universidade federal de alagoas unidade educacional de

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ANA ALICE DE SANTANA MENDES A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA: UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA PALMEIRA DOS ÍNDIOS 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

ANA ALICE DE SANTANA MENDES

A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:

UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO

DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA

PALMEIRA DOS ÍNDIOS

2021

ANA ALICE DE SANTANA MENDES

A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:

UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO

DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

apresentado ao Curso de Graduação em

Psicologia da Unidade Educacional de

Palmeira dos Índios do Campus Arapiraca da

Universidade Federal de Alagoas – UFAL para

a obtenção do título de Formação em

Psicologia.

Orientadora: Profª. Ma. Fernanda Cristina

Nunes Simião.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS

2021

Catalogação na fonte

Universidade Federal de Alagoas

Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

M538e Mendes, Ana Alice de Santana

A expressão das emoções e sentimentos por meio da música: uma

análise de músicas interpretadas por Elis Regina no período da ditadura

militar no brasil a partir do psicodrama / Ana Alice de Santana Mendes,

2021.

130 f.

Orientadora: Fernanda Cristina Nunes Simião.

Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de

Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.

Palmeira dos Índios, 2021.

Bibliografia: f. 122 – 130

1. Psicologia. 2. Psicodrama. 3. Música. 4. Regime militar. 5.

Ditadura. I. Simião, Fernanda Cristina Nunes. II. Título.

CDU: 159.9

ANA ALICE DE SANTANA MENDES

A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:

UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO

DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC

apresentado ao Curso de Graduação em

Psicologia da Unidade Educacional de

Palmeira dos Índios do Campus Arapiraca da

Universidade Federal de Alagoas – UFAL

como pré-requisito para a obtenção do Grau

de Formação em Psicologia.

Data de Aprovação: 31/03/2021.

Banca Examinadora

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à espiritualidade amiga por estar ao meu lado nessa

jornada.

À minha mãe Edna, ao meu pai Everaldo e ao meu irmão Vitor, por serem

minha base, me apoiarem e me ajudarem, sem medir esforços para isso.

Às minhas tias, prima e primos, em especial, ao Pedro Henrique, por, em

muitos momentos, ter sido meu ponto de paz nessa caminhada.

À Amanda Brandão, pela amizade, por todo suporte, pelas brincadeiras,

estresses divididos e conversas sinceras.

À Kassandra Kallyna, por todo apoio, incentivo, puxões de orelha, conversas

madrugada adentro e momentos de gargalhadas genuínas.

Ao Rodrigo Dantas, por ter sido a melhor dupla possível de estágio e me fazer

ficar na UFAL até tarde da noite conversando sobre a vida.

À Juhlly Araújo, por ser luz e leveza em meio ao caos e a melhor escritora de

roteiros não seguidos.

À Daiane Rodrigues, pela amizade, compreensão e compartilhamento de

tantos assuntos em comum.

À Daniele Almeida, pelo tempo no qual dividimos apartamento, seu carinho e

cuidado.

Às professoras e alguns dos professores que contribuíram de forma positiva

na minha caminhada dentro da graduação, pelo compartilhamento dos seus

conhecimentos e das suas experiências.

À Professora Fernanda, por, primeiramente, ter sido minha supervisora no

estágio de Clínica em Gestalt-Terapia, momento no qual tive a oportunidade de

aprender imensamente com ela; e por ter sido minha orientadora nesse trabalho,

caminhando junto comigo rumo à finalização desse ciclo.

Agradeço a todas as pessoas que durante os últimos seis anos me afetaram

de maneira positiva, deixando boas lembranças.

Por fim, e não menos importante, agraço à música por ser minha grande

companheira em todos os momentos da vida, minha inspiração, meu resgate, minha

celebração, minha calma, minha inquietação, meu questionamento, minha resposta

e meu silêncio.

“A música é meu motor e meu combustível,

meu arco e minha flecha e minha solidão.

Amigo, cantar é um ato que se comete

absolutamente só e eu adoro” (Elis Regina,

1980).

RESUMO

Essa pesquisa teve como objetivo geral compreender a música como uma forma de expressar as emoções e sentimentos a partir da análise de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama. Para isso, tivemos como objetivos específicos: identificar composições de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com a teoria do Psicodrama. Com relação ao referencial teórico desse estudo, escolhemos a Teoria do Psicodrama de Jacob Levy Moreno para embasar nossas análises, discussões e reflexões. Concernente aos aspectos metodológicos, trata-se de uma pesquisa qualitativa e documental, na qual realizamos buscas no site Google com o intuito de encontrar nosso material de análise: músicas interpretadas por Elis Regina com conteúdo de crítica à Ditadura Militar no Brasil e informações acerca dessas músicas e de seus compositores. Desse modo, ao final do processo de seleção, escolhemos quatro músicas e informações sobre elas para comporem o material analisado. Em relação ao método analítico, elegemos a análise de conteúdo de Laurence Bardin, que resultou em três categorias de análise: 1) Dor/Angústia; 2) Esperança; e 3) Medo. A partir das nossas análises e discussões, pudemos compreender que estamos a todo momento procurando meios de expressar as mais diversas emoções e sentimentos oriundos das experiências vividas ao longo de nossas vidas. No decorrer de nossas análises, foi possível destacar a relação existente entre o processo de composição musical e alguns conceitos da Teoria Psicodramática, que foram: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e Matriz de Identidade; também dialogamos com a prática psicodramática e a Psicomúsica. Entendemos que a realização dessa pesquisa nos possibilitou uma compreensão aprofundada acerca do uso da música como um meio de expressar emoções e sentimentos, destacando-se o quão pode ser relevante a sua utilização tanto na prática da Psicologia quanto nas demais profissões que trabalham com intervenções terapêuticas. Sendo assim, frisamos a importância de que na atuação profissional se considere os mais variados recursos que possam auxiliar nas intervenções, levando em consideração a singularidade de cada sujeito. Por fim, salientamos que esse trabalho propõe discussões e reflexões que defendem o uso da música como um recurso interventivo que pode ser utilizado como um facilitador do processo de expressão.

Palavras-chave: Psicologia. Psicodrama. Música. Ditadura Militar. Elis Regina.

ABSTRACT

This research aimed to understand music as a way of expressing emotions and feelings based on the analysis of songs performed by Elis Regina composed by different artists during the Military Dictatorship Period in Brazil (between the years 1964 and 1985) in the light of Psychodrama. For that, we had as specific objectives: identify compositions of artists who took a stand against the military regime; analyze lyrics of songs performed by Elis Regina composed by different artists in the Brazilian dictatorial period, identifying the content expressed from its context of composition; and to relate the composition processes of the analyzed musics with the theory of Psychodrama. Regarding the theoretical framework of this study, we chose Jacob Levy Moreno's Theory of Psychodrama to support our analyses, discussions and reflections. Concerning the methodological aspects, it is a qualitative and documentary research, in which we conducted searches on the Google site in order to find our analysis material: songs interpreted by Elis Regina with content critical of the Military Dictatorship in Brazil and information about these songs and their composers. Thus, at the end of the selection process, we chose four songs and information about them to compose the analysed material. Regarding the analytical method, we elected Laurence Bardin's content analysis, which resulted in three categories of analysis: 1) Pain/Anguish; 2) Hope; and 3) Fear. From our analyses and discussions, we were able to understand that we are constantly looking for ways to express the most diverse emotions and feelings arising from the experiences lived throughout our lives. In the course of our analyses, it was possible to highlight the relationship between the musical composition process and some concepts of the Psychodramatic Theory, which were: Catharsis, Spontaneity and Creativity, Tele Factor and Identity Matrix; we also dialogue with Psychodramatic Practice and Psychomusic. We understand that the realization of this research enabled us to have a deeper understanding of the use of music as a means of expressing emotions and feelings, highlighting how relevant its use can be, both in the practice of Psychology and in other professions that work with therapeutic interventions. Thus, we emphasize the importance of considering the most varied resources in professional practice that can assist in interventions, taking into account the uniqueness of each subject. Finally, we emphasize that this work proposes discussions and reflections that defend the use of music as an intervention resource that can be used as a facilitator of the process of expression.

Keywords: Psychology. Psychodrama. Song. Military Dictatorship. Elis Regina.

SUMÁRIO

CARTA AO/À LEITOR/A 10

1 INTRODUÇÃO 11

2 HISTÓRIA DA ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA

16

2.1 Cronologia da Arte 20

2.2 Tipos de Arte 24

2.3 Trajetória e Funções da Música 32

2.3.1 A Música no Período Ditatorial Brasileiro 39

2.4 Função Social da Música 48

3 AO RITMO DO PSICODRAMA 53

3.1 A Teoria Moreniana 55

3.1.1 Espontaneidade e Criatividade 59

3.1.2 Fator Tele 62

3.1.3 Matriz de Identidade 63

3.1.4 Teoria dos Papéis 65

3.2 Prática Psicodramática 66

3.2.1 Modalidades de Psicodrama 68

3.2.2 Técnicas de Psicodrama 69

3.2.2.1 Psicomúsica 71

4 PROCESSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 75

4.1 Análise de Conteúdo 88

5 CANTANDO EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA DITADURA MILITAR NO BRASIL: UM DIÁLOGO COM O PSICODRAMA

92

5.1 Dor/Angústia 94

5.2 Esperança 104

5.3 Medo 111

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 118

REFERÊNCIAS 122

10

CARTA AO/À LEITOR/A

Caro/a leitor/a,

A presente produção, além de falar sobre música, possui letras de músicas no

seu decorrer, as quais aparecem como citação no início de alguns capítulos, em

exemplificações das funções da arte, nos exemplos de músicas que foram

censuradas no período ditatorial brasileiro e como citação no começo das categorias

de análise. Essas músicas foram escolhidas a partir do meu entendimento de que

cada uma delas se relaciona com o assunto abordado seja no capítulo, na seção ou

na categoria de análise em que se encontra. Além disso, também estão presentes

músicas relacionadas à carreira da cantora Elis Regina, assim como músicas

condizentes com a proposta do trabalho, as quais foram pré-selecionadas para

compor o material de análise, bem como outras músicas dos compositores que

foram analisados. Com a finalidade de proporcionar uma experiência mais rica,

indico que escute cada música quando ela surgir na leitura. As músicas estão

dispostas em uma playlist presente tanto no Spotify (link 1), quanto no Youtube (link

2), podendo ser acessada na plataforma de sua preferência.

Link da playlist no Spotify

https://open.spotify.com/playlist/7rjy3ctatllyqsvbs42pl0?si=421eb4383f63474c

Link da playlist no Youtube

https://www.youtube.com/playlist?list=pl_ovnht_ctcjg6xnmdbzowxw-9qdxrsxw

11

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema principal a discussão da possibilidade de

expressar emoções e sentimentos por meio da música, a partir de um olhar do

Psicodrama. O interesse pela realização desse estudo surgiu da vontade de unir a

minha paixão por música, que teve início na primeira infância e me acompanha até

hoje, e os conhecimentos que adquiri na graduação, ao longo do meu encontro com

a Psicologia. Durante esses anos de envolvimento com a música, tanto como

ouvinte, quanto como cantora e instrumentista (por hobby), venho acreditando que

em uma composição é possível exprimir ideias, posicionamentos, questionamentos,

emoções e sentimentos.

A escolha pela teoria do Psicodrama de Jacob Levy Moreno (1975) como

referencial teórico se deu através de pesquisas realizadas com a finalidade de

conhecer materiais que relacionavam Psicologia e música. Durante essas

pesquisas, percebi a aparição do Psicodrama como referencial teórico de alguns dos

estudos encontrados, mas a decisão de adotá-lo nessa pesquisa foi tomada quando

me indicaram um artigo com autoria de Cunha (2016), cujo título é “Cantodrama: um

instrumento de intervenção terapêutica na abordagem psicodramática bipessoal e

grupal”, no qual a autora se fundamentara nessa teoria para realizar um trabalho

com crianças utilizando a lógica da composição musical e do canto para

desenvolverem diálogos, de modo que os profissionais faziam perguntas cantando e

as crianças respondiam do mesmo modo.

Levando em consideração que o Psicodrama faz uso de variados tipos de arte

em sua prática, compreendemos que essa teoria foi de grande utilidade em nosso

trabalho, agregando valor às nossas análises, pois foi possível realizar um diálogo

entre alguns de seus elementos teóricos e práticos com o material selecionado para

a análise, que foram músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas

diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil.

No que se refere à escolha do nosso recorte histórico para essa pesquisa

(Período da Ditadura Militar no Brasil), essa se deu pelo fato de não haver liberdade

de expressão e uma explícita perseguição aos artistas durante essa época. Diante

disso, optamos por analisar músicas compostas nesse momento histórico que foram

12

interpretadas por Elis Regina devido a ela ter sido uma cantora que gravou músicas

de diversos compositores brasileiros, nos dando a possibilidade de trabalharmos

com a expressão de emoções e sentimentos acerca desse período advinda de

artistas diferentes. Além disso, a escolha por essa intérprete se deu também por ela

ter explicitado seu posicionamento contrário ao Regime Militar e emitido suas

opiniões políticas e sociais em uma época na qual o Brasil estava sendo governado

à base de censura, repressão e outros tipos de violência.

É importante destacar que, a partir desses recortes, nossas análises voltaram

o olhar tanto para as composições analisadas, quanto para o processo de criação de

seus respectivos compositores, ou seja, realizamos uma análise da expressão dos

compositores, dentro de um determinado contexto, observando a história desses

artistas, as influências externas e os conteúdos dessas músicas.

Dessa maneira, levando em consideração que a arte é uma das primeiras

formas de expressão humana e que a música vem sendo utilizada também com

essa finalidade desde os primórdios da sociedade, faz-se relevante a realização de

estudos sobre a utilização dessa forma de arte com um meio de expressar emoções

e sentimentos em um momento no qual o Brasil sofria com a falta de liberdade de

expressão.

Além disso, salientamos a realização dessa pesquisa em um tempo no qual o

contexto político e social do país tem se assemelhado ao cenário do período do

Regime Militar, marcado por diversos fatores, tais como: a tentativa de cerceamento

da liberdade de expressão, um forte autoritarismo, perseguições e mortes por

motivos políticos, dentre outros acontecimentos.

Somado a isso, estamos vivenciando um momento em que a arte, e

consequentemente a música, tem sido utilizada para expressar emoções,

sentimentos, pensamentos e opiniões relacionadas ao contexto político e social

brasileiro, mesmo sofrendo perseguições e tentativas de boicote. Diante dessa

semelhança de cenários e da utilização desse tipo de arte como forma de

expressão, ressaltamos a atemporalidade das músicas que foram analisadas nesse

estudo.

A partir de todas essas escolhas, partimos para o estudo do nosso tema de

interesse e identificamos que, conforme Azevedo Júnior (2007), a expressão das

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emoções e sentimentos é realizada há séculos, existindo registros da Era Paleolítica

ilustrando a necessidade do ser humano de se expressar. Sendo assim, ainda

segundo esse autor, “A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade

como forma do ser humano marcar sua presença [...] comunicando e expressando

suas ideias, sentimentos e sensações para os outros” (AZEVEDO JÚNIOR, 2007, p.

6). Devido a música ser um dos tipos de arte existentes, ela também é um recurso

que pode cumprir essa função.

Considerando as discussões acima e a definição dos recortes que foram

necessários para a realização desse estudo, definimos como objetivo geral

compreender a música como uma forma de expressar as emoções e sentimentos a

partir da análise de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas

diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama.

A partir disso, elaboramos os seguintes objetivos específicos: identificar

composições de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras

de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período

ditatorial brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de

composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com

a teoria do Psicodrama.

No que se refere aos processos metodológicos, tomamos por base os

pressupostos de uma pesquisa qualitativa (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2002)

e de uma pesquisa documental (GIL, 2002), tendo em vista o intuito de analisar as

músicas que foram escolhidas a partir de alguns critérios e de acordo com o nosso

tema de interesse. Desse modo, em nossas pesquisas, buscamos encontrar

músicas interpretadas por Elis Regina com conteúdo de crítica à Ditadura Militar no

Brasil e informações acerca dessas músicas e de seus compositores.

Em vista disso, por meio da realização da nossa pesquisa documental,

escolhemos analisar as seguintes músicas: “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos

Pais”, escritas por Belchior; “Cartomante”, composta por Ivan Lins e Vitor Martins; e

“O Bêbado e a Equilibrista”, composição de Aldir Blanc e João Bosco. Além delas,

nosso material de análise foi constituído também por informações encontradas

acerca dos compositores e do contexto de composição de cada uma das canções

analisadas.

14

Selecionamos como método de análise para explorar o material escolhido a

análise de conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977). Esse processo resultou na

escolha de três categorias de análise, intituladas Dor/Angústia, Esperança e Medo,

por meio das quais expusemos nossos resultados e compreensões, dialogando com

alguns dos conceitos do Psicodrama e aspectos da prática dessa teoria.

Com relação à estrutura, esse trabalho foi organizado em quatro capítulos. No

primeiro (História da arte como meio de comunicação e a expressão das emoções e

dos sentimentos por meio da música), apresentamos, inicialmente, um conceito de

emoções e sentimentos. Após isso, discutimos acerca do surgimento da arte, a

divisão cronológica da arte e os tipos de arte que existem atualmente. Por se tratar

de um estudo com foco na música, foi dada ênfase ao seu surgimento,

desenvolvimento teórico e prático, bem como ao seu uso na sociedade ao longo dos

séculos. Ainda nesse capítulo, destacamos algumas informações a respeito da

Ditadura Militar no Brasil e discorremos, brevemente, sobre as músicas que foram

compostas nesse período histórico. Por fim, dissertamos sobre a função social da

música.

No segundo capítulo (Ao ritmo do Psicodrama) apresentamos o criador da

Teoria do Psicodrama e como foi o processo de criação dessa teoria, apontando

alguns dos seus conceitos e discorrendo sobre a sua prática e algumas de suas

modalidades e técnicas, destacando a técnica da Psicomúsica.

No terceiro capítulo (Processos metodológicos da pesquisa) expomos os

caminhos metodológicos desse estudo, que foi de cunho qualitativo e documental.

Apresentamos o material selecionado e o método de análise utilizado e

descrevemos como fizemos a nossa análise.

O quarto e último capítulo (Cantando emoções e sentimentos na Ditadura

Militar no Brasil: um diálogo com o Psicodrama) foi destinado às discussões dos

resultados da análise dessa pesquisa, que foram elaboradas através de estudos,

reflexões e diálogos possíveis entre os conteúdos do material de análise e os

capítulos anteriores.

Por último, apresentamos as considerações finais desse trabalho, redigindo

nossas contemplações sobre os principais resultados obtidos com a realização

desse estudo, frisando as possibilidades de uso do recurso da música como um

15

meio de expressão do ser humano. Além disso, salientarmos a relevância desse

trabalho tanto para a Psicologia quanto para outras profissões.

16

2 HISTÓRIA DA ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A EXPRESSÃO DAS

EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA

Sangrando Quando eu soltar a minha voz Por favor entenda Que palavra por palavra Eis aqui uma pessoa se entregando (NASCIMENTO, 1980)

Nesse capítulo será apresentado o surgimento da arte, bem como suas

mudanças ao longo do tempo. Além disso, faremos um breve passeio pelos tipos de

arte que existem atualmente com a finalidade de mostrar a importância que cada

uma delas vêm tendo na sociedade, enfatizando a música como uma das formas de

expressar as emoções e sentimentos.

Faremos um breve passeio pelas características musicais de algumas

épocas, dando destaque para a música produzida no período da Ditadura Militar no

Brasil (1964-1985), por se tratar do objeto de análise da presente produção.

Também será explanado, de forma sucinta, sobre a função social da música e o seu

uso como recurso terapêutico em diversas profissões, a partir da Musicoterapia,

mais especificamente dentro da Psicologia.

Antes de darmos continuidade ao assunto, faz-se necessário apontar as

definições dos conceitos emoção e sentimento. Sobre as emoções, Cezar e Júca-

Vasconcelos (2016) afirmam que são expressões de afeto seguidas por reações

abundantes e rápidas do organismo (sensações), a fim de responder a algum

acontecimento inesperado ou não. Essas reações não são controladas pelo

indivíduo e é um momento de descarga de tensão.

Os autores apontam que as emoções são multidimensionais, englobando os

fenômenos biológicos, subjetivos e sociais. Acrescentam ainda que a intensidade da

emoção será determinada pelo valor que o sujeito atribui ao evento ocorrido. Esse

evento poder ser interno (orgulho, culpa, vergonha) ou externo (uma situação que

gere medo).

Ainda com relação às emoções, existe o conceito de emoções primárias, que

são as emoções básicas, e a junção de duas ou mais emoções primárias formam as

17

emoções secundárias. E no que se refere à quantidade de emoções primárias,

Menéndez (2019) afirma que não existe um consenso e aponta que são seis: nojo,

surpresa, medo, alegria, tristeza e raiva.

Acerca dos sentimentos, Cezar e Júca-Vasconcelos (2016) explicam que

estes são eliciados pelas emoções, sendo necessários três elementos para que

ocorram: representação do estímulo emocional, recuperação de significados

associados a esse estímulo e percepção consciente do estado corporal. Sendo

assim, o sentimento é a forma consciente da emoção. Segundo esses autores,

alguns dos sentimentos são: felicidade, frustração, hostilidade, amor, gratidão,

compaixão, ciúme, aversão, esperança etc.

Feita essa distinção, iniciaremos a exposição acerca do surgimento da arte,

que se deu nos primórdios da humanidade. Sobre isso, Azevedo Júnior (2007)

afirma que há registros datados da Era Paleolítica, através da Arte Rupestre,

comprovando que o ser humano sentia necessidade de registar, de se comunicar e

de se expressar. Essa manifestação também foi visualizada através do trabalho do

ser humano que, para sua sobrevivência, modificava a natureza e utilizava-a a seu

favor. Por meio desses registros é possível identificar a realização de atividades que

deram o ponta pé inicial para as formas de expressões artísticas que conhecemos

hoje.

Nessa perspectiva, Fischer (1987, p. 42 apud MENDONÇA, 2019, p. 25)

aponta que “[...] a arte é considerada desde muito tempo como a manifestação mais

autêntica, libertadora e realizadora do homem”. De acordo com Azevedo Júnior

(2007, p. 6),

A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade como forma do ser humano marcar sua presença criando objetos e formas (pintura nas cavernas, templos religiosos, roupas, quadros, filmes etc) que representam sua vivência no mundo, comunicando e expressando suas idéias, sentimentos e sensações para os outros.

A partir disso, o autor frisa que a arte é “[...] uma experiência humana de

conhecimento estético que transmite e expressa ideias e emoções” (p. 7), sendo

assim um meio de comunicação. Desse modo, a arte, para o artista, é um meio de

18

expressar e de comunicar o que sente. Além disso, através da arte, ele é capaz de

entrar em contato com ele mesmo.

É importante compreender que a arte não é algo estático, ela muda conforme

a cultura e o período histórico, logo, sua definição também não é estática, ela muda

conforme o tempo e o lugar. Acerca disso, Azevedo Junior (2007) diz que a arte é

influenciada pelos valores morais, artísticos e religiosos de uma cultura, portanto,

cada cultura tem sua forma de fazer arte, que carrega consigo suas características.

Essa forma de se expressar está presente em todas as culturas, podendo ser

compreendida como uma linguagem não escrita.

Esse autor aponta a necessidade de três elementos para que a arte exista: o

artista, o observador e a obra de arte ou o objeto artístico. O primeiro (o artista) é

quem cria a obra, expressando seus sentimentos, emoções e ideias através do seu

conhecimento concreto, abstrato e individual.

O segundo elemento (o observador) diz respeito ao público que entra em

contato com a obra, indo por um caminho inverso ao do artista, pois o observador

primeiro aprecia e em seguida chega ao conhecimento de mundo que a obra

contém. O observador precisa dispor de sensibilidade e algum conhecimento de

história da arte, que é o ramo da ciência que estuda os processos artísticos a partir

do contexto em que foram criados.

O terceiro elemento (a obra de arte ou o objeto artístico) faz parte de todo o

processo, desde a criação, até o momento que o observador o aprecia. A obra de

arte ou o objeto artístico não necessita de complemento ou tradução, isso só ocorre

quando faz parte da proposta do artista.

Ainda segundo Azevedo Junior (2007), com o passar do tempo, dentro da

história da arte, se tornou possível identificar três funções para a arte: pragmática ou

utilitária, naturalista e formalista. Na primeira função, a arte é usada como uma forma

de alcançar uma finalidade não artística, sua valorização não é pela obra em si, mas

sim pela sua finalidade. A arte que tem a função pragmática ou utilitária pode ser

utilizada para fins pedagógicos, religiosos, políticos ou sociais. Não importa a

qualidade estética, mas sim se ela exerce o papel moral de atingir o propósito a que

se prestou.

19

Essa função pragmática ou utilitária pode ser exemplificada por “Querelas do

Brasil”, música composta por Aldir Blanc e Maurício Tapajós (1978), gravada por Elis

Regina, que faz uma crítica social à exploração do Brasil pelos estrangeiros e utiliza

palavras do dialeto indígena como referência aos povos existentes no país quando

este foi invadido:

O Brazil não conhece o Brasil

O Brasil nunca foi ao Brazil

Tapir, jabuti

Liana, alamanda, ali, alaúde

Piau, ururau, aki, ataúde

Piá-carioca, porecramecrã

Jobim akarore, Jobim-açu

Uô, uô, uô

Pererê, camará, tororó, olerê

Piriri, ratatá, karatê, olará

Pererê, camará, tororó, olerê

Piriri, ratatá, karatê, olará

O Brazil não merece o Brasil

O Brazil tá matando o Brasil [...]

A segunda função para a arte, a naturalista, visa representar a realidade ou a

imaginação tal qual ela é, para que quem observa a obra consiga identificar e

compreender o seu conteúdo.

