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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE EDUCAÇÃO LICENCIATURA EM FORMAÇÃO INTERCULTURAL PARA EDUCADORES INDÍGENAS HABILITAÇÃO EM MATEMÁTICA Valdirene Santos Moreno Transformações da saúde na Aldeia Mata Medonha: olhares dos que cuidam da comunidade 2018 Belo Horizonte 2018 FIEI

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LICENCIATURA EM FORMAÇÃO INTERCULTURAL PARA

EDUCADORES INDÍGENAS

HABILITAÇÃO EM MATEMÁTICA

Valdirene Santos Moreno

Transformações da saúde na Aldeia Mata Medonha: olhares dos que

cuidam da comunidade

2018

Belo Horizonte

2018

FIEI

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Valdirene Santos Moreno

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LICENCIATURA EM FORMAÇÃO INTERCULTURAL PARA

EDUCADORES INDÍGENAS

HABILITAÇÃO EM MATEMÁTICA

Transformações da saúde na Aldeia Mata Medonha: olhares dos que

cuidam da comunidade

Percurso apresentado à Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Minas Gerais, como

requisito para a obtenção de título da Licenciatura

Intercultural dos Educadores Indígenas

Orientadora: Professora Dra. Érica Dumont Pena.

Belo Horizonte

2018

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Percurso acadêmico intitulado TRANSFORMAÇÕES DA SAÚDE NA ALDEIA

MATA MEDONHA: OLHARES DOS QUE CUIDAM DA COMUNIDADE, de

autoria de Valdirene Santos Moreno, para ser avaliado pela banca examinadora

constituída pelos seguintes integrantes:

______________________________________________________________________

Professora Dra. Érica Dumont Pena - Orientadora

Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

______________________________________________________________________

Ernande Rocha Ramos

Pataxó da Aldeia Mata Medonha

Conselho de Saúde

______________________________________________________________________

Pedro Rocha de Almeida e Castro

Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

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DEDICATÓRIA

Dedico meu trabalho primeiramente a Deus por ser essencial em minha vida, autor de

meu destino, meu guia, socorro presente na hora da angustia. Ao meu pai Valdir,

minha mãe Creuza, meu esposo Vanderlei, as minhas filhas Luany Putxehá e Isabela

Aponãhi e a toda minha família que com muito carinho e apoio não mediram esforços

para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. A todos os entrevistados Moisés,

Vanderlei, Isabel, José Lapa, Auzinete e a todos que de alguma forma contribuíram

para que meu trabalho fosse finalizado.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Niamisũ (Deus) por ter mim dado a existência, a força

necessária, coragem e ânimo para seguir em frente e não desistir.

Agradeço em especial aos meus pais Valdir e Creuza por serem minha inspiração e

exemplo de vida, minhas filhas Luany Putxehá e Isabela Aponãhi que são minhas

razões de viver, meu esposo Vanderlei, minha irmã Creudivane e toda a minha família

pelo incentivo e apoio que sempre mim deram para alcançar meus objetivos e superar

todas as dificuldades no decorrer do caminho.

Agradeço a Edileuza por ter dedicado parte de seu tempo cuidando da minha filha e

por ter sido uma ótima babá. As minhas colegas amigas e companheiras de quarto

Edilande, Joseane, Valdirene e Ana Karina que estiveram comigo nos momentos de

tristeza, saudades e angustia meu muito obrigado e vou guarda-las eternamente no

meu coração.

Agradeço aos professores, bolsistas, diretores, secretárias que se dedicaram com muito

amor e gentileza a nos esclarecer as dúvidas e compartilhar os momentos bons e ruins

durante esses quatro anos de curso.

Agradeço a minha orientadora Érica Dumont pela paciência e dedicação que mim

ajudou para que esse trabalho ficasse pronto e não mim deixou desamparada em

nenhum momento.

A Universidade quero deixar uma palavra de gratidão por ter mim recebido de braços

abertos e com todas as condições que me proporcionaram dias de aprendizagem e uma

troca de experiência que irei levar pro resto da vida.

A todos os entrevistados Moisés, Vanderlei, Isabel, José Lapa, Auzinete e a todos que

de alguma forma contribuíram, me ajudaram e acreditaram em mim eu quero deixar

um agradecimento eterno porque sem elas não teria sido possível concluir esse

percurso.

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RESUMO

Esse trabalho é um registro de uma pesquisa que procura conhecer as mudanças que

ocorreram nos últimos anos na área da saúde da aldeia Pataxó Mata Medonha, no sul da

Bahia. O material coletado foi através de entrevistas gravadas em áudio com pessoas

envolvidas com a área da saúde na aldeia. Nas entrevistas são relatadas as conquistas

alcançadas pelas lideranças e quais foram as vantagens e desvantagens das implantações não

tradicionais incorporadas dentro da aldeia na área da saúde. Dentre as conquistas alcançadas

destaca-se a construção e reforma do posto de saúde da aldeia. Foi possível perceber que

apesar da precariedade que era antes das mudanças ocorridas nos serviços de cuidado e

atenção à saúde, os moradores da aldeia Mata Medonha eram mais saudáveis e viviam com

menor índice de virose. Como resultado considero que as práticas tradicionais utilizadas

antigamente pelos povos indígenas eram mais eficazes que as práticas não tradicionais.

Palavras-chave: Cuidados na saúde indígena, Conhecimento tradicional e não tradicional,

Mudanças e desafios na saúde indígena, Aldeia Mata Medonha

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SUMÁRIO

1- Introdução ............................................................................................. 7

- A história da Aldeia Mata Medonha ..............................................................

8

2- Justificativa ...........................................................................................

11

3- Objetivo geral .......................................................................................

11

4- Objetivos específicos ............................................................................

11

5- Metodologia ..........................................................................................

12

6- Resultados e discussão .......................................................................... 15

6.1 - A saúde em Mata medonha antes do sistema público de saúde ............... 15

6.2- As mudanças que ocorreram na saúde ....................................................... 16

6.3- O desenvolvimento da saúde hoje ............................................................ 18

6.4- A valorização do trabalho dos indígenas na saúde ................................... 19

6.5- Autonomia da comunidade, poder pensar e gerir a saúde ........................

20

6.6- Dificuldades no atendimento - Carro, transporte .....................................

24

6.7- Mudança da FUNASA para a SESAI ........................................................

26

6.8- Pouco compromisso dos médicos e das enfermeiras, diferente das

parteiras que ficam na casa das pessoas, diferente dos agentes de saúde que

fazem parte da comunidade, etc.........................................................................

27

6.9- Estrutura da unidade de saúde ................................................................... 28

7- Minhas percepções sobre a saúde na Aldeia Mata Medonha ................

30

8- Considerações finais ..............................................................................

32

9- Bibliografia ........................................................................................... 33

Anexo 1 – Roteiro de Entrevista ....................................................................... 34

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1- INTRODUÇÃO

Meu nome é Valdirene Santos Moreno, com o nome indígena Xayhê que significa

razão. Sou da etnia Pataxó, nascida em 15 de abril de 1988 e tenho 29 anos. Sou moradora da

Aldeia Mata Medonha, no município de Santa Cruz Cabrália, Sul da Bahia. Sou casada com

Vanderlei Ferreira de Oliveira, tenho duas filhas que são: Luany Moreno e Isabela Aponãhi.

Sou filha de Valdir dos Santos Moreno, mais conhecido como Sapucaia que significa coco

encontrado na mata, e Creuza Silva Santos, conhecida como Aktê que significa neve.

