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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS PROFLETRAS
RAIMUNDA DE SOUSA NETA
A ESCRITA DO GÊNERO MEMÓRIAS:
DAS PRÁTICAS SOCIAIS AO CONTEXTO DE SALA DE AULA
MAMANGUAPE PB
2016
RAIMUNDA DE SOUSA NETA
A ESCRITA DO GÊNERO MEMÓRIAS:
DAS PRÁTICAS SOCIAIS AO CONTEXTO DE SALA DE AULA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Letras PROFLETRAS, da Universidade Federal da Paraíba UFPB, em cumprimento aos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Linguagens e Letramentos. Linha de Pesquisa: Leitura e Produção Textual: diversidade social e práticas docentes. Orientadora: Profa. Dra. Laurênia Souto Sales
Mamanguape PB
2016
S725e Sousa Neta, Raimunda de. A escrita do gênero memórias: das práticas sociais contexto de sala de aula / Raimunda de Sousa Neta.- Mamanguape-PB, 2016. 150f. Orientadora: Laurênia Souto Sales Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCAEMM 1. Linguística. 2. Linguagens e letramentos. 3. Memórias. 4. Produção escrita. 5. Sequência didática. UFPB/BC CDU: 801(043)
RAIMUNDA DE SOUSA NETA
A ESCRITA DO GÊNERO MEMÓRIAS:
DAS PRÁTICAS SOCIAIS AO CONTEXTO DE SALA DE AULA
BANCA EXAMINADORA
DATA DE APROVAÇÃO ________ / ________ / ________
_________________________________________________ Profa. Dra. Laurênia Souto Sales (UFPB/PROFLETRAS)
Orientadora
__________________________________________________ Prof. Dr. Erivaldo Pereira do Nascimento (UFPB/PROFLETRAS)
Examinador
_______________________________________________ Profa. Dra. Mônica Mano Trindade (UFPB/PPGLE)
Examinadora
Dedico este trabalho à minha família, meus pais (in memoriam) e irmãs Maria José (in
memoriam), Luísa e Maria Aparecida por constituírem o alicerce da minha formação pessoal e profissional.
AGRADECIMENTOS
Neste momento, em que estou conseguindo galgar mais um importante degrau na
minha vida pessoal e profissional, quero expressar minha imensa gratidão a todas as pessoas
que, direta ou indiretamente, contribuíram para que isso se tornasse possível.
Quero agradecer a DEUS, por me fortalecer e iluminar durante essa trajetória.
À minha família, sobretudo, às minhas irmãs, pelo apoio incondicional em todos os
momentos e incentivo nas horas de dificuldades.
À minha orientadora, Profa. Dra. Laurênia Souto Sales, pela atenção a mim dedicada e
pela generosidade e competência com que me orientou na realização deste trabalho.
Aos professores e professoras do PROFELETRAS, pelos conhecimentos adquiridos,
que me foram de grande valia para o meu aprimoramento profissional.
Ao Prof. Dr. Erivaldo Pereira do Nascimento e à Profa. Dra. Marluce Pereira da Silva,
pelas contribuições dadas a esse trabalho no Exame de Qualificação.
Aos meus colegas do PROFLETRAS, pelo companheirismo e pelo compartilhamento
de conhecimentos e experiências.
À direção e funcionários da escola na qual foi realizada esta pesquisa, pelo apoio e
incentivo no desenvolvimento das atividades.
Aos alunos do 9º ano turma 2016, pela colaboração na realização das atividades.
Aos familiares dos alunos do 9º ano, por contribuírem com suas histórias para as
produções textuais deste trabalho.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Ministério da Educação), pelo investimento num programa de mestrado dedicado aos
professores da Educação Básica, que tanto precisam de aperfeiçoamento na sua prática.
escuta de vozes que foram emudecidas, que reside a possibilidade de realizar o encontro secreto marcado entre as gerações precedentes
Walter Benjamim
RESUMO
Atualmente, o ensino de Língua Portuguesa no Brasil é norteado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que são fundamentados pela teoria dos gêneros discursivos, preconizada por Mikhail Bakhtin (2015). Essa teoria constitui, indiscutivelmente, uma das possíveis alternativas para minimizar a dificuldade que muitos alunos apresentam em relação às habilidades de leitura e produção escrita, uma vez que permite ampliar o domínio discursivo do aluno, tornando-o apto a atuar efetivamente nas diversas esferas de comunicação da sociedade em que vive. Dessa forma, o objetivo deste trabalho, que apresenta uma abordagem qualitativa, com natureza intervencionista e descritiva, constituindo-se numa pesquisa-ação, é avaliar até que ponto o procedimento sequência didática com o gênero textual Memórias pode contribuir para o aprimoramento da habilidade de produção escrita de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de João Pessoa-PB, bem como para dar visibilidade às memórias de grupos sociais representativos do universo sociocultural no qual estão inseridos. O estudo partiu, portanto, da concepção de gênero de Bakhtin (2015), que trata a linguagem como um modo de interação e produção social, e de outros estudiosos que compartilham de suas ideias sobre esse tema, como Marcuschi (2008), e Noverraz e Schneuwly (2004); da proposta sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004); e dos estudos sobre Memórias de Ecléa Bosi (1988), Jacques Le Goff (1990) e Halbwachs (1990), entre outros. A análise dos resultados nos mostra que a intervenção realizada através da sequência didática proposta possibilitou não apenas instrumentalizar o aluno para melhorar a escrita do gênero Memórias, como também o fez conhecer e resgatar valores socioculturais de suas comunidades, através das lembranças rememoradas por pessoas de seu convívio familiar, o que contribui, segundo Le Goff. (1990), para a afirmação da identidade individual e coletiva.
Palavras-chaves: Memórias; Produção Escrita; Sequência Didática.
ABSTRACT
Currently, the teaching of Portuguese Language in Brazil is guided by the National Curricular Parameters (BRASIL, 1998), which are based on the theory of discursive genres, preconized by mikhail Bakhtin (2015). This theory constitute, undoubtedly, one of the possible alternatives to diminish the difficulty that many students have, concerning the reading and writing skills, since it permits to improve the discursive dominion of the student, making him able to work effectively in the several spheres of communication of the society where he lives in. Thus, the aim of this work, which presents a qualitative approach, with an interventionist and descriptive nature, consisting of a research - action, is to evaluate the extent to which the didactic sequence procedure with the textual genre Memórias can contribute to the improvement of the writing ability of students of the 9th grade of Fundamental Teaching of a public school in João Pessoa city, Paraiba, as well as giving visibility to the memories of the representative social groups of the social cultural universe in which they are inserted. Therefore, the study started from the conception by Bakhtin (2015), which approaches the language as a way of social interaction and production, and by authors who share his ideas about this theme, such as Marcuschi(2008), and Noverraz and Schneuwly (2004); the proposal of didactic sequence by Dolz, Noverraz and Schneuwly(2004); and the studies about Memories of Ecléa Bosi (1998), Jacques Le Goff (1990) and Halbwachs (1990), among others. The analyses of the results show us that the intervention accomplished through the proposed didactic sequence makes it possible, not only to support the student to improve the writing of the Memory gender, as well as to make him know and rescue social cultural values of his comunities, through his memories reminded by people who surround him, which contribute, according to Le Goff.(1990), to the affirmative of the individual and collective identity. Key-words: Memories; Writing production; Didactic Sequence.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Texto para exemplificar a análise do gênero Memórias ........................................ 34
Quadro 2 Roteiro de temas para conversa ............................................................................. 52
Quadro 3 Perguntas elaboradas coletivamente ...................................................................... 53
Quadro 4 Transcrição da produção inicial da aluna Marcela ................................................ 55
Quadro 5 Transcrição da produção inicial da aluna Lúcia .................................................... 59
Quadro 6 Transcrição da produção inicial da aluna Carla ..................................................... 61
Quadro 7 Transcrição da produção inicial da aluna Maria .................................................... 63
Quadro 8 Transcrição da produção inicial do aluno Paulo .................................................... 64
Quadro 9 Transcrição da produção inicial do aluno Mário ................................................... 66
Quadro 10 Transcrição da produção inicial do aluno Carlos ................................................ 68
Quadro 11 Transcrição da produção inicial da aluna Laura .................................................. 70
Quadro 12 Rescrita coletiva da produção inicial de Marcela ................................................ 75
Quadro 13 Reapresentação da reescrita coletiva da produção inicial de Marcela................. 76
Quadro 14 Reescrita coletiva da produção inicial de Lúcia .................................................. 78
Quadro 15 Retextualização coletiva da produção inicial de Lúcia ....................................... 79
Quadro 16 Emprego dos sinais de pontuação ........................................................................ 81
Quadro 17 Trecho de produção inicial de marcela análise da pontuação ......................... 83
Quadro 18 Transcrição das produções da aluna Marcela ....................................................... 84
Quadro 19 Transcrição das produções da aluna Lúcia .......................................................... 87
Quadro 20 Transcrição das produções da aluna Carla .......................................................... 90
Quadro 21 Transcrição das produções da aluna Maria........................................................... 93
Quadro 22 Transcrição das produções do aluno Paulo.......................................................... 96
Quadro 22 Transcrição das produções do aluno Mário ......................................................... 98
Quadro 24 Transcrição das produções do aluno Carlos ........................................................ 99
Quadro 25 Transcrição das produções da aluna Laura ........................................................ 102
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
2 GÊNEROS DISCURSIVOS: BREVES CONSIDERAÇÕES ......................................... 16
2.1 Os gêneros do discurso a partir visão bakhtiniana ....................................................... 17
2.2 A abordagem dos gêneros do discurso nos documentos oficiais ............................. 21
2.3 A sequência didática: definição e caracterização ..................................................... 24
3 A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO MEMÓRIAS ................................................... 29
3.1 Caracterização do gênero Memórias .............................................................................. 29
3.2 O caráter social do texto de Memórias ...................................................................... 38
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................. 42
4.1 Contextualização da Pesquisa.......................................................................................... 42
4.2 Os Sujeitos da Pesquisa ............................................................................................... 44
4.3 A geração dos dados da pesquisa ............................................................................... 44
4.4 A proposta de intervenção a descrição da sequência didática ............................. 45
4.4.1 Apresentação da situação............................................................................................... 45
4.4.2 Produção inicial ............................................................................................................. 46
4.4.3 Módulo 1 ....................................................................................................................... 46
4.4.4 Módulo 2 ....................................................................................................................... 47
4.4.5 Módulo 3 ....................................................................................................................... 48
4.4.6 Módulo 4 ....................................................................................................................... 48
4.4.7 Produção final .................................................................................................................. 49
5 A APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ANALISANDO OS RESULTADOS........................................................................................................................50
5.1 Apresentação da situação inicial ..................................................................................... 50
5.2 Produção inicial ................................................................................................................ 53
5.2.1 Analisando a produção inicial ......................................................................................... 53
5.3 MÓDULO 1 Reapresentando o gênero memórias...................................................... 71
5.4 MÓDULO 2 O Plano global: início, meio e fim do texto de memórias .................... 72
5.5. MÓDULO 3 Estabelecendo a coesão e fazendo a retextualização ........................... 75
5.6 MÓDULO 4 Empregando a pontuação ....................................................................... 80
5.7 PRODUÇÃO FINAL ....................................................................................................... 82
5.7.1 Análise da produção final ................................................................................................ 83
5.7.2 Resultados e discussões ................................................................................................. 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110
ANEXOS ............................................................................................................................... 113
11
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, o trabalho de produção oral e escrita nas escolas brasileiras é
norteado por orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que, por sua
vez, são pautados na teoria dos gêneros do discurso1, cujo precursor, o filósofo e
estudioso russo Mikhail Bakhtin (2011), defendia que a linguagem é concebida como
um processo dialógico, interativo, em que o indivíduo é colocado como sujeito do
próprio discurso.
Segund
inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes
BRASIL,
1998, p. 32) para o Ensino Fundamental corroboram a definição desse autor ao
considerarem que,
espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações
sas esferas da sociedade em
que vive. Assim sendo, hoje já se tornou consenso que as práticas de produção textual
oral e escrita desenvolvidas a partir do trabalho com os gêneros do discurso são,
comprovadamente, uma alternativa para melhorar as dificuldades que os alunos do
Ensino Fundamental apresentam nessa modalidade, por se constituírem em atividades
que são desenvolvidas a partir de situações comunicativas reais, o que atribui um
sentido efetivo ao processo de ensino e aprendizagem da escrita.
No entanto, apesar de já não mais ser novidade a orientação para que seja
realizado um trabalho com os gêneros do discurso em sala de aula, entendemos que,
muitas vezes, este trabalho não é conduzido adequadamente e o aluno, ao invés de atuar
1 Dentre as principais teorias dos gêneros no campo dos estudos linguísticos, podemos citar a abordagem sócio-histórica e dialógica, de Bakhtin; a abordagem de orientação discursiva, de Maingueneau; a abordagem sociorretórica de caráter etnográfico, de Swales; a abordagem interacionista e sóciodiscursiva de caráter psicolinguístico, de Schnewly e Dolz e Bronckart, dentre outras. Para fins deste trabalho, apenas quando fizermos referência aos trabalhos de Mikhail Bakhtin (e do Círculo), daremos preferência ao termo gêneros do discurso, de modo que, quando nos orientarmos pelos trabalhos de Schnewly e Dolz, Marcuschi e outros linguistas do texto o que deve ocorrer, especialmente, na análise do corpus , optaremos pelo uso do termo gêneros textuais, como forma de fidelidade terminológica à proposta teórica adotada.
12
ativamente como sujeito dos seus textos, como preconiza Bakhtin (2011), acaba
cumprindo apenas o que lhe é determinado pela escola e, mesmo assim, com muitos
problemas. Ou seja, ele não consegue utilizar o que aprendeu na escola em situações
reais de comunicação do seu cotidiano. Assim, organizar e desenvolver atividades que
instrumentalizem o aluno para saber produzir adequadamente um determinado gênero,
em determinada situação de comunicação, é fundamental para que o processo de ensino
e aprendizagem de produção oral e escrita ocorra devidamente. E uma das formas
eficazes de se fazer isso é a utilização do procedimento sequência didática,
desenvolvido por Dolz, Noverraz e Schnewly (2004), o qual tem, segundo os próprios
a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto,
permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada
A
sequência didática, como preconizada por seus idealizadores, permite ao professor
simular contextos reais de produção, através de atividades diversificadas e sistemáticas,
que possibilitam ao aluno se apropriar progressivamente dos conteúdos e instrumentos
necessários para o desenvolvimento da expressão oral e/ou escrita no gênero a ser
trabalhado.
Foi levando em consideração os aspectos mencionados até aqui que decidimos
desenvolver um projeto de intervenção que parte da proposta de sequência didática
formulada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). A exemplo do que sugerem Araújo
(2013) e Dionísio (2002), a partir de estudos que mostraram que, em algumas
realidades, não é possível seguir à risca a proposta tradicional de sequência didática,
foram feitas, algumas adaptações ao modelo do grupo de Genebra, os quais, inclusive,
orientam qu
A escolha do tema e do gênero selecionado para realizar esta pesquisa o
trabalho com a escrita a partir do gênero Memórias, deve-se à real necessidade de
trabalhar, de forma sistemática, as dificuldades que os alunos apresentam com relação à
produção escrita, a partir de um gênero que lhes possibilite resgatar valores
socioculturais dos grupos sociais nos quais estão inseridos, o que contribui, de acordo
com Le Goff (1990), para a afirmação de suas identidades individuais e coletivas, uma
vez que, segundo este autor,
13
chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
.
Portanto, a relevância desta pesquisa está em corroborar a importância de se
trabalhar a produção escrita a partir de situações comunicativas concretas, e de forma
modular, conforme sugere o procedimento sequência didática, como forma de contribuir
para que o processo de ensino e aprendizagem da produção escrita ocorra efetivamente.
Isso faz com que o aluno se torne apto a atuar num contexto comunicativo que o ajude a
se firmar como cidadão na sociedade em que vive, na medida em que reconhece a sua
identidade e a de seu grupo social, auxiliado pelo gênero Memórias, uma vez que, de
acordo com estudos de Souza (2014), a memória é a coluna que sustenta a identidade,
pois faculdade mnemônica é entendida como uma das fontes a partir das quais as
.
A partir das considerações acima, elaboramos as seguintes questões de pesquisa:
1. Até que ponto o procedimento sequência didática pode constituir-se uma forma
eficaz para melhorar a habilidade de produção escrita de alunos do Ensino
Fundamental?
2. Que dimensões do gênero Memórias, contempladas nos textos produzidos pelos
alunos, podem revelar marcas do contexto sócio-histórico-cultural dos seus
familiares.
Para responder a esses questionamentos, elegemos, como objetivo geral da
pesquisa: avaliar até que ponto o procedimento sequência didática com o gênero textual
Memórias pode contribuir para o aprimoramento da habilidade de produção escrita de
alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de João
Pessoa-PB, bem como para dar visibilidade às memórias de grupos sociais
representativos do universo sociocultural no qual estão inseridos.
De modo específico, esta pesquisa conta com os seguintes objetivos:
Diagnosticar as dificuldades apresentadas pelos alunos na produção do gênero
textual Memórias;
Desenvolver atividades interventivas que levem os alunos a superar as possíveis
dificuldades apresentadas na produção do gênero textual Memórias;
14
Verificar que dimensões do gênero Memórias, contempladas nos textos
produzidos pelos alunos, podem revelar marcas da construção do contexto sócio-
histórico-cultural de pessoas do seu círculo familiar;
Averiguar, a partir da análise das produções realizadas pelos alunos após a
aplicação da sequência didática, se as dificuldades apresentadas pelos mesmos
foram superadas ou amenizadas.
Em relação ao contexto metodológico, a pesquisa terá abordagem qualitativa,
com natureza intervencionista e descritiva, constituindo-se numa pesquisa-ação, que, de
acordo com Thiollent (1996), constitui-se numa investigação social com base empírica,
associada à resolução de um problema social, em que pesquisador e participantes da
pesquisa atuam cooperativamente. Assim, uniremos pesquisa e prática, como afirma
Engel (2000), partindo da observação e intervenção no processo de ensino e
aprendizagem de um gênero textual como forma de refletir e transformar aspectos desse
processo.
Queremos ressaltar que este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de
Ética da Universidade Federal da Paraíba UFPB (conforme anexos C e D),
resguardando-se o direito ao anonimato dos sujeitos da pesquisa e que a participação
destes foi autorizada por seus responsáveis, mediante assinatura de Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (anexo A), uma vez que se trata de alunos com
idade entre 13 e 14 anos.
Para contemplar os objetivos propostos nesta pesquisa, o trabalho será
organizado em quatro capítulos. Neste capítulo de Introdução, apresentamos a
contextualização do tema abordado, a justificativa de escolha do gênero textual
Memórias, as questões e os objetivos da pesquisa.
No capítulo 2, trazemos o aporte teórico sobre a teoria dos gêneros, a partir do
seu precursor, Bakhtin (2011), e outros estudiosos que seguem a vertente bakhtiniana,
como Marcuschi (2008) e Cavalcante (2001); a função dos gêneros textuais no ensino
de língua portuguesa, a partir das orientações dos PCN (1998); e a definição e
caracterização do procedimento sequência didática, proposto por Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004), a partir do qual elaboramos nossa proposta de intervenção.
15
No capítulo 3, fizemos um breve estudo sobre o gênero discursivo Memórias, o
qual será utilizado para desenvolver nossa proposta de trabalho, destacando o caráter
sociocultural que lhe é característico, a partir dos estudos de Le Goff (1990), Halbwachs
(1990), Bosi (1998), entre outros.
No capítulo 4, apresentamos os procedimentos metodológicos que utilizarmos
para desenvolver este trabalho, contextualizando a pesquisa, os seus colaboradores, a
geração dos dados e, por fim, apresentando o plano de ação proposto para trabalhar as
questões apresentadas neste trabalho.
Finalmente, tecemos as Considerações Finais sobre os resultados alcançados
com a aplicação da nossa proposta de intervenção, elucidando suas contribuições para a
melhoria da aprendizagem do grupo de alunos com os quais trabalhamos e para o ensino
de produção textual escrita, de modo geral.
16
2 GÊNEROS DISCURSIVOS: BREVES CONSIDERAÇÕES
Levando em consideração que a teoria dos gêneros discursivos, preconizada pelo
estudioso russo Mickhail Bakhtin, inspirou diversas correntes de estudos nos últimos
anos e está na base das orientações para o ensino de língua portuguesa, especificamente
nos PCN (BRASIL, 1998), e do procedimento Sequência Didática, idealizado por Dolz,
Noverraz e Schaneuwly (2004), passaremos a traçar um breve histórico sobre a origem
e definição dos gêneros do discurso, assim como apresentaremos também as
contribuições dessa teoria para o ensino de produção oral e escrita na escola.
O estudo dos gêneros textuais não é um fato recente. De acordo com Marcurschi
(2008), esse estudo teve início na Antiguidade, com Platão e Aristóteles, que
enfatizavam a literatura e a retórica respectivamente, continuou na Idade Média e
Renascimento, chegando à Modernidade, no início do século XX. Por muito tempo, a
noção de gênero foi vinculada apenas ao texto literário. Hoje, essa noção se estende a
qualquer tipo de texto utilizado em qualquer situação de comunicação. Ainda
segundo Marcuschi (2008), Aristóteles foi o primeiro estudioso a dar um tratamento
sistemático aos gêneros e à natureza do discurso, relacionando três tipos de gêneros a
três tipos de discurso: o gênero Deliberativo associado ao discurso deliberativo, que visa
aconselhar/desaconselhar e é voltado para o futuro, por ser exortativo por natureza; o
gênero Judiciário associado ao discurso judiciário, que visa acusar ou defender e volta-
se para o passado; e o gênero Epidítico associado ao discurso demonstrativo, que
pretende elogiar ou censurar e centra-se no presente. Essa visão aristotélica dos gêneros
desenvolveu-se largamente na Idade Média, propiciando a tradição cultural que
perdurou por muito tempo.
O trabalho com os gêneros ganhou ênfase, na atualidade, e surgiram inúmeras
vertentes, englobando diversas áreas de conhecimento, como a Teoria Literária, a
Retórica, a Sociologia, a Linguística, entre outras. Faremos, neste capítulo, um recorte
sobre a definição e função dos gêneros do discurso a partir de seu precursor, Bakhtin
(2011), e de outros estudiosos influenciados pelos seus estudos, como Marcuschi (2008)
e Cavalcante (2001), bem como Schneuwly e Dolz (2004), que embasaram a proposta
de intervenção apresentada neste trabalho.
17
2.1 Os gêneros do discurso a partir visão bakhtiniana
Segundo Bakhtin (2011), os gêneros (orais e escritos) vêm sendo estudados
desde a Antiguidade, como já mencionado anteriormente, mas, devido à sua
heterogeneidade, os estudiosos costumavam se reportar a apenas alguns de seus
aspectos, como o artístico-literário, no âmbito da literatura, o aspecto verbal dos gêneros
retóricos e a especificidade do discurso oral, com os linguistas estruturalistas e
behavioristas. Bakhtin foi um dos primeiros estudiosos a remeter o estudo dos gêneros a
todas as esferas de atividade humana que fazem uso da linguagem, pois de acordo com
igados ao uso
multiformes, o emprego da linguagem também se dá de modo extremamente
diversificado, efetuando- pelos
campos.
Para esse autor, os enunciados usados nas diversas esferas das atividades
humanas são constituídos por três elementos, a saber: o conteúdo temático, o estilo e a
construção composicional, que são determinados pelas especificidades de cada campo
de comunicação. No dizer do autor russo,
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de determinado campo da comunicação (BAKHTIN, 2011, p. 262-262).
Nesse sentido, o conteúdo é o assunto tratado no texto; sua definição relaciona-
se às necessidades do enunciador, nesse sentido, ele (enunciador) define o conteúdo e o
adequa ao momento da enunciação para satisfazer sua intencionalidade (querer-dizer).
A construção composicional diz respeito à estrutura do texto ou forma que o enunciado
assume num dado evento, sendo intimamente relacionada ao conteúdo e mantendo,
também, relações dialógicas com outros textos por semelhanças ou diferenças. O estilo,
18
composicional e, como esses dois elementos, é determinado por dada esfera de
diferenciar um gênero de outro, ou seja, permitem que possamos diferenciar, por
exemplo, uma receita culinária de uma notícia, porque ambos possuem conteúdos,
estrutura e estilo que diferem entre si. Assim, apesar da individualidade do uso da
língua, cada campo de comunicação possui formas relativamente padronizadas,
utilizadas pelos falantes para atingir seus propósitos comunicativos em determinada
situação.
Segundo Bakhtin (2011), os gêneros do discurso classificam-se em primários e
secundários. Os gêneros primários são os que circulam na esfera da vida cotidiana, são
considerados gêneros simples, como a réplica dos diálogos e das conversas íntimas.
Estes são reelaborados e incorporados pelos gêneros secundários, considerados
complexos, por surgirem em condições culturais mais elaboradas e circularem nas
esferas artística, científica e sociopolítica. Fazem parte dos gêneros secundários o
romance, as pesquisas científicas, os gêneros publicitários, as cartas oficiais, entre
outros.
No entendimento do referido autor, qualquer corrente de estudos sobre os
gêneros discursivos deve pautar-se sobre o estudo da natureza do enunciado e sobre as
inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes
c
visão nem sempre teve relevância para os estudiosos da linguagem.
Por muito tempo, a Linguística colocou em segundo plano a função
ão da formação do pensamento,
com essa concepção, a linguagem é considerada apenas do ponto de vista do falante,
sem a necessária relação com o outro que também participa do processo comunicativo.
Esse outro, quando é levado em conta, cumpre apenas o papel de ouvinte, que não
19
participa ativamente do processo comunicativo. No entanto, toda compreensão da fala
ou do enunciado, de acordo com Bakhtin, se faz ativamente responsiva, pois gera
imediatamente ou não uma resposta ao ato de comunicação do falante. Dessa forma, não
só os gêneros de complexa comunicação, mas também alguns gêneros que tenham sido
concebidos apenas para uma compreensão passiva, em algum momento podem
acarretar, de alguma forma, uma resposta do ouvinte/leitor.
Desse modo, para o autor supracitado, o discurso consiste de enunciações
concretas dos sujeitos do discurso. Essas enunciações, por mais diferentes que sejam,
possuem limites precisamente definidos, pois todo enunciado, do mais simples ao mais
complexo, possui um princípio e um fim absoluto, marcados pela alternância de sujeitos
no discurso. Assim, o enunciado é caracterizado pela alternância dos sujeitos do
discurso, pelo contato imediato com a realidade extra verbal, pela relação com
enunciados alheios, pela plenitude semântica e pela capacidade de suscitar respostas
(BAKHTIN, 2011).
Tudo o que produzimos oralmente ou por escrito, ou seja, o nosso discurso,
segundo o autor, é constituído por enunciados, que, por sua vez, constituem os gêneros
discursivos, os quais adquirimos concomitante à aquisição da língua, e são
determinados pela situação comunicativa, pela posição social e pelas relações de
reciprocidade entre os participantes da comunicação. Desse modo, há os gêneros
rigorosamente padronizados, como os oficiais, e os mais livres e criativos, como os da
comunicação oral, entre eles as conversas cotidianas. Nesse sentido
dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos
282-285).
Ainda de acordo com esse estudioso
situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns
contatos típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em
conotações individuais, determinadas pelo contexto individual discursivo em que são
lidas ou ouvidas. Assim, seja ao se reportar a enunciados de outros, seja ao se reportar
20
enun
2015, pp. 293-297), constituindo-se num processo dialógico.