O que importa é a correta representação (perfeição da técnica) para que possamos reconhecer a imagem retratada; a qualidade de representar o assunto por inteiro; e o vigor, isto é, o poder de transmitir de maneira convincente o assunto para o observador (AZEVEDO JÚNIOR, 2007, p.10).

Tal função pode ser ilustrada pela música “Meu Cenário”, composta por

Petrúcio Amorim (2003) e interpretada pelo forrozeiro Flávio José:

20

Nos braços de uma morena

Quase morro um belo dia

Ainda me lembro

O meu cenário de amor

Um lampião aceso

Um guarda-roupa escancarado

Um vestidinho amassado

Debaixo de um batom

Um copo de cerveja

E uma viola na parede [...]

Na terceira função para a arte, a formalista, a qualidade da obra é atribuída a

partir da forma de apresentação de seus motivos e significados estéticos. Azevedo

Junior (2007, p. 10) explica que “A função formalista trabalha com os princípios que

determinam a organização da imagem – os elementos e a composição da imagem”.

Sendo assim, o importante nessa função é expressar e transmitir emoções e ideias

através do objeto artístico. Como exemplo dessa função, temos a música “Te

Amando Calado”, composta por Wallace Lander Santos (2017) e interpretada por

Bistrô “Tô te amando calado tá/Vou deixar mal curado viu/Coração não vai

aguentar/Tá sangrando um bocado tá/Tô sofrendo calado viu/Por não ser seu amor

[...]”.

Considerando o que já foi apresentado até aqui, ressaltamos que a arte,

desde os movimentos protótipos de sua criação, vem passando por modificações e

atualizações que derivam de acordo com a época vivida. Portanto, a arte, assim

como a história, também é dividida cronologicamente e essa divisão temporal será

apresentada de forma sucinta a seguir.

2.1 Cronologia da Arte

De acordo com Aidar (2019), a partir dos estudos realizados pela História da

Arte, a arte é dividida cronologicamente em períodos históricos e seis deles serão

apresentados brevemente a seguir: Arte Pré-histórica, Arte Antiga, Arte Clássica,

21

Arte Medieval, Arte Moderna e Arte Contemporânea. No Quadro 1, será apresentado

o tipo de arte característico de cada um desses períodos históricos.

Em seguida, ilustraremos exemplos de cada uma das artes mencionadas no

quadro referentes a cada período histórico: Arte Rupestre (Figura 1), Arte Egípcia

(Figura 2), Arte Grega e Romana (Figura 3), Arte Gótica (Figura 4), Arte

Expressionista (Figura 5) e Arte Conceitual (Figura 6).

Quadro 1 – Alguns Períodos Históricos da Arte

PERÍODOS HISTÓRICOS

TIPOS DE ARTE CARACTERÍSTICOS DE CADA PERÍODO

Arte Pré-histórica

(período anterior a 3.000 a.C.)

Um ótimo exemplo de arte desse período é a Arte Rupestre, que são desenhos, pinturas e esculturas, em sua maioria encontradas em cavernas, produzidas pelos povos antigos. Através da Arte Rupestre deu-se origem a pictografia, que foi a primeira forma de escrita criada no período Neolítico (8.000 a.C. até 5.000 a.C.). As imagens da Arte Rupestre retratavam os animais, cenas familiares, cenas de sexo, a natureza etc.

Arte Antiga

(de 3.000 a.C. até 1.000 a.C.)

Esse período é exemplificado pela Arte Egípcia. Nessa época a arte estava ligada à religiosidade, através de pinturas, estátuas, monumentos e obras arquitetônicas.

Arte Clássica

(1.000 a.C. até 300 d.C.)

A Arte Grega e Romana ilustra esse período artístico. Esse tipo de arte voltava-se para a valorização do corpo humano na pintura e na escultura. No campo da literatura, havia uma tentativa de não expressar tanto as emoções, buscava-se o equilíbrio entre razão e emoção.

Arte Medieval

(de 300 até 1350)

A Arte Gótica é uma demonstração desse tempo, que se tratou de um período de mudanças na sociedade. A arte dessa época se afastava completamente da Arte Antiga, expressando a confusão derivada das mudanças de paradigmas, sendo considerada uma arte menos idealista e mais profana, erótica e cotidiana.

Arte Moderna

(de 1350 até 1850)

Período em que o movimento artístico buscava retratar a vida moderna. Tem como exemplo a Arte Expressionista, que é um tipo de arte que foca na expressão das emoções e da sensibilidade humana. Nesse momento histórico começou a haver uma preocupação com a funcionalidade das artes, mas sem deixar de lado a sua forma.

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Arte Contemporânea

(de 1850 até os dias atuais)

Ilustrada pela Arte Conceitual, na qual o conceito, a ideia e a atitude estão acima das técnicas. Esse tipo de arte tem como função fazer com que as pessoas reflitam sobre a mensagem passada pelo artista.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Aidar (2019).

Figura 1 – Exemplos de Arte Rupestre (Arte Pré-histórica)

Fonte: Google

Figura 2 – Exemplos de Arte Egípcia (Arte Antiga)

Fonte: Google

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Figura 3 – Exemplos de Arte Grega e Romana (Arte Clássica)

Fonte: Google

Figura 4 – Exemplos de Arte Gótica (Arte Medieval)

Fonte: Google

Figura 5 – Exemplos de Arte Expressionista (Arte Moderna)

Fonte: Google

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Figura 6 – Exemplos de Arte Conceitual (Arte Contemporânea)

Fonte: Google

Conforme as informações apresentadas, percebemos que as expressões

artísticas, como são conhecidas hoje, foram sendo desenvolvidas ao decorrer do

tempo através da evolução humana e de sua capacidade de criação e

aprimoramento, desde as manifestações pré-históricas até os dias atuais. Esse

desenvolvimento possibilitou a distinção e a quantificação dos tipos de arte, que

serão abordados na seção subsequente, de forma não aprofundada, trazendo

apenas alguns pontos interessantes e marcantes de sua história.

2.2 Tipos de Arte

Atualmente, existem onze tipos de arte, das quais dez serão apresentadas

pontualmente ao longo desta seção: dança, pintura, escultura, teatro, literatura,

cinema, fotografia, histórias em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos (games) e arte

digital. A música compõe esse grupo, completando os onze tipos, mas será

abordada na seção seguinte, por se tratar de um tipo de arte primordial para o

presente estudo.

Em relação a como essa divisão dos tipos de arte foi ocorrendo

historicamente, Aidar (2019) aponta que, em 1911, o crítico de cinema Riccioto

Canudo criou o Manifesto das Sete Artes e Estética das Sete Artes, sendo 1923 o

ano de sua publicação. Canudo classificou a arte em sete tipos: música, dança,

pintura, escultura, teatro, literatura e cinema. Ao longo do tempo, diante das

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mudanças sociais e tecnológicas, outros tipos de arte foram adicionados a essa

classificação: fotografia, histórias em quadrinhos (HQ), jogos (games) e arte digital.

A dança é a primeira forma de comunicação entre os seres humanos, pois

anteriormente à linguagem oral, os indivíduos se comunicavam por meio da dança e

dos gestos. Dessa forma, segundo Diniz (2009, p. 1), “A dança foi à expressão do

homem através da linguagem gestual. O homem estabeleceu posteriormente todo

um código de sinais, gestos e expressões fisionômicas ao qual imprimiu vários

ritmos”. A autora continua explicando que

Existem indícios de que o homem dança desde os tempos mais remotos. Todos os povos, em todas as épocas e lugares dançaram. Dançaram para expressar revolta ou amor, reverenciar ou afastar deuses, mostrar força ou arrependimento, rezar, conquistar, distrair,

enfim, viver! (Ibid., p. 2).

No que se refere à forma como a dança foi sendo manifestada ao longo do

tempo, Diniz (2009) afirma haver registros na Espanha, na África do Sul e na França

de que o homem primitivo realizava danças coletivas, as quais eram executadas

com movimentos convulsivos e desordenados. Já no Egito eram realizadas danças

sacras em homenagem aos Deuses. No século IV, a dança foi proibida pelos

imperadores ditos cristãos. No século XV, ela foi banida, restando apenas as danças

macabras (da morte e contra a morte). Foi na época do Renascimento (1330 até

1600) que a dança ressurgiu. Atualmente, a dança é utilizada para diversos fins,

como diversão, profissão e até como recurso terapêutico.

A pintura surgiu nos primórdios da história humana, há declarações de

pinturas que datam de 25.000 a.C. Como mencionado anteriormente, os seres

humanos primitivos já se expressavam através de pinturas rupestres. De acordo com

Queiroz et al. (2014), na Idade Média, as pinturas eram utilizadas para comunicar

valores religiosos aos fiéis ou para a narração de histórias bíblicas.

Segundo Veneroso (2002), entre os séculos XV e XIX existia uma rigidez

contra o uso de letras (palavras, textos) dentro das pinturas, o que foi sendo mudado

a partir do século XX, período no qual os pintores começaram a não obedecer a

essa “regra”, rompendo a barreira entre a pintura e a letra, utilizando a forma escrita

em seus quatros.

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A escultura também é uma forma de arte que surgiu há milhares de anos,

ainda na época da Arte Rupestre. A forma de escultura como conhecemos hoje

surgiu no Oriente Médio e foi desenvolvida na Idade Média (476 até 1453). A

escultura é a técnica na qual objetos e seres são total ou parcialmente

representados em relevo. Com relação aos tipos de materiais, Azevedo Júnior

(2007) afirma que as esculturas podem ser feitas em madeira, pedra, gesso, ferro,

resina sintética, aço ou mármore. Nesse tipo de arte, o foco esteve mais voltado

para a representação do corpo humano.

O teatro é tão antigo quanto as formas de arte anteriormente abordadas.

Segundo Berthold (2001), na Antiguidade, as pessoas usavam os instrumentos que

produziam e as peles de animais como materiais de caracterização para a atuação.

Hoje em dia existe um maior número de acessórios cênicos para os atores e as

atrizes utilizarem e passarem sua mensagem. Essa forma de arte era utilizada para

expressar os sentimentos, contar histórias e louvar aos deuses, dentre outras

finalidades.

A autora segue afirmando que nessa época acreditava-se que o teatro era

sagrado, pois, por meio dele, aconteciam os rituais para invocar os deuses e as

forças da natureza. Na Grécia, esse tipo de arte surgiu das cerimônias e rituais de

celebração religiosa. Já em Roma ele tinha um caráter de diversão e prazer.

Na Idade Média, o teatro era utilizado nas igrejas católicas durante a missa e,

nesse período, ele foi proibido de ser realizado em praça pública para não perder o

seu caráter religioso. Contudo, apesar da proibição, começaram a surgir comédias

com temáticas políticas e sociais.

No Renascimento, o teatro ganha um novo caráter, com espetáculos

populares, realizados nas ruas, utilizando o atributo da improvisação. No século XX,

essa arte se tornou um instrumento de discussão e crítica social e política.

Atualmente, ele possui várias vertentes como a ópera, o teatro de bonecos, os

musicais, entre outras.

A origem da literatura se deu a partir da linguagem oral, que precedeu a

criação da escrita. Desde os tempos mais remotos o ser humano transmitia de

geração em geração as lendas e orações através da oralidade. Sobre a escrita,

Aidar (2019) aponta que, além de ser uma forma direta de comunicação, ela também

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é uma ferramenta para transmitir ideias, pensamentos, sentimentos, reflexões e

narra histórias.

A delimitação entre o final da pré-história e o início da história ocorreu a partir

da criação da escrita, conforme Aidar (2019). As palavras escritas são a matéria

prima da literatura, que se trata de uma manifestação artística, em verso ou prosa.

Dentre os tipos dessa arte, a literatura conhecida como clássica (do século V a.C ao

século V d.C) pelos romanos e gregos influenciou toda a literatura ocidental. Logo,

cada época e lugar possui diferentes características literárias.

No Brasil, de acordo com Nogueira (2015), a literatura passou por alguns

movimentos. O Quinhentismo, no século XVI, apresentou fortemente os escritos

religiosos, utilizados na catequização dos indígenas. No século XVII, com o Barroco,

houve o exagero da angústia que perpassava entre o sagrado e humano. O século

XVIII foi marcado pelo Arcadismo ou Neoclassicismo, que se caracterizava pela

exaltação da beleza feminina, pelo bucolismo e pela exaltação da natureza. O

Romantismo, ainda no século XVIII, trouxe a intensa expressão dos sentimentos e

emoções, a idealização da mulher amada, o nacionalismo e o espírito sonhador.

Ainda sobre a literatura no Brasil, a autora segue dizendo que na metade do

século XVIII surgiram as obras literárias de cunho social, valorizando a realidade,

que são características do movimento nomeado Realismo. No início do século XX, o

Parnasianismo buscou reviver a valorização estética da obra literária a partir da

utilização de uma linguagem rebuscada e culta.

Entre 1902 e 1922 houve o movimento chamado Pré-Modernismo, que

valorizava o regionalismo e abordava os problemas sociais. O Modernismo (de 1922

a 1930) trouxe para a literatura a oportunidade de trabalhar com o humor e a

liberdade de escrita. Atualmente, as obras literárias sofrem influências da ciência, da

tecnologia e do capitalismo contemporâneo; a partir dessas influências existe uma

liberdade para o artista expressar suas ideias, sentimentos e pensamentos.

O cinema foi criado em 1815, época em que ele se misturava com outras

formas de arte, como o teatro. Com relação a isso, Costa (2006) pontua que o

cinema tem sua origem na projeção de “lanternas mágicas”, em que o apresentador

mostrava para a plateia imagens coloridas projetadas em uma tela (através do foco

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de luz gerado pela chama de querosene) e essas imagem eram acompanhadas de

vozes, músicas e efeitos sonoros.

Além disso, o cinema também teve sua origem a partir das práticas de

representação visual pictórica, que é uma imagem produzida por uma ordem de

pigmentos sobre algum suporte, como os panoramas, que é a vista abrangente

(geral) de uma paisagem; e os dioramas, que é um modo de apresentação artística

em três dimensões.

Acerca da criação do cinema, Costa (2006) declara não haver apenas um

criador, visto que esse tipo de arte é o resultado de vários estudos e invenções na

busca pelo aperfeiçoamento da projeção de imagens. Destacamos três destas

invenções: em 1893, Thomas A. Edison, nos Estados Unidos, registrou a patente do

seu cinetoscópio, um instrumento de projeção interna de filmes; em novembro de

1895, em Berlim, os irmãos Max e Emil Skladanowsky exibiram pela primeira vez

seu sistema de projeção de filmes, o bioscópio; e dias depois, em dezembro de

1895, os irmãos Lumiére fizeram a demonstração pública do seu cinematógrafo em

Paris.

Com o passar do tempo, o cinema foi sendo modificado, ganhou roteirização

e os filmes começaram a ter uma duração maior e técnicas de narrativa. As

produções cinematográficas foram sendo categorizadas por gênero: comédia,

romance, drama, ação, ficção científica, suspense, terror etc. Ao longo dos anos,

esse tipo de arte começou a se estabelecer nos lugares e, atualmente, é difundido

em todo o mundo. Para a realização dessa arte, conta-se com recursos

tecnológicos, os quais estão em constante atualização. Destacamos que existem

algumas produções que exigem um alto investimento financeiro, como também

existem produções independentes que utilizam recursos limitados para a sua

realização.

A respeito da fotografia, conforme Salles (2008), desde a Antiguidade existem

experiências relacionadas ao seu processo de desenvolvimento. Já em 1815

estavam sendo feitos estudos e experimentos que culminaram na sua criação, mas

foi no final do século XIX que essas experiências foram reunidas. Sendo assim, a

fotografia é o resultado da junção da criação da câmara escura e da utilização de

materiais fotossensíveis (sensíveis à luz). A câmara escura é uma caixa preta,

totalmente vedada, para impedir a entrada da luz, que tem um pequeno orifício em

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um dos seus lados. Ao ser apontada para algum objeto, a luz refletida deste objeto é

projetada para dentro da caixa e a imagem dele se forma na parede oposta à do

orifício.

Foi ainda na primeira metade do século XIX que as imagens começaram a ser

projetadas com melhor qualidade e os instrumentos utilizados nesse processo foram

sendo aprimorados. Ainda sobre isso, Salles (2008) afirma que em 1900 a fotografia

já tinha os recursos que eram necessários para a criação de imagens de alta

qualidade de exposição e reprodução, inclusive já atuava junto ao cinema. Portanto,

a fotografia como é conhecida hoje se deu graças às mudanças e aperfeiçoamentos

tecnológicos que foram acontecendo ao longo do tempo.

Conforme Xavier (2017), a história em quadrinhos (HQ), também conhecida

como bandas desenhadas, comix e gibi, tem sua origem no jornalismo moderno. No

final do século XIX, nos Estados Unidos, para tentar atrair uma maior quantidade de

público, como analfabetos e imigrantes, os grandes jornais passaram a produzir

materiais com narrativas figuradas. Entre 1900 e 1920 o que predominavam eram as

HQ de humor. Entre 1920 e 1930, além do conteúdo humorístico, passaram a ser

produzidas HQ com conteúdo intelectual. A partir de 1930 foram surgindo histórias

policiais, de ficção científica, de faroeste, de guerra, de cavalaria, entre outros

temas.

Na década de 1950 passaram a ser criados conteúdos que questionavam a

sociedade quanto aos aspectos filosóficos e sociopsicológicos, como é o caso da

história dos “Peanuts” (Turma do Charlie Brown), criação de Charles Schultz. Ainda

nessa época, a autora aponta que surgiram as histórias de violência e terror. Nos

anos de 1960 os quadrinhos receberam a influência do feminismo, levando à

introdução de heroínas nas narrativas. Nessa década surgiu uma personagem que é

conhecida até os dias de hoje, “Mafalda”, criada pelo argentino Quino, que é um dos

exemplos dessa influência feminista.

Em 1970, as HQ passaram a ter uma maior valorização estética. Ainda nesse

período, segundo Aidar (2019), no Brasil, Maurício de Souza lançava “A Turma da

Mônica”, que mais à frente se tornaria a maior produção da indústria nacional de

quadrinhos. Inicialmente, era uma história voltada para crianças tendo como

principal objetivo passar mensagens acerca de valores e respeito às diferenças.

Atualmente, também existe a versão jovem dos personagens, que busca retratar

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temáticas da vivência adolescente. Na versão infantil, ao longo do tempo, foram

criados personagens que abordam temáticas relacionadas à inclusão, como a

questão de pessoas com deficiência.

Considerando toda essa variedade de histórias, gêneros e temáticas que

foram sendo criadas com o passar dos anos, acompanhando as discussões surgidas

na sociedade de cada época, percebemos a importância desse tipo de arte, visto

que, nos dias de hoje, de um modo geral, as HQ são um meio bastante popular de

comunicação em todo o mundo.

De acordo com Batista et al. (2007), a criação dos jogos eletrônicos (games)

deriva de um consenso entre os historiadores ao afirmarem que o primeiro jogo,

chamado “Tennis Programing”, foi lançado em 1958, desenvolvido pelo físico Willy

Higinbothan. Em 1961, na Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi criado um

jogo nomeado “Spacewar”, que, devido ao seu sucesso, levou o engenheiro Ralph

Baer a fazer uma máquina (que começou a ser elaborada em 1966 e foi lançada em

1971) capaz de rodar os jogos por uma TV. Assim surgiram os fliperamas (ou

árcades), máquinas de uso público que precisam de fichas ou moedas (compradas)

para serem usadas. Os primeiros jogos lançados para fliperama possuíam um

gráfico atualmente considerado pobre e com mecanismos simples.

Dentre os games mais famosos, em 1981 foi lançado “Mário”, um jogo de

herói, sendo este, em novas versões, um dos jogos mais populares da atualidade.

Em 1991 foi lançado o jogo de luta “Street Figther I”, que usou o modelo de

animação Sprites (conjunto de fotos passadas em sequência que dão a sensação de

que os personagens estão em movimento). Na mesma franquia, o “Street Figther II”

revolucionou e popularizou os jogos de luta.

Em 1992 houve o lançamento do jogo de luta “Mortal Kombat”, o qual teve a

sua animação feita a partir da captura de movimentos de atores e posterior

digitalização desses movimentos, ou seja, captaram a imagem de atores se

movimentando e as digitalizaram, dando mais realismo estético ao jogo (BATISTA et

al., 2007).

Em 1993 foi lançado o jogo de luta “Virtual Fighter”, que possui gráfico em 3D,

sendo, naquela época, uma inovação do mercado dos games. Ao mesmo tempo em

que estavam sendo criados os fliperamas, estavam em desenvolvimento os

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consoles, que são os vídeo games domésticos. Os autores afirmam que o primeiro

console foi lançado em 1972. Esse aparato foi sendo aprimorado ao longo do tempo,

saindo de um console que para funcionar precisava de operações manuais no

aparelho, passando por jogos em fita, até chegar aos atuais consoles que rodam

jogos em CD e DVD e/ou funcionam via wi-fi (rede sem fio que permite

computadores, celulares e outros aparelhos móveis e dispositivos se conectarem à

internet) e dividem espaço no mundo dos games com os computadores e celulares.

Sendo assim, atualmente, é possível jogar através de um celular, computador,

vídeo game ou outros aparelhos eletrônicos utilizando acessórios (controles, armas,

guitarra, volante etc.) que podem ser conectados por fio ou até mesmo via wi-fi. De

um modo geral, os jogos eletrônicos são separados por gênero e temática (como

corrida, luta, ação, aposta etc.) e podem ter um destaque para um determinado

contexto histórico e/ou contar a história de vida dos personagens.

Portanto, considerando esse breve histórico, podemos observar que, com o

passar dos anos, os games foram se fazendo mais presentes na vida de crianças,

jovens e adultos, e percebe-se que seus modelos de animação estão cada vez mais

realistas e os equipamentos e acessórios continuam em evolução.

A arte digital data de 1960, quando os engenheiros Billy Kluver e Fred

Waldhauer e os artistas Robert Raushenberg e Robert Whitman criaram o grupo

Experimentos em Arte e Tecnologia com o objetivo de promover a interação entre

essas duas áreas. Varella (2019) afirma que a arte digital é um movimento artístico

que engloba uma obra ou prática desenvolvida através de recursos e acessórios da

tecnologia digital (equipamentos e programas), tais como a edição de fotos e

imagens, ilustrações, animação, desenhos e pinturas digitais, entre outras variadas

possibilidades existentes.

O autor coloca que a década de 1970 trouxe a possibilidade de que os

artistas trabalhassem a interação entre televisão, computador e equipamentos de

gravação. Nos anos de 1980 aumentaram os números de produções de animação

computadorizada. Com o aprimoramento dos gráficos, os artistas puderam dispor de

programas de edição de imagens e ilustração. Hoje é muito difundido os trabalhos

realizados com fotos, vídeos, mídias sociais e artes multimídias que são alinhados

com a arte digital. Dessa forma, é possível perceber o quanto a tecnologia avançou

e continua nesse caminho de uma maneira cada vez mais acelerada.

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A partir do que foi apresentado até aqui, é possível perceber que a arte está

presente no cotidiano das pessoas, continua sendo aprimorada a cada instante e

seus diversos tipos podem se misturar em suas práticas. Como foi explicado

anteriormente, existem onze tipos de arte, dos quais dez já foram discutidos. A

seguir, serão expostos alguns pontos sobre o décimo primeiro tipo de arte, a música,

tais como: sua origem, suas manifestações primárias, o desenvolvimento de sua

teoria, os instrumentos que foram sendo criados ao longo do tempo e suas funções

na sociedade.

2.3 Trajetória e Funções da Música

Acerca da origem da música, Souza (2017) afirma que existem muitas teorias

e lendas sobre o seu surgimento. Os povos antigos utilizavam a música para

expressar o que estavam sentindo, como medo, raiva, amor, desejos e sentimentos

que fugiam da razão. Há indícios de que esses povos acreditavam que alguma

divindade teria deixado a música para eles, assim surgiu a primeira lenda referente à

origem da música. Outra lenda sobre sua origem vem da Grécia Antiga, onde

acreditava-se que a música havia sido criada a partir dos deuses míticos em um

passado remoto.

Uma das teorias relacionadas ao seu surgimento é a de Gaston. Essa teoria

afirma que a música foi se desenvolvendo junto com os primórdios da sociedade e

da família, acreditando que a mãe primitiva acalentava, confortava e expressava

seus sentimentos em relação ao filho através de vocalizações, de maneira que essa

prática foi adquirindo características rítmicas tal qual uma canção de ninar.

Segundo Frederico (1999), quando esse ser humano primitivo foi mudando a

forma de se relacionar com o meio (natureza, animais irracionais e demais seres

humanos), ele começou a perceber diferença entre os sons e, com o passar do

tempo, foram sendo criados os primeiros instrumentos musicais.

O autor afirma que os sons musicais dos povos primitivos eram criados a

partir de seus corpos: além da boca e da garganta, também passaram a utilizar o

estalar de dedos, o bater palmas e movimentos com os braços e as pernas. Nessa

época, os instrumentos de trabalho e os instrumentos musicais se misturavam: do

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arco surgiu a lira, que foi muito utilizada na Antiguidade; e do vaso de sacrifícios

(usado em rituais, nos quais os animais ou os humanos eram sacrificados com

finalidade religiosa) surgiu o tambor. Além da lira e do tambor, também houve a

criação dos primeiros modelos de flauta, que foram confeccionados com ossos e

cana de bambu.

Conforme Frederico (1999), os instrumentos musicais criados desde as

culturas primitivas podem ser classificados da seguinte forma: os idiófonos (Figura

7), feitos de material que produz som sem precisar de cordas ou peles esticadas,

como um pedaço de madeira que posteriormente se tornou o xilofone; os

membranófonos (Figura 8), instrumentos de percussão, confeccionados em um vaso

ou crânio humano, finalizados com pele esticada; os cordófonos (Figura 9), que

eram feitos de cordas esticadas elaboradas a partir de tripas de macaco ou baleia; e

os aerófonos (Figura 10), instrumentos de sopro, como a flauta, feita de cana, osso

ou chifre de veado, e a trombeta, feita de madeira e concha de caracol.

