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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM KHIVIA KISS DA SILVA BARBOSA SIGNIFICADOS E EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA ACOMETIDAS POR TUBERCULOSE JOÃO PESSOA/PB 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

KHIVIA KISS DA SILVA BARBOSA

SIGNIFICADOS E EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

ACOMETIDAS POR TUBERCULOSE

JOÃO PESSOA/PB

2018

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KHIVIA KISS DA SILVA BARBOSA

SIGNIFICADOS E EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

ACOMETIDAS POR TUBERCULOSE

Tese apresentada à Coordenação do Programa de Pós-

Graduação em Enfermagem, em nível Doutorado, do

Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da

Paraíba, para fins de aprovação.

Área de concentração: Cuidado em Enfermagem e Saúde

Linha de pesquisa: Políticas e práticas do cuidar em

enfermagem e saúde

Orientadora: Profa. Dra. Jordana de Almeida Nogueira

Coorientador: Prof. Dr. Marcelo Eduardo Pfeiffer

Castellanos

JOÃO PESSOA/PB

2018

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KHIVIA KISS DA SILVA BARBOSA

SIGNIFICADOS E EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

ACOMETIDAS POR TUBERCULOSE

Trabalho apresentado e submetido à avaliação

da banca examinadora como requisito para a

obtenção do título de Doutor em Enfermagem,

do Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem da Universidade Federal da

Paraíba.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dra. Jordana de Almeida Nogueira - Orientadora

(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)

Prof. Dr. Marcelo Eduardo Pfeiffer Castellanos - Coorientador

(Universidade Federal da Bahia - UFBA)

Profª. Dra. Janaína von Sohsten Trigueiro - Examinadora externa

(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)

Profª. Dra. Anne Jaquelyne Roque Barrêto – Examinadora interna

(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)

Profª. Dra. Ana Cristina de Oliveira e Silva – Examinadora interno

(Universidade Federal da Paraíba - UFPB)

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A fome e o frio me matam mais do que o germe do

meu pulmão.

(CASTRO ALVES)

(Diário de campo, 26/11/2015)

Conheça todas as teorias, domine todas as

técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja

apenas outra alma humana.

(CARL G. JUNG)

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À memória da querida professora orientadora,

Lenilde Duarte de Sá. Compreender os

propósitos de Deus me parece uma tarefa bem

difícil. Sua partida tão precoce deixou a

certeza do fim do sofrimento, e a saudade dos

bons momentos compartilhados é

companheira. Meu reconhecimento e minha

gratidão pela oportunidade de ingressar no

Doutorado e abrir os horizontes para meu

crescimento acadêmico, profissional e pessoal.

A minha querida orientadora, Jordana de

Almeida Nogueira, por chegar de mansinho e

me encher de esperança e de coragem; pela

orientação magistral!; pela bondade gratuita;

pela sensibilidade e pela paciência; por me

permitir ser eu mesma; por ser “colo que

acolhe, braço que envolve, palavra que

conforta, silêncio que respeita, alegria que

contagia, lágrima que corre, olhar que

acaricia, desejo que sacia, amor que

promove” (Cora Coralina). Obrigada por

existir!

Ao meu querido coorientador, Marcelo

Castellanos, pela sensibilidade de me acolher

e conduzir-me a uma estrada tão cheia de

pedras. Ele soube me ouvir, me amparar, me

compreender e me ensinar. Sorrimos juntos e

choramos também. Por me permitir ser eu

mesma; por todas as palavras encorajadoras;

pela postura entusiasta e otimista e que, em

sua expertise na Ciência, mostrou-me o que

realmente importa na vida. Obrigada por

existir!

A Lucas, Felipe e Pedro, que me nutrem

diariamente do mais puro Amor e por me

fazerem um ser humano melhor.

Filhos...Fizeste-me ver a claridade do mundo

e a possibilidade da alegria. Tornaste-me

indestrutível, porque, graças a ti, não termino

em mim mesmo. (Pablo Neruda)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me conduziu até aqui, por me sustentar, ser a minha rocha e a minha luz.

Por ser bálsamo para meu corpo e minha alma. Por encher meu coração de amor, alegria e

esperança. Por me guiar na escuridão e me proteger sempre!;

A Maria, mãe de Jesus, por ser minha inspiração de paz e consolo;

Aos meus queridos pais, Dinalvo e Elsa, por todo o amor e o apoio, por acreditarem

que sou capaz e serem um exemplo de garra e de perseverança. Eu amo muito vocês!;

Aos meus queridos pais, Antônio (in memoriam) e Nilzete, por todo o amor, pelo

cuidado e pelas orações. Eu amo muito vocês!;

Aos meus irmãos, Neto, Christian e Renata, pelo companheirismo, pelo amor, pelo

apoio e pela cumplicidade de sempre! Por me rodear de cuidados para que eu pudesse

concretizar esse sonho;

Aos meus irmãos, Júnior (in memoriam), Neide, Donato, Beta e Aline, pela torcida,

pelo cuidado e pelos encontros que enchiam meu coração de amor, sempre recheados de

alegria!

Aos meus filhos, Lucas, Felipe e Pedro, por serem grandes incentivadores, por me

cercarem de amor e de cuidado e encherem minha vida de alegria e de luz;

A Lucas, meu filho, pelas inúmeras contribuições, pois, mesmo na imaturidade

acadêmica, mostrou-me, várias vezes, as fragilidades deste trabalho;

Ao Meu Amor (Carlos Eduardo), grande companheiro nessa trajetória, pelo incentivo,

pela paciência e pela dedicação; por cuidar de tudo para que eu pudesse me dedicar

integralmente ao Doutorado; por me dar colo em silêncio e me amar na alegria e na dor;

Aos meus lindos sobrinhos: Rafael, Rubens, Rafaely, Luana, Laís, Raquel, Bárbara,

Camila, Christian, Bruna, Gabriel, Ana Clara, Maria Eduarda, Emerson e Liam, pela alegria e

pelo carinho constantes. Tia Bri ama muito vocês!

Aos meus queridos cunhados: Bruno, Izaura, Adelice, Amaral, Patrícia, Mônica, Deco

e Duda, pela torcida e por acreditarem em mim;

A todos os meus tios e tias, primos e primas, pela torcida e pelas orações;

À querida Maria Louiza, pelas palavras de carinho e pelos momentos compartilhados;

À Profa Dra. Karen Mendes Jorge de Souza, por ter sido a primeira pessoa a sentar

comigo para definirmos algumas coisas deste estudo; pela sensibilidade e pelo jeito doce de

compartilhar conhecimentos. Muita gratidão pela acolhida inicial e pela torcida!

A Mikael Brasil, pelas sugestões e pela torcida radiante desde o meu ingresso no

Doutorado.

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Às pessoas que vivem em situação de rua em João Pessoa, pela confiança e pelo

acolhimento ao relatarem suas histórias inspiradoras. Sou profundamente grata a vocês!;

À querida Anne Jaqueline, pelo incentivo e pelo aconselhamento para meu ingresso no

Doutorado;

Ao Prof. Dr. Antônio Nery Filho, coordenador geral do CETAD/UFBA, pelo encontro

e pelos apontamentos;

À amiga-irmã, Marina Lellis, pelos conselhos, pelas orientações, pelos cuidados e pela

torcida para que eu fosse aprovada no Doutorado. Depois, para que eu conseguisse me afastar

da UFCG e, agora, pela finalização deste trabalho; por ter vibrado em cada conquista; por me

dar um lar em Campina Grande e preencher, com alegria e entusiasmo, nosso dia a dia tão

corrido e atribulado, com nossas intermináveis conversas e risadas na mesa da cozinha,

acompanhadas de comidinhas gostosas. Por todo amor a mim dispensado. Essa vitória é

nossa!

À amiga Sílvia Rodrigues, pelos conselhos, pelos cuidados, pela acupuntura, pela

preocupação, pela torcida, pela alegria dos encontros e pelos abraços de cura;

A Annelissa Andrade, que mostrou ser uma pessoa sensível e altruísta, por me dar a

mão e compartilhar conhecimentos sem esperar retorno. Pela bondade gratuita e por

compartilhar momentos de dor e de alegria, com uma grandeza de ser humano admirável;

Aos todos os professores do PPGENF, pelos ensinamentos compartilhados; em

especial a Profa Miriam Nóbrega.

Aos meus queridos da turma de Doutorado do PPGEnf 2014.2: Glenda, Smalyanna,

Melquíades, Karen, Mariana, Elisabeth, Amanda, Cristiane, Alinne, Nathaniele, Tatiana, e em

especial Ana Karenina, Sônia e Lucineide pelas parcerias;

Aos meus queridos companheiros do Consultório na Rua do ano de 2015, pela

acolhida, pela paciência e pelo incentivo. Com eles, foi possível compartilhar saberes e fazer a

coleta dos dados, vivendo intensamente as emoções do trabalho nas ruas, sempre rodeada de

segurança e de apoio. Desenvolvem um trabalho com comprometimento, seriedade e alegria.

“Chegam junto”, levando cuidado e cidadania para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Dedico, especialmente, a Luana, a Laiene, a Camila Larisse, a Thaís, a Nilton e a Beto. Foi

maravilhoso desfrutar da amizade e do carinho de vocês. Minha Gratidão!

À Coordenação do Consultório na Rua e à Secretaria Municipal de Saúde de João

Pessoa, na pessoa de Andressa, minha gratidão pela autorização para a coleta dos dados;

Aos colegas do Grupo em estudo e qualificação em Tuberculose na Paraíba – Grupo

TB/PB, pela convivência e pela partilha de conhecimentos; especialmente a Karinne,

Sthephanie, Lilia e Jana.

Aos queridos membros da Comunidade Filhos da Misericórdia, que desenvolvem um

trabalho lindo com pessoas em situação de rua, especialmente a Luciano Alves Vieira, pela

ajuda maravilhosa e imprescindível na coleta dos dados;

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A Lia Crescêncio, pela amizade, por compartilhar momentos que fizeram a caminhada

ser mais leve. Pelo olhar carinhoso dirigido a este trabalho;

A Breno Cavalcanti Cunha, Lourdinha, Rivaldo e Neto, pela disposição em ajudar

quando as portas da rua se fecharam;

Aos queridos membros da banca: o Prof. Dr. Marcelo Castellanos, a Profa Dra. Janaína

Von Sohsten, a Profa Dra. Anne Jaqueline Barrêto e a Prof

a Dra. Ana Cristina Silva, por todas

as contribuições em diferentes momentos de minha caminhada. Vocês foram brilhantes.

À Profa

Dra. Rita de Cássia Cordeiro de Oliveira, pelas contribuições na banca de

qualificação;

Aos meus lindos afilhados, Bárbara, Gabriel, Giovanna e Marina. Que eu possa, em

algum momento da vida de vocês, servir de inspiração;

À querida Glenda Agra, por me fazer companhia nessa caminhada e me confortar nos

momentos de desespero; pelas lágrimas, pelos sorrisos largos e pelas intermináveis

gargalhadas e por me permitir estar perto do seu coração gigante;

A Ana Karenina, pelo apoio e carinho de sempre, pelas palavras de incentivo, pelo

cuidado e pela correção do trabalho;

Ao Prof. Sérgio Freire (UFAM), pelas conversas e postagens confortantes e

inspiradoras;

Aos meus amigos: Odebis, Iraci, Cíntia, Emmanuel, pelo carinho, cuidado e alegria

compartilhada por cada vitória.

Aos meus compadres: Roberta, Genildo, Fabiana, Moacir, pelos encontros cheios de

alegria, pelas trocas de energia, pela irmandade e pelo companheirismo mútuo;

À Profa. Thalyta, socióloga, pela paciência em ler este trabalho e dizer que estava

lindo;

Aos amigos e colegas do Curso de Enfermagem da UFCG, pela torcida alegre;

Aos funcionários do PPGEnf: Sr. Ivan e dona Carmem, pela disposição e pela calma

em ajudar, especialmente a Nathali, pelas conversas esclarecedoras e animadoras, por toda a

disposição e alegria e pelas boas energias que sempre transmitiu;

À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ), pela aprovação

deste projeto;

À Universidade Federal de Campina Grande, por proporcionar meu afastamento, para

que eu pudesse me dedicar exclusivamente ao Doutorado;

Pela força que me impulsiona para cima e enche meu ser de luz, a todos os que fizeram parte

dessa jornada cujos nomes não foram citados, mas, que tornaram a caminhada mais leve e

alegre. Abraços de algodão.

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RESUMO

BARBOSA, Khivia Kiss da Silva. Significados e experiências de pessoas em situação de

rua acometidas por tuberculose. 2018. 121 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Centro

de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.

Introdução: A presença de pessoas vivendo em situação de rua (PSR) desperta, na sociedade,

olhares indiferentes, que marginalizam e associam esse público à violência. Adoecer de

tuberculose (TB) morando na rua potencializa sobremaneira essa segregação, visto que a TB é

uma doença fortemente marcada pela exclusão social e por estigma. Habitar a rua, estando

acometido por essa doença, exige uma (re)organização nos modos de viver e de (re)significar

a vida devido às repercussões que o adoecimento produz na existência da pessoa adoecida e

de seu entorno social. Objetivo: Analisar os significados e as experiências de pessoas em

situação de rua relacionados ao adoecimento por tuberculose na rua. Percurso metodológico:

Estudo qualitativo, desenvolvido no município de João Pessoa, que envolveu cinco PSR,

acometidas por TB. Para coletar os dados usamos um diário de campo e um roteiro de

entrevista em profundidade, no período de fevereiro de 2015 a março de 2016. Para analisar o

material empírico, empregamos a Análise Narrativa. Depois de dividir as narrativas em

proposições indexadas e não indexadas, identificamos as trajetórias individuais e, depois de

agrupá-las em categorias, elaboramos a síntese narrativa coletiva. O projeto foi aprovado pelo

Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da

Paraíba, conforme o CAAE 20446513.0.000.5188. Resultados: As categorias apontam que as

condições em que vivem este público acometido por TB não favorecem para que adiram ao

tratamento da doença e continuem a fazê-lo, porquanto elas priorizam as necessidades de

alimentação, liberdade, uso de álcool e outras drogas. E apesar de sofrer devido aos sintomas

da doença, eles não a reconhecem como um agravo que requer tratamento imediato e risco de

morte. Considerações finais: Sugerimos que haja uma articulação das áreas de saúde com a

assistência social, a nutricional e a psicossocial para encontrarem formas intervir, de maneira

favorável, nas principais barreiras apontadas por PSR acometidas de TB, para que possam

aderir ao tratamento e dar continuidade a ele. Para isso, é necessário um olhar direcionado

para as peculiaridades desse grupo populacional.

Descritores: Pessoas em situação de rua. Tuberculose. Narração.

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ABSTRACT

BARBOSA, Khivia Kiss da Silva. Meanings and experiences of homeless population

affected by tuberculosis. 2018. 121 f. Thesis (Doctorate in Nursing) - Health Sciences

Center, Federal University of Paraíba, João Pessoa, 2018.

Introduction: The presence of people living on the street (PSR in Portuguese) awakens in our

society indifferent looks which marginalize and associate this public with violence. Sick of

tuberculosis (TB) while living on the street greatly potentiates this segregation. Given that TB

is a disease that is strongly marked by social exclusion and stigma. Dwelling in the street and

being affected by this disease, there is a requirement for a (re)organization in ways of living

and meaning of life due to the repercussions that the illness produce in the existence of the

sick people and their social environment. Objective: To analyze the meanings and

experiences of street dwellers in relation to tuberculosis in the street. Methodological

approach: A qualitative study, developed in the city of João Pessoa, which involves five

RSPs, affected by TB. To collect the data we used a field diary and a roadmap of in-depth

interviews from February 2015 to March 2016. To break down the empirical material, a

narrative analysis was used. After dividing the account into indexed and non-indexed

propositions, we identify the individual trajectories and, after grouping them into categories,

we elaborate the theoretical model. The project was approved by the Research Ethics

Committee of the Health Sciences Center of the Federal University of Paraiba, according to

CAAE 20446513.0.000.5188. Results: The categories indicate that the conditions in which

this group is affected by TB is not conducive to adhere to the treatment of the disease and will

continue to do so, because they prioritize the needs of power, freedom, use of alcohol and

other drugs. And despite suffering from the symptoms of the disease, they do not recognize it

as an aggravation that requires immediate treatment and risk of death. Final considerations:

We suggest that there be an articulation of health areas with social, nutritional and

psychosocial assistance to find ways to intervene, in a favorable way, in the main barriers

pointed out by RSPs affected by TB, so that they may adhere to treatment and give continuity

to it. For this, it is necessary to look at the singularities of this group.

Keywords: Homeless. Tuberculosis. Narration.

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RESUMEN

BARBOSA, Khivia Kiss da Silva. eres. Significados y experiencias de personas en

situación de calle acometidas por tuberculosis. 2018. 121 f. Tesis (Doctorado en

Enfermería) - Centro de Ciencias de la Salud, Universidad Federal de Paraíba, João Pessoa,

2018.

Introducción: La presencia de personas viviendo en situación de calle (PSR) despierta, en la

sociedad, miradas indiferentes, que causan marginación y asociación de ese público a la

violencia. Enfermarse de tuberculosis (TB) viviendo en la calle potencializa sobre todo esta

segregación, ya que la TB es una enfermedad fuertemente marcada por la exclusión social y el

estigma. Habitar la calle, estando acometido por esa enfermedad, exige una (re) organización

en los modos de vivir y de (re) significar la vida debido a las repercusiones que la enfermidad

produce en la existencia de la persona enferma y de su entorno social. Objetivo: Analizar los

significados y las experiencias de personas en situación de calle relacionadas con la

enfermedad por tuberculosis en la calle. Recorrido metodológico: Estudio cualitativo,

desarrollado en el municipio de João Pessoa, que implicó cinco PSR, acometidas por TB. Para

recoger los datos usamos un diario de campo y un guión de entrevista en profundidad, en el

período de febrero de 2015 a marzo de 2016. Para analizar el material empírico, empleamos el

Análisis Narrativo. Después de dividir las narrativas en proposiciones indexados y no

indexados, identificamos las trayectorias individuales y, después de agruparlas en categorías,

elaboramos el resumen. El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación del

Centro de Ciencias de la Salud de la Universidad Federal de Paraíba, conforme al CAAE

20446513.0.000.5188. Resultados: Las categorías apuntan que las condiciones en que viven

este público afectado por TB no favorecen para que se adhieran al tratamiento de la

enfermedad y continúen haciéndolo, porque ellas priorizan las necesidades de alimentación,

libertad, uso de alcohol y otras drogas. Y a pesar de sufrir debido a los síntomas de la

enfermedad, no la reconocen como un agravio que requiere tratamiento inmediato y riesgo de

muerte. Consideraciones finales: Sugerimos que haya una articulación de las áreas de salud

con la asistencia social, la nutricional y la psicosocial para que se encontre formas de

intervenir, de manera favorable, en las principales barreras apuntadas por PSR acometidas de

TB, para que puedan adherirse al tratamiento y dar continuidad a él. Para eso, es necesario

una mirada orientada hacia las peculiaridades de ese grupo poblacional.

Descriptores: Personas en situación de calle. La tuberculosis. Narración.

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LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS

APS – Atenção Primária à Saúde

ABS – Atenção Básica à Saúde

BSR – Busca de Sintomáticos Respiratórios

CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CCS – Centro de Ciências da Saúde

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CR – Consultório na Rua

DOTS – Directly Observed Treatment Short-Course

ESF – Equipe de Saúde da Família

ISTs – Infecções Sexualmente Transmissíveis

GRUPO TB/PB – Grupo de Estudos e Qualificação em Tuberculose da Paraíba

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

MS – Ministério da Saúde

PNAB – Política Nacional de Atenção Básica

OMS – Organização Mundial da Saúde

SAMU – Serviço de Atendimento Médico de Urgência

SES – Secretaria Municipal de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

TB – Tuberculose

TDO – Tratamento Diretamente Observado

TQR – Talk in Qualitative Research

UBS – Unidades Básicas de Saúde

USF – Unidades de Saúde da Família

UPA – Unidade de Pronto Atendimento

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LISTA DE FIGURAS E QUADRO

Figura 01 – Fluxo de assistência à pessoa em situação de rua doente de tuberculose

na rede de assistência de saúde e social, João Pessoa – PB – 2018................................... 49

Figura 02 – Fluxo de assistência à pessoa em situação de rua doente de tuberculose

realizado pelo CR - João Pessoa – PB – 2018....................................................................... 49

Quadro 1 – Códigos utilizados na transcrição e na análise das entrevistas..................... 53

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LISTA DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

BURRINHO – Pequena garrafa de aguardente, pinga;

INTERA – Completa;

MANGUEAR – Pedir;

MALOCA – Lugar de morar;

MALOQUEIRO – Marginal, pessoa que pratica o mal;

TÁ DE BOA? – Está bem?

TÁ EMBAÇADO – Está complicado ou de difícil solução

TEM JEITO? – Tudo bem?

ISSO É FRIA – Isso não é bom

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 17

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 24

1.1 OBJETIVOS.......................................................................................................................... 33

1.1.1 Objetivo geral................................................................................................................... 33

1.1.2 Objetivos específicos....................................................................................................... 33

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................................... 35

2.1 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: de quem estamos falando?...................... 35

2.2 EXPERIÊNCIA DE ADOECIMENTO E CUIDADO: contribuições da narrativa.... 40

3 PERCURSO METODOLÓGICO..................................................................................... 47

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO............................................................................... 47

3.2 CENÁRIO DO ESTUDO.................................................................................................... 47

3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO...................................................................................... 50

3.4 PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO.................................................................... 51

3.5 ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................................... 52

3.6 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................................... 54

4 RESULTADOS....................................................................................................................... 56

4.1 APRESENTANDO OS PARTICIPANTES E SUAS TRAJETÓRIAS....................... 56

4.2 NARRATIVAS DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO............................................... 59

4.2.1 Resiliente na dor e no abandono (Augusto dos Anjos)........................................... 60

4.2.2 Uma vigilante noturna (Auta de Sousa)..................................................................... 66

4.2.3 Eu sou bicho solto! (Cruz e Sousa).............................................................................. 68

4.2.4 Se eu contar a minha vida, até um bezerro chora! (Castro Alves)...................... 72

4.2.5 Tenho sono de passarinho... (Pedro de Calasans)................................................... 75

5 AGRUPAMENTO E COMPARAÇÃO DAS TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS.... 80

5.1 EXPERIENCIARES DE ADOECIMENTO POR TUBERCULOSE NO

ASFALTO: contradições e enfrentamentos relacionados às condições de vida................ 80

5.2 EXPERIENCIARES DE ADOECIMENTO POR TUBERCULOSE NO

ASFALTO: barreiras na adesão e na continuidade do tratamento....................................... 85

6 SÍNTESE NARRATIVA COLETIVA.............................................................................. 91

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 93

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REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 94

APÊNDICE A............................................................................................................................ 109

APÊNDICE B............................................................................................................................ 111

ANEXO A................................................................................................................................... 114

ANEXO B................................................................................................................................... 115

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„O aperto da pobreza‟ - Thomas Benjamin Kennington

Pintor inglês (1856-1916)

Quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha

essa companhia” (BENJAMIN, 1994)

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APRESENTAÇÃO

Quando narram, as pessoas tornam-se autoras de suas histórias e experiências, e a

maioria das narrativas não relata simplesmente acontecimentos e eventualidades, mas sua

importância, seu significado e sua dimensão para as pessoas envolvidas. Assim, não poderia

iniciar este trabalho sem narrar minha trajetória acadêmica, que constitui parte importante de

minha história de vida.

Como integrante do Grupo de Estudos e Qualificação em Tuberculose da Paraíba

(GRUPOTB/PB) do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal

da Paraíba, desde 2013, tive a oportunidade de participar de discussões a respeito da

problemática da tuberculose (TB), especialmente relacionadas ao impacto desse agravo em

grupos mais vulneráveis ao adoecimento.

Embora se reconheçam os avanços diagnósticos e terapêuticos para controlar a doença,

nem todas as pessoas têm acesso equitativo a esses recursos e/ou serviços. Por sua vez, fatores

de ordem social, cultural, econômica, política e étnico-raciais, comportamentais e

psicológicos interagem e determinam condições de mais ou menos vulnerabilidade. Os grupos

mais vulneráveis são pessoas privadas de liberdade, idosos, coinfectados com TB e com o

vírus da imunodeficiência humana (HIV) e as que estão em situação de rua (PSR).

Nessa direção, o GRUPO TB/PB iniciou discussões que culminaram com a elaboração

do projeto „Análise dos pontos de estrangulamento no controle da tuberculose em populações

em situação de rua nos municípios de João Pessoa e Campina Grande – PB‟- que foi aprovado

e financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ), sob o

processo número 024/2014.

Logo, esta tese é um dos produtos desse projeto, voltado para os significados e as

experiências de PSRs relacionados ao viver na rua e ao adoecer de TB. Essa experiência

acadêmica convergiu com minha vivência como professora da disciplina „Saúde Mental‟, no

Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em que tive a

oportunidade de atuar no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD),

prestando assistência a usuários de álcool e de outras drogas, incluindo, nesse grupo, pessoas

que vivem em situação de rua.

Assim eram realizadas ações que tinham o apoio de um profissional do CAPS AD. A

equipe era composta de enfermeiro, assistente social, psicopedagogo, psicólogo, músico,

médico, educador físico e técnico de enfermagem. Eram ministradas oficinas que visavam

promover saúde e reduzir danos, com grupos de acompanhamento para os que usavam

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psicofármacos, grupo de teatro, técnicas de relaxamento e aquecimento com exercícios

físicos, equipe de geração de renda com artesanato, confecção de sabonetes e musicoterapia.

Também havia festas nas datas comemorativas como São João e Natal.

Nesse contexto, buscava-se favorecer o autoconhecimento, compartilhar problemas

semelhantes, resgatar a autoestima e a autoconfiança dos usuários, ajudá-los a compreender

bem mais o processo de saúde-doença e descobrir formas complementares de lidar com os

fatores que favorecem ou influenciam negativamente a redução de danos, além de trabalhar

questões de conscientização corporal, social e cultural.

