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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA: A FUNÇÃO SOCIAL DO PROFESSOR ITALO BATILANI MARINGÁ 2015 ITALO BATILANI UEM 2015

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL DO

    PROFESSOR

    ITALO BATILANI

    MARING

    2015

    ITA

    LO

    BA

    TIL

    AN

    I

    UEM

    2015

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL DO

    PROFESSOR

    ITALO BATILANI

    MARING

    2015

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL DO PROFESSOR

    Dissertao apresentada por ITALO

    BATILANI, ao Programa de Ps-Graduao

    em Educao da Universidade Estadual de

    Maring, como um dos requisitos para a

    obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    rea de Concentrao: EDUCAO.

    Orientador:

    Prof. Dr. JOO LUIZ GASPARIN

    MARING

    2015

  • FICHA CATALOGRFICA

  • ITALO BATILANI

    PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL DO PROFESSOR

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Joo Luiz Gasparin (Orientador) UEM

    Prof. Dr. Joo Carlos da Silva UNIOESTE Cascavel

    Prof. Dr. Evandro Lus Gomes UEM

    Data de Aprovao

    15/05/2015

  • AGRADECIMENTOS

    Aos professores que acreditaram em mim e contriburam de modo efetivo para a

    existncia deste trabalho, obrigado: Joo Luiz Gasparin, Evandro Lus Gomes, Mateus

    Ricardo Fernandes Ferreira, Joo Carlos da Silva, Vernica Regina Mller e Regina

    Taam.

    Aos professores que dedicaram trabalhos pedagogia histrico-crtica, aulas, palestras e

    dilogos que me ensinaram, obrigado: Dermeval Saviani, Joo Luiz Gasparin, Newton

    Duarte, Ademir Quintilio Lazarini, Carlos Henrique Ferreira Magalhes, Jos Claudinei

    Lombardi e Lgia Mrcia Martins.

    Aos professores do curso de Filosofia da Universidade Estadual de Maring que sempre

    estiveram disponveis para dilogos de cunho filosfico, obrigado: Evandro Lus

    Gomes, Mateus Ricardo Fernandes Ferreira, Max Rogrio Vicentini, Joo Hentges,

    Mrcio Pires e Vladimir Chaves dos Santos.

    Ao professor de Cultura Clssica Grega, obrigado: Lus Carlos Andr Mangia Silva.

    Aos secretrios do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Estadual

    de Maring, obrigado: Hugo e Mrcia.

    Aos professores que carrego em minha memria, obrigado: Elen Arajo do Nascimento

    e Elenice Borba Gilioli.

    A minha pequena famlia, obrigado: Cremilda Vieira da Silva Batilani, Sandro Batilani,

    Sandy Batilani, Heitor Batilani e Joseane Prigol.

    Aos amigos de estudo e dilogo, obrigado: Andriely Samanda de Paula, Daniel Munhoz

    de Pauli (Doido), Andr Rosolem SantAnna, Luiz Fernando Silva de Azevedo e

    demais colegas do curso de filosofia da turma do ano de 2011, que no posso citar aqui

    devido ao pouco espao.

    http://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/208-evandro-luis-gomeshttp://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/183-mateus-ricardo-fernandes-ferreirahttp://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/183-mateus-ricardo-fernandes-ferreirahttp://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/208-evandro-luis-gomeshttp://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/208-evandro-luis-gomeshttp://www.pgf.uem.br/index.php/docentes/183-mateus-ricardo-fernandes-ferreirahttp://www.dfl.uem.br/index.php/departamento/corpo-docente/16-max-rogerio-vicentinihttp://www.dfl.uem.br/index.php/departamento/corpo-docente/14-joao-hentgeshttp://www.dfl.uem.br/index.php/departamento/corpo-docente/34-marcio-pireshttp://www.dfl.uem.br/index.php/departamento/corpo-docente/19-vladimir-chaves-dos-santos

  • Quando os alunos atingem o estgio de

    cidados mais completos e integrados

    sociedade, estar cumprida a tarefa do

    professor. Isso deve propiciar-lhe um

    sentimento e uma certeza de realizao pessoal

    e profissional, mesmo que seus ex-alunos no

    sigam o rumo que juntos traaram, porque eles

    tm seus prprios pensamentos e seus prprios

    caminhos (GASPARIN, [2002] 2003, p. 123).

  • BATILANI, Italo. PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL

    DO PROFESSOR. n 119 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade

    Estadual de Maring. Orientador: Prof. Dr. Joo Luiz Gasparin. Maring, 2015.

    RESUMO

    Esta dissertao apresenta elementos que indicam a funo social do professor no

    mtodo da pedagogia histrico-crtica, partindo da perspectiva de que a funo social do

    professor de natureza poltico-ideolgica. Neste sentido, a educao escolar

    entendida enquanto instrumento de luta contra-hegemnica a favor das classes

    populares. A questo norteadora da investigao foi assim elaborada: Quais so os

    elementos que indicam a funo social do professor no mtodo da pedagogia histrico-

    crtica segundo Dermeval Saviani? De gnero bibliogrfico, o mtodo de pesquisa a

    lgica dialtica; o perodo histrico a que se refere este trabalho inicia-se na dcada de

    1970 e vai at 2014, no Brasil.

    Palavras-chave: Pedagogia histrico-crtica. Funo social. Professor. Educao.

    Filosofia.

  • BATILANI, Italo. HISTORICAL-CRITICAL PEDAGOGY: THE SOCIAL

    FUNCTION OF THE TEACHER. n 119 f. Dissertation (Master in Education)

    State Univercity of Maring. Supervisor: Joo Luiz Gasparin. Maring, 2015.

    ABSTRACT

    This dissertation presents elements that indicate the social function of the teacher in the

    method of historical-critical pedagogy, from the perspective of the social function of

    teacher's ideological and political in nature. In this sense, education is understood as an

    instrument of struggle and de-commodification of culture in favor of the popular

    classes. The question that guiding preparing this research is: what are the elements that

    indicate the social function of the teacher in the method of historical-critical pedagogy

    according Dermeval Saviani? Bibliographic gender, the research method is dialectical

    logic; the historical period referred to in this work starts in early 1970 and runs until

    2014, in Brazil.

    Key words: Historical-Critical Pedagogy. Social function. Teacher. Education.

    Philosophy.

  • SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................. 11

    1. ELEMENTOS DE FUNO SOCIAL DO PROFESSOR ....................................... 14

    1.1 Elemento ................................................................................................................... 14

    1.2 Funo ...................................................................................................................... 18

    1.3 Social ........................................................................................................................ 19

    1.4 Professor ................................................................................................................... 20

    2. A SOCIEDADE CAPITALISTA ............................................................................... 22

    2.1 Mtodo ...................................................................................................................... 22

    2.2 Marx ......................................................................................................................... 23

    2.3 Gramsci ..................................................................................................................... 30

    3. PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA ..................................................................... 40

    3.1 Mtodo ...................................................................................................................... 40

    3.2 As teorias no-crticas .............................................................................................. 43

    3.3 As teorias crtico-reprodutivistas .............................................................................. 51

    4. PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA: A FUNO SOCIAL DO PROFESSOR . 52

    4.1 A funo social da educao .................................................................................... 52

    4.2 A funo social da educao escolar ........................................................................ 65

    4.3 A funo social do professor .................................................................................... 77

    CONCLUSO .............................................................................................................. 103

    REFERNCIAS ........................................................................................................... 115

  • INTRODUO

    Este trabalho analisa quais so os elementos que indicam a funo social do

    professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica segundo Dermeval Saviani (1943-),

    e parte da perspectiva de que a funo social do professor de natureza poltico-

    ideolgica, entendendo a educao escolar enquanto instrumento de luta contra-

    hegemnica a favor das classes populares. Seu escopo explicitado por meio da

    pergunta: quais so os elementos que indicam a funo social do professor no mtodo

    da pedagogia histrico-crtica segundo Saviani?

    A resposta a essa pergunta foi obtida por meio da pesquisa de gnero

    bibliogrfico. E o contexto histrico em que se situa possui incio na dcada de 1970,

    poca em que Saviani comea a publicar trabalhos referentes educao brasileira e, em

    consequncia, em 1982, publica pela primeira vez o mtodo da pedagogia histrico-

    crtica, no artigo Escola e democracia: para alm da teoria da curvatura da vara, na

    revista ANDE, da Associao Nacional de Educao (SAVIANI, 1982, p. 57-64).

    Depois, no ano de 1983, este artigo passou a compor o captulo trs, denominado de

    Escola e democracia II - Para alm da teoria da curvatura da vara, do livro Escola e

    democracia: teorias da educao, curvatura da vara, onze teses sobre a educao

    poltica (SAVIANI, [1983]1 2009, p. 53-72). Por meio deste livro, esta pesquisa

    procurou compreender na concepo de Saviani: (I) o que no a funo social do

    professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica; (II) qual a funo social da

    educao; (III) qual a funo social da educao escolar; (IV) quais so os elementos

    que indicam a funo social do professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica. Os

    ltimos trabalhos desse autor consultados so de 2014.

    O mtodo de trabalho em questo a lgica dialtica, indicada por Karl Marx

    (1818-1883), no trabalho Para a crtica da economia poltica, no texto O mtodo da

    economia poltica (MARX, [1859] 1982, p. 14-19). A partir da contribuio desse

    autor, os estudos referentes funo social do professor passaram a ser organizados

    assim: a funo social do professor torna-se fenmeno concreto na medida em que se

    efetiva conforme a sntese de diversos elementos, isto , princpios e causas, materiais e

    abstratas. Desta forma, quando se fala em funo social do professor, esta aparece no

    pensamento de acordo com o processo da sntese dos elementos que a compem, mas

    no como o ponto de partida efetivo que permite exerc-la. Portanto, para exerc-la, 1As datas entre colchetes referem-se ao ano da primeira edio do trabalho consultado.

  • 12

    torna-se necessrio fazer a sntese dos elementos que a compem, e estes elementos no

    se encontram apenas na intuio sensvel do professor, mas na estrutura e superestrutura

    econmica da sociedade em que a funo social do professor deve ocorrer. Esta

    sociedade concebe o produto da ao intelectual do professor e, devido a esse motivo, a

    funo social do professor uma demanda social. Entretanto, ao mesmo tempo em que

    determinada sociedade concebe o produto da ao intelectual do professor, ela o

    condiciona e o conserva de acordo com as suas necessidades. Assim, o produto da ao

    intelectual do professor, na medida em que concebido e conservado por determinada

    sociedade, transforma-se em fenmeno e, em consequncia, efetiva-se a funo social

    do professor.

