universidade federal de alagoas unidade educacional de
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
CAMPUS ARAPIRACA
UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
ANA ALICE DE SANTANA MENDES
A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:
UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO
DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA
PALMEIRA DOS ÍNDIOS
2021
ANA ALICE DE SANTANA MENDES
A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:
UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO
DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
apresentado ao Curso de Graduação em
Psicologia da Unidade Educacional de
Palmeira dos Índios do Campus Arapiraca da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL para
a obtenção do título de Formação em
Psicologia.
Orientadora: Profª. Ma. Fernanda Cristina
Nunes Simião.
PALMEIRA DOS ÍNDIOS
2021
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)
M538e Mendes, Ana Alice de Santana
A expressão das emoções e sentimentos por meio da música: uma
análise de músicas interpretadas por Elis Regina no período da ditadura
militar no brasil a partir do psicodrama / Ana Alice de Santana Mendes,
2021.
130 f.
Orientadora: Fernanda Cristina Nunes Simião.
Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de
Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
Palmeira dos Índios, 2021.
Bibliografia: f. 122 – 130
1. Psicologia. 2. Psicodrama. 3. Música. 4. Regime militar. 5.
Ditadura. I. Simião, Fernanda Cristina Nunes. II. Título.
CDU: 159.9
ANA ALICE DE SANTANA MENDES
A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA:
UMA ANÁLISE DE MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NO PERÍODO
DA DITADURA MILITAR NO BRASIL A PARTIR DO PSICODRAMA
Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
apresentado ao Curso de Graduação em
Psicologia da Unidade Educacional de
Palmeira dos Índios do Campus Arapiraca da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
como pré-requisito para a obtenção do Grau
de Formação em Psicologia.
Data de Aprovação: 31/03/2021.
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço à espiritualidade amiga por estar ao meu lado nessa
jornada.
À minha mãe Edna, ao meu pai Everaldo e ao meu irmão Vitor, por serem
minha base, me apoiarem e me ajudarem, sem medir esforços para isso.
Às minhas tias, prima e primos, em especial, ao Pedro Henrique, por, em
muitos momentos, ter sido meu ponto de paz nessa caminhada.
À Amanda Brandão, pela amizade, por todo suporte, pelas brincadeiras,
estresses divididos e conversas sinceras.
À Kassandra Kallyna, por todo apoio, incentivo, puxões de orelha, conversas
madrugada adentro e momentos de gargalhadas genuínas.
Ao Rodrigo Dantas, por ter sido a melhor dupla possível de estágio e me fazer
ficar na UFAL até tarde da noite conversando sobre a vida.
À Juhlly Araújo, por ser luz e leveza em meio ao caos e a melhor escritora de
roteiros não seguidos.
À Daiane Rodrigues, pela amizade, compreensão e compartilhamento de
tantos assuntos em comum.
À Daniele Almeida, pelo tempo no qual dividimos apartamento, seu carinho e
cuidado.
Às professoras e alguns dos professores que contribuíram de forma positiva
na minha caminhada dentro da graduação, pelo compartilhamento dos seus
conhecimentos e das suas experiências.
À Professora Fernanda, por, primeiramente, ter sido minha supervisora no
estágio de Clínica em Gestalt-Terapia, momento no qual tive a oportunidade de
aprender imensamente com ela; e por ter sido minha orientadora nesse trabalho,
caminhando junto comigo rumo à finalização desse ciclo.
Agradeço a todas as pessoas que durante os últimos seis anos me afetaram
de maneira positiva, deixando boas lembranças.
Por fim, e não menos importante, agraço à música por ser minha grande
companheira em todos os momentos da vida, minha inspiração, meu resgate, minha
celebração, minha calma, minha inquietação, meu questionamento, minha resposta
e meu silêncio.
“A música é meu motor e meu combustível,
meu arco e minha flecha e minha solidão.
Amigo, cantar é um ato que se comete
absolutamente só e eu adoro” (Elis Regina,
1980).
RESUMO
Essa pesquisa teve como objetivo geral compreender a música como uma forma de expressar as emoções e sentimentos a partir da análise de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama. Para isso, tivemos como objetivos específicos: identificar composições de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com a teoria do Psicodrama. Com relação ao referencial teórico desse estudo, escolhemos a Teoria do Psicodrama de Jacob Levy Moreno para embasar nossas análises, discussões e reflexões. Concernente aos aspectos metodológicos, trata-se de uma pesquisa qualitativa e documental, na qual realizamos buscas no site Google com o intuito de encontrar nosso material de análise: músicas interpretadas por Elis Regina com conteúdo de crítica à Ditadura Militar no Brasil e informações acerca dessas músicas e de seus compositores. Desse modo, ao final do processo de seleção, escolhemos quatro músicas e informações sobre elas para comporem o material analisado. Em relação ao método analítico, elegemos a análise de conteúdo de Laurence Bardin, que resultou em três categorias de análise: 1) Dor/Angústia; 2) Esperança; e 3) Medo. A partir das nossas análises e discussões, pudemos compreender que estamos a todo momento procurando meios de expressar as mais diversas emoções e sentimentos oriundos das experiências vividas ao longo de nossas vidas. No decorrer de nossas análises, foi possível destacar a relação existente entre o processo de composição musical e alguns conceitos da Teoria Psicodramática, que foram: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e Matriz de Identidade; também dialogamos com a prática psicodramática e a Psicomúsica. Entendemos que a realização dessa pesquisa nos possibilitou uma compreensão aprofundada acerca do uso da música como um meio de expressar emoções e sentimentos, destacando-se o quão pode ser relevante a sua utilização tanto na prática da Psicologia quanto nas demais profissões que trabalham com intervenções terapêuticas. Sendo assim, frisamos a importância de que na atuação profissional se considere os mais variados recursos que possam auxiliar nas intervenções, levando em consideração a singularidade de cada sujeito. Por fim, salientamos que esse trabalho propõe discussões e reflexões que defendem o uso da música como um recurso interventivo que pode ser utilizado como um facilitador do processo de expressão.
Palavras-chave: Psicologia. Psicodrama. Música. Ditadura Militar. Elis Regina.
ABSTRACT
This research aimed to understand music as a way of expressing emotions and feelings based on the analysis of songs performed by Elis Regina composed by different artists during the Military Dictatorship Period in Brazil (between the years 1964 and 1985) in the light of Psychodrama. For that, we had as specific objectives: identify compositions of artists who took a stand against the military regime; analyze lyrics of songs performed by Elis Regina composed by different artists in the Brazilian dictatorial period, identifying the content expressed from its context of composition; and to relate the composition processes of the analyzed musics with the theory of Psychodrama. Regarding the theoretical framework of this study, we chose Jacob Levy Moreno's Theory of Psychodrama to support our analyses, discussions and reflections. Concerning the methodological aspects, it is a qualitative and documentary research, in which we conducted searches on the Google site in order to find our analysis material: songs interpreted by Elis Regina with content critical of the Military Dictatorship in Brazil and information about these songs and their composers. Thus, at the end of the selection process, we chose four songs and information about them to compose the analysed material. Regarding the analytical method, we elected Laurence Bardin's content analysis, which resulted in three categories of analysis: 1) Pain/Anguish; 2) Hope; and 3) Fear. From our analyses and discussions, we were able to understand that we are constantly looking for ways to express the most diverse emotions and feelings arising from the experiences lived throughout our lives. In the course of our analyses, it was possible to highlight the relationship between the musical composition process and some concepts of the Psychodramatic Theory, which were: Catharsis, Spontaneity and Creativity, Tele Factor and Identity Matrix; we also dialogue with Psychodramatic Practice and Psychomusic. We understand that the realization of this research enabled us to have a deeper understanding of the use of music as a means of expressing emotions and feelings, highlighting how relevant its use can be, both in the practice of Psychology and in other professions that work with therapeutic interventions. Thus, we emphasize the importance of considering the most varied resources in professional practice that can assist in interventions, taking into account the uniqueness of each subject. Finally, we emphasize that this work proposes discussions and reflections that defend the use of music as an intervention resource that can be used as a facilitator of the process of expression.
Keywords: Psychology. Psychodrama. Song. Military Dictatorship. Elis Regina.
SUMÁRIO
CARTA AO/À LEITOR/A 10
1 INTRODUÇÃO 11
2 HISTÓRIA DA ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A EXPRESSÃO DAS EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA
16
2.1 Cronologia da Arte 20
2.2 Tipos de Arte 24
2.3 Trajetória e Funções da Música 32
2.3.1 A Música no Período Ditatorial Brasileiro 39
2.4 Função Social da Música 48
3 AO RITMO DO PSICODRAMA 53
3.1 A Teoria Moreniana 55
3.1.1 Espontaneidade e Criatividade 59
3.1.2 Fator Tele 62
3.1.3 Matriz de Identidade 63
3.1.4 Teoria dos Papéis 65
3.2 Prática Psicodramática 66
3.2.1 Modalidades de Psicodrama 68
3.2.2 Técnicas de Psicodrama 69
3.2.2.1 Psicomúsica 71
4 PROCESSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 75
4.1 Análise de Conteúdo 88
5 CANTANDO EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA DITADURA MILITAR NO BRASIL: UM DIÁLOGO COM O PSICODRAMA
92
5.1 Dor/Angústia 94
10
CARTA AO/À LEITOR/A
Caro/a leitor/a,
A presente produção, além de falar sobre música, possui letras de músicas no
seu decorrer, as quais aparecem como citação no início de alguns capítulos, em
exemplificações das funções da arte, nos exemplos de músicas que foram
censuradas no período ditatorial brasileiro e como citação no começo das categorias
de análise. Essas músicas foram escolhidas a partir do meu entendimento de que
cada uma delas se relaciona com o assunto abordado seja no capítulo, na seção ou
na categoria de análise em que se encontra. Além disso, também estão presentes
músicas relacionadas à carreira da cantora Elis Regina, assim como músicas
condizentes com a proposta do trabalho, as quais foram pré-selecionadas para
compor o material de análise, bem como outras músicas dos compositores que
foram analisados. Com a finalidade de proporcionar uma experiência mais rica,
indico que escute cada música quando ela surgir na leitura. As músicas estão
dispostas em uma playlist presente tanto no Spotify (link 1), quanto no Youtube (link
2), podendo ser acessada na plataforma de sua preferência.
Link da playlist no Spotify
https://open.spotify.com/playlist/7rjy3ctatllyqsvbs42pl0?si=421eb4383f63474c
Link da playlist no Youtube
https://www.youtube.com/playlist?list=pl_ovnht_ctcjg6xnmdbzowxw-9qdxrsxw
11
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como tema principal a discussão da possibilidade de
expressar emoções e sentimentos por meio da música, a partir de um olhar do
Psicodrama. O interesse pela realização desse estudo surgiu da vontade de unir a
minha paixão por música, que teve início na primeira infância e me acompanha até
hoje, e os conhecimentos que adquiri na graduação, ao longo do meu encontro com
a Psicologia. Durante esses anos de envolvimento com a música, tanto como
ouvinte, quanto como cantora e instrumentista (por hobby), venho acreditando que
em uma composição é possível exprimir ideias, posicionamentos, questionamentos,
emoções e sentimentos.
A escolha pela teoria do Psicodrama de Jacob Levy Moreno (1975) como
referencial teórico se deu através de pesquisas realizadas com a finalidade de
conhecer materiais que relacionavam Psicologia e música. Durante essas
pesquisas, percebi a aparição do Psicodrama como referencial teórico de alguns dos
estudos encontrados, mas a decisão de adotá-lo nessa pesquisa foi tomada quando
me indicaram um artigo com autoria de Cunha (2016), cujo título é “Cantodrama: um
instrumento de intervenção terapêutica na abordagem psicodramática bipessoal e
grupal”, no qual a autora se fundamentara nessa teoria para realizar um trabalho
com crianças utilizando a lógica da composição musical e do canto para
desenvolverem diálogos, de modo que os profissionais faziam perguntas cantando e
as crianças respondiam do mesmo modo.
Levando em consideração que o Psicodrama faz uso de variados tipos de arte
em sua prática, compreendemos que essa teoria foi de grande utilidade em nosso
trabalho, agregando valor às nossas análises, pois foi possível realizar um diálogo
entre alguns de seus elementos teóricos e práticos com o material selecionado para
a análise, que foram músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas
diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil.
No que se refere à escolha do nosso recorte histórico para essa pesquisa
(Período da Ditadura Militar no Brasil), essa se deu pelo fato de não haver liberdade
de expressão e uma explícita perseguição aos artistas durante essa época. Diante
disso, optamos por analisar músicas compostas nesse momento histórico que foram
12
interpretadas por Elis Regina devido a ela ter sido uma cantora que gravou músicas
de diversos compositores brasileiros, nos dando a possibilidade de trabalharmos
com a expressão de emoções e sentimentos acerca desse período advinda de
artistas diferentes. Além disso, a escolha por essa intérprete se deu também por ela
ter explicitado seu posicionamento contrário ao Regime Militar e emitido suas
opiniões políticas e sociais em uma época na qual o Brasil estava sendo governado
à base de censura, repressão e outros tipos de violência.
É importante destacar que, a partir desses recortes, nossas análises voltaram
o olhar tanto para as composições analisadas, quanto para o processo de criação de
seus respectivos compositores, ou seja, realizamos uma análise da expressão dos
compositores, dentro de um determinado contexto, observando a história desses
artistas, as influências externas e os conteúdos dessas músicas.
Dessa maneira, levando em consideração que a arte é uma das primeiras
formas de expressão humana e que a música vem sendo utilizada também com
essa finalidade desde os primórdios da sociedade, faz-se relevante a realização de
estudos sobre a utilização dessa forma de arte com um meio de expressar emoções
e sentimentos em um momento no qual o Brasil sofria com a falta de liberdade de
expressão.
Além disso, salientamos a realização dessa pesquisa em um tempo no qual o
contexto político e social do país tem se assemelhado ao cenário do período do
Regime Militar, marcado por diversos fatores, tais como: a tentativa de cerceamento
da liberdade de expressão, um forte autoritarismo, perseguições e mortes por
motivos políticos, dentre outros acontecimentos.
Somado a isso, estamos vivenciando um momento em que a arte, e
consequentemente a música, tem sido utilizada para expressar emoções,
sentimentos, pensamentos e opiniões relacionadas ao contexto político e social
brasileiro, mesmo sofrendo perseguições e tentativas de boicote. Diante dessa
semelhança de cenários e da utilização desse tipo de arte como forma de
expressão, ressaltamos a atemporalidade das músicas que foram analisadas nesse
estudo.
A partir de todas essas escolhas, partimos para o estudo do nosso tema de
interesse e identificamos que, conforme Azevedo Júnior (2007), a expressão das
13
emoções e sentimentos é realizada há séculos, existindo registros da Era Paleolítica
ilustrando a necessidade do ser humano de se expressar. Sendo assim, ainda
segundo esse autor, “A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade
como forma do ser humano marcar sua presença [...] comunicando e expressando
suas ideias, sentimentos e sensações para os outros” (AZEVEDO JÚNIOR, 2007, p.
6). Devido a música ser um dos tipos de arte existentes, ela também é um recurso
que pode cumprir essa função.
Considerando as discussões acima e a definição dos recortes que foram
necessários para a realização desse estudo, definimos como objetivo geral
compreender a música como uma forma de expressar as emoções e sentimentos a
partir da análise de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas
diversos no Período da Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama.
A partir disso, elaboramos os seguintes objetivos específicos: identificar
composições de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras
de músicas interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período
ditatorial brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de
composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com
a teoria do Psicodrama.
No que se refere aos processos metodológicos, tomamos por base os
pressupostos de uma pesquisa qualitativa (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2002)
e de uma pesquisa documental (GIL, 2002), tendo em vista o intuito de analisar as
músicas que foram escolhidas a partir de alguns critérios e de acordo com o nosso
tema de interesse. Desse modo, em nossas pesquisas, buscamos encontrar
músicas interpretadas por Elis Regina com conteúdo de crítica à Ditadura Militar no
Brasil e informações acerca dessas músicas e de seus compositores.
Em vista disso, por meio da realização da nossa pesquisa documental,
escolhemos analisar as seguintes músicas: “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos
Pais”, escritas por Belchior; “Cartomante”, composta por Ivan Lins e Vitor Martins; e
“O Bêbado e a Equilibrista”, composição de Aldir Blanc e João Bosco. Além delas,
nosso material de análise foi constituído também por informações encontradas
acerca dos compositores e do contexto de composição de cada uma das canções
analisadas.
14
Selecionamos como método de análise para explorar o material escolhido a
análise de conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977). Esse processo resultou na
escolha de três categorias de análise, intituladas Dor/Angústia, Esperança e Medo,
por meio das quais expusemos nossos resultados e compreensões, dialogando com
alguns dos conceitos do Psicodrama e aspectos da prática dessa teoria.
Com relação à estrutura, esse trabalho foi organizado em quatro capítulos. No
primeiro (História da arte como meio de comunicação e a expressão das emoções e
dos sentimentos por meio da música), apresentamos, inicialmente, um conceito de
emoções e sentimentos. Após isso, discutimos acerca do surgimento da arte, a
divisão cronológica da arte e os tipos de arte que existem atualmente. Por se tratar
de um estudo com foco na música, foi dada ênfase ao seu surgimento,
desenvolvimento teórico e prático, bem como ao seu uso na sociedade ao longo dos
séculos. Ainda nesse capítulo, destacamos algumas informações a respeito da
Ditadura Militar no Brasil e discorremos, brevemente, sobre as músicas que foram
compostas nesse período histórico. Por fim, dissertamos sobre a função social da
música.
No segundo capítulo (Ao ritmo do Psicodrama) apresentamos o criador da
Teoria do Psicodrama e como foi o processo de criação dessa teoria, apontando
alguns dos seus conceitos e discorrendo sobre a sua prática e algumas de suas
modalidades e técnicas, destacando a técnica da Psicomúsica.
No terceiro capítulo (Processos metodológicos da pesquisa) expomos os
caminhos metodológicos desse estudo, que foi de cunho qualitativo e documental.
Apresentamos o material selecionado e o método de análise utilizado e
descrevemos como fizemos a nossa análise.
O quarto e último capítulo (Cantando emoções e sentimentos na Ditadura
Militar no Brasil: um diálogo com o Psicodrama) foi destinado às discussões dos
resultados da análise dessa pesquisa, que foram elaboradas através de estudos,
reflexões e diálogos possíveis entre os conteúdos do material de análise e os
capítulos anteriores.
Por último, apresentamos as considerações finais desse trabalho, redigindo
nossas contemplações sobre os principais resultados obtidos com a realização
desse estudo, frisando as possibilidades de uso do recurso da música como um
15
meio de expressão do ser humano. Além disso, salientarmos a relevância desse
trabalho tanto para a Psicologia quanto para outras profissões.
16
2 HISTÓRIA DA ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A EXPRESSÃO DAS
EMOÇÕES E DOS SENTIMENTOS POR MEIO DA MÚSICA
Sangrando Quando eu soltar a minha voz Por favor entenda Que palavra por palavra Eis aqui uma pessoa se entregando (NASCIMENTO, 1980)
Nesse capítulo será apresentado o surgimento da arte, bem como suas
mudanças ao longo do tempo. Além disso, faremos um breve passeio pelos tipos de
arte que existem atualmente com a finalidade de mostrar a importância que cada
uma delas vêm tendo na sociedade, enfatizando a música como uma das formas de
expressar as emoções e sentimentos.
Faremos um breve passeio pelas características musicais de algumas
épocas, dando destaque para a música produzida no período da Ditadura Militar no
Brasil (1964-1985), por se tratar do objeto de análise da presente produção.
Também será explanado, de forma sucinta, sobre a função social da música e o seu
uso como recurso terapêutico em diversas profissões, a partir da Musicoterapia,
mais especificamente dentro da Psicologia.
Antes de darmos continuidade ao assunto, faz-se necessário apontar as
definições dos conceitos emoção e sentimento. Sobre as emoções, Cezar e Júca-
Vasconcelos (2016) afirmam que são expressões de afeto seguidas por reações
abundantes e rápidas do organismo (sensações), a fim de responder a algum
acontecimento inesperado ou não. Essas reações não são controladas pelo
indivíduo e é um momento de descarga de tensão.
Os autores apontam que as emoções são multidimensionais, englobando os
fenômenos biológicos, subjetivos e sociais. Acrescentam ainda que a intensidade da
emoção será determinada pelo valor que o sujeito atribui ao evento ocorrido. Esse
evento poder ser interno (orgulho, culpa, vergonha) ou externo (uma situação que
gere medo).
Ainda com relação às emoções, existe o conceito de emoções primárias, que
são as emoções básicas, e a junção de duas ou mais emoções primárias formam as
17
emoções secundárias. E no que se refere à quantidade de emoções primárias,
Menéndez (2019) afirma que não existe um consenso e aponta que são seis: nojo,
surpresa, medo, alegria, tristeza e raiva.
Acerca dos sentimentos, Cezar e Júca-Vasconcelos (2016) explicam que
estes são eliciados pelas emoções, sendo necessários três elementos para que
ocorram: representação do estímulo emocional, recuperação de significados
associados a esse estímulo e percepção consciente do estado corporal. Sendo
assim, o sentimento é a forma consciente da emoção. Segundo esses autores,
alguns dos sentimentos são: felicidade, frustração, hostilidade, amor, gratidão,
compaixão, ciúme, aversão, esperança etc.
Feita essa distinção, iniciaremos a exposição acerca do surgimento da arte,
que se deu nos primórdios da humanidade. Sobre isso, Azevedo Júnior (2007)
afirma que há registros datados da Era Paleolítica, através da Arte Rupestre,
comprovando que o ser humano sentia necessidade de registar, de se comunicar e
de se expressar. Essa manifestação também foi visualizada através do trabalho do
ser humano que, para sua sobrevivência, modificava a natureza e utilizava-a a seu
favor. Por meio desses registros é possível identificar a realização de atividades que
deram o ponta pé inicial para as formas de expressões artísticas que conhecemos
hoje.
Nessa perspectiva, Fischer (1987, p. 42 apud MENDONÇA, 2019, p. 25)
aponta que “[...] a arte é considerada desde muito tempo como a manifestação mais
autêntica, libertadora e realizadora do homem”. De acordo com Azevedo Júnior
(2007, p. 6),
A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade como forma do ser humano marcar sua presença criando objetos e formas (pintura nas cavernas, templos religiosos, roupas, quadros, filmes etc) que representam sua vivência no mundo, comunicando e expressando suas idéias, sentimentos e sensações para os outros.
A partir disso, o autor frisa que a arte é “[...] uma experiência humana de
conhecimento estético que transmite e expressa ideias e emoções” (p. 7), sendo
assim um meio de comunicação. Desse modo, a arte, para o artista, é um meio de
18
expressar e de comunicar o que sente. Além disso, através da arte, ele é capaz de
entrar em contato com ele mesmo.
É importante compreender que a arte não é algo estático, ela muda conforme
a cultura e o período histórico, logo, sua definição também não é estática, ela muda
conforme o tempo e o lugar. Acerca disso, Azevedo Junior (2007) diz que a arte é
influenciada pelos valores morais, artísticos e religiosos de uma cultura, portanto,
cada cultura tem sua forma de fazer arte, que carrega consigo suas características.
Essa forma de se expressar está presente em todas as culturas, podendo ser
compreendida como uma linguagem não escrita.
Esse autor aponta a necessidade de três elementos para que a arte exista: o
artista, o observador e a obra de arte ou o objeto artístico. O primeiro (o artista) é
quem cria a obra, expressando seus sentimentos, emoções e ideias através do seu
conhecimento concreto, abstrato e individual.
O segundo elemento (o observador) diz respeito ao público que entra em
contato com a obra, indo por um caminho inverso ao do artista, pois o observador
primeiro aprecia e em seguida chega ao conhecimento de mundo que a obra
contém. O observador precisa dispor de sensibilidade e algum conhecimento de
história da arte, que é o ramo da ciência que estuda os processos artísticos a partir
do contexto em que foram criados.
O terceiro elemento (a obra de arte ou o objeto artístico) faz parte de todo o
processo, desde a criação, até o momento que o observador o aprecia. A obra de
arte ou o objeto artístico não necessita de complemento ou tradução, isso só ocorre
quando faz parte da proposta do artista.
Ainda segundo Azevedo Junior (2007), com o passar do tempo, dentro da
história da arte, se tornou possível identificar três funções para a arte: pragmática ou
utilitária, naturalista e formalista. Na primeira função, a arte é usada como uma forma
de alcançar uma finalidade não artística, sua valorização não é pela obra em si, mas
sim pela sua finalidade. A arte que tem a função pragmática ou utilitária pode ser
utilizada para fins pedagógicos, religiosos, políticos ou sociais. Não importa a
qualidade estética, mas sim se ela exerce o papel moral de atingir o propósito a que
se prestou.
19
Essa função pragmática ou utilitária pode ser exemplificada por “Querelas do
Brasil”, música composta por Aldir Blanc e Maurício Tapajós (1978), gravada por Elis
Regina, que faz uma crítica social à exploração do Brasil pelos estrangeiros e utiliza
palavras do dialeto indígena como referência aos povos existentes no país quando
este foi invadido:
O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
Tapir, jabuti
Liana, alamanda, ali, alaúde
Piau, ururau, aki, ataúde
Piá-carioca, porecramecrã
Jobim akarore, Jobim-açu
Uô, uô, uô
Pererê, camará, tororó, olerê
Piriri, ratatá, karatê, olará
Pererê, camará, tororó, olerê
Piriri, ratatá, karatê, olará
O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil [...]