Inserida nessa realidade teórica e prática, constatamos a complexidade vivenciada por

pessoas que se encontram em situação de rua ao buscar assistência através dos serviços

oferecidos pelas políticas sociais, em especial, os da área da Saúde. Como se não bastasse

viver em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social, com vínculos familiares

fragilizados ou rompidos, a violência, o uso de drogas e a existência de doenças

marginalizadas, como a TB e a HIV/AIDS, as situações experienciadas por essas pessoas ao

buscar os serviços de saúde perpassava os olhares enviesados e culminavam com a negação,

em alto e bom tom, do direito de acesso aos serviços públicos oficiais, por meio de discursos

como: “Aqui não atendemos esse tipo de gente”, ou “Isso é caso de polícia”.

Essas pessoas são vistas pela sociedade como perigosas, usuárias de drogas, violentas,

inadequadas, subalternas, preguiçosas e desocupadas, que estão na rua por vontade própria,

fugindo das responsabilidades e das obrigações. Semelhante ao modo como eram vistos os

loucos na antiguidade (e até hoje), as PSR são consideradas improdutivas, portanto “merecem

ser banidas” dos espaços urbanos, porque os “sujam”.

Várias cidades do Brasil e do mundo apresentam, em prédios públicos, os chamados

dispositivos “anti-mendigos”, como: bancos com divisórias, chuveiros com sensores de

presença ligados à noite na calçada de lojas e pequenos espetos pontiagudos embutidos em

fachadas de flats e de hotéis, para impedi-los de dormir no local. Outras cidades proíbem as

pessoas de alimentarem moradores de rua sob pena de prisão. Convém enfatizar que não é

fácil para a PSR ter acesso aos serviços de saúde, sobretudo, por estar acometida de TB e, por

essa razão, ser historicamente estigmatizada. Ao mesmo tempo, os mitos sobre a doença

geram barreiras no que diz respeito ao diagnóstico e ao tratamento.

Para nos aproximarmos bem mais do objeto de estudo, inserimo-nos na Equipe de

Consultório na Rua (CR), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município de João

Pessoa (PB), como pesquisadora, a partir do mês de fevereiro de 2015, quando começou um

processo de aprendizagem diária para trabalhar com uma população tão peculiar in loco. O

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CR é um equipamento de saúde integrante da Rede de Atenção Básica de Saúde, que

desenvolve ações no próprio território de rua, considerando as necessidades e as

vulnerabilidades de saúde dessa população, percorrendo toda a rede de serviços de saúde e

intersetoriais. Essa aproximação ocorria duas vezes por semana, nos turnos da tarde e em

parte da noite, durante 13 meses. Assim, constatamos que o trabalho desenvolvido pelo CR

foge da lógica instituída pelos modelos clínicos tradicionais de assistência à saúde, visto que o

desenho dessa realidade é composto de uma diversidade de saberes, de práticas e de culturas

que resistem às tensões nas relações de saber e de poder impostas também pelas ciências

biológicas.

A equipe do CR acolhe seus usuários e forma vínculos com eles, com o intuito de ter

mais aproximação com eles, para facilitar a criação de estratégias de cuidado para esse grupo

que carrega a marca do preconceito e é violentado diuturnamente nos seus direitos.

A atuação das equipes do CR era programada em reuniões pré-agendadas, visando

planejar atividades e estratégias para serem abordadas em campo e avaliadas posteriormente.

Diversas vezes, o roteiro agendado fugia do combinado, devido a motivos como violência nas

ruas, chegada inesperada de chuvas, problemas com o transporte, ausência do usuário ou o

fato de estar usando drogas excessivamente, além das chamadas de urgência oriundas da

população em geral, do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), da Polícia

Militar (PM), dos Bombeiros, dos serviços da Atenção Primária à Saúde (APS), das Unidades

de Pronto Atendimento (UPA) e até da imprensa, o que modificava o planejamento diário, o

que leva à necessidade de reorganizar a agenda de acordo com as prioridades.

Para adentrar mais profundamente esse universo, que nos provocava sentimentos

reinventados a cada encontro, como compaixão, indignação, incompreensão, surpresa e

alegria, inserimo-nos em um grupo que fazia trabalhos sociais e religiosos com as PSRs, no

mesmo entorno em que atuávamos no CR, mas no horário noturno.

Por meio da comunidade católica Filhos da Misericórdia, tivemos a oportunidade de

nos aproximar mais das PSR. O grupo era subdividido e, todos os dias, estava na rua.

Passávamos em pontos já conhecidos, onde era distribuído um jantar que continha: sopa, pão,

suco, café e água e éramos recebidos com muita alegria. Levávamos também a ração para os

cães e os gatos que estavam acompanhando os donos na rua.

Depois da saudação de boa noite, eram feitas três orações e se iniciava a partilha dos

alimentos. Enquanto as pessoas comiam, ou guardavam para comer em outro momento,

estabeleciam-se vários diálogos, que versavam sobre temas que iam de queixas de saúde,

pedidos de roupas ou itens de necessidades básicas, até o uso de drogas e a violência na rua.

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Também eram realizados louvores e a leitura da Bíblia, quando muitos deles faziam questão

de ler.

Uma queixa muito comum ouvida nos momentos noturnos era sobre os roubos

acontecidos entre os grupos de PSR. Comentava-se acerca do problema de dormir à noite,

devido ao risco de perder o pouco que tinham para os apontados como “traíras, falsos,

fingidos, duas caras”, que se encontravam entre eles ou vinham de outros grupos. Diversas

necessidades de saúde foram encontradas nas ruas: ferimentos nos pés, doenças de pele,

diabetes, hipertensão, gravidez de alto risco, TB, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs),

HIV, AIDS e, como agravo prevalente, o abuso de álcool e de outras drogas. Nesse contexto,

pudemos conhecer histórias de vida, de fome e de frio, de exclusão social, de muitas perdas,

negligência, preconceito, medo, solidão, crimes, violência física, amores perdidos e amores

renovados, além de histórias de ajuda mútua, formas de organização nos grupos,

companheirismo, fidelidade e superação.

O que mais nos chamou à atenção, durante o tempo de/na rua, foram o inesperado e o

imprevisto, que eram sempre intensos. A conversa informal embaixo de uma árvore, com sol

a pino, o odor intenso, a chuva que chegava repentinamente, o esgoto correndo a céu aberto, o

barulho de caminhões e de carros, o medo da polícia, o uso pesado do álcool e do crack, a

chegada do traficante para saber de que se tratava aquela conversa e as confissões de crimes e

o desejo de mudanças. As queixas sobre fome, tosse, febre, abstinência das drogas, entre

outras tantas lástimas dos companheiros, que, às vezes, estavam consumidos pelo álcool e por

outras drogas, impossibilitados de se cuidar, chegavam à equipe através dos parceiros, e a

solidariedade entre os pares se fazia muito presente, quando um ou outro “estava muito mal”.

As intervenções das equipes de CR, principalmente nas abordagens iniciais, eram

facilitadas pelo uso de uma linguagem informal, com expressões que eram utilizadas pelos

próprios usuários do serviço: “Tá de boa? Tá embaçado. Tem jeito? Isso é fria!”. Eram

expressões utilizadas corriqueiramente. O aperto de mão e o abraço, a mão no ombro, bem

como o uso da música ecoada pela equipe favoreciam muito o encontro e fortaleciam ainda

mais o vínculo, o respeito e a confiança.

Apesar do suporte oferecido pelo CR e pelos “Filhos da Misericórdia” para a

construção do vínculo, momentos de hostilidade, intimidação e tensão foram registrados.

Pode-se inferir que nossa presença “infiltrada” na equipe de CR, fazendo entrevistas,

incomodou os que vendiam drogas e observavam de longe que uma conversa estava sendo

gravada e/ou fotografada. Haviam alguns pedidos que nós não podíamos fazer, como levar o

usuário até o estado vizinho (Pernambuco) para intermediar uma conversa entre ele e a

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família. Em tom de ameaça, eles se retiravam do lugar afirmando que nos encontraríamos

posteriormente.

Assim, considerando o exposto, podemos afirmar que a contação de histórias sobre a

trajetória de vida desses sujeitos favoreceu o desvelamento da experiência de cada um e

possibilitou sua ressignificação, introduzindo-nos nesse movimento e colocando-nos como

participante da história. E ao ouvir essas histórias, mergulhamos na vida do outro, fazendo-

nos sujeitos dessa experiência, desenhando um caminho para compreender os fenômenos

sociais.

No que diz respeito à estrutura, esta tese foi dividida em sete capítulos. No primeiro –

a Introdução - delineamos a contextualização da temática, o objeto de estudo e a justificativa,

além dos objetivos da investigação.

No capítulo 2 - apresentamos a fundamentação teórica, que é constituída de recortes

da trajetória da população em situação de rua, desde a Grécia Antiga até os dias de hoje, além

das contribuições da narrativa na experiência do adoecimento e do cuidado, a qual é uma

importante ferramenta para analisar a realidade social.

No capítulo 3 - Percurso metodológico – trazemos a caracterização do cenário e a

descrição dos participantes do estudo; as condições de produção do material empírico e a

análise dos dados, sob a ótica da narrativa, e os aspectos éticos considerados na pesquisa.

No capítulo 4 - o dos Resultados – apoiamo-nos nos pressupostos teóricos de Schütze

(1977), na perspectiva de conhecer os modos como os sujeitos interpretam suas experiências.

Inicialmente, apresentamos o perfil dos participantes, utilizando todos os componentes

indexados do texto para analisar o ordenamento dos acontecimentos para cada indivíduo. Na

sequência, recorremos aos componentes não indexados para reconstruir as teorias operativas

para a abstração analítica.

No capítulo 5, tecemos considerações sobre o agrupamento e a comparação das

trajetórias individuais, que originaram duas categorias: „Experienciares de adoecimento por

tuberculose no asfalto: contradições e enfrentamentos relacionados às condições de vida‟, e

„Experienciares de adoecimento por tuberculose no asfalto: barreiras no acesso e na

continuidade do tratamento‟.

O capítulo 6 – Síntese narrativa coletiva - foi elaborada depois de compararmos as

trajetórias individuais, para identificar as semelhanças e produzir uma síntese narrativa

coletiva a partir das experiências narradas, que representam os significados e as experiências

de pessoas em situação de rua relativos à vivência na rua e ao adoecimento por tuberculose.

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No capítulo 7 – o das considerações finais – apresentamos algumas reflexões a

respeito dos resultados encontrados na pesquisa, de suas limitações e do que esperamos como

sua contribuição.

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„Criança Morta‟ - Cândido Portinari

Pintor brasileiro (1903-1962)

Não somos lixo

Não somos lixo. Não somos lixo e nem bicho.

Somos humanos. Se na rua estamos é porque nos desencontramos.

Não somos bicho e nem lixo. Nós somos anjos, não somos o mal.

Nós somos arcanjos no juízo final. Nós pensamos e agimos, calamos e gritamos.

Ouvimos o silêncio cortante dos que afirmam serem santos. Não somos lixo.

Será que temos alegria? Às vezes sim...Temos, com certeza, o pranto, a embriaguez,

A lucidez dos sonhos da Filosofia. Não somos profanos, somos humanos. Somos filósofos que

escrevem suas memórias nos universos diversos urbanos. A selva capitalista joga seus

chacais sobre nós. Não somos bicho nem lixo, temos voz. Por dentro da caótica selva, somos

vistos como fantasmas. Existem aqueles que se assustam. Não somos mortos, estamos vivos.

Andamos em labirintos. Depende de nossos instintos.

Somos humanos nas ruas, não somos lixo.

(Carlos Eduardo (Cadu), morador de rua de Salvador)

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1 INTRODUÇÃO

Apesar de existirem em uma perspectiva coletiva e pública, as ruas podem ser

interpretadas como espaços inoportunos ou inadequados para se morar, ainda que muitas

pessoas as utilizem como “casa”. Os espaços urbanos são habitados nos mais impensáveis

lugares - embaixo de viadutos, em parques, praças, calçadas, paradas de ônibus e em locais de

grande movimento comercial e em prédios abandonados.

A utilização do espaço das ruas como meio de sobrevivência não é um fenômeno

recente. Essa prática remota às cidades pré-industriais aumentou depois da Revolução

Industrial, com os processos de rupturas sociais oriundos das alterações no mundo da

produção econômica, principalmente da mudança do capitalismo e das desigualdades sociais

resultantes desse processo (BURSZTYN, 2000). A falta de emprego, a instabilidade nas

relações de trabalho e a individualização exagerada são alguns dos motivos de muitas pessoas

continuarem a viver nas ruas (SILVA, 2013). Porém existem outros motivos para que morem

nas ruas, como: falta de moradia, alcoolismo, drogadição, rompimento de vínculos familiares,

doenças mentais, perda de todos os bens, além de desastres de massa e/ou naturais (SILVA,

2006; BRASIL, 2012a).

Em geral, a população em situação de rua se configura como um segmento social em

situação limite de pobreza, que tem um lugar social demarcado, revestido de indiferença e de

hostilidade e estigmatizado cotidianamente pela sociedade (PEREIRA, 2009). Por sua vez, a

constante exposição a condições insalubres, em que essas pessoas se deparam com os mais

diversos problemas, como falta de cuidados mínimos de higiene, alimentação inadequada ou a

falta dela, variações climáticas, compartilhamento de cachimbos ou de copos para ingerir

álcool e outras drogas, além da constante tensão na luta para sobreviver nesse circuito,

repercute desfavoravelmente em seu estado de saúde. Tanto a falta de estrutura física quanto a

dificuldade de acesso aos serviços de saúde deixam-nas vulneráveis a contrair diversas

doenças.

Nesse contexto, predominam problemas como, doenças nos pés (micose, bicho

geográfico, bicho de pé), gravidez de alto risco, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs),

HIV/AIDS, hipertensão, diabetes, uso de álcool e outras drogas, problemas bucais e

tuberculose (TB). Logo, a multiplicidade de fatores intrínsecos ao viver na rua põe em relevo

as adversidades a que esses grupos estão sujeitos, especialmente as que favorecem o risco de

contrair doenças. Sincronicamente, pessoas que vivem em situação de rua apresentam risco de

adoecimento pela TB 60 vezes mais do que na população geral. Isso ratifica o pensamento de

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que populações mais pobres, socialmente desfavorecidas e marginalizadas são atingidas de

forma intensa e desproporcionada pela doença (ROCHA; ADORNO, 2012).

Essa associação entre a TB e a pobreza lhe confere uma característica bidirecional. Se,

de um lado, a vulnerabilidade econômica, as condições sanitárias precárias e a nutrição

inadequada tendem a potencializar o risco de adoecimento, de outro, a doença limita as

oportunidades de trabalho e de subsistência (VENDRAMINI et al, 2010; HINO et al, 2011;

ARAÚJO, 2013; LONNROTH et al, 2009). Estudos mostram que, para além do aumento do

risco de infecção, o acesso reduzido aos serviços de saúde, também reflexo da pobreza, pode

interferir na incidência da doença, na demora do diagnóstico e do tratamento, no agravamento

do quadro, no sofrimento e nos piores prognósticos (HOA et al, 2011; OXLADE; MURRAY,

2012; CALIARI; FIGUEIREDO, 2012).

A TB também é considerada uma das doenças infecciosas mais antigas e de agente

único que mais mata e supera o HIV. Um problema de saúde pública mundial. A Organização

Mundial de Saúde (OMS) estima que um terço da população esteja infectado com a bactéria

causadora da doença e referiu que 10,4 milhões de pessoas contraíram TB em 2016, e 1,3

milhão morreram vítimas da infecção (BRASIL, 2018).

O Brasil se encontra na 16ª posição em número absoluto de casos entre os 22 países

que a Organização Mundial da Saúde (OMS) priorizou, desde o ano de 2000, como

responsáveis por 82% dos casos estimados de TB em todo o mundo. Em relação ao

coeficiente de incidência, o Brasil ocupa a 22ª posição entre esses países. A Índia, a China e a

África do Sul são os países com o maior índice da doença (WHO, 2014).

No Brasil, no período de 2005 a 2014, foram diagnosticados, em média, 73 mil casos

novos da doença por ano, e em 2013, houve 4.577 óbitos. Ao examinar as cinco regiões do

Brasil, no ano de 2013, verificamos que as Regiões Norte, Sudeste e Nordeste são as que

detêm os mais altos coeficientes de incidência, respectivamente, 45,2; 37,1 e 34,7/100 mil

habitantes (BRASIL, 2015). Como comporta demasiados grupos populacionais

empobrecidos, somados com a desorganização dos serviços públicos, a Região Nordeste exibe

as condições ideais para manter os elevados índices de prevalência da enfermidade

(BARBOSA, COSTA, 2014).

Em 2016, o coeficiente de incidência por TB do estado da Paraíba foi de 27/100 mil

habitantes, o coeficiente de mortalidade, de 2,2/100 mil habitantes, e as taxas de cura e de

abandono foram, respectivamente, de 64,7 e 9,2 para cada 100 mil habitantes (BRASIL,

2017), contrariando as taxas de recomendações apontadas pela OMS, que são de 85% e 5%

dos casos nessa ordem (BRASIL, 2015).

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O reconhecimento da pobreza como principal obstáculo para o controle e o desfecho

favorável à doença vem integrando as diretrizes internacionais de combate à TB. A

Organização Mundial de Saúde (OMS), no contexto da agenda de Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, lançou, em 2015, a estratégia global The

End TB Strategy, que envolve a implementação de uma combinação de recursos biomédicos,

de saúde pública e de intervenções socioeconômicas junto com pesquisa e inovação.

Pressupõe que os países atuem na perspectiva de políticas arrojadas e sistemas de apoio,

disponibilizem recursos adequados para o cuidado e a prevenção da TB, além de um sistema

de saúde organizado, provido de insumos, equipamentos e sistema de informação eficaz,

apoiado por políticas sociais que abordem os determinantes subjacentes (com redução da

pobreza, garantia da segurança alimentar e melhorias nas condições de vida e de trabalho)

(WHO, 2015).

Para facilitar a implementação da estratégia, a OMS elaborou um documento em 2015

- The Essentials - que traz explicações detalhadas sobre a visão, os objetivos, as metas e os

marcos da Estratégia End TB e descreve as características da operacionalização de seus

componentes. Dentre as áreas de atuação previstas, foram incluídas medidas “pró-pobres”,

que oferecem aos programas nacionais de controle de TB orientação e opções práticas de ação

por meio de seis pilares: 1) Identificar os grupos pobres e vulneráveis no país/região; 2)

Determinar quais barreiras impedem o acesso das pessoas vulneráveis aos serviços que dão o

diagnóstico e o tratamento de TB; 3) Avaliar potenciais ações para superar as barreiras de

acesso; 4) Rever as situações e os grupos populacionais que exigem consideração especial; 5)

Explorar as possibilidades de aproveitar recursos adicionais; 6) Avaliar o impacto de medidas

pró-pobres (WHO, 2015).

Enfatiza, ainda, que abordar a pobreza no controle da TB abrange as necessidades não

só dos que enfrentam o empobrecimento econômico, como também de todas as parcelas

relativamente vulneráveis, desfavorecidas, marginalizadas, estigmatizadas e excluídas da

população (WHO, 2016). Propõe ajustes na organização da rede de serviços de saúde, que

reduzam as barreiras econômicas, socioculturais e geográficas e a criação de dispositivos

alternativos que permitam alcançar esses grupos e superar as barreiras de acesso.

No Brasil, políticas indutoras voltadas para esse segmento da sociedade foram

contempladas na Carta Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988), na Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS), (BRASIL, 1993) e na Política Nacional de Assistência Social. Em

2006, constituiu-se o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com a finalidade de elaborar

estudos e apresentar propostas de políticas públicas para promover a inclusão social da

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população em situação de rua. Esse grupo contava com representantes do Ministério do

Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, do Ministério das Cidades, do Ministério da

Educação, do Ministério da Cultura, do Ministério da Saúde, do Ministério do Trabalho e

Emprego, do Ministério da Justiça, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e Defensoria

Pública da União, do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), da Pastoral do

Povo da Rua e do Colegiado Nacional dos Gestores Municipais da Assistência Social

(CONGEMAS). As reflexões e os fóruns de debates promovidos pelo GTI deram forma e

direcionamento à construção da Política Nacional de Inclusão Social da População em

Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053/2009, que representou a primeira iniciativa

nacional de reconhecimento dos direitos desse grupo (BRASIL, 2009).

A política estabeleceu diretrizes e enfatizou a “(re) integração dessas pessoas às suas

redes familiares e comunitárias, o acesso a oportunidades de desenvolvimento social pleno,

considerando as relações e significados próprios produzidos pela vivência do espaço público

da rua” (BRASIL, 2008, p.4). Propôs uma agenda mínima, que contemplava oito eixos de

ações estratégicas: desenvolvimento urbano/habitação; trabalho e emprego; direitos humanos;

assistência social; educação; segurança alimentar e nutricional; saúde e cultura (BRASIL,

2009).

Quanto ao eixo relacionado à saúde, recomendou a adequação das ações e dos serviços

existentes, com vistas a assegurar a equidade e o acesso universal no âmbito do Sistema

Único de Saúde (SUS), com dispositivos de cuidados interdisciplinares e multiprofissionais; o

fortalecimento de ações de prevenção de tratamento de agravos com alta incidência (entre

eles, a TB); atenção ampliada à saúde mental e transtornos decorrentes do uso de álcool e

drogas; apoio às iniciativas de ações intersetoriais que viabilizem a instituição e a manutenção

de Casas de Apoio (BRASIL, 2009).

Há que se considerar que desafios são postos no cenário nacional e que o cumprimento

de diretrizes/ações direcionadas às pessoas em situação de rua (PSR) está intrinsicamente

relacionado aos contextos políticos, sociais e econômicos regionais e locais. Por sua vez, a

organização da rede de atenção à saúde, a organização técnico-administrativa e o despreparo

de recursos humanos fragilizam o acesso desse segmento populacional. A exigência de

documentação, a restrição no atendimento da demanda espontânea, os limites na atuação

intersetorial, os preconceitos, entre outros, criam vínculos precários e restringem a busca por

cuidados em saúde (CARNEIRO JÚNIOR; JESUS; CREVELIM, 2010).

Diante de um panorama intrincado em termos de assistência à saúde para PSR,

instituiu-se, em 2011, como desdobramento do Decreto Presidencial nº 7.053/2009, o

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„Consultório na Rua‟, como um serviço estratégico da Atenção Básica. Trata-se de uma

modalidade de atenção originada da fusão entre o Programa Consultório de Rua (equipe

itinerante com foco na saúde mental) e o Programa Estratégia de Saúde da Família Sem

Domicílio (ESF com equipes específicas para proporcionar atenção integral à saúde da

população em situação de rua) (LONDERO et al, 2014).

A mudança do termo „Consultório de Rua‟ para „Consultório na Rua‟ é muito mais do

que uma alteração semântica. Nessa nova configuração, amplia-se o campo de atuação para a

saúde geral da população em situação de rua e incorpora-se a redução de danos de forma

transversal em sua prática. As equipes do Consultório na Rua (CR), formadas por

profissionais de diversas áreas, têm habilidades e competências para atuar com usuários de

álcool, crack e outras drogas. Para tanto, agregam conhecimentos básicos sobre redução de

danos, fazem atividades educativas e culturais e a dispensação de insumos de proteção à saúde

e encaminhamentos para a rede de saúde intersetorial e acompanham o cuidado das PSR.

Também devem conhecer as especificidades do grupo atendido e considerar as características

do território, assim como seu contexto (FERREIRA; ROZENDO; MELO, 2016). Essa

iniciativa ainda vem se consolidando. Atualmente, em 88 municípios brasileiros, foram

implantados CRs, que funcionam com 135 equipes e 949 profissionais (BRASIL, 2017). Por

se tratar de uma política pública em construção, a produção científica na área ainda é bastante

limitada.

Um dos primeiros estudos realizados no Brasil, direcionado para pessoas que vivem

em situação de rua, abordou aspectos relacionados às práticas cotidianas de exclusão social

(ESCOREL, 1999). Varanda (2009) conduziu um estudo etnográfico em que mostrou as

trajetórias individuais e as dinâmicas de grupos de moradores de rua e sua interação com as

redes públicas de assistência e concluiu que, nos circuitos da rua, o álcool e as drogas são

recursos de sobrevivência.

Farias (2014) analisou narrativas autobiográficas de ex-moradores de rua, suas

trajetórias e reinserção social e constatou que os participantes se recusavam a internalizar

estigmas atribuídos à situação de rua, apontavam o controle de si, o empoderamento e o

cuidado com os outros e retratavam transformações pessoais associadas à saída da situação de

rua.

No contexto da assistência à saúde, Al Alam (2014) fez um estudo para conhecer a

percepção das pessoas que vivem/viveram o processo de situação de rua sobre o cuidado

oferecido pelos profissionais da área de Saúde que trabalham/trabalharam em seus territórios

da rua. Seu estudo concluiu que é preciso retomar as discussões a respeito das reais

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necessidades das pessoas que se encontram em situação de rua, que as políticas devem

contemplar uma atenção de boa qualidade, de modo contínuo e não pontual, para prevenir

agravos e proporcionar tratamento de saúde, quando necessário, com profissionais que tenham

perfil para o trabalho no território da rua, que saibam reconhecer suas vulnerabilidades e

sejam comprometidos com a vida e com a cidadania, independentemente dos territórios onde

ela esteja presente.

Sarmento (2015) verificou que as PSRs não estão recebendo uma proteção social de

forma integral. Pensando nisso, sugeriu uma metodologia de intervenção com esse grupo,

visando construir relações mais interdependentes entre eles e a sociedade em geral.

Lacerda (2012) traçou o perfil socioepidemiológico desse grupo e confirmou que ele é

heterogêneo. Também constatou que a maioria de seus componentes vive em família e em

comunidade. Tal constatação deve ser considerada no desenvolvimento de programas e ações

inclusivas e eficazes para essa população.

Aguiar (2014) fez uma pesquisa com o objetivo de conhecer a população em situação

de rua, suas condições de vida, de saúde-doença e o acesso dessas pessoas às instituições

públicas prestadoras de assistência à saúde. Os resultados confirmaram predominância

masculina e com baixa escolaridade, o que os leva a fazer trabalhos informais e de baixa

qualidade. O acesso deles aos serviços de saúde é feito basicamente pelas UPAs.

Estudo realizado em João Pessoa – PB - que envolveu 18 indivíduos adultos em

situação de rua visou compreender as bases para a construção das identidades entre eles

(SOUSA, 2012). A pesquisa concluiu que, embora as condições socioestruturais em que esses

indivíduos estão posicionados sejam responsáveis por localizá-los em um contexto que

estabelece os limites e as possibilidades de seu estar-no-mundo, as identidades pessoais

reivindicadas por eles rompem com qualquer determinismo estrutural, fazendo com que

empreendam distinções na vida de rua e se autoavaliem a partir de um

ordenamento de valores que confere sentido à sua existência e ao seu ambiente.

