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Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH
Departamento de Arqueologia
Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
AS PANELAS DE BARRO DE PERNAMBUCO – DO SÉCULO XIX
AO XXI
Herbert Moura Rego
Orientador: Scott Joseph Allen, Ph.D.
Recife
2013
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH
Departamento de Arqueologia
Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
AS PANELAS DE BARRO DE PERNAMBUCO – DO SÉCULO XIX
AO XXI
Herbert Moura Rego
Orientador: Scott Joseph Allen, Ph.D.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Arqueologia, da Universidade
Federal de Pernambuco, para qualificação.
Linha de pesquisa: “Diásporas, Contatos e
Mudança Cultural”.
Recife
Julho de 2013
Catalogação na fonte
Bibliotecário, Divonete Tenório Ferraz Gominho CRB4-985
R343p Rego, Herbert Moura. As panelas de barro de Pernambuco – do século XIX ao XXI / Herbert Moura Rego. – Recife: O autor, 2013.
196 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Scott Joseph Allen. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,
CFCH. Programa de Pós-graduação em Arqueologia, 2013. Inclui referência.
1. Arqueologia. 2. Arqueologia histórica. 3. Panelas barro. 4. Hábitos Alimentares. I. Allen,, Scott Joseph. (Orientador). II. Título.
930.1 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2013-103)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
ATA DA DEFESA DA DISSERTAÇÃO DO ALUNO HERBERT MOURA REGO
Às 9 horas do dia 29 (vinte e nove) de julho de 2013 (dois mil e treze), no Curso de Mestrado em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, a Comissão Examinadora da Dissertação para obtenção do grau de Mestre apresentada pelo aluno Herbert Moura Rego intitulada “As Panelas de Barro de Pernambuco – do século XIX ao XXI”, sob a orientação do Prof. Dr. Scott Joseph Allen, em ato público, após arguição feita de acordo com o Regimento do referido Curso, decidiu conceder ao mesmo o conceito “Aprovado”, em resultado à atribuição dos conceitos dos professores: Bartira Ferraz Barbosa, Cláudia Alves de Oliveira e Fernando Antônio Guerra de Souza. Assinam também a presente ata, a Coordenadora, Profa. Anne-Marie Pessis e a secretária Luciane Costa Borba para os devidos efeitos legais.
Recife, 29 de julho de 2013
Profa Dra. Bartira Ferraz Barbosa
Profa Dra. Cláudia Alves de Oliveira
Prof. Dr. Fernando Antônio Guerra de Souza
Profa Dra. Anne-Marie Pessis
Luciane Costa Borba
“Só os tolos acreditam que panelas contêm
apenas ingredientes e temperos”
(Bruno Albertim)
AGRADECIMENTOS
Gostaria de iniciar este momento dizendo um “muito obrigado” a todas as pessoas
que, por ventura, eu tenha me esquecido de mencionar abaixo, e aquelas outras que
depositaram confiança e energia em mim sem que eu nem ao menos saiba quem são. Mas
mesmo eu não sabendo quem é de fato, sei que você deve estar lendo isto, e eu gostaria que
você soubesse que eu senti toda a energia depositada e toda confiança, e saiba que pretendo
não te decepcionar.
Agradeço ao meu orientador Scott Allen (conhecido por todos como “o professor”),
que apesar de tudo, sempre confiou em mim, que além de todas as ideias e reflexões que me
deixou “roubar” para desenvolver esta pesquisa, mostrou-se ser um grande amigo e um bom
apreciador de vinhos.
Quero deixar claro que fiquei muito orgulhoso e realizado em ter sido bolsista da
CAPES e feito parte do Programa de Pós-graduação em Arqueologia da UFPE, de ter
frequentado o tão popular décimo andar e lá ter feito amigos.
Aos meus amigos de turma, que tanto me ajudaram durante as disciplinas, nas
conversas corriqueiras, e até mesmo em bebedeiras: Nilo, Rose, Pâmara, Sarah e
especialmente Allysson Allanico e Dani, que além de grandes amigos, foram também
incentivadores em todos os momentos, sendo Dani minha mapera.
Por falar em amigos, agradeço aqueles que não são da minha turma, mas são como se
fosse: Alencar, Carol Sá, Greg, LaVoy, Rutinha e principalmente a Tainã Moura, que foi
fundamental em todos os momentos dessa pesquisa, com seu apoio incondicional e tudo que
fez para este trabalho, sendo praticamente uma co-autora.
E sobre amigos quase co-autores, existem muitos, sendo cada um muito especial,
como Lucios Trimegistros, Jarinha, Carol (morena), Rayanne, Gisele, Jessi, Wesley,
Jamersson, Ana Catarina, Wandson, Camila, Rebeka, e o nosso borrifador, Ilana, Marta,
Xandinho, Dex, Erik, Wellington, além das demais pessoas da primeira e segunda turma de
graduação em arqueologia da UFPE, que participaram das escavações do Engenho Monjope.
Não poderia deixar de agradecer as pessoas que foram a própria pesquisa, como a
senhora Nélia das Panelas, ao mestre Zé Galego e a seu pai in memorian, a louceira Dé, ao
também mestre Da Hora e a Marinalva, que ela consiga ter mais paz em sua vida para que
suas palavras não tenham mais dor nem apenas esperança.
Agradeço também ao NEA e a todos que o fazem, aos amigos do LAPEH, a Luciane,
a Nelson (saiba que estou sem débitos), a todos os docentes da pós graduação em arqueologia,
e a Iago e Marluce que me introduziram no mundo da arqueologia.
Um muito obrigado aos meus velhos galados(as) amigos, entre eles Khadja, Martin,
Iracuru (é a maaaaassa), Piolho, Nazário, Alienx e família Xtreme, e Williana.
E especialmente a Erasmo, Lucineria e Krys, a minha família.
RESUMO
As pesquisas na Arqueologia Histórica Brasileira sobre Panelas de Barro estão
direcionadas para associação deste utensílio a grupos específicos. Alguns destes
trabalhos justificaram o padrão destas Panelas de Barro a aspectos ligados a resistência
dos grupos que confeccionaram aquelas cerâmicas. Parto de um ponto de vista diferente,
ao perceber que pessoas de diversos grupos fabricavam, comercializavam e utilizavam
estas Panelas de Barro, como fazem ainda hoje, busquei respostas para o padrão
apresentado por estas cerâmicas através da análise das sequências operatórias, sob a
perspectiva dos hábitos alimentares. Busquei na análise artefatual de Panelas de Barro
oriundas de escavação do Engenho Monjope, em relatórios técnicos de pesquisas
arqueológica realizados em Pernambuco, em documentação histórica e em centros
produtores de cerâmica atualmente dados que pudessem contrastar minha hipótese. Este
estudo reconheceu quais são os tipos de utensílios que formam este padrão e verificou
que os hábitos alimentares estão determinando as operações essenciais das Panelas de
Barro através da memória gustativa dos agentes sociais que participam da trajetória
destas cerâmicas.
Palavras-chave: Arqueologia Histórica. Panelas de Barro. Hábitos Alimentares.
ABSTRACT
Research in Historical Archaeology Brazilian about Clay Pots are directed to implement
the association of specific groups. Some of these works justified the pattern of these clay
pots to aspects of the resistance groups who confected those ceramics. Birth of a
different point of view, realizing that people from different groups manufactured,
marketed and used these pots Clay, and still do, I sought answers to the pattern shown
by these ceramics through the analysis of operative sequences, from the perspective of
foodways. Sought in the analysis of Clay Pots from archaeology site, called Monjope,
aspects referring to: ingenuity, technical reports conducted archaeological research in
Pernambuco, in historical documentation and ceramic production centers currently data
that could contrast my hypothesis. The study acknowledged what are the types of vessels
that make up this standard and found that foodways are determining the essential
operations of Clay Pots by foodways memory of social agents who participate in the
trajectory of these ceramics.
Keywords: Historical Archaeology, Clay Pots, Foodways.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Um tripé da alimentação Brasileira. ..................................................................... 39
Figura 2: Ilustração que representa o processo de formação da memória gustativa através
da alimentação e como as Panelas de Barro estão inseridas neste processo . .................. 44
Figura 3: Organograma que representa os meios de pesquisa. ........................................... 46
Figura 4: Pirâmide estrutural sincrônica referente à temática da pesquisa e as áreas abordadas.
.................................................................................................................................................. 62
Figura 5: Área total do sítio Monjope com o setor alvo do estudo proposto destacado.. 63
Figura 6: Planta baixa Engenho Monjope. ........................................................................... 65
Figura 7: Uso do Fluxgate Gradiometer e do GEOSCAN RM-15D Resistivity Meter
(respectivamente). ................................................................................................................... 68
Figura 8: Unidades demarcadas............................................................................................. 69
Figura 9: Representação hipotética de uma unidade escavada, com destaque para as
diferentes decapagens através das Camadas. ....................................................................... 69
Figura 10: Fragmentos de borda e reconstituição do tipo “A”, encontrado em escavações
do Engenho Monjope.. ........................................................................................................... 75
Figura 11 Fragmento de borda do tipo “B”, desenhada e reconstituição . ......................... 76
Figura 12: Reconstituição de Panela de Barro tipo “C”, encontrada em escavações do
Engenho Monjope. .................................................................................................................. 76
Figura 13: Fragmento de borda tipo “D”, foto e reconstituição.. ....................................... 77
Figura 14: Fragmentos de bordas e reconstituição de Panela de Barro pertencente à
categoria “E”. .......................................................................................................................... 77
Figura 15: Fragmentos de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “F”. ........ 78
Figura 16: Fragmento de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “G”. ......... 78
Figura 17: Fragmento de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “H". ........... 79
Figura 18: Fragmentos de Panelas de Barro do tipo “A”, com detalhe para manchas de
fuligem externa. ...................................................................................................................... 81
Figura 19: Vista da parte interior dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro
tipo “A”, com ausência de manchas internas em detalhe. ................................................... 81
Figura 20: Fragmentos de Panelas de Barro do tipo “F” com fuligem externa. .............. 82
Figura 21: Vista da parte interior dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro do
tipo “F”, com esfumarado interno em detalhe. .................................................................... 82
Figura 22: Panela de Barro do tipo “H”, com esfumarado externo em detalhe. .............. 83
Figura 23: Vista interna dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro do tipo
“H”, com esfumarado interno em detalhe............................................................................. 83
Figura 24: Jogar Capoeira: ou Danse de la Guerre. Detalhe destacado com a Panela de
Barro em evidência. ................................................................................................................. 92
Figura 25:Famille de planteurs (família de agricultores). Detalhe destacado com as Panelas
de Barro em evidência. ............................................................................................................. 93
Figura 26: Vendedor de cerâmica do Recife. Detalhe destacado com a Panela de Barro em
evidência. .................................................................................................................................. 94
Figura 27: Grupo de negros em frente à Igreja de São Gonçalo. Detalhe destacado com a
Panela de Barro em evidência. ................................................................................................ 95
Figura 28: Feira de Caruaru. Detalhe destacado com as Panelas de Barro em evidência ..... 96
Figura 29: Panela de Barro reconstituída, do tipo “A”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................... 97
Figura 30: Panela de Barro reconstituída, do tipo “B”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................... 97
Figura 31: Panela de Barro reconstituída, do tipo “C”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................... 98
Figura 32: Detalhe da gravura Famille de planteurs (à esquerda) com detalhe para uma
Panela de Barro reconstituída (à direita), do tipo “D”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................... 99
Figura 33: Detalhe da gravura Danse de La Guerre (à esquerda) com detalhe para uma Panela
de Barro reconstituída (à direita), do tipo “E”, oriunda de escavação do Engenho Monjope 100
Figura 34: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para
uma Panela de Barro reconstituída (à direita), do tipo “F”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................. 101
Figura 35: Panela de Barro reconstituída, do tipo “G”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................. 102
Figura 36: Panela de Barro reconstituída, do tipo “H”, oriunda de escavação do Engenho
Monjope .................................................................................................................................. 102
Figura 37: Detalhe da gravura intitulada “Famille de planteurs” (à esquerda) com detalhe para
uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “I” 103
Figura 38: Detalhe da gravura intitulada “Vendedor de Cerâmica do Recife” (à esquerda)
com detalhe para uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada
como do tipo “H” .................................................................................................................... 104
Figura 39: Detalhe da gravura intitulada “Grupo de negros em frente à Igreja de São
Gonçalo” (à esquerda) com detalhe para uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem,
que foi classificada como do tipo “K” .................................................................................... 105
Figura 40: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para
uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “L”105
Figura 41: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para
uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “M”
................................................................................................................................................ 106
Figura 42: Venta a Reziffé – Laurent Deroy (1797-1886). ................................................. 110
Figura 43: Vista do Pátio da Penha - Feira em Recife durante o século XIX. (Ano
XXXX). .................................................................................................................................. 110
Figura 44: Mapa com a localização de Caruaru-PE. ......................................................... 115
Figura 45: foto da feira de caruaru em 1955. ..................................................................... 119
Figura 46: Mapa do Alto do Moura com destaque para área de distribuição das Panelas
de Barro que são produzidas. .............................................................................................. 120
Figura 47: Mapa com a localização de Tracunhaém-PE. .................................................. 122
Figura 48: Mapa de Tracunhaém com destaque para área de distribuição das Panelas de
Barro que são produzidas. ................................................................................................... 125
Figura 49: Mapa com a localização de da aldeia dos Kariri-Xocó-AL. .......................... 128
Figura 50: Mapa da aldeia Kariri-Xocó com destaque para área de distribuição das
Panelas de Barro que são produzidas. ................................................................................ 130
Figura 51: Mapa com a localização da comunidade quilombola Muquém-AL. ............. 132
Figura 52: Mapa da Comunidade do Muquém com destaque para área de distribuição das
Panelas de Barro que são produzidas. ................................................................................ 134
Figura 53: Argila e antiplástico utilizado (areia de formigueiro) no Alto do Moura. .... 138
Figura 54: Argila e antiplástico utilizados em Tracunhaém. ............................................ 138
Figura 55: Lenhador que presta serviços no ateliê de Seu Da Hora. ............................... 139
Figura 56: Forneiro e: forno semi-fechado com utensílios já cozidos no Alto do Moura.)
................................................................................................................................................ 141
Figura 57: Oleiro de Tracunhaém. ...................................................................................... 142
Figura 58: Zé Galego desenvolvendo o acabamento dos utensílios................................. 142
Figura 59: coleta de barro realizada pela filha de Marinalva – Muquém. ....................... 143
Figura 60: Argila, antiplástico e toá (tauá) amarelado que são utilizados na aldeia
Kariri-Xocó. .......................................................................................................................... 144
Figura 61: Argila e antiplástico utilizados no Muquém. ................................................... 144
Figura 62: Abastecimento do forno por Marinalva – Muquém–AL. ............................... 145
Figura 63: Modelagem de Panelas de Barro por Marinalva – Muquém. ........................ 146
Figura 64: Detalhe de coração plástica das Panelas de Marinalva (com “M” de seu
nome). .................................................................................................................................... 147
Figura 65: Alguidar grande produzido em Tracunhaém. .................................................. 150
Figura 66: Cafeteira produzida na comunidade do Muquém. ................................................ 151
Figura 67: Copo vitrificado médio produzido no Alto do Moura. ......................................... 151
Figura 68: Cuscuzeira produzida na comunidade do Muquém. ............................................. 152
Figura 69: Fogareiro produzido em Tracunhaém. ................................................................. 153
Figura 70: Moringa produzida no Alto do Moura .................................................................. 154
Figura 71: Panela de Arroz grande, natural, produzida no Muquém ..................................... 154
Figura 72: Panela de Carne (Panela de Beiço) produzida na aldeia Kariri-Xocó ................. 155
Figura 73: Panela de Feijão produzida na comunidade do Muquém .................................... 156
Figura 74: Pote produzido na comunidade de Carrapicho. .................................................... 157
Figura 75: Pote produzido na aldeia Kariri-Xocó .................................................................. 158
Figura 76: Pote produzido na comunidade do Muquém ........................................................ 158
Figura 77: Tacho produzido na comunidade do Muquém ...................................................... 159
Figura 78: Travessa produzida no Alto do Moura ................................................................. 159
Figura 79: Tigela produzida em Tracunhaém ......................................................................... 160
Figura 80: Panelas de Barro do tipo “I” (à esquerda) e do tipo Cafeteira (á direita) ............ 163
Figura 81: Panelas de Barro do tipo “B” (à esquerda) e do tipo Fogareiro (á direita) ......... 164
Figura 82: Panelas de Barro do tipo “M” (à esquerda) e do tipo Moringa (á direita) ........... 164
Figura 83: Panelas de Barro do tipo “E” (à esquerda) e do tipo Panela de Arroz (á direita) 165
Figura 84: Panelas de Barro do tipo “G” (à esquerda) e do tipo Panela de Carne (á direita)
................................................................................................................................................ 166
Figura 85: Panelas de Barro do tipo “F” (à esquerda) e do tipo Panela de Feijão (á direita)
................................................................................................................................................ 167
Figura 86: Panelas de Barro do tipo “J” (à esquerda) e do tipo Pote de Carrapicho (á direita)
................................................................................................................................................ 168
Figura 87: Panelas de Barro do tipo “C” (à esquerda) e do tipo Pote de Kariri-Xocó (á
direita) ..................................................................................................................................... 169
Figura 88: Panelas de Barro do tipo “L” (à esquerda) e do tipo Pote de Muquém (á direita)
................................................................................................................................................ 170
Figura 89: Panelas de Barro do tipo “H” (à esquerda) e do tipo Tacho (á direita) ............... 170
Figura 90: Panelas de Barro do tipo “D” (à esquerda) e do tipo Tigela (á direita) ............... 171
LISTA DE TABELA
Tabela 1: Sítios arqueológicos em que as Panelas de Barro são mencionadas ................. 86
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Porcentagem de artefatos oriundos de escavações do Engenho Monjope
(2011) ....................................................................................................................................... 71
Gráfico 2: Frequência dos fragmentos cerâmicos e suas respectivas categorias. ............. 74
Gráfico 3: Quantidade de tipos de utensílios, a partir da quantidade de bordas, e as
referentes categorias a que pertencem. ................................................................................. 79
Gráfico 4: Percentual de manchas de uso dos fragmentos. ................................................. 80
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELA
LISTA DE GRÁFICOS
APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 17
CAPÍTULO 1: TERMOS E CONCEITOS ............................................................... 24
1.1 OS PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE PANELAS DE BARRO E O PERÍODO DE
FORMAÇÃO DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA BARSILEIRA. ............................................ 25
1.2 OS ATUAIS ESTUDOS SOBRE PANELAS DE BARRO E O SALTO
PARADIGMÁTICO DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA BRASILEIRA ................................. 28
1.3 A “VOZ ATIVA” DOS ARTEFATOS ............................................................................... 32
CAPÍTULO 2: ESTUDO DAS PANELAS DE BARRO ATRAVÉS DA CADEIA
ALIMENTAR ............................................................................................................ 36
2.1 A COZINHA E A CASA ..................................................................................................... 37
2.2 ESTRUTURA DA COZINHA ............................................................................................ 38
2.3 COZINHA E MEMÓRIA .................................................................................................... 40
CAPÍTULO 3: METODOLOGIA ............................................................................ 46
3.1 PESQUISA DOCUMENTAL .............................................................................................. 47
3.1.1 Iconografia ................................................................................................................... 47
3.1.2 Documentos Históricos Escritos .............................................................................. 49
3.1.3 Relatórios Técnicos de Pesquisa .............................................................................. 51
3.2 PESQUISA NOS CENTROS PRODUTORES ATUAIS .................................................. 52
3.2.1 Registro de produção ................................................................................................. 53
3.2.2 Entrevista ..................................................................................................................... 54
3.2.3 Análise de produção in situ ....................................................................................... 56
3.3 ANÁLISE DAS PANELAS DE BARRO ARQUEOLÓGICAS: O SÍTIO
ARQUEOLÓGICO ENGENHO MONJOPE ................................................................................. 57
3.3.1 Técnicas de Produção ................................................................................................ 58
3.3.2 Morfologia .................................................................................................................... 59
3.3.3 Manchas de uso ........................................................................................................... 60
CAPÍTULO 4: AS PANELAS DE BARRO DOS SÉCULOS XIX E XX. .................. 62
4.1 AS PANELAS DE BARRO DO ENGENHO MONJOPE ................................................... 63
4.1.1 Breve histórico do Engenho Monjope ..................................................................... 64
4.1.2 Escavação no Engenho Monjope (2011 - 2012) ..................................................... 67
4.1.3 Análise do Material Arqueológico do Engenho Monjope (Campanha 2011 -
2012). ........................................................................................................................................ 71
4.2 AS PANELAS DE BARRO NOS RELATÓRIOS TÉCNICOS DE PESQUISAS
ARQUEOLÓGICAS EM PERNAMBUCO ................................................................................... 85
4.2.1 Termos, conceitos e caracterização das Panelas de Barro nos relatórios de
pesquisa. ....................................................................................................................................... 88
4.3 AS PANELAS DE BARRO EM FOTOS E ILUSTRAÇÕES DE PERNAMBUCO (SÉC.
XIX e XX) ......................................................................................................................................... 91
4.4 O PADRÃO MORFOLÓGICO DAS PANELAS DE BARRO DOS SÉCULOS XIX E
XX. ................................................................................................................................................ 96
CAPÍTULO 5: A DISTRIBUIÇÃO DAS PANELAS DE BARRO, DO SÉCULO XIX
AO XXI ................................................................................................................... 108
5.1 AS PANELAS DE BARRO SUA DISTRIBUIÇÃO E LOCAIS DE PRODUÇÃO ....... 108
5.1.1 As origens das feiras livres: os espaços de distribuição de Panelas de Barro.109
5.1.2 Os principais centros produtores atuais e sua distribuição de Panelas de Barro
em Pernambuco. ....................................................................................................................... 114
CAPÍTULO 6: A FABRICAÇÃO DAS PANELAS DE BARRO NA
ATUALIDADE...................................................................... ................................. .. 136
6.1 A Fabricação Sofisticada e a Fabricação Rústica ........................................................ 136
6.1 O PADRÃO MORFOLÓGICO DAS PANELAS DE BARRO PRODUZIDAS
ATUALMENTE ............................................................................................................................. 147
CAPÍTULO 7: A PANELA DE BARRO E A COZINHA ........................................ 162
7.1 AS PANELAS DE BARRO ................................................................................................. 162
7.2 A COZINHA ....................................................................................................................... 172
7.2.1 A cozinha pernambucana ........................................................................................ 173
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................................................ 182
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 187
FONTES CITADAS ................................................................................................ 189
APRESENTAÇÃO
O início desta pesquisa se deu após um longo período de amadurecimento
intelectual e frustração de alguns outros anseios acadêmicos. Por um momento esta
pesquisa poderia ter se chamado “O Cotidiano Evidenciado, das Pessoas Escravizadas
do Engenho Monjope”, pois as reflexões que serão apresentadas nos capítulos que se
seguirão partiram da impossibilidade de interpretação dos fragmentos de cerâmica
oriundos da escavação do dito engenho.
Meu primeiro contato com as Panelas de Barro (conceito que será debatido a
diante) ocorreu durante as escavações arqueológicas neste engenho, que ocorreram entre
2011/12, referentes ao “Projeto Arqueológico Monjope”, que objetivou contribuir para
o conhecimento do cotidiano de pessoas que e moraram e/ou trabalharam no local, tal
como meu antigo tema de pesquisa.
O Engenho passou por 400 anos de intensa ocupação, tendo funcionado nos
primeiros momentos de atividade, por volta do ano de 1600, como Colégio Jesuíta e
engenho da Companhia dos Jesuítas. Logo após a expulsão e tomada das terras dos
jesuítas - entre 1759 e 1760 - o Monjope tornou-se um dos maiores produtores
pernambucanos de açúcar. No fim do período como ativo produtor de açúcar, em
aproximadamente 1940, foi intensamente transformado e passou a produzir
exclusivamente cachaça, denominada Monjopina. Por fim, no final de sua trajetória de
intensa atividade e circulação humana, funcionou como camping club, período entre
1962 e 1986, quando foi desapropriado e está, desde então, em processo de tombamento,
pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE).
Estes diversos períodos de ocupação humana no Engenho Monjope, culminaram
na distribuição de diversos artefatos, horizontal e verticalmente, por todo o sítio,
formando um contexto deposicional irregular e revolvido. Por essa característica,
qualquer interpretação sobre o cotidiano das pessoas que lá estiveram na condição de
escravos, se torna uma atividade extremamente delicada, pois, se há algum período que
esses pacotes estratigráficos possam ser associados sem dúvidas, está compreendido
entre parte do século XIX, até o final do século XX.
16
Dentre os materiais evidenciados em todas as camadas, foram as cerâmicas
utilitárias que apresentaram a mais expressiva quantidade em relação aos outros tipos
materiais. Esse dado contribui para constatação que a cerâmica é, provavelmente, o tipo
de material mais abundante nos sítios arqueológicos históricos no Brasil, como propôs
Symanski (2008).
Porém, mesmo sendo o tipo de fragmento mais recorrente da coleção de artefatos
desta escavação, a cerâmica utilitária não pôde acrescentar qualquer informação a
respeito das pessoas que trabalharam, moraram, ou apenas tiveram momentos de lazer
naquele engenho. Isso se deve a dois motivos: o contexto estratigráfico não permitia
associação imediata com nenhum período especifico de ocupação do engenho; e como já
havia frisado Allen (2013), no caso de Pernambuco, em arquivos documentais os
utensílios cerâmicos utilitários possuem poucas informações a respeito de preços, áreas
de produção, de trocas comerciais e usos. Portanto, entendo que antes de efetuar
qualquer interpretação através destas cerâmicas, seja com relação à organização social
do grupo, a resistência ou sobre qual seria o conceito mais apropriado para se referir a
esta, deveria além de efetuar uma rigorosa pesquisa documental, entender a própria
matéria, suas formas e funções, para ir além de explicações tipológicas reducionistas.
A cerâmica utilitária é o material mais abundante e provavelmente o mais
utilizado por pessoas de períodos anteriores - pelo menos até a proliferação de utensílios
que detém a mesma finalidade, mais baratos e industrializados – mas mesmo assim, não
existem muitos trabalhos sobre esse tema: por que as cerâmicas utilitárias históricas têm
chamado tão pouca atenção da maior parte dos pesquisadores?
Apesar do questionamento acima não ser o principal norteador desta pesquisa, ele
surgiu como motivador durante as atividades de levantamento bibliográfico, que tinha
como intuito obter dados que pudessem me levar ao esclarecimento sobre o material
cerâmico utilitário oriundo das escavações do Engenho Monjope. Foi neste momento da
pesquisa que fui encaminhando meus anseios para outras perspectivas, onde eu não
buscava mais, pelo menos até o momento, compreender o cotidiano das pessoas que
estiveram no Engenho Monjope na condição de escravos, mas sim, entender as Panelas
de Barro de Pernambuco que foram produzidas, comercializadas e utilizadas entre os
séculos XIX e XX.
INTRODUÇÃO
As Panelas de Barro são utensílios que me conquistaram a atenção desde o
problema que me deparei durante a análise do material de escavações do Engenho
Monjope, até os últimos instantes desta pesquisa. A plasticidade como elas são
manufaturadas em tornos ou manualmente, as histórias de vida de pessoas que
construíram famílias confeccionando e vendendo estas Panelas de Barro, as pessoas que
alimentam ou se alimentaram de “comidas com o gosto do barro” por que acham melhor,
entre outros motivos, as Panelas de Barro muito me encantam. O potencial de dados que
o estudo deste tipo de utensílio pode proporcionar foi algo que me fez também o
escolher para estudo. Aliás, é como se eu fosse escolhido para estudá-lo, como se já
estive pronto, só esperando uma assinatura, alguém que fizesse essa pesquisa, que já
parecia pronta como uma receita, pois desde muito tempo se falava na ausência de
pesquisas sobre estas Panelas de Barro. No ano de 1969, Borba Filho e Rodrigues,
autores do livro chamado “Cerâmica Popular no Nordeste”, já contavam:
Os estudiosos da cultura popular brasileira ainda não deram a
devida atenção à cerâmica. Não há pesquisas que procurem
metodizar, classificar, descrever os processos técnicos, os
aspectos estéticos, as motivações psicológicas, culturais etc. Êste
é um campo quase inteiramente deserto, um espaço vazio (...) no
Brasil, apenas a cerâmica indígena, arqueológica especialmente,
têm merecido estudos mais acurados (p.9).
Por mais que Borba Filho e Rodrigues tenham escrito estas palavras a mais de 40
(quarenta) anos, o cenário de pesquisas arqueológicas sobre Panelas de Barro parece
não ter mudado.
Durante a pesquisa bibliográfica, nos poucos trabalhos de estudos sobre Panelas
de Barro que foram desenvolvidos na Arqueologia Histórica Brasileira, percebi que os
pesquisadores atentaram para existência de padronização tanto morfológica, como nas
técnicas decorativas nas Panelas de Barro regionais, e foi esta padronização regional me
chamou atenção.
Ressalto que entendo padronização conforme Majewski e O’Brien (1987:174)
que afirmam que os padrões de conteúdo são determinados a partir do cálculo das
frequências, sejam essas baseadas em composição material, decoração, função ou valor.
A variabilidade das frequências, ou percentuais dos tipos definidos, podem ser
18
comparadas em um nível intra-sítio/inter-estruturas e inter-sítios, visando definir
regularidades ou divergências na formação dos padrões (SYMANSKI, 2008 p. 5).
A padronização das Panelas de Barro em âmbito regional já foi percebida tanto
em pesquisas realizadas no estado do Ceará, onde o arqueólogo Symanski (2008)
identificou que “nesta região do Ceará, a tradição da produção de cerâmica para uso
doméstico prossegue até a atualidade”. Como também no estado de Goiás, onde o
pesquisador Souza (2010), identificou na coleção de artefatos cerâmicos utilitários,
oriundos das escavações do arraial do Ouro Fino, que “o comportamento material
observado em Ouro Fino não esteve limitado a este sítio (...) Observa-se assim, a
existência de um padrão regional” (p.104).
Essa padronização regional foi percebida em outros lugares, e também foi
observada em Pernambuco, onde as primeiras pesquisas que atentam para este dado
foram realizadas pelas pesquisadoras Pessis e Martin (2005), responsáveis das
escavações no Baluarte Porta da Terra, localizado no Bairro do Recife Antigo (PE).
A cerâmica localizada no sítio, dada à peculiaridade do contexto
deposicional, pertence a períodos distintos, podendo estar
associada a um longo período, entre os séculos XVI e XX,
constituindo o material mais abundante. Cerca de 80% dos
fragmentos de cerâmica recuperados no Baluarte caracterizam-se
por uma coloração que cobre várias tonalidades de vermelho,
aparecendo em uma grande variedade de formas como panelas,
travessas, recipientes para água de pequeno e grande porte, tais
como potes. Vale ressaltar que grande parte desse material,
ainda está sendo produzido na atualidade1 (p. 21).
Mais recentemente, a pesquisadora Amaral (2012) analisou o conjunto de
artefatos cerâmicos oriundos dos sítios Tacaimbó 1 e Tacaimbó 2, localizados na região
do Agreste, e identificou que havia muita semelhança entre os artefatos evidenciados e
os utensílios que ainda hoje são produzidos, remetendo a uma manutenção o do padrão
observado.
A padronização da produção regional (...) pôde ser verificada
tanto no que diz respeito aos procedimentos e técnicas adotados
na manufatura da loiça, quanto às etapas empreendidas, às
matérias-primas empregadas e à própria organização da
produção. Observamos que há mais semelhanças do que
diferenças na tecnologia de produção da loiça entre as
comunidades apresentadas, especialmente quando refletimos
1 Aqui e no restante da dissertação, os grifos são meus.
19
sobre as escolhas tecnológicas empreendidas pelas loiceiras que,
em última instância, visam a obtenção de características de
performance análogas para as suas loiças de barro, independente
de comunidade em que estão inseridas (AMARAL, 2012: 241).
Partindo do pressuposto que as Panelas de Barro apresentam padrões específicos
de cada região, e percebendo, como apontaram Amaral (2012), Souza (2010), Symanski
(2008), Pessis e Martin (2005), entre outros, que estas mesmas características são
reproduzidas ainda hoje, esta pesquisa será direcionada na tentativa de compreensão
destas cerâmicas, sejam elas do século XIX, XX e XXI. Esse tipo de abordagem, sobre
um período tão recente como o atual, é possível, pois, entendo essas Panelas de Barro -
que não estão em subsolo, nem em sítios arqueológicos - como artefatos que “codificam
o tempo e a mudança no tempo” (BEAUDRY, COOK E MROZOWSKI, 2007 p. 77),
dessa forma considero-as artefatos e, portanto, objeto de estudo da arqueologia. Sendo
assim elas são o “problema” desta pesquisa, e a solução.
Os materiais arqueológicos, em sua maioria, apresentam alterações tipológicas,
morfológicas e decorativas num mesmo contexto que, “para o arqueólogo, constituem -se
em uma fonte de informações importante, na medida em que têm a virtude de permitir
interpretações sobre aspectos relevantes da formação brasileira, o que os coloca muito
além da verificação de idiossincrasias” (SOUZA, 2010. p.121). Todavia as Panelas de
Barro de sítios arqueológicos históricos de Pernambuco tem apresentado um padrão que
persiste até os dias atuais. De posse dessas informações, o desenvolvimento dessa
pesquisa busca esclarecer o seguinte questionamento: Porque os utensílios domésticos
cerâmicos utilitários (as Panelas de Barro), encontrados em sítios arqueológicos
históricos pernambucanos, tem apresentado padronização morfológica?
A fim de buscar respostas para meu questionamento, iniciei uma atividade de
investigação a respeito destes utensílios cerâmicos domésticos utilitários confeccionados
e utilizados em Pernambuco2
, para entendê-los em suas esferas de manufatura,
distribuição e utilização, conforme proposto por Rye (1981). Busquei informações em
artigos acadêmicos, relatórios de pesquisa, livros de receitas gastronômicas e livros
sobre hábitos alimentares como um todo, diários de viajantes, jornais de época, além de
visitas a centros produtores e locais de trocas comerciais que exercem esta atividade
2 É importante ressaltar que até o dia 16 de setembro de 1817 a comarca de Alagoas pertencia a Pernambuco.
20
atualmente, fazendo uma contrastação destes dados, com os dados obtidos a partir de
análises cerâmicas oriundas de sítios arqueológicos pernambucanos.
Já que as Panelas de Barro encontradas em contextos arqueológicos datados do
século XIX e início do século XX apresentam o mesmo padrão das que são produzidas
atualmente, entendo que este fator pode indicar algum tipo de manutenção cultural por
parte das pessoas que a produzem, ou consomem Panelas de Barro. Assim, reconheço
que há, pelo menos duas variáveis inerentes a este padrão: o limite do espaço onde estas
Panelas de Barro se encontram - o estado de Pernambuco - e os tipos de utensílios
observados, que são todos direcionados ao uso na esfera alimentar. Sendo assim acredito
que o entendimento das Panelas de Barro se dá através do reconhecimento da função
para a qual estes utensílios foram manufaturados. Portanto, me baseei na hipótese que
estas Panelas têm apresentado essa padronização, devido aos hábitos alimentares
de Pernambuco ter permanecido constantes, ou com poucas alterações, desde o
século XIX. Logo, se a Panelas de Barro são para cozinhar alimentos, em todas as
fases de sua sequência operacional (RYE, 1981) serão percebidos aspectos
associados a este fato.
Deste modo, se tornou evidente que para entender os porquês da produção e do
uso das Panelas de Barro de Pernambuco, era necessário pesquisar os processos de
manufatura nas áreas de produção e os processos de trocas comerciais destes produtos,
numa perspectiva secular. Além de entender como se deu a formação dos hábitos
alimentares de Pernambuco durante os séculos XIX, XX e XXI e a influência destes
hábitos na produção e consumo destas cerâmicas, através da decodificação da linguagem
que está implícita na cozinha regional, que podem ser percebidas com a análise das
sequências operatórias que envolvem as Panelas de Barro.
Partindo do pressuposto que os agentes sociais que viveram, confeccionaram e
utilizaram (que não são obrigatoriamente os mesmos) as Panelas de Barro em
Pernambuco, durante os séculos XIX, XX e XXI, possuem formas particulares de
interação com seus meios, entendo que o padrão explícito nas formas destas panelas tem
uma ligação direta com algum modo de expressão sociocultural coletivo, que deve ser
entendido através de uma perspectiva regional. Essa abordagem difere da maneira que
estão sendo articulados os trabalhos atualmente, que buscam respostas em casos
específicos, e destes partem para generalizações regionais.
21
Quando me deparei com o que vem sendo reproduzido em pesquisas sobre
Panelas de Barro (não só em Pernambuco) busquei uma forma alternativa para entender
o porquê de estas possuírem um padrão regional, que não seja por questões de
resistência ou identidade. Comecei então a refletir sobre qual seria o elo entre, cerâmicas
padronizadas regionalmente e os diversos grupos que habitam esta região, e percebi que,
por tratar-se de um utensílio que está associado à cozinha, e que todos estes agentes
sociais usufruem desta, de uma maneira relativamente padronizada - pois partilham de
uma memória gustativa construída regionalmente - considerei que as Panelas de Barro
de Pernambuco devem possuir padrões específicos conforme aspectos alimentares
regionalmente comuns.
Assim, busquei entender a articulação entre as Panelas de Barro, Hábitos
Alimentares Pernambucanos e os agentes sociais, procurando efetuar uma pesquisa
sobre Panelas de Barro que fosse além das análises tecnológicas: através dos estudos
sobre a cozinha Pernambucana.
Durante a fase de pesquisa sobre os Hábitos Alimentares, percebi que na maior
parte dos estudos realizados, em Pernambuco e no Brasil, foi dada atenção especial às
oposições existentes na cozinha. Dentre as oposições evidenciadas, foi observada a
dicotomia entre o natural e o artificial, que pode ser lido também como o cru e o
cozinhado, (LÉVI-STRAUSS, 1968).
A análise através destas oposições pode ser aplicada para compreensão do
processo de transformação dos elementos da natureza (ingredientes) em alimentos, assim
como na transformação do elemento da natureza (o barro) em utensílios domésticos (a
panela), pois ao compreender a Panela de Barro como parte integrante da estrutura da
cozinha, pode-se decodificar as dicotomias existentes, e assim compreender a função
delas, que acredito estar diretamente associada ao padrão que elas apresentam.
As Panelas de Barro fazem parte da cozinha, não apenas como utensílios, mas
como formadoras do gosto, que remete a memória. Partindo desse pressuposto, esta
pesquisa buscou atender dois objetivos principais: o de entender a formação da memória
gustativa regional para explicar o recorrente padrão das Panelas de Barro de
Pernambuco durante os séculos XIX, XX e XXI; e a compreensão do inverso, para
22
entender o motivo pelo qual os hábitos alimentares têm sofrido tão pouca alteração e se
o padrão observado nas Panelas de Barros tem influência neste processo.
Por meio de anseios que partiram da observação do registro arqueológico no qual
tanto respostas, como perguntas transcendem o sítio e o tempo, parto de estratos de
camadas culturais de unidades arqueológicas, passando para a esfera de uma região
inteira, com um corte cronológico que inicia no século XIX e chega ao XXI. Pesquisei
não apenas no registro arqueológico, mas subindo para cotas positivas e observando e
dialogando com informantes para entender a matéria, já que o problema que norteia esta
pesquisa é geograficamente amplo e temporalmente extenso.
