência, pondo em perigo de colapso o fornecimento de energia elétrica, levando, assim, o risco do dano irreparável a toda a coletividade. - RECURSO PROVIDO. - DECISÃO CASSADA. – TJRJ. Processo AGRAVO DE INSTRUMENTO no. 2003.002.23562. Rel. Des. DES. JOSE DE SAMUEL MARQUES . DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL. Julgado em 02/06/2004”.
“Direito Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela de interesses consumeristas. Legitimidade ad causum do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública para a propositura da ação. A legitimidade da Defensoria Pública, como órgão público, para a defesa dos direitos dos hipossuficientes é atribuição legal, tendo o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 82, III, ampliado o rol de legitimados para a propositura da ação civil pública àqueles especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código. Constituiria intolerável discriminação negar a legitimidade ativa de órgão estatal – como a Defensoria Pública – as ações coletivas se tal legitimidade é tranqüilamente reconhecida a órgãos executivos e legislativos (como entidades do Poder Legislativo de defesa do consumidor). Provimento do recurso para reconhecer a legitimidade ativa ad causum da apelante. – TJRS, AC 2.003.001.04832. Rel. Dês. Nagib Slaibi Filho. 6a. Cam Civ. Julg. Em 26/08/2.003”.
18
vertiginosa elevação do valor nominal das amortizações pactuadas em moeda estrangeira para
compra de carro importado ante a desvalorização da moeda nacional.
A decisão de 1º grau declarou que o NUDECON, órgão de execução da
Defensoria Pública, era parte legítima e cumpria o seu mister nos estritos limites assegurados
pelo inciso XI do art. 4º da Lei Complementar 80/94, nos termos do parágrafo único do artigo
134 da Constituição Federal; do artigo 176, in fine, da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro; do inciso IV do artigo IV e com o artigo 5º da Lei 7.347/85.
A mencionada sentença foi reformada em grau de recurso, apreciado pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sob o argumento de que não existia
dispositivo legal que autorizasse a Defensoria Pública ajuizar, em nome próprio, ação
reclamando direito alheio, devendo ao caso ser aplicado o artigo 6º do Código de Processo
Civil: Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado
por lei. A fundamentação do acórdão demonstrou visão estreita da realidade jurídica e
retrocesso ao avanço doutrinário, mantendo expressamente o reconhecimento da legitimidade
para a defesa daqueles interesses somente ao Ministério Público, na forma do artigo 129, III,
da Constituição Federal.
Os que assim defenderam esse posicionamento, com base no artigo 6º do
Código de Processo Civil acima transcrito, voluntariamente negaram reconhecimento de que
o mencionado dispositivo já nascera defasado diante das reformas que na década anterior à
sua promulgação se operavam em alguns países europeus, em especial a Itália e, no continente
norte-americano, nos Estados Unidos. O Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 surgiu
da proteção aos direitos individuais influenciada pelos princípios liberais que caracterizaram
as legislações do século XIX. Em razão de o processo civil comum considerar o direito de
ação como um bem que integra o patrimônio do indivíduo, havia quem entendesse que
somente o titular do direito material discutido está autorizado a defendê-los judicialmente,
sem importar-se que estivesse em discussão direito individual homogêneo. Contudo, essa
regra não é idônea para solucionar o problema da legitimação para a causa na tutela dos
direitos transindividuais, modalidade de direitos de defesa judicial recente.
Essa mesma ação proposta pelo NUDECON, em Recurso Especial de nº RE
555.111 – RJ, o Superior Tribunal de Justiça, acolhendo o voto do Ministro Relator Castro
Filho, reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro sob os
seguintes argumentos:
19
(...) Além disso, o requisito de relevância social necessário à defesa dos denominados direitos individuais homogêneos (artigo 81, parágrafo único, inciso III) [do Código de Defesa do Consumidor], decorrentes de origem comum, resta amplamente preenchido diante do fato da maxidesvalorização do real que atingiu e atinge milhares de consumidores em todo o país. De fato, é função institucional da Defensoria Pública tanto o patrocínio da ação civil, quanto a defesa dos direitos e interesses do consumidor lesado (art. 4º, incisos III e XI, da Lei Complementar nº 80/94). Da mesma forma, cabe a ela atuar na defesa dos necessitados, devendo-se considerar também como tais os consumidores, tendo em vista a presunção (legal) de fragilidade em relação ao fornecedor de produtos e serviços. Reconhecida e relevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes.”
Anteriormente à edição da Lei 11.448/07, o Código de Defesa do Consumidor,
no Título que dispõe da Defesa do Consumidor em Juízo, no seu artigo 82, inciso III, já
constava o rol dos legitimados para a defesa desses interesses, sendo expressa a menção às
entidades e órgãos da Administração Pública, ainda que sem personalidade, especificamente
destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por aquela lei.
A Ministra Nancy Andrighi, após solicitar vista dos autos, assim se
posicionou: (...) De fato, se a Constituição Federal impõe, por um lado, ao Estado o dever de promover a defesa dos consumidores (art. 5º, LXXIV) e de prestar assistência jurídica integral (e aqui repiso o integral) aos que comprovem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV) e, por outro lado, que a execução de tal tarefa cabe à Defensoria Pública (cfr. o art. 134, da CF c/c o art. 4º, inciso XI, da Lei Complementar nº 80/94), o âmbito de atuação dessa não pode ficar restrito, pela vedação ao manejo de tão importante instrumento de tutela do direito do consumidor e de fortalecimento da democracia e da cidadania como a ação civil pública, sob pena de não se dar máxima efetividade aos referidos preceitos constitucionais. Ademais disso, assinale-se que tal legitimidade beneficia a economia processual e a devida prestação jurisdicional, pois evita a proliferação de grande quantidade de ações individuais, impede a existência de decisões conflitantes, e garante o funcionamento célere e efetivo do Poder Judiciário. ............................................ “
O Ministro Carlos Alberto Direito, atualmente integrante do Supremo Tribunal
Federal, acompanhou o voto dos seus pares pelos mesmos fundamentos expostos. Já o
Ministro Ari Pargendler, na qualidade de voto vencido, manifestou-se pela confirmação do
acórdão recorrido, sob o argumento de que a norma legal citada “(...) não legitima o Defensor
Público a propor qualquer ação, porque sua específica destinação é a de patrocinar casos
20
individuais de consumidores hipossuficientes; a ação civil pública alcançaria outro tipo de
clientela.”
Com respeito ao entendimento do Ministro, assistência judiciária não significa
tão somente assistência processual, bem como necessitados não são mais considerados os
única e economicamente pobres, mas todos aqueles que necessitam da tutela jurídica, como
ocorre com os pequenos litigantes nos novos conflitos de uma sociedade de massa, onde do
outro lado estará um litigante profissional.
A hipossuficiência, até então vista somente como miserabilidade econômica,
em razão dos conflitos de massa, onde o adversário jurídico geralmente é um experiente e
contumaz contendor, passa a representar a necessidade jurídica de se fazer representar por um
terceiro que possua a mesma experiência e capacidade processual do adversário. Utiliza-se a
Teoria da Hipossuficiência 19, que vê nos indivíduos que compõem o grupo com direitos
violados a qualidade de pessoas vulneráveis, sem paridade de condições para defender o
direito material a ser debatido. Assim, diante da hipossuficiência, é necessária a escolha de
representantes adequados. Impõe-se o sacrifício da autonomia privada em benefício da
adequada defesa desses direitos por um terceiro tecnicamente capaz para tal. O conflito então
resolvido sob o aspecto coletivo proporciona maior estímulo econômico para a propositura da
ação.
Deve prevalecer, nessas condições, a aplicação do ideal de justiça
aristotélico20, segundo o qual os direitos dos indivíduos somente seriam iguais se fossem
observadas as diferenças existentes entre os mesmos. A igualdade formal não atende à
necessidade da justiça.
A processualista Ada Grinover21, em sintonia com a doutrina de Pontes de
Miranda, reconhece que o direito público subjetivo à assistência judiciária está assegurado por
norma que é self executing, não havendo necessidade de lei para o cumprimento da regra
constitucional,
O entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso especial
acima transcrito encontra respaldo na doutrina, uma vez que Nelson Nery Junior22, após a
19 LEAL, Marcio Flavio Mafra, Ações coletivas: história, teoria e prática, Porto Alegre: SAFE, 1998 20 ARISTÓTELES. A Política. [Tradução: Torrieri Guimarães]. São Paulo, Martin Claret, 2002.
21 GRINOVER, Ada Pelegrini, Novas Tendências do Direito Processual; de acordo com a Constituição de 1988, 2ª Ed, Rio de Janeiro, Forense
22 JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil anotado, Editora Revista dos Tribunais
21
edição do Código de Defesa do Consumidor, afirmara que, para se confirmar a uma
determinada entidade a legitimação nas ações coletivas, basta afirmar tratar-se da defesa de
interesses metaindividuais, sem que se mostre necessário identificar quais os efetivos titulares
do direito buscado.
Reflexamente, o tema da legitimidade nas ações coletivas tomou importância
vital após a edição da Emenda Constitucional 45/2004 que, dentre outras importantes
alterações, introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º, assegurando a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, o que será
indiscutivelmente alcançado com a utilização da tutela coletiva pela Defensoria Pública,
deixando-se de ingressar mensalmente com centenas de ações com o mesmo pedido e réu para
diferentes assistidos, atendendo, também, aos interesses de todos aqueles que pessoalmente
não puderam buscar a tutela jurisdicional por não ter meios de chegar a postular judicialmente
sua pretensão quer por falta de informação, quer por falta de recursos.
Os pedidos dessas medidas judiciais são os mais variados, partindo do simples
fornecimento de leite sem lactose para crianças alérgicas, até a indicação de hospitais da rede
pública para proceder a intervenções cirúrgicas de grande porte, inclusive com o pedido para a
aquisição de próteses de valores elevados, tratamentos de saúde e transplantes de órgãos no
exterior.
A temática do acesso à Justiça, tema ao qual a dissertação está relacionada,
aliada à percepção da necessidade de haver legitimados para a defesa dos interesses do grupo,
sejam esses interesses passíveis de individualização ou não, é questão de relevância recente,
assim considerada a longa história da humanidade, quando o homem apenas associou-se aos
demais por necessidade de defesa, jamais considerando a perspectiva social do grupo. O
homem jamais teve a consciência da proteção do coletivo, promovendo a defesa deste como
forma de proteção pessoal. Com o passar dos séculos, em razão de várias transformações que
lhe foram impostas, devido a sua própria negligência até com o meio em que vive, passou-se a
visualizar a defesa dos interesses que ultrapassavam o direito individual, posicionados em
espaços não pertencentes ao Estado ou ao indivíduo e sim a toda a coletividade, como vieram
a caracterizar-se os direitos difusos, com a impossível individualização de sua titularidade.
A defesa judicial do cidadão, que até então era feita de forma individual, uma
vez que somente assim o mesmo era visto diante da sociedade, passou a considerar a
necessidade da defesa metaindividual. Embora diante dessa consciência, ainda há resistência
22
em parte da doutrina em reconhecer a defesa do interesse coletivo ou difuso por outro que não
seja o titular do direito em questão.
Para aqueles providos de recursos financeiros, jamais houve impedimento para
a defesa dos seus interesses, uma vez que tinham acesso à estrutura organizacional do Estado,
podendo contratar advogado para promover a postulação em juízo, bem como o valor das
custas judiciais não era questão preocupante. Mas o que fazer com aquela extensa camada da
população desprovida de recursos financeiros, bem como sem acesso à informação, a mais
grave forma de alienação do indivíduo? O filósofo Hegel define alienação como processo
essencial à consciência e pelo qual ao observador ingênuo o mundo parece constituído de
coisas independentes umas das outras, e indiferentes à consciência. Diante desse conceito
verifica-se que a informação constitui a base para a cidadania, por meio da inserção
consciente do indivíduo no contexto social, apto a participar da democracia participativa que
constitui o Estado Democrático e Social de Direito.
Diante da falta de consciência causada pela desinformação e insuficiência de
recursos financeiros, que advogado o indivíduo carente procuraria, em uma sociedade
capitalista, para defender, com o mesmo interesse de um advogado contratado e remunerado,
os seus interesses, inclusive antecipando o recolhimento das custas judiciais necessárias para a
defesa do seu direito? Um ou outro abnegado poderia existir, mas não em número suficiente
para atender à demanda da classe, uma vez que na Defensoria Pública do Rio de Janeiro,
atualmente, existem aproximadamente setecentos defensores públicos em exercício e, mesmo
assim, ainda é um número insuficiente para cobrir a demanda do Estado, resultando em
acumulação de órgãos de atuação por esses profissionais.
A questão se torna ainda mais grave quando se depara com a falta dos direitos
prestacionais do Estado, os quais, se não atendidos, têm os requisitos para a propositura de
ação civil pública. A solução não está somente no mundo das normas jurídicas, mas perpassa
pela disponibilidade de recursos do erário como critério para possibilitar a prestação desses
direitos aos cidadãos, em sua quase totalidade assistidos natos da Defensoria Pública. Os
direitos sociais, tidos como direitos positivos, ou direitos prestacionais em sentido estrito, que
dependeriam de uma facere por parte do Estado, dependem de meios materiais garantidos por
previsão orçamentária, por meio de alocação de recursos, repercutindo na esfera discricionária
aos administradores públicos, o que lhes colocaria sob o manto da reserva do possível23
23 Marcio Maselli Gouvêa, O Controle Judicial das Omissões Administrativas, Ed. Forense, 2003
23
Alguns autores, dentre os quais podemos citar Ricardo Lobo Torres, defendem
que as despesas realizadas em função dos direitos prestacionais inviabilizariam outros
projetos estatais, inclusive aqueles projetos relacionados a outros direitos fundamentais.
Ocorre que, na prática, essa escolha é feita pelo magistrado diante do caso concreto,
envolvendo decisão por prioridades. Diante das freqüentes, mas não unânimes decisões
judiciárias nesse sentido, a doutrina contrária ao deferimento desses pedidos, idealizou o
princípio da reserva do possível jurídica, sob o argumento de que o Poder Judiciário não
disporia de instrumentos jurídicos para determinar uma reformulação do orçamento, uma vez
que este é elaborado mediante os esforços do Executivo e do Legislativo.24
Deve-se ter conta que o orçamento não é uma peça livre para o administrador
dispor de acordo com a sua conveniência. Há rubricas e percentuais que são priorizados pelas
Constituições Federal e Estadual, onde o mesmo não tem qualquer discricionariedade, pois,
do contrário, seria lhe dar o poder de negar, pela via transversa, os valores pré-definidos de
prioridades e de urgência constitucionalmente fixados, com total interferência em outro Poder.
A única tentativa de harmonizar esses interesses estaria na idéia de ponderação de
princípios, não esquecendo de que o princípio da reserva parlamentar em matéria
orçamentária não é absoluto, o que sobrepõe o reconhecimento de que os direitos assegurados
no artigo 5º da Constituição têm aplicação imediata.
A realidade comprova que todos os direitos assegurados em sede constitucional e
infraconstitucional são pendentes de alocação de recursos para sua implementação, bem como
necessitam de fiscalização, o que será possível ser exercido pela sociedade por meio de uma
ação civil pública, inclusive com a confecção de um termo de ajustamento de conduta
proposto pelos legitimados enumerados no art. 5º da Lei 7.347/85. Ações individuais
contribuem para o caótico comprometimento do orçamento público, gerando decisões
conflitantes, medidas liminares sem cumprimento, buscas e apreensões inexitosas que, por
fim, configuram o crime de desobediência.
O problema orçamentário demonstra o grau de complexidade da questão, vez que
atualmente aos profissionais do Direito tem sido imposta a árdua tarefa de administrar a
aplicação dos recursos do interesse do Estado, servindo de negociador entre as partes, não
apenas para impedir a frustração da expectativa dos cidadãos que buscam o Judiciário como
via de acesso ao direito e à justiça. 24 Idem
24
Em consonância com o acima exposto, cabe fazer menção ao princípio da
efetividade, onde os atos jurídicos devem ser analisados com o intuito de verificar se os
efeitos gerados são aqueles que se pretendiam alcançar. Confirmando o entendimento de
Marcos Maselli Gouvêa, em obra acima citada, mais importante do que a efetivação do
processo é a efetivação do direito material pelo processo, que é o meio para a consecução do
direito buscado por meio da tutela jurisdicional, e não um fim em si mesmo.
Em razão do distanciamento que paulatinamente tem sido feito da exagerada
importância dada aos direitos patrimoniais, típica do Estado Liberal, verifica-se entre os
autores contemporâneos uma evolução no pensamento jurídico no sentido do reexame da
classificação das sentenças feito por Chiovenda diante das costumeiras sentenças em ações
com obrigação de dar, obrigação de fazer ou obrigação de não fazer, representativas de um
estado capitalista, onde o patrimônio era considerado o bem da vida, com a busca da entrega,
da prestação da coisa ou a sua conversão em perdas e danos.
O ordenamento jurídico vigente tem valorizado a entrega do próprio bem ou
direito pretendido e não a sua conversão em perdas e danos, pois esta não assegurará aos
jurisdicionados a proteção do seu direito. De que adiantará a indenização pelo Estado em
razão do falecimento de um ente da família, em razão da não prestação de atividade do Estado
(falta do serviço)? A Justiça deve possibilitar mecanismos para compelir o devedor a fornecer
a prestação do serviço ou a entrega do bem protegido pelo ordenamento jurídico, sendo a
condenação em perdas e danos a excepcionalidade desse comando.
Observa-se que o homem, como forma de solução desses impasses jurídicos
que lhes são apresentados e na busca da segurança da efetividade dos seus direitos, tende a
desenvolver, até de forma inconsciente, estrutura de assimilação de experiência, criando
meios para controlar a complexidade das novas relações sociais, públicas ou privadas,
estabelecendo estruturas para estabilizá-la frente a esses desapontamentos. Sob o ponto de
vista sociológico25, na medida em que desapontam, as estruturas regulam o medo e forçam a
aceitação dos riscos, o que no mundo jurídico é feito sob a forma da alteração da realidade
material e processual jurídica, onde a doutrina e a jurisprudência, que devem andar adiante da
lei, exercem papel fundamental.
25 ROCHA, Leonel Severo, Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito, Ed. Livraria do Advogado, Ed. 2005.
25
O desapontamento gera o risco, o incerto, ou seja, desestabiliza. Esse
desapontamento não causa inércia; pelo contrário, gerará atividade, desencadeando processos
internos (psicológicos) e/ou externos, vindo a causar frustrações em várias outras expectativas
alheias e próprias, com a possibilidade de criação de novos conflitos, os quais irão desaguar,
mais cedo ou tarde, às portas do Judiciário, que deverá possibilitar a integração da expectativa
do outro e o reflexo dessa expectativa no terceiro.
Esse é o papel deflagrador da sociedade, impulsionando as reformas jurídicas
necessárias para possibilitar a prestação jurisdicional eficaz, o que somente será possível com
observância do prazo de duração razoável dessa prestação, com utilização dos mecanismos de
antecipação da tutela e liminares até a definitiva apreciação do mérito. O propósito é manter
equilibrado o binômio segurança jurídica-celeridade processual. A função normativa do
direito, como meio de assegurar a convivência em sociedade, é estabilizar as estruturas.
Nesse sentir está a natural necessidade de criar novas estruturas para solucionar
o interesse jurídico de várias pessoas, sem que seja necessário o ingresso individual de
demandas, o que sobrecarrega o Poder Judiciário. O modelo tradicional de processo não mais
corresponde às necessidades sociais em geral, deixando parte das reivindicações jurídicas
descobertas. A sociedade moderna necessita de instrumentos mais céleres, tais como as
tutelas diferenciadas para alcançar o seu direito material.
Com essa visão panorâmica do tema, resta demonstrado que inicialmente foi
necessária a ocorrência de várias ações individuais com interesses homogêneos para surgir a
tutela coletiva, vez que a avaliação da relevância da expectativa de cada indivíduo
isoladamente e as chances da mesma vir a ser realizada, terá melhor sorte com a utilização
dessa forma de tutela, diluindo a expectativa e o custo entre todos os litigantes, pois percebem
que o seu problema jurídico não é individual, mas comum a uma coletividade. A tutela
coletiva, com a defesa garantida por um dos legitimados, equilibra a defesa entre os litigantes,
pois, no pólo passivo, estará presente um litigante contumaz, material e emocionalmente
amparado para a defesa dos seus interesses.
O desapontamento com o resultado individual de uma demanda, frente a outros
resultados positivos de terceiros sobre o mesmo tema, embora previsto, pode desencadear
processos psicológicos negativos desnecessários, com frustrações em várias outras
expectativas alheias e próprias. Nesse sentido, o sistema social deve canalizar e orientar o
26
processamento de desapontamentos e expectativas, estabilizando as estruturas, o que, sem
dúvida, terá melhor resultado por meio da tutela coletiva 26
As expectativas repetidamente desapontadas têm importância para o mundo
jurídico, pois denunciam a falta de adequação das expectativas à norma institucionalizada no
passado, impondo sua revisão. O que não pode ocorrer é a espera incessante e frustração
constante das necessidades, em razão de o aplicador da lei continuar com a sua atuação
jurisdicional voltada para o passado, alheio às transformações da sociedade em que o mesmo
vive como indivíduo, expectador das necessidades alheias e próprias.
O Direito deve ser visto como um alívio para as expectativas e uma das bases
da evolução social. Luhmann27 define Direito como estrutura de um sistema social que se
baseia na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas. Para que
tais expectativas possam ser alcançadas, faz-se necessária a existência de instrumentos que
possibilitem o acesso à Justiça.
Conforme será abordado nessa dissertação, Mauro Cappelletti28 e Bryant Garth
demonstraram preocupação com o tema do acesso à Justiça em pesquisa realizada na década
de 70. Inicialmente a preocupação dos pesquisadores era com a questão da hipossuficiência, a
qual posteriormente demonstrou-se apenas como a ponta do iceberg, uma vez que por debaixo
desta estavam outras questões tão relevantes quanto, como a falta de informação, a defesa dos
direitos prestacionais e a legitimidade para a defesa dos mesmos, para depois alcançar os
direitos difusos e a quem caberia a sua representação em juízo.
No Estado do Rio de Janeiro a preocupação com a camada da população
desprovida de recursos para arcar com o pagamento das custas judiciais e dos honorários
advocatícios sem o prejuízo da própria mantença e de sua família veio solucionada em
meados da década de 50 com a criação dos primeiros cargos isolados de Defensor Público,
mas somente em 08 de dezembro de 1962 foi promulgada a Lei Orgânica do Ministério
Público e da Assistência Judiciária, que tomou o nº 5.111, atribuindo aos Defensores Públicos
o patrocínio gratuito, em ambas as instâncias judiciais dos direitos da população
hipossuficiente.
26 ROCHA, Leonel Severo, Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito, Ed. Livraria do Advogado, Ed. 2005. 27 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983-85 28 CAPPELLETI, Mauro, GARTH, Bryant (tradução de Ellen Gracie Northfleet). Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Frabris, 1988.
27
Com o amparo no parágrafo 32 do artigo 153 da Constituição Federal de 1969
e do artigo 199 da Constituição Estadual então vigente, houve a desvinculação da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro do Ministério Público em 22 de maio de 1970, data
anterior à fusão, passando a ter denominação de órgão de Estado, com atribuição para prestar
patrocínio aos carentes em ambas as instâncias. Nova reformulação institucional se deu com a
fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e o da Guanabara, ocorrida em 13 de março de 1975,
quando houve a opção para o retorno da Defensoria Pública para ficar sob a chefia
institucional do Ministério Público, sendo que a partir de então os Defensores Públicos não
eram mais integrantes da classe inicial da carreira daquela Instituição.
Com a promulgação da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, em 23 de
julho de 1975, a Defensoria Pública, pela primeira vez, teve assento constitucional em
capítulo próprio – Assistência Judiciária, com a incumbência da postulação da defesa, em
todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados. Em 12 de maio de 1977 foi
editada a Lei Complementar nº 6, que dispunha sobre a organização da Assistência Judiciária,
o que lhe outorgou a autonomia administrativa, estabelecendo o regime jurídico de seus
membros. O senão ainda estava no fato da chefia institucional caber ao Secretário de Estado
de Justiça, que indicava um Coordenador-Geral para a instituição. Essa situação perdurou até
a Emenda Constitucional Estadual nº 37/87, quando o chefe institucional passou a ser
denominado Procurador-Geral da Defensoria Pública.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, já na vigência da Constituição
Federal vigente, descreveu as atribuições da instituição no seu artigo 176 e em razão da
inovação do conteúdo das mesmas, houve a propositura de ação declaratória de
inconstitucionalidade – ADIN 558-8/RJ, com o fim de excluir do referido texto a expressão
“ação civil pública”, sendo que o Supremo Tribunal Federal manteve a expressão, nos termos
do voto do Ministro Relator, Sepúlveda Pertence. Com esse entendimento consagrou-se a
interpretação conforme a constituição, proporcionando o alargamento das funções
institucionais da Defensoria Pública, sempre com vistas à consecução do interesse social, o
qual é o fundamento da presente dissertação no que tange à legitimidade da Defensoria
Pública para a defesa dos interesses difusos, principalmente em sede de direitos prestacionais,
onde o interesse social é manifestamente existente.
Outros avanços institucionais ocorreram, sendo importante ressaltar a inserção
da Defensoria Pública no texto da Constituição Federal de 1988 na qualidade de instituição
essencial à função jurisdicional do Estado e a conseqüente edição da Lei Complementar
28
Federal nº 80/94, que organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos
Territórios.
Com redação mais técnica que a Constituição de 1969, a Carta vigente
consagra o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, garantindo o acesso de
todos à defesa de direitos individuais, coletivos e difusos, enquanto que aquela limitava esse
acesso à defesa de direito individual, evoluindo para a garantia da assistência jurídica gratuita
e integral aos necessitados, um conceito mais amplo e que alcança tanto a consultoria como a
assistência extrajudicial em geral.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 82
dispôs sobre os legitimados concorrentes para a defesa do consumidor em juízo, houve a
menção às entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos
protegidos pelo referido código. Diante dessa disposição legal a Defensoria Pública, por meio
do órgão de atuação Núcleo de Defesa do Consumidor, iniciou de forma exitosa a defesa
desses interesses.
Inicialmente a jurisprudência mostrou-se temerária com o avanço legislativo, o
que acarretou algumas decisões contrárias, as quais acabaram por ser reformadas em grau de
recurso nos Tribunais Superiores, conforme será a frente mencionado.
A mesma norma infraconstitucional dispôs no artigo 117 que fosse acrescido à
Lei 7.347/85, lei da ação civil pública, o artigo 21 que mencionava que os dispositivos do
Título III do Código de Defesa do Consumidor (CDC), onde está inserido o artigo 82 acima
mencionado, fossem aplicados à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos. Destarte, restou assegurado não só à Defensoria Pública, como aos
demais legitimados do artigo 82 do CDC, a titularidade para ingressar com ação para a defesa
de direito difuso, coletivo e individual homogêneo.
Esta segunda disposição legal causou maior impacto na doutrina e na
jurisprudência, principalmente aqueles que permaneciam presos aos princípios do direito
processual civil clássico, onde o direito subjetivo de ação constituía parte do patrimônio
individual, razão que impossibilitava que terceiro defendesse esse direito em nome próprio.
Essa forma de legitimação, denominada de legitimação extraordinária, tinha previsão expressa
das hipóteses em que caberia e estava mencionada no artigo 6º do Código de Processo Civil.
29
De acordo com os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni29, se nas
doutrinas clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava a norma individual a partir da
norma legal, agora ele cria a norma jurídica a partir da interpretação da Constituição, do
controle da constitucionalidade e da adoção da regra da proporcionalidade dos direitos
fundamentais no caso concreto.
A tese defendida por alguns, de que a Defensoria Pública está destinada à
defesa do direito individual, não mais se coaduna com a realidade social e jurídica que
impregna a comunidade jurídica há mais de quatro décadas. Ressalte-se que, conforme acima
mencionado, quando a Defensoria Pública foi criada nos idos de 1950, predominava os
princípios do liberalismo, de valores exclusivamente individuais, o que não mais existe
hodiernamente com a mesma ênfase. A sociedade tem evoluído e junto com ela houve a
ampliação dos direitos, objetos de defesa por essa Instituição, permitindo que hoje promova a
defesa dos direitos fundamentais em uma dimensão objetiva, como princípios conformadores
de modo como o Estado que o consagra deve organizar-se e atuar.30
O reconhecimento da importância da Defensoria Pública se deu ao longo dos
anos, com a comemoração pela categoria de todas as conquistas realizadas, uma vez que as
mesmas não tiveram reflexos apenas institucionais, o que é, sem dúvida alguma, de suma
importância para o desenvolvimento da auto-estima dos seus membros, mas também refletiu
no acesso à Justiça dos hipossuficientes. Estes, que inicialmente tinham a garantia do acesso
judicial, tiveram o seu direito estendido aos atos extrajudiciais e à consultoria jurídica.
A importância da garantia ao acesso aos instrumentos disponibilizados para a
defesa extrajudicial está na forma preventiva de solução de conflitos ou até mesmo, se já
ultrapassada esta fase, na forma extrajudicial de solução dos mesmos, como ocorre com os
métodos alternativos de solução de conflitos, denominados como ADR – abreviatura inglesa
para alternative dispute resolution. Com autonomia em relação à esfera processual, ainda
encontra pouca utilização como forma de evitar o processo, uma vez que dentre as várias
modalidades possíveis, tais como a negociação, mediação, arbitragem ainda não fazem parte
do cotidiano da população, arraigada aos valores de que somente o juiz pode dizer o direito no
29 MARINONI, Luiz Guilherme, A Jurisdição no Estado Constitucional, texto acessado no site www.professormarinoni.com.br em setembro de 2006. 30 GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999
30
caso concreto. Na modalidade de mecanismos anexos aos tribunais, há a transação penal e o
compromisso de ajustamento de conduta nas ações coletivas.31
A doutrina estrangeira não tem entendimento pacífico a respeito da aplicação
dos métodos alternativos de solução de conflito, contando nos Estados Unidos com a posição
favorável de Lon Fuller, que tem uma visão sistêmica do direito e contrária a de Owen Fiss.
Na Itália a doutrina favorável conta com Mauro Cappelletti e os oposicionistas são liderados
por Vitório Denti.32
Tal qual ocorreu com a propositura da ADIN 558-8/RJ, que levantava a
inconstitucionalidade da expressão “ação civil pública” constante na Constituição Estadual do
Rio de Janeiro, no artigo que definia as atribuições da Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro, novo questionamento ocorreu após a edição da Lei 11.448/07, que integrou a
Defensoria Pública, na qualidade de instituição estatal, ao mesmo patamar jurídico do
Ministério Público, possibilitando a defesa dos direitos arrolados na Lei 7.347/85. O
proponente da ação de inconstitucionalidade, desta feita, foi a CONAMP – Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público, que originou a ADIN 3.943-2007/, que, em
síntese, aduz que a Defensoria Pública somente teria atribuição para a defesa de necessitados
economicamente, o que não poderia ocorrer nas ações civis públicas para a defesa dos
interesses difusos em razão da impossibilidade de individualização e identificação do sujeito,
bem como que a recente norma impediria o Ministério Público de exercer plenamente as suas
atividades.
As alegações da CONAMP, conforme serão melhores enfrentadas a frente, não
podem prosperar diante dos princípios modernos norteadores do processo; da preocupação
doutrinária de acesso à Justiça e, por fim, da não exclusividade da titularidade da ação civil
pública pelo Ministério Público. Ressalte-se, contudo, que embora a ação tenha sido proposta
pela Associação Nacional, os argumentos ali lançados não refletem a unanimidade do
entendimento da categoria, uma vez que é comum em alguns estados da federação a
existência de litisconsórcio entre essas instituições.
Duas associações postularam e tiveram deferido o seu ingresso no feito na
qualidade de amicus curiae, são elas a Associação Nacional dos Defensores Públicos da
União e a Associação Nacional dos Defensores Públicos. O Instituto Brasileiro de Advocacia 31 Apontamentos de sala de aula do Curso Mecanismos de Solução Alternativa de Conflitos ministrado pelo Prof. Humberto Dalla no ano de 2006 na UNESA. 32 Idem
31
Pública, por meio da Carta de Nova Friburgo, aprovada no 11º Congresso da Advocacia
Pública, ocorrido em 6 de setembro de 2007, aprovou a tese de legitimação da Defensoria
Pública para a propositura de ação civil pública, uma vez que estaria em perfeita consonância
com suas atribuições institucionais e constitui instrumento importante para a defesa da
cidadania.
O Direito, como norma positivada, tal qual como a ninfa mitológica Eco, que
tinha prazer em contar estórias com a característica de ter para si a última palavra da conversa,
é a narrativa da realidade em forma normativa e que também ecoa a última manifestação de
vontade da sociedade, daí refletir realidade pretérita, pois o legislador, ao elaborar a lei, deve
ter a preocupação de traduzir o interesse social já sedimentado. Diante disso, a constituição
deve estar em sintonia com a realidade social, sob pena de ser abusiva nas suas proposições.
No entanto, como acentua Fabio Konder Comparato33, um dos paradoxos mais
relevantes para a história do direito é a influência negativa de corpo bem-sucedido de normas
jurídicas, porque diante delas os juristas se limitam a reproduzir os pensamentos nelas
contidos, o que acaba por atrofiar a inovação necessária. Em um dado momento, a realidade
social necessita de uma nova versão normativa, por melhor que tenha sido o texto originário,
com a finalidade de adequá-la à mudança do curso imposto, uma vez que o Direito não é
resultante de um sistema fechado, ao contrário, é continuamente influenciado pela realidade
social e por aqueles a quem esse mesmo ordenamento irá incidir.
Diante dessa argumentação, conclui-se que a norma constitucional, a fim de
manter-se conectada à validade social e assegurar a estabilidade das relações deve, em
condições materiais, formais e circunstanciais próprias, sofrer as necessárias alterações de
acordo com as novas exigências do progresso e do bem-estar social, seja através das
alterações formais da constituição, seja por meio da mutação constitucional, reconhecendo em
seu texto os novos significados legislativos que a sociedade – povo deseja. O direito deve ser
considerado em sua vigência, na sua realidade aplicada, e não apenas na expressão textual de
suas normas. O nacional-positivismo representa a negação da ciência jurídica, pois repudia
aquele princípio de explicação unitária da realidade, que constitui a meta de todo
conhecimento científico.34
Esta é a função da doutrina e dos tribunais, perceberem as mudanças, promover
questionamentos e transformar a realidade jurídica a fim de adequá-la às necessidades do 33 COMPARATO, Fabio Konder, no prefácio da obra de MULLÜER, Frierich, Quem é o Povo? A questão fundamental da democracia – Tradução de Peter Naumann, São Paulo: Editora Max Limonad, 3 Ed., 2003 34 Idem
32
povo, destinatário final das normas, sem que haja a ocorrência da exclusão dos mesmos do
contexto social O povo deve ser reconhecido como participante do processo democrático, não
apenas de forma indireta, quando participa do sufrágio, como um referencial quantitativo. A
sua manifestação legitima a democracia na medida em que a interpretação constitucional é um
exercício de cidadania, onde a participação democrática não pode resumir-se no direito ao
voto.
Diante dessas necessárias modificações no ordenamento jurídico está a
pretensão desse trabalho levantar questionamentos e apresentar argumentos, não só jurídicos,
para que a questão da defesa do direito difuso não se torne monopólio de uma instituição, uma
vez que esse direito, se não possui titular identificável, não pode ficar a mercê de, na prática,
somente um legitimado, vez que é inquestionável que, apesar dos demais legitimados,
somente o Ministério Público é responsável pela quase integralidade das ações civis públicas
propostas.
A defesa dos interesses difusos como forma de possibilitar o acesso à Justiça já
foi objeto de estudo de Mauro Cappelletti, denominando-o como segunda onda e
argumentando que “ ... embora as pessoas na coletividade tenham razões bastantes para
reivindicar um interesse difuso, as barreiras à sua organização podem, ainda assim, evitar
que esse interesse seja unificado e expresso.” 35
Diante dessas preleções, cabe questionar, e esse é o mote do presente trabalho,
por que parte da doutrina e da jurisprudência ainda entendem que essa instituição ficou alijada
da legitimidade de defesa das ações civis públicas.
Considerando as observações acima, a dissertação pretende abordar a dimensão
da expressão “tutela coletiva”, a origem e a definição desse instituto no direito brasileiro, bem
como os motivos que determinaram a inclusão da Defensoria Pública do rol dos legitimados
expressos para a defesa da tutela coletiva e em que medida essa instituição pode atuar,
considerando os princípios constitucionais vigentes. Caberá verificar a sindicabilidade, ou
não, dos atos discricionários, típicos do Poder Executivo e necessários para a implementação
das políticas públicas. Para finalizar, discorrer sobre a importância da falta de proteção aos
interesses difusos e interesse social.
Optou-se por essa linha de pesquisa em razão de à época do início do Curso de
Mestrado não haver legislação que expressamente legitimasse a Defensoria Pública para a
35 CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant, Acesso à Justiça, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1988
33
defesa da ação civil pública, embora na prática alguns Tribunais já reconhecessem essa
legitimidade.
Ao longo do Curso foi editada a lei objeto do estudo, de pronto definindo a
suscitada questão da legitimidade. Contudo tal instrumento jurídico não foi suficiente para
dirimir as questões, pois permaneceu o debate sobre a extensão da legitimidade da Defensoria
Pública, se a mesma também alcançaria a defesa dos interesses difusos, o que passou a ser o
novo mote da pesquisa.
Mas, diante de tantas controvérsias existentes, e certa de que a referida
Instituição detém as condições técnico-jurídicas para estar no rol dos legitimados, houve o
interesse para mais detalhadamente debruçar sobre o tema, até então discutido com Colegas.
A dissertação envolve amplo debate sobre as questões jurídicas processuais e
constitucionais, bem como mantém estreito contato com outras ciências, como a história,
filosofia e hermenêutica, voltada a sua aplicação para o acesso à Justiça, estando de acordo
com a linha de pesquisa procurada.
O tema dissertado tem interesse para os Defensores Públicos em sua atuação
diária em razão da disponibilidade de novo instrumento processual para promover a defesa
dos assistidos.
O sistema social apresenta duas possibilidades contrárias de reação a
desapontamentos de expectativas: num primeiro momento há a modificação da expectativa,
com a sua conseqüente adaptação à realidade apresentada, sendo então denominada de
expectativas cognitivas e, em outra hipótese, a expectativa inicial é mantida, mesmo diante do
desapontamento, transformando-se num eterno protesto, esta, então, denominada de
expectativas normativas, onde há a determinação em não assimilar o desapontamento, que
pode levar à formação de normas através da normatização posterior, como ocorreu com a
edição da Lei 11.448/07.
A doutrina tem, por sua vez, conforme mencionado, fortemente se manifestado
sobre a questão da extensão da referida legitimidade, o que tem contribuído sobremaneira
para a ampliação do debate, onde ganhará o Poder Judiciário com maior interpretação da lei,
bem como os demais profissionais que atuam nesse processo, além da sociedade civil como
um todo.