A segunda função para a arte, a naturalista, visa representar a realidade ou a
imaginação tal qual ela é, para que quem observa a obra consiga identificar e
compreender o seu conteúdo.
O que importa é a correta representação (perfeição da técnica) para que possamos reconhecer a imagem retratada; a qualidade de representar o assunto por inteiro; e o vigor, isto é, o poder de transmitir de maneira convincente o assunto para o observador (AZEVEDO JÚNIOR, 2007, p.10).
Tal função pode ser ilustrada pela música “Meu Cenário”, composta por
Petrúcio Amorim (2003) e interpretada pelo forrozeiro Flávio José:
20
Nos braços de uma morena
Quase morro um belo dia
Ainda me lembro
O meu cenário de amor
Um lampião aceso
Um guarda-roupa escancarado
Um vestidinho amassado
Debaixo de um batom
Um copo de cerveja
E uma viola na parede [...]
Na terceira função para a arte, a formalista, a qualidade da obra é atribuída a
partir da forma de apresentação de seus motivos e significados estéticos. Azevedo
Junior (2007, p. 10) explica que “A função formalista trabalha com os princípios que
determinam a organização da imagem – os elementos e a composição da imagem”.
Sendo assim, o importante nessa função é expressar e transmitir emoções e ideias
através do objeto artístico. Como exemplo dessa função, temos a música “Te
Amando Calado”, composta por Wallace Lander Santos (2017) e interpretada por
Bistrô “Tô te amando calado tá/Vou deixar mal curado viu/Coração não vai
aguentar/Tá sangrando um bocado tá/Tô sofrendo calado viu/Por não ser seu amor
[...]”.
Considerando o que já foi apresentado até aqui, ressaltamos que a arte,
desde os movimentos protótipos de sua criação, vem passando por modificações e
atualizações que derivam de acordo com a época vivida. Portanto, a arte, assim
como a história, também é dividida cronologicamente e essa divisão temporal será
apresentada de forma sucinta a seguir.
2.1 Cronologia da Arte
De acordo com Aidar (2019), a partir dos estudos realizados pela História da
Arte, a arte é dividida cronologicamente em períodos históricos e seis deles serão
apresentados brevemente a seguir: Arte Pré-histórica, Arte Antiga, Arte Clássica,
21
Arte Medieval, Arte Moderna e Arte Contemporânea. No Quadro 1, será apresentado
o tipo de arte característico de cada um desses períodos históricos.
Em seguida, ilustraremos exemplos de cada uma das artes mencionadas no
quadro referentes a cada período histórico: Arte Rupestre (Figura 1), Arte Egípcia
(Figura 2), Arte Grega e Romana (Figura 3), Arte Gótica (Figura 4), Arte
Expressionista (Figura 5) e Arte Conceitual (Figura 6).
Quadro 1 – Alguns Períodos Históricos da Arte
PERÍODOS HISTÓRICOS
TIPOS DE ARTE CARACTERÍSTICOS DE CADA PERÍODO
Arte Pré-histórica
(período anterior a 3.000 a.C.)
Um ótimo exemplo de arte desse período é a Arte Rupestre, que são desenhos, pinturas e esculturas, em sua maioria encontradas em cavernas, produzidas pelos povos antigos. Através da Arte Rupestre deu-se origem a pictografia, que foi a primeira forma de escrita criada no período Neolítico (8.000 a.C. até 5.000 a.C.). As imagens da Arte Rupestre retratavam os animais, cenas familiares, cenas de sexo, a natureza etc.
Arte Antiga
(de 3.000 a.C. até 1.000 a.C.)
Esse período é exemplificado pela Arte Egípcia. Nessa época a arte estava ligada à religiosidade, através de pinturas, estátuas, monumentos e obras arquitetônicas.
Arte Clássica
(1.000 a.C. até 300 d.C.)
A Arte Grega e Romana ilustra esse período artístico. Esse tipo de arte voltava-se para a valorização do corpo humano na pintura e na escultura. No campo da literatura, havia uma tentativa de não expressar tanto as emoções, buscava-se o equilíbrio entre razão e emoção.
Arte Medieval
(de 300 até 1350)
A Arte Gótica é uma demonstração desse tempo, que se tratou de um período de mudanças na sociedade. A arte dessa época se afastava completamente da Arte Antiga, expressando a confusão derivada das mudanças de paradigmas, sendo considerada uma arte menos idealista e mais profana, erótica e cotidiana.
Arte Moderna
(de 1350 até 1850)
Período em que o movimento artístico buscava retratar a vida moderna. Tem como exemplo a Arte Expressionista, que é um tipo de arte que foca na expressão das emoções e da sensibilidade humana. Nesse momento histórico começou a haver uma preocupação com a funcionalidade das artes, mas sem deixar de lado a sua forma.
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Arte Contemporânea
(de 1850 até os dias atuais)
Ilustrada pela Arte Conceitual, na qual o conceito, a ideia e a atitude estão acima das técnicas. Esse tipo de arte tem como função fazer com que as pessoas reflitam sobre a mensagem passada pelo artista.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Aidar (2019).
Figura 1 – Exemplos de Arte Rupestre (Arte Pré-histórica)
Fonte: Google
Figura 2 – Exemplos de Arte Egípcia (Arte Antiga)
Fonte: Google
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Figura 3 – Exemplos de Arte Grega e Romana (Arte Clássica)
Fonte: Google
Figura 4 – Exemplos de Arte Gótica (Arte Medieval)
Fonte: Google
Figura 5 – Exemplos de Arte Expressionista (Arte Moderna)
Fonte: Google
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Figura 6 – Exemplos de Arte Conceitual (Arte Contemporânea)
Fonte: Google
Conforme as informações apresentadas, percebemos que as expressões
artísticas, como são conhecidas hoje, foram sendo desenvolvidas ao decorrer do
tempo através da evolução humana e de sua capacidade de criação e
aprimoramento, desde as manifestações pré-históricas até os dias atuais. Esse
desenvolvimento possibilitou a distinção e a quantificação dos tipos de arte, que
serão abordados na seção subsequente, de forma não aprofundada, trazendo
apenas alguns pontos interessantes e marcantes de sua história.
2.2 Tipos de Arte
Atualmente, existem onze tipos de arte, das quais dez serão apresentadas
pontualmente ao longo desta seção: dança, pintura, escultura, teatro, literatura,
cinema, fotografia, histórias em quadrinhos (HQ), jogos eletrônicos (games) e arte
digital. A música compõe esse grupo, completando os onze tipos, mas será
abordada na seção seguinte, por se tratar de um tipo de arte primordial para o
presente estudo.
Em relação a como essa divisão dos tipos de arte foi ocorrendo
historicamente, Aidar (2019) aponta que, em 1911, o crítico de cinema Riccioto
Canudo criou o Manifesto das Sete Artes e Estética das Sete Artes, sendo 1923 o
ano de sua publicação. Canudo classificou a arte em sete tipos: música, dança,
pintura, escultura, teatro, literatura e cinema. Ao longo do tempo, diante das
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mudanças sociais e tecnológicas, outros tipos de arte foram adicionados a essa
classificação: fotografia, histórias em quadrinhos (HQ), jogos (games) e arte digital.
A dança é a primeira forma de comunicação entre os seres humanos, pois
anteriormente à linguagem oral, os indivíduos se comunicavam por meio da dança e
dos gestos. Dessa forma, segundo Diniz (2009, p. 1), “A dança foi à expressão do
homem através da linguagem gestual. O homem estabeleceu posteriormente todo
um código de sinais, gestos e expressões fisionômicas ao qual imprimiu vários
ritmos”. A autora continua explicando que
Existem indícios de que o homem dança desde os tempos mais remotos. Todos os povos, em todas as épocas e lugares dançaram. Dançaram para expressar revolta ou amor, reverenciar ou afastar deuses, mostrar força ou arrependimento, rezar, conquistar, distrair,
enfim, viver! (Ibid., p. 2).
No que se refere à forma como a dança foi sendo manifestada ao longo do
tempo, Diniz (2009) afirma haver registros na Espanha, na África do Sul e na França
de que o homem primitivo realizava danças coletivas, as quais eram executadas
com movimentos convulsivos e desordenados. Já no Egito eram realizadas danças
sacras em homenagem aos Deuses. No século IV, a dança foi proibida pelos
imperadores ditos cristãos. No século XV, ela foi banida, restando apenas as danças
macabras (da morte e contra a morte). Foi na época do Renascimento (1330 até
1600) que a dança ressurgiu. Atualmente, a dança é utilizada para diversos fins,
como diversão, profissão e até como recurso terapêutico.
A pintura surgiu nos primórdios da história humana, há declarações de
pinturas que datam de 25.000 a.C. Como mencionado anteriormente, os seres
humanos primitivos já se expressavam através de pinturas rupestres. De acordo com
Queiroz et al. (2014), na Idade Média, as pinturas eram utilizadas para comunicar
valores religiosos aos fiéis ou para a narração de histórias bíblicas.
Segundo Veneroso (2002), entre os séculos XV e XIX existia uma rigidez
contra o uso de letras (palavras, textos) dentro das pinturas, o que foi sendo mudado
a partir do século XX, período no qual os pintores começaram a não obedecer a
essa “regra”, rompendo a barreira entre a pintura e a letra, utilizando a forma escrita
em seus quatros.
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A escultura também é uma forma de arte que surgiu há milhares de anos,
ainda na época da Arte Rupestre. A forma de escultura como conhecemos hoje
surgiu no Oriente Médio e foi desenvolvida na Idade Média (476 até 1453). A
escultura é a técnica na qual objetos e seres são total ou parcialmente
representados em relevo. Com relação aos tipos de materiais, Azevedo Júnior
(2007) afirma que as esculturas podem ser feitas em madeira, pedra, gesso, ferro,
resina sintética, aço ou mármore. Nesse tipo de arte, o foco esteve mais voltado
para a representação do corpo humano.
O teatro é tão antigo quanto as formas de arte anteriormente abordadas.
Segundo Berthold (2001), na Antiguidade, as pessoas usavam os instrumentos que
produziam e as peles de animais como materiais de caracterização para a atuação.
Hoje em dia existe um maior número de acessórios cênicos para os atores e as
atrizes utilizarem e passarem sua mensagem. Essa forma de arte era utilizada para
expressar os sentimentos, contar histórias e louvar aos deuses, dentre outras
finalidades.
A autora segue afirmando que nessa época acreditava-se que o teatro era
sagrado, pois, por meio dele, aconteciam os rituais para invocar os deuses e as
forças da natureza. Na Grécia, esse tipo de arte surgiu das cerimônias e rituais de
celebração religiosa. Já em Roma ele tinha um caráter de diversão e prazer.
Na Idade Média, o teatro era utilizado nas igrejas católicas durante a missa e,
nesse período, ele foi proibido de ser realizado em praça pública para não perder o
seu caráter religioso. Contudo, apesar da proibição, começaram a surgir comédias
com temáticas políticas e sociais.
No Renascimento, o teatro ganha um novo caráter, com espetáculos
populares, realizados nas ruas, utilizando o atributo da improvisação. No século XX,
essa arte se tornou um instrumento de discussão e crítica social e política.
Atualmente, ele possui várias vertentes como a ópera, o teatro de bonecos, os
musicais, entre outras.
A origem da literatura se deu a partir da linguagem oral, que precedeu a
criação da escrita. Desde os tempos mais remotos o ser humano transmitia de
geração em geração as lendas e orações através da oralidade. Sobre a escrita,
Aidar (2019) aponta que, além de ser uma forma direta de comunicação, ela também
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é uma ferramenta para transmitir ideias, pensamentos, sentimentos, reflexões e
narra histórias.
A delimitação entre o final da pré-história e o início da história ocorreu a partir
da criação da escrita, conforme Aidar (2019). As palavras escritas são a matéria
prima da literatura, que se trata de uma manifestação artística, em verso ou prosa.
Dentre os tipos dessa arte, a literatura conhecida como clássica (do século V a.C ao
século V d.C) pelos romanos e gregos influenciou toda a literatura ocidental. Logo,
cada época e lugar possui diferentes características literárias.
No Brasil, de acordo com Nogueira (2015), a literatura passou por alguns
movimentos. O Quinhentismo, no século XVI, apresentou fortemente os escritos
religiosos, utilizados na catequização dos indígenas. No século XVII, com o Barroco,
houve o exagero da angústia que perpassava entre o sagrado e humano. O século
XVIII foi marcado pelo Arcadismo ou Neoclassicismo, que se caracterizava pela
exaltação da beleza feminina, pelo bucolismo e pela exaltação da natureza. O
Romantismo, ainda no século XVIII, trouxe a intensa expressão dos sentimentos e
emoções, a idealização da mulher amada, o nacionalismo e o espírito sonhador.
Ainda sobre a literatura no Brasil, a autora segue dizendo que na metade do
século XVIII surgiram as obras literárias de cunho social, valorizando a realidade,
que são características do movimento nomeado Realismo. No início do século XX, o
Parnasianismo buscou reviver a valorização estética da obra literária a partir da
utilização de uma linguagem rebuscada e culta.
Entre 1902 e 1922 houve o movimento chamado Pré-Modernismo, que
valorizava o regionalismo e abordava os problemas sociais. O Modernismo (de 1922
a 1930) trouxe para a literatura a oportunidade de trabalhar com o humor e a
liberdade de escrita. Atualmente, as obras literárias sofrem influências da ciência, da
tecnologia e do capitalismo contemporâneo; a partir dessas influências existe uma
liberdade para o artista expressar suas ideias, sentimentos e pensamentos.
O cinema foi criado em 1815, época em que ele se misturava com outras
formas de arte, como o teatro. Com relação a isso, Costa (2006) pontua que o
cinema tem sua origem na projeção de “lanternas mágicas”, em que o apresentador
mostrava para a plateia imagens coloridas projetadas em uma tela (através do foco
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de luz gerado pela chama de querosene) e essas imagem eram acompanhadas de
vozes, músicas e efeitos sonoros.
Além disso, o cinema também teve sua origem a partir das práticas de
representação visual pictórica, que é uma imagem produzida por uma ordem de
pigmentos sobre algum suporte, como os panoramas, que é a vista abrangente
(geral) de uma paisagem; e os dioramas, que é um modo de apresentação artística
em três dimensões.
Acerca da criação do cinema, Costa (2006) declara não haver apenas um
criador, visto que esse tipo de arte é o resultado de vários estudos e invenções na
busca pelo aperfeiçoamento da projeção de imagens. Destacamos três destas
invenções: em 1893, Thomas A. Edison, nos Estados Unidos, registrou a patente do
seu cinetoscópio, um instrumento de projeção interna de filmes; em novembro de
1895, em Berlim, os irmãos Max e Emil Skladanowsky exibiram pela primeira vez
seu sistema de projeção de filmes, o bioscópio; e dias depois, em dezembro de
1895, os irmãos Lumiére fizeram a demonstração pública do seu cinematógrafo em
Paris.
Com o passar do tempo, o cinema foi sendo modificado, ganhou roteirização
e os filmes começaram a ter uma duração maior e técnicas de narrativa. As
produções cinematográficas foram sendo categorizadas por gênero: comédia,
romance, drama, ação, ficção científica, suspense, terror etc. Ao longo dos anos,
esse tipo de arte começou a se estabelecer nos lugares e, atualmente, é difundido
em todo o mundo. Para a realização dessa arte, conta-se com recursos
tecnológicos, os quais estão em constante atualização. Destacamos que existem
algumas produções que exigem um alto investimento financeiro, como também
existem produções independentes que utilizam recursos limitados para a sua
realização.
A respeito da fotografia, conforme Salles (2008), desde a Antiguidade existem
experiências relacionadas ao seu processo de desenvolvimento. Já em 1815
estavam sendo feitos estudos e experimentos que culminaram na sua criação, mas
foi no final do século XIX que essas experiências foram reunidas. Sendo assim, a
fotografia é o resultado da junção da criação da câmara escura e da utilização de
materiais fotossensíveis (sensíveis à luz). A câmara escura é uma caixa preta,
totalmente vedada, para impedir a entrada da luz, que tem um pequeno orifício em
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um dos seus lados. Ao ser apontada para algum objeto, a luz refletida deste objeto é
projetada para dentro da caixa e a imagem dele se forma na parede oposta à do
orifício.
Foi ainda na primeira metade do século XIX que as imagens começaram a ser
projetadas com melhor qualidade e os instrumentos utilizados nesse processo foram
sendo aprimorados. Ainda sobre isso, Salles (2008) afirma que em 1900 a fotografia
já tinha os recursos que eram necessários para a criação de imagens de alta
qualidade de exposição e reprodução, inclusive já atuava junto ao cinema. Portanto,
a fotografia como é conhecida hoje se deu graças às mudanças e aperfeiçoamentos
tecnológicos que foram acontecendo ao longo do tempo.
Conforme Xavier (2017), a história em quadrinhos (HQ), também conhecida
como bandas desenhadas, comix e gibi, tem sua origem no jornalismo moderno. No
final do século XIX, nos Estados Unidos, para tentar atrair uma maior quantidade de
público, como analfabetos e imigrantes, os grandes jornais passaram a produzir
materiais com narrativas figuradas. Entre 1900 e 1920 o que predominavam eram as
HQ de humor. Entre 1920 e 1930, além do conteúdo humorístico, passaram a ser
produzidas HQ com conteúdo intelectual. A partir de 1930 foram surgindo histórias
policiais, de ficção científica, de faroeste, de guerra, de cavalaria, entre outros
temas.
Na década de 1950 passaram a ser criados conteúdos que questionavam a
sociedade quanto aos aspectos filosóficos e sociopsicológicos, como é o caso da
história dos “Peanuts” (Turma do Charlie Brown), criação de Charles Schultz. Ainda
nessa época, a autora aponta que surgiram as histórias de violência e terror. Nos
anos de 1960 os quadrinhos receberam a influência do feminismo, levando à
introdução de heroínas nas narrativas. Nessa década surgiu uma personagem que é
conhecida até os dias de hoje, “Mafalda”, criada pelo argentino Quino, que é um dos
exemplos dessa influência feminista.
Em 1970, as HQ passaram a ter uma maior valorização estética. Ainda nesse
período, segundo Aidar (2019), no Brasil, Maurício de Souza lançava “A Turma da
Mônica”, que mais à frente se tornaria a maior produção da indústria nacional de
quadrinhos. Inicialmente, era uma história voltada para crianças tendo como
principal objetivo passar mensagens acerca de valores e respeito às diferenças.
Atualmente, também existe a versão jovem dos personagens, que busca retratar
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temáticas da vivência adolescente. Na versão infantil, ao longo do tempo, foram
criados personagens que abordam temáticas relacionadas à inclusão, como a
questão de pessoas com deficiência.
Considerando toda essa variedade de histórias, gêneros e temáticas que
foram sendo criadas com o passar dos anos, acompanhando as discussões surgidas
na sociedade de cada época, percebemos a importância desse tipo de arte, visto
que, nos dias de hoje, de um modo geral, as HQ são um meio bastante popular de
comunicação em todo o mundo.
De acordo com Batista et al. (2007), a criação dos jogos eletrônicos (games)
deriva de um consenso entre os historiadores ao afirmarem que o primeiro jogo,
chamado “Tennis Programing”, foi lançado em 1958, desenvolvido pelo físico Willy
Higinbothan. Em 1961, na Massachusetts Institute of Technology (MIT) foi criado um
jogo nomeado “Spacewar”, que, devido ao seu sucesso, levou o engenheiro Ralph
Baer a fazer uma máquina (que começou a ser elaborada em 1966 e foi lançada em
1971) capaz de rodar os jogos por uma TV. Assim surgiram os fliperamas (ou
árcades), máquinas de uso público que precisam de fichas ou moedas (compradas)
para serem usadas. Os primeiros jogos lançados para fliperama possuíam um
gráfico atualmente considerado pobre e com mecanismos simples.
Dentre os games mais famosos, em 1981 foi lançado “Mário”, um jogo de
herói, sendo este, em novas versões, um dos jogos mais populares da atualidade.
Em 1991 foi lançado o jogo de luta “Street Figther I”, que usou o modelo de
animação Sprites (conjunto de fotos passadas em sequência que dão a sensação de
que os personagens estão em movimento). Na mesma franquia, o “Street Figther II”
revolucionou e popularizou os jogos de luta.
Em 1992 houve o lançamento do jogo de luta “Mortal Kombat”, o qual teve a
sua animação feita a partir da captura de movimentos de atores e posterior
digitalização desses movimentos, ou seja, captaram a imagem de atores se
movimentando e as digitalizaram, dando mais realismo estético ao jogo (BATISTA et
al., 2007).
Em 1993 foi lançado o jogo de luta “Virtual Fighter”, que possui gráfico em 3D,
sendo, naquela época, uma inovação do mercado dos games. Ao mesmo tempo em
que estavam sendo criados os fliperamas, estavam em desenvolvimento os
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consoles, que são os vídeo games domésticos. Os autores afirmam que o primeiro
console foi lançado em 1972. Esse aparato foi sendo aprimorado ao longo do tempo,
saindo de um console que para funcionar precisava de operações manuais no
aparelho, passando por jogos em fita, até chegar aos atuais consoles que rodam
jogos em CD e DVD e/ou funcionam via wi-fi (rede sem fio que permite
computadores, celulares e outros aparelhos móveis e dispositivos se conectarem à
internet) e dividem espaço no mundo dos games com os computadores e celulares.
Sendo assim, atualmente, é possível jogar através de um celular, computador,
vídeo game ou outros aparelhos eletrônicos utilizando acessórios (controles, armas,
guitarra, volante etc.) que podem ser conectados por fio ou até mesmo via wi-fi. De
um modo geral, os jogos eletrônicos são separados por gênero e temática (como
corrida, luta, ação, aposta etc.) e podem ter um destaque para um determinado
contexto histórico e/ou contar a história de vida dos personagens.
Portanto, considerando esse breve histórico, podemos observar que, com o
passar dos anos, os games foram se fazendo mais presentes na vida de crianças,
jovens e adultos, e percebe-se que seus modelos de animação estão cada vez mais
realistas e os equipamentos e acessórios continuam em evolução.
A arte digital data de 1960, quando os engenheiros Billy Kluver e Fred
Waldhauer e os artistas Robert Raushenberg e Robert Whitman criaram o grupo
Experimentos em Arte e Tecnologia com o objetivo de promover a interação entre
essas duas áreas. Varella (2019) afirma que a arte digital é um movimento artístico
que engloba uma obra ou prática desenvolvida através de recursos e acessórios da
tecnologia digital (equipamentos e programas), tais como a edição de fotos e
imagens, ilustrações, animação, desenhos e pinturas digitais, entre outras variadas
possibilidades existentes.
O autor coloca que a década de 1970 trouxe a possibilidade de que os
artistas trabalhassem a interação entre televisão, computador e equipamentos de
gravação. Nos anos de 1980 aumentaram os números de produções de animação
computadorizada. Com o aprimoramento dos gráficos, os artistas puderam dispor de
programas de edição de imagens e ilustração. Hoje é muito difundido os trabalhos
realizados com fotos, vídeos, mídias sociais e artes multimídias que são alinhados
com a arte digital. Dessa forma, é possível perceber o quanto a tecnologia avançou
e continua nesse caminho de uma maneira cada vez mais acelerada.
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A partir do que foi apresentado até aqui, é possível perceber que a arte está
presente no cotidiano das pessoas, continua sendo aprimorada a cada instante e
seus diversos tipos podem se misturar em suas práticas. Como foi explicado
anteriormente, existem onze tipos de arte, dos quais dez já foram discutidos. A
seguir, serão expostos alguns pontos sobre o décimo primeiro tipo de arte, a música,
tais como: sua origem, suas manifestações primárias, o desenvolvimento de sua
teoria, os instrumentos que foram sendo criados ao longo do tempo e suas funções
na sociedade.
2.3 Trajetória e Funções da Música
Acerca da origem da música, Souza (2017) afirma que existem muitas teorias
e lendas sobre o seu surgimento. Os povos antigos utilizavam a música para
expressar o que estavam sentindo, como medo, raiva, amor, desejos e sentimentos
que fugiam da razão. Há indícios de que esses povos acreditavam que alguma
divindade teria deixado a música para eles, assim surgiu a primeira lenda referente à
origem da música. Outra lenda sobre sua origem vem da Grécia Antiga, onde
acreditava-se que a música havia sido criada a partir dos deuses míticos em um
passado remoto.
Uma das teorias relacionadas ao seu surgimento é a de Gaston. Essa teoria
afirma que a música foi se desenvolvendo junto com os primórdios da sociedade e
da família, acreditando que a mãe primitiva acalentava, confortava e expressava
seus sentimentos em relação ao filho através de vocalizações, de maneira que essa
prática foi adquirindo características rítmicas tal qual uma canção de ninar.
Segundo Frederico (1999), quando esse ser humano primitivo foi mudando a
forma de se relacionar com o meio (natureza, animais irracionais e demais seres
humanos), ele começou a perceber diferença entre os sons e, com o passar do
tempo, foram sendo criados os primeiros instrumentos musicais.
