universidade federal de mato grosso instituto de ... · 3.3.2.1 o projeto de leitura ... para isso...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE
LINGUAGEM
ANGÉLICA REMONATTO
LEITURA COMO ATIVIDADE DIALÓGICA E SEU PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: UM
PROJETO COM O GÊNERO HISTÓRIA EM QUADRINHOS
CUIABÁ-MT 2013
ii
ANGÉLICA REMONATTO
LEITURA COMO ATIVIDADE DIALÓGICA E SEU PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: UM PROJETO COM O GÊNERO
HISTÓRIA EM QUADRINHOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Linguísticos Orientador(a): Prof.(a) Dr.(a) Cláudia Graziano Paes de Barros.
CUIABÁ-MT 2013
iii
iv
Tudo foi feito por Ele, e nada do que foi feito, foi feito sem Ele.
(Jo 1, 3)
v
AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Jesus Cristo, Senhor da minha vida, porque “és o
meu amparo e o meu refúgio, és a alegria de minh’alma”.
À Maria Santíssima, Mãe de Deus e minha, por tantas vezes ter me colocado
em seu colo e me carregado para perto de seu filho Jesus.
À minha mãe Sandra e ao meu pai Amarildo, sem vocês ao meu lado nada
teria sentido! Obrigada por cada ato de amor, desde o momento em que me
conceberam.
Ao seu Lúcio Sozzi, meu tiozinho querido.
Ao meu noivo Jardel Adversi, o presente mais bonito que Deus me deu.
Durante todo esse processo, pude vivenciar que é tão teu meu coração aflito e
manso...
À querida Profª Dra. Cláudia Graziano Paes de Barros. Agradeço a Deus por
ter me dado a senhora como orientadora, minha mãe-postiça, que me catou
pelas mãos e me ensinou a fazer pesquisa, obrigada!
À Profª Dra. Simone de Jesus Padilha, por cada palavra, ato de incentivo e
carinho que me fizeram lembrar das doces rosas de Santa Teresinha.
À Profª Dra. Beth Brait, por gentilmente ter aceitado o convite para participar de
minha banca e pelas ricas contribuições que fez à minha pesquisa.
À Maria Rosa Petroni e à Marta Covezzi de Arruda, as professoras mais doces
que já tive.
A todos os professores que passaram pela minha vida, por, de alguma forma,
terem contribuído para a minha formação como docente. Em especial, à
professora Ana Célia, uma de minhas primeiras fontes de inspiração.
Ao Diego, meu querido amigo, meu par-avançado para sempre!
vi
Às minhas queridas: Iara, Vivi e Leila. Ter conhecido e convivido com vocês foi
um presente de Deus!
À Regina Reginato e à Ana Elizabeth, pelo carinhoso apoio desde o início.
À Lu, minha câmera-girl! Só eu sei o que significou tê-la por perto!
A todos os amigos do REBAK e do MeEL, como era bom olhar para os lados e
perceber que não estava sozinha! Obrigada!
Aos pequenos que participaram da pesquisa, por não deixarem me esquecer
de onde vim e de quem sou eu.
À CAPES, pelo incentivo financeiro;
E aos queridos aqui não nomeados, mas que fazem meu coração transbordar
de gratidão. Obrigada!
vii
Nada te perturbe,
Nada te espante,
Tudo passa,
Deus não muda,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem Nada lhe falta: Só Deus basta.
(Santa Teresa D’Ávila)
viii
Resumo
LEITURA COMO ATIVIDADE DIALÓGICA E SEU PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM: UM PROJETO COM O GÊNERO HISTÓRIA EM QUADRINHOS
Esta pesquisa teve como objetivo investigar e discutir as práticas de leitura de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental e seu processo de ensino-aprendizagem em uma escola pública brasileira. Para tal, assumimos como aporte teórico os estudos de Mikhail Bakhtin e seu Círculo (1929; 1952-53; 1970-1971/1979; 1974/1979), que defendem a linguagem como processo sócio-histórico-cultural, aliado à teoria sócio-interacional de ensino-aprendizagem de Lev Vygotsky (1930; 1934). Com base nesses construtos teóricos, pautamos nossa concepção de leitura em uma perspectiva dialógica, que prevê sempre uma atitude responsiva do leitor. Procuramos, então, investigar quais práticas têm sido desenvolvidas para a efetivação da aprendizagem desse importante componente curricular. Assim, defendemos que os gêneros do discurso podem ser usados como objetos de ensino-aprendizagem de leitura e acreditamos que a formação de leitores é um processo que deve ocorrer durante todos os anos de escola e não somente nos primeiros anos. A abordagem metodológica baseou-se em uma pesquisa qualitativa, de caráter dialógico e participativo. A observação dos dados demonstrou que a interação e o conhecimento do gênero “histórias em quadrinhos” puderam proporcionar novas possibilidades de leitura e o desenvolvimento de diferentes capacidades pelos alunos. Nossos dados ainda demonstraram que o ensino-aprendizagem de leitura se torna ainda mais profícuo quando aliado a atividades de reflexão e produção escrita. PALAVRAS-CHAVE: leitura, ensino-aprendizagem, gêneros discursivos.
ix
Abstract
THE TEACHING-LEARNING PROCESS OF READING AS DIALOGICAL ACTIVITY: A PROJECT WITH THE GENRE COMICS
This study intends to investigate and discuss the reading practices and the teaching-learning process of students in the 6th grade of elementary school in a Brazilian public school. To this end, we used the theory of Mikhail Bakhtin and his Circle (1929; 1952-53; 1970-1971/1979; 1974/1979), that considers language as process social-cultural-historical, allied to social-interactional theory of teaching-learning of Lev Vygotsky (1930, 1934). Based on such perspectives, we form our conception of reading in a dialogical approach, providing for a responsive attitude of the reader. Thus, we investigated what practices have been developed for effective learning of that important curricular component. We argue that the discourse genres can be used as objects of teaching-learning of the reading and we also believe the formation of readers is a process that should occur during every school year and not only in the first years. The methodology approach has been based on a qualitative study, participative and dialogic character. The data showed that the interaction and knowledge of the genre "comics" could offer news possibilities of reading and the development of different capabilities by the students. Our data also demonstrated that the teaching-learning of reading becomes even most proficient when allied to activities of reflection and written production. KEYWORDS: reading, teaching-learning, discourse genres.
x
SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................12
CAPÍTULO 1 - ESTUDOS SOBRE LEITURA E LETRAMENTO.....................18
1.1. O que é leitura pra você?...........................................................................19
1.1.1. Teorias Cognitivas e a Leitura: interação entre leitor e texto..................20
1.1.2. Vertentes discursivas e enunciativo-discursivas e a leitura....................24
1.1.2.1. A vertente discursiva: interação entre leitor virtual e leitor real............24
1.1.2.2. Leitura para vertente discursivo-enunciativa: ler é responder..............26
1.2. Letramento: as práticas sociais do sujeito leitor.........................................34
1.2.1. Letramentos múltiplos e o papel da escola..............................................37
CAPÍTULO 2 – ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA E OS GÊNEROS DO
DISCURSO........................................................................................................41
2.1. Enlace teórico: Bakhtin e Vygotsky............................................................41
2.1.1 A teoria vygotskiana de ensino-aprendizagem: Zona de Desenvolvimento
Proximal e interação..........................................................................................42
2.2. Gêneros do discurso como objetos de ensino-aprendizagem de leitura....45
2.2.1. As esferas da atividade humana e os gêneros do discurso....................46
2.3. O gênero História em Quadrinhos.............................................................49
2.3.1. HQ um gênero Multimodal.......................................................................55
2.3.2. Pesquisas com o gênero HQ e sua presença na escola.........................57
2.4. Praticando a teoria: contribuições para o processo de ensino-
aprendizagem de leitura....................................................................................59
CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA DA PESQUISA.............................................66
3.1. Bakhtin e a Metodologia das Ciências Humanas.......................................66
3.2. Objetivos e questões de pesquisa..............................................................67
3.3. Metodologia de coleta dos dados..............................................................68
3.3.1. Contexto e sujeitos de pesquisa..............................................................69
3.3.2. Metodologia das aulas...........................................................................71
xi
3.3.2.1 O projeto de leitura................................................................................71
3.3.2.2. Os textos utilizados em sala.................................................................72
3.3.2.3. O planejamento.....................................................................................73
3.4. Metodologia da análise..............................................................................78
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DOS DADOS: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DE
LEITURA...........................................................................................................81
4.1. As práticas de leitura dos sujeitos da pesquisa..........................................81
4.1.1 O que é leitura pra você?..........................................................................96
CAPÍTULO 5 – PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA
COM O GÊNERO HQ......................................................................................101
5.1. O projeto e seus resultados......................................................................101
5.1.1. Capacidades de leitura e de linguagem desenvolvidas no projeto........102
5.2. O ensino-aprendizado de leitura mediado pelos gêneros do discurso.....113
5.3. A importância da interação para ensino-aprendizado..............................127
5.3.1. A interação e o aprendizado na produção escrita.................................133
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................147
ANEXO...........................................................................................................153
12
INTRODUÇÃO
Refletir sobre o ensino-aprendizagem de leitura nos dias atuais significa
adentrar no universo das distintas concepções de leitura, entender os seus
reflexos em atitudes em sala de aula e discutir como ocorre o processo de
formação de leitores.
Percebemos, com Paes de Barros (2008), que a preocupação com a
formação de leitores competentes – prevista nos documentos oficiais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, 1998), doravante PCN - vem
ganhando espaço em discussões sobre o assunto, principalmente com a
entrada na escola de textos extraescolares, o que resultou em uma grande
mudança como ressalta a autora:
No contexto educacional brasileiro do final do século XX, acontece um forte apelo – inicialmente por parte da academia e, posteriormente, também através de algumas ações governamentais – em prol da leitura de textos que fazem parte do universo extra-escolar dos alunos (...). Dessa maneira, gêneros discursivos de esferas sociais, tais como a artística, jornalística, publicitária, passam a ganhar um estatuto novo: compor o universo de leituras nas escolas (PAES DE BARROS, 2008, p. 22).
Mudança essa que não atingiu totalmente o trabalho com a leitura, pois
muitas vezes mudam-se os tipos de texto trabalhados, mas a forma com que
são abordados ainda não tem sofrido sequer algum tipo de interferência.
Porém, com Rojo (2004, 2009) notamos que a leitura passa a ser vista de
diferentes ângulos, pois, ganha novos enfoques. Assim, tornar-se um ato de
compreensão que envolve as diversas práticas sociais do sujeito leitor e passa
a se inscrever numa perspectiva dialógica, ao contrário de outras vertentes
ligadas somente ao ato de decodificação ou aos aspectos cognitivos. Então, ler
torna-se um processo no qual o leitor constrói sua leitura com base no diálogo
com o autor, diálogo esse que só é possível devido à postura responsiva do
sujeito leitor frente ao texto, frente às diferentes linguagens, enfim, frente a um
outro sujeito: o autor.
13
Nesse contexto, voltaremos nossos olhos para os documentos oficiais,
que são as diretrizes produzidas para “guiar” o ensino de Língua Materna na
escola, especificamente, no nível nacional: os Parâmetros Curriculares de
Língua Portuguesa de 3º e 4º ciclos (1998) e a introdução aos PCN (1998),
além das recentes Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso (2011),
e também utilizaremos o Decreto nº 7559, de 1º de setembro de 2011 que trata
do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL).
Os documentos propõe um diálogo com os envolvidos no processo, no
caso a escola, os professores e os alunos. Essa abertura é vista no decorrer
das páginas do documento, principalmente pelas muitas vezes que reforça a
necessidade de que cada estado e cada escola elaborem, coletivamente, suas
diretrizes. O principal objetivo é estabelecer uma referência curricular que não
deixe de lado as particularidades de cada região ou realidade escolar, que não
desvalorize as peculiaridades culturais e regionais.
Paes de Barros (2005) chama a atenção para a concepção trazida pelos
PCN sobre leitura e comprova que, por mais que se embase na ideia de
compreensão ativa, conceito advindo da teoria bakhtiniana, ainda assim dá
lugar a uma abordagem cognitiva, para isso basta lermos um excerto que fala
sobre leitura:
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua (...). Não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. (...) a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso desses procedimentos que permite controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas, etc. (BRASIL, 1998, p. 69) [Grifos nossos].
Considerando algumas expressões grifadas no texto, podemos perceber
que, de fato, os documentos visam uma concepção de leitura numa perspectiva
enunciativa: “o leitor realiza um trabalho ativo (...)”. Porém, até o fim do
parágrafo, aparecem outras expressões que nos lembram a visão cognitiva da
14
leitura como, por exemplo: leitura fluente estratégias, rapidez e proficiência.
Essa mistura de vertentes fica ainda mais clara quando os PCN descrevem o
que seria um leitor competente:
Um leitor competente é alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os textos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a atender a essa necessidade (BRASIL, 1997, p. 41) [Grifos nossos].
Vale ressaltar que apesar do uso do advérbio socialmente, no trecho
acima citado, as práticas sociais não são levadas, efetivamente, em
consideração nos documentos oficiais nacionais, o conceito de letramento
aparece poucas vezes e é timidamente descrito em uma nota de rodapé.
Quando comparamos os documentos nacionais com os estaduais, podemos
perceber alguns avanços em relação à explicitação da teoria acerca de leitura,
pois as orientações estaduais discutem, principalmente, a teoria de
letramentos, colocando a leitura como prática social:
Compreender a leitura, (...) tem implícito o reconhecimento da importância da leitura como vivência, que torna possível a construção de significados, a representação do mundo, o compartilhamento de informações, a expressão e a construção da identidade no processo de interação social que revela, a cada um, parte de si e do mundo numa relação dialética com a cultura, a história e a sociedade (OC-MT, 2011, p. 7).
Tratando-se do Decreto nº 7559 de 1º de setembro de 2011, assinado
pela presidente Dilma Rousseff, percebemos que o Plano Nacional do Livro e
Leitura (PNLL) – conjunto de projetos na área do livro e leitura que surgiu em
fórum realizado em março de 2006 – “é elevado à estratégia permanente de
planejamento, apoio, articulação e referência para a execução de ações
voltadas para o fomento da leitura no país”. Com isso, o governo legitima apoio
à pesquisa e ao trabalho com a leitura no Brasil.
Com o referido decreto o PNLL passa a ser coordenado conjuntamente
pelos Ministérios da Cultura e da Educação e tem como objetivos:
I – a democratização do acesso ao livro;
15
II – a formação de mediadores para o incentivo à leitura; III – a valorização institucional da leitura e o incremento de seu valor simbólico, e IV – o desenvolvimento da economia do livro como estímulo à produção intelectual e ao desenvolvimento da economia nacional (BRASIL, Lei nº 7.559, de 1º de setembro de 2011. p. 1).
Esses quatro objetivos são transformados em eixos estratégicos e
contam com dezenove linhas de ação, que preveem atuações desde a
implantação de novas bibliotecas e projetos sociais de leitura, até o incentivo à
distribuição e produção literária e premiação a ações de incentivo. Qualquer
projeto que sirva de estímulo para o trabalho com a leitura é de grande
importância para um país que possui resultados insatisfatórios em exames que
medem as capacidades de leitura de sua população, como o PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes), o SAEB (Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica) etc.
O PNLL apresenta, em caderno1 publicado em 2010, os seus princípios
norteadores, e dentre diversos esclarecimentos encontramos um
posicionamento acerca da leitura:
A concepção de leitura focalizada pelo Plano é aquela que ultrapassa o código da escrita alfabética e a mera capacidade de decifrar caracteres, percebendo-a como um processo complexo de compreensão e produção de sentidos (...). Uma perspectiva mecanicista da leitura, que pretende reduzir o ato de ler a mera reprodução do que está no texto, tem sido um dos mais graves obstáculos para o desenvolvimento da leitura e da escrita. A leitura configura um ato criativo de construção de sentidos, realizado pelos leitores a partir de um texto criado por outro(s) sujeito(s) (BRASIL, 2010, Caderno do PNLL, p. 32) [Grifos nossos].
Ao destacar que a leitura configura um ato criativo de construção de
sentido, visa-se olhar para o sujeito leitor não como um mero desbravador do
material escrito, mas como um sujeito ativo que participa da construção de
sentidos, mais do que isso, pois ao lembrar que o texto é criado por outro(s)
sujeito(s) reconhece-se a interação entre leitor e autor no ato da leitura.
1 Também disponível em:
<http://189.14.105.211/conteudo/c00007/Principios_Norteadores.aspx> Acesso em 25/09/2012.
16
Diferentes pesquisas vêm sendo desenvolvidas na perspectiva da leitura
como ato-responsivo, vinculadas à concepção dialógica da linguagem
(BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 2009 [1929]), como por exemplo, Jurado (2003),
Lodi (2004), Rojo (2004, 2009), Paes de Barros (2005, 2008, 2010), Costa
(2011), entre outros. E neste mesmo âmbito, encontra-se a nossa pesquisa,
que assume como aporte teórico-metodológico conceitos advindos da teoria
enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo (1929, 1952-1953, 1974/1979)
e do sócio-interacionismo de Vygotsky (1930, 1934, 1935).
Discorreremos sobre as diferentes abordagens de leitura, e seu ensino-
aprendizado, a fim de fundamentar a nossa opção por uma concepção de
leitura embasada na perspectiva dialógica bakhtiniana. Assim, descreveremos
o projeto de leitura que foi desenvolvido em uma turma de 6º ano do Ensino
Fundamental, em que procuramos partir das práticas de leitura dos alunos a
fim de atender suas principais necessidades de aprendizagem.
Desta forma, nossa pesquisa objetivou:
Conhecer as concepções e práticas de leitura dos alunos do 6º
ano (3ª fase do 2º ciclo) de uma escola estadual da cidade de
Cuiabá, Mato Grosso.
A partir do contato com os alunos, o segundo objetivo delineou-se mais
claramente:
Desenvolver um projeto de ensino-aprendizagem de leitura, em
que se tome o gênero discursivo história em quadrinhos como
objeto de ensino-aprendizagem, com base nas necessidades e
capacidades apresentadas pelos alunos sujeitos da pesquisa.
Para alcançar tais objetivos, buscou-se responder às seguintes
perguntas de pesquisa:
1. Que concepções e práticas de leitura têm os alunos do 6º ano da
escola estudada?
17
2. Quais capacidades de leitura puderam ser desenvolvidas a partir do
projeto e de que forma as interações entre os alunos interferiram
nesse processo de ensino-aprendizagem?
Assim, no capítulo 1, apresentaremos uma discussão sobre as
diferentes concepções de leitura e como elas refletem no processo de ensino-
aprendizagem, buscaremos apresentar alguns pressupostos teóricos da
pesquisa, partindo da teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo,
com o objetivo de fundamentar a nossa concepção de leitura como atividade
responsiva.
No capítulo 2, dissertaremos sobre o processo de ensino-aprendizagem
de leitura, sobre os gêneros do discurso e as propostas de didatização que
partiram, inicialmente, do enlace teórico entre a teoria de linguagem de Bakhtin
e a teoria de ensino-aprendizagem de Vygotsky, conforme Schneuwly &Dolz
(2004). Além disso, nesse capítulo também discutiremos aspectos teóricos
ligados ao gênero história em quadrinhos, por fim, apresentamos a proposta de
ensino-aprendizagem de leitura com base em pesquisas de Rojo (2004) e Paes
de Barros (2005, 2008).
O capítulo 3 aborda as bases metodológicas adotadas e traça um
panorama do contexto em que foi desenvolvido o projeto de leitura e os sujeitos
que dele participaram. No capítulo 4 e 5, respectivamente, serão apresentados
e analisados os dados coletados através dos questionários aplicados, em que
se buscou encontrar as principais práticas de leitura dos sujeitos da pesquisa e
os episódios gravados em áudio e vídeo, excertos das aulas do projeto de
leitura para analisarmos como aconteceu o processo de ensino-aprendizagem.
Por último, apresentaremos as considerações finais da pesquisa,
seguidas das referências bibliográficas consultadas e do anexo.
18
Capítulo 1
ESTUDOS SOBRE LEITURA E LETRAMENTO
O produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra história. Não são amarradas – se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos; não são mãos livres que produzem o seu bordado apenas com fios que trazem nas veias de sua história – se o fossem, a leitura seria outro bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. São mãos carregadas de fios, que retomam e tomam os fios que no que se disse pelas estratégias de dizer se oferece para a tecedura do mesmo e outro bordado (GERALDI, 1991).
Pesquisas sobre Leitura e Letramento
Atualmente, leitura e letramento são duas palavras que têm estado
juntas, isso se deve, em parte, à disseminação da concepção de leitura como
prática social, mas nem sempre foi assim. No Brasil, somente por volta da
segunda metade da década de 70 do século XX as pesquisas sobre leitura em
língua materna começaram a se desenvolver, pois foi nessa época que a mídia
dedicou-se a noticiar, embasada nos resultados dos exames vestibulares, a
“crise de leitura” no Brasil (KLEIMAN, 2004). Com isso, tivemos um start nas
investigações e muitas foram as descobertas sobre o tema, logo, são diversas
as vertentes que teorizam sobre a leitura, cada qual segundo o seu aporte
teórico.
Alguns dos pesquisadores que têm colaborado com suas investigações
estão Freire (1981), Kato (1985), Kleiman (1989a, 1989b, 1995, 2004), Orlandi
(1988, 1996, 1998), Lajolo (1993), Soares (1998, 2003a, 2003b), Rojo (1998,
2004, 2009), Paes de Barros (2005, 2008, 2010), Geraldi (1984, 1991, 2010),
entre outros.
Para melhor compreensão do 'estado da arte' da leitura hoje em dia,
neste capítulo, visitaremos as principais abordagens de leitura e exporemos a
concepção por nós adotada para o desenvolvimento deste estudo.
19
1.1. O que é leitura para você?2
Como foi dito anteriormente, as pesquisas sobre leitura tiveram seu
desenvolvimento devido, principalmente, à chamada “crise da leitura”
diagnosticada através dos resultados de exames vestibulares que indicavam (e
ainda indicam) que a maioria dos nossos alunos, mesmo depois de passar por
volta de onze anos no ensino básico, ainda apresentavam inúmeras
dificuldades com a leitura de textos diversos.
Kato (1985) esclarece que o interesse pela pesquisa sobre leitura na
academia iniciou-se pelos estudos sobre leitura instrumental em língua
estrangeira, nos quais se constatou que os aprendizes possuíam dificuldades
no trabalho com textos escritos em língua materna, e não somente em textos
em outra língua, esse dado promoveu o desenvolvimento da investigação
sobre as capacidades envolvidas no processo da leitura também em língua
materna no Brasil.
Rojo (2004) nos alerta que se questionássemos os nossos alunos sobre
o que é ler na escola, teríamos como resposta o retrato do trabalho feito com a
leitura que, segundo a autora, leva em consideração “somente poucas e as
mais básicas das capacidades leitoras (...). Todas as outras são ignoradas” (p.
4).
Não muito diferente da previsão feita por Rojo foram as respostas dadas
para pergunta: O que é leitura para você?, por alunos do ensino fundamental.
Dentre elas traremos, nesse momento3, somente algumas para ilustrar nossa
discussão:
Resposta.1 - ler aprender a escutar a leitura e prestar atenção.
R.2 - ler um livro e resumir a istória falar o que entendeu.
R.3 - você aprende a escrever lendo, conhecendo as palavras.
2 Questão feita para alunos do ensino fundamental e para professores de escolas públicas da
grande Cuiabá-MT, em questionário de pré-coleta de dados do projeto “Os Gêneros
Discursivos em diferentes esferas da atividade humana: estudos teóricos e aplicados”,
coordenado pela Profª Drª Cláudia Graziano Paes de Barros, da UFMT.
3 Posteriormente, no capítulo de análise, essas e outras respostas dadas pelos alunos serão
analisadas de modo mais detalhado.
20
R.4 - simplesmente ler.
R.5 – leitura é um estudo de letras de palavras um estudo de
português.
Percebemos então, que diversas são as visões acerca da leitura, e
convém notarmos que essa realidade também é fruto das concepções de
leitura e de seu ensino-aprendizado presentes na escola.
De acordo com Rojo (2009), no início do século XX, a leitura era
relacionada apenas à alfabetização, posteriormente passa do enfoque restrito,
do ato de decodificação para um ato de cognição, de compreensão, que
envolve diversos “conhecimentos como o de mundo, de práticas sociais e
linguísticas, para além de grafemas e fonemas”. Sob diferentes enfoques,
muitas pesquisas ainda estão sendo feitas sobre o assunto. Iniciaremos, então,
o nosso percurso sobre as diferentes concepções pelo viés dado aos aspectos
cognitivos ligados à leitura.
1.1.1. Teorias Cognitivas e a Leitura: interação entre leitor e texto
São três os modelos vinculados ao processamento cognitivo: Modelo de
Processamento Ascendente (bottom-up); Modelo de Processamento
Descendente (top-down) ou Modelo Psicolinguístico; e Modelo de
Processamento Ascendente/Descendente ou Modelo Interativo. Segundo
Kleiman (1992, p. 35), os modelos de processamento de informação atrelados
aos aspectos cognitivos são “ligados à relação entre o sujeito leitor e o texto
enquanto objeto, entre linguagem escrita e compreensão, memória, inferência
e pensamento”.
Para o modelo de processamento ascendente (botton-up), a leitura tem
como foco o texto e é baseada na identificação de suas partes, partindo das
menores para as maiores, advém daí o nome ascendente, pois partiria das
letras, para as sílabas, para as palavras, para as sentenças e por fim, para o
texto. Paes de Barros (2005) afirma que ler, para este modelo, é partir do
“reconhecimento do estímulo visual escrito, sua representação mental, análise
das informações escritas em partes – identificação/decodificação para posterior
associação aos correspondentes fonológicos – e armazenamento de
21
informações”. Por isso convém sua caracterização por Kato (1985) como linear
e indutivo, pois a compreensão acontecerá, posteriormente, de forma indutiva
em que o significado do texto é construído “através das análises e sínteses do
significado das partes”, com ajuda dos aspectos ortográficos, sintáticos e
semânticos.
Kato (1985) caracteriza o leitor que privilegia este processo como o que
constrói significados com base em dados do texto, que apreende os detalhes,
até mesmo erros de ortografia, porém possui muitas dificuldades para fazer
leitura nas entrelinhas, com isso faz poucas inferências, pois se atém à
materialidade linguística do texto.
As práticas pedagógicas baseadas no modelo ascendente, segundo Lodi
(2004):
prevêem um trabalho com letras, sílabas, palavras e sentenças, isoladas de qualquer contexto, que devem ser decodificadas pelos alunos. Consequentemente, uma prática muito comum e coerente com essas concepções é a realização de leituras em voz alta, cujo intuito é o desenvolvimento de fluência e da rapidez na decodificação do código escrito (LODI, 2004, p. 43).
Podemos perceber então, que para esse modelo ler é decodificar aquilo
que está escrito no texto, sendo ele um objeto pronto e acabado, não passível
de diferentes interpretações ou leituras.
Enquanto o primeiro modelo tem sua centralidade no texto, o modelo
descendente (top-down) ou psicolinguístico focaliza-se no leitor, que com
sua leitura de mundo (experiências e vivências) dá sentido ao texto. Segundo
Kato (1985), “é uma abordagem não linear, que faz uso intensivo e dedutivo de
informações não visuais e cuja direção é da macro para a micro-estrutura”.
Logo, o leitor parte da leitura global do texto para, só depois, observar as
partes. Com isso pode levar em consideração elementos que não estão
explicitados no texto, isto é, para compreendê-lo pode partir de palavras ou
expressões temáticas e inferir sentidos de acordo com seu conhecimento de
mundo, usando mecanismo de previsão e antecipação.
Segundo Lodi (2004), para os autores que defendem essa concepção:
a leitura não pode ser ensinada, pois aprender a ler é uma habilidade que se desenvolve com a própria prática de leitura;
22
ela é conquistada com a experiência e não com o ensino (Smith, 1997). Para eles, o ensino formal acaba impedindo que a criança invente ou faça suas descobertas por si, pois apenas aquilo que é descoberto ou inventado pela própria criança reestrutura, fundamentalmente, suas atividades motora, verbal e mental (LODI, 2004, p. 47).
Porém, toda essa autonomia dedicada ao leitor pode desembocar no
erro, visto que quase não é levado em consideração que o texto escrito tem por
trás um autor, um indivíduo que fala de um lugar, que escolhe o que e como
dizer. Kato (1985) caracteriza o leitor dessa vertente como aquele que
“apreende facilmente as ideias gerais e principais do texto, é fluente e veloz,
mas por outro lado faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-las.
(...) faz mais uso de seu conhecimento prévio do que de informações dadas
pelo texto”.
Pensando nessas duas perspectivas e colocando em uma balança seus
aspectos positivos e negativos, convém inferir que uma junção dos dois
modelos seria uma alternativa para sanar os problemas enfrentados por cada
um em particular. E é justamente a interação entre os modelos botton-up e top-
down que o modelo interativo ou ascendente/descendente sugere para a
compreensão do texto.
Nessa concepção, a leitura é vista como uma interação entre leitor e
texto, sendo este “de fundamental importância pois é na leitura literal que o
leitor encontrará os indícios para significados não literais” (KATO, 1985, p. 56).
Para Kleiman (1989a), a leitura nesse processo interativo seria um
“desvendamento” do texto, que só seria possível com auxilio de informações
resultantes de conhecimentos ortográficos, sintático-semânticos, pragmáticos e
enciclopédicos. A autora, então, escolhe o conceito de interação advindo da
pragmática - interação entre interlocutores - visto que nesta versão de leitura
interativa, o leitor é visto como sujeito cognitivo e o texto como objeto formal,
não havendo abertura total de um leque de possíveis leituras, de modo que
essas possibilidades são delimitadas tanto pelo sujeito como pelo texto.
Por isso, a autora defende uma concepção de leitura também focalizada
no modelo de interação, porém a concebendo entre o leitor e o autor e que se
dá de maneira individual para cada sujeito, pois cada leitura atende a objetivos
e conhecimentos (linguístico, textual e de mundo) do sujeito leitor.
23
Sendo assim, o leitor “constrói, e não apenas recebe um significado
global do texto; ele procura pistas, formula e reformula hipóteses, aceita ou
rejeita conclusões” (KLEIMAN, 1989b, p. 65). E no processo de compreensão
do texto faz usos de estratégias e habilidades de leitura. Essas estratégias
seriam operações usadas para se trabalhar com o texto e se dividem em
cognitivas e metacognitivas, que de acordo com Kato (1985), foram inspiradas
nos estudos de Vygotsky sobre desenvolvimento do conhecimento. Sendo
assim, as estratégias cognitivas são automáticas e inconscientes, que podem
se tornar metacognitivas à medida que acontecer uma desautomatização no
processo tornando-o consciente. Dessa forma, é de extrema importância o
papel mediador do professor, sendo ele o responsável por conduzir o aluno
nesse processo.
Kato (1985) diferencia o leitor segundo esse modelo como leitor maduro,
pois, escolhe, de acordo com a situação, as estratégias que irá utilizar para
efetivar sua leitura, e ainda “tem um controle consciente e ativo de seu
comportamento”.
Segundo Lodi (2004),
Está pressuposto neste modelo, que compreender um texto é interagir com o autor via texto, a partir de um processo de compreensão do conteúdo pretendido pelo autor. Melhor dizendo, durante a leitura, cabe ao leitor a reconstrução dos mesmos passos trilhados pelo autor quando na produção textual. Dessa forma, interação reduz-se à reconstrução das intenções do autor, tendo como base os conhecimentos do leitor. Pressupõe-se, assim, um processo de compreensão sem conflitos e, portanto, sem divergências de leituras: há apenas aquela induzida pelo autor (LODI, 2004, p. 50).
Olhando mais de perto o modelo interativo, podemos perceber que
apesar de seu nome pressupor interação, ainda restringe-se a uma relação do
leitor com o autor via somente a materialidade do texto, visto que aquele,
mesmo sendo denominado ativo e consciente, tem poucas possibilidades de
exercer tal comportamento, pois seu papel ativo nada mais é do que escolher
qual modelo de processamento de informação ou estratégia fará uso para
atender os objetivos da leitura. Principalmente por ainda ser visto apenas como
um sujeito cognitivo frente a um objeto, no caso o texto escrito.