Entrei na escola rural não indígena em 1991 quando estudei do pré-escolar até a quarta

série. Depois tive que estudar em uma escola na cidade por não ter mais como continuar os

estudos nessa escola que não ofertava o restante do ensino fundamental e médio. Por isso,

estudei todo o restante do fundamental I, fundamental II e Ensino Médio na cidade de

Eunápolis. Na cidade eu sofria com o preconceito das pessoas por eu ser indígena, mas

persisti, lutei e consegui vencer esses obstáculos que a vida foi me impondo, concluindo essa

fase da minha vida em 2005. Sempre tive o apoio e incentivo dos meus pais para estudar. Eles

não são alfabetizados, pois não tiveram oportunidade nem tempo para isso. A vida no tempo

deles era mais difícil estudar, tinham mesmo era que trabalhar para ajudar os pais. Por não

terem tido a oportunidade de estudar, meus pais sempre fizeram de tudo para que os filhos

estudassem e tivessem um futuro diferente da realidade deles.

Em 2007 tive minha primeira filha, uma gravidez tranquila sem complicação e de

parto normal. Em 2011 engravidei pela segunda vez e foi uma gravidez complicada, porque

era de risco, por isso, cada dia que passava ficava mais difícil levar a gravidez adiante. Com o

passar do tempo agravou mais pois comecei a inchar sem parar, tive de ir para o hospital de

Porto Seguro Bahia e ficar internada, mas depois de uma semana, com a situação se

agravando, resolveram me transferir para um hospital em Salvador, de ambulância. No

decorrer da viagem tive duas paradas respiratórias e ao chegar em Salvador foi constatado que

a decisão de fazer a transferência de ambulação, dado o trajeto extenso, provocou um aborto

espontâneo, colocando-me em risco de vida. Minha situação ficou muito grave, levando- me

ao coma por uma semana. Após esse período, após acordar do coma fiquei por mais uma

semana na UTI. Com a minha melhora, iniciei a reabilitação, pois não conseguia andar, falar,

nem reconhecer ninguém. Duas semanas após o início da reabilitação, o médico constatou

melhorias no meu caso e me encaminhou para um quarto, onde fiquei por mais duas semanas

até receber alta do hospital e poder finalmente voltar para casa.

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Em 2011 foi implantado o fundamental II na minha aldeia assim surgiram vagas para

trabalhar na escola. Houve uma prova onde todos os interessados pelas vagas tiveram que

fazer, fiz a prova e conseguir passar ingressando assim na escola como professora. Iniciei com

uma turma do fundamental I e atualmente estou com as turmas do fundamental II e EJA

(Educação para Jovens e Adultos). Em 2013 surgiu a oportunidade de fazer o vestibular para

licenciatura na UFMG com o apoio e incentivo do cacique e lideranças. Foram seis pessoas da

aldeia que manifestaram interesse em fazer o vestibular, mas somente três passaram

ingressando assim no curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas na

habilitação matemática no segundo semestre de 2014.

Ao iniciar o curso de formação fomos informados que teríamos de fazer um trabalho

de conclusão de curso (TCC) sendo assim precisávamos escolher um tema para desenvolver

esse trabalho, ao pensar bastante decidi escrever sobre a saúde na Aldeia Mata Medonha.

Depois de alguns meses descobrir que estava grávida novamente, mas dessa vez procurei ter

um acompanhamento mais de perto dos especialistas não indígena e dos mais velhos da minha

aldeia conhecedores de parto e da saúde da mulher, tive uma gravidez de risco mas dessa vez

deu tudo certo. E assim lembrando das duas experiências que aconteceu comigo me deu mais

incentivo para que eu pudesse fazer o meu trabalho direcionado a saúde.

- A história da Aldeia Mata Medonha

A aldeia Mata Medonha foi fundada pela família Brito, refugiada da aldeia Barra

Velha no ano de 1951, quando houve um massacre que matou muitos índios e os que

sobraram se espalharam pela redondeza, logo que chegaram a terra se chamava Analberta que

era um lugar isolado, não tinha estrada, só tinha capoeirão e quando terminava esse capoeirão

entrava na mata e levava esse nome também em homenagem a dona que se chamava assim

(OLIVEIRA, Moisés Ferreira, 2016).

A chegada da família Brito foi em 1964 onde a família era composta por oito irmãos:

Antônio Brito de Oliveira, Álvaro Brito de Oliveira, Maria de Lourdes Brito de Oliveira, João

Brito de Oliveira, José Brito de Oliveira, Alda Brito de Oliveira, Rafael Brito de Oliveira e

Anastácio Brito de Oliveira e sua esposa Clarice Maria da Conceição. Em 1986 foi quando o

pessoal da FUNAI esteve pela primeira em Mata Medonha que era a doutora Iza, o doutor

Marcos que era o presidente do INCRA de Salvador e o motorista chamado Francisco para

saber informações sobre o dono da terra (OLIVEIRA, Moisés Ferreira, 2016).

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Em 1986 mesmo com muitas dificuldades foi quando o cacique Ananias (mais

conhecido como Baiara) e Domingo vice começou a correr atrás da demarcação de Mata

Medonha. Em 1988 foi quando deu início ao estudo da terra (OLIVEIRA, Moisés Ferreira,

2016). Nesse tempo, de acordo com a Dona Marmédia, quando alguém ficava doente

carregava de canoa ou amarrava uma rede num varão colocava o doente dentro pra poder ir

para Santo Antônio e pegar um transporte e ir até o hospital.

Como nos contava Seu Domingos, ancião da aldeia já falecido, desde 1964, quando

chegaram as primeiras famílias para Analberta, que ainda não era conhecida como Mata

Medonha, os primeiros moradores compraram esse pedaço de terra, e naquela época não

existia limite como hoje. Depois da chegada de outras famílias em 1986 foi quando começou

a luta pela demarcação do território de Mata Medonha. Depois de muitos anos passando por

várias dificuldades por causa da terra, pois como já havia muitas famílias ali habitando

naquele lugar isolado, conseguiram vencer com muito suor, muita determinação e força de

vontade, foi ganhada a terra. Desde 1964 até 1988 em que a terra foi regularizada as pessoas

moravam em Mata Medonha em um total abandono, onde muitas pessoas desacreditavam

nesse lugar. Falavam que era o fim do mundo, mas valeu apena. Mata Medonha foi

reconhecida como aldeia em 1988 e foi registrado e homologado um total de 421 hectares.

Em 1993 foi reconhecida e publicada no diário oficial da união, foi nesse mesmo ano

reconhecida como área indígena pela FUNAI e registrada como Mata Medonha terra que hoje

é legalizada indígena e podemos dizer que a terra é nossa. Logo depois a aldeia começou a se

desenvolver na saúde e educação pois necessitava de uma escola um posto de saúde pois as

crianças estavam na idade de estudar. Foi feita uma escolinha de tábuas e então a dificuldade

foi achar um professor capacitado para dar aulas pois o que estava dando aulas era um índio

da aldeia e só sabia o básico além disso fazia tudo voluntário já que tudo era bem precário não

tinha nem cadeiras para as crianças sentar, nem materiais. Foi então indicado um casal de

missionários americanos, que faziam trabalhos de evangelização nas aldeias cujo o nome era

Hudson e Raissa e assim trabalharam tanto de professores quanto de enfermeiros improvisado

porque quando alguém adoecia eram eles os responsáveis em aplicar uma injeção ou até

mesmo receitar um medicamento para dor de cabeça ou febre, ficaram trabalhando na aldeia

de 1988 a 1990 alfabetizando crianças e adultos e foram embora.