Com a finalidade de atender aos objetivos e facilitar o entendimento das questões
propostas, esta dissertação se dividirá em sete capítulos, uma discussão dos resultados e
considerações. Estes sete capítulos estão conceitualmente divididos em dois atos. No
primeiro ato há os capítulos 1, 2 e 3, que já o segundo ato possui os capítulos 4, 5, 6 e7.
Durante a leitura do capítulo “Termos e Conceitos” pode-se perceber todo o
contexto teórico em que esta pesquisa está inserida, e qual a posição tomada, como
aconteceu a percepção do problema e parte dos dados que foram levantados durante as
atividades de campo, além de alguns questionamentos que foram gerados a partir de
então.
O segundo capítulo, intitulado “Estudo das Panelas de Barro através da Cadeia
Alimentar”, aborda estruturalmente a posição das Panelas de Barro e a relação destas
com a memória gustativa. É neste capítulo que explano a hipótese lançada e os
objetivos, esclarecendo como abordarei as Panelas de Barro através da cozinha e como
abordarei a cozinha através das panelas.
No capítulo intitulado “Metodologia”, explico as estratégias aplicadas durante a
pesquisa. Este capítulo pode ser compreendido como um tripé que sustenta a pesquisa e
subsidia os dados, consiste em: 1- Pesquisa documental, que faz uso de recursos da
História e almejou levantar informações sobre hábitos alimentares e Panelas de Barro
do século XIX até o século XX; 2- Através de observação e pesquisa oral busco
compreender as Panelas de Barro que foram produzidas entre o ultimo quartel do século
XX até a atualidade; 3- Análise do material cerâmico oriundo de escavações do Engenho
Monjope, que será utilizado tanto como fonte de dados sobre Panelas de Barro que
23
podem ser associados aos séculos XIX ou XX, como também será utilizada como fator
comparativo com os demais dados levantados. Este capítulo também pode ser visto com
um divisor na estrutura deste trabalho, ele separa os questionamentos conceituais dos
resultados obtidos durante a investigação.
No capítulo seguinte “As Panelas de Barro dos séculos XIX e XX”, é
demonstrado como ocorreram as escavações arqueológicas no Engenho Monjope,
projetando um paralelo entre as Panelas de Barro deste engenho, com as utensílios
cerâmicos de relatórios técnicos de pesquisa arqueológica e as Panelas de Barro em
documentos iconográficos, evidenciando o padrão deste tipo de utensílio para o contexto
pernambucano dos séculos XIX e XX e buscando identificar formas de fabricação desta.
A fim de identificar formas de circulação das Panelas de Barro, foi
desenvolvido, no capítulo 5 intitulado “A Distribuição das Panelas de Barro, do Século
XIX ao XXI”, uma pesquisa através de documentos históricos e uma pesquisa de campo
in loco a fim de identificar quem são os agentes sociais que participam desta etapa , e em
que condições acontece essa circulação. Como resultado, além de verificar o proposto,
pude identificar os principais locais de produção atualmente, e as formas destas
produções.
Durante o sexto capítulo, “A Fabricação das Panelas de Barro na Atualidade”, é
apresentada uma pesquisa que foi desenvolvida junto aos centros produtores de Panelas
de Barro de principal relevância, que foram identificados durante o capítulo 5. Através
de entrevistas e observações, resultou no reconhecimento do padrão das formas de
Panelas de Barro que são atualmente confeccionados, e na compreensão das motivações
dos paneleiros durante a produção.
Durante o capítulo intitulado “A Panela de Barro e a Cozinha”, foi exposta uma
análise comparativa entre os utensílios dos séculos XIX e XX, com estes que são
atualmente produzidos atualmente estabelecendo desta forma o padrão das Panelas de
Barro, e posterior a isto, foi exposto o resultado da pesquisa documental sobre os
hábitos alimentares, a fim de entender as formas de utilização destas Panelas de Barro.
CAPÍTULO 1
TERMOS E CONCEITOS
“Panelas de Barro” é o termo escolhido nesta dissertação para se referir a
utensílios cerâmicos utilitários domésticos confeccionados em âmbito regional ou local.
Com o uso deste termo, busco desenvolver uma referência entre o objeto e o seu uso,
além do fato deste termo já ser usual por parte da grande população produtora e
consumidora destes tipos de utensílios, sendo de conhecimento popular que os
ceramistas3 de alguns dos atuais centros produtores de Pernambuco e também Alagoas,
se reconhecem, e conhecem aqueles que produzem utensílios desta categoria, como
paneleiros.
Eles também utilizam o termo “panela” para generalizar os utensílios cerâmicos
utilitários domésticos além das panelas, estes utensílios são: moringas, cuscuzeiras,
fogareiros, alguidar, potes, tigelas e copos4. Estes materiais citados são os objetos de
estudo desta pesquisa, e quando o termo Panelas de Barro (em itálico) for usado, estarei
me referindo aos utensílios no geral. Mesmo fazendo uso de um termo não acadêmico,
entendo que, se já existe um termo para esta categoria de objetos, não me cabe, como
arqueólogo, criar novas terminologias.
Panelas de Barro é um termo amplamente conhecido e difundido nos centros
produtores de cerâmica utilitária em Pernambuco atualmente e que deveria ser mais
explorado academicamente, pois indica muita ação social e história. Entretanto há, em
arqueologia, uma tradição de estudos sobre as Panelas de Barro, com a adoção termos
variados, que também indicam uma história ou uma ação social por trás de um “simples”
nome. No sub tópico a seguir, vou explicar alguns destes termos, seu contexto teórico e
histórico e o motivo pelo eles não são adequados para esta pesquisa, mas sim, um termo
êmico.
3Aqueles que confeccionam cerâmica.
4 Estes termos são utilizados atualmente para designar formas dos utensílios cerâmicos utilitários.
25
1.1 OS PRIMEIROS ESTUDOS SOBRE PANELAS DE BARRO E O
PERÍODO DE FORMAÇÃO DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA BARSILEIRA.
As pesquisas sobre Panelas de Barro, têm se desenvolvido no campo da
Arqueologia Histórica. Esta pode ser compreendida de várias formas, mas é vista
comumente através das fontes que utiliza para desenvolvimento de suas pesquisas, como
a união de informações de fontes históricas documentais, com informações orais e
materiais. Entendo a Arqueologia Histórica conforme Deetz (1977), que a definiu como
o avanço de culturas europeias pelo mundo e seu impacto nas populações indígenas.
No Brasil, é entendida como uma disciplina que contempla o período entre os
primeiros contatos de grupos indígenas com os europeus, a partir do ano de 1500, até os
dias atuais. Symanski (2009) observou que a maior parte das pesquisas em Arqueologia
Histórica Brasileira, nos últimos vinte anos, são realizadas em igrejas, monastérios,
quilombos, unidades domésticas rurais e urbanas, povoados, sítios associados a
atividades de mineração, lixeiras coletivas urbanas, senzalas, cemitérios, estradas
coloniais e engenhos. Em todos esses estudos, a cerâmica em amplo sentido (faiança,
louça, porcelana e Panelas de Barro), é a principal categoria material abordada, mas
quando se observa as pesquisas que foram desenvolvidas exclusivamente sobre Panelas
de Barro, percebe-se que os trabalhos ainda estão incipientes, pois estas foram estudadas
apenas durante o período de formação da Arqueologia Histórica Brasileira, e novamente
retomada, através de recentes, mas poucos trabalhos, explicitando uma lacuna de pelo
menos vinte anos.
Durante a leitura destes parcos trabalhos sobre Panelas de Barro, deparei-me
com estudos que estavam voltados para compreensão de modos de produção; áreas de
produção; ou grupos que as produziram; entre outros que buscavam através da cerâmica
a compreensão de aspectos sociais, de organização de grupos, ou abordavam estas
cerâmicas através uma visão de resistência dos grupos que a produziam ou consumiam.
Apesar da variedade temática dos estudos através das Panelas de Barro, estes não
configuram uma linha recorrente de pesquisas. Estes escassos estudos foram
inicialmente desenvolvidos no período que Symanski (2009) definiu como “formação da
arqueologia histórica no Brasil”, entre 1960 e 1980, e estavam preocupados com a
26
classificação e a tentativa de atribuição daquelas “cerâmicas de origem duvidosa”
(ALBUQUERQUE 1969:84) a algum grupo étnico específico.
Focados em uma acepção destas cerâmicas, os primeiros trabalhos de pesquisa
geraram discussões, principalmente, sobre quais seriam os termos apropriados, buscando
definir conceitos, além de identificar e delimitar espaço-temporalmente os artefatos
(tradições), que estariam associados a grupos étnicos específicos. “O uso desses
princípios na arqueologia histórica levou a uma preocupação com a construção de
tipologias cerâmicas, que deveriam ser inseridas em fases e tradições históricas”
(SYMANSKI, 2009, p. 2).
Dentre os primeiros trabalhos desenvolvidos, destacam-se as pesquisas que foram
realizadas por Odemar Dias Jr. (1964) que a definiu como “uma imitação executada pelo
caboclo5
, partindo de um modelo, mais evoluído, colonial”, e a conceituou como
“cerâmica cabocla”. Mais tarde, no mesmo ano, redefiniu-a como “cerâmica
neobrasileira”6, com este termo o autor faz referência a grupos neo-brasileiros (com
hífen). O termo neo-brasileiro foi desenvolvido através de pesquisas etnográficas
realizadas no início do século XX, pelo viajante, etnólogo e indigenista Curt
Nimuendaju (1936). Ele desenvolveu o conceito Neo-brasileiros (ou neo-brazilians), que
foi aplicado para designar o grupo de quaisquer pessoas que não eram (ou não são)
indígenas. Para o pesquisador os índios eram os brasileiros de fato.
No ano de 1968, já constava em um Relatório Preliminar Sobre o Programa
Nacional de Pesquisas arqueológicas que:
Em meados do século XVI, uma tradição ceramista, combinando
técnicas indígenas de manufatura e decoração com elementos de
forma europeus, desenvolveu-se no litoral brasileiro. A fase
Monjolo, no Rio Grande do Sul; a fase Lavrinha, no Paraná; e a
fase Calundu, no Rio de Janeiro, pertencem a esta tradição Neo-
Barsileira7, além de ter sido também informada na Bahia. O
escovado é comum, ocorrendo também o corrugado, embora a
pintura seja ausente. As técnicas típicas decorativas incluem
digitado sobre frizos aplicados ou sobre o lábio, ponteado zonado
e incisão profunda nas superfícies alisadas ou através de grossos
roletes não obliterados. Asas curvadas nos ombros, bases planas e
5 Segundo Gilberto Freyre (2006), Caboclo era o grupo de pessoas mestiças, com características de europeus e
indígenas. 6 O termo cerâmica neobrasileira foi alvo de diversas críticas, a respeito de questões como nacionalismo e
anacronismo (SOUZA, 2008). 7 Aqui ainda aparecia com hífem, sendo indicativo direto ao grupo.
27
em pedestal são elementos característicos de origem europeia...
(Publicações Avulsas. Belém: (s.n.), n. 12. 1969p. 23).
Brochado (1974), ao estudar artefatos de diferentes sítios (Reduções e os sítios
militares), utiliza o termo “cerâmica neobrasileira”, perpetuando o que vinha sendo
constatado nos demais estudos, concluiu que a cerâmica de tradição neobrasileira
consistia na reformulação da cultura das sociedades indígenas, que sincretizaram as
diversas tradições ceramistas pré-coloniais com a tradição europeia.
Por fim, o trabalho realizado por Chmyz (1976) caracterizou a cerâmica de
tradição neobrasileira como uma tradição cultural “confeccionada por grupos familiares,
neo-brasileiros ou caboclos, para uso doméstico, com técnicas indígenas e de outras
procedências...” (p.145), acrescentou ainda as características decorativas que os
recipientes podem apresentar: corrugada, escovada, incisa, aplicada, digitada, roletada,
bem como asas, alças, bases planas em pedestal, cachimbos angulares, discos perfurados
de cerâmica e pederneiras, ou seja, praticamente tudo que fosse argila queimada no
período pós-contato.
Com tantas variações regionais, as características destas cerâmicas de tradição
neobrasileira só poderiam ser diversas, assim como o grupo de pessoas que foi
reconhecido como detentor daquela tecnologia, os neo-brasileiros, ou melhor, todos
aqueles que não eram (são) índios, assim, estes primeiros trabalhos conseguiram (mesmo
que de forma ampla e superficial), atingir seu objetivo: a classificação do material
arqueológico em categorias específicas com associação direta a grupos.
Os anseios de definição e classificação dessa cerâmica tão múltipla foram
saciados e as pesquisas nesse sentido foram estancadas. Até que houve, na arqueologia
histórica brasileira, durante os anos noventa (1990), o que se chamou de “um salto
paradigmático”, onde os estudos estavam voltados às novas preocupações sobre os
“significados” dos artefatos.
28
1.2 OS ATUAIS ESTUDOS SOBRE PANELAS DE BARRO E O SALTO
PARADIGMÁTICO DA ARQUEOLOGIA HISTÓRICA BRASILEIRA
Insatisfeitos com a forma que os trabalhos sobre a chamada cerâmica
neobrasileira estavam sendo direcionados, alguns estudiosos iniciaram um processo de
reflexão e revisão desta forma de interpretação. Os estudos que partiram das “novas
preocupações sobre os significados dos artefatos”, foram inspirados na forma como os
demais estudos em arqueologia histórica, principalmente sobre materiais forâneos,
estavam sendo dirigidos, visando os modos como os artefatos foram ativamente
utilizados em estratégias de negociação social por diferentes grupos. Poderiam, assim,
abordar temas como relações de poder, gênero, construção de identidades, o papel
estruturador do ambiente construído e das paisagens, e o comportamento de consumo.
Durante a pesquisa realizada sobre comportamento de consumo de pessoas que
habitaram o interior do estado de São Paulo durante os séculos XVII e XVIII, Zanettini
(2005) observou, entre outras coisas, traços de sincretismo na produção cerâmica,
identificando variações tecnológicas específicas da região, definindo-a como uma
‘cerâmica de produção local/regional’. A conceituação deste termo, que foi adotado em
oposição ao antigo (cerâmica neobrasileira), levou em consideração as especificidades
regionais, diferente das explicações gerais antes adotadas. O emprego deste novo termo
tornou-se desde então, corriqueiro nas abordagens através desta categoria material.
As especificidades regionais e as preocupações com os aspectos simbólicos dos
objetos permitiram aos estudos de ‘cerâmica de produção local/regional’, abordar em
seus discursos, aspectos relacionados à identidade e resistência cultural de grupos que
confeccionaram ou utilizaram estas cerâmicas. Esta forma de abordagem fez com que os
trabalhos sobre estas cerâmicas proporcionassem uma nova forma de se fazer em
Arqueologia Histórica no Brasil, entendendo que os artefatos carregam consigo
informações relevantes sobre o grupo que os utilizou ou confeccionou.
Os trabalhos de análise destes tipos materiais que estão associados a grupos
subalternos, puderam atingir os agentes sociais antes excluídos dos discursos. Como
exemplo, posso citar o trabalho realizado por Souza (2010), onde o pesquisador
reconheceu uma apropriação das formas e técnicas indígenas (na confecção de tachos),
29
por parte dos ceramistas afro brasileiros do interior de Goiás. Segundo o autor, essa
apropriação ocorreu devido ao determinismo funcional destes tachos, mas não implicou
em uma forma de descendência afirmação cultural, por parte dos grupos
afrodescendentes.
Em outra pesquisa realizada por Souza e Symanski (2007), a partir de uma
aglomeração de resultados de outras pesquisas realizadas em contextos da Chapada dos
Guimarães, os autores buscaram indicar quais seriam os principais elementos materiais
que estariam relacionados a grupos de pessoas escravizadas naquela região. Nesta
perspectiva os autores identificaram que as cerâmicas de produção local/regional
representam um elemento determinante para compreensão destes grupos, já que:
Esses itens são encontrados em um percentual geralmente
elevado nos sítios históricos brasileiros, sobretudo em contexto
do século XVIII. Conforme referências históricas sugerem, eles
eram frequentemente produzidos por escravas. Tendo em vista
que a tecnologia empregada na confecção desses recipientes, bem
como sua forma e decoração, eram em larga medida determinados
pelas artesãs, pode-se considerar que essa categoria material era
comumente criada a partir dos seus referencias técnicos e
estéticos, constituindo-se assim, numa importante forma de auto-
expressão desse grupo (p.234).
É interessante notar que estes estudos que buscam africanismos (elementos que
possam ser diretamente associados a tradições africanas), estão recorrentemente ligados
a análise e interpretação dos padrões decorativos presentes nas cerâmicas utilitárias de
confecção local/regional, como mesmo frisou Souza e Symanski (2007 p.234): “Um
componente importante da cerâmica utilitária é que em muitos contextos ela apresenta
uma profusão de padrões decorativos, o que se constitui em um elemento relevante para
compreensão das visões de mundo e referenciais culturais das comunidades escravas”.
A importância para identificação de backgrounds culturais através de
elementos decorativos presentes na cerâmica de produção local/regional é tamanha, que
o pesquisador Symanski (2010) identificou uma dicotomia, num mesmo contexto,
Chapada dos Guimarães, entre cerâmicas decoradas e não decoradas, como fator
determinante e determinado pela influência de dois grupos distintos, de africanos e de
afro-brasileiros, apontado por ele:
30
Em suma, as correlações entre decoração da cerâmica e a composição
africana e afro-brasileira dos plantéis de Chapada indicam que a
dimensão decorativa dos vasilhames cerâmicos foi muito mais
culturalmente relevante para os escravos do que para os afro-brasileiros.
Portanto, para os grupos africanos a cerâmica, além de sua função
utilitária, serviu como um veículo que expressa identidades
diferenciadas nos espaços dos engenhos (...) Portanto, a dimensão
decorativa da cerâmica perdeu relevância à medida que o componente
afro-brasileiro nesses plantéis torna-se numericamente dominante (p.
300).
Se o padrão decorativo é determinante para compreensão de backgrounds
culturais e outras formas de negociação destes grupos subalternos, como compreender
cerâmicas utilitárias que não apresentam qualquer tipo de decoração em suas
superfícies? Tais cerâmicas foram identificadas por Symanski (2008) e Amaral (2012),
respectivamente, em pesquisas realizadas na região do Cariri do Ceará e na região do
Agreste Pernambucano.
Identificando uma continuidade da padronização do material cerâmico em
contexto identificado como pertencente ao século XIX, na região do Cariri do Ceará, o
pesquisador Symanki (2008) buscou respostas em variáveis econômicas e atribuiu a
questões sociais o fato da manutenção do padrão. O grupo subalterno em questão, o
sertanejo, manteve o padrão cerâmico como uma forma de discurso frente a ausência de
mobilidade na estrutura social naquele contexto, explicitando que “essa significância
atribuída à cerâmica local/regional pela população sertaneja parece ter se mantido sem
alterações na região ao longo do século XIX, demonstrando que a estrutura social do
Cariri manteve-se intacta neste período”, afirmando ainda que:
A variabilidade da cultura material apontou para uma forte
dependência dos recursos produzidos nas esferas local/regional, e
assim, para uma significativa autonomia dessa população
sertaneja com relação ao mercado externo, indicando a
manutenção de uma lógica econômica não-capitalista (2008 p. 2).
Fazendo uso do pressuposto teórico da arqueologia do capitalismo, o pesquisador
afirmou que os sertanejos daquela área, ao manterem relações de comércio entre si
através de trocas de bens de consumo, desenvolveram uma economia não-capitalista que
proporcionou uma relação não só comercial, mas ideológica, entre as pessoas
pertencentes aquele ciclo;
31
(...) a caracterização intrínseca das relações sociais entre a
população sertaneja, (exemplificada pela dependência da mesma
no mercado local/regional – feira, em que alimentos são trocados
por produtos artesanais e vice-versa), é pautada em valores não-
capitalistas, em que qualidades como honra, coragem, trabalho,
valor da palavra, e resistência às adversidades são mais
valorizadas do que a posse de bens materiais. (SYMANSKI, 2008
p.16).
Outra alternativa foi exposta por Amaral (2012) em pesquisa cujo tema,
espacialidade e temporalidade em muito se assemelham com esta que apresento. A
citada pesquisadora esteve preocupada em entender a recorrência do padrão das
cerâmicas de produção local/regional que foram observadas em escavações de sítios da
região do Agreste Pernambucano, correlacionando-as com loiças de barro8 produzidas
atualmente:
(...) no decurso das escavações a equipe identificou que em
alguns municípios do Agreste Central Pernambucano,
particularmente Tacaimbó e São Caitano, ainda haviam alguns
ceramistas dedicados à confecção de vasilhas utilitárias e
posterior venda nas feiras-livres nas ruas das cidades. (...) À
época a equipe observou que esta loiça de barro apresentava
muitas semelhanças formais com a cerâmica encontrada nos sítios
(AMARAL, 2012: 17).
Em sua pesquisa, a autora visou verificar “a possibilidade da existência de
continuidade histórica entre a loiça de barro arqueológica identificada nos sítios,
produzida e consumida no passado, com as loiceiras e moradores da área atualmente”
(p. 17), ressaltando a importância financeira e ideológica dos utensílios para o grupo.
Ao desenvolver a pesquisa de campo junto às loiceiras9
das comunidades
próximas, Amaral (2012) partiu de uma observação de caráter tecnológico para entender
os processos de manufatura, registrando os momentos através da análise de cadeia
operatória. Como resultado, percebeu que a reprodução de formas, técnicas de produção
e a transmissão de conhecimento que é exercido por aquele grupo sertanejo, é uma
forma de manutenção de suas identidades e resistência perante as dificuldades da faina
diária, como as terríveis condições de vida decorrente de um processo de formação
histórica.
8Termo escolhido pela pesquisadora para designar os utensílios cerâmicos domésticos produzidos regionalmente.
9 A pesquisadora atribuiu este termo às pessoas que confeccionam cerâmicas utilitárias.
32
Mesmo se diferenciando das outras pesquisas apresentadas anteriormente, os
trabalhos de Symanski (2008) e Amaral (2012), partiram de premissas cujos resultados
não diferem dos outros estudos. Neste cenário, os trabalhos a respeito de cerâmicas de
produção local/regional possuem interpretações padronizadas, mesmo quando se tratam
de locais, agentes sociais e materiais distintos.
Porém, o que poderia ter levado estes pesquisadores a perceberem formas de
background ou de resistência, através do padrão de características morfológicas e de
tratamento de superfície? Ou mesmo, o que levou alguns trabalhos a associarem uma
cerâmica que possui um padrão regional e é amplamente difundida, a um grupo
especifico?
Como já havia sido explanado, durante a pesquisa muitos outros
questionamentos, que não o principal norteador da mesma, foram levantados e são
importantes na construção do trabalho. Estes que foram anunciados acima merecem
atenção e esclarecimento, pois permitem que me posicione distintamente frente a este
corpo teórico e conceitual que vêm configurando como expoente a respeito de Panelas
de Barro.
1.3 A “VOZ ATIVA” DOS ARTEFATOS
A dualidade paradigmática nos estudos sobre Panelas de Barro na Arqueologia
Histórica Brasileira acarretou em negações conceituais de uma corrente frente a outra,
mais especificamente entre os pesquisadores mais atuais, que se posicionaram frente a
uma corrente de pesquisadores que desenvolveram seus trabalhos de cunho exploratório
e classificatório. Estes novos pesquisadores desenvolveram seus trabalhos sob a luz de
novas teorias e preocupações a respeito do significado dos artefatos. Para usar as
palavras de Souza (2008): “uma primeira, que associa a cerâmica com sincretismos,
sínteses e mosaicos culturais; e uma segunda, que relaciona com grupos particulares, o
que foi definido como uma abordagem ‘ou tudo ou nada” (p.6).
Estes primeiros trabalhos, que buscaram classificações e interpretações a respeito
da origem e produção de Panelas de Barro em solo nacional, conceituaram estas como
33
uma cerâmica de tradição neobrasileira, que perante os novos anseios da Arqueologia
Histórica Brasileira tornou-se um conceito obsoleto, apesar de ser ainda reproduzido.
Souza (2008) argumenta que estes trabalhos com perspectiva classificatória,
encaminharam os estudos sobre Panelas de Barro, como uma forma de legitimação de
um discurso de construção de identidade nacional, através da ideia de democracia racial.
Acabava, assim, essencializando a cerâmica de sítios históricos a uma perspectiva
nacional, diluindo sua complexidade, e se configurando como um termo anacrônico, que
mascara as relações sociais vinculadas, principalmente, ao período de formação
nacional, sendo o artefato visto como um elemento passivo na formação social10
.
Já os trabalhos que foram desenvolvidos através de novas problemáticas
conceituais, denominados de “ou tudo ou nada”, tem atentado para assimetrias de cor,
gênero, status social, resistência ou background cultural, entre a cultura material e os
agentes sociais de contexto específicos, compreendendo, em geral, o artefato como um
instrumento de discurso de classe.
Porém, mesmo sendo considerado um salto paradigmático, não houve, de fato,
uma ruptura paradigmática nas formas de abordagem sobre estas cerâmicas. Estão todos
os trabalhos, tanto do período de formação, como no período de tudo ou nada, atrelados
a implicâncias étnicas, onde a busca por identidades através do artefato é fator inerente
para interpretações, quando não, é a própria interpretação. Se numa primeira fase houve
a associação destas cerâmicas, com a nomenclatura neobrasileira, a grupos neo-
brasileiros, no segundo momento há uma designação destas cerâmicas, agora travestidas
do termo produção local/regional, a variados grupos subalternos, resumidos a
escravizados ou sertanejos.
Parece muito arriscado e pretensioso o posicionamento da arqueologia histórica,
atualmente, em querer “dar voz às sociedades e grupos subalternos, no qual somente a
produção histórica não consegue dar visibilidade a complexidade das relações sociais
pretéritas” (COMERLATO, 2005 p.6), pois, antes de qualquer tipo de inferência sobre
estes grupos subalternos, torna-se necessário uma reflexão ideológica a respeito da
construção do discurso, como apontou Barros (2009), quando abordou questões
referentes às desigualdades e diferenças na formação social brasileira, indicando que:
10
Para mais, ver SOUZA (2008)
34
Compreender como a sociedade constrói a si mesma a partir de
determinadas condições concretas e objetivas e como esta mesma
sociedade constrói a percepção de si mesma é certamente uma
das tarefas fundamentais das ciências humanas. Compreender o
que está por trás desta construção na sua origem, e como estas
mesmas construções podem ou puderam ser retomadas para
novos propósitos pelos homens que fazem ou fizeram a sua
história, é também uma tarefa para os que estudam o mundo
humano (p.13).
Com isso, tantos os primeiros trabalhos sobre Panelas de Barro, como os mais
atuais, parecem reproduzir um discurso ideológico que não foge a regras dicotômicas e
simplistas, havendo sempre um grupo passivo (neobrasileira), frente à imagem de um
grupo resistente (cerâmica de produção local/regional), desconsiderando que grupos
humanos não foram nem vítimas nem heróis o tempo todo. Tais abordagens excluem
outros agentes sociais do discurso, como têm sido recorrente em algumas áreas das
ciências sociais e humanas, como explica Allen (2001), quando discute formas de
apropriação de reprodução de discursos por parte de cientistas, promulgando estórias
simplistas e excludentes, e Albuquerque Jr (2001) que argumenta sobre a “invenção” da
imagem do nordeste e, em decorrência disso, a construção da imagem estigmatizada do
nordestino.
Esses “olhares e ouvidos” de pesquisadores que “enxergam e ouvem” as
identidades oprimidas através da voz ativa dos artefatos, possuem uma tendência a se
posicionar a parte, durante suas pesquisas. Não conseguem enxergar a própria posição
em meio ao contexto amplo, perpetuando o que vem sendo reproduzido nos discursos
políticos e atentando contra as tarefas fundamentais das ciências humanas, além de
promoverem o discurso simplista baseado em dicotomias de raça e gênero, excluindo
seres humanos de diferentes classes, de sua participação na formação do registro.
Ao afirmar que estes tipos de abordagens “são implicitamente excludentes em
relação a múltiplas influências de segmentos sociais distintos” (p.16), Souza (2008)
indica que semelhanças na cultura material não correspondem, necessariamente, a unidade
étnica, e não nega o fato que “diferentes grupos podem estar relacionadas a artefatos
semelhantes” (SOUZA e SYMANSKI, 2009 p.516), como pode ser o caso das Panelas de
Barro produzidas e consumidas em Pernambuco desde o século XIX. Pois que, tanto nas
casas burguesas, como nas casas mais humildes, estas Panelas de Barro eram
35
indispensáveis nas cozinhas já que, juntamente com os importados tachos de ferro, eram
os únicos utensílios que possibilitavam a cocção de alimentos. Mesmo hoje, com tantas
outras formas e tipos materiais para se cozinhar e servir alimentos, as Panelas de Barro
ainda são amplamente utilizadas, e sua manufatura deve ter sido realizada, como ainda
é, por diferentes grupos étnicos.
Então, voltamos ao questionamento que norteia essa pesquisa: Porque os
utensílios domésticos cerâmicos utilitários (as Panelas de Barro), encontrados em
sítios arqueológicos históricos pernambucanos, tem apresentado padronização
morfológica?
Diante do que foi exposto, entendo que dados sobre as Panelas de Barro podem
ser mais facilmente atingidos se pesquisados através do ambiente para o qual este é
confeccionado, trabalho, portanto, com a hipótese que as Panelas de Barro têm
mantido o padrão (que já foi observado por diversos autores) devido à função para
qual ela foi (é) confeccionada, assim, a manutenção de suas formas está
intimamente associada aos hábitos alimentares de Pernambuco, que aparentemente
não têm sofrido alterações significativas desde o século XIX .
A construção desta hipótese não nega outras formas de interpretação que já foram
exploradas, como resistência ou backgrounds cultural, mas indica que pode outra
maneira de explicar um problema. Ao assumir esta “nova” forma de abordagem, entendo
que devo assumir uma posição, quiçá não excludente, ou mesmo superficial, por isso
abro mão de termos recorrentes em arqueologia, como cerâmica de tradição
neobrasileira, produção local|regional, etc, mas usufruirei exclusivamente do termo
Panelas de Barro. Este trabalho não objetivava a criação de um conceito, mas conforme
Minayo (2011b p. 29), conceitos “são vocábulos ou expressões carregados de sentido,
em torno dos quais existe muita história e muita ação social”, e nenhuma referência às
cerâmicas utilitárias pode indicar mais história e ação que o termo Panelas de Barro.
Fazendo uso do termo panela, que indica ação na cozinha, possuindo como
hipótese que as Panelas de Barro seguem o padrão devido a função para qual são
confeccionadas e partindo do pressuposto que essa cozinhas é partilhada por diversos
agentes sociais e pode ser entendida em sua amplitude, não temos duvidas que não há
melhor meio de alcançar os objetivos que direcionar este trabalho a partir de
“pressupostos culinários”.
CAPÍTULO 2
ESTUDO DAS PANELAS DE BARRO ATRAVÉS DA CADEIA ALIMENTAR
Boa parte dos estudos sobre Panelas de Barro ocorre através da análise de
variáveis de elementos que buscam constatações ideológicas, dicotomias sociais ou
variáveis puramente econômicas. Distinto a isso, busco o entendimento daquelas através
da ampliação de análises tecnológicas para a esfera estrutural, através da compreensão
de sua função e seu significado, considerando algumas operações essenciais no que diz
respeito ao “universo cerâmico”, tal como proposto por Rye (1981):
A sequência geral para qualquer indústria envolve a obtenção de
matérias-primas, refinamento e mistura, para a fabricação de um
“produto” ou artefato por sucessão de operações, e a distribuição
do produto para os usuários. A sequência pode ser prolongada
para além da produção e distribuição de modo a incluir a
utilização do objeto pelo consumidor. (p. 3)
Entendendo que as panelas são para cozinhar, em todas as fases de sua sequência
de operações elas estarão vinculadas a este aspecto. Desta forma posso estudá-las não só
através de suas técnicas de manufatura e distibuição, mas também, como frisou Rye
(1981), através de sua utilização. Por isso busquei entender essas cerâmicas através da
análise dos hábitos alimentares (a cozinha11
), que chamo metaforicamente no título deste
tópico como a análise da cadeia alimentar.
A questão da manutenção de tipos de comidas e gostos típicos de um determinado
local tem ligação direta com a identificação das pessoas que partilharam esta formação
gustativa. As Panelas de Barro podem ser compreendidas, tal como a própria
alimentação, por intermédio do seu espaço (cozinha), da sua posição (estrutura) e de sua
formação simbólica (memória). Entender como se formaram os hábitos alimentares é
entender como se constituíram tanto os tipos de alimentos que são consumidos hoje,
como as formas das Panelas de Barro, que fazem parte da constituição e transformação
do gosto, e em consequência, da memória.
11
De acordo com Maciel (2001) a cozinha são as práticas alimentares diversificadas que compreendem não
apenas certos itens alimentares consumidos mais frequentemente, mas sim um conjunto de alimentos que
relacionam-se às representações coletivas, ao imaginário social, às crenças do grupo enfim, a suas práticas
culturais.
37
Assim sendo, acredito que as Panelas de Barro estão vinculadas aos hábitos
alimentares não só nas cozinhas, mas desde o momento de manufatura, quando o
ceramista tem o produto final em mente, afinal “todos os potes são confeccionados para
serem utilizados” (SKIBO, 2013 p.27). Portanto, devo compreender como elas foram
pensadas, confeccionadas, vendidas, utilizadas e compartilhadas conforme a
identificação das sequências operatórias.
Rye (1981) define que as sequências operatórias podem ser entendidas através de
etapas, ou operações essenciais: Fabricação, Distribuição e Utilização. Numa
contextualização dos termos de Rye (1981) para o estudo das Panelas de Barro, e
apropriação dos nomes regionais temos: as olarias (fabricação), as feiras (distribuição), e
a cozinha (uso).
Assim, segue abaixo uma explicação de como compreendo a estrutura destas
práticas alimentares que esta pesquisa arqueológica está associada.
2.1 A COZINHA E A CASA
A cozinha é o espaço para a preparação dos alimentos, faz parte de uma entidade
maior, a casa. Segundo Anderson e Moore (1988), a casa passou a representar a
estrutura do sistema vigente com as transformações sociais, econômicas e culturais
ocorridas no século XIX. Com isso, os espaços antes coletivos transformaram-se, como
os cômodos: “antes unidos entre si de tal forma que para se atingir um determinado
aposento era necessário passar por dentro de outro, (e após as transformações do século
XIX) separaram-se para atender ao crescente individualismo” (LIMA, 1995 p.134),
foram, então, divididos por corredores, halls, vestíbulos e saguões. Foi, portanto,
separada a área pública da área privada. As casas passaram a adotar a reserva, a
individualidade e a respeitar a intimidade dos indivíduos, ou melhor, esconder e mostrar
o que fosse conveniente.
Devido a esta segregação, a cozinha tornou-se o lugar reservado, separado da
casa, e que deveria estar escondido, como apontou Lima (1995):
Separado dos demais aposentos, segregado, banido para as áreas
mais escondidas da casa, como fundos, subsolos e porões, foi
transformado em espaço de rejeição. Em geral muito sujo,
fumarento e malcheiroso, fazia um contraponto à sala de jantar:
em lugar das finas alfaias, grosseiras louças de barro, pesadas
38
panelas de ferro e alguidares de madeira que, ao lado dos
vegetais e animais aí processados compunham um ambiente
muito mais próximo da natureza que a refinada sala de jantar,
recendendo cultura e civilização. Este era o domínio da senhora,
dona da casa e dos criados, a quem só era dado atuar com
desenvoltura nos bastidores da cena doméstica. Também
fortemente simbólico telúrico e uterino este cômodo era a fonte
de alimento da unidade doméstica, gerador de energia, onde a
figura materna- efetiva ou substituta- cumpria a sua função
biológica e cultural de nutrir o núcleo familiar (p. 138).
As ‘grossas panelas de barro’, como afirmou a pesquisadora acima, estão na
cozinha. Esta caracterizada como um “ambiente muito próximo à natureza”, numa clara
oposição à sala de jantar, evidenciando, desta forma, uma das facetas da diacronia
dentro da própria casa, como também a constante oposição, natural versus cultural.
2.2 ESTRUTURA DA COZINHA
Seguindo o pressuposto de análise apontado por Lévi-Strauss (1968), que define
que as estruturas de um sistema devem ser compreendidas através da observação das
oposições vigentes naquele contexto, e entendendo que a cozinha seria articuladora das
categorias opostas: natural e cultural, reconheço que a cozinha (tanto física, como a
representação de práticas alimentares) onde as Panelas de Barro estão inseridas, pode
ser entendida através da leitura destes códigos, prática já corriqueira nos trabalhos sobre
Hábitos Alimentares. Como apontou Fischler (2001),
(...) a analogia entre linguagem e cozinha, banal depois de Lévi-
Strauss, se impõe aqui: todos os humanos falam uma língua, mas
existe um grande número de línguas diferentes; todos os humanos
comem um alimento cozido, mas existe um grande número de
cozinhas diversas. A cozinha é universal; as cozinhas são
diversas (p. 32).
Apesar de haverem diversas cozinhas (nacionais, regionais ou locais), todas elas
possuem uma estrutura básica, um padrão, que precisa ser entendido em seu contexto,
como reconheceu Deetz (1988). Lévi-Strauss (1968) desenhou esta estrutura como um
‘triângulo’, reconhecendo a linguagem implícita dos sistemas refletida através da
estrutura mental humana. “O cru constitui o polo não marcado, (...) o cozinhado é uma
39
transformação cultural do cru, enquanto o podre é a sua transformação natural.” (Lévi -
Strauss, 1968 p.170).
Numa leitura deste esquema proposto por Strauss (1968), Silva (2005) adaptou-o,
preenchendo com as características da cozinha brasileira, o que resultou num tripé base.
A pesquisadora buscou compreender como as “relações lógicas” entre os conteúdos do
tripé, através da articulação das posições e relações, estariam dispostas e caracterizariam
a linguagem da cozinha brasileira. Desta forma, propôs a seguinte leitura:
Figura 1: Um tripé da alimentação Brasileira (Silva, 2005 p.127).
A ideia de um tripé, equipamento constituído por três escolhas
escoras sob o qual se acende o fogo e no qual se cozinha, baseia -
se também na especificidade que a comida impõe numa análise
como esta. Antes de ser apenas uma variação do triângulo
proposto por Lévi-Strauss (...) o termo tripé carrega em si uma
ligação explícita com o plano empírico, definido também pela
cultura material, pela necessidade de sobrevivência e pelo
contexto (Silva, 2005 p.126).
O reconhecimento deste tripé como formador da cozinha nacional e associado a
utensílios domésticos, já foi evidenciado em pesquisas arqueológicas. Lima (1995), ao
estudar os relatos dos viajantes dos oitocentos, para entender a amálgama de utensílios
na cozinha carioca do século XIX, apontou que:
Na simples composição da mesa observam-se elementos
distintos, como cuia, a louça de barro, as colheres e vasilhas de
pau indígenas, e os de fora, expressos pela louça branca do
Reino, peças de estanho e pratas da Índia. Entretanto, essa
“civilidade” só era exposta de quando em quando: no cotidiano
40
era o ordinário que imperava, seja nos pratos de barro vermelho,
nós cuités de farinha, no comer com as mãos, seja na própria
comida, composta invariavelmente de farinha, feijão e alguma
carne-seca (p. 31).
Ao longo da trajetória da formação dos hábitos alimentares brasileiros, algumas
oposições podem estar evidenciadas na formação sincrética entre as cozinhas indígena,
africana e europeia. Como apontou a historiadora Lima (2008), estas negociações foram
formadas a partir de vários antônimos, entre eles: Interior e litoral, subsistência e
importação, milho e mandioca, comidas úmidas e comidas menos úmidas. Estas
oposições constituíram a formação da cozinha nacional, e por consequência o gosto
desses agentes sociais.