Já em Maceió (AL), Ferreira, Rozendo e Melo (2016) avaliaram a estratégia do

Consultório na Rua valendo-se da perspectiva de seus usuários. Os resultados demonstraram

que a estratégia é avaliada positivamente e que se constitui como um suporte social não

apenas em questões relativas à saúde-doença, mas também em aspectos da vida cotidiana.

No Rio de Janeiro, no período de 2011 a 2013, foi conduzido em estudo que se propôs

a discutir sobre as práticas de uma equipe do CR para usuários de álcool, crack e outras

drogas, de forma a efetivar um cuidado integral implementado segundo os atributos essenciais

da Atenção Primária à Saúde (ENGSTROM; TEIXEIRA, 2016). Os resultados apontaram que

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há desafios para a efetividade da atenção, como a formação e a composição multiprofissional,

o suporte logístico para a abordagem na rua, o apoio institucional e de especialistas e a

fragilidade das Redes.

Na perspectiva de pessoas que moram na rua, estudos mostram que grande parte dos

profissionais de saúde e dos serviços sociais as trata com falta de respeito (são maltratados ou

rejeitados e incompreendidos por causa da doença e da situação em que vivem). Os estudos

também revelaram que esses indivíduos se sentem invisibililizados e estigmatizados como

“apenas mais um desabrigado” (DRURY, 2008; MARTINS, 2008; MCCABE; MACNEE,

ANDERSON, 2001).

Quanto ao posicionamento de profissionais da área de saúde, as pessoas que vivem em

situação de rua têm sido descritas como pacientes “difíceis” que, para além de todas as

necessidades geradas pela falta de abrigo, apresentam baixa confiabilidade na adesão

terapêutica e na manutenção do autocuidado (HWANG, 2001; MCNEIL; GUIRGUIS-

YOUNG, 2012).

Håkanson e Öhlénle (2016) apontaram que a desconfiança, o desprezo e a negligência

da sociedade e dos profissionais de saúde moldam as maneiras como as pessoas em situação

de rua se organizam para não depender de ninguém para o seu bem-estar.

Em uma revisão integrativa realizada por Paiva et al (2016), que se propuseram a

encontrar, na literatura, aspectos relacionados à caracterização da população de rua, às suas

necessidades e às políticas desenvolvidas para atender a esse grupo, os autores constataram

que, em 15 artigos selecionados, publicados entre 1998 e 2014, os estudos envolveram

indivíduos albergados, moradores de áreas de ocupação de terras públicas, pessoas em

situação de rua com transtorno mental grave, crianças e adolescentes em situação de rua,

trabalhadores dos equipamentos sociais, profissionais de saúde e educadores. Eles

apresentaram discussões relacionadas ao acesso aos cuidados de saúde, à reinserção no

mercado de trabalho, a fatores determinantes do processo saúde doença e à condição de vida e

de vulnerabilidade.

É bem verdade que os estudos produzidos têm ampliado o conhecimento sobre os

modos de viver e as condições de vida da população em situação de rua e contribuído para

que possamos compreender bem mais o fenômeno no Brasil. Contudo, quando nos

reportamos à pessoa em situação de rua (PSR) doente de TB, as limitações são maiores. No

Brasil, só foram encontrados quatro trabalhos que versam sobre as duas temáticas. Na

perspectiva de enfermeiros, Oliveira (2017) constatou que há descontinuidade no fluxo de

comunicação durante a assistência a PSRs doentes de TB, já que a coordenação dos serviços

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que prestam essa assistência está fragilizada. Além disso, o diagnóstico e o início do

tratamento são retardados e há dificuldades de adesão, abandono do tratamento e resistência

medicamentosa. Esses são obstáculos impostos às PSRs.

Lindner (2016) percebeu que, entre os profissionais da área de Saúde que cuidam de

PSR com TB e esses, existem vários enfoques de moralidades que refletem na gestão da

atenção e do cuidado e provocam um distanciamento de entendimentos e práticas. Alecrim

(2015), na perspectiva de analisar os efeitos da produção de sentido das equipes de

Consultório na Rua no cuidado com a pessoa com tuberculose, concluiu que o modelo de

cuidado empregado pelas equipes tem contribuído para garantir o acesso, ampliar o

diagnóstico precoce e tratar, acompanhar e curar a tuberculose nessa população. Souza (2010)

assinalou que a forma como algumas equipes se organizam para atender a essa população

podem reforçar ainda mais a exclusão que sofre esse público.

Internacionalmente, estudo realizado na Colômbia com moradores de rua assistidos

em um centro de assistência social concluiu que uma comunicação bem-sucedida e eficaz,

além do trabalho interdisciplinar, é essencial para alcançar o sucesso no tratamento da

tuberculose (GÓMEZ; CORREA, RÍOS, 2009). McAdam et al (2009) conduziram um estudo

retrospectivo para examinar as tendências da infecção por tuberculose latente (ILTB) e taxas

de TB entre pessoas sem-teto em Nova York, no período de 1992-2006, e concluíram que

esforços realizados para avaliar e tratar pessoas em situação de rua foram benéficos. No

Japão, pesquisa transversal investigou a prevalência e os fatores de risco de infecção ativa e

latente por TB em moradores de rua e apontou que, embora não tenha sido encontrada TB

ativa nos cuidadores dos moradores de rua, um quarto deles apresentava infecção pela doença,

o que indica que são necessários exames e um acompanhamento cuidadoso (TABUCHI et al,

2011). Khan et al (2011) avaliaram a tendência epidêmica de TB na população de rua, na

cidade de Toronto - Canadá, diagnosticados no período de 1998 a 2007, e concluíram que o

controle da tuberculose em populações de rua no país exige mais progresso na prevenção

primária, na secundária e na terciária, além de uma vigilância contínua para enfrentar a

ameaça emergente da TB resistente a medicamentos no mundo.

Em geral, os estudos sobre a TB em populações que vivem em situação de rua se

voltam para aspectos epidemiológicos, para a avaliação de tendências epidêmicas e para

inquéritos populacionais. Todavia, adoecer de tuberculose é um processo subjetivo, permeado

de saberes, de discursos e de práticas, que são produzidos no contexto histórico e cultural e

influenciam a forma como o indivíduo dá sentido a sua experiência (SOUZA, 2012).

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Assim, partindo do pressuposto de que as expressões e os comportamentos de

determinada população, em resposta aos seus problemas de saúde (a percepção de si mesmo e

da doença, a capacidade de administrar o autocuidado, o direito à saúde e a busca pelos

serviços de saúde), são construídos quando se compreendem as necessidades de saúde dessa

população, que é produzida com base nos contextos sociais, culturais e econômicos, entende-

se que a análise dos significados e das experiências de pessoas em situação de rua,

relacionados ao viver na rua e ao adoecer, é fundamental para se planejar uma assistência à

saúde que atenda às necessidades desse público.

Nessa perspectiva, neste estudo, utilizamos como referencial de análise metodológica

a análise da narrativa, visto que se destina a investigar como os pacientes dão forma e voz aos

seus sofrimentos de modo diferente de como a biomedicina os representa (KLEINMAN,

1988) e procura sentidos que nomeiem e deem forma à fonte do sofrimento. Essa busca

percorre a experiência em toda a linha do tempo da vida do indivíduo e visa aos eventos em

sua própria história, colocando-os numa ordem que faça sentido, por meio de um mecanismo

reflexivo, terapêutico e transformador (GOOD, 2003).

Frank (1995) assinala que a doença tende a perturbar o senso de continuidade, de

identidade e de coerência autobiográfica de uma pessoa. O desafio para o indivíduo é de

reparar a ruptura entre o corpo, o eu e a sociedade. Assim, as histórias de doença tentam

restaurar uma ordem que foi fragmentada por essa interrupção. Contar histórias de doença dá

voz incorporada a uma experiência que não pode ser expressa de outras maneiras. No entanto,

existe uma escassez de estudos qualitativos com narrativas de doenças de pessoas que vivem

em situação de rua, acometidas pela TB.

Sob esse prisma, este estudo se justifica por causa da necessidade de produzir

conhecimentos acerca da subjetividade que está presente nas experiências de pessoas que

vivem nas ruas acometidas de TB. Esperamos que esta investigação amplie a discussão acerca

dos cuidados oferecidos a esse público, considerando as peculiaridades do contexto em que

vivem, e visualize ações que descentralizem a doença e adentrem as concepções e os valores

da pessoa, para evitar o uso de métodos coercitivos que são utilizados com esse público.

Considerando esse contexto, foram elaborados os seguintes questionamentos: Quais os

significados e as experiências de pessoas em situação de rua (PSR), relacionados ao

adoecimento por tuberculose (TB) na rua? De que maneira as condições de vida e os

contextos de interação das PSRs acometidas por TB afetam suas experiências e os

significados de adoecimento? Quais as principais barreiras apontadas por PSRs acometidas

por TB para aderirem ao tratamento e continuar a fazê-lo?

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1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral

Analisar os significados e as experiências de pessoas em situação de rua

relacionados ao adoecimento por tuberculose na rua.

1.1.2 Objetivos específicos

Investigar de que maneira as condições de vida e os contextos de interação das

PSRs acometidas por TB afetam suas experiências e os significados do

adoecimento.

Identificar as principais barreiras apontadas por PSRs acometidas por TB para

aderirem ao tratamento e continuar a fazê-lo.

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Gustave Doré

Pintor francês (1832-1883)

Os ninguéns

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns, em deixar a pobreza; que, em algum

dia mágico de sorte, chova a boa sorte a cântaros. Mas a boa sorte não chova ontem, nem

hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha caia do céu da boa sorte, por mais que os

ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou

comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não têm cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços.

Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(Eduardo Galeano)

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: de quem estamos falando?

A escrita histórica que se configura nos tempos atuais não só tem se preocupado em

contar os feitos dos grandes homens, sejam eles reis ou religiosos, como também a investigar

os que outrora foram silenciados pela história, como as mulheres, os negros e as pessoas em

situação de rua.

Discorrer sobre a população em situação de rua é, no mínimo, uma questão polêmica,

pois esses sujeitos são, constantemente, entendidos por grande parte da sociedade como um

problema a ser resolvido. Muitas vezes, não por uma questão de justiça ou de direitos

humanos, mas para manter a estética do espaço urbano ou amenizar os problemas sociais

gerados por essas populações. São considerados responsáveis por fenômenos como violência,

sujeira e superpopulação urbana, entre outros.

Os grupos sociais em situação de risco estiveram presentes em vários espaços do

mundo, nos mais diversos tempos históricos, contrariando a ideia de que sua existência é um

fenômeno contemporâneo. Se recorrermos ao passado, veremos que pessoas em situação de

risco estavam presentes nos mais variados contextos históricos e eram compreendidas pelas

outras classes sociais como sujeitos de categoria inferior. Stofels (1977) refere que, desde a

Grécia Antiga, já existiam pessoas errantes nas ruas, resultantes de desapropriações de terras e

do crescimento das cidades, fazendo com que a incerteza da moradia fixa e do emprego para

prover o sustento levasse a desavenças e à anarquia com a ordem estabelecida.

Nessa época, existia um filósofo, aluno de Antístenes, que problematizou o ato de

estar nas ruas. Era o chamado Diógenes de Sínope, que se tornou mendigo quando foi expulso

de sua cidade de origem e seguiu para Atenas, onde vivia na miséria, habitava em um barril e

se tornou um ícone, mostrando o quão pouco os homens precisam para viver. Conseguia

alimentos em uma cuia e usava farrapos para dormir. Nos espaços públicos, podia fazer tudo o

que fosse necessário e considerava que, vivendo desse modo, estava livre de coisas

supérfluas. Possuía uma lamparina, uma sacola, um bastão e uma tigela, que simbolizavam o

desapego e a autossuficiência perante o mundo (STOFELS, 1977; RAPOSO, 2009).

Diógenes, o mendigo, deslumbrou Alexandre, o Grande, quando estava sentado em

uma praça pública, e o Imperador saudou-o e interrogou-o sobre o que poderia fazer por ele.

Nesse momento, Alexandre tampava o sol que aquecia Diógenes, que olhou para o Imperador

e exclamou: “Não me tires o que não me podes dar!” (O Sol). O Imperador ficou tão

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impressionado com a resposta do mendigo que respondeu: “Se eu não fosse Alexandre,

gostaria de ser Diógenes” (RAPOSO, 2009).

A história de Diógenes provoca uma reflexão acerca do incômodo que ele provocava

na sociedade grega e de suas questões existenciais quando interpela as instituições sociais e os

preceitos do cidadão. Diógenes pode ser um símbolo que nos remete ao incômodo da situação

de rua contemporânea e representa o oposto de nossa organização social, pondo-nos a refletir

sobre o atual período (BRASIL, 2013).

Na Antiguidade, também havia moradores de rua. Durante o Império Romano, por

exemplo, as crianças abandonadas, tanto pelos ricos, que as enjeitavam, quanto pelos pobres,

que não tinham condição de criá-las, eram impelidas a se tornar indigentes, assim como os

adultos, que se vendiam para não morrer de fome, conforme afirma Veyne (2009, p.52):

Quanto ao enjeitamento, constituía uma prática usual, e não só entre os

pobres; os mercadores de escravos iam recolher os enjeitados nos santuários

ou nos monturos públicos. Enfim, a pobreza impelia os sem-recursos a venderem seus recém-nascidos a traficantes (que os compravam ainda

“sanguinolentos”, mal saídos do ventre da mãe, que assim não teria tempo de

vê-los e de amá-los); muitos adultos se vendiam para não morrer de fome.

Em Roma, no período da formação da Igreja Católica, os moradores de rua aglomeravam-se próximo.

Esse tipo de acontecimento expunha crianças e adultos a situações de risco, pois, no

período do Império Romano, sobreviviam às margens da sociedade, o que também se

configurou de maneira semelhante na Antiguidade Tardia. No auge da Igreja Católica no

Império Romano, mendigos se aglomeravam perto das igrejas. De acordo com Brown (2009),

os pobres também chamavam à atenção. Estropiados, indigentes, vagabundos e imigrantes de

campos, muitas vezes, assolados, reuniam-se nas portas da basílica e dormiam sob os pórticos

que rodeavam seus pátios internos.

Nesse período, essa população se compunha como uma espécie de compensação aos

pecados das pessoas ricas, que prestavam caridades como uma forma de amenizar seus

pecados. Brown (2009, p. 252) explica que

tal anonimato precisamente os transforma em remédio para os pecados dos

membros mais afortunados da comunidade cristã. Pois a esmola aos pobres constitui uma parte essencial da longa reparação dos penitentes e o remédio

normal para os pecados "veniais", como a preguiça e os pensamentos

impuros e fúteis, que não demandam penitência pública.

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O mesmo autor aponta que essa é uma forma de compensação ainda recorrente em

nossos dias. A ideia de ajudar ao outro, considerado inferior, é uma forma de diminuir a

pressão da compreensão de que todos são iguais. Assim, as ações são pontuais muito mais

para a conformidade do bom sujeito do que para uma efetiva igualdade de direitos sociais.

Na Antiguidade Tardia, a condição miserável dos pobres recebia pesada carga de

significados religiosos. Eles representavam o estado do pecador que, diariamente, precisava

do perdão de Deus. Essa população merecia vagar pelas cidades, desde que não oferecesse

perigo, e era considerada a “economia da salvação”, pois representava a possibilidade de as

pessoas mais abastadas financeiramente praticarem a caridade e ficarem mais perto de ser

“salvas”. A prática de dar esmolas era considerada uma obrigação moral dos que se diziam

cristãos, visto que isso era referido como doutrina, presente na Bíblia sagrada. E mesmo que a

sociedade repudiasse esses indivíduos, tinha dever de demonstrar sua fé perante os outros,

praticando a caridade (CASTEL, 1998). Paradoxalmente, se, de um lado, esses indivíduos

representavam a aproximação com a imagem de Jesus Cristo, de outro, aguçavam a repulsa e

o desprezo da população, porque, entre eles, existiam deficientes físicos e mentais, condição

que era associada à maldição e à aproximação com o diabo.

Geremek (1995) refere que, na Idade Média, as pessoas que viviam nas ruas eram

consideradas por parte da sociedade como delinquentes, criminosas, vagabundas e

desocupadas, que usavam estratégias artificiais para forjar o caráter de indigência. Muitos

deles eram camponeses e artesãos pobres, além de aleijados, doentes, loucos, velhos, viúvas e

órfãos.

Magni (1994) assevera que, no final da Idade Média, depois de reconhecer as crises

socioeconômicas que acentuaram o pauperismo e a mendicância nas cidades, a Igreja passou a

condenar a prática errante e definiu critérios para que se praticasse a caridade escolhendo os

grupos que seriam beneficiados. Eram dignas da benevolência as pessoas conhecidas,

procedentes da própria cidade e os inválidos. No grupo dos desmerecedores, encontravam-se

os forasteiros migrantes, por causa do risco de trazer doenças como a lepra e a peste negra de

outras regiões para as cidades (CASTEL, 1998).

Essa conjuntura influenciou a criação de políticas direcionadas a controlar as

migrações e a manter os mais pobres em seus lugares de origem, para evitar os contratempos

que poderiam provocar relacionados à perturbação da ordem social. Devido ao incômodo

causado por essa população, caças humanas militares eram realizadas para capturar e segregar

os moradores de rua, que, depois de serem presos, eram levados para o tronco, açoitados e,

algumas vezes, levados à forca (SNOW; ANDERSON, 1998).

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No Brasil, os indigentes têm sido uma preocupação das elites ao longo da história. No

período regencial, por exemplo, a população de indigentes passou a ser uma preocupação

social no Rio de Janeiro, capital do país na época. De acordo com Thiesen e Santana (2008,

sp),

com a crise da Regência, instaurada com a abdicação de D. Pedro I, marcada pela conturbação social, o medo do caos sacode a cidade do Rio de Janeiro,

ocasião em que as classes perigosas – mendigos, vagabundos, indigentes,

prostitutas, loucos passam a ser objeto de atenção do novo ordenamento jurídico, com a participação da polícia, da medicina social e dos urbanistas.

Nesse contexto, os sujeitos que viviam nas ruas, distante dos espaços sociais da elite

branca, eram considerados elementos perigosos e que, constantemente, perturbavam a ordem

instituída. Essa concepção motivou as elites brasileiras a “estabelecerem um reordenamento

físico das cidades, higienizar as vias públicas e excluir dos centros urbanos todos os

indivíduos que não se adequassem à nova ordem” (FRAGA FILHO, 1996, p. 222).

João do Rio narrou, em sua crônica, sobre a população de rua do início do Século XX,

através da representação de mulheres mendigas, crianças pedintes, cortiços malcheirosos e

esmoleiros, evidenciando a miséria que afligia as cidades. Nesse período, a mendicância -

prática de pedir esmolas e de provocar piedade - era considerada crime de vadiagem e

combatidas pela Polícia com ações violentas (PEREIRA, 2009).

Outra observação importante sobre essa questão diz respeito às proibições de

indigentes em lugares públicos na cidade de Recife durante o Segundo Reinado (KOSTER

apud MAIA, 2004, p. 77):

Seres miseráveis são às vezes vistos em Recife, pedindo esmolas pelos quarteirões das cidades, idosos e enfermos. Alguns foram escravos e quando

a moléstia os tornou inúteis seus amos lhes deram a liberdade, e os despediu

esgotados pela senectude ou estropeados, e seu único recurso é esmolar pelas

ruas públicas.

Podemos perceber que os sujeitos moradores de rua são personagens comuns da

história, em diversos espaços sociais do mundo. Então, quais as principais causas que levam

as populações a viverem na rua nos dias de hoje no Brasil? Para tal intento, baseamo-nos em

Silva (2006, p. 82), que apresenta o problema a partir dos seguintes aspectos:

[...] fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social, etc.),

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fatores biográficos, ligados à história de vida de cada indivíduo (rompimento

dos vínculos familiares, doenças mentais, consumo frequente de álcool e de

outras drogas, infortúnios pessoais – mortes de todos os componentes da família, roubo de todos os bens, fuga do país de origem etc.) e, ainda, os

fatores da natureza ou desastres de massas – terremotos, inundações etc.

Estudo que aborda a situação de moradores de rua identificou que a sociedade os

concebe de modo pejorativo, como: vagabundos, violentos, sujos, loucos, perigosos e

coitados. Essas representações geram atitudes de desprezo, nojo, raiva, violência simbólica e

física e configuram o discurso de caráter higienista (MATTOS; FERREIRA, 2004).

Kunz (2012, p. 21), em estudo intitulado „Os modos de vida da população em situação

de rua: narrativas de andanças nas ruas de Vitória‟, ressaltou que esses sujeitos são vistos

como não humanos pelos moradores domiciliados1:

[...] se eu fosse deputado, eu criaria uma lei em que todo „mendigo‟ deveria

ser retirado da rua à força e colocado num espaço para ser tratado e cuidado, depois deveria ser aberto e retirado seus órgãos para serem doados a algum

empresário que necessitasse [...] e olha que sou um cristão. Eu acho que esse

povo não deveria existir (MORADOR DO BAIRRO JARDIM DA PENHA).

Quanto à caracterização das pessoas que vivem na rua atualmente, é fato que não

existe um bloco com os mesmos perfis, histórias de vida e determinantes de suas condições de

vida (ESCOREL, 2000; SOUSA; SILVA FILHO, 2003). O que há é uma diversidade de

sujeitos, resultantes da combinação de diversos acontecimentos econômicos, políticos e

sociais.

Em conformidade com a pluralidade que envolve os perfis da população adulta em

situação de rua, Silva (2012, p. 61) apresenta sete termos: “morador de rua, população de rua,

população em situação de rua, pessoas em situação de rua, populações adultas de rua, loucos

de rua e homens de rua”. Snow e Anderson (1998) classificaram os grupos de pessoas em

situação de rua como: recém-deslocados; vacilantes (regular e institucionalmente adaptados) e

outsiders (andarilhos, mendigos e doentes mentais). Conforme já dito, na rua, encontram-se

pessoas de vários perfis, com histórias e trajetórias bem diversas, de diferentes origens, com

doenças e deficiências distintas, grupos familiares, que vivem sozinhas ou em grupos,

moradores e frequentadores de programas sociais, entre outros. Essa diversidade é

apresentada como um entrave para as políticas públicas a partir de generalizações acerca

dessa população (FERREIRA, 2005).

1 Kasper (2006) utiliza o termo cidadão domiciliado para designar o indivíduo que mora em uma habitação permanente, a

casa residência.

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Já referimos que os motivos que levam a população em situação de rua a deixar seus

lares são os mais diversos. A perda do emprego e as dificuldades de se inserir no mercado de

trabalho são “motivos” importantes, que influenciam a dinâmica familiar, pois, para os chefes

de família, a perda do posto de trabalho consiste também em perda do status de “provedor”, o

que leva a rupturas nas relações familiares (FRAGA, 2015).

Um levantamento realizado pela Prefeitura de São Paulo apontou que o

desentendimento com familiares é o principal motivo para o abandono do lar, seguido de

outros motivos, como a perda do emprego e o uso de álcool e de drogas (DANTAS et al,

2012).

Entre agosto de 2007 e março de 2008, o Ministério da Saúde (MS) fez um censo em

71 municípios brasileiros, com o objetivo de fazer um levantamento das características da

população em situação de rua, e concluiu que os principais motivos pelos quais essas pessoas

passaram a morar na rua são o alcoolismo e/ou as drogas (35,5%), desemprego (29,8%) e

desavenças com pai/mãe/irmãos (29,1%); 71,3% dos entrevistados afirmaram que pelo menos

um desses três motivos destacados podem estar correlacionados entre si ou um ser

consequência do outro (BRASIL, 2012a).

Aguiar (2014) afirma que esses motivos não podem ser considerados como

determinantes para aumentar a população em situação de rua, porém, segundo Varanda e

Adorno (2004), estão estreitamente ligados às falhas e aos colapsos sucessivos ocorridos no

ambiente afetivo, o que resulta na ida para a rua.

2.2 EXPERIÊNCIA DE ADOECIMENTO E CUIDADO: contribuições da narrativa

O desequilíbrio da saúde não é unicamente um fator médico-biológico. É também um

processo associado à história de vida do indivíduo, da família e da sociedade.

Independentemente da cultura, as pessoas manifestam sofrimento, angústia e padecimento

causados pelo recolhimento interior que a dor causa. “O doente deixa de ser quem era antes”

(COSTA, 2004, p. 6). “A enfermidade é subjetivamente dotada de sentido, na medida em que

é afirmada como real para os membros ordinários da sociedade. É real porque é justamente

originada no mundo do senso comum” (ALVES, 1993, p. 269). O termo “experiência da

enfermidade” pode ser traduzido como os meios pelos quais os indivíduos reagem diante um

contexto de doença (ALVES, 1993).

Nesse contexto, a enfermidade é uma formação intersubjetiva, ou seja, construída com

base nos processos comunicativos de definição e interpretação (ALVES; RABELO, 1999). “A

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doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa, já que todas as

pessoas vivas têm dupla cidadania: uma no reino da saúde e outra no reino da doença”

(SONTAG, 1984, p.7).

Mori e Rey (2012) assinalam que o adoecimento não é apenas um processo individual,

mas também determinado pelo social e por diferentes necessidades e processos individuais,

organizados nessa experiência. Nascimento (2005) confirma que a construção do significado

da experiência do adoecimento não é um processo particular, restrito ou único, pois advém de

elaborações sociais. Então, compreende-se que a representação da doença, como fenômeno

social, mental e cultural, resulta numa exteriorização formada pelas diferentes formas de

percebê-la.

Os comportamentos de uma população perante seus problemas de saúde, tanto através

dos cuidados pessoais, quanto dos serviços de saúde, são elaborados com base em seu

contexto sociocultural e na percepção de saúde desse grupo. Ao conhecer antecipadamente o

que motiva o pensar e o agir dessa comunidade, no processo de saúde-doença, ou seja, a

percepção de saúde que eles têm, traça-se um caminho substancial que favoreça a efetividade

das ações de assistência e de educação em saúde (UCHOA; VIDAL; 1994).