24
1.1.2. Vertentes discursivas e enunciativo-discursivas e a leitura
De acordo com Lodi (2004), estudos sobre linguagem e discurso, na
década de 704, influenciaram fortemente as vertentes discursivas da leitura,
seu principal propósito foi romper com o paradigma estruturalista da linguagem,
tendo em vista que ela, diferente da visão mecânica proposta pelo modelo de
processamento interativo, não é algo acabado em si, e sim o produto vivo da
interação humana.
Embasados nos estudos do discurso, alguns teóricos pesquisaram sobre
leitura seguindo essa vertente ligada às questões sociais, ideológicas etc.,
entre eles temos Foucambert e Barthes e Compagnon5. Aqui nos deteremos
aos estudos e pesquisas de Orlandi (1988).
1.1.2.1. A vertente discursiva: interação entre leitor virtual e leitor real
Orlandi (1988) inicia seu percurso sobre o estudo do processo de leitura
na vertente discursiva pelo conceito de legibilidade, no qual impera a noção de
que um texto pode ou não ser legível, dependendo de fatores que regem este
processo, como, por exemplo, condições de produção, história do sujeito-leitor,
etc. Para a autora: “A leitura (...) não é uma questão de tudo ou nada, é uma
questão de natureza, de condições, de modo de relação, de trabalho, de
produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade” (1988, p. 9).
Nessa vertente, é sensível a crítica ao modelo de processamento
interativo, pois parte do pressuposto que a interação se dá somente entre seres
humanos e não do leitor com o texto. Além da interação entre autor e leitor, a
autora também considera a interação que acontece entre o leitor virtual (aquele
ao qual se dirige o autor) e o leitor real (aquele que lê o texto). E ainda
acrescenta que “ficar na objetalidade do texto é fixar-se na mediação,
absolutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo, sua significação”
4 Convém ressaltar que o pensador russo Mikhail Bakhtin pensou e teorizou a linguagem como
produto da interação entre seres humanos desde o início do século XX, mas seus estudos só
foram descobertos posteriormente devido à situação política vivida pela Rússia na época.
5 Para maior entendimento consultar o estudo de Lodi (2004), que traça um estudo minucioso
sobre essas vertentes discursivas da leitura.
25
(ORLANDI, 1988, p.9), por isso a importância de voltar os olhos também para o
contexto de produção do texto, a relação entre os interlocutores.
Ainda no processo de leitura, deve-se levar em consideração sua
incompletude, isto é, como um processo inacabado, do qual derivam o implícito
e a intertextualidade. Do primeiro, vale ressaltar que é aquilo que, no texto,
significa mesmo sem estar escrito, e sobre intertextualidade é a “relação de um
texto com outros (existentes, possíveis, ou imaginários)” (ORLANDI, 1988, p.
11).
A autora critica o que ela chama de “pedagogismo”, que seria o ensino
de técnicas de leitura desvinculando-a de seu caráter sócio-histórico, e ainda
ressalta que não é com o ensino dessas técnicas que serão sanados os
problemas enfrentados no processo de leitura. Mais uma vez, podemos notar a
crítica ao modelo interativo. Essa vertente da leitura não vê o texto como um
produto acabado, pois busca no seu processo de produção a sua significação.
Uma questão pertinente ao ensino de leitura seria o fato de existir uma
“história do leitor”, o percurso que esse sujeito fez se tratando da prática de
leitura; e uma “história da leitura”, isto é: “para um mesmo texto, leituras
possíveis em certas épocas não o foram em outras, e leituras que não são
possíveis hoje serão no futuro” (ORLANDI, 1988, p. 41). Porém, mesmo assim
podemos afirmar que há leituras previstas para um texto e existem elementos
que as determinam, mesmo que não absolutamente, o fato de os sentidos
terem suas histórias e de existir a intertextualidade. Nas palavras da autora:
Ao afirmarmos que os sentidos têm sua história, estamos enfatizando que a variação tem relação com os funcionamentos distintos, ou seja, com os contextos de sua utilização. E ao afirmarmos que um texto tem relação com outros, estamos apontando para o fato de o conjunto de relações entre os textos mostrarem como o texto deve ser lido (1988, p. 42).
E como consequência, o que é na maioria das vezes um fato, “o ensino
de leitura pode, dependendo das circunstâncias pedagógicas, colocar ênfase
tanto na multiplicidade de sentidos quanto no sentido do dominante” (ORLANDI
1988, p. 46), no caso, a leitura prevista pelo livro didático do professor.
26
Alguns autores, como Geraldi (1984), Kleiman (1992), entre outros,
pesquisam o trabalho com a leitura em sala de aula e seus dados demonstram
que, muitas vezes, ela é usada para se trabalhar análise linguística, ou seja, o
texto como pretexto, ou somente como avaliação da fluência em leitura.
Acreditamos que isso é um reflexo, muitas vezes, da concepção de leitura do
professor ou da instituição, que desencadeia esse processo que envolve a
mecanicidade da linguagem e a visão do leitor como sujeito passivo, uma vez
que “o(s) sentido(s) de um texto está(ão) determinado(s) pela posição que
ocupam aqueles que o produzem (os que os emitem e o leem)” (ORLANDI,
1988, p.12).
Ressaltamos a importância da clareza que devemos ter em relação às
diferentes concepções de leitura, para então perceber que cada uma implicará
em uma postura frente ao seu ensino-aprendizado. Neste sentido, entendemos
que um trabalho pautado em uma proposta voltada para as teorias cognitivas
(modelos ascendente, descendente e interativo) ficaria centrado somente na
materialidade textual da leitura, isto é, levando em consideração principalmente
o texto escrito; enquanto que em uma perspectiva discursiva essas barreiras
tentam ser transpostas com a proposta da interação entre o leitor e o autor do
texto, porém o determinismo presente nesta concepção impossibilita que a
interação seja vista como consciente e ativa por parte do leitor.
Portanto, ao inscrevermos nossa concepção de leitura na vertente
enunciativo-discursiva da linguagem, elucidamos a participação ativa do sujeito
leitor frente aquilo que será lido.
1.1.2.2. Leitura para vertente discursivo-enunciativa: ler é responder
“(...) ler, numa concepção dialógica, é construir a liberdade da alma” (FIORIN, 2009).
Para embasar nossa concepção de leitura numa perspectiva
enunciativo-discursiva, faz-se necessário ressaltar que esta traz em seu bojo a
concepção de linguagem como ato sócio-histórico e ideológico e que coloca os
seres humanos no centro de seu desenvolvimento.
27
A concepção de linguagem embasada nos escritos de Bakhtin e seu
Círculo6 apresenta-se vinculada, indissociavelmente, à vida, visto que é na
interação real entre os sujeitos que ela acontece. Uma particularidade da
concepção enunciativo-discursiva da linguagem é o seu caráter dialógico, isto
é, uma vez que a linguagem pressupõe a interação entre no mínimo dois
interlocutores, o diálogo se torna sua característica constituinte, pois sempre a
“palavra dirige-se a um interlocutor” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929],
p.116), mesmo não se tratando simplesmente do diálogo face a face, pois o
nosso interlocutor, ou nosso outro, pode ser muito mais do que a pessoa com
quem interagimos presencialmente:
O interlocutor, ou melhor, o outro, para Bakhtin, é muito mais do que aquele com quem estamos em contato imediato. O outro é tudo o que circunda o eu: o meio social em que vive, a história do indivíduo e a história de seu meio, os textos com os quais este indivíduo já teve contato, as várias vozes trazidas por esses textos, os textos com os quais ele ainda terá contato. Ao mesmo tempo, este outro é constitutivo do eu, pois, segundo esta perspectiva, somos resultado desse confronto entre nossa individualidade, o meio social em que nos inserimos e a história (FIGUEIREDO, 2005, p. 6).
Sendo ampliado o horizonte de diálogo através das possibilidades de
usos da linguagem, convém lembrar que mesmo as palavras proferidas em um
contexto concreto de enunciação não podem ser definidas unicamente como
nossas palavras, principalmente porque implicam o fato de já terem sido
proferidas por outros falantes em outros enunciados concretos, o que resulta
em mais uma particularidade do dialogismo. Bakhtin (2010 [1952-53]) explica
essa relação dialógica no interior de nosso discurso, lembrando-nos que não
somos o Adão bíblico a pronunciar as palavras pela primeira vez, por isso
considera os enunciados como “elos na cadeia da comunicação”, assim cada
enunciação, cada ato de fala, é apenas um fragmento da corrente
comunicativa, corrente esta que não tem fim, uma vez que “o enunciado não
está ligado apenas aos elos precedentes mas também aos subsequentes”
(BAKHTIN (2010[1952-53]), p. 301).
6 “(...) o Círculo de Bakhtin constituía-se de um grupo de autores que se reunia, informalmente,
(...) com vistas a produzir conhecimentos científicos sobre Filologia, Filosofia, Literatura, Arte,
Biologia, Linguística” (ZANDWAIS, A. in BRAIT 2009, p. 100).
28
Uma importante peculiaridade da característica dialógica da linguagem é
o fato de sempre pressupor uma réplica, uma resposta, é nisso que consiste a
ligação aos elos subsequentes dos enunciados, isto é, os enunciados
concretos são sempre direcionados, endereçados a alguém, embasando o
processo ativo da comunicação discursiva, pois “esses outros, (...) não são
ouvintes passivos mas participantes ativos da comunicação discursiva”
(BAKHTIN (2010[1952-53]), p. 301). Com isso, percebe-se que o processo de
interação, que se dá através e na linguagem, é um processo ativo, visto que os
seres humanos são seres, por excelência, responsivos.
Bakhtin (2010 [1952-53]) discute a responsividade humana, expondo a
visão fictícia da linguística geral sobre o ouvinte, em que ele é um mero
receptor, e ao discutir essa concepção, ele ressignifica o papel do ouvinte
desvendando sua potencialidade de ser também falante:
(...) o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; (...) o ouvinte se torna falante (BAKHTIN 2010 [1952-1953] p. 271) [Grifos nossos].
Para o autor, o processo de comunicação humana é, precisamente, ativo
e social, diferente de visões de vertentes linguísticas contemporâneas ao
filósofo russo, como é o caso dos que ele denominou por subjetivismo idealista
e o objetivismo abstrato7.
Convém destacar que a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem
não implica conceber somente que todos nós temos capacidade de responder,
isto é, de inferir, de refutar, de ressignificar etc., mas também que somos
responsáveis por aquilo que oferecemos como resposta, justamente por não
possuirmos “álibi na existência”, isto é, por ocuparmos um lugar exclusivo e
singular na vida: “E tudo em mim – cada movimento, cada gesto, cada
7 Para o subjetivismo Idealista o objeto de estudo da linguagem seriam os atos individuais da fala e as leis da psicologia individual, o que reduziria a linguagem a monólogos subjetivos, sendo deixada de lado a relação entre interlocutores, já que “a língua é deduzida da necessidade do homem de auto expressar-se, de objetivar-se e o papel do outro, é o papel do ouvinte que apenas compreende passivamente o falante.” (BAKHTIN 2010 [1952-1953/1979] p. 270). E segundo a perspectiva do Objetivismo Abstrato que ligado principalmente à escola de Ferdinand de Saussure, ao contrário da primeira, não acredita na autonomia do indivíduo sobre a língua, e sim o oposto, uma vez que a língua é estável, normatizada, e livre de influências das leis psicológicas individuais (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929]).
29
experiência vivida, cada pensamento, cada sentimento – deve ser um ato
responsável; é somente sob esta condição que eu realmente vivo” (BAKHTIN,
1920-1924, p. 101).
Uma vez que a nossa vida se dá de forma única, irrepetível e singular e
justamente por não podermos ocupar dois lugares ao mesmo tempo, isto é, por
não existir, de fato, um álibi para nossa existência, por não termos desculpas
ou justificativas, é que nos tornamos responsáveis todas as nossas atitudes e
respostas.
Ponzio (2010) lembra que não podemos usar a nossa singularidade
como fuga para possíveis atos ligados ao egoísmo e a indiferença para com os
outros:
Viver a partir de si mesmo, de seu próprio lugar singular, assevera Bakhtin, não significa viver para si, por conta própria; antes, é somente de seu próprio lugar único que é possível o reconhecimento da impossibilidade de não indiferença pelo outro, a responsabilidade sem álibi em seus confrontos, e por um outro concreto, também ele singular e, portanto, insubstituível. Eu não posso fazer como se não estivesse aí (...), ao mesmo tempo, não posso fazer como se o outro não estivesse aí, não um outro genérico, mas o outro na usa singularidade que ocupa um lugar no espaço-tempo e na medida dos valores que eu não posso ocupar, próprio pelo não-álibi de cada um no existir (PONZIO, 2010, p. 23).
Clark e Holquist (1984), estudiosos do pensador russo, discutindo sobre
textos do Bakhtin que se referem ao estudo da relação entre o eu e outro,
afirmam:
Cada um de nós ocupa um lugar e um tempo únicos na vida, uma existência que é concebida não como um estado passivo, mas ativamente, como acontecimento. (...) A ética não se constitui de princípios abstratos, mas é o padrão dos atos reais que executo no acontecimento que é minha vida (CLARK E HOLQUIST, 1984, p. 90).
Poderíamos pensar em um exemplo para ilustrar essa característica do
ser humano, mas para isso basta prestarmos atenção em nossa própria vida,
em nossos próprios atos, e percebemos como em cada fração de segundo
respondemos ao mundo, isto é, nos posicionamos frente a uma conversa,
agimos frente a circunstâncias diversas, escolhemos, reagimos, tomamos
30
decisões, enfim: vivemos. E o mais interessante é que fazemos isso de
maneira única, como universos únicos que somos.
O caráter distinto de cada resposta é a forma específica da respondibilidade daquela dada pessoa. Não há meio de um organismo vivo evitar a respondibilidade, e uma vez que a própria qualidade que define se alguém esta ou não vivo é a capacidade de reagir ao ambiente, que é um constante “responsar” ou responder, e a cadeia total dessas respostas compõe uma vida individual (CLARK E HOLQUIST, 1984, p. 92).
Portanto, se estamos vivos é porque respondemos ao mundo e se temos
a possibilidade de dar respostas através de nossos atos é porque é natural
reagir, confrontar, concordar, discordar etc., com aquilo que está a nossa volta,
pois essa atitude responsiva faz parte da natureza humana, mesmo se, muitas
vezes, não externarmos nossa réplica, devido a qualquer motivo, pois “ainda
que dentro de si, o homem adota uma postura ativa no mundo” (PAES DE
BARROS, 2005, p. 45).
Mais uma vez retornamos à interação, que nos possibilita assumir esse
papel responsivo, seja na interação face a face, em uma conversa informal, ou
no diálogo resultante da leitura de uma obra, ou ainda ao assistir um filme, uma
peça de teatro, sendo que “Toda compreensão (...) é de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda
compreensão é prenhe de resposta” (Bakhtin, 2010 [1952-53], p. 271).
Quando Bakhtin pensa em diversos graus de ativismo, não é referente,
necessariamente, à característica responsiva do ser humano, mas sim aos
níveis de compreensão, visto que aquela é, como vimos, inerente à vida
humana. Bakhtin (2010 [1952-53]) discute sobre as diferentes formas de
compreensão, que podem ser: compreensão ativamente responsiva do ouvido,
materializando-se prontamente em uma ação, como é o caso do atendimento a
uma ordem; compreensão responsiva silenciosa, sendo que uma resposta
pode ser dada através do silêncio; ou compreensão responsiva de efeito
retardado, “cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde
nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte” (p. 272).
31
Deste modo, “só existe compreensão quando esta for ativa” 8, é o que
defende Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]) quando descrevem a atitude do
filólogo-linguísta frente ao estudo abstrato de inscrições no qual desconsidera
seu aspecto ideológico, para os autores o que acontece nesse tipo de análise é
“uma compreensão totalmente passiva, que não comporta nem o esboço de
uma resposta, como seria exigido por qualquer espécie autêntica de
compreensão” (Idem, p. 101).
Paes de Barros (2005) chama a atenção para a ligação existente entre a
falsa concepção de compreensão descrita pelo filósofo russo – que se dá de
forma passiva – e a prática de leitura como repetição dos elementos do texto e
mera decodificação:
(...) podemos observar que há uma distinção profunda entre a compreensão ativa e aquilo que o autor denominou compreensão passiva: esta nada acrescenta à idéia do falante, permitindo apenas a reprodução do que já foi compreendido no discurso, uma espécie de ventriloquismo, de dublagem da fala alheia, que pouco ou nada contribui para o entendimento, não caminha para a evolução. Para exemplificar, podemos pensar num contexto de aula de leitura em que o aluno, ao tentar explicar ao professor o que foi lido, reconta o que leu, preso ao texto, não caminha nem encaminha a sua leitura a outro contexto para além daquele que já conhece, limitando-se ao seu próprio contexto, ao seu próprio círculo, sem fazê-lo sair dos seus limites (PAES DE BARROS, 2005, p.47) [Grifos da autora].
Pensando, então, no caráter responsivo da existência humana e em sua
potencialidade em responder ao mundo que a cerca através do uso da
linguagem, é que embasamos nossa concepção dialógica de leitura, com isso
afirmamos que toda a compreensão se dá através de diálogos. Assim,
ampliamos o horizonte para diálogos que podem acontecer entre leitor e autor,
por exemplo.
Diferente do que fundamentam outras vertentes, acreditamos que a
leitura não pressupõe uma interação unicamente do leitor com o texto ou
meramente exercícios de decodificação e interpretação; ela envolve práticas
sociais, histórias de vida, experiências, pois, se, como apontam
Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]), compreender é oferecer uma contrapalavra,
8 Paes de Barros (2005, p. 47).
32
logo concluímos que compreender significa posicionar-se, apresentar uma
resposta, mesmo em concordância ou discordância do que foi lido.
Sendo assim, podemos afirmar que a nossa ferramenta é a palavra, mas
a palavra viva, desempenhando seu papel em um enunciado proferido por
alguém e direcionado a alguém em algum lugar, e não a palavra dentro de uma
oração desprovida de vida. O que faz com que trabalhemos com o conceito de
enunciado concreto que, para Bakhtin/Volochinov (1926), é o que é dito
englobando os fatores extraverbais, isto é, a materialidade linguística mais tudo
aquilo que está subentendido.
Sendo assim, encontramos a palavra com uma espécie de alma do
enunciado, que segundo o mestre russo “é o fenômeno ideológico por
natureza” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929], p.36), por ser fruto da
interação entre os indivíduos e estar presentes nas mais distintas relações.
A palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929], p. 42).
Para entender esse fenômeno, convém trabalhar com a distinção entre
signo e sinal, duas possibilidades convenientes à palavra, enquanto
dicionarizada é somente sinal e possui a significação, também fruto colhido da
interação humana, porém uma vez plantada no solo fértil da comunicação se
torna signo, e possui um tema.
O tema da enunciação é determinado não só pelas formas linguísticas que entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, as entonações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação. (...) O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ele pertence. Somente a enunciação tomada em toda a sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema (Idem, p. 133-134).
Logo, o tema de um enunciado somente é encontrado na situação real
da comunicação, sendo assim singular e não reiterável. Portanto, como cada
enunciação conta com diferentes fatores, como, por exemplo, escolhas
33
linguísticas características, interlocutores específicos, com entonações
peculiares etc., podemos, então, afirmar que cada situação terá o seu tema
exclusivo.
Portanto, a palavra, quando assume seu papel de signo, quando é
constituinte de um tema, isto é, é proferida, usada em uma enunciação, é como
a “ponte lançada entre mim e os outros”, é através dela que nos constituímos e
nos percebemos no mundo, uma vez que é ela que possibilita a nossa
interação com os outros.
Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009 [1929], p. 117).
Percebe-se então a revolução presente nessa concepção de linguagem,
que insere o ser humano na linguagem não de forma individualista e passiva,
mas sim como participante ativo que transforma e é transformado por ela.
Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]) ainda ressaltam a importância do tema
para a compreensão:
Aqueles que ignoram o tema (que só é acessível a um ato de compreensão ativa e responsiva) e que, procurando definir o sentido de uma palavra, atingem o seu valor inferior, sempre estável e idêntico a si mesmo, é como se quisessem acender uma lâmpada depois de terem cortado a corrente. Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929], p. 137).
Podemos pensar que o trabalho com a leitura, muitas vezes, é feito às
escuras, quando cortada a corrente da comunicação verbal, quando é
abstraída; com isso devemos trazê-lo novamente à vida, pensar que o
enunciado (seja ele um romance, uma conversa, uma carta, ou materializado
em qualquer outro gênero) deve ser tomado em sua totalidade, para que o
tema seja apreendido, isto é, os interlocutores e seus respectivos lugares, o
material verbal e tudo aquilo que não foi verbalizado devem ser trazidos para o
processo de leitura, para de fato se dar a compreensão, e assim não
acontecer, como descrito por Paes de Barros (2005): uma dublagem ou um
34
ventriloquismo. Assim, para a compreensão se efetivar, o leitor precisa se
tornar autor, no sentido de se posicionar, elaborar a sua resposta.
Assumindo essa concepção de leitura como processo dialógico, e
acreditando que concebê-la assim pressupõe, como afirma Fiorin (2009), a
construção da liberdade da alma, defendemos que esse processo pode e deve
ser ensinado em sala de aula, pois, uma vez que temos, como regem os
documentos oficiais (PCNs, OC-MT), o objetivo de formar leitores críticos, essa
é uma saída encontrada para que essa formação aconteça.
Portanto, retomando a epígrafe do início do capítulo, ler nunca é algo
acabado em si mesmo, já que no ato da leitura não temos nossas 'mãos livres',
mas também não as temos presas e amarradas, preferimos pensar em mãos
dadas, do autor e do leitor, que só por estarem juntas, proporcionando um
diálogo, conseguem tecer sempre o mesmo e outro bordado. Vale ressaltar que
não pensamos na ideia de mãos dadas com o intuito de representar o ato de
leitura como uma busca única pela intenção do autor, e sim para ilustrar que,
de fato, ocorre uma interação entre os dois (leitor e autor).
Ainda para Paes de Barros (2005, p. 32):
Pensar a leitura a partir da teoria enunciativa bakhtiniana é tomá-la como uma prática social em que atuam autor e leitor em uma situação de enunciação. Nessa concepção a leitura é vista como um processo de compreensão ativa no qual os diversos sentidos em circulação no texto são instituídos a partir da relação dialógica estabelecida entre leitor e autor, entre leitor e texto e entre a multiplicidade de linguagens sociais que permeiam essas instâncias.
Podemos, então, concluir que na concepção de leitura como atividade
dialógica, levamos em consideração as práticas sociais do sujeito leitor, como
nos mostra a citação acima e para proporcionar um melhor entendimento
passamos agora a teoria sobre essas práticas sociais, isto é, sobre o conceito
de letramento.
1.2. Letramento: as práticas sociais do sujeito leitor
Muitos são os autores que tratam desse assunto, como: Kato (1985),
Kleiman (1995), Tfouni (1995), Soares (1998, 2003a e 2003b), Ribeiro (2003),
35
Rojo (2009) etc., e fazendo um passeio por essa literatura, buscaremos
sintetizar o conceito e suas implicações para nossa pesquisa.
Publicações como de Tfouni (1995), Soares (1998, 2003a e 2003b), e
Rojo (2009), prestam-se a diferenciar alfabetização de letramento, e
sinteticamente a principal distinção seria a perspectiva individual da primeira,
ao contrário da perspectiva social do segundo. Por conseguinte, alfabetização
estaria ligada à aquisição do alfabeto, e alfabetizar-se seria ter acesso à
tecnologia da escrita, enquanto letramento envolveria também o acesso à
tecnologia da escrita, porém, ligado às práticas sociais que envolvem a leitura e
a escrita.
Convém pensarmos que, por mais que possuam suas particularidades,
os dois conceitos (alfabetização e letramento) são complementares, como nos
diz Soares:
Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (2003b, p. 14).
Porém, essa interdependência não impede, ao contrário, torna possível,
pensarmos que uma pessoa que não foi alfabetizada realiza práticas
envolvendo a leitura e a escrita, para isso, basta olharmos a nossa volta que
logo encontramos personagens da nossa vida, ou da ficção, que mesmo nunca
tendo estudado, ou tendo pouco acesso à escola – principal agência
alfabetizadora, segundo Rojo (2009) – participa do que chamaríamos de
eventos de letramento, isto é, desempenha papéis na sociedade que envolvem,
mesmo que indiretamente, práticas de leitura e escrita.
Para ilustrar, traremos, para nossa discussão, o personagem Germain
Chazes, do belíssimo filme francês, Minhas Tardes com Marguerite (2010), de
Jean Becker. Ele é um simpático trabalhador autônomo que, mesmo tendo
estudado pouco, e se considerando um péssimo leitor, participa de práticas que
envolvem a leitura e a escrita, como, por exemplo, o trabalho na feira, em que
negocia o valor das verduras e dá o troco para o pagamento recebido; quando
demonstra o imenso conhecimento que possui sobre as espécies e o cultivo de
36
tomates ou quando percebe que recebeu a menos por um trabalho prestado.
Porém, acontece uma reviravolta em sua vida, quando se encontra com a
simpática Marguerite, uma senhora de 95 anos, que vive envolta a livros, e da
amizade entre eles nasce o interesse e o envolvimento de Chazes com o
mundo da leitura.
Soares (1998) nos fala da mudança que acontece com a pessoa que
tem acesso ao mundo letrado – não que nosso personagem já não o tivesse,
mas podemos pensar que são outros os eventos de letramento dos quais ele
participava – não se trata de uma mudança de nível social ou cultural, mas do
seu modo de viver na sociedade, “sua relação com os outros, com o contexto,
com os bens culturais torna-se diferente” (p. 37).
No decorrer do filme, percebemos que a maneira com que Chazes se
relaciona com seus amigos, a forma que dá conselhos, e até mesmo o seu
vocabulário sofre uma profunda modificação, sendo perceptível aos que
convivem com ele. Porém, é incorreto pensar que antes de conviver com
Marguerite, Chazes era um indivíduo desprovido de pensamento lógico, ou
incapaz de participar de atividades letradas somente por não ter sido, de fato,
alfabetizado. Refletindo sobre o exemplo, podemos, então, pensar em tipos ou
níveis diversificados de letramento, visto que são diferentes as atividades
possíveis de serem desempenhadas na sociedade em que vivemos, que vão
desde comprar pão na padaria até escrever uma tese de doutorado, por
exemplo.
Rojo (2009) disserta sobre letramento também o diferenciando do
conceito de alfabetização, ela estabelece a diferença da visão de cada um
sobre as práticas sociais ligadas à leitura e a escrita, sendo assim,
alfabetização pressupõe o desenvolvimento de capacidades e competências
escolares de leitura e escrita que são vistas como valorizadas. Já letramento,
diz respeito às práticas sociais de linguagem que envolvem, de alguma forma,
a leitura e a escrita. Práticas essas valorizadas ou não.
Na mesma obra, a autora traz discussões de outros estudiosos sobre os
vários tipos de letramentos9 que, segundo Street (1993 Apud ROJO, 2009),
seriam autônomo e ideológico, ou segundo Soares (1998), teria uma versão
9 Ver Kleiman (1995) e Soares (1998).
37
fraca e uma forte. Ambos os conceitos caracterizam um modelo individual e
artificial de práticas sociais (Modelos autônomo e versão fraca), opostamente
ao aspecto social e concreto dessas práticas (Modelo ideológico e versão
forte). Porém, os novos estudos sobre o assunto têm se voltado para a divisão
feita por Hamilton (2002 Apud ROJO, 2009) dominantes (institucionalizados) e
vernaculares (locais).
Segundo Rojo (2009), essa divisão não deve ser vista radicalmente
separada e sim interligada. Os letramentos dominantes podem ser associados
a organizações formais como as escolas, as igrejas, o local de trabalho, o
comércio etc., e os vernaculares não são regulados ou sistematizados, têm sua
origem na vida cotidiana, nas culturas locais.
Existem, então, de acordo com a autora, múltiplos letramentos, isto é,
letramentos diferentes; e podemos observar que alguns são valorizados,
estudados, ensinados, e outros são ditos não valorizados. Como é o caso do
uso do internetês, expressamente desvalorizado na escola, mesmo existindo
pesquisas como a de Paes de Barros (2006), que mostra que esse tipo de
linguagem usada no meio virtual não interfere na estrutura normativa da língua,
usada, por exemplo, em situações formais de comunicação, pois se trata de
uma adequação linguística a uma esfera da comunicação humana, no caso a
virtual.
Ao refletir sobre a multiplicidade das práticas sociais de linguagem e o
que de fato é trabalhado nas escolas, tanto pensando em práticas de leitura
como de produção de texto; convém discutirmos sobre o papel da escola frente
à realidade da linguagem, isto é, convém pensarmos em uma prática que vá
além do letramento escolar ou do trabalho artificial com a leitura e a escrita -
com a linguagem - abstraída do contexto real comunicação.
1.2.1. Letramentos múltiplos e o papel da escola
“(...) a escola pode formar um cidadão flexível, democrático e protagonista, que seja multicultural em sua cultura e poliglota em sua língua” (ROJO, 2009).
Nas últimas décadas, a escola sofreu diversas mudanças,
principalmente pelo acesso maior à educação pública, ainda que isso não
38
signifique permanência ou qualidade de ensino; o que gerou impactos visíveis
nos letramentos escolares, pois os professores e alunos de classes populares
trouxeram para a escola letramentos locais, “antes desconhecidos e ainda hoje
ignorados” (ROJO, 2009), além também das transformações sofridas nos meio
de comunicação e no acesso à informação (ROJO, 2008).
Sobre as novas pesquisas no âmbito da educação, as quais levam em
consideração o papel social da escola, isto é, não sua visão como redentora,
mas influente, visando sua razão de ser, seu verdadeiro papel na sociedade,
concordamos com Rojo (2009) quando discute o papel da escola na
contemporaneidade:
Cabe, portanto, também à escola potencializar o diálogo multicultural, trazendo para dentro de seus muros não somente a cultura valorizada, dominante, canônica, mas também as culturas locais e populares e a cultura de massa, para torná-las vozes de um diálogo, objetos de estudo e de crítica (Rojo, 2009, p. 115).
Estamos de acordo com Rojo (2009), quando afirma que a escola é a
esfera de comunicação humana que tem a possibilidade de colocar em diálogo
estas diferentes práticas sociais, por isso é justo pensarmos que o trabalho
feito na escola, tanto com a leitura como também com a produção de textos,
deveria levar em consideração:
os multiletramentos10 ou letramentos múltiplos, deixando de ignorar ou apagar os letramentos das culturas locais de seus agentes (professores, alunos, comunidade escolar) e colocando em contato com os letramentos valorizados;
os letramentos multissemióticos (...) ampliando a noção de letramentos para o campo da imagem, da música, das semioses que não somente a escrita. (...) tendo em vista os avanços tecnológicos;
os letramentos críticos e protagonistas requeridos para o trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode lidar com eles de uma forma instantânea (ROJO, 2009, p.107).
10
Em artigo mais recente (ROJO, 2012), a autora distingue os conceitos de letramentos
(múltiplos) e multiletramentos, em que o primeiro aponta para a diversidade das práticas letradas, sendo elas, valorizadas ou não, enquanto o segundo abrange a “multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica” (p.13).
39
No que tange o trabalho com a leitura, partimos do princípio que a
discussão acerca dos distintos letramentos ressaltados pela autora pode, de
fato, contribuir para uma formação mais eficaz, principalmente quando
pensamos em “letramentos críticos e protagonistas”, uma vez que se tem como
objetivo a formação do leitor crítico, que ao desenvolver as diferentes
capacidades de leitura, poderá assumir seu papel protagonista, ao
compreender os discursos presentes, explícitos ou não, nos diferentes textos
que vier a ler.
Ao afirmarmos que a escola pode colocar em diálogo esses diferentes
letramentos, estamos, na verdade, defendendo um trabalho que os faça fazer
parte do currículo da escola, uma vez que são de tamanha importância para a
formação de nossos alunos. Logo, a escola por poder ser a arena desse
diálogo deve assumir suas potencialidades e tornar possível o seu acesso, pois
concordamos com Rojo (2012, p. 21): “são necessários novos e
multiletramentos”.