2.3 COZINHA E MEMÓRIA
Fundamentado em Flandrin e Montanari (1998) e Montanari (2008), comer pode
ser entendido como um ato político, pois quando estamos falando de comer estamos
falando de poder, de relações sociais coletivas ou pessoais. Através do ato “comer”, o
ser humano se expressa (ou é impresso nele) o meio o qual ele pertence como podemos
ver em uma antiga expressão: “você é aquilo que come”.
O fato é que o ato de comer está inserido de forma determinante na formação das
pessoas em qualquer lugar, em qualquer período, através da formação religiosa, política
ou social. O estudo da cultura material que está associada à cozinha pode elucidar
aspectos para compreensão destas manifestações, tal como a pesquisa sobre estes hábitos
pode elucidar a respeito da cultura material.
Se, para épocas mais próximas, restam peças integrantes das
baterias de cozinha, a par de pratas, porcelanas, cristais e
mobiliário ligado à preparação dos alimentos e ao serviço da
mesa, objectos utilizados pelos grupos privilegiados e guardados
sobretudo em museus e em colecções particulares, o contributo
da arqueologia é naturalmente enriquecedor na medida em que se
poderão revelar utensílios mais antigos de preparação e serviço
dos alimentos, de utilização corrente em espaços populares,
religiosos e aristocráticos, pois os testemunhos arqueológicos
resultam directamente das vivências humanas (BRAGA, 2011:
72).
41
Foi com o estudo do passado, através dos elementos do cotidiano, proporcionado
com o pressuposto da École des Annales, que a história dos hábitos alimentares tornou-
se um dos campos mais discutidos nas ciências humanas atualmente. Através deste tipo
de estudo (do que, de quem, de quando e onde se come) que os pesquisadores têm
desenvolvido seus trabalhos, principalmente sobre saúde, costumes e memória.
A comida pode marcar um território, um lugar, servindo como
marcador de identidade ligado a uma rede de significados.
Podemos assim falar em “cozinhas” de um ponto de vista
“territorial”, associadas a uma nação, território ou região, tal
como a “cozinha chinesa”, a “cozinha baiana”, ou a “cozinha
mediterrânea”, indicando locais de ocorrência de s istemas
alimentares delimitados (MACIEL, 2001 p.151).
A comida é formada por diversos fatores, entre eles, os sentidos, os gostos, as
vontades e as necessidades, que antecedem qualquer tipo de razão e de lógica, pois vão
além de pulsações biológicas. Assim o ato de comer é a junção de todos esses fatores,
num universo em que “todos têm o direito de transformar em prazer a necessidade”
(MONTANARI, 2008 p.109). Assim, a satisfação da necessidade de se alimentar de
forma prazerosa e metódica que “não nasce apenas do luxo e do poder, mas também da
necessidade e da pobreza. (...) Os homens com o trabalho e a fantasia, procuram
transformar as mordidas da fome e as angústias das penúrias em potenciais
oportunidades de prazer” (MONTANARI, 2008 p.41). Sendo assim, comer é não só um
ato nutricional, mas um ato cultural e social, além de ser uma necessidade.
Todavia, não é interesse deste trabalho se estender muito na discussão das
implicações biológicas inerentes ao universo alimentar. Será aqui abordado, para uma
melhor compreensão da formação do que é o gosto, alguns aspectos referentes ao valor
simbólico de cada alimento e a estrutura da linguagem que pode ser decodificada e que
está implícita na cozinha.
A necessidade que um organismo tem de ingerir continuamente
alimentos para se manter em condições saudáveis fez da
alimentação um dos domínios mais propícios à ritualização (...)
seu caráter cíclico, repetitivo, favoreceu sua apropriação para o
estabelecimento de rituais diários (...) (LIMA, 1995 p. 137).
42
Sobre o significado do gosto, e como ele é construído, ou pode ser sentido,
Santos (2011) expõe um ponto de vista, do qual eu partilho. Para o autor “o alimento é
passível de influenciar a construção da identidade e a natureza daquele que o ingere,
pois a dimensão do gosto é influenciada pelo imaginário” (p.2). Assim, acredito que o
imaginário que autor se refere, é um produto cultural que influência e é influenciado
pelos agentes sociais, que o sentem dependendo do período e lugar em que se come,
transcendendo o aspecto dos sentidos da olfação e gustação, pois “o órgão do gosto não
é a língua, mas o cérebro, um órgão culturalmente (e por isso historicamente)
determinado, por meio do qual se aprendem e transmitem critérios de valoração”
(MONTANARI, 2008 p. 95). Portanto, a “construção do imaginário” se dá pelos agentes
sociais que estruturam e são estruturados pelo seu meio, e nada mais é que a formação
do gosto, referente tanto ao seu contexto como a sua memória.
A memória gustativa está inserida na mente de todas as pessoas, tanto pela
formação histórica de cada indivíduo como pelos sensores de sabor, a célula receptora
do gosto, que está na língua e no cérebro. Conforme Saucedo (2011) há cinco
modalidades gustativas básicas (doce, amargo, salgado, azedo e umami) que estão para
uma família de receptores gustativos localizados em toda a língua, o palato mole, a parte
de trás da boca e da epiglote. Particularmente, apenas na língua existe mais de 10.000
papilas gustativas, cada um contendo 50-150 nas células receptoras gustativas.
Ainda segundo Saucedo (2011), após saborear qualquer tipo de alimento, o
sentido do paladar detectado pela língua é transmitido ao cérebro que libera alguns
neurotransmissores químicos. A primeira região do sistema nervoso central ativado após
a ingestão de um alimento é uma estrutura chamada “núcleo do trato solitário” (NTS),
que é responsável pelo processamento inicial da maior parte da informação da nossa
compreensão dos sentidos, como também pela transmissão e ativação dos mensageiros
químicos, os neurônios do núcleo parabraqueal (NNP). Quando comemos algo a
estrutura de neurônios sensíveis é ativada.
O (NNP) é uma estrutura que tem mais complexidade para responder e integrar
vários aspectos da informação sensorial. Mais uma vez a maioria dos neurônios do
núcleo é ativada especificamente a um modo de realização particular, no entanto, outras
populações de neurônios respondem de forma mais ampla, ativando vários sabores.
Seguindo a rota do sabor proposta por Saucedo (2011), entendo que a "pitch", ou
43
resposta a gama de sabores diferentes que são integrados em simultâneo, são respostas
do (NNP) as experiências (codificações) de outros sabores que são comparados e
enviados a diferentes áreas do núcleo, assim as áreas dorsais são ativadas por um novo
sabor em comparação com aqueles “novos” ativados.
Faço esta explicação neurocientificista para explicar que, por mais que haja uma
introdução de novos sabores no paladar do indivíduo, estes sabores irão sempre remeter
a outros já conhecidos pelo mesmo nos momentos de experimentação e formação do
paladar. Desta maneira, falar de memória gustativa, de sabor, de sentido e de gosto é
também falar de memória, de formação social.
Es innegable que los sentidos nos proporcionan información vital
que nos permite relacionarnos con el mundo que nos rodea de
manera segura e independiente. A través de los sentidos
interpretamos y le damos una coherencia, subjetiva y muy
humana, a eso que llamamos realidade (SAUCEDO, 2011 p.201).
O cotidiano das pessoas, as lembranças de suas memórias (sejam estas
lembranças conscientes ou inconscientes), são estimuladas, em grande parte, a partir do
gosto. Já que está claro que o gosto é uma construção social, lembrar através do gosto
consiste em (re)viver experiências de vida, estas experiências podem ser chamadas de
Memória Gustativa.
A comida envolve emoção, trabalha com a memória e com
sentimentos. As expressões “comida da mãe”, ou “comida
caseira” ilustram bem este caso, evocando infância, aconchego,
segurança, ausência de sofisticação ou de exotismo. Ambas
remetem ao “familiar”, ao próximo, ao frugal. Porém, se o “toque
caseiro” é o toque mais íntimo em oposição ao “toque
profissional”, em série, não-pessoal. O toque “da mãe” é uma
assinatura, que implica tanto no que é feito, como na forma pela
qual é feito, que marca a comida com lembranças pessoais
(MACIEL, 2001 p.151).
A figura abaixo representa a posição da Panela de Barro em relação ao gosto e,
por consequência, à memória. Explicitando a hipótese que este utensílio se configura
padronizado, pois é usado como uma ferramenta que age nos sensores do paladar de
quem reproduz os hábitos alimentares constituídos em sua memória.
44
Figura 2: Ilustração que representa o processo de formação da memória gustativa através da alimentação
e como as Panelas de Barro estão inseridas neste processo (autora: Tainã Moura Alcântara).
Em suma, a formação da memória se dá, em partes, através do gosto, que por sua
vez leva em consideração a formação da cozinha regional, na qual as Panelas de Barro
estão inseridas, não apenas como utensílios utilitários, mas como marcadores culturais.
Sendo assim, se de fato as Panelas de Barro mantém um padrão, devido aos hábitos
alimentares que estão diretamente associados à formação da memória gustativa dos
indivíduos que partilham destes hábitos, é objetivo deste trabalho, buscar uma forma de
abordagem que esteja ligada a compreensão do cotidiano dos agentes sociais que fizeram uso
de Panelas de Barro durante o século XIX, XX e a atualidade, para entender o motivo pelo
qual estas Panelas de Barro possuem este padrão regional. Para atingir dados que elucidem
para explicações sobre este fato, é determinante: A) identificar formas destas Panelas de
Barro, para poder estabelecer qual o real padrão destas; B) reconhecer os espaços de
circulação das Panelas de Barro, desde a matéria prima até as formas de utilização,
identificando os agentes que fazem parte deste contexto12
, a fim de verificar se os hábitos
alimentares são determinante nos processos de fabricação, distribuição e utilização C)
relacionar o constante processo de formação dos hábitos alimentares com a trajetória
12 Symanski e Souza (2007) esclarecem que pode se referir “ao local de deposição do artefato em um
sítio, ao sítio propriamente dito, à região a qual ele está inserido, e assim sucessivamente” (p. 217).
45
das Panelas de Barro, para entender o motivo pelo qual estes utensílios possuem este suposto
padrão..
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA
Entendo a metodologia como o caminho do pensamento e a prática exercida para
abordar a “realidade” da teoria que foi levantada. Para tanto, me baseio em autores que
abordaram uma temática semelhante, seja pela proximidade regional ou temática. Os
antecedentes que me inspiraram foram, entre outros, os estudos realizados por
Etchevarne (2003) e Hauser et al (2008) sobre comunidades que produzem cerâmica
atualmente; Beaudry (1993) e Lima (1995) sobre análise de documentos e inferências
sobre material cerâmico e hábitos alimentares; e Symanski (2008) e Zanettini (2005)
sobre análise cerâmica em aspectos tecnológicos e sociais.
Segue abaixo um organograma de cada área a ser pesquisada e a ligação desta
fonte com o objeto, que são as Panelas de Barro de registros arqueológicos, as Panelas
de Barro que são produzidas atualmente, e a pesquisa documental, que se
complementaram durante a construção do pensamento.
Figura 3: Organograma que representa os meios de pesquisa.
47
3.1 PESQUISA DOCUMENTAL
O pressuposto conceitual da École des Annales, define que o documento pode ser
entendido como “tudo que contivesse a possibilidade de vislumbrar a ação humana”
(KARNAL e TATSH, 2012 p.15), sejam cartas, fotos, utensílios, entre outras coisas ,
sendo considerados artefatos.
Reconhecendo tal pressuposto, me proponho a interpretá-los como objetos
materiais que foram criados com a intenção de registrar um momento, um lugar, um
período ou um fato, assim, utilizá-los como fontes de dados. Desta forma tanto
iconografias, como registros escritos (como documentos históricos e relatórios técnicos
de pesquisas arqueológicas), estão sendo usados para o reconhecimento de formas e usos
das Panelas de Barro, no que se refere a uso, faz parte desta etapa o reconhecimento
contextual da formação da memória gustativa.
3.1.1 Iconografia
Por meio da observação de pinturas, gravuras e fotografias, busquei reconhecer as
formas, motivos e usos das Panelas de Barro. Sabendo que os registros visuais foram
elaborados com o intuito de evidenciar um testemunho, como apontaram Lima e
Carvalho (2012), entendo que a área central da iconografia é um registro político, e
acrescento ainda as palavras de Ulpiano Menezes:
A imagem, portanto, é uma forma que serve de suporte a
representações. (...) A imagem é urna construção discursiva, que
depende das formas históricas de percepção e leitura, das linguagens
e técnicas disponíveis, dos conceitos e valores vigentes (MENEZES,
1996: 152).
Portanto, entendo que deve ser levado em consideração, como metodologia de
análise, o contexto temporal de quem fez a pintura, gravura, foto ou filme e a
representação que este objetivou expressar através da imagem, analisando tanto o
motivo central da imagem como as áreas periféricas, já que o responsável pela obra
carregou consigo, no momento do registro, toda sua herança cultural e ideológica.
Já nos primeiros momentos da pesquisa iconográfica, percebi que as Panelas de
Barro, com poucas exceções, estão, na periferia das imagens, não sendo o motivo
48
principal de muitas obras. Além de não estar direcionado e, portanto, não possuir um
índice para pesquisa. São escassas as obras que podem conter dados sobre este objeto de
estudo.
Outra dificuldade encontrada na pesquisa foi a que os registros imagéticos do
século XIX são por si só, parcos. Busquei nos acervos da Biblioteca Nacional, Fundação
Joaquim Nabuco e acervos digitais, gravuras que representassem o cotidiano, os hábitos
alimentares e as Panelas de Barro. Identifiquei nas pinturas de Debret e Laurent Deroy,
nos desenhos de Ernest de Courcy, nas litogravuras de Shlappriz, e nas obras de alguns
autores não identificados, tais elementos nas cenas do cotidiano brasileiro e
pernambucano.
Para os séculos XX e XXI, a imagem fotográfica é a fonte mais comum. Por mais
que seja uma invenção do oitocentos, só foi difundida no Brasil durante o século XX, já
que a “rapidez da produção em série e o baixo custo tornaram-se pré-requisitos em uma
sociedade com crescente industrialização” (LIMA e CARVALHO, 2012 p.29).
Entendendo a fotografia conforme Lima e Carvalho (2012) que a definem como
um artefato que traz gravada na sua superfície sensibilizada pelos sais de prata, a marca
da literalidade do real.
Ao longo do século XX, o aprimoramento das lentes, o aumento
da sensibilidade dos filmes, a agilidade das pequenas câmeras e a
possibilidade do instantâneo instrumentalizaram circuitos como o
fotojornalismo e as ciências, inclusive Sociologia e Antropologia.
(LIMA e CARVALHO, 2012 p.39).
São muitas as coleções que possuem o registro do cotidiano dos agentes sociais
pernambucanos dos séculos XX e XXI. Como apontado pelos autores citados acima, os
dados podem estar em trabalhos acadêmicos e em jornais, mas não só. Durante a
pesquisa, identifiquei dados no acervo fotográfico na Fundação Joaquim Nabuco, na
FUNDARPE, na Biblioteca Nacional e no Museu do Barro, em Caruaru.
Foram consultadas as fotografias que retratam, em suma, feiras livres, nas quais
posso reconhecer algumas atividades que estão associadas aos hábitos alimentares, além
de observar formas e motivos das Panelas de Barro. Pude ainda identificar áreas de
49
produção e centros de troca, principalmente nas fotografias de Tibor Jablonsky e de
outras coleções de viajantes.
3.1.2 Documentos Históricos Escritos
Documentos escritos são as principais fontes de qualquer pesquisa histórica.
Entendo-o conforme Karnal e Tatsch (2012) que alegam que “um documento é dado
como um documento histórico em função de uma determinada visão de época” (p. 21),
assim, a análise documental parte da reflexão de interesses, tanto do pesquisador que
usufrui do documento, como da crítica ao documento propriamente dito, interpretando-o
desta forma como um artefato.
se concluirmos que não existe um fato histórico eterno, mas
existe um fato que consideramos hoje um fato histórico, é fácil
deduzir que o conceito de documento siga a mesma lógica. Fato e
documento histórico demonstram nossa visão atual do passado,
num diálogo entre visão contemporânea e as fontes pretéritas
(KARNAL e TATSCH 2012 p. 13).
Busquei dialogar tanto com obras já consagradas a respeito dos hábitos
alimentares, como com alguns dos dados que foram consultados para elaboração destas
mesmas obras (que consistem no relato de viajantes e livros de receita), para entender
quais alimentos eram consumidos em períodos diversos, como eram preparados, onde
eram preparados e se havia algum termo específico que se referiam às Panelas de Barro,
para através desta análise de costumes e semântica13
, inferir sobre formas e usos. Uma
metodologia de pesquisa semelhante foi utilizada pela arqueóloga Lima (1995):
A análise de códigos de civilidade e boas maneiras permite
entrever ocomportamento idealizado pela sociedade que os
produz ou utiliza. As práticas reais, efetivas, entretanto, podem
não corresponder a esse modelo concebido como o mais
satisfatório e adequado, de tal forma que, para acessar as
condutas à mesa no Rio de janeiro do século passado, foram
consultados, além desses manuais, romances, contos e crônicas
de época, bem como os clássicos registros e memórias de viagens
dos estrangeiros que por aqui passaram. Do confronto entre essas
13 Marc Bloch (2001) observou que “os homens não costumam mudar de vocabulário a cada vez que mudam os
hábitos”, definindo a semântica como um aspecto importante da análise histórica.
50
fontes emergiram dois perfis claramente diferenciados de
comportamento: um, resultante da importação do modelo franco-
-inglês, adotado pelas camadas mais altas da sociedade para
“consumo externo”, visando seu próprio reconhecimento e
legitimação. O outro, inequivocamente relacionado ao processo
colonizador e fortemente influenciado pelos hábitos portugueses,
acabou constituindo o modelo por excelência para “consumo
interno”, compondo o dia-a-dia dos segmentos médios da
população (p. 149).
Uma das buscas na análise documental será a análise semântica, que consiste no
entendimento do vocabulário, da nomenclatura ou da terminologia. Marc Bloch (2001)
demonstra como o historiador deve conduzir sua análise com o auxílio de uma dupla
linguagem, a da época estudada, o que lhe permite evitar anacronismo, mas também a do
aparato verbal e conceitual da disciplina histórica atual: “estimar que a nomenclatura
dos documentos possa bastar completamente para fixar a nossa, seria o mesmo, em
suma, que admitir que eles nos trazem a análise pronta”(pág. 30). Desta forma, e por
entender a continuidade morfológica e decorativa das Panelas de Barro, trabalharei com
cada termo correspondente ao seu tempo, se possível e quando possível.
A pesquisa foi desenvolvida através da consulta em obras sobre os hábitos
alimentares brasileiros (CAMPOS, 1982; CASCUDO, 1983; LIMA, 1999; SILVA,
2005; entre outros), como também os relatórios de alguns dos viajantes do século XIX,
que aqui passaram e registraram suas impressões em texto (HENRY KOSTER 1793-
1820, ALFREDO CARVALHO 1870 - 1916, JAMES HENDERSON 1783-1848). O
dialogo através destes artefatos é capaz de dar luzes aos movimentos das histórias
locais, regionais e nacionais da cozinha, do gosto e dos utensílios domésticos.
Além das fontes citadas acima, há os registros dos documentos que já foram
escritos com a ideia da subjetividade em seus textos, como as publicações em jornais.
Ao investigar os meios de comunicação que foram veiculados nos séculos passados,
busquei quaisquer referências sobre os alimentos vendidos, exportados ou importados,
seus preços e tipos. Busco ainda informações sobre as Panelas de Barro, ou melhor,
Loiças (ou Louças) da Terra, da Bahia, ou do Una, como aparece em alguns registros
oitocentistas no Diário de Pernambuco. Pude encontrar tais informações investigando
nos registros das publicações do Diário de Pernambuco do século XIX, nos cadernos de
anúncio de compra e vendas, e nos cadernos sobre chegadas e saídas de carregamentos
de mercadorias em navios.
51
3.1.3 Relatórios Técnicos de Pesquisa
Para entender as cerâmicas dos séculos passados, além das obras sobre hábitos
alimentares, relatos de viajantes, iconografias e jornais de época, há outra fonte que
completa as vertentes possíveis de compreensão destas panelas dos séculos XIX e XX,
que são as próprias Panelas de barro que foram produzidas e utilizadas durante este
período, pesquisando através dos materiais arqueológicos.
Como seria inviável analisar todas as coleções de artefatos oriundos das
escavações arqueológicas que já ocorreram em sítios históricos pernambucanos, preferi
considerar as análises das atividades de pesquisa arqueológica que se realizaram no
estado, descritas nos respectivos relatórios de atividades.
Os relatórios de pesquisa são documentos, que carregam impresso em suas
páginas, o caráter subjetivo dos pesquisadores (assim como nas pinturas). Portanto
busco entender o conteúdo das informações ali contidas através de uma leitura atenciosa,
sob a lente crítica, na busca de resultados que forneçam dados sobre estas Panelas de
Barro provenientes de escavações, ou intervenções arqueológicas, tal como
reconstituições, descrição ou mesmo termos atribuídos a estas.
Estes relatórios foram localizados nos acervos do IPHAN14
, onde desenvolvi um
levantamento de todos os sítios já escavados na região, catalogando-os e identificando
aqueles que contêm informações sobre Panelas de Barro, ou melhor, cerâmica leve,
cerâmica colonial, cerâmica neobrasileira, entre outros termos que lá estão descrevendo
as Panelas de Barro.
Ao analisar relatórios de pesquisas arqueológicas em sítios históricos da região,
tenho três objetivos: A) Identificar os conceitos15
que foram atribuídos para as Panelas
de Barro; B) Levantar informações referentes a aspectos morfológicos e dos usos das
Panelas de Barro, conforme descritos; C) Identificar o local onde elas foram
encontradas, para buscar uma relação dos tipos, com prováveis áreas de produção.
14
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 15
De acordo com Bunge (1985, p.72) conceito é compreendido como um símbolo dentro do discurso cientifico
assim, o conceito é definido como “símbolos que fluem, por assim dizer, o pensamento, por que são artefatos já
preparados e, nessa condição, canalizam o pensamento e, às vezes, são capazes de manifestar uma extensão
insuspeita de certas idéias”.
52
3.2 PESQUISA NOS CENTROS PRODUTORES ATUAIS
Para obtenção de amostras e registro de fabricação nos principais centros
produtores em Pernambuco, utilizei tanto premissas de pesquisas realizadas por Hauser
et al (2008), sobre jamaican ware, como a pesquisa realizada por Etchevarne (2003), a
respeito de grupos ceramistas atuais do recôncavo baiano; e também a pesquisa realizada
por Alves et al (1997), sobre a produção de “cerâmica popular”16
na comunidade de
Conceição das Creoulas, Pernambuco.
Hauser et al (2008) fizeram uso da associação de fontes documentais (gravuras e
fotografias), e relatos etnográficos, com os exemplares materiais que são
comercializados atualmente, a fim de identificar pontos de produção cerâmica na
Jamaica.
Já a pesquisa de Etchevarne (2003), consistiu na observação participativa, na
comunidade de produtores de cerâmica utilitária de Coqueiros (BA). A partir de
observação e entrevistas, o pesquisador descreveu todo o processo de produção
cerâmica, desde a coleta da argila, até a venda do produto, onde coletou alguns
exemplares dos recipientes produzidos na localidade, que foram submetidos a testes em
laboratório, referentes à queima e resistência dos materiais.
Trabalho semelhante foi realizado por Alves et al (1997) no distrito de Conceição
das Creoulas, em Pernambuco, onde a pesquisadora analisou as técnicas de produção do
grupo de ceramista da área e descreveu não apenas todas as operações técnicas das ditas
cerâmicas populares, como também, correlacionou utensílios produzidos com tipos de
alimentos específicos.
Assim, esta segunda etapa da pesquisa consistiu essencialmente em coleta de
informações nestes centros produtores atuais, inspirado nos trabalhos dos citados
autores. Estas informações podem subsidiar dados relevantes para o entendimento das
Panelas de Barro do último quartel do século XX até a atualidade. Para tanto, foi
desenvolvida uma pesquisa participativa nos principais centros de trocas comerciais e
nos principais centros produtores regionais.
16
A pesquisadora utilizou este termo para designar os utensílios cerâmicos que são produzidos na atualidade.
53
Os locais, onde essa pesquisa foi realizada, foram selecionados de acordo com os
parâmetros estabelecidos por Hauser et al (2008): através das informações orais
coletadas nos centros comerciais, antecedido do levantamento histórico documental.
Vale ressaltar que esta etapa da pesquisa foi realizada através de observações e
entrevistas, que conforme Minayo (2011) deve ser percebida como uma forma de
interação com os agentes sociais e suas realizações. As pessoas que participaram desta
etapa da pesquisa foram tanto agentes sociais (no momento de observação e registro de
produção, trocas comerciais e uso), como informantes (no momento da entrevista,
propriamente dita).
Antecipando parte dos resultados obtidos durante a fase de levantamento de
dados históricos, tal como da primeira etapa de pesquisa oral, constatou-se que os
principais centros comerciais de Panelas de Barro são: os mercados públicos do Recife
(Mercado São José) e de Maceió (Mercado de Artesanato), que possuem caráter
receptor. Também foram identificadas as cidades que além de centros comerciais, são
referências como centros produtores, como Carurau-PE (Alto do Moura e Feira de
Caruaru), Tracunhaém-PE e suas as lojas de venda de cerâmicas, União dos Palmares-
AL (Muquém) e Porto Real do Colégio-AL (Aldeia Cariri-Xocó).
Esta fase da pesquisa é essencial, já que o problema identificado no registro
arqueológico se estende até a atualidade, transcendendo a matéria, transformando uma
região em sítio arqueológico, agentes sociais em objeto de estudo, e discursos em
artefatos. Desta forma, estudo pessoas para entender os objetos, e se conhece os objetos
para posteriormente entender as pessoas, produzindo uma arqueologia histórica no
tempo presente através de observação, entrevista e coleta de dados materiais.
Embora haja muitas formas técnicas de realizar um trabalho de
campo, dois são instrumentos principais desse tipo de trabalho: a
observação e a entrevista. Enquanto a primeira é feita sobre tudo
aquilo que não é dito, mas pode ser visto e captado por um
observador atento e persistente, a segunda tem como matéria-
prima a fala de alguns interlocutores. (MINAYO, 2011 p.63).
3.2.1 Registro de produção
O registro das atividades que envolvem a Panela de Barro ocorreu na observação
dos agentes sociais durante sua lida diária. Estes agentes tiveram suas atividades
54
corriqueiras observadas e registradas através de anotações e recursos áudio visuais
(fotos e vídeos). As atividades de coleta de argila, manufatura dos utensílios,
comercialização e uso, foram registradas baseadas no método de observação participante
do cotidiano. Compreendo que a observação participante consiste no “processo pelo qual
o pesquisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de
realizar uma investigação científica (...) ficando numa relação direta com seus
interlocutores no espaço social da pesquisa” (MINAYO 2011 p.70).
Nesta etapa da pesquisa se constatou e registrou os momentos que estão
vinculados às Panelas de Barro, desde a coleta, ou compra da argila; chegando até o
processo de trocas nos centros comerciais. Feito isso, alguns agentes sociais foram
eleitos como informantes, a partir de algumas variáveis. Para os ceramistas (paneleiros)
e comerciantes (feirantes), foi levado em consideração: A) O grau de influência na
comunidade, medido através do prestígio que este recebia por parte dos demais, fosse
com relação a sua experiência, ou com relação a sua habilidade; B) O maior período de
tempo que esta pessoa esteve exercendo atividades vinculadas a utensílios cerâmicos
domésticos utilitários; e por fim C) A aquiescência por parte deste indivíduo, ao
pesquisador (no caso, eu). Levando em consideração, contudo, que “o pesquisador nunca
deve buscar ser reconhecido como igual. O próprio entrevistado espera dele uma
diferenciação, uma delimitação do próprio espaço, embora sem pedantismos, segredos e
mistérios” (MYNAIO, 2011 p.75).
Após o período de observação do “universo” que a Panela de Barro está inserida
e da escolha dos informantes, pude elaborar um questionário guia para as entrevistas,
que objetivaram conhecer mais profundamente a matéria, e entender o porquê da
existência destes padrões.
3.2.2 Entrevista
Através de diálogos com os informantes, me propus a conhecer suas vidas, suas
histórias, seus anseios, seus medos, e suas relações com o meio que estavam, fosse
social ou profissional. Essa contextualização é importante para compreender suas visões
particulares sobre as Panelas de Barro. Desta forma, fiz uso do recuso metodológico da
oralidade, que conforme Alberti (2005) é:
55
(...) uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para
o estudo da história contemporânea surgida em meados do século
XX, após a invenção do gravador a fita. Ela consiste na
realização de entrevistas gravadas com indivíduos que
participaram de, ou testemunharam acontecimentos e conjunturas
do passado e do presente (p.155).
Para registrar estes momentos, utilizei o recurso audiovisual, que além de
proporcionar uma fonte que pode ser consultada quando necessário, é também um
documento que foi mutuamente construído. Levando em consideração que “numa
ciência onde o observador é da mesma natureza que o objeto, e o observador é, ele
próprio, uma parte de sua observação” (Lévi-Strauss, 2006 p.215), o senso crítico e a
compreensão do documento como artefato fazem-se a partir de um cuidado redobrado
para a análise do produto. Além dos diferentes processos históricos que fazem parte da
formação social dos informantes, o processo histórico do qual eu sou produto também
deve ser levado em consideração, desde meu comportamento perante os informantes, até
a seleção de perguntas.
Com isso as entrevistas possuíam a seguinte estrutura: conhecer as formas das
Panelas de Barro; identificar os principais centros produtores e comerciais; habituar-se
as nomenclaturas; interagir com ceramistas (paneleiros), fornecedores e consumidores;
reconhecer os usos; correlacionar os hábitos alimentares de cada localidade com as
formas dos objetos e esclarecer algumas dúvidas que foram deixadas, ou que não
puderam ser sanadas durante a observação.
A estrutura da entrevista permitiu que algumas perguntas fechadas, fossem
mescladas com outras abertas, que se construíram no decorrer do diálogo, configurada
segundo Minayo(2011) como uma entrevista semi-estruturada.
Levando em consideração que cada informante possui uma diferente visão de
mundo, devido aos diferentes processos de formação cultural busquei, não apenas ouvir
estas diferentes visões, que poderiam também indicar especificidades locais, como
também a observação das similaridades de dados em alguns discursos, pois “a dimensão
sócio cultural das opiniões e representações de um grupo que tem as mesmas
características costumam ter muitos pontos em comum” (GOMES, 2011 p. 79) , isso
pode ser ampliado e bem aplicado para a classe de trabalhadores ceramistas . Busco
56
então, ao cruzar as informações, a compreensão, em escala regional, das formas aos usos
das Panelas de Barro.
3.2.3 Análise de produção in situ
Inspirado no trabalho desenvolvido pelo pesquisador Etchevarne (2003), e a
pesquisa realizada por Alves et al (1997), efetuei uma observação do registro de
produção através das sequências operatórias, que conforme Rye (1981) possui algumas
variáveis que são consideradas operações essenciais no processo de manufatura e que
devem ser consideradas na análise:
No processo de manufatura, as operações essenciais incluem: a
descoberta de fontes de matérias-primas, escolhendo aqueles a
serem utilizados, extraindo-as e transportando-as para o local da
manufatura; a preparação destas matérias-primas utilização,
dando formato do utensílio, a secagem e queima (incluindo a
coleta e escolha de combustíveis para controlar o calor) (p. 3).
As propriedades mais relevantes da argila para o ceramista são: a plasticidade,
quando molhada; a capacidade de contração, quando sujeita ao calor; e o comportamento
com relação ao choque térmico (SHEPARD 1965 p.6). Logo, a escolha da matéria-
prima deve levar em consideração o tipo de material que será confeccionado, pois
segundo Rye (1981:26), “materiais específicos estão normalmente correlacionados a
funções específicas”. Dessa forma, utensílios que provavelmente serão utilizados para
cozinhar ou aquecer repetidamente, devem possuir grande resistência a choques térmicos
e baixa permeabilidade.
O próximo passo na fabricação das Panelas de Barro é a preparação da argila.
Segundo Rye (1981 p.26) “essa etapa é dividida em duas partes: o processamento da
matéria prima e o preparo da pasta”. A primeira consiste na remoção de inclusões
57
grosseiras, como pedregulhos e restos de plantas na argila recém-retirada. Já a segunda,
é o acréscimo de antiplástico17
à argila ainda úmida.
A escolha do antiplástico é fundamental já que materiais específicos estão
normalmente correlacionados a funções específicas. Isto porque as propriedades físicas
inerentes a determinados antiplásticos que vão permitir ou não o exercício de
determinadas funções ao “produto final”. Por exemplo: os antiplásticos minerais podem
proporcionar alta resistência ao choque térmico; maior capacidade de aquecimento,
diminuição da resistência ao impacto; e secagem mais rápida que a do tempero orgânico,
que pode ser o caso dos utensílios que são feitos para serem levados ao fogo, como
panelas.
Os formatos dos utensílios vão se constituindo durante o processo de
torneamento ou modelagem, essa característica também tem uma importante influência
na função. As formas das panelas tendem a ser arredondadas, pois “aumentam a
resistência ao impacto” (Schiffer e Skibo 1992: 61), além de controlar melhor o calor
dentro do recipiente. As bordas mais abertas podem contribuir para manuseio de
instrumentos que possam ajudar na cocção, já as bordas mais fechadas, podem contribuir
para uma maior concentração e manutenção de calor dentro do recipiente.
Por fim, outro importante aspecto que pode contribuir para a compreensão da
utilização do utensílio é seu tratamento de superfície. Em muitos casos, o uso dos
tratamentos de superfície ocorre com o objetivo de impermeabilizar os utensílios o que
possibilita a utilização do mesmo (dependendo do uso do recipiente), por exemplo: o
transporte de líquidos em recipientes com alisamento ou vitrificação. Fazem parte da
etapa de acabamento o alisamento, o enegrecimento, o polimento, o engobo e a
vitrificação (Rye 1981:40),
3.3 ANÁLISE DAS PANELAS DE BARRO ARQUEOLÓGICAS: O
SÍTIO ARQUEOLÓGICO ENGENHO MONJOPE
17
Acréscimo, à argila, de elementos minerais ou orgânicos, que alteram a plasticidade ou/e a durabilidade da
peça,podendo vir de origens indeterminadas.
58
Para a análise dos artefatos cerâmicos oriundos de escavações do Engenho
Monjope, será aplicada uma metodologia baseada em Rye (1981), onde buscarei a
identificação das sequências operatórias. Esta análise busca entender a função do
objeto, desde o momento de fabricação do utensílio, o processo de distribuição e, por
fim, a utilização.
De acordo com minhas pretensões, classifiquei18
as variáveis em: (A) Técnica de
produção, (B) Formas, e (C) Uso:
A)Tipo de pasta (areia fina, areia grossa, caco, bolo); Tratamento de superfície
interno e externo (Alisado, vitrificado, polimento, brunido ou escovado); Coloração da
pasta; Manufatura (acordelado, modelado, moldado ou torneado);
B) Morfologia (lábio, borda, bojo, base e apêndice); e reconstituição;
C) Manchas de uso (fuligem ou esfumarado).
3.3.1 Técnicas de Produção
O trabalho Chmyz (1976) foi meu referencial para a discriminação destas
variáveis que seguem, já que a análise das técnicas de produção do recipiente cerâmico
pode ser indicativa da intencionalidade de quem o confeccionou, pois já possuía em sua
mente o produto final e a utilidade deste.
Os tipos de pasta indicam a escolha do anti-plástico, que está ligado tanto à
matéria-prima disponível para a confecção da cerâmica quanto à própria funcionalidade
da vasilha. Como observou Zanettini (2005) sobre o material cerâmico do sítio Capão:
(...) os antiplásticos minerais potencializam a efetividade térmica
dos potes, sendo, portanto, mais adequados para vasilhames
destinados à cocção, embora venham diminuir a durabilidade
desses potes. De qualquer modo, a espessura desses antiplásticos
é menos que 2mm em 72 % desses vasilhames, denotando uma
possível tentativa em garantir uma maior vida-útil para essas
peças, uma vez que elementos minerais de dimensões maiores
aumentariam ainda mais o choque térmico durante o processo de
queima e uso sobre o fogo causando rachaduras e quebras dos
vasilhames. Outra característica favorável aos usos dessas peças
para cozinhas são as espessuras refinadas das suas paredes, que
não ultrapassam 1,2 cm, conduzindo melhor o calor (p. 303).
18
Bunge (1985), entendendo que “a classificação é o modo mais simples de descriminar simultaneamente os
elementos de um conjunto e agrupa-los em subconjuntos, ou seja, é o modo mais simples de analisar e
sintetizar”.
59
O tratamento de superfície pode ser um indicativo para o uso dos utensílios.
Aqueles que visam diminuir as fissuras, ou porosidades (como alisamento, polimento,
brunido, ou vitrificação) podem indicar usos específicos dentro da esfera doméstica,
levando em consideração tanto a função como o design da peça.
A coloração da pasta pode indicar diferentes depósitos de argila que os
ceramistas fizeram uso em suas confecções. Com a queima19
de argilas se obtém
diferentes colorações, podendo ser um indicativo de diferentes depósitos de argila numa
mesma localidade, mas (mais provavelmente) de uma variável regional.
Por fim, a análise da técnica de manufatura do recipiente cerâmico pode ser
indicativa de redes de comércio ou produção artesanal, mas não determinante .
3.3.2 Morfologia
A atribuição nominal para morfologia dos fragmentos cerâmicos foi efetuada a
partir da terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica (CHMYZ 1976): Lábio,
borda, bojo, base ou apêndice. Estes são os termos atribuídos a fragmentos analisados.
Essa identificação é determinante para o processo de reconstituição da peça.
A reconstituição dos artefatos e agrupamentos dos fragmentos em categorias de
recipientes foi atingida conforme o método proposto por Riggs, Davis e Plane (2006).
Estes aplicaram o método de Birkhoff, mas levando em consideração a forma de peças já
conhecidas, concomitantemente com a remontagem de alguns recipientes (colagem) e a
análise da documentação etnográfica.
A classificação de Birkhoff (apud Shepard 1965) se baseia na observação e
descrição de pontos considerados chaves do contorno dos utensílios, a partir dos quais é
possível se ter uma ideia das dimensões. A utilização de tal sistema de pontos-chave
permite a projeção da peça a partir dos fragmentos de borda. De acordo com Shepard
(1965 p.226), devem ser observados: 1) o ponto final da curva, na base ou lábio; 2) os
pontos que medem o diâmetro máximo e mínimo da curvatura; 3) o ponto que marca
19
Não foi analisado a variável “tipo de queima”, pois observou-se que independente do tipo de forno, a queima
de cada vasilhame depende de sua posição nele, independente de uma queima redutora ou oxidante.
60
uma mudança abrupta na curvatura; e 4) o ponto que marca a inversão da direção da
curvatura.
Com o conhecimento das formas dos utensílios, em escala regional; e o
reconhecimento dos utensílios oriundos das escavações, segundo o sistema de pontos
chave; pude obter dados para efetivar as reconstituições digitais dos fragmentos,
atividade que foi inspirada no trabalho proposto pela pesquisadora Alves et al (1993), e
é desenvolvida com recursos digitais.
Basea-se no sistema de classificação morfológica, a partir de
parâmetros geométricos e matemáticos (...). Este sistema permite
a descrição objetiva, com base científica, de objetos cerâmicos
encontrados em sítios arqueológicos (p. 163).