    A funo social do professor reside no escopo das ideologias. E para

    compreend-las, a contribuio de Antnio Gramsci (1891-1937), nos Cadernos do

    crcere (1929-1935), torna-se necessria. Os estudos sobre a funo social do professor

    e a sua relao com as ideologias passaram a ser organizados do seguinte modo: as

    ideologias so fatos histricos reais, elas no residem apenas no subjetivo dos homens,

    porque esto materializadas conforme a superestrutura que modifica a estrutura

    econmica de determinada sociedade. Nos objetivos das ideologias existem estratgias

    de domnio e, ao mesmo tempo em que so utilizadas para exercer coero sobre

    determinada classe, articulado o consenso dessa mesma classe para a hegemonia

    efetivar-se. Desse modo, as ideologias necessitam ser combatidas em sua natureza de

    instrumento de domnio e por razes de luta poltica, a fim de tornar os governados

    intelectualmente independentes dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar

    uma outra, como momento necessrio da subverso da prxis (GRAMSCI, [Caderno

    10, 1932-1935] 1999, p. 387). Assim, a funo social do professor combater as

    ideologias de carter coercitivo, que cultivam classes subalternas, e, por meio delas,

    apropriar-se dos elementos que as constituem, a fim de fazer com que esses elementos

    tornem-se ideologias orgnicas a favor das classes populares, para que estas se

    organizem e saiam das condies de explorao intelectual e material em que vivem.

    O resultado dessa pesquisa encontra-se diludo nas seguintes sees: a seo

    Elementos de funo social do professor procura atribuir sentido s noes de

    elemento, funo, social e professor que sero utilizadas no decorrer do trabalho e, ao

    mesmo tempo em que isso feito, procura-se delimitar o tema em questo; a seo A

    sociedade capitalista, explicita o mtodo de trabalho desta pesquisa e, em seguida,

    procura compreender de que modo Marx e Gramsci caracterizam uma sociedade de

  • 13

    carter capitalista, uma vez que esta a sociedade que est em contradio com a

    funo social do professor; na seo Pedagogia histrico-crtica, consta o mtodo de

    trabalho de Saviani e a sua relao com o tema: a funo social do professor. Em

    seguida procura-se compreender o que no a funo social do professor no mtodo da

    pedagogia histrico-crtica. E, para efeito de anlise, serve de exemplo a polmica

    expressa por Saviani sobre as teorias no-crticas e as teorias crtico-reprodutivistas;

    a seo Pedagogia histrico-crtica: a funo social do professor procura compreender

    qual a funo social da educao e a funo social da educao escolar na concepo

    de Saviani. Em seguida, procura compreender quais so os elementos que indicam a

    funo social do professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica segundo Saviani.

  • 1. ELEMENTOS DE FUNO SOCIAL DO PROFESSOR

    Esta seo procura atribuir sentido s noes de elemento, funo, social e

    professor que sero utilizadas no decorrer do trabalho e, ao mesmo tempo em que isso

    feito, procura-se delimitar o tema em questo.

    1.1 Elemento

    Aristteles (348-322 a. C), filsofo nascido em Estagira, pequena cidade da

    Macednia, na obra Fsica, no Livro IV, explica o que o tempo de vrias maneiras,

    uma entre as explicaes que o define : O tempo a medida do movimento de acordo

    com o anterior e o posterior, continuo (porque movimento), evidente (225a,

    traduo nossa)2. Sobre essa definio de tempo adequado distinguir: no tempo

    existem fenmenos, caso contrrio, no existe o que ser movido; e o que movido

    fenmeno; e os fenmenos podem ser compreendidos por meio dos seus elementos.

    Mas o que elemento na concepo de Aristteles? E de que modo a noo de elemento

    contribui para esta pesquisa?

    Elemento (), conforme Aristteles3, na Metafsica

    4, no Livro V,

    significa: o primeiro componente imanente do qual constituda uma coisa [...], por

    exemplo, a gua parte da gua, enquanto a slaba no parte da slaba (1014a 25-30).

    Sob esse enfoque, a noo de elemento ser analisada a partir do que induz: (I) elemento

    refere-se abstrao (); (II) elemento refere-se substncia (); (III)

    elemento a causa (); (IV) elemento o princpio ().

    A noo de princpio para Aristteles : [...] o primeiro termo a partir do qual

    algo ou gerado ou conhecido (1013a 15); por exemplo, [...] no aprendizado de

    uma cincia, s vezes no se deve comear do que objetivamente primeiro e

    2Em grego o fragmento de texto :

    , ( ), . (ARISTOTLE. The Physics, IV. 225a). Em ingls,

    Wicksteed e Cornford, traduziram da seguinte maneira: That time, then, is the dimension of movement

    in its before-and-afterness, and is continuous (because movement is so), is evident. 3ARISTTELES. Metafsica, 2005, 2 v.

    4A Metafsica ( ) contm quatorze tratados escritos conforme Aristteles, porm,

    existem suspeitas se o filsofo cunhou o ttulo ou tradutores e editores (Cf. ARISTTELES, 2005, p. 27-

    37. 1 v).

  • 15

    fundamento da coisa, mas do ponto a partir do qual pode-se aprender mais facilmente

    (1013a 5). Da mesma forma, princpio significa a causa primeira e no imanente da

    gerao, ou seja, a causa primeira do movimento e da mudana; por exemplo, o filho

    deriva do pai e da me, e a rixa deriva da ofensa (1013a 5). Portanto, devido

    circunstncia, princpio significa: o componente primeiro que move; o componente

    primeiro que gera; o meio segundo o qual se pode conhecer; a causa.

    A noo de causa na concepo de Aristteles possui diversos significados, entre

    eles alguns so: causa o princpio primeiro da mudana ou repouso; por exemplo,

    quem tomou uma deciso causa, o pai causa do filho e, em geral, quem faz causa

    do que feito e o que capaz de produzir mudana a causa do que sofre mudana

    (1013a 30). De modo semelhante, causa significa a matria de que so feitas as coisas;

    por exemplo, o bronze da esttua, a prata da taa e seus respectivos gneros (1013a

    25). Assim, algo pode ter mais que uma causa, por exemplo, na esttua o bronze a

    causa enquanto matria e o trabalho de quem a produziu tambm causa. Conforme o

    ambiente, causa significa: o princpio da mudana; o princpio do repouso; o princpio

    da matria; o princpio.

    As noes de princpio e causa na concepo de Aristteles so distintas, mas

    podem apresentar relao conforme a conjuntura utilizada para caracterizar algo, uma

    vez que algo pode ter mais que uma causa e o princpio a causa de algo. E o que

    ambas as noes possuem em comum o fato de que exprimem a essncia do que um

    elemento, ou seja, um elemento a causa e o princpio para a existncia de algo.

    Portanto, at aqui, em relao ao escopo dessa pesquisa, a noo de elemento exprime o

    que principio e causa na medida em que a funo social do professor compreendida

    por meio do mtodo da pedagogia histrico-crtica, porque sem o mtodo no existe

    pedagogia histrico-crtica e, em consequncia, no existe a funo social do professor.

    Mas as contribuies da ideia de elemento no param por aqui.

    Algo elemento enquanto princpio e causa, isto , o que est subentendido

    quando Aristteles menciona que elemento significa o primeiro componente imanente

    do qual constituda uma coisa (1013a 25). Isso significa que a partir de um elemento

    ou mais se constitui algo; por exemplo: o barro e a gua trabalhados conforme o artfice

    faz o jarro, uma vez que o elemento primeiro o barro e a gua, mas ao mesmo tempo a

    causa o barro, a gua e o trabalho do artfice, portanto, o jarro existe enquanto

    elemento. E o que permite o jarro existir a composio de elementos diferentes. No

  • 16

    entanto, ser imanente o que h de peculiar em um elemento e o difere de princpio e

    causa. Por qu?

    Causa, conforme o contexto, no imanente a algo; por exemplo, o trabalho do

    artfice uma entre as causas que faz o jarro de barro existir, mas mesmo que seu

    trabalho seja uma parte necessria para o jarro existir, este, depois de pronto, existe sem

    o criador. Diferente de princpio que, conforme a conjuntura, no imanente a algo; por

    exemplo, para construir jarro de barro, o artfice primeiro deve ter idealizado o jarro,

    depois foi procura do barro e da gua para constru-lo, ou o artfice tinha sua

    disposio o barro e idealizou o jarro para depois constru-lo, ou o artfice recebeu uma

    encomenda, etc., ou seja, princpio acontece de vrias maneiras. E elemento o que no

    se separa de algo, devido a esse motivo se fala imanente; por exemplo, para construir

    jarro de barro necessrio barro, gua e trabalho, depois de pronto o jarro, trabalho no

    mais necessrio e a gua que serviu para mold-lo evaporou-se, mas o elemento

    imanente que permanece no jarro o barro enquanto substncia e a forma abstrata que

    lhe foi concebida pelo artfice.

    O fato de um elemento ser imanente existncia de algo contribui ao objetivo

    dessa pesquisa do seguinte modo: um elemento de funo social do professor imante

    ao mtodo da pedagogia histrico-crtica, porque ele pertence essncia do mtodo, ao

    contrrio, por exemplo, de Saviani, que o fundador da pedagogia histrico-crtica,

    porque esta concepo, depois que se tornou patrimnio pblico, passou a existir sem o

    seu criador enquanto pessoa fsica. Mas cabe distinguir: o fato dessa concepo depois

    de fundada continuar a existir sem o seu criador enquanto pessoa fsica no exclui a sua

    existncia enquanto pessoa abstrata, mas a sua existncia enquanto pessoa fsica apenas

    no mais necessria, pode se dizer que, evaporou-se, conforme a gua que serviu para

    moldar o jarro pelo artfice. Mas a noo de elemento ainda contribui de outro modo a

    esta pesquisa.

    Substncia na concepo de Aristteles possui significados, entre eles apenas um

    adequado citar nesse contexto5: substncia, em certo sentido, se diz dos corpos

    simples: por exemplo, o fogo, a terra, a gua [...]. (1017b 10). Sob esse enfoque, a

    essncia contida quando o filsofo diz que a gua parte da gua (1014a 25-30) se

    revela, porque ele considera a gua enquanto elemento primeiro, ou seja, a gua

    5A noo de substncia na concepo de Aristteles possui diversos significados e, em consequncia,

    causa de diversas interpretaes filosficas, todavia, essa pesquisa apenas extraiu o que melhor convm

    da contribuio do filsofo, sem se aprofundar em objees especficas.