Assim, a importância do tema está em que a expectativa frustrada do
jurisdicionado, em razão do lapso temporal indeterminável de uma medida judicial, gera
desnecessária descrença nas instituições e prejuízos materiais tanto ao cidadão quanto ao
34
Estado, que cada vez mais investe em projetos para acelerar os procedimentos, em detrimento,
muitas vezes, da própria segurança da decisão.
Trata-se de pesquisa documental, orientada pelo modelo crítico-dialético, pois
se parte do pressuposto de que os interesses coletivos e a ação da Defensoria Pública
caminham em paralelo com a trajetória da sociedade brasileira.
As fontes de pesquisa são:
a) Legislação: Constituição Federal de 1988, Lei 4.717/65 (Lei da Ação
Popular); Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública); Lei 7.853/89 (Lei que dispõe sobre as
pessoas portadoras de deficiência); Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade
Administrativa); Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso); Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que
dão suporte legal a sua pesquisa;
b) Doutrina: Será de substancial importância a leitura da obra de Peter
Häberle (Hermenêutica Constitucional), a qual seduz pela forma democrática de condução do
raciocínio, onde a constituição é apresentada como um sistema de normas aberto a várias
soluções interpretativas em razão de estar em constante comunicação com o sistema social
(fundamento sociológico), com capacidade para aceitar as modificações apresentadas pela
dinâmica da sociedade.
Indispensável a leitura atenta da obra de Mauro Cappellettti (Acesso à Justiça),
com a visão de vanguarda da importância de acesso à Justiça àqueles que necessitassem da
defesa de direitos e interesses difusos e coletivos, da qual resultou a alteração da legislação
processual bem como a própria estrutura do Poder Judiciário. Cappelletti inicialmente analisa
essa questão sob o ponto de vista da assistência jurídica aos pobres, o que denomina de
primeira onda; a representação dos interesses difusos, segunda onda; e o acesso à
representação em juízo; terceira onda. A idéia do citado autor é a de que essas ondas sejam
apreciadas de forma simultânea, uma vez que todas as questões abordadas dificultam, quando
não impossibilitam, o acesso à Justiça.
De grande valia foram as obras do processualista Barbosa Moreira, que desde a
década de 70 já escreve sobre o tema, proporcionando ao leitor a impressão de que a obra foi
recém-escrita em razão da pertinência com as questões atualmente suscitadas.
Conforme será demonstrado ao longo da dissertação, a obra de Gregório
Assagra de Almeida, com produção específica sobre a locução tutela coletiva, foi fundamental
para o desenvolvimento do tema.
35
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que em sua dissertação de mestrado pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro também discorreu sobre o tema acesso à Justiça a
participação da Defensoria Pública na tutela coletiva contribui para os primeiros
esclarecimentos sobre tão intrigado tema.
Os Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, Cleber Francisco Alves e
Marilia Gonçalves Pimenta, na obra Acesso à Justiça em Preto e Branco, contribuem de
forma significativa não só para relatar a história de sua instituição, como também para
fortalecer a idéia da legitimidade na tutela coletiva, bem como os textos da lavra de Jose
Augusto Garcia , Humberto Pena de Moraes e dos grandes mestres da Defensoria Pública,
Jose Fontenelle e Paulo César Galliez.
Marcos Maselli Gouvêa, com a obra O Controle Judicial das Omissões
Administravas, foi de contribuição essencial não só para a elaboração da presente dissertação
como para o dia a dia do Defensor Público.
Outros autores que já escreveram sobre o tema são: Ingo Sarlet, na obra
Eficácia dos direitos fundamentais; Jose Marcelo Menezes Vigliar, na obra Interesses
Individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos; Jose dos Santos Carvalho Filho, em Ação
civil pública; e Lenio Streck em Hermenêutica jurídica em crise.
Em razão do enfoque constitucional do tema, a maior fonte de consulta
jurisprudencial foi o Supremo Tribunal Federal, mas de menos valia não foram as decisões
dos Tribunais Estaduais onde há mais tempo existe a instituição Defensoria Pública.
A pesquisa teve primordial caráter bibliográfico, partindo da premissa da
assertiva da legitimidade ativa da instituição Defensoria Pública para a defesa da tutela
coletiva, conforme já assentado mo ordenamento jurídico, por parte da doutrina, algumas
decisões jurisprudenciais isoladas e a ação declaratória de inconstitucionalidade em trâmite no
STF.
Após este capítulo, o desenvolvimento do trabalho é apresentado em quatro
partes: a primeira com o fim de introduzir o leitor nas considerações iniciais da pesquisa em
si; como os fundamentos históricos e circunstanciais do tema.
A segunda parte abordará o instituto da tutela coletiva, relatando a sua história,
o despertar para os interesses transindividuais, inicialmente nas legislações
infraconstitucionais, até tomar assento na Carta Constitucional. Caberá tecer comentários
sobre a forte influência da class action do Direito norte-americano e a mesma importância
desse instituto no Direito brasileiro.
36
A terceira parte demonstrará, com ênfase na abordagem constitucional, as
razões que justificam a inclusão da Defensoria Pública no rol taxativo dos legitimados
expressos da Lei 7.347/85, bem como o conteúdo e a forma do procedimento análogo ao
inquérito civil e o termo de ajustamento de conduta, como também a posição crítica daqueles
que defendem a inconstitucionalidade da mencionada lei includente sob a justificativa de
usurpação de função (ADIN 3.943/07).
À quarta parte cabe discorrer especificamente sobre o interesse difuso e o
interesse social, tecendo um paralelo em ambos, e a relação dos mesmos com a
implementação das políticas públicas previstas em lei. Caberá discorrer sobre os poderes da
Defensoria Pública na defesa do acesso do jurisdicionado a essas políticas, na qualidade de
assistidos naturais da Defensoria Pública, por mais que no contexto mais amplo no qual se
insere esse direito difuso, outras pessoas, não hipossuficientes, estejam presentes. Caberá,
ainda, em sintonia com a doutrina que discorre sobre o tema, tecer comentários sobre os atos
discricionários e a questão da sindicabilidade dos mesmos.
37
2. TUTELA COLETIVA
2.1. Panorama da História da Tutela Coletiva
O desenvolvimento da humanidade nos dois últimos séculos, principalmente
após a Segunda Guerra Mundial, com o crescimento da atividade secundária e, por
conseguinte, do setor terciário, foi determinante para que fosse necessário o aprofundamento
no estudo dos interesses transindividuais. Desde aquela época, as relações sociais
apresentam-se de forma macroscópica, ocasionando o surgimento de demandas na mesma
proporção. E, como não poderia deixar de ser, emergiu a necessidade de soluções coletivas,
uma vez que o problema a ser solucionado dizia respeito à coletividade. Naquela época ainda
não havia a preocupação com sobrecarga de propositura de demandas individuais, uma vez
que o indivíduo não era considerado de forma isolada, mas sim como parte do grupo do qual
era integrante.
O Direito, como ciência, não promove mudanças sociais; cabe-lhe reconhecer
as mudanças e as demandas sociais, proporcionando-lhes o atendimento efetivo. Essa foi a
razão da resposta jurídica aos interesses da sociedade, que demandava o reconhecimento da
premência de criação de mecanismos para a defesa da tutela coletiva. Causa determinante
para essa demanda foi o desenvolvimento da tecnologia, atingindo número indeterminado e
ilimitado de pessoas, possibilitando a massificação do consumo.
Um exemplo dessa problemática foi o fato de que o desenvolvimento científico
e tecnológico apresentou reflexos negativos, com a gradual destruição do meio-ambiente, que
embora não integrasse o patrimônio individual de alguém, passou a exigir a atenção dos
legisladores no intuito de regular sua correta utilização.
Em se tratando de direitos transindividuais, onde é impossível determinar
individualmente o titular, houve resistência por parte de alguns estudiosos da ciência
processual em admitir que um terceiro representasse os interesses do grupo ou da sociedade36,
principalmente naquelas hipóteses em que existem direitos que estão além da esfera do direito
individual dos seus titulares, em uma área de interesse comum de todos, como é o exemplo
dos direitos difusos.
36 A afirmativa tem por base as decisões dos Tribunais Estaduais e algumas dos Tribunais Superiores, principalmente as mais antigas, quando ainda não havia produção doutrinária suficiente sobre o tema
38
Esse terceiro legitimado, contrariando as normas jurídicas do processo civil, até
então cunhado no direito individual, passou a dispor de representatividade adequada para
atuar em prol dos interesses do grupo, substituindo o direito do indivíduo de comparecer em
juízo para defender esses interesses (ideological plaintiffs) da doutrina norte-americana. Esse
direito de ter personificação no homem individualmente considerado cedeu lugar à defesa do
próprio direito que interessa a todos os indivíduos, e não somente a um destes em particular.
Em outras palavras: trata-se de direito de maior dimensão, que ultrapassa a individualidade.
Essa não é a única mudança que caracteriza a defesa das ações coletivas, pois a
mesma avança ao dispensar a formação de litisconsórcio por meio da mitigação formal do
direito à informação, assegurando o resultado da demanda àqueles que dela necessitem, sem
necessidade da inclusão dos mesmos no pólo ativo da relação processual. Houve, ainda, a
mitigação necessária da publicidade dos atos processuais, inúmeras vezes de prática
impossível diante de uma numerosa coletividade.37
Outra alteração significativa, intrinsecamente relacionada com a dispensa da
formação do litisconsórcio, diz respeito ao alcance da coisa julgada, que passa a atingir
componentes desse grupo ou classe que não participaram do processo como litigantes através
da denominada coisa julgada erga omnes, ultra partes ou utilibus, melhor estudada quando
for discorrido sobre os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Há muito utilizando os estudos e a prática já desenvolvida nos Estados Unidos
para a class action, dela, no entanto, se afastou o Direito brasileiro no que concerne à
legitimidade, retirando a figura da representatividade adequada da coletividade. Optou o
legislador brasileiro por politicamente indicar a quem deve o Direito atribuir legitimidade
ativa para agir, em juízo, em defesa de tais direitos, de forma que, sem cercear os direitos
individuais dos membros da comunidade lesada, concedeu a possibilidade de tutela efetiva
sempre por meio dos mesmos legitimados, que defenderão integralmente os direitos
ameaçados ou lesados em juízo, minimizando os riscos para aqueles que não ingressaram no
processo, pois serão alcançados, de forma utilitária, pelos efeitos da decisão.
A representativa adequada tem maior relevância quando se questiona a
legitimação das associações que, embora legitimadas em tese para a defesa dos direitos
coletivos, não podem defender qualquer interesse, mas tão-somente aqueles pertinentes ao
objeto constante nos seus estatutos sociais. Essa representatividade é verificada à vista do
37 GIDI, Antonio, op cit
39
preenchimento de dois requisitos: pertinência temática, que corresponde à finalidade
institucional compatível com a defesa judicial do interesse; bem como da comprovação da
pré-constituição há mais de um ano, sendo que esse requisito, em particular, o juiz pode
dispensar por interesse social, conforme a dimensão ou as características do dano, ou
conforme a relevância do bem jurídico a ser defendido, conforme consta do próprio texto
legal.
No entanto, a legalidade dessa verificação de pertinência temática pelo STF
não tem entendimento doutrinário pacífico, pois Pedro da Silva Dinamarco38 entende que a
expressão “representação adequada” refere-se a outros elementos a serem analisados pelo
juiz, tais como ser o autor pessoa idônea e ir defender, de forma eficaz, os interesses das
pessoas ausentes do processo, não tendo pertinência com o objeto estatutário ou o tempo de
constituição da associação.
Manifestando-se sobre o tema da representatividade, Ada Pellegrini
Grinover, que participou da elaboração do Projeto de Lei Flavio Bierrenbach, entende que
esse controle deveria ser exercido pelo juiz. No entanto o projeto sofreu alterações e, quando
da edição da Lei 7.347/85, foi acolhido o substitutivo do Ministério Público do Estado de São
Paulo, optando pela não aferição temática por parte do juiz, no que foi seguido posteriormente
pela Carta Constitucional de 1988 e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Contudo, passados mais de vinte anos da edição da referida lei, problemas
práticos têm surgido quando da propositura da ação para a defesa da tutela coletiva pelas
associações que, embora superem o requisito objetivo da legitimidade e pertinência temática,
não dispensam a análise subjetiva, pois não apresentam credibilidade e conhecimento técnico-
científico, dentre outros critérios essenciais para produzir de forma eficaz a defesa dos
representados. Diante de hipótese como a apresentada, teria sido melhor que o legislador
tivesse conferido esse poder ao juiz, evitando a extinção de ações desse gênero sem o
julgamento do mérito, o que leva a descrédito o instituto da ação coletiva.
O controle exercido pelo juiz brasileiro, que não detém os mesmos poderes do
juiz estadunidense, é feito de forma precária, de maneira apenas a assegurar aos interesses do
grupo o mínimo de proteção, sem os deixar completamente fora do controle judicial. Embora
com diferentes possibilidades de atuação entre os juizes desses dois países, não se verifica 38 DINAMARCO, Pedro da Silva, Ação Civil Pública, São Paulo:Saraiva, 2001, p.201-202
40
omissão por parte do juiz brasileiro, que pode e deve estar atento ao que acontece durante a
instrução processual. Trata-se de um poder-dever do magistrado, sob pena de procrastinação
do oferecimento da tutela jurisdicional, movimentando desnecessariamente a máquina
judiciária.
Outra questão divergente, não menos importante, é a possibilidade prevista no
ordenamento jurídico brasileiro unicamente da ação coletiva ocorrer no pólo ativo da relação
processual, enquanto no direito estadunidense é possível a defendant class action.
Com a criação de uma codificação específica para a defesa da tutela coletiva,
restará ao direito processual comum, regulador de direitos individuais, solucionar problemas
decorrentes da Vara de Família, Vara de Órfãos e Sucessões e outros conflitos tipicamente de
natureza individual, deixando para a legislação processual especial a solução dos conflitos de
massa, onde as regras do direito processual comum não têm adequação de acordo com a
celeridade e a economia processual, além da desconformidade com o princípio constitucional
do razoável tempo de duração do processo.
Para melhor compreensão da relevância doutrinária sobre a tutela coletiva, faz-
se necessária uma retrospectiva histórica, a qual, conforme reconhecida pela doutrina e já
acima mencionado, ainda é impregnada pelos princípios do liberalismo, com marcante
predomínio do individualismo e da presunção da autonomia da vontade, esta averiguada
somente na hipótese de demonstração da existência de algum dos vícios do consentimento, o
que proporcionou uma Justiça voltada para a solução do conflito individual, com a
prevalência da manifestação da vontade como forma aparente de justificar a liberdade do
indivíduo diante do Estado.
António Manuel Hespana39, jurista e historiador português, chama atenção para
a relevância da apreensão de dados históricos com vistas à compreensão da realidade social:
“Esta teoria do progresso linear resulta frequentemente de o observador ler o passado desde a perspectiva daquilo que acabou por acontecer. Deste ponto de vista é sempre possível encontrar prenúncios e antecipações para o que se veio a verificar. Mas normalmente perde-se de vista tanto todas as outras virtualidades de desenvolvimento, como as perdas que a evolução que se veio a verificar originou. Por exemplo, a perspectiva de evolução tecnológica e de sentido individualista que foi a das sociedades contemporâneas ocidentais tende a valorizar a história do
39 HESPANA, Antonio Manuel, Panorama histórico da cultura jurídica européia. Portugal. Fórum da Cultura, 1998
41
progresso científico-técnico da cultura européia, bem como as aquisições político-sociais no sentido de libertação do indivíduo. Deste ponto de vista, a evolução da cultura européia deixa de ler-se como uma epopéia de progresso e sua história pode converte-se uma celebração disto mesmo. Mas o que se perde é a noção daquilo que, por causa deste progresso, se fechou como oportunidade de evolução o que se perdeu.”
Não há como esquecer que a história é contada pelos vencedores, de modo a
justificar as opções realizadas e o reflexo destas nos acontecimentos; somente a versão destes
é a divulgada e na forma como interessa que seja conhecida. Não se pretende, com isso,
retirar da narrativa do passado a sua relevância, mas apenas destacar que não se pode deixar a
cargo exclusivo de personagens destacados pela história a responsabilidade pelos fatos, como
se outros não tivessem concorrido e, da mesma forma, influenciado para a ocorrência dos
avanços e fatos narrados.
Há, com certeza, um movimento social implicitamente contido na evolução da
história da humanidade que, embora não figure como dados expressamente determinantes
para os acontecimentos fáticos, contribuiu para o estágio no qual a sociedade hoje se encontra,
uma sociedade de massa e globalizada, com interfaces a serem discutidas de forma
multidisciplinar.
2.1.1. Do Código de Hamurabi à Modernidade
As formas de solução codificada de conflito, tais como a autodefesa, a auto-
composição e a mediação existem desde o Código de Hamurabi40. A rigor, a partir do
momento em que o homem percebeu a existência de uma forma prévia de solução de conflitos
futuros – a norma jurídica, começou a converter em leis as necessidades sociais, deixando
para o passado a solução ou imposição pela força física, inicialmente usada para defesa nos
tempos da caverna.
O direito romano, por sua vez, além da defesa individual, previa a
possibilidade de ação popular para a tutela de interesses comunitários. Outro exemplo de
solução de conflito para a defesa da coletividade estava nos interditos que visavam evitar a
obstrução de caminhos; a ação pretoriana effusis et dejectis, que tinha por fim a aplicação da
pena de multa a quem atirasse objetos sobre a via pública, como forma de proteção e 40 em www.humbertodalla.pro.br/artigos/artigo 55 acessado em 23/09/2006
42
assecuratória do interesse alheio. Essas medidas buscaram, como o fazem até hoje, defender
o interesse de um número maior de pessoas que o do próprio postulante, evitar a justiça pelas
próprias mãos, envolvidas com a passionalidade e a conseqüente geração de maiores
conflitos, não mais harmoniosos com a evolução do homem daquela época41.
Embora a origem moderna da ação coletiva esteja no século XVII, no bill of
peace que, segundo Marcio Flavio Mafra Leal42, era:
“ ...uma autorização para processamento coletivo de uma ação individual e era concedida quando o autor requeria que o provimento englobasse os direitos de todos que estivessem envolvidos no litígio, tratando a questão de direito uniforme, evitando a multiplicidade de processos.”
Contudo, outro autor43 assinala que as primeiras soluções de conflitos de
interesse dessa natureza teriam ocorrido no ano de 1199, também na Inglaterra, formulado por
um pároco, em face de determinado grupo de paroquianos com o fim de assegurar o direito a
oferendas e serviços. O fenômeno do group litigation decorria da preexistência do grupo
devido à própria conformação da sociedade feudal, onde os indivíduos se associavam a uma
comunidade ou a uma corporação44, que os identificava perante outros grupos, e em nome de
quem um componente poderia representá-los em juízo, seja no pólo ativo ou passivo da
demanda (plaintiff or defendant). Uma vez que não se distinguia indivíduo da sociedade, não
havia discussão acerca da representatividade do autor da ação coletiva.
Tal como nos dias atuais, para que uma ação fosse reconhecida como
representativa, era necessário que o grupo envolvido fosse tão numeroso a ponto de tornar o
litisconsórcio impraticável; que todos tivessem um interesse comum e que o autor
adequadamente representasse os interesses dos membros ausentes. A decisão faria coisa
julgada erga omnes, com vinculação de todos do grupo.
A representação da sociedade ocorria de forma espontânea, mas geralmente
coincidia com que a defesa fosse patrocinada pelos mais ricos, que respondiam pessoalmente
por eventuais condenações, sendo posteriormente ressarcidos pelos ausentes à ação. A regra,
contudo, é a de que, em razão de na Idade Média não existirem Estados formalmente
41 ALMEIDA, Gregório Assagra, Op cit. 42 LEAL, Marcio Flavio Mafra, Ações Coletivas: historia, teoria e prática, Porto Alegre:SAFE, 1998, p.22 43 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, in Ações Coletivas, Ed. RT, 2002, p. 43, citado por Jose dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Ed. Lumen Júris, 2007, p.3 44 As corporações eram inicialmente um conjunto de indivíduos reunidos por um interesse comum, mas de caráter informal.
43
constituídos, não havia a preocupação de garantir aos cidadãos a defesa dos seus interesses,
principalmente quando a demanda era pertinente ao grupo, forma encontrada pelo homem
para melhor defender-se do perigo da própria natureza, bem como da ação de outros grupos.
A comunidade jurídica, embora de forma intermitente, de longa data tem
demonstrado a necessidade de, ao largo das soluções dos conflitos individuais e com
características próprias, ter a solução daqueles denominados como da terceira onda, que
refletem a preocupação com o coletivo, o social e os direitos difusos, transcendendo ao
individualismo originário.
Assim, em quase sete séculos desde o surgimento do Estado Absolutista
Português, no ano de 1350, houve a modificação da realidade feudal, que passou pelo
mercantilismo, até alcançar o turbilhão de idéias e princípios que ensejaram a Revolução
Francesa. Entre esses, foi determinante o da defesa da liberdade; embora o mesmo não possa
ser traduzido como princípio democrático, foi um marco para o desenvolvimento da
manifestação do pensamento. Em nome do povo, a burguesia pregou a igualdade sob o ponto
de vista formal, mas não material. A distância entre esses dois pólos tem se estreitado ao
longo dos anos de forma lenta e gradual por meio da substituição do individualismo pela
busca do coletivo, da solidariedade que deve existir em sociedade.
Dos ideais da Revolução Francesa – igualdade, liberdade e fraternidade, o que
prevaleceu no capitalismo foi a liberdade, entendida sob o ponto de vista econômico, o que
contribuiu para a desigualdade social; o socialismo, por sua vez, valorizou a igualdade dos
bens materiais. O ideal de fraternidade ainda não se concretizou, porque pressupõe valores
éticos altruístas, que conferem ênfase aos interesses coletivos, em detrimento do
individualismo capitalista exacerbado.
Nesse sentido, cumpre lembrar que, em razão do período de transição de idéias,
quando o homem ingressou em uma sociedade individualista, a figura do indivíduo foi
lentamente dissociada do grupo, fazendo-se necessária a criação de uma teoria que ainda
possibilitasse a representação dos grupos remanescentes por um dos seus integrantes,
surgindo as corporações, admitidas oficialmente por meio de concessões da Coroa ou do
Parlamento para operar no mercado. Aqueles que não obtinham essa autorização ficavam à
margem desses direitos, como ficaram reconhecidas as sociedades joint-stock companies e as
friendly societies45, que não eram reconhecidas como pessoas titulares de direitos e
obrigações.
45 GIDI, Antonio, Op. cit
44
A antiga representatividade coletiva dos feudos e burgos deu lugar às
demandas coletivas individuais, por meio das corporações, que não mais defendiam o grupo
como estrutura primeira de vinculação entre as partes, mas circunstancialmente, em razão de
algum interesse surgido posteriormente à formação desse grupo.
O grupo deveria contar com o consentimento dos seus integrantes quando
necessitasse promover a sua defesa de interesses comuns. Em razão da existência desse grupo
ser diversa daquela de estrutura de sobrevivência da idade medieval, a legitimação passou a
ser questionada, pois não mais encontrava amparo pela nova ordem social, sendo necessária a
presença de todos os interessados para o julgamento da causa (necessary parties rule)46.
Ocorre que as mencionadas corporações a cada dia tinham o seu número
reduzido formalmente; além disso, outras formas de grupos permaneciam à margem dessa
forma de solução coletiva de conflito. Fazia-se necessário encontrar justificativas teóricas
para o reconhecimento do direito daquelas entidades não autorizadas pela lei para figurar no
pólo passivo ou ativo de um litígio.
Diante dessas dificuldades teóricas para permitir a defesa do direito de grupos,
atrofiou-se o instituto da representação; em contrapartida, tornou-se mais robusta a proteção
do direito individual, valorizado diante da premissa de que todos eram iguais perante a lei.
Com essa orientação, o acesso à Justiça somente foi possibilitado àqueles com disponibilidade
econômica para arcar com o alto custo das despesas necessárias à defesa do seu direito. O
Estado desconsiderava os conflitos de natureza interindividuais, não interferindo na esfera
privada dos indivíduos, sob o pressuposto de que todos eram formalmente iguais perante a lei,
princípio basilar do liberalismo. Mais tarde, esse dogma caiu por terra, diante da falta de
argumentos para assegurar as reivindicações dos cidadãos diante da patente desigualdade
material47.
O princípio da legalidade foi a forma encontrada pela burguesia para substituir
o absolutismo vigente na Revolução Francesa e manter-se no poder.
A divisão de poderes, tal como proposta por Montesquieu, citado por
Marinoni48 surgiu da inquietação das classes submetidas à burguesia que, com receio de
retornar ao autoritarismo de uma classe, limitaram essa soberania, decompondo-a entre os
Poderes do Estado, o que acabou por privilegiar o Legislativo em detrimento do Executivo,
que somente executava o estabelecido nas leis, enquanto o Judiciário não podia julgar fora do 46 Idem 47 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, 13ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2003 48 MARINONI, Luiz Guilherme, in A Jurisdição no Estado Constitucional, texto acessado no site www.jus2.uol.com.br
45
disposto naquelas mesmas leis, o que levou Montesquieu a concluir que o poder de julgar era
um poder nulo. O Legislativo assumiu total primazia, originando o positivismo jurídico,
limitando a atividade do jurista à descrição do texto legal, sem poder avaliar a realidade social
do caso concreto, sob pena de interpretar a lei e interferir nas relações privadas, o que era
vedado ao Judiciário.
A primazia do Legislativo mais tarde cedeu lugar ao Poder Executivo,
concedendo-se ampla margem de discricionariedade dos seus atos, impondo resistência de
verificação dos mesmos pelo Judiciário, sob o frágil argumento da não-interferência entre os
Poderes, embora reste comprovado que só há possibilidade de Governo com o necessário
manejo de concessões e controle recíprocos entre esses poderes.
A Inglaterra, inspirada em outros acontecimentos e com realidade social
diversa da francesa, proporcionou novo modelo constitucional, encerrando a fase do
constitucionalismo burguês, avançando para uma idéia mais democrática de participação total
e indiscriminada entre os homens. A igualdade apregoada pela Revolução Francesa emergiu
do contratualismo de Rousseau49 que, ao invés de pregar a divisão dos poderes, concentrou
todo o poder no povo, fundado no consentimento, revestindo-o de caráter jurídico,
transformando os direitos naturais em direitos civis. Há quem fortemente critique Rousseau,
acusando-o de fazer apologia de uma democracia meramente formal, quando, na verdade, sua
doutrina tenderia para justificar um Estado totalitário.
Em razão do crescimento do individualismo processual, que conforme
mencionado, privilegiava a autonomia da vontade, surgiram, no século XVII, duas teses que
justificavam a representação do grupo por meio da ação coletiva. Uma teoria se
fundamentava no consentimento de todos os participantes, enquanto a outra se baseava na
comunhão de interesses dos participantes do grupo. Frederick Calvert, citado por Clarissa
Dias Guedes50, foi o primeiro a sistematizar princípios à realidade da representativa coletiva
das sociedades por ações e das friendly societies. Ele entendia que a autonomia individual
dos componentes da classe devia ser preservada, de maneira que o consentimento prévio fosse
a regra geral. No entanto, quando não fosse possível ou conveniente a obtenção da
aquiescência prévia e geral, admitir-se-ia a representação desde que se verificasse a comunhão
de interesses entre os representantes e os representados.
49 RUSSEL, V. Betrand, apud Marcos Maselli Gouvêa, O controle judicial das omissões administrativas, Forense:Rio de Janeiro, 2003, p. 223. 50 GUEDES, Clarissa Dias, Representatividade e legitimidade ativa na ação civil pública, dissertação para título de mestre em Direito Processual, UERJ, 2005
46
O avanço contínuo de idéias permitiu o reconhecimento da necessidade de
assegurar os direitos sociais, não só por parte dos governos, como também pelas
comunidades, associações e indivíduos, como forma de convivência pacífica em sociedade. A
conduta passiva do Estado, típica do laissez-faire, foi alterada para atuar ativamente, com o
fim de assegurar àquelas pessoas os direitos garantidos em lei.
Somente a partir do século XVIII tornou-se freqüente a busca do Poder
Judiciário para a solução de conflitos particulares, com a finalidade de exigir que o poder
público, bem como outros indivíduos, se abstivessem de interferir ilegitimamente em sua
vida, liberdade e propriedade.51
Outro fato histórico determinante para a ação coletiva está na Revolução
Industrial do século XVIII, com o nascimento de uma nova classe social de grande
contingência, a classe operária, trazendo à luz conflitos nos movimentos sociais em razão da
ascensão das massas. Com o fortalecimento da classe operária, nasceram outros segmentos
sociais, como os sindicatos, e as mais variadas associações para a defesa de interesses
diversos.
A estrutura social dos países que adotaram a industrialização foi alterada
radicalmente, resultando na agregação da mecanização ao trabalho humano e na
transformação da fábrica como centro de vida social e econômico. Com a aceleração
desordenada da urbanização gerada pelo deslocamento da população que migrava para o novo
mercado de trabalho, emergiram os problemas decorrentes da falta de planejamento, como a
falta das condições mínimas de habitação, segurança e saúde.
A migração para os grandes centros urbanos continuou durante todo o século
XX, inicialmente foi intensificada no Brasil com o fim da República do Café nos anos 30,
ocasionada pelo remanejamento do investimento nacional e estrangeiro, até então efetuado
nesse segmento econômico, transferindo-se para o setor da industrialização. A insuficiência
dos recursos para a aplicação nas políticas públicas resultou no surgimento do desemprego,
miséria, violência, além do crescente índice de poluição52.
A preocupação legislativa com o social também ficou evidente por conta da
responsabilidade civil diante dos danos individuais e em grupo causados pelos acidentes
ferroviários, com a presunção de responsabilidade objetiva pelo transportador, bem como a
51 GOUVEA, Marcos Maselli, O Controle Judicial das Omissões Administrativas, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.1 52 LEAL, Marcio Flavio Mafra, : Ações coletivas: história, teoria e prática, Porto Alegre: SAFE, 1998
47
criação de consórcio entre as seguradoras para pagamento de seguro em razão de acidente
automobilístico – DPVAT.
2.2. A tutela coletiva pós Mauro Cappelletti
Passado pouco mais de um século da Revolução Francesa e da Revolução
Industrial, em meio à Primeira Guerra Mundial, a doutrina indicava preocupação com a
exclusão das minorias no acesso à Justiça. Inicialmente, a ênfase recaiu no valor econômico
das custas judiciais e dos honorários advocatícios. Na Alemanha, entre os anos de 1919 e
1923, iniciou-se o sistema de remuneração dos advogados, enquanto que, na Inglaterra, a
principal reforma ocorreu com o estatuto de 1949, que não apenas recompensava os
advogados pelo aconselhamento jurídico, como também pela assistência judiciária.
Nesse momento, Mauro Cappelletti 53, em obra que é o divisor de águas sobre
o tema, analisa o acesso à Justiça sob o ponto de vista da assistência jurídica aos pobres, o que
denomina de primeira onda; a representação dos interesses difusos, segunda onda; e o acesso
à representação em juízo, de terceira onda.
O citado autor defende que essas ondas sejam apreciadas de forma simultânea,
uma vez que todas as questões dificultam, quando não impossibilitam, o acesso à Justiça, não
se apresentando por etapas, sendo inadmissível que uma seja pré-requisito da outra. Em razão
das diferenças culturais e regionais, as ondas necessitam ser dosadas de acordo com as
características apresentadas.
Na definição embrionária de acesso à Justiça, Cappelletti o entende como
direito formal do indivíduo agravado de propor ou de contestar uma ação. Ele defende que o
sistema jurídico moderno não deve tão-somente garantir direitos, mas possibilitar o acesso aos
mesmos. A idéia garantista, vigente até então, ainda estava ligada ao jusnaturalismo, direito
superior às próprias normas ditadas pelo Estado, que pregava a não-interferência deste na
defesa ou consecução dos direitos individuais.
A preocupação de Cappelletti com os interesses difusos se justificava pelo fato
de que a ninguém, até aquele momento, como pessoa física, era dada isoladamente a tarefa de
corrigir a lesão a um interesse coletivo ou, quando não, a vantagem econômica para a defesa
desse direito era demasiadamente pequena, ao ponto de desencorajar os mais dispostos. O
53 CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant (tradução de Ellen Gracie Northfleet). Acesso à justiça, Porto Alegre: Fabris, 1988.
48
mesmo autor 54 argumenta que “... embora as pessoas na coletividade tenham razões
bastantes para reivindicar um interesse difuso, as barreiras à sua organização podem, ainda
assim, evitar que esse interesse seja unificado e expresso”.
A relevância do tema trouxe grandes modificações, inclusive para o direito
processual civil, iniciando importante reforma legislativa, com vistas a atribuir legitimação
ativa a determinadas pessoas e instituições, difundindo uma concepção social e coletiva.
Embora, numa análise açodada, a iniciativa possa parecer que tais transformações
representaram uma conseqüência natural do ordenamento jurídico, a rigor, é pertinente
assinalar que resultou num grande avanço, pois o mundo estava impregnado da influência do
estado liberal, com predomínio da autonomia da vontade, onde eram levadas a juízo
discussões a respeito de interesses privados. Por conseqüência, o pensamento jurídico
predominante era inspirado em um individualismo excessivo, que necessitava ceder lugar à
nova realidade social, fundada na concepção social da coletividade.
Antônio Herman Benjamin55, em sintonia com os ensinamentos de Arruda
Alvim, menciona que a crise do acesso à justiça, no Estado Social, é, de fato, mais profunda
do que a expressão sugere.
“ (os sujeitos) a) não sabem que têm direitos; b) se eventualmente têm consciência de que os têm, todavia não têm condições de arcar com os custos de um litígio; c) e, em função de características cada vez mais acentuadas das sociedades moldadas pelo sistema capitalista, em grande número de hipóteses, muitos litígios acabam não sendo individualmente compensatórios, mesmo que o lesado tenha consciência dos seus direitos e teoricamente pudesse cogitar de arcar com os ônus de um litígio"
O acesso à justiça deixou de ser visto somente como a possibilidade de a parte
ingressar com medida judicial, mas também como o direito de ter profissional habilitado para
promover sua defesa, mesmo na hipótese de hipossuficiência, com as mesmas condições de
produção de provas, principalmente as periciais, o que, em regra, no direito brasileiro foi
melhor defendido por algum dos legitimados no artigo 5º da Lei. 7.347/85, diante do rito
processual previsto em lei.
Gregório Assagra de Almeida56, em análise do tema sobre a conflituosidade
social e a problemática do acesso à Justiça, comenta:
54 Idem 55 ARRUDA ALVIM, Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao lado do direito material. In Revista do Direito do Consumidor, RT, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Vol. 2, abril-junho 1992, pág.79
49
“Na verdade o Estado Social não surgiu de uma verdadeira transformação e rompimento com o Estado Liberal. É um Estado onde se implantou uma política de proteção de alguns direitos sociais, mas sem adaptar o seu sistema jurídico para a tutela dos interesses primaciais da sociedade, como os decorrentes dos conflitos transindividuais. Não é verdadeiramente um novo Estado, mas um remendo de Estado.”(grifo do original)
A sociedade evoluiu, mas o último Código de Processo Civil Brasileiro,
editado em 1973 e moldado sob as idéias do liberalismo, com acentuado predomínio da
autonomia da vontade, já nasceu com um déficit temporal e inadequação às idéias
processualistas vigentes no mundo, que já percebiam as necessidades decorrentes dessa nova
sociedade de massa na qual o mundo se transformou, demandando novas formas de
composição e de solução de conflitos mais eficazes. Nesse processo, a produção de bens e
serviços, com aumento excessivo do consumo, geraram relações jurídicas instantâneas, como
as ocorridas por meio virtual, trazendo a lume, por conseguinte, conflitos que necessitam de
solução de massa. Juntamente com a possibilidade de propositura de ações coletivas, o
implemento de métodos alternativos de solução de conflitos alcança especial importância,
pois promove a possibilidade de que as partes espontaneamente alcancem a melhor solução
para a demanda. Em outros termos, cumpre atender aos interesses de ambas as partes, pois se
contará com a aceitação, decorrente da mediação ou conciliação, resultando num acordo, onde
não haverá parte vencedora ou vencida.
O acesso à justiça foi elevado ao tema central das discussões acadêmicas e
jurisprudenciais, quando se descobriu que não interessa ao Estado a prática sistemática de
litígios entre os cidadãos e que a resposta às reivindicações sociais precisam ser rápidas não
somente em razão do interesse do cidadão, também pelo custo financeiro e emocional que as
longas demandas representam, neste último aspecto eternizando a angústia da demanda na
vida do jurisdicionado, com a possibilidade de gerar novos conflitos.
A demora na prestação jurisdicional, além de criar instabilidade na situação
jurídica das partes, impede que aquele que teve direito cerceado usufrua o mesmo durante a
demanda, eternizando a violação. Segundo leciona Leonardo Greco57, a tutela jurisdicional
efetiva ganhou conteúdo de direito fundamental diante da constitucionalização e da
internacionalização dos direitos fundamentais. Nessa linha de pensamento, o processo deve 56 ALMEIDA, Gregório Assagra, Direito processual coletivo brasileiro um novo ramo de direito processual – São Paulo:Saraiva, 2003, p. 53 57 GRECO, Leonardo, Garantias fundamentais do processo, in Júris Peoesi, Rio de Janeiro:Universidade Estácio de Sá, ano 7, nº 6 , 2004 p.3
50
ser visto como meio justo para um fim justo, subordinando-se aos princípios contidos no
artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
Nesse sentido, citando J.J. Calmon de Passos, pode-se inferir que “é
necessário conceber o processo como instrumento de realização efetiva dos direitos
individuais e coletivos, sendo então, em última análise um instrumento político de
participação social”58.
Conforme entendimento de Eduardo Santos de Carvalho, a ação deixa de ser
um direito abstrato para se transformar em instrumento voltado para a efetividade da tutela
pleiteada, exigindo o acesso a um resultado justo.59
Para a solução desses conflitos, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro60 propõe um re-
estudo da garantia constitucional de acesso à justiça a partir de quatro grandes princípios, os
quais devem ser observados de forma concomitante, pois são complementares: acessibilidade,
operosidade, utilidade e proporcionalidade que, em apertada síntese, seriam:
Acessibilidade – garantia do acesso à informação, possibilitando aos sujeitos
de direito a consciência da possibilidade da defesa de seus direitos em juízo, utilizando-se de
todo o instrumental jurídico para a perfeita realização do acesso à justiça, pois é inegável que
a tutela coletiva permite esse acesso àqueles que não teriam meios de litigar em juízo, não só
por falta de recursos financeiros, mas também por falta de discernimento para compreenderem
os seus direitos. Não há como desconhecer que o processo de exclusão social acaba por minar
a cidadania, incutindo na mentalidade dos excluídos a sua suposta inadequação social, como
se da sociedade não fizessem parte, sem direito de utilizar ou reivindicar os serviços
prestacionais do Estado.
Operosidade – situa-se no aspecto subjetivo dos sujeitos processuais que
devem empenhar-se eticamente para a melhor e mais rápida solução do conflito, com a
utilização correta dos meios processuais, com a busca da verdade e a índole conciliatória.
58 CALMON DE PASSOS, J.J. Democracia, participação e processo, in Participação e Processo, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1988, p. 95.