Com o passar dos anos, os conceitos elaborados sobre saúde e doença têm sido

concebidos com base nas inúmeras maneiras de existir das sociedades, exteriorizadas nas

diversas formas de organização e de cultura. Variam de acordo com a percepção que se tem

do ser e da forma como ele interage com o meio onde está inserido, que se diferencia de

acordo com a cultura local e o momento histórico. Com base nessas afirmações, é difícil

elaborar o conceito de saúde de forma sólida ou precisa, porquanto está correlacionado ao

momento histórico e às condições de existência (SOUZA; OLIVEIRA, 1998).

Compreender o processo de adoecimento pode ser um desafio complexo e, muitas

vezes, esbarra na visão exclusiva de profissionais ou de especialistas que estudam essas

realidades a partir de uma perspectiva cientificista, o que não significa que não seja

importante. Porém, escutar os próprios sujeitos que vivenciam essa realidade pode trazer

novas perspectivas e descobertas sobre esse fenômeno. Partir da visão de quem vive dada

realidade pode nos despertar para elementos que não percebemos antes, além de fazer uma

relação entre o fenômeno estudado e as questões sociais que o envolvem. Assim, elegemos a

perspectiva narrativa para analisar os significados e as experiências de pessoas em situação de

rua relacionados ao adoecimento por tuberculose na rua.

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As pesquisas que utilizam o conceito de Experiência da doença preocupam-

se em analisar e interpretar os modos pelos quais os indivíduos, acometidos

por algum tipo de adoecimento ou sofrimento, vivenciam essa forma particular de experiência, e como atribuem seus sentidos, significados

estratégias de lida (PEREIRA, 2013, p. 31).

A narrativa e sua análise representam um meio importante, que possibilita demonstrar

as implicações entre a identidade da pessoa, sua experiência de adoecimento e a cultura a que

ela pertence e em que está envolvida (BURY, 2001). Kleinman, Eisenberg e Good (1978)

acrescentam que, quando se conhece a experiência humana do adoecimento, é possível

compreender como o doente, os membros de sua família ou a rede social mais próxima

percebem os sintomas e as incapacidades que possam surgir, convivem com eles e os

respondem. A falta desse conhecimento assinala o insucesso de qualquer projeto de

intervenção terapêutica.

Ricoeur (2014) assevera que a história é uma metáfora através das palavras, da

linguagem, e a narração é autêntica e verdadeira, não pelo que se fala, mas pela ação

cumprida, confirmadora das palavras. Essa história só é revelada quando nos voltamos para o

sentido da narrativa de si. O mais importante é não procurar a verdade no discurso, porém

conhecer a que mundo ele faz referência e o que revela desse mundo escrito a partir de si:

como compreende as próprias experiências, a que vivências ele se refere e o quanto foi capaz

de construir um mundo novo por meio de cada narrativa (RICOEUR, 2008).

Nas narrativas, as metáforas dão forma ao sofrimento individual e apontam no sentido

de determinada resolução desse sofrimento (ALVES; RABELO, 1993). É um meio

fundamentalmente humano de dar significado à experiência. Devido ao caráter privado das

experiências vividas, é comum, em suas narrativas, os sujeitos se expressarem utilizando uma

linguagem mais conotativa, pois, ao expor seus sentimentos e percepções acerca de suas

experiências, podem expor, em até certo ponto, estados e sentimentos sutis para cuja

expressão a linguagem denotativa, em muitas circunstâncias, é inadequada.

Na análise narrativa proposta por Fritz Schütze (2011, p. 210),

é importante perguntar-se pelas estruturas processuais dos cursos da vida

individuais, partindo do pressuposto que existem formas elementares, que em princípio (mesmo apresentando somente alguns vestígios), podem ser

encontrados em muitas biografias. Além disso, existem combinações

sistemáticas dessas estruturas processuais elementares, que, enquanto tipos de destinos pessoais de vida possuem relevância social.

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45

Esse método procura evidenciar os processos pessoais e sociais e os recursos de

enfrentamento e de mudanças apresentadas nas narrativas autobiográficas diante de um

sofrimento ou mudança significativa na história de vida. Fritz Schütze contribuiu de forma

importante para retomar e ressignificar a pesquisa biográfica nas Ciências Sociais,

direcionando a análise para as estruturas processuais dos cursos de vida ou trajetórias dos

sujeitos pesquisados, isto é, “para os elementos centrais que moldam as biografias e que são

relevantes para a compreensão das posições e papéis ocupados pelos indivíduos na estrutura

social” (WELLER, 2009. p. 4). Assim, a abordagem de Schütze é importante para este

trabalho porque focaliza o impacto de processos coletivos sobre os processos biográficos,

particularmente o modo como as experiências de sofrimento, de culpa e de remorso são

relembradas e narradas por esses informantes.

A narrativa permite uma aproximação da experiência, da maneira como ela é

experienciada pelo narrador e mantém os valores e as percepções presentes na experiência

narrada, existentes na história do sujeito e transmitidas durante a narração para o pesquisador.

Ao trabalhar com narrativas de sujeitos, estamos só compartilhando sua história, expressa na

experiência vivida, mas também cooperando com sua reestruturação, através dos movimentos

de sentidos (DUTRA, 2002).

É preciosa, pois conectar cada um à sua experiência, à do outro e à do antepassado, amalgamando o pessoal e o coletivo. E o faz de uma maneira

democrática ou, mais precisamente, da única maneira possível para que uma

prática social seja democrática - fazendo circular a palavra, concedendo a

cada um e a todos o direito de ouvir, de falar e de protagonizar o vivido e sua reflexão sobre ele (SCHMIDT, 1990, p. 51).

Por meio da narrativa, “as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência

em sequência, encontram possíveis explicações para isso e jogam com a cadeia de

acontecimentos que constroem a vida individual e social” (JOVCHELOVITCH; BAUER,

2002, p. 91). A análise narrativa fornece dados empíricos estendidos e continuamente

desdobrados sobre processos biográficos e sociais, que são uma importante fonte de dados

relevantes para analisar a realidade social. Isso ocorre porque os processos biográficos e

sociais estão totalmente entrelaçados, emergem das experiências dos sujeitos sociais, e a

realidade social é mediada por conceitos linguísticos, simbólicos e padrões discursivos

(TREICHEL; SCHWELLING, 2003).

“Contar histórias implica estados intencionais que aliviam ou, ao menos, tornam

familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normais”

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(JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002, p. 91). E ao compreender a história do indivíduo, traça-

se um caminho para se compreenderem os fenômenos sociais. Assim, é necessário que o

pesquisador tente relacionar os esforços teóricos interpretativos do portador da biografia ao

contexto de vida em que os processos foram desencadeados. Por isso, a estrutura temporal e

sequencial da história de vida do portador é fundamental, porque se trata de uma

sedimentação de estruturas processuais em série. Se houver alguma mudança na estrutura

processual dominante, no decorrer do ciclo da vida, a interpretação da história será alterada

pelo portador da biografia (SCHÜTZE, 2010).

Schütze (2007, p. 8-9) afirma que

há uma relação muito profunda entre o desenvolvimento da identidade de um indivíduo e sua ou suas representações narrativas de experiências históricas

de vida. Assim, a narrativa autobiográfica é a atividade mais fundamental em

um trabalho biográfico, pois ao rememorar o passado na narração autobiográfica de certas fases e episódios da vida ou ao narrar a história de

vida como um todo, o narrador exprime uma ordem e estrutura de identidade

básica para a sua vida que é vivida e experienciada. Ao narrar a própria vida o indivíduo não lida apenas com eventos externos, mas também com as

mudanças internas que deve enfrentar ao experienciar, reagir e moldar esses

eventos externos.

A partir do momento em que o sujeito passa a narrar fatos que aconteceram em sua

vida, vêm à tona coisas desagradáveis, porém a pressão psicológica da ocasião o influencia a

contá-los e faz com que se sinta obrigado a descrevê-los até o fim, mesmo que a emoção tome

conta. Enquanto narra, descreve cenas e apresenta os eventos ocorridos em dado momento

histórico em que ocorreram e ainda se vê obrigado a fazer uma avaliação completa, visto que

retornam a sua mente situações adormecidas durante anos (OTTE, 2008). Desse modo, “o ato

de rememorar e a narração da experiência vivenciada de forma sequencial permitem acessar

as perspectivas particulares de sujeitos de forma natural” (WELLER; ZARDO, 2013. p. 133).

“A estrutura de uma narração é semelhante à estrutura da orientação da ação: um contexto é

dado; os acontecimentos são sequenciais e terminam em determinado ponto; a narração inclui

um tipo de avaliação do resultado” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002, p.92).

Na pesquisa, „O adoecimento crônico infantil: processo e narrativa - contribuição para

o estudo de pacientes com fibrose cística e asma‟, Castellanos (2007, p. 93) refere que “a

experiência com a doença define-se através de um amplo conjunto de interações sociais”

ocorridas entre a pessoa adoecida, seus cuidadores e seus grupos de convivência.

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Assim, para compreender as especificidades nas interações sociais que permeiam os

cuidados dirigidos às pessoas em situação de rua adoecidas por tuberculose (TB), é necessário

evocar a construção social do morador de rua e da TB, uma vez que pessoas em situação de

rua e seus cuidadores têm sua conduta e comportamento a partir da significação de ser/estar

da/na rua e da TB.

Conforme já mostramos neste trabalho, as construções sociais relativas às pessoas em

situação de rua foram elaboradas com tipificações que as definem como vagabundas, sujas,

loucas, perigosas e coitadas. Isso desperta um comportamento social que vai da total

negligência à selvageria (MATTOS; FERREIRA, 2004). Com efeito, essa construção

compartilhada materializa-se nas relações sociais desses sujeitos e serve como material

simbólico usado na construção de suas identidades e do modo como os profissionais de saúde

os olham e cuidam deles.

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„Grupo com homem doente‟ - Cândido Portinari

Pintor brasileiro (1903-1962)

O bicho

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

(Manuel Bandeira)

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que visa congregar as questões do

significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais,

estas últimas tomadas tanto em seu advento quanto em sua transformação, como construções

humanas significativas (MINAYO, 2006).

Ao utilizar esse tipo de pesquisa, o pesquisador pode conhecer as angústias e as

ansiedades dos sujeitos que estão sendo pesquisados e procura ter com eles uma relação face a

face, considerando as trocas afetivas e suas falas, centralizando assuntos ligados à saúde e à

doença, aos métodos terapêuticos, aos serviços de saúde e/ou sobre como lidam com suas

vidas (TURATO, 2000). Também engloba uma diversidade de material empírico que narra ou

relata momentos e conteúdos costumeiros e problemáticos da vida dos indivíduos envolvidos

(DENZIN, LINCOLN, 2006).

3.2 CENÁRIO DO ESTUDO

Com uma área territorial de 210,55 km², a capital paraibana, João Pessoa, cenário

escolhido para a realização deste estudo, divide-se em 64 bairros e tem uma população de

723.515 habitantes (IBGE, 2015). Representa a sede da primeira dentre as quatro

macrorregiões de Saúde do estado da Paraíba, composta de sete regiões de Saúde e que é

responsável por absorver demandas provenientes de toda a Paraíba e de estados vizinhos, uma

vez que oferta serviços especializados de alta complexidade para a maioria das patologias

(JOÃO PESSOA, 2016). A rede assistencial de saúde organiza-se de forma regionalizada,

estruturada em rede especializada, hospitalar e básica, distribuída em cinco Distritos

Sanitários de Saúde (DSS). O serviço especializado em TB é o Complexo Hospitalar

Clementino Fraga.

A rede de atenção primária à saúde (APS) é composta de 186 Equipes de Saúde da

Família (ESF), distribuídas em 100 Unidades Saúde da Família (USF) e sete equipes do

Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), o que perfaz 88,3% de cobertura

populacional por serviços da APS. Além das USF, o município disponibiliza cinco Unidades

Básicas de Saúde (UBS) para moradores de áreas que não recebem cobertura das Equipes de

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Saúde da Família. O atendimento ao público pelas ESF, pelo PACS e pelas UBS acontece de

segunda a sexta-feira, no período das 7 às 11 horas e das 13 às 17 horas. Somam-se a esses

serviços 34 equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e 11 equipes de Serviço

de Atendimento Domiciliar (SAD), que atuam em conjunto com as equipes das USF para

reduzir a hospitalização.

Contam com o apoio da Casa de Acolhida - destinada a pessoas em situação de rua e

sem vínculos familiares, até quando não têm mais autonomia suficiente para buscar outros

horizontes - do Centro de Referência Especializada para a População em Situação de Rua

(Centro POP) - que é vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e uma

unidade de referência de média complexidade que atende às pessoas que fazem das ruas um

espaço de moradia e/ou de sobrevivência, com atividades voltadas para o desenvolvimento de

sociabilidades, na perspectiva de fortalecer os vínculos interpessoais e/ou familiares que

oportunizem a construção de novos projetos de vida e alternativas para sair das ruas - e com o

Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD) - um serviço específico

para cuidar integralmente e de forma continuada de pessoas com necessidades por causa do

uso de álcool, de crack e de outras drogas e que funciona durante 24 horas.

O município também dispõe do serviço do Consultório na Rua (CR), que foi

implantado desde 2011. Atualmente, existem três equipes interdisciplinares, compostas de

enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e agentes sociais, que acolhem as pessoas em

situação de vulnerabilidade social, com orientações, cuidados básicos de saúde e

encaminhamentos, de acordo com as particularidades dos usuários. Com sede fixa, as equipes

atuam de forma itinerante nas ruas de João Pessoa e são divididas em dois territórios: Centro e

Praia. A abordagem é realizada por meio de demanda espontânea ou de chamadas telefônicas

da população, através de aparelhos de saúde, da imprensa ou da Polícia.

O CR tem atuado para favorecer a vida da PSR nos mais diversos aspectos. O

acolhimento, como estratégia de intervenção, tem sido uma ferramenta muito potente para

aproximar e formar vínculo da PSR em João Pessoa. Como resultado do trabalho das equipes

do CR, podemos citar a redução de danos, a promoção do autocuidado, a melhora na

autonomia dos sujeitos e o reconhecimento de seus direitos civis como cidadãos.

Considerando a importância de proporcionar uma atenção integral e integrada a esses

sujeitos, vale salientar a importância da participação/articulação não somente dos

equipamentos de saúde acima citados, mas também de dispositivos intersetoriais, como

assistência social, educação, sociedade civil e justiça.

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O fluxograma abaixo representa o mapeamento das instituições/serviços que compõem

a rede de assistência (de saúde e social) à PSR doente de TB, no município de João Pessoa –

PB (OLIVEIRA, 2017).

Figura 01 – Fluxo de assistência à pessoa em situação de rua doente de tuberculose na rede

de assistência de saúde e social. João Pessoa – PB, 2017.

Fonte: OLIVEIRA (2017)

Quando a PSR doente de TB entra nesse circuito pelo CR, a configuração desse fluxo

(que foi desenhado com base na experiência da coleta de dados) resulta no seguinte desenho:

Figura 02 – Fluxo de assistência à pessoa em situação de rua doente de tuberculose realizado

pelo CR. João Pessoa, PB - 2017

Fonte: Dados da pesquisa - 2017

PSR com queixa de tosse

CR realiza coleta de escarro e orientações

Resultado

positivo

Encaminha o usuário à USF para dar início

ao tratamento

Caso o usuário se negue a ir à USF, o CR entrega a medicação ao mesmo e

realiza visitas para acompanhar o

tratamento e as queixas

PSR com queixa de tosse intensa e febre

Encaminha ao Complexo Hospitalar Clementino

Fraga para internação e

CR

Caso necessário, encaminha à Casa

de acolhida ou CAPS AD

Resultado

negativo

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As entrevistas foram realizadas nos territórios escolhidos pelos sujeitos do estudo, que

disseram que estariam tranquilos e seguros no momento da entrevista. Os locais foram: a

calçada da Caixa Econômica Federal; a lateral do Mercado Central; as margens da BR 230,

perto do Hospital de Trauma, e a Avenida Vasco da Gama.

3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO

No período em que a pesquisa estava sendo feita, o município de João Pessoa tinha,

aproximadamente, 500 pessoas cadastradas pelo Consultório na Rua (CR), 20 das quais

tinham o diagnóstico de TB (JOÃO PESSOA, 2015).

A seleção dos participantes foi realizada a partir da orientação do CR, que selecionou

as PSRs que eram acompanhadas pela equipe, na época, e estavam doentes de TB ou já

haviam contraído essa doença durante a vivência na rua. Foram entrevistados dez

colaboradores, dos quais foram selecionados cinco para compor este trabalho, visto que as

demais narrativas focavam, quase que exclusivamente, a trajetória do uso de drogas e de

violência, sem relação com o adoecimento por TB, portanto, não atendiam aos objetivos da

pesquisa. Dos cinco participantes, havia quatro homens e uma mulher, com idade média de

33,1 anos (30-44 anos). Quanto à procedência anterior à vivência nas ruas, foram

identificados os seguintes municípios, todas da Paraíba: João Pessoa, Bayeux, Santa Rita,

Condado e Conceição.

No que diz respeito à profissão/ocupação foram citadas: pedreiro, agricultor,

guardador de carros e catador de reciclagem. A maioria disse que é católica (apenas um

evangélico) e, quanto ao nível de escolaridade, predominou o Ensino Fundamental

incompleto. Em relação ao estado civil, um se declarou viúvo, dois vivem em união estável e

os demais são solteiros ou separados. Os voluntários da pesquisa foram selecionados com

base nos seguintes critérios: ter o diagnóstico de TB no momento da pesquisa ou história de

adoecimento por TB anterior à entrevista, mas que estivesse vivendo em situação de rua

durante o adoecimento; ser maior de 18 anos e declarar verbalmente não estar consumindo

álcool e/ou outras drogas no momento da entrevista.

Visando manter o anonimato dos participantes principais da pesquisa, conforme regem

as normas da Resolução 466/12 (BRASIL, 2012c), todos foram referidos por meio de

pseudônimo, escolhidos por nós, na sequência em que foi feita a entrevista. Os pseudônimos

foram escolhidos de modo a homenagear poetas e/ou escritores brasileiros, que também foram

acometidos por TB.

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Até o final da primeira metade deste século, quase todo o corpo poético brasileiro

estava afetado pela TB. Na lista de nomes acometidos pela doença, podemos contabilizar mais

de quarenta, entre famosos e anônimos. Eram poetas, jornalistas, advogados, funcionários

públicos, que viviam na boemia e, à noite, em botequins e bares, discutiam, bebiam, faziam

versos, manifestavam seus sentimentos, ora sarcásticos, ora amargos, ou romantizavam seus

sofrimentos, ironizando a própria sorte, até chegar a hora da morte. A maioria morreu

precocemente, entre 21 e 35 anos de idade (ROSEMBERG, 1999).

Segue a lista dos homenageados:

1. Augusto dos Anjos – Nasceu em Sapé, na Paraíba. Muitas vezes, foi considerado

simbolista ou parnasiano.

2. Auta de Souza - Nasceu em Macaíba, no Rio Grande do Norte.

Poetisa brasileira da segunda geração romântica (ultrarromântica, byroniana ou

Mal do século), é considerada “a maior poetisa mística do Brasil”.

3. Cruz e Sousa - Com a alcunha de Dante Negro ou Cisne Negro, foi um dos

precursores do Simbolismo no Brasil. Nasceu em Nossa Senhora do Desterro,

atual Florianópolis - Santa Catarina.

4. Castro Alves - Suas poesias mais conhecidas são marcadas pelo combate

à escravidão, motivo pelo qual é conhecido como o “poeta dos escravos”. Nasceu

em Pau d'Arco, na Paraíba.

5. Pedro de Calasans - Poeta, crítico e jornalista da segunda geração romântica,

conhecida como Ultrarromantismo ou Mal-do-Século. Nasceu em Santa Luiza -

Sergipe.

3.4 PRODUÇÃO DO MATERIAL EMPÍRICO

Para iniciar e manter um diálogo com os sujeitos deste estudo, foram necessários

muitos deslocamentos pelos diversos territórios por onde eles circulam e ir ao encontro deles

por diversas vezes até que a entrevista fosse realizada. Os motivos variavam desde o não

comparecimento no local combinado, até a impossibilidade de se fazer a entrevista por causa

da falta de discernimento deles, por estarem usando drogas. O auxílio da equipe do

Consultório na Rua e da comunidade católica „Filhos da Misericórdia‟ foi imprescindível,

porque ambos fizeram a mediação entre a entrevistadora e os sujeitos, para formar um

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vínculo. A entrevista só seria feita depois de, no mínimo, dois encontros. Houve entrevista

que só foi realizada depois de quinze encontros.

Os dados foram coletados por meio da técnica de observação participante e da

entrevista em profundidade. Para operacionalizar a coleta dos dados, utilizaram-se um diário

de campo e um roteiro de entrevista em profundidade, no período de fevereiro de 2015 a

janeiro de 2016. As entrevistas foram gravadas em áudio, através de aparelho MP3, para

posterior transcrição e análise, e cada uma durou, em média, 45 minutos. A escolha pela

entrevista em profundidade se justifica por ser uma técnica dinâmica e flexível e útil para se

apreender uma realidade, tanto para tratar de questões relacionadas ao íntimo do entrevistado,

quanto para descrever processos complexos em que o entrevistado está ou esteve envolvido

(DUARTE; BARROS, 2006).

Os sujeitos foram informados sobre a natureza e os objetivos do estudo e de que seu

anonimato seria garantido. Em seguida, foram solicitados a assinar o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (de forma manual ou através do uso da digital do

polegar direito) para confirmar sua participação no estudo.

3.5 ANÁLISE DOS DADOS

Para analisar os dados produzidos nesta pesquisa, optou-se pela análise narrativa,

como forma de conhecer a forma como os sujeitos interpretam suas experiências. A narrativa

é um caminho que o pesquisador segue para compreender as estruturas processuais dos cursos

de vida ou as trajetórias dos sujeitos pesquisados (SCHÜTZE, 2011). De acordo com a

proposta desse autor, “a análise detalhada do conteúdo, com verificação, confrontação e

diferenciação de casos, busca elaborar modelos teóricos sobre a trajetória biográfica de

indivíduos pertencentes a grupos e condições sociais específicas” (WELLER, 2009, p. 10).

Através da análise de entrevistas narrativas, elaboram-se modelos teóricos sobre a

“trajetória biográfica de indivíduos pertencentes a grupos e condições sociais específicas

como, por exemplo: mulheres com cargos executivos, pessoas vivendo em situação de rua,

entre outros” (RIEMANN, 2003, p. 47).

Depois que o material empírico foi produzido, procedemos às transcrições.

Jovchelovitch e Bauer (2002) explicam que o primeiro passo para analisar as narrativas

consiste em transcrever as entrevistas gravadas, e por mais trabalhoso que seja fazê-las, é

necessário para que se compreenda bem mais o material a ser trabalhado e a fluência das

ideias para interpretar o texto. O grau de detalhes das transcrições varia de acordo com a

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finalidade da pesquisa. Também são transcritas as características paralinguísticas, como o tom

da voz ou as pausas, visando estudar a versão das histórias não apenas quanto ao seu

conteúdo, mas também quanto à forma retórica.

Outro detalhe importante relacionado à transcrição é que deve ser feita,

preferencialmente, pelo próprio pesquisador, para evitar um material de baixa qualidade.

Nesta tese, todas as entrevistas foram transcritas pela pesquisadora. Para isso, foi empregado

o sistema de transcrição denominado de TiQ – Talk in Qualitative Research (Quadro 1), que

procura destacar a entonação do discurso, as pausas, os risos e outros elementos da fala. O

modelo foi desenvolvido por Ralf Bohnsack e outros pesquisadores de seu grupo de estudos

da Universidade Livre de Berlim - Alemanha. É importante saber que a pontuação nas

citações de entrevistas não segue as normas gramaticais, mas a entonação da voz (WELLER,

2006).

Quadro 1 – Códigos utilizados na transcrição e na análise das entrevistas

Significado

Y Abreviação para o entrevistador

(.) Um ponto entre parênteses expressa uma pausa inferior a um segundo

(1) Um número entre parênteses indica o tempo de duração de uma pausa em

segundos

Exemplo Palavras ou frases pronunciadas em tom de voz alto são colocadas em negrito.

Exemplo Palavras ou frases pronunciadas de forma enfática são sublinhadas.

@exemplo@ Palavras ou frases pronunciadas entre risos são colocadas entre o sinal de arroba.

oexemplo

o Palavras ou frases pronunciadas em tom de voz baixo são colocadas em

pequenos círculos.

exem-

A palavra foi pronunciada pela metade.

[[ ]] Voz embargada

/exemplo/ Lágrimas contidas nos olhos

„exemplo‟ Fala pausada

exemplo Proposição não indexada descritiva

exemplo Proposição não indexada argumentativa

[...] Supressão de palavras ou frases pronunciadas

(linhas x-xx) Recorte de linhas citadas nas narrativas

Fonte: Adaptado de WELLER (2006, p. 258)

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Os códigos [[ ]], “ ”, [...], /exemplo/, exemplo, (linhas 01-05), exemplo e exemplo não

fazem parte do modelo de Ralf Bohnsack, nós os criamos devido à necessidade durante as

transcrições e a análise.

Seguem-se seis passos para analisar narrativas (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002,

p. 106-107):

1. Transcrição detalhada de alta qualidade do material verbal;

2. Divisão do texto em material indexado e não indexado - As proposições indexadas referem-se concretamente a “quem fez o que, quando, onde e

por que”, enquanto as proposições não indexadas vão além dos

acontecimentos e expressam valores, juízos e toda forma de uma generalizada “sabedoria de vida”. As proposições não indexadas podem

ser de dois tipos: descritivas e argumentativas. As descritivas dizem

respeito a como os acontecimentos são sentidos e experienciados, aos valores e às opiniões ligadas a eles e às coisas usuais e corriqueiras; as

proposições argumentativas se referem à legitimação do que não é aceito

pacificamente na história e a reflexões em termos de teorias e de

conceitos gerais sobre os acontecimentos. 3. Uso de todos os componentes indexados do texto para analisar o

ordenamento dos acontecimentos para cada indivíduo, cujo produto

Schütze chama de “trajetórias” (descrição estruturada do conteúdo); 4. As dimensões não indexadas do texto são investigadas como “análise do

conhecimento”. As opiniões, os conceitos, as teorias gerais, as reflexões e

as divisões entre o comum e o incomum são a base sobre a qual se

reconstroem as teorias operativas, as quais são comparadas com elementos da narrativa, pois representam o autoentendimento do

informante (abstração analítica);

5. Agrupamento e comparação das trajetórias individuais e comparação entre elas (comparação contrastiva);

6. Derradeira comparação de casos, em que trajetórias individuais são

colocadas dentro do contexto, e semelhanças são estabelecidas. Esse processo permite a identificação de trajetórias coletivas (construção da

síntese narrativa coletiva).