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Figura 1: Mapa das aldeias Pataxó do Sul da Bahia

Fonte: Retirado de https://aldeiavelha.wordpress.com/2013/06/15/mapa-das-aldeias-pataxo/

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Figura 2: Vista aérea da Aldeia Mata Medonha

Fonte: Retirado do vídeo Tempero na Mochila na Aldeia Mata Medonha

2- Justificativa

Essa pesquisa procura conhecer as mudanças que aconteceram nos últimos anos na

área da saúde da Aldeia Mata Medonha. Assim como pretende servir de material de estudos

para as futuras gerações poderem recordar as conquistas alcançadas pelo seu povo que não

desistiu nos momentos difíceis e seguiram em frente com mais garra e vontade de vencer os

obstáculos que vinham aparecendo. E busca fazer a comunidade refletir se estão dando o

devido valor a essa conquista tão sofrida e esperada.

3- Objetivo geral

Compreender as mudanças na área da saúde da aldeia Mata Medonha.

4- Objetivos específicos

Relatar como era a saúde em Mata Medonha antes do sistema público de saúde;

Descrever as mudanças que ocorreram na saúde;

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Relatar sobre o desenvolvimento da saúde hoje: organização da saúde, o papel das

pessoas que trabalham na saúde e os processos que acontecem.

5- Metodologia

Essa pesquisa foi desenvolvida através de entrevistas semi-estruturadas com as

pessoas envolvidas diretamente com o cuidado em saúde.

Entrevista com Vanderlei Ferreira de Oliveira (atual agente de saúde indígena),

Bezinha (parteira), Cacique Moises (atual cacique), José Lapa (motorista do carro da saúde) e

Auzinete Vieira dos Santos (mulher que teve quatro partos acompanhados pelas parteiras).

Vanderlei Ferreira de Oliveira tem 25

anos é casado tem duas filhas é neto de

um dos fundadores da aldeia nasceu e se

criou em Mata Medonha faz parte de

um grupo de lideranças formado na

comunidade pelos próprios moradores

para auxiliar o cacique em tomada de

decisões, viagens, reuniões, etc.

Atualmente trabalha como Agente de

Saúde na comunidade procurando

ajudar no que for possível para que seu

povo tenha um bom atendimento, sua

mãe é artesã onde confecciona brincos,

colares, filtro dos sonhos, tangas,

esteiras, entre outros. Seu pai é vigia

noturno da escola, agricultor e pescador.

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Isabel Maria de Jesus Oliveira tem 83

anos é viúva de um dos fundadores da

aldeia Mata Medonha tem sete filhos é

parteira onde já ajudou fazer vários

partos dentro da comunidade, assim

como já ajudou várias pessoas com seus

remédios caseiros milagrosos aliviando

dores e sofrimentos de muitos que já

não sabiam mais o que fazer. É uma

pessoa atenciosa e simples mais que

contagia a todos ao seu redor, apesar de

ser analfabeta sabe dar conselhos como

ninguém, sua experiência de vida é de

grande importância para todos nós.

Moisés Ferreira de Oliveira tem 29 anos

é casado tem duas filhas é neto de um

dos fundadores da aldeia, trabalha na

escola como professor de cultura

procurando resgatar junto a comunidade

nossa língua materna que há muito

tempo está adormecida devido a

opressão dos nossos colonizadores.

Atualmente é cacique da aldeia Mata

Medonha onde está sempre disposto a

ajudar a todos que o procura, está

sempre na luta pelos direitos de seu

povo juntamente com sua equipe de

lideranças.

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José Lapa Oliveira Cerqueira tem 44

anos é casado tem três filhas é sobrinho

de um dos fundadores da aldeia já foi

agente de saúde e também foi cacique,

contribuiu muito para o

desenvolvimento da comunidade usando

seus conhecimentos, trabalhou como

motorista do carro da saúde dentro da

comunidade levando pacientes para

fazer procedimentos, atualmente

trabalha como motorista da ambulância

do município.

Auzinete Vieira dos Santos tem 38 anos

é casada tem sete filhos é nora de um

dos fundadores da aldeia, trabalha na

escola na função de serviços gerais,

apesar de ser nova na idade tem muita

experiência para transmitir pois a

maioria de seus partos foram feitos em

casa com a ajuda das parteiras que tinha

na comunidade. Ao se expressar com

relação aos partos fala com grande

satisfação, confiança e agradecimento às

parteiras já que foram experiências

inesquecíveis o nascimento de seus

filhos.

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6- Resultados e discussão

6.1 - A saúde em Mata medonha antes do sistema público de saúde

As pessoas que cuidavam da saúde sabiam falar sobre as doenças reconhecendo o

corpo, pelos sinais do corpo, sem diagnóstico de médico e sem exames. O cuidado envolve a

espiritualidade, aprendia-se a cuidar da saúde com a família, passando de mãe para a filha.

Na fala da entrevistada é contada como funcionava toda preparação do parto desde o

início da gestação até a hora do parto. É notável a confiança das pessoas com relação a

sabedoria e manejo das parteiras chegando ao ponto de ter os filhos em casa. Nos contam

também experiências de alto risco onde tanto a mãe quanto a criança corria risco de morte e

como tudo foi resolvido, assim de acordo com dona Isabel:

A gente que era mulher quando completava os nove meses pra ganhar

menino a gente ia fazendo aqueles paninhos ne, era tudo pano...hoje tudo é

diferente...fazendo aqueles paninhos...guardano. Quando chegava o tempo

que ela sentia o problema, dela querer, a gente ia pra lá...Eu cansei de ir

chegar fazer banho de remédio caseiro e dá nelas das cadeiras pra baixo,

banhar elas, [são banhos de folhas que ao tomar a mulher aumenta as

contrações e ajuda a mulher ter um parto mais rápido] fazer as entrevistas

[toque] com minha mãozinha mesmo...que eu cansei de fazer, né... Se tivesse

perto eu avisava: ó, “tá perto”...se não tivesse eu digo: “ó, vai demorar um

tempo”. Ai eu ia reparar a barriga: como é que tava, se o menino tava de

bom jeito de nascer ou não...se tivesse torto eu avisava: “tá torto, ainda vai

endireitar” [porque só podia fazer o parto quando a criança estivesse na

posição correta quando ainda não estava era feita massagem na barriga para

que assim a criança ficasse encaixado no ponto certo de nascer]. Ói eu ficava

fazendo aquelas experiências e dano e tudo e enfim aí o menino chegava no

ponto. Quando eu falava: posso fazer a entrevista [toque] ela dizia: “pode”

ela tava danada de dor, né...foi eu fazer e dizer: “ó se guenta que vai chegar”,

ai se via ela se envermelhar toda… [como ela já tinha muitos anos de

experiência como parteira já conhecia a feição da pessoa que estava perto ou

longe de ter a criança] aí eu dizia: “agora vamos nóis”. Eu mandava segurar

aqui [nos braços] pra não mexer comigo na hora que eu ia a frente...aquele

trem pocava em mim...muito banho eu já tomei, muito banho eu tomei

daqui...deu ficar assim ó, cuspindo com a boca aberta, pra fazer vontade pro

zoto...aí pooo, quando pocava [A bolsa que estourava], aí que chegava aí eu

ia, chegava, pegava a cabecinha e abria o eixo...ia segurando, pegando e ele

vinha...quando chegava no ombrinho eu botava meus pés na perna dela pra

ajudar e segurar ela ai eu ia com a mão pegava e arrastava pra fora...aí, vup,

saía tudo na hora que o menino escapulia...aí tem o parto né [placenta] a

gente pega aquele cordão do umbigo a gente enrola ele no dedo, segura e diz

ensinando ela a dizer [a oração do parto que é dito três vezes, essa oração

não pode ser contada para os não indígenas porque é conhecida e feita

apenas no ritual de parto pelas parteiras indígenas que se apegam muito com

a espiritualidade e Tupã tendo assim um conhecimento muito grande para

poder ajudar seu povo e sua comunidade nas horas necessárias] quando

acaba de completar as três vezes aí o parto vinha... flup, pronto... ai só

enxugar a mulher colocar pra lá [colocar em uma cama limpa para a mulher

poder descansar do parto] toma seu filho e pronto. (Dona Isabel, 2017)

