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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA
ALANNA BIELY CARVALHAL DE MELO
“MULHERES PERDIDAS”: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970.
São Luís 2010
ALANNA BIELY CARVALHAL DE MELO
“MULHERES PERDIDAS”: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, para obtenção do grau de Licenciatura em História.
Orientadora: Profa Ms. Sandra Regina Rodrigues dos Santos
São Luís 2010
“MULHERES PERDIDAS”: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970.
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, para obtenção do grau de Licenciatura em História.
Orientadora: Profa Ms. Sandra Regina Rodrigues dos Santos
Aprovado em: / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Profa. Dr.ª. Sandra Regina Rodrigues dos Santos Universidade Estadual do Maranhão
_________________________________________________________
1o Examinador
_________________________________________________________
2o Examinador
A Deus por quem todas as coisas foram feitas.
À minha família, especialmente meus pais pelo amor incondicional, aos amigos que tornaram minha caminhada mais leve e feliz.
A prisão serve muito bem para manter a lógica de um sistema de justiça criminal estruturado de forma a penalizar com a privação de liberdade os crimes das camadas mais desprivilegiadas da população. E, enquanto são esses os criminosos que acabam na prisão, é muito fácil afirmar que ali está o perigo e que, consequentemente, a sociedade encontra-se a salvo.
FOUCAULT
AGRADECIMENTOS
A Deus a quem devo todas as oportunidades e conquistas de minha vida. E que me
mostra diariamente as obras do seu eterno amor.
Ao meu pai, Luís Bernardo, primeiro e eterno amor, por ter me ensinado a escolher
sempre os melhores caminhos. E por ter me permitido financeiramente ser estudante por tanto
tempo.
À minha mãe, ser indescritível, a quem amo imensamente, sem a qual nada disso seria
possível, obrigada pelo incentivo, pela paciência e por ter me ensinado a lutar pelos meus
objetivos, metade da conquista é sua.
À Ângela de Cássia pela dedicação e auxílio nos momentos difíceis, por não me deixar
dormir na reta final da monografia, sabendo que era o momento que tinha para escrevê-la.
Obrigada por me ajudar algumas vezes para além de suas possibilidades.
Aos meus irmãos, Lusiane e Luís Jhonne, pelos sentimentos de amor e ódio que nos
mantém unidos, quero compartilhar com vocês mais essa conquista.
À minha grande amiga, Silvia Helena, com quem compartilhei muitas das minhas
angústias, medos, dificuldades e conquistas dos últimos anos. Afinal eram mais de dez horas
de convivência diária, na dupla rotina de UFMA e UEMA. E com quem pretendo
compartilhar ainda muitas alegrias.
As minhas amigas, Lellya e Pollyanna, companheiras para além da História, por
termos vivido juntas momentos maravilhosos. Aviso que agora terão que me aguentar para a
vida toda.
Aos meus amigos de curso, especialmente Tatiana, André e Marco Aurélio, por terem
tornado meus anos de curso mais felizes.
À Elizabeth Abrantes por ter me orientado num momento tão agitado e importante de
sua vida e pela disponibilidade, responsabilidade, compromisso e amor com que exerce sua
profissão.
Aos meus professores do curso pela contribuição na formação de tantos amantes da
História e pela dedicação e amor a profissão que todos sempre transmitiram.
Aos funcionários do Arquivo Público, do Tribunal de Justiça e da Penitenciária de
Pedrinhas, em especial Orlando, pela ajuda na realização deste trabalho.
RESUMO
No presente trabalho, analisa-se o perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970. Para isso faz-se inicialmente um breve histórico do sistema prisional no Brasil e no Maranhão, em que se destacam as principais legislações que norteiam o sistema penal brasileiro. Dar-se ênfase a figura da prostituta por esta ser vista no discurso social e jurídico da época trabalhada como uma mulher dada a vícios, paixões, imoralidade, que ameaçava a família com seus comportamentos desonestos; a qual é atribuída uma periculosidade maior que as outras mulheres e um alto grau de reincidência na criminalidade. Discutem-se ainda os estereótipos femininos que localizam a mulher em um território de passividade, de menos agressividade e docilidade. As mulheres que não se adequavam a norma sofriam além de sanções sociais, como o caso das desquitadas, punições por parte da polícia e/ou justiça nos casos de transgressões ligadas à violência, crimes contra a ordem e a propriedade. O perfil das mulheres encarceradas, traçado através de processos criminais, de habeas-corpus e dos anuários estatísticos tende a ser de uma mulher jovem, pertencente a baixos níveis sócio-econômico, com baixo nível educacional e profissional, desempregadas, solteiras, negras e pardas. Os crimes cometidos eram principalmente homicídio e tráfico de entorpecentes.
Palavras-chave: Mulher. Criminalidade. Sistema Prisional. Maranhão.
ABSTRACT
In this paper, we analyze the profile of women prisoners in Maranhão in the 1950s to 1970.
For this it is first a brief history of the prison system in Brazil and the Maranhão, which lists
the main laws that govern the criminal justice system. Giving emphasis to the figure of the
prostitute because this is seen in the legal and social discourse of the time worked as a woman
given to vices, passions, immorality, which threatened the family with their dishonest
behavior, which is assigned a greater danger than the other women and a high degree of
recidivism in the crime. Are also discussed the female stereotypes that locate the woman in a
territory of passivity, less aggression and docility. Women who did not fit the norm as well as
suffering social sanctions, as the case of divorcement, punishment by the police and / or
justice in cases of violations related to violence, crimes against public order and property. The
profile of incarcerated women, drawn through criminal proceedings, habeas corpus and
statistical yearbooks tends to be a young woman, belonging to low socioeconomic status, low
educational level and occupation, unemployed, unmarried, black and brown. The crimes were
mainly committed murder and narcotics.
Keywords: Women. Crime. Prisons. Maranhão
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
2 BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL E NO
MARANHÃO........................................................................................................
14
3 “DESORDEIRAS E PERIGOSAS”: representações sobre a criminalidade
feminina................................................................................................................
37
4 “MULHERES PERDIDAS”: o perfil das mulheres encarceradas no
Maranhão nas décadas de 1950 a
1970........................................................................................................................
53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 68
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 71
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Desquites concluídos no Maranhão, segundo a natureza (1956-1958)
44
Tabela 2 Desquites concluídos no Maranhão, segundo a profissão dos cônjuges (1956-1958)
45
Tabela 3 População do Estado do Maranhão e da capital São Luís
54
Tabela 4 Reclusos nos estabelecimentos penais no Estado do Maranhão segundo sexo
55
Tabela 5 Presos por estado civil no Maranhão 56
Tabela 6 Presos por nível de instrução no Maranhão 56
Tabela 7 Natureza dos crimes cometidos no Maranhão 57
Melo, Alanna Biely Carvalhal de.
“Mulheres perdidas”: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970 / Alanna Biely Carvalhal de Melo. – São Luís, 2010.
80 f.
Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2010.
Orientador: Profª. Sandra Regina Rodrigues dos Santos
1.Mulher 2. Criminalidade 3. Prisão 4. Maranhão I. Título
CDU: 396 (812.1) “1950/1970”
1 INTRODUÇÃO
No século XX o conhecimento histórico caracterizou-se por uma mudança de
paradigma, em que se percebe uma renovação temática e metodológica, ampliando as áreas de
investigação e renovando marcos conceituais tradicionais. Assim, a expansão dos estudos de
gênero na história localiza-se no quadro de transformações por que vem passando a história
nos últimos tempos, principalmente com o advento dos Annales, sendo possível afirmar que
esses estudos emergiram da crise dos paradigmas tradicionais da escrita da história, da qual
essa disciplina saiu nitidamente revigorada.
A escola dos Annales buscou se desvencilhar da historiografia positivista com foco na
história política, no domínio público e numa racionalidade universal, preferiu se voltar a
história de pessoas “comuns” e ao cotidiano, contribuindo para a incorporação do estudo
sobre as mulheres. “A expansão dos estudos sobre a mulher vinculou-se a uma redefinição do
político, frente ao deslocamento do campo do poder das instituições públicas e do estado para
a esfera do privado e do cotidiano” (MATOS, 2000, p. 11).
Gênero tem sido desde a década de 1970 o termo usado para teorizar a questão da
diferença sexual. O termo foi proposto por pessoas que defendiam que a pesquisa sobre as
mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas da disciplina história,
acrescentando-lhes novos temas. E de acordo com Soihet (1997) foi inicialmente utilizado
pelas feministas americanas, que insistiam no caráter fundamentalmente social das distinções
baseadas no sexo.
A incorporação da categoria de gênero na análise histórica permitiu pensar de forma
mais crítica a questão da diferença sexual e da persistência da desigualdade entre homens e
mulheres. Sublinha o aspecto relacional entre as mulheres e homens, ou seja, que nenhuma
compreensão de qualquer um dos dois pode existir através de um estudo que os considere
totalmente separados. Os estudos sobre gênero residem na rejeição ao caráter fixo e
permanente da oposição binária masculino versus feminino que por tanto tempo alimentou as
demandas feministas.
Assim como as transformações da disciplina história1, o movimento feminista ocorrido
a partir dos anos 60 contribui significativamente para o surgimento da história das mulheres.
“A emergência da história das mulheres como um campo de estudo não só acompanhou as 1 Em especial o desenvolvimento da história das mentalidades e da história cultural que se utilizam, dentre outros aspectos, da interdisciplinaridade no intuito de compreender a diversidade desse objeto.
campanhas feministas para a melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão
dos limites da história” (SOIHET, 1997, p. 277).
Apesar do crescimento de trabalhos e pesquisas sobre as mulheres no campo da
História, a temática da criminalidade e do encarceramento feminino ainda é escassa, o que
tem como dificultador a inexistência ou insuficiência das publicações e dados oficiais sobre a
situação carcerária.
O presente trabalho tem como foco central discutir a representação da criminalidade
feminina e a forma que se caracterizava o perfil das encarceradas do Maranhão nas décadas de
1950 a 1970. Está inserido na categoria de gênero, em que a condição e o papel de homem e
mulher não estão determinados pela biologia, mas são resultantes de um contexto sócio-
histórico.
Cabe ressaltar que na pesquisa, o feminino e o masculino não foram trabalhos como
instâncias distintas, mas abordados de forma comparativa, uma vez que “falar sobre mulheres
significa falar das relações de poder entre homens e mulheres. Para identificá-las como
sujeitos políticos é necessário analisar as intricadas relações de gênero, de classe, de raça e de
geração” (COLLING, 1997, p. 4).
Entre as pesquisas locais sobre criminalidade feminina destacam-se os trabalhos de
conclusão de curso de: Alexander Miller Sousa, intitulado “Da desordeira à criminosa:
aspectos da criminalidade feminina em São Luís, de 1900 a 1920” (2008); Luziane de Jesus
Aranha, cujo título é “Mulheres criminosas”: um estudo da criminalidade feminina no
Maranhão republicano (1890-1940), do ano de 2009.
Em nível nacional, destacam-se os trabalhos de Rachel Soihet, dentre os quais:
Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1890-1920) –
(1989). Mulheres Ousadas e Apaixonadas- Uma Investigação em Processos Criminais
Cariocas (1890-1930) – (1989). Mulheres pobres e violência no Brasil urbano (2001). E os de
Regina Célia Pedroso: Violência e Cidadania no Brasil (1999); Os signos da opressão.
História e violência nas prisões brasileiras (2003).
As fontes primárias utilizadas na pesquisa foram processos de habeas-corpus e
prontuários em que a mulher era ré, além de artigos dos principais jornais do Maranhão, das
décadas de 1950 a 19702, que forneceram informações sobre a criminalidade e o sistema
prisional feminino no Maranhão, como permitiram conhecer os discursos sociais sobre as
relações de gênero. São utilizados ainda a legislação referente a criminalidade, em que se
2 Foram utilizadas fontes e documentações que extrapolaram esse período, uma vez que foram necessárias para um maior aprofundamento da pesquisa.
destacam os Códigos Penais de 1890 e1940, o Código Penitenciário da República de 1935, as
Constituições Federais de 1946 e 1967, assim como Censos do IBGE, Anuário estatístico e
Relatórios da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal.
O Código Penal Brasileiro de 1940, ainda vigente, foi uma fonte de grande relevância
para a construção deste trabalho, porque além de ser o principal discurso para a definição das
infrações é um texto carregado de sentidos construtores de sujeitos, no qual se destaca a
construção de crenças estereotipadas sobre as mulheres. Estas são pensadas fora da
criminalidade e, ao mesmo tempo, incluídas em uma rede de proteção, desse modo, as
infratoras constroem subversões à própria regra.
As mulheres criminosas não se enquadravam no perfil de subordinação e inferioridade
apregoado pela sociedade e respaldado pelo discurso médico e jurídico, por isso tinham
muitas vezes sua natureza feminina questionada. Eram mulheres masculinizadas porque não
condiziam com o estereótipo feminino de fragilidade física e docilidade. A figura da mulher
criminosa era vista como risco à sociedade em sua moralidade e costumes.
Geralmente a criminalidade feminina é tratada de forma genérica, sem a preocupação
em individualizar as características, motivações e problemáticas da mulher delinqüente. Para
autores como Venera (2003) e Neri (2007) a razão principal desse escasso interesse, talvez
esteja ligado à discriminação e preconceito arraigado sobre a condição feminina,
particularmente da mulher que questiona os estereótipos criados sobre o sexo feminino, como
é o caso das mulheres que cometeram delitos estando ou não encarceradas.
É menor a incidência numérica da criminalidade feminina em relação à masculina. O
perfil social das mulheres presas no Maranhão das décadas de 50 a 70 tende a ser de uma
mulher jovem, pertencente a baixos níveis sócio-econômico, educacional e profissional,
desempregadas e solteiras. Os crimes praticados pelas mulheres estão para além daqueles
historicamente definidos, como o infanticídio e aborto. Tendem a ser cometidos contra à
propriedade3 numa proporção muito maior do que contra à pessoa4 e também o uso de drogas
aumenta a probabilidade de se envolverem numa conduta criminal, conforme aponta Sampaio
(2001).
3 Os crimes contra a propriedade são: furto, roubo, latrocínio (roubo seguido de morte), receptação, dano, extorsão e estelionato. 4 Em que se inclui os crimes contra a vida (homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio a suicídio), contra honra (injúria, calúnia e difamação) e contra a dignidade sexual (estupro, corrupção de menores, atentado ao pudor).
O presente trabalho pretende contribuir para mapear as características do
encarceramento feminino entre as décadas de 1950 a 1970 no estado do Maranhão e as
representações sobre a criminalidade feminina. Está dividido em três capítulos.
No Capítulo 1, faz-se um breve histórico do sistema prisional no Brasil e no
Maranhão, em que se destacam as legislações como os Códigos Criminais e Código
Penitenciário. Faz-se uma caracterização da sociedade brasileira e maranhense do final do
século XIX e século XX, com ênfase nas visões sobre as mulheres, mas precisamente na
prostituta, vista como degenerada e ameaça a moral das famílias.
No capítulo 2, destaca-se a questão do imaginário social em relação à “mulher
criminosa”. Os estereótipos femininos vistos com rigidez nos códigos e leis brasileiras, e que
localizam a mulher em um território de passividade, de menos agressividade, docilidade. As
mulheres que não se adequavam a norma sofriam além de sanções sociais, como o caso das
desquitadas, punições por parte da polícia e/ou justiça nos casos de transgressões ligadas à
violência e a moral, como demonstrados em notícias dos jornais da época.
Abordam-se no capítulo 3, processos crimes, habeas-corpus e prontuários referentes a
crimes cometidos por mulheres nas décadas de 1950 a 1970 no Maranhão, para traçar o perfil
das mulheres encarceradas nesse período. Para isso uma importante fonte utilizada são os
anuários estatísticos (1956, 1968, 1968, 1970-1971), em especial a publicação do IBGE
referente às estatísticas do século XX (2006), mais precisamente o capítulo que trata de
Justiça, que revela dentre outros aspectos a mudança da natureza dos delitos ao longo do
século. Se nas primeiras décadas predominavam os delitos contra a pessoa física, a partir dos
anos 40 percebe-se que passam a avultar os delitos contra o patrimônio e, mais recentemente,
a violência derivada do tráfico de drogas, já com registros nos anos 60.
2 BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL E NO MARANHÃO
A legislação penal que vigorou no Brasil até a independência, encontrava-se no Livro
V das Ordenações Filipinas5, em relação ao qual Pereira (apud PIRAGIBE, 1932, p. 15)
afirma:
Espelho, onde se refletia, com inteira fidelidade, a dureza das codificações contemporâneas, era um misto de despotismo e de beatice, uma legislação hibrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas, que invadindo as fronteiras da jurisdição divina, confundia o crime com o pecado, e absorvia o indivíduo no estado fazendo dele um instrumento. Na previsão de conter o mal pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da culpa; na graduação do castigo obedecia só ao critério da utilidade. Assim, a pena capital era aplicada com mão larga; abundavam as penas infamantes como o açoite, a marca de fogo, as galés; com a mesma severidade com que se punia a heresia, a blasfêmia, a apostasia e a feitiçaria, eram castigados os que, sem licença de El-Rei e dos Prelados, benziam cães e bichos, e os que penetravam nos mosteiros para tirar freiras ou pernoitar com elas.
Através do Código de leis portuguesas - Livro V das Ordenações Filipinas do Reino -
que se tem a primeira menção ao Brasil como local de cumprimento de pena, tendo em vista
que o mesmo decretava a Colônia como presídio de degredados. “A pena era aplicada aos
alcoviteiros, culpados de ferimentos de arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de
entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos,
contrabando de pedras e metais preciosos” (PEDROSO, 2004, p. 2).
O degredo na colônia brasileira era punição para aqueles que: causassem grandes
prejuízos à propriedade de outros, fizessem tumultos, comerciantes que roubassem nas
mercadorias com falsas medidas e pesos e/ou rompessem acordos. Nesse caso os criminosos
eram considerados "ladrões públicos".
O degredo punia igualmente os oficiais do rei que roubavam o patrimônio real, ou
deixassem perder sua Fazenda por malícia; aqueles que faziam falsas escrituras ou as
utilizavam; aqueles que falsificavam mercadorias; aqueles que "medem ou pesam com falsas
medidas ou falsos pesos, aqueles que molham ou colocam terra no trigo" para fazer aumentar
o peso.6
A colônia brasileira é utilizada como local de cumprimento de penas até 1808, quando
os anseios da modernidade implicavam mudanças significativas na busca por autonomia
5 As Ordenações Filipinas foi um código que Felipe I mandou elaborar, sendo concluído em 1595. Foi impresso no governo de Felipe II (1603) e significou a concretização das leis manuelinas. As Ordenações estão divididas em 5 livros que se subdividem em títulos. No presente trabalho será utilizado o livro V, dedicado ao direito penal, onde estão enumeradas as penas a serem aplicadas segundo a gravidade dos delitos. 6 Os artigos se referem respectivamente aos Títulos LXXIV, LVII, LVIII e LIX das Ordenações Filipinas.
Com relação à instalação da primeira prisão brasileira, há o registro da criação de uma
Casa de Correção no Rio de Janeiro na Carta Régia de 1769, de acordo com Mattos (1985
apud PEDROSO, 2004).
No Maranhão, César Marques (1970, p. 163) cita que em outubro de 1709 é enviado
pela Câmara um ofício ao governador Cristovão da Costa Freire (então no Pará) sobre o
recebimento de alvará referente a concessão de tinta para as obras da cadeia. No entanto, “não
sabemos se realizou-se esta obra, nem quando se desmoronou, e nem o lugar onde existiu”.
Em 8 de janeiro de 1830, a Câmara Municipal enviou ao presidente da província a
planta de uma nova cadeia para a capital, César Marques destaca que embora tenha sido
deliberada por acórdão à Câmara em agosto de 1831 os materiais para as obras da cadeia, a
construção ficou abandonada desde 1842. Os presos vão ser transferidos para esse prédio em
13 de fevereiro de 1856, estando até então na cadeia que funcionava nas grandes lojas do paço
da Câmara Municipal.
A Cadeia Pública localizava-se nas proximidades da Igreja dos Remédios, local onde
hoje está situado o Hospital Presidente Dutra.