Assim, o papel da escola vai muito além de trabalhar com a
alfabetização, ou na vertente do modelo autônomo ou versão fraca de
letramento. Logo, são diversas as capacidades11 que devem ser trabalhadas,
pois só assim realidades individuais e sociais poderão ser, de fato,
transformadas, como ressaltam as autoras:
Ter competências de literacias12 exige que o leitor vá além da construção de significados, mas que seja capaz de ser crítico, de analisar e identificar a origem e autenticidade dos discursos presentes em um texto e capaz de compreender o modo como foram construídos, suas entrelinhas, seus não-ditos e distorções. Torna-se necessário, portanto, saber selecionar as informações, desenvolver leitura crítica para poder posicionar-se, exercer sua cidadania e valer-se destas competências como ferramentas transformadoras da sua realidade individual e social (PAES DE BARROS, SOUSA & CARVALHO, no prelo, 2012, p.5).
Buscaremos, no capítulo seguinte, discutir as questões referentes ao
ensino-aprendizagem de leitura, buscando justificar nossa concepção de leitura
11
Ver Rojo (2004) e Paes de Barros (2005). 12
Termo utilizado como sinônimo de letramento em português de Portugal.
40
como ato responsivo embasada na teoria enunciativa-discursiva bakhtiniana e
sócio-interacionista vygotskiana.
41
Capítulo 2
ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA E OS GÊNEROS DO DISCURSO
Como proposto anteriormente, convém, neste capítulo, fundamentar
teoricamente o processo de ensino-aprendizagem de leitura e para isso
buscaremos trazer para o nosso trabalho conceitos advindos da concepção
enunciativo-discursiva de linguagem do pensador Mikhail Bakhtin e seu Círculo,
e da teoria sócio-interacionista de Vygostsky. Assumindo-os, assim, como
aporte teório-metodológico de nossa pesquisa.
2.1. Enlace teórico: Bakhtin e Vygotsky
O diálogo por certo aconteceu, superando as barreiras do tempo e do espaço. (...) esse diálogo se evidencia quando se discute aquilo que os aproxima (FREITAS, 2002, p. 156).
A relação que encontramos entre esses dois pensadores russos está
materializada em suas teorias, pois ambos dedicaram-se a estudar e
desenvolver conceitos de natureza parecida, como signo e sinal, linguagem,
interação etc., porém, convém ressaltar que mesmo sendo contemporâneos
não trabalharam em conjunto, podendo até ser desconhecidos13.
Entretanto, os dois autores viveram na mesma época, e com isso
receberam influências semelhantes, encontrando-se em um período de alta
produção intelectual na Rússia revolucionária e também de perseguição e
exílio. Bakhtin nasceu no ano de 1895 e Vygotsky no ano seguinte, este teve
uma vida bem mais curta do que aquele, morrendo em 1934, mas mesmo
assim deixou grande quantidade de obras publicadas.
Vigotski e Bakhtin (e seu Círculo) se situam em uma mesmo grupo e se diferenciam de outros autores da corrente marxista que trabalham nos mesmos campos de investigação porque ambos partem das carências do marxismo no que se refere ao
13
Em seu livro, Vygotsky e Bakhtin, de 2002, Maria Teresa Freitas faz uma ressalva sobre uma
nota encontrada na obra de Bakhtin (O freudismo de 1925), em que ele cita um artigo de Lev
Vygotsky, sendo um indício de que o primeiro já havia lido algo do segundo, fora isso não se
encontrou nenhum outro indício que mostrava materialmente essa relação.
42
estudo da consciência, da linguagem e de formações ideológicas concretas como a arte (PONZIO, 2008, p. 71).
Portanto, os dois autores buscam estudar seus campos de investigação
pelo viés marxista, dissertando sobre conceitos como superestrutura, ideologia,
entre outros. Mas vale ressaltar que ambos dão à linguagem um papel de
enorme importância na constituição do sujeito, juntamente com a participação
de seus interlocutores, dos “outros” que interagem com o sujeito através e pela
linguagem.
Bakhtin e seu Círculo, apesar de desenvolverem conceitos relevantes
para o trabalho em sala de aula, não falam diretamente sobre educação, mas
mesmo assim, teóricos como Schneuwly e Dolz (2004), estudiosos da
Universidade de Genebra, ao pesquisarem os escritos de Vygostsky, ao
refletirem sobre o seu conceito de instrumentos mediadores de ensino-
aprendizagem, proporcionam a aproximação entre a teoria enunciativo-
discursiva bakhtiniana e a sala de aula. Tal aproximação é possível através da
percepção de que os gêneros discursivos podem servir como esses "mega-
instrumentos" (Schneuwly, 2004 [1994]) no ensino-aprendizagem de línguas.
2.1.1. A teoria vygotskiana de ensino-aprendizagem: Zona de
Desenvolvimento Proximal e interação
O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros (VYGOTSKY, 1930).
Ao contrário de outras teorias, que viam o desenvolvimento do indivíduo
ligado somente ao seu amadurecimento ou à formação de um hábito, Vygostky
concebe o desenvolvimento como resultado da aprendizagem, e também como
impulsionador de futuras possibilidades de aprendizado, por isso, segundo ele,
os dois (aprendizado e desenvolvimento) se inter-relacionam. O autor ainda
chama a atenção para a importância da interação social para o
desenvolvimento, sem deixar de lado os aspectos biológicos.
O psicólogo russo ressalta o papel fundamental da escola no processo
de desenvolvimento do ser humano, porém destaca que a “aprendizagem das
43
crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola” (VYGOTSKY,
1930, p. 94), uma vez que é através da interação com outros indivíduos que, de
fato, a aprendizagem acontece. E desde que nascemos estamos em contato
com outros sujeitos, logo estudar o desenvolvimento infantil é um bom caminho
para se entender como esse processo se dá.
A história de desenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impossível sem um estudo de sua pré-história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural (VYGOTSKY, 1930, p. 42) [grifos do autor].
Com o auxílio de experimentos, em que buscava explicar processos e
não descrever objetos, o pensador russo pôde fundamentar sua teoria de que
os processos psicológicos superiores (ações características dos seres
humanos como, por exemplo, o raciocínio) são resultado das relações
humanas, ou seja, é através da interação com outros sujeitos que se inicia o
processo de desenvolvimento e só depois passa a acontecer internamente:
Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (...) Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos (VYGOTSKY, 1930, p. 58).
Além disso, destaca que possuímos estágios de desenvolvimento, o que
ele chama de nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento
potencial, aquele sendo caracterizado pelos processos de desenvolvimento já
internalizados, seria o que as crianças já conseguem realizar sozinhas, e este o
que as crianças conseguem realizar com auxílio de outras pessoas – os pares
mais avançados, podendo ser o professor, alguém da família ou até mesmo um
colega - e que mais tarde conseguirá cumprir sem ajuda. E a distância entre os
44
dois níveis é chamada de zona proximal de desenvolvimento14, que “define
aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de
maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em
estado embrionário” (VYGOTSKY, Idem, p. 98).
Desta forma, ao pensarmos o ensino-aprendizado15, devemos levar em
consideração o fato de esse processo ser alicerçado sócio-historicamente e de
possuir os diferentes níveis de desenvolvimento, e o trabalho calcado nessa
teoria não pode deixar de lado a grande importância da interação com o outro
para se efetivar, assim
(...) a sala de aula torna-se um ambiente favorável a práticas sociais que tenham como foco o aprendizado dos alunos. Nessa esfera particular, na e pela interação, professores e alunos vão atribuindo sentido às propostas dinamizadas, às suas ações diárias. Essas relações socialmente mediadas desenvolvem no aprendiz atitudes mais autônomas frente a novos aprendizados (IGNÁCIO, 2010, p. 11).
Vygotsky reserva à linguagem o papel fundamental para o
desenvolvimento dos indivíduos, pois é por meio dela que o pensamento ganha
vida e se organiza. Logo, ela é o principal mediador entre o mundo externo e o
mundo interior, e mesmo Vygotsky não tendo conhecido a teoria bakhtiniana,
pesquisadores genebrinos16 propuseram uma união entre as teorias dos dois
pensadores, considerando os gêneros do discurso uma importante ferramenta
na acepção vygotskiana, que possibilita o desenvolvimento de diferentes
capacidades nos aprendizes.
Entre esse pesquisadores estão Schneuwly e Dolz, que possuem vasta
bibliografia na área. Schneuwly (2004 [1994]) discute a visão dos gêneros do
discurso17 como mega-instrumentos, o teórico aproveita a visão de Vygotsky
14
Usaremos zona proximal de desenvolvimento (ZPD), no lugar de zona de desenvolvimento
proximal (ZPD), porque acreditamos, como Rojo (2001, p. 170), que a adjetivação está sobre a
palavra ‘zona’, e não ‘desenvolvimento’.
15 “(...) o termo ensino não é desvinculado de aprendizagem porque ambos os termos têm uma
mesma palavra em russo obouchenie” (FERREIRA, 2009, p. 16).
16 Ver dissertação de mestrado de Ferreira (2009), que investiga a relação das teorias
vygotskiana e bakhtiniana sob o viés dos autores de Genebra.
17 Conceito será mais bem discutido no tópico seguinte.
45
(1930, 1934) acerca da signo/linguagem como instrumento propiciador do
desenvolvimento das funções mentais superiores, e elege os gêneros como
uma ferramenta maior que exerce o papel de possibilitar o desenvolvimento de
outras ferramentas menores. Barbosa (2001) busca traçar um panorama da
teoria sobre gêneros do discurso e resenhando os textos dos autores de
Genebra conclui:
Embora o autor não detalhe quais seriam exatamente esses instrumentos menores, poderíamos considerar que seriam elementos de ordem enunciativa, textual e gramatical, necessários à produção e à compreensão de textos. Nesse sentido, dominar os gêneros significa também saber operar com esses outros instrumentos e, mais importante, sob essa ótica, eles são tematizados de forma necessariamente contextualizada (BARBOSA, 2001, p.84).
Assim, o trabalho em sala de aula com os gêneros do discurso, como
recomendado pelos PCN (1998), encaminha para uma prática mais significativa
e propiciadora de um ensino-aprendizagem que pode tornar-se eficaz, pois,
conforme Barbosa (2001, p.84): “(...) eles permitem uma definição mais precisa
de conteúdos e objetivos para a prática pedagógica”.
2.2. Gêneros do discurso como objetos de ensino-aprendizagem de
leitura
Como estamos discutindo acerca do ensino de leitura, precisamos voltar
os olhos para formação do senso crítico, ou trabalho com a leitura crítica, um
dos principais objetivos visados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(1998). Sendo finalidade da escola formar cidadãos, faz-se necessário o
trabalho numa perspectiva que vise transformar realidades através do ensino
da leitura que vá além das primeiras visões descritas no capítulo anterior, e que
forme pessoas dispostas a buscar respostas, uma vez que, em nossa
perspectiva, ler é responder. E uma das saídas apontadas pelos PCN e por
pesquisadores como Barbosa (2001), Figueiredo (2005), Rojo (2009), entre
outros, é a tomada dos gêneros do discurso como objeto de ensino.
46
2.2.1. As esferas da atividade humana e os gêneros do discurso
Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua existência (BAKHTIN, 2010 [1952-53]).
As discussões de Bakhtin e seu Círculo acerca da teoria dos gêneros do
discurso estão presentes18 em toda sua obra, em cada um dos textos dialogam
diferentes conceitos que contribuem para a compreensão da teoria. Em
“Marxismo e Filosofia da Linguagem” (2009 [1929]), encontramos o que seria
uma semente que será desenvolvida no decorrer de toda obra e mais
especificamente no texto de 1952-5319.
Mais tarde, em conexão com o problema da enunciação e do diálogo, abordaremos também o problema dos gêneros linguísticos. A este respeito faremos simplesmente a seguinte observação: cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação socioideológica (BAKHTIN/ VOLOCHINOV, 2009 [1929], p. 44) [grifos nossos].
Assim, ao fazermos uso da linguagem, encontramo-nos em um
determinado momento da história, temos em mente um certo interlocutor e
contamos com uma resolvida intenção, um querer-dizer; esse conjunto dá o
tom do nosso discurso, emoldura-o de forma a torná-lo único.
Bakhtin (2010 [1952-53]) toma o enunciado concreto como unidade real
da comunicação verbal, diferentemente das unidades da língua – orações ou
frases soltas – pois o primeiro difere-se destas porque “nasce, vive e morre no
processo da interação social entre os participantes da enunciação”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1926), possui um autor e prevê uma resposta.
Sendo assim, todas as vezes que fazemos uso da língua nos
encontramos em determinada esfera de atividade humana, pelas quais
circulamos diariamente, como: familiar, escolar, universitária, religiosa etc., vale
lembrar que essas esferas não são fechadas em si, isto é, elas se relacionam,
18
Ver artigo: Além de “Os gêneros do discurso” (MACIEL, 2011), que aborda a construção da
teoria dos gêneros no decorrer de toda a produção de Bakhtin e seu Círculo.
19 _____. (1952-1953/1979). Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da Criação Verbal.
São Paulo, Martins Fontes, 2010.
47
por isso, determinados enunciados podem estar presentes em diferentes
campos. É como diz o filósofo russo: “o emprego da língua efetua-se em forma
de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos
integrantes desse ou daquele campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2010
[1952-53], p. 261).
Rojo (no prelo) nota que as esferas não determinam mecanicamente a
enunciação, pois a apreciação valorativa dos interlocutores, seus juízos de
valor é que construirão o tema20, o sentido do enunciado. Porém ressalta que:
O funcionamento das esferas de circulação dos discursos define os participantes possíveis da enunciação (locutor e seus interlocutores) assim como suas possibilidades de relações sociais (interpessoais e institucionais). Define também um leque de conteúdos temáticos possíveis no funcionamento de uma esfera (não se fala qualquer coisa em qualquer lugar)” (ROJO, no prelo, p.12).
Bakhtin (2010 [1952-53]) nos mostra que os enunciados concretos
refletem e refratam as condições e as finalidades de cada campo, logo são
inúmeras as possibilidades de enunciados, isto é de gêneros do discurso:
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (BAKHTIN, 2010 [1952-53], p.262).
Convém então, estabelecer as fronteiras entre os conceitos de
enunciado concreto e gêneros do discurso. Barbosa (2001, p. 22) ressalta que
“Todo gênero é um tipo de enunciado e todo enunciado pertence a um gênero”,
para entendermos melhor, basta pensarmos nos gêneros do discurso como
categoria genérica que se concretiza através de enunciados concretos,
esclarecendo que todo e qualquer enunciado concreto se dá somente através
de algum gênero do discurso, mesmo se não soubermos nomeá-lo.
20
Conceito discutido no capítulo anterior.
48
Como enunciados concretos, os gêneros do discurso, por conta de sua
historicidade, funcionam como elos na cadeia da comunicação verbal, pois
também respondem ao que veio anteriormente e suscitam futuras respostas.
Para ilustrar, tomamos o gênero do discurso romance, que possui as
suas características e peculiaridades, porém dentro dessa categoria existem
subitens nos quais podemos enquadrar diferentes tipos de romance, o policial,
o psicológico, o histórico etc., e ao escolhermos um romance específico para
nossa discussão, por exemplo, Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa,
teremos um exemplar concreto do gênero romance: um enunciado concreto.
Para entendermos a natureza do enunciado, a sua gênese, Bakhtin
estipula uma divisão entre gêneros primários e secundários, resultante do
processo de formação desses enunciados, em que os primeiros são
caracterizados pelo traço de simplicidade, pois surgem em situações
discursivas mais imediatas e menos elaboradas, como é o caso da esfera
familiar onde se predominam as réplicas do cotidiano, os bilhetes informais,
lista de afazeres etc.; ao contrário dos segundos que possuem características
mais complexas por nascerem em campos mais elaborados e com finalidades
específicas, como é o caso, por exemplo, de um ensaio acadêmico, uma
homilia religiosa, um seminário oral etc.
Bakhtin faz uma ressalva em que mostra que os gêneros secundários
podem, em seu processo de formação, incorporar e reelaborar os gêneros
primários, como é o caso do romance que utiliza, em seu interior, diálogos
informais, ou ainda dissertações de mestrado que podem usar exemplos de
gêneros primários (notas de aula, bilhetes etc.) para distinção, análise e/ou
reflexão.
O pensador russo ainda chama a atenção para o fato de que:
“A língua materna (...) não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam” (BAKHTIN, 2010 [1952-53], p. 282-283).
Sendo assim, todo o discurso que proferimos e tudo o que falamos se dá
somente através de algum gênero, retomando a epígrafe deste tópico
reafirmamos que “Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e
49
habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente a sua
existência” (BAKHTIN, 2010 [1952-53], p.282).
Os gêneros do discurso, então, são formas peculiares de enunciados,
que segundo (BAKHTIN, 2010 [1952-53]) são de relativa estabilidade, estáveis
por corresponderem a enunciados proferidos anteriormente, ao mesmo tempo
que instáveis por se ressignificarem a cada enunciação. E essa relativa
estabilidade deve-se também ao seu tripé constitutivo: forma composicional,
conteúdo temático, e estilo. É importante perceber que esses três elementos,
em conjunto, compõem os gêneros do discurso.
O estilo do gênero pode refletir o estilo daquele que fala ou escreve,
porém existem gêneros mais fechados, que não são igualmente propícios para
refletir o estilo individual. Bakhtin (2010[1952-53]) nos mostra que os mais
favoráveis são os da esfera literária, o que é bem verdade, pois mesmo se
tratando de um mesmo gênero, e por ventura de uma mesma temática,
conseguiríamos distinguir entre um autor e outro, devido ao estilo individual.
Em contrapartida, gêneros mais padronizados são menos propícios a isso,
como é o caso de gêneros das esferas jurídicas ou militares, por exemplo, os
documentos oficiais, editais etc. Porém, além desses aspectos, o estilo do
gênero está sujeito a outros fatores referentes também à relação entre os
participantes da interação, como ressalta Brait (2005, p. 89): “o estilo também
depende do tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da
comunicação verbal, ou seja, o ouvinte, o leitor, o interlocutor próximo e o
imaginado (o real e o presumido), o discurso do outro etc.”.
2.3. O gênero História em Quadrinhos
“Essa linguagem universal, durante quase um século, criou mitos modernos, personagens que ultrapassam sua origem, sobrepujando barreiras de línguas, religiões, costumes, universalizando desenhos, onomatopéias, balõezinhos, cores, expressões idiomáticas e figurativas, narrativas originais, raios e trovões, exclamações e interrogações” (MOYA, 1986, p.8).
Para melhor ilustrarmos a teoria e tendo em vista o gênero escolhido
para ser estudado em nosso projeto, nesta seção, voltaremos nosso olhar para
50
o gênero história em quadrinhos21. Segundo Moya (1986), pesquisador do
gênero, no final do século XIX surgia, concomitantemente, o cinema e as HQs;
o autor ressalta que estas foram um tanto ignoradas em virtude do brilho da
sétima arte, sem falar nas campanhas que difamavam o gênero, apontando-o
como propício à deseducação, por retratar crianças travessas e malcriadas.
O historiador suíço Rudolph Töpffer (1799-1846) é apontado como um
dos primeiros a juntar os desenhos e a escrita, mas foi só com Richard
Outcault (1863-1928) que o gênero começou a ganhar a forma que tem hoje,
graças ao seu personagem periódico O menino Amarelo. Também foi Outcault
um dos primeiros a implantar os balões no lugar das legendas. As HQs,
também conhecidas como comics, ilustravam principalmente situações
corriqueiras e engraçadas, daí o nome em inglês comics, e só depois
começaram a aparecer histórias de aventura e dos super-heróis (MOYA, 1986).
No Brasil, um dos pioneiros na arte dos quadrinhos foi Angelo Agostini
(1843-1910), também criador do logotipo da revista Tico-Tico, primeira revista
de história em quadrinhos para o público juvenil. A revista funcionava como os
gibis que conhecemos hoje, que além das histórias também possuem jogos e
brincadeiras, mas nesse momento muitas das histórias eram traduzidas do
exterior e poucas eram criadas por autores brasileiros.
Porém, com o passar do tempo, autores brasileiros começaram a ganhar
espaço no mercado com histórias e personagens nacionais, e hoje em dia são
muitos os autores de renome que produzem estilos diversificados de HQs e
outros gêneros como tirinhas e charges, possuindo públicos diversos, como é o
caso de Ziraldo, Angeli, Laerte Coutinho, entre outros. Tratando-se
especificamente de história em quadrinhos voltadas para o público infanto-
juvenil temos Maurício de Sousa22 como importante produtor e divulgador da
arte, inclusive com prestígio internacional, tendo suas revistas de HQs
publicadas em cerca de 40 países. E é dele a HQ trazida, logo em seguida,
para análise.
21
Doravante HQ.
22 Indicamos como complemento a leitura da dissertação de mestrado de Scarelli (2002),
intitulada: Educação e histórias em quadrinhos: a natureza nas produções de Maurício de
Sousa.
51
Ramos (2009a), pesquisador da área, busca em diversos textos discutir
assuntos referentes aos quadrinhos, e em seu livro A leitura dos quadrinhos,
presta-se a desvendar suas características específicas. O autor acopla as HQs
dentro do que ele denomina o hipergênero23 dos quadrinhos, e com base em
suas pesquisas, o autor identifica algumas tendências:
diferentes gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos;
predomina nas histórias em quadrinhos a sequência ou tipo textual narrativo;
as histórias podem ter personagens fixos ou não;
a narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos, conforme o formato do gênero;
em muitos casos, o rótulo, o formato, o suporte e o veículo de publicação constituem elementos que agregam informações ao leitor, de modo a orientar a percepção do gênero em questão;
a tendência dos quadrinhos é a de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem casos de utilização de fotografias para compor as histórias (RAMOS, 2009a, p.
19).
O autor também se presta a descrever outros aspectos da linguagem
dos quadrinhos como as várias formas do balão, os diferentes valores
expressivos da letra, o papel da onomatopeia e da cor na criação de sentidos,
a oralidade nos quadrinhos, os diferentes estilos de desenho etc., e ainda
observa que “ler quadrinhos é ler sua linguagem. Dominá-la, mesmo que em
seus conceitos mais básicos, é condição para a plena compreensão da história
e para a aplicação dos quadrinhos em sala de aula e em pesquisas científicas
sobre o assunto” (Ramos, 2009a, p. 30).
Para ilustrar o que estamos dizendo, vejamos:
23
O autor defende a visão de que os quadrinhos seriam um hipergênero, isto é, uma espécie
de rótulo, que abrigaria diversos outros gêneros como a história em quadrinho mais longa, as
tiras cômicas, as charges etc.
52
(SOUSA, Maurício de. CABRUM. In: Almanaque Histórias de uma página. São Paulo. Panini
Comics, nº 5 – fevereiro de 2010, p. 64).
A HQ acima, como outros exemplares do gênero, possui certas
características de forma composicional, inicia-se com o nome do personagem e
logo em seguida o título, o desenvolvimento da história sequenciada em
quadrinhos, composta de imagens e balões e a finalização apontada pelo
53
substantivo fim. Porém podemos perceber que a estrutura composicional do
gênero HQ, não é tão fechada e invariável, pois facilmente encontramos
histórias que se iniciam de forma diferente, ou que não possuam títulos, que
podem não apresentar falas de personagens, ou ainda que possuam
continuação, finalizando-se de forma distinta.
Ao observarmos o estilo, percebemos que, por se tratar de um gênero
que advém da esfera jornalística, isso propicia o aparecimento do estilo do
autor, e se o estilo é caracterizado pelas escolhas feitas na construção do
texto, podemos apontar não só para as escolhas linguísticas, mas também,
pelos traços do desenho característicos do autor, por sua linguagem informal,
pelas cores escolhidas nas ilustrações etc. Convém ressaltarmos que melhor
identificaríamos o estilo de Maurício de Sousa se observássemos HQs de
autores diferentes, já que a compreensão também se pauta no diálogo, a
comparação de diferentes estilos ajudaria na percepção do estilo individual do
autor e na percepção do estilo do gênero HQ.
Ao lermos HQs, podemos encontrar um leque diverso de histórias, pois
muito pode ser retratado através de uma história em quadrinhos, ou seja,
grande é a diversidade de conteúdos temáticos desse gênero. Porém, ao
tratarmos da leitura do gênero, devemos marcar que ele possui conteúdo
temático, aquilo que pode ser dito, porém em cada evento/ato de leitura
acontecerá um tema. Ao lermos esta historinha, especificamente, observamos
o personagem Cascão buscando uma forma de esconder-se da chuva
anunciada pelo trovão do primeiro quadrinho, e após todas as tentativas, ele
resolve fazer uma oração, recorrendo à ajuda celestial do Papai do céu, que
atendendo a seu pedido o protege da chuva. Toda a história retrata uma
característica peculiar do personagem, seu tremendo medo de água, mas não
só isso, pois busca mostrar, através da situação ilustrada nos dois últimos
quadrinhos, que após o personagem buscar diversas saídas para o seu
“problema” e ao não encontrar a solução, ele resolve fazer uma oração ao
Papai do céu, que resolve atendê-lo vindo em seu auxílio.
Convém, mais uma vez, marcarmos a diferença existente entre os
conceitos conteúdo temático e tema. Concordamos com a afirmação de
Figueiredo (2005):
54
(...) tema não é sinônimo de “conteúdo temático” nem de “assunto”. Tema é antes o resultado de uma enunciação como um todo, portanto só pode ser depreendido a partir da consideração da relação simultânea entre o enunciado, o locutor, o interlocutor, o suporte, o local e momento da enunciação, etc. (p.14).
Ao trabalharmos a leitura numa concepção enunciativo-discursiva,
devemos buscar desvendar não só os significados possíveis dos enunciados,
mas também compreender como eles foram construídos, por isso a importância
do locutor, interlocutor, suporte, local, momento da enunciação para a busca do
tema. Logo, conceber a leitura como processo dialógico e tomar os gêneros do
discurso como instrumentos para o ensino desse processo, significa travar uma
busca pela compreensão não de enunciações isoladas e monológicas, mas sim
de enunciações completas, isto é, de todos os elementos (verbais e extra
verbais) constituintes dela.
Percebe-se, então, como são imbricados os conceitos - forma
composicional, conteúdo temático e estilo – uma vez que a relação existente
entre eles é o que constitui o enunciado (gênero do discurso), eles são
interdependentes. No caso da HQ, por exemplo, o estilo aparece articulado
com a forma composicional, a qual emoldura o conteúdo temático, o querer-
dizer que, para se concretizar, necessita das escolhas feitas pelo autor (estilo),
que se inscrevem no leque de possibilidades fornecido pela forma
composicional do gênero. Enfim, eles – os três componentes – são
indissociáveis (Bakhtin, 2010 [1952-53]).
É indispensável percebermos que muitos outros são os fatores que
poderiam ser observados, como o horizonte espacial e temporal no qual esse
gênero está, suas esferas de produção e circulação, sua finalidade e também
aspectos ligados a sua autoria e aos seus destinatários, como ressalva
Rodrigues (2005, p.164): “O que constitui um gênero é a sua ligação com uma
situação social de interação, e não as suas propriedades formais”.
55
2.3.1. HQ: um gênero multimodal
Visualmente, as histórias em quadrinhos são facilmente identificáveis, dada a peculiaridade dos quadros, dos desenhos e dos balões. Entretanto, as HQs revelam-se um gênero tão complexo quanto os outros no que tange seu funcionamento discursivo (MENDONÇA, 2005).
Pensar o ensino-aprendizado de leitura nos dias de hoje implica
entender que a diversidade de linguagens presente em determinados textos é
cada vez mais comum, exemplos disso são os textos advindos da esfera
digital, em que em uma única página de Internet, diferentes gêneros aparecem
e estes podem se compor de diferentes tipos de mídias.
Segundo Brait (2009), “Em determinados textos ou conjunto de textos,
artísticos ou não, a articulação entre os elementos verbais e visuais forma um
todo indissolúvel, cuja unidade exige do analista o reconhecimento dessa
particularidade” (p.143).
Paes de Barros (2005) observa que se tratando do jornal impresso
“temos a linguagem visual em fotografias, gráficos, infográficos, que aliam a
materialidade visual à escrita, à diagramação, ao tamanho e formato de
tipos, o que o constitui em um gênero multimodal” (p. 80, grifos nossos),
portanto, a multimodalidade é característica de textos com diversidade de
linguagens, que são orquestradas de forma a produzir sentido(s). Assim, as
diversas linguagens utilizadas na construção dos sentidos das histórias em
quadrinhos, as imagens, os desenhos, as cores, as onomatopeias, as
diferentes fontes das letras etc., tornam-nas um gênero multimodal.
Ao retornar ao processo de ensino-aprendizado, devemos levar em
consideração as peculiaridades advindas da multimodalidade e suas
implicações na leitura, pois já não bastam as práticas de leitura que deixem de
lado o trabalho com essas diferentes linguagens, os multiletramentos, inclusive
o letramento visual (MOREIRA DA COSTA & PAES DE BARROS, 2012),
levando em consideração também a função de propiciar esse trabalho que
deve ser assumido e desenvolvido pela escola. Portanto, concordamos com as
autoras Moreira da Costa e Paes de Barros que, ao pesquisarem as atividades
com gêneros multimodais nos livros didáticos, concluem que “não basta um
56
olho “educado” para ver tudo o que há, é preciso desenvolver capacidades24
específicas de leitura para os gêneros que aliam a linguagem visual à verbal”
(MOREIRA DA COSTA & PAES DE BARROS, 2012, p. 42).
Consideramos, com Brait (2009), a “linguagem verbo-visual (...) como
um enunciado concreto articulado por um projeto discursivo do qual participam,
com a mesma força e importância, o verbal e o visual” (p. 143). Porém, convém
explicitarmos que fazemos uso da expressão multimodal para caracterizar o
gênero HQ e outros que aliam aspectos verbais e visuais em sua construção,
porque, no âmbito desta pesquisa, faremos uso das capacidades de leitura
para gêneros multimodais, cunhadas por Paes de Barros (2005).
A autora recorre a conceitos da Semiótica Social no que trata dos
estudos realizados sobre a multimodalidade das formas de
representação que compõem os textos e alia esses conceitos a alguns dos
estudos realizados pela psicolocia cognitiva no que concerne a construção dos
sentidos de textos multimodais.
Delphino (2005 apud Paes de Barros, 2005), baseando-se em Kress,
Leite-Garcia & Van Leeuwen (1996), reflete que:
1. Um número variado de modos semióticos está sempre envolvido em uma determinada produção textual ou leitura, pois todos os signos são multimodais ou signos complexos, existindo num número de modos semióticos diferentes; 2. Cada modo tem sua representação específica, produzida culturalmente, além de seu potencial comunicacional; 3. É necessário um entendimento sobre como ler estes textos.
É na busca desse “entendimento [necessário] sobre como ler estes
textos" que defendemos a história em quadrinhos como um gênero multimodal,
em que a materialidade verbal se alia à materialidade visual compondo um todo
de significação.
Nessa mesma direção, Dionísio (2005) que também se baseia na
Semiótica Social para refletir sobre o ensino-aprendizagem defende que na
24
Capacidades essas que serão discutidas no tópico 2.4.
57
sociedade contemporânea, a prática de letramento da escrita, do signo verbal
deve ser incorporada à prática de letramento da imagem, do signo visual.
Concordamos, ainda, com autora quando defende que,
1. As ações sociais são fenômenos multimodais; 2. Gêneros textuais orais e escritos são multimodais; 3. O grau de informatividade visual dos gêneros textuais da escrita se processa num contínuo; e 4. Há novas formas de interação entre o leitor e o texto, resultantes da estreita relação entre o discurso e as inovações tecnológicas (DIONÍSIO, 2005, p. 161).
2.3.2. Pesquisas com o gênero HQ e sua presença na escola
Houve um tempo no Brasil em que levar histórias em quadrinhos para a sala de aula era algo inaceitável. Era um cenário bem diferente do visto no início deste século. Quadrinhos hoje são bem vistos nas escolas. Há até estímulo governamental para que sejam usados no ensino (RAMOS, 2009a).
Como afirma Ramos (2009a), hoje em dia existem até iniciativas do
governo para o uso das HQs dentro da sala de aula, uma delas é a inclusão
dos quadrinhos na lista do Programa Nacional Biblioteca na Escola, além da
sua inserção nos Parâmetros Curriculares Nacionais e a crescente presença
nos exames vestibulares, inclusive no ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio) e também nos materiais didáticos. Mas nem sempre foi assim, Ramos
(2006) afirma que até mesmo a pesquisa com quadrinhos era mal vista pela
academia na década de 70.