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Já teve caso de mulher com filho morto na barriga sentindo dor sem saber o

que era... à toa dentro dessas matas, né... ai veio me perguntar o que fazia, eu

fiz o remédio pra ela, ela bebeu sentiu a dor... aí eu digo: “vamos ver o

menino”, tá morto...se você quiser que eu tiro, eu não vou lhe dar garantia

não, heim?! E não é pra falar pra ninguém se você passar mal, não vai dizer

que foi eu… disso eu vou lhe avisar! Não Bezinha [como era e é conhecida

dona Isabel] pelo amor de Deus, eu quero minha vida, eu sei que o menino

tem que sair...aí eu fiz um banho, daquele mamão macho, a gente tira a

flor..cozinha e dá o banho, aí a vontade de ganhar o menino vem... Aí sai

tudo, vem tudo e pari logo... [é porque quando toma o banho a dor aumenta

então pra se livrar da dor a única forma é ajudar a pateira colocando bastante

força para se ter logo a criança e a dor sumir] aí fui só, segurei no eixinho

dela, peguei o menino, que não tinha mais força, que tava morto, peguei o

menino todo inteirinho com parto (placenta) e tudo... Muita coisa eu já fiz

tudo com remédio do mato...a gente não precisava de ninguém procurar

médico, o médico era as parteiras mesmo. Minha mãe foi uma parteira muito

boa, todos os meus filhos foi minha mãe que pegou, todos eles, só teve um

que não foi ela, que ela tava em São Paulo... quem pegou foi uma mulher

que morava do outro lado e ela veio pegar meu menino... quando acabou ela

parece que tinha tomado uma... não sei o que foi lá... foi um negócio lá... que

ela fez que ela não tirou o despacho todo…[como ela já tinha conhecimento

de como funcionava um parto viu que o que estava acontecendo com ela não

era normal e que algo deixou de ser feito então ela mesma terminou o

procedimento do parto tendo assim sua melhora] aí a dor me apertou, eu

quase morro... aí foi que a irmã do vei Maninho chegou e chegou e disse: “ó

Bezinha, seu esgoto do seu parto não saiu todo não”, se eu tava botando

muito sangue, aí eu cheguei... fui levantei da cama, fiz banho e tomei banho,

dei uma forcinha e saiu aquela bola de sangue... pufo... quando caiu lá,

pronto... fiquei boa, aí me banhei e fui pra minha cama... pronto, acabou. E

aí foi quando eu fui aprendendo com essa mulher, o que era de bem, o que

era de mal... o que era de bem, eu ia aprendeno e o que era de mal, eu não

vou lá e o que é de bem eu vou chegando... graças a Deus e o que eu fiz eu

me dei bem graças a Deus. (Dona Isabel, 2017)

6.2- As mudanças que ocorreram na saúde

Com as mudanças nas ações de cuidado à saúde oferecidas pelos órgãos do governo,

introduzindo médicos, enfermeiros, dentistas as pessoas diminuíram procura pelo Pajé,

parteiras e outras formas de tratamento baseadas no conhecimento tradicional. As falas dos

entrevistados cacique Moisés e dona Isabel mostram as dificuldades e como as coisas

mudaram muito. Para eles, as pessoas estão deixando de lado os conhecimentos tradicionais

naturais para ir em busca da medicina cientifica que, para eles, na maioria das vezes não dá

certo e acabam se rendendo ao tratamento tradicional obtendo assim na maioria das vezes a

cura tão procurada.

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A relação das parteiras com as pessoas da saúde não tradicional é de respeito e cada

um acredita no que faz com a diferença de que as parteiras tratam com os remédios naturais

retirados das matas e com suas rezas milagrosas que dão certo.

A saúde em Mata Medonha esteve bem pior do que hoje, uns anos atrás os

indígenas da aldeia de Mata Medonha não tinha acesso a medicamentos não

acesso a nada quando se trata assim de questão de saúde tudo era resolvido

dentro da própria comunidade, quando alguém adoecia procurava os pessoal

mais velho da aldeia né que era essas pessoas que tinha o acesso as

medicinas né por exemplo quando uma mulher ia ganhar criança não

precisava levar ela pro hospital né dentro da aldeia tinha as parteiras, tinha o

pajé que fazia todo esse trabalho. Quando um índio era ofendido de cobra

também era tratado dentro da aldeia tinha o remédio dentro da própria

comunidade, pra criança que tava de olhado, dor de barriga essas coisa essas

doenças mais simples era tudo tratado dentro da aldeia até mesmo porque o

acesso até o hospital era difícil, era difícil até mesmo porque ficava muito

distante né então assim o pessoal vivia quase isolado e depois de algum

tempo a comunidade passou a crescer foi crescendo, crescendo e algumas

coisas foi mudando por exemplo no transporte mesmo que antes o pessoal

quando adoecia alguém na comunidade um caso grave mesmo para o índio

chegar até o hospital a comunidade se reunia colocava o parente dentro de

uma rede e levava até o Santo Antônio a pé, quando não era a pé colocava

dentro da canoa também e descia pelo rio e nisso passou muito tempo nisso

né nessa vida ai, nessa vida e depois de algum tempo né a comunidade

cresceu os indígenas não precisava mais ir até lá né então ai o médico vinha

uma vez por semana, vinha o médico com toda sua equipe pra tá fazendo o

atendimento dentro da comunidade então depois disso muita coisa passou a

melhorar mais pra situação do pessoal de Mata Medonha, quer dizer hoje

ainda não é o suficiente que atenda a demanda da comunidade mais

melhorou bastante, bastante e a esperança da comunidade é ver esperar que

melhora porque a saúde é prioridade para o nosso povo sem ela não temos

nada.(Cacique Moises, 2017)

A vizinha tava sentada dentro do carro uma mulher, eu dizendo: “você

guenta ir pra rua”? Ela dizendo: “guento”, eu disse: “mais rapaz, você não

guenta”... ela dizendo: “eu guento, eu guento”, eu disse: “olha, você vai pari

dentro do carro... quando nois pegou ela, que foi colocando dentro do carro

mesmo, o motorista do lado e Vanderlei tava até mais eu e então disse:

“Vanderlei olha essa mulher, você não acha que ela vai pari dentro do carro

no caminho pro hospital”? Ele disse não sei, eu digo não sei quer ver vocês

agora? Pra ver eu, acho que ele deve lembrar disso, ai quando eu cheguei,

disse: “Ribeiro segura a mulher aqui que já tinha jogado ela no carro” e

segurou ela aqui por trás eu cheguei fui na frente dela, peguei o menino…

vup e disse: “olha aí, agora vai dar banho que eu não vou dar banho ne

ninguém não, e agora vão lavar seu carro”. (Dona Isabel, 2017)

