universidade federal da paraiba / universidade … · universidade federal da paraiba /...

of 181 /181

Author: others

Post on 18-Jul-2020

6 views

Category:

Documents


0 download

Embed Size (px)

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA / UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

    PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    ANNA KARLA CAVALCANTE MOURA

    O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE TURÍSTICA:

    UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS TEORIAS DA SUSTENTABILIDADE, DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DO DISCURSO OFICIAL DO TURISMO NA PARAÍBA

    João Pessoa – PB

    2008

  • ANNA KARLA CAVALCANTE MOURA

    O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE TURÍSTICA:

    UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS TEORIAS DA SUSTENTABILIDADE, DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DO DISCURSO OFICIAL DO TURISMO NA PARAÍBA

    Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Orientadora: Profª. Drª. Loreley Garcia

    João Pessoa – PB

    2008

  • Foto da capa: Praia de Coqueirinho, Conde – PB Fonte: PBTUR, 2003

    OBS.: Ficha catalográfica na capa do cd.

  • ANNA KARLA CAVALCANTE MOURA

    O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE TURÍSTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS TEORIAS DA SUSTENTABILIDADE, DAS

    POLÍTICAS PÚBLICAS E DO DISCURSO OFICIAL DO TURISMO NA PARAÍBA Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA – da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________ Profa. Dra. Loreley Gomes Garcia

    (Orientadora – CCHLA/UFPB)

    __________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Ferreira da Costa Lima (Examinador interno – CCHLA/UFPB)

    __________________________________________ Prof. Dr. Lindemberg Medeiros de Araújo

    (Examinador externo – UFAL)

    __________________________________________ Prof. Dr. Alberto Kioharu Nishida

    (Examinador suplente – CCEN/UFPB)

  • i

    A todos os que amam a natureza e lutam pela causa ambiental.

  • ii

    AGRADECIMENTOS A Deus Pai, por Seu infinito amor e fidelidade, por todas as bênçãos recebidas, por tudo o que tenho e tudo o que sou. Aos meus pais, Jorge e Creusa, pela minha formação, pelo amor incondicional, pelo incentivo, pela inspiração, por acreditarem em mim, pelas orações e intercessões, por se orgulharem de mim desde criança. A Gustavo, meu companheiro, meu amor, meu amigo, meu refúgio... Por cuidar de mim, por me incentivar, pelo carinho, pela paciência, por ter passado os últimos três anos me ouvindo falar sobre sustentabilidade sem reclamar... Por estar disposto a dividir o resto dos seus dias comigo... À minha irmã Anna Elisa, por me amar do seu jeito, por ser tão parecida comigo, pelo companheirismo e pela amizade. À minha família, em especial à minha avó Néa, por ser um exemplo de mulher, por se orgulhar de mim e me apoiar em tudo que decido fazer. A Dera e Paulo, por serem a minha segunda família, pelo carinho, incentivo e força que nunca faltaram, pelas longas conversas sentados à mesa, pelos inúmeros jantares e viagens. À Profa. Loreley Garcia, minha orientadora, por ter aceitado o convite para me orientar, por acreditar no meu trabalho, pelas sugestões, correções, críticas e elogios, pela parceria e confiança. Às secretárias do PRODEMA Hélia Ramalho e Amélia Ferreira, pela prestatividade, eficiência, empenho e atenção, todas as vezes que precisei de seus serviços. Ao Prof. Guy Nishida, por ser meu orientador no estágio docência, pela amizade, admiração e companheirismo; por acreditar em mim, me apoiar e me fazer rir. Ao DAAD, por acreditar no meu projeto, pela assistência financeira concedida através da bolsa de estudos durante esses dois anos de mestrado. Ao Prof. Gustavo Lima pelas participações na correção do projeto, na pré-banca e na banca, por todas as sugestões e colaborações. Ao Prof. Lindemberg Araújo, por deixar Alagoas mais uma vez e vir participar, como mestre e doutor em turismo, da minha banca. Ao Prof. Wagner Ribeiro, por estar me apoiando no próximo passo da minha carreira acadêmica. A Rafaella Madruga, Tarciane Vilar, Ismenia Guedes, Bárbara Tirzah e Juliana Moreira, pela amizade verdadeira, pelo companheirismo, por compreenderem a minha ausência, pelo apoio e carinho, sempre... A Benivaldo Júnior, por ter cedido abrigo nas viagens a São Paulo e por ser o melhor anfitrião que se pode esperar. Aos turismólogos da turma 2000.1 – UFPB, por todas as lembranças maravilhosas, pela amizade e companheirismo, por todas as viagens, conversas nos corredores, congressos, seminários, aulas vagas... E agora começam os casamentos! À turma de Turismo 2005.1, por terem sido meus primeiros alunos universitários, pelo respeito, carinho e admiração, por me ensinarem e aprenderem comigo. Foi uma experiência maravilhosa! À turma do PRODEMA, fiéis companheiros de curso e de viagem. Pela amizade e companheirismo. O que seria da ida a Ilhéus se não tivéssemos uns aos outros? A Danielle Abrantes, Davi Andrade, Catherine Brasil e todos que contribuíram com informações para enriquecer este trabalho. A todos que se uma maneira ou de outra contribuíram para a conclusão de mais uma etapa da minha vida.

  • iii

    RESUMO

    Em um contexto de crise ambiental global, cresce a busca por atividades que gerem um bom retorno econômico com mínimo impacto no ambiente. A atividade turística tem sido comumente associada a esta idéia. A Organização Mundial de Turismo (OMT) aponta o turismo como opção de prática econômica sustentável. Entretanto, poucos são os exemplos nos quais a atividade obteve resultados satisfatórios na busca pela sustentabilidade. As vantagens apontadas pelo discurso oficial para justificar investimentos cada vez maiores na atividade turística, geralmente são associadas a idéias como geração de emprego e renda, aquecimento da economia, geração de desenvolvimento sustentável, melhoria da qualidade de vida da população, entre outras. O turismo tem sido muitas vezes a alternativa estratégica prioritária nos planos de governo, principalmente nos estados do Nordeste, e vem sendo notavelmente marcado pelo paradigma do desenvolvimento sustentável. O estudo ora proposto teve como objetivo analisar o discurso oficial do turismo no âmbito governamental no estado da Paraíba, com a finalidade de diagnosticar se a sustentabilidade tem sido fato ou mera retórica na realidade do estado. Foram estudadas as seguintes políticas de desenvolvimento turístico do Governo do Estado da Paraíba (com ênfase na região litorânea): o PRODETUR-NE (Programa de Desenvolvimento de Turismo no Nordeste) nas suas etapas I e II, o projeto do Complexo Turístico Cabo Branco e o Plano Amanhecer. Para isso, foram analisados documentos relacionados com as políticas em questão, como também jornais, revistas, artigos acadêmicos e documentos do governo acerca das áreas beneficiadas pelos programas, a fim de possibilitar o confronto entre retórica e prática. Como complemento e para confirmar os achados, foram feitas visitas de campo e entrevistas com autoridades competentes. Os critérios para avaliar a existência ou não de sustentabilidade nas ações foram retirados dos indicadores do turismo sustentável estabelecidos pela OMT e pelo CBTS (Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável). Conclui-se que as mudanças proporcionadas pelas políticas em questão não contemplaram a população local da maneira desejável, não tendo contribuído efetivamente para a melhoria das condições socioeconômicas das localidades afetadas. Houve falhas no processo de gestão ambiental quando não existiu cautela para que impactos ambientais negativos fossem mitigados ou evitados. Em suma, embora o discurso oficial do turismo recebesse grandes influências do pensamento sustentável na retórica, na prática, nota-se que este discurso tem sido usado para legitimar a implantação de políticas públicas muitas vezes indiferentes às reais necessidades das comunidades receptoras; políticas estas que têm sido guiadas quase que exclusivamente pelas necessidades do mercado. Palavras-chave: Discurso Oficial do Turismo. Políticas Públicas de Turismo. Turismo Sustentável. Desenvolvimento Sustentável. Gestão Ambiental.

  • iv

    ABSTRACT

    In a context of global environmental crisis, the search for activities that grant a good economical gain with minimal environmental impact grows. The touristic activity has been usually associated with this idea. The World Tourism Organization (UNWTO) puts tourism forward as an option of sustainable economical practice. However, there are few examples in which the activity had satisfactory results on the search for sustainability. The advantages pointed by the official speech to justify each day larger tourism investments are usually associated with ideas such as job and income generation, economy development, generation of sustainable development, improvement of the quality of life of the population, and others. Tourism has many times been the strategic alternative of higher priority in the government plans, specially in the states of the Northeast, and it has notably been influenced by the paradigm of sustainable development. The objective of this research was to analyse the tourism official speech at the governmental area in the state of Paraíba, aiming to diagnose if sustainability has been a fact or a simple rhetoric in the reality of the state. These are the policies of touristic development of the government of the state of Paraíba (with emphasis in the coastal region) that were studied: PRODETUR-NE (Northeast Tourism Development Program), stages I and II, the project of Complexo Turístico Cabo Branco and Plano Amanhecer. To do so, documents related with these policies were analysed, as well as newspapers, magazines, scientific articles and documents of the government about the areas influenced by the programs, in order to compare rhetoric and practice. As a complement and to confirm the data collected, field visits and interviews with responsible authorities were made. The criteria to evaluate the existence or not of sustainability in the actions were taken from the indicators of sustainable tourism established by UNWTO and CBTS (Brazilian Council for Sustainable Tourism). It is concluded that the changes produced by the researched policies do not consider the local population in the desired way, not contributing effectively with the improvement of the socioeconomical conditions of the affected localities. There were mistakes in the process of environmental management, as there was no carefulness so that the negative environmental impacts were mitigated or avoided. Summarizing, although the tourism official speech received great influences of the sustainable doctrine in rhetoric, in practice we notice that this speech has been used to legitimate the implantation of public policies that are many times indifferent to the real needs of the local communities; these policies have been, almost exclusively, guided by the needs of the market. Keywords: Tourism Official Speech. Tourism Public Policies. Sustainable Tourism. Sustainable Development. Environmental Management.

