universidade estadual de ponta grossa mestrado em … · 2017. 12. 18. · universidade estadual de...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
MESTRADO EM HISTÓRIA, CULTURA E IDENTIDADES
JULIANA PEGORARO KUS
LEGISLAÇÃO URBANA NO INÍCIO DO SÉCULO XX EM PONTA GROSSA – PR:
NORMATIZAÇÃO E RECLAMAÇÕES NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
CIDADE (1914 – 1925)
PONTA GROSSA
2015
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JULIANA PEGORARO KUS
LEGISLAÇÃO URBANA NO INÍCIO DO SÉCULO XX EM PONTA GROSSA – PR:
NORMATIZAÇÃO E RECLAMAÇÕES NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
CIDADE (1914 – 1925)
Dissertação apresentada para obtenção
do título de Mestre no Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Estadual de Ponta Grossa, Área de
História, Cultura e Identidades
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosangela Maria
Silva Petuba
PONTA GROSSA
2015
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Rosangela Petuba, a quem tive a honra de conhecer,
conviver e admirar ao longo do desenvolvimento desta dissertação.
Aos meus pais, Helder Jaime Kus e Iraci Pegoraro Kus, e meu irmão, Willian
Pegoraro Kus, pelo apoio incondicional.
Às professoras Alessandra Izabel de Carvalho e Elizabeth Amorim de Castro,
pela disponibilidade em participar da Banca de Defesa, assim como Marcelo
Saldanha Sutil que participou da Banca de Qualificação.
À CAPES e Fundação Araucária pela bolsa que recebi durante o último ano
do curso de Mestrado.
Aos meus amigos agradeço pela paciência, carinho e tudo o mais que
somente podemos encontrar ao lado de pessoas que escolhemos para compartilhar
um pouco do nosso caminho nesse mundo. Em especial, Alana, Aline, Bianca,
Gabrielle, Letícia, Michelle, Rafaella.
Aos meus colegas de Mestrado, pelo companheirismo e amizade que
construímos durante o curso. E também pelas caronas, cafés e angústias
compartilhadas!
À professora Elizabeth Johansen, minha fonte de inspiração profissional.
Aos professores do PPGH que fizeram parte do curso de Mestrado, pelas
reflexões instigadas em suas aulas.
Aos funcionários da Casa da Memória Paraná e do Museu Campos Gerais,
pela constante boa vontade em atender minha pesquisa.
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Foi o tempo que perdeste com tua rosa que
a fez tão importante.
(Antoine de Saint-Exupéry)
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RESUMO
Com o acelerado processo de crescimento urbano que se configurou em diversas
cidades brasileiras no início do século XX, urbanização e modernização foram temas
recorrentes entre as preocupações das autoridades municipais daquela época.
Inúmeros documentos que expressam estas preocupações se apresentam, hoje,
como potenciais fontes para entender fenômenos sociais ocorridos naquele
contexto, como a individualização do espaço presente na lógica burguesa. Este
trabalho analisa como os esforços de normatização das autoridades municipais,
buscando alcançar preceitos de sanitarismo e modernização do espaço urbano,
foram implantados em Ponta Grossa – PR a partir de 1914. Neste sentido,
analisamos o Código de Posturas publicado pela Prefeitura Municipal da cidade em
1914 para entender como o poder público considerava que a cidade deveria se
organizar. Este documento compila leis e regulamentos referentes a diversas
atividades desenvolvidas no espaço urbano. Também são abordados aspectos
relativos às formas como a população se expressava acerca dos problemas no
espaço público, principalmente em relação às solicitações de melhoramentos,
através de artigos publicados no Jornal Diário dos Campos durante 1914. Para
analisar como a normatização proposta pelas autoridades municipais foi efetivada no
espaço privado, estudamos plantas arquitetônicas de 1915 a 1925 aprovadas para
construção pela Prefeitura de Ponta Grossa. Neste ponto, consideramos a expansão
do capitalismo e da lógica burguesa como fatores definidores das formas de se
utilizar os espaços urbanos. Esta influência pode ser percebida nas relações entre
mudanças na arquitetura de residências e mudanças na apropriação de público e
privado, analisadas a partir das plantas arquitetônicas.
Palavras-chave: Modernização; Projeto arquitetônico; Ponta Grossa.
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ABSTRACT
With the accelerated process of urban growth that was configured in several Brazilian
cities in the early twentieth century, urbanization and modernization were recurring
themes among the concerns of the municipal authorities of that time. Numerous
documents that express these concerns present themselves, today, as potential
sources to understand social phenomena occurred that context, as the
individualization of this space in bourgeois logic. This paper analyzes how the
standardization efforts of municipal authorities, seeking to achieve precepts of
sanitarism and modernization of urban space, were implanted in Ponta Grossa - PR
from 1914. In this sense, we analyzed the Postures Code published by the City Hall
in 1914 to understand how the government considered that the city should be
organized. This document compiles laws and regulations referring to various
activities developed in the urban space. Also addresses aspects relating to ways in
which the population was expressed about the problems in the public space,
especially in relation to improvements requests, through articles published in the
newspaper Diário dos Campos during 1914. To analyze how the regulation proposed
by the municipal authorities was effective in the private space, we studied
architectural plans 1915-1925 approved for construction by Ponta Grossa Prefecture.
At this point, we consider the expansion of capitalism and bourgeois logic as defining
factors of ways of using urban spaces. This influence can be seen in the relations
between changes in residential architecture and changes in appropriation of public
and private, analyzed from architectural plans.
Keywords: Modernization; Architectural project; Ponta Grossa.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Igreja de Sant'Ana, 1905 .......................................................................... 26
Figura 2 - Cadeia Pública e Câmara Municipal, sem data ....................................... 28
Figura 3 - Ponta Grossa - vista norte, 1901 ............................................................. 31
Figura 4 - Estação Paraná, sem data ....................................................................... 36
Figura 5 - Vista parcial de Ponta Grossa, 1901 ........................................................ 37
Figura 6 - Antiga Casa Hoffmann - Álbum do Paraná, 1923 .................................... 38
Figura 7 - Hospital da Associação Beneficente 26 de Outubro, sem data ............... 40
Figura 8 - Bilhete postal, sem data ........................................................................... 43
Figura 9 - Ponta Grossa - vista parcial, década de 1910 ......................................... 45
Figura 10 - Frontispício do jornal Diário dos Campos em 26/04/1915 ..................... 49
Figura 11 - Capa do Código de Posturas de Ponta Grossa, 1915 ........................... 58
Figura 12 - Casas de aluguel de D. Luiza Prestes - Álbum do Paraná, 1927 .......... 81
Figura 13 - Projeto de residência para D. Luiza Prestes, 1922 [37] ......................... 82
Figura 14 - Projeto de residência para D. Luiza Prestes, 1922 [38] ......................... 82
Figura 15 - Projeto de residência para Sr. Alfredo Vilela, 1916 [34] ....................... 91
Figura 16 - Projeto de residência para Sr. Jorge Nassa, 1921 [35] ......................... 92
Figura 17 - Projeto de residência para Sr. Leopoldo Rodel, 1925 [30] .................... 93
Figura 18 - Projeto de residência para Sr. Guilherme Metzenthin Jr., 1921 [31] ..... 95
Figura 19 - Projeto de residência para Sr. Francisco (?), 1917 [19] ......................... 96
Figura 20 - Projeto de residência para Sr. Jacob Ditzel, 1920 [29] .......................... 98
Figura 21 - Projeto de residência para Francisco Francisquinhy, 1925 [22] .......... 101
Figura 22 – Projeto de residência para Wenselau Reich, 1921 [39] ...................... 103
Figura 23 – Projeto de residência, 1922 [40] .......................................................... 104
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Rota dos tropeiros ..................................................................................... 23
Mapa 2 - Mapa das ruas da cidade de Ponta Grossa na década de 1920 .............. 51
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Categorias e percentual de projetos residenciais entre 1916 e 1925 em
Ponta Grossa ............................................................................................................ 85
Tabela 2 - Categorias e percentual de projetos residenciais entre 1916 e 1925 em
Ponta Grossa com especificação de cada ambiente ............................................... 86
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - TRAMAS DA VIDA URBANA: A CIDADE DE PONTA GROSSA NO
INÍCIO DO SÉCULO XX........................................................................................... 22
CAPÍTULO 2 - A CIDADE EM DISPUTA: ENTRE LEIS, CÓDIGOS,
REGULAMENTOS E AS PÁGINAS DO JORNAL DIÁRIO DOS CAMPOS............ 53
2.1 Código de Posturas: normatização do espaço e da população .......... 56
2.2 “Reclamações do povo”: a cidade também questiona ........................ 62
CAPÍTULO 3 – CONSTRUIR NA CIDADE............................................................... 80
3.1 Divisão dos cômodos no interior da casa ........................................... 88
3.2 Casas de madeira ............................................................................. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 105
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 109
FONTES PESQUISADAS ...................................................................................... 112
ANEXO A – Código de Posturas de 1914 e Regulamento Sanitário ................ 113
ANEXO B – Lista de projetos arquitetônicos, segundo número e descrição de
ambientes .............................................................................................................. 145
ANEXO C – Mapa de Ponta Grossa – 1920 ........................................................ 149
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INTRODUÇÃO
A mudança é característica das cidades, mas estas mudanças têm história, personagens e uma trama de desejos individuais e de projetos.
(Déa Ribeiro Fenelon)
Este trabalho se propõe a analisar como a cidade de Ponta Grossa – PR se
configurava no início do século XX a partir das relações entre as leis para o espaço
urbano e as formas como os moradores as percebiam. Conectada através das
estradas de ferro a Curitiba, capital do Paraná, e também aos Estados de São
Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os governantes ponta-grossenses
buscavam naquela época implantar os chamados melhoramentos urbanos, que
demonstrassem o processo de desenvolvimento econômico que a cidade estava
vivenciando.