Porém, as iniciativas governamentais já citadas são apontadas como
possíveis responsáveis no crescimento da pesquisa sobre o gênero. Vale
ressaltar que grande parte das pesquisas é da área da Comunicação, em que
buscam discutir aspectos teóricos nem sempre ligados à utilização das HQs na
escola. Por outro lado, existem também pesquisas que investigam o uso do
gênero na escola no trabalho com diferentes disciplinas25 e também nas aulas
de Língua Portuguesa, dentre os pesquisas destacamos Claudino (2008), que
buscou desenvolver atividades de leitura de histórias em quadrinho e tiras para
25
Ver livro: Como usar as Histórias em Quadrinhos na sala de aula. Editora Contexto, 2006.
58
a formação do leitor crítico e a tese de doutoramento de Bari (2008) que
procurou apontar contrapontos entre os panoramas culturais brasileiro e
europeu em relação às contribuições das histórias em quadrinhos para a
formação do leitor.
Segundo a autora:
as pesquisas acadêmicas desenvolvidas sob a epísteme dos estudos culturais determinam o uso das histórias em quadrinhos nas práticas pedagógicas como dimensionador, motivacional, inovador e compatível com estruturas neurológicas do cérebro. Por esta razão, as linguagens de matriz visual-verbal estão atraindo cada vez mais especialistas das áreas de Comunicação, Informação, Educação, Psicologia e áreas congêneres à questão da leitura e do letramento (BARI, 2008, p. 159).
Podemos perceber em textos como de Ramos (2006) e Vergueiro (2006)
que a pesquisa com o gênero HQ vem crescendo nos últimos tempos, porém,
muito ainda precisa ser estudado, principalmente o que está relacionado com a
sua utilização como objeto de ensino de leitura e escrita, uma vez que a grande
parte das pesquisas feitas é voltada para outras áreas.
Quando pensamos o gênero HQ e a escola, podemos afirmar que as
histórias em quadrinhos já fazem parte das práticas de leitura dos estudantes
brasileiros26, não só por conta de seu fácil acesso ou de sua popularidade, mas
também por fazer parte do universo da escola, através dos gibis que se
encontram nas bibliotecas e muitas vezes presentes livros didáticos27, mesmo
que muitas vezes apareça somente como pretexto para exercícios de
metalinguagem (NEVES, 2000).
Tivemos, como observa Padilha (2005), um marco da entrada de
diversos gêneros advindos de diferentes esferas de atividade humana na
escola, que foi quando acontece o que a autora chama de “bomm da teoria da
26
Como nos mostra os dados analisados no cap. 4, em que as HQs aparecem como um dos
gêneros mais lidos e apreciados pelos alunos.
27 Convém lembrarmos que assumimos como distintos os gêneros história em quadrinhos,
caracterizada por ser uma narrativa mais longa podendo chegar a diversas páginas, e as
tirinhas, que como o nome já diz, é uma tira contendo poucos quadrinhos. O livro didático,
geralmente, trabalha com as tirinhas ou charges, não descartando a possibilidade de também
existirem livros que desenvolvem atividades com HQs.
59
comunicação”, com a disciplina “Comunicação e Expressão” ministrada nas
escolas, assim “tiveram entrada não só a literatura “não oficial”, mas também a
propaganda, os quadrinhos, a charge, o jornal e a letra de canção” (PADILHA,
2005, p. 95) [grifos nossos].
Costa (2011) desenvolveu um estudo sobre o trabalho com textos
multimodais em livros didáticos do ensino médio e observou que, por mais que
gêneros multimodais – como a HQ, por exemplo – estejam presentes em
atividades de sala de aula, muitas vezes é trabalhada de forma incompleta, em
que se concentra o trabalho somente nos aspectos verbais, esquecendo-se
dos visuais:
No tocante ao uso dos gêneros multimodais em atividades de leitura, observamos a predominância dos gêneros que articulam linguagens visuais e verbais (como as tiras, charges e propagandas). Nessas ocorrências, com algumas exceções, as questões apresentaram uma tendência a evidenciar os elementos verbais, em detrimento dos visuais (COSTA, 2011, p. 145).
Como já mencionado, acreditamos que muito ainda precisa ser
pesquisado em relação ao trabalho com as HQs na escola, principalmente em
relação a sua abordagem em atividades que visam desenvolver capacidades
de leitura e escrita, não sendo suficiente só a presença do gênero HQ dentro
da sala de aula, mas sim o desenvolvimento de um trabalho que busque
ampliar as capacidades de leitura que os alunos já possuam e que possam
funcionar como ferramenta no processo de ensino-aprendizado.
2.4. Praticando a teoria: contribuições para o processo de ensino-
aprendizagem de leitura
Como já visto, quando se concebe a leitura como processo dialógico que
pressupõe respostas ativas dos sujeitos leitores, e se assume a possibilidade
desse processo ser ensinado na escola, convém compreender a linguagem
como fruto da interação, que se manifesta por meio de enunciados concretos, e
possui formas relativamente estáveis presentes nos diversos campos de
atividades.
60
A importância do trabalho com os gêneros do discurso como objeto de
ensino é reforçada nos documentos oficiais:
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino (PCN, 1998, p. 23).
Como podemos observar, a partir da década de 90, novos são os
paradigmas de ensino. Surge, então, a necessidade de mudanças para se
atender os objetivos propostos pelos documentos oficiais, como formação de
leitores competentes, que possam se posicionar criticamente e com
responsabilidade nas diferentes situações sociais, se perceber agentes
transformadores na sociedade, entre outros mencionados nas primeiras
páginas dos PCN. Portanto, para alcançar esses objetivos se faz necessária
essa mudança no ensino de línguas, já não basta o ensino fragmentado e
descontextualizado.
Paes de Barros (2008), em seu artigo intitulado Os Gêneros Discursivos:
contribuições teóricas e aplicadas ao ensino de línguas, nos diz que o
professor que trabalha com os gêneros discursivos têm
a possibilidade de criar, (...), espaços onde os discursos circulem e as opiniões possam ser debatidas, mas, principalmente, pode dar voz aos alunos, possibilitando que eles leiam diferentes textos, leitura tida aqui não somente no sentido estrito, mas na sua acepção mais ampla: que possam ler também o que não está escrito, as entrelinhas do discurso, os temas de fatos e atitudes que fazem parte da vida cotidiana (p. 23).
Segundo a autora, de acordo com experiências realizadas no Brasil e no
exterior, o trabalho com os gêneros do discurso tem como foco principal a
produção escrita do aluno e, por isso, busca desenvolver um trabalho mais
próximo à realidade e necessidades do ensino-aprendizado de língua materna
no Brasil. Ela propõe, pois, a utilização dos gêneros do discurso como objeto
61
de ensino de leitura28, considerados instrumentos que podem proporcionar o
desenvolvimento de diferentes capacidades de ensino-aprendizagem.
Rojo (2004) afirma que o ato de leitura envolve diferentes capacidades e
procedimentos que dependem de suas situações e finalidades, e nota que
pensar no ensino-aprendizado de leitura que busque uma formação crítica que
prepare nossos jovens para uma leitura cidadã, e que “viabilize diferentes
práticas de letramento, exigirá diferentes combinações de capacidades29 de
várias ordens”. A autora as divide em grupos: as básicas que são trabalhadas
principalmente no processo de alfabetização (capacidades de decodificação) e
também capacidades ligadas ao aspecto cognitivo no ato de ler (capacidades
de compreensão ou estratégias):
Capacidades30 de decodificação: • Compreender e dominar diferenças entre escrita e outras formas gráficas, • Conhecer o alfabeto e compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita; • Dominar as relações entre grafemas e fonemas; • Saber decodificar palavras e textos escritos; • Saber ler reconhecendo globalmente as palavras; • Desenvolver fluência e rapidez de leitura. Capacidades de compreensão (estratégias): • Ativação de conhecimentos de mundo; • Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos e checagem de hipóteses; • Localização e/ou cópia de informações; • Comparação de informações, generalização; • Produção de inferências locais e globais.
Podemos perceber a estreita ligação existente entre essas capacidades
e as concepções de leitura voltadas para teorias cognitivas e estruturalistas,
porém existem ainda as capacidades discursivas, voltadas para a apreciação e
réplica do leitor, que completam o ensino pautado nas capacidades anteriores:
28
Vale ressaltar que a autora oferece também, no artigo já citado, subsídios para o trabalho
com os gêneros do discurso na produção escrita.
29 Ressaltamos que as capacidades de leitura citadas neste capítulo, serão utilizadas no
projeto de leitura desenvolvido no decorrer da pesquisa (ver capítulo 4).
30 Indicamos a leitura do texto de Rojo (2004), pois no corpo deste trabalho encontra-se
somente um resumo das capacidades citadas pela autora.
62
Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto (interpretação, interação): • Recuperação do contexto de produção do texto; • Definição de finalidades e metas da atividade de leitura; • Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático); • Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo); • Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento, diagramas, gráficos, mapas etc.) como elementos constitutivos dos sentidos dos textos e não somente da linguagem verbal escrita. • Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas; • Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos (ROJO, 2004, p.6-7).
Paes de Barros (2005) ao desenvolver uma pesquisa sobre o ensino-
aprendizado de leitura com o gênero primeira página de jornal, e por tratar-se
de um gênero verbo-visual, isto é, composto por diferentes linguagens, a autora
cunha capacidades específicas que podem ser desenvolvidas quando
trabalhamos com gêneros que possuem essas características:
1. Seleção e verificação das informações verbais – refere-se à ativação das capacidades compreensão e apreciação da leitura dos textos verbais, como parte do processo de compreender a significação do texto como um todo. 2. Organização das informações da sintaxe visual – trata-se da observação dos elementos pictográficos de modo a selecionar e organizar as informações relevantes à construção da significação. 3. Integração das informações verbais e não verbais – trata-se da capacidade de observar e conjugar as informações da materialidade verbal à pictográfica, relacionando-as no ato de construção dos sentidos dos textos. 4. Percepção do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos materiais verbais e não verbais – trata-se da ativação de diversas capacidades de leitura aliadas à organização e observação das informações, através das quais o leitor constrói um todo de significação (PAES DE BARROS, 2005, p.84).
Além das capacidades específicas para o ensino de leitura, também
recorrermos aos estudiosos Dolz e Schneuwly (2004) que defendem que
quaisquer ações de linguagem implicariam diversas capacidades por parte do
sujeito, as quais os autores denominam: capacidades de ação (adaptação às
características do contexto de produção e do interlocutor, da onde e para quem
63
se fala); capacidades discursivas (mobilização de modelos discursivos, escolha
do gênero); e capacidades linguístico-discursivas (ligadas a aspectos e
escolhas linguísticas). De acordo com os autores: “quanto mais precisa a
definição das dimensões ensináveis de um gênero, mais ela facilitará a
apropriação deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento de
capacidades de linguagens diversas que a ele estão associadas” (p. 76).
Convém ressaltar que os autores pensam no trabalho com essas
capacidades voltado para a produção de textos, porém Paes de Barros (2005,
2008) as utiliza no processo de ensino-aprendizado de leitura, de acordo com
as contribuições da autora, poderemos revê-las sob o seguinte viés:
Capacidades de ação: referem-se à situação de produção e
circulação dos gêneros;
Capacidades discursivas: referem-se à estrutura global do texto, à
observação da forma composicional do gênero;
Capacidades linguístico-discursivas: referem-se às escolhas
discursivas, ao estilo do gênero.
Assim, reafirmamos a defesa do ensino explícito de leitura tomando
como objeto de ensino os gêneros do discurso que funcionam como
instrumento para desenvolver essas distintas capacidades e que embasados
nas pesquisas de Paes de Barros (2005, 2008), buscaremos resumir os
passos31 para o ensino-aprendizado de leitura:
1) Confeccionar um banco de dados do gênero escolhido, levando em
consideração aspectos como: produção, circulação e interlocutores;
2) Ler diferentes textos no gênero escolhido, com atenção a suas
características e particularidades;
3) Realizar atividades que levem os alunos a observarem a forma
composicional de gênero;
31 Convém ressaltar que este esquema não deve ser visto como uma ‘receita’ pronta em que
nenhum ingrediente pode ser alterado, mas sim como possíveis passos para organizar o trabalho com a leitura.
64
4) Analisar, localizar e comparar os elementos da forma composicional
em textos de diferentes contextos de produção, seu público alvo, seu
suporte, visando discutir particularidades de sua produção e
circulação;
5) Apresentar ou impulsionar a pesquisa sobre aspectos relevantes da
história do gênero que está sendo estudado e refletir sobre seu papel
na sociedade;
6) Elaborar atividades que levem os alunos a perceber as relações e os
efeitos de sentido propiciados pelo uso de diferentes linguagens, ao
se tratar de textos multimodais;
7) Propiciar um trabalho que encontre as características específicas dos
componentes verbais do gênero, podendo resultar em atividades com
aspectos gramaticais, por se tratar de aspectos linguísticos ligados
ao estilo do gênero;
8) Comparar e discutir estilos de diferentes autores;
9) Promover o entendimento de que a atribuição de sentido é feita
através dos componentes (forma composicional, estilo e conteúdo
temático) que são indissolúveis e fundamentais na constituição do
gênero.
Vale salientar que muitos são os obstáculos encontrados, uma vez que
se trata de uma teoria pouco familiar para boa parte dos docentes que estão
em sala de aula, e mesmo para aqueles que acabaram de sair da graduação,
cuja formação não contemplou tais teorias e práticas. Paes de Barros (no prelo,
2012), 'pinta' um quadro da atual realidade vivida pela educação:
Parece-nos que hoje vivemos em um círculo vicioso: alunos mal formados, com reduzidas capacidades de leitura entram nos cursos de graduação e se tornam professores com uma formação deficitária; ao chegar à escola, esses professores encontram alunos com dificuldades de compreensão, com as quais não sabem lidar e reproduzem a velha fórmula que conheceram em sua experiência de alunos, seus alunos por sua vez... Parece mesmo um círculo que se reproduz, ano a ano, ad infinitum (PAES DE BARROS, no prelo, 2012, p. 7).
65
E para romper com o círculo vicioso devemos percorrer um longo
caminho, que vai desde a formação do professor até a adequação dos
currículos das escolas de ensino básico e das universidades.
Porém, uma vez iniciado este trabalho em território concreto, ou seja, em
contexto real de sala de aula, outros fatores podem influenciar, como as
necessidades de aprendizagem dos alunos, as práticas sociais em que estão
inseridos, ou questões ligadas à estrutura da escola, como é o caso de existir
ou não uma biblioteca com um bom acervo, ou um laboratório de informática
com acesso à internet, ou ainda algum evento do qual esses alunos
participarão, como exposição de trabalhos à comunidade, ou até mesmo uma
olimpíada esportiva.
E é inscrito nessa perspectiva teórica, de concepção dialógica de leitura
e sócio-interacionista de ensino-aprendizagem, que se encontra o nosso
projeto de leitura com o gênero HQ, cujo percurso metodológico será exposto
no próximo capítulo.
66
Capítulo 3
METODOLOGIA DA PESQUISA
Não perguntamos à natureza e ela não nos responde. Colocamos as perguntas para nós mesmos e de certo modo organizamos a observação ou a experiência para obtermos a resposta. Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em toda a parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado (BAKHTIN 2010 [1959-1961]).
Neste capítulo, buscaremos descrever a metodologia adotada para o
desenvolvimento de nossa pesquisa, uma vez que ela se inscreve na
perspectiva qualitativa de cunho discursivo-enunciativo, baseada nos estudos
de Bakhtin (1970-1971/1979, 1974/1979) e seu Círculo, em que se consideram
os sujeitos e os fenômenos a partir de seu contexto sócio-histórico e cultural,
também descreveremos seu contexto de produção, os objetivos e questões de
pesquisa, os sujeitos, os instrumentos de coleta de dados e as categorias de
análise.
3.1. Bakhtin e a Metodologia das Ciências Humanas
As ciências exatas são uma forma monológica do saber: o intelecto contempla uma coisa e emite enunciado sobre ela. Aí só há um sujeito: o cognoscente (contemplador) e falante (enunciador). A ele só se contrapõe a coisa muda. Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser conhecido e concebido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 2010 [1974/1979], p. 400) [grifos do autor].
Na epígrafe acima, Bakhtin aponta como uma das diferenças entre as
ciências humanas e exatas a concepção que se tem do objeto, uma vez que
qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser concebido como coisa,
portanto o mesmo objeto pode ser tomado para estudo, no caso o homem,
porém, a metodologia escolhida é o que vai direcionar a pesquisa, sendo que a
diferença reside na percepção do homem como coisa muda, ou como ser
respondente.
67
Logo, inscrever-se numa perspectiva enunciativo-discursiva bakhtiniana
de pesquisa compete escolher por enxergar o sujeito como tal, isto é como
sujeito que permanece sujeito e não pode tornar-se mudo, fazendo com que o
conhecimento seja construído dialogicamente, tornando impossível o
aparecimento de um único sujeito, um só enunciador.
Nessa visão, a Metodologia das Ciências Humanas pauta-se no
encontro de sujeitos, na relação de indivíduos que possuem história de vida,
inseridos em um contexto, isto é, sujeitos reais. Pois, se como afirma Bakhtin
(2010 [1974/1979]), o “texto só tem vida contatando com outro texto (contexto)”
p.401, logo, só existe sentido se constituído no diálogo; o encontro só pode se
dar entre sujeitos, como completa o autor afirmando que “Por trás desse
contato está o contato entre indivíduos e não entre coisas” (idem).
É a partir dessa perspectiva metodológica que se encontra a nossa
pesquisa, que busca procurar e encontrar signos em todas as partes, isto é,
busca levar em consideração a construção dialógica do conhecimento, pautada
na interação entre os sujeitos da pesquisa e a pesquisadora. O que resulta em
uma co-construção do conhecimento, como ressalta Paes de Barros (2005, p.
100) “em que os alunos sujeitos da pesquisa e a pesquisadora assumiram
papéis de co-construtores e co-autores”, uma vez que esta pesquisa pode ser
vista como um processo em contínua reformulação, e não algo acabado em si
ou estagnado.
3.2. Objetivos e questões de pesquisa
Embasada nessa perspectiva metodológica, esta pesquisa teve como
objetivos:
Conhecer as concepções e práticas de leitura dos alunos do 6º
ano (3ª fase do 2º ciclo) de uma escola estadual da cidade de
Cuiabá, Mato Grosso.
A partir do contato com os alunos, o segundo objetivo delineou-se mais
claramente:
Desenvolver um projeto de ensino-aprendizagem de leitura, em
que se tome o gênero discursivo história em quadrinhos como
68
objeto de ensino-aprendizagem, com base nas necessidades e
capacidades apresentadas pelos alunos sujeitos da pesquisa.
Para contemplar tais objetivos, buscou-se responder às seguintes
perguntas de pesquisa:
1. Que concepções e práticas de leitura têm os alunos do 6º ano da
escola estudada?
2. Quais capacidades de leitura puderam ser desenvolvidas no projeto,
e de que forma as interações entre os alunos interferiram nesse
processo de ensino-aprendizagem?
3.3. Metodologia de coleta dos dados
A grande causa para a compreensão é a distância do indivíduo que compreende – no tempo, no espaço, na cultura - em relação àquilo que ele pretende compreender de forma criativa. Isso porque o próprio homem não consegue perceber de verdade e assimilar integralmente nem a própria imagem externa, nenhum espelho e foto o ajudarão; sua autêntica imagem externa pode ser vista e entendida apenas por outras pessoas, graças à distância espacial e ao fato de serem outras (BAKHTIN, 2010 [1970]) [grifos do autor].
Uma vez explicitado que nossa pesquisa se inscreve na perspectiva
metodológica enunciativo-discursiva bakhtiniana, espera-se uma postura
pautada em uma atitude exotópica, em que além de considerar os sujeitos em
seu contexto sócio-histórico e a capacidade de responder dos indivíduos, o
pesquisador busque com auxílio de seu outro32, conduzir e ressignificar sua
pesquisa, pois como mostra a epígrafe acima, a compreensão é resultado da
distância existente – no tempo, no espaço, na cultura – entre aquele que
compreende e o que será compreendido. Como ressalva Amorim (2003, p. 14):
“(...) é dando ao sujeito um outro sentido, uma outra configuração, que o
32
Neste caso, o(s) sujeito(s) de pesquisa, apontado por Bakhtin (1970-1971/1979) como sujeito
expressivo e falante.
69
pesquisador, assim como o artista, dá de seu lugar, isto é, dá aquilo que
somente de sua posição, e portanto com seus valores é possível enxergar”.
Fundamentamos, então, a nossa pesquisa no conceito de exotopia
(BAKHTIN, 1922-24), em que se leva em consideração o lugar único ocupado
por cada sujeito em sua existência, logo, a ‘visão privilegiada’ que cada lugar
proporciona, um olhar exotópico, um olhar além. E Bakhtin explica de que
forma se dá essa atitude exotópica:
Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele como o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, 1922-1924, p.23) [grifos nossos].
E é na interação entre os alunos pesquisados e deles com a
pesquisadora que se encontrará a pesquisa, é o encontro desses sujeitos que
torna possível pensar na construção dialógica do conhecimento.
Assim, a coleta de dados iniciou-se com os primeiros contatos com a
escola, as reuniões com a direção e a professora da sala, passou pelas
produções escritas dos alunos e, principalmente, embasa-se nas interações
entre os indivíduos, que foram filmadas ou registradas em notas de aula.
Logo, se acreditamos na responsividade humana, isto é, na capacidade
inerente dos seres humanos de se posicionar responsavelmente, e buscamos
considerá-la como constituinte de nossa pesquisa, estes pressupostos se
fazem presentes em todo o percurso, desde o trabalho de campo da pesquisa,
na coleta e principalmente na análise dos dados coletados.
3.3.1. Contexto e sujeitos de pesquisa
A pesquisa foi realizada na escola estadual Djalma Ferreira de Sousa de
Cuiabá-MT, em uma turma do 6º ano (3ª fase do 2º ciclo). A escola encontra-se
em na região do bairro Morada do Ouro. Um bairro de classe média, porém, a
grande maioria de seus alunos é de bairros periféricos, advindos de famílias de
70
baixa escolaridade e com dificuldades financeiras, como aponta o Projeto
Político Pedagógico da escola:
Muitos dos nossos alunos pertencem a famílias de nível sócio cultural e econômico baixo, às vezes sobrevivendo apenas com a bolsa escola. Muitos deles são de famílias desestruturadas, o que requer da escola um trabalho que supra a carência, tanto material como afetiva, resgatando os valores sociais, devolvendo neles a dignidade e a esperança de um futuro melhor (PPP Escola Estadual Djalma Ferreira de Sousa, 2011, p. 5).
A escola possui nove salas de aula, além de uma sala que funciona
como laboratório de informática com dezesseis computadores, e outra que
serve como biblioteca. Há, ainda, uma sala que funciona como sala dos
professores, direção e coordenação. A escola funciona nos períodos matutino e
vespertino com o total de dezenove turmas, que compreendem do 1º ao 9º ano.
Funciona também na escola o projeto Mais Educação33, em que alunos com
dificuldades de aprendizagem recebem auxílio de um professor articulador que
os atendem na biblioteca. A escola possui uma quadra coberta e conta com
uma sala que serve de sede para os aparelhos da rádio da escola.
Os primeiros contatos com a direção da escola foram feitos no ano
anterior ao do desenvolvimento do projeto, em que foi feita uma pré-coleta de
dados com auxílio de questionários aplicados aos alunos de todas as turmas
do 6º ao 9º ano. Também participaram desse inquérito dois professores. No
ano seguinte, retornamos à escola com a proposta de realizar a pesquisa em
uma turma do 6º ano. Desde o primeiro encontro, a coordenação se mostrou
aberta e interessada em seu desenvolvimento, e em algumas reuniões foi
sendo esclarecido, tanto para a coordenação como para a professora da turma,
33
“O programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a jornada escola nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias (...)” <<Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16689&Itemid=1115 Acesso em: 21/11/12>>>
71
como seria o percurso do trabalho, em que um novo questionário34 seria
aplicado e a partir dele o projeto seria desenvolvido.
Assim, nosso primeiro contato com os alunos foi no momento do
preenchimento de um inquérito escrito, respondido individualmente fora da
sala. Ao todo, vinte e seis35 alunos participaram dessa primeira etapa da
pesquisa que se realizou em dois dias.
Desde o primeiro contato com os alunos, foi explicado que eles
participariam de um projeto de leitura e também foi explicitada a importância da
colaboração deles em todas as etapas da pesquisa, com isso pudemos
perceber que eles enxergavam no trabalho desenvolvido em sala como algo
importante, mesmo não estando ligado às avaliações da escola, pois tratava-se
de “uma pesquisa da faculdade”. Ao todo, vinte e oito alunos participaram do
projeto e eles possuíam a idade entre dez e quatorze anos.
Buscaremos diferenciar, na próxima seção, a metodologia da sala de
aula e da metodologia da pesquisa, levando em consideração o fato de que a
pesquisadora participou da parte pedagógica da pesquisa, planejando e
ministrando as aulas.
3.3.2. Metodologia das aulas 3.3.2.1 O projeto de leitura
O projeto aconteceu entre os meses maio e junho de 2012, compondo
nove encontros, dois dias para a aplicação do questionário e sete para o
desenvolvimento do projeto, totalizando doze aulas. Com isso, tivemos cerca
de seis horas para aplicação dos inquéritos e dez horas para as aulas.
Buscamos registrar as aulas em vídeo e também usamos o recurso de notas
de aula.
Em nosso planejamento inicial, teríamos oito aulas para a aplicação do
projeto, porém, durante o desenvolvimento conseguimos mais duas aulas
34
Ver anexo.
35 Convém ressaltar que ao todo foram vinte e oito alunos que participaram da pesquisa, mas
somente vinte e seis responderam ao questionário.
72
cedidas pela professora de Língua Portuguesa e mais duas pela professora de
Ensino Religioso.
As aulas aconteciam, principalmente, através da leitura de histórias em
quadrinhos e de minicontos fotocopiados em xerox colorido, em diferentes
gibis, ou projetadas em um aparelho data-show. As leituras eram feitas com os
alunos divididos em duplas e vários exercícios eram desenvolvidos oralmente e
orientados pela professora, para que todos pudessem participar e discutir as
respostas dos colegas.
3.3.2.2. Os textos utilizados em sala
No inquérito aplicado nos primeiros dias da pesquisa, existiam três
principais questões que nos auxiliaram na escolha do gênero discursivo a ser
trabalhado em sala. Eram elas: O que você costuma ler na escola?; O que
você costuma ler em casa, ou em outros lugares fora da escola?; O que você
mais gosta de ler?
Dentre as vinte e seis crianças que responderam o questionário, vinte
(76,9%) mencionaram gibis, revistas em quadrinhos ou tirinhas em uma ou
mais questões. A partir dessa resposta, decidiu-se desenvolver um projeto de
leitura que partisse de um gênero com o qual os alunos tivessem mais
familiaridade, assim, optamos por trabalhar com histórias em quadrinhos no
projeto de leitura.
A escolha pelas HQs36 da Turma da Mônica foi feita com base na
facilidade ao acesso e também popularidade de seu produtor Maurício de
Sousa, porém, também foram lidas HQs da Walt Disney, principalmente nas
aulas com objetivos de se trabalhar o estilo do gênero. Escolhemos para
trabalhar em sala HQs mais breves, em sua maioria de uma página, ao todo
foram trabalhadas sete HQs, todas disponíveis no site Portal da Turma da
Mônica37.
36
As histórias em quadrinhos trabalhadas em sala de aula não aparecem no corpo do texto e
nem em anexo porque não nos foi dada a autorização para isso.
37 http://www.turmadamonica.com.br/index.htm
73
Também com base nas respostas dos questionários e com intuito de
promover o ensino-aprendizagem de necessidades apresentadas pelos alunos,
trouxemos para a sala o conto: Cachinhos Dourados e os três Ursos, e alguns
minicontos produzidos a partir das histórias em quadrinhos lidas.
3.3.2.3. O planejamento
O planejamento do projeto teve como principal característica a
possibilidade de reconstruções, ou seja, desde o início nos dispusemos a, de
acordo com cada aula, repensar o plano traçado, para que assim as
necessidades e potencialidades de aprendizado apresentadas pela turma
fossem contempladas. Com Vygotsky (1930/1935), buscamos fundamentar
teoricamente a nossa prática em sala, considerando as interações entre os
alunos e com a professora como promotoras de encontro e construção de
conhecimento, de forma que partíssemos do que os alunos já sabiam, mas que
buscássemos transpor esses limites e ir além, a partir de suas potencialidades,
de acordo com a concepção vygotskiana de zona proximal do desenvolvimento
(ZPD).
As possibilidades de aprendizagem foram sendo vistas como pistas a
serem seguidas para a construção do projeto, uma vez que desde a aplicação
dos questionários conseguimos visualizar alguns dos principais conteúdos que
seriam abordados, assim que as aulas aconteciam, íamos continuando o
percurso ou tomando outros direcionamentos, também tendo como
influenciador o tempo cedido para a aplicação do projeto.
Assim, no desenvolvimento do projeto, pudemos observar a necessidade
de se trabalharem outros aspectos, para além das atividades planejadas para o
desenvolvimento das capacidades de leitura (ROJO, 2004), das capacidades
de leitura para os gêneros multimodais (PAES DE BARROS, 2005) e das
capacidades de linguagem (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004), deveríamos,
também, trabalhar algumas questões referentes à produção escrita, uma vez
que os dados foram revelando a necessidade de se trabalharem certas
questões de escrita, sobre as quais discorreremos mais adiante. Com o intuito
de abordar conteúdos ligados às necessidades de aprendizagem dos alunos,
sem deixar de lado o que eles já sabiam e buscando uma prática que se
74
fundamentasse em uma perspectiva sócio-histórica de ensino-aprendizagem,
montamos o nosso projeto de leitura.
No quadro abaixo, apresentamos o programa geral do projeto e seus
planos de aula:
1. Contextualização
1.1 História das HQs (contexto de produção do gênero HQs);
1.2 Maurício de Souza e a Turma da Mônica;
2. Caracterização das Histórias em quadrinhos
2.1 Trabalhar com vários gibis e as diversas HQs (tiras, histórias);
observação da forma composicional do gênero e as diferenças de
estilo em diferentes produtores (Maurício de Sousa Produções e
Walt Disney).
2.2 HQ e sua linguagem verbo-visual – Componentes e
características; (estilo do gênero);
3. Trabalhando o estilo e o tema
3.1 Perceber os sentidos compostos através da relação dos materiais
verbais e não verbais presentes em HQs;
3.2 Observação da Forma composicional de uma HQ e de um
miniconto.
3.3 Componentes linguísticos:
Organização de parágrafos Sinais de pontuação Discurso direto e discurso indireto
75
Data / Duração
Conteúdo Objetivos Atividades Avaliação Materiais
28/05
2 aulas
História das HQs
(contexto de produção
do gênero HQ);
Maurício de
Souza e a Turma da
Mônica.
Levantar e verificar hipóteses, observar diferentes linguagens utilizadas em uma HQ; Conhecer o contexto no qual surgiram as histórias em quadrinhos, e o percurso que o gênero percorreu até os dias atuais; Descobrir aspectos ligados à vida do produtor Maurício de Sousa.
Leitura em dupla de uma HQ e resolução do questionário oral; Discussão sobre a origem das HQs, sobre a vida de Maurício de Sousa e anotações de seus aspectos mais importantes.
Observação e acompanhamento da resolução das atividades; Exposição e explicação de pontos referentes ao contexto histórico estudado.
Corpus de HQs; resumo de pontos principais sobre o contexto de surgimento e percurso histórico feito pelas HQs, e sobre a vida do produtor Maurício de Sousa.
31/05 01/06
3 aulas
Caracterização das HQs (forma composicional – estilo- conteúdo temático); Diferentes linguagens presentes nas HQs
Observar a forma composicional do gênero e as diferenças de estilo em diferentes produtores (Maurício de Sousa Produções, Disney etc.); Analisar as HQs e sua linguagem verbo-visual, e trabalhar o conteúdo temático e o tema.
Leitura de uma HQ; Leitura de diversos gibis e discussão sobre aspectos ligados à forma composicional do gênero e ao estilo, comparando diferentes produtores.
Mediação das discussões feitas pelos alunos.