Está situada em uma das extremidades da cidade, no bairro dos Remédios, por detrás da ermida do mesmo nome, em campo bem largo (...) de todos esses terrenos atrás da igreja, até à beira-mar, por todos os lados. (...) A cadeia atual, cujo plano e construção era destinado para casa de correção unicamente, contém hoje três raios, por não se ter ainda levantado o quarto. Cada um deles conta um salão e seis células no pavimento térreo, e outras tantas no alto, além dos competentes quartos privados e latrinas (MARQUES, 1970, p. 163-164).
A jurisprudência referente à implantação do sistema prisional no Brasil como
modalidade penal, fez-se pela Constituição de 1824 (artigo 179, incisos 8 a 11) que enumera:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Vilas, ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta à extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada, fará constar ao Rei o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos que a Lei admite; e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto. X. Á exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da Autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes da culpa formada, não compreende as
Ordenanças Militares, estabelecidas como necessárias à disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminais, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da Justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de determinado prazo. XI. Ninguém será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude, e na forma por ela prescrita7.
A Constituição de 1824 refere-se ainda aos direitos dos presos, as características das
prisões (deveriam ser adaptadas ao trabalho e ter separação dos réus de acordo com os delitos
cometidos) e as condições de aprisionamento, como se observa:
XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto, não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá aos seus descendentes em qualquer grau que seja. XXI. As Cadeias serão seguras, limpas, e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réus, conforme suas circunstâncias, e a natureza dos seus crimes.
O regulamento de 31 de outubro de 1846, expedido pelo Desembargador Manuel
Cerqueira Pinto, chefe de polícia da província, regia a Cadeia Pública do Maranhão, desde
quando esta se achava no Largo do Palácio.
Embora a Constituição do Império do Brasil estabelecesse que as prisões deveriam ser
limpas, arejadas e seguras e que os réus deveriam ser separados conforme a natureza dos
crimes, as casas de recolhimento de presos do início do século XIX mostravam condições
deprimentes para o cumprimento da pena por parte dos detentos. Conforme se pode observar
no relatório do presidente da província do Maranhão em 18608:
Excetuados os termos da capital Alcântara, Caxias, Viana, Mearim e Rosário onde há cadeias, que mereçam esse nome, conquanto careçam de prontos reparos as de Alcântara e Viana é deplorável o estado das mais prisões do interior, que não ofereçam cômodos nem segurança alguma. É sem duvida de todo peso e deve merecer a vossa atenção a indicação do meu ilustrado predecessor, no relatório que apresentou a Assembléia o ano passado de se construírem antes boas cadeias em alguns centros de população mais importante da província, de que multiplicar pelos lugarejos, que se erigem em vilas: nelas se recolherão todos os presos dos termos visinhos, o que, além de trazer economia aos cofres provinciais, facilitaria a concentração da força publica para guardá-la, e ao mesmo tempo os meios de prover ao sustento dos réus pobres.
A superlotação era outro problema do sistema carcerário maranhense do século XIX,
como César Marques aponta ao se referir a Cadeia Pública em São Luís.
7 Optou-se por utilizar no texto a grafia atual das palavras no caso das legislações no intuito de facilitar a leitura e compreensão do mesmo. 8 Relatório com que o Exm. Sr. João Silveira de Souza, presidente desta província, abriu a Assembléia Legislativa Provincial no dia 3 de maio de 1860. Maranhão, na Typ. de J.M.C. de Frias, 1860. Disponível em: http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/maranhão
Este edifício em sua organização não corresponde como já dissemos ao fim a que é destinado, porquanto devendo os presos, a ele recolhidos, ser classificados pela ordem ou grau das penas, que cumprem, a isto não se presta ele devidamente. Não comportando a lotação das células o número de indivíduos a ele recolhidos, conforme a sua criminalidade e penas, a necessidade dá lugar a que habitem os salões... (MARQUES, 1970, p. 164).
Nos primeiros anos do século XIX, as casas de reclusão abrigavam diversas categorias
de presos: civis, militares, delitos comuns, sem motivo declarado e crimes graves.
A Constituição de 1824 especifica9, ainda, a necessidade de um Código Civil e
Criminal para o Império fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade.
Como primeiros instrumentos referentes às prisões no Brasil, além da Constituição de
1824, têm-se o Código criminal de 183010 que regularizou a pena de trabalho e o Ato
Adicional de 1834, que determinou às Assembléias Legislativas a responsabilidade pela
construção e funcionamento das prisões.
De acordo com o Código criminal do Império, crime definia-se como: “toda ação ou
omissão voluntária contrária às leis penais”. Ou seja, para uma pessoa ser considerada
criminosa era necessário que tivesse o conhecimento do delito e ainda assim praticasse. “Os
criminosos eram enquadrados em duas categorias, a de autores e a de cúmplices. Os autores
eram aqueles que cometeram, constrangeram ou mandaram alguém cometer delitos. Os
cúmplices eram todos os que contribuíram para a consecução dos crimes” (TINOCO, 1888,
17-18).
Três foram os tipos de crimes estabelecidos no Código Criminal de 1830: os públicos,
os particulares e os crimes policiais. Os primeiros são aqueles contra a ordem política
instituída (o Império e o imperador) e conforme a abrangência seriam classificados como
revoltas, rebeliões ou insurreições. Os crimes particulares podiam ser contra a propriedade ou
contra o indivíduo. E os crimes policiais são aqueles contra a civilidade e os bons costumes,
nesses últimos incluíam-se os vadios, as sociedades secretas, o crime de imprensa e a
prostituição. As penas seriam cumpridas em prisão com ou sem trabalhos forçados, cuja
duração podia ser temporária, perpétua ou banimento. (TINOCO, 1888)
Segundo David Rothman (1991 apud PEDROSO, 2004, p. 30), teoricamente o modelo
de enclausuramento que se buscava nesse momento no Império tinha como objetivos e metas:
a recuperação dos prisioneiros, que se daria com a modificação de sua índole; a redução do 9 No inciso XVIII do artigo 179. 10
Vieira de Araújo (1889, p. 1-2) ao analisar a denominação “Código Criminal” adotada no Brasil em detrimento de “Código Penal”, nomenclatura usada em outros países destaca que o qualificativo Criminal é Penal, uma vez que abrange as noções adquiridas no terreno da Criminologia. A nomenclatura penal teria um significado mais restrito, pois deveria estar vinculado à idéia de crime para ter sentido.
crime, a da pobreza e a insanidade social; a cura e prevenção do crime; reforçar a segurança e
a glória do Estado. No entanto, a realidade penitenciária caracterizava-se pelo desinteresse
público, pois a administração das casas de correção no seu cotidiano era feita pelos
carcereiros e sem fiscalização.
Os próprios carcereiros estavam expostos ao perigo, principalmente nas cadeias que
abrigavam um número maior de presos que as celas comportavam, como destaca César
Marques ao discorrer sobre a cadeia pública da província do Maranhão:
De sorte que sendo o carcereiro obrigado a comparecer a qualquer ocorrência, que se dê entre os presos nos seus alojamentos, vê-se forçado a atravessar os salões a toda hora do dia ou da noite, para tomar providências, expondo-se assim a ser violentado por algum dos presos que lhe vote ódio ou mesmo por qualquer combinação feita com fins malévolos (MARQUES, 1970, p. 164).
O Código Criminal do Império do Brasil previa, dentre outros aspectos a prisão
preventiva antes do julgamento:
Art. 37. Não se considera pena a prisão do indiciado de culpa para prevenir a fugida, nem a suspensão dos magistrados pelo Poder Moderador, na forma da Constituição. Art. 104. Quando a detenção preventiva se prolongar além de seis meses, sem falta do indiciado, a duração da pena incorrida será abreviada em proporção da detenção sofrida: se resultar dessa abreviação que a medida da pena legalmente incorrida for completamente esgotada, a detenção assim sofrida equivale à própria pena.
Concernente a crime praticado contra a mulher, no Código Criminal de 1830 tem-se a
seguinte menção:
Art. 222. Ter cópula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida. Se a violentada for prostituta. Penas – de prisão por um mês a dois anos. (grifo nosso)
O Código em questão não considerava a prostituição como crime, mas fica evidente no
artigo acima que estabelece as penas sobre o estupro, a diferenciação entre mulher honesta e a
mulher “pública e perigosa” por confrontar a sociedade.
A menor sensibilidade da mulher normal que subordina a sua sexualidade à maternidade, em contraposição àquelas dotadas do erotismo intenso que se afiguravam como altamente perigosas, dada como criminosas, loucas ou prostitutas, constitui-se durante o século XIX na visão dominante apregoada por filósofos, médicos, juristas e ideário cristão (SOIHET, 1997, p. 294).
Ao se referir aos discursos normalizadores da sociedade brasileira nesse contexto,
Rabelo (2002) menciona que a prostituta “tornava-se o paradigma de uma sexualidade
insubmissa, uma personagem engajada na resistência à figura ideal da mulher frágil e
submissa”. E em alguns casos é negado a estas a própria condição de mulher como demonstra
a reportagem do Jornal Correio Oficial, de 187711:
A presente semana entre nós pode ser considerada a das prisões célebres [..] na noite de domingo 27, foram presas d’uma vez, dez mulheres perdidas (perdidas, bem se vê que não são mulheres) que brigavam a navalha por um modo desesperado. (grifo nosso).
Contrariamente ao Código Criminal, o Código do Processo Criminal12 de 1832 legislou
sobre a prostituição, quando diz que:
Art. 12. Aos Juízes de Paz compete: § Obrigar a assinar termo de bem viver aos vadios, bêbados por hábito, prostitutas, que perturbam o sossego publico, aos turbulentos, que por palavras, ou ações ofendem os bons costumes, a tranquilidade publica, e a paz das famílias
(grifo
nosso).
A prostituta13 estava inserida na categoria dos desordeiros, aqueles que afetavam a
dinâmica da sociedade com seus comportamentos e “maus costumes”. Tendo em vista que na
sociedade patriarcal como a brasileira, o pensamento institucional (religião, educação) ou
informal estabelecia socialmente um comportamento submisso das mulheres, cuja sexualidade
era controlada por questões morais de poder. E a mulher que não procedesse conforme esses
valores, como é o caso das prostitutas, era considerada pervertida.
A honestidade feminina seria preservada por meio da proteção da família. Era necessário evitar o contato das mulheres das ‘classes perigosas’com aquelas de famílias 'honestas'. A expressão 'moça de família' assumia um sentido que relacionava o termo família especialmente aos segmentos privilegiados da sociedade, capazes de zelar pelos valores morais dessa instituição (CAUFIELD, 2000, p. 117).
Contrariamente aos segmentos mais abastados que poderiam vigiar e “cuidar” de suas
mulheres no intuito de zelar pelos valores morais, conforme se viu em Caufield (2000), a
prostituição em muitos casos era uma saída para as mulheres pobres, seja por terem sido
desvirginadas com promessas não cumpridas de casamento, abandonadas pelos companheiros,
11 Correio Oficial, n.º 41 de 02/06/1877. 12 O Código do Processo Criminal define a competência a ser exercida por cada autoridade, policial, judiciária e administrativa. 13 No presente trabalho se dará ênfase à figura da prostituta, por esta ser no discurso social e jurídico da época trabalhada uma mulher dada a vícios, paixões, imoralidade, que ameaçava a família com seus comportamentos desonestos. É atribuído a prostituta uma periculosidade maior que as outras pessoas e um alto grau de reincidência na criminalidade.
viúvas etc. “A prostituição no século XIX era constituída por mulheres que buscavam uma
forma de garantir a sua sobrevivência” (REIS, 2006, p. 29).
No Regulamento n. 120, de 1842, que reforma o Código do Processo Criminal de
1832, traz novas competências aos juízes de paz no que concernem as prostitutas.
Art. 65. As atribuições policiais dos Juízes de Paz consistem: §4º Em corrigir os bêbados, por vícios, turbulentos, e meretrizes escandalosas, que perturbam o sossego público, obrigando-os a assinar termo de bem viver, com cominação de pena, e vigiando o seu procedimento ulterior.
(grifos nossos)
Após o rompimento com Portugal, a elite imperial do Brasil busca inserir a população
pobre num modelo emergente de nação, para isso busca implantar um aparelho jurídico
policial desconhecido pela própria população. Como instrumento de punição e controle sobre
aquele indivíduo de vida desqualificada e desregrada é criado o termo de bem viver,
relacionado ao tipo de comportamento que a população deveria ter. A idéia era muito mais
prevenir do que depois julgar se a ação praticada está em conformidade ou não com a lei.
No contexto do Código do Processo em 1832, os processos por termo de bem viver
refletem a preocupação do Estado em regular os comportamentos e o cotidiano dos pobres.
“Temos de certa forma um Estado procurando, de uma hora para outra, implantar a idéia de
Nação, adequar a vida tradicional recém emersa de um sistema colonial centralizado para um
Império da jurisdição, com seus direitos e deveres” (MARTINS, 2009, p. 11).
Condutas até então toleráveis, com o aparato judiciário-penal que agora surge atrelado à
construção do Estado, passa a ter a devida punição. Foucault (2001, p. 80), quando analisa os
sistemas penais europeus no início do século XIX, explica que: “Para que haja infração é
preciso haver um poder político, uma lei e que essa lei tenha sido efetivamente formulada.
Antes de a lei existir, não pode haver infração”.
Jurandir Malerba (1994, p. 54) afirma que a mentalidade escravista do século XIX era
orientada pela ordem, considerando o seu oposto como crime, como se pode constatar pelos
artigos 295 e 296 do Código Criminal do Império: “Não tomar qualquer pessoa uma ocupação
honesta, e útil, de que possa subsistir, depois de advertido pelo juiz de paz, não tendo renda
suficiente, penas de prisão com trabalho de oito a vinte e quatro dias”, e de prisão simples ou
com trabalho, “segundo o estado das forças do mendigo”, de oito dias a um mês, por “andar
mendigando”.
Nesses casos, o simples fato de ser mendigo ou vadio, indivíduos sem uma ocupação
honesta como é apregoado, se está desacatando a lei e, consequentemente, devem ser punidos.
O termo de bem viver constituiu um documento normatizador que visava garantir a paz e
tranquilidade no Império, tornando-se instrumento corretivo de comportamentos indesejáveis,
em que além da vadiagem se encontravam a prostituição, a embriaguez e outros.
As mulheres foram as maiores vítimas das definições do Código Criminal, referentes às
condições de ordem e hierarquia social. “Fora contras as mulheres que se erigiram os
capítulos mais vigorosos do consenso nacional fundador de uma ordem institucional”
(MELLO, 2001, p. 46). Em especial as mulheres negras ou pardas, adultas e solteiras eram
alvo da ação policial nos anos de 1886 e 1890, segundo o perfil observado por Mello na Casa
de Detenção da Corte Imperial, no Rio de Janeiro. Eram mulheres independentes que não se
enquadravam na organização patriarcal da sociedade brasileira.
Outro aspecto relevante do Código Criminal de 1830 foi a pena de prisão com trabalho,
que embora presente neste documento e podendo ser aplicada as pessoas presas por
desobedecer ao termo de bem viver, para sua implantação na prática existiam alguns
obstáculos de ordem estrutural do espaço físico das cadeias: “as características humildes dos
edifícios não comportava a aplicação de tal sistema inovador: eram casas alugadas e sem
acomodações próprias, principalmente as do interior, o que dificultava a instalação de oficinas
de trabalho para os presos” (PEDROSO, 2004).
Com a República, o Código Penal de 1890 aprofundou os princípios básicos do Código
de 1830, reduziu as penas como o banimento, o degredo e o desterro, que não eram mais
consideradas eficientes, e aboliu a pena de galés, em que os presos trabalhavam com
correntes. Novas modalidades de penas foram estabelecidas pelo novo Código, as restritivas
de liberdade que não poderiam ultrapassar 30 anos: prisão celular, reclusão, prisão com
trabalho obrigatório e prisão disciplinar, além do banimento, interdição, suspeição, perda do
emprego público e multa.
O novo Código determinava que a estrutura penitenciária deveria ter higiene apropriada,
a segurança dos detentos feita por vigilantes e guardas; inspeções frequentes às prisões.
Tendo em vista as más condições dos presídios no Brasil, o objetivo idealizado para a vida
social dos detentos não dispunha de possibilidades concretas de se realizar.
Os problemas referentes à execução das penas foram previstos nas disposições gerais do Código ao estabelecer que, enquanto não entrasse em inteira execução o sistema penitenciário, a pena de prisão celular, como a de prisão com trabalho, seriam cumpridas nos estabelecimentos penitenciários existentes, segundo o regime atual: nos lugares onde elas não existissem seria convertida em prisão simples, com aumento da sexta parte do tempo (PEDROSO, 2004, p. 05).
A pena a ser cumprida com regime de trabalho esbarrou na desorganização do sistema,
ausência de utensílios e matérias-primas para as oficinas. Outro agravante era o reduzido,
quando não a inexistência, de corpo policial, o que favorecia as constantes fugas:
Segundo as comunicações oficiais são freqüentes as fugas de criminosos das cadeias do interior. Provém isto não só da pouca segurança das cadeias, algumas em estado de ruínas e a maior parte em prédios alugados e de péssima construção, como também da falta de destacamentos regulares para guardá-las, sendo impossível mantê-los com número de praças conveniente, atenta a diminuta força policial de que dispõe a província [do Maranhão]14.
Em relatório sobre a administração da província do Maranhão (1868, p. 11), o
presidente da província Antonio Epaminondas de Mello fala que: “Não há cadeias nas vilas de
Anajatuba e Monção. Nesta última existe um péssimo depósito de presos, estabelecidos
debaixo de um sobrado particular, e sem carcereiro”. No mesmo relatório sobre as cadeias
públicas da província do Maranhão, destaca-se ainda que das 16 cadeias, 5 funcionavam em
casas alugadas de particulares, logo não tinham as devidas acomodações e segurança
desejáveis.
Sobre a condição física do Prédio que abrigava o embrião da Penitenciária de São
Luís, Castro (1993) apresenta o relato do chefe de polícia Faustino Silva:
Possui o Estado uma velha cadeia de aspecto colonial, à qual por eufemismo se dá o título de penitenciária, simples casarão, de todo afastado de qualquer princípio de higiene, salubridade e conforto. A detenção carece de urgente reforma de caráter material, não só para que se possa oferecer aos detentos alojamentos mais humanizados, como para salvar o edifício de completa ruína. Tal é o estado de lamentável abandono em que se encontra o importante edifício (CASTRO, 1993, p. 4).
Diferente não era a realidade das cadeias das demais províncias do Brasil, em especial
as que aplicavam a pena com regime de trabalho. A meta de recuperar o preso através do
trabalho não teve o resultado esperado, embora Castro (1993) afirme que nos trabalhos
externos, nunca se registrou nenhuma revolta, ao contrário das constantes queixas de
moléstias ocorridas na Penitenciária, ampliavam-se as críticas ao sistema prisional brasileiro.
Em 1900, Antonio Bezerra15 publicou um projeto de reforma do código penal, em que
dentre outros aspectos, propunha que o trabalho do preso além do aspecto de recuperação
deveria proporcionar ganhos salariais. Cerca de um 1/3 desse salário seria para as despesas da
penitenciária, outro terço para uso do condenado ou de sua família durante a prisão e a
14Fala com que o Exm. Sr. conselheiro João Capistrano Bandeira de Mello abriu a 1.a sessão da 26.a legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, em 13 de março de 1886. Maranhão, Typ. do Paiz [n.d.]7. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/390/000002.html. 15 Presidente da Câmara e Deputado Geral pela província do Rio de Janeiro em 1880.
terceira parte entregue após o cumprimento da pena. O decreto nº 8.233, de 1910, efetivou
essas sugestões.
Além do trabalho, a instrução também era vista como forma de incutir respeito e
obediência dos presos e a conseqüente regeneração dos mesmos, como se observa no
Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores de 1911.
A escola continuou como nos anos anteriores a produzir seus efeitos benéficos, instruindo e moralizando os sentenciados e incutindo-lhes no espírito embrutecido pela ignorância e ociosidade os indispensáveis princípios de obediência e respeito do regime penitenciário (...). A instrução e o trabalho que lhes é ministrado, este na oficina e aquele na escola, tem contribuído, não só para minorar-lhes a clausura do cárcere, como também os predispõe ao arrependimento das faltas cometidas, proporcionando-lhes assim os meios de futura regeneração quando, terminadas as penas, regressarem à sociedade, da qual foram afastados (CORREA, 1911, p. 74).
