universidade federal de santa catarina · ao professor edvaldo alves de santana, pela orientação...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO E SISTEMAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico em Sistemas Elétricos Reestruturados:
Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na Indústria de Energia Elétrica Brasileira
Tese de Doutorado
Doutoranda: Élbia Vinhaes, M.Sc.
Orientador: Prof. Edvaldo Alves de Santana, Dr.
Florianópolis, 25 de Fevereiro de 2003
ÉLBIA APARECIDA SILVA VINHAES
Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Engenharia, ao Centro de Pós Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Professor Dr. Edvaldo Alves de Santana.
FLORIANÓPOLIS25 de Fevereiro de 2003
ii
Vinhaes, Élbia Aparecida Silva.
Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico
em Sistemas Elétricos Reestruturados:
Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na
Indústria de Energia Elétrica Brasileira. / Élbia Aparecida
Silva Vinhaes- Florianópolis UFSC/EPS, 2003.
237p.
Tese de Doutorado – UFSC/EPS.
1- Poder de Mercado- Governança- Energia Elétrica
iii
Estrutura de Governança e Comportamento Estratégico em Sistemas Elétricos
Reestruturados: Uma Abordagem Institucional do Poder de Mercado na Indústria de Energia
Elétrica Brasileira
ÉLBIA APARECIDA SILVA VINHAES
Tese apresentada e aprovada ao Centro de Pós Graduação em Engenharia de
Produção e Sistema da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do grau de Doutor
em Engenharia de Produção na área de Concentração de Gestão de Negócios.
Florianópolis – Santa Catarina, 25 de Fereveiro de 2003
iv
Dedico este trabalho ao meu filho Márcio e aos meus pais Almir e Terezinha, com muito carinho e admiração.
v
AGRADECIMENTOS
Aos Professores e colegas do Departamento de Engenharia de Produção da UFSC.
Aos Professores e colegas do Departamento de Economia da UFSC, em especial a Evelise, Renato
Campos, Sílvio Cário, José Nicolau, Roberto Meurer e João Rogério Sanson.
Ao Professor Edvaldo Alves de Santana, pela orientação e profissionalismo.
Aos Professores Miranda e Estéfano do Departamento de Economia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Aos colegas da ANEEL em especial Vera Cristina, Cláudio Ishihara, Ivone Oliveira, Gutemberg, e
Luiz Theodoro pelo aprendizado compartilhado.
Aos colegas do MME pelo trabalho e aprendizado compartilhado.
Ao Professor Afonso Henriques Moreira Santos (IEE-Itajubá), pela oportunidade de trabalho,
discussões e contribuições que enriqueceram este trabalho.
Ao Professores José Cláudio Linhares Pires (BNDES) e Virginia Parente (IEE-USP), pelo
incentivo, amizade e colaboração.
Aos colegas do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico – CGCE, ambiente que
inspirou este trabalho.
Aos colegas de trabalho da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda em especial
aos Secretários José Guilherme dos Reis e Wagner Guerra pela oportunidade e apoio irrestrito à
realização deste trabalho.
Ao meu amigo César Mattos (SAIN-MF) pelo apoio e colaboração.
Aos meus alunos pela inspiração permanente.
Aos meus pais e irmãos, que com compreensão e sabedoria rogam pelo meu sucesso.
Ao meu filho Márcio pela compreensão e paciência.
Ao Leonardo pelo companherismo e apoio incondicional.
Aos meus amigos Marcelo Fiche, Roberto e Aparecida pela amizade e apoio.
As minhas irmãs de Floripa: Rosiene, Eliana e Sheila.
As minhas irmãs de Brasília: Adriana, Carla, Morgana, Leila e Olinda.
A todos os meus amigos e colegas muito obrigada.
vi
“(...) Desejo que você, sendo jovem, não amadureça
depressa demais; E que sendo maduro, não insista em
rejuvenescer; E que sendo velho, não se dedique ao desespero;
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar
que eles escorram por entre nós. (...) Desejo também que você
plante uma semente, por mais minúscula que seja, e acompanhe o
seu crescimento (...). Para que você saiba de quantas muitas vidas
é feita uma árvore...” (Victor Hugo)
vii
ÍNDICE
PARTE I INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO..................................................1
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO...................................................................................................................................2
1.1. Aspectos Conjunturais........................................................................................................................................2
1.2.Objetivos e Justificativas .....................................................................................................................................5
1.3. Aspecto Metodológico do Desenvolvimento do Trabalho ..................................................................................8
1.4. Ambiente de Realização do Trabalho e Variáveis Relevantes............................................................................9
1.5. A Estrutura do Trabalho ..................................................................................................................................11
1.6. Relevância e Limitações do Trabalho ..............................................................................................................11
CAPÍTULO 2 -A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL .13
2.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................13
2.2. Os Principais Estudos da Organização Industrial ...........................................................................................14
2.2.1. O Modelo Estrutura, Conduta e Desempenho ..............................................................................18
2.2.2. A Abordagem Concorrência versus Monopólio ...........................................................................21
2.2.3. Falhas de Mercado e Desvio de Eficiência ...................................................................................22
2.2.4. Desvios de Eficiência e Regulamentação de Mercados................................................................25
2.3. Teoria dos Jogos...............................................................................................................................................29
2.3.1. Conceitos Básicos.........................................................................................................................29
2.3.2. Tipos de Jogos ..............................................................................................................................32
O Equilíbrio de Nash.........................................................................................................................33
Estratégia Dominante ........................................................................................................................34
Jogos Repetitivos ..............................................................................................................................34
2.3.3. O Limite da Racionalidade ...........................................................................................................40
2.4. O Papel da Defesa da Concorrência................................................................................................................42
2.4.1. Questões Relevantes das Leis Antritrustes ...................................................................................43
2.4.2. Questões de Defesa da Concorrência no Brasil ............................................................................44
2.4.3. Regulação e Defesa da Concorrência ...........................................................................................46
2.4.4 - A Defesa da Concorrência e sua Interação com o Regulador Setorial ........................................49
2.4.5. Considerações sobre a Regulação Setorial e a Defesa da Concorrência no Brasil........................52
2.5 Conclusões .......................................................................................................................................54
CAPÍTULO 3 -A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA ...................55
3.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................55
3.2. As Instituições...................................................................................................................................................56
3.3. O Velho e o Novo Institucionalismo .................................................................................................................59
3.4. A Economia dos Custos de Transação e a Estrutura de Governança ..............................................................61
3.5. A Adaptação Organizacional e as Estruturas de Governança .........................................................................69
3.6. Conclusões .....................................................................................................................................................71
PARTE II EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO ................................................72
CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS......73
viii
4.1. Considerações Iniciais .....................................................................................................................................73
4.2. Questões-chave da Reforma .............................................................................................................................75
4.3. As Principais Reformas ....................................................................................................................................78
4.4. Estrutura Básica do Novo Modelo ...................................................................................................................80
4.5. Poder de Mercado e Possibilidade de Competição na Geração e Comercialização de Energia Elétrica.......86
4.6. Transmissão e Coordenação ............................................................................................................................95
4.7. Performance das Indústrias no Pós-Reforma...................................................................................................99
4.8. Conclusões ...................................................................................................................................................103
CAPÍTULO 5 - ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DOS SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS –UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO ....................................104
5.1. Considerações Iniciais ...................................................................................................................................104
5.2. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – Experiências Internacionais .............................................105
5.3. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da Inglaterra........................................................110
5.4. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da Califórnia .......................................................115
5.5. Análise da Estrutura de Governança dos Sistemas Elétricos Reestruturados................................................125
5.6. Lições e Recomendações ................................................................................................................................133
PARTE III UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO NA IEEB...........................142
CAPÍTULO 6 -O MODELO INSTITUCIONAL DA INDUSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRA E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA .............................................................................................143
6.1. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica...............................................................................143
6.2. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica Brasileira..............................................................144
6.3. O Modelo Institucional da IEEB e a Estrutura de Governança .....................................................................148
6.3.1. O Modelo da IEEB e as Relações Institucionais.........................................................................148
6.3.2 – Performance da IEEB ...............................................................................................................151
6.3.3. Questões-chave da Reforma e Possíveis Resultados ..................................................................156
6.4. Conclusões ...................................................................................................................................................162
CAPÍTULO 7 – ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E PODE DE MERCADO NO MAE – UMA ABORDAGEMINSTITUCIONAL .........................................................................................................................164
7.1. Considerações Iniciais ...................................................................................................................................164
7.2. Caracterização Geral do MAE.......................................................................................................................166
7.3. Agentes do Mercado .......................................................................................................................................168
7.4. Contabilização e Liquidação das operações realizadas no âmbito do MAE .................................................169
7.5. Características Econômicas Relacionadas ao MAE ......................................................................................170
7.6. Performance do Mercado Atacadista de Energia Elétrica Brasileiro............................................................175
7.7. Os Fundamentos dos Problemas no MAE ......................................................................................................180
7.8. Os Fundamentos do Uso de Poder de Mercado no MAE...............................................................................183
7.9 Conclusões ...................................................................................................................................................185
CAPÍTULO 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................187
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................196
ix
INDICE DE FIGURAS e QUADROS
FIGURA 1 – OS PARADIGMAS DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL ......................................................................................17
FIGURA 2 – SÍNTESE DO MODELO ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO.................................................................19
FIGURA 3 – DEFESA DA CONCORRÊNCIA ........................................................................................................................47
FIGURA 4 – MAPA COGNITIVO DOS CONTRATOS ...........................................................................................................65
FIGURA 5 – O ESQUEMA DE TRÊS NÍVEIS.......................................................................................................................69
FIGURA 6 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO................................................................................................81
FIGURA 7 –COMPETIÇÃO NO VAREJO.............................................................................................................................82
FIGURA 8 – OUTROS MODELOS.......................................................................................................................................83
FIGURA 9 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO..............................................................................................148
FIGURA 10 – PRINCIPAIS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA IEEB ..................................................................................150
FIGURA 11 – RELAÇÕES COMERCIAIS ..........................................................................................................................168
FIGURA 12 – GOVERNANÇA DO MAE ...........................................................................................................................177
FIGURA 13 – NOVA GOVERNANÇA DO MAE.................................................................................................................178
QUADRO 1 – FRONTEIRAS ENTRE REGULAÇÃO SETORIAL E LEIS ANTITRUSTE ...........................................................50
QUADRO 2 – ATUAÇÃO E PERSPECTIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA...............51
QUADRO 3 – CADEIA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ........................................................................................76
QUADRO 4 – FUNDAMENTOS DA CRISE DA CALIFÓRNIA..............................................................................................119
QUADRO 5 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEE E PRINCIPAIS RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA
INTERNACIONAL ......................................................................................................................................126
QUADRO 6 - QUESTÕES CHAVES PARA OS MODELOS E RESULTADO ENCONTRADOS.................................................129
QUADRO 7 – QUESTÕES-CHAVE, PROBLEMAS E RECOMENDAÇÕES............................................................................137
QUADRO 8 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEEB E PRINCIPAIS OBJETIVOS DA REFORMA..........................157
QUADRO 9– QUESTÕES-CHAVE, IMPLICAÇÕES E OBJETIVOS DA REVITALIZAÇÃO ...................................................159
QUADRO 10 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DO MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELÉTRICA.....................171
QUADRO 11 – QUESTÕES -CHAVE PARA O MERCADO ATACADISTA E RESULTADOS ENCONTRADOS ........................173
QUADRO 12 – OS FUNDAMENTOS DA CRISE DO MAE .................................................................................................182
x
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ANA – Agência Nacional de Aguas ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica ANP – Agência Nacional do Petróleo ASMAE – Associação do Mercado Atacadista de Energia Elétrica CADE – Conselho Administrativo de Defesa EconômicaCEGB – Central eletricity Generation Board CGCE – Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica CGSE – Câmara de Gestão do Setor Elétrico CNPE – Conselho Nacional de Política Energética CCPE – Comitê Coordenador de Planejamento Energético COEX – Comitê Executivo do MAE COMAE – Conselho do Mercado Atacadista de Energia Elétrica COPEL – Companhia Paraense de Energia Elétrica CPFL – Companhia Paulista de Força e Luz DNAEE – Departamento Nacional de Àguas e Energia Elétrica ECD – Estrutura, Conduta e DesempenhoECT – Economia dos Custos de Transação ECP – Energy Clearing Price EDF- Eletricité de France ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A FERC – Federal Energy Regulary CommissionFTC – Federal Trade CommissionGAO - General Acounting Office GCE – Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica GCOI – Grupo Coordenador para Operação Interligada GCPS – Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema Elétrico GWh – Giga Watt Hora HHI – Herfindahl-HirschmanIBAMA – Instituto Brasileiro do Meio AmbienteIEE - Indústria de Energia Elétrica IEEB – Indústria de Energia Elétrica Brasileira IPE - International Petroleum Exchange ISO – Independent System Operator kV – Kilo Volts MAE – Mercado de Atacado de Energia Elétrica MALC - Market Abuse Licence Condition MME – Ministério das Minas e Energia MMA – Ministério do Meio AmbienteMRE – Mecanismo de Realocação de Energia MVA – Mega Volt AmpérMW– Mega WattMWh – Mega Watt Hora NETA – New Electricity Market Arrangement
xi
N/NE – Norte e Nordeste NEI – Nova Economia Institucional NGC – National Grid CompanyOCDE – Organization for Economic Co-operation and DevelopmentOFGEM- Office Gás and Electricity Market OI – Organização Industrial ONS – Operador Nacional de SistemaPJM – Pennsylvânia, New-Jersey, and Maryland Interconnection PCH – Pequena Central Hidrelétrica PIB- Produto Interno Bruto PIE – Produtor Independente de Energia Elétrica PPP- Pool Power Price PURC – Public Utility Regulary Police Act PURPA – Public Utility Regulary Policy Act PX – Power Exchange SDE – Secretaria de Direito EconômicoSEAE - Secretaria de Acompanhamento EconômicoSFE – Supply Function EquilibriumS/SE/CO – Sul, Sudeste e Centro – Oeste TWh – Tera Watt Hora UCEI – University of California Energy Institute UK APX – UK Automated Power Exchange UK PX - UK Power Exchange
xii
RESUMO
O objetivo deste trabalho é mostrar as principais mudanças estruturais e institucionais do
setor elétrico brasileiro em um ambiente de reestruturação. Neste sentido, são verificados os
possíveis efeitos das mudanças na indústria de eletricidade e os espaços para comportamento
estratégico por parte dos agentes econômicos. A interação entre o órgão regulador, o operador do
sistema e o mercado atacadista de energia (MAE) se mostra importante na medida em que pode
predispor ou não ao exercício de poder de mercado que leve a perdas de bem-estar dos
consumidores e mesmo dos investidores. Dessa forma, o trabalho passa pelo objetivo geral de
identificar eventuais falhas no desenho de mercado e da própria estrutura de governança da
Indústria de Energia Elétrica Brasileira (IEEB), que permitam comportamento estratégico e
exercício de poder de mercado por parte dos agentes econômicos.