59 CARVALHO, Eduardo Santos de, Ação Civil Pública: instrumento para a implementação de prestações estatais positivas, in Revista do Ministério Público, RJ, nº 20 60 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro, Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública, tese de cátedra em Teoria Geral do Processo apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Forense, p. 55 ss, citado por Humberto Dalla em www.humbertodalla.pro.br/artigos/artigo _55
51
Utilidade – consubstancia-se nos princípios anteriores, pois o processo visa dar
ao vencedor tudo aquilo a que ele tem direito, de forma rápida e proveitosa, mas sem
sacrifício desnecessário ao vencido.
Proporcionalidade- dirige-se ao julgador, que deve privilegiar a solução que
atenda ao interesse mais legítimo do maior número de pessoas. Como esclarece Barbosa
Moreira 61, a ação coletiva constitui fator de correção ou atenuação de certa desigualdade
entre as partes. O litigante individual é eventual, enquanto os demais comparecem
continuamente em juízo.
Sob esse enfoque, para a efetividade do estudo dos interesses transindividuais,
típico da sociedade de massa, faz-se necessário empreender a análise dos interesses difusos,
coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, direitos chamados de terceira geração
em razão da solidariedade que caracteriza os interesses sociais, presentes no cotidiano de
todas as pessoas, independente de sua classe social ou espaço geográfico onde esteja
localizada.
Ao contrário dos interesses individuais, os transindividuais caracterizam-se
pela pluralidade de sujeitos com interesses convergentes, que incidem sobre o mesmo bem
indivisível, de modo que a satisfação do interesse de um dos sujeitos implicará a satisfação
dos demais. Abrangem direitos que, embora de grande importância para o indivíduo, são de
pequena expressão se considerado de per si, o que, por vezes, desestimularia o embate
judicial, que encontra nas ações coletivas um eficaz instrumento de proteção.
Quando do início das ocorrências das questões plurissubjetivas a serem
solucionas judicialmente, o direito processual civil respondeu à demanda por meio de
métodos até então disponíveis, como o litisconsórcio, onde os seus participantes agem em
nome e proveito próprio, ou senão das modalidades de intervenção de terceiros, o que afasta a
idéia de representatividade que caracteriza a ação coletiva. Naquela época ainda não eram
reconhecidos os direitos subjetivos transindividuais, pertinentes a membros de grupos ou
coletividades que necessitassem de resposta judicial, sendo esses interesses normalmente
confundidos com o interesse público, cuja defesa da titularidade era reconhecida somente ao
Estado, embora, por vezes, fosse ele próprio quem desrespeitava os direitos em tela.
A forma privada e individual de ver o Direito era originada na
patrimonialização, característica da legislação vigente, direcionada à proteção absoluta da
61 MOREIRA, Jose Carlos Barbosa, Temas de Direito Processual, Terceira Série. São Paulo, Saraiva, 1984
52
propriedade, destituída de qualquer função social, cultura ainda arraigada ao capitalismo
dominante, típico do ambiente cultural do liberalismo-individualista. Foi necessária uma
forma de pensar que percebesse o caráter indisponível dos direitos tutelados por meio da
tutela coletiva e, dessa forma, não só propiciando redução das demandas individuais a serem
apreciadas pelo Poder Judiciário, como também garantindo o acesso à Justiça a um maior
número de pessoas, que muitas vezes, por falta de conhecimento, deixavam de promover a
defesa dos seus interesses.
O processo coletivo surgiu ao lado do direito processual penal e do direito
processual civil, tomando as vestes de direito processual coletivo, subdividindo-se em
especial, quando o objeto material for o controle em abstrato da constitucionalidade; e
comum, quando a tutela for do direito coletivo lesionado ou ameaçado de lesão, em
decorrência de um ou de vários conflitos coletivos ocorridos no plano concreto.
2.3 – Os interesses transindividuais na legislação brasileira
Os interesses transindividuais caracterizam-se pela presença de sujeitos com
interesses convergentes, justapostos, incidentes sobre o mesmo bem indivisível, ocasionando
que a satisfação do interesse de um desses sujeitos importará na satisfação dos demais, por
mais que não tenham sido parte nomeada naquela ação, ou sequer que tenham tido o
conhecimento da propositura da mesma.
A legislação trabalhista foi reconhecidamente a precursora do movimento
social no tocante à defesa do interesse coletivo, com destaque aos direitos sociais, resultando
na Consolidação da Legislação do Trabalho em 01 de maio de 1943. Esse novo ordenamento
jurídico, muitíssimo avançado para o contexto jurídico da época, já trazia preocupação com a
instituição de ações coletivas, através dos dissídios coletivos de trabalho, bem como com a
legitimação dos sindicatos para a defesa do interesse dos seus associados. Pesa sobre a
legislação, contudo, o fato de ter cedido às pressões das oligarquias vigentes e ter
expressamente excluído do seu texto os trabalhadores rurais, que, somente na década de 50,
em razão de apelos sociais e políticos, tiveram parte dos seus direitos reconhecidos62.
Assim, a maioria das ações coletivas vigentes tem origem na Constituição
Federal, conforme disposto no artigo 129, III (ação civil pública); artigo 5º, LXXIII (ação
62 ALMEIDA, Gregório Assagra, Op. cit
53
popular); artigo 5º, LXIX e LXX (mandado de segurança coletivo); artigo 114, parágrafo 1º
(dissídio coletivo); artigo 5º. LXXI (mandado de injunção); artigo 102, I, a (ação direta de
inconstitucionalidade). Destarte, a fim de adequar-se à necessidade processual interna e sob
as fortes influências do direito comparado, o legislador brasileiro criou os seguintes
mecanismos na legislação infraconstitucional:
Anterior à edição dessa lei propriamente dita, a sua denominação já constara na
Constituição do Império de 1824. Mancuso63 assevera que, no artigo 157 da mencionada
Carta, era previsto que “Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção
popular, que poderá ser intentada dentro de anno e dia pelo próprio queixoso, ou por
qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecido na Lei.”
A primeira Constituição que a amparou foi a de 1934, no inciso 38 do seu
artigo 113, formulado com o seguinte teor: “Qualquer cidadão será parte legítima para
pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União,
dos Estados ou dos Municípios.” Contudo, a mesma foi suprimida da Carta de 1937, somente
retornando na Constituição de 1946, em seu artigo 141 parágrafo 38, que aumentou o seu
objeto, estendendo-a para que ficassem sob tutela os atos da administração indireta, nos
seguintes termos: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a
declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios,
das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.”
A Constituição de 1967 manteve-a no artigo 151 parágrafo 31, nos seguintes
termos: “Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise anular
atos lesivos do patrimônio de entidades públicas.”, o que constituiu forma de retrocesso em
relação ao texto da Carta de 1946, por ter restringido o seu objeto às entidades públicas,
deixando de fora as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Nesse sentido, encaminhou-se o instituto de vanguarda no Direito brasileiro, o
qual retrata uma hipótese de legitimação extraordinária. No entanto, a ação popular não foi
suficiente para a defesa do cidadão comum, uma vez que sempre restou comprovada a
disparidade entre as partes. Segundo Alcides A. Munhoz da Cunha64, a ação popular foi
idealizada para que qualquer cidadão pudesse atuar em juízo para a preservação do patrimônio
público, impugnando atos lesivos à Administração Pública, o que na prática demonstrou ser
63 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação Popular, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 37-38 64 MUNHOZ DA CUNHA, Alcides A., in Revista de Processo n. 77, p. 224 ss
54
ineficaz em razão do desequilíbrio das partes, pois enquanto o cidadão defendia só a sua tese,
o ente público contava com uma procuradoria para promover a sua defesa.
O referido artigo da Carta de 1967 foi regulamentado pela Lei 4.717/65, que
em seu artigo 18 inovou ao dispor que “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível
erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de
prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova.” Esse dispositivo serviu de modelo para a eficácia da coisa
julgada nas demais ações coletivas.
Posteriormente, esse instituto perdeu forma diante da amplitude do texto da Lei
da Ação Civil Pública, bem como acabou desvirtuando-se para fins políticos, despindo-se de
sua finalidade originária, um precioso instrumento de cidadania, gerando descrédito, quando
de sua utilização, embora acionado por cidadão com legítimos interesses.
A defesa da tutela coletiva, termo assim tomado como gênero para caracterizar
as normas jurídicas que têm por fim a defesa de interesses meta-individuais, avançou com a
edição da Lei 7.347/85, que, inicialmente, era limitada à defesa do meio ambiente,
consumidor e ao patrimônio artístico, estético, histórico, paisagístico e turístico. Com o
advento da Constituição da República de 1988, houve sensível incremento do seu objeto, com
a proteção de “outros interesses difusos e coletivos”.
Essa ampliação, ainda em 1988, somente previa a defesa desses interesses pelo
Ministério Público, eis que a ampliação temática havia ocorrido especificamente no Capítulo
das suas funções institucionais, o que impossibilitava a atuação dos demais legitimados
indicados no artigo 5º da referida Lei da Ação Civil Pública.
Contudo, o Código de Defesa do Consumidor não só aperfeiçoou a defesa dos
interesses difusos e coletivos, como também estendeu essa legitimidade aos atuais
legitimados. Esse diploma legal passou formalmente a interagir com a Lei da Ação Civil
Pública, proporcionando um sistema processual coletivo até então inexistente e que, embora
já ultrapassados os dezessete anos de sua promulgação, ainda assim causa temor para alguns
aplicadores do Direito, arraigados aos princípios do processo civil individual.
Reconhece-se que a ação civil está relacionada historicamente ao Ministério
Público, em razão de ter sido atribuição deste pleitear a aplicação da atividade jurisdicional
em matéria civil. Com o advento da Lei 7.347/85, o termo ação civil pública passou a ser
entendido como hábil à defesa de pretensão transindividual, seja ela individual, homogênea,
coletiva ou difusa, desvinculando-se da legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público.
55
Conforme assinalado por Humberto Dalla65, a legitimação para a ação coletiva
é de natureza política, por ter sido opção legislativa expressamente indicar nominalmente os
legitimados, não tendo sido tal legitimidade reconhecida ao sujeito em abstrato da relação
jurídica de direito material, permitindo que sempre um mesmo rol de entes a promovesse em
nome do interesse ameaçado ou já lesionado.
A legitimidade ativa da ação civil pública tornou-se disjuntiva e concorrente,
porque qualquer um dos legitimados, respeitando a legitimada exigida para a defesa de cada
um desses interesses, pode ajuizar a ação sem a necessidade da presença de outro legitimado.
O rol é taxativo, porque somente poderão ser autores os entes arrolados no artigo 5º da Lei
7.347/85, o que a diferencia da class action norte-americana, onde a legitimidade é aferida
caso a caso, através do instituto da representatividade adequada.
Houve avanço na defesa do interesse público em razão da ampliação do rol dos
legitimados, entes ou órgãos que dispõem de garantias e estrutura suficiente para estar em
paridade processual com o réu, que, em sua maioria, são geralmente outros entes públicos ou
privados, que agem por delegação do poder público ou com recursos públicos; bem como pela
extensão dos novos interesses que poderiam ser defendidos por essa nova via, uma vez que o
objeto de proteção da lei foi sensivelmente ampliado. Decorreu dessa ampliação a
possibilidade da proteção do meio ambiente, dos consumidores, dos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Outro aspecto importante foi a possibilidade de se acumular pedido liminar
com o principal, bem como a eficácia erga omnes da coisa julgada, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, o que ainda constitui retrocesso, porque implica
possibilidade de existência de decisões conflitantes sobre o mesmo tema em razão da
diferença territorial. Exceção à regra da coisa julgada ocorrerá quando houver sentença de
improcedência, por falta de provas ou a coisa julgada ocorrer secundum eventum litis.
Em continuidade a essas modificações, o legislador prevê a possibilidade da
existência da formação de litisconsórcio entre os entes legitimados; a possibilidade de o juiz
conferir efeito suspensivo a qualquer recurso, além de poder determinar o cumprimento
específico da obrigação de fazer e não fazer.
Eficaz também foi a previsão de formação de um fundo com o produto das
condenações por violação desses interesses, o que permitiu a criação de recursos para reparar
65 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de, A Legitimidade da Defensoria Pública para a Propositura de Ações Civis Públicas: primeiras impressões e questões controvertidas, acessado em 15/11/07 http:www.humbertodalla.pro.br
56
o dano já concretizado. Nessa mesma esteira de pensamento, pode ser utilizada a previsão do
art. 634, e seguintes, do CPC, que consiste na possibilidade de execução de coisa fungível
pelo credor ou por terceiro, a expensas do devedor.
Essa modalidade de subrogação em face do Estado é medida extrema, de
grande utilidade na falta ou insuficiência de previsão orçamentária e somente terá cabimento,
depois de esgotadas todas as tratativas possíveis com o Estado. A subrogação consiste na
determinação do Poder Judiciário, mediante requerimento do legitimado processual, à
Administração Pública para que seja incluída no projeto de lei orçamentária do exercício
vindouro a verba necessária para o cumprimento da obrigação.66
A prática tem comprovado que nem sempre será possível aguardar a inclusão
no orçamento para obter o recurso necessário ao cumprimento da prestação, sob pena de
inutilidade do seu cumprimento ante o mal já concretizado. Nessa hipótese, o Judiciário
poderá determinar à Administração o remanejamento de verba já orçada e aprovada, sob pena
de descumprimento de uma ordem jurídica justa.
A legislação infraconstitucional iniciou uma nova fase, desta feita voltada para
a defesa de grupos, em claro reconhecimento da necessidade de defesa coletiva desses. No
ano seguinte à promulgação da nova Carta Constitucional, é editada a Lei 7.853/89, que
dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, instituindo a
tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos desse grupo social. Conforme consta do
artigo 3º da mencionada lei, os legitimados à proteção de interesses coletivos ou difusos das
pessoas portadoras de deficiência serão o Ministério Público, a União, Estados, Municípios e
Distrito Federal; as associações constituídas há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil,
autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas
finalidades institucionais, a proteção às pessoas portadoras de deficiência.
Aos demais legitimados ativos é permitida a possibilidade de habilitarem-se
como litisconsortes nas ações propostas por qualquer deles, bem como, no caso de desistência
ou abandono da ação, também lhes é assegurado assumir a titularidade ativa.
Por analogia à alteração da legitimidade ocorrida na Lei da Ação Civil Pública,
a Defensoria Pública também poderá defender esses direitos de forma coletiva. É pertinente
esclarecer que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro há mais de uma década conta
66 CARVALHO, Eduardo Santos de, Ação Civil Pública: instrumento para a implementação de prestações estatais positivas, in Revista do Ministério Público, RJ, nº 20
57
com órgão especializado para a defesa dos interesses das pessoas portadoras de necessidades
especiais.
Em prosseguimento à edição de legislação para defesa coletiva, é editada a Lei
7.913/89A primeira lei com características de class action for damages no Brasil. Cuida da
reparação de danos coletivos e legitima o Ministério Público - e nesse particular ressalte-se
que a instituição permanece com a exclusividade para a defesa desses interesses, a adotar as
medidas judiciais para evitar prejuízos ou ressarcir os danos causados aos titulares de valores
mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de operação
fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais
de procura, oferta ou preço de valores mobiliários.
A defesa ocorrerá por ocasião de compra ou venda de valores mobiliários, por
parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de
informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado, ou a mesma
operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem
quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas. Também será objeto de defesa a
verificação de que ocorreu omissão de informação relevante por parte de quem estava
obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.
Em 1990 é editado o Estatuto da Criança e do Adolescente por meio da Lei
8.069. A mencionada legislação confirmou o disposto no artigo 227 da Constituição Federal,
que estabelece:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Refletindo a preocupação do legislador, garante em título próprio, denominado
Do Acesso à Justiça, artigo 141, o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública,
ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos. A mesma
preocupação se repete no Título VI quando dispõe da Proteção Judicial dos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos. O artigo 208 dispõe sobre os direitos assegurados à criança
e ao adolescente, adotando a cautela de expressamente mencionar que o rol não é taxativo:
“As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses
58
individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela
Constituição e pela Lei”67.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, desde o início da década de
90, conta com órgão especializado para defesa de criança e do adolescente, em atuação
relevante perante a Vara da Infância, Juventude e Idoso da capital e de todo o Estado, seja
para defesa e proteção da criança em situação irregular, seja para aquela que cometeu ato
infracional, inclusive com atendimento das instituições onde os menores são internados.
Em prosseguimento à defesa da titela coletiva, e com vistas à preservação da
conduta dos agentes públicos, é editada a Lei 8.492/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, conhecida como
“Lei de Improbidade Administrativa”. A legitimidade ativa cabe ao Ministério Público ou à
pessoa jurídica interessada. A ação tem natureza coletiva, pois não visa à proteção do
interesse exclusivo da Fazenda, eis que privilegia o interesse transinvividual da coletividade,
lesada pela ação ou omissão do funcionário público ou pessoa a ele equiparada.
A tipificação dos atos que importam em improbidade administrativa e resultam
em enriquecimento ilícito ou que causam prejuízo ao erário estão descritos no artigo 9º e 10º,
respectivamente, da mencionada lei. O artigo 11 relaciona os atos de improbidade
67Várias foram as ações já propostas pelas Instituições Defensoria Pública da União e dos Estados para a defesa da criança e do adolescente, conforme retrata a notícia que segue: Brasília, 25/07/2006 (DPGU) - O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em agravo de instrumento interposto pela Defensoria Pública da União, reconheceu a legitimidade da Instituição para ajuizar Ação Civil Pública em que cobra imediata atuação do Poder Público (União, Estado e Município) em benefício de crianças e adolescentes em situação de risco, moradores de rua na cidade de Belém. O próprio Ministério Público Federal, em manifestação, citou que a “Defensoria Pública da União, como órgão estatal destinado à promoção do direito fundamental, é permitido valer-se de quaisquer medidas judiciais adequadas à defesa dos direitos metaindividuais das pessoas carentes”.No processo, iniciado em novembro de 2004 pelo Defensor Público da União Anginaldo Oliveira Vieira, o juiz de primeira instância não havia reconhecido a DPU como parte legítima para o pleito. Em sua petição inicial, o Defensor Público Anginaldo Vieira citou o estado das crianças e adolescentes “abandonadas à própria sorte, vítimas da omissão do Estado em cumprir com a sua obrigação de colocá-las a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.Lembrando o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, ele requereu que o Poder Público tomasse providências no sentido de colocar as crianças em abrigos especialmente destinados ao atendimento dos seus direitos, a inclusão das mesmas, ou das respectivas famílias, em programas de assistência como o `Fome Zero´ e “Bolsa Família´, o imediato tratamento médico de viciados em substâncias entorpecentes ou acometidos de algum tipo de moléstia e a matrícula com freqüência obrigatória em estabelecimentos oficiais de ensino fundamental”, entre outras. Com a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a Defensoria Pública da União volta a acompanhar a Ação Civil Pública em defesa das crianças e adolescentes moradores de rua em Belém, como autora da proposta inicial
59
administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, os quais também
são considerados condutas criminalmente puníveis.
Em 1994 é editada a Lei Antitruste, Lei 8.894, que dispõe sobre a prevenção e
a repressão às infrações contra a ordem econômica, transformando o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE) em autarquia. Logo no parágrafo único do artigo 1º, deixa
claro que a coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por aquela lei. Em seu artigo
29, menciona que os prejudicados por condutas descritas nesse documento legal, por si ou
pelos legitimados do artigo 82 da Lei 8.078/90, poderão ingressar em juízo para, em defesa de
seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obterem a cessação de práticas que
constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas
e danos sofridos, independente do processo administrativo.
A proteção do meio-ambiente (organismos geneticamente modificados), foi
objeto de atenção do legislador ao editar a Lei 8.974/95, que foi revogada pela Lei 11.105/05.
A lei revogada estabelecia técnicas para o uso de engenharia genética e liberação no meio
ambiente de organismos geneticamente modificados. Foi expressamente revogada pelo artigo
42 da Lei 11.105/05 que, ampliando o seu objeto de proteção, estabelece normas de segurança
e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam a construção, o cultivo, a produção,
a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a
pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação do meio ambiente e o descarte de
organismos geneticamente modificados – OGM. Todas essas etapas relacionadas aos OGM
têm por fim a proteção à vida e à saúde humana, vegetal e animal, com a observância do
princípio da preocupação para a proteção do meio ambiente.
Desta feita voltado para o uso da propriedade urbana, o legislador editou a Lei
10.257/01 que, ao regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana por meio de normas de ordem pública e de interesse social,
que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, tais como a usucapião
coletiva e o IPTU progressivo, com clara demonstração de preocupação com o interesse
difuso e coletivo da sociedade, estabelecendo que todas essas disposições também devem
estar em consonância com o equilíbrio ambiental.
Em relação ao artigo 230 da Carta Constitucional, é editada a Lei 10.741/03,
que dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa, assim considerada a pessoa acima de 60
(sessenta) anos, indicando no artigo 81 que, para as ações cíveis fundamentadas em interesses
60
difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos, consideram-se legitimados,
concorrentemente, o Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios; a Ordem dos Advogados do Brasil; e as associações legalmente constituídas há
pelo menos 1 (um) ano, de acordo com sua adequação temática. Em razão da recém
legitimidade da Defensoria Pública para a defesa desses interesses, entende-se que a essa
Instituição também se estende a legitimidade para a defesa da pessoa idosa.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conta com o Núcleo
Especializado de Atendimento e Proteção da Pessoa Idosa, criado pela Resolução DPGE/80,
de 25 de setembro de 1997.
De recente edição é a Lei 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”,
que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
do parágrafo 8º do artigo 226 da Carta Magna, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, inclusive com a criação de Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Essa política pública deverá ser implementada por meio de um conjunto
articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações
não-governamentais.
Às mulheres em situação de violência doméstica e familiar é garantido o acesso
aos serviços da Defensoria Pública ou da Assistência Judiciária Gratuita, em sede policial e
judicial, na forma do disposto no artigo 28 da referida lei.
A defesa dos interesses e direitos trans-individuais previstos nesta Lei poderá
ser exercida, de forma concorrente, pelo Ministério Público e por associações de atuação da
área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos moldes do já preconizado em
legislações anteriores.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro integra a teia de instituições
que promove a defesa da mulher vítima de violência, com participação no Conselho Estadual
dos Direitos da Mulher – CEDIM, em razão do trabalho prestado no Núcleo Especializado no
Atendimento à Mulher Vítima de Violência.
2.4 – A defesa dos interesses transindividuais na Carta Magna de 1988
Embora importantes e necessárias as inovações anteriormente mencionadas, foi
no campo legislativo constitucional que ocorreu a ampliação da proteção a todos os interesses
61
transindividuais e a consagração dos direitos aos cidadãos e deveres ao Estado, com a
implementação de políticas públicas, decorrência da evolução do Estado Liberal para o Estado
Social, proporcionando a criação de novas leis e programas voltados para defesa dos direitos
difusos.
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional, garantindo o acesso de todos à defesa de direitos individuais, coletivos
e difusos, enquanto que a Carta Constitucional de 1969 limitava esse acesso à defesa de
direito individual. A expressão assistência judiciária, da Constituição anterior, foi substituída
por assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados, um conceito mais amplo e que
alcança, tanto a consultoria, como a assistência extrajudicial em geral. O dispositivo em tela,
ao dispor que a assistência jurídica será “integral”, aponta que tal termo não constitui mero
adjetivo, mas dotado de significado próprio de abranger toda e qualquer modalidade de ação
que vise à proteção desses interesses.
A defesa do consumidor é caracterizada como direito fundamental,
constituindo um dos princípios da ordem econômica e financeira, conforme dispõe o art. 170,
V, da CF e, diante de um sistema de cunho eminentemente capitalista, são necessárias normas
jurídicas para regular as relações entre fornecedores/prestadores de serviço e consumidores,
ocasionando demandas que envolvem direitos individuais e metaindividuais.
De considerar a ampliação do objeto da ação popular, a possibilidade do
mandado de segurança coletivo, a legitimidade dos sindicatos para ajuizar ações coletivas em
defesa dos interesses transindividuais da sua categoria referente às suas qualificações e
atividades próprias e, por fim, a legitimação do Ministério Público para ajuizar ação civil
pública em defesa do patrimônio público e social e de qualquer outro interesse difuso ou
coletivo, sem exclusão de outros entes expressamente legitimados na Constituição Federal ou
na Lei, conforme estabelece o artigo 129, parágrafo 1º da Carta Magna.
Questiona-se a respeito da representatividade adequada para a impetração do
mandado de segurança coletivo, sendo comum que os sindicatos impetrem ação de segurança
coletiva em prol dos seus associados.
No entanto, a questão doutrinária de repercussão está em que, sendo o
mandado de segurança entendido como ação coletiva, a ele deve ser aplicado o regime da
coisa julgada, prevista pelo Código de Defesa do Consumidor; ou seja, somente será cogitável
naqueles casos de acolhimento da pretensão, deixando a possibilidade daqueles que não
62
participaram diretamente do processo recorrer ao Poder Judiciário para obtenção da prestação
jurisdicional.
Ocorre que, em seguimento ao sistema da coisa julgada nas ações coletivas, a
sua formação será secundum eventum litis, gerando disparidade, por exemplo, entre
contribuintes associados em sindicatos diversos, quando somente um destes impetrou ação
visando anulação de determinado tributo comum a outros sindicatos, obtendo provimento
favorável ao final. Como pode a um mesmo fato ser aplicada solução diversa?
Melhor sorte seria se o efeito da decisão nessa hipótese fosse erga omnes.
Mas, para que haja pertinência lógica e jurídica, e essa decisão tenha efeito secundum
eventum litis, há que ser entendido que a possibilidade contida na letra b do inciso LXX do
artigo 5º da CF, o sindicato somente poderá impetrar mandado de segurança coletivo para a
tutela de interesses próprios de cada coletividade.
A opção do legislador em conferir às ações coletivas o efeito previsto no artigo
81, III do CDC, formando coisa julgada somente para a hipótese de procedência da ação,
desestimula as vítimas a concentrarem esforços numa ação coletiva, onde haveria maior
interesse e eficácia na apuração da verdade, mas pelo contrário, dilui a produção de prova,
estimula a abstenção e a expectativa do insucesso da ação coletiva para ingressar com uma
ação individual.
Outra questão a ser apontada está em que, independente do rol dos legitimados,
sempre que o juiz entender que aquele que se apresenta como portador de uma pretensão
coletiva não possuir condições para bem representar a classe ou a coletividade, deverá
indeferir o seguimento da ação. Como isso não ocorre em tempo oportuno, resulta em
decretos de carência da ação, extinguindo-a, desperdiçando atos processuais ultimados.
Com referência a ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal realiza duas verificações acerca da legitimidade: a primeira se dá com a legitimidade
em abstrato, em tese (segundo rol do art. 103 da CF); e no caso de entidades privadas, se há
pertinência temática que comprove o interesse jurídico na impetração da ação.68
Essa segunda verificação é uma criação exclusivamente jurisprudencial. O STF
entende que há necessidade de reconhecer possibilidade de agir àqueles que demonstrem
serem representantes adequados, o que não tem amparo legal, uma vez que essa ação não tem
partes, sem apreciação de qualquer direito subjetivado de quem quer que seja.
68 Nesse sentido consultar as ADIN 1159-6 AP e ADIN 1693-0 MG
63
2.5 - Código de Defesa do Consumidor
Constituiu avanço legislativo para regular as relações de consumo,
expressamente definindo o consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, que desenvolve atividade de produção,
montagem, criação, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.
O Código de Defesa do Consumidor, a fim de dissipar possíveis dúvidas, foi
expresso em dispor que na coletividade de consumidores incluem-se nessa qualidade não só
os consumidores de fato, como também todas as pessoas da coletividade que hajam intervindo
nas relações de consumo ou estejam sujeitas às práticas comerciais, objeto do Capítulo V do
Código, que trata do processo administrativo.
Trouxe a ampliação das suas disposições para qualquer ação coletiva,
estabelecendo total interação entre o texto da Lei da Ação Civil Pública com este novo
Código, como se fossem uma única lei. A ação coletiva conceitua-se como o direito de exigir
do Estado a prestação da tutela jurisdicional em nome de uma coletividade, determinada ou
não. (Hugo Mazzilli)
Barbosa Moreira, citado por Mafra Leal69, aponta como principal elemento
caracterizador dessa ação a representação de interesses por uma única pessoa, percebendo que
há duas espécies de ações coletivas distintas: uma que trata de litígios essencialmente
coletivos e outra que cuida de litígios acidentalmente coletivos.
O artigo 81 da referida Lei classifica e conceitua os interesses transindividuais,
para o que cabe tecer os seguintes comentários sobre os mesmos:
Inicialmente, como assevera Kazuo Watanabe70, a expressão tutela coletiva
abrange dois tipos de direitos e interesses coletivos: os essencialmente coletivos são utilizados
para abranger os direitos difusos, previstos no inciso I, do parágrafo único, do artigo 81 do
CDC, e os coletivos propriamente ditos, descritos no inciso II do mesmo artigo. Já os direitos
individuais homogêneos entrariam em uma segunda classificação em razão de serem
69 LEAL, Marcio Flavio Mafra, Ações Coletivas: historia, teoria e prática, Porto Alegre:SAFE, 1998, p.41 70 WATANABE, Kazuo, Código de Defesa do Direito do Consumidor, p. 739
64
eventualmente coletivos, definido no inciso III do mesmo parágrafo do artigo 81 do CDC. No
entanto, para esse autor, a expressão tutela coletiva é sinônima, uma vez que naquele
momento todos os direitos ali dispostos necessitam da tutela coletiva. Ademais, todo interesse
transforma-se em direito no momento em que passa a ser amparado legalmente.
No entanto, a doutrina diverge sobre o tema. Há autores71 que reconhecem
diferença entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, não restringindo a
análise somente em relação à ligação que os titulares mantêm entre si, sejam elas de fato ou
de direito, mas a intensidade dessa relação, que no direito difuso, como o próprio nome diz, é
menor definido que nos direitos coletivos.
Há na doutrina estrangeira corrente contrária à diferenciação entre interesses
difusos e interesses coletivos. Mas, partindo da corrente que os distingue, os interesses difusos
são transindividuais e têm natureza indivisível em razão da total impossibilidade de fracionar-
se o bem lesionado, os titulares são, por conseguinte, indeterminados e ligados entre si em
razão de circunstância de fato – liame fático, não possuem vínculo jurídico formal com a parte
contrária.
Não importa que eventualmente exista uma associação visando proteger seus
interesses, porque esta será de natureza essencialmente formal e não terá condições jurídicas
de identificar todos os possíveis interessados de modo a organizá-los em classes, grupos ou
categorias.
As decisões farão coisa julgada erga omnes. Se o pedido for julgado
procedente, a sentença será revestida pela impossibilidade de modificação – imutabilidade da
coisa julgada, impedindo sua rediscussão por outro interessado. No entanto, se o pedido for
julgado improcedente por falta de provas, permite a possibilidade de ingressar com nova ação
por outro legitimado munido de novas provas. Contudo, se a improcedência do pedido for
fundamentada no convencimento do magistrado no sentido de que não assiste razão à parte
autora, a lide também se tornará imutável.
O grande mérito dessa inovação processual está em estender os efeitos da
sentença favorável, com a força da imutabilidade da decisão, a terceiros estranhos àquela
relação jurídica estabelecida com a ação coletiva, alcançando e beneficiando toda a
comunidade titular do interesse lesado.
A distinção básica entre o interesse coletivo e o difuso reside em que enquanto
os titulares dos interesses difusos serão sempre indeterminados, os titulares dos interesses 71 ALPA, Guido, Interessi Difusi, Revista de Processo, nº 81, jan-março 1996 p. 146-157
65
coletivos poderão ser determinados; embora o interesse que os une permaneça com natureza
indivisível. O liame entre eles é a relação existente entre os componentes desse coletivo e uma
segunda relação, esta tendo como origem a ameaça de lesão ou a própria lesão já ocorrida ao
direito desses.
A coisa julgada se opera ultra partes, porque além das partes formais, atinge
todos os sujeitos determinados da lide enquanto integrantes do grupo, classe ou categoria com
interesses diferenciados e determináveis. Somente a coletividade titular do direito lesado e
seus membros são atingidos pela coisa julgada, e não todas as pessoas indiscriminadamente,
uma vez que há uma prévia relação jurídica entre as partes.
Os interesses individuais homogêneos são, na verdade, direitos individuais que
poderiam ser defendidos de forma isolada por cada indivíduo lesionado em razão deste ser
identificado desde a ocorrência da lesão e o direito envolvido ser de natureza divisível. Mas,
por questões de celeridade e efetividade processual, bem como em razão da origem comum,
possibilitam a defesa por meio da utilização da tutela coletiva.
Simboliza a primeira class action do direito brasileiro, já que o direito por ela
objetivado é individual e não difuso ou coletivo. Tem tratamento de tutela coletiva em razão
de sua natureza divisível. A origem desse direito é comum e a prevalência dessas questões
comuns sobre as individuais deve estar presente, sendo sua condição de admissibilidade. O
que se pretende com a ação é uma condenação genérica em favor de todas as vítimas, ou dos
seus sucessores, em virtude de danos sofridos nessa mesma origem. A divisibilidade do
direito se opera apenas no momento da liquidação dos danos pessoalmente sofridos e no
momento da execução, transformando-se em uma reparação material individualizada.
A coisa julgada se dará erga omnes, como se os co-titulares dos interesses
individuais homogêneos fossem sempre indeterminados e o efeito será secundum eventum
litis somente para os casos de procedência, excluído o caso de improcedência pela falta de
provas.
Questão a ser esclarecida é a legitimidade concorrente do titular do interesse
difuso, diretamente atingido no seu direito, com os legitimados para a tutela coletiva na
modalidade interesse difuso ou coletivo, conforme consta nos artigos 103, parágrafos 1º, 2º, 3º
e 104 do Código de Defesa do Consumidor. Quando o legislador deixou em aberto a
possibilidade do titular do direito coletivo ou individual homogêneo de pessoalmente buscar a
defesa do seu direito, independente da propositura da ação coletiva, propiciou ao
jurisdicionado mecanismos de participação direta no processo coletivo, permitindo a
conjugação de instrumentos de democracia representativa e instrumento de democracia direta.
66
A fim de dar exeqüibilidade às decisões judiciais e estimular a tutela coletiva, a
lei atribui ao autor da ação individual o ônus de requerer a suspensão da ação até o trânsito em
julgado das ações coletivas, sob pena de ter de submeter à decisão do julgado em sua ação
individual, por mais favorável que tenha sido a decisão na ação coletiva.
No que tange aos efeitos da coisa julgada, os três incisos do artigo 81 Código
de Defesa do Consumidor acima comentado têm em comum a regra de que a coisa julgada
ocorrerá sempre para beneficiar o titular do direito lesado, na forma dos artigos 103, I a III e
seus parágrafos 1º a 3º.
No momento da execução da ação coletiva, uma vez obtida a sentença genérica
de procedência, cessa a legitimação extraordinária, dependendo da iniciativa do próprio titular
do direito lesado, tornando-se verdadeira ação individual.
Cabe discorrer sobre a possibilidade de transação nas ações coletivas. Como
não há disposição expressa no texto legal, há duas alternativas: ou é vedada a sua realização
ou, se realizada, não se pode cogitar do seu caráter vinculante, ao menos para aqueles
membros ausentes que discordarem dos termos da convenção.
O CDC alterou a Lei da Ação Civil Pública no seu parágrafo 5º do art. 5º,
passando a ser facultado somente aos órgãos públicos tomarem compromissos de ajustamento
de exigências legais com eficácia de título executivo extrajudicial. No entanto, na seara do
compromisso de ajustamento de conduta, ou termo de ajustamento de conduta como ficou
conhecido, não se trata de transação, uma vez que o mesmo é um reconhecimento implícito da
ilegalidade da conduta e promessa de que o infrator se adequará à lei, independente do
ressarcimento de eventual prejuízo causado. A natureza jurídica do instituto é de ato jurídico
unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização.72
No entanto, em se tratando de ações coletivas propriamente ditas, a transação
poderá ser efetivada desde que o juiz verifique vantagem na sua realização, bem como não
pode excluir a possibilidade de sua contestação por pessoa que se sinta lesada no seu direito.
Após essas considerações, cabe esclarecer que o tema da natureza jurídica do
termo de ajustamento de conduta não é pacífico, uma vez que Rodolfo Camargo Mancuso e
Hugo Mazzilli entendem que a natureza jurídica do termo de ajustamento de conduta é de
uma transação processual. No entanto, em posição contraposta e de igual peso, temos Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro que sustenta não se tratar de transação, mas sim uma forma de
reconhecimento do pedido.
72 Jose dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública, Ed. Lúmen Júris, 2007, p. 215
67
Tecidas as considerações acima, o tema da tutela coletiva é de especial
relevância para o estudo e garantia aos direitos prestacionais em sentido estrito, assim
caracterizados por Alexy:
“Os direitos e prestações em sentido estrito são direitos do indivíduo frente ao Estado a algo que – se o indivíduo possuísse meios financeiros suficientes e se encontrasse no mercado uma oferta suficiente – poderia obtê-lo também de particulares. Quando se fala em direitos sociais fundamentais, por exemplo, do direito à previdência, ao trabalho, à moradia e à educação, se faz referência primordialmente a direitos e prestações em sentido estrito.” 73
Nesse diapasão, a importância do estudo da tutela coletiva, dentre outras
questões, está na necessidade de implementação de políticas, típico direito prestacional, o qual
não pode ser obtido livremente do mercado pelo cidadão, sendo necessária a participação
efetiva do Estado na sua consecução, conforme melhor será visto no Capítulo 4.
2.6 - A Class Action do Direito norte-americano
O instituto da ação civil pública brasileira tem sua origem no direito norte-
americano, que já o conhecia desde 1820 e que, por sua vez, teve como referência histórica o
bill of peace74, datado do século XVII, na Inglaterra, embora outras fontes tenham contribuído
para a sua existência nos moldes atuais, conforme acima mencionado quando falado sobre a
parte histórica do instituto da tutela coletiva. O bill of peace envolvia uma autorização para o
processamento de ações individuais como coletiva, desde que houvesse um número excessivo
de interessados que, se unidos em litisconsórcio, o mesmo seria impossível ou impraticável;
73 Marcos Maselli Gouves, O Controle Judicial das Omissões Administrativas, Ed. Forense, 2003 74 O tribunais de equidade (courts of equity ou courts of chancery), com existência concomitante aos tribunais de direito, permitiam o litisconsórcio fundado na existência de questões comuns e determinavam a intervenção obrigatória de todas as pessoas interessadas no julgamento da lide; enquanto os tribunais de direito somente admitiam o litisconsórcio necessário e exigiam a exigiam a intervenção compulsória de terceiros em determinado processo quando houvesse ligação direta e imediata do terceiro e o julgamento da lide. No entanto, os courts of equity perceberam que tal obrigatoriedade de intervenção por vezes frustrava o intento dos demais interessados, uma vez que dificultava e retardava o andamento do processo. A fim dar solução a esse impasse passaram a admitir exceções à regra geral e assim surgiu o bill of peace, quando se passou a permitir as ações representativas.