Concernente ao ideário civilizador do século XIX e as reformas carcerárias no final
desse século no país, cria-se legislação e espaço específico para os criminosos sociais, vadios,
indivíduos de qualquer sexo que vivessem no ócio vagando pelas cidades, ou em atividades
que incutissem temor a população - as chamadas colônias correcionais, a primeira foi
construída em 1894 e extinta em 1897 - a Colônia Correcional criada em Dois Rios, na Ilha
Grande – RJ.
Segundo Myrian Santos (2006), no governo Rodrigues Alves, mas precisamente em 9
de fevereiro de 1903, a Colônia Correcional de Dois Rios foi instalada novamente, como
espaço específico para circunscrever a marginalidade e manter as ditas classes perigosas longe
do convívio social, como foi feito também com os trabalhadores pobres das cidades. “A
Colônia Correcional de Dois Rios, que tinha sido extinta em 1897 e reaberta em 1903, recebia
cada vez mais indivíduos acusados de contravenção e consolidou-se definitivamente, a partir
de 1908, junto às forças policiais como prisão dos vagabundos” (SANTOS, 2006, p. 92).
Segundo análise do relatório ministerial de 190516, realizada por Santos (2004),
observou-se que havia 94 internos na Colônia de dois Rios em 1904, sendo 30 mulheres. Os
homens fossem eles condenados por serem bêbados, mendigos, vadios, capoeiras e ladrões,
eram citados no relatório como sendo “homens” ou detentos “do sexo masculino”. As
mulheres, contudo, não eram mulheres simplesmente, elas eram denominadas de “mulheres
vagabundas”.
16 Santos (2004) ressalta que este relatório do capitão Francisco de Siqueira Rego Barros (14/3/1905 – 26/2/1906) encontra-se anexo ao Relatório encaminhado pelo Ministro de Justiça e Negócios Interiores, Dr. J. J. Seabra, ao Presidente da República, em março de 1905.
Esses alojamentos têm lotação para 135 detentos, sendo um de 70, um de 40 e o outro de 25. No primeiro e terceiro estão alojados os correcionais do sexo masculino e no segundo as mulheres vagabundas (em no de 32 presentemente). (...) Presentemente o número de detentos é de 94, sendo 1 sentenciado e 93 correcionais, inclusive 30 mulheres vagabundas (BARROS apud SANTOS, 2004, p. 157).
Constatou-se ainda pelo relatório do capitão Barros, a dificuldade que o diretor tinha
em lidar com essas mulheres, quando declara:
Julgo de necessidade instalar-se desde já uma colônia exclusivamente destinada a mulheres. Isso interessa à moral do estabelecimento, onde residem famílias, além do que não podem aquelas mulheres ser aqui convenientemente aproveitadas em serviços compatíveis com as suas condições individuais (BARROS apud SANTOS, 2004, p. 157).
No que tange às mulheres, o Código Penal de 1890 nada dizia sobre a prostituição ou
“mulheres vagabundas”. São citados explicitamente nos capítulos XII e XIII os ébrios,
mendigos, vadios e capoeiras. Do grande número de mulheres na Colônia de dois Rios pode-
se deduzir que prostitutas eram enviadas à Colônia porque tinham ocupações que ofendiam a
moral e os bons costumes, ou porque quebravam o termo de bem viver. “O silêncio da lei
sobre o ‘crime’ da prostituição permitia uma liberdade ainda maior das autoridades locais no
tratamento imputado às mulheres” (SANTOS, 2004, p. 156).
É importante ressaltar que o Código Penal de 1890 não considerava crime a
prostituição, mas criminalizou o lenocínio nos artigos 277 e 27817. Tornava-se crime então, o
ato de “excitar, favorecer ou facilitar a prostituição de alguém para satisfazer os desejos
desonestos ou paixões lascivas de outrem” ou de “induzir mulheres, que abusando de sua
fraqueza ou miséria, quer constrangendo-a por intimidações ou ameaças a empregarem-se no
tráfico da prostituição”, incluindo ainda o ato de “prestar-lhes, por conta própria ou de
outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir,
direta ou indiretamente, lucros dessa especulação”. Embora, a prostituta pela lei não fosse
considerada criminosa, vigiava e se controlava tudo que estava ligado à sua exploração como
hotéis, restaurantes e as pessoas que alugavam cômodos para os encontros.
Tentou-se através do encarceramento e correção de indivíduos que optassem por uma
forma de vida ou um modo de ser que não se coadunassem às normas estabelecidas, mesmo
que esta opção não implicasse em danos a outrem, limpar as cidades através da reclusão
social, tanto dos criminosos, como da população carente, potencialmente considerada
perigosa. No entanto, “não eram colocados na cadeia os pobres em geral, mas os pobres que
não tinham ‘optado’ pelo trabalho e pelos bons costumes” (PEDROSO, 2004, p. 14).
17 Batista Pereira. “O Código Penal de 1890 (notas históricas)”, Revista de Jurisprudência (vol. 3, maio a agosto, 1898).
Percebe-se a preocupação da esfera jurídico-criminal em amedrontar a sociedade, ou
melhor, alguns segmentos sociais, frente ao poder policial ou judicial de que o cárcere era
uma realidade próxima e concreta para aqueles que não estavam de acordo com as condutas
morais e comportamentais da sociedade. E, portanto, o aparato jurídico e policial tinha um
papel fundamental na organização do controle de relações sexuais fora dos casamentos e de
crimes sexuais que afetavam diretamente a honra das mulheres.
Ainda em relação ao Código Penal de 1890, é importante também destacar o artigo
267 referente ao ato libidinoso cometido contra uma menor. Para se configurar um
defloramento e não um estupro, a cópula tinha que ser consentida pela mulher, concessão esta
que deveria obrigatoriamente vir seguida de sedução, fraude ou engano. Gisela Geraldi (2008,
p. 62) destaca que isso deveria estar claro nos casos em que as autoridades policiais autuavam.
A autora destaca ainda que “o Código Penal Brasileiro de 1890 foi um dos que mais se
importaram com a perda da virgindade e que essa estava intimamente relacionada com o
rompimento da membrana hímen”.
Segundo Relatório da Chefatura de Polícia do Estado do Maranhão, de 1896, observa-
se que o crime de estupro foi o mais praticado (37), com um índice maior que furtos (31),
homicídios (9), espancamentos (6) e tentativas de homicídio (3). O que para Aranha (2009,
p.26) “demonstrava a contradição entre o discurso de apologia em relação a manutenção da
virgindade e castidade feminina e à precária situação das mulheres, especialmente dos
segmentos pobres, vulneráveis às investidas sexuais masculinas”.
No trabalho monográfico intitulado “Funerais da Honra”: honestidade feminina sob
jugo em São Luís na virada do século, Veracley Moreno (2005) constatou através de
inquéritos policiais referentes a denúncias de defloramentos e estupros contra mulheres que o
maior número de registros policiais contra o crime em questão era de mulheres das classes
populares e “de cor”. O que se explica por ser a lei muitas vezes o único modo de se reparar a
ofensa e também por essas mulheres terem um trânsito maior nos espaços públicos, tornando-
se assim alvos fáceis dos assédios masculinos, já que na maioria das vezes eram as mulheres
pobres os chefes de família.
As mulheres eram julgadas muito mais pela adequação ou não do seu comportamento
às normas de conduta morais, que por uma real confirmação da sua falta de honra, o que
estava representada pela virgindade no caso das mulheres solteiras e pelo recato das casadas.
Logo, a honra feminina estava relacionada ao controle da sexualidade. Daí, os principais
casos de estupros e defloramentos registrados por Moreno em São Luís na virada do século
XX serem de mulheres de classes economicamente inferiores que viam na justiça a única
forma de terem seu “dote” moral reparado.
Tendo em vista a honestidade feminina está vinculada à honra sexual nesse contexto,
o Código Penal de 1890, assim como anteriormente o Código Criminal de 1830, previa uma
pena mais leve aos crimes de estupro contra prostitutas, já que eram intituladas mulheres
“desonestas” não iria causar um mal irreparável à vítima e nem abalar os interesses morais da
sociedade. Caulfied (2000) destaca que para alguns especialistas não deveria existir qualquer
penalidade pelo estupro se a vítima fosse prostituta, tendo em vista que este era um crime
cometido contra a honra da família.
Referente ao século XX pode se afirmar que houve uma tentativa de racionalização do
espaço prisional, buscando adequá-lo ao tipo de crime, grau de infração, sexo, idade e
periculosidade do réu. A concepção de prisão, seus tipos e propósitos variaram objetivando
um controle mais efetivo dos encarcerados. As prisões passaram a ser específicas a
determinadas categorias: mulheres, doentes mentais, sentenciados, menores e contraventores
(ébrios, mendigos, andarilhos etc). Destacam-se os asilos de contraventores, os asilos de
menores, os manicômios criminais e o cárcere de mulheres.
Nesta forma de distribuição há uma tentativa de racionalização do espaço, adequando-o à tipologia do crime tendo por critério o grau de infração e a periculosidade do réu (...). A separação do réu, levando em conta o sexo e a idade também deve ser observado pelo lado técnico. Ao isolar em lugar específico categorias específicas de presos, forma-se um saber mais aprimorado sobre os indivíduos e o controle sobre seus corpos torna-se mais direto e elaborado (PEDROSO, 2004, p 07).
Vê-se nesse mecanismo de criar espaços distintos por categoria de presos, o objetivo
de reforçar a ordem pública através do isolamento dos mesmos. No entanto, na prática do
cotidiano carcerário este princípio era de difícil concretude, uma vez que, como se observa no
Relatório do Conselho Penitenciário de 1927, p. 84: “Na Colônia Correcional de Dois Rios, as
mulheres condenadas eram atendidas por um homem; dormiam em edifício separado, mas
quando se ocupavam em lavar roupa, tinham de atravessar os lugares destinados aos presos do
sexo masculino, com grande prejuízo para a ordem e a moralidade do presídio”.
Não havia um regimento referente a presença de mulheres no cárcere e como daria o
tratamento dispensado a estas, como se observa no seguinte relatório: “relevo notar que a
respeito de mulheres condenadas, que no Uruguai como na Argentina estão a cargo de
congregações religiosas, em nosso país ficam depositadas na Casa de Detenção, não havendo
regulamentação especial sobre esse assunto” (BRASIL, 1922, p. 133).
Essa Casa de Detenção foi construída na década de 1830, como início do processo de
melhoria das condições de encarceramento na cidade do Rio de Janeiro. Ao examinar as
estatísticas criminais da Casa de Detenção no período de 1866 e 1889, Marcelo Mello (2001,
p. 35) destaca que: “Na casa de Detenção e, portanto, nos seus livros de ocorrências, durante
todo o período imperial, presos de ambos os sexos eram registrados igualmente sem qualquer
discriminação pelo gênero, embora fossem alocados em celas diferentes”.
O autor aponta ainda que as crianças detidas junto com suas mães eram registradas em
fichas comuns, como as presas em geral. E que eram os casos de vadiagem, desordem,
embriaguez e ofensas, os registros mais freqüentes na Casa de Detenção, tanto no que se
refere a homens quanto às mulheres.
No intuito de suprir a ausência de condições apropriadas para a recuperação dos presos
e as deficiências operacionais das cadeias, muitos diretores recorriam aos castigos e a punição
dos presos, práticas muito utilizadas nos casos de detenção no Brasil. Nesse aspecto, a
situação de algumas prisões brasileiras passou a ser denunciada por juristas que sugeriram
reformas no sistema penal. Como foi o caso proposto por Lemos Brito no que se refere à
detenção de mulheres.
A solução para a condição de detenção das mulheres concentrou-se na proposta de se construir uma prisão nacional, localizada no Rio de Janeiro. Alí seriam recolhidas as mulheres criminosas de todos os estados, condenadas a penas maiores de quatro anos mediante a subvenção de cada estado de origem. Com base nos relatórios penitenciários sabemos que a porcentagem de mulheres no cárcere era muito pequena, em torno de 3% se comparadas aos homens. As causas mais comuns apontadas para a condenação feminina eram: a desordem, vadiagem, furto, ferimentos e infanticídio (BRITO, 1933, p. 8).
Nesse contexto, a solução pensada para os problemas penitenciários do Brasil foi a
criação de reformatórios agrícolas, tanto em decorrência da maior parte dos detidos ser das
regiões rurais, quanto o menor custo se comparado a uma prisão na cidade, com esse projeto
manter-se-iam distantes dos centros a população encarcerada.
A prisão rural não era algo inovador nesse momento, uma vez que já existiam colônias
agrícolas para menores e vadios, segundo Pedroso (2004) embora as fugas e os maus tratos
fossem freqüentes, as colônias agrícolas e as prisões distantes nos núcleos urbanos foram o
modelo penitenciário adotado nas décadas de 1920 e 1930 para afastar das cidades a
marginalidade, numa espécie de profilaxia ao criminoso social. “O estado apropriou-se dessa
modalidade prisional, para nos anos 30 restabelecer novos locais de reclusão, agora com a
designação de Penitenciárias Agrícolas” (PEDROSO, 2004, p. 11).
A legislação acompanhou os modelos penitenciários pretendidos. Como instrumento
para organizar a rotina dos presos nas primeiras décadas do século XX foi criado o Regimento
das Correções, que dentre outras coisas proibia o tratamento ilegal aos presos e a
possibilidade de ser solta a pessoa detida ilegalmente. Contudo, foi o Código Penitenciário de
1935 que regulamentou mais amplamente as prisões e as circunstâncias que envolviam a vida
dos condenados pela justiça.
As penas detentivas no Código Penitenciário, assim como o Código Penal de 1890,
tinham como propósito a regeneração do condenado. Pensando num modelo ideal de prisão,
criou-se o chamado Sistema de Defesa da Sociedade, composto por vários tipos de prisão,
adequados a diversidade da população carcerária. Conforme destaca Santos (2006, p. 36):
1. Colônias de Relegação: instituições que visavam a repressão. Estas deveriam ser localizadas em ilha ou local distante onde seriam alojados os detentos de péssimos procedimentos provenientes dos reformatórios ou penitenciárias; 2. Casas de Detenção: nestas seriam alojados os processados que aguardavam sentenças e os condenados que esperavam transferência ou vaga em algum presídio; 3. Escolas de Educação Correcional: destinadas aos menores delinquentes de mais de 18 anos e menores de 21 anos e que deveriam proporcionar aos reclusos algum tipo de trabalho; 4. Reformatórios para homens e mulheres delinquentes: destinados aos reclusos condenados a mais de 5 anos de prisão; 5. Casas de Correção: destinados aos condenados reincidentes e aos considerados difíceis ou irreformáveis, cujo convívio poderia ser prejudicial aos demais reclusos; 6. Colônias agrícolas: destinados aos reincidentes perigosos que fossem trabalhar na agricultura; 7. Sanatórios penais: para tuberculosos, leprosos e toxicômanos/alcoólatras.
Segundo o Código Penitenciário da República de 1935, artigo 241, o sistema
apresentado para defesa da sociedade, organizava-se em nível municipal com a existência de
prisões em cada sede, assim como “pequenas prisões em localidades afastadas da mesma
sede, desde que houvesse autoridade judiciária e policial, além de estabelecimentos centrais
na capital do Brasil”.
Em 1937, dois anos após a aprovação do Código penitenciário, o governo propõe nova
finalidade para as colônias agrícolas, para serem internados somente os julgados e condenados
pelo Tribunal de Segurança Nacional. Os criminosos políticos, em especial os comunistas, até
então presos nesses estabelecimentos, vistos como “perigo social” por divergirem das normas
do Estado, passam a ser distinguidos do preso comum.
Em parecer sobre a solicitação presidencial de se criar colônias penais agrícolas e um
tribunal especial para julgamento de crimes políticos, o então deputado Deodoro de
Mendonça18 (1937, p. 16) refere-se à criação das colônias agrícolas como “uma necessidade
de maior alcance para o problema de regeneração social de criminosos, como também um
meio adequado de separar da sociedade elementos que se revelem nocivos à ordem política e
social”.
O Código Penitenciário enfatiza a obrigatoriedade do trabalho penitenciário que
deveria atingir todas as formas de reclusão. O Estado capitalista pretendia com essa prática
diminuir os custos públicos com a manutenção das prisões, incentivar a produtividade dos
reclusos através da educação profissional e promover a sua readaptação social.
Outra estratégica realizada pelo Governo foi a utilização de navios para o alojamento
dos presos, como foi o exemplo do navio D. Pedro I, ancorado nas docas no Rio de Janeiro,
que durante o governo de Getúlio Vargas na década de 1930 foi símbolo de violência contra
os revoltosos e oposicionistas.
Sobre as prisões políticas na década de 1930, Elizabeth Cancelli (1993, p. 180)
explicita que estas assumiram um papel radicalizador, na medida em que “retiravam de cena”
os grupos indesejáveis ao projeto modernizador varguista. Elas se tornaram “um verdadeiro
inferno. Funcionavam como lugar de reclusão e suplício”. Os presos nesse contexto estavam
expostos à tortura, as doenças, a fome e a maus tratos indescritíveis. Uma das prisões mais
temidas pelos encarcerados, segundo a autora, em decorrência de suas péssimas condições de
vida, violência e o alto índice de mortalidade era a Colônia Correcional de Dois Rios. Esta
Colônia fazia parte de um sistema penal maior de colônias agrícolas alocadas em ilhas, do
qual faziam parte ainda as colônias da Ilha das Flores – RJ e de Fernão de Noronha – PE.
Ao discutir sobre a geopolítica das prisões no Brasil, Pedroso (2004) aponta que a
utilização de navios, colônias correcionais, prisões comuns ou ilhas para confinamento
carcerário tinha como meta principal o que chama de profilaxia social, ou seja, afastar o
inimigo nocivo ao estado, seja ele por vertentes ideológicas ou sociais, como o caso dos
comunistas e os bandidos comuns, respectivamente.
Sobre as prisões políticas durante o governo Vargas, a obra “Memórias do Cárcere” 19
de Graciliano Ramos é uma relevante fonte de informações, pois apesar do tema central ser a
experiência do autor como preso político do governo de Vargas, Graciliano Ramos apresenta
uma série de pessoas que vão desde os anônimos presos até conhecidos militantes e opositores
18 Parecer de Deputado Deodoro de Mendonça sobre a mensagem presidencial solicitando a criação de tribunal especial para julgamento de crimes políticos e de colônias penais agrícolas. Câmara dos Deputados, Comissão de Constituição e Justiça 1935-1937. Rio de Janeiro, 1937. 19 O livro Memórias do Cárcere resultou de anos de trabalho de Graciliano Ramos e ficou inacabado, foi editado por José Olympio, em 1953, meses após o falecimento de Graciliano Ramos.
do governo, legando-nos um testemunho sobre a vida cotidiana, os conflitos, a organização e
as tensões dentro das prisões varguistas anteriores ao Estado Novo.
Graciliano Ramos em “Memórias do Cárcere” relata sobre os onze dias que passou na
Colônia Correcional de Dois Rios e aponta que esta experiência o afligiu física e
psicologicamente, pois ir para essa Colônia era um dos maiores medos dos presos. “Na
verdade tinham em mente o pavoroso Relatório Chermont” 20 (RAMOS, 1996, p. 323-331).
Sobre sua experiência na colônia, o escritor fala que “várias pessoas que estavam ali
sem processo e sem julgamento, viram-se suprimidos de qualquer direito ouvindo o anúncio
frio do desígnio de morte (...) em vez de meter-nos em fornos crematórios iam destruir-nos
pouco a pouco” (RAMOS, 1996, p. 69). Sobre a condição desumana que os prisioneiros eram
tratados, relata ainda que eram tratados como “bichos (...) num curral de arame farpado” um
verdadeiro “rebanho de criaturas humanas”(RAMOS, 1996, 16-17).
O escritor faz referência a Elisa Berger21 e Olga Benário22 que estiveram detidas na
Casa de Correção do Rio de Janeiro, no Pavilhão 4, próximo ao ocupado por ele e outros
presos políticos. No Pavilhão 4 encontravam-se também Valentina, Eneida, Cármem, Ghioldi,
Maria Werneck, Rosa Meireles, entre outras.