Corpus de HQ e gibis
76
Data / Duração
Conteúdo Objetivos Atividades Avaliação Materiais
04/06
2 aulas
Comparando os gêneros: HQ e miniconto.
Comparar as diferenças existentes entre os dois gêneros, com base em dois exemplares trabalhados em sala.
Leitura de um miniconto e de uma HQ, e resolução de exercícios orais.
Acompanhamento da resolução dos exercícios orais.
Corpus de HQ e miniconto
11/06
2 aulas
Caracterizando o miniconto; Discurso direto e discurso indireto (Diferenças entre os balões e o parágrafo e travessão).
Conhecer aspectos ligados ao contexto histórico no qual surgiram os minicontos; Diferenciar as características dos dois gêneros estudados; Produzir coletivamente um miniconto a partir de uma HQ; Perceber aspectos gramaticais usados nos diferentes gêneros e seus objetivos.
Aula expositiva sobre o contexto no qual surgiram os minicontos; Leitura de um miniconto feito a partir de uma HQ, e resolução de exercícios; Produção coletiva de um miniconto com base em HQ trabalhada em sala, observando características próprias de cada gênero.
Respostas orais e escritas dos alunos e participação na produção coletiva do miniconto.
Corpus de HQ e miniconto.
77
Data / Duração
Conteúdo Objetivos Atividades Avaliação Materiais
14/06 1 aula
Percepção de problemas estruturais em trechos produzidos por eles; Escrevendo um miniconto em dupla.
Perceber problemas estruturais e propor soluções em trechos retirados dos questionários respondidos pelos alunos; Produzir, em dupla, um miniconto a partir de uma HQ.
Leitura de trechos retirados do questionário aplicado nas primeiras visitas na escola; Percepção de problemas estruturais e apontamentos de possíveis soluções; Produção em dupla de um miniconto.
Acompanhamento da participação dos alunos nas atividades orais, e monitoramento das produções escritas.
Corpus de HQ.
15/06
2 aulas
Produção individual de um miniconto.
Ler uma HQ, e com auxílio de exercícios revisar conteúdos estudados no decorrer do projeto; Produzir, individualmente, um miniconto a partir de uma HQ.
Leitura de uma HQ e resolução de atividades; Produção individual de um miniconto.
Acompanhamento das atividades pela professora e produção individual.
Corpus de HQ.
78
Podemos observar que o programa inicial foi sendo contemplado no
decorrer das aulas, porém convém lembrar que inicialmente teríamos somente
oito aulas, o que tornaria impossível a prática completa do projeto. Assim, após
serem cedidas mais quatro aulas, duas pela professora de Língua Portuguesa
e duas pela professora de Ensino Religioso, o projeto pôde ser desenvolvido.
E ainda que consideremos o intervalo de doze aulas um tempo curto, pudemos
desenvolver o projeto de modo que os objetivos primeiros fossem atendidos.
Os dados referentes a essa etapa serão analisados no próximo capítulo,
para que as questões de pesquisa possam ser respondidas.
3.4. Metodologia da análise
A compreensão dos enunciados integrais e das relações dialógicas entre eles é de índole inevitavelmente dialógica (inclusive a compreensão do pesquisador de ciências humanas); o entendedor (inclusive o pesquisador) se torna participante do diálogo ainda que seja em um nível especial (...). Um observador não tem posição fora do mundo observado, e sua observação integra como componente o objeto observado (BAKHTIN, 2010 [1970-1971/1979]) (grifos nossos).
A metodologia de análise buscou levar em consideração todo o processo
da pesquisa, uma vez que os dados não são olhados e analisados neles
mesmos, isto é, procurou-se compreendê-los como um todo, considerando-se
não só os sujeitos, ou somente os fenômenos, mas os sujeitos e os fenômenos
em um contexto, neste caso as interações que ocorreram nas aulas, pois, de
acordo com Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]) a enunciação adotada
isoladamente, apenas como um fenômeno linguístico, não pode ser tomada
como objeto para se estudar a linguagem, pois resultaria em uma abstração
infértil. Assim, buscamos nos tornar participantes do diálogo ainda que seja em
um nível especial para que pudéssemos nos inscrever na perspectiva
bakhtiniana de análise metodológica, e assim enxergarmos suas relações
dialógicas.
Para isso, foi a partir do método sociológico, descrito por
Bakhtin/Volochinov (2009 [1929]) que nos baseamos para analisar os dados,
segundo os autores a ordem metodológica para o estudo da língua seria:
79
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929], p. 129).
A escolha por essa ordem se dá também pelo fato de que, conforme
ressaltado pelos autores, é nessa mesma ordem que a evolução da língua se
desenvolve.
Paes de Barros (2005), em um contexto de pesquisa semelhante ao
nosso, procurou aplicar essas etapas do método sociológico bakhtiniano à
pesquisa em sala de aula. Com a autora, nesta pesquisa, consideramos que a
análise dos dados partirá:
a. Do contexto de produção e circulação das enunciações, ou seja, da situação de produção das aulas e das enunciações que nela circulam; b. Das interações e enunciações produzidas em suas particularidades e em sua conexão em enunciados sociais mais amplos; c. Do exame dessas enunciações e sua interpretação enquanto fenômeno de ensino-aprendizagem (PAES DE BARROS, 2005, p. 112).
Os dados de nossa investigação compõem-se dos questionários
aplicados no início da pesquisa, em conjunto com as gravações das aulas do
projeto, as notas de campo da pesquisadora e as produções escritas dos
alunos. Dentre todo o material coletado, traremos aqueles mais significativos
para responder as nossas questões de pesquisa, na forma de episódios, tendo
em vista também, que o foco escolhido para a análise perpassa conceitos
vygotskinianos ligados ao ensino-aprendizagem, como a interação com o outro
para a construção de sentido, sendo este o colega ou a professora; e também
concepções de Bakhtin e o Círculo. Assim, selecionamos categorias de análise:
1. Compreensão e atitude responsiva;
80
2. ZPD;
3. Capacidades mobilizadas durante o projeto de leitura.
A análise acontecerá tendo em vista como esses aspectos atuaram em
conjunto no processo de ensino-aprendizagem de leitura no âmbito desse
projeto.
81
Capítulo 4
ANÁLISE DOS DADOS: PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DE LEITURA
Ao ‘lermos’ o mundo, usamos palavras. Ao lermos as palavras, reencontramos leituras do mundo (Geraldi, 2010).
Este capítulo é destinado à análise dos dados da primeira parte da
pesquisa que objetiva esclarecer o perfil das práticas e concepções de leitura
dos sujeitos participantes.
4.1. As práticas de leitura dos sujeitos da pesquisa
O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes delas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia (VYGOTSKY, 1930) [grifos nossos].
Ao buscarmos a história prévia citada acima por Vygostsky, reparamos
que se trata também da busca pelas práticas sociais que possuem os sujeitos
que participaram da pesquisa. Logo, ao traçarmos esse percurso estamos
pesquisando as práticas de letramento de nossos alunos, que se trata também
da procura da resposta de nossa primeira pergunta de pesquisa:
1. Que concepções e práticas de leitura têm os alunos do 6º ano da
escola estudada?
Para respondermos esta questão, contamos com o auxílio de um
questionário respondido pelos sujeitos da pesquisa antes do desenvolvimento
do projeto de leitura. Com base nessas respostas, buscamos fazer
considerações sobre o perfil de nossos sujeitos, o que leem, quais materiais
escritos possuem em casa, qual a relação de seus responsáveis com a leitura,
quais são suas visões acerca do ato de ler etc., isto é, quais são suas histórias
prévias.
O questionário foi elaborado com base nas perguntas feitas por Paes de
Barros (2005) em sua pesquisa de doutorado e no questionário da 3ª edição da
82
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil38, cujas respostas serão aqui
comparadas.
Práticas de leitura fora da escola
Iniciaremos pelo grau de instrução que possuem os pais ou
responsáveis dos sujeitos:
Gráfico 1:
Como nos mostra o gráfico acima, percebemos que existe uma marcada
diferença entre o nível de escolaridade dos pais ou responsáveis do sexo
masculino e das mães ou responsáveis do sexo feminino. Podemos perceber
que grande número dos responsáveis do sexo feminino 34,6% cursou o ensino
superior, e em contrapartida, 26,9% dos alunos sequer informaram o grau de
instrução de seus responsáveis do sexo masculino, alguns por nem os
conhecerem ou por morar e conviver somente com a mãe ou responsável do
sexo feminino.
Essa diferença apareceu novamente quando perguntamos com que
frequência eles viam seus pais ou responsáveis do sexo masculino lerem.
38
É realizada pelo Instituo Pró-livro e busca avaliar o comportamento do leitor brasileiro
através de pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de questionários e entrevistas. Foi
lançada em 2001 e a última edição foi feita em 2011 tendo seus resultados divulgados em
2012.
83
Gráfico 2:
Mais uma vez, observamos que a mãe ou responsável do sexo feminino,
aparentemente, possui um hábito maior de leitura, talvez também por
continuarem seus estudos, como afirma o gráfico 1, em que uma grande parte
completou o ensino superior.
Gráfico 339:
39
Convém lembrarmos que em algumas questões os alunos podiam responder mais de um
item dentre os quais o questionário apresentava, por isso, em alguns gráficos a soma das
porcentagens passará de 100%.
84
Também foi perguntado aos alunos sobre as práticas de letramento que
seus responsáveis possuíam, e pudemos perceber, conforme o gráfico acima,
que a leitura é algo fortemente presente nas casas de nossos sujeitos,
destacando-se a leitura de materiais religiosos (73%) e também de jornais
(38%) e revistas (35%). Outro aspecto interessante mencionado é o hábito de
ler ou escrever receitas (31%), cartas (15%) ou trabalhos escolares (15%), o
que nos mostra que os pais ou responsáveis dos sujeitos da pesquisa,
apresentam práticas que envolvem tanto a leitura como a escrita, é claro que
não podemos afirmar que essa é a realidade de todos os sujeitos
entrevistados, pois 8% responderam a questão marcando que não sabiam
responder à pergunta.
Outro dado interessante foi a resposta à pergunta: Quem lia textos para
você quando era criança?, confirmando os dados anteriores, temos, mais uma
vez, as mães desempenhando o papel de leitora e também de incentivadora da
leitura como também mostram os gráficos a seguir:
Gráfico 4:
Esta questão foi respondida por 81% das crianças, pois os outros 19%
afirmaram que quando criança ninguém lia para eles ou que não se
lembravam.
85
Gráfico 5:
Conforme os dados acima, a mãe ou responsável do sexo feminino com
76,9% possui forte influência na vida escolar de seus filhos, principalmente
quando se trata de leitura, e o professor é o segundo indicado com 42,3%
como maior influenciador na frente dos pais ou responsáveis do sexo
masculino com 34,6%. E segundo dados do Retratos da Leitura no Brasil de
2011, o público que se denomina leitor aponta os professores como maiores
influenciadores no gosto pela leitura com 45% das respostas, na frente até das
mães ou responsáveis do sexo feminino que contam com 43%. O que nos faz
voltar os olhos para a prática docente e perceber que, mais do que
professores, também são formadores e transformadores de opinião,
principalmente quando o assunto é a leitura.
Ainda em busca das práticas de leitura realizadas fora da escola, isto é,
da história prévia de nossos sujeitos, interessa-nos conhecer as práticas de
leitura fora da sala de aula.
86
Gráfico 6:
Quando perguntado aos participantes da pesquisa sobre o que eles liam
em outros lugares além da escola, pudemos observar que diversas são as suas
práticas de leitura, pois a diversidade de materiais que assumem ler é extensa
e, conforme o gráfico 6, os gibis, as revistas em quadrinhos e as tirinhas são os
gêneros preferidos para a leitura (65,4%). Lembramos que aqui eles
responderam sobre suas práticas de leitura fora da escola, portanto podemos
supor que eles escolhem o que leem. Curioso, também, foi a grande menção
às revistas (26,9%) e aos livros didáticos (26,9%), pois mesmo se tratando da
leitura fora da escola eles aparecem como um dos principais materiais lidos.
Em relação aos livros didáticos podemos levar em consideração o fato de
serem materiais, muitas vezes, que suportam variados gêneros, o que
chamaria a atenção das crianças, mas também essa resposta pode ter sido
87
dada tendo em vista que é um material usado para se fazer trabalhos e
exercícios em casa.
Gráfico 7:
Gráfico 8:
Mais uma vez, conforme o gráfico 7, ressaltamos que grande é a
variedade de materiais escritos presente nas residências dos sujeitos da
pesquisa, e chamamos a atenção para a presença de materiais religiosos, em
que 65,4% dos alunos mencionaram tê-los em casa, isto confirma alguns
88
dados anteriores, como o fato de 73% dos alunos afirmarem que seus pais ou
responsáveis têm costume de ler a bíblia e livros sagrados e/ou religiosos,
conforme gráfico 3. Outro aspecto interessante é a presença dos livros
didáticos que foram citados por 46,2% dos entrevistados. Acreditamos que isso
seja um reflexo das políticas públicas, como o Programa Nacional do Livro
Didático que visa proporcionar aos alunos da rede pública o acesso aos
materiais didáticos. E outro dado interessante foi a presença dos dicionários,
mencionada por 61,5% dos alunos.
Ao olharmos para as práticas de letramento envolvendo a leitura dos
sujeitos da pesquisa e seus responsáveis, ressaltamos novamente a sua
importância, pois irão influenciar e refletir nas futuras práticas de letramento
que esses sujeitos desenvolverão, já que concordamos com Paes de Barros
(2005, p. 115) quando afirma que as “práticas de letramento que se iniciam em
casa, na infância, marcam a história dos sujeitos, colaborando para a
continuidade dessas práticas até a adolescência”.
Na escola
Voltaremos o olhar para a escola porque, com Rojo (2009), acreditamos
que essa importante esfera de atividade deve promover o acesso a letramentos
diversos, pois é o lugar em que as diferentes práticas de letramento podem
entrar em diálogo, e consequentemente contribuir para uma melhor formação
dos alunos. Assim, traremos alguns dados referentes às atividades
desenvolvidas por nossos alunos no âmbito escolar.
89
Gráfico 9:
Ao questionarmos sobre o que os sujeitos leem na escola, percebemos
que uma variedade de gêneros é abordada nas aulas, uma vez que ao
perguntarmos à professora da turma sobre sua prática docente, percebemos
que o principal material utilizado nas aulas é, como na maior parte da realidade
das escolas do Brasil, o livro didático. E as repostas dos alunos, conforme
gráfico abaixo, confirmam a afirmação da professora, quando 57,6% dos
alunos afirmam ler na escola o livro didático. Outros materiais amplamente
citados foram os gibis, as revistas em quadrinhos e as tirinhas, também
mencionados por 57,6% dos alunos. É importante lembrar que muitas vezes o
próprio livro didático é o suporte em que se encontram as atividades com esses
gêneros do discurso.
90
Gráfico 10:
Ao observarmos as atividades realizadas na escola encontramos uma
grande menção ao ato de copiar, tanto a cópia de exercícios no quadro
(80,8%), como também a cópia de textos do livro (57,7%), e também a escrita
de redação (69,2%) e de textos ditados pelo professor (53,8%). Outro dado que
nos chamou a atenção foi a menção ao ato de ler em voz alta (69,2%). Esses
dados revelam, ainda, uma prática que não favorece o protagonismo dos
alunos, traduzem uma realidade em que não se concretiza o ensino para a
cidadania, uma vez que, como aponta Rojo (2004), o que acontece nas escolas
hoje, tanto no trabalho com a leitura, mas também com a produção de texto é
“um processo de repetir, de revozear falas e textos de autor(idade) – escolar,
científica – que devem ser entendidos e memorizados para que o currículo se
cumpra. Isto é feito, em geral, em todas as disciplinas, por meio de práticas de
leitura lineares e literais, principalmente de localização de informação em textos
e de sua repetição ou cópia em respostas de questionários, orais ou escritos”
(p.1).
91
Gráfico 11:
Quanto às dificuldades identificadas por eles no ato de ler, encontramos
dados interessante, pois alguns citaram dificuldades ligadas a problemas de
visão (15%), ou a compreensão ou concentração (8%), e também alguns
apontaram como dificuldade o fato de lerem devagar (15%). Mas o que mais
nos chamou a atenção foi o fato de 58% afirmarem não possuir dificuldades. É
interessante notar que estes dados são compatíveis aos nacionais
apresentados pelo Retratos da Leitura no Brasil, em que 43% dos
entrevistados afirmam não possuir dificuldade nenhuma.
Outras atividades
Neste tópico, apresentaremos dados sobre outras atividades que
abrangem diferentes aspectos da vida de nossos sujeitos e diferentes práticas
de letramento, como a utilização do computador, o que fazem em seu tempo
livre etc.
92
Gráfico 12:
Gráfico 13:
Com base nos dados acima, percebemos que temos uma média de 85%
dos alunos que utilizam o computador todos os dias ou de vez em quando,
porém 15% dos entrevistados afirmam nunca fazer uso do computador, mesmo
93
a escola contando com um laboratório de informática, e confirmando este dado
somente 15% dos alunos40 alegam usar o computador na escola.
Gráfico 14:
Gráfico 15:
Ao observarmos a frequência com que realizam as atividades citadas,
encontramos uma maior constância em assistir televisão, pois todos os
40
Dos 26 alunos que responderam o questionário, somente 85% responderam sobre o local
onde utilizam o computador, e alguns marcaram mais de uma resposta.
94
entrevistados afirmam assisti-la sempre ou às vezes e quando questionados
sobre como se mantinham informados (gráfico 15) 92% citam novamente a TV
como fonte de informação, na frente da internet (62%), jornal (58%) ou rádio
(19%). Em relação às outras atividades, percebemos que os sujeitos da
pesquisa, de forma heterogênea, escutam rádio, vão a feiras e exposições,
frequentam shows ou vão ao cinema, apesar de 31% afirmarem nunca
escutarem rádio, 15% nunca visitarem feiras e exposições ou irem ao cinema e
de 50% terem dito que nunca vão a shows.
Gráfico 16:
A escola na qual foi realizada a pesquisa conta com uma sala de aula
que funciona como biblioteca, e ao serem perguntados pelo uso que fazem de
bibliotecas em geral, isto é, tanto da escola como outras bibliotecas,
encontramos os seguintes dados, conforme gráfico abaixo: a metade da turma
afirma ler e retirar livros de bibliotecas às vezes, e mais de 30% dizem que
realizam essas atividades sempre, em contrapartida temos 12% dos alunos
que dizem nunca realizar essas atividades, fora os 8% que não responderam
sobre o ato de retirar livros da biblioteca.
Por último também foi perguntado sobre as atividades que os sujeitos
realizam em suas horas vagas e qual sua relação com a leitura.
95
Gráfico 17:
Gráfico 18:
96
Essa questão foi retirada do questionário utilizado pelo Instituto Pró-
Livro, que visa apresentar um retrato da Leitura no Brasil do ano de 2012. O
perfil de nossos sujeitos, em alguns aspectos, foi distinto e em outros
semelhante, como é o caso do ato de assistir televisão, que ambas pesquisas
apresentaram um alto índice de pessoas que afirmam assisti-la em seu tempo
livre, a nossa pesquisa com 76,9% e a nacional com 85%, o que nos faz
chamar a atenção para o fato de a maioria da população não ter acesso a TV
por assinatura, o que revela que tanto a pesquisa nacional como a realizada
por nós apontam para o fato de que a grande maioria da população assiste a
TV em seu tempo livre. Constatamos que a programação a que assistem é a
da TV aberta, o que significa o acesso a poucos canais que, em sua maioria,
contam com programas ligados a algumas religiões, e muitas vezes
programações apelativas ou pouco instrucionais, como é o caso da maioria das
novelas, programas humorísticos, com plateias etc.
Outro fator que merece destaque foi o fato de 46,2% dos sujeitos de
nossa pesquisa afirmar que leem em suas horas vagas, o que não acontece na
pesquisa nacional em que somente 28% fazem essa afirmação. E o fato de
alegarem que leem em seu tempo livre confirmam um outro dado sobre a
relação que possuem com a leitura. Ao serem questionados sobre porque
leem, 92,3% garante que leem por prazer, enquanto 3,8% afirmam que leem
por obrigação e 3,8% responderam que não sabem. Tais dados nos levam a
observar que os sujeitos que participaram de nossa pesquisa são sujeitos
leitores, que possuem diversidade em suas práticas de letramento.
4.1.1 O que é leitura pra você?41
“Tudo para saber precisa ler e responder” (Resposta dada por um dos sujeitos da pesquisa).
Essa questão foi feita para os alunos em dois momentos, o primeiro foi
no questionário antes do início do projeto, e após o seu término ela foi
novamente proposta. Aqui traremos algumas das principais respostas, a fim de
responder à primeira parte da pergunta de nossa pesquisa. Como nem todos
41
Pergunta retirada do questionário aplicado na pesquisa.
97
os alunos responderam ao questionário, e também nem todos responderam
novamente a questão, buscaremos analisar as que mais nos chamaram a
atenção, e faremos uma comparação entre as respostas dadas nos dois
momentos da pesquisa.
Antes do projeto de leitura:
Aluno 1: “Leitura é um estudo de letras de palavras um estudo de
português”;
Al. 2: “Leitura pra mim é como fazer uma tarefa de casa de
matemática (...)”;
Al. 3: “Um meio de sabedoria através da escrita”;
Al. 4: “Leitura é você viajar pela imaginação, é uma interpretação do
texto, etc.”;
Al. 5: “É tudo é saber ler e escrever”;
Al. 6: “(...) é bom para estudar”;
Al. 7: “Leitura pra mim é uma arte de conhecimento”
Al. 8: “Uma diversão”.
Como dissemos no primeiro capítulo, Rojo (2004) afirma que se
fizéssemos essa pergunta a nossos alunos teríamos um retrato do trabalho
com a leitura nas escolas, o que seria próximo a um trabalho voltado para a
vertente cognitiva42 da leitura, partindo das letras, para as sílabas e palavras,
ou um desvendamento do texto, uma busca através do que está escrito pelo
que o autor quis dizer, o que refletiria num trabalho pouco ativo por parte do
aluno, que acabaria em infindos exercícios de interpretação de texto, de cópia
de informações, ou seja, exercícios que visam desenvolver somente poucas e
as mais superficiais capacidades aliadas ao ato de ler.
Podemos observar que no dizer de alguns alunos encontramos quase
uma paráfrase da visão defendida pelo modelo ascendente (botton-up), é o
caso da resposta dada pelo aluno 1, que afirma que ler é um estudo de letras
de palavras, um estudo de português. Encontramos, também, resquícios da
42
Referimo-nos às vertentes cognitivas de leitura, descritas no capítulo primeiro.
98
visão cognitiva e discursiva quando aliam a leitura, principalmente, aquilo que
está escrito, e também a exercícios de interpretação como é o caso dos alunos
2, 3, 4, e 5; quando alegam que ler é como resolver um exercício de
matemática ou uma atividade de interpretação, é uma sabedoria adquirida
através da escrita etc. Não que essas não sejam etapas ligadas à leitura que
devem ser ensinadas e trabalhadas em sala, mas o problema encontra-se
quando o percurso não é continuado e encerra-se nessa etapa, quando
somente as mais simples capacidades de leitura são levadas em consideração,
fazendo com que trabalho de leitura seja superficial.
Observando as respostas dadas pelos alunos 6, 7 e 8 percebemos
também que a leitura é vista como fonte de conhecimento, que acrescenta
algo, e que também pode ser fonte de diversão, o que caracteriza uma
importante visão acerca da leitura, pois aponta para o ato de que os alunos
percebem-na também como um lazer e não somente como uma obrigação.
Vale lembrar que essas respostas foram dadas na primeira vez que
fizemos a pergunta, no início do nosso contato. Podemos afirmar que algumas
delas sofreram certas mudanças, como observado em seguida:
Após o término do projeto de leitura:
Aluno 1: “Leitura é ler o que você escreveu, se você não sabe ler
você não sabe escrever, é saber ler a própria história”;
Al. 2: “(...) ensina coisas que não sabemos, etc.”;
Al. 3: “Um meio de comunicação, sabedoria, diversão e etc.”;
Al. 4: “Leitura é saber se informar com o que tem nas palavras, é
viajar por um mundo imaginário”;
Al. 5: “Tudo pra saber precisa ler e responder”;
Al. 6: “Ler é bom! É legal! Eu gosto! Você aprende!”;
Al. 7: “É uma forma de você aprender a viver, se expressar,
conhecer um pouco mais do mundo e se divertir”;
Al. 8: “Leitura pra mim é uma forma de se divertir e de se informar”.
O que, primeiramente, nos chama atenção é a diferença encontrada na
resposta do aluno 1, que traduz seu olhar sobre a leitura como saber ler a
99
própria história, é claro que não sabemos se ele está se referindo à história que
escreveu, isto é a sua produção escrita43, mas este olhar sobre a leitura
também pode ser expandido, pois além do que ele escreveu, ele também pode
ler a sua própria história, a história que ele reescreve todos os dias, sua vida,
buscando assim um entrelace entre a leitura da palavra e a leitura que se pode
fazer do mundo, para que os conhecimentos se completem e possam
verdadeiramente influenciar a vida, no dizer de Freire (1981, p. 16): “Na medida
(...) em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e
o entendia na “leitura” que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo”.
Percebemos que algumas respostas sofrem uma espécie de
complementação como é o caso dos outros alunos, que continuam a olhar a
leitura pelo mesmo viés, porém que enxergam outras possibilidades no ato de
ler, como o aluno 3, por exemplo, que inicialmente via a leitura como fonte de
sabedoria com base na escrita, mas que completa sua resposta à enxergando
como também uma forma de se comunicar, de se divertir, assim também
acontecem com o aluno 8, que primeiramente vê a leitura como uma fonte para
se divertir, mas, na segunda resposta, completa dizendo que a leitura também
pode ser utilizada para se informar.
A resposta do aluno 5 nos chama a atenção, que, desde sua primeira
versão, repara na grande importância que tem, no mundo atual, os atos de se
saber ler e escrever, por isso que ele diz que esses atos são tudo, isto é, que
todas as outras coisas, todos as outras atividades que realizamos recebem
influência da leitura e da escrita. O que ele está nos dizendo, talvez sem
perceber, é que ele dá valor a essas práticas, é que ele sabe que precisa
aprender a ler e a escrever, mas o melhor acontece quando ele nos fornece
sua segunda resposta, em que continua afirmando que para saber das coisas
precisamos ler, porém acrescenta que necessitamos também responder.
De acordo com Bakhtin (2010 [1959-1961]): “Para a palavra (e
consequentemente para o homem) não existe nada mais terrível do que a
irresponsividade” (p. 333), e considerando que todos os seres humanos
possuem a capacidade de responder ao mundo que os cerca através da
linguagem, convém ressaltar que, de fato, terrível é, não só um trabalho com a
43
Referimo-nos a escrita do miniconto proposta no projeto de leitura.
100
leitura feito de forma passiva por parte dos alunos, mas também um existir sem
buscar desenvolver-se como ser respondente, sem reagir, refutar, replicar.
Portanto, essa potencialidade de compreender é o que fundamenta nossa
concepção de leitura na perspectiva dialógica, uma vez que acreditamos que a
compreensão encontra-se na resposta, isto é, como afirma Bakhtin/Volochinov
(1929, 137), quando oferecemos uma contrapalavra.
101
Capítulo 5
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA COM O GÊNERO
HQ
A atitude humana é um texto em potencial e pode ser compreendida (como atitude humana e não ação física) unicamente no contexto dialógico da própria época (como réplica, como posição semântica, como sistema de motivos).
Bakhtin (1970-71)
Neste capítulo, objetivamos analisar os efeitos do projeto de leitura que
desenvolvemos com o gênero HQ. Para tanto, apresentaremos o planejamento
do projeto seguido de alguns episódios44 da sala de aula que retratam as
interações entre os alunos e destes com a professora, com o objetivo de
responder a nossa segunda questão de pesquisa:
2. Quais capacidades de leitura puderam ser desenvolvidas no projeto,
e de que forma as interações entre os alunos interferiram nesse
processo de ensino-aprendizagem?
5.1. O projeto e seus resultados
Como pudemos observar no capítulo metodológico, inicialmente
aplicamos um questionário, a partir do qual pensamos o planejamento do
projeto de leitura. De acordo com as respostas dadas ao inquérito, observamos
que as histórias em quadrinhos foram apontadas como gênero que os alunos
mais liam ou mais gostavam de ler, conforme os gráficos 6 e 9, expostos no
capítulo anterior.
Portanto, buscamos partir de um gênero com que os alunos já estavam
familiarizados e por isso, escolhemos o gênero Histórias em Quadrinhos para
trabalharmos em sala. As aulas compreenderam um período de cerca de três
semanas, contabilizando doze aulas de 50 minutos.
Neste trabalho, defendemos que a leitura é um processo que deve ser
ensinado na escola, e acreditamos que, para o desenvolvimento da leitura no
44
Escolhemos para compor este capítulo episódios que melhor ilustram o foco da pesquisa,
que é o ensino-aprendizado de leitura.
102
sentido que preconizam os PCN, faz-se necessário o desenvolvimento de
diversas capacidades, como já exposto no segundo capítulo deste trabalho.
5.1.1. Capacidades de leitura e de linguagem desenvolvidas no projeto
Dolz e Schneuwly (2004 ) defendem que quaisquer ações de linguagem
implicam diversas capacidades por parte do sujeito, as quais os autores
denominam: capacidades de linguagem, que se dividem em capacidades de
ação (adaptação às características do contexto de produção e do interlocutor,
da onde e para quem se fala); capacidades discursivas (mobilização de
modelos discursivos, escolha do gênero); e capacidades linguístico-discursivas
(ligadas a aspectos e escolhas linguísticas).
Como vimos nos capítulos teóricos, os autores pensam no trabalho com
as capacidades de linguagem voltado para a produção de textos, porém
pensamos, com Paes de Barros (2005, 2008), na utilização dessas
capacidades voltada para o processo de ensino-aprendizado de leitura.
Durante todo o processo no qual aconteceu o projeto – aplicação do
questionário, planejamento, atividades em sala – buscou-se levar em
consideração também as capacidades descritas por Rojo (2004) e, após a
seleção do gênero HQ, também as capacidades de leitura de gêneros
multimodais cunhadas por Paes de Barros (2005).
Deste modo, traremos as capacidades de leitura e de linguagem
mobilizadas em nosso projeto de acordo com as atividades desenvolvidas em
sala.
103
Quadro 1: História das HQs e curiosidades sobre Maurício de Sousa e a Turma
da Mônica
28/05 Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
2 aulas
História das HQs (contexto de produção do gênero HQ); Maurício de Sousa e a Turma da Mônica.
Levantar e verificar hipóteses, observar diferentes linguagens utilizadas em uma HQ; Conhecer o contexto no qual surgiram as histórias em quadrinhos, e o percurso que o gênero percorreu até os dias atuais; Descobrir aspectos ligados à vida do autor Maurício de Sousa.
Leitura em dupla de uma HQ e resolução do questionário oral; Discussão sobre a origem das HQs, e sobre a vida de Maurício de Sousa e anotações de seus aspectos mais importantes.
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação; Capacidades de leitura para gêneros multimodais. Capacidades de ação referentes à situação de produção e circulação dos gêneros
No início do projeto, nas primeiras aulas, foi explicado aos alunos no que
consistiria o trabalho, quais eram os principais objetivos do projeto de leitura,
como funcionariam as atividades e quais seriam os conteúdos trabalhados,
deste modo eles tomaram conhecimento sobre qual seria a sua participação na
pesquisa, com isso a definição de finalidades e metas da atividade de leitura
(ROJO, 2004) foram expostas de maneira geral no início do projeto e
retomadas a cada atividade de leitura.
Ao procuramos saber o que eles já conheciam sobre o gênero, quais
seus personagens preferidos, quais suas hipóteses sobre o seu surgimento e
sobre seus principais autores; trabalhamos com a busca pelo conhecimento
prévio dos alunos, isto é, o que eles já sabiam sobre o gênero e também com
104
as capacidades de ação (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004) referentes à situação
de produção e circulação do gênero HQ.
As capacidades de decodificação (ROJO, 2004), por serem capacidades
ligadas especificamente ao processo de alfabetização (compreender diferenças
entre escrita e outras formas gráficas, dominar as convenções gráficas,
conhecer o alfabeto, compreender a natureza alfabética do sistema de escrita,
dominar as relações entre grafemas e fonemas, saber decodificar e saber ler
as palavras e textos escritos) foram trabalhadas nas leituras silenciosas e
coletivas tanto das HQs como dos minicontos (quadros seguintes).
