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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NILVACI LEITE DE MAGALHÃES MOREIRA
TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS NEGRAS DA
BAIXADA CUIABANA/MT
CUIABÁ-MT
2013
ii
NILVACI LEITE DE MAGALHÃES MOREIRA
TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS NEGRAS DA
BAIXADA CUIABANA/MT
Dissertação de Mestrado, apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, para obtenção do Título de Mestra em Educação, na
Área de Concentração: Educação, Cultura e Sociedade, Linha de
Pesquisa: Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, sob
a orientação da Professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller.
CUIABÁ-MT
2013
iv
DEDICATÓRIA
Dedico esta vitória à minha família, em especial a
minha mãe Ermelinda que, mesmo passando por
momentos difíceis, esteve sempre ao meu lado,
apoiando-me e entendendo minhas ausências.
Obrigada guerreira, por me ensinar a essência da
vida.
A minha irmã Nelci (in memoriam) que, diante do
momento mais difícil da sua vida, da sua fragilidade,
da dor e da luta pela vida, orgulhava-se do meu
interesse pelos estudos e me ensinava que mesmo
diante das dificuldades devia se buscar o exemplo
dos rios que, quando encontram barreiras, contorna-
os e seguem em frente. Dizia que nunca devemos
desistir de lutar. Querida irmã, nossa vida foi
marcada por bons e alegres momentos, sei que está
em um lugar especial.
As minhas filhas e amigas Brendha e Andreza,
meus tesouros, que, em tantas noites de angústias,
acalentaram-me e me incentivaram a seguir em
frente. Estão sempre presentes na minha caminhada.
Ao meu esposo Juely, pelo apoio nos momentos em
que precisei.
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, que é a força máxima que me protege e me concede momentos
maravilhosos em todas as etapas da minha vida. É aquele que sempre está
presente na minha caminhada, mostrando que há sempre uma luz no fundo do
túnel.
A minha família, que, pela admiração que sentem por mim, possibilita-me a me
sentir mais forte, a ter coragem e a não desistir dos meus sonhos. Obrigada
querida família pela frase de ânimo “guerreiro não foge da luta, não pode correr,
ninguém vai poder atrasar quem nasceu para vencer”.
Aos meus colegas e amigos do NEPRE que sempre me demonstraram um
carinho especial, Cleonice, Zilma, Malsete, Vanda, Rosana. Vocês sempre
foram solidárias para comigo, dando-me força, incentivo e coragem para chegar
ao fim deste trabalho.
As amizades que construí durante o mestrado, Gleice, Edenar e Neusa.
Obrigada pelos momentos de alegria e entusiasmo.
Quero expressar a minha especial gratidão a Lori Hack de Jesus, pelas
contribuições dadas na elaboração desta dissertação, pelas palavras de conforto e
incentivo para que eu pudesse continuar essa caminhada.
Ao meu colega de curso, Carlos Paulino, pelos diálogos e companheirismo,
quem dedicou várias horas do seu tempo para me ouvir num momento tão difícil
da minha vida.
A professora Dra. Moema De Poli Teixeira, pela valiosa contribuição dada a
minha dissertação durante o processo de qualificação e por fazer parte da banca
de defesa.
Aos meus amigos e amigas que sempre me admiraram pela minha história e
torcem pelo meu sucesso.
vi
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller, por ter me proporcionado a valiosa
oportunidade de ingressar no mestrado e pela orientação dedicada. Obrigada professora
por ter acreditado em mim, pela paciência e generosidade. Tenho a honra de ter sido sua
aluna, suas palavras sempre foram ensinamentos para o meu crescimento pessoal e
profissional.
A professora Dra. Candida Soares da Costa, a quem conheci e aprendi a admirar seu
espírito guerreiro de mulher negra. Obrigada professora por fazer parte da minha banca
de qualificação e pela valiosa contribuição. Suas palavras sempre me possibilitaram
confiar mais na minha capacidade e acreditar que posso ir longe.
As professoras negras da Baixada Cuiabana que, de forma generosa e comprometida,
dispuseram-se a participar desta pesquisa.
vii
RESUMO
Esta pesquisa investiga as trajetórias de vida de professoras negras atuantes na rede
pública de ensino de quatro municípios da Baixada Cuiabana/MT, a saber: Cuiabá,
Poconé, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande. O procedimento
metodológico utilizado para conhecer o percurso de vida das professoras foi a história
oral, e a técnica empregada foi a de história de vida. Todas as professoras entrevistadas
originam-se de famílias humildes, de baixa renda, a maioria é provedora dos seus lares,
e tanto o ensino básico como o superior foram conquistados com muitas dificuldades.
Os relatos das professoras revelaram que o preconceito e a discriminação racial ainda
são constantes na vida de mulheres negras as quais têm diariamente suas capacidades
intelectuais colocadas à prova, principalmente quando ocupam posição de destaque na
sociedade. Apesar disso, elas mostram sua capacidade por meio da aquisição de
conhecimentos outros capazes de solidificar seus papéis sociais. Constatou-se que as
professoras encontraram a todo o momento obstáculos para desencorajá-las a lutar pelo
seu ideal, cujos empecilhos foram constantemente provocados numa tentativa de fazer
com que elas permanecessem na base inferior da hierarquia social. Contudo, elas
contaram com uma rede de apoio e solidariedade que contribuiu significavelmente para
superar os obstáculos e, assim, poderem galgar novos espaços como a família e os
amigos. A maioria das entrevistadas está à frente do desenvolvimento de projetos
escolares ou envolvidas em trabalhos voltados para a questão racial. A pesquisa
concluiu que a formação continuada contribuiu de forma significativa para a percepção
das docentes na busca de uma nova postura pedagógica frente às questões raciais.
Palavras-chave: Professoras negras. Trajetórias escolar e profissional. Ascensão social.
viii
ABSTRACT
In this search investigates the life trajectories of black teacher's who work in public
schools in four municipal districts of the Baixada Cuiabá / MT, to know: Cuiabá,
Poconé, Nossa Senhora do Livramento and Várzea Grande. The methodological
procedure to meet the life way of the teachers was oral history and technique employed
was the story of life. All the interviewed teachers originate from humble families, poor
income, most is a provider of their homes, and both basic education as the top were won
over many difficulties. The teachers' reports showed that racial prejudice and
discrimination are still listed in the lives of black women, and daily their intellectual
abilities are put to the test, especially when they occupy an important position in the
society. Spite of this, they show their capacity through the acquisition of other
knowledge able to solidify their social roles. It was found that teachers finding at all
times obstacles to discourage them to fight for their ideal, of which impediments were
constantly provoked an attempt to get them to remain on the lower bottom of the social
hierarchy, however, they relied on a network of support and solidarity that contributed
significantly and to overcome obstacles and conquer new spaces such as family and
friends. The most of interviewed are ahead of the development of school
projects or involved in work aimed at the racial question. The search concluded that
with continued education has contributed significantly to the perception of teachers
in search of a new pedagogical posture in the racial question.
Keywords: Black Teachers. Educational trajectory. Social ascension.
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1
Mapa do Estado de Mato Grosso Pág.19
FIGURA 2 Mapa de localização dos municípios da Baixada Cuiabana Pág.19
FIGURA 3 Média de anos de estudos da população ocupada com 16 anos
ou mais
Pág.56
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Autoclassificação das professoras Pág.38
GRÁFICO 2 Classificação da pesquisadora - categorias do IBGE Pág.38Qua
x
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Cuiabá Pág.34
QUADRO 2 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Poconé Pág.34
QUADRO 3 O perfil das professoras negras entrevistadas na cidade de Nossa
Senhora do Livramento
Pág.34
QUADRO 4 O perfil das professoras negras entrevistas na cidade de Várzea Grande
Pág.34
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Composição racial da população de Mato Grosso e Baixada
Cuiabana/Censo Demográfico do IBGE/Cidades-2010
Pág.20
TABELA 2 Tabela Atuação das professoras negras e brancas em diferentes
níveis de ensino/Censo Demográfico de 2000
Pág.53
xi
LISTA DE ABREVIATURAS (SIGLAS)
CPDOC
Centro de Investigação e Documentação Histórica Contemporânea
FGV Fundação Getúlio Vargas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFMT Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MEC Ministério da Educação
MT Mato Grosso
NEPRE Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação
PPGE Programa de Pós Graduação em Educação
PNAD Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio
PROUNI Programa Universidade Para Todos
SEDUC Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso
SINTEP Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNIC Universidade de Cuiabá
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
xii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 13 CAPÍTULO I ............................................................................................... 18 O PONTO DE PARTIDA PARA CONHECER OS PERCURSOS
VIVIDOS..................................................................................................... 18 1.1 Caracterização do local da pesquisa: a região da Baixada Cuiabana18 1.2 Procedimentos metodológicos e instrumentos de coletas de dados .. 25 1.3 A seleção das informantes ................................................................. 31 1.4 O perfil das professoras ..................................................................... 34 1.5 Classificação da cor e a identidade racial no jogo das relações sociais
.................................................................................................................. 36 CAPÍTULO II ............................................................................................. 44 ASCENSÃO SOCIAL DO NEGRO NO BRASIL .................................... 44
2.1 Ascensão social e mobilidade social: construindo conceitos ............ 44 2.2 As faces do racismo e o retrato das desigualdades em relação à
mulher negra ............................................................................................ 46 2.3 A educação como via de acesso para ascensão social do negro ........ 55 2.4 A regra da aparência na vida de mulheres negras ............................. 57
CAPÍTULO III ............................................................................................ 62 PROFESSORAS NEGRAS PROTAGONIZANDO A PRÓPRIA
HISTÓRIA: AS TRAJETÓRIAS ............................................................... 62 3.1 As experiências de discriminação racial na trajetória escolar e
profissional ............................................................................................... 62 3.2 Ser professora: desejo ou necessidade? ............................................. 73 3.3 Vencendo barreiras: a conquista da ascensão social ......................... 77 3.4 Rede de apoio e solidariedade: A ajuda dos familiares e amigos .... 84 3.5 Estar no “lugar” do branco: a capacidade em contínua prova ........... 87
CAPÍTULO IV ............................................................................................ 93 O NOVO OLHAR DAS PROFESSORAS PARA AS RELAÇÕES
RACIAIS NA ESCOLA ............................................................................. 93 CONSIDERAÇÕES .................................................................................. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 107 ANEXO ..................................................................................................... 113
13
INTRODUÇÃO
Este estudo trata das trajetórias de vida de professoras negras1 e integra o Projeto
“Construindo novas identidades culturais: educação e mulheres em Mato Grosso”, do
Núcleo de Pesquisa sobre Relações Raciais e Educação – NEPRE, da Universidade
Federal de Mato Grosso, coordenado pela Professora Drª Maria Lúcia Rodrigues
Müller. Pretendeu-se neste trabalho investigar as trajetórias de vida de professoras
negras da Baixada Cuiabana, buscando conhecer as experiências raciais por que elas
passaram, a forma de superação, a ascensão social e os motivos que as levaram a
discutir relações raciais.
Nesse contexto, objetiva-se especificamente: a) compreender como se deu o
contexto escolar e profissional vivenciado pelas professoras negras; b) identificar as
situações e as formas de enfrentamento acerca das discriminações raciais por que as
professoras passaram ao longo da vida; c) levantar os motivos que levaram as
professoras a se engajarem nas discussões sobre relações raciais.
O interesse em realizar esta pesquisa se consolidou a partir de várias
experiências vivenciadas. Destaco aqui três momentos que considero importantes.
Primeiro, a minha experiência pessoal, como mulher, professora, e negra, tenho
vivenciado situações variadas de preconceito e discriminação. Nasci no interior de Mato
Grosso, em uma comunidade chamada Bonsucesso, localizada no município de Várzea
Grande. De família humilde, meus pais tinham como formação escolar o antigo
primário incompleto, ambos interromperam os estudos devido às labutas pela
sobrevivência.
A minha primeira experiência escolar se deu aos sete anos de idade, quando,
além de estudar, fazia dos momentos do recreio o palco para brincadeiras que, muitas
vezes, culminavam em conflitos, cujo ápice se dava quando os colegas faziam
referências às imagens negativas em relação ao meu cabelo e a cor de minha pele, essas
atitudes eram também manifestadas as minhas outras colegas negras. Uma imagem que
trago na memória foi a do desejo de hastear a Bandeira Nacional nos raríssimos
momentos cívicos oportunizados pela escola, quando, sutilmente, eram somente os
1 Neste estudo, o termo negra ou negro é empregado para definir a população brasileira composta pelos
grupos raciais pretos e pardos.
14
alunos considerados “os mais bonitos” escolhidos para fazer parte daquele prestigiado
evento, e de outros programados no calendário escolar.
Apesar de a minha mãe cuidar e fazer diversos penteados como tranças e pitucas
em meus cabelos, estes eram sempre alvo de chacotas pelos meus colegas, o que me
levou a acreditar que tivesse cabelo feio e isso me fazia sentir inferior aos outros alunos.
Para completar essa situação, via nos livros didáticos somente imagens de pessoas
negras com referências negativas, sobre as quais as professoras faziam questão de emitir
opiniões desagradáveis arrancando risos dos alunos em sala de aula e, diante dessas
situações, sempre me mantive em silêncio, tornando-me uma criança extremamente
tímida. Tais situações, entretanto, não afetaram minha determinação e enorme vontade
de vencer na vida.
A adolescência foi uma fase difícil, passei por vários processos agressivos de
alisamentos no cabelo para que eu pudesse me aproximar das meninas brancas da minha
idade e ser aceita pelo grupo, em especial, pelos meninos. Esse processo angustiante me
acompanhou por longos anos, principalmente na fase adulta.
O segundo momento que me levou ao interesse por esta pesquisa foi o meu
percurso profissional. Fiz magistério e me tornei professora aos dezoito anos. No
decorrer do exercício da minha profissão fiz com meus alunos aquilo que me foi
inculcado historicamente em relação ao aspecto negativo referente ao meu
pertencimento racial, estabelecendo tratamento diferenciado em relação a alunos negros
e brancos em minha sala de aula. Conquistei meu curso superior com muito esforço,
vencendo muitas barreiras, pois senti na pele, como mulher negra, as dificuldades que a
sociedade me impunha para que eu pudesse seguir o destino que ideologicamente havia
traçado, isto é, o “lugar” do negro.
Confesso que essas manifestações, em que tanto eu quanto os meus alunos
fomos vítima, em nenhum momento foi por mim percebido como preconceito e
discriminação racial.
Lembro-me que foi a partir dos momentos da participação de cursos sobre
questões raciais, posteriormente em militância nos movimentos sociais e, em seguida,
no curso de especialização sobre Relações Raciais na Sociedade Brasileira ofertada pelo
NEPRE/UFMT·, que passei a ter uma nova visão sobre o acometimento desses
fenômenos para a população negra e, em especial, às mulheres negras. Tais mudanças
me instigaram a reflexões que foram imprescindíveis para a minha tomada de
consciência e para afirmação da minha identidade racial que, mais tarde,
15
impulsionaram-me para o enfrentamento e discussões sobre relações raciais no espaço
escolar.
E, por fim, outro aspecto marcante foram os depoimentos de professoras negras
nas conversas informais do dia a dia sobre episódios de discriminação racial que
sofreram durante seu percurso escolar e trajetória profissional, sempre enfatizando a
superação e a satisfação pelos avanços profissionalmente conquistados. No vai e vem
desses diálogos, pude observar que muitas dessas professoras sinalizavam estar à frente
de trabalhos sobre questões raciais ou que participavam de projetos sobre o tema
desenvolvidos na escola.
O racismo, a discriminação e o preconceito racial são atitudes que marcam
negativamente a vida de uma pessoa. Esses sentimentos transitaram e ainda transitam
nos percursos de vida das professoras negras que, embora se apresentem como marcas
de um passado um pouco distante, parecem refletir no presente, fazendo com que essas
mulheres tentem buscar seu reconhecimento como sujeito político-histórico-social numa
sociedade extremamente seletiva, racista, desigual e injusta.
Estudar sobre relatos de vida de mulheres negras professoras tornou-se fonte
importante de informação para tentar entender e quiçá responder as seguintes
indagações: como o processo de experiências de cunho racista e discriminatório nas
trajetórias de vida das professoras negras foi enfrentado e superado? Teriam as
experiências vivenciadas por essas professoras motivadas a realização de um trabalho
sobre relações raciais na escola? Será que a reflexão sobre essas questões contribuem
para uma mudança de postura pedagógica por parte das professoras?
Para a realização deste estudo, foi utilizada a pesquisa numa perspectiva
qualitativa. Para conhecer o percurso de vida das professoras, optou-se como fonte de
informações a metodologia da história oral. Dentre as diversas técnicas de coletas de
dados que compõem a história oral, preferiu-se pela história de vida, por concebê-la
como uma técnica que envolve parcialmente a subjetividade da pessoa, isto é, permite
reportar a um passado repleto de sentimento, emoções, valores, perspectivas e
superação. Foram registradas, por meio do uso de gravador, 20 histórias de vida de
professoras negras de quatro municípios da Baixada Cuiabana: Cuiabá, Poconé, Nossa
Senhora do Livramento e Várzea Grande, cujos depoimentos foram transcritos
respeitando-se as falas das pesquisadas.
Como forma de fundamentar as análises feitas nesta investigação, buscou-se a
sustentação teórica nos estudos de diversos pesquisadores, entre outros: Azevedo
16
(1955); Hasenbalg (1979); Bourdieu (1989); Queiroz (1991); Thompson (1992); Gomes
(1995); Henriques (2001); Figueiredo (2002); Teixeira (2003); Oliveira (2006); Minayo
(2007) e Müller (2006, 2009).
Para tanto, no primeiro capítulo deste estudo, apresento um breve panorama dos
quatro municípios da Baixada Cuiabana, locais em que foram realizadas as pesquisas,
os procedimentos metodológicos e os instrumentos para coletas de dados utilizados para
alcançar os objetivos, traçando o perfil das participantes da pesquisa.
No segundo capítulo, contextualizo sobre a ascensão do negro no Brasil, feito
por meio de um diagnóstico do retrato das desigualdades em relação à mulher negra.
Busco evidenciar dados estatísticos, pesquisas e estudos que comprovem a educação
como via de acesso à mobilidade e ascensão social de homens e mulheres negras em
nossa sociedade, e como a aparência ainda continua sendo um entrave na vida de
mulheres negras que intentam galgar novos espaços sociais, driblando os acidentes
raciais.
No decorrer do terceiro capítulo são analisadas as trajetórias de vida das
professoras negras em relação as suas experiências raciais, estratégias de
enfrentamentos, suas conquistas, pois, em suas trajetórias de vida, tornar-se professora,
alcançar um curso superior, ser aprovada em um concurso público foram avanços
significativos que fizeram a diferença no alcance da posição social das pesquisadas.
Ainda neste capítulo, destaco o apoio dos familiares e amigos, figuras importantes na
superação dos problemas enfrentados e nos projetos de vida das professoras,
considerados grandes aliados na busca pela sua ascensão social.
No quarto capítulo, discuto sobre os motivos que levaram as professoras a um
novo olhar sobre as questões raciais no espaço escolar, tendo como referência positiva a
construção de uma educação antirracista. E nas Considerações, busco efetivar reflexões
em relação aos resultados obtidos.
Percebo neste estudo a possibilidade de contribuir para a condução de novos
estudos sobre a educação do negro e, em especial, a trajetórias de vida de mulheres
negras que protagonizam histórias de lutas, superação e de conquistas. O espaço de
diálogo com as professoras não possibilitou apenas o partilhamento de lembranças,
como também a riqueza em suas vozes abriu passagem para inúmeras reflexões de que,
embora o racismo venha impedindo a população negra de avançar socialmente, muitas
mulheres negras vêm mostrando suas potencialidades, conquistando espaço, vencendo
barreiras e se revelam verdadeiras mulheres vencedoras.
17
Elas ainda veem na escola e na prática pedagógica a possibilidade na mudança
do cenário das desigualdades, com propostas de luta pela consolidação de uma educação
que desconstrua as diversas formas de discriminação cristalizadas em nossa sociedade.
Desse modo, este estudo propõe-se a trazer novas contribuições para que
brasileiros e brasileiras conheçam melhor sua nação mediante a história e o
protagonismo de seu povo; neste caso particular, da história de sucesso de mulheres
negras da Baixada Cuiabana que se tornaram professoras.
18
CAPÍTULO I
O PONTO DE PARTIDA PARA CONHECER OS PERCURSOS VIVIDOS
Neste capítulo, apresentarei de forma sucinta, um pouco do contexto histórico-
geográfico-social da Baixada Cuiabana e, especificamente dos municípios Cuiabá,
Poconé, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande, locais de realização deste
estudo, como forma de enriquecer as informações trazidas pelas vozes das professoras
negras e por ser o espaço onde elas estão inseridas. Busco apresentar também os
procedimentos metodológicos e os instrumentos de coletas de dados utilizados nesta
pesquisa.
Vale destacar que, embora haja diversos estudos já realizados sobre a presença
do negro como protagonista da ocupação e construção da História do Estado de Mato
Grosso abordada por Müller (1999); Santos (2007); Marques (2012); Nascimento
(2012) e outros, ainda são poucos os estudos sobre os municípios da Baixada Cuiabana.
É oportuno salientar que a escolha pelos quatro municípios da Baixada Cuiabana
como campo de pesquisa deu-se em razão da semelhança entre o processo histórico de
ocupação populacional e a diversidade cultural dessa região com as demais, todas
constituídas basicamente pela influência negra.
1.1 Caracterização do local da pesquisa: a região da Baixada Cuiabana
Localizada na região Centro Oeste do Brasil e no Estado do Mato Grosso, a
Baixada Cuiabana abrange uma área territorial de 85.369.70 km². É formada por 14
municípios2, cujo processo de ocupação corresponde à fundação da capital Cuiabá. São
eles: Cuiabá (1719); Poconé (1831); Rosário Oeste (1833); Nossa Senhora do
Livramento (1883); Santo Antonio do Leverger (1899); Várzea Grande (1948); Acorizal
(1953); Barão de Melgaço (1953); Chapada dos Guimarães (1953); Nobres (1963);
Nova Brasilândia (1979); Jangada (1989); Planalto da Serra (1993) e Campo Verde
(1988). Todos originaram-se ao longo do rio Cuiabá.
2 As informações sobre os municípios que compreendem a Baixada Cuiabana foram subtraídos do Portal
da Cidadania de Mato Grosso. Site: http://www.territoriosdacidadania.gov.br. Acesso no dia 10 nov.
2012, às 13h15. As datas de fundação dos municípios foram retirados do Portal do IBGE cidades, site:
www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php. Acesso no dia 12 jan. 2012, às 17h05.
19
A seguir, na figura 1, encontra-se o mapa do Estado do Mato Grosso com seus
respectivos municípios.
FIGURA 1: Mapa do Estado de Mato Grosso
Fonte: http://mapas.geographicguide.net/matogrosso.htm.
A figura 2 traz o mapa de localização dos municípios que compõem a Baixada
Cuiabana.
FIGURA 2: Mapa de localização dos municípios da Baixada Cuiabana
Fonte: http://www.territoriosdacidadania.gov.br
20
Conforme os dados do IBGE (2010) houve evolução na composição da
sociedade brasileira, passando de 191 milhões de residentes em 2009, para 195,2 em
2011. Outro aspecto relevante é o avanço proporcional da população negra (preta e
parda) nos últimos anos, passando de 44,9% para 51,3%.
O Censo ainda informa que Mato Grosso possui uma população de 3.035.122
habitantes. Dentre essa proporção, 968.056 habitantes estão concentrados no território
da Baixada Cuiabana. A tabela 1 a seguir mostra a composição racial de Mato Grosso e
dos municípios da Baixada Cuiabana, com destaque para os municípios pesquisados.
População
Total
Preta
%
Parda
%
Branca
%
Indígena
%
Amarelo
%
Centro Oeste 14.058.094 6,7 49,1 41,1 0,1 1,5
Mato Grosso 3.035.122 7,6 52,4 37,5 1,4 1,1
Baixada Cuiabana 968.056 10,2 57,5 31,0 0,3 1,2
Cuiabá 551.098 12,6 54,3 33,8 0,3 1,4
Poconé 31.779 15,8 65,0 18,4 0,3 0,6
Rosário Oeste 17.679 6,8 69,5 22,7 0,2 0,9
Nossa Senhora do
Livramento
11.609 12,5 71,7 14,8 0,1 1,0
S. Antônio do
Leverger
18.463 9,5 69,5 18,1 2,4 0,5
Várzea Grande 252.596 9,7 60,1 28,9 0,1 1,3
Acorizal 5.516 5,7 68,3 23,3 0,2 2,5
B. Melgaço 7.591 6,7 74,0 17,7 1,2 0,4
C. Guimarães 17.821 7,0 71,1 21,1 0,4 0,4
Nobres 15.002 4,6 61,7 31,7 1,2 0,8
N. Brasilândia 4.587 13,3 59,1 26,1 0,1 1,4
P. da Serra 2.726 5,8 65,7 26,1 1,4 1,1
Campo Verde 31.589 6,6 49,8 42,6 0,2 0,9
TABELA 1: Composição racial de Mato Grosso e dos municípios da Baixada Cuiabana.
Fonte: elaborada pela pesquisadora com base nos dados do Censo Demográfico do
IBGE/Cidades 2010.
Como podemos observar na tabela acima, a maioria da população mato-
grossense é composta por pretos e pardos, atingindo uma proporção de 60%, sendo
7,6% de pretos e 52,4% de pardos.
Para uma melhor compreensão dos municípios que compõem o lócus da
pesquisa, faço uma breve contextualização dos seus aspectos geográficos e processo
histórico de conquista e colonização.
21
Para Rosa e Jesus (2003) conquista e colonização eram práticas de “tomar”
espaço, de “produzir” espaço, de se espacializar. Para os autores, trata-se de processo de
ocupação de uma área por indivíduos vindos de fora do Estado, os colonos, para quem
as invasões territoriais ameríndias eram chamadas de conquistas, e seus movimentos
eram denominados de “largas distâncias”. Diziam ainda que estavam a serviço de
“aumentar a Real fazenda de Vossa Majestade e suas conquistas”. (ROSA e JESUS,
2003 p. 12).
No início do século XVIII, Mato Grosso começa a ser ocupado pelos
bandeirantes paulistas que, a princípio, tinham o interesse de aprisionar indígenas para
mão de obra escrava, mas, com a descoberta de lavras de ouro, passaram a se interessar
pelas pedras preciosas, mudando assim seu foco de interesse. Atraídos pelas descobertas
auríferas e pelo desejo de conquista e colonização, os bandeirantes começaram a ocupar
vários territórios do Estado (FERREIRA e SILVA, 2008).
A Vila de Cuiabá foi fundada em 8 de abril de 1719, às margens do córrego da
Prainha, pelos bandeirantes paulistas Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil. Tornou-se
cidade em 17 de setembro de 1818, por meio de carta régia assinada por D. João VI e,
em 1835, passou ser capital da província de Mato Grosso. Em 1909 foi reconhecida
como Centro Geodésico da América do Sul. (IBGE, 2011).
Sua evolução educacional deu-se a partir da segunda metade do século XIX com
a fundação de estabelecimentos escolares, dentre eles: O Seminário da Conceição, em
1858; Colégio Imaculada Conceição, em 1870 e o Liceu Cuiabano em 1879.
(SIQUEIRA, 2002).
Também no início do século XIX, diversas mudanças ocorreram no Brasil. Em
Cuiabá, além da paisagem urbana, o ensino também sofreu uma remodelação
consubstanciada na reforma da instrução pública, criando a Escola Normal de Cuiabá,
estabelecimento que tinha como meta a formação de professores primários e a
instalação de Escolas de Aprendizes e Artífices. (SIQUEIRA, 2002).
Atualmente, o município de Cuiabá é capital do Estado de Mato Grosso e está
localizado na região sul do Estado, ocupando uma área territorial de 3.362,755 Km2. De
acordo com os dados do Censo do IBGE-2010, sua população é de 551.098, havendo
mais mulheres do que homens: 269.204 homens e 281.894 mulheres. 98% da população
cuiabana estão concentradas na zona urbana, e apenas 1.9% na zona rural.
Os dados do IBGE (2010) revelam que a composição racial do município está
constituída da seguinte forma: 12,6% de pretos; 54,3% de pardos; 33,8% de brancos;
22
1,4% de amarelo e 0,3% de indígenas. Observa-se que a maioria da população é negra,
totalizando 66,9%, somando-se, então, pretos e pardos.
A proporção de população residente alfabetizada é de 479.720. Já a taxa de
analfabetismo da população de 15 anos ou mais corresponde a 1%. Analisando por
cor/raça, a população negra que representa a maioria das pessoas que não sabe ler e
escrever: pardo, 1,1%; preto, 1,4%; contra apenas 0,7% dos brancos.