  • v

    LISTA DE FIGURAS

    Página

    Figura 1 Estrutura das atividades características do turismo, por porte das empresas, no Brasil em 2003

    25

    Figura 2 Mapas com a localização dos municípios litorâneos da Paraíba

    52

    Figura 3 Localização das unidades de conservação e reservas indígenas dos municípios litorâneos da Paraíba

    53

    Figura 4 Perfil do turista da Paraíba quanto à procedência, tipo de hospedagem utilizado, meio de transporte e tempo de permanência no estado

    55

    Figura 5 Imagem-símbolo da 3ª Conferência Mundial pela Paz Através do Turismo

    64

    Figura 6 Localização das intervenções físicas do PRODETUR-NE I/PB

    70

    Figura 7 Vista aérea da PB-008

    77

    Figura 8 Pólos de Turismo do PRODETUR-NE

    95

    Figura 9 Pólos de Turismo do PRODETUR-PB

    96

    Figura 10 Laguna do Jacarapé, com destaque para a beleza da vegetação típica de mangue

    101

    Figura 11 Localização do Pólo Turístico Cabo Branco

    102

    Figura 12 Topo aplainado do interflúvio entre os rios Cuiá e Jacarapé

    102

    Figura 13 Falésias do Pólo Turístico Cabo Branco

    102

    Figura 14 Imagem de satélite da área reservada para a construção do Complexo Turístico Cabo Branco

    103

    Figura 15 Zoneamento do Pólo Turístico Cabo Branco

    104

    Figura 16 Vista aérea da praia de Jacarapé

    106

    Figura 17 Vista aérea da praia do Sol

    106

    Figura 18 Esquema explicativo do desenvolvimento turístico sustentável 118

  • vi

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ACT Atividades Características do Turismo

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

    BNB Banco do Nordeste do Brasil

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

    CADIN Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal

    CBTS Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável

    EIA Estudo de Impacto Ambiental

    EMBRATUR Empresa Brasileira de Turismo

    FMI Fundo Monetário Internacional

    IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    IDH Índice de Desenvolvimento Humano

    IH Instituto de Hospitalidade

    IISD International Institute for Sustainable Development – Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável

    IOSD International Organization for Sustainable Development – Organização Internacional para o Desenvolvimento Sustentável

    ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

    OMC Organização Mundial do Comércio

    OMT Organização Mundial de Turismo

    ONU Organização das Nações Unidas

    PCTS Programa de Certificação do Turismo Sustentável

    PDITS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

    PIB Produto Interno Bruto

  • vii

    PNC Programa Nordeste Competitivo

    PNMT Programa Nacional de Municipalização do Turismo

    PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

    PRDT Programa Regional de Desenvolvimento do Turismo

    PRODETUR-NE Programa de Desenvolvimento de Turismo no Nordeste

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

    SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

    SUPLAN Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento do Estado

    UH Unidade Habitacional

    UNEP United Nations Environment Programme – Programa Ambiental das Nações Unidas

    UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

    WBCSD World Business Council for Sustainable Development – Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável

    WTTC World Travel and Tourism Council – Conselho Mundial de Viagens e Turismo

  • viii

    LISTA DE QUADROS

    Página

    Quadro 1 Princípios do Turismo Sustentável estabelecidos pelo CBTS

    9

    Quadro 2 Indicadores do Desenvolvimento Sustentável para Destinações Turísticas – OMT

    10

    Quadro 3 Unidades de Conservação e reservas indígenas do estado da Paraíba 53

    Quadro 4 Panorama da atividade turística na Paraíba 54

    Quadro 5 Características da rede de serviços da Paraíba 54

    Quadro 6 Mudanças políticas entre o PRODETUR I e o PRODETUR II 96

    Quadro 7 Composição do Conselho do Pólo Costa das Piscinas 97

    Quadro 8 Principais recursos turísticos dos pólos de turismo do Plano

    Amanhecer

    116

    Quadro 9 Macroprograma de desenvolvimento do Plano Amanhecer 119

  • ix

    LISTA DE TABELAS

    Página

    Tabela 1 População e extensão (em km2) dos municípios litorâneos da Paraíba. 51

    Tabela 2 Ações Implantadas pelo PRODETUR-NE I – PB e respectivos custos 69

    Tabela 3 Fluxo de visitantes na Igreja de São Frei Pedro Gonçalves 85

    Tabela 4 Uso e ocupação do solo do Pólo Turístico Cabo Branco 105

    Tabela 5 Índice de Desenvolvimento Humano nos municípios litorâneos da Paraíba (1991 e 2000)

    126

    Tabela 6 Panorama da concentração de renda nos municípios litorâneos da Paraíba (1991 e 2000)

    127

  • x

    SUMÁRIO Página

    DEDICATÓRIA i

    AGRADECIMENTOS ii

    RESUMO iii

    ABSTRACT iv

    LISTA DE FIGURAS v

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS vi

    LISTA DE QUADROS viii

    LISTA DE TABELAS ix

    SUMÁRIO x

    1 INTRODUÇÃO 1

    2 METODOLOGIA 5

    2.1 Desenvolvimento do referencial teórico 5

    2.2 Coleta de dados e documentos 5

    2.3 Análise das políticas de turismo 5

    2.4 Confrontamento entre retórica e prática 6

    2.5 Confirmação ou negação da hipótese experimental 11

    3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM CONCEITO

    SUSTENTÁVEL?

    12

    3.1 Desenvolvimento sustentável: um “esverdeamento” do capitalismo 16

    3.2 Desenvolvimento sustentável: um termo, muitas questões mal resolvidas 17

    3.3 Críticas radicais ao desenvolvimento sustentável: uma abordagem

    neoliberal

    19

    4 TURISMO, SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 23

    4.1 A (in)sustentabilidade da atividade turística 23

    4.2 Impactos do turismo 32

    A) Impactos econômicos 33

    B) Impactos ambientais 35

    C) Impactos socioculturais 37

    4.3 Políticas públicas de turismo no Brasil 41

    4.4 Políticas públicas de turismo na Paraíba 45

    4.5 Turismo no litoral paraibano 48

  • xi

    5 O DISCURSO OFICIAL DO TURISMO NO BRASIL 56

    5.1 Discurso do turismo como fator de geração de emprego e renda 58

    5.2 Discurso do turismo como promotor de desenvolvimento sustentável 60

    5.3 Discurso do turismo como “a indústria sem chaminés” 62

    5.4 Discurso do turismo como setor prioritário do Governo 64

    5.5 Outras considerações acerca do discurso oficial do turismo 65

    6 PRODETUR-NE I 67

    6.1 Desenvolvimento Institucional 71

    A) Unidade Executora Estadual 71

    B) PBTUR 72

    C) SUDEMA 72

    D) DER 74

    E) Planos Diretores 74

    6.2 O discurso oficial do PRODETUR-NE I – PB e os resultados 75

    A) Benefícios sociais e econômicos advindos da construção da PB-008 76

    B) As obras de saneamento melhoraram as condições ambientais 83

    C) As obras no Centro Histórico geraram um novo fluxo turístico 84

    D) O elenco de ações que constituiu o PRODETUR-NE I/PB não

    vislumbra impactos negativos nos planos econômicos, social ou

    ambiental

    88

    6.3 Conflitos que afetaram o desenvolvimento do PRODETUR-NE I-PB 89

    6.4 Outras considerações acerca do PRODETUR-NE I - Paraíba 90

    7 PRODETUR-NE II 93

    7.1 Resultados parciais do PRODETUR II 98

    8 COMPLEXO TURÍSTICO COSTA DO SOL 101

    8.1 O Complexo Turístico Costa do Sol no discurso oficial 107

    8.2 O Complexo Turístico Costa do Sol na prática 108

    9 O PLANO AMANHECER 115

    10 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA QUALIDADE DE VIDA DAS

    POPULAÇÕES LITORÂNEAS DA PARAÍBA

    123

    11 CONSIDERAÇÕES FINAIS 129

    12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 133

    13 ANEXOS 145

  • 1

    1 INTRODUÇÃO

    A demanda global por recursos naturais deriva de uma formação econômica cuja base

    é a produção e o consumo em larga escala. A lógica associada a essa formação é responsável

    por boa parte da destruição dos recursos naturais e é criadora de necessidades que exigem,

    para sua própria manutenção, um crescimento sem fim das demandas quantitativas e

    qualitativas desses recursos. Sabe-se que a criação de necessidades humanas é infinita e

    ilimitada. Já os recursos naturais, que são os meios com os quais a sociedade conta para

    efetuar a fabricação de bens para satisfazer a essas necessidades, são finitos e limitados.

    Surgem assim, diversas teorias e propostas a respeito de como conciliar a necessidade

    de crescimento econômico (satisfação das supostas necessidades humanas) com a necessidade

    de preservação do patrimônio natural e cultural da humanidade. Fala-se muito a respeito do

    chamado desenvolvimento sustentável, basicamente um desenvolvimento que preserva o meio

    ambiente, levando em consideração as necessidades das gerações presentes e futuras. O termo

    está presente na grande maioria dos discursos políticos e é freqüentemente relacionado à

    atividade turística e às discussões acerca do uso do patrimônio natural ou cultural de uma

    comunidade. O próprio Código Mundial de Ética do Turismo (OMT, art.3, 1999) estabelece o

    turismo como um fator de desenvolvimento sustentável. De acordo com algumas instituições

    (OMC, FMI, WBCSD, IISD, IOSD e o BIRD), o desenvolvimento sustentável seria a única

    maneira de conciliar desenvolvimento econômico e meio ambiente saudável. Leff (2001)

    afirma que “o desenvolvimento sustentável converte-se na nova pedra filosofal que

    asseguraria o perpetuum mobile do crescimento econômico”.