Leonilla e Maria Joana foram recolhidas à sala 4. Do terraço, no banho de sol, vi-as lá embaixo, num pátio, em companhia das outras mulheres. Eram dez ou doze, formavam círculo e faziam exercício atirando uma à outra, a desenferrujar os braços, uma bola de borracha (RAMOS, 1996, p. 127). No caso do episódio da transferência de Olga Benário e Elisa Berger, a tortura física, a psíquica e a demonstração de força misturam-se para desmobilizar e imobilizar os prisioneiros que se vêem impactados pela situação. Uma noite chegaram-nos gritos medonhos do Pavilhão dos Primários, informações confusas de vozes numerosas. Aplicando o ouvido, percebemos que Olga Prestes e Elisa Berger iam ser entregues à Gestapo (...). Apesar da manifestação ruidosa, inclinava-me a recusar a notícia: inadmissível. Sentado na cama, pensei com horror em campos de concentração, fornos crematórios, câmaras de gases. (...) Em duro silêncio, fumando sem descontinuar, sentia na alma um frio desalento. Mas por que, na horrível ignomínia, haviam dado preferência a duas criaturas débeis? Elisa Berger, presa, era tão inofensiva quanto o marido, preso também. Contudo iam oferecê-la aos carrascos alemães. (...) À noite, na sala 4, Elisa despertava banhada num suor de agonia, os
20 Neste documento Chermont conta sua experiência como detento deste aparelho carcerário. 21
Elise Saborovsky, conhecida como Elisa Berger, alemã de origem polonesa, veio para o Brasil com o marido, Arthur Ewert (Harry Berger), ex-deputado alemão e figura de relevo no COMINTER, com a finalidade de articular a revolução comunista na América Latina. Foi presa após a Intentona e, em 1936, deportada para a Alemanha, juntamente com Olga Benário. 22
Olga Benário era alemã, judia, comunista e companheira de Luiz Carlos Prestes, articulador da Coluna Prestes e um dos líderes comunistas mais conhecidos do Brasil. Olga foi detida juntamente com Prestes e representava um delicado problema diplomático para Vargas. Grávida de Prestes ela não poderia ser legalmente extraditada para a Alemanha, como almejava os dois governos. A partir de nebulosas manobras o governo mandou-a e a Elisa Berger para a Alemanha, em agosto de 1936.
olhos espavoridos. A lembrança dos tormentos não a deixava; um relógio interior indicava o instante exato em que, meses atrás, a seviciavam na presença de Harry, imóvel, impotente. Olga Prestes, casada com brasileiro, estava grávida. Teria o filho entre inimigos, numa cadeia. Ou talvez morresse antes do parto... “(RAMOS, 1996, 263-265).
Graciliano Ramos indagava-se porque entregar duas mulheres a Gestapo, que no
momento representa a quase certeza da morte nos campos de concentração nazista? Mulheres
que presas eram inofensivas. Estas mulheres punham a prova à concepção que o regime
varguista criava da mulher voltada apenas para o lar, submissa e sem conhecimentos
intelectuais. Portanto, desagradavam duplamente o estado, pelos ideais políticos e
ideológicos, quanto por irem de encontro à figura de mulher que se desejava, filha obediente,
esposa e mãe dedicada. Quando algumas delas decidem questionar a ordem vigente durante o
governo Vargas terminam por ser presas, torturadas e mortas.
Entre as décadas de 1940 e 1960 a sociedade brasileira vivenciou um intenso processo
de urbanização, industrialização, mudanças de valores e uma efervescência de projetos
políticos que, segundo Rolim (2007), resultou na implantação de um novo ordenamento
jurídico-penal que criminalizou certas condutas e comportamentos de inúmeros segmentos
sociais, dentre eles as mulheres, quando envolvidos em situações de litigiosidade e
conflituosidade. Compôs essa nova codificação penal, o Código Penal de 1940, o Código de
Processo Penal de 1942 e a Lei de Contravenções Penais de 1942. Salvo algumas
modificações este ordenamento continua até o tempo presente.
Ao se referir aos países de tradição jurídica romano-canônica, Marc Bloch (2001, p.
131) aponta que a elaboração das regras de direito “são obra própria de um grupo de homens
relativamente especializados e, nesse papel, suficientemente autônomo para possuir suas
tradições próprias e, com frequência, até uma lógica de raciocínio particular”.
Contudo, Rolim (2007) salienta que a prática jurídica não está liberta das pressões e
dos constrangimentos sociais, o que implica que as teorias penais não podem ser explicadas
somente a partir da lógica jurídica, pois as formas de punição estão estreitamente relacionadas
com a dinâmica social. Logo, para tornar inteligível a massa documental analisada é
necessário compreender a cultura jurídico-social dos seus operadores.
A partir desse pressuposto torna-se relevante destacar que na conjuntura em que foi
aprovado o novo Código Penal de 1940 houve uma reorganização da vivência na sociedade
brasileira, tendo em vista que o estado passou a atuar de forma mais sistemática na vida social
dos brasileiros, regulando interesses coletivos e individuais. (Rolim, 2007)
Para Rivail Rolim, o Código Penal de 1940 apesar de norteado pelos princípios do
positivismo penal23 desenvolvido na virada do século XIX para o XX, enfatiza além dos
elementos fisiológicos e biológicos as motivações dos criminosos ao cometer o delito, tanto a
materialidade do crime quanto os aspectos subjetivos passam a ser considerados no ato
criminoso.
As mulheres tiveram muito dos seus comportamentos e atitudes regulados pelo novo
código. Os operadores partiram do princípio que controlando as suas condutas evitaria
conflitos que viessem a criar desordem na sociedade. Nos Títulos VI e VII, referentes
respectivamente aos crimes contra os costumes e os crimes contra a assistência familiar,
observa-se expressões como “mulher honesta”, “mulher virgem”, de “justificável confiança”,
“posse sexual mediante fraude”, “sedução”, “rapto violento” que refletem a condição
feminina no país.
Posse sexual mediante fraude Art. 215 – Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude: Pena- reclusão, de um a três anos. Parágrafo único: Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos. Pena-reclusão, de dois a seis anos.
Sedução Art. 217 Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança: Pena-reclusão, de dois a quatro anos.
Observa-se na legislação em análise que nos artigos referentes à honra e ao ultraje ao
pudor, a mulher não é caracterizada como criminosa, pois o pressuposto era que o homem
fosse o réu. No entanto, para ter a proteção da lei, torna-se necessário ter um comportamento
moral dentro dos padrões propostos de honestidade. Na maioria dos casos na interpretação da
lei pelas autoridades policiais, em sua maioria homens, as mulheres que eram julgadas no seu
comportamento e muitas vezes condenadas socialmente, até nos casos de defloramentos.
Luziane Aranha (2009, p. 50) relata no seu estudo sobre a criminalidade feminina no
Maranhão entre 1890 e 1940, que “durante toda a tramitação dos processos de defloramento, a
pessoa mais julgada geralmente era a deflorada, pois tinha que provar sua honestidade sexual,
que era virgem antes do defloramento, para depois a justiça condenar o seu deflorador”.
23 Ênfase nas causas biológicas para definir o criminoso, influenciado pela teoria evolucionista do médico italiano Césare Lombroso, parte do princípio que os comportamentos são biologicamente determinados.
Dentro desse contexto, de reformulação jurídica e de ideais de modernização e
progresso, que implicavam na tentativa de higienização do espaço urbano, ocorre a
transferência da penitenciária Estadual do Maranhão, de São Luís para Alcântara, autorizada
pelo governador do Estado Sebastião Archer da Silva através da Lei nº 61, de março de 1948,
funcionando nesta cidade até 1965.
Em vista aos riscos de um presídio próximo a áreas residenciais e ao objetivo de
afastar os detentos do convívio social, Castro (1993, p. 15) destaca que a idéia da
transferência da Penitenciária de São Luís para Alcântara, deve-se “a circunstância de já se
encontrar, ao tempo, em estudo, um projeto para construção de uma Penitenciária Agrícola no
referido município”. Não se pode deixar de mencionar os interesses econômicos e políticos
que nortearam essa transferência
Segundo a pesquisa de Sônia Sampaio24, os primeiros presos chegam em Alcântara em
abril de 1948 transportados por embarcações à vela. A penitenciária de Alcântara funcionou
num prédio construído no século XVII em frente à Praça da Igreja Matriz, onde durante o
Império abrigava a Casa da Câmara e a cadeia e que após a República funcionou como sede
da prefeitura.
Através de entrevistas com ex-presidiários, policiais militares reformados e pessoas da
comunidade, a autora coletou depoimentos sobre os interesses que teriam motivado a
transferência da penitenciária para Alcântara e sobre a situação dos presos.
Os problemas da Cadeia Pública em Alcântara, como a superlotação e a falta de
condições estruturais, pois o antigo prédio da Câmara não tinha estrutura para abrigar um
grande contingente de presos, aproximadamente 300 presos, motivaram as autoridades
responsáveis pela segurança pública a implantar um modelo distinto de tratamento entre os
presos.
Os presos sentenciados, ou seja, os presos de justiça com sentença já pronunciada e de
bom comportamento foram privilegiados com o regime aberto, enquanto os presos
correcionais, ou seja, sem processo na justiça, detidos para correção, permaneceram na
penitenciária.
Os depoimentos coletados por Sampaio (2001, p. 25) destacam que os presos
sentenciados começaram a formar núcleos em localidades como o Pepital, Jardim, Santa
Rosa, constituído famílias e usufruindo de prisão domiciliar.
24 Realizada no ano de 2001 sobre o período em que a penitenciária estadual esteve sediada em Alcântara (1948-1965). A autora utilizou-se da metodologia da História Oral, em que foram entrevistados ex-presidiários, policiais militares reformados e pessoas da comunidade.
Os ladrões mais perigosos, esses não tinham casa, nem mulher. Agora só os sentenciados mais de confiança é que tinham mulher e que tinha casa.25
Era comum segundo Sampaio (2001) o trabalho remunerado dos presos em obras fora
do recinto da penitenciária. Como se pode observar pelo Diário Oficial do Estado do
Maranhão de maio de 1922:
Do senhor diretor dessa Secretaria, ao da Imprensa Oficial, remetendo o expediente dessa Repartição Ao mesmo enviando a folha de gratificação dos presos de justiça, que trabalharam no sítio “Nova Olinda”, durante o mês de abril findo.26
Alguns desses criminosos sentenciados passaram a cometer delitos pela cidade em
decorrência da liberdade que viviam, ocasionando nos alcantarenses sentimentos de medo e
revolta. Como se pode observar pelos relatos abaixo dos moradores (apud SAMPAIO, 2001,
p. 28 e 29).
As pessoas tinham medo dos presos que ficavam tudo à vontade ai. Ninguém podia ir na quitanda. Era uma briga; eles começavam a chegar, a tomar gosto. E ficou uma bagunça aqui.27
Depois que a penitenciária foi instalada, foi que eles foram conhecendo a maneira deles viverem aqui. Então ai é que formou muita revolta. Só que aquela revolta não era assim gritada, era aquilo sufocado, porque tinham medo de realmente relatar aquilo, para que não viesse uma represália.28
Cabia a direção do presídio a responsabilidade do convívio dos sentenciados junto à
sociedade. “Os presos viviam soltos, mas deveriam obedecer regras. Dentre elas, existia a
proibição de freqüentar os mesmos lugares públicos que os alcantarenses. Também foram
proibidos de portar armas e consumir bebidas alcoólicas” (SAMPAIO, 2001, p. 31). No
entanto, na prática, o descaso de alguns diretores e o descumprimento das regras, causava
sentimentos de insegurança na população, que precisou modificar seus hábitos.
A liberdade mal vigiada de alguns presos fez com que alguns sentenciados viessem a
cometer delitos, como o assassinato de Raimundo Silveira Ribeiro, Mundiquinho29. Além do
mais as fugas eram constantes, o que contribuía para aumentar o medo e a insegurança da
população alcantarense.
25 Entrevista com o policial militar reformado Godofredo Ferreira, realizada em 14/02/2001. 26 Diário Oficial do Estado do Maranhão. Ano XVII. São Luís 20 de maio de 1922. 27 Entrevista com o Lavrador José Araújo (Petió), realizada em 17/02/2001. 28 Entrevista com a Escrivã Rosalva Souza, realizada em 02/02/2001. 29 Homem respeitado em Alcântara, segundo as entrevistas realizadas por Sampaio (2001, p. 37).
Concernente a presença de mulheres na Penitenciária da Alcântara, Sampaio (2001, p.
29) aponta que eram poucas, tendo cela e tratamento distinto. “O prédio sede da Penitenciária
possuía uma cela especial destinada às mulheres. Estas tinham tratamento diferenciado; e ao
contrário dos homens, não faziam trabalhos externos”.
Segundo os depoimentos, assim como os homens presos, as detentas30 gozavam de
liberdade, possuíam plantações e constituíram famílias, passando a viver fora da penitenciária.
Elas tinham um xadrez particular. Iam na rua. Saíam. Tinham liberdade, como tinham os sentenciados homens. Porque quem não tinha liberdade na Penitenciária, nesse tempo, era os correcionais que era ladrão.31
O governo tinha como meta ao instalar a Penitenciária estadual para Alcântara
implantar um projeto agrícola para o trabalho dos detentos, cujo objetivo era que os
presidiários considerados adaptáveis ao convívio social pudessem abastecer as cidades de São
Luís e Alcântara a partir da produção de alimentos. Contudo, o projeto agrícola não funcionou
a contento. As administrações sucessivas da penitenciária não conseguiram implantar um
sistema ordenado de produção e controle que permitisse o ajustamento e a integração dos
presos com a comunidade.
Na administração de José Del Vecchio, nomeado pelo governador Eugênio Barros
para colocar ordem na cidade e fazer os presos obedecerem as regras, a produção agrícola foi
impulsionada. Segundo o depoimento de um antigo morador, Senhor Moacyr (apud
SAMPAIO, 2001, p. 46):
Quando Del Vecchio chegou procurou organizar a penitenciária, lá neste lugar chamada Pepital, ele fez um campo agrícola. Então veja bem, nesta época a alimentação dos presos vinha toda de são Luís: arroz, feijão... Aqui não tinha nada (...). Quando começou a ter colheita, ele suspendeu toda essa mercadoria que vinha de São Luís. A penitenciária, ela mesmo na parte alimentícia, se sustentava... 32
No serviço da lavoura era comum preso vigiar os presos, como constatado pelos
depoimentos dos moradores e policiais (SAMPAIO, 2001, p. 50):
Os outros presos mais de confiança ficavam tomando conta do presídio. Esses mais de confiança ajudavam os policiais.33 O caso aqui foi tão difícil que o próprio preso escoltava o outro preso.34
30 Houve o registro de apenas 3 detentas, duas sentenciadas por crime de homicídio e outra que os entrevistados desconheciam o motivo da prisão. 31 Entrevista com o Comerciante Manoel Oliveira (Manelão), ex-presidiário, realizada em 2001. 32 Entrevista com o Aposentado Moacyr Amorim, realizada em 02/02/2001. 33 Entrevista com o policial militar reformado Godofredo Ferreira, realizada em 14/02/2001 34 Entrevista com o Lavrador Benedito Campos, realizada em 17/02/2001.
Foucault (1979, p. 137) afirma que a delinquência é muito útil para que se sonhe com
uma sociedade sem delinqüência, uma vez que “sem delinquência não há polícia” (p. 137). A
premissa foucaltiana refere-se as intenções ocultas pelo sistema em usar de forma conveniente
os presos, como o caso do diretor Del Vecchio beneficiando a si próprio seja com a produção
e comercialização dos produtos cultivados pelos presos, seja utilizando os mesmos para
vigiarem uns aos outros. “Sabe-se que a prisão não reforma, mas fabrica a delinqüência e os
delinqüentes. É este o momento em que se percebe os benefícios que se pode tirar dessa
fabricação. Estes delinqüentes podem servir para alguma coisa, pelo menos para vigiar os
delinqüentes” (FOUCAULT, 1979, p. 136).
Ainda em relação à penitenciária de Alcântara, Sampaio (2001, p. 57) aponta que as
diversas fugas eram ocasionadas pelo fato de alguns viverem soltos, ou pelo número escasso
de soldados que faziam a escolta diária dos presos para a lavoura e ainda pela própria falta de
segurança nos xadrezes ocasionados por um sistema precário. Diante desse quadro, o
sentimento de insegurança da população era crescente.
A população tinha muito medo dos presos. Não dormia. Pelo menos, nós não dormíamos. Porque se ouvia era só gritos, quando eles fugiam e se soltava aí no Desterro.35
Não apenas a população reclamava sobre as fugas, as ameaças e o medo ocasionado
pela presença dos presos na cidade, também foi anunciado pela imprensa de São Luís.
São Luiz necessita de uma Penitenciária modelo para que seja dado melhor combate ao roubo e aos crimes. O presídio de Alcântara não tem segurança, o mesmo acontecendo com os xadrezes da central de Polícia. Leopoldo Souza fugiu da Central, ano passado. Da Penitenciária de Alcântara tem se evadido vários presos. (JORNAL PEQUENO, 3 jul. 1951, p. 1951)
Como se pode observar na reportagem sobre a necessidade de uma Penitenciária que
seja modelo no Estado, o fato há muito já era almejado pela população alcantarense, que
constantemente fazia reclamações as autoridades locais sobre a presença e os desatinos dos
presos. O então prefeito da cidade, João Raymundo Leitão passou a intermediar os anseios da
população da cidade ao governador do Estado, Newton de Barros Belo que transferiu a
Penitenciária para a zona rural de São Luís – Pedrinhas – em dezembro de 1965. “Presos
transferidos: À tarde de ontem foram recambiados do 1o. Distrito Policial, todos os presos
35 Entrevista com a Costureira Maria Brito em 18/02/2001.
que ali se encontravam para a nova Penitenciária de Pedrinhas, que fora inaugurada desde
domingo último”.36
Uma década depois se constrói um pavilhão para alojar unicamente as mulheres no
Complexo Penitenciário de Pedrinhas. O que leva a supor que houve um aumento da
criminalidade feminina e/ou da pressão para que houvesse um espaço distinto para o
encarceramento das mulheres.
Antes de analisar o perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 50 a
70, faz-se relevante discutir as representações sobre a criminalidade feminina no contexto em
questão de transformações socioculturais, através dos discursos médico-religioso e jurídico, o
que será feito no próximo capítulo.
36 Jornal Pequeno, 15/12/1965.
3 DESORDEIRAS E PERIGOSAS: representações sobre a criminalidade feminina
Apesar de relevante contribuição dos estudos de gênero para a pesquisa histórica
encontrar informações sobre o feminino é uma tarefa árdua, tendo em vista as dificuldades de
fontes que registrem o passado das mulheres, principalmente aquelas produzidas por elas
próprias, uma vez que a maioria dos registros foi feita pelos homens e expressam o olhar
masculino sobre o feminino.
A escassez de vestígios acerca do passado das mulheres produzidas por elas próprias constituiu-se um dos grandes problemas enfrentados pelos historiadores. Em contrapartida, encontram-se mais facilmente representações sobre a mulher que tem por base discursos masculinos determinando quem são as mulheres e o que devem fazer. Daí a maior ênfase na realização de análise visando captar o imaginário sobre as mulheres, as normas que lhes são prescritas e até a apreensão de cenas do seu cotidiano, embora à luz da visão masculina (SOIHET, 1997, p. 295).
Mesmo com as dificuldades é cada vez maior e mais representativa a produção
historiográfica sobre as mulheres, enfocando os mais diferentes aspectos como: família,
trabalho, sexualidade, maternidade, educação, padrões de comportamento, cotidiano etc. Os
historiadores têm utilizado de criatividade na busca por pistas que permitam transpor o
silêncio e a invisibilidade que por muitos tempo perdurou no universo feminino.
Para Matos (2000), a “história com mulheres”, incorporando a análise de gênero que é
relacional, desfaz as noções abstratas e generalizantes de “homens” e “mulheres”, assim
como, as concepções essencialista e naturalizante dos papéis masculinos e femininos como
resultantes biológicos. Apresenta a realidade histórica como social e culturalmente construída,
a pluralidade de vivências de diversos sujeitos históricos, recuperando a complexidade da
experiência coletiva de homens e mulheres do passado.
Em relação às pesquisas sobre a ação e luta das mulheres, configuram-se duas
vertentes. A primeira preocupada com os movimentos organizados, dentre eles os
movimentos feministas, visando à conquista de direitos a cidadania. E a segunda preocupada
com as manifestações informais e as diferentes formas de atuação feminina.