Figura 7 – Exemplos de Instrumentos Idiófonos

Fonte: Google

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Figura 8 – Exemplos de Instrumentos Membranófonos

Fonte: Google

Figura 9 – Exemplos de Instrumentos Cordófonos

Fonte: Google

Figura 10 – Exemplos de Instrumentos Aerófonos

Fonte: Google

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Os povos primitivos acreditavam que os instrumentos musicais possuíam

alma e forças misteriosas, essa ideia fez com que os instrumentos fossem utilizados

para o exorcismo. Nas tribos antigas já existia o que se chama de “canto mágico”,

que era usado para cantar à paz e à guerra.

Esse canto era uma arma contra epidemias, perturbações mentais, mordidas de serpente ou qualquer doença. Cantava-se para se comunicar com os bons espíritos, para se ter filhos homens, para se dominar animais ferozes ou para trazer de volta a vida de um defunto

(FREDERICO, 1999, p. 10-11).

Desde esse período existem as canções voltadas para a religiosidade e para

a área medicinal. Os povos primitivos recitavam as canções para se comunicar com

os seres mitológicos e forças sobrenaturais em rituais onde os tambores eram

tocados sem parar e acompanhados de movimentos corporais rítmicos. Destacamos

que até os dias atuais ainda há essa prática do uso da música para se comunicar

com a espiritualidade, deuses e divindades, bem como expressar emoções e

sentimentos em relação a estes; e existem canções ligadas a questões culturais,

religiosas e crenças em geral.

Ao longo do tempo, começou-se a desenvolver a teoria musical. Na Idade

Média, com a implementação do cristianismo, coube aos monges, nos monastérios,

desenvolver a escrita e a teoria musical. Nessa época, o repertório mais utilizado

eram os cânticos litúrgicos, que “[...] variavam nas suas interpretações consoantes a

raça, a cultura, os ritos e os hábitos musicais dos diversos povos” (QUEIROZ et al.,

2014, p. 5).

Ainda na Idade Média, conforme esses autores, surgiu o canto gregoriano,

criado por São Jorge Magno, monge beneditino, que em 590 foi eleito papa e

nomeado São Georgino. Ele fez um compilado de cânticos litúrgicos, os quais

considerava dignos de culto. Esse modo de cantar era utilizado como uma oração

para expressar amor a Deus.

É nesse período histórico que se dá início a separação entre as músicas

religiosas e as músicas populares, também conhecidas como músicas profanas.

Com relação a isso, Queiroz et al. (2014, p. 5) nos apontam que

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Uma das grandes diferenças entre elas está nos instrumentos que são usados em ambas. Na igreja apenas o órgão era permitido, enquanto que na música não religiosa ou chamada profana usavam-se: a rabeca, o saltério, o alaúde, a flauta, a gaita de foles, a sanfona, a harpa, os pratos, os pandeiros, os tambores, etc.

A respeito da língua usada nas canções, o latim era a mais utilizada nas

músicas religiosas. Já nas músicas populares usavam-se os dialetos de cada região.

As músicas profanas possuíam duas categorias: os menestréis, os quais eram

cantores, músicos e malabaristas que saiam pelo mundo apresentando sua arte

junto com os saltimbancos, sendo estes artistas populares que viajavam de cidade

em cidade apresentado suas artes improvisadas em ruas, praças e feiras e depois

passavam o chapéu para recolher o dinheiro das pessoas que os assistiam; e os

trovadores, os quais eram da classe nobre e compunham músicas cujo tema favorito

era o amor.

Tanto na música religiosa, quanto na música popular, utilizavam-se as notas

musicais, isso ajudava a memorizar os cantos. Em sua fase inicial, a notação

musical era representada por símbolos, chamados de nuemas. À medida que foi se

tornando mais precisa, a notação musical passou por transformações, e a partir de

sacerdotes cristãos, mais fortemente Guido D’Arezz (992-1050), os nuemas foram

substituídos pelo sistema de notação com linha, dando início ao que é conhecido

como pauta ou pentagrama (Figura 11), que é um conjunto de cinco linhas paralelas,

na horizontal, onde são escritas as notas musicais (QUEIROZ et al., 2014).

Figura 11 – Exemplos de Pauta ou Pentagrama

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Fonte: Google

Sendo assim, D’Arezz foi o responsável pela criação do sistema de notação

musical que deu origem ao modelo conhecido atualmente, o qual passou por uma

série de mudanças ao longo do tempo. Dentre estas mudanças, destacamos a

ocorrida no século XI, quando as notas musicais foram apresentadas, sendo o nome

delas a inicial das frases do hino a São João Batista (texto sagrado em latim): Ut,

Re, Mi, Fa, Sol, La e San. Tempos depois, o Ut e o San foram substituídos

respectivamente por Do e Si.

De acordo com Queiroz et al. (2014), no período do Renascimento, a música

vocal começou a se sobressair à música instrumental, passando a ter uma relação

entre o texto e a composição instrumental, destacando-se, com isso, o sentido e a

emoção do texto. Nesse momento histórico, a música religiosa continuou tendo seu

espaço, sendo composta pelos corais das igrejas.

Outro segmento dessa época foram as músicas seculares, as quais eram

músicas vocais profanas por não utilizarem a temática religiosa. Esse tipo de música

era consumido desde os cantores de rua até os reis. Nesse cenário, havia uma

produção musical quase que diária e as músicas eram facilmente esquecidas.

Do século XVI ao XVIII houve o movimento artístico denominado Barroco, que

teve seu início na Itália e foi difundido na Europa, América e alguns pontos do

Oriente. Sobre isso, Queiroz et al. (2014, p.14) apontam que “Trata-se de uma das

épocas musicais de maior extensão, fecunda, revolucionária e importante da música

ocidental, e provavelmente também a mais influente”. Esses autores colocam que,

nessa época, a música puramente instrumental começou a entrar em cena. Apesar

de ter sido no período da Renascença o surgimento das ideias iniciais do que

posteriormente seria a Ópera, foi no Barroco que ocorreu o seu desenvolvimento.

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O século XVII foi um momento de evolução para a música a partir do

desenvolvimento tonal, o qual possibilitou a modulação tonal, que é a modificação

de tonalidade dentro de uma música, pois, antes desse feito, as músicas possuíam

apenas um tom, do início ao fim. A partir disso, as músicas (letras) e os instrumentos

musicais passaram a trabalhar em harmonia.

No século XVIII iniciou um movimento prevalente na pintura e na literatura

chamado Romantismo. Mais tarde, na virada do século XVIII para o século XIX, a

música começou a caminhar por esse movimento. Bennett (1986) aponta que os

músicos românticos buscavam expressar de forma mais intensa suas emoções e

seus sentimentos, revelando com frequência seus pensamentos e sentimentos mais

profundos, incluindo suas dores. É certo que sentimentos foram expressos em

outras épocas também, mas foi no Romantismo que essa característica esteve

fortemente presente.

No século XIX, dentro do Romantismo, surgiu o Nacionalismo, movimento no

qual os compositores expressavam deliberadamente os sentimentos pelo seu país.

Caso na música não estivesse explícita a sua nacionalidade, esta poderia ser

facilmente identificada através de suas letras. No século XX houve alguns

movimentos artísticos, dentre eles o Expressionismo, o qual, de início, se

apresentou por meio da pintura. Na música, o Expressionismo se mostrou através

do exagero do Romantismo tardio, “[...] em que os compositores passaram a

despejar na música toda a carga de emoções mais intensas e profundas”

(BENNETT, 1986, p. 72).

Essa expressão intensa dos sentimentos se dava por meio das letras e das

linhas melódicas utilizadas nos arranjos das músicas, como melodias

desconjuntadas e frenéticas, e até mesmo pelo uso de violência e explosão no ato

de tocar os instrumentos, como afirma Bennett (1986). Dessa forma, eram

explorados os extremos de cada instrumento com a finalidade de passar a

intensidade dos sentimentos presentes na letra da música que estava sendo tocada.

A partir desse autor, é possível compreender que desde o século XX até o

momento atual existe o movimento chamado de música contemporânea. Nesse

período surgiram instrumentos como a guitarra e o baixo, que eram muito

relacionados ao estilo musical denominado rock, mas hoje estão presentes em

vários outros estilos musicais.

39

Dentro do período supracitado, mais especificamente entre 1 de abril de 1964

e 15 de março de 1985, esteve instaurada no Brasil a Ditadura Militar ou Quinta

República, momento no qual o país foi governado por militares e ficou marcado pela

privação da liberdade, pela aplicação de tortura aos opositores políticos e pela

execução de terrorismo de Estado (regime de violência instaurado por um governo)

(ARAUJO; SILVA; SANTOS, 2013).

Considerando que essa pesquisa tem como foco de investigação algumas

músicas que foram produzidas durante essa época, faz-se necessário uma

explicação acerca dos principais aspectos desse período histórico, a qual será

realizada a seguir.

2.3.1 A Música no Período Ditatorial Brasileiro

O início da Ditadura Militar brasileira se deu por meio de um golpe civil-militar

contra o então presidente João Goulart, o qual começou em 31 de março de 1964 e

teve apoio político e civil. Durante o regime militar, o Brasil foi governado por cinco

presidentes militares, foram eles: Humberto Castello Branco (1964 – 1967), Artur

Costa e Silva (1967 – 1969), Emílio Médici (1969 – 1974), Ernesto Geisel (1974 –

1979) e João Figueiredo (1979 – 1985); eleitos de forma indireta, ou seja, sem a

participação da população.

Nomear cada um desses militares governantes de “presidente” foi a maneira

encontrada para passar aos brasileiros um “ar de naturalidade”, que nada havia

mudado, pois o intuito era transmitir a sensação que no comando do país estava um

presidente, não um ditador. Essa “normalidade” era apenas uma fachada para

esconder a realidade de um regime autoritário e violento.

Conforme Araujo, Silva e Santos (2013), a Ditadura Militar foi um período de

perseguição a todas as pessoas que supostamente ameaçavam a segurança

nacional, no qual houve prisões arbitrárias, sequestros, cassações, invasões de

propriedade, tortura, assassinatos de cidadãos, sumiços de cadáveres e até

atentados à bomba que foram realizados pelo Estado, sempre com a justificativa de

combate aos subversivos. Um método bastante utilizado para perseguir e combater

os opositores foi a tortura, tanto física, quando psicológica.

40

Estima-se que 20 mil pessoas foram torturadas pelo regime militar, sendo

principalmente presos políticos e filhos desses presos, os quais eram torturados com

a finalidade de fazer com que seus pais denunciassem seus aliados. Além desses

tipos de violência, as autoras afirmam que milhares de brasileiros foram exilados,

sendo obrigados a viver em outro país, por se posicionarem contra o Regime Militar.

Durante esses quase vinte e um anos de Ditadura Militar, medidas foram

estabelecidas para legalizar e legitimar as ações militares, como também para

controlar a população através de Atos Institucionais (AI). Dentre os dezessete Atos

Institucionais, o de número cinco (AI-5), registrado em 13 de dezembro de 1968, foi

o mais rígido e autoritário, responsável por decretar censura aos meios de

comunicação e limitar a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros (ARAUJO;

SILVA; SANTOS, 2013).

Assim, de acordo com as autoras, a Ditadura Militar foi um período de

repressão dos direitos civis e políticos da população e de concentração de poder nas

mãos dos militares. Nessa época, o livre pensar foi reprimido, sendo proibida a

publicação e circulação de alguns livros, havia o monitoramento das universidades,

através de alunos infiltrados para acompanhar o que era falado nesses locais, bem

como o movimento estudantil foi perseguido.

Diante dessa censura à liberdade de expressão, as produções artísticas

dessa época (atividades culturais e de entretenimento, como programas de

televisão, novelas, festivais de música, letras das músicas etc.) passavam por uma

análise realizada pelos censores do governo (pessoas destinadas a essa função)

para saber se estavam adequadas às normas vigentes ou se seriam censuradas por

transgredirem as regras militares.

Apesar de toda a violência do governo militar, eles enfrentaram uma forte

oposição, através da política, do esporte, da arte etc., e em decorrência disso,

muitos foram os casos de músicas censuradas e de compositores perseguidos,

presos e exilados. Frente a isso, esses artistas se expressavam através de

metáforas e jogos de palavras nas letras de suas músicas para conseguirem que

elas fossem aprovadas pelo sistema de censura (BEZERRA, 2020).

Mediante esse cenário, Pinheiro (2019) aponta que algumas músicas que

conhecemos hoje foram inicialmente vetadas, com diversas justificativas, que iam

41

desde o uso de palavrões, até a “falta de gosto” presente nas letras, e algumas

delas serão apontadas a seguir como exemplos: “Cálice”, “Tiro ao Álvaro”, “Pra Não

Dizer que Não Falei das Flores”, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” e “Hoje É Dia de

El-Rey”.

A Música “Cálice” foi composta por Gilberto Gil e Chico Buarque (1978) no

ano de 1973, mas sua liberação só ocorreu após cinco anos. Na primeira estrofe vê-

se uma letra com teor religioso, mas, ao darmos continuidade à leitura, é possível

perceber que se trata de uma crítica à censura, na qual o interlocutor anseia pela

liberdade de falar o que pensa e fazer o que deseja.

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga

Tragar a dor, engolir a labuta

Mesmo calada a boca, resta o peito

Silêncio na cidade não se escuta

De que me vale ser filho da santa

Melhor seria ser filho da outra

Outra realidade menos morta

Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada pra a qualquer momento

Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda

De muito usada a faca já não corta

42

Como é difícil, pai, abrir a porta

Essa palavra presa na garganta

Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade

Mesmo calado o peito, resta a cuca

Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno

Nem seja a vida um fato consumado

Quero inventar o meu próprio pecado

Quero morrer do meu próprio veneno

Quero perder de vez tua cabeça

Minha cabeça perder teu juízo

Quero cheirar fumaça de óleo diesel

Me embriagar até que alguém me esqueça.

A segunda música que trazemos como exemplo é “Tiro ao Álvaro”, que foi

composta por Adoniran Barbosa e Oswaldo Molles (1975) em 1960 (antes do

período da ditatura militar), lançada nesse mesmo ano por Adoniran e censurada no

ano de 1973. Após a instituição do AI-5, Adoniran teve medo de lançar músicas

novas, então resolveu lançar um disco com regravações de músicas suas já

lançadas, como uma espécie de disco com os grandes sucessos, mas cincos faixas

deste foram censuradas, dentre elas a música “Tiro ao Álvaro”. O argumento

utilizado para a censura dela é que seria uma letra de “mal gosto”, por possuir

palavras pronunciadas gramaticalmente erradas (“táuba” “automórve” “frechada” e

“revorve”), mas que faziam parte do cotidiano e da realidade de seu compositor.

De tanto levar frechada do teu olhar

Meu peito até parece sabe o quê?

Táubua de tiro ao Álvaro

Não tem mais onde furar

(Não tem mais)

De tanto levar frechada do teu olhar

Meu peito até parece sabe o quê?

43

Táubua de tiro ao Álvaro

Não tem mais onde furar

Teu olhar mata mais do que bala de carabina

Que veneno estriquinina

Que peixeira de baiano

Teu olhar mata mais que atropelamento de automóver

Mata mais que bala de revórver

[...]

O terceiro exemplo é a música “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”,

composta por Geraldo Vandré (1979) no ano de 1968 e apresentada pela primeira

vez no III Festival da Canção da TV Globo ocorrido no mesmo ano. Apesar dessa

música ter sido ovacionada pelo público do festival, por orientação da censura,

Geraldo não ficou em primeiro lugar na competição. A letra da música fala sobre

repressão, faz crítica à agressão com que a população era tratada e exalta a

iniciativa do povo em se opor ao regime vigente. Sendo assim, é considerada o hino

brasileiro de resistência política.

A primeira gravação dessa música foi liberada apenas em 1978, na voz de

Simone, cantora de MPB (música popular brasileira), que é um gênero musical

surgido na segunda metade da década de 1960 na cidade do Rio de Janeiro e que

se caracteriza pela fidelidade à música de raiz brasileira.

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais, braços dados ou não.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções,

Caminhando e cantando e seguindo a canção.

[Refrão]

Vem, vamos embora que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (2x)

Pelos campos há fome em grandes plantações,

Pelas ruas marchando indecisos cordões.

44

Ainda fazem da flor seu mais forte refrão

E acreditam nas flores vencendo o canhão.

[Repete Refrão]

Há soldados armados, amados ou não

Quase todos perdidos de armas na mão

Nos quarteis lhe ensinam uma antiga lição

De morrer pela pátria e viver sem razão.

[Repete Refrão]

Nas escolas, nas ruas, campos, construções

Somos todos soldados armados ou não

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Somos todos iguais braços dados ou não.

Os amores na mente as flores no chão

A certeza na frente a história na mão

Caminhando e cantando e seguindo a canção

Aprendendo e ensinando uma nova lição.

[Repete Refrão]

O quarto exemplo é a música “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, do

compositor goiano Odair José (1995), que foi censurada em 1972 por se tratar de

uma canção que conta uma história de amor por uma prostituta. Diante disso, os

censores julgaram que ela ia contra a moral e os bons costumes daquela época.

Olha, a primeira vez que eu estive aqui

Foi só pra me distrair

Eu vim em busca do amor

Olha, foi então que eu lhe conheci

Naquela noite fria, em seus braços

Meus problemas esqueci

45

Olha, a segunda vez que eu estive aqui

Já não foi pra distrair

Eu senti saudades de você

Olha, eu precisei do seu carinho

Pois eu me sentia tão sozinho

E já não podia mais lhe esquecer

Eu vou tirar você desse lugar

Eu vou levar você pra ficar comigo

E não me interessa o que os outros vão pensar

Eu sei que você tem medo de não dar certo

Pensa que o passado vai estar sempre perto

E que um dia eu posso me arrepender

Eu quero que você não pense em nada triste

Pois quando o amor existe

Não existe tempo pra sofrer.

A quinta e última música que trazemos como exemplo é “Hoje É Dia de El-

Rey”, composta em 1973 por Milton Nascimento e Márcio Borges (1973), que seria

gravada por Milton Nascimento e Dorival Caymmi, mas a censura vetou a

composição argumentando que ela possuía nitidamente um conteúdo político. A

canção consiste em um diálogo entre pai e filho. Após ser vetada, a versão lançada

no disco de Milton, ainda no ano de 1973, sofreu algumas alterações em sua letra.

Abaixo encontram-se a letra da versão do disco e ao lado estão as frases da versão

original que foram alteradas.

Filho - Não pode o noivo mais ser feliz

não pode viver em paz com seu amor

não pode o justo sobreviver

se hoje esqueceu o que é bem-querer

Rufai os tambores saudando El Rey

46

nosso amo senhor e dono da lei

soai clarins pois o dia do ódio

e o dia do não são por El Rey

Pai - Filho meu, ódio você tem,

mas El Rey quer viver só de amor (mas alguém quer provar o seu

amor)

sem clarins sem mais tambor

vá dizer: nosso dia é de amor (nenhum rei vai mudar a velha dor)

Filho - Juntai as muitas mentiras

jogai os soldados na rua

nada sabeis desta terra

hoje é o dia da lua

Pai - Filho meu, cadê o teu amor

nosso Rey está sofrendo a sua dor

Filho - Leva daqui tuas armas

então cantar poderia

mas nos teus campos de guerra

hoje morreu poesia

Ambos - El Rey virá salvar...

Pai - Meu filho, você tem razão

mas acho que não é tudo

se o mundo fosse o que pensa (se a gente fosse o que pensa)

estava tudo no mesmo lugar (estava em outro lugar)

pai você não tinha agora (medo ninguém tinha agora)

e hoje pior ia estar (e tudo podia mudar)

Filho - Matai o amor, pouco importa

mas outro haverá de surgir

o mundo é pra frente que anda

mas tudo está como está

hoje então e agora

pior não podia ficar

47

Ambos - Largue o seu dono e procure nova alegria (largue o seu

dono, viaje noutra poesia)

se hoje é triste e saudade pode matar (se hoje é triste e coragem pode matar)

vem, amizade não pode ser com maldade

se hoje é triste a verdade

procure nova poesia (empurre a porta sombria)

procure nova alegria (encontre nova alegria)

para amanhã.

Segundo Araujo, Silva e Santos (2013) a partir do governo de Ernesto Geizel,

começou uma tentativa de abrandar a Ditadura Militar, realizando um processo de

abertura política no Brasil, com a finalidade da população sentir que havia

democracia, ao mesmo tempo em que os militares a controlava. Após a oposição

dos militares que não concordavam com esse processo e a empolgação da

população na luta por um regime de fato democrático, em 13 de outubro de 1978 foi

publicada a Emenda Constitucional de nº 11, que em seu Artigo 3º revogou todos os

Atos Institucionais.

Sendo assim, as autoras afirmam que com a revogação do AI-5 foi decretada

a Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, a qual perdoava todos os

crimes políticos cometidos durante o período da Ditadura Militar até o referido ano.

Nesse momento, puderam retornar ao Brasil as pessoas que estavam exiladas,

dentre elas alguns artistas e familiares de artistas.

Em síntese, podemos perceber que durante a Ditadura Militar no Brasil,

mesmo diante de todas as dificuldades políticas, a música foi utilizada como um

instrumento de luta contra a repressão e um meio de expressar emoções,

sentimentos e pensamentos de compositores, músicos e diversos artistas dessa

época, bem como do público que a consumia como forma de transmitir sua

indignação e o sentimento de esperança de que chegassem dias melhores.

Após essa breve explanação de exemplos de músicas que foram censuradas

na época da Ditadura Militar, podemos perceber nas letras das músicas atuais que

houve uma mudança no que se refere à liberdade de expressão, pois os

compositores podem escrever explicitamente, nas mais diferentes formas de

48

linguagem, sobre conteúdos políticos, econômicos, culturais, sociais, religiosos,

eróticos, de dor, de amor e de tudo mais que o ser humano deseja expressar.

Apesar disso, é importante salientar que essas produções estão sujeitas à crítica

social, pois podem gerar reações contrárias e possíveis retratações.

Dando continuidade à discussão sobre a importância da música em nossas

vidas, a seguir, será explanado brevemente acerca da função social da música.

2.4 Função Social da Música

A partir do que foi discutido até então, é possível perceber que a música

participa das diversas sociedades e culturas desde sempre e foi passando por várias

transformações ao longo do tempo. Observa-se que ela se faz presente em muitas

ocasiões, como festas, rituais religiosos, comemorações, manifestações, entre

outras, e em cada um desses momentos ela possui uma função.

Acerca disso, Merriam (1964 apud RIBEIRO, 2014) afirma que a música

possui algumas funções sociais, as quais são divididas em dez categorias: prazer

estético; entretenimento; comunicação; representação simbólica; reação física;

conformidade às normas sociais; validação das instituições e dos rituais religiosos;

contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura; contribuição para a

integração da sociedade; e, por fim, expressão emocional. Destas funções, as nove

primeiras não serão apresentadas por não comporem o foco de discussão desse

estudo.

Sendo assim, dentre as dez funções sociais da música, a de interesse da

presente produção é a função de expressão emocional, que é a aplicabilidade que

iremos destacar:

Refere-se à música como expressão das ideias e/ou emoções. Nesse caso a música pode proporcionar ao indivíduo uma variedade de expressões emocionais – evocação de estado de tranquilidade, sentimento religioso, resolução de conflitos, integração da sociedade, manifestação da criatividade, etc. (MERRIAM, 1964 apud RIBEIRO, 2014, p. 16).

49

Logo, compreende-se que a música é um meio possível do ser humano

expressar pensamentos, afetos, emoções e sentimentos, através tanto da escrita da

letra, quanto da escrita melódica. Além disso, a música também é capaz de evocar

emoções e sentimentos de quem a compõe e de quem a aprecia, os quais estão

ligados a questões religiosas, sociais, culturais, entre outras, pois, no ser humano, a

linguagem musical atua do sentir à expressão desse sentir.

A música enquanto forma de expressão pode ser usada dentro do contexto

terapêutico. Neste sentido, destacamos o campo de atuação da Musicoterapia, que

enxerga a música como uma ativa atividade temporal, perceptiva, de criação,

recriação e escuta, tendo participação direta ou indireta do musicoterapeuta

(profissional da área) e do cliente.

A Musicoterapia é um campo da Medicina que surgiu em 1944 e estuda o

conjunto som-ser humano-som, utilizando o movimento, o som e a música com a

finalidade de abrir canais de comunicação no ser humano e assim produzir efeitos

terapêuticos, psicoprofiláticos e de reabilitação no sujeito e na sociedade

(BENENZON, 1988).

Segundo Ribeiro (2014), em alguns países, existe a graduação em

Musicoterapia, já em outros é uma especialização para profissionais das áreas da

música (como músicos e professores de música) e da saúde (como médicos,

psicólogos e arteterapeutas). No que se refere às possibilidades de atuação, a

Musicoterapia pode ser utilizada junto à diversas profissões (como a Fonoaudiologia,

a Fisioterapia e a Psicologia) e em variados contextos de intervenção (como

hospitalar, geriátrico, educacional, forense, comunitário e militar).

De acordo com essa autora, a National Association of Music Therapy (NAMT)

dos Estados Unidos ressalta três pontos importantes na definição de Musicoterapia:

a indispensabilidade de instituir os objetivos terapêuticos que devem englobar a

prevenção, a manutenção ou o tratamento da saúde física e/ou mental do cliente; a

utilização da música com viés científico deve ser feita por um musicoterapeuta

qualificado e é preciso que haja um contexto terapêutico com uma relação

terapêutica; e a Musicoterapia tem que ser efetuada fundamentalmente através da

música.