68
deveria haver o interesse comum entre os envolvidos e que o autor representasse
adequadamente os interesses daquele grupo que se encontrava na mesma situação conflituosa.
Há peculiaridades da class action impossíveis de serem transportadas para o
Direito brasileiro, uma vez que o Direito norte-americano tem por base a common law,
enquanto aquele, a civil law. Espera-se, contudo, que os objetivos visados por essa ação sejam
comuns nos dois países: promover a economia e celeridade processual, além de possibilitar o
aceso à Justiça aos jurisdicionados.
Antonio Gidi75 afirma que a ação coletiva pode proporcionar com melhor
eficácia a proteção de interesses de pessoas hipossuficientes, como comumente ocorre com as
minorias oprimidas, que nem mesmo sabem que seus direitos foram violados ou, se o sabem,
não possuem as demais informações necessárias para buscar a tutela jurisdicional para
defendê-los. Outra hipótese defendida pelo autor está no temor de que algumas pessoas se
contraponham ao responsável pela conduta ilícita com receio das represálias.
Outra questão que independe da reparação pecuniária do dano, está no caráter
pedagógico das ações coletivas, uma vez que potenciais infratores, diante da existência de
legislação e de legitimados eficientes, se sentirão desencorajados a praticar condutas ilícitas
diante do receio da punição, com aplicação de altas sanções pecuniárias, promovendo, de
forma compulsória, a observância da legalidade.
Como regra ao juiz norte-americano cabe tão-somente o impulso processual,
bem como zelar pelo regular desenvolvimento do processo. A autonomia das partes no Direito
norte-americano é princípio absoluto, sem a permissão, no litígio individual, que o juiz avalie
o conteúdo de um acordo realizado entre as partes. No entanto, em sede de class action, o juiz
passa a ter uma posição ativista, conduzindo o feito como verdadeiro protagonista da ação. O
magistrado conta com liberdade de contratação de quadro de profissionais para ajudá-lo na
gestão da ação, com elaboração de relatórios, visitas ao local dos fatos, aproximando-se do
local da ameaça de dano ou onde o mesmo já foi causado.
O pensamento norte-americano para a aplicação da representação coletiva
iniciou-se no século XIX por meio de estudos do juiz da Suprema Corte norte-americana,
Joseph Story, extremamente dedicado ao estudo da equity76. Para ele a legitimidade coletiva
fundamentava-se ora no vínculo interno e existente entre as partes interessadas; ora na
75 GIDI, Antonio, A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos, as ações coletivas em uma perspectiva comparada, Revista dos Tribunais:São Paulo, 2007, p.31 76 A partir do século XVI, em razão do crescente número de petições, estas passaram a ser julgadas por um alto funcionário da Coroa, o Chanceler, que procurava em cada caso o julgamento por equidade, definindo regras de acordo com as quais examinaria e julgaria os variados pleitos. Eram as regras de equidade – rules of equity.
69
comunidade de interesses e, residualmente, na impossibilidade de todas as partes
comparecerem em juízo.
Os estudos do juiz Story têm o mérito de iniciar o debate sobre o tema, mas
não se apresentaram resistentes à análise mais crítica, uma vez que os critérios objetivos
(interesse geral ou comum) e subjetivos (relação entre os membros da classe), não excluem
uns aos outros. Por sua vez, o fato da impossibilidade de todos os interessados não poderem
comparecer em juízo não pode ser utilizado isoladamente, sem levar em consideração os
demais elementos.
Por sua vez, outro posicionamento amplamente difundido pelo jurista foi o de
não vincular os membros ausentes da classe à decisão do litígio coletivo, o que acabou por ser
incorporado pela Equity Rule 48, a primeira lei que regulou a matéria nos Estados Unidos
entre os anos de 1842 a 1912, que admitia o ajuizamento desse tipo de ação de classe em
razão do excessivo número de partes, a fim de evitar tumulto e a demora na prestação
jurisdicional. Caberia ao Tribunal, de acordo com a discricionariedade do juiz ao analisar o
caso concreto, dispensar o comparecimento de todas as partes.
Contudo, uma década após a promulgação da Equity Rule 48, a Suprema Corte
norte-americana pronunciou-se contrariamente a essa regra no caso Smith v. Swormstedt77, em
que determinou que a decisão final deveria alcançar todos os membros do grupo, ou seja, é
necessária a representatividade adequada como condição de julgamento justo da causa.
Esse raciocínio da Suprema Corte norte-americana relacionara a
representatividade à coisa julgada, numa forma de garantir a decisão a todos os componentes
da classe, desde que os mesmos tivessem sido adequadamente representados.
Em 1912 a Equity Rule 48 foi substituída peal Equity Rule 38, na qual se
omitiu a ressalva de que a decisão prolatada em class action não poderia prejudicar os
membros ausentes da classe. A Suprema Corte, em 1938, edita a Norma de Processo Civil
Federal Americano, unificando as regras da commom law e da equity, regulando na Regra 23
as ações de classe. Não se trata de um código ou de uma lei, trata-se de um conjunto de
normas emitido pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Com essa promulgação restaram
unificados os sistemas da equity e da law passando as class actions a serem utilizadas para os
direitos reconhecidos pela equity bem como para os direitos do sistema law. 77 Caso citado por Clarissa Dias Guedes, op. Citada. Trata-se de ação representativa proposta em nome de todos os sulistas que faziam parte de uma entidade assistencial metodista – cujo objetivo era fornecer pensões aos pregadores idosos e a seus viúvos – contra todos os ministros nortistas da mesma entidade, diante da recusa dos curadores dos fundos da sociedade a repassar recursos aos autores sulistas. A recusa tinha como causa a posição abolicionista da Igreja metodista, em oposição ao regime de escravidão que vigorava nos estados do Sul anteriormente à guerra civil.
70
A nova redação da Regra 23 exige a presença dos pressupostos de
admissibilidade e de desenvolvimento. Quanto ao primeiro, é necessária a existência de uma
classe e de um candidato com intenção de representá-la, sendo que o mesmo deve ser membro
da classe. O número de componentes da classe há de ser tão numeroso que a reunião de todos
se torne impraticável (numerosity), bem como as questões de fato e de direito devem ser
comuns a essa grupo (commonality). Como conseqüência, os pedidos, no caso de plaintiff, ou
a defesa, na hipótese de defendant, devem ser idênticos aos da própria classe (tipically). Como
pressuposto final para a admissibilidade, os litigantes devem atuar e proteger adequadamente
os interesses da classe (adequacy of representation) . Esse controle tanto diz respeito às partes
quanto aos advogados, sob pena da corte determinar a intervenção de outro integrante da
classe, mais idôneo e adequado, a fim de que a representação seja apropriada.
Conceitualmente a class action é um “Procedimento em que uma pessoa,
considerada individualmente, ou um pequeno grupo de pessoas, enquanto tal, passa a
representar um grupo maior ou classe de pessoas, desde que compartilhem, entre si, um
interesse comum.” 78
Por criação do Professor James Moore, a class action dividia-se em três
espécies:
True class action – assim denominada por ser verdadeiramente a única
ação coletiva a permitir representação quando o litisconsórcio de todos os integrantes do
grupo fosse essencial para a solução da demanda. O direito deve ser absolutamente comum a
todos os membros da classe a que houvesse risco de decisões judiciais colidentes, uma vez
que o direito era joint ou common, equivalente ao interesse difuso brasileiro;
Hybrid class action - quando o direito fosse comum em razão das
várias demandas sobre o mesmo bem (several rights), embora o direito dos membros fosse
distinto uns dos outros. Há pretensão declaratória ou injuncional contra o Estado, equivalente
ao interesse coletivo brasileiro. A coisa julgada vincularia apenas as partes do processo, assim
considerados todos os membros do grupo relacionados ao direito discutido na ação; e
Spurious – Quando houvesse uma questão comum de fato ou de direito
afetando os diversos direitos de várias pessoas que se reuniram para litigar, sem que houvesse
relação entre os membros da classe. Ou seja, o direito era distinto, mas dependente de uma
mesma questão de fato ou de direito, que ensejaria uma decisão uniforme. Não é tecnicamente
78 BUENO, Cassio Scarpinella, As Class Actions Norte-Americanas e as Ações Coletivas Brasileiras: Pontos para uma reflexão conjunta, in Revista de Processo, nº 82
71
uma ação coletiva, mas recebe esse tratamento para facilitar a condenação e futura execução
de uma reparação em ação que tenha um dano comum entre as partes. Equivalente ao direito
individual homogêneo na legislação pátria.
Essa classificação, contudo, não ficou livre de críticas, pois os termos joint,
common e several eram utilizados de forma incerta e obscura pela jurisprudência. Por sua
vez, as cortes também contribuíram para a inadequação conceitual, ora classificando ações
como true ou sugerindo que os julgamentos deveriam ser decisivos para a classe onde estes
resultados pareceriam apropriados, mas que foram alcançados por meio da destituição de
significado coerente à palavra “several”.79 A classificação foi abandonada com a Reforma de
1966, que deu nova redação à Rule 23, que foi editada com o objetivo promover a aplicação
das políticas públicas contra a discriminação racial.
Talvez o que de mais relevante tenha ocorrido com a Reforma de 1966 foi o
efeito vinculante da coisa julgada em face de todos os membros do grupo e para todos os tipos
de ações, independente do resultado da ação. A fim de não ser atingida pelo resultado da ação,
a parte deveria requerer o opt out, ou seja, a sua exclusão da demanda. O membro da classe,
quando notificado da existência da ação, tem o direito de requerer a sua exclusão do feito,
deixando de estar adstrito aos efeitos da coisa julgada. Os que deixam de optar pela exclusão,
o que corresponderia ao critério opt in, serão atingidos pela coisa julgada sem a necessidade
de anuência expressa, mas desde que tenha havido notícia pessoal do ajuizamento da ação.
Ao contrário dessa conseqüência, a legislação brasileira criou a formação da
coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus, liberando do manto da coisa julgada. Em
caso de não acolhimento da pretensão, os efeitos da coisa julgada não atingirão aqueles que
não foram parte da ação, conforme acima mencionado quando falado sobre interesses difusos
e coletivos.
Como bem leciona Antonio Gidi80, o instituto do opt in or opt out não tem
relevância para o Direito brasileiro porque a extensão da coisa julgada só ocorrerá secundum
eventum litis, não causando prejuízo para aqueles que fizeram parte da demanda.
No que diz respeito às teorias que justificam a utilização da class action,
predominou a teoria substantiva, que entende ser uma manifestação de acesso à Justiça
79 GUEDES, Clarissa Dias, Op. Cit. 80 GIDI, Antonio, A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos, as ações coletivas em uma perspectiva comparada, Revista dos Tribunais:São Paulo, 2007, p.306
72
sempre que a prestação da jurisdição estiver inviabilizada pelo elevado número de ações
individuais que seriam propostas.81
A class action tem por característica a existência de uma classe extensa o
suficiente de modo a impossibilitar ou não ser conveniente a reunião de todos os seus
membros individualmente considerados em um só processo. A Corte deve acreditar ser esse o
meio apropriado para o julgamento da controvérsia, impedindo a ocorrência de diversidade de
decisões, impondo condutas divergentes para o mesmo condenado, como no caso de anulação
de um tributo para uns e redução da alíquota desse mesmo tributo para outros.
A representação adequada é corolário da garantia constitucional do devido
processo legal, permitindo que os representados se façam presentes na ação e tenham
garantido o direito do devido processo legal por meio do representante. Enfatiza o
comprometimento do litigante ativo e do seu advogado com as prioridades da classe, além de
fazer cumprir os princípios processuais da lealdade e da probidade. Tal preocupação com o
risco da class action não é infundado, pois a mesma, na aparência da legalidade, pode
encobrir objetivos meramente econômicos ou acordos que não atendam aos interesses da
classe, prevenindo abusos por parte de indivíduos que tenham a intenção de, por meio dessa
ação, intimidar seus adversários. O juiz deve pautar suas observações orientando-se pelos
elementos da boa-fé, habilidade profissional, capacidade de arcar com os ônus e o alto custo
de um litígio coletivo e, talvez o mais importante, aptidão de apreender os reais interesses da
coletividade representada.
A certificação da demanda como class action não significa que sobre a mesma
o juiz não mais possa se manifestar, uma vez que esse controle deve ser feito durante o curso
do processo e ex officio. A importância da representação é de tal monta que nem mesmo a
existência da coisa julgada impossibilita a sua revisão por parte daqueles que não foram
adequadamente representados em juízo. A representação adequada também é do interesse da
parte contrária porque se o representante for considerado inadequado, o réu não poderá usar o
benefício da coisa julgada aos membros ausentes do grupo que desejem promover nova ação
pelo mesmo pedido.
A adequada representação consiste em demonstrar que os membros presentes e
nomeados na ação têm interesse jurídico na promoção da demanda; a competência dos
advogados que conduzirão a ação, não só no sentido da boa fé como também na capacidade
técnica para a defesa desses interesses; a Corte ainda deverá examinar a inexistência de
81 DALLA, Humberto , Ações de Classe. Direito Comparado e Aspectos Processuais Relevantes, Simpósio de Processo Civil em 28/09/2001 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
73
qualquer conflito interno no interior da classe cabendo, se for o caso, determinar a sua
subdivisão em quantas classes forem necessárias.
A questão de representatividade adequada é de tal importância para os
estudiosos da class action que os faz logicamente questionar:
“(...) se todos estes membros ausentes foram devidamente representados, não há como questionar que tenham tido their own day in court, e, fique dito de pronto, não há qualquer necessidade de autorização prévia dos membros putativos de uma classe para que possam ser representados em juízo pelo autor da class action.”82
A representação adequada, enfatize-se, é examinada em dois momentos pela
Corte: o primeiro quando da propositura da ação e, por fim, ao final desta, por algum membro
ausente da classe, o que implicará na possibilidade deste ingressar, ou não, individualmente
com nova ação, pois não estará sob o manto da coisa julgada.
Quanto aos pressupostos de desenvolvimento, os quais somente devem ser
analisados após a confirmação dos pressupostos de admissibilidade, são no sentido de que
fique caracterizado que o ajuizamento de ações separadas possa configurar o risco de as
sentenças proferidas venham a impor ao litigante contrário à classe um comportamento
antagônico; e se tais sentenças prejudicarem ou tornarem extremamente difícil a tutela dos
direitos de parte dos membros da classe estranhos ao julgamento. Outra hipótese está em que
o litigante contrário à parte tenha se recusado a atuar de maneira uniforme perante todos os
membros, impondo uma decisão à classe; e, por fim, quando o Tribunal entender que as
questões de direito e de fato comuns aos componentes da classe tenham maior relevância do
que as questões de caráter individual, sendo a class action o instrumento adequado para a
tutela jurisdicional.
A fim de garantir a publicidade, é necessário que a existência da ação seja
noticiada individual e pessoalmente para todos os membros da classe que possam ser
identificados e encontrados com razoável esforço, mesmo que esse procedimento custe
milhares de dólares. Esse custo será suportado pelo autor da ação e, se vitorioso, poderá ser
cobrado de toda a classe na proporção do benefício ao qual cada integrante tenha alcançado.
No Brasil, em razão da possível indeterminação das vitimas em alguns casos, optou-se pela
82 BUENO, Cassio Scarpinella, As Class Actions Norte-Americanas e as Ações Coletivas Brasileiras: Pontos para uma reflexão conjunta, in Revista de Processo, nº 82
74
intimação por edital, embora o artigo 94 do CDC oriente no sentido da divulgação da
existência da ação pelos meios de comunicação social.
Essa disposição justifica-se pela necessidade de cada membro poder exercer o
seu direito de auto-exclusão, não se submetendo aos efeitos da coisa julgada.
A certificação da ação como class action é atividade discricionária do Tribunal
e na hipótese de negativa da certificação, prosseguirá como uma ação individual, sem a
possibilidade de extensão da coisa julgada aos demais membros da classe.
As ações promovidas perante o direito processual norte-americano são
encerradas, em noventa por cento dos casos, por meio de acordo. É de considerar-se, ainda, a
grande quantidade de possíveis demandas resolvidas extrajudicialmente. No entanto, em sede
de ações coletivas há maior resistência para a celebração do acordo por parte do autor, uma
vez que a simples certificação da ação como tal já lhe garante maior vantagem para acordar.
Em razão do caráter representativo da demanda, o juiz deve supervisionar os
interesses dos membros ausentes, interferindo inclusive nas hipóteses de desistência da ação
por parte do representante da classe. Qualquer proposta de acordo ou transação visando ao
encerramento das ações coletivas deverá de vir acompanhada da demonstração de que sua
finalidade alcança o interesse dos indivíduos que estariam sujeitos ao efeito dessa decisão e,
somente após, será submetida à Corte com a comprovação da notificação dos membros dos
grupos. Tal medida tem a finalidade de proteger os interesses dos membros ausentes, já que os
mesmos estão vinculados aos efeitos desse acordo ou transação.
Esses acordos poderão ser efetivados mesmo sem a anuência dos
representantes ou de algum membro da classe que tenha atendido à notícia de sua realização.
75
3 - DO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA LEGITIMIDADE DA
DEFENSORIA PÚBLICA DIANTE DA LEI 11.448/07
3.1. Interpretação e alteração da norma constitucional
Para dimensionar o alcance da afirmação da existência de fundamento
constitucional para a legitimidade da Defensoria Pública diante da Lei 11.448/2007, é
necessário percorrer os métodos formais e informais de alteração constitucional, uma vez que
a norma constitucional, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo
48, determinou que o Congresso Nacional elaborasse um código para a defesa do consumidor
no prazo de 120 dias da promulgação, autorizando a criação da legislação infraconstitucional,
a qual se transformou na Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor. Essa legislação, em
consonância com o texto constitucional, atribui legitimação a entidades e órgãos da
Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especialmente destinados à defesa dos interesses e direitos defendidos por aquele código.
Nesse sentido, a Defensoria Pública ou o próprio órgão de execução especializado, que a
mesma possui para a defesa do consumidor, é legitimado para a defesa de direitos coletivos e
individuais homogêneos.
A recente história da Defensoria Pública, que na época dos debates da
Assembléia Nacional Constituinte da Carta de 1988 ainda não existia em alguns Estados da
federação ou, quando existia, era criada de forma incipiente, com poucos profissionais em
atuação, determinou que no período pós-constituinte fosse ressaltado aos aplicadores da lei,
ao longo destes quase vinte anos da promulgação da Carta, que embora o texto não tenha sido
expresso àquela época no que tange à extensão das atribuições institucionais, seria possível,
através da análise dos princípios constitucionais e das atribuições expressas constantes da
Carta Constitucional de 1988, legitimar a pretensão da Defensoria Pública para patrocinar a
defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Essa interpretação conforme a constituição ocorreu por meio do fenômeno de
mutação constitucional, método informal e democrático de alteração constitucional, que não é
limitado às pessoas investidas no poder constituinte derivado, possibilitando também àqueles
que vivenciam a realidade constitucional realizar uma releitura de Carta de acordo com a
interpretação dos princípios. Trata-se de um mecanismo essencial para fomentar a questão da
76
nova hermenêutica constitucional, privilegiando a ampla participação de todos aqueles que
vivenciam essa norma jurídica.
Peter Häberle, na obra Hermenêutica Constitucional, menciona que a
constituição é apresentada como um sistema de normas aberto a várias soluções
interpretativas em razão de estar em constante comunicação com o sistema social – seu
fundamento sociológico, com capacidade para aceitar as modificações apresentadas pela
dinâmica da sociedade sem que necessariamente o texto constitucional sofra emenda ou
revisão, o que demanda processo legislativo mais demorado em razão da natureza rígida da
Constituição.
O texto constitucional interage com a realidade sócio-política, sendo um claro
indicativo de que a norma constitucional não é atemporal, pelo contrário, é sensível aos
padrões sociais do momento de sua interpretação. A interpretação de uma norma jurídica,
mesmo que seja a da própria norma constitucional, possibilita a evolução do pensamento
jurídico, conferindo-lhe a legitimidade outorgada por aquele titular do Poder Constituinte – o
povo. As mais variadas formas de manifestação da sociedade serão as fontes nas quais irá
abeberar-se o profissional do mundo jurídico para justificar um pedido ou uma decisão.
Caberá ao legislador ou ao aplicador da lei, sensível a essas mudanças e em consonância com
as alterações doutrinárias e jurisprudências, justificar no anteprojeto de lei, ou na decisão
judicial, as razões que o levaram a criá-la, seja em abstrato, como a lei, ou no caso concreto, a
sentença.
Dessa forma, embora ciente de que a norma jurídica retrata uma realidade
pretérita, o legislador deve ter cautela no afã de atender aos apelos sociais, verificando se
estes são de fato os anseios da sociedade, os quais podem ser meros reflexos do interesse de
momentâneos ou originários de grupos de pressão, sem qualquer “pré-ocupação” democrática.
A relevância do tema ora discutido está em que as relações criadas pelo Direito
inscrevem-se na esfera mais ampla do social, sem que por isso perca a marca específica e as
conseqüências que daí decorrem, direcionando-se para a normatização das exigências contidas
na realidade, sempre concreta, de modo a balizarem os atores sociais ao tomarem suas
decisões.
Caso essa correlação do normativo com o social não ocorra, o ordenamento
constitucional deixará de acompanhar o pensamento social e perderá o seu fundamento de
validade, qual seja, a soberania popular. J.J. Rousseau disse que toda lei que o povo não haja
77
ratificado pessoalmente é nula, não sendo lei e, por conseguinte, não possuindo legitimidade
para ingressar no mundo jurídico.
Para Norberto Bobbio83, a sociedade civil, que serve de fundamento para a
validade das normas, deve ser entendida como o conjunto de relações não reguladas pelo
Estado, as quais, ligadas ao jusnaturalismo, antecedem ao próprio, na forma de associação de
indivíduos, organizações de classe, grupos de interesse, sejam estes constituídos por questões
sociais, étnicas ou de gênero.
A sociedade civil atua de forma participativa e fiscalizadora, contribuindo para
a necessária transformação das normas, seja na sua reformulação, seja na interpretação do
conteúdo das normas já instituídas. Opera como controle externo do Estado-Administração na
defesa da consecução dos direitos assegurados em lei.
A origem das constituições escritas, segundo Paulo Bonavides84, tem como
marco as lutas políticas inglesas, com a vitória do Parlamento, bem como a célebre obra de
Rousseau – Contrato Social, que asseverava ser “(...) mais adequado concretizar em um pacto
ou contrato as normas de convivência entre governantes e governados”.
É da tradição constitucional brasileira a forma de constituição rígida e, como
observado por Nagib Slaibi Filho85, daí resulta o controle de constitucionalidade das leis, pois
somente em países de constituição rígida é possível a sua existência.
A rigidez constitucional, em razão do seu processo qualificado de alteração,
visa a garantir maior estabilidade e segurança às constituições, sem com isto engessar a
aplicação do Direito, dissociando-a da realidade, haja vista que o Poder Constituinte, ao
elaborá-la, o faz não só para esta geração como também para as futuras.
O Prof. J.J. Gomes Canotilho86, em abordagem do tema, preleciona que “O verdadeiro problema levantado pelos limites materiais do poder de revisão é este: será defensável vincular gerações futuras a idéias de legitimação e a projectos políticos que, provavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o legislador constituinte? A resposta tem de tomar em consideração a verdade evidente de que nenhuma constituição pode conter a vida ou parar o vento com as mãos, nenhuma constituição evita o ruir dos muros dos processos históricos, e, conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa.”
O Direito, mundo dos valores, dos princípios e das normas jurídicas, deve ser
observado em dois sentidos, sendo que estes devem estar interligados: um relacionado ao que
83 BOBBIO, Norberto, Estado, Governo Sociedade, Paz e Terra, 7ª Edição 84 BONAVIDES, Paulo – Curso de Direito Constitucional – 13 Edição, Malheiros, pag. 85 85 SLAIBI FILHO, Nagib, Direito Constitucional, Forense, 2004, pag. 13 86 CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 6ª Edição, Coimbra, 1993, pag. 1129
78
deve ser – ponto de vista normativo; e o “ser”, que de fato ocorre na sociedade – ponto de
vista sociológico, principalmente quando o tema é norma constitucional, paradigma de toda a
legislação infraconstitucional e que necessita ter na sociedade o seu fundamento de validade.
Diante do mundo sistêmico no qual o Direito está inserido, quando se fala em
ordem jurídica, preceitos jurídicos, deve ter-se em conta que a questão deve ser analisada sob
o aspecto jurídico e sociológico. Desta forma, há o sentido normativo, ligado ao que deve ser,
e o sociológico, pertinente ao que de fato ocorre na realidade social. Somente assim haverá
uma correta interpretação da mesma, uma vez que as constituições são organismos vivos que
interagem com as forças presentes na sociedade.
Diante dessa argumentação, conclui-se que a norma constitucional, a fim de
manter-se conectada à validade social e assegurar a estabilidade das relações deve, em
condições materiais, formais e circunstanciais próprias, sofrer as necessárias alterações de
acordo com as novas exigências do progresso da evolução e do bem-estar social.
Caso fosse possível a concepção de uma Constituição imutável, sob a
justificativa de manter a estabilidade e a segurança jurídica, ocorreria a inevitável e abrupta
ruptura social, com sérios prejuízos para a sociedade, com alteração legislativa nem sempre
legítima, além do sentimento de desvalorização da própria constituição, que deixaria de
representar o pensamento do povo, seu legítimo titular.
Assim, diante da necessidade imposta pela realidade social, as constituições
podem ser alteradas por meio de mecanismos formais, tais como a emenda constitucional,
com o fim de não cristalizar os dispositivos originais, bem como por meio da revisão
constitucional, prevista pelo constituinte como forma de atualização e adaptação da
Constituição.
Outra forma de modificação, conforme já brevemente introduzida, é a mutação
constitucional, pois não altera o texto da Constituição, possibilitando tão-somente a
interpretação das normas preexistentes, conferindo-lhes novo entendimento em razão da lenta
e gradual evolução da sociedade. É efeito necessário e indissociável do processo de
concretização das normas constitucionais, em que a atividade de atualização constitucional
desloca-se do poder reformador para os intérpretes da constituição, em vista à sedimentação
do conteúdo mais adequado à realidade.
O Superior Tribunal Federal, na qualidade de Tribunal Constitucional, bem
como reconhecendo que o direito é um fato social, deve interpretar a Constituição de modo
evolutivo, sensível às mudanças de ordem temporal e circunstancial do texto diante da
79
realidade estrutural, reconhecendo no texto constitucional um significado além de sua
qualidade semântica. A Constituição não pode padecer de hermenêutica retrospectiva.
O jurista Uadi Lammego Bulos, ao tratar do tema mutação constitucional,
leciona que:
“Assim, denomina-se mutação constitucional o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.”87
As mutações constitucionais, ao servirem de meio de adaptação do texto
constitucional à realidade social, possibilitam o acesso à justiça em seu sentido amplo, na
forma preconizada por Mauro Cappelletti, uma vez que o acesso à Justiça não se restringe ao
valor das custas judiciais ou dos honorários advocatícios, mas sim das interpretações
adequadas em favor da defesa dos interesses sociais.
Questão a ser observada está na afirmação de que o Poder Constituinte é o
fundamento das reformas constitucionais formais – revisão e emenda constitucional. Nesse
sentido, qual seria o fundamento que legitimaria a mutação constitucional? Conforme acima
explanado, o direito deve estar inserido em um contexto normativo e sociológico, e seria a
conformação da Constituição com esses valores que fundamentaria a mutação constitucional.
Mas, uma vez considerada essa afirmação como válida, este meio de reforma
não é ilimitado, sendo que sequer o poder constituinte derivado o é, sob pena de incorrer na
insegurança jurídica total. Esse poder reformador recebe influências estranhas ao mundo
jurídico, como as de ordem moral, ideológica, religiosa, cultural, e todos os demais
componentes da realidade social, mas está circunscrito nas mesmas limitações materiais da
reforma formal da Constituição.
A mutação constitucional, além de diferenciar-se da emenda e da revisão
constitucional pela maneira informal como ocorre, também se diferencia pelo seu aspecto
lento, gradativo e imperceptível, resultante da evolução natural do pensamento social,
desenvolvendo-se em momentos cronologicamente distintos, diante de situações diferentes,
sem alteração expressa da Constituição.
87 BULOS, Uadi Lammêgo, Mutação Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 57
80
Bulos, em outra passagem de sua obra, ensina que a mutação constitucional é o
chamado poder constituinte difuso, em estado latente, pois surge na medida da necessidade da
sociedade:
“(...) não possui as marcas da iniciatividade, autonomia e incondicionalidade, nem, tampouco, os traços da secundariedade, limitabilidade e condicionalidade, não está previsto por mecanismos instituídos na ordem jurídica e não advém da linguagem prescrita pelo legislador constituinte”88.
Ao discorrer sobre mutação constitucional, Paulo Bonavides89 assevera que
“O emprego de novos métodos da hermenêutica jurídica tradicional fez possível uma considerável e silenciosa mudança de sentido das normas constitucionais, sem necessidade de substituí-las expressamente ou sequer alterá-las pelas vias formais de emenda constitucional.”
Essa visão democrática de interpretação constitucional fundamenta a tese, ao
lado da observação sociológica, de validade do fenômeno jurídico informal que é a mutação
constitucional, uma vez que a Constituição, ao ser democraticamente interpretada, deve estar
adequada à realidade social, resultando no importante papel a ser exercido pelos agentes que
conformam esta realidade.
Häberle propõe a tese de que não é possível o estabelecimento de um número
limitado de intérpretes da constituição na medida em que o Estado por seus órgãos, e a
sociedade civil por meio dos seus diferentes grupos, estão envolvidos nesse processo de
interpretação, que deverá ser tão mais aberto quando mais pluralista for essa sociedade:
“Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que é indireta ou, até mesmo diretamente regulado por ela, é um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico.”90
Paulo Bonavides91 entende que após a promulgação de uma carta
constitucional, a tarefa de mantê-la consentânea com a realidade faz com que sejam
88 Idem, p. 171 89 BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 10ª Edição, Malheiros, 1999 90 HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional, Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris, reimpressão 2002 91 BONAVIDES, Paulo, obra citada, p. 186
81
reconhecidas duas formas de poder constituinte: o derivado, com regras prescritas no próprio
texto constitucional, e outro poder sem titularidade definida, difuso, autônomo e político. A
força normativa deste último se faz presente na realidade e no meio social, tendo por isso
função originária e, de algum modo, se caracteriza como o mesmo poder constituinte
originário em estado potencial.
A atividade legislativa deve conformar-se com os princípios constitucionais
uma vez que a Constituição traz em seu bojo normas de estrutura aberta que possibilitam essa
verificação e, se necessário, utilizando-se do instituto da mutação constitucional, romper com
dogmas que não se encontrarem em consonância com a vontade popular, a qual não deve se
fazer presente unicamente por meio do poder constituinte, pois essa vontade fica latente em
todo o curso constitucional, seja através de alterações constitucionais expressas ou implícitas,
decorrentes da interpretação dessas normas.
3.2 – Princípios como forma de hermenêutica constitucional
. Para iniciar o tema e de pronto dirimir eventuais dúvidas, cabe trazer à baila a
definição de J.J.Gomes Canotilho92 sobre o que são os princípios constitucionais
fundamentais: “São os princípios constitucionais que explicitam as valorizações políticas
fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios se condensam as opções políticas
nucleares e se reflete a ideologia inspiradora da constituição.”
Os valores constitucionais são unidades abstratas que indicam que
determinados comportamentos são mais prestigiados que outros, estando situados no plano
axiológico, mostrando o melhor a ser feito diante de uma realidade social. Difere-se, por
conseguinte, dos princípios e das regras, que pertencem ao plano deontológico – do dever ser
em razão da força normativa que carregam. No entanto, deve-se ter em conta que os
princípios, conforme melhor explanado abaixo, têm caráter normativo, embora estejam fora
do direito positivo, que é integrado unicamente pelas normas. Destarte, os princípios
permitem uma maior aproximação entre o direito e os valores sociais. Embora não imponham
uma solução específica, como a norma, têm por finalidade maior orientar o caminho a seguir,
norteando a implementação da vontade do constituinte.
92 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Ed Coimbra: Almedina, 2003, p. 1166)
82
Os princípios, na qualidade de normas jurídicas, são de alto grau de
generalidade e geralmente devem ser entendidos numa realidade do que se espera, sendo
dotados de validade, vigência e obrigatoriedade, indicando fins, ideais a serem alcançados,
com necessidade de aplicação do processo de ponderação diante da possível confrontação de
valores tão diversos, sempre tendo em conta os fundamentos e os objetivos fundamentais
pertinentes à República Federativa do Brasil.
Os princípios são indispensáveis para a verificação de validade das normas que
regulamentam a legitimação coletiva, objeto do presente estudo, e a coerência dessa
legitimidade com o ordenamento vigente. Para o direito processual, mais especificamente,
princípio seria a diretriz que orienta a atividade jurisdicional. Estão mais próximos da idéia de
valor e de direito, conformando as idéias de justiça, equidade e de moralidade. Sob o ponto de
vista de validade, os princípios são válidos a partir do seu próprio conteúdo; são universais,
absolutos, objetivos e permanentes, sendo mais abstratos do que as regras.
O Mestre Celso Antonio Bandeira de Mello93 ensina que:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”
Assim, de acordo com a doutrina de Gregório Assagra de Almeida94, há os
seguintes princípios do direito processual coletivo especial:
- princípio da proteção do Estado Democrático de Direito – decorre da
correlação existente entre direito processual coletivo e Estado Democrático de Direito.
Encontra seu fundamento de validade nos artigos 1º e 102 , caput, da Constituição Federal.
Em razão da missão de guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal está
comprometido com o controle da constitucionalidade, à proteção do Estado Democrático de
Direito. Portanto, em seus julgamentos deve fundamentar suas decisões com observância dos
direitos e garantias fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito.
- princípio do devido processo legal como cláusula constitucional interpretativa
vinculatória genérica de dimensão processual e substancial – Embora o princípio do devido 93 MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 11º Ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 630 94 Op. Cit. P. 235-248
83
processo legal tenha origem histórica no ano de 1215, na Carta Magna de João Sem-Terra, a
primeira expressão somente foi utilizada no ano de 1345, em lei inglesa conhecida como
Statue of Westminster of the Liberties of London, baixada no reinado de Eduardo III. Contudo,
a verdadeira extensão da expressão ocorreu nos Estados Unidos da América por meio das
decisões da Suprema Corte, que lhe conferiu dimensão substancial, pois até então era restrita
à dimensão processual.
A mencionada dimensão processual assegura a todos o acesso à justiça, ao
contraditório, à ampla defesa, a um juiz natural e imparcial, ao direito às provas lícitas e
legítimas, o direito à igualdade de armas processuais, o direito a uma decisão fundamentada e
o direito aos recursos e outros meios impugnativos inerentes ao sistema. Nelson Nery Junior,
citado por Assagra, ressalta que o prestígio do direito constitucional norte-americano tem
como principal fundamento a interpretação da cláusula due process of law pela Suprema
Corte. Em relação à dimensão substancial, significa que ninguém pode ser privado de sua
vida, liberdade ou propriedade sem a observância do direito material constitucional e
infraconstitucional.
Essa é a dupla dimensão na qual o princípio do devido processo legal deve ser
concebido no direito processual coletivo especial, de sorte que possa ser instrumento que
garanta a concretização dos outros princípios, garantias e regras constitucionais e
infraconstitucionais, ao mesmo tempo em que possa ser parâmetro de proteção em abstrato do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade; direitos consagrados no
caput do artigo 5º da Constituição Federal.
- princípio da proporcionalidade como técnica constitucional de ponderação - o
papel de destaque atribuído a esse princípio se deve, principalmente, ao Tribunal
Constitucional alemão e pela doutrina alemã. Houve a transposição desse princípio do campo
do direito administrativo para o plano constitucional, apoiando suas decisões nas expressões
“excessivo”, “inadequado”, “necessariamente exigível” e “proibição de excesso”.
Willis Santiago Guerra Filho, citado por Gregório Assagra, aduz que a Corte
Suprema da Alemanha tem utilizado o que a doutrina descreve como a tríplice manifestação
do mandamento da proporcionalidade, igualmente denominado proibição de excesso no
mesmo texto. O autor ressalta que a primeira decisão alemã a utilizar a formulação data de
16.03.71, quando foi afirmado:
84
“O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com o seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro e igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.”
A Constituição brasileira não faz menção expressa ao princípio da
proporcionalidade. O jurista Gregório Assagra, na obra anteriormente citada, entende que em
razão da própria rigidez e da supremacia constitucional, como características da Carta Magna
vigente, traduzem a idéia de proporcionalidade. Acredita o autor que o fundamento
constitucional do princípio da proporcionalidade está no princípio do Estado de Direito,
consagrado no artigo 1º da Constituição Federal, que traduz a idéia de justa solução para o
caso concreto, de transformação positiva da realidade social, da ponderação entre bens e
valores.
Como derivação do princípio acima, fala-se em subprincípios: princípio da
adequação, que se destina a aferir se o meio empregado possibilita a finalidade desejada; o
princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da intervenção mínima, que
afere a necessidade e a medida da lei, a fim de verificar se existiria outro meio menos
prejudicial; e, por fim, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que impõe o
sopesamento entre bens e direitos em situação de colisão.
- princípio da supremacia da Constituição – é o fundamento natural para a
existência do controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. O Supremo
Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 107.769, da relatoria do Ministro Célio Borja95,
publicado em 21.08.1992, que tinha como objeto a tributação de ISS em operação de leasing,
já demonstrava, há quinze anos, a sua preocupação e a importância com o tema:
“O princípio da supremacia da ordem constitucional – consectário da rigidez normativa que ostentam os preceitos de nossa Constituição – impõe ao Poder Judiciário, qualquer que seja a sede processual, que se recuse a aplicar leis ou atos estaduais em conflito com a Carta Federal. A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma fundamental law, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado.”
95 Publicado na RTJ 140:954, 1992, p.964)
85
- princípio da interpretação conforme a Constituição – esse princípio também
deve a sua origem e desenvolvimento à jurisdição constitucional alemã, sendo instrumento
próprio dos tribunais constitucionais nos processos objetivos de controle da
constitucionalidade das normas.
O Professor Luís Roberto Barroso96 oferece as exatas dimensões desse
princípio:
“1. Trata-se da escolha de uma interpretação de norma legal que a mantenha em harmonia com a constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita; 2. Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura do seu texto; 3. Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição. 4. Por via de conseqüência, a interpretação conforme a constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle da constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura de uma norma legal.” (os grifos não são do original)
Com a utilização dessa técnica não há alteração do texto constitucional, que
passa, contudo, a ter campo de aplicabilidade restrito.
- princípio da presunção da legitimidade da lei e dos atos normativos do Poder
Público – de maior utilização quando do controle constitucional concentrado por meio de
ADIn. Esse princípio é uma decorrência geral da superação dos Poderes e funcional como
fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que somente deve invalidar os atos diante de
casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável, conforme leciona Luís Roberto
Barroso.97
- princípio da indesistibilidade da ação coletiva de controle abstrato de
constitucionalidade – Tem disposição expressa nos artigos 5º e 16 da Lei. 9.868/99. Justifica-
se pela natureza objetiva de controle em abstrato da Constituição, especialmente no interesse
público e social de preservação da supremacia da mesma.