  • 17

    princpio dela mesma, ou a gua a causa enquanto substncia primeira, ou a gua no

    deriva de outras coisas, mas outras coisas derivam ou so compostas segundo a gua. E

    conforme o sentido em que utilizado, elemento caracteriza alguma substncia

    indivisvel, por exemplo, a gua pode ser dividida em quantidades, mas em qualidade

    sempre ser gua6. Entretanto, elemento pode no ser substncia e ser algo abstrato.

    Abstrato um elemento, isto , o que est subtendido quando Aristteles diz

    que, [...] a slaba no parte da slaba (1014a 25-30), ou melhor: duas letras

    constituem uma slaba (B+A = BA), mas cada letra que constitui a slaba um

    elemento, porm, se na slaba seus elementos forem separados, ela deixa de existir (BA

    = A e B), porque a slaba existe enquanto elemento. E quando separados os elementos

    que compem a slaba resultam em quantidades de outras espcies, ao contrrio do

    elemento gua que, quando dividido, a qualidade de suas partes permanece7. Do mesmo

    modo, com nmeros possvel manipular exemplos congneres: a soma de um e dois

    constitui trs (1+2 = 3), mas se de trs retira-se um ou dois, ele deixa de existir (3-1 = 2

    ou 3-2 = 1), ou se trs dividido conforme ele mesmo, o resultado um (3:3 = 1), e

    sempre que os elementos que compem o nmero trs estiverem separados, eles so em

    quantidades e em qualidade diferentes.

    Portanto, o fato de a noo de elemento referir-se a algo abstrato ou substncia

    contribui a esta pesquisa do seguinte modo: um elemento de funo social do professor

    no compreendido apenas enquanto algo abstrato, isto , enquanto uma teoria extrada

    do mtodo da pedagogia histrico-crtica; mas tambm no compreendido de forma a

    deixar a entender que a funo social do professor solucionar os problemas de

    determinada sociedade, esta entendida enquanto uma substncia em que o professor o

    responsvel para manuse-la, conforme o artfice faz com o barro e a gua ao construir

    o jarro. Um elemento de funo social do professor, quando em questo, procura manter

    um equilbrio entre a teoria e a prtica, de modo que a teoria, uma abstrao necessria,

    6Isso permaneceu verdadeiro at o sculo XIX, quando com a inveno da hidrlise, Henry Cavendish

    (1731-1810), na Universidade de Cambridge, demonstrou que a gua era, na verdade, a combinao de

    dois gases: hidrognio e oxignio. 7Segundo Reale (1931-2014), historiador da filosofia italiano, ao comentar a Metafsica de Aristteles,

    um elemento quantitativamente divisvel, mas qualitativamente indivisvel: podemos dividir a gua ou

    a terra quantitativamente, mas as partes que delas obtemos continuam sempre qualitativamente iguais, isto

    , respectivamente, gua e terra, e justamente por isso gua e terra so ditos como elementos. Se, ao

    invs, dividirmos a slaba BA, obtemos B e A, que so qualitativamente diferentes; por isso a slaba no

    elemento; ulteriormente B e A no podem mais ser divididos em sons qualitativamente diferentes e,

    portanto, so elementos (ARISTTELES, 2005, p. 211. 3v).

  • 18

    no entre em contradio com o trabalho do professor, que contribui para a

    transformao de determinada sociedade, substncia na qual trabalha, mas representada

    por meio do aluno.

    1.2 Funo

    De que modo a noo de funo contribui a esta pesquisa? De carter geral, a

    palavra funo sinnima de atividade, ofcio, cargo, emprego, misso, servio,

    trabalho, finalidade, papel, etc. Este ltimo termo homnimo de papyrus (),

    planta que na Antiguidade os Egpcios, Babilnios, Hebreus, Gregos e outros povos da

    poca a utilizavam para fabricar papel. Mas o fato desse termo ser de qualidade

    diferente no o desqualifica perante os outros, porque representa que o homem atribuiu

    funo a uma planta que matria prima para fabricar algo til. E a utilidade que o

    homem atribuiu ao papyrus e a outras coisas possveis que existem compila uma entre

    as qualidades de sua natureza, que atribuir funo s coisas. Ou, a partir de uma

    perspectiva biolgica, o homem, ao satisfazer as suas necessidades naturais,

    desempenha sua primeira funo. Mas funo tambm um conceito que despertou a

    curiosidade de muitos intelectuais quando foram desenvolver suas teorias, por exemplo,

    se o objetivo dessa pesquisa fosse organizar a histria de alguns autores que procuraram

    desenvolver seus mtodos a partir da noo de funo, longa dissertao poderia ser

    organizada. Entretanto, para evitar compartilhar de especificidades da teoria de muitos

    autores, adequado considerar apenas que a noo de funo til para o escopo da

    Biologia, Qumica, Fsica, Matemtica, Lgica, Antropologia, Sociologia, Filosofia,

    etc., e em cada uma dessas reas de conhecimento existem autoridades que se destacam

    e mtodos eficazes.

    De modo preciso, a noo de funo que est em questo deriva do escopo da

    filosofia e suas caractersticas podem ser compreendidas do seguinte modo: Plato8

    (428/7-348/7 a. C), filsofo grego, na obra A Repblica (), no Livro I, por meio

    dos personagens Scrates e Trasmaco, explica que funo significa operao (),

    ao escrever: possvel ver com outra coisa que no seja os olhos? [...] possvel ouvir

    com outra coisa que no sejam os ouvidos? [...]. (352e). O que o filsofo deixa a

    entender com essas perguntas no apenas que, a funo dos olhos ver e a funo dos

    ouvidos ouvir, mas que nenhum rgo pode desempenhar a sua funo melhor do que 8PLATO. A Repblica. 2001.

  • 19

    ele mesmo quando est em operao. No possvel ver sem os olhos, da mesma forma

    que no possvel ouvir sem os ouvidos, porque a funo de cada um desses rgos

    algo prprio, que apenas eles podem desempenhar. E a funo de cada um deles uma

    virtude, mas na medida em que operam com perfeio.

    Exemplo anlogo ao de Plato pode ser observado em duas premissas de

    Aristteles, uma encontra-se na Metafsica, no Livro IX, quando o filsofo menciona:

    [...] os animais no vem para possuir a vista, mas possuem a vista para ver; e de modo

    semelhante possui-se a arte de construir para construir e a faculdade especulativa para

    especular [...]. (1050a 10). Ou seja, a funo das vistas ver, a funo de quem possui

    a arte de construir construir e a funo de quem especula especular, e cada uma

    dessas funes perfeita, uma vez que possuem o seu fim em si mesma, de modo que

    lhe prprio. Quanto outra premissa, Aristteles9, na tica a Nicmaco, no Livro I,

    menciona: [...] para um flautista, um escultor ou um pintor, e em geral para todas as

    coisas que tm uma funo ou atividade, considera-se que o bem e o bem feito

    residem na funo [...]. (t. Nic. I, 7). O bem reside na funo enquanto qualidade e

    no condio necessria de que esteja na pessoa que exerce a funo. Desse modo,

    tudo que possui funo, possui para desempenh-la bem, de modo adequado, porque a

    funo de cada coisa explica a sua finalidade.

    Portanto, a noo de funo contribui a esta pesquisa assim: primeiro, por meio

    da contribuio de Plato, um elemento de funo social do professor designa uma

    operao, mas na medida em que tal elemento permite compreender de que modo o

    professor organiza-se na prxis pedaggica; segundo, por meio da contribuio de

    Aristteles, um elemento de funo social do professor designa uma qualidade, mas

    uma qualidade da funo que o professor exerce, de modo que permite explic-la; e uma

    vez que, o fim da funo do professor ensinar, e ensinar se faz mediante um mtodo,

    seja este o mais simples, essa funo uma qualidade que se explica por meio do

    mtodo, no caso em questo, o da pedagogia histrico-crtica.

    1.3 Social

    De que maneira a noo de social contribui a esta pesquisa? De carter geral, a

    noo de social refere-se existncia de alguma sociedade. E sociedade sinnimo de

    grupo, classe, scio, comunidade, etc., mas que se refere ao gnero animal, por

    9ARISTTELES. tica a Nicmaco. 1991.

  • 20

    exemplo, toda espcie da mesma estirpe, ou espcies que diferem, mas que partilham

    algo em comum, imanente sobrevivncia do grupo ou no, produzem, de alguma

    maneira, fenmenos, e estes so de carter social. Agora, de modo especfico, a noo

    de social nesta pesquisa refere-se sociedade brasileira, uma vez que esta de carter

    capitalista e os homens se dividem em classes. E em relao a esta sociedade, o

    contexto histrico em que esta pesquisa se concentra possui incio na dcada de 1970,

    poca em que Saviani comea a publicar trabalhos referentes educao brasileira e, em

    consequncia, em 1982 publica pela primeira vez o mtodo da pedagogia histrico-

    crtica, no artigo Escola e democracia: para alm da teoria da curvatura da vara, na

    revista ANDE, da Associao Nacional de Educao (SAVIANI, 1982, p. 57-64).

    Depois, no ano de 1983, este artigo passou a compor o captulo trs, denominado de

    Escola e democracia II - Para alm da teoria da curvatura da vara, do livro Escola e

    democracia: teorias da educao, curvatura da vara, onze teses sobre a educao

    poltica (SAVIANI, [1983] 2009, p. 53-72). E os ltimos trabalhos de Saviani

    consultados por esta pesquisa so de 2014.

    1.4 Professor

    O que professor? O professor aquele que ensina. E ensinar prprio ()

    de sua funo, por exemplo, o engenheiro x apto a ensinar, mas x no ensina ningum

    e isso no o impede de ser engenheiro, ao contrrio de y, que professor e apto a

    ensinar, mas se y no ensinar, ele deixa de ser professor. Mas de que maneira a noo de

    professor contribui a esta pesquisa? A categoria professor, aqui, refere-se a uma massa

    de intelectuais profissionais. E o que caracteriza um intelectual profissional?