O impulso inicial desta pesquisa surgiu quando participei da organização do
acervo de projetos arquitetônicos da Casa da Memória Paraná, em Ponta Grossa.
Quando iniciei as pesquisas com tais documentos, ainda para o trabalho de
conclusão do curso de graduação em 2010, as análises de História Urbana foram
imprescindíveis, pois possibilitaram ampliar a visão acerca do que se verificava que
aconteceu em Ponta Grossa como parte de uma esfera macro, que abrangia vários
municípios brasileiros em vias de modernização a partir da implantação dos
melhoramentos. A característica que se sobressaía, na minha visão de historiadora
ainda em formação, era como a cidade se modificou a partir da legislação do início
do século XX, inspirada nos preceitos de modernização. É ainda essa questão que
incitou o início do projeto de Mestrado agora apresentado como dissertação.
Escolhemos analisar projetos arquitetônicos porque entendemos que eles
representam uma face da vida urbana. A partir dos documentos preservados desde
as primeiras décadas do século passado é possível discorrer sobre como a cidade
foi se construindo em relação ao primeiro conjunto de leis que abordava
incisivamente a questão construtiva em Ponta Grossa, o Código de Posturas
redigido em 1914 e publicado em 1915.
Os projetos residenciais mais antigos do acervo pesquisado datam de 1915,
época de um acelerado crescimento urbano em Ponta Grossa. Para estudar este
processo, foi necessário pesquisar sobre o intenso movimento de crescimento
urbano que a sociedade estava vivenciando na época. O final do século XIX e o
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início do século XX foram anos de rápidas mudanças na sociedade ocidental:
transformações tecnológicas e sociais estavam em curso, impulsionando alterações
nos modos de vida da maior parte da população. Aceleração da produção fabril,
descobertas na área da saúde, invenções de meios de transporte mais velozes que
os anteriormente utilizados etc. fizeram parte do mesmo processo que incluiu a
alteração no modo de perceber a cidade, caracterizando uma época que Nicolau
Sevcenko chama de Revolução Científico-Tecnológica1. A descoberta de novos
potenciais energéticos possibilitou o desenvolvimento e a especialização de diversas
técnicas que, uma vez incluídas no cotidiano das cidades, não deixaram mais de
fazer parte dele.
Inserida no contexto de urbanização sustentado pelo higienismo, a rua torna-
se um local menos violento, palco de reunião, mais higienizado a partir da instalação
de serviços como iluminação pública, pavimentação, rede hidrossanitária2. Os novos
valores da modernidade também atingiram a casa:
A casa moderna recebe o aporte do conhecimento científico e a introdução de novas tecnologias como o sistema de abastecimento de água e coleta de esgoto, bem como a consequente incorporação das instalações sanitárias, a
calefação central e a eletricidade. 3
Isso pode ser percebido principalmente nos projetos de casas abastadas, por
estarem em condições de adquirir os materiais necessários para tais instalações e
também por estarem localizadas em locais privilegiados da cidade – onde os
serviços de luz elétrica e água, por exemplo, eram inicialmente construídos.
Nos países europeus nos quais as inovações científico-tecnológicas foram
implantadas de modo mais rápido, muitas cidades cresceram desordenadamente em
função da multiplicação de fábricas que atraíram cada vez mais trabalhadores.
Assim, foram surgindo grandes centros urbanos que raramente contavam com
planejamento: as antigas ruas medievais amontoavam cada vez mais moradores e
os bairros surgiam de forma desordenada junto às indústrias nas periferias4.
Contrariando os ideais que a ciência de então priorizava em relação ao higienismo, a 1 SEVCENKO, Nicolau (org.) História da Vida Privada no Brasil. v. 3. República: da Belle Époque à
Era do Rádio. São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 8 – 9. 2 POSSE, Zulmara Clara Sauner; CASTRO, Elizabeth Amorim de. As virtudes do bem morar. Curitiba:
Edição das Autoras, 2012, p. 13. 3 Ibid., p. 14.
4 FOLLIS, Fransérgio. Modernização urbana na Belle Époque paulista. São Paulo: Editora UNESP,
2004, p. 21. Disponível em Acessado em 18 de abril de 2014.
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falta de saneamento básico e as precárias condições de circulação do ar causavam
epidemias como, por exemplo, de tifo e tuberculose.
Com intuito de combater as causas da transmissão de doenças, as
autoridades de várias cidades resolveram intervir na organização do espaço através
da efetivação de planejamentos e reformas urbanas. Entretanto, esta não é uma
novidade do século XIX, pois desde o século XVII podem ser identificadas iniciativas
de planejar e calcular a ocupação do espaço citadino, pautando-se em princípios de
racionalidade que viam a cidade como algo possível de funcionar organizada e
mecanicamente5. Além disso, havia também nessas reformas esforços por
embelezar a cidade, tornando-a representante das mais modernas tendências.
Inspirada nos ideais de implantar no espaço urbano as novas descobertas
científicas, consideradas modernas, a reforma de Paris realizada entre 1853 e 1869
foi exemplo para diversas outras cidades do mundo. Marshall Berman, estudando os
escritos de Baudelaire durante a reforma de Paris, considera que a modernização da
cidade inspirava em seus cidadãos a modernização também de suas almas6. Isto
caracteriza um movimento de proporções muito maiores, pois não se restringia às
construções, mas alcançava também o modo de vida das pessoas.
No Brasil, a reforma do Rio de Janeiro, realizada entre 1904 e 1906, efetivou
a busca pelos preceitos de modernização, tornando a então capital federal um
modelo a ser seguido inclusive no interior do país. Constava, entre os principais
objetivos, o saneamento, o alinhamento das construções nas áreas centrais, o
embelezamento de praças e a normatização da venda de produtos alimentícios,
especialmente em relação ao cuidado com a higiene empregada para o manuseio
de alimentos. Estas premissas eram frequentemente debatidas no meio político,
responsável por planejar e concretizar as melhorias na cidade.
Maria Stella M. Brescianni considera que as bases para as reformas e
intervenções urbanas estão nos estudos desenvolvidos na primeira metade do
século XIX por “filósofos, filantropos, médicos, logo depois por engenheiros
sanitários, historiadores, sociólogos e urbanistas” 7. As avaliações sobre as
condições das cidades levavam em conta os efeitos que o crescimento acelerado
5 ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 55 – 58.
6 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986, p. 142. 7 BRESCIANNI, Maria Stella M. História e historiografia das cidades, um percurso. In: FREITAS,
Marcos Cezar de. Historiografia brasileira em perspectiva. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1998, p. 242.
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causara nas populações urbanas, formando um arcabouço para o desenvolvimento
de propostas para melhorar as cidades segundo os preceitos científicos da época.
É interessante abordar este pequeno panorama sobre a origem da
normatização urbana pois as leis e regulamentos que abordaremos no decorrer
deste trabalho tem relação com o que se acreditava ser o melhor para a cidade
naquela época, que era pautado nas mais recentes descobertas científicas.
A população que vivia em áreas urbanas e não se encaixava nas novas
formas que os administradores públicos adotavam para organizar as atividades
deste espaço eram comumente prejudicadas pela legislação, que previa multas aos
cidadãos que não seguissem suas determinações. Esta tensão acabava por criar
uma disputa entre os modos de viver na cidade, pois os grupos dirigentes, formados
naquela época pelas elites, tinham o poder de criar leis excluindo outros modos de
vida que eram praticados pelos grupos que não chegavam a ocupar cargos políticos.
O processo de exclusão social e sua relação com as leis construtivas no Brasil foi
estudado por Raquel Rolnik no livro A cidade e a lei: legislação, política urbana e
territórios na cidade de São Paulo8. A autora analisou Códigos de Posturas da
capital paulista de 1886 a 1936, além de diversos outros documentos oficiais da
cidade, relatando a ineficácia das normas urbanas no período e como São Paulo foi
se consolidando entre os limites da legislação e a recusa a essas exigências.
Com o estudo de Rolnik como referencial teórico, estudamos o Código de
Posturas publicado em 1914 na cidade de Ponta Grossa – PR como instrumento do
poder público para impor seus pressupostos perante os moradores9. Estas leis se
referiam a diversos quesitos da vida urbana, como venda de alimentos, construção
de casas, modo de se portar nas ruas, entre outros. A instituição responsável pela
criação do Código de Posturas, a Câmara Municipal, também foi considerada em
nossa análise, pois a formulação das leis urbanas eram debatidas em suas sessões.
Nosso objetivo era analisar as atas das reuniões do ano de 1914, quando o Código
estava sendo escrito. Contudo, não foi possível conhecer os registros das reuniões a
partir do mês de março, pois o livro onde as atas foram manuscritas não se encontra
no acervo da Câmara e não há indícios de onde seria possível encontrá-lo. Em
decorrência desta lacuna, os atos da municipalidade a partir de abril de 1914 são
8 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo.
São Paulo: Studio Nobel: Fapesp, 1997. 9 PONTA GROSSA. Novo Codigo de Posturas Municipaes: Regulamento de Pesos e Medidas,
cathegoria dos negociantes. Ponta Grossa: Officinas da Livraria Modelo, 1915.
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analisados segundo os registros que o jornal Diário dos Campos publicou em
relação às reuniões da Câmara.