50

Desse modo, Ribeiro (2014, p. 18) explica que a Musicoterapia é descrita

como

[...] um processo dirigido a um fim, no qual o terapeuta ajuda o cliente a melhorar, manter ou restaurar seu bem-estar utilizando-se experiências musicais e as relações que se desenvolvem por meio delas como força dinâmica de mudanças.

A autora aponta que algumas das possíveis mudanças que podem ocorrer

com o cliente por meio do processo musicoterapêutico são: auto expressão,

melhorar as relações interpessoais, mudanças das emoções e atitudes, catarse

emocional, aumentar a autoconsciência, possibilitar a resolução de conflitos, entre

outras.

Dentre os princípios da Musicoterapia, Ribeiro (2014, p. 20) destaca o

princípio da identidade sonora, que diz respeito à “[...] utilização da música idêntica

ao estado de ânimo do cliente e seu tempo mental (hiperativo ou hipoativo)”, sendo

útil por contribuir para a resposta emocional do mesmo, auxiliando na expressão de

suas emoções e sentimentos.

E no que se refere à prática musicoterapêutica, a autora afirma que nela

estão envolvidos três elementos: o cliente, o musicoterapeuta e a música. Nesse

contexto, o cliente é responsável por trazer à sessão o seu mundo, os seus desejos,

os seus conflitos e outros aspectos a serem trabalhados, os quais serão acolhidos

pelo musicoterapeuta, sendo este o seu principal papel nesse processo.

Assim, segundo Ribeiro (2014, p. 16), “[...] vários profissionais da saúde

integram essa função da música como recurso terapêutico em suas práticas clínicas

(Ex: Psicólogo, Fonoaudiólogo, Fisioterapeuta, entre outros)”. A partir disso,

compreendemos que a música não é utilizada como agente primário do processo

terapêutico, mas sim como um dos meios/recursos disponíveis na atuação

profissional. A seguir, será explanado pontualmente sobre o uso da música nas

profissões supracitadas.

No campo da Fonoaudiologia, é comum o uso da música para trabalhar a

expressão fonética do sujeito, quadros de atraso na linguagem, entre outras

51

demandas, podendo ser utilizada uma música gravada de algum artista ou produzida

pelo indivíduo, dentro do espaço terapêutico (FREITAS; TÔRRES, 2015).

Na Fisioterapia, as áreas que mais utilizam a música e alguns dos seus

possíveis usos são: a Pediatria, para relaxamento e estimulação motora das

crianças; a Neurologia, com pacientes que possuem alguma lesão ou distúrbio

neurológico (Acidente Vascular Cerebral, Parkinson, doenças degenerativas do

sistema nervoso); a Gerontologia, seja com idosos saudáveis ou que tenham alguma

doença (como o Alzheimer); e a Saúde da Mulher, junto a gestantes (GROUP,

2017).

Dentro da Psicologia, a música é vista como um agente de estimulação

motora, sensorial, emocional e intelectual, podendo ser utilizada como um recurso

para mobilizar as emoções e os sentimentos do paciente/cliente por meio de faixas e

discos gravados por algum artista, chamada de “música morta”, sendo ela escolhida

pelo psicoterapeuta ou pelo paciente/cliente. Não existe uma música específica a ser

trabalhada, se faz necessário que o profissional entenda a finalidade de seu uso, o

momento do sujeito, as emoções, os sentimentos e as questões a serem

exploradas. Essa forma de utilizar a música também é um recurso para trabalhar

algumas funções, como a aprendizagem, a memória, a reabilitação motora etc.

(FREITAS; TÔRRES, 2015).

A música também pode ser usada com a finalidade de afetar a dimensão

física da pessoa, como um recuso de relaxamento, ou para extravasar alguma

energia acumulada. As autoras apontam que a chamada “música viva” é outro meio

de utilizar a música no contexto terapêutico, sendo essa criada pelo próprio

paciente/cliente a fim de se expressar através dela.

Conforme Cardoso (2010), a Musicoterapia pode ser aplicada com o papel de

facilitador da reflexão, comunicação e interação social, tendo como principal intuito

levar as pessoas a reverem o passado, possibilitando uma viagem pelas emoções e

imaginação. O autor afirma que através da música é possível expressar as

interações sociais e as experiências vividas e, além disso, ele aponta que a música

pode fazer com que o sujeito sinta um bem-estar físico e emocional, aliviando a dor

e a ansiedade.

52

No que se refere às possibilidades de uso da música, destacamos que ela

pode ser utilizada em todas as áreas de atuação do psicólogo, tais como instituições

de saúde e saúde mental (como os postos de saúde, os Centros de Atenção

Psicossocial – CAPS, os hospitais, as clínicas de saúde etc.); instituições de

assistência social (como os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e

os Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS);

instituições de ensino (creches, escolas, colégios, institutos etc.) e clínicas de

reabilitação (reabilitação física, psicomotora, para dependentes químicos etc.).

Somado a isso, salientamos que o recurso da música pode ser manejado com

pessoas de qualquer faixa etária (bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos),

trazendo os mais variados benefícios relacionados ao desenvolvimento físico, motor,

sensorial, da linguagem, dentre outros, e, principalmente, auxiliando na expressão

dos pensamentos, afetos, emoções e sentimentos de uma forma terapêutica.

A partir disso, é possível perceber a importância do uso da música como um

recurso terapêutico auxiliar, podendo ser utilizada pelas mais diversas profissões e

em suas áreas de atuação, seja em instituições públicas ou privadas, e com

diferentes públicos, seja de forma individual ou em grupo.

Considerando o que foi discutido no decorrer deste capítulo, é possível

compreender o papel que a arte exerce na sociedade, desde os tempos das

cavernas, assim como as criações feitas pelo ser humano ao longo do tempo, que

resultaram no desenvolvimento e aprimoramento de cada tipo de arte. Notamos

como a música e os instrumentos musicais foram mudando sua forma de utilização

desde os povos antigos, tendo diferentes funções em cada época.

Após essa compreensão, chegamos ao entendimento da música como um

importante recurso terapêutico, que pode ser utilizado com diversas finalidades e

para auxiliar na intervenção de diferentes profissões, entre elas a Psicologia, nos

seus mais variados âmbitos de atuação.

Ainda que atualmente existam muitas técnicas dentro da música, o fazer

musical se iniciou utilizando a espontaneidade e a criatividade, elementos presentes

na teoria do Psicodrama criada por Jacob Levy Moreno, a qual será apresentada no

próximo capítulo.

53

3 AO RITMO DO PSICODRAMA

Hoje eu vou mudar

Vasculhar minhas gavetas

Jogar fora sentimentos

E ressentimentos tolos

Fazer limpeza no armário

Retirar traças e teias

E angústias da minha mente

(SÁ; FLORES, 1979)

No presente capítulo, será apresentada a teoria do Psicodrama criada pelo

psiquiatra Jacob Levy Moreno. Abordaremos acerca do seu processo de criação e

alguns dos principais conceitos que compõem essa teoria, à nível de informação, de

modo que se possa entender o que essa teoria propõe em termos de conceitos e

propostas de práticas. Desde já, informamos que alguns dos aspectos que serão

apresentados no decorrer desse capítulo não serão retomados em nossas análises.

Também abordaremos sobre a prática do Psicodrama, suas modalidades e algumas

de suas técnicas, dentre elas ressaltaremos a Psicomúsica.

Considerando que a proposta desse trabalho foi compreender a música como

uma forma de expressar as emoções e sentimentos tendo por base alguns conceitos

da teoria do Psicodrama, embasamos a nossa pesquisa em alguns deles, que

foram: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e Matriz de Identidade.

Antes de adentrarmos na discussão quanto à teoria, se faz necessário conhecer um

pouco a respeito da história do seu criador.

Moreno nasceu no dia 06 de maio de 1889 na capital Buscarest da Romênia,

mas aos cinco anos de idade mudou-se para Viena, capital da Áustria. Em sua

adolescência, por volta de 1907, ele era adepto do Hassedismo (seita judaica) e

criou o Seinismo (ciência do ser) e, assim, junto a alguns amigos, deu início ao que

chamou de religião do encontro. Esse grupo foi criado como uma forma de se

rebelar diante dos costumes que eram estabelecidos dentro da comunidade judaica

(RAMALHO, 2010).

54

Nessa época, em uma praça de Viena, Moreno começou a realizar com as

crianças o jogo de improviso tendo como finalidade lhes ajudar a aprimorar a

espontaneidade. Nesse momento de teatro infantil não havia o pensamento de criar

uma teoria, mas Moreno já trabalhava com métodos que mais tarde seriam

princípios fundamentais do Psicodrama.

Entre 1912 e 1917 Moreno cursou Medicina. Durante esse período, ele

trabalhou com prostitutas, com as quais articulou um grupo, que, mais tarde, se

transformaria em um sindicato. Em 1920 ele publicou seu primeiro livro, “As Palavras

do Pai”, e em 1921 publicou seu segundo livro, “O Teatro da Espontaneidade”. A

partir de seus estudos e suas criações, o recém-formado psiquiatra, que além de

médico também era filósofo e psicodramaturgo, realizou algumas experiências em

grupo com o Teatro da Espontaneidade (teatro sem roteiro prévio, que acontece

através da atuação espontânea), que originou o Teatro Terapêutico (atuação

espontânea com finalidade de resolver questões e conflitos do protagonista) e, em

seguida, nasceu a teoria do Psicodrama (RAMALHO, 2010).

Em 1925 Moreno saiu de Viena com destino aos Estados Unidos da América.

Em 1929, em Nova Iorque, ocorreu o primeiro psicodrama público, realizado com

jovens prisioneiros de instituições, prisões e internatos (BELLE, 2013). Sobre esse

período, Ramalho (2010, p. 30) afirma que Moreno

Desenvolverá trabalhos com jovens e prisioneiros de instituições (internatos e prisões) que lhe proporcionará voltar a sua atenção para a mensuração e investigação das relações humanas interpessoais, sedimentando os métodos da sociometria e desenvolvendo o seu teste sociométrico.

Seu primeiro teatro terapêutico foi construído em 1937 em Beacon House, a

90km de Nova York, onde centralizou uma clínica psiquiátrica e um instituto

formativo. Ainda em 1937, Moreno lançou a Revista Sociométrica e se juntou às

universidades de Nova York e Colúmbia. No início dos anos de 1940 fundou a

Sociedade Americana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo.

No que se refere à sua vida pessoal, Moreno casou-se com Beatrice Beecher

no ano de 1926, mas acabaram se divorciando em 1938, e nesse mesmo ano ele se

casou com Florence Bridge, com quem teve uma filha chamada Regina, mas

55

separou-se dela em 1949 e logo casou-se com Zerka Toeman, que foi sua parceira

tanto no campo afetivo, quanto no profissional. Os dois tiveram o segundo filho de

Moreno, Jonathan Moreno, que também veio a se tornar sociometrista.

Moreno faleceu em 14 de maio de 1974 aos 85 anos e havia pedido que

estivesse em sua lápide a seguinte frase: “Aqui jaz quem devolveu a alegria à

Psiquiatria”. As principais obras deixadas por ele são: “Quem sobreviverá? As bases

da sociometria” publicada em 1934, “Psicodrama” publicada em 1946, “Psicoterapia

de Grupo e Psicodrama” publicada em 1959 e “Fundamentos do Psicodrama”

publicada em 1959. Após apresentarmos o pai do Psicodrama, é hora de

conhecermos sua teoria e os elementos que a compõem, começando pelo seu

surgimento.

3.1 A Teoria Moreniana

Em sua infância, Moreno já mostrava indícios de ideias que anos à frente

usaria em sua teoria. A primeira manifestação dessas ideias aconteceu quando ele

tinha cinco anos de idade, em um momento de brincadeira com outras crianças, o

qual foi chamado de “Deus e anjos”, quando um dos garotos indagou o motivo de

Moreno não voar, então, “o menino Deus Moreno”, em um ato de espontaneidade,

voou, caiu e fraturou o braço direito (RIBEIRO, 2014).

Entre os anos de 1908 e 1911 Moreno reunia crianças para que elas fizessem

representações improvisadas com a finalidade de tratar questões delas por meio da

espontaneidade e da criatividade. Em 1921 ele começou a trabalhar com uma

modalidade de teatro na qual os atores não possuíam roteiros definidos, podendo,

assim, improvisarem durante a dramatização. Essa forma de fazer teatro ficou

conhecida como Teatro da Espontaneidade.

Segundo Ribeiro (2014), foi em um dos encontros do Teatro da

Espontaneidade que Moreno conheceu a jovem atriz Barbara, que era conhecida por

interpretar papeis românticos, ingênuos e heroicos. Ela casou-se com George, um

jovem poeta e autor teatral, que era expectador assíduo das apresentações dela.

Certo dia, Moreno encontrou-se com o marido de Barbara, o qual lhe relatou que a

56

criatura doce e angelical admirada pela plateia, quando estavam a sós, se

comportava de maneira rude e agressiva.

Na busca por ajudar o casal, Moreno passou a colocar a atriz para interpretar

papeis agressivos, nos quais ela pudesse se aproximar da realidade que vivia em

casa. Ao longo desse processo, George estava sempre dando informações a

Moreno sobre como sua esposa estava se comportando em casa. O casal chegou a

contracenar junto, colocando em prática o Teatro Terapêutico.

Diante das descobertas que teve com o caso de Barbara e de outras

experiências que realizou, Moreno metodizou e “[...] desenvolveu um sistema

simbólico para compreensão do ser humano, criou um método de tratamento

psicoterapêutico conhecido como Psicodrama e métodos de investigação

sociológica e treinamento dos papeis” (RIBEIRO, 2014, p. 29).

A respeito do termo psicodrama, Moreno (1975, p. 61) discorre que “[...]

drama é uma transliteração do grego, que significa ação ou uma transliteração de

uma coisa feita à Psique e com a Psique – a Psique em ação”. O autor define a

teoria do Psicodrama como sendo um “[...] método que penetra a verdade da alma

através da ação” (MORENO, 1974, p. 96 apud RIBEIRO, 2014, p. 29). Logo, para

ele, o Psicodrama é um método dramático de ação profunda, que explora e lida com

as verdades do indivíduo.

Ainda sobre a definição da teoria, Fox (2002, p. 45) aponta que o Psicodrama

é “[...] uma ciência que busca a ‘verdade’, por meio de métodos dramáticos,

trabalhando com relações interpessoais e mundos privados”. Essa teoria surgiu

como uma oposição aos métodos individualistas e racionalistas que existiam na

época, compreendendo o sujeito como um ser bio – psico – social e cósmico.

No Psicodrama, o paciente expõe o modo como se sente no momento em

que dramatiza a situação. Sobre isso, Moreno (1975, p. 232) afirma que

Tem de levar o paciente a expressar como se sente aqui e agora, não só através de palavras mas também por gestos e movimentos. Ele tem de atuar não só no papel de suas situações imediatas mas também em papéis que contrastam com suas aspirações reais. Tem de vivenciar situações que são penosas e indesejáveis, representar

papeis que lhe são odiosos.

57

Com relação ao Teatro Terapêutico, Fox (2002, p. 140) diz que “O teatro é um

espaço objetivo, onde o sujeito pode atuar seus problemas e suas dificuldades,

relativamente livre das pressões e ansiedades do mundo exterior”. Desse modo,

para fazer-se possível, é necessário que a realidade do cliente seja reproduzida de

maneira espontânea e sejam identificadas expressões visíveis em papeis que estão

ocultos, bem como nos relacionamentos invisíveis estabelecidos por ele.

Destacamos que o Psicodrama não é a “cura pela ação” como alternativa a

uma “cura pela fala” (FOX, 2002). A ideia não é que as pessoas atuem de maneira

aleatória, sem cuidado, como se apenas a atividade fosse capaz de produzir

resultado (resolução de uma questão). Assim, no Psicodrama, não se exclui as

palavras, as coloca em um contexto mais amplo, responsabilizando o indivíduo

(cliente) pelo que diz e faz. Além desse entendimento, é importante que o diretor

(Terapeuta) tenha experiência na arte do Psicodrama, pois ele precisa sentir o que

pode ou não explorar da personalidade do cliente e saber se a energia deste é

compatível com o conteúdo que o Terapeuta quer explorar.

Nessa modalidade terapêutica, o cliente (ator) interpreta ele mesmo, sua vida,

seu mundo pessoal. Ele é livre para manifestar no palco as coisas que ocorrem em

sua mente, por isso se faz necessário que haja a liberdade de expressão e a

espontaneidade. Acerca disso, Fox (2002, p.139) discorre que

O psicodrama toma processos reais, situações, papéis e conflitos, levando-os para um contexto experimental, o teatro terapêutico que pode ser tão amplo como as asas da imaginação consigam fazê-lo, incluindo aí cada partícula de nossos mundos reais.

Ainda sobre o Teatro Terapêutico, o autor afirma que

O palco proporciona ao ator um espeço vivo, multidimensional e extremamente flexível. O espaço vivo da realidade é muitas vezes estreito e restritivo; o ator pode facilmente perder o equilíbrio. No palco ele pode encontrá-lo novamente devido a sua metodologia de

liberdade (Ibid., p. 45-46).

58

Nesse contexto, além de ser um lugar para representação de arte e diversão,

o teatro também era utilizado como um espaço de caráter terapêutico, o qual as

pessoas em sofrimento procuravam visando atingir uma catarse. Catarse é um

conceito que foi introduzido por Aristóteles para exprimir o que ocorria com os

espectadores ao nível das sensações ao assistirem uma apresentação teatral com

finalidade artística. Diante disso, segundo Moreno (1975, p. 38), “[...] o teatro tende a

purificar os espectadores, ao excitar artisticamente certas emoções que agem como

uma espécie de alívio ou descarga de suas próprias paixões egoístas”.

Para se encaixar no Psicodrama, o conceito de catarse sofreu uma

modificação. Essa mudança se deu pelo fato de que o teatro escrito tinha sua ênfase

na plateia, já o Teatro Espontâneo do Psicodrama tem sua ênfase nos atores. Sobre

isso, Moreno (1975, p. 38) explica que o Psicodrama “[...] produz um efeito

terapêutico – não no espectador (catarse secundária) mas nos atores-produtores

que criam o drama e, ao mesmo tempo, se libertam dele”. Desse modo, ele

compreende que o cliente (ator) vivencia uma catarse mental no momento em que

está se libertando de seus conflitos e emoções aos quais estava preso. Com isso,

para o autor, “A catarse é gerada pela visão de um novo universo e pela viabilidade

de novo crescimento” (p. 65).

O conceito de catarse do Psicodrama bebe da concepção de catarse primária

(ativa, vivenciada pelo ator) das religiões do Oriente e da concepção de catarse

secundária (passiva, vivenciada pelo espectador) de Aristóteles. Sendo assim, o

Psicodrama ficou com o palco e o teatro dos gregos e a perspectiva oriental de que

o ator é o locus da catarse. A partir dessa perspectiva, entende-se que a catarse

mental é um dos meios de se atingir ou ampliar o equilíbrio do sujeito. Para

conseguir alcançar esse equilíbrio, é necessário que o agente produtor da catarse

seja posto no locus da dor. Dessa forma, o cliente (ator) sentir-se-á aliviado de suas

angústias, tristezas e medos sem que haja uma mudança externa (MORENO, 1975).

Ancorado a esse conceito de catarse mental está o conceito moreniano de

catarse de integração, que é um aparato terapêutico pelo qual é possível a liberação

de afetos e emoções, bem como sua elaboração futura e concepção de novas

formas de estar no mundo. Dentro desse processo de catarse existe uma

aproximação entre o cliente (ator) e seus conflitos, tornando-se possível que ele crie

uma nova dimensão para as suas relações e o seu estar no mundo (BELLE, 2013).

59

Considerando essa discussão, em síntese, Moreno defendia que a partir do

trabalho com a espontaneidade poder-se-ia atingir uma catarse ativa, na qual o

próprio cliente (ator) teria a possibilidade de se libertar de suas limitações e de seus

aprisionamentos, de modo a enxergar um novo panorama de “[...] realizações,

integrando suas partes, seus opostos e paradoxos” (BELLE, 2013, p. 37).

Adiante, no decorrer desse capítulo, serão apresentados alguns dos principais

pontos da teoria moreniana, que são: Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele,

Matriz de Identidade e Teoria dos Papeis.

3.1.1 Espontaneidade e Criatividade

Moreno constrói sua teoria a partir de observações sociais e isso fez com que

ele percebesse a importância dos conceitos espontaneidade e criatividade. O teórico

entende que estes são de grande relevância para o desenvolvimento tanto do

processo terapêutico quanto da vida.

Ele aponta que na espontaneidade “[...] o protagonista é desafiado a

responder, com um certo grau de adequação, a uma nova situação ou, com certa

medida de novidade, a uma antiga situação” (MORENO, 1975, p. 36). Ainda sobre

este conceito, o autor afirma que “[...] essa resposta do indivíduo a uma nova

situação – e à nova resposta a uma antiga situação – chamamos espontaneidade”

(MORENO, 1975, p. 101, grifo do autor).

A espontaneidade (nomeada pelo autor de Fator E) não é algo permanente, é

um estado que flui, aparecendo e desaparecendo gradualmente. Segundo ele, o

estado de espontaneidade é uma entidade psicológica independente que não surge

de maneira consciente, pois a consciência forma barreiras que inibem a

espontaneidade. Assim, ela consente que o indivíduo aja naturalmente, livre das

conservas culturais, as quais consistem em costumes, comportamentos e objetos

que ao longo do tempo se mantêm em uma cultura.

Existem conservas culturais subjacentes em todas as formas de atividades criadoras – a conserva alfabética, a conserva numérica, a conserva linguística e notações musicais. Essas conservas

60

determinam as nossas formas de expressão criativa. Podem funcionar uma vez como força disciplinadora, outras vezes como obstáculos. É possível reconstruir a situação da criatividade num período anterior às conservas que dominam a nossa cultura (MORENO, 1975, p. 351).

Desse modo, de acordo com o autor, no momento em que o sujeito se prende

ao que a sua criatividade já produziu, ele está apenas conservando algo que já está

pronto, deixando de exercer a sua espontaneidade (Fator E). Moreno afirma que

para a criatividade ser colocada em prática, é necessário utilizar as conservas

culturais apenas como o ponto de partida e a base de ação, pois, caso contrário,

elas podem se transformar em obstáculos.

Ainda com relação às conservas culturais, Fox (2002, p. 82) pontua que “[...]

apesar do seu nascimento ser consequência da operação de processos

espontâneos, seu desenvolvimento começou a ameaçar e extinguir a centelha que

reside em sua origem”. Ou seja, as conservas culturais surgiram da espontaneidade

do ser humano, mas seu desenvolvimento passou a ameaçar o Fator E que está em

sua origem.

Na visão de Moreno, o Fator E não está disposto em um reservatório, mas

sim disponível no ser humano em quantidades variáveis (de mínima à máxima) para

acesso imediato. Logo, quando o indivíduo se defronta com uma situação, utiliza o

Fator E para nortear suas emoções, pensamentos e ações. Segundo ele, existem

quatro expressões características da espontaneidade:

• Qualidade dramática – quando o indivíduo repete o que já foi experimentado,

mas com um toque de novidade, as ações são corriqueiras, mas ele é capaz

de atribuir particularidades a elas;

• Criatividade – em oposição à anterior, o indivíduo criativo é produtivo e

criador, ele é capaz de criar novas ideias e novos modos de agir;

• Originalidade – diferente do criativo, o original cria novas coisas, se baseia

nas conservas culturais acrescentando algo em sua forma original, mas nada

que seja uma contribuição significativa;

• Adequação da resposta – capacidade de responder adequadamente a uma

situação, sendo esse modo de se expressar “[...] uma aptidão plástica de

adaptação, mobilidade e flexibilidade do eu” (MORENO, 1975, p. 144).

61

A respeito dos conceitos espontaneidade e criatividade, o criador do

Psicodrama alega que

A vinculação da espontaneidade à criatividade foi um importante avanço, a mais elevada forma de inteligência de que temos conhecimento, assim como o reconhecimento de que ambas são as forças primárias no comportamento humano (Ibid., p. 37).

Sobre isso, Almeida (1998) afirma que o ser humano tem reserva de

criatividade, mas para manifestar essa potencialidade, faz-se necessária a presença

da espontaneidade. Geralmente, o Fator E vai sendo freado ao decorrer da vida

para que o indivíduo não fale ou faça o que lhe vier à cabeça, pois isso poderia lhe

trazer problemas no convívio social. Como pode ser observado nas crianças, que

esbanjam espontaneidade, há bastante criatividade, pois elas ainda não possuem

freio para esse fator.

Pelo fato dos conceitos espontaneidade e criatividade estarem intimamente

ligados, percebe-se que quando há uma diminuição da espontaneidade ocorre uma

diminuição da criatividade, o que leva o sujeito a não conseguir tomar decisões

rápidas quando se encontra em uma situação inédita em sua vida. Acerca disso,

Moreno (1975, p. 37) aponta que “[...] no Psicodrama, em particular, a

espontaneidade opera não só na dimensão das palavras, mas em todas as outras

dimensões de expressão, como a atuação, a interação, a fala, a dança, o canto e o

desenho”.

Diante do que foi discutido até então, podemos compreender a importância da

relação entre a espontaneidade e a criatividade, que são conceitos relevantes para o

entendimento da Teoria do Psicodrama de Moreno e de como esta enxerga a

dimensão individual do ser humano e as implicações das conservas culturais em seu

cotidiano. Considerando que a teoria moreniana concebe o ser humano como bio –

psico – social e cósmico, seu criador apresenta como um dos seus fundamentos o

conceito Fator Tele, que foca na dimensão social, e será apresentado a seguir.

62

3.1.2 Fator Tele

O Fator Tele (Fator T) é um dos eixos fundamentais do Psicodrama e é

definido por Moreno como sendo “[...] uma ligação elementar que pode existir tanto

entre indivíduos, como [...] entre indivíduos e objetos e que [...] progressivamente

desde o nascimento, desenvolve um sentido das relações interpessoais” (MORENO,

1974, p. 52 apud RIBEIRO, 2014, p. 31).