Muita coisa mudou porque hoje tudo tá diferente... até uma dor de barriga

você tem que ir pro médico, dor de barriga a gente cura em casa menina é

com chá de cidreira, um chá de erva-doce...bebe, fica tudo sarado, o povo só

quer procurar médico... médico não cura ninguém não, quem cura é Deus

não é não? Eu não acredito, Deus me perdoe, eu vou em médico mas não

tenho vontade de ir no médico... eu não gosto de médico, a gente vai porque

a gente né... quando está sem domínio, tá dominada pelo zôto, a gente pega

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faz um bolo e coloca lá... agora pelo que eu gosto, não gosto não. Eu

acredito no remédio caseiro, remédio caseiro é comigo, da vez que eu fiquei

durmente do lado me levaram pro médico o médico disse que meu remédio

era remédio caseiro não era remédio de farmácia não... eu aqui fiz uma

garrafada de mel de abelha com babosa e cachaça e bebi e hoje tô sarada viu

e acredito nesse remédio até hoje. Hoje ninguém quer mais ser amigo do

outro, não tem mais união, não tem mais acordo com ninguém, de primeiro a

coisa era outra, todo mundo trabalhava junto...todo mundo era amigo

ninguém tinha olho grande com ninguém, hoje o olho grande tá encima, não

é não? Tá encima se você ganha duzentos conto hoje o de lá já tá dizendo:

“crem Deus pade, ela ganha duzentos conto...eu vou trabalhar pra ganhar

quatro centos não é não”? E ai a vida só tá assim ó, o negócio tá embolado

não sei quando que vai consertar isso. (Dona Isabel, 2017)

A saúde de Mata Medonha antes do Sistema de Saúde era precária né não

tem nível pra classificar como era a saúde de Mata Medonha alguns

indígenas faleceu né morreram por falta de atendimento falta de acesso a

saúde até mesmo porque o povo vivia praticamente isolado né sem estrada o

único meio de chegar até o médico era pelo rio de barco era o transporte da

época e depois de alguns anos o médico começou a vim uma vez por semana

na comunidade e ai foi melhorando aos poucos né o povo que vivia

praticamente só do remédio caseiro das suas ervas medicinais e aos poucos

foi adquirindo né foi melhorando a vida das pessoas da comunidade e depois

que passou pro Sistema Único de Saúde as pessoas foram né sendo atendidos

dentro da própria aldeia, questão mesmo das mulheres né também foi uma

das questões mais importante depois do Sistema Único de Saúde que as

vezes quando era pra ganhar criança era dentro da própria aldeia né que tinha

as parteiras tinha isso tudo então assim de muitas coisas vivia assim sem

depender do Sistema Único de Saúde só que assim depois que foi com esse

desenvolvimento né a aldeia crescendo passou a melhorar um pouco não que

melhorou tudo hoje ainda temos um pouco da dificuldade que a gente passa

mas a saúde era bem e pior do que está hoje, hoje ainda mesmo com essa

dificuldade a saúde já esteve bem pior onde as pessoas quando adoecia né

tinha que colocar na rede e a comunidade pegava e levava até Santo Antônio

pra de lá tentar conseguir um transporte pra levar o índio até o hospital então

depois que por algum tempo começou a melhorar um pouco na aldeia passou

a ter um transporte pra fazer essa locomoção dos indígenas então melhorou

bastante né a saúde de Mata Medonha não o suficiente né o que a

comunidade espera né com essas dificuldades que temos hoje onde o índio

não está tendo acesso quase a nada então Mata Medonha está avançando aos

poucos na questão de saúde né os índios deixou de ser atendidos debaixo de

um pé de árvore pra ser atendido dentro de um pequeno posto de saúde então

a saúde está desenvolvendo a cada dia aos poucos, ainda não suficiente que

atenda a demanda da comunidade de Mata Medonha.(Cacique Moises, 2017)

6.3- O desenvolvimento da saúde hoje

O Agente de Saúde Indígena tem um papel muito importante na saúde, pois é ele que

faz a comunicação entre a aldeia e o sistema de saúde pública. José Lapa Oliveira Cerqueira

nos explicou, na entrevista, sobre o papel do agente de saúde, de acordo com ele:

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Meu nome é José Lapa Oliveira Cerqueira comecei a trabalhar como AIS em

dois mil e dois, trabalhei um período de oito anos e oito meses prestando

esse serviço pra comunidade as condições de trabalho sempre foi não foi tão

boa os AIS sempre foi uma das categorias que além de não ser reconhecida

como profissional, é um dos trabalhos que a gente tem feito tanto quanto pra

prestar um bom serviço pra comunidade mas as dificuldades é grande, além

de enfrentar o sol a gente realmente é um trabalho que tem que ter

responsabilidade pra está levando as informações aos moradores e está

mobilizando eles para que possam ter uma saúde melhor mais as condições

de trabalho nossa realmente até então nunca ficou boa. O trabalho como era

pra comunidade agente realmente fazia reuniões passava as informações

explicava pra comunidade o que é saúde, o que é a doença quais os

problemas que pode ser afetado na comunidade. O apoio é o ponto principal

porque o AIS hoje ele é uma das pessoas que realmente é ele que desenvolve

todo o seu trabalho no dia a dia tá fazendo as visitas tá informando pras

pessoas o dia da equipe a importância de tá indo ao posto e o apoio

realmente da equipe disciplinar junto com os órgãos do ministério da saúde,

que seja a prefeitura, que seja algum órgão que se responsabilize por tá

desenvolvendo esse trabalho de saúde, então as condições de trabalho do

AIS hoje ela não é tão boa ainda, apesar de não ser reconhecido ele tem

sofrido muito porque uns que tem que levar todas as informações pra equipe,

pois é impossível a equipe multidisciplinar só médico e a enfermeira ou

enfermeiro desenvolver um trabalho na comunidade qual ela que seja.

(OLIVEIRA, Jose da Lapa, 2017)”

6.4- A valorização do trabalho dos indígenas na saúde

O trabalho dos indígenas na saúde é muito importante e valorizado pela comunidade

por ele ser morador é conhecedor das dificuldades e lamentações de seu povo fazendo assim

um trabalho da melhor maneira possível como é dito por dona Isabel em suas falas e ela faz

uma comparação com o atendimento feito em outros lugares.