    Entretanto, o conceito de desenvolvimento sustentável, tal como é veiculado, não é

    bem aceito em todos os círculos de estudo, isto é, não é unanimidade, nem mesmo está isento

    de críticas e restrições. Muitos o consideram uma idéia vaga e ambígua, que dá margem a

    múltiplas interpretações. Além do mais, faltam explicações técnicas sobre como alcançar o

    desenvolvimento sustentável e quais os critérios de sustentabilidade usados para julgar a

    existência ou não do elemento de sustentabilidade em um projeto. O conceito ainda envolve

    implicações de moral e ética, que revelam sua complexidade. Estes elementos fizeram com

    que a idéia fosse considerada por Beckerman (2004) como "moralmente repugnante e

    logicamente redundante".

  • 2

    Feitas as considerações acima, fica claro que o discurso que para alguns parecia de

    aceitação fácil e consensual, é polêmico e suscetível de análise científica e assim, deu lugar a

    muitas opiniões e posicionamentos.

    A Organização Mundial de Turismo aponta a atividade turística como opção de prática

    econômica sustentável. Entretanto, poucos são os exemplos nos quais a atividade se sucedeu

    nessa busca pela sustentabilidade. O que é visto em geral são práticas de turismo predatório

    disfarçado de ecoturismo, onde geralmente não há vantagens para as comunidades receptoras

    nem muito menos para o meio ambiente.

    Além de associar o turismo à temática do desenvolvimento sustentável, o discurso

    oficial ainda costuma vinculá-la a outras idéias, como: atividade que gera emprego e renda,

    que melhora a qualidade de vida da população, que aquece a economia global... Uma

    expressão freqüentemente associada ao turismo e que merece destaque neste debate é a que

    afirma que a atividade turística é a “indústria sem chaminés”, graças ao seu potencial de

    produzir riquezas, sem agredir o meio ambiente. Esta expressão será debatida com mais

    profundidade no desenvolver deste trabalho.

    O discurso oficial costuma só apresentar as vantagens do turismo, apropriando-se do

    discurso do desenvolvimento sustentável, um dos temas mais relevantes da filosofia

    governamental do século 21. Desta maneira, o Governo usa o debate da sustentabilidade para

    validar seus projetos, mesmo que estes não tenham, na prática, um perfil que possa ser

    julgado como sustentável.

    Nas últimas décadas o turismo se consolidou como uma alternativa estratégica

    prioritária nos planos de Governo, principalmente nos estados do Nordeste e, neste contexto, a

    Paraíba não é uma exceção.

    O objeto de estudo neste trabalho é o discurso do turismo sustentável no âmbito

    governamental. Já o OBJETIVO GERAL é fazer uma análise deste discurso na Paraíba,

    estudando seus conceitos, fundamentos e críticas, como também seus aspectos morais e

    éticos, na retórica e na prática, a fim de diagnosticar se a sustentabilidade tem sido fato ou

    mera retórica na realidade do estado.

    Sendo assim, foi desenvolvido um levantamento dos principais argumentos que têm

    norteado o discurso oficial do turismo, como também uma análise das principais políticas de

    desenvolvimento turístico do Governo do Estado da Paraíba (com ênfase na região litorânea),

    a partir dos quais será feito um histórico de cada proposta no que se refere ao turismo

    sustentável, buscando ponto por ponto confrontar o cumprimento com o anunciado,

  • 3

    confirmando ou não a presença do critério de sustentabilidade nas propostas e ações, de

    maneira a separar o que é discurso leviano do que é iniciativa séria em prol do manejo

    sustentável dos recursos naturais e turísticos.

    Esta análise terá a finalidade de avaliar se o discurso do turismo sustentável na Paraíba

    condiz com a realidade ou se tem sido usado para viabilizar atitudes insustentáveis

    "maquiadas" de desenvolvimento sustentável.

    Como OBJETIVOS ESPECÍFICOS buscaram-se:

    •Estudar as produções acadêmicas que criticam e apóiam o conceito de desenvolvimento

    sustentável, buscando os motivos pelos quais os autores se posicionam contra ou a favor

    do mesmo.

    •A partir da análise de notícias, vídeos, jornais e documentos oficiais, traçar o perfil do

    discurso oficial do turismo no Brasil e na Paraíba.

    •Analisar as seguintes políticas públicas do turismo do Governo do Estado da Paraíba (com

    destaque para a região litorânea): o Programa de Desenvolvimento Turístico de 1988, que

    apresentava o Projeto Costa do Sol, atualmente intitulado Complexo Turístico Cabo

    Branco; o PRODETUR-NE, com suas etapas I e II (1994 aos dias atuais); e o Plano

    Amanhecer (lançado em 2000), identificando o que se afirma buscar com essas políticas e

    quais os resultados das mesmas.

    •Verificar, na prática, através de visitas de campo, análise de documentos e levantamento

    bibliográfico, quais têm sido os resultados das políticas de turismo no litoral do estado da

    Paraíba no que concerne à sustentabilidade.

    Para o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa, optou-se pela análise das Políticas

    Públicas de Turismo e suas conseqüências no litoral do estado da Paraíba por diversos

    motivos. Trata-se de uma região de relevante importância turística, sendo também, no estado

    da Paraíba, a região onde o turismo está mais desenvolvido, o que possibilitará uma melhor

    análise para que se possam atingir os objetivos propostos. Além disso, só recentemente as

    políticas públicas de turismo passaram a incluir o interior do estado de maneira mais efetiva

    em suas propostas e ações. Vale ressaltar que não se busca, com isso, ignorar a imensa

    importância de destinações não-litorâneas para a atividade turística do estado.

    Dentre as políticas de desenvolvimento turístico analisadas, foram selecionadas três

    para merecerem destaque neste estudo, citadas anteriormente nos objetivos específicos. Tais

  • 4

    programas, projetos e planos foram selecionados por serem parte das políticas de turismo

    mais estruturadas e que mereceram maior destaque no âmbito da atividade até então.

    Procuramos verificar a HIPÓTESE de que o discurso oficial do turismo sustentável, da

    maneira como é atualmente concebido, ironicamente é “insustentável”, tendo sido usado para

    atingir propósitos outros e até contrários àqueles que aparentemente se busca defender.

    Desenvolvimento sustentável é um discurso amplamente utilizado em projetos

    turísticos e ambientais, característica que torna indispensável um conhecimento mais amplo

    sobre as principais críticas e argumentos a respeito do mesmo, dentro das mais diversas

    perspectivas acadêmicas, uma vez que se trata de um dos mais relevantes temas da filosofia

    governamental do século 21.

    O capítulo 2 apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para que os

    objetivos desta pesquisa fossem atingidos. O capítulo 3 aborda uma discussão teórica acerca

    do desenvolvimento sustentável, incluindo pontos de vista que sustentam ou combatem a

    temática, como também críticas aos aspectos duvidosos/defeituosos no discurso da

    sustentabilidade. O próximo capítulo é intitulado “Turismo, sustentabilidade e políticas

    públicas”. Mele são abordados temas como: turismo sustentável, impactos do turismo,

    políticas públicas de turismo no Brasil e na Paraíba e, finalmente, é apresentado um panorama

    sobre turismo no litoral paraibano, nosso ambiente de pesquisa. O próximo capítulo

    aprofunda-se no discurso oficial do turismo no Brasil, com o intuito de estabelecer um perfil

    para o mesmo. Em seguida, são apresentadas as políticas de turismo consideradas nesta

    pesquisa: o PRODETUR-NE, com suas etapas I e II, o projeto do Complexo Turístico Costa

    do Sol e o Plano Amanhecer. Os discursos oficiais apresentados sobre estas políticas são

    descritos e, em seguida, são mostrados os resultados destas políticas, estabelecendo-se um

    paralelo com os indicadores do turismo sustentável. O capítulo 10 traz considerações acerca

    da qualidade de vida das populações litorâneas da Paraíba. Por fim, são apresentadas as

    considerações finais, onde estão descritas, de maneira bastante sintética, as conclusões que

    foram tiradas desta pesquisa.

  • 5

    2 METODOLOGIA

    A pesquisa foi desenvolvida em 5 etapas, assim divididas:

    2.1) Desenvolvimento do referencial teórico

    Levantamento bibliográfico acerca das teorias do desenvolvimento sustentável e

    do turismo sustentável, a partir do qual se formou o referencial teórico desta pesquisa.

    Nesta etapa foi realizada pesquisa qualitativa iniciando com a revisão

    bibliográfica sobre o tema da sustentabilidade. A partir de então, foram levantados os

    pontos fracos e fortes dos conceitos de desenvolvimento sustentável e turismo sustentável

    de acordo com os autores estudados, a fim de formular não apenas um relatório ou

    descrição empírica dos dados, mas de maneira a dar um caráter interpretativo e crítico no

    que se refere ao tratamento e análise das informações obtidas.

    Mereceram destaque, nesta etapa da pesquisa, os seguintes autores: Afonso

    (2006); Allen (1980); Aulicino (1997); Banerjee (2003); Barbosa (2001); Beckerman

    (1994, 2003); Beni (2000, 2006); Carlos (1999); Carvalho (2001); Carvalho (2003);

    Cavalcanti (1994); Cazes (1999); Clarke (2002); Cooper et at (2001); Coriolano (2005,

    2006); Cruz (2000); Dias (2003); Dutra (2003); Fisher (1995); Fraga (2003); Fratucci

    (2007); Hopwood et al (2005); Krause (1999); Leff (2001); Lemos (2005); Lima (1997,

    2003); Morse et al (2001); Ouriques (2005); Rajeswar (2000); Redclift (2003); Ribeiro

    (2002); Sachs (2002); Spangenberg (2002); Swarbrooke (2000); Taylor (2002); Tayra

    (2002);Tineu (2003); Van Bellen (2002, 2004); Veiga (2005); Yázigi (2002).

    Ainda foram largamente utilizados nesta etapa, documentos do Ministério do

    Turismo, da Organização Mundial de Turismo e o Relatório Brundtland.

    2.2) Coleta de dados e documentos

    Coleta de dados e documentos (jornais, revistas, entrevistas, vídeos, planos,

    projetos, etc.) que contribuíram na construção de um perfil do discurso oficial do turismo

    no Brasil e na Paraíba. Parte destes documentos segue em anexo nesta dissertação.