O autor acredita que esse conceito se aplica a todas as dimensões de

comunicação, tendo, consequentemente, uma dimensão social. Sendo assim, o

Fator T é o elemento necessário para as relações interpessoais sociais, envolvendo

também aspectos emocionais do indivíduo.

Almeida (1998) aponta que o Fator T é a sensibilidade ou percepção afetivo-

emocional que atravessa a inter-relação humana. Acerca disso, em seu livro “Ainda

e Sempre Psicodrama”, Perazzo (1994, p. 35) afirma que

Hoje fica claro para mim que tele ora é definida como um fator, à semelhança do fator ‘e’ (espontaneidade) que, próprio do indivíduo, é capaz de atuar num dado momento em uma dada relação, sendo responsável pela força de coesão de um grupo ou pela estabilidade desta mesma relação, ora como um canal de comunicação e expressão desobstruído de transferência e que viabiliza o encontro.

Moreno acredita que a espontaneidade, a criatividade e o Fator T se

desenvolvem nos anos iniciais de vida do indivíduo, momento no qual ele está

inserido no que o autor chama de Matriz de Identidade (que será apresentada na

próxima seção).

Nesse sentido, ele explica que é na infância onde ocorre o primeiro reflexo

social do Fator T, na chamada Matriz de Identidade, sendo essa uma fase em que o

bebê não consegue distinguir o que está longe e o que está perto. Contudo, à

medida que vão se desenvolvendo os receptores visuais, físicos e auditivos, o bebê

passa a se aproximar de pessoas e objetos e inicia esse processo de distinção.

Sendo assim, diante do que foi exposto, podemos entender que o Fator T é

um fenômeno de interação que pode ser compreendido não só como fundamento

63

das relações interpessoais, mas também como elemento primordial em toda e

qualquer psicoterapia, estando relacionado à posição social que o sujeito ocupa.

Portanto, ressaltamos a importância desse fator por trazer à tona a

capacidade do indivíduo de se perceber além de si e de enxergar os acontecimentos

da vida, entendendo o próprio papel, o papel do outro e como atuar nessas

interações sociais, logo, é a capacidade de ter uma visão da cena como um todo.

3.1.3 Matriz de Identidade

Moreno criou o conceito de matriz de identidade para estabelecer o período

inicial a partir do qual o indivíduo começa a se constituir socialmente e desenvolver

seus conceitos e habilidades. O autor define que “Matriz de identidade é, no

momento do nascer, o universo inteiro do bebê, não há diferenciação entre o interno

e o externo, entre objetos e pessoas, entre psique e meio; a existência é una e total”

(MORENO, 1975, p. 26).

Diante disso, a partir desse conceito, entende-se que, ao nascer, o bebê entra

em um grupo social do qual ele é dependente para suprir suas necessidades

fisiológicas, psicológicas e sociais. Inicialmente, a matriz de identidade está ligada

às necessidades fisiológicas do recém-nascido e, posteriormente, passa a se ligar

às necessidades psicológicas e sociais. Sendo assim, Bermúdez (1980) afirma que

a matriz de identidade fornece ao bebê o alimento físico, psíquico e social, e Moreno

(1975) pontua que ela é uma espécie de placenta da criança, nesse caso, uma

placenta social.

A matriz de identidade é o período no qual o bebê não tem autonomia e não

sabe distinguir o real do imaginário, a fantasia da realidade. Nessa fase, o bebê

ainda não é capaz de diferenciar o que está próximo e o que está distante,

gradualmente, ele passa a desenvolver esse sentido e começa a se aproximar ou

distanciar de pessoas e objetos, sendo esse o seu primeiro reflexo social.

Ao estar inserido em um grupo social, que geralmente é a família, o bebê vai

incorporando as características do mesmo e assimilando suas pautas (crenças,

valores, costumes etc.) a partir do contato vivencial, cabendo a esse grupo preparar

64

o bebê para a inserção na sociedade. Logo, essa preparação se dá por meio da

transmissão da herança cultural, processo em que o bebê vai aprendendo os papeis

que existem e são executados no seu grupo social.

Relativo a isso, Bermúdez (1980) aponta que esse processo de preparação

possui três características, coação, coexistência e coexperiência, que ocorrem em

cinco etapas:

• A primeira etapa corresponde à identidade total que existe entre o bebê e as

outras pessoas do seu grupo social, de modo que o processo de

conhecimento do seu meio, que se dá através do ato (ação), ocorre sem que

o bebê possa diferenciar o que é próprio dele e o que é do outro;

• A segunda etapa consiste no fato de que o bebê concentra sua atenção nos

outros indivíduos e, gradativamente, começa a estranhar parte de si na

relação com o outro, dando início ao processo de diferenciação;

• A terceira etapa ocorre quando o bebê começa a delimitar e distinguir melhor

o que é seu (suas experiências) e o que é do outro;

• A quarta etapa se caracteriza pela ação do bebê de jogar ativamente o papel

dos componentes do grupo social com objetos, ou seja, o bebê observa o

movimento das pessoas do seu entorno e imita a atuação interagindo com

objetos; e

• A quinta etapa se assemelha a anterior, contudo, a diferença está no fato de

que a interação do bebê agora não é mais realizada com objetos, mas sim

com os integrantes do seu grupo social.

Portanto, considerando o que foi apresentado, percebemos a importância do

conceito de matriz de identidade para a teoria do Psicodrama, pois, segundo Moreno

(1974 apud BERMÚDEZ, 1980), é nessa fase que ocorre a construção das bases

psicológicas que darão suporte ao desempenho (atuação) de papeis sociais.

Assim, as interações que ocorrem no período da matriz de identidade entre o

bebê e os componentes do seu grupo social, ou seja, a forma como o indivíduo é

tratado e apresentado ao mundo pelas pessoas do seu meio, impactará diretamente

no modo como ele irá se colocar na sociedade, os papeis que assumirá e como os

executará, sendo esse o foco de discussão da próxima seção.

65

3.1.4 Teoria dos Papeis

Papel é a postura, a função, o personagem que o indivíduo assume diante da

sociedade com finalidade de reagir a uma situação específica. Relacionado a isso,

Fox (2002, p. 113) afirma que esse modo de funcionamento é concebido através das

“[...] expectativas passadas e pelos padrões culturais da sociedade em que o

indivíduo vive”. Logo, o papel é a junção dos elementos privados, sociais e culturais

experimentados pelo sujeito.

Nesse sentido, Fox (2002, p.112) define papel como “[...] as formas tangíveis

e concretas assumidas pelo eu”. Em consonância, Moreno (1975, p. 206) aponta

que “[...] papel pode ser definido como as formas reais e tangíveis que o eu adota”,

dividindo os papeis em: sociais, fisiológicos ou psicossomáticos e psicológicos ou

psicodramáticos.

Os papéis são os embriões, os precursores do eu, e esforçam-se por se agrupar e unificar. Distingue os papéis fisiológicos ou psicossomáticos como os do indivíduo que come, dorme e exerce atividade sexual; os papéis psicológicos ou psicodramáticos, como os de fantasmas, fadas e papéis alucinados, e, finalmente, os papéis sociais, como os de pai, policial, médico, etc. [...] Os papéis psicossomáticos, no decurso de suas transações, ajudam a criança pequena a experimentar aquilo a que chamamos o corpo; que os papéis psicodramáticos a ajudam a experimentar o que designamos por ‘psique’; e que os papéis sociais contribuem para se produzir o que denominamos sociedade. Corpo, psique e sociedade são, portanto, as partes intermediárias do eu total (Ibid., p. 25-26, grifos nossos).

Sendo assim, a partir dos autores, compreende-se que o conceito de papel se

estende para todas as dimensões da vida, desde o nascimento, perpassando por

toda a vida privada e social do sujeito. Além disso, eles destacam que o processo de

papeis tem início no período não verbal, por isso a Teoria dos Papeis não pode ser

restrita aos papeis sociais, se estendendo também aos papeis psicossomáticos e

psicodramáticos.

66

Até então, pudemos ter um breve contato com as principais bases conceituais

da teoria do Psicodrama. Daremos continuidade as nossas discussões conhecendo

o lado prático da teoria moreniana (suas modalidades e técnicas).

3.2 Prática Psicodramática

De acordo com Bermúdez (1980), a prática do Psicodrama é sustentada por

três bases: contextos, instrumentos e etapas de uma sessão psicodramática. A

primeira base é o contexto, sendo ele derivado da junção dos eventos da vida do

sujeito, que se relacionam em um espaço-tempo e se dividem em três, são eles:

social, grupal e dramático, conforme definido no Quadro 2.

Quadro 2 – Contextos da Prática Psicodramática

Contextos Definições

Social É o contexto fora do grupo no qual o sujeito vive, adoece e é controlado por leis e normas sociais que decretam suas condutas e compromissos.

Grupal

É formado pelos pacientes e terapeutas, com seus costumes, leis e normas. Assemelha-se ao contexto social, pelo fato de os indivíduos serem responsáveis pelos seus atos e palavras perante os outros membros, mas diferencia-se do contexto social, por ter maior liberdade, compreensão e tolerância, pois se trata de um ambiente com cunho terapêutico.

Dramático

É a cena montada, o contexto artificial, no qual os protagonistas vivem no “como se”. Ela acontece no contexto grupal, mas existe uma diferença entre a realidade (grupal) e a fantasia (dramático), e entre o

indivíduo e o papel que ele interpreta em cena.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).

A segunda base da prática psicodramática, os instrumentos, são os meios

utilizados para executar as técnicas e métodos psicodramáticos, sendo eles:

Protagonista ou Paciente, Cenário, Diretor ou Terapeuta, Egos-Auxiliares e Auditório

ou Público; os quais estão dispostos no Quadro 3.

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Quadro 3 – Instrumentos da Prática Psicodramática

Instrumentos Definições

Protagonista

ou

Paciente

É a pessoa central da dramatização, quem aponta o tema e dramatiza a partir dele, é o autor e ator da cena, que, junto com o diretor, dá as diretivas iniciais para a execução da dramatização.

Cenário

É o local onde é realizada a dramatização que, preferencialmente, deve ter um formato circular e com degraus para que as pessoas do auditório possam colocar os pés com a finalidade de diminuir a distância entre contexto dramático e grupal.

É o espaço terapêutico no qual as técnicas do Psicodrama são aplicadas.

É o lugar em que o Paciente está livre para se manifestar.

É onde o Terapeuta pode trabalhar in vivo.

Diretor

ou

Terapeuta

É a pessoa responsável pelos diferentes aspectos do Psicodrama, tendo três funções:

Produtor – distingue os conteúdos que o Paciente traz, quais cenas convêm dramatizar e apresenta novas cenas que possam ampliar a

visão do Paciente e auxiliar em seu insight;

Terapeuta – mantem o enfoque terapêutico e não permite que saia desse caminho. É responsável por dar início à sessão, facilitar a concretização do que emerge através do Protagonista, intervir nas cenas, dirigir os Egos-Auxiliares, introduzir novas técnicas, estimular o auditório a comentar, analisar indivíduo e grupo e encerrar a sessão; e

Analista Social – através do que é trazido pelos Egos-Auxiliares, auditório e suas observações, o Terapeuta analisa o que foi dito e observado com relação ao Protagonista, ao grupo terapêutico e aos grupos sociais representados.

Egos-Auxiliares

Fazem parte da equipe terapêutica, munidos de conhecimento psicológico e treinamento psicodramático. São importantes para a dramatização, pois atuam como os personagens da história do protagonista e criam aquilo que o processo terapêutico requer. É o instrumento de intermédio entre Paciente e Diretor. Além de uma boa formação, é necessário que Egos-Auxiliares e Diretor tenham um bom vínculo entre si.

Auditório

ou

Público

São as pessoas que estão no contexto grupal, ou seja, fora do cenário. É composto tanto pelo Paciente, quanto pelos Egos-Auxiliares, e tem duas funções:

Em relação ao Protagonista – dá requinte, intensidade e compromisso ao que é feito no cenário, como também observa e avalia o que acontece em cena. O Protagonista fica diante de pessoas que têm próprios níveis de censura e aplauso, correspondendo, assim, ao

contexto social; e

Em relação ao próprio auditório – dá coesão ao grupo devido ao seu número de participantes e aos diversos graus de relação entre os componentes.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).

68

Por fim, a terceira base da prática psicodramática são as etapas de uma

sessão psicodramática, sendo elas: aquecimento, dramatização e compartilhar; as

quais são detalhadas no Quadro 4.

Quadro 4 – Etapas de uma Sessão Psicodramática

Etapas Definições

Aquecimento

Momento de preparação do organismo para a ação.

São dois os tipos de aquecimento:

Inespecífico – realizado com o auditório, a fim de centralizar a atenção,

diminuir a tensão e facilitar a interação; e

Específico – realizado com o Protagonista que emerge do grupo, a fim de prepará-lo para uma melhor dramatização.

Dramatização É o centro do Psicodrama, onde o material que o Protagonista traz será trabalhado com técnicas para que seja concretizado em seu contexto particular e no campo terapêutico.

Compartilhar Momento que se pede que as pessoas do auditório teçam comentários sobre o que foi dramatizado, o Protagonista e eles mesmos.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).

Levando em consideração que a prática psicodramática pode ser realizada de

diferentes formas, se faz necessário, a seguir, apresentar suas modalidades.

3.2.1 Modalidades de Psicodrama

Moreno desenvolveu sua teoria levando em consideração a terapia de grupo

e os contextos sociais (MORENO, 1975). Porém, ao longo do tempo, foram surgindo

novas modalidades e três delas serão abordadas: Psicodrama bipessoal,

Psicodrama individual com egos auxiliares e Psicodrama grupal.

Ribeiro (2014) aponta que o Psicodrama bipessoal é uma abordagem

psicoterapêutica que envolve apenas o paciente e o terapeuta, não havendo a

participação de egos auxiliares. Nesse, o terapeuta assume o papel de personagem,

69

utilizando seu corpo e voz, e para auxiliar na dramatização, podem ser usados

objetos do local, como almofadas, por exemplo.

Moreno faz uma crítica a essa modalidade por considerá-la antiespontânea,

de modo que entende ser uma incapacidade do terapeuta em adicionar pessoas no

processo. Um aspecto positivo dessa modalidade é a possibilidade de se

estabelecer um vínculo com mais rapidez pelo fato de a relação envolver apenas

duas pessoas.

Acerca do Psicodrama individual com egos auxiliares, a autora explica que ele

se diferencia do Psicodrama bipessoal por ser uma abordagem onde os egos

auxiliares são utilizados. Desse modo, nessa modalidade se fazem presentes o

paciente, o terapeuta e pelo menos um ego auxiliar. Sua vantagem é a diminuição

das chances de ocorrer a contratransferência, que é a resposta emocional do

terapeuta diante do que o paciente projeta nele, bem como seus sentimentos dentro

do contexto terapêutico (ZAMBELLI et al., 2013). A desvantagem é que, geralmente,

essa modalidade necessita de um maior investimento financeiro (caso seja um

serviço pago), comparada à anterior.

Já na terceira e última modalidade aqui citada, o Psicodrama grupal, existe a

presença do terapeuta (diretor), de um ou mais egos auxiliares e de um grupo de

pessoas (auditório), do qual surge o protagonista. Sobre esse, Ribeiro (2014) pontua

que não necessariamente será atuado por apenas uma pessoa, pois é um posto que

pode ser rotatório, ou seja, mais de uma pessoa pode assumir esse papel ao longo

da prática psicodramática.

Sendo na modalidade individual, bipessoal ou em grupo, existem algumas

técnicas que são utilizadas nesse processo psicoterapêutico, e algumas delas serão

apresentadas na próxima seção.

3.2.2 Técnicas de Psicodrama

Segundo Bermúdez (1980), foi necessário o desenvolvimento de técnicas

para acessar os mais profundos níveis do mundo interpessoal, dentre elas estão:

autoapresentação, solilóquio, psicodramática de representação de sonhos,

70

improvisação espontânea, espelho, projeção, inversão, distância simbólica, ego

duplo e realização simbólica; as quais serão brevemente apresentadas no quadro a

seguir:

Quadro 5 – Algumas Técnicas Psicodramáticas

Técnicas Psicodramáticas

Descrições

Técnica da Autoapresentação

O paciente se apresenta e revive situações da sua vida, em especial as de conflito. Nesse momento ele apresenta para o Psicodramista e Egos Auxiliares, de modo concreto, as pessoas do seu convívio, tais como seu pai, sua mãe, seu patrão, seu cônjuge etc. Não é para representar “papeis”, sendo um pai, uma mãe ou um patrão genérico, mas sim representar seu pai, sua mãe ou seu patrão, como o paciente os enxerga. A apresentação pode ser de situações do passado, presente ou futuro. Se necessário, o paciente pode pedir a colaboração de parceiros. Para esse momento, é pedido que ele retrate o outro com o máximo de detalhes possível.

Técnica do Solilóquio

É solicitado ao paciente que verbalize sintomas e pensamentos, que realmente teve e foram ocultados na situação ocorrida a ser dramatizada, com a finalidade de atingir a catarse com essa duplicação do que foi sentido e pensado. Há um segundo tipo dessa técnica, no qual o paciente atua em um papel fictício, em uma situação fictícia e, no decorrer da cena, entre movimentos e fala,

expõe o que está pensando e sentindo no momento.

Técnica Psicodramática

de Representação

de Sonhos

O paciente retrata seu sonho tal qual estava nele, gestos e movimentos, descrevendo cada ato, pensamento, sentimento, objetos e diálogos. No caso de interações, Egos Auxiliares entram em ação para representar os personagens do sonho, atuando conforme orientações do ator-sonhador.

Técnica da Improvisação Espontânea

O paciente não representa a si e aos eventos de sua vida, mas sim papeis propostos, fictícios. Mesmo não representando a si, é possível notar que no personagem fictício há traços da personalidade de quem está atuando.

Técnica do Espelho

O paciente observa um Ego Auxiliar representar seu papel. A partir dessa observação ele pode refletir sobre o modo como tem agido em sua vida e aprender a atuar de forma diferente diante da sua realidade.

Técnica da Projeção

O paciente monta a cena e os Egos Auxiliares representam os personagens, de acordo com o roteiro montado por ele.

Técnica da

Inversão

O paciente representa o papel de alguém conhecido por ele e um Ego Auxiliar, ou a pessoa representada por ele, desempenha o seu papel, ou seja, ocorre uma troca de papeis. Nesse caso, para além da técnica do espelho, o paciente tanto é estimulado a objetivar-se,

71

quanto também é levado a reagir a “si mesmo” do modo como julga que a pessoa cujo papel ele está encenando possivelmente reagiria.

Técnica da Distância Simbólica

Inicialmente, o paciente é convidado a representar um papel distante da sua realidade e, durante esse processo, vai-se propondo uma série de papeis que gradativamente vão se assemelhando com a sua realidade, até atingir o papel que se deseja vê-lo encenando.

Técnica do Ego Duplo

Um Ego Auxiliar representa o ego superficial do paciente, que é como ele se apresenta na vida cotidiana e é de fácil identificação, enquanto o paciente representa seu ego mais profundo, sendo a parte invisível de si e de difícil acesso às demais pessoas. Ou seja, a cena em questão é uma representação da luta entre os egos superficial e profundo do paciente.

Técnica da Realização

Simbólica

Consiste em colocar o protagonista em situações diferentes da realidade dele, mas que simbolizem a mesma forma de atuar diante

dos acontecimentos.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).

Além dessas, outra técnica desenvolvida dentro do Psicodrama é a

Psicomúsica. Com ela, Moreno apresentava a proposta de resgatar a

espontaneidade musical dos músicos e, para as pessoas em geral, de possibilitar o

aceso à música. Tal técnica será apresentada na próxima seção.

3.2.2.1 Psicomúsica

Antes de darmos início à explicação sobre essa técnica da prática

psicodramática, iremos resgatar alguns pontos abordados na história da música.

Como discutido no capítulo anterior, nos tempos antigos, a música era feita a partir

dos sons emitidos de batuques e movimentos com o corpo e das vocalizações dos

indivíduos, sendo essa a forma primária de se fazer música.

Com o passar do tempo, foram sendo criados e desenvolvidos instrumentos

de corda, metal, percussão, teclas e sopro, como também foi realizado o

adestramento do canto, dando lugar à forma secundária de se fazer música. Por um

período, compor, tocar e cantar eram atividades da elite, sendo restritas a uma parte

da sociedade. Sendo assim, nessa época, os sujeitos que estavam fora dessa

72

classe se restringiam a serem ouvintes e/ou músicos frustrados (FREDERICO, 1999;

QUEIROZ et al., 2014).

Após essa breve retomada, podemos iniciar a discussão sobre a

Psicomúsica, que, conforme Valongo (1998), é um processo espontâneo de criação

musical, seja por uma pessoa, um grupo ou uma cultura. Essa prática psicomusical é

realizada pelo psicomúsico (paciente que está em terapia psicodramática), o qual é

acompanhado do psicodramista (terapeuta).

Há duas formas de se fazer Psicomúsica: a orgânica, na qual se utiliza o

organismo/corpo como agente único para a musicodramatização, seja individual ou

em grupo; e a instrumental, na qual instrumentos musicais são utilizados para

expressão espontânea, a fim de externar a musicalidade orgânica do sujeito, não

sendo necessário se ter o domínio da teoria e da prática musical.

No que se refere à primeira, segundo a autora, Moreno acreditava na

necessidade de voltar às formas primitivas de se fazer música, pois o corpo é um

importante instrumento na vivência musical. Ele considerava a improvisação como

sendo uma técnica que possibilita o aperfeiçoamento da capacidade de criação

espontânea. Sobre isso, a autora aponta ainda que a produção de uma música é um

processo profundamente pessoal, portanto, um caminho seguro a ser seguido é a

composição da própria música, de modo espontâneo.

Acerca do processo do trabalho psicomusical, Valongo (1998) afirma que

esse abrange conflitos intrapsíquicos de grande complexidade, pois a música reflete

o pessoal, o social, o espiritual e o sagrado do indivíduo. A autora divide esse

processo, didaticamente, em dois momentos. No primeiro momento da prática

psicodramática é realizado um aquecimento com gestos e sons (produzidos por

cada pessoa), a fim de que o indivíduo (paciente), ou grupo, passe de um estado de

consciência para outro, de modo que fique centrado em si mesmo.

Nesse momento, será trabalhada a base sonora da sessão, como o ritmo

(pulsação simples e variação rítmica), a melodia (altura, timbre, intensidade,

andamento e expressão), a harmonia musical, o arranjo (improvisação e vozes com

instrumentos) e a criação de instrumentos. Moreno afirma que o aquecimento pode

ser realizado com diversos métodos, sendo evitado o uso de procedimentos

73

instrumentais (instrumentos musicais) e de clichês, de modo a não usar a base

instrumental/melódica de músicas que já existem.

No segundo momento, pede-se para o indivíduo, ou grupo, perceber as cenas

que ocorreram no primeiro momento e trabalhar psicodramaticamente a realidade

revelada pela música espontânea, realizando a dramatização da cena mais

marcante para o todo, a identificação do conflito e a procura pela solução. Após a

dramatização, é realizado o sharing, que é o compartilhamento das emoções,

percepções e insights ocorridos durante a dramatização. Por fim, é feito o

alongamento, de preferência com música clássica, para que o organismo/corpo

entre em estado de equilíbrio e esteja em condições do voltar para a vida cotidiana.

Sendo assim, é possível compreender que a música tem função central no

Psicodrama, podendo ser um recurso para o momento de aquecimento e

relaxamento ao final da sessão, como também pode ser utilizada como um objeto

intermediário dessa.

Uma última questão que gostaríamos de apontar é que, de acordo com

Valongo (1998), Moreno afirma que a música produzida através de instrumentos

musicais por pessoas que dominam teoria e prática musical geralmente desencoraja

os psicomúsicos (pacientes que estão em terapia psicodramática), pois esses, por

vezes, se comparam a essas pessoas e se sentem intimidados quando são

solicitados pelo psicodramista (terapeuta) a realizarem uma produção musical no

contexto psicodramático.

Contudo, mesmo diante disso, é importante destacarmos a importância do

desenvolvimento da teoria e dos meios de produção musical, o qual diversificou e

possibilitou o estudo, o ensino e o aperfeiçoamento tanto da teoria, quanto da prática

musical.

Diante do que foi discutido, concordamos com Lima (2003) quando afirma que

a música é ação e é criação, podendo ser recriada enquanto um drama está sendo

vivenciado ativamente, além de ser parte importante da vida do ser humano. Sendo

assim, é possível compreender que, na vida, bem como em uma sessão de

Psicodrama, a música é capaz de evocar sensações, emoções e sentimentos,

relaxar o indivíduo, estimular a prática dos papeis, e também pode ser um meio do

sujeito expressar algo, tanto sobre si, quanto sobre os acontecimentos a sua volta.

74

Finalizada a discussão desse capítulo, salientamos a importância da

compreensão de homem e de alguns conceitos da Teoria Psicodramática para a

realização dessa pesquisa, tais como: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator

Tele e Matriz de Identidade, buscando tecer relações entre os contextos dos

compositores e suas composições (músicas analisadas nesse estudo); como

também dialogamos com a Prática Psicodramática e a Psicomúsica, partindo das

considerações de Valongo (1998) sobre a música e o trabalho com ela.

No capítulo a seguir serão apresentados os caminhos metodológicos

percorridos para a construção desse trabalho, bem como o processo de análise de

músicas interpretadas por Elis Regina que foram compostas por artistas diversos no

Período da Ditadura Militar no Brasil.