Vem daí a noção de interação, uma vez que todos os indivíduos de uma
sociedade possuem motivos diversos para interagirem uns com os outros, tais como
informar, persuadir, reclamar, contar uma história etc. Para isso, esses indivíduos se
utilizam de várias formas específicas e mais ou menos estruturadas de interação
e, para que as comunicações se
Cavalcante (2001, p. 44), seguindo a linha bakhtiniana, define gêneros
de acordo com
linguísticos construídos sócio historicamente para atender às necessidades das diversas
esferas da atividade humana. Outro aspecto destacado pela autora diz respeito ao modo
de aprendizagem e utilização dos gêneros discursivos, pois, enquanto há gêneros que
são aprendidos espontaneamente, como os do cotidiano, há outros que requerem um
aprendizado formal e especializado, como os da esfera acadêmica e jurídica, por
exemplo. E é justamente em relação a esse segundo agrupamento de gêneros que o
papel da escola se faz extremamente importante e necessário, pois a ela cabe a função
de criar contextos de produção a partir de atividades múltiplas e variadas, como forma
de instrumentalizar o aluno com as noções e técnicas que lhe possibilitarão desenvolver
sua capacidade de expressão oral e escrita nas mais variadas situações de comunicação.
É nesse sentido que Schneuwly e Dolz (2004) definem os gêneros do discurso
como um instrumento que serve de meio p
visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamente (falar/escrever)
numa situação definida por uma série de parâmetros com a ajuda de um instrumento,
p. 24). Estes autores
associam, assim, essa ideia à concepção bakhtiniana de que a comunicação verbal seria
quase impossível caso tivéssemos que criar um gênero do discurso para cada novo
processo de fala; eles entendem ainda que a escolha do gênero acontece em função da
intenção do enunciador numa dada situação comunicativa.
21
Para Schneuwly e Dolz (2004,
de comunicação, e as situações escolares como ocasiões de produção/recepção de
ola deve possibilitar ao aluno o convívio com os mais
variados gêneros discursivos, desde os que circulam na esfera escolar até os que são
trabalhado na escola é sempre uma va
sua dinâmica de funcionamento difere da situação comunicativa em que ele funciona
originalmente. Para trabalhar essas variações, os autores propõem a elaboração de
a explicitação do conhecimento do gênero
através dos saberes formulados cientificamente e por profissionais especializados.
Nesse sentido, apresentamos, a seguir, a função que os gêneros discursivos devem
assumir na escola e no ensino de língua materna, segundo as orientações dos PCN
(BRASIL, 1998), documento oficial que apresenta os conteúdos e metodologias para o
ensino na educação básica.
2.2 A abordagem dos gêneros do discurso nos documentos oficiais
O ensino de língua portuguesa, atualmente, segue orientações dos PCN
(BRASIL, 1998), os quais trazem as diretrizes que regem o processo de ensino-
aprendizagem na educação básica no país. A recomendação é para que o ensino de
língua portuguesa seja pautado na teoria dos gêneros do discurso, quando afirma que
Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura. São caracterizados por três elementos: conteúdo temático, o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero; construção composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero; e estilo: configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos particulares de sequências que compõem o texto etc. (BRASIL, 1998, p. 21).
Como se pode observar, a definição de gêneros trazida pelos PCN (1998) segue a linha
teórica bakhtiniana, ao tratar da funcionalidade e da caracterização dos gêneros
22
discursivos, definindo-os, assim como faz o autor russo, como formas relativamente
estáveis de enunciados, determinados histórica e socialmente e utilizadas nas situações
comunicativas sociais e culturais.
Apesar das ressalvas feitas por alguns autores, como Marcuschi (2008), aos
PCN (BRASIL, 1998), é preciso considerar que esse documento constitui a primeira
orientação para o trabalho com os gêneros discursivos na visão sociointeracionista, uma
vez que determina que o ensino de leitura e produção textual deve partir de situações
concretas e/ou contextualizadas de comunicação e deve possibilitar ao aluno o domínio
de habilidades que lhe permitam interagir nas mais diversas atividades discursivas,
conforme atesta o trecho dos PCN, a seguir:
No processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental, espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 32).
Nesse sentido, o trabalho realizado com os gêneros textuais permite ao aluno
desenvolver esse domínio ativo do discurso, que vai possibilitar-lhe atuar efetivamente
nas várias situações comunicativas das instâncias sociais das quais participa, já que os
gêneros são constituídos de eventos comunicativos concretos, ocorridos nas diversas
esferas de atividade humana.
De acordo com os PCN (BRASIL, 1998), cabe à escola a tarefa de possibilitar
ao aluno o domínio das práticas de linguagem necessárias à sua participação ativa na
sociedade, através da escolha dos conteúdos e atividades que o auxiliem no
desenvolvimento do domínio da expressão oral e escrita em situações públicas de uso da
linguagem. Para tanto, deve- ção social e material do
texto [...] e a seleção, a partir disso, dos gêneros adequados para a produção do texto,
BRASIL, 1998, p.
49). Ou seja, a escola e o professor devem organizar os conteúdos de forma a
contemplar as necessidades do aluno em relação ao domínio dos gêneros textuais
necessários à sua atuação social.
23
Embora apresente um aspecto inovador em relação às tendências tradicionais de
ensino de língua, por priorizar o trabalho com o texto em detrimento do trabalho com a
análise da frase e da oração isoladamente, a proposta dos PCN (BRASIL, 1998) revela-
se, segundo Marcuschi (2008), redutora, pois prioriza o trabalho com os gêneros mais
formais e menos utilizados no cotidiano do aluno, deixando de lado os gêneros comuns,
tais como os telefonemas, conversações, consultas, discussões etc., para a produção
oral; e os formulários, cartas, receitas, bulas, anúncios, horóscopos, diários, atas de
condomínios, etc. para a produção escrita (MARCUSCHI, 2008, p. 207-211). Dessa
participação social, encontrando-se agrupados, em função de sua circulação social, em
gêneros literários, de imprensa, publicitários, de divulgação científica, comumente
BRASIL, 1998, p. 53).
Apesar de o referido documento também afirmar que o trabalho com os gêneros
na escola deverá levar em consideração as necessidades do aluno, ele enfatiza o fato de
se selecionar os gêneros que são menos produzidos, por escrito ou oralmente, uma vez
que as pessoas costumam ler mais do que escrever e escutar mais do que falar. Outro
aspecto relevante tratado nos PCN (BRASIL, 1998) em relação ao estudo dos gêneros
textuais é o trabalho feito a partir de módulos didáticos, que segue a estrutura do
procedimento de sequência didática proposto por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
Para os PCN (BRASIL,
atividades e exercícios, organizados de maneira gradual para permitir que os alunos
possam, progressivamente, apropriar-se das características discursivas e linguísticas dos
com a definição do procedimento
conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um
A proposta de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) consiste numa metodologia
que permite trabalhar os gêneros orais e escritos de forma modular, em contextos reais
de comunicação, nos quais o aluno é levado a realizar tarefas por etapas, que integram
atividades em gêneros orais e escritos e culminam na produção de um gênero e no
domínio eficaz de recursos linguísticos e estilísticos da língua.
24
Os PCN (BRASIL, 1998), por sua vez, entendem que o planejamento dos
módulos didáticos,
permitindo identificar quais instrumentos de ensino podem promover a aprendizagem e
BRASIL, 1998, p. 88). Assim, de acordo
com esse documento oficial, a organização dos módulos didáticos exige: conhecer as
necessidades do aluno; programar atividades modulares que explorem os aspectos dos
conteúdos a serem trabalhados e reduzam as dificuldades apresentadas; distribuir as
atividades de acordo com o tempo necessário à aprendizagem; promover a interação dos
alunos de forma que facilite a apropriação dos conteúdos; realizar com os alunos o
registro e síntese dos conteúdos apreendidos para referenciar produções futuras; e
avaliar as transformações produzidas a partir da aplicação da sequência.
Percebe-se, então, pelas considerações feitas até aqui, que o procedimento
sequência didática, desenvolvido por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), congrega as
orientações dos PCN (1998) para o trabalho com os gêneros textuais na escola. E, como
já mencionado anteriormente, será a partir deste procedimento que desenvolveremos a
proposta de intervenção apresentada neste trabalho. Por isso, apresentamos, no próximo
subitem, a sua definição e caracterização.
2.3 A sequência didática: definição e caracterização
Considerada uma das tendências inovadoras da atualidade no trabalho com a
produção textual oral e escrita na escola, a proposta de Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2004) tem a finalidade de
Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comunicação diversas. (DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 82).
Desse modo, o procedimento sequência didática, que consiste num conjunto de
atividades organizadas de forma modular, a partir de um gênero textual oral ou escrito,
demonstra constituir-se num instrumento eficiente para auxiliar o professor a
25
desenvolver no aluno o domínio necessário para escrever ou falar de maneira mais
adequada numa dada situação de comunicação, ou seja, a utilizar os gêneros textuais de
forma adequada às situações comunicativas em que ele precisa atuar na sociedade.
A proposta da sequência didática tem ainda o objetivo de fazer com que o aluno
tenha acesso aos gêneros textuais que ele não domina facilmente ou que lhe são de
difícil acesso fora do ambiente escolar, o que vai ao encontro da proposta dos PCN, que
sugere que o ensino de Língua Portuguesa priorize, além dos gêneros circunscritos às
esferas familiares, aqueles que permitem o desenvolvimento da reflexão crítica, do
pensamento mais elaborado e abstrato e da fruição estética da linguagem, como mostra
o trecho a seguir:
Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998, p. 24).
Ainda de acordo com os PCN (1998), dada a ilimitada diversidade de gêneros
existentes nas esferas sociais, a escola deve selecionar aqueles que circulam nas esferas
literária, científica e publicitária em função de sua circulação social. Nesse sentido, o
trabalho com a sequência didática oportuniza ao aluno o acesso a práticas de linguagem
que lhe possibilitam o desenvolvimento pleno de habilidades para atuar de forma ativa
nas mais variadas situações de comunicação das diversas esferas de atividades da
sociedade na qual está inserido.
O procedimento sequência didática apresenta a seguinte estrutura base:
Apresentação da situação, Produção Inicial, Módulo 1, Módulo 2, Módulo n e Produção
Final.
A apresentação da situação tem o objetivo de fazer com que os alunos
preparados para a produção inicial, através da apresentação ao gênero que será
26
trabalhado e da situação de comunicação em que este é utilizado, bem como dos
conteúdos que serão trabalhados para executar tal projeto.
Na produção inicial, os alunos serão levados a elaborar um primeiro texto no
gênero determinado, que visa revelar, para eles e para o professor, o que eles já
conhecem sobre o gênero a ser trabalhado e as dificuldades e os problemas que
precisam ser resolvidos. A produção inicial também permite ao professor nortear a
sequência a ser desenvolvida, bem como elaborar os módulos, adaptando-os
precisamente às necessidades e capacidades dos alunos de uma determinada turma. A
produção inicial constitui, assim, o primeiro momento de aprendizagem dos alunos, que
serão levados, posteriormente, a analisar e refletir sobre seus desempenhos e a conhecer
a linguagem específica do gênero a ser trabalhado.
Os módulos constituem a oportunidade de o professor trabalhar os problemas e
as dificuldades que os alunos apresentaram na produção inicial, bem como de
instrumentalizá-los para a sua superação. Através de atividades diversificadas, como
observação e análise de textos, tarefas simplificadas de produção de textos e elaboração
de uma linguagem comum, os módulos permitem ao aluno vencer os vários níveis de
dificuldades que a produção textual apresenta, tais como: aprender a fazer uma
representação da situação de comunicação, através da determinação do destinatário do
texto, da finalidade visada, de sua posição como autor ou locutor e do gênero visado;
conhecer as técnicas para elaborar e criar os conteúdos requeridos para cada gênero;
aprender a planejar e estruturar o texto de acordo com a finalidade que se quer alcançar;
e saber usar os recursos linguísticos necessários para escrever seu texto.
A produção final é o momento em que o aluno vai colocar em prática todos os
conhecimentos que ele adquiriu na realização dos módulos. E o momento também em
que o professor realiza a avaliação, do tipo somativa, verificando o que o aluno
aprendeu durante as sequências e fazendo intervenções nos pontos que apresentaram
mais dificuldades.
Para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a proposta não deve ser tomada como
levar em consideração fatores como: a escolha dos gêneros a ser efetuada, levando-se
em conta os objetivos do programa de cada série e o grau de dificuldade apresentada
27
pelos alunos, não negligenciando a modalidade oral; e a escolha de atividades feita a
partir da análise da produção inicial realizada pelos alunos, o que permite ao professor
escolher aquelas que mais convém serem realizadas com todos os alunos ou com alguns
alunos em particular. Os autores consideram, ainda, que o trabalho realizado através do
procedimento sequência didática implica em escolhas pedagógicas, psicológicas e
linguísticas, as quais comentaremos brevemente a seguir.
Em relação às escolhas pedagógicas, os idealizadores da sequência didática
destacam três pontos: que o procedimento possibilita a avaliação formativa, a qual
permite regular os processos de ensino e aprendizagem; que a sequência didática está
inserida num projeto que faz com que o aluno torne-se escritor de textos quer escritos,
quer orais; e que essa forma de trabalho aumenta, através da diversidade de atividades,
as chance de instrumentalizar o aluno para atender às exigências de diferenciação do
ensino.
Quanto às escolhas psicológicas, esses autores dizem que, por meio das
sequências didáticas, as atividades de produção textual oral e escrita são trabalhadas
através considerando a sua complexidade, o que inclui simular a situação de
comunicação e trabalhar os conteúdos e a estrutura dos textos; que o procedimento tem
o fim de transformar o modo de falar e de escrever dos alunos, fazendo-os conscientes
de seu comportamento linguístico em todos os níveis, como escolher e organizar
palavras e conteúdo, adequando-os ao público; e que tal transformação ocorre porque
são disponibilizados aos alunos diferentes instrumentos de linguagem.
Já em relação às escolhas linguísticas, os referidos autores afirmam que o
procedimento possibilita a utilização de instrumentos linguísticos que permitem
compreender as unidades de linguagem que produzem textos e discursos, assim como
permite entender as especificidades de funcionamento das línguas, que se adaptam às
situações de comunicação, e faz com que se compreenda que os gêneros de texto
constituem o objeto do procedimento, definindo o que deve ser dito, em quais
estruturas e com que meios linguísticos.
Os atores supracitados ainda esclarecem que as finalidades da sequência didática
são habilitar e instrumentalizar o aluno para utilizar a língua nas mais diversas situações
cotidianas, através da escrita e da fala; tornar o aluno consciente de seu comportamento
28
linguístico e favorecer o uso de procedimentos de avaliação formativa e de
autorregulação; e trabalhar de forma elaborada para fazer com que o aluno construa uma
representação da escrita e da fala em situações complexas de comunicação.
Vale destacar também, com base em Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que o
trabalho com sequências é pautado na perspectiva textual, uma vez que leva em
consideração os diferentes níveis do processo de elaboração de textos. No entanto, nada
impede que problemas de natureza linguística, como questões de gramática, sintaxe e
ortografia, sejam trabalhados paralelamente às sequências ou a partir dos textos
produzidos nas sequências, pois estas visam ao aperfeiçoamento da escrita e da
produção oral, ao mesmo tempo em que podem servir como ponto de partida para se
retomar problemas linguísticos que necessitam de revisão.
Estudos, como o de Araújo (2013), mostram que, algumas vezes, o modelo de
sequência didática proposto pelo grupo de Genebra, a depender da falta de experiência
dos alunos com o gênero, requer adaptações para se tornar eficaz em algumas
realidades. Nesse sentido, a nossa proposta de trabalho partiu do procedimento
sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), mas com algumas
adaptações para atender à realidade da turma, que, de modo geral, não conhece o gênero
a ser trabalhado e não tem dificuldades no uso da norma culta, o que nos fez acrescentar
na sequência algumas questões linguísticas para atender às necessidades dos alunos.
Teceremos, a seguir, algumas considerações sobre o gênero discursivo
Memórias, que será utilizado para desenvolver a proposta de intervenção deste trabalho,
destacando o caráter sociocultural que lhe é inerente.
29
3 A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO MEMÓRIAS
Traçaremos aqui um breve estudo acerca do gênero Memórias, a partir do qual
desenvolveremos nossa proposta de produção escrita. Para isso, faremos um recorte
sobre a sua etimologia, passando pela sua utilização em outras áreas das ciências
humanas e sociais, chegando ao campo literário, que nos permite visualizar como o
escritor se utiliza de memórias suas ou do outro para expressar não apenas sentimentos
e emoções individuais, mas também costumes, valores e tradições de uma época, de
uma comunidade.
3.1 Caracterização do gênero Memórias
Segundo Maurice Halbwachs, sociólogo francês da primeira metade do século
XX, embora a memória seja aparentemente individual, esta se reporta sempre a um
grupo, pois apesar da lembrança pertencer ao indivíduo, este está sempre interagindo
com os seus grupos sociais, mostrando que
a sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um t
Assim, de acordo com as considerações acima, vemos que a definição de
memória possui natureza individual, mas conserva sempre um caráter social.
Memórias Literárias na modernidade ria Lúcia Aragão
(1992) afirma que a definição conceitual de Memória perpassa por diversos campos de
estudos, dentre eles a História, a Medicina, a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a
Linguística e a Literatura, e recobre um vasto campo semântico que abrange vários
fatores, tais como biológicos
cognitivos ções e
30
obra de cunho
autobiográfico (ARAGÃO, 1992, p. 33-34).
Etimologicamente, a autora
saber:
Uma tem por eixo as raízes -mem- e -mne-, a outra, a raiz -cord-: a etimologia liga, então, os paradigmas da memória e da lembrança ao espírito e à energia intelectual, de um lado, ao coração, de outro. Da raiz -mne-, herdamos lembrar (lembrar), lembrança, relembrar, reminiscência,
rememorar, memorável, memorandum, memorial, memorialista, memorizar,
comemorar, desmemoriado, comemorativo etc. Da raiz -men-, destacamos amnésia, a(m)nistia, mnemotécnico, mnemônico. Derivados de -cor-, temos recordar e recordação (ARAGÃO, 1992, p. 34, grifo da autora).
Aragão (1992) relaciona, então, os sentidos das palavras memória e lembrança,
destacando que, embora de raízes diferentes, possuem campos semânticos semelhantes
e sempre remetem ao ato de lembrar ou recordar fatos e acontecimentos, geralmente
marcantes no passado de uma pessoa. Uma definição que resume alguns dos aspectos
levantados por Aragão (1992) sobre a memória é a proposta por Jacques Le Goff,
segundo o qual
A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (LE GOFF, 1990, p. 423).
É essa noção que vai perpassar o gênero narrativo que recobriu inicialmente,
segundo Aragão (1992), textos produzidos fora da esfera literária, como de
historiadores, parlamentares, militares, nobres, religiosos, aproximando-se da história e
da crônica pessoal, no século XVII, por exemplo; e, posteriormente, obras de cunho
literário, como as narrativas autobiográficas, denominadas, de acordo com a autora, de
memórias de cortesãos, de damas galantes etc., e os romances memorialísticos, no
século XVIII, que enfatizam a descrição de experiências pessoais e revelam as
impressões do narrador, através do relato de fatos passados que são trazidos à tona e são
moldados por um tratamento estético e subjetivo. Dessa forma, segundo Aragão,
31
Na elaboração literária de uma vida, o autor realiza um incessante diálogo entre o passado e o presente, colocando em cena a elaboração de seu ser pessoal, na procura das significações contidas nos fatos passados. Diríamos que o memorialista faz uma segunda leitura do tempo vivido ou... perdido. (ARAGÃO, 1992, p. 35).
A afirmação da autora encontra respaldo nos estudos de Halbwachs (1990), para
quem a lembrança reconstrói o passado a partir de dados do presente e de outras
reconstruções anteriores, nas quais as imagens do passado manifestam-se de forma
alterada. Uma característica que se faz latente no texto de memórias é o seu teor
memória é o conhecimento do passado que se organiza, ordena o tempo, localiza
cronologicamente . O texto de memórias faz-se, então, porta-voz não apenas de
lembranças ou recordações individuais, mas também de todo um aparato histórico e
cultual coletivo, já que, de acordo com Halbwachs (1990, p. 51),
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda
conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações
Desse modo, para esse estudioso, as memórias individuais constituem a base da
memória coletiva, que, por sua vez, se nutre das lembranças que são comuns a um
grupo de indivíduos de uma determinada comunidade. Assim, mesmo não sendo fácil
diferenciar nitidamente uma obra autobiográfica de uma memorialista, como afirma
Aragão (1992), fica evidente que esta última, além de apresentar recordações de fatos
vividos pelo narrador, no passado, apresenta também um tratamento especial no uso da
linguagem e maior liberdade imaginativa, por constituir um gênero pertencente à esfera
literária.
As Memórias Literárias são, portanto, de acordo com Diana Ribeiro Guimarães,
[...] uma busca de recordações por parte do eu-narrador com o intuito de evocar pessoas e acontecimentos que sejam representativos num momento posterior, no qual ele escreve. (...) O eu, descrito, é um eu visto pelo autor e esse eu é o que realmente interessa à literatura, pois é dele que a linguagem se ocupa ou cria. (GUIMARÃES, 2013, p. 16-17)
32
-
acontecimentos do passado, por meio de uma linguagem subjetiva2, que expressa seus
sentimentos e impressões em relação ao momento descrito ou organiza as experiências
-as e imprimindo-lhes um
(2013, p.17-18). Essa perspectiva é
também partilhada por Beth Marcuschi, que destaca
As memórias literárias têm como propósito sociocomunicativo mais saliente recuperar, numa narrativa escrita de uma perspectiva contemporânea, vivências de tempos mais remotos (relacionadas a lugares, objetos, pessoas, fatos, sentimentos, valores etc.) experienciadas pelo autor (ou que lhe tenham sido contadas por outrem, mas que lhe digam respeito), numa linguagem que se configure como um ato discursivo próprio e recrie o real, sem um compromisso com a veracidade ou com a magnitude das ocorrências (MARCUSCHI, 2012, p. 56).
Dessa forma, faz-se importante salientar que o texto de memórias pode ser
constituído por múltiplas vozes, podendo ser escrito na primeira pessoa, quando o
narrador retoma experiências vivenciadas por ele; em 3ª pessoa, quando é incumbida ao
narrador a tarefa de relatar as lembranças de outro; ou ainda quando o narrador-autor
narra, em primeira pessoa, as memórias alheias, tornando seu o discurso do outro,
reconfigurando os fatos e acontecimentos através de um discurso particular que
evidencia não a sua veracidade, mas a sua expressividade.
Como já mencionamos anteriormente, segundo Bakhtin (2004) três elementos
o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo caracterizam o gênero
discursivo, fazendo-o distinguir-se de outro. Desse modo, o gênero Memórias, que será
o foco de desse trabalho, caracteriza-se por apresentar como tema ou conteúdo o relato
de fatos vividos ou presenciadas por alguém no passado, trazidos à tona através de
rememoração. A construção composicional apresenta, sobretudo, sequência narrativa,
na qual o narrador conta, em forma de memórias, histórias ocorridas no passado e sua
estrutura, assim como outras narrativas, é composta dos seguintes elementos: espaço,
tempo, personagens, narrador e enredo. Quanto ao estilo, no gênero Memórias a escolha
de léxico permite identificar os recursos linguísticos utilizados pelo autor para descrever
2 Segundo Guimarães (2013, p. 18), a linguagem adquire caráter subjetivo nos gêneros que pertencem à
esfera literária por estes não terem como foco a informação, mas sim os sentimentos e impressões das personagens.
33
objetos, pessoas lugares ou expressar e provocar, no leitor, sentimentos, sensações e
estados de espíritos, como a escolha de adjetivos e o uso de linguagem conotativa por
meio de figuras de linguagem.
A título de exemplificação desses elementos no gênero Memórias,
apresentaremos, a seguir, um dos textos que será trabalhado na proposta de intervenção,
O valetão que engolia meninos e outras histórias de Pajé
Bassani, Vencedora da Edição 2006 do Prêmio Escrevendo o Futuro, retirado do
Caderno do Professor Se bem me Lembro (CLARA, ALTENFELDER e ALMEIDA,
2010), que faz parte do material de apoio da Olimpíada Brasileira de Língua
Portuguesa.
Quadro 1 Texto para exemplificar a análise do gênero Memórias
O valetão que engolia meninos e outras histórias de Pajé
Autor(a): Kelli Carolina Bassani*
Já foram escritas muitas histórias da época em que os meninos engraxates eram engolidos pelo valetão da Rua Sete de Setembro. Mas, nenhuma delas conta esta ou outras histórias de Pajé. Guardo-as dentro do peito, como boas lembranças da rua onde vivi e que teimam em se misturar com a história da cidade.
Nascemos juntos: eu, a rua e essas histórias. Somos uma coisa só, mas nós não estamos nos livros. Estamos na contramão, por isso me atrapalho com as palavras. Às vezes falta ar, outras o ar é demais, então o meu coração acelera, o nó na garganta avisa: o menino Pajé vai acordar!
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de Setembro é porque não conhece minha cidade Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu de uma clareira no meio da mata.
Naquele tempo, uma clareira; hoje Rua Sete de Setembro. Essa rua foi crescendo e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias de Pajé. Elas estão descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios, das casas. Basta um sinal que elas voltam.
Cheiro de terra molhada esse era o sinal. E, ainda hoje, sinto esse cheiro entrando no meu cérebro e mexendo com o meu coração. Naquele tempo bastava sentir o cheiro de terra molhada para que nós, os meninos engraxates, escondêssemos nossas engraxadeiras caixa de madeira em que se guardava o material necessário para engraxar sapatos no porão dos fundos da bodega do Pizetta e, como garotos matreiros, saíssemos de mansinho, sem despertar curiosidade. Corríamos lá embaixo, no começo da rua que embicava no meio da mata, pois o mistério ia começar!
A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão buraco muito profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que caía do céu misturava com a terra
34
quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados para dentro daquele enorme buraco, por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não queriam não conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos segundos, estávamos lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante horas. Nessas horas o trabalho era esquecido.
Quando eu era menino, trabalhava muito. Todos os dias de manhã ia à escola e, ao retornar, mal acabava de almoçar, pegava a engraxadeira, colocava nas costas para a rua, quer dizer, para o trabalho. A engraxadeira era muito grande e pesada para meu tamanho eu era apenas um garoto! Mas era a única forma de ajudar minha mãe no sustento da família.
Sentia como se estivesse carregando o mundo sozinho.
Hoje sou adulto e sei que aquela magia era fruto de nossa fantástica imaginação. Como qualquer outro menino, o engraxate também tinha direito de brincar. Uma das poucas vezes em que podíamos fazer isso era quando chovia. Mesmo que depois nos custasse castigos e surras.
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com as de meu tempo, são muito diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman, Homem Aranha. Antes tínhamos heróis indígenas, com suas histórias cheias de mistérios das florestas.
Naquele tempo, quando chovia, o valetão da Rua Sete de Setembro era nosso mundo fantástico. Além das divertidas brincadeiras no lamaçal que escorria da rua, fazíamos cabanas no paredão da erosão, guerrilhas com bodoque, usando sementes de árvores como cinamomo e mamona.
Quando não chovia, sobrava tempo para brincar só aos domingos. Então, eu Pajé e minha turma nos reuníamos na mata, que se misturava com o terreiro das casas.
Nele, construíamos cabanas, arcos, flechas, tacapes. Pintávamos o corpo todo com barro e frutinhas da mata. Assim, sentindo-nos como heróis, brincávamos de índios guerreiros, até o sol se esconder.
Nossa vida se enchia dos poderes que vinham da mata e seguia solta, como passarinho. O fim da história? Não sei não, porque eu ainda vivo. E enquanto eu viver as lembranças nunca vão terminar.
(Baseado na entrevista com Clovis Turatti. Ele nasceu, cresceu e trabalhou como engraxate, desde 5 anos, na Rua Sete de Setembro. Hoje é funcionário Público Municipal.)
(*Vencedora da Edição 2006 do Prêmio Escrevendo o Futuro, na categoria Poesia. Kelli é aluna da professora Salete Conceição Assufi Dallanol e mora na cidade de Toledo, no Estado do Paraná.)
Em relação ao primeiro elemento, o conteúdo temático, o texto O valetão que
engolia meninos e outras histórias de Pajé apresenta as lembranças de um adulto,
contadas por um narrador em primeira pessoa, sobre acontecimentos vividos por ele na
infância e que lhe provocam sentimentos e sensações que nunca foram esquecidas.