O autor afirma que os sons musicais dos povos primitivos eram criados a
partir de seus corpos: além da boca e da garganta, também passaram a utilizar o
estalar de dedos, o bater palmas e movimentos com os braços e as pernas. Nessa
época, os instrumentos de trabalho e os instrumentos musicais se misturavam: do
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arco surgiu a lira, que foi muito utilizada na Antiguidade; e do vaso de sacrifícios
(usado em rituais, nos quais os animais ou os humanos eram sacrificados com
finalidade religiosa) surgiu o tambor. Além da lira e do tambor, também houve a
criação dos primeiros modelos de flauta, que foram confeccionados com ossos e
cana de bambu.
Conforme Frederico (1999), os instrumentos musicais criados desde as
culturas primitivas podem ser classificados da seguinte forma: os idiófonos (Figura
7), feitos de material que produz som sem precisar de cordas ou peles esticadas,
como um pedaço de madeira que posteriormente se tornou o xilofone; os
membranófonos (Figura 8), instrumentos de percussão, confeccionados em um vaso
ou crânio humano, finalizados com pele esticada; os cordófonos (Figura 9), que
eram feitos de cordas esticadas elaboradas a partir de tripas de macaco ou baleia; e
os aerófonos (Figura 10), instrumentos de sopro, como a flauta, feita de cana, osso
ou chifre de veado, e a trombeta, feita de madeira e concha de caracol.
Figura 7 – Exemplos de Instrumentos Idiófonos
Fonte: Google
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Figura 8 – Exemplos de Instrumentos Membranófonos
Fonte: Google
Figura 9 – Exemplos de Instrumentos Cordófonos
Fonte: Google
Figura 10 – Exemplos de Instrumentos Aerófonos
Fonte: Google
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Os povos primitivos acreditavam que os instrumentos musicais possuíam
alma e forças misteriosas, essa ideia fez com que os instrumentos fossem utilizados
para o exorcismo. Nas tribos antigas já existia o que se chama de “canto mágico”,
que era usado para cantar à paz e à guerra.
Esse canto era uma arma contra epidemias, perturbações mentais, mordidas de serpente ou qualquer doença. Cantava-se para se comunicar com os bons espíritos, para se ter filhos homens, para se dominar animais ferozes ou para trazer de volta a vida de um defunto
(FREDERICO, 1999, p. 10-11).
Desde esse período existem as canções voltadas para a religiosidade e para
a área medicinal. Os povos primitivos recitavam as canções para se comunicar com
os seres mitológicos e forças sobrenaturais em rituais onde os tambores eram
tocados sem parar e acompanhados de movimentos corporais rítmicos. Destacamos
que até os dias atuais ainda há essa prática do uso da música para se comunicar
com a espiritualidade, deuses e divindades, bem como expressar emoções e
sentimentos em relação a estes; e existem canções ligadas a questões culturais,
religiosas e crenças em geral.
Ao longo do tempo, começou-se a desenvolver a teoria musical. Na Idade
Média, com a implementação do cristianismo, coube aos monges, nos monastérios,
desenvolver a escrita e a teoria musical. Nessa época, o repertório mais utilizado
eram os cânticos litúrgicos, que “[...] variavam nas suas interpretações consoantes a
raça, a cultura, os ritos e os hábitos musicais dos diversos povos” (QUEIROZ et al.,
2014, p. 5).
Ainda na Idade Média, conforme esses autores, surgiu o canto gregoriano,
criado por São Jorge Magno, monge beneditino, que em 590 foi eleito papa e
nomeado São Georgino. Ele fez um compilado de cânticos litúrgicos, os quais
considerava dignos de culto. Esse modo de cantar era utilizado como uma oração
para expressar amor a Deus.
É nesse período histórico que se dá início a separação entre as músicas
religiosas e as músicas populares, também conhecidas como músicas profanas.
Com relação a isso, Queiroz et al. (2014, p. 5) nos apontam que
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Uma das grandes diferenças entre elas está nos instrumentos que são usados em ambas. Na igreja apenas o órgão era permitido, enquanto que na música não religiosa ou chamada profana usavam-se: a rabeca, o saltério, o alaúde, a flauta, a gaita de foles, a sanfona, a harpa, os pratos, os pandeiros, os tambores, etc.
A respeito da língua usada nas canções, o latim era a mais utilizada nas
músicas religiosas. Já nas músicas populares usavam-se os dialetos de cada região.
As músicas profanas possuíam duas categorias: os menestréis, os quais eram
cantores, músicos e malabaristas que saiam pelo mundo apresentando sua arte
junto com os saltimbancos, sendo estes artistas populares que viajavam de cidade
em cidade apresentado suas artes improvisadas em ruas, praças e feiras e depois
passavam o chapéu para recolher o dinheiro das pessoas que os assistiam; e os
trovadores, os quais eram da classe nobre e compunham músicas cujo tema favorito
era o amor.
Tanto na música religiosa, quanto na música popular, utilizavam-se as notas
musicais, isso ajudava a memorizar os cantos. Em sua fase inicial, a notação
musical era representada por símbolos, chamados de nuemas. À medida que foi se
tornando mais precisa, a notação musical passou por transformações, e a partir de
sacerdotes cristãos, mais fortemente Guido D’Arezz (992-1050), os nuemas foram
substituídos pelo sistema de notação com linha, dando início ao que é conhecido
como pauta ou pentagrama (Figura 11), que é um conjunto de cinco linhas paralelas,
na horizontal, onde são escritas as notas musicais (QUEIROZ et al., 2014).
Figura 11 – Exemplos de Pauta ou Pentagrama
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Fonte: Google
Sendo assim, D’Arezz foi o responsável pela criação do sistema de notação
musical que deu origem ao modelo conhecido atualmente, o qual passou por uma
série de mudanças ao longo do tempo. Dentre estas mudanças, destacamos a
ocorrida no século XI, quando as notas musicais foram apresentadas, sendo o nome
delas a inicial das frases do hino a São João Batista (texto sagrado em latim): Ut,
Re, Mi, Fa, Sol, La e San. Tempos depois, o Ut e o San foram substituídos
respectivamente por Do e Si.
De acordo com Queiroz et al. (2014), no período do Renascimento, a música
vocal começou a se sobressair à música instrumental, passando a ter uma relação
entre o texto e a composição instrumental, destacando-se, com isso, o sentido e a
emoção do texto. Nesse momento histórico, a música religiosa continuou tendo seu
espaço, sendo composta pelos corais das igrejas.
Outro segmento dessa época foram as músicas seculares, as quais eram
músicas vocais profanas por não utilizarem a temática religiosa. Esse tipo de música
era consumido desde os cantores de rua até os reis. Nesse cenário, havia uma
produção musical quase que diária e as músicas eram facilmente esquecidas.
Do século XVI ao XVIII houve o movimento artístico denominado Barroco, que
teve seu início na Itália e foi difundido na Europa, América e alguns pontos do
Oriente. Sobre isso, Queiroz et al. (2014, p.14) apontam que “Trata-se de uma das
épocas musicais de maior extensão, fecunda, revolucionária e importante da música
ocidental, e provavelmente também a mais influente”. Esses autores colocam que,
nessa época, a música puramente instrumental começou a entrar em cena. Apesar
de ter sido no período da Renascença o surgimento das ideias iniciais do que
posteriormente seria a Ópera, foi no Barroco que ocorreu o seu desenvolvimento.
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O século XVII foi um momento de evolução para a música a partir do
desenvolvimento tonal, o qual possibilitou a modulação tonal, que é a modificação
de tonalidade dentro de uma música, pois, antes desse feito, as músicas possuíam
apenas um tom, do início ao fim. A partir disso, as músicas (letras) e os instrumentos
musicais passaram a trabalhar em harmonia.
No século XVIII iniciou um movimento prevalente na pintura e na literatura
chamado Romantismo. Mais tarde, na virada do século XVIII para o século XIX, a
música começou a caminhar por esse movimento. Bennett (1986) aponta que os
músicos românticos buscavam expressar de forma mais intensa suas emoções e
seus sentimentos, revelando com frequência seus pensamentos e sentimentos mais
profundos, incluindo suas dores. É certo que sentimentos foram expressos em
outras épocas também, mas foi no Romantismo que essa característica esteve
fortemente presente.
No século XIX, dentro do Romantismo, surgiu o Nacionalismo, movimento no
qual os compositores expressavam deliberadamente os sentimentos pelo seu país.
Caso na música não estivesse explícita a sua nacionalidade, esta poderia ser
facilmente identificada através de suas letras. No século XX houve alguns
movimentos artísticos, dentre eles o Expressionismo, o qual, de início, se
apresentou por meio da pintura. Na música, o Expressionismo se mostrou através
do exagero do Romantismo tardio, “[...] em que os compositores passaram a
despejar na música toda a carga de emoções mais intensas e profundas”
(BENNETT, 1986, p. 72).
Essa expressão intensa dos sentimentos se dava por meio das letras e das
linhas melódicas utilizadas nos arranjos das músicas, como melodias
desconjuntadas e frenéticas, e até mesmo pelo uso de violência e explosão no ato
de tocar os instrumentos, como afirma Bennett (1986). Dessa forma, eram
explorados os extremos de cada instrumento com a finalidade de passar a
intensidade dos sentimentos presentes na letra da música que estava sendo tocada.
A partir desse autor, é possível compreender que desde o século XX até o
momento atual existe o movimento chamado de música contemporânea. Nesse
período surgiram instrumentos como a guitarra e o baixo, que eram muito
relacionados ao estilo musical denominado rock, mas hoje estão presentes em
vários outros estilos musicais.
39
Dentro do período supracitado, mais especificamente entre 1 de abril de 1964
e 15 de março de 1985, esteve instaurada no Brasil a Ditadura Militar ou Quinta
República, momento no qual o país foi governado por militares e ficou marcado pela
privação da liberdade, pela aplicação de tortura aos opositores políticos e pela
execução de terrorismo de Estado (regime de violência instaurado por um governo)
(ARAUJO; SILVA; SANTOS, 2013).
Considerando que essa pesquisa tem como foco de investigação algumas
músicas que foram produzidas durante essa época, faz-se necessário uma
explicação acerca dos principais aspectos desse período histórico, a qual será
realizada a seguir.
2.3.1 A Música no Período Ditatorial Brasileiro
O início da Ditadura Militar brasileira se deu por meio de um golpe civil-militar
contra o então presidente João Goulart, o qual começou em 31 de março de 1964 e
teve apoio político e civil. Durante o regime militar, o Brasil foi governado por cinco
presidentes militares, foram eles: Humberto Castello Branco (1964 – 1967), Artur
Costa e Silva (1967 – 1969), Emílio Médici (1969 – 1974), Ernesto Geisel (1974 –
1979) e João Figueiredo (1979 – 1985); eleitos de forma indireta, ou seja, sem a
participação da população.
Nomear cada um desses militares governantes de “presidente” foi a maneira
encontrada para passar aos brasileiros um “ar de naturalidade”, que nada havia
mudado, pois o intuito era transmitir a sensação que no comando do país estava um
presidente, não um ditador. Essa “normalidade” era apenas uma fachada para
esconder a realidade de um regime autoritário e violento.
Conforme Araujo, Silva e Santos (2013), a Ditadura Militar foi um período de
perseguição a todas as pessoas que supostamente ameaçavam a segurança
nacional, no qual houve prisões arbitrárias, sequestros, cassações, invasões de
propriedade, tortura, assassinatos de cidadãos, sumiços de cadáveres e até
atentados à bomba que foram realizados pelo Estado, sempre com a justificativa de
combate aos subversivos. Um método bastante utilizado para perseguir e combater
os opositores foi a tortura, tanto física, quando psicológica.
40
Estima-se que 20 mil pessoas foram torturadas pelo regime militar, sendo
principalmente presos políticos e filhos desses presos, os quais eram torturados com
a finalidade de fazer com que seus pais denunciassem seus aliados. Além desses
tipos de violência, as autoras afirmam que milhares de brasileiros foram exilados,
sendo obrigados a viver em outro país, por se posicionarem contra o Regime Militar.
Durante esses quase vinte e um anos de Ditadura Militar, medidas foram
estabelecidas para legalizar e legitimar as ações militares, como também para
controlar a população através de Atos Institucionais (AI). Dentre os dezessete Atos
Institucionais, o de número cinco (AI-5), registrado em 13 de dezembro de 1968, foi
o mais rígido e autoritário, responsável por decretar censura aos meios de
comunicação e limitar a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros (ARAUJO;
SILVA; SANTOS, 2013).
Assim, de acordo com as autoras, a Ditadura Militar foi um período de
repressão dos direitos civis e políticos da população e de concentração de poder nas
mãos dos militares. Nessa época, o livre pensar foi reprimido, sendo proibida a
publicação e circulação de alguns livros, havia o monitoramento das universidades,
através de alunos infiltrados para acompanhar o que era falado nesses locais, bem
como o movimento estudantil foi perseguido.
Diante dessa censura à liberdade de expressão, as produções artísticas
dessa época (atividades culturais e de entretenimento, como programas de
televisão, novelas, festivais de música, letras das músicas etc.) passavam por uma
análise realizada pelos censores do governo (pessoas destinadas a essa função)
para saber se estavam adequadas às normas vigentes ou se seriam censuradas por
transgredirem as regras militares.
Apesar de toda a violência do governo militar, eles enfrentaram uma forte
oposição, através da política, do esporte, da arte etc., e em decorrência disso,
muitos foram os casos de músicas censuradas e de compositores perseguidos,
presos e exilados. Frente a isso, esses artistas se expressavam através de
metáforas e jogos de palavras nas letras de suas músicas para conseguirem que
elas fossem aprovadas pelo sistema de censura (BEZERRA, 2020).
Mediante esse cenário, Pinheiro (2019) aponta que algumas músicas que
conhecemos hoje foram inicialmente vetadas, com diversas justificativas, que iam
41
desde o uso de palavrões, até a “falta de gosto” presente nas letras, e algumas
delas serão apontadas a seguir como exemplos: “Cálice”, “Tiro ao Álvaro”, “Pra Não
Dizer que Não Falei das Flores”, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” e “Hoje É Dia de
El-Rey”.
A Música “Cálice” foi composta por Gilberto Gil e Chico Buarque (1978) no
ano de 1973, mas sua liberação só ocorreu após cinco anos. Na primeira estrofe vê-
se uma letra com teor religioso, mas, ao darmos continuidade à leitura, é possível
perceber que se trata de uma crítica à censura, na qual o interlocutor anseia pela
liberdade de falar o que pensa e fazer o que deseja.
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
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Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça.
A segunda música que trazemos como exemplo é “Tiro ao Álvaro”, que foi
composta por Adoniran Barbosa e Oswaldo Molles (1975) em 1960 (antes do
período da ditatura militar), lançada nesse mesmo ano por Adoniran e censurada no
ano de 1973. Após a instituição do AI-5, Adoniran teve medo de lançar músicas
novas, então resolveu lançar um disco com regravações de músicas suas já
lançadas, como uma espécie de disco com os grandes sucessos, mas cincos faixas
deste foram censuradas, dentre elas a música “Tiro ao Álvaro”. O argumento
utilizado para a censura dela é que seria uma letra de “mal gosto”, por possuir
palavras pronunciadas gramaticalmente erradas (“táuba” “automórve” “frechada” e
“revorve”), mas que faziam parte do cotidiano e da realidade de seu compositor.
De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
Táubua de tiro ao Álvaro
Não tem mais onde furar
(Não tem mais)
De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
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Táubua de tiro ao Álvaro
Não tem mais onde furar
Teu olhar mata mais do que bala de carabina
Que veneno estriquinina
Que peixeira de baiano
Teu olhar mata mais que atropelamento de automóver
Mata mais que bala de revórver
[...]
O terceiro exemplo é a música “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”,
composta por Geraldo Vandré (1979) no ano de 1968 e apresentada pela primeira
vez no III Festival da Canção da TV Globo ocorrido no mesmo ano. Apesar dessa
música ter sido ovacionada pelo público do festival, por orientação da censura,
Geraldo não ficou em primeiro lugar na competição. A letra da música fala sobre
repressão, faz crítica à agressão com que a população era tratada e exalta a
iniciativa do povo em se opor ao regime vigente. Sendo assim, é considerada o hino
brasileiro de resistência política.
A primeira gravação dessa música foi liberada apenas em 1978, na voz de
Simone, cantora de MPB (música popular brasileira), que é um gênero musical
surgido na segunda metade da década de 1960 na cidade do Rio de Janeiro e que
se caracteriza pela fidelidade à música de raiz brasileira.
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não.
Nas escolas, nas ruas, campos, construções,
Caminhando e cantando e seguindo a canção.
[Refrão]
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (2x)
Pelos campos há fome em grandes plantações,
Pelas ruas marchando indecisos cordões.
44
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão.
[Repete Refrão]
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quarteis lhe ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão.
[Repete Refrão]
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não.
Os amores na mente as flores no chão
A certeza na frente a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição.
[Repete Refrão]
O quarto exemplo é a música “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”, do
compositor goiano Odair José (1995), que foi censurada em 1972 por se tratar de
uma canção que conta uma história de amor por uma prostituta. Diante disso, os
censores julgaram que ela ia contra a moral e os bons costumes daquela época.
Olha, a primeira vez que eu estive aqui
Foi só pra me distrair
Eu vim em busca do amor
Olha, foi então que eu lhe conheci
Naquela noite fria, em seus braços
Meus problemas esqueci
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Olha, a segunda vez que eu estive aqui
Já não foi pra distrair
Eu senti saudades de você
Olha, eu precisei do seu carinho
Pois eu me sentia tão sozinho
E já não podia mais lhe esquecer
Eu vou tirar você desse lugar
Eu vou levar você pra ficar comigo
E não me interessa o que os outros vão pensar
Eu sei que você tem medo de não dar certo
Pensa que o passado vai estar sempre perto
E que um dia eu posso me arrepender
Eu quero que você não pense em nada triste
Pois quando o amor existe
Não existe tempo pra sofrer.
A quinta e última música que trazemos como exemplo é “Hoje É Dia de El-
Rey”, composta em 1973 por Milton Nascimento e Márcio Borges (1973), que seria
gravada por Milton Nascimento e Dorival Caymmi, mas a censura vetou a
composição argumentando que ela possuía nitidamente um conteúdo político. A
canção consiste em um diálogo entre pai e filho. Após ser vetada, a versão lançada
no disco de Milton, ainda no ano de 1973, sofreu algumas alterações em sua letra.
Abaixo encontram-se a letra da versão do disco e ao lado estão as frases da versão
original que foram alteradas.
Filho - Não pode o noivo mais ser feliz
não pode viver em paz com seu amor
não pode o justo sobreviver
se hoje esqueceu o que é bem-querer
Rufai os tambores saudando El Rey
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nosso amo senhor e dono da lei
soai clarins pois o dia do ódio
e o dia do não são por El Rey
Pai - Filho meu, ódio você tem,
mas El Rey quer viver só de amor (mas alguém quer provar o seu
amor)
sem clarins sem mais tambor
vá dizer: nosso dia é de amor (nenhum rei vai mudar a velha dor)
Filho - Juntai as muitas mentiras
jogai os soldados na rua
nada sabeis desta terra
hoje é o dia da lua
Pai - Filho meu, cadê o teu amor
nosso Rey está sofrendo a sua dor
Filho - Leva daqui tuas armas
então cantar poderia
mas nos teus campos de guerra
hoje morreu poesia
Ambos - El Rey virá salvar...
Pai - Meu filho, você tem razão
mas acho que não é tudo
se o mundo fosse o que pensa (se a gente fosse o que pensa)
estava tudo no mesmo lugar (estava em outro lugar)
pai você não tinha agora (medo ninguém tinha agora)
e hoje pior ia estar (e tudo podia mudar)
Filho - Matai o amor, pouco importa
mas outro haverá de surgir
o mundo é pra frente que anda
mas tudo está como está
hoje então e agora
pior não podia ficar
47
Ambos - Largue o seu dono e procure nova alegria (largue o seu
dono, viaje noutra poesia)
se hoje é triste e saudade pode matar (se hoje é triste e coragem pode matar)
vem, amizade não pode ser com maldade
se hoje é triste a verdade
procure nova poesia (empurre a porta sombria)
procure nova alegria (encontre nova alegria)
para amanhã.
Segundo Araujo, Silva e Santos (2013) a partir do governo de Ernesto Geizel,
começou uma tentativa de abrandar a Ditadura Militar, realizando um processo de
abertura política no Brasil, com a finalidade da população sentir que havia
democracia, ao mesmo tempo em que os militares a controlava. Após a oposição
dos militares que não concordavam com esse processo e a empolgação da
população na luta por um regime de fato democrático, em 13 de outubro de 1978 foi
publicada a Emenda Constitucional de nº 11, que em seu Artigo 3º revogou todos os
Atos Institucionais.
Sendo assim, as autoras afirmam que com a revogação do AI-5 foi decretada
a Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979, a qual perdoava todos os
crimes políticos cometidos durante o período da Ditadura Militar até o referido ano.
Nesse momento, puderam retornar ao Brasil as pessoas que estavam exiladas,
dentre elas alguns artistas e familiares de artistas.
Em síntese, podemos perceber que durante a Ditadura Militar no Brasil,
mesmo diante de todas as dificuldades políticas, a música foi utilizada como um
instrumento de luta contra a repressão e um meio de expressar emoções,
sentimentos e pensamentos de compositores, músicos e diversos artistas dessa
época, bem como do público que a consumia como forma de transmitir sua
indignação e o sentimento de esperança de que chegassem dias melhores.
Após essa breve explanação de exemplos de músicas que foram censuradas
na época da Ditadura Militar, podemos perceber nas letras das músicas atuais que
houve uma mudança no que se refere à liberdade de expressão, pois os
compositores podem escrever explicitamente, nas mais diferentes formas de
48
linguagem, sobre conteúdos políticos, econômicos, culturais, sociais, religiosos,
eróticos, de dor, de amor e de tudo mais que o ser humano deseja expressar.
Apesar disso, é importante salientar que essas produções estão sujeitas à crítica
social, pois podem gerar reações contrárias e possíveis retratações.
Dando continuidade à discussão sobre a importância da música em nossas
vidas, a seguir, será explanado brevemente acerca da função social da música.
2.4 Função Social da Música
A partir do que foi discutido até então, é possível perceber que a música
participa das diversas sociedades e culturas desde sempre e foi passando por várias
transformações ao longo do tempo. Observa-se que ela se faz presente em muitas
ocasiões, como festas, rituais religiosos, comemorações, manifestações, entre
outras, e em cada um desses momentos ela possui uma função.
Acerca disso, Merriam (1964 apud RIBEIRO, 2014) afirma que a música
possui algumas funções sociais, as quais são divididas em dez categorias: prazer
estético; entretenimento; comunicação; representação simbólica; reação física;
conformidade às normas sociais; validação das instituições e dos rituais religiosos;
contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura; contribuição para a
integração da sociedade; e, por fim, expressão emocional. Destas funções, as nove
primeiras não serão apresentadas por não comporem o foco de discussão desse
estudo.
Sendo assim, dentre as dez funções sociais da música, a de interesse da
presente produção é a função de expressão emocional, que é a aplicabilidade que
iremos destacar:
Refere-se à música como expressão das ideias e/ou emoções. Nesse caso a música pode proporcionar ao indivíduo uma variedade de expressões emocionais – evocação de estado de tranquilidade, sentimento religioso, resolução de conflitos, integração da sociedade, manifestação da criatividade, etc. (MERRIAM, 1964 apud RIBEIRO, 2014, p. 16).
49
Logo, compreende-se que a música é um meio possível do ser humano
expressar pensamentos, afetos, emoções e sentimentos, através tanto da escrita da
letra, quanto da escrita melódica. Além disso, a música também é capaz de evocar
emoções e sentimentos de quem a compõe e de quem a aprecia, os quais estão
ligados a questões religiosas, sociais, culturais, entre outras, pois, no ser humano, a
linguagem musical atua do sentir à expressão desse sentir.
A música enquanto forma de expressão pode ser usada dentro do contexto
terapêutico. Neste sentido, destacamos o campo de atuação da Musicoterapia, que
enxerga a música como uma ativa atividade temporal, perceptiva, de criação,
recriação e escuta, tendo participação direta ou indireta do musicoterapeuta
(profissional da área) e do cliente.
A Musicoterapia é um campo da Medicina que surgiu em 1944 e estuda o
conjunto som-ser humano-som, utilizando o movimento, o som e a música com a
finalidade de abrir canais de comunicação no ser humano e assim produzir efeitos
terapêuticos, psicoprofiláticos e de reabilitação no sujeito e na sociedade
(BENENZON, 1988).
Segundo Ribeiro (2014), em alguns países, existe a graduação em
Musicoterapia, já em outros é uma especialização para profissionais das áreas da
música (como músicos e professores de música) e da saúde (como médicos,
psicólogos e arteterapeutas). No que se refere às possibilidades de atuação, a
Musicoterapia pode ser utilizada junto à diversas profissões (como a Fonoaudiologia,
a Fisioterapia e a Psicologia) e em variados contextos de intervenção (como
hospitalar, geriátrico, educacional, forense, comunitário e militar).
De acordo com essa autora, a National Association of Music Therapy (NAMT)
dos Estados Unidos ressalta três pontos importantes na definição de Musicoterapia:
a indispensabilidade de instituir os objetivos terapêuticos que devem englobar a
prevenção, a manutenção ou o tratamento da saúde física e/ou mental do cliente; a
utilização da música com viés científico deve ser feita por um musicoterapeuta
qualificado e é preciso que haja um contexto terapêutico com uma relação
terapêutica; e a Musicoterapia tem que ser efetuada fundamentalmente através da
música.