Para pensar a cidade de Ponta Grossa num contexto mais geral dialogamos
com a historiografia local, com base principalmente no estudo de Maria Aparecida
Cezar Gonçalves e Elisabete Alves Pinto intitulado Ponta Grossa – um século de
vida (1823 – 1923)10. O desenvolvimento econômico da cidade é apresentado pelas
autoras desde sua formação como vila, salientando a importância de instituições
como a Paróquia e a Câmara Municipal, além de apresentarem análises referentes à
imigração e à construção das estradas de ferro. Dentre o variado conjunto de fontes
exposto no livro estão arquivos do Cartório Sant’Anna de Registro Civil, atas da
Câmara de Castro e de Ponta Grossa, recenseamentos, Álbuns do Paraná,
fotografias da cidade etc. A dissertação de Mestrado de Elisabete Alves Pinto
intitulada A população de Ponta Grossa a partir do Registro Civil – 1889 – 1920 traz
também dados importantes acerca da cidade de Ponta Grossa no período que
estudamos. Os registros dos censos realizados na cidade em 1900 e 1920 afirmam
que o número de habitantes passou de 8.335 em 1900 para 20.171 em 192011.
Também relevante para a pesquisa sobre a história da cidade, o livro Ponta
Grossa: o povo, a cidade e o poder de Guísela V. Frey Chamma12 foi importante
para a composição do Capítulo 1. É possível encontrar nesta obra diversas
informações desde a ocupação dos Campos Gerais do Paraná até o século XX,
enfocando principalmente o poder municipal representado por prefeitos e
vereadores.
Ainda sobre Ponta Grossa, o relatório de pesquisa O povo faz a história -
Ponta Grossa 1920/194513, coordenado por Edson Armando Silva, possui
interessantes estudos sobre temáticas urbanas, contribuindo no entendimento
acerca da cidade na primeira metade do século XX. As mudanças nos hábitos
cotidianos da população a partir da instalação da luz elétrica em 1905 são
apresentadas, caracterizando a modernidade como um processo de complexificação
10
GONÇALVES, Maria Aparecida Cezar; PINTO, Elisabete Alves. Ponta Grossa – um século de vida
(1823 – 1923). Ponta Grossa: Kluger Artes Gráficas, 1983. 11
PINTO, Elisabete Alves. A população de Ponta Grossa a partir do Registro Civil – 1889 – 1920. Curitiba: UFPR, 1980. (Dissertação), p. 62. 12
CHAMMA, Guísela Velêda Frey. Ponta Grossa: o povo, a cidade e o poder. Ponta Grossa: PMPG,
1988. 13
SILVA, Edson Armando. (coordenador) O povo faz a história – Ponta Grossa 1920/1945. Relatório
de pesquisa. UEPG: Ponta Grossa, 1994, v. 1.
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da sociedade14. A instalação da rede de energia elétrica impulsionou fábricas e
indústrias em Ponta Grossa, além de modificar o modo de vida da população que
residia nas ruas onde este serviço era presente. Dentre as leis construtivas do
Código de Posturas de 1914 havia um artigo sobre este assunto, o que caracteriza
uma das alterações que a luz elétrica provocou nas residências ponta-grossenses.
Como nossa intenção era relacionar o Código de Posturas com outros
documentos (projetos arquitetônicos, Regulamento Sanitário), consideramos
importante estudar como esses conjuntos de leis foram formados. Segundo o livro
Posturas Municipais – Paraná, 1829 a 1895, organizado por Magnus R. de Mello
Pereira, é possível encontrar os primeiros registros de códigos de posturas em
Portugal ainda durante a Idade Média, quando o termo “postura” era empregado
como sinônimo de lei e referia-se frequentemente a leis inéditas, que não existiam
na legislação anterior ou nos costumes antigos15. No século XV, as câmaras
passaram a ter a obrigação de registrar em livros específicos suas posturas, o que
determinou o surgimento dos primeiros Códigos de Posturas Municipais e originou
as formas básicas deste tipo de documento. Para exemplificar a importância disto,
desde o século XII existia o cargo de “almotacé”, funcionário responsável por
fiscalizar o cumprimento das posturas, segundo Pereira16. Sucessivamente esta
função foi sendo transmitida aos vereadores, fazendo com que o cargo de almotacé
desaparecesse no século XIX, sem que houvesse perda da função de fiscalização.
Ao apresentar as posturas como fenômeno de longa duração17, Pereira
relaciona as principais tendências da legislação portuguesa com os Códigos de
Posturas brasileiros, especificamente de Curitiba e de outras cidades do Paraná.
Apesar de serem baseados nas leis da então metrópole, eram os vereadores locais
que decidiam sobre as questões que deveriam constar nos Códigos brasileiros.
Na cidade de origem portuguesa, e dentro dos quadros do direito da almotaçaria, as disposições camarárias sobre arruamentos e edificações devem ser postas ao lado das preocupações com o sanitário. E, também nesse aspecto, a filiação medieval de muitas das posturas oitocentistas dos
municípios paranaenses é evidente.18
14
Ibid., p. 134. 15
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello (org.) Posturas Municipais Paraná, 1829 a 1895. Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 2003, p. 3 – 7. 16
Ibid., p. 7. 17
Ibid., p. 20. 18
Ibid., p. 17.
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A preocupação com questões sanitárias pode ser percebida nos Códigos de
Posturas de Ponta Grossa e também em Códigos de outros locais desde antes do
século XVIII. Esta permanência reflete a preocupação das autoridades municipais
com as boas condições de higiene para além das normas construtivas e
comportamentais que as posturas previam.
Em relação aos esforços governamentais em “sanear” e “modernizar” as
cidades brasileiras no início do século XX, a coletânea Cidades, organizada por Déa
Ribeiro Fenelon19 possibilitou a contextualização das medidas adotadas em Ponta
Grossa com diversas outras cidades do país. No mesmo volume impresso do Código
de Posturas Municipais de Ponta Grossa publicado em 1915, há o Regulamento
Sanitário, datado de 191020. O artigo segundo versa sobre a Polícia sanitária do
município, cujos objetivos eram “prevenir, corrigir e reprimir os abusos que
compromettam a salubridade publica e velar pela fiel observancia das disposições
sobre hygiene contidas neste codigo e no codigo sanitário do Estado” 21. Em diversos
locais do território brasileiro havia a mesma preocupação que se expressava pela
presença de leis garantindo uma polícia sanitária, como é apresentado no livro
organizado por Fenelon .
A coletânea Cidades apresenta também em seus artigos as discrepâncias
entre as normas do poder público para o espaço urbano e as condições encontradas
na população de diversas cidades do Brasil, caracterizando que os planos das
classes dirigentes eram muitas vezes adaptados ou recusados pela população em
geral. Ou seja: esta fase da história das cidades brasileiras não se delineou sem
enfrentamentos. Mesmo sem participar institucionalmente das decisões
governamentais, os cidadãos que não concordavam com os novos preceitos
inseridos pelas elites por vezes buscavam saídas diferentes, defendendo seus
modos de vida. Isto não significa que os anseios de normatização não se
concretizaram ou não foram eficientes, mas havia discordâncias que levavam a
práticas contrárias ao idealizado para a época22.
A historiografia aponta que busca pela distinção no espaço da cidade de
aspectos que remetiam à vida no campo era recorrente na historiografia desde antes 19
FENELON, Déa Ribeiro (org.). Cidades. São Paulo: PUC – SP; Editora Olho d’Água, 1999. 20
Além da polícia sanitária, o Regulamento Sanitário continha normas de higiene para
comercialização do leite e precauções acerca de doenças transmissíveis. Ver capítulo 2. 21
PONTA GROSSA, Op. Cit. 22
BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Entre casas de palha e jardins: Fortaleza nas primeiras décadas
do século XX. In: FENELON, Op. Cit., p. 171.
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do período que estudamos. Os processos de busca por diferenciação entre urbano e
rural possuem momentos de intensificação, apresentados por Raymond Williams em
O campo e a cidade: na história e na literatura, além de permanências que se
mantiveram por um longo tempo23. O autor identifica o contraste retórico entre
urbano e campestre como tradicional, comum ainda na literatura grega tardia e
também na literatura latina. Analisando diversas obras literárias, principalmente em
relação à Grã-Bretanha, Williams expõe ao longo do livro transformações desde o
século XVI até a época em que foi escrito, década de 1970. A cidade era
usualmente relacionada com o moderno, enquanto o campo era local de atraso. A
partir dessa referência buscamos identificar alguns aspectos do processo de
modernização urbana em Ponta Grossa no início do século XX.
O Código de Posturas, instrumento do poder público para normatizar as mais
diversas atividades desenvolvidas no espaço urbano, era baseado nos fundamentos
científicos e higienistas aceitos como verdadeiros naquela época. Concordando com
estes ideais, os posicionamentos dos grupos dominantes em relação ao que
consideravam melhor para a cidade também estavam presentes, levando em conta
a diferenciação entre a cidade e o campo.
Em relação às construções, a busca por normatização é percebível pela
obrigatoriedade da apresentação na Prefeitura de uma cópia do projeto da
edificação a partir de 1914. Para compreender esta exigência, concordamos com
Marcelo Sutil no sentido de que “o momento era científico, técnico e, como tais, as
obras também deveriam passar por uma racionalidade feita a grafite, nanquim, papel
e sob a supervisão de engenheiro responsável” 24.
Formulada pelos grupos dirigentes, esta exigência se trata de uma iniciativa
em normatizar o espaço urbano, já que os projetos seriam analisados pelo
engenheiro da prefeitura e só eram aprovados para construção se atendessem aos
requesitos presentes no Código.
As especificidades das leis construtivas em Ponta Grossa foram abordadas a
partir de importantes estudos que tratam de assuntos próximos analisando a cidade
de Curitiba, como o livro de Marcelo Sutil O espelho e a miragem: Ecletismo,
23
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989. 24
SUTIL, Marcelo Saldanha. O espelho e a miragem: Ecletismo, moradia e modernidade na Curitiba
do início do século 20. Curitiba: Travessa dos Editores, 2009, p. 83.