- princípio da unidade da Constituição – tal princípio impõe que toda
interpretação constitucional preserve a unidade da Constituição como lei fundamental. “Para
que possa subsistir como unidade, o ordenamento estatal, considerado na sua globalidade, 96 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e aplicação da constituição, 3º Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.181-182 97 Op. Cit, p. 180
86
constitui um “sistema” cujos diversos elementos são entre si coordenados, apoiando-se um ao
outro e pressupondo-se reciprocamente. O elo entre esses elementos é a Constituição, origem
comum de todas as normas. É ela, como norma fundamental, que confere unidade e caráter
sistemático ao ordenamento jurídico”98
- princípio da efetividade – pressupõe a inexistência de normas constitucionais
inúteis, uma vez que todas têm eficácia. Wilson Antônio Steinmelz, citado por Gregório
Assagra, afirma:
“Sem o imperativo da efetividade, os direitos fundamentais seriam reduzidos a meras declarações políticas ou exortações morais, é retórica tão impressionante quanto vazia, com a pretensão de dar ares de civilidade a uma sociedade não-civilizada.”
Há casos em que o legitimado, para a defesa da ação coletiva, recebe críticas a
respeito de sua legitimidade ou então percebe aparente colidência entre o direito a ser
defendido e os direitos fundamentais de primeira e segunda geração, estes de cunho
marcadamente individual. Nessa hipótese, deve verificar, por meio dos princípios, a qual
desses interesses o ordenamento jurídico conferiu prioridade para, por fim, afirmar sua
legitimidade e decidir pelo ajuizamento, ou não, da ação. As regras concernentes à
legitimação ativa não podem contrariar preceitos que se traduzam em opção política
fundamental do legislador constituinte.
Assim, a afirmativa da legitimidade da Defensoria para a defesa dos interesses
e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos precisou caminhar ao longo destes anos
que separam da promulgação do texto da Carta Magna de 1988 até a publicação da Lei
11.448/2007 para ser expressamente reconhecida, uma vez que somente há pouco tempo é
utilizada no exercício da atividade jurídica, o que os doutrinadores da matéria constitucional
reclamam: filtragem constitucional, sendo a Carta Magna o paradigma para as legislações
infraconstitucionais, ao contrário do que ainda é assustadoramente visto em algumas decisões:
o afastamento do texto constitucional para acolhida de atos administrativos.
A Lei 11.448/07 tem conteúdo de conformação constitucional formal e ético,
porque encontra na Constituição Federal a sua derivação como norma válida, eis que no texto
constitucional, artigo 5º, inciso LXXIV, assegura a assistência jurídica integral e gratuita a
todos que comprovarem insuficiência de recursos, que deve ser interpretado de forma
conjugada com o inciso que garante o acesso ao Judiciário para a defesa de lesão ou ameaça 98 Op. Cit. P. 188
87
de direito, determinando a interpretação mais ampla da expressão “hipossuficiência”, sem a
limitação ao recurso econômico. Por sua vez o artigo 134 da Carta Magna eleva a Defensoria
Pública à qualidade de instituição essencial à função jurisdicional, incumbindo-lhe a defesa e
orientação jurídica aos necessitados, fazendo remição ao inciso LXXIV acima mencionado. A
citada lei tem consonância com a realidade social, com os valores vigentes na sociedade
diante da atuação da Defensoria Pública na defesa dos interesses coletivos.
Kazuo Watanabe, um dos autores do projeto de lei do Código de Defesa do
Consumidor, afirma que o legislador não se limitou a ampliar a legitimação para agir.
Expressamente legitimou entidades e órgãos da administração pública, direta e indireta,
mesmo que sem personalidade jurídica, para atuar em Juízo. Cabe lembrar que os autores do
mencionado projeto são profissionais do Estado de São Paulo, onde somente no ano de 2006
foi aprovada a lei para a instalação da Defensoria Pública, desconhecendo por visão própria a
importância e seriedade do trabalho realizado por essa instituição, não só no Estado do Rio de
Janeiro, como nos demais Estados da federação.
Nunca é demais lembrar a advertência, feita por Ada Pellegrini Grinover, de
que os institutos do processo civil ortodoxo não atendem às necessidades da problemática dos
interesses difusos e coletivos, de sorte que o processualista moderno deve procurar outros
meios para buscar a efetividade do processo, (...)”99
Na mesma esteira de pensamento, segue Mancuso100, reconhecendo a
importância para agir aos grupos sociais de fato, não personificados, por duas razões: a
natureza da tutela dos interesses metaindividuais conduz, de per si, uma legitimação difusa; e
a desvalia da exigência da personalidade jurídica como pressuposto da capacidade processual
para a defesa, em juízo, dos interesses difusos.
Ainda com o pensamento de Mancuso101 ao discorrer sobre a história da ação
civil pública, considera que essa ação, voltada à proteção de interesses e valores maiores da
sociedade, atingindo sujeitos indeterminados, bem como sendo o Brasil uma república
democrática participativa, não faria sentido que a legitimação ativa para a defesa desses
interesses ficasse restrita à legitimação exclusiva, ainda que superlativamente qualificada
como a do Ministério Público, sob o risco de estreitar a defesa de tão relevantes interesses. A 99 GRINOVER, Ada Pellegrini e Outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado, Forense, RJ, 2001 p.956 100 MANCUSO, Rodolfo Camargo, Ação Civil Pública, 9ª Edição, RT, São Paulo, 2004 101 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, A ação civil pública L. 7347/1985 – 15 anos, A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, São Paulo : Revista dos Tribunais, 2ª Edição, 2002 p. 754
88
ação não é pública porque o Ministério Público pode promovê-la, mas sim porque ela
apresenta um largo aspecto social de atuação permitindo o acesso à Justiça de certos
interesses metaindividuais que, de outra forma, permaneceriam num certo “limbo jurídico”.
A condição legitimante, ou seja, o que deve ser analisado no momento da
verificação da legitimidade ativa do ente, está no binômio relevância e representação
adequada, o que possibilita o acesso à Justiça de certos interesses ainda não nominalmente
normatizados.
3.3 - Considerações sobre a recém legitimidade
A legitimidade jurídica para a propositura de qualquer ação pressupõe que o
ordenamento jurídico vigente outorgue a um ente poderes para judicialmente atuar na defesa
de um direito material, bem como pressupõe a existência de uma situação de fato que também
expresse a vontade geral. São imprescindíveis a aptidão técnica e a idoneidade para
legitimamente bem desempenhar o múnus da representatividade.
Para Donaldo Armelin102, a idoneidade, na teoria geral do direito, deve ser
entendida como:
“(...) a idoneidade do sujeito para a prática de determinado ato ou para suportar seus efeitos, emergente em regra da titularidade de uma relação jurídica ou de uma situação de fato com efeitos jurígenos, asseguradora de plena eficácia deste mesmo ato, e, pois, de responsabilidade pelos seus efeitos, relativamente àqueles atingidos por este.”
Considerando o direito processual civil brasileiro, formulado e com aplicação
voltada para a tutela individual, a regra é a de que, pelo menos em tese, a legitimidade
pertence aos detentores do direito material deduzido em juízo. Assim, legitimidade seria a
necessária correlação entre direito processual e direito material. Em que pese a afirmativa
acima, a mesma deve ser realizada em abstrato, sem levar em consideração o mérito da causa,
ou seja, se há ou não o direito a um provimento jurisdicional favorável. O direito do 102 ARMELIM. Donaldo,Legitimidade para agir no direito processual brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1979)
89
legitimado consubstancia-se no fato de poder requerer um provimento jurisdicional acerca do
mérito, seja esse favorável ou não.
Para o Mestre Barbosa Moreira103, em estudo publicado há mais de trinta e
cinco anos:
“Para todo e qualquer processo, considerado em relação à lide que por meio dele se busca compor, cria a lei, explicita ou implicitamente, um esquema subjetivo abstrato na formação do contraditório. (...) Denomina-se legitimação a coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial, e uma situação legitimamente prevista em lei para a posição que a essa pessoa se atribui, ou que ela mesma pretenda assumir.”
Ocorre que com essa aparente simplicidade de raciocínio utilizada pelo
processualista para identificar o ente legitimado no processo civil individual, há quem ainda
pretenda adaptar essa mesma lógica jurídica para discorrer sobre a legitimidade da tutela
coletiva. A legitimidade ad causum para a primeira hipótese – tutela individual - está na
identificação, no caso concreto, de uma situação de fato à qual possa moldar-se o ente
legitimado, o que não pode ser feito em relação aos interesses difusos, pois não há como
identificar um titular individual, pertencente esse direito a toda sociedade.
Assim, a identificação do legitimado para a tutela coletiva é muito mais
complexa em razão do mesmo ter a missão de representar judicialmente não só o seu
interesse, como também o dos demais integrantes dessa comunidade que se encontram
simbioticamente irmanados no mesmo interesse. Dessa forma, o instituto da legitimidade
adequada consiste em demonstrar quem será esse legitimado; ou seja, inicialmente é
necessário identificar todos aqueles que se mostrem adequados para tutelar aquele
determinado bem transindividual.
Destarte, para que seja possibilitado o acesso à Justiça, ultimado pela forma
eficiente e eficaz com a qual o Poder Judiciário proverá a solução definitiva da demanda, o
mesmo somente será alcançado se for permitida que a lide, seja essa coletiva ou individual,
tenha o seu mérito julgado, o que não ocorrerá com a extinção da ação por conta da
ilegitimidade da parte.
103 BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária. Revista dos Tribunais, v.404, junho 1969 p.3-10
90
O tema da legitimidade e do acesso à Justiça é complexo e tem repercussão
acadêmica editorial desde a década de 70, com os estudos dos festejados Mauro Cappelletti e
Garth que, preocupados com a pobreza organizativa, procuravam atendê-las por meio de
soluções baseadas na implementação de novas formas de legitimação. Essa carência
organizacional, quando não ultrapassada, faz cair por terra a pretensão do grupo,
impossibilitando a demonstração de sua pretensão e, por conseguinte, da oportunidade de
apreciação do mérito.
Em seqüência de argumentação, o fato de o Ministério Público ser o natural
legitimado para a defesa dos interesses da sociedade e, por conseqüência, um legitimado
natural para as ações coletivas, não o torna exclusivo, uma vez que a legitimidade para as
ações coletivas permanece concorrente e disjuntiva. O parágrafo primeiro do artigo 129 da
Constituição Federal dispõe que a legitimidade do Ministério Público para propor as ações
cíveis previstas naquele artigo, dentre elas a ação civil pública, não impede a legitimação de
terceiros, nas mesmas hipóteses previstas tanto na Constituição quanto na legislação ordinária,
o que ocorreu com a edição da Lei 11.448/07.
O Supremo Tribunal Federal, por meio de interpretação dos princípios, vez que
não há norma constitucional nesse sentido, legitimou o Ministério Público para utilizar a ação
civil pública como instrumento para a tutela de direitos individuais homogêneos. Assim o fez
interpretando as atribuições institucionais gerais do Ministério Público para proteção de
interesses sociais relevantes. Essa mesma interpretação faz-se necessária com a expressão
“assistência jurídica integral” para o fim também de capacitar a Defensoria Pública a melhor
atender as suas atribuições constitucionais, bem como não excluir do Judiciário a apreciação
de lesão ou ameaça de direito a bens tão relevantes, como são os direitos difusos.
Carlos Alberto de Salles104 assevera que o problema da ampliação do rol dos
legitimados para a ação coletiva não está somente em se facilitar o acesso à Justiça, mas o de
garantir mecanismos institucionais capazes de propiciar a efetiva defesa dos interesses difusos
e coletivos, que poderiam ficar sem apreciação.
O Projeto de Lei 5.794/2005, que deu origem à Lei 11.448/07, em sua redação
original previa a ampliação dos legitimados para a propositura das ações coletivas, no qual
objetivava estendê-la ao Presidente da República, à Mesa da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, aos Governadores de Estado e do Distrito Federal, às Mesas das Assembléias 104 SALLES, Carlos Alberto, A proteção judicial de interesses difusos e coletivos: funções e significados In SALLES, Carlos Alberto (Coord) Processo civil e interesse público, São Paulo : RT, 2003, p. 131-7
91
Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, aos Prefeitos, e às
Mesas das Câmaras Municipais, ao Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil e às suas
seccionais e à Defensoria Pública. O Projeto foi alterado pelo Deputado Luiz Antonio Fleury
Filho para incluir apenas a Defensoria Pública no rol daqueles previamente legitimados no
artigo 5º da Lei 7.347/85. O texto obteve parecer aprovado por unanimidade na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania em 13.06.2006, com a disposição que segue:
“Apenas à Defensoria Pública é que deveria ser reconhecida a legitimidade para a propositura da ação civil pública, tendo em vista a importância desta instituição e a natureza de suas atribuições, sempre voltadas para a defesa dos cidadãos e para a luta pela construção neste País de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.”
Por sua vez, a Lei 11.448/07, ao indicar a Defensoria Pública como ente
legitimado, não restringiu a sua atuação quanto aos interesses a serem defendidos ou quanto à
presença de pessoa hipossuficiente. Para que a norma alcance o fim que inspirou o legislador,
assegurando o acesso à Justiça àqueles que tiveram seus direitos violados, sejam esses direitos
difusos ou coletivos, assegurada está a atuação da Defensoria Pública, sob pena de
inobservância dos princípios da unidade da Constituição e o da efetividade, acima vistos.
Sobre esse tema há quem defenda, ainda em sede de debates, ser possível que,
mesmo que comprovada a inexistência de interesse de pessoa economicamente
hipossuficiente, será possível a defesa desses interesses pela Defensoria Pública, o que
constituiria outra forma de atuação atípica da instituição, tal como já ocorre com a curadoria
especial e a defesa dativa em processo criminal, onde esses valores econômicos não são
levados em consideração, uma vez que prepondera o princípio do direito de ampla defesa, do
contraditório e do devido processo legal.
Rodolfo Camargo Mancuso leciona que “assiste-se agora a uma alteração
fundamental na condição ou no critério legitimante para o acesso à Justiça, que, nesses temas
de larga repercussão social, vai se deslocando da rota da titularidade (incabível na espécie)
para a relevância social do interesse trazido a juízo.”105
105 MANCUSO, Rodolfo Camargo, A proteção judicial de interesses difusos e coletivos: funções e significados In SALLES, Carlos Alberto (Coord) Processo civil e interesse público, São Paulo : RT, 2003 p. 125-9
92
No que tange à natureza jurídica da legitimidade coletiva, valem os
ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Nery no sentido de se trata de legitimação
autônoma para a condução do processo, conforme explicitado no texto abaixo:
“A dicotomia clássica legitimação ordinária – extraordinária só tem cabimento para a explicação de fenômenos envolvendo direito individual. Quando a lei legitima alguma entidade a defender direito não-individual (coletivo ou difuso), o legitimado não estará defendendo direito alheio em nome próprio, porque não se pode identificar o titular do direito. Não poderia ser admitida ação judicial proposta pelos “prejudicados pela poluição”, pelos “consumidores de energia elétrica”, enquanto classe ou grupo de pessoas. A legitimidade para a defesa dos interesses difusos e coletivos em juízo não é extraordinária (substituição processual), mas sim de legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige Prozebfürungsbefgnis): a lei elegeu alguém para a defesa de direitos porque seus titulares não podem individualmente fazê-lo.”106
A escolha do legitimado para a defesa da tutela coletiva é política e tem sua
razão de ser na medida em que o mesmo terá as seguintes barreiras a ultrapassar: identificação
dos reais interesses da classe independente do número de indivíduos que a compõe, e até
mesmo quando estes forem ilimitados; capacidade técnica e financeira para defender os
interesses postulados em igualdade de condições com a outra parte. As referidas barreiras não
causariam embaraço à defesa da tutela coletiva pela Defensoria Pública, uma vez que essa
instituição, com a autonomia inclusive financeira lhe assegurada constitucionalmente, possui
meios para bem desempenhar a atribuição expressamente outorgada na Lei 11.448/07, uma
vez que já exercia anteriormente por força do Código de Defesa do Consumidor, que
interagindo com a Lei 7.347/85, já havia possibilitado essa legitimidade.
Owen Fiss107 reconhece o viés político na legitimação coletiva norte-
americana. Esse é o pensamento de Humberto Dalla Bernardina de Pinho para a classificação
da legitimação na ação coletiva no Brasil, uma vez que os direitos coletivos são defendidos
por pessoas diversas de seus titulares em razão de escolha legislativa.
Antes de discorrer precisamente acerca da extensão da legitimidade ativa para
a propositura da ação civil pública, cabe esclarecer que quando a Lei 11.448/07 incluiu a 106 Código de processo civil comentado, 5ª Ed. São Paulo:RT, 2001, p. 1866 107 FISS, Owen. Teoria política das ações coletivas, In FISS, Owen Um novo processo civil:estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade.Coordenação e tradução de Carlos Alberto Salles. Tradução de Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 p.240
93
Defensoria Pública no rol dos legitimados para a propositura dessa ação, não a colocou em
grau de paridade com o Ministério Público, uma vez que não se pode equiparar instituições
com atribuições e misteres diferentes, já que esta defende os interesses da sociedade, enquanto
aquela tem a sua atribuição voltada para a defesa dos hipossuficientes, estejam esses
identificados ou não, desde que sofram lesão, mesmo que indireta nos seus direitos.
A Defensoria Pública, assim como os demais legitimados indicados no art. 5º
da Lei 7.347/85, tem legitimidade para ingressar com ação civil pública, observadas as suas
atribuições originárias e pertinências temáticas, cujo texto não foi alterado pela Lei
11.448/207.
A legitimidade ativa da Defensoria Pública para a promoção da ação civil
pública já fora reconhecida por tribunais anteriormente à edição da lei em comento,
reconhecendo a extensão da expressão “necessitados”:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEFENSORIA PÚBLICA – LEGITIMIDADE ATIVA – CRÉDITO EDUCATIVO – Agravo de instrumento. Ação Civil Pública. Crédito Educativo. Legitimidade ativa da Defensoria, para propô-la. Como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, sendo, pois, integrante da Administração Pública, tem a Assistência Judiciária legitimidade autônoma e concorrente, para propor ação civil Pública, em prol dos estudantes carentes, beneficiados pelo Programa do Crédito Educativo. Assim, a decisão que rejeitou a argüição de ilegitimidade ativa, levantada pelo Parquet, não lhe causou qualquer gravame, ajustando-se, in casu, à restrição acolhida na ADIN 558-8-RJ – Recurso reputado prejudicado em parte e em parte desprovido.(TJRJ- AI 3274/96-Reg. 040497 –Cód. 96.002.03274 – Vassouras – 2ª C. Cív. – Rel. Des. Luiz Odilon Bandeira – J. 25.02.97). 108
108 Em outro acórdão, desta feita do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi reconhecida a legitimidade da Defensoria Pública em data anterior à edição da Lei 11.448/07: Direito Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela de interesses consumeristas. Legitimidade ad causum do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública para a propositura da ação. A legitimidade da Defensoria Pública, como órgão público, para a defesa dos direitos dos hipossuficientes é atribuição legal, tendo o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 82, III, ampliado o rol de legitimados para a propositura da ação civil pública àqueles especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código. Constituiria intolerável discriminação negar a legitimidade ativa de órgão estatal – como a Defensoria Pública – as ações coletivas se tal legitimidade é tranqüilamente reconhecida a órgãos executivos e legislativos (como entidades do Poder Legislativo de defesa do consumidor). Provimento do recurso para reconhecer a legitimidade ativa ad causum da apelante. – TJRJ, AC 2.003.001.04832. Rel. Dês. Nagib Slaibi Filho. 6a. Cam Civ. Julg. Em 26/08/2003.
94
Embora espécies do gênero metaindividuais, não há como confundir interesse
ou direito difuso com o direito coletivo e não é essa a interpretação para que se fortaleça o
argumento da legitimidade da Defensoria Pública, que em ambos os interesses têm
legitimidade para a defesa dos hipossuficientes. Há, segundo Mancuso109, pelos menos duas
diferenças básicas entre esses direitos: uma quantitativa, que ao interesse difuso concerne um
universo maior do que o interesse coletivo; e outra qualitativa, que consiste em que o direito
coletivo está adstrito a uma relação base, com grupos definidos. Os interesses difusos não
pertencem a uma pessoa isolada nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas, mas sim
a uma série indeterminada de pessoas, tais como aquelas que vivem sob determinadas
condições econômicas.
A indivisibilidade característica dos direitos difusos determina uma espécie de
comunhão tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de
todos, conforme lecionado por Barbosa Moreira.110 Destarte, na ação civil pública, o
legitimado busca tutela jurisdicional em prol de interesses supraindividuais, com
possibilidade de a coisa julgada atingir pessoas que não participaram da relação processual,
sejam essas hipossuficientes ou não, pois o que tem relevo para o interesse difuso não é a
qualidade econômica das pessoas que porventura tem ameaça ou a efetiva lesão de direito,
mas sim o direito propriamente dito, o interesse público, que se não defendido naquele
momento, efetivamente lesionará pessoas e causará dano de impossível ou difícil reparação.
Não se pode argumentar no sentido de que em sendo o direito difuso, somente
ao Ministério Público caberia essa legitimação. Não se pode conceber a hipótese de, quando
em atuação no órgão de execução, um Defensor Público tivesse conhecimento de dano ou
ameaça de dano a um direito difuso, aguardasse que o dano fosse concretizado, alcançasse
interesse de pessoa comprovadamente hipossuficiente, por mais que outrem já tivesse
lesionado, para somente depois agir ou, de outra sorte, oficiar para um representante do
Ministério Público com atribuição para a defesa dos direitos difusos. Se tal fato assim
ocorresse, esse profissional incorreria em desídia funcional, ao contrário do que afirmado por
aqueles que defendem a ausência de legitimidade da Defensoria Pública para a defesa dos
interesses difusos, que vêem nessa atuação “usurpação de função”, conforme mencionado na
ADIN 3.943/07, adiante comentada.
109 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Interesses Difusos, SP, Revista dos Tribunais, 3ª Ed., 1994, p. 50 110 BARBOSA MOREIRA, A legitimidade para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro, Revista Forense, Vol. 276.
95
O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir,
mas não para a constituição do ilícito, que pode existir sem a ocorrência daquele. Evitar a
realização do dano deve ser a regra e o fim preponderante da ação civil pública e não o
questionamento se um dos legitimados tem poderes extensivos para os interesses difusos.
Compensar ou recompor é um dever acessório, somente utilizado para a hipótese da falência
ou insuficiência das medidas protetivas.
Uma vez lesado ou ameaçado de lesão o patrimônio público, o mesmo deixa de
ser considerado como exclusivamente afetado pela entidade estatal a que pertence para ser
amplamente caracterizado como de interesse de toda a coletividade, tutelável pelos
legitimados para a defesa da ação civil pública. Essa foi a intenção do legislador ao
possibilitar que tantos fossem os legitimados expressos.
A sociedade de massa á caracterizada pela convivência simultânea de
diferentes indivíduos e grupos sociais, que eventualmente podem sofrer dano aos seus
interesses, sejam esses de natureza individual e divisível, onde ocorrerá num processo
coletivo a soma desses interesses com vistas a uma defesa mais eficiente e menor esforço
processual para os litigantes, ao contrário do que se fossem buscar a defesa dos seus interesses
de forma isolada e esse é a finalidade do princípio da operosidade citado por Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro, acima mencionado Como observa Pedro Dinamarco, citado por Jose
Antonio Lisboa Neiva111, esses direitos são conseqüência da moderna sociedade de massa,
onde a concentração de pessoas em grandes centros e a produção em série possibilitam que
essa massa de pessoas seja prejudicada com um único fato.
Com uma visão à frente do seu tempo, Barbosa Moreira já afirmara no início
da década de 80, em data anterior à edição da Lei. 7.347/85:
“(...) a luta do cidadão isolado contra os responsáveis que lesem ou ponham em risco um “interesse difuso”, sobretudo quando emane da Administração mesma, corre o risco, em inúmeros casos, de assemelhar-se à que travaria contra o gigante um Davi desarmado de funda.”
111 NEIVA, Jose Antonio Lisboa, Ações Coletivas no Direito Brasileiro, uma visão geral, Edição Histórica Revista nº 1 EMARF – Agosto de 2005.
96
Nesse sentido, com o intuito de melhor armar o cidadão com instrumentos
hábeis para a defesa dos seus interesses, não sobrecarregando as instituições do Estado e
tampouco causando conflito de atribuição desnecessário entre elas, temos as seguintes
legislações que corroboram a legitimação da Defensoria Pública para a defesa da tutela
coletiva, inclusive os interesses difusos.
A Carta Magna, em seu artigo 134, dispõe que a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com atribuição, em sentido lato, para a
defesa dos necessitados. A pobreza deve ser entendida como fenômeno multidimensional em
razão de ter como origem vários fatores de contribuição, indo além da ausência de recursos
materiais. Deve-se ter em conta que a pobreza tem relação com a desigualdade, não
importando a natureza desta, mas sim o seu reflexo: a exclusão social, o que acabará por
construir um ciclo de reprodução de pobreza, de insuficiência de bens e de oportunidades.
Destarte, não somente os economicamente pobres podem ser assim rotulados, mas todos
aqueles que se inserem no contexto da exclusão social, mesmo que momentaneamente.
A falta de recursos materiais, por si só, não caracteriza a pobreza, pois esta
vem acompanhada de danos psicossociais, que limitam a capacidade do cidadão de se
apropriar e fazer uso de recursos, bens e serviços disponibilizados pelo Poder Público, com
predomínio da baixa auto-estima, resignação, ressentimento e subalternidade em relação a
outros. Seria o que a doutrina norte-americana denomina de underclass, os marginalizados
sociais.
A exclusão social é produto do mundo contemporâneo e a baixa renda passa a
compor, com outros elementos, as condições que potencializam situações de risco. A exclusão
é o resultado da sociedade de massa capitalista, que rejeita aquele que não dispõe das
condições standarts traçadas pela minoria detentora do capital. Quando se focaliza o
problema da pobreza e da exclusão sob o ponto de vista das políticas públicas, torna-se
necessário lançar mão de outros parâmetros que não a renda, sob pena do enfoque do tema
ficar circunscrito ao crescimento econômico. A partir dos anos 90 percebeu-se que o
crescimento econômico e a diminuição da desigualdade relacionavam-se com o incremento
das políticas públicas, principalmente investimento em saúde e educação, repercutindo no
bem estar do cidadão e redução do sentimento de incapacidade.
Dessa forma, ao instituir a Defensoria Pública como órgão essencial à função
jurisdicional e responsável pela defesa dos mais necessitados que, segundo estima o IBGE,
são cerca de 119 milhões de brasileiros que sobrevivem com renda familiar de três salários
97
mínimos, a Constituição Federal atribuiu a esse órgão o dever, petrificado em seu artigo 5º,
LXXIV, de prestar assistência jurídica integral e gratuita a todos aqueles que demonstrarem
insuficiência de recursos, conferindo-lhes todo o instrumental legal necessário ao alcance de
suas finalidades. Conseqüentemente, a interpretação dos dispositivos constitucionais que
regem a atuação dessa instituição deverá ser sempre pautada pela busca da maior amplitude
possível, de modo a lhe assegurar a máxima efetivação, afastando qualquer restrição de ordem
interpretativa constitucional ou infraconstitucional, tendo em vista que tais dispositivos são
reflexos de uma garantia constitucional assegurada aos mais necessitados, não esquecendo
que o termo “necessitado” há muito está distanciado da sua expressão primária, relacionado à
miserabilidade financeira, sendo hodiernamente entendido como a hipossuficiência em geral,
conforme acima mencionado.
A Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, dispõe
exemplificativamente sobre as funções institucionais da Defensoria Pública, enumerando,
dentre outras, a promoção extrajudicial de conciliação entre as partes em conflito; patrocínio
da ação penal privada e subsidiária da pública; patrocínio da ação civil, incluindo sua defesa e
reconvenção; patrocínio da defesa em ação penal; atuação como curador especial; exercer a
defesa da criança e do adolescente; atuação em estabelecimentos policiais e penais como
forma de garantir a observância do exercício dos direitos e garantias individuais; assegurar o
princípio do contraditório e da ampla defesa, seja judicial ou extrajudicialmente; patrocinar os
direitos e interesses do consumidor lesado. O rol é meramente exemplificativo, mas pela
simples leitura do mesmo verifica-se o grau de relevância das atribuições e a natureza da
complexidade necessária para a solução desses conflitos, razão pela qual sempre caberá a
atuação institucional quando for vislumbrado que há interesse ou direito de pessoa
hipossuficiente, em sentido lato, a ser defendido, não importa se em ação individual, coletiva
ou quando o mesmo estiver no contexto de um direito difuso ameaçado ou lesado.
Interpretação em sentido diverso seria negar o princípio constitucional de que
os instrumentos de tutela judicial devem ser dotados de máxima efetividade.
Por sua vez, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 179,
dispõe que cabe à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro a orientação integral e
gratuita, a postulação e a defesa, em todos os graus e instâncias, judicial e extrajudicial, dos
direitos e interesses individuais e coletivos dos necessitados.
Nesse sentido, em que pesem os posicionamentos contrários, a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, assim como as demais Defensorias Públicas, tem
98
atribuição legal para a defesa dos direitos ou interesses difusos. Esse entendimento tem por
base, além dos dispositivos legais acima mencionados, a Constituição Federal que, em seu
artigo 129, inciso III combinado com o parágrafo primeiro do mesmo artigo determina que
são funções institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil
pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, sem prejuízo da legitimação de terceiros para as mesmas
hipóteses, omitindo a defesa dos interesses individuais, mesmo que homogêneos.
Por sua vez, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, ao dispor no Capítulo
IV sobre as Funções Essenciais à Justiça, enumera as seguintes instituições: Ministério
Público, Procuradoria Geral do Estado e a Defensoria Pública, e estabelece as atribuições de
cada uma delas:
Ministério Público (artigo 173, inciso III) – promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, do
consumidor, do contribuinte, dos grupos socialmente discriminados e de qualquer outro
interesse difuso e coletivo, não mencionando direitos individuais.
Defensoria Pública (artigo 179 e seus parágrafos) – a defesa dos direitos e
interesses individuais e coletivos dos necessitados. Na alínea e do inciso V, parágrafo 2º do
mencionado artigo, há a previsão para a defesa dos interesses difusos quando se tratar de ação
civil pública em favor das associações que incluam entre suas finalidades estatutárias a
proteção ao meio ambiente e a de outros interesses difusos e coletivos. Entende-se que a
interpretação no sentido de defesa dos direitos coletivos não está restrita ao interesse próprio
dessa associação, uma vez que os interesses difusos não podem ser apropriados pois
pertencem a uma categoria em especial por ser tratar de um direito transindividual e
indivisível.
Nessa linha de pensamento, percebe-se que há, em parte, concorrência de
legitimidade para a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública na propositura das
ações civis públicas, em vista de suas vocações à defesa do interesse público, no qual os
necessitados e os economicamente pobres se inserem de uma forma geral. O acesso à Justiça,
inegavelmente, representa interesse público primário, carecendo de largueza no momento de
sua interpretação.
99
Assegura-se que o Ministério Público não possui a legitimidade exclusiva para
a promoção da ação civil pública, nos exatos termos do art. 129, § 1º da CF/88. Ambas as
instituições possuem legitimidade universal para a mesma em razão de defesa do mencionado
interesse público. Interesses coletivos, gênero do qual são espécies os interesses difusos e os
coletivos propriamente ditos, segundo conceituado pelo próprio Código de Defesa do
Consumidor, são os transindividuais de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas
por circunstâncias de fato.
A afirmativa da concorrência de atribuições não há de ser entendida como
competitividade institucional, pelo contrário, trata-se de oferecer ao cidadão mais uma via de
acesso à Justiça. O que é por ora defendido é a atribuição da Defensoria Pública para a defesa
de interesses ou direitos difusos diante do imperativo constitucional maior de garantir o
acesso à Justiça diante dos valores, princípios e normas constitucionais e legais. A defesa dos
direitos difusos não tem o seu foco no direito individual, divisível e determinado, mas no
todo, exatamente naquelas partes em que não há interesse individual manifesto ou não
convém que o indivíduo o defenda por ser ínfima ou incomensurável a lesão do seu direito,
mas de dimensão extraordinária quando considerado o contexto onde a lesão ocorreu, o que
mais uma vez comprova a tese de que o protagonista da ação em defesa de um direito difuso
não é a identificação do lesado, e sim o direito lesionado.
Exemplo dessa flexibilização da ação civil pública é abordado por Kazuo
Watanabe:
“Esses mesmos fatos – publicidade enganosa e colocação do mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores – podem repercutir, em termos de lesão específica, na esfera jurídica de consumidores determinados. Nessa perspectiva, estaremos diante de ofensa a interesses ou direitos individuais. Se várias forem as vítimas, teremos então os chamados interesses ou direitos individuais homogêneos.”112
A defesa dos direitos coletivos, quando estes estão inseridos em um contexto
mais amplo, a ser defendido como interesse difuso, acaba por atomizar as questões, deixando
112 WATANABE, Kazuo, Código brasileiro de defesa do consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. 7 Ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001 p.742
100
de proteger aqueles direitos que não fazem parte da esfera individual, componentes da liga
que une um direito individual ao outro, os quais somente podem ser defendidos por meio da
defesa do interesse difuso.
Em razão da natureza molecular do direito difuso em relação ao direito
coletivo, uma vez que ambos são transindividuais, a análise da legitimação para agir será
realizada pelo aplicador do direito quando da análise da causa de pedir e do pedido.
Tomando por empréstimo o mesmo exemplo anterior – a da publicidade
enganosa e a veiculação de produto impróprio ao uso – a Defensoria tem interesse jurídico na
defesa do direito difuso, não podendo reduzir sua atuação para restringir o pedido unicamente
para reparação dos danos que a propaganda causou a pessoas identificáveis e individualizadas,
deixando ao largo a continuidade de veiculação da propaganda com potencial probabilidade
de causar dano a um maior número de pessoas, inclusive outras na mesma situação já
defendida, o que não ocorreria se desde o início a ação tivesse natureza de defesa do direito
difuso, cessando a veiculação da propaganda.
3.4 - A Defensoria Pública e o procedimento análogo ao inquérito civil
Com a denominação expressa de “inquérito civil”, firmada pelo parágrafo 1º
do artigo 8º da Lei de Ação Civil Pública, o qual foi recepcionado pela Constituição Federal
de 1988 em seu artigo 129, inciso III, coube inicialmente ao Ministério Público, com
exclusividade, a sua presidência.
Trata-se de um procedimento administrativo, tal qual o inquérito policial,
destinado a obter elementos de convicção – provas idôneas, para garantir a eficácia da ação
coletiva a ser ajuizada, evitando a propositura de ações temerárias, com a qual todos sairão
com a imagem maculada, seja o Ministério Público, até então o único legitimado para
instaurá-lo, ou atualmente também a Defensoria Pública, seja com essa nomenclatura ou com
diversa, em razão da forma precipitada e análise superficial dos fatos que formaram o seu
convencimento, o que é incompatível com o munus dessas Instituições. A parte em face do
qual a ação foi proposta também tem interesse na instauração do procedimento. Embora neste
não haja contraditório, a parte poderá juntar documentos que contribuirão para a sua defesa,
uma vez que pode não ter havido responsabilidade pelo dano ou o mesmo, se de fato de sua
responsabilidade, já lhe trará prejuízos financeiros de monta, os quais não precisarão ser
agravados com a publicidade negativa e despesas processuais, mantendo, dentro do possível,
101
sua imagem preservada perante a população, o que não seria possível com a publicidade da
propositura de uma medida judicial.
Em razão da recém-deferida legitimidade à Defensoria Pública, pela Lei
11.448/2007, para a propositura da ação civil pública, a Defensoria Pública do Estado do Rio
de Janeiro, considerando a complexidade do procedimento que permeia todo o processo
coletivo, editou a Resolução nº 382, de 07 de março de 2007, estabelecendo o procedimento a
ser adotado para instruir esse mesmo procedimento administrativo, denominado como
procedimento de instrução.
Nessa modalidade de procedimento em regra não há contraditório, mas a sua
ocorrência não o viciará, uma vez que o mesmo se destina à colheita de informações, sendo
que aquelas prestadas espontaneamente pelo investigado possibilitarão ampliar a abordagem
dos fatos, além de conferir maior legitimidade à prova a ser colhida.
Como acima mencionado, em razão de ter natureza de procedimento
administrativo, submete-se basicamente às três fases daquele: instauração, instrução e
conclusão, sendo que essa terceira fase poderá ser o ajuizamento da ação coletiva pertinente
ou o arquivamento do procedimento, o que determinará o seu encerramento.
Em sede de procedimento de instrução, termo adotado pela Defensoria Pública
do Estado do Rio de Janeiro para o procedimento análogo ao inquérito civil, quando ocorrer a
hipótese de dano de interesse exclusivamente local, preferiu-se adotar a atribuição
concorrente entre o Defensor Público do Núcleo de Primeiro Atendimento do local do fato
com a Coordenadoria de Interesses e Direitos Coletivos (CIDC) do respectivo interesse
lesado, esta com atribuição territorial em todo o Estado do Rio de Janeiro.
Caberá aos Defensores Públicos com atribuição para instruir o procedimento
de instrução empreender os esforços necessários para a celebração do Termo de Ajustamento
de Conduta, que será firmado, em qualquer hipótese, em conjunto com a Coordenação
Especializada daquele interesse e com a Assessoria Jurídica do Defensor Público Geral.
Essa ênfase dada à celebração do TAC tem por fundamento o espírito de
litigiosidade marcante do momento social e jurídico atual, resultante da convivência e
interpenetração de interesses conflitantes entre si, que podem ter natureza pública, privada ou,
mais recente, difusa. Deve haver investimento na possibilidade de realização do termo de
ajustamento, pois o mesmo tem natureza jurídica de reconhecimento expresso pelo infrator da
conduta que lhe é imputada, característica essencial para distingui-lo da transação. A
celebração do termo permite, de forma mais célere que o desenvolvimento de uma medida
102
judicial, a consecução de um resultado mais rápido para a efetivação do direito com maior
presteza.
Mas, na hipótese de paralisação do procedimento de instrução pelo prazo igual
ou superior a 180 dias, ou na hipótese do seu arquivamento, a fim de garantir a co-
responsabilidade dessa decisão, a Corregedoria Geral da Defensoria Pública deverá ser
comunicada do fato, oportunidade na qual abrirá vista ao coordenador temático e, após o
parecer deste, determinará o arquivamento ou prosseguimento do procedimento no âmbito das
Coordenadorias. Na hipótese de encerramento definitivo, essa decisão será comunicada ao
Conselho Superior da Instituição.
O arquivamento do procedimento de instrução ou do inquérito civil não gera
coisa julgada ou preclusão para o legitimado que o deflagrou e tampouco para outro
legitimado expresso, que estará autorizado a promover o ajuizamento da ação coletiva
respectiva ao direito em tese lesionado.