50
Desse modo, Ribeiro (2014, p. 18) explica que a Musicoterapia é descrita
como
[...] um processo dirigido a um fim, no qual o terapeuta ajuda o cliente a melhorar, manter ou restaurar seu bem-estar utilizando-se experiências musicais e as relações que se desenvolvem por meio delas como força dinâmica de mudanças.
A autora aponta que algumas das possíveis mudanças que podem ocorrer
com o cliente por meio do processo musicoterapêutico são: auto expressão,
melhorar as relações interpessoais, mudanças das emoções e atitudes, catarse
emocional, aumentar a autoconsciência, possibilitar a resolução de conflitos, entre
outras.
Dentre os princípios da Musicoterapia, Ribeiro (2014, p. 20) destaca o
princípio da identidade sonora, que diz respeito à “[...] utilização da música idêntica
ao estado de ânimo do cliente e seu tempo mental (hiperativo ou hipoativo)”, sendo
útil por contribuir para a resposta emocional do mesmo, auxiliando na expressão de
suas emoções e sentimentos.
E no que se refere à prática musicoterapêutica, a autora afirma que nela
estão envolvidos três elementos: o cliente, o musicoterapeuta e a música. Nesse
contexto, o cliente é responsável por trazer à sessão o seu mundo, os seus desejos,
os seus conflitos e outros aspectos a serem trabalhados, os quais serão acolhidos
pelo musicoterapeuta, sendo este o seu principal papel nesse processo.
Assim, segundo Ribeiro (2014, p. 16), “[...] vários profissionais da saúde
integram essa função da música como recurso terapêutico em suas práticas clínicas
(Ex: Psicólogo, Fonoaudiólogo, Fisioterapeuta, entre outros)”. A partir disso,
compreendemos que a música não é utilizada como agente primário do processo
terapêutico, mas sim como um dos meios/recursos disponíveis na atuação
profissional. A seguir, será explanado pontualmente sobre o uso da música nas
profissões supracitadas.
No campo da Fonoaudiologia, é comum o uso da música para trabalhar a
expressão fonética do sujeito, quadros de atraso na linguagem, entre outras
51
demandas, podendo ser utilizada uma música gravada de algum artista ou produzida
pelo indivíduo, dentro do espaço terapêutico (FREITAS; TÔRRES, 2015).
Na Fisioterapia, as áreas que mais utilizam a música e alguns dos seus
possíveis usos são: a Pediatria, para relaxamento e estimulação motora das
crianças; a Neurologia, com pacientes que possuem alguma lesão ou distúrbio
neurológico (Acidente Vascular Cerebral, Parkinson, doenças degenerativas do
sistema nervoso); a Gerontologia, seja com idosos saudáveis ou que tenham alguma
doença (como o Alzheimer); e a Saúde da Mulher, junto a gestantes (GROUP,
2017).
Dentro da Psicologia, a música é vista como um agente de estimulação
motora, sensorial, emocional e intelectual, podendo ser utilizada como um recurso
para mobilizar as emoções e os sentimentos do paciente/cliente por meio de faixas e
discos gravados por algum artista, chamada de “música morta”, sendo ela escolhida
pelo psicoterapeuta ou pelo paciente/cliente. Não existe uma música específica a ser
trabalhada, se faz necessário que o profissional entenda a finalidade de seu uso, o
momento do sujeito, as emoções, os sentimentos e as questões a serem
exploradas. Essa forma de utilizar a música também é um recurso para trabalhar
algumas funções, como a aprendizagem, a memória, a reabilitação motora etc.
(FREITAS; TÔRRES, 2015).
A música também pode ser usada com a finalidade de afetar a dimensão
física da pessoa, como um recuso de relaxamento, ou para extravasar alguma
energia acumulada. As autoras apontam que a chamada “música viva” é outro meio
de utilizar a música no contexto terapêutico, sendo essa criada pelo próprio
paciente/cliente a fim de se expressar através dela.
Conforme Cardoso (2010), a Musicoterapia pode ser aplicada com o papel de
facilitador da reflexão, comunicação e interação social, tendo como principal intuito
levar as pessoas a reverem o passado, possibilitando uma viagem pelas emoções e
imaginação. O autor afirma que através da música é possível expressar as
interações sociais e as experiências vividas e, além disso, ele aponta que a música
pode fazer com que o sujeito sinta um bem-estar físico e emocional, aliviando a dor
e a ansiedade.
52
No que se refere às possibilidades de uso da música, destacamos que ela
pode ser utilizada em todas as áreas de atuação do psicólogo, tais como instituições
de saúde e saúde mental (como os postos de saúde, os Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS, os hospitais, as clínicas de saúde etc.); instituições de
assistência social (como os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e
os Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS);
instituições de ensino (creches, escolas, colégios, institutos etc.) e clínicas de
reabilitação (reabilitação física, psicomotora, para dependentes químicos etc.).
Somado a isso, salientamos que o recurso da música pode ser manejado com
pessoas de qualquer faixa etária (bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos),
trazendo os mais variados benefícios relacionados ao desenvolvimento físico, motor,
sensorial, da linguagem, dentre outros, e, principalmente, auxiliando na expressão
dos pensamentos, afetos, emoções e sentimentos de uma forma terapêutica.
A partir disso, é possível perceber a importância do uso da música como um
recurso terapêutico auxiliar, podendo ser utilizada pelas mais diversas profissões e
em suas áreas de atuação, seja em instituições públicas ou privadas, e com
diferentes públicos, seja de forma individual ou em grupo.
Considerando o que foi discutido no decorrer deste capítulo, é possível
compreender o papel que a arte exerce na sociedade, desde os tempos das
cavernas, assim como as criações feitas pelo ser humano ao longo do tempo, que
resultaram no desenvolvimento e aprimoramento de cada tipo de arte. Notamos
como a música e os instrumentos musicais foram mudando sua forma de utilização
desde os povos antigos, tendo diferentes funções em cada época.
Após essa compreensão, chegamos ao entendimento da música como um
importante recurso terapêutico, que pode ser utilizado com diversas finalidades e
para auxiliar na intervenção de diferentes profissões, entre elas a Psicologia, nos
seus mais variados âmbitos de atuação.
Ainda que atualmente existam muitas técnicas dentro da música, o fazer
musical se iniciou utilizando a espontaneidade e a criatividade, elementos presentes
na teoria do Psicodrama criada por Jacob Levy Moreno, a qual será apresentada no
próximo capítulo.
53
3 AO RITMO DO PSICODRAMA
Hoje eu vou mudar
Vasculhar minhas gavetas
Jogar fora sentimentos
E ressentimentos tolos
Fazer limpeza no armário
Retirar traças e teias
E angústias da minha mente
(SÁ; FLORES, 1979)
No presente capítulo, será apresentada a teoria do Psicodrama criada pelo
psiquiatra Jacob Levy Moreno. Abordaremos acerca do seu processo de criação e
alguns dos principais conceitos que compõem essa teoria, à nível de informação, de
modo que se possa entender o que essa teoria propõe em termos de conceitos e
propostas de práticas. Desde já, informamos que alguns dos aspectos que serão
apresentados no decorrer desse capítulo não serão retomados em nossas análises.
Também abordaremos sobre a prática do Psicodrama, suas modalidades e algumas
de suas técnicas, dentre elas ressaltaremos a Psicomúsica.
Considerando que a proposta desse trabalho foi compreender a música como
uma forma de expressar as emoções e sentimentos tendo por base alguns conceitos
da teoria do Psicodrama, embasamos a nossa pesquisa em alguns deles, que
foram: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e Matriz de Identidade.
Antes de adentrarmos na discussão quanto à teoria, se faz necessário conhecer um
pouco a respeito da história do seu criador.
Moreno nasceu no dia 06 de maio de 1889 na capital Buscarest da Romênia,
mas aos cinco anos de idade mudou-se para Viena, capital da Áustria. Em sua
adolescência, por volta de 1907, ele era adepto do Hassedismo (seita judaica) e
criou o Seinismo (ciência do ser) e, assim, junto a alguns amigos, deu início ao que
chamou de religião do encontro. Esse grupo foi criado como uma forma de se
rebelar diante dos costumes que eram estabelecidos dentro da comunidade judaica
(RAMALHO, 2010).
54
Nessa época, em uma praça de Viena, Moreno começou a realizar com as
crianças o jogo de improviso tendo como finalidade lhes ajudar a aprimorar a
espontaneidade. Nesse momento de teatro infantil não havia o pensamento de criar
uma teoria, mas Moreno já trabalhava com métodos que mais tarde seriam
princípios fundamentais do Psicodrama.
Entre 1912 e 1917 Moreno cursou Medicina. Durante esse período, ele
trabalhou com prostitutas, com as quais articulou um grupo, que, mais tarde, se
transformaria em um sindicato. Em 1920 ele publicou seu primeiro livro, “As Palavras
do Pai”, e em 1921 publicou seu segundo livro, “O Teatro da Espontaneidade”. A
partir de seus estudos e suas criações, o recém-formado psiquiatra, que além de
médico também era filósofo e psicodramaturgo, realizou algumas experiências em
grupo com o Teatro da Espontaneidade (teatro sem roteiro prévio, que acontece
através da atuação espontânea), que originou o Teatro Terapêutico (atuação
espontânea com finalidade de resolver questões e conflitos do protagonista) e, em
seguida, nasceu a teoria do Psicodrama (RAMALHO, 2010).
Em 1925 Moreno saiu de Viena com destino aos Estados Unidos da América.
Em 1929, em Nova Iorque, ocorreu o primeiro psicodrama público, realizado com
jovens prisioneiros de instituições, prisões e internatos (BELLE, 2013). Sobre esse
período, Ramalho (2010, p. 30) afirma que Moreno
Desenvolverá trabalhos com jovens e prisioneiros de instituições (internatos e prisões) que lhe proporcionará voltar a sua atenção para a mensuração e investigação das relações humanas interpessoais, sedimentando os métodos da sociometria e desenvolvendo o seu teste sociométrico.
Seu primeiro teatro terapêutico foi construído em 1937 em Beacon House, a
90km de Nova York, onde centralizou uma clínica psiquiátrica e um instituto
formativo. Ainda em 1937, Moreno lançou a Revista Sociométrica e se juntou às
universidades de Nova York e Colúmbia. No início dos anos de 1940 fundou a
Sociedade Americana de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo.
No que se refere à sua vida pessoal, Moreno casou-se com Beatrice Beecher
no ano de 1926, mas acabaram se divorciando em 1938, e nesse mesmo ano ele se
casou com Florence Bridge, com quem teve uma filha chamada Regina, mas
55
separou-se dela em 1949 e logo casou-se com Zerka Toeman, que foi sua parceira
tanto no campo afetivo, quanto no profissional. Os dois tiveram o segundo filho de
Moreno, Jonathan Moreno, que também veio a se tornar sociometrista.
Moreno faleceu em 14 de maio de 1974 aos 85 anos e havia pedido que
estivesse em sua lápide a seguinte frase: “Aqui jaz quem devolveu a alegria à
Psiquiatria”. As principais obras deixadas por ele são: “Quem sobreviverá? As bases
da sociometria” publicada em 1934, “Psicodrama” publicada em 1946, “Psicoterapia
de Grupo e Psicodrama” publicada em 1959 e “Fundamentos do Psicodrama”
publicada em 1959. Após apresentarmos o pai do Psicodrama, é hora de
conhecermos sua teoria e os elementos que a compõem, começando pelo seu
surgimento.
3.1 A Teoria Moreniana
Em sua infância, Moreno já mostrava indícios de ideias que anos à frente
usaria em sua teoria. A primeira manifestação dessas ideias aconteceu quando ele
tinha cinco anos de idade, em um momento de brincadeira com outras crianças, o
qual foi chamado de “Deus e anjos”, quando um dos garotos indagou o motivo de
Moreno não voar, então, “o menino Deus Moreno”, em um ato de espontaneidade,
voou, caiu e fraturou o braço direito (RIBEIRO, 2014).
Entre os anos de 1908 e 1911 Moreno reunia crianças para que elas fizessem
representações improvisadas com a finalidade de tratar questões delas por meio da
espontaneidade e da criatividade. Em 1921 ele começou a trabalhar com uma
modalidade de teatro na qual os atores não possuíam roteiros definidos, podendo,
assim, improvisarem durante a dramatização. Essa forma de fazer teatro ficou
conhecida como Teatro da Espontaneidade.
Segundo Ribeiro (2014), foi em um dos encontros do Teatro da
Espontaneidade que Moreno conheceu a jovem atriz Barbara, que era conhecida por
interpretar papeis românticos, ingênuos e heroicos. Ela casou-se com George, um
jovem poeta e autor teatral, que era expectador assíduo das apresentações dela.
Certo dia, Moreno encontrou-se com o marido de Barbara, o qual lhe relatou que a
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criatura doce e angelical admirada pela plateia, quando estavam a sós, se
comportava de maneira rude e agressiva.
Na busca por ajudar o casal, Moreno passou a colocar a atriz para interpretar
papeis agressivos, nos quais ela pudesse se aproximar da realidade que vivia em
casa. Ao longo desse processo, George estava sempre dando informações a
Moreno sobre como sua esposa estava se comportando em casa. O casal chegou a
contracenar junto, colocando em prática o Teatro Terapêutico.
Diante das descobertas que teve com o caso de Barbara e de outras
experiências que realizou, Moreno metodizou e “[...] desenvolveu um sistema
simbólico para compreensão do ser humano, criou um método de tratamento
psicoterapêutico conhecido como Psicodrama e métodos de investigação
sociológica e treinamento dos papeis” (RIBEIRO, 2014, p. 29).
A respeito do termo psicodrama, Moreno (1975, p. 61) discorre que “[...]
drama é uma transliteração do grego, que significa ação ou uma transliteração de
uma coisa feita à Psique e com a Psique – a Psique em ação”. O autor define a
teoria do Psicodrama como sendo um “[...] método que penetra a verdade da alma
através da ação” (MORENO, 1974, p. 96 apud RIBEIRO, 2014, p. 29). Logo, para
ele, o Psicodrama é um método dramático de ação profunda, que explora e lida com
as verdades do indivíduo.
Ainda sobre a definição da teoria, Fox (2002, p. 45) aponta que o Psicodrama
é “[...] uma ciência que busca a ‘verdade’, por meio de métodos dramáticos,
trabalhando com relações interpessoais e mundos privados”. Essa teoria surgiu
como uma oposição aos métodos individualistas e racionalistas que existiam na
época, compreendendo o sujeito como um ser bio – psico – social e cósmico.
No Psicodrama, o paciente expõe o modo como se sente no momento em
que dramatiza a situação. Sobre isso, Moreno (1975, p. 232) afirma que
Tem de levar o paciente a expressar como se sente aqui e agora, não só através de palavras mas também por gestos e movimentos. Ele tem de atuar não só no papel de suas situações imediatas mas também em papéis que contrastam com suas aspirações reais. Tem de vivenciar situações que são penosas e indesejáveis, representar
papeis que lhe são odiosos.
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Com relação ao Teatro Terapêutico, Fox (2002, p. 140) diz que “O teatro é um
espaço objetivo, onde o sujeito pode atuar seus problemas e suas dificuldades,
relativamente livre das pressões e ansiedades do mundo exterior”. Desse modo,
para fazer-se possível, é necessário que a realidade do cliente seja reproduzida de
maneira espontânea e sejam identificadas expressões visíveis em papeis que estão
ocultos, bem como nos relacionamentos invisíveis estabelecidos por ele.
Destacamos que o Psicodrama não é a “cura pela ação” como alternativa a
uma “cura pela fala” (FOX, 2002). A ideia não é que as pessoas atuem de maneira
aleatória, sem cuidado, como se apenas a atividade fosse capaz de produzir
resultado (resolução de uma questão). Assim, no Psicodrama, não se exclui as
palavras, as coloca em um contexto mais amplo, responsabilizando o indivíduo
(cliente) pelo que diz e faz. Além desse entendimento, é importante que o diretor
(Terapeuta) tenha experiência na arte do Psicodrama, pois ele precisa sentir o que
pode ou não explorar da personalidade do cliente e saber se a energia deste é
compatível com o conteúdo que o Terapeuta quer explorar.
Nessa modalidade terapêutica, o cliente (ator) interpreta ele mesmo, sua vida,
seu mundo pessoal. Ele é livre para manifestar no palco as coisas que ocorrem em
sua mente, por isso se faz necessário que haja a liberdade de expressão e a
espontaneidade. Acerca disso, Fox (2002, p.139) discorre que
O psicodrama toma processos reais, situações, papéis e conflitos, levando-os para um contexto experimental, o teatro terapêutico que pode ser tão amplo como as asas da imaginação consigam fazê-lo, incluindo aí cada partícula de nossos mundos reais.
Ainda sobre o Teatro Terapêutico, o autor afirma que
O palco proporciona ao ator um espeço vivo, multidimensional e extremamente flexível. O espaço vivo da realidade é muitas vezes estreito e restritivo; o ator pode facilmente perder o equilíbrio. No palco ele pode encontrá-lo novamente devido a sua metodologia de
liberdade (Ibid., p. 45-46).
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Nesse contexto, além de ser um lugar para representação de arte e diversão,
o teatro também era utilizado como um espaço de caráter terapêutico, o qual as
pessoas em sofrimento procuravam visando atingir uma catarse. Catarse é um
conceito que foi introduzido por Aristóteles para exprimir o que ocorria com os
espectadores ao nível das sensações ao assistirem uma apresentação teatral com
finalidade artística. Diante disso, segundo Moreno (1975, p. 38), “[...] o teatro tende a
purificar os espectadores, ao excitar artisticamente certas emoções que agem como
uma espécie de alívio ou descarga de suas próprias paixões egoístas”.
Para se encaixar no Psicodrama, o conceito de catarse sofreu uma
modificação. Essa mudança se deu pelo fato de que o teatro escrito tinha sua ênfase
na plateia, já o Teatro Espontâneo do Psicodrama tem sua ênfase nos atores. Sobre
isso, Moreno (1975, p. 38) explica que o Psicodrama “[...] produz um efeito
terapêutico – não no espectador (catarse secundária) mas nos atores-produtores
que criam o drama e, ao mesmo tempo, se libertam dele”. Desse modo, ele
compreende que o cliente (ator) vivencia uma catarse mental no momento em que
está se libertando de seus conflitos e emoções aos quais estava preso. Com isso,
para o autor, “A catarse é gerada pela visão de um novo universo e pela viabilidade
de novo crescimento” (p. 65).
O conceito de catarse do Psicodrama bebe da concepção de catarse primária
(ativa, vivenciada pelo ator) das religiões do Oriente e da concepção de catarse
secundária (passiva, vivenciada pelo espectador) de Aristóteles. Sendo assim, o
Psicodrama ficou com o palco e o teatro dos gregos e a perspectiva oriental de que
o ator é o locus da catarse. A partir dessa perspectiva, entende-se que a catarse
mental é um dos meios de se atingir ou ampliar o equilíbrio do sujeito. Para
conseguir alcançar esse equilíbrio, é necessário que o agente produtor da catarse
seja posto no locus da dor. Dessa forma, o cliente (ator) sentir-se-á aliviado de suas
angústias, tristezas e medos sem que haja uma mudança externa (MORENO, 1975).
Ancorado a esse conceito de catarse mental está o conceito moreniano de
catarse de integração, que é um aparato terapêutico pelo qual é possível a liberação
de afetos e emoções, bem como sua elaboração futura e concepção de novas
formas de estar no mundo. Dentro desse processo de catarse existe uma
aproximação entre o cliente (ator) e seus conflitos, tornando-se possível que ele crie
uma nova dimensão para as suas relações e o seu estar no mundo (BELLE, 2013).
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Considerando essa discussão, em síntese, Moreno defendia que a partir do
trabalho com a espontaneidade poder-se-ia atingir uma catarse ativa, na qual o
próprio cliente (ator) teria a possibilidade de se libertar de suas limitações e de seus
aprisionamentos, de modo a enxergar um novo panorama de “[...] realizações,
integrando suas partes, seus opostos e paradoxos” (BELLE, 2013, p. 37).
Adiante, no decorrer desse capítulo, serão apresentados alguns dos principais
pontos da teoria moreniana, que são: Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele,
Matriz de Identidade e Teoria dos Papeis.
3.1.1 Espontaneidade e Criatividade
Moreno constrói sua teoria a partir de observações sociais e isso fez com que
ele percebesse a importância dos conceitos espontaneidade e criatividade. O teórico
entende que estes são de grande relevância para o desenvolvimento tanto do
processo terapêutico quanto da vida.
Ele aponta que na espontaneidade “[...] o protagonista é desafiado a
responder, com um certo grau de adequação, a uma nova situação ou, com certa
medida de novidade, a uma antiga situação” (MORENO, 1975, p. 36). Ainda sobre
este conceito, o autor afirma que “[...] essa resposta do indivíduo a uma nova
situação – e à nova resposta a uma antiga situação – chamamos espontaneidade”
(MORENO, 1975, p. 101, grifo do autor).
A espontaneidade (nomeada pelo autor de Fator E) não é algo permanente, é
um estado que flui, aparecendo e desaparecendo gradualmente. Segundo ele, o
estado de espontaneidade é uma entidade psicológica independente que não surge
de maneira consciente, pois a consciência forma barreiras que inibem a
espontaneidade. Assim, ela consente que o indivíduo aja naturalmente, livre das
conservas culturais, as quais consistem em costumes, comportamentos e objetos
que ao longo do tempo se mantêm em uma cultura.
Existem conservas culturais subjacentes em todas as formas de atividades criadoras – a conserva alfabética, a conserva numérica, a conserva linguística e notações musicais. Essas conservas
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determinam as nossas formas de expressão criativa. Podem funcionar uma vez como força disciplinadora, outras vezes como obstáculos. É possível reconstruir a situação da criatividade num período anterior às conservas que dominam a nossa cultura (MORENO, 1975, p. 351).
Desse modo, de acordo com o autor, no momento em que o sujeito se prende
ao que a sua criatividade já produziu, ele está apenas conservando algo que já está
pronto, deixando de exercer a sua espontaneidade (Fator E). Moreno afirma que
para a criatividade ser colocada em prática, é necessário utilizar as conservas
culturais apenas como o ponto de partida e a base de ação, pois, caso contrário,
elas podem se transformar em obstáculos.
Ainda com relação às conservas culturais, Fox (2002, p. 82) pontua que “[...]
apesar do seu nascimento ser consequência da operação de processos
espontâneos, seu desenvolvimento começou a ameaçar e extinguir a centelha que
reside em sua origem”. Ou seja, as conservas culturais surgiram da espontaneidade
do ser humano, mas seu desenvolvimento passou a ameaçar o Fator E que está em
sua origem.
Na visão de Moreno, o Fator E não está disposto em um reservatório, mas
sim disponível no ser humano em quantidades variáveis (de mínima à máxima) para
acesso imediato. Logo, quando o indivíduo se defronta com uma situação, utiliza o
Fator E para nortear suas emoções, pensamentos e ações. Segundo ele, existem
quatro expressões características da espontaneidade:
• Qualidade dramática – quando o indivíduo repete o que já foi experimentado,
mas com um toque de novidade, as ações são corriqueiras, mas ele é capaz
de atribuir particularidades a elas;
• Criatividade – em oposição à anterior, o indivíduo criativo é produtivo e
criador, ele é capaz de criar novas ideias e novos modos de agir;
• Originalidade – diferente do criativo, o original cria novas coisas, se baseia
nas conservas culturais acrescentando algo em sua forma original, mas nada
que seja uma contribuição significativa;
• Adequação da resposta – capacidade de responder adequadamente a uma
situação, sendo esse modo de se expressar “[...] uma aptidão plástica de
adaptação, mobilidade e flexibilidade do eu” (MORENO, 1975, p. 144).
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A respeito dos conceitos espontaneidade e criatividade, o criador do
Psicodrama alega que
A vinculação da espontaneidade à criatividade foi um importante avanço, a mais elevada forma de inteligência de que temos conhecimento, assim como o reconhecimento de que ambas são as forças primárias no comportamento humano (Ibid., p. 37).
Sobre isso, Almeida (1998) afirma que o ser humano tem reserva de
criatividade, mas para manifestar essa potencialidade, faz-se necessária a presença
da espontaneidade. Geralmente, o Fator E vai sendo freado ao decorrer da vida
para que o indivíduo não fale ou faça o que lhe vier à cabeça, pois isso poderia lhe
trazer problemas no convívio social. Como pode ser observado nas crianças, que
esbanjam espontaneidade, há bastante criatividade, pois elas ainda não possuem
freio para esse fator.
Pelo fato dos conceitos espontaneidade e criatividade estarem intimamente
ligados, percebe-se que quando há uma diminuição da espontaneidade ocorre uma
diminuição da criatividade, o que leva o sujeito a não conseguir tomar decisões
rápidas quando se encontra em uma situação inédita em sua vida. Acerca disso,
Moreno (1975, p. 37) aponta que “[...] no Psicodrama, em particular, a
espontaneidade opera não só na dimensão das palavras, mas em todas as outras
dimensões de expressão, como a atuação, a interação, a fala, a dança, o canto e o
desenho”.