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moradia e modernidade na Curitiba do início do século 2025, que apresenta os
processos de urbanização da cidade e de higienização dos espaços privados.
As transformações propostas para as cidades, e também implementadas na arquitetura, resultaram numa dicotomia entre público e privado que mudou a própria concepção do morar. Médicos, engenheiros e juristas, ao esquadrinharem o meio urbano e seus males, operaram uma mudança na
maneira como homens e mulheres viam a casa e a privacidade. 26
Ao retomar a ascensão burguesia e do núcleo familiar como base da
moralidade e um dos principais fatores para a solidificação da importância da casa
como propriedade privada, o autor considera a importância da casa para a “missão
civilizadora” da época. Analisando Código de Posturas e projetos arquitetônicos,
dentre outros documentos, a cidade é caracterizada no período de transformação
que estava em curso.
Mas as normas do Código de Posturas não se referiam apenas às
construções. A fim de compreender expressões da população em relação aos
problemas no espaço urbano, as reclamações publicadas no jornal Diário dos
Campos, analisadas no decorrer deste trabalho, apresentam queixas da população
direcionadas a diferentes questões, como animais nas ruas, venda de alimentos
estragados, dentre outros quesitos proibidos no Código, mas ainda presentes na
cidade.
O discurso presente no Código de Posturas obviamente não aborda
divergências entre o que era proposto pelas leis e o que se efetivava no cotidiano,
por isso a análise das reclamações e revindicações do jornal colocam-se como
importantes para a compreensão do que se passava na época em que o Código
estava sendo escrito. Para tanto, os jornais do ano de 1914 foram analisados a fim
de perceber quais eram as principais demandas dos cidadãos que mandavam cartas
ao Diário dos Campos e também os posicionamentos dos seus redatores acerca dos
modos de viver da população na cidade.
Para entender melhor este processo, nos baseamos em obras que tratam
sobre a imprensa no início do século XX. Na já citada coletânea de Fenelon, o
capítulo A cidade das reclamações: moradores e experiência urbana na imprensa
paulista (1900 – 1930), de Lier Ferreira Balcão, analisa reclamações publicadas em
jornais, no sentido de identificar as modificações da vida urbana a partir dos
25
SUTIL, Op. Cit. 26
Ibid., p. 26.
-
20
problemas abordados27. Quando foram iniciadas as reformas urbanas em São Paulo,
a partir de 1913, as queixas denunciavam as deficiências dos projetos em relação a
atender necessidades da população. Assim, “o conjunto das reclamações torna-se
um caminho para a reflexão sobre os territórios da cidade, assim como possibilita a
percepção das expectativas sobre a sua constituição e o seu crescimento” 28. A partir
desta perspectiva, analisamos as reclamações publicadas pelos moradores de
Ponta Grossa no jornal local, buscando compreender o período de transformações
que a cidade vivia com base nas demandas por eles apresentadas.
Assim, partindo destas problemáticas instigadas por meio do diálogo entre a
historiografia e as fontes, a pesquisa foi organizada em três capítulos.
O primeiro capítulo, intitulado “TRAMAS DA VIDA URBANA: A CIDADE DE
PONTA GROSSA NO INÍCIO DO SÉCULO XX” tem a intenção de compreender a
conjuntura da cidade naquela época a partir de análises historiográficas já realizadas
sobre o assunto. A formação do núcleo urbano a partir da atividade econômica do
tropeirismo e das atividades ligadas às fazendas é relevante no sentido de que ajuda
a constituir os principais grupos que compõe a política local. A partir do diálogo entre
fotografias, Álbuns do Paraná e as análises historiográficas locais, pretendemos ter
uma noção geral sobre como a cidade era na época, com a finalidade de
compreender o espaço em que seria implantado o Código de Posturas. Inicialmente,
falamos sobre a formação da cidade de Ponta Grossa, incluindo os movimentos
imigratórios que se estabeleceram na cidade. No decorrer do capítulo, temas
importantes no processo de urbanização são abordados, como a construção das
ferrovias, instalação de luz elétrica, redes de água e esgotos, e criação do jornal
Diário dos Campos.
À medida que os impactos do processo de normatização se apresentam,
outras parcelas da população vão sendo percebidas através das reclamações
publicadas no jornal. No segundo capítulo, “A CIDADE EM DISPUTA: ENTRE LEIS,
CÓDIGOS, REGULAMENTOS E AS PÁGINAS DO JORNAL DIÁRIO DOS
CAMPOS” são estudados questionamentos e disputas provenientes da efetivação
do projeto de cidade pelo poder público. Nem sempre as reclamações do jornal eram
assinadas, o que não impede de identificar alguns conflitos entre a legislação e o
27
BALCÃO, Lier Ferreira. A cidade das reclamações: moradores e experiência urbana na imprensa
paulista (1900 – 1913). In: FENELON, Op. Cit., p. 225 – 256. 28
Ibid., p. 232.
-
21
que acontecia na cidade. O início do capítulo aborda o Código de Posturas
dialogando com fragmentos de atas da Câmara Municipal para perceber o ambiente
onde foi produzido o conjunto de leis que viria a ser um importante instrumento do
poder público para normatizar as atividades urbanas. Como nem sempre as
disposições da legislação, representada pelo Código, eram prontamente efetivadas,
as formas como estas alterações foram vivenciadas pelos cidadãos são estudadas
no decorrer do capítulo a partir do diálogo com as reclamações publicadas no jornal
Diário dos Campos em 1914.
O terceiro capítulo é desenvolvido a partir da análise de plantas arquitetônicas
aprovadas para construção pela Prefeitura de Ponta Grossa entre 1915 e 1925,
observando como era o projeto de cidade exposto pelo poder municipal. Além de
exigência do Código de 1914, consideramos os projetos como expressões da vida
de uma parte considerável dos moradores da cidade, pois a lei era direcionada a
todos os cidadãos que desejassem construir na área urbana e previa multas para
quem a descumprisse. No acervo pesquisado, encontramos 282 documentos
referentes a projetos especificamente residenciais, sendo 120 em madeira, 157 em
alvenaria, 2 mistas (somente a fachada em alvenaria) e 3 não possuem indicação
sobre o material. 94,6% do conjunto documental se refere à década de 1920, sendo
que apenas 15 projetos são datadas de 1915 a 1919.
-
22
CAPÍTULO 1 - TRAMAS DA VIDA URBANA: A CIDADE DE PONTA GROSSA NO
INÍCIO DO SÉCULO XX
Poucas casinhas brancas situadas no alto de uma colina, cerca de quatro dias
de viagem longe da capital da Província, formavam na metade do século XIX o que
hoje conhecemos como a cidade de Ponta Grossa. Com apenas quatro mil
habitantes, o vilarejo oferecia aos visitantes daquela época poucos atrativos capazes
de despertar a atenção. Viajantes que se puseram a descrever este local o fizeram a
partir das características da pequena vila que não se acanhava ao ser vista por
quem chegava pela estrada que a ligava a Curitiba: cerca de 20 quilômetros antes
de se chegar efetivamente, já era possível distinguir com clareza as ruas e quadras
de Ponta Grossa, segundo a descrição de um desses viajantes, o engenheiro inglês
Thomas P. Bigg-Wither que viajou pelo Paraná na década de 187029.
O Brasil visitado por Bigg-Wither, independente de Portugal, manteria-se
ainda como Império durante alguns anos. A década de 1870 marcou o início de um
período em que seriam desenvolvidas diversas estratégias para que um novo
ordenamento político e cultural se estabelecesse no país, “capaz de romper com o
esquema de oligarquias regionais, consagrando assim, definitivamente, a
emergência de uma sociedade urbano-industrial” 30. Esse processo incluiu a busca
pelo “civilizar-se”, que representava no final do século XIX igualar-se à Europa em
relação às instituições, economia, cotidiano, ideias liberais etc. Assim, Bigg-Wither
caracteriza a capital do Paraná, Curitiba, como mundo civilizado justamente por
estar mais próxima ao que se considerava civilização naquela época, já que Ponta
Grossa não passava de um amontoado de casinhas no alto de uma colina.
Mas o início da constituição de Ponta Grossa remete a tempos ainda mais
antigos. Segundo Maria Aparecida Cezar Gonçalves e Elisabete Alves Pinto31,
diferentes caminhos se encontravam próximos à localidade, sendo o Caminho do
Viamão o mais importante (Mapa 1). Durante o século XVIII, esta rota ligava São
Paulo ao extremo sul do Brasil, consolidando-se como via de comércio impulsionada
pela necessidade de abastecimento de carne para a região das Minas Gerais. Os
29
BIGG-WITHER, Thomas Plantagenet. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná, três anos em suas florestas e campos – 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1974, p. 87. 30
HERSCHMANN, Micael M.; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. A invenção do Brasil moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 12. 31
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 17.
-
23
viajantes que se lançavam a tal trajeto passavam pela região de Castro, cruzando o
bairro de Ponta Grossa, que neste período consolidou-se como local de parada para
pouso.
Mapa 1 - Rota dos tropeiros.
Fonte: http://passofundotche.wordpress.com/2011/07/03/
-
24
Outro caminho citado por Gonçalves e Pinto que convergia para a localidade
era proveniente da região missioneira do Rio Grande do Sul, ligado também à região
de Corrientes na Argentina. Além disso, a rota que saía de Paranaguá e passava por
Curitiba alcançava o Caminho do Viamão nas proximidades de Ponta Grossa.