Quanto à estrutura composicional, além do narrador em primeira pessoa,
característico das narrativas desse gênero, destacam-se, logo no início do texto, o espaço
35
e o tempo, confirmando o que dizem Clara, Altenfelder e Almeida (2010), produtoras
do Caderno do Professor Se bem me lembro, material de apoio da Olimpíada Brasileira
de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, segundo as quais um dos pontos que se
ALTENFELDER e ALMEIDA, 2010, p. 56). No texto em análise, isso ocorre nos
primeiros parágrafos e mais precisamente no terceiro e quarto, quando o narrador
descreve a rua e a cidade em que se passa a história:
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de Setembro é porque não conhece minha cidade Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu de uma clareira no meio da mata.
Naquele tempo, uma clareira; hoje Rua Sete de Setembro. Essa rua foi crescendo e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias de Pajé. Elas estão descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios, das casas. Basta um sinal que elas voltam.
Nesses parágrafos, a narradora situa o leitor no lugar onde acontecem os fatos
narrados no texto, a Rua Sete de Setembro, e determina o tempo através das expressões
Naquele tempo, uma clareira; hoje
Depois dos parágrafos iniciais, o narrador-personagem desenvolve o enredo
contando as aventuras vividas por ele durante a infância, comparando modos de vida do
presente e do passado e expressando seus sentimentos e visão sobre os fatos relatados,
O fim da história? Não sei não, porque eu ainda vivo. E enquanto eu viver as
lem .
Em relação ao terceiro elemento, o estilo, por pertencer, como já frisado, à
esfera literária, o gênero Memórias tem como característica o uso de recursos que
evidenciam a sua expressividade e subjetividade. No que diz respeito ao texto literário,
para Proença Filho (2007),
podemos entender o estilo, em sua dimensão individual, como o aspecto particular que caracteriza a utilização individual da língua e que se revela no conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase nos termos concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou nominais, na propensão para determinadas figuras de linguagem, tudo isso estreitamente
36
vinculado à organização do que se diz ou escreve e a um intento de expressividade (PROENÇA FILHO, 2007, p. 27).
Nesse sentido, para o autor, o texto literário transmite uma forma particular de
comunicação que revela um uso especial do discurso, posto a serviço da criação artística
reveladora. Assim, para Proença Filho (2007), a linguagem literária é eminentemente
conotativa, e
-se da denotação, -se a parte
da significação linguística ligada à função representativa ou re
(PROENÇA FILHO, 2007, p. 34-35). Desse modo, um dos traços marcantes dos textos
da esfera literária é a função estética da linguagem, que, como sugere Gedoz e Costa-
Hubes (2010), visam à expressão pessoal dos sentimentos e emoções, em oposição à
função utilitária, que objetiva informar, convencer ou explicar algo.
No texto em questão, essa característica é percebida no emprego de figuras de
linguagem como metáforas, sinestesia e personificações para descrever as sensações e
sentimentos do personagem-narrador em relação à enxurrada de terra misturada com
Parecia uma cascata de chocolate
sinto esse cheiro entrando no meu cérebro e
mexendo com o meu coração Sentia como se estivesse
carregando o mundo sozinho
A descrição do valetão, buraco profundo provocado pela erosão causada pela
chuva e onde o narrador-personagem costumava brincar, também é feita por meio de
palavras e expressões que visam impressionar o leitor, como mostra o trecho a seguir:
A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão buraco muito profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que caía do céu misturava com a terra quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados para dentro daquele enorme buraco, por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não queriam não conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos segundos, estávamos lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante horas. Nessas horas o trabalho era esquecido.
Percebemos assim que o narrador, apesar de relatar um fato simples como a
brincadeira de crianças na chuva, procura dar um ar de mistério ao enredo por meio da
37
Outro traço característico do estilo do texto de Memórias, segundo Gedoz e
Costa-Hubes (2010), é a comparação entre o passado e o presente, traço esse que
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com as de meu
tempo, são muito diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman, Homem Aranha. Antes
tínhamos heróis indígenas, com suas histórias cheias de mistérios das florestas em que o
narrador compara as brincadeiras e os heróis que povoam o universo infantil da
atualidade com o seu tempo de infância.
Ainda, de acordo com Gedoz e Costa-Hubes (2010), a descrição que permeia as
sequências narrativas pode compor o estilo do autor quando visam a impressionar o
leitor, conduzindo-o a uma imaginação detalhada da cena. E isso também aparece no
decorrer do nosso texto-exemplo, como no trecho abaixo:
Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do Paraguai, surgiu
A chuva caía e formava muita enxurrada
que, com sua força, trazia a terra misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava
no valetão
Assim, pela análise do gênero Memórias, segundo os elementos caracterizadores
determinados por Bakhtin, percebe-se que o texto em questão possui, como define este
autor, características relativamente estáveis, determinadas pela esfera do campo literário
ao qual pertence.
O plano de intervenção proposto neste trabalho será desenvolvido com o gênero
Memórias, no entanto, não temos como objetivo priorizar a literariedade do texto, mas,
sobretudo, os aspectos socioculturais que são inerentes à configuração do gênero, uma
vez que nos interessa trabalhar, principalmente, o resgate de costumes e valores dos
grupos sociais que fazem parte do convívio familiar e/ou social dos alunos. Por isso,
apresentamos, a seguir, a dimensão social do texto de memórias.
38
3.2 O caráter social do texto de Memórias
Os estudos de Halbwachs já afirmavam que as lembranças individuais devem ser
analisadas levando-se em consideração o contexto social que as ocasionaram, como o
grupo e o ambiente aos quais pertence o indivíduo. Esse autor distingue, assim, uma
memória individual que seria a percepção de lembranças de fatos vivenciados
comumente pelos membros de um grupo sob o ponto de vista individual de uma
memória coletiva que corresponde à memória compartilhada dentro de grupo. Para o
autor, até as lembranças estritamente individuais remetem sempre a um grupo, uma vez
que "nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros,
mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com
BWACHS,
1990, p. 26).
Nesse sentido, para Halbwachs (1990), a memória individual não se
descaracteriza, mas suas raízes encontram-se relacionadas com diversos contextos e
com diversos membros de um grupo, convertendo-se de memória individual para
memória coletiva, uma vez que uma é totalmente dependente da outra, como afirma o
estudioso na trecho a seguir:
Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento do passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade (HALBWACHS, 1990, p. 34).
Assim, para esse estudioso, a memória individual constitui um ponto de vista
sobre a memória coletiva, que se altera de acordo com o lugar que o indivíduo ocupa no
seu grupo e com as relações que ele mantém com outros grupos de sua comunidade.
Portanto, a memória individual constitui-se da influência das memórias de outros
membros dos grupos dos quais o indivíduo participa, tais como família, trabalho, escola,
igreja etc.
39
Halbwachs (1990, p. 55) também classifica a memória como pessoal ou
. A memória histórica
representa o passado de forma resumida e esquemática, enquanto a memória
autobiográfica faz um panorama mais contínuo e mais denso dos fatos vividos. Para o
autor, a nossa memória tende a se fixar mais nos fatos que vivenciamos do que naqueles
vivida que se apoia nossa memória" (HALBWACHS, 1990, p. 60).
De acordo com o referido sociólogo, ao lado da história oficial há uma história
viva, vivenciada e transmitida a nós por nossos antepassados, uma vez que
A história não é todo o passado, mas também não é tudo aquilo que resta do passado. Ou, se o quisermos, ao lado de uma história escrita, há uma história viva que se perpetua ou se renova através do tempo e onde é possível encontrar um grande número dessas correntes antigas que haviam desaparecido somente na aparência. (HALBWACHS, 1990, p. 67).
Nesse sentido, de acordo com o autor, podemos reconstruir o quadro de uma
época a partir de vestígios e impressões de ambientes, pensamentos e estado de espírito
de outrora, revividos através das lembranças de pessoas que testemunharam aquele
período, já que a lembrança é
tomados de empréstimo ao presente e preparados por outras reconstruções feitas em
(HALBWACHS, 1990, p. 71). Tal consideração é também partilhada por Ecléa Bosi,
quando afirma que
É a essência da cultura que atinge a criança através da fidelidade da memória. Ao lado da escrita, das datas, da descrição de períodos, há correntes do passado que só desapareceram na aparência. E que podem reviver numa rua, numa sala, em certas pessoas como ilhas efêmeras de um estilo, de uma maneira de pensar, sentir falar, que são resquícios de outras épocas. (BOSI, 1998, p. 75)
Assim, as lembranças se renovam constantemente, recobrindo e
complementando as anteriores e reconstruindo o passado e a memória não apenas de um
indivíduo, mas de todo o seu grupo social, pois a memória se enriquece com as
40
contribuições de fora que, depois de tomarem raízes e depois de terem encontrado seu
lugar, não se distinguem mais de outras lembr .
Dessa forma, para Halbwachs, a memória interage constantemente com o meio social a
que está exposta, chegando a ser moldada por esse meio.
As considerações feitas até aqui nos fazem constatar, em comunhão com Souza
(2014), que a memória constitui um instrumento que permite que o passado atue no
presente através das lembranças e pode ser considerada como fonte de referentes
identitários, uma vez que permite que o indivíduo se aproprie de imagens do passado
para rever sua posição no presente. Dessa forma, vê-se que memória e identidade estão
estreitamente relacionadas, pois, segundo Candau (2011),
de memó
2011, p. 150).
Nesse sentido, para Souza (2014), a memória assume o papel de modelador da
identidade, já que o ato de rememorar promove uma revisão crítica na forma com o
indivíduo se percebe e se mostra aos outros, influenciando na forma de identificação do
sujeito. Nesse caso, o sujeito encontra no ambiente familiar, primeiro grupo social do
qual participa, seus primeiros referentes identitários, uma vez que é nesse ambiente
que o sujeito recebe as primeiras memórias compartilhadas e incorpora em sua
bagagem memorial as lembranças herdadas do grupo e vivenciadas com ele, as quais
são impregnadas de sentidos identitários ). É nesse grupo que o
indivíduo desenvolve o sentimento de pertencimento a uma comunidade e toma
consciência de sua individualização, percebendo-se como sujeito independente. É,
que se produz a consciência das fronteiras
que delimitam os sujeitos e os grupos e moldam as identidades
112).
Diante do que foi exposto até aqui, vimos que o texto de Memórias caracteriza-
se pelo relato de fatos vividos ou presenciados pelo indivíduo no passado, trazidos à
tona através da rememoração. Nesse sentido, é possível concluir que este gênero
apresenta, intrinsecamente, forte teor social e cultural, uma vez que, ao relatar as
memórias individuais de determinado indivíduo, apresenta também costumes e valores
dos grupos e da sociedade nos quais está inserido, revelando e afirmando a sua
41
-se a memória
menos nos textos do que nas palavras, nas imagens, nos gestos, nos ritos e nas festas; é
uma conversão do olhar histórico (LE GOFF, 1990, p. 469). Dessa forma, trabalhar
com a memória é também trabalhar com o resgate de valores socioculturais de um ou
mais grupos sociais.
No capítulo a seguir, discorreremos sobre os procedimentos metodológicos que
serão utilizados para desenvolvermos a proposta de trabalho com o gênero Memórias,
descrevendo o passo-a-passo do plano de ação que será seguido para atingir o objetivo
da pesquisa.
42
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No presente capítulo, discorreremos sobre a natureza e o caráter da metodologia
da pesquisa que realizamos, como forma de melhor fundamentar a nossa ação
interventiva e garantir a eficácia do plano de intervenção. Faremos, ainda, a descrição
das etapas que foram seguidas para investigar e intervir no problema apresentado, bem
como a apresentação do contexto escolar em que atuamos pedagogicamente durante este
trabalho.
4.1 Contextualização da Pesquisa
A presente pesquisa, apresenta abordagem qualitativa e possui natureza
descritiva, por explicar e descrever uma proposta de intervenção no processo de ensino
e aprendizagem do gênero Memórias, e terá finalidade intervencionista, uma vez que o
SILVEIRA e CÓRDOVA,
2009, p. 32), intervindo diretamente na realidade e no problema estudado como forma de
produzir novos conhecimentos que ajudem a solucionar problemas específicos. Isso
complementa o propósito da pesquisa-ação, pois possibilita ao professor investigar
problemas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem neste caso específico,
da escrita do texto de Memórias e atuar junto aos alunos, como forma de minimizar
tais problemas.
Silveira e Córdova (2009, p. 35), citando Triviños (1987), definem a pesquisa
ever os fatos e fenômenos de
tem
como principal objetivo interpor-se, interferir na realidade estudada, para modificá-la.
, 2003, p. 9). Essas duas
categorias de pesquisa, assim como a abordagem qualitativa que, de acordo com
Silveira e Córdova (2009), preocupa-se em explicar aspectos da realidade que não
podem ser quantificados e centra-se na compreensão e explicação da dinâmica das
relações sociais e a pesquisa aplicada que, segundo essas mesmas autoras, gera
conhecimento para solucionar problemas específicos, de interesse local atendem ao
43
propósito deste trabalho, uma vez que descreveremos um determinado fenômeno o
processo de ensino e aprendizagem de um gênero textual, a partir da intervenção nesse
processo com o fim de modificá-lo.
Quanto aos procedimentos, utilizaremos a pesquisa-ação, uma vez que, de
acordo com Thiollent, trata-se de
[...] um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 1996, p. 13-14).
De acordo com esse autor, a pesquisa-ação permite ao pesquisador desempenhar
um papel ativo na própria realidade dos fatos observados. Essa definição confirma a
pesquisa-ação se constitui num eficiente
ação, ou seja, o professor atua como pesquisador de sua própria prática o que lhe dá
subsídios para refletir sobre essa prática e transformá-la, assim como transformar a
aprendizagem do aluno.
Isso atende à natureza do trabalho requisitado pelo Programa de Mestrado
Profissional em Letras (PROFLETRAS), no qual estamos inseridos, que tem como
requisito desenvolver trabalhos de natureza intervencionista, que possam contribuir para
minimizar as dificuldades concernentes ao processo de ensino e aprendizagem no
ensino Fundamental.
Desse modo, esta pesquisa objetiva avaliar até que ponto o procedimento
sequência didática com o gênero textual Memórias pode contribuir para o
aprimoramento da habilidade de produção escrita de alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental de uma escola pública do município de João Pessoa-PB, bem como para
dar visibilidade às memórias de grupos sociais representativos do universo sociocultural
no qual estão inseridos. Para isso, utilizaremos uma proposta de sequência didática, que
partirá do procedimento apresentado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).
.
44
4.2 Os Sujeitos da Pesquisa
Este trabalho foi realizado com uma turma de 9º Ano do Ensino Fundamental,
de uma Escola Municipal da cidade de João Pessoa PB, com 30 alunos, com faixa
etária entre 13/14 anos.
Os alunos residem no entorno da escola onde será realizada a pesquisa e são
provenientes de famílias de comunidades com baixa renda, que têm pouco acesso a bens
culturais e pouco incentivo da família nas atividades escolares, o que lhes confere
grandes dificuldades nas habilidades de leitura e escrita, fato constatado através do
trabalho que vimos realizando com a turma em atividades anteriores.
A maioria desses alunos tem, na escola, a oportunidade de contato com gêneros
textuais diversificados, principalmente os que circulam nas esferas institucionalizadas
e/ou literárias. Daí a importância deste projeto com o gênero Memórias para a
consolidação do papel da escola, já que, segundo os PCN (BRASIL, 1998), a escola
deve propiciar ao aluno o contato com os mais variados gêneros, de modo que ele possa
se inserir ativamente no mundo da escrita, atuando de forma eficaz nas mais variadas
situações de comunicação (BRASIL, 1998, p. 32).
4.3 A geração dos dados da pesquisa
O corpus de análise deste trabalho foi gerado a partir de produções textuais do
gênero Memórias, feitas por alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. Os textos foram
produzidos a partir de uma sequência didática que permitiu aos alunos lidarem com o
gênero Memórias conhecerem e produzirem a partir de atividades realizadas por
etapas, fato que poderá ajudá-los a utilizar melhor os recursos linguísticos e estilístico
da língua e a produzir, adequadamente, textos no referido gênero.
Queremos esclarecer que a turma em que desenvolvemos a sequência didática
tinha um total de trinta e um (31) alunos. Durante a aplicação da proposta, dois foram
transferidos e, por razões de faltas constantes, três não participaram, restando vinte e
seis (26). Destes, vinte e dois (22) participaram de todas as etapas da SD. Deste total,
45
elegemos oito alunos (oito), mais ou menos um terço dos participantes, para compor o
nosso corpus, sendo a nossa escolha determinada pelas produções que apresentaram
maiores dificuldades em relação à apreensão da função do gênero Memórias e de sua
estrutura e características ou que representam os problemas mais recorrentes no total
dos textos.
4.4 A proposta de intervenção a descrição da sequência didática
Neste tópico apresentamos uma breve descrição das etapas do procedimento
sequência didática (SD), que, conforme apresentamos no tópico anterior, apresenta a
seguinte estrutura base: Apresentação da situação, Produção Inicial, Módulo 1, Módulo
2, Módulo n e Produção Final.
4.4.1 Apresentação da situação 02 aulas
Objetivo: apresentar a proposta aos alunos através de conversa informal e leitura de
textos de Memória.
Nesse momento, foi realizada uma conversa informal para expor aos alunos o
propósito do projeto, que seria melhorar a habilidade de produção escrita no gênero
Memórias e resgatar costumes e valores socioculturais, através da história de vida de
seus grupos familiares, como forma de contribuir para a afirmação de suas identidades.
Em seguida, procedeu-se à leitura compartilhada dos textos Pais e irmãos, de
Edy Lima (anexo E1), e Memórias de infância, de Marly França (anexo E2), para que
os alunos tivessem contato com o gênero em questão e suas características. Após a
leitura, fizemos, oralmente, a análise e discussão dos respectivos textos, em que foram
observados, de modo geral, o conteúdo tratado nos textos, o tipo de narrador e foco
narrativo, os tempos verbais predominantes, a forma como o narrador descreve lugares,
pessoas, sentimentos.
46
Após a análise e discussão dos textos, foi decidido, conjuntamente com os
alunos, que tipo de memórias eles escreveriam, se as deles ou de alguém do seu círculo
familiar, tendo a maioria decidido pelo segundo tipo com a justificativa de que não
teriam muito o que falar sobre si. Na sequência, orientamos que, para que eles pudessem
escrever as memórias de uma pessoa do seu círculo familiar, deveria ser realizada uma
conversa com tal pessoa, em um momento extraclasse, para a qual entregamos um
roteiro com sugestões de temas a serem abordados e que essa conversa serviria de base
para a produção do texto de Memórias. E, finalmente, elaboramos, juntos, algumas
perguntas sobre tais temas, deixando-os livres para fazerem outras que eles julgassem
necessárias.
4.4.2 Produção inicial 02 aulas
Objetivo: produzir texto no gênero Memórias.
Foi retomada, brevemente, a discussão sobre os textos lidos nas aulas anteriores
e solicitado que os alunos produzissem, a partir da conversa realizada previamente em
um momento extraclasse, como ficou determinado na apresentação da situação inicial, a
primeira versão do texto no gênero Memórias, que serviria como base para trabalhar as
dificuldades apresentadas pelos alunos e verificar que fatos ou fenômenos sociais e
culturais seriam resgatados pelo aluno. Essa versão também seria aprimorada na
produção final.
4.4.3 Módulo 1 04 aulas
Objetivo: reapresentar as características do texto de Memórias.
1º momento 02 aulas
Nesse momento, a partir da leitura e análise dos mesmos textos lidos na
Apresentação da Situação e do texto Cenas de Caratinga (ver anexos F), levamos os
alunos a identificar, oralmente, as características do gênero Memórias. Em seguida,
47
apresentamos, de forma mais sistemática, através de Datashow, a definição do gênero
Memórias e as semelhanças e diferenças entre este e outros que a ele se assemelham,
como a autobiografia e o relato pessoal. Apresentamos também a situação de
comunicação do gênero mostrando sobre o que se escreve, quem escreve, para quem
se escreve, por que escreve e onde circula o que se escreve , e as características
estruturais de tal gênero, tais como o narrador-personagem ou narrador-testemunha em
primeira pessoa; pronomes pessoais e possessivos de primeira pessoa; uso do pretérito
perfeito e pretérito imperfeito e de palavras e expressões que situam o leitor no passado;
a descrição de pessoas, objetos, lugares; a descrição de sentimentos e sensações do
narrador sobre fatos marcantes do seu passado.
2º momento 02 aulas
Após a observação das características estruturais, do plano do conteúdo e da
funcionalidade do texto de Memórias em produções de autores experientes, procuramos
identificar, junto com os alunos, tais características nos seus próprios textos, verificando
se estes se adequavam ao gênero e, se não, o que lhes faltava para se adequarem.
4.4.4 Módulo 2 02 aulas
Objetivo: explorar o plano global do texto de Memórias e verificar valores, costumes e
tradições presentes nos textos.
Neste módulo, os alunos foram levados a explorar o plano global do texto de
Memórias, a partir da análise do texto O valetão que engolia meninos e outras
histórias de Pajé de Kelli Carolina Bassani (2006) (anexo G), para ver como se dá a
constituição do início, meio e fim de um texto desse gênero. Em seguida, voltamos a um
dos textos dos alunos para verificar se o mesmo apresentava tal plano e, caso contrário,
fazer as alterações necessárias. Aqui os alunos também foram levados a observar que
valores, costumes e tradições estão presentes nos textos apresentados, como os modos
de brincar que o narrador descreve, a exemplo das brincadeiras na rua, nos dias chuva,
comum em cidades do interior.
48
4.4.5 Módulo 3 05 aulas
Objetivo: utilizar os elementos coesivos que estabelecem a conexão entre as ideias do
texto e conhecer e utilizar as estratégias de retextualização.
Esse módulo também foi dividido em dois momentos.
1º momento 02 aulas
Nesse momento, foram trabalhados, através dos textos lidos nos módulos
anteriores e dos textos dos alunos, a identificação e a utilização dos elementos coesivos
que estabelecem a conexão entre as ideias e os parágrafos do texto, garantindo a
progressão textual, como conjunções, pronomes, expressões adverbiais de tempo e lugar
etc.
2º momento 03 aulas
Nesse momento, os alunos foram levados a conhecer as estratégias de
retextualização para transformar, adequadamente, a conversa/entrevista realizada na
produção inicial em texto de Memórias. Foram trabalhadas também, a partir de seus
textos, as estratégias de eliminação, inserção, substituição, seleção, acréscimo,
reordenação, reformulação e condensação de palavras, expressões, parágrafos e ideias,
além da revisão ortográfica do texto.
4.4.6 Módulo 4 02 aulas
Objetivo: empregar adequadamente os sinais de pontuação e fazer a revisão ortográfica.
Após constatação na produção inicial de que um dos principais problemas
apresentados foi o uso inadequado dos sinais de pontuação, e a pedido dos próprios
alunos, decidimos, no segundo momento, preparar algumas atividades para trabalhar
pontuação. Assim, usamos um quadro retirado do material de apoio da Olimpíada de
Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro que mostra, com exemplos, o emprego de cada
sinal de pontuação (ver anexo B).
49
Após apresentar o quadro acima mencionado e analisar os exemplos nele
contidos, voltamos a alguns textos dos alunos para analisar em que situações foram
empregados os sinais de pontuação, sobretudo o ponto final e a vírgula. Realizamos
também a revisão ortográfica do texto apresentado, enfatizando a importância dessa
atividade em textos produzidos na linguagem padrão e/ou que circulam publicamente.
4.4.7 Produção final 02 aulas
Objetivo: produzir a versão final do texto de Memórias, considerando todos os aspectos
discursivos e linguístico-textuais estudados sobre o gênero em questão.
Nesta última etapa, após trabalharmos as principais dificuldades apresentadas
pelos alunos na produção inicial, solicitamos que eles retomassem a primeira versão de
seus textos e reescrevessem, considerando tudo o que o foi estudado nos módulos
anteriores, culminando, assim, na escrita final do texto de Memórias.
Após esse momento, foi feita a análise das produções iniciais e finais para
verificar se as dificuldades apresentadas foram superadas ou amenizadas.
50
5 A APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ANALISANDO OS RESULTADOS
Segundo Bakhtin (2011), os gêneros discursivos resultam de usos da linguagem,
de forma dialógica, ou seja, os gêneros são a materialização da linguagem utilizada por
alguém, para comunicar algo a outro alguém. Dessa forma, para estudiosos que seguem
a vertente bakhtiniana, as práticas de escrita em sala de aula devem ser concebidas
como um processo interativo, já que todo indivíduo de uma sociedade possui
necessidade de interagir com um interlocutor, por algum motivo.
A sequência didática, de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), como já
afirmamos anteriormente, constitui uma das formas eficazes para trabalhar a escrita
seguindo essa visão, já que consiste num procedimento que permite instrumentalizar o
aluno para utilizar a escrita de forma interativa, nas situações comunicativas em que ele
necessita atuar no seu cotidiano, dentro e fora do contexto escolar.
Dessa forma, apresentamos, a seguir, a descrição da sequência didática que
desenvolvemos neste trabalho e a análise das produções iniciais e finais realizadas pelos
alunos, com o propósito de averiguar os avanços obtidos por estes com o
desenvolvimento do nosso trabalho.
5.1 Apresentação da situação inicial 02 aulas
Nessa primeira etapa, os alunos foram levados a ter um contato mais superficial
com o gênero, já que a maioria não o conhecia, assim como também conheceram a
situação comunicativa em que este seria produzido. Eles foram informados de que
produziriam um texto no gênero Memórias, que seria publicado posteriormente no blog
da escola, e que a produção além de lhes permitir trabalhar dificuldades relacionadas à
produção escrita, possibilitaria conhecer valores e tradições culturais vivenciados por
pessoas de seus círculos familiares.
Inicialmente, apresentamos o gênero Memórias a partir dos textos Pais e
irmãos, de Edy Lima (anexo E1), e Memórias de infância, de Marly França (anexo
51
E2), expostos em slides. Após a leitura oral e compartilhada, eles responderam, também
oralmente, aos seguintes questionamentos:
- Que fatos são narrados nos textos?
- Quem são os personagens?
- Qual é o tipo de narrador: narrador-personagem ou narrador observador? Trata-se de
homem ou mulher? Por quê?
- Que lugares são descritos nos textos? Como o(a) narrador(a) descreve esses lugares?
- Como o(a) narrador(a) se sente em relação ao fato narrado?
- Que tempos verbais predominam? Que outras expressões indicam tempo?
- Que semelhanças há entre os dois textos?
Após a análise e discussão dos textos, os alunos tiveram uma primeira noção do
que seria um texto de Memórias e passamos a planejar a produção inicial, que
aconteceria no momento seguinte. Assim, perguntamos que tipo de Memórias eles
preferiam escrever se as deles mesmos ou de outra pessoa. A maioria preferiu o
segundo tipo, alegando ser mais fácil escrever sobre o outro e justificando que não
teriam muito o que dizer de si. Então pedimos que eles realizassem uma conversa com
alguém de seu convívio familiar, a fim de obter dados para a escrita do texto. A
determinação de que a conversa fosse realizada com alguém do meio familiar do aluno
deveu-se ao fato de termos como propósito também, além de trabalhar a função social e
as características do gênero memórias, levar os alunos a conhecerem os valores
socioculturais subjacentes ao discurso dos familiares entrevistados e, assim, contribuir
para que (re)afirmem sua própria identidade.
Em seguida, entregamos um roteiro com sugestões de temas que poderiam ser
abordados na conversa que eles fariam com a pessoa por eles escolhida.
Quadro 2 Roteiro de temas para conversa
Roteiro de temas que podem despertar lembranças nas pessoas entrevistadas
1 Infância
Brincadeiras
Relacionamento com os pais
Modo de frequentar a escola
52
2 Adolescência/juventude
Modos de vestir
Modo de namorar
Modos de diversão
3 Vida adulta
Casamento
Profissão
4 Todas as fases
Eventos marcantes (festas, acidentes, visitas importantes)
Lugares importantes (casa de parente, rua, bairro, cidades)
Pessoas inesquecíveis (político, artista, personalidade pública, amigo(a), etc.,
que marcou a vida da família ou da comunidade)
Após apresentamos as temáticas, formulamos coletivamente algumas perguntas
que poderiam nortear a conversa, deixando-os livres para formularem outras que
quisessem. No quadro abaixo, encontram-se algumas das questões formuladas:
Quadro 3 Perguntas elaboradas coletivamente
1 Infância
- Como eram as brincadeiras em sua infância?