O movimento feminista no Brasil defendeu primeiramente o direito das mulheres de
votar e serem eleitas, movimento conhecido como sufragismo. Alves (1980) relata que essa
luta feminina embora de forma tímida teve seus primeiros passos na segunda metade do
século XIX, mas que foi no início do século XX que em alguns países atingiu maiores
proporções. Hobsbawm (1995, p. 305) ressalta que “a entrada em massa de mulheres casadas
no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de
fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressionante reflorescimento dos
movimentos feministas a partir da década de 1960”.
No Brasil esses movimentos ressurgiram na década de setenta, conhecido como “novo
feminismo”, após um período de recolhimento entre o início do Estado Novo e a década de
sessenta. Com um caráter mais contestador que o momento anterior de luta pelo voto e por
direitos políticos, o feminismo nesse momento teve maior visibilidade e conseguiu
arregimentar um maior número de mulheres em todo o país.
A luta feminina pelo sufrágio empreendida no início do século surgiu num grupo
elitizado e teve um caráter liberal burguês de influências ideológicas dominantes, por isso ter
tido pouca repercussão nas classes sociais e reduzida repressão das autoridades, Branca Alves
(1980) destaca as características limitadas do movimento sufragista brasileiro, mas ressalta
que foi uma etapa necessária para que na década de setenta, as mulheres em maior
participação criticassem a ideologia dominante e colocassem em debate o papel da mulher na
sociedade, tivessem uma maior participação.
O primeiro momento do movimento feminista, segundo Costa (2001), caracterizou-se
pelo cunho conservador de não questionamento da divisão sexual de papéis entre homens e
mulheres, reforçando, pelo contrário, em alguns casos os estereótipos de vocação doméstica e
materna. Soihet (2000) por sua vez defende que as feministas nesse momento utilizaram de
uma submissão aparente como tática para defender a igualdade entre sexos, por não ter no
contexto em questão outra alternativa para transformar a ordem social que exaltava a
maternidade e via as mulheres como seres da emoção e não da razão.
Com a conquista do direito ao voto no início dos anos 1930 há uma desarticulação do
movimento feminista na grande maioria dos países latino-americanos, como é o caso do
Brasil.
Nesse intervalo o feminismo pareceu sucumbir devido ao golpe de 1937, situação que se estende da redemocratização, em 1946, até o golpe militar de 1964, período em que não houve espaço para as lutas sociais ditas particularistas no Brasil e no mundo, pois os movimentos sociais estavam fortemente influenciados pelo socialismo e pela utopia comunista, para quem em primeiro plano deveriam vir a luta contra as contradições de classe. Quando reconhecidas, as demais contradições, - de sexo e de etnia -, seriam resolvidas por extensão ao fim das contradições de classe (ARAÚJO, 2007, p. 21).
O feminismo foi na década de 1970, segundo Pinto (2003), uma das principais vozes
contra o regime ditatorial e pela luta a favor da anistia. A participação feminina nas
organizações de militância política pode ser tomada como um indicador das rupturas iniciais
que estavam ocorrendo nos papéis tradicionais de gênero. Com a participação das mulheres na
militância política contra o Regime Militar deu-se início ao rompimento com “o estereótipo
da mulher restrita ao espaço privado e doméstico, enquanto mãe, esposa, irmã e dona de casa,
que vive em função do mundo masculino” (RIDENTI, 1990, p.114).
O Brasil que era um país predominantemente rural caracterizou-se no século XX por
um intenso processo de urbanização, iniciado em meados do século e intensificado a partir da
década de 1960. Ao longo desse século, a população brasileira tornou-se quase dez vezes
maior, no censo de 1900, segundo dados do IBGE (2006), contou mais de 17.438.434
habitantes no Brasil, enquanto no censo de 2000, a população já era 169.590.693 pessoas.
No Maranhão, mais precisamente em São Luís, o início do século foi marcado pelos
efeitos da crise na economia agro-exportadora. A instalação das fábricas têxteis mudou a
fisionomia da cidade, ocasionando o aumento demográfico e o surgimento de bairros
proletários nos arredores das fábricas não acompanhados por um processo de urbanização, por
exemplo, Madre Deus, Fabril, Cambôa e Anil.
No que concerne às obras de modernização, higienização e embelezamento das
décadas de 1930 e 194037, Barbosa (2005, p. 24) chama atenção que estas se “limitavam
principalmente às áreas nobres do centro da cidade, deixando os bairros populares fora deste
projeto”. Sendo assim a população pobre ficava excluída dos benefícios oriundos das
melhorias da infraestrutura urbana.
Com o propósito de retirar das ruas as pessoas consideradas inadequadas a estética da
cidade e ao convívio social, no governo do Interventor Paulo Ramos foi construída a colônia
para tratamento dos doentes mentais e definido uma área da cidade onde as prostitutas não
ameaçariam a moral das famílias.
[Paulo Ramos] fortemente respaldado nos poderes ditatórios que o garantiam no Palácio dos Leões, concordou com o seu chefe de polícia Flávio Bezerra, em confinar as raparigas numa zona só delas. E assim, a venerada irmandade, por toda a cidade, em casas consideradas suspeitas, de mistura a vultuosos sobrados da tradicional família maranhense, viu-se concentrada, de repente, em quatro quarteirões e algumas vielas de inestimável valor arquitetônico e cultural, que abrangiam as ruas da Estrela, Palma, 28, entre outras (REIS, 2006, p. 23).
Segundo Soihet (1989), as prostitutas e criminosas, ao contrário das mulheres
“honestas” eram vistas como anormais e perigosas para a sociedade, pois apresentariam
alguma anomalia na formação de sua personalidade. Aranha (2009, p. 35) ao discutir sobre a
criminalidade feminina no Maranhão (1890- 1940) aponta que “a prostituição era apontada
37 Mais precisamente na administração do interventor de Paulo Ramos (1936 – 1945) e do prefeito Neiva de Santana (1938 – 1945).
como fator de degradação moral e física e da destruição da família, representando também um
perigo à manutenção da virtude das ‘meninas honestas’, por ser um mau exemplo”.
Criminalidade e prostituição são conceitos tidos em muitos momentos como
equivalentes, resultantes de uma generalização entre categoria moral e jurídica. Na legislação
brasileira, assim como em diversos outros países, a prostituição não é uma atividade ilícita, as
sanções são de cunho social e moral, já que a imagem da prostituta é de quem corrompe a
figura feminina, nos ideais de mãe bondosa e esposa dedicada e fiel.
Embora a prostituição não seja crime no país, as atividades que a fomentam o são,
conforme artigos os 227 a 231 do Código Penal, que destacam respectivamente: o lenocínio,
favorecimento da prostituição, casa de prostituição, rufianismo e tráfico de mulheres. Além do
artigo 130 do mesmo documento – perigo de contágio venéreo.
Cinthia Moreira (2007, p. 05) ressalta que embora a atividade prostitucional não seja
crime, é fator criminógeno, uma vez que a meretriz está muito próxima do crime, já que “tal
atividade pode ser uma condição para uma série de delitos que aí se encobrem, se realizam e
se ocultam. Muitas vezes as prostitutas estão envolvidas em ações ilícitas como roubos,
furtos, extorsões, tráfico, ultraje, lesões e injúria”. Desse modo, deve-se enfatizar que a
estreita conexão, muitas vezes, entre prostituição e criminalidade, contribui para a estatística
da criminalidade feminina.
Contudo, deve-se destacar a situação conflitante e por vezes desesperadora de certas
mulheres que se prostituíam, apontando para a complexidade do fenômeno, que vai além da
idéia do senso comum de uma pretensa “escolha” por uma “vida fácil” e desregrada de certas
mulheres sem moral, como se tem perpetuado no imaginário social.
A compreensão do significado cultural da prostituição implica na utilização da categoria de gênero, através da qual os papéis sexuais de homens e mulheres são concebidos como construções históricas diferenciadas. Muitos trabalhos que se têm sobre prostituição acabam sendo veículos de fortalecimento da visão estereotipada que se tem acerca da categoria “prostituta”. Em alguns casos o dinheiro aparece como premente para a entrega do corpo (BUTTLER, 2003, p. 49).
Historicamente a prostituição foi o caminho encontrado, como destacado no capítulo
anterior, por algumas mulheres defloradas e abandonadas, rechaçadas pela família, separadas,
viúvas como forma de sustento. Nos jornais do Maranhão, no período trabalhado, observam-
se em alguns casos atitudes extremas de prostitutas como atear fogo no prostíbulo e ao
próprio corpo.
Despediu-se do prostíbulo onde residia ateando fogo no mesmo Está presa a um dos xadrezes da Delegacia do 1º Distrito a mundana Maria Selma Gonçalves. A mesma durante muito tempo residiu na boate Bela Vista, Rua da palma – 144. Sempre dizia que quando dali saísse, haveria de deixar o estabelecimento transformado em enorme fogueira. Ontem, achou de transformar a promessa em realidade. Comprou um litro de querosene derramou sobre o colchão da cama e tocou fogo. O cubículo ficou trancado e quando o fogo foi descoberto, as chamas já passavam para outros quartos. Somente depois de muito custo o fogo foi deliberado, sendo a incendiária presa horas mais tarde. 38
Quais terão sido as motivações que levaram Maria Selma a atear fogo no local em que
se prostituía? Precisa-se entender o significado da prostituição para essa mulher e as
circunstâncias que a levaram para essa atividade numa sociedade que condenava a mulher
criminosa e, duplamente, a criminosa e prostituta.
Jovem em desespero ateou fogo às vestes Com graves queimaduras pelo corpo foi levada para o HPS. Motivos ainda não totalmente esclarecidos levaram a jovem Maria das Graças, de 16 anos, natural de Pedreiras, a jogar álcool e atear fogo no corpo, sendo conduzida em estado desesperador ao HPS, onde se encontra sob rigorosa observação médica. O fato se passou à madrugada de ontem na pensão Night And Day, de Zilda Viana, à rua 28 de julho, 436. ANTECEDENTES Maria das Graças, a Gracinha, como é conhecida, deixou o marido em Pedreiras, há três meses para se entregar à vida fácil nesta capital. Logo que aqui chegou foi viver na pensão Araçagy, à Rua 28 de julho, bem defronte da que mora atualmente. Segundo relato de colegas de Gracinha à reportagem esta há cerca de um mês recebeu a visita de sua genitora que lhe pediu abandonasse aquela vida e voltasse para casa onde seria novamente aceita. Maria das Graças não atendeu aos pedidos de sua genitora, tendo esta sofrido uma forte crise nervosa sendo levada para o Pronto Socorro. No mesmo dia em que recebera a visita da mãe, Gracinha tentou atirar-se do último andar da pensão, sendo salva milagrosamente por um soldado da PME que a conduziu à Central de Polícia onde ficou recolhida ao xadrez. 39
Chama atenção na descrição do caso que após a tentativa de suicídio de atirar-se do
prédio, Maria das Graças em vez de ser levada ao hospital foi detida na Central de polícia.
Esse procedimento leva-nos a indagar a respeito da relação da polícia com as prostitutas nesse
período. Talvez as constantes “desordens” causadas pelas prostitutas e outras pessoas das
camadas populares explicariam essa ação.
Depois de tentar se jogar da pensão em que trabalhava Maria das Graças mudou-se
para a pensão Night And Day, segundo a reportagem, que aponta ainda diferentes versões
coletadas sobre o seu comportamento de atear fogo ao corpo.
38 Jornal O Estado do Maranhão. “Duralex”. 06/01/1976. 39 Jornal Pequeno. 06/12/1965
Alguns colegas de Gracinha, desta pensão, acham-na um pouco desajustada mentalmente enquanto que, outros acreditam-na apaixonada sem saber, todavia, por quem. À madrugada de ontem Maria das Graças foi para seu quarto em companhia de um jovem da cor morena, identidade ainda desconhecida. Horas depois as demais inquilinas da pensão foram alertadas por gritos provenientes do quarto. Depois que o mesmo foi aberto encontraram-na com queimaduras pelo corpo tendo o rapaz explicado que a companheira da noite, enquanto ele dormia havia tocado fogo no corpo. Gracinha conseguiu apenas dizer que fizera aquilo porque a gerente da pensão, Iolanda, a havia humilhado não entrando, entretanto, em detalhes.
O fato de atear fogo talvez seja a forma de demonstrar que, contrariamente, ao que
historicamente se apregoou a prostituição é um fenômeno mais complexo que simplesmente a
obtenção de “prazeres ilícitos” mediante pagamento, como se tem no imaginário social.
Diversos fatores são apontados como determinantes para a prostituição, como: condições
sócio-econômicas precária, violência familiar, estupro, gravidez inesperada, baixo nível de
escolaridade, falta de oportunidade profissional, entre outros.
Tendo em vista que os discursos que cercam uma pessoa estão vinculados à
construção de sua identidade, faz-se relevante discutir as imagens e estereótipos das mulheres
que não se comportavam de acordo com a moralidade oficial e forjavam no seu dia-a-dia uma
moralidade alternativa, como é o caso das mulheres infratoras.
Os estereótipos, definindo territórios fixos, lugares específicos para o feminino, desenham uma rigidez imutável representada nos códigos e leis brasileiras. Por outro lado, é um modo de representação paradoxal. Ao estipular uma fixidez sobre a mulher, a insere em algumas possibilidades e a exclui de territórios considerados masculinos, inaugurando uma análise binária do que é e não é feminino ou masculino (VENERA, 2003, p.16).
Os estereótipos contêm formas opressivas que permitem um controle social eficaz,
mas Venera (2003) ressalta que têm a possibilidade de reinvenção, uma vez que possibilita a
transgressão mesmo sem sair do lugar, como por exemplo: quando as mulheres têm atitudes
não esperadas para seu sexo. Os estereótipos sobre as mulheres são comparados pela autora
como uma cortina de ferro, rígida, pois estão pautados nos discursos sobre como as mulheres
devem ser, agir e se comportar.
Antes de adentrar nas representações sobre a criminalidade feminina, é interessante
destacar que para além dos processos crimes que registram comportamentos violentos como
lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio, em meados do século XX os estereótipos
femininos concernentes à submissão, castidade, casamento, passividade, docilidade são
confrontados no dia-a-dia quando se depara com um grande número de mulheres trabalhando
fora, uniões esporádicas, concubinatos e processos de divórcios, em especial nas camadas
pobres.
A mulher pobre, cercada por uma moralidade oficial completamente desligada de sua realidade, vivia entre a cruz e a espada. O salário minguado e regular do seu marido chegaria a suprir as necessidades domésticas só por um milagre. Mas a dona de casa, que tentava escapar à miséria por seu próprio trabalho, arriscava sofrer o pejo de uma “mulher pública” (FONSECA, 2001, p. 516).
Ao discutir o tema maternidade e pobreza nas primeiras décadas do século XX nos
centros urbanos, Fonseca (2001) destaca que a norma oficial apregoava que a mulher devia
ser resguarda em casa, ocupando-se das tarefas domésticas, enquanto era tarefa dos homens se
utilizarem do espaço público, a rua, para trabalhar e sustentar sua família. Na prática essa
norma não retratava a realidade de muitas mulheres, seja por ter se separado do marido, ou ter
sido abandonada por ele, ou aquelas que mesmo morando com seus companheiros buscavam
uma forma de renda na tentativa de fugir da pobreza, o trabalho feminino era inevitável.
As mulheres que trabalhavam fora em tarefas tradicionalmente femininas, como
lavadeiras, engomadeiras corriam menos perigo moral que as operárias de fábricas, uma vez
que o assédio moral era constante.
Além do trabalho feminino que fazia com que as mulheres pobres tivessem um
trânsito maior no espaço público definido culturalmente como âmbito masculino, como já
destacado, o moralismo sexual e familiar burguês pautado no ideal de recato, moral, pureza
foi confrontado ainda pelas classes populares por uma diversidade de práticas, como por
exemplo: o fato de muitos casais dispensarem o casamento legal. Isso implicava
consequentemente, em muitos casos, separação sem fazer divórcio.
Separações e divórcios entre casais é um tema historicamente sensível aos valores
culturais brasileiros, pelo menos até a década de 60 quando discussões sobre o divórcio
ganham espaço público e diversos projetos são apresentados ao Legislativo. No entanto,
somente no final de 1977, durante o governo do general Ernesto Geisel, que se aprova a lei
que regula a dissolução da sociedade conjugal e do casamento.
Pessoas desquitadas, principalmente do sexo feminino, eram tidas em santo horror, escondidas ou proibidas pelas famílias. Mães solteiras, "produções independentes", nem pensar. E os casais fora da lei tentavam justificar sua posição com um vago "casamento no Uruguai". Em 1951, quando o deputado Nelson Carneiro começou sua longa campanha pela lei do divórcio – que era considerado pelas famílias como "prostituição disfarçada" –, a Faculdade de Direito não lhe permitiu ocupar nenhuma de suas salas para a conferência que marcara. À falta do que o deputado, seguido de pequena multidão, improvisou discurso no próprio pátio das Arcadas, num tumulto que teve de tudo, de guarda-chuvadas a gente indignada subindo em cadeiras e delas caindo (PRADA, 2007, p. 03).
Os anuários refletem a moral dominante sobre o divórcio, não somente nos números,
mas principalmente na classificação do fenômeno que é de difícil enquadramento. No anuário
de 1950 os desquites estão junto de fenômenos culturais como as bibliotecas e os museus,
entre 1954 e 1962 estes são ocorrências incluídas no capítulo “aspectos negativos ou
patológicos”, em que constam os dados sobre suicídios e tentativas de suicídio, ou seja, o
desquite era considerado doença, o que indica uma possível pressão social para que as
separações não se efetivassem, dado o número reduzido de desquites, sobretudo os litigiosos
(ver tabela 1). Uma nova classificação é dada a partir do anuário de 1963 quando os desquites
são incluídos no capítulo referente à situação demográfica como um aspecto do movimento da
população.
Tabela 1 – Desquites concluídos no Maranhão, segundo a natureza (1956-1958)
NATUREZA DOS PROCESSOS CONCLUÍDOS TOTAL
ANOS
Amigável Adultério Tentativa de
morte
Servícia ou
injúria
grave
Abandono
do lar
Sem
delaração
1956 18 __ ___ ____ 1 ___ 19
1958 30 2 ___ ____ 4 3 39
TOTAL 48 2 ___ ___ 5 3 58
Fonte: Estatística do século XX. Rio de janeiro: IBGE, 2006.
De acordo com o Anuário estatístico do Maranhão de 1956, no que concerne a
profissão dos cônjuges, consta no caso dos maridos as seguintes categorias: liberal, comércio,
indústria, agricultura, militar e outras. Enquanto as mulheres estão agrupadas em duas
categorias: prendas domésticas e outras. Observa-se pelo anuário uma amostra de como era
vista profissionalmente a mulher no contexto da década de 50, ignorando-se que tipo de
profissão seria estas outras, enquanto no caso dos homens tem-se elencado diversas
categorias, embora em algumas delas não conste nenhum caso.
Tabela 2 – Desquites concluídos no Maranhão, segundo a profissão dos cônjuges (1956-1958)
SEGUNDO A PROFISSÃO DOS CÔNJUGES
ANOS MARIDO MULHER
Liberal Comércio Indústria Agricultura Militar Outras Prendas domésticas
Outras
1955 ____ 2 1 5 ____ 3 11 ____
1956 ____ 4 4 4 ____ 7 12 7
Total - 6 5 9 - 10 23 7
Fonte: Anuário estatístico do Maranhão. Maranhão: IBGE, 1956.
Os anuários estatísticos embora apresentem algumas limitações são uma fonte
relevante para se conhecer o momento histórico no qual são produzidos, uma vez que os
dados possuem um significado que vão para além da soma dos números. “Efetivamente, mais
do que o tamanho do País, de sua gente, de suas atividades e instituições, as tabelas refletem o
momento político, a percepção sobre a sociedade e seus valores, às vezes de forma
contundente” (SADEK, 2006, p. 135).
Se o preconceito era grande sobre as mulheres separadas, era mais incisivo sobre as
recasadas. A opinião pública condenava qualquer mulher que tivesse mais de um homem na
vida. “Em tese, a lei não reconhecia o direito de a mulher, mesmo em estado de abandono,
viver com o novo companheiro. A mancebia era condenada e a mulher amancebada
considerada como ‘sem moral’. Carregava o estigma de prostituta” (FONSECA, 2001, p.