Antes de se iniciar qualquer discussão ou novo conteúdo, como nessas
primeiras aulas em que discutimos sobre as histórias em quadrinhos, sobre o
autor Maurício de Sousa, acontecia o trabalho com a ativação de conhecimento
de mundo. Os alunos eram questionados com o objetivo de retomar o que eles
já conheciam sobre o assunto ou os conteúdos que seriam abordados. Vale
ressaltar que essa retomada também aconteceu, em alguns momentos, sem a
intervenção direta da professora, pois em cada ato de leitura, os alunos
naturalmente se valem de seus conhecimentos adquiridos.
Sendo assim, os exercícios realizados buscaram levar em consideração
o que os alunos já sabiam, o que eles já dominavam, pois segundo Vygotsky
(1930), é necessário conhecer o nível de desenvolvimento no qual se
encontravam os alunos, para assim levá-los em direção a outros níveis, que
foram sendo alcançados com auxílio da interação com os outros, seus colegas
e também com a professora.
Todas as atividades feitas com o gênero HQ levaram em consideração o
desenvolvimento das capacidades de leitura para gêneros multimodais (PAES
DE BARROS, 2005), em que a seleção e verificação das informações verbais,
juntamente com a organização das informações da sintaxe visual, foram
trabalhadas de modo que a integração das informações verbais e não verbais
contribuíssem para a percepção do todo unificado de sentido que se compõe
através da integração dos materiais verbais e não verbais. Essas capacidades
eram abordadas no decorrer das leituras, quando era chamada a atenção dos
alunos para a produção de sentidos decorrente não só das palavras presentes
nos textos, mas principalmente pela junção destas com as imagens, de modo
que lhes fosse possível desvelar o todo do enunciado.
105
Quadro 2: Diferentes linguagens e caracterização do gênero HQ.
31/5 01/06
Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
3 aulas
Caracterização das HQs (forma composicional – estilo- conteúdo temático); Diferentes linguagens presentes nas HQs.
Observar a forma composicional do gênero e as diferenças de estilo em diferentes produtores (Maurício de Sousa Produções, Disney etc.); Analisar as HQs e sua linguagem verbo-visual e trabalhar a questão do conteúdo temático e do tema com a leitura de uma HQ;
Leitura de uma HQ; Leitura, aos pares, de diversos gibis, e discussão acerca de questões referentes à forma composicional do gênero; Leitura de diversos gibis e discussão sobre aspectos ligados à forma composicional do gênero e ao estilo, comparando diferentes produtores.
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação e capacidades de leitura para gêneros multimodais; Capacidades discursivas: referentes à estrutura global do texto, à observação da forma composicional do gênero; Capacidades linguístico-discursivas: referentes às escolhas discursivas, ao estilo do gênero.
Nessas aulas, a primeira atividade foi escolher um gibi entre os que
estavam disponíveis, gibis da Maurício de Sousa Produções como Turma da
Mônica, Turma da Mônica jovem e também de alguns personagens da Walt
Disney, como o Zé Carioca e o Mickey. Cada dupla escolheu o seu gibi e teve
alguns minutos para folheá-los e ler algumas histórias. Depois, a professora fez
perguntas relacionadas à forma composicional do gênero. Os alunos deveriam
ilustrar com exemplos presentes em seus gibis à medida que respondiam às
questões.
Nas atividades em sala, durante os questionamentos orais, os alunos
eram chamados a localizar informações no texto para ajudá-los no processo de
compreensão, tornando possível a comparação de informações e a
106
generalização (ROJO, 2004), principalmente no trabalho com o
reconhecimento dos aspectos ligados às particularidades do gênero, por
exemplo, quando a professora pedia que localizasse nos gibis o início de uma
história para que comparassem as diversas informações e chegassem a uma
conclusão comum sobre o aspecto estrutural do gênero. Ao explicar essas
capacidades Rojo (2004) recomenda que a cópia ou localização de informação
deva ser trabalhada somente em conjunto com outras capacidades, pois só
assim ela contribuirá para o ensino-aprendizagem.
As produções de inferências locais e globais (ROJO, 2004) aconteceram
também durante os diversos exercícios de leitura, por exemplo, quando um
aluno contribuía para a leitura da HQ com alguma inferência sobre determinada
expressão de um personagem em alguma parte do texto (local), ou quando
inferiam de forma geral sobre a história (global).
E no trabalho com o reconhecimento das características do gênero HQ,
forma composicional, estilo e conteúdo temático, foi possibilitado o
desenvolvimento das capacidades discursivas referentes à estrutura global do
texto e também das capacidades linguístico-discursivas (DOLZ e
SCHNEUWLY, 2004) referentes às escolhas linguísticas, ao estilo do gênero.
Quadro 3: Comparando as HQs e os minicontos
04/06 Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
2 aulas
Comparando os gêneros: HQ e conto.
Comparar as diferenças existentes entre os dois gêneros, com base em dois exemplares trabalhados em sala.
Leitura de um miniconto e de uma HQ, e resolução de exercícios orais.
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação e capacidades de leitura para gêneros multimodais; Capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas.
O questionário respondido pelos alunos possuía uma questão em que
era necessário escrever uma história, algo que tivesse vivido ou lido, ou ainda
107
algum filme que tivesse visto. O objetivo dessa questão era conhecer a escrita
das crianças e fazer uma sondagem sobre o nível de desenvolvimento real no
qual se encontravam, isto é, o que sabiam fazer sozinhas, sem auxílio de
colegas ou do professor, porque assim, como ressalva Vygotsky (1930),
partiríamos das dificuldades e potencialidades de aprendizado apresentadas
pelos alunos, fazendo com que o ensino-aprendizado fosse mais próximo às
necessidades e realidade dos sujeitos da pesquisa.
Aqui retomamos as capacidades de comparação de informações e
generalização (ROJO, 2004), na medida em que trabalhamos com os dois
gêneros e aspectos ligados à situação de produção e circulação (capacidades
de ação), à observação de suas formas composicionais (capacidades
discursivas) e ao trabalho com os estilos (capacidades linguístico-discursivas).
Ao trabalharmos com duas versões da história sobre o Cachinhos
Dourados e os ursos (conto e HQ), foi objetivado o trabalho com a percepção
de relações de intertextualidade, pois trabalhamos a leitura relacionando os
textos, isto é, discutimos como diferentes gêneros podem ressignificar uma
mesma temática.
108
Quadro 4: Caracterizando os minicontos
11/06 Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
2 aulas
Características do miniconto; Discurso direto e discurso indireto (Diferenças entre os balões e o parágrafo e travessão).
Conhecer aspectos ligados ao contexto histórico no qual surgiram os minicontos; Diferenciar as características dos dois gêneros estudados; Produzir coletivamente um miniconto a partir de uma HQ; Perceber aspectos gramaticais usados nos diferentes gêneros e seus objetivos.
Aula expositiva sobre o contexto no qual surgiram os minicontos; Leitura de um miniconto feito a partir de uma HQ, e resolução de exercícios; Produção coletiva de um miniconto com base em HQ trabalhada em sala, observando características próprias de cada gênero.
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação; capacidades de leitura para gêneros multimodais; Capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas.
Após abordar o contexto em que surgiram os minicontos e falar sobre a
tradição oral que antecedeu a cultura escrita, os alunos foram levados até a
sala de informática45 para resolver as atividades de leitura de dois outros
minicontos que seriam projetados no aparelho data-show. Os dois minicontos
foram escritos pela professora, “O presente” foi baseado na primeira história
em quadrinho lida, e “Os quatro porquinhos” em uma nova HQ, ainda
desconhecida pela turma:
45
As aulas que contavam com a projeção do data-show aconteciam na sala de informática,
porque a sala de aula não possuía estrutura para o uso do aparelho.
109
O presente
Certo dia, Mônica caminhava pelo parque distraída, estava carregando um presente e nem percebeu que estava sendo observada por seus dois amigos, Cebolinha e Cascão. Os dois estavam escondidos atrás de um arbusto. Cebolinha teve uma ideia e a cochichou no ouvido de Cascão:
- Acabei de bolar um plano infalível, vamos colocar um lato dentro do pacote de presente e na hora que a Mônica entregá-lo para a Magali as duas vão morrer de susto.
E foi isso que os meninos fizeram, colocaram um rato dentro da caixa de presente. Depois ficaram só esperando o grito das meninas.
Mônica, sem perceber nada, foi ao encontro de sua amiga Magali e disse: - Magali! Trouxe o seu presente de aniversário! Recebendo o presente, Magali respondeu: - Obrigada Mônica! Estou louquinha para saber o que é! Cascão e Cebolinha esperavam ansiosos pelo susto das garotas, enquanto
Magali abrindo o presente disse: - Um lindo gatinho!! Grande foi a surpresa dos dois garotos ao perceberem que, mais uma vez, o
plano infalível havia ido por água abaixo.
Fim
Os quatro porquinhos
De repente, apareceram correndo três porquinhos, eles estavam fugindo de um lobo furioso que vinha logo atrás. Logo, uma porta se abriu, e dela saiu o porquinho Chovinista, convidando seus amigos para entrar, e assim que eles entraram a porta se fechou, deixando o lobo raivoso para fora.
Não demorou muito para ele começar a praguejar e ameaçar os porquinhos dizendo:
-- Vocês vão ver... Vou pegá-los, é só eu começar a soprar que essa casa virá ao chão, e não adiantará correr, é melhor se entregarem...
Porém, os porquinhos não se renderam e responderam sem medo: -- ÓINC! Isso deixou o lobo mais chateado, e ele foi enchendo sua barriga com ar,
pronto para soltar um forte sopro: --- AAA... FUUU! E do lado de dentro, enquanto os três porquinhos estavam segurando a porta,
Chovinista, o porquinho de estimação do Cascão, estava levando a maior bronca: -- Chovinista! Quantas vezes eu já disse que aqui não é abrigo de porquinhos?! Fim
O objetivo da atividade era chamar a atenção dos alunos para a
possibilidade de transformar uma HQ em um miniconto. Após a leitura do
miniconto, foi feita a comparação das duas versões da história, e com auxílio
do aparelho data-show, foram colocados lado a lado trechos de ambos os
gêneros, levando os alunos a observar como se deu o processo de escrita.
110
Em seguida, os alunos retornaram para a sala de aula e foi retomada
uma HQ trabalhada na aula anterior, sobre a lição dada pela Turma ao cortador
de árvores, com o intuito de coletivamente produzirem, a partir da história em
quadrinhos, um miniconto. À medida que os alunos iam discutindo e dando as
ideias, a professora escrevia no quadro o miniconto, ao mesmo tempo em que
inferia sobre aspectos ligados à construção do texto: pontuação, parágrafo,
travessão, tempo verbal etc. Desta forma, os alunos produziam o texto ao
mesmo tempo em que refletiam sobre a escrita.
A antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos
juntamente com a checagem de hipóteses foram trabalhadas em atividades
objetivas, quando a leitura era feita primeiro do título ou da primeira tira da
história para se levantar hipóteses e depois comprová-las ou não com a
continuação da leitura. Essas capacidades também acompanham cada aluno
no ato de ler, uma vez que ao ler qualquer tipo de texto automaticamente
segue-se levantando hipóteses e busca-se confirmá-las ou não.
Nesse momento, foram retomadas diversas capacidades já trabalhadas
nas atividades com as HQs e utilizadas no trabalho com o conhecimento do
gênero miniconto e na produção coletiva. De modo que todo o projeto de leitura
caracterizou-se por uma continuação e revisitação a essas capacidades.
Quadro 5: Produção em dupla
14/06 Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
1 aula
Percepção de problemas estruturais em trechos produzidos por eles; Escrevendo um miniconto em dupla. (Diferenças entre os balões e o parágrafo e travessão).
Perceber problemas estruturais e propor soluções em trechos retirados dos questionários respondidos pelos alunos; Produzir, em dupla, um miniconto a partir de uma HQ.
Leitura de trechos retirados do questionário aplicado nas primeiras visitas na escola; Percepção de problemas estruturais e apontamentos de possíveis soluções; Produção de um miniconto (em dupla).
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação e capacidades de leitura para gêneros multimodais; Capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas
111
A aula foi iniciada com a escrita no quadro de dois trechos retirados de
textos produzidos pelos próprios alunos nos questionários aplicados no início
do projeto. Os trechos foram selecionados com o intuito de levar os alunos a
refletirem sobre a diferença entre o discurso direto, o discurso indireto e
aspectos estruturais ligados à escrita.
Nesse momento os alunos foram convidados a reescrever os textos
expostos no quadro:
Trecho 1: “A mãe fala para filha, isso foi só um sonho”
Trecho 2: “Em uma floresta morava um urso, que vivia em uma garagem, e em
um dia um veado encontrou um urso e começou a conversar com o urso. Mas
teve um dia que o veado colocou o urso em uma roubada que o urso quase
morreu”.
Convém ressaltar a importância de um trabalho com questões
gramaticais pautado em enunciados concretos, isto é, exemplos de verdade,
não fictícios, retirados da prática de leitura e escrita dos alunos, pois o seu
contado com trechos de textos que eles mesmos escreveram tornou o ensino-
aprendizado produtivo. Pôde-se observar os alunos, em conjunto, procurando
sanar as próprias dificuldades.
Novamente retomamos o desenvolvimento das diferentes capacidades
já trabalhadas em sala, capacidades de decodificação, compreensão,
apreciação, capacidades de leitura para gêneros multimodais e capacidades de
ação, discursivas e linguístico-discursivas, uma vez que no momento em que
os alunos estavam produzindo seus minicontos em dupla foi necessário que se
valessem dos conhecimentos adquiridos.
112
Quadro 6: Produção individual
15/06 Conteúdo Objetivos Atividades Capacidades mobilizadas
2 aulas
Produção individual de um miniconto
Ler uma HQ, e com auxílio de exercícios revisar conteúdos estudados no decorrer do projeto; Produzir, individualmente, um miniconto a partir de uma HQ.
Leitura de uma HQ e resolução de atividades; Produção individual de um miniconto.
Capacidades de decodificação, compreensão, apreciação e capacidades de leitura para gêneros multimodais; Capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas.
Nestas últimas aulas, foi feita a leitura de mais uma HQ com o objetivo
de fazer uma revisão geral dos conteúdos e capacidades trabalhadas em todo
o percurso percorrido, e a mesma HQ foi utilizada como base para a escrita
individual do miniconto. É interessante percebermos que tanto nas produções
coletivas, em duplas e individuais foram retomadas as capacidades de leitura e
de linguagem.
Durante as aulas os alunos eram convidados a elaborar suas
apreciações estéticas e/ou afetivas em todos os momentos do projeto, vale
notar que a escolha do gênero a ser trabalhado foi feita com base nas
apreciações feitas por eles ainda ao responderem os questionários.
Tratando-se da elaboração de apreciações relativas a valores éticos
e/ou políticos e também a percepção de relações de interdiscursividade,
percebemos que neste trabalho com o gênero HQ, estas foram trabalhadas nas
atividades em que discutíamos os conteúdos que poderiam ser abordados no
gênero (episódio 6), porém acreditamos que essas capacidades podem ser
mais profundamente abordadas, dependendo da escolha das histórias em
quadrinhos.
113
5.2. O ensino-aprendizado de leitura mediado pelos gêneros do discurso
Quando defendemos que a leitura deve ser ensinada numa perspectiva
dialógica, convém compreendermos a linguagem como fruto da interação, que
se manifesta por meio de enunciados concretos, e possui formas relativamente
estáveis presentes nos diversos campos de atividades. E quando se assume a
possibilidade dessa perspectiva ser trabalhada em sala de aula, faz-se
necessário tomar como objeto de ensino os gêneros do discurso.
Porém, antes de iniciarmos o trabalho com aspectos do gênero HQ,
buscamos investigar o que os alunos já sabiam, o tipo de história que
costumavam ler e quais personagens conheciam. O fato de os alunos terem
um conhecimento prévio das HQs, principalmente por terem grande contato
com o gênero, facilitou e motivou a sua participação nas aulas.
Desde a primeira aula, percebemos que partiríamos em busca de algo já
conhecido pelos alunos, isto é, eles, de certa forma, já dominavam o gênero
que seria trabalhado no projeto. O que nos restava, então, era aprofundar os
conhecimentos que eles possuíam, como por exemplo, ao trazer para a aula a
história do gênero HQ, o contexto no qual surgiu e a contextualização da vida
de Maurício de Sousa, além de aproveitar seus conhecimentos prévios para
tornar a leitura do gênero mais reflexiva, chamando a atenção deles para a
forma que se dava a construção de sentidos. Afinal de contas, não seria
necessário o ensino dos aspectos ligados ao gênero, e sim aproveitar o
conhecimento já consolidados para trabalharmos a leitura, assim o gênero HQ
não era o conteúdo a ser ensinado e sim o propiciador do ensino, isto é, um
instrumento de ensino-aprendizado de leitura.
Dessa maneira, desde os primeiros contatos observamos que muito
pode ser construído a partir dos conhecimentos que os alunos já possuem,
uma vez que partir de algo conhecido torna o aprendizado mais eficaz e
coletivo. Além de perceber que o aluno pode e deve participar desse processo
interagindo com seus pares, seus colegas e professor.
Depois de feita a contextualização, partimos para a investigação de
aspectos ligados à constituição das HQs, com o intuito de demonstrar que as
características do gênero, forma composicional, conteúdo temático e estilo,
poderiam proporcionar o desenvolvimento de diversas capacidades de leitura.
114
Episódio 146
31/05/2012
Durante as aulas, os alunos estavam divididos em duplas e tinham que
escolher um gibi entre os diversos que estavam disponíveis, eles tiveram
alguns minutos para folheá-los e ler algumas histórias. As repostas dadas às
questões feitas pela professora deveriam ser exemplificadas com as histórias
presentes em seus gibis.
P – Como as histórias em quadrinhos são organizadas? Al. 1: - Em quadros! Ouvem-se risos. P. – Muito bem, podemos dizer que é isso mesmo, elas são organizadas em quadrinhos, mas como elas começam? Ouvem-se várias respostas inaudíveis. P. – Gente, olha só, o Roberto falou que começa pela capa, mas prestem atenção – segurando um gibi – Eu não estou falando do gibi. Dentro do gibi tem várias histórias. P. – Peguem aí o início de uma história, por favor. Todo mundo, pegue um início de qualquer história... Todos pegaram? Geralmente como que uma história começa? Rodrigo47 – Pelo título!
P. – Muito bem, pelo título! É o que aparece em cima grandão né? Márcio [dupla do Rodrigo] conseguiu achar o título da história aí? Lê pra mim então, o título da sua. Rodrigo – Zé Carioca um vampiro incomoda muita gente. P. – Ah, muito bem, mas agora deixa eu perguntar pra todo mundo. Olha só, eu perguntei para o Rodrigo qual era o título de sua história, aí ele leu bem assim: Zé Carioca, um vampiro incomoda muita gente. [Lucas levanta a mão e pede para ler seu título também]. Pode ler Lucas! Lucas – Mingau em: Não atrapalha meu encontro ow. P: Olha só, Lucas leu: Mingau em: Não atrapalha meu encontro ow. Mas será que Mingau e Zé Carioca fazem parte do título também? Marcelo: - Faz! Lucas: - Não, não faz. É, é porque eles estão explicando que é um personagem em uma história...
A primeira questão feita pela professora desperta certo humor na turma,
principalmente porque é uma das mais visíveis características da forma
composicional do gênero. Percebemos que por mais que o gênero fosse
46
Convém lembrar que este episódio não caracteriza o primeiro contato com os alunos, uma
vez que os episódios foram dispostos de acordo com os tópicos do capítulo e não em ordem
cronológica.
47 Lembramos que os nomes dos alunos que aparecerem na dissertação são fictícios.
115
conhecido, ainda assim seu suporte - a revista em quadrinhos/ gibi – foi
confundido com o gênero HQ, porém, ao chamar a atenção dos alunos para
voltarem o olhar para cada história, isto é, para cada exemplar do gênero, a
professora visou alcançar o objetivo da atividade, que era chamar a atenção
dos alunos para as características incidentes nas diferentes histórias em
quadrinhos trazidas pelos gibis, para que em conjunto pudessem refletir sobre
as peculiaridades deste tipo de enunciado.
Da mesma forma foi conduzido o restante das atividades sobre a
estrutura do gênero, como a história começava e terminava e quais eram os
marcadores usados para isso, os títulos e nomes dos personagens e o
substantivo fim ou continuação.
O fato de os alunos terem em mãos uma gama de exemplos de HQs
facilitou muito o reconhecimento e estudo sobre o gênero, uma vez que mesmo
se não respondessem imediatamente a questão feita pela professora, eram
convidados a verificar a resposta do colega nas suas histórias. Um exemplo
disso é o que aconteceu neste episódio, quando o aluno Lucas, após ouvir a
resposta de seu colega pede à professora para também ler o seu título para
demonstrar que acontece o mesmo em seu exemplo. Outro aspecto importante
é a sua intervenção na resposta de seu outro amigo, o Marcelo, que respondeu
afirmativamente a questão feita pela professora sobre o título e os personagens
que participam da história, e discordando dele, explica o seu ponto de vista.
Esse fato chama a atenção porque se observa que o aluno toma a palavra e
expõe a sua opinião, depois explica para seu colega porque não concorda com
ele, tudo isso sem a intervenção direta da professora:
P: Olha só, Lucas leu: Mingau em: Não atrapalha meu encontro ow. Mas será que Mingau e Zé Carioca fazem parte do título também? Marcelo: - Faz! Lucas: - Não, não faz. É, é porque eles estão explicando que é um personagem em uma história...
Como se pode observar, a interação não ocorreu somente dos alunos
com a professora, mas também entre eles, pois participavam ativamente do
processo de ensino-aprendizagem, discutiam e cooperavam, tinham opiniões
diferentes, às vezes se encontravam em níveis distintos de desenvolvimento e
assumem ora o papel de pares mais avançados, ora de pares menos
116
avançados, construindo em conjunto suas respostas. O que Vygotsky (1930,
p.103) explica ao afirmar que “o aprendizado desperta vários processos
internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a
criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com
seus companheiros” [grifos nossos].
Ressaltamos novamente a importância de se trabalhar com uma grande
variedade de exemplares do gênero, de se ter um banco de textos, como
sugere Paes de Barros (2008) o que contribui para o desenvolvimento das
capacidades de ação e discursivas (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004), pois assim,
numa atividade pautada na comparação e no diálogo torna-se mais frutífero o
ensino-aprendizado, uma vez que, pela observação das regularidades e
diferenças na forma composicional e no estilo do gênero, promove-se um
aprendizado a partir da reflexão desses fatos para a compreensão do tema dos
textos, como acontece neste episódio, em que o aluno Roberto e sua dupla
encontram respostas distintas das de seus colegas e em conjunto constroem
seus conhecimentos pautados em exemplos concretos.
Episódio 2 31/05/2012
Ao buscar trabalhar com as diferentes formas e significados que podem
assumir os balões nas HQs, foram também discutidos aspectos ligados à
construção dos significados proporcionados pelas imagens das histórias.
P. – Gente, tem diferença quando o personagem tá falando, tá pensando, ou sonhando? Vários alunos levantam a mão ou começam a falar ao mesmo tempo. P. – Pode falar você Lucas, ó vamos ouvir... Lucas: - [responde falando e gesticulando ao mesmo tempo] Quando tá sonhando é uma bolinha, outra bolinha, outra bolinha e uma imagem dentro de uma nuvem, quando tá pensando é uma bolinha, outra bolinha dentro de uma bolona, e quando tá falando tem uma tipo seta apontando pra fora da bolona. P. – Olha só, o Lucas falou que tem algumas diferenças. Vamos ver então, eu gostaria que vocês encontrassem exemplos dentro das histórias, exemplos de personagens falando, pensando ou sonhando... (...) Vários alunos chamam a atenção da professora mostrando que encontraram os exemplos, levantando para mostrar as histórias, cada um encontra exemplos diferentes das citadas situações e levam para a professora ver se está correto.
117
Como mostra este episódio, buscamos fazer com que os alunos
comprovassem, com exemplos em suas histórias, as características que eles já
conheciam do gênero, então, os alunos foram convidados a investigar a
informação dada pelo aluno Lucas, e isso fez com que toda a turma folheasse
seus gibis em busca de exemplos, o que caracterizou também o trabalho com a
segunda capacidade de leitura de gêneros multimodais (PAES DE BARROS,
2005): a organização das informações da sintaxe visual que trata da
observação dos elementos pictográficos do texto e sua relação com a
construção da significação.
O que nos chamou a atenção foi o empenho de todos os alunos na
resolução da atividade e a necessidade de mostrarem para a professora o
achado. Era perceptível a sua satisfação ao ouvirem que estavam corretos, que
tinham encontrado o exemplo e lido da forma correta.
Episódio 3
31/05/12
No meio ainda da discussão sobre as diferentes formas dos balões nas
HQs, o aluno Tom levanta e vai até a professora para mostrar uma história
encontrada em seu gibi.
P: - Gente, olha só, o Tom achou uma história que não tem nada escrito. Será que dá pra ler uma história que não tem nada escrito? Aluno 5: - Sim! [respostas inaudíveis] P: - Sim ou não? Ouve-se vários alunos responderem que sim. P: - 6º ano, mas o que será que a gente lê numa história assim? Em meio a várias respostas ouve-se: Aluno 1: - A gente lê através do desenho. P: - Isso! E Rodrigo, o que foi que você disse que temos que fazer com as imagens mesmo? Rodrigo: - É, a gente interpreta o que eles estão falando... P: - Muito bem! A gente interpreta...Então a gente lê as...? Aluno 1: As palavras! P: - Só as palavras? Mas e nessa história que não tem palavras? Ouve-se os alunos dizendo: - As ilustrações, as expressões, os desenhos...
Dando continuidade ao exercício anterior, em que os alunos buscavam
ler aspectos multimodais do gênero, percebemos que o aluno Tom encontra
118
algo que lhe chama a atenção, uma história inteira sem nenhuma palavra
escrita, ao levá-la para a professora o aluno busca tornar conhecido por toda a
turma o que encontrou. Ao perguntar para os alunos se é possível ler esse tipo
de história, a professora visou evidenciar que se tratando do gênero HQ, a
leitura vai além das palavras escritas, algo já discutido na aula do dia anterior
(ver episódio 11), então, aproveita a contribuição do aluno Rodrigo para
consolidar seu argumento:
P: - (...) e Rodrigo, o que foi que você disse que temos que fazer com as imagens mesmo? Rodrigo: - É, a gente interpreta o que eles estão falando...
Porém, ao tentar fazer o fechamento da discussão, encontra ainda um
aluno que centra a leitura naquilo que está escrito, e ao fazer a pergunta
novamente recebe o apoio coletivo dos alunos que esclarecem que além das
palavras podem-se ler outros aspectos:
P: - Muito bem! A gente interpreta...Então a gente lê as...? Aluno 1: As palavras! P: - Só as palavras? Mas e nessa história que não tem palavras? Vários Als.: - As ilustrações, as expressões, os desenhos...
Em seguida, a professora deu continuidade à investigação de exemplos
referentes às peculiaridades do gênero, como as onomatopeias e sobre como o
gênero possui sinais que são usados para marcar as ações nas histórias, para
demonstrar que alguém está correndo ou fazendo outro tipo de movimento.
Nessas atividades, percebeu-se que por mais que as questões eram
voltadas para a forma composicional do gênero, foram trabalhados também
aspectos ligados ao seu estilo e ao seu conteúdo temático, uma vez que, como
afirma Bakhtin (1952/53) o tripé constitutivo – conteúdo temático, estilo e forma
composicional – estão indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado.
O trabalho com o estilo foi iniciado com uma conversa sobre o estilo que
os alunos possuíam, eles foram convidados a responder sobre o estilo deles,
como eles o expressam, depois de algumas respostas sobre o estilo de roupa
que gostavam de usar, músicas que gostavam de escutar, entendeu-se que
cada um possui um estilo diferente, mesmo sendo parecido com o de outras
119
pessoas, e que ele aparece nas roupas, corte de cabelo e também na forma de
falar, pois em determinadas situações fala-se certas coisas que em outras não
seriam ditas, como é o caso dos palavrões, que na escola entre amigos eles
são ditos, mas em casa, na frente dos pais ou dentro da igreja jamais são
pronunciados.
Episódio 4 01/06/2012
P. – O jeito que vocês falam entre si e com seus pais é diferente não é? Als. – Sim! Al. 1 – Tem coisa que a gente não fala pra mãe e pro pai, tipo palavrão... P. – É palavrão é um bom exemplo, porque além de que não se fala perto de pai, mãe, professor... Também existem lugares que não dá pra dizer... Al. 2 – Na igreja ninguém tem coragem de falar. P. – Ah, então vocês sabem que os palavrões não são uma coisa muito boa de falar e muito menos de escutar... Quando vocês falam, é porque escolhem falar né?
Com base nessa discussão, chegou-se à conclusão que o estilo é uma
escolha, porque se escolhe o que vestir, o corte de cabelo e também a forma
que se fala, de acordo com o lugar, as pessoas que vão ouvir e o que se
pretende dizer. E ao se tratar do uso de palavrões e ofensas é necessário
refletir sobre as escolhas feitas, sendo que a própria escolha de uma
determinada forma gramatical pelo falante é um ato estilístico (BAKHTIN, 1952-
53, p. 269).
Percebeu-se também que o estilo pode aparecer em determinados tipos
de texto, um exemplo citado por eles foi o poema, e ao observarem as HQs
perceberam que também se trata de um tipo de texto em que o autor pode
mostrar seu estilo, isso ficou bem claro ao se comparar distintas HQs de
diferentes produtores (MS produções e Walt Disney), nessa atividade, as
crianças puderam observar concretamente os diferentes estilos dos produtores,
como os tipos de personagens e seus traços, as cores predominantes etc.
Em seguida, iniciou-se uma discussão sobre a relação do público leitor
na construção das HQs:
120
Episódio 5 01/06/12
P. – Geralmente, quem são as pessoas que leem histórias em quadrinhos? Al. 1 – Todo mundo lê! Minha mãe lê... minha tia tem até coleção da turma da Mônica... Al. 2 – Qualquer um lê, quem gosta... (...) P. – Então todos leem turma da Mônica? Qualquer idade? Al. 3 – Mais as crianças... P. – E a Turma da Mônica jovem? Al. 3 – Mais os adolescentes, porque eles estão adolescentes! P. – Nós vimos que a Turma da Mônica jovem é recente, não faz muito tempo que o Maurício de Sousa lançou, porque será que ele resolveu escrever histórias com a Turma adolescente? Al. 4 – Porque os adolescentes gostam... P. – E as crianças não gostam? Al. 4 – As crianças gostam mais da turma da Mônica normal. P. – Uai, por quê? Al. 4 – Não sei, acho que porque é colorido...
Os alunos disseram que, ao se tratar da Turma da Mônica, não têm
uma idade específica, pois alguns têm pais ou tios que até hoje leem HQs, e
muitos até colecionam os gibis da turma. Porém, também foi observado que
existem tipos de HQs que nem todos gostam, como é o caso de HQ de super
heróis ou aventura. Foi concluído ainda que a criação da Turma da Mônica
jovem, provavelmente, aconteceu porque a Maurício de Sousa produções
resolveu escrever para um público adolescente, ou porque seus leitores que
eram crianças cresceram. Foi até discutido que esse tipo novo de gibi/mangá é
direcionado para um público diferente porque, geralmente, as crianças
preferem os gibis tradicionais da Turma, por conta das cores e das histórias
mais infantis.
Quando perguntado sobre o acesso às histórias em quadrinhos,
observaram que é fácil ter acesso às HQs, pois facilmente encontram-se gibis à
venda em bancas de jornal. Algumas crianças disseram que se pode encontrá-
las em jornais, mas outras se lembraram das diferenças entre HQ e tirinhas,
assunto já discutido anteriormente. E falamos também do portal da Mônica
disponível na internet, onde encontramos inúmeras HQs e também jogos e
outras brincadeiras.