Ademais, o trabalho passa também pelo objetivo específico de analisar a IEEB em um
contexto de experiências internacionais, como a Califórnia, Inglaterra e países nórdicos, a fim de
identificar lições para auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de
mercado, para o caso brasileiro. Conclui-se, por meio do arcabouço teórico da Nova Economia
Institucional aplicado à realidade brasileira, que a estrutura de governança, tanto do MAE como da
IEEB em um contexto geral, apresenta fragilidades, que permitem o uso de poder de mercado por
parte dos agentes econômicos. Conforme apresentado para a experiência internacional, tais fatores
podem trazer conseqüências negativas no desempenho da indústria, sinalizando, portanto, para
necessidade de rever o processo de implementação do desenho institucional e de mercado da IEEB.
xiii
ABSTRACT
The objective of this work is to address the major structural and institutional changes of the
Brazilian Electric Sector. In this respect, the possible effects of changes in this industry and the
scope for strategic action from the part of the economic agents are duly analyzed. The interaction
among the regulating agency, the system operator and the wholesale market (WM), is rather
important insofar as it defines the possibilities of market power exercise, which may harm welfare.
Thus, this work aims to identify eventual shortcomings in the market rules and also in WM’s
governance, that will allow strategic actions and market power exercise. This work also has the
specific purpose of analyzing the Brazilian Electric Power Industry (BEPI), in the context of
international experiences, as in California, England, and the Nordic countries. The conclusion
points out — through a theoretical framework of the New Institutional Economy, that the
governance structure, both for the wholesale market and for the BEPI in a broad context — to
existing fragilities, thus allowing for the use of market power by the economic agents.
xiv
RESUMEN
El objetivo de este trabajo es mostrar las principales transformaciones estruturales e
institucionales del sector eléctrico brasileño. En este sentido, son analizados los posibles efectos de
las transformaciones en el sector y los espacios probables para el comportamiento estratégico por
parte de los agentes económicos. La interacción entre el organo regulador, el operador del sistema y
el mercado al por mayor es importante, pues señala la posibilidad de ejercicio de poder de mercado
que puede llevar a ganancias extraordinarias y perjudicar el desempeño de la industria, ya sea desde
el punto de vista del consumidor o desde el punto de vista de los inversores. De esta manera, el
trabajo identifica eventuales fallas de las reglas del mercado y de la propia estrutura del MAE
(Mercado al por mayor de Energia), que permiten comportamientos estratégicos y el ejercicio del
poder de mercado por parte de los agentes económicos. El trabajo revisa tambien las experiencias
internacionales, particularmente de California, Inglaterra y los países nórdicos, con el objetivo de
extraer lecciones para la identificación del diseño de la regulación y de la operación del mercado
brasileño.
Concluyese, com la ayuda del marco teorico de la Nueva Economia Institucional,
que la estrutura de gobierno, tanto del mercado atacadista como de la IEEB presenta fragilidades
permitiendo el uso del poder de mercado por parte de los agentes económicos.
xv
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
1.1. Aspectos Conjunturais
A estrutura industrial inicialmente desenhada para o setor de energia elétrica
brasileiro tem como uma de suas principais características a passagem de um sistema de monopólio
estatal, verticalizado, para um sistema competitivo de mercado. Para tanto, foi proposto um
“desempacotamento” de seus três principais segmentos, a saber: geração, transmissão e distribuição
de energia, e, ainda, a venda das empresas ao setor privado.
O objetivo da reforma do setor foi inserir a competição em um ambiente de indústria
reestruturado e com caráter de propriedade privada, a partir de um novo aparato regulatório. Nesse
sentido, infere-se que a nova indústria de energia elétrica brasileira se estabelecerá por um número
elevado de agentes privados competindo em uma nova estrutura de mercado. Nesse ambiente,
espera-se que os agentes venham modificar suas estratégias de decisão frente a preços,
investimentos e outras variáveis.
O processo de reestruturação da indústria de eletricidade, em um contexto mundial,
tem sido objeto de diversos estudos. O papel das transformações tecnológicas, que vêm ocorrendo
nesta indústria e nas indústrias de rede, em geral, tem contribuído de forma positiva para a
introdução da concorrência em determinados segmentos. Embora apresente especificidades, tais
reformas vêm apresentando características semelhantes. Destacam-se, além da introdução da
competição, a criação de um mercado spot, a livre escolha do consumidor e a importância de um
órgão regulador forte para delimitar o poder de ação dos agentes (Santana, 2001).
Entretanto, o crescente movimento de privatização, reestruturação e regulamentação
se mostram além desse limite. Na verdade, por trás dessas mudanças tecnológicas e regulamentares,
vem ocorrendo uma grande diversidade de fatores. No caso da Inglaterra, apresentam-se
transformações radicais de uma estrutura totalmente verticalizada e de propriedade estatal para uma
estrutura privada e com objetivos de competição, até mesmo naqueles segmentos nos quais a
competição não era considerada possível, como é o caso da comercialização de energia elétrica, que
era um negócio acoplado à distribuição.
2
As reformas estruturais nos setores de infra-estrutura no Brasil, como o caso do gás
natural, telecomunicações, energia elétrica, água e transportes, seguem o exemplo das economias
mundiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o marco fundamental da reforma foi o final da década
de 1970, quando houve uma grande mudança estrutural e regulatória dos setores de infra-estrutura,
tendo em vista que tais setores já eram de propriedade privada. No Reino Unido, por sua vez, a
reforma da infra-estrutura, além de envolver a reestruturação e uma nova regulamentação, contou
com um processo de privatização, iniciado no final da década de 1980. Em razão de as reformas
desses países terem alcançado um certo grau de maturidade com os mercados, já operando de
acordo com o modelo de reestruturação, os trabalhos mais recentes têm apresentado outras
contribuições além da simples descrição das reformas.
As discussões mais recentes estão associadas à própria operação dos mercados e aos
problemas de poder de mercado que se apresentaram. Considerações sobre submercados, restrições
de transmissão, encargos de capacidade, exercício de poder de mercado, desenho regulatório têm
sido objeto de estudo de inúmeros autores, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Destacam-se aqui duas abordagens: a primeira, formulada por Klemperer & Meyer (1989), Green &
Newbery (1992), Rudkevich et alii (1998), Wolfram (1998) e Sweeting (2001), que buscam
identificar nas normas do pool inglês as razões para o comportamento estratégico dos geradores e
sugerem modificações nas regras do mercado a fim de reduzir lucros excessivos. De outro lado,
autores da University of Califórnia Energy Institute (UCEI), de Bekerley e da Universidade de
Harvard, como exemplo Wolak & Borenstein (2002), Harvey & Hogan (2002), Bushnell e Saravia
(2002) e outros, que se voltaram para o mercado da Califórnia, usando um esquema analítico de
bechmark, baseado no modelo de Cournot, onde se supõe que as ofertas sejam basicamente de
quantidades e não de preços, devido a limitações da capacidade de oferta de cada agente em relação
ao tamanho do mercado1, o que, entretanto permite o uso de poder de mercado, mesmo que seja em
um curto período de tempo.
Dessa forma, os diversos estudos das novas estruturas de governança da indústria de
energia elétrica em diferentes países vêm ganhando espaços consideráveis nos últimos dez anos,
sobretudo após as grandes reformas que aconteceram nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Trabalhos como os de Newbery & Pollit (1997), Joskow (1997), Green (1996; 1998), Joskow &
Tirole (2000), Hogan (1995; 1997) e Borenstein & Bushnell (1997; 1999; 2000), Wolak; Bushnell
& Borenstein (2002), Harvey & Hogan (2002) e, mais recentemente, Stoft (2002), destacam-se
1 Os agentes são pequenos diante do mercado, como é o caso de uma estrutura industrial competitiva.
3
nesse cenário. No Brasil, muitos estudos interessantes vêm sendo realizados, os quais ultimamente
ultrapassam a mera descrição das reformas, passando a incorporar análises mais avançadas. Citam-
se os trabalhos de Araújo Jr. (1999), Pires (1999), De Oliveira e Pinto Jr. (1998), Santana (1995a),
Oliveira (1998), Vinhaes (1999), Santana e Oliveira (1999), Kelman (1999), Barroso (2000) e
Cavalcante (2002). Estes possuem como referência comum o uso de conceitos da Teoria
Microeconômica, como Nova Economia Institucional, Economia dos Custos de Transação, Teoria
da Agência, Teoria dos Mercados Contestáveis, Teoria do Oligopólio, Teoria dos Jogos, entre
outros.
A concorrência na indústria de energia, tal como acontece de maneira geral em todas
indústrias configuradas sob a forma de rede, tem como uma de suas características básicas o fato de
que o grau de competição em um segmento da rede afeta a concorrência em outro segmento. Tal
característica expõe a indústria de energia elétrica, em particular, a grandes economias de
coordenação, que muitas vezes não podem ser aproveitadas, tendo em vista que alguns segmentos
(essential facilities) continuam a ser tratados como monopólios naturais e outros, por sua vez, estão
expostos à concorrência. Na experiência internacional, este fator tem sido determinante no sentido
de apontar que a indústria como um todo precisa adaptar-se a uma determinada estrutura
institucional, regulatória e de mercado adequada.
Tal estrutura precisa levar em conta, por exemplo, o grau de competição nos
extremos da rede (geração e comercialização), o que implica a discussão de normas para a
desverticalização da indústria ou a obrigatoriedade do livre acesso, além de determinar os limites
técnicos (ou regulamentares) de uso das redes, o que pode afetar profundamente a competição entre
os segmentos, dado que geram poder de mercado para quem está a jusante da restrição, conforme
apresentado nos trabalhos de Hogan (2000), Joskow & Tirole (2000) e Borenstein et alii (2000) e
outros2.
Tais questões chamam atenção para o aparato institucional e regulatório dessa
indústria, tendo em vista o importante papel do órgão regulador setorial, bem como das regras de
mercado, e, em especial no caso brasileiro, para o fundamental papel das regras e da própria
estrutura de governança do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE), elemento essencial para
a competição na Indústria de Energia Elétrica Brasileira – IEEB. Tais regras foram adotadas em um
2 Ou seja, se, por exemplo, a competição entre dois geradores localizados em diferentes regiões depende da capacidadede transmissão, a existência de restrição acaba criando situação de monopólio para o gerador que atende no mesmosubmercado da carga (demanda), prejudicando sensivelmente a eficiência do sistema como um todo (Santana, 2001).
4
primeiro momento a partir de setembro de 2000, mas foram objeto de mudança e intervenção por
parte da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e da Câmara de Gestão do Setor Elétrico3,
sendo, portanto, um dos principais referenciais de análise desta tese.
1.2.Objetivos e Justificativas
A IEEB, que contava com características de monopólio estatal e verticalizado, vem
passando por um processo de reforma, que tem como principais características a privatização, a
introdução da competição e uma nova regulamentação. Pode-se dizer que as mudanças na indústria
de energia elétrica brasileira estão em um grau bastante avançado, entretanto muitas mudanças
pertinentes ao modelo ainda não foram implementadas. Destaca-se o processo de privatização das
empresas geradoras, ainda bastante atrasado, pois apenas 20% da capacidade de geração passou à
iniciativa privada. Esse atraso gera uma grande incerteza nos agentes do mercado, os quais precisam
de sinais econômicos corretos e regras claras para realizarem investimentos, uma vez que, estando o
setor elétrico submetido ao sistema de mercado, o mecanismo de formação de preços, o livre acesso
às linhas de transmissão e distribuição e o papel do órgão regulador se tornam características chaves
para o funcionamento do modelo.
O modelo de mercado da indústria de energia elétrica brasileira inicialmente
desenhado é formado pelos seguintes atores: as grandes empresas geradoras, normalmente com
diversas usinas de grande porte, os pequenos geradores, com uma ou poucas usinas de pequeno
porte; as usinas termelétricas, que atuam para a complementação do sistema (usinas térmicas
inflexíveis4); as usinas termelétricas a gás independentes (usinas térmicas flexíveis); os grandes
consumidores; as comercializadoras e as empresas transmissoras e distribuidoras, que fornecem o
serviço de rede, sendo que as distribuidoras atendem os consumidores cativos. Compõem ainda o
modelo: o órgão regulador, com o papel importante na regulamentação da indústria, o Operador
Nacional do Sistema, responsável pela operação física do sistema, e o MAE, que se ocupa de
coordenar a realização das transações comerciais entre os agentes compradores e vendedores.
Destaca-se ainda o importante papel do Conselho Nacional de Política Energética –
3 A Câmara de Gestão do Setor Elétrico – CGSE, substituiu a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE, apartir de junho de 2002. 4 Destaca-se que essas usinas têm alto grau de inflexibilidade sendo 70% inflexíveis.
5
CNPE e do Comitê Coordenador do Planejamento de Expansão do Sistema – CCPE, que fazem,
respectivamente, a política e o planejamento da indústria.
A GCE foi criada com o objetivo específico de gerir o problema conjuntural da crise
de abastecimento de energia elétrica que ocasionou a redução compulsória do consumo
(racionamento), ocorrido no período de junho de 2001 a fevereiro de 2002. Tal crise apontou para a
necessidade de rever todo o modelo da IEEB. Este projeto foi desenvolvido a partir de junho de
2001 e permaneceu até dezembro de 2002, pelo Comitê de Revitalização do Modelo do Setor
Elétrico, o qual teve por objetivo analisar os principais problemas apresentados no Modelo do Setor
Elétrico, seja pelo atraso da implementação, seja pela inadequada formulação do modelo proposto.
É importante ressaltar que o Comitê de Revitalização embora tenha avançado de
forma razoável na reformulação do modelo do setor, algumas questões seguem em aberto e
necessitam ser retomadas pelo novo governo. Destaca-se entre elas o reaparelhamento do Ministério
de Minas e Energia, a redefinação do mercado atacadista e do operador do sistema, além da
definição clara do papel do estado no setor.
Conforme estudos apresentados pelo relatório da Comissão Kelman5, os fatores que
contribuíram para a recente crise de energia elétrica brasileira, e que levaram à intervenção do
Estado para reduzir de forma compulsória o consumo de energia elétrica por parte dos agentes, não
se restringem apenas a uma crise de abastecimento, ocasionada pela falta de chuvas para encher os
reservatórios, que respondem por cerca de 90% da energia gerada no país. O que se percebe é uma
grande fragilidade do modelo proposto e, sobretudo, as conseqüências advindas de sua
implementação incompleta. Neste caso, vale ressaltar o uso predatório dos reservatórios, a redução
da oferta desde meados da década de 1980, a inadequação no sistema de formação de preços, a
estrutura tarifária, o risco regulatório, a indefinição do papel do Estado no setor e, ainda, a
inoperância do MAE. Tais fatores, associados, ocasionaram escassez de oferta somada a um
crescimento da demanda, situação potencialmente explosiva, muito embora a trajetória de
crescimento da demanda tivesse sido, sempre, estimável, estabelecida em patamar
aproximadamente correspondente a duas vezes o crescimento do PIB6.
5 O atual presidente da Agencia Nacional de Águas, professor Jerson Kelman, foi contratado, junto com três outrostécnicos do setor, pela GCE, para apresentar um relatório com as principais implicações da redução de oferta de energia elétrica.6 Em 1997 o crescimento da demanda de energia foi da ordem de 8%, enquanto o PIB cresceu 3,5%.