A partir das reconstituições, pode-se atingir a porcentagem, em graus, da
curvatura das bordas em relação ao corpo dos utensílios. Esse dado ajudará no
reconhecimento de padrões.
3.3.3 Manchas de uso
O estudo sobre as marcas de uso consiste na análise das manchas adquiridas
posteriori à etapa de produção, que podem ser identificadas nas superfícies do material
cerâmico. É uma variável qualitativa, que leva em consideração a discriminação:
Fuligem ou Esfumarado.
A fuligem (carbono sólido) é o resultado da deposição de subprodutos da
combustão da madeira utilizada como combustível no fogo que processa alimentos
(fuligem externa), ou a combustão de alimentos de resíduos alimentares que ficam
aderidos na panela (fuligem interna). Segundo Dantas e Lima (2006) “a fuligem é um
importante indicador para inferência da função de vasilhames, dando informações sobre
a posição das panelas em relação ao fogo, o que foi processado no seu interior, o
processo culinário em geral, e se os alimentos foram cozidos em fogo aberto” . É uma
camada escura que apresenta rachaduras, separada (em torno de 1 mm) da cerâmica. Já o
esfumarado pode ocorrer por toda a superfície (externa ou interna); é uma camada
escura e fina, bem aderida, sem a aparência de ser uma camada distinta.
61
Conforme Dantas e Lima (2006), “quando se atinge pelo menos 400 graus de
temperatura, a fuligem é queimada e nenhuma outra se deposita enquanto a temperatura
se manter alta”. Desta forma pode haver bases de alguns utensílios, que por estarem
geralmente em contato direto com o fogo, apresentem descoloração. Seguindo todas
essas etapas de análise, foi possível efetuar inferências sobre os usos e as tipologias das
Panelas de Barro.
CAPÍTULO 4
AS PANELAS DE BARRO DOS SÉCULOS XIX E XX.
A impossibilidade de obter dados através da análise dos artefatos cerâmicos
escavados no Engenho Monjope, que pudessem responder a questão levantada a priori,
sobre o cotidiano das pessoas escravizadas, iniciaram os questionamentos que nortearam
esta pesquisa. Foi como a ponta de um “iceberg”, onde o problema maior estava mais
“profundo”, transformando o Monjope em um dos dados principais desta pesquisa (mas
não o central), que foi usado para entender as Panelas de Barro de todo o estado de
Pernambuco dos séculos XIX até atualidade.
Compreender o motivo pelo qual as Panelas de Barro mantêm um aparente
padrão regional, me fez explorar caminhos diversos para a compreensão das mesmas.
Este segundo ato da dissertação se inicia com os resultados da análise material de
escavações do Engenho Monjope, o levantamento em relatórios de pesquisa sobre os
tipos de Panelas de Barro de variados registros arqueológicos que puderam ser
pesquisados, e registro iconográfico de diversos períodos destas panelas, para verificar
se havia e qual seria realmente este padrão. Assim, construiu-se a “pirâmide” estrutural
que exemplifica a divisão geográfica e temporal desta pesquisa (ver figura abaixo).
Figura 4: Pirâmide estrutural sincrônica referente à temática da pesquisa e as áreas abordadas.
A compreensão deste capítulo é determinante para entender como e por que a
pesquisa se encaminhou para outros universos. Além de conter, boa parte de
informações que são utilizadas na intercalação de ideias que concluem esta pesquisa.
63
4.1 AS PANELAS DE BARRO DO ENGENHO MONJOPE
Localizado no distrito de Cruz de Rebouças, em Igarassu (PE), o engenho faz
parte do projeto “Plano de Preservação dos Sítios Históricos da Região Metropolitana do
Recife” e tem passado por pesquisas arqueológicas desde o ano de 2004, quando foram
realizadas atividades de campo referente ao projeto “Recuperação e Restauração do
Engenho Monjope-PE”. Estas escavações foram realizadas pela equipe da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), na área da moita20
do Engenho e resultaram na
identificação das sucessivas etapas de adaptação tecnológica.
Figura 5: Área total do sítio Monjope com o setor alvo do estudo proposto destacado. Fonte: Projeto
Monojope. Relatório de Escavação – 2011-2012 p.25.
As recentes escavações no engenho (2011, 2012 e 2013) foram também
desenvolvidas pela UFPE, através projeto intitulado “Projeto Arqueológico Monjope”.
As atividades de campo deste projeto foram realizadas como parte da didática do Curso
de Arqueologia e do Programa de Pós Graduação em Arqueologia, ambos da UFPE, e
tendo o professor Scott Joseph Allen como responsável.
20
Local de produção de açúcar no engenho. Também chamada de Fábrica e Moinho.
64
Com os resultados destas campanhas foram realizadas três dissertações e um
artigo acadêmico. Sobre as dissertações: Vera Mesquita (2005) abordou aspectos
referentes a modificações tecnológicas sofridas pelo engenho, com a transição de
produtor de açúcar em larga escala para produção de cachaça industrial; um segundo
estudo, foi realizado pelo pesquisador Almir Bezerra (2009), e abordou a questão da
técnica de produção dos “pães de açúcar” que foram usados no engenho no período de
grande produção açucareira (séc. XVIII-XIX); e por fim, a pesquisa realizada por
Manuela Matos (2009) que discutiu sobre as variadas técnicas e os elementos
construtivos que constituem a casa grande do engenho atualmente. O artigo acadêmico
foi realizado pelos pesquisadores Allen e Moura (2012) e apresentou os resultados da
primeira campanha de escavação do Projeto Arqueológico Monjope - 2011, e foi através
da análise dos materiais cerâmicos desta campanha que eu pude desenvolver a análise
desta pesquisa.
4.1.1 Breve histórico do Engenho Monjope
As primeiras referências documentais sobre a ocupação do engenho remetem ao
final do século XVI, quando:
“(...) Antônio Jorge e Maria Farinha, sua mulher, que eram
proprietários do engenho Inhamã, termo da vila dos Santos
Cosme e Damião, deram aos Jesuítas, pra prosperidade e
serventia do Colégio de Olinda, por amor, em graça, pedaço de
terra de oitocentos braças de quadra, que são postos para os
gados, as quais estavam no termo da vila de Igarassu, em Tajepe”
(NOGUEIRA, 1985 apud BARRÊTO, 2009 p.13).
Estas terras doadas ao Jesuítas, que provavelmente fazem parte do Engenho
Monjope, não foram para eles por toda a prosperidade, pois conforme as Cartas Régias
de 23 de agosto de 1759 e 22 de outubro de 1761, os Jesuítas foram expulsos do Brasil,
e foi deste período que se obteve informações sobre os bens leiloados dos Jesuítas em
Pernambuco, inclusive o Engenho Monjope, que foi entregue a tesouraria da Capitania
em 1770, para ser posto à leilão, e que consta no rol de bens do Colégio de Olinda
referências sobre o mesmo:
O engenho Monjope, d’água, arrendado por 250 arrobas de
açúcar, traçado, sendo duas partes de redondo e uma de somenos,
que segundo um documento de 1746, deixa em dinheiro 200$000
anuais deductis expensis (BARRÊTO, 2009 p.14).
65
Durante os 160 anos que o engenho funcionou como Colégio Jesuíta, há
referências sobre atividades de plantio de mandioca, milho, legumes e uma pequena
produção de açúcar, que era possível graças à mão de obra de pessoas escravizadas que
trabalhavam e habitavam as terras do engenho restando como registro material visível da
ocupação desta época, a capela. Esta é dedicada a São Pedro, foi construída em 1756,
restaurada em 1816 e remodelada em 1929.
Além da capela, fazem parte da configuração arquitetônica do engenho: a casa-
grande, a moita, a casa do capitão do mato, uma casa moderna, construída em 1959 e a
senzala. Conforme Barrêto (2009) “as atuais construções datam de meados do século
XVIII” (p.13), mas que “sempre esteve em transformação no decorrer dos quatro séculos
da sua existência” (ALLEN; MOURA 2012).
Figura 6: Planta baixa Engenho Monjope. Fonte: trabalho gráfico de Mesquita (2005, p. 68) baseado em
planta da FUNDARPE
66
Após o engenho ser tomando dos Jesuítas e posto a leilão, passou a ser gerido
pela família Cavalcanti de Albuquerque, entre 1770 a 1898. Durante este período, o
engenho foi de seu momento econômico mais glorioso à decadência.
O Monjope funcionou ainda como base militar contra a Revolução Praieira, que
provavelmente proporcionou alterações às estruturas do terreno, apesar de que não
foram localizados documentos que tratavam do assunto (Barrêto 2009). Neste período, o
engenho foi importante de tal forma, que abrigou em sua casa-grande o imperador D.
Pedro II, quando visitava o nordeste do Brasil, em 1859. Ainda neste período, em 1869,
a Baronesa de Vera Cruz, então proprietária do engenho, solicitou uma avaliação dos
bens que possuía, pois almejava levar o engenho a leilão, conforme Barrêto (2009), “O
documento é importantíssimo, pois relacionam nominalmente os 84 escravos da
propriedade naquele ano. A renda anual do engenho foi avaliada em 12:000$000 (doze
contos de réis)”. (p.23).
Apesar de o ápice de produção do engenho ter sido durante meados do século
XIX, foi durante as décadas finais deste mesmo século que passou pela fase de declínio
de sua produção, provavelmente, devido “à emancipação dos trabalhadores escravizados,
modernização de alguns poucos engenhos da região, implantação das usinas e
transformações tecnológicas” (ALLEN; MOURA, 2012). Devido a estes fatores, fo i
levado a leilão por duas vezes para pagamento de dívidas, “a primeira em 16 de
novembro de 1898, não comparecendo ninguém, e a segunda em 28 de novembro do
mesmo ano, sem ter sido vendido por falta de compradores” (BARRÊTO, 2009 p.27),
sendo adquirido entre 1904 e 1905, pela família Novelino.
Durante esta etapa de sua história, já sem pessoas escravizadas e em pleno
declínio da economia do açúcar nacional, o engenho voltou a fabricar açúcar, atividade
que durou apenas até 1940, sendo interrompida para a produção industrializada de
cachaça, chamada Monjopina (MESQUITA, 2005) e de vinagre (VELOSO, 2004). Esta
atividade econômica durou até 1962, ano de falecimento do último proprietário do
engenho, o Cel. Vicente Antônio Novelino.
Em 1966 o Engenho Monjope passou a funcionar como o Clube de Campo
Engenho Monjope até 1986, quando se iniciou o processo de tombamento por parte da
FUNDARPE.
67
Em resumo, a história do engenho pode ser dividida em períodos que são
narrados conforme o ponto de vista daqueles que puderam ter suas histórias escritas,
como os Jesuítas e os senhores de engenho. Não havendo, até o presente momento,
qualquer trabalho que busque uma história alternativa sobre engenho, como os “simples”
aspectos do cotidiano.
Na contramão disso, as atividades de escavação que se iniciaram no ano de 2011,
(da qual eu tenho feito parte da equipe desde os primeiros momentos em que se pensou
nas estratégias de escavação), buscou “encontrar artefatos ou vestígios que permitissem
a compreensão de aspectos sociais destas pessoas, seus hábitos, costumes, áreas de lazer,
entre outras coisas” (ALLEN E MOURA, 2012), e com isso, coletou uma grande
quantidade de artefatos que foram exumados da área da senzala.
4.1.2 Escavação no Engenho Monjope (2011 - 2012)
Para buscar elementos que subsidiassem dados que pudessem ser inferidos sobre
o cotidiano das pessoas que trabalhavam e habitavam o engenho, foi escolhida a área da
senzala, pois:
Partimos do pressuposto de que as pessoas que vivem, sob o
regime de prisão desenvolvem suas atividades de lazer numa área
particular. Escondido aos olhares daqueles que os vigiam, estes
atores sociais mantém seus hábitos nestes lugares específicos,
como por exemplo, os fundos da senzala, tal como proposto por
Singleton (2001) em estudo sobre Barracones em plantations
cubanas (ALLEN E MOURA, 2012).
A senzala do engenho está localizada em uma área de baixo relevo, em relação às
demais edificações, entre a casa-grande (fachada lateral esquerda), entrada e saída do
engenho (fachada lateral direita) e casa do capitão do mato (defronte a esta), restando
apenas os fundos da senzala como uma área de provável atividade de lazer. Foi este o
espaço escolhido para demarcação e escavação das unidades, com exceção de uma
trincheira, defronte a senzala, para verificação da estratigrafia.
Levando em consideração que “o Engenho tem passado por constantes
transformações ao longo de sua trajetória, havia a necessidade de entender como estas
modificações poderiam ser percebidas no registro arqueológico” (ALLEN E MOURA
68
2012), para isso, dividiu-se as atividades de campo em três etapas: A) Prospecção; B)
Escavação; e C) Análise em laboratório.
A prospecção foi realizada com a intenção de escolher áreas com potencial
arqueológico de interesse para pesquisa, como estruturas e vestígios relacionados às
pessoas escravizadas. Foi feita através de prospecção visual de superfície, e a
prospecção geofísica, que foi realizada com o auxílio de aparelhos eletrônicos, como o
GEOSCAN RM-15D Resistivity Meter e o fluxgate gradiometer, e identificou áreas de
alta e baixa resistência magnética.
Figura 7: Uso do Fluxgate Gradiometer e do GEOSCAN RM-15D Resistivity Meter (respectivamente).
Fonte: Projeto Monojope. Relatório de Escavação – 2011 – 2012 p.31
A partir dos resultados das prospecções, foram selecionadas 35 unidades, de 1x1,
para serem escavadas. Estas unidades foram demarcadas em conjuntos, com os
propósitos de: conhecer o perfil estratigráfico da área; verificar as áreas que
apresentaram alta e baixa resistência magnética; além de se escavar algumas unidades
próximas à estrutura da senzala com o intuito de se identificar outras estruturas e/ou
evidenciar áreas de lazer.
69
Figura 8: Unidades demarcadas. Fonte: Projeto Monojope. Relatório de Escavação – 2011 – 2012 p.25.
A escavação propriamente dita ocorreu nestas unidades que foram escavadas
através de decapagens21
artificiais que buscavam evidenciar as camadas culturais,
controladas através do sistema de unidades estratigráficas (UE).
Figura 9: Representação hipotética de uma unidade escavada, com destaque para as diferentes
decapagens através das Camadas. Fonte: Projeto Monojope. Relatório de Escavação – 2011 – 2012 p.25
21
Retirada de “lentes” de terra.
70
Como resultado da escavação na parte da frente da senzala (uma trincheira (1X10
m), se pode conhecer a estratigrafia do sítio, e suas várias intervenções, principalmente
no período em que o engenho funcionou como clube de campo. Esta estratigrafia revelou
que a partir da camada 4 (aproximadamente a 80,0 cm da superfície), o registro
arqueológico se torna estéril.
No conjunto de unidades que estava próximo à senzala, também foi evidenciados
elementos associados ao período em que o engenho funcionou como clube de campo.
Durante essa ocasião, o engenho passou por diversas intervenções físicas (como a
transformação da senzala em banheiros), revelando um elevado grau de perturbação, das
unidades estratigráficas, com artefatos de diversos períodos associados a todas as
camadas.
Já as unidades que foram demarcadas através da prospecção geofísica (na outra
margem do riacho – ver Figura 8) revelaram que não houve indícios de atividade
antrópica naquela área. Apresentou uma camada homogênea e alguns poucos artefatos,
que estariam ali, provavelmente por ação natural, devido a um alagamento verificado em
fotos.
Com os resultados das escavações, percebeu-se que às diversas intervenções
construtivas ocorridas no engenho, principalmente no período em que foi usado como
clube de campo, alteraram o registro arqueológico e o (re)configurou devido ao:
(...) sítio está perturbado, pois houveram diversos aterros na área
conhecida como a senzala, estas alterações no contexto foram
identificadas através dos registros das camadas e nos materiais
contemporâneos coletados em camadas profundas, associados a
materiais mais antigo, como também pode ser reconhecido o
processo inverso. (Projeto Monjope. Relatório de Escavação
2011-2012 p.140).
Além destas perturbações, foi evidenciado um grande número de artefatos, onde a
principal categoria foi de artefatos denominados: “cerâmica utilitária”. Estes
representaram 28% (1741) de um total de 6302 fragmentos de artefatos.
71
Gráfico 1: Porcentagem de artefatos oriundos de escavações do Engenho Monjope (2011)
Devido à predominância de cerâmicas utilitárias, o sítio arqueológico Engenho
Monjope se assemelha à maioria dos sítios arqueológicos históricos brasileiros, e tal
como estes, possui contextos com materiais de diversos períodos. Todavia, revelou-se a
predominância de matérias datáveis que remetem ao século XIX e XX, não havendo
dados materiais tangíveis que possam inferir a uma data anterior, assim, as Panelas de
Barro oriundas destas escavações estão associadas a este período, e foram analisadas
com o a finalidade de se conhecer como os agentes sociais fizeram uso destas naquele
período, e quem foram estes agentes.
4.1.3 Análise do Material Arqueológico do Engenho Monjope
(Campanha 2011 - 2012).
As atividades de laboratório desenvolveram-se no Núcleo de Estudos
Arqueológicos da Universidade Federal de Pernambuco (NEA/UFPE), lá os materiais
passaram por um processo de triagem, lavagem, numeração e catalogação.
A categoria material cerâmica utilitária, ou Panelas de Barro, passou pelo mesmo
processo que os demais materiais, mas além da limpeza, numeração e catalogação, os
materiais foram analisados. Destes, foram selecionados para análise os fragmentos de
Cerâmica Utilitária
28%
Materiais
Construtivos
21% Metal
22%
Vidro
10%
Louça, Faiança
e Porcelana
10%
Plástico
4%
Ósseo, Madeira e
Borracha
3%
Outros
2%
72
materiais que possibilitasse identificar pelo menos um dos critérios técnicos
estabelecidos (fragmento diagnóstico), restringindo a amostra para 737 fragmentos de
artefatos.
A análise das Panelas de Barro foi baseada em modelos de outros pesquisadores,
como descrito no capítulo metodológico (3.3), e divida em três momentos:
1. No primeiro momento, busquei analisar as operações essenciais (RYE,
1981), para conhecer as categorias de artefatos que foram exumados
durante as escavações, com variáveis que podem indicar a utilização dos
fragmentos de artefato.
2. O segundo momento de análise foi inspirado na proposta de reconstituição
dos fragmentos “através dos recursos computacionais”, propostos por
Alves et al (1993 p.163); e o modelo elaborado por Riggs, Davis, Plane
(2006) sobre a analogia das forma encontradas em contexto arqueológicos
com aquelas que são produzidas atualmente.
Esta segunda etapa da análise foi desenvolvida com os fragmentos de
borda, como representativos das populações dos universos de fragmentos
de cada categoria.
3. O terceiro e último momento da análise, consistiu-se com a análise das
marcas de uso (DANTAS; LIMA, 2006) de todos os fragmentos dos
fragmentos de bordas, associando-os a fim de identificar o percentual de
marcas de uso por tipo de utensílio. Com a intenção de se verificar se as
formas das Panelas de Barro que foram reconstituídas apresentam indícios
que possam estar associados aos tipos de alimentos que foram produzidos
naqueles recipientes, e através dos resultados, verificar analogamente se as
formas e usos das Panelas de Barro produzidas atualmente condizem com
estas de contexto arqueológico.
A análise iniciou com a observação, descrição e separação dos materiais, de
acordo com os critérios de técnicas de produção, através das seguintes variáveis: a) tipo
de antiplástico; b) tratamento de superfície; c) manufatura; d) tipo de queima e; e)
coloração da pasta, para agrupar os fragmentos em categorias.
73
Houve a tentativa de correlacionar variáveis conforme o tipo de pasta (areia fina,
areia grossa e caco), tratamento de superfície interno e externo (ali sado, pintado,
brunido, engobo), coloração da pasta (genericamente chamado de branco, marrom,
cinza, preto, vermelho) e manufatura (torneado, modelado), considerando que
independente da forma e período em que o utensílio foi utilizado, estas características
permanecem inalteradas desde o momento de produção do utensílio até o seu descarte,
sendo assim variáveis essencialmente técnicas (RYE, 1981). A coloração da pasta pode,
entre outras coisas, indicar a origem dos depósitos de argila. Mas devido a grande
variedade de resultados atingidos, esta categoria de análise foi descartada no
agrupamento.
Desta forma, foram levadas em consideração as variáveis: tipo de pasta;
tratamento de superfície interno e externo; e manufatura. Assim, após a análise foram
estipuladas as seguintes categorias:
AF1) areia-fina, alisado externo e alisado interno;
AF2) areia-fina, alisado externo e brunido interno;
AF3) areia-fina, alisado externo e engobo interno;
AF4) areia-fina, alisado externo e vitrificado interno;
AF5)areia-fina, pintado externo e alisado interno;
AF6) areia-fina, pintado externo e pintado interno;
AF7) areia-fina, pintado externo e engobo interno;
AF8) areia-fina, engobo externo e alisado interno;
AF9) areia-fina, engobo externo e vitrificado interno;
AF10) areia-fina, engobo externo e engobo interno;
AF11) areia-fina, vitrificado externo e alisado interno;
AF12) areia-fina, vitrificado externo e vitrificado interno;
AG1) areia grossa, alisado externo e alisado interno;
AG2) areia grossa, alisado externo e brunido interno;
AG3) areia grossa, alisado externo e engobo interno;
AG4) areia grossa, alisado externo e vitrificado interno;
AG5) areia grossa, pintado externo e alisado interno;
AG6) areia grossa, engobo externo e alisado interno;
AG7) areia grossa, engobo externo e engobo interno;
74
CA1) caco, alisado externo e alisado interno;
CA2) caco, alisado externo e vitrificado interno;
CA3) caco, engobo externo e alisado interno;
Gráfico 2: Frequência dos fragmentos cerâmicos e suas respectivas categorias.
Como resultado da análise, percebe-se que a predominância é de fragmentos com
provável acréscimo de minerais e, outros sem acréscimo de minerais (AG1 e AF1,
respectivamente), que possuem o alisamento tanto na superfície externa quanto na
superfície interna. O que pode ser um indicativo que houve, por parte do ceramista, um
tratamento diferenciado durante a preparação do utensílio, havendo a idealização do
produto final. Outra marcante categoria foi percebida em alguns poucos, porém
expressivos, fragmentos que possuem acréscimo de minerais a pasta, alisamento na
superfície externa e vitrificação na superfície interna, que pode indicar que foram
utensílios utilizados para comportar líquidos (AG4 e AF4). Interessante notar também,
que apesar de haver um alto número de fragmentos que não puderam ser identificados o
tipo de manufatura, há uma predominância de fragmentos que foram confeccionados
com o auxílio do torno, que indica um tipo de produção mais sofisticada, do tipo
industrial, como indicou Rye (1981).
O segundo momento da análise ocorreu após a classificação dos fragmentos em
categorias, fazendo o mesmo com os fragmentos diagnóstico (borda), para se atingir as
0
50
100
150
200
250
300
350
AG
1
AF1
AF4
AG
4
CA
1
AF8
AG
3
AF2
AF3
AF5
AF6
AF1
0
AG
2
AG
5
AG
6
AG
7
AF7
AF9
AF1
1
AF1
2
CA
2
CA
3
Torno Modelado NI (não identificado)
75
formas dos utensílios (como proposto no capítulo metodológico), para poder associar as
categorias de fragmentos com as formas dos utensílios.
Seguem as formas dos utensílios, alcançados a partir das reconstituições gráficas
dos fragmentos de objetos:
As bordas das Panelas de Barro, que são diretas, com graus de curvatura que
variam entre 38º e 34º, e bojo globular, foram denominadas como do tipo “A”. Foram
encontradas 8 bordas que podem estar associadas a este tipo de utensílios, destas, 3
pertencem a categoria de artefatos AG1, sendo duas com marca de confecção em torno e
uma modelada; 2 bordas pertencentes a categoria AF1, uma modelada, e uma torneada;
1 peça da categoria AF4, com marcas de torno e 2 peças que não puderam estar
associadas com certeza, a qualquer categoria.
Figura 10: Fragmentos de borda e reconstituição do tipo “A”, encontrado em escavações do Engenho
Monjope (autora: Tainã Moura Alcântara).
As bordas que possuem curvatura de inclinação entre 102º e 115º, sendo diretas,
com o bojo praticamente reto, foi considerado como sendo pertencente ao grupo “B”. Na
coleção de artefatos cerâmicos há presença de dois fragmentos de borda que podem estar
associados a este tipo material. Ambas possuem e marcas de torno e pertencem a
categoria AF1.
76
Figura 11 Fragmento de borda do tipo “B”, desenhada e reconstituição (autora: Tainã Moura Alcântara) .
As bordas que estão associadas à categoria tipo “C”, são extrovertidas e
apresentam uma circunferência que tende a demonstrar que o bojo é piriforme. Foram
encontrados dois fragmentos de borda deste tipo de utensílio, ambos pertencem à
categoria AF10 e possuem inclinação média de 56º.
Figura 12: Reconstituição de Panela de Barro tipo “C”, encontrada em escavações do Engenho Monjope.
(autora: Tainã Moura Alcântara).
Outro tipo de utensílios identificado foi o “D”. Estas bordas são diretas, com
ângulos que indicam uma curvatura piriforme do bojo, e possuem ângulo médio de 85 º.
Os fragmentos de borda deste tipo de utensílio (4 ao todo), que foram encontrados nestas
77
escavações, estão classificados na categoria AF1, sendo duas com marcas de torno, uma
com marca de modelagem e uma que não pode ser identificada.
Figura 13: Fragmento de borda tipo “D”, foto e reconstituição. (autora: Tainã Moura Alcântara) .
A reconstituição das bordas da categoria “E” indicou que a inclinação da borda
está entre 50º e 75º e seu bojo possui característica piriforme. Foram coletadas 7 bordas
que estão associadas a este tipo utensílio, elas apresentam elementos que as associa a
categoria AFI, sendo 2 torneadas, 2 modeladas 3 não identificadas.
Figura 14: Fragmentos de bordas e reconstituição de Panela de Barro pertencente à categoria “E”.
(autora: Tainã Moura Alcântara).
As bordas que representam o maior percentual quantitativo de fragmentos são
aquelas que podem ser associadas aos tipos de utensílios que foram designados pelo
código “F”. A reconstituição destas bordas introvertidas apresentou um padrão de
inclinação que gira em torno de 58º, indicam também o bojo tipo globular.
Foram coletados 16 fragmentos destas bordas, das quais 12 pertencem a categoria
AF1 e 4 a categoria AG1, sendo 6 com marcas de torno, e com marcas de confecção
modelada e as outras 6 não puderam ser identificadas.
78
Figura 15: Fragmentos de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “F”. (autora: Tainã Moura
Alcântara).
Houve também a identificação de bordas que foram identificadas com o código
“G”. Bordas como esta foram encontradas também em grande número, 10 ao todo. São
bordas diretas, que com a reconstituição aparentam possuir um bojo piriforme.
Das 10 bordas encontradas, 7 pertencem a categoria AF1 e 3 não puderam ser
identificadas, sendo 5 com marcas de torno e 2 com marcas de modelagem, e possuem
inclinação que varia entre 90º e 100º.
Figura 16: Fragmento de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “G”. (autora: Tainã Moura
Alcântara)
Por fim, houve a identificação de 8 bordas que foram classificadas como tipo
“H”. São bordas diretas, que possuem bojo piriforme, identificados naqueles que
possuíam bojo, com inclinação que varia entre 120 e 140 graus, da borda em relação ao
corpo. As 8 bordas identificadas pertencem a categoria AF1, e 6 destas apresentam
marcas de torno, enquanto 2 apresentam marcas de modelagem.
79
Figura 17: Fragmento de borda e reconstituição de Panela de Barro do tipo “H". (autora: Tainã Moura
Alcântara)
Com os dados expostos acima, verifiquei que há uma grande variedade de tipos
de Panelas de Barro, onde cada uma delas pode estar associada a categorias e que o
percentual quantitativo de cada tipo de utensílio poderia indicar quais os tipos de
alimento mais consumidos, com isso, formulei um gráfico para verificar quais os
utensílios mais recorrentes.
Gráfico 3: Quantidade de tipos de utensílios, a partir da quantidade de bordas, e as referentes categorias
a que pertencem.
Com a leitura do gráfico acima, observei que a maioria dos utensílios pertence a
categoria material tipo AF1, que faz sentido por se tratar de materiais ligados a
utensílios de cozinha. Areia fina é um bom condutor de calor, além de favorecer uma
plasticidade ao utensílio, da mesma forma que o tratamento de superfície do tipo
0
2
4
6
8
10
12
14
16
tipo "F" tipo "G" tipo "H" tipo "A" tipo "E" tipo "D" tipo "B" tipo "C"
AF4 AF1 AG1 NI AF10
80
“alisado” auxilia na cocção dos alimentos e impede que fragmentos da panela se
fragmentem e danifiquem o alimento.
Por fim, no terceiro estágio de análise, foi verificado se havia qualquer indício de
utilização, como marcas de fuligem, esfumarado ou nenhuma marca. Efetuando esta
análise através da relação entre as formas e as marcas de uso, a fim de entender que tipo
de alimento foi cozinhado em cada categoria de utensílio.
Analisando todos os fragmentos cerâmicos utilitários, pude efetuar o seguinte
gráfico:
Gráfico 4: Percentual de manchas de uso dos fragmentos.
Com a observação do gráfico e a correlação dos dados dos fragmentos analisados
com os tipos de utensílios, pude perceber que os fragmentos pertencentes às categorias
“A”, “E”, “F”,”G” e “H” apresentam manchas de uso.
Manchas externas, como na figura abaixo, foram identificados na maior parte dos
fragmentos de utensílios referentes a categoria “A”, sendo manchas do tipo Esfumarado
com fuligem, o que indica que este tipo de utensílio esteve em contato com o fogo.
Sendo observada, em todos os utensílios a ausência de manchas de uso internas, o que
pode indicar que estes tipos de utensílios foram utilizados para cozimento de matérias
líquidas.
26%
19%
14%
14%
14%
5%
3% 2% 2%
1% Sem machas externas e internas
Esfumarado externo e interno
Fuligem externa e esfumarado interno
Esfumarado externo e sem manchas internas
Fuligem externa e sem manchas interna
Fuligem externa e fuligem interna
Esfumarado externo e fuligem interna
81
Figura 18: Fragmentos de Panelas de Barro do tipo “A”, com detalhe para manchas de fuligem externa.
Figura 19: Vista da parte interior dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro tipo “A”, com ausência
de manchas internas em detalhe.
Nos fragmentos de utensílios pertencentes à categoria dos tipos “E” e “F”, foi
observada a presença de fuligem externa, o que indica que os utensílios foram levados
ao fogo diretamente, além de ser observado nestes fragmentos o esfumarado interno,
indicando que houve a cocção de algum tipo de alimento líquido com a presença de
matéria orgânica.
.
82
Figura 20: Fragmentos de Panelas de Barro do tipo “F” com fuligem externa.
Figura 21: Vista da parte interior dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro do tipo “F”, com
esfumarado interno em detalhe.
Os fragmentos de utensílio que remetem às formas de Panelas de Barro do tipo
“G” e “H” apresentaram manchas externas e iternas como: esfumarado e fuligem.
Indicando que alguns destes utensílios foram levados diretamente ao fogo, enquanto
outros tiveram algum intermediário. Já as manchas internas indicam que estes foram
utilizados para cocção de alimentos sólidos, como aqueles que apresentam manchas tipo
fuligem, e/ou foram utilizados também para cocção de alimentos com substâncias mais
líquidas.
83
Figura 22: Panela de Barro do tipo “H”, com esfumarado externo em detalhe.
Figura 23: Vista interna dos fragmentos que remontam uma Panela de Barro do tipo “H”, com esfumarado
interno em detalhe.
Percebeu-se então que há ausência de manchas de uso nos utensílios do tipo “B”,
“C” e “D”, assim, entendo isto como um indicativo que estes não foram utilizados para a
cocção, mas transporte e/ou armazenamento de alimentos. Já o caso dos utensílios do
tipo “A”, que apresentou apenas manchas externas, que pode ter sido utilizado para o
aquecimento de líquidos.
Os utensílios que remetem aos tipos “E” e “F” apresentaram elementos que
podem inferir a alguma utilização destes no processo de preparo de alimentos , com
contato direto ao fogo ou não. As manchas do tipo esfumarado, presente em todos os
84
utensílios, juntamente com alto número de fragmentos destes utensílios, é realmente um
indício que estes tipos de utensílios podem configurar-se como os tipos de Panelas de
Barro mais utilizados naquele contexto, que forneciam o tipo de alimento mais
substancial para aquele, ou aqueles, grupos que lá viveram.
Nos fragmentos de utensílios que foram constados como pertencentes à categoria
dos tipos “G” e “H” ficou evidente que há uma marcante presença de fuligem interna em
boa parte dos utensílios, fator que indica que algum tipo de matéria orgânica
carbonizada deixou indícios naquelas superfícies no momento de cocção.
Em decorrência das análises, verificou-se que todos os fragmentos de artefatos,
da categoria material “cerâmico utilitário”, estão associados a tipos específicos de
Panelas de Barro, que foram classificados em 8 (oito) diferentes tipos, que
apresentaram indícios de três variados tipos de utilização.
Estes utensílios apresentaram evidencias de utilização na esfera da cozinha, o que
responde, em partes, umas das variáveis da análise através das sequências operatórias, a
utilização. Outra variável proposta também pôde ser parcialmente respondida, a
manufatura, quando se constatou que os utensílios possuíam tratamentos de superfície e
pasta que apresentam indicativos de escolhas propositais por parte dos ceramistas.
Porém, apenas com estes indícios, não se pôde efetuar qualquer tipo de inferência sobre
o cotidiano das pessoas que moravam ou trabalhavam no Engenho Monjope, pois não há
dados que permitam relacionar diretamente a esta classe de indivíduos, naquele contexto
(devido à perturbação da estratigrafia), apenas o fato de que estes vestígios são,
provavelmente, o único registro documental das pessoas que os fizeram e/ou utilizaram.
Nos 8 (oito) tipos de utensílios que foram verificados, observou-se que além de
não possuírem qualquer tipo de decoração, e suas variadas pastas indicaram tratar-se,
provavelmente, de diversos de depósitos de argila, ou locais de produção, estas Panelas
de Barro são de fato muito semelhantes as que são produzidas atualmente, que podem
ser encontradas em restaurantes, casas, feiras e mercados públicos no estado de
Pernambuco, como já diagnosticou alguns pesquisadores.
E foi a partir destas constatações que a pesquisa se transfigurou, pois, se há toda
uma classe de pessoas que possuem nos registros artefatuais cerâmicos a única fonte de
85
informação a seu respeito, o que se sabe a respeito destas cerâmicas (Panelas de Barro),
além do fato que são utilizadas, e provavelmente manufaturadas, para cocção de
alimentos, como as Panelas de Barro do Monjope? Mas será mesmo que as demais
também possuem estes padrões, como estas do Monjope? E, se realmente possuírem,
qual seria a razão deste padrão regional?
A fim de conhecer melhor estas Panelas de Barro, e sabendo que são estes os
artefatos mais recorrentes de sítios históricos, parti para investigação de como estes
artefatos tem se apresentado em outros contextos do estado e como os arqueólogos estão
lidando com estes problemas. Com isso, poderia conhecer melhor estes artefatos, além
de levantar dados para responder o questionamento que norteia esta pesquisa e os
demais que surgiram conforme o processo.
4.2 AS PANELAS DE BARRO NOS RELATÓRIOS TÉCNICOS DE
PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS EM PERNAMBUCO
A pesquisa sobre a ocorrência de Panelas de Barro em sítios históricos
pernambucanos foi desenvolvida através do CNSA22
, para posteriormente serem
analisados os relatórios técnicos que constam informações sobre sítios históricos em
Pernambuco, relatórios que estão na sede regional do IPHAN.
Até o dia 20 de fevereiro de 2013 estavam cadastros no CNSA 228 sítios
arqueológicos históricos em Pernambuco. Este número representa 45,6% dos sítios
cadastrados no Estado, onde o total abrange aqueles que constam nas categorias ‘pré-
histórico’ e ‘contato’. Deste universo de sítios arqueológicos históricos, foram
consultadas informações sobre 115 sítios, com o intuito de encontrar qualquer tipo
informação sobre Panelas de Barro utilizadas em Pernambuco.
Foi selecionada uma população de 50,43% (115) dos sítios arqueológicos em
relação ao universo dos sítios históricos em Pernambuco, pois este percentual representa
os sítios que foram escavados nos últimos 10 anos. A escolha por analisar sítios
estudados em períodos mais recentes decorre da probabilidade de, neles conter
informações, ou mais informações, a respeito das Panelas de Barro pernambucanas.
Pois como foi percebido nos primeiros momentos desta pesquisa, o crescente número de
22
Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos
86
estudos sobre “cerâmicas utilitárias” se iniciaram através das “novas preocupações” da
Arqueologia Histórica Brasileira, à aproximadamente 10 anos, com os trabalhos de
Zanettini (2005), Souza (2008), Symanski (2008) e Amaral (2012).
Destes 115 sítios consultados em relatórios técnicos de pesquisa, foi constatado
qualquer tipo de menção sobre Panelas de Barro em apenas 41 sítios (e em 142 áreas de
ocorrência) descritos nos relatórios. Os tipos de informações foram classificados nas
seguintes categorias: A) menção de presença e descrição da cerâmica utilitária; e B)
apenas menção da presença de cerâmicas utilitárias. Estas informações foram tabuladas
como mostro a seguir:0
Tabela 1: Sítios arqueológicos em que as Panelas de Barro são mencionadas
Título do
Projeto
Pesquisador
responsável
Nome dos
sítios
arqueológicos
Tipo
de
infor
mação
Título do
Projeto
Pesquisador
responsável
Nome dos
sítios
arqueológicos
Tipo
de
inform
ação
Relatório da
Prospecção
Arqueológica
da área em que
outrora existiu
o Arco da
Conceição,
uma das
antigas portas
do Recife. –
2003
ALBUQUER
QUE, Marcos
e LUCENA,
Lucena.
Bairro do
Recife A
Relatório II
“Prospecção
Arqueológica Na
Sesmaria
Jaguaribe” –
2007
OLIVEIRA,
Cláudia
Sítio São
Bento, Casa
dos Monges
B
Usina São
José,
ocorrência I
A
Assentamento
Ubu A
Sítio Arataca I A
Sítio Arataca II A
Rua da Foice A
Programa de
Prospecção e
Resgate
Arqueológico
na Área da
PCH de Pedra
Furada –
Relatório
Final, 2011.
-
ALBUQUER
QUE, Marcos
e LUCENA,
Lucena
PE 0570
LA|UFPE A
Relatório Final.
EF CIA
Ferroviária do
Nordeste – CFN.
Trecho 3, Cabo
(PE) a Propriá
(SE), Relatório
Final. 2007
SYMANSKI,
Luís
Claudio-
ZANETTINI,
Paulo
Sítio Joaquim
Nabuco A
Sítio Engenho
Firmeza B
PE 0571
LA|UFPE B
Sítio Engenho
Muçu B
PE 0571
LA|UFPE B Sítio Joaquim
Nabuco I B
PE 0573
LA|UFPE B
Sítio Joaquim
Nabuco II B
Sítio Jaqueira B
PE 0574
LA|UFPE B
PE 0575
LA|UFPE B
PE 0576
LA|UFPE B
Sítio Frei
Caneca B
87
PE 0577
LA|UFPE B Sítio Carapeba B
PE 0647
LA|UFPE B
Sítio Estação
Mundaú B
PE 0652
LA|UFPE B Sítio Rio Largo B
PE 0655
LA|UFPE B
Sítio
Espalhado
B
PE 0658
LA|UFPE
B
Relatório Final:
Salvamento
Arqueológico
nas Linhas de
Transmissão 500
KV Xingó-
Angelim e 230
KV Angelim-
Campina Grande
(AL, SE, PE,
PB)
Desconhecid
o
Sítio Pão de
Açúcar II
A
Relatório Final
Arqueologia
Baluarte Porta
da Terra. 2005
PESSIS,
Anne Marie;
MARTIN,
Gabriela.