    2.3) Análise das políticas de turismo

    Análise das seguintes políticas públicas de turismo do Governo do Estado da

    Paraíba:

  • 6

    2.3.1) Programa de Desenvolvimento Turístico de 1988, que apresentava o Projeto

    Costa do Sol, atualmente intitulado Complexo Turístico Cabo Branco, cujas

    obras ainda estão em andamento;

    2.3.2) Etapas I e II do PRODETUR-NE (1994 – dias atuais);

    2.3.3) Plano Amanhecer (2000);

    Tais programas/planos foram selecionados por serem parte das políticas de turismo

    mais estruturadas e que mereceram maior destaque no âmbito da atividade no Estado da

    Paraíba até então.

    2.4) Confrontamento entre retórica e prática

    As afirmações do discurso oficial (levantadas na etapa 2.2) e das políticas

    públicas analisadas (levantadas na etapa 2.3) foram verificadas na prática, a fim de

    confrontar o cumprimento com o anunciado, separando o que é mera retórica do que é

    fato, e se as atividades ditas sustentáveis podem ser julgadas como tal.

    Para auxiliar no julgamento do que já foi feito, na prática, até então, foram

    analisados estudos previamente desenvolvidos por outros autores sobre turismo no litoral

    da Paraíba como também documentos, estatísticas e notícias acerca das ações em turismo

    no estado. Para servir como complemento e dar credibilidade aos dados, visitas de campo

    e entrevistas com as autoridades competentes foram realizadas para confirmar os

    resultados apresentados pelos estudos de tais autores. Sendo assim, os resultados das

    políticas de turismo, na prática, também foram verificados in loco.

    As entrevistas foram não-estruturadas, baseadas em questões motivadoras

    iniciais, não sofrendo maiores interferências do entrevistador durante a sua realização, o

    que permitiu a coleta de grande quantidade de dados qualitativos. Foram entrevistados: a

    coordenadora da Unidade Executora do PRODETUR-NE-PB, que versou sobre o

    andamento da segunda fase do Programa; planejadores da PBTUR, que falaram sobre as

    políticas de turismo do Estado e a sustentabilidade da atividade turística; e líderes

    comunitários do litoral norte, que demonstraram a sua insatisfação com a não-inserção

    das comunidades no processo de planejamento turístico.

    Os fundamentos teóricos para a análise da existência do quesito sustentabilidade

    - nos planos de desenvolvimento turístico da Paraíba - foram levantados a partir dos

    indicadores do turismo sustentável, adaptados dos critérios adotados pela Organização

  • 7

    Mundial de Turismo e pelo Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável. A escolha destes

    critérios está justificada no sub-tópico seguinte.

    2.4.1) Indicadores do turismo sustentável

    Apesar de ser bastante comum argumentar-se acerca da falta de indicadores que

    universalizem a avaliação do critério de sustentabilidade em determinado projeto ou

    empreendimento, alguns avanços têm sido dados em relação a esta temática. Como será

    discutido mais adiante no capítulo 3, existem inúmeras ferramentas ou sistemas que buscam o

    desafio de avaliar o grau de sustentabilidade do desenvolvimento, entretanto as características

    teóricas e práticas destas ferramentas raramente são conhecidas adequadamente por aqueles

    que dizem buscar o desenvolvimento sustentável.

    Van Bellen (2004) argumenta que o conceito de desenvolvimento sustentável ganhou

    grande destaque na década de 1990, entretanto, sua popularidade não foi acompanhada “de

    uma discussão crítica consistente a respeito do seu significado efetivo e das medidas

    necessárias para alcançá-lo” (p. 67). O autor ainda destaca que há “uma disparidade

    conceitual considerável nas discussões referentes à avaliação da sustentabilidade do

    desenvolvimento” (p. 67).

    Morse et al (2001) afirmam que um problema que persiste com relação aos

    indicadores de sustentabilidade é a integração entre eles na busca de uma resposta para avaliar

    se algo é sustentável ou não. Eles afirmam que mesmo em indicadores de sustentabilidade

    extremamente quantitativos e matemáticos, elementos de valor qualitativo de integração e

    subjetividade são necessários e inevitáveis para avaliar um aspecto tão complexo como a

    sustentabilidade.

    Para a OMT (2005) tentar um progresso a caminho do turismo sustentável pode não

    ter sentido se não houverem maneiras objetivas de avaliar e mensurar a sustentabilidade.

    Assim, a organização aponta como componente central no processo de planejamento e

    gerenciamento turístico, a definição e uso de indicadores de sustentabilidade. Os indicadores

    tornam possível monitorar as mudanças ao longo dos tempos de maneira constante e

    consistente. Os indicadores também orientam quando é necessário alterar as políticas públicas

    ou quando uma nova ação pode ser necessária, como também fornece uma base para

    planejamento em longo prazo e revisão do turismo.

    Para Gallopín (1996), a característica mais importante de um indicador em relação a

    outras formas de informação é a sua relevância para a política e o processo de tomada de

    decisão. Ele defende que a principal função dos indicadores de desenvolvimento sustentável

  • 8

    é apoiar e melhorar a política ambiental e, dessa maneira, o processo de tomada de decisão em

    diferentes níveis, precisando ser considerado importante tanto pelos tomadores de decisão,

    quanto pelo público. Para o autor, os indicadores mais adequados são aqueles capazes de

    simplificar as informações relevantes, fazendo com que o fenômeno analisado se torne mais

    aparente.

    Assim, é preciso que os indicadores da sustentabilidade agreguem e quantifiquem

    informações de maneira a fazer com que sua significância seja a mais aparente possível. Os

    indicadores devem apresentar cenários complexos de maneira simplificada, melhorando, com

    isso, o processo de compreensão e comunicação da problemática ambiental.

    Há indicadores quantitativos e qualitativos. De acordo com Van Bellen (2002, p. 30),

    alguns autores defendem que “os indicadores mais adequados para avaliação de experiências

    de desenvolvimento sustentável deveriam ser mais qualitativos, em função das limitações

    explícitas ou implícitas que existem em relação a indicadores simplesmente numéricos”. Para

    Gallopin (1996), os indicadores qualitativos, são mais adequados que os quantitativos em pelo

    menos três casos específicos: quando informações quantitativas não forem disponíveis;

    quando o atributo ou informação de interesse for não quantificável; quando a obtenção de

    dados quantitativos significar altos custos que não poderão ser sanados. Sendo assim, neste

    trabalho, embora utilizemos com freqüência dados quantitativos, receberão destaque os

    indicadores qualitativos de sustentabilidade da atividade turística.

    Vale ressaltar que embora haja situações nas quais os indicadores são apresentados na

    forma gráfica ou estatística, eles são diferentes dos dados primários (VAN BELLEN, 2002).

    Para Andrade (2007, p. 44):

    Na prática, é comum ver dados primários sendo apresentados como indicadores, por exemplo, quando o governo anuncia o aumento do número de empregos relacionados com o turismo, como indicador de desenvolvimento sustentável da atividade em determinada região, sem esclarecer quantos nativos e quantos “estrangeiros” serão empregados, ou sobre a garantia aos benefícios sociais destes empregados.

    Vale estar atento para quais indicadores são utilizados com a finalidade de

    “comprovar” a sustentabilidade, pois, como disse o autor acima, o Governo pode utilizar os

    indicadores que lhe convém, dando a interpretação que lhe for mais favorável.

    A escolha dos indicadores de sustentabilidade deve ser feita de acordo com os

    assuntos prioritários identificados na destinação turística. Nesse sentido, a OMT (2005, p. 73)

    sugere cinco critérios a serem levados em consideração na seleção dos indicadores: relevância

    do indicador na problemática selecionada; viabilidade de obtenção e análise da informação

  • 9

    requerida; credibilidade da informação e confiabilidade para os usuários dos dados; clareza e

    facilidade de entendimento entre os usuários; comparabilidade ao longo dos tempos e ao em

    torno das regiões.

    A OMT tem estudado os indicadores da sustentabilidade do turismo há mais de dez

    anos e, neste tempo, identificou muitas centenas de indicadores diferentes que podem ser

    levados em conta nos estudos das destinações turísticas. Embora a organização enfatize que a

    escolha dos indicadores é determinada de acordo com as necessidades e prioridades locais,

    são recomendados 12 indicadores principais, os quais levaremos em consideração no

    desenvolvimento deste trabalho (OMT, 2005).

    Assim, adotaremos neste trabalho (adaptando-os às nossas condições e disponibilidade

    de dados) os indicadores de sustentabilidade sugeridos pela OMT (2005), apresentados no

    Quadro 2, associados aos apresentados pelo Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável

    (CBTS)/ Instituto de Hospitalidade (IH) (2005), apresentados no Quadro 1. De acordo com

    Salvati (2005), os princípios do CBTS servem para orientar, através de diversos critérios, o

    desenvolvimento de padrões e normas correspondentes a seus respectivos indicadores de

    desempenho e parâmetros de verificação. “Ao desenvolver padrões de sustentabilidade do

    turismo adequados à realidade do mercado brasileiro, está sendo construída uma base de

    indicadores ecológicos e socioculturais amplamente aceitos pelo mercado” (SALVATI, 2005,

    p. 78). A iniciativa de se desenvolver um programa de certificação do turismo sustentável é de

    suma importância, pois o consumidor (turista) tem o direito de saber se o pacote/passeio que

    está comprando é realmente comprometido com o meio ambiente e a comunidade local ou se

    a sustentabilidade é mera retórica no produto turístico adquirido.