6
Experiências recentes nos mercados dos Estados Unidos e da Inglaterra podem trazer
importantes lições para o modelo brasileiro, embora se reconheça uma notável peculiaridade no
modelo nacional. O racionamento e os problemas no Mercado Atacadista de Energia Elétrica, por si
só justificam análise mais detalhada do funcionamento deste mercado, sem descuidar de estudo
mais aprofundado das experiências internacionais, que podem de alguma forma servir de lição,
principalmente no que se refere às questões de poder de mercado. Na verdade, apesar de existir uma
grande quantidade de trabalhos sobre o tema poder de mercado em sistemas térmicos, o mesmo não
se pode dizer sobre a investigação técnica do poder de mercado em sistemas hidrotérmicos. O tema
torna-se, então, de interesse para países com este perfil de produção de energia elétrica, como é o
caso do Brasil.
Tal situação repleta de peculiaridades encaminha o trabalho aqui proposto para uma
análise não trivial e, até onde se sabe, inédita para o caso brasileiro. Além disso, o problema em
estudo é demasiadamente complexo, com formulação e proposta de soluções que envolvem
conceitos de abrangência teórica de diferentes referenciais, como a microeconomia, a organização
industrial e outras abstrações associadas à estrutura de governança, regulação e defesa da
concorrência no mercado de energia elétrica.
Diante da formatação do modelo comercial da IEEB, considerando-se as mudanças
sinalizadas pelo Comitê de Revitalização do Modelo do Setor elétrico para o período pós-crise e as
experiências internacionais, o presente trabalho tem por objetivo analisar o arcabouço institucional
e regulatório da IEEB e os possíveis espaços para comportamento estratégico por parte dos agentes
econômicos. A interação entre o órgão regulador, o operador do sistema e o administrador do
mercado se mostra importante, na medida que sinaliza possibilidade de exercício de poder de
mercado capaz de levar a ganhos excessivos e prejudicar o desempenho da indústria, tanto do ponto
de vista dos consumidores quanto dos investidores.
Dessa forma, o objetivo geral deste estudo é identificar as eventuais falhas no desenho de
mercado e da própria estrutura de governança da Indústria de Energia Elétrica Brasileira (IEEB),
que permitam comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos agentes
econômicos. Já o objetivo específico é analisar a IEEB em um contexto de experiências
internacionais, como a Califórnia, Inglaterra e países nórdicos, a fim de identificar lições para
auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de mercado, para o caso
brasileiro.
7
1.3. Aspecto Metodológico do Desenvolvimento do Trabalho
Como se depreende dos objetivos geral e específico deste trabalho, e considerando-se
que se trata da avaliação de um modelo de mercado da indústria de energia elétrica brasileira e da
análise desse mercado com base nas experiências internacionais, não é a intenção proceder à análise
das regras desenhadas no primeiro instante pelo Documento Básico do Projeto RE-SEB, tampouco
avaliar o documento intitulado “Regras de Mercado”, proposto pelo Grupo Executivo formado pelo
MAE. O trabalho contempla, principalmente, os documentos apresentados pelo Comitê de
Revitalização do Modelo da IEEB e o aparato regulatório daí resultante, uma vez que o setor foi
fortemente revisado. Além disso, apontam-se as principais falhas do Modelo de Reestruturação do
Setor Elétrico, ressaltando os problemas do MAE, elemento fundamental para a competição na
IEEB. Nesse sentido, as principais fontes de pesquisa são os dados e as informações obtidas em
documentos divulgados pela CGSE, além de seminários nacionais e internacionais sobre o tema. A
partir de uma abordagem descritiva, embora não exaustiva, destaca-se aqui a importância de
examinar documentos e papers associados à experiência internacional. Além de informações
secundárias e acompanhamento contínuo dos principais jornais do País, como a Gazeta Mercantil,
Folha de São Paulo, O Valor Econômico e outros.
Diante do apresentado, nota-se claramente que a metodologia é de cunho qualitativo,
com um caráter altamente descritivo, uma vez que não utiliza instrumental matemático ou
estatístico na análise de dados. A pesquisa aqui proposta parte de questões ou focos de interesses
com tal grau de amplitude que se definem à medida que o estudo vai se desenvolvendo e se
apresentando sob a forma de palavras e não de números. A fonte direta de dados é o próprio
ambiente em que as mudanças estão acontecendo, a partir da compreensão dos fenômenos na
perspectiva do pesquisador (Cavalcante, 2002). A escolha por essa metodologia se fez a partir da
observação direta das mudanças no ambiente institucional e regulatório dos principais países que
inseriram a reforma na indústria de energia elétrica – principalmente o Brasil –, tendo em vista que
se trata aqui de analisar a complexidade do problema ora apresentado, a partir de sua perspectiva
histórica e das suas relações em um determinado ambiente, o que não seria possível em um estudo
quantitativo.
Nesse contexto, o referencial teórico adotado não consiste na busca de novos
conceitos, e sim na descrição destes conceitos apresentados pela teoria microeconômica e pela
organização industrial, os quais tratam da relação entre regulação, competição e poder de mercado.
Assim, a apresentação do referencial teórico não visa trazer questões novas para a teoria econômica,
8
mas sim fazer uma revisão do instrumental teórico que será aplicado para a indústria de energia
elétrica. Por fim, frise-se que a contribuição deste estudo é a análise e aplicação dos referenciais
teóricos como elementos que explicam os principais problemas e as prováveis soluções para a
indústria de energia elétrica, passando pelo MAE, tendo em vista a importância desta empresa para
o ambiente de mercado onde as transações são realizadas.
1.4. Ambiente de Realização do Trabalho e Variáveis Relevantes
É importante ressaltar que o trabalho foi desenvolvido no âmbito de um grupo de
pesquisa mais abrangente, aonde, paralelamente, vêm-se discutindo trabalhos sobre o mesmo tema,
porém com referências teóricas diferentes. Como exemplo, a Teoria de Mercados Contestáveis, o
modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho, a Teoria dos Custos de Transação, a Teoria dos Jogos
e a Teoria Evolucionista da Firma.
Diante do problema de pesquisa anteriormente mencionado, foi feita uma avaliação
de uma série de variáveis-chave, pressupondo os três pilares do novo modelo da IEEB, a saber: a
competição, a regulamentação e a privatização, os quais se apresentam como variáveis dependentes
do processo. Enquanto isso, os instrumentos da reforma do setor, e principalmente o desenho
institucional e regulatório, passam a ser encarados como variáveis explicativas. Dessa forma, a
estrutura de governança, o número de agentes participantes, as estratégias dos agentes e as ações
possíveis por parte do órgão regulador se destacam como variáveis independentes, que terão mais
destaque para explicar a possibilidade de comportamento estratégico e uso de poder de mercado no
MAE.
A abordagem do problema por meio de uma perspectiva internacional apresenta-se
como aspecto de extrema relevância, dado o caráter incipiente do mercado atacadista brasileiro.
Assim, questões como as características tecnológicas do setor, as características entre oferta e
demanda, o mecanismo de formação de preços, desigualdades entre os agentes geradores, a
diversidade de plantas e o próprio modelo regulatório do setor não podem deixar de ser
consideradas.
Na maioria dos países que adotaram o modelo de competição no atacado, os agentes
geradores declaram preço – e isso pode ser feito de forma a gerar extração de renda por parte da
empresa geradora de energia, a qual provocaria um aumento artificial de preço. As experiências
mostram dois fatores que contribuiriam para o aumento artificial de preços: as restrições de
transmissão e a declaração de indisponibilidade para geração, as quais não estariam associadas aos
9
fundamentos de mercado, mas ao comportamento estratégico por parte dos agentes, principalmente
em se tratando de um gerador que detém um portfólio de usinas, que pode declarar
indisponibilidade e jogar, utilizando-se das tecnologias disponíveis.
No caso do Brasil, pelo menos no atual desenho do mercado, a maioria dos geradores
não declara preços, mas declara quantidades, do que se infere que algum jogo neste sentido possa
ocorrer, embora no atual estágio da matriz tecnológica não haja significativos portfólios de usinas7.
No que se refere às restrições de transmissão8, o sistema elétrico brasileiro apresenta muitas
limitações estruturais, dado o grande número de bacias e a distância entre unidades geradoras e
consumidores finais, além de apresentar restrições conjunturais que poderiam contribuir para
estratégias de gaming9.
Um número razoável de estudos tem sido feito relatando as experiências
internacionais de reforma do setor elétrico. A maioria analisa questões associadas ao poder de
mercado dos agentes. Trabalhos empíricos têm mostrado o comportamento estratégico dos agentes,
principalmente a partir do referencial teórico da Teoria dos Jogos. O trabalho aqui desenvolvido,
embora perfaça uma ampla análise do uso de poder de mercados nas experiências internacionais,
não pretende exaurir a literatura, dado o grande número de trabalhos na área. Entretanto, consolida-
se uma seleção dos principais trabalhos, para auxiliar a análise da IEEB, resguardando suas
peculiaridades.
Destaca-se ainda que, do ponto de vista da metodologia quantitativa, a formalização
de comportamento de gaming tem tomado grande espaço na literatura, conforme será apresentado
nos capítulos 4 e 5. Tais estudos contribuiram para as reformulações do setor em vários países,
inclusive no Brasil, especialmente no que se refere à revisão de regras do setor e da própria
estrutura de governança. Em um contexto de reformulação do modelo do setor elétrico, o trabalho
ora proposto pretende contribuir para a IEEB, por meio de uma análise qualitativa que procura
mostrar as possíveis falhas das regras de mercado e da estrutura de governança da indústria que
permitiria uso de poder de mercado por parte dos agentes.
7 No âmbito do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, um grupo de trabalho estuda a possibilidade de inserir no MAE a declaração de preços, ou seja, oferta de preços. Entretanto, este trabalho, se for efetivado, o será a partir de meados de 2003.8 Detalhes sobre isto podem ser encontrados em Joskow & Tirole (2000) e Borenstein et alii (1995,1997 e2000) 9 O Plano Decenal de Expansão apresentado para o período de 2003-2012 aponta para uma razoável expansão na rede elétrica do Sistema Interligado Nacional, entretanto, tais investimentos não são suficientes para eliminar os gargalos dosistema.
10
1.5. A Estrutura do Trabalho
A construção de um referencial analítico conveniente ao escopo do trabalho proposto
se desenvolve em três etapas básicas. A primeira trata da introdução e da apresentação do
referencial teórico-analítico. O capítulo 1, a introdução, discute os aspectos conjunturais do
processo de reestruturação do setor elétrico, e destaca questões importantes associadas ao trabalho.
O referencial teórico é apresentado nos capítulos 2 e 3, com a apresentação da Teoria da
Organização Industrial, em especial o modelo de Estrutura–Conduta e Desempenho, Teoria dos
Jogos, Poder de Mercado, Nova Economia Institucional, Teoria dos Custos de Transação, Estrutura
de Governança, acrescentando alguns aspectos da Regulação e da Defesa da Concorrência. A
segunda parte, Experiências Internacionais de Sistemas Elétricos Reestruturados, apresentada nos
capítulos 4 e 5, trata da experiência internacional dos países que reformaram a indústria de energia
elétrica, destacando os modelos adotados, ou seja, a estrutura; as principais estratégias dos agentes
de mercado (a conduta); e os principais resultados da reforma (desempenho), a fim de identificar
lições para auxiliar no diagnóstico do caso brasileiro. A terceira parte, nos capítulos 6 e 7, é
apresentada uma abordagem institucional do poder de mercado na IEEB, a partir da análise da
estrutura de governança e do modelo Institucional desta indústria. Em outras palavras, por meio da
análise do modelo institucional da IEEB passando pela estrutura do mercado atacadista investiga-se
o desenho proposto para esta indústria permite uso de poder de mercado e estratégias de jogo por
parte dos agentes, levando em consideração as mudanças do modelo de mercado e da estrutura de
governança.
Finalmente, nas considerações finais são apresentadas, no capítulo 8, as principais
conclusões sobre o modelo institucional e regulatório da IEEB, destacando a possibilidade de
exercício de poder de mercado no MAE e as principais recomendações para mitigar eventuais
problemas.
1.6. Relevância e Limitações do Trabalho
A escolha do objeto de estudo, a Indústria de Energia Elétrica Brasileira destacando
o MAE, como tema para um trabalho acadêmico na área de Engenharia de Produção não
necessitaria de maiores justificativas, principalmente quando se trata de um cenário de completa
revitalização do modelo da indústria de energia elétrica brasileira, com características peculiares e,
sobretudo, complexas. Há consenso, em âmbito internacional, a respeito de que o funcionamento
adequado do mercado spot seja primordial para os objetivos do atual modelo da indústria de energia
11
elétrica. Além disso, trata-se de contribuição bastante oportuna, haja vista a importância teórica e
prática da implementação do mercado de energia elétrica na maioria dos países que fizeram a
reforma.
As principais limitações deste trabalho estariam associadas ao fato de que a reforma
da indústria de energia elétrica no Brasil ainda está em curso, e que o funcionamento do mercado
atacadista é incipiente, o que faz com que a análise tenha um caráter qualitativo e descritivo, a partir
de acompanhamento atento de relatórios, jornais, revistas e outros documentos, que embora
ofereçam uma boa apresentação do que se pretende para a IEEB, não autorizam conclusões
definitivas.
Adicionalmente, existe a consciência de que alguns pontos, embora menos relevantes
para a conclusão final do trabalho, não serão ainda destacados. O estudo não faz um
aprofundamento nas restrições de transmissão, embora se reconheça que estas possuem impacto
muito grande na operação do mercado e na estratégia dos agentes, na medida que podem criar
mercados isentos de competição e rendas extraordinárias para os agentes, o que sugere matéria para
novo trabalho. Além disso, não se faz aqui um trabalho quantitativo, testando empiricamente o
poder de mercado na IEEB. Conforme já mencionado, grande parte da literatura se vale desse tipo
de metodologia, o que permite avaliar em grande grau o exercício de poder de mercado, além de
sugerir que os contratos funcionam como mecanismo redutor de gaming. Entretanto, destacar-se-á o
mercado atacadista (MAE), que responde atualmente pelos montantes de energia negociados na
IEEB, onde os mecanismos de formação de preços são (ou deveriam ser) importantes indicadores
para os preços formalizados nos contratos e para os investimentos.
Por outro lado, o principal referencial teórico adotado, a Nova Economia
Institucional, recebe fortes referências críticas. E um dos referenciais secundários, a Teoria dos
Jogos, recebe forte crítica com relação à sua análise estática e restritiva. Tal crítica ganha campo,
principalmente quando não se faz uma análise formal, com modelagem matemática. Esta limitação
explica porque não se pretende aqui utilizar a Teoria dos Jogos como único referencial para o
trabalho, embora se pretenda utilizar seus conceitos para discutir o uso de poder de mercado, por
parte dos agentes, dentro de uma estrutura de governança pré-definida. Além disso, dadas as
características da IEEB, o caráter incipiente do mercado atacadista e, também, a necessidade de
revitalização do modelo formulado para essa indústria, a presente análise procura contribuir de
forma real para o funcionamento efetivo da IEEB, com destaque para o MAE, sobretudo nas
questões institucionais, regulatórias e de eficiência econômica.
12
CAPÍTULO 2 - A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL
2.1. Considerações Iniciais
As mudanças estruturais e institucionais dos setores de infra-estrutura,
principalmente aqueles organizados sob a forma de rede, objetivam conferir a esses setores um grau
maior de competição, a fim de alcançar eficiência econômica. É nesse contexto que se insere a
reforma da indústria de energia elétrica que vem ocorrendo nas principais economias do mundo. Tal
reforma, além de gerar um novo aparato regulatório e institucional, vem acompanhada, a despeito
de raras exceções, de um processo intenso de privatização.