O tropeirismo impulsionou o desenvolvimento de vilas no decorrer do
Caminho do Viamão, pois para esta atividade econômica eram necessários locais
para pouso e descanso dos tropeiros. Como a região dos Campos Gerais do Paraná
ficava próxima à metade do trajeto entre Viamão – de onde vinham as tropas – e
Sorocaba – onde se realizava uma grande feira de comércio – diversas fazendas
alugavam seus pastos para invernagem32. Esta atividade acabava sendo muito
lucrativa, pois consistia em manter o gado por alguns meses pastando em campos
para que recuperasse o vigor e a boa aparência, garantindo boas vendas na feira de
Sorocaba – SP. Além do mais, as fazendas dos Campos Gerais eram proibidas de
criar mulas, aumentando ainda mais o interesse pela invernagem. Os fazendeiros
dos Campos Gerais obtinham, assim, grandes lucros. Além do transporte de
animais, o contato que a atividade do tropeirismo propiciava entre diferentes regiões
do Brasil possibilitava a disseminação de práticas provenientes dos locais onde os
tropeiros passavam. Como exemplos, podemos citar o consumo de determinados
alimentos e bebidas – como chimarrão – e também práticas mais sutis, como
técnicas construtivas – a taipa de pilão era proveniente de São Paulo e foi bastante
utilizada no Rio Grande do Sul33.
Segundo Rosângela Wosiack Zulian, a origem destes fazendeiros era
portuguesa34, formando uma estrutura social e econômica baseada nas fazendas e
nas relações sociais que se desenvolviam a partir delas. Esta elite campeira
institucionalizou sua liderança política a partir da Independência do Brasil e da
criação da Província do Paraná em 1853 apoiando os presidentes da Província.
Neste contexto, a crescente exigência de relações de lealdade estreitaram os laços
patriarcais baseados no parentesco35. Zulian ressalta a grande disseminação do
prestígio da elite campeira, que mesmo com a diversificação da economia e o
32
Ibid., p. 51. 33
LEMOS, Carlos. A casa brasileira. São Paulo: Contexto, 1989, p. 22. 34
ZULIAN, Rosângela Wosiack. “A semente de uma grande cidade”: uma leitura dos discursos construídos sobre a fundação da cidade de Ponta Grossa (PR). Revista de História Regional, Ponta Grossa, 14(2), Inverno, 2009, p. 115. 35
Ibid., p. 116.
-
25
aumento gradativo da importância das cidades se perpetuou e ainda hoje pode ser
percebido na região, principalmente na história política de Ponta Grossa.
Quando Bigg-Wither descreveu o espaço urbano de Ponta Grossa, na
ocasião em que a visitou pela primeira vez na segunda metade do século XIX, o
cenário retratado não possui grandes destaques:
Ponta Grossa não mudou muito desde a sua fundação. Seus edifícios e ruas não ofereciam nada de notável. Havia, naturalmente, a habitual praça grande, com uma igreja de paredes caiadas de branco a uma extremidade, e as casas, na maioria, eram de um pavimento, sem as complicações de um
andar superior.36
Somente uma construção é descrita detalhadamente pelo inglês. Situada nos
arredores da cidade, a casa de um dos donos do principal armazém da cidade,
Ribas & Oliveira37, é apresentada como “mansão” (com aspas no original), no
mesmo estilo que vira em todas as outras cidades brasileiras que visitara. Segundo
o relato, a fachada era branca e havia presença de pilastras lisas e vitrais nesta
residência.
A imagem a seguir (Figura 1), produzida por Frederico Lange e datada da
primeira década do século XX, demonstra construções do entorno da igreja,
reforçando a ideia da pouca complexidade nas construções ponta-grossenses da
época.
36
BIGG-WITHER, Op. Cit., p. 91. 37
Ibid., p. 88.
-
26
Figura 1 - Igreja de Sant'Ana, 1905.
Fonte: Museu Campos Gerais
A ausência de um número considerável de construções elaboradas que se
distinguissem das demais é percebida nesta imagem, em que é possível identificar a
igreja com paredes brancas rodeada por diversas construções de somente um
pavimento, conforme a citação de Bigg-Wither.
O local representado na imagem faz parte do centro da cidade na atualidade.
Olhando de longe parece ser o local mais elevado das redondezas, ainda mais se
considerarmos a altura da torre da atual Catedral de Sant’Ana. Segundo Guisela V.
Frey Chamma, pouco tempo depois que a localidade recebeu o título de Freguesia
de Sant’Ana de Ponta Grossa este foi local escolhido pelos fazendeiros da região
para construir a igreja que serviria para os ofícios religiosos da população
crescente38. Dentre os motivos dessa escolha está o fato de que era um ponto
central em relação às maiores fazendas da região, pois as distâncias ficavam quase
iguais. Além disso, a maioria dos moradores de Ponta Grossa já se concentrava em
seus arredores.
O aumento das atividades na crescente Freguesia suscitava em seus
moradores o anseio de mais atenção dos governantes. Nesta época, é possível
38
CHAMMA, Op. Cit., p. 19 – 21.
-
27
perceber em diversos aspectos o crescimento de Ponta Grossa e o
descontentamento em depender de Castro em tantos quesitos39.
Em 1824 a Câmara de Castro decidiu que além da obrigação de pagamento
de impostos, não se poderiam realizar atividades de venda em Ponta Grossa sem
licença da referida Câmara. Mesmo com as restrições, eram comuns os pedidos
para estabelecer negócios em Ponta Grossa40. O interesse por maior autonomia foi
expresso também em 1836, quando o novo fiscal da Freguesia encaminhou um
pedido de alteração no percurso do correio entre Curitiba e Castro, “a fim de que o
mesmo passasse por Ponta Grossa, pois muitos são os seus habitantes e
negociantes, que desenvolvem atividades comerciais com o sul” 41. Além disso, o
mesmo fiscal solicitou a abertura de uma escola para ensinar as “primeiras letras”
aos jovens da região.
Não se pode negar que Ponta Grossa estava crescendo. A preocupação com
a ordenação do espaço urbano já havia se manifestado mesmo antes da igreja
matriz de Sant’Ana ser inaugurada em 1852, pois, segundo Chamma, um
arruamento inicial foi realizado:
A população estava crescendo muito; a cada momento novas casas eram construídas. Foi feito um esboço de arruamento, para que se passasse a construir as novas moradias num certo alinhamento, Hermógenes Carneiro Lobo com
alguns escravos abriu ruas e delimitou o Largo da Matriz.42
É possível relacionar o padrão de arruamento realizado com a preocupação
de tornar o espaço urbano organizado a partir das práticas da época. Os lotes
urbanos eram destinados para residências a serem construídas sobre o alinhamento
da via pública, garantindo um aspecto uniforme das ruas. Nos fundos dos lotes,
muitas vezes havia pomares, criação de aves e porcos, cultivo de legumes para
sanar os problemas com abastecimento decorrente da tendência à monocultura que
predominada naquela época43.
Logo que Ponta Grossa foi elevada à categoria de Vila foi criada uma Câmara
de Vereadores, como era usual àquele período. Na ausência de um prédio próprio, a
39
CHAMMA, Op. Cit., p. 24. 40
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 26. 41
Ibid., p. 27. 42
CHAMMA, Op. Cit., p. 22. 43
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970, p. 30.
-
28
Câmara de Ponta Grossa funcionou na casa do seu presidente, Joaquim Procópio
de Souza e Castro, de 1855 até 1869, quando foi construído um edifício para sediar
a instituição44. O prédio possuía dois pavimentos, sendo que a Câmara ocupava
somente o andar superior. No inferior, funcionava a cadeia pública, como mostra a
imagem a seguir (Figura 2) em que é possível perceber a presença de vários
policiais fardados em frente à edificação.
Figura 2 - Cadeia Pública e Câmara Municipal, sem data.
Fonte: Casa da Memória Paraná
A existência da cadeia e da câmara no mesmo edifício fazia parte da tradição
colonial de administração, sendo comum em diversas outras localidades. Os valores
sociais priorizados pelos governantes na época incluíam a construção de prédios
que demonstrassem a presença do governo nos diversos locais do país.
A forte presença de fazendeiros na política ponta-grossense é perceptível
desde então: o primeiro grupo que compôs a Câmara de Ponta Grossa era formado
por cinco camaristas, dentre os quais três fazendeiros e dois comerciantes45. Nas
eleições realizadas em 1857 o número de camaristas aumentou para sete,
44
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 31. 45
O sistema eleitoral no período em que Ponta Grossa era Vila se realizava em duas etapas, sendo inicialmente eleitos representantes que num segundo momento escolhiam quem assumiria o governo. Para participar deste processo, como eleitor ou candidato, era necessário ter uma determinada renda. Na ocasião da formação do primeiro grupo a assumir o governo de Ponta Grossa, somente 25 indivíduos se encaixaram nesta exigência. Ver mais em CHAMMA, Op. Cit., p. 28.
-
29
mantendo-se a exclusividade de fazendeiros e comerciantes. Somente nas eleições
de 1860 outro grupo alcançou tal cargo, quando foram eleitos quatro indivíduos da
Guarda Nacional além dos quatro comerciantes e dois fazendeiros.
Os camaristas só passaram a ser denominados vereadores a partir de 1862,
quando Ponta Grossa foi elevada à categoria de Cidade46, mas continuou-se a
utilizar o termo camarista por algum tempo.
Sensíveis alterações na estrutura social e econômica começaram a ser
evidenciadas: a concentração urbana passou a ser predominante sobre a dispersão
rural anterior. Segundo Gonçalves e Pinto, este desenvolvimento urbano se deve ao
crescimento da economia baseada principalmente na erva-mate, madeira e gado,
além da presença de migrantes nacionais e estrangeiros47. A partir de documentos
da Câmara Municipal datados de 1870, sabe-se que a população total de Ponta
Grossa naquele ano chegava a cerca de 6490, entre indivíduos livres e escravos48.