3.5 - Críticas à nova autorização legislativa e comentários às ADINs 3943/07 e ADI 558-8/1991
Em 16 de agosto de 2007, a Associação Nacional dos Membros do Ministério
Público – CONAMP, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3943, Ministra
Relatora Carmen Lucia, tendo por objeto a Lei 11.448/07, que alterou a Lei 7.347/85, que
disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, atribuindo
legitimidade à Defensoria Pública, concorrentemente com os demais legitimados, para a
propositura de ação civil pública.
Eis o inteiro teor do dispositivo legal impugnado:
“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”
103
A Autora da ADIn argumenta no sentido de que a norma legal citada
hipoteticamente afronta os artigos 5º, LXXIV, e 134, ambos da Constituição Federal, por
entender que, diante desses dispositivos, a Defensoria Pública somente teria atribuição para
prestar assistência jurídica aos necessitados, assim entendendo aqueles que possuem recursos
insuficientes para se defenderem judicialmente ou que precisem de orientação jurídica. Para
tanto, acresce, esses necessitados devem ser individualizáveis e identificáveis.
Transcreve-se as normas constitucionais tidas como violadas:
“Art. 5º. ... LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
Prossegue e afirma que a Defensoria Pública não tem possibilidade alguma de
atuar na defesa dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos como possuidora
de legitimação extraordinária. Parágrafo à frente, contudo, reconhece “Ainda que se entenda
poderem os defensores públicos propor ação civil pública, quando se tratar de interesses
coletivos ou individuais homogêneos (...)”, não teriam os defensores públicos legitimidade
para os interesses difusos. Alega que a norma impugnada afeta diretamente as atribuições do
Ministério Público. A recém-atribuição da Defensoria Pública impediria o Ministério Público
de exercer plenamente as suas atividades. Finaliza com o pedido de declaração de
inconstitucionalidade do inciso II do artigo 5º da Lei 7.347/85 ou, se assim não for entendido,
seja dada interpretação conforme a constituição para excluir da Defensoria Pública a
legitimidade para a defesa dos interesses difusos.
A Advocacia Geral da União – AGU, nas informações AGU/SF N° 10/2007, sustenta
que a recém-alteração legislativa em nada impede ou diminui a atuação do Ministério Público,
que continua a deter as mesmas atribuições e poderes de antes. A alteração propicia,
simplesmente, que a Defensoria Pública venha, na realidade, a somar esforços na conquista
104
dos direitos e interesses coletivos, individuais homogêneos, ou difusos da sociedade, direitos
e interesses esses que poderão ser defendidos, inclusive, tanto pela Defensoria Pública, como
pelo Ministério Publico em litisconsórcio ativo. . Sendo, portanto, ilógico e desarrazoado a
pretendida exclusão da participação da Defensoria Pública no campo da tutela da coletividade.
Nesse diapasão, a AGU refuta a frágil argumentação da Associação autora
quando do argumento da exclusividade de atuação da Defensoria Pública aos
economicamente necessitados. Essa afirmativa viria tão somente restringir a atuação coletiva
às hipóteses de hipossuficiência econômica, acarretando grave prejuízo à sociedade, haja vista
a oportunidade para indesejáveis casuísmos
A AGU, em suas informações, argumenta no sentido de que as normas
constitucionais supostamente violadas com a edição da Lei 11.448/07 não exige,
absolutamente, que todos os assistidos sejam necessitados. Faz-se necessário apenas que haja
demonstração ou indícios de que parte ou boa parte dos assistidos pela Defensoria Pública
tenham ou devam ter, de fato, essa qualidade. Da mesma sorte, no que tange à argumentação
da defesa coletiva não ser possível pela Defensoria Pública, a AGU traz a lume a decisão do
Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, na apelação Cível n° 2004.32.00.005202-
7/AM, que conclui que nada há nestes dispositivos dos artigos 5º, LXXIV, e 134, ambos da
Constituição Federal, nem no restante deste capítulo da Constituição, que diga que a defesa
dos necessitados só pode ser individual.
Socorrendo-se do artigo da lavra do Professor Doutor Humberto Dalla B. de
Pinho113, a AGU defende a constitucionalidade da norma impugnada com base em que, em
geral, normas definidoras de direitos e garantias devem ser interpretadas de forma extensiva, o
que encaminha à conclusão lógica de que a Defensoria Pública, ao menos hoje, tem
legitimidade para a tutela das três espécies de direitos (difusos, coletivos e individuais
homogêneos).
Duas instituições requereram o ingresso no feito, na qualidade de amicus
curiae: a Associação Nacional dos Defensores Públicos da União e a ANADEP – Associação
Nacional dos Defensores Públicos, o que lhes foi deferido.
113 PINHO, Humberto Dalla B. de, A legitimidade da defensoria pública para propositura de ações civis públicas: primeiras impressões e questões controvertidas, publicado na Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, N. 22, novembro de 2007
105
A manifestação da Associação Nacional dos Defensores Públicos é lastreada,
inicialmente, nos princípios que regem o Estado de Direito, o qual deve ser fazer presente de
forma incondicional, haja vista a patente desigualdade social existente, com a característica da
maioria da população ser constituída de pessoas hipossuficientes, vitimadas pela
marginalização e pela exclusão social, sem a mesma possibilidade de acesso à Justiça que as
demais camadas da população. A negativa da legitimidade para a defesa dos interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos à Defensoria Pública acabaria por caracterizar a
privação do acesso aos mesmos direitos disponíveis às demais pessoas que integram esse
mesmo Estado de Direito.
A essencialidade e a constante consagração do trabalho na defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos desenvolvido pela Defensoria Pública em vários
estados da federação propiciou o recente Projeto de Lei, elaborado para alteração da Lei
Complementar Federal n.º 80/94, no qual foi expressamente incluída entre as atribuições da
Defensoria Pública, nos incisos VIII e IX, do art. 4º, do aludido Projeto, "promover ação civil
pública objetivando a tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos
visando preservar os direitos e reparar as violações aos direitos dos destinatários de suas
funções", bem como "patrocinar ação civil pública em nome de associações ou organizações
que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, aos direitos
fundamentais da pessoa humana e a outros interesses difusos e coletivos, demonstrada a
insuficiência de recursos dessas entidades”.
A prática processual tem demonstrado que a Defensoria Pública tem sido um
representante adequado para a defesa de um grupo lesado em algum direito coletivo, como é o
caso dos hipossuficientes econômicos, visando à efetivação do acesso à justiça e ao
cumprimento de suas funções institucionais. Nessa linha de pensamento, foi considerada
legitimada para ajuizar ações coletivas justamente por cumprir com os requisitos básicos para
a propositura de tais ações, conforme restou decidido no acórdão 70014404784/2006, em
julgamento de apelação cível da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, relatado pelo desembargador Araken de Assis, em 12.4.2006, cuja ementa consta nas
informações da AGU e ora se transcreve:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSE COLETIVO DOS CONSUMIDORES. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA. 1. A Defensoria Pública tem legitimidade, a teor do art. 82, III, da Lei 8.078/90 (Cód. de Defesa do Consumidor), para propor ação coletiva
106
visando à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores necessitados. A disposição legal não exige que o órgão da Administração Pública tenha atribuição exclusiva para promover a defesa do consumidor, mas específica, e o art. 4.°, XI, da LC 80/94, bem como o art. 3.°, parágrafo único, da LC 11.795/02-RS, estabelecem como dever institucional da Defensoria Pública a defesa dos consumidores. 2. APELAÇÃO PROVIDA”.
Corroborando a linha de pensamento seguida ao longo da presente dissertação,
a AGU, utilizando-se dos argumentos lançados na peça da Associação Nacional dos
Defensores Públicos, transcreve o seguinte trecho daquela peça:
“Em suma, a legitimação da Defensoria Pública visa a assegurar o acesso à justiça, e não restringi-lo, evitando-se decisões contraditórias, insegurança jurídica e o acúmulo de demandas versando sobre o mesmo fato. Assinale-se que tal legitimidade beneficia, também, a economia processual, pois atinge a um só tempo os ideais de redução de custo econômico, em materiais e pessoas, bem como o de julgamentos uniformes para um grande número de situações conflituosas, sem deslembrar da devida prestação jurisdicional, pois evita a proliferação de grande quantidade de ações individuais e garante o funcionamento célere e efetivo do Poder Judiciário, proporcionando uma efetiva racionalização da justiça.”
Importante destacar que desde a edição da Lei 11.448/2007, a qual atribuiu à
Defensoria Pública legitimidade para a propositura de Ações Civis Públicas, a Defensoria
Pública da União ingressou com 12 (doze) ações civis públicas114, onde todas tiveram a sua
legitimidade reconhecida.
114 Processo 2006.61.00.027802-9, da 7ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos do Ministério Público da União; Processo nº 2007.61.00.000433-5, da 23ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos do Agência Nacional de Saúde Suplementar; Processo 2007.61.00.001723-8, da 7ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos do Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Processo 2007.61.00.001722-6, da 10ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos da Câmara dos Deputados; Processo 2007.61.00.03010-3, da 25ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos da Agência Nacional de Aviação Civil; Processo 2007.61.00.002795-5, da 1ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, que analisa a ausência de previsão de isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para provimento de cargos da Câmara dos Deputados; Processo 2007.61.00.010539-5, da 13ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, mandado de segurança coletivo em que se pleiteia a isenção da taxa de expedição do Registro Nacional de Estrangeiro para os hipossuficientes; nº Processo 2007.61.00.011093-7, da 15ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, sobre os expurgos inflacionários do Plano Bresser; Processo 2007.51.01.017691-7, da 11ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro, visando à isenção de taxa de inscrição para hipossuficientes no concurso público para Procurador
107
Inicialmente a ANADEP aduziu a ilegitimidade da entidade autoral em razão
do posicionamento do próprio Superior Tribunal Federal, que exige pertinência temática entre
os objetivos estatutários e o objeto da norma impugnada. A entidade autora tem como objeto
estatutário defender as prerrogativas, garantias, direitos e interesses, diretos e indiretos, da
Instituição e de seus integrantes, bem como o fortalecimento dos valores do Estado
Democrático de Direito, ou seja, tem por fim a discussão de temas de interesse institucional
do Ministério Público ou dos seus integrantes.
Alega que não há, por sua vez, como vislumbrar e, principalmente,
fundamentar o argumento de que a legitimidade da Defensoria Pública afeta diretamente os
interesses do Ministério Público, pois o impede de plenamente exercer as suas atividades em
razão da Lei 11.448/07 tão-somente ter acrescentado a Defensoria Pública no rol dos demais
legitimados existentes, que já atuam de forma concorrente e disjuntiva, permanecendo o
Ministério Público na qualidade de, além de legitimado ativo, atuar como custus legis e
assumir a condução da ação nas hipóteses de desistência ou abandono da mesma.
Sobre o tema do suposto impedimento causado à atuação do Ministério
Público, o Supremo Tribunal Federal, na ADIN 558/91, que também questionava a atribuição
da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro diante de expressões constantes da
Constituição Estadual, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, posicionou-se:
“Não me impressiona, de sua vez, a increpação de que as atribuições aí deferidas à Defensoria Pública implicaram invasão de áreas de atuação reservadas ao Ministério Público. Essa suposição – que está subjacente a quase toda presente ação direta e explica sua origem -, parte, data vênia da confusão indevida entre a legitimação ativa do Ministério Público para a promoção, em nome próprio e incondicionada, da ação civil pública (CF, art. 129, III), a função de assistência judiciária, confiada á Defensoria Pública para a representação em juízo de outras pessoas físicas ou jurídicas concorrentemente legitimadas pela lei federal à defesa de interesses difusos ou coletivos (CF, art.129, §1º).”115
da Fazenda Nacional; Processo 2007.51.01.020475-5, da 9ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro, em que se pleiteia leite materno para as pessoas hipossuficientes; Processo 2007.51.01.0171051, da 8ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro, visando o conserto de aparelhos em hospitais públicos; Processo 2007.34.00.003387-9, da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, sobre a correção das provas de redação de todos os candidatos as vagas reservadas a deficientes físicos no 4º concurso para provimento de cargos para o Tribunal Regional Federal e Justiça Federal da 1ª Região 115 STF. ADI nº558-8-RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ de 26.03.93.
108
Nessa ação, o Supremo Tribunal Federal negou pedido de suspensão cautelar
em razão de, na visão do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, as associações têm sempre
natureza altruística, e, portanto, sempre serão passíveis de proteção pela Defensoria Pública: “Certo, a própria Constituição da República giza o raio de atuação institucional da Defensoria Pública, incumbindo-a da orientação jurídica e da defesa, em todos os graus dos necessitados (art. 134). Daí, contudo, não se segue a vedação de que o âmbito da assistência judiciária da Defensoria Pública se estenda ao patrocínio dos direitos e interesses (...) coletivos dos necessitados, a que alude o art.176, caput, da Constituição do Estado (do Rio de Janeiro): é óbvio que o serem direitos e interesses coletivos não afasta, por si só, que sejam necessitados os membros da respectiva coletividade” .......................... “A Constituição Federal impõe, sim, que os Estados prestem assistência judiciária aos necessitados. Daí decorre a atribuição mínima compulsória da Defensoria Pública. Não, porém, o impedimento a que os seus serviços se estendam ao patrocínio de outras iniciativas processuais em que se vislumbre interesse social que justifique esse subsídio estatal”116. ............................ “Penso, entretanto, que a suspensão da vigência dos textos impugnados poderia resultar, em contrapartida, na subtração de pendência desta ação direta, de relevantes serviços que sabidamente a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vem prestando à defesa dos interesses coletivos de comunidades efetivamente carentes, organizadas em associações civis, assim como de consumidores desprovidos de recursos para a veiculação processual de seus direitos”
A Lei 11.448/2007, que alterou a Lei 7.347/1985, ao incluir a Defensoria
Pública para o rol dos legitimados à propositura da Ação Civil Pública, seguindo as alterações
processuais civis que há mais de uma década se operam no ordenamento jurídico nacional,
concretiza o programa constitucional de ampla assistência jurídica, dotando-o de maior
abrangência ao direcionar instrumento processual de grande importância para a proteção de
direitos da população carente – a ação civil pública, em franca demonstração da consciência
da importância do acesso à Justiça para essa minoria excluída. Se a Lei em comento aumenta
as atribuições da Defensoria Pública para que exerça com maior efetividade suas funções, é
evidente que está em conformidade com a Constituição e faz realizar o princípio aventado da
maior eficácia possível das garantias constitucionais e do Estado Democrático de Direito, cuja
defesa expressamente consta do estatuto da entidade autora.
A ausência de legitimidade expressa na Constituição não é óbice para o
reconhecimento de legitimidade ativa em Ação Civil Pública, uma vez que o Supremo
116 STF. ADI nº558-8-RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ de 26.03.93
109
Tribunal Federal, reconhecendo ao Ministério Público legitimidade para atuar na tutela de
direitos individuais homogêneos, valendo-se de interpretação sistemática, considerou as
atribuições institucionais gerais do Ministério Público para proteção de interesses sociais
relevantes. Em Recurso Extraordinário nº 195.056-1, o Ministro Sepúlveda Pertence sustentou
em seu voto que:
“A afirmação do interesse social para o fim cogitado há de partir de identificação do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituição e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República, nela consagrados. Afinal de contas – e malgrado as mutilações que lhe tem imposto a onda das reformas neoliberais deste decênio – a Constituição ainda aponta como metas da República ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Esse critério(...) se poderia denominar de interesse social segundo a Constituição”.
A Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, na Informação n° CCJ/CJ
215/2007-ACBFF, em síntese, aduz, preliminarmente, a ausência de pertinência temática,
uma vez que a Associação autora tem sua margem de atuação restrita às normas legais que, de
alguma forma, repercutem na organização e funcionamento da entidade a que estão
vinculadas as pessoas representadas pela mesma, tal qual anteriormente mencionado pela
ANADEP – Associação Nacional dos Defensores Públicos. No mérito, defende que o a
inovação da legitimidade importa tão somente na adoção pelo legislador ordinário de novos
critérios legais para a propositura da ação civil pública, ampliando o rol dos legitimados a
propô-la, e simplificando os trabalhos da Defensoria Pública no atendimento e na defesa dos
interesses dos mais necessitados, poupando-lhe o implemento de ações individuais,
economizando os recursos do erário e reduzindo o número desnecessário de ações cujo objeto
abrange a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, perfeitamente
identificáveis dentre as várias causas postas à manifestação da nova legitimada.
Ao analisar o trâmite do processo legislativo do Projeto de Lei nº 131, de 2003,
de iniciativa do Senado Federal, que deu ensejo à promulgação da Lei nº 11.448, de 15 de
janeiro de 2007 e altera o artigo 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inicialmente foi
sugerida a inclusão da Defensoria Pública nos rol dos legitimados à propositura da ação civil
pública pela Emenda nº 01 manifestada perante Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, merecendo as considerações constantes do r. relatório do eminente Senador Pedro
110
Simon, entendia desnecessária a mencionada norma, uma vez que a Lei Complementar da
categoria já autorizava a ingressar com ação civil pública, assim consignadas as suas palavras:
“ Deixe-se registrado que a Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, prescreve normas gerais para sua organização nos Estados e dá outras providências, inclusive relativas à ação civil pública, como se constata nos textos abaixo transcritos dos arts. 1º e 4º. Portanto, prever ou deixar de prever a legitimação da Defensoria Pública para ajuizar ação civil, como está proposto na Emenda nº 1 – CCJ, em nada altera o art. 5º da Lei nº 7.347, eis que a referida emenda, nesse tópico, apenas estaria repetindo o texto da norma instituidora daquela entidade.”.
O entendimento do Senador Pedro Simon foi reformulado pelo ilustre DD.
Relator, ao apreciar o substitutivo da Câmara dos Deputados, de nº 5.704/2005, naquela Casa
Revisora: consignando por sua aprovação, atestou que117 “O Substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS nº 131, de 2003, apresenta-se consentâneo com os requisitos formais e materiais de constitucionalidade, tendo em vista que compete privativamente à União legislar sobre direito processual civil, a teor do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição Federal (CF), e que a matéria se insere no âmbito das atribuições do Congresso Nacional, o que atende ao caput do art. 48 da Carta Magna, no qual se confere aos Deputados e aos Senadores livre iniciativa para disciplinarem sobre o tema.”
Encaminhado à Câmara dos Deputados, casa designada como revisora, foi
endereçado ao Projeto de Lei do Senado Federal de nº 131, de 2003, adotando o nº de 5.704,
de 2005, o r. Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, relatado pelo
Deputado Federal Luiz Antônio Fleury, que, ponderou pela inclusão da legitimação somente à
Defensoria Pública, conforme transcrito em Capítulo anterior. A Secretaria de Assuntos
Legislativos do Ministério de Estado da Justiça, provocada pela Subchefia de Assuntos
Parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência
da República, manifestou o r. Parecer de nº 106/2006, no qual se infere que
“... o Projeto de Lei em exame ao incluir a Defensoria Pública no rol dos legitimados ativos ad causam para a propositura da ação civil pública além de superar a controvérsia retro mencionada, contribuirá, dada a abrangência da norma, para o efetivo cumprimento de sua função institucional que é a de assegurar, mediante a prestação de
117 Conforme se extrai do r. Parecer de nº 1.320, de 2006, do Senador Pedro Simon, relator do Projeto de Lei nº 131, de 2003, do Senado Federal – Publicado no Diário do Senado Federal de 21 e 22 de dez. de 2006, pp. 39.478 e ss. – Cópia em anexo.
111
assistência jurídica gratuita e integral, o acesso à Justiça a todos os cidadãos necessitados na forma da lei (art. 134, caput, da Constituição).”
A Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça considerando os cânones
estabelecidos pelo princípio da presunção de constitucionalidade das normas jurídicas e dos
atos do Poder Público em geral, conclui que deve militar a dúvida em favor da conservação
sempre que houver a impossibilidade de se reconhecer mácula de inconstitucionalidade, o que
ocorrerá quando a pretensa invalidade não for manifesta e inequívoca. O princípio da
interpretação conforme a Constituição, de origem germânica, deve se fazer presente somente
diante de interpretações plausíveis e alternativas, destacando-se dentre estas uma capaz e
suficiente a compatibilizar o preceito legal à Carta Constitucional vigente.
Abeberando-se dos ensinamentos de J. J. GOMES CANOTILHO118, com
propriedade, pondera que “A interpretação conforme a Constituição só é legítima quando
existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) em que são admissíveis várias
propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser
preferidas, e outras em desconformidade com ela.”.
O promotor de justiça Emerson Garcia119, citado pela Associação de classe
autora da ADIn, posiciona-se do sentido de que a Defensoria Pública não foi alçada à posição
de legitimada universal para a propositura de ação civil pública, necessitando que a atribuição
dos defensores públicos sofra um balizamento para ajustá-la aos objetivos constitucionais da
instituição a fim de “(...)preservar a coerência do sistema constitucional do prever a
existência de duas instituições, o Ministério Público e a Defensoria Pública, e indicar a
esfera de atribuição de cada um”. Entende o mencionado promotor de justiça que a
Defensoria Pública está condicionada à existência de dois requisitos: que a atuação seja
direcionada aos necessitados e que estas sejam comprovadamente carente de recursos. Data
máxima vênia àqueles que comungam dessa opinião, a mesma está na contramão do
ordenamento jurídico, assim considerado os valores, princípios e normas constitucionais,
estes sim balizadores da realidade social. Conforme foi acima mencionado, a hermenêutica
constitucional é aberta, deixando de ser restrita à atividade de poucos. Nesse sentido, diante
da globalização que impera no mundo, sem risco de perda da soberania nacional, os países
devem comungar dos mesmos imperativos sociais que garantem à população o direito de
acesso à Justiça, sentido mais amplo que se pode dar ao acesso ao cumprimento de políticas 118 In “Direito Constitucional” – Livr. Almedina – Coimbra - 1986 – p.236. 119 GARCIA, Emerson, A legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento da ação civil pública: delimitação de sua amplitude,consulta no site http://www.acmp.org.br, acessado em 02/11/2007
112
públicas, bem como à execução de direito e garantias fundamentais assegurados não só no
texto constitucional, como também nos tratados internacionais.
A visão estreita manifestada nos fundamentos da autora da ação declaratória de
inconstitucionalidade da Lei 11.448/07 causaria preocupação na comunidade jurídica se a
mesma fosse compartilhada, mas por sorte não é, cabendo ao Supremo Tribunal Federal dar
ao caso a correta interpretação, pautando-se pela constitucionalidade da lei em comento,
deixando no vazio as vagas e imprecisas argumentações de parte daqueles que tem a
atribuição de defender os interesses da sociedade, os quais foram deixados à margem quando
da superficial e perfunctória análise da Lei 11.448/07.
113
4 - A DEFENSORIA PÚBLICA E A DEFESA DO ACESSO ÀS POLÍTICAS
PÚBLICAS COMO FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL
4.1. – Interesse Difuso e Interesse Social
Desde os primórdios da civilização, as fronteiras entre o público e o privado
são móveis e instáveis, variando em função de políticas governamentais e manifestos
interesses da sociedade, o que vem determinar que a classificação do direito entre esses dois
ramos esteja em constante alternância. Na Grécia antiga a prioridade era o cidadão, o homem
público, através de sua participação política na destinação dos interesses de sua comunidade.
Na Idade Média houve completa inversão, com prioridade do privado em decorrência das
relações de dominação feudal, baseada na importância atribuída à propriedade territorial. Já o
Estado Moderno é caracterizado por uma relação complexa entre o público e o privado,
entrelaçando-se com freqüência, a ponto do próprio Rei Luis XIV confundir o Estado com ele
próprio na célebre frase “L’Etat c’est moi”. No entanto, o predomínio da autoridade pública
sobre a vontade dos particulares, a concentração do poder e a monopolização do uso legítimo
da força física caracterizaram a predominância do público nessa época.
A divisão entre público e privado passa a se definir após três séculos, com o
surgimento do Estado Liberal após as Revoluções Burguesas do século XVII (inglesa) e
XVIII (norte-americana e francesa), em razão da manifesta separação entre Estado e a
sociedade. O Estado cuidaria da segurança interna e externa, enquanto a sociedade, composta
por indivíduos formalmente iguais – embora fosse negado o direito de voto às camadas
empobrecidas da população, perseguiriam livremente os seus próprios interesses privados,
uma vez que o Estado não poderia interferir nas relações travadas em sociedade.
Conforme ressaltado nos capítulos anteriores, a passagem do Estado Liberal
para o Estado Social se deu em razão daquele estar premido pelas pressões sociais,
necessitando intervir na sociedade diante da constatação da desigualdade existente no campo
das relações privadas. No Estado de Direito, os atos emanados pelos Poderes de Estado, para
terem validade e legitimidade, têm de ter respaldo não somente na mera coincidência entre o
ato ou a conduta do seu prolator e a norma de vigência, mas também estar em consonância
com os valores principiológicos da moralidade financeira, economicidade, razoabilidade e
proporcionalidade.
114
O jurista Daniel Sarmento120 leciona que normalmente costuma-se associar o
público à esfera de interesses gerais da coletividade, que dizem respeito à pessoa humana na
qualidade de cidadão, como membro da comunidade política. Ao direito privado
corresponderia o homem considerado individualmente, em suas relações pessoais e familiares,
que não são do interesse da sociedade em geral. Contudo, há de se ressaltar a existência de
uma nova teoria hermenêutica, denominada democrático-funcional, que acentua
particularmente o momento teleológico-funcional dos direitos fundamentais no processo
político-democrático, ou seja, os direitos são concedidos aos cidadãos para serem exercidos
como membros de uma comunidade e no interesse desta. Assim como todo o texto
constitucional dirige-se para uma função social, descaracterizando o rigor privado existente
nas constituições e legislações infraconstitucionais anteriores, a melhor, senão a correta
interpretação constitucional a ser feita, é no sentido de dar aos direitos fundamentais uma
interpretação em favor da coletividade e não exclusivamente no interesse pessoal do cidadão.
Atualmente, além da divisão entre público e privado, surge fortalecido um
terceiro setor, composto pelas organizações não governamentais, associações de moradores,
entidades de classe e outros movimentos sociais voltados para atuar em prol da coletividade,
na forma denominada de sociedade civil; que inicialmente surgiu como algo oposto ao
Estado, no sentido daquilo que não seja estatal, com a finalidade de se organizar na luta por
maior inserção na atividade política, legitimada, principalmente, pela ocorrência de duas
determinantes: a impossibilidade de resolução dos grandes problemas, que hoje assolam a
humanidade, através de ações unicamente governamentais ou de mecanismos de mercado; a
segunda determinante está na atual situação de descrédito nos sistemas de representação
política. Bobbio121 leciona que "Sob este aspecto, sociedade e Estado atuam como dois
momentos necessários, separados, mas contíguos, distintos, mas interdependentes, do sistema
social em sua complexidade e em sua articulação interna". Em um sentido mais amplo
representa, também, toda espécie de organização social que lute por seus direitos,
independentemente de fins altruísticos.
Outra distinção pertinente, a fim de melhor compreensão da atuação da
Defensoria Pública para a defesa do acesso às políticas públicas, está entre interesse social e
interesse difuso. A Constituição Federal de 1988 distingue os dois conceitos, sempre
120 SARMENTO, Daniel, Livre e Iguais- Estudos de Direito Constitucional, Rio de Janeiro:Lúmen Juris, 2006, p.38 121 BOBBIO, Norberto, Estado Governo Sociedade, Para uma teoria geral da política pág. 52.
115
acentuando que o interesse público estaria relacionado à figura do Estado. Para Ada Pellegrini
Grinover122, interesse social são interesses espalhados e informais à tutela das necessidades
coletivas, relacionados à qualidade de vida da população. São interesses de massa que
convergem para um ponto comum, o bem estar da coletividade. Nessa linha de raciocínio,
Rodolfo de Camargo Mancuso123 entende interesse social, interesse geral e interesse difusos
com grande número de semelhanças, como direito que interessa à maioria da sociedade civil,
que reivindica a tutela de valores e bens mais elevados.
A doutrina predominante é no sentido de identificar o interesse social como
aqueles que têm a coletividade como titular, sendo de todos, mas não pertencendo
individualmente a ninguém, possuindo, como objeto, bens ou valores essenciais para a vida
em sociedade.
Mafra Leal124 reconhece que o conteúdo dos direitos difusos não garante
propriedade ou liberdade econômica, que foram objeto de proteção dos direitos de primeira
geração, nem implicam em redução dos mesmos. A característica dos direitos difusos está na
não-patrimonialidade, com interesse de proteção em dois aspectos fundamentais: qualidade de
vida e uma concepção de igualdade diversa do Estado Liberal, desta feita como direito de
integração ou de não-exclusão às esferas da vida social.
Os direitos difusos determinam reformas sociais e revisão no comportamento
coletivo, deixando o Estado de ser o único responsável pela consecução e manutenção desses
direitos.
Diante dessas considerações, são encontradas semelhanças que quase se
transformam em identidade, como ocorre quando estudado o sujeito desses dois interesses –
interrese social e interesse difuso, que são os grupos sociais compostos de pessoas
indeterminadas, que não estão necessariamente ligadas por um vínculo jurídico, mas sim por
circunstâncias de fato. No que tange ao objeto, é indivisível. A distinção entre ambos é sutil e
mais apropriada no campo doutrinário, entendo Mancuso que os interesses difusos estão
relacionados à massa normativa já estabelecida; são sentimentos coletivos ligados a valores
parajurídicos, representando o sentimento comum da sociedade em determinado tempo e
lugar.
Nessa linha de evolução do pensamento, a Defensoria Pública tem atuado para
promover a consecução e manutenção dos interesses sociais e dos interesses difusos, uma vez 122 GRINOVER, Ada Pellegrini, Considerações sobre interesse social e interesse difuso, In p.62 123 MACUSO, Rodolfo de Camargo, Interesses difusos, conceito e legitimação para agir, RT:São Paulo, 2000, p.29 124 LEAL, Marcio Flavio Mafra, op cit. P. 103
116
que a cada dia, principalmente após a Carta Constitucional de 1988, onde houve manifesta
preocupação de não somente definir direitos, mas também a de assegurá-los, está mais tênue a
linha que separa o público do privado, diante do nascimento de uma sociedade civil
organizada, bem como a separação destes direitos do próprio interesse social, que é o
desiderato das políticas públicas. O interesse social dia a dia se confunde com os interesses
difusos, com grande área comum entre os mesmos, onde se proliferam entidades da sociedade
civil com a finalidade de defendê-los, embora nem sempre imbuídas do interesse público no
qual deveriam se pautar.
A supra-individualidade que caracteriza os interesses difusos deve ser
analisada sob dois aspectos: o material, que se preocupa com os bens; e o processual, que é
objeto deste estudo, que tem a sua atenção voltada para os interesses envolvidos, que são
comuns a todos e quaisquer cidadãos e nem o Estado tem o poder de excluir a sua utilização
por quem quer que seja.
Segundo Antonio Herman Benjamin125, em estudo que discorreu sobre os bens
comunais, este entendido como expressão sinônima para interesse difuso, leciona que se
regem por dois princípios básicos: o primeiro é o da indivisibilidade do benefício, o que
impede a sua apropriação individual com exclusividade; e o segundo é o princípio da não-
exclusão dos beneficiários, no sentido de que um terceiro, tendo ou não participado para a
produção do resultado proveitoso, tem o direito de usufruir o mesmo. Esses bens têm as
seguintes características: transindividualidade real; a indeterminação dos seus sujeitos;
indivisibilidade ampla; indisponibilidade; vínculo meramente de fato a unir esses sujeitos;
ausência de unanimidade social – dado que o diferencia do interesse público, conforme abaixo
explanado.
No mesmo estudo publicado, o jurista ressalta as características qualificadoras
do interesse público: pluralidade de sujeitos titulares, chegando a confundir-se com a
comunidade; a indeterminação dos seus sujeitos; fruição indivisível desse direito e a sua
indisponibilidade; a existência de um vínculo abstrato que une esses sujeitos; relevância da
unanimidade social; organização desnecessária, impossível, impraticável ou difícil porque os
seus pressupostos gozam de unanimidade social.
Os interesses pertinentes ao meio ambiente e ao consumo, que dão origem aos
conflitos de natureza individual, também podem originar litígios exclusivamente supra-
individuais. O meio ambiente, nas palavras de Edis Milaré, mais uma vez citado por Antonio
125 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos,
117
Herman Benjamin: “ (...) é um bem público, de uso comum de todo o povo. Não pertence ele
a ninguém em particular, mas pertence a todos, toda a comunidade tem interesse em preservá-
lo”.
Dessa forma, a recém-outorgada legitimidade à Defensoria Pública para a
defesa, e não mais somente o patrocínio, dos interesses difusos demonstrou a preocupação do
legislador no sentido de reconhecimento da ampliação da atuação institucional ao longo dos
anos, da transformação ocorrida na sociedade, mais consciente dos seus direitos, bem como, e
principalmente, da manifesta vontade daquele em possibilitar o acesso à população aos
direitos constitucionalmente outorgados, promovendo a redução das desigualdades sociais e
regionais, uma vez que a população, na sua imensa maioria hipossuficiente, sofre com a falta
de atuação do poder público nas questões dos seus interesses primários.
Conforme mencionado alhures, aqueles que se posicionam no sentido da
constitucionalidade da Lei 11.448/07, afirmam seu posicionamento no sentido de não haver
como estabelecer, e com certeza essa não teria sido a mens legis, concorrência de atribuição
entre a Defensoria Pública e o Ministério Público para a defesa dos interesses difusos. As
duas instituições, na qualidade de órgãos do Estado e com observância de suas atribuições
constitucionais e legais, despidas de outros interesses, devem zelar pela correta aplicação da
Lei da Ação Civil Pública, a fim de que a mesma não se transforme em um instrumento
político como ficou conhecida a Lei da Ação Popular. Nessa esteira de raciocínio, embora
haja um movimento por parte do Estado Social no sentido de expandir o objeto de proteção
dos interesses designados como supra-individuais, esse mesmo Estado ainda penderia de
atuação no sentido de possibilitar o acesso coletivo à Justiça aos cidadãos, o que demanda um
maior número qualitativo de legitimados para a defesa de tão relevantes interesses.
Exemplo da expansão do objeto de proteção desses direitos está no direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, classificado como um dos direitos fundamentais
da pessoa humana, uma vez que o artigo 225 da Carta Magna menciona que esse direito
pertence a todos; sendo de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo não somente ao Poder Público, mas também à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo, consagrando o princípio da participação popular – democracia semidireta ou
participativa, razão pela qual os doutrinadores o classificam como integrante dos direitos de
terceira geração.
Mas na prática, como essa minoria terá acesso à defesa do meio ambiente na
forma como determina a Carta Constitucional, se criam barreiras hermenêuticas para
118
dificultar o acesso dessa massa populacional à Justiça, na medida da tentativa de exclusão da
Defensoria Pública – defensora natural das minorias, do rol dos legitimados para a defesa dos
direitos previstos na Lei 7.347/85. Os direitos difusos, guarda-chuva que abriga os
denominados direitos de terceira geração, surgem no contexto do Estado Democrático de
Direito, no âmbito de uma sociedade complexa, onde os direitos deixam de ser caracterizados
como público e privado, com o reconhecimento da existência de um novo direito que está
acima dessa classificação, pois interessa a um número indeterminado de pessoas,
encontrando-se além de suas esferas individuais de interesses, bem como ao próprio Estado.
Quando se pensa em direito difuso, termo aqui usado para incluir os interesses sociais e o
interesse público, ultrapassa-se a questão da divisão dicotômica entre público e privado, pois
o mesmo está acima disso, sendo comum à coletividade, daí ser denominado como direito
supra-individual.
O reconhecimento da existência dos interesses difusos e coletivos é realizado
sob a análise dos princípios gerais, e não como o resultado da soma de direitos individuais.
Contudo, não se pode deixar de ter em conta que o meio ambiente tem repercussões coletivas
strictu sensu, individual homogênea e até mesmo pública, não estando livre o cidadão
hipossuficiente, termo que ultrapassa a questão econômica, de no plano concreto ser
individualizado e se mostrar carecedor da defesa dos seus direitos por parte da Defensoria
Pública.
Como já afirmado, o caráter indeterminável dos titulares dos interesses difusos
não significa que pessoas individualmente consideradas não sofrerão as ameaças ou lesões
causadas. Se dentre os sujeitos lesionados houver pessoas que não sejam hipossuficientes,
esse não será o obstáculo para a defesa daqueles que comprovarem essa qualidade, conferindo
às garantias constitucionais o máximo conteúdo de efetividade e eficácia.
Diante desses argumentos, a doutrina não reconhece fundamento para justificar
a negativa da Defensoria Pública em exercer a tutela dos interesses dos necessitados quando
esses últimos aparecerem jungidos, indissociavelmente, a interesses de pessoas que a priori
não se possa afirmar serem hipossuficientes, uma vez que essa negativa implicaria no
descumprimento do dever constitucional que foi atribuído à Defensoria Pública, deixando
expostos interesses de cidadãos que o legislador constituinte almejou resguardar.
Citando o exemplo de Antonio Herman de Vasconcellos Benjamin, uma
atividade poluidora pode causar danos ao meio ambiente em geral através de contaminação do
ar e possível extinção de espécies da fauna e flora; ao mesmo tempo, pode afetar os
119
trabalhadores da fábrica onde a atividade danosa é realizada, bem como atingir indivíduos
particularizados por meio da diminuição da produção leiteira ou degradação do patrimônio
imobiliário dos vizinhos da fonte poluidora. Nessa hipótese, ressalvada a atribuição do
Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública tem atribuição legal para ingressar com
a ação civil pública para a defesa dos interesses difusos lesados pela contaminação do ar e
extinção das espécies da flora e fauna e, em razão dos demais danos causados, tem interesse
em fazer cessar a atividade danosa e reparar civilmente o que não for mais objeto de
reparação in natura, bem como a promover a defesa de eventuais direitos coletivos e
individuais homogêneos. Não há cabimento para o Poder Judiciário ser acionado pela
Defensoria Pública, por meio de uma ação civil pública unicamente para a defesa dos
interesses coletivos e dos individuais homogêneos daqueles que comprovadamente
demonstrarem a hipossuficiência, enquanto o dano causado diretamente ao meio ambiente
permanece sem defesa, gerando a ocorrência de outros danos em cascata.
O direito ambiental tem como princípio a prevenção do dano uma vez que este,
quando ocorre, será de difícil ou impossível reparação. Deve ser interpretado como a
utilização de todas as medidas capazes de evitar a ocorrência de dano, reduzindo ou
eliminando as causas que possam originá-lo. Dessa forma, de acordo com o entendimento
daqueles que entendem constitucional a Lei 11.448/07, mais uma vez sai fortalecido o
argumento da ampla legitimidade daqueles expressamente indicados no artigo 5º da Lei
7.347/85 para promover a sua defesa, devendo fazê-lo tão logo tenham conhecimento da
existência de alguma conduta que ponha em risco o meio ambiente.
A Defensoria Pública, a mais nova legitimada para a defesa dos direitos
elencados na Lei 7.347/85, é instituição com inestimável atuação na defesa individual do
cidadão, onde estes a reconhecem como porta-voz de suas questões jurídicas, estando apta
para a defesa dos interesses difusos perante o Judiciário por meio de ações coletivas – termo
tomado como gênero, único meio de acesso eficaz à Justiça, como em feliz síntese reconheceu
Álvaro Luiz Valery Mirra126: “Como se pode concluir, a participação judicial se mostra politicamente relevante não tanto no caso de dedução de interesses individuais, mas de salvaguarda de interesses metaindividuais, cuja afirmação ou sacrifício podem repercutir ponderavelmente sobre a sociedade.”