526).
A jornalista Cecília Prada (2007, p. 03) ao retratar sua época, anos 60, destaca o
posicionamento da igreja e das classes mais abastadas sobre a temática em questão.
O cardeal dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta também queria excomungar as famílias que recepcionassem um célebre casal de divorciados que nos vinha visitar, o duque e a duquesa de Windsor. Ao mesmo tempo, o conde Matarazzo lançava excomunhões sociais contra os casais "sem papel", excluindo-os da lista de convidados de uma fenomenal festa de casamento que deu para sua filha. A escritora Maria de Lourdes Teixeira contava como o próprio arcebispo dom Duarte Leopoldo e Silva fora visitá-la, para tentar convencê-la a não se separar de seu primeiro marido para ligar-se ao crítico e escritor José Geraldo Vieira, pois isso seria um inadmissível mau exemplo para as famílias paulistas.
Observa-se pelo relato que as sanções sociais eram concretas e atingiam sem piedade
os que ousavam desafiar a sociedade estabelecida, como por exemplo, separar-se e casar-se
novamente.
Viu-se que pairava sobre a trajetória familiar e de trabalho das mulheres pobres a
constante ameaça sobre sua moral, assim como no caso das desquitadas que recomeçavam a
vida com maiores desvantagens que os homens na mesma situação. Isso se dava porque a
mulher ideal baseava-se sempre na pureza sexual, ou seja, virgindade no caso das solteiras e
castidade das casadas.
O Código Civil Brasileiro previa no seu artigo 219 a nulidade do casamento nos
casos do marido descobrir que a noiva não era mais virgem. No romance “A Décima Noite”
de Josué Montello que transcorre na década de 1930 em São Luís, o autor se baseia no artigo
do Código Civil citado e a saída encontrada por algumas mulheres e suas famílias para
esconder o defloramento do marido.
(...) adiante da alínea que previa a anulação do casamento, na hipótese do defloramento da mulher ignorado pelo marido, saltou para as suas retinas, com esta outra advertência: “O prazo da ação, neste caso, é de dez dias, de acordo com o art. 178: a mulher, nesta hipótese, se quizesse escapar ao risco da anulação aqui prevista, só deveria entregar-se ao marido na décima noite (MONTELLO, 1982, p. 276).
No trecho transcrito o marido Aberlado depara-se com a parte do Código marcado
pelo sogro advogado Dr. Paiva que se refere ao prazo que o cônjuge tem para pedir anulação
do casamento. A partir daí o romance adquire um sentido de suspense, por acreditar ter sido
vítima de um golpe da esposa Alaíde com seu pai, tendo em vista a recusa e as situações
armadas pela mesma para não manter relações sexuais com o marido. No intuito de “limpar
sua honra”, caso sua suspeita se concretizasse, Aberlado toma a seguinte decisão:
Primeiro, hei de matá-la, deixando ao pai a solidão sem a companhia da filha! A cidade anda rindo de mim! Preciso provar que não sou um pobre-diabo compassivo que aceitou por mulher a criatura desonrada! Depois, sim, posso morrer! Mas agora – não! Tenho de viver! Hei de esperar pelo décimo dia! (MONTELLO, 1982, p. 309).
Numa sociedade em que a sexualidade é um patrimônio familiar, o recato das jovens
requer a vigilância dos pais, ou melhor, do pai de família, personagem valorizado porque
“persiste a idéia de que a presença paterna é essencial para salvaguardar a pureza das filhas”
(FONSECA, 2001, p. 530). Esse papel de proteção e zelo pela virgindade das moças que
somente o pai exerceria foi utilizado por muitos homens em processos de guarda contra as
mães.
Se a virgem era protegida e estava sobre a responsabilidade de outras pessoas, a jovem
depois de desvirginada arcava sozinha com as conseqüências do ato. Os crimes contra a honra
feminina40, nos casos das famílias mais abastadas eram resolvidos no âmbito privado, como
aponta Soihet (2001), para não “manchar” a moralidade da família. Nos casos das mulheres
pobres eram expostos publicamente, uma vez que a tentativa de reparar o mal era através da
justiça.
Através dos jornais divulgados na década de 1960, pode-se constatar o padrão de
comportamento e moralidade estabelecido no imaginário social de exaltação da virgindade:
Pobre infeliz criatura, 19 anos de idade. Certo dia conheceu um homem, em cujo frontispício ainda hoje se observa a marca da miséria falta de responsabilidade e do desrespeito ao público. O fato aconteceu não muito longe da capital. Amaram-se, amor proibido. A condição de sedutor obrigava-o a tudo fazer através dos bastidores, ou melhor, no ambiente de sua alcova. A cena durou muito, 4 anos talvez, 1961, mês de novembro. Ao invés de cumprir a missão que lhe fora confiada, iniciou a sua trajetória infamante, procurando todos os meios ter com sua vítima indefesa, conjunção carnal. Sádico como poucos, conseguira o que desejara. Isto aconteceu, de fato, muito embora houvesse recusa terminante. Como um possesso subjugou-a, no seu leito onde fará tantas indignidades. Ela nos falou chorando. A posição do tarado fazia com que ficasse encoberta tão vergonhosa cena. Rasgou suas vestes, apesar dos protestos e gritos abafados da desgraçada estudante do primeiro ano científico (...). Deixou nas entranhas da menina-moça, um filho. Ela coitadinha, sofreu bastante para encobrir dos seus honrados pais. O período de gestação constituiu-lhe uma fase de desespero, de dores e lágrimas (...). Olhares curiosos espreitam-na por onde passar, mas, a justiça divina dará o castigo merecido ao monstro sem alma e sem coração.41
Décadas antes, a jovem da reportagem em vez de vitimizada, teria que provar uma
conduta moral irrepreensível, numa sociedade que legitimava social, moral e juridicamente a
dominação masculina e que a pureza era fundamental para uma mulher.
Veracley Moreno (2005) ao discutir as denúncias de estupros e defloramentos em São
Luís no início da década de XX destaca que na averiguação de uma violência sexual, a maior
preocupação pairava em torno da existência ou não do hímem. Nas acusações de muitos
namorados que conseguiam ter práticas sexuais através de promessas de casamento, buscava-
se apresentar uma visão negativa das vítimas no intuito de justificar que as relações sexuais
mantidas com as mesmas em nada contribuíram para deflorá-las, já que segundo os acusados
elas já apresentavam atitudes comprometedoras para uma moça digna.
Observa-se pela reportagem que não houve uma condenação moral da jovem. A
ausência de informações sobre o “sedutor que não cumpriu sua missão” e cuja “condição o
obrigava a fazer tudo nos bastidores”, leva a supor que seria casado ou tinha algum parentesco
com a vítima? Que posição exercia nessa localidade que permitiu que tal acontecimento
40 Que não eram específicos à pessoa (vítima), mas um crime contra a honestidade das famílias. 41 Jornal Pequeno. Romance da Ilha, 05/ 12/ 1965. p.06.
ficasse encoberto? A virgindade feminina ainda está ligada a honra de uma família, como se
pode depreender do trecho: “Ela coitadinha, sofreu bastante para encobrir dos seus honrados
pais”. Ou seja, o comportamento das jovens era importante para manter intacta a honra de
suas famílias.
O discurso vitimizador presente na reportagem serve como forma de conformar e
manter submissa a jovem, como se pode constatar pela forma que a reportagem é encerrada:
“mais que você, sofreu Cristo, salvador da humanidade. Conforme-se com a sua sorte. Deus
assim o quis. Não se desespere, porque, maior que tudo neste mundo, existe aquele que lá do
alto, derramará sobre você, benção de felicidades”.
Relativo aos crimes de honra e atentado ao pudor, Geraldi (2008) chama atenção para
o fato de não haver no Código Penal uma artigo que caracterize a mulher como criminosa, o
pressuposto adotado é que o homem fosse sempre o réu. Mas como visto no primeiro
capítulo, a interpretação da legislação deixa ambíguo que para ter a proteção da lei, é
necessário apresentar uma conduta de acordo com os padrões propostos de honestidade.
O Código Penal legislava sobre os crimes contra a honra das famílias42 e ao pudor
público, nos inquéritos policiais as mulheres eram as mais questionadas no seu dia-a-dia. Os
principais interlocutores da polícia eram os homens, o que certamente interferia na ação
policial, numa atuação ambígua em que de vítima se passa a ré.
Soihet (1997) aponta que até a década de 1970 muito se discutiu acerca da passividade
da mulher frente à sua opressão. Opondo-se a história da qual se sucedem mulheres
espancadas, humilhadas e violentadas, emerge, a partir de então a imagem da mulher rebelde,
que trama e burla para alcançar seus objetivos.
Após apresentar alguns dos valores burgueses sobre honra e comportamento feminino
na segunda metade do século XX, o foco se dará sobre as representações referentes a
criminalidade feminina entre as décadas de 1950 e 1970.
A imagem da mulher infratora embora consolidada dentro da prisão, é constituída para
além dos muros dessa, nas relações culturais, jurídicas, religiosas etc. Então ao se pensar no
sujeito mulher infratora precisa-se considerar a história e o contexto no qual está inserida.
Historicamente os estereótipos femininos têm padronizado um modelo de mulher que de certa
forma escondem as diferenças que homens e mulheres podem construir nas suas relações e
afetos.
42 Crimes de defloramento, rapto, estupro, ultraje ao pudor, lenocínio e caftismo.
Os discursos estereotipados ditam como as pessoas devem, ou não, ser e agir. Extrapolam as previsões biológicas da diferença. Isto deve ser a indicação mais clara de que são assim porque a idéia primeira, o modelo estereotipado, é ficção enquanto algo concreto. Existem enquanto imagens ou comportamentos que devem ser perpetuados nas gerações (GERALDI, 2008, p.25).
Em relação ao posicionamento de Geraldi sobre a forma que os discursos
estereotipados ditam como homem e mulher devem se comportar é interessante citar o artigo
233 do Código Civil (1916) que define o marido como chefe da sociedade conjugal,
representante legal da família e a quem cabia a administração dos bens comuns e em alguns
casos os bens da esposa. A esposa, por sua vez, pelo artigo 247 devia ter autorização do
marido, para dentre outras coisas, exercer cargo público ou profissão fora do lar por mais de
seis meses.
Os estereótipos estão inseridos nas instituições sociais, como é o caso da família
quando reproduz, por exemplo, que ao pai cabe o trabalho remunerado e a mulher o trabalho
doméstico. A escola quando privilegia atividades mais detalhistas para as meninas e que
requerem atividade física para os meninos. O mercado de trabalho, que ainda destina a maior
parte das tarefas que exigem força física aos homens, e os trabalhos manuais às mulheres.
Similar a esses espaços, poderia se citar outros com a política, a justiça etc.
Neste ponto de vista, Geraldi (2008, p. 32) chama atenção para a relevância de se
discutir o papel dos estereótipos na construção da subjetividade feminina, e a forma como
“são utilizados seus significados e seus efeitos, como se torna mutante o que se propõe ser
fixo, como evidencia a articulação da diferença permitindo “transgressões” de limites
construídos dentro dos mesmos estereótipos”.
Apesar das condenações morais que uma mulher sofria quando fugia das normas e se
comportava diferente do ideal apregoado, muitas mulheres, em especial as das classes pobres,
foram de encontro ao discurso normatizador da natureza frágil e submissa, partindo para a
agressão, para defender seus interesses ou sua “honra”, como se pode ver pela reportagem:
Armado com uma tesoura agrediu mulher
Na tarde de ontem deu entrada no Hospital do Pronto Socorro a jovem Maria de Lourdes Sousa (21 anos, residente à Rua Afonso Pena, 241) vítima de um corte de tesoura na região braquial posterior esquerdo tendo recebido alguns pontos. Falando a reportagem nos adiantou Lourdes que estava na porta de sua casa quando passou um indivíduo, que nos disse não conhecer, e lhe jogou pilherias e disse outras palavras ofensivas a si. Procurou entrar e o desconhecido foi atrás. Não suportando mais os deboches se armou com um pedaço de pau e “mandou brasa” nele, tendo este metido uma ponta de tesoura na sua espancadora. Terminou com ele fugindo e ela indo para o HPS. 43
43 Jornal Pequeno. 04/ 11/ 1965. p. 04.
Vê-se que mediante situações adversas as mulheres agiam com agressividade
contrariamente ao que se esperava do sexo feminino.
Conforme aponta Geraldi (2008), muitas mulheres solteiras, principalmente as que
moravam em casas de cômodos ou cortiços, acabavam na delegacia por conta de brigas,
agressões e outros delitos. Entre estes, jovens flagradas com seus namorados em atitudes
reprovadas pela sociedade, como se constata pela notícia.
Os lugares públicos desta capital estão transformados em palco de espetáculos que atentam contra o pudor e exigem a repressão policial. Há poucos dias, em plena Praça João Lisboa, duas senhoritas, não respeitando o povo se entregaram, sencerimoniosamente, com dois viajantes não identificados, a idílios que a própria moral repudia e condena. Beijos e abraços fazem parte das vergonhosas cenas noturnas, que diariamente se assiste nas praças públicas de nossa cidade, de preferência nos bancos da Beira-Mar e nos lugares escuros. 44
Reclamações como as expostas acima sobre namoros considerados imorais, nos anos
seguintes transformam-se em diligências e passam a ser alvo da ação policial. O casal
encontrado é “recolhido ao xadrez e posto em liberdade no dia seguinte, depois da imprensa
ter conhecimento”, como adverte a próxima reportagem.
Há dias o delegado Pedro Santos, da 1ª Delegacia Distrital, vinha recebendo reclamações de namorados escandalosos nas calçadas das ruas São Pantaleão, Avenida Beira Mar, rua de Santa Rita e da Cruz. Ontem a noite referida autoridade determinou ao Comissário José Tanús que as 21, 30 horas, mandasse carro Socorro Policial, dar um giro pelas citadas ruas, quando então foram presos dois casais na Avenida Beira-Mar e dois rapazes duvidosos. Na Cambôa do Mato prenderam outro casal, que imediatamente fora recambiado à Central de Polícia e recolhido ao xadrez, sendo posto em liberdade, ontem, às 12 horas. Na Rua de Santa Rita de onde partem maiores reclamações, de um pensionato ali existente (...), pois não há respeito depois das 21, 30 horas, recostadas pelas portas, onde de quando em vez são chamadas atenção, a Polícia não pode pegar nenhuma dessas mocinhas, isto porque, avistaram o Carro Policial e saíram em desabalada carreira, ficando apenas, um dos namorados, que passou a protestar a ação da polícia. Isto não resolve, pois se forem surpreendidos nas calçadas, namorando escandalosamente serão recolhidos ao xadrez e postos em liberdade no dia seguinte... 45
Apesar dos padrões estabelecidos socialmente para o universo feminino, em muitos
espaços essas regras não predominavam como se pode constatar pelos jornais, romances e
processos criminais no Maranhão, em que as mulheres “namoradeiras” eram recriminadas
socialmente e pelo aparato policial.
44 Jornal Pequeno. 11/12/1959. 45 Jornal Pequeno. 11/12/1965. p. 12.
As mulheres que não se comportavam de acordo com o modelo estabelecido eram
criticadas e recriminadas pela sociedade, como se observa no título da reportagem do jornal o
Estado do Maranhão, de 1976:
Elas também estão dando trabalho Está recolhida ao xadrez da Delegacia de roubos e defraudações a mulher Maria Alice Silva (bairro Aurora). A mesma andou fazendo uma limpeza na residência do sr. José Formiga Silva (rua 19- Qd 27 casa 5). Daquela residência, a mesma carregou a importância de 500 cruzeiros. Ao ser encontrada ela já havia “estourado” quase toda a “grana”.46
Observa-se na reportagem um tom irônico do autor, uma espécie de recriminação ao
universo feminino que foge dos padrões estabelecidos e passa a ter atitudes semelhantes as
dos homens, ou seja, as mulheres estão dando trabalho, quando passam a se comportar de
maneira distinta da esperada. Referente ao delito contra a propriedade, Pecorelli (2008)
destaca que representava 45% das sentenças condenatórias no Rio de Janeiro nos anos 40 e
50, estando as jovens domésticas na “mira da lei”.
Fazia-se uma verdadeira e contínua campanha contra a ameaça dessas "criminosas" e seus parceiros, seres que colocariam em perigo a "tranquilidade do lar". Ameaça suposta e injuriosa, já que nunca eram anunciados os vereditos dos processos respectivos. Os homens eram, na maioria, suspeitos de vários tipos de vigarice, pequenos furtos, fraudes, falsificações e roubo. E esses indivíduos poderiam obter acesso às "casas de família" justamente por meio das "criadas". A grita era enorme, e o que mais parecia preocupante aos editores não eram os delitos em si, mas o que poderiam significar, na sua visão: "deslealdade", "cinismo" e "traição" àqueles que as haviam acolhido (PECORELLI, 2008, p. 15).
Segundo o padrão de comportamento e moralidade estabelecidos para as mulheres, a
mulher criminosa vai se contrapor aos ideais de esposa e mãe. No discurso médico de então a
mulher está atrelada a função reprodutiva, diferentemente do homem, como se pode verificar
na forma como a infecundidade do casal é pensada como falha na capacidade reprodutiva da
mulher. Somente quando todas as investigações negarem essa hipótese e que pode se cogitar
que o problema esteja no homem.
Quanto ao discurso jurídico referente a mulher criminosa, na segunda metade do século
XX, em oposição ao discurso criminológico positivista teve ascensão a chamada criminologia
crítica e da teoria da reação social, como destaca Martins (2009). A criminologia crítica
assumiu aspectos próprios em cada país, não apresentou uma homogeneidade de teorias, mas
de modo geral, caracterizou-se pela “mudança de foco do autor de crimes para o contexto
46 Jornal O Estado do Maranhão, “Duralex”, 09/01/1976.
social no qual ele se insere, propenso às relações de poder de ordem macro e microssocial, à
estigmatização e ao etiquetamento, à reação social e à criminalização anterior ou posterior ao
delito”.
O sujeito como causa e consequência da criminalidade cedeu espaço para análises
sociológicas do sistema penal formal e informal, em que a sociedade como um todo é
implicada no processo da criminalidade na medida em que o controle social não se limita às
instituições jurídicas.
A criminologia crítica tem como intuito desconstruir os preceitos que mantém as leis
penais caracterizadas pelos discursos criminológicos clássico e positivista, em que se
destacam as idéias dos médicos Lombroso e Ferrero, que embora não fossem unanimidades
entre médicos e juristas tiveram grande repercussão. Borelli (1999) destaca que Lomboso e
Ferrero no livro “A mulher criminosa e a prostituta” apontam que a mulher normal era
inerentemente inferior, e que a mulher criminosa carecia de instinto materno, lealdade e era
dotada de uma crueldade diabólica.
Os criminólogos críticos almejam a descriminalização do direito penal em um sentido
mais amplo, enquanto alguns militantes do movimento feminista defendem a
descriminalização dos crimes considerados tipicamente femininos e a criminalização de certas
condutas contra a mulher, como os crimes sexuais e de violência. Andrade (1997, p. 93)
aponta que a principal crítica feminista contra a criminologia crítica consiste no fato de que
esta, ao relacionar as instituições de controle social, não destacou o patriarcado como um
mantenedor da desigualdade de gênero. "A gênese da opressão das mulheres não pode se
reduzir à sociedade capitalista, pois, se esta oprime a mulher, sua opressão é anterior e
distinta, produto da estrutura patriarcal da sociedade".
O discurso criminológico feminista se propõe a desconstruir o postulado de
estigmatização do criminoso (a) tido como nato (a) e de tendências perigosas, assim como da
vítima em sua honestidade. Isso porque, da mesma forma que apenas alguns grupos são
criminalizados, apenas algumas mulheres que correspondem à figura da mulher honesta são
consideradas vítimas.
Através dos processos criminais e das notícias de jornais analisados observa-se que
historicamente, homens e mulheres foram estigmatizados por criminologias e sistemas
punitivos seletivos que refletiam aspectos de ordem social, política e econômica. É o que se
pode constatar no tratamento diferenciado da justiça e do sistema prisional.