Baluarte Porta
da Terra A
Projeto
Monitoramento
e Salvamento
Arqueológico
das obras de
“Adequação de
Capacidade
Rodoviária da
BR – 101,
treco Natal-RN
– Palmares PE”
Relatório
Final. 2009
ALBUQUQU
ERQUE,
Marcos
O autor não
mencionou
qualquer
localização
precisa para
ocorrências,
apenas citou
que houve o
registro de 142
ocorrências ao
longo da área
estudada.
A
Relatório I –
Pesquisa
Arqueológica na
área da Sesmaria
Jaguaribe. 2011
OLIVEIRA,
Cláudia
Sítio Arco Íris
II A
Programa de
Prospecção e
Resgate
Arqueológico
na Área da
PCH de Pedra
Furada –
Relatório
Parcial. 2009
ALBUQUER
QUE,
Marcos;
VELEDA,
Lucena;
NOGUEIRA,
Rúbia
PE 0573
LA|UFPE B
Relatório I –
Prospecção
Arqueológica na
Sesmaria
Jaguaribe. 2005
OLIVEIRA,
Cláudia
Sítio São
Bento B
Sítio
Maranguape A
PE 0574
LA|UFPE B
Sítio Macacos A
Sítio Córrego
do Ouro A
Sítio Belenga A
Programa de
Gestão do
Patrimônio
Arqueológico da
Ferrovia
Transnordestina,
Sítio
Arqueológico
Fazendinha,
ZANETINNI,
Paulo
Eduardo
Fazendinha A
88
Com a constatação dos dados da tabela acima, percebe-se que apenas 54,78% dos
sítios analisados através dos relatórios possuem qualquer tipo de menção sobre Panelas
de Barro. O que pode indicar que os pesquisadores não têm dado a devida atenção a esta
categoria de utensílios, ou que em Pernambuco as Panelas de Barro foram pouco
utilizadas, contradizendo o que Sysmanski (2009) afirmou sobre estes serem os artefatos
mais recorrentes em sítios arqueológico históricos brasileiros.
Independente do motivo pelo qual as Panelas de Barro não têm sido mencionadas
com recorrência nos relatórios técnicos de pesquisa arqueológica é interessante notar
que foi constatada uma descrição de utensílios desta categoria material em apenas 16
sítios (13,91% do total de sítios pesquisados). Além disso, por mais que alguns
pesquisadores já tenham indicado sobre a continuidade de um padrão dos utensílios, no
que diz respeito às formas (PESSIS; MARTIN 2005 e AMARAL, 2012), esta
padronização não é constatada nos discursos dos demais pesquisadores , o que poderia
por em xeque toda esta pesquisa. Contudo só analisando os relatórios, conforme capítulo
metodológico (3.1), é que posso fazer uma inferência mais profunda sobre estes
artefatos de outros sítios.
4.2.1 Termos, conceitos e caracterização das Panelas de Barro
nos relatórios de pesquisa.
A partir da descrição destes utensílios de 16 sítios, faço minhas análises de sobre
as Panelas de Barro utilizadas em Pernambuco, a começar pela análise dos termos
atribuídos para estas.
O termo Cerâmica Neobrasileira é o mais recorrente nos relatórios de pesquisa,
mas não só este é utilizado pelos pesquisadores em seus trabalhos, há também termos
como Cerâmica Utilitária (ALBUQUQUERQUE, 2009 p.279), o termo Cerâmica
Colonial e Cerâmica Leve (OLIVEIRA, 2005 p. 71-83) e o termo Cerâmica de
Produção Local/Regional (SYMANSKI; ZANETTINI 2007 p.35). Como já foi
demonstrado no início desta dissertação, no capítulo 1 (“Termos e Conceitos”), estes
termos carregam consigo as formas com que os arqueólogos tem visto esses materiai s e
os significados destes.
89
Salientando que há uma variedade de termos e conceitos que são utilizados para
atribuir o que eu tenho chamado até aqui de Panelas de Barro, como há também um
claro problema na arqueologia brasileira para denominação de um termo coerente que
carregue consigo algum tipo de sentido e ação social para esta categoria material
(MINAYO, 2011b). Assim, entendo que estes pesquisadores não tenham questionado
formas de atribuição para estes artefatos, mas sim, apenas os descreveram conforme a
tradição arqueológica, não podendo ser um dado que comprove variedade artefatual, mas
sim, diferentes pontos de vista.
Apesar dos conceitos que são atribuídos aos termos determinarem, em algumas
pesquisas, os atributos que os pesquisadores têm usufruído para guiar suas análises, nas
descrições que pude perceber sobre as Panelas de Barro, há uma regularidade na
escolha de variáveis que seguem um padrão de análise. Assim, os resultados puderam
ser contrapostos, como exemplo, a descrição que consta no “Relatório I – Pesquisa
Arqueológica na área da Sesmaria Jaguaribe. 2011”. Ao se referir as Panelas de Barro
do sítio Arco-Íris II, a pesquisadora Oliveira (2011) descreveu os fragmentos da
seguinte forma:
No conjunto dos fragmentos analisados encontra-se a cerâmica
alisada (95 %) e pintada com cor de pigmento vermelha (5 %),
feita com pasta plástica com bolos de argila ou com uma pasta
mais grossa onde, além dos bolos de argila, ocorre a presença de
areia. (p.38).
Características semelhantes foram observados durante o “Projeto de
Monitoramento e Salvamento Arqueológico das obras de Adequação de Capacidade
Rodoviária da BR – 101, trecho Natal-RN – Palmares-PE . Relatório Final, 2009”,
quando o pesquisador Albuquerque (2009) se referiu a algumas formas das Panelas de
Barro:
As peças de cerâmica utilitária resgatadas no trecho foram
identificadas como recipientes prioritariamente relacionados à
alimentação. A despeito do estado de fragmentação do material
desta categoria, foi possível identificar peças como panela e
alguidar. (...) As peças encontradas são em suma maioria,
torneadas, no entanto registrou-se, principalmente no Município
de Água Preta (PE 0493 LA|UFPE), fragmentos modelados (...)
Como acabamento da superfície, a grande maioria dos fragmentos
apresentou apenas alisamento (p.279-280).
90
Também foram percebidas características semelhantes na descrição das cerâmicas
encontradas durante as atividades do “Programa de Diagnóstico, Prospecção e
Monitoramento Arqueológico Ferrovia Trasnordestina. Relatório Final da Etapa de
Prospecções Extensivas e Interventivas, trecho: Porto de Suape – Salgueiro (estado de
Pernambuco), 2009”, que durante o processo de análise do material cerâmico exumado
do sítio Fazendinha, o pesquisador Zanettini (2009) observou-se as seguintes
características na cerâmica:
Do total de fragmentos de cerâmica de produção local/regional,
foram analisados 362 fragmentos de borda, 115 paredes
decoradas, 48 alças e 18 bases, onde pode-se perceber um
predomínio de formas fundas como tigelas, panelas e potes para
armazenamento de água (p.53).
Com os dados acima, percebi que por mais que não haja uma uniformidade em
relação aos termos e conceitos, foi percebido um padrão nas características das Panelas
de Barro dos diversos contextos arqueológicos históricos pernambucanos. São utensílios
como panelas, alguidares e tigelas, que possuem, em sua maioria, superfícies com
tratamento de superfície do tipo alisado e pastas com acréscimo de areia. Mesmo que
nos trabalhos não conste imagens ou qualquer explicação sobre o que são estes tipos de
utensílios, é sabido (de ante-mão) que panelas, alguidares e tigelas, são utilizados em
cozinhas. Vale lembrar que as mesmas características tecnológicas, que foram
percebidas nas Panelas de Barro dos sítios históricos pernambucanos, se repetem no
conjunto artefatual cerâmico do Engenho Monjope. Esta padronização de características
tecnológicas corrobora com a hipótese levantada, que estes utensílios estão
determinantemente ligados aos hábitos alimentares.
Porém, apenas a análise através de variáveis tecnológicas me parece um tanto
superficial como insustentável, haja vista que eu me propus a entender as Panelas de
Barro pernambucanas em suas esferas de produção, distribuição e utilização, para
entender o motivo de seu padrão que perdura até a atualidade. Assim, este levantamento
de dados sobre estas, em relatórios de pesquisas e na análise do acervo do Engenho
Monjope, são dados relevantes sobre técnicas de produção e talvez de uso destes
utensílios do século para os séculos XIX e XX, mas não determinantes.
91
Com a necessidade de obter mais informações sobre estas Panelas de Barro dos
séculos XIX e XX, a respeito de sua manufatura, distribuição e utilização, parti para
investigação através de imagens, a fim de verificar se o padrão morfológico é mesmo
recorrente, qual este padrão, e talvez verificar se estas realmente foram utilizadas no
espaço da cozinha.
4.3 AS PANELAS DE BARRO EM FOTOS E ILUSTRAÇÕES DE
PERNAMBUCO (SÉC. XIX e XX)
Os documentos imagéticos que seguirão, são amostras de registros que constam
imagens de Panelas de Barro em Pernambuco. São alguns de autoria desconhecida, ou
pertencentes a coleções particulares. Estes documentos foram consultados em acervo virtual
da Biblioteca do Museu Nacional, e em acervos físicos da Fundação Joaquim Nabuco e
do Instituto Ricardo Brennand.
A imagem fotográfica é a fonte iconográfica mais comum para registros do
século XX. Por mais que seja uma invenção do oitocentos, só foi amplamente difundida
no Brasil durante o século XX, devido a rapidez da produção em série e o baixo custo .
Já as ilustrações, principalmente de viajantes, são os principais documentos que ilustram
aspectos do cotidiano do século XIX.
Foram estes viajantes estrangeiros, fotógrafos e artistas locais que registraram
através de suas lentes e telas, o cotidiano de trabalhadores e de pessoas em seus
momentos de lazer. Em alguns destes momentos, as Panelas de Barro foram
evidenciadas em seus contextos de fabricação ou uso, assim, seguem abaixo todas as
imagens que considero conforme exposto no capítulo metodológico, como documentos
que devem ser interpretados, além de evidenciar as formas das Panelas de Barro que
constam nas imagens.
As primeiras imagens que seguem, são gravuras de Laurent Deroy (1797-1886),
que esteve no Brasil junto da comitiva de Rugendas, em 1835, e retratou a atividade social da
sociedade brasileira, que em alguns momentos, estava fazendo uso das Panelas de Barro.
92
Figura 24: Jogar Capoeira: ou Danse de la Guerre. Detalhe destacado com a Panela de Barro em evidência.
Fonte: www.bn.br (acessado em 02/02/2013).
Na gravura acima, o artista buscou representar o cotidiano de pessoas escravizadas,
onde o foco da imagem era capturar o momento da dança (capoeira), mas pode-se observar
também que há uma panela de barro na área central da imagem, indicando que cozinhar em
grupo também poderia ser uma atividade corriqueira.
Ressalto que tanto nesta figura, como nas que se seguirão, as Panelas de Barro que
puderam ser identificadas nos documentos, serão evidenciadas e destacadas da imagem, para
ser usada como amostra de tipos de utensílios para os séculos em questão.
A respeito das obras de Deroy, não há referências sobre o local onde foi desenhada a
imagem. Embora sabe-se que grande parte das obras deste autor foi realizada em Pernambuco,
havendo uma grande possibilidade desta imagem evidenciar o cotidiano pernambucano em
1835. O mesmo para a figura abaixo:
93
Figura 25:Famille de planteurs (família de agricultores). Detalhe destacado com as Panelas de Barro em
evidência. Fonte www.bn.br (acessado em 02/02/2013).
Nesta outra figura, na margem esquerda inferior, percebe-se que há um recipiente de
barro, ao lado de uma pessoa, que provavelmente está amamentando, e logo acima dela,
também no lado esquerdo da figura, há outro recipiente que aparece nas mãos de uma pessoa,
que está usando-o para armazenar algum tipo de substância líquida que derrama de uma
garrafa.
Há ainda outras duas imagens onde Panelas de Barro são evidenciadas em contextos
Pernambucanos do século XIX, são as obras de Luís Schlappriz, que esteve em Pernambuco
entre 1858 e 1865 e Visconde Ernest de Courcy, que esteve em Pernambuco entre 1885 e
1886. Em ambas as gravuras as Panelas de Barro deixam de estar na periferia da imagem e
passam a figurar no centro desta, como o elemento determinante para o discurso.
94
Figura 26: Vendedor de cerâmica do Recife. Detalhe destacado com a Panela de Barro em evidência .Fonte:
http://bndigital.bn.br (acessado em 14/09/2012).
Nesta gravura acima, assinada por Ernest Courcy, o foco principal, além do
indivíduo que esta exercendo sua atividade, é a Panela de Barro. E a partir desta
imagem, já se pode ter uma ideia de que Panelas de Barro já eram comercializadas e
circulavam em meio às ruas. Como na gravura de Luís Schlappriz, que retratou uma negra
de ganho exercendo sua atividade, em frente à Igreja de São Gonçalo – Recife. Nesta figura
que ela carrega junto aos alimentos, que provavelmente lá estavam para serem vendidos, um
recipiente de barro que muito lembra uma quartinha ou moringa.
95
Figura 27: Grupo de negros em frente à Igreja de São Gonçalo. Detalhe destacado com a Panela de Barro em
evidência. Fonte: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco
Por fim, há uma foto que foi feita por Tibor Jablonkky, no ano de 1955, na feira
do barro, em Caruaru, onde a presença de inúmeras Panelas de Barro é recorrente, o que
possibilita a reconstituição de muitos exemplares destas a fim de verificar a
continuidade de algumas formas.
96
Figura 28: Feira de Caruaru. Detalhe destacado com as Panelas de Barro em evidência. Fonte: Acervo da
Fundação Joaquim Nabuco.
Através destas imagens, somada as reconstituições dos artefatos provindos da
escavação do Engenho Monjope e as informações dos relatórios de pesquisa, acredito
que posso traçar um perfil do padrão destas Panelas de Barro dos século XIX e XX.
4.4 O PADRÃO MORFOLÓGICO DAS PANELAS DE BARRO DOS
SÉCULOS XIX E XX.
Com a verificação da curvatura média da base, em relação à borda, e efetuando
uma comparação das Panelas de Barro das imagens com as reconstituições dos artefatos
cerâmicos do engenho Monjope, somado com as inferências sobre as características
tecnológicas destas (como consta nos relatórios técnicos de pesquisa), pude verificar e
reconhecer o padrão destas Panelas de Barro dos séculos XIX e XX. Neste padrão é
recorrente o alisamento em suas superfícies e a vitrificação de algumas delas, e com os
13 (treze) variados tipos de formas, como estas que seguem abaixo:
97
A) As Panelas de Barro do tipo “A”:
Figura 29: Panela de Barro reconstituída, do tipo “A”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
As Panelas de Barro do tipo “A” foram verificadas apenas no acervo artefatual
das peças oriundas de escavação do Engenho Monjope. Foram reconstituídas 8 peças
deste tipo de artefato, que possuíam tratamento de superfície alisado externo e interno, e
manchas de uso em sua superfície externa.
B) As Panelas de Barro do tipo “B”:
Figura 30: Panela de Barro reconstituída, do tipo “B”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
98
Exemplares de tipos Panelas de Barro do tipo “B” constam apenas no acervo das
peças oriundas de escavação do Engenho Monjope. Foram reconstituídas 2 peças deste
tipo de artefato, que possuíam em sua pasta areia-fina, e em suas superfícies alisado
externo e alisado interno, e não apresentou qualquer mancha de uso.
C) As Panelas de Barro do tipo “C”:
Figura 31: Panela de Barro reconstituída, do tipo “C”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
Panelas de Barro do tipo “C” constam apenas no acervo das peças oriundas de
escavação do Engenho Monjope. Foram reconstituídas 2 peças deste tipo de artefato,
que possuíam em sua pasta areia-fina, e em suas superfícies engobo externo e engobo
interno, e não apresentou qualquer mancha de uso em sua superfície.
99
D) As Panelas de Barro do tipo “D”:
Figura 32: Detalhe da gravura Famille de planteurs (à esquerda) com detalhe para uma Panela de Barro
reconstituída (à direita), do tipo “D”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
Exemplares de utensílios do tipo “D” constam tanto na gravura Famille de planteurs
(DEROY 1797-1886), que está representado na figura à esquerda, como em exemplares de
artefatos oriundos de escavação do Engenho Monjope, à direita.
Na gravura de Deroy, o recipiente aparece nas mãos de uma senhora que o está usando
para comportar, aparentemente, algum líquido que está sendo derramado de uma garrafa,
aparentando tratar-se de um objeto utilizado para servir alimentos. Já os 4 exemplares de
utensílios que foram reconstituídos através de fragmentos de artefatos do Engenho Monjope,
apresentaram características técnicas que indicam o uso voltado para cozinha, como o
acréscimo de areia fina à sua pasta e o tratamento de superfície alisado interno e externo.
Também não apresentou qualquer tipo de mancha de uso que servisse como indicativo de que
este recipiente tenha sido levado ao fogo.
100
E) As Panelas de Barro do tipo “E”:
Figura 33: Detalhe da gravura Danse de La Guerre (à esquerda) com detalhe para uma Panela de Barro
reconstituída (à direita), do tipo “E”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
Utensílios do tipo “E” constam tanto na gravura Danse de La Guerre, (DEROY 1797-
1886), que está representado na figura à esquerda, como em exemplares de artefatos oriundos
de escavação do Engenho Monjope, cuja representação está à direita.
Na gravura, a Panela de Barro está sobre o fogo direto, com uma mulher fazendo
provavelmente, algum tipo de comida. Isso faz sentido, pois os 7 utensílios reconstituídos das
escavações do Engenho Monjope apresentaram não só areia-fina em suas pastas, e
tratamento de superfície alisado externo e alisado interno, como também fuligens
externas e esfumarado interno.
101
F) As Panelas de Barro do tipo “F”:
Figura 34: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para uma Panela de
Barro reconstituída (à direita), do tipo “F”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
Foi verificada uma recorrência, dos utensílios do tipo “F” no conjunto material
resultante da escavação no Engenho Monjope (representado à direita), e na fotografia de
Tibor Jablonkky (1955), intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda).
O utensílio que aparece na fotografia está em meio a um amontoado de objetos
semelhantes, na Feira de Caruaru, apresentando-se como um utensílio bem difundido e
amplamente comercializado. Esse dado é corroborado quando é observada a recorrência deste
tipo de utensílio no Engenho Monjope, onde puderam ser reconstituídos 16 exemplares, sendo
o mais recorrente. O padrão tecnológico apresentou-se em grande parte dos utensílios, doze ao
todo: possui acréscimo de areia fina a suas pastas, tratamento de superfície externo alisado e
interno alisado. No que diz respeito às manchas de uso, pode-se notar que em todos os
utensílios havia a presença de fuligem externa, o que indica que esteve em contato direto com
o fogo, e manchas de esfumarado interno, o que indica que algum alimento com certa
substância líquida e algum sólida foi cozinhado naquele recipiente.
102
G) As Panelas de Barro do tipo “G”:
Figura 35: Panela de Barro reconstituída, do tipo “G”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
As Panelas de Barro do tipo “G” foram exclusivamente observadas no acervo
material das escavações do Engenho Monjope. Foi o tipo de utensílio que apresentou um
grande número de exemplares, 10 ao todo. Notei que a maior parte destes apresentou
elementos diagnósticos que o associam diretamente aos hábitos alimentares, como o
acréscimo de areia fina a sua pasta, o alisamento interno e externo em suas superfícies, e
as manchas de uso do tipo: fuligem e/ou esfumarado externa, como também e
esfumarado e/ou fuligem interna em alguns fragmentos de utensílios, havendo em todos,
indícios de manchas de uso.
H) As Panelas de Barro do tipo “H”:
Figura 36: Panela de Barro reconstituída, do tipo “H”, oriunda de escavação do Engenho Monjope.
103
As Panelas de Barro do tipo “H” apresentaram os mesmos elementos diagnósticos
daquelas do tipo “G”, sendo o terceiro tipo de utensílio mais recorrente, 8 no total.
Contudo apresenta uma sutil diferença no tocante a manchas de uso, pois houve uma
predominância de fuligem interna nos fragmentos analisados deste tipo de utensílio.
I) As Panelas de Barro do tipo “I”:
Figura 37: Detalhe da gravura intitulada “Famille de planteurs” (à esquerda) com detalhe para uma Panela de
Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “I”.
As Panelas de Barro que foram classificadas com a terminologia do tipo “I”
foram observadas apenas na gravura de Deroy (1797-1886), intitulada Famille de
planteurs. Com a leitura desta gravura não se pode efetuar qualquer inferência a respeito de
uso ou mesmo distribuição deste tipo de Panela de Barro, pode-se apenas notar que ela está
inserida em um contexto que o artista quis demonstrar como habitual de uma família de
agricultores. Vale salientar que gravuras em que Panelas de Barro do tipo “I” podem ser
identificadas são muitas, como em algumas de Debret23
, mas que não foram exploradas nesta
pesquisa por não haver qualquer referência que possa associá-las ao estado de Pernambuco.
23
Panelas de Barro do tipo “I” constam também nas gravuras: “Vases faits em terre cuite destines ao meme
usage”, “Boutique de Barbie”, “Boutique de La Rue Du Val-Longo”, “Le Diner”, “Les Delassements d’une
aprés diner”, “Les Rafraichissemens de l’apres diner sur Du palais”, todas estas gravuras são assinadas por
Jean-Baptiste Debret (1768-1848).
104
J) As Panelas de Barro do tipo “J”:
Figura 38: Detalhe da gravura intitulada “Vendedor de Cerâmica do Recife” (à esquerda) com detalhe para
uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “J”.
A Panela de Barro do tipo “J” é mais um tipo que foi identificado apenas através
de gravura, especificamente esta acima, intitulada “Vendedor de Cerâmica do Recife”,
de autoria de Visconde Ernest de Courcy. Além de ser mais um tipo de exemplar que
enriqueça o acervo de tipos de utensílios de Panelas de Barro dos séculos XIX e XX, esta
gravura é um dos dados que podem subsidiar aspectos referentes à distribuição destas.
105
K) As Panelas de Barro do tipo “K”:
Figura 39: Detalhe da gravura intitulada “Grupo de negros em frente à Igreja de São Gonçalo” (à esquerda) com
detalhe para uma Panela de Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “K”.
.
A Panela de Barro do tipo “K” é outro tipo que foi observado apenas através da
iconografia, esta gravura se chama “Grupo de negros em frente à Igreja de São Gonçalo”, de
Luís Schlappriz, e é um forte indicativo de uso desta, já que ela aparece na bandeja
deassssssssw objetos e alimentos que uma negra vendeira carregava consigo.
L) As Panelas de Barro do tipo “L” e “M”:
Figura 40: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para uma Panela de
Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “L”.
106
Figura 41: Detalhe da fotografia intitulada “Feira de Caruaru” (à esquerda) com detalhe para uma Panela de
Barro (à direita), da mesma imagem, que foi classificada como do tipo “M”.
A fotografia feita por Tibor Jablonkky, em 1955, intitulada “Feira de Caruaru” foi
de bastante utilidade para o desenvolvimento deste banco de dados sobre o padrão das
Panelas de Barro do século XIX e XX, pois além do utensílio do tipo “F”, que já foi
demonstrado, há ainda este dois exemplares, os utensílios do tipo “L” e “M”, que foram
identificados apenas nesta imagem.
Como pode ser percebido, optei por manter uma nomenclatura alternativa
(alfabética) para todos os tipos de recipientes. Pois, se posteriormente o padrão destas
Panelas de Barro for realmente confirmado com aquelas produzidas atualmente, poderei
atribuir as terminologias ideais e usuais para estes recipientes dos séculos XIX e XX.
Cabe ressaltar ainda que, estes utensílios aqui representados não configuram
como o universo absoluto dos variados tipos de Panelas de Barro dos séculos XIX e
XX, mas trata-se de uma amostra de todos os tipos de utensílios identificáveis durante a
pesquisa, havendo a possibilidade de haver outros que não foram ainda reconhecidos em
outras fontes.
Mesmo com o desenvolvimento deste banco de dados sobre os tipos de utensílios
dos séculos XIX e XX, que me proporcionou subsídios que podem ser correlacionados
com a produção e uso, me resta ainda entender se esse padrão continua até a atualidade
e qual o motivo deste, me restando ainda a verificação do aspecto distribuição, e se essa
distribuição também está associada diretamente aos hábitos alimentares. Como pude
observar nas figuras sobre Panelas de Barro que foram mostradas neste capítulo,
percebi que elas circulam em meio a feiras, e assim, continuei esta etapa da pesquisa
107
visando compreender a circulação destas Panelas de Barro (distribuição), para entender
se nestes espaços o fator ‘hábitos alimentares’ foi de fato determinante.
CAPÍTULO 5
A DISTRIBUIÇÃO DAS PANELAS DE BARRO, DO SÉCULO XIX AO XXI
Para esta fase da pesquisa, parti do principio que conhecer o local de circulação
destas Panelas de Barro é também identificar quem são os agentes sociais que a
utilizaram. Ao conhecer estes agentes, pude entender se são eles que confeccionam estes
recipientes, ou se são comerciantes especializados nesta atividade. Dependendo da
resposta, pude fazer inferências a respeito de quais são os tipos de utensílios e suas
respectivas funções, conforme as informações que me foram passadas a respeito dos
compradores e das características de cada utensílio. Desta forma, pode-se verificar se os
hábitos alimentares estão de fato determinando este processo.
Ressalto que este capítulo pode também ser visto como, um limite entre as
Panelas de Barro do século XIX e XX (capítulo 4), com as Panelas de Barro da
atualidade (capítulo 6), onde o reconhecimento dos locais persistente de distribuição
destas Panelas de Barro, pode também indicar sobre locais de produção a serem
pesquisados.
5.1 AS PANELAS DE BARRO SUA DISTRIBUIÇÃO E LOCAIS DE
PRODUÇÃO
As feiras e mercados são espaços que transbordam cheiros e sabores de produtos
naturais, quem já frequentou um espaço como este, pelo menos em Pernambuco, pode
lembrar não apenas de frutas, verduras, farinhas, queijos e carnes sendo comercializadas,
mas também das Panelas de Barro. Elas representam o elemento cultural em meio a
elementos naturais, como um primeiro “contato” entre o natural e o cultural que depois
se aprofunda na cozinha. Conforme as sequências operatórias esta fase (distribuição)
representa a etapa intermediária para compreensão das Panelas de Barro.
Inicio este capítulo com a investigação sobre os locais em que as Panelas de
Barro eram comercializadas durante o século XIX e XX (através de consultas a registros
históricos) e passo, no segundo momento, aos dados sobre os locais de comercialização
destas na atualidade, que foi pesquisado através da intercalação de documentação
109
histórica com pesquisa de campo. Como resultado deste segundo momento, identifiquei
não apenas os locais persistentes de comercialização destas Panelas de Barro, como
também as áreas de produção. Ambos os momentos visam entender não apenas os locais
de distribuição destas Panelas de Barro, mas também algumas formas destas e usos.
5.1.1 As origens das feiras livres: os espaços de distribuição de
Panelas de Barro.
Sobre o local de maior concentração de feirantes durante o século dezenove, o
historiador Carvalho (2010) indicou o bairro de Santo Antônio, que durante o período
era um dos mais dinâmicos da cidade do Recife.
Santo Antônio não era rica. Todavia, não existia contradição
insolúvel entre esse comércio dinâmico, frequentado por gente
abastada, e a presença de outros tantos despossuídos livres e
libertos em Santo Antônio. Muito pelo contrário, grande parte
desse comércio empregava justamente jornaleiros, artesãos e
aprendizes livres e libertos. Quase todos gente modesta. Sem
falar dos outros tantos ambulantes, vendendo o que podiam pelas
ruas da cidade, competindo até com os escravos (p. 62).
Sobre o Bairro de Santo Antônio, o historiador Carvalho (2010) acrescenta ainda
que havia cerca de 350 estabelecimentos comerciais, e nestes “se localizava a maioria
das lojas de secos e molhados da cidade, 73 por cento para ser exato” (p.56).
O artistas Laurent Deroy (1797-1886) ilustrou uma dessas casas de secos e
molhados do Recife (Venta a Reziffé).
110
Figura 42: Venta a Reziffé – Laurent Deroy (1797-1886). Fonte: http://www.iberoamericadigital.net
(acessado em: 11/09/2012).
Outra imagem que representa a atividade de comercio no Recife é a litogravura
de Schlappriz, que mostrou o mercado de verduras do pátio da feira (Vista do Pateo da
Penha).
Figura 43: Vista do Pátio da Penha - Feira em Recife durante o século XIX. Fonte: Schlappriz, Luís.
Álbum de Memória de Pernambuco (Ano XXXX).
Vale ressaltar que outras duas imagens, mostradas no Capitulo 4, mostram
Panelas de Barro em contextos de comercialização: a gravura de Courcy (vendedor de
cerâmica do Recife) e a fotografia de Jablonkky (Feira de Caruaru).
111
Se pode observar uma grande efervescência social nas imagens acima, tanto na
gravura de Deroy, como na Schlappriz, há sempre muitas pessoas, que demonstram
exercer atividades diversificadas nesses espaços. Como afirmou Carvalho (2010), a vida
não se resumia a dialética senhor/escravo, mas sim, a diversos agentes sociais, e “reduzir
a vida humana, antes de 1888, à dialética ‘escravo/senhor’, é reduzir demais . É preciso
evitar este labirinto, e trabalhar os liames entre vários agentes sociais ao invés de isolá -
los em pares antagônicos” (p.11).
Como é visível por meio das imagens, havia muitas pessoas que circulavam nos
grandes centros durante o século dezenove, eram tantos que o historiador Mello (1978,
p.67) chegou a estimar que no Recife houvesse um aumento populacional de 18.000
habitantes em 1782, para 70.000 habitantes em 1850. Carvalho (2010) apontou que parte
deste crescimento deve estar associada ao êxodo rural que ocorreu durante o século
dezenove e levou milhares de pessoas do campo para as cidades, devido, entre outras
coisas, a influência do liberalismo, que agiu como dispositivo motivador da crescente
influência da ideologia enaltecedora do modo de vida urbano, que propiciou uma visão
distinta e distante do modo de vida do interior. Com isso o campo passou a ser visto
como o “local onde o tempo para”, desta forma, mesmo quem tinha habitações no
campo, desejava morar na cidade. Por esses fatos, aponto a cidade do Recife como uma
amostra satisfatória para se entender a comercialização de Panelas de Barro durante este
século.
Entre estes agentes sociais que habitavam o Recife do século dezenove
constavam: os militares, as pessoas ligadas ao clero, os comerciantes, os viajantes, os
artesãos, os mendigos, os artistas, as pessoas que vinham do campo tentar ganhar a vida
na cidade, além das pessoas escravizadas que configuravam uma grande parcela desta
população. Entre estes haviam os ‘negros e negras de ganho’, que poderiam ser
encontrados por todos os lugares do Recife, e conforme Carvalho (2010), significava
que “o escravo saíra do trabalho braçal no campo para outro conjunto de ocupações que
lhe conferiam uma maior autonomia, embora continuasse escravo” (p.32).
Entre os trabalhos exercidos pelos negros e negras de ganho, conforme observado
no Diário de Pernambuco entre 1825 a 1951, havia os ofícios de caiador, canoeiro,
lavadeira, engomadeira, costureira, amas-de-leite, mucamas, cozinheiros(as) e vendeiras.
112
O pesquisador Silva (2011) identificou que estas Negras de Honra24
comercializavam, entre 1840 a 1870, produtos como:
água, alimentos (bolo, arroz-doce, cocadas, doces, frutas, leite,
pão, pão-de-ló, pastéis, tapioca, verduras e, em menor escala,
peixe e mariscos); Gêneros diversos como azeite, banha, goma,
limas de cheiro, bonecas|calungas, flores, chapéus, sapatos,
miudezas em geral, fazendas (bicos, lenços, meias, toucas para
senhoras, tocas para meninos etc.); por fim, identifiquei também
um raro caso de uma escrava fugida que vendia perfumarias
francesas e louça fina no interior da província (SILVA, 2011
p.174).
Essa ‘louça fina’ da citação é de difícil interpretação perceber a qual tipo de
material se refere, gerando a dúvida de se tratar ou de: uma louça europeia (ou louça,
como era comum nos anúncios de época) ou uma louça de produção local/regional
(louça de barro, louça da terra, loiça da terra, louça grossa, etc, como em alguns
anúncios da época). Apesar de anseios duvidosos sobre a categoria material que a Negra
de Honra possuía no momento de fuga, o dado coletado por este pesquisador sugere que
utensílios domésticos eram também comercializados por estas Negras de Honra, fossem
louças finas ou potes de barro. Assim, como nas figuras que ilustram vendedores de
cerâmica do século XIX, pode-se entender que boa parte dos vendedores eram pessoas
escravizadas, mas com especialidade neste tipo de comércio.
Porém, não eram apenas os negros e negras de ganho que comercializavam
Panelas de Barro. O viajante Henry Koster (1793-1820) que chegou a Pernambuco em
1809 e ficou até 1815, relatou25
que um colega seu conseguiria ganhar dinheiro ao se
aproveitar da baixa dos preços e das tendências seguidas pelas classes abastadas,
(re)vendendo, entre outras coisas, louça de barro:
O compatrício a quem devo as atenções amáveis de fazer-me
participar da aprazível sociedade de Pernambuco é um dos
primeiros ingleses que aproveitaram a livre comunicação entre a
Inglaterra e o Brasil, observando já uma considerável mudança
nas maneiras da alta classe do povo. A baixa nos preços de todos
os artigos de tecidos, a faculdade de obter, a custo cômodo,
louça de barro, cutelaria e linho para mesa, de fato, foram
efeitos que devem ter impressionado os brasileiros, assim como o
aparecimento de um novo povo entre eles, a esperança de melhor
situação para todos, a de ver o país tomar vulto, reanimando em
muitas pessoas as ideias que dormiam há tempos, desejando
24
Forma como o pesquisador se referiu as negras de ganho. 25
Posteriormente lhe renderia um livro (Travels in Brazil) publicado a primeira vez em 1816.
113
mostrar o que possuíam. O dinheiro apareceu para atender às
novas exigências (KOSTER, 1942 p.59 a 60).
Através deste relato de Koster, pode-se observar que as Panelas de Barro
produzidas localmente (louças de barro, da terra, grossas, etc) não eram apenas
comercializadas por pessoas escravizadas, nem mesmo consumidas apenas por pessoas
de baixa renda, eram também comercializadas para o “novo povo” e vendida , também,
por estrangeiros, o que não descarta a possibilidade de pessoas, de diferentes classes e
etnias, também participarem desta etapa da trajetória das Panelas de Barro em
Pernambuco.
Porém, não tenho dados que comprovem que os vendedores de cerâmicas eram as
mesmas pessoas que produziam os utensílios. Pelo contrário, todos os dados que possuo
me induzem a pensar o oposto, já que, a complexidade dos papeis dos agentes sociais e a
dinâmica do século dezenove determinava que as pessoas cultivassem ofícios
específicos distintos, como vendedor, artesão e cozinheiro, por exemplo, acredito assim,
que poderia haver grupos de pessoas especializados na confecção de Panelas de Barro,
enquanto havia outro grupo especializado na comercialização destas.
Porém não eram apenas os vendedores que efetuavam a circulação destas Panelas
de Barro. Havia muitos anúncios no Diário de Pernambuco sobre venda de utensílios
cerâmicos que designam espaços específicos para estas trocas comerciais, como a loja
de Justino Candido da Silva:
Justino Candido da Silva, participa ao Publico que abrio huma
loja de louça da terra, cita ná rua do Rozario D.21, das
qualidades seguintes: Jarras burnidas a pedra fabrica dita.
Quartinhas ditas dita dita. Jarras burnidas a panno dita dita.
Louça grossa de todas as qualidades da fabrica da Piranga: todas
as pessoas que se quiserem servir, seraõ por preço cômodo (D.P.
23/02/1829 n.43 p.171).
Entre os anúncios que divulgavam louças da terra, havia também leilões destes
utensílios e chegadas de carregamentos. Interessante notar que, mesmo não sendo
recorrente, os anunciantes, ao se referirem à louças importadas, utilizavam o termo
“louça”, sem a denominação complementar “da terra”. Como observado nos anúncios de
carregamentos de navios vindos da Europa:
114
A barca Inglesa Priscilla, vinda de Liverpool, entrada em 21 do corrente
Capitão John Taylor, consignada a B. Lasserve & comp. Manifestou o
seguinte: 100 gigos com louça, 19 caixas com cobre, agarnel uma
porção de cobre, 15 toneladas de ferro, 100 caixas com queijos (...)
(D.P. 23|02|1839 n.–p.1).
Vale salientar que quando Silva (2011) descreveu os principais produtos
comercializados no século dezenove, água, bolo, arroz-doce, cocadas, doces, frutas,
leite, pão, pão-de-ló, pastéis, tapioca, verduras e, Panelas de Barro, prolongou sua
constatação e afirmou que estes mesmos produtos são ainda “vendidos nos diversos
pontos da cidade, caracterizando o Recife contemporâneo” (p.175). E de fato estes
produtos são hoje amplamente encontrados nas feiras e mercados públicos de
Pernambuco, associados a alimentos, como o foi nos séculos XIX e XX.
5.1.2 Os principais centros produtores atuais e sua distribuição
de Panelas de Barro em Pernambuco.
As feiras livres e mercados públicos mantém tradição no que diz respeito a
espaços, costumes e bens comercializados, em relação aos séculos XIX e XX. Durante a
coleta de dados pude observar que as feiras eram e são os espaços que permitiam uma
grande aglomeração de pessoas, Panelas de Barro e comidas. Através do comércio
realizado nestas feiras, estas chegam a atingir níveis de dispersão material no âmbito
regional.
Há também centros produtores de Panelas de Barro que comercializam seu
produto em locais diversificados e em contato direto com o consumidor, não possuindo
feiras livres próximas a suas localidades que possam abranger um mercado consumidor
de âmbito regional, nem contam com a presença de atravessadores26
para a distribuição
de sua produção. Para locais deste tipo, foram escolhidos como amostra a aldeia Kariri-
Xocó-AL e a comunidade do Muquém-AL. Ambos estão localizados em Alagoas, neles
a produção cerâmica remete a, pelo menos, início do século dezenove.
Em outra perspectiva de produção e comercialização estão a Feira de Caruaru e
as lojas de venda de cerâmica de Tracunhaém, que representam não apenas os maiores
26
Pessoas que fazem o elo entre os produtores e os consumidores
115
centros de distribuição de Panelas de Barro pelo estado de Pernambuco, mas são
também os locais de distribuição dos dois maiores centros produtores deste produto:
Alto do Moura (Caruaru-PE) e Tracunhaém-PE, e por isso, ambas foram escolhidas
como amostras deste tipo de produção.
5.1.2.1 Alto do Moura e a Feira (Caruaru-PE)
O Alto do Moura é um bairro da cidade de Caruru, considerado pela UNESCO
como o maior centro de arte figurativa das Américas, e que possui hoje a maior
produção de Panelas de Barro de Pernambuco.
Figura 44: Mapa com a localização de Caruaru-PE (autora: Daniela Ferreira).