    De acordo com Gramsci, quando se distingue entre intelectuais e no

    intelectuais, faz-se referncia, na realidade, somente mediata funo social da

    categoria profissional dos intelectuais, isto , leva-se em conta a direo sobre a qual

    incide o peso maior da atividade profissional especfica [...](GRAMSCI, [Caderno 12,

    1932] 2001, p. 52). Por exemplo: o engenheiro x intelectual e a sua funo social

    projetar pontes, casas, ruas, etc.; o professor y intelectual e a sua funo social

    ensinar os homens a pensar de forma coerente e racional, interpretar os fenmenos do

    mundo, novas lnguas, ser engenheiro, etc.; mas x e y podem em algum momento no

    exercerem suas funes intelectuais profissionais, porque fora de suas profisses, isto ,

    no descanso, no lazer, eles podem desempenhar outras atividades de pouco carter

  • 21

    intelectual, como cortar a grama do jardim, pescar, etc., mas essas atividades por no

    pertencerem profisso que desempenham e possuir menos esforo intelectual-cerebral

    e um maior esforo muscular-nervoso so denominadas no intelectuais.

    Perante a contribuio de Gramsci, a categoria professor, nesta pesquisa,

    entendida enquanto uma massa de intelectuais profissionais, em que a sua funo social

    de carter intelectual, porque o esforo intelectual-cerebral dessa classe atuar na

    mentalidade das pessoas. Mas, ao mesmo tempo, o professor pertence a uma

    determinada classe social enquanto profissional e, devido a esse motivo, desempenha a

    funo de intelectual orgnico. E, o que um intelectual orgnico?

    Os intelectuais orgnicos, segundo Gramsci, so orgnicos porque so nascidos

    no mesmo terreno industrial do grupo econmico (GRAMSCI, [Caderno 12, 1932]

    2001, p. 28). Desse modo, o professor, na medida em que um intelectual orgnico,

    pertence a um determinado contexto social e, ao mesmo tempo, a uma classe social, que

    corresponde a determinados meios de produo. Entretanto, qual a funo social dos

    intelectuais orgnicos?

    A resposta a esta pergunta pode ser compreendida por meio da contribuio de

    Saviani, quando no livro Aberturas para a histria da educao: do debate terico-

    metodolgico no campo da histria ao debate sobre a construo do sistema nacional

    de educao no Brasil, no captulo Intelectuais, memria e poltica, fundamentado em

    Gramsci, explicita: [...] so eles orgnicos em dois sentidos: porque gerados pelo

    prprio organismo constitutivo da classe e porque desempenham, perante ela, a funo

    de organiz-la, de conferir-lhe unidade, coerncia e homogeneidade; numa palavra,

    desempenham a funo de dar organicidade classe qual se encontram

    umbilicalmente ligados (SAVIANI, 2013, p. 222).

    Logo, o professor que esta pesquisa se refere um intelectual profissional, mas

    funcionrio de determinada superestrutura, o Estado. Pode se dizer, o professor que

    trabalha em instituies pblicas e recebe um salrio pela funo que desempenha. Mas

    esse professor tambm um intelectual orgnico, porque trabalha a favor da classe que

    pertence enquanto categoria profissional, no sentido de contribuir para organiz-la,

    produzir novos intelectuais. E a concepo pedaggica em questo que contribui para o

    professor desempenhar a sua funo social a pedagogia histrico-crtica, por isso se

    faz necessrio investigar: quais so os elementos que indicam a funo social do

    professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica segundo Saviani?

  • 2. A SOCIEDADE CAPITALISTA

    Esta seo explicita o mtodo de trabalho desta pesquisa e, em seguida, procura

    compreender de que modo Marx e Gramsci caracterizam uma sociedade de carter

    capitalista, uma vez que esta a sociedade que est em contradio com a funo social

    do professor.

    2.1 Mtodo

    A concepo materialista de se compreender a funo social do professor possui

    a sua origem na contribuio de Marx e Gramsci. E a contribuio desses autores que

    serve de princpio de organizao se resume nisso: Marx, no trabalho Para a crtica da

    economia poltica, ao indicar O mtodo da economia poltica, explicita: O concreto

    concreto porque a sntese de muitas determinaes, isto , unidade do diverso. Por isso

    o concreto aparece no pensamento como o processo da sntese, como resultado, no

    como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de

    partida da intuio e da representao (MARX, [1859] 1982, p. 14). A partir dessa

    premissa os estudos referentes funo social do professor passaram a ser organizados

    assim: a funo social do professor torna-se fenmeno concreto na medida em que se

    efetiva conforme a sntese de diversos elementos, isto , princpios e causas, materiais e

    abstratas. Desta forma, quando se fala em funo social do professor, esta aparece no

    pensamento de acordo com o processo da sntese dos elementos que a compem, mas

    no como o ponto de partida efetivo que permite exerc-la. Portanto, para exerc-la,

    torna-se necessrio fazer a sntese dos elementos que a compem, e estes elementos no

    se encontram apenas na intuio sensvel do professor, mas na estrutura e superestrutura

    econmica da sociedade em que a funo social do professor deve ocorrer.

    Segundo Marx, [...] as relaes de produo formam a estrutura econmica da

    sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurdica e poltica, e qual

    correspondem formas determinadas de conscincia (MARX, [1859] 1982, p. 25). A

    estrutura caracterizada segundo as classes que compem a sociedade, que constituem

    a economia, na qual existem as relaes de produo e trabalho. Na estrutura erige-se a

    superestrutura, esta pertence ao escopo das ideologias, mas estas so disseminadas

    segundo entidades privadas, jurdicas e polticas (Estado), em virtude dos seus

  • 23

    interesses. Assim, a estrutura e superestrutura econmica de determinada sociedade

    concebe o produto da ao intelectual do professor e, devido a esse motivo, a funo

    social do professor uma demanda social. Entretanto, ao mesmo tempo em que

    determinada sociedade concebe o produto da ao intelectual do professor, ela o

    condiciona e o conserva de acordo com as suas necessidades. Portanto, o produto da

    ao intelectual do professor, na medida em que concebido e conservado por

    determinada sociedade, transforma-se em fenmeno e, em consequncia, efetiva-se a

    funo social do professor.

    A funo social do professor reside no escopo das ideologias. Segundo Gramsci,

    fundamentado em Marx, as ideologias no so arbitrrias, algo casual, aleatrias, mas

    so fatos histricos reais, que devem ser combatidos e revelados em sua natureza de

    instrumentos de domnio, no por razes de moralidade, etc., mas precisamente por

    razes de luta poltica: para tornar os governados intelectualmente independentes dos

    governantes, para destruir uma hegemonia e criar uma outra, como momento necessrio

    da subverso da prxis (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 387). Deste

    modo, o trabalho do professor de natureza ideolgica, em que a sua funo social

    combater as ideologias de carter coercitivas. E por meio dessas ideologias que

    combate, o professor se apropria dos elementos que as constituem, a fim de fazer com

    que esses elementos tornem-se ideologias orgnicas a favor das classes populares. Em

    consequncia, o trabalho do professor passa a possuir carter de luta contra-

    hegemnica.

    2.2 Marx

    O homem se distingue dos outros animais porque pode dominar a conscincia; a

    partir dela deduzir, induzir e produzir, ultrapassar as suas necessidades naturais e, ao

    mesmo tempo, possuir caractersticas prprias. prprio do homem, similar a qualquer

    outra espcie, possuir caractersticas que apenas existem em sua espcie, porm, afirmar

    que prprio do homem produzir, apenas se sustenta se o que produz o resultado de

    algum trabalho repetitivo e acumulado ao longo de sua histria. Segundo Marx e

    Engels, no trabalho A ideologia alem, possvel distinguir os homens dos animais

    pela conscincia, pela religio ou pelo que se queira. Mas eles mesmos comeam a se

    distinguir dos animais to logo comeam a produzir seus meios de vida, passo que

    condicionado por sua organizao corporal (MARX, [1845/6] 2007, p. 87).

  • 24

    Caso contrrio, se o que o homem produz no implica em algum trabalho com

    as caractersticas mencionadas, no podem ser descartadas as hipteses de que: a

    produo realizada segundo as suas aes teria se extinguido h sculos junto com a sua

    espcie; ou o homem estaria em algum nvel superior ao que se encontra; ou os meios

    de produzir sua subsistncia seriam rudimentares, congnere aos smios, isto , o

    homem caaria conforme a circunstncia, a partir dos instintos; os meios produzidos

    para obter a matria prima que o alimenta no passariam de algumas estratgias que

    podem ou no utilizar madeira e pedra; no haveria trabalho repetitivo e acumulado,

    porque apenas satisfaria as suas necessidades naturais.

    A natureza do homem no se limita em satisfazer as suas necessidades dirias

    conforme os outros animais, uma vez que prprio de sua natureza produzir a sua

    subsistncia e acumular meios para garanti-la conforme a conjuntura social que

    pertence; por exemplo, o homem possui a capacidade de manipular algumas substncias

    da natureza para produzir seus alimentos e depois estoc-los, diferente de outros

    animais, que apenas extraem seus alimentos da natureza. Ou melhor, segundo Marx, no

    trabalho Para a crtica da economia poltica, na Introduo, quanto mais se recua na

    Histria, mais dependente aparece o indivduo e, portanto, tambm o indivduo

    produtor, e mais amplo o conjunto a que pertence (MARX, [1859] 1982, p. 04). Sob

    essa tica, desde o surgimento do homem, este aparece dependente de algum ambiente,

    em que produz os seus meios de subsistncia, mas a produo de sua subsistncia se faz

    por meio do trabalho, que realizado de acordo com algum instrumento que lhe

    proporciona dependncia.

    A dependncia do homem a algum instrumento no se separa da produo. De

    acordo com Marx, [...] no h produo possvel sem um instrumento de produo;

    seja esse instrumento apenas a mo. No h produo possvel sem trabalho passado,

    acumulado; seja esse trabalho a habilidade e exerccio repetido [...] (MARX, [1859]

    1982, p. 05). Produzir prprio do homem, mas conforme a sucesso do tempo, desde o

    homem primitivo ao contemporneo, na medida em que se constituem os processos de

    produo, estes esto condicionados segundo algum modelo de sociedade.

    A sociedade uma consequncia da existncia do homem, mas no so todas

    que se constituem da mesma maneira; por exemplo, a sociedade a que Marx se refere no

    trabalho Para a crtica da economia poltica a burguesa. Esta ao longo da histria dos

    homens se tornou a mais desenvolvida, em sentido amplo, porque compreende as

    sociedades que a antecedem; porm, a sua existncia surgiu de classes sociais

  • 25

    antagnicas e, ao mesmo tempo, ocorrendo a supremacia de uma classe sobre a outra.