4 MULHERES PERDIDAS: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 à 1970
O Maranhão na segunda metade do século XX caracteriza-se por um intenso processo
de migração interna, especialmente o êxodo rural para a capital São Luís, em decorrência de
conflitos pela posse da terra e da espoliação de posseiros e pequenos proprietários por
grileiros, que contribuiu significativamente, aliado ao crescimento vegetativo, para o
crescimento demográfico da cidade. Este fator ocasionou problemas de ocupação urbana.
O processo rápido de ocupação desordenada do solo urbano observado no município de São Luís, a partir dos anos 50, configura fisicamente a intensificação das contradições sociais, políticas e econômicas que caracterizaram o desdobramento de um modo de desenvolvimento que se define pela concentração de poderes e de renda (SILVA, 1984 apud GALVÃO, 2005, p. 23).
Na década de 70, no que tange as condições sociais, o Maranhão caracteriza-se por
conflitos de terras, entre índios, posseiros e grileiros, com destaque para os municípios
afetados pela construção da rodovia Belém-Brasília que ocasionou profundas mudanças na
ocupação de terras devolutas. “Tanto os grileiros como os donos de grandes projetos
começaram, a partir dos anos 1970, expulsar sistematicamente os posseiros encontrados na
área com muita violência, praticada por grupos de pistoleiros e pela polícia (GALVÃO, 2005,
p.16).
Os conflitos por terra e a expulsão desse homem do campo agora sem terra para
trabalhar, ocasiona um intenso êxodo rural, ocasionando o crescimento populacional de São
Luís, que contribuiu para o aparecimento de novos bairros e “invasões” de áreas periféricas ao
espaço compreendido entre os rios Bacanga e Anil, região que caracterizava a área urbana de
São Luís.
A construção da ponte José Sarney e da barragem sobre o rio Bacanga, ambas na
década de 1970, foram fatores relevantes nesse processo.
Abriram-se, assim, duas frentes ocupacionais: uma, ao Norte, em direção do litoral balneário, futura área nobre da cidade (São Francisco, Renascença, Calhau, Ponta D’Areia, São Marcos, Olho D’Água. Outra, a Sudoeste, região de fraca densidade demográfica, mas que logo se tornaria tradicional zona de ocupação periférica da cidade (Anjo da Guarda, Vila Nova, Fumacê, Vila Embratel, Sá Viana, parte da Vila Maranhão), abrigando parcela crescente da população pobre, e que facilitaria o acesso entre o porto do Itaqui, o qual, em 1971, seria oficialmente inaugurado, e a zona central da cidade, através de uma rodovia de pouco mais de 9 Km (RIBEIRO JUNIOR, 2001, p. 89-90).
Com o crescimento demográfico, entre o final da década de 1960 e 1970, diversos
conjuntos habitacionais foram construídos em São Luís. Ribeiro Junior (2001) chama atenção
para uma cisão de espaço, em que moradias populares são construídas em locais mais
periféricos e os conjuntos residenciais para as classes média e alta mais próximos do Centro
da cidade.
A implantação do Projeto Carajás e a instalação de grandes fábricas em São Luís e
redondezas, como ALUMAR e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) funcionaram como
foco atrativo para muitas pessoas seduzidas pela perspectiva de emprego, vindas não apenas
de outros municípios do Estado, mas de outros Estados como Piauí e Ceará, como pontua
Galvão (2005).
Conforme dados dos Anuários Estatísticos do Maranhão de 1950 a 1980, observa-se
que a população do município de São Luís quadriplicou:
Tabela 3 – População do Estado do Maranhão e da capital São Luís
ANOS POPULAÇÃO ESTADO POPULAÇÃO CAPITAL
1950 1 583 248 119 785
1960 2 463 447 159 628
1970 2 992 686 270 651
1980 4 002 679 444.877
Fonte: Anuários Estatísticos do Maranhão (1956, 1968, 1970, 1980).
A situação social e econômica do Maranhão, na segunda metade do século XX,
apresentada pelos conflitos de terras e pela ocupação desordenada dos terrenos urbanos,
particularmente, ocasionou o aumento de preços dos produtos e serviços, assim como o
agravamento da violência como destaca a reportagem:
O Maranhão lidera o campeonato da grilagem, da miséria e da violência Os preços das mercadorias, sobretudo dos alimentos, disparam. O povo come menos e cada vez pior. A grilagem é o problema maior e o mais grave. Lavradores são expulsos de suas terras, os índios são espancados e seus direitos desrespeitados. A violência e a marginalidade são manchetes diárias de todos os jornais maranhenses, provocando insegurança geral. Da parte do governo não é tomada nenhuma providência no sentido de reduzir esses fatos, ao contrário, a omissão tem como resultado o agravamento vertiginoso da criminalidade47.
O aumento da criminalidade no estado do Maranhão, especialmente da criminalidade
feminina, é constatado pelos anuários estatísticos.
Tabela 4 – Reclusos nos estabelecimentos penais no Estado do Maranhão segundo sexo
ANOS POPULAÇÃO MASCULINA
POPULAÇÃO FEMININA
TOTAL
1955 294 4 298
1956 280 4 284
1964 203 3 206
1965 269 7 276
1966 349 9 358
1968 491 18 509
1969 527 21 548
1973 531 24 555
Fonte: Anuários Estatísticos do Maranhão (1956, 1968, 1970, 1975).
Observa-se pela tabela acima que houve um pequeno decréscimo no número de presos
nos anos de 1956 e 1965 e um crescimento no número de mulheres presas nos anos de 1966 e
seguintes.
Para fins de conhecimento sobre o perfil das presas na década de 1950 e início da
década de 1960, já que a Penitenciária de Pedrinhas só foi inaugurada em dezembro de 1965,
como se destacou no primeiro capítulo faz-se relevante destacar as informações contidas nos
Anuários Estatísticos do Maranhão, no que se refere ao estado civil, profissão, instrução e
causa da condenação dos presos. As informações contidas nos anuários não são especificadas
47 Jornal Pequeno. 23/07/1980.
segundo o sexo, os dados apresentados nas tabelas abaixo, referem-se aos presos homens e
mulheres.
Tabela 5 - Presos por estado civil no Maranhão
ANOS ESTADO CIVIL
1955 1956 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1973
TOTAL
Solteiros 194 139 87 91 165 297 270 300 281 1.824
Casados 126 127 100 128 169 282 228 236 238 1.634
Outros 17 16 5 2 10 4 5 8 31 98
Ignorado 6 2 14 55 14 14 6 4 5 114
Fonte: Anuários estatísticos do Maranhão (1956, 1968, 1970, 1975).
Tabela 6 – Presos por nível de instrução no Maranhão
ANOS GRAU DE
INSTRU-ÇÃO
1955 1956 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1973
TOTAL
Analfabe-
tos
208 186 91 125 189 243 226 219 192 1.679
Instrução elementar
90 98 74 83 139 239 236 269 255 1.483
Instrução média ou superior
___ ___ 1 1 6 6 16 37 36 103
Ignorado N/C48 N/C 40 66 24 109 31 23 72 365
Fonte: Anuários estatísticos do Maranhão (1956, 1968, 1970, 1975).
48
N/C – Não comparece como categoria no anuário.
Quadro 7 – Natureza dos crimes cometidos no Maranhão
Fonte: Anuários estatísticos do Maranhão (1956, 1968, 1970).
Pelos dados dos anuários apresentados nos quadros acima, observa-se que assim como
as informações coletadas nos prontuários da penitenciária de Pedrinhas, o perfil do preso,
homem e mulher, no Maranhão entre as décadas de 1950 e 1970, era de pessoas solteiras,
analfabetas ou com pouca instrução. Não consta nos anuários informações sobre a idade dos
presos.
Quanto aos crimes cometidos, constata-se que homicídio, roubo e furto eram os de
maior incidência.
ANOS
MOTIVO DA PRISÃO
1955 1956 1967 1968 1969
TOTAL
Falsificação de moeda
1 ____ N/C N/C N/C ____
Sedução 6 8 N/C N/C N/C 14
Estupro 4 2 N/C N/C N/C 6
Homicídio 157 160 53 53 71 423
Tentativa de homicídio
10 8 __ __ __ 18
Lesões corporais 6 9 2 2 4 24
Furto 24 18 1 4 7 54
Roubo 80 69 N/C N/C N/C 149
Tráfico e uso de entorpecentes
___ ___ ___ ____ ___ ___
Latrocínio ____ ____ N/C N/C N/C ___
Outros crimes 4 6 5 7 5 27
Contravenções 6 4 N/C N/C N/C 10
Com relação ao elevado número de solteiros, tem-se a hipótese do grande número de
concubinatos existentes nas camadas populares, pessoas que passam a morar juntas e
dispensam o casamento formal. Uma parcela dos 1.824 presos solteiros deve se encontrar
nessa situação.
Com a flexibilidade dos padrões de moralidade na segunda metade do século XX, a
dinâmica de casamento entre as classes populares continua a se caracterizar pelo elevado
número de concubinato. Embora a moral burguesa não fosse totalmente estranha aos grupos
empobrecidos e as relações amorosas entre as classes populares apresentassem uma dinâmica
diferente se comparada a dos segmentos médios, o casamento permanecia como valor social.
As mães, mesmo as amasiadas, tinham no casamento formal uma meta para as filhas. A falta desse laço na organização da vida dessas moças significava para as mães um retrocesso nas aspirações de um futuro melhor, uma vez que o casamento formal constituía um objetivo a ser alcançado, a base para a respeitabilidade diante da sociedade com elevação do status (SANCHES, 2007, p.108).
É importante destacar, no período cronológico analisado (décadas de 1950 a 1970), a
repressão política e ideológica do regime militar que se iniciou no Brasil em 1964,
ocasionando importantes mudanças nas diversas esferas da vida da população brasileira.
Na década de 1970 em função da Ditadura Militar, Heloneida Neri (2007) aponta que
muitas mulheres foram presas injustamente, equivalendo a um percentual de
aproximadamente 10 %. Deve-se ressaltar que antes da ditadura militar já existia uma
preocupação e perseguição dos cidadãos brasileiros que aderiram à ideologia marxista. A
mesma autora pontua que não foi apenas durante os regimes ditatoriais que as prisões foram
utilizadas como depósitos de adversários políticos. Para exemplificar, pode-se citar a dura
repressão social que se seguiu, nos anos 1930, no governo constitucional Vargas, em que as
prisões arbitrárias se multiplicaram. Os atos de violência das forças policiais se
intensificaram. Vargas propôs e o Congresso aprovou a decretação do Estado de Sítio,
seguido do Estado de Guerra, válido em todo território nacional até 1937.
O uso político da instituição prisional adquiriu contornos singulares durante o Estado
Novo – a perseguição aos opositores seguia a linha das ditaduras fascistas-, e também após o
golpe de 1964, em que a ditadura criou a Teoria da Segurança Nacional49 para combater o
inimigo interno. Em ambos os casos, o aparelho repressor estatal organizou formas de
dominar os subversivos, que parecia incluir todo e qualquer indivíduo que se opusesse ao 49 Fundamento do Estado após o golpe militar de 1964 que se transformou em legislação em 1967 durante o governo de Castello Branco, visava garantir a defesa do país contra a subversão e a ordem, mas especificamente contra o “perigo comunista”.
poder constituído. “Policiais e grupos paramilitares invadem universidades, teatros e centros
culturais, realizando prisões e espancamentos de professores, estudantes, artistas e
intelectuais” (CAMPOS, 1998, p.28).
Nas décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura militar houve um dimensionamento
exacerbado da teoria do “inimigo interno”. Após o golpe civil-militar de 1964, o governo
passou a ver os brasileiros que lutavam pelas reformas sociais e pelo fim da ditadura como
seus opositores e potenciais inimigos. Ou seja, todo aquele que discordasse da política
estabelecida era considerado inimigo nacional.
No período em questão, observam-se duas vertentes da mulher aprisionada, como é
destacado por Almeida (2001). Por um lado aquelas presas por questões políticas, militantes
que se contrapunham as ideologias do Estado e identificadas como rebeldes. Por outro, as
mulheres presas por práticas de delitos comuns, como furto, homicídio e tráfico de
entorpecentes.
Como exemplo do primeiro grupo, as presas políticas, pode-se citar o caso da médica
maranhense, Maria Aragão, que ao construir uma trajetória comunista e de condutas ousadas
para sua época, gerou conflitos com uma sociedade conservadora e de fortes traços
patriarcais. Dos quais, pode-se destacar a reação agressiva do clero durante suas viagens pelo
interior do estado.
Quando eu passava por Coroatá o padre de lá avisou ao de Codó que eu estava indo para esta cidade. Esse padre fez uma campanha para que ninguém me aceitasse nas pensões. Consegui hospedagem, mas quando saí a rua começaram a aparecer grupos que me vaiavam e me apedrejavam. Continuei andando e entrei no Telegrafo, enviando mensagens ao interventor Clodomir Cardoso e ao chefe de polícia, Collares Moreira.50
Em outro episódio, Maria Aragão relata:
O padre de lá se apavorou com minha chegada e amedrontou a população, dizendo que era a “besta fera”, comedora de criancinhas. Para resguardar seu rebanho, ordenou que todos os moradores colocassem, nas portas de suas casas, uma cruz preta. Com esta providência acreditava que eu não poderia ultrapassar aquelas portas. Proibiu também que as pessoas me procurassem para consultas médicas e insistia: morram com Deus em suas casas, mas não vão se consultar com aquela mulher.51
A moral cristã condena a mulher que transgride as normas da submissão, casamento e
maternidade, padrões que são rompidos por Maria Aragão, ao engravidar sem ser casada, ao
50 As falas de Maria Aragão utilizadas no trabalho foram retiradas da Revista Comemorativa: Maria Aragão, 78 anos de vida, 43 anos de luta. 1988, p. 14. 51 Idem. p. 17.
casar em idade avançada e associado a estes fatores, a sua prática política. Motivos suficientes
para na década de 1950, justificarem as atitudes dos padres descritas por ela.
Ao analisar a trajetória política de Maria Aragão, Campos (1998) destaca que ela foi
presa cinco vezes. A primeira em 7 de outubro de 1951, acusada de incendiar o TRE no
período da greve de 5152. “Nas malhas da lei. Perigosa agitadora presa em fragrante, a líder
vermelha Maria Aragão” 53. Permaneceu presa por quase 3 meses, sendo solta por habeas-
corpus e o processo arquivado por falta de provas.
Fui levada imediatamente para a Central de Polícia e lá entrei como um furacão, com a raiva me sufocando. Ao ver o chefe de polícia, que dava uma entrevista coletiva, perguntei porque estava sendo presa, e ele me respondeu impaciente: “porque a senhora está mandando tocar fogo em casas populares”. – Quem está ateando fogo é o governo, inimigo do povo, não eu. Armou-se uma confusão e os jornalistas todos observaram a minha reação e a do chefe de polícia, Freitas Diniz. (...) Libertaram-me no natal apenas por intervenção do Partido que me mandou um advogado, Mário Chermon. Ele exigiu julgamento e sentença imediatamente, pois até então a justiça não havia encontrado como me condenar (...). Na verdade aquela prisão foi mais uma jogada do governo, pois sempre me declarara comunista e isso eles não podiam engolir...54
A segunda prisão de Maria Aragão foi em 5 de abril de 1964, com o golpe militar e a
implantação de uma ditadura no Brasil, os militantes da oposição passaram a ser perseguidos,
presos, torturados e exilados. “A polícia chegou à minha casa no dia 5 de abril de 1964,
quatro dias depois do golpe de 1964. Foi uma prisão menos escandalosa do que a de 1951,
pois desta vez eu não os enfrentei com agressões físicas. Esta prisão eu já esperava” 55. Foi
libertada em junho daquele ano.
Em novembro do mesmo ano, Campos (1998) relata que Maria Aragão foi presa pela
terceira vez, juntamente com outros comunistas, como Bandeira Tribuzzi, sendo solta em
janeiro de 1965 e o processo arquivado.
Em 17 de fevereiro de 1973, durante o governo de Garrastazu Médice56, Maria Aragão
é presa pela quarta vez, cumpriu pena de 6 meses em Fortaleza, onde foi torturada com
choques elétricos, bofetões e insultos. Foi solta em condicional em 23/08/1973.
52 Greve política no Maranhão em decorrência de fraude nos resultados das eleições para governador, que beneficiara o Sr. Eugenio de Barros, quando as apurações indicavam vitória do candidato Saturnino Belo, candidato das “Oposições Coligadas” e apoiado pelo Partido Comunista. 53 Jornal Diário Popular. 07/10/1951, p. 4. 54 Idem. p. 08. 55 Idem. p. 07. 56 Presidente do Brasil no período de 1969-1974, um dos governos mais repressivos da Ditadura Militar. Houve forte censura dos meios de comunicação, prisões sem acusações formais e sem mandados, graves abusos de poder e de tortura praticados contra os presos.
Na segunda quinzena de fevereiro de 1973 fui presa novamente. Desta vez foi uma prisão estúpida, tinha ocorrido um problema com o jornal do Partido, “Voz Operária” e a polícia estourou alguns aparelhos em alguns estados. Às seis horas da manhã, quando me preparava para ir ao trabalho, vi chegarem em minha casa agentes da Polícia Federal.57
A quinta prisão ocorreu depois do julgamento em 1976, no qual foi condenada há 1
ano e 2 meses. Primeiramente permaneceu numa cela da Polícia Militar em São Luís, depois
transferida para Pedrinhas.
Depois de libertada condicionalmente recebi um telefonema da Dra. Celsa, que era delegada, ou coisa parecida, da Polícia Federal, informando-me que o Superior Tribunal Militar, acatando recurso do Ministério Público, havia me dado mais dez meses de prisão, o que totalizava dois anos (...) no dia 2 de janeiro de 1977, um oficial veio a minha cela comunicar minha transferência para a penitenciária de Pedrinhas. Argumentei: - Só faltam cinqüenta e dois dias para terminar minha pena. Ele, irredutível, respondeu que eram ordens superiores e ponto final (...). Cumpri o resto da pena em Pedrinhas, presídio Estadual do Maranhão.58
No prontuário59 de Maria Aragão da Penitenciária de Pedrinhas, consta que deu
entrada em 07 de janeiro de 1977, condenada pelo crime de subversão, Art. 45 do Doc. Lei
898/1969 (Lei de Segurança Nacional). Em 27 de fevereiro do mesmo ano foi posta em
liberdade. Reingressou àquela penitenciária dez meses depois, em 12 de dezembro de 1977, a
ser sua pena revogada para dois anos. Foi novamente posta em liberdade em 08/03/1978.
A mulher militante nos partidos e oposição à ditadura militar era vista como
duplamente “pecadora”, por se insurgir contra o sistema repressor estatal e romper com os
padrões estabelecidos para os sexos, desconsiderando seu lugar de mulher. A militante era
caracterizada como “puta comunista”, enfatizando ambas as categorias desviantes dos padrões
estabelecidos pela sociedade à mulher.
Dos onze prontuários60 de mulheres, encontrados na Penitenciária de Pedrinhas,
apenas o de Maria Aragão tem como crime questões políticas. Os demais se referem a delitos
comuns.
Quanto a caracterização das presas61, observou que a média de idade era de 38, tendo a
mais nova 19 anos e a mais velha 69 anos, que era Maria Aragão. Quanto ao estado civil, a
57 Ver nota 46, p. 59. 58 Ver nota 46, p. 59. 59 Número 156, no qual consta a ficha individual, ofícios e documentação sobre a permanência na penitenciária. Arquivo morto da Penitenciária de Pedrinhas. 60 Os prontuários são arquivados pelo ano de saída dos presos. De um total de 15 caixas, dos anos de 1967 a 1981, verificou-se 1.065 prontuários, dos quais 21 são de mulheres. Para os objetivos da presente pesquisa serão analisados apenas 11, pois os outros se referem a prisões de mulheres nos anos 1980 e 1981, ultrapassando o recorte cronológico. Caso seja necessário e relevantes para o trabalho poderão ser citados. 61 Ver anexo A. Ressalta-se que algumas informações não constavam em todas as fichas.
maioria era solteira (7 presas), duas casadas e uma desquitada. Não se tem dados sobre a
existência e quantidade de filhos.
Referente à profissão são: 6 domésticas, 1 médica, 1 comerciária, 1 lavadeira e 1
culinária. Vê-se que com exceção de Maria José Aragão que era médica e Maria José Santos
que trabalhava no comércio, as demais presas tinham como ofício os trabalhos domésticos,
sinalizando para a realidade da maioria das mulheres das classes pobres.