3.6 ASPECTOS ÉTICOS

Como recorte de um projeto maior, já citado, este já fora aprovado pela Secretaria

Municipal de Saúde do município de João Pessoa e do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do

Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob o

CAAE 20446513.0.0000.5188, protocolo 0478/13, para atender às recomendações contidas na

Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e das diretrizes e das normas

que regulamentam as pesquisas que envolvem seres humanos (BRASIL, 2012c).

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Os retirantes - Cândido Portinari

Pintor brasileiro (1903-1962)

Eu sou sujo, eu sou feio, eu sou antissocial

Eu num posso aparecer na foto do cartão postal

Porque pro rico e pro turista eu sou poluição

Sei que sou um brasileiro. Mas eu não sou cidadão

Eu não tenho dignidade ou um teto pra morar

E o meu banheiro é a rua

E sem papel pra me limpar

Honra? Não tenho. Eu já nasci sem ela

E o meu sonho é morar numa favela

(Trecho da Música “O Resto do Mundo” de Gabriel, o Pensador)

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4 RESULTADOS

4.1 APRESENTANDO OS PARTICIPANTES E SUAS TRAJETÓRIAS

Neste capítulo, apresentamos os dados que representam as proposições

indexadas deste estudo e uma análise da ordem dos acontecimentos para cada indivíduo

(trajetória).

a) Augusto dos Anjos

O sujeito estava tranquilo e disposto a colaborar com o estudo. Durante o relato, ele se

apresentou à vontade e chegou a se emocionar em alguns momentos, especialmente quando se

referia à sua companheira e às suas filhas. Assim, pudemos identificar, além dos elementos

linguísticos, os paralinguísticos.

Augusto dos Anjos tem 30 anos, é evangélico, estudou até a 3ª série do ensino

fundamental I. É natural de Bayeux – PB - está separado da companheira e teve filhas

(gêmeas), com as quais não tem contato. Uma das filhas faleceu, e a outra foi levada para

adoção. Já trabalhou como servente de pedreiro e, atualmente, sobrevive recolhendo material

para reciclagem. Tem problema renal, dor crônica na coluna, problema de fígado, diabetes e

TB.

Fez sua apresentação pessoal com elementos significativos para ele. Comentou sobre

sua ida para a rua no final da adolescência e fez uma comparação temporal entre o antes e o

depois de ter adoecido. Relatou seu itinerário terapêutico, através da rede de apoio “formal”, e

falou sobre a relação entre saúde e trabalho. Ter saúde representa a sua felicidade, sua força.

Seu sofrimento está relacionado à limitação para o trabalho por causa das doenças pelas quais

foi acometido.

Discorre sobre as dificuldades com que se depara por morar na rua (dormida,

alimentação, banho, medicação), que são elementos essenciais para a sobrevivência e uma

necessidade para uma pessoa afetada pelas doenças citadas. Concentra sua narrativa nas idas e

vindas aos hospitais, para tratar dos sintomas que apresenta. Sua trajetória foi marcada por

sofrimento, solidão e abandono. Aceitou o diagnóstico de TB, mas se queixa das dificuldades

de fazer o tratamento correto por estar na rua. Finaliza mostrando-se resignado e esperançoso

por dias melhores.

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b) Auta de Sousa

Auta de Sousa tem 30 anos e nasceu no município de Santa Rita; tem quatro filhos de

outros relacionamentos (que vivem com uma irmã) e afirmou estar grávida do atual

companheiro. É a única mulher participante deste trabalho. Estudou até a 3ª série do ensino

fundamental I. Aos 13 anos, assassinou o marido por causa de uma traição e foi apreendida

em uma instituição para recuperação de menores. Aos 18, foi transferida para um presídio e lá

ficou durante nove anos. Ao sair, foi morar na rua.

Disse que não gosta de muita conversa, que é bem direta e deixa a entender que sua

narrativa seria breve e sem muitos detalhes. Atualmente provê seu sustento como pedinte.

Frequentou uma igreja evangélica durante oito anos, agora, não tem religião, as acredita em

Deus. Auta se preocupa com a violência na rua, por isso não consegue descansar à noite. O

horário de descanso para ela é durante o dia, devido aos riscos de assalto e de morte no

período noturno.

Perdeu a mãe devido às complicações da TB e acredita ter se contaminado com ela ao

compartilhar pratos, talheres e copos. Reclama dos sintomas da doença e fala que foi

internada três vezes em períodos diferentes, pois sempre sai antes de completar o tratamento,

já que não gosta de hospital. Disse que o tratamento da pessoa com TB é “pesado”, que causa

muita fome e que tem dificuldades de adquirir a medicação por estar sem documento. Expõe

sobre seu sonho de ter uma casa e morar com o companheiro e levar alguns colegas da rua

para se abrigarem em sua moradia.

c) Cruz e Sousa

Cruz e Sousa tem 31 anos, dois filhos e é mecânico. Nasceu em João Pessoa – PB e só

estudou até a 2ª série do ensino fundamental I. Ganha seu sustento como “guardador de carro”

e pedindo as pessoas que transitam próximo ao local onde se abriga na rua. Considera-se uma

pessoa com educação, se receber tratamento respeitoso, caso contrário, responderá com

pancada.

Foi muito receptivo para a realização da entrevista e falou que se sentia importante ao

saber seus objetivos. Mostrou-se bem à vontade e deixou transparecer certa ansiedade ao

procurar termos mais rebuscados para falar, ao mesmo tempo em que usava muitas gírias.

Perdeu a mãe aos 14 anos e foi morar na rua. Afirma que, nessa época, “virou” a

cabeça e iniciou a prática de roubos e uso de drogas. Voltou para a casa das irmãs algumas

vezes, mas não escutava o conselho delas para sair da rua. Teve oportunidade de ser um

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jogador de futebol profissional e de trabalhar para um padre, mas abandonou tudo para morar

na rua. Julga que agora sofre as consequências.

Hoje está afetado pela TB. Fala das dificuldades de morar na rua, como de tomar

banho, alimentar-se e repousar. Comenta que já apresentou os sintomas da doença em vários

episódios e já fez tratamento no hospital e na casa da sogra, porém não conseguiu concluir

porque voltava à rua para buscar drogas e porque, no hospital, não gostava de ficar preso e de

levar picada de agulha. Avisa que é “bicho solto”. Não gosta de ficar confinado e por isso não

consegue se fixar em uma casa.

Assim como ele, a esposa é dependente de crack. O homem comenta sobre o desejo de

ajudá-la a sair da dependência. E mesmo com os sintomas incômodos da TB, ele usa crack,

porque gosta da “lombra”. E quando começa a usar, abandona o tratamento. Já vendeu os

medicamentos para comprar crack.

d) Castro Alves

Castro Alves tem 44 anos e é viúvo. Nasceu em Condado, na Paraíba e tem quatro

filhos, que se encontram privados de liberdade em presídios de Pernambuco e da Paraíba.

Também já foi privado de liberdade. Está morando na rua há mais de 20 anos por causa de

problemas com o pai e a mãe. Ao ser convidado para participar da pesquisa, mostrou-se à

vontade, porém foi logo avisando que não iria informar detalhes de sua identidade porque

tinha problemas com a Justiça e que sua história de sofrimento faria qualquer um chorar.

A narrativa de Castro Alves tem tom de revolta. Informa que não tem família e tem

um histórico problemático com a Justiça. Usa todos os tipos de drogas pesadas e, no dia a dia,

usa mais o álcool. É portador de TB, de epilepsia alcóolica e de um desvio sério na coluna.

Apresenta cicatrizes de facadas e de tiros em todo o corpo. Acredita que se contaminou de TB

ao compartilhar cachimbo para usar crack.

Comenta que o incômodo de ter TB é a agonia da tosse e o frio durante o período de

chuva. Já foi interno para se tratar da doença, mas, logo que teve uma melhora, pediu alta e

voltou para a rua. Foi embora do hospital porque não gosta de ficar preso nem de levar

furadas nas veias e tomar remédios, também porque precisava tomar uma cachacinha e sentia

falta das drogas no hospital. Ele disse que não faz o tratamento correto da TB porque não lhe

medicaram para melhorar os sintomas da epilepsia alcóolica, e isso lhe causa muita raiva. Ter

tuberculose para ele não é o pior, mas morar na rua sem condições de sobreviver.

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e) Pedro de Calasans

Pedro de Calasans, cuja idade é de 38 anos, tem uma filha que mora em São Paulo e é

separado. Nasceu em Conceição do Piancó (PB), estudou até a 8ª série do ensino fundamental

I, é portador de tuberculose e é alcoolista desde a infância. Tem um problema no coração (não

especificou) e usa todas as drogas ilícitas a que tem acesso, menos “pico” na veia. Aceitou

participar da pesquisa e afirmou que teria muita satisfação em colaborar com ela. Disse que

essas pesquisas deveriam ser feitas para descobrir um jeito de as pessoas não quererem mais

usar drogas.

Pedro já foi “morador” de um presídio por alguns anos. Há quatro anos mora na rua,

desde que foi solto. É “foragido” de sua cidade natal por causa de guerra antiga entre famílias.

Sua vida é marcada pelo uso de drogas. Durante a infância, no sertão, trabalhava na

agricultura e, à noite, usava bebidas alcóolicas. Já na adolescência, foi para a capital e

começou a usar outras drogas, como maconha, até chegar ao crack, que, segundo ele, foi o

motivo que o levou a praticar crimes. Sua trajetória, daí em diante, foi de sofrimento extremo,

pois não encontrava motivo para viver. Só queria usar droga cada vez mais e não tinha mais

nenhum cuidado consigo mesmo. Não comia, não dormia, apenas catava, vendia latinhas e

papelão e “guardava” carros para ter um dinheiro e comprar a droga.

Sobre a TB, iniciou e interrompeu o tratamento três vezes. Afirmou que fazer o

tratamento morando na rua é muito difícil e que o uso da droga também atrapalha.

4.2 NARRATIVAS DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO

Neste item, são apresentados os resultados alcançados na pesquisa de campo, com

base na proposta de análise da narrativa de Schütze, no formato de estudo de casos. Por meio

de uma abordagem narrativa, buscamos analisar o conhecimento produzido com base nas

histórias.

Destacamos com diferentes fontes de escrita, as proposições não indexadas descritivas

(Arial) das argumentativas (Segoe Print) e fizemos a descrição estrutural do conteúdo,

analisando alguns segmentos da narração central. Com base nos pressupostos teóricos de

Noguez (2017), optamos por analisar e discutir as dimensões descritivas e argumentativas de

forma articulada, já que as informações eram complementares.

As narrativas apresentam marcas de aproximação e distanciamento entre si, que

mudam de acordo com a experiência de cada pessoa e as formas como enfrentam e/ou

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enfrentaram a doença. Encontramos respostas distintas e específicas em relação a viver na rua

e ao adoecimento por TB.

Com o método narrativo, os sujeitos da pesquisa puderam atribuir interpretações

pessoais e ordená-las de maneira que suas histórias dessem sentido a si mesmos e às suas

experiências. Assim, puderam expor as peculiaridades escolhidas, utilizaram diferentes

recursos de linguagem, ressaltaram trechos do discurso, conferiram ação aos outros

personagens e alternaram sua participação na história, ora como sujeitos ativos, ora passivos.

O tempo narrado nos estudos de caso aqui exibidos é o mesmo que foi apareceu nos

acontecimentos trazidos pela memória dos sujeitos participantes. Não é cronológico, afinal, a

memória é seletiva, e o narrador profere o que deseja e da forma como se lembra.

Procuramos “apreender aquilo que, na maioria das vezes, não era dito, mas sim

vivenciado e que se mostrava nas ações e orientava a compreensão que a pessoa fazia de suas

experiências” (NOGUEZ, 2017, p. 60). Essa forma de analisar nos levou a considerar a

doença como um fenômeno que desorganiza a vida e o senso de unidade biográfica do doente,

e as narrativas, como recursos que não só dão voz a esse corpo/self transformado, como

também proporcionam a reconstituição de si e o enfrentamento público da nova condição,

como apontam Germano e Castro (2010).

Cada indivíduo compreende a vida social com o seu olhar, e o contexto em que vive

leva-o a favorecer as condições mais significativas para sua vida, visto que contar uma

história é ordenar os acontecimentos de acordo com o sentido que se quer conferir. Desse

modo, identificamos a localização social e cultural do indivíduo, de acordo com o modo como

as circunstâncias são narradas e (re)significadas por eles (ALBERTI, 1996).

Frank (1995) enuncia que, por meio da narração da história do adoecimento, é possível

recuperar o malfeito e a ruptura que a doença impõe à vida do sujeito adoecido. A percepção

que tem da posição que ocupa na vida e para qual direção sua vida está se dirigindo também

pode ser modificada. O mesmo autor (2000) afirma que as narrativas recriam um eu

prejudicado pelos efeitos da doença e proporcionam ao indivíduo reviver sua história e operar

transformações em si mesmo.

4.2.1 Resiliente na dor e no abandono (Augusto dos Anjos)

Augusto saiu de casa no final da adolescência. A separação dos pais e o convívio

difícil com a madrasta, que batia nele, foram os motivos que o levaram a buscar a rua. Então,

para se sustentar, foi trabalhar em um lixão como catador de produtos recicláveis.

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Apesar de não falar exatamente sobre a idade em que a madrasta entrou na vida dele,

entendemos o quanto é importante o adolescente ter um ambiente harmonioso em família para

que seu desenvolvimento seja saudável. A ausência da figura materna no lar pode desencadear

sentimentos de carência, insegurança, baixa autoestima e conduta antissocial. A negligência

do pai em relação a ele se mostra ao permitir que a companheira o agrida, já que afirmou que

nunca apanhar do pai.

As rupturas no âmbito familiar impõem lacunas afetivas que marcam profundamente a

trajetória de vida dos indivíduos, já que esse deveria ser o lugar privilegiado de afeto e de

pertencimento. O desamparo emocional e material faz com que se sinta fora dos padrões

habitualmente aceitos pela sociedade e reforça a frustração com o meio social em que se vive.

Depois de um tempo na rua, apareceram-lhe os sintomas da diabetes, tão graves que

ele precisou ser internado. A perda de peso foi bastante significativa, e Augusto recebeu

orientação do médico para não trabalhar durante algum tempo. Antes de adoecer, ele tinha

uma boa imagem de si próprio. Porém, depois, passou a se julgar “acabado”, por não ter mais

forças para trabalhar: “/A diabete me acabou, que eu era gordo “quissó”, forte e a

diabete que eu peguei foi a maga, a diabete maga/, aí ela acabou comigo” (32-34).

Para alguns grupos da sociedade, ser gordo significa ter saúde, fartura e exuberância.

Sem isso, o homem se sente mal e fica impossibilitado de provisão, o que mexe com sua

autoestima e dignidade. A magreza, simbolicamente, representa a pobreza e o pouco acesso

aos alimentos.

Ao narrar sobre sua (sobre)vivência na rua, Augusto fala das necessidades do ser

humano. O trecho a seguir denota que as necessidades humanas básicas não satisfeitas afetam

o comportamento humano, e isso pode trazer risco para a preservação da vida. Ele esclarece

que é importante ter saúde para poder trabalhar. A falta dela está diretamente ligada à

incapacidade para o trabalho, o que provoca tristeza e infelicidade nele.

Nesse caso, a situação de vulnerabilidade social é evidente, e a falta de sentido na vida

se apresenta em sua narrativa:

Ter saúde é muito bom. Você ter sua saúde é melhor coisa do mundo. É mais feliz, tem mais força, tudo. Essas coisa. A pessoa sem

saúde não é nada...(pausa). oA doença pra mim... o é a pior coisa que

tem!(1) Porque se não fosse a doença, eu tava “trabaiando”.

[[oSeu eu não tivesse adoecido...o]]. (53-57)

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O adoecimento, que o impede de trabalhar, leva ao lamento. Ele não se queixa dos

incômodos dos sintomas, mas concentra sua narrativa em lembrar que, quando tinha saúde,

era forte e podia trabalhar. Essa desorganização na compreensão da realidade caracteriza-se

como uma ruptura biográfica. Assim, para cuidar da saúde, Augusto se dirigia à ESF mais

perto do local onde se abrigava. Lá tomava a insulina, pegava a medicação, e quando adoecia,

a médica o encaminhava ao hospital.

Ele demonstra admiração pela equipe de saúde, pelo fato de se organizar para ajudá-lo

no transporte até o hospital e na alimentação. Também vê, com certa estranheza, o fato de a

equipe demonstrar muita preocupação por causa de suas condições de vida e de saúde. Talvez

isso se deva, possivelmente, por estar “acostumado” a não receber esse cuidado, já que a

condição de “morador de rua” o leva a sofrer maus-tratos de todas as ordens.

Depois de sofrer devido à descompensação da diabetes e a uma forte “crise” de

coluna, ele foi encaminhado do postinho para o hospital. Passou mais de um mês em

tratamento. Nessa época, sua companheira estava prestes a dar à luz a gêmeas. Poucos dias

depois do nascimento, um bebê morreu, e o outro foi levado para adoção, já que os pais não

tinham condições de cuidar dele nem de sustentá-lo.

Nesse interim, foi transferido para outro hospital e recebeu o diagnóstico de

pneumonia. Depois de ser submetido ao tratamento e de receber alta, ele e a companheira

passaram dez dias hospedados em uma pousada. Como estava tossindo muito, foi

encaminhado para o hospital universitário, e com suspeita de tuberculose (TB), foi levado

para um hospital referência em doenças infectocontagiosas. Lá foram realizados exames e,

antes de receber o resultado, ele pediu para ter alta. Resolveu ir embora porque queria buscar

o benefício do INSS.

Augusto lembra que, nesse período, passou por várias adversidades: perdeu as filhas e

precisou sair na chuva com tosse e dores para vender material de reciclagem para seu sustento

e o da companheira que estava de “resguardo”. Seu sofrimento foi intenso.

Aí quebrei o tratamento. Prá resolver meus “negoço”, minha papelada. Aí adoeci e deu uma recaída “neu”. Deu uma recaída

“mermo”. Foi através da pneumonia. Foi! Depois que tratei da pneumonia ai a “tubeculose” apareceu. (92-95). [...] Quando a

bebezinha morreu(.) eu tava na vila. //[[Tenho até remorso quando

me lembro disso...porque dói ainda]]// Levei uma chuva pesada.

Ai eu tinha saído pra catar “recicragem”. Levei uma chuva pesada e cheguei em casa todo molhado. Eu tava “mei” lá, “mei” cá. Eu tava tossindo, ai sai pra catar uns papelão, ai pesei pra o “mode” arrumar um dinheiro pra comprar comida pra dentro de casa, nesse dia. Tava

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sem dinheiro. Tinha gastado muito com ela no hospital. Eu também

tinha saído do hospital (1) ai ficou naquele “negoço” do aperto. Ai doente “mermo”, tinha pedido minha alta, porque tava com uma pneumonia, e sai pra trabalhar debaixo de chuva...ai amanheci todo mole...daquele jeito. Eu gritava dentro de casa de dor...foi da pneumonia...foi dessa chuva. Pneumonia curou e apareceu a “tubeculose”! Quando eu peguei a “tubeculose”, eu tava sem força, até pra andar, eu andava “devagazinho”. Era uma tosse com catarro, mas eu não sabia que era “tubeculose”. Nem desconfiava. (101-115)

Depois da morte de uma filha, do encaminhamento da outra para adoção e do

agravamento em seu quadro de adoecimento, a companheira o abandonou. Ele não comenta

esse fato, mas foi informado pela equipe de Consultório na Rua e resolveu viajar para a casa

da mãe, no interior de Alagoas. Ao chegar lá, seu estado de saúde piorou consideravelmente -

muita febre, vômito e diarreia. Foi internado e passou 15 dias fazendo exames e recebendo

tratamento. Lá fez três exames de escarro, e o resultado foi positivo para TB. Depois de

perguntarem de onde ele era, aconselharam-no a fazer o tratamento no hospital de referência

de sua cidade.

Augusto relembra o período em que esteve doente e tentou se tratar morando na rua.

Ao receber o diagnóstico de TB, não demonstrou desespero ou preocupação excessiva, mas

apontou as dificuldades que encontra na rua para cuidar da saúde. A incerteza das horas

seguintes o deixa inseguro. (Diário de campo, 15/06/2015)

Eu tava muito mal. Sentia muita dor no corpo. Passava mal direto. Ai

tomava meus medicamento. /Mas na rua é difícil/. Eu tomava os

comprimido e tava piorando. O meu poblema é porque na rua as

coisa ficam mais difícil...porque não tem canto certo. Pra ficar

melhor...eu já resolvi meus “negoço”, minhas papelada lá...sou vou parar quando ficar bom. Quando a “bactera” já tiver morrido. ai quando eu ia

arrumar o café “pa” mim, lá nos canto conhecido, arrumar um dinheiro aqui

no Pam de Jaguaribe, que eu vinha pedir por aqui uns trocados pra interar o

café, comprar o café, ai quando vinha tomar o café é nove horas, dez horas.

Aí tinha tomado o remédio em jejum e não tinha aquele repouso, porque precisava que ter, quando tomar os meu comprimido, precisa que ter, aí eu ia tomar minha insulina, precisava de repouso, aí não tinha na rua, eu precisava sair com a carroça no sol quente pra cima e pra baixo. Não tinha aquele tratamento certo. (132-153)

Entender seu real quadro de saúde é importante para que ele compreenda sua biografia

e consiga redirecionar suas ações devido ao quadro em que se encontra. Então, continuou sua

narração contando que voltou para João Pessoa e lembra que sempre que ia ao postinho tomar

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a insulina, pois a diabetes estava sempre descompensada e recebia apoio e conselhos sobre

seu modo de viver.

Assim, pediu um encaminhamento para iniciar o tratamento da TB em um hospital de

referência, conforme tinham indicado. Durante a internação, sentiu solidão. Ao falar nisso,

Augusto tenta conter as lágrimas em vão: “Porque quando fiquei sozinho... /[[quando tava

internado(.) a mulher foi “simbora”]]/, @desapareceu@, /me deixou sozinho no hospital, ai

não tinha ninguém pra tirar pra mim/.(161-163)”. (seu benefício).

Lamenta, mais uma vez, a falta de condições de trabalhar. Dessa vez, com detalhes

sobre seu sofrimento, suas dores e o risco de morte.

Eu preciso dá entrada pra vê se eu consigo me aposentar. Porque não tô

em “condiçõe” de “trabaiá” agora. Tenho “probrema” na coluna e diabete. Sinto muitas dor na coluna e nos osso.[ ] .Tem dia que nem me levanto. Começa na coluna a dor e vai “pras” perna. Dói as junta, dói tudo. Teve uma vez que eu quase batia as bota. No hospital a minha

diabete abaixou “demai”, pra 59, abaixou “demai”. Quase que eu mor... Quase que eu ia. Deu uma confusão em “neu”. Fiquei branco, roxo.

Foi de manhã, quando eu vim me acordar era três hora da tarde e eu nem me

lembrava de nada, quando vim acordar. É um perigo. Já aconteceu duas

vezes no hospital. /[[Imagina se isso fosse na rua, eu sozinho!]]/ Já

aconteceu duas vezes no hospital. Tenho que arrumar um canto melhor

que a rua, e uma pessoa pra ficar mais eu. Porque não presta eu sozinho. A médica “mermo” disse. Porque a minha diabete é tipo 1 e é a

mais perigosa. Como ela pode matar? Ela baixa ou então alta. A 2 não é nem

tanto assim, a 2 é “mei” fraca. Porque eu fiz “enxame” pra saber o tipo da minha. A 1 é a minha, que é “mei” perigosa. (166-182).

Quando questionado sobre seu futuro, ele fala que decidiu de vez que vai seguir o

tratamento completo.

Decidi de uma “vêi” seguir o tratamento. Não tem mais nada pra resolver. /[[Não tem mulher e “fi”]]/ (1)...pra aperrear e pra tomar conta.

Fiquei “badonado, sozim”! Agora eu vou me cuidar pra depois cuidar deles. Eu não sei nem como anda aquela outra [a ex-companheira]. Quando as meninas [equipe de Consultório na Rua] vê ela,

pode mandar ela me procurar. Eu não tenho raiva dela. Eu tem pra mim que

eu gosto dela ainda. Pra não mentir, eu gosto dela ainda. O que

separou a gente de deixou ela lá e eu cá, foi... “pobema”. Teve “pobema” com as duas menina aí, aí pronto. Ficou com a cabeça...(1) “Mai” quem não sabe a gente se gosta tudo de

novo? Começa tudo “dinovo”? Ninguém não morreu...a vida

continua. (196-212)

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A perda da companheira e das filhas gerou mais uma ruptura em sua vida, intensificou

seu sofrimento e o faz querer construir uma nova identidade. Augusto assume que ainda nutre

um sentimento de amor pela ex-companheira e que quer estar bem para cuidar dela e da filha

um dia. Reafirma esse sentimento ao pedir que, se a equipe do Consultório na Rua (CR)

encontrar com ela, peça-lhe que o procure para lhe entregar uns documentos, o que, na

verdade, é uma desculpa para vê-la. A mulher, segundo a equipe CR, já está com outro

companheiro e não tem interesse em saber notícias dele. Quando fala da ex-companheira, seus

olhos se enchem de lágrimas, e a voz fica embargada.

Em relação ao futuro, Augusto demonstra certa revolta relacionada ao curso da vida.

Fala que é importante valorizar o espírito, que as pessoas não valorizam a vida. Comenta

sobre a violência e, novamente, sobre sua solidão!