    Conforme a metfora de Marx, a anatomia do homem a chave da anatomia do

    macaco. O que nas espcies animais inferiores indica uma forma superior no pode, ao

    contrrio, ser compreendido seno quando se conhece a forma superior (MARX,

    [1859] 1982, p. 17). Entretanto, at aqui, torna-se adequado perguntar: de que modo

    Marx explica a sociedade burguesa?

    Sob esse enfoque, o objetivo pesquisar elementos que indiquem de que

    maneira o fundador do materialismo histrico-dialtico explica a sociedade burguesa,

    porque esta a sociedade que est em contradio com a funo social do professor.

    Para realizar a proposta, o percurso delineado pretende caracterizar de que maneira

    nasce esta sociedade e o que permite a ela ser contempornea. Alm disso, a bibliografia

    que serve de referncia, devido a critrios metodolgicos, no se limita aos escritos de

    Marx, mas, em alguns casos, conforme citado em momento anterior, ser utilizado

    escritos em coautoria com Engels, ou ambos os autores em obras distintas, mas

    considerando-as de maneira homognea10

    .

    Segundo Marx e Engels, o primeiro pressuposto da histria do homem a

    existncia de indivduos que produzem meios de subsistncia conforme o ambiente a

    que pertencem. Dentro dessa conjuntura a produo surge e aumenta conforme o

    nmero de indivduos do grupo. Dentro desse grupo, surge o intercmbio de um

    instrumento a outro e condiciona a produo, em consequncia surge diviso do

    trabalho (MARX, [1845/6] 2007, p. 89).

    A diviso do trabalho em cada etapa que se desenvolve determina as relaes

    entre os indivduos do grupo em virtude do material, instrumento e produto que surge

    conforme o trabalho. Em consequncia, nascem diferentes formas de propriedades: (I) a

    propriedade tribal; (II) a propriedade estatal ou comunal da Antiguidade; (III) a

    propriedade feudal ou estamental da Idade Mdia. Estes trs gneros de propriedade os

    autores caracterizam da maneira que sucede.

    A propriedade tribal a mais antiga, corresponde fase de pouco

    desenvolvimento da produo; nela os indivduos mais extraem da natureza do que

    produzem, isto , se alimentam da caa, pesca e frutos, quando ultrapassam essas

    10

    Segundo Gramsci, No estudo de um pensamento original e inovador, a contribuio de outras pessoas

    para a sua documentao deve ser considerada apenas secundariamente. Desta maneira, pelo menos em

    princpio, como mtodo, deve ser colocado questo das relaes de homogeneidade entre os dois

    fundadores da filosofia da prxis. A afirmao de ambos sobre o acordo recproco vale to somente para

    o assunto determinado (GRAMSCI, [1948] 1981, p. 97).

  • 26

    atividades no mximo cuidam de alguns animais ou plantam algo na terra. A diviso do

    trabalho pouco desenvolvida e se limita a expandir, mesmo quando ocorre sua diviso

    no interior da tribo, na qual h os chefes patriarcais; sob eles a sua estirpe, depois os

    escravos. Nesta categoria de propriedade, a escravido latente na famlia se desenvolve

    apenas aos poucos, com o aumento da populao e das necessidades, e com a expanso

    do intercmbio externo, tanto da guerra como da troca (MARX, [1845/6] 2007, p. 90).

    Conforme a sucesso do tempo e os fenmenos que compem as relaes entre

    as tribos (guerra, troca, etc.), estas se unem em determinada regio e se desenvolve a

    propriedade estatal ou comunal da Antiguidade, isto , surge a cidade. Esta nasce

    mediante acordo ou conquista de territrios, o que implica a escravido continuar a

    existir, porque uma tribo antes de se unir a outra h de possuir os seus prprios

    escravos, ou quando conquista territrios submete o povo conquistado escravido.

    Mas quando constituda a propriedade comunal, [...] se desenvolve a propriedade

    privada mvel e, mais tarde, a propriedade privada imvel, mas com uma forma

    anmala e subordinada propriedade comunal (MARX, [1845/6] 2007, p. 90).

    Na propriedade comunal, os cidados possuem autoridade sobre os escravos que

    so a fora produtiva e, em razo disso, permanecem no mesmo modo de organizao

    que a originou. Mas esta propriedade entra em decadncia quando a propriedade privada

    imvel se encontra mais desenvolvida e, ao mesmo tempo, ocorre o aumento da diviso

    do trabalho. Em consequncia, ocorre o antagonismo entre cidade e campo, e se

    desenvolvem s primeiras formas de Estados, ou seja, entidades que representam os

    interesses da cidade e outras que defendem os interesses do campo. A partir desse

    contexto histrico, no interior das cidades ocorre a oposio entre a indstria e o

    comrcio martimo, alm disso, a relao de classes entre cidados e escravos est

    totalmente desenvolvida (MARX, [1845/6] 2007, p. 90)11

    .

    Em contraste com a propriedade estatal ou comunal da Antiguidade que se

    dedicou cidade, a propriedade feudal ou estamental da Idade Mdia se dedicou ao

    campo. Ou seja, diferente das sociedades gregas e romanas, o desenvolvimento do 11

    Sobre esta citao, Marx e Engels se referem cultura Romana, porm h um detalhe de rigor cientfico

    a ser esclarecido. Segundo Rubens Enderle, tradutor do livro, os manuscritos Feuerbach e Histria, os

    autores dividiram em duas colunas, na qual a coluna esquerda consta o texto principal e a coluna direita

    fazem anotaes, acrescentam trechos ou desenvolvem temas diferentes. Entretanto, para evitar a

    traduo da obra em duas colunas, Enderle, optou para o uso de notas de rodap, inserindo a chamada

    para nota na altura nas passagens em que o texto da coluna direita consta no manuscrito original.

    Portanto, a passagem suprimida no manuscrito em questo : nos plebeus romanos encontramos, de

    inicio, pequenos proprietrios de terra e, posteriormente, os comeos de um proletariado, que, no entanto,

    no alcana nenhum desenvolvimento em virtude de sua posio intermediaria entre os cidados de

    posses e os escravos [...] (MARX, [1845/6] 2007, p. 90).

  • 27

    feudalismo inicia em territrio amplo, preparado conforme conquistas romanas

    territoriais que proporcionaram a expanso da agricultura. Esta expande em

    consequncia dos ltimos sculos do Imprio Romano, que devido ao seu declnio (476

    d. C.), sob a conquista dos brbaros, foi destrudo quantidade considervel de foras

    produtivas: a agricultura, a indstria, o comrcio, a populao da cidade e do campo.

    Com a queda do Imprio Romano, a fora produtiva da propriedade feudal e, de

    maneira anloga, as propriedades comunal e tribal, no se limita aos escravos, mas

    tambm aos pequenos camponeses servos de glebas que compem a classe produtora.

    Entretanto, ao mesmo tempo em que o feudalismo se desenvolve, a oposio entre

    campo e cidade aumenta, uma vez que a estrutura hierrquica que organiza a posse da

    terra corresponde a uma classe nobre. Dessa maneira, a estrutura feudal, similar

    propriedade comunal antiga que detinha o poder sobre os escravos, era uma associao

    oposta classe produtora dominada; apenas a forma de associao e a relao com os

    produtores diretos eram diferentes, porque as condies de produo haviam mudado

    (MARX, [1845/6] 2007, p. 91).

    Tais condies de produo, que eram regidas segundo a nobreza feudal, no

    geraram apenas oposio entre cidade e campo, mas propiciaram a falta de mercado

    dentro das cidades, em uma poca que o industrial, ao mesmo tempo em que produzia,

    tambm era comerciante. Dentro desse contexto, devido explorao da classe nobre

    detentora do feudo sobre os servos, estes fugiam para as cidades; em consequncia,

    estas aumentavam de maneira rpida de acordo com o nmero de servos que se

    aglomeravam. Nessa etapa histrica, os pequenos capitais economizados aos poucos

    pelos arteses individuais e o nmero estvel destes numa populao crescente

    desenvolveram a condio de oficial e aprendiz, implantando nas cidades uma

    hierarquia semelhante existente ao campo (MARX, [1845/6] 2007, p. 91).

    Os servos explorados pelos senhores feudais, ao se refugiarem nas cidades, se

    transformam em outra categoria de fora produtiva, isto , se desenvolve, segundo as

    normas dos industriais-comerciantes, que se constitua em classe burguesa, o proletrio.

    Esta classe produtora nas sociedades tribais se configurava segundo os escravos, uma

    vez que esses eram a fora produtiva maior, porm, conforme a sucesso do tempo, a

    escravido passou a se configurar de outra maneira. Segundo Marx, no trabalho A

    misria da Filosofia, a escravido uma categoria econmica que existe desde os povos

    antigos e ocorre em diversas sociedades, porm de maneira diferente: os povos

  • 28

    modernos conseguiram apenas disfarar a escravido em seus prprios pases, impondo-

    a sem vus no novo mundo (MARX, [1847] 1985, p. 108).

    O novo mundo preparado segundo os fenmenos que o antecedem, por

    exemplo: conforme foi exposto, a unio de tribos proporcionou nascer a propriedade

    estatal ou comunal da Antiguidade; em consequncia, na propriedade comunal antiga, a

    fora produtiva no se limitou aos escravos, uma vez que ocorreu o conflito entre o

    campo e a cidade; mas perante os conflitos entre ambas as classes surgem, a fim

    defender os seus interesses econmicos, as primeiras formas de Estado.

    Segundo Engels, no trabalho Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clssica

    Alem (1888), aps ter desenvolvido algumas ideias que teve com Marx quando

    trabalharam no projeto A ideologia alem (obra que apenas foi publicada anos aps a

    morte de ambos), no Estado que toma corpo, perante os nossos olhos, o primeiro

    poder ideolgico sobre os homens. A sociedade cria um rgo para a defesa dos seus

    interesses comuns, perante os ataques de dentro e de fora (MARX, [1888] 1974, p. 88).

    Porm, o Estado, depois de nascido, torna-se uma instituio independente da sociedade

    e, aos poucos, se converte em algum rgo que corresponde a determinada classe e

    exerce coero sobre outra. Assim, torna-se de carter poltico-ideolgica a luta da

    classe oprimida contra a classe dominante.