    Quadro01- Princípios do Turismo Sustentável estabelecidos pelo CBTS 1) Respeitar a legislação vigente O turismo deve respeitar a legislação vigente, em todos os níveis, no país e as convenções internacionais de que o país é signatário. 2) Garantir os direitos das populações locais O turismo deve buscar e promover mecanismos e ações de responsabilidade social, ambiental e de eqüidade econômica, inclusive a defesa dos direitos humanos e de uso da terra, mantendo ou ampliando, médio e longo prazos, a dignidade dos trabalhadores e comunidades envolvidas. 3) Conservar o ambiente natural e sua biodiversidade Em todas as fases de implantação e operação, o turismo deve adotar práticas de mínimo impacto sobre o ambiente natural, monitorando e mitigando efetivamente os impactos, de forma a contribuir para a manutenção das dinâmicas e processos naturais em seus aspectos paisagísticos, físicos e biológicos, considerando o contexto social e econômico existente. 4) Considerar o patrimônio cultural e valores locais

  • 10

    O turismo deve reconhecer e respeitar o patrimônio histórico-cultural das regiões/localidades receptoras e ser planejado, implementado e gerenciado em harmonia às tradições e valores culturais, colaborando para seu desenvolvimento. 5) Estimular o desenvolvimento social e econômico dos destinos turísticos O turismo deve contribuir para o fortalecimento das economias locais, a qualificação das pessoas, a geração crescente de trabalho, emprego e renda e o fomento da capacidade local de desenvolver empreendimentos turísticos. 6) Garantir a qualidade dos produtos, processos e atitudes O turismo deve avaliar a satisfação do turista e verificar a adoção de padrões de higiene, segurança, informação, educação ambiental e atendimento estabelecidos, documentados, divulgados e reconhecidos. 7) Estabelecer o planejamento e a gestão responsáveis O turismo deve estabelecer procedimentos éticos de negócio visando engajar a responsabilidade social, econômica e ambiental de todos os integrantes da atividade, incrementando o comprometimento do seu pessoal, fornecedores e turistas, em assuntos de sustentabilidade desde a elaboração de sua missão, objetivos, estratégias, metas, planos e processos de gestão. Fonte: Instituto de Hospitalidade, 2005, pp. 25-26. Quadro 02 - Indicadores do Desenvolvimento Sustentável para Destinações Turísticas - OMT Assunto relevante Indicador(es) sugeridos para o assunto relevante Satisfação local com o turismo

    • Nível de satisfação dos habitantes locais com o turismo (baseado em questionário)

    Efeitos do turismo nas comunidades

    • Razão de turistas para locais (média e período de pico/dias). • Porcentagem de habitantes que acreditam que o turismo tem ajudado a

    trazer novos serviços de infra-estrutura (baseado em questionário). • Número e capacidade dos serviços sociais disponíveis para a comunidade

    (porcentagem atribuível ao turismo). Satisfação sustentável do turista

    • Nível de satisfação dos visitantes (baseado em questionário). • Percepção do valor pelo dinheiro (baseado em questionário). • Porcentagem de visitantes que retornam ao destino em outra oportunidade.

    Sazonalidade do turismo

    • Chegadas de turistas por meses ou trimestres (distribuição ao longo do ano).

    • Taxas de ocupação para acomodação licenciada (oficial) por mês (períodos de pico comparados à baixa estação) e porcentagem de todas as ocupações por mês ou trimestre.

    • Porcentagem de estabelecimentos comerciais relacionados com o turismo abertos o ano inteiro.

    • Número e porcentagem de empregos relacionados com o turismo que são permanentes – válidos o ano inteiro (comparado com os empregos temporários).

    Benefícios econômicos do turismo

    • Número de nativos (e razão entre homens e mulheres) empregados no turismo (também uma razão entre empregos relacionados com o turismo e a população total empregada).

    • Receita gerada pelo turismo (porcentagem do total de receita gerada pela comunidade).

    Gerenciamento da energia

    • Consumo per capita de energia de todas as fontes (o total, e pelo setor de turismo, por pessoa, por dia).

    • Porcentagem de empresas que participam de programas de conservação de energia ou que aplicam políticas e técnicas de economia de energia.

  • 11

    • Porcentagem de consumo de energia de fontes renováveis (nos destinos e nos estabelecimentos).

    Disponibilidade e consumo de água

    • Uso da água (volume total consumido e litros por turista, por dia). • Economia de água (porcentagem de consumo reduzido, de água

    recapturada ou reciclada). Qualidade da água de beber

    • Porcentagem de estabelecimentos turísticos com água tratada em padrões internacionais de potabilidade.

    • Freqüência de doenças oriundas da água: número/porcentagem de visitantes que relatam doenças oriundas da água durante a estada na localidade.

    Tratamento de esgoto

    • Porcentagem de esgoto tratado (níveis primário, secundário ou terciário). • Porcentagem de estabelecimentos turísticos (ou acomodações) com

    sistemas de tratamento. Gerenciamento de resíduos sólidos (lixo)

    • Volume de lixo produzido pelo destino (toneladas por mês). • Volume de lixo reciclado (m3) / Volume total de lixo (m3) (especificar por

    tipos diferentes). • Quantidade de lixo jogado pelas áreas públicas.

    Controle de desenvolvimento

    • Existência ou uso de processo de planejamento/desenvolvimento do uso da terra, incluindo o turismo.

    • Porcentagem de área sujeita a controle (densidade, design, etc.). Controle da intensidade do uso

    • Número total de chegada de turistas (média, mensal, na alta estação). • Número de turistas por metro quadrado no local (p. ex. nas praias,

    atrações), por quilômetro quadrado da destinação. Fonte: OMT, 2005, pp.178-179.

    Como se pode perceber a partir da análise do Quadro 2, os indicadores sugeridos pela

    OMT tendem a ser mais quantitativos do que qualitativos. Seja pela ausência/não existência

    de grande parte destes dados, seja pela inconfiabilidade/incompletude dos poucos que

    existem, neste trabalho buscaremos fazer a análise desses indicadores de maneira qualitativa.

    Levantar o alto número de informações requeridas pela OMT implicaria em custos altos e em

    um cronograma mais longo do que o disponível para a realização desta pesquisa. Porém,

    sempre que possível, complementaremos os indicadores qualitativos com dados quantitativos

    com a finalidade de aumentar, sempre que possível, a credibilidade das informações aqui

    fornecidas. Por apresentarem um perfil mais qualitativo, os indicadores estabelecidos pelo

    CBTS serão usados com maior freqüência que os da OMT.

    2.5) Confirmação ou negação da hipótese experimental

    A última etapa desta pesquisa será a de confrontar os resultados esperados com

    os resultados obtidos de fato, de maneira a confirmar ou rejeitar a hipótese experimental

    levantada inicialmente.

  • 12

    3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM CONCEITO SUSTENTÁVEL?

    Nos anos 70 era comum nas políticas ambientais a alusão a expressões tais como

    "crescimento econômico versus meio ambiente". A idéia básica era de que era possível

    escolher, excludentemente, entre ter crescimento econômico medido pelo aumento real da

    renda per capita ou melhorar a qualidade ambiental. Mais qualidade ambiental significaria

    menos crescimento econômico e vice-versa (CAVALCANTI, 1994).

    Entretanto, hoje, vemos que a qualidade ambiental pode chegar até a melhorar o

    crescimento econômico de diversas maneiras: melhorando a saúde da força de trabalho,

    criando empregos no "setor ambiental" (recreação, turismo), criando empregos em setores de

    combate aos impactos ambientais, gerando um ambiente mais agradável para a sobrevida da

    população, evitando acidentes ambientais decorrentes de desequilíbrio ecossistêmico etc.

    (BENI, 2000).

    É comum que os termos desenvolvimento e crescimento sejam usados, erroneamente,

    como sinônimos. Porém, vale destacar que são termos que remetem a coisas diferentes.

    Desenvolvimento, geralmente vem acompanhado de crescimento da economia, porém,

    crescimento nem sempre implica, necessariamente, desenvolvimento. Desenvolvimento “se

    constitui num processo de mudanças qualitativas estruturais e de longo prazo da economia e

    que visam obter a melhoria das condições de vida das populações” (DIAS, 2003, p. 67). Já

    crescimento, tem uma conotação quantitativa, geralmente expressa pela produção de bens e

    serviços, não refletindo, necessariamente, na distribuição de renda e em mudanças qualitativas

    na economia.

    Para um melhor entendimento do que vem a ser desenvolvimento sustentável é

    fundamental que compreendamos que economia e meio ambiente não se separam. Há uma

    interdependência entre eles tanto por causa da maneira como gerenciamos os impactos da

    economia no meio ambiente como porque a qualidade ambiental influencia a economia

    (CARVALHO, 2003).

    Mais recentemente, os analistas da problemática ambiental têm reconhecido que pobreza e ecologia são realidades interdependentes, que precisam ser compreendidas e abordadas de forma integrada, na busca de um equacionamento mais adequado. Isto porque, se a degradação ambiental agrava as condições de vida dos mais pobres, a pobreza destes conduz a uma exploração predatória dos recursos naturais, fechando um ciclo perverso de prejuízos sócio-ambientais (LIMA, 1997, p. 201).

  • 13

    Reforçando o argumento do autor, enfatizamos que as comunidades mais pobres são

    também as que mais sofrem com a degradação ambiental.

    Inicialmente a idéia de sustentabilidade apresentava um cunho predominantemente

    econômico, a ponto de acreditar-se ser possível prescindir dos fundamentos da ecologia nas

    práticas sustentáveis. A exclusão de grupos sociais dos benefícios do crescimento econômico

    levou a realçar a dimensão social do conceito. A preocupação com os efeitos de médio e

    longo prazos da exploração da natureza conduziu à introdução da dimensão intergeracional,

    da durabilidade da dinâmica do desenvolvimento e das necessidades das gerações futuras. O

    termo sustentabilidade supõe a perduração no tempo, o que evitaria o colapso das civilizações,

    sociedades, economias e organizações que não fossem capazes de sustentar-se (RIBEIRO,

    2005).