Com o intuito de se trabalhar o tema e o conteúdo temático, foi
trabalhada uma nova HQ, nela a história contava com um personagem
121
diferente, vestido como uma espécie de lenhador, e em cada quadrinho ele
desempenhava um papel diferente, todos ligados aos benefícios propiciados
pelas árvores, como fazer sombra e dar frutos, também apareceu servindo de
suporte para um balanço e para uma rede, e em seu último quadrinho,
percebia-se que esse personagem havia cortado uma árvore e estava
recebendo uma lição da turminha.
Episódio 6 01/06/2012
P. – O que significam essas atitudes do personagem? Al. 1 – Ele tá imitando a árvore. Al. 2 – Ele tá fazendo o que a árvore fazia, sombra do sol, dando fruta... (...) P. – O que a turma acha da atitude do moço ter cortado a árvore? Al. 2 – Ficaram bravos, por isso fizeram ele imitar a árvore. Al. 3 – Pra aprender a lição! (...) P. – Podemos falar que a história fala sobre o quê? Al. 4 – Que não pode cortar árvores... Al. 5 – Pra não desmatar... P. – Porque será que os produtores dessa HQ resolveram escrever essa história? Al. 5 – Pra mostrar como as árvores são boas, dão fruto, sombra, dá pra brincar... Al. 6 - Pra preservar a natureza... P. – Podemos dizer que a Turma da Mônica tem histórias que falam de assuntos sérios também. Vocês já leram histórias assim? Al. 3 – Já vi história da Turma falando sobre vacinação e tem aquela do gibi falando dos surdos...
Em conjunto, as crianças foram respondendo às questões propostas,
primeiro apontando o personagem vestido de lenhador como culpado por ter
cortado a árvore, e justamente por isso a turma estava fazendo com que ele
imitasse uma árvore, assim aprendesse os benefícios trazidos por elas e não
as cortasse mais. Quando foi perguntado sobre o motivo pelo qual os
produtores escolheram escrever a história, poucos alunos mencionaram a
preservação da natureza, e não foi notado que um dos objetivos poderia ser
também conscientizar os leitores.
Também foi notado por eles que a Turma da Mônica tem histórias que
podem ser consideradas sérias, pois já viram a turminha envolvida, por
exemplo, em campanhas de vacinação. Fica aqui, mais uma vez, marcada a
diferença entre o conteúdo temático – os possíveis sentidos que podem
122
aparecer no gênero – e seu tema de fato, que só pode ser discutido numa
situação concreta, pois, de acordo com Bakhtin (2010 [1959-1961], p. 313): “a
reprodução do texto pelo sujeito (a retomada, a repetição da leitura, uma nova
execução, uma citação) é um acontecimento novo e singular na vida do texto, o
novo elo na cadeia histórica da comunicação discursiva”.
No decorrer do projeto foi ainda trabalhado o gênero miniconto48, pois ao
observarmos as respostas49 da questão discursiva do questionário do início da
pesquisa, percebemos além de problemas no nível linguístico, uma grande
dificuldade em demarcar a fala dos personagens, e também de dar sequência
em suas histórias, foi aí que decidimos trazer mais um gênero para as aulas,
porque assim outros aspectos, além das capacidades de leitura, podiam
também ser trabalhados, como por exemplo: discurso direto e indireto,
parágrafo, travessão etc., além de que relacionar os gêneros ajudaria no
trabalho com as HQs.
Com isso, foi dada sequência às aulas sendo entregue para as duplas
um conto50 bastante conhecido chamado: Os cachinhos dourados, e depois
trabalhamos com uma HQ da Turma da Mônica que se chamava "Mônica e os
três ursos", que na verdade era uma nova versão do conto.
Episódio 7
04/06/2012
Cada dupla teve um tempo para ler silenciosamente, e após o tempo
destinado à primeira leitura foram feitos questionamentos sobre o conto
relacionando-o com as histórias em quadrinhos.
A professora pede para o aluno Roberto ler o primeiro parágrafo do texto: Roberto - “Era uma vez, uma família de ursinhos; o Pai Urso, a Mãe Urso e o Pequeno Urso. Os três moravam numa bela casinha, bem no meio da
48
Chamamos de miniconto as produções escritas feitas a partir das histórias em quadrinhos,
por caracterizarem um narrativa mais curta do que os contos.
49 Abaixo será trazido exemplo das produções escritas, tanto retiradas ainda dos questionários
como as construídas em sala.
50 Foi decidido trabalhar primeiramente com a leitura deste conto conhecido, para depois
serem explorados os minicontos feitos a partir das histórias em quadrinhos.
123
floresta. O Papai Urso, o maior dos três, era também o mais forte, muito corajoso e tinha uma voz bem grossa. A Mamãe Urso era um pouco menor, era gentil e delicada e tinha uma voz meiga. O Pequeno Urso era o menorzinho, muito curioso e sua voz era fininha”. P. - Só um pouquinho, antes de continuar. Gente, o que aconteceu nesse primeiro parágrafo? Alguém pode me dizer o que está sendo mostrado aqui, o que está sendo feito? Al. 1- A família. Al. 2 - Tá descrevendo a família, os personagens. P. - Muito bem, mas tem alguma imagem pra ajudar? Roberto - Não, só as palavras... P. - No caso, no final tem lá uma imagem certo? Mas dá pra perceber todas essas características aqui? Alunos em coro: - Não! P. - Dá pra perceber que o ursinho era muito curioso e tinha a voz fininha? Alunos em coro: - Não! P. - Então, como o autor desse tipo de história faz pra gente perceber as características dos personagens? Maria: Ele escreve! P. - Muito bem Maria! Ele escreve. E lá nas HQs como acontece? Al. 1 - Ele escreve e desenha. P - Mas ele coloca assim: A Mônica esta vestindo um vestido vermelho... Als. - Não! P. - E como vocês sabem? Als. Pela imagem!!
A comparação entre os gêneros é feita para se ter um melhor
reconhecimento de suas características, e é isso que a professora faz ao
chamar a atenção dos alunos para particularidades presentes nos contos e
depois compará-las com o gênero HQ. Como é o caso dos mecanismos
diferentes utilizados para a descrição, por exemplo, a escrita nos contos e a
presença das imagens nas HQs. Percebemos que facilmente os alunos
percebem essas nuances, principalmente por se tratar de gêneros conhecidos
por eles, e também por causa dos exemplos utilizados no decorrer do projeto.
Mais uma vez retomamos o trabalho com os aspectos verbais e não
verbais do gênero HQ, pois, ao realizarmos a comparação entre os artifícios
utilizados para a descrição nos dois textos, fazemos com que os alunos
percebam que as imagens compõem, junto com as palavras, os significados
no gênero HQ, isto é, tornamos perceptível a não aleatoriedade das imagens e
sim chamamos a atenção de que elas desempenham importante papel na
construção do texto.
124
Episódio 8
04/06/2012
Após a leitura coletiva do conto e discussão sobre aspectos distintos nos
dois gêneros, buscou-se trilhar uma conversa sobre seu tema.
P. - Eu queria perguntar pra vocês o seguinte: O que a gente poderia dizer, ou como poderíamos dizer do que fala a história, qual o sentido da história? O que essa história que a gente leu quer dizer? Al. 1 - Que a gente não pode entrar de intruso na casa dos outros. P. - Vocês concordam com a colega? Alunos: sim! P. - Mas como chegaram a essa conclusão? Al. 2 - Porque tinha ali a frase dizendo que a Cachinhos Dourados aprendeu a lição. P. - Como é que ela aprendeu a lição? Al. 3 lê - “Depois desse enorme susto, a menina aprendeu a lição” P. - Ok, você leu ao finalzinho pra nós, então o que fez com que ela aprendesse a lição? Al. 4 - O susto!!! Al. 5 - É porque, tipo assim, ela viu que os lobos, os ursos poderiam ter feito algum mal pra ela, poderiam ter comido ela... Como podemos perceber, até a forma de perguntar da professora retrata
a tentativa de realizar um trabalho que vá além de saber o assunto do texto, a
busca é pelo sentido, o sentido como um todo, o que toda a história quer dizer.
As respostas dadas pelos alunos condizem com o sentido do texto, uma vez
que a história retrata uma personagem que adentra à casa de desconhecidos
correndo um grande risco de ser pega, e no fim, depois de tamanho susto por
perceber que os donos da casa eram ursos, ela se dá conta do perigo que
correu e aprende a lição. O que foi facilmente observado pelos alunos:
O aluno 2 indica a parte do texto que descreve o resultado da ação da
personagem: Porque tinha ali a frase dizendo que a Cachinhos Dourados
aprendeu a lição. Já o aluno 3 lê o trecho mencionado por seu colega: Depois
desse enorme susto, a menina aprendeu a lição.
O aluno 4, após ser instigado pela professora, repete a informação já
dada por seus colegas: O susto!!!. E o aluno 5 explica, com suas palavras, a
conclusão: É porque, tipo assim, ela viu que os lobos, os ursos poderia ter feito
algum mal pra ela, poderiam ter comido ela...
125
Mas chamamos a atenção para o 1º aluno, que encontra uma reposta
interessante para a questão, pois o conto quer mostrar muito mais do que uma
menina que entra na casa de estranhos, corre perigo, leva um susto e aprende
a lição; e sim que as crianças não devem repetir o que ela fez, isto é: Que a
gente não pode entrar de intruso na casa dos outros.
O episódio acima retrata que a participação dos alunos ao completarem
as respostas dos colegas resultou em uma construção coletiva da
compreensão do tema do conto, isso faz com que percebamos a importância
da interação entre os alunos para o processo de ensino-aprendizagem de
leitura. Uma vez que acreditamos, com Bakhtin/ Volochinov (1929, p. 135), que
a “compreensão é uma forma de diálogo”.
Episódio 9 04/06/2012
As comparações entre os dois gêneros estudados continuam sendo
feitas, após a leitura, também coletiva, da HQ Mônica e os Ursos, que conta
uma nova versão do miniconto, onde a turminha encontra-se no meio de uma
brincadeira de esconde-esconde, e a personagem Mônica encontra uma casa
diferente para se esconder e por lá acaba adormecendo. Só depois descobre
que os donos da casa eram ursos. Porém, diferente da versão anterior, a
Mônica acaba tornando-se amiga da família urso, e no fim acabam continuando
a brincadeira com o filhote Urso.
P. - Alice, como é que os autores marcam as falas nas histórias? Aqui na HQ como a gente sabe que os personagens estão falando? Alice - Por causa do balão. P. - Agora vamos lá na outra história – a professora projeta novamente o conto – aqui como é que a gente sabe que o personagem está falando, sendo que aqui não tem balão? Alice - Travessão. P. - A Alice falou uma palavra: travessão. Mas o que é travessão? Al. 1 - Aquele sinalzinho [gesticulando com a mão]. Lucas - Aquele sinal que marca a fala do personagem. (...) P – E pra saber quem está falando? Vamos ver um exemplo aqui na HQ, olha lá vou ler pra vocês, “Podem se esconder, vou contar até dez...” Quem é que falou isso? Als. - A Mônica! P. - Como que vocês sabem que foi a Mônica? Vários alunos: Porque o balão está apontado pra ela!
126
P. - Voltando agora para a outra história. “Alguém comeu do meu mingau...” Quem disse isso? Ouvem-se algumas respostas inaudíveis, alguns falam que foi o ursinho. P. - Peraí gente, virou uma confusão. Vou perguntar de novo... Rodrigo - Porque ali está escrito mamãe urso... P. - Muito bem Rodrigo, você encontrou direitinho... Maria - Também tem o trecho que não fala quem falou, mas depois coloca disse mamãe urso... Lucas - Ou antes coloca perguntou...
Mais uma vez, busca-se estabelecer as diferenças entre os gêneros, HQ
e conto. Percebe-se que Alice reconhece a diferença entre os dois e partindo
de sua resposta a professora direciona os alunos para o estudo de um novo
conteúdo:
P. - A Alice falou uma palavra: travessão. Mas o que é travessão? Al. 1 - Aquele sinalzinho [gesticulando com a mão]. Lucas - Aquele sinal que marca a fala do personagem.
Aqui é introduzido um conteúdo gramatical com base em um fenômeno
concreto de linguagem, pois como afirma Bakhtin (1952-52, p.269): (...) se o
examinarmos apenas no sistema da língua estamos diante de um fenômeno
gramatical, mas se o examinarmos no conjunto de um enunciado individual ou
do gênero discursivo já se trata de um fenômeno estilístico. Por isso, o ensino
do conteúdo gramatical é feito pautado na comparação dos estilos dos dois
gêneros estudados:
P. - Alice, como é que os autores marcam as falas nas histórias? Aqui na HQ como a gente sabe que os personagens estão falando? Alice - Por causa do balão. P. - Agora vamos lá no outra história – a professora projeta novamente o miniconto – aqui como é que a gente sabe que o personagem está falando, sendo que aqui não tem balão? Alice - Travessão.
Nota-se que os alunos, com base em seus conhecimentos já adquiridos,
fruto da familiarização com os gêneros, que aconteceu durante todo o processo
do projeto, com as atividades de leitura e comparação dos dois gêneros
estudados, tecem as conclusões acerca do assunto, e isto se dá de forma mais
natural e concreta, uma vez que partimos da observação de elementos
127
gramaticais utilizados em exemplos concretos, isto é, do todo para as partes
menores (aspectos linguísticos e gramaticais).
5.3. A importância da interação para o ensino-aprendizado
Acreditamos que as interações entre os alunos e destes com o professor
são responsáveis para que o ensino-aprendizado aconteça, uma vez que as
trocas que ocorrem externamente entre os pares podem gerar diversas
transformações interiores, como afirma Vygotsky (1930, p. 58) “Todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no
nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas
(interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”.
Os três episódios seguintes se passam ainda nas primeiras aulas, são
anteriores aos episódios descritos anteriormente, pois optamos por não seguir
a ordem cronológica do projeto em virtude de uma melhor progressão da
análise.
Episódio 10 28/05/2012
Os alunos estavam divididos em pares51 e se preparavam para a leitura
da primeira história em quadrinhos, neste momento foi entregue para cada
dupla somente a primeira tira da história para que lessem e levantassem
hipóteses acerca do que poderia vir a acontecer. A história não possui título, e
sua primeira tira mostra dois quadrinhos, no primeiro estão o Cascão e o
Cebolinha, escondidos atrás de uma moita, observando a Mônica passar
carregando um presente, e no segundo quadrinho a Mônica encontra-se um
pouco afastada e aparece o personagem Cebolinha, prestes a bolar um plano.
51
A divisão dos alunos em pares aconteceu com base no questionário aplicado no início do
projeto que contou com uma questão em que os alunos deveriam escrever uma história curta
que conheciam, algum causo, ou filme; questão esta feita com o objetivo de conhecer a escrita
deles. Embasada nas respostas e com auxílio da professora, foi organizada a divisão que
buscou agrupar alunos que apresentaram mais dificuldades com alunos que mostraram mais
facilidade em responder à questão proposta, de uma forma que cada par pudesse interagir e
buscar mecanismos que viabilizassem o aprendizado de ambos.
128
P. – O que vocês acham que vai acontecer? Vários alunos levantam a mão e falam ao mesmo tempo. A professora pede que cada um fale de uma vez, e direciona a pergunta para um aluno. P. – João, o que você acha que vai acontecer? João – Tão bolando um plano... P. – Um plano, isso como eles dizem... Bom vocês concordam com o João? Alguns als. – “Mais ou menos...” P. – Quem falou “Mais ou menos?” – Os alunos apontam para o aluno Miguel – Foi você Miguel? Porque você acha isso? Miguel – [Encabulado e olhando para a câmera] Não, eu falei certeza... Nico – Ele está curioso, quer pegar alguma coisa. P. – Nico você acha que ele quer pegar o quê? Alguns alunos respondem – O presente. Lucas - Eles vão ter um plano infalível. Al. 1 – O plano é pra pegar o presente da Mônica, ele ficou curioso e quer ver o que tem na caixa... P. - Muito bem! O João disse que ele teve um plano... João, porque você pensou que ele teve um plano? Com base em quê? João: - Tinha um trocinho na cabeça dele... P. – Um trocinho na cabeça dele? E vocês perceberam? [Alguns alunos respondem que sim, que perceberam, outros fazem o gesto como que imitando a imagem da HQ, mostrando algo em cima da cabeça]. P. – Olha que interessante, a maioria disse que eles teriam um plano infalível... Mas está escrito isso aí? [apontando para a história]. Als – Não! Muitos falam ao mesmo tempo. Lucas: - Mas dá pra perceber...
Em um primeiro momento, o que chama a atenção é o receio do aluno
Miguel, que demonstra, junto com outros colegas, não concordar com a ideia
de seu amigo João, mas, ao ser questionado novamente, mostra sua mudança
de opinião, talvez por realmente não ter discordado e só seguido o que outras
pessoas disseram, ou por medo de iniciar uma discussão, o que, nas primeiras
aulas foi bem característico das atitudes da maioria dos alunos, porque muitas
vezes não assumiam sua palavra, às vezes por ainda não possuí-la, mas
também por receio de ser diferente, ou de discordar.
Observamos também, como o conhecimento prévio dos alunos sobre as
HQs do Maurício de Sousa Produções contribuíram para a leitura do texto, pois
quando afirmam que acham que os garotos terão um plano infalível é porque
conhecem os personagens, provavelmente já leram outras histórias em que
isso aconteceu.
Outro aspecto interessante é a leitura feita pelo aluno João, pois ao
justificar a sua hipótese ele aponta para uma imagem que compõe a história,
isto é, ele percebe que o sentido é resultado de um todo apresentado pelo
129
texto, e não só por aquilo que está escrito, o que seria a junção das
capacidades descritas por Paes de Barros (2005), principalmente a percepção
do todo unificado de sentido que se compõe através da integração dos
materiais verbais e não verbais; além da participação de seus colegas, que
concomitantemente a comprovação de sua leitura gesticulam, leem e
concordam com ela, mais uma vez mostrando como a interação entre os
alunos constrói o sentido da leitura. Depois, ao serem questionados novamente
pela professora a respeito da leitura que fizeram da HQ e ao ser chamada a
atenção para o fato de não estar escrito que o personagem estava tendo um
plano, o aluno Lucas chega a conclusão, que mesmo sem a escrita, é possível
realizar a leitura, uma vez que dá pra perceber. Aqui, entendemos que os
alunos já percebem que existem outras formas de compreender o texto que
não só através das palavras, o que expressam no decorrer da leitura da
história, como vemos no episódio seguinte:
Episódio 11 28/05/2012
Após a entrega do restante da HQ, foi dado um tempo para que cada
dupla terminasse a leitura da história que continuou conforme muitos previram,
o personagem Cebolinha arquitetou um plano contra a Mônica, em que colocou
um rato dentro da caixinha de presente que ela levava, porém quando a
menina entregou o presente para sua amiga Magali não foi o rato que avistou e
sim um gatinho, o que acabou deixando os garotos perplexos.
P. – Quem poderia ler pra mim a história toda? – Vários alunos levantam a mão – José levantou a mão, pode ler, José! [O aluno fica com vergonha quando a câmera se aproxima] P. – Pode ler! José – Magali, trouxe o seu presente de aniversário. Obrigada Mônica! Estou louquinha para saber o que é! Um lindo gatinho. P. – Muito bem, José! Você leu as falas, né? Mas explica pra mim, o que aconteceu aí? José – É que a Mônica estava levando um gatinho dentro do... do presente, da caixa de presente. Aí o Cebolinha pensou num plano colocou o rato dentro do... da caixinha, o gato comeu. Quando ela foi entregar o rato não tava, só o gatinho. P. – Muito bem! Percebam que a primeira vez que eu pedi para o José ler, ele leu as falas. Mas depois ele conseguiu me explicar o que aconteceu, vocês concordam? – Os alunos respondem que sim – Mas agora uma pergunta: Quando se trata de histórias em quadrinhos, o que é que a gente lê?
130
Al. 1 – As falas! Al. 2 – As imagens! Al. 3 – As ações... Al. 4 – As caretas. Al. 5 – Os pensamentos! P. – Então está certo se eu disser que a gente lê só o que está escrito? Als. – Não! P. – Se a gente lesse só o que está escrito, será que iríamos entender tudo? – Os alunos respondem que não – Se tivesse só as falas, será que conseguiríamos entender? Respondem em coro – Não! (...) P. – Muito bem! Ó, vou falar novamente do José, ele conseguiu entender a história toda, o que aconteceu, e para isso ele teve que ler tudo. Tudo o quê? Aí vocês já disseram: As imagens... o que mais? Seguem os alunos completando: Os balões, as ações... P. – Peraí, as ações? Mas, gente, história em quadrinhos tem ação? – alguns alunos respondem que sim, outros que não – Ação não é algo que tem movimento? – os alunos respondem que sim – Mas nas HQs tem ação? Sim ou não? Lucas - Uai, a ação dele colocar o rato... P. – O Lucas falou da ação de colocarem o rato no presente, está na segunda parte, no segundo quadrinho, vamos todo mundo olhar. (...) P. – Gente, vocês acham que nesse segundo quadrinho está tendo uma ação? – os alunos respondem que sim – Ok! Está tendo uma ação, mas como vocês sabem? Várias respostas inaudíveis Lucas: - Os risquinhos... P. – Voltando aqui, o Lucas falou dos risquinhos... Deixa eu perguntar para ver se vocês entenderam: Como é que o autor da tirinha faz pra gente entender que está acontecendo uma ação? Alunos respondem ao mesmo tempo: Os risquinhos... Lucas: [trecho inaudível] Dá pra ver quando alguém corre... uma poeirinha. P. – Olha só, na primeira parte, no segundo quadrinho, eu posso dizer que a Mônica está andando? Por quê? Vários alunos dizem que sim. Lucas – Por que aparece a poeirinha... P. – Então, quando vocês falam que precisamos ler tudo, significa que precisamos ler todos esses detalhes. P. – Agora eu gostaria que alguém me mostrasse algum quadrinho em que o autor nos faz perceber as emoções, tem alguma emoção na história? Lucas e seu par levantam a mão e vão respondendo – Emoção tem! No último quadrinho mostra que ele está espantado. P. – Todos estão vendo o último quadrinho? Como que o autor mostrou o espanto dos personagens? Lucas e sua dupla prontamente respondem – Os riscos e os olhos esbugalhados!
Ao pedir para o aluno José ler a história em quadrinhos, a professora se
depara com uma leitura somente das poucas falas dos personagens, pois a
maior parte da história era composta somente por imagens, o que pode
demonstrar que para o aluno a leitura está relacionada à decodificação das
131
palavras, à reprodução daquilo que está escrito. Quando foi pedido para ler a
história, o aluno leu somente aquilo que estava escrito, porém ao perguntar o
que o aluno entendeu da HQ, percebe-se que ele leu além daquilo que estava
escrito, pois conseguiu resumir tudo o que aconteceu na história. Esse evento
deu início a uma discussão sobre o que podemos ler nas HQs, e os alunos, em
conjunto, foram dizendo aquilo que podia ser lido: as imagens, os desenhos, as
caretas etc., o que nos remete novamente às capacidades voltadas para os
gêneros multimodais (PAES DE BARROS, 2005) porque ao se tratar da leitura
desses gêneros, é necessário ressaltar que não só as palavras compõem o
sentido do texto, e sim o todo significativo, isto é, tudo aquilo que é usado em
sua construção. Isso é mais uma vez evidenciado quando foi perguntado para
os alunos acerca das ações e emoções dos personagens da história, pois
usam esses sinais, desenhos e imagens para comprovar as suas leituras, e
tudo isso feito em conjunto, em que um aluno vai completando o que seu
colega disse.
P. – Agora eu gostaria que alguém me mostrasse algum quadrinho em que o autor nos faz perceber as emoções, tem alguma emoção na história? Lucas e seu par levantam a mão e vão respondendo – Emoção tem! No último quadrinho mostra que ele está espantado. P. – Todos estão vendo o último quadrinho? Como que o autor mostrou o espanto dos personagens? Lucas e sua dupla prontamente respondem – Os riscos e os olhos esbugalhados!
Episódio 12 28/05/2012
No momento cedido para a leitura silenciosa da HQ, pudemos observar
a conversa entre dois alunos, em que um explica para o outro:
Aluno 1 – Entendi! Sumiu o rato porque tinha um gatinho dentro da caixa, o gatinho comeu o rato. Aluno 2 – Ah, é verdade!
Percebe-se aqui, mais uma vez, a interação entre os pares no processo
de leitura, apesar da turma apresentar, durante todo o projeto, certa dificuldade
em trabalhar em dupla e até mesmo em interagir e discutir coletivamente as
questões propostas. Porém, nessa perspectiva a interação é indispensável
132
para o ensino-aprendizado, pois é ela que possibilita que de fato ele aconteça,
uma vez que o conhecimento é construído socialmente, na interação entre os
alunos e com o professor, conforme nos mostra Vygotsky (1930, p. 100): “O
aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as
cercam”. É através da interação que o aprendizado ocorre, uma vez que se
concluiu que os alunos possuem diferentes fragmentos de informação que
juntos com as informações dadas pela professora vão se completando, e
resultaram em aprendizado na medida em que acontece a interação entre os
pares. Conforme explica Vygotsky (1934), quando afirma que todas as funções
de desenvolvimento da criança originam-se na interação social e só depois no
nível individual: “o verdadeiro desenvolvimento do pensamento não vai do
individual para o socializado, mas do social para o individual” (p. 24).
Episódio 13 31/05/2012
Este episódio aconteceu no segundo encontro com os alunos, em que
vários gibis haviam sido escolhidos por eles e as atividades foram feitas de
forma que todos pudessem fazer pesquisas nas diferentes histórias presentes
nos gibis sobre aspectos referentes ao gênero. Percebemos como o aluno José
tem uma atitude distinta da aula anterior:
P. – Nós já vimos como uma HQ começa, agora eu quero saber como elas terminam... Rodrigo – Aparece o fim nela! P. – Todas elas têm escrito fim no final? Alguns alunos discordam, e o aluno José prontamente levanta a mão, gesticulando que não, e enquanto folheia o gibi ouve-se José dizendo: - Nem todas, e em seguida repete: - Nem todas! – E depois que chegar ao fim de uma história levanta a mão novamente e diz: - Achei aqui [levantando o gibi], a minha tem fim aqui ó! P. - Será que todas elas têm escrito fim? Ouvem-se várias respostas afirmativas, e o aluno Roberto, juntamente com sua dupla, diz que na deles está diferente. P. – O que está escrito aí? Roberto e sua dupla respondem: - Continuação! P. – Muito bem, agora vai ter que comprar o outro gibi pra ver como a história termina... Rodrigo – É porque a história vai ter continuação.
133
Percebemos que a interação entre os pares proporciona o
desenvolvimento em vários níveis, tanto relacionado ao ensino-aprendizado
dos conteúdos das aulas, como também das atitudes perante as atividades em
sala, um exemplo disso é o aluno José, que nas aulas anteriores demonstrava
timidez e vergonha ao ler em voz alta, e agora ergue sua mão e se manifesta
diferentemente das respostas de seus amigos, mesmo mudando de ideia após
encontrar um exemplo diferente do que previa, pois achava que iria encontrar
uma história que terminasse de uma forma diferente das dos colegas, o que
depois foi feito por seu colega Roberto.
5.3.1. A interação e o aprendizado na produção escrita
Como já esclarecido no decorrer do trabalho, todos os passos do projeto
foram planejados com base em cada encontro com a turma, a primeira prova
disso foi a escolha do gênero HQ, que foi eleito embasado nas respostas dos
alunos aos questionários iniciais.
Desde o início da pesquisa, objetivávamos desenvolver somente um
projeto de ensino-aprendizado de leitura, porém, quando analisamos as
respostas dadas pelos alunos nos questionários, encontramos mais do que o
perfil das práticas de leitura que eles possuíam, pois apareceram em suas
respostas necessidades de aprendizado de ordem gramatical. Com isso,
resolvemos abordar no projeto de leitura também a produção escrita, uma vez
que essas necessidades saltaram aos nossos olhos e um de nossos objetivos
era conhecer o nível de aprendizado dos alunos para elaborar o percurso do
ensino, de acordo com Vygotsky (1934).
Procuramos trabalhar a produção escrita dentro do projeto de leitura só
depois de ler os questionários dos alunos, não é porque acreditamos que
leitura e escrita devem ser trabalhadas separadas, pelo contrário, cremos que
são, na verdade, trabalhos complementares, mas depois do contato real com
os alunos essa realidade se contornou de maneira ainda mais clara. Assim, a
proposta da produção de minicontos a partir das HQs surgiu como ferramenta
para se trabalhar necessidades reais de aprendizagem, de ordem gramatical,
apresentadas pelos alunos nos questionários iniciais, dessa forma, buscamos
acordar com as orientações dos PCN (1998):
134
Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno, procurando garantir aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o papel de informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos prioritários em função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades de aprendizagem (p. 22).
Com o objetivo de ressaltar a importância do papel do outro no processo
de ensino-aprendizagem e para observarmos mais alguns resultados do projeto
traremos as produções (inicial, em dupla e produção final) da aluna Alice e de
sua parceira de dupla Maria.
Produção inicial
Refere-se à resposta do questionário, que foi aplicado antes de
acontecer o projeto e foi respondido individualmente pelas alunas.
Al. Maria
A viagem de Chiriro Chiriro é uma menina de 10 anos. Muito corajosa, gentil e valente. Indo se mudar, ela e seus pais se perderam e foram parar em um parque de diversão abandonado. E seus pais viram alguns restaurantes e comeram as comidas dos convidados para uma casa de banhos pra deuses, e comeram tanto que viraram porcos.
135
Al. Alice
Como já mencionado, as duplas foram separadas com base nessas
primeiras produções, contudo como muitos alunos apresentaram produções
muito semelhantes, foi solicitada a ajuda da professora da turma para que os b
pares fossem escolhidos.
Chamamos a atenção para o fato da grande maioria dos alunos
apresentarem, nesta primeira produção, algo bastante semelhante à produção
de Alice com problemas em diversos níveis, o que caracterizou o nível de
desenvolvimento real dos alunos, como ensina Vygotsky (1930), isto é, aquilo
que as crianças conseguem realizar de forma autônoma. Porém, após alguns
dias de projeto, como descrito no quadro 5, foi solicitada aos alunos uma nova
produção escrita, agora em dupla; e o resultado apresentado por Alice, em
conjunto com sua colega Maria foi o seguinte:
Moranguilho que ela coprova os pezedes do amigo para o nota que os pezets com a meve os pesede morario (...)eles esdrago de novo
136
Produção em dupla
137
É facilmente notada uma visível mudança no nível estrutural da
produção, que agora conta com parágrafo, travessão, pontuação etc. E
acreditamos que neste momento, em conjunto com sua dupla e com base
também nas aulas de leitura ministradas pela professora, percebemos o nível
de desenvolvimento potencial (VIGOTSKY, 1930) da aluna, aquilo que, com
ajuda de um par avançado, ela consegue realizar. E por último, temos sua
produção individual, que nos mostra que ela já conseguiu internalizar alguns
conteúdos estudados, percorrendo a Zona proximal de desenvolvimento 52, e
transformando o nível de desenvolvimento potencial, de certa forma, em nível
de desenvolvimento real.
52
A ZPD aqui caracteriza a distância entre o nível de desenvolvimento real da primeira
produção e o nível de desenvolvimento potencial da produção em dupla.
A mentira Certo dia, Cebolinha achou o sansão no chão e começou a espancá-lo, e de repende Mônica pegou no flagra e gritou: - Cebolinha!!! E ela respondeu em dúvida: - Não? Como assim? E ele inventou uma desculpa: - Havia um monstro holivel e gosmento tentando loubar o seu coelhinho!! E ele continuou Então, eu apaleci e dei-lhe uma lição que ele nunca mais vai esquecer! Na hora que você chegou eu estava leduzindo o ser gosmento a pó! Foi isso! E Ela falou: - Quer dizer que você salvou o meu sansão? E ele respondeu: Foi sim! E ela agradeceu lhe dando um beijo: - Você é um amor! CHUAC! E o Cebolinha resmungando: - Bolas! Bem que a mamãe falou que não se deve contar mentiras.