75

4 PROCESSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

No presente capítulo apresentaremos a trajetória metodológica dessa

pesquisa, que é de cunho qualitativo e documental, iremos expor o material

selecionado para análise, que foram músicas compostas no período ditatorial

brasileiro interpretadas pela cantora Elis Regina. Por último, dissertaremos a

respeito do método de análise usado para investigar o conteúdo das músicas, que

foi a análise de conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977).

Esse estudo teve como objetivo geral compreender a música como uma

forma de expressar emoções e sentimentos a partir da análise de músicas

interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da

Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama (que é o referencial teórico adotado

nessa pesquisa). Para isso, teve como objetivos específicos: identificar composições

de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas

interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial

brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de

composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com

a teoria do Psicodrama.

Antes de expormos acerca dos procedimentos metodológicos realizados

nessa pesquisa, faz-se necessário falar sobre a artista cujas músicas de sua

interpretação foram utilizadas na análise. A escolha por essa artista se deu pelo fato

da sua carreira musical ter sido lançada ao grande público no início do período da

Ditadura Militar no Brasil e por ela ter usado sua posição de pessoa pública para

cantar músicas com conteúdo de críticas ao governo de sua época.

Elis Regina de Carvalho Costa nasceu em 17 de março de 1945, na cidade de

Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Ela começou a cantar aos onze anos de

idade, em um programa de Rádio da sua cidade natal, mas sua primeira

apresentação foi prejudicada pelo nervosismo da garota. Alguns anos depois, ela

retornou ao mesmo programa, conseguindo realizar a performance, o que acarretou

sua contratação na Rádio e, posteriormente, a elegeram como a “melhor cantora de

Rádio” (FRAZÃO, 2020).

76

Em 1961, Elis foi para o Rio de Janeiro, onde gravou o seu primeiro LP (Long

Play) “Viva a Brotolândia”, no qual cantava uma vertente leve do Rock. Em 31 de

março de 1964, a cantora mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a realizar

shows no eixo Rio São Paulo, conhecido por concentrar o maior número de Rádios e

Emissoras de TV, logo, era o local onde, na época, ocorria o sucesso.

Por estar nesse meio, com pouco tempo ela foi contratada pela TV Rio para

se apresentar no programa musical “Noites de Gala”, e no mesmo ano começou a

cantar no Beco das Garrafas (Rio de Janeiro), espaço onde nasceu o gênero

musical Bossa Nova. Devido aos shows em São Paulo, passou a morar na capital

paulista (FERNANDES, 2020).

No ano de 1965, Elis estreou no 1º Festival da Música Popular Brasileira

cantando a música “Arrastão”, composta por Edu Lobo (cantor, compositor,

arranjador e multi-instumentista) e Vinicius de Moraes (poeta, dramaturgo, jornalista,

diplomata, cantor e compositor), cujo enredo é focado na pescaria e apresentou

novos elementos rítmicos que se diferenciavam das músicas mais populares da

época. Ela venceu o festival e foi eleita a melhor cantora do ano. A repercussão da

sua vitória lhe rendeu, aos vinte e um anos de idade, o título de cantora mais bem

paga do Brasil do ano de 1966.

Segundo Fernandes (2020), a apresentação de “Arrastão” marcou o início de

um novo movimento musical no Brasil. Não se tratava de Samba, Bossa Nova ou

Jazz, mas sim de uma mistura desses três gêneros já conhecidos, trazendo um algo

a mais, sendo esse batizado como MPB (Música Popular Brasileira). A respeito

disso, de acordo com Guedes (2020), Elis defendia que a música deveria ser

efetivamente brasileira, ligada às tradições culturais e ritmos nacionais, e ter

engajamento social na realidade brasileira. A MPB não atuava como um gênero

musical, mas sim “[...] como uma espécie de instituição, um projeto que se ancorava

em pilares ideológicos e sociológicos, para além de fatores musicais e estéticos”

(GUEDES, 2020, p. 1). Sendo assim, a cantora defendia os valores nos quais

acreditava.

Entre 1965 e 1967, Elis apresentou o programa “Finos da Bossa” na TV

Record São Paulo ao lado do cantor Jair Rodrigues e do grupo instrumental Zimbro

Trio. Essa parceria rendeu três discos (“Dois na Bossa”, volumes I, II e III), tendo o

primeiro vendido um milhão de cópias, e proporcionou a primeira viagem dela para

77

fora do Brasil, no ano de 1966, em que realizaram shows em Angola e Portugal

(FRAZÃO, 2020).

Em 1968, a intérprete se apresentou em duas cidades da França: em Cannes,

no MIDEM (Marché International du Disque et de L'édition Musicale), que é o maior

encontro de empresas ligadas à música; e em Paris, no Olympia, que é a mais

antiga casa de espetáculos musicais da cidade, onde foi ovacionada pelo público e,

após finalizar o show, voltou seis vezes ao palco para o bis (FRAZÃO, 2020).

Nesse mesmo ano (1968), Elis venceu a I Bienal do Samba cantando a

música “Lapinha”, composta pelo músico Baden Powell e pelo compositor e poeta

Paulo César Pinheiro, a qual fala sobre um homem que sozinho lutava contra o que

julgava ser errado. Ainda nesse ano ela também realizou uma apresentação na

Bélgica, onde declarou em uma entrevista que o Brasil estava sendo governado por

gorilas, referindo-se à vigência da Ditadura Militar.

Ao longo do tempo, Elis mudou seu pensamento quanto ao fazer música no

Brasil, deixando de lado sua rejeição às referências musicais estrangeiras, e em

1970 lançou seu oitavo álbum, intitulado “Em Pleno Verão”, no qual estão presentes

composições de artistas da Jovem Guarda e da Tropicália, que são,

respectivamente, um gênero musical e um movimento cultural brasileiro que

possuem influências internacionais.

A cantora fez parte do grupo de artistas brasileiros que foram perseguidos

durante a Ditadura Militar, sendo investigada e intimada a depor pelo Departamento

de Ordem Política e Social (DOPS) devido ao seu envolvimento com o movimento

negro norte-americano, o que pode ser percebido com seu lançamento da música

“Black is Beautiful” em 1971; e por interpretar músicas de compositores

considerados subversivos. Além disso, nesse mesmo ano, o Exército recebeu a

entrevista que ela deu em sua passagem pela Bélgica e, após isso, passou a ter seu

carro perseguido e sua casa vigiada pelos militares (BRINGEL; FALCÃO, 2015).

Em decorrência dessa entrevista e do interrogatório do DOPS, Elis foi

obrigada a cantar na abertura das Olimpíadas do Exército de 1972 e a gravar um

comercial para a semana da pátria, fatos que, por um período, prejudicaram sua

carreira, sendo hostilizada pelo público (PALMAR, 2020). Devido a isso, a cantora

acabou sendo “enterrada” pelo “Cabôco Mamadô”, personagem que “enterrava”

78

pessoas vivas acusadas de colaborar com o regime militar e que foi criado pelo

cartunista, quadrinista, jornalista e escritor brasileiro conhecido como Henfil

(Henrique de Souza Filho).

Ainda na década de 1970, a intérprete buscou aprimoramento vocal e passou

a investir em discos com maior qualidade técnica, lhe levando a ter um enorme

sucesso com seu espetáculo “Falso Brilhante” no ano de 1975, resultando na

gravação de um álbum com esse mesmo nome, que se tornou um dos mais

conhecidos da cantora. Nele são encontradas as faixas “Velha Roupa Colorida”,

“Fascinação” (versão de uma música italiana) e “Como Nossos Pais”, que se tornou

um símbolo na luta contra a Ditadura Militar no Brasil (FERNANDES, 2020).

No ano de 1978 a cantora criou a Associação de Intérpretes e Músicos

(ASSIM) para lutar pelos direitos dos artistas dessas categorias. Em 1979, após a

sansão da Lei da Anistia, Elis se apresentou na noite destinada à música brasileira

do 13º Festival de Jazz, o qual ocorreu em Montreux, na Suíça, considerado até hoje

um dos mais importantes festivais de música do mundo.

Após muitos anos de sucesso, a cantora faleceu no dia 19 de janeiro de 1982

devido à uma intoxicação causada pela interação entre bebida alcoólica e cocaína,

sendo encontrada em seu apartamento, onde morava com os três filhos (João

Marcelo de 11 anos, Pedro Mariano de 6 anos e Maria Rita de 4 anos), por seu

então namorado Samuel Mac Dowell (FRAZÃO, 2020).

Ao todo, Elis teve 36 discos gravados, quatro milhões de cópias vendidas,

gravou com vários artistas importantes da época e se arriscou lançando músicas de

compositores desconhecidos, tais como Milton Nascimento, Ricardo Teixeira,

Gilberto Gil, João Bosco, Aldir Blanc, Belchior, dentre outros. A cantora ficou

conhecida tanto por sua voz quanto por sua emoção ao interpretar as canções,

dando mais vida ao que estava expresso nas letras (BARREIROS, 2020).

Ainda hoje ela é considerada um grande nome da MPB e muitos a julgam

como a melhor cantora brasileira de todos os tempos. Em 2012 a Revista Rolling

Stone a apresentou como a segunda maior voz brasileira no seu top 100, ficando

atrás apenas do cantor Tim Maia (FERNANDES, 2020). O que chama atenção em

sua história é que, apesar de ter expressado sua opinião política e social em um

79

tempo de censura e perseguição, Elis Regina teve um grande destaque no cenário

musical, venceu premiações e vendeu milhões de cópias dos seus discos.

Após conhecermos parte da história da carreira da cantora Elis Regina,

iniciaremos a explicação de como foram os processos metodológicos dessa

pesquisa. Como anteriormente mencionado, essa pesquisa foi realizada através dos

métodos qualitativo e documental.

A fim de compreendermos melhor do que se trata a pesquisa qualitativa,

tomaremos por base Minayo, Deslandes e Gomes (2002, p. 21-22), trazendo a

seguinte explicação sobre essa modalidade de pesquisa: “[...] se preocupa, nas

ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, [...] ela

trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, valores e atitudes”,

possuindo, assim, um olhar “[...] mais profundo das relações, dos processos e dos

fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (p. 22).

Dessa forma, é possível assimilar que a pesquisa qualitativa parte de uma

visão mais social, examinando a subjetividade presente nas relações sociais, a qual

não é quantificável, como afirma Minayo, Deslandes e Gomes (2002, p. 22-23):

A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável das equações, médias e estatísticas [...] coloca como tarefa central das ciências sociais a compreensão da realidade humana

vivida socialmente.

Somada a essa modalidade de pesquisa, esse estudo teve como base

também a pesquisa documental. De acordo com Gil (2002, p. 45), compreendemos

que tal tipo de pesquisa trabalha com “[...] materiais que não receberam ainda um

tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os

objetivos da pesquisa”.

Ainda segundo o autor, por se tratar de um material não tratado de modo

analítico, em comparação com a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental

possui uma maior diversidade em se tratando de possíveis fontes de informação.

Sobre isso, ele explica que os documentos da pesquisa documental estão

80

[...] conservados em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas, tais como associações científicas, igrejas, sindicatos, partidos políticos etc. Incluem-se aqui inúmeros outros documentos como cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios, boletins etc. (GIL, 2002, p. 46).

O autor afirma que a pesquisa documental é realizada através das seguintes

etapas: determinação de objetivos; elaboração de um plano de trabalho;

identificação das fontes; localização das fontes e captação dos materiais; tratamento

dos dados; elaboração e fichamento a partir de uma construção lógica; e a

concepção do trabalho.

Considerando essas etapas apontadas pelo autor, para a execução dessa

pesquisa, inicialmente, foram elaborados alguns critérios de seleção (inclusão e

exclusão) para a escolha do material que seria analisado, de modo a identificar

músicas que atendessem a todos os critérios a seguir:

• Músicas brasileiras letradas em português (exclusão de músicas

instrumentais);

• Músicas compostas no Período da Ditadura Militar no Brasil (entre os anos de

1964 e 1985);

• Músicas interpretadas por Elis Regina no período ditatorial brasileiro com

conteúdo de crítica ao governo/sistema político em vigência e que

expressassem emoções e sentimentos de indignação, insatisfação, dentre

outros; e

• Músicas que a pesquisadora encontre informações sobre os compositores e o

contexto de composição.

Sendo assim, a partir do uso do método da pesquisa documental discutido por

Gil (2002), tendo como finalidade selecionar o material a ser analisado, realizamos

uma pesquisa em três etapas. Na primeira, foi feita uma busca em 28 de agosto de

2020 no site de pesquisa Google, usando juntos os descritores “músicas”, “Ditadura

Militar” e “Elis Regina”. Encontramos diversos resultados em blogs e sites falando

sobre a história de Elis Regina e listas de músicas relacionadas ao conjunto de

descritores, havendo um destaque para a Música “O Bêbado e a Equilibrista”, pelo

significado que ela carrega até os dias atuais, assunto esse que será abordado na

análise.

81

Na segunda etapa, foi realizado um processo de filtragem dos resultados

obtidos na primeira etapa, de modo que houve uma pré-seleção com o intuito de

identificar músicas que atendessem aos critérios de inclusão definidos

anteriormente, ocorrendo, dessa forma, a eliminação de músicas (resultantes da

primeira etapa) cuja interpretação não era de Elis Regina. Sendo assim, seis

músicas foram pré-selecionadas nessa etapa: “Velha Roupa Colorida”, “Como

Nossos Pais”, “Cartomante”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Menino” e “Onze Fitas”.

A terceira e última etapa consistiu em uma nova busca no site de pesquisa

Google por informações acerca dos compositores e do contexto/história da

composição das músicas selecionadas na segunda etapa. A partir disso, obtivemos

como resultado informações sobre os compositores e as histórias das músicas, bem

como foram encontradas e selecionadas análises relacionando a letra com o

contexto histórico delas e do compositor; informações essas que serão

apresentadas na análise.

A partir desse processo, duas das seis canções pré-selecionadas acabaram

sendo excluídas, pois não encontramos informações suficientes com relação ao

contexto e história da composição. Sendo assim, foram escolhidas quatro músicas

para serem analisadas: “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Cartomante”

e “O Bêbado e a Equilibrista”.

A seguir, no Quadro 6, encontra-se a apresentação da ficha técnica de cada

uma das canções analisadas, ordenadas pelo ano de lançamento; e, logo em

seguida, apresentaremos as letras de cada uma delas, retiradas do site Letras

(https://www.letras.mus.br/).

Quadro 6 – Ficha Técnica das Músicas Analisadas

Nome Compositores Ano de Lançamento

Velha Roupa Colorida Belchior 1976

Como Nossos Pais Belchior 1976

Cartomante Ivan Lins

Vitor Martins 1977

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O Bêbado e a Equilibrista João Bosco

Aldir Blanc 1979

Fonte: elaborado pela autora.

Velha Roupa Colorida

Você não sente, não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer

Nunca mais teu pai falou: She's leaving home

E meteu o pé na estrada like a Rolling Stone

Nunca mais você buscou sua menina

Para correr no seu carro, loucura, chiclete e som

Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido

O dedo em V, cabelo ao vento

Amor e flor que é do cartaz

No presente a mente, o corpo é diferente

E o passado é uma roupa que não nos serve mais

Você não sente, não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer

Como Poe, poeta louco americano

Eu pergunto ao passarinho: Blackbird, o que se faz?

Raven never raven never raven

Blackbird me responde

Tudo já ficou pra trás

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Raven never raven never raven

Assum-preto me responde

O passado nunca mais

Você não sente, não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer

E precisamos rejuvenescer

Como Nossos Pais

Não quero lhe falar

Meu grande amor

De coisas que aprendi

Nos discos

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

E eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

É menor do que a vida

De qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens

84

Para abraçar seu irmão

E beijar sua menina na rua

É que se fez o seu braço

O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Como uma nova invenção

Eu vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro sertão

Pois vejo vir vindo no vento

Cheiro de nova estação

Eu sinto tudo na ferida viva

Do meu coração

Já faz tempo

Eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da memória

Essa lembrança

É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais

Nossos ídolos

Ainda são os mesmos

E as aparências

Não enganam não

85

Você diz que depois deles

Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer

Que eu tô por fora

Ou então

Que eu tô inventando

Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem

Hoje eu sei

Que quem me deu a ideia

De uma nova consciência

E juventude

Está em casa

Guardado por Deus

Contando o vil metal

Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo, tudo

Tudo o que fizemos

Nós ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Ainda somos

Os mesmos e vivemos

Como os nossos pais

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Cartomante

Nos dias de hoje é bom que se proteja

Ofereça a face pra quem quer que seja

Nos dias de hoje esteja tranquilo

Haja o que houver pense nos seus filhos

Não ande nos bares, esqueça os amigos

Não pare nas praças, não corra perigos

Não fale do medo que temos da vida

Não ponha o dedo na nossa ferida

Nos dias de hoje não lhes dê motivo

Porque na verdade eu te quero vivo

Tenha paciência, Deus está contigo

Deus está conosco até o pescoço

Já está escrito, já está previsto

Por todas as videntes, pelas cartomantes

Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas

No jogo dos búzios e nas profecias

Cai o rei de Espadas

Cai o rei de Ouros

Cai o rei de Paus

Cai não fica nada. (6x)

O Bêbado e a Equilibrista

Caía a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos

A lua tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel

87

E nuvens lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!

Louco!

O bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil

Pra noite do Brasil

Meu Brasil!

Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete

Chora

A nossa Pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha

Pode se machucar

Azar!

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar

Após a definição do material a ser analisado, partiu-se para a etapa de

análise, que foi realizada a partir dos pressupostos do método de análise de

conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977), conforme as explicações a seguir.

88

4.1 Análise de Conteúdo

De acordo com Bardin (c. 1977, p. 38), a “[...] análise de conteúdo procura

conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça”. Ela

explica que esse tipo de análise é como um

[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Mas isto não é suficiente para definir a especificidade da análise de conteúdo. [...] o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados (por classificação, por exemplo) relativamente a outras coisas. [...] a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (qualitativos ou não) (Ibid., p. 38).

A autora destaca que existem três fases para a realização da análise de

conteúdo: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados,

inferência e interpretação. De acordo com ela, a primeira fase “[...] tem por objetivo

tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um

esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de

análise” (BARDIN, c. 1977, p. 121). Ela divide essa fase em três momentos: escolha

dos documentos, criação das hipóteses e formulação de indicadores.

A autora descreve a segunda fase (exploração do material) como longa e

cansativa, sendo essa uma etapa de “[...] aplicação sistemática das decisões

tomadas”, ocorrendo “[...] operações de codificação, decomposição ou enumeração”

(BARDIN, c. 1977, p. 127). Findada essa fase, parte-se para a terceira e última fase

(tratamento dos resultados, inferência e interpretação), que é o momento de elaborar

inferências a partir do material explorado, interpretando-o e criando categorias

analíticas a serem discutidas.

Baseado no que foi descrito a partir de Bardin (c. 1977), no nosso processo

de análise de conteúdo, primeiramente, foram ouvidas as quatro músicas

selecionadas e lidas as respectivas letras, buscando compreender as mensagens

89

expressas em cada uma delas, identificando os conteúdos e palavras que se

repetem.

Nesse primeiro momento, foi possível perceber que, apesar de se tratarem de

composições de pessoas diferentes, o tema geral das quatro canções culmina na

exposição sobre a realidade vivida naquele momento (período ditatorial brasileiro) e

na resistência e luta contra o governo da época, apresentando conteúdos em

comum, os quais foram destacados durante o processo de análise de conteúdo e

estão dispostos no Quadro 7.

Quadro 7 – Temas identificados nas músicas analisadas

Temas identificados Músicas analisadas

Crença na mudança política e

na chegada da democracia

“Velha Roupa Colorida”

“Como Nossos Pais”

“Cartomante”

“O Bêbado e a Equilibrista”

Censura

“Velha Roupa Colorida”

“Como Nossos Pais”

“Cartomante”

Repressão “Velha Roupa Colorida”

“Como Nossos Pais”

Sociedade vivendo no passado “Velha Roupa Colorida”

“Como Nossos Pais”

Valorização da vida

“Como Nossos Pais”

“Cartomante”

“O Bêbado e a Equilibrista”

Violência

“Como Nossos Pais”

“Cartomante”

“O Bêbado e a Equilibrista”

Fonte: elaborado pela autora.

90

Em seguida, dando continuidade à nossa análise de conteúdo, na segunda

fase foram explorados os materiais selecionados na terceira etapa da nossa

pesquisa documental, na qual buscamos por informações acerca do compositor e do

contexto/história de composição das músicas analisadas. Nessa fase, foi realizado

um cruzamento dessas informações obtidas com a letra de cada uma das músicas

analisadas, identificando relações entre elas e a realidade que estava sendo

vivenciada na época de sua composição, bem como detectando emoções e

sentimentos expressos nas mesmas.

Ainda nessa fase também foi possível perceber as metáforas e os jogos de

palavras utilizados nas músicas analisadas para que elas não fossem censuradas

pelo governo, o que será apresentado e discutido com detalhes em nossa análise.

Um exemplo disso é a música “Cartomante”, que, à primeira vista, parece falar sobre

uma cartomante que está fazendo a leitura do futuro de outra pessoa, mas, ao

contextualizar a letra, pode-se identificar a real mensagem: que as pessoas fossem

cautelosas em suas ações e não contrariassem os militares.

Por último, seguindo para a terceira fase do processo de análise de conteúdo,

foi realizada uma análise mais aprofundada de todo o material selecionado, ou seja,

tanto das músicas selecionadas, quanto das informações obtidas acerca delas, com

o intuito de identificar possíveis categorias de análise, levando-se em consideração

também os temas identificados anteriormente na primeira fase do processo de

análise de conteúdo.

A partir desse processo, foram elaboradas as seguintes categorias:

Repressão, Dor/Angústia, Censura, Violência, Esperança, Saudade e Medo.

Levando em conta a proposta dessa pesquisa, que é abordar sobre a expressão de

emoções e sentimentos por meio da música, dentre essas sete possíveis categorias

de análise, escolhemos três para serem trabalhadas, que foram: Dor/Angústia,

Esperança e Medo. Destacamos que, apesar das outras quatro possíveis categorias

de análise não terem sido selecionadas, essas temáticas aparecerão ao longo das

discussões e análises de cada uma das três categorias escolhidas, assim como os

temas expostos no Quadro 7.

Por fim, concluindo as três etapas do método de análise de conteúdo

apontadas por Bardin (c. 1977), elaboramos o nosso capítulo de análise a partir de

todas as discussões resultantes do processo analítico, realizando também

91

inferências a partir de alguns conceitos do referencial teórico adotado nessa

pesquisa, o Psicodrama, direcionando esse olhar para os resultados obtidos.

Sendo assim, no capítulo a seguir, exporemos as nossas análises e

discussões, apresentando cada categoria de análise em diálogo com os capítulos

anteriores, destacando a teoria do Psicodrama, com a finalidade de compreender a

música como um meio de expressar emoções e sentimentos.

92

5 CANTANDO EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA DITADURA MILITAR NO

BRASIL: UM DIÁLOGO COM O PSICODRAMA

Balada de Um Compositor Amargo

Sou um compositor

Cuidado comigo

Com as coisas que penso

Com as coisas que sinto

Cuidado, seu moço

É perigoso ser quem eu sou

(LONG, 2017)

No presente capítulo apresentaremos os resultados das nossas análises e

reflexões, resgatando alguns assuntos apresentados nos capítulos anteriores, assim

como descreveremos e discutiremos as categorias de análise elaboradas,

relacionando-as com alguns dos conceitos abordados da teoria do Psicodrama (que

é o nosso referencial teórico): Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e

Matriz de Identidade; dialogando também com um dos elementos da prática

psicodramática e a Psicomúsica.

Ao longo da discussão das categorias, explanaremos sobre as músicas

analisadas, abordando acerca dos seus compositores, bem como sobre a história e

a contextualização das composições. Além disso, destacaremos algumas

curiosidades relacionadas a essas músicas, tais como relações entre a composição

e o que estava acontecendo naquele período histórico e explicações das metáforas

e jogos de palavras contidos nelas.

É importante salientarmos que, ao pesquisarmos informações sobre as quatro

músicas analisadas, não obtivemos resultados semelhantes no que se refere à

quantidade de conteúdo de cada uma delas. Diante disso, ao decorrer de nossas

análises, apresentaremos as informações que tivemos acesso.

Antes de darmos início à apresentação e discussão das nossas categorias de

análise, primeiramente, iremos realizar uma breve retomada de alguns pontos

abordados em nosso primeiro capítulo que consideramos relevantes para a

93

compreensão do uso da música como um recurso de expressão de emoções e

sentimentos.

A partir de nossos estudos, compreendemos que a música é tão antiga

quanto a própria existência humana, e que, desde o início, ela era utilizada como um

meio de expressão humana. Assim como a sociedade, a música também passou e

continua passando por um processo de desenvolvimento, tanto em relação à forma

de se fazer (processo de produção e composição) como à sua utilização/função

(finalidade) (AZEVEDO JÚNIOR, 2007).

Conforme discussão apresentada no primeiro capítulo desse estudo, dentre

as funções da música apresentadas por Ribeiro (2014), destacamos a função social,

que se refere ao uso da música com o intuito de expressar ideias e/ou emoções.

Sendo assim, além de ser usada em comemorações, rituais religiosos, eventos

sociais etc., a música também pode estar presente no contexto terapêutico, sendo

utilizada como um possível recurso que auxilia o sujeito na comunicação do que está

sentindo.

Considerando isso, várias áreas profissionais têm utilizado a música como um

recurso terapêutico em suas práticas clínicas, como a Psicologia, a Fisioterapia, a

Fonoaudiologia etc. Essas profissões fazem uso da Musicoterapia, um ramo da

medicina que enxerga a música como uma atividade temporal, perceptiva, de

criação, recriação e escuta, conforme abordado anteriormente (BENENZON, 1988).