    O termo desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez por Robert Allen, no

    artigo How to Save the World (1980). Allen o define como sendo "o desenvolvimento

    requerido para obter a satisfação duradoura das necessidades humanas e o crescimento

    (melhoria) da qualidade de vida". Porém, a noção de desenvolvimento sustentável só foi

    introduzida mesmo em 1987, com o relatório Brundtland, "Nosso Futuro Comum" (Our

    Common Future), e foi amplamente adotado no contexto da Eco 92, Conferência das Nações

    Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

    Os elementos que compõem o conceito de desenvolvimento sustentável são a

    necessidade de um crescimento econômico para satisfazer as necessidades sociais, a

    preservação da qualidade dos sistemas ecológicos e a equidade - que todos possam

    compartilhar - entre gerações presentes e futuras. Desta forma, os ideais do desenvolvimento

    sustentável são bem maiores do que as preocupações específicas (a racionalização do uso da

    energia, ou o desenvolvimento de técnicas substitutivas do uso de bens não-renováveis ou,

    ainda, o adequado manejo de resíduos). Principalmente, é o reconhecimento de que a pobreza,

    a deterioração do meio ambiente e o crescimento populacional estão indiscutivelmente

    interligados. Nenhum destes problemas fundamentais pode ser resolvido de forma isolada, na

    busca de parâmetros ditos como aceitáveis, visando à convivência do ser humano numa base

    mais justa e equilibrada (TAYRA, 2002). Fraga (2003) afirma que com o conceito de

    desenvolvimento sustentável, a noção de desenvolvimento humaniza-se, ao incluir a

    preocupação com as futuras gerações. Sintetizando a opinião desta autora, o desenvolvimento

    sustentável promove:

  • 14

    • “a ampliação da visão de desenvolvimento, uma vez que é definido como mais do que

    o crescimento econômico”;

    • “a permanência do desenvolvimento, uma vez que insere a preocupação com as

    futuras gerações”;

    • “a extensão do desenvolvimento, uma vez que se apresenta como necessário em todos

    os países (igualdade intrageracional)”;

    • “um processo de mudança para o desenvolvimento, uma vez que indica a necessidade

    de reorientação de usos dos recursos naturais, a tecnologia, dos investimentos, das leis

    e das instituições e a adoção de novos valores pela sociedade”.

    De acordo com Almino (2003, p. 41), “[...] o desenvolvimento sustentável seria a

    verdadeira face do desenvolvimento, não sendo desenvolvimento aquele que não fosse

    sustentável”. Ou seja, a sustentabilidade seria uma característica intrínseca ao

    desenvolvimento.

    Krause (1999) afirma que a sustentabilidade vai muito além do que se pretende ao

    qualificá-la como simples atributo de um tipo de desenvolvimento. “É um projeto de

    sociedade alicerçado na consciência crítica do que existe e um propósito estratégico como

    processo de construção do futuro. Vem daí a natureza revolucionária da sustentabilidade”

    (KRAUSE, 1999, p. 16). É um conceito que integra e unifica, produzindo impacto sobre a

    noção tradicional de progresso, infinito e linear, eliminando a visão dualista que separa

    homem de natureza, mundo material de mundo espiritual, natureza de cultura, razão da

    emoção, Deus do mundo (BOFF, 1995). Krause (1999) defende que sustentabilidade aponta

    para “[...] uma nova filosofia da humanidade como parte da natureza e sujeita às suas regras,

    filosofia essa que deve substituir a visão corrente do homem afastado do restante do mundo

    natural e como seu senhor e dominador” (KRAUSE, 1999, p. 17).

    O conceito de desenvolvimento sustentável é bastante polêmico e muito discutido

    entre economistas, planejadores e ambientalistas. Muitos chegam a contestá-lo, afirmando

    tratar-se de um conceito "moralmente repugnante e logicamente redundante"

    (BECKERMAN, 1994). Redclift (2003, p. 47) afirma que “[...] há muito tempo que a

    ‘sustentabilidade’ tem existido sempre entre aspas. O poder desse conceito parece estar mais

  • 15

    nos discursos que o cercam do que em qualquer valor heurístico ou substantivo partilhado que

    ele possa ter”.

    Dutra (2003) afirma que a noção de desenvolvimento sustentável é um conceito

    vulgarizado e de presença obrigatória nos discursos que têm o meio ambiente como objeto,

    podendo-se dizer que tornou-se uma “panacéia” e um slogan inevitável da “sabedoria

    convencional”.

    A ênfase das críticas ao desenvolvimento sustentável recai também, sobre as

    ambigüidades e contradições do conceito e são muitas as vulnerabilidades apontadas. De

    acordo com Lima (1997), os ataques se concentram em torno de algumas perguntas essenciais

    como:

    • “é realmente possível conciliar crescimento econômico e preservação ambiental no

    contexto de uma economia capitalista de mercado?”;

    • “não é o desenvolvimento sustentável apenas uma nova roupagem para uma proposta

    já superada? (e neste caso se trataria de mudar na aparência para conservar a

    essência)”;

    • “em não havendo consenso sobre o que é desenvolvimento sustentável e sobre como

    atingi-lo, qual interpretação será privilegiada: a visão estadista, de mercado ou a da

    sociedade civil?”;

    • “como atingir eficiência econômica, prudência ecológica e justiça social numa

    realidade extremamente desigual, injusta e degradada?”;

    • “como passar da retórica à ação?”;

    • “estão os países desenvolvidos e as elites das nações subdesenvolvidas dispostas a

    mudanças e sacrifícios?”.

    Os questionamentos que o autor levanta são bastante válidos e têm estado cada vez

    mais presentes no centro das discussões acadêmicas. No entanto, ainda não parece haver

    consenso quanto às suas respostas, o que faz com que este debate permaneça cada vez mais

    necessário e atual.

    A próxima parte deste capítulo apresenta algumas das principais críticas às teorias da

    sustentabilidade, separadas por tendências ou vertentes a partir de critérios que as aproximem

    em conteúdo, de maneira a tornar esta análise mais didática.

  • 16

    3.1 Desenvolvimento sustentável: um “esverdeamento” do capitalismo

    Carvalho (2001) afirma que seria praticamente impossível adotar estratégias de

    desenvolvimento que fossem verdadeiramente condizentes com desenvolvimento sustentável

    no sistema político econômico que estamos vivenciando. A autora faz uma análise dos

    processos históricos, estruturas político-econômicas internacionais, instituições internacionais

    e o processo de desenvolvimento proposto por teorias globalistas, concluindo que mudanças

    profundas nas estruturas política, econômica e social seriam necessárias para fomentar o

    desenvolvimento sustentável.

    Banerjee (2003) afirma que a aparente reconciliação entre crescimento econômico e

    meio ambiente proposta pelo desenvolvimento sustentável seria simplesmente um lance de

    mágica que falha no tocante ao equacionamento dos genuínos problemas ambientais. O autor

    defende que, ao invés de representar a quebra de um paradigma teórico, o desenvolvimento

    sustentável é subsumido sob o paradigma dominante, pois é um conceito que usa a lógica do

    mercado e da acumulação capitalista para determinar o futuro da natureza, sendo a linguagem

    do capital mais do que dominante em sua teoria. “Há uma consciência limitada do fato que as noções tradicionais de capital, renda e crescimento continuam a informar esse ‘novo’

    paradigma” (BANERJEE, 2003, p. 84).

    O paradigma do desenvolvimento sustentável não questiona as noções de progresso e de racionalidade econômica existentes, mas continua a privilegiar o consumismo industrial. Ao invés, os indicadores primários do regime de desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável simplesmente simplifica o atual modelo de crescimento econômico, adicionando conceitos como os de prevenção da poluição, reciclabilidade, gerência de produtos e de gerenciamento ambiental. A lógica do capital e dos mercados nunca está em questão, e a despeito de suas boas intenções, a noção de desenvolvimento sustentável elaborada por Brundtland objetiva criar e impor uma lógica semelhante a todo o globo (BANERJEE, 2003, pp. 87-88).

    Tanto é verdade que o discurso do desenvolvimento sustentável opera de acordo com a

    lógica do capital, que uma tendência recente na busca pela sustentabilidade tem sido a

    valoração econômica dos recursos ambientais. Assim, Banerjee (2003, p. 91) afirma que “as

    preocupações ambientais articuladas no discurso do desenvolvimento sustentável são

    preocupações na medida em que ameacem a sustentabilidade do sistema econômico”. O autor

    vai ainda mais longe ao afirmar que o desenvolvimento sustentável pretende conciliar o

  • 17

    inconciliável ao objetivar, simultaneamente, o crescimento econômico, a preservação

    ambiental e a eqüidade.

    Desta forma, os potenciais da natureza são reduzidos à sua valorização no mercado como capital natural; o trabalho, os princípios éticos, os valores culturais, as potencialidades do homem e sua capacidade inventiva são reconvertidos em formas funcionais de um capital humano. Tudo pode ser reduzido a um valor de mercado, representável nos códigos de capital (LEFF, 2001, p. 25).

    Com a citação acima, Leff confirma e complementa o que vem sendo apresentado

    acerca desta vertente crítica ao desenvolvimento sustentável.

    Redclift (2003, p. 60) afirma que“ [...] muito da retórica que acompanha a

    sustentabilidade falha em reconhecer que os objetivos ambientais e sociais são,

    freqüentemente, diferentes, e às vezes, contraditórios”.

    De acordo com Bandy (apud BANERJEE, 2003, p. 122), “[...] o discurso do

    desenvolvimento sustentável é uma nova retórica de legitimação: legitimação do mercado, do

    capital transnacional, da ciência, da tecnologia, das noções ocidentais de progresso e de

    (pós)modernidade”. Sobre isso, Leff (2001, p. 22) afirma que “[...] as políticas de

    desenvolvimento sustentável vão desativando, diluindo e deturpando o conceito de ambiente”. A retórica do desenvolvimento sustentável converteu o sentido crítico do conceito de ambiente numa proclamação de políticas neoliberais que nos levariam aos objetivos do equilíbrio ecológico e da justiça social por uma via mais eficaz: o crescimento econômico orientado pelo livre mercado (LEFF, 2001, p. 24).

    Assim, Leff (2001) confirma a tendência de orientação pelo livre mercado que a teoria

    do desenvolvimento sustentável possui.