A gente “somo” tipo de uma carne “pôde”. O que vive aqui

na gente é o espírito. Saiu esse espírito, xau. “Si interrou”,

xau. “Si dermancha” todo. Eu digo porque a gente antes de morrer...

a gente paga pra nascer, paga pra viver e paga pra morrer. Três coisa do

ditado. Porque a gente adoece, gancha, gancha, gancha[trabalha]tanto...pra morrer...a vida é assim. „Porque tem tanta gente querendo viver e tem jovem que acaba a vida entrando no mundo das “droga”, o jovem estragando a vida‟. Nesse sistema. Nas “droga”, bebo por ai de moto, um matando os “zoto”. Eu vejo na

televisão, todo dia assisto. De menor, 13,12, 14 ano morrendo. A violência

em João Pessoa tá grande... e eu gostei dessa conversa porque eu

me sinto muito só!(55-62)

Grande parte da sociedade associa a pobreza à criminalidade e a aponta como

responsabilidade individual. Do mesmo modo, o papel social de morador de rua é, quase

sempre, depreciado.

„A vida na rua não é fácil‟(.) os povo pensa que a gente é

gente ruim, mas não sabe os sofrimento que a gente passa.

Não é mole não. Eu gosto de conversar. De botar pra fora o que eu sinto.

Se vocês quiserem vim aqui pra -conversar, pode vim quando quiser, porque

eu gosto de conversar. Se precisar saber alguma coisa de como é viver na rua, é só falar comigo, porque eu gostei muito dessa conversa. Eu agradeço.

(185-190)

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4.2.2 Uma vigilante noturna (Auta de Sousa)

Aos 13 anos, Auta de Sousa assassinou o marido e sua amante depois de presenciar

uma traição. Foi apreendida e passou 14 anos privada de liberdade. Durante esse período, sua

infelicidade foi intensa. Porém, mesmo depois de ter saído do presídio, o flagelo não cessou, e

ele foi morar na rua.

Oxe...e meu sofrimento? E depois que eu sai [do presídio], minha mãe faleceu! /E depois minha outra irmã caiu também lá [no presídio]. Oxe! Eu sofri demai- menina! Passei fome e fri-.

Apanhei. Mas se aprontar comigo eu mato mermo! A pessoa

tem que se defender mermo\. (20-24)

Ao narrar essa fase de sua vida, Auta aponta seu martírio, que foi perpetuado pela

perda da mãe e pelo fato de a irmã também ter sido presa. Nesse momento de sua fala, dá

ênfase a sua infelicidade, enquanto a emoção toma conta dela.

Nessa narrativa, a entrevistada se lembrou dos fatos que causaram a maior parte de seu

sofrimento e de suas respectivas reações sobre tais eventos. Há, também, uma observação

acerca da sua capacidade de vingança, que é apontada em tom de agressividade quando tenta

justificar tal postura.

Oxe. A dificuldade de tá na rua que acho ruim é porque não posso.../Não posso ficar, com meus filho/. Eu vou trazer eles pra ficar no

mei da rua, é?

[[Eles tá com a minha irmã. Ai o marido da minha irmã, e minha irmã mandou eu buscar meus filho. Mas eu vou trazer meus filho pra cá pra perder meus filhos pras...[silêncio] Ai eu vou fazer o que?]]

Porque morar na rua é muito ruim.

Depois que perdi a minha mãe, eu acho péssimo! E na rua é ruim

tudo porque a malícia tá muito triste! Violência! Óia, eu durmo de dia, mas, à noite, eu não durmo! Tenho medo. De que? Da violência que tá tendo, homi! É violência. O povo robando o caba! É um morador de rua roubando o outro! Eu não durmo não. O povo diz que sou tetéu. Durmo nada. Fico a noite todinha, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá! (28-41)

Morar na rua representa o desprovimento de muitas coisas e nenhuma ou

pouquíssimas possibilidades. A ausência dos filhos na convivência diária é apontada com

receio de que eles também “se percam” na rua. A perda da mãe é reverberada, e a violência

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que assola as ruas resulta em um medo que a faz perder o sono. Esse trecho da narrativa

configura que, como mora na rua, entre várias outras carências, Auta fica extremamente

vulnerável à violência urbana, e os riscos que a ela impõe a fazem inverter o horário de

repouso. A entrevistada mostra-se firme em tal hábito, em um misto de receio e de

indignação, que são frutos da constatação frequente da violência em seu meio.

Assim, enquanto muitos dormem, Auta passa a noite a vagar, perto do local onde

mora, vigilante, com medo de perder os poucos pertences e de sofrer algum tipo de agressão.

Eu passei oito anos dentro da igreja, mas depois que minha mãe morreu

de tuberculose no Crementino, eu não quero mais nada... porque eu

não sinto vontade de nada. E quando eu tô ruim as menina do consultório de rua ajuda a gente. Elas traz remédio e leva pra fazer exame. Mai agora tão sem vim. Tamo badonado por elas. Espero que digam a elas que venha. Nóis tá precisada. E só quem ajuda, é elas mermo. Queria ajuda delas. Porque também tenho um sonho(1). Tá, quem não tem um sonho?

Meu sonho era sair daqui e morar numa casa mais meu marido(1).

Aqui é ruim. E tá numa malícia dessa!

Aqui a gente tem de dormir com um olho fechado e outro aberto.

A gente tem que ter uma casa. @Se tenho uma casa! Né

mior, não?@ Agora quando eu arrumar o meu canto, os meus

figura da rua eu levo pra dormir na minha casa! (1) Esse aqui vai, aquele, o irmão dele que tá preso ainda, aquele, muitos daqui vai. Mas muitos daqui eu não levo não, minha irmã.

Porque tem muitos que dá de amigo mas, é covarde. Aquele ali mermo. Eu tenho ódio daquele bicho. Tenho um abuso da

cara dele. Ele é muito falso. Eu não gosto de gente falso não. (49-69)

A morte de sua mãe é novamente enfatizada como resultado de sua falta de alegria e

de motivação. Esse trecho narrativo aponta uma ruptura, quando o sofrimento de Auta se

intensifica, e ela afirma que não tem vontade de fazer nada. Fala que precisa de cuidados da

equipe do CR, que ausente há, aproximadamente, um mês. O sentimento de abandono é

visível, e a queixa sobre as astúcias e as perversidades a que está exposta na rua a levam a

expressar seu desejo de sair das ruas.

Para ela, o CR é de suma importância para aqueles que vivem nas ruas e é essencial

para que realizem seu sonho: possuir uma casa. A irmandade está presente em sua fala,

quando aponta a ânsia de levar seus companheiros de rua para sua casa, quando conseguir

adquiri-la. Porém, revela que não considera como parceiros muitos dos membros de seu

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grupo, pois eles têm um caráter ruim ou duvidoso, o que demonstra uma sensação de

insegurança social, mesmo entre os próprios moradores de rua, e reforça a forte busca por

cautela.

Auta reconhece os sintomas da TB, disse que pegou a doença com a mãe,

compartilhando pratos e talheres, e fala de sua adoeça e das internações:

Oxem! Se eu tava ruim. Tinha que me internar, né não?

Já fui três vez. Aí saio porque não gosto de hospital. Ai passa um tempo e a doença vem de novo. É porque não consigo terminar os tratamento. Porque as veze falta remédio, ou se não, as menina do consultório não vem deixar pra mim. E eu não sei onde pega. Fui pro Crementino que as gêmeas me levaram quando adoeci! Disseram que era pra lá que eu tinha que ir. Ai eu fui com elas.

Porque elas que sabe o que é melhor pra nós na rua. (70-75)

Ela sofreu com os sintomas da doença, teve recidiva da TB três vezes e precisou de

internamento. A dificuldade que tem de ficar internada durante o tempo necessário para

concluir o tratamento atrapalha a cura da doença e a faz voltar de tempos em tempos.

Auta se queixa de que o tratamento é pesado, que tem ingerir muitos comprimidos,

sente muita fome e precisa de repouso, o que não é possível nas condições em que ela vive.

Do mesmo modo, encontra apoio em uma comunidade católica que a ajuda com alimentação.

O Centro POP é citado como serviço que ela procurou e dará suporte na busca de um novo

cartão do SUS, mas a ausência da equipe de CR é novamente mencionada. Dessa vez, delata

que não está tomando a medicação e reclama do desamparo do CR, que só aparece

esporadicamente. Finaliza sua fala afirmando que não gosta de muita conversa e que as

pessoas que moram na rua estão todas abandonadas, porque o CR não aparece mais.

4.2.3 Eu sou bicho solto! (Cruz e Sousa)

Ao perder a mãe aos 14 anos, Cruz foi morar na rua onde vivia roubando e usando

drogas. Sua vida alternava entre a rua e a casa das irmãs, porque seu comportamento oscilava

entre calmaria e violência. A dificuldade de conviver com as irmãs e o gosto pela liberdade da

rua o impediram de viver na casa delas.

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Eu como homi tombém posso trabaiar, posso ter meus

negoço mas só que (1) Eu prefiro mai tá na rua mermo,

porque eu acho é bom. As veze eu esquento a cabeça, ai é

melhor na rua. (14-30)

As dificuldades encontradas para sobreviver na rua eram muitas. A experiência de não

ter um lugar certo para tomar banho e dormir deixava-o triste. Além disso, a possibilidade de

a sociedade julgar quem mora na rua como marginal levava ao descontentamento por estar ali

(Diário de campo, 16/07/2015).

Cruz e Sousa afirma que não gosta de ir ao médico e só foi porque a esposa o levou

forçado, porque estava num estado de saúde muito ruim. Não gosta de médico porque ele

passa remédios, e ele não gosta de tomar nada. Prefere pedir uma ajuda na igreja e se

automedicar. Também não tem coragem de procurar ajuda sozinho em serviços formais de

saúde e o faz com a ajuda da equipe da CR ou de uma equipe da igreja. Argumenta que buscar

ajuda médica sozinho é perda de tempo porque ele não tem endereço certo. Seu endereço é o

mundo, e os serviços de saúde não vão aceitar quem mora no mundo.

E a tuberculose é um germe, a tuberculose. [...].

Eu comecei primeiro é (1) dor de cabeça, frio, as perna fraca, comia pouco, líquido pouco, comecei a sentir mal, começava a dá queimô na garganta, dano queimô na garganta, ai fui me sentindo mal, não tava mais aguentando se drogar. Quando eu pegava no cachimbo, pegava num isquero, pegava num fósforo, as mão ficava todo se tremendo. Fraco quissó. Não conseguia me drogar (.).ai fui pra casa da minha sogra. Na primeira vez que tive a doença, fui pra casa da minha sogra e passei mai mal ainda, ai fui parar no hospital (1)lá no Crementino. Fui com minha irmã. Em casa eu tumei uns remédio, mas não tô lembrando qual foi. Já faz um ano que começou tudo. Depois eu fui preso. Faz um ano. Porque eu comecei o tratamento. Ai fui pra o Crementino. Passei três mese no Crementino. Ai o médico me deu alta. Mai era 6 mese o tratamento. Ai fui pra casa da minha sogra, ai quando compretô os quatro mês...aí eu desisti. Ficou faltando só 2 mês. Ai eu desisti e fui pra rua de novo... ai depois fui preso.

Eu fui pra rua porque eu precisava usar, né! E lá não dava.

Depois foi quando eu tava preso, ai a doença voltou.

Porque não fiz o tratamento de 6 mês.

Depois eu contei ao deretor, contei a todo mundo que eu era doente, ai os preso lá abalaro lá a grade e me botaro pra frente porque se eu passasse mal é mais perto dele e mais perto da ambulância, dos negoço pra me levar pra o médico. Ai pronto, ai tombém os médico e

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a juíza mandou uns negoço pra me soltar, pra mim poder ir pra o hospital e se tratar.

Até hoje (1) eu peguei fugi e não fui se tratar não! Eu fugi...é ruim

demai hospital. A pessoa leva furada. E fica preso. Eu não

gosto de ficar preso. Ai eu fugi. @Fugi do hospital pela janela

do banheiro@ Eu tava bom, mas doente você não tá muito bom. Voltei um pouquinho

fraco. Mas depois fui logo me recuperando. (84-116)

A necessidade de usar drogas e a falta de liberdade foram fatores que pesaram na

decisão dele de não continuar no hospital para se submeter ao tratamento da TB, o que o

expõe ao risco de desenvolver a TB multirresistente.

Nem medo da morte mai eu tenho, homi. Eu não se assusto

com nada não. Depois que eu perdi meu pai, minha mãe,

minha vó, meu tio, minha tia, meu bisavô (1) pra mim

tanto faz tá vivo, como tá morto. Pra mim tanto faz.

Eu sei que é um germe que se for muito contagiosa, tanto você pode pegar na culé como você pode pegar no copo, dependendo da saliva, dependendo da coisa que você comer e passar pra outro, dependendo se você não tiver se cuidando [tosse] Se você tiver escarrando e aquele catarro tiver muito grosso, tiver jogando sangue pra fora, ali é mais contagiosa e é mais avançada pra você pegar mais rápido.

Mai tô tranquilo com a tuberculose. Quando sai do hospital tinha os remédio tudo legalizado. Na hora de comer, na hora de dormir. Na hora do almoço, na hora

do café, tudo certinho. (117-133)

E apesar de saber dos riscos da TB para sua vida, Cruz relata que, devido às perdas

que já teve, não tem medo de morrer. Sua trajetória relacionada ao período em que a doença

foi descoberta (sofreu com os sintomas) e recebeu os cuidados é encarada com normalidade.

Para ele, as limitações que a doença lhe proporciona não são por causa das drogas.

Eu acho melhor tá tendo a força e a experiência que vocês

tem do que tá no canto aberto, com as pessoa que quer seu

bem. Por isso vou me internar. Já era pra mim ter ido. Como eu já disse, eu quero um canto, que eu não saia pra rua. Que eu fique naquele canto, até eu me tratar. Se eu se tratar num canto, na rua eu não vou mais não. Só quero me tratar no hospital, porque lá é melhor.

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Porque na rua entro em disperdiço.

Mas tomém, assim que eu começo a ficar bom, eu quero logo

é sair. Porque hospital não é lugar de gente.@ Eu sou bicho

solto! @ Então, tô tentando ir agora, na outra semana.

O consultório de rua, com a boa vontade de deles. Que Deus tá dando força a eles de vim até aqui, a força que Deus dá a vocês. A saúde que vocês tem. O

respeito. De vocês me procurar, não tem inveja, nem nada. E sempre

querer ajudar o próximo, isso é maravilhoso e é muito bom

pras pessoa, né?

Na rua tô só bebendo, tô só me matando. Tô acabando com

eu mermo. Tô só bebendo, só se drogando, ai eu tento

tomem tirar minha esposa do vício do crack, mas eu amo

muito ela ai eu penso duas vezes, né mais em primeiro lugar

ter que ser minha saúde.

Se os zoto não quer, mas eu tenho que ir, né? (1) Ai quando a equipe veio eu disse: tô me sentindo mal, quero que vocês me levam no hospital pra o médico bater, fazer um exame pra eu ver o que eu tô sentindo, o que eu tô por dentro, porque eu acho que eu peguei a tuberculose, e eu acho que ela não foi embora não. Ai, foi dito e feito, quando ele me levou, eu fui.

E fui atendido bem, graças a Deus. E fiquei sabendo o que eu tenho.

Agora eu vou falar uma verdade: eu sei que é melhor me

internar, mas não posso sinão os home me pega dinovo, ai

fica difícil(1).

Na rua não dá pra tratar mode a chuva, a fome, o frio.

E os remédio fica no sol, na chuva. Ai é melhor vender logo

e usar de pedra. Entendeu?(134-171)

Quando se depara com a possibilidade de ir para o hospital novamente, ele fala da

importância de o tratamento ser realizado lá, porque, na rua, há um grande empecilho, que é a

oferta fácil de drogas. E acrescenta que na rua também não tem condições de fazer devido à

fome e à exposição dele da medicação ao clima.

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4.2.4 Se eu contar a minha vida, até um bezerro chora!(Castro Alves)

Castro Alves foi morar na rua há 20 anos, por ter problemas com os pais. Afirma que

não gosta de trabalhar, julga-se um preguiçoso e que foi abandonado pela família. Desde a

infância, seu pai foi envolvido com tráfico de drogas. Dos seus quatro filhos, dois estão

presos, e ele, foragido. Apresenta um histórico de uso e tráfico de drogas, violência e dívida

com a Justiça. Tem várias cicatrizes pelo corpo resultantes de agressões que sofreu.

Atualmente, está com TB e problemas na coluna. Ainda amarga a perda da companheira

amada, que faleceu em 2014.

Eu era jovem, mas fiquei velho. Já passei por muito sofrimento.

Minha família me abandonou, me desprezou, ai por isso eu vim pra rua. O que o levou a morar na rua? Por causa de problema com pai e mãe. Meu pai era gerente de uma boca, é uma longa história(1).

Se eu for contar minha vida até um bezerro chora!

Por isso que eu tenho medo de contar, porque é muito

sofrimento. Já fui do presídio do Róger, do Aníbal Bruno, do Barreto Campelo! Já participei até de Tele audiência, quando estava num presídio na Ilha de Itamaracá.

Só eu sei o que eu passei. Hoje Jesus me libertou, mas ainda

tenho cicatrizes de facada e tiro na barriga. oJesus levou a minha esposao. /Foi em 2014. Não quero arrumar outra mulher/. Gosto muito dela ainda. Já amei

um bocado. Agora uns troços que tem por ai perdido, eu não

quero nenhum, pra mim só dá trabalho, só pra perturbar o

juízo da pessoa. Um dia Jesus me dá uma de coração, de

corpo e alma, eu aceito, se for Deus que mandar pra mim.

De quem não presta já basta à pessoa mesmo!

É (1) porque se arrumar uma pessoa que zele pela pessoa e

ela zelar por ela, bate o maior prazer de ter, botar dentro

de uma casa, ser feliz ele e ela, casar, e a pessoa tem que

zelar pela mulher e a mulher pela pessoa. Formar família. (14-40)

Essa narrativa espelha bem o sofrimento vivenciado pelo indivíduo. Ele constrói sua

identidade como uma pessoa que passou por fortes experiências como transgressor da Lei.

Atualmente se considera uma pessoa desprezível, ao mesmo tempo em que enfatiza o desejo

de ter uma companheira para viver ao seu lado e ser feliz.

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Seu sofrimento provém, principalmente, de suas contravenções, uma vez que

reverbera seu infortúnio por várias vezes. Porém, subsistir na rua também tem sua fração de

culpa em sua penúria, porque as dificuldades apontadas são muitas. A dificuldade de dormir e

de ter um lazer, bem como os desentendimentos, as intrigas e as ciladas entre os próprios

companheiros de rua são exemplos desse emaranhado.

Porque na rua a pessoa sofre muito. E uma dificuldade grande é o sofrimento porque a pessoa não consegue dormir, a pessoa não tem o lazer, não tem a boa vontade, é só traição e covardia. (61-68)

Quando associado a quem mora na rua, o uso de drogas é destacado como catalisador

da construção de uma imagem social de uma pessoa perversa e de má índole. Nesse sentido,

as respostas sociais reforçam preconceitos e estigmas que podem potencializar as situações de

vulnerabilidade daqueles que já se encontram expostos à situação de rua. Castro Alves julga

que as drogas e a contaminação por TB foram responsáveis por seu estado geral atualmente,

um estado de miséria e de infelicidade (Diário de campo, 13/12/2015).

Uma cachorra aqui é melhor do que muita gente que vive por ai. Cachorro é ouro perto da gente, é paz e amor, defende a gente. É uma anjo de Deus! E para cuidar da minha saúde vou arrumar uma mulher velha. Porque essas novas eu não quero. Essas novas só fazem trair o cabra, as velhas ninguém quer.

@Panela velha é que faz comida boa@! Pra zelar eu e eu zelar

ela. Arrumar uma mulher é o que eu preciso fazer pra cuidar de mim. [...] Eu sei que é difícil pra arrumar, porque tem mulé e tem mulesta. @Eu queria arrumar uma mulher de verdade pra mim. Aquela que vai cuidar de mim e eu cuidar dela@.(79-88)

Castro Alves comenta sobre o desejo de ter uma mulher como companheira. A

necessidade de cuidados o faz referir que é importante ter uma mulher madura ao seu lado.

Julga que mulher nova só serve para trair o homem e compara a lealdade dos cachorros em

detrimento da dos humanos.

Com a voz embargada, alternando sua narrativa em tom de raiva e de desânimo,

contou um episódio de adoecimento e internação:

Eu não me lembro de como eu estava quando cheguei no hospital. Só sei que desmaiei, mas não foi por causa da tuberculose. Eu acho

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que foi por causa da pilepsia alcoólica. Ai eu tive que me internar no hospital. o[[De vez em quando aconteceu isso, aí eu não me animo não. Eu desmaio por causa desse problema na cabeça, ai quando acordo, fico bem triste mesmoo]].

Então, meto a cara na cachaça. !(94-117)

Apesar de os sintomas da TB serem muito incômodos, o que mais gera tristeza e

revolta em Castro Alves não são essas manifestações, mas a epilepsia alcóolica a que se

referiu, visto que os desmaios são muito desagradáveis.

A dificuldade de Castro continuar no hospital devido às queixas sobre a medicação, à

necessidade das drogas e à sensação de se sentir preso o fez pedir alta hospitalar, por isso não

foi curado, por não ter recebido as doses indicadas, o que pode gerar a multirresistência dos

bacilos da TB e, até, a morte.

O tratamento da TB é demorado e requer do doente disciplina em seu comportamento,

que transcende, muitas vezes, seu modo de viver. Por isso, os profissionais envolvidos nessa

dinâmica devem considerar a subjetividade de cada um, levando em conta suas necessidades e

dificuldades.

E também se você vacilar, a turma vende seus remédios. Ai não dá certo nunca.

E também o álcool na rua que desmantela tudo.

As drogas acabam com tudo (1).

Por mim tanto faz fazer ou não o tratamento da

tuberculose. Porque a tuberculose não é o pior na minha

vida. O bom mesmo é a pessoa está boa, com saúde, mas o

ruim mesmo é morar na rua.

Não adianta nada eu tratar a doença e ficar morando na

rua. Feito um cachorro sarneto!

E eu ainda tenho um sonho: ter uma casa, uma mulher pra

cuidar de mim. Eu cuido dela e ela cuida de mim. Porque ter

um amor é bom demais. Quem tem uma casa e um amor,

tem tudo. (123-140)

O tratamento da TB não é prioridade na vida de Castro Alves, porque, para ele, morar

na rua é muito pior do que ter a doença, especialmente devido à exposição às drogas. Habitar

a rua é uma característica marcante de constante pobreza, miséria e marginalização.

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4.2.5 Tenho sono de passarinho... (Pedro de Calasans)

Durante uma guerra antiga entre famílias do alto sertão da Paraíba, onde o pai de

Pedro fez justiça com as próprias mãos, ele também se envolveu e foi preso. Depois de pagar

sua pena, foi solto, mas, com medo de voltar para sua cidade, resolveu viver na rua. Escolheu

a calçada de um supermercado de João Pessoa para ser seu abrigo, onde improvisou uma

barraca. Para se sustentar, passou a guardar carros. Pedro comenta que não gosta de se

lembrar dessa época porque o sofrimento foi intenso.

Morando na rua, dormia em cima de papelões e passava muito frio e fome. Usava

cachimbo compartilhado para se drogar e acredita que pegou a TB através disso.

oSou uma pessoa que sofreu muitoo. Agradeço muito, muito pelo que algumas pessoas faz por mim e quem veve na rua, como tô dizendo, precisa de um apoio, de umas pessoa que (1) aconsei (1) porque na rua só dá pra o que não presta. Eu tiro por mim, sabe? [...] Era assim: eu passava o dia trabaiando e chegava de noite e ia beber, e no outro dia ia trabalhar do mesmo jeito. Todo dia. E droga também já fumei todas, visse? Nem conto o tempo (.) Já usei crack, aranha, cola, roupinal, maconha, isso até o mês passado. Pico eu nunca tomei não, mas, já passei por tudo. Maconha. O crack eu comecei em 98 até o mês trasado. A maconha comecei no sertão e depois que comecei com o crack eu esqueci a maconha, ai fiquei só no crack, direto! Ai não queria mais ligar pra nada (1).

Olhe, quem realmente usa essa droga, ele não liga pra

tomar um banho, não liga pra família, não liga pra

ninguém. Essa droga é a lágrima do Santanai!

Esse crack! Quem fez ele é o demônio em vida!

Você pode fazer dinheiro, que não mata o vício dele não. Porque lá onde eu trabalho [estacionamento] todo dia eu ganhava 20, 30

conto, 40. Era ganhando 10 e já corria pra uma boca pra comprar pedra, chegava, fumava ai já metia a mola (1); arrumava de novo e fumava de novo. Catava papelão, latinha, ai já comprava de novo. Passava a noite catando latinha, quando era bem cedo só dava pra comprar uma ou duas peda. Nunca lembrava de comê (.). Mas graças a Deus tá com três mês que eu tô fora disso, e peço muito a Deus que eu não volte. Hoje, peço muito a Deus pra não passar de novo, porque não tem o que dá não. Cigarro era direto. Um atrás do outro. Se eu passasse a noite acordado era uma carteira, ou uma carteira e meia. Chegou até esse ponto, né? Do pulmão não aguentar. Fumaça, química, álcool (1) ai já vem dormindo na rua, em cima do papelão. [[oPorque quem mora na rua não pode ter nadao]]. [...]

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Agora, hoje em dia eu não me sinto mais como um drogado.

Me sinto como um cidadão, tendesse? Agradeço muito a

Deus.

Porque não é todo mundo que para pra conversar. Vê a gente como cidadão. Tem muitos que não confia na gente, porque mora na rua. Acha que porque você veve na rua vai matar, vai robar. Tem muitos que fazem isso, muitos! Uns na rua que não merece confiança não. Porque chama o cara pra robar. Oxe! Vamo robar boy! Que o caba sem dinheiro, sem nada. Vamo

robar pra se drogar! Muitos bota os outro a perder. Eu digo logo: eu vou roubar mais você, ai vou dormir aqui e mais tarde, tô dormindo e caba chega e atira neu: pá pá pá, mata você e vai simbora, não dá nada! Quer fazer seus negóço, vá fazer só! Quantas vezes já não chamaram eu a noite aqui pra fazer isso, homi, mas graças a Deus eu tô desviando porque só eu sei o que eu já sofri.

A pessoa só aprende sofrendo! Quando sofrer(1). [...]