Em 24 de abril de 1862, um mês após Ponta Grossa receber o título de
cidade, começou a vigorar uma série de leis proposta pela Câmara Municipal e
assinadas por Antonio Barbosa Gomes Nogueira, então presidente da província do
Paraná. As Posturas da Câmara Municipal de Ponta Grossa49 versavam sobre os
valores de arrecadação das diversas categorias de impostos, edificações urbanas,
policiamento das ruas, casas de jogos, venda de gêneros alimentícios e remédios,
ofensas à moral e bons costumes, condições de açougues e matadouros,
cemitérios, providências sobre incêndios, trânsito de carros, corridas de cavalo,
batuques e fandangos, mascates e joalheiros, estradas e pontes. Todas as
exigências estavam acompanhadas do valor da multa caso não fossem cumpridas.
Além destas categorias, também havia um capítulo sobre escravos e
mendigos com diversas proibições como oferecer refúgio, permitir ajuntamento,
alugar casas ou comprar qualquer tipo de mercadoria de escravos sem a permissão
do senhor. A maioria das exigências deste capítulo se referia a atividades que os
cidadãos eram proibidos em relação aos escravos e mendigos, sendo que dos dez
artigos somente três eram destinados efetivamente a esses grupos: aos escravos
era proibido andar pelas ruas depois do toque de silêncio sem bilhetes dos seus
46
CHAMMA, Op. Cit., p. 31. 47
Ibid. 48
Ibid., p. 74. 49
PEREIRA, Op. Cit., p. 151 – 166.
-
30
senhores (a pena era de 25 “palmatoadas” na grade da cadeia50) e também pegar
animais sem licença de seu dono. O outro artigo era em relação aos pobres, que
não poderiam pedir esmolas se não estivessem totalmente incapazes de trabalhar.
Diante disso, percebe-se que este conjunto de leis contemplava escravos e
mendigos na medida em que estes poderiam causar problemas ao restante da
população, não tendo assim muita preocupação com a situação daqueles grupos.
Ou seja, já em seus primeiros ordenamentos urbanos alguns grupos sociais são
excluídos e relegados a certa marginalidade.
É interessante observar no capítulo dedicado às edificações urbanas que só
era permitido construir dentro do quadro urbano depois de solicitar à Câmara a carta
de data. O documento seria concedido caso o terreno não tivesse ainda sido
conferido à outra pessoa ou destinado a alguma obra pública. Ademais, para
solicitar uma carta de data, o proponente não deveria possuir outro terreno urbano
sem edificação. Esta cláusula pode ser entendida a partir do intuito em não deixar
terrenos vagos na cidade, o que atrapalharia a impressão de concentração urbana
almejada segundo os modelos daquela época. Reis Filho considera que
Numa época na qual as ruas, com raras exceções, ainda não tinham calçamento, nem eram conhecidos passeios – recursos desenvolvidos já em épocas mais recentes, como meio de seleção e aperfeiçoamento do tráfego – não seria possível pensar em ruas sem prédios; ruas sem
edificações, definidas por cercas, eram as estradas.51
Percebe-se assim a busca de distinção entre o espaço urbano – com ruas
definidas por construções contínuas – e o espaço rural – com suas estradas que não
necessariamente tinham delimitação tão precisa quanto o meio urbano. No mesmo
sentido, a inexistência de jardins frontais e a pouca arborização nas ruas também
garantiam a oposição entre os ambientes rural e urbano. A constituição da imagem
da cidade que se contrapunha ao rural será melhor abordada no próximo capítulo.
A imagem a seguir (Figura 3) apresenta uma vista parcial da cidade de Ponta
Grossa em 1901. No canto inferior direito está presente a assinatura do fotógrafo
Frederico Lange52, autor de diversas fotografias da cidade no início do século XX.
50
Ibid., p. 158. 51
REIS FILHO, Op. Cit., p. 22. 52
Frederico Lange era sócio de uma empresa comercial de ferragens e roupas feitas, que abriu uma filial em Ponta Grossa em 1900. Em 1905 a sociedade se desfez e Lange abriu uma Casa de comércio de fazenda, armarinhos, ferragens e secos e molhados a varejo, na rua XV de Novembro. Além de comerciante, foi comissionado pela Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande (EFSPRG), período em que fez diversos registros da construção da estrada. Participou da Sociedade Filarmônica
-
31
Figura 3 - Ponta Grossa - vista norte, 1901.
Fonte: Casa da Memória Paraná
Destaca-se no horizonte a construção para a Igreja de Sant’Anna que estava
em curso desde 1899, no mesmo local onde antes estava a “igreja de paredes
brancas” descrita por Bigg-Wither. Esta nova edificação visava comportar os fiéis da
cidade, já que a anterior tornara-se pequena em relação ao número de pessoas que
a frequentavam. A rua à direita da fotografia era conhecida por Rua das Tropas,
posteriormente chamada de Rua do Comércio e depois Rua Augusto Ribas. Neste
ângulo, provavelmente obtido a partir do local onde foi construído o reservatório de
água e o Hospital de Caridade (Santa Casa de Misericórdia), fica evidente a
elevação do terreno onde foi construída a igreja em relação ao resto da cidade.
Ponta Grossa chegava, então, às últimas décadas do século XIX emancipada
da dependência de Castro, possuindo Paróquia, Câmara Municipal, sede de
de Ponta Grossa em 1907 tocando violino. Além disso, foi um dos fundadores do Clube Thalia. Em 1912, participou da fundação do Hospital de Caridade, atual Santa Casa de Misericórdia, do qual também foi provedor. Ver mais em RENAUX, Sigrid Lange Scherrer; LANGE, Francisco Lothar Paulo; RENAUX, Denis Roger Egmont (orgs.). Fotografias centenárias do Paraná e de outros locais – por Frederico Lange. Curitiba: Corgraf, 2012.
-
32
Comarca, serviço de correio, diligência ligando-a a Curitiba (instalada em 187853) e
espalhando sua área urbana colina abaixo. Passou a contar também com um
delegado de higiene a partir de 1886, quando o Dr. Joaquim de Paula Xavier havia
sido nomeado para tal cargo54.
Mas nem tudo era flores na Ponta Grossa que se aproximava da virada para o
século XX: a crise alimentícia de 1857 causara grande preocupação nas autoridades
da Província, que atrelaram sua causa à falta de mão de obra para as lavouras55.
Assim, o governo determinou a política imigratória a ser adotada, a partir de colônias
agrícolas próximas aos centros urbanos.
Embora sempre tenham ocorrido migrações estrangeiras espontâneas e esporádicas, o grande movimento migratório oficial só se verificou na década de 1870, quando o Paraná viu chegar grande número de russos-alemães. Em novembro e dezembro de 1877 e julho, agosto e outubro de 1878,
chegaram ao Município de Ponta Grossa, 2381 russos-alemães [...] 56
Segundo Epaminondas Holzmann, o imperador D. Pedro II tratava os russo-
alemães que vieram nesta leva de imigração de uma forma paternal, por conta da
forma como foi acertada a vinda deles para solo brasileiro57. Contudo, esta primeira
experiência de imigração não foi bem sucedida de início: parte dos estrangeiros foi
retirada logo em 1879 para outras regiões, tendo em vista os problemas com
colheitas fracassadas decorrentes principalmente da baixa fertilidade do solo58.
Quando visitou Ponta Grossa em 188059, D. Pedro II deparou-se com alguns grupos
de colonos satisfeitos e outros descontentes com a imigração60. A principal
reclamação que ouviu era em razão justamente da infertilidade do solo,
consequência de terem sido confiadas aos colonos russo-alemães terras ruins.
53
CHAMMA, Op. Cit., p. 35. 54
Ibid., p. 41. 55
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 110. 56
Ibid., p. 111. 57
Estava próximo de findar um tratado de cem anos entre Alemanha e Rússia que permitia aos colonos alemães em território russo a permanência de seu idioma, religião e demais costumes, o que obrigaria esses colonos a não mais seguir a Igreja Católica. Mas, antes disso acontecer, muitos deles quiseram abandonar a Rússia quando o “imperador do Brasil, uma vez em Paris, promoveu a vinda da primeira leva de imigrantes russos do Volga, descendentes de suábios e bávaros, a qual, por iniciativa do conselheiro Jesuíno Marcondes, então ministro da Agricultura, foi localizada no segundo planalto do Paraná”. Por isso, D. Pedro II se referia aos componentes da primeira leva de imigração como “meus russos do Volga”. . Ver mais em HOLZMANN, Epaminondas. Cinco histórias convergentes. 2 ed. Ponta Grossa: UEPG, 2004, p. 45 – 46. 58
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 112. 59
Existem registros fotográficos da visita de D. Pedro II a Ponta Grossa no acervo da Casa da Memória Paraná. Porém, tendo em vista a pouca nitidez das imagens, optamos por não reproduzi-las. 60
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 114.
-
33
Muitos desses colonos resolveram mudar-se para a cidade, buscando
atividades que garantissem um rendimento para alimentação e vestuário da família.
Dentre os homens, muitos se tornaram lenhadores; mulheres buscavam nas matas
próximas nó de pinho para transformar em carvão; moças e crianças pegavam nas
margens de rios areia fina para vender nas residências com assoalhos de madeira,
“pois naquela época os pisos não recebiam mão de óleo e muito menos de cera
como hoje, senão a areia que, disposta em camadas tênues, conservava limpos por
mais tempo os locais de aglomeração e passagem” 61. Além disso, começou-se a
produzir hortaliças, broas e produtos suínos para vender de porta em porta. Porém,
como já comentamos, quase todas as casas da cidade tinham na época um pomar e
alguns porcos criados no quintal, caracterizando ainda mais dificuldades para os
colonos.