    3.2 Desenvolvimento sustentável: um termo, muitas interpretações e questões mal

    resolvidas

    Redclift (2003) destaca que a sustentabilidade tem significados diferentes para povos

    diferentes. Hopwood et al (2005) reforçam essa idéia ao afirmarem que, mesmo sendo uma

    idéia largamente utilizada, desenvolvimento sustentável tem muitos significados diferentes e

    sendo assim, provoca muitas respostas diferentes. Para ajudar a compreender melhor as

    diferentes abordagens voltadas para a temática, estes autores sugerem uma classificação e

  • 18

    mapeamento das diferentes tendências de pensamento, suas estruturas políticas, princípios e

    atitudes com relação a mudanças e os significados de mudança. Os autores acreditam que

    desenvolvimento sustentável tem o potencial de guiar mudanças fundamentais para a

    humanidade na atualidade e no futuro, mas consideram que para que isso seja possível, é

    necessário clareza de significado do que vem a ser este conceito.

    Clarke (2002, p.812) afirma que “Nós precisamos criar uma ciência para o

    desenvolvimento sustentável” e que resolver como colocar o mundo no caminho da

    sustentabilidade está longe de estar claro. “Com tantos assuntos diferentes envolvidos,

    raramente há uma definição para uma solução sustentável” (p. 813).

    A este respeito, as palavras do seguinte autor são extremamente elucidativas.

    Como meta social [...] a sustentabilidade está carregada de questões não-resolvidas. Sustentável por quanto tempo: uma geração, um século, um milênio, dez milênios? Sustentável em que nível de apropriação humana: residências individuais, vilas locais, cidades principais, nações inteiras, economias globais? Sustentável para quem: todos os humanos agora vivos, todos os humanos que virão a viver, todos os seres vivos no momento, todos os seres vivos que virão a viver? Sustentável para que condições: para o capitalismo transnacional contemporâneo, para caçadores e coletores neolíticos, para algum império global espacial? Desenvolvimento sustentável para quê: renda pessoal, complexidade social, produto interno bruto, frugalidade material, consumo individual, biodiversidade ecológica? (LUKE apud FISHER, 1995, pp. 21-22).

    Como a citação acima questiona, falta uma série de fatores a serem esclarecidos pela

    idéia de desenvolvimento sustentável, o que o torna um conceito bastante vago, que dá

    margens a múltiplas interpretações. Tais questionamentos são reforçados por Rajeswar

    (2000), que enfatiza a necessidade de se deixar clara a diferença entre crescimento e

    desenvolvimento.

    Na tentativa de fornecer características mais técnicas incluindo ferramentas para

    avaliação e indicadores para monitorar a efetividade das ações de desenvolvimento

    sustentável, Van Bellen (2004) e Spangenberg (2002) descrevem metodologias que podem ser

    utilizadas para medir o progresso que for sendo alcançado com as providências tomadas em

    prol da sustentabilidade. O estudo do primeiro trata de uma comparação entre três das

    principais ferramentas utilizadas para este fim. Já o trabalho de Spangenberg constitui-se na

    apresentação de uma metodologia criada por ele próprio. Existem inúmeras ferramentas ou

    sistemas que buscam o desafio de avaliar o grau de sustentabilidade do desenvolvimento,

    entretanto as características teóricas e práticas destas ferramentas não são conhecidas

    adequadamente por aqueles que dizem buscar o desenvolvimento sustentável.

  • 19

    Morse et al (2001) afirmam que um problema que persiste com relação aos

    indicadores de sustentabilidade é a integração entre eles na busca de uma resposta para avaliar

    se algo é sustentável ou não. Eles afirmam que mesmo em indicadores de sustentabilidade

    extremamente quantitativos e matemáticos, elementos de valor qualitativo de integração e

    subjetividade são necessários e inevitáveis para avaliar um aspecto tão complexo como a

    sustentabilidade. Sendo assim, trabalhar com sustentabilidade implica em trabalhar com

    subjetividade, o que é bastante complexo e sujeito a múltiplas interpretações.

    3.3 Críticas radicais ao desenvolvimento sustentável: uma abordagem neoliberal

    Algumas críticas ao desenvolvimento sustentável acusam as teorias da

    sustentabilidade de serem um empecilho ao crescimento econômico, ao desenvolvimento, ou

    até mesmo ao progresso. Estes críticos defendem que a liberdade econômica deve ser

    preservada e que as leis do mercado se encarregarão de proteger os recursos naturais e a vida

    no planeta. Apesar de serem muitas vezes uma afronta à comunidade científica envolvida nas

    questões ambientais, considerou-se de grande importância que os argumentos destes autores

    neoliberais se façam conhecidos, uma vez que muitos chegaram a ganhar espaço e seguidores

    no meio acadêmico. Alguns dos argumentos são até bem escritos e fundamentados e,

    passíveis de serem aceitos por leitores pouco atentos ou sem capacidade crítica, verdadeiras

    armadilhas para as quais devemos estar atentos.

    Alguns autores defendem que o homem sempre soube administrar os recursos do

    planeta e que se continuarmos como estamos, maximizaremos o bem-estar das populações,

    um exemplo disso é a citação abaixo.

    Se o desenvolvimento sustentável é a resposta, qual é a pergunta? A sociedade tem gerenciado o 'sustento' do desenvolvimento há aproximadamente 3.000 anos sem ser guiada por planejadores de estado verdes. O resultado é não apenas uma sociedade que é ao mesmo tempo mais saudável e mais rica do que qualquer outra na história, mas também uma sociedade com mais recursos naturais à sua disposição do que jamais foi visto antes. Alguém poderia racionalmente argumentar que o melhor caminho para o desenvolvimento sustentável ou para maximizar o bem-estar da humanidade é proteger a liberdade econômica e confinar o estado autoritário de proteger a vida, a liberdade e a propriedade. Isto é, a melhor maneira de obter desenvolvimento sustentável é rejeitar o 'desenvolvimento sustentável’ (TAYLOR, 2002, p. 31).

  • 20

    No texto citado acima, temos um autor que rejeita o conceito de desenvolvimento

    sustentável, defendendo, antes de tudo, a liberdade econômica.

    Beckerman (1994), um dos grandes críticos da teoria do desenvolvimento sustentável,

    baseia sua crítica em diversos motivos. Primeiro porque a idéia de sustentabilidade deveria ser

    usada apenas como uma característica técnica de qualquer projeto ou planejamento, não como

    uma injunção moral. Segundo, porque o conceito neoclássico de otimização já defendia a

    necessidade de justiça inter-gerações visando maximizar o valor atual do bem estar em

    qualquer período de tempo que seja relevante.

    Com relação às necessidades das gerações presentes e futuras, as críticas desses

    autores se baseiam na falta de definição do que vêm a ser necessidades. Uma das definições

    mais famosas de desenvolvimento sustentável é a do Relatório Brundtland (1987). Como já foi

    dito, neste relatório o desenvolvimento sustentável é definido como aquele que “atende às

    necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem

    a suas próprias necessidades”. Beckerman (2003) afirma que tal conceito não é de grande

    ajuda, dado que ‘necessidades’ é um conceito bastante subjetivo. As pessoas têm necessidades

    diferentes de acordo com a época em que vivem, com a sua renda, idade, cultura na qual está

    inserida, nacionalidade, profissão...

    Concordamos que necessidade é uma categoria bastante subjetiva, porém, há recursos

    naturais ameaçados (por exemplo: água, florestas, terra fértil, etc.), que se sabe bem que serão

    parte das necessidades futuras e aparentemente não se tem feito o suficiente para garantir a

    sua disponibilidade às gerações futuras.

    Outra crítica de Beckerman (2003) é com relação ao Relatório Brundtland (1986), que

    afirma que ‘a perda de uma espécie de planta ou animal pode limitar grandemente as opções

    das futuras gerações; então o desenvolvimento sustentável requer a conservação de espécies

    de flora e fauna”. O autor então questiona quão longe a injunção de preservar espécies da

    flora e fauna deve ir, o que estamos supostos a fazer por eles e a que preço.

    Nós devemos montar uma grande operação, a gastos astronômicos para garantir a sobrevivência de cada espécie conhecida e desconhecida na face da terra, pois ela pode dar prazer às futuras gerações, ou pode ser que, em centenas de anos, ela possa vir a ter propriedades medicinais? Acredita-se que cerca de 98 por cento de todas espécies que já existiram tornaram-se extintas, mas a maioria das pessoas não sofre nenhum senso de perda como resultado disso. (....) Quantas pessoas perdem o sono porque não é possível ver um dinossauro vivo? (BECKERMAN, 1994, p. 3).

    Beckerman (1994) ainda defende que a crescente popularidade do termo

    ‘desenvolvimento sustentável’ é uma oportunidade para diversos grupos de interesse explorarem

  • 21

    o tema e aumentarem seu tamanho, poder e influência. Tais organismos incluem corporações que

    aguardam subsídios para fabricar, por exemplo, células de energia a baixo carbono, metanol,

    turbinas de energia eólica ou coisas do tipo; burocratas que querem expandir seus orçamentos

    defendendo que determinado projeto é necessário em prol do desenvolvimento sustentável; a

    mídia que pode garantir um maior público ao explorar estórias sensacionalistas, alertando que o

    mundo vive à beira de um precipício; grupos ambientalistas de pressão que pretendem expandir a

    quantidade de membros e consequentemente seus apurados. Tudo isso com a assistência dos

    políticos que reconhecem a força do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ para ganhar a

    confiança do eleitorado.

    Como eu não acredito que a crescente popularidade de um conceito tão vago e operacionalmente inútil como o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ possa ser explicado por sua força intelectual, eu acredito que a crescente influência nas políticas nacionais e internacionais pode talvez ser melhor explicada como referência ao fenômeno sociológico. Isso inclui o apetite do público por estórias ambientais dramáticas e assustadoras, ou a tendência dos políticos de querer entrar na moda. (BECKERMAN, 1994, p. 4).

    É verdade que o discurso do desenvolvimento sustentável permite gerar ganhos

    econômicos e políticos a certos grupos, porém, a busca pela preservação decorrente deste

    discurso é positiva, pois permite proteger e preservar a vida.

    Levanta-se aqui o questionamento de um neologismo de moda, que no ponto de vista

    do autor serve mais para explicar um fenômeno sociológico do que para dar solução ao que

    aparentemente se propõe.