“O Agente de Saúde pra mim tá bem porque ele me presta atenção, se tiver

um remédio ele trais se não tiver ele mim procura: “ó Bezinha não, tem o

remédio, tem que comprar... como ele veio me avisar: “Bezinha o remédio

não tá teno na secretaria de saúde agora, tem que comprar, você quer a

receita ou eu fico com ela... mais é pra você pagar…” eu disse: “não tem

poblema deixa ai que eu pago, já fui a semana passada e comprei”, ele teve

ontem aqui me perguntou, eu disse o remédio tá ai, ele disse deixa eu ver o

remédio ele pediu o remédio... olhou e disse tá tudo bem e tá carinho o

remédio... eu quero que Deus abençoe uma melhora pra gente. Daqui pra

frente enquanto a gente tiver vivo só tem que pedir bem ou que chegue ou

não chegue né... Deus é quem sabe. Quando eu vou no posto de saúde, eles

me atende bem pode ser aqui pode ser em Cabrália, pode ser em Porto

Segur... agora Porto Seguro eu não gosto não pra falar a verdade em Porto

Seguro eu já sair de lá fugida, fugida não, eu xinguei e sair mandei tudo pra

porra mesmo, porque não guentei mais de tanta dor que eu tava, chegar lá

ficar o dia todo gente... rolando de dor e vem gente de lá pra cá dizendo o

horário de seu médico é tal hora, eu disse: eu não tenho conta com horário eu

tô aqui dentro e tô pagano, eu paguei menino... não é possível que fica agora

aqui esperano boa vontade do zôto, digo: “não eu vou embora”, ai falaram:

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“espera seu médico vai chegar”. Sete e meia já da noite que eu tinha chegado

lá cedo eu digo não vou ficar nessa porra não ai eu cheguei e disse mim dar

minha demissão, em casa eu bebo um chá de mato e vou dormir e pronto, aí

disse: “há não vai não vai” Eu disse: “vô, trais pra cá” empurrei a porta e fui,

vou ficar lá nada rapaiz, fazeno o quê. (Dona Isabel, 2017).

O trabalho das parteiras também continua sendo um trabalho muito importante como

vemos na fala de Auzinete:

Meu nome é Auzinete Vieira dos Santos tenho trinta e oito anos meus

primeiros filhos eu tive aqui na aldeia com as parteiras, os meus três

primeiros filhos foi com a parteira dona Izaura que ela já é falecida, mas foi

uma excelente parteira eu agradeço tanto a Deus primeiramente e segundo

ela que pegou meus primeiros filhos. Os outros eu tive com minha sogra

dona Izabel mais conhecida como Bezinha que também era parteira e com

minha mãe também parteira e três eu tive no hospital. (...) Quando a gente

começa a sentir as contração, as dores pra ter o bebê as parteiras já ficam ali

com a gente o tempo todo até ganhar se ficar um dia dois sentindo dor elas

ficam ali com você até ganhar, esperando a hora certa porque parto normal é

assim você tem que tá esperando. No hospital não é assim você toma um

remédio pra dor vim mais forte induzindo o nascimento do bebê e em casa

não você tem que esperar a hora que bem quiser nascer e a parteira ali junto

com você até vinte quatro horas se for preciso. (Auzinete, 2017)

6.5- Autonomia da comunidade, poder pensar e gerir a saúde

O cacique Moisés cita em suas falas a sua preocupação e desejo em ter dentro da sua

comunidade os profissionais necessários formados na área de saúde para que atenda os

parentes e que não haja necessidade de trazer os não indígenas para dentro da aldeia e com

eles seus costumes.

Então pouca coisa mudou nessa questão da saúde temos hoje né quer dizer na

aldeia já tem agente de saúde tem o conselho de saúde então mais o nosso

sonho é que dentro da própria comunidade né tenha essas próprias pessoas

que possa tá fazendo esse atendimento né pra a gente não ficar toda vida

dependendo dos outros de fora né. (Cacique Moises, 2017)

O trabalho das parteiras também faz com que as mulheres tenham um

acompanhamento mais de perto e exclusivo, sendo que é para cada mulher uma parteira que

atende e não atende outras ao mesmo tempo, como é no hospital.

Na minha opinião os partos em casa com as parteiras é melhor do que no

hospital com os médicos brancos, porque você tem uma atenção maior, é

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mais cuidada, as parteira fica o tempo todo com a gente esperando a hora

que o bebê quer vim ao mundo então assim eu acho melhor o parto em casa.

E quando a gente está sentindo a dor (as contrações) as parteiras dão um

banho de remédio pra a dor vim mais rápido e dá uma massagem também,

quando a gente ganha o bebê que demora de despachar o resto do parto (a

placenta) a parteira faz uma simpatia, massagem e no hospital eles não faz

isso. Depois que a gente ganha o bebê as parteiras dão massagem com

remédio e ficam três dias fazendo visita e dano massagem pra se recuperar

mais rápido. (Auzinete, 2017)

Ao ouvir os relatos da Auzinete pude lembrar da experiência que também tive dos

banhos que tomamos ao começar sentir as dores do parto é algo impressionante porque ao se

tomar esse banho de imediato as contrações aumentam e a criança logo se apressa a nascer

tendo assim um parto rápido e sem dores prolongadas. Algumas das folhas utilizadas para

esses banhos são de: mamão macho, cana, algodão, e outros. Já para as massagens usamos:

folhas de alfazema, óleo de amêndoas, artimijo, entre outros. As fotos que seguem abaixo

foram registradas por mim:

Figura 3: Pé de mamão macho

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Figura 4: Pé-de-Cana

Figura 5: Galho de Alfazema

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Figura 6: Pé de Artimijo

Figura 7: Pé de algodão

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6.6- Dificuldades no atendimento - Carro, transporte

Por estarmos a nove quilômetros do povoado de Santo Antônio e mais oito

quilômetros para chegar ao hospital mais próximo dependemos de um transporte na

comunidade e não estamos tendo e de acordo com as falas dos entrevistados quando é

colocado um carro não demora nada e é retirado deixando a comunidade com dificuldades em

atendimentos como procedimentos de exames e acompanhamentos.

Tava muito bem mais arruinou tudo... nem que não fosse sentindo nada, nem

que não fosse ter nada, mais você chegava e falava “ô Vanderlei me leva ali,

eu tô sentindo uma dor de barriga... ele botava no carro e levava, né” porque

tinha o carro da saúde e agora não tem… você tem que fazer um chá e beber

pra sarar a dor de barriga porque não tem médico, o médico quando chega

aqui só procura remédio pra verme… rapaiz que é isso… a gente só tem

verme? Gente... nois não come açúcar todo dia não. E agora pra frente

ninguém sabe o que Deus vai ver, o que vai acontecer com nois, com esse

negócio de carro de saúde... se vai ter ou não, ou se a gente vai ficar bestano

até um tempo que ninguém tá sabeno se vai vim carro pra gente, né? Estão

bulutano aí, pelejano, pra ver se vai acontecer ou não né porque é ruim

dimais a pessoa sem um transporte... que né... uma hora ou outra a pessoa

passa mal sem nem poder sair, ser carregado pelo zôto... cadê, você não tem

um carro... como é que você me leva, não é? Tá ruim de mais, tem que dar

providencia nisso pra procurar providência boa pra gente viu, oitenta e dois

anos já tenho na cacunda... eu vou daqui, ali... de pé? Quem falou? Eu vou

daqui ali na casa da vizinha, já tô voltano pra casa, que não tô aguentano e

nem podeno andar, mais eu vou sair daqui com uma dor de cabeça, uma dor

de barriga pra mode eu eu ir pra Santo Antônio...ali, posto de saúde? Quem

falou que eu vou lá...vou nada: eu é daqui pra minha casa... somente, é

procurar providência pra funcionar né porque nois não pode ficar parado não

é não? (Dona Isabel, 2017)

É transporte as vezes quando chega um transporte não fica nem dois anos

dentro da comunidade vai e tira a comunidade fica ai muito tempo sem quase

um ano sem transporte dentro da comunidade. (Cacique Moises, 2017)

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Figura 8 e 9: Tentando desatolar o carro da SESAI

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6.7- Mudança da FUNASA para a SESAI

De acordo com as falas do Agente de Saúde e do cacique Moisés a mudança da

FUNASA para a SESAI foi muito desastrosa e insatisfatória porque quando éramos assistidos

pela FUNASA era bem melhor tanto no atendimento quanto nos serviços e até mesmo

transporte e hoje tudo é mais difícil com a SESAI à frente das decisões pois falta muita coisa

como medicamentos, transporte entre outras coisas.