- O que mudou em relação as de hoje?
- Como os filhos se relacionavam com os pais?
- Mudou alguma coisa, em relação ao modo de relacionamento de hoje?
- Como era a escola na sua época de infância prédio, salas, material escolar, merenda,
relação com colegas e professores.
2 Adolescência/juventude
- Como os jovens se vestiam estilo de roupas, cabelos, maquiagem (se usavam)?
- Como era o namoro?
- Como e em que os jovens se divertiam?
3 Vida adulta
- Com quantos anos se casou?
- Teve filhos? Quantos? Com que idade?
53
- Onde trabalhava em casa, fora?
- Qual a profissão?
- Quais as dificuldades e/ou facilidades no trabalho, na família?
4 Todas as fases
Eventos marcantes
- Que evento(s) (festas, acidentes, visitas importantes) marcaram a vida da família?
Lugares importantes (casa de parente, rua, bairro, cidades)
5.2 Produção inicial 02 aulas
Após retomar, brevemente, a discussão sobre a análise dos textos lidos no
momento da apresentação inicial, lembrando, de forma geral, as características do texto
de Memórias, pedimos que os alunos produzissem, a partir da conversa realizada com
alguém de suas famílias em um momento extraclasse, a primeira produção de um texto
no gênero Memórias.
Concluída essa atividade, passamos a analisar as produções iniciais, com o
intuito de verificar as dificuldades apresentadas pelos alunos e preparar os módulos em
que seriam trabalhadas tais dificuldades.
5.2.1 Analisando a produção inicial
Para realizar a análise da produção inicial, norteamo-nos pelos elementos
constitutivos dos gêneros discursivos propostos por Bakhtin (2011), a saber: o conteúdo
temático, a construção composicional e o estilo. Também nos embasaram os estudos de
Halbwachs (1990) e Jacques Le Goff (1990), no que se refere à memória como
elemento imprescindível para a formação da identidade individual e coletiva, com o
objetivo de averiguarmos em que medida os textos produzidos pelos alunos
reconstituem valores socioculturais da comunidade em que eles vivem e como eles se
posicionam frente a tais valores.
54
É importante ressaltar que, embora o foco de nosso trabalho não seja análise
linguística, na proposta de intervenção consideramos também alguns aspectos
relacionados a essa questão, por acreditarmos, em comunhão com
ensino de um gênero, seja escrito ou oral, implica na realização de procedimentos,
atividades e exercícios sistemáticos que envolvem esses três componentes do ensino:
forma, para essa autora, dependendo do gênero e do nível dos alunos, será preciso que o
professor prepare módulos destinados também à análise linguística, inclusive, os
próprios autores da SD têm ciência de que esta
pode e deve integrar outras dimensões do trabalho com a língua, em específico o
trabalho com
Passemos à análise desses elementos no corpus que selecionamos para ilustrar
nossas considerações. Comecemos com a produção textual da aluna Marcela3, que
escreveu com base nas lembranças de sua avó.
O texto4 de Marcela exemplifica o que ocorreu na maioria das produções dos
demais alunos. Vejamos:
Quadro 4 Transcrição da produção inicial da aluna Marcela
Minha infância
Naquela época o relacionamento com meus pais era bom, de respeito, de obediência, nesse tempo não tive oportunidade de conhecer meu pai pois quando completei 03 anos de idade ele faleceu, nunca tive irmãos sou filha única.
A escola em que estava era boa, não existia essa rebeldia toda que existe hoje, pois tínhamos amizades sadias, verdadeiras e sinceras, não havia malícia e nem esse tal
no meu tempo livre gostava de brincar de roda-roda e boneca.
Na minha juventude os homens respeitavam as mulheres, nós nos divertíamos no cinema, festas, praia e nos eventos.
Me casei com 25 anos, morei um tempo no Rio de Janeiro depois me mudei para João Pessoa. Quando cheguei a João Pessoa estava grávida do primeiro filho, com menos de um ano engravidei da segunda, depois de dois anos tive a terceira.
Vinte anos depois meu marido vem a falecer, desde então nunca me casei, hoje
3 Utilizaremos nomes fictícios para preservar a identidade dos alunos.
4 Com o fim de mostrarmos as dificuldades apresentadas pelos alunos, os textos foram transcritos
literalmente da forma como foram escritos por eles.
55
em dia vivo para os filhos e netos.
Quanto à exposição do conteúdo temático primeiro elemento constitutivo do
gênero, segundo a abordagem bakhtiniana a aluna, assim como a maioria dos seus
colegas, não teve grandes dificuldades, uma vez que quase todos relataram fatos vividos
ou presenciados por alguém de seu meio familiar a maioria, por pais e avós no
passado, contando-os da forma como são lembrados pelo narrador no presente.
Contudo, em alguns trechos, faltou, no texto de Marcela, a descrição mais detalhada das
impressões e dos sentimentos da narradora-personagem, como no trecho em que esta diz
que perdeu o pai aos três anos e era filha única (destacado em vermelho), mas não diz o
que esse fato acarretou em sua vida. Tal procedimento impede que o leitor tenha uma
noção mais definida da visão da narradora sobre o que é narrado, o que fere um dos
princípios do gênero Memórias, que segundo Gedoz e Costa-Hubes (2010), por ser um
gênero pertencente à esfera literária, tem um caráter subjetivo por estar associado à
expressão pessoal de sentimentos e emoções, tendo como foco, não as informações, mas
os sentimentos e impressões das personagens (GEDOZ e COSTA-HUBES, 2010, p.
264).
Atrelados ao conteúdo, percebemos os costumes, valores e tradições
socioculturais subjacentes ao gênero Memórias, que Marcela deixa transparecer, em
alguns momentos de seu texto, por meio da descrição dos modos de relacionamento
Naquela época o relacionamento com
meus pais era bom, de respeito, de obediência [...] A escola em que estava era
boa, não existia essa rebeldia toda que existe hoje pois tínhamos amizades sadias,
verdadeiras e sinceras [...] no meu tempo livre gostava de
brincar de roda-roda, e boneca Na minha juventude os
homens respeitavam as mulheres, esse aspecto, vemos que a aluna consegue
atender aos princípios do gênero, uma vez que, através do relato das lembranças
individuais de membros de suas famílias, ela traz à tona costumes e valores partilhados
coletivamente e que podem influir diretamente na constituição de sua identidade.
Percebemos ainda que a aluna seguiu a maior parte dos elementos estruturais do
gênero, já que o texto apresenta estrutura narrativa curta, com seus respectivos
56
elementos, como narrador em primeira pessoa, tempo, espaço e enredo, este constituído
pelo relato de fatos considerados importantes em determinados períodos da vida de
alguém. O texto apresenta uma conclusão, com o deslocamento da narradora do passado
para o presente desde então nunca me casei, hoje em dia vivo para os filhos e
netos ao afirmarem
que a conclusão de um texto de Memórias pode se dar através da narração de uma cena
ou fato vivido pelo narrador/personagem no passado ou ainda com o deslocamento
deste para o presente. No entanto, o texto de Marcela deixa de apresentar, na
introdução, o espaço onde ocorreram os fatos relatados e a definição precisa do tempo
em que estes começam a ser narrados, conforme orientação, já mencionada em capítulo
anterior, de Clara, Altenfelder e Almeida (2010), segundo a qual a introdução de um
texto de memórias destina-se a situar o leitor no tempo e no espaço em que ocorrem os
fatos lembrados (CLARA, ALTENFELDER e ALMEIDA, 2010, p. 56).
Dessa forma, o texto, que narra momentos diferentes da vida da narradora, tais
como infância, juventude e fase adulta, não deixa claro em que época começa a
narrativa se na infância, juventude ou na vida adulta e em que lugar a narradora
viveu os primeiros momentos citados Naquela época o relacionamento com meus pais
era bom, [...], o que nos faz perguntar onde ela morou até os vinte e cinco anos, quando
ela diz a certa altura que morou no Rio de janeiro e depois mudou-se para João Pessoa
Me casei com 25 anos, morei um tempo no Rio de Janeiro depois me mudei para João
Pessoa e talvez
se deva ao fato dos textos estudados na apresentação da situação, seguidos por eles
como modelo, serem trabalhados de modo superficial, sem aprofundamento do plano
global do texto.
Em relação ao estilo, há ausência quase total de recursos linguísticos,
usados intencionalmente, que evidenciam a expressividade do texto, ou seja, não há a
utilização, por exemplo, de figuras de linguagem para criar imagens, despertar
sensações e impressões sobre os fatos narrados. Segundo Clara, Altenfelder e Almeida
(2010, 19 recorrem a figuras de
linguagem, escolhem cuidadosamente as palavras que vão utilizar, orientados por
critérios estéticos que atribuem ao texto ritmo e conduzem o leitor por cenários e
situações reais ou imaginárias em
57
percebidas através da forma como a autora descreve ambientes, costumes ou modos de
vida, em trechos como o apresentado a seguir:
A escola em que estava era boa, não existia essa rebeldia toda que existe hoje pois tínhamos
meu tempo livre gostava de brincar de roda-roda, e boneca.
Notemos que, apesar da objetividade com que é escrito, o texto nos traz uma
imagem da forma de relacionamento na escola e do modo de brincar que não são
praticados apenas pela narradora, mas que são extensivos aos membros dos grupos dos
quais ela fazia parte: colegas e escola e amigos. O trecho acima traz ainda a comparação
de modos de vida do passado e do presente, o que também caracteriza, segundo Gedoz e
Costa-Hubes (2010), o estilo do texto de Memórias.
Outro recurso que caracteriza o estilo do texto de memórias, de acordo com as
autoras supracitadas, é a presença do narrador-personagem, recurso presente no texto de
Marcela nos momentos em que a narradora relata fatos vividos por ela mesma no
passado, utilizando-se de pronomes e verbos na primeira pessoa do singular, a exemplo
Me casei com 25 anos, morei um tempo no Rio de Janeiro
Além dos problemas relacionados aos elementos constitutivos do gênero, são
nítidos os problemas de ordem linguística, como erros ortográficos e de pontuação,
principalmente, a exemplo do trecho a seguir, em que destacamos de vermelho os
lugares em que deveriam apresentar vírgula ou ponto final ou com parênteses em azul
os lugares em que foi utilizado o sinal inadequado e quando é utilizado letra maiúsculas
depois de ponto.
Naquela época, o relacionamento com meus pais era bom, de respeito, de obediência,(.) nesse tempo, não tive oportunidade de conhecer meu pai, pois quando completei 03 anos de idade, ele faleceu, (.) nunca tive irmãos, sou filha única.
Continuamos a análise com o texto da aluna Lúcia, que foi baseado em
conversa com a sua mãe.
58
Quadro 5 Transcrição da produção inicial da aluna Lúcia
A minha infância
-toca, de tô no poço e
, porque
namoro que na sala ficava minha mãe e meu pai no sofá perto da gente, a gente nem podia se beijar só podia lá fora, eu não podia
manguinha, saias compostas até o joelho, blusa de manguinha e bermudão. As pessoas
na serra eu se união com meus irmãos para trabalhar com meu pai. Nas roças porque estava-mos juntos na roça, pegando milho, feijão, arroz e etc. no açude porque eu ficava
mais hoje sou cuidadora do
ade foi enfrentar as pessoas orgulhosa e egoísta. A minha dificuldade na família era não ter conversa com meu pai e uma falsidade que minha
O texto de Lúcia se assemelha ao de Marcela. Ou seja, em relação ao conteúdo,
ela também relata fatos vividos por alguém, no passado, contados a partir da visão da
narradora no presente, nos quais transparece modos de vida de pessoas do seu grupo
familiar, como as formas de brincar primeiro parágrafo; de se relacionar com os pais
segundo parágrafo; de namorar terceiro parágrafo; e de se vestir quinto parágrafo.
Quanto à estrutura, Lúcia, assim como Marcela, conseguiu entender as
principais características do gênero em relação, pois seu texto se constitui de uma
narrativa, com narrador em primeira pessoa, composta pelo relato de fatos vividos por
alguém num determinado tempo (no passado), em determinado lugar (ainda que
indefinido).
59
No entanto, o texto de Lúcia também apresenta problemas em relação ao plano
global do texto, já que parte direto para o relato dos fatos, sem situar onde aconteceram
e em que momento preciso, utilizando apenas expressões vagas como em Antigamente
meu relacionamento com o meu pai era muito difícil Um namoro na quele tempo
era um namoro que se tinha respeito [.
passadas, Lúcia, que assim como Marcela, menciona fatos ocorridos em fases diferentes
da vida da narradora, não determina a que época se referem tais expressões à infância?
à juventude? e também não situa o leitor no lugar onde os fatos começam a ser
narrados, ou seja, não diz onde a narradora brincava ou morava com a família. O texto
de Lúcia ainda apresenta outro problema estrutural: a falta de uma conclusão definida,
segundo os moldes do gênero, ou seja, não há o deslocamento do narrador para o
presente, dando a impressão de interromper a narrativa abruptamente.
Quanto aos costumes e valores, Lúcia também os deixa transparecer quando
Antigamente eu brincava de roda, de se esconder, de
toca-toca, de tô no poço e de boneca Um namoro na quele
tempo era um namoro que se tinha respeito, era um namoro que na sala ficava minha
mãe e meu pai no sofá perto da gente Antigamente as pessoas
se vestiam com roupas bem compostas , nessa descrição, vislumbramos imagens de
modos de vida de determinado período e comparações implícitas entre costumes e
Um namoro na quele tempo era
um namoro que se tinha respeito, era um namoro que na sala ficava minha mãe e meu
pai no sofá perto da gente
O texto de Lúcia também apresenta alguns problemas de ordem gramatical,
como emprego inadequado dos sinais pontuação, como mostramos a seguir, a exemplo
do que fizemos no texto de Marcela, em que destacamos de vermelho os lugares em que
deveriam apresentar vírgula ou ponto final ou com parênteses em azul os lugares em
que foi utilizado o sinal inadequados azul, e falta de coesão entre os parágrafos.
Um namoro, na quele tempo, era um namoro que se tinha respeito, era um namoro que, na sala,
ficava minha mãe e meu pai no sofá, perto da gente, (.) a gente nem podia se beijar, só podia lá
fora,(.) eu não podia sair com ninguém, só com ele.
60
A seguir, apresentamos a análise da produção inicial da aluna Carla, que também
se inspirou em conversa com a sua mãe.
Quadro 6 Transcrição da produção inicial da aluna Carla
Um trecho de minha vida
Na minha época as brincadeiras eram bem simples, brincávamos de pila-corda, amarelinha e principalmente de fazer comidinha. O relacionamento com meus pais eram
Me recordo bem que estudava em uma escola de Freiras, a farda era composta por um short-saia, com blusinha, sapato preto e meia branca.
A minha adolescência foi bem divertida, me lembro que eu se vestia com alguns vestidos, calça de cintura alta, os calçados eram sapatilhas, sandálias da época, usava acessórios como cintos, pulseiras e brincos. O namoro era bem diferente em relação ao de hoje, cheio de regras dadas pelos pais, namorar em casa era uma das principais. A diversão era em alguns shows com os amigos, conversar com os amigos era uma delas e se reunir com os amigos era a melhor.
Quanto ao conteúdo, assim como a maioria dos alunos, a aluna Carla também
não teve maiores dificuldades em expor, já que relata fatos passados, narrados sob o
ponto de vista do narrador, e nesses fatos transparecem costumes e tradições dos grupos
sociais dos quais participava a narradora, em determinados períodos, tais como modos
de brincar brincávamos de pila-corda, amarelinha e principalmente de fazer
comidinha a farda era composta por um short-saia, com
blusinha, sapato preto e meia branca O namoro era bem
diferente em relação ao de hoje, cheio de regras dadas pelos pais, namorar em casa
era uma das principais , assim como nas produções textuais analisadas
anteriormente, Carla não expressa sentimentos e impressões nítidas sobre os fatos
narrados, relatando-os de forma muito objetiva, sem acrescentar maiores detalhes que
pudessem contribuir para a definição da visão da narradora sobre o que ocorreu, como
nos trechos em que fala sobre a escola, mas só diz como era a farda e não fala sobre o
relacionamento com colegas e professores, não diz o que gostava ou não gostava no
ambiente ou período escolar, (trecho com destaque em vermelho) ou ainda quando diz
que a adolescência foi divertida, mas não diz por quê (trecho com destaque azul).
Em relação à construção composicional, o texto da aluna Carla, assim como os
demais, também narra fatos do passado, em primeira pessoa, mas como Marcela e
61
Lúcia, não apresenta introdução, iniciando-se já pelo relato dos fatos, sem situar o leitor
no espaço e no tempo preciso em que estes ocorreram. Talvez isso seja devido ao fato
delas terem começado o texto a partir das questões propostas na conversa, elaboradas na
Como eram as
também
não apresenta uma conclusão, interrompendo-se o relato dos fatos abruptamente, sem
indicar que este foi encerrado.
Quanto ao estilo, o texto de Carla apresenta linguagem especificamente
denotativa, mas ela também faz uso da descrição para compor momentos da vida da
narradora, fornecendo ao leitor imagens das formas de brincar, ao citar as brincadeiras
brincávamos de pila-corda, amarelinha e principalmente de fazer comidinha; das
formas de vestir, ao mencionar itens da moda [...] me lembro que eu se vestia com
alguns vestidos, calça de cintura alta, os calçados eram sapatilhas, sandálias da época,
usava acessórios como cintos, pulseiras e brincos; e dos modos de namorar, ao definir
como era o namoro O namoro era bem diferente em relação ao de hoje, cheio de
regras dadas pelos pais, namorar em casa era uma das principais . Ela também se
utiliza da comparação entre os modos de vida de ontem e de hoje, a exemplo do trecho
O namoro era bem diferente em relação ao de hoje, cheio de regras dadas pelos pais,
namorar em casa era uma das principais , para evidenciar as diferenças de costumes da
época narrada com relação aos da atualidade.
Em relação aos aspectos linguísticos, as principais dificuldades de Carla são
referentes à pontuação, em que ela deixa de usar a vírgula em algumas situações, como
depois de adjuntos adverbiais deslocados ou o uso em lugares inadequados, a exemplo
dos trechos a seguir Na minha época as brincadeiras eram bem simples, brincávamos
de pila-corda, amarelinha e principalmente de fazer comidinha; e dizem respeito à
colocação pronominal, quando emprega os pronomes oblíquos em posição proclítica ou
invés da ênclise ou fazendo a concordância incorreta, como nas passagens Me recordo
bem que [...]; me lembro que eu se vestia.
A próxima análise é a da produção da aluna Maria, baseada nas lembranças da
sua mãe.
62
Quadro 7 Transcrição da produção inicial da aluna Maria
(Sem título)
Quando eu era menor, lá na escola tinha um garoto insuportável, ele não gostava muito de mim e fazia de tudo para me deixar irritada. um dia ele foi a onde eu estava para me atrapalhar e eu perdi a paciência e dei um chute na perna dele, aí foi parar na diretoria eu e ele. só que a diretora não acreditou que eu tinha batido nele porque era muito quieta e o garoto muito muito bagunceiro. Mas ela chamou minha mãe pra mim levar pra casa e chamou o pai do garoto. O garoto me disse antes de sair que ia dizer ao
garoto.
A aluna Maria foi uma das poucas que teve dificuldades com relação à
apreensão do função social do gênero, pois, ao invés de escrever um texto de Memórias,
relatando fatos vividos no passado, que denunciem costumes e tradições de uma época e
de um grupo social, a aluna escreve sobre um único fato ocorrido em uma situação
especifica uma briga com um colega de escola com quem a narradora não se dava
bem. Ou seja, seu texto se aproxima mais do relato pessoal, gênero que apresenta
semelhanças com as memórias, por se tratar de registro pessoal referente a fatos e
situações passadas, por ser um texto predominantemente narrativo, por ser escrito em 1ª
pessoa e por trazer à tona lembranças passadas, mas que se diferencia das memórias por
relatar fatos ocorridos especificamente com o narrador, isto é, fatos estritamente
pessoais, sem evidenciar costumes ou tradições coletivas como faz o texto de memórias.
Dessa forma, o texto de Maria apresenta estrutura semelhante à do texto de
Memórias, como a narrativa de um fato passado em primeira pessoa, mas o conteúdo
destoa do gênero em questão por não retratar, por meio das lembranças narradas, modos
de vida de outrora.
A produção de Maria apresenta também, como os demais, alguns problemas
linguísticos, como emprego de letras minúsculas depois de ponto e marcas de oralidade,
dei um chute na perna dele, aí foi parar na diretoria eu e ele
Aí eu comecei a rir do garoto
aproximar mais do relato oral do que das memórias.
63
Passemos agora à análise da produção inicial do aluno Paulo, que, como as
produções anteriores, teve como base as memórias de sua mãe.
Quadro 8 Transcrição da produção inicial do aluno Paulo
O Por do Sol
Quando eu era criança eu morava
la no rio de janeiro, no bairro flamengo
que era muito movimentado na
época a parte que eu mais gostava
é soltar pipa no morro do alemão
por que na época não tinha postes e
não tinha muitos edifícios.
Ainda nessa fase meu lugar favorito
era o parque afonso pena um lugar
grande arborizado lá tinha uma pipoca
deliciosa e um sorvete bom, falando
em sorvete conheci um amigo de infância
quando eu deixei cair o sorvete e ele
me pagou outro e até hoje eu
conheço ele.
Minha casa era um pouco maior do
que as normais tinha uma arvore
que era grande eu subia direto lá,
mais no topo tinha uma vista linda
eu fazia questão de ver o por do
sol todos os dias.
64
Já o texto do aluno Paulo apresentou maiores problemas em relação à estrutura.
Como podemos ver, ele não segue a estrutura de paragrafação característica do texto
escrito em prosa, como é o caso dos textos narrativos e, consequentemente, do texto de
Memórias, pois apresenta recuos nas margens esquerda e direita em todas as linhas,
além de um espaço em branco, separando cada conjunto de linhas, assemelhando-se à
estrutura de um poema. No entanto, vemos que, em relação ao conteúdo, ele não teve
dificuldades, uma vez que relata fatos vividos por alguém no passado, como o período
em que o narrador morou no Rio de Janeiro, e, diferente dos anteriores, ele introduz o
leitor no tempo e no espaço, ao iniciar o texto citando a época e o lugar onde ocorrem os
fatos narrados. Os costumes do período narrado aparecem sutilmente quando o narrador
cita a brincadeira de que mais gostava soltar pipa no morro do Alemão, o que se
subentende que esse era um costume das crianças da época, já que o lugar favorecia
por que na época não tinha
postes e/não tinha muitos edifícios
Ainda em relação à estrutura, também como os anteriores, seu texto não
apresenta uma conclusão. Tal fato pode ter ocorrido porque, no primeiro momento, na
apresentação da situação, as características do texto de memórias foram trabalhadas
apenas de modo superficial ou como forma de diagnóstico, para averiguar o que os
alunos já conheciam em relação ao gênero. Esses aspectos foram aprofundados com o
desenvolvimento dos módulos.
Quanto ao estilo, Paulo procura reconstruir imagens de lembranças vividas pelo
narrador em alguns momentos do passado por meio da divisão do texto em três partes,
sendo que cada uma traz um quadro de algo que marcou a vida do protagonista. Assim,
a primeira parte traz os lugares onde o narrador morava e brincava durante a infância
o Rio de Janeiro e o Morro do Alemão; a segunda, mostra o seu lugar favorito para
passear e onde ele conheceu um amigo com que mantém contato até hoje o parque
Afonso Pena; e, na terceira, aparece a casa em que o narrador morava e na qual
comtemplava o pôr do sol, que dá título ao texto.
Verificamos também que Paulo apresenta dificuldades quanto ao uso da norma
padrão, já que ele emprega poucos sinais de pontuação, utiliza letras minúsculas em
substantivos próprios, como os nomes de cidade, bairros e parque.
65
Prosseguindo a análise, apresentamos a produção do aluno Mário, que teve as
lembranças do pai como inspiração.
Quadro 9 Transcrição da produção inicial do aluno Mário
Infância
Meu nome é Sérgio nasci em 1962 em olinda um bairro chamado sitio novo em Pernambuco era d(ilegível) mulheres mas fui criado na paraiba. Tenho cinco irmãos estudei na escola erem (ilegível) Colegio municipal não era uma escola muito Boa pois era muito regrada tinha regras chatas como cantar o hino nacional so pode sentar quando o professor mandasse mas o melhor era o intervalo todo mundo correndo brincando feliz da vida diferente dos intervalos de hoje todos nos seus celulares tive três filhos e voltei a morar no recife sempre gostei de brincar as brincadeiras eram ótimas Polícia e ladrão, pega pega, cuscuz, barra bandeira etc. foi um tempo que não volta mais infelizmente.
O texto de Mário, apesar de muito sucinto, não deixa de se aproximar do
gênero Memórias em relação ao conteúdo, uma vez que se constitui de uma narrativa
curta em primeira pessoa, sobre fatos vividos por alguém no passado, dentre os quais
transparece costumes e valores de uma época, como as formas de brincadeiras as
brincadeiras eram ótimas Polícia e ladrão, pega pega, cuscuz, barra b e
os modos de comportamento na escola não era uma escola muito Boa pois era
muito regrada tinha regras chatas como cantar o hino nacional so pode sentar quando
o professor mandasse
O texto também apresenta de forma mais nítida as impressões do narrador sobre
os fatos narrados, como no trecho acima, em que ele diz por que a escola não era boa; e
relata o que achava que havia de melhor lá, que era o intervalo mas o melhor era o
intervalo todo mundo correndo brincando feliz da vida as
brincadeiras eram ótimas; infelizmente
que denuncia que gostava do período descrito.
Em relação à estrutura, apesar de escrever um único parágrafo, Mário foi um dos
poucos alunos que iniciou o texto apresentando o protagonista e situando o leitor no
espaço onde ocorreram os fatos Meu nome é Sérgio nasci em 1962 em olinda um
66
bairro chamado sitio novo em Pernambuco e também fez o que a maioria de
seus colegas não fizeram em seus textos: uma conclusão com a impressão do narrador
sobre o período em que os fatos narrados ocorreram foi um tempo que não volta mais
infelizmente
esclarecidos, como nos trechos em que aparecem algumas palavras ilegíveis era
d(ilegível) mulheres mas fui criado na paraiba. Tenho cinco irmãos estudei na escola
erem (ilegível) Colegio municipal ou quando ele fala sobre a família, mas não dá
detalhes sobre o relacionamento com os pais e irmãos.
Quanto ao estilo, ele inicia o texto comparando modos de vida do passado e do
presente, como no trecho em que o narrador fala sobre o momento do intervalo na
escola, diferenciando o modo como as crianças viviam esse momento na época
mencionada ao que acontece atualmente na maioria das escolas mas o melhor
era o intervalo todo mundo correndo brincando feliz da vida diferente dos intervalos de
hoje todos nos seus celulares , e também faz uso da descrição para compor um
quadro dos costumes de uma época quando descreve, por exemplo, como era a escola
em que o protagonista estudou não era uma escola muito Boa pois era muito
regrada tinha regras chatas como cantar o hino nacional so pode sentar quando o
professor mandasse intervalo mas o melhor era o intervalo todo mundo
correndo brincando feliz da vida sempre gostei de
brincar as brincadeiras eram ótimas Polícia e ladrão, pega pega, cuscuz, barra
bandeira etc specto, o aluno também consegue apreender a
função do gênero, que é deixar transparecer costumes e tradições de um grupo social.
Em relação aos aspectos linguísticos, como se pode perceber, o texto de Mário é
um dos mais problemáticos em relação ao uso da norma culta, pois há quase total
ausência de pontuação, emprego de letras minúsculas em substantivos próprios ou letras
maiúsculas no meio de frases, palavras ilegíveis, o que mostra que o aluno não possui
domínio da norma padrão da língua. Mas por outro lado, apesar disso, vemos que o
aluno conseguiu apreender bem as características e a função do gênero.