As reformas têm suscitado uma série de controvérsias a respeito dos modelos de
regulação e competição utilizados pelos países. Essas discussões ultrapassam o ambiente
acadêmico, tomando lugar na imprensa internacional, e constituindo-se em objeto de preocupação e
intervenção por parte dos governos. Cita-se o recente caso da crise do mercado de energia elétrica
da Califórnia (2000-2001), e da recente crise de oferta de energia no Brasil (2001-2001), além de
problemas isolados na Argentina (2000), Nova Zelândia (2001), Inglaterra (2000-2001) e outros.
O diagnóstico recorrente nos estudos realizados sobre a crise dos sistemas elétricos
em âmbito internacional é aquele que aponta: a) existência de atraso no processo de implementação
de alguns mercados, estando este incompleto; b) erro de implementação dos modelos propostos; ou,
ainda, c) desenhos inadequados dos modelos. Por essa razão, os investimentos tendem a não ocorrer
e os objetivos de competição não são alcançados, seja pela alta concentração da indústria, seja pelo
comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos agentes, os quais não
possuem mecanismo de incentivo suficiente, dada a fragilidade do modelo regulatório, o que tende
a agravar a crise ou mesmo, como no caso da Califórnia, provocar a própria crise.
É neste ambiente que se incorpora a discussão ora proposta para a Indústria de
Energia Elétrica Brasileira e o seu modelo de mercado. A próxima seção apresenta a abordagem da
Nova Economia Institucional, com destaque para a estrutura de governança.
13
2.2. Os Principais Estudos da Organização Industrial
Desenvolvida a partir dos anos 30, a Economia Industrial ou Teoria da Organização
Industrial tem sua base teórica nos modelos da microeconomia tradicional, diferenciando-se desta a
partir de análises empíricas associadas às estruturas de mercados e das interações entre firmas.
Nesse sentido, uma abordagem mais aprofundada com relação ao comportamento das firmas e seu
desempenho no mercado vem sendo feita pela Organização Industrial em detrimento da análise
simplista da firma e do mercado. São pontos de agenda de estudo desta teoria o problema dos custos
e ajuste de preços, a informação imperfeita e ilimitada, o papel das barreiras à entrada/saída de
novas firmas no mercado, o papel do governo e da regulamentação dos mercados, a incerteza com
relação ao futuro, a relevância da concorrência potencial nos mercados ditos contestáveis, o limite
da racionalidade dos agentes em termos de colher e processar as informações disponíveis, e ainda o
comportamento oportunista desses agentes, o poder de mercado dos oligopólios e suas estratégias
competitivas num contexto de jogo, desenvolvido pela Teoria dos Jogos [Tirole, (1998); Scherer &
Ross (1990)].
Os modelos da microeconomia tradicional apresentam um grau de abstração e de
formalidade que não deixam espaço para a análise empírica do desempenho das firmas no mercado,
para o papel das políticas públicas e nem mesmo para as condições institucionais de cada firma
individualmente (Kon, 1994). Dessa forma, questões importantes como a assimetria de informações
e o poder de mercado, servem de ponto de partida para os estudos da Organização Industrial, que
evoluem basicamente a partir de duas vertentes fundamentais: a vertente da alocação de recursos,
ou vertente alocativa e a vertente de conflito de poder, ou conflitiva. Esta última abrange,
principalmente, os estudos do processo de acumulação capitalista, enfatizando de forma
radicalmente crítica a presença de monopólio, tendo como centro de análise o sentido marxista do
desenvolvimento do capitalismo (Berni, 1990).
A vertente da alocação dos recursos apresentada pela Organização Industrial se
ramifica em duas abordagens principais: o paradigma concorrência versus monopólio e o paradigma
Estrutura, Conduta e Desempenho. Ambas as abordagens têm como principal ponto de chegada a
eficiência econômica, ou a ausência desta (Scherer & Ross, 1990).
Na análise econômica, basicamente três conceitos de eficiência são utilizados:
produtiva, distributiva e alocativa; podendo um quarto ser acrescentado, a eficiência seletiva. O
primeiro consiste na utilização, com máximo rendimento e mínimo custo, da estrutura produtiva
instalada e sua respectiva tecnologia. O segundo refere-se à capacidade de eliminação, por meio da
14
concorrência ou outro dispositivo, de rendas monopólicas ou outros ganhos temporários por parte
de agentes individuais, de forma que os preços tendem a ser menor no mercado, tendo em vista a
competição entre os agentes. O terceiro tornou-se praticamente sinônimo de eficiência econômica,
tendo sua origem no Ótimo de Pareto, onde se considera que o máximo de transações é alcançado,
que maior renda é gerada e que os agentes estão em um grau ótimo de satisfação, pois não podem
melhorar sua situação sem prejudicar a de outro (Vinhaes, 1999). O último, a eficiência seletiva,
apresenta-se como um conceito alternativo à natureza estática do ótimo paretiano, e tem base na
interpretação neo-schumpeteriana que focaliza o mercado como ambiente seletivo, e em
conseqüência permite definir seu atributo de eficiência seletiva, isto é, sua capacidade enquanto
ambiente competitivo de induzir e de ‘selecionar’ inovações de produto e de processo que possam
levar à eventual redução futura de custos e preços e à melhoria de qualidade dos produtos” (Possas
et alii, 1997)10.
Quando se refere ao papel de uma agência reguladora, o que Possas sugere para o
órgão regulador, diante de uma análise “mais dinâmica”, é que este faça uma intervenção de forma
a considerar o trade-off entre concorrência e eficiência econômica (Vinhaes, 1999).
Como já ficou dito, a discussão de eficiência econômica encontra campo fértil na
Teoria da Organização Industrial na análise de concorrência versus monopólio. Nesta vertente, diz-
se que existe eficiência no sentido econômico quando esta se divide em alocativa, produtiva e
distributiva, as quais em geral resultam de mercados competitivos. Por outro lado, a existência de
monopólios e, portanto de ineficiência, ocorre quando os preços são superiores aos custos
marginais, e neste caso o grau de ineficiência pode ser medido pelo peso morto do monopólio,
situação em que consumidores e produtores não conseguem se apropriar do excedente.
Na análise do modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho proposto por Mason em
1939, principal referência e marco do surgimento da OI como um ramo da economia separado da
microeconomia tradicional, os fundamentos desse paradigma estão em estudos de casos das
estratégias empresariais, o que demonstra um empirismo geralmente relegado pela teoria
microeconômica tradicional.
10 “Nas condições de um ambiente econômico inovativo, como já havia destacado J. Schumpeter, margens de lucratividade acima do nível competitivo podem ser não só toleráveis, mas até certo ponto mesmo desejáveis, de forma a viabilizar investimentos em P&D e em outros ativos de maior ou menor risco. O mínimo de que se necessita paraintroduzir tais elementos dinâmicos na análise e na política regulatória é levar em conta, no referencial analítico, umtrade off intertemporal entre rentabilidade (e portanto preços), vale dizer eficiência (alocativa) presente, e eficiência(seletiva) futura, expressa na expectativa de novos e melhores produtos e processos (Possas et alii,1997:1448)”.
15
A abordagem da concorrência versus monopólio, ou teoria dos preços, utiliza
modelos microeconômicos para explicar a conduta das firmas e a estrutura de mercado, partindo da
análise dos incentivos econômicos que levam indivíduos e firmas a enfrentarem o fenômeno dos
mercados. Nos últimos anos, três aplicações dessa teoria vêm ganhando substancial suporte: a
Economia dos Custos de Transação, a Teoria dos Jogos11 e a Teoria de Mercados Contestáveis
(Eaton & Eaton, 1999). Essas aplicações guardam certa interface com o modelo Estrutura, Conduta
e Desempenho, tendo em vista que, os principais problemas abordados pelas teorias mais recentes
de alguma forma, foram antecipados e fundamentados principalmente em Mason (1939), citado por
Bain (1956) e Scherer (1990) em contribuições substanciais na direção apontada por esse autor.
Mesmo as chamadas teorias alternativas do campo da microeconomia discutem com maior ênfase
alguns dos problemas já levantados por Mason no modelo ECD. A figura 1 a seguir mostra os
principais referenciais teóricos da Organização Industrial e a interrelação entre eles12.
11 Destaca-se que a Teoria dos Jogosdo ponto de vista matématico, não passa de vários problemas de otimizaçãosimultâneos que se inter-relacionam e portanto, vêm sendo um importante instrumento de análise para os estudos da OI, alguns estudos da Teoria do Incentivo, por exemplo, utilizam deste instrumento.12 Não se pretende aqui fazer uma análise exaustiva de todos os estudos da Organização Industrial, descrever-se-á apenas os referenciais mais importantes para a elaboração do trabalho, para maior detalhamento dos demais temas ver Tirole (1998), Viscusi & Vernon (1995), Mas-Collel et alii (1995), Scherer & Ross (1990), Eaton & Eaton (1999).
16
Organização Industrial
ParadigmaAlocativo
PPaarraaddiiggmmaaCCoonnfflliittiivvoo
E.C.DRegulaçãoDefesa da
Concorrência
Concorrência versus Monopólio(eficiência)
Natureza da Firma
Nova Economia Institucional
Teoria do Incentivo
Teoria da Agência
Direitos de Propriedade
Governança MMeeddiiççããoo
Falhas de Mercado
• Externalidades• Bens Públicos• Assimetria de Informação• Poder de Mercado
Teoria de Mercados
Contestáveis
Teoria dosJogos
• Análise Macroanalítica
• aspectos políticos,• legais e institucionais• (regras do jogo)• Análise Microanalítica
forma de contratação e organização da firma e do mercado.
RegulaçãoDefesa da
Concorrência
Teoria dos Custosde Transação
Fonte: Elaboração Própria
FIGURA 1 – OS PARADIGMAS DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL
17
Embora o principal referencial teórico deste trabalho esteja fundamentado na
vertente de concorrência versus monopólio, tendo em vista que será verificado o poder de mercado
com base em uma determinada estrutura de governança, uma definição mais detalhada da
abordagem E-C-D será feita a seguir, tendo em vista algumas relações feitas a essa teoria no
desenvolvimento do trabalho, principalmente no capítulo quatro, quando a apresentação da
experiência internacional de sistemas elétricos reestruturados segue a lógica do modelo ECD. As
próximas seções se encarregam de discutir os principais conceitos da abordagem concorrência
versus monopólio.
2.2.1. O Modelo Estrutura, Conduta e Desempenho
De acordo com o paradigma Estrutura, Conduta e Desempenho, a performance de
uma indústria, ou seja, o seu desempenho no mercado em produzir benefícios para os consumidores
está associada à sua estratégia ou conduta, as quais, por sua vez, dependem da estrutura de mercado
onde esteja inserida, estrutura que determina a própria competitividade do mercado13. A estrutura de
uma indústria depende de algumas condições básicas, como, por exemplo, as características da
demanda, o padrão tecnológico e as condições de entrada associadas basicamente a barreiras à
entrada e à saída. Tais condições vão determinar o número de atores participantes no mercado, no
que se refere ao número de vendedores e de compradores. Esse número, por sua vez, é que
determina o grau de competição e o poder de mercado das firmas. Se numa dada atividade
econômica o número de empresas atuantes é pequeno, diz-se que a estrutura de mercado é
concentrada, tendendo a um oligopólio ou, no limite, um monopólio, quando o número de firmas se
iguala a um [Scherer & Ross (1990); Eaton & Eaton, (1999)].
Se, por outro lado, o número de empresas atuantes é significativo, diz-se que não há
interdependência entre as decisões dessas firmas, sendo o poder de mercado também pequeno, caso
extremo da concorrência perfeita. Em essência, esse modelo consiste na concepção de que existe
uma cadeia de causalidade partindo da estrutura de mercado, por meio da conduta das empresas,
alcançando o desempenho ou performance, tanto do ponto de vista da empresa, quanto do mercado.
A Figura 2, a seguir, sintetiza o modelo Estrutura, Conduta e Desempenho e mostra suas principais
relações.
13 Mason destaca, em seu trabalho, as firmas oligopolistas, o que lhe permite considerações com a interdependência das decisões e ações destas firmas, abrindo espaço para a discussão da Teoria dos Jogos.
18
Condições BásicasDemandaElasticidades da Demanda, Sazonalidade,Bens substitutos, Taxa de Crescimento do mercadoLocalização, Volume de encomendas e outros.ProduçãoTecnologia, Matérias primas,Sindicalização, Localização,Durabilidade dos Produtos,Economias de Escala, Economias de Escopo e outros.
Estrutura
Número de compradores e vendedoresBarreiras à entrada de novas firmasDiferenciação do ProdutoIntegração VerticalDiversificação
Políticas do Governo
RegulaçãoLeis AntitrusteBarreiras Legais à entradaTarifas e SubsídiosIncentivos a investimentosIncentivos a empregoPolíticas Macroeconômicas
DesempenhoPreçosEficiência ProdutivaEficiência AlocativaEquidadeQualidade do ProdutoProgresso Técnico Lucros
CondutaEscolha de ProdutosPesquisa e DesenvolvimentoFormação de PreçosInvestimento ProdutivoTáticas LegaisEscolha do ProdutoColusãoCooperação e Contratos
Fonte: Perloff; Veld (1994)
FIGURA 2 – SÍNTESE DO MODELO ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO
As relações apresentadas na figura 2 envolvem uma interdependência complexa, o
desempenho econômico, neste modelo, é visto como uma variável dependente das intervenções
sobre a estrutura de mercado e a conduta das firmas, o que caracteriza a importante contribuição da
19
OI, enquanto sinalizador para as políticas públicas. Se, por exemplo, políticas regulatórias forem
adotadas, seja no âmbito da regulação, seja nas políticas antitruste, estas podem afetar o número de
produtores em uma indústria, seu tamanho e nível das barreiras à entrada; por outro lado, empresas
de uma indústria podem influenciar as políticas visando obter maiores lucros.
Entretanto, embora as empresas tenham autonomia para traçar sua conduta a partir de
um “leque” de estratégias, estas não são determinadas pela estrutura de mercado na qual a empresa
está inserida. Em certos momentos a própria conduta pode ser um fator determinante, pois pode
ocorrer que lucros monopolistas e barreiras à entrada induzam ao aparecimento de novos produtos
substitutos e/ou novas indústrias, afetando a demanda inicial do monopolista. Tal conclusão mostra
um importante ponto de crítica desse modelo, o caráter unidirecional da causalidade assumida da
estrutura para a conduta, o que traduz em uma abordagem estruturalista, desconsiderando as
influências exercidas no sentido inverso, ou seja, da conduta para a estrutura, conforme sugerido
pelas setas em sentido contrário.
No que se refere à lei antitruste, a análise do modelo ECD se pauta, geralmente, pela
idéia de que a estrutura determina a conduta e esta o desempenho, levando à suposição, bastante
salutar para as análises de Regulação e Defesa da Concorrência, de que uma maior concentração na
oferta, ou seja, estrutura, implica maior probabilidade de colusão (resultado de conduta ou
estratégia), e, portanto preços e lucros mais elevados. O trabalho de Bain (1956) faz grande
contribuição no que se refere às barreiras à entrada, mostrando que elas, quando elevadas, deixam
espaço para o exercício do poder de monopólio. E se, ao contrário, as barreiras são baixas, as firmas
têm pouco espaço para exercer seu poder e aumentar os preços acima dos custos marginais.