138
Produção final (Al. Alice)
139
cascão em corida Um dia o cascão falo para o cebolinha: - Ah! Cebolinha vamos apostar uma corrida?! Cebolinaho Responteu: - Beleza! Daqui até onde Ele falor: - Até o Sorveteiro! Cebolinha dise casiano de cascão: - Moleza! Cascão respoteu: - Quem peder pago o Sorvete: Cebolinha dize: - feito Eles corero a de o Sorveteiro e o cascão ganho e os dois comero o Sorvete e eles estava feliz. E derebente eles viram a Magali. E o cascão falor: - Aqui até a Sua casa agora. E cebolinha dice: - feito FIM
140
O trajeto percorrido por Alice foi também cursado pela grande maioria
dos alunos, muitos apresentaram essa mesma mudança em sua produção
escrita, o que demonstra um bom resultado para o projeto, é claro que alguns
dos alunos não conseguiram usar os conteúdos estudados em suas produções,
isto é, se as comparássemos não encontraríamos grandes diferenças. Porém
destacamos que apesar de a grande maioria dos alunos apresentar visível
melhora na estrutura de seus textos, não significa que o trabalho foi terminado
com êxito.
Acreditamos que o trabalho com a produção escrita deveria ser mais
aprofundado, para, de fato, podermos melhor refletir sobre o processo da
escrita, isto é, com um trabalho de reescrita, por exemplo, ou ainda com uma
proposta de produção que fosse além de escrever um miniconto a partir de
uma história em quadrinho, mas que possibilitasse uma atividade mais criativa
por parte dos alunos, porém contávamos com poucas horas/aula para o
desenvolvimento do projeto, além de que o objetivo maior do trabalho era
pesquisar o ensino-aprendizagem de leitura. Por isso, reafirmamos que o
trabalho deveria ser continuado, pois no âmbito dessa pesquisa, concluímos
que ele foi somente iniciado, uma vez que o ideal seria que as aulas
continuassem, e que novos caminhos fossem traçados, uma direção
interessante seria o trabalho com o gênero conto, assim, após o estudo e
leitura de diversos exemplares do gênero, um novo trabalho com a produção
escrita poderia ser feito, revisando e ampliando os conteúdos estudados com o
intuito de se chegar a resultados melhores, não só referente à mobilização das
capacidades de leitura, mas também a uma produção escrita mais satisfatória.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A procura da própria palavra é, de fato, procura da palavra precisamente não minha mas de uma palavra maior que eu mesmo; é o intento de sair de minhas próprias palavras, por meio das quais não consigo dizer nada de essencial (BAKHTIN, 1970-1971/1979).
As reflexões e análises feitas em nossa pesquisa evidenciam o caráter
dialógico da compreensão, uma vez que só foi possível desenvolvê-la pautada
na concepção enunciativo-discursiva de linguagem e sócio-interacionista de
ensino-aprendizagem. Assim, ressaltamos a importância do aporte teórico e
metodológico da pesquisa ser embasado nos autores Mikhail Bakhtin e Lev
Vygostsky.
Com isso, pudemos lançar sobre o processo ensino-aprendizagem de
leitura um olhar que foi ressignificado a cada obra lida, a cada aula dada, a
cada novo encontro com os sujeitos da pesquisa.
Desde o início da pesquisa, nas primeiras visitas à escola, fomos
recebidos amigavelmente, o que possibilitou o desenvolvimento do projeto de
leitura que contou com dois principais momentos, a aplicação do questionário
para o conhecimento dos sujeitos que participariam da pesquisa e de suas
práticas de leitura, e no segundo momento a aplicação das aulas.
Assim podemos apontar como os objetivos da pesquisa:
Conhecer as concepções e práticas de leitura dos alunos do 6º
ano (3ª fase do 2º ciclo) de uma escola estadual da cidade de
Cuiabá, Mato Grosso.
O segundo objetivo foi traçado a partir do contato com os alunos:
Desenvolver um projeto de ensino-aprendizagem de leitura, em
que se tome o gênero discursivo história em quadrinhos como
objeto de ensino-aprendizagem, com base nas necessidades e
capacidades apresentadas pelos alunos sujeitos da pesquisa.
Para tal, buscou-se responder às seguintes perguntas de pesquisa:
142
1. Que concepções e práticas de leitura têm os alunos do 6º ano da
escola estudada?
2. Quais capacidades de leitura puderam ser desenvolvidas no
projeto, e de que forma as interações entre os alunos interferiram
nesse processo de ensino-aprendizagem?
Com base nas respostas dos questionários, partimos então, em busca
da história prévia (VIGOTSKY, 1930) dos alunos, isto é, suas práticas de
letramento.
Conforme o gráfico 653, pudemos perceber que grande é a variedade de
materiais que nossos sujeitos afirmam ler em casa ou em outros lugares,
dentre os quais destacamos: 65,4% afirmam ler gibis, revistas em quadrinhos e
tirinhas; 26,9% afirmam ler revistas e livros didáticos; e 23,1% afirmam ler sites
e páginas na internet e livros infantis. Destacamos também que a variedade de
materiais escritos presente nas residências dos sujeitos da pesquisa é ampla, e
chamamos a atenção para a presença de materiais religiosos, em que,
conforme gráfico 7, 65,4% dos alunos mencionaram tê-los em casa, isto
confirma alguns dados anteriores, como o fato de 73% dos alunos afirmarem
que seus pais ou responsáveis têm costume de ler a bíblia e livros sagrados
e/ou religiosos, conforme gráfico 3. Ao serem questionados sobre o que
costumavam ler na escola, encontramos novamente a maioria (57,6%) dos
alunos citando os gibis, as revistas em quadrinhos e as tirinhas, o que foi o
grande motivador da escolha do gênero história em quadrinhos para o projeto
de leitura.
Notamos, então, que diversas são as práticas de letramento
mencionadas por nossos sujeitos, pois grande é a variedade de materiais que
afirmam ler tanto na escola como também em casa, e são várias também as
atividades que afirmam realizar nas horas vagas, como mostra o gráfico 17,
que vão desde o ato de assistir televisão (79,9%), navegar na internet (61,5%),
assistir vídeos e filmes em DVD (53,8%), praticar esportes (50%) e também ler
jornais, revistas, livros e textos na internet (46,2%).
53
Este e todos os gráficos citados encontram-se no capítulo 4 deste trabalho.
143
Em relação às concepções de leitura dos alunos, observamos algumas
alterações em respostas dadas à pergunta O que é leitura pra você?, em dois
momentos da pesquisa, o primeiro nas respostas ao questionário e o segundo
após o desenvolvimento do projeto de leitura. As respostas dadas no primeiro
momento encontram-se ligadas principalmente às visões cognitivas e
discursivas da leitura quando a aliam àquilo que está escrito, e também a
exercícios de interpretação como é o caso dos alunos que alegam que ler é
como resolver um exercício de matemática ou uma atividade de interpretação,
é uma sabedoria adquirida através da escrita etc. E no segundo momento,
percebemos que algumas respostas sofrem uma espécie de complementação
como é o caso dos outros alunos que continuam a olhar a leitura pelo mesmo
viés, porém que enxergam outras possibilidades no ato de ler. Mas a resposta
que mais nos chamou a atenção foi do aluno 5, que desde a primeira resposta
(É tudo é saber ler e escrever) demonstrou que enxerga a importância que tem
os atos de se saber ler e escrever, por isso que ele diz que esses atos são
tudo, isto é, que todas as outras coisas, todos as outras atividades que
realizamos recebem influência da leitura e da escrita. E quando ele nos fornece
sua segunda resposta (Tudo pra saber precisa ler e responder) reitera que para
saber das coisas precisamos ler, porém acrescenta que necessitamos também
responder, o que se aproxima da nossa concepção dialógica de leitura que se
fundamenta justamente na resposta, como afirma Bakhtin/Volochinov (1929),
oferecer uma contra-palavra.
Em relação à segunda questão de pesquisa, foi possível respondê-la
durante o desenvolvimento do projeto de leitura na escola. Assim, buscamos
trabalhar o ensino-aprendizagem de leitura embasado na perspectiva
enunciativo-discursiva de linguagem, levando em consideração as respostas
dadas ao questionário e as necessidades de aprendizagem apresentadas pelos
alunos. Escolhemos então, o gênero HQ por ser diversas vezes citado pelos
alunos como material de leitura, com isso, partiríamos de algo já conhecido por
eles para assim ascender a novos conhecimentos.
Em se tratando das respostas dos alunos à última pergunta do
questionário, em que era necessário elaborar um pequeno texto, saltaram aos
nossos olhos muitos problemas de ordem gramatical. Frente a isso, resolvemos
incluir, no projeto de leitura, a produção escrita do gênero miniconto, pois
144
quando fizéssemos a comparação estrutural entre os dois gêneros,
possibilitaríamos uma reflexão quanto às capacidades de linguagem (DOLZ E
SCHNEUWLY, 2004) voltadas para a produção escrita de modo a trabalhar
com algumas das necessidades de aprendizagem apresentadas pelos alunos.
Além disso, percebemos que o trabalho com a escrita dentro do projeto de
leitura possibilitou uma reflexão ainda maior sobre as capacidades de leitura e
de linguagem, uma vez que as atividades de leitura também possibilitaram a
reflexão sobre a escrita.
Durante todo o processo no qual aconteceu o projeto – aplicação do
questionário, planejamento, atividades em sala – buscou-se levar em
consideração as capacidades descritas por Rojo (2004), também as
capacidades de leitura de gêneros multimodais cunhadas por Paes de Barros
(2005) e as capacidades de linguagem (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004).
Ao se tratar das capacidades de linguagem (DOLZ E SCHNEUWLY,
2004), concluímos que elas foram abordadas durante todo o trabalho com o
gênero HQ, assim as capacidades de ação: apareceram no trabalho com a
situação de produção e circulação das HQs, tanto no trabalho da leitura como
na produção dos textos; as capacidades discursivas: quando se trabalhou a
estrutura global do texto, à observação da forma composicional do gênero,
principalmente nas atividades de comparação entre os gêneros HQ e
miniconto; e as capacidades linguístico-discursivas: foram contempladas
quando estudado o estilo do gênero, os aspectos gramaticais que o
compunham e também foram retomadas nas produções escritas dos alunos.
Usamos como exemplo a aluna Alice, que em sua produção inicial
mostrou grande dificuldade para relatar uma história. No decorrer do projeto ela
também apresentou dificuldades para participar de algumas atividades em sala,
como leitura coletiva, por exemplo. Todavia, como mostra o episódio 9 do
capítulo anterior, ela participa respondendo à questão feita pela professora
comparando os gêneros HQ e conto:
P. - Alice, como é que os autores marcam as falas nas histórias? Aqui na HQ como a gente sabe que os personagens estão falando? Alice - Por causa do balão. P. - Agora vamos lá na outra história – a professora projeta novamente o conto – aqui como é que a gente sabe que o personagem está falando, sendo que aqui não tem balão?
145
Alice - Travessão.
Neste pequeno trecho percebemos que algumas capacidades foram
mobilizadas, por exemplo, as capacidades de linguagem, pois, ao compreender
a diferença entre os dois gêneros, ao perceber a estrutura global dos textos,
aconteceu uma reflexão sobre questões gramaticais, como o uso do travessão
(capacidades discursivas e linguístico-discursivas), além de que ao olharmos
suas produções escritas é visível a diferença no decorrer do projeto.
Com base nos episódios selecionados para a análise, pudemos
perceber que muito foi construído através do conhecimento que os alunos já
possuíam, principalmente em relação ao gênero HQ, pois segundo Vygotsky
(1930), é necessário atuar na Zona proximal de desenvolvimento, isto é,
precisávamos conhecer o nível de desenvolvimento no qual se encontravam os
alunos, para assim levá-los em direção a outros níveis, o que foi obtido com
auxílio da interação com os outros, seus colegas e também com a professora.
Percebemos, também, em diversos episódios, a importância da interação para
o ensino-aprendizagem, pois ela possibilitou que de fato ele acontecesse.
Como no Episódio 12 em que um aluno ao entender o desfecho da história lida
explica para o outro, no momento de leitura silenciosa:
Aluno 1 – Entendi! Sumiu o rato porque tinha um gatinho dentro da caixa, o gatinho comeu o rato. Aluno 2 – Ah, é verdade!
Assim concordamos com Vygotsky (1930) quando destaca a natureza
social do processo de ensino-aprendizagem.
Pudemos observar a importância do papel do outro no processo de
ensino-aprendizagem, quando traçamos um panorama das produções (inicial,
em dupla e produção final) da aluna Alice e de seu par Maria, no qual
percebemos grande mudança em sua produção escrita, principalmente no nível
estrutural, o que poderia ser apontado como um bom resultado para o projeto,
principalmente porque muitos outros alunos também apresentaram as mesmas
melhoras. Porém, reiteramos que apesar da maioria apresentar visível melhora
em seus textos, acreditamos que o trabalho foi somente iniciado, uma vez que
o ideal era que as aulas continuassem e novos conteúdos fossem abordados,
por exemplo, a continuação do trabalho com o gênero conto, assim, após o
146
estudo e leitura de diversos exemplares do gênero, poderia ser aprofundado o
trabalho com as capacidades de leitura e continuado com o trabalho de
produção escrita.
Ao refletirmos sobre a pesquisa como um todo, sobre sua real
importância ou validade, encontramos diversos questionamentos.
Provavelmente, alguns acontecimentos poderiam ter sido diferentes, mas ao
concebermos a nossa pesquisa também como um processo, concluímos que
sua validade está, além das melhoras apresentadas pelos alunos em suas
produções escritas, ou no aprofundamento em algumas capacidades de leitura
e de linguagem, mas principalmente por possibilitar aos alunos uma
experiência nova com a leitura.
Em todo o processo no qual se deu a pesquisa, buscamos levar em
consideração o papel do outro, tanto na construção social do conhecimento,
como na constituição do próprio sujeito pesquisador, pois a participação ativa
dos alunos, não só na busca pela compreensão, mas também na totalidade do
evento no qual foi desenvolvido o projeto, isto é, nos encontros de corredor,
nas conversas entre uma atividade e outra, nas expressões e olhares trocados
etc.; e também a cooperação de tantos outros sujeitos que participaram
indiretamente da pesquisa, fez com que melhor percebêssemos que a busca
pela própria palavra é, de fato, uma procura por uma palavra maior que eu
mesmo. E o que nos tranquiliza, é que o ponto final deste trabalho não
caracteriza literalmente um fim, pois, “perguntas e respostas não são relações
(categorias) lógicas; não podem caber em uma só consciência (una e fechada
em si mesma); toda resposta gera uma nova pergunta” (BAKHTIN, 1974/1979,
p. 408), ou no nosso caso, novas reflexões, novos objetivos.
147
Referências Bibliográficas
AMORIM, M. O Pesquisador e seu Outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora, 2003.
BAKHTIN, M. M. [1920-24]. Para uma filosofia do ato. Trad.de Augusto Ponzio, São Carlos – SP: Pedro João Editores, 2010. _____. (1922-24) O autor e a personagem na atividade estética. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. (1952-1953). Os gêneros do discurso. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. (1959-1961). O problema do texto. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. (1970). Os estudos literários hoje. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. (1970-1971/1979). Apontamentos. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. (1974/1979) Metodologia das ciências humanas. In:______. Estética da Criação Verbal. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____; VOLOCHINOV, V. [1926]. Discurso na vida e discurso na arte (sobre poética sociológica). Trad. de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. (mimeo).
_____; VOLOCHINOV, V. [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São
Paulo: Hucitec, 2009, 13ª ed.
BARBOSA, J. P. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa para o ensino de língua portuguesa. Tese de doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, São Paulo, 2001.
BARI, V. O potencial das histórias em quadrinhos na formação dos leitores: busca de um contraponto entre os panoramas culturais brasileiro e europeu. São Paulo: Escola de Comunicações e Arte – ECA-USP, 2008. [Tese de doutorado].
BRAIT, B. (2005) Estilo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010.
_____. A palavra mandioca do verbal ao verbo-visual. BAKHTINIANA, São Paulo, v. 1, n. 1, p.142-160, 2009.
148
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa- 3° e 4° ciclos. Brasília: MEC,1998.
_____. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, MEC/SEF, 1997.
CLAUDINO, V. A atividade de leitura de histórias em quadrinhos/tiras na formação do leitor crítico: um estudo no programa Ação cidadã. São Paulo: PUC, 2008. Dissertação (Mestrado) apresentada ao Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem.
CLARK, K.; HOLQUIST, M. [1984] Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2008.
COSTA, E. P. M. A Multimodalidade nas atividades de leitura em livros didáticos do ensino médio: um estudo enunciativo-discursivo. Cuiabá: UFMT, 2011. Dissertação (Mestrado) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.
DIONÍSIO, A. P. (2005) Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, A. M. GAYDECZKA, B. BRITO, K.S. (2005) Gêneros textuais: Reflexões e Ensino. Palmas e União da Vitória: Kaygangue.
FERREIRA, J. O gênero seminário escolar: uma proposta de didatização. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da UFMT. Cuiabá-MT, 2009.
FIGUEIREDO, L. B. Gêneros discursivos/ textuais e cidadania: um estudo comparativo entre os PCN de Língua Portuguesa e os Parâmetros em ação. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP. São Paulo, 2005.
FIORIN, J. L. Leitura e dialogismo. In.: ZILBERMAN, R. RÖSING, T. M. (orgs). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
FREIRE, P. (1981) A importância do ato de ler em três artigos que se completam – 44º ed. São Paulo, Cortez, 2003.
FREITAS, M. T. Vygotsky e Bakhtin. Psicologia e Educação: um intertexto. Juiz de Fora: Ática, 2002.
FREITAS, M.T. JOBIM, S.J. & KRAMER, S. (orgs.) Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
GERALDI J. W. (1984) O texto na sala de aula. Ática: São Paulo, 2006.
_____. Portos de Passagem. Campinas: Martins Fontes, 1991.
_____. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
149
IGNÁCIO, A. V. Formação de professores para o trabalho com os gêneros discursivos: uma pesquisa dialógica. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da UFMT. Cuiabá-MT, 2010.
JURADO, S. G.O.G. Leitura e letramento escolar no Ensino Médio: um estudo exploratório. Dissertação de mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC- SP, São Paulo.
KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
KLEIMAN, A. B. (1989a) Leitura: Ensino e pesquisa. 2ª edição. Campinas: Pontes, 1996.
KRESS & VAN LEEUWEN, T. Reading Images. The Grammar of Visual Design. London: Routledge, 1996.
______ (1989b) Texto e Leitor: Aspectos cognitivos da leitura. 2ª ed. Campinas, Pontes, 1992.
______ (1992) Oficina de Leitura. 8ª ed.. Campinas: Pontes, 2001.
______. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, Mercado das Letras, 1995.
_____. Abordagens da leitura. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 13-22, 2004.
LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.
LODI, A. C. A leitura como espaço discursivo de construção: uma oficina com surdos. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, 2004.
LUYTEN, S. (org) História em quadrinhos, leitura crítica. São Paulo: Paulinas, 1984.
MACIEL, L. V. C. Além de “Os gêneros do discurso”. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, 53(1), 2011.
MATO GROSSO, Secretaria do Estado. Orientações Curriculares para a Educação Básica o Estado de Mato Grosso. 2011.
MENDONÇA, M. R. S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In. DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs.) Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
MOYA, A. A história das histórias em quadrinhos. Porto Alegre: L&PM, 1986.
150
MOREIRA DA COSTA & PAES DE BARROS. Os gêneros multimodais em livros didáticos: formação para o letramento visual?. Bakhtiniana, São Paulo, 7 (2): Jul./Dez. 2012.
NEVES, M. H. A gramática: conhecimento e ensino. In. J.C. de Azevedo. (org) Língua Portuguesa em debate. Petrópolis: Vozes, 2000.
ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: 3ª edição. Cortez, 1988.
______ A leitura: de quem, para quem? In: A linguagem e seu funcionamento. Campinas: Pontes, 1996.
______ (org.) A leitura proposta e os leitores possíveis In. A leitura e os leitores. Campinas: Pontes, 1998.
PADILHA, S. J. (2005) Os gêneros poéticos em livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental: uma abordagem enunciativo-discursiva. Tese de doutoramento PUC SP.
PAES DE BARROS, C. G. “Compreensão ativa e criadora”: uma proposta de ensino-aprendizagem de leitura do jornal impresso. Tese de doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, São Paulo, 2005.
_____. (2006) Letramento digital – considerações sobre a Leitura e a escrita na internet. (disponível em: http://cpd1.ufmt.br/meel/arquivos/artigos/136.pdf - acesso em 05/01/2012).
____. Os gêneros discursivos: contribuições teóricas e aplicadas ao ensino de línguas. In: PETRONI, M.R.(Org.) Gêneros do discurso, leitura e escrita: experiências de sala de aula. São Carlos: Pedro & João Editores/Cuiabá: EdUFMT, 2008.
_____. Letramento, Leitura e prática escolar. 2012. (No prelo).
PAES DE BARROS, SOUSA & CARVALHO, Literacia, ensino da leitura e sucesso escolar. ATAS do XIX Colóquio da AFIRSE, no prelo, 2012. PONZIO, A. Signo e ideologia. In.; _____. A revolução Bakhtiniana. São Paulo: Contexto, 2008.
_____. A concepção bakhtiniana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, M. M. [1920-24]. Para uma filosofia do ato. Trad.de Augusto Ponzio, São Carlos – SP: Pedro João Editores, 2010.
RAMOS, P. Histórias em quadrinhos: um novo objeto de estudos. Estudos Linguísticos XXXV, São Paulo, p. 1574-1583, 2006.
_____. (2009a) A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2010.
_____. (2009b) Histórias em quadrinhos: gênero ou hipergênero? Estudos Linguísticos, São Paulo, p. 355-367, 2009.
151
RODRIGUES, R. H. Gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L. BONINI, A. MOTTA-ROTH, D. (Orgs) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
ROJO, R. O letramento na ontogênese: Uma perspectiva socioconstrutivista. In: R. Rojo (org.) Alfabetização e Letramento: Perspectivas linguísticas. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
_____. A teoria dos gêneros em Bakhtin: construindo uma perspectiva enunciativa para o ensino de compreensão e produção de textos na escola. In: BRAIT, B. (Org.). Estudos enunciativos no Brasil. Campinas, SP: Pontes Editora, 2001.
_____. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. 2004. (mimeo)
_____. A Teoria dos Gêneros Discursivos do Círculo de Bakhtin e os Multiletramentos. No prelo.
_____. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L. BONINI, A. MOTTA-ROTH, D. (Orgs) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
_____. O Letramento Escolar e os textos da divulgação científica – A apropriação dos gêneros de discurso na escola. Linguagem em (Dis)curso – LemD, v. 8, n. 3, p. 581-612, set./dez. 2008.
_____. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
_____. Pedagogia dos multiletramentos. In: ROJO, R. & MOURA, E. (Orgs). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
SCARELLI, G. Educação e história em quadrinhos: a natureza das produções de Maurício de Sousa. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade Estadual de Campinas. SP, 2002.
SCHNEUWLY, B.; (1994). Gênero e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (cols.) Gêneros orais e escritos na escola. Tradução R. Rojo & G. Cordeiro. Campinas: Mercado das letras, 2007.
_____; DOLZ, J. (2004) (cols.) Gêneros orais e escritos na escola. Tradução R. Rojo & G. Cordeiro. Campinas: Mercado das letras, 2007.
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
______. (2003a) Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
152
______. (2003b) Letramento e alfabetização: as muitas facetas - Trabalho apresentado no GT Alfabetização, Leitura e Escrita, durante a 26ª. Reunião Anual da ANPEd, realizada em Poços de Caldas, de 5 a 8 de outubro de 2003.
SOBRAL, A. (2005). Ético e estético. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010.
TFOUNI, L. V. (1995) Letramento e Alfabetização. 5ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
VERGUEIRO, W. A linguagem dos quadrinhos: uma alfabetização necessária. In: RAMA, A. & VERGUEIRO, W. (orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006.
VYGOTSKY, L.S. (1930). Implicações educacionais. In. M. Cole, V. John-steiner, S. Scriber & E. Soberman (orgs.) (1978) A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. SP: Martins Fontes, 2007.
______ (1934). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
______ (1935). O problema do ensino e do desenvolvimento mental na idade escolar. In. Psicologia Pedagógica. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martin Fontes, 2001.
ZANDWAIS, A. Bakhtin/Volochinov: condições de produção de Marxismo e
filosofia da linguagem. In.: BRAIT. B. (org.) Bakhtin e o Círculo. São Paulo:
Contexto, 2009.
153
Nome_____________________________________________________ Série_____________
Idade_______ Endereço__________________________________________________ Telefone______________________
O que é leitura pra você? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Qual o nome do seu Pai ou responsável do sexo masculino? ___________________________________________ Idade_________ Qual seu grau de instrução ( ) Nenhuma ( ) Menos de 4ª série ( ) Ensino fundamental incompleto/ até a 7ª série ( ) Ensino fundamental completo/ até a 8ª série ( ) Ensino Médio/ até ao 2ºcolegial ( ) Ensino Médio/até o 3º colegial ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo Profissão____________________ local de trabalho ________________ Qual o nome de sua Mãe ou responsável do sexo feminino ___________________________________________Idade_________ Qual seu grau de instrução ( ) Nenhuma ( ) Menos de 4ª série ( ) Ensino fundamental incompleto/ até a 7ª série ( ) Ensino fundamental completo/ até a 8ª série ( ) Ensino Médio/ até ao 2ºcolegial ( ) Ensino Médio/até o 3º colegial ( ) Superior incompleto ( ) Superior completo Profissão____________________ Local de trabalho ________________ Quando era criança, alguém lia textos para você? Sim ( ) Não ( ) Não sei ( ) Em caso positivo, responda: Quem lia? ( ) Mãe ou responsável do sexo feminino ( ) Pai ou responsável do sexo masculino ( ) Irmão mais velho ( ) Irmã mais velha ( ) Avô ( ) Avó ( ) Tio ( ) Tia ( ) Outra pessoa O que você costumava ler na escola? ( ) Livros didáticos ( ) Livros técnicos ( ) Manuais ( ) Apostilas ( ) Textos e exercícios em folhas avulsas ( ) Matérias, textos ou exercícios no quadro negro
154
( ) Revistas ( ) Jornais ( ) Sites ou páginas na Internet ( ) Folhetos e cartazes ( ) Seus próprios textos ou dos colegas ( ) Livros infantis ( ) Gibis, revista em quadrinhos, tirinhas ( ) Outros. Quais?____________________________________________________________________ O que você costuma ler em casa, ou em outros lugares fora da escola? ( ) Livros didáticos ( ) Livros técnicos ( ) Manuais ( ) Apostilas ( ) Textos e exercícios em folhas avulsas ( ) Matérias, textos ou exercícios no quadro negro ( ) Revistas ( ) Jornais ( ) Sites ou páginas na Internet ( ) Folhetos e cartazes ( ) Seus próprios textos ou dos colegas ( ) Livros infantis ( ) Gibis, revista em quadrinhos, tirinhas ( ) Outros. Quais?____________________________________________________________________ Você gosta de ler? ( ) Gosta Muito ( ) Gosta Pouco ( ) Não Gosta ( ) Não Sabe Ler O que você mais gosta de ler? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Marque as pessoas que mais influenciaram o seu gosto pela leitura ( ) Algum professor ( ) Mãe ou responsável do sexo feminino ( ) Pai ou responsável do sexo masculino ( ) Algum amigo ( ) Outro parente ( ) Padre/Pastor ou líder religioso ( ) Outra pessoa ( ) Ninguém Quais as dificuldades que tem ao ler? ( ) Lê muito devagar ( ) Não têm paciência para ler ( ) Tem problemas de visão, ou outras limitações físicas ( ) Não tem concentração suficiente para ler ( ) Não compreende a maior parte do que lê ( ) Não sabe ler ( ) Não tem dificuldade Qual o tipo de livro que costuma ler, ainda que de vez em quando? ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Romance, aventura, policial, ficção ( ) Biografias, relatos históricos
155
( ) Livros técnicos, de teoria, ensaios ( ) Auto-ajuda, orientação pessoal ( ) Não costuma ler livros Com que frequência você ganha livros de presente? ( ) Sempre ( ) Algumas vezes ( ) Nunca Quantos livros já leu este ano? ( ) um ( ) dois ( ) mais de três ( ) nenhum Com que frequência você usa o computador? ( ) Todos os dias da semana ( ) Quase todos os dias da semana ( ) Um ou dois dias da semana ( ) Eventualmente/de vez em quando ( ) Nunca utilizou computador Onde costuma utilizar o computador? ( ) Em casa ( ) Na escola ( ) Em lan houses ( ) Casa de amigos, parentes ( ) Outros (especifique:................................................................................................................) Quais materiais escritos que possui na residência? ( ) Calendários e folhinhas ( ) Álbum de família, fotografias ( ) Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Agenda de telefone/endereços ( ) Dicionário ( ) Livros de receitas de cozinha ( ) Livros didáticos ( ) Livros infantis ( ) Guias, listas e catálogos ( ) Livros de literatura/romances ( ) Enciclopédia ( ) Livros técnicos ( ) Outros (especifique:................................................................................................................) Quantos livros têm em sua casa? ( ) Menos de 10 livros ( ) De 15 a 50 livros ( ) De 51 a 100 livros ( ) Não tem livros em casa O que seus pais ou parentes costumam ler? ( ) Ler a Bíblia, livros sagrados ou religiosos ( ) Ler jornais ( ) Ler ou escrever cartas ( ) Ler revistas ( ) Ler ou escrever receitas
156
( ) Ler folhetos ( ) Ler ou escrever tarefas do trabalho ( ) Fazer trabalhos escolares ( ) Nenhuma delas ( ) Não sabe Com que frequência você vê ou via sua MÃE (ou responsável do sexo feminino) ler: ( ) Sempre ( ) De vez em quando ( ) Quase nunca ( ) Nunca ( ) Não sabe Com que frequência você vê ou via seu PAI (ou responsável do sexo masculino) ler: ( ) Sempre ( ) De vez em quando ( ) Quase nunca ( ) Nunca ( ) Não sabe Com que freqüência você: Assiste à televisão Ouve rádio ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( ) Nunca ( ) Nunca Vai a exposições ou feiras Vai a shows ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( ) Nunca ( ) Nunca Vai a cinemas ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Nunca Na sua escola têm biblioteca? ( ) SIM ( ) NÃO ( ) NÃO SEI Em bibliotecas, com que frequência você: Retira livros Lê e consulta livros ( ) Sempre ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Às vezes ( ) Nunca ( ) Nunca Marque as atividades que realiza na escola. ( ) Copiar matérias, textos e exercícios do quadro negro ( ) Copiar textos dos livros ( ) Fazer anotações sobre as aulas ( ) Fazer resumos ou fichamentos de textos ( ) Fazer redação ou trabalhos ( ) Responder a questionários ou fazer exercícios ( ) Escrever textos ditados pelo professor ( ) Elaborar projetos de pesquisa ou relatórios ( ) Ler em voz alta ( ) Apresentar seminários ou trabalhos ( ) Participar de debates ou discussões ( ) Fazer perguntas e esclarecimentos ao professor ( ) Consultar quadros de horários ( ) Agendar provas e entrega de trabalhos
157
( ) Controlar suas próprias notas ou conceitos e faltas ( ) Estudar e preparar-se para provas e avaliações ( ) Participar de reuniões para organizar atividades ou tomar decisões ( ) Nenhum destes Como se mantem informado sobre assuntos da atualidade? ( ) Televisão ( ) Rádio ( ) Jornal ( ) Conversas com parentes, amigos e colegas ( ) Reuniões na Igreja ( ) Reuniões de associação de moradores ( ) Internet ( ) Nenhuma destas O que gosta de fazer em seu tempo livre? ( ) Assistir televisão ( ) Escutar música ou rádio ( ) Descansar ( ) Reunir-se com amigos e família ( ) Assistir vídeos/ filmes em DVD ( ) Sair com amigos ( ) Ler (jornais, revistas, livros, textos na internet) ( ) Navegar na internet ( ) Praticar esportes ( ) Fazer compras ( ) Passear em parques e praças ( ) Acessar redes sociais (Orkut/ Facebook/ Twitter) ( ) Escrever ( ) Ir a bares e restaurantes ( ) Jogar Videogame ( ) Viajar ( ) Desenhar/ pintar ( ) Ir ao cinema, ao teatro/ dança/ concertos/ museus/ exposições ( ) Fazer artesanatos/ trabalhos manuais Você lê mais por prazer ou por obrigação? ( ) por prazer ( ) por obrigação ( ) Não sabe Reconte, com suas palavras, uma história que leu ou ouviu, ou algum filme que assistiu. _________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________________