Continuamos nossa análise com o texto do aluno Carlos, que também foi escrito
tendo como base as memórias da mãe.
67
Quadro 10 Transcrição da produção inicial do aluno Carlos
(Sem título)
Olá, meu nome é netânia e vou contar um pouco da minha história... Primeiro eu nasci em Pernambuco e vim para João Pessoa e foi daí que minha história começou...
Era eu e mais 6 irmãos. Chegamos todos matutos... com medo da ondas do mar, sem conhecer nada. Tinha medo de Papa Figo, tínhamos medo dos carros e medo das pessoas, enfim, medo de tudo...
Daí comecei a estudar e fazer amigos e foi ai que começou toda minha história. A minha infância foi muito divertida eu e meus 6 irmãos eram muitos felizes, bricavamos de tudo um pouco... brincava de roda roda, de barra bandeira, de amarelinha, de esconde-esconde, de bolo e etc...
A brincadeira que eu mais gostava era esconde-esconde por que eu ia me esconder com meu amigo e ai todo mundo achava um par... mais ninguém achava eu e meu amigo. Então todos ficavam com raiva e acabava a brincadeira, e meu irmão ia correndo pra dizer aos meus pais e eu lá doidinha pra não me encontrarem...
Eu era muito namoradeira. O primeiro beijo meu foi quando eu tinha 12 anos, o engraçado era quando eu ia pra escola o meu irmão ficava na minha cola. Quando acabava a aula, ele estava lá na frente mim esperando... então eu via ele na frente e saia pelos fundos da escola e deixava ele me esperando por um longo tempo... enquanto isso eu namorava e ia para casa comer e dormir...
Mais também eu trabalhei muito na roça do pai e ele botava a gente para limpar mato, colher hiame, ele não queria que agente estudasse, ele queria que nós ajudasse ele na roça e só...
E aí minha falou: não, os meus filhos vão estudar. E graças a Deus nós conseguimos estudar. A minha infância foi muito boa, sadia, divertida, mais também a gente passou algumas dificuldades... mais graças a Deus a roça do pai nos ajudou bastante.
E a minha família era todos evangélicos e muitos amigos das igrejas nós ajudou, e infelizmente a minha irmã caçula morreu de uma doença e restaram 6 comigo.
Então essa foi um pouco da minha infância. Beijos e cheiro!
O texto de Carlos também apresenta a maioria das características do gênero
Memórias em relação ao conteúdo ao narrar, em primeira pessoa, fatos vividos por
alguém no passado, nos quais transparecem valores e costumes de uma época e de um
grupo social, como no trecho em que a narradora conta que o pai não permitia que os
filhos estudassem para trabalhar e ajudar no sustento da família Mais também eu
68
trabalhei muito na roça do pai e ele botava a gente para limpar mato, colher hiame, ele
não queria que agente estudasse, ele queria que nós ajudasse ele na roça e só... , e no
trecho em que fala dos medos que ela tinha ao chegar em João Pessoa e no qual
transparece crenças que povoavam o imaginário de crianças do interior, como a lenda
do papa-figo Chegamos todos matutos... com medo da ondas do mar, sem conhecer
nada. Tinha medo de Papa Figo, tínhamos medo dos carros e medo das pessoas, enfim,
medo de tudo...
A produção de Carlos apresenta mais riqueza de detalhes do que a de seus
colegas, pois, ao narrar alguns fatos, como no trecho acima citado, em que justifica
porque a narradora e os irmãos se consideravam matutos; ou no quarto parágrafo,
quando descreve, com detalhes, a brincadeira de que mais gostava:
A brincadeira que eu mais gostava era esconde-esconde por que eu ia me esconder com meu amigo e ai todo mundo achava um par... mais ninguém achava eu e meu amigo. Então todos ficavam com raiva e acabava a brincadeira, e meu irmão ia correndo pra dizer aos meus pais e eu lá doidinha pra não me encontrarem...
e ainda no quinto parágrafo, quando ela fala sobre o namoro:
Eu era muito namoradeira. O primeiro beijo meu foi quando eu tinha 12 anos, o engraçado era quando eu ia pra escola o meu irmão ficava na minha cola. Quando acabava a aula, ele estava lá na frente mim esperando... então eu via ele na frente e saia pelos fundos da escola e deixava ele me esperando por um longo tempo... enquanto isso eu namorava e ia para casa comer e dormir...
Os fragmentos citados permitem que o leitor visualize melhor as impressões da
narradora sobre o que é narrado. Dessa forma, vemos que Carlos consegue apreender a
função do texto de Memórias, que é deixar transparecer, através do relato das
lembranças individuais, costumes e tradições socioculturais de determinada época.
No entanto, em relação à estrutura, o texto de Carlos apresenta algumas
peculiaridades que o fazem destoar um pouco do gênero Memórias. Carlos fez o que a
maioria dos alunos não fizeram: a introdução e a conclusão do texto. Só que ele faz uso
de expressões próprias de gêneros como a carta e a conversa, utilizando uma saudação
para iniciar o enredo Olá, meu nome é netânia vou contar um pouco da minha
história.. , e uma despedida para concluir Então essa foi um pouco da minha
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infância. Beijos e cheiro! mostra não ter compreendido bem o plano global do
texto de Memórias.
Quanto ao estilo, Carlos, assim, como seus colegas, mesmo sem usar recursos
estilísticos mais complexos, também consegue criar imagens das lembranças vividas
pela narradora em determinados momentos de sua vida, por meio da descrição, como
nos trechos em que descreve as brincadeiras com os irmãos bricavamos de tudo
um pouco... brincava de roda roda, de barra bandeira, de amarelinha, de esconde-
esconde, de bolo e etc... e no trecho em que fala de seu trabalho com o pai Mais
também eu trabalhei muito na roça do pai e ele botava a gente para limpar mato,
colher hiame,
Quanto ao aspecto linguístico, vemos que Carlos apresenta muitos problemas
relacionados ao uso da norma culta, principalmente em relação à pontuação,
empregando de forma inadequada as reticências, e ao emprego de expressões coloquiais
Para concluir a análise das produções iniciais, apresentamos o texto da aluna
Laura, também escrito a partir de lembranças de sua mãe.
Quadro 11 Transcrição da produção inicial da aluna Laura
Tempos que nunca voltarão
Meus pais se casaram e quando eu tinha 7 anos se separaram, daí meu pai foi embora e deixou minha mãe criando 5 filhos sozinha.
Morávamos em uma rua bem legal no bairro de Mandacaru. Tínhamos bastante vizinhos que ficavam até tarde brincando de diversas brincadeiras na rua, tais como, pega-pega, bolas de gude, pipa, adedonha e etc.
Meu relacionamento com minha mãe era bem diferente que os relacionamentos de hoje em dia porque eu não respondia e éramos bem obedientes até eu ficar adolescente e mais rebelde, comecei a sair de casa escondido e usar roupas da moda de antigamente, ou seja, calça cintura alta, blusas de rendinha, saias mais justas , e antes tinha uma moda de usar roupas rasgadas que todo mundo curtia.
Na minha época o modo de namorar era exemplar, tínhamos que levar o pretendente para apresentar a sua mãe e ela sempre tinha que está presente quando ambos estavam juntos.
70
Até o modo de se divertir na minha época era meio que diferente de hoje, a gente podia chegar de uma festa tarde da noite e nada acontecia porque a violência era básica, melhor que hoje em dia. Eu e minhas amigas íamos pra lambada dançar bastante. Ah que saudades daquele tempo bom!!
O texto de Laura foi um dos mais completos em relação à estrutura
composicional e ao conteúdo do gênero Memórias. Ela inicia o texto situando o leitor
no tempo e no espaço onde os fatos ocorreram Morávamos em uma rua bem legal no
bairro de Mandacaru e narra, em primeira pessoa, acontecimentos passados,
vividos por alguém do seu convívio familiar na caso, a mãe. Os fatos narrados
denunciam costumes e valores dos grupos dos quais ela faz parte, como os tipos de
brincadeiras que aconteciam na rua Tínhamos bastante vizinhos que ficavam até
tarde brincando de diversas brincadeiras na rua, tais como, pega-pega, bolas de gude,
pipa, adedonha e etc. Na minha época o modo de namorar
era exemplar, tínhamos que levar o pretendente para apresentar a sua mãe e ela
, e conclui o texto com
as impressões da narradoras sobre os fatos narrados Ah que saudades daquele tempo
bom!!
Quanto ao estilo, Laura também teve dificuldade, como todos os alunos, em
empregar recursos linguísticos mais complexos, como a linguagem conotativa, por
exemplo, priorizando uma linguagem mais objetiva. Mas também não deixa de compor,
através da descrição, quadros de costumes e tradições de um grupo social, em um
determinado período, como o costume das crianças brincarem na rua até tarde e o modo
de namorar da época narrada, já citados acima. Ela também compara modos de vida de
ontem e de hoje, como a forma de relacionamento com a mãe Meu relacionamento
com minha mãe era bem diferente que os relacionamentos de hoje em dia porque eu
não respondia e éramos bem obedientes e o modo de se vestir Até o modo de se
divertir na minha época era meio que diferente de hoje De modo geral, a maioria dos
alunos se preocupou apenas em relatar modos de brincar, de namorar, de se vestir do
passado, sem estabelecer comparação com o presente.
Laura também não deixa de apresentar dificuldades quanto ao emprego da
norma culta, relacionados, sobretudo à pontuação. Há, ainda, uso de expressões
71
Partindo das dificuldades apresentadas pelos alunos, nas produções iniciais, para
compreender a função social do gênero memórias e os elementos que constituem esse
gênero conteúdo, estrutura composicional e estilo, elaboramos os módulos que serão
detalhados, a seguir.
5.3 MÓDULO 1 (04 aulas) Reapresentando o gênero memórias
O primeiro módulo foi trabalhado em dois momentos. O primeiro, que teve a
duração de duas horas aulas, foi destinado a apresentar aos alunos, de forma mais
detalhada, a situação de comunicação em que é usado o gênero Memórias, mostrando
sobre o que se escreve, quem escreve, para quem se escreve, por que se escreve e onde
circula o que se escreve. Apresentamos também, a partir dos textos lidos na
Apresentação da situação inicial, as características do gênero Memórias, indicando o
foco narrativo em primeira pessoa, o tipo de narrador personagem ou testemunha, os
tempos verbais que predominam na narrativa e a forma como o narrador descreve
objetos, lugares e pessoas, evidenciando suas impressões e sentimentos sobre os fatos
narrados. Mostramos, ainda, as semelhanças e diferenças do texto de memórias com
outros gêneros, como a autobiografia e o relato pessoal.
Em seguida, entregamos aos alunos cópias do texto Cenas de Caratinga (ver
anexo F) e, após a leitura, eles foram levados a identificar, oralmente, tais características
através de questões como:
o que o narrador descreve no 1º parágrafo? E, no
2º, que fatos ele narra?
Qual é o tipo de narrador: 1ª ou 3ª pessoa? Que elementos dos textos indicam o
tipo de narrador?
Em que tempos aparecem os verbos dos textos? Os fatos narrados são atuais ou
passados?
Que período da vida do narrador é narrado no texto?
Como o narrador descreve o lugar citado no texto?
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Qual as impressões do narrador sobre os fatos narrados?
Os alunos não tiveram dificuldades em responder as questões, mostrando que, de
modo geral, já sabiam reconhecer as principais características do texto de memórias.
No segundo momento, também ocorrido em duas aulas, após a análise de textos
de Edy Lima (2009), Marly França (2009) e Ziraldo (2009), passamos a analisar textos
dos próprios alunos, escritos na Produção inicial, procurando verificar se estes se
adequavam às características do gênero em questão e, caso contrário, como adequá-los.
Para isso, apresentamos, através de datashow e sem identificar, o texto Minha infância,
da aluna Marcela (ver anexo H1) Na ocasião, pedimos para que os alunos, cujos textos
fossem analisados, não se identificassem ao vê-los.
Após a leitura e análise do texto, perguntamos, oralmente, se este apresentava
uma introdução ou fazia referência ao lugar e ao tempo em que aconteceram os fatos
narrados, ou seja, em que época precisa a narradora nasceu e passou sua infância, já que
no final do texto ela diz que morou um tempo no Rio de Janeiro. E eles observaram que
não havia essas referências. Também perguntamos se o texto apresentava fatos vividos
ou presenciados por alguém no passado, ao que os alunos constataram facilmente que
sim, através do emprego de verbos no pretérito perfeito e imperfeito do indicativo. Eles
também reconheceram, pelas formas verbais e pronomes pessoais e possessivos, que o
narrador era de primeira pessoa, constituindo-se num narrador-personagem. Eles
perceberam ainda que a narradora fazia comparações entre o passado e o presente, que
também é característico do texto de Memórias.
5.4 MÓDULO 2 (02 aulas) O Plano global: início, meio e fim do texto de memórias
Este módulo foi destinado a explorar o plano global do texto de Memórias.
Utilizamos a análise do texto O valetão que engolia meninos e outras histórias de
Pajé de Kelli Carolina Bassani (2006), apresentado no capítulo 3 deste trabalho e que
também consta no anexo G, para mostrar como se dá a constituição do início, meio e
fim de um texto desse gênero, uma das maiores dificuldades apresentadas pelos alunos
na Produção inicial. Aqui também, os alunos foram levados a observar que valores,
costumes e tradições estão presentes nos textos apresentados.
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Após a leitura, foi solicitado que os alunos identificassem as partes do texto que
situam o leitor no tempo e no espaço em que os fatos narrados se desenrolam, ao que
eles indicaram os primeiros parágrafos e, mais precisamente, os que descrevem a rua
Sete de Setembro e a clareira, lugar que desencadeia as lembranças narradas pelo
narrador. Perguntamos também qual o fato principal narrado e que costumes e valores
se poderiam inferir a partir de tal fato, ao que a maioria respondeu que seriam as
brincadeiras vividas pelo narrador e seus colegas na clareira chamada por eles de
valetão nos dias de chuvas. Quanto aos costumes e valores, verificou-se que seriam os
tipos de brincadeiras de crianças que viviam numa cidade perto da floresta e que o
narrador afirma serem diferentes das atuais. Constatou-se, ainda, que um costume da
época de infância do narrador era o fato de ser considerado normal crianças trabalharem
para ajudarem no sustento familiar, coisa que não é mais permitido pela atual legislação
brasileira (Lei no 10.097, de 19 de dezembro de 2000, que altera dispositivos da
Consolidação da Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943).
Procuramos mostrar, ainda, através da análise desse texto, como se dá a
conclusão do texto, quando o narrador finaliza suas lembranças se deslocando dos fatos
narrados no passado para o presente, instigando o leitor sobre o fim da história.
Apresentamos também possíveis justificativas para o título do texto, destacando que
este deve reportar ao conteúdo e ser interessante e instigante.
Encerrada a análise do texto, voltamos à produção textual de Marcela (anexo
H1), para verificar se esta apresentava um plano global condizente com o gênero
Memórias, conforme observamos no texto O valetão que engolia meninos e outras
histórias de Pajé, e pudemos verificar que a referida produção não apresentava a
introdução, ou seja, não situava o leitor no tempo e no espaço onde os fatos
aconteceram, e nem a conclusão, além de faltarem também outras informações, como a
descrição dos sentimentos e impressões da narradora sobre os fatos narrados e a
descrição de lugares, como a escola onde ela estudou. Em seguida, foi realizada,
coletivamente, a reescrita do texto, a partir das sugestões dos alunos e das nossas,
fazendo-se as modificações necessárias diretamente no texto, apresentado através do
datashow, colocando-se os trechos acrescentados, destacados em vermelho.
Enfatizamos, nesse momento, que os acréscimos seriam feitos apenas a título de
74
exemplificação, ou seja, não precisariam se referir aos fatos reais relatados pela autora
do texto, que, como já afirmamos, não foi identificada e não se pronunciou nesse
momento, apenas observou como os colegas iam modificando o seu texto. Informamos
também que a versão reescrita não seria entregue à autora do texto e que esta, assim
como todos os alunos, deveria, posteriormente, reescrevê-lo, observando os aspectos
que seriam trabalhados a partir dos módulos. Feita a reescrita, o texto Minha infância
ficou com a seguinte versão:
Quadro 12 Rescrita coletiva da produção inicial de Marcela
Tempos felizes
Nasci em João Pessoa, PB, onde passei minha infância com minha família. Era uma época bem diferente de hoje, com costumes e valores que já não existem mais. O relacionamento com os pais, por exemplo, era de respeito e obediência, coisa que vemos muito pouco nas famílias atuais. Nesse período, não tive oportunidade de conhecer meu pai, pois ele faleceu quando completei três anos de idade, fazendo muita falta na família, deixando todos com muita saudade. Nunca tive irmãos, sou filha única e isso às vezes me fazia sentir um pouco sozinha, pois sentia falta de alguém para brincar comigo em casa. As escolas daquele tempo também eram muito diferentes das de hoje, principalmente o relacionamento entre alunos e professores, que era mais respeitoso e não havia essa rebeldia que há hoje em dia. Com os colegas, o relacionamento também
(hoje) atualmente. E as brincadeiras?... Eram mais inocentes e prazerosas, já que não existia ainda computadores e celulares, e televisão era para poucos, para quem tinha muito dinheiro. Então no tempo livre brincávamos de roda-roda, de boneca, etc. A minha juventude foi uma época muito feliz também, pois, apesar das dificuldades, o namoro era mais inocente e os homens respeitavam mais as mulheres. A nossa diversão era ir ao cinema, à praia e participar das festas familiares, como aniversários e casamentos. Hoje, devido à violência, fica difícil até de sair de casa, pois temos medo de sair e não voltar mais. Casei-me aos vinte e cinco anos e nessa época morei um tempo no Rio de Janeiro, que também era um lugar menos violento que hoje. Depois me mudei para João Pessoa, onde tive meus três filhos e vivo até hoje. (falar mais sobre João Pessoa) Vinte anos depois, meu marido veio a falecer e desde então, nunca me casei. Hoje vivo para os meus filhos e netos. No momento, tenho uma família feliz, mas às vezes sinto falta da inocência e do respeito que havia nos tempos da minha infância e juventude.
75
Mostramos também que o título Minha infância poderia ficar mais
interessante. E, a partir do teor alegre com que a narradora contava os fatos, os alunos
sugeriram Tempos felizes
5.5. MÓDULO 3 (05 aulas) Estabelecendo a coesão e fazendo a retextualização
O terceiro módulo foi dividido em dois momentos: no primeiro, trabalhamos
como estabelecer a conexão entre as ideias e os parágrafos do texto, com o emprego de
conjunções, pronomes, expressões adverbiais de tempo e lugar etc, já que alguns alunos
ou deixaram de empregar esses elementos, ou deixaram soltas e até sem ligação as
ideias dos (e entre os) parágrafos; e, no segundo momento, apresentamos algumas
estratégias de retextualização, como acréscimo, substituição reordenação, eliminação de
ideias e parágrafos.
1º momento: 03 aulas
Inicialmente, utilizamos a reescrita do texto da aluna Marcela, realizada no
módulo anterior, e destacamos coletivamente, de azul, os elementos coesivos que foram
usados, de forma não sistemática, para ligar os parágrafos e retomar ideias anteriores,
como mostramos abaixo:
Quadro 13 Reapresentação da reescrita coletiva da produção inicial de Marcela
Tempos felizes
Nasci em João Pessoa, PB, onde passei minha infância com minha família. Era uma época bem diferente de hoje, com costumes e valores que já não existem mais. O relacionamento com os pais, por exemplo, era de respeito e obediência, coisa que vemos muito pouco nas famílias atuais. Nesse período, não tive oportunidade de conhecer meu pai, pois ele faleceu quando completei três anos de idade, fazendo muita falta na família e deixando todos com muita saudade. Nunca tive irmãos, sou filha única e isso às vezes me fazia sentir um pouco sozinha, pois sentia falta de alguém para brincar comigo em casa. As escolas daquele tempo também eram muito diferentes das de hoje, principalmente o relacionamento entre alunos e professores, que era mais respeitoso e não havia essa rebeldia que há hoje em dia. Com os colegas, o relacionamento também
que há atualmente.
76
E as brincadeiras?... Eram mais inocentes e prazerosas, já que não existia ainda computadores e celulares, e televisão era para poucos, para quem tinha muito dinheiro. Então, no nosso tempo livre, brincávamos de roda-roda, de boneca, etc. A minha juventude foi uma época muito feliz também, pois, apesar das dificuldades, o namoro era mais inocente e os homens respeitavam mais as mulheres. A nossa diversão era ir ao cinema, à praia e participar das festas familiares, como aniversários e casamentos. Hoje, devido à violência, fica difícil até de sair de casa, pois temos medo de sair e não voltar mais. Casei-me aos vinte e cinco anos e nessa época, morei um tempo no Rio de Janeiro, que também era um lugar menos violento que hoje. Depois me mudei para João Pessoa, onde tive meus três filhos e vivo até hoje. Vinte anos depois, meu marido veio a falecer e desde então, nunca me casei. Hoje vivo para os meus filhos e netos. No momento, tenho uma família feliz, mas às vezes sinto falta da inocência e do respeito que havia nos tempos da minha infância e juventude.
Após identificar, no texto, as palavras e expressões que foram utilizadas para
conectar as ideias e os parágrafos e destacar que estas quase não foram utilizadas na
primeira versão do texto, enfatizamos, através de outros exemplos, o papel de
conjunções subordinativas e coordenativas, pronomes pessoais, relativos e
demonstrativos, expressões adverbiais de tempo e lugar como elementos que
estabelecem a coesão entre as ideias e as partes do texto, garantindo a sua progressão e
coerência, retomando ideias e expressões já mencionadas e evitando repetição de
palavras e expressões.
Em seguida, apresentamos mais um texto de outra aluna Lúcia (ver anexo H2)
e, também sem identificá-lo, solicitamos que fosse feita, coletivamente, a sua reescrita,
acrescentando os elementos coesivos que lhe faltavam.
Ao apresentarmos o texto, os alunos, antes de observarem os elementos
coesivos, fizeram a análise estrutural e linguística do texto, apontando o que havia de
inadequado em relação a esses aspectos. Inicialmente, perceberam que o texto narrava
fatos passados com narrador em primeira pessoa, mas que, como o texto de Marcela, o
da aluna Lúcia também não apresentava uma introdução, situando o leitor no tempo e
no espaço, e ainda que não havia conclusão. Perceberam, ainda, que os parágrafos
estavam soltos, sem ligação entre as ideias, que havia alguns erros ortográficos e o
emprego excessivo das aspas em todos os parágrafos do texto, assim como a repetição
77
como ocorreu no texto de Marcela, foram feitos acréscimos apenas a título de
exemplificação, para ver como ficaria o texto. E este ficou com a seguinte versão:
Quadro 14 Reescrita coletiva da produção inicial de Lúcia
Nasci no interior da Paraíba, numa cidadezinha perto de Campina Grande, e lá passei toda a minha infância. Essa época era bem diferente de hoje. Durante a minha infância, eu brincava de roda, de esconde-esconde, de toca-toca, de caí no poço e de boneca. Hoje, tudo mudou, pois as crianças não brincam mais nas ruas e só querem saber de jogos no celular, tablete e computadores. Nesse período, o meu relacionamento com meu pai era muito difícil, porque a gente não tinha intimidade e nem diálogo. Pelo fato dele trabalhar muito, a gente se via muito pouco, mas hoje, felizmente, isso mudou, pois temos mais intimidade e conversamos mais do que naquele tempo. A minha infância foi um período difícil também porque tínhamos que trabalhar na roça eu e meus irmãos, pegando milho, feijão e arroz para ajudar meu pai no sustento da família. Mas por outro lado nos divertíamos muito, tomando banhos de açude e brincando na água. Durante a minha juventude, o namoro também era bem diferente dos tempos atuais. Era um namoro mais respeitoso e tínhamos que namorar em casa e ficar na sala, acompanhado dos pais, quando o namorado vinha nos visitar. Não podíamos nos beijar na frente de ninguém, pois era considerado falta de respeito. Também não podíamos sair de casa sozinhas, apenas acompanhadas do namorado ou de alguém da família. Hoje, esses costumes mudaram, pois os jovens não precisam mais namorar na frente dos pais, já podem sair sozinhos para passear e se beijam na frente de todo mundo e tudo isso é considerado normal. Outra coisa diferente naquele tempo era o modo de se vestir. As mulheres não podiam usar roupas curtas e decotadas como hoje, apenas sais e vestidos até o joelho e de mangas. Na época da minha infância e juventude, as festas que gostava de participar eram as festas juninas, pois adorava ficar olhando as pessoas dançando quadrilha e isso me encanta até hoje. Passei por muitas dificuldades na minha vida, mas apesar de tudo, tive uma infância feliz e sinto saudades ao lembrar-me daqueles tempos.
Feita a reescrita mostramos que o texto ganhou clareza e as ideias ficaram
melhor encadeadas com o uso dos elementos coesivos, como conjunções, pronomes e
expressões adverbiais, que fomos destacando de azul. Destacamos ainda o sentido e a
grafia , que, como já mencionado anteriormente, muitos alunos
empregaram grafando da mesma forma que o Também mostramos
como acrescentar informações essenciais na introdução e conclusão e substituir a
78
e valores da época narrados no texto, sendo destacadas as brincadeiras, a forma de
relacionamento com os pais e o modo de namorar e de se vestir, fazendo-se sempre a
relação com os costumes atuais.
2º momento: 02 aulas
Em relação à retextualização, ou seja, à transformação da conversa em texto
narrativo em 1ª pessoa, os alunos não apresentaram dificuldades, uma vez que
conseguiram entender esse processo quando trabalhamos as características do gênero no
módulo 1, por isso tratamos desse ponto apenas brevemente. No entanto, aproveitamos
para trabalhar algumas estratégias de eliminação, inserção, substituição, seleção,
acréscimo, e reordenação de palavras, expressões, parágrafos e ideias, pois muitos
apresentaram dificuldades em relação a esses aspectos. Assim, retomamos os mesmos
textos, reescritos anteriormente, para mostrar como acrescentamos informações
essenciais que estavam faltando, como eliminamos trechos considerados desnecessários
e reordenamos alguns parágrafos para dar mais clareza e precisão ao texto.
Apresentamos novamente a reescrita do texto da aluna Lúcia, trabalhada no
módulo 3, com o intuito de trabalhar o emprego dos elementos coesivos, para mostrar
como algumas dessas estratégias foram utilizadas. Vejamos:
Quadro 15 Retextualização coletiva da produção inicial de Lúcia
de se esconder, de toca-toca, de tô no poço
com o meu pai era muito difícil, porque agente não se tinha intimidade e nem
um namoro que se tinha respeito, era um namoro que na sala ficava minha mãe e meu pai no sofá perto da gente, a gente nem podia se beijar só podia lá fora, eu
vida foi a quadrilha pois eu gostava de
ente as pessoas se vestiam com roupas bem compostas, vestido de manguinha, saias compostas até
Nasci no interior da Paraíba, numa cidadezinha perto de Campina Grande, e lá passei toda a minha infância. Essa época era bem diferente de hoje. Durante a minha infância, eu brincava de roda, de esconde-esconde, de toca-toca, de caí no poço e de boneca. Hoje, tudo mudou, pois as crianças não brincam mais nas ruas e só querem saber de jogos no celular, tablete e computadores. Nesse período, o meu relacionamento com meu pai era muito difícil, porque a gente não tinha intimidade e nem diálogo. Pelo fato dele trabalhar muito, a gente se via muito pouco, mas hoje, felizmente, isso mudou, pois temos mais intimidade e conversamos mais do que naquele tempo.