Nas práticas psicológicas, a música pode ser empregada como um recurso

visando mobilizar emoções e sentimentos do paciente/cliente, trabalhar a

aprendizagem, a memória e a reabilitação motora, extravasar energia acumulada,

dentre outras possibilidades (FREITAS; TÔRRES, 2015). Diante disso, ressaltamos

que a utilização da música por profissionais de Psicologia pode ocorrer nas suas

mais variadas áreas de atuação, bem como em instituições públicas ou privadas de

saúde e saúde mental, de assistência social, de ensino, clínicas de reabilitação etc.

Além dessas áreas de atuação, enfatizamos que esses profissionais podem

utilizar a música com diversos públicos, de qualquer faixa etária, de forma individual

ou em grupo, podendo proporcionar benefícios associados ao desenvolvimento

físico, motor, sensorial e da linguagem, e, principalmente, auxiliar na expressão dos

pensamentos, afetos, emoções e sentimentos de uma forma terapêutica.

94

Destacamos que, nesse processo, faz-se necessário que o paciente/cliente se sinta

confortável para que haja essa expressão, ou seja, é preciso que ele perceba a

relação com o profissional como sendo livre de julgamentos e censuras.

Ainda no primeiro capítulo dessa pesquisa, discutimos acerca da Ditadura

Militar no Brasil (entre os anos de 1964 e 1985), período que foi fortemente marcado

por julgamento, repressão, censura e outros tipos de violência direcionados a quem

se posicionasse contra o regime vigente, o que incluía também alguns artistas e

suas produções (SILVA, 2020).

Por ser um período de cerceamento da liberdade de expressão, os

compositores utilizavam jogos de palavras e metáforas em suas composições para

que pudessem expressar o que estavam sentindo e pensando sem que suas

músicas fossem censuradas e eles corressem o risco de serem perseguidos ou

sofrer algum outro tipo de violência (BEZERRA, 2020). Essa forma de expressão é o

ponto central das nossas análises, pois está presente nas quatro composições que

foram escolhidas e analisadas.

Após essa sucinta retomada de alguns pontos abordados no nosso primeiro

capítulo, daremos início à descrição e discussão das três categorias elaboradas a

partir do nosso processo de análise, que foram: Dor/Angústia, Esperança e Medo.

5.1 Dor/Angústia

Sem Aviso

Canta

Vira a dor pelo avesso, canta

(BOSCO; MARTINS, 2005)

Segundo o dicionário (LUFT, 1998, p. 254), a palavra dor é definida como

“Sofrimento físico proveniente de doença, ferimento. Tormento moral; aflição. [...]”.

Ainda de acordo com ele, angústia é “Aflição; ansiedade, agonia.” (Ibid., p. 65).

Dentro da Psicologia, o sentimento de angústia é caracterizado de várias formas

diferentes, a partir de visões distintas. Para uma delas, conforme Peres e Holanda

95

(2003, p. 98), a angústia é “[...] um estado de excitação causado por antecipações,

sinais ou representações de perigo físico ou ameaça psíquica”.

A partir dessas definições, a presente categoria se constitui pela análise das

músicas que expressam tormento e aflição causados pela situação que estava

sendo vivenciada na época da Ditadura Militar no Brasil, que foram: “Como Nossos

Pais” e “O Bêbado e a Equilibrista”.

A primeira delas, “Como Nossos Pais”, é considerada uma das cem melhores

músicas brasileiras pela revista Rolling Stone. Foi composta na década de 1970 pelo

brasileiro Antônio Carlos Gomes Belchior, que foi cantor, compositor, músico,

produtor, artista plástico e professor. Belchior, seu nome artístico, nasceu na cidade

de Sobral-CE em 26 de outubro de 1946 e faleceu em 30 de abril de 2017. Ficou

conhecido através de suas composições por falarem sobre amor e paz, mas, ao

mesmo tempo, incitarem as pessoas a lutarem por causas sociais (FERNANDES,

2019).

Além de ter composto duas das quatro músicas analisadas nessa pesquisa,

Belchior compôs e interpretou outras canções de grande sucesso, como “Apenas

Um Rapaz Latino Americano”, “Coração Selvagem”, “Medo de Avião” e “Paralelas”,

essa última sendo mais conhecida na voz da cantora Vanusa.

Segundo a matéria “As Músicas de Belchior” (2020), as composições dele

possuem sentido único e filosófico correspondente ao momento que ele estava

passando quando compôs cada uma delas. Dono de composições com melodias

simples, Belchior se preocupava mais com a mensagem a ser passada do que em

fazer “firulas” (arranjos rebuscados) nos acordes.

Essa informação sobre o compositor nos remete ao que é destacado por

Valongo (1998) ao abordar acerca da Psicomúsica, que é uma técnica do

Psicodrama, pois a autora afirma que a produção musical é um processo

espontâneo e profundamente íntimo, refletindo os âmbitos pessoal, social, espiritual

e sagrado, como mencionado em nosso segundo capítulo. Dessa forma,

compreendemos que nas composições desse artista transparecem suas emoções,

sentimentos, pensamentos, lutas, crenças etc.

A música “Como Nossos Pais” foi lançada por Elis Regina em seu álbum

“Falso Brilhante” no ano de 1976, sendo essa a versão mais popular da música.

96

Além disso, ela também foi gravada por Belchior e nomes como Chitãozinho e

Xororó, Phillip Long, Maria Rita, Pedro Mariano, dentre outros cantores.

A composição dessa música reflete o contexto histórico e social da época,

abordando um conflito geracional e a angústia da juventude que se opunha ao

regime militar (MARCELLO, 2020). Acerca disso, Fernandes (2019, p. 1) afirma que

Belchior usou a palavra “incômodo” para descrever a sensação que essa canção lhe

trazia: “Ele descrevia Como Nossos Pais como uma música amarga, que questiona

a acomodação”.

Sendo assim, a partir da afirmação do compositor sobre o intuito da sua

música, compreendemos que é possível fazer uma relação com o Fator Tele, que é

um dos conceitos da Teoria Psicodramática, pois esse se faz necessário nas

relações interpessoais que envolvem aspectos emocionais do indivíduo, trazendo à

tona sua capacidade de enxergar os acontecimentos da vida, entendendo o seu

próprio papel, o dos outros e como esses são desenvolvidos nas relações sociais

(PERAZZO, 1994; ALMEIDA, 1998).

Dando início à análise da letra da música “Como Nossos Pais”, nas duas

primeiras estrofes, o interlocutor afirma querer contar coisas que ele vivenciou, e

fala, em tom de conselho, que apesar de ser bom sonhar e saber que o amor é algo

bom, aponta a vida como sendo maior do que qualquer outra coisa (FERNANDES,

2019).

Não quero lhe falar

Meu grande amor

Das coisas que aprendi

Nos discos

Quero lhe contar como eu vivi

E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar

E eu sei que o amor

É uma coisa boa

Mas também sei

Que qualquer canto

97

É menor do que a vida

De qualquer pessoa [...]

Na prática psicodramática, o paciente interpreta a si mesmo, em seu contexto

(MORENO, 1975). Ao iniciar a letra da música afirmando que quer falar sobre o que

viveu, expondo sua visão dos acontecimentos e cenários, nos é possível inferir que

o compositor dará continuidade à música exprimindo o que ele pensava, sentia e

visualizava com relação aos acontecimentos à sua volta.

Seguindo para a sexta estrofe, é possível compreender que o compositor está

falando sobre sua dor em perceber que não existe mais a movimentação da

juventude pelas ruas encontrando-se com os amigos e contemplando a vida, seja

por precaução ou comodismo, restando apenas a “ferida viva”, que é a dor da

saudade ao recordar momentos passados de liberdade e leveza (FERNANDES,

2019; MARCELLO, 2020).

[...] Já faz tempo

Eu vi você na rua

Cabelo ao vento

Gente jovem reunida

Na parede da memória

Essa lembrança

É o quadro que dói mais [...]

Podemos perceber, a partir desse trecho, que novamente é possível fazer

uma relação com o Fator Tele pela capacidade de Belchior perceber e ter

consciência das mudanças que estavam ocorrendo no funcionamento da sociedade,

os papeis exercidos por outras pessoas no cotidiano e como esses papeis e,

consequentemente, as relações sociais haviam sido afetadas pelo regime militar

(PERAZZO, 1994; ALMEIDA, 1998).

Na sétima estrofe, que é repetida ao final da música, o compositor apresenta

uma espécie de explicação acerca da sua dor ao afirmar que a juventude da sua

época havia se tornado o tipo de gente que ela própria criticava: pessoas inertes e

entregues ao conformismo, mas que, antes, eram militantes das causas sociais e

98

lutavam pela democracia, porém, essas ações foram em vão, já que, mesmo com

esses esforços, veio a ditadura (FERNANDES, 2019).

[...] Minha dor é perceber

Que apesar de termos

Feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Ainda somos os mesmos

E vivemos

Como os nossos pais [...]

Compreendemos que esse trecho da música pode ser relacionado ao

conceito psicodramático de Matriz de Identidade, o qual, conforme Moreno (1975), é

o período em que o indivíduo começa a se constituir socialmente e desenvolver seus

conceitos e habilidades, a partir do convívio com seus responsáveis, pois a Matriz de

Identidade funciona como uma espécie de placenta social que fornece ao bebê o

alimento físico, psíquico e social (BERMÚDEZ, 1980). Ou seja, durante esse

processo, é transmitido ao sujeito a herança cultural, e é por meio desse que ele

aprende os papeis existentes em seu grupo social e como eles são executados.

A partir dessa explicação, entendemos que é possível relacionar esse

conceito com a estrofe acima por Belchior afirmar que os jovens estavam vivendo

como seus pais e, para que isso acontecesse, foi preciso que esses jovens

convivessem durante a infância com os seus responsáveis, de modo que, ainda

crianças, pudessem aprender com eles seus comportamentos e posicionamentos

para, na fase adulta, terem a possibilidade de replicá-los.

A segunda música que ilustra essa categoria é “O Bêbado e a Equilibrista”, a

qual, segundo a matéria “Conheça a história de ‘O Bêbado e a Equilibrista’” (2020),

foi composta Aldir Blanc e João Bosco e gravada por Elis Regina em seu LP “Essa

Mulher”, lançado no ano de 1979. Essa música também já foi gravada por Maria

Rita, Beth Carvalho, Daniela Mercury, Pedro Mariano e pelo próprio João Bosco em

parceria com Ângela Maria, dentre outros artistas.

99

De acordo com Silva (2020), essa canção é apontada como importante, pois

foi considerada o Hino da Anistia, movimento ocorrido ao final da década de 1970,

no qual foram perdoadas as pessoas que foram punidas com base nos Atos

Institucionais e seus complementos, dentre elas estão os cidadãos exilados, que,

com a Lei da Anistia, tiveram o direito de voltar ao Brasil, como mencionado no

nosso primeiro capítulo.

Acerca dos compositores de “O Bêbado e a Equilibrista”, o primeiro deles,

Aldir Blanc Mendes, nasceu em 2 de setembro de 1946, na cidade do Rio de

Janeiro, foi roteirista, compositor e cronista, além de médico de formação. Ele

compôs muitas músicas de sucesso e algumas delas eram voltadas a críticas contra

a Ditadura Militar. Ele faleceu em 4 de maio de 2020 por complicações da COVID-

19.

O segundo compositor dessa música é João Bosco de Freitas Mucci, que é

um cantor, compositor e violonista brasileiro, nascido em 13 de julho de 1946, na

cidade Ponte Nova-MG. Durante alguns anos, ele fez parceria musical com Aldir

Blanc, o que resultou em composições de sucesso. Além da música analisada, que

é considerada um clássico da dupla, eles também compuseram “O Mestre Sala dos

Mares” e “Dois Pra lá Dois Pra Cá”, ambas lançadas na voz de Elis Regina.

No que se refere à composição da música “O Bêbado e a Equilibrista”,

inicialmente, ela não teria relação com o contexto histórico da época em que foi

escrita. Com a morte de Charles Chaplin (ator, diretor, compositor, produtor e

roteirista britânico) em dezembro de 1977, João Bosco sentiu necessidade de

compor algo em homenagem ao artista. Entre o Natal e a véspera de Ano Novo,

iniciou o rascunho de um samba cuja melodia era semelhante à da música “Smile”

(tema do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin), fazendo menção ao seu

mais famoso personagem: o vagabundo Carlitos (CONHEÇA A HISTÓRIA DE O

BÊBADO E A EQUILIBRISTA, 2020).

Fazendo um diálogo entre essas informações e os conceitos da Teoria

Psicodramática (discutidos no nosso segundo capítulo), destacamos o conceito de

Espontaneidade e Criatividade, que é a capacidade de resposta do sujeito a um

novo evento ou, com certo grau de novidade, a um evento antigo (MORENO, 1975).

A partir dessa explicação, compreendemos que João Bosco exercitou a sua

100

Espontaneidade ao sentir e satisfazer a sua necessidade de compor uma melodia

em homenagem a Chaplin, diante do novo evento, que foi a morte do artista.

Ainda dentro desse conceito, Moreno (1975) aponta quatro tipos de

expressões características da Espontaneidade, como abordado no segundo capítulo

desse trabalho. Ao olharmos a partir deles, entendemos que o compositor, nessa

situação, se assemelha à categoria Qualidade Dramática, na qual o indivíduo repete

algo já experienciado, atribuindo particularidades a ele. Esse entendimento tornou-

se possível pelo fato de João Bosco ter se baseado em uma melodia já existente

para construir a sua linha melódica, dando particularidade à canção ao compô-la em

ritmo de samba, colocando em prática sua Criatividade.

Retomando a história da composição da música “O Bêbado e a Equilibrista”,

antes de iniciar a escrita da letra, Aldir Blanc teve um encontro casual com Henfil

(cartunista apresentado no capítulo anterior) e Chico Mário (violonista e compositor),

no qual falaram sobre o irmão deles que estava exilado. De acordo com a matéria

“Conheça a história de ‘O Bêbado e a Equilibrista’” (2020), tendo por base essa

conversa, Aldir Blanc entrou em contato com seu parceiro de composições (João

Bosco) e sugeriu a criação de um personagem chapliniano que manifestasse a

condição dos exilados.

Conforme a mesma matéria, em 1978 essa música estava pronta e os

compositores a enviaram para Elis Regina, que percebeu que a composição citava o

irmão de Henfil e sua condição de ter sido exilado. Lembrando que, anteriormente a

isso, no ano de 1972, a cantora e o cartunista tiveram um conflito quando ele usou

um de seus personagens para “enterrá-la” (como mencionado no capítulo anterior).

Já estando às boas com o cartunista, a cantora lhe mostrou a canção “O Bêbado e a

Equilibrista” e ele visualizou a música em questão como uma importante aliada na

luta contra a Ditadura Militar instaurada no país.

Ainda segundo a matéria, a música inicia fazendo referência ao Elevado

Paulo Frontin, nome popular dado ao Viaduto Engenheiro Freyssinet, localizado na

cidade do Rio de Janeiro, que desabou em 20 de novembro de1971, na fase final de

sua construção, soterrando e matando dezenas de pessoas.

[...] Caía a tarde feito um viaduto

101

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos

A lua tal qual a dona do bordel

Pedia a cada estrela fria

Um brilho de aluguel [...]

A composição compara um momento belo, que é o cair da tarde, com um

acontecimento trágico, comparação essa que Arruda (2020) afirma estar se referindo

ao otimismo que existia no período da Ditadura Militar, sendo esse tão frágil quanto

uma obra mal feita. O trecho também remete ao fim de um tempo de liberdade e o

início de um tempo de violência, processo esse simbolizado na música pela

passagem do dia para a noite.

Além disso, segunda a análise de Arruda (2020), na letra da canção é citado

Carlitos por ser um personagem representante da classe trabalhadora, a mais

afetada pelo cenário político e econômico brasileiro. A primeira estrofe segue com

uma metáfora referindo-se aos políticos (“a lua”) que defendiam e se submetiam aos

militares poderosos (“estrela fria”) almejando ganhos políticos e pessoais. A autora

faz uma contextualização referente à metáfora dessa relação política ao afirmar o

seguinte: “[...] tal qual uma cafetina dona do bordel, que explorava as prostitutas

para benefício próprio, esses políticos se vendiam ao regime, às custas da

exploração do povo e dos recursos do país, para obter ganhos pessoais” (p. 5).

Como discutido no primeiro capítulo da presente pesquisa, não havia

liberdade de expressão no período ditatorial brasileiro, logo, se fez necessário que

os artistas buscassem outros meios para expressar o que estavam pensando e

sentindo. Sendo assim, os compositores usavam da Espontaneidade e Criatividade

para abordarem assuntos considerados como proibidos. Desse modo, a fim de que

suas músicas não fossem censuradas, eles utilizavam metáforas e jogos de

palavras.

Para que a Criatividade seja colocada em prática, é necessário ter

Espontaneidade já que, conforme Moreno (1975), as duas então intimamente

ligadas. Sendo assim, compreendemos que no caso da metáfora mencionada

anteriormente presente na música “O Bêbado e a Equilibrista”, os compositores se

aproximam da terceira categoria de expressão da Espontaneidade, que, segundo o

102

autor, é a Originalidade, na qual o sujeito cria coisas baseando-se nas conservas

culturais, adicionando algo a sua forma original.

Dessa maneira, entendemos que essa aproximação (entre os compositores e

a categoria Originalidade) se dá pelo fato dos compositores terem criado um enredo

utilizando elementos com significados conhecidos pela sociedade (como a mudança

do período diurno para o noturno, a queda do Elevado Paulo Frontin, o personagem

criado por Chaplin e a lógica do funcionamento de um bordel) para cantar acerca da

situação social e política a qual estavam passando sem falar explicitamente sobre o

assunto. Ou seja, ao utilizar a linguagem implícita, os compositores atribuíram novos

significados aos elementos mencionados na música, os quais representavam fatos

da realidade política que estava sendo vivenciada.

A estrofe seguinte faz alusão às torturas e desaparecimentos que ocorreram

durante o Regime Militar através do DOI-Codi, que era o órgão de inteligência e

repressão do Governo Militar, o qual estava subordinado ao exército.

[...] E nuvens lá no mata-borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!

Louco!

O bêbado com chapéu-coco

Fazia irreverências mil

Pra noite do Brasil

Meu Brasil! [...]

Nesse trecho é usado o termo “mata-borrão”, que era um papel absorvente

utilizado para tirar o excesso de tinta das canetas-tinteiros. Logo, conforme Arruda

(2020), o DOI-Codi agia como um mata-borrão que limpava a sujeira feita pelos

torturadores. Sobre essa estrofe, a autora aponta que é feita outra referência ao

personagem de Chaplin, trazendo-o como personificação do povo brasileiro que,

assim como Carlitos, em meio às dificuldades, tentava manter a irreverência e o bom

humor.

Compreendemos que a capacidade de Espontaneidade e,

consequentemente, de Criatividade dos compositores está sendo efetivada através

103

dessa música. Além de seguir a mesma lógica da estrofe anterior, que apresentava

os fatos sociais por meio de metáforas, esse trecho também nos remete ao conceito

psicodramático Fator Tele, pois observamos que os artistas possuem consciência

dos papeis desenvolvidos pelos integrantes dos órgãos de repressão do Governo e

de sua atuação diante dos cidadãos brasileiros.

Acerca da terceira estrofe, Arruda (2020) expõe que os compositores

afirmavam que o desejo do povo brasileiro era a volta das pessoas que estavam

exiladas. Quando é citado na música “A volta do irmão do Henfil”, eles estavam se

referindo ao sociólogo Herbert José de Souza, conhecido como Betinho, que ficou

exilado entre 1971 e 1973 no Chile e, posteriormente, morou no Canadá e no

México, sendo permitido que ele voltasse ao Brasil somente em 1979.

[...] Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete

Chora

A nossa Pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil [...]

Nessa estrofe, os compositores fazem referência ao Hino Nacional do Brasil,

a fim de “[...] ironizar o sentimento de nacionalismo”, segundo Arruda (2020, p. 6),

com o intuito de denunciar o Estado, que deveria proteger os cidadãos brasileiros,

mas estava sendo responsável por matá-los. Nesse trecho, é possível observar que

os compositores abordam a dor das pessoas que tiveram seus entes exilados,

sequestrados, presos, torturados e/ou mortos.

Ao exprimirem “Choram Marias e Clarisses”, os compositores estão fazendo

menção às mães e viúvas de presos políticos, utilizando a figura de Maria, mãe do

metalúrgico alagoano Manoel Fiel Filho, e de Clarice, esposa do jornalista Vladimir

Herzog. Manoel e Vladimir foram torturados e mortos pelo Regime Militar.

De acordo com a matéria “Biografia de um jornalista: o cruel assassinato”

(2009), Vladimir Herzog foi assassinado em 25 de outubro de 1975, e essa data foi

escolhida para celebrar o Dia da Democracia no Brasil. O jornalista morreu após ser

104

espancado enquanto estava sendo mantido como preso político, mas seus

torturadores, tal qual “mata-borrões”, tentaram esconder a verdadeira causa de sua

morte, montando em sua cela um cenário que desse a entender que ele havia

cometido suicídio. Ao fazer isso, não se atentaram ao fato de que ele era mais alto

que a grade na qual amarraram o pano que colocaram em volta do seu pescoço.

Compreendemos que essa parte da música é um exemplo do que foi

discutido no segundo capítulo desse estudo quando apresentamos a técnica da

Psicomúsica segundo Valongo (1998). Ela afirma que um dos aspectos refletidos em

uma produção musical é o social, e foi voltando o olhar para esse contexto que os

compositores escreveram tais palavras.

A partir do que foi discutido na presente categoria, foi possível entender a

expressão da Dor/Angústia vivenciada durante o período ditatorial brasileiro e suas

causas por meio das duas músicas que foram analisadas nessa categoria. Além de

Dor/Angústia, as músicas dessa época também expressavam outras emoções

sentimentos, como veremos a seguir.

5.2 Esperança

Lua Cheia

Viver de esperança cansa, eu sei

A nossa crença se abalou

Mas frases de ódio não vão vingar

(VIÁFORA, 2018)

Conforme o dicionário (LUFT, 1998, p. 296), a definição da palavra esperança

é “Ação de esperar o que se deseja. Expectativa otimista; confiança. [...]”. Na visão

da Psicologia, Azevedo (2010, p. 3) apresenta algumas definições de esperança

partindo de variados autores, dente elas a de que a esperança é “[...] uma crença

duradoura do indivíduo no alcançar dos seus desejos, sugerindo assim a sua

conceptualização como um pensamento ou crença que permite o movimento da

pessoa em direção aos seus objetivos”. Além disso, a autora também aborda a

105

definição de esperança como sendo a relação entre o desejo e a expectativa do

indivíduo em conseguir alcançar seu objetivo.

Diante dessas definições, essa categoria é ilustrada por trechos das quatro

músicas analisadas, “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Cartomante” e

“O Bêbado e a Equilibrista”, nas quais identificamos a expressão dos desejos e

expectativas dos compositores em haver uma mudança que melhorasse a situação

política e social do país.

A música “Velha Roupa Colorida” também foi composta por Belchior e

lançada por Elis Regina em seu LP “Falso Brilhante”. A composição tem três estrofes

diferentes, mas, ao todo, possui seis estrofes, pois uma delas é cantada três vezes

no decorrer da música, a qual será abordada a seguir.

[...] Você não sente, não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer [...]

Pelo fato de repetir três vezes, esse trecho da canção é a primeira, a quarta e

a sexta estrofe, nas quais, conforme a matéria “As Músicas de Belchior” (2020), o

compositor exprime uma mensagem direcionada às pessoas pessimistas que

estavam vivendo de uma maneira que ele julgava ser antiquada, afirmando, em tom

de esperança, que uma nova mudança iria ocorrer em breve.

Nesse sentido, no momento em que Belchior expõe sua visão sobre as

pessoas a quem ele emitia o recado e fala da sua esperança na mudança do

contexto político e social brasileiro, ele está transparecendo suas crenças. Logo,

compreendemos que, no processo de composição, o artista reflete seu lado pessoal

e social, o que é apontado por Valongo (1998) quando discute acerca da

Psicomúsica.

Outra música que integra essa categoria é “Como Nossos Pais”, já

apresentada anteriormente. Belchior nasceu em Sobral, interior do Ceará, e em

106

1971 mudou-se para a capital do Rio de Janeiro e, posteriormente, em 1972, para a

capital de São Paulo, em busca de oportunidades na carreira musical. É sabido que

a repressão no período do Regime Militar foi mais forte nas capitais brasileiras.

Apesar do risco de sofrer com a censura e a repressão, o compositor, na quinta

estrofe da música, afirma que não há a possibilidade dele voltar para sua terra natal,

pois, apesar do caos, ele mantinha viva a Esperança de que chegaria a democracia

e que os tempos iriam melhorar (FERNANDES, 2019; MARCELLO, 2020).

[...] Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Como uma nova invenção

Eu vou ficar nesta cidade

Não vou voltar pro sertão

Pois vejo vir vindo no vento

Cheiro de nova estação

Eu sinto tudo na ferida viva

Do meu coração [...]

Entendemos que, mais uma vez, estamos diante de uma estrofe que

exemplifica o que Valongo (1998) aponta sobre a Psicomúsica, pois o compositor

está expondo seu lado pessoal ao escrever acerca do encantamento que estava

sentindo naquele momento, eliminando a possibilidade de voltar para sua cidade

natal, além de expressar que nele existia o sentimento de Esperança em relação a

uma mudança política e social do Brasil.

Segundo Marcello (2020), Belchior inicia a décima estrofe fazendo uma crítica

às pessoas que anteriormente se portavam como revolucionárias, as quais lhe

ajudaram a despertar para uma consciência política e social, mas que findaram por

se vender à Ditadura Militar.

[...] Mas é você

Que ama o passado

E que não vê

107

É você

Que ama o passado

E que não vê

Que o novo sempre vem

Hoje eu sei

Que quem me deu a ideia

De uma nova consciência

E juventude

Está em casa

Guardado por Deus

Contando o vil metal [...]