O consumo de drogas é uma prática costumeira entre moradores de rua, porém não, de

todos. Essas substâncias são utilizadas pelos mais diversos motivos. A intenção de alterar a

percepção sobre a realidade e o humor, que, na maioria das vezes, altera o comportamento, é

o principal motivo do uso e gera dependência física e psicológica. A conjuntura apresentada

pelo ambiente da rua, como perspectiva de moradia/lar para o ser humano, pode trazer à tona

suas mais profundas potencialidades e fragilidades, que deixam o sujeito susceptível ao uso de

substâncias psicoativas, com o fim de enfrentar os desafios impostos nesse cenário.

Pedro usou todas as drogas que estavam acessíveis para ele. Das lícitas às ilícitas e de

modo intenso. O uso o fez deixar de cuidar de si. Não comia, não bebia nem ligava mais para

nada. Ele acha que essa sua conduta, associada às noites mal dormidas na rua, prejudicou

muito o seu pulmão e sua vida como um todo. Também se queixa da falta de confiança dos

companheiros de rua, que o convidam para praticar atos ilícitos. O risco de perder seus poucos

pertences é constante, e a desconfiança das pessoas ao redor, em relação a ele como morador

de rua, faz com que se lembre de que já sofreu por causa das infrações cometidas.

Pedro perdeu os pais e, há muito tempo, não tem contato com a filha de 11 anos, que

mora em São Paulo com a mãe. Desde que foi preso, perdeu o contato total com todos os

membros da família e alega que, atualmente, sua família é uma moça que conheceu no

hospital, em umas de suas internações para tratar a TB multirresistente.

Reconhece a importância do CR para as pessoas que vivem ali disse que, se não fosse

a equipe, teria morrido. Estava tão mal quando eles o acharam que, quando veio a si, achava

que tinha morrido e estava no céu. Do mesmo modo, queixa-se da vida que levava. Usava

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drogas e estava acometido por TB, mas nenhum companheiro de rua chegava para ajudar, só

para oferecer mais drogas e convidá-lo para práticas ilícitas. O repouso à noite também é uma

justificativa para a lamentação. Porém, Pedro sorri quando comenta sobre outros temas

relacionados à sua rotina. A partilha na hora da comida e do álcool, muitas vezes, ocorre em

tom de brincadeira e de descontração.

Aí (1) o pessoal que tá na rua tem a hora de se encontrar. Uns traz um burrinho, aí toma uma. Uns brinca, outros briga @ por causa das menina que mora na rua também, que dorme com a gente@. Sempre dá confusão! @Tu sabe, né? Tu não sabe porque tu nunca lidou com isso....viu falar! @Mas quem veve na rua (.) já ouviu falar, né? @Porque vocês que trabalha com esses pessoal...quem veve na rua tem sempre uma companheirazinha, né? Uma jogadinha também, acompanhando a pessoa!@ @ Ai uns quer ficar com ela, outro quere também, ai termina em confusão, tendesse? É desse jeito@. Ai quando amanhece o dia cada um vai olhar carro, outro limpar um jardim. Durante o dia se encontra, a noite. O outro faz uma panelada, se ajunta um mói. É aquelas pelanca. Mistura tudo. Ai todo mundo come naquela hora. @Tem uns que é brigando pra comer primeiro. Outros já quer comer quando começa a ferver, não espera nem cozinhar.@ É quiném formiga! @É desse jeito!@ A gente chama os ponto da rua de CTI. Eu vim do CTI lá do mercado, perto da Cagepa. Ai arrumei umas discussão por lá e me afastei pra praça Cristo Rei. Agora fico só no estacionamento. Tem muita gente que tem bom coração. Chega com uma roupa, com uma sopa (1) agora tem uma sopa que passa no carro, sabe? É como a gente vai levando no dia a dia. oAs meninas do Consultório me pegaram quase mortoo. Eu tava quase morto, e achava até que era uns anjos que vieram me buscar, sabe? Eu tava quase morto. Não tava mais me levantando, ai de repente, sabe? Foi na primeira vez. Ai agora na segunda, já foi outra vez. Ai na terceira, já foi um cara que me internou. Ai você pega! Porquê? Quem mora na rua não tem o que fazer, ai vai se deparar com o quê? Ai se dana a beber. Às vez a fumar droga, cigarro. Quem mora não rua não tem sossego, não dorme a noite não, tá entendendo? Porque não tem como não! Porque você tá dormindo ai chega um mexe com você, chega outro mexe. E outra coisa, a pessoa que veve na rua, que dorme na rua tem uma dormida de passarinho. Dorme 5 minuto e passa 10 acordado, porque fica com medo, né? De acontecer alguma coisa ruim.

Tem muita gente que gosta de fazer o mal. A pessoa tá dormindo, tem uns que toca fogo, tem uns que (1) é chei de mala. E principalmente quem anda fazendo coisa errada sabe? Eu não!

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Graças a Deus eu morei 4 ano. [...]

Todo mundo gosta de mim, e todo mundo me ajuda.

Agradeço muito e principalmente a vocês que me ajuda,

entendesse? Na rua eu hoje tenho muita amizade. Todo

mundo gosta de mim.

Apesar de todos os embaraços impostos para se viver na rua, Pedro narra seu cotidiano

de maneira descontraída. Sobrevive driblando as dificuldades e reinventando seu modo de

viver a cada dia e mostra como se dão as relações sociais.

Falou sobre saúde, doença e de sua visão sobre o adoecimento:

Oxe! Saúde é uma coisa boa, homi! Não tem nada melhor no mundo que a saúde da pessoa. Porque a pessoa tem coragem pra se levantar, tem coragem pra andar, tem coragem pra correr, pra trabalhar! Pra tudo, sabe? A pessoa sem saúde não é ninguém não! /Já a doença é a coisa mais ruim que tem no mundo/ /Você sente vontade de comer uma coisa e não pode! / o/Você sente inveja de quem joga uma bola e sentir inveja dos outro é pecado, mas, não pode dá uma carreira?! o/

Porque eu mesmo não posso dá uma carreira que eu canso!

Eu passo é mal. Eu acho que não trabalho mais em serviço

pesado não! Por causa do meu pulmão! Meu pulmão tá

acabado!

/A pessoa que tem essa doença ele não tem saúde mais não/.

Pra voltar, ela volta por besteira, basta fumar ou beber! /E outra coisa: é muito difícil a pessoa arrumar um trabalho, tendesse?/ Porque quando a pessoa vai arrumar um trabalho, tendesse? O pessoal pede logo um laudo médico. E ali tem né? Que a pessoa teve tuberculose.

E tem gente que pensa que tuberculose é coisa de outro mundo. Já

não quer a pessoa junto, tá ligado? É muita humilhação,

entendesse? Não quer a pessoa junto. Tem gente que chega

(1) uma humilhação! No hospital tem umas enfermeira que bota a mão na boca pra falar com a gente. Uma besteira! Porque se Deus, quiser ela pega na

mesma hora! Eu não tô mais soltando bacilo(.) porque se tiver uma pessoa perto (.) do jeito que eu já tive três vez, se chegar alguma pessoa mal perto de mim, ai eu pego de novo!

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Essa narrativa mostra que a chegada da doença gerou uma ruptura na vida de Pedro.

Ele considera o adoecimento muito desagradável e penoso, porque, além de sentir incômodos

físicos, passou por situações constrangedoras pelo fato de a doença ser a TB. Além disso, o

fato de não poder mais trabalhar devido ao seu estado geral lhe causa um grande mal-estar.

Mas o meu pobrema sério na verdade é o do coração.

@E pra cuidar da saúde é com é como Deus quer@. @É como animal, ninguém liga de ir numa farmácia, num hospital, nem essas coisa! @ @Só quando tá nas última mermo@. Não liga porque não quer saber merm-.

Porque as vezes, se suber é pior.

Eu nunca vou atrás de cuidar da saúde não. Quando sai do hospital, fiquei pegando os remédio no PSF de Mangabeira. Recebia uma cesta basicazinha. @Que não dava pra nada porque quando chegava no mei da galera@. @Todo mundo comia um mói todo@só de uma vez só@. Ai pronto! As menina do PSF passava com os remédio pra dá, mas tem dia que

não encontrava a pessoa, porque quem mora na rua anda

demai, boy! Tem dia que a gente tá aqui, @tem dia que tá na praia@ Anda muito! É! Desse jeito. Quando um ponto não tá bom aqui, eles procura outro.

Os cuidados com a saúde de quem mora na rua são precários. A falta de interesse e de

estrutura deixa margem para o adoecimento e suas complicações. A itinerância dessas pessoas

também dificulta esse cuidado. Existe certa naturalização do adoecimento, e a saúde não é

considerada como uma prioridade no contexto geral em que se vive.

Eu sou multirresistente, sabe? Já tive tuberculose três vez. É quando dá mais de duas vez. Ai o bacilo já vem mais forte. Ai são nove comprimido.

Começou com uma tosse, eu já disse, entendesse? Foi no presídio do Roger. Na primeira vez que tive a doença, não procurei ninguém. Tava ruim mermo. Nem me levantava. Foi os agente do presídio do Roger. Não foi eu que procurei. Me levaram pra o hospital Clementino. Eu tinha frio, febre e não tinha apetite pra comer, entendesse? Sentia frio. Oxe! Uma hora dessa?(16:00) eu tinha era que tá enrolado. Era aquele frio, uma frieza maior do mundo. Sem vontade de trabalhar nem nada. Eu tinha uma barraquinha lá na cela, e entrava pra dentro e até com saco plástico eu me vestia. Eu me vestia com saco plástico por causa do fri. Porque o saco esquenta, né? Quando o saco esquentava a febre saia. E não comia. Porque que tem esse

problema não sente fome não.

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A primeira vez que levaram eu pra o hospital, ai depois de 2 mês eu sai. E voltei pra lá. E debandei a usar droga de novo. Ai quando minha pena foi diminuindo, cheguei na Penitenciária Média (1) ai liguei pras meninas do Consultório e elas deram um jeito, levavam meu tratamento. Enquanto tava preso, fiz o tratamento. Ai, depois, fiquei só indo pra o presídio fim de semana, e depois fui pra ficar só assinando no mês....ai abandonei o tratamento e fiquei mal mermo. Minhas perna tava inchava, chega tava rachando, feito uma panela. Vi a hora eu morrer.

Na rua não tem como, se tratar direito, né?

Não tem lugar certo pra guardar meu remédio!

Não tem o alimento certo! Ai não tem como se tratar na

rua, entendesse? Enquanto eu tava no presídio da Média, eu

tava tomando. Ai quando voltei pra rua eu botei numa

sacola e não lembrava mais.

Ai ficava tomando na hora errada (1). Vamo supor: era pra tomar de 8 hora e eu só lembrava de 11. Ai o germe (.) é como esse cupim, não tem cupim que come madeira? Do mermo jeito dá no pulmão da pessoa. Ai o remédio não combate mais, porque não tá tomando na hora certa, não tá se alimentando, tendesse? E também na rua não tem onde tomar banho, lavar roupa. [[As veze a pessoa é humilhado]](1). Na alimentação (1) durmida. Em tudo! E a comida a pessoa quem cozinha mermo, numas panela veia. Suja. Não lava nem nada. Come umas pelanca, umas carne veia. Do jeito que chega, só joga dentro da água da panela, torra, come com

farinha, do jeito que tiver. Pra sobreviver, né?

Nunca me deparei pra pegar coisa dos outro.

Já errei, sabe? Mas não quero errar mais nunca na minha

vida. oEu já sofri bastante. Sofri demaiso.

[[Sofri 7 ano dentro de prisão. Perdi, bem dizer, minha

família todinha pra o vício. Ai eu peço muito a Deus que eu

não volte pra esse vida.]]

Ao narrar sobre o adoecimento, Pedro diz que, apesar de todo o sofrimento que a

doença impõe, ele não se abalou quando soube do diagnóstico de TB. Ele é multirresistente e

refere que suas necessidades básicas não atendidas na rua - alimentação, higiene, abrigo,

repouso e afeto - são evidentes e urgentes, e que só poderá fazer o tratamento correto da

doença quando elas estiverem sendo satisfeitas. Também afirmou que deseja ter uma

companheira ao seu lado, mas que é difícil achar, porque muitas mulheres também usam

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drogas na rua e porque ainda não tem uma casa. Fala de planos para um futuro próximo, que

inclui, além da companheira, um lugar para morar que não seja a rua.

Resolvi me tratar direito, porque eu sofri muito. Agora tô guardando meus remédio no Lojão da Cerâmica. E eu peço a Deus que arrume uma companheira que não tenha vício

nenhum, pra eu não cair nessa vida de novo. Mas pra isso tá

difícil, né? Porque tem que ter uma casa, um negoço pra

gente ficar.

Mas eu peço muito a Deus que dê certo o INSS porque fica

melhor.

Eu alugo um cantinho, numa favela mermo. Enquanto

aparece alguma coisa melhor.

Comprar um pedaço de terreno, qualquer coisa. Eu penso

assim, sabe?

E peço a Deus que dê certo. Porque quem veve na rua, pra

arrumar uma companheira pra não ser uma drogada, ou

que vive bebendo direto, é difícil demais. [...]

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Fonte: Imagem capturada durante a coleta dos dados - 2016

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.

Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .

Respire.

O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

(Manuel Bandeira)

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5 AGRUPAMENTO E COMPARAÇÃO DAS TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS

O agrupamento das narrativas e a comparação das trajetórias individuais originaram

duas categorias:

5.1 EXPERIENCIARES DE ADOECIMENTO POR TUBERCULOSE NO ASFALTO:

CONTRADIÇÕES E ENFRENTAMENTOS RELACIONADOS ÀS CONDIÇÕES DE

VIDA

A condição de pobreza extrema e de vulnerabilidade à qual as pessoas que vivem em

situação de rua são expostas, repercute, quase sempre, em um cenário cujo pano de fundo

apresenta vínculos familiares interrompidos ou bastante fragilizados, desemprego e uso de

álcool e de outras drogas. Sobre(viver) no contexto da rua é um desafio para as pessoas que se

submetem a essa prática e para implantar políticas públicas intersetoriais.

A necessidade de uma estrutura mínima relacionada à moradia para se continuar vivo

e prover cuidados com a própria saúde determina uma condição de infortúnio. Nesse sentido,

a falta desse suporte acentua o conjunto de fortes experiências que vão marcar profundamente

as trajetórias de vida de cada uma dessas pessoas, cujos recortes narrativos apontam

dificuldades significativas na luta por sobre(viver) na rua.

Quando a pessoa não tem uma casa e mora na rua, passa por muita

coisa durante a noite. É muito sofrimento, muita tristeza.

Quando chove, a gente vai pra algum lugar pra se esconder, pra não molhar as nossas coisas. Castro Alves A dificuldade mai é porque as veze não tem banhe certo! Um

torneira...água pra tomar banhe.

E a durmida?. A durmida...porque eu tô aqui nesse terreno mai quando o dono vim (1) Porque é assim: quem mora na rua não tem canto certo pra durmir porque tá aqui, tá ali, tá aculá. Tá num canto a poliça chega tira dali. Os pessoal liga pra poliça, as poliça pensa que a gente é marginal, bandido, manda a gente sair daquele local, ai você já vai pra outro, ai

não tem canto fixo pra descansar, pra dormir. O ruim é isso.(46-54)

(Cruz e Sousa). O álcool é o pior que tem, e a droga que não tem futuro. Acaba com

tudo! E todo mundo acha que quem mora na rua é marginal. Porque

eu já fui ruim um dia. oMas agora tô acabadoo. As drogas

acabaram comigo. E a tuberculose também! (61-68) (Castro

Alves).

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No Brasil, o albergue configura-se como a principal estratégia destinada a abrigar as

PSRs e a atender às suas necessidades. Além disso, esse equipamento social deve oferecer um

ambiente acolhedor, onde as pessoas se sintam seguras (BISCOTTO et al, 2016).

Pesquisa de Andrade, Costa e Marquesi (2014) apontou algumas vantagens e

desvantagens do albergue, segundo as PSRs. Algumas afirmaram que gostam dos albergues

porque eles proporcionam cuidados de higiene, repouso e alimentação. Outros falam que a

rotina, as normas rígidas e os maus-tratos são insuportáveis para se viver nesses lugares. Há,

ainda, os que dizem o contrário. A falta de normas deixa a convivência muito a desejar. A

perda da autonomia e a imposição da convivência forçada também foram citadas por eles.

Em João Pessoa, os serviços disponibilizados que se assemelham aos albergues são: a

Casa de Acolhida e o Centro POP. O primeiro, até o momento da pesquisa, oferecia 30 vagas

(insuficientes para amenizar a problemática, visto que o município contava com,

aproximadamente, 500 PSRs) e as pessoas podiam ficar lá por um período de até três meses

(tempo considerado razoável para se conquistar um emprego), com direito a alimentação, a

banho, a um espaço para dormir e socialização, além do apoio de uma equipe formada por

assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros. Já o Centro POP disponibilizava alimentação,

atividades de recreação, banho e apoio psicossocial, mas não oferecia pernoite.

Bezerra et al (2015), em um estudo sobre o cotidiano de pessoas em situação de rua,

realizado em Maceió (AL), constataram que a maioria geralmente prefere dormir em

albergues para tomar banho, alimentar-se e se proteger da violência, das mudanças climáticas

e de animais, além de terem mais conforto, porque, fora deles, dormem no chão, forrado com

papelão. Os que preferem a rua apontam como desvantagens do albergue a falta de liberdade

de usar drogas e/ou o horário de chegada para conseguir vagas.

O resultado da pesquisa realizada com PSRs atendidas em um grande Centro de Saúde

para o controle da TB, em Londres - Reino Unido – apontou algumas das barreiras individuais

e institucionais para se ter acesso aos cuidados e ao tratamento. Grande parte da prevenção da

doença incide sobre a necessidade de aumentar a conscientização através do reconhecimento

dos sintomas. No entanto, a pesquisa mostrou que os pacientes tendem a normalizar seus

sintomas no contexto de sua vida cotidiana (CRAIG; JOLY; ZUMLA, 2014). Esse resultado

também foi encontrado neste trabalho.

O estudo de Maffacciolli, Oliveira e Brand (2017) identificou que 91,6% dos

participantes apontaram o histórico de situação de rua como fator principal para que

abandonassem o tratamento medicamentoso. Assim, o abandono do tratamento resulta em

reincidência nas internações e em casos de TB-MDR, que também constatamos neste estudo.

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Devido às condições insalubres a que as PSRs estão expostas na rua, o adoecimento é

quase que inevitável, e a contaminação por TB ocorre, principalmente, com os que se abrigam

em espaços apertados e com pouca ventilação. Como resultado, o corpo sofre.

A forma pós-primária da TB pode ocorrer em qualquer idade, porém é mais comum

nos adultos jovens. Os principais sintomas são tosse (seca ou produtiva), escarro (pode ser

sanguinolento) e febre ao entardecer. Também são comuns sintomas como sudorese noturna,

falta de apetite e emagrecimento (BERTOLOZZI, 2014).

E a tuberculose é um germe, a tuberculose. [...].

Eu comecei primeiro é (1) dor de cabeça, frio, as perna fraca, comia pouco, líquido pouco, comecei a sentir mal, começava a dá queimor na garganta, dano queimor na garganta. Cruz e Sousa

O ruim de ter tuberculose é a agonia da tosse, e de noite faz

frio na rua quando chove, mas fora isso, não tem nada

demais. Não tive muito aperreio. Quando soube da

tuberculose, fiquei tranquilo. Sou um camarada tranquilo.

Não se assusto com nada, não. Lá no hospital fizeram um bocado

de exame. E disseram que era tuberculose (1). Pra mim não foi

nada demais[tosse]. (Castro Alves)

Mas quando descobri que estava com tuberculose não senti

nadinha não. Só queria ficar bom logo, mais nada não. Pedro

de Calasans.

Quando eu descobri que estava com tuberculose não senti nada não, pensei: vou se tratar normal. Eu não sou assim, não. Nem fiquei aperriado, porque tem gente que se aperreia, quer botar a corda no pescoço, não sei o quê! Eu não! É o jeito se tratar. (Augusto dos Anjos)

Mesmo que estudos apontem o caráter estigmatizante da TB (BRASIL, 2015;

CHANG; CATALDO, 2014; LY et al, 2013), na perspectiva das narrativas dos sujeitos

participantes deste estudo, o caráter simbólico de “descobrir” que está com a doença encontra-

se em segundo plano, talvez pelo fato de suas condições gerais de vida causarem mais

impactos e serem elencadas como prioridades. Para eles, a saúde está ligada à capacidade de

enfrentar as dificuldades oriundas do seu cotidiano na rua, enquanto o conceito de doença está

ligado à impossibilidade de lutar para sobreviver (AGUIAR; IRIART, 2012).

Carneiro Júnior et al (1998, p. 56) afirmam que

estar doente diz respeito à incapacidade de locomover-se na vida. Tal estado

ocasiona impedimento de ir à procura de outros lugares, como por exemplo, das "bocas de rango" (lugares onde se fornece alimentação, organizados

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principalmente por entidades filantrópicas e religiosas) e, portanto de

viabilizar a sobrevivência. Salienta-se ser importante essa maneira de

perceber o agravo, já que confuta com a concepção de adoecimento e de necessidades de cuidados dominantes na sociedade, ou seja, aquela

vinculada predominantemente à manutenção da força de trabalho.

Para Baptista (2006), a maneira como a pessoa percebe o adoecimento varia de acordo

com seu aprendizado, seus valores e seus costumes relacionados à saúde e à doença, assim

como as formas como comunicamos aos outros o sofrimento. A doença é um processo

construído socialmente, e não, apenas, uma condição orgânica especial.

Grande parte das discussões no meio científico é para analisar as respostas sem

compreender a visão de mundo dos doentes e de seus familiares. Todavia, a maneira como as

pessoas vivem e pensam está diretamente ligada ao modo como percebem e enfrentam a

doença. O fato de não compreenderem que é preciso se prevenir de doenças pode

potencializar a vulnerabilidade a certos agravos, como a TB, por isso é imprescindível

conhecer o conjunto de experiências intelectuais do doente sobre o processo saúde-doença

(SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2004).

Oliveira et al (2015) concluíram que a percepção da gravidade da doença é

determinante para procurar o serviço de saúde. Nesse sentido, aspectos a serem considerados

na construção dessas narrativas podem ser uma dificuldade real de compreender essa

gravidade e/ou de não quererem procurar ajuda em um serviço de saúde, visto que só têm

acesso a eles quando o CR, os serviços de urgência e emergência ou instituições de caridade

os levam.

Quando começa o tratamento através da APS, em uma UBS, certamente o sujeito

deverá dirigir-se a ela periodicamente para ser acompanhado e receber as orientações e os

cuidados de acordo com suas necessidades. Nesse movimento, em muitas circunstâncias, as

equipes ainda reproduzem o cuidado centrado na atuação médica, orientados por atos

prescritivos (MERHY, 2002) e protocolados, e apresentam exigências como horários fixos na

agenda da assistência e a falta de atendimento no momento em que as pessoas apresentam

efeitos colaterais, o que resulta em uma baixa adesão ao diagnóstico e ao insucesso no

tratamento.

Um estudo realizado em São Paulo apontou que, aproximadamente, 42% das PSRs

relataram problemas de saúde na semana anterior à entrevista; desses, 62% procuraram

atendimento em um serviço de saúde; dos 38% que não procuraram atendimento, 43%

consideraram desnecessário; 22% praticam a automedicação; 8% referiram que o atendimento

seria demorado, e 5% alegaram falta de dinheiro (BARATA et al, 2015).

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Essa resistência a procurar os serviços de saúde espontaneamente também pode

acumular problemas de saúde e gerar reincidência de doenças mal tratadas, como tem

acontecido com a TB (VARANDA; ADORNO, 2004). Em uma pesquisa sobre desigualdade

social em saúde na população em situação de rua, Barata et al (2015) constataram que cerca

de um terço dos participantes afirmaram sentir-se discriminados nos serviços de saúde.

Muitos são os obstáculos que as pessoas que vivem em situação de rua com TB encontram

para aderir ao tratamento, e isso representa um desafio para a Saúde Coletiva. Além das

questões desafiadoras já citadas, depois de aderir ao tratamento, o paciente deve

conscientizar-se de sua importância para enfrentar as reações adversas e não abandonar o

tratamento. Essas reações adversas podem se manifestar de maneira intensa ou branda.

Quando são menos intensas, geralmente não é necessário suspender o esquema de

medicamentos, e a maioria dos pacientes consegue finalizar o tratamento. Os principais

fatores de risco para o aparecimento de reações adversas são: idade a partir de 40 anos,

desnutrição, alcoolismo, doença hepática prévia e coinfecção pelo HIV, com fase avançada de

imunossupressão (BRASIL, 2011).

O pessoal das comunidade traz comida pra nós. São muito legal.

@Se não fosse eles, era ruim, porque os remédios dá uma fome

de onça.@ E também porque a gente não tem descanso. O tratamento tem que ter descanso, porque os remédio é muito pesado(.) (Auta de Sousa).

É ruim “demai” fazer o tratamento em rua! É ruim! (1).

„Porque não faz o tratamento direito, não tem repouso, não

tem descanso‟(1). É como diz aquele ditado: a pessoa toma o

remédio em jejum, 6 hora da manhã, “adepoi”, aí o café

não tem hora certa (Augusto dos Anjos).

Essas falas demonstram que os sujeitos participantes deste estudo são expostos

diretamente a tais reações, uma vez que apresentam histórico de desnutrição e uso crônico de

álcool, conforme apresentamos adiante.

No estudo de Dias (2013), alguns pacientes que faziam tratamento de TB

consideraram as reações advindas dos medicamentos mais intensas do que as atitudes de

preconceito que vivenciavam.

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5.2 EXPERIÊNCIARES DE ADOECIMENTO POR TUBERCULOSE NO ASFALTO:

BARREIRAS NA ADESÃO E NA CONTINUIDADE DO TRATAMENTO

É fato que viver na rua deixa as pessoas mais vulneráveis a ingerirem álcool e outras

drogas. Esse uso pode ser apontado como um suporte para lidar com as questões da vida na

rua (VILLA et al, 2017) e pode ser considerado um estilo de vida sob a ótica cultural de quem

vive no asfalto (SNOW; ANDERSON, 1998), o que resulta no abandono do tratamento. O

uso de múltiplas drogas, como o tabaco, o álcool e/ou o crack, é uma prática frequente entre

os participantes deste estudo. Por isso foram recorrentes os casos em que esses pacientes com

TB abandonavam o tratamento para usar essas substâncias.