Uma vez que permite identificar quais elementos das estruturas de mercado ou
prática das empresas são danosas à concorrência, o paradigma de ECD torna-se fundamental para as
políticas públicas, possibilitando que façam uso da lei antitruste, por intermédio de políticas de
defesa da concorrência, a fim de atenuar as “ineficiências” causadas pelo poder de mercado.
Embora tenha sido o principal instrumento de intervenção sobre os mercados na área antitruste até o
final dos anos 1970, essa teoria tem sido colocada em xeque, dado o uso crescente da análise
estratégica de Teoria dos Jogos; e das leis antitruste pela escola de Chicago. Essas correntes
apontam três pontos críticos na teoria:
1) a consideração da estrutura de mercado como uma variável exógena, pois esta
passa por revolução tecnológica intensa; 2) o seu caráter estático; e 3) ausência de uma teoria
consolidada.
20
2.2.2. A Abordagem Concorrência versus Monopólio
Com o objetivo de examinar o grau de eficiência econômica das estruturas de
mercado, os primeiros estudos baseados na análise de concorrência versus monopólio apresentavam
três linhas principais: o modelo de concorrência aceitável, a análise econômica do second-best e a
eficiência não alocativa (eficiência X). Apresentada por Clark (1940), citado por Oliveria (1998), a
abordagem teórica da concorrência aceitável tem seu fundamento na presença de elementos de
competição dentro de uma estrutura de mercado aparentemente monopolizada ou oligopolizada14. O
principal pressuposto do modelo é que, embora a firma possa ter um potencial poder de mercado,
esta não o utiliza em sua totalidade, abstendo-se de causar desempenho ruim no mercado. A análise
de second-best contrasta com a análise de first-best, reconhecida esta como o Ótimo de Pareto. No
sistema de second-best, pelo menos uma das premissas do ótimo pareteano é violada. Entretanto, tal
teoria vem servindo de pano de fundo para a intervenção governamental em algumas indústrias
específicas. O problema da não eficiência alocativa foi abordado por Leibenstein (1966), baseando-
se na relação entre os insumos e a produção de uma determinada firma. A ausência da eficiência se
mostraria principalmente nos contratos de trabalho incompletos, na falta de conhecimento dos
fatores de produção e da sua ausência em determinados mercados, e a incerteza que leva as firmas a
cooperar com outras nas técnicas de produção.
Em um estágio mais desenvolvido de análise, a preocupação com a eficiência no
âmbito da abordagem concorrência versus monopólio aponta para o estudo da natureza econômica
da firma e das falhas de mercado. Na análise da natureza da firma, a firma ou instituição se mostra
como uma alternativa superior de organização, capaz de oferecer solução eficiente para a alocação
de recursos, ou, no limite, serve para explicar a causa do não funcionamento das instituições
formadas nos mercados. Essa análise marca o desenvolvimento da Nova Economia Institucional,
que tem sua base no estudo da Teoria dos Custos de Transação e na Teoria do Incentivo,
referenciais amplamente difundidos pela Organização Industrial, principalmente nos últimos dez
anos. As falhas de mercado, por sua vez, identificadas como as principais causas dos desvios de
eficiência nos mercados, foram apresentadas como uma alternativa metodológica para o estudo da
regulação dos mercados e, portanto, para as políticas remediadoras das imperfeições do mercado. O
estudo das falhas de mercado resultantes, sobretudo da existência de externalidades, informação
assimétrica, bem público e poder de mercado, deram importante suporte para o desenvolvimento da
14 Não se observa no estudo de Clark a análise da estrutura de mercado e tão pouco a conduta da firma, e sim o seudesempenho em termos de preços fixados, lucros obtidos ou progresso tecnológico.
21
Teoria dos Jogos e a Teoria de Mercados Contestáveis. Estas teorias trazem importantes
contribuições para a regulação dos mercados e defesa da concorrência. A próxima seção apresenta
as principais discussões a respeito das falhas de mercado e dos desvios de eficiência.
2.2.3. Falhas de Mercado e Desvio de Eficiência
A Organização Industrial tem uma forte abordagem institucional, na medida em que
trata do problema da regulamentação governamental do sistema econômico, apresentando
preocupações com as atividades produtivas e a demanda da sociedade. O objetivo desse ramo da
economia é mostrar como as questões de oferta e demanda seriam satisfeitas por meio do mercado,
e como as variações e as imperfeições nesse mecanismo afetariam o bem-estar econômico e social
(Eaton & Eaton, 1999).
Os pressupostos básicos da teoria consideram a competição como um forte
instrumento capaz de solucionar o problema econômico, além de identificar o monopólio como o
causador das imperfeições diante da busca do bem-estar social. Os mercados competitivos têm-se
mostrado desejáveis porque se apresentam economicamente eficientes na ausência de
externalidades15 ou de qualquer outro fenômeno que impeça o funcionamento do mercado (Baumol
& Sidak, 1995).
Os economistas estão em consenso quanto ao fato de que a competição é a forma
mais adequada para estabelecer o bem-estar social. No entanto, como em muitos setores da
economia a competição não está presente, o bem-estar social fica comprometido. Os economistas da
teoria ortodoxa (em busca da eficiência econômica) aceitam a competição como um modelo ideal
para a regulação. Tal aceitação provém de vigorosos argumentos, concluindo que na ausência da
interferência do governo e de externalidades o mercado competitivo sempre resulta em conduta de
firmas e de indivíduos compatíveis com as exigências de eficiência econômica. Portanto, pressupõe-
se como inequívoco o seguinte raciocínio: um mercado perfeitamente competitivo permanecerá
sempre baseado em firmas que podem produzir com baixos custos e estes custos serão sempre bem
alocados entre elas, levando à eficiência econômica e produtiva. Neste contexto, as quantidades
produzidas alcançariam a eficiência alocativa, o Ótimo de Pareto (Baumol & Sidak, 1994).
15 Entende-se por externalidades o fenômeno no qual a produção ou consumo de bens ou serviços por um determinadoagente afeta um outro agente. Tal fato advém de conflitos referentes aos direitos de propriedade (Coase, 1961 apudStigler, 1975).
22
Um mercado competitivo e não regulamentado é dito eficiente na medida que
maximiza o excedente do consumidor e o excedente do produtor. Entretanto, de acordo com
Pyndick & Rubinfield (1994), este conceito de eficiência é muito restritivo. Dessa forma, dois
aspectos básicos devem ser considerados. Em primeiro lugar, assumir que os mercados
competitivos funcionam e asseguram que os requisitos de competição estejam vigorando, de modo
que os recursos estejam sendo alocados eficientemente; em segundo, atribuir importância à
afirmação de que os requisitos da competição provavelmente não conseguirão vigorar, sendo
necessário se concentrar nos elementos causadores dos desvios da eficiência do mercado, que
ocorrem em virtude de quatro razões básicas: poder de mercado, informação incompleta,
externalidades e bens públicos. O caminho apontado pela Teoria da Organização Industrial na
abordagem concorrência versus monopólio é o segundo aqui apresentado, uma vez que aceitar a
eficiência dos mercados competitivos fica restrito à análise da Microeconomia Tradicional.
A existência de poder de mercado num determinado setor ou segmento resulta em
perda bruta (deadwight welfare loss), seja da parte dos compradores, seja dos vendedores. A
informação incompleta ocorre quando os consumidores não possuem informações exatas16 a
respeito dos preços de mercado ou da qualidade do produto, de tal forma que o sistema não opera
eficientemente. Esta falta de informação poderá estimular os produtores a ofertarem quantidades
excessivas de determinados bens e quantidades insuficientes de outros. Em outros casos, alguns
consumidores poderão não estar adquirindo um produto em especial mesmo que pudessem ser
beneficiados por sua compra, enquanto outros consumidores poderiam estar adquirindo produtos
que lhes causam prejuízos. A informação imperfeita refere-se a dois modelos básicos: a seleção
adversa e ao risco moral (moral hazard). No primeiro caso, há informação imperfeita a respeito de
algum produto que está sendo comprado ou vendido, o evento ocorre ex-ante; no segundo, a
informação imperfeita refere-se ao que está ocorrendo de fato (ex-post). Numa análise dinâmica, a
parte informada pode aprender sobre as características individuais da outra parte da transação ou
preparar-se para as contingências com base nas observações realizadas em datas anteriores (Stiglitz,
1984). Essa análise tem uma interface muito interessante com a Teoria dos Jogos, na medida que os
jogos repetidos possuem como pressuposto o fato de os agentes se encontrarem mais de uma vez
num mesmo ambiente de mercado e poderem formular estratégias a respeito de comportamentos
com base no passado.
16 O mercado com informação assimétrica, explica a razão de muitos arranjos institucionais que ocorrem na sociedade.No caso em que o vendedor de um determinado produto tem mais informações sobre este do que o comprador, isto podelevar a desvio de eficiência de mercado.
23
As externalidades ocorrem quando os preços de mercado não refletem as atividades
de produtores ou de consumidores e quando alguma atividade de produção ou de consumo possui
um efeito indireto sobre outras atividades de consumo ou de produção que não sejam diretamente
refletidas nos preços de mercado. Quando uma externalidade está presente, o preço de uma
mercadoria não reflete necessariamente o seu valor social. Conseqüentemente, as empresas poderão
vir a produzir quantidades excessivas ou insuficientes, de maneira que o resultado pode acarretar
ineficiência no mercado. Existem externalidades negativas quando a ação de uma das partes impõe
custos sobre a outra, e externalidades positivas quando a ação de uma das partes beneficia a outra
(Varian, 1994).
Um bem público é uma mercadoria que pode estar disponível a baixo custo para
muitos consumidores, contudo, logo após ter sido ofertado a alguns consumidores, torna-se muito
difícil evitar que outros consumam. Ou seja, são bens que se propõem beneficiar a todos os
consumidores, mas cuja oferta no mercado é ou insuficiente ou inexistente17. As externalidades e os
bens públicos constituem importantes causas de desvios de eficiência e, portanto, dão origem a
sérias questões de políticas públicas. Dessa forma, é importante regular a atividade interferidora, de
tal maneira que a externalidade possa ser corrigida e haja bem-estar para a sociedade, principal
objetivo da economia. As externalidades mais conhecidas referem-se às conseqüências do uso da
propriedade. Os problemas práticos com as externalidades geralmente surgem devido aos direitos
de propriedade mal definidos e o conseqüente conflito de interesses (Varian, 1994).
Se o custo de uma decisão econômica não for significativo para o agente, este a
levará adiante mesmo que o custo social seja alto. Da mesma maneira, se a decisão econômica não
for vantajosa para o agente, mesmo que seu efeito seja benéfico para a sociedade, este poderá evitar
essa atividade, visando diminuir seus custos18. Assim, torna-se necessário haver um
redirecionamento das atividades dos agentes econômicos, de tal maneira que seus resultados sejam
os melhores possíveis para a sociedade como um todo.
17Os bens públicos possuem duas características: a não-rivalidade e a não-exclusividade. Uma mercadoria é denominada não-rival quando, para qualquer nível específico de produção, o custo marginal da sua produção é zero para um consumidor adicional. No caso da maioria das empresas privadas, o custo marginal da produção de mais umamercadoria é positivo. Porém, no caso de algumas mercadorias, os consumidores adicionais não ocasionam custos,como é o caso da auto-estrada (Pyndick & Rubinfild, 1994). 18 De acordo com a Teoria dos Jogos, os conflitos de interesse existem porque a regra geral é sempre maximizar o ganho individual. Na vida real, o comportamento egoísta prevalece em detrimento do comportamento social.
24
2.2.4. Desvios de Eficiência e Regulamentação de Mercados
A regulamentação é o conjunto de regras ou de ações específicas implementadas por
agências administrativas para interferir diretamente no mecanismo de alocação de mercado, ou
indiretamente, alterando as decisões de oferta e procura de consumidores e produtores. É um
instrumento que tem por finalidade evitar que determinadas empresas acumulem excessiva
quantidade de poder de monopólio.
Essa regulamentação, em geral, ocorre por meio de leis antitruste ou de outras
normas, como é o caso da regulamentação de preços. Nos setores da economia onde predomina o
monopólio natural, como empresas de infra-estrutura (empresas distribuidoras e transmissoras de
energia elétrica, por exemplo), a regulamentação de preços é mais freqüente. O objetivo da lei
antitruste é limitar o uso do poder de mercado, dos vendedores ou dos compradores, do contrário
suas ações, como fusões e aquisições, ou mesmo conluios, resultariam em perda bruta de bem-estar.
O excessivo poder de mercado ocasiona também problemas de falta de eqüidade e imparcialidade,
pois uma empresa com um significativo poder de monopólio estará lucrando às custas dos
consumidores.
A lei antitruste busca promover uma economia competitiva, ou pelo menos uma
aproximação desse ideal, por meio da proibição de ações que sejam capazes de limitar o poder de
mercado. Os acordos explícitos e implícitos entre um pequeno número de vendedores (conluio),
execução de preços predatórios e práticas de discriminação de preços (sem limites) eliminam a
concorrência e desestimulam a entrada de novos concorrentes no mercado. Fusões e aquisições de
empresas, por sua vez, resultam numa companhia maior e mais dominante.
Por causa disso, existem leis que proíbem fusões e aquisições quando estas reduzem
substancialmente a competição ou quando tendem a criar um monopólio. Tal conduta por parte
daregulamentação (que geralmente está associada ao papel do Estado) foi classificada por Possas et
alii (1997) como regulação reativa. E no caso da regulação nos serviços públicos de infra-estrutura
(utilities), o caráter interventivo é denominado regulação ativa, a qual não objetiva a competição
como um fim em si mesmo, mas utilizar a concorrência para alcançar a eficiência econômica nos
mercados.
Os desvios de eficiência do mercado (alocativa), provocados por qualquer uma (ou
mais) das razões aqui mencionadas, quase sempre podem ser corrigidos por meio de ações
regulatórias. A regulamentação pode ser definida, então, “como o conjunto de leis e controles
25
administrativos que se originam do governo e afetam o funcionamento dos mercados, interferindo,
deste modo, na eficiência interna e alocativa de empresas e de indústrias” (Santana, 1995a:10).
Devido a objetivos divergentes e assimetria de informações, cada relação entre os
diversos agentes da indústria torna-se fonte potencial de ineficiência e, por isso, afetam a
formulação e implementação de regulamentações. Um caso clássico decorre da captura do
regulador, a qual ocorre quando o órgão regulador passa a confundir o bem comum com os
interesses da indústria que deveria ser por ele regulamentada. Nesse caso, rompem-se os papéis na
relação entre o principal (regulador) e o agente (firma), passando o primeiro a agente ou aliado das
firmas da indústria. Nessa relação, o principal (regulador) – ou grupos de principais – procura
estabelecer incentivos para um agente (empresa) – ou grupos de agentes –, o qual toma decisões que
afetam o principal. Incentivos são formulados para que as ações do agente contribuam ao máximo
para satisfazer os objetivos do principal. Entretanto, a solução desse problema encontra
dificuldades, pois os objetivos de agentes e principais são normalmente divergentes e as
informações disponíveis para ambos são diferentes; a firma é mais bem informada do que o
regulador sobre as condições de custo, por exemplo. O regulador, por sua vez, quer induzir a firma
a tomar decisões de preços, produção e investimentos que respondam aos interesses da sociedade
nas condições dadas de custos (Santana & Oliveira, 1998).