126 MIRRA, Álvaro Luiz Valery, A Ação Civil Pública, após 20 anos Coord. Edis Milaré, São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 41)
120
4.2 – Políticas Públicas
Canotilho vê a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro da
“reserva do possível” e aponta a sua dependência dos recursos econômicos, o que demarcaria
um limite fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais127.
Conforme palavras de Ronaldo Porto Macedo Junior, “ (...) o direito social
torna-se um instrumento de Governo e administração, na medida em que orienta os critérios
de legitimação das políticas sociais e dos acordos de cooperação econômica.”128
Durante séculos houve o entendimento de que o processo judicial teria a
utilidade única de solucionar conflitos individuais. Esse pensamento não poderia ser diverso
diante da realidade social da humanidade, focada para relações individuais onde somente essa
forma de conflito era judicialmente passível de solução. Os interesses comuns à coletividade
eram considerados como questão política e não jurídica, razão pela qual não eram apreciados
pelo Judiciário.
Com o evoluir da consciência social, a sociedade percebeu que os interesses da
coletividade estavam além das simples questões individuais, bem como não poderiam ser
tratados como questões políticas, não se encontrando a sua concessão submetida à esfera de
apreciação dos interesses do administrador que, conforme já mencionado, nem sempre
refletiam os interesses dos administrados.
Nesse sentir, não há como dissociar o interesse público das garantias
individuais e sociais fundamentais, bem como das políticas públicas, que englobam um
conceito mais amplo, tal como a segurança pública, a moralidade administrativa, a qualidade
de vida consistente na educação, acesso ao pleno emprego, etc. A concretude do interesse
público está no universo das políticas públicas. Nos países de tradição constitucional
européia, os direitos difusos são vistos como desdobramentos dos direitos fundamentais de
primeira e de segunda geração, mas com ocorrência simultânea a estes, e integrante das metas
de políticas públicas do Estado Social, com a possibilidade do Judiciário aferir a atuação da
Administração. A justificativa jurídica para a defesa judicial está na inserção constitucional do
interesse público, onde o Poder Público não pode eximir-se da sua observância sob o
argumento da discricionariedade dos seus atos.
127 Canotilho. J.J. e Moreira. Vital. Fundamentos da constituição, 1991, p. 131. In Streck, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 2° ed., p 128 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto, Ação civil pública, o direito social e os princípios In A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios, Coord. Edis Milaré, São Paulo : Revista dos Tribunais, 205, p.559
121
As políticas públicas estão inseridas no contexto dos direitos de segunda
geração – prestacionais, fortalecidos com a ocorrência da solidariedade social e a valoração da
dignidade humana. O titular desses direitos continua sendo o homem sob o aspecto individual
(sujeito dos direitos de primeira geração) que, juntamente com os direitos de segunda geração,
tem a possibilidade jurídica de, sob outro prisma, obter do Estado a execução do direito ao
qual faz jus, o chamado direito de crédito em relação do Estado.
Diante do dever do Estado Democrático de Direito em garantir os direitos de
segunda geração e também preocupado com sua responsabilidade de assegurar o equilíbrio
ambiental, o legislador estabeleceu, por meio do Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01, norma
de ordem pública e de interesse social para regular o uso da propriedade urbana em prol do
bem coletivo. Dentre as diretrizes da mencionada norma jurídica está o saneamento ambiental
e a infra-estrutura, com vistas a garantir o bem estar não só desta geração como de gerações
futuras. Para que isso ocorra é necessária a gestão democrática por meio da participação da
população e da sociedade civil organizada, em parceria com os governos, tudo a fim de dar
atendimento ao interesse social.
O conceito dos direitos difusos expande-se a cada dia, englobando novos
valores, uma vez que a sociedade conscientiza-se de que os mesmos caracterizam-se pela não-
patrimonialidade e visam à qualidade de vida de todos, e não de uma camada em particular da
população. Não há como fazer separações estanques da legitimidade de defesa do direito, seja
para mantê-la, restaurá-la ou indenizá-la, bem como para promover a integração, o acesso de
todos a esse direito, de caráter universal e imprescindível para a qualidade de vida da
população, que deixa de ser restrita a do local do evento com potencial probabilidade de dano,
mas para toda a humanidade. Diante do mundo globalizado no qual vivemos, não há como
imaginar que um dano ambiental ocorrido em determinado local não importará em
modificação do meio ambiente alhures.
É pacífico o entendimento doutrinário129 e jurisprudencial no sentido de que a
Lei de Ação Civil Pública é a norma jurídica a ser utilizada para a defesa dos direitos sociais,
que reivindicam não apenas as melhorias das condições de vida da população, como também
a inclusão daqueles que ainda estão à margem desses direitos, como o próprio acesso aos
direitos sociais básicos indicados no artigo 6º da Constituição Federal: educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e
129 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato, A Ação Civil Pública, após 20 anos Coord. Edis Milaré, São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 111)
122
a assistência aos desamparados, com grande atuação da Defensoria Pública dos Estados e da
União na defesa individual e, já em data recente, coletiva dos mesmos.
A interpretação jurídica deve ser entendida como processo aberto em
conseqüência do escalonamento das fontes, ainda que analisado sob uma perspectiva
sistêmica, há que ser atribuída prevalência à norma constitucional. Dessa forma, os princípios
constitucionais contidos no mencionado artigo 6º da Carta Magna somente serão alcançados
se operados em conjunto com as demais normas jurídicas, sejam essas infraconstitucionais ou
oriundas de poder reformador, sempre de forma harmonizada.
Celso Antonio Pacheco Filho130 assevera com pertinência que:
“E a cidadania e a dignidade plena da pessoa humana podem ser consideradas os bens jurídicos difusos que sintetizam todos os demais bens e valores difusos tutelados pela ordem constitucional e que nada mais são do que desdobramentos daqueles meios e instrumentos para o atingimento da plenitude desses referidos bens.”
Políticas públicas são instrumentos utilizados pelo Governo para intervir na
sociedade, na economia, na política, executando programas políticos em busca de melhores
condições de vida aos seus cidadãos. Para Comparato131, é uma espécie de padrão de conduta
que indica qual a meta deve ser alcançada, para o quê o governo deve direcionar-se a fim de
assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo por fim garantir as condições
materiais de uma existência digna a todos, com a diminuição da desigualdade sócio-
econômica através dos órgãos de atuação da Administração Pública. Deve-se ter em conta
que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, disposto no artigo 3º
da Carta Magna, descritos de forma textual, é garantir uma sociedade justa, livre e solidária,
por meio do desenvolvimento nacional, de forma a erradicar a pobreza e marginalização,
reduzindo as desigualdades sociais e regionais, a fim de promover o bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O Ministro Eros Roberto Grau, ao interpretar a Constituição da República de
1988, citado por Mafra Leal132, conceitua políticas públicas como:
130 Op. Cit, acima p. 116 131 COMPARATO, Fabio Konder, Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade das políticas públicas. Revista dos Tribunais, v. 737, 1979, p. 18 132 LEAL, Marcio Flavio Mafra, Ações Coletivas: História, teoria e prática, Sergio Antonio Frabis Editor:Porto Alegre, 1999, p.108
123
“A expressão política pública designa atuação do Estado. (...) O advento, neste século, do Estado ‘intervencionista’ desencadeia, contudo, um verdadeiro salto qualitativo, que informa, enriquecendo-o, o conteúdo de suas atuações. (...) Deixa o Estado, desde então, de intervir na ordem social exclusivamente como produtor do Direito e realizador de segurança, passando a desenvolver novas formas de atuação, para que faz uso do Direito positivo como instrumento de implementação de políticas públicas. (...) O Estado Social se legitima antes de tudo pela realização de políticas, isto é, programas de ação: assim, o government by policies substitui o government by law.”
Um dos meios encontrados pela doutrina para propiciar a execução do direito
de não-exclusão é a ação afirmativa, definida como política de governo que visa a garantir a
grupos minoritários, vulneráveis e excluídos da sociedade, o acesso a cargos, instituições,
escolas e universidades públicas, a programas de distribuição de financiamento de casas, por
exemplo133. A grande vantagem dessa modalidade de ação coletiva traduz-se no fato de não
gerar despesa pública direta, possibilitando que o Judiciário conheça e decida a matéria em
conflito sem questionamento a respeito da previsão orçamentária para a despesa em discussão,
questão frequentemente levantada pela Administração para justificar o não-cumprimento da
execução do direito, o que geralmente retarda o cumprimento da decisão, além da discussão
do tema da independência dos Poderes, conforme será melhor visto abaixo.
Como já afirmado, o Direito não é uma ciência isolada, resulta da realidade
social, interligada a outras ciências, como a econômica, e sob esse aspecto resta comprovada a
dependência do atendimento dos direitos sociais à distribuição de renda. Ou seja, direitos
sociais têm relação direta com despesa pública. Assim, o limite orçamentário determina a
aplicação de recursos nos direitos sociais. A fim de dar maior fundamentação à teoria da
reserva do possível, surge a teoria da reserva do possível jurídica, que entende ser a alocação
de recursos uma atividade inerente ao Executivo e ao Legislativo, que, por força
constitucional, devem elaborar o orçamento público e, mesmo em hipótese de disponibilidade
de recurso orçamentário, não poderia o Judiciário, por via oblíqua, efetuar a reformulação
dessas verbas e aferir a discricionariedade da aplicação desses recursos.
O princípio da separação dos poderes tem respaldo na soberania popular, uma
vez que, em países como o Brasil, somente os membros do Executivo e do Legislativo são
escolhidos pelo povo, o que lhes confere poder político para a escolha de suas decisões. Ao
133 LEAL, Marcio Flavio Mafra, Ações Coletivas: História, teoria e prática, Sergio Antonio Frabis Editor:Porto Alegre, 1999, p.113
124
Judiciário, em razão do ingresso por concurso público, onde prevalece o conhecimento
técnico-jurídico, não cabe determinar a execução de prestações que, além do critério da
legalidade, devem inspirar-se numa escolha política, a qual não deve direcionar para casos
concretos, em razão do princípio da impessoalidade que deve prevalecer, em regra, nas
escolhas administrativas.
Aqueles que partilham da corrente contrária à interferência do Judiciário para a
determinação da implementação de prestações estatais positivas justificam seu entendimento
na cláusula da reserva do possível diante da impossibilidade de permitir a todos o acesso aos
direitos sociais, sob pena de falência do Estado. A indisponibilidade de recursos para o
cumprimento da prestação se apresenta como óbice real para o acesso ao direito,
impossibilitando o cumprimento de outros direitos sociais previstos na lei de planejamento
orçamentário, ferindo ao princípio igualitário e geral que deve direcionar o administrador
público, uma vez que por meio de decisão judicial uma pessoa ou grupo de pessoas seriam
privilegiados em detrimento de outros que não se utilizaram desse expediente. Note-se que
quando se trata de direitos sociais, os seus destinatários são, em regra, a camada mais pobre
da população, que por vezes sequer tem acesso à Justiça para reivindicar a obtenção dos seus
direitos, confiando na execução dos programas de Governo.
Em posição contrária a esse argumento encontram-se aqueles que, apoiados no
princípio da efetividade, impõem ao Estado o dever de implementar os direitos
constitucionalmente assegurados, uma vez que o magistrado, ao controlar a atuação dos
outros poderes, não o faz por vontade pessoal, mas sim como aplicador da lei, por aqueles
mesmos elaborada.
J.J. Canotilho designa o princípio da efetividade como princípio da eficiência
ou da interpretação efetiva, uma vez que entende que a uma norma constitucional deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. A denominação do princípio, por si só, já traduz
a idéia de sua aplicação: que a norma atinja a finalidade social para a qual foi criada, a
concretização do mundo normativo no mundo dos fatos, materializando os preceitos legais e
aproximando, tanto quanto possível, o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
Como leciona Luis Roberto Barroso134, o preceito legal é normalmente
observado, mas a despeito do constitucionalismo, tanto no Brasil quanto no exterior,
presencia-se a falta de efetividade da Constituição, a sua incapacidade de moldar e submeter à
realidade social. A Constituição tem existência própria, motivo pelo qual deve ordenar e
134 BARROSO, Luis Roberto, Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo; Saraiva, 6ª. Ed. P. 248
125
conformar o contexto social e político da nação. Por essa razão, não há lei editada para não ser
cumprida. No entanto, sempre haverá um antagonismo entre o dever-ser normativo e o ser da
realidade social, sob pena da inutilidade da criação da lei, uma vez que a mesma é criada para
dispor sobre comportamentos até então não efetuados. O equilíbrio entre esses dois extremos
é que conduz a um ordenamento jurídico socialmente eficaz.
O desenvolvimento do referido princípio é resultado de uma transformação da
própria percepção do papel do direito constitucional, que no Brasil afastou-se da visão da
ciência política para enfocar o direito processual, permitindo maior instrumentalidade para o
acesso aos direitos e garantias constitucionalmente previstos. O princípio da efetividade é
conseqüência natural da interpretação conforme a constituição, uma vez que procura
interpretar as normas infraconstitucionais de acordo com o disposto constitucionalmente.
Diante dessa instrumentalidade do direito processual constitucional, as normas
constitucionais programáticas, embora não sejam asseguradoras de direito subjetivo aos
jurisdicionados, os investem na faculdade de demandar dos órgãos estatais que se abstenham
de quaisquer atos que contrariem as diretrizes nelas traçadas como forma de proibição de
retrocesso.
No entanto, o princípio da efetividade não ficou livre de crítica, sendo a ele
atribuído um reducionismo metodológico decorrente da supervalorização da norma
constitucional, em razão de critérios hermenêuticos que ultra dimensionam a literalidade da
norma. A falta de precisão analítica do método deixa de fornecer critérios materiais que
permitam solucionar dúvidas decorrentes da interpretação. A finalidade do princípio da
efetividade é possibilitar a concreção da norma à realidade, mas em razão do forte
subjetivismo do método, acaba por distanciar-se de sua finalidade.
Uma segunda crítica está na conotação política dada ao princípio, relacionando
a noção de justiça social ao rol dos direitos fundamentais, garantindo-lhe a auto-
aplicabilidade, o que não estaria correto diante da natureza das normas pertinentes a esses
direitos, bem como da questão da impossibilidade de concretude diante da reserva do
possível, escapando à discricionariedade do administrador, que não executa os programas por
completa falta de recursos.
Diante do reconhecimento pela doutrina da impossibilidade de aplicar o
princípio da efetividade de forma isolada, e a fim de encontrar meio-termo para as duas
correntes acima, encontra no próprio princípio citado, aliada a doutrina sobre
126
proporcionalidade, mínimo existencial, direitos fundamentais135 e a cláusula de proibição de
retrocesso, a solução para o problema. Assim, sempre que a efetivação dos direitos
assegurados em lei ou em constituição possam de fato comprometer as finanças do Estado,
deve haver a ponderação desses interesses de forma a harmonizá-los, o que somente poderá
ser avaliado diante do caso concreto.
Como as normas que definem as políticas públicas contêm e ao mesmo tempo
estão contidas em um universo que envolve questões econômicas e sociais, é natural que estes
direitos usufruam, em razão dos seus destinatários e da essencialidade desses direitos ao
indivíduo, de uma posição de superioridade em relação aos demais direitos, cobertos por uma
característica própria, a do mínimo existencial, que consiste em interesses ligados à
preservação da vida e à dignidade da pessoa humana, garantindo a fruição de direitos sociais
mínimos.
Mesmo os autores136 que são contrários à idéia de fundamentalidade dos
direitos sociais, crêem na existência de direitos sociais mínimos, a fim de garantir condições
mínimas de existência humana que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda
exige prestações estatais positivas. Ricardo Lobo Torres, na obra citada, afirma que o mínimo
existencial carece de conteúdo específico, abrangendo qualquer direito, ainda que
originariamente não-fundamental; tem fundamento nas condições para a fruição da liberdade,
na idéia de felicidade, nos direitos humanos e no princípio da igualdade.
Para que o princípio da efetividade realmente seja observado é necessário que
o Judiciário, afastando-se dos princípios conservadores do passado, bem como deixando de
efetuar interpretação retrospectiva, tenha um papel mais ativo em relação à concretização das
normas constitucionais.
Como observado por Eduardo Santos de Carvalho137, que comunga do mesmo
pensamento de Ana Paula de Barcellos e Marcos Maselli, o próprio Judiciário não adota
posicionamentos pacíficos para decidir sobre recursos públicos. Quando instado a decidir
135 Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Theorie der Grundrechte / Tradução de Ernesto Valdés. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p. 497, seguindo a mesma linha de pensamento, menciona “Que o direito, na condição de direito prima facie, é um direito vinculante e não tem, por exemplo, só um caráter programático se percebe claramente quando se diz que o direito não pode “depender em sua validade normativa do menor ou maior grau de suas possibilidades de realização”. Porém, a propriedade de direito vinculante prima facie significa que a cláusula restritiva deste direito, a “reserva do possível em sentido de aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade”, não tem como conseqüência a ineficácia do direito. Esta cláusula expressa simplesmente a necessidade de ponderação deste direito”. 136 Nesse sentido Ricardo Lobo Torres In Os Direitos Humanos e a Tributação,Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 124 137 CARVALHO, Eduardo Santos de, Ação civil pública: instrumento para a implementação de prestações estatais positivas, Rio de Janeiro: Revista do Ministério Público, n. 20, 2004
127
sobre a implementação de políticas públicas, nega a pretensão sob o argumento da reserva do
possível, uma vez que não pode interferir no orçamento público com a determinação de
aplicação ou remanejamento de verbas do orçamento público, elaborado em conjunto pelos
Poderes Executivo e Legislativo. Por outro lado, quando a demanda tem por objeto interesse
individual, como na hipótese de indenizações de valores tão ou mais elevados que aqueles
negados na apreciação do dever de implementar políticas públicas, o magistrado defere o
pedido, sem questionar a repercussão da decisão no orçamento público, como se aquela
questão individual não fosse repercutir no erário. Cabe ao Judiciário esclarecer porque
permanece preso à concessão de verbas elevadas para a proteção do direito individual e
porque a nega para a concessão dos direitos coletivos, arraigado aos princípios do direito
processual civil individual clássico.
O conservadorismo do Poder Judiciário em relação ao reconhecimento dos
direitos prestacionais é comum em outros países. A experiência pioneira do seu
reconhecimento ocorreu na década de 70 nos Estados Unidos quando do movimento de
reforma do sistema penitenciário, incentivado em grande parte pelo reconhecimento e
valorização dos direitos humanos que vigiam àquela época. Até esse momento reinava o
entendimento de que o Judiciário não poderia se imiscuir nas questões dos presídios em razão
da matéria ser da alçada do Executivo. Nos anos que se seguiram houve uma série de decisões
que acabaram por determinar a reforma completa do sistema penal do Estado de Arkansas. A
partir dessa experiência outros Estados a aderiram, o que ocorreu até a década de 90, quando
houve retração do pensamento em razão do conservadorismo que marcou o período, com
aversão aos direitos dos presos e a necessidade de contenção orçamentária.
Considerando que o conceito de políticas públicas está relacionado ao conceito
de democracia, direitos fundamentais e justiça social, há o fortalecimento das opiniões dos
estudiosos que freqüentemente debatem sobre a possibilidade de eventual controle judicial.
Ou seja, a partir do momento em que as políticas públicas lesem a ordem constitucional,
defende-se o controle judicial a fim de conservar os valores do Estado Democrático de
Direito, deixando a questão de ser posta como mérito administrativo diante da análise da
conveniência e oportunidade de sua implementação.
A Carta Constitucional de 1988 estimulou a possibilidade do Judiciário se
manifestar sobre essas questões, principalmente em sede de direitos da criança e do
adolescente, onde foram providas as primeiras ações visando à implementação de direitos
prestacionais.
128
O controle das políticas públicas pode ser feito de forma preventiva, por meio
da necessária participação popular representada nos conselhos deliberativos, de forma
concomitante ou posterior à sua prática. Nesta última fase são avaliados os efeitos sociais e
jurídicos decorrentes da política já implementada, com obediência ao princípio da legalidade e
da legitimidade, oportunidade na qual a doutrina é pacífica em admitir a obrigatoriedade do
controle. Quando o povo, por meio da democracia indireta na qual vivemos, através do
sufrágio universal elege seus representantes, não outorga a esses uma cessão dos seus direitos,
mas sim o poder de, em seu nome, ou seja, permanecendo titular dos direitos outorgados, bem
exercê-los em seu nome. Assim, em qualquer momento, como em todo mandato, pode e deve
verificar o seu fiel cumprimento, e somente poderá fazê-lo por meio de medidas judiciais.
O questionamento doutrinário de maior relevância não está presente na
possibilidade da verificação dos atos administrativos, pois os mesmos são passíveis de
verificação por meio de mandado de segurança ou da Lei de Ação Popular. Interesse está na
falta de atuação da Administração, ou seja, na omissão desta quando teria o dever de atuar.
O Supremo Tribunal Federal, instigado a se posicionar sobre o tema, se
manifestou no sentido de que “(...) o exercício do poder estatal, quando praticado sob a égide
de um regime democrático, está permanentemente exposto ao controle social dos cidadãos e à
fiscalização de ordem jurídico-constitucional dos magistrados e Tribunais”138.
O julgado acima mencionado tem por base a relativização da
discricionariedade administrativa uma vez que a doutrina tem demonstrado que não existem
atos administrativos puramente discricionários ou vinculados, havendo uma simbiose entre
ambos, com a classificação em atos administrativos vinculados propriamente e atos
administrativos de discricionariedade vinculada aos princípios139, ora prevalecendo uma
dessas formas, sem que, contudo, permita a existência de uma forma exclusiva, o que faz por
determinar o controle jurisdicional dos atos administrativos e até das políticas públicas. A
Ação Civil Pública passa a viabilizar a participação social na disposição da vontade estatal.140
138 Ag. Regimental em Agravo de Instrumento 236.546, rel. Min. Celso de Mello 139 Essa classificação é feita por Juarez Freitas, citado por Germana de Oliveira Moraes na obra Controle Jurisdicional da Administração Pública, São Paulo: Dialética, 1999, p.35. Contudo a mencionada autora não concorda com essa recente classificação, argumentando no sentido de que os atos emanados da competência discricionária também estão vinculados aos princípios jurídicos. Endente ser mais correto afirmar que atos predominantemente vinculados e atos predominantemente discricionários, e que nos dois tipos há total vinculação à legalidade e aos demais princípios jurídicos. 140 Há autores com posicionamento contrário a esse, como Jose dos Santos Carvalho Filho, na obra Ação Civil Pública, bem como Paulo Salvador Frontini, na obra Ação Civil Pública e Separação de Poderes. Têm como argumento que a ação civil pública tem característica exclusivamente processual, com a impossibilidade de criar norma de conteúdo material para a sua proteção.
129
4.3 – Atos Discricionários
Toda a problemática dos direitos prestacionais, nos quais se incluem as
políticas públicas, gravita em torno da discricionariedade, ou seja, o poder do agente público
em decidir sobre o objeto e o motivo do ato a ser praticado. A atividade do administrador é
política porque decidirá sobre alocação de esforços e recursos públicos diante do resíduo
poder transferido pelo legislador, que voluntariamente deixou uma lacuna a ser preenchida de
acordo com a conveniência e a oportunidade apresentada no momento da decisão,
constituindo o mérito administrativo, que está fora do alcance da sindicabilidade. Quando se
fala em discricionariedade, implicitamente está contido no tema o princípio da efetividade,
especialmente na interpretação de conceitos jurídicos indeterminados; proporcionalidade e
direitos fundamentais
Celso Antonio Bandeira de Mello141 conceitua discricionariedade como: “a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, em, dentre pelos menos dois componentes cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.”
A razão de ser do poder concedido ao administrador está na visão
macroscópica da conjuntura sócio-política e econômica da sua esfera de poder, com melhor
conhecimento dos demais elementos que repercutem no ato a ser praticado, ou que dele
sofrerão reflexo, a fim de manter-ser no juízo político já positivado na Constituição e demais
legislações infraconstitucionais. Esse conhecimento é ausente ao magistrado que, em razão
disso, deve ater-se, em regra, à legalidade do ato praticado.
Em razão da insindicabilidade em tese do ato administrativo, aquele que
desejar contrapor-se à ação ou omissão da Administração Pública terá que fazê-lo por meio da
verificação da legalidade do ato praticado e do princípio da moralidade, uma vez que este
exige do ato administrativo, além de sua licitude, a demonstração do interesse público,
honestidade, probidade, lealdade e, dentre outros valores, o respeito à dignidade do ser
humano, requisito da boa administração. A doutrina tradicional, defendida inicialmente por
Seabra Fagundes, e a jurisprudência têm se inclinado para considerar juridicamente
141BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Discricionariedade e Controle Jurisdicional, São Paulo: Malheiros, 1998, p.48
130
impossível impor ao Estado a obrigação de realizar despesas, como atualmente defendido por
Pedro da Silva Dinamarco e Humberto Theodoro Junior.
O Superior Tribunal de Justiça, em sentido contrário a esse entendimento,
decidiu no Recurso Especial 194.732-SP, relator Ministro Jose Delgado, no sentido que, em
ação civil pública é cabível reconhecer da pretensão de compelir o Município à regularização
de loteamento clandestino, rejeitando a tese impugnada de que esses atos eram de natureza
discricionária e, por essa razão, escapavam ao controle do Poder Judiciário. Mesmo a
discricionariedade está sujeita a limites, os quais podem e devem ser observados pelo
Judiciário não só com o fim de declarar a legalidade do ato praticado, mas também a fim de
dar transparência da conduta administrativa, vez que sobre a mesma pairou dúvidas, a ponto
do contribuinte-cidadão ter ingressado com a demanda. Objetiva-se com isso o
restabelecimento da adequação da conduta do administrador à lei, de forma a efetivar o
sistema de freio e contrapesos que deve existir no regime constitucional vigente. Ao
interpretar a lei o Poder Judiciário não está realizando uma opção discricionária, mas sim uma
atividade intelectiva, dizendo o que a lei é.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, em agravo regimental em Recurso
extraordinário de São Paulo, nº 410.715, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello,
ao analisar a omissão do poder público municipal de Santo André na implementação de
creches e unidades pré-escolares para crianças menores de seis anos de idade decidiu que
diante da alta relevância social de que se reveste a educação infantil, a mesma deve ser
entendida como obrigação constitucional em criar condições objetivas de possibilitar o seu
acesso às crianças de até seis anos de idade, na forma prevista no artigo 208, inciso IV da
Carta Magna, sob pena de caracterizar omissão governamental. :
A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda
criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente
discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo
governamental. O mandamento constitucional é juridicamente vinculante, o que representa
fator de limitação de discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, sendo
inaplicável o juízo de conveniência e oportunidade.
Em adesão à corrente doutrinária que admite a sindicabilidade da conduta
administrativa, esta assim considerada no sentido de ação ou omissão administrativa, está
Luiz Guilherme Marinoni, citado por Eduardo dos Santos Carvalho: “Sempre que a lei regula de forma vinculada a atuação administrativa, obrigando a administração a um determinado
131
comportamento, não se pode falar em sindicabilidade dessa atuação, justamente porque, existindo o dever de atuar, não há margem para qualquer consideração de ordem técnica e política (...) sendo assim, e se há uma norma no sistema que estabelece para a administração o dever de agir em determinada situação, o descumprimento do dever é pura e simplesmente violação da lei, como tal passível de corrigenda pelo Poder Judiciário.”
Em tese de Mestrado sobre o tema, Ana Paula de Barcellos142: assim sintetiza:
"Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível."
A população brasileira alcança ano a ano uma expectativa de vida cada vez
maior. Esses dados também comprovam que o custo para manter a qualidade de vida dessa
população fica cada vez mais elevado, vez que os órgãos do ser humano têm uma expectativa
de regular atividade em determinado número de anos, necessitando de maior investimento nos
direitos sociais para melhorar e manter o seu pleno funcionamento, o que demanda maior
aplicação de recursos, não só na área de saúde ambulatorial, mas principalmente para a saúde
preventiva.
Como mencionado por Eduardo dos Santos Carvalho, afirmar que somente a
Administração Pública poderá aferir se há interesse público para o cumprimento do disposto
em texto legal, seria atribuir ao Poder Executivo o monopólio da definição do que é interesse
público. O Estado Democrático de Direito não permite ao intérprete proceder de tal forma.
Nenhum Poder detém a possibilidade de eximir-se do cumprimento da lei.
142 Barcellos. Ana Paula de . A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, p. 245-246, 2002.
132
No entanto, em razão da apontada escassez de recursos derivada da falta de
previsão orçamentária nas três esferas do Poder Executivo, e em conseqüência, da aplicação
de políticas públicas nessa área, já são freqüentes as medidas judiciais que têm por objeto o
pedido de indenização em face do Estado, em razão de perda de órgão transplantado por não
fornecimento de medicamento para impedir a rejeição do órgão.
Essas ações não só geram uma insatisfação na esfera subjetiva do autor da ação
de reparação de danos que, não se esqueça, na maioria das vezes, é autor de uma segunda
ação, pois geralmente não aguardou inerte a prestação do fornecimento do medicamento, uma
vez que também foi autor de ação visando a sua obtenção, na qual deve ter obtido sucesso em
termos de sentença condenatória, mas não logrou a obtenção regular do seu fornecimento,
ocasionando a perda do órgão transplantado.
A lei orçamentária permite ao administrador o remanejamento de verbas,
possibilitando a abertura de crédito suplementar em favor de projetos de interesse da
Administração. De outra forma não poderia ser, uma vez que seria inadmissível que o
Executivo ficasse engessado em previsões orçamentárias ditadas com um ano de antecedência
e nada pudesse fazer diante de imprevistos que determinassem a necessidade de
remanejamento de verbas ou mesmo o aumento das mesmas diante do caso concreto.
A mencionada cláusula reserva do possível não pode ser torpemente utilizada
pela Administração Pública com a finalidade de justificar a não realização de conduta
constitucionalmente prevista, sob forma de nulificar as normas contidas na Carta Manga,
tornando letra morta os direitos fundamentais assegurados. A fruição de direitos individuais
não pode estar condicionada à conveniência da elaboração do planejamento orçamentário. O
administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a
implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional. Como afirma
Luis Roberto Barroso, citado por Eduardo Santos de Carvalho143, “se a lei atribui um direito,
o mesmo só não será sindicável se for evidente e demonstrável a possibilidade de sua
realização no mundo dos fatos”.
O constituinte de 1988, diante da primazia conferida aos direitos fundamentais,
assegurou no parágrafo 1º do artigo 5º que os mesmos têm aplicação imediata. Importante
ressaltar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu na ADIN 939-7 que os direitos
143 CARVALHO, Eduardo Santos de, Ação civil pública: instrumento para a implementação de prestações estatais positivas, Rio de Janeiro: Revista do Ministério Público, n. 20, 2004, p. 81
133
fundamentais não estão circunscritos no referido artigo 5º, encontrando-se esparsos em outras
passagens do texto constitucional.
As decisões acima mencionadas partem do princípio de que não existe poder
sem controle, ainda mais quando defendemos a idéia de que estamos inseridos em uma
democracia participativa, onde não tem pertinência o argumento da inexistência de recursos
ou a falta de previsão orçamentária porque, se alegada, deverá vir acompanhada de farta
documentação comprobatória não só da inexistência de recursos, mas também do
demonstrativo sobre em que os mesmos foram gastos.
Contudo, ainda há decisões em sentido contrário, como a proferida pelo
Ministro Celso de Mello, RE 272.834/RS, onde assevera que a preocupação orçamentária não
deve ser objeto de manifestação do Judiciário, que deve ater-se à administração da Justiça,
entendendo ser aquela matéria exclusiva do administrador público.
Sobre o tema do controle jurisdicional da Administração Pública, Germana de
Oliveira Moraes144 tem o entendimento de que: “ (...) os princípios da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da separação de poderes são compatíveis entre si, pois quando, da atividade não vinculada da Administração Pública, desdobrável em discricionariedade e valoração administrativa dos conceitos verdadeiramente indeterminados, resultar lesão ou ameaça de direito, é sempre cabível o controle da legalidade (...) publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência (...) , do princípio constitucional da igualdade (...) e dos princípios gerais de Direito da razoabilidade e da proporcionalidade, para a fim de invalidar o ato lesivo ou ameaçador de direito (...)”
Sobre o mesmo tema, o Ministro Celso de Mello, no voto do Agravo em
Recurso Extraordinário acima mencionado, assim manifestou-se: “É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas do Poder Público (...)”
A discricionariedade do administrador, legado de autonomia de vontade do
Estado Liberal, está adstrita às hipóteses em que a lei não regula de maneira completa a sua
conduta. Os atos administrativos discricionários eram considerados como o centro da função
administrativa e ainda hoje encontram resistência de controle por parte de alguns, que
entendem que estão na barreira de sindicabilidade. Assim, em tese, dentro dessa margem
144 MORAES, Germana de Oliveira, Controle Jurisdicional da Administração Pública, São Paulo: Dialética, 1999, p. 176
134
poderia o administrador atuar livremente e não sofrer o controle do Judiciário, que por sua vez
só poderia exercer esse controle na área de atuação vinculada à lei.
Não se trata de atribuir ao Poder Judiciário a formulação e implementação de
políticas públicas e tampouco esse é o intento dos Tribunais Superiores, mas esse Poder não
pode se omitir diante da inércia dos órgãos estatais competentes que ofendem direitos
constitucionalmente previstos em razão da ausência de medidas assecuratórias.
Como discorre Hugo Nigri Mazzilli, citado por Rodolfo de Camargo
Macuso145: “Como o interesse do Estado ou dos Governantes não coincide necessariamente com o bem geral da coletividade, Renato Alessi entendeu oportuno distinguir o interesse público primário (o do bem geral) do interesse público secundário (o modo pelo qual os órgãos da administração vêem o interesse público); com efeito, nem sempre o governante atende ao real interesse da comunidade.”
Mas deve-se ter em conta que, mesmo diante da ausência de norma jurídica,
desde que haja princípio constitucional que regule a matéria versada no ato administrativo, o
administrador terá a sua liberdade de atuação cerceada e, caso não haja a observância daquele
princípio, o ato se transformará em ilegal, arbitrário. Em razão dessa ampla margem de
liberdade dada ao administrador, no século XIX, na Áustria, foi levantada a questão sobre o
que fazer com os conceitos jurídicos indeterminados, os quais são de uso freqüente pelo
administrador como motivo ou finalidade de um ato administrativo. Afinal, qual a extensão
do termo interesse público, moralidade, utilidade?
Alguns autores, como Ingo Sarlet146, vê nos direitos prestacionais meros
direitos relativos, como dispositivos programáticos, desprovidos de caráter vinculante. Essas
normas seriam esvaziadas por conceitos jurídicos indeterminados ou fluídos, o que lhes
determinariam a ausência de auto-aplicabilidade. Penderiam de uma interpretação política, a
ser feita pelos legitimados para tal, Executivo e Legislativo, não sendo passíveis de integração
pelo Judiciário. Outro senão quanto às normas que definem os direitos prestacionais estaria na
amplitude do seu objeto, sem estabelecer parâmetros precisos para a sua concretização.
Conforme leciona Barbosa Moreira147, admitindo que o Judiciário integre essas
normas, na fixação de conceitos jurídicos indeterminados abre-se ao aplicador da norma, 145 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios – Transposição das Águas do Rio São Francisco, Coord. Edis Milaré , São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p.774 146 SARLET, Ingo, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1988, p. 279 147 MOREIRA, Jose Carlos Barbosa, Regras de experiências e conceitos juridicamente indeterminados, Temas de Direito Processual, 2ª Ed., 2ª série, São Paulo:Saraiva, 1988, p.65
135
como é intuitivo, certa margem de liberdade. Algo de subjetivo sempre ocorrerá nessa
operação concretizadora, sobre tudo quando ela envolve, conforme ocorre com freqüência, a
formulação de juízos de valor. A sindicabilidade dos atos administrativos, principalmente em
sede de utilização de conceitos jurídicos indeterminados, deve ser feita segundo a
Constituição. O princípio da efetividade impõe, ao lado da interpretação conforme a
Constituição, que esta deve servir de norte para a legislação infraconstitucional. Nesse
sentido, o juiz não pode deixar de aplicar um preceito, seja esse constitucional ou legal, sob o
argumento de que existe termo carente de definição. Em tese, sempre caberá ao Poder
Judiciário rever a definição atribuída pelo Executivo, sem que isso seja considerado
interferência de um poder no outro, uma vez que a atividade interpretativa é função do
Judiciário.
Nesse sentido, no plano das políticas públicas existem alguns termos que
possibilitam ampla interpretação, tais como: erário, infância e juventude e interesse social, por
exemplo, que necessitarão de carga de subjetividade por parte do intérprete. No entanto, o que
não se deve perder de vista é que a Constituição, ao estabelecer onde e quando tal conduta
deve constituir uma abstenção ou atuação, assegura à sociedade o poder de controle sobre
essas condutas em face da autoridade ou do órgão competente. Há de ser observada a vontade
do constituinte que optou por uma democracia participativa na defesa do interesse
metaindividual, possibilitando que a mesma seja exercida por vários co-legitimados nas
diferentes modalidades de ações, como o cidadão-eleitor; associações, sindicatos, órgãos e
entes públicos.
A responsabilidade do Poder Executivo está em que este não apenas executa as
leis, como também formula e executa as próprias políticas públicas e programas necessários à
realização do ordenamento legal, viabilizando-os aos cidadãos. Ao estabelecer uma política
pública o administrador atua como intérprete do texto constitucional e nessa função utiliza
valores e visão pessoais, o que não deve impedi-lo de criar um direito em favor da
coletividade destinatária, pois essa atuação corresponde a um dever por parte do Poder
Público na sua execução. Marcelo Abelha, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso148,
afirma que é “reduzidíssimo o campo de discricionariedade administrativa porque, com a introdução do princípio da eficiência no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, sobre muito pouco (quase
148 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios – Transposição das Águas do Rio São Francisco, Coord. Edis Milaré , São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 541
136
nenhum) espaço para escolha do administrador, de forma que no caso concreto deve ser escolhida a única opção possível do ponto de vista dos princípios norteadores do Administrador Público (moralidade, legalidade, finalidade, eficiência, etc.).”
Diante do reconhecimento da plena discricionariedade da administração
pública na elaboração dos atos administrativos, restaria dificultado, ou até então cerceado, o
acesso à Justiça para questionar uma lesão sofrida por atuação ou omissão da Administração,
uma vez que o legitimado terá dificuldade em demonstrar se o ato é político, discricionário ou
vinculado, impedindo-o de comprovar até mesmo o seu interesse de agir. As verdadeiras
questões políticas, as quais escapam à sindicabilidade pelo Judiciário, são aquelas,
exemplificativamente, destinadas a dispor sobre políticas econômicas, declarar a guerra e
negociar a paz, declarar a intervenção nos preços e na moeda, etc. Assim, a moderna
concepção de políticas públicas e o reconhecimento de sua judiciabilidade ocorreu de forma
gradativa e em paralelo ao surgimento das teorias e doutrinas fulcradas no reconhecimento do
interesse social, priorizando aspectos concernentes ao justo e ao eqüitativo.