Diante do que foi discutido até então, podemos compreender a importância da
relação entre a espontaneidade e a criatividade, que são conceitos relevantes para o
entendimento da Teoria do Psicodrama de Moreno e de como esta enxerga a
dimensão individual do ser humano e as implicações das conservas culturais em seu
cotidiano. Considerando que a teoria moreniana concebe o ser humano como bio –
psico – social e cósmico, seu criador apresenta como um dos seus fundamentos o
conceito Fator Tele, que foca na dimensão social, e será apresentado a seguir.
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3.1.2 Fator Tele
O Fator Tele (Fator T) é um dos eixos fundamentais do Psicodrama e é
definido por Moreno como sendo “[...] uma ligação elementar que pode existir tanto
entre indivíduos, como [...] entre indivíduos e objetos e que [...] progressivamente
desde o nascimento, desenvolve um sentido das relações interpessoais” (MORENO,
1974, p. 52 apud RIBEIRO, 2014, p. 31).
O autor acredita que esse conceito se aplica a todas as dimensões de
comunicação, tendo, consequentemente, uma dimensão social. Sendo assim, o
Fator T é o elemento necessário para as relações interpessoais sociais, envolvendo
também aspectos emocionais do indivíduo.
Almeida (1998) aponta que o Fator T é a sensibilidade ou percepção afetivo-
emocional que atravessa a inter-relação humana. Acerca disso, em seu livro “Ainda
e Sempre Psicodrama”, Perazzo (1994, p. 35) afirma que
Hoje fica claro para mim que tele ora é definida como um fator, à semelhança do fator ‘e’ (espontaneidade) que, próprio do indivíduo, é capaz de atuar num dado momento em uma dada relação, sendo responsável pela força de coesão de um grupo ou pela estabilidade desta mesma relação, ora como um canal de comunicação e expressão desobstruído de transferência e que viabiliza o encontro.
Moreno acredita que a espontaneidade, a criatividade e o Fator T se
desenvolvem nos anos iniciais de vida do indivíduo, momento no qual ele está
inserido no que o autor chama de Matriz de Identidade (que será apresentada na
próxima seção).
Nesse sentido, ele explica que é na infância onde ocorre o primeiro reflexo
social do Fator T, na chamada Matriz de Identidade, sendo essa uma fase em que o
bebê não consegue distinguir o que está longe e o que está perto. Contudo, à
medida que vão se desenvolvendo os receptores visuais, físicos e auditivos, o bebê
passa a se aproximar de pessoas e objetos e inicia esse processo de distinção.
Sendo assim, diante do que foi exposto, podemos entender que o Fator T é
um fenômeno de interação que pode ser compreendido não só como fundamento
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das relações interpessoais, mas também como elemento primordial em toda e
qualquer psicoterapia, estando relacionado à posição social que o sujeito ocupa.
Portanto, ressaltamos a importância desse fator por trazer à tona a
capacidade do indivíduo de se perceber além de si e de enxergar os acontecimentos
da vida, entendendo o próprio papel, o papel do outro e como atuar nessas
interações sociais, logo, é a capacidade de ter uma visão da cena como um todo.
3.1.3 Matriz de Identidade
Moreno criou o conceito de matriz de identidade para estabelecer o período
inicial a partir do qual o indivíduo começa a se constituir socialmente e desenvolver
seus conceitos e habilidades. O autor define que “Matriz de identidade é, no
momento do nascer, o universo inteiro do bebê, não há diferenciação entre o interno
e o externo, entre objetos e pessoas, entre psique e meio; a existência é una e total”
(MORENO, 1975, p. 26).
Diante disso, a partir desse conceito, entende-se que, ao nascer, o bebê entra
em um grupo social do qual ele é dependente para suprir suas necessidades
fisiológicas, psicológicas e sociais. Inicialmente, a matriz de identidade está ligada
às necessidades fisiológicas do recém-nascido e, posteriormente, passa a se ligar
às necessidades psicológicas e sociais. Sendo assim, Bermúdez (1980) afirma que
a matriz de identidade fornece ao bebê o alimento físico, psíquico e social, e Moreno
(1975) pontua que ela é uma espécie de placenta da criança, nesse caso, uma
placenta social.
A matriz de identidade é o período no qual o bebê não tem autonomia e não
sabe distinguir o real do imaginário, a fantasia da realidade. Nessa fase, o bebê
ainda não é capaz de diferenciar o que está próximo e o que está distante,
gradualmente, ele passa a desenvolver esse sentido e começa a se aproximar ou
distanciar de pessoas e objetos, sendo esse o seu primeiro reflexo social.
Ao estar inserido em um grupo social, que geralmente é a família, o bebê vai
incorporando as características do mesmo e assimilando suas pautas (crenças,
valores, costumes etc.) a partir do contato vivencial, cabendo a esse grupo preparar
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o bebê para a inserção na sociedade. Logo, essa preparação se dá por meio da
transmissão da herança cultural, processo em que o bebê vai aprendendo os papeis
que existem e são executados no seu grupo social.
Relativo a isso, Bermúdez (1980) aponta que esse processo de preparação
possui três características, coação, coexistência e coexperiência, que ocorrem em
cinco etapas:
• A primeira etapa corresponde à identidade total que existe entre o bebê e as
outras pessoas do seu grupo social, de modo que o processo de
conhecimento do seu meio, que se dá através do ato (ação), ocorre sem que
o bebê possa diferenciar o que é próprio dele e o que é do outro;
• A segunda etapa consiste no fato de que o bebê concentra sua atenção nos
outros indivíduos e, gradativamente, começa a estranhar parte de si na
relação com o outro, dando início ao processo de diferenciação;
• A terceira etapa ocorre quando o bebê começa a delimitar e distinguir melhor
o que é seu (suas experiências) e o que é do outro;
• A quarta etapa se caracteriza pela ação do bebê de jogar ativamente o papel
dos componentes do grupo social com objetos, ou seja, o bebê observa o
movimento das pessoas do seu entorno e imita a atuação interagindo com
objetos; e
• A quinta etapa se assemelha a anterior, contudo, a diferença está no fato de
que a interação do bebê agora não é mais realizada com objetos, mas sim
com os integrantes do seu grupo social.
Portanto, considerando o que foi apresentado, percebemos a importância do
conceito de matriz de identidade para a teoria do Psicodrama, pois, segundo Moreno
(1974 apud BERMÚDEZ, 1980), é nessa fase que ocorre a construção das bases
psicológicas que darão suporte ao desempenho (atuação) de papeis sociais.
Assim, as interações que ocorrem no período da matriz de identidade entre o
bebê e os componentes do seu grupo social, ou seja, a forma como o indivíduo é
tratado e apresentado ao mundo pelas pessoas do seu meio, impactará diretamente
no modo como ele irá se colocar na sociedade, os papeis que assumirá e como os
executará, sendo esse o foco de discussão da próxima seção.
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3.1.4 Teoria dos Papeis
Papel é a postura, a função, o personagem que o indivíduo assume diante da
sociedade com finalidade de reagir a uma situação específica. Relacionado a isso,
Fox (2002, p. 113) afirma que esse modo de funcionamento é concebido através das
“[...] expectativas passadas e pelos padrões culturais da sociedade em que o
indivíduo vive”. Logo, o papel é a junção dos elementos privados, sociais e culturais
experimentados pelo sujeito.
Nesse sentido, Fox (2002, p.112) define papel como “[...] as formas tangíveis
e concretas assumidas pelo eu”. Em consonância, Moreno (1975, p. 206) aponta
que “[...] papel pode ser definido como as formas reais e tangíveis que o eu adota”,
dividindo os papeis em: sociais, fisiológicos ou psicossomáticos e psicológicos ou
psicodramáticos.
Os papéis são os embriões, os precursores do eu, e esforçam-se por se agrupar e unificar. Distingue os papéis fisiológicos ou psicossomáticos como os do indivíduo que come, dorme e exerce atividade sexual; os papéis psicológicos ou psicodramáticos, como os de fantasmas, fadas e papéis alucinados, e, finalmente, os papéis sociais, como os de pai, policial, médico, etc. [...] Os papéis psicossomáticos, no decurso de suas transações, ajudam a criança pequena a experimentar aquilo a que chamamos o corpo; que os papéis psicodramáticos a ajudam a experimentar o que designamos por ‘psique’; e que os papéis sociais contribuem para se produzir o que denominamos sociedade. Corpo, psique e sociedade são, portanto, as partes intermediárias do eu total (Ibid., p. 25-26, grifos nossos).
Sendo assim, a partir dos autores, compreende-se que o conceito de papel se
estende para todas as dimensões da vida, desde o nascimento, perpassando por
toda a vida privada e social do sujeito. Além disso, eles destacam que o processo de
papeis tem início no período não verbal, por isso a Teoria dos Papeis não pode ser
restrita aos papeis sociais, se estendendo também aos papeis psicossomáticos e
psicodramáticos.
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Até então, pudemos ter um breve contato com as principais bases conceituais
da teoria do Psicodrama. Daremos continuidade as nossas discussões conhecendo
o lado prático da teoria moreniana (suas modalidades e técnicas).
3.2 Prática Psicodramática
De acordo com Bermúdez (1980), a prática do Psicodrama é sustentada por
três bases: contextos, instrumentos e etapas de uma sessão psicodramática. A
primeira base é o contexto, sendo ele derivado da junção dos eventos da vida do
sujeito, que se relacionam em um espaço-tempo e se dividem em três, são eles:
social, grupal e dramático, conforme definido no Quadro 2.
Quadro 2 – Contextos da Prática Psicodramática
Contextos Definições
Social É o contexto fora do grupo no qual o sujeito vive, adoece e é controlado por leis e normas sociais que decretam suas condutas e compromissos.
Grupal
É formado pelos pacientes e terapeutas, com seus costumes, leis e normas. Assemelha-se ao contexto social, pelo fato de os indivíduos serem responsáveis pelos seus atos e palavras perante os outros membros, mas diferencia-se do contexto social, por ter maior liberdade, compreensão e tolerância, pois se trata de um ambiente com cunho terapêutico.
Dramático
É a cena montada, o contexto artificial, no qual os protagonistas vivem no “como se”. Ela acontece no contexto grupal, mas existe uma diferença entre a realidade (grupal) e a fantasia (dramático), e entre o
indivíduo e o papel que ele interpreta em cena.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).
A segunda base da prática psicodramática, os instrumentos, são os meios
utilizados para executar as técnicas e métodos psicodramáticos, sendo eles:
Protagonista ou Paciente, Cenário, Diretor ou Terapeuta, Egos-Auxiliares e Auditório
ou Público; os quais estão dispostos no Quadro 3.
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Quadro 3 – Instrumentos da Prática Psicodramática
Instrumentos Definições
Protagonista
ou
Paciente
É a pessoa central da dramatização, quem aponta o tema e dramatiza a partir dele, é o autor e ator da cena, que, junto com o diretor, dá as diretivas iniciais para a execução da dramatização.
Cenário
É o local onde é realizada a dramatização que, preferencialmente, deve ter um formato circular e com degraus para que as pessoas do auditório possam colocar os pés com a finalidade de diminuir a distância entre contexto dramático e grupal.
É o espaço terapêutico no qual as técnicas do Psicodrama são aplicadas.
É o lugar em que o Paciente está livre para se manifestar.
É onde o Terapeuta pode trabalhar in vivo.
Diretor
ou
Terapeuta
É a pessoa responsável pelos diferentes aspectos do Psicodrama, tendo três funções:
Produtor – distingue os conteúdos que o Paciente traz, quais cenas convêm dramatizar e apresenta novas cenas que possam ampliar a
visão do Paciente e auxiliar em seu insight;
Terapeuta – mantem o enfoque terapêutico e não permite que saia desse caminho. É responsável por dar início à sessão, facilitar a concretização do que emerge através do Protagonista, intervir nas cenas, dirigir os Egos-Auxiliares, introduzir novas técnicas, estimular o auditório a comentar, analisar indivíduo e grupo e encerrar a sessão; e
Analista Social – através do que é trazido pelos Egos-Auxiliares, auditório e suas observações, o Terapeuta analisa o que foi dito e observado com relação ao Protagonista, ao grupo terapêutico e aos grupos sociais representados.
Egos-Auxiliares
Fazem parte da equipe terapêutica, munidos de conhecimento psicológico e treinamento psicodramático. São importantes para a dramatização, pois atuam como os personagens da história do protagonista e criam aquilo que o processo terapêutico requer. É o instrumento de intermédio entre Paciente e Diretor. Além de uma boa formação, é necessário que Egos-Auxiliares e Diretor tenham um bom vínculo entre si.
Auditório
ou
Público
São as pessoas que estão no contexto grupal, ou seja, fora do cenário. É composto tanto pelo Paciente, quanto pelos Egos-Auxiliares, e tem duas funções:
Em relação ao Protagonista – dá requinte, intensidade e compromisso ao que é feito no cenário, como também observa e avalia o que acontece em cena. O Protagonista fica diante de pessoas que têm próprios níveis de censura e aplauso, correspondendo, assim, ao
contexto social; e
Em relação ao próprio auditório – dá coesão ao grupo devido ao seu número de participantes e aos diversos graus de relação entre os componentes.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).
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Por fim, a terceira base da prática psicodramática são as etapas de uma
sessão psicodramática, sendo elas: aquecimento, dramatização e compartilhar; as
quais são detalhadas no Quadro 4.
Quadro 4 – Etapas de uma Sessão Psicodramática
Etapas Definições
Aquecimento
Momento de preparação do organismo para a ação.
São dois os tipos de aquecimento:
Inespecífico – realizado com o auditório, a fim de centralizar a atenção,
diminuir a tensão e facilitar a interação; e
Específico – realizado com o Protagonista que emerge do grupo, a fim de prepará-lo para uma melhor dramatização.
Dramatização É o centro do Psicodrama, onde o material que o Protagonista traz será trabalhado com técnicas para que seja concretizado em seu contexto particular e no campo terapêutico.
Compartilhar Momento que se pede que as pessoas do auditório teçam comentários sobre o que foi dramatizado, o Protagonista e eles mesmos.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).
Levando em consideração que a prática psicodramática pode ser realizada de
diferentes formas, se faz necessário, a seguir, apresentar suas modalidades.
3.2.1 Modalidades de Psicodrama
Moreno desenvolveu sua teoria levando em consideração a terapia de grupo
e os contextos sociais (MORENO, 1975). Porém, ao longo do tempo, foram surgindo
novas modalidades e três delas serão abordadas: Psicodrama bipessoal,
Psicodrama individual com egos auxiliares e Psicodrama grupal.
Ribeiro (2014) aponta que o Psicodrama bipessoal é uma abordagem
psicoterapêutica que envolve apenas o paciente e o terapeuta, não havendo a
participação de egos auxiliares. Nesse, o terapeuta assume o papel de personagem,
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utilizando seu corpo e voz, e para auxiliar na dramatização, podem ser usados
objetos do local, como almofadas, por exemplo.
Moreno faz uma crítica a essa modalidade por considerá-la antiespontânea,
de modo que entende ser uma incapacidade do terapeuta em adicionar pessoas no
processo. Um aspecto positivo dessa modalidade é a possibilidade de se
estabelecer um vínculo com mais rapidez pelo fato de a relação envolver apenas
duas pessoas.
Acerca do Psicodrama individual com egos auxiliares, a autora explica que ele
se diferencia do Psicodrama bipessoal por ser uma abordagem onde os egos
auxiliares são utilizados. Desse modo, nessa modalidade se fazem presentes o
paciente, o terapeuta e pelo menos um ego auxiliar. Sua vantagem é a diminuição
das chances de ocorrer a contratransferência, que é a resposta emocional do
terapeuta diante do que o paciente projeta nele, bem como seus sentimentos dentro
do contexto terapêutico (ZAMBELLI et al., 2013). A desvantagem é que, geralmente,
essa modalidade necessita de um maior investimento financeiro (caso seja um
serviço pago), comparada à anterior.
Já na terceira e última modalidade aqui citada, o Psicodrama grupal, existe a
presença do terapeuta (diretor), de um ou mais egos auxiliares e de um grupo de
pessoas (auditório), do qual surge o protagonista. Sobre esse, Ribeiro (2014) pontua
que não necessariamente será atuado por apenas uma pessoa, pois é um posto que
pode ser rotatório, ou seja, mais de uma pessoa pode assumir esse papel ao longo
da prática psicodramática.
Sendo na modalidade individual, bipessoal ou em grupo, existem algumas
técnicas que são utilizadas nesse processo psicoterapêutico, e algumas delas serão
apresentadas na próxima seção.
3.2.2 Técnicas de Psicodrama
Segundo Bermúdez (1980), foi necessário o desenvolvimento de técnicas
para acessar os mais profundos níveis do mundo interpessoal, dentre elas estão:
autoapresentação, solilóquio, psicodramática de representação de sonhos,
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improvisação espontânea, espelho, projeção, inversão, distância simbólica, ego
duplo e realização simbólica; as quais serão brevemente apresentadas no quadro a
seguir:
Quadro 5 – Algumas Técnicas Psicodramáticas
Técnicas Psicodramáticas
Descrições
Técnica da Autoapresentação
O paciente se apresenta e revive situações da sua vida, em especial as de conflito. Nesse momento ele apresenta para o Psicodramista e Egos Auxiliares, de modo concreto, as pessoas do seu convívio, tais como seu pai, sua mãe, seu patrão, seu cônjuge etc. Não é para representar “papeis”, sendo um pai, uma mãe ou um patrão genérico, mas sim representar seu pai, sua mãe ou seu patrão, como o paciente os enxerga. A apresentação pode ser de situações do passado, presente ou futuro. Se necessário, o paciente pode pedir a colaboração de parceiros. Para esse momento, é pedido que ele retrate o outro com o máximo de detalhes possível.
Técnica do Solilóquio
É solicitado ao paciente que verbalize sintomas e pensamentos, que realmente teve e foram ocultados na situação ocorrida a ser dramatizada, com a finalidade de atingir a catarse com essa duplicação do que foi sentido e pensado. Há um segundo tipo dessa técnica, no qual o paciente atua em um papel fictício, em uma situação fictícia e, no decorrer da cena, entre movimentos e fala,
expõe o que está pensando e sentindo no momento.
Técnica Psicodramática
de Representação
de Sonhos
O paciente retrata seu sonho tal qual estava nele, gestos e movimentos, descrevendo cada ato, pensamento, sentimento, objetos e diálogos. No caso de interações, Egos Auxiliares entram em ação para representar os personagens do sonho, atuando conforme orientações do ator-sonhador.
Técnica da Improvisação Espontânea
O paciente não representa a si e aos eventos de sua vida, mas sim papeis propostos, fictícios. Mesmo não representando a si, é possível notar que no personagem fictício há traços da personalidade de quem está atuando.
Técnica do Espelho
O paciente observa um Ego Auxiliar representar seu papel. A partir dessa observação ele pode refletir sobre o modo como tem agido em sua vida e aprender a atuar de forma diferente diante da sua realidade.
Técnica da Projeção
O paciente monta a cena e os Egos Auxiliares representam os personagens, de acordo com o roteiro montado por ele.
Técnica da
Inversão
O paciente representa o papel de alguém conhecido por ele e um Ego Auxiliar, ou a pessoa representada por ele, desempenha o seu papel, ou seja, ocorre uma troca de papeis. Nesse caso, para além da técnica do espelho, o paciente tanto é estimulado a objetivar-se,
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quanto também é levado a reagir a “si mesmo” do modo como julga que a pessoa cujo papel ele está encenando possivelmente reagiria.
Técnica da Distância Simbólica
Inicialmente, o paciente é convidado a representar um papel distante da sua realidade e, durante esse processo, vai-se propondo uma série de papeis que gradativamente vão se assemelhando com a sua realidade, até atingir o papel que se deseja vê-lo encenando.
Técnica do Ego Duplo
Um Ego Auxiliar representa o ego superficial do paciente, que é como ele se apresenta na vida cotidiana e é de fácil identificação, enquanto o paciente representa seu ego mais profundo, sendo a parte invisível de si e de difícil acesso às demais pessoas. Ou seja, a cena em questão é uma representação da luta entre os egos superficial e profundo do paciente.
Técnica da Realização
Simbólica
Consiste em colocar o protagonista em situações diferentes da realidade dele, mas que simbolizem a mesma forma de atuar diante
dos acontecimentos.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Bermúdez (1980).
Além dessas, outra técnica desenvolvida dentro do Psicodrama é a
Psicomúsica. Com ela, Moreno apresentava a proposta de resgatar a
espontaneidade musical dos músicos e, para as pessoas em geral, de possibilitar o
aceso à música. Tal técnica será apresentada na próxima seção.
3.2.2.1 Psicomúsica
Antes de darmos início à explicação sobre essa técnica da prática
psicodramática, iremos resgatar alguns pontos abordados na história da música.
Como discutido no capítulo anterior, nos tempos antigos, a música era feita a partir
dos sons emitidos de batuques e movimentos com o corpo e das vocalizações dos
indivíduos, sendo essa a forma primária de se fazer música.
Com o passar do tempo, foram sendo criados e desenvolvidos instrumentos
de corda, metal, percussão, teclas e sopro, como também foi realizado o
adestramento do canto, dando lugar à forma secundária de se fazer música. Por um
período, compor, tocar e cantar eram atividades da elite, sendo restritas a uma parte
da sociedade. Sendo assim, nessa época, os sujeitos que estavam fora dessa
72
classe se restringiam a serem ouvintes e/ou músicos frustrados (FREDERICO, 1999;
QUEIROZ et al., 2014).
Após essa breve retomada, podemos iniciar a discussão sobre a
Psicomúsica, que, conforme Valongo (1998), é um processo espontâneo de criação
musical, seja por uma pessoa, um grupo ou uma cultura. Essa prática psicomusical é
realizada pelo psicomúsico (paciente que está em terapia psicodramática), o qual é
acompanhado do psicodramista (terapeuta).
Há duas formas de se fazer Psicomúsica: a orgânica, na qual se utiliza o
organismo/corpo como agente único para a musicodramatização, seja individual ou
em grupo; e a instrumental, na qual instrumentos musicais são utilizados para
expressão espontânea, a fim de externar a musicalidade orgânica do sujeito, não
sendo necessário se ter o domínio da teoria e da prática musical.
No que se refere à primeira, segundo a autora, Moreno acreditava na
necessidade de voltar às formas primitivas de se fazer música, pois o corpo é um
importante instrumento na vivência musical. Ele considerava a improvisação como
sendo uma técnica que possibilita o aperfeiçoamento da capacidade de criação
espontânea. Sobre isso, a autora aponta ainda que a produção de uma música é um
processo profundamente pessoal, portanto, um caminho seguro a ser seguido é a
composição da própria música, de modo espontâneo.
Acerca do processo do trabalho psicomusical, Valongo (1998) afirma que
esse abrange conflitos intrapsíquicos de grande complexidade, pois a música reflete
o pessoal, o social, o espiritual e o sagrado do indivíduo. A autora divide esse
processo, didaticamente, em dois momentos. No primeiro momento da prática
psicodramática é realizado um aquecimento com gestos e sons (produzidos por
cada pessoa), a fim de que o indivíduo (paciente), ou grupo, passe de um estado de
consciência para outro, de modo que fique centrado em si mesmo.
Nesse momento, será trabalhada a base sonora da sessão, como o ritmo
(pulsação simples e variação rítmica), a melodia (altura, timbre, intensidade,
andamento e expressão), a harmonia musical, o arranjo (improvisação e vozes com
instrumentos) e a criação de instrumentos. Moreno afirma que o aquecimento pode
ser realizado com diversos métodos, sendo evitado o uso de procedimentos
73
instrumentais (instrumentos musicais) e de clichês, de modo a não usar a base
instrumental/melódica de músicas que já existem.
No segundo momento, pede-se para o indivíduo, ou grupo, perceber as cenas
que ocorreram no primeiro momento e trabalhar psicodramaticamente a realidade
revelada pela música espontânea, realizando a dramatização da cena mais
marcante para o todo, a identificação do conflito e a procura pela solução. Após a
dramatização, é realizado o sharing, que é o compartilhamento das emoções,
percepções e insights ocorridos durante a dramatização. Por fim, é feito o
alongamento, de preferência com música clássica, para que o organismo/corpo
entre em estado de equilíbrio e esteja em condições do voltar para a vida cotidiana.
Sendo assim, é possível compreender que a música tem função central no
Psicodrama, podendo ser um recurso para o momento de aquecimento e
relaxamento ao final da sessão, como também pode ser utilizada como um objeto
intermediário dessa.
Uma última questão que gostaríamos de apontar é que, de acordo com
Valongo (1998), Moreno afirma que a música produzida através de instrumentos
musicais por pessoas que dominam teoria e prática musical geralmente desencoraja
os psicomúsicos (pacientes que estão em terapia psicodramática), pois esses, por
vezes, se comparam a essas pessoas e se sentem intimidados quando são
solicitados pelo psicodramista (terapeuta) a realizarem uma produção musical no
contexto psicodramático.
Contudo, mesmo diante disso, é importante destacarmos a importância do
desenvolvimento da teoria e dos meios de produção musical, o qual diversificou e
possibilitou o estudo, o ensino e o aperfeiçoamento tanto da teoria, quanto da prática
musical.