Grande parte destes russo-alemães deixou o Brasil em 1882 rumo aos
Estados Unidos e à Argentina62, onde outros colonos haviam conseguido sucesso. O
grupo que não tinha boas condições econômicas acabou permanecendo no Paraná:
Embora menos favorecidos, coube aos componentes do último grupo, todavia, a admirável iniciativa da abertura do tráfego de carroções através da precaríssimas estradas existentes, ligando Curitiba, via Ponta Grossa,
com o oeste do Paraná. 63
A erva-mate era levada do “sertão remoto” até Ponta Grossa, Curitiba e
Antonina, para ser vendida. No caminho inverso, levavam materiais e mercadorias
de consumo aos moradores do interior, gastando cerca de um mês na viagem entre
Antonina e Guarapuava. Muitos desses russos carroceiros prosperaram na atividade
e estabeleceram firmas comerciais em Ponta Grossa, Prudentópolis, Guarapuava,
Imbituva e outras localidades da região.
O fracasso na agricultura não significou total frustração para os colonos
russo-alemães: o conhecimento do trabalho artesanal que trouxeram da Europa
acabou por abastecer a cidade de alguns artigos que anteriormente não eram
61
HOLZMANN, Op. Cit., p. 41. 62
Do grupo que partiu para a Argentina fazia parte um dos líderes dos imigrantes de 1877, que resolveu retornar ao Brasil junto com sua esposa e os filhos do segundo matrimônio. Jorge Holzmann decidira não trabalhar mais na lavoura, incentivando os filhos a terem outras profissões relacionadas ao comércio. Dentre eles estava um jovem que viria a ter grande destaque na vida cultural de Ponta Grossa: o maestro Jacob Holzmann. Sua influência foi além da banda Lira dos Campos, alcançando destaque na imprensa, no comércio e também no cinema local. 63
Ibid., p. 49.
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produzidos por perto. Dentre estes produtos estão tijolos, telhas, couro, selas,
arreios e gêneros alimentícios derivados de porco, como banha e linguiça64.
A diversificação da economia nos Campos Gerais aconteceu paralelamente a
diversos outros locais do país. A atividade do criatório sofreu alterações profundas,
derivadas da nova economia baseada no café e no advento das estradas de ferro
que serviram a essa nova economia65. A alternativa de grande parte dos fazendeiros
foi explorar a erva-mate e a madeira, abundantes na região. Este processo fez surgir
fábricas de beneficiamento de erva-mate e também diversas serrarias na região de
Ponta Grossa.
O fim da escravidão no Brasil foi um fator importante nesse processo,
segundo Chamma. A libertação dos escravos desagradou os grandes senhores de
terra dos Campos Gerais, pois ficaram sem mão de obra para a pecuária e a
agricultura, até porque na época
trabalhar no campo como agricultor, com os recursos que existiam, não era muito dignificante, principalmente para uma sociedade que considerava o trabalho de curvar a coluna vertebral e manejar a enxada, sujar as mãos com terra, não era muito aceitável, por se tratar de trabalho servil, até então
feito por escravos e nunca por um branco que se prezasse. 66
Na cidade, a intensa presença de escravos podia ser percebida a partir da
comemoração da notícia da abolição em 1888, quando Ponta Grossa presenciou
“dias de muita alegria: os escravos festejaram a sua emancipação, correndo pelas
ruas, cantando, gritando, assustando até, muitos moradores com a algazarra, pois
não sabiam do que se tratava” 67. Apesar dessa constatação, quando expõe a
formação da população da cidade, Chamma considera apenas “de um lado os
povoadores e seus descendentes, frios e orgulhosos, e do outro os imigrantes
recém-chegados: poloneses, russo-alemães e ucranianos, arredios e
desconfiados”68. Percebemos neste caso a produção da invisibilidade dos
trabalhadores negros, que não são considerados entre os grupos formadores da
sociedade ponta-grossense69.
64
CHAMMA, Op.Cit., p. 45. 65
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 52. 66
CHAMMA, Op. Cit., p. 44. 67
Ibid., p. 42. 68
Ibid., p. 45. 69
É recorrente na historiografia até cerca dos anos 1980 a utilização da “teoria da substituição” do escravo pelo trabalhador livre, que desconsidera grande parte da trajetória dos trabalhadores negros após a abolição da escravidão. A partir de estudos mais recentes, sabemos que em casos como o de São Paulo o imigrante europeu não tinha tantas exigências em relação às condições de trabalho
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Aproximando-se da virada para o século XX, Ponta Grossa assistia e
protagonizava uma série de mudanças no espaço urbano e na região como um todo.
Somando-se à vinda dos imigrantes, a diversificação da economia incluiu a
construção de estradas de ferro que passavam pela cidade, o que foi outro estímulo
importante para a ampliação da área urbana70. Inicialmente, a Estrada de Ferro do
Paraná – que inicialmente ligava Curitiba a Paranaguá – foi ampliada e alcançou
Ponta Grossa em 1894. A imagem abaixo (Figura 4) demonstra grande movimento
de pessoas em frente à Estação, que se destacava por ser o terceiro sobrado que a
cidade passava a ter.
Ainda no final do século XIX, a Compagnie Generale des Chemins de Fer
Paraná, empresa responsável pela construção e administração da ferrovia, iniciou
outras ampliações. Uma rumo a Itararé – SP e outra em direção ao Rio Iguaçu, com
intuito de integrar o transporte fluvial ao ferroviário71.
oferecidas pelos fazendeiros como os trabalhadores libertos, que buscavam de inúmeras maneiras afastar qualquer relação com a escravidão, como não aceitar empregos nas plantações onde tinham sido escravos, por exemplo. A documentação desse processo é majoritariamente fruto de atividades dos próprios fazendeiros ou do sistema governamental, o que dificultava ainda mais a realização de estudos levando em conta a experiência de ex escravos a partir de seus pontos de vista. Contudo, mesmo tendo sidos incorporados pela historiografia ao grande grupo de trabalhadores brasileiros “indolentes e apáticos”, segundo a visão de teóricos do final do século XIX, estes trabalhadores tiveram importância incontestável, até mesmo numérica, na formação da República brasileira. Ver mais em LARA, Silvia H. Escravidão, cidadania e história do trabalho no Brasil. Projeto História: Revisa do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC São Paulo. 16 (1998) p. 25 – 38. 70
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 38. 71
MONASTIRSKY, Leonel Brizola. A mitificação da ferrovia em Ponta Grossa. In: DITZEL, Carmencita de Holleben Mello; SAHR, Cicilian Luiza Lowen. Espaço e Cultura: Ponta Grossa e os Campos Gerais. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2001, p. 41.
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Figura 4 - Estação Paraná, sem data.
Fonte: Casa da Memória Paraná
Pouco tempo depois de inaugurada a Estrada de Ferro do Paraná, foi iniciada
em 1896 a construção da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande (EFSPRG). No
projeto inicial, a ferrovia passaria por Irati e deixaria Ponta Grossa fora do trajeto que
na época significava grande desenvolvimento em diversos sentidos, principalmente
econômico, e “progresso” para cidades que estivessem no caminho dos trens.
Diante da solicitação do diretor presidente Antonio Roxo de Rodrigues, o traçado foi
alterado72, garantindo que Ponta Grossa fizesse parte da rota que atrairia tantas
modificações urbanas. Dentre as justificativas para essa alteração, Roxo de
Rodrigues considerou a conexão com a Estrada de Ferro do Paraná que seria
possível se a nova ferrovia alcançasse Ponta Grossa, possibilitando a comunicação
com o porto de Paranaguá. Além disso, a cidade já era considerada por ele como
um centro importante e por isso seria mais vantajoso que a ferrovia passasse por ali.
Em homenagem ao responsável pela cidade fazer parte da EFSPRG, a nova
estação construída para atender a crescente demanda da ferrovia na cidade foi
batizada como “Estação Roxo de Rodrigues”.
72
PETUBA, Rosangela Maria Silva. Na trama dos trilhos: cidade, ferrovia e trabalho – Ponta Grossa – PR (1955 – 1997). Florianópolis: UFSC, 2011. (Tese), p. 131.
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Esse posicionamento pode ser compreendido se analisarmos a fotografia
abaixo (Figura 5), em que se percebe a extensão da área urbana para trás dos
terrenos onde foi construída a estação.
Figura 5 - Vista parcial de Ponta Grossa, 1901.
Fonte: Museu Campos Gerais
Nesta vista parcial73 de Frederico Lange, a estação da EFSPRG aparece
ainda sem suas alas laterais que seriam construídas posteriormente. À direita da
imagem, o que parece um “borrão” não é mais que a fumaça de um trem que estava
a funcionar no momento em que a imagem foi produzida. À esquerda, a “colina mais
alta da região” e, em seu cume, a igreja ainda em construção, com seu entorno já
repleto de edificações. Percebe-se, assim, que Ponta Grossa já era uma cidade de
tamanho considerável antes da construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, que
potencializou a urbanização já em andamento74.
A erva-mate, que já tinha muita importância na economia paranaense, tornou-
se um dos principais produtos para a economia ponta-grossense com a instalação
das estradas de ferro. Várias casas comerciais foram criadas a partir deste produto,
que garantiu a fortuna de vários comerciantes75. O Álbum do Paraná de 192376
expõe a prosperidade de atividades econômicas através de fotografias e descrições
sumárias dos empreendimentos, destacando empresas de Ponta Grossa no
comércio de erva-mate, entre elas a Casa Hoffmann (Figura 6) e a Hervateria Brasil.