    Unem-se às críticas já apresentadas, outras relacionadas à questão da escassez de

    recursos, que o autor não considera um problema devido a “evidências históricas” e “à

    natureza econômica dos feedbacks”. Seguindo esta linha de raciocínio, nenhum recurso

    deveria ser considerado escasso, uma vez que a tecnologia e a economia se responsabilizariam

    por fazer com que ele nunca se esgotasse.

    O autor falha quando não leva em consideração que muitas comunidades e países já

    convivem com a escassez de alguns recursos. A água, por exemplo, já é escassa em algumas

    localidades por motivos variados: ação humana, poluição, mudanças climáticas, desertificação

    e salinização, etc.

    Há ainda evidências que comprovam que civilizações inteiras já decaíram por causa da

    degradação ambiental. O biólogo e biogeógrafo Jared Diamond, por exemplo, aponta o mau-

    gerenciamento dos recursos naturais como a principal razão para o colapso de civilizações

    inteiras como a Maia, a Ilha de Páscoa na polinésia pré-histórica (DIAMOND, 2005).

  • 22

    Beckerman (2003) também discorda da “igualdade entre gerações” defendidas pelas

    teorias do desenvolvimento sustentável. Para ele, as gerações futuras não têm direito algum

    pelo simples fato de ainda não existirem. E uma vez que as gerações futuras não podem ter

    direitos, os interesses delas não podem ser cobertos por nenhuma teoria da justiça coerente

    (BECKERMAN, 1994, 2003).

    Por mais controversas ou discutíveis que possam parecer estas argumentações, não se

    pode ignorar a gravidade do problema que colocam. São questões a pensar, a discutir, e nunca

    a assimilar impensadamente. Vemos aqui com nitidez contornos morais, éticos e filosóficos

    em geral, da problemática examinada do desenvolvimento sustentável. O fato de estarmos

    expondo estas críticas não significa que concordemos com elas e sim que precisamos

    conhecê-las, pois fazem parte da larga gama de críticas à temática em estudo. Uma vez mais

    se evidencia a riqueza da problemática exposta, como também o entendimento superficial que

    ainda se tem sobre este assunto.

  • 23

    4 TURISMO, SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

    4.1 A (in)sustentabilidade da atividade turística

    O conceito de sustentabilidade do turismo está estreitamente ligado ao de

    desenvolvimento sustentável e, como não poderia deixar de ser, também evoca inúmeras

    críticas e inquietações por parte dos estudiosos por razões que estão relacionadas com as

    apontadas anteriormente neste estudo e por outras que serão apresentadas a seguir.

    Não é mais novidade que o turismo é um fenômeno em expansão no mundo, e que a

    cada ano que se passa é maior o número de viajantes e o volume de capital que a atividade

    movimenta. São mais de 800 milhões de chegadas internacionais anuais em todo o mundo,

    gerando uma receita total1 que ultrapassa 800 bilhões de dólares norte-americanos por ano, o

    que significa mais de dois bilhões de dólares por dia. Enquanto categoria de exportação, isto

    representa 6% do total de exportações mundiais de bens e serviços, o que coloca o turismo em

    4° no ranking mundial de exportações, só perdendo para combustíveis, químicos e produtos

    automotivos. Ainda assim, para alguns países em desenvolvimento ou pequenas ilhas, o

    turismo é a principal categoria nas exportações (OMT, 2006).

    O turismo representa importante fonte de renda, empregos e divisas em muitos

    países. Entretanto, os efeitos benéficos são em geral vivenciados de países desenvolvidos para

    países desenvolvidos e, no máximo, para alguns países de economia marginal. (AULICINO,

    1997, p. 27). Cazes (1999) faz uma crítica com relação aos discursos otimistas baseados em

    números como receita, desembarques e empregos gerados pelo turismo. As observações do

    autor levam a concluir que apesar de os números apontarem para um cenário favorável à

    atividade, não significa dizer que haja necessariamente uma significante melhoria na

    qualidade de vida das populações receptoras. Os empregos gerados pelo turismo ainda têm

    ligação freqüente com o setor informal e muitos podem ser considerados precários devido a

    aspectos como sazonalidade, absenteísmo, subqualificação, excesso de jovens e mulheres, etc. A importância do turismo reside menos nas estatísticas que mostram, parcialmente, seu significado e mais na sua incontestável capacidade de organizar sociedades inteiras e de condicionar o (re)ordenamento de territórios para a sua realização (CRUZ, 2000, P. 8).

    1 Incluindo gastos com transporte dos passageiros.

  • 24

    Como a autora destaca, muito além das estatísticas que apontam para a relevância da

    atividade, o turismo tem o poder de redefinir a realidade das comunidades locais. Esta

    redefinição pode tender para o lado positivo ou negativo, o que vai depender do tipo e da

    qualidade do planejamento que ali for implementado.

    Dados do IBGE (2007b) confirmam as críticas apontadas anteriormente por Cazes

    (1999), no que diz respeito à informalidade dos empregos da indústria do turismo, como

    também da concentração de renda nas mãos dos grandes empreendimentos e os baixos

    salários associados à atividade.

    O número de empresas de pequeno porte2 no Brasil representa 97,2% do total

    estimado de Atividades Características do Turismo (ACT), sendo os restantes 2,8% formados

    por empresas de grande porte. Entretanto, no que diz respeito à receita operacional líquida

    gerada por essas empresas, só 26,3% correspondem às pequenas empresas, enquanto as

    grandes empresas são responsáveis por 73,7% do montante total. Ainda nesta comparação

    pequenas versus grandes empresas, as de pequeno porte empregam 60,6% do total de pessoal

    ocupado na atividade turística e as de grande porte empregam 39,4%. Mas no que diz respeito

    ao montante de salários e outras remunerações, 64,2% da massa de salários correspondem às

    empresas de grande porte e só 35,8% às empresas de pequeno porte (IBGE, 2007b). Este

    quadro de desigualdades entre empresas de diferentes portes pode ser melhor compreendido a

    partir da análise dos gráficos apresentados na Figura 1.

    Entre as empresas brasileiras associadas à atividade turística, as que apresentam os

    menores valores em remuneração média mensal são as de alojamento e as de alimentação,

    sendo a média salarial da primeira de R$ 551 e a da segunda de R$ 355. Entre os empregados

    nas ACT, observa-se significativa quantidade de empregados que trabalham sem carteira

    assinada, tanto para homens (36,54%), como para mulheres (40,12%) (IBGE, 2007b).

    No que diz respeito ao nível de instrução das pessoas que têm acima de 10 anos de

    idade ocupadas na atividade turística no Brasil, observa-se que 31,29% têm de 4 a 7 anos de

    estudo, 23% têm de 8 a 10 anos de estudo e 26,92% têm de 11 a 14 anos (IBGE, 2007b).

    2 O IBGE considera empresas de pequeno porte aquelas que empregam menos de 20 pessoas. Aquelas que empregam 20 ou mais pessoas são consideradas empresas de grande porte.

  • Figu

    Brasi

    Font

    acord

    que e

    de tu

    bilhõ

    Espa

    Obje

    ura 1 – Est

    il em 2003

    te: IBGE, 2

    A partici

    do com a O

    equivale a 7

    uristas). Qu

    ões de dólar

    anha no mes

    A persp

    etivos de De

    N

    39,40%

    P

    trutura das

    007b.

    ipação do B

    OMT (2006)

    7,04% do to

    uanto à rece

    res em 2005

    smo ano (47

    ectiva do t

    esenvolvim

    2,80%

    Número de em

    Pessoal ocupa

    atividades

    Brasil no mo

    ), o país rec

    otal que a Fr

    eita cambia

    5, o que equ

    7,891 bilhõe

    turismo com

    mento do M

    97,20

    mpresas

    60

    do total

    característic

    ontante do

    cebeu 5,358

    rança recebe

    al gerada pe

    uivale a apen

    es de dólare

    mo meio d

    ilênio (ODM

    0%

    0,60%

    cas do turis

    turismo mu

    8 milhões de

    eu no mesm

    ela atividad

    nas 8,06% d

    es).

    de inclusão

    M), estabel

    73,70%

    Receita

    64,20%

    Salário

    smo, por p

    undial ainda

    e turistas es

    mo ano (pou

    de turística,

    do montant

    social enc

    lecidos em

     operacional 

    os e outras re

    orte das em

    a é bastante

    strangeiros

    uco mais de

    o Brasil g

    e total arrec

    contra abrig

    2000 pela

    26,30

    líquida

    35,8

    emunerações

    25

    mpresas, no

    tímida. De

    em 2005, o

    76 milhões

    gerou 3,861

    cadado pela

    go nos oito

    ONU, para

    0%

    80%

    5

    o

    e

    o

    s

    a

    o

    a

  • 26

    um conjunto de 181 países, entre os quais o Brasil. É com base neste documento que a OMT,

    como entidade do Sistema ONU, tem buscado identificar diretrizes para verificar as

    possibilidades do turismo como vetor para reduzir a pobreza e proteger o meio ambiente. Esse

    movimento iniciou-se ainda em 1999, quando a Comissão das Nações Unidas sobre o

    Desenvolvimento Sustentável estimulou os governos a aproveitar ao máximo as

    possibilidades do turismo, visando à erradicação da pobreza, elaborando estratégias

    apropriadas em colaboração com todos os grupos interessados e as comunidades locais.

    Desde 1994 o turismo vem se constituindo no Brasil em importante eixo de atuação

    governamental, através dos PRDT’s, com significativos investimentos do poder público. O

    mais adiantado destes programas é o PRODETUR-NE, que se encontra em sua segunda fase

    de execução e beneficia áreas turísticas prioritárias dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará,

    Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo e norte

    de Minas Gerais. Com a execução deste projeto, o Ministério de Turismo e as demais

    instituições envolvidas constataram que existe a necessidade de ajustar e corrigir a estrutura

    conceitual dos programas, com o objetivo de obter melhores resultados, alcançando suas

    metas diretas, que incluem a melhoria de vida das populações receptoras3. Esta tentativa de

    aperfeiçoa