A Cerâmica27
que mais produz Panelas de Barro é propriedade do senhor José
Manoel da Silva, conhecido como Zé Galego, alcunha que dá nome à Cerâmica também.
A Cerâmica Zé Galego é atualmente a maior fabricante e fornecedora (principalmente
para Feira de Caruaru) de Panelas de Barro do Alto do Moura, possui oitos funcionários
27
Como são conhecidos localmente os lugares que produzem utensílios cerâmicos.
116
que se dividem em funções específicas no processo de manufatura, entre estas pessoas
está Zé Galego, que além de proprietário é paneleiro, e foi quem contribuiu com esta
pesquisa na condição de informante sobre a fabricação de Panelas de Barro neste local.
A produção cerâmica com pessoal especializado em cada função, numa Cerâmica
que segue regras de horário e metas de produção, e que utiliza máquinas específicas para
o processo, é algo relativamente recente na comunidade. Segundo meu informante, estas
inovações começaram a surgir a partir da década de 1970, antes a produção era familiar.
Quando questionado sobre o período que se vendeu mais Panelas de Barro, Zé
Galego foi direto:
(...) hoje em dia vende mais, mesmo com as dificuldades das
coisas, mas hoje em dia vende mais. Porque antigamente a gente
fazia menos. Quer dizer, tinha menos gente que usava, não sei.
Hoje em dia, todo mundo quer usar, (...) Ai então de qualquer
maneira a gente que faz vende mais (José Manoel da Silva, o “Zé
Galego” em entrevista concedida dia 22/08/2012).
Entre Panelas de Barro produzidas, há os tipos e nomenclaturas específicas.
Conforme Zé Galego, existem as Panelas de Barro tipo: caldeirão, para feijoada;
assador, para carnes; alguidar, para diversos alimentos e travessa, para servir,
principalmente peixes; entre outros. São produzidos uma média de 2.000 utensílios
mensalmente, graças ao auxílio do torno e do plano de metas que é desenvolvido na
Cerâmica, como disse Zé Galego: “enquanto que se faz se cinco peça na mão, no torno
se faz cinqüenta (...) quer dizer, ficou bem mais prático (...) agora todos os acabamento
são feitos a mão, ai fica parecendo que é tudo feito a mão” (em entrevista concedida dia
22/08/2012).
Zé Galego trabalha fazendo Panelas de Barro desde a década de 1940, quando
aprendeu com seu pai. Questionado sobre qual o tipo de utensílio que mais produziu em
todos esses anos, Zé Galego foi incisivo “nós sempre trabalhamos com utilitária. (...)
Minha perfeição é mais na utilitária, vende mais também” (em entrevista concedida dia
22/08/2012).
Sobre as cerâmicas enegrecidas, que vendem bastante atualmente (panela preta),
Zé Galego contou-me que a produção desta iniciou por volta da década de 1970.
117
Concomitante ao surgimento deste novo design dos utensílios, os primeiros tornos foram
empregados na região para fabricação das Panelas de Barro.
Sobre a introdução do torno em centros produtores da região, a pesquisadora
Amaral (2012) associou ao crescimento da demanda proporcionada pelo surgimento do
turismo na região, e acrescentou ainda que:
A introdução do uso do torno em Bezerros, como também no Alto
do Moura, em Caruaru, promoveu uma mudança na organização
do trabalho, que perdeu o caráter eminentemente feminino e
doméstico, e se especializou, passando a ser estruturada em
oficinas, familiares e profissionais, coordenadas por homens. No
entanto, a padronização da produção loiceira do agreste se
manteve, tanto nas formas, quanto em algumas etapas de
manufatura. Isso mesmo no Alto do Moura, cujas oficinas tem
um caráter mais profissional, mas em que ainda podemos notar a
preservação da denominação de algumas etapas de manufatura,
como o formar, bem como de algumas formas, como as panelas,
remetendo à uma origem comum às demais comunidades (p.
243).
Esta produção de “caráter mais sofisticado”, caracterizada pela produção em
larga escala, utilizando mão-de-obra especializada e maquinário específico, é uma
característica marcante dos dois maiores centros produtores de Panelas de Barro em
Pernambuco, Alto do Moura (Caruaru-PE) e Tracunhaém-PE, que possuem uma
produção cerâmica que muito se assemelham ao que Rye (1981) chamou de fabricação
industrial.
A produção em escala industrial de Panelas de Barro da Cerâmica Zé Galego,
como toda produção de utensílios cerâmicos feitos com o auxílio de tornos no Alto do
Moura, pode ser fruto do surgimento do turismo que aumentou a procura por este tipo de
material, como apontou Amaral (2012). Porém hoje, segundo Zé Galego a maior procura
por estes utensílios é feita por pessoas da região: “cerca de noventa e nove por cento de
quem compra Panelas de Barro é para cozinhar” (em entrevista concedida
22/08/2012). Estas pessoas que buscam as Panelas de Barro produzidas no Alto do
Moura a encontram, se não no próprio bairro, na Feira de Caruaru, que é o local que
mais possui artigos produzidos na região.
118
A feira de Caruaru é reconhecida pelo IPHAN28
como Patrimônio Imaterial da
Cultura Brasileira, sendo atualmente o maior e mais popular ponto de compra de
Panelas de Barro em Pernambuco. Está localizada numa área geograficamente central
do estado, na cidade de Caruaru-PE, “facilitando assim um melhor escoamento da
produção e do comércio” (LIMA; VASCONCELOS, 2008 p.3).
Conforme o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC-IPHAN, 2004)
a feira de caruaru surgiu no século XVIII, nas terras que eram pertencentes à família
Nunes dos Bezerros. Esta família administrava uma das fazendas mais prósperas da
região, denominada, Caruaru. Segundo o mesmo inventário:
A transformação da antiga Fazenda Caruru, ainda no século 18,
em ponto de apoio e de pernoite de boiadeiros e, em seguida, de
tropeiros e mascates que percorriam o agreste pernambucano
permitiu o surgimento do pequeno comércio de itens e serviços
ligados à lida com o gado que deu origem à Feira de Caruaru. Foi
em torno da feira que se construiu a cidade (p.1).
A feira abriga hoje, em períodos de maior movimento, cerca de dez mil feirantes,
entre eles os feirantes fixos e feirantes clandestinos, que são aqueles feirantes não
cadastrados, mas que exercem a atividade, principalmente em estação de maior fluxo de
compradores.
São vendidas Panelas de Barro, na feira de Caruaru, desde pelo menos metade do
século XX, como pode ser observado numa foto pertencente à coleção de Tibor
Jablonsky feita em 1955, como também na Figura 28.
28
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
119
Figura 45: foto da feira de caruaru em 1955. Fonte: www.biblioteca.ibge.gov.br (acessado em:
16/09/2012), com destaque para as cerâmicas.
Num primeiro momento, quando me encontrava na feira, me dispus a observar
como se comportava o fluxo desta, quais eram os produtos comercializados, quanto
custavam os produtos, qual a origem dos produtos das diversas barracas, qual a dinâmica
de venda destes produtos, quem eram os principais compradores e quem eram os
principais vendedores, assim como o fiz nos demais centros comerciais que efetuei a
pesquisa. Após este primeiro momento de observação ocorreu o momento de contato
com o informante. Este se deu conforme o método proposto por Minayo (2011), e foi
reproduzido em todas as feiras e locais de produção onde efetuei a pesquisa de campo.
Durante a etapa da pesquisa realizada na feira de Caruaru, a pessoa que
contribuiu para a pesquisa foi à feirante Onete Silva, mais conhecida como Nélia das
Panelas. A escolha de Nélia das Panelas como informante, se baseou no fato desta
trabalhar naquele mesmo local, sempre como feirante, à aproximadamente quarenta
anos. Quando indagada qual o produto que ela mais vendia, respondeu: “sempre
trabalhei com panela de barro” (em entrevista concedida dia 20/08/2012).
Entre a maior parte dos utensílios cerâmicos vendidos por Nélia das Panelas, as
panelas que comportam os maiores volumes, e que possuem uma maior angulação, que
ela denominou “panelas comuns”, são as mais procuradas. São compradas, segundo dona
Nélia, para decoração, para restaurantes que a utilizam para cozinhar e servir, ou mesmo
120
pessoas que querem a usar no dia-a-dia. Mas também há uma grande diversidade de
outros tipos de Panelas de Barro que são comercializadas por Nélia das Panelas: são as
panelas vitrificadas de diversos tamanhos; as quartinhas; cabaças de barro; tigelas;
potes; etc.
Há também outros utensílios, como alguidar e pratos que, segundo minha
informante, são comumente comprados por pessoas que tem como intenção utilizá-las
em rituais de candomblé. Mas como ela mesma disse, reconhecendo que não poderia
dizer com exatidão a utilização dos utensílios que são vendidos: “eu vendo panelas e
pratos de barro, a utilidade cada um vai criando a sua” (em entrevista concedida dia
20/08/2012).
Por ser uma feira de grande amplitude e que atinge diversas pessoas da região,
somada à grande quantidade de Panelas de Barro que são produzidas no Alto do Moura
e distribuídas a partir da feira de Caruaru, pude estabelecer, através de observação e
relatos orais, uma a área de abrangência direta (isso quer dizer, de locais que
constantemente adquirem estas Panelas de Barro). Atinge, aproximadamente, uma
circunferência de 105 km, onde os utensílios que são produzidos hoje no Alto do Moura
estão sendo constantemente utilizados, como demonstra o mapa abaixo.
Figura 46: Mapa do Alto do Moura com destaque para área de distribuição das Panelas de Barro que são
produzidas (autora: Daniela Ferreira).
121
Desta forma, pude verificar que as Panelas de Barro que são atualmente
produzidas no Alto do Moura, e vendidas não só lá como também na Feira de Caruaru,
abrangem uma ampla área de escoamento, onde a maior parte dos compradores está
interessada em adquirir estes produtos com o intuito de cozinhar alimentos. Porém, estas
Panelas de Barro que lá são produzidas são encontradas também em vários locais do
país, todavia, sem que haja um abastecimento nem constante, nem direto.
Constatei ainda que apesar das formas de produção serem dinâmicas e estar
passando por processos de transformação, pelo menos nos últimos quarenta anos,
percebeu-se que as Panelas de Barro estão diretamente ligadas aos hábitos alimentares
neste espaço. Esse dado pode ser estendido para o século XIX, tendo em vista as
primeiras referências de produção cerâmica no Alto do Moura associada com o inicio de
expansão da Feira de Caruaru, configurando um local persistente desta prática.
5.1.2.2 Tracunhaém-PE
Outro importante centro produtor e comercial de Panelas de Barro em
Pernambuco é a cidade de Tracunhaém, com suas diversas lojas que vendem os
utensílios de barro, que em muitos casos, são produzidos no próprio quintal das casas.
122
Figura 47: Mapa com a localização de Tracunhaém-PE. (autora: Daniela Ferreira)
Tracunhaém é uma pequena cidade da Zona Canavieira Pernambucana, com cerca
de 12.630 habitantes, dos quais, de acordo com o Núcleo de Produção Artesanal da
cidade, 50 são mestres 29 artesãos. Este núcleo é responsável pelo cadastramento dos
oleiros e por parte da produção de cerâmica da cidade. Salientando que a principal
atividade econômica da cidade é a produção e comercialização destes utensílios
cerâmicos.
A cidade se formou e cresceu em torno do trabalho feito em
cerâmica, inicialmente utilitária, que era vendida nas feiras dos
municípios vizinhos. Em Tracunhaém quase todas as casas,
crianças e adultos vêm conservando a tradição de trabalhar com o
barro (Inventário Municipal sobre o perfil da cidade, 2011).
A cidade de Tracunhaém praticamente “vive” cerâmica. A rua principal da c idade
é constituída por ateliers30
e lojas de venda de cerâmica, onde a qualquer momento pode-
se deparar com um ceramista em plena atividade. A relação do município com a
cerâmica é tal, que há uma iniciativa da prefeitura, em conjunto com o governo estadual,
29
Entre os paneleiros é aquele que possui conhecimento o bastante que é capaz de transmiti-lo, em geral os
mestres possuem oficinas de cerâmica, que também podem ser conhecidas como olarias, ateliê ou apenas
cerâmica. 30
Plural de Ateliê, que é como se designa o local de produção cerâmica, na cidade.
123
para proporcionar uma bolsa-auxílio para os artesãos de Tracunhaém. É o projeto
“Registro do Patrimônio Vivo”, que será gerido pela prefeitura e baseado na lei do
Registro de Patrimônio (Lei nº 453 de 16 de dezembro de 2011), que tem como objetivo:
(...) preservar as manifestações populares e tradicionais da
cultura de Tracunhaém, assim como permitir que os artistas
repassem seus conhecimentos às novas gerações de alunos e
aprendizes. O principal trunfo da lei do Patrimônio Vivo é que se
reconhece ainda em vida o trabalho dos mestres e grupos
culturais da terra, na construção de um patrimônio cultural
(Inventário Municipal sobre o perfil da cidade, 2011).
As primeiras menções sobre a cidade remetem ao século XVII, quando ainda se
chamava Tapiruarama, porém, só no século XX que há registros documentais sobre sua
existência, como em obras literárias, por exemplo. Quando Mario Sette (1923) escreveu
sua obra clássica (Senhora de Engenho), inspirou-se numa viagem que fizera à Zona
Canavieira Pernambucana onze anos antes, quando passou por Tracunhaém, e essa
passagem foi de imensa importância para constituição de sua obra, como aponta Hilton
Sette (1986) ao narrar as memórias do escritor, no então distrito Tracunhaém:
A primitiva vila semi-rural acolheu-o e cativou-o com o pitoresco
do arruado e com a hospitalidade de sua gente. A simplicidade do
casario em redor da Igreja, o pátio relvado com peças de roupa a
“quarar”, a brisa cheirando a mato, os dedos de prosa com os que
iam postar ou buscar correspondência... E, à tardinha, o regresso,
enquanto as sombras cresciam, a aragem refrescava ainda mais, a
quietude envolvia todo o cenário (pg. XX)
O viajante pode não ter notado, ou era algo que para ele não foi importante
naquele momento, mas aquela pacata cidade do interior, já era uma localidade que
produzia cerâmicas em larga escala.
Apesar de ser região beneficiada com a instalação de engenhos de
açúcar, o desenvolvimento foi lento, por longo período. Em
seguida, surgiu o artesanato de barro, despertando vocações
artísticas e criando outra atividade econômica para o município.
Graças à criatividade de novos artistas saídos da camada popular
e ainda o gosto e carinho de artesãos anônimos, em pouco tempo
a esquecida Tracunhaém da zona da cana, viu florescer um
vantajoso negócio que trouxe algum benefício para o
desenvolvimento do município. Com o estímulo ao turismo e a
proteção ao artesanato popular, ampliou-se a produção e surgiram
124
novos empregos. (Documentação Territorial do Brasil – IBGE,
disponível em www.ibge.gov.br, acessado em 09/09/2012).
Outra importante referencia sobre a produção cerâmica na cidade, porém já na
metade do século XX, mas já como um centro referencia de produção cerâmica em
Pernambuco, consta no livro “Cerâmica Popular do Nordeste” de Borba Filho e
Rodrigues (1969). Além de referencias sobre a importância da cidade na produção
cerâmica do estado, constam entrevistas e algumas fotos de mestres produzindo e
comercializando cerâmica (cerâmica figurativa e utilitária).
Sabe-se que a cidade é hoje um dos principais centros de comercialização e
produção de Panelas de Barro. Pode-se encontrar lá, todo tipo de material cerâmico à
venda, de cenas profanas a santos católicos, passando por pratos, alguidares, filtros,
jarros, moringas e panelas de barro. Há também, alguns utensílios adquiridos de outras
localidades, mais especificamente de Caruaru e Passira, que são também vendidos na
cidade. Este fluxo também faz com que as Panelas de Barro produzidas em Tracunhaém
atinjam outras localidades.
Conforme observei, as Panelas de Barro produzidas em Tracunhaém podem ser
encontradas por todos os lugares da cidade e cidades circunvizinhas (Carpina, Paudalho,
Lagoa do Itaenga, entre outras), na Feira de Caruaru, nos mercados públicos do Recife
(Mercado São José) e de Maceió (Mercado de Artesanato), além de bares e restaurantes
destas localidades. Através destas informações, pode-se estabelecer uma área em torno
de Tracunhaém para à abrangência direta desses utensílios, excluindo locais que Maceió
e o Recife (que adquirem de forma esporádica, das mãos de atravessadores) de
aproximadamente 100 km, como demonstrado no mapa abaixo.
125
Figura 48: Mapa de Tracunhaém com destaque para área de distribuição das Panelas de Barro que são
produzidas (autora: Daniela Ferreira).
Após o período de observação, foi escolhido o informante na cidade de
Tracunhaém. Seu nome é José Felix da Silva, mais conhecido como Mestre Da Hora. Ele
foi tanto meu informante para aspectos referentes à venda de utensílios cerâmicos na
cidade, como em relação à produção de cerâmica.
Seu Da Hora é muito popular na cidade, começou a prática de manufatura e
venda de Panelas de Barro na década de 1940, quando naquele mesmo local aprendeu as
técnicas de produção cerâmica com seu pai, que já produzia Panelas de Barro que
abasteciam os moradores da região. Hoje o Mestre Da Hora é um dos mais respeitados
paneleiros da cidade, possui o maior ateliê que é direcionado exclusivamente para
Panelas de Barro.
No ateliê de Mestre da Hora trabalham cerca de sete pessoas, são: três aprendizes,
que fazem todo o tipo de serviço, um lenhador31
, um forneiro32
, um barreiro33
, um
oleiro34
, e o mestre. A produção é feita com metas diárias e com o auxílio do torno,
configurando-se como uma produção industrial. A produção média mensal é de
31
Extraí madeira e organiza em montes que equivalem a uma rodada de queima. 32
Controla o forno: tempo de combustão e o alimento do forno com combustível (lenha). 33
Pessoa que trata o a argila (barro). 34
Pessoa encarregada em moldar o utensílio.
126
aproximadamente 2.000 utensílios, entre Panelas de Barro e algumas cerâmicas
decorativas.
O Mestre Da Hora conta que os principais compradores são os donos de
restaurantes do Recife, feirantes de diversas localidades, pessoas da própria localidade e
região e alguns turistas. Segundo ele, todos estes, quando se dirigem a ele para adquirir
algum produto, já especificam que de alimento se pretende com o uso da panela, mas o
fluxo de venda de Panelas de Barro é tão intenso, que Mestre da Hora não foi capaz de
responder com exatidão qual o tipo de panela mais procurada.
De fato, a produção de Panelas de Barro em Tracunhaém, como no Alto do
Moura é intensa, e a procura por estes produtos está em processo de crescimento, e em
geral, quem adquiri estas panelas têm o interesse em utilizá-las para cocção de alimentos
específicos. Em sua maioria, os compradores são os moradores da própria localidade, de
comunidades próximas, ou de restaurantes da capital, atingindo atualmente uma margem
de abrangência de panelas produzidas, de aproximadamente 100Km, cada local,
chegando inclusive a exportar para outros estados, o que é motivo de orgulho , tanto para
Zé Galego, Nélia das Panelas e Mestra Da Hora.
Mas este quadro de distribuição não se repete na aldeia Kariri-Xocó (Porto Real
do Colégio, Alagoas), nem na comunidade do Muquém (União dos Palmares, Alagoas),
provavelmente por possuírem diferentes modos de comercialização e/ou produção destes
utensílios. Mas será que, mesmo com estes diferentes processos, as Panelas de Barro
destas localidades, são produzidas e adquiridas por pessoas que tem a intenção de
produzir alimentos nelas? Ou seria a confecção destes utensílios uma forma de lazer, ou
de reproduzir seus valores ideológicos através das Panelas de Barro?
5.1.2.3 Kariri-Xocó (Porto Real do Colégio-AL).
Entre inúmeros locais que mantém um caráter artesanal de sua produção e com a
distribuição de sua produção em nível local, foi escolhida para esta pesquisa a produção
de cerâmica que é realizada na a aldeia indígena Kariri-Xocó e a comunidade
quilombola do Muquém. A produção de Panelas de Barro feita tanto por pessoas Kariri-
Xocó, como pelos moradores do Muquém, é uma prática que remete, pelo menos, ao
127
inicio do XIX, período no qual o atual estado de Alagoas fazia parte de Pernambuco, o
que justifica a escolha destes locais..
O processo de produção cerâmica em ambos os locais tem ainda um caráter
familiar. Os depósitos de argila que são utilizados para confecção dos utensílios estão
próximos às casas das paneleiras; os fornos estão dentro de suas propriedades (em geral
nos fundos das casas, próximos a cozinha); e todo processo de manufatura, de queima e
de venda, é feito pelas próprias paneleiras. Estas características configuram este tipo de
produção como “artesanal”, ou “pré-industrial” (RYE, 1981).
No sistema tradicional de produção artesanal a técnica é
repassada obedecendo a laços familiares ou a escolhas rígidas no
sentido de estar transmitindo também os seus segredos, dentro da
tradição das antigas corporações de ofício (RUGIU, 1998).
A aldeia Kariri-Xocó possui aproximadamente vinte e seis louceiras35
em
atividade (ALMEIDA, 2003 p.263). De todas estas, eu tive uma maior aproximação com
a louceira, e que em alguns momentos é também feirante, Valdete da Silva, também
conhecida como Dé. Ela produz cerâmica desde a década de 1950, e de acordo com a
mesma: “aprendi com minha avó que aprendeu com a mãe dela...” (Valdete da Silva, a
Dé, em entrevista concedida dia 26/08/2012). Ela é atualmente uma das louceiras mais
antigas, que inclusive tem ensinado a outras moças a arte de fazer cerâmica, seguindo os
costumes da tradição Kariri-Xocó.
35
Termo utilizado pelas próprias louceiras para se auto identificar.
128
Figura 49: Mapa com a localização de da aldeia dos Kariri-Xocó-AL (autora: Daniela Ferreira).
Embora a informação oral remeta a uma produção cerâmica a mais de
quatrocentos anos, as primeiras menções em documentos escritos sobre as Panelas de
Barro dos Kariri-Xocó datam do início do século XIX, quando o viajante James
Henderson (1783-1848) esteve no Brasil, viajando pelo rio São Francisco entre 1819 a
1821. O viajante se interessou em conhecer as peculiaridades do Brasil e descrevê-las.
Numa de suas viagens pelo rio São Francisco, viu em uma das margens do rio próximo,
à cidade de Porto Real do Colégio, pessoas produzindo “vasos de barro”:
(...) cerca de vinte e cinco milhas acima, na margem do São
Francisco, numa aprazível localização, está a freguesia do
Colégio, cujos moradores só chegam a noventa famílias, na sua
maioria índios de três diferentes nações. Os Acconans que viviam
no distrito de Lagoa Comprida, a poucas milhas acima do rio. Os
Carapotós, que habitavam a serra Comenaty e os Cariris que
habitavam nas vizinhanças das terras que tem o seu nome. A
maior parte dos colonos perambula, quando não está ocupada
com a pesca, de acordo com o costume de seus ancestrais, por
uma região de seis milhas ao longo do rio, e três de largura, que
lhes foi dada com a finalidade da agricultura. As esposas desses
poltrões preguiçosos trabalham diariamente fazendo vasos de
barro sentadas no chão. Para fazer um vaso de barro elas
começam trabalhando a argila numa folha de bananeira, posta
sobre seus joelhos, depois a colocam em um prato grande
129
pulverizado com cinza, recebendo então a forma e o último
retoque. Sem nenhuma ajuda dos homens, elas procuram e
trabalham o barro, vão buscar a madeira para fazer uma grande
fogueira todo sábado à noite, para endurecer os vasos feitos
durante a semana (p. 109 e 110).
A produção de cerâmica entre os Kariri-Xocó ainda é uma forte característica
deste povo. Segundo Almeida (2003) “a produção da cerâmica utilitária continua
desempenhando papel fundamental na geração de renda” (p. 255). Esta renda foi
alcançada através da venda de Panelas de Barro e se desenvolveu após o aparecimento
de um mercado consumidor. Conforme Almeida (2003), este mercado surgiu já nos
primeiros momentos de contato:
É por essa dependência com o branco que o material passa a ser
caracterizado como louça. O barro é refeito e a cerâmica
transmuda-se em louçaria, um atributo português, e é nessa etapa
que a índia passava a ser uma louceira. (...) Tudo deriva do
povoamento e da montagem da matriz de produção. Agora,
tinha-se a louça do pote, da panela, da cabaça, pois tudo
estava sendo matéria de mercado. (...) Esta, que era algo de
uso doméstico, passou a ser produzida também para o
consumo externo (p. 259).
Diferente dos paneleiros de Caruaru-PE ou Tracunhaém-PE, as louceiras Kariri-
Xocó tem uma forma diferente de comercialização de suas Panelas de Barro, não sendo
o feirante que vem até elas adquirir seus produtos, pelo menos não mais. Hoje são as
próprias louceiras que têm que ir às feiras, ou as vilas de moradores para, vender ou
trocar suas Panelas de Barro, como descreveu Almeida (2003):
O material produzido pelas louceiras destina-se tanto para a
venda como para troca, sendo que a primeira possibilidade é mais
marcante no circuito da mercadoria. (...) Toda a produção,
quando não se trata de venda a intermediário, é vendida fora da
aldeia. Cerca de 95% do material são levados para outras áreas. O
cambista ou atravessador já foi uma figura usual na vida da
louceira tendo perdido a ênfase em razão do estreitamento do
mercado (p.260).
Como disse o autor: “o cambista ou atravessador perdeu ênfase” no que diz
respeito à comercialização das Panelas de Barro. Estes atravessadores eram como o
compatrício a quem Henry Koster devia as atenções amáveis, pessoas que compravam as
Panelas de Barro direto das mãos dos paneleiros e depois revendiam estes utensílios
(Koster 1942 p.59-60).
130
Na ausência da figura dos atravessadores no cenário do fluxo da comercialização
cerâmica, este papel fica a cargo das louceiras Kariri-Xocó, que acabam por exercer
duas funções das sequências operatórias, a fabricação e distribuição de seus produtos.
Estas comercializações se dão nos povoados próximos: Salomezinho, Borges,
Evangelista, Barra Dantas e demais lugares, ou como minha informante disse: “onde
tiver serra e lugar aqui pra cima a gente vai batendo e vendendo” (Valdete da Silva, a
Dé, em entrevista concedida no dia 26/08/2012).
Outros locais onde são vendidas as panelas produzidas pelos Kariri-Xocó são as
feiras de Propriá-SE, Porto Real do Colégio-AL e Carrapicho-SE, esta última representa
não só um local de troca que remete ao século XIX, como também o maior centro de
comércio de cerâmicas do Baixo São Francisco. Todos estes espaços que as Panelas de
Barro produzidas na aldeia podem atingir, representam um espaço que gira em torno de
30 km em volta da comunidade.
Figura 50: Mapa da aldeia Kariri-Xocó com destaque para área de distribuição das Panelas de Barro que
são produzidas (autora: Daniela Ferreira).
Apesar de não ter acompanhado o processo de venda de Panelas de Barro, da
forma desejada, pois boa parte das louceiras estava no Ouricuri36
, Dé me confidenciou
que a venda dos utensílios era satisfatória em termos de números, e que os compradores,
em maioria, adquiriam os produtos para utilizar em suas cozinhas, porém, quando eu a
36
Ritual espiritual onde os participantes se retiram da vida cotidiana e passam uma jornada afastados da aldeia.
131
questionei a respeito da possibilidade de haver pessoas que adquirem suas panelas para
utilizarem noutros fins, como por exemplo rituais religiosos, respondeu ela de forma
enfática: “não, aqui num existe isso não, as pessoas compram pra cozinhar feijão,
carne. Num tem nada disso não” (Valdete da Silva, a Dé, em entrevista concedida no dia
26/08/2012), revelando, com este posicionamento, que suas panelas são confeccionadas
e comercializadas para um fim alimentar, ainda que exista uma utilização alternativa,
esta não chega a representar uma constante.
5.1.2.4 Muquém (União dos Palmares-AL)
O outro centro, onde a produção e distribuição das Panelas de Barros é feita
pelas próprias Paneleiras, é a comunidade do Muquém (União dos Palmares-AL). Estas
ceramistas, que são por vezes feirantes, se deslocavam de sua comunidade
semanalmente, com destinos variados, para vender as Panelas de barro que produziam.
Porém, esta prática não é mais recorrente devido à catástrofe que acorreu na região no
ano de 2011, e até o presente desta dissertação a comunidade ainda está se
recuperando37
.
A comunidade do Muquém pertence ao município de União dos Palmares,
localizado na região da Zona da Mata Alagoana. É reconhecida como a comunidade
remanescente do Quilombo dos Palmares, que supostamente esteve estabelecido na Serra
da Barriga38
durante boa parte do século XVII.
37
Durante o mês junho de 2010, houve uma forte chuva que fez com que o rio Mundaú, que passa na região,
subisse de nível e acabou por inundar algumas cidades região, inclusive a comunidade do Muquém, deixando
quase todos os moradores desabrigados. Até o presente dia os moradores daquela comunidade aguardam a
conclusão das obras de suas novas habitações. 38
Tombada como patrimônio material nacional desde a década de 1980.
132
Figura 51: mapa com a localização da comunidade quilombola Muquém-AL (autora: Daniela Ferreira).
Segundo o pesquisador Allen (2000), o Quilombo dos Palmares “é conhecido,
mundialmente, como um dos capítulos mais importantes na história de resistência negra
à escravidão nas Américas” (p.2), e acrescenta que nesta versão da história oficial,
consta que os palmarinos “com suas táticas de defesas e técnicas formidáveis baseadas
em tradições africanas (...) conseguiram defenderem-se ao longo do século, encontrando
seu fim em fevereiro de 1694” (p.2). Configurando, tradicionalmente, como um local
com uma forte herança histórica.
Mesmo que as campanhas arqueológicas realizadas na Serra da Barriga ainda não
tenham registrado artefatos, em contexto, que possam estar associados a esta ocupação,
há referências sobre o Quilombo dos Palmares em alguns documentos oficiais do século
XVII, que relatam que grupos de pessoas, daquela região, resistiam às investidas oficiais
que tinham o intuito de destruí-lo. Fora esses escassos documentos, os registros sobre as
pessoas, que lá vivem desde então, ainda são escassos.
Com esta ausência de documentos históricos onde eu poderia identificar aspectos
a respeito da continuidade de produção e comercialização de Panelas de Barro na
133
região, possuo como referência as fontes orais coletadas junto à comunidade do
Muquém que, provavelmente, possui uma longa duração de ocupação naquele espaço.
A informante que contribuiu com o desenvolvimento desta pesquisa foi a
paneleira Marinalva Bezerra da Silva, que segundo ela, sempre morou naquela mesma
comunidade e faz Panelas de Barro desde a década de 1940, ou como ela mesma gosta
de dizer: “nascida e criada aqui, eu trabalho direto aqui, como minha mãe fazia”
(Entrevista concedida no dia 29/08/2012).
Foi a mãe de Marinalva que ensinou a ela e sua irmã as técnicas de produzir
Panelas de Barro. E são elas, Marinalva e sua irmã, que produzem estes utensílios na
comunidade atualmente, sendo Marinalva a paneleira mais antiga e popular da região.
Conta Marinalva, que a fabricação de Panelas de Barro é feita da mesma forma
que sua mãe e avós as produziam. Nas palavras dela, quando questionada sobre a não
utilização do torno e se formas das panelas haviam mudado, disse: “ faço com meus
dedos, a máquina é meu dedo (...) meu trabalho é assim, é todo manual, num trabalho
com torno”. Acrescentou ainda outros dados, a respeito das formas dos utensílios,
quando questionada se haviam mudado desde os tempos de sua avó: “não, eram do
mesmo jeito. Eram do mesmo jeito. Feitas iguais” (Entrevista concedida no dia
29/08/2012).
O principal centro comercial da região (a feira de União dos Palmares-AL) possui
atualmente, poucos exemplares de utensílios confeccionados no Muquém, tal como o
mercado de artesanato de Maceió-AL. Nestes dois locais as pessoas com as quais eu tive
contato, me confidenciaram que já foram vendidos muitos utensílios que eram
produzidos no Muquém, mas hoje é muito raro ver alguma dessas panelas.
Segundo Marinalva, nem ela, nem sua irmã, nem suas filhas, possuem tempo,
nem motivação pra ir vender as Panelas de Barro na feira em União dos Palmares.
Antes de 2011, durante todos os sábados, em todos os meses do ano, elas levavam as
Panelas de Barro e as expunham no chão, sobre lençóis, em meio à feira, para vender ou
trocarem por algo que lhes fosse atrativo, havia também, compradores de Maceió que
iam constantemente a suas moradias adquirir panelas, mesmo quando estas ainda nem
estavam cozidas. Mas hoje a situação mudou. Segundo Marinalva, os compradores estão
134
“sumindo”, e nas feiras “ninguém dá mais valor pras panelas de barro, todo mundo
agora só quer panela de alumínio e plástico” (Entrevista concedida no dia 29/08/2012).
A pouca produção de Marinalva é hoje difundida por pessoas que vão até o
Muquém adquirir suas panelas. São pessoas da própria comunidade, de comunidades
próximas e alguns poucos feirantes de União dos Palmares e de Maceió, estes
eventualmente compram grandes quantidades de utensílios (de 30 a 60 por vez) para
vender na capital, como exposto no mapa abaixo. Com exceção de Maceió, pude
observar que as panelas que são produzidas por Marinalva abrangem um raio de,
aproximadamente, 25 km a partir do centro de produção, que é sua casa, conforme
demonstrado no mapa abaixo:
Figura 52: Mapa da Comunidade do Muquém com destaque para área de distribuição das Panelas de
Barro que são produzidas. (autora: Daniela Ferreira)
Neste capítulo sobre a distribuição de Panelas de Barro dos séculos XIX e XX até a
atualidade, observei que a venda de Panelas de Barro é feita nos espaços destinados para
estas: Nas feiras, junto a outros utensílios, temperos e ingredientes da cozinha, ou mesmo em
locais especializados, como lojas. Esta prática de venda de Panelas de Barro em locais
específicos, somado aos diversos locais em que esta prática foi observada, me faz chegar à
ideia que a distribuição de Panelas de Barro durante o século XIX e XX foi tão intensa como
é atualmente. Também foi, como é ainda hoje, realizada por diversos agentes sociais, podendo
135
ser o próprio paneleiro ou uma pessoa especializada no comércio. A compra destes utensílios
é também realizada por pessoas de diversas classes sociais e grupos distintos.
Percebi também que, a maior procura por Panelas de Barro, pelo menos atualmente, é
feita por quem se interessa em utilizá-las para cocção de alimentos. Ainda que esse nível de
informação não tenha sido atingido para períodos anteriores, o fato do comercio destas se
manter em áreas de persistência, como feiras, mercados e lojas especializadas, me leva a crer
que o hábito dos compradores também não tenha mudado. O mesmo pode-se dizer dos nomes
e formas de alguns utensílios, que carregam consigo a indicação do tipo de alimento a ser
produzido.
Dito isso, acredito que as Panelas de Barro, pelo menos no que diz respeito ao aspecto
distribuição e uso, estão diretamente associadas aos hábitos alimentares, mantendo, inclusive,
uma característica padronizada no aspecto local de comercialização, caracterizando estes
espaços como locais persistentes para este tipo de atividade.
Todavia, resta ainda verificar se as Panelas de Barro da atualidade seguem o padrão
daquelas dos séculos XIX e XX, e o motivo deste padrão. Para isso, optei por realizar uma
pesquisa de campo, com observação e entrevistas, a fim de entender estas Panelas de Barro e
as motivações destes paneleiros em produzirem determinadas formas, sob a luz das
sequências operatórias.
CAPÍTULO 6
A FABRICAÇÃO DAS PANELAS DE BARRO NA ATUALIDADE
Com os dados coletados em observações e entrevistas, principalmente na fase de
contato com os centros comerciais e produtores, busco agora entender se os processos de
fabricação levam em consideração os hábitos alimentares. Caso seja confirmado, os
hábitos alimentares estarão presentes nos três níveis das sequências operatórias das
Panelas de Barro (fabricação, distribuição e uso), sendo assim determinante na
formação destas, em todos os aspectos.
Afinal de contas, será que o resultado deste produto é realmente o esperado? Será
que Zé Galego, Mestre Da Hora, Marinalva e Dé, fabricam estas Panelas de Barro
esperando que elas sejam realmente utilizadas de acordo com cada tipo de alimento para
qual os compradores a adquirem?
Até agora, possuo os indícios que as Panelas de Barro dos séculos XIX até a
atualidade partilham de locais persistentes no que diz respeito ao aspecto distribuição, e
tanto esta variável como questões referentes à fabricação e uso, indicam que as Panelas
de Barro dos séculos XIX e XX, apresentam indícios tanto de uso para cocção de
alimentos, como as técnicas de manufatura estão associadas a esta variável. Porém, estes
dados sobre as Panelas de Barro dos séculos XIX e XX não são dados determinantes,
com isso, caso a resposta deste capítulo que se segue seja como o esperado, e estas
Panelas de Barro da atualidade sigam o padrão daquelas dos séculos XIX e XX, será um
dado determinante para que se possa inferir que as Panelas de Barro dos séculos
passados partilham da mesma condição na hora de produção.
6.1 A Fabricação Sofisticada e a Fabricação Rústica
Este tópico é uma referência à forma dicotômica de manufatura de Panelas de
Barro, que foi percebida nos quatro centros produtores, no momento da investigação a
respeito destes e sua distribuição de Panelas de Barro. Mas antes de iniciar este tópico,
abro este parágrafo para explicar o porquê não irei atribuir o termo produção industrial
ou pré-industrial, mas em substituição farei uso dos termos ‘sofisticada’ e ‘rústica’,
respectivamente. Para justificar o motivo desta mudança, faço uso das palavras de Borba
137
Filho e Rodrigues (1969), que foram os dois pesquisadores que iniciaram pesquisas
nesta perspectiva.
Embora os motivos se repitam, a fabricação de peças semelhantes
resulta numa tal ou qual uniformidade, que lhe dá a aparência de
fabricação em série – o que ocorre efetivamente -, mas sem o uso
de fôrmas, tudo dependendo da habilidade manual, e isto é uma
das razões de não poder ser considerada indústria, na legítima
acepção do termo. Nas suas formas sedimentares e tôscas,
trabalhada a mão ou com o auxílio de utensílios primários, chega
a atingir níveis de perfeição e marcantes valores plásticos e
psicológicos (p.9)
A fabricação de caráter sofisticado é caracterizada essencialmente pelo uso do
torno, que modificou alguns aspectos da dita forma tradicional de fabricação, rústica,
dos utensílios cerâmicos. Como pude observar em campo, essa tecnologia, pode
proporcionar uma produção que chega a ser 10 vezes mais veloz, dependendo do
utensílio que venha a ser confeccionado, em relação a técnicas de manufatura manual,
rústica. Esse fato acarretou uma série de modificações na organização do trabalho
dentro das Cerâmicas do Alto do Moura e do Ateliers de Tracunhaém. Com a alta
produtividade, necessitou-se de uma linha de produção com funcionários para cada
atividade. Surgiram assim as especializações dentro das operações essenciais de
produção, com distintas e independentes atividades dentro da olaria.
Em ambos os tipos de produção (rústica e sofisticada) as atividades de fabricação
de Panelas de Barro se iniciam com a coleta de matérias primas, tanto a argila, como a
madeira que serve de combustível de queima de cada fornada. A coleta de argila, nos
locais de produção industrial, é feita por empresas particulares, no Alto do Moura é feita
pela cooperativa do seu Genário, já em Tracunhém é atualmente organizada pela
cerâmica de Paudalho (município vizinho).