A base para o surgimento da relação da agência se faz sempre que um indivíduo
dependa da ação de outro. E no caso, devido a assimetrias de informação, os agentes sabem mais
sobre sua atividade do que o principal, o que pode ocasionar, com freqüência, a captura, ou, senão
esta, altos custos de distribuição. Dificilmente uma instituição pode funcionar eficientemente se os
custos de distribuição de incentivos entre agentes e principal, ou de monitoramento pelo principal,
forem elevados. Essa deficiência é comumente denominada de perda da agência. A presença de
custos de agência determina que os resultados econômicos sejam sempre do tipo second-best, longe
da perfeição dos mundos da informação sem custo (Pratt & Zeckhauser, 1995).
Em situações de monitoramento, para que a regulação tenha o efeito desejado, é
fundamental que o agente regulador não seja, nem uma parte diretamente envolvida, nem esteja
estabelecido na atividade do regulado. Caso contrário, as ações do agente regulador teriam como
objetivo proteger o agente a ser regulado, ou procurariam prejudicá-lo para eliminar um
concorrente. Desta forma, normalmente, o papel de regulador deve partir de instituições
governamentais, que, se supõe são isentas de outro interesse que não o bem-estar social geral.
Manifesta-se, portanto, a necessidade de o órgão regulador não fazer parte e nem estar estabelecido
26
na atividade a ser regulada, podendo o agente a ser regulado fazer parte tanto da esfera estatal como
da privada (Stigler, 1975).
Diante das ineficiências inerentes à regulamentação, Vickers &Yarrow (1991) e Kay
& Vickers (1988) sugeriram que poderia ser vantajoso incentivar o surgimento de estruturas de
mercado que minimizem a necessidade da atividade regulatória, bem como os impactos das
ineficiências a ela associadas, isto é, a promoção de competição efetiva em situações nas quais os
mercados têm boas chances de funcionar adequadamente sem a interferência do poder público.
Baumol & Sidak (1995) fazem semelhante proposição, sugerindo que o órgão regulador deva
estimular a competição naqueles setores da indústria potencialmente competitivos, enquanto nos
demais setores, onde a competição não é possível, e muito menos desejável, o órgão regulador deve
interferir, como é o caso da regulação em monopólios naturais (utilities):
“Isto mostra que a regulamentação tornar-se-ia mais necessária quanto maisrelevante o grau de imperfeição dos mercados. Todavia, mesmo em situações próximas ao monopólio, os incentivos competitivos podem ser repensados de modo a reduzir anecessidade ou os impactos negativos da regulamentação. Talvez por causa disso, as regulamentações inovadoras e as reformas institucionais que vêm sendo objeto de interesse em diversos países tenham como uma das preocupações principais o aumento do nível de competição efetiva, ou, pelo menos, simulação da existência de mercados competitivos (Baumol & Sidak,1995:36)”.
No contexto de falhas de mercado e das ineficiências da política regulatória, uma
importante teoria vem sendo estudada nos últimos anos, e tudo leva a crer que exista grande espaço
para sua aplicação. Na abordagem da natureza da firma, na Nova Economia Institucional, a teoria
do incentivo utiliza os conceitos da teoria da agência e dos conflitos associados aos direitos de
propriedade para sugerir algum tipo de interferência do órgão regulador em determinados setores da
economia para que algum tipo de eficiência seja alcançado. Nesse contexto, a teoria da agência tem
sido a base conceitual para estudos empíricos que na maioria das vezes apontam para as falhas de
regulação e indicam o mercado como a forma mais consistente de buscar a eficiência. A relação
entre principal e agente, ou seja, regulador e regulado, necessita neste caso de atuar de forma a
alcançar eficiência, entretanto, quando o ambiente de contratos entre esses segmentos tem um
grande grau de incerteza, caso em que os contratos são incompletos, o problema se torna muito mais
complexo (Santana, 2001).
A base da teoria do incentivo está associada à forma em que o principal define um
esquema de incentivos contratuais para induzir os agentes na direção de seu interesse. Os contratos
com características de assimetria de informações podem apresentar três situações distintas:“1) o
27
regulador não tem as melhores condições para medir as ações dos agentes ou seu potencial de
moral hazard; 2) em determinadas situações, em fase de pré-contrato, por exemplo, o regulador
pode não ter acesso a todas as informações a respeito do agente (seleção adversa); e 3) há casos
em que o regulado pode reclamar um resultado melhor do que o especificado pelo regulador e
provocar o chamado custo da verificação (Santana, 2001:09)”.
Uma questão que merece destaque é o fato de que as relações inseridas em um
processo regulatórioregulatório envolvem a participação de grupos de interesses difusos ou
explícitos, do próprio governo, do órgão regulador e das firmas reguladas. Isso quer dizer que é
custoso para o governo monitorar o comportamento de uma agência, ou desfazer um ato regulatório
inadequado. O que pode acontecer é que os funcionários envolvidos no exercício da função de
regulação podem ter sua agenda de interesses próprios, os quais estão em oposição aos interesses
expressos nos compromissos abordados por uma ampla coalisão dentro de um partido ou
legislatura. “O resultado pode ser a captura das decisões da agência por grupos de interesses
envolvidos no processo, que não seja exatamente do interesse da sociedade (Noll, 1989)”.
As principais dificuldades apresentadas no campo da teoria da regulação, nas várias
abordagens propostas pela teoria da organização industrial, não apontam para uma solução eficaz;
entretanto, os links entre os diversos estudos da Nova Economia Institucional, na abordagem da
Teoria do Incentivo e Teoria dos Custos de Transação e ainda do ponto de vista da Teoria dos Jogos
e da Teoria de Mercados Contestáveis apontam para soluções importantes, embora não definitivas.
É nesse contexto que Baumol & Sidak (1995) fazem um estudo da indústria de energia elétrica
americana propondo caminhos para o órgão regulador, destacando que as mudanças tecnológicas e
da estrutura de mercado têm ofuscado os custos e benefícios de uma extensiva regulação, e que tem
crescido o reconhecimento do peso e do custo da intromissão do órgão regulador em decisões de
preços e investimentos:
“(...) o resultado tem sido um relaxamento do controle nas operações daindústria, um reconhecimento dos custos da regulação e uma investigação para o arranjo de competição, desregulamentação parcial e continuação de completa regulação naquelessetores onde a competição não se mostra pertinente (Baumol & Sidak, 1995:12)”.
Baumol & Sidak (1995) propõem um modelo regulatório com base em critérios mais
flexíveis que o da concorrência perfeita, já que em tal modelo a preocupação com o Ótimo de
Pareto em setores tradicionalmente considerados como monopólio natural sugere um second-best.
28
“O Competitive Market Standard é um modelo no qual a norma do mercado competitivo serve como um proxy à competição. (...) uma vez que a estrutura de mercado se apresenta concentrada, o Welfare State estaria comprometido, e o Competitive Market Standard o faria para aqueles mercados onde a competição não é possível e nem desejável(Baumol & Sidak, 1995:30)”.
As metas de second best têm seguido basicamente dois rumos: o modelo de
Ramsey19 e o modelo de Contestable Markets. O primeiro tem mostrado limitações práticas e o
segundo serviu de referencial básico para a reforma da indústria de telecomunicações americana, e
vem sendo utilizado pelas economias que estão introduzindo reforma nos setores de infra-estrutura.
Para uma abordagem mais detalhada, ver Baumol, Panzar & Willing (1982); Fontenele (1996) e
Vinhaes (1999).
Além da Teoria de Mercados Contestáveis, outra abordagem no âmbito da
concorrência versus monopólio tem contribuído para o estudo da reforma do setor elétrico e de
telecomunicações, tendo em vista o limitado desempenho apresentado por essas indústrias no
período pós-reforma, devido principalmente a comportamento estratégico e exercício de poder de
mercado por parte dos agentes: trata-se da Teoria dos Jogos, que vem sendo utilizada em diversos
estudos para o setor elétrico, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. A próxima seção
tem por objetivo apresentar um breve relato da Teoria dos Jogos, sem, entretanto fazer uma análise
exaustiva, uma vez que este tema vem sendo abordado de forma suficientemente rica em livros de
Microeconomia. Para uma análise mais detalhada, cita-se Gibbons (1982), Kreps (1990), Tirole
(1988), Axelrod (1984), Stigler (1968), Mas-colell (1995).
2.3. Teoria dos Jogos
2.3.1. Conceitos Básicos
Na microeconomia tradicional o agente econômico decide a partir de um conjunto de
informações, em um ambiente em que o resultado depende apenas da sua decisão, não importando
as ações dos demais agentes. No caso extremo do monopólio, o monopolista não possui rivais e,
portanto, suas decisões são independentes; no outro extremo, na concorrência perfeita, por existir
um número muito grande de firmas, as ações individuais não afetam os resultados do modelo, e as
19 Para maiores detalhes ver Baumol & Sidak (1995).
29
decisões acabam sendo também independentes. Diferentemente dos casos extremos da concorrência
perfeita e do monopólio, existem muitos modelos de oligopólios, desde os modelos cooperativos
(com conluio) até modelos não cooperativos. A manobra estratégica (os jogos) num mercado é
criada pelos oligopólios, e consiste em práticas utilizadas para assegurar o poder de mercado. O
oligopolista não toma o preço como dado e nem define independentemente o preço e a quantidade
do setor, suas decisões são tomadas com o objetivo de antecipar as ações ou de reagir a seus
concorrentes e/ou rivais (Gibbons, 1982).
Num ambiente econômico onde predominam estruturas de mercado do tipo
oligopolista, as empresas devem considerar as prováveis reações dos concorrentes quando tomam
decisões estratégicas relativas a preço, dispêndio com propaganda, novos investimentos de capital e
outras variáveis. Os modos que as empresas utilizam para tomar essas decisões podem ser descritos
por meio da Teoria dos Jogos, que consegue explicitar com grande alcance, o real comportamento
das empresas num ambiente oligopolista (Pyndick & Rubinfild, 1994).
A teoria dos jogos tem por objetivo a análise de problemas em que existe uma
interação entre os agentes, onde a decisão de um indivíduo firma ou governo afeta e é afetada pelas
decisões dos demais agentes. Nesse modelo20, trabalha-se com o chamado ambiente estratégico, no
qual o resultado de uma determinada ação depende não apenas dela, mas também das ações dos
outros tomadores de decisão. O que diferencia, portanto, a Teoria dos Jogos é o ambiente em que as
decisões são tomadas (intencionais, racionais, maximizadoras). Pressupõe-se aqui um
comportamento maximizador – o agente toma decisões procurando maximizar os seus objetivos –,
máximo lucro no caso das empresas, máxima satisfação no caso dos consumidores (Varian, 1994).
O problema central no jogo consiste em prever a combinação de estratégias que será
escolhida, a qual é feita com base no provável resultado do jogo (payoff ). O resultado de um
jogador depende não só de sua estratégia, mas também da estratégia dos outros jogadores,
dependendo, portanto, de toda a combinação de estratégias. Nesse sentido, cada jogador precisa
preocupar-se com as escolhas dos outros jogadores, sendo que cada um escolhe a sua própria
estratégia de forma a maximizar seu próprio resultado, dadas as possíveis estratégias escolhidas
pelos demais (Kreps, 1990)21.
20 É importante ressaltar que a Teoria dos Jogos, assim como o restante da teoria econômica, trabalha com modelos,abstrações teóricas simplificadas da realidade. Um jogo também é um modelo, é uma abstração teórica da realidade. 21 Em relação aos jogos, uma importante questão está associada ao número de jogadores, os quais variam de um até umnúmero infinito (n jogadores). Os mais estudados são os jogos com dois jogadores, os jogos com um único jogador são
30
As ações e estratégias devem ser definidas por parte dos agentes, considerando a
possibilidade ou não de cooperação, acordos ou conluios entre os jogadores. As informações
disponíveis vão determinar a própria escolha ou estratégia, e estas informações podem ser
completas, de conhecimento de ambas partes do jogo ou incompletas, quando parte das informações
não estão disponíveis para todos os jogadores. Os jogos ditos sequënciais dão informação perfeita
para todos os participantes, dado que o jogo é feito quando os jogadores decidem um após o outro já
ter tomado sua decisão (o jogo de xadrez, por exemplo). Nos jogos simultâneos, os jogadores
decidem ao mesmo tempo, como no caso do dilema dos prisioneiros, e neste caso a informação é
imperfeita (Gibbons, 1982).
O principal referencial teórico da teoria dos jogos tem seu marco fundamental na
publicação, em 1944, de The Theory of Games and Economics Behavior, por Von Neumann e
Oskar Morgenstern, que introduziram conceitos relevantes sobre jogos cooperativos e não-
cooperativos, e iniciaram a história da teoria dos jogos em ligação com a economia. Embora tenha
havido, antes deles, muitos avanços feitos especialmente no campo da matemática.
Pelo lado da economia, Augustin Cournot, na primeira metade do século XIX,
levanta o problema da interdependência de ações em situações de duopólios. Devem ainda ser
ressaltadas algumas contribuições feitas por Edgeworth, ainda no século XIX, mas que não
chegaram a contemplar devidamente o termo jogo/estratégia de oligopólios. Ao analisar estruturas
de mercado não concorrenciais, Bertrand constrói modelos que induzem à idéia de interdependência
de ações: o mesmo foi feito por Stackelberg, no início do século XX.
Depois do trabalho de Von Neumann e Morgenstern, ampliam-se os trabalhos,
principalmente nos jogos chamados estritamente competitivos (jogos com dois jogadores e de soma
zero). Nos anos 50 John Nash introduziu o que desde então é a mais importante contribuição ao
desenvolvimento da teoria dos jogos, dentro dos jogos chamados cooperativos, e ainda no campo
dos jogos não cooperativos com mais de duas pessoas e de soma variável. O conjunto de axiomas e
teoremas por ele desenvolvido não só permitiu a superação de uma série de limitações originadas do
trabalho de Von Neumann e Morgenstern, como também desenvolveu os conceitos de solução
associados ao equilíbrio de Nash, o qual se aproxima das soluções encontradas um século antes por
Counort. Com o trabalho de Nash, a parte básica da Teoria dos Jogos já estava montada. A partir de
jogos contra a natureza, e o acaso é um importante elemento para o payoff, que pode ocorrer com alguma probabilidade ou certeza, ou com nenhuma probabilidade ou certeza, quando não se pode inferir nenhum cálculo probabilístico sobre o evento.
31
então desenvolveram-se importantes sofisticações e refinamentos principalmente no que se refere às
discussões a cerca do equilíbrio de Nash-Cournot e o equilíbrio do tipo Harsanyi-Bayesian-Nash;
generalizações de jogos com informações diferenciadas; caracterização dos conceitos de equilíbrio
geral a partir da teoria dos jogos; extensão do uso da teoria dos jogos em outras ciências como:
sociais, políticas e biológicas e interpretações do limite da racionalidade em problemas que se
configurem como o dilema dos prisioneiros (Santana, 1995b).