    A luta entre ambas as classes, conforme pode ser observado, caracterstica dos

    trs gneros de propriedade: na propriedade tribal, sob os chefes patriarcais havia a sua

    estirpe e abaixo de ambos os escravos, mas, sua maneira, com exceo dos escravos,

    uma classe oprime a outra; depois quando se constitui a propriedade estatal ou comunal

    da Antiguidade, a escravido no deixa de existir, porque existe o antagonismo entre a

    cidade e o campo e, em consequncia, ocorre a hierarquia de uma fora produtiva sobre

    a outra; por ltimo, na propriedade feudal ou estamental da Idade Mdia, os fenmenos

    ocorridos de acordo com a nobreza feudal preparam o nascimento da classe burguesa e

    proletria.

    Os fenmenos ocorridos ao longo da histria de cada propriedade no deixam

    de serem os elementos que antecedem e propiciam o nascimento de ambas as classes.

    Segundo Marx, a burguesia comea com um proletariado que, por seu turno, um

    resto do proletariado dos tempos feudais (MARX, [1847] 1985, p. 117). Em

    consequncia, na medida em que a burguesia se desenvolve apresenta carter

    antagnico com a classe de proletrios que se desenvolve junto a ela e, portanto, ambas

    as classes se contradizem.

  • 29

    O antagonismo entre ambas as classes consequncia do estilo de vida

    econmico gerado conforme a burguesia. Esta classe possui carter dplice, porque ao

    mesmo tempo em que produz a riqueza, produz a misria (material e intelectual). Para

    Marx, nas mesmas relaes onde h desenvolvimento das foras produtivas, h uma

    fora produtora de represso; que estas relaes s produzem a riqueza burguesa [...]

    (MARX, [1847] 1985, p.117).

    A burguesia ao longo de sua histria apresenta carter antagnico, no apenas ao

    que se refere classe proletria, mas contra a sociedade feudal, porque quando muito

    desenvolvida rompe com os grilhes da sociedade feudal para constituir a sociedade

    burguesa. Em sua histria necessrio distinguir dois perodos: o primeiro se explica

    sob a luz do contexto exposto at agora, que o nascer da classe burguesa sob o regime

    do feudalismo; o segundo que, conforme o suceder do tempo, a classe burguesa rompe

    com o regime da sociedade feudal para se constituir em sociedade burguesa e, para

    manter-se nesta categoria, uma classe oprimida a condio vital de toda a sociedade

    fundada no antagonismo entre classes (MARX, [1847] 1985, p. 159).

    Segundo Marx e Engels, no Manifesto do partido comunista, a sociedade

    burguesa [...] brotou das runas da sociedade feudal, no aboliu os antagonismos de

    classe. No fez mais do que estabelecer novas classes, novas condies de opresso,

    novas formas de luta em lugar das velhas (MARX, [1848] 1988, p. 76). Em

    consequncia, na medida em que se expande, divide as sociedades em duas grandes

    classes contraditrias, mas dependente uma da outra: burgueses e proletrios.

    A burguesia a classe dos capitalistas, proprietrios dos meios de produo

    social. E ser capitalista significa que desempenha alguma posio social elevada na

    produo da sociedade diferente dos outros indivduos que a compem. Entretanto, isso

    no significa que o capital produo individual do capitalista, uma vez que este

    produto coletivo, isto : s pode ser posto em movimento pelos esforos combinados

    de muitos membros da sociedade, e, mesmo, em ltima instncia, pelos esforos

    combinados de todos os membros da sociedade (MARX, [1848] 1988, p. 89).

    A classe burguesa para obter lucro depende dos proletrios. Os proletrios so a

    classe de trabalhadores assalariados que no possuem os meios de produo, mas so

    obrigados a vender a sua fora produtiva se quiserem sobreviver (MARX, [1848] 1988,

    p. 75). Entretanto, esses esto condicionados ao regime de sociedade imposta conforme

    a burguesia que os suga, suprime os meios de produo, propriedade, os concentrando

    sob o regime de poucos homens. Conforme Marx e Engels, [...] para oprimir uma

  • 30

    classe preciso garantir-lhe condies tais que permitam pelo menos uma existncia de

    escravo (MARX, [1848] 1988, p. 87).

    Portanto, os fenmenos ocorridos ao longo da histria de todas as propriedades

    so os elementos que antecedem e propiciam o nascimento das trs classes

    mencionadas: latifundirios, burgueses e proletrios. Todas ocupam posies distintas e

    essenciais na produo de qualquer sociedade. Entretanto, a luta entre essas classes se

    caracteriza devido ao estilo de vida econmico gerado de acordo com a classe que est

    no poder.

    A classe que est no poder exerce hegemonia sobre a outra e, em consequncia,

    gera interesses antagnicos: em um perodo a sociedade regida conforme a nobreza

    latifundiria; depois esta retirada do poder segundo a classe burguesa que institui os

    seus princpios de produo e economia em uma nova estrutura de sociedade; e sob a

    burguesia encontra-se a classe proletria, que possui a fora da produo, mas no os

    meios de produo.

    A produo consequncia do trabalho, este se realiza conforme algum

    instrumento que causa a dependncia no homem, em consequncia ocorre a diviso do

    trabalho que modifica a relao entre os indivduos em sociedade. A alterao das

    relaes que criada na sociedade devido a diviso do trabalho gera as classes

    mencionadas, que possuem suas primeiras caractersticas nas sociedades tribais. Desde

    as sociedades tribais as contemporneas, a existncia do homem no se dissocia de

    alguma conjuntura que condiciona os meios de produo, o que implica no primeiro

    pressuposto histrico do homem, o trabalho.

    2.3 Gramsci

    O homem, segundo Gramsci, no Caderno X (1932-1935), escrito no crcere,

    deve ser concebido conforme um processo de relaes que, ao se manifestar, completa-

    se homem. Esse processo de relaes composto segundo a sntese de elementos: (I)

    singulares, o homem deve ser concebido como um bloco histrico de elementos

    puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais,

    com os quais o indivduo est em relao ativa (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935]

    1999, p. 406); (II) os outros homens, ou seja, o homem no se relaciona com o outro

    [...] por justaposio, mas organicamente, isto , na medida em que passa a fazer parte

    de organismos, dos mais simples aos mais complexos (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-

  • 31

    1935] 1999, p. 413); (III) a natureza, [...] o homem no entra em relaes com a

    natureza simplesmente pelo fato de ser le mesmo natureza, mas ativamente por meio

    do trabalho e da tcnica (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 413).

    Esta ltima premissa ressalta a proposio de Marx e Engels que se refere ao que

    prprio () do homem, isto , indivduos que produzem trabalho dentro de

    determinada sociedade. Porm, na segunda premissa possvel observar que o contexto

    em que o homem reside e a relao que estabelece com outros da espcie um processo

    natural, uma vez que no existe indivduo que viva sem possuir algum vnculo social.

    Quanto primeira premissa, o homem deve ser concebido conforme um bloco histrico,

    porque os elementos subjetivos e objetivos que o compem, alm de estarem

    condicionados a algum contexto social, so transmitidos de uma gerao a outra; porm,

    para uma gerao transmitir conhecimento a outra, independente de quais so os

    mtodos que compe o processo de transmisso do conhecimento, esse se efetiva e se

    acumula, porque prprio () da natureza do homem ser intelectual, filsofo e

    poltico.

    Segundo Gramsci, [...] impossvel pensar em um homem que no seja

    tambm filsofo, que no pense, precisamente porque o pensar prprio do homem

    [...] (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 411). Essa premissa no apenas

    de carter universal afirmativa, ou seja, induz que o homem filsofo, se filsofo

    pensa, e pensar prprio do homem, nela est subtendido que essa espcie filsofo

    porque cada indivduo concebe e interpreta os fenmenos do mundo sua maneira. Isso

    significa que todo homem desempenha alguma prxis filosfica, mas independe de

    alguma categoria de filosofia que corresponde a alguma poca.

    Em toda poca, a filosofia que h em cada homem se manifesta de modo

    consciente ou inconsciente, de maneira singular e conforme a concepo de mundo de

    que composta segundo a sntese de elementos subjetivos e objetivos; por exemplo:

    quando a filosofia se manifesta de maneira consciente existem homens que possuem

    conscincia sobre a prxis filosfica que desempenham ou existem homens que so

    filsofos profissionais, mas ambas as categorias de homens sabem que a filosofia que

    lhes til aperfeioada com a prxis; isso diferente de quando a filosofia se

    manifesta de maneira inconsciente, uma vez que em qualquer manifestao intelectual

    existe alguma concepo de mundo implcita, isto , falar, escrever, trabalhar, etc.; ou,

    conforme Gramsci menciona no Caderno XII (1932), no h atividade humana da qual

    se possa excluir toda interveno intelectual, no se pode separar o homo faber do homo

  • 32

    sapiens (GRAMSCI, [Caderno 12, 1932] 2001, p. 52-53), caso contrrio, ambos teriam

    derivado de troncos distintos e o homem no seria um processo evolutivo.

    Uma vez que o homem est em evoluo, prprio () de sua natureza ser

    intelectual, filsofo e poltico, mas existem objees referentes maneira na qual o

    homem concebe os elementos do mundo, porque no so todos os homens que os

    concebem de modo similar. Segundo Gramsci, no Caderno XI (1932-1933), pela

    prpria concepo do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo,

    precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de

    pensar e de agir (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p. 94). Um exemplo

    adequado para esta citao o prprio contexto em que o autor produziu os escritos em

    questo, Gramsci, alm de estar no crcere, pertencia cultura italiana e, ao mesmo

    tempo em que discordava de alguns fenmenos referentes sua poca, concordava com

    outros, os quais procurava defender. Outro exemplo que no se resume a Gramsci, mas

    que est relacionado sua teoria, o contexto social a que Marx e Engels se referem em

    seus trabalhos, que a Alemanha, a Inglaterra e a Frana, na qual transitavam com

    maior frequncia, em que os fenmenos ocorridos devido expanso da indstria

    capitalista se destacam nas teorias dos autores.

    Gramsci, entre as objees que se referem maneira pela qual o homem

    concebe os fenmenos do mundo, induz que essa espcie, alm de estar condicionada a

    alguma sociedade, para compreender os fenmenos que esto a sua volta de maneira

    coerente deve possuir conscincia da sua prpria histria, [...] da fase de

    desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela est em contradio com

    outras concepes ou com elementos de outras concepes (GRAMSCI, [Caderno 11,

    1932-1933] 1999, p. 95). No pode ser negado que a maneira pela qual o homem

    concebe os fenmenos do mundo a maneira na qual vive e est em relao constate

    com outras concepes de pensamento. Em contraste, no pode ser negado que existem

    homens que no sabem que so filsofos e vivem em alguma concepo de mundo

    imposta conforme outros homens que disseminam a sua filosofia, ou quando sabem

    que vivem alguma concepo de mundo imposta no conseguem sair dela devido ao

    contexto social que pertencem estar adaptado para permanecer nela.