A argila utilizada no Alto do Moura é oriunda do município, já a utilizada em
Tracunhaém vem de diversos lugares, tanto que é dada maior atenção aos antiplásticos
que são adicionados, do que à própria argila. Segundo o Mestre Da Hora, ao se referir a
argila utilizada, “nem sempre é a melhor” (em entrevista concedida no dia 18/08/2012).
O antiplástico utilizado no Alto do Moura é apenas, um tipo de areia denominado
“areia de formigueiro”, que de fato é originada de formigueiros (Figura 53). Já em
138
Tracunhaém é utilizado o Barro vermelho, ou as cinzas da madeira que restam das
últimas fornadas, este o com acréscimo de um tipo específico de areia. Vale lembrar
que, além de potencializar a efetividade térmica dos vasilhames (ZANETTINI, 2005
p.303) os antiplásticos minerais proporcionam uma plasticidade ao utensílio, apropriado
para utensílios utilitários como panelas.
Figura 53: Argila e antiplástico utilizado (areia de formigueiro) no Alto do Moura.
Figura 54: Argila e antiplástico utilizados em Tracunhaém.
O trabalhador encarregado de processar as argilas é conhecido como ‘barreiro’,
ele tem por objetivo preparar as argilas que serão utilizadas pelo ‘oleiro’. A atividade do
barreiro é dividida em dois momentos. No primeiro momento, logo quando chega o
139
carregamento de argila, se inicia à retirada das impurezas, como pedras e restos de
plantas; num segundo momento é realizado o acréscimo dos antiplásticos à argila ainda
úmida. Em Tracunhaém essa etapa é realizada manualmente, através do pisoteamento da
argila, enquanto no Alto do Moura é realizado com o auxílio de uma máquina própria
para este fim. Esta máquina de processar a argila, chamada de maromba ou injotador,
além de misturar a ela os antiplásticos, refina a argila, que depois é embalada em sacos
de plástico para ser estocada. Nessas condições, a argila pode ficar neste estado (úmida)
durante um mês. Este processo de preparo da argila é realizado, em média, duas vezes
por dia, a cada dois dias, tanto na Cerâmica de Zé Galego, como no Ateliê de Seu Da
Hora.
A outra atividade de manuseio de matéria-prima é exercida pelo lenhador. Este é
encarregado de buscar lenha suficiente pra várias fornadas e organizá-las em montículos
conforme os estágios de queima, sendo os galhos grossos abaixo dos galhos mais finos.
Em Tracunhaém, o lenhador não é funcionário contratado do Ateliê, ele é um
trabalhador que também fornece combustível para outros ateliers, sendo pago conforme
a quantidade de seu produto. No Alto do Moura, a lenha utilizada é adquirida por uma
empresa de extração de madeira que abastece não só a Cerâmica Zé Galego, mas todas
as outras daquele bairro.
Figura 55: Lenhador que presta serviços no ateliê de Seu Da Hora.
140
Os lenhadores abastecem as olarias com combustível para as ‘fornadas’, que é
como se designa o momento que a argila modelada vai ao forno e se transforma em
cerâmica. O encarregado pelo controle de tempo e temperatura do forno é conhecido
como forneiro. O forneiro, geralmente, é uma pessoa de confiança do mestre da olaria.
Na Cerâmica de Zé Galego, o forneiro é o mesmo desde a década de 1980, seu nome é
José Henrique, e ele conta que: “depois da peça feita, a gente espera secar, da um
acabamento (alisamento) e bota aqui (forno) e deixa queimar (...) tem que botar seca, se
botar meia mole no fogo ela racha”. Questionado sobre o tempo de queima ele
responde: “se for peça grande são oito horas, se for peça pequena são cinco horas, seis”
(entrevista concedida no dia 23/08/2012).
Durante esse período em que as peças estão no forno, quando este quase todo
selado, configurando-se como um forno semi-fechado (RYE 1981), se inicia o
abastecimento do forno, que ocorre da seguinte forma: nas primeiras horas é posta lenha,
já em processo de combustão, sendo galhos finos e dispostos apenas na entrada do forno,
mantendo o ambiente interno “vazio”, para a temperatura ir elevando vagarosamente,
após quatro horas, a lenha é posta dentro do forno, e inicia a fase de abastecimento
propriamente dita, com galhos mais grossos. Todo este processo de abastecimento e
reabastecimento é feito em intervalos de 30 minutos, durante as cinco, seis, ou oito
horas em que as peças estão no forno. É apenas no dia seguinte que as peças são
retiradas, já prontas para decorações com tinturas ou para a venda.
Este processo é desenvolvido de forma idêntica em Tracunahém, e em ambos os
locais ocorre de uma a duas vezes a cada três dias, já que esses locais possuem mais de
um forno. No caso dos utensílios vitrificados, que são produzidos em ambos os locais, o
processo é idêntico, porém, ao final da queima, é acrescentado à peça um engobo, uma
espécie de tinta rica em óxido de chumbo, que é levada ao forno elétrico, um forno
fechado, em alta temperatura, por mais quatro horas, proporcionando o aspecto
vitrificado das peças.
As cerâmicas enegrecidas, típicas do Alto do Moura, adquirem esta característica
durante a queima. Após as habituais oito horas de queima, o forno é cardiado39
, segundo
Rye (1981) estes são fornos tipo fechados, e é colocado nele, grossos troncos de
39
Termo próprio do Alto do Moura para a vedação por completo do forno.
141
madeira, ocasionando uma queima constante e redutora, sob pressão e alta temperatura,
que exala uma fumaça negra. De acordo com José Henrique é devido à fumaça e o calor
que a peça fica negra.
Figura 56: Forneiro e: forno semi-fechado com utensílios já cozidos no Alto do Moura.) .
De qualquer forma, as atividades do forneiro, do barreiro e do lenhador só fazem
sentido se houver peças em argila para serem transformadas em cerâmica. A pessoa
encarregada de modelar essas peças é o oleiro. No Alto do Moura e em Tracunhaém, Zé
Galego e Seu Da Hora são os oleiros, respectivamente, mas não são apenas eles. Por ser
considerada a função de mais responsabilidade na olaria, os oleiros são aqueles que
conhecem os tipos de utensílios, pois já passaram por todas as funções dentro da olaria.
Em geral há mais de dois oleiros nas olarias que confeccionam diariamente cerca de 50 a
100 peças cada um.
A atividade de modelagem de cerca de 300 peças diariamente só é possível graças
ao torno que foi introduzido no Alto do Moura e em Tracunhaém na década de 1970.
142
Figura 57: Oleiro de Tracunhaém.
O instrumento que estou me referindo pode ser elétrico, ou movimentado
manualmente com os pés, sendo o oleiro quem dita à velocidade, conforme a modelação
da peça em suas mãos, fazendo uso de alguns instrumentos que o auxiliam no alisamento
da peça. Estes instrumentos podem ser partes de cabaças de coco, pedras polidas ou
facas. Após a modelagem, antes da secagem, a peça recebe os últimos “acabamentos”,
que são as decorações plásticas e/ou os apêndices.
Figura 58: Zé Galego desenvolvendo o acabamento dos utensílios.
É através das descritas operações essenciais que se tem como resultado as
Panelas de Barro. E são com estas mesmas operações que as paneleiras do Muquém e as
louceiras Kariri-Xocó confeccionam seus utensílios, porém com técnicas diferenciadas.
143
Saliento que o modo de produção Kariri-Xocó e do Muqúem é de caráter pré-
industrial, que prefiro chamar de rústico. Este tipo de produção é assim configurado
devido à organização familiar do trabalho; suas casas que são utilizadas como local do
trabalho; e o verão como período específico de confecção (não sendo realizada por todo
o ano); além da distribuição não atingir grandes proporções. Devido a estes fatores, as
práticas aplicadas para fabricação das Panelas de Barro são de fato diferenciadas.
Na comunidade do Muquém a coleta de argila é realizada nos fundos da casa de
Marinalva, onde é ela, com eventual auxílio da filha, quem coleta o barro. Na
comunidade Kariri-Xocó não é diferente, a coleta de barro é realizada pelas próprias
louceiras, numa área próxima de suas casas. Vale salientar que em Carrapicho (Sergipe),
centro produtor de cerâmica figurativa que fica próximo a aldeia Kariri-Xocó, quando
eventualmente se produz algum utensílio utilitário, os ceramistas daquela comunidade
importam argilas da aldeia Kariri-Xocó, pois consideram as argilas que utilizam para
confecção dos utensílios decorativos e figurativos, inapropriadas, pois quando vão ao
fogo, as peças quebram com facilidade.
Figura 59: coleta de barro realizada pela filha de Marinalva – Muquém.
A atividade de processamento da argila é feita pelas próprias paneleiras em dois
momentos. No primeiro momento, se retira as impurezas da argila (pedras ou restos de
plantas), no segundo momento, ocorre o acréscimo dos antiplásticos. Em ambos os
locais o antiplástico é um tipo especifico de barro, mais consistente e seco. A mistura do
antiplástico à argila é feita através de pisoteamento, que consiste na mistura da argila
144
com os antiplásticos com o auxílio dos pés, pisando o barro e virando-o com as mãos,
pisando e virando-o e assim sucessivamente. Esta atividade é feita de uma a duas vezes
por semana e não há estocagem de matéria prima.
Figura 60: Argila, antiplástico e toá (tauá) amarelado que são utilizados na aldeia Kariri-Xocó.
Figura 61: Argila e antiplástico utilizados no Muquém.
A outra matéria prima essencial para confecção das Panelas de Barro é a
madeira. Mesmo a coleta de madeira sendo um trabalho considerado pesado pelas
paneleiras de ambos os locais, são elas mesmas que o exercem. Todas as vezes que saem
para coletar, buscam madeira suficiente para uma fornada. Salientado que há , em média,
uma ou duas fornadas por semana, tanto na aldeia Kariri-Xocó, como no Muquém.
145
A madeira é o combustível para os fornos que estão nos fundos das casas das
paneleiras Kariri-Xocó e do Muquém, estes fornos são muito semelhantes aos que são
usados nos centros de fabricação sofisticada, fornos semi-fechados (RYE 1981), porém
pouco menores, comportam cerca de 20 a 40 utensílios por fornada.
No Muquém, a atividade do controle da queima é realizada pela própria
Marinalva e eventualmente por seu marido, seu José. Por fornada, ela abastece de lenha
a cada meia hora, durante as oito horas que as peças estão no forno. Já na aldeia Kariri -
Xocó, o forno é uma recente introdução, ele é usado essencialmente pelos homens, que
também confeccionam tijolos. Valdete contou-me que sua mãe queimava as peças num
forno tradicional (forno aberto), que consiste em um orifício aberto no chão onde se
ateava fogo nas Panelas de Barro que lá estavam. O combustível era comumente
estrume de animais, mas hoje ela faz uso de um forno mais “moderno”.
Figura 62: Abastecimento do forno por Marinalva – Muquém–AL.
A atividade de modelação das peças é desenvolvida manualmente, com auxílio de
alguns instrumentos, como uma faca e uma parte de cabaça, tanto no Muquém como
pelas paneleiras Kariri-Xocó. Ambas as paneleiras modelam suas peças sentadas ao
chão, utilizando-o como auxiliar na confecção, da mesma forma como havia descrito o
viajante Henderson (1783-1848): “trabalham diariamente, fazendo vasos de barro
sentadas no chão” (p. 109 e 110).
146
Figura 63: Modelagem de Panelas de Barro por Marinalva – Muquém.
Após o momento da modelagem e antes das peças irem ao forno, é feito o
“acabamento” destas. No Muquém, Marinalva põe a inicial de seu nome no utensílio,
para que, desta forma, outras pessoas possam identificar como seu. Na aldeia Kariri -
Xocó se alisa as peças com um tipo de barro amarelado, chamado toá (tauá40
). Põe-se o
toá descansando na água, de um dia para o outro, para ele ficar em estado líquido,
depois as louceiras se utilizam de um pano e banham a peça com o toá, formando nela
um engobo amarelado, que quando queimado proporciona ao utensílio uma coloração
avermelhada. Após esta atividade de distinção local das Panelas de Barro, elas tornam-
se prontas para queima e logo após, para o uso.
40
Tauá é uma palavra que significa "Barro vermelho".
147
Figura 64: Detalhe de coração plástica das Panelas de Marinalva (com “M” de seu nome).
Como observado, mesmo as diferentes formas de confecção das Panelas de Barro
visam atingir, entre outras coisas, utensílios com plasticidade, capacidade de
armazenamento de calor e superfícies lisas, que são atributos necessários para cocção de
alimentos. Também há terminologias para cada tipo de recipiente, que, já no momento
de confecção, são idealizados pelos paneleiros.
Percebi que todas as etapas das operações essenciais remetem a idealização do
uso do objeto, sendo a cocção de alimentos o fator determinante. Assim, os atributos
técnicos são de fato determinantes e determinados pelos hábitos alimentares.
Já que os processos de manufatura podem ser entendidos conforme os hábitos
alimentares, resta conhecer quais são estes utensílios que possuem em seus nomes o
indicativo de usos e que são confeccionadas em por grupos distintos e de formas
diferente. Será que há um padrão morfológico nestas Panelas de Barro da atualidade?
6.1 O PADRÃO MORFOLÓGICO DAS PANELAS DE BARRO
PRODUZIDAS ATUALMENTE
Diversos tipos de utensílios são confeccionados nos centros de produção de
Panelas de Barro atualmente. Segue abaixo a terminologia dos tipos de utensílios
148
fabricados, com os indicativos de uso que me foi revelado pelos paneleiros durante as
entrevistas.
No Alto do Moura, produz-se utensílios como panelas tipo: caldeirão, panelas de
arroz e panelas de feijão, que são utilizados para caldos, feijoadas, feijões e arroz;
panelas de carnes (que também são usadas para arroz) e assadeiras (frigideiras) que são
utilizadas para cocção de carnes; e por fim, as moringas que são confeccionadas para o
armazenamento de água. Também são confeccionadas tigelas, que são utilizadas para se
servir de alimentos e os não tão tradicionais copos e travessas, que são utilizadas para
servir alimentos. Estes utensílios possuem, em sua maioria, tratamentos de superfície
vitrificado, enegrecido e alisada e não possuem qualquer tipo de decoração. Segundo
meu informante, todas as Panelas de Barro “antigamente eram chamadas de panelas
natural, ou comum, as panelas comuns” e acrescenta ainda que:
Antigamente não existia essa panela preta (...) naquela época já
existia louça vitrificada, mas era só por dentro (...) era panela,
cuscuzeira, assadeira, caldeirão, tudo (...) meu pai é daquele
tempo que fazia só essas coisas (José Manoel da Silva, o “Zé
Galego” em entrevista concedida 22/08/2012) .
Já em Tracunhaém, entre os tipos de Panelas de Barro que são produzidas no
Ateliê de Mestre Da Hora, existem as: panelas de feijão, que assim são chamadas por
serem utilizadas para este fim, mas que muito se assemelham as panelas caldeirão que
são confeccionadas no Alto do Moura; há também as panelas de arroz, produzidas com
o mesmo intuito (cozinhar arroz). Produz-se também o alguidar, que também são
conhecidos como “bacia de lavar menino”; há o fogareiro; as frigideiras (que também
são chamadas de assadores) que são utilizados para cozinhar ou fritar carnes; e as
tigelas.
Na aldeia indígena Kariri-Xocó os utensílios produzidos e vendidos palas
louceiras de lá são do tipo: panelas de beiço41
, confeccionadas com o intuito de se
cozinhar alimentos como carne; as panelas de feijão, para se cozinhar feijão e arroz; e
potes, que são assim chamados na comunidade, mas que sua capacidade de armazenar
líquidos se assemelha a moringas, quartinhas, ou mesmo bules, como é habitualmente
41
Noutros lugares é conhecida apenas como panela de arroz ou carne.
149
conhecido nos demais centros produtores. Os potes produzidos na aldeia Kariri-Xocó
diferem dos potes produzidos na comunidade de Carrapicho, que são grandes recipientes
cerâmicos que podem armazenar grandes quantidades de água, ou qualquer outro
líquido.
No Muquém, são fabricadas sete tipos de Panelas de Barro: a panela de carne
fabricada com o intuito de se cozinhar tipos variados de carnes; a panela de feijão, para
feijão; a panela de arroz, que é confeccionado com o intuito de se cozinhar arroz;
cuscuzeiras, potes, tachos e cafeteiras que estão na categoria dos utensílios que são
confeccionados para cozinhar cuscuz, armazenar alimentos líquidos, torrar café e
esquentar café, respectivamente.
Tendo em vista a necessidade de verificar qual o padrão destas Panelas de Barro
confeccionadas atualmente, busquei desenvolver o perfil deste padrão, agrupando os
utensílios conforme sua terminologia e seu indicativo.
A identificação deste padrão foi possível devido à comparação gráfica que
realizei nos utensílios pertencentes a cada agrupamento. Por exemplo, as diversas
panelas de feijão tiveram seus dados comparados afim de se estabelecer o padrão destas.
já aqueles que não possuem utensílios similares, foram apenas individualizados em sua
categoria particular, com exemplo a cuscuzeira, identificada apenas na comunidade do
Muquém, não precisou passar pela análise gráfica de sua curvatura.
Tendo em vista que o tamanho dos utensílios varia conforme a quantidade
esperada de alimento a ser cozido, e que todas as panelas são funcionalmente
arredondas, pois aumentam a resistência ao impacto e conservam melhor o calor, só foi
possível determinar a variação morfológica dos utensílios com a análise comparativa
através da reconstituição gráfica. A comparação ocorreu através da reconstituição
gráfica de todos os utensílios, fazendo uso de recursos digitais42
para análise das formas,
buscando atingir o grau da inclinação das bordas de cada utensílio em relação ao corpo.
Pois, ao calcular a diferença entre a extremidade média atingida pelo corpo do utensílio
(bojo), em relação à posição da borda, pôde-se chegar ao grau que representa a forma
esperada durante a produção do utensílio, assim, independente do tamanho do utensílio,
42
Alves et al (1993) já demonstrou a importância de recursos computacionais na análise cerâmica.
150
pode-se verificar se determinados utensílios pertencem a um mesmo grupo, ou se existe
uma falsa similaridade.
Ao desenvolver esta análise em Panelas de Barro produzidas atualmente, e
levando em consideração as atribuições de uso e nomenclaturas destas, identifiquei a 15
(quinze) diferentes tipos de Panelas de Barro. Estes utensílios serão aqui representados
através de um exemplar cada tipo de utensílio. Os utensílios foram classificados
conforme as atribuições e nomenclaturas atribuídas aos utensílios confeccionados
atualmente, sendo as seguintes categorias: Alguidar; Cafeteira; Copo; Cuscuzeira;
Fogareiro; Moringa; Panela de Arroz; Panela de Carne; Panela de Feijão; Pote tipo 1
(produzido em Carrapicho); Pote tipo 2 (produzido na aldeia Kariri-Xocó) e Pote tipo 3
(produzido no Muquém); Tacho; Travessa; e Tigela.
A) Alguidar:
Figura 65: Alguidar grande produzido em Tracunhaém.
O Alguidar é um utensílio produzido em Tracunhaém, e foi apenas nesta cidade
que identifiquei esta produção. O Alguidar, ou bacia de lavar menino, como é
carinhosamente chamado por Mestre da Hora, é produzido em larga escala e em três
variados tamanhos: pequeno, médio e grande. Tem as seguintes características: borda
contraída, bojo piriforme e base convexa. É comumente utilizado para comportar
alimentos, porém, ele é amplamente difundido entre os praticantes de candomblé, que o
utilizam nos rituais religiosos.
151
B) Cafeteira:
Figura 66: Cafeteira produzida na comunidade do Muquém.
A confecção de Cafeteiras foi observada nessa pesquisa, apenas, na comunidade
do Muquém. Ela possui uma borda introvertida, com bojo globular e base convexa. A
terminologia deste utensílio não esconde a utilidade para qual ele é confeccionado, fazer
café.
C) Copo:
Figura 67: Copo vitrificado médio produzido no Alto do Moura.
O Copo é um tipo de utensílio que foi identificado no Alto do Moura. Segundo
Zé Galego, este tipo de utensílio começou a ser confeccionado recentemente, e tem um
bom mercado, principalmente pelos donos de restaurantes. São confeccionados copos de
diversos tamanhos, a o tratamento de superfície destes pode variar, havendo copos
vitrificados, como este da imagem, copos enegrecidos e copos com alisado simples.
152
D) Cuscuzeira:
Figura 68: Cuscuzeira produzida na comunidade do Muquém.
A Cuscuzeira, que é um utensílio exclusivo para se produzir um determinado tipo
de alimento (o cuscuz). Na minha pesquisa de campo, só pude identificar esse utensílio
no Muquém. É um tipo de Panela de Barro que começou a ser confeccionado
recentemente, segundo dona Marinalva, mas que sua aceitação por parte do público
consumidor é muito boa, sendo um dos utensílios mais vendidos atualmente. Sua base
convexa, com um tipo de bojo que parece cambado, revela que este utensílio é
produzido a partir de duas peças distintas, o que permite manter água quente na parte
inferior do utensílio, que dividido ao meio, recebe a massa do cuscuz na parte superior.
Esse mecanismo permite o cozimento a vapor.
153
E) Fogareiro:
Figura 69: Fogareiro produzido em Tracunhaém.
Assim como a Cuscuzeira, o Fogareiro também é um utensílio confeccionado em
duas partes. Primeiro é confeccionada a base, que é plana e possui um orifício em seu
bojo, propício para o armazenamento de carvão. Num segundo momento é anexada,
sobre esta base, a parte superior do utensílio. O utensílio possui uma divisão, com
orifícios que permitem a passagem de calor. Em sua borda direta, existem reforços
internos que podem ser utilizados como suporte para qualquer tipo de panela que se
deseje manter sobre o mesmo.
Este Fogareiro é um exemplar que foi confeccionado em Tracunhaém, e foi
apenas neste centro produtor que identifiquei a produção deste utensílio.
154
F) Moringa:
Figura 70: Moringa produzida no Alto do Moura.
Esta Moringa, ou quartinha como também é conhecida, foi confeccionada no Alto
do Moura, e somente lá foi percebida a produção deste tipo de utensílio. Contou Zé
Galego que antigamente havia uma maior produção e comercialização de moringas, mas
atualmente, contou-me ele, este tipo de utensílio tem caído em desuso.
Ela possui uma base plana, um bojo cambado e uma borda direta, é ideal para
armazenamento de substância líquida, principalmente água, mas conta Zé Galego, que
existe muita gente que compra para por cachaça, com o intuito de proporcionar um
caráter rústico para bebida.
G) Panela de Arroz:
Figura 71: Panela de Arroz grande, natural, produzida no Muquém.
155
As Panelas de Arroz são produzidas em pelo menos dois centros, no Alto do
Moura e no Muquém. Este tipo de panela é tão popular, que existem mais de 6 tipos só
no Alto do Moura. A variação se restringe a dois fatores: um é tratamento de superfície,
podendo ser vitrificada, enegrecida ou com alisamento simples; e o outro fator é o
tamanho da peça, podendo haver panelas pequenas ou grandes. Esta da imagem acima é
de uma Panela de Arroz produzida no Muquém, que possui tratamento de superfície dito
natural, ou seja, que não possui qualquer coloração diferenciada, a base do recipiente é
globular, o bojo piriforme e a borda direta com uma leve contração. Com a análise
gráfica da curvatura deste tipo de utensílio, identifiquei que a variação de angulação
permanece entre 58 e 62 graus.
As Panelas de Arroz, como o próprio nome já diz, são manufaturadas para
cozinhar arroz. Além do nome, a forma deste utensílio é devido à técnica empregada na
cozinha para a cocção de arroz, sendo a panela não muito rasa, com uma forma globular,
permitindo uma melhor circulação de calor. Algumas dessas panelas, como as que são
produzidas no Muquém, possuem tampas, que tem a finalidade de cortar a perda de calor
e elevar a temperatura interna no recipiente.
H) Panela de Carne:
Figura 72: Panela de Carne (Panela de Beiço) produzida na aldeia Kariri-Xocó.
A Panela de Carne é outro utensílio que tem sua confecção bastante recorrente
nos centros produtores, como no Alto do Moura, no Muquém, em Tracunhaém (chamada
de Frigideira), e na aldeia Kariri-Xocó (Panela de Beiço). Elas são, em geral,
156
recipientes com base convexa e borda direta e possui uma abertura considerável, o que
permite uma melhor movimentação daquilo que esteja sendo preparado nesta panela.
Por tratar-se de um utensílio bem reproduzido nos centros produtores, efetuei a
análise gráfica da curvatura nos utensílios desta categoria. Cheguei a conclusão que
mesmo com algumas particularidades locais em cada utensílio, como asas ou alças, estes
variam entre 115 a 110 graus de curvatura entre a borda e o corpo. Saliento que antes da
análise eu havia posto a Panela de Barro denominada “Tacho”, que é produzida no
Muquém, nesta mesma categoria, mas a falsa impressão de tratar-se de um mesmo tipo
de utensílio foi desmistificada a partir desta análise.
I) Panela de Feijão:
Figura 73: Panela de Feijão produzida na comunidade do Muquém.
A Panela de Feijão é o utensílio mais popular em qualquer feira ou centro
produtor de Panelas de Barro, só no Alto do Moura se produz sete tipos de utensílios
desta categoria material, que variam conforme o tamanho (grande ou pequena) e o
tratamento de superfície (vitrificado, enegrecido ou simples). Há também uma específica
que se chama panela caldeirão, que se diferencia desta que está exposta, assim como as
demais, por suas grandiosas dimensões. Além destas Panelas de Feijão que são
produzidas no Alto do Moura, há a confecção destas em Tracunhaém, de dois tipos
(grande e pequena), na aldeia Kariri-Xocó, e esta que está exposta, que é produzida na
comunidade do Muquém. Todas as Panelas de Feijão possuem base convexa, bojo
globular e borda introvertida, estas características criam uma atmosfera particular,
157
permitindo que o ambiente interno da panela atinja altas temperaturas, proporcionando
uma cocção mais acelerada, ideal para cozinhar feijão.
Apesar das particularidades que cada panela possui (como alças ou asas
diferenciadas) dependendo do local de produção, todas estas panelas, além das
características já apresentadas, possuem um padrão de angulação da borda em relação ao
corpo que está entre 48 e 57 graus.
J) Pote tipo 1 (Carrapicho):
Figura 74: Pote produzido na comunidade de Carrapicho.
Os Potes produzidos atualmente que estão sendo apresentados nesta dissertação
foram divididos em subcategorias para melhor evidenciar a distinção entre eles, pois,
por mais que sejam confeccionados com um único propósito, armazenar água, eles
possuem não só características singulares que variam conforme o local de produção
(como a presença de apêndices), como também formatos diferenciados.
Esse pote, produzido em Carrapicho possui base plana, bojo piriforme, e borda
direta, além de alça diferenciada e decoração no lábio.
158
K) Pote tipo 2 (Kariri-Xocó):
Figura 75: Pote produzido na aldeia Kariri-Xocó.
Este Pote em particular, que é produzido na aldeia Kariri-Xocó, possui
tratamento de superfície diferenciado, há um engobo vermelho em sua superfície
externa, além disso, sua base é convexa, o bojo globular e a borda é extrovertida.
L) Pote tipo 3 (Muquém):
Figura 76: Pote produzido na comunidade do Muquém.
159
Já o Pote produzido na comunidade do Muquém, possui, assim como aquele
produzido na aldeia Kariri-Xocó, base convexa e bojo globular, mas se diferencia destes
no que se refere a sua borda, direta, semelhante ao pote confeccionado em Carrapicho. E
por apresentarem perceptivas distinções visuais, que estes utensílios estão assim
desagregados do conjunto, por mais que pertençam a uma mesma categoria.
M) Tacho:
Figura 77: Tacho produzido na comunidade do Muquém.
Antes, anexado precipitadamente a categoria de utensílios denominados “Panela
de Carne”, os Tachos, foram diferenciados, não só pela terminologia que é atribuída a
este, mas por ser uma panela mais rasa que as demais, e possuir uma sutil curvatura da
borda em relação à base (124º) o que proporciona uma abertura maior que as panelas de
carne. São utilizados para se torrar grãos de café, como e esta abertura proporciona uma
melhor movimentação do alimento que está sendo torrado na panela.
N) Travessa:
Figura 78: Travessa produzida no Alto do Moura
160
Este utensílio, que também é raso e possui uma abertura ampla, poderia ser
comparado aos tachos, mas possuem um fator diferencial importante: as travessas não
vão ao fogo, não são utilizados para produzir alimentos, mas sim para servir. A
produção de travessas foi constada apenas no Alto do Moura, onde Zé Galego me
confidenciou tratar-se de um utensílio atípico, que começou a ser confeccionado num
período recente a pedido dos donos de restaurante no intuito de utilizar travessas deste
tipo para servir, em geral, peixes fritos.
O) Tigela:
Figura 79: Tigela produzida em Tracunhaém
As Tigelas são utensílios produzidos no Alto do Moura e em Tracunhaém, como
esta que está exposta na figura acima. Em Tracunhaém elas são de um mesmo tipo que
variam em relação ao tamanho, existindo tigelas grandes e pequenas. No Alto do Moura
elas também possuem variação de tamanho e são confeccionadas com tratamentos de
superfície diferenciados, podendo ser com vitrificação interna e externa, ou com
enegrecimento interno e externo, ou mesmo com tratamento de superfície simples.
Todas estas tigelas, que em questões morfológicas são idênticas, possuem base convexa
e borda direta.
161
Todos estes utensílios, que configuram uma amostra de 15 (quinze) diferentes
tipos, são a população de Panelas de Barro que representa a totalidade destas
confeccionadas atualmente. Vale deixar claro que mesmos os utensílios que são
confeccionados num só local (como observado em alguns casos), podem estar sendo
confeccionados noutros espaços, pois, por mais que eu tenha pesquisado nos centros
produtores de maior relevância da região, existem diversos outros centros que
confeccionam Panelas de Barro.
Como foi elucidado, todos os utensílios produzidos atualmente tem suas técnicas
de manufatura e formas determinados a partir de uma ideia pré-concebida sobre a
utilização do objeto, conforme apontado por Skibo (2013), como as características
particulares das Panelas de Feijão, que propiciam uma cocção diferenciada, ideal para
este tipo de alimento, ou mesmo as Panelas de Arroz, Panelas de Carne, etc.
Desta forma, pude identificar que estas Panelas de Barro possuem tipos,
recorrentes de fato, que puderam ser identificados, nos séculos XIX ou XX, como visto
no capítulo 4, e na atualidade. Resta reconhecer se há um padrão unindo as Panelas de
Barro destes três séculos e, caso haja, o elemento motivador da manutenção do mesmo.
CAPÍTULO 7
A PANELA DE BARRO E A COZINHA
Se os capítulos 4 e 6 explanaram sobre formas de produção destas Panelas de
Barro (que está, de fato, associada aos hábitos alimentares); e o capítulo 5 dialoga sobre
a distribuição destas (mostrando a evidente ligação com os alimentos); este capítulo se
propõe a corroborar com dados pertinentes para as conclusões desta pesquisa,
demonstrando o padrão destas Panelas de Barro e levantando mais dados que possam
elucidar sobre sua utilização. Se dividirá em dois principais tópicos, um intitulado “As
Panelas de Barro”, que é uma comparação dos resultados dos capítulos 4 e 6; e o tópico
intitulado “A Cozinha”, que parte do pressuposto que o padrão das Panelas de Barro é
constituído devido a memória gustativa dos indivíduos que participam deste contexto e
tem como proposta narrar como se forma esta memória gustativa.
7.1 AS PANELAS DE BARRO
Após verificar que os hábitos alimentares são determinantes nos processos de
fabricação, distribuição e provavelmente utilização, além identificar as formas destas
Panelas de Barro de todos os períodos em questão, busco neste tópico verificar se realmente
há um padrão para estas Panelas de Barro, comparando os utensílios dos séculos passados
(expostos no capítulo 4), com os que são confeccionados na atualidade (capítulo 6).
A comparação morfológica dos utensílios foi desenvolvida através do método da
análise das variáveis que caracterizam a morfologia do utensílio (base, bojo, borda), somada à
comparação dos resultados na análise gráfica da curvatura da borda em relação ao bojo.
Para melhor visualização, os resultados serão dispostos da seguinte maneira: no
lado esquerdo de cada figura está a imagem que representa o determinado tipo de
utensílio referente ao século XIX ou XX, no lado direito da figura, está a imagem que
representa o determinado tipo de utensílio que é confeccionado na atualidade.
Saliento que a nomenclatura dos agrupamentos foi determinada conforme os
nomes das Panelas de Barro confeccionadas atualmente.
163
A) Cafeteira:
Figura 80: Panelas de Barro do tipo “I” (à esquerda) e do tipo Cafeteira (á direita).
O utensílio à esquerda foi identificado na gravura de Deroy (1797-1886), intitulada
Famille de planteurs, e foi classificada como sendo “Tipo I”. Já o utensílio à direita é
atualmente produzido na comunidade do Muquém, é chamado de Cafeteira e possui
atribuições que associa seu uso a prática de aquecer água para o café, bem como esquentar o
café.
Devido à semelhança morfológica de ambas, elas foram classificadas numa mesma
categoria, passando a integrar um tipo único, denominado Cafeteira, desta forma, a partir de
agora, sempre que houver referência a este tipo de utensílio, estarei me referindo tanto a
Cafeteira produzida atualmente como a “Cafeteria” exposta da gravura de Deroy.
Saliento que esta forma de atribuição da nomenclatura dos utensílios produzidos
atualmente para as Panelas de Barro identificadas como pertencentes aos contextos dos
séculos XIX e XX será aqui efetuada em cada categoria que irei abordar.
164
B) Fogareiro:
Figura 81: Panelas de Barro do tipo “B” (à esquerda) e do tipo Fogareiro (á direita).
À esquerda o utensílio oriundo de escavações do Engenho Monjope que foi
classificado como do tipo “B”, à direita um Fogareiro que é atualmente produzido na cidade
de Tracunhaém.
Foram identificados (reconstituídos) dois exemplares de utensílios do tipo “B” que
apresentaram as seguintes características: possuíam em sua pasta areia-fina, e em suas
superfícies o tratamento de superfície alisado externo e alisado interno. Estas mesmas
características puderam ser observadas durante a produção dos Fogareiros na cidade de
Tracunhaém. Desta forma, devido a relação morfológica e tecnológica, ambos os utensílios
foram classificados numa mesma categoria.
C) Moringa:
Figura 82: Panelas de Barro do tipo “M” (à esquerda) e do tipo Moringa (á direita).
165
O utensílio à esquerda foi identificado na fotografia de Tibor Jablonkky, de 1955,
intitulada “Feira de Caruaru” e representa o “Tipo M”, já o utensílio à direita é
atualmente produzido no Alto do Moura, é chamado de Moringa e possui designações que
associa seu uso voltado para o armazenamento de líquidos.
Devido à semelhança morfológica, elas foram classificadas numa mesma categoria,
passando a integrar um tipo único de utensílio, que será referenciado pelo nome Moringa.
D) Panela de Arroz:
Figura 83: Panelas de Barro do tipo “E” (à esquerda) e do tipo Panela de Arroz (á direita).
À esquerda o utensílio oriundo de escavações do Engenho Monjope que foi
classificado como do tipo “E”, à direita uma Panela de Arroz que é atualmente produzido no
Muquém.
Foram reconstituídos sete exemplares de utensílios do tipo “E” através de fragmentos
de artefatos provindos de escavações no Engenho Monjope, e foi também identificado na
gravura Danse de La Guerre de Deroy, que remete ao ano de 1835.
Nestes fragmentos, percebeu-se a presença de areia-fina, como antiplástico em suas
pastas, tratamento de superfície alisado externo e alisado interno, e fuligens externas e
esfumarado interno.
Essas fuligens externas são produto do contato desta panela com o fogo de forma
direta, tal como a imagem da panela que está na gravura de Deroy, que expõe, em meio a
pessoas jogando capoeira, uma Panela de Barro sobre o fogo. Já as manchas do tipo
166
esfumarado interno, podem ser fruto do cozimento de algum alimento específico, repetidas
cocções de arroz poderia deixar, por exemplo.
Já características da pasta e do tratamento de superfície, coincide com as das Panelas
de Arroz que são confeccionadas atualmente no Alto do Moura e no Muquém. Elas possuem
não apenas a mesma configuração em sua forma, sendo a base do recipiente globular, o
bojo piriforme e a borda direta com uma leve contração, mas todas as Panelas de Arroz,
bem como as os utensílios do tipo “E” apresentam padrão de inclinação da borda em relação
ao bojo em torno de 58º e 62º.
Com isso, devido a todas estas características técnicas e os indícios de uso, que as
Panelas de Arroz produzidas atualmente e as do tipo “E”, configuram agora uma mesma
categoria.
E) Panela de Carne:
Figura 84: Panelas de Barro do tipo “G” (à esquerda) e do tipo Panela de Carne (á direita).
À esquerda o utensílio oriundo de escavações do Engenho Monjope que foi
classificado como do tipo “G”, à direita uma Panela de Carne que é atualmente produzida na
cidade de Tracunhaém.
Com a reconstituição de artefatos puderam ser identificados dez exemplares de
utensílios do tipo “G” que apresentaram acréscimo de areia fina a suas pastas, tratamentos
de superfície com alisamento tanto interno como externo, e as manchas de uso do tipo:
fuligem e/ou esfumarado externa, como também e esfumarado e/ou fuligem, variando
com alternância entre eles. Vale salientar que esfumarado externo pode indicar um
contato indireto com o fogo, enquanto que fuligem externa indica o contato direto, já o
esfumarado interno é indicativo de cocção de alimentos com substâncias líquidas, e a
167
fuligem interna é indicativa da carbonização na superfície, que pode ter sido gerada pela
cocção de alimentos sólidos, como carnes por exemplo.
As características tecnológicas que foram observadas nos fragmentos dos
utensílios, coincidem com as técnicas de manufatura das Panelas de Carne atualmente
produzidas no Muquém, em Tracunhaém, e na aldeia Kariri-Xocó (conhecida por Panela
de Beiço). Todas as Panelas de Carne, incluindo os utensílios do tipo “G”, apresentam o
grau de curvatura da borda em relação ao bojo variável entre 100º e 115º, sendo um dos
tipos de Panela de Barro com maior amplitude de abertura.
Devido à relação morfológica, tecnológica e os indícios de uso, os utensílios foram
classificados numa mesma categoria.
F) Panela de Feijão:
Figura 85: Panelas de Barro do tipo “F” (à esquerda) e do tipo Panela de Feijão (á direita).
O utensílio à esquerda é produto da reconstituição de artefatos oriundos de escavação
do Engenho Monjope que foi classificado como Panela de Barro do tipo “F”. Já o utensílio à
direita foi produzido na comunidade do Muquém, e é conhecido por Panela de Feijão, pois é
confeccionado para este fim.
A Panela de Feijão é o tipo de utensílio que tem a produção mais recorrente
atualmente, sendo identificada em todos os centros produtores em que a pesquisa foi
realizada, apresentando base convexa, bojo globular e borda introvertida, e curvatura da
borda em relação ao corpo de aproximadamente 53 graus.
Essas características são semelhantes à panela do tipo “F”. Este tipo de utensílio foi o
que teve maior representatividade numérica de reconstituições, 16 (dezesseis) no total, e
168
apresentaram características tecnológicas que são similares às Panelas de Feijão da
atualidade, como o acréscimo de areia fina a suas pastas, tratamento de superfície externo e
interno alisado e curvatura. Além das similaridades tecnológicas e morfológicas, a curvatura
média da borda em relação ao corpo, de exemplares de ambos os tipos, varia entre 48 e 57
graus.