Uma contribuição importante é o estudo de Holland (1992) que nos moldes do estudo
de Axelrod (1984), utilizou o dilema dos prisioneiros como ilustração para o uso de uma ferramenta
computacional, programado para representar dois jogadores que se defrontam com uma situação
típica do dilema do prisioneiro repetitivo, o computador descobriu que, da mesma forma que havia
concluido Axelrod, que a estratégia tit-for-tat (olho por olho) era a mais eficiente, o que será
apresentada posteriormente
Embora exista “um certo consenso” entre os economistas para um único modelo de
competição e monopólio, não existe consenso para modelos de oligopólio. Ao contrário do caso do
monopólio e da concorrência perfeita, o oligopólio não tem uma única teoria. Vários modelos de
oligopólio diferenciam no tipo de ação que as firmas devem usar (seja preço ou quantidade). O
estudo do comportamento dos mercados oligopolistas deu grande contribuição à Teoria dos Jogos,
desde os modelos de Cournot e Edgeworht no século XIX, até o equilíbrio de Nash na década de
1950.
2.3.2. Tipos de Jogos
Em geral os jogos econômicos praticados pelas empresas são subdivididos em jogos
cooperativos e jogos não-cooperativos. No primeiro caso, a possibilidade de negociações e
contratos entre os jogadores é permitida. Por outro lado, nos jogos não-cooperativos, pressupõe-se
que essas negociações e acordos explícitos são situações não permitidas, ou seja, não é possível
negociar contratos entre os participantes (Eaton & Eaton, 1999).
Dentre as várias modalidades de jogos e seus resultados, destaca-se, no rol dos jogos
não-cooperativos, o Dilema dos Prisioneiros, o resultado do Equilíbrio de Nash, a Estratégia
32
Dominante e a Estratégia de Maximin. Tais jogos vêm trazendo grandes efeitos práticos às análises
empíricas de empresas e indústrias, os quais serão apresentados a seguir22:
O Equilíbrio de Nash
O equilíbrio de Nash resulta de um conjunto de estratégias ou ações no qual cada
jogador estará fazendo o melhor que pode em função das ações de seus oponentes. Na prática, o
modelo nada mais é do que a generalização do modelo de oligopólio de Cournot e Bertrand. No
modelo de Cournot, por exemplo, cada empresa determina o seu próprio nível de produção,
considerando como fixas as quantidades da concorrência. No equilíbrio de Cournot nenhuma
empresa possui estímulo para alterar unilateralmente seu nível de produção, pois cada uma delas
estará fazendo o melhor que pode, em função das decisões de suas concorrentes. No modelo de
Bertrand, no qual as empresas decidem a estratégia preço, considerando fixo o preço da
concorrente, é um caso de equilíbrio de Nash em que cada organização estará auferindo o maior
lucro possível em função dos preços praticados pelas suas concorrentes, e, portanto não terá
qualquer incentivo para alterar seu próprio preço. No equilíbrio de Nash, portanto, cada empresa
está fazendo o melhor que pode em função daquilo que a outra está fazendo23 (Gibbons, 1982).
Diz-se que o equillíbrio de Nash é estável e auto-implementável porque uma vez que
as estratégias sejam escolhidas nenhum dos jogadores se desviará unilateralmente delas. Conforme
foi mencionado a respeito do equilíbrio de Cournot-Nash, este equilíbrio é auto-implementável por
ser a melhor resposta às estratégias de todos os outros jogadores, devido ao fato de que não há nada
que o jogador individual possa fazer independentemente para aumentar seu resultado. Já para um
caso de equilíbrio com conluio24, os jogadores individualmente se sentirão tentados a trapacear, e,
portanto não é um equilíbrio auto-implementável.
22 A Estratégia de Maximin não será abordada neste trabalho, para uma boa revisão ver Gibbons (1982), Kreps (1990), Rasmusen (1994), Tirole (1988), Gibbons (1982), Mas-colell et alii (1995), Santana (1995b) e (Eaton & Eaton, 1999).23 Em geral, um jogo não possui apenas um único equilíbrio de Nash. Algumas vezes não existe equilíbrio de Nash, e em outras vezes existem diversos, isto é, diversos conjuntos de estratégias estáveis e auto-implementáveis (Pyndick & Rubinfeld, 1994). 24 O incentivo individual é diferente do incentivo conjunto.
33
Estratégia Dominante25
Diz-se que um jogo resultará em uma estratégia dominante sempre que pelo menos
um dos jogadores possui uma escolha ótima, independentemente da ação do outro jogador. No caso
do duopólio de Cournot encontra-se uma estratégia dominante quando as firmas estão fazendo o
melhor que podem independente do que a outra deve fazer; e também as firmas estão fazendo o
melhor que podem com base no que outra firma pode fazer. Conclui-se que uma estratégia
dominante é um caso especial de equilíbrio de Nash, onde no equilíbrio de Nash o jogador A está
fazendo o melhor que pode em função daquilo que o jogador B está fazendo; e o jogador B está
fazendo o melhor que pode em função daquilo que o jogador A está fazendo. Na estratégia
dominante, o jogador A está fazendo o melhor que pode, independentemente daquilo que o jogador
B esteja fazendo; e o jogador B está fazendo o melhor que pode, independentemente daquilo que o
jogador A esteja fazendo. Isto remete também às estratégias escolhidas no clássico dilema dos
prisioneiros (Gibbons, 1982).
O jogo do dilema dos prisioneiros representa um tipo no qual existem dois jogadores
que tomam a decisão simultaneamente, sem possibilidade de cooperação, conhecendo perfeitamente
os resultados a que cada uma das combinações conduz. Desenvolvido por Tucker na década de
1940, o Dilema dos Prisioneiros é o caso mais clássico conhecido na literatura da teoria dos jogos,
sendo também o mais estudado pelas pesquisas associadas aos jogos. Entretanto, para análise de
empresas este jogo é limitado, uma vez que tem uma característica peculiar, é estático, ou seja,
acontece uma vez e não se repete e por esta razão ele tem como solução o equilíbrio de Nash; se
este jogo fosse repetido por mais vezes, talvez os resultados fossem diferentes. Muitos trabalhos
vêm sendo desenvolvidos nesta área, utilizando o dilema dos prisioneiros repetidamente, os quais
têm trazido resultados distintos (Gibbons, 1982).
Jogos Repetitivos
Os jogos podem ser divididos entre os jogos estáticos e dinâmicos, ambos com
informação completa ou ainda com informação incompleta. As primeiras contribuições para a
Teoria dos Jogos estão baseadas nos jogos estáticos com completa informação, como é o caso do
Equilíbrio de Nash, Dilema dos Prisioneiros, Modelo de Cournot e Modelo de Bertrand.
25 Cabe diferenciar as Estratégias Mistas das Estratégias Puras: nos jogos em que os jogadores fazem escolhas específicas ou decidem agir de uma determinada forma, dá-se o nome de estratégias puras. Entretanto, existem jogos emque as estratégias puras não são as melhores formas de jogar uma vez que alguns jogos são praticados quando osparticipantes escolhem aleatoriamente o jogo.
34
Os modelos discutidos até este momento possuem um caráter essencialmente
estático, na medida que trabalham com estratégias e payoffs em um só período, sendo conhecidos
como jogos de uma só jogada, como no Dilema dos Prisioneiros, o que os torna bastante restritivos.
Especificamente, nos casos dos modelos de Bertrand-Nash e Cournot-Nash há uma certa
ingenuidade, pois o comportamento das firmas na realidade não inclui fixação independente de
preços e nem de quantidades. O que mais ocorre no mundo real é o comportamento de conluio. Tais
modelos não são capazes de captar um aspecto muito importante dos oligopólios reais, a saber, a
interrelação dinâmica de longo prazo, que se chama de repetição de jogos de oligopólios, onde as
estratégias disponíveis aos agentes são muito mais ricas do que os modelos estáticos mais simples
sugerem26 (Kreps, 1990).
Pelo fato de os oligopolistas jogarem repetidamente jogos de estratégia e contra-
estratégia enquanto correm atrás de uma fatia maior do mercado, ao longo de extensos períodos de
tempo, percebe-se que há na verdade muito mais estratégias potenciais disponíveis do que nos
modelos estáticos de Cournot e Bertrand. Conforme mencionado, recentes contribuições têm
incluído a análise da questão da dinâmica em Teoria dos Jogos, trabalhando com jogos do tipo
Dilema dos Prisioneiros repetidos por vários períodos (Eaton & Eaton, 1999).
No mundo real as empresas praticam um jogo repetitivo, a maioria dos agentes não
sabe por quanto tempo eles e seus respectivos oponentes estarão concorrendo entre si. Embora seja
provavelmente finito o número de períodos em que as empresas vão concorrer, não se tem
informação completa a respeito do final do jogo. E, por esta razão, diante das repetidas vezes em
que vão se confrontar, os agentes econômicos podem desenvolver reputações a respeito de seus
próprios comportamentos e de seus concorrentes, dando oportunidade à situação de concluio. Dessa
forma, nos modelos de Bertrand e Cournot, as firmas têm claro incentivo para cooperar, uma vez
que os ganhos coletivos são maiores que os ganhos individuais. Mas esta cooperação só ocorre
devido à grande probabilidade de haver novos encontros no futuro entre os participantes. A “sombra
do futuro” necessita ser longa, caso contrário o racional é trair. A melhor maneira de se conseguir a
colaboração é alongar a “sombra do futuro”, ou pelo menos fazer com que haja uma incerteza
quanto ao término do jogo, o que leva os agentes a cooperar, já que um descumprimento do acordo
num período pode significar punição no período seguinte (Eaton & Eaton, 1999).
26 O equilíbrio de Nash e o Dilema dos Prisioneiros são tipos de jogos individualmente racionais e coletivamente
irracionais. A principal objeção ao modelo é que a firma tem claro incentivo para formar conluio, o qual não ocorre numa modelagem estática (jogo de uma só jogada).
35
Os avanços no campo dos jogos dinâmicos estão associados à incorporação de uma
análise dinâmica aos modelos de Cournot e Bertrand e do Dilema dos Prisioneiros. Trata-se de
incorporar a tais modelos um período de tempo indefinido, no qual os jogos passariam a ser
repetidos por várias (infinitas) vezes. Quando se considera o caráter dinâmico num jogo de duopólio
similar ao de Cournot, entende-se que as duas firmas jogam o mesmo jogo de estágios, ou seja, o
mesmo jogo é repetido em períodos indeterminados, o que o caracteriza como superjogo.
Em primeiro lugar, há uma necessidade teórica de que o jogo deva ter um horizonte
de tempo infinito. E se os jogadores conhecem o período de duração do jogo, ou seja, se este tem
um número finito de períodos, o conluio com equilíbrio de Nash Subjogo Perfeito deixa de existir.
No último período do jogo, nenhum jogador produzirá a condição de conluio, porque não há um
período futuro em que um descumprimento do acordo possa ser punido. Dessa forma, o
comportamento de conluio, que tem grande credibilidade quando há um número infinito de
períodos, perde totalmente o sentido se houver um número finito de períodos (Eaton & Eaton,
1999).
Em segundo lugar, há um sério problema de renegociação. Caso um jogador
descumpra o acordo, disparando assim a fase de punição do jogo, será criada uma situação em que
os jogadores terão um claro incentivo para tentar conseguir outro conluio. O problema é que, se
houver previsão dessa possibilidade de renegociação, a fase de punição do jogo deixará de ser digna
de crédito: um jogador pode ser tentado a descumprir o acordo atual, esperando renegociar outro
acordo depois de ter embolsado o incentivo ao descumprimento. O que torna esta teoria de
comportamento de conluio muito sugestiva, mas não inteiramente satisfatória. Neste caso, a
estratégia de Tit-for-tat (olho por olho), promovida por Axelrod27 (1984), se mostra mais
conveniente, pois parte do pressuposto simples de que os jogadores se comportam de acordo com o
comportamento do outro, ou seja, a empresa 1 ofertará a sua quantidade e continuará ofertando se a
empresa 2 o fizer, caso o contrário se a empresa 2 mudar sua estratégia, a firma 1 vai retaliar. Tal
estratégia se mostra mais livre de limitações do que a mencionada anteriormente, uma vez que os
jogos repetidos e os seus impactos sobre as decisões estratégicas dos agentes se constituem numa
peculiaridade interessante da Teoria dos Jogos. O egoísmo é o pressuposto básico do jogo por haver
uma infinidade de circunstâncias em que o interesse individual se choca com o coletivo. Em jogos,
27 Na realidade a estratégia de tit-for-tat foi desenvolvida por Anatol Rapoport, Axelrod apenas promoveu o experimento de colocar várias estratégias em competição e concluiu que esta estratégia tende a cooperação tácita nolongo prazo, a qual pode demorar ocorrer.
36
racional é aquele que age para maximizar seus próprios ganhos, e não aquele que age pelo bem de
todos; a lógica que funciona é a economia do interesse egoísta (Nóbrega, 2002). Entretanto, no jogo
repetitivo tal conduta não está presente, a cooperação acaba emergindo, impulsionada por uma
dinâmica muito mais forte, por alguma motivação mais central, que força o interesse do agente a
convergir com o de seu oponente.
O jogo Dilema dos Prisioneiros, agora repetido por muitas vezes, leva a resultados
diferentes daquele encontrado no jogo de uma só jogada. No Dilema dos Prisioneiros de uma só
jogada a tentação de trapacear prevalece, já que não haverá novo encontro entre os oponentes e, por
essa razão, o equilíbrio se faz em Nash, onde ambos os agentes não maximizam conjuntamente o
ganho. Mas quando esse jogo se faz por repetidas (e infinitas vezes) o resultado é outro, ou seja, os
oponentes tendem à cooperação. As pesquisas de Robert Axelrod (1984), relatadas também por
Rapoport (1991), Holland (1993), Ruthen (1993), Pyndick & Rubinfeld (1994), Santana (1995a) e
outros mostram os resultados do jogo Dilema dos Prisioneiros repetido por vários períodos. Neste
modelo, ao jogarem repetidamente o mesmo jogo, os dois jogadores tenderiam a cooperar para
maximizar seus resultados, conjuntura em que, ainda, a estratégia do tipo tit-for-tat (olho por olho)
se mostrou mais efetiva. O que leva os jogadores à cooperação é a perspectiva de que, no próximo
jogo, a firma que sofreu a traição possa retaliar, de modo a produzir uma quantidade maior. As
principais características de tit-for-tat:
A estratégia consiste em colaborar no primeiro lance e nos seguintes fazer
exatamente o que o oponente tiver feito no último lance;
Não é preciso que alguém perca para que a tit-for-tat vença, ou seja, não é um
jogo de soma zero;
Deve-se retaliar sempre que o oponente trapacear;
Se o oponente parar de trapacear deve-se parar de retaliar;
Constitui-se em uma estratégia nice, bem comportada, pois nunca trai primeiro.
O fator essencial a contribuir para a cooperação é a repetição do jogo por infinitas
jogadas; se, e somente se, for por infinitas jogadas. Nos encontros repetidos permite-se que se forme
juízo de valor a respeito do outro jogador, e um jogador torna-se capaz de policiar o outro. Ao
contrário de jogos de um só encontro, onde trair é a única jogada racional, o jogo repetido permite
uma infinidade de estratégias, e o comportamento humano de maximização é o que está refletido
nele. Neste sentido, a relação dos jogadores tem que ter uma perspectiva concreta de durar por
37
muito tempo tem de haver uma grande probabilidade de haver muitos encontros no futuro, caso
contrário o racional é trair28 (Eaton & Eaton, 1999).