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o joelho, blusa de manguinha e bermudão. As pessoas se divertiam brincando, indo pro açude, se divertiam com festas juninas,
mim era na roça, nas serras, no açude, etc. porque na serra eu se união com meus irmãos para trabalhar com meu pai. Nas roças porque estava-mos juntos na roça, pegando milho, feijão, arroz e etc. no açude porque eu ficava com meus irmãos tomando banho e br de serviços gerais mais hoje sou cuidadora
as pessoas orgulhosa e egoísta. A minha dificuldade na família era não ter conversa com meu pai e uma falsidade que minha
A minha infância foi um período difícil também porque tínhamos que trabalhar na roça eu e meus irmãos, pegando milho, feijão e arroz para ajudar meu pai no sustento da família. Mas, por outro lado, nos divertíamos muito, tomando banhos de açude e brincando na água. Durante a minha juventude, o namoro também era bem diferente dos tempos atuais. Era um namoro mais respeitoso e tínhamos que namorar em casa e ficar na sala, acompanhados dos pais, quando o namorado vinha nos visitar. Não podíamos nos beijar na frente de ninguém, pois era considerado falta de respeito. Também não podíamos sair de casa sozinhas, apenas acompanhadas do namorado e de alguém da família. Hoje, esses costumes mudaram, pois os jovens não precisam mais namorar na frente dos pais, já podem sair sozinhos para passear e se beijam na frente de todo mundo e tudo isso é considerado normal. Outra coisa diferente naquele tempo era o modo de se vestir. As mulheres não podiam usar roupas curtas e decotadas como hoje, apenas sais e vestidos até o joelho e de mangas. Na época da minha infância e juventude, as festas que gostava de participar eram as festas juninas, pois adorava ficar olhando as pessoas dançando quadrilha e isso me encanta até hoje. Passei por muitas dificuldades na minha vida, mas, apesar de tudo, tive uma infância feliz e sinto saudades ao me lembrar daqueles tempos.
Legenda:
acréscimos substituições reordenação modificações
Apresentamos, assim, como foram acrescentadas informações essenciais que
faltavam na introdução, na conclusão e ao longo do texto (destacadas em vermelho);
80
) de acordo
com a ordem dos acontecimentos ou com o assunto abordado, a exemplo do terceiro
parágrafo da reescrita, que narra fatos da infância da narradora e que, na 1ª versão,
aparecia quase no final do texto, após o relato de fatos ocorridos na juventude; e das
quadrilhas juninas, evento que marcou a narradora, e que, na reescrita, foi deslocado do
início para o final do texto; e mostramos, ainda, como alguns trechos foram modificados
(em verde) para melhorar a clareza e a informatividade do texto e como enquanto
algumas informações foram priorizadas, outras foram suprimidas na reescrita, como a
menção à profissão da narradora, que procuramos mostrar que poderia ser retirado sem
prejuízo à compreensão da narrativa.
Dessa forma, os alunos puderam perceber como essas estratégias contribuem
para a clareza, a coerência e a informatividade do texto.
5.6 MÓDULO 4 (02 aulas) Empregando a pontuação
Um dos principais problemas linguísticos constatados na produção inicial foi o
uso inadequado ou a falta de uso dos sinais de pontuação. Por isso, preparamos um
módulo para trabalhar tais dificuldades. Para tanto, usamos, inicialmente, um quadro
retirado do material de apoio da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro
(CLARA, ALTENFELDER e ALMEIDA, 2010), que mostra, com exemplos, o
emprego de cada sinal de pontuação em situações semelhantes às que eles produziram
seus textos, conforme se pode observar a seguir:
Quadro 16 Emprego dos sinais de pontuação
Sinal de pontuação
Emprego Exemplo
Vírgula Separar elementos de uma enumeração. Introduzir uma explicação a mais sobre quem faz a ação.
Meu sangue gelava, minha respiração boiava no peito, meus músculos tiniam... A Neguinha, meticulosa para virar o disco.
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Travessão Intercalar explicações que o autor acha que o leitor desconhece. Enfatizar uma passagem, situação marcante.
Os festejos prestavam homenagem a Santo Antônio santo cultuado pelas moças por sua fama de casamenteiro. Na Avenida Rio Branco, reta, larga e imponente, embicando no cais do porto [...] tivemos a nossa primeira impressão e que impressão! do carnaval brasileiro.
Exclamação Transmitir ao leitor sentimentos como espanto, admiração, surpresa ou alegria.
E os lança-perfumes, que que é isso, minha gente! Quantas gostosuras! Pipoca, pé de moleque, cajuzinho, milho verde e um quentão delicioso.
Interrogação Aproximar o autor de seu interlocutor, estabelecer diálogo com o leitor.
Dois-pontos Indicar enumeração. Indicar a introdução da fala de uma personagem ou de uma explicação ao longo do texto.
Onde hoje fica o Shopping Center Norte era só mato, água e muita, muita terra. Era lá meu paraíso. Meu e dos meus amigos: o Vitorino, o Zacarias... Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.
Ponto-final Produzir frases curtas para imprimir ritmo ao texto.
Vivia para jogar futebol, nadar, pescar e caçar passarinhos.
Aspas Indicar a referência a uma expressão utilizada pelo autor. Indicar uma ironia ou uma citação.
Não havia surgido ainda a febre dos edifícios altos; nem
Após apresentar o quadro acima e analisar os exemplos nele contidos, voltamos
aos textos das alunas Marcela e Lúcia, trabalhados nos módulos 2 e 3, para analisar em
que situações foram empregados os sinais de pontuação, sobretudo o ponto final e a
vírgula, e como os problemas foram resolvidos na reescrita, realizada coletivamente.
Vejamos como fizemos isso a partir de um fragmento do texto produzido por Marcela:
82
Quadro 17 Trecho de produção inicial de marcela análise da pontuação
amento com meus pais era bom, de respeito, de obediência nesse tempo não tive oportunidade de conhecer meu pai pois quando completei 03 anos de idade ele faleceu, nunca tive irmãos sou filha única.
Naquela época, o relacionamento com meus pais era bom, de respeito, de obediência. Nesse tempo, não tive oportunidade de conhecer meu pai, pois quando completei 03 anos de idade, ele faleceu. Nunca tive irmãos, sou filha única.
No texto da aluna Marcela, destacamos que expressões adverbiais de tempo,
como
separadas por vírgulas e que o período acima poderia ser dividido em três frases mais
curtas, utilizando-se o ponto final para marcá-las, como fizemos com destaque em
vermelho. Mostramos também que orações iniciadas por conjunções coordenativas
como pois, porque, mas, porém, etc. devem ser separadas por vírgulas.
Em relação ao texto da aluna Lúcia, mostramos como ela usou corretamente a
vírgula para separar itens de uma enumeração
se esconder, de toca- mas também como utilizou as
aspas em todos os parágrafos do texto sem necessidade. E assim por diante, discutimos,
na reescrita dos textos realizada nos momentos anteriores, todas as situações em que
foram empregados os sinais de pontuação.
5.7 PRODUÇÃO FINAL (02 aulas)
Terminada a aplicação dos módulos com o trabalho sobre as principais
dificuldades apresentadas pelos alunos na primeira versão de seus textos, estes foram
devolvidos para que fossem reescritos, levando em consideração tudo o que foi
estudado nos módulos anteriores. Nessa ocasião, destacamos, a partir das atividades
realizadas anteriormente, a importância da reescrita como forma de melhorar o texto e
adequá-lo às características do gênero e à sua função comunicativa. Chamamos a
atenção, de forma coletiva e a alguns, em particular, para que observassem o que faltava
em seus textos em relação à estrutura e ao conteúdo e também enfatizamos o fato de se
fazer a revisão ortográfica antes de passarem a limpo a versão final.
83
Alguns alunos, no ato da reescrita, paravam para tirar dúvidas em relação à
estrutura, a aspectos linguísticos e discursivos, bem como em relação ao emprego de
algum sinal de pontuação em determinada parte do texto ou o uso de algum elemento
coesivo, o que revela que alguns adquiriram maior consciência sobre o seu processo de
escrita. Já outros, preferiram reescrever seus textos de uma única vez, sem se
preocuparem com essas questões, conservando, inclusive, os mesmos problemas que
apresentaram na produção inicial.
A seguir, passemos à análise das produções finais, a fim de avaliarmos os
avanços apresentados pelos alunos após a aplicação da sequência didática.
5.7.1 Análise da produção final
Ao apresentarmos a análise da produção final dos textos que constituem o
corpus deste trabalho, colocaremos as duas versões, a produção inicial e a produção
final, lado a lado, a fim de melhor visualizarmos as transformações ocorridas na última
versão em relação à primeira.
Comecemos com a análise da produção da aluna Marcela.
Quadro 18 Transcrição das produções da aluna Marcela
Produção inicial Produção final
Minha infância Naquela época o relacionamento com meus pais era bom, de respeito, de obediência nesse tempo não tive oportunidade de conhecer meu pai pois quando completei 03 anos de idade ele faleceu, nunca tive irmãos sou filha única. A escola em que estava era boa, não existia essa rebeldia toda que existe hoje pois tínhamos amizades sadias, verdadeiras e sinceras, não havia malícia
tempo livre gostava de brincar de roda-roda, e boneca. Na minha juventude os homens respeitavam as mulheres, nós nos
Saudades de minha infância Nasci e vivi minha infância na cidade de João Pessoa, sempre alegre com meus vizinhos, parentes e amigos. Naquela época, o relacionamento com meus pais era muito bom, sempre os respeitei e sempre fui obediente. Quando meu pai morreu tinha apenas três anos, mas senti muito sua falta, não conseguia comer nem dormir direito com tantas saudades. Sou filha única, mas sempre tive vontade de ter um irmão ou uma irmã para brincar, mas tinha a companhia de meus amigos. Brincávamos de várias brincadeiras como pega-pega, esconde-esconde, brincadeiras de roda e bonecas. As brincadeiras que eu mais gostava era roda-roda e boneca. Estudei na escola Liceu Paraibano. Sempre fui dedicada aos estudos, obedecia aos meus
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divertíamos no cinema, festas, praia e nos eventos. Me casei com 25 anos, morei um tempo no Rio de Janeiro depois me mudei para João Pessoa. Quando cheguei a João Pessoa estava grávida do primeiro filho, com menos de um ano engravidei da segunda, de dois anos tive a terceira. Vinte anos depois meu marido vem a falecer, desde então nunca me casei, hoje em dia vivo para os filhos e netos.
professores e me divertia muito com meus colegas. Quando comecei a namorar, meu namorado me levava ao cinema, às festas e eventos locais como São João e a das Neves e à praia. Noivamos e, aos vinte e cinco anos, me casei com ele. Passamos um tempo no Rio de Janeiro e gostávamos muito de morar lá, mas pela violência que estava muito grande, nos mudamos para João Pessoa. Aqui tive minha primeira filha chamada Geovana, depois a segunda, chamada Hely Maria e a terceira, chamada Girlane. Criei todas três assim como fui criada, com muito amor, carinho, respeito e obediência. Gosto muito da cidade de João Pessoa. Eu, meu esposo e minhas filhas saíamos para vários lugares da cidade como teatro Santa Rosa, Ponto de Cem Réis, Praia de Tambaú, entre outros. Vinte anos depois, perdi meu esposo. Sofri muito com essa perda e até hoje sinto falta dos bons momentos que vivemos juntos. Desde essa perda nunca mais me apaixonei por homem nenhum. Hoje dedico minha vida a meus filhos e netos(as). Meu nome é Dalva Maria da Silva Leite, tenho 70 anos e essa é a história da minha vida.
Como podemos perceber, houve uma evolução na produção final da aluna
Marcela em relação à produção inicial, tanto no plano da estrutura como no do
conteúdo. Em relação ao conteúdo, ela acrescenta novos elementos que tornam mais
nítidos os sentimentos e as impressões da narradora em relação a alguns fatos relatados,
como nos trechos em que fala como se sentiu em relação à morte do pai Quando meu
pai morreu tinha apenas três anos, mas senti muito sua falta, não conseguia comer
nem dormir direito com tantas saudades. e sobre o fato de ser filha única Sou
filha única, mas sempre tive vontade de ter um irmão ou uma irmã para brincar,[...]
Marcela também acrescenta mais informações sobre os lugares que frequentava em João
Pessoa antes e depois de casada, no quarto e quinto parágrafos, respectivamente,
mostrando, neste último, o que sente em relação à cidade Gosto muito da cidade de
João Pessoa, Eu, meu esposo e minhas filhas saíamos para vários lugares da cidade
como teatro Santa Rosa, Ponto de Cem Réis, Praia de Tambaú, entre outros
também em relação ao período em que morou no Rio de Janeiro Passamos um tempo
no Rio de Janeiro e gostávamos muito de morar lá, mas pela violência que estava
muito grande, nos mudamos para João Pessoa
relação à perda do marido Vinte anos depois, perdi meu esposo. Sofri muito com essa
perda e até hoje sinto falta dos bons momentos que vivemos juntos. Assim, vemos que o
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texto de Marcela está mais focado nos sentimentos e impressões da narradora sobre o
que é narrado do que nas informações em si, o que atribui mais subjetividade, como
convém aos textos do gênero Memórias.
Percebe-se também que, no trabalho de reorganização das ideias do texto,
Marcela suprime os trechos em que aparece com mais nitidez os valores mencionados
na primeira versão, como as passagens em que fala sobre a escola e em que diz que
não existia essa rebeldia toda que existe hoje pois tínhamos amizades sadias,
, e traz, na
segunda versão, essa ideia de forma mais velada Estudei na escola Liceu Paraibano.
Sempre fui dedicada aos estudos, obedecia aos meus professores. Ela também retira da
segunda versão o trecho em que fala como os homens se portavam em relação às
mulheres Na minha juventude os homens respeitavam as mulheres [...] , contudo,
costumes e valores vigentes à época retratada continuam perceptíveis nos trechos em
que fala sobre o relacionamento com os pais Naquela época, o relacionamento com
quando a
narradora dá a entender que o relacionamento era bom porque havia respeito e
obediência. No texto, também ficam perceptíveis os costumes que, atualmente, para
Marcela, não são mais usuais no modo de brincar das crianças Brincávamos de
várias brincadeiras como pega-pega, esconde-esconde, brincadeiras roda e bonecas.
As brincadeiras que eu mais gostava era roda-roda e boneca
Em relação à estrutura, ela acrescenta uma introdução, situando o leitor no lugar
onde ocorreram os fatos narrados em João Pessoa e define melhor a época em que
começa a narrativa a infância , o que não acontece na primeira versão, em que a
época se tratava, já que relata fatos ocorridos na infância e na juventude da narradora.
Em relação aos demais elementos estruturais, como vimos na análise da primeira
versão, a aluna não apresentou maiores dificuldades, já que narrou em primeira pessoa,
fatos vividos por um narrador-personagem no passado. Ela conclui o texto deslocando a
narradora para o presente, como havia feito na primeira produção, e acrescenta o nome
e a idade da pessoa cujas lembranças são relatadas.
Em relação ao estilo, o texto continua sem muitos recursos expressivos mais
complexos, contudo, percebemos que Marcela coloca mais sentimentalismo na narrativa
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quando descreve como a narradora se sente em relação a alguns fatos e aos lugares onde
viveu, como já mencionamos, ou seja, temos uma maior percepção das impressões e dos
sentimentos da narradora sobre o que é narrado. No entanto, na segunda versão, ela
deixa de comparar os modos de vida do passado com os do presente, como fez na
produção inicial, no trecho em que fala da escola A escola em que estava era boa,
não existia essa rebeldia toda que existe hoje pois tínhamos amizades sadias,
, escrevendo
Estudei na escola Liceu Paraibano. Sempre fui dedicada aos estudos, obedecia
aos meus professores e me divertia muit Dessa forma, ela deixa
de usar um dos recursos referentes ao estilo do texto de memórias, que é a comparação
entre o passado e o presente, permanecendo apenas a descrição para criar imagens dos
momentos retratados no texto.
Vemos ainda que diminuíram os problemas linguísticos, como o emprego
inadequado dos sinais de pontuação, e há maior incidência de elementos coesivos, como
conjunções coordenativas mas, e e adjuntos adverbiais de tempo e lugar quando,
aqui. Embora alguns equívoc Quando meu pai
morreu tinha apenas três anos
As brincadeiras que eu mais gostava era
roda- em que ela comete um desvio de concordância verbal, a coerência
e coesão das ideias do texto são mantidas, o que mostra que a escrita da aluna evoluiu
também nesse aspecto.
Como mostramos na descrição dos módulos, o texto de Marcela foi um dos que
foi reescrito coletivamente, para exemplificar a resolução dos problemas mais
recorrentes nos textos dos alunos. No entanto, percebemos que ela não se apegou aos
elementos trabalhados coletivamente em seu texto e construiu sua própria reescrita.
Passemos, agora, à análise da reescrita de Lúcia.
Quadro 19 Transcrição das produções da aluna Lúcia
Produção inicial Produção final
A minha infância
se esconder, de toca-toca, de tô no poço e de
Lembranças do passado
Nasci no interior do Cajá, em 1976, foi lá que eu aprendi as coisas, vou falar um
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amento com o meu pai era muito difícil, porque agente
namoro que se tinha respeito, era um namoro que na sala ficava minha mãe e meu pai no sofá perto da gente, a gente nem podia se beijar só podia lá fora, eu não podia sair com
a quadrilha pois eu gostava de ficar olhando os
com roupas bem compostas, vestido de manguinha, saias compostas até o joelho, blusa de manguinha e bermudão. As pessoas se divertiam brincando, indo pro açude, se
na roça, nas serras, no açude, etc. porque na serra eu se união com meus irmãos para trabalhar com meu pai. Nas roças porque estava-mos juntos na roça, pegando milho, feijão, arroz e etc. no açude porque eu ficava com meus irmãos tomando banho e
serviços gerais mais hoje sou cuidadora do
pessoas orgulhosa e egoísta. A minha dificuldade na família era não ter conversa com meu pai e uma falsidade que minha irmã teve
pouco daquele tempo. Em 1984, quando eu tinha 8 anos, eu brincava de roda, de se esconder, de toca- toca, de tô no poço, de boneca, etc. Naquele tempo, meu relacionamento com meu pai era muito dificio, porque a gente não tinha intimidade nem diálogo, pois ele trabalhava muito e eu não tinha tempo de ver ele, pois ele saia muito cedo. O namoro naquela época era um namoro que se tinha respeito, e na sala ficava meu pai e minha mãe, eu e meu namorado no sofá, nós não podíamos se beijar na frente deles, só lá fora ou no terraço. Eu não podia sair com ninguém, só com meus pais ou namorado. O namoro de hoje em dia está muito perigoso, pois tem namorado que mata a namorada só porque ela conversou com ele e disse que não está dando muito certo, mudou muito o namoro. O evento que marcou a minha vida foi a quadrilha, pois eu gostava de ficar olhando os outros dançando. Naquela época, as pessoas se vestiam com roupas bem compostas, vestido de manga, saias até o joelho, blusa de manga e bermudão. Mas hoje em dia pouquíssimas pessoas usam roupas composta, pois tem muitas pessoas que só querem usar blusa curta, short curto, etc.
As pessoas se divertiam brincando, indo pro açude, se divertiam nas festas juninas e etc. durante a minha infância, o lugar mais importante pra mim era na roça, nas serras, no açude. Porque na roça eu e meus irmãos íamos ajudar meu pai, pegando milho, arroz, feijão, etc. Na serra, porque eu se unia com meus irmãos para trabalhar com meu pai. No açude porque eu ficava com meus irmãos, tomando banho e brincando.
Minha profissão era zeladora de serviços gerais, mas hoje sou cuidadora do lar. A minha maior dificuldade enfrentada na família, foi não ter conversa com meu pai e uma decepção com minha irmã. Mas hoje já falo com meu pai e já superei minhas diferenças com minha irmã e atualmente somos muito unidos e felizes.
No plano do conteúdo, Lúcia acrescentou ao seu texto informações que
permitem visualizar melhor o ponto de vista da narradora sobre os fatos narrados, como
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no terceiro parágrafo, em que justifica a falta de intimidade com o pai Naquele
tempo, meu relacionamento com meu pai era muito dificio, porque a gente não tinha
intimidade nem diálogo, pois ele trabalhava muito e eu não tinha tempo de ver ele,
pois ele saia muito cedo
o passado, o modo de namorar de hoje, o que não havia na primeira versão O
namoro de hoje em dia está muito perigoso, pois tem namorado que mata a namorada
só porque ela conversou com ele e disse que não está dando muito certo, mudou
muito o namoro e, ainda, no sexto parágrafo, em que também acrescenta modos
atuais de se vestir Mas hoje em dia pouquíssimas pessoas usam roupas composta,
pois tem muitas pessoas que só querem usar blusa curta, short curto, etc
forma, os costumes e valores da época retratada, como modos de vestir, de namorar, de
se relacionar com a família, que já apareciam na primeira versão do texto de Lúcia,
ficam mais perceptíveis quando ela compara com costumes atuais.
Em relação aos aspectos estruturais, Lúcia também apresentou evolução em
relação à produção inicial. Acrescentou a introdução no texto, citando o lugar e até os
anos em que aconteceram os fatos mencionados Nasci no interior do Cajá, em 1976,
foi lá que eu aprendi as coisas, vou falar um pouco daquele tempo e também uma
conclusão, deslocando a narradora para o presente Mas hoje já falo com meu e já
superei minhas diferenças com minha irmã e atualmente somos muito unidos e felizes
o que não havia na produção inicial.
Quanto ao estilo, ela continuou utilizando, como fez na produção inicial, a
descrição como recurso principal para criar quadros dos costumes da época da infância
e juventude da narradora, como as formas de brincar e de se vestir, além de também
lançar mão das comparações entre modos de vida de épocas diferentes para intensificar
as impressões da narradora sobre os fatos narrados.
Em relação aos aspectos linguísticos, Lúcia supera algumas dificuldades
apresentadas na primeira produção, como uso inadequado da pontuação, embora alguns
erros ainda permaneçam, como em alguns trechos em que usa adjuntos adverbiais
deslocados sem o emprego de vírgulas O namoro naquela época era um namoro que
se tinha respeito[...];Mas hoje em dia pouquíssimas pessoas usam roupas composta,
[...]. Também corrige alguns erros de grafia, como as palavras na quele e estava-mos,
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mas comete outros, como dificio (difícil) e toca-toca (toca toca). Ela utiliza mais
elementos coesivos, como conjunções coordenativas, e substitui o adjunto adverbial de
naquela época naquele tempo
pe eu não tinha tempo de ver ele Na serra, porque eu se unia
com meus irmãos tô no poço indo
pro açude
linguísticos que Lúcia ainda apresenta não comprometem o sentido de seu texto.
Assim como Marcela, Lúcia também não considerou a reescrita coletiva de seu
texto, realizada no desenvolvimento dos módulos, e construiu sua própria reescrita.
Observemos, a partir deste momento, a produção da aluna Carla.
Quadro 20 Transcrição das produções da aluna Carla
Produção inicial Produção final Um trecho de minha vida Na minha época as brincadeiras eram bem simples, brincávamos de pila-corda, amarelinha e principalmente de fazer comidinha. O relacionamento com meus pais
tinha bastante cuidado comigo. Me recordo bem que estudava em uma escola de Freiras, a farda era composta por um short-saia, com blusinha, sapato preto e meia branca. A minha adolescência foi bem divertida, me lembro que eu se vestia com alguns vestidos, calça de cintura alta, os calçados eram sapatilhas, sandálias da época, usava acessórios como cintos, pulseiras e brincos. O namoro era bem diferente em relação ao de hoje, cheio de regras dadas pelos pais, namorar em casa era uma das principais. A diversão era em alguns shows com os amigos, conversar com os amigos era uma delas e se reunir com os amigos era a melhor.
Um trecho de minha vida Eu vivi em uma época em que as
Eram simples mas reuniam a galera da rua; antes era pula-corda, amarelinha, ser cozinheira, esconde-esconde, pega-pega, mas hoje as crianças só pensam em ficar nos celulares e computadores; essa é a diversão principal deles. Me recordo bem que a rua em que morava era de barro, que tinha uma maternidade bem em frente da minha casa e depois era tudo árvores, plantas e alguns pequenos sítios. Era na Rua Travessa João da Mata, na bairro de Jaguaribe, a rua com saída, onde todos brincavam. No colégio em que estudei era tudo com normas, a farda era um short-saia, com a camisa branca e sapatos pretos. Lembro-me que era um colégio de freiras e padre. Na hora do intervalo adorava dividir os lanches e brincar. A minha adolescência foi bem divertida, não tinha muitas modinhas como se tem hoje e me vestia com roupas bem bonitas, como vestidos, calças de cintura alta, short com cores da época, mas não me recordo bem. O namoro na minha adolescência era bem diferente em relação aos de agora. Os
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dadas por eles: namorar em casa, sentados no sofá, era uma delas. O relacionamento com meus pais era muito bom e com meus irmãos também. Quando eu tinha nove anos, minha mãe trabalhava em Campina Grande PB, mas sempre estive com meu pai e irmãos. Com um tempo, minha mãe saiu do emprego, e nesse tempo meus pais se separaram. Me senti triste , mas logo fui morar com ela. Com uns dez ou quinze anos, ela faleceu, me sente tão triste, foi uma perda enorme, eu a amava muito. Sobre minha diversão durante a juventude, era em alguns shows, com os amigos ou algumas de minhas irmãs. Ir em lanchonetes ou barzinhos era o melhor da época. Todo mundo se divertia na paz, diferente de hoje que tem muita violência e as pessoas nem saem muito de casa. Esse é um trecho da minha vida do qual tenho muitas saudades.
Os avanços apresentados na produção final de Carla são perceptíveis em relação
a todos os elementos constitutivos do gênero. Quanto ao conteúdo, ela acrescenta novas
informações que definem melhor os costumes da época retratada e as impressões da
narradora sobre estes, como no trecho em que descreve as brincadeiras do passado, e ela
acrescenta como as crianças se divertem hoje mas hoje as crianças só pensam
em ficar nos celulares e computadores; essa é a diversão principal deles
em que ela fala do namoro e ; ou ao falar sobre
o relacionamento com a família e acrescentar todo um parágrafo, no qual descreve
como se sentiu em relação à separação dos pais e à morte da mãe Com um tempo,
minha mãe saiu do emprego, e nesse tempo meus pais se separaram. Me senti triste ,
mas logo fui morar com ela. Com uns dez ou quinze anos, ela faleceu, me sente tão
triste, foi uma perda enorme, eu a amava muito
o lugar em que morava quando criança, descrevendo-o Me recordo bem que a rua
em que morava era de barro, [...] Era na Rua Travessa João da Mata, na bairro de
Jaguaribe, a rua com saída, onde todos brincavam; e, ao final, coloca como a narradora
se sente em relação aos fatos narrados Esse é um trecho da minha vida do qual tenho
muitas saudades feitos não só conferem mais precisão às
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informações do texto, como também lhe atribuem um tom mais subjetivo e sentimental,
característico do gênero.
Em relação aos aspectos estruturais, os avanços se deram tanto pelo acréscimo
da introdução ao texto Eu vivi em uma época em que as brincadeiras na minha
, como pela conclusão, deslocando a narradora para o presente,
como confirma o trecho acima citado. Ela também situa o leitor no lugar onde
ocorreram os fatos, descrevendo-o, como já afirmamos, e organiza os parágrafos do
texto de acordo com o assunto tratado, o que não acontece na produção inicial, que
apresenta apenas dois parágrafos nos quais ela fala sobre as brincadeiras, o
relacionamento com os pais e a escola no primeiro e os modos de vestir, de namoro
e de diversão no segundo.
Quanto ao estilo, vemos a tentativa de Carla de usar a linguagem conotativa no
início do texto Eu vivi em uma época em que as brincadeiras na minha infância
e no quinto parágrafo O , em que ela até
destaca o verbo reinar e o substantivo cola, indicando que estes foram utilizados fora
de seus sentidos habituais. Ela também constrói quadros dos costumes da época narrada,
através da descrição e da disposição dos assuntos em parágrafos diferentes, como já
afirmamos: os modos de brincar, no primeiro; a rua em que morava, no segundo; a
escola, no terceiro; modos de vestir, no quarto; namoro, no quinto; relacionamento com
a família, no sexto; e modos de diversão, no sétimo parágrafo.