Assevera Paulo Bonavides149 que a questão da jurisdicialização dos direitos
sociais é de fundamental importância para as constituições do Estado Social. Para tanto, é
necessário reconhecer a vinculação constitucional do legislador a tais direitos, reconhecendo-
os como direitos de eficácia imediata. Deve ocorrer a institucionalização do controle da
constitucionalidade com o fim de estabelecer mecanismos que possibilitem efetivar a
aplicabilidade desses direitos.
No que tange aos direitos sociais existe controvérsia se os mesmos são, ou não,
direitos fundamentais, o que implicaria na possibilidade de exigência de sua aplicação
imediata. A doutrina é controversa nesse aspecto, inclusive com doutrinadores150que
entendem que somente certos direitos sociais estariam contidos nessa classificação, mas
mesmo assim só o seriam na medida em que correspondam a condições mínimas de existência
digna. Ao hermeneuta cabe ter em mente que no discurso jurídico o alcance dos preceitos
deve estar na análise dos direitos e das normas, uma vez que estas têm apenas uma visão
estreita da realidade, enquanto os direitos têm conteúdo mais amplo. Assim, é possível que
algumas normas jurídicas sejam consideradas inválidas à vista de valores morais. Esta
assertiva parte do princípio de que a sociedade evolui na sua concepção dos fatos, passando
moralmente a rechaçar condutas até então descritas em normas jurídicas do passado. 149 BONAVIDES, Paulo, A constituição aberta, 2ª Ed. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 186 150 GOUVES, Marcos Maselli, O controle judicial das omissões Administrativas – Novas perspectivas de implementação dos direitos prestacionais, Forense:Rio de Janeiro, 2003, p. 99
137
Os programas de ação governamental têm de estar fundamentados em direitos
previstos, ainda que genericamente, na Constituição Federal. As políticas públicas envolvem
processo político de escolha de prioridade para o governo, tanto em termo de finalidade como
de procedimentos. Segundo Comparato151, a legitimidade do Estado não está na expressão
legislativa da soberania popular, mas na realização de finalidades coletivas que remetem ao
conceito de interesse público dentre a margem de conveniência e oportunidade ditadas pelos
valores desse Estado Democrático.
A justificativa do controle judicial está no direito ao acesso à Justiça. A
participação do Poder Judiciário como agente do Estado que possibilita a busca da verdade
real, o princípio da isonomia entre os indivíduos, bem como os princípios constitucionais
administrativos. Ao ser chamado para dirimir essa modalidade de conflito de interesse, estará
no legal desempenho da realização do bem comum, impondo, e não criando, o cumprimento
de metas previamente estabelecidas na Constituição Federal ou nas leis que determinam uma
atuação positiva do Estado para, dentre outras metas, erradicar a pobreza, reduzir a
marginalização e fornecer assistência social para assegurar o pleno desenvolvimento e o
mínimo de dignidade à pessoa humana.
Por toda sorte desses argumentos, é consenso doutrinário no sentido de que a
Administração Pública atua sobre constante controle dos seus atos diante da indisponibilidade
do interesse público, cada vez mais restrita à margem da efetiva discrição. Considerando que
as políticas públicas devem ser estabelecidas com olhos à consecução de programa ou metas
previstas em sede constitucional ou legal, as mesmas estão sujeitas ao amplo controle,
especialmente no que concerne à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos
resultados alcançados.
Uma vez editada a norma jurídica, não cessa para o Estado o seu dever, este é
estendido até a efetividade do estabelecido naquela norma por meio do aceso à população ao
serviço assegurado, restando à sociedade a posição de credora dos direitos. A lei passa a ser
tomada no sentido de programa ou meta governamental diante da substituição do Estado
monocrático pelo Estado telocrático que, no dizer de Rodolfo de Camargo Mancuso152,
impende implementar eficazmente as declarações contidas nas normas. O Estado moderno é
fonte provedora e mantenedora de políticas públicas estabelecidas em prol de finalidades
específicas do bem comum.
151 ___, p.11-12 152 Op. Cit. Pág. 781
138
O Jurista Fabio Comparato, na obra citada, afasta de plano a frágil defesa
daqueles que argumentam no sentido de que o Poder Judiciário não pode julgar decisões
políticas. Para aqueles que assim ainda pensam, o Mestre esclarece que o entendimento
retrógrado advém da interpretação da Carta Constitucional de 37 que “vedava ao Poder
Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”. No entanto a hermenêutica correta
seria no sentido de que era vedado o controle judicial sob questões “de política”.
Eduardo Garcia de Enterría153leciona que a doutrina dos atos políticos foi
criada pelo Conselho de Estado francês em uma época na qual era necessário impedir a
resposta a questionamentos sobre atos decorrentes da derrocada do regime napoleônico, sendo
mantida até o ano de 1872. Atualmente, menciona que somente é admitida a ampla
discricionariedade em matérias específicas, todas por questões eminentemente políticas.
Conclui-se, assim, que a discricionariedade não é regra, e sim conduta excepcional do
administrador, uma vez que no Estado de Direito não há ato meramente político.
A doutrina154, como forma de amparar o aplicador da lei na árdua tarefa de
aplicá-la ao caso concerto, elenca os instrumentos processuais pertinentes para possibilitar a
implementação de prestações estatais positivas, seja por meio de coerção, seja como forma de
subrogação, quando a prestação é realizada por terceiro ou pelo próprio Judiciário:
Multa – encontra inspiração da doutrina francesa, sob a denominação de
astreintes. A Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 11, prevê a cominação de multa diária,
embora a mesma somente será exigível após o trânsito em julgado da sentença, o que retira a
coerção desse instrumento, haja vista que a multa somente poderá ser passível de execução
após anos de sua fixação, perdendo o objetivo de forçar o célere cumprimento da obrigação.
Melhor sorte para o cumprimento da obrigação está na imposição de multa
pessoal ao agente que embaraçar ou descumprir a efetivação de providências judiciais,
prevista no parágrafo único do artigo 14 do CPC que, diante da possibilidade de
comprometimento do seu patrimônio, agiliza o cumprimento da prestação.
Sanções criminais – embora tenha caráter punitivo, exerce, nesse caso, função
coercitiva, estimulando o agente a atender à determinação judicial, embora, na prática, não
seja comum a sua ocorrência em razão do foro privilegiado ou por recair na esfera de
competência dos Juizados Especiais Criminais, com a possibilidade de ocorrência da
transação penal e a sanção ficar restrita ao fornecimento de cestas básicas. 153 ENTERRÍA, Eduardo Garcia, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, RT, 1990 154 CARVALHO, Eduardo Santos de, Ação civil pública: instrumento para a implementação de prestações estatais positivas, Rio de Janeiro: Revista do Ministério Público, n. 20, 2004
139
Prisão civil – tem natureza coercitiva, coagindo o devedor ao cumprimento da
prestação, sendo que a Constituição somente a permite para o devedor de alimentos e para o
depositário infiel. Alguns autores procuram estendê-la para a hipótese de descumprimento de
decisão judicial sob o argumento de que seria ato atentatório à dignidade e autoridade da
Justiça. Na mesma esteira de pensamento, pretende-se expandir a idéia de alimentos não
somente àqueles fixados em ação pertinente, mas a toda e qualquer prestação cuja função seja
a de possibilitar a subsistência digna do credor, o que atenderia a natureza coercitiva para o
cumprimento das prestações, objeto das ações coletivas.
Meio de subrogação – caracteriza-se pela possibilidade de execução de
obrigação fungível pelo devedor, ou por terceiro às custas daquele, sendo que, na prática, tem
se demonstrado extremamente demorada, sem a celeridade necessária para o implemento da
prestação, sempre urgente. No entanto, quando se trata de prestações estatais positivas, não
efetuadas por falta de previsão orçamentária suficiente, fazem-se necessárias outras formas de
intervenção, as quais devem ser adotadas somente em caso de comprovada necessidade e de
forma menos gravosa para o devedor, preservando a independência entre os poderes e o
princípio da eficiência e legalidade do administrador público.
Na hipótese de inexistência de espontaneidade do cumprimento da prestação e
da não-celebração do termo de ajustamento de conduta, o Judiciário deverá deferir o pedido
para que a Administração inclua no projeto de lei orçamentária do próximo exercício
financeiro a previsão de recursos para o cumprimento da prestação exigida, como se
precatório judicial fosse em favor do próprio Estado, com a vinculação a verba para a
finalidade determinada na decisão judicial.
Pode ocorrer, contudo, que a prestação a ser satisfeita não possa aguardar até o
exercício financeiro vindouro, o que determinará que o Judiciário, atendendo ao pedido da
parte interessada, decida que a Administração remaneje prontamente verba para a realização
da prestação.
Por fim, há a intervenção judicial no órgão público devedor da prestação, nos
moldes da structural injunctions do Direito norte-americano, que normalmente se dá através
de auxiliares do juízo a fim de acompanhamentos do atendimento das determinações judiciais.
Mas, como tem ressaltado por Marcos Maselli Gouvêa, na obra inúmeras vezes citada, além
da tradicional aversão ao ativismo judicial, o Judiciário brasileiro não dispõem das mesmas
condições estruturais do norte-americano, nem conta com condições políticas que na prática
lhe garantam essa determinação. Nesse sentido, essa forma de subrogação é medida extrema,
mas juridicamente possível.
140
Os três Poderes da República necessitam assumir as suas competências a fim
de que possam concretizar a fala de Mauro Cappelletti no sentido de “coexistir um legislador
forte com um executivo forte e um judiciário forte”.
O Estado moderno caracteriza-se por assumir mais compromissos e
conseqüente interferência na vida social, carecendo de produção legislativa de qualidade a fim
de permitir que juizes com independência funcional, livre de amarras, verifiquem a atuação do
Executivo, gestor do interesse coletivo, no cumprimento de seus misteres.
Com total pertinência ao tema, o ensinamento de Rodolfo Camargo
Mancuso155 quando dispõe que o objeto da ação civil pública está sendo ampliado para
alcançar o controle das políticas públicas, uma vez que está presente o problema da
sindicabilidade judicial dos atos de governo, das políticas governamentais, searas em
princípio, propícias à atividade discricionária da Administração. A idéia de que esses atos
estavam sob o manto dos atos discricionários ou exclusivamente políticos deixou de ser uma
verdade absoluta, cabendo ser perquirido se fato o são. Hoje, entende-se que a grande maioria
dos atos administrativos é de algum modo vinculado, seja porque seu agente está no exercício
de um munus público, seja pela própria natureza desses atos de gestão, seja pela precípua
indisponibilidade do interesse público.
Corroborando a afirmação do poder-dever do administrador na execução das
políticas públicas previstas constitucionalmente, deve-se ter em conta o princípio da
integralidade muito utilizado na área da saúde, reconhecido como conseqüência direta da
definição pluridimensional da exclusão, determinando que sejam manejadas todas as formas
possíveis de satisfação de um direito em favor do necessitado, seja na área de saúde,
educação, habitação ou jurídica. Em uma sociedade caracterizada pela desproporcionalidade
da renda per capita, situações como insuficiência de rendimento e emprego precário
(trabalho), moradias degradadas (habitação), baixa escolarização e qualificação profissional
(educação), problemas de saúde (saúde), ou seja, ausência dos direitos sociais previstos no
artigo 6º da Carta Magna, são necessárias ações que ataquem em todas estas frentes essas
desigualdades. A consciência dos efeitos negativos das políticas compartimentadas,
decorrentes da inexistência de políticas públicas adequadas, motivou as pessoas que
diuturnamente vivenciam a exclusão a buscarem solução para os seus problemas.
155 MANCUSO, Rodolfo Camargo, Ação Civil Pública, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, 6ª ed., p. 40/41):
141
Dessa sorte, a atuação do legitimado ativo para a defesa da ação civil pública
restará ampliada para outros atos que não somente a correção de atos comissivos da
administração que porventura desrespeitem os direitos constitucionais do cidadão, mas
também deve atuar na correção dos atos omissivos, ou seja, para a implantação efetiva de
políticas públicas visando à efetividade da ordem social prevista na Constituição Federal de
1988.
142
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução da sociedade ao longo dos séculos, evidenciou afastamento da
forma primária de defesa e da auto-regulamentação de conflitos; nesse processo o homem
assimilou as mudanças do meio ambiente, vez que mantém relações dialéticas com a
sociedade, do que resultam transformações sociais. Não há como dissociar o homem do meio
em que vive; a simbiose existente entre o homem e a sociedade é tal que um não sobrevive
sem o outro, alterando-se mutuamente.
Desde o início do milênio passado, o homem evidencia mudanças
comportamentais significativas, associando-se a outros indivíduos como forma de
autoproteção contra outros, de cultura e até idioma diferente, considerados como inimigos.
Psicologicamente, o homem vive em grupos por necessidade primária e característica
gregária, não importando a dimensão do grupo ao qual se associa. Não existe ser humano que
desde sempre tenha sido isolado do contato com outro homem. Por mais que consiga
sobreviver, poderá ser tudo, menos humano, despossuído dos valores que caracterizam a
humanidade.
A necessidade social e psicológica de associação fez com que inicialmente o
homem não fosse reconhecido em sua unidade, e sim como parte de um todo, passível de
representar e ser representado por qualquer membro desse grupo em razão da qualidade de
parte, sem consideração jurídica, integrante do todo, não se questionando a existência de
legitimidade para a representação.
Com a evolução da sociedade, os grupos primários mesclaram-se, aumentando
sua dimensão, constituindo vilarejos e cidades, quando o grupo inicial perde a identidade
primária, descaracterizando-se. Em paralelo, passou a ser reconhecido como indivíduo. A
partir de então, surgiram os conflitos interpessoais, com a necessidade de regulamentação não
só dos direitos do grupo, mas também do indivíduo.
A evolução social aperfeiçoou-se e alcançou a forma de Estado, dividido em
classes sociais, onde, de início, somente a nobreza e o clero tinham direitos. Às demais
classes eram garantidas somente proteção estatal em troca de contribuição compulsória de
impostos, ou da própria escravidão do homem, mantenedores da abastança da aristocracia.
A situação não tardou a impor desconforto de tal monta para as classes
desfavorecidas, que culminou com movimentos sociais formados pela burguesia e intelectuais
que tinham acesso às informações sobre as idéias existentes em outros países, promovendo
143
uma revolução política no continente europeu e norte-americano, com reflexo no restante do
mundo.
A sociedade do século XVII foi marcada pela celeridade de produção
proporcionada pela Revolução Industrial, criadora de uma nova, numerosa e forte classe
social – a dos operários, determinando a imposição de mudanças no sistema social, uma vez
que reconhecia o seu valor como força de trabalho, sem poder auferir pessoalmente das
riquezas por eles produzidas e se conscientizava da fruição do mesmo pela classe dominante.
Reconhecia-se que, na indústria moderna do capitalismo, o trabalho é odiado pelos
trabalhadores, que o vêem somente como meio de sobrevivência, sem prazer da sua execução,
que os oprime. A Inglaterra foi o berço das transformações ideológicas, seguida pela França
e, posteriormente, pelos Estados Unidos.
As idéias de aparente liberdade que marcaram o liberalismo foram baseadas
somente em dados teóricos e abstratos de igualdade, que existia no plano formal, uma vez que
se destinavam apenas a demonstrar preocupação com o povo, o qual não era visto, onde nem
todos tinham acesso ao mais elementar dos direitos: o direito de voto. A inconformidade do
povo com a omissão do Estado e o receio de novamente vir a ser submetido ao controle da
classe dominante determinou a separação dos poderes do Estado, os quais deveriam ser
harmônicos entre si.
Comprovou-se, contudo, que o Judiciário foi destituído de poder de interpretar
o direito, num sentido mais amplo do que lei, limitando-se a aplicar o texto legal ao caso
concreto, sem poder emanar qualquer interpretação, despindo o juiz da tarefa de produção
intelectual. Rousseau entendia que melhor seria a celebração de um contrato – Contrato
Social, onde o povo delegaria ao Estado a sua representação.
Com os anos, percebeu-se que os princípios do liberalismo, com ênfase na
autonomia da vontade, não atendiam às necessidades individuais em razão da patente
existência de desigualdade entre as pessoas. A igualdade baseava-se em dados teóricos,
preocupando-se com uma igualdade formal, pois, no plano concreto os indivíduos não
contavam com o Estado para regular os seus interesses. O Estado argumentava que a não-
interferência garantia a liberdade do cidadão, que era senhor de sua vida.
Diante da fragilidade prática das teorias produzidas pelo Estado Liberal, surge
o Estado Social, também conhecido como Estado Providência ou Estado Intervencionista que,
como o próprio nome denota, surge com a missão de assegurar aos indivíduos os direitos de
primeira geração, caracterizados pela preocupação individual, bem como os de segunda
144
geração, ditos direitos prestacionais, a fim de executar ações que de fato reduzissem as
diferenças sociais.
As primeiras constituições com cunho social foram a do México em 1917 e a
de Weimar em 1919 e em 1934 a do Brasil, embora de curta duração em razão da constituição
do Estado Novo em 1937.
A implementação do Estado Social foi dificultada pela ocorrência de duas
guerras mundiais, determinante de grande transformação política, social e industrial. O
mundo se transformava a passos mais largos do que o Estado tinha condições de reconhecer e
assegurar direitos. As normas constitucionais e infraconstitucionais não tinham tempo
cronológico para acompanhar a transformação social, a qual era fomentada em tempo real por
informação sobre as transformações ocorridas no mundo, aumentando a consciência sobre
seus direitos e necessidades, promovendo questionamento de vários valores sociais.
Acompanhando a evolução política do mundo, percebeu-se que o formato do
Estado Social de Direito não mais atendia à realidade, revelando-se insuficiente, em face da
consciência dos direitos individuais e dos direitos prestacionais devidos pelo Estado.
Esses direitos precisavam ser implementados não mais para satisfazer as
necessidades do indivíduo isoladamente no seu direito privado, mas àqueles pertinentes a
necessidade comum do grupo. A atenção do legislador precisava ser deslocada do foco
individual, de visão micro, para a questão coletiva, macro, molecular da sociedade, até, por
fim, atingir a essência dos direitos que ultrapassavam a titularidade até do grupo, alcançando
toda a sociedade, de forma indivisível. Esses são designados como direitos difusos, que
impõem ao direito positivo uma dimensão social e não mais individual da realidade.
Diante desses novos direitos e com a consciência de que ao cidadão não
interessa apenas o reconhecimento expresso de direitos, mas também a garantia de sua
execução, criou-se o Estado Social e Democrático de Direito, que irradia valores de
democracia e preocupação com as questões sociais em todo o texto constitucional, mesmo
quando dispõe sobre a ordem econômica, como é o exemplo da menção às relações jurídicas
decorrentes das relações de consumo.
Acompanhando as mudanças sociais, o Direito, embora com o atraso
legislativo que deve existir entre os reais anseios sociais e as normas jurídicas, iniciou sua
adaptação à nova realidade social – o dinamismo das relações e a submissão do homem ao
consumo como forma de alienação de seus valores, os quais necessitavam permanecer
resguardados.
145
A doutrina brasileira, inspirada no direito comparado, principalmente o que
ocorria na Itália, Alemanha e Estados Unidos, contribuiu de forma excepcional para estimular
a produção de normas legislativas. Entre os estudiosos das alterações que pendiam de
implementação no Direito está Mauro Cappelletti e Garth, que, na última década de 1970,
iniciaram pesquisa visando a identificar os problemas que impediam o acesso à Justiça.
Inicialmente, o estudo teve a preocupação voltada para o alijamento das minorias nesse
processo, em razão do valor das custas judiciais e do pagamento dos honorários advocatícios,
quando se concluiu que a questão do acesso à Justiça era mais ampla, necessitando de
mecanismos para também permitir o acesso à qualidade técnica de profissionais envolvidos na
defesa dessas pessoas.
Posteriormente a essa fase, ainda com Cappelletti e Garth, tal qual ocorreu com
a história da evolução das necessidades sociais do homem, houve a preocupação com a defesa
dos interesses difusos e a forma de representação dos mesmos em juízo, vez que são
destituídos de titularidade identificável, pertencendo a um número de pessoas indeterminadas
e identificáveis. Havia situações em que o direito estava situado em um patamar que não
justificava a sua defesa por um só cidadão, impondo que se um assim o fizesse, tal decisão
beneficiaria um número muito maior de pessoas.
A jurisprudência e a doutrina, com passos curtos e cautelosos, reconheceram a
procedência dos estudos de Cappelletti e Garth, o que contribui para a edição de leis de defesa
dos direitos difusos, os quais estão presentes em toda a sociedade, independente da
característica regional ou econômica da mesma, o que lhes assegurou a preocupação de todos,
uma vez que não diziam respeito apenas a determinado segmento da população, geralmente a
mais necessitada, atingindo os interesses de todos, de forma indistinta.
A sociedade civil, organizada principalmente por meio de organizações não
governamentais e associações, principalmente de moradores, diante da omissão do Estado,
assumiu a tarefa de auxiliá-lo na defesa desses interesses. Diante da forte atuação dessas
entidades, deixou de existir a divisão dicotômica entre público e privado, sendo acrescentada
a essa um terceiro setor, constituído por organismos da sociedade civil, que inicialmente
surgiu em posição antagônica ao Estado, contrapondo-se a este, em razão da ausência de
execução de políticas públicas.
Nesse contexto social, como forma de implícito reconhecimento da titularidade
do indivíduo para a defesa coletiva, foi editada a Lei da Ação Popular que, embora utilizasse
os dispositivos do Código de Processo Civil de 1939, vigente à época de sua edição, adaptou-
se ao Código de 1973, determinando a eficácia erga omnes da coisa julgada. Essa foi
146
considerada legislação de vanguarda para a sociedade da época, haja vista o rígido regime
jurídico vigente no Brasil à época de sua promulgação.
Outra legislação de suma importância foi a Lei da Ação Civil Pública, elevada
à categoria de defesa de bens e valores da coletividade, inclusive naqueles interesses de difícil
ou impossível verificação de titularidade, cuja defesa não resistiria ao crivo da tradicional
verificação da existência das condições da ação, o que fez com que a mesma trouxesse
dispositivos processuais próprios.
Três anos após a edição da Lei da Ação Civil Pública, foi promulgada a nova
Carta Constitucional, inicialmente criticada pelo preciosismo e excesso de especificidade dos
direitos, sob o argumento de que esse não era o papel de uma constituição, que deveria ater-se
a estabelecer princípios e valores por meio de normas essencialmente constitucionais e que
deveria deixar a cargo da legislação infraconstitucional tecer minúcias do direito assegurado.
Ocorre que o constituinte era conhecedor da morosidade do processo
legislativo brasileiro e da resistência dos congressistas em regular direitos assegurados em
sede constitucional, onde é mais fácil retirar do texto direito assegurado, como a norma que
pendia de regulamentação para que a taxa de juros fosse de doze por cento ao ano, do que
regulamentá-lo.
O texto constitucional vigente, na integralidade dos artigos assecuratórios de
direitos individuais, retirou dos mesmos o caráter patrimonial, privado, de interesse exclusivo
do cidadão, conferindo ênfase ao reflexo social da utilização desses direitos pelo indivíduo.
Exemplo dessa inferência está na função social da propriedade, inclusive com a disposição de
que a propriedade urbana deve cumprir sua função social, determinando a aplicação de IPTU
progressivo para as hipóteses de subaproveitamento ou não utilização do solo urbano. Outro
exemplo repousa na constituição da usucapião urbano como forma de regularizar o direito de
habitação.
A preocupação do constituinte com os direitos e garantias, não só do cidadão,
como de estrangeiro que estivesse em território nacional e da pessoa jurídica, inclusive dos
sindicatos, fez com que esses direitos fossem localizados no Título II da Constituição, atrás
somente do Título que trata dos Princípios Fundamentais. Como último título, a Carta de
1988 dedicou cinqüenta e oito artigos para dispor sobre a Ordem Social, onde trata de
seguridade social, educação, cultura, desporto, ciência, tecnologia, comunicação social, meio
ambiente, família, criança, adolescente, idoso e, por fim, os índios.
A fim de possibilitar a consecução mais célere dos direitos assegurados no
texto constitucional, a doutrina, com forte influência dos processualistas, incentivou a edição
147
de leis que protegessem as minorias, objeto de proteção do Estado Democrático de Direito,
com a finalidade de reduzir as desigualdades existentes.
Como fonte de pesquisa da experiência do assunto no direito comparado, os
doutrinadores observaram que, desde 1820, o direito norte-americano utilizava-se da
experiência da tutela coletiva no direito inglês decorrente do bill of peace, que era uma
autorização para o processamento de ações individuais como coletivas, bastando que
houvesse um número excessivo de interessados, impossibilitando a formação de
litisconsórcio; bem como que os participantes tivessem interesses comuns e que o autor
adequadamente representasse o interesse de todos.
Embora com peculiaridades processuais próprias decorrentes da base
legislativa de cada país, Estados Unidos e Brasil buscaram na utilização das ações coletivas
promover a economia e a celeridade processual, de modo a possibilitar o acesso à Justiça aos
jurisdicionados, uma vez que a mesma pode proporcionar com melhor eficácia a proteção de
interesses de pessoas hipossuficientes que, sem acesso à informação, desconhecem seus
direitos ou a forma de acesso à defesa dos mesmos.
No contexto brasileiro, não houve aplicação integral das normas jurídicas
vigentes naquele país, pois na legislação estadunidense há a previsão da ação coletiva no pólo
ativo e no passivo da demanda, o que não foi repetido no Brasil, restringindo-a ao pólo ativo.
Outra diferença entre a ação coletiva e a class action está em que o legislador
brasileiro adotou a opção pela legitimidade política, nominalmente enumerando aqueles que
poderão representar os interesses em juízo. A legislação norte-americana preferiu não indicar
legitimados, deixando que essa árdua aferição da legitimidade seja feita caso a caso, através
do instituto da representatividade adequada, que deverá observar os seguintes critérios: a
verificação do interesse de agir dos membros da demanda; a competência dos advogados que
a conduzirão; a verificação da existência de eventual conflito interno na classe, de modo a
impor sua subdivisão.
A doutrina brasileira, mais uma vez diferenciando-se da norte-americana, não
optou pelo instituto do opt in or opt out, que consiste, respectivamente, no requerimento de
inclusão ou exclusão do feito, a fim de não se submeter aos efeitos da demanda, adotando a
eficácia erga omnes da decisão da medida da utilidade da demanda para os membros
interessados; ou seja, a coisa julgada somente atingirá o membro ausente ou presente para
beneficiá-lo, não havendo prejuízo para o mesmo permanecer na demanda, pois somente
poderá ser beneficiado com a decisão.
148
Era necessário que esses institutos processuais de proteção e defesa da tutela
coletiva estivessem à disposição dos operadores do Direito, pois o direito processual,
formulado com vistas ao direito individual, não atendiam a esses questionamentos, pois a
tutela coletiva não pode ser reconhecida como o somatório de interesses individuais.
O aumento da população mundial determinou que a indústria acelerasse o
sistema de produção de bens, a fim de atender à demanda crescente. A sociedade de massa
implicou também o incremento do setor terciário, com a dinâmica das relações de prestação
de serviços e comercialização dos bens produzidos. As relações jurídicas abandonaram o
formalismo contratual para tornarem-se instantâneas e até virtuais, atendendo aos anseios de
imediatismo dessa sociedade de massa. Hoje, é inconcebível pensar no formalismo contratual
vigente no Direito Romano, com necessidade de manifestação de palavras determinadas,
coberto de rituais para ver comprovado o consentimento.
O progresso decorrente do avanço tecnológico não escapou das críticas dos
mais observadores e não tão envolvidos nessa realidade desmedida de consumo, porque, com
a mesma celeridade deste e diante de sua prática de produção de bens e serviços em série,
propiciava danos a um número indeterminado de indivíduos. A celeridade na formação das
relações jurídicas exigiu que a sociedade de massa, consciente dos danos aos seus direitos,
buscasse, ao largo da legislação processual vigente, outras normas jurídicas para regular os
inúmeros conflitos surgidos dessas relações.
Em atendimento ao determinado no artigo 48 do Ato Constitucional das
Disposições Transitórias da Carta Magna de 1988, em 1990, foi editado o Código de Defesa
do Consumidor, que trouxe a ampliação de suas normas jurídicas, até mesmo para o direito
individual, com a previsão da inversão do ônus da prova, bem como inovando a tutela de
qualquer ação coletiva, interagindo plenamente com a vigente Lei de Ação Civil Pública,
expressamente prevendo e conceituando os direitos transindividuais, assim considerados os
direitos difusos e, por ficção e decisão de técnica legislativa, os direitos coletivos e os
individuais homogêneos.
Os direitos difusos caracterizam-se pela indeterminação do titular e pela
indivisibilidade desse direito, deixando de integrar a classe de direitos até então conhecidos,
sobre os quais o aplicador da lei estava habituado a decidir e que integram o patrimônio do
cidadão, para alcançar o interesse esparso de toda a sociedade. Em decorrência da
indeterminação do titular, houve resistência doutrinária e jurisprudencial para aceitar que
outros legitimados o defendessem, além do Ministério Público, instituição histórica voltada
para a defesa dos interesses da sociedade.
149
A correta interpretação da legitimidade para a defesa da tutela coletiva deve
estar atenta ao fato de que a legitimidade inerente à defesa dos direitos difusos não pode ser
feita de acordo com a clássica classificação entre legitimidade ordinária ou extraordinária.
Diante da transcendência desses direitos, a legitimação dos mesmos é política, em razão da
opção do legislador, nomeando aqueles que considerava capacitados e com legítimo interesse
para a defesa, uma vez que o patrocínio da ação civil pública impõe a existência de um
legitimado idôneo, capacitado técnica e economicamente, com meios de bem produzir
argumentos e provas com o intuito de demonstrar o dano ou ameaça de dano a esses direitos
de dimensão transindividual.
Os direitos coletivos, por sua vez, recebem essa denominação pela defesa ser
concentrada no interesse em comum do grupo, na relação jurídica que os une e, embora haja a
possibilidade de identificação dos seus membros, permitindo a divisibilidade do direito, o
interesse que os une faz com que permaneça com natureza indivisível. Somente no momento
da execução da sentença, o titular do direito defendido em nome do grupo terá legitimidade
para promovê-la, não podendo fazê-lo o legitimado, passando a prevalecer as regras do direito
processual civil individual.
Como forma de acesso à Justiça, a decisão obtida nessa ação permite que os
efeitos subjetivos da coisa julgada, opondo-se se ao direito processual civil tradicional,
alcance terceiros, estranhos àquela relação jurídica processual, beneficiando toda a
comunidade titular do interesse lesado.
Com pertinência ao terceiro grupo de direitos defendidos no Código de Defesa
do Consumidor, os individuais homogêneos, é o exemplo mais próximo da tradicional class
action norte-americana para reparação de danos. Trata-se de direitos individuais que
poderiam ser defendidos de forma isolada, mas por questão de celeridade e economia
processual, permitem a defesa por meio da tutela coletiva, garantindo o resultado da demanda
de forma unitária, evitando decisões conflitantes, de modo a estabilizar as estruturas que se
encontram em conflito durante a tramitação da relação jurídica processual.
Como explanado no Capítulo 2, o tema da tutela coletiva é de especial
relevância para o estudo e garantia de execução dos direitos prestacionais pelo Estado, vez
que o benefício da execução das políticas públicas interessará a um número incomensurável
de pessoas, com reflexo em outros direitos como meio de concretizar o acesso aos direitos
sociais e ao meio ambiente em equilíbrio, na forma preconizada no texto constitucional, que
tem como fim o interesse social.
150
A definição da execução dos direitos prestacionais cabe ao Poder Legislativo,
por meio da designação de verba no orçamento, bem como do Executivo que indica onde as
verbas devem ser aplicadas. O orçamento público estabelece a aplicação da verba em tese,
cabendo ao Executivo concretizá-la, inclusive com o remanejamento de rubricas. Ressalta-se
que a elaboração do orçamento, votado nas Câmaras dos Vereadores, Assembléias
Legislativas dos Estados e pelo Congresso Nacional não constitui carta em branco, dada pelo
povo ao Legislativo e tampouco ao Executivo no momento de sua implementação. O poder
jamais deixou de pertencer ao povo, sendo que este o exerce por meio de representantes, sem,
contudo, despir-se na qualidade de titular dos mesmos, podendo, por meio de medida judiciais
questionar a alegada discricionariedade no momento de escolha da aplicação das verbas
públicas.
A doutrina e jurisprudência evidenciam forte tendência a reconhecer que não
há ato inteiramente discricionário, com exceção prevista unicamente para aqueles que
impliquem opções essencialmente políticas.
O interesse social tem a coletividade como titular, não pertencendo
individualmente a qualquer grupo, estando acima de qualquer classificação primária. Como
percebeu Marx, a questão social não pode ser resolvida por meios puramente jurídicos: não
será por meio da elaboração de uma lei que se acabará com a pobreza e, a partir de então,
todos terão assegurados os direitos do provimento das necessidades essenciais do indivíduo.
Ao contrário, é necessário, de forma intervencionista e democrática, que seja assegurado a
todos que estão no seu território o acesso aos direitos descritos no artigo 6º da Constituição
Federal de 1988, sob pena da norma jurídica perder a função de promover a erradicação das
desigualdades, por mais que mantidas as diferenças entre os indivíduos. Ser diferente não
implica em ser desigual.
Originalmente a legislação legitimou com exclusividade o Ministério Público
para a defesa da sociedade, tanto na esfera penal quanto na cível. Sem prejuízo de outras
legislações que lhe determinam intervenção, sob pena de nulidade, o artigo 82 do Código de
Processo Civil prevê sua atuação como custus legis, bem como sua legitimação extraordinária
para a defesa dos incapazes para requerimento de sua interdição, quando inexistente familiar
ou por haver desídia deste, bem como para a investigação de paternidade de filhos havidos
fora do casamento nas hipóteses previstas na Lei 8.560/92.
A intenção do legislador foi a de assegurar a defesa de tão relevantes interesses
a uma instituição de Estado, com prerrogativa dos seus membros para bem exercer as suas
atribuições, vez que possuidores de ampla gama de poderes, como o de requisitar documentos
151
e informações com a finalidade de melhor defender os interesses, sem a preocupação da
existência de meios para a produção da prova, principalmente a pericial, vez que como
instituição do Estado, mesmo em data anterior à autonomia financeira e administrativa,
contava com as demais instituições estatais para auxiliá-lo nessa tarefa.
Conforme referido, houve grande transformação social e política na sociedade
nos últimos cinqüenta anos, determinando a edição de leis e do próprio texto constitucional
com idéias democráticas e sociais, orientadas para garantir o acesso à execução dos direitos
dispostos em lei.
A previsão constitucional para o acesso à Justiça ocorreu na Carta
Constitucional de 1934, influenciada pelos valores sociais vigentes no Estado Social de
Direito, já esculpidos na Carta do México de 1917 e a de Weimar de 1919. Diante do Estado
Novo, a Carta outorgada em 1937 deixou de mencionar expressamente esse direito, que
permaneceu em estado latente na sociedade, retornando ao assento constitucional com a
Constituição de 1946, repetindo-se a partir de então em todas as constituições brasileiras que
se seguiram àquela.
O instituto da assistência judiciária aos necessitados foi regulamentado pela
Lei 1.060, de 05 de fevereiro de 1950, em atendimento ao disposto no texto da Carta
Constitucional de 1946. Determinou o dever dos poderes público federal e estadual,
independente da colaboração dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, para
conceder esse direito aos necessitados. Para efeito da lei em comento, necessitado seria todo
aquele nacional ou estrangeiro cuja situação econômica não lhe permitisse pagar as custas do
processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. A
magnitude da lei está em deixar de tratar o tema de acesso á Justiça como forma caritativa,
alçando-o à qualidade de direito subjetivo público do cidadão juridicamente necessitado.
O significado do termo necessitado evoluiu do simples “atestado de pobreza”
fornecido pela autoridade policial nas décadas de 60 e 70, para que, diante da dimensão de
reconhecimento de direitos na qual a humanidade se apresenta, seria uma visão
essencialmente simplista reconhecer que tudo mudou, exceto o conceito de pobreza e de
necessitado, que continuava preso à questão do dinheiro, bem essencial do capitalismo. A
necessidade, hodiernamente, é aferida no momento do acesso à Justiça, uma vez que a
existência de eventual patrimônio não deixa de caracterizá-la se naquele momento não puder
arcar com o pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios, o que
impossibilitaria o acesso à defesa dos seus direitos, pois o patrimônio existente nem sempre
está disponível ou o mesmo pode ser de difícil liquidez.
152
O aumento descontrolado do consumo fez surgir nova categoria de
endividados – os compulsivos, que se orgulham do número de cartões de crédito que
possuem, como se não houvesse a obrigação do pagamento da fatura posteriormente enviada.
A facilidade do acesso ao crédito é outro fator de endividamento, chegando ao confisco dos
salários, deixando o cidadão de ter recursos para manter-se no seu dia-a-dia, impondo a
contratação de novo empréstimo para esse fim.
Nesse sentido, diante da falta de possibilidade, precisa de comprovação da
qualidade de necessitado que, diga-se, ninguém gostaria de tê-la, a Defensoria Pública,
especificamente para a defesa da tutela coletiva, não está adstrita à comprovação da
hipossuficiência daqueles que serão beneficiados com o resultado da demanda, uma vez que a
Lei 11.448/07, ao alterar a Lei 7.347/85, acrescentando a Defensoria Pública no rol de
legitimados, não fez essa exigência, pois se o fizesse seria atécnica, pois não há como ser
discutida a qualidade econômica de indivíduos em sede de direitos de natureza indivisível.
Em sede de interesses difusos e coletivos a condição individual de quem irá
aproveitar-se da decisão é irrelevante. Se a própria lei reconhece que nesses direitos é
impossível a sua individualização e a identificação do seu titular, como negar à Defensoria a
legitimidade para promover a sua defesa sob o argumento de esta, por norma constitucional,
estar adstrita à defesa daqueles que comprovarem sua condição de hipossuficientes?
A Carta Constitucional de 1988 estabeleceu o critério de hipossuficiência para
a assistência jurídica integral pela Defensoria Pública porque se tratava da defesa de direitos
individuais, onde essa aferição é possível. Quando houve a inclusão da instituição para a
defesa da tutela coletiva, principalmente em sede de direitos difusos, não poderia haver essa
exigência pela própria natureza desses direitos.
Diante desses argumentos, que, desde o início da dissertação, fundou-se na
justificativa histórica da sociedade e o reflexo desta nas normas jurídicas, entendeu-se
pertinente e com respaldo constitucional a Lei 11.448/07 que alterou a Lei da Ação Civil
Pública para acrescentar a Defensoria Pública no rol de legitimados apara defesa da tutela
coletiva, o que já era admitido desde a edição do Código do Consumidor, quando este
também introduziu o artigo 21 na Lei 7.347/85, estendendo a essa todo o Título III do Código
de Defesa do Consumidor, que nesse título trata da Defesa do Consumidor em Juízo, com
reflexo da legitimidade para propor a ação.
153
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