O tratamento da TB objetiva reduzir a morbidade, a mortalidade e a transmissão da

TB. Para isso, é necessário o uso de fármacos que vão interromper a transmissão, prevenir a

seleção de cepas naturalmente resistentes e prevenir a recidiva da doença (SOTGIU et al,

2016). Uma estratégia mundialmente recomendada para promover a adesão terapêutica

denomina-se tratamento diretamente observado (TDO), uma modalidade supervisionada de

administração dos medicamentos (BRASIL, 2011).

Ressalte-se, contudo, que a adesão do paciente ao tratamento ainda é um dos maiores

desafios para o controle da TB (SILVA, 2017). De maneira geral, dentre os aspectos que

dificultam a adesão terapêutica, podem ser elencados: esquecimento, outras prioridades,

decisão de pular doses, falta de informação e fatores emocionais. Outras condições incluem

tratamentos demorados e complexos, pobreza de informação acerca dos efeitos colaterais e

como lidar com eles e não considerar o custo das medicações ou o estilo de vida dos pacientes

(OSTERBERG; BLASCHKE, 2005).

No tratamento da TB, identificamos os mesmos fatores, além da falta de informação

dos familiares, do nível de escolaridade, do uso de álcool e outras drogas, das barreiras

sociais, econômicas, demográficas e culturais, dos problemas relacionados aos medicamentos

e ao TDO (SILVA et al, 2014).

Da outra vez que me internei, quando eu fugi, eu tava com três mês de tratamento, aí fiz mais um e quase matava o germe. oMas eu gosto da lombrao Eu sei que faz mal. @Mas eu

gosto@. Faltava só dois mês, mas eu cai em contradição e comecei

a beber, ai voltei pras droga [ tosse]. (Cruz e Sousa)

Fiquei internado uns dias pra tratar a tuberculose e depois que fiquei um pouco melhor, pedi alta e fui embora (1). Fui embora porque não

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gosto de ficar preso, e também porque precisava tomar uma cachacinha. Voltei pra rua! Eu pedi alta porque eram muitas furadas nas veias. Fiquei uns dois meses ou três (.) Era uma bolsa de remédio, e outra de comprimido. Muito ruim. E também sentia falta das drogas lá no hospital. Ai quando estava me sentido forte, pulei fora! (94-117). (Castro Alves)

Na rua não tem como tratar. A pessoa só faz beber, levar

fumar fumaça na cara. (Pedro de Calasans)

Mas na rua você acaba caindo em @disperdição de novo e

volta de novo a se drogar e esquece o remédio@. (117-133)

(Cruz e Sousa)

Nessa narrativa sobre a escolha por usar drogas demonstra que os sujeitos têm

consciência do mal que elas fazem ao organismo, porém, ao mesmo tempo, não pode ser

compreendida sob uma ótica positivista, visto que é uma prática complexa e interpelada por

fatores sociais, históricos, econômicos e culturais, que se afunilam com o campo das políticas

públicas intersetoriais.

De acordo com Lindner (2016), durante a internação para se tratar da TB, as PSR

recebiam todo um suporte de alimentação, higiene, repouso, além de aulas de português e de

matemática se desejassem. A princípio, essas medidas faziam bem ao paciente, todavia,

olhando a fundo toda a assistência e os cuidados oferecidos, a liberdade dos que vivem na rua

é inteiramente afetada por um confinamento em um lugar com um muro alto, onde eles

precisam seguir regras com as quais não estão acostumados.

A rua representa um espaço de novas sociabilidades e liberdades, especialmente para o

uso de drogas, já que não há julgamentos da família ou de seu entorno. No entanto, quando as

necessidades de saúde começam a exigir cuidados, também é preciso abrir mão dessa

liberdade, porque a pessoa deverá ter disciplina para tomar os medicamentos, atenção

redobrada à alimentação, aumentar a ingesta hídrica, tentar dormir melhor e, talvez, o mais

embaraçado cuidado de todos: diminuir ou deixar de consumir álcool e outras drogas. Essas

exigências, muitas vezes coagidas, podem representar as mesmas condições que levaram as

pessoas a decidirem morar nas ruas, e isso gera um impasse quando precisam se decidir a

cuidar da saúde e se recuperar ou seguir a vida em liberdade (LINDNER, 2016). A decisão a

ser tomada retrata um desafio para aqueles que fazem da liberdade nas ruas uma alternativa de

vida e para os que usam essa liberdade para ingerir álcool ou outras drogas como refúgio ou

lazer, o que é uma barreira para que continuem a se tratar da TB.

Na pesquisa de Deus Filho e Carvalho (2018), a principal patologia relacionada com a

TB foi o alcoolismo, e em um estudo sobre a recidiva de TB na cidade de Jundiaí, os autores

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constataram que 17,6% dos casos eram etilistas, e 2,9% usavam outras drogas (BARDOU,

2016). Sá et al (2007) referiram que, entre outros fatores associados ao abandono do

tratamento, destacam-se o etilismo, o tabagismo e o uso de drogas ilícitas. Maffacciolli,

Oliveira e Brand (2017) assinalaram que o uso de drogas é uma justificativa para que as PSR

não façam o tratamento correto da doença.

Um estudo de coorte retrospectivo realizado com PSR com diagnóstico de TB, em

Portugal, apontou que esse grupo apresenta mais prevalência no uso de álcool e/ou de outras

drogas e coinfecção pelo HIV. A taxa de tratamentos malsucedidos é alta e significativamente

associada aos dois fatores citados (DIAS et al, 2017). Assim, a probabilidade de deixar o

tratamento da TB é sete vezes maior nas pessoas que ingerem álcool e/ou outras drogas. Um

estudo realizado na Nicarágua reapresentou essa afirmação como fator de risco significativo

alta para o abandono do tratamento (ÁLVAREZ; CORREA; URIBE, 2009). Além disso, o

alcoolismo predispõe ao comprometimento do tratamento e traz resultados desfavoráveis por

causa da bebida (VILLA et al, 2008).

Considerando a realidade dos participantes desta pesquisa (usuários de drogas e/ou

traficantes), podemos afirmar que uma justificativa deles para não priorizarem o tratamento da

TB seria a necessidade fisiológica de usar drogas, denominada pelos mesmos de “fissura”,

juntamente com o desejo de sentir o prazer que elas causam. Lindner (2016) concluiu que,

apesar das dificuldades com que se deparam as pessoas que moram na rua, a prioridade de

algumas delas é de usar drogas, talvez pelo prazer efêmero que ela proporciona, ao amenizar

seu sofrimento físico e social.

Os participantes da pesquisa de Maffacciolli, Oliveira e Brand (2017) reconheceram

que os conflitos nas relações sociais, sobretudo no âmbito familiar e no afetivo-sexual,

impulsionam as PSRs a usarem drogas e a perderem o ânimo para cuidar da saúde.

Porque lá no presídio tem mais droga do que na rua. Aí debandei de novo. Abandonei o tratamento. Foi desse jeito. (Pedro

de Calasans)

Por tudo que eu já passei, por tudo que eu já sofri (1) Sim,

sofri porque eu já passei um bocado de tempo na cadeia. Se

eu for contar o que fiz, vão me fazer voltar pra lá. (Castro Alves)

Foram apontadas situações comprometedoras com a Justiça. Alguns sujeitos

intitularam de „aventuras e viagens‟ alguns crimes cometidos desde a adolescência, como

furto, roubo, homicídio e tráfico de drogas. E, por causa do possível risco de serem

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identificados como procurados pela Polícia (embora a equipe de CR tenha garantido o sigilo e

o anonimato do estudo), eles se negavam a ser internados e a ficar em um local fixo, para que

o CR levasse as medicações para o tratamento da TB (Diário de campo – 6/10/2015),

alegando também ser “bicho solto”.

Na pesquisa realizada nas comunidades de Manguinhos - Rio de Janeiro - sobre o

tratamento da TB no contexto de violência urbana, com profissionais de saúde e usuários e/ou

traficantes de drogas acometidos por TB, constatou-se que a necessidade de fazer o

tratamento superava os possíveis riscos de serem identificados e presos, refutando o senso

comum de que sujeitos em situação de vulnerabilidade tendem a não priorizar seus cuidados

em saúde (FERREIRA, ENGSTROM, 2017). Esse resultado contraria a realidade deste

estudo.

A abordagem do CR, nessas situações, era diferente da tradicional. As conversas

descontraídas e sem barreiras linguísticas guiavam o acolhimento e fortaleciam o vínculo,

que, quanto mais se consolidava, mais as PSR se sentiam seguras para seguir algumas

orientações da equipe. Em cada bate papo, uma nova conquista por parte de ambos. A

contação de histórias e as trocas que permeavam a semana das PSR faziam com que ambos

compreendessem os pequenos progressos, que variavam da tomada dos medicamentos e da

diminuição do uso de drogas até o aumento da ingesta hídrica concomitantemente com o

álcool para diminuir a desidratação (Diário de campo – 8/10/2015).

Esse movimento ajudava a reduzir os danos causados pelo uso das drogas e os

frequentes déficits vivenciados pelas PSR naqueles territórios existenciais.

A dificuldade que tenho é o cartão do SUS que o papai [o marido] rasgou numa briga. Aí agora eu não tenho mais. Aí as gêmeas nunca mais vieram prá me levar prá tirar meu cartão prá pegar

os remédio.

Sem o cartão do SUS, a gente não é ninguém, sabia? Porque não atende em canto nenhum se você não tiver o cartão. Vou fazer o quê? É três remédio. É quatro comprimido.

Eu como mais do que a onça! Agora....eu já lutei. Já fui no Centro POP, já fui falei com uns pessoal, pra eles ir mais eu pra vê se arruma meu cartão pra pegar meus remédio, mas agora, nós tá tudo abadonado porque as duas gêmeas do Consultório de Rua tão sem carro. Só vem duas vez. Amanhã e na quinta. Só vem duas vez na semana. E tem semana que nem vem. Aí eu não tô tomando nada não! Elas só vieram aqui quando eu tava com meu braço inchado, ai trouxeram

remédio e olhe o remédio o que fez! Eu sou assim mermo! Não gosto

de muita resenha não. Nós na rua tamo tudo badonado,

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porque o consultório não vem mais. Já faz é dia. (76-88) Auta

de Sousa.

Essa narrativa ressalta as barreiras no acesso ao tratamento da TB. A falta do cartão do

SUS impede o indivíduo de usufruir dos serviços públicos de saúde, e isso demonstra uma

carência do sistema para lidar com pessoas que têm menos instrução e autonomia social.

Questões acerca das concepções do adoecimento e do processo de cuidado das PSR

contribuem para a não adesão aos tratamentos de saúde, porém os aspectos relacionados à

organização do serviço também podem ser decisivos para facilitar ou dificultar o acesso,

como por exemplo, a exigência de documentação (CARNEIRO JÚNIOR et al, 1998). Entre

tantas outras condições que cessam o direito das PSRs à saúde, acrescenta-se a condição de

não ter documentos ou não os estar portando, como o cartão do SUS, o que as impede se

cadastrar nas UBS, mesmo que o Artigo 19 da Portaria nº 940 dispense a comprovação de

endereço domiciliar da PSR (BRASIL, 2011b).

Do mesmo modo, a ausência da equipe do CR para intervir nessa causa resulta em dois

problemas: a paciente não faz o tratamento de saúde porque não tem o cartão do SUS e não

tem o cartão porque a equipe de CR não está atuando na área. Assim, o tratamento foi

interrompido e correu o risco de não ser concluído.

A presença da equipe de CR junto com a população de rua é fundamental para ampliar

os direitos dessa população à saúde. A PSR não conhece esses direitos, acredita, em alguns

momentos, que os serviços oferecidos pelo SUS são favores e presume que o CR é o único

serviço responsável por eles e que só podem adentrar os demais por meio da equipe (Diário de

campo, 12/11/2015). Com essa crença, as PSR ficam dependentes do CR, que conhece suas

necessidades, particularidades e singularidades. Por outro lado, esse pensamento reproduz

uma falta de autorresponsabilização por parte desse público, que pode estar associada ao

desconhecimento dos seus direitos, conforme já comentado.

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„Tempos difíceis‟ - Hubert von Herkomer

Pintor inglês (1849-1914)

Rua da Passagem

A cidade é tanto do mendigo

Quanto do policial

Todo mundo tem direito à vida

Todo mundo tem direito igual

Sem ter medo de andar na rua

Porque a rua é o seu quintal

Todo mundo tem direito à vida

Todo mundo tem direito igual

Boa noite, tudo bem, bom dia,

Gentileza é fundamental

Pisca alerta prá encostar na guia

Com licença, obrigado, até logo, tchau.

(Lenine)

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6 SÍNTESE NARRATIVA COLETIVA

As trajetórias individuais expostas neste trabalho são permeadas de subjetividade e

multifacetas. Elas foram comparadas pelas semelhanças e resultaram na apresentação de uma

síntese narrativa, construída com base nos fragmentos das narrativas dos participantes.

Portanto, apresentamos uma síntese narrativa coletiva, elaborada com base nas experiências

narradas, que representam os significados e as experiências de pessoas em situação de rua,

relacionados ao viver na rua e ao adoecer de tuberculose.

“Sou um apanhado das histórias que narram os significados e as experiências de

pessoas em situação de rua acometidas por tuberculose que aqui foram relatadas. Sou

homem e mulher, tenho idades de adulto jovem, apenas creio em Deus e também posso ter

várias religiões. Vivo longe de minha família há alguns anos. Saí de casa movido por

conflitos familiares. Meu temperamento difícil gerava brigas. Fui forçado a deixar minha

casa e foi melhor assim. Desde que vim para a rua, consigo meu sustento vendendo material

reciclável, vigiando e lavando carros e mangueando nos semáforos. Mas também me envolvi

em atividades ilícitas. Usei todos os tipos de drogas, das mais simples às mais pesadas. A

sobrevivência na rua é muito difícil. Situações de solidão, medo, perdas, abandono e

violência são muito constantes em minha vida. Aos olhos dos outros, sou uma ameaça. E do

mesmo modo, não sou ninguém. Não significo nada. Nem existo. Sou invisível. Porém, eu

respeito a todos os que me respeitam e não me olham atravessado. Gosto de conversar

bastante, mas tem horas que prefiro distância das outras pessoas. A visibilidade em relação a

quem mora na rua é seletiva pela sociedade. E é demonstrada através do controle, da

repressão, do viés do assistencialismo e da caridade. Exposto a todas as formas de exclusão e

invisibilidades pelo meu despertencimento familiar, de moradia fixa e de trabalho formal,

hoje tenho várias carências gritantes e algumas doenças. A tuberculose é uma delas. Lembro

que, quando tive a notícia do diagnóstico, não fiquei assustado. Essa doença, para mim, não

representa nada demais. Tudo o que faço nessa vida é viver um dia de cada vez. E apesar de

ter sonhos, não penso muito no futuro. Preciso pensar em como conseguir comida para daqui

a pouco ou até mesmo a droga. Também necessito ver aonde vou dormir, caso esteja

chovendo. Então, a tuberculose é apenas uma coisa a mais dentro do meu mundo de

necessidades. Os sintomas são bastante incômodos, porém as condições de vida em que me

encontro me fazem sofrer mais. Gostaria de fazer o tratamento dessa doença, mas é muito

demorado. A rua não me dá condições para fazê-lo e por isso é necessário internamento.

Porém, ficar no hospital não me agrada. Não gosto de ficar preso e curto o uso de álcool

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e/ou de outras drogas. Assim, logo que os sintomas desaparecem, eu volto para a rua antes

de finalizar o tratamento. Sei que isso torna a tuberculose multirresistente e que isso não é

bom. Na rua, tenho dificuldade de finalizar o tratamento, principalmente porque tenho a

tentação das drogas. Eu gosto do efeito que elas fazem no meu corpo, embora saiba que as

mesmas podem me causar prejuízos. Então, acabo deixando a ingestão dos medicamentos

para fazer o uso de drogas. Agora não consigo mais trabalhar como antes. E outras coisas

não me ajudam nos cuidados que preciso para seguir o tratamento. Passo fome, frio. Meus

medicamentos estragam por causa da chuva ou ficam expostos ao sol. Até mesmo podem

desaparecer. Os outros companheiros de rua podem vendê-los. Já aconteceu de não poder

pegá-los porque meu cartão do SUS foi extraviado. Também não consigo dormir ou ter

repouso direito porque a violência me tira o sono à noite e preciso correr atrás da minha

comida, mesmo naqueles dias em que estou bem sofrido, com tosse, febre e muito cansaço.

Preciso sair em busca do sustento diário. Eu tenho o sonho de ter uma casa para morar e dá

abrigo a alguns dos meus companheiros de rua. Também gostaria de arrumar uma pessoa

para amar e me fazer companhia. Mas também gosto da liberdade que tenho morando na

rua”.

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Hariton Platonov - Pintor russo (1842-1907)

Paciência

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até quando o corpo pede um pouco mais

de alma. A vida não para.

Enquanto o tempo acelera e pede pressa. Eu me recuso, faço hora, vou na valsa. A vida é tão

rara.

Enquanto todo mundo espera a cura do mal. E a loucura finge que isso tudo é norma. Eu

finjo ter paciência.

O mundo vai girando cada vez mais veloz. A gente espera do mundo e o mundo espera de

nós. Um pouco mais de paciência.

Será que é tempo que lhe falta pra perceber. Será que temos esse tempo para perder. E quem

quer saber. A vida é tão rara, tão rara.

Mesmo quanto tudo pede um pouco mais de calma. Mesmo quando o corpo pede um pouco

mais de alma. Eu sei a vida não para a vida não pára não.

Será que é tempo que lhe falta pra perceber. Será que temos esse tempo pra perder

E quem quer saber?

A vida é tão rara. Tão rara. Tão rara.

A vida é tão rara.

(Lenine)

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já referimos, nesta pesquisa, foi empregada a abordagem narrativa para analisar

os significados e as experiências de pessoas em situação de rua (PSR), relacionados ao

adoecimento por tuberculose (TB).

O estudo apontou que as condições precárias em que vivem as PSR acometidas por

tuberculose e os contextos em que interagem lhes impõem um comportamento que prioriza a

busca pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, o adoecimento lhes parece resultante da forma

como vivem na rua. Apesar de os sinais e os sintomas da TB causarem incômodo, sofrimento

e dor, o impacto por causa do diagnóstico e o tratamento não fazem com que essas pessoas

abram mão do seu modo de viver, ou seja, as ações de autocuidado por parte das PSR não

estão centradas no enfrentamento da TB, mas nas necessidades de sobreviver.

Também se constatou que todas as carências estruturais, sociais e afetivas ocasionaram

a falta de pertencimento e um vazio existencial por parte das PSR, que ora parecem não se

importar com a maneira como seus modos de viver as afetam, como se fossem um nada, sem

voz, sem alma, apenas um corpo que habita o inabitável e não tem nada a perder.

Entendemos que as condições de vida de PSR com TB não favorecem a adesão ao

tratamento e à sua continuidade. Portanto, é necessário um enfoque multidisciplinar, voltado

para os fatores de risco relacionados à forma como essa população vive, e não, apenas, ao

aspecto biomédico. Assim, a articulação em rede da área da saúde com a assistência social,

nutricional e psicossocial pode intervir favoravelmente nas principais barreiras apontadas por

PSRs acometidas por TB, para aderir ao tratamento e continuar a fazê-lo. Nessa perspectiva, é

preciso um olhar direcionado às peculiaridades desse grupo populacional. Isso requer a

articulação dos setores de saúde, educação, habitação, desenvolvimento social, lazer, cultura,

entre outros.

Este estudo apresentou algumas limitações importantes, a saber: a coleta dos dados,

em alguns momentos, foi adiada, por causa de acontecimentos inesperados no cenário do

estudo (chuvas, outra chamada de urgência, briga no grupo próximo ou chegada de traficante

pedindo para que a conversa se encerrasse), os participantes, às vezes, marcavam a entrevista,

mas não compareciam por terem ingerido álcool e outras drogas e o fato de, em algumas

vezes, o participante não estar no local combinado.

Esperamos que o estudo possa contribuir para se intensificarem as discussões a

respeito da subjetividade que permeia as experiências de pessoas que vivem em situação de

rua relacionadas à vivência nesse ambiente e ao adoecimento por TB.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Prezado (a) Senhor (a),

Eu, Khivia Kiss da Silva Barbosa, aluna do Curso de Pós-graduação em Enfermagem

do Centro de Ciências da Saúde – CCS da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, em nível

de Doutorado, orientada pela Professora Dra. Lenilde Duarte de Sá, pesquisadora do Centro

de Ciências da Saúde – CCS - da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, estou

desenvolvendo a pesquisa SIGNIFICADOS E EXPERIÊNCIAS DE PESSOAS EM

SITUAÇÃO DE RUA ACOMETIDAS POR TUBERCULOSE e conto com a colaboração

de profissionais da Secretaria de Saúde de João Pessoa, alunos da UFPB, alunos e professores

da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - e alunos da Universidade Estadual da

Paraíba – UEPB.

O objetivo da pesquisa é de analisar os significados e as experiências de pessoas em

situação de rua relacionados ao adoecimento por tuberculose na rua. Este estudo foi elaborado

devido à necessidade de produzir conhecimentos acerca da subjetividade que está presente nas

experiências de pessoas que vivem em situação de rua, relacionadas a essa vivência e ao

adoecimento por tuberculose. Esperamos que esta investigação amplie a discussão a respeito

dos cuidados oferecidos a esse público, considerando as peculiaridades do contexto em que

vivem, e proporcione ações que descentralizem a doença e adentrem as concepções e os

valores das pessoas, para evitar o uso de métodos coercitivos, que, em muitas circunstâncias,

são utilizados com esse público.

Convidamos o(a) senhor(a) participar da pesquisa proposta, respondendo algumas

perguntas sobre dados relacionados ao seu viver na rua e adoecer de tuberculose. Quando os

resultados forem publicados, seu nome será mantido em sigilo. Informamos que será

garantido seu anonimato e assegurada sua privacidade e o direito de autonomia referente à

liberdade de participar ou não da pesquisa e o direito de desistir de participar dela. Também

não será efetuada nenhuma forma de gratificação por sua participação. O estudo poderá

apresentar o risco de constrangimento ao falar da temática, porém os benefícios superarão

esse risco. Sua participação na pesquisa é voluntária, e portanto, o/a senhor/a não é obrigado/a

a dar as informações solicitadas pela pesquisadora. Caso decida não participar da pesquisa ou

resolva, a qualquer momento, desistir, não sofrerá nenhum dano, nem sua assistência será

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prejudicada, caso esteja recebendo. A pesquisadora e seus colaboradores estarão a sua

disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da

pesquisa. Diante do exposto, agradecemos por sua contribuição para a realização da pesquisa.

Eu, ____________________________________________, declaro que entendi o(s)

objetivo(s), a justificativa, os riscos e os benefícios de minha participação na pesquisa e

concordo em participar dela. Declaro, também, que a pesquisadora2 me informou que o

projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CCS – UFPB2. Estou ciente de que

receberei uma cópia deste documento – a(s) página(s) anterior(es) rubricadas e a última

assinada por mim e pela pesquisadora responsável, em duas vias, de igual teor, ficando uma

via sob meu poder e outra em poder da pesquisadora responsável.

João Pessoa, ___/___/2015.

________________________________

Lenilde Duarte de Sá

Pesquisadora responsável

___________________________________

Khivia Kiss da Silva Barbosa

Pesquisadora participante

____________________________________

Participante da Pesquisa/Testemunha

2 Endereço residencial da pesquisadora responsável: Rua da Falésia, nº. 1260, Condomínio Village Atlântico Sul,

Bairro Ponta de Seixas, João Pessoa – PB, CEP: 58045-550 E-mail: [email protected] Telefones: (83) 3216

7559; 98714 8419 2Endereço do Comitê de Ética em Pesquisa: Bloco Arnaldo Tavares, sala 812, CCS – Cidade

Universitária. Email: [email protected]

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APÊNDICE B

QUESTIONÁRIO

No da entrevista:________ Data: ___________ Hora: __________

Entrevistador: Khivia___ Iniciais: ___________

Sexo: ________ Grau de instrução: __________________________

Idade: ________ Estado civil: _________________________

Filhos: ________ Profissão: ___________________________

Ocupação: ________________________ Religião: __________________

Agravos de saúde:

ISTs ( ) Alcoolismo ( )

Câncer ( ) Pneumonia ( )

Diabetes( ) Nefropatias ( )

Depressão ( ) Hipertensão arterial ( )

Cirrose hepática ( ) Uso de substâncias psicoativas ( )

Úlceras venosas em membros inferiores ( )

Outras:____________________________________________________

Há quanto tempo o(a) senhor(a) mora na rua?_________________________

1) Fale para mim como o(a) senhor(a) se vê.

2) Fale para mim o que levou o(a) senhor(a) a morar na rua.

3) Fale para mim como o(a) senhor(a) provê o seu sustento.

4) Poderia me contar sobre as dificuldades que o(a) senhor(a) encontra pelo fato de ser

morador de rua?

5) Em sua opinião, o que é saúde? E o que é doença?

6) Fale para mim como o(a) senhor(a) faz para cuidar da sua saúde?

7) Conte para mim quais as principais dificuldades que o(a) senhor(a) encontra para

conseguir assistência à saúde?

8) Na época em que o(a) senhor(a) adoeceu de TB, o que o fez desconfiar de que estivesse

doente?

9) Quando estava queixando-se dos sintomas, o(a) senhor(a) buscou algum tipo de ajuda

ou tratamento?

10) Poderia me falar sobre o que o (a) motivou a buscar ajuda quando desconfiou que

estava doente?

11) Qual o primeiro lugar que o (a) senhor (a) procurou quando desconfiou de que estava

doente?

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12) Conte para mim como o(a) senhor(a) chegou ao serviço de saúde pela primeira vez

quando desconfiou que estivesse com TB?

13) Conte para mim o que o(a) senhor(a) sentiu quando descobriu que estava com

tuberculose.

14) Por estar morando na rua, o(a) senhor(a) deve encontrar algumas dificuldades no dia a

dia para sobreviver. Conte para mim as principais dificuldades que encontrou para

seguir as orientações do tratamento da TB.

15) Conte para mim os motivos que levaram o (a) senhor (a) a abandonar ou seguir o

tratamento.

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

Essas imagens (autorizadas) representam algumas memórias dos momentos

compartilhados na coleta dos dados deste trabalho. Foram meses em um trabalho lindo, com

inúmeros desafios, medo, frustrações, limitações e superações.

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