Ainda em relação ao estilo, Carla fez uso de comparações de modos de vida de
passado e do presente, como no primeiro parágrafo em que fala sobre as brincadeiras:
Eram simples mas reuniam a galera da rua; antes era pula-corda, amarelinha, ser cozinheira, esconde-esconde, pega-pega, mas hoje as crianças só pensam em ficar nos celulares e computadores; essa é a diversão principal deles.
E no penúltimo parágrafo, quando ela fala sobre os modos de diversão: Todo
mundo se divertia na paz, diferente de hoje que tem muita violência e as pessoas nem
saem muito de casa.
No que diz respeito aos aspectos linguísticos, Carla ainda comete pequenos
desvios em relação à pontuação Eram simples mas reuniam a galera da rua [...]; e à
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colocação pronominal Me recordo bem que [...], mas tais questões não comprometem
a coerência textual, já que a aluna supera essas dificuldades na maior parte do texto.
A próxima análise que apresentamos é a da produção final de Maria.
Quadro 21 Transcrição das produções da aluna Maria
Produção inicial Produção final (Sem título) Quando eu era menor, lá na escola tinha um garoto insuportável, ele não gostava muito de mim e fazia de tudo para me deixar irritada. um dia ele foi a onde eu estava para me atrapalhar e eu perdi a paciência e dei um chute na perna dele, aí foi parar na diretoria eu e ele. só que a diretora não acreditou que eu tinha batido nele porque era muito quieta e o garoto muito muito bagunceiro. Mas ela chamou minha mãe pra mim levar pra casa e chamou o pai do garoto. O garoto me disse antes de sair que ia dizer ao irmão dele que tinha o machucado. no outro dia o irmão de me
tava com raiva dele me perturbando
Um pouco de mim Passei toda a minha infância e adolescência no bairro de Jaguaribe, na esquina da Floriano com a Conceição, onde é a Pneu Shopping hoje, e tenho diversas lembranças dessa época, pois brincávamos muito, mas nunca brinquei na casa de vizinhos. Meus pais sentavam na calçada e ficávamos brincando de boneca, Pai Francisco, ciranda cirandinha, batatinha frita. Gostava de brincar também no meu quintal, onde tinha um balanço e uma casinha na árvore que fiz com meus primos. Brincava também de bambolê, polícia e ladrão, pular corda, etc. Tive uma adolescência tranquila. Eu era um pouco diferente dos jovens da minha época, não gostava de nada que eles gostavam. Eu era conhecida como mofo, pois gostava muito de ficar no meu quarto sozinha, lendo os meus livros. Ali esquecia até das refeições. Você pode imaginar como eu era magrinha. O relacionamento com meus pais era tranquilo, nunca dei trabalho. Acho que o momento mais trabalhoso foi quando escolhi a religião que iria seguir. Acredita que foi o maior reboliço? Eu amava o evangelho e minha família era espírita, mas com o tempo as coisas foram tomando seu lugar. As roupas que usávamos nessa época eram assim: os homens usavam calças, bermudas e camisas, tudo bem composto; as mulheres usavam saias e vestidos bem compostos, nada que mostrasse o corpo. As mulheres não podiam usar calça, porque era coisa só de homem. Lembro que minha tia tinha uma amiga que era costureira e tinha dois filhos. Eles moravam no mesmo bairro e quase toda noite eu ia para a casa dela, com meus primos, brincar com os filhos dela, enquanto minha mãe provava vestidos. Tudo evoluiu com o passar do tempo. Antes nos correspondíamos por meio de cartas,
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telefones; hoje temos a tecnologia e é tudo online. Antigamente havia um respeito absoluto entre pais e filhos; hoje, isso é raridade. Os jovens de hoje se acham superiores a tudo e a todos, não respeitam mais ninguém. Pelos fatos absurdos que postam nas redes sociais, parecem bandidos. Estou sempre aconselhando meus filhos sobre isso. Sinto falta do tempo em que havia mais respeito e compreensão entre pais e filhos.
Maria foi uma das alunas que mais apresentou avanços em sua produção final.
Na análise da produção inicial, verificamos que ela não conseguiu apreender, a
princípio, a função e as características do gênero. Mas, após o desenvolvimento dos
módulos e depois de a termos orientado de forma individual fizemos isso com todos
os alunos que apresentaram mais dificuldades , a aluna conseguiu superar a maioria
dos problemas apresentados na primeira versão do seu texto.
Assim, no que diz respeito à função do gênero, o texto de Maria, que, na
produção inicial, se aproximava mais do relato pessoal, na produção final assume um
caráter mais social ou coletivo, uma vez que ela passa a narrar lembranças de fatos
vivenciados pela narradora durante sua infância e juventude, e neles transparecem os
modos de vida dos grupos sociais dos quais participava, como a família e os vizinhos.
Dessa forma, o conteúdo da última versão passa a ser os tipos de brincadeiras da época
em que a narradora era criança Meus pais sentavam na calçada e ficávamos
brincando de boneca, Pai Francisco, ciranda cirandinha, batatinha frita. [...]; o modo
de relacionamento com os pais O relacionamento com meus pais era tranquilo, nunca
dei trabalho. [...]; os modos de se vestir As roupas que usávamos nessa época eram
assim: os homens usavam calças, bermudas e camisas, tudo bem composto. [...] As
mulheres não podiam usar calça, porque era coisa só de homem; as formas de
correspondência Tudo evoluiu com o passar do tempo. Antes nos correspondíamos
por meio de cartas, telefones; hoje, temos a tecnologia e é tudo online.
O texto evidencia também os valores familiares da narradora, como se pode
observar no trecho:
Antigamente havia um respeito absoluto entre pais e filhos; hoje, isso é raridade. Os jovens de
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hoje se acham superiores a tudo e a todos, não respeitam mais ninguém. Pelos fatos absurdos que postam nas redes sociais, parecem bandidos. Estou sempre aconselhando meus filhos sobre isso.
Quanto à estrutura composicional, o texto de Maria apresenta todos os elementos
referentes ao gênero, tais como narrador em primeira pessoa; o tempo e o espaço onde
ocorreram os fatos, colocados no início de texto, compondo a introdução Passei toda
a minha infância e adolescência no bairro de Jaguaribe, na esquina da Floriano com a
Conceição, onde é a Pneu Shopping hoje, e tenho diversas lembranças dessa época,
pois brincávamos muito [...]; um enredo formado pelo relato de lembranças de fatos
vivenciados por alguém no passado; e a conclusão do texto, com o deslocamento da
narradora para o presente, comprovada pelo uso do verbo no presente Sinto falta do
tempo em que havia mais respeito e compreensão entre pais e filhos.
Em relação ao estilo, além de compor quadros de momentos da vida da
narradora através da disposição desses momentos em parágrafos diferentes, como
fizeram a maioria de seus colegas, e de comparar modos de vidas de ontem e de hoje,
como faz ao comparar as formas de correspondência [...] Antes nos correspondíamos
por meio de cartas, telefones; hoje, temos a tecnologia e é tudo online e as relações
entre pais e filhos Antigamente havia um respeito absoluto entre pais e filhos; hoje,
isso é raridade, Maria utiliza um recurso que nenhum outro aluno utilizou: o diálogo do
narrador com o leitor, como mostram os trechos Você pode imaginar como eu era
magrinha. , quando descreve o hábito da narradora de ficar lendo no quarto e de
esquecer até de fazer as refeições, e Acredita que foi o maior reboliço? ao falar do
momento em que esta escolhe não seguir a religião dos pais.
No que diz respeito aos aspectos linguísticos, na produção final, Maria comete
pouquíssimos desvios em relação à norma culta, como a falta de vírgula após os
hoje temos a tecnologia e é tudo
online. Antigamente havia um respeito absoluto entre pais e filhos; [ conseguindo
superar os problemas da produção inicial, quando ela, em algumas ocasiões, empregou
letra minúsculas depois de ponto e usou expressões próprias da linguagem oral.
A análise que vem a seguir diz respeito à produção de Paulo.
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Quadro 22 Transcrição das produções do aluno Paulo
Produção inicial Produção final O Por do Sol Quando eu era criança eu morava la no rio de janeiro, no bairro flamengo que era muito movimentado na época a parte que eu mais gostava é soltar pipa no morro do alemão por que na época não tinha postes e não tinha muitos edifícios. Ainda nessa fase meu lugar favorito era o parque afonso pena um lugar grande arborizado lá tinha uma pipoca deliciosa e um sorvete bom, falando em sorvete conheci um amigo de infância quando eu deixei cair o sorvete e ele me pagou outro e até hoje eu conheço ele. Minha casa era um pouco maior do que as normais tinha uma arvore que era grande eu subia direto lá, mais no topo tinha uma vista linda eu fazia questão de ver o por do sol todos os dias.
Um pôr do sol inesquecível Passei minha infância no Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo, que na época estava em desenvolvimento e já era muito movimentado. Lá tinha um lugar muito divertido, que era um lugar aberto e eu me divertia soltando pipa, pois batia muito vento e não tinha muitos edifícios. Já faz tempo que eu o visitei, mas acho que deve ter mudado muito. Ainda nesse tempo, um outro lugar que frequentava bastante era o parque Afonso Pena, que era um lugar enorme, com muitas árvores, onde eu costumava brincar com minha família, pois não tinha muitos amigos, mas mesmo assim me divertia muito. Lá tinha uma barraca de pipoca deliciosa e um sorvete muito bom. Por falar em sorvete, foi lá que conheci meu melhor amigo. Um dia, quando estava tomando sorvete, eu estava andando distraído e de repente esbarrei num menino e o meu sorte caiu. Eu fiquei muito triste e chorei. E o menino em quem eu esbarrei, gentilmente pagou outro para mim. O nome dele era Roberto. A gente passou a se encontrar muitas vezes ali e ficamos amigos até hoje. A minha casa era uma das maiores da minha rua e tinha uma árvore enorme, onde eu subia para brincar todos os dias, sem medo de cair e me machucar. De cima dessa árvore eu via o pôr-do-sol todo final de tarde. Esse era o meu lugar favorito e essa uma das melhores lembranças da minha infância.
Como já afirmamos na análise da produção inicial, Paulo não teve dificuldades
em relação a compreender a função social do gênero memórias nem quanto ao conteúdo
a ser abordado. Sua principal dificuldade foi relacionada à estrutura, problema que ele
superou após o desenvolvimento dos módulos. Na produção final, ele define a estrutura
dos parágrafos, eliminando os recuos das margens e os espaços em branco que
apareciam na primeira versão e faziam com que o texto perdesse uma das características
do texto em prosa, além de acrescentar novas informações e reordenar melhor as ideias,
deixando o texto mais claro e mais coeso.
Assim, em relação ao conteúdo e à estrutura, vemos que, na introdução já
presente na primeira versão, parte estrutural do texto que alguns de seus colegas não
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apresentaram, Paulo reorganiza as ideias de forma a deixar o texto mais coerente,
definindo melhor a época e o lugar onde o narrador passou sua infância Passei minha
infância no Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo, que na época estava em
desenvolvimento e já era muito movimentado.[...]. No segundo parágrafo, é
acrescentado novos elementos que esclarecem melhor os fatos narrados, como o fato do
narrador costumar brincar com a família no parque Afonso Pena e não ter muitos
amigos; o acréscimo da barraca que vendia a pipoca e o sorvete que menciona na
primeira versão; e conta mais detalhes sobre como ele conheceu o amigo de infância
com quem mantém contato até hoje. Finalmente, no último parágrafo, Paulo também
descreve melhor a árvore que havia na casa onde morava o narrador e de onde
costumava ver o pôr do sol, que dá título ao texto. Ele ainda conclui o texto
descrevendo as impressões do narrador sobre os fatos narrados Esse era o meu lugar
favorito e essa uma das melhores lembranças da minha infância. Assim, são visíveis os
avanços alcançados por Paulo tanto em relação ao plano do conteúdo como ao da
estrutura.
Quanto ao estilo, ele faz uso dos mesmos recursos utilizados na primeira versão,
ou seja, compõe quadros de momentos vividos pelo narrador, distribuídos, agora, não
mais em estrofes, mas nos três parágrafos do texto o bairro em que morou e o lugar
em que se divertia soltando pipas, o parque Afonso Pena e a árvore onde brincava e via
o pôr do sol, respectivamente.
Em relação aos aspectos linguísticos, também é perceptível que Paulo superou a
maioria das dificuldades relacionadas ao emprego da norma culta, embora, ao escrever
o texto final, ele tenha sido um dos alunos que vinha constantemente tirar dúvidas
quanto ao emprego de determinado sinal de pontuação ou sobre a grafia de certas
palavras e que realizou mais de uma reescrita. Vemos, ainda, que ele consegue utilizar
mais elementos coesivos, como conjunções, pronomes e adjuntos adverbiais
destacados no texto em azul , o que não ocorreu muito na primeira versão. Enfim,
no primeiro e no segundo parágrafos, os avanços de Paulo foram bastantes relevantes.
Continuemos as análises, a partir de agora, com a produção de Mário.
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Quadro 23 Transcrição das produções do aluno Mário
Produção inicial Produção final Infância Meu nome é Sérgio nasci em 1962 em Olinda um bairro chamado sitio novo em Pernambuco era d(ilegível) mulheres mas fui criado na paraiba. Tenho cinco irmãos estudei na escola erem (ilegível) Colegio municipal não era uma escola muito Boa pois era muito regrada tinha regras chatas como cantar o hino nacional so pode sentar quando o professor mandasse mas o melhor era o intervalo todo mundo correndo brincando feliz da vida diferente dos intervalos de hoje todos nos seus celulares tive três filhos e voltei a morar no recife sempre gostei de brincar as brincadeiras eram ótimas Polícia e ladrão, pega pega, cuscuz, barra bandeira etc. foi um tempo que não volta mais infelizmente.
História de vida Meu é Sergio, nasci em 1968 em Olinda, em um bairro chamado sitio novo, em Pernambuco, mas fui criado na Paraíba e tive cinco irmãos. Minha relação com eles não era muito boa, pois a gente brigava muito por conta de besteiras do tipo o controle da TV, o que só fazia piorar a Relação com meus pais, mas apesar de tudo a gente se amava. O meu pai odiava quando eu ia para a praça, pois pelo fato de ser um bairro periférico sempre tinha gente se drogando lá, mas era uma boa praça, tinha mato, escorrego, balanço, tinha bancos, mas o melhor de tudo, lá não tinha fio nem luz elétrica o que garantia minha diversão, pois podia soltar pipa sem engalhar e sem levar choque e podia brincar de pega-pega e policia e ladrão no escuro. até os namoros era diferente, era na porta de casa, com consentimento dos pais. A bons tempos que não voltam. ainda me lembro o dia que casei com Claudia, ela tava linda e nós tivemos nossos filhos, que graças a deus são saudáveis e hoje vivemos felizes.
Conforme já havíamos constatado na produção inicial, Mário conseguiu
apreender bem a função social do gênero Memórias e, apesar de escrever um único
parágrafo tanto na produção inicial como na final, seu texto se apresentou como um dos
mais completos em relação à estrutura, pois foi um dos poucos alunos que fez uma
introdução e uma conclusão melhor definidas. No entanto, vimos que o texto estava
muito sucinto e que algumas informações precisariam ser acrescentadas, o que ele fez
na produção final, como o trecho em que descreve a relação do narrador com os irmãos,
já que antes só havia dito que tinha cinco irmãos [...] Minha relação com eles não era
muito boa, pois a gente brigava muito por conta de besteiras do tipo o controle da TV,
o que só fazia piorar a Relação com meus pais, mas apesar de tudo a gente se amava.
Antes de falar das brincadeiras, Mário também descreve a praça onde brincava,
expondo os motivos pelos quais o pai não gostavam que ele fosse para lá O meu pai
odiava quando eu ia para a praça, pois pelo fato de ser um lugar periférico sempre
tinha gente se drogando lá [...] e os motivos que faziam com que ele se divertisse
mas era uma boa praça, tinha mato, escorrego, balanço, tinha bancos, mas o melhor de
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tudo, lá não tinha fio nem luz elétrica o que garantia minha diversão, pois podia soltar
pipa sem engalhar e sem levar choque e podia brincar de pega-pega e policia e ladrão
no escuro.
Na produção final, Mário retira o trecho em que falava como era a escola e como
as crianças da época se divertiam durante o intervalo, comparando-as com as de hoje,
mas acrescenta como era o modo de namorar Até os namoros era diferente, era na
porta de casa, com consentimento dos pais. Ele modifica também a conclusão,
acrescentando as impressões do narrador sobre os fatos, que já aparece na produção
inicial, falando sobre a lembrança do dia em este se casou e os seus sentimentos em
relação à família A bons tempos que não voltam mais. ainda me lembro o dia que
casei com Claudia, ela tava linda e nós tivemos nossos filhos, que graças a deus são
saudáveis e hoje vivemos felizes. Percebemos, assim, que Mário melhora o nível de
informatividade do texto com os acréscimos realizados e, apesar de ter eliminado uma
informação importante, colocada na primeira versão, que permitia visualizar valores e
costumes da época retratada e que não são mais usuais nos dias cantar o
so pode sentar quando o professor mandasse , seu texto continua
fornecendo indícios de modos de vida comuns numa determinada época, como o fato
das crianças poderem brincarem na rua, à noite, e o modo de namorar apenas com o
consentimento dos pais, o que quase não vemos mais nos tempos atuais.
Como vimos na produção inicial, um dos principais problemas apresentados por
Mário foi relacionado ao emprego da norma culta, mas ele também conseguiu bons
avanços em relação a esse aspecto, uma vez que, na última produção, cometeu menos
desvios referentes à pontuação e ao emprego, de forma inadequada, de letras maiúsculas
e minúsculas em algumas ocasiões, embora alguns ainda permaneçam. Apenas em
relação a um aspecto Mário não conseguiu avançar: a paragrafação do texto, pois ele
novamente escreve um único parágrafo, sem separar as ideias ou os assuntos tratados.
Dando continuidade, apresentamos, a seguir, a produção final de Carlos.
Quadro 24 Transcrição das produções do aluno Carlos
Produção inicial Produção final (Sem título) Olá, meu nome é netânia e vou contar um pouco da minha história... Primeiro eu
Tempos inesquecíveis Eu nasci em Pernambuco e vim para João Pessoa e foi então que minha história começou.
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nasci em Pernambuco e vim para João Pessoa e foi daí que minha história começou... Era eu e mais 6 irmãos. Chegamos todos matutos... com medo da ondas do mar, sem conhecer nada. Tinha medo de Papa Figo, tínhamos medo dos carros e medo das pessoas, enfim, medo de tudo... Daí comecei a estudar e fazer amigos e foi ai que começou toda minha história. A minha infância foi muito divertida eu e meus 6 irmãos eram muitos felizes, bricavamos de tudo um pouco... brincava de roda roda, de barra bandeira, de amarelinha, de esconde-esconde, de bolo e etc... A brincadeira que eu mais gostava era esconde-esconde por que eu ia me esconder com meu amigo e ai todo mundo achava um par... mais ninguém achava eu e meu amigo. Então todos ficavam com raiva e acabava a brincadeira, e meu irmão ia correndo pra dizer aos meus pais e eu lá doidinha pra não me encontrarem... Eu era muito namoradeira. O primeiro beijo meu foi quando eu tinha 12 anos, o engraçado era quando eu ia pra escola o meu irmão ficava na minha cola. Quando acabava a aula, ele estava lá na frente mim esperando... então eu via ele na frente e saia pelos fundos da escola e deixava ele me esperando por um longo tempo... enquanto isso eu namorava e ia para casa comer e dormir... Mais também eu trabalhei muito na roça do pai e ele botava a gente para limpar mato, colher hiame, ele não queria que agente estudasse, ele queria que nós ajudasse ele na roça e só... E aí minha falou: não, os meus filhos vão estudar. E graças a Deus nós conseguimos estudar. A minha infância foi muito boa, sadia, divertida, mais também a gente passou algumas dificuldades... mais graças a Deus a roça do pai nos ajudou bastante. E a minha família era todos evangélicos e muitos amigos das igrejas nós ajudou, e infelizmente a minha irmã caçula morreu de uma doença e restaram 6 comigo. Então essa foi um pouco da minha infância. Beijos e cheiro!
Era eu e mais seis irmãos. Chegamos todos matutos, com medo das ondas do mar, sem
tínhamos medo dos carros e medo das pessoas, enfim, medo de tudo. Comecei a estudar e a fazer amizades e foi então que ficou tudo divertido. A minha infância foi muito marcante, eu e meus irmãos éramos muito felizes. Brincávamos de tudo um pouco: brincávamos de roda-roda, de barra bandeira, de amarelinha, de esconde-esconde, de fazer bolinhos, etc. A brincadeira que eu mais gostava era de esconder, porque eu ia me esconder com meu amigo e então todos procurava um par para se esconder juntos. Mas nenhum conseguia nos achar. Então todos ficavam com raiva e acabava a brincadeira e meu irmão saía correndo pra casa, contar aos meus pais e eu lá, doidinha pra não me encontrarem. Eu era muito namoradeira, o meu primeiro beijo foi com 12 anos. O engraçado era que quando eu ia pra escola o meu irmão ficava me vigiando. Quando acabava a aula, ele estava lá em frente à escola, me esperando. Então eu via e saia pelos fundos da escola e deixava ele me esperando por um longo tempo. Enquanto isso, eu namorava um pouco e ia pra casa, comer e dormir. Mas também eu trabalhei muito na roça do meu pai, que mandava a gente para limpar mato, colher hiame e ele não queria que a gente estudasse. Ele queria que nós ajudasse ele na roça e só. Mas minha mãe falava
as a Deus conseguimos estudar. A minha infância foi muito boa, sadia, divertida, mas também a gente passou algumas dificuldades. Mas graças a Deus, a roça do pai nos ajudou bastante. Nos dias de hoje as coisas estão muito diferentes. Nós não podemos ajudar nossos pais,
brincadeiras do meu tempo de infância, que eram muito sadias. Ah, que saudades daquela época inesquecível.
(Entrevistada: A. L.)
100
Carlos quase não faz modificações em seu texto com relação ao conteúdo,
apresentando os mesmos fatos que já havia apresentado na produção inicial. Ele faz
apenas pequenas alterações na forma como escreve alguns trechos no terceiro e quarto
parágrafos, visando melhorar as passagens relatadas. Assim, em que descreve a
brincadeira de que a personagem-narradora mais gostava, foi modificado, na produção
A brincadeira que eu mais gostava era de esconder, porque eu ia me
esconder com meu amigo e então todos procurava um par para se esconder juntos. Mas
nenhum conseguia nos achar [...]
O engraçado era que quando eu ia pra escola o
meu irmão ficava me vigiando. Quando acabava a aula, ele estava lá em frente à
escola, me esperando. Então eu via e saia pelos fundos da escola e deixava ele me
.
As modificações mais marcantes ocorridas no texto, foram realizadas em sua
estrutura, já que Carlos eliminou a saudação que havia colocado na primeira versão e
modificou os últimos parágrafos, retirando as passagens que relata como os amigos da
igreja ajudaram a família da narradora a superar as dificuldades e menciona a morte da
irmã e acrescenta um trecho, comparando o costume de alguns pais, principalmente do
interior, colocarem os filhos para trabalhar e ajudar no sustento da família com o que
vigora na legislação atual Nos dias de hoje as coisas estão muito diferentes. Nós não
podemos ajudar nossos pais, .
Carlos também exclui a despedida que havia feito anteriormente e conclui o texto,
deslocando a narradora para o presente e descrevendo suas impressões sobre os fatos
narrados [...] e não vemos com frequência aquelas brincadeiras do meu tempo de
infância, que eram muito sadias. Ah, que saudades daquela época inesquecível ,
atendendo perfeitamente aos princípios de conclusão dos textos desse gênero.
Percebemos, assim, que Carlos teve a preocupação de melhorar a forma como
relata as lembranças da narradora, nas quais, como já afirmamos na análise anterior,
vislumbramos resquícios de valores, costumes e tradições socioculturais de determinada
época.
Em relação ao estilo, Carlos não alterou os recursos utilizados na produção
inicial, como a descrição para compor imagens dos costumes da época retratada, como
101
tipos de brincadeiras e o costume de crianças provenientes das classes menos
favorecidas socialmente trabalharem para ajudar no sustento da família, e comparações
entre modos de vida de ontem e de hoje, o que podemos ver no último parágrafo,
quando ele compara esses dois pontos com o que acontece nos dias atuais
Nos dias de hoje as coisas estão muito diferentes. Nós não podemos ajudar nossos pais, trabbrincadeiras do meu tempo de infância, que eram muito sadias. Ah, que saudades daquela época inesquecível.
Quando se trata dos aspectos linguísticos e discursivos, também percebemos que
Carlos supera as dificuldades apresentadas em relação, sobretudo, ao emprego dos
sinais de pontuação, pois ele elimina as reticências, usadas desnecessariamente na
versão anterior; elimina algumas marcas da oralidade, como o trecho Daí comecei a
estudar e fazer amigos e foi ai que começou toda minha história, que na reescrita ficou
Comecei a estudar e a fazer amizades e foi então que ficou tudo divertido; e reescreve a
passagem em que usa o discurso direto, para separar a fala da narradora da fala de sua
mãe Mas minha mãe falava
mas também mais também
texto de Carlos, no entanto, como o de todos os seus colegas, ainda apresenta pequenos
hiame
pra deixava ele
nada que comprometa o sentido e a informatividade do texto.
Para finalizar as análises, apresentamos, a seguir, a análise da produção final de Laura.
Quadro 25 Transcrição das produções da aluna Laura
Produção inicial Produção final Tempos que nunca voltarão Meus pais se casaram e quando eu tinha 7 anos se separaram, daí meu pai foi embora e deixou minha mãe criando 5 filhos sozinha. Morávamos em uma rua bem legal no bairro de Mandacaru. Tínhamos bastante vizinhos que ficavam até tarde
Tempos que nunca voltarão Nasci em João Pessoa e passei minha infância no bairro do Mandacaru. Meus pais eram casados e quando eu tinha 7 anos de idade, se separaram. Daí meu pai foi embora e deixou minha mãe e 5 filhos sozinha, inclusive eu. Eu me senti muito triste quando meu pai nos abandonou, sentia a ausência de alguém para
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brincando de diversas brincadeiras na rua, tais como, pega-pega, bolas de gude, pipa, adedonha e etc. Meu relacionamento com minha mãe era bem diferente que os relacionamentos de hoje em dia porque eu não respondia e éramos bem obedientes até eu ficar adolescente e mais rebelde, comecei a sair de casa escondido e usar roupas da moda de antigamente, ou seja, calça cintura alta, blusas de rendinha, saias mais justas , e antes tinha uma moda de usar roupas rasgadas que todo mundo curtia. Na minha época o modo de namorar era exemplar, tínhamos que levar o pretendente para apresentar a sua mãe e ela sempre tinha que está presente quando ambos estavam juntos. Até o modo de se divertir na minha época era meio que diferente de hoje, a gente podia chegar de uma festa tarde da noite e nada acontecia porque a violência era básica, melhor que hoje em dia. Eu e minhas amigas íamos pra lambada dançar bastante. Ah que saudades daquele tempo bom!!
me dar lição de moral, senti falta de um pai. Morávamos em uma rua bem legal, tínhamos bastante vizinhos que ficavam até tarde brincando de diversas brincadeiras na rua, tais como pega pega, bolas de gude, pipa, adedonha, etc. Meu relacionamento com minha mãe era diferente dos relacionamentos de hoje em dia, porque eu não respondia e era bem obediente, enquanto criança, claro. Fui ficando adolescente e rebelde. Comecei a sair de casa escondido e usar
de cintura alta, blusas de rendinha, saias mais justas e roupas rasgadas, que tava na moda e todo mundo curtia usar. Naquele tempo o modo de namorar era exemplar, tínhamos que levar o namorado para apresentar à nossa mãe e ela tinha que estar presente quando ambos estavam juntos. Também o modo de se divertir, naquele tempo, era diferente de hoje, a gente podia chegar de uma festa tarde da noite e nada acontecia porque não era tão violento como hoje em dia. Minhas amigas e eu íamos dançar na lambada, agente se divertia bastante mesmo. Ah que saudades daquele tempo bom!