O comportamento das empresas no mundo real se assemelha ao Dilema dos
Prisioneiros repetido infinitamente. Conforme já mencionado, os empresários sabem que o jogo não
é infinito, entretanto, não sabem quando vai ser o seu final e, assim, se comportam como se ele
fosse infinito. Logo, com cada repetição do jogo, as empresas vão podendo desenvolver reputações
a respeito de seus próprios comportamentos, além de estudar os comportamentos dos concorrentes,
resultando em que a própria repetição contribui para modificar o desfecho do jogo, levando-o ao
equilíbrio de conluio (Nóbrega, 2002). Essa estratégia tem características peculiares que a
diferenciam dos modelos até agora apresentados:
1. É dinâmica, pois incorpora fração de tempo indeterminada (jogo é repetido por
infinitas vezes);
2. Não necessita de que os agentes façam acordos verbais ou contratuais entre si, ela
ocorre naturalmente no jogo do mercado (colusão tácita);
3. É passível de credibilidade, de vez que a retaliação é comum;
4. É capaz de perdoar, ou seja, se o oponente se arrependeu de trapacear e voltar a
produzir a quantidade de conluio, a tit-for-tat faz o mesmo no próximo período;
5. Se, no limite, os agentes não entram em acordo, ela se volta para a produção de
equilíbrio de Nash-Cournot.
Um problema interessante ocorre se o jogo repetido tiver um tempo determinado
para acabar, ou seja, for finito. Se os agentes forem racionais, irão se pautar pela seguinte conduta:
pelo fato de a firma 1 estar praticando a estratégia tit-for-tat, a empresa 2 não poderá ofertar a
quantidade maior, pois estará sujeita à retaliação, o problema é que no último período a retaliação
não é mais esperada e, assim os agentes vão trapacear, pois não haverá encontro futuro. Outrossim,
como as firmas são racionais e vão ter perfeita clareza de que no último mês não vai haver
cooperação, o penúltimo mês torna-se ele também alvo de trapaça, e pensando seqüencialmente
para os períodos anteriores, a forma racional levará ambas as firmas naturalmente ao equilíbrio de
Nash-Counort.
Mas, na realidade da maioria dos mercados, o jogo é repetido no decorrer de um
longo e indefinido período de tempo, e os agentes possuem certas dúvidas sobre o “quão racional”
28 Trair é a única coisa a fazer (a procura de satisfação do interesse individual a qualquer custo).
38
seriam as suas estratégias e as dos concorrentes, o que leva, em alguns setores, em particular
naqueles em que apenas algumas poucas empresas se encontram competindo entre si, durante
longos períodos e em condições estáveis de demanda e de custos, a prevalecer a cooperação29,
mesmo que não sejam realizados arranjos contratuais entre os participantes. Às vezes, a cooperação
cessa, ou nunca se inicia, porque existem muitas empresas no setor30. A não existência de
cooperação resulta da rapidez das variações nas condições de demanda e custos. Incertezas a
respeito de demanda e custos tornam difícil para as empresas de um setor entenderem o que uma
cooperação poderia representar.
Embora os modelos discutidos acima apresentem características do mundo real, uns
mais do que outros31, todos eles apresentam uma limitação: o fato de pressupor que os agentes são
racionais e buscam maximizar o seu valor esperado na matriz de resultados. Todavia, alguns
estudos apontam para o limite dessa racionalidade, o que será apresentado a seguir.
29 Esse é o caso do setor elétrico, onde a possibilidade de entrada de novas firmas, principalmente no segmento de geração, mostra-se restrita e as demais variáveis aparentemente são estáveis.30
No longo prazo, o número de firmas é endógeno (significa que existem firmas entrando e saindo). O número de firmas em qualquer setor é determinado por considerações econômicas e, em setores oligopolistas, como em setores competitivos,o processo fundamental para a determinação do equilíbrio de longo prazo é a possibilidade de entrada de novas firmas.No caso do setor elétrico, a teoria de mercados contestáveis se mostrou um bom referencial para a possibilidade deentrada. Maiores detalhes ver Vinhaes (1999). 31 Estudos mostram que não existe melhor estratégia em termos absolutos. A melhor estratégia só pode ser definida emfunção dos outros comportamentos presentes. O melhor comportamento depende do dos demais.
39
2.3.3. O Limite da Racionalidade
Uma limitação bastante razoável da teoria dos jogos consiste no pressuposto segundo
o qual os jogadores estariam sempre agindo racionalmente, de modo a maximizar as suas funções
utilidades, seja o consumidor maximizando a satisfação, seja o vendedor maximizando o seu lucro.
Tal limitação tem sido alertada por diversos estudos, desde o próprio trabalho de Von Neumann e
Morgenstern (1944). Uma das principais dificuldades reside em descrever apropriadamente os
pressupostos a serem estabelecidos acerca do comportamento do indivíduo, o que seria resolvido ao
se assumir a busca da maximização. O indivíduo que procura atingir esses respectivos máximos
estaria agindo racionalmente (Santana, 1995b).
A preocupação com o limite da racionalidade em torno dos resultados das ações dos
agentes econômicos tem se tornado evidente32, e uma das grandes contribuições nesse campo está
associada à Teoria dos Custos de Transação33. Tal teoria parte de dois pressupostos
comportamentais que a distinguem da abordagem tradicional. Em primeiro lugar, assume-se que os
indivíduos são oportunistas; em segundo, que possuem uma capacidade cognitiva limitada para
processar as informações disponíveis. Em decorrência, o indivíduo oportunista age fortemente auto-
interessado, e pode, se for do seu interesse, mentir, trapacear ou quebrar promessas. O indivíduo de
racionalidade supostamente limitada não obterá as informações necessárias para alcançar seu
objetivo, máximo lucro, por exemplo, e nem terá capacidade de processar todas as informações
disponíveis, o que vai gerar um custo, o qual é o próprio limite da cognição, o que implica numa
decisão que não necessariamente vai levar àquela que seria obtida empregando-se a racionalidade
plena. Portanto, o indivíduo, em vez de tomar uma decisão ótima34, contenta-se com uma decisão
32 Uma revisão bibliográfica completa, envolvendo vários campos de interface da racionalidade limitada, pode ser encontrada em Conlisk (1996). 33 Um exemplo interessante que leva a questionamentos a respeito da racionalidade humana é o jogo criado por MartinShubik (1982), citado por Pindicky (1994). O cerne do jogo é um leilão de uma nota de um dólar, em que,diferentemente do usual, o responsável pelo lance mais alto receberá o dólar em troca do valor do lance. O responsável pelo segundo lance mais alto deverá pagar também o valor de seu lance, sem receber nada em troca. Assim, jogo se faz da seguinte forma: nas experiências relatadas, os agentes sempre acabam fazendo lances superiores a um dólar pela nota. Num cenário típico, o primeiro participante faz um lance de $0.30 e o próximo faz um lance de $0.40. Com medode perder o jogo, o primeiro lançador agora faz uma proposta de $0.50, e assim sucessivamente. O jogo chega a pontode o lance estar em $0.90. Agora, o responsável por este lance deverá decidir entre fazer um lance de $1.10 pelo dólar ou pagar $0.90 para não receber nada em troca. O que ocorre no geral é que ele decide por aumentar seu lance, e o leilão continua. Em algum dos experimentos o vencedor chega a pagar até $3 pela nota de um dólar. Qual razão levaria os agentes supostamente racionais a se colocarem em tal posição? Isto mostra o limite da capacidade cognitiva do ser humano em não calcular exatamente o seu ganho diante da reação de outro jogador. 34 Embora haja alguns avanços nessa teoria, pode-se afirmar que, atualmente, não existe nenhum tratamento satisfatóriopara a questão do comportamento racional (Santana, 1995b).
40
satisfatória, pertencente a um conjunto de outras decisões igualmente satisfatórias e indistinguíveis
entre si, dados os limites da racionalidade (Eaton & Eaton, 1999).
No campo da Teoria dos Jogos, convém acrescentar que as diversas modalidades de
jogos apresentados se desenvolvem considerando um único critério de avaliação pelos agentes em
torno de suas decisões, como por exemplo, a máxima satisfação, no caso do consumidor. Em um
exemplo de jogos de empresas, o critério em geral utilizado é o lucro, donde se pode inferir que os
agentes, partindo de um comportamento racional, vão utilizar as informações disponíveis para
atingir tal objetivo, traduzido em uma dada matriz de payoff. Tal argumento afastaria a teoria dos
jogos do moderno paradigma da competitividade, onde nem sempre o lucro é o principal atributo
em um processo de decisão. Hoje, o conjunto de agentes econômicos considera a satisfação do
cliente, a qualidade e a participação no mercado35, em grau de importância similar ou mesmo
superior ao lucro (Santana, 1995b)36.
As principais teorias apresentadas nesta seção sugerem que não há um único modelo
teórico aplicável a toda as situações de oligopólio. A melhor perspectiva, na visão da maior parte
dos economistas, seria uma seleção de modelos de oligopólio, cada um aplicável a uma determinada
faixa de circunstâncias econômicas.
No caso do setor elétrico brasileiro, por exemplo, muitas questões vieram à tona,
como a do curto ou longo prazo a ser considerada no modelo37. Como se sabe, no longo prazo, o
número de firmas passa a ser endógeno, a depender também de outras considerações econômicas,
como a própria estrutura de mercado e as condições de entrada. No trabalho aqui proposto, de se
analisar o uso do poder de mercado em sistemas elétricos reestruturados, o que se tem a dizer, a
priori, é que a análise deverá passar por uma avaliação de curto prazo, ou seja, sem levar em
consideração a entrada e saída de novas firmas. E pode-se dizer, com razoável grau de segurança38,
que as condições de entrada na indústria de energia elétrica brasileira se assemelham a um
oligopólio, onde existem elevadas barreiras tecnológicas e até mesmo institucionais39,
35 Desde os anos 1960 a organização industrial vem apresentando argumentos a respeito dos objetivos da firma, e oprincípio da maximização de lucro, de forma restrita, foi praticamente abandonado, juntamente com outros conceitos restritivos da microeconomia tradicional.36 Um trabalho interessante, que envolve a análise dos métodos chamados de múltiplos atributos ou múltiplos objetivos e múltiplos critérios, foi desenvolvido por Santana (1995b). 37 Tanto em setores oligopolistas como em setores competitivos o processo fundamental para a determinação do equilíbrio de longo prazo é a possibilidade de entrada. 38 Em Vinhaes (1999), discute-se as condições de entrada na nova estrutura da indústria de energia elétrica brasileira.39 Embora se reconheça que a solução para o jogo da IEEB seja exatamente aumentar o número de firmas que vai competir no mercado.
41
principalmente no segmento de geração de energia, objeto deste trabalho. Com relação ao tipo de
estratégia provável a ser utilizada pelos agentes, sob a ótica da teoria dos jogos, a tit-for-tat se
mostra mais funcional por duas razões: as empresas não podem fazer acordos explícitos por causa
do árbitro (regulação); e, ainda, o jogo dar-se-á no mercado por repetidas vezes ou, no limite,
infinitamente.
Conforme será apresentado no capítulo quatro, os estudos sobre a experiência
internacional do setor elétrico concluem que parte do exercício de poder de mercado praticado pelos
agentes utiliza colusão tácita, ou seja, uma estratégia similar a tit-for-tat.
As discussões acerca do uso de poder de mercado na abordagem concorrência versus
monopólio, envolvendo análise de Mercados Contestáveis e Teoria dos Jogos e a natureza da firma
apontam para o papel importante do órgão regulador e das autoridades antitruste. A próxima seção
analisa o papel da Defesa da Concorrência no Brasil, principalmente no que se refere ao setor
elétrico. Discussões sobre natureza da firma e estrutura de governança serão feitas no próximo
capítulo.
2.4. O Papel da Defesa da Concorrência
Nos setores de infra-estrutura, a extensão do papel da regulação de monopólios, ou
seja, do regulador setorial, tem sido aceita por se tratar de bens de uso difundido. Nesse contexto é
que se insere o papel da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que tem, dentre outras, a
atribuição de propiciar a substituição dos mecanismos de mercado pela regulação pública de
monopólios, além de zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando
e acompanhando as práticas dos agentes do mercado de energia elétrica, uma vez que detém o
conhecimento técnico e de mercado, podendo lidar de forma mais direta e específica com os efeitos
de um ato de concentração sobre a concorrência, fornecendo importantes subsídios para a aplicação
da defesa da concorrência pelas autoridades competentes.
O objetivo da defesa da concorrência seja no âmbito da regulação setorial, seja no
âmbito das leis antitruste, está fundamentado no controle preventivo de estruturas de mercado, e no
controle repressivo de condutas anticompetitivas por parte dos agentes econômicos. Enquanto a
regulação setorial tem seu enfoque na estrutura, as leis antitrustes preocupam-se com a conduta das
firmas (embora não seja regra); situações típicas de fusões e aquisições horizontais; integração
vertical; práticas restritivas horizontais e verticais, chamados de atos de concentração; e condutas
anticompetitivas, embora, tais comportamentos não prescindam obrigatoriamente da regulação
42
setorial. Ressalte-se, portanto, que o papel da legislação antitruste na defesa da concorrência e da
própria regulação setorial possui dimensão fundamentalmente pró-ativa, e não apenas defensiva.
Em outras palavras, tais intervenções não podem ser vistas apenas sob uma ótica punitiva ou
preventiva do poder de mercado. Antes, devem voltar-se principalmente ao direcionamento desse
poder, para aumentar a concorrência, com o fim último da maior eficiência econômica/social. Esta
seção objetiva apresentar definições a respeito da defesa da concorrência, destacando a necessidade
da regulação e defesa da concorrência em determinados mercados, abordando as interações dos
papeis do órgão regulador setorial e dos órgãos de defesa da concorrência no Brasil, com ênfase no
Setor Elétrico Brasileiro.
2.4.1. Questões Relevantes das Leis Antritrustes
A legislação antitruste teve seu marco inicial na Lei Sherman (1890), nos Estados
Unidos, quando já se entendia o benefício das estruturas de mercado em concorrência perfeita, e os
malefícios do monopólio. A noção de concorrência estava associada basicamente à livre entrada ou
simplesmente ausência de barreiras à entrada em uma determinada indústria, ao atomismo de
mercado e à Eficiência de Pareto. Atualmente, tais questões não estão relegadas, mas sim
incorporadas em uma série de análises que objetivam e orientam para a preservação e estímulo à
formação de ambientes competitivos nos mercados. Tais estímulos estariam associados à prevenção
de estruturas de mercado mais concentradas; desencorajamento ou repressão de condutas
anticompetitivas derivadas do exercício de poder de mercado, a fim de preservar ou induzir a
eficiência econômica (Possas, 1999).
É campo comum entre as autoridades antitruste que as estruturas de mercado de
monopólios e oligopólios, que por natureza possuem poder de mercado, já que possuem poder de
decisão sobre preços e quantidades ofertadas, não necessariamente exerçam tal poder e abusem de
posição dominante. O poder de mercado é condição necessária, mas não suficiente, para o abuso de
poder econômico e, portanto, de geração de ineficiências. Entende-se que tais estruturas, quando
submetidas a regras institucionais ou a ambientes econômicos que exerçam adequada pressão,
poderiam aproximar-