O segundo município é Poconé. Surgido por volta de 1777, também devido a
descobertas de ricas jazidas auríferas aluvionais. Apesar das dificuldades próprias à
época, não houve empecilhos para o seu crescimento populacional, o que contribuiu
para a modificação do espaço demográfico do povoado e à sua elevação à categoria de
Arraial, em 1871, com a denominação de São Pedro d’El Rey, em homenagem a Dom
Pedro III, rei de Portugal. (FERREIRA e SILVA, 2008).
O município de Poconé foi criado em 1831, sendo o quarto município instituído
pela província de Mato Grosso.
De acordo com Ferreira (2001), durante o período da Guerra do Paraguai,
Poconé foi grande fornecedor de gados e cavalos para o abastecimento das tropas do
exército brasileiro, tal ato permitiu que o seu nome fosse sinônimo de gente patriótica e
de espírito nacionalista. As principais atividades econômicas do município são a
pecuária intensiva, o turismo ecológico e o extrativismo mineral.
O município de Poconé ocupa uma área territorial de 17.271,014 Km2.
Conforme dados do IBGE 2010, o município possui 31.779 habitantes, sendo a
população masculina em maior proporção: 52,0% homens e 48,0% mulheres. A sua
população urbana é de 72,60%, enquanto que 27,40% estão na zona rural. A
composição racial do município está constituída em 18,4 % de brancos, 15,8 % de
pretos, 65,0% de pardos, 0,3 de indígenas e 1,4 de amarelos. Nota-se que a maioria da
sua população é composta por negros, totalizando 80,8%, somando-se pretos e pardos.
A taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (15 a 24 anos) em
Poconé, segundo cor/raça é respectivamente: pardo (2.6%), preto (5,7%) e (2.3%) dos
brancos (IBGE, 2010).
A formação do povoado que hoje é Nossa Senhora do Livramento, terceiro
município deste estudo, segundo relatos de Siqueira (2002), deu-se pelo
descontentamento de grande parte dos garimpeiros das lavras de Cuiabá, devido ao
envio de prepostos para a execução de arrecadamento de impostos. Assim, muitos
garimpeiros abandonaram Cuiabá a procura de novas minas. O que levou, então, em
23
1730, os sorocabanos Antônio Aires e Damião Rodrigues, descobrindo ouro à margem
do ribeirão chamado Cocais, a formarem o povoado de Nossa Senhora do Livramento.
(FERREIRA e SILVA, 2008).
Com o esgotamento das lavras e com o cessar da entrada de negros escravizados
na Capitania - os quais eram trazidos para trabalhar na então capital Vila Bela da
Santíssima Trindade e que, de lá, eram transportados para Livramento a fim de realizar
trabalhos nos engenhos de açúcar – a economia de Nossa Senhora do Livramento
passou a se restringir à cultura de subsistência. (SIQUEIRA, 2002).
O município de Nossa Senhora do Livramento foi criado legalmente em 1883,
localizada a 32 km da capital Cuiabá, ocupando uma área territorial de 5.540,73 Km2.
De acordo com os dados do censo do IBGE 2010, atualmente a sua população é de
11.609 habitantes, sendo a proporção de homens maior do que a de mulheres. A maioria
da população vive na zona rural, 63,5% e 36,5% na zona urbana.
A composição racial do município está constituída em 14,8% de brancos, 12,5%
de pretos, 71,7% de pardos, 1,0% de amarelos e 0,1% de indígenas. Nota-se que a
maioria da sua população é negra, totalizando 84,2 %. Considerando a proporção de
pretos e pardos, possui a maior população negra em relação aos outros municípios da
Baixada Cuiabana.
Suas principais atividades econômicas são a pecuária, agricultura de
subsistência, com destaque para a produção de bananas.
O Município de Várzea Grande é vizinho da capital Cuiabá, separada apenas
pelo Rio Cuiabá, possuindo um território de 949,53 Km2. A história de Várzea Grande
se inicia com sua fundação em 15 de maio de 1867, pelo Presidente da Província, Dr.
José Vieira de Couto Magalhães, homem de confiança do Imperador D. Pedro II. Seu
processo de ocupação foi diferente de Cuiabá, Poconé e Livramento, isto é, não ocorreu
devido à exploração de minas de ouro, mas em função da guerra do Paraguai. O então
Presidente da Província, temendo massacre dos paraguaios que eram cidadãos civis e
moravam em Cuiabá, criou um acampamento militar, servindo de campo de
prisioneiros, evitando o confronto com os soldados no período da guerra. A partir
daquele momento foi formado o povoado denominado de Várzea Grande por estar
localizado em uma enorme várzea (TAVARES, 2011).
Segundo Tavares (2011), os primeiros habitantes do povoado foram os índios
Guaná, que tinham desenvoltura no manejo com canoas e dominavam a arte da
navegação. Eram vinculados ao cultivo da terra, ao comércio de troca e hábeis na
24
fabricação de redes e cerâmicas. O mesmo autor elucida que, com o processo de
ocupação e de ouro pela região de Cuiabá, os Guaná foram arrastados para a região
pantaneira, não havendo mais nenhum vestígio de descendente nato desse povo na
Região.
Em relação à presença de sistema escravista no processo de ocupação de Várzea
Grande, Tavares diz que “a quantidade notável de negros constitui indícios indiscutíveis
de que o povoado possuiu escravos e senhores” (TAVARES, 2011, p. 55).
O município várzea-grandense desmembrou-se de Cuiabá em 1948, pela Lei
Estadual nº 126, de 23 de setembro e se tornou uma cidade industrial devido sua
economia destacar-se por indústria e comércio. (IBGE, 2011).
De acordo com os dados do IBGE (2010), a população do município é de
252.709 mil habitantes. Em Várzea Grande, a proporção de mulheres é superior aos dos
homens, sendo, respectivamente, 50,40% e 49,60%. A maior parte da sua população
mora na zona urbana 98,50%, enquanto apenas 1,50% concentram-se na zona rural.
Sua composição racial é de maioria negra, com a proporção de 69,8% (9,7% de
pretos e 60,1% de pardos), 28,9% equivalente aos brancos, 1,3% amarelos e 0,1% de
indígenas. Comparando a proporção de negros existente no município, a quantidade é
menor que as dos municípios de Cuiabá, Poconé e Nossa Senhora do Livramento, mas é
maior que a proporção em Mato Grosso.
Segundo dados do IBGE-2010, a população várzea-grandense composta por
pretos e pardos representa a maioria das pessoas que não sabem ler e escrever: 2,28% de
negros contra, apenas, 0,80% dos brancos.
No tocante à educação pública de ensino básico, Várzea Grande conta
atualmente com 60 escolas municipais e 44 estaduais. Em relação ao ensino público
superior, no momento estão sendo construídos dois campi, um da Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT) e outro do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFMT).
É importante ressaltar que ao caracterizar os quatro municípios de origem das
professoras, cujas trajetórias de vida são pesquisadas, percebe-se que, em cada um
deles, o índice de analfabetismo concentra-se majoritariamente entre os negros. Essa
realidade é resultado de um processo histórico de exclusão da população negra ao
acesso à educação formal, por conta da forte presença de discriminação racial nos
diferentes setores educacionais.
25
Essa taxa de analfabetismo acentuada na população negra desses municípios
evidencia o retrato das desigualdades raciais em nosso país. Tal fato é comprovado pelo
IBGE via dados do PNAD de 2009, dos 14,1 milhões de brasileiros analfabetos entre a
população acima de 15 anos de idade, a categoria de pretos e pardos ainda possui
respectivamente 13,3% e 13,4%, contra 5,9% dos brancos. Esses números revelam que
o analfabetismo ainda é um dos graves problemas enfrentado pela população negra que
detém o dobro do percentual de analfabetos em relação à população branca. Dessa
forma, considerando que a maior proporção da população desses municípios é composta
de negros, cabe nos dizer que, certamente, a maioria desta população vai apresentar
defasagem no seu processo de escolarização e mobilidade social.
1.2 Procedimentos metodológicos e instrumentos de coletas de dados
Ao pensar em realizar esta pesquisa, preocupei-me na escolha dos instrumentos
metodológicos que pudessem corresponder aos objetivos propostos a investigar.
Certamente, levanto essa questão porque acredito que estudar trajetórias de vida
impulsiona a adentrar num universo subjetivo do ser humano, em que cada um expõe
suas particularidades condicionadas a sentimentos, significados, vivências, interações,
conflitos, lutas, resistência e superação.
Para Bourdieu (1986), trajetória significa uma série de posições
consecutivamente tomadas por um agente em um espaço, ele próprio em devir e
submetido a mudanças incessantes.
Compreender uma trajetória de vida, segundo Bourdieu (1986), significa:
[...] ter previamente construído os estados sucessivos do campo no
qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que
uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de
estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no
mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis. (p.
190).
O autor considera que trajetória implica num conjunto das posições
consecutivamente tomadas por um agente e um espaço, ele próprio em devir, e
submetido a mudanças incessantes. Para ele, essa construção prévia conduz a uma série
de caracteres ocupada de forma simultânea num dado momento por uma
individualidade biológica socialmente construída e que também “age como suporte de
26
um conjunto de atributos e atribuições que lhe permitem intervir como agente eficiente
em diferentes campos” (BOURDIEU, 1986, p. 181).
Nessa perspectiva, os acontecimentos da vida cotidiana resultam em
experiências acumuladas ao longo da vida e entrelaçam nas interações interpessoais, o
que, segundo Marre (1991, p. 128), “quando o indivíduo vivencia e relata sua trajetória,
se identifica a um grupo social do qual ele é elemento constitutivo”.
Dessa forma, as trajetórias de vida aqui estudadas devem ser concebidas como
algo em movimento, que transita socialmente de um espaço a outro, pois os sujeitos
estão em constantes processos de transformações.
Para a realização deste estudo foi escolhida a pesquisa qualitativa por considerar
que essa forma de abordagem tem sido valorizada por responder a questões muito
particulares das relações sociais, além de permitir também a compreensão da ação
humana a partir de uma realidade vivida e partilhada com o outro, como bem destaca
Minayo (2007, p.21): “[…] ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos,
das aspirações, crenças, valores e atitudes […] e que o universo da produção humana no
mundo das relações, das representações e intencionalidade dificilmente pode ser
traduzido em números e indicadores quantitativos”.
Ao optar pela abordagem qualitativa como estratégia de pesquisa, busco
evidenciar fatos relevantes ocorridos nas trajetórias de professoras negras, procurando
desvendar nas experiências vividas, riquezas inexploradas nas vozes das pesquisadas,
documentá-las para que possa servir de referência para outros estudos.
Dentro da pesquisa qualitativa, uma das metodologias é a da história oral. Optei
por essa metodologia porque ela consiste em resgatar, por meio da oralidade, a
historicidade do cotidiano das pessoas. Por isso, considerando a importância dos relatos
para a história oral, busquei conhecer as trajetórias de vida das professoras negras da
Baixada Cuiabana, por essa metodologia se mostrar uma valiosa fonte de coleta de
dados, possibilitando trabalhar com pessoas com faixa etária e posições sociais variadas.
Desde a Antiguidade, a oralidade já era utilizada para transmitir conhecimentos,
tradições, costumes. Assim, ela é considerada tão antiga quanto a própria história. Na
perspectiva de problematizar e colocar as questões atinentes ao uso da História Oral,
busquei dialogar com Queiroz (1991); Thompson (1992) e Meihy (2005) entre outros,
cujos estudos trazem a história oral como método de pesquisa.
Queiroz (1991) salienta, entre outros aspectos, que o relato oral busca realmente
a conexão entre o vivido e o presente, por isso se “constitui a maior fonte humana da
27
difusão do saber e a maior fonte de dados para as ciências em geral” (p. 2). A autora
ressalta que aquilo que foi transmitido por alguém e transcrito se transforma numa fonte
documental, com o mesmo valor de qualquer outro texto escrito.
Segundo Thompson (1992), a história oral trata de vidas individuais, permitindo
uma vasta pluralidade de opiniões, uma vez que a realidade é composta de múltiplas
situações e destaca:
[…] baseia-se na fala, e não na habilidade da escrita, muito mais
exigente e restritiva […] a história é registrada em palavras faladas,
por isso, o uso da voz humana, viva, pessoal, peculiar, faz o passado
surgir no presente de maneira extraordinariamente imediata. As
palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas por isso
mesmo, são mais expressivas. Elas insuflam vida na história. (p.41).
Nesse contexto, devemos levar em consideração que:
A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela
lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de
ação. Admite heróis não só dentre os líderes, mas dentre a maioria
desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a serem
companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade
e extrai a história de dentro da comunidade. (THOMPSON, 1992, p.
44).
A experiência com o método nos moldes sociológicos levou Thompson (1992) a
compreender a riqueza e a relevância do conhecimento dos sujeitos anônimos para a
construção da história social. Porquanto, ouvir pessoas, revelou-as como importantes
testemunhas do passado, sempre com algo interessante a dizer.
Para Meihy (2005), o que marca a história oral como “história viva” é o fato de
ela ser um registro de experiências de pessoas vivas e expressão autêntica do “tempo
presente”, que deve responder a um sentido de utilidade prática, pública e imediata,
tendo como razão de ser a presença do passado, mas não como um processo acabado.
Dessa forma, para o autor, esse elo entre presente e passado garante significado social à
vida de depoentes e leitores, que passam a entender a sequência histórica e a se sentir
parte do contexto em que vivem (MEIHY, 2005, p. 19).
De acordo com Thompson (apud SANTOS 2007, p. 15), o principal mérito da
metodologia da história oral é que possibilita amplitude e permite recriar uma
multiplicidade original de ponto de vista, uma vez que a realidade é complexa e
multifacetada. Outro ponto importante é que essa metodologia tende a ser imparcial,
uma vez que é dada a voz aos envolvidos.
28
Em pesquisas desenvolvidas com aposentados e aposentadas (GONÇALVES,
2006), professoras negras (SANTANA, 2011) e outras como as realizadas por
pesquisadores do NEPRE, como sobre professores negros universitários (SANTOS,
2007); alunos negros do ensino médio (JESUS, 2010); professoras migrantes (BONI,
2011); trajetória de sucesso de mulheres negras (NASCIMENTO, 2012), a história oral
tem trazido à tona, a partir da investigação da realidade desses sujeitos, questões
relevantes que antes simplesmente não haviam sido pesquisadas.
Assim, esta metodologia, ao dar a voz aos sujeitos, procura estabelecer uma
interlocução entre o passado e o presente, envolvendo a realidade cotidiana que a pessoa
viveu de forma participativa. Por conseguinte, a possibilidade de dar voz às
pesquisadas, conhecer suas histórias de vida, trazer à tona as suas vivências, carências,
labutas e sucessos na perspectiva dessa metodologia é ter a oportunidade de mostrar à
sociedade um pouco da luta de mulheres negras professoras que, embora encontrassem
no dia a dia uma série de complicações ocasionadas por uma história distorcida do povo
negro, vítimas do silenciamento e de omissões, conseguiram romper barreiras
contornando obstáculos e partilhando vitórias.
Após definir a história oral como método, fez-se a opção pela técnica de coleta
da história de vida, por concebê-la como um instrumento capaz de captar a
subjetividade da pessoa, isto é, permitir reportar a um passado repleto de sentimento,
emoções, valores, perspectivas e superação, envolvendo a si e aos outros. Diante desse
contexto, tornou-se necessário o diálogo com autores como Jacques Léon Marré (1991);
Maria Isaura Queiroz (1991); Becker (1993); Bourdieu (2005) e Gonzaga (2011) que
legitimam o uso da história de vida como forma de apreender a essência da
subjetividade do ser humano por meio da liberdade da fala sobre sua existência e
experiências vivenciadas.
Segundo Marré (1991, p. 128), é na história de vida que “o indivíduo vivencia e
relata sua trajetória, se identifica a um grupo social do qual ele é elemento constitutivo”.
Portanto, essa interação estabelecida com o grupo e com a sociedade está vinculada à
singularidade de seus relatos.
Queiroz (1991) explica que a história de vida é o relato de um narrador sobre
sua existência por meio do tempo, tentando reconstituir as passagens que vivenciou e
transmitir a experiência acumulada ao longo da vida. De acordo com o autora, é
responsabilidade do pesquisador estar atento para captar também aquilo que transpõe o
29
caráter individual do que é transmitido e inserido nas coletividades a que o sujeito
pertence.
A história de vida apreende o que advém do cruzamento da vida individual com
o social e que, uma vez transcrita, transforma-se num documento semelhante a qualquer
outro texto escrito. Enfatiza Queiroz que na história de vida as informações não são
esgotáveis, isto é, sempre há um novo detalhe a acrescentar.
Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente ao
pesquisador; pode fazê-lo com maior ou menor sutileza, mas na
verdade tem nas mãos o fio da meada e conduz a entrevista. Da ‘vida’
de seu informante só lhe interessam os acontecimentos […]
conhecendo o problema, busca obter do narrador o essencial, fugindo
do que lhe parece supérfluo e desnecessário. Na história de vida,
embora o pesquisador sub-repticiamente dirija o colóquio, quem
decide o que vai relatar é o narrador, diante do qual o pesquisador
deve se conservar tanto quanto possível silencioso […] as
interferências devem ser reduzidas, pois o importante é que sejam
captadas as experiências do entrevistado. (QUEIROZ, 1991, p. 7).
Nesse sentido, na relação pesquisador e pesquisado, o primeiro deve se manter
atento a escutar mais do que a intervir, para que possa apreender informações de forma
mais cuidadosa.
Para Bourdieu (2005) falar de história de vida pressupõe que a vida é permeada
por história, e que esta é ligada a um conjunto de passagens de uma existência
individual concebida como uma história e o relato dessa história. Segundo o autor, a
história de vida “É o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples, que descreve
a vida como um caminho, uma estrada, uma carreira, com suas encruzilhadas, seus ardis
e até mesmo suas emboscadas […]”. (p.183).
Contudo, Bourdieu (2005) recomenda que o pesquisador deve estar atento para
não confundir o que é científico do que é senso comum. Prossegue o autor considerando
que lidar com história de vida, é estar diante de relatos coerentes, compostos de
acontecimentos desencadeados a partir de uma sequência lógica estabelecida pelo autor,
em que significados estão presentes. Há até mesmo uma imagem a ser preservada e a
coerência com a reafirmação dessa imagem. No decorrer desta pesquisa, isto ficou
evidente, quando me deparei com o depoimento de uma das entrevistadas. Ela, por ser
uma figura de destaque na escola, apresentou um discurso virtuoso, encaixando a sua
identidade pessoal e profissional, buscando reforçar a preservação de sua imagem.
Bourdieu parte do princípio de que ao compreender uma vida, não se deve
concebê-la como uma “série única”, pois os indivíduos se desenvolvem em espaços
30
distintos e estão em constante construção, portanto, os acontecimentos biográficos são
deslocamentos em arcabouços sociais. (BOURDIEU, 2005).
Nesse sentido, o autor chama a atenção para a relação estabelecida entre o
pesquisador e o pesquisado, alertando que a proximidade social e a familiaridade entre
ambos contribuem para uma comunicação “não violenta”, garantindo, por um lado, a
ausência de ameaças de ver suas razões subjetivas reduzidas a causas objetivas e, por
outro, um acordo consensual referente ao conteúdo e à forma de comunicação produzida
por sinais não verbais coordenados pelos verbais, o que favorece a interpretação.
Consequentemente, ao utilizar a técnica de história de vida, foi possível captar a
compreender parte das situações vivenciadas pelas professoras, revelando suas
experiências positivas e negativas tanto em relação à vida pessoal como profissional.
A história de vida pode ser contada através de entrevista. Nessa perspectiva,
como forma de apreender a história de vida das professoras, utilizou-se a técnica da
entrevista considerada por Queiroz (1991) como a forma mais antiga e mais difundida
de coleta de dados orais nas ciências sociais e representa, sobretudo, um importante
instrumento pela forma de interação que se estabelece entre o pesquisador e o
pesquisado.
Embora Jean Poupart (2008, p. 225) reforce que “nenhuma entrevista pode
apreender a totalidade de uma experiência, nem mesmo a entrevista que se prolonga por
várias seções, como no caso, às vezes, das histórias de vida”. Neste estudo, ela foi
utilizada por considerá-la oportuna para o estabelecimento de uma conversa em que se
busca informações trazidas nas histórias de vida das professoras.
Retomando Queiroz (1991, p. 6), a autora enfatiza que “a entrevista supõe uma
conversação continuada entre o informante e o pesquisador” que, como é ele quem
conduz a entrevista, esta pode seguir um roteiro previamente elaborado ou atuar
aparentemente sem roteiro e ir se desenvolvendo conforme assuntos já organizados e
memorizados pelo pesquisador.
Ao utilizar a entrevista em sua pesquisa sobre trajetória de professoras negras,
Nascimento (2012) percebeu que o processo da comunicação verbal e não verbal de
concordância com o entrevistado garante boa continuação da relação, o que, segundo a
autora, “as expressões faciais, gestos, olhares, sorrisos, os “sim, ok, não”, demonstrados
pelo pesquisador são sinais de feedback que usados em concordância com as falas das
depoentes , estimulam sua participação na entrevista”. (p. 28).
31
Desse modo, foi organizado um roteiro contendo os principais assuntos a serem
investigados: as experiências escolares e vivenciadas pelas professoras como: aspectos
da infância, relações familiares, relacionamento na adolescência; trajetória escolar e
profissional; inserção no mercado de trabalho; experiências raciais, sentimentos
provocados, reação e enfrentamento; a busca pela ascensão social; trabalhos
desenvolvidos na escola acerca das questões raciais; aspectos que motivaram a fazer
esse trabalho; a participação da comunidade escolar e resultados do trabalho efetivado; a
visão em relação à participação de pessoas negras frente às discussões raciais na escola
e a visão sobre a responsabilidade profissional.
É importante ressaltar que as perguntas não ficaram restritas ao roteiro. No
decorrer dos depoimentos foi surgindo a necessidade de se fazer outras perguntas, uma
vez que, em alguns momentos, elas relatavam fatos importantes como as que remetiam
a situações de discriminação racial, mas logo silenciavam e mudavam de assunto. Desta
forma, eu anotava e, posteriormente, retomava o assunto. Para proteger a privacidade
das depoentes, seus nomes foram mantidos no anonimato, utilizados, portanto, nomes
fictícios. O roteiro elaborado se encontra no Anexo desta dissertação
.
1.3 A seleção das informantes
A escolha dos municípios de Cuiabá, Poconé, Nossa Senhora do Livramento e
Várzea Grande como locais para a realização deste trabalho se deu devido à
pesquisadora ter informações sobre a presença maciça de pardos e pretos na composição
racial dessas cidades.
Para a seleção das participantes, a pesquisadora levou em consideração os
seguintes critérios: mulheres, negras e professoras, que lecionam na rede pública de
ensino e que, de preferência, desenvolvem ou desenvolveram projetos e/ou atividades
voltadas para as questões raciais, com a intenção de entender quais os motivos as
levaram realizarem ou se envolverem nesses trabalhos.
A partir da escolha dos municípios, busquei fazer contatos com professoras
negras atuantes em sala de aula ou em cargos como direção e/ou coordenação
pedagógica de escolas municipais ou estaduais.
Em Cuiabá, estabeleci contato direto com as professoras, pois, por conhecê-las,
não houve necessidade de indicação. Das cinco professoras, quatro trabalham na rede
municipal e uma na rede estadual.
32
Em Poconé, os primeiros contatos se deram com a ajuda de colegas que
moravam ou trabalhavam no município, as quais me forneceram o número de telefone
das professoras e indicaram o nome de uma escola estadual que havia concorrido e
ganhado um prêmio do SINTEP3/MT por trabalhar com projeto contemplando as
questões raciais. Após o contato via telefone, depois de explicar sobre o objetivo do
contato, as professoras acordaram o dia e horário para um contato pessoal. Das quatro
professoras entrevistadas, todas trabalhavam na escola estadual premiada. Ao chegar à
escola, apresentei-me à direção e expliquei a intenção do meu trabalho, foi, então,
permitida a conversa com as professoras.
Em Nossa Senhora do Livramento, as informações foram repassadas por meio
da Secretaria de Educação. Ao perguntar em quais escolas havia professoras negras que
desenvolvessem trabalho sobre questões raciais, a atendente respondeu que havia muitas
professoras negras numa escola estadual situada na área de reminiscência quilombolas.
Dirigi-me à escola indicada pela atendente, conversei com as professoras, apresentei a
intenção do meu trabalho e seis professoras aceitaram participar da pesquisa.
Sobre essa questão, Petruccelli (2007) enfatiza que o ato de classificar não
exerce num contexto de neutralidade, ela está impregnada de uma relação de dominação
simbólica entre um “sujeito” que categoriza e um “objeto” que é categorizado. Segundo
o autor, “esta operação tem sido naturalizada, de forma que o produto de uma
construção social aparece como fundamento natural de uma divisão arbitrária” (p. 118).
No município de Várzea Grande, a princípio eram cinco entrevistadas, três da
rede municipal e duas da estadual. Com as três, o contato foi diretamente estabelecido
entre a pesquisadora e as professoras, por também já tê-las conhecido. Outras duas
foram indicadas por colegas, que forneceram o telefone para contato.
A princípio foi definido pela pesquisadora que o número de depoentes seria
igual para cada município, ou seja, cinco. Porém, uma professora de Várzea Grande,
após várias tentativas de contato via ligação telefônica, e encontros desmarcados,
informou-me que não participaria da pesquisa alegando falta de tempo. Os contatos não
foram retomados e a pesquisadora acabou por optar por uma professora negra do
município de Nossa Senhora do Livramento, a qual manifestou interesse em ser
3 Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso, filiado a Confederação Nacional dos
Trabalhadores – CNTE e a Central Única dos Trabalhadores- CUT. Representa todos os profissionais da
educação básica em âmbito estadual e municipal.
33
entrevistada, por isso em Várzea Grande foram quatro entrevistadas e em Nossa
Senhora Livramento, seis.
Nesse caminhar, consegui a adesão das 20 professoras, a qual culminou na
organização de um cronograma de agendamento contendo os nomes, o horário e local
de realização das entrevistas.
Mesmo acordados data, horário e local entre pesquisadora e pesquisadas, em
alguns momentos não foi possível realizar as entrevistas, tendo em vista alguns
contratempos, como o ocorrido em Poconé, onde uma professora não compareceu ao
trabalho alegando à direção da escola problemas de saúde, e em Cuiabá uma professora
teve de se ausentar por motivo de reunião com equipe da Secretaria de Educação. Logo,
essas entrevistas tiveram de ser transferidas para outras datas.
Algumas professoras de Cuiabá e Várzea Grande já tinham uma aproximação de
amizade com a pesquisadora. Para Bourdieu (2005), é preciso ficar atento para a
proximidade social e familiaridade entre o pesquisador e o pesquisado, pois, de um
lado, pode contribuir para uma comunicação “não violenta” e, de outro, deve ter limites,
posto que uma proximidade muito intensa pode contribuir na passagem de alguma
informação subjetiva significante. Segundo Bourdieu, a relação de pesquisa é uma
relação social, que exerce efeitos sobre os resultados obtidos.
Dessa maneira, seguindo um roteiro de entrevista, das vinte depoentes
selecionadas, quinze entrevistas foram feitas no local de trabalho e cinco na residência
das professoras. Isto é, no local de trabalho. Foram realizadas duas entrevistas em
Cuiabá, cinco em Poconé, cinco em Nossa Senhora do Livramento e duas em Várzea
Grande; já na residência, foram três entrevistas em Cuiabá, uma em Nossa Senhora do
Livramento e duas em Várzea Grande.
As professoras que optaram em fazer a entrevista em casa alegaram que no
trabalho havia muito ruídos que poderiam atrapalhar a concentração. As que escolheram
fazer no próprio local de trabalho, disseram que, por trabalharem em dois turnos, não
haveria tempo disponível para a pesquisa. Para a realização da coleta de dados no local
de trabalho, em todos os municípios desta pesquisa, houve a colaboração da direção das
escolas, que cedeu um espaço e liberou as professoras de suas funções durante as
entrevistas.
34
1.4 O perfil das professoras
Para a efetivação deste estudo, considerei necessário levantar alguns aspectos
pessoais e profissionais das entrevistadas: idade, local de nascimento, formação
acadêmica e instituição formadora, rede de ensino em que lecionava, situação funcional
e tempo de exercício no magistério. Como já dito, foram coletadas histórias de vida de
vinte professoras.
Os quadros a seguir, todos elaborados pela pesquisadora em 2013, apresentam o
perfil das entrevistadas e seus respectivos municípios.
Cuiabá
Professora Idade Natural Formação Instituição
Formadora
Rede
ensino
Situação
Funcional
Tempo
Exercício
Amália 48 Rosário Oeste Pedagogia Privada Mun. Efetiva 22
Ana Lúcia 53 Rondonópolis Pedagogia Privada Est. Efetiva 27
Júlia 47 São Paulo Ed. Física Pública Mun. Efetiva 19
Marina 46 Cuiabá Geografia Pública Mun. Efetiva 21
Raquel 48 Cuiabá Pedagogia Pública Mun. Efetiva 24
Quadro 1: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Cuiabá.
Poconé
Professora Idade Natural Formação Instituição
Formadora
Rede
ensino
Situação
Funcional
Tempo
exercício
Carla 36 Poconé Pedagogia Privada Est. Contrato 10
Nilda 35 Poconé Geografia Pública Est. Contrato 11
Joelma 30 N.S. Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 02
Lídia 35 Poconé Letras Privada Est. Efetiva 15
Vânia 38 Poconé Geografia Pública Est. Efetiva 15
Quadro 2: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Poconé
Nossa Senhora do Livramento
Professora Idade Natural Formação Instituição
Formadora
Rede
ensino
Situação
Funcional
Tempo
Exercício
Eva 43 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 22
Fátima 38 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Contrato 19
Ivete 33 Cuiabá Ed. Física Privada Est. Contrato 05
Joana 42 Cuiabá Pedagogia Pública Est. Contrato 05
Leda 34 N.S.Livram. Pedagogia Privada Est. Efetiva 14
Rita 59 N.S. Livram. Pedagogia Privada Est. Contrato 37
Quadro 3: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Nossa Senhora do Livramento
Várzea Grande
Professora Idade Natural Formação Instituição
Formadora
Rede
ensino
Situação
Funcional
Tempo
Exercício
Denise 36 V.G. Pedagogia Pública Mun. Efetiva 20
Olga 57 N.S Livram. Letras Privada Mun. Efetiva 30
Ruth 30 Cuiabá Biologia Privada Mun. Contrato 12
Vera 35 V.G. Pedagogia Privada Est. Efetiva 29
Quadro 4: perfil das mulheres negras entrevistadas na cidade de Várzea Grande
35
Observando os quadros, nota-se que as idades das docentes variam entre 30 a 59
anos, sendo que 10 professoras estão na faixa etária de 30 a 40 anos, e 10 na idade entre
41 a 59 anos.
Em relação ao local de nascimento, a grande maioria das professoras é natural
do Estado de Mato Grosso, dos seguintes municípios: cinco de Cuiabá; seis de Nossa
Senhora do Livramento; quatro de Poconé; duas de Várzea Grande; uma de
Rondonópolis e uma de Rosário Oeste. Apenas uma professora é natural do Estado de
São Paulo.
Quanto à formação acadêmica, todas possuem curso superior. Dentre as
graduações, treze são formadas em Pedagogia, duas em Letras, duas em Educação
Física, duas em Geografia e uma em Ciências Biológicas.
A maioria das entrevistadas possui curso de especialização, apenas uma declarou
não possuir, justificando que preferiu, no momento, priorizar a família, principalmente
dar mais atenção ao filho de dois anos de idade, ainda muito dependente. É importante
ressaltar que cinco das pesquisadas manifestaram que fizeram curso de especialização
sobre relações raciais ofertado pelo NEPRE/UFMT, e uma delas conseguiu ingressar no
curso de mestrado nessa mesma linha de discussão.
Estudar em uma universidade pública foi o desejo de todas as professoras, porém
somente sete conseguiram ter acesso ao ensino superior público. Uma na UNEMAT e
seis na UFMT. Treze delas fizeram suas graduações em faculdades particulares e
declararam terem enfrentado muitas dificuldades para pagar o curso.
Todas as professoras lecionam na rede pública de ensino, sete declararam
trabalhar na rede municipal e treze na rede estadual, sendo que o tempo no exercício do
magistério varia entre 09 a 30 anos. No que se refere à situação funcional, 16 são
efetivas (concursadas) e apenas 04 são interinas (contratadas).
No momento da entrevista, a maioria das entrevistadas afirmou serem casadas e
ter filhos, algumas declararam serem as principais provedoras de seus lares. Essa
situação de as professoras estarem na condição de chefe de família é explicada pelas
análises recentes realizadas pelo PNAD (2011), baseado nas estatísticas do IBGE de
2009, que informa o aumento de mais de 10 pontos percentuais na proporção de
famílias chefiadas por mulheres.
Em relação à origem familiar, a maioria das professoras disse que nasceram na
zona rural e depois seus pais mudaram para a cidade em busca de melhores condições
36
de vida. As professoras relataram que vieram de famílias de baixa renda e dentre as
vinte entrevistadas, somente os pais de uma professora concluíram o Ensino Médio, os
das demais têm ensino primário completo/incompleto.
Algumas relataram que devido às dificuldades financeiras, ou por questão de dar
continuidade aos estudos, tiveram de viver longe dos pais, morando sozinhas, ou com
parentes ou com pessoas próximas à família, como é o caso da professora Denise, do
município de Várzea Grande, cujo relato aponta que devido à necessidade de dar
prosseguimento aos estudos, ela e seus irmãos ainda adolescentes tiveram de sair da
zona rural e passaram a morar sozinhos na cidade.
Outro fator importante registrado nas trajetórias das professoras refere-se às
relações sociais estabelecidas, isto é, algumas depoentes afirmaram que se sentiam mais
a vontade aproximando-se de pessoas negras. Essa identificação pode ser percebida na
fala da professora Amália.
[...] depois vim pra Cuiabá, e trabalhei na Escola 15 de Maio […]. Lá
eu senti mais a vontade, porque tinha mais gente de cor, tinha mais
negros, tinha minha tia, meu tio Antonio, Candinha, a irmã dela e
outra professora. Falei gente, como que a gente pode ser desse jeito,
a gente sente assim arredio junto das pessoas mais claras […].
(Amália, Cuiabá).
É possível que sensação de bem-estar manifestada pela depoente nas relações
estabelecidas com pessoas do mesmo pertencimento racial, deve-se ao fato de, num
primeiro momento, sentir-se livre de olhares enviesados lançado cotidianamente sobre o
negro, e a pensar que o outro, por ser negro, passou por experiências de discriminação
semelhantes as suas, reconhecendo-se e se identificando com cada um deles.
Cabe salientar que valorizar a história e a cultura referentes ao seu
pertencimento racial contribui para o reconhecimento e a afirmação da identidade racial.
1.5 Classificação da cor e a identidade racial no jogo das relações sociais
A questão da cor e da classificação racial no Brasil sempre foi complexa,
causando divergências e convergências. Para Petruccelli (2007) a problemática da
identificação étnico-racial e da identidade remete ao contexto mais amplo do conjunto
de relações sociais e de suas representações, portanto, “o ato de classificar está na base
da operação do pensar, do processo de elaboração de conhecimento e de
reconhecimento” (p.9). Ainda, segundo o autor, “as pessoas são objetos de
37
discriminação ao serem percebidas por uma construção compartilhada culturalmente
como portadoras de traços que remetem a uma determinada categoria racial”
(PETRUCCELLI, 2007, p.147).
Para classificar a cor das depoentes foram estabelecidos dois critérios: primeiro
pela autoclassificação das entrevistadas utilizando-se de pergunta aberta e, depois, a
classificação feita pela pesquisadora, ou seja, a heteroclassificação, ambos os métodos
em consonância com os do IBGE. Busquei identificar as professoras tendo como
referência a cor da pele, por ser o Brasil um país onde a cor da pele tem sido
historicamente a marca de classificação racial.
Segundo Petruccelli (2007), de acordo com a sua aparência ou cor, as pessoas
são alvos de práticas de discriminação, principalmente as de origem indígenas e as mais
escuras, percebidas como as mais próximas de origens africanas.
Para Nogueira (2006), diferente dos Estados Unidos, onde a discriminação se dá
pela origem, isto é, - a sociedade é dividida em dois grupos, como duas castas ou
sistema social paralelo, com consciência própria, porém impermeáveis um ao outro,
embora participem da mesma cultura - no Brasil, o preconceito é de marca, ou seja,
“[…] se exerce em relação à aparência […] quando torna por pretexto para as suas
manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque […]” (p.
292). O autor revela que o preconceito advindo da cor opera sobre suas vítimas não
apenas de fora, mas também de dentro, por meio da autoconcepção e da autoavaliação.
Como destaca Guimarães (2012, p.11), o preconceito de cor ou de raça tem
geralmente como alvo o negro, o preto, o amarelo, o pardo ou o vermelho (pele
vermelha), mas dificilmente o branco. Para o mesmo autor, no Brasil, a palavra cor está
relacionada às ideias de raça e aparência.
Portanto, classifiquei a cor das professoras tendo como base as categorias de
classificação racial segundo os pesquisadores do IBGE, ou seja, preto e pardo, que
corresponde ao termo negro. A autodenominação racial ocorreu no momento das
entrevistas. A autoclassificação feita pelas entrevistadas não seguiu uma proposição de
opções de identificação racial, mas abordada por meio de uma pergunta aberta: como
você se autoclassifica em relação a sua cor? Dessa forma, a autoclassificação das
professoras segundo cor/raça ficaram assim ilustradas, conforme gráfico 1 a seguir.
38
Gráfico 1: autoclassificação racial das professoras.
Já na classificação da pesquisadora, o resultado foi diferente em relação ao
critério cor pautada na classificação do IBGE, conforme demonstrado no gráfico 2.
Gráfico 2: classificação da pesquisadora – classificação IBGE.
Fazendo a comparação dos resultados entre a autoclassificação das professoras e
a feita pela pesquisadora, pode-se perceber que não houve muita divergência em relação
ao aspecto quantitativo tendo em vista que das 20 entrevistadas, 4 se autoclassificaram
abertamente como preta, 1 como parda e 14 como negra. Isto é, as professoras ao se
autodeclararem como “negra”, contemplaram a categoria estabelecida pelo IBGE, que
correspondem a cor preta e parda.
39
Durante a entrevista, uma professora demonstrou certo receio de se autodefinir
em relação a sua cor, abordando a questão da variedade de origens étnicas concentrada
nos seus antecedentes, considerando ser fruto dessa mistura, optando, a princípio, pelo
termo multiétnica.
[...] eu poderia dizer que sou multiétnica, gosto muito de saber
minhas origens. Eu conheci meu avô que era descendente de uma
escrava com um filho de um dono dela. Ele morreu bem idoso […]
nessa combinação toda, minha mãe é bem negra e já meu pai é bem
claro. Dentro da minha família, eu sou a que tenho a pele mais clara.
Para meus parentes sou branca, mas fora de lá outros me veem como
negra, porque tenho bastante orgulho, gosto de saber da minha
história, queria até ser mais escura, mas morena, mas também não
excluo a outra parte, na verdade eu sou a junção de tudo isso (Nilda,
Poconé).
Essa professora, ao que parece, busca fazer associação da própria cor a partir do
reconhecimento da cor dos pais ou dos avós, fazendo alusão a misturas raciais. Ao se
referir ao pai claro, possivelmente percebe-o como branco, dessa forma, pressupõe que
é uma mistura de negro e branco.
Essa ideia é presente em nossa sociedade, tendo em vista o processo histórico de
miscigenação. Para Teixeira (2003), a dificuldade reside no fato de que essa categoria
precisaria identificar os que estão no meio-termo da regra de classificação racial, não
parece reunir um grupo singular e uniforme de pessoas. “Pelo menos duas
possibilidades são marcadamente possíveis: estar ‘mais pra lá’, e mais perto dos
brancos; ou ‘mais pra cá’ e, portanto, mais perto dos negros” (p.100).
Já Petrucceli (2007) observa que uma sociedade como a nossa onde as ações
discriminatórias são operadas abertamente, as pessoas tendem a criar estratégias para
melhor serem aceitas socialmente, resultando na multiplicidade de nuanças e que, para o
autor, esse universo de significantes construídos socialmente constitui-se na intenção de
se distanciar da categoria negro.
À vista disso, o autor explica que “esta construção paradigmática proporciona
uma forma de adequação à ideologia dominante durante todo o século XX, sustentadora
do mito da democracia racial, mas ocultando no seu bojo a tese de branqueamento da
população” (PETRUCCELLI, 2007, p.22).
Essa questão também é abordada por Nogueira (1998) quando enfatiza que a
multiplicidade de ajustes de traços, uma vez posto de lado o critério de origem e
considerado apenas o fenótipo, faz com que as diversas categorias sejam indefinidas,
possibilitando o aparecimento de casos de identificação controversa.
40
O autor, ao afirmar que o pudor da cor e a aversão a se identificar como “de
cor”, por parte dos mestiços mais claros, destaca que isso tem beneficiado “o
aparecimento de expressões eufêmicas, ambíguas, como o termo “moreno”, que tanto
pode ser empregado para designar um mestiço de branco com negro em diferentes graus
de mestiçamento […]” (p. 147).
De modo geral, percebi que a maioria das professoras com quem dialoguei nas
entrevistas reforça com satisfação o seu pertencimento racial e valorização da sua cor,
reafirmando sua identidade.
[...] Preta, eu nunca tive dúvida da minha cor. (Denise, Várzea
Grande)
[...] Sou negra, bonita, maravilhosa, uma raça de força. (Vera,
Várzea Grande)
[...] Minha cor é parda, mas a minha raça é negra. (Leda N. S.
Livramento)
[...] Negra, com muito orgulho, valorizando cada vez mais a essência
da minha família. Valorizo muito minha família e meu pai. Ele
conseguiu sobreviver aqui diante de tanto preconceito que existe.
Aqui é uma cidade muito preconceituosa. Às vezes o próprio negro
tem preconceito do negro. (Vânia, Poconé).
A professora Vânia, em seu discurso, demonstra reconhecer a existência de
preconceito racial na sociedade e percebe as mazelas dessa ação no comportamento das
pessoas.
Durante as entrevistas, evidenciou-se que a identidade racial das professoras foi
se constituindo em diferentes momentos e de formas distintas, e as famílias foram a
âncora no fortalecimento da identidade racial da maioria das entrevistadas. Segundo
Gomes (1995), a instituição familiar assume uma função fundamental na vida e na
história do negro. Ela enfatiza que a família “é a matriz na construção da identidade, o
espaço da ancestralidade, da afetividade, da emoção e da aprendizagem de diversos
padrões sociais” (p. 120).
A professora ao expressar “às vezes o próprio negro tem preconceito do negro”
demonstra o quanto a ideologia forjada pelas teorias racistas foi assimilada e absorvida
pelas pessoas. Essa percepção leva muitos brasileiros a construir um imaginário
negativo contra a população negra, o que, de uma forma ou de outra, acaba por trazer
sérias consequências à construção da identidade negra.
41
O termo negro era utilizado no Brasil Colônia para se referir não somente às
pessoas de pele escura, mas também aos que estavam na condição de escravos e, mais
tarde, foi tomado também pelos movimentos negros como uma construção política.
Portanto, é bom ressaltar que a terminologia “negro ou negra” aqui utilizada refere-se a
uma construção social, o mesmo empregado pelos movimentos negros. Observa-se que
algumas professoras, sujeitos desta pesquisa, não apresentaram nenhuma dificuldade
com sua identificação racial. Outras, entretanto, mostraram dificuldades como a que se
referiu ser “multiétnica”. O que nos leva a crer que tratar sobre a questão da identidade
provoca ainda no Brasil sérios debates e discussões, pois em muitas situações o negro
para ser aceito pela sociedade tem que, às vezes, afastar-se da sua identidade racial e
incorporar a uma identidade que não é sua.
É relevante dizer que, no âmbito dos estudos sobre relações raciais, a construção
da identidade permeia por esses espaços e se faz presente nessas relações. Dessa forma,
para entender sobre esse assunto, buscou-se, neste trabalho, as acepções construídas a
partir das teorias de alguns estudiosos a respeito da construção de identidade ancorados
numa dimensão cultural, como Hall (2012) e Woodward (2012).
Hall (2012) considera que as identidades não são integradas e nem singulares,
mas construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou
serem opostos, estando assim em constante processo de mudança e transformação.
Dessa forma, estão sujeitos a uma historicização radical. Para ele, a identidade invoca
uma origem em correlação a um passado histórico, utilizando-se dos recursos da
história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que somos, mas “quem
nós podemos nos tornar”. Nesse sentido, Hall defende a posição de que as identidades
estão sempre inacabadas, concebendo-as como um processo ou um discurso.
No que diz respeito à complexidade da formação de identidade, Woodward
(2012) apresenta como cenário de conflitos sociais e políticos dois povos: os sérvios e
os croatas. Segundo a autora, eles partilham de local e de vários aspectos da cultura em
suas vidas cotidianas, mas se exibem totalmente diferentes. Se é sérvio, não pode ser
croata, e vice-versa. Essa identidade é adquirida por meio de uma marcação simbólica
relativamente a outras identidades, isto é, mostra que a identidade é relacional, pois uma
identidade está sujeita à outra identidade para existir e, portanto, marcada pela
diferença.
Teixeira (2003), ao analisar a questão da identidade racial a partir da
compreensão dos alunos negros de uma universidade do Rio de Janeiro, faz uso da
42
discussão sobre o conceito de identidade trazida por Stuart Hall (1993) e Gilberto Velho
(1994), enfatizando que em sociedades complexas moderno-contemporâneas, nem
sempre a cor ou raça institui uma “identidade básica”, o que decorre da fragmentação
que distingue a modernidade agregada ao desenvolvimento de ideologias
individualistas. Para a autora, na sociedade brasileira a identidade transita em duas
vertentes, isto é, pode ser ao mesmo tempo “dada” ou “adquirida” a partir do momento
que se toma consciência dela.
Na fala de uma entrevistada, confirma-se essa questão:
[...] a minha tranquilidade é que nunca tive problema em ser negra,
fui criada só pelo meu pai, e ele nunca usou desses discursos conosco,
sempre disse: você pode![…] Sou negra e gosto de ser. (Olga, Várzea
Grande)
Nesse discurso, é possível perceber a importância da família na transmissão de
valores positivos em relação ao negro, contribuindo para a afirmação da identidade
racial. A colocação dessa entrevistada parte de um referencial construído no seio
familiar que, de forma válida, concentra-se no fortalecimento do indivíduo para ocupar
espaço dentro da sociedade.
Ao tratar sobre a identidade racial, Munanga (2008) afirma que a autodefinição
pode ser o ponto de partida para o desencadeamento de um processo de construção de
identidade ou personalidade coletiva. Para o autor, “a identidade é sempre um processo
e nunca um produto acabado, não será construído no vazio, pois seus constitutivos são
escolhidos entre os elementos comuns aos membros do grupo: língua, história,
território, cultura, religião, situação social etc.” (p. 14).
Munanga (2012) observa ainda que a maior dificuldade dos movimentos negros
em mobilizar todos os negros e mestiços em torno de uma única identidade “negra”
seria o fato de o ideal do branqueamento estar presente até os dias atuais na nossa
sociedade. Para ele, as bases da ideologia racial elaborada do fim do século XIX a
meados do século XX pela elite brasileira, retirou dos movimentos negros o ditado “a
união faz a força” ao separar negros e mestiços e ao alienar o processo de identidade de
ambos. Assim, mesmo esse ideário não ter conseguido avançar no branqueamento físico
da população, ficou cristalizado no imaginário do coletivo brasileiro e, principalmente,
permeado na mente dos negros e mestiços.
Para Gomes (1995), a construção de identidade para o negro é sempre mais
difícil, pois o termo negro é carregado de conceitos, preconceitos, lembranças e de lutas.
43
Essa questão analisada por Gomes encontra respaldo no relato das entrevistadas quando
traz como referência a luta constante para o seu reconhecimento.
[...] eu me considero negra da classe burguesa. Eu falo que para os
negros é uma dificuldade por causa da cor da pele, e quando ele
chega a um grau de formação, a uma condição de vida mais razoável
ele já pode se considerar um negro da classe burguesa […] Então
hoje, eu me considero realizada tanto como pessoa como profissional,
inclusive a minha cor, eu amo muito. (Ivete, N. S. Livramento)
[...] Negra, linda e maravilhosa, raça e luta constante. Como nós
somos da zona rural, quando vamos para a cidade de Livramento,
eles acham que a gente não tem aquela cultura que eles acham que
tem. Mas nós estamos mostrando isso com os estudos, na escola.
(Joana, N.S. Livramento)
Para algumas das entrevistadas, a afirmação da sua identidade racial é refletida e
valorizada por meio da posição que ocupa na sociedade, isto é, decorre da uma ascensão
social de classe. Para Silva (2005), o fortalecimento da identidade negra, antes de tudo,
implica “a superação de todas as formas de discriminação, estigma, estereótipo e
preconceito que impedem o desenvolvimento pleno da população negra” (p. 43).
Diante das contribuições trazidas sobre a construção da identidade, podemos
dizer que a identidade não é estática, imutável, está em constante movimento de
mudança e transformação, estabelecida no jogo das relações sociais. E quando se trata
de identidade racial, ela está intimamente ligada a um processo histórico, remetendo a
raízes culturais de um povo.
44
CAPÍTULO II
ASCENSÃO SOCIAL DO NEGRO NO BRASIL
Este capítulo tem como propósito apresentar contextualização da ascensão social
do negro na sociedade brasileira, enfocando as consequências do racismo na ascensão e
mobilidade social da população negra em nosso país que culminam em desigualdades.
“Estudar a ascensão social é estabelecer relações entre a posição presente e passada, na
busca de identificar como as pessoas vão distribuindo nos vários níveis da estrutura
social ao longo do tempo”. (SANTOS, 2007, p. 13).
Desta forma, é relevante a discussão aqui empreendida para que se possa
entender que a “raça” é determinante da condição social do indivíduo. […] tem
existência social, está no imaginário da sociedade, e isso contribui para a construção das
desigualdades raciais no Brasil (MÜLLER, 2006, p.104).
2.1 Ascensão social e mobilidade social: construindo conceitos
É bom ressaltar que no Brasil a questão racial é objeto de estudo por
pesquisadores brasileiros desde antes de 1950, por autores como Nina Rodrigues,
Gilberto Freyre 4 e outros. Esses intelectuais importaram o racismo e contribuíram para
disseminar a democracia racial.
Diante da crença de um cenário em que pairava uma imagem positiva de
harmonia racial entre brancos e negros, após a Segunda Guerra Mundial, recomendado
pelo Departamento de Ciências Sociais da UNESCO, passa a ser realizada uma série de
pesquisas a respeito das relações raciais no Brasil.
A fim de desvendar, portanto, a especificidade da nossa convivência racial, a
partir de 1951, ciclos de estudos sobre relações raciais são realizados na Bahia, Rio de
Janeiro, São Paulo e Recife por pesquisadores como Thales de Azevedo, Costa e Pinto,
Oracy Nogueira, Roger Bastide, Florestan Fernandes e outros sob a orientação de Alfred
Métraux. Esses estudos desmascararam a ideia de democracia racial e revelaram a
existência de racismo, discriminação e preconceito racial no Brasil, além de afirmar que
esses elementos dificultavam a população negra ascender socialmente.
Também ficou evidenciado, pelas pesquisas produzidas por Azevedo (1955),
Fernandes (1978) e Costa Pinto (1952), que a educação se configura como um
4 Gilberto Freyre (1933), com a publicação da obra Casa Grande & Senzala.
45
importante mecanismo para a promoção de ascensão social e econômica do negro no
sentido de equipará-lo ao branco.
Por conseguinte, ao estudar sobre as trajetórias de vida das professoras negras, é
possível notar que no Brasil o povo negro e seus descendentes, mesmo após a abolição
da escravatura, ainda encontram resquícios de uma herança cruel do período da
escravidão.
Segundo Da Matta (1987), Após a Independência, o Brasil passou a buscar sua
própria identidade. Como a Abolição, transformou todos em cidadãos, buscou-se dar ao
negro uma cidadania de segunda categoria e para mantê-lo na base da hierarquia social
das três raças construiu-se uma ideologia pautada no racismo, cuja intenção era
legitimar o lugar do negro na base da hierarquia social. O autor esclarece que esse
pensamento veio na forma da “fábula das três raças”, e que hoje essa fábula tem força e
o estatuto de uma ideologia dominante, isto é, “um sistema totalizado de ideias que
interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura” (p. 69).
É possível perceber que na sociedade brasileira as relações sociais são marcadas
por essa ideologia, o racismo, o preconceito e a discriminação racial presentes nessas
relações representam os maiores entraves para a ascensão social e mobilidade de
homens e mulheres negras, legitimando a desigualdade.
Para Müller (1999) essas atitudes negativas estão presentes na sociedade,
embora muitas vezes disfarçadas por mecanismos sutis de evitação, constituindo-se no
chamado “racismo à brasileira que compõe estratégias de branqueamento àqueles que
desejam ou podem ascender socialmente” (p. 23, grifos meus).
Embora venham ocorrendo nas últimas décadas avanços significativos na
mobilidade e ascensão social da população negra, o Brasil continua a ser um país de
contrastes em sua estrutura social, onde inúmeras dificuldades são encontradas por
pretos e pardos quando buscam melhores oportunidades sociais.
É oportuno salientar que a mobilidade social tratada neste estudo refere-se à
mudança de padrão de vida, refletida na trajetória profissional das professoras, que
viram a docência como uma possibilidade de alcançar posição de status na sociedade.
Nesse sentido, a mobilidade social na acepção de Pastore (1979, p. 4) refere-se à
“mudança de status social”, que pode ser ascendente ou descendente. No caso das
professoras entrevistadas, a mobilidade é ascendente e, segundo o autor, funciona como
uma estrutura de promoção social.
46
Em estudo sobre a evolução da estrutura social brasileira ao longo do século XX,
Pastore e Silva (2000) destacam que no Brasil houve importantes transformações nas
relações entre os grupos sociais e entre classes, mas aponta que, se comparar à
proporção da mobilidade ascendente para os não brancos, esta ainda é menor que para
os brancos. Estes últimos ainda são maioria ocupando a camada social mais alta, há,
portanto, uma evidente convergência entre mobilidade e desigualdade.
Nessa perspectiva, retomemos a visão de Pastore (1979, p. 3) quando afirma que
“as sociedades humanas se desenvolvem socialmente na medida em que elevam o
padrão de vida e equalizam sua estrutura social.” O autor prossegue enfatizando que a
mobilidade pode ser um instrumento de desenvolvimento social e de promoção da
igualdade, em que propicia a passagem de uma pessoa de um nível ou grupo social para
outro, oportunizando sua ascensão social.
De acordo com algumas professoras, o caminho para uma mulher negra ascender
socialmente não é tarefa fácil, requer muito esforço e persistência, pois a sociedade
brasileira utiliza-se de muitos artifícios para impedir ou evitar que um negro assuma
posição social de destaque. Isso é comprovado pelas estatísticas e extremamente visível
quando transitamos em diferentes espaços sociais públicos e privados como escolas,
igrejas, clubes, universidades, empresas e outros.
Na concepção de Teixeira (2003), isso ocorre devido aos mecanismos de
reprodução de desigualdades que operam no país. Na visão da autora, apesar das
barreiras e dificuldades, a ascensão do negro acontece. O pensamento da autora é
evidente na trajetória das professoras aqui estudadas, os obstáculos sempre estiveram
presentes, foram, no entanto, contornados e vencidos.
2.2 As faces do racismo e o retrato das desigualdades em relação à mulher negra
No Brasil, durante o Regime de Escravidão, desenvolveu-se uma poderosa
cultura racista que perdura até os dias atuais. Obviamente, em uma sociedade como a
nossa, o preconceito e a discriminação racial se ampliam de forma sutil, operando como
mecanismos de exclusão e de desigualdades de oportunidades, acentuando como
principais obstáculos no projeto de ascensão e mobilidade social do povo negro, que,
“muitas vezes são tidos como diferentes e inferiores. Inferiores na inteligência e
47
inferiores nos valores morais” (MÜLLER, 2006, p. 105). Nesse viés, para o segmento
branco as possibilidades de usufruir de vantagens e de conseguir elevação social é mais
evidente do que para o negro.
A relação entre cor/raça e ascensão social no Brasil é concebida como uma
implicação no contexto de vida da população negra e, principalmente, para a mulher
negra que, diferente do homem negro, luta contra, entre outros, a discriminação por ser
mulher e por ser negra e que, para muitas, ainda acrescenta uma terceira: ser pobre.
Essas implicações culminam em desigualdades entre grupos sociais, neste caso, negros
e brancos.
Convém salientar que a lacuna que separa negros e brancos no Brasil tem raízes
históricas. As condições de desigualdades hoje entre os dois grupos de cor ainda são
notórias, embora tenha havido avanços em nossa sociedade com a implementação de
políticas públicas que objetivam diminuir essa distância, a partir de ações afirmativas de
reconhecimento e reparação.
Pode-se dizer, sobretudo, que as desigualdades raciais, provavelmente, são
resultantes do processo histórico vivido pelo segmento negro com mais intensidade após
a introdução e assimilação das teorias racistas no Brasil. A população negra ainda hoje é
alvo de práticas racistas e discriminatórias, as quais se processam de muitas formas,
sendo ora explícitas, ora disfarçadas.
Para compreender melhor essa situação, pesquisas realizadas por Hasenbalg
(1979), Henriques (2001), Jaccoud e Beghin (2002) trouxeram à tona que os negros não
usufruíam de modo igual os benefícios legalmente instituídos em nosso país como
acesso e permanência na educação, saúde de qualidade, acesso à justiça, rendimentos e
outros, e que a maioria da população negra se mantinha na linha da pobreza. Esses
estudos apontaram evidência significativa da existência de desigualdades raciais no
Brasil.
Hasenbalg (1979) em sua tese de doutoramento estudou a formação histórica
das desigualdades raciais no Brasil e constatou ser esta sociedade corroída pelas
diferenças raciais, produto de um forte mecanismo de dominação a que brasileiros de
cor estão subordinados. Para o autor, a democracia racial é um poderoso instrumento
ideológico de controle social e afirma que “as pessoas de cor sofrem uma
desqualificação peculiar e desvantagens competitivas que provêm de sua condição
racial” (p. 20). Assim, dentro dessa lógica, o autor se dá por convencido de que a raça
48
constitui um dos critérios que estabelece o estatus ou posição do indivíduo na
sociedade.
Corroborando com essa questão, Henriques (2001, p. 5) considera que “a intensa
desigualdade racial brasileira, associada a formas usualmente sutis de discriminação
racial, impede o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população
negra”. Para ele, a naturalização da desigualdade concebida pela sociedade brasileira é
decorrente de raízes históricas e institucionais, resultado do processo de escravidão,
inerte e paternalista.
Ao se valer-se das informações analisadas pela PNAD de 1999, Henriques
(2001) declara que, cerca de 34% da população brasileira vivia em famílias com renda
inferior à linha de pobreza e 14% em famílias com renda inferior à linha de indigência.
Confirmam essas informações, as análises feitas por Jaccoud e Beghin (2002). As
autoras apontam que a possibilidade de um branco ser pobre está em torno de 22%; em
relação ao negro, a probabilidade é o dobro, isto é, 48%. “Isso revela que a população
negra é a maioria pobre, dispõe de piores condições de renda em relação aos brancos.”
(JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 28).
Trabalhos mais recentes como as análises do Relatório Anual das Desigualdades
Raciais no Brasil 2009-2010, organizado por Marcelo Paixão e Carvano (2011),
reforçam essas denúncias. Indicadores revelam que pretos e pardos possuem expectativa
de vida mais baixa que a população branca. O Relatório ainda aponta que a população
negra vem tendo problemas em termos de acesso aos serviços básicos, tais como
qualidade no atendimento público de saúde, possui maior defasagem na educação; está
mais vulnerável em relação à segurança alimentar; recebe menor número de
aposentadorias e pensões da Previdência Social e tem menor renda per capita.
De fato, a nossa sociedade é bastante perversa quanto ao trato dispensado ao
segmento negro, principalmente quando se trata da educação. Como já foi dito
anteriormente, dentre os setores que vêm reproduzindo desigualdades, o sistema
educacional merece destaque. Estudos e pesquisas vêm insistentemente denunciando
que os negros frequentam as piores escolas, há tratamento diferenciado entre negros e
brancos nos ambientes escolares e, sobretudo, exclusão e abandono escolar de crianças e
jovens negros. Essa situação pode ser evidenciada desde a educação infantil até o curso
superior. Dados do IBGE (2010) revelam que 14,1 milhões de brasileiros ainda são
analfabetos e, desse montante, 26,7% são negros. Em Mato Grosso, 9,4% dos pardos e
13,7% dos negros não sabem ler e nem escrever.
49
Dessa forma, esses números mostram que as desvantagens ainda são mais
acentuadas para os negros no contexto educacional, porém pode-se compreender que o
baixo nível de escolarização do negro está além do acesso à escola.
Destarte, tomei como referência as pesquisas realizadas no Brasil sobre a
situação do negro na educação e as relações raciais ocorridas no espaço da escola
(ROSEMBERG, 1987; HASENBALG e SILVA, 1990; HENRIQUES, 2001) e em
especial, as realizadas em Mato Grosso (COSTA, 2004; PINHO, 2004; JESUS, 2006;
GONÇALVES, 2007 e ALEXANDRE, 2011) 5. Esses estudos denunciam a presença
de mecanismos de exclusão por ações discriminatórias, revelando que as situações de
desigualdades estão associadas a questões como: tratamento privilegiado a determinado
grupo racial, humilhações, estereótipos e rejeições em relação à cor da pele do negro no
cotidiano escolar e nos materiais didáticos e que essas situações vivenciadas pelos
negros impactam de forma negativa no desempenho escolar que, consequentemente,
contribui para o seu fracasso na escola.
Rosemberg (1987), ao analisar os dados de 1980 e de 1982 sobre o rendimento
educacional entre os grupos raciais brancos e negros no Estado de São Paulo, revelou
que os alunos negros apresentavam índices de exclusão e de repetência superiores aos
alunos brancos, como também as escolas em que esses alunos frequentavam
apresentavam baixa qualidade de ensino. Para a autora, as crianças negras vivenciam
uma trajetória escolar mais curta e acidentada que as das crianças brancas.
A mesma correlação é apontada por Hasenbalg e Silva (1990) com base nos
dados do PNAD de 1982 e em seu suplemento especial sobre educação. Segundo os
autores, o acesso tardio acumulado ao efeito da repetência, resulta numa experiência de
trajetória escolar mais lenta e sinuosa para as crianças negras.
Sobre essa trajetória, os autores afirmam que:
[…] as crianças não-brancas por terem um nível de repetência mais
elevado, chegam ao ponto de saída do sistema escolar com um número
médio séries completadas muito inferior ao das crianças brancas.
Estas diferenças na dinâmica da trajetória escolar resultam nas
profundas desigualdades educacionais que separam brancos e não-
brancos na sociedade ( p. 12).
Situações de discriminação racial também foram constatadas nos estudos de
Pinto (1987); Negrão (1987); Silva (1995) e Costa (2004) em relação às imagens e aos
5 Pesquisadoras do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação/NEPRE/UFMT,
sob a orientação da Professora Dra. Maria Lúcia Rodrigues Muller (PPGE/UFMT).
50
conteúdos veiculados nos livros didáticos. Esses estudos evidenciam que da forma
como a literatura representa o negro, contribui para a sustentação da discriminação
racial contra a população negra, trazendo sérias consequências para a sua autoimagem e
para o seu desenvolvimento escolar.
Segundo Costa (2004) em pleno século XXI, a produção dos livros didáticos
ainda vem negando aos negros o direito de desfrutar de uma imagem positiva de si.
Esses livros continuam ainda perpetuando um imaginário social fértil contra o negro e
colaboram para consolidar a discriminação racial nas relações sociais construídas.
Jesus (2007), ao analisar a trajetória de vida de jovens do ensino médio em
Tapurah/MT, constatou que o racismo por meio de atitudes disfarçadas são
manifestadas no dia a dia desses jovens, criando diversas formas de exclusão,
transformando-os em pessoas que continuam sendo discriminadas ao longo do tempo.
Segundo a pesquisadora, apesar de todos esses percalços, esses jovens lançam mão de
sua criatividade para se defender das ações racistas, dando continuidade aos estudos,
indo em busca de seus ideais.
Outro estudo interessante foi realizado por Gonçalves (2007) em uma escola em
Cuiabá/MT. Ao investigar a percepção dos professores sobre desempenho escolar de
alunos negros, a autora constatou evidências de tratamento diferenciado, que vai desde a
entrada da criança na escola ao não reconhecimento ou desconfiança de suas
potencialidades e à submissão de castigos e punições. A autora afirma que “o fraco
desempenho do aluno negro se deve fundamentalmente, não a um problema do aluno,
mas a um conjunto de condições escolares que dificultam ou até impossibilitam seu
sucesso acadêmico”. (GONÇALVES, 2007, p. 75)
Em uma pesquisa feita com professores de Educação Física, Pinho (2007)
ressalta que os professores apresentam julgamentos negativos em relação ao
comportamento dos alunos negros, hostilizando sua capacidade intelectual. A autora
salienta que “em muitos casos, a escola é a única esperança de esses alunos terem uma
profissão e ascensão social. Se mal tratados no ensino fundamental e evadidos no ensino
formal, o que será deles?” (p. 80).
Já Alexandre (2011), ao estudar sobre as interações raciais no ensino
fundamental, identificou que as relações entre alunos negros e brancos no cotidiano
escolar são marcadas por conflitos. O aluno de pele escura é visto como diferente,
consequentemente recebe tratamento desigual e são até mesmo rejeitados por parte dos
colegas. A autora enfatiza que há preferência perceptível dos alunos pela companhia do
51
outro de pele mais clara “permitiu supor o quanto é doloroso para o aluno negro ser
constantemente exposto a humilhação e pequenos gestos de evitação racial”
(ALEXANDRE, 2011, p. 82).
O racismo tem os seus múltiplos usos e sentidos. Munanga (2006) explica que é
nas tensões existentes nas relações humanas e nas práticas sociais cotidianas que o
racismo se configura de forma complexa, exigindo uma atenção maior do pesquisador
quando se tratar das questões raciais.
Dessa forma, o autor define racismo como:
[...] um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do
ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial
observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo,
formato de olho etc. Ele é resultado da crença de que existam raças ou
tipos humanos superiores e inferiores, a qual se atenta impor como
única e verdadeira (MUNANGA, 2006, p. 179).
O racismo, de acordo ainda com Munanga, pode ser compreendido por duas
versões, isto é, por um lado, aversão à outra pessoa baseada em suas características
físicas; e de outro, alicerçada nas teorias raciais que se baseavam em uma visão
universalista, buscando justificar a escravidão no século XIX, a exclusão dos negros e a
discriminação racial.
É bom ressaltar que o racismo está intimamente ligado à noção de raça
construída a partir da visão biológica que culminou nas teorias raciais. De acordo com o
autor, “etimologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez
veio do latim ratio, que significa categoria, espécie” (MUNANGA, 2003, p. 17).
Munanga (2003) explica que o termo raça foi inicialmente utilizado pelas
ciências naturais, pela Zoologia e pela Botânica para classificar as espécies animais e
vegetais, posteriormente utilizado para classificar a diversidade humana em raças
diferentes e, mais tarde, no século XIX, para categorizar seres humanos em inferior e
superior, como forma de estabelecer hierarquia entre os grupos, abrindo caminho para a
racialismo.
Dessa forma, é imprescindível dizer que, para este estudo, não será utilizado o
conceito de raça sob o ponto de vista biológico, mas reportando a um contexto social,
como bem esclarece Munanga (2003):
[…] o conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada tem de
biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as
ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder
52
e dominação. […] o campo semântico do conceito de raça é
determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de
poder que a governam (p.18).
Colaborando com essa visão, Müller (2009, p. 18) afirma que “raça não existe
do ponto de vista da biologia e da genética. Mas existe no imaginário social, portanto é
uma construção social”. Entende-se, então, que, no Brasil, o negro, desde a sua origem,
já se depara com consequências negativas provenientes de estigmas e estereótipos
cristalizados na mentalidade da sociedade. Geralmente, há uma parcela na sociedade
que cria mecanismos negativos a todos aqueles que são vistos como “diferentes”, que
não pertencem a seu grupo. Portanto, as desigualdades raciais se fazem presentes nas
relações sociais.
Em uma sociedade desigual como a nossa, geralmente, a figura da mulher negra
é difundida de forma negativa, o quesito cor, seguido de aparência física, pode ser
determinante e delimitar o acesso aos espaços de poder e, principalmente, desaguar em
exclusão do mercado de trabalho.
Nas entrevistas realizadas, o preconceito e a discriminação foram constantes nas
relações sociais estabelecidas pelas professoras, manifestadas em relação as suas
características físicas e também capacidade intelectual, o que me levou a perceber que a
presença dessas mulheres e professoras negras no magistério não foi nada fácil.
Alguns estudos realizados no Brasil como o de Teixeira (2006) e Müller (2006)
comprovam essa percepção. Teixeira (2006) ressalta que no Brasil a docência é
predominantemente feminina (81,2%), e no quesito cor, a branca sobressai
majoritariamente (64,2%). No que se refere às diferenças regionais, Mato Grosso
apresenta na distribuição da categoria de professores, 77,7% feminino e 22,3%
correspondem à presença masculina.
Em relação à presença negra no magistério, Teixeira (2006) pontua que a
participação de professores pretos e pardos totalizam 34,3%, sendo menor que a de
brancos 64,2%. Ao fazer a comparação em Mato Grosso, a diferença prossegue entre os
dois grupos de cor, isto é, a presença de professores brancos é de 54,4%, ao passo que
os negros representam 43,5%.
No tocante à ocupação, Teixeira (2006) informa que em todo o país, a
proporção de pessoas brancas é maior que a das pessoas negras, respectivamente 55,7%
contra 42,9%. Em Mato Grosso, esse quadro se reverte, sendo que o percentual da
população negra atinge 53%, enquanto a branca gira em torno de 45%. Verifica-se que
53
essa maior proporção apresentada de professores negros, possivelmente deve-se ao fato
de maior concentração de pessoas pretas e pardas no contingente populacional do
Estado.
A situação de professoras negras é levantada de forma interessante pela autora,
quando ela desmembra as variáveis por cor no Brasil que, entre outras comparações,
traz uma diferenciação entre mulheres brancas e negras na categoria de professor.
Teixeira (2006) destaca que há uma proporção mais elevada de mulheres brancas
professoras com ensino superior atuando na educação infantil, enquanto que atuando na
mesma modalidade, mas apenas com ensino médio, encontramos uma proporção
semelhante entre professoras brancas e negras.
Quando se trata das professoras de nível médio atuando no ensino fundamental,
a proporção é maior para mulheres negras, 70,2% contra 53,5% para as brancas. No
entanto, ao analisar as professoras de disciplina educação geral atuando no ensino
médio, a proporção é mais elevada para as mulheres brancas, 23,7% e 13% para as
negras. Ao analisar a proporção de mulheres negras e brancas atuando no ensino
superior, essas últimas também apresentam vantagens, na ordem de três vezes mais que
as mulheres negras, 5,1% e 1,6%.
Pode-se, assim, constatar que na categoria de professor a proporção das
mulheres brancas é, na maioria das vezes, superior a das mulheres negras, sendo que
estas se encontram mais concentradas no ensino fundamental. A tabela 2 abaixo mostra
a atuação das professoras negras e brancas em diferentes níveis de ensino, conforme
Censo Demográfico de 2000. As Informações contidas nesta tabela 2 foram extraídas do
livro Cor e magistério, Teixeira (2006, p. 29-30).
Tipo de professor Mulheres Brancas Mulheres Pretas e
Pardas
Professoras da educação infantil (nível
superior)
0,6 0,2
Professoras de nível médio na educação
infantil
9,5 9,6
Professoras de nível médio no ensino
fundamental
53,5 70,2
Professoras de educação geral ensino médio 23,13 13,0
Professoras do ensino superior 5,1 1,6
Tabela 2: Atuação das professoras negras e brancas em diferentes níveis de ensino/Censo
Demográfico de 2000.
54
Embora a atuação no magistério seja eminentemente feminina, verifica-se que,
quanto maior o nível de ensino, mais aumenta a participação da mulher branca e reduz a
da mulher negra. Portanto, no ensino superior a mulher negra aparece sub-representada,
provavelmente reflexo da discriminação e preconceito entrelaçados no seu cotidiano
que, de certa forma, impede a sua elevação profissional. O fundamento para essa
questão pode estar na explicação de Müller (1999), em sua pesquisa de doutorado em
1999, concentrada nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Rio de Janeiro sobre a
presença de professoras negras na Primeira República.
Müller evidencia a presença de professoras negras desde o final do século XIX e
relata que, embora houvesse a presença da mulher negra no magistério, as instituições
se encarregavam de invisibilizá-las, tendo em vista a construção negativa sobre negro
que ocorreu devida à disseminação das teorias racistas ocorridas a partir daquele século.
Para a autora, essas bases racistas se instalaram fortemente no imaginário social,
abarcando as elites brasileiras e contribuíram para o processo do branqueamento do
magistério, afastando as professoras negras do ensino. Desse modo, essas teorias
determinavam a posição do negro na sociedade, ou seja, subalterno, submisso e,
consequentemente, com menor valor social.
No entendimento a esta questão, Müller (2006) salienta:
Os debates sobre as teorias racistas que atravessaram as elites
brasileiras desde meados do século XIX tinham por objetivo, em
última análise, desalojar de suas posições aqueles que a ‘ditadura
ciência d´hipóteses negou em absoluto para as funções do
Entendimento artístico da palavra escrita’, isto é, os letrados e as
letradas negros e negras (p. 134).
Segundo apontamentos da autora, a presença da mulher negra no magistério foi
diminuindo a partir do final da década de 20 do século XX, somente ampliando sua
participação após a década de 60 do mesmo século, com a disseminação de vagas para
os cursos de magistério.
Sendo assim, diante dos inúmeros problemas que o negro enfrenta no seu dia a
dia, o cotidiano das mulheres negras é ainda mais difícil, pois, além de ter de conviver
com as desigualdades no espaço da docência, têm de suportar as desconfianças em
relação a sua capacidade profissional.
55
2.3 A educação como via de acesso para ascensão social do negro
Como já foi dito anteriormente, a população negra teve seus conhecimentos
negados ao longo da sua trajetória, provocado pelas desigualdades. Embora as mulheres
negras tenham vivenciado momentos difíceis em seu percurso de vida, elas vêm
incansavelmente buscando o seu reconhecimento e valor perante a sociedade,
conquistando espaços por meio da educação, tornando-se verdadeiras vencedoras.
Para melhor compreender a educação como porta de entrada ao processo de
ascensão social do negro no Brasil, busquei como referência estudos realizados por
Thales de Azevedo (1996); Figueiredo (2002); Teixeira (2003) e, em especial, em Mato
Grosso pelos pesquisadores Santos (2002) e Nascimento (2012).
Azevedo (1996), ao propor um estudo sobre a dinâmica da ascensão social das
pessoas de cor na Bahia e o seu processo de mobilidade social em 1955, constatou que,
embora naquele Estado houvesse uma grande proporção de mestiçagem e as
discriminações fossem mais brandas, as pessoas de cor ainda eram vistas dentro de uma
categoria biológica e social com qualidades inferiores as dos brancos.
Particularmente, os mais escuros interessados em melhorar a sua posição social,
educacional e econômica por seus próprios esforços encontravam inúmeras barreiras, o
que levou o autor a concluir com veemência que “o principal canal de ascensão social,
através o qual grande número de pretos e mestiços tem adquirido status elevado é a
educação” (AZEVEDO, 1996, p. 166).
Nessa perspectiva, a educação representa um importante canal de mudança
social na vida da maioria população negra, pois é concebida como um bem social, que
ocupa posição privilegiada pela forte influência que exerce na formação da pessoa e por
possibilitar mobilidade e ascensão social.
Teixeira (2003), em sua pesquisa realizada no Rio de Janeiro com estudantes e
professores negros, apontou a insistência do preconceito e discriminação racial em suas
trajetórias de estudos e profissional, estruturado na forma do “jeitinho brasileiro”, a
ponto de interferir em seus projetos e escolha de carreira. Porém, enfatiza que os negros
e mestiços de famílias humildes constituem seu processo de mudança por meio da
educação superior. “[…] negros e mestiços de classe social mais baixa operam seu
processo de mudança social, concebendo e tendo sucesso na execução de projetos de
ascensão através de uma educação de nível universitário, a partir de mecanismo de rede
de relações”. (TEIXEIRA, 2003, p. 244).
56
Em estudos sobre a trajetória de ascensão social de professores universitários
negros, Santos (2007) observou que a educação foi o pilar de sustentação para que esses
professores pudessem atingir a posição social de prestígio. Todavia, constatou na fala
dos seus informantes que, mesmo galgando a posição de professores universitários, não
ficaram imunes a atitudes discriminatórias, e que precisaram a todo instante criar
estratégias para lidar com tais fatos.
Como podemos notar, na sociedade brasileira, a cor da pele é um dos fatores que
atuaram e ainda vêm operando como marca registrada de determinação na hierarquia de
posição social que a pessoa deve ocupar. Entretanto, quem possui a pele mais clara tem
a oportunidade de ocupar de forma mais simplificada posição de estatus social mais
valorizado, enquanto quem tem a pele escura está propenso a ocupar cargos menos
valorizados e a encontrar mais “pedras no meio do caminho” para ascender socialmente.
Resultados de pesquisas recentes disponibilizados pelo PNAD (2011),
compreendendo o período de 1999 a 2009, possibilitam-nos a uma visão panorâmica
sobre a média de anos de estudos entre a população negra e branca, em especial,
mulheres negras e brancas. Ao visualizarmos a figura 3 a seguir, é possível verificar a
nítida diferença em favor da população branca, mas podemos perceber que as mulheres
negras vêm conseguindo passar pelo gargalo estreito do sistema educacional e ampliar
sua média de estudos.
mulher negra mulher branca
Figura 3: Média de anos de estudos da população ocupada com 16 anos ou mais de
idade, segundo sexo e cor/raça. Brasil, 1999-2009.
Fonte: IPEA (2011), Retrato das desigualdades de gênero e raça.
Percebe-se que, no decorrer dos anos, tem, gradativamente, havido avanços nos
anos de estudos de mulheres negras em nosso país. Isso demonstra que mesmo com a
vida cheia de percalços e lutas, elas estão trilhando novos caminhos em busca da
57
ampliação de seus anos de estudos e, com isso, poderão conquistar graus mais elevados
de ensino, o que poderá significar sua elevação profissional e levá-las a ocupar espaços
que antes eram considerados como uma possibilidade remota.
2.4 A regra da aparência na vida de mulheres negras
As trajetórias de mulheres negras no Brasil, entre outros fatores, historicamente
foi marcada pela desvalorização da sua estética. A aparência baseada no seu fenótipo
(cabelo, nariz, boca) sempre esteve presente marcando as diferenças em relação à
mulher negra e branca, estabelecendo a dicotomia entre o símbolo da beleza e da feiura.
Em nosso país, a aparência segue os moldes europeus, aqueles que possuem
olhos azuis, cabelos loiros, pele clara são considerados de “boa” aparência, isto é,
bonitos, e aqueles que não se enquadram nesse padrão sofrem discriminação e
preconceito.
Para muitas entrevistadas, a comparação de beleza se inicia desde a infância,
mas é na adolescência que essa exigência se torna mais cruel. O cabelo e a cor da pele
se tornam o alvo dessas referências e que, aos olhos da sociedade, a mulher negra não se
enquadra nesse modelo. Todavia, essa visão começou no processo de escravidão e
possivelmente esteja calcada na ideologia do branqueamento.
Vale ressaltar que o ideal de branqueamento contribuiu para legitimar os
conceitos de beleza eurocêntricas incorporados na nossa sociedade. Tais conceitos
imperam nas relações de trabalho, nos eventos sociais, nas relações escolares, no lazer e
até mesmo nos espaços religiosos.
Segundo Gomes (1995), o branqueamento “é exemplo visível do racismo
brasileiro”. Ele age de forma intencional no desestímulo à solidariedade do negro em
relação ao próprio negro. Para a autora, o ideal de branqueamento leva o negro a
“perceber o seu grupo de origem como referência negativa, lugar de onde ele deverá se
distanciar e, quem sabe, até mesmo fugir, para tentar, individualmente, galgar os
degraus da tão falada “mobilidade social”, que só os mais capazes conseguirão atingir”
(p. 83).
Diante de uma sociedade regulada pelos padrões rigorosos de beleza estética,
que favorecem a população branca, e em específico as mulheres brancas, a condição
social da mulher negra é restrita. Essas “normas” impostas em relação à aparência
parecem ditar a posição social que a mulher negra supostamente deve ocupar no
58
mercado de trabalho, como também sua permanência na condição econômica
subalterna , ou seja, na pobreza.
O efeito da “boa aparência” na trajetória de mulheres negras vem sendo campo
de interesse de diversos pesquisadores no intuito de compreender como as complicações
geradas pelo racismo e seus derivados acompanham o processo de ascensão desse
segmento social.
Hasenbalg (1979), ao analisar as “Notícias sobre discriminação racial na
imprensa” no Rio de Janeiro (1968-1977), revela que a discriminação ocupacional
aparece como segundo tipo mais frequente de ocorrência. Em relação aos anúncios de
emprego discriminatórios, empregava-se o eufemismo “exige-se boa aparência” que,
segundo o autor, “as exigências de pessoas brancas ou de cor clara não são fatos de um
passado longínquo, quando a democracia racial possível ainda mostrava imperfeições”
(HASENBALG, 1979, p. 264).
Bastide (2008), ao discutir sobre as “manifestações do preconceito de cor” em
São Paulo, enfatiza a existência de um preconceito estético. Considera que a população
branca em sua maioria desenvolve intencionalmente uma série de normas de beleza
favoráveis a sua própria cor, isto é, conforme uma pessoa se afasta desses preceitos, é
concebido como feio. Para o autor, a mulher preta é particularmente vítima dessas
circunstâncias.
Caetana Damasceno (2011), em pesquisa intitulada “Os segredos da boa
aparência”, realizou um intenso estudo sobre a construção social das desigualdades
raciais relacionando-as com a noção de “branqueamento” e com a “boa aparência” nos
anos de 1992 e 1995 no Rio de Janeiro. A autora explorou um conjunto de entrevistas
feitas com trabalhadores e trabalhadoras ocupando diferentes postos no mercado de
trabalho. Em seguida, realizou comparação dos percursos ocupacionais ascendentes de
mulheres negras alocadas em postos de trabalhos mais valorizados, e de mulheres
brancas ocupando posição desvalorizada ou subalternizadas na hierarquia ocupacional.
De acordo com a autora, a força do conceito de “boa aparência” surgiu não
somente como valor estético, mas de forma intensa na situação de disputa e
permanência nos diversos postos de trabalho. Em seguida, ao pesquisar anúncios de
emprego em jornais do Rio de Janeiro na década de 1930 e 40, a autora verificou que os
“serviços domésticos” ocupavam lugar revelador atrelando a combinação entre “boa
aparência” e “cor”.
59
A ‘boa aparência’ assume então o papel de corolário do ‘branqueamento’
graças a associação de certos padrões estéticos a certas qualidades morais
representadas como positivas, refletindo-se no aprendizado de princípios
‘civilizados’ – do mundo dos brancos – que se traduziriam nas ‘boas
maneiras’, no ‘asseio’, no modo de vestir-se, de ‘amoldar’ os cabelos etc.
(DAMASCENO, 2010, p. 228, grifos da autora).
Não é de hoje que o percurso da mulher negra é marcado pela desvalorização
estética. Suas características físicas como cabelo, cor de pele, lábios, nariz são tidos
como qualidades longe dos padrões de beleza construídos historicamente pela
sociedade.
Essa ideia é compartilhada por Nogueira (1985) quando enfatiza que, em nossa
sociedade, impera o preconceito racial, cujo ponto de referência é a aparência (traços
físicos, fisionomia, gestos, sotaques), designado por preconceito de “marca”. Para o
autor, não tem como não levar em conta as dificuldades que as pessoas de pele escura
têm de enfrentar cotidianamente, seus sofrimentos, prejuízos materiais e morais, pois
em nosso país “o negro ou a pessoa escura sempre luta com desvantagem” (p.79).
De um modo geral, em qualquer território brasileiro, o negro sempre foi
associado a uma imagem negativa, ruim, o que é confirmado por Milton Santos (2000,
p. 16), quando enfatiza que “Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de
um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar
predeterminado, lá embaixo, para os negros e assim tranqüilamente se comporta”.
Considerando a aparência como um “problema” para as professoras negras,
surgem diversos depoimentos de experiências em relação aos comportamentos
preconceituosos tendo como base a aparência física ligada à cor e ao cabelo, mesmo
quando essas mulheres ocupam postos de prestígios.
[...] quando eu estava na coordenação da escola, chegavam pessoas
querendo falar com a coordenadora. Na maioria das vezes ia até a
sala, chegava lá e ficava aguardando. Logo eu chegava e perguntava
“você quer falar com a coordenadora?” - Sim, quero falar com a
coordenadora. Eu respondia: “O que o senhor deseja?” “– É só com
a coordenadora”. Respondi: “– eu sou a coordenadora”. A pessoa
me olhava com certo espanto e estranhamento. Penso que é por eu ter
a cor preta (Ana Lúcia, Cuiabá)
Nesse caso, segundo a professora, foram várias as situações em que foi vítima de
preconceito e discriminação em razão de sua aparência. Mesmo quando foi diretora, era
uma constante as pessoas passarem por ela sem cumprimentar, alegando querer falar
com a diretora. Esse episódio nos mostra com nitidez como é difícil para uma mulher
negra, de cor preta, ser vista como merecedora de cargos mais elevados, uma vez que
60
está embrenhado no imaginário das pessoas que esta posição só pode ser ocupada por
mulheres mais claras.
Queiroz (1977), ao estudar a ascensão socioeconômica dos negros no Brasil,
enfatiza a diferença na ascensão dos mulatos em relação a nuances da cor. Embora os
indivíduos possuam os mesmos traços negroides, as que possuem a pele mais escura
encontram mais barreiras de se ascender do que as de pele mais claras.
Durante as entrevistas, duas situações interessantes foram relatadas por uma das
entrevistadas. A primeira se deu por a professora ser negra, casada com branco. Ela diz:
[…] muitas vezes eu e meu marido vamos juntos fazer compras nas
lojas. Observo que todas as atenções são dadas a ele. Ele ganha
muito menos do que eu, mas sei que é questão de cor de pele, a
aparência conta muito. (Nilda, Poconé)
Nesse depoimento, a professora demonstra como o efeito da boa aparência
influenciou, embora em momentos distintos, em suas diversas situações vividas. Essa
situação vivenciada pela professora revela que ainda permanece na sociedade o
imaginário de que o negro tem menos valor e, por isso, está sempre numa situação de
subalternidade.
Vale dizer que no confronto de poder pertinente à cor da pele, a mulher negra
sempre se apresenta em desvantagem em relação à mulher branca ou homem branco.
A outra se deu quando a mesma professora quando ela procurava emprego.
[...] outra situação que me ocorreu foi a negação de oportunidade de
trabalho. A minha cunhada que é branca, tinha recebido uma boa
proposta de trabalho, mas não podia assumir. Ela sabia o quanto eu
era competente para aquele cargo, então me indicou para a empresa.
Ao chegar e verem quem eu era, nem sequer fui atendida. Ficou muito
óbvio que foi por causa da minha aparência. Isso mostra qual é a
preferência. (Nilda, Poconé)
Como ocorreu com a professora Nilda, também outras muitas mulheres negras
em nosso país são rejeitadas no mercado de trabalho pela questão da aparência, numa
atitude extremamente discriminatória e perversa de exclusão. As mulheres pretas, em
especial, são as mais atingidas, os caminhos são mais árduos do que os das pardas,
posto que, conforme vai diminuindo a melanina da pele, vai agregando valor ao ser
humano, principalmente o estético. Esse tipo de atitude restringe a mulher negra de
galgar novos degraus no mercado de trabalho.
Essa questão é percebida com propriedade por Pereira (2010), ao analisar a
ascensão de mulher negra via escolarização. A autora salienta que “na incorporação ao
61
mercado de trabalho, as negras sofrem maiores sanções em relação a sua aparência
física, seus traços fenótipos, demonstrando que gênero e raça fazem bastante diferença
na construção da autoimagem da população não branca” (p.9). Nesse sentido, é de se
supor que esse jogo de “aparência” é uma estratégia criada pelo segmento branco como
forma de se sustentar na posição hierárquica da pirâmide das ocupações e, assim,
manter seu estatus como grupo social de poder. Como forma de contrapor essa
reprodução cruel de valores estéticos moldados pela cultura dominante, é importante
que nós professores, possamos reverter esse ideal de beleza instituída pela sociedade por
meio da valorização da estética negra no cotidiano das escolas, evitando que as
trajetórias de pessoas negras sejam marcadas por situações perversas de exclusão em
razão dos seus atributos físicos.
62
CAPÍTULO III
PROFESSORAS NEGRAS PROTAGONIZANDO A PRÓPRIA HISTÓRIA: AS
TRAJETÓRIAS
Neste capítulo, analiso a trajetória e os discursos das professoras negras
denunciando a presença de discriminação racial em suas vivências escolares e
profissionais e possíveis enfrentamentos.
Considero de extrema importância demonstrar a persistência e protagonismo, os
quais culminaram na ascensão social dessas mulheres e professoras negras por meio da
educação, fazendo uma reflexão sobre os desafios que foram postos constantemente nos
seus caminhos e hoje trilham novos horizontes.
3.1 As experiências de discriminação racial na trajetória escolar e profissional
As discussões sobre as construções negativas em torno do ser negro no cenário
brasileiro vêm descortinando as diversas faces do preconceito e da discriminação no
cotidiano das relações raciais nos diversos espaços sociais. Racismo, preconceito e
discriminação racial estão presentes a todo o momento em nossas ações e estão
impregnados no nosso imaginário que, muitas vezes, insultamos e nem percebemos .
Nas histórias de vida das entrevistadas, todas as professoras negras, de uma
forma ou de outra, passaram por experiências de discriminação racial, seja na infância,
adolescência ou na fase adulta. Vemos nesses depoimentos obtidos nas coletas de
histórias de vida, como os insultos e as ofensas raciais são desferidos e estiveram
presentes desde a infância nas vidas de mulheres negras. A maioria das professoras
entrevistadas relatou que a primeira experiência com a discriminação e com o
preconceito racial ocorreu no contexto familiar e no espaço escolar.
Um exemplo dessa situação está no relato na história de vida da professora Rita.
[...] sou filha de negra (quilombola) com branco. O meu pai é da raça
branca, por ser a classe majoritária, eu fui rejeitada desde que a
minha mãe me concebeu, […] Eu tive uma infância muito dolorida,
até escrevi um livro sobre minha vida […] fui saber sobre isso já
estava com oito anos. […] E sempre pensava assim, vou estudar e ser
alguém na vida pra eu mostrar para família do meu pai que mesmo eu
sendo negra eu ia ser alguém na vida, como de fato, graças a Deus
63
consegui chegar onde cheguei, e mostrei pra ele que eu cheguei sem
precisar do nome dele e sem precisar do seu dinheiro. (Rita, N. S.
Livramento)
A situação de rejeição descrita por Rita apresenta muitas semelhanças com a
realidade de diversas crianças negras na nossa sociedade. A rejeição de um indivíduo
por nascer negro, concebido como fruto inverso de um ideal desejado, traz sérios danos
e frustrações à criança negra, podendo comprometer o emocional e a construção de uma
identidade racial positiva. O ato da recusa do pai e de seus familiares por ter um
integrante negro no grupo familiar mostra como o branco se apropriou da superioridade
da “raça” em face dos ideais das teorias racistas.
Outra questão enfatizada pelas professoras foram as constantes atitudes
preconceituosas e discriminatórias que remetiam ao tipo de cabelo e à cor da pele das
entrevistadas.
[…] então todo dia pra isso não acontecer (perseguição dos colegas),
eu tinha que ser a primeira a sair da sala de aula e correr, porque
eles vinham atrás de mim me xingando e falando palavrões até eu
passar esse trecho […] ali onde eles moravam, eu passava correndo.
Os xingamentos eram referentes ao meu cabelo, porque na realidade
eles procuravam diminuir minha autoestima fazendo essa relação do
feio com meu cabelo […] todo o meu sofrimento, minha angústia com
eles era por causa do cabelo. (Olga, Várzea Grande)
[…] eu passava muita raiva, agora o meu cabelo é assim, curtinho,
mas antes ele era um cabelo gigantesco. Então eu não tinha aquele
jeito de arrumar ele. Eu o prendia e amarrava, ficava aquele tupetão
[parte inaudível]. Então eles pegavam carrapichos, espetava no meu
cabelo que ficava cheio de carrapichos. Para tirar eu chorava,
porque doía, isso acontecia na hora do recreio e na hora de ir
embora. (Ana Lúcia, Cuiabá)
[...] na escola meus colegas me tratavam e tratavam meus irmãos
como “negrinhos da senzala”, “cabeça podre de azeite”, eles
cercavam a gente para bater […] essas marcas a gente nunca apaga,
a gente tenta apagar, mas não consegue. (Joana, N. S. Livramento)
O cabelo desde a infância tem muitos significados para as mulheres. Geralmente
a discriminação racial na escola se dá pela aparência, principalmente pelo tipo de cabelo
e cor de pele, como forma de depreciar o negro. Considera Leite (2011, p.) que “[...]
este pesa muito mais para a mulher negra, pois o cabelo exprime uma marca tão
significativa que lhe foi atribuído conceitos como cabelo bom ou cabelo ruim”.
Muitas vezes, deparamos com uma carga discursiva sobre o ser negro, a qual de
forma perniciosa infere que a culpa pela sua inferioridade se situa nele mesmo e que,
portanto, a morte simbólica e material do seu corpo se constitui o melhor caminho para
64
o fim dos sofrimentos individuais e coletivos. Isto é, o racismo deixa de ser um
problema social para ser um problema do indivíduo e dos grupos negros.
Segundo Santos (1983, p. 3), “A violência racista do branco exerce-se, antes de
mais nada, pela impiedosa tendência a destruir a identidade do sujeito negro”, e que
este através da internalização brutal de um ideal de ego branco, é compelido a formular
para si um projeto identificatório incompatível com as propriedades biológicas do seu
corpo. Ainda a referida autora aponta que esse ideal de um ego branco leva a criança
negra a aprender a depreciar, rejeitar e deformar o próprio corpo para configurá-lo à
imagem e semelhança do branco. Há de convir que o problema não está em ser negro,
não está na cor da pele, nem no tipo de cabelo do negro ou da negra, mas no uso social
que se faz dessas características físicas para inferiorizar o indivíduo e o grupo negro.
Para Gomes (2003), em muitos casos, a criança incorpora essa depreciação
evitando o seu pertencimento racial e a tudo que a ela lhe remete e as professoras nem
sempre buscam intervir pedagogicamente a essas ocorrências de discriminação.
O emprego das expressões “negrinhos da senzala” e “cabeça podre de azeite”
apresentadas nessas falas conota negatividade em relação ao grupo negro e denuncia
ofensas carregadas de estigmas.
Estigma para Goffman (1988) significa expressivo descrédito conferido a uma
pessoa com uma diferença indesejável. Chama a atenção para o fato de que o estigma é
um poderoso signo de controle social empregado para marginalizar e desumanizar
determinadas pessoas que apresentam certas descrições desvalorizadas. Para o autor, um
indivíduo estigmatizado pode ser “desacreditado” instantaneamente, quando na vida
cotidiana essas marcas desvalorizadas estão visíveis; ou “desacreditáveis”, quando não
estão imediatamente visíveis, mas podem ser delatadas, reveladas ou desvendadas.
É possível que esses termos pejorativos possam ter causado um sentimento de
inferioridade na vida dessas professoras quando crianças.
Uma entrevistada relata que a adolescência foi uma etapa muito difícil para ela,
tendo em vista a fase dos namoros, pois a preferência dos meninos sempre era para as
meninas brancas. A pele e o cabelo estavam sempre em jogo quando se tratava de
relações de afetividade.
[...] Já na adolescência, cursando o ensino médio, os grupinhos já
eram daqueles que pensavam em namorar. E eu sofria porque era
muito complicado, os meninos tinham preferência por outras meninas,
brancas ou loiras e a gente ficava para o segundo plano. Eu ficava
calada, não me manifestava que estava triste. Eu percebia assim, que
65
os meninos que eu tinha algum interesse não iam gostar de mim,
porque era negra. (Raquel, Cuiabá)
Nessa fala, é possível perceber que para a mulher negra a fase da adolescência é
extremamente complicada. Como destaca Alexandre (2011), na adolescência as
meninas se preocupam muito com o visual, e que a discriminação, tendo como alvo o
cabelo, faz com que elas se sintam inferiorizadas.
Por conta de uma construção cultural, a cor e o cabelo são constantemente alvos
de discriminação entre os adolescentes nos espaços sociais, principalmente no âmbito
escolar, em que “ruim” e “bom”, “bonita” “feia” são termos constantemente utilizados
para distinguir tipo de cabelo, cor de pele e, assim, inferiorizar ou supervalorizar
pessoas. Nessa relação, as adolescentes negras são nitidamente depreciadas ou
rejeitadas. Nesse processo histórico e cultural brasileiro, as mulheres constroem sua
corporeidade em uma dinâmica sobrecarregada de rejeição/aceitação,
negação/afirmação do corpo (GOMES, 2002).
Essa mesma entrevistada relatou outro fato constrangedor que ocorreu com ela,
manifestando-se, durante seu relato, indignada.
[...] Cito um fato claro que aconteceu comigo recentemente, quando
fui trocar de carro numa concessionária aqui em Cuiabá. Disse que
estava interessada em trocar de carro. Mas os modelos que ele
(vendedor) estava me mostrando era os mais simples, e dizia que a
prestação de um carro usado novo ficava em torno de R$300,00 e que
podia se pagar em muitas prestações. Eu falei que não estava
interessada em um carro usado, mas em um carro novo. Ele me falou:
_ Mas dona um carro zero é muito caro, a prestação vai ficar quase
R$ 900,00 reais, a senhora não vai ter condições de pagar. Então
porque ele falou isso? Ele não perguntou a minha renda, não tinha
perguntado minha profissão, ele deduziu isso por quê? Então é uma
discriminação fortíssima. Eu penso que ele não teve essa intenção de
me discriminar porque sou negra. É pela cultura da sociedade que já
colocou na cabeça das pessoas que todo negro tem que ficar naquela
situação de escravo. Então a gente percebe que essa situação que a
gente vive constantemente é sempre por causa da cor da pele.
(Raquel, Cuiabá).
Em nossa sociedade, geralmente as pessoas são avaliadas pela sua aparência, isto
é, já está cristalizado nas pessoas um juízo de valor, de que uma pessoa por ser negra é
desprovida de poder aquisitivo. Como destaca a professora Raquel, já é uma cultura da
nossa sociedade enxergar o negro como um ser subalterno e desestruturado
financeiramente. O preconceito e a discriminação baseados no critério racial
constituem-se num mecanismo que vem, frequentemente, invisibilizando e
desqualificando o negro em nossa sociedade.
66
Para Gomes (1995, p. 59), essas atitudes racistas são construídas desde a
infância, pois tanto crianças negras quanto brancas crescem convivendo com as
injustiças sociais. Segundo a autora, “a referência que têm do negro está diretamente
relacionadas a indivíduos em situação de pobreza, ocupando cargos de baixo status
social, alocados no ramo de prestação de serviços, pertencendo aos bolsões de miséria,
ocupando os presídios e dormindo na rua”.
Na escola, também acontecem muitos comportamentos associados a uma visão
estereotipada contra a pessoa negra. Atitudes negativas que marcam a relações entre
aluno/aluno e aluno/ professor. Nas várias situações de conflitos gerados no momento
da recreação e ou nas atividades escolares coletivas, alunos que se veem superiores,
geralmente, manifestam ato de ofensa contra o colega que julga ser inferior e, da mesma
forma, agem alguns professores ao tratar o aluno negro com menosprezo e inferioridade.
Como sintetiza Muller (2009, p. 25) “a cor da pele é motivo frequente de insulto e
também de piadas”.
No que se refere à discriminação que as depoentes sofreram por parte de seus
professores no ambiente escolar, notamos por meio dos relatos das professoras Ana
Lúcia e Amália, o tratamento diferenciado dispensado para crianças brancas e negras:
[…] lembro que quando eu estudava na roça, eu tinha meus 7 para 8
anos, então a gente pegava água muito longe, num poço, pra fazer um
leite, que vinha num pacotão, leite em pó. Então na escola pra buscar
a água, era só Ana que buscava. Só que eu não entendia. Era só eu,
meus irmãos e mais duas pessoas negras que buscava. Os
branquinhos mesmo queriam só tomar o leite. E era longe pra buscar
a água, era muito longe mesmo. Trazíamos água na cabeça, ajudava
a professora a fazer o leite, e aí na hora de tomar o leite, eu nunca
esqueci isso... a gente buscava água e era o último a tomar o leite,
isso se sobrar. Eu nunca me esqueço disso. Eu chorei várias vezes,
porque, poxa, eu busquei água, ajudei a fazer o leite e agora vou
tomar só um pouquinho. Cansei de chorar reclamar. Isso me marcou
bastante (Ana Lúcia, Cuiabá).
[…] quando eu estudava no ginásio sofri uma discriminação pela
minha professora. Assim, em todas as salas de lá só tinha eu de negra,
sabe. Eu morria de vergonha, quase não falava na sala. Aí, todo
mundo ia pra fila pra corrigir o caderno, e eu ficava lá sentada. A
professora falava bem assim: “Ô negra! Você não vai pra fila pra
corrigir seu caderno?” Eu ficava assim… (expressou que ficava
ressentida com o jeito de falar da professora). Eu levantava e ficava
no último da fila. A professora corrigia o caderno e falava: “esse
caderno está sujo igual porco, você estava no chiqueiro?”. Eu fazia a
tarefa na roça, depois que socava arroz (Amália, Cuiabá).
67
Diante desses episódios, as depoentes manifestaram um sentimento de mágoa
pelo tratamento recebido de suas professoras. Percebe-se que, nessas relações, elas
agiam de forma inconsciente, cristalizado pelo imaginário social construído ao longo da
história sobre o indivíduo negro.
A discriminação racial sofrida pelas entrevistadas evidencia a existência de um
tratamento desigual no ambiente escolar, e que as práticas discriminatórias manifestadas
por meio dos insultos advindos das professoras, muitas vezes, são concebidas como
naturais. Essa questão é afirmada por Müller (2009, p. 25) quando esclarece que “o
preconceito é naturalizado, e quem assiste ou comete um ato preconceituoso nem
percebe que está sendo cometida uma injúria grave, que fere os sentimentos e a
autoestima do ofendido”.
Outra situação foi vivenciada pela professora Leda, por ser negra, pobre e morar
na zona rural, era alvo de discriminação tanto racial como social. Destaca que, por
diversas vezes, as famílias mais humildes ficam à mercê da discriminação racial e
social, sem atentar para os prejuízos que isso lhes causam.
[...] na verdade quando eu era criança sofri discriminação racial,
como a nossa família era humilde, nunca se atentou para tomar essas
atitudes como discriminação, aceitava pelo aspecto de nunca ter
atentado para isso. Era discriminação racial, era discriminação por
morar na zona rural, eu era uma das poucas alunas que frequentava a
cidade, eu nunca tive esse contato pra fazer trabalho em casa junto
com as colegas, por que tinha que voltar logo pra casa de ônibus, as
pessoas apelidavam a gente por morar na zona rural, quando estudei
comecei com 5 anos , era a menor da turma, então tinha essa questão,
então tudo junto dava para a questão de discriminação racial e
social. (Leda N. S. Livramento).
Os relatos acima mostram uma forte situação de discriminação racial vivenciada
pelas depoentes durante as suas trajetórias de estudos. Percebe-se que muitas situações
conflitantes nas relações raciais entre os alunos advêm de brincadeiras pejorativas,
apelidos depreciativos e xingamentos alusivos à cor e textura de cabelo. Esses
comportamentos muitas vezes são concebidos pela escola como natural ou como “coisas
de crianças”, mas que, de forma contundente, acabam reforçando aos alunos brancos
que tais atitudes são corretas e que não tem problema algum continuar fazendo.
Santos (2007), em sua pesquisa sobre as relações entre alunos negros e não
negros no contexto escolar, destacou que a concepção de inferioridade nas relações
entre alunos caracteriza-se para além da cor, isto é, esta deixa de ser num primeiro plano
a marca da diferença, dando lugar ao atributo cabelo. Essa autora constatou ainda que o
68
recreio para os negros representa um momento difícil, pois são obrigados a viver sob o
signo da ideia de inferioridade a respeito de seu pertencimento racial.
Essas atitudes são manifestadas por meio da linguagem verbal, nos gestos, nas
brincadeiras, xingamentos, apelidos. Enfim, na forma de tratar o outro. No caso do
indivíduo negro, este universo negativo está direcionado à cor da pele e aos traços
fenotípicos (cabelo, nariz, lábios), cuja imagem está atrelada a um ideário construído
historicamente.
Para Guimarães (2002), o insulto racial tem como função instalar um inferior
racial e consiste na aposição de uma marca sintética, como a cor, remetendo o insultado
ao terreno da pobreza, da anomia social, da sujeira e da animalidade, criando uma
barreira social.
Desse modo, Müller (2006) afirma que embora a nossa sociedade seja
multirracial, as variedades de tons de pele declarados pela população brasileira vêm
gerando distinções, seguindo uma “linha de cor” que vai da mais clara a mais escura,
tanto mais próxima ou mais distante do branco. Assim, uma pessoa que se concebe mais
próxima possível do extremo branco se sente legitimada a praticar insultos raciais contra
outros de pele mais escura.
A discriminação e o preconceito estão presentes em todos os espaços sociais. A
docente Vera, do município de Várzea Grande, relata uma situação vivenciada no
interior de um transporte coletivo, em que foi perceptível o olhar negativo sobre o
negro.
[...] tive muitas situações de preconceito. Porque é assim, o branco
em qualquer lugar que ele chega ele é bem visto, já uma pessoa negra
as pessoas olham de um jeito diferente. Uma vez eu entrei no ônibus e
na minha frente entrou uma pessoa branca. Essa pessoa branca
estava com o suor muito forte. Todas as pessoas que começaram a
sentir o odor olhavam para mim. Eu já estava ficando encabulada
com aquilo. Pensei, essas pessoas devem estar achando que sou eu
que estou com esse odor forte, por causa da minha cor escura,
enquanto a pessoa branca passou normalmente, ninguém olhou pra
ela da forma que estavam olhando pra mim. (Vera, Várzea Grande).
A mesma professora prossegue demonstrando a sua percepção em relação àquela
situação.
Continuei pensando, será que só porque sou dessa cor? E a gente
percebe essa diferença. Vi que as pessoas ainda vê o negro como uma
pessoa diferente, mas um diferente para pior, ruim. Mas hoje ainda
bem que as coisas estão mudando [...] (Vera, Várzea Grande).
69
No Brasil, essa visão negativa e distorcida contra o negro foi construída para
condicioná-lo a um lugar determinado pela sociedade, ou seja, na posição de inferior.
Trazendo essas discriminações para o cotidiano das relações de trabalho, é
possível perceber no relato da professora Ivete, a seguir, as realidades que muitas
mulheres negras enfrentam, e como os insultos estão presentes na relação
patrão/empregado, situações essas consideradas uma prática quase que automática.
[…] o meu primeiro emprego foi numa loja como vendedora. Eu tinha
13 anos, por causa da cor e da minha pele negra eu sofri muita
discriminação. Era muito abuso do patrão, insultos, falava muitas
coisas, então consegui ficar só um ano e depois saí. Já na segunda
loja, além de vendedora eu também fazia a limpeza da loja antes de
começarmos a trabalhar. O meu chefe chegou e me chamou a atenção
por causa de um espaço que precisava limpar. Então ele usou a
expressão “Olha só, só podia ser serviço de preto mesmo”. Senti-me
discriminada por causa da cor, entrei com pedido na justiça, mas não
deu em nada. Eu preferi largar de mão e deixar quieto. (Ivete, N. S.
Livramento)
Percebe-se que mesmo a entrevistada mudando de local de trabalho, os insultos a
acompanharam, visto que está inculcada na mentalidade das pessoas a noção de
inferioridade quando se trata de pessoas negras. Termos como “serviço de preto”, “preto
quando não suja na entrada suja na saída” e outros são estigmas usados para evocar
inferioridade e hierarquia social, principalmente quando se menciona a condição social,
faz-se questão de lembrar a qualidade de ex-escravos.
Em uma sociedade marcada por intensa relação conflituosa de poder, o
segmento negro está sempre à mercê de hostilidade e representações vinculadas a um
passado escravagista. Guimarães (2002) ensina que a posição social e racial dos
insultados já está historicamente instituída por meio de um extenso processo anterior de
humilhação e subordinação e o próprio termo que os designa como grupo racial (preto
ou negro) já é em si mesmo um marco pejorativo, podendo ser usado sinteticamente,
sem estar acompanhado de adjetivos ou qualificativos.
E, dessa forma, o preconceito, o racismo e a discriminação racial vêm
prosseguindo em nossa sociedade, hostilizando a população negra por meio de insultos,
ofensas, xingamentos e apelidos pejorativos, na tentativa de lembrar sempre à pessoa
negra onde é “seu lugar”, alimentado pelo ideário da superioridade de determinado
grupo social historicamente construído.
A escola vem sendo apontada como um dos ambientes mais importantes na
construção de quem somos e do que pensamos a respeito do outro. A forma negativa de
70
ver o outro surge no cotidiano escolar de maneira severa e cruel, em que o “outro”
torna-se uma pessoa com atributos diferentes e, por isso, pode ser discriminado.
Na escola, o outro, o diferente, muitas vezes, é depreciado, ridicularizado,
estigmatizado, discriminado e, finalmente, excluído, em geral na frente de todos e com a
anuência dos profissionais da educação, quando silenciam ou participam da situação
(ABRAMOWICZ e OLIVEIRA, 2006).
Nas relações raciais estabelecidas no espaço da escola, devido ao seu
pertencimento racial, o grupo negro está constantemente sujeito a depreciações, visto
que historicamente foi construída uma imagem negativa a seu respeito, o que Bento
(2005) chama de “estereótipo”. Ela situa o estereótipo como “algo que funciona quase
como um carimbo, a partir do que a pessoa é vista sempre através de uma marca, pouco
importando como realmente ela seja” (p. 38). Essas representações negativas são
veiculadas naturalmente nos meios de comunicação, seja na televisão, em revistas ou
redes sociais. Essas mídias, de forma perversa, estimulam as pessoas a terem posição
negativa acerca de fatos, acontecimentos e grupos de pessoas negras, indígenas ou
quaisquer outros considerados diferentes.
Bento (2005), citando o estudo realizado por Raquel de Oliveira nas escolas
públicas estaduais de São Paulo, em 1994, revela que o estereótipo influencia no
comportamento das crianças. O estudo mostra que a criança branca é o principal agente
discriminador da criança negra, que palavras como “preto” e “negro” estão sempre
presentes nas situações de brigas e conflitos entre os alunos.
Em relação às atitudes estereotipadas remetidas contra o segmento negro, Costa
Pinto (1998) ressalta que o preconceito racial constitui-se em um sistema de reações
estereotipadas, não no contato com o negro, mas por força dos julgamentos existentes
sobre ele. Age, pois, como força estabilizadora de negação e tende a resistir à mudança.
Os estereótipos, que são criações do grupo e não do indivíduo, tendem
a se estabelecer e consolidar, como dissemos, na medida em que,
dentro de uma estrutura maior, os grupos se afastam e entram em
competição; por outro lado, dentro de cada grupo, na medida em que
os estereótipos existem e se propagam, e maior número de pessoas
passa a adotá-los, eles se tornam mais consolidados, mais integrados
e, por via de consequência, mais difíceis de modificar, pois em torno
deles tendem a se formar correntes de opinião, ideologias e
movimentos sociais (COSTA PINTO, 1998, p. 187).
De fato, quando se trata do segmento negro, as opiniões negativas construídas
sobre esse segmento ao longo da história vão ganhando adeptos de geração a geração.
71
Isso é possível perceber em obras literárias brasileiras, nos comentários emitidos pelos
internautas nas redes sociais, nas telenovelas, programas de entretenimentos, letras de
músicas, e que são facilmente socializados no ambiente escolar.
Pesquisas no cotidiano das escolas mato-grossenses trazem recentes discussões
sobre a presença de estereótipos de cunho racistas e discriminatórios nas relações de
conflitos entre os dois grupos de cor negro e branco. Nos estudos realizados por Santos
(2005); Alexandre (2006); Gonçalves (2006) e Aiza (2007) é possível perceber termos
pejorativos expressos por professores e por alunos brancos relacionados ora à aparência
do aluno negro (cabelo de bombril, cabelo de arame, macaco, filhote de São Benedito),
ora à capacidade intelectual (negro burro) e ora ao comportamento (malandrinho, saci,
revoltado).
Vale ressaltar que essas e outras expressões negativas transitam livremente nas
relações conflituosas ocorridas no cotidiano da escola e são concebidas como
brincadeiras, interpretadas como natural, mas com o nítido propósito de depreciar as
crianças negras e estabelecer contra elas e nelas o sentimento de inferioridade.
A professora Ruth, uma das entrevistadas, acentua que as pessoas dão muito
valor para o tom da pele, para o estilo de roupa que se usa e não valorizam a
honestidade, o caráter. “O brasileiro é muito enganado, se aparece um bonitinho, um
arrumadinho, cheirosinho, só roupa da moda e se aparece lá um negro de chinelinho,
ah já vai roubar já tem alguma coisa, fica de olho nele” (Ruth, Várzea Grande).
Para Santos (2007), as manifestações depreciativas em relação ao negro por
meio dos apelidos ou da satirização passam a prevalecer na difusão do racismo. No
entanto, “por trás da tida “brincadeira” e apelido enfatizando as características raciais
dos alunos, nada há de brincadeira. São formas de estigmatização do negro, de veicular
preconceito, onde o interlocutor se exime do ato, sob a justificativa da brincadeira” (p.
55).
Gostaria de iniciar este parágrafo com o relato de uma experiência pessoal. Em
1987, quando da minha primeira experiência como professora, tive de programar as
atividades artísticas e culturais para serem apresentadas nos eventos alusivos às datas
comemorativas. Assim, quando as atividades direcionavam para apresentação individual
e de posição de destaque (declamação de poemas e poesias, entrega de premiação ou de
homenagem, representar a turma ou a escola, hastear a bandeira e outros), sempre
escolhia uma aluna ou um aluno branco, de cabelo liso, tido como o mais bonito e
inteligente para aquela atividade. Ou quando das apresentações coletivas (danças, teatro,
72
coral, jogral), instantaneamente, ao organizar as crianças no palco, alocava as crianças
brancas na frente e as crianças negras atrás. Esse tipo de atitude foi manifestado até o
momento em que percebi as crueldades que estava fazendo para com aquelas crianças
negras.
Assim como meus alunos, muitas outras crianças negras brasileiras vêm
sofrendo com ações dessa natureza, as quais as remetem ao caminho da evasão e/ou
exclusão social. Compreendo que, assim como já narrei, eu somente reproduzia aquilo
por que já passara, sem nenhuma reflexão, estava condicionada a essa reprodução. Para
essa situação, Müller (2009, p. 25) elucida que “são tão frequentes em nosso país
atitudes depreciativas contra pessoas negras que passam completamente despercebidas”.
Outro instrumento que vem há décadas sendo alvo de denúncias relativas à
veiculação de estereótipos e estigmas em relação ao negro são os livros didáticos.
Embora venha mostrando avanços nos últimos anos, muitas obras ainda apresentam
enfoques pejorativos em relação ao negro.
Em estudo realizado por Costa (2004), o negro no livro didático é apresentado
como objeto de riso, de gracejos, em uma amostra de desrespeito à sua dignidade. A
autora revela que “atribuir estigmas negativos aos negros significa impingir-lhes marcas
des seres inferiores e, portanto, justificar as injustiças sociais às quais, ao longo dos
séculos, vêm sendo relegados, interferindo em suas perspectivas de futuro” (p. 60).
Costa (2004) corrobora com a ideia de Cavalleiro (2003) quando esta destaca
que esses atos cometidos pelos professores, mesmo se considerados atitudes
inconscientes, magoam e marcam vida afora as crianças negras. Para a autora, a escola
ao se achar igualitária, livre de preconceito e discriminação, acaba perpetuando
desigualdades de tratamento e oportunidades.
Observo em minha vivência diária como docente que alguns professores agem
com preconceito contra as crianças negras e as discriminam abertamente, o que
contribui negativamente para a sua construção cultural e identitária.
Diante dos percalços vividos (estereótipos, estigmas, insultos) pelas professoras
negras entrevistadas desde suas infâncias, seja na vida escolar ou social, é inegável a
luta que as mulheres negras travam diariamente para continuar rompendo barreiras,
buscando superar-se e atingir melhores condições de vida.
73
3.2 Ser professora: desejo ou necessidade?
Neste estudo, a busca pelo magistério como profissão ocorreu de várias formas
na trajetória de vida das depoentes. Ser professora para as pesquisadas significou o
rompimento de uma história marcada pela exclusão do negro na educação, e
especificamente da mulher negra. Entre as professoras entrevistadas, doze delas
disseram que ingressaram no magistério ainda no ensino médio.
De acordo com Gomes (1995, p. 153),
Quando estamos atentos a este processo sócio-cultural, podemos
inferir que as mulheres negras, que até então se mantinham
analfabetas ou sem condições de continuar os estudos devido as
condições raciais, econômicas e sociais, viram-se diante da
oportunidade de acesso à escola pública. Todo o processo de expansão
desta escola trouxe-nos, também, o aumento de vagas nos cursos
noturnos e profissionalizante, entre os quais está o magistério.
Na pesquisa, percebeu-se que cursos como o de contabilidade ou técnico
propedêutico, inicialmente, estiveram presentes na vida de algumas depoentes, mas elas
depois desistiram optando pelo magistério.
A professora Ana Lúcia relatou que iniciou seu ensino médio, à época
denominado segundo grau, no curso técnico de contabilidade, porque trabalhava como
empregada doméstica na casa de uma senhora e esta dizia que moça prendada é aquela
que sabia contabilidade. Logo, porém, desistiu, preferindo o magistério.
Para ela, a preferência pelo magistério se deu devido a outros cursos não terem
caráter humanizante, encantador e de aproximar as pessoas, como relata Ana Lúcia.
[...] eu fiz o primeiro ano de contabilidade, mas não quis mais. Ai sai
da casa dela. Fiz o magistério no Ferreira Mendes (escola) em 1981.
[…] não sei se foi influência mais da minha professora, você sabe que
a professora exerce alguma influência sobre os alunos, devo ter
encantada pelo jeito que ela me tratava, pelo carinho que recebia do
jeito que ela ia visitar. […] então devo ter apaixonado por isso, coisa
de criança. (Ana Lúcia, Cuiabá)
Já, para Lídia, de Poconé, ser professora partiu da imposição dos pais.
Geralmente, os cursos técnicos eram oferecidos à noite, por isso os pais, temendo pela
segurança das filhas, ordenavam que estudassem em cursos diurnos, e o de magistério
representava uma dessas possibilidades.
[...] No ensino médio fiz o magistério. Não fiz por opção, fiz obrigada.
Na época meu pai me obrigou a fazer magistério, na verdade queria
fazer contabilidade, mas havia horário somente a noite e meu pai não
74
aceitava a gente estudar a noite. Ele achava que iríamos namorar.
(Lídia, Poconé)
O fato de se tornar professora não foi bem recebido, a princípio, pela
entrevistada, que se utilizou de artifícios para se livrar do curso. Relatou que para entrar
no magistério tinha de fazer um teste, então planejou fazê-lo todo errado para não ser
aprovada, tendo em vista que não queria fazer magistério. Disse que mesmo
apresentando muitos erros, conseguiu entrar na lista dos aprovados. Então, fez o
magistério e logo que entrou acabou gostando.
De acordo com a professora Vânia, o seu grande sonho desde criança era ser
oceanógrafa. Porém, viu seu sonho se distanciar, uma vez que esse curso não é ofertado
em Mato Grosso, e sim nos Estados, à época, do Rio de Janeiro e Bahia. E como não
tinha outra opção, resolveu cursar magistério. A partir dos estágios, despertou o gosto
pela profissão, percebendo que, assim, poderia mudar e transformar o ser humano, seus
alunos.
[...] eu quero transformar os meus alunos em cidadãos. Eu quero que
eles percebam que Poconé pode melhorar se eles também
melhorarem, podem perceber as desigualdades que está em torno
deles. Eles têm que perceber isso. E é isso que eu faço em sala de
aula. (Vânia, Poconé)
Em outra trajetória, a procura pelo magistério foi por necessidade. A professora
destacou que fez o curso técnico em administração, mas que depois fez o magistério,
seguindo os conselhos de uma diretora da escola onde estudou. Nesse caso, ser
professora representou a possibilidade de se estabelecer profissionalmente, ter um
rendimento e adquirir certo estatus social.
[...] fiz o magistério, e inicialmente por questão de sobrevivência,
comecei a trabalhar, amei! Tanto é que não saí mais. Fiz o magistério
e isso me segurou no campo da educação. […] era como o meu pai
dizia, eu estava estudando pra ter um emprego bom. (Olga, Várzea
Grande)
Algumas entrevistadas fizeram o magistério por considerarem um curso que
possibilitaria retorno imediato para entrada no mercado de trabalho. Para Müller (2003),
“entende-se hoje que uma profissão como a do magistério que exige estudo
especializado, promova certa mobilidade social. Ainda mais em se tratando de cargo
público que garante, por si só, uma renda, modesta, porém constante” (p. 77).
Isso ocorreu com a professora Amália, por ser de família carente, sempre
passavam necessidades financeiras. Resolveu fazer magistério a pedido da mãe e da
75
prefeita da cidade, por considerar que oferecia possibilidade de conseguir emprego com
mais facilidade: “Fala para suas filhas fazer o normal, porque logo arruma um serviço
pra dar aula”. Então, seguindo os conselhos da mãe e da prefeita, passou a fazer o
curso normal, e logo que terminou conseguiu vaga para trabalhar como professora.
A professora Eva afirmou que escolheu a carreira de magistério por ter como
referência sua mãe que já era professora. Destacou que hoje trabalha com o 5º ano do
ensino fundamental e se considera satisfeita com a profissão.
[...] antigamente tinha três cursos, administração, magistério e
contabilidade […] estava em dúvidas entre contabilidade e
magistério. Como a minha mãe já era professora, meu irmão
trabalhava na SEDUC, fiz magistério, [...] mas adoro dar aula para
as séries iniciais. (Eva, N. S. Livramento)
Já as professoras Vera e Rita vivenciaram situações semelhantes no processo de
escolha da profissão. Relataram que o desejo de ser professora iniciou na infância,
manifestado nas brincadeiras. Ambas consideram que essa relação próxima com a
docência é questão vocacional, o chamado “dom da natureza” pela arte de ensinar. Esse
desejo foi alimentado também pela admiração que nutria pelas mulheres professoras da
família.
[...] era um dom que eu já tinha. Desde criança eu já ficava
brincando de professora com outras crianças, e isso me acompanhou
na adolescência que também brincava de dar aulas para a criançada.
Eu tinha duas tias que eram professoras e eu as via dando aula na
frente do quadro, escrevendo com o giz, achava tão bonito, então eu
queria muito ser como as minhas tias, ser professora. Foi aí que corri
atrás e consegui ser professora, uma profissão que eu gosto muito.
(Vera, Várzea Grande).
[...] é porque eu sempre gostei de trabalhar com criança. Desde
criança lá no meu padrinho eu tinha umas turminhas que eu
trabalhava com elas. Elas tinham que fazer as tarefas e os pais levava
e perguntava se eu podia ajudá-las a fazer a tarefa. Eu tinha meus 13
ou 14 anos, então eu tinha as turminhas que eu já trabalhava com
eles. Eu estudava num período e no outro período eu ia pra lá pra
estudar com eles. Então foi assim desde criança eu ia com a minha tia
no colégio a noite e eu a ajudava a fazer as atividades e ai eu fui
pegando amor por essa profissão. (Rita, N. S. Livramento).
Da mesma forma, aconteceu com a professora Joana, que além de vivenciar a
profissão nas brincadeiras, recebeu apoio dos pais em sua escolha.
[...] quando eu era criança eu já brincava com as minhas primas de
ser professora, então eu cresci com isso, e pensava que na hora que
eu crescesse e tornasse mulher eu queria ser professora e por isso fiz
pedagogia. Hoje estou dando aula, gosto da profissão, trabalho muito
76
bem como alfabetizadora, foi uma experiência muito boa na minha
vida […] Meus pais me apoiaram na minha escolha. (Joana, N. S.
Livramento)
Essa mesma professora disse que, após a sua graduação foi convidada para
trabalhar na secretaria de educação como coordenadora de merenda escolar, e só depois
passou a lecionar, trabalhando um período como professora, outro na coordenação de
merenda.
Para esta outra professora também houve influência da família, isto é, a
profissão já estava presente na vida das mulheres da família, avó e mãe. De acordo com
Leda, a educação é percebida como o motor de desenvolvimento de uma nação, daí a
importância do magistério para o contexto social e educacional brasileiro.
[...] Primeiramente aqui em Livramento tinha duas opções: ou você
fazia técnico em contabilidade ou magistério. Eu optei pelo
magistério porque a minha avó era professora, a minha mãe era
professora, então quando comecei a estudar, fui gostando da
profissão e aperfeiçoando, porque é através da educação a gente
pode transformar o meio em que vive, pode estar colocando a nossa
história de outra maneira para os nossos alunos e para a própria
sociedade, logo engajei no movimento e aí eu continuei. (Leda N. S.
Livramento).
Algumas das entrevistadas relataram que já ocuparam cargos de direção e de
coordenação na escola em que atuam ou em outras onde já atuaram, enfatizando que
não foi fácil a permanência nos cargos devido à resistência da maioria dos colegas.
Como destaca Gomes (1995), a chegada ao magistério para a mulher negra constitui a
culminância de múltiplas rupturas e afirmações, a saber, a luta pelo prosseguimento dos
estudos, uma profissão que dá garantia de ter espaço no mercado de trabalho e/ou
conciliar às atividades do lar.
Nesse sentido, percebe-se que todas as professoras passaram por um processo de
educação formal e dele se apropriaram para desenvolver a formação humana pela
profissão escolhida ou que foram induzidas a escolher. A trajetória das mulheres negras
revela que ser professora para muitas significa, além da inserção no mercado de
trabalho, adquirir estatus social e ser reconhecida intelectualmente.
77
3.3 Vencendo barreiras: a conquista da ascensão social
Ao retornar ao passado pelas histórias de vida das professoras, foi possível
perceber que algumas profissões transitaram na vida das entrevistadas, porém a maioria
delas relataram que, ao entrar no mercado de trabalho, seu primeiro emprego foi como
empregada doméstica. Embora oriundas de famílias carentes e humildes, as professoras
viam o trabalho doméstico como alternativa temporária para suprir suas necessidades,
demonstrando sempre vontade de mudar de vida, de estudar e de se qualificar.
[...] desde a minha adolescência já trabalhava de doméstica e
estudava. Falo para os meus filhos que pra chegar aonde eu cheguei
eu já dei duro, trabalhei muito de doméstica. Mas eu sabia que não
era isso que eu queria, queria algo a mais, queria estudar, crescer na
vida. (Carla, Poconé)
Nesse aspecto, é possível perceber pela fala da entrevistada que a ocupação de
emprego doméstico foi uma forma de suprir suas necessidades, mas ela ansiava por
transitar em caminhos diferentes, e que essa mudança veio a partir da aprovação no
vestibular e, posterior, graduação.
Outra professora relata que, por morar em uma cidade pequena, com pouca
estrutura, os trabalhos domésticos eram os serviços mais disponíveis para as mulheres, e
principalmente, para as negras e de famílias carentes.
Há algumas décadas, em Mato Grosso, era comum em famílias carentes de
comunidades rurais, e até mesmo urbanas, meninas a partir de 10 anos serem inseridas
no trabalho doméstico, fosse em casas de parentes, amigos ou em famílias
desconhecidas, como forma de ajudar na renda familiar. Muitas vezes, essas meninas
moravam no emprego para poder estudar.
[...] quando fiz 13 anos fui encaminhada para ser empregada
doméstica. O salário não existia, era uma ajuda que hoje podemos
dizer R$50,00 por mês. Mas precisávamos daquele dinheiro. Eu
deveria limpar a casa da patroa, do filho dela, ser babá e lavar a
roupa. (Denise, Várzea Grande)
[...] pra mim foi muito difícil a oportunidade de trabalho. Aquela
época o trabalho que você tinha disponível em Poconé era em casa de
família. Então a partir dos 10 anos fui ser babá e doméstica, aprendi
a trabalhar desde cedo. Muitas vezes não recebia o pagamento que
era apropriado. (Lídia, Poconé)
Como relata a professora Denise, a remuneração que recebia como doméstica
era irrisória, no entanto era única fonte de renda que tinha. Ao discutir sobre o emprego
doméstico remunerado, Melo (1998) destaca que “o serviço doméstico é um dos setores
78
de ocupação profissional de pior remuneração dos trabalhadores, mesmo quando se tem
em conta o salário em espécie” (p. 19).
Vale ressaltar que o baixo valor atribuído aos trabalhos domésticos no Brasil é
devido ao fato de este ter sido historicamente desempenhado por escravos e, nesse
sentido, é visto por muitas pessoas, ainda hoje, como atividade similar ao trabalho
escravo.
[...] assim que terminei o ensino médio, fui pra Cuiabá trabalhar.
Trabalhei de babá por nove anos. Falei: Vou trabalhar e adquirir
meu dinheiro, mas não quero essa vida pra mim, quero crescer, ser
alguém, ter um futuro melhor, ter um cargo, estudar. (Nilda, Poconé)
[...] meu primeiro emprego foi de doméstica. Comecei a trabalhar
cedo com 16 anos, ainda no ensino médio. O trabalho doméstico era a
única fonte de renda que eu tinha. Como a gente era pobre e a
expectativa era pouca, era a única oportunidade que me apareceu.
Mas eu sempre falava assim: eu estou como doméstica, mas não
quero ser doméstica pra vida inteira, eu vou estudar pra não ser mais
doméstica. (Olga, Cuiabá)
A situação descrita pelas professoras desta pesquisa apresenta semelhança com a
história de muitas mulheres negras do nosso país, para as quais, ao se lançarem no
mercado de trabalho, os serviços domésticos foram-lhes apresentados como primeira
oportunidade. Dados do IBGE/2009 revelam que, no Brasil, uma, em cada cinco
trabalhadoras pretas e pardas, ainda é empregada doméstica. Isso indica que a mulher
negra, em sua maioria absoluta, ainda se encontra ocupando esse setor, sinalizando que
a questão racial se encontra estruturada nos postos de trabalhos de menor prestígio,
considerado um marcador de desigualdades.
Porém, durante as entrevistas, as professoras apontaram que idealizavam trilhar
novos rumos, anunciando, durante a descrição de suas trajetórias escolar e profissional,
seus projetos de vida, conquistar uma graduação e poder, então, garantir melhores
condições de vida.
Neste estudo, compreendo projeto dentro de um contexto subjetivo, na
perspectiva de realização pessoal, com propósitos pré-definidos, que podem, no entanto,
mudar de acordo com as circunstâncias para atender a um coletivo.
Segundo Velho (2003), os projetos individuais existem no mundo da
intersubjetividade, aparece como instrumento básico de negociação da realidade com
outros indivíduos ou coletivos. Para o autor, “o projeto não é abstratamente racional,
79
mas resultado de uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de
possibilidades em que está inserido o sujeito” (p. 103).
Contudo, Velho (2003) assevera que os projetos individuais não agem em um
vazio, estão sempre em interação com os outros a partir de um pressuposto cultural
compartilhado por universos peculiares. Segundo ele, os projetos são complexos e, por
isso, o indivíduo pode possuir diferentes projetos e estes serem até mesmo conflitantes.
Nesse contexto, para entender os projetos contidos nas trajetórias de vida das
professoras aqui analisadas, é relevante entendermos que as trajetórias não são
estanques, mas dinâmicas. Como acentua Bourdieu (1997),
Tentar compreender uma vida como uma série única e, por si só,
suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outra ligação que a
vinculação a um sujeito cuja única constância é a do nome próprio, é
quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem
levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações
objetivas entre as diversas estações (p. 81).
Em relação à dinâmica dos projetos, Velho (2003) define como “a conduta
organizada para atingir finalidades específicas” (p. 40). De fato, a trajetórias de vida
dessas professoras negras, mesmo tendo seus processos sociais e escolares permeados
por mecanismos negativos, tinham sonhos, projetos, “vontade de subir na vida”.
O estudo é, indiscutivelmente para as mulheres negras, a via de acesso para
outras fontes de trabalho mais prestigiados. As entrevistadas relataram sobre os diversos
momentos de superação e conquistas em suas vidas, as quais viram a possibilidade de
concluir um curso superior para avançar profissionalmente.
Uma entrevistada demonstrou sua satisfação ao conseguir passar no vestibular
para ingressar no curso superior.
[…] queria muito entrar na universidade, mas aqui em Cuiabá eu
fazia o vestibular, mas não passava. Então em 1986 fui fazer
vestibular em Marília/SP. Passei e foi uma alegria, vi a minha
possibilidade de crescer na vida. Falei: vou enfrentar o que vier, é o
jeito. (Amália, Cuiabá).
Ao dizer “vi a minha possibilidade de crescer na vida”, a professora
atribuiu a aprovação do vestibular como a porta de entrada para sua ascensão social,
conforme pensamento de mobilidade ascendente já citado neste estudo por Azevedo
(1996).
Teixeira (2000) considera que, ao estudar sobre ascensão social do negro, o
pesquisador deverá ter o cuidado para não reproduzir o senso comum, evitando enxergar
80
o negro que consegue sua ascensão pela educação “como exceção que acaba por
confirmar uma regra (universidade não é mesmo lugar para negros e pobres), ou como
alguém que deu certo ou chegou lá porque é alguém mais inteligente ou porque se
esforçou mais do que a maioria efetivamente o faz” (p. 48, grifos da autora).
No Brasil, o indivíduo negro, para conseguir socialmente alçar patamares mais
elevados, trilha caminhos mais tortuosos e acidentados, como o fato relatado pela
professora Amália que, ao mencionar “[…] vou enfrentar o que vier”, já previa que ali
começariam novos obstáculos para conseguir concluir o curso, porém demonstrou
determinação e motivação.
Nesse contexto, a professora segue relatando as dificuldades que encontrou para
concluir sua graduação, devido a sua situação socioeconômica:
[…] eu pegava o ônibus e ficava um mês em Marília, e tinha que
pagar a mensalidade da faculdade, eu recebia e dava todo o meu
dinheiro que ainda não dava […] Toda vez que eu viajava, eu levava
um pacote de bolacha. Na época de eleição, os candidatos davam
camisetas de campanha política, então eu usava umas camisetas de
política e duas únicas calças jeans que eu tinha. Era assim, enquanto
eu vestia uma, outra eu lavava e ficava secando. Assim eu ia pra
Marília, lá eu ficava quase um mês, e os outros ficavam aqui dando
aula […] eu tinha que ter dinheiro pra passagem, pra pagar a
estadia, pra pagar apostila e tinha que ter dinheiro pra pagar os
cheques que eu emprestava. Eu ficava dois dias na estrada, eu e um
colega. Nós dormíamos no ônibus. O pessoal descia pra almoçar e
nós ficávamos dentro do ônibus porque não tínhamos dinheiro […]
nós viajávamos com uma garrafa de água de litros, enchia com a
água do banheiro, porque não podia nem comprar água. Teve uma
vez, que nós não tínhamos dinheiro pra ir embora, então dormimos na
rodoviária. E essa situação durou os três anos, até terminar o curso
[…] foi difícil, mas consegui. (Amália, Cuiabá)
Nesse relato, notamos as dificuldades que a professora teve de enfrentar para
conseguir romper as barreiras e atingir o objetivo determinado. Em seu relato é nítida a
importância do curso superior para uma mulher negra. A sua ascensão foi conquistada a
duras penas. As dificuldades para conseguir terminar o curso indicam o quanto o
cotidiano é desafiador para uma pessoa negra, a qual tem de enfrentar inúmeros entraves
para conquistar novos horizontes em prol do seu crescimento pessoal e profissional.
Estudo realizado por Castro e Barreto (1992) aponta que no campo profissional,
negros e brancos ocupam espaços diferentes. Aos negros geralmente são destinadas
posições inferiores, enquanto os brancos ocupam cargos hierarquicamente superiores.
Os autores enfatizam que para o primeiro segmento ocupar posições melhores deve
possuir nível educacional melhor que o dos brancos.
81
No entanto, as estatísticas apontam que ainda há uma grande discrepância
educacional entre esses dois segmentos. Embora tenha havido uma pequena redução na
diferença de anos de estudos entre os dois grupos de cor, a queda vem a passos lentos.
Se mantido esse ritmo, conforme Retrato das desigualdades de gênero e raça (2008),
essas desigualdades não cessarão em menos de 17 anos. (PAIXÃO e CARVANO,
2008).
A busca pela melhoria do nível educacional foi enfrentada pelas professoras
Lídia e Ivete, pois, segundo elas, sonhavam ingressar numa universidade pública.
[…] já é em 1991, eu fiz o vestibular na UNIC e fiz o meu curso de
graduação lá, depois de algumas tentativas para entrar na UFMT,
que era meu sonho. Fazer um curso de graduação representava muito
pra mim. Depois que terminei, fui fazer pós-graduação, pensando em
melhorar a minha situação financeira, pra ter um salário melhor.
(Lídia, Poconé).
[...] Eu lembro que… (pausa) isso marca muito, porque eu não tinha
pensado ainda o que eu ia fazer na faculdade, e lembro que fui à
formatura de uma prima, nossa eu fiquei muito emocionada, achei
lindo, meu sonho era entrar em uma faculdade de alguma forma, só
que eu não sabia como eu ia fazer isso. Eu tinha tentado várias vezes
na UFMT e não tinha conseguido, ficava na classificação, mas nunca
era chamada para ingressar. Na formatura da minha prima, eu falei
pra ela: “Prima, eu prometo que um dia você ainda vai me ver ai
nesse lugar.” (Ivete, N. S. Livramento).
Teixeira (2003) aponta que o ingresso na universidade para muitas pessoas
marca a descoberta de um novo indivíduo, que passa a se considerar mais valorizado do
que antes. Segundo a autora, “a educação formal é, de fato, o veículo de ascensão
social” (p. 36).
No Brasil, o acesso a uma universidade pública parece ser ainda um gargalo para
a população negra. Embora na última década tenha havido avanços no acesso ao ensino
superior, decorrentes da implementação de políticas de ação afirmativa como as cotas e
do PROUNI, a diferença entre negros e brancos nesse nível de ensino ainda é marcante.
As questões relacionadas às formas de enfrentamento para se ter ascensão social,
esteve sempre presente na fala das professoras entrevistadas. Como, por exemplo, no
relato abaixo.
[…] quando terminei o Ensino Médio, fiz a faculdade, pra eles (os
professores da escola) parece que não era concebida essa ideia de
que uma mulher negra galgasse os passos que consegui. Eu consegui
fazer primeiro o magistério, depois a geografia e em seguida a
especialização. Então, esse percurso foi complicado para mim, no
sentido dessas questões. É muito complicado para uma professora,
82
principalmente a mulher negra conquistar outro espaço. Eu não acho
que sou bonita, esteticamente falando, mas não concordo com isso.
Eu muitas vezes já fui muito discriminada por isso aqui na escola,
mas sempre enfrentei essa situação, pois sempre tive um propósito
para a minha vida. (Marina, Cuiabá).
Em uma sociedade como a nossa, a mulher negra encontra a todo o momento
obstáculos para desencorajá-la a lutar pelo seu ideal. Essas barreiras constantemente
são provocadas pela tentativa de fazer com que o segmento negro permaneça na base da
hierarquia social. Uma das professoras relata sua determinação em querer vencer na
vida, enfatizando os empecilhos encontrados pelo caminho,
[…] o meu nível superior foi com muitos obstáculos. Várias vezes eu
pensei em desistir. Eu trabalhava e o dinheiro que eu recebia não
dava para comprar roupas. A roupa que eu usava para ir a faculdade
era o meu uniforme de trabalho. Eu tinha que cuidar da minha casa,
cuidar dos meus filhos, mas não desisti. Eu falava que precisava de
algo mais, de crescer de alguma forma. Considero que hoje, sem
estudo você não é nada, principalmente quando há discriminação por
vários fatos que nos acontece. Mas mesmo assim, isso (a
discriminação) não tirou meu ânimo, minha vontade de crescer,
batalhar por aquilo que eu queria. (Ivete, N. S. Livramento).
Ao reconhecer que a discriminação racial pode ser um entrave para a ascensão
social de uma pessoa negra, a professora percebe a relevância dos estudos e prossegue
com a firme determinação de se ascender socialmente, buscando atingir seus projetos de
vida como um novo campo de novas possibilidades.
Para Santos (2007), o maior significado dessas conquistas é revelar com muita
força a envergadura e a dimensão das barreiras que, algumas vezes, posicionam-se de
forma mais perceptível, e outras extremamente particulares, a ponto de o indivíduo ser
barrado em suas aspirações e não as identificar como barreiras, porque, na maioria das
vezes, elas se dissolvem entre outras situações e se disfarçam.
Sobre a ação de enfrentamento manifestada pelas professoras em suas trajetórias,
a autora afirma que o segmento negro para ascender tem de enfrentar caminhos
espinhosos, tendo em vista que há mecanismos sociais culturalmente definidos e
utilizados para inibir o negro que ameaça sair do seu “lugar” e, por isso, é preciso que o
negro encontre mecanismos sociais de enfrentamento.
Na busca ainda pela formação superior e ascensão social, a professora Joelma
relata que:
[…] meu pai era analfabeto, minha mãe tinha até o ensino médio.
Assim que terminei o magistério em Poconé tive que ir embora,
83
porque aqui não oferecia o curso superior, e eu precisava melhorar
de vida. Fui para a cidade de Cáceres, lá prestei o vestibular e passei
juntamente com as minhas três irmãs. E aí foi também uma abertura
para meus outros três irmãos. Na minha trajetória de vida me orgulho
muito que eu e todos os meus irmãos fomos formados pela faculdade
pública. Meu pai tinha um sonho de todos os filhos terem ensino
superior. (Joelma, Poconé).
Muitas famílias gostariam de ver seus filhos formados, ter uma garantia de um
futuro melhor, um bom emprego. Viam que estudar era a melhor forma de prosperar e
sair daquela situação, conforme notamos no depoimento da professora Vera.
[...] a nossa vida era bastante sacrificada, a gente fazia de tudo para
manter nos estudos. Meu pai queria muito que a gente estudasse, ele
era uma pessoa muito determinada. Ele trabalhava na roça e mesmo
tendo ou não condições, ele queria muito que a gente fosse pra frente,
porque queria ver todos os filhos formados, pra ele isso era um
orgulho. Foi uma vitória que infelizmente ele não chegou de alcançar,
faleceu antes de me ver formada professora. Também eu fui a única
que formei de todos os meus irmãos, os outros só fizeram até o 2º
grau e pararam, casaram e hoje cuidam da família e trabalham.
Depois que me formei, as coisas começaram a melhorar. Logo fiz o
concurso público do Estado, em 1984, passei, fui efetivada e comecei
a trabalhar como professora. (Vera, Várzea Grande).
Percebe-se nesses relatos que os pais das entrevistadas possuíam pouca
escolaridade, no entanto, entendiam que a única possibilidade de os filhos vencerem na
vida era por meio da educação. Essa participação dos pais como incentivadores na
carreira dos filhos é considerada por Teixeira (2003) como “redes de apoio”. Para a
autora, as dificuldades e obstáculos enfrentados pelos negros para a realização de um
projeto de ascensão social são tão imensos que, às vezes, essa rede de apoio não é
suficiente e é preciso extrapolar as relações de parentesco.
Por meio das histórias de vida das professoras, percebeu-se que suas vidas,
embora marcadas pelo preconceito e discriminação, confrontadas com outras
dificuldades como situação financeira precária, não as impediram de lutar e de se
tornarem professoras, conquistando a sua ascensão social.
Para Santos (2007, p. 31), tornar visível o sucesso e ascensão do negro em uma
sociedade que o discrimina, possivelmente é uma estratégia de encorajamento e
estímulo para negros que estão ou vão entrar no processo de busca por ascensão social.
No entanto, as mulheres negras, para conseguir subir na vida, além de
enfrentarem situações de preconceito e discriminação, são, geralmente, submetidas à
tripla jornada como: cuidar da família, estudar e trabalhar.
84
3.4 Rede de apoio e solidariedade: A ajuda dos familiares e amigos
Para a mulher negra ter acesso à escolarização requer esforço particular,
persistência e, principalmente, ajuda de pessoas próximas para conseguir superar e
galgar novos passos. Ao analisarmos os relatos das professoras, constatamos que, em
diversos momentos de suas vidas, contaram com rede de apoio dos pais, de parentes e
amigos.
[…] meu pai sempre nos falava para nunca desistirmos dos nossos
sonhos, você deve sonhar e lutar pelos seus sonhos. E quando ele
morreu a nossa frase de homenagem a ele foi: Nunca desista dos seus
sonhos e busque realizar. Foi essa atitude dele que ajudou a gente.
Hoje sou muito resolvida, de cor, pelo fato de ser mulher devido à
educação que recebi dos meus pais. Minha mãe me dizia, “minha
filha, você estuda, eu não pude estudar, não casa não, só
namora,termine sua faculdade, compra seu carro”. Ela sempre falava
isso, para ela sempre era o estudo, porque ela não teve. (Marina,
Cuiabá)
[…] meus pais sempre tiveram uma cabeça muito boa em relação ao
estudo. Eles sempre tiveram assim, que os filhos não passassem pelo
que eles passaram. […] Meu pai sempre fez questão de dedicar os
estudos aos filhos. Ele não tinha estudo, mas era uma pessoa muito
sábia. Ele sempre cobrava da gente: “Eu quero que vocês sete
estudem bastante”. (Raquel, Cuiabá)
Constata-se pelas falas das professoras Marina e Raquel que o apoio dos pais foi
fundamental para o enfrentamento das possíveis dificuldades em suas trajetórias de
vida, os quais incentivaram os filhos a estudar para que pudessem ter um futuro melhor
e não passassem pelas mesmas dificuldades por que eles passaram.
Conforme expressa a professora Carla, os pais tinham pouco estudo, mas
estiveram presentes marcando sua trajetória de sua vida, ajudando-a na rotina pesada
entre o trabalho e o estudo.
[...] Meu pai tem um pouco de estudo, já a minha mãe rabisca o nome
dela. Eles sempre me deram apoio. Quando engravidei, eu trabalhava
e estudava. Tive o meu menino e ele ficava com a minha mãe, ela
cuidava dele, ela sempre me apoiou. Eles nunca tiraram a minha
autoestima, nunca me desestimularam, sempre estiveram do meu lado,
desde a minha infância. (Carla, Poconé).
Para Teixeira (2003), na trajetória de muitas pessoas, os amigos, e, em especial,
a família, formam uma rede de solidariedade e ajuda no projeto de mudança social do
indivíduo, incentivando-o, conduzindo-o, facilitando e revelando o caminho da
educação para a sua ascensão social. Para a autora, a conquista pelo objetivo traçado por
meio da educação é também uma expectativa familiar, que investe, além do apoio
85
emocional, também no material, colaborando na condução dos indivíduos para que estes
possam superar os obstáculos.
Durante este estudo, as depoentes enfatizaram a gratidão pela presença marcante
dos pais na sua formação humana. É na família que grande parte dessas professoras
encontraram forças para realizarem seus objetivos. Na maioria dos casos, muitos pais
serviram como fonte de inspiração para que os filhos pudessem valorizar a vida, correr
atrás dos sonhos e torná-los realidade, como se pode ler no depoimento de Marina.
[…] a diferença é a vontade que tive, de nunca deixar pra amanhã, o
que posso fazer hoje. Eu sempre vou atrás. Se eu tenho esse conceito,
esse valor eu agradeço os meus pais, se não fosse eles, talvez eu não
fosse essa pessoa que sou hoje, sempre me ensinou o valor da vida, o
respeito. (Marina, Cuiabá)
A fala da professora mostra que a formação recebida dos pais, de um lado,
possibilitou-lhe tornar-se uma pessoa forte e determinada; por outro, fez com que ela se
transformasse num ser humano com valores, por isso expressa gratidão também pelos
conselhos e orientações recebidos deles.
Outra entrevistada relatou que o incentivo da família foi primordial para o seu
sucesso nos estudos. Disse que, dos onze filhos, apenas ela se destacou nos estudos.
Seus irmãos, ou possuem ensino fundamental, ou médio; por não terem dado
continuidade aos estudos, ocupam profissões como cabeleireira, mestre de obras,
caminhoneiro, ceramista e pedreiro entre outras. O pai tinha muita vontade de que ela
fosse professora, porque via nela potencial. Como o pai não tinha condições de sustentá-
la nos estudos permitiu que ela morasse na casa de uma senhora que também era sua
professora durante os estudos do ensino fundamental.
[...] meu pai falava: ‘essa é a única que vai ser doutora’. Tinha muita
vontade que eu fosse professora, doutora. Ele quando faleceu eu já
era professora, mas a doutora infelizmente não. Ele passava a mão na
minha cabeça e dizia: ‘essa vai ser a minha doutora, gosta de
estudar’. Isso enchia a minha bola toda, aí que eu tinha vontade de
estudar. Nunca deixei de estudar. (Ana Lúcia, Cuiabá)
As pessoas que estão envolvidas em uma rede de apoio recebem não só
incentivos para estudar e mudar de vida, como também, indiretamente, apoio na
construção de sua própria identidade, como mulher e negra. Teixeira (2003) afirma que
tanto as redes familiares como as pessoais conduzem determinados indivíduos a vencer
obstáculos, tanto de ordem socioeconômica quanto racial e a concretizar trajetórias de
ascensão.
86
Na trajetória de vida das professoras foi possível perceber que o apoio dos pais
não envolvia somente questões relacionadas aos aspectos educacionais, mas também ao
incentivo para superar os obstáculos no que diz respeito à discriminação racial.
[…] eu falava para a minha mãe sobre a discriminação que eu sofria
e dizia que não queria mais estudar. “Mas ela falava: – ‘não filha’, a
vida é assim mesmo, como que nós vamos mudar nossa cor! Não tem
como mudar nossa cor, nós temos é que enfrentar esse povo! ‘Eu não
posso deixar você sem estudar, porque eu já fui tirada da escola’.
‘Não posso fazer isso’, Falei para ela que chorava na sala. Ela me
falava: – Pra que chorar? Você ‘não precisa chorar, chorar não vai
mudar de cor, brigar não vai mudar de cor, então nós temos que
enfrentar o povo’. (Amália, Cuiabá)
Muitas vezes, os pais, mesmo não estando preparados para lidar com as
situações discriminatórias que envolvem os filhos, não deixam de conduzi-los a
enfrentar o problema para que não desistam dos estudos. Assim, os pais vão adquirindo
uma postura de convencimento das vantagens que a educação escolar pode trazer nos
projetos de vida de seus filhos. A família, logo, constitui-se figura importante no
encorajamento dos filhos para os embates raciais na escola.
Segundo Teixeira (2003), as “redes” aparecem de diferentes roupagens,
constituindo-se em relações de amizade, parentesco, atravessando todos os campos
sociais, no sentido de apoiar na manutenção de projetos e de ascensão social.
Na caminhar da pesquisa, algumas entrevistadas revelaram que receberam ajuda
de pessoas que não faziam parte do seu contexto familiar, as quais foram solidárias e as
apoiaram até chegarem à profissão docente.
[...] como nasci na zona rural, e antigamente não tinha ônibus,
minha mãe tinha muitos filhos, não tinha muitas condições, não tinha
escola perto, não tinha transporte para ir todo dia a Livramento,
porque o mais perto era a cidade de Livramento. Portanto eu fiquei
na casa de uma amiga da minha mãe, e lá eu fiz da 1ª série a 4ª série.
Depois passei a morar com a minha irmã que havia casado. Morei lá
até formar o magistério. (Eva, N. S. Livramento)
Outra professora relatou que quando foi fazer o curso superior numa
universidade privada situada em uma cidade do interior de São Paulo uma irmã e um
amigo a ajudaram no pagamento dos débitos das parcelas. Contou que, como precisava
pagar a viagem e ficar na cidade por um mês, o salário que recebia não supria todos os
seus compromissos, principalmente as mensalidades do curso.
[...] a minha irmã me ajudava, ela falou: você estuda, faz a sua
faculdade e quando for outro ano, quando terminar você me ajuda.
Tinha um diretor do antigo banco BEMAT ele me ajudava. Ele
87
arrumava os cheques pra mim, e eu deixava a metade do meu salário
com ele, eu recebia e deixava o cheque em Marília porque ele me
ajudava, quando eu chegava a Rosário ele cobria pra mim e minha
irmã também me ajudava. (Amália, Cuiabá).
Como podemos observar, a solidariedade e a ajuda da família e de amigos na
luta pela concretização de um curso superior foram constantes na vida dessas mulheres.
Durante este estudo, as professoras sempre reafirmaram gratidão pelo incentivo e apoio
financeiro recebido da família para alcançar a formação escolar desejada.
Em todas as trajetórias de vida que compõem este estudo ficou evidente que
durante o percurso escolar e profissional das depoentes, ao buscarem visibilidade na
sociedade, passaram por constantes provações de suas capacidades.
3.5 Estar no “lugar” do branco: a capacidade em contínua prova
Em nossa sociedade, ainda está presente no imaginário das pessoas que o negro
não tem capacidade de assumir cargos de nível mais elevado e que estes são destinados
às pessoas de pele mais clara, ou seja, é “lugar” do branco. Muitas vezes, o segmento
negro é visto como incapaz e inferior, e, se mesmo enfrentando barreiras, conquistar um
espaço privilegiado continua sendo alvo de atitudes racistas.
Essa situação para a mulher negra se torna ainda mais complicada, pois, além de
conviver com a discriminação em relação a ser mulher, tem também de suportar as
provocações no que tange a sua aparência. Isto é, “a descrença na capacidade da pessoa
negra em realizar bem uma tarefa que exija competência cognitiva está englobada no
seu processo de invisibilidade, na não aceitação de suas capacidades intelectuais e na
negação de sua humanidade” (MÜLLER, 2006, p. 115).
A vida da mulher negra, seja nos estudos ou no campo profissional, é dificultada
por tratamentos hostis. Os processos aqui vividos pelas professoras são semelhantes aos
de muitas outras mulheres negras do nosso país, que convivem diariamente com olhares
enviesados, consequência do seu pertencimento racial. Essas mulheres, desde os seus
primeiros contatos sociais, estão sujeitas a provar sua capacidade, principalmente a
intelectual.
É interessante a observação das entrevistadas a respeito de suas percepções em
relação à visão que a sociedade tem da mulher negra professora. As falas revelam que
88
ainda se tem uma visão de que elas não estão preparadas para educar e ensinar. Ao
duvidar da competência, a sociedade dá mostra de ser retrógada, associando, pois, a
mulher negra à escravidão.
Essa concepção aparece nitidamente no relato da professora Amália, quando
rechaçada, em sala de aula, por um aluno considerado branco:
[...] não vou fazer, nunca estudei com professora negra, não é agora
que você vai mandar. Falei: – ‘meu Deus do céu será que eu vou ter
que enfrentar você menino? […]’. E ele falou bem assim: ‘você não
manda em mim não, eu nunca fui mandado por uma negra, não é você
que vai mandar’ (Amália, Cuiabá)
No caso da professora Amália, percebe-se que no imaginário desse aluno já está
inculcada a relação de superioridade referente ao pertencimento racial e de que uma
professora negra é inferior à branca. Diante de situação como essa, o professor negro ou
professora negra deve também estar preparado para o enfrentamento. Possivelmente,
essa criança já traz consigo a legitimação do racismo repassado pela família, cujo
ensinamento vem sendo transferido de geração para geração.
Outra professora explica que para conseguir uma vaga de docente em uma
escola pública teria, primeiramente, de passar por uma entrevista feita pela Secretaria de
Educação-SEDUC. Após passar por essa avaliação, foi questionada quanto a sua
capacidade, ao que ela respondeu:
[…] eu comecei a trabalhar em uma escola perto de casa. Na época a
gente ia à escola e quem decidia era a Secretaria de Educação –
SEDUC, a gente ia lá e passava por um teste, eu passei por esse teste
e lembro até hoje que o secretário da época perguntou pra mim se eu
queria dar aula, se eu estava preparada para isso. (Joelma, Poconé)
É notória a questão de professoras negras serem colocadas intelectualmente à
prova quando estão em posição de destaque na sociedade. No que concerne a essa
questão, pesquisa realizada por Müller (1999) sobre as professoras primárias negras na
Primeira República revela que ao ingressarem na carreira de docente tinham de provar
permanentemente que eram inteligentes, excelentes alunas, disciplinadas e possuidoras
de todos os demais atributos esperados das professoras brancas.
A professora Olga relata que para permanecer na escola dependia da vontade do
diretor. Ressalta que, após passar um ano trabalhando na unidade escolar, teve de ceder
sua vaga a outra professora, devido a uma preferência da direção.
[...] Lembro-me que trabalhei um ano na José Leite (escola) e no
final do ano eu perdi a minha vaga por conta de outra professora,
89
filha de um sulista. A gente dependia do diretor da escola para
permanecer […] ele falou pra mim ‘Ah, professora, você está ali na
15 de Maio (escola)? Fica lá, porque fulana de tal está sem vaga, vai
ficar no seu lugar’. Falei tudo bem. Aí fiquei só na outra escola.
(Olga, Várzea Grande)
Durante as entrevistas, foi possível verificar que as experiências de
discriminação e preconceito racial sofridas pelas professoras nem sempre foram, de
imediato, percebidas por elas.
[...] mas hoje depois de um tempo… eu comecei a militar em
movimento e a participar de cursos sobre relações raciais e comecei a
ligar essas coisas que aconteciam comigo. […]. Na época eu não
percebia isso, eu sabia que estava errado, que alguma coisa estava
acontecendo, só porque eu estava trabalhando em outra escola eu
tinha que dar a minha vaga pra outra professora? Eu comecei a
perceber que entre uma professora negra e uma professora branca,
ele preferiu ficar com ela. (Olga, Várzea Grande).
Para Santana (2011), essa visão de naturalidade do tratamento desigual
dispensado a uma pessoa negra permanecerá nela até que ela tenha oportunidade de
constituir outros tipos de relações, de conviver com pessoas com entendimento das
questões raciais ou possa presenciar situações que promovam reflexão a respeito do
assunto. Segundo a autora, “as pessoas e espaços sociais, como a família, amigos,
sindicato e movimentos sociais também são fundamentais para fomentar as diversas
formas de compreender o racismo no Brasil e a reagir a ele” (SANTANA, 2011, p. 72).
Nesse sentido, na afirmação da professora Olga é possível perceber essa
situação:
[...] Nós fizemos um trabalho, eu ensinei, dei o trabalho pronto pra
minha colega, ela tirou 10 e quando fui ver tinha tirado zero ela, a
professora não considerou o meu trabalho. Eu perguntei pra ela e ela
não conseguiu explicar o porquê que eu tirei zero. Eu questionei
exatamente por conta disso (mostra a cor de pele)… eu sabia. Ela me
perseguia tanto, perseguia meu grupo. […] a professora falou que
éramos um grupo que não queria nada, fez um perfil maravilhoso do
nosso grupo (expressão negativa). (Olga, Várzea Grande)
E a professora Olga continua relatando sua dificuldade:
[...] eu era a única negra da sala de aula, a única negra da sala que
se reconhecia negra e também era pobre. […] ela (professora)
achava que eu não tinha competência e que eu tinha que ficar
reprovada. Meu trabalho ela não considerou. A prova ela foi corrigir
na sala, na frente de todo mundo para ir dizendo: você passou, você
não passou. (Olga, Várzea Grande).
90
A mesma professora menciona que quase interrompeu os estudos, devido outra
situação vivenciada ainda na graduação. Disse que, na época que estudava, uma
professora chamou sua atenção alertando que não ia conseguir obter as notas que
precisava, duvidando da sua competência.
[...] mas quando ela me falou que eu não tinha competência, me
deixou arrasada, ela me colocou lá embaixo, sem vontade de
continuar, se eu não fosse dessa pessoa que para, faz uma avaliação,
uma autoavaliação para recomeçar, eu teria desistido. (Olga, Várzea
Grande).
A partir daquele momento, a depoente relatou que não queria mais retornar à
faculdade, desistiria. Porém, refletiu bastante e decidiu voltar a estudar, demonstrando
persistência.
[...] eu tenho uma coisa comigo, o meu travesseiro é o meu
conselheiro. Fui dormir, refleti bastante. Então decidi: eu não vou
deixar ser vencida pela minha professora. Voltei e continuei. (Olga,
Várzea Grande)
Em nosso país, é notória a ideia de que branco e negro possuem lugares
demarcados na sociedade. Percebe-se tal situação na fala de Ana Lúcia. A depoente
relatou que quando assumiu a gestão de uma escola estadual as pessoas não a
enxergavam como diretora, concebendo que aquele alto posto de uma instituição escolar
não pudesse ser ocupada por uma pessoa negra.
[…] quando eu estava na direção da escola, às vezes estava sentada
organizando algo na minha sala, chegavam pessoas dizendo que
queriam falar com a diretora. Eu dizia: – pois não, pode entrar. Mas
as pessoas resistiam, dizendo que só falariam com a diretora. Quando
eu me apresentava como a diretora, percebia um ar de espanto. Essa
situação vivenciei por várias vezes, já fazia parte do meu cotidiano na
escola. (Ana Lúcia, Cuiabá).
Essa mesma situação ocorreu com outra entrevistada que relata que em todos os
lugares por onde trabalhou o problema era de as pessoas não a enxergarem. Isso
acontecia dentro da sala de aula e também quando ocupava o cargo de diretora.
[...] entram na sala de aula e perguntam cadê a professora, a
professora não vai chegar. Quer dizer, a gente está ali, mas as
pessoas não enxergavam, pensa que a professora não é uma pessoa
negra, que não é o meu lugar. Isso eu sempre ouvi e vejo até hoje.
Eles chegam hoje e perguntam: Quero falar com a diretora. 99% das
pessoas de fora da escola que chegam lá tem esse tipo de atitude. Até
as pessoas da Secretaria da Educação que não me conhece fazem
isso, chegam e me perguntam que querem falar com a diretora.
Quando estou na secretaria da escola, eu e uma professora branca, as
pessoas chegam e dirigem a ela para falar como se fosse a diretora.
91
Se eu não tivesse esse estudo, essa formação que tenho hoje poderia
achar natural, normal, porque é constantemente. Como digo,
culturalmente as pessoas já tem essa ideia de descriminação, que vem
da história, da mídia. (Olga, Cuiabá)
Corroborando com essa questão, Santos (2007) afirma que a pessoa negra,
mesmo alcançando posição superior, não fica isenta de sofrer preconceito e
discriminação racial. Outra constatação trazida pela autora perpassa pela reafirmação da
identidade negra, quando um indivíduo negro se assume como negro e passa a perceber
quando uma atitude é racista ou não, busca desenvolver estratégias de enfrentamento.
O depoimento da professora Rita ilustra essa questão,
[…] assim que me identifiquei como negra, que passei a me aceitar, a
aceitar meu cabelo, meus traços, fiquei mais atenta, observo mais.
Hoje quando alguém fala alguma coisa sobre uma pessoa negra, que
eu sinto que é atitude preconceituosa, eu já falo meu ponto de vista,
minha opinião, já interfiro. (Rita, N.S Livramento)
Diante da fala da depoente, podemos perceber que se utilizar de mecanismos de
enfrentamento não é uma situação automática, requer tomada de consciência e
percepção. A professora, ao se reconhecer como “negra”, passou a identificar diversas
manifestações de discriminação e preconceito no seu cotidiano, e a não aceitá-las.
Santana (2011) traz em seu estudo o caso do professor Luiz Gama. Em seu
relato, o professor destaca que quando estudava medicina percebeu que, além dele,
havia somente mais um aluno negro na sala e que, após um episódio marcante com um
professor de anatomia, desistiram de continuar o curso. Luiz afirma que só entendeu que
passara por situação de discriminação e preconceito, e que essa situação continuaria a
compor sua realidade, a partir da postura de autoafirmação, de tomada de consciência e
da compreensão sobre questão racial em uma perspectiva mais crítica.
Ao discutir sobre a trajetória de profissionais que ascenderam socialmente por
meio da educação, Figueiredo (2002) buscou realizar uma pesquisa conforme estudos
clássicos sobre ascensão social do negro, “indivíduos de cor”, escolarizados, que
passaram a ocupar melhores posições na estratificação social, em detrimento de análises
sobre outras trajetórias profissionais.
A autora constatou que, no decorrer da ascensão de um indivíduo, ocorre uma
modificação no seu grupo de referência, o que o permite vivenciar diversas outras
referências, construir nova identidade social e isso, portanto, implicará na sua mudança
de valores e comportamentos.
92
Segundo a pesquisadora, essa decorrência não é uma peculiaridade do indivíduo
negro e que sua ascensão tem sido norteada via estratégias individuais. A autora
destaca, ainda, que “os negros que conseguiram transpor as barreiras da cor e
ascenderam socialmente, na maioria das vezes, são vistos como exceções”
(FIGUEIREDO, 2002, p.23).
Dessa forma, dar voz às professoras implica em compreender os processos que
permearam sua construção de valores, tomadas de decisão, crescimento pessoal e
profissional, criação de estratégias para vencer as mazelas do racismo. Salienta-se que
as depoentes sequer assumiram posturas de vítimas, mas sim de mulheres persistentes,
vencedoras.
As reflexões trazidas ao longo deste estudo possibilitam-nos perceber que essas
mulheres desejam construir uma nova realidade social a partir de suas ações
pedagógicas e no estímulo de promover discussões raciais no espaço escolar.
93
CAPÍTULO IV
O NOVO OLHAR DAS PROFESSORAS PARA AS RELAÇÕES RACIAIS NA
ESCOLA
As professoras, em sua maioria, relataram que estão à frente do
desenvolvimento de projetos escolares ou envolvidas em trabalhos voltados para a
questão racial na escola. Esses fatos me chamaram a atenção e busquei saber o que
despertou nelas esse interesse.
Portanto, nesta etapa do trabalho, busco apresentar os motivos que levaram as
professoras negras para o campo das discussões sobre questões raciais nos espaços
sociais, e, em especial, na escola.
A partir das evidências de presença do racismo, preconceito e discriminação
constatados nesta pesquisa, pode-se dizer que, para que se reverta essa situação, é
importante que a escola, e em particular os professores, estejam mais atentos à produção
de materiais didáticos, elaboração do currículo e à efetivação de práticas pedagógicas
antirracistas, para que possam coibir a propagação de estereótipos contra o negro. Na
trajetória de vida das depoentes, vale dizer que esses fenômenos estão em todos os
lugares e se visualizam nas relações sociais conflituosas. Como destaca Paixão e
Carvana (2010),
O racismo, tal como operante na sociedade brasileira, baseado no
critério das aparências físicas, tanto nasce no cotidiano das relações
assimétricas de poder, na formação de mecanismos de prestígio social,
no acesso às oportunidades de mobilidade social ascendente e de
direitos sociais, como também verte das estruturas sociais localizadas
no plano do aparelho do Estado (racismo institucional), das empresas
do setor privado, das escolas, dos meios de comunicação, que
legitimam as desvantagens estruturais que terão de ser vividas pelos
que portam fenótipos diferentes do grupo hegemônico. (p. 22)
Nesse sentido, é importante que as escolas comecem a discutir sobre as relações
raciais ocorridas em seu espaço, aprofundando-se na questão da discriminação contra o
segmento negro e, sobretudo, evidenciando a valorização, o reconhecimento e a
contribuição do negro na construção do país e na formação do povo brasileiro.
94
Para Gonçalves (2007), é necessário romper com o silêncio que abarca a
discussão da questão racial na escola, pois o silenciamento garantirá o descompromisso
com essa questão.
Abramowicz (2006), citando Oliveira (1992), ressalta a necessidade de que a
escola contemple a diversidade racial e cultural de seus alunos ao mostrar as tensões
existentes nas relações raciais na escola, da mesma forma que ocorre em outros âmbitos
da sociedade. Por meio dos relatos das professoras, constatou-se que elas vêm se
mobilizando na tentativa de desconstruir ou amenizar essas tensões, desenvolvendo
projetos ou trabalhos, porém sintetizam que o interesse pela temática não partiu do
vácuo.
Em seu relato, a professora Olga destacou que o interesse em realizar esse
trabalho se deu a partir de sua participação no movimento negro de Mato Grosso. Essa
docente relatou que, por meio das discussões sobre a situação do negro na sociedade
brasileira fomentadas nos encontros dos militantes negros, percebeu que as situações
ocorridas durante sua trajetória escolar tratavam de discriminação racial e, a partir dessa
percepção, sentiu necessidade de trabalhar com essa temática na escola.
[...] foi a partir do conhecimento que tive no movimento negro […] a
partir daí me apaixonei, uma coisa é você vê, conhecer e achar que
não é pra você. Eu vi, conheci que existe um grupo de pessoas que
precisam de mim: os negros, os afrodescendentes, que estão ao meu
redor. Quando a gente ouvia falar da historia do negro era
simplesmente que o negro veio pra cá para ser escravo, era
preguiçoso, não aprendia nada. E no movimento negro descobri que
não era assim, tinha outra história completamente diferente. Que o
negro tem uma historia, tem uma cultura linda, que o negro é
inteligente. Então pensei é verdade a minha teoria, se eu sempre
batalhei, sempre consegui, sempre lutei por ela, que é a igualdade. A
partir daí que eu comecei a fazer um trabalho diferenciado, onde
estou, na escola na sala de aula, onde estiver (Olga, Várzea Grande).
O movimento negro, ao transitar na vida de homens e mulheres negras, age
muitas vezes como ponto de reflexão para tomada de consciência, mostrando outro lado
da história do negro, diferente da história reproduzida pelo sistema escolar.
Para Müller (2009), a população negra já foi bastante penalizada por um
imaginário que privilegia e valoriza as raízes europeias, ignorando ou pouco
valorizando as origens africanas. Enfatiza que no Brasil não é fácil ser descendente de
escravos e que diante da complexidade que envolve as relações raciais em nosso país, a
nós educadores cabe decidir que educação e sociedade queremos construir daqui pra
frente.
95
Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o
Movimento Negro Brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a
experiência dos negros de ter julgados negativamente seu
comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou
tomarem qualquer iniciativa. Têm eles insistido no quanto é alienante
a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão
dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão
de mundo, que pretende impor-se como superior e por universal e que
obriga a negarem a da tradição de um povo. (MÜLLER, 2009, p. 121).
Contribuindo com essa questão, Gomes (1995) sintetiza que a ação do
movimento negro na luta pela superação do racismo e da discriminação racial não pode
ser desconsiderada, principalmente no seio escolar em que a ação do racismo vem se
dando por meio do discurso relacionado ao saber e ao poder.
Pode-se observar que a discussão provinda dos movimentos negros contribui,
por conseguinte, para a construção e afirmação da identidade negra. É importante,
contudo, ressaltar que essas instituições devem priorizar sempre as discussões sobre a
questão racial numa perspectiva política e educacional.
Para quatro entrevistadas o interesse em trabalhar as questões raciais na escola
ocorreu a partir da participação em cursos de formação continuada, e depois
aprofundaram seus conhecimentos no curso de especialização sobre Relações Raciais e
Educação na Sociedade Brasileira ofertado pelo NEPRE/UFMT.
[...] Eu aprendi a trabalhar essas questões lá dentro da UFMT, com a
professora Maria Lúcia Müller. (Ana Lúcia, Cuiabá)
A entrevistada segue relatando que o curso “abriu a sua cabeça” e passou a ficar
mais atenta sobre os conflitos raciais que ocorriam na escola, bem como o tratamento
dos professores em relação aos alunos negros.
[...] da parte dos profissionais para com os alunos ouvi muitas
piadinhas, como na situação: ‘quem fez tal coisa foi aquele negrinho,
aquela negrinha’, era incapaz de falar o nome da criança. Outra
coisa: ‘aquele ali não aprende, ô negro rude, não aprende mesmo’.
Eu comecei a sentir angustiada, nervosa, falei: é impossível que
alguém dos profissionais, colegas de trabalho não vai se tocar que
isso aí é uma discriminação. Então quando surgiu essa lei, pra mim
parece que caiu do céu, estava precisando para abrir os olhos das
pessoas, principalmente porque é obrigatório, tem gente que trabalha
de cara ‘torcida’, mas trabalha. (Ana Lúcia, Cuiabá)
Essa mesma professora continua relatando que após o curso passou a
conscientizar os colegas da importância desse trabalho na escola, para que eles tivessem
uma visão do negro na sala de aula, da existência de discriminação nas relações
96
estabelecidas entre professor e aluno e entre os próprios alunos, buscando disseminar o
que aprendeu.
[...] porque tem que mudar o tipo de postura, de visão, tem que tratar
o outro com respeito, com seriedade, com dignidade, que o negro e o
branco têm seus defeitos e têm suas qualidades. (Ana Lúcia, Cuiabá).
Da mesma forma, outra professora, Joana, ilustra que hoje já há muitos
professores participando de trabalhos sobre o tema, mas há alguns que insistem em não
ver a presença do racismo, não enxergam o negro com aquela importância que deveria
dentro de uma sala de aula, mas ela acredita que isso aos poucos está mudando.
Outra situação da importância dos cursos de formação sobre a temática racial
foi vivenciada pela professora Raquel, de Cuiabá. A pesquisada declara que as
discussões incentivadas nas formações podem contribuir para o processo de mudança de
práticas pedagógicas em sala de aula. Entretanto, ela crê que essa nova visão só será
possível com estudo, com conhecimento, quando essas pessoas se informarem da
realidade da situação do negro no Brasil.
Antes de participar de um curso de especialização oferecido pelo NEPRE,
Marina tinha uma visão equivocada sobre as cotas. Segundo ela, se perguntassem sobre
as cotas raciais há dez anos, ela manifestava posição contrária às políticas afirmativas de
reparação ao povo negro, por considerar que tal política era uma forma de fortalecer
ainda mais o racismo. Mas quando teve a oportunidade de analisar os dados da UFMT
sobre a presença dos negros nos cursos considerados de elite, como medicina, direito,
agronomia, percebeu que havia uma desigualdade que precisava ser repensada, e que
isso só seria possível com ações afirmativas. A professora segue reforçando que “só foi
possível essa visão porque tive que estudar sobre isso. Acho que é isso que temos que
fazer com os professores, dar formação” (Marina, Cuiabá).
Verifica-se que é sumamente importante investir na formação dos professores,
constituindo em excelente oportunidade para desvendar o racismo, esclarecer e
questionar sobre comportamentos e atitudes negativas, levando a compreender a
necessidade de colocar em prática os discursos ora apreendidos.
Para Oliveira (2006), é fundamental que além de mesclar teoria e prática na
formação dos professores para a diversidade racial, é necessário também incluir nos
currículos as questões raciais. Segundo a autora, “a projeção das desigualdades entre
negros e não negros na educação estão a exigir uma formação dos profissionais da
97
educação que dê conta da eliminação deste problema, que atinge a toda a humanidade”
(p. 128).
Outra situação interessante foi relatada pela professora Denise. Ela considera
que a reflexão sobre a sua prática pedagógica lhe possibilitou refletir sobre os
comportamentos geradores de discriminação, tanto os dela como dos colegas de
trabalho. Essas inquietações a levaram a buscar um curso de especialização sobre o
assunto.
A coordenação me fez compreender no sentido de que as crianças que
mais reprovavam na escola eram crianças, primeiro de periferia,
segundo eram negras, de baixa renda. […] enquanto coordenadora
busquei algumas leituras para compreender tanto essa questão como
o meu comportamento. […] eu percebi que com as crianças negras o
meu comportamento ia se pontuando de uma forma. Esse meu
comportamento também percebi que se dava na forma de
comportamento de outros professores. E quando esse comportamento
se procedia para comigo, me sentia inferiorizada, me sentia mal. Foi
aí que buscando no site, encontrei o curso de especialização sobre
relações raciais pelo NEPRE. (Denise, Várzea Grande).
Para alguns professores estar na função de coordenador pedagógico lhes
possibilitam condições de perceber melhor o que acontece na escola, uma vez que este
profissional tem uma visão geral do contexto escolar. Isto é, com uma maior
aproximação com a comunidade escolar supõe-se que possa ter uma melhor visibilidade
das diversas formas de relações estabelecidas na escola, principalmente a racial.
Para a professora Denise estar como coordenadora pedagógica lhe possibilitou
refletir melhor sobre sua ação em relação às crianças negras e ao se sentir incomodada
buscou aprofundar os conhecimentos em um curso de formação. Para Oliveira (2003, p.
135), “a formação profissional é um fator decisivo na alteração do quadro de
desigualdades raciais constatado no sistema de ensino brasileiro”.
Foi também por meio de cursos que as professoras Eva e Leda tiveram a
oportunidade de perceber e refletir mais profundamente sobre a questão do racismo.
[...] eu fiz em Poconé um curso falando sobre essa questão, com
palestras, ficamos duas semanas nesse encontro de educadores. Esse
encontro tratava sobre o racismo. Tinha várias questões. Cada hora
tinha uma pauta. Eram várias salas com vários palestrantes. Foi no
hotel fazenda, sobre a cor da cultura. (Eva, N.S. Livramento)
[...] já participei de vários cursos, palestras. Mas gostaria de
participar da especialização do NEPRE. […] Quando a gente não
conhecia sobre essa questão direito, a gente não trabalhava, mas a
partir do momento que a gente começou a engajar no movimento, a
98
gente soube da importância de se trabalhar essa questão dentro da
escola. (Leda, N. S. Livramento)
É importante que sejam proporcionados encontros com os profissionais da
educação, tendo em pauta a problemática que envolve as relações raciais em nosso país.
Esses momentos podem contribuir para a mudança de mentalidade de muitos
professores que ainda não acreditam nas implicações causadas pelo racismo.
Para que o preconceito seja superado na escola é de suma importância que os
professores trabalhem na perspectiva da desconstrução do racismo provindos de vários
mecanismos de reprodução. Nesse contexto, a professora Eva partiu do uso da literatura
infantil como ponto de desconstrução de estereótipos.
Aqui trabalhamos muito sobre isso, sobre as questões raciais, sobre
preconceito, ‘Cabelo Ruim?’ é o livro que estou trabalhando sobre
preconceito. Trabalhamos com o livro ‘Menina Bonita do laço de
fita6’, eu trabalhei o texto, depois o filme e depois interpretamos o
texto. Isso, a gente trabalha o ano inteiro, a coordenação cobra muito
da gente isso. Demais colegas também trabalham sobre isso, a gente
trabalha através de filme, textos, histórias, interpretação, desenhos.
(Eva, N. S. Livramento)
Ao observar a fala da professora Eva, percebe-se que esta já possui a noção de
que o trabalho a ser realizado envolvendo a temática sobre relações raciais deve ser feito
o ano todo, uma vez que as relações humanas são um processo e estão em constantes
conflitos.
Dessa forma, diante dos relatos das professoras pode se constatar que a
formação continuada contribuiu de forma significativa para a percepção das docentes,
redesenhando uma nova postura profissional frente às questões raciais no cotidiano da
escola.
Sobre a relevância da formação continuada dos professores atinente à temática
racial, Müller (2009) enfatiza que o professor é o elemento essencial na mediação entre
o aluno, os conhecimentos e conteúdos culturais difundidos na e pela escola, sendo que
é por meio de sua atitude e prática que a escola age e consolida a sua existência.
No caminho percorrido neste estudo, deparei-me com algumas professoras que
pertenciam à comunidade quilombola de Mata Cavalo, situada no município de Nossa
Senhora de Livramento. Elas relataram que, por serem remanescentes quilombolas e
vivenciarem uma realidade marcada por sofrimento, dores, discriminação e exclusão
6 Livros de literatura infantil: Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar, da
autora Neusa Baptista Pinto; e Menina bonita do laço de fita, da autora Ana Maria Machado.
99
social, sempre estiveram em constantes debates e discussões sobre a temática como
forma de manter acesos os aspectos históricos e culturais do seu povo. Isto é, essas
discussões acompanham o seu dia a dia e são estabelecidas especialmente nas escolas
onde lecionam.
[...] é a luta do nosso povo, o sofrimento, isso faz a gente levar essas
atividades pra frente. E aqui a gente não fica parado, aonde nos
convida nós vamos mostrar o nosso trabalho, contar a nossa história.
Os alunos participam mesmo, falam, não tem medo. (Joana, N. S.
Livramento)
[...] a necessidade de a gente conscientizar do nosso valor e mostrar
para a sociedade da nossa verdadeira história, e não só de negro
fujão, preguiçoso, escravo, mas de pessoa inteligente, capazes e
pessoas muito socializadas. (Leda N. S. Livramento)
[...] é porque a gente vê toda a discriminação que está acontecendo
na sala e a gente tem que fazer com que essas crianças aprendam a
amar a sua cor, a sua raça sem discriminar, acha que porque eu sou
negra eu tenho que ter cabelo liso porque se eu não tiver cabelo liso
eu não vou entrar onde cabelo liso entra. […] eu sempre falei pra eles
que a gente é negro, mas aonde os brancos entram a gente também
entra, desde que você tenha personalidade e isso é em primeiro lugar
que você deve ter. Então a gente está procurando trabalhar esse lado
com eles, porque ainda tem o ranço. (Fátima, N. S. Livramento).
Considerados como os maiores símbolos de resistência negra frente à
escravidão, os quilombos brasileiros guardam uma memória de inconformismo, lutas e
estratégias de liberdade desafiando a opressão e as ordens senhoriais do século XIX.
Provavelmente, ao estarem em profunda relação com o percurso histórico do seu povo,
essas professoras internalizaram culturamente suas raízes e assumiram politicamente
suas identidades.
Outro aspecto importante analisado neste estudo foi o fato de que alguns
professores, mesmo não participando de cursos de formação e nem de movimentos
sociais, passaram a incorporar as discussões sobre questões raciais a partir de um
trabalho já consolidado na escola ou pela mobilização de outros professores que já
vinham realizando a discussão, conforme comprovam relatos que se seguem:
[...] esse projeto da escola tem como objetivo que todos participem,
então eu acabei participando porque era o projeto da escola e eu
tinha que me envolver, não porque é um projeto meu, porque achei
interessante, porque todos participam, faz teatro, dança a gente
resgata a cultura afro, é bom você estudar, aprender, então optei por
ajudar, porque eu gosto. (Lídia, Poconé)
100
A apropriação de conhecimentos sobre as relações raciais em nossa sociedade
tem levado alguns profissionais a elaborar projetos em que evidenciam a valorização do
negro e da cultura afro-brasileira nas escolas. Tal ação exige a participação e o
envolvimento de todos para que possam desenvolver atividades que envolvam toda a
comunidade escolar. Por conseguinte, os profissionais que passam a fazer parte da
equipe, necessariamente são desafiados a se inteirar do projeto e, assim, há aqueles que
incorporam as ações e desenvolvem as atividades, como também há os que não se
envolvem ou fingem se envolver.
Outra entrevistada comenta:
[...] o bom é que aqui na escola tem alguns professores brancos que
também se engajam na luta e fazem um trabalho maravilhoso em sala
de aula. Acredito que todos os professores a partir do momento que
tem conhecimento, tem conteúdo, percebem o que é a discriminação e
o quanto isso faz mal para as pessoas negras, independente da cor da
pele, eles se envolvem no trabalho. Vejo que temos que chamar esses
professores para o envolvimento (Raquel, Cuiabá)
Oportunizar todos os professores de conhecer a história do povo negro e
reconhecer que o racismo é um problema social que vem impedindo homens e mulheres
negras de conquistarem sua ascensão é de fundamental importância. Isto é, “falta nesta
profissão, embora tenhamos alguns importantes aliados brancos, a convicção de que as
questões raciais, bem como problemas que atingem a outros grupos, devem mobilizar os
esforços de todos para promover a igualdade” (OLIVEIRA, 2003, p, 125).
Ainda sobre a discriminação racial no cotidiano da escola, a professora Olga
afirma que aqueles que já têm consciência sobre a existência da discriminação a percebe
e a analisa e verifica que continua muito forte, somente mudou a forma de ser
manifestada, mas que a sociedade ainda continua apontando o lugar que o negro deve
ocupar. A professora ressalta a importância das leis, concebendo que já começam a dar
indícios de mudança, mas que só uma pessoa negra sabe a dor causada pela
discriminação.
[...] antes as pessoas chegavam diretamente e falavam que ali não era
o seu lugar, por conta de você ser negra. Hoje em dia você não ouve
mais isso, até por conta de uma lei que esta aí, é duas leis, lei Afonso
Arinos [...] e a lei 10.639, que eu considero que não é punitiva, é uma
lei educativa, então ela educa as pessoas pra não cometer esse tipo de
crime, então a partir daí as pessoas com medo de serem punidas
mudaram o jeito, da forma de discriminar, mas a discriminação existe
todo dia […]. Então hoje tem outros meios de tentar dizer pra nós
negros que o nosso lugar na sociedade é restrito, mas a discriminação
continua, todo dia, toda hora, no serviço, junto com colegas, amigos,
101
que são dito como amigos, mas que de repente você percebe por uma
atitude que eles não te tratam de forma tão igual como eles dizem que
tratam. (Olga, Várzea Grande)
Sobre essa questão, Müller (2006, p.122) contribui enfatizando que é importante
colocar em discussão as possibilidades de uma educação antirracista. Possivelmente
essa formação auxilie o futuro professor a perceber seu próprio preconceito e a evitar
situações de discriminação racial de que ele seja partícipe, ou que ocorram nas
interações entre alunos.
Para Gomes (2006), numa sociedade em que são geradas e reproduzidas ideias
preconceituosas e racistas compactuadas pela escola, o professor tem papel importante
no que se refere à manutenção ou extinção dessas mesmas ideias. Segundo a autora,
para gerar uma educação que construa a igualdade de fato é necessário que o professor
se sensibilize e esteja atento à importância crucial de suas ações cotidianas no
tratamento com os alunos.
Algumas professoras entrevistadas mencionaram que o trabalho desenvolvido já
vem apresentando bons resultados em relação à mudança de comportamentos dos
alunos.
[…] fizemos o desfile da beleza negra, fizemos teatro sobre a questão
do negro, porque nossos alunos não se atentavam pra isso, então
fomos estimulando eles a fazer esse trabalho, e vimos que foi positivo,
porque antigamente muita gente não queria trançar cabelo, se aceitar
como negro, e isso já surtiu efeito dentro da própria escola, da
comunidade melhorou a autoestima deles. Esses trabalhos são
realizados o ano todo, tanto é que estamos trabalhando vários temas
que podem ser trabalhados dentro da biologia, da história e outras
disciplinas. (Leda, N. S. Livramento)
Nesse sentido, vejo que alguns professores das escolas públicas estão se
qualificando para melhorar a sua compreensão sobre a problemática das relações raciais
na dimensão escolar. Percebe-se que os educadores já sinalizam para uma melhoria da
sua prática pedagógica, pois ao recorrer a materiais pedagógicos que contemplem o
negro como protagonista nos leva a crer que já estão incorporando esse processo numa
perspectiva de desconstrução. Nesse contexto, é relevante destacar que “o desafio da
escola está em conduzir uma reeducação das relações étnico-raciais, que possibilite a
desconstrução de estigmas e estereótipos” (SANTOS, 2007, p. 76).
Quanto à percepção em relação à atribuição de quem é a responsabilidade maior
para fomentar essas discussões na escola, as professoras afirmam que a responsabilidade
e o comprometimento devem ser de todos. Todavia, acreditam que a mulher negra deve
102
ter um olhar mais profundo sobre a questão da discriminação, porque é a sua identidade,
sua cultura, o reconhecimento de si própria e do seu povo.
[...] essa é uma responsabilidade de todos. Não deve ter isso de você
ser negra ou de você não ser negra, não é uma causa, uma bandeira,
é questão de respeito. Eu digo que não deveria ter leis pra você ser
respeitado, eu acho que a responsabilidade é de todos independente
de etnia, de cor, de qualquer coisa. (Nilda, Poconé)
[...] acho que a responsabilidade é de todos independentes da cor,
porque as misturas se acontecem. Não é porque uma pessoa é
‘branca’ que no seu passado não haja um descendente negro. Muitas
vezes a pessoa não sabe, porque ela se considera branca, pode ter
vindo de uma origem de negros, ou de índios […] Agora um professor
deve fazer essas discussões se tiver espaço na escola pra isso, se não,
deve buscar ajuda, pois pode ser barrado. (Ivete, N. S. Livramento)
[...] acredito que para os negros, seja mais do que responsabilidade, é
uma obrigação. Porque a gente que é negra sente na pele o que
realmente é uma discriminação. Quem não é negro nunca vai saber o
que realmente é o sofrimento de uma discriminação. Sente quem é
negro e pobre. Então essas pessoas negras são muito massacradas
pela sociedade, o negro tenta sobreviver a tudo isso, eu sou
sobrevivente disso tudo, sobrevivi de toda essa guerra. (Raquel,
Cuiabá)
[...] todos tem a mesma responsabilidade, porém o professor negro
não deve fugir dessas discussões, pois vive isso na pele, ele vê isso
com os alunos, se não pela questão racial ou pelo social, que de toda
forma precisa de uma intervenção pedagógica. (Denise, Várzea
Grande)
É oportuno lembrar que por séculos a educação se encarregou de proporcionar a
invisibilidade do povo negro, negando seus direitos de cidadãos e reproduzindo uma
ideologia de superioridade branca. A busca pela superação do racismo e da
discriminação não pode ser atribuição exclusiva dos profissionais negros, é, pois, tarefa
que deve ser compartilhada por todo e qualquer educador, independente do seu
pertencimento étnico-racial, religião ou posição política (OLIVEIRA, 2003; MÜLLER,
2009).
Sobre o envolvimento de outros profissionais da educação para o estímulo da
temática racial na escola, algumas depoentes apontam que a questão do
desconhecimento, da resistência e da falta de interesse pela temática dificulta a
realização de qualquer trabalho acerca das relações raciais.
[…] aqui, os professores têm resistência em trabalhar sobre isso, não
tem interesse pelos materiais, principalmente os enviados pelo MEC e
os do projeto da cor da cultura. Quando eles vão falar sobre a
103
questão racial, fala somente superficial. As datas passam batidas,
como se não fosse importante. (Marina, Cuiabá)
O desconhecimento e a resistência por parte dos professores em reconhecer a
existência de preconceito e discriminação no ambiente escolar é considerado um entrave
no estabelecimento de uma educação antirracista.
[...] na verdade, muita escola não esta preparada para discutir as
questões raciais, muito menos os professores se veem ou se percebem
enquanto agentes políticos de transformação. (Denise, Várzea
Grande)
Conforme os depoimentos são possíveis perceber que o ingresso das professoras
negras nas discussões sobre questões raciais na escola se deram de várias formas, desde
participação em movimento negro; incorporação em estudos sobre relações raciais nos
cursos de formação e mobilização de profissionais envolvidos com a temática por meio
dos projetos escolares. Estar em sintonia com essas frentes, tomando como parâmetro as
situações vividas em suas trajetórias de vida foi fundamental para que elas pudessem
colocar em pauta as discussões sobre as questões raciais na escola.
As professoras relataram ainda que a escola atribui ao professor negro a
responsabilidade de trabalhar a lei 10.639/037, retirando dos demais essa obrigação. As
entrevistadas afirmaram que a responsabilidade é de todos os atores da escola,
independente da cor da pele.
Cavalleiro (2003) considera relevante que os educadores pensem e lutem por
práticas que objetivem a inclusão positiva de crianças e jovens negros, considerando ser
de extrema importância a elaboração de um trabalho que promova o repeito mútuo e o
reconhecimento das diferenças. “[…] não há como retirar de nossas mãos a obrigação
de direcionamos um olhar mais amplo para o mundo e, assim, perceber o quanto nós
também interiorizamos e servimos a esta ideologia racista” (CAVALLEIRO, 2003, p.
101).
Dessa forma, é possível notar que temas como “preconceito, discriminação e
racismo” são conceitos que, embora de forma tímida, vêm sendo discutidos em algumas
escolas tendo à frente a ousadia de alguns professores que manifestam interesse pelo
assunto.
7 Lei 10.639 promulgada em janeiro de 2003. Altera o artigo 26 da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana na Educação Básica.
104
CONSIDERAÇÕES
No campo que se propõe a pesquisa, no sentido de investigar as trajetórias de
vida de professoras negras da Baixada Cuiabana, busco compreender como se deu o
contexto escolar e profissional vivenciado pelas professoras negras; as situações e as
formas de enfrentamento acerca das discriminações raciais que sofreram ao longo da
vida; a conquista pela ascensão social, e ainda analisar os motivos que levaram as
professoras a discutirem sobre relações raciais na escola.
Discutir sobre o percurso escolar e profissional das professoras negras
possibilita-nos dar visibilidade a histórias de vida marcadas pelo silêncio,
ressentimento, aborrecimento, desrespeito, mas também de lutas, enfrentamentos,
resistência e superação.
Este estudo permitiu-nos perceber que o preconceito e a discriminação racial
ainda estão presentes na vida de mulheres negras, no entanto, elas contaram com
mecanismos para superar os obstáculos e conquistar seu espaço profissional.
Percebeu-se também nesta pesquisa que o cenário que envolveu perseguições,
produção de estereótipos, o ideal de beleza e a visão de incapacidade da professora
negra ainda decorrem de teorias racistas assimiladas no século XIX e que foi
cristalizado no imaginário da sociedade brasileira.
Muitas mulheres negras em nosso país são rejeitadas no mercado de trabalho
pela questão da aparência, numa atitude extremamente discriminatória, sendo que as
mulheres pretas são as mais atingidas, têm os caminhos mais árduos do que as pardas,
posto que no Brasil conforme vai diminuindo a melanina da pele, vai agregando valor
ao ser humano, principalmente o estético. Esse tipo de atitude limita a mulher negra
escalar novos degraus profissionalmente.
Vale ressaltar que a visão estereotipada de alguns professores em relação à
criança negra, cuja situação foi vivenciada pelas depoentes na infância, ainda hoje é um
forte elemento de disseminação do preconceito racial e da discriminação no espaço da
escola, como também contribui de forma negativa na construção da identidade desse
estudante, que pode carregar problemas ao longo de sua vida.
No entanto, foi possível constatar que essas professoras travaram inegáveis lutas
para contornar as pedras no meio do caminho, para poder atingir melhores condições de
vida ou de se manter em postos de prestígio social. É notória a questão de mulheres
105
negras serem colocadas intelectualmente à prova quando estão em posição de destaque
na sociedade.
Outra constatação é de que as professoras negras encontraram a todo o momento
obstáculos para desencorajá-las a lutar pelo seu ideal, cujos empecilhos foram
constantemente provocados numa tentativa de fazer com que elas permanecessem na
base inferior da hierarquia social, contudo elas contaram com uma rede de apoio e
solidariedade que contribuiu significavelmente para superar os obstáculos e galgar
novos passos. A família constitui-se figura importante no encorajamento dos filhos aos
embates raciais e a prosseguir nos estudos. Os amigos foram solidários no apoio ao
enfrentamento dos problemas, a encorajá-las a chegarem até a profissão docente.
Outro ponto da pesquisa mostrou, por meio dos relatos que, embora os pais
possuíssem pouca escolaridade, entendiam que a única possibilidade de os filhos
vencerem na vida era por meio da educação. Por isso, os incentivaram para que
tivessem um futuro melhor e não passassem pelas mesmas dificuldades por que os pais
passaram, essa visão foi compartilhada pelas próprias pesquisadas.
Diante das falas das professoras, foi possível perceber que utilizar mecanismos
de enfrentamento e superação não é uma situação automática, requer tomada de
consciência e percepção. Em sua maioria, as professoras evidenciaram que estão à
frente do desenvolvimento de projetos escolares ou envolvidas em trabalhos voltados
para a questão racial.
Foi possível perceber que o ingresso das professoras negras nas discussões sobre
questões raciais na escola se deram de várias formas, isto é, pela participação em
movimento negro; incorporação em estudos sobre relações raciais nos cursos de
formação e pela mobilização de outros profissionais envolvidos com a temática em
projetos escolares. Estar em sintonia com essas frentes, tomando como parâmetro as
situações vividas em suas trajetórias de vida, foi fundamental para que elas pudessem
colocar em pauta as discussões sobre as questões raciais no ambiente escolar.
Embora todas essas frentes fornecessem subsídios para que as professoras
pudessem resgatar uma imagem positiva do negro em sua trajetória profissional,
constatou-se que a formação continuada contribuiu de forma significativa na percepção
das docentes, redesenhando uma nova postura pedagógica frente às questões raciais no
cotidiano da escola, buscando fazer com que os alunos negros não passem pelos
mesmos problemas por elas vivenciados.
106
Uma das questões mencionadas nos relatos das professoras diz respeito a pouca
participação dos docentes nas discussões sobre relações raciais na escola. Esse ponto
traz à tona a visão que algumas escolas ainda têm sobre a responsabilidade de quem
deve estar à frente desse trabalho. Segundo as professoras, a escola continua atribuindo
ao professor negro a responsabilidade em desenvolver a temática, afastando a
responsabilidade de outros professores. Elas têm bastante clareza de que todos os
profissionais da escola devem estar envolvidos nesse processo.
É interessante ressaltar que para desconstruir essa imagem negativa do negro,
construída secularmente, é importante que se invista numa educação pautada na
construção e consolidação da cidadania e, sobretudo focalizada no respeito às diferenças
e na promoção da igualdade de oportunidades.
Ao dar voz, nesta investigação às professoras negras, possibilitou revelar as
marcas deixadas pelas relações raciais travadas ao longo de suas caminhadas, em que o
racismo, o preconceito e a discriminação racial ainda são sustentados por uma ideologia
que impera de forma avassaladora em nossa sociedade.
Essas mulheres se destacam na história do povo negro, mostrando sua força e
seu protagonismo na conquista de sua ascensão social, podendo ser consideradas
verdadeiras vencedoras.
107
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atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
TAVARES, José Wilson. Várzea Grande: história e tradição. Cuiabá: KCM, 2011.
TEIXEIRA, Moema de Poli. Negros na universidade: identidade e trajetórias de
ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.
__________. A presença negra no magistério: aspectos quantitativos. In: OLIVEIRA,
Iolanda de (org.). Cor e magistério. Rio de Janeiro: Quartet; Niterói: EDUUF, 2006. p.
14-54.
112
THOMPSON, Paul. A voz do passado. História oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
VELHO, Gilberto. Projeto metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.
In: SILVA, Tomaz Tadeu; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn (Orgs.). Identidade
e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 12. ed. , Petrópolis: Vozes, 2012. p.7-
72.
113
ANEXO
Anexo 1- Roteiro para a coleta de dados
As entrevistas foram feitas a partir de um roteiro elaborado, como forma de captar
informações ricas das experiências vividas pelas professoras como:
Aspectos da infância, família, relacionamento na adolescência.
Trajetória escolar e profissional
Inserção no mercado de trabalho
Experiência racial, sentimentos provocados, reação e enfrentamento.
Trabalhos desenvolvidos na escola a cerca das questões raciais.
Aspectos que motivou a fazer esse trabalho.
A participação da comunidade escolar e resultados do trabalho efetivado.
A visão em relação a participação de pessoas negras frente as discussões raciais
na escola. Há uma responsabilidade maior por ser negro.
A visão sobre a responsabilidade dos demais profissionais da escola no
cumprimento da Lei 10.639/03.