Percebe-se que existe um rancor nas palavras do compositor ao falar sobre

seus ídolos que foram comprados pelo “vil metal”, elemento presente na décima

primeira estrofe. Esse termo é uma referência à época em que o dinheiro em

circulação eram moedas de ouro, sendo utilizado na música para referir-se ao

dinheiro usado com finalidade de corromper alguém. Apesar das pessoas que ele

admirava terem se vendido ao sistema político (“que ama o passado”), ele

continuava tendo Esperança de que no futuro algo novo e bom chegaria, pois “o

novo sempre vem” (FERNANDES, 2020).

A partir das estrofes analisadas da música “Como Nossos Pais”, entendemos

que o compositor exercita sua capacidade de observar e entender o papel que o

outro exerce em suas relações sociais, o que se relaciona ao conceito Fator Tele da

Teoria Psicodramática abordado por Perazzo (1994), Almeida (1998) e Ribeiro

(2014). Além disso, essas estrofes nos remetem ao conceito de Matriz de Identidade

apresentado por Moreno (1975), pois Belchior afirma que as pessoas a quem ele se

refere “amam o passado” e permanecem vivendo em sua lógica, reproduzindo

comportamentos e posicionamentos aprendidos com seus pais.

A próxima música que ilustra essa categoria é “Cartomante”, que foi composta

por Ivan Lins e Vitor Martins. Ivan dos Guimarães Lins é um cantor, pianista e

compositor brasileiro nascido em 16 de junho de 1945 na cidade de Rio de Janeiro.

Tornou-se conhecido na década de 1970 após ganhar em segundo lugar o 5º

Festival Internacional da Canção. De acordo com Oliveira e Melo (2014), durante o

108

período ditatorial brasileiro, as músicas desse artista levaram ao público conteúdos

de críticas ao Regime Militar, esperança de liberdade e justiça social.

Segundo a matéria “Vitor Martins” (2012), o segundo compositor dessa

música é um letrista brasileiro nascido em 22 de outubro de 1944 na cidade de

Ituverava-SP. Em 1973 ele iniciou a fértil parceria com Ivan Lins, a qual lhes rendeu

inúmeras composições de sucesso como “Abre alas”, “Aos Nossos Filhos” (gravada

por Elis Regina), “Começar de Novo” “Vitoriosa”, “Lembra de Mim”, dentre outras

canções.

A matéria “Canções Censuradas Por Motivo Político” (2014) informa que,

inicialmente, a música “Cartomante” foi intitulada “Está Tudo nas Cartas” e acabou

sendo censurada após Vitor Martins fazer críticas acerca do então chefe da censura

a uma jornalista, fora do momento de entrevista, o que acabou chegando ao

conhecimento desse chefe. Quando isso aconteceu, a canção já estava gravada na

voz de Elis Regina, então a gravadora da cantora foi para Brasília e conseguiu que a

música fosse liberada, mas, com uma condição, era necessário que houvesse a

mudança do seu título. “Cartomante”, como passou a ser chamada, foi lançada pela

cantora em seu LP “Elis” no ano de 1977.

A música “Cartomante” possui cinco estrofes das quais as duas últimas serão

abordadas nessa categoria. Na quarta estrofe, os compositores falam com

Esperança para os brasileiros desiludidos que haverá uma mudança no cenário

político e social do país, afirmando isso indiretamente através da metáfora de leitura

do futuro realizada por videntes e cartomantes, dentre outras pessoas que tem essa

prática (OLIVEIRA; MELO, 2014).

[...] Já está escrito, já está previsto

Por todas as videntes, pelas cartomantes

Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas

No jogo dos búzios e nas profecias [...]

A quinta estrofe, que se repete seis vezes, complementa a anterior, ainda por

meio da metáfora da cartomante, ao utilizar elementos das cartas de baralho para

109

simbolizar os militares que estavam no poder, mais uma vez sinalizando com

Esperança o fim do Regime Militar.

[...] Cai o rei de Espadas

Cai o rei de Ouros

Cai o rei de Paus

Cai não fica nada. (6x)

Novamente, nos defrontamos com uma música na qual os compositores

foram criativos e utilizaram uma metáfora para se expressarem e não correrem o

risco de sofrer censura ou outro tipo de violência. Compreendemos que nessas duas

estrofes da música “Cartomante” o processo de composição se aproxima da

Originalidade, que é uma das categorias de expressão da Espontaneidade

apontadas por Moreno (1975) e discutidas no nosso segundo capítulo, pois os

compositores usaram nessa música algo com significado conhecido socialmente,

que é a atividade de previsão do futuro e elementos usados nessa prática (como as

cartas, por exemplo) para falarem sobre a crença deles de que uma mudança iria

acontecer, sendo assim, atribuindo um novo significado a esses elementos.

A quarta e última música que integra essa categoria é “O Bêbado e a

Equilibrista”, já apresentada na categoria anterior, que foi composta por Aldir Blanc e

João Bosco. Na quarta estrofe, a música passa a ter um tom de desalento, mas com

um fundo de Esperança, ao anunciar que toda luta, dor e sofrimento passados no

período ditatorial brasileiro não seriam em vão, havendo, assim, o desejo e a

Esperança na chegada de dias melhores (ARRUDA, 2020).

[...] Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente

A esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

E em cada passo dessa linha

Pode se machucar [...]

110

Se tratando de uma estrofe escrita em primeira pessoa, os compositores

estão se expondo, mostrando seu lado pessoal ao falarem sobre o que acreditam,

corroborando com o que foi apresentado no segundo capítulo dessa pesquisa ao

citarmos Valongo (1998) quando ela afirma que a composição musical é um

processo profundamente íntimo, no qual transparece o âmbito pessoal do sujeito.

O sentimento de Esperança continua na quinta e última estrofe dessa canção,

a qual inicia com a palavra “azar”. Segundo Arruda (2020), esse azar não é voltado

para o povo brasileiro, mas sim para os ditadores e seus apoiadores, pois, nessa

música, os compositores desejavam expressar que, apesar das incertezas, era

necessário que o povo mantivesse viva a Esperança na chegada de dias melhores,

ou seja, acreditassem que em breve o Regime Militar findaria e a democracia teria

sua vez.

[...] Azar!

A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar

Nesse trecho, podemos inferir que, assim como “o bêbado com chapéu-coco”

se refere ao personagem de Charles Chaplin, que, nessa música, representa o povo

brasileiro, a “equilibrista” é a frágil Esperança desse povo que seguia lutando e

acreditando na chegada do tempo de liberdade.

Tanto na quarta quanto na quinta estrofe da canção “O Bêbado e a

Equilibrista”, os compositores se utilizaram do jogo de palavras ao citarem “a

esperança equilibrista” para expressarem uma opinião acerca da Esperança do povo

brasileiro, a qual eles consideravam ser instável por estar “na corda bamba”.

Compreendemos, assim, que eles estavam expressando a visão que tinham do

contexto social da época.

Fazendo uma relação com a teoria do Psicodrama, destacamos que, para

observar e entender a dinâmica dos papeis na sociedade, faz-se necessário que o

Fator Tele tenha se desenvolvido nos sujeitos, conforme explicação de Moreno

(1975) apresentada em nosso segundo capítulo. Esse fator permite que o sujeito

111

tenha a capacidade de realizar essa observação e entendimento dos papeis que ele

e as outras pessoas exercem na sociedade, bem como do que resulta das

interações entre esses papeis.

Além disso, novamente se torna possível realizar uma associação entre essa

composição e a discussão apontada por Valongo (1998) sobre a Prática

Psicomusical, afirmando que no processo de composição musical é possível refletir

o pessoal, o social, o espiritual e o sagrado. Sendo assim, a partir dessa observação

e entendimento dos papeis e suas interações na sociedade, os compositores

refletiram em sua canção a visão que tinham do contexto social no qual estavam

inseridos.

Findando essa categoria, percebemos que as quatro músicas analisadas

apresentam conteúdos relacionados à Esperança, bem como outras emoções e

sentimentos associados à realidade que os compositores estavam vivenciando. A

partir disso, reforçamos nossa compreensão de que nessas músicas estão

presentes o desejo e a crença na mudança política e social do país, além de haver

um incentivo para que o povo brasileiro mantivesse a Esperança de que essa

mudança iria ocorrer, apesar de toda dor, angústia e medo presentes nesse período

histórico. Sendo assim, sigamos para a nossa terceira e última categoria.

5.3 Medo

Monólogo ao Pé do Ouvido

O medo dá origem ao mal

O homem coletivo sente a necessidade de lutar

(SCIENCE, 1994)

De acordo com o dicionário (LUFT, 1998, p. 450), o termo medo é definido

como “[...] apreensão; receio; temor”. Conforme Miguel (2015, p. 157), a Psicologia

entende que o medo “[...] é despertado frente a um evento causado pelo ambiente

ou por outra pessoa, e que é avaliado como ameaçador”.

Diante dessas definições, essa categoria tem por finalidade discutir as

músicas nas quais identificamos a expressão de Medo dos compositores em relação

112

ao período político e social que estavam vivenciando quando as compuseram, sendo

elas: “Como Nossos Pais” e “Cartomante”.

Na terceira estrofe da música “Como Nossos Pais”, Belchior se refere à

violência que marcou a época da Ditadura Militar no Brasil, afirmando que era

necessário ter cuidado, pois, como o mesmo declara no início da música, a vida é

bastante valiosa (“Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de

qualquer pessoa”) (FERNANDES, 2019). Sobre esse trecho, Marcello (2020) aponta

que o compositor se referiu a uma guerra na qual a democracia havia perdido, e a

juventude citada na canção encontraria dificuldades se tentasse agir de uma

maneira não aceita pelos militares.

[...] Por isso cuidado, meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens [...]

Diante disso, compreendemos que essa cautela expressa na terceira estrofe

está relacionada ao Medo de sofrer algum tipo de violência (censura, repressão,

tortura, exílio, morte etc) por parte dos militares. Ao nos depararmos com a

expressão da visão que Belchior possuía dos papeis individuais e grupais existentes

na sociedade em que estava inserido, entendemos que nele havia se desenvolvido o

Fator Tele, conceito psicodramático que Moreno (1975) afirma ser necessário para

que o sujeito realize a observação e o entendimento das execuções dos papeis nos

vários âmbitos sociais.

Além disso, essa estrofe da música nos remete também ao que foi discutido

no segundo capítulo dessa pesquisa, quando abordamos a explicação de Valongo

(1998) acerca do processo de composição musical. A autora afirma que esse

processo é íntimo, pois o compositor nos apresenta o que pensa e sente com

relação aos contextos nos quais está imerso e às dinâmicas que se apresentam

nesses.

113

A outra música analisada que ilustra essa categoria é “Cartomante”, que em

sua primeira estrofe, segundo Oliveira e Melo (2014), contém um conselho para que

as pessoas não respondessem às agressões cometidas pelos militares e órgãos

ligados ao governo, se mantivessem longe de confusões e buscassem demonstrar

tranquilidade diante dos adversos acontecimentos que ocorriam no dia a dia.

Nos dias de hoje é bom que se proteja

Ofereça a face pra quem quer que seja

Nos dias de hoje esteja tranquilo

Haja o que houver pense nos seus filhos [...]

As autoras afirmam que na segunda estrofe os compositores Ivan Lins e Vitor

Martins continuaram a aconselhar as pessoas ao pedirem que elas não se

reunissem com os amigos para que não fossem acusadas de complô contra os

ditadores, evitassem locais que pudessem ter vigilância militar, não falassem mal do

governo e não expressassem o que sentiam em relação às violências praticadas

pelos indivíduos que estavam no poder.

[...] Não ande nos bares, esqueça os amigos

Não pare nas praças, não corra perigo

Não fale do medo que temos da vida

Não ponha o dedo na nossa ferida [...]

Dando continuidade, na terceira estrofe da música “Cartomante”, os

compositores abordam, implicitamente, sobre a violência cometida pelo governo

contra quem era contrário a ele. Além disso, nesse trecho, Ivan Lins e Vitor Martins

seguem aconselhando que a população tomasse cuidado ao expressar sua opinião

e que tivesse paciência, pois uma mudança iria ocorrer (OLIVEIRA; MELO, 2014).

[...] Nos dias de hoje não lhes dê motivo

Porque na verdade eu te quero vivo

Tenha paciência, Deus está contigo

Deus está conosco até o pescoço [...]

114

A partir da análise das três estrofes destacadas, compreendemos que os

compositores apresentaram suas visões sobre a sociedade na qual viviam, nos

dando abertura para inferir que eles demonstravam ter consciência dos papeis que

estavam sendo executados a sua volta, o que gerou o surgimento do Medo em

relação a esse contexto social. Sendo assim, eles estavam demonstrando que

possuíam a aptidão de colocar em prática o Fator Tele (MORENO, 1975).

Além disso, ao exporem seus contextos sociais e a crença de que Deus

estava ao lado das pessoas que lutavam pelo fim do Regime Militar, entendemos

que Ivan Lins e Vitor Martins estão em consonância com o que é apontado por

Valongo (1998) quando ela afirma que no processo de composição musical o sujeito

reflete seu lado pessoal, social, espiritual e sagrado. No caso dessa composição,

eles estão refletindo suas esferas social e sagrada.

Somado às conexões feitas nesse capítulo com alguns dos elementos do

Psicodrama, destacamos que observamos também a possibilidade de relação, de

um modo geral, entre as quatro músicas analisadas e a Catarse, outro conceito

dessa teoria. Moreno (1975) afirma que a Catarse mental é vivenciada no momento

em quem o cliente (ator) está se libertando de seus conflitos e emoções aos quais

estava preso, sentindo-se aliviado de suas angústias, tristezas e medos, mesmo que

não ocorra uma mudança externa. O autor pontua que a Catarse é gerada quando,

nesse processo libertação, o sujeito passa a enxergar um novo universo e a

possibilidade de um novo crescimento.

Posto isso, ao comparar esse processo da Catarse com o processo de

composição das músicas analisadas, compreendemos que, no momento em que os

compositores expressaram suas emoções, sentimentos e pensamentos relacionados

ao que estavam viviam no período da Ditadura Militar no Brasil, acreditando e

visualizando a concretização de uma mudança no contexto político e social do país,

Belchior, Ivan Lins, Vitor Martins, Aldir Blanc e João Bosco passaram pelo processo

de Catarse, se libertando dos seus conflitos através da expressão desses em suas

músicas.

Além disso, em nossas análises, identificamos também a possibilidade de

relação com o conceito de auditório ou público, que é um dos elementos que

compõe os instrumentos da prática psicodramática, correspondendo ao contexto

social, de modo que o auditório ou público observa e avalia, cesurando ou

115

aplaudindo, a dramatização do protagonista. Partindo disso, voltando o olhar para o

contexto social do Brasil através do nosso material de análise, podemos afirmar que,

nesse cenário, o órgão de censura do governo e o povo brasileiro faziam a vez do

auditório ou público diante dos compositores (protagonistas).

Isso decorre do fato de que os censores tinham a função de vetar ou liberar o

lançamento das músicas, sendo essa uma primeira etapa do processo de

observação e avaliação da produção dos compositores. A segunda etapa se dava

quando as músicas eram lançadas, passando a estarem disponíveis para o acesso

da população, que também observava, enquanto as ouvia, e, possivelmente,

entendia as mensagens contidas nas canções, identificando-se ou não com elas; e

as avaliava, levando-as ao sucesso, ao fracasso ou as fazendo circular entre os dois

polos, julgando-as como boas ou não, a partir de seus gostos e afinidades em

relação ao conteúdo e estilo dessas músicas.

Portanto, diante de tudo que foi exposto, a partir da realização dessa

pesquisa, tornou-se possível a nossa percepção de que as músicas analisadas

foram o meio que esses compositores encontraram para expressarem suas variadas

emoções e sentimentos, e realizarem análises críticas acerca do período repressor

que estavam vivenciando, ou seja, eles utilizaram a prática da composição musical

para exprimirem suas concepções sobre o cenário político e social dessa época.

Por entendermos que a música pode ser utilizada como um recurso de

expressão, no decorrer de nossas análises, nosso principal intuito foi identificar

emoções, sentimentos e temas presentes nas quatro músicas analisadas. Diante

disso, obtivemos como resultado que, em sua maioria, os mesmos aspectos foram

percebidos em duas ou mais dessas músicas, tais como: cautela, censura,

repressão, violência, medo, dor/angústia, raiva, indignação, críticas políticas e

sociais, esperança, crença na mudança política e chegada da democracia, saudade,

valorização da vida, dentre outros.

Diante disso, compreendemos que os compositores encontraram um meio

para se expressarem e se comunicarem com a parcela da população brasileira que

compartilhava dos mesmos pensamentos, emoções e sentimentos que eles. Através

da sutileza na escrita das músicas, esses artistas conseguiram abordar assuntos

que poderiam os levar a sofrer censura e/ou outros tipos de violência caso falassem

sobre esses assuntos explicitamente. Logo, os compositores registravam suas

116

mensagens nas entrelinhas das canções, por meio do uso de metáforas e jogos de

palavras, havendo, assim, a possibilidade de que as pessoas, ao ouvirem suas

músicas, pudessem entender as mensagens que estavam implícitas em cada verso.

Dessa forma, observamos que em um período no qual as pessoas eram

oprimidas, não tendo o direito de falar o que quisessem, a música (composição

musical) foi capaz de se sobrepor a essa rigidez característica do Regime Militar,

possibilitando um diálogo entre os compositores e o público, o qual, no caso das

músicas analisadas nesse estudo, foi mediado pela cantora Elis Regina, ao dar voz

a essas composições, interpretando-as dentro e fora do Brasil.

Dentre as quatro músicas analisadas, percebemos que cada uma delas

apresenta sua própria identidade, mostrando a finalidade de sua criação. Na canção

“Velha Roupa Colorida” existe uma crítica ao sistema político e social instaurado no

Brasil, durante o Regime Militar, buscando chamar a atenção da população para o

problema de se viver em uma sociedade baseada na censura. A música “Como

nossos Pais” procurava alertar o povo brasileiro sobre o risco de sofrer violência. Ela

visava incomodar os ouvintes, na tentativa de instigá-los a sair da inercia, e criticava

as pessoas que não se posicionavam contra a Ditadura Militar.

Em contrapartida às anteriores, “Cartomante” não se caracterizava como uma

música combativa, pois tinha por finalidade alertar as pessoas para que não dessem

motivos aos militares e findassem por sofrerem algum tipo de violência. Além disso,

essa canção pedia para que as pessoas tivessem paciência e acreditassem que

uma mudança política e social iria acontecer. Já a música “O Bêbado e a

Equilibrista” foi escrita com o intuito de instigar o povo brasileiro a lutar contra o

Regime Militar e fazer um alerta sobre o cenário de violência que o Brasil estava

vivenciando naquele momento.

Por fim, compreendemos que, a partir tanto das análises do conteúdo dessas

quatro músicas, quanto das informações acerca dos compositores e das

composições e sua contextualização, foi possível realizar a identificação e a relação

entre o processo de composição dessas canções e alguns dos conceitos da teoria

do Psicodrama de Moreno, tais como: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator

Tele e Matriz de Identidade; além do diálogo com a Prática Psicodramática e a

técnica da Psicomúsica.

117

Levando em consideração o que foi exposto nesse trabalho, concluímos que

o ser humano possui a necessidade de se expressar, logo, estamos a todo tempo

procurando meios para expormos o que pensamos, percebemos, concebemos e

acreditamos, bem como as diversas emoções e sentimentos oriundos das

experiências vividas ao longo de nossas vidas. Assim, diante das nossas análises e

discussões, podemos compreender e afirmar que a música é um dos meios

possíveis de expressão desses aspectos.

118

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como tema principal a discussão acerca da

possibilidade de expressar emoções e sentimentos por meio da música, a partir de

um olhar do Psicodrama. Foi com base nesse intuído que definimos o caminho a ser

percorrido nesse estudo, que teve como objetivo geral compreender a música como

uma forma de expressar as emoções e sentimentos a partir da análise de músicas

interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da

Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama.

Para isso, nossos objetivos específicos foram: identificar composições de

artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas

interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial

brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de

composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com

a teoria do Psicodrama.

A fim de atender a todos esses objetivos e auxiliar a/o leitor/a a compreender

os aspectos que constituem essa pesquisa, foi desenvolvido um caminho para a sua

realização. Diante disso, partimos da necessidade de abordar sobre os primórdios

da arte, refletindo e discutindo acerca da sua história, salientando sua utilização pela

sociedade e sua evolução ao longo dos tempos.

Tivemos, assim, a oportunidade de conhecer variados tipos de arte

existentes, dando destaque à música, bem como a sua criação, desenvolvimento ao

longo dos séculos e o modo como ela tem sido usada pelo ser humano. Além disso,

acentuamos algumas informações sobre o Período da Ditadura Militar no Brasil para

compreendermos a história dessa época e o contexto no qual as músicas analisadas

nessa pesquisa foram compostas. Somado a isso, enfatizamos que a música pode

ser utilizada como um meio de expressão humana.

Com a finalidade de contemplar o intuito dessa pesquisa, nossas análises

foram realizadas a partir de associações entre as discussões de quatro músicas

compostas no período ditatorial brasileiro (nosso material de análise), informações a

respeito de seus compositores e do seu contexto de composição e alguns conceitos

do Psicodrama. Através dessas associações, foi possível compreender que, apesar

119

do contexto vivenciado durante o Regime Militar, caracterizado pela não liberdade

de expressão, os compositores analisados conseguiram utilizar a música como um

meio de expressar, com sutileza, para não serem punidos, conteúdos de violência,

dor/angústia, medo e críticas ao sistema político da época, bem como puderam

exprimir sentimentos de esperança, encantamento, saudade e indignação.

A respeito do referencial teórico desse estudo, percebemos que a teoria do

Psicodrama poderia auxiliar a embasar a nossa proposta por enxergar que o ser

humano é capaz de realizar a catarse, libertando-se dos seus conflitos através da

criação do drama. Trazendo esse conceito para o processo de composição musical,

compreendemos que os compositores analisados realizaram uma catarse, pois, por

meio da escrita de suas músicas, puderam expor suas emoções, sentimentos e

pensamentos sobre o contexto político e social no qual estavam inseridos.

Outro conceito dessa teoria utilizado em nossa análise foi o de

espontaneidade e criatividade, que é a capacidade de resposta do indivíduo a um

evento novo ou, com certo grau de novidade, a um antigo. Olhando para o processo

de composição das músicas, a partir desse conceito, entendemos que os

compositores analisados fizeram uso dessa capacidade, pois compuseram músicas,

fazendo uso de metáforas e jogos de palavras, criticando o Regime Militar e

alertando o povo brasileiro sobre a violência cometida pelos militares em meio a um

cenário no qual não se podia falar sobre esses assuntos.

O Fator Tele foi mais um conceito da teoria moreniana usado para dialogar

com as composições analisadas, que é a capacidade do sujeito de observar e

assimilar o papel desenvolvido por ele e por outras pessoas na sociedade, bem

como a dinâmica desses papeis, sendo, assim, necessário nas relações

interpessoais. A partir da análise das músicas que constituíram o nosso material

estudado, foi possível identificar que os compositores exercitavam esse fator, pois

escreveram acerca de aspectos da sociedade na qual viviam, como também sobre

interações que observaram nela.

Dos três conceitos psicodramáticos citados, os dois últimos são

desenvolvidos na Matriz de Identidade, que é mais um conceito criado por Moreno

(1975), estando relacionado à fase na qual o bebê aprende com os familiares suas

crenças, costumes, moral, dentre outros aspectos. Esse conceito foi relacionado às

120

composições analisadas devido algumas delas abordarem sobre pessoas que

estavam agindo como seus respectivos pais.

Além desses conceitos, também relacionamos as canções analisadas com o

conceito de auditório ou público, que é um dos elementos da prática psicodramática,

bem como com a técnica da Psicomúsica discutida por Valongo (1998), que aponta

o processo de composição musical como algo profundamente íntimo, sendo capaz

de refletir os âmbitos pessoal, social, espiritual e divino do sujeito. Sendo assim,

pudemos assimilar que a relação entre o material analisado e a Psicomúsica foi

possível por identificarmos nesse material que os compositores refletiram em suas

canções os âmbitos apresentados pela autora. Diante disso, entendemos que a

Psicomúsica é um dos meios que podem ser usados para auxiliar na expressão do

paciente/cliente.

No que se refere à prática profissional, seja por parte da Psicologia, seja por

parte de outras profissões de cunho terapêutico, entendemos que a música é um

recurso que pode ser utilizado em intervenções nos diversos campos de atuação,

com múltiplas finalidades e com variadas faixas etárias.

Dentro do contexto terapêutico, a música pode ser utilizada de diversas

formas, tanto como um instrumento de promoção e prevenção de saúde, quanto de

tratamento e reabilitação. Seu uso pode proporcionar aos sujeitos o rememorar de

alguns momentos de sua vida, trazendo à tona as sensações, emoções e

sentimentos sentidos na época, bem como pode ser utilizada para auxiliar na

comunicação e expressão de vivências, pensamentos e desejos. Além disso, a

música também pode ser utilizada em intervenções que visam estimular a memória,

a aprendizagem, a reabilitação motora, dentre outras.

Diante de tudo que foi discutido ao longo desse trabalho, salientamos que

conseguimos alcançar os nossos objetivos. Pontuamos que a música é capaz de

evocar emoções e sentimentos, relaxar, estimular a prática dos papeis e, também,

pode ser um meio de expressar emoções, sentimentos e pensamentos sobre si e/ou

sobre os acontecimentos a nossa volta.

Portanto, consideramos a relevância dessas discussões e concluímos que é

possível o uso da música como um meio de expressão dos conflitos vivenciados, o

que pode gerar um sentimento de alívio. Por fim, esperamos que nosso trabalho

121

possa gerar reflexões acerca do uso desse recurso tão popular, versátil, potente e

libertador.

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