    Ou melhor, segundo Gramsci, dentro de qualquer sociedade em que ocorre

    hegemonia, essa se realiza conforme combate ideolgico e uma das caractersticas

    mais marcantes de todo o grupo que se desenvolve no sentido do domnio a sua luta

    pela assimilao e pela conquista ideolgica (GRAMSCI, [Caderno 12, 1932] 2001,

  • 33

    p. 19). Esta proposio pode ser ilustrada de acordo com Marx e Engels na Ideologia

    alem, quando explicam que em cada poca as ideias da classe dominante so uma

    expresso ideolgica contida nas relaes materiais, isto , a expresso ideal das

    relaes materiais dominantes, so as relaes materiais dominantes apreendidas como

    ideias; portanto, so a expresso das relaes que fazem de uma classe a classe

    dominante, so as ideias de sua dominao (MARX, [1845/6] 2007, p. 47). Logo,

    segundo afirmam os autores, a hegemonia de uma classe sobre a outra ocorre conforme

    o domnio intelectual, na qual as armas so ideolgicas. Mas, sob esse ponto, torna-se

    adequado perguntar: O que ideologia? E de que modo Gramsci explica a sociedade

    burguesa?

    Sob esse enfoque, sem descartar a premissa de que o homem um processo de

    relaes constantes, no qual prprio () da sua natureza ser intelectual, filsofo e

    poltico, o objetivo em questo pesquisar elementos que indiquem de que maneira

    Gramsci caracteriza a sociedade burguesa. Para realizar esse objetivo, primeiro, de

    modo breve, ser caracterizado de que maneira o autor denomina o conceito de

    filosofia, para que em nenhum momento o conceito de filosofia ou a noo de homem

    seja mencionado de maneira inapropriada, uma vez que, para denominar algo de

    filosofia ou caracterizar o homem de filsofo, existem elementos quantitativos e

    qualitativos que os distinguem e correspondem a uma determinada funo; em seguida,

    a partir do significado de filosofia, atender ao objetivo em questo. A bibliografia que

    serve de referncia so alguns dos Cadernos do crcere (1929-1935), em que a pesquisa

    transita entre um caderno e outro na procura dos elementos referentes ao seu objetivo.

    Alm disso, quando necessrio, e conforme pode ser observado at o momento, ser

    feito referncia a trabalhos de Marx e Engels.

    Segundo Gramsci, a filosofia uma ordem intelectual [...] (GRAMSCI,

    [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p. 96), na qual se encontra [...] o convite reflexo,

    tomada de conscincia de que aquilo que acontece , no fundo, racional, e que assim

    deve ser enfrentado, concentrando as prprias foras racionais e no se deixando levar

    pelos impulsos instintivos e violentos (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p.

    98). Alm disso, possvel entender que a filosofia uma maneira de raciocinar

    coerente, na qual o homem supera o senso comum, se torna crtico e aprende a

    interpretar os fenmenos do mundo, fenmenos que no se limitam ao presente, mas

    que esto condicionados conforme movimento anterior e de maneira similar quando so

    interpretados segundo o movimento posterior. Porm, isso no implica que todo homem

  • 34

    filsofo profissional, mas, sua maneira, todo homem desempenha alguma

    filosofia, consciente ou no, uma vez que no existe trabalho que exclua toda ao de

    raciocinar.

    Essa definio de filosofia no se refere a nenhuma classe especfica de homens,

    ou seja, no se refere ao filsofo profissional, poltico, arteso, etc., mas ao homem. Em

    consequncia, pode-se dizer que a definio de filosofia exposta pura. Mas pura

    no sentido de que todo homem precisa de alguma filosofia para compreender os

    fenmenos do mundo que esto sua volta, isto , uma filosofia que contribua para

    superar o senso comum, uma vez que nele [...] destacam-se as caractersticas difusas e

    dispersas de um pensamento genrico de uma certa poca em um certo ambiente

    popular (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p. 101).

    Alm das caractersticas explcitas que se referem ao significado de filosofia,

    necessrio ressaltar as que esto implcitas. Isto , o significado de filosofia est

    relacionado com a noo de ideologia e no faz sentido caracterizar algo de filosofia ou

    recorrer filosofia se aquele que a denomina ou recorre a ela no manifesta ou concebe

    alguma ideologia. Quando a noo de ideologia no est explcita de maneira clara no

    escopo de qualquer denominao de filosofia no significa que a sua existncia foi

    excluda, mas que est subentendida.

    Segundo Gramsci, a ideia de filosofia pode ser entendida conforme [...] uma

    ideologia, pode-se dizer, desde que se d ao termo ideologia o significado mais alto

    de uma concepo do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na

    atividade econmica, em todas as manifestaes de vida individuais e coletivas [...]

    (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p. 98-99). Sob esse enfoque, necessrio

    caracterizar o que Gramsci denomina de ideologia, porque at o momento ficaram

    subtendidos dois sentidos referentes definio de filosofia em virtude do conceito de

    ideologia. Um sentido refere-se a quando foi mencionado que a filosofia uma ordem

    intelectual e a superao do senso comum, em consequncia, entende-se que ela

    essencial para o homem; mas, se filosofia pode ser entendida conforme ideologia, o que

    , ento, ideologia?

    Se a distino entre os conceitos no proceder, a pesquisa corre o risco de

    elaborar generalizaes referentes maneira pela qual toda filosofia concebida e se

    manifesta e, em consequncia, de deturpar o rigor cientfico do autor. Conforme

    argumenta Gramsci, existem elementos filosficos que devem ser distinguidos em

    diversos graus: como filosofia dos filsofos, como concepes dos grupos dirigentes

  • 35

    (cultura filosfica) e como religies das grandes massas; e pode-se ver como, em cada

    um destes graus, ocorrem formas diversas de combinao ideolgica (GRAMSCI,

    [Caderno 10, 1932-1935] 1999, p. 326).

    Ideologia, segundo Gramsci, um conceito formulado de acordo com o

    materialismo francs do sculo XVIII, seu significado original correspondia cincia

    das ideias, na qual a anlise era o nico mtodo reconhecido na poca para investigar a

    origem das ideias e essas deveriam ser investigadas a partir das sensaes. Mas o

    materialismo francs se confundia com a f religiosa ou outras crenas. Em contraste, a

    filosofia da prxis (Marx e Engels) refuta que a origem das ideologias deve ser

    pesquisada a partir das sensaes e o termo ideologia possui significado pejorativo, mas

    defende que as ideologias devem ser analisadas conforme um processo histrico

    (GRAMSCI, [Caderno 11, 1932-1933] 1999, p. 207-208).

    Alm de Gramsci, Abbagnano diz que, ideologia uma palavra concebida

    conforme o Conde Destutt de Tracy (Idologie, 1801), para designar anlises referentes

    s sensaes das ideias. Entretanto, alguns idelogos franceses, hostis a Napoleo,

    permitiram que este empregasse sentido depreciativo a palavra, identificando-os de

    sectrios ou dogmticos, pessoas carecedoras de senso poltico. Depois, em meados

    do sculo XIX, o termo ideologia foi concebido no marxismo e tornou-se um dos

    maiores instrumentos na luta contra a cultura burguesa. (ABBAGNANO, [1961] 2007,

    p. 531-532).

    Mas Gramsci, no Caderno VII (1930-1931), menciona que a denominao

    pejorativa que atribuda ao termo ideologia no casual, uma vez que essa palavra

    atribuda a superestrutura que existe em determinada estrutura. Denominao pejorativa

    que no passa de um trabalho meditado segundo determinados indivduos, na qual

    possibilitaram que o sentido da palavra se tornasse exclusivo. Sentido depreciativo que

    modificou sua natureza, mas que este pode ser reconstrudo da seguinte maneira: (I)

    identifica-se a ideologia como sendo distinta da estrutura e afirma-se que no so as

    ideologias que modificam a estrutura, mas sim vice-versa; (II) afirma-se que uma

    determinada soluo poltica ideolgica, isto , insuficiente para modificar a

    estrutura, enquanto cr poder modific-la se afirma que intil, estpida, etc.; (III)

    passa-se a afirmar que toda ideologia pura aparncia intil; estpida, etc.

    (GRAMSCI, [Caderno 7, 1930-1931] 1999, p. 237).

    Diante dessas informaes adequado separar quais so as ideologias histricas

    e orgnicas, necessrias determinada estrutura, das ideologias arbitrrias que so

  • 36

    disseminadas nessa mesma estrutura. As ideologias necessrias possuem [...] validade

    psicolgica: elas organizam as massas humanas, formam o terreno no qual os

    homens se movimentam, adquirem conscincia de sua posio, lutam, etc.; [...] as

    ideologias arbitrrias, no criam mais do que movimentos individuais, polmicas,

    etc. (GRAMSCI, [Caderno 7, 1930-1931] 1999, p. 237). vivel ressaltar que, quando

    referido s ideologias necessrias, o sentido atribudo s palavras que esto entre aspas

    (psicolgica e organizam) indicam que o homem precisa de alguma ideologia para

    conduzir aspectos referentes vida particular e social; em contraste, quando referido s

    ideologias arbitrrias, o sentido atribudo s palavras entre aspas (arbitrrias e

    movimentos) uma metfora, porque tais ideologias no dependem apenas dos gostos

    de determinados homens, elas so fatos histricos reais, porque so articuladas de

    maneiras coercitivas dentro da estrutura conforme determinada superestrutura que a

    modifica.

    A estrutura e a superestrutura podem ser entendidas conforme sucede. Segundo

    Marx, no trabalho Para a crtica da economia poltica, no prefcio, [...] as relaes de

    produo formam a estrutura econmica da sociedade, a base real sobre a qual se

    levanta a superestrutura jurdica e poltica, e qual correspondem formas determinadas

    de conscincia (MARX, [1859] 1982, p. 25). Ou seja, a estrutura caracterizada

    segundo as classes que compem a sociedade, que constituem a economia, na qual

    existem as relaes de produo e trabalho. Na estrutura h a superestrutura; esta

    pertence ao escopo das ideologias, mas estas so disseminadas segundo entidades

    privadas, jurdicas e polticas (Estado), em virtude dos seus interesses.