Diante do que foi discutido, concordamos com Lima (2003) quando afirma que
a música é ação e é criação, podendo ser recriada enquanto um drama está sendo
vivenciado ativamente, além de ser parte importante da vida do ser humano. Sendo
assim, é possível compreender que, na vida, bem como em uma sessão de
Psicodrama, a música é capaz de evocar sensações, emoções e sentimentos,
relaxar o indivíduo, estimular a prática dos papeis, e também pode ser um meio do
sujeito expressar algo, tanto sobre si, quanto sobre os acontecimentos a sua volta.
74
Finalizada a discussão desse capítulo, salientamos a importância da
compreensão de homem e de alguns conceitos da Teoria Psicodramática para a
realização dessa pesquisa, tais como: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator
Tele e Matriz de Identidade, buscando tecer relações entre os contextos dos
compositores e suas composições (músicas analisadas nesse estudo); como
também dialogamos com a Prática Psicodramática e a Psicomúsica, partindo das
considerações de Valongo (1998) sobre a música e o trabalho com ela.
No capítulo a seguir serão apresentados os caminhos metodológicos
percorridos para a construção desse trabalho, bem como o processo de análise de
músicas interpretadas por Elis Regina que foram compostas por artistas diversos no
Período da Ditadura Militar no Brasil.
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4 PROCESSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
No presente capítulo apresentaremos a trajetória metodológica dessa
pesquisa, que é de cunho qualitativo e documental, iremos expor o material
selecionado para análise, que foram músicas compostas no período ditatorial
brasileiro interpretadas pela cantora Elis Regina. Por último, dissertaremos a
respeito do método de análise usado para investigar o conteúdo das músicas, que
foi a análise de conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977).
Esse estudo teve como objetivo geral compreender a música como uma
forma de expressar emoções e sentimentos a partir da análise de músicas
interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da
Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama (que é o referencial teórico adotado
nessa pesquisa). Para isso, teve como objetivos específicos: identificar composições
de artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas
interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial
brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de
composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com
a teoria do Psicodrama.
Antes de expormos acerca dos procedimentos metodológicos realizados
nessa pesquisa, faz-se necessário falar sobre a artista cujas músicas de sua
interpretação foram utilizadas na análise. A escolha por essa artista se deu pelo fato
da sua carreira musical ter sido lançada ao grande público no início do período da
Ditadura Militar no Brasil e por ela ter usado sua posição de pessoa pública para
cantar músicas com conteúdo de críticas ao governo de sua época.
Elis Regina de Carvalho Costa nasceu em 17 de março de 1945, na cidade de
Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Ela começou a cantar aos onze anos de
idade, em um programa de Rádio da sua cidade natal, mas sua primeira
apresentação foi prejudicada pelo nervosismo da garota. Alguns anos depois, ela
retornou ao mesmo programa, conseguindo realizar a performance, o que acarretou
sua contratação na Rádio e, posteriormente, a elegeram como a “melhor cantora de
Rádio” (FRAZÃO, 2020).
76
Em 1961, Elis foi para o Rio de Janeiro, onde gravou o seu primeiro LP (Long
Play) “Viva a Brotolândia”, no qual cantava uma vertente leve do Rock. Em 31 de
março de 1964, a cantora mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a realizar
shows no eixo Rio São Paulo, conhecido por concentrar o maior número de Rádios e
Emissoras de TV, logo, era o local onde, na época, ocorria o sucesso.
Por estar nesse meio, com pouco tempo ela foi contratada pela TV Rio para
se apresentar no programa musical “Noites de Gala”, e no mesmo ano começou a
cantar no Beco das Garrafas (Rio de Janeiro), espaço onde nasceu o gênero
musical Bossa Nova. Devido aos shows em São Paulo, passou a morar na capital
paulista (FERNANDES, 2020).
No ano de 1965, Elis estreou no 1º Festival da Música Popular Brasileira
cantando a música “Arrastão”, composta por Edu Lobo (cantor, compositor,
arranjador e multi-instumentista) e Vinicius de Moraes (poeta, dramaturgo, jornalista,
diplomata, cantor e compositor), cujo enredo é focado na pescaria e apresentou
novos elementos rítmicos que se diferenciavam das músicas mais populares da
época. Ela venceu o festival e foi eleita a melhor cantora do ano. A repercussão da
sua vitória lhe rendeu, aos vinte e um anos de idade, o título de cantora mais bem
paga do Brasil do ano de 1966.
Segundo Fernandes (2020), a apresentação de “Arrastão” marcou o início de
um novo movimento musical no Brasil. Não se tratava de Samba, Bossa Nova ou
Jazz, mas sim de uma mistura desses três gêneros já conhecidos, trazendo um algo
a mais, sendo esse batizado como MPB (Música Popular Brasileira). A respeito
disso, de acordo com Guedes (2020), Elis defendia que a música deveria ser
efetivamente brasileira, ligada às tradições culturais e ritmos nacionais, e ter
engajamento social na realidade brasileira. A MPB não atuava como um gênero
musical, mas sim “[...] como uma espécie de instituição, um projeto que se ancorava
em pilares ideológicos e sociológicos, para além de fatores musicais e estéticos”
(GUEDES, 2020, p. 1). Sendo assim, a cantora defendia os valores nos quais
acreditava.
Entre 1965 e 1967, Elis apresentou o programa “Finos da Bossa” na TV
Record São Paulo ao lado do cantor Jair Rodrigues e do grupo instrumental Zimbro
Trio. Essa parceria rendeu três discos (“Dois na Bossa”, volumes I, II e III), tendo o
primeiro vendido um milhão de cópias, e proporcionou a primeira viagem dela para
77
fora do Brasil, no ano de 1966, em que realizaram shows em Angola e Portugal
(FRAZÃO, 2020).
Em 1968, a intérprete se apresentou em duas cidades da França: em Cannes,
no MIDEM (Marché International du Disque et de L'édition Musicale), que é o maior
encontro de empresas ligadas à música; e em Paris, no Olympia, que é a mais
antiga casa de espetáculos musicais da cidade, onde foi ovacionada pelo público e,
após finalizar o show, voltou seis vezes ao palco para o bis (FRAZÃO, 2020).
Nesse mesmo ano (1968), Elis venceu a I Bienal do Samba cantando a
música “Lapinha”, composta pelo músico Baden Powell e pelo compositor e poeta
Paulo César Pinheiro, a qual fala sobre um homem que sozinho lutava contra o que
julgava ser errado. Ainda nesse ano ela também realizou uma apresentação na
Bélgica, onde declarou em uma entrevista que o Brasil estava sendo governado por
gorilas, referindo-se à vigência da Ditadura Militar.
Ao longo do tempo, Elis mudou seu pensamento quanto ao fazer música no
Brasil, deixando de lado sua rejeição às referências musicais estrangeiras, e em
1970 lançou seu oitavo álbum, intitulado “Em Pleno Verão”, no qual estão presentes
composições de artistas da Jovem Guarda e da Tropicália, que são,
respectivamente, um gênero musical e um movimento cultural brasileiro que
possuem influências internacionais.
A cantora fez parte do grupo de artistas brasileiros que foram perseguidos
durante a Ditadura Militar, sendo investigada e intimada a depor pelo Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS) devido ao seu envolvimento com o movimento
negro norte-americano, o que pode ser percebido com seu lançamento da música
“Black is Beautiful” em 1971; e por interpretar músicas de compositores
considerados subversivos. Além disso, nesse mesmo ano, o Exército recebeu a
entrevista que ela deu em sua passagem pela Bélgica e, após isso, passou a ter seu
carro perseguido e sua casa vigiada pelos militares (BRINGEL; FALCÃO, 2015).
Em decorrência dessa entrevista e do interrogatório do DOPS, Elis foi
obrigada a cantar na abertura das Olimpíadas do Exército de 1972 e a gravar um
comercial para a semana da pátria, fatos que, por um período, prejudicaram sua
carreira, sendo hostilizada pelo público (PALMAR, 2020). Devido a isso, a cantora
acabou sendo “enterrada” pelo “Cabôco Mamadô”, personagem que “enterrava”
78
pessoas vivas acusadas de colaborar com o regime militar e que foi criado pelo
cartunista, quadrinista, jornalista e escritor brasileiro conhecido como Henfil
(Henrique de Souza Filho).
Ainda na década de 1970, a intérprete buscou aprimoramento vocal e passou
a investir em discos com maior qualidade técnica, lhe levando a ter um enorme
sucesso com seu espetáculo “Falso Brilhante” no ano de 1975, resultando na
gravação de um álbum com esse mesmo nome, que se tornou um dos mais
conhecidos da cantora. Nele são encontradas as faixas “Velha Roupa Colorida”,
“Fascinação” (versão de uma música italiana) e “Como Nossos Pais”, que se tornou
um símbolo na luta contra a Ditadura Militar no Brasil (FERNANDES, 2020).
No ano de 1978 a cantora criou a Associação de Intérpretes e Músicos
(ASSIM) para lutar pelos direitos dos artistas dessas categorias. Em 1979, após a
sansão da Lei da Anistia, Elis se apresentou na noite destinada à música brasileira
do 13º Festival de Jazz, o qual ocorreu em Montreux, na Suíça, considerado até hoje
um dos mais importantes festivais de música do mundo.
Após muitos anos de sucesso, a cantora faleceu no dia 19 de janeiro de 1982
devido à uma intoxicação causada pela interação entre bebida alcoólica e cocaína,
sendo encontrada em seu apartamento, onde morava com os três filhos (João
Marcelo de 11 anos, Pedro Mariano de 6 anos e Maria Rita de 4 anos), por seu
então namorado Samuel Mac Dowell (FRAZÃO, 2020).
Ao todo, Elis teve 36 discos gravados, quatro milhões de cópias vendidas,
gravou com vários artistas importantes da época e se arriscou lançando músicas de
compositores desconhecidos, tais como Milton Nascimento, Ricardo Teixeira,
Gilberto Gil, João Bosco, Aldir Blanc, Belchior, dentre outros. A cantora ficou
conhecida tanto por sua voz quanto por sua emoção ao interpretar as canções,
dando mais vida ao que estava expresso nas letras (BARREIROS, 2020).
Ainda hoje ela é considerada um grande nome da MPB e muitos a julgam
como a melhor cantora brasileira de todos os tempos. Em 2012 a Revista Rolling
Stone a apresentou como a segunda maior voz brasileira no seu top 100, ficando
atrás apenas do cantor Tim Maia (FERNANDES, 2020). O que chama atenção em
sua história é que, apesar de ter expressado sua opinião política e social em um
79
tempo de censura e perseguição, Elis Regina teve um grande destaque no cenário
musical, venceu premiações e vendeu milhões de cópias dos seus discos.
Após conhecermos parte da história da carreira da cantora Elis Regina,
iniciaremos a explicação de como foram os processos metodológicos dessa
pesquisa. Como anteriormente mencionado, essa pesquisa foi realizada através dos
métodos qualitativo e documental.
A fim de compreendermos melhor do que se trata a pesquisa qualitativa,
tomaremos por base Minayo, Deslandes e Gomes (2002, p. 21-22), trazendo a
seguinte explicação sobre essa modalidade de pesquisa: “[...] se preocupa, nas
ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, [...] ela
trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, valores e atitudes”,
possuindo, assim, um olhar “[...] mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (p. 22).
Dessa forma, é possível assimilar que a pesquisa qualitativa parte de uma
visão mais social, examinando a subjetividade presente nas relações sociais, a qual
não é quantificável, como afirma Minayo, Deslandes e Gomes (2002, p. 22-23):
A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável das equações, médias e estatísticas [...] coloca como tarefa central das ciências sociais a compreensão da realidade humana
vivida socialmente.
Somada a essa modalidade de pesquisa, esse estudo teve como base
também a pesquisa documental. De acordo com Gil (2002, p. 45), compreendemos
que tal tipo de pesquisa trabalha com “[...] materiais que não receberam ainda um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os
objetivos da pesquisa”.
Ainda segundo o autor, por se tratar de um material não tratado de modo
analítico, em comparação com a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental
possui uma maior diversidade em se tratando de possíveis fontes de informação.
Sobre isso, ele explica que os documentos da pesquisa documental estão
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[...] conservados em arquivos de órgãos públicos e instituições privadas, tais como associações científicas, igrejas, sindicatos, partidos políticos etc. Incluem-se aqui inúmeros outros documentos como cartas pessoais, diários, fotografias, gravações, memorandos, regulamentos, ofícios, boletins etc. (GIL, 2002, p. 46).
O autor afirma que a pesquisa documental é realizada através das seguintes
etapas: determinação de objetivos; elaboração de um plano de trabalho;
identificação das fontes; localização das fontes e captação dos materiais; tratamento
dos dados; elaboração e fichamento a partir de uma construção lógica; e a
concepção do trabalho.
Considerando essas etapas apontadas pelo autor, para a execução dessa
pesquisa, inicialmente, foram elaborados alguns critérios de seleção (inclusão e
exclusão) para a escolha do material que seria analisado, de modo a identificar
músicas que atendessem a todos os critérios a seguir:
• Músicas brasileiras letradas em português (exclusão de músicas
instrumentais);
• Músicas compostas no Período da Ditadura Militar no Brasil (entre os anos de
1964 e 1985);
• Músicas interpretadas por Elis Regina no período ditatorial brasileiro com
conteúdo de crítica ao governo/sistema político em vigência e que
expressassem emoções e sentimentos de indignação, insatisfação, dentre
outros; e
• Músicas que a pesquisadora encontre informações sobre os compositores e o
contexto de composição.
Sendo assim, a partir do uso do método da pesquisa documental discutido por
Gil (2002), tendo como finalidade selecionar o material a ser analisado, realizamos
uma pesquisa em três etapas. Na primeira, foi feita uma busca em 28 de agosto de
2020 no site de pesquisa Google, usando juntos os descritores “músicas”, “Ditadura
Militar” e “Elis Regina”. Encontramos diversos resultados em blogs e sites falando
sobre a história de Elis Regina e listas de músicas relacionadas ao conjunto de
descritores, havendo um destaque para a Música “O Bêbado e a Equilibrista”, pelo
significado que ela carrega até os dias atuais, assunto esse que será abordado na
análise.
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Na segunda etapa, foi realizado um processo de filtragem dos resultados
obtidos na primeira etapa, de modo que houve uma pré-seleção com o intuito de
identificar músicas que atendessem aos critérios de inclusão definidos
anteriormente, ocorrendo, dessa forma, a eliminação de músicas (resultantes da
primeira etapa) cuja interpretação não era de Elis Regina. Sendo assim, seis
músicas foram pré-selecionadas nessa etapa: “Velha Roupa Colorida”, “Como
Nossos Pais”, “Cartomante”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Menino” e “Onze Fitas”.
A terceira e última etapa consistiu em uma nova busca no site de pesquisa
Google por informações acerca dos compositores e do contexto/história da
composição das músicas selecionadas na segunda etapa. A partir disso, obtivemos
como resultado informações sobre os compositores e as histórias das músicas, bem
como foram encontradas e selecionadas análises relacionando a letra com o
contexto histórico delas e do compositor; informações essas que serão
apresentadas na análise.
A partir desse processo, duas das seis canções pré-selecionadas acabaram
sendo excluídas, pois não encontramos informações suficientes com relação ao
contexto e história da composição. Sendo assim, foram escolhidas quatro músicas
para serem analisadas: “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Cartomante”
e “O Bêbado e a Equilibrista”.
A seguir, no Quadro 6, encontra-se a apresentação da ficha técnica de cada
uma das canções analisadas, ordenadas pelo ano de lançamento; e, logo em
seguida, apresentaremos as letras de cada uma delas, retiradas do site Letras
(https://www.letras.mus.br/).
Quadro 6 – Ficha Técnica das Músicas Analisadas
Nome Compositores Ano de Lançamento
Velha Roupa Colorida Belchior 1976
Como Nossos Pais Belchior 1976
Cartomante Ivan Lins
Vitor Martins 1977
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O Bêbado e a Equilibrista João Bosco
Aldir Blanc 1979
Fonte: elaborado pela autora.
Velha Roupa Colorida
Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
Nunca mais teu pai falou: She's leaving home
E meteu o pé na estrada like a Rolling Stone
Nunca mais você buscou sua menina
Para correr no seu carro, loucura, chiclete e som
Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido
O dedo em V, cabelo ao vento
Amor e flor que é do cartaz
No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais
Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
Como Poe, poeta louco americano
Eu pergunto ao passarinho: Blackbird, o que se faz?
Raven never raven never raven
Blackbird me responde
Tudo já ficou pra trás
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Raven never raven never raven
Assum-preto me responde
O passado nunca mais
Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
E precisamos rejuvenescer
Como Nossos Pais
Não quero lhe falar
Meu grande amor
De coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens
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Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
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Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
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Cartomante
Nos dias de hoje é bom que se proteja
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranquilo
Haja o que houver pense nos seus filhos
Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigos
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida
Nos dias de hoje não lhes dê motivo
Porque na verdade eu te quero vivo
Tenha paciência, Deus está contigo
Deus está conosco até o pescoço
Já está escrito, já está previsto
Por todas as videntes, pelas cartomantes
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas
No jogo dos búzios e nas profecias
Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
Cai não fica nada. (6x)
O Bêbado e a Equilibrista
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
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E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
Após a definição do material a ser analisado, partiu-se para a etapa de
análise, que foi realizada a partir dos pressupostos do método de análise de
conteúdo de Laurence Bardin (c. 1977), conforme as explicações a seguir.
88
4.1 Análise de Conteúdo
De acordo com Bardin (c. 1977, p. 38), a “[...] análise de conteúdo procura
conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça”. Ela
explica que esse tipo de análise é como um
[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Mas isto não é suficiente para definir a especificidade da análise de conteúdo. [...] o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados (por classificação, por exemplo) relativamente a outras coisas. [...] a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (qualitativos ou não) (Ibid., p. 38).
A autora destaca que existem três fases para a realização da análise de
conteúdo: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados,
inferência e interpretação. De acordo com ela, a primeira fase “[...] tem por objetivo
tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um
esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de
análise” (BARDIN, c. 1977, p. 121). Ela divide essa fase em três momentos: escolha
dos documentos, criação das hipóteses e formulação de indicadores.
A autora descreve a segunda fase (exploração do material) como longa e
cansativa, sendo essa uma etapa de “[...] aplicação sistemática das decisões
tomadas”, ocorrendo “[...] operações de codificação, decomposição ou enumeração”
(BARDIN, c. 1977, p. 127). Findada essa fase, parte-se para a terceira e última fase
(tratamento dos resultados, inferência e interpretação), que é o momento de elaborar
inferências a partir do material explorado, interpretando-o e criando categorias
analíticas a serem discutidas.
Baseado no que foi descrito a partir de Bardin (c. 1977), no nosso processo
de análise de conteúdo, primeiramente, foram ouvidas as quatro músicas
selecionadas e lidas as respectivas letras, buscando compreender as mensagens
89
expressas em cada uma delas, identificando os conteúdos e palavras que se
repetem.
Nesse primeiro momento, foi possível perceber que, apesar de se tratarem de
composições de pessoas diferentes, o tema geral das quatro canções culmina na
exposição sobre a realidade vivida naquele momento (período ditatorial brasileiro) e
na resistência e luta contra o governo da época, apresentando conteúdos em
comum, os quais foram destacados durante o processo de análise de conteúdo e
estão dispostos no Quadro 7.
Quadro 7 – Temas identificados nas músicas analisadas
Temas identificados Músicas analisadas
Crença na mudança política e
na chegada da democracia
“Velha Roupa Colorida”
“Como Nossos Pais”
“Cartomante”
“O Bêbado e a Equilibrista”
Censura
“Velha Roupa Colorida”
“Como Nossos Pais”
“Cartomante”
Repressão “Velha Roupa Colorida”
“Como Nossos Pais”
Sociedade vivendo no passado “Velha Roupa Colorida”
“Como Nossos Pais”
Valorização da vida
“Como Nossos Pais”
“Cartomante”
“O Bêbado e a Equilibrista”
Violência
“Como Nossos Pais”
“Cartomante”
“O Bêbado e a Equilibrista”
Fonte: elaborado pela autora.
90
Em seguida, dando continuidade à nossa análise de conteúdo, na segunda
fase foram explorados os materiais selecionados na terceira etapa da nossa
pesquisa documental, na qual buscamos por informações acerca do compositor e do
contexto/história de composição das músicas analisadas. Nessa fase, foi realizado
um cruzamento dessas informações obtidas com a letra de cada uma das músicas
analisadas, identificando relações entre elas e a realidade que estava sendo
vivenciada na época de sua composição, bem como detectando emoções e
sentimentos expressos nas mesmas.
Ainda nessa fase também foi possível perceber as metáforas e os jogos de
palavras utilizados nas músicas analisadas para que elas não fossem censuradas
pelo governo, o que será apresentado e discutido com detalhes em nossa análise.
Um exemplo disso é a música “Cartomante”, que, à primeira vista, parece falar sobre
uma cartomante que está fazendo a leitura do futuro de outra pessoa, mas, ao
contextualizar a letra, pode-se identificar a real mensagem: que as pessoas fossem
cautelosas em suas ações e não contrariassem os militares.
Por último, seguindo para a terceira fase do processo de análise de conteúdo,
foi realizada uma análise mais aprofundada de todo o material selecionado, ou seja,
tanto das músicas selecionadas, quanto das informações obtidas acerca delas, com
o intuito de identificar possíveis categorias de análise, levando-se em consideração
também os temas identificados anteriormente na primeira fase do processo de
análise de conteúdo.
A partir desse processo, foram elaboradas as seguintes categorias:
Repressão, Dor/Angústia, Censura, Violência, Esperança, Saudade e Medo.
Levando em conta a proposta dessa pesquisa, que é abordar sobre a expressão de
emoções e sentimentos por meio da música, dentre essas sete possíveis categorias
de análise, escolhemos três para serem trabalhadas, que foram: Dor/Angústia,
Esperança e Medo. Destacamos que, apesar das outras quatro possíveis categorias
de análise não terem sido selecionadas, essas temáticas aparecerão ao longo das
discussões e análises de cada uma das três categorias escolhidas, assim como os
temas expostos no Quadro 7.
Por fim, concluindo as três etapas do método de análise de conteúdo
apontadas por Bardin (c. 1977), elaboramos o nosso capítulo de análise a partir de
todas as discussões resultantes do processo analítico, realizando também
91
inferências a partir de alguns conceitos do referencial teórico adotado nessa
pesquisa, o Psicodrama, direcionando esse olhar para os resultados obtidos.
Sendo assim, no capítulo a seguir, exporemos as nossas análises e
discussões, apresentando cada categoria de análise em diálogo com os capítulos
anteriores, destacando a teoria do Psicodrama, com a finalidade de compreender a
música como um meio de expressar emoções e sentimentos.
92
5 CANTANDO EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA DITADURA MILITAR NO
BRASIL: UM DIÁLOGO COM O PSICODRAMA
Balada de Um Compositor Amargo
Sou um compositor
Cuidado comigo
Com as coisas que penso
Com as coisas que sinto
Cuidado, seu moço
É perigoso ser quem eu sou
(LONG, 2017)
No presente capítulo apresentaremos os resultados das nossas análises e
reflexões, resgatando alguns assuntos apresentados nos capítulos anteriores, assim
como descreveremos e discutiremos as categorias de análise elaboradas,
relacionando-as com alguns dos conceitos abordados da teoria do Psicodrama (que
é o nosso referencial teórico): Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator Tele e
Matriz de Identidade; dialogando também com um dos elementos da prática
psicodramática e a Psicomúsica.
Ao longo da discussão das categorias, explanaremos sobre as músicas
analisadas, abordando acerca dos seus compositores, bem como sobre a história e
a contextualização das composições. Além disso, destacaremos algumas
curiosidades relacionadas a essas músicas, tais como relações entre a composição
e o que estava acontecendo naquele período histórico e explicações das metáforas
e jogos de palavras contidos nelas.
É importante salientarmos que, ao pesquisarmos informações sobre as quatro
músicas analisadas, não obtivemos resultados semelhantes no que se refere à
quantidade de conteúdo de cada uma delas. Diante disso, ao decorrer de nossas
análises, apresentaremos as informações que tivemos acesso.
Antes de darmos início à apresentação e discussão das nossas categorias de
análise, primeiramente, iremos realizar uma breve retomada de alguns pontos
abordados em nosso primeiro capítulo que consideramos relevantes para a
93
compreensão do uso da música como um recurso de expressão de emoções e
sentimentos.
A partir de nossos estudos, compreendemos que a música é tão antiga
quanto a própria existência humana, e que, desde o início, ela era utilizada como um
meio de expressão humana. Assim como a sociedade, a música também passou e
continua passando por um processo de desenvolvimento, tanto em relação à forma
de se fazer (processo de produção e composição) como à sua utilização/função
(finalidade) (AZEVEDO JÚNIOR, 2007).
Conforme discussão apresentada no primeiro capítulo desse estudo, dentre
as funções da música apresentadas por Ribeiro (2014), destacamos a função social,
que se refere ao uso da música com o intuito de expressar ideias e/ou emoções.
Sendo assim, além de ser usada em comemorações, rituais religiosos, eventos
sociais etc., a música também pode estar presente no contexto terapêutico, sendo
utilizada como um possível recurso que auxilia o sujeito na comunicação do que está
sentindo.