73
Estão presentes na Figura 5 duas fotografias produzidas em sequência pelo fotógrafo Frederico Lange. 74
Ibid., p. 111. 75
GONÇALVES; PINTO, Op. Cit., p. 56. 76
TRINDADE, José Pedro da (org.) Álbum do Paraná 1827. 2ª edição, volume I, Curitiba, 1927.
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38
Figura 6 - Antiga Casa Hoffmann - Álbum do Paraná, 1923.
Fonte: Museu Campos Gerais
Além disso, na economia de Ponta Grossa tinha destaque também atividades
relacionadas ao extrativismo e beneficiamento de madeira através de serrarias,
sendo que a primeira foi criada em 1880. Com a construção das estradas de ferro
ligando o interior até o porto de Paranaguá, a exploração madeireira baseada no
extrativismo do pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia) conseguiu um importante
impulso. Em 1923, quando esta atividade já estava consolidada no Estado, é
interessante a estimativa do Álbum do Paraná daquele ano:
Os pinheiros estão disseminados em cerca de 50.000 kms. quadrados de florestas paranaenses, sendo, sem receio de exaggero, de 50 milhões o número dessas árvores na superfície do Estado. Cada pinheiro produzindo cerca de 3 metros cúbicos de madeira, teremos o total de 150 milhões. Abastecendo-se numa média annual, 400.000 metros cúbicos, serão
precisos 375 annos para consumir toda essa madeira. 77
77
CAPRI & OLIVERO. Álbum do Estado do Paraná. São Paulo: Empreza Ed Brasil, 1923.
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Apesar do cálculo otimista, se contar desde 1923 foram necessários menos
de 80 anos para quase extinguir a Araucária da flora brasileira78. Além da exploração
desenfreada, a derrubada de matas para a agricultura foi um dos fatores mais
danosos para a espécie.
Como sobreviventes da época em que a madeira dominava a economia
paranaense, temos o principal produto cultural desta atividade: a arquitetura popular,
segundo Key Imaguire Jr.79. As casas de madeira, por terem um custo menor em
comparação às de alvenaria, foram amplamente utilizadas pela população. Além de
residências, foi construída no Paraná toda sorte de edificações em madeira como
ginásios de esportes, estações ferroviárias, galpões industriais. No capítulo 3
estudaremos mais sobre casas de madeira em Ponta Grossa.
Se a construção das ferrovias em Ponta Grossa influenciou na economia do
município com o transporte de madeira e erva-mate, é preciso considerar que para
os trabalhadores (tanto os que já moravam na cidade quanto os que vieram atraídos
pelas empresas) essa influência foi também muito significativa. Segundo
Monastirsky, a economia ponta-grossense impulsionou um processo de migração
interna da região sul do Paraná80, além de abranger uma parcela considerável dos
trabalhadores imigrantes europeus que já estavam em Ponta Grossa.
Os funcionários da EFSPRG fundaram em 26 de outubro de 1906 a
Associação de Socorros do Pessoal da Estrada de Ferro S. Paulo Rio Grande,
sendo posteriormente denominada Associação Beneficente 26 de Outubro. Segundo
o Álbum do Paraná de 1927, os objetivos da associação eram:
a) – Assistencia médica, pharmaceutica e Hospitalar em Ponta Grossa, ao associado, sua mulher, filhos e mãe viuva. b) – Assistencia media e pharmaceutica em Coritiba, Porto União, Iraty, Jaguariahyva e Itararé. c) – Assistencia medica ao longo das linhas. d) – Instituição de um pecúlio de Rs, 1:000$000 para a família do sócio, em caso de fallecimento, desde que este tenha mais de um anno de associado. e) – Auxilio para o funeral do associado, sua mulher, filhos ou mãe viuva, sendo 100$000 para adultos e 75$000 para menores. f) – Facultar a venda aos associados, pelos menores preços, de generos de uso e consumo pessoal e domestico, por meio de Armazens nas cidades de
Ponta Grossa, Porto União e Jaguariahyva. 81
78
Araucária é uma das espécies que mais corre risco de extinção. Disponível em Acessado em 20 de setembro de 2014. 79
IMAGUIRE JÚNIOR, Key. A casa de araucária. Curitiba: Instituto Arquibrasil, 2011, p. 28. 80
MONASTIRSKY, Op. Cit., p. 42. 81
TRINDADE, Op. Cit.
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Esta era uma novidade para Ponta Grossa, pois não havia outro grupo de
trabalhadores organizados que tivessem conseguido criar uma associação para
benefício próprio e de suas famílias. A associação, que depois se tornou a
Cooperativa Mista 26 de Outubro, funcionou até a privatização da estrada de ferro,
já no final do século XX82.
O edifício representado na imagem a seguir (Figura 7) abrigou o hospital da
associação83 até 1931, quando foi construído um prédio maior em outro local.
Figura 7 - Hospital da Associação Beneficente 26 de Outubro, sem data.
Fonte: Casa da Memória Paraná
Além do impulso na diversificação da economia e a formação de uma nova
classe trabalhadora, a construção das estradas de ferro provocou mudanças na
organização do espaço urbano próximo às linhas:
Em função de a cidade compor a malha ferroviária, sendo um importante entreposto comercial e parada obrigatória dos trens que vinham de Curitiba e dos que circulavam entre São Paulo e Rio Grande do Sul, com extensão ao Uruguai e Argentina, foi criada, próximo à Estação Ponta Grossa (estação de passageiros), uma infra-estrutura para atender aos visitantes, composta de hotéis, pensões, bares, restaurantes, lojas de varejo, além
daquelas edificações destinadas às cargas, como depósitos, armazéns. 84
82
PETUBA, Op. Cit., p. 163. 83
No local retratado na imagem, onde era localizada a Associação 26 de Outubro, atualmente existe o hipermercado Big. 84
MONASTIRSKY, Op. Cit., p. 43.
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O comportamento social também foi alterado em decorrência da
movimentação dos trens e passageiros nas proximidades das estações. Muitas
vezes a Praça João Pessoa, em frente à Estação Roxo de Rodrigues, foi palco de
festividades e ponto de encontro para os moradores da cidade85. A presença de
passageiros ilustres chamava a atenção dos ponta-grossenses, aumentando a
movimentação no entorno da Estação.
A modernização urbana impulsionada pelas ferrovias é perceptível também a
partir dos melhoramentos urbanos realizados pela administração pública nos
primeiros anos do século XX dentre os quais se destacam: a coleta de lixo que era
realizada todos os sábados; a rede de telefonia; o calçamento de grande parte da
Rua XV de Novembro com paralelepípedos; a construção da rede hidrossanitária; e
a instalação de iluminação elétrica na cidade substituindo os lampiões a óleo da
década de 1890:
A pequena distância entre a invenção da lâmpada elétrica, por Thomas Edison em 1879, e as primeiras tentativas de implantar o serviço de iluminação elétrica em Ponta Grossa, em 1902, revelam o grau de integração da cidade com o mercado capitalista internacional. A Estrada de Ferro que a ligava a São Paulo e a Paranaguá trazia, além de passageiros e mercadorias, os novos fetiches do mundo capitalista, objetos que simbolizavam o que havia de mais moderno e dinâmico na sociedade
ocidental. 86
A energia elétrica significava naquela época, além da possibilidade de maior
conforto nas residências, o aumento na produção fabril através de máquinas
elétricas. Por estes motivos a instalação desse melhoramento foi tão relevante para
a população.
Em 1904 foi o próprio Prefeito Municipal Ernesto Guimarães Vilela que enviou
um relatório à Câmara Municipal solicitando a criação de uma lei que autorizasse a
chamada de interessados em concorrer ao contrato para instalação de iluminação
elétrica, pública e particular87. Nos anos anteriores duas propostas haviam sido
levadas à Câmara, mas foram negadas alegando-se deficiência nas rendas do
município para arcar com tais despesas. A proposta do Prefeito foi aprovada, o que
permitiu a contratação da empresa Guimarães & Ericksen Filho através de um
85
Ibid. 86
SILVA, Edson Armando. Energia elétrica em Ponta Grossa. In: DITZEL, Carmencita de Holleben Mello; SAHR, Cicilian Luiza Löwen (orgs.). Espaço e cultura: Ponta Grossa e os Campos Gerais. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2001, p. 91. 87
Ibid, p. 93.
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contrato que previa a concessão por vinte anos a partir da inauguração do serviço
de eletricidade. As cobranças seriam feitas da seguinte forma:
A cobrança por parte da empresa seria feita por lâmpada e suas respectivas instalações, mediante uma tabela de preços, aprovada pelo Prefeito, a qual seria mencionada na proposta. A empresa poderia interceptar o fornecimento de energia elétrica a particulares, no caso de não pagamento,
não podendo, entretanto, negar-se a atender novos locatários. 88
A ata da Câmara Municipal de Ponta Grossa do dia 3 de maio de 1905
descreve a inauguração da luz elétrica na cidade, ocasião em que estavam
presentes além dos camaristas e do prefeito, autoridades locais como o juiz de
direito, o promotor público, funcionários públicos, representantes da imprensa e
também “Senhoras e Senhoritas da elite ponta-grossense”, representantes de
associações e “grande massa popular” 89. A solenidade na Câmara foi precedida
pela inauguração na própria usina, sendo que depois de encerrada a sessão após
discursos e apresentações das bandas Lira dos Campos e União e Recreio, ocorreu
uma passeata pelas ruas da cidade. A participação de grande número de moradores
da cidade na inauguração do serviço de eletricidade demonstra a importância de tal
melhoramento para a população.
Os postes com fios para