    Para compreender de que maneira a superestrutura atua sobre a estrutura,

    Gramsci, no Caderno XIII (1932-1934), explica: existe a fora progressista A

    (proletrios), que luta contra a fora regressiva B (burgueses), entretanto, pode ocorrer

    que A vena B ou B vena A, mas pode suceder que A e B no venam e se debilitem

    de maneira recproca, porm, nesse embate, uma terceira fora, C (Estado), intervm de

    fora e submete o que resta de A e B (GRAMSCI, [Caderno 13, 1932-1934] 2012, p. 77).

    Alm desse exemplo, Gramsci, no Caderno XII (1932), explica que a superestrutura

    constituda de instituies privadas e o Estado, suas principais caractersticas so

    exercer hegemonia sobre as demais classes da sociedade, ou seja, articular estratgias de

    consenso e coero para continuar no poder (GRAMSCI, [Caderno 12, 1932] 2001, p.

    20-21). Portanto, Gramsci, no Caderno VIII (1931-1932), afirma: a estrutura e as

    superestruturas formam um bloco histrico, isto , o conjunto complexo e

  • 37

    contraditrio das superestruturas o reflexo do conjunto das relaes sociais de

    produo (GRAMSCI, [Caderno 8, 1931-1932] 1999, p. 258).

    Conforme pode ser observado, na concepo de Gramsci existem ideologias que

    so necessrias dentro de determinada classe, isto , as ideologias que so denominadas

    de orgnicas, que nascem e compem a organizao dos indivduos. Entretanto, existem

    ideologias que so utilizadas de instrumentos de domnio, ou seja, so disseminadas,

    articuladas de maneira precisa, para determinada classe exercer hegemonia. Portanto, no

    escopo das ideologias, necessrio distinguir qual ideologia est em questo e qual

    contexto essa se refere, caso contrrio, se essa distino deixar de ser feita, um

    pesquisador ou estudioso, pode caracterizar toda ideologia de algo depreciativo.

    As ideologias que para Gramsci esto em contradio so similares as que Marx

    e Engels descrevem e combatem em suas obras, nas quais podem, alm dos exemplos

    expostos, ser caracterizadas assim: as ideologias so fatos histricos reais, elas no

    residem apenas no subjetivo de alguns homens, porque esto materializadas conforme a

    superestrutura que modifica a estrutura econmica de determinada sociedade; em seu

    escopo existem estratgias de domnio e, ao mesmo tempo, em que so utilizadas para

    exercer coero sobre determinada classe, articulado o consenso dessa mesma classe

    para a hegemonia efetivar-se. Nas palavras de Gramsci:

    Para a filosofia da prxis, as ideologias no so de modo algum

    arbitrrias; so fatos histricos reais, que devem ser combatidos e

    revelados em sua natureza de instrumentos de domnio, no por razes

    de moralidade, etc., mas precisamente por razes de luta poltica: para

    tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes,

    para destruir uma hegemonia e criar uma outra, como momento

    necessrio da subverso da prxis (GRAMSCI, [Caderno 10, 1932-

    1935] 1999, p. 387).

    A hegemonia se manifesta de diversas maneiras e de acordo com a

    superestrutura, o que implica existir hegemonias especficas para cada contexto, mas o

    que existe em comum em toda manifestao hegemnica a sua relao com a

    economia da estrutura em que ocorre. Segundo Gramsci, no h dvidas de que a

    hegemonia pressupe os interesses e as tendncias dos grupos sobre os quais ser

    exercida e que a classe dirigente faa sacrifcios de ordem econmica em virtude dos

    seus interesses, [...] mas tambm indubitvel que tais sacrifcios e tal compromisso

    no podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia tico-poltica, no pode

    deixar de ser tambm econmica [...] (GRAMSCI, [Caderno 13, 1932-1934] 2012, p.

  • 38

    49). Logo, toda hegemonia implica em estratgias minuciosas, que se convertem em

    lucro, mesmo que para obt-lo torne-se necessrio algum investimento econmico na

    estrutura.

    Na estrutura, a hegemonia pode se manifestar, por exemplo, no escopo da

    religio ou filosofia. Segundo Engels, em Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia

    Clssica Alem (1888), as ideologias mais elevadas se afastam da base material, da base

    econmica e adotam caractersticas de filosofia ou religio, o que implica, em alguns

    homens, [...] o encadeamento entre as ideias e as suas condies materiais de

    existncia, tornar-se cada vez mais confuso, cada vez mais obscurecido pela

    interposio de elos intermdios (MARX, [1888] 1974, p. 89). Entretanto, so apenas

    as ideologias que se afastam da base material e econmica, ou seja, o carter no qual

    se manifestam, a partir do domnio intelectual, ignoram as condies de vida histricas

    e econmicas dos homens sobre as quais a hegemonia ocorre, porm, isso no significa

    que o grupo que exerce a hegemonia abandona seus interesses referentes estrutura

    econmica. Outro exemplo especfico refere-se ao escopo da religio, quando Marx, no

    trabalho Sobre a questo judaica (1843), ao dissertar sobre a emancipao religiosa dos

    judeus alemes e o Estado, explica que a hegemonia dos judeus efetivada ou no,

    perante o Estado, no se dissocia da esfera econmica, uma vez que a religio de uma

    classe dentro de determinada sociedade modifica a sua estrutura e, em consequncia, a

    sua economia.

    Com efeito, para Gramsci, no Caderno VI (1930-1932), a hegemonia que existe

    nas sociedades contemporneas a luta entre a sociedade civil e sociedade poltica em

    determinado perodo histrico. A sociedade civil compreendida [...] no sentido de

    hegemonia poltica e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como contedo

    tico do Estado [...] (GRAMSCI, [Caderno 6, 1930-1932] 2012, p. 228). Dessa

    maneira, toda luta hegemnica poltica, uma vez que entre sociedade civil e sociedade

    poltica, [...] na noo geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos

    noo de sociedade civil (no sentido, seria possvel dizer, de que Estado = sociedade

    poltica + sociedade civil, isto , hegemonia couraada de coero) (GRAMSCI,

    [Caderno 6, 1930-1932] 2012, p. 248).

    Portanto, conforme explicita Gramsci, a sociedade burguesa deve ser concebida

    conforme um bloco histrico, isto , a estrutura e a superestrutura no se separam, na

    qual ocorre a luta contra-hegemnica, mas esta luta se manifesta a partir do domnio

    intelectual e ocorre mediante estratgias ideolgicas. Alm disso, toda ideologia, antes

  • 39

    de ser combatida, deve ser verificada se orgnica ou coercitiva. As ideologias

    orgnicas so necessrias dentro de determinada classe, porque elas compem a

    organizao dos indivduos. E as ideologias coercitivas criam classes subalternas e se

    manifestam no escopo de determinada filosofia, religio, poltica, instituies

    governamentais ou privadas, uma simples notcia de jornal, etc., que impedem alguns

    homens de possurem a conscincia de sua prpria concepo de mundo. Aqui est o

    mbito de atuao da funo social do professor, que combater as ideologias de

    carter coercitivas e, por meio delas, apropriar-se dos elementos que a constituem, a

    fim de fazer com que esses elementos tornem-se ideologias orgnicas a favor das

    classes populares. Mas, at aqui, ainda est sem resposta pergunta que conduz esta

    pesquisa: Quais so os elementos que indicam a funo social do professor no mtodo

    da pedagogia histrico-crtica segundo Saviani?

  • 3. PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA

    Esta seo explicita o mtodo de trabalho de Saviani e a sua relao com o tema:

    a funo social do professor. Em seguida procura-se compreender o que no a funo

    social do professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica. E, para efeito de anlise,

    serve de exemplo a polmica expressa por Saviani sobre as teorias no-crticas e

    as teorias crtico-reprodutivistas no livro Escola e democracia: teorias da educao,

    curvatura da vara, onze teses sobre a educao poltica (1983).

    3.1 Mtodo

    Em 1980 Saviani publica o livro Educao: do senso comum conscincia

    filosfica, que composto de um texto introdutrio e dezenove artigos que foram

    produzidos entre 1971 e 1979 para ministrar aulas ou proferir palestras. Os artigos que

    compem o livro se relacionam devido finalidade didtica que possuem e, segundo

    Saviani, eles foram elaborados com o propsito de [...] elevar a prtica educativa

    desenvolvida pelos educadores brasileiros do nvel do senso comum ao nvel da

    conscincia filosfica (SAVIANI, [1980] 2013, p. 2). E por meio desse mesmo

    propsito justifica-se o ttulo do livro. Mas, de fato, a partir do prprio ttulo, encontra-

    se um elemento que indica a funo social do professor, que : uma entre as funes do

    professor propiciar condies para os alunos ascenderem do nvel do senso comum

    conscincia filosfica. Entretanto, para melhor compreender os elementos que indicam a

    funo social do professor no mtodo da pedagogia histrico-crtica, torna-se adequado

    explicitar a perspectiva de educao escolar e o mtodo de trabalho de Saviani e, em

    seguida, a relao existente com a concepo materialista de se compreender a funo

    social do professor.

    Saviani, na Introduo do livro Educao: do senso comum conscincia

    filosfica (SAVIANI, [1980] 2013, p. 1-9), fundamentado em Gramsci, explicita que

    trabalha a partir da perspectiva de luta hegemnica. E esta se trata de [...] desarticular

    dos interesses dominantes aqueles elementos que esto articulados em torno deles, mas

    no so inerentes ideologia dominante e rearticul-los de interesses populares, dando-

    lhes consistncia, a coeso e a coerncia de uma concepo de mundo elaborada, vale

    dizer, uma filosofia (SAVIANI, [1980] 2013, p. 3). Em seguida, Saviani explicita que

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    compreende a educao escolar enquanto instrumento de luta hegemnica, mas luta

    para estabelecer uma nova relao hegemnica que permita constituir um novo bloco

    histrico sob a direo da classe fundamental dominada da sociedade capitalista o

    proletrio (SAVIANI, [1980] 2013, p. 3). De modo preciso, Saviani assume uma

    postura intelectual poltico-ideolgica, em que a educao escolar instrumento de luta

    contra-hegemnica, mas a favor das classes populares.

    Quanto ao mtodo de trabalho, Saviani fundamenta-se na lgica dialtica, indica

    por Marx, no texto O mtodo da eco