Tem aí no caso a SESAI que no caso hoje se diz o órgão responsável pelos

índios que não tá nem aí pro índio existe mesmo só por existir então a

mudança mesmo né nada ele só muda de nome FUNASA hoje SESAI

Secretaria Especial de Saúde Indígena né realmente é especial mesmo onde

nós não temos nada algumas pessoas que precisam mesmo de atendimento

sempre é deixada de lado então poucas coisas foram feitas durante ai esses

dez anos que a gente vem batalhando pela saúde de Mata Medonha pouca

coisa é um avançozinho né uns avanço vai tendo aos poucos mais a gente vê

que chega um ponto que ela dá uma caída né ela cai bastante. (Cacique

Moises, 2017)

Então transporte na aldeia não tem atualmente não tem, tem o órgão que se

diz competente que poderia está cuidando do índio não tá nem ai não quer

saber se o índio tá doente ou não, não quer saber se o índio está precisando

do carro dentro da aldeia ou não, pra eles o índio é só uma massa de

manobra pra eles fazer o que bem quer, então assim a SESAI mesmo né é

um órgão que tá deixando a comunidade a desejar não tem carro não tem

nada, então assim é o índio cada um por si então a gente precisa, precisa de

transporte médico que faça um atendimento adequado na comunidade. Hoje

a saúde precisa melhorar porque sem a saúde nós, ninguém vive sem a saúde

precisamos, quando um índio faz um exame o índio precisa do remédio

entendeu não traz o medicamento, quando traz o índio já morreu entendeu

então pra mim mesmo a saúde ela precisa melhorar pelo menos aí cinquenta

por cento porque pela SESAI mesmo né Mata Medonha está deixada de lado

então a saúde é tudo para o nosso povo é se fosse pra gente viver sem saúde

sem ter acesso a nada isso ficou no passado onde muitas lideranças que que

já morreram né morreu praticamente as minguas, lutaram tanto pela

comunidade e foram abandonados por parte da SESAI né foram lideranças

que lutou tanto pra vim demarcar território, saúde, educação e outras coisas e

o mais importante foi a saúde deles a SESAI não se responsabilizou com o

dever dela então até hoje a aldeia ainda encontra assim nessas condições

feias horrível para o nosso povo. (Cacique Moises, 2017)

Eu sou Vanderlei eu sou Agente Indígena de Saúde de Mata Medonha, as

mudanças que teve na saúde indígena era que antes era a FUNAI que

cuidava dos índios quando o índio adoecia pegava o índio levava pra fora da

aldeia cuidava do índio fazia todos tratamento que fosse preciso ai foi

acabando isso, foi mudando pra FUNASA que continuou ainda essa rotina

com os índios depois foi se acabano, foi pra SESAI ai que acabou de

bagunçar tudo pro nosso povo indígena, hoje pra chegar um remédio aqui na

aldeia dá a maior dificuldade e como eu falei antes a FUNAI pegava o índio

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levava pra fora e hoje pra transferir um índio de um hospital pra outro é uma

maior briga. E logo quando teve a mudança da FUNASA pra SESAI é que

ficou bastante difícil mesmo porque a SESAI não teve competência de tá

acompanhando uns casos que teve aqui na comunidade foi que acabou

levando a óbito oito pacientes um que foi seu Pedro Benfica que morreu de

problemas do coração, meu avô Álvaro Brito que também foi problemas do

coração, seu Israel de Souza e outros que a SESAI deixou a desejar.

(FERREIRA, Vanderlei, 2017)

6.8- Pouco compromisso dos médicos e das enfermeiras, diferente das parteiras que

ficam na casa das pessoas, diferente dos agentes de saúde que fazem parte da

comunidade, etc.

Nas falas a seguir aparecerão relatos tanto do cacique quanto do agente de saúde de

revolta pela situação que se encontra a saúde indígena em sua comunidade, o descaso que

levou vários índios a morte e a necessidade do próprio agente de saúde socorrer pacientes,

isso é uma vergonha para nossos representantes. Diferentemente, as parteiras não deixa de dar

assistência desde a gravidez até o momento em que a criança nasce está presente sempre.

Praticamente quase nada... poucas coisas mudaram na saúde indígena

mesmo né, quando assim se fala na saúde indígena na aldeia pouca coisa

mudou né então estamos vivendo ainda o que a gente vivia quase a dez anos

atrás né as vezes vem médico por exemplo vem médico uma semana em um

mês falta dois, três vem duas vezes num mês falta ai três meses sem vim

então pouca coisa né por exemplo outra coisa no caso o índio faz uma

consulta no médico e pra pegar um remédio as vez quando chega o índio já

já morreu. (Cacique Moises, 2017)

Pra mim como é a saúde na aldeia hoje? Pra mim falar da saúde de Mata

Medonha hoje é é triste né triste porque falar da nossa realidade, nossa

realidade nosso povo hoje está deixado de lado quer dizer a saúde de Mata

Medonha nunca foi lá essas coisas teve algumas melhorias, mais aos poucos,

a saúde hoje na aldeia ela se encontra na UTI porque não mudou nada nosso

povo ainda continua necessitando, necessita da saúde, de um atendimento de

saúde adequado as vezes vem uma equipe médica médico e enfermeiras

chega onze horas do dia, da manhã muitas vezes quando dá uma hora duas

horas já está voltando pra cidade então assim muitos indígenas muitas vezes

fica até sem atendimento às vezes quando chega uma vacina dentro da

comunidade é um maior sacrifício. (Cacique Moises, 2017)

Hoje mesmo na aldeia a gente não tem transporte pra tá na comunidade e

não tem pra tá trazendo a equipe direto traz duas vezes na semana e passa

dez quinze dias pra trazer duas vezes. Meu trabalho eu faço diariamente eu

faço visitas domiciliar, peso as crianças que é uma balança só pro posto eu

tenho que convidar os pais pra levar as crianças no posto pra pesar que não

tem como eu carregar essa balança, e na falta de transporte, pra poder tá

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marcando exames da comunidade eu saio com o meu veículo eu coloco o

combustível do meu próprio bolso pra tá ajudando a comunidade, quando a

gente consegue marcar um ou dois exames não tem transporte porque a

SESAI não tem o município muito menos então a saúde do índio hoje tá

bastante difícil, as vezes na falta de transporte os pacientes chega até mim

pra que eu preste um socorro como eu já fiz várias vezes porque eu como

comunidade eu presto esse socorro pra esse paciente porque aqui na aldeia é

difícil o acesso e a ambulância nem todas as vezes consegue entrar aí eu dou

um jeito de pegar o paciente e levo até onde for possível um carro pegar o

paciente. (FERREIRA, Vanderlei, 2017)

6.9- Estrutura da unidade de saúde

Não há uma estrutura suficiente para um bom atendimento aos pacientes da

comunidade e falta muita coisa como equipamentos, aparelhos entre outros e só temos

promessas que vai chegar e nada, medicamentos nem sempre tem deixando os pacientes na

espera e segundo falas do agente de saúde ele é que sai a procura desses remédios nos postos

mais próximos e nem sempre encontra e assim muitos pacientes acaba tendo que comprar

esses remédios.