Considerando isso, várias áreas profissionais têm utilizado a música como um
recurso terapêutico em suas práticas clínicas, como a Psicologia, a Fisioterapia, a
Fonoaudiologia etc. Essas profissões fazem uso da Musicoterapia, um ramo da
medicina que enxerga a música como uma atividade temporal, perceptiva, de
criação, recriação e escuta, conforme abordado anteriormente (BENENZON, 1988).
Nas práticas psicológicas, a música pode ser empregada como um recurso
visando mobilizar emoções e sentimentos do paciente/cliente, trabalhar a
aprendizagem, a memória e a reabilitação motora, extravasar energia acumulada,
dentre outras possibilidades (FREITAS; TÔRRES, 2015). Diante disso, ressaltamos
que a utilização da música por profissionais de Psicologia pode ocorrer nas suas
mais variadas áreas de atuação, bem como em instituições públicas ou privadas de
saúde e saúde mental, de assistência social, de ensino, clínicas de reabilitação etc.
Além dessas áreas de atuação, enfatizamos que esses profissionais podem
utilizar a música com diversos públicos, de qualquer faixa etária, de forma individual
ou em grupo, podendo proporcionar benefícios associados ao desenvolvimento
físico, motor, sensorial e da linguagem, e, principalmente, auxiliar na expressão dos
pensamentos, afetos, emoções e sentimentos de uma forma terapêutica.
94
Destacamos que, nesse processo, faz-se necessário que o paciente/cliente se sinta
confortável para que haja essa expressão, ou seja, é preciso que ele perceba a
relação com o profissional como sendo livre de julgamentos e censuras.
Ainda no primeiro capítulo dessa pesquisa, discutimos acerca da Ditadura
Militar no Brasil (entre os anos de 1964 e 1985), período que foi fortemente marcado
por julgamento, repressão, censura e outros tipos de violência direcionados a quem
se posicionasse contra o regime vigente, o que incluía também alguns artistas e
suas produções (SILVA, 2020).
Por ser um período de cerceamento da liberdade de expressão, os
compositores utilizavam jogos de palavras e metáforas em suas composições para
que pudessem expressar o que estavam sentindo e pensando sem que suas
músicas fossem censuradas e eles corressem o risco de serem perseguidos ou
sofrer algum outro tipo de violência (BEZERRA, 2020). Essa forma de expressão é o
ponto central das nossas análises, pois está presente nas quatro composições que
foram escolhidas e analisadas.
Após essa sucinta retomada de alguns pontos abordados no nosso primeiro
capítulo, daremos início à descrição e discussão das três categorias elaboradas a
partir do nosso processo de análise, que foram: Dor/Angústia, Esperança e Medo.
5.1 Dor/Angústia
Sem Aviso
Canta
Vira a dor pelo avesso, canta
(BOSCO; MARTINS, 2005)
Segundo o dicionário (LUFT, 1998, p. 254), a palavra dor é definida como
“Sofrimento físico proveniente de doença, ferimento. Tormento moral; aflição. [...]”.
Ainda de acordo com ele, angústia é “Aflição; ansiedade, agonia.” (Ibid., p. 65).
Dentro da Psicologia, o sentimento de angústia é caracterizado de várias formas
diferentes, a partir de visões distintas. Para uma delas, conforme Peres e Holanda
95
(2003, p. 98), a angústia é “[...] um estado de excitação causado por antecipações,
sinais ou representações de perigo físico ou ameaça psíquica”.
A partir dessas definições, a presente categoria se constitui pela análise das
músicas que expressam tormento e aflição causados pela situação que estava
sendo vivenciada na época da Ditadura Militar no Brasil, que foram: “Como Nossos
Pais” e “O Bêbado e a Equilibrista”.
A primeira delas, “Como Nossos Pais”, é considerada uma das cem melhores
músicas brasileiras pela revista Rolling Stone. Foi composta na década de 1970 pelo
brasileiro Antônio Carlos Gomes Belchior, que foi cantor, compositor, músico,
produtor, artista plástico e professor. Belchior, seu nome artístico, nasceu na cidade
de Sobral-CE em 26 de outubro de 1946 e faleceu em 30 de abril de 2017. Ficou
conhecido através de suas composições por falarem sobre amor e paz, mas, ao
mesmo tempo, incitarem as pessoas a lutarem por causas sociais (FERNANDES,
2019).
Além de ter composto duas das quatro músicas analisadas nessa pesquisa,
Belchior compôs e interpretou outras canções de grande sucesso, como “Apenas
Um Rapaz Latino Americano”, “Coração Selvagem”, “Medo de Avião” e “Paralelas”,
essa última sendo mais conhecida na voz da cantora Vanusa.
Segundo a matéria “As Músicas de Belchior” (2020), as composições dele
possuem sentido único e filosófico correspondente ao momento que ele estava
passando quando compôs cada uma delas. Dono de composições com melodias
simples, Belchior se preocupava mais com a mensagem a ser passada do que em
fazer “firulas” (arranjos rebuscados) nos acordes.
Essa informação sobre o compositor nos remete ao que é destacado por
Valongo (1998) ao abordar acerca da Psicomúsica, que é uma técnica do
Psicodrama, pois a autora afirma que a produção musical é um processo
espontâneo e profundamente íntimo, refletindo os âmbitos pessoal, social, espiritual
e sagrado, como mencionado em nosso segundo capítulo. Dessa forma,
compreendemos que nas composições desse artista transparecem suas emoções,
sentimentos, pensamentos, lutas, crenças etc.
A música “Como Nossos Pais” foi lançada por Elis Regina em seu álbum
“Falso Brilhante” no ano de 1976, sendo essa a versão mais popular da música.
96
Além disso, ela também foi gravada por Belchior e nomes como Chitãozinho e
Xororó, Phillip Long, Maria Rita, Pedro Mariano, dentre outros cantores.
A composição dessa música reflete o contexto histórico e social da época,
abordando um conflito geracional e a angústia da juventude que se opunha ao
regime militar (MARCELLO, 2020). Acerca disso, Fernandes (2019, p. 1) afirma que
Belchior usou a palavra “incômodo” para descrever a sensação que essa canção lhe
trazia: “Ele descrevia Como Nossos Pais como uma música amarga, que questiona
a acomodação”.
Sendo assim, a partir da afirmação do compositor sobre o intuito da sua
música, compreendemos que é possível fazer uma relação com o Fator Tele, que é
um dos conceitos da Teoria Psicodramática, pois esse se faz necessário nas
relações interpessoais que envolvem aspectos emocionais do indivíduo, trazendo à
tona sua capacidade de enxergar os acontecimentos da vida, entendendo o seu
próprio papel, o dos outros e como esses são desenvolvidos nas relações sociais
(PERAZZO, 1994; ALMEIDA, 1998).
Dando início à análise da letra da música “Como Nossos Pais”, nas duas
primeiras estrofes, o interlocutor afirma querer contar coisas que ele vivenciou, e
fala, em tom de conselho, que apesar de ser bom sonhar e saber que o amor é algo
bom, aponta a vida como sendo maior do que qualquer outra coisa (FERNANDES,
2019).
Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
97
É menor do que a vida
De qualquer pessoa [...]
Na prática psicodramática, o paciente interpreta a si mesmo, em seu contexto
(MORENO, 1975). Ao iniciar a letra da música afirmando que quer falar sobre o que
viveu, expondo sua visão dos acontecimentos e cenários, nos é possível inferir que
o compositor dará continuidade à música exprimindo o que ele pensava, sentia e
visualizava com relação aos acontecimentos à sua volta.
Seguindo para a sexta estrofe, é possível compreender que o compositor está
falando sobre sua dor em perceber que não existe mais a movimentação da
juventude pelas ruas encontrando-se com os amigos e contemplando a vida, seja
por precaução ou comodismo, restando apenas a “ferida viva”, que é a dor da
saudade ao recordar momentos passados de liberdade e leveza (FERNANDES,
2019; MARCELLO, 2020).
[...] Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais [...]
Podemos perceber, a partir desse trecho, que novamente é possível fazer
uma relação com o Fator Tele pela capacidade de Belchior perceber e ter
consciência das mudanças que estavam ocorrendo no funcionamento da sociedade,
os papeis exercidos por outras pessoas no cotidiano e como esses papeis e,
consequentemente, as relações sociais haviam sido afetadas pelo regime militar
(PERAZZO, 1994; ALMEIDA, 1998).
Na sétima estrofe, que é repetida ao final da música, o compositor apresenta
uma espécie de explicação acerca da sua dor ao afirmar que a juventude da sua
época havia se tornado o tipo de gente que ela própria criticava: pessoas inertes e
entregues ao conformismo, mas que, antes, eram militantes das causas sociais e
98
lutavam pela democracia, porém, essas ações foram em vão, já que, mesmo com
esses esforços, veio a ditadura (FERNANDES, 2019).
[...] Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais [...]
Compreendemos que esse trecho da música pode ser relacionado ao
conceito psicodramático de Matriz de Identidade, o qual, conforme Moreno (1975), é
o período em que o indivíduo começa a se constituir socialmente e desenvolver seus
conceitos e habilidades, a partir do convívio com seus responsáveis, pois a Matriz de
Identidade funciona como uma espécie de placenta social que fornece ao bebê o
alimento físico, psíquico e social (BERMÚDEZ, 1980). Ou seja, durante esse
processo, é transmitido ao sujeito a herança cultural, e é por meio desse que ele
aprende os papeis existentes em seu grupo social e como eles são executados.
A partir dessa explicação, entendemos que é possível relacionar esse
conceito com a estrofe acima por Belchior afirmar que os jovens estavam vivendo
como seus pais e, para que isso acontecesse, foi preciso que esses jovens
convivessem durante a infância com os seus responsáveis, de modo que, ainda
crianças, pudessem aprender com eles seus comportamentos e posicionamentos
para, na fase adulta, terem a possibilidade de replicá-los.
A segunda música que ilustra essa categoria é “O Bêbado e a Equilibrista”, a
qual, segundo a matéria “Conheça a história de ‘O Bêbado e a Equilibrista’” (2020),
foi composta Aldir Blanc e João Bosco e gravada por Elis Regina em seu LP “Essa
Mulher”, lançado no ano de 1979. Essa música também já foi gravada por Maria
Rita, Beth Carvalho, Daniela Mercury, Pedro Mariano e pelo próprio João Bosco em
parceria com Ângela Maria, dentre outros artistas.
99
De acordo com Silva (2020), essa canção é apontada como importante, pois
foi considerada o Hino da Anistia, movimento ocorrido ao final da década de 1970,
no qual foram perdoadas as pessoas que foram punidas com base nos Atos
Institucionais e seus complementos, dentre elas estão os cidadãos exilados, que,
com a Lei da Anistia, tiveram o direito de voltar ao Brasil, como mencionado no
nosso primeiro capítulo.
Acerca dos compositores de “O Bêbado e a Equilibrista”, o primeiro deles,
Aldir Blanc Mendes, nasceu em 2 de setembro de 1946, na cidade do Rio de
Janeiro, foi roteirista, compositor e cronista, além de médico de formação. Ele
compôs muitas músicas de sucesso e algumas delas eram voltadas a críticas contra
a Ditadura Militar. Ele faleceu em 4 de maio de 2020 por complicações da COVID-
19.
O segundo compositor dessa música é João Bosco de Freitas Mucci, que é
um cantor, compositor e violonista brasileiro, nascido em 13 de julho de 1946, na
cidade Ponte Nova-MG. Durante alguns anos, ele fez parceria musical com Aldir
Blanc, o que resultou em composições de sucesso. Além da música analisada, que
é considerada um clássico da dupla, eles também compuseram “O Mestre Sala dos
Mares” e “Dois Pra lá Dois Pra Cá”, ambas lançadas na voz de Elis Regina.
No que se refere à composição da música “O Bêbado e a Equilibrista”,
inicialmente, ela não teria relação com o contexto histórico da época em que foi
escrita. Com a morte de Charles Chaplin (ator, diretor, compositor, produtor e
roteirista britânico) em dezembro de 1977, João Bosco sentiu necessidade de
compor algo em homenagem ao artista. Entre o Natal e a véspera de Ano Novo,
iniciou o rascunho de um samba cuja melodia era semelhante à da música “Smile”
(tema do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin), fazendo menção ao seu
mais famoso personagem: o vagabundo Carlitos (CONHEÇA A HISTÓRIA DE O
BÊBADO E A EQUILIBRISTA, 2020).
Fazendo um diálogo entre essas informações e os conceitos da Teoria
Psicodramática (discutidos no nosso segundo capítulo), destacamos o conceito de
Espontaneidade e Criatividade, que é a capacidade de resposta do sujeito a um
novo evento ou, com certo grau de novidade, a um evento antigo (MORENO, 1975).
A partir dessa explicação, compreendemos que João Bosco exercitou a sua
100
Espontaneidade ao sentir e satisfazer a sua necessidade de compor uma melodia
em homenagem a Chaplin, diante do novo evento, que foi a morte do artista.
Ainda dentro desse conceito, Moreno (1975) aponta quatro tipos de
expressões características da Espontaneidade, como abordado no segundo capítulo
desse trabalho. Ao olharmos a partir deles, entendemos que o compositor, nessa
situação, se assemelha à categoria Qualidade Dramática, na qual o indivíduo repete
algo já experienciado, atribuindo particularidades a ele. Esse entendimento tornou-
se possível pelo fato de João Bosco ter se baseado em uma melodia já existente
para construir a sua linha melódica, dando particularidade à canção ao compô-la em
ritmo de samba, colocando em prática sua Criatividade.
Retomando a história da composição da música “O Bêbado e a Equilibrista”,
antes de iniciar a escrita da letra, Aldir Blanc teve um encontro casual com Henfil
(cartunista apresentado no capítulo anterior) e Chico Mário (violonista e compositor),
no qual falaram sobre o irmão deles que estava exilado. De acordo com a matéria
“Conheça a história de ‘O Bêbado e a Equilibrista’” (2020), tendo por base essa
conversa, Aldir Blanc entrou em contato com seu parceiro de composições (João
Bosco) e sugeriu a criação de um personagem chapliniano que manifestasse a
condição dos exilados.
Conforme a mesma matéria, em 1978 essa música estava pronta e os
compositores a enviaram para Elis Regina, que percebeu que a composição citava o
irmão de Henfil e sua condição de ter sido exilado. Lembrando que, anteriormente a
isso, no ano de 1972, a cantora e o cartunista tiveram um conflito quando ele usou
um de seus personagens para “enterrá-la” (como mencionado no capítulo anterior).
Já estando às boas com o cartunista, a cantora lhe mostrou a canção “O Bêbado e a
Equilibrista” e ele visualizou a música em questão como uma importante aliada na
luta contra a Ditadura Militar instaurada no país.
Ainda segundo a matéria, a música inicia fazendo referência ao Elevado
Paulo Frontin, nome popular dado ao Viaduto Engenheiro Freyssinet, localizado na
cidade do Rio de Janeiro, que desabou em 20 de novembro de1971, na fase final de
sua construção, soterrando e matando dezenas de pessoas.
[...] Caía a tarde feito um viaduto
101
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel [...]
A composição compara um momento belo, que é o cair da tarde, com um
acontecimento trágico, comparação essa que Arruda (2020) afirma estar se referindo
ao otimismo que existia no período da Ditadura Militar, sendo esse tão frágil quanto
uma obra mal feita. O trecho também remete ao fim de um tempo de liberdade e o
início de um tempo de violência, processo esse simbolizado na música pela
passagem do dia para a noite.
Além disso, segunda a análise de Arruda (2020), na letra da canção é citado
Carlitos por ser um personagem representante da classe trabalhadora, a mais
afetada pelo cenário político e econômico brasileiro. A primeira estrofe segue com
uma metáfora referindo-se aos políticos (“a lua”) que defendiam e se submetiam aos
militares poderosos (“estrela fria”) almejando ganhos políticos e pessoais. A autora
faz uma contextualização referente à metáfora dessa relação política ao afirmar o
seguinte: “[...] tal qual uma cafetina dona do bordel, que explorava as prostitutas
para benefício próprio, esses políticos se vendiam ao regime, às custas da
exploração do povo e dos recursos do país, para obter ganhos pessoais” (p. 5).
Como discutido no primeiro capítulo da presente pesquisa, não havia
liberdade de expressão no período ditatorial brasileiro, logo, se fez necessário que
os artistas buscassem outros meios para expressar o que estavam pensando e
sentindo. Sendo assim, os compositores usavam da Espontaneidade e Criatividade
para abordarem assuntos considerados como proibidos. Desse modo, a fim de que
suas músicas não fossem censuradas, eles utilizavam metáforas e jogos de
palavras.
Para que a Criatividade seja colocada em prática, é necessário ter
Espontaneidade já que, conforme Moreno (1975), as duas então intimamente
ligadas. Sendo assim, compreendemos que no caso da metáfora mencionada
anteriormente presente na música “O Bêbado e a Equilibrista”, os compositores se
aproximam da terceira categoria de expressão da Espontaneidade, que, segundo o
102
autor, é a Originalidade, na qual o sujeito cria coisas baseando-se nas conservas
culturais, adicionando algo a sua forma original.
Dessa maneira, entendemos que essa aproximação (entre os compositores e
a categoria Originalidade) se dá pelo fato dos compositores terem criado um enredo
utilizando elementos com significados conhecidos pela sociedade (como a mudança
do período diurno para o noturno, a queda do Elevado Paulo Frontin, o personagem
criado por Chaplin e a lógica do funcionamento de um bordel) para cantar acerca da
situação social e política a qual estavam passando sem falar explicitamente sobre o
assunto. Ou seja, ao utilizar a linguagem implícita, os compositores atribuíram novos
significados aos elementos mencionados na música, os quais representavam fatos
da realidade política que estava sendo vivenciada.
A estrofe seguinte faz alusão às torturas e desaparecimentos que ocorreram
durante o Regime Militar através do DOI-Codi, que era o órgão de inteligência e
repressão do Governo Militar, o qual estava subordinado ao exército.
[...] E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil! [...]
Nesse trecho é usado o termo “mata-borrão”, que era um papel absorvente
utilizado para tirar o excesso de tinta das canetas-tinteiros. Logo, conforme Arruda
(2020), o DOI-Codi agia como um mata-borrão que limpava a sujeira feita pelos
torturadores. Sobre essa estrofe, a autora aponta que é feita outra referência ao
personagem de Chaplin, trazendo-o como personificação do povo brasileiro que,
assim como Carlitos, em meio às dificuldades, tentava manter a irreverência e o bom
humor.
Compreendemos que a capacidade de Espontaneidade e,
consequentemente, de Criatividade dos compositores está sendo efetivada através
103
dessa música. Além de seguir a mesma lógica da estrofe anterior, que apresentava
os fatos sociais por meio de metáforas, esse trecho também nos remete ao conceito
psicodramático Fator Tele, pois observamos que os artistas possuem consciência
dos papeis desenvolvidos pelos integrantes dos órgãos de repressão do Governo e
de sua atuação diante dos cidadãos brasileiros.
Acerca da terceira estrofe, Arruda (2020) expõe que os compositores
afirmavam que o desejo do povo brasileiro era a volta das pessoas que estavam
exiladas. Quando é citado na música “A volta do irmão do Henfil”, eles estavam se
referindo ao sociólogo Herbert José de Souza, conhecido como Betinho, que ficou
exilado entre 1971 e 1973 no Chile e, posteriormente, morou no Canadá e no
México, sendo permitido que ele voltasse ao Brasil somente em 1979.
[...] Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil [...]
Nessa estrofe, os compositores fazem referência ao Hino Nacional do Brasil,
a fim de “[...] ironizar o sentimento de nacionalismo”, segundo Arruda (2020, p. 6),
com o intuito de denunciar o Estado, que deveria proteger os cidadãos brasileiros,
mas estava sendo responsável por matá-los. Nesse trecho, é possível observar que
os compositores abordam a dor das pessoas que tiveram seus entes exilados,
sequestrados, presos, torturados e/ou mortos.
Ao exprimirem “Choram Marias e Clarisses”, os compositores estão fazendo
menção às mães e viúvas de presos políticos, utilizando a figura de Maria, mãe do
metalúrgico alagoano Manoel Fiel Filho, e de Clarice, esposa do jornalista Vladimir
Herzog. Manoel e Vladimir foram torturados e mortos pelo Regime Militar.
De acordo com a matéria “Biografia de um jornalista: o cruel assassinato”
(2009), Vladimir Herzog foi assassinado em 25 de outubro de 1975, e essa data foi
escolhida para celebrar o Dia da Democracia no Brasil. O jornalista morreu após ser
104
espancado enquanto estava sendo mantido como preso político, mas seus
torturadores, tal qual “mata-borrões”, tentaram esconder a verdadeira causa de sua
morte, montando em sua cela um cenário que desse a entender que ele havia
cometido suicídio. Ao fazer isso, não se atentaram ao fato de que ele era mais alto
que a grade na qual amarraram o pano que colocaram em volta do seu pescoço.
Compreendemos que essa parte da música é um exemplo do que foi
discutido no segundo capítulo desse estudo quando apresentamos a técnica da
Psicomúsica segundo Valongo (1998). Ela afirma que um dos aspectos refletidos em
uma produção musical é o social, e foi voltando o olhar para esse contexto que os
compositores escreveram tais palavras.
A partir do que foi discutido na presente categoria, foi possível entender a
expressão da Dor/Angústia vivenciada durante o período ditatorial brasileiro e suas
causas por meio das duas músicas que foram analisadas nessa categoria. Além de
Dor/Angústia, as músicas dessa época também expressavam outras emoções
sentimentos, como veremos a seguir.
5.2 Esperança
Lua Cheia
Viver de esperança cansa, eu sei
A nossa crença se abalou
Mas frases de ódio não vão vingar
(VIÁFORA, 2018)
Conforme o dicionário (LUFT, 1998, p. 296), a definição da palavra esperança
é “Ação de esperar o que se deseja. Expectativa otimista; confiança. [...]”. Na visão
da Psicologia, Azevedo (2010, p. 3) apresenta algumas definições de esperança
partindo de variados autores, dente elas a de que a esperança é “[...] uma crença
duradoura do indivíduo no alcançar dos seus desejos, sugerindo assim a sua
conceptualização como um pensamento ou crença que permite o movimento da
pessoa em direção aos seus objetivos”. Além disso, a autora também aborda a
105
definição de esperança como sendo a relação entre o desejo e a expectativa do
indivíduo em conseguir alcançar seu objetivo.
Diante dessas definições, essa categoria é ilustrada por trechos das quatro
músicas analisadas, “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Cartomante” e
“O Bêbado e a Equilibrista”, nas quais identificamos a expressão dos desejos e
expectativas dos compositores em haver uma mudança que melhorasse a situação
política e social do país.
A música “Velha Roupa Colorida” também foi composta por Belchior e
lançada por Elis Regina em seu LP “Falso Brilhante”. A composição tem três estrofes
diferentes, mas, ao todo, possui seis estrofes, pois uma delas é cantada três vezes
no decorrer da música, a qual será abordada a seguir.
[...] Você não sente, não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer [...]
Pelo fato de repetir três vezes, esse trecho da canção é a primeira, a quarta e
a sexta estrofe, nas quais, conforme a matéria “As Músicas de Belchior” (2020), o
compositor exprime uma mensagem direcionada às pessoas pessimistas que
estavam vivendo de uma maneira que ele julgava ser antiquada, afirmando, em tom
de esperança, que uma nova mudança iria ocorrer em breve.
Nesse sentido, no momento em que Belchior expõe sua visão sobre as
pessoas a quem ele emitia o recado e fala da sua esperança na mudança do
contexto político e social brasileiro, ele está transparecendo suas crenças. Logo,
compreendemos que, no processo de composição, o artista reflete seu lado pessoal
e social, o que é apontado por Valongo (1998) quando discute acerca da
Psicomúsica.
Outra música que integra essa categoria é “Como Nossos Pais”, já
apresentada anteriormente. Belchior nasceu em Sobral, interior do Ceará, e em
106
1971 mudou-se para a capital do Rio de Janeiro e, posteriormente, em 1972, para a
capital de São Paulo, em busca de oportunidades na carreira musical. É sabido que
a repressão no período do Regime Militar foi mais forte nas capitais brasileiras.
Apesar do risco de sofrer com a censura e a repressão, o compositor, na quinta
estrofe da música, afirma que não há a possibilidade dele voltar para sua terra natal,
pois, apesar do caos, ele mantinha viva a Esperança de que chegaria a democracia
e que os tempos iriam melhorar (FERNANDES, 2019; MARCELLO, 2020).
[...] Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração [...]
Entendemos que, mais uma vez, estamos diante de uma estrofe que
exemplifica o que Valongo (1998) aponta sobre a Psicomúsica, pois o compositor
está expondo seu lado pessoal ao escrever acerca do encantamento que estava
sentindo naquele momento, eliminando a possibilidade de voltar para sua cidade
natal, além de expressar que nele existia o sentimento de Esperança em relação a
uma mudança política e social do Brasil.
Segundo Marcello (2020), Belchior inicia a décima estrofe fazendo uma crítica
às pessoas que anteriormente se portavam como revolucionárias, as quais lhe
ajudaram a despertar para uma consciência política e social, mas que findaram por
se vender à Ditadura Militar.
[...] Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
107
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal [...]
Percebe-se que existe um rancor nas palavras do compositor ao falar sobre
seus ídolos que foram comprados pelo “vil metal”, elemento presente na décima
primeira estrofe. Esse termo é uma referência à época em que o dinheiro em
circulação eram moedas de ouro, sendo utilizado na música para referir-se ao
dinheiro usado com finalidade de corromper alguém. Apesar das pessoas que ele
admirava terem se vendido ao sistema político (“que ama o passado”), ele
continuava tendo Esperança de que no futuro algo novo e bom chegaria, pois “o
novo sempre vem” (FERNANDES, 2020).