A exemplo de Carlos, Laura também não faz grandes modificações em seu texto
em relação ao conteúdo e as alterações feitas são no sentido de melhorar a exposição
das ideias, como no primeiro parágrafo, em que ela traz, para o início do texto, o bairro
onde a narradora nasceu e passou a infância, antes registrado no segundo parágrafo, e
ainda acrescenta a cidade para definir melhor o espaço onde ocorreram os fatos Nasci
em João Pessoa e passei minha infância no bairro do Mandacaru. Meus pais eram
casados e quando eu tinha 7 anos de idade, se separaram. Daí meu pai foi embora e
deixou minha mãe e 5 filhos sozinha, inclusive eu. Em seguida a esse trecho, Laura
acrescenta um outro, dizendo como a narradora se sentiu quando o pai abandonou a
família Eu me senti muito triste quando meu pai nos abandonou, sentia a ausência de
alguém para me dar lição de moral, senti falta de um pai. , conferindo um tom mais
sentimental ao texto.
Nos parágrafos seguintes, Laura também altera, sem modificar o sentido, a
forma como o texto está escrito na primeira versão, como o início do terceiro parágrafo,
103
Meu relacionamento com minha mãe era
diferente dos relacionamentos de hoje em dia, porque eu não respondia e era bem
obediente, enquanto criança, claro. Fui ficando adolescente e rebelde. [...]; e no último
parágrafo, que ela altera para Também o modo de se divertir, naquele tempo, era
diferente de hoje, a gente podia chegar de uma festa tarde da noite e nada acontecia
porque não era tão violento como hoje em dia. [...].
Podemos perceber que, assim como aconteceu com Carlos, a principal
preocupação de Laura foi organizar melhor as ideias do texto ou conferir mais clareza a
essa ideias, uma vez que, em relação ao conteúdo e à função do gênero relatar fatos
vividos por alguém no passado, nos quais transparecem costumes e valores da época
retratada , ela não teve grandes dificuldades.
Quanto à estrutura, como vimos na produção inicial, o texto de Laura apresentou
todos os elementos estruturais do gênero memórias narrador em primeira pessoa,
tempo, espaço e enredo, constituído pelas lembranças de alguém, de fatos passados e
vimos também que seu texto apresenta introdução e conclusão, o que não acontece com
a maioria dos textos de seus colegas. Laura mantém todos esses elementos na produção
final e ainda se preocupa em melhorar o plano global do texto, fazendo alterações na
introdução, como mencionamos acima, para situar melhor o leitor no tempo e no
espaço, não só deslocando um trecho para o início do texto, como também
acrescentando uma informações que ajudam a definir melhor a época e o lugar onde
ocorreram os fatos Nasci em João Pessoa e passei minha infância no bairro do
Mandacaru. [...].
Em relação ao estilo, Laura fez uso, na produção final, dos mesmos recursos que
Carlos e a maioria dos alunos utilizaram na produção inicial, ou seja, a descrição, para
compor quadros de determinados momentos da vida de alguém, nos quais são visíveis
costumes e valores socioculturais de uma dada época e de um determinado grupo social,
e a comparação de modos de vida do passado e do presente, o que torna mais evidentes
tais valores e costumes.
Por fim, Laura, assim como seus colegas, consegue avançar em relação aos
aspectos linguísticos nos quais apresentou dificuldades, como o emprego dos sinais de
pontuação, principalmente, mas ainda preserva alguns desvios cometidos, como uso de
expressões orais daí tava moda
104
hoje ltimo. Mas, como já afirmamos nas análises anteriores, os
desvios cometidos por Laura e seus colegas, relacionados ao uso da norma culta, não
chegam a comprometer o sentido e a função do texto.
5.7.2 Resultados e discussões
Como já afirmamos anteriormente, o corpus que selecionamos para análise é
representativo dos problemas mais recorrentes na produção inicial e dos alunos que
apresentaram mais dificuldade em apreender a função e/ou as características do gênero
Memórias.
Vimos, pelas análises realizadas, que, em relação ao conteúdo primeiro critério
sugerido por Bakhtin (2011) para análise do gênero , a maioria dos alunos não teve
maiores dificuldades em apreender esse elemento, pois, desde a produção inicial, com
exceção da aluna Maria, que produziu um relato pessoal, todos entenderam a função
social do gênero Memórias e relataram lembranças individuais de membros de suas
famílias, como ficou determinado na apresentação da situação. Um dos principais
problemas apresentados pela maioria dos alunos, no tocante a esse aspecto, foi
relacionado à informatividade do texto, que, segundo Koch e Travaglia (2008),
(KOCH, TRAVAGLIA, 2008, P.70-71). Para esses autores, quanto mais previsível ou
esperada for a informação de um texto, menor será o seu grau de informatividade e
quanto mais informações não previsíveis contiver o texto mais informativo ele será.
rmatividade é
apresentados, inicialmente, na maioria dos textos produzidos pelos alunos: a falta de
informações que pudessem exprimir melhor os sentimentos e impressões do narrador
sobre os fatos narrados, como convém aos textos literários, esfera à qual pertence o
texto de Memórias. Tal problema foi resolvido ou amenizado com o desenvolvimento
dos módulos 1 e 2, nos quais pudemos tratar desses aspectos e foram dadas aos alunos
condições para que eles pudessem observar e refletir sobre o que faltava em seus textos
e complementá-los.
105
Percebemos também que as principais dificuldades apresentadas por muitos
alunos foram relacionadas ao segundo elemento a estrutura composicional, pois
alguns não entenderam, a princípio, o plano global do texto, deixando, muitas vezes de
situar o leitor no tempo e, sobretudo, no espaço onde os fatos ocorreram e também
deixaram de apresentar uma conclusão de seus textos nos moldes que se espera para
produções desse gênero. Esse problema também foi superado, pela maioria, com o
desenvolvimento do módulo 2, quando mostramos, inicialmente, a partir da análise de
textos que exemplificaram esse elemento, ou seja, que traziam de modo claramente
definido o início, o meio e fim da narrativa, e depois através da análise e reescrita de
alguns de seus textos, como compor a estrutura textual do gênero Memórias.
No que se refere ao estilo terceiro critério de análise proposto por Bakhtin
(2011), vimos que textos da esfera literária primam pelo tratamento estético da
linguagem, conseguido, geralmente, pelo uso de recursos estilísticos, como a conotação.
No entanto, muitos alunos tiveram dificuldade em empregar tais recursos, se valendo, a
grande maioria, da linguagem predominantemente denotativa. Contudo, eles usaram
outros recursos que são característicos do estilo das memórias e que permitiram criar ou
compor quadros de costumes, valores e modos de viver de outras épocas, como a
descrição de personagens, lugares, objetos, sentimentos e sensações, visando conduzir o
leitor a uma visão detalhada dos fatos narrados; e a comparação entre o presente e o
passado, com o fim de evidenciar contrastes e, implicitamente, levar à reflexão crítica
sobre os modos de vida de gerações passadas e atuais, o que pode, segundo Souza
(2014), contribuir para a formação de suas identidades. Mas também tivemos algumas
surpresas, como foi o caso da aluna Carla, que, como já mostramos na análise de seus
textos, procurou utilizar a linguagem figurada em algumas passagens da sua produção
final e
, e da aluna Maria, que, em alguns momentos dialoga com
o leitor, recurso geralmente usado por escritores proficientes Você pode imaginar
como eu era magrinha. e Acredita que foi o maior reboliço?
Outra questão que ficou constatado nas produções iniciais e também nas
produções finais, como já reiteramos anteriormente, foi relacionado ao uso inadequado
da norma padrão da língua pela maioria dos alunos. E, como já afirmamos, embora o
foco do nosso trabalho não tenha sido o aspecto linguístico, resolvemos desenvolver
106
alguns módulos para trabalhar os problemas mais recorrentes ou de maior interesse da
turma, uma vez que, como também já dissemos em momento anterior, alguns alunos
nos pediram para tratar alguns pontos que eles tinham dificuldades.
O fato de os alunos, em sua maioria, como afirmamos no capítulo metodológico,
serem provenientes de comunidades carentes e terem pouco acesso a bens culturais,
sobretudo os que se utilizam da norma padrão da língua, pode ser um dos fatores que
justificam a grande dificuldade que muitos têm de usarem essa variedade no seu
cotidiano. Mas, como pudemos observar nas produções finais, as dificuldades
relacionadas a esse aspecto também foram amenizadas com o trabalho sistemático e
reflexivo dos módulos, fazendo com que muitos se tornassem mais conscientes do seu
processo de produção, uma vez que, ao passar a limpo a última versão, alguns se
preocuparam em tirar dúvidas sobre algumas questões linguísticas ou discursivas que
eles ainda tinham. Dessa forma, é possível perceber que muitos alunos, após o
desenvolvimento dos módulos, passaram a entender a importância da revisão para o
aprimoramento textual, sobretudo, quando o texto se destina a situações mais formais
ou públicas, como foi o caso dos textos produzidos por ocasião da aplicação de nossa
proposta de intervenção, que, como ficou acertado na apresentação da situação, seriam
expostos no blog da escola, para que toda a comunidade escolar pudesse visualizá-los.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final da aplicação de nossa proposta de intervenção, que teve como base a
SD de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), e ao analisarmos as produções finais,
constatamos que os resultados foram positivos, já que as produções dos alunos nos
mostraram que eles superaram ou amenizaram dificuldades concernentes à produção de
um gênero textual, no caso, o gênero Memórias, ao mesmo tempo em que puderam
entrar em contato com memórias de pessoas representativas dos grupos sociais nos
quais estão inseridos.
Percebemos também, com a análise das produções finais, que os alunos
conseguiram amenizar as dificuldades iniciais, mas apresentaram outras, o que nos faz
constatar que seria necessário a continuação do trabalho, com outras sequências, para
que os resultados tivessem ainda mais êxito.
Com essa constatação, fica evidente, que o procedimento sequência didática,
idealizado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), é uma forma eficaz de se trabalhar a
habilidade de produção escrita na medida em que instrumentaliza o aluno para usar a
língua em contextos concretos de comunicação, atendendo ao que preconiza Bakhtin
(2011), para quem a língua realiza-se nos atos de fala, ou seja, nas situações
comunicativas efetivas entre os usuários, na medida em que for utilizado de forma
contínua, trabalhando-se constantemente os problemas decorrentes das necessidades dos
alunos em relação ao uso efetivo da língua. Ou seja, trabalhar com o procedimento em
apenas um momento específico não é suficiente para resolver todas as dificuldades.
A SD também atende, assim, aos princípios norteadores e as diretrizes dos PCN
(BRASIL, 1998), segundo os quais o trabalho de produção textual deve ser realizado
através de sequências de atividades, organizadas e realizadas gradualmente, de forma a
fazer com que o alune se aproprie, gradativamente, das características linguísticas e
textuais do gênero a ser produzido.
No que diz respeito às dimensões sócio-histórico-culturais do gênero Memórias,
constatamos que, ao retratarem as lembranças de pessoas de seu convívio familiar pais
e avós, principalmente , os textos dos alunos deixaram transparecer valores, costumes,
108
e tradições vividas por todo um grupo social, em uma determinada época, confirmando
o pensamento de Halbwachs (1990) de que a memória individual sofre influência da
memória coletiva, uma vez que
para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu ambiente (HALBWACHS, 1990, p. 72).
Assim, as lembranças relatadas não são apenas evocações individuais, mas
traduzem o modo de pensar e de agir de todo um grupo social em momentos passados,
que continuam a influenciar os membros desse grupo no presente, na medida em que, de
acordo com Souza (2014), permite que os sujeitos se apropriam de imagens do passado
para rever e analisar posturas e comportamentos atuais.
Nesse sentido, ficou perceptível também que esses valores contribuem para a
formação da identidade dos sujeitos produtores das memórias escritas, pois, segundo Le
atual ao passado, pautado pelas preocupações do presente, é necessariamente um
p. 110). Ainda
segundo estudos de Souza (2014), por ser a família o primeiro grupo social do qual o
sujeito faz parte, é dela que se recebe as primeiras memórias compartilhadas, as quais
são carregadas de sentido identitário. Desse modo, as lembranças familiares partilhadas
pelos alunos constituem fatores determinantes para a formação de suas identidades.
Quanto ao aspecto linguístico, o desenvolvimento deste projeto nos levou à
conclusão de que, assim como já haviam observado outros estudiosos, como Araújo
(2013), o trabalho com a sequência didática, procedimento idealizado para o ensino da
produção textual oral e escrita, se adequa também ao ensino de língua, quando
trabalhado na perspectiva sócio-interacionista, como sugerem os autores da SD, ou seja,
quando trabalhada a partir das necessidades do aluno e através de atividades
sistematizadas, com foco no uso e reflexão sobra a língua. E foi isso o que fizemos, pois
partimos das dificuldades apresentadas pelos alunos na produção inicial, elaboramos
109
atividades que lhes possibilitassem a observação e a reflexão do uso dos pontos
levantados, tais como pontuação e elementos coesivos, em seus próprios textos, e os
levamos a amenizar as dificuldades na produção final. E, embora constatássemos que
alguns problemas ainda persistiram ou outros surgiram, percebemos que o progresso foi
significativo e que o trabalho com a SD foi eficaz também nesse aspecto.
Desse modo, ao concluir as atividades do projeto percebemos que este foi
relevante para o aprendizado dos alunos, pois lhes proporcionou oportunidade de
melhorar a habilidade de produção escrita e também de uso da língua na modalidade
padrão de forma efetiva e significativa, além de contribuir para o resgate dos valores de
seu grupo familiar, que são fundamentais para a afirmação de suas identidades.
Percebemos também a relevância do projeto para o trabalho docente, uma vez
que este nos possibilitou rever e refletir sobre a nossa prática, constatando no cotidiano
escolar, o que já se sabe teoricamente, a importância de atrelar teoria e prática para se
realizar um trabalho que contribua efetivamente para a aprendizagem dos alunos.
Assim, os conhecimentos teóricos adquiridos com o desenvolvimento do projeto
orientaram e transformaram consideravelmente a nossa prática, fazendo-nos
profissionais mais preparados para enfrentar os desafios da sala de aula.
110
REFERÊNCIAS
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114
ANEXO A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Senhor (a)
Esta pesquisa é sobre o processo de ensino e aprendizagem da escrita e está sendo desenvolvida pela pesquisadora RAIMUNDA DE SOUSA NETA, com alunos do 9º Ano, sob a orientação da Profa. Dra. Laurênia Souto Sales.
O objetivo do estudo é oportunizar aos alunos do 9º Ano do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal da cidade de João Pessoa PB, situações que lhes permitam aperfeiçoar a habilidade de produção escrita a partir do gênero textual Memórias.
Solicitamos a sua colaboração no sentido de autorizar a participação de sue/sua filho(a) nas atividades que serão propostas, para que ele possa executar os exercícios que possibilitarão a melhoria na habilidade de produção escrita. Além disso, pedimos sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de linguagens e publicar em revista científica (se for o caso). Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo. Informamos que esta pesquisa não oferece riscos, previsíveis, para a sua saúde.
Esclarecemos que a participação de seu/sua filho(a) no estudo é voluntária e, portanto, ele(a) não é obrigado(a) a colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador(a). Caso o(a) senhor(a) decida que ele(a) não deva participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa.
Fica esclarecido ainda que os benefícios que esta pesquisa pode proporcionar para os participantes são claramente superiores a eventuais riscos, uma vez que será preservada a sua identidade, quando da utilização de seus textos produzidos nas atividades, o que exclui a possibilidade de exposição dos mesmos diante do grupo e das pessoas que tomarão conhecimento da pesquisa. Os benefícios esperados com o resultado desta pesquisa são: o aperfeiçoamento da habilidade de produção escrita, o que o(a) torna apto(a) a participar de forma mais efetiva nas esferas comunicativas sociais que exigem tal habilidade, e a afirmação de sua identidade individual e coletiva, através do resgate de valores e costumes dos grupos sociais com os quais convive.
Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para a pesquisadora RAIMUNDA DE SOUSA NETA. Endereço: Rua estudante Manoel Soares de Lima Filho, nº 29, Bl. A Apto. 103, Jardim São Paulo João Pessoa/PB. E-mail: [email protected]. Telefones: (83) 98650-9655/ 99914-4269.
115
Ou Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba. Campus I - Cidade Universitária - 1º Andar CEP 58051-900 João Pessoa/PB. Fone: (83) 3216-7791 E-mail: [email protected].
Dado o exposto, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e dou o meu consentimento para a participação do(a) meu/minha filho(a) na pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia deste documento.
João Pessoa, ________ de ________ de 2016.
_________________________________________
Participante da pesquisa ou Responsável Legal
Atenciosamente,
______________________________ _____________________________
Raimunda de Sousa Neta Dra. Laurênia Souto Sales Pesquisadora Responsável Professora Orientadora
116
ANEXO B CARTA DE ANUÊNCIA
Pelo presente consentimento, declaro que fui informada, de forma clara e
detalhada, do projeto de pesquisa a ser desenvolvido nesta instituição, que tem por
objetivo geral desenvolver uma proposta de intervenção, partindo do procedimento
sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com alunos do 9º Ano do
Ensino Fundamental, de forma a oportunizar situações que lhes permitam aperfeiçoar a
habilidade de produção escrita do gênero textual Memórias, promovendo, assim, um
melhor desempenho dessa habilidade.
Tenho conhecimento de que receberei resposta a qualquer dúvida sobre os
procedimentos e outros assuntos relacionados a esta pesquisa. Também terei total
liberdade para retirar meu consentimento a qualquer momento, podendo deixar de
participar do estudo. Tenho consciência, ainda, que a participação nesta pesquisa não
terá complicações legais. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos e
desconforto aos participantes.
Concordo em participar deste estudo, bem como autorizo, para fins
exclusivamente de pesquisa, a utilização dos dados coletados. O registro das
observações ficará à disposição da Universidade para outros estudos, sempre
respeitando o caráter confidencial das informações registradas e o sigilo de identificação
dos participantes. Os dados serão arquivados pela pesquisadora, e destruídos depois,
decorrido o prazo de 05 (cinco) anos.
Os responsáveis por este projeto são: Professora Doutora Laurênia Souto Sales
(UFPB) [email protected] e a mestranda Raimunda de Sousa Neta (UFPB)
João Pessoa/PB, __________ de __________ de 2016.
Nome da Instituição: _______________________________________
Responsável pela Instituição: ___________________________________
117
_________________________________ ____________________________
Profa. Dra. Laurênia Souto Sales Raimunda de Sousa Neta Professora Orientadora Pesquisadora Responsável
120
ANEXO E TEXTOS UTILIZADOS NA APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO
Texto 1
Pais e irmãos
Edy Lima
Meus pais se casaram muito jovens. Meu pai era amigo do irmão de minha mãe,
que decerto o apresentou à irmã porque o queria para cunhado. Eles não contavam desse
jeito, com o ar de troça que estou dando, mas deve ter sido assim.
Seja como for, a relação dos dois foi muito harmoniosa. Nasci vinte anos depois
do casamento. Antes de mim tiveram três filhos e três filhas, que já eram adolescentes
ou pré-adolescentes quando cheguei. Todos cuidaram de mim e sempre me protegeram
vida afora. Morávamos em Bagé, uma cidade bem ao sul, junto da fronteira com o
Uruguai. Meu pai era dono de açougue, mas o importante para mim foi o fato de ele ser
dono também de um teatro, que era alugado para companhias teatrais itinerantes. Lá
eram apresentados espetáculos de variedades, quer dizer, canto, dança, pequenas cenas
de humorismo, mágicos, malabaristas, atiradores de facas e outros números circenses. O
meu contato com o teatro é muito intenso, inclusive nos bastidores. É evidente que meu
pai amava muito esse ambiente, e íamos lá, ele e eu.
Devido à diferença de idade, quase nunca convivi com todos os meus irmãos ao
mesmo tempo. Alguns foram estudar em Porto Alegre. Minhas irmãs mais velhas
casaram quando eu ainda era muito pequena. Apesar de tudo nos amávamos muito. Aos
dezoito anos, mudei de Bagé para Porto Alegre e dois anos depois definitivamente para
São Paulo. A ligação com meus irmãos continuou forte. Agora, só resta eu.
(Edy Lima. Pais e irmãos. In: Memórias da Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: Museu da Pessoa:
Editora Petrópolis, 2009, p. 51)
121
Texto 2
Memórias da infância
Mary França
Na minha rua tinha uma fábrica de bonecas. Isso ficou muito marcado na minha
memória. Era uma coisa bem mágica, e o fato de a fábrica ser minha vizinha era algo
muito legal. Eu me lembro só da fachada, da sala, da saleta, das bonecas no mostruário.
Do fazer das bonecas, não tenho ideia de como era. Lembro também que uma vizinha
tinha uma árvore enorme no quintal, e ao redor dela brincávamos de boneca, de fazer
comidinha. Sempre gostei de fazer comida, desde que tinha cinco anos.
Quando saí de Santos Dumont, ainda não estava sendo alfabetizada; estava no que
hoje se ch
primeira escola: uns decalques que minha mãe colava nas folhas de papel para ficarem
bonitas. Depois, quando me mudei para Barra do Piraí, fui para uma escola que se
chama Nossa Senhora Medianeira. Comecei, então, o período de alfabetização. Foi um
momento importante, e bem legal. Eu voltava sempre para Santos Dumont quando a
saudade apertava.
Entre Santos Dumont e Barra do Piraí são uns duzentos, duzentos e cinquenta
quilômetros. Hoje em dia não é longe, mas a estrada era estreita, havia pedaços que
ainda passavam pelo riozinho era uma coisa meio de aventura. Meu pai tinha carro na
época, mas nem sempre íamos de carro, íamos mais de trem. Viajávamos muito de trem.
Era uma delícia, uma coisa bem curiosa. No entanto, me lembro mais das viagens de
carro porque era uma coisa mais de aventura, a estrada às vezes acabava e tinha que
fazer um desvio.
(Mary França. Memórias da infância. In: Memórias da Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: Museu da
Pessoa: Editora Petrópolis, 2009, p. 131)
122
ANEXO F TEXTO UTILIZADO NO MÓDULO 1
Cenas de Caratinga
Ziraldo
Na Caratinga da minha infância tinha uma praça muito bonita, com palmeiras-
imperiais que ainda estão lá. A cidade era famosa por essa praça. Tinha um jardim feito
por um jardineiro escultor: como tudo era de fícus, ele esculpia passarinhos e flores com
as plantas. Mas era sem calçamento, um lamaçal incrível. Eu morava numa rua sem
calçamento, e o nosso negócio era voltar para casa, pegar uma faca e tirar o barro do
sapato; depois, botar o sapato na frente do fogão para poder secar.
Tinha também o rio onde a gente nadava, brincava... Eu tinha uma brincadeira
io; a gente abaixava a
cabeça e ficava olhando ele passar. Um dia o Chapelão saiu com merda na testa. Todo
minha infância foi enterrar amigos de infância, eu tinha um enterro por semana. Eu
perdi uns dez amigos de infância de esquistossomose, entre amigos e conhecidos. Era
barriguinha inchada. Era uma pobreza. Quando eu vejo Amarcord, de Fellini, penso que
aquela história é um pouco o começo do fascismo, um pouco antes da Guerra.
(ZIRALDO. Cenas de Caratinga. In: Memórias da Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: Museu da Pessoa: Editora Petrópolis, 2009, p. 201)
123
ANEXO G TEXTO UTILIZADO NO MÓDULO 2
O valetão que engolia meninos e outras histórias de Pajé
Autor(a): Kelli Carolina Bassani*
Já foram escritas muitas histórias da época em que os meninos engraxates eram
engolidos pelo valetão da Rua Sete de Setembro. Mas, nenhuma delas conta esta ou
outras histórias de Pajé. Guardo-as dentro do peito, como boas lembranças da rua onde
vivi e que teimam em se misturar com a história da cidade.
Nascemos juntos: eu, a rua e essas histórias. Somos uma coisa só, mas nós não
estamos nos livros. Estamos na contramão, por isso me atrapalho com as palavras. Às
vezes falta ar, outras o ar é demais, então o meu coração acelera, o nó na garganta avisa:
o menino Pajé vai acordar!
Hoje, quem não conhece a Rua Sete de Setembro é porque não conhece minha
cidade Toledo. Apertada entre outras no extremo oeste paranaense, bem pertinho do
Paraguai, surgiu de uma clareira no meio da mata.
Naquele tempo, uma clareira; hoje Rua Sete de Setembro. Essa rua foi crescendo
e acolhendo o progresso que tenta esconder e aprisionar as histórias de Pajé. Elas estão
descansando embaixo do calçamento, dos asfaltos, dos prédios, das casas. Basta um
sinal que elas voltam.
Cheiro de terra molhada esse era o sinal. E, ainda hoje, sinto esse cheiro
entrando no meu cérebro e mexendo com o meu coração. Naquele tempo bastava sentir
o cheiro de terra molhada para que nós, os meninos engraxates, escondêssemos nossas
engraxadeiras caixa de madeira em que se guardava o material necessário para
engraxar sapatos no porão dos fundos da bodega do Pizetta e, como garotos matreiros,
saíssemos de mansinho, sem despertar curiosidade. Corríamos lá embaixo, no começo
da rua que embicava no meio da mata, pois o mistério ia começar!
A chuva caía e formava muita enxurrada que, com sua força, trazia a terra
misturada. Parecia uma cascata de chocolate que despencava no valetão buraco muito
profundo provocado pelas enxurradas, erosão. A água fresquinha que caía do céu
misturava com a terra quente e provocava o mistério. Nós éramos puxados para dentro
daquele enorme buraco, por uma força estranha sem dó. Mesmo os que não queriam não
conseguiam resistir, porque a magia era muito forte e, em poucos segundos, estávamos
124
lá dentro, na garganta do valetão, onde brincávamos durante horas. Nessas horas o
trabalho era esquecido.
Quando eu era menino, trabalhava muito. Todos os dias de manhã ia à escola e,
ao retornar, mal acabava de almoçar, pegava a engraxadeira, colocava nas costas para a
rua, quer dizer, para o trabalho. A engraxadeira era muito grande e pesada para meu
tamanho eu era apenas um garoto! Mas era a única forma de ajudar minha mãe no
sustento da família.
Sentia como se estivesse carregando o mundo sozinho.
Hoje sou adulto e sei que aquela magia era fruto de nossa fantástica imaginação.
Como qualquer outro menino, o engraxate também tinha direito de brincar. Uma das
poucas vezes em que podíamos fazer isso era quando chovia. Mesmo que depois nos
custasse castigos e surras.
Atualmente, as brincadeiras, comparadas com as de meu tempo, são muito
diferentes. Hoje, os heróis são Superman, Batman, Homem Aranha. Antes tínhamos
heróis indígenas, com suas histórias cheias de mistérios das florestas.
Naquele tempo, quando chovia, o valetão da Rua Sete de Setembro era nosso
mundo fantástico. Além das divertidas brincadeiras no lamaçal que escorria da rua,
fazíamos cabanas no paredão da erosão, guerrilhas com bodoque, usando sementes de
árvores como cinamomo e mamona.
Quando não chovia, sobrava tempo para brincar só aos domingos. Então, eu
Pajé e minha turma nos reuníamos na mata, que se misturava com o terreiro das casas.
Nele, construíamos cabanas, arcos, flechas, tacapes. Pintávamos o corpo todo
com barro e frutinhas da mata. Assim, sentindo-nos como heróis, brincávamos de índios
guerreiros, até o sol se esconder.
Nossa vida se enchia dos poderes que vinham da mata e seguia solta, como
passarinho. O fim da história? Não sei não, porque eu ainda vivo. E enquanto eu viver
as lembranças nunca vão terminar.
(Baseado na entrevista com Clovis Turatti. Ele nasceu, cresceu e trabalhou como
engraxate, desde 5 anos, na Rua Sete de Setembro. Hoje é funcionário Público
Municipal.)
125
(*Vencedora da Edição 2006 do Prêmio Escrevendo o Futuro, na categoria Poesia. Kelli é aluna da
professora Salete Conceição Assufi Dallanol e mora na cidade de Toledo, no Estado do Paraná.)