Com todas estas características similares, os utensílios do tipo “F” também
integram a categoria de utensílios que conhecemos atualmente por Panelas de Feijão.
G) Pote tipo 1:
Figura 86: Panelas de Barro do tipo “J” (à esquerda) e do tipo Pote de Carrapicho (á direita).
O utensílio à esquerda foi identificado na gravura de Visconde Ernest de Courcy,
intitulada “Vendedor de Cerâmica do Recife” e foi classificado como Tipo “J”. Já o
utensílio à direita é atualmente produzido na comunidade de Carrapicho e é chamado de Pote.
Possui designações que associa seu uso ao armazenamento de líquidos.
Devido à semelhança morfológica, elas foram classificadas numa mesma categoria,
passando a integrar um tipo único de utensílio, o qual será referenciado pelo nome Pote (tipo
1).
169
H) Pote tipo 2:
Figura 87: Panelas de Barro do tipo “C” (à esquerda) e do tipo Pote de Kariri-Xocó (á direita).
O utensílio à esquerda foi identificado durante as escavações arqueológicas no
Engenho Monjope, e foi chamado de Panela de Barro do tipo “C”. Já o utensílio à direita é
atualmente produzido na aldeia Kariri-Xocó, é chamado de Pote e possui designações que
associa seu uso ao armazenamento de líquidos.
Os utensílios do tipo “C”, que foram 2 (dois) no total, não apresentaram qualquer
mancha de uso em suas superfícies, podendo ser um indicativo do uso restrito para
transporte ou armazenamento de algum tipo de produto.
Assim, devido à semelhança morfológica e de manchas de uso que induzem ao uso,
elas foram classificadas numa mesma categoria, passando a integrar um tipo único de
utensílio, o qual será referenciado pelo nome Pote (tipo 2).
170
I) Pote tipo 3:
Figura 88: Panelas de Barro do tipo “L” (à esquerda) e do tipo Pote de Muquém (á direita).
O utensílio à esquerda foi identificado na gravura de Deroy (1797-1886), intitulada
Famille de planteurs. Já o utensílio à direita é atualmente produzido na comunidade do
Muquém, é chamado de Pote e possui designações que associa seu uso voltado para o
armazenamento de líquidos.
Devido à semelhança morfológica, elas foram classificadas numa mesma categoria,
passando a integrar um tipo único de utensílio, o qual será referenciado pelo nome Pote (tipo
3).
J) Tacho:
Figura 89: Panelas de Barro do tipo “H” (à esquerda) e do tipo Tacho (á direita).
A Panela de Barro à esquerda foi identificada durante as escavações arqueológicas no
Engenho Monjope, e foi chamado de Panela de Barro do tipo “H”. Já o utensílio à direita é
atualmente produzido na comunidade do Muquém, é chamado de Tacho e possui designações
que associa seu uso para torrar grãos de café.
171
As Panelas de Barro do tipo “H”, que foram 8 (oito) no total, apresentaram manchas
de uso: fuligem e/ou esfumarado externa, variando entre alguns utensílios e fuligem
interna em todos os utensílios, essas fuligens internas são indícios de esta panela foi
utilizada para cocção de algum tipo de alimento mais sólido.
Assim, devido à semelhança morfológica e de manchas de uso que induzem ao uso,
elas foram classificadas numa mesma categoria, passando a integrar um tipo único de
utensílio, o qual será referenciado pelo nome Tacho.
K) Tigela:
Figura 90: Panelas de Barro do tipo “D” (à esquerda) e do tipo Tigela (á direita).
O utensílio à esquerda é oriundo de escavação do Engenho Monjope, e foi classificado
como Panela de Barro do tipo “D”. Já o utensílio à direita foi produzido no Alto do Moura, e
é conhecido por Pote. Este utensílio é atualmente confeccionado com o intuito de que seja
possível se alimentar fazendo uso deste utensílio como auxilio para o comportamento do
alimento.
Os 4 (quatro) exemplares de utensílios do tipo “D”, oriundo de escavação do Engenho
Monjope, não apresentaram qualquer tipo de mancha de uso, podendo ser um indicativo que
este utensílio tenha sido utilizado apenas para armazenar, comportar, ou transportar produtos.
Outra evidencia que corrobora com este dado, é que na gravura Famille de planteurs, de
Deroy (1797-1886), este utensílio aparece nas mãos de uma senhora que o utiliza para
comportar, aparentemente, algum líquido que está sendo derramado de uma garrafa.
Assim, devido à semelhança morfológica e de ausência de manchas de uso, elas foram
classificadas numa mesma categoria, passando a integrar um tipo único de utensílio, o qual
será referenciado pelo nome Tigela.
172
L) Os demais utensílios: Alguidar, Copo, Cuscuzeira e Travessa e utensílios dos tipos “A”
e “K”:
Por fim, houveram utensílios que não possuíram correspondente, tanto em registros
dos séculos XIX e XX, como nas produções atuais, como é o caso do Alguidar, Copo,
Cuscuzeira e Travessa, verificado apenas na atualidade, e os utensílios dos tipos “A” e “K”,
que foram diagnosticados em contextos do século XIX e XX. O que não significa exatamente
que não possa haver esse contínuos de padrão, mas, apenas, que eles não puderam ser
identificados nesta pesquisa.
Mas apesar dos seis utensílios que não puderam ter seu padrão identificado, os outros
onze que foram acima demonstrados, apresentam elementos de contínuos do padrão
morfológico e também de utilização, alguns deles.
Sendo assim verificado o padrão das Panelas de Barro de Pernambuco dos séculos
XIX até a atualidade, e já possuindo indícios que associam as operações essenciais destes
utensílios aos hábitos alimentares, preciso agora entender a utilização destas panelas para
entender o motivo deste padrão que acabou de ser verificado.
7.2 A COZINHA
Compreender como a formação dos hábitos alimentares tem se construído é
essencial para se conhecer parte determinante da trajetória das Panelas de Barro, a
cozinha. Pois como essa pesquisa se propôs em entender as Panelas de Barro através de
uma análise da cadeia alimentar, e assim o tem feito até então, nada do que foi percebido
até agora fará sentido se o terceiro âmbito de circulação desta, a cozinha (utilização),
não estiver em sintonia com o que já foi verificado, devido a isso, este capítulo se
propõe em entender a relação entre o padrão verificado das Panelas de Barro e a
memória gustativa que está em constante formação e reprodução dela mesma através do
gosto.
173
O que se chama hoje de “cozinha brasileira” é o resultado de um processo
histórico, que traz em si elementos das mais diversas procedências que aqui foram
modificados, mesclados e adaptados conforme circunstâncias regionais. Diferentes
grupos, unidos por circunstâncias diversas nas unidades de produção, partilhavam de um
aspecto comum, os hábitos alimentares, como Maciel (2001) ressaltou: “ao alimentar-se
conforme o meio a que pertence, o homem se alimenta de acordo com a sociedade a que
pertence e, ainda mais precisamente, ao grupo, estabelecendo distinções e marcando
fronteiras precisas” (p.149). Estas distinções e fronteiras estabeleceu a cozinha
brasileira, semelhante à europeia, indígena ou africana, porém diferente de todas elas,
constituindo o tripé propostos por Silva (2005), que se baseia em uma cozinha, agora
nacional, estruturada a partir da farinha (cru), do feijão (cozinhado) e a carne-seca
(podre). Conforme a citada autora:
A cozinha nascida nos engenhos, portanto, tinha muito de
indígena, principalmente nos modos de preparo, nos alimentos
usados, na forma de comê-los, caracterizando-se por uma comida
seca, à base de farinha, carne e peixes secos, tubérculos cozidos
sem tempero. Mas era uma cozinha feita por negras, que
empregavam, por sua vez, outros produtos e temperos diversos
dos indígenas, como coentro e as pimentas (...) Todos esses
ingredientes, por outro lado, por mais estranhos que fossem,
precisavam adequar-se ao paladar português, acostumado a
açordas, cozidos e comidas com muito caldo (p.42).
7.2.1 A cozinha pernambucana
O estado de Pernambuco foi uma das primeiras áreas a ser ocupada nas
terras de Vera Cruz, sendo a segunda Capitania estabelecida, fato ocorrido no ano de
1534. O contato e as conquistas por partes dos portugueses nestas terras não foi simples
e marcou de forma determinante a vida das pessoas que já estavam fixas no local.
O pesquisador viajante Alfredo Ferreira de Carvalho43
(1870 – 1916) expôs seu
ponto de vista de como ocorreu esta conquista:
O território compreendido entre os rios Igarassu e S. Francisco
coube a Duarte Coelho, velho soldado da Índia, educado na
terrível escola do terribel Albuquerque, que na sua exploração,
43
Foi membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e fundador da Academia
Pernambucana de Letras, reuniu uma vasta coleção de textos sobre a história de Pernambuco, além de ter
publicado inúmeros volumes a respeito.
174
desbravamento e cultura desenvolveu energia e constância
admiráveis. A partir de 1535 começaram as “entradas”, jornadas
de extermínio de presa semelhantes às algaras da meias idade
ibérica, levando a morte, o cativeiro e o terror às numerosas
caiçaras indígenas espalhadas por todo o sul da capitania
(Carvalho 1978 p.5).
O conflito entre os estrangeiros e os índios brasileiros, ocorreu com o intuito de
estabelecer nestas terras de solo rico em massapê, as plantações de canas-de-açúcar e os
engenhos para processá-las.
O cultivo da cana-de-açúcar é a mais antiga atividade rural no Brasil, e foi na
base socioeconômica no processo de colonização. Frazão (2011) cita que “em meados do
século XVI, Pernambuco produzia açúcar em melhores condições, tendo em vista sua
proximidade com os centros importadores e uma maior quantidade de navios para o
transporte (...)” (p. 15).
Mesmo a economia do açúcar se estabelecendo durante os primeiros séculos, foi
no século XIX, após anos de incertezas sob o risco de invasões e crises na metrópole,
que se fixaram as bases geográficas e estruturais da sociedade pernambucana.
Acompanhando este processo, também se estabeleceram os hábitos alimentares e suas
peculiaridades regionais. Foi ainda durante este período que o ciclo do açúcar passou do
apogeu para o declínio, e que a Capitania, e o Brasil como um todo, conheceram as
ideias abolicionistas. Houve também o fim do governo imperial e início da República,
numa modernização sem precedentes, embora estas modernizações tenham causado
poucas mudanças no âmbito das relações políticas e de trabalho, como foi exposto
Eisenberg (1977).
Estas movimentações nos contextos político, econômico e social, distinguiram o
estado de Pernambuco e possibilitaram seu crescimento demográfico, principalmente no
Recife (com o êxodo rural), e o desenvolvimento urbano (com a europeização de ruas e
costumes). No final deste século (XIX), que os hábitos alimentares pernambucanos,
como conhecemos atualmente, já estavam estabelecidos.
175
7.2.1.1 Os espaços de preparo dos alimentos
Além de ser parte integrante da estrutura da cozinha nacional, a cozinha
pernambucana possui algumas especificidades regionais, típicas da adaptação da
estrutura estabelecida por Silva (2005) para alguns contextos específicos. A primeira
característica marcante é que ela nasceu no campo, em fazendas, casas de pequenos
produtores rurais e especialmente em engenhos, conforme Albertim (2008):
Os antigos engenhos da maior capitania produtora de açúcar que
viabilizou o projeto colonial português nesta margem do
Atlântico foram os laboratórios e maternidade não só para
cozinha do estado, mas também para o que depois seria chamado
de cozinha brasileira (p.13).
Tendo os engenhos como seu laboratório, a cozinha se configurou longe dos
olhares dos senhores, e diferente do que seria o espaço “cultural”, a cozinha
pernambucana foi “inventada” em “ambiente muito mais próximo da natureza que a
refinada sala de jantar ” (LIMA, 1995 p.138). Em muitos casos eram locais que estavam
do lado de fora das habitações, como nas cozinhas das casas-grandes ou nos fundos da
senzala.
O pesquisador Gilberto Freyre, e os viajantes William Hadfield (1806-1887) e
Louis-François de Tollenare (1780-1858) descreveram as formas como as pessoas se
comportavam no âmbito residencial, e alimentar. Tollenare, que esteve no Recife entre
1816 e 1817, foi bastante atencioso ao descrever estes costumes:
Quando um senhor de engenho visita outro, as senhoras não
aparecem. Passei dias em casa de um deles, homem muito
prazanteiro e que me acumulava da amabilidades, e não vi a sua
família no salão nem à mesa (...) Doutra vez cheguei, após o
jantar, inopinadamente à casa de um outro (...) Pedi um copo de
água para ter ensejo de passar ao aposento vizinho. Fizeram-me
ali esperar por muito tempo (...) a senhora preparou uma merenda
escolhida; mas não a vi, aliás, o mesmo me sucedeu em uma casa
de campo pertencente a um lisboeta (1993, p. 121).
As cozinhas eram os espaços reservados das casas onde estariam as senhoras,
cozinhando seus alimentos e longe dos espaços coletivos (sociais) da residência. Por
estar em ambientes abertos, estavam também integradas ao natural, e podem também ser
entendidas como qualquer ambiente onde se cozinhavam alimentos, independente de se
176
“estar” numa casa ou não, como as margens das senzalas e os caldeirões dos centros de
cidades.
Os espaços das senzalas onde eram preparados os alimentos, diferente das
cozinhas das casas-grandes, pareciam ser muito mais sociais do que reservados,
conforme apontam os pesquisadores Allen e Moura (2012):
(...) as pessoas que vivem, sob o regime de prisão desenvolvem
suas atividades de lazer numa área particular. Escondido aos
olhares daqueles que os vigiam, estes atores sociais mantém seus
hábitos nestes lugares específicos, como por exemplo, os fundos
da senzala (p.4).
Em escavação realizada na área da senzala do Engenho Monjope, as Panelas de
Barro apresentaram manchas de utilização, assim como as Panelas de Barro oriundas
das escavações arqueológica na fazenda Sesmaria Jaguaribe. A pesquisadora Silva
(2006) identificou que as Panelas de Barro daquele contexto apresentaram “marcas de
uso por fuligem, apontando um manuseio direto sobre o fogo e sugerindo,
consequentemente, que os vasilhames poderiam estar associados ao processamento de
alimentos” (p.91).
Mas a cozinha Pernambucana era também feita em ruas, nos centros urbanos,
desarticuladas dos ambientes ditos culturais. Era também nestes locais mais próximos do
natural, onde ocorriam as transformações de elementos do ambiente em pratos (crus,
cozinhados e podres), que aconteciam também a comercialização das Panelas de Barro.
7.2.1.2 Os principais pratos da cozinha pernambucana (crus,
cozinhados e podres)
Na miscigenação de gostos nasceram os pratos tipicamente pernambucanos, que
como salienta Albertim (2008) é “o reino da peixada, do cozido, do sarapatel e do
caldinho”. Seguindo a lógica da cozinha nacional , que segundo a proposta de Silva
(2005) é baseada na constituição do “tripé da alimentação”, a cozinha pernambucana
também partilha destas mesmas características. Tem como espinha dorsal a farinha de
mandioca, um alimento tipicamente cru; as carnes assadas que configuram a categoria
177
dos principais alimentos podres; e os caldos, feijões, arroz, pirão entre outros, que
preenchem a categoria de alimentos cozinhados.
Dentre os alimentos que configuram a categoria tipo cru, na estrutura da cozinha,
baseada no esquema proposto por Strauss (1968), podem-se destacar aqueles que são
mais consumidos durante a primeira refeição do dia, como exemplo: os cafés, cuscuz e
tapiocas (bijus).
O viajante William Hadfield (1806-1887), que esteve em Pernambuco 1853,
participou e descreveu diversas refeições em Pernambuco. Numa delas, contou que:
Ao nascer do sol a família está toda de pé. A empregada ou (onde
as não há) a dona de casa ascende o fogo e faz o café, o qual,
embora preparado de maneira peculiar, é sempre excelente. O
açúcar e os grãos crus são mexidos juntos e torrados em panela
fechada, de modo que quando derrete esfria forma uma massa rija
com grãos (1993).
Os grãos crus de café e o açúcar são torrados em panelas específicas (ainda
produzidas atualmente), chamadas de “tachos”, mas há também as cafeteiras, que são
utensílios associados a cocção do café.
Outro importante alimento que configura a categoria de alimento do tipo cru é a
farinha. Como apontou Silva (2005), “foi a farinha que se estabeleceu como o pão-
brasileiro, por ser de fácil armazenamento e conservar-se bem durante longo período”
(p.85). A partir da mandioca pode-se preparar a farinha, que de acordo com Gilberto
Freyre (2002) “a técnica de seu fabrico permanece, entre grande parte da população,
quase que a mesma dos indígenas” (p.191). Da farinha de mandioca, entre outras coisas,
se prepara a jacuba44
que era dado pela manhã, às pessoas que estavam na condição de
escravos, mas que ainda é consumida por algumas pessoas na atualidade. Da farinha
fazia-se também os beijus, ou tapiocas como são mais difundidas nas cidades.
Aprimorada pelo tempo, a variação de beiju chamada de tapioca
leve, mais úmida. Quando surgiu, era nomeada beiju-tapioca,
uma das variáveis que inclui formas hoje raras, esquecidas como
fogareiro e moedor de carne. Difícil encontrar, por exemplo, o
beiju-açu, redondo e assado no forno. Peneirada para tapioca, a
goma resulta mais fina e flexível. Assada em frigideira rasa,
circular, adquirindo seu formato. Inicialmente recebia uma
camada de coco ralado. Depois, uma fatia grossa de queijo
integrou-se ao acepipe (ALBERTIM, 2008 p.28).
44
Conforme Albertim (2008) jacuba é “uma mistura grosseira de farinha e melaço de cana” (p. 26)
178
As tapiocas eram (como são) feitas em panelas rasas e arredondadas (podendo ser
de cerâmica ou de outros tipos materiais), estas panelas são colocadas sobre fogareiros,
sendo essa prática um costume amplamente difundido e perpetrado até os dias atuais, tal
como comercializa-las nas ruas. Esta prática pode remeter à tradição das “negras de
fogareiro” (FREYRE 2002 p. 575).
Outro alimento, que pertence à categoria cru, e que tem grande importância na
formação dos hábitos alimentares pernambucanos, é o milho. Além da farinha de milho
e o milho cozido, se obtém deste cereal a pamonha, a canjica, o mungunzá, o próprio
milho assado, a papa de milho, o angu, entre muitos outros. Mas o principal de todos
estes, que é obtido a partir do milho, é o cuscuz, tanto que há um utensílio exclusivo
para esta transformação, a cuscuzeira. Sobre o método de preparo do cuscuz, Albertim
(2008) é claro: “Cuscuz não aceita fórmulas cartesianas de cocção. O fubá descansa até
inchar um pouquinho, com um pouquinho de água e sal. Depois vai para cuscuzeira”
(p.35).
A categoria de alimentos mais substancial, que compõem a refeição mais
importante do dia (o almoço), é constituída, principalmente, por alimentos do tipo
cozinhados. Podem ser descritos como feijões, arroz e caldos de diversos tipos, seja sopa
ou pirão, como frisou Albertim (2008): “A sopa aqui nunca foi comida de inverno.
Versáteis e variados, caldinhos de feijão, de peixe, de camarão, passatempos básicos de
verão. Ou ainda feito de caldeirada” (p. 34), onde se usam principalmente a panela do
tipo Caldeirão, ou mesmo as típicas Panelas de Feijão, ideais para este tipo de cocção.
“O feijão era de uso cotidiano” dizia Freyre (2002 p.580), que com o acréscimo
de variadas carnes salgadas, cabeças de porco e linguiças, formava um suculento caldo,
que ficou conhecido como feijoada, o típico prato nacional. Em Pernambuco há
inclusive uma forma particular de se fazer feijoada, “ao contrário da carioca de feijões
pretos, é feita com mulatinho. Confirmando a ética do cozido, vai ao fogo com legumes
em abundância. Jerimum, maxixe, couve e quiabo entre as carnes e feijões. O louro
como tempero marcante” (ALBERTIM 2008 p.34). O feijão é tão marcante na culinária
Pernambucana, que se fazem panelas específicas para se cozer este legume, as ditas
Panelas de Feijão, em parceria com o arroz, que também possui um tipo próprio de
panelas, a Panela de Arroz, configura-se como a principal fonte alimentar da cozinha
nacional, o arroz com feijão.
179
Outro típico prato pernambucano é o pirão, ou como Gilberto Freire se referiu a
este numa edição de 1920 do Jornal do Comércio: “o mais brasileiro dos pratos”. É o
maior representante da categoria de alimentos cozinhados, e detém uma importante
relevância para a memória gustativa pernambucana, tanto que Albertim (2008) afirma
que jamais se deve cometer “a gafe histórica de oferecer uma peixada ou cozido sem o
respaldo de um suculento pirão. Amarelinho, fumegante, cativante.” (p.15).
O pirão foi muito citado por vários viajantes que passaram por Pernambuco
durante o século XIX, entre eles Hadfield (1806-1887), que enquanto esteve em
Pernambuco, participou por diversas vezes de ocasiões como jantares, e expôs que:
O jantar (...) consiste do caldo (...) com adição eventual de carne
fresca, a qual tendo estado no fogo muito tempo para que se
fizesse o caldo, não se distingue facilmente da seca. O prato vem
cheio até a borda e abarrotado, acompanhado por outro cheio, da
mesma forma, com pirão feito de farinha de mandioca e
parecendo um suntuoso pudim (...) que constitui o mais
importante das refeições (1993 p. 188).
Outro viajante que experimentou os gostos da cozinha pernambucana foi Lois -
François Tollenare (1780-1858). Ele viveu no Recife entre 1816 e 1817, e como os
demais viajantes do dezenove, também descreveu uma de suas experiências
gastronômicas:
Creio dever dizer algumas palavras sobre refeições; o jantar
consiste em uma sopa copios e espessa, em que abunda o alho ou
outra qualquer planta de gosto muito pronunciado e pouco
agradável, que não conheço. (...) O primeiro prato é de carne
cozida pouco suculenta, cuja insipidez procuram atenuar por
meio de toucinho, sempre um pouco rançoso, e de farinha de
mandioca, de que cada um se serve com os dedos; como segundo
prato apresentam um guizado de galinha e arroz com pimenta
(1993 p.123).
Como ficou evidenciado na transcrição dos jantares que Hadfield (1806-1887) e
Tollenare (1780-1858) participaram, os caldos (sopas) constituíram o prato principal,
apesar de o pirão ter tido mais destaque para Hadfield (1806-1887). Os caldos estavam
sempre acompanhados de algum tipo de carne cozida ou assada, que estão na classe dos
alimentos podres, formada por carnes de bovino, suíno, caprino, ovino, aves e peixes
que são consumidas principalmente nos horários do almoço e do jantar, e que possui um
tipo de Panela de Barro específico para cocção destes alimentos, as Panelas de Carne.
180
Hadfield (1806-1887) descreve também outro ritual alimentar que experimentou
em Pernambuco, tratava-se de um almoço que foi realizado numa casa-grande de um dos
vários engenhos que ele visitou. Este aconteceu às dez horas da manhã e foi constituído
por “feijão preto, angu, carne-seca, farinha, toucinho, repolho, arroz e até uma ave”
(p.189). Sobre esta ave, pode-se imaginar uma galinha, que segundo Albertim (2008) “a
galinha foi e continua a ser (...) provisão de comida (...). Com o passar dos anos,
suplantou o porco na preferência pernambucana. No começo, tinha menos prestígio que
os suínos e carneiros” (p.33).
Os peixes, pouco citados até então e tipicamente litorâneos, também são
alimentos do tipo podre. O viajante George Gardner (1812-1849), em suas viagens pelas
aldeias de Itamaracá (Vila Velha) e Pilar, conta-nos que entre 1836 e 1841, período em
que aqui esteve, os moradores destas vilas tinham como ocupação a coleta de cocos e a
pesca, que eram “levados à venda em Pernambuco (Recife)” (1993 p.151). Os peixes
eram tão importantes na alimentação do século XIX, principalmente no Recife, que se
pode encontrar artigos no Diário de Pernambuco daquela época, em que se discutem
qual a melhor forma de corte das carnes do animal.
Para cozimento dos ditos alimentos podres, se utilizavam, provavelmente,
Panelas de Barro próprias para este fim, que poderiam ser rasas e abertas, o que ajudaria
no movimento dos alimentos durante a preparação destes assados, de largura acentuada,
que proporcionaria uma maior capacidade de cocção, além de manter a temperatura
constante do alimento, já que a argila é um bom retentor de calor, podendo as carnes ser
mantidas nas panelas, mesmo quando não consumidas.
Peixe ou carne assada na própria banha a fogo brando, depois de
feita em pedaços. Assim preparada é a carne, de caça ou de peixe,
conservada na própria banha e fechada em vasilhas próprias;
antigamente, pelos indígenas, em potes de barro (FREYRE, 2002
p.194).
Saliento que atualmente existe um tipo de utensílio, a Travessa, que é
confeccionada com o intuito de servir este tipo de alimento.
Com todos estes dados que foram expostos, percebeu-se que as Panelas de Barro
estão vinculadas diretamente, e não poderia deixar de ser, aos costumes da cozinha
pernambucana, desde o período de sua formação, século XIX até os dias de hoje. Esse
181
pratos, que foram consumidos por Hadfield ou Tollenare, são ainda ingeridos em
períodos recentes e na atualidade, como apontaram Gilberto Freyre e Albertim.
Desta forma, percebo que existe uma associação direta dos tipos de Panelas de
Barro, tanto do XIX, XX e da atualidade, com os alimentos da cozinha pernambucana.
Assim, entender como se formaram os hábitos alimentares é, em parte, entender como se
constituíram tantos os tipos de alimentos que são consumidos hoje, como as formas das
Panelas de Barro, pois fazem parte da formação e transformação do gosto, e por
consequência da memória. Desta forma entendo que a compreensão da Panela de Barro
é indissociável da cozinha, que determina o tipo ideal de panela conforme o prato
desejado, onde ambos parecem manter inalterados não apenas pela qualidade técnica, ou
mesmo biológica, mas sim pela memória.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para a resolução do problema que direcionou essa pesquisa, foram efetuadas
análises variadas que apresentaram resultados complementares. O resultado destas
análises foram dispostos por meio de 4 capítulos (capítulos 4, 5, 6 e 7), que narraram,
numa espécie de diário de campo, como os dados foram coletados e analisados. Busquei
não perder o foco, embora esta tenha sido uma tarefa árdua, e mantive sempre como
objetivo entender o motivo do padrão, nunca esquecendo que os meus critérios
dependiam em conhecer de fato, os processos de fabricação, distribuição e utilização. Isto
me fez explorar objetos distintos de períodos diferentes, que conforme o desenvolver da
pesquisa e o reconhecimento do potencial que outras fontes poderiam me proporcionar,
coincidiram com uma narrativa que seguiu uma relativa sequência cronológica, mas que
no que se refere aos critérios temáticos (fabricação, distribuição e utilização), se
confundiram.
Nesta discussão de resultados irei explorar a narrativa através de uma sequência
temática, mas sempre ressaltando a ordem cronológica dos acontecimentos.
Inicialmente, utilizei os dados da análise das Panelas de Barro do Engenho
Monjope, entendendo que os resultados pudessem corroborar com respostas a respeito
da fabricação e utilização dos objetos. Com isso, foi verificada a recorrência de 8 (oito)
tipos de utensílios, que apresentaram características particulares de técnicas de
confecção e de uso, através das manchas de uso variáveis que resultaram em indícios
que indicam a cozinha como elemento determinante. Todavia, não é interessante
desenvolver uma resposta tão ampla com uma amostra tão reduzida. Foi, então,
elaborada uma estratégia para ampliar, o quanto possível, a amostra de artefatos.
Primeiro houve a consulta nos relatórios técnicos de pesquisas arqueológicas que foram
desenvolvidas em Pernambuco, depois analisei gravuras do século XIX, e fotografias do
século XX, em que constavam Panelas de Barro.
Com a comparação das informações contidas nos relatórios de pesquisa, somada
aos registros iconográficos e aos resultados das análises dos utensílios cerâmicos de
escavação do Engenho Monjope, constatei que há 13 (treze) variados tipos de Panelas
183
de Barro diretamente associadas aos séculos XIX e XX, e que possuem características
físicas que a associam as práticas alimentares.
A fim de verificar a recorrência destes padrões, foi desenvolvida uma pesquisa
nos centros de Panelas de Barro na atualidade, refiro-me ao capítulo 6. Como resultado
desta etapa da pesquisa constatei que mesmo com duas formas distintas de se produzir
Panelas de Barro (a fabricação sofisticada que é feita no Alto do Moura e em
Tracunhaém, e a fabricação rústica que é feita na comunidade do Muquém e na aldeia
Kariri-Xocó), elas possuem um recorrente padrão, evidente tanto nas nomenclaturas
atribuídas aos recipientes; nos 16 (dezesseis) tipos de Panelas de Barro produzidas;
como nas técnicas de manufatura aplicadas.
É interessante notar que as etapas de manufatura das Panelas de Barro atuais
estão associadas aos hábitos alimentares, de forma particular e premeditada para cada
utensílio, desde a escolha do antiplástico; a manufatura das formas dos utensílios, até o
tempo que este fica no forno, corroborando com a afirmação de Rye (1981): “o
ceramista pode identificar a melhor combinação de materiais conforme a específica
função do objeto” (p.2 ).
Reconhecendo que havia dois padrões, até então distintos (um padrão
reconhecido para os séculos XIX e XX, e outro dos dias atuais), cruzei as informações
de ambos os capítulos, exposto no capítulo 7, para compreender qual é o padrão que eu
havia trabalhado até então. As Panelas de Barro, que não são uma só, se diferem umas
das outras em formas e designações de uso, representando, pelo menos, 17 (dezessete)
distintos tipos de utensílios. Foi percebido, em 11 (onze) deles, uma continuidade
morfológica desde o século XIX e XX. Houve também 2 (dois) tipos de utensílios dos
séculos XIX e XX que não puderam ter sua forma identificada na atualidade, podendo
tratar-se de formas extintas, ou pouco utilizadas. Os outros 4 (quatro) tipos de utensílios
que são confeccionados atualmente parecem ter sido introduzidos a pouco tempo. De
toda forma, o padrão recorrente da maior parte dos utensílios parece não ser apenas
morfológico. Assim, como constatado nos relatórios técnicos de pesquisa e no acervo
artefatual do Engenho Monjope, as Panelas de Barro apresentam características técnicas
que estão associadas ao âmbito alimentar, da mesma forma que as Panelas de Barro
produzidas atualmente também estão.
184
Com a identificação das formas os utensílios, e o reconhecimento de pelo menos
um espaço de circulação das Panelas de Barro, os centros produtores, pude identificar
que há um continuos, no que se refere à fabricação e morfologia destas, e que está
determinado aos hábitos alimentares. Restava ainda verificar os outros espaços de
circulação das Panelas de barro (distribuição e utilização), como proposto nos
objetivos.
A investigação sobre os centros de distribuição das Panelas de Barro, que
posteriormente me levaram a reconhecer os atuais espaços de fabricação destas, foi
desenvolvida através da pesquisa documental, que abrangeu o século XIX e parte do
XX, e a pesquisa de campo com observação e entrevistas, que gerou informações a
respeito das áreas de circulação desta durante o último quartel do século XX até a
atualidade. Este momento da pesquisa almejou averiguar quais eram os locais onde
ocorria a distribuição das Panelas de Barro, conhecer quem eram os agentes sociais que
participavam deste processo, e verificar se os hábitos alimentares estavam associados a
esta etapa da trajetória das Panelas de Barro.
Verificou-se que a distribuição de Panelas de Barro no século XIX ocorria
através de atravessadores, lojas especializadas, e principalmente, nas feiras. Sobre as
feiras, é preciso dizer que, são inegavelmente espaços onde as trocas comerciais, de
experiências, de gostos e costumes acontecem através da venda de comidas, produção de
comidas e Panelas de Barro, estes produtos e resultados se misturam, desmaterializando
a oposição binária entre o natural e o cultural, que é vista tanto na cozinha, como nas
olarias.
Portanto, passei a compreender ‘feira’ não apenas da forma tradicional, o sentido
de feira foi ampliado para poder fazer uma melhor leitura dos locais de trocas
comerciais, de experiências, gostos e costumes na contemporaneidade, com isso os
locais onde há comercialização Panelas de Barro foram também considerados feiras.
Foi nestas feiras da contemporaneidade que pude perceber há (assim como os
centros comerciais dos séculos XIX e XX) um grande fluxo de materiais naturais em
meio as Panelas de Barro, sendo locais com cheiros e sabores típicos da culinária
regional, proporcionando uma circulação de pessoas de diversas etnias e culturas, que se
misturam: das negras vendeiras aos atravessadores portugueses, dos índios Kariri -Xocó
185
aos sofisticados paneleiros do Alto do Moura, todos participam da feira. Desta forma,
verifiquei que as feiras configuram-se como os locais persistentes de distribuição de
Panelas de Barro, e que são espaços determinados conforme os hábitos alimentares.
Mas de tanto referenciar os hábitos alimentares, havia uma necessidade
primordial em se conhecer como se formou a cozinha pernambucana, não apenas para
levantar dados a respeito da utilização das Panelas de Barro, mas também para entender
todos os processos inerentes à trajetória dos utensílios, já que parte significativa da
explicação para o questionamento que direcionou esta pesquisa estaria na própria
história da alimentação. Durante esta etapa da pesquisa, exposta no capítulo 7, foi
percebido que a partir do entendimento do contexto da formação da cozinha
(circunstâncias históricas e agentes formadores); análise da estrutura formadora (cru,
cozinhado e podre); e da compreensão das oposições existentes na cozinha (cru-
cozinhado, casa-cozinha, natural-cultural); a cozinha regional pernambucana pôde ser
entendida em sua amplitude, e por consequência, as Panelas de Barro que funcionam
como uma ferramenta na manutenção e reprodução dos memória gustativa.
Com isso, considerando que as operações essenciais das Panelas de Barro estão
determinadas pelos hábitos alimentares pernambucanos, e entendendo que estes hábitos
podem ser compreendidos através da leitura das oposições da cozinha, que evidenciaram
a estrutura destas (cru, cozinhado e podre), pude identificar que as Panelas de Barro
seguem um padrão de características funcionais que corroboram para cocção de
alimentos ligados a estas categorias estruturais, que podem agrupadas da seguinte forma:
1) Alimentos do tipo Crus: cafeteiras, cuscuzeiras, fogareiros e tachos; 2) Alimentos do
tipo Cozinhados: panelas de feijão e panelas de arroz; 3) Alimentos do tipo Podres:
panelas de carne e travessas. Há também os utensílios que são inerentes a todas as
categorias, como os alguidares, os copos, as moringas, os potes e as tigelas.
Essa análise através de características funcionais possibilitou o reconhecimento
do padrão morfológico das Panelas de Barro. Contudo a análise me ofereceu dados que
permitiu fazer inferências que vão além de uma manutenção tecnológica, mas que
refletem a memória gustativa, o que pode ser visto a partir de uma perspectiva cognitiva,
entendendo que o pensamento humano é determinado segundo um complexo
universalmente partilhado de oposições estruturais. Estas oposições, segundo Deetz
(1988), são sentidas por diferentes culturas e expressas de maneiras distintas, mas com
186
padrões específicos a cada uma delas, e isso pode estar expresso na cultura material.
Desta forma pode-se entender que a manutenção dos padrões observados nas Panelas de
Barro é determinada por pulsações cognitivas que refletem o resgate (inconsciente ou
não) da memória. Logo a cultura material reflete indiretamente a mudança, ou
manutenção da estrutura mental, na forma como as pessoas vêm o mundo e são vistas
por ele.
Como num esquema sincrônico de construção da memória e do gosto, a Panela
de Barro se constrói e o constrói, como parte integrante dos hábitos alimentares
pernambucanos, que são determinantes nas sequências operatórias das Panelas de
Barro.
Assim, a formação da memória gustativa pernambucana se dá, também, através
do gosto, que por sua vez leva em consideração a formação da cozinha regional, onde
Panelas de Barro estão inseridas, não apenas como utensílios utilitários, mas como uma
ferramenta desta construção social. Conforme Maria das Panelas, Zé Galego, Marinalva,
Mestre Da Hora e Dé, entre muitas outras pessoas que contribuíram para esta pesquisa
com seus conhecimentos, quando questionados a respeito do motivo pelo qual
cozinhavam em panelas de barro, respondiam, com seus diferentes sotaques, de forma
simples e direta: “Porque a comida na panela de barro é mais gostosa”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando iniciei esta pesquisa, tinha a intenção de levantar dados que pudessem ser
relevantes para compreensão das pessoas que trabalharam na condição de escravos no
Engenho Monjope. Neste engenho, como nos demais sítios históricos, havia a
predominância de materiais cerâmicos, que têm sido negligenciados em pesquisas de
sítios históricos, no Brasil, ou que têm sido estudados a partir das ditas “novas
preocupações” da Arqueologia Histórica Brasileira.
Procurei com este trabalho demonstrar que não é apenas a etnia que determina o
significado do artefato, mas que pode haver outras formas de abordagem. Busquei então
compreender as Panelas de Barro de Pernambuco a partir da hipótese que me parecia ser
a mais óbvia: seu uso. Todavia, gostaria de deixar claro que, da mesma forma que
acredito que explicações determinadas exclusivamente por anseios étnicos não devem
ser tidas com explicações unânimes, acredito que o estudo do utensílio a partir de seu
uso também não o deva, sendo todo e qualquer tipo de perspectiva importante para
construção do conhecimento, nunca como verdades absolutas, mas sim, possibilidades e
pontos de vista.
Meu ponto de vista partiu da premissa que as Panelas de Barro mantêm o padrão
recorrente devido aos hábitos alimentares pernambucanos, não mudarem
significativamente desde o século XIX. Articulei a teoria na prática (metodologia), e no
caso desta em particular, não foi uma tarefa fácil, tendo em vista que há pouco, ou quase
nenhum registro que se destine especificamente às Panelas de Barro em fontes
arqueológicas, ou mesmo históricas. Assim, busquei em diversas fontes (oral, escrita e
iconográfica) qualquer tipo de informação a respeito, e não por coincidência, as dados
foram encontrados, em sua maioria, em fontes relacionadas aos hábitos alimentares.
Percebendo que a hipótese levantada se confirmou, observei que durante a
pesquisa houve outros questionamentos, que não foram objetivo desta dissertação, mas
que me deixaram curioso. Como, por exemplo, entender o motivo pelo qual as Panelas
de Barro parecem ser negligenciadas ao olhar dos pesquisadores; ou mesmo entender
aspectos referentes a gênero, como a dicotomia entre a produção rústica e a sofisticada,
feita por mulheres e homens, respectivamente; ou questões referentes a valores
188
econômicos destes produtos, já que não há referências sobre os custos destes em
qualquer fonte que pesquisei, ou mesmo se é o motivo econômico é o principal
dispositivo motivador do processo de extinção de produção paneleira nos centros de
produção rústica; e por fim, o questionamento que me direcionou a compreensão das
Panelas de Barro, como era o cotidiano das pessoas escravizadas no Engenho Monjope?
Será que consegui levantar dados que possam ajudar na compreensão da vida
daqueles homens, mulheres e crianças que lá viveram? Será que esta pesquisa que
desenvolvi foi positiva, no que diz respeito ao levantamento de dados essenciais para
compreensão de outros problemas que partam para novos pontos de vista? Será que as
Panelas de Barro, ou melhor, os hábitos alimentares pernambucanos se manterão como
atualmente daqui a alguns anos? Se sim ou não, seria possível alguém no futuro se
interessar por estes cacos de objetos que deixamos pelo caminho, e a partir deles tentar
nos conhecer?
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