A partir das estrofes analisadas da música “Como Nossos Pais”, entendemos
que o compositor exercita sua capacidade de observar e entender o papel que o
outro exerce em suas relações sociais, o que se relaciona ao conceito Fator Tele da
Teoria Psicodramática abordado por Perazzo (1994), Almeida (1998) e Ribeiro
(2014). Além disso, essas estrofes nos remetem ao conceito de Matriz de Identidade
apresentado por Moreno (1975), pois Belchior afirma que as pessoas a quem ele se
refere “amam o passado” e permanecem vivendo em sua lógica, reproduzindo
comportamentos e posicionamentos aprendidos com seus pais.
A próxima música que ilustra essa categoria é “Cartomante”, que foi composta
por Ivan Lins e Vitor Martins. Ivan dos Guimarães Lins é um cantor, pianista e
compositor brasileiro nascido em 16 de junho de 1945 na cidade de Rio de Janeiro.
Tornou-se conhecido na década de 1970 após ganhar em segundo lugar o 5º
Festival Internacional da Canção. De acordo com Oliveira e Melo (2014), durante o
108
período ditatorial brasileiro, as músicas desse artista levaram ao público conteúdos
de críticas ao Regime Militar, esperança de liberdade e justiça social.
Segundo a matéria “Vitor Martins” (2012), o segundo compositor dessa
música é um letrista brasileiro nascido em 22 de outubro de 1944 na cidade de
Ituverava-SP. Em 1973 ele iniciou a fértil parceria com Ivan Lins, a qual lhes rendeu
inúmeras composições de sucesso como “Abre alas”, “Aos Nossos Filhos” (gravada
por Elis Regina), “Começar de Novo” “Vitoriosa”, “Lembra de Mim”, dentre outras
canções.
A matéria “Canções Censuradas Por Motivo Político” (2014) informa que,
inicialmente, a música “Cartomante” foi intitulada “Está Tudo nas Cartas” e acabou
sendo censurada após Vitor Martins fazer críticas acerca do então chefe da censura
a uma jornalista, fora do momento de entrevista, o que acabou chegando ao
conhecimento desse chefe. Quando isso aconteceu, a canção já estava gravada na
voz de Elis Regina, então a gravadora da cantora foi para Brasília e conseguiu que a
música fosse liberada, mas, com uma condição, era necessário que houvesse a
mudança do seu título. “Cartomante”, como passou a ser chamada, foi lançada pela
cantora em seu LP “Elis” no ano de 1977.
A música “Cartomante” possui cinco estrofes das quais as duas últimas serão
abordadas nessa categoria. Na quarta estrofe, os compositores falam com
Esperança para os brasileiros desiludidos que haverá uma mudança no cenário
político e social do país, afirmando isso indiretamente através da metáfora de leitura
do futuro realizada por videntes e cartomantes, dentre outras pessoas que tem essa
prática (OLIVEIRA; MELO, 2014).
[...] Já está escrito, já está previsto
Por todas as videntes, pelas cartomantes
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas
No jogo dos búzios e nas profecias [...]
A quinta estrofe, que se repete seis vezes, complementa a anterior, ainda por
meio da metáfora da cartomante, ao utilizar elementos das cartas de baralho para
109
simbolizar os militares que estavam no poder, mais uma vez sinalizando com
Esperança o fim do Regime Militar.
[...] Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
Cai não fica nada. (6x)
Novamente, nos defrontamos com uma música na qual os compositores
foram criativos e utilizaram uma metáfora para se expressarem e não correrem o
risco de sofrer censura ou outro tipo de violência. Compreendemos que nessas duas
estrofes da música “Cartomante” o processo de composição se aproxima da
Originalidade, que é uma das categorias de expressão da Espontaneidade
apontadas por Moreno (1975) e discutidas no nosso segundo capítulo, pois os
compositores usaram nessa música algo com significado conhecido socialmente,
que é a atividade de previsão do futuro e elementos usados nessa prática (como as
cartas, por exemplo) para falarem sobre a crença deles de que uma mudança iria
acontecer, sendo assim, atribuindo um novo significado a esses elementos.
A quarta e última música que integra essa categoria é “O Bêbado e a
Equilibrista”, já apresentada na categoria anterior, que foi composta por Aldir Blanc e
João Bosco. Na quarta estrofe, a música passa a ter um tom de desalento, mas com
um fundo de Esperança, ao anunciar que toda luta, dor e sofrimento passados no
período ditatorial brasileiro não seriam em vão, havendo, assim, o desejo e a
Esperança na chegada de dias melhores (ARRUDA, 2020).
[...] Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar [...]
110
Se tratando de uma estrofe escrita em primeira pessoa, os compositores
estão se expondo, mostrando seu lado pessoal ao falarem sobre o que acreditam,
corroborando com o que foi apresentado no segundo capítulo dessa pesquisa ao
citarmos Valongo (1998) quando ela afirma que a composição musical é um
processo profundamente íntimo, no qual transparece o âmbito pessoal do sujeito.
O sentimento de Esperança continua na quinta e última estrofe dessa canção,
a qual inicia com a palavra “azar”. Segundo Arruda (2020), esse azar não é voltado
para o povo brasileiro, mas sim para os ditadores e seus apoiadores, pois, nessa
música, os compositores desejavam expressar que, apesar das incertezas, era
necessário que o povo mantivesse viva a Esperança na chegada de dias melhores,
ou seja, acreditassem que em breve o Regime Militar findaria e a democracia teria
sua vez.
[...] Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
Nesse trecho, podemos inferir que, assim como “o bêbado com chapéu-coco”
se refere ao personagem de Charles Chaplin, que, nessa música, representa o povo
brasileiro, a “equilibrista” é a frágil Esperança desse povo que seguia lutando e
acreditando na chegada do tempo de liberdade.
Tanto na quarta quanto na quinta estrofe da canção “O Bêbado e a
Equilibrista”, os compositores se utilizaram do jogo de palavras ao citarem “a
esperança equilibrista” para expressarem uma opinião acerca da Esperança do povo
brasileiro, a qual eles consideravam ser instável por estar “na corda bamba”.
Compreendemos, assim, que eles estavam expressando a visão que tinham do
contexto social da época.
Fazendo uma relação com a teoria do Psicodrama, destacamos que, para
observar e entender a dinâmica dos papeis na sociedade, faz-se necessário que o
Fator Tele tenha se desenvolvido nos sujeitos, conforme explicação de Moreno
(1975) apresentada em nosso segundo capítulo. Esse fator permite que o sujeito
111
tenha a capacidade de realizar essa observação e entendimento dos papeis que ele
e as outras pessoas exercem na sociedade, bem como do que resulta das
interações entre esses papeis.
Além disso, novamente se torna possível realizar uma associação entre essa
composição e a discussão apontada por Valongo (1998) sobre a Prática
Psicomusical, afirmando que no processo de composição musical é possível refletir
o pessoal, o social, o espiritual e o sagrado. Sendo assim, a partir dessa observação
e entendimento dos papeis e suas interações na sociedade, os compositores
refletiram em sua canção a visão que tinham do contexto social no qual estavam
inseridos.
Findando essa categoria, percebemos que as quatro músicas analisadas
apresentam conteúdos relacionados à Esperança, bem como outras emoções e
sentimentos associados à realidade que os compositores estavam vivenciando. A
partir disso, reforçamos nossa compreensão de que nessas músicas estão
presentes o desejo e a crença na mudança política e social do país, além de haver
um incentivo para que o povo brasileiro mantivesse a Esperança de que essa
mudança iria ocorrer, apesar de toda dor, angústia e medo presentes nesse período
histórico. Sendo assim, sigamos para a nossa terceira e última categoria.
5.3 Medo
Monólogo ao Pé do Ouvido
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
(SCIENCE, 1994)
De acordo com o dicionário (LUFT, 1998, p. 450), o termo medo é definido
como “[...] apreensão; receio; temor”. Conforme Miguel (2015, p. 157), a Psicologia
entende que o medo “[...] é despertado frente a um evento causado pelo ambiente
ou por outra pessoa, e que é avaliado como ameaçador”.
Diante dessas definições, essa categoria tem por finalidade discutir as
músicas nas quais identificamos a expressão de Medo dos compositores em relação
112
ao período político e social que estavam vivenciando quando as compuseram, sendo
elas: “Como Nossos Pais” e “Cartomante”.
Na terceira estrofe da música “Como Nossos Pais”, Belchior se refere à
violência que marcou a época da Ditadura Militar no Brasil, afirmando que era
necessário ter cuidado, pois, como o mesmo declara no início da música, a vida é
bastante valiosa (“Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de
qualquer pessoa”) (FERNANDES, 2019). Sobre esse trecho, Marcello (2020) aponta
que o compositor se referiu a uma guerra na qual a democracia havia perdido, e a
juventude citada na canção encontraria dificuldades se tentasse agir de uma
maneira não aceita pelos militares.
[...] Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens [...]
Diante disso, compreendemos que essa cautela expressa na terceira estrofe
está relacionada ao Medo de sofrer algum tipo de violência (censura, repressão,
tortura, exílio, morte etc) por parte dos militares. Ao nos depararmos com a
expressão da visão que Belchior possuía dos papeis individuais e grupais existentes
na sociedade em que estava inserido, entendemos que nele havia se desenvolvido o
Fator Tele, conceito psicodramático que Moreno (1975) afirma ser necessário para
que o sujeito realize a observação e o entendimento das execuções dos papeis nos
vários âmbitos sociais.
Além disso, essa estrofe da música nos remete também ao que foi discutido
no segundo capítulo dessa pesquisa, quando abordamos a explicação de Valongo
(1998) acerca do processo de composição musical. A autora afirma que esse
processo é íntimo, pois o compositor nos apresenta o que pensa e sente com
relação aos contextos nos quais está imerso e às dinâmicas que se apresentam
nesses.
113
A outra música analisada que ilustra essa categoria é “Cartomante”, que em
sua primeira estrofe, segundo Oliveira e Melo (2014), contém um conselho para que
as pessoas não respondessem às agressões cometidas pelos militares e órgãos
ligados ao governo, se mantivessem longe de confusões e buscassem demonstrar
tranquilidade diante dos adversos acontecimentos que ocorriam no dia a dia.
Nos dias de hoje é bom que se proteja
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranquilo
Haja o que houver pense nos seus filhos [...]
As autoras afirmam que na segunda estrofe os compositores Ivan Lins e Vitor
Martins continuaram a aconselhar as pessoas ao pedirem que elas não se
reunissem com os amigos para que não fossem acusadas de complô contra os
ditadores, evitassem locais que pudessem ter vigilância militar, não falassem mal do
governo e não expressassem o que sentiam em relação às violências praticadas
pelos indivíduos que estavam no poder.
[...] Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigo
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida [...]
Dando continuidade, na terceira estrofe da música “Cartomante”, os
compositores abordam, implicitamente, sobre a violência cometida pelo governo
contra quem era contrário a ele. Além disso, nesse trecho, Ivan Lins e Vitor Martins
seguem aconselhando que a população tomasse cuidado ao expressar sua opinião
e que tivesse paciência, pois uma mudança iria ocorrer (OLIVEIRA; MELO, 2014).
[...] Nos dias de hoje não lhes dê motivo
Porque na verdade eu te quero vivo
Tenha paciência, Deus está contigo
Deus está conosco até o pescoço [...]
114
A partir da análise das três estrofes destacadas, compreendemos que os
compositores apresentaram suas visões sobre a sociedade na qual viviam, nos
dando abertura para inferir que eles demonstravam ter consciência dos papeis que
estavam sendo executados a sua volta, o que gerou o surgimento do Medo em
relação a esse contexto social. Sendo assim, eles estavam demonstrando que
possuíam a aptidão de colocar em prática o Fator Tele (MORENO, 1975).
Além disso, ao exporem seus contextos sociais e a crença de que Deus
estava ao lado das pessoas que lutavam pelo fim do Regime Militar, entendemos
que Ivan Lins e Vitor Martins estão em consonância com o que é apontado por
Valongo (1998) quando ela afirma que no processo de composição musical o sujeito
reflete seu lado pessoal, social, espiritual e sagrado. No caso dessa composição,
eles estão refletindo suas esferas social e sagrada.
Somado às conexões feitas nesse capítulo com alguns dos elementos do
Psicodrama, destacamos que observamos também a possibilidade de relação, de
um modo geral, entre as quatro músicas analisadas e a Catarse, outro conceito
dessa teoria. Moreno (1975) afirma que a Catarse mental é vivenciada no momento
em quem o cliente (ator) está se libertando de seus conflitos e emoções aos quais
estava preso, sentindo-se aliviado de suas angústias, tristezas e medos, mesmo que
não ocorra uma mudança externa. O autor pontua que a Catarse é gerada quando,
nesse processo libertação, o sujeito passa a enxergar um novo universo e a
possibilidade de um novo crescimento.
Posto isso, ao comparar esse processo da Catarse com o processo de
composição das músicas analisadas, compreendemos que, no momento em que os
compositores expressaram suas emoções, sentimentos e pensamentos relacionados
ao que estavam viviam no período da Ditadura Militar no Brasil, acreditando e
visualizando a concretização de uma mudança no contexto político e social do país,
Belchior, Ivan Lins, Vitor Martins, Aldir Blanc e João Bosco passaram pelo processo
de Catarse, se libertando dos seus conflitos através da expressão desses em suas
músicas.
Além disso, em nossas análises, identificamos também a possibilidade de
relação com o conceito de auditório ou público, que é um dos elementos que
compõe os instrumentos da prática psicodramática, correspondendo ao contexto
social, de modo que o auditório ou público observa e avalia, cesurando ou
115
aplaudindo, a dramatização do protagonista. Partindo disso, voltando o olhar para o
contexto social do Brasil através do nosso material de análise, podemos afirmar que,
nesse cenário, o órgão de censura do governo e o povo brasileiro faziam a vez do
auditório ou público diante dos compositores (protagonistas).
Isso decorre do fato de que os censores tinham a função de vetar ou liberar o
lançamento das músicas, sendo essa uma primeira etapa do processo de
observação e avaliação da produção dos compositores. A segunda etapa se dava
quando as músicas eram lançadas, passando a estarem disponíveis para o acesso
da população, que também observava, enquanto as ouvia, e, possivelmente,
entendia as mensagens contidas nas canções, identificando-se ou não com elas; e
as avaliava, levando-as ao sucesso, ao fracasso ou as fazendo circular entre os dois
polos, julgando-as como boas ou não, a partir de seus gostos e afinidades em
relação ao conteúdo e estilo dessas músicas.
Portanto, diante de tudo que foi exposto, a partir da realização dessa
pesquisa, tornou-se possível a nossa percepção de que as músicas analisadas
foram o meio que esses compositores encontraram para expressarem suas variadas
emoções e sentimentos, e realizarem análises críticas acerca do período repressor
que estavam vivenciando, ou seja, eles utilizaram a prática da composição musical
para exprimirem suas concepções sobre o cenário político e social dessa época.
Por entendermos que a música pode ser utilizada como um recurso de
expressão, no decorrer de nossas análises, nosso principal intuito foi identificar
emoções, sentimentos e temas presentes nas quatro músicas analisadas. Diante
disso, obtivemos como resultado que, em sua maioria, os mesmos aspectos foram
percebidos em duas ou mais dessas músicas, tais como: cautela, censura,
repressão, violência, medo, dor/angústia, raiva, indignação, críticas políticas e
sociais, esperança, crença na mudança política e chegada da democracia, saudade,
valorização da vida, dentre outros.
Diante disso, compreendemos que os compositores encontraram um meio
para se expressarem e se comunicarem com a parcela da população brasileira que
compartilhava dos mesmos pensamentos, emoções e sentimentos que eles. Através
da sutileza na escrita das músicas, esses artistas conseguiram abordar assuntos
que poderiam os levar a sofrer censura e/ou outros tipos de violência caso falassem
sobre esses assuntos explicitamente. Logo, os compositores registravam suas
116
mensagens nas entrelinhas das canções, por meio do uso de metáforas e jogos de
palavras, havendo, assim, a possibilidade de que as pessoas, ao ouvirem suas
músicas, pudessem entender as mensagens que estavam implícitas em cada verso.
Dessa forma, observamos que em um período no qual as pessoas eram
oprimidas, não tendo o direito de falar o que quisessem, a música (composição
musical) foi capaz de se sobrepor a essa rigidez característica do Regime Militar,
possibilitando um diálogo entre os compositores e o público, o qual, no caso das
músicas analisadas nesse estudo, foi mediado pela cantora Elis Regina, ao dar voz
a essas composições, interpretando-as dentro e fora do Brasil.
Dentre as quatro músicas analisadas, percebemos que cada uma delas
apresenta sua própria identidade, mostrando a finalidade de sua criação. Na canção
“Velha Roupa Colorida” existe uma crítica ao sistema político e social instaurado no
Brasil, durante o Regime Militar, buscando chamar a atenção da população para o
problema de se viver em uma sociedade baseada na censura. A música “Como
nossos Pais” procurava alertar o povo brasileiro sobre o risco de sofrer violência. Ela
visava incomodar os ouvintes, na tentativa de instigá-los a sair da inercia, e criticava
as pessoas que não se posicionavam contra a Ditadura Militar.
Em contrapartida às anteriores, “Cartomante” não se caracterizava como uma
música combativa, pois tinha por finalidade alertar as pessoas para que não dessem
motivos aos militares e findassem por sofrerem algum tipo de violência. Além disso,
essa canção pedia para que as pessoas tivessem paciência e acreditassem que
uma mudança política e social iria acontecer. Já a música “O Bêbado e a
Equilibrista” foi escrita com o intuito de instigar o povo brasileiro a lutar contra o
Regime Militar e fazer um alerta sobre o cenário de violência que o Brasil estava
vivenciando naquele momento.
Por fim, compreendemos que, a partir tanto das análises do conteúdo dessas
quatro músicas, quanto das informações acerca dos compositores e das
composições e sua contextualização, foi possível realizar a identificação e a relação
entre o processo de composição dessas canções e alguns dos conceitos da teoria
do Psicodrama de Moreno, tais como: Catarse, Espontaneidade e Criatividade, Fator
Tele e Matriz de Identidade; além do diálogo com a Prática Psicodramática e a
técnica da Psicomúsica.
117
Levando em consideração o que foi exposto nesse trabalho, concluímos que
o ser humano possui a necessidade de se expressar, logo, estamos a todo tempo
procurando meios para expormos o que pensamos, percebemos, concebemos e
acreditamos, bem como as diversas emoções e sentimentos oriundos das
experiências vividas ao longo de nossas vidas. Assim, diante das nossas análises e
discussões, podemos compreender e afirmar que a música é um dos meios
possíveis de expressão desses aspectos.
118
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como tema principal a discussão acerca da
possibilidade de expressar emoções e sentimentos por meio da música, a partir de
um olhar do Psicodrama. Foi com base nesse intuído que definimos o caminho a ser
percorrido nesse estudo, que teve como objetivo geral compreender a música como
uma forma de expressar as emoções e sentimentos a partir da análise de músicas
interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no Período da
Ditadura Militar no Brasil à luz do Psicodrama.
Para isso, nossos objetivos específicos foram: identificar composições de
artistas que se posicionavam contra o regime militar; analisar letras de músicas
interpretadas por Elis Regina compostas por artistas diversos no período ditatorial
brasileiro, identificando o conteúdo expresso a partir do seu contexto de
composição; e relacionar os processos de composição das músicas analisadas com
a teoria do Psicodrama.
A fim de atender a todos esses objetivos e auxiliar a/o leitor/a a compreender
os aspectos que constituem essa pesquisa, foi desenvolvido um caminho para a sua
realização. Diante disso, partimos da necessidade de abordar sobre os primórdios
da arte, refletindo e discutindo acerca da sua história, salientando sua utilização pela
sociedade e sua evolução ao longo dos tempos.
Tivemos, assim, a oportunidade de conhecer variados tipos de arte
existentes, dando destaque à música, bem como a sua criação, desenvolvimento ao
longo dos séculos e o modo como ela tem sido usada pelo ser humano. Além disso,
acentuamos algumas informações sobre o Período da Ditadura Militar no Brasil para
compreendermos a história dessa época e o contexto no qual as músicas analisadas
nessa pesquisa foram compostas. Somado a isso, enfatizamos que a música pode
ser utilizada como um meio de expressão humana.
Com a finalidade de contemplar o intuito dessa pesquisa, nossas análises
foram realizadas a partir de associações entre as discussões de quatro músicas
compostas no período ditatorial brasileiro (nosso material de análise), informações a
respeito de seus compositores e do seu contexto de composição e alguns conceitos
do Psicodrama. Através dessas associações, foi possível compreender que, apesar
119
do contexto vivenciado durante o Regime Militar, caracterizado pela não liberdade
de expressão, os compositores analisados conseguiram utilizar a música como um
meio de expressar, com sutileza, para não serem punidos, conteúdos de violência,
dor/angústia, medo e críticas ao sistema político da época, bem como puderam
exprimir sentimentos de esperança, encantamento, saudade e indignação.
A respeito do referencial teórico desse estudo, percebemos que a teoria do
Psicodrama poderia auxiliar a embasar a nossa proposta por enxergar que o ser
humano é capaz de realizar a catarse, libertando-se dos seus conflitos através da
criação do drama. Trazendo esse conceito para o processo de composição musical,
compreendemos que os compositores analisados realizaram uma catarse, pois, por
meio da escrita de suas músicas, puderam expor suas emoções, sentimentos e
pensamentos sobre o contexto político e social no qual estavam inseridos.
Outro conceito dessa teoria utilizado em nossa análise foi o de
espontaneidade e criatividade, que é a capacidade de resposta do indivíduo a um
evento novo ou, com certo grau de novidade, a um antigo. Olhando para o processo
de composição das músicas, a partir desse conceito, entendemos que os
compositores analisados fizeram uso dessa capacidade, pois compuseram músicas,
fazendo uso de metáforas e jogos de palavras, criticando o Regime Militar e
alertando o povo brasileiro sobre a violência cometida pelos militares em meio a um
cenário no qual não se podia falar sobre esses assuntos.
O Fator Tele foi mais um conceito da teoria moreniana usado para dialogar
com as composições analisadas, que é a capacidade do sujeito de observar e
assimilar o papel desenvolvido por ele e por outras pessoas na sociedade, bem
como a dinâmica desses papeis, sendo, assim, necessário nas relações
interpessoais. A partir da análise das músicas que constituíram o nosso material
estudado, foi possível identificar que os compositores exercitavam esse fator, pois
escreveram acerca de aspectos da sociedade na qual viviam, como também sobre
interações que observaram nela.
Dos três conceitos psicodramáticos citados, os dois últimos são
desenvolvidos na Matriz de Identidade, que é mais um conceito criado por Moreno
(1975), estando relacionado à fase na qual o bebê aprende com os familiares suas
crenças, costumes, moral, dentre outros aspectos. Esse conceito foi relacionado às
120
composições analisadas devido algumas delas abordarem sobre pessoas que
estavam agindo como seus respectivos pais.
Além desses conceitos, também relacionamos as canções analisadas com o
conceito de auditório ou público, que é um dos elementos da prática psicodramática,
bem como com a técnica da Psicomúsica discutida por Valongo (1998), que aponta
o processo de composição musical como algo profundamente íntimo, sendo capaz
de refletir os âmbitos pessoal, social, espiritual e divino do sujeito. Sendo assim,
pudemos assimilar que a relação entre o material analisado e a Psicomúsica foi
possível por identificarmos nesse material que os compositores refletiram em suas
canções os âmbitos apresentados pela autora. Diante disso, entendemos que a
Psicomúsica é um dos meios que podem ser usados para auxiliar na expressão do
paciente/cliente.
No que se refere à prática profissional, seja por parte da Psicologia, seja por
parte de outras profissões de cunho terapêutico, entendemos que a música é um
recurso que pode ser utilizado em intervenções nos diversos campos de atuação,
com múltiplas finalidades e com variadas faixas etárias.
Dentro do contexto terapêutico, a música pode ser utilizada de diversas
formas, tanto como um instrumento de promoção e prevenção de saúde, quanto de
tratamento e reabilitação. Seu uso pode proporcionar aos sujeitos o rememorar de
alguns momentos de sua vida, trazendo à tona as sensações, emoções e
sentimentos sentidos na época, bem como pode ser utilizada para auxiliar na
comunicação e expressão de vivências, pensamentos e desejos. Além disso, a
música também pode ser utilizada em intervenções que visam estimular a memória,
a aprendizagem, a reabilitação motora, dentre outras.
Diante de tudo que foi discutido ao longo desse trabalho, salientamos que
conseguimos alcançar os nossos objetivos. Pontuamos que a música é capaz de
evocar emoções e sentimentos, relaxar, estimular a prática dos papeis e, também,
pode ser um meio de expressar emoções, sentimentos e pensamentos sobre si e/ou
sobre os acontecimentos a nossa volta.
Portanto, consideramos a relevância dessas discussões e concluímos que é
possível o uso da música como um meio de expressão dos conflitos vivenciados, o
que pode gerar um sentimento de alívio. Por fim, esperamos que nosso trabalho
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