No trabalho Ser mulher, mãe e pobre, Fonseca (2001) aponta que a mulher figurava
como a pessoa responsável pelo sustento principal da casa, embora o trabalho feminino ainda
fosse encarado de modo subalterno, como complemento da renda masculina, apesar de não ser
em muitos casos.
Outro dado observado nos prontuários e discutido pela autora, refere-se a cor das
mulheres presas. Assim como no início da República no Rio de Janeiro, as mulheres presas na
Penitenciária de Pedrinhas nas décadas de 1960 e 1970 são na sua maioria negras e pardas.
Observou-se uma dificuldade em definir a cor das presas no espaço sobre as “notas
cromáticas” 62, algumas são descritas como da cor “faioderma” (3) e “melanoderma” (3), que
são respectivamente pardo e negro. Em uma ficha tem a cor preta, uma branca e duas
morenas. Em uma das fichas não constava a cor da presa. Acredita-se que a cor não era
perguntada às pessoas, mas colocada conforme a observação pessoal de quem fazia a ficha,
pela terminologia técnica e/ou preconceituosa com que se descrevia a pele dos presos.
Nas fichas, no que concerne ao nível educacional, 5 presas são descritas como
alfabetizadas, embora não se especifique o grau de estudo, se primário, ginásio ou se apenas
sabiam assinar o nome. Uma presa tem nível primário, três são analfabetas e uma tem nível
superior. A maioria das presas são natural do interior do estado, mais precisamente 7 delas,
duas nasceram em outros estados (Ceará e Piauí) e duas em São Luís.
Referente aos crimes cometidos, a maioria estava presa por homicídio (5), seguido de
tráfico de entorpecentes (4), uma por falsificar moeda e outra por subversão. Contrariamente
ao observado nos Anuários Estatísticos, o tráfico de entorpecentes aparece com grande
expressividade nos prontuários da Penitenciária
Os registros das mulheres aprisionadas encontrados na Penitenciária de Pedrinhas,
além dos dados de identificação e crime cometido, referem-se basicamente as características
objetivas que visavam traçar o tipo físico: cor, cabelo, altura, etc. Após a entrada não consta
informações sobre o comportamento, visitas, trabalhos realizados na penitenciária, que
62 No qual é assinalado a cor da pele, dos cabelos, olhos, altura, barba e bigode nos casos dos homens. Ou seja, a descrição física dos presos.
permitissem conhecer as condições de encarceramento feminino e o tratamento recebido por
elas.
A ausência de uma unidade prisional dedicada à custódia de mulheres apenadas no
Maranhão foi observada através da análise dos prontuários da Penitenciária de Pedrinhas, uma
vez que tanto as presas da capital quanto as encaminhadas de outros municípios não
encontram acomodação adequada na penitenciária. A falta de local apropriado para o
cumprimento de penas fazia com que algumas mulheres fossem transferidas para a Secretaria
de Segurança. Como foi o caso de Eustácia Pereira encaminhada em 14/08/1967 pelo juiz de
Direito da Comarca de Pinheiro, Maria das Dores Conceição e Maria Conceição Santos,
apresentadas à Secretaria de segurança Pública em virtude da penitenciária encontrar-se em
fase de reforma no prédio, independentemente de não ter acomodações para mulheres.
Somente em 1975, uma década após a inauguração, que será construído um pavilhão
feminino na penitenciária de Pedrinhas.63
Caracterizado o perfil dos presos nas décadas de 1950 a 1970 no Maranhão, faz-se
relevante conhecer alguns dos processos crimes envolvendo mulheres no período em questão,
para isso se utiliza dos processos de habeas-corpus e das notícias de jornais.
O primeiro caso a ser analisado é o de Nemésia Nunes de Oliveira, presa na cadeia
pública de Parnarama desde 31 de agosto do corrente ano (presa há 87 dias), por ter
esfaqueado, segundo seu advogado uma prostituta que veio a falecer dias depois. Em 1950 foi
impetrado pedido de Habeas-corpus64 em favor de Nemésia, o advogado alega que a mesma
esfaqueou a vítima em decorrência dessa passar pela residência da acusada “jogando pilherias,
desmoralizando a sua pessoa, ferindo a sua moral de uma esposa digna briosa, cumpridora de
seus deveres para com o seu esposo” (...) agiu em legítima defesa da honra e dignidade de seu
lar.
A defesa é montada encima de argumentos morais, tanto no sentido de exaltar a pessoa
da acusada, que agiu em defesa de sua honra, quanto no sentido de apresentar a vítima como
prostituta, que por não se ter acesso ao processo fica impossibilitado de conhecer a vítima,
acusada de prostituta, talvez em decorrência de não ser “casada eclesiasticamente” como a
Nemésia. A tese apresentada pelo advogado é de que a vítima, cujo nome não é citado,
63 O presídio feminino do Estado do Maranhão, chamado de Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão – CRISMA será inaugurado no bairro do Olho D’Água em São Luís, no dia 11 de dezembro de 2006. 64 Habeas-corpus nº 78. Acordão 227. Parnarama. Impetrante Cristovão Alves de Carvalho em favor de Nemésia Nunes de Oliveira. Data do pedido: 27 de novembro de 1950. Julgado em 11 de janeiro de 1951. Sentença: NEGADO.
faleceu em decorrência por falta de cuidados e tratamento, mesmo o pai da suplicante tendo
auxiliado financeiramente no tratamento, realizado em Teresina-PI.
A apresentação feita por advogados e promotores sobre acusados e vítimas,
respectivamente, tem a intenção de apresentador ao julgador uma honra acima das suspeitas,
trabalham de acordo com o que mais pode valorizar a honra.
A moralidade como fator de defesa dos réus e acusação das vítimas é observado
também no caso de Rosa Cândida Reis Lemos e seu filho Maurício Reis Lemos, presos na
cadeia pública de São Bento acusados de assassinar José Hilário lemos, marido da primeira e
pai do segundo acusado.
As prisões em apreço se originaram do fato de haverem os pacientes posto termo a vida de José Hilário, isto no referido mês de julho, quando a vítima, que abandonara o lar por causa de outra mulher de vida desregrada, levando consigo alguns bens do casal, voltara ao mesmo lar para arrecadar outros bens e dar-lhes o mesmo destino (...). Ao se apossar dos bens em apreço, houve então, da parte de Rosa Cândida forte reação. Hilário, armado que estava de um revolver e de um facão, sacou de uma das armas para intimidar a mulher, tempo em que surge vindo de uma roça próxima, e ao deparar com a cena, investe contra o seu pai e fere-lhe de morte. Hilário tomba sem vida e Mauricio ruma a esta cidade onde se entregou a prisão65.
O advogado faz a defesa dos réus, alegando o comportamento moralmente reprovado
da vítima, por ter abandona a família para viver com uma mulher descrita como fora dos
padrões de comportamento da época, tendo ainda se apossado de alguns bens da família. Pela
narração do fato feita pelo advogado não se cita a participação de Rosa Cândida no
assassinato do marido, o autor do crime apresentado no documento foi Maurício Reis, mas
mãe e filho se encontram presos. O tribunal de justiça nega por votação unânime o pedido de
habeas-corpus alegando ser legal a prisão dos pacientes diante do “bárbaro crime cometido na
pessoa de João Hilário”.
Outro caso analisado é o de Agostinha Maria da Conceição, presa preventivamente na
Cadeia Pública de Bacabal desde 26/08/1969, acusada por homicídio qualificado66 de Maria
65 Habeas-corpus nº 18. Acordão 288. Viana. Impetrante Caio de Sousa Perna, em favor de Rosa Cândida Reis Lemos e Maurício Reis Lemos. Data do pedido: 08 de maio 1951. Julgado em 21 de maio de 1951. Sentença: NEGADO. 66 Art. 121, § 2º, do Código Penal Brasileiro. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.
Vieira. É impetrado pelo advogado Waldemar de Sousa Santos um habeas-corpus liberatório
da paciente sob alegação de constrangimento ilegal, por a mesma se encontrar doente com
sintomas de debilidade mental. “Fato este bastante conhecido naquela cidade e também pelos
próprios companheiros de infortúnio, permanecendo numa miserável enxovia sem quaisquer
resquícios de higiene, como sóe acontecer no interior do estado” 67.
O pedido de habeas-corpus se deu após o advogado da ré ter requerido ao juiz da
comarca de Bacabal que a mesma fosse submetida a exame médico e tratamento especializado
num dos hospitais da capital e o pedido ter sido indeferido, ação que o advogado caracteriza
como constrangimento ilegal, cerceamento de defesa e abuso de autoridade.
O juiz responsável pelo caso alega que os autos do processo foram concluídos e o
advogado de defesa nada apresentou sobre o estado mental da acusada. O crime, segundo
descrito pelo juiz do processo, ocorreu em 16 de março de1969 às 8 horas na localidade
Mangueira em Bacabal, Agostinha Maria da Conceição teria assassinado Maria Vieira com
onze golpes de facão. A acusada é apontada pelo juiz como meretriz, enquanto a vítima é
apresentada como mulher honrada, “casada religiosamente”.
Durante o processo foram ouvidas 4 testemunhas, cujo conteúdo dos depoimentos não
foram relatados na certidão apresentada pelo juiz diante das acusações do advogado de defesa.
Chama atenção na descrição do caso, as condições de encarceramento dos presos com
transtornos psiquiátricos, segundo é descrito pelo advogado de defesa Agostinha de Maria
vivia em condições precárias de higiene. Acredita- se que o tratamento dado aos presos com
problemas mentais não se distinguia dos demais presos, uma vez que muitos nem eram
diagnosticados, talvez por desinformação ou desinteresse das autoridades policiais e judiciais.
No caso de Agostinha Maria da Conceição, não foi concedido o habeas-corpus, mas o
direito de fazer o exame de sanidade mental. Ao julgar o processo, o presidente da Câmara do
Tribunal de Justiça do Maranhão ressalta: “do exame nenhum prejuízo para a Justiça poderá
advir”.
Em alguns casos, o ato de violência feminino não era condenado socialmente, mas
justificado, isto se dava nos crimes justificados pela defesa da honra. Como se pode verificar
no caso publicado no jornal Pequeno em 1960, com o título “A golpes de machado e
punhaladas” 68. As irmãs Olga (17 anos) e Olivia (16 anos) assassinaram em sua residência na
localidade de Eden em São João do Meriti, pai Manoel Francisco Santiago Filho, de 47 anos.
67 Habeas-corpus nº 105. Acordão nº2. Bacabal. Impetrante Waldemar de Souza Santos, em favor de Agostinha Maria da Conceição. Data do pedido: 09 de dezembro 1969. Julgado em 09 de janeiro de 1970. 68 Jornal Pequeno. São Luís. 19/02/1960. p. 4.
O crime ocorreu em virtude do pai vir a mais de ano tentando violentá-las, mesmo a mãe das
acusadas, Helena Casemiro, amasiada com a vítima e com quem tinha dez filhos, ter-lhe
recriminado severamente.
O pai é descrito na reportagem como anormal por perseguir as duas filhas, Olga e
Olivia, no intuito de violentá-las sexualmente.
Assim as jovens teriam passado a dormir armadas, pois Manoel procurava atacá-las durante a noite. Ontem, todavia, quando ele teria entrado no quarto em que ambas dormiam em companhia de seus irmãos Ondina e Reginaldo elas saltaram sobre ele e o trucidaram a golpes de machado e punhal, só parando quando o viram mergulhado numa poça de sangue. Manoel tivera morte imediata. Totalmente, presas de forte nervosismo e chorando, as jovens saíram correndo, tomando rumo ignorado.
A reportagem descreve o crime em linguagem que remete a situações em que vítimas
conseguem se vingar de agressores, agindo sob forte emoção, “trucidaram-no”, “mergulhado
numa poça de sangue”, ou seja, mataram com violência para se defenderem.
Após o crime as jovens fugiram para o Rio de Janeiro e os irmãos Ondira (14 anos) e
Reginaldo (12 anos) levados, juntamente com a mãe para delegacia local, a fim de prestar
depoimentos.
Se na sociedade o homicídio já é visto como algo cruel, pois fere a dignidade da
pessoa humana, o parricídio é fator condenável não apenas por ferir os valores morais e
religiosos, mas por ferir também os laços familiares. Apesar da repercussão social que o fato
de matar o próprio pai acarreta, não se percebeu na reportagem uma condenação moral de
Olga e Olivia.
Muitos são os processos de habeas-corpus em favor de uma mulher conjuntamente
com um homem, embora não se especifique, na maioria dos casos, o papel que cada um
assumiu no crime, acredita-se que muitas delas foram co-autoras ou induzidas à criminalidade
por companheiros e/ou em decorrência de parentesco, como por exemplo, no tráfico de
entorpecentes, ou em crime de estelionato.
Sobre este aspecto, pode-se citar o caso de Rosilda Alves Almeida e José Salim
Duailibe acusados de estelionato69, do qual participou mais três mulheres: Maria Helena dos
Santos (auxiliar de escritório da Fábrica Santa Amélia), Teresa Gomes Veloso (auxiliar de
escritório da Fábrica Santa Amélia) e Berta Felicidade Nascimento Martins (auxiliar de
escritório da Fábrica Santa Amélia).
69 Habeas-corpus em favor de José Salim Duailibe. São Luís. Data do pedido: 08 de outubro de 1952. Julgado em 17 de outubro de 1952.
Rosilda Alves é apontada no processo como amante de José Salim Duailibe, sócio da
empresa vítima da ação, e acusada, juntamente com as demais auxiliares de escritório do
estabelecimento industrial, de acrescentarem nas folhas de pagamento dos operários nomes
fictícios, aumentando, assim, a importância dos pagamentos, o excedente era repartido entre
todos.
Após as acusações Rosilda Alves Almeida passou a residir em outro estado. O diretor
do Cotonifício Candido Ribeiro LTDA apresentou carta inocentando José Salim de qualquer
ato ilegal na empresa, a defesa alega que não existe contra o mesmo provas ou testemunhas, a
não ser as denúncias “caluniosas das próprias acusadas, argumento refutado pelo promotor de
justiça. O habeas-corpus é concedido ao ex-gerente, recaindo somente às mulheres a autoria
do delito.
A criminalidade feminina, particularmente os crimes de homicídios, com maior índice
no período analisado segundo análise das fontes, aponta que diferentemente do que se
esperava como conduta feminina, diversas mulheres adotaram padrões de comportamento
tidos como desviantes, pois se contrapunham ao papel de submissão, docilidade, devotamento
ao lar, aos filhos e ao marido, particularmente as mulheres pobres que tinham relações
cotidianas diferente das normas dominantes.Os casos analisados mostram como muitas
mulheres estavam longe de assumir o papel estereotipado que o Estado, o Judiciário, a Igreja e
a sociedade definiam para elas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prisão, símbolo do direito de punição do Estado, teve, quando de sua implantação
no Brasil, utilização variada. Segundo análise de Célia Pedroso (2004), funcionou como
alojamento de escravos e ex-escravos, asilo para menores e crianças de rua, hospício ou casa
para abrigar doentes mentais e, finalmente fortaleza contra inimigos políticos.
Construídas em lugares inóspitos ou isoladas em ilhas, as prisões geralmente
escondem uma realidade desconhecida (maus-tratos, torturas, violência de todas as ordens) e
às vezes aceita pela população, devido a omissão e as representações desagradáveis sobre a
criminalidade e o universo carcerário.
Sob a ótica de aparelho reformador dos indivíduos, a prisão teve atenção preferencial
dos juristas preocupados em edificar modelos que proporcionasse um bom gerenciamento da
sociedade, o que implicava em tirar do convívio social os indivíduos que não se adequam as
normas estabelecidas. Esses modelos são registrados sob a forma de leis, decretos e códigos,
que possibilitam retratar os momentos da história brasileira e as formas que foram
estruturadas as práticas de dominação, poder e violência. Sob essa ótica, o sistema
penitenciário deve ser observado enquanto instituição estruturada com base no poder de
punição do Estado e reveladora do aparato de exclusão social, cuja preocupação é retirar do
convívio social indivíduos que interferem na “ordem normal” da sociedade, como é o caso de
mulheres que não se adequam as normas morais e jurídicas da sociedade.
Quando se pensa em uma mulher criminosa tem-se, quase sempre, a idéia de exceção.
No entanto, diversos trabalhos questionam o silêncio em torno da presença feminina no
aumento da violência que tem acompanhado o desenvolvimento social atual. Desconsiderar a
presença das mulheres neste panorama explica-se pelos estereótipos e imagens construídas
culturalmente sobre as mulheres, vistas como serem pacíficos, mansos, dóceis e frágeis.
Sendo assim, a mulher cometeria menos crimes por ter sido socializada para o mudo privado,
para ser mãe e esposa. A criminalidade estava reservada aos homens, devido a sua natureza
forte, viril e agressiva, tendo em vista terem sido educados para o mundo do trabalho e da
competição, de onde tirariam o sustento de sua família.
Em relação ao objeto proposto, o que chamou atenção e motivou a seguinte pesquisa
não foram os números ou a importância social dos crimes cometidos pelas mulheres, mas em
muitos casos a “invisibilidade” desses crimes. Já que figuras femininas ao longo da história
foram circunscritas por saberes e práticas que a caracterizavam pela docilidade, fragilidade,
dependência, maternidade e vocação para a família, os comportamentos divergentes destas, no
caso das mulheres autoras de delitos, ainda não aceitos socialmente. Um crime cometido por
mulher ainda causa mais espanto na sociedade que quando praticado por um homem.
A criminalidade feminina discutida no presente trabalho está para além da
representação dos crimes considerados tipicamente femininos, com o infanticídio, o aborto, a
prostituição e o abandono de crianças. Foram citados casos onde mulheres mataram homens,
companheiros ou não, outras mulheres, o que não necessariamente aponta para uma
deformação mental ou social das mesmas, mas simplesmente para fatores humanos e sociais,
como: raiva, vingança, pobreza etc. Eram mulheres criminosas comuns, sendo processadas e
algumas vezes condenadas por crimes de morte, roubo, tráfico de entorpecentes e outros,
algumas vezes motivadas por companheiros ou em razão de parentesco, em outros casos por
necessidade econômica, vício etc.
Apesar das mulheres praticarem crimes comuns, atribuídos em princípios aos homens
como homicídio, lesão corporal, roubo, entre outros, as estatísticas demonstraram que a
criminalidade feminina era muito menor do que a criminalidade masculina.
O perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970 era de
jovens adultas, com baixa escolaridade ou analfabetas, solteiras, domésticas, negras e pardas.
A maioria advinda do interior do estado acusada por homicídio e tráfico de entorpecentes.
O fato de não ter tido acesso aos processos em si, mas somente aos requerimentos de
habeas-corpus dificultou a análise dos casos apresentados, uma vez que as informações são
relatadas por apenas umas das partes dos processos, ou seja, a partir da ótica de defesa dos
advogados impetrantes dos habeas-corpus.
O sistema prisional no Estado do Maranhão, assim como o brasileiro, tem como
obstáculo a insuficiência de publicações oficiais, e quando não a dificuldade de acesso aos
dados referentes à criminalidade e ao modelo penitenciário. Tendo em vista que os
documentos referentes aos processos criminais, principalmente da segunda metade do século
XX, identificação dos presos e informações sobre o sistema penal no Maranhão não possuem
um lugar de destino, que possa favorecer pesquisas e trabalhos futuros, fica a cargo dos
diretores das cadeias e da penitenciária o arquivamento ou não da documentação.
A localização da documentação é desconhecida pela maioria dos funcionários atuais
do sistema carcerário e judiciário do estado, quando mantida por alguns órgãos não se tem os
cuidados necessários para a preservação, prejudicando pesquisas futuras, uma vez que são
documentos com grande potencialidade de informações. Os processos criminais, registros dos
presos, movimentação das cadeias, dentre outros documentos, deveriam se encontrar no
arquivo público, no intuito de se preservar e facilitar o acesso a estudantes e pesquisadores.
Tendo em vista o escasso número de trabalhos desenvolvido sobre o tema, o presente
trabalho torna-se importante fonte de consulta e de possibilidades para trabalhos futuros sobre
a dinâmica da criminalidade feminina no Maranhão, com vista inclusive para a discussão e
adoção de uma política criminal mais efetiva, que atenda às necessidades específicas da
mulher criminosa.
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ANEXOS