A única coisa que mudou mesmo dentro da comunidade acho que só a

questão mesmo do lugar né o posto de saúde né que deu uma reforma uma

reformazinha ainda não o suficiente também que atenda a comunidade.

(Cacique Moises, 2017)

O nosso posto de saúde antes era bem difícil pra gente tá trabalhando pra

equipe tá trabalhando que quando chovia molhava, tinha bastante fezes de

morcego, as portas mesmo cheia de cupim, que não era um lugar adequado

pra equipe tá trabalhando na aldeia, hoje já tem um ano e pouco que esse

posto foi reformado melhorou um pouco as condições do posto mas na

questão pra gente tá fazendo o atendimento mesmo ainda tá meio com

dificuldade, há falta de medicamento no posto que quando o índio faz a

consulta o médico faz a receita não tem o remédio pra pessoa tá tomando pra

curar e isso acaba dificultano o trabalho da equipe, eu pego a receita levo em

outro posto quando tem eu pego esses medicamentos e vou nas casas

entregar aos pacientes. (FERREIRA, Vanderlei, 2017)

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Figura 10 e 11: Posto de saúde antes da reforma

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Figura 12 e 13: Posto de saúde depois da reforma

7- Minhas percepções sobre a saúde na Aldeia Mata Medonha

Na minha opinião a saúde indígena está cada vez pior pois os órgãos responsáveis são

os primeiros a virar as costas para nós, quando eles deveriam ser os primeiros a nos dar apoio

segurança principalmente no que diz respeito aos medicamentos e consultas. Quantos mais

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deverão morrer nos corredores dos hospitais, nas estradas a caminho de um socorro ou até

mesmo em suas cabanas para que sejam atendidas as nossas demandas?

Muitos dos problemas que temos em questão da saúde foi provocada pelo proibimento

dos não indígenas que aos poucos foram entrando em nosso território e impondo a nós os seus

costumes através de ameaças de contaminações e outras situações que foram convencendo os

índios a usarem seus tipos de conhecimentos. Por exemplo: quando a mulher engravidava não

era preciso ir ao médico fazer o pré-natal, porque o acompanhamento era feito pelas parteiras

que tinha o conhecimento para aquela situação. Já hoje é imposto que toda mulher que

engravida tem que fazer o pré-natal porque se não os hospitais se recusam a fazer o

atendimento só por falta de um simples papel. Outro exemplo é a lavagem de alguém que está

com a barriga enxada por não está defecando. Antes não era preciso ir ao médico pois temos

os nossos próprios procedimentos naturais que fazem efeito imediato mas muitos de nossos

pajés foram praticamente proibidos de continuar com esses tipos de tratamento, sendo os

índios induzidos a ir a um médico para se submeter aos tratamentos não tradicionais.

Tudo isso só nos deixa cada vez mais dependentes de um sistema que não atende da

forma que deveria, induzindo a um adormecimento dos tratamentos tradicionais. Muitos

desses conhecimentos estão até mesmo deixando de ser passados para as novas gerações por

não poderem mais serem utilizados. Assim os nossos anciões levam com eles todos os

conhecimentos que até hoje poderiam ser usados evitando várias situações desagradáveis

como ficar em uma sala de espera por várias e várias horas ou até mesmo um dia inteiro

esperando por atendimento e muitas vezes voltando pra casa com o mesmo sintoma e outros

ou até mesmo morrendo nos braços de familiares por não ter recebido logo o atendimento.

Hoje ainda tenho um pouco do conhecimento do meu povo sobre os tratamentos

tradicionais mas me preocupo de como será para as novas gerações. Penso que daqui há uns

dez anos não poderão ter esse conhecimento riquíssimo que tanto pode ajudar, num momento

de dor, em um ferimento, um inchaço e outras situações capazes de melhorarem pelos

cuidados adquiridos com as antigas gerações.

Lembro-me de relatos do seu Álvaro Brito, um ancião da aldeia já falecido, mais

conhecido como seu Domingo, que expressava tristeza e insatisfação por não ter mais aqueles

momentos de antes em que os jovens e crianças sentavam ao redor dos mais velhos para

aprender o que eles tinham para ensinar sobre a cultura, tratamentos tradicionais, até mesmo

com relação ao que poderia ou não ser feito ao construir uma família. Ele era nosso pajé mais

velho, era quem rezava as pessoas de olhado, espinhela caída e passava os banhos que deveria

ser dado nas crianças ou até mesmo nos adultos.

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8- Considerações finais

No meu trabalho falei um pouco sobre as mudanças que foram acontecendo na aldeia

Mata Medonha com relação ao atendimento tradicional e não tradicional aos cuidados da

saúde. Falo um pouco sobre as opiniões de moradores mais antigos da aldeia que contam suas

experiências, insatisfações sobre o atendimento não tradicional e tristezas por não ter mais

tanta autonomia sobre suas tradições que vem de gerações. Eles também contam como eram

feitos alguns procedimentos tradicionais e as dificuldades do agente de saúde indígena para

cumprir com seu trabalho por não ter suporte suficiente dos órgãos responsáveis. Contei um

pouco da história de como foi a demarcação do território quem participou e como era a

situação do local onde hoje é a aldeia, no início de tudo.

Eu realizei entrevistas em áudios, em seguida transcrevi todas e daí então fui

organizando elas em seus devidos lugares, ou seja, em temas ligados a opinião deles sobre o

cuidado à saúde na aldeia: a saúde em Mata medonha antes do sistema público de saúde; As

mudanças que ocorreram na saúde; O desenvolvimento da saúde hoje, destacando os

principais problemas por eles apontados. Tirei fotos dos entrevistados, do local e consegui

algumas que tinha relação com o que foi falado nas entrevistas. Fiz a leitura do trabalho de

Moisés que foi o primeiro a se formar no FIEI da aldeia na UFMG.

Aprendi muito com tudo que pesquisei e pude perceber que apesar da precariedade

que era antes das mudanças ocorridas nos serviços de cuidado e atenção à saúde, os

moradores da aldeia Mata Medonha eram mais saudáveis e viviam com menor índice de

virose. Percebi que em muitos casos conseguiam se virar sozinhos devidos aos conhecimentos

adquiridos dos mais velhos que por sua vez ensinava o que sabiam sobre a medicina

tradicional com o objetivo de que chegassem a futuras gerações. Vi que no decorrer do tempo

foram chegando as tecnologias, a infraestrutura, a unidade de saúde mas com tudo isso

também vieram as consequências que foram os adormecimentos das práticas tradicionais, e

hoje lutamos para reviver em nosso povo essa tradição que nos fez tão bem.

Acredito que ainda há muito a se fazer, a minha pesquisa é apenas um início pois eu

espero que outros estudantes da aldeia também sintam a curiosidade de entender pelo menos

um pouco de como eram os cuidados com a nossa saúde, de como está funcionando hoje e de

como provavelmente estará no futuro. O meu trabalho não irá terminar aqui continuarei

fazendo minhas pesquisas e acompanhando toda essa trajetória levando para os meus alunos

da aldeia as informações necessárias para que eles entendam possíveis situações que venham

acontecer.

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9- Bibliografia:

OLIVEIRA, Moisés Ferreira. História da Aldeia Mata Medonha. Faculdade de

Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 2016.

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Anexo 1 – Roteiro de Entrevista

1. Como era a saúde em Mata Medonha antes do sistema público de saúde?

2. Que mudanças que aconteceram na saúde nos últimos anos?

3. Para você como é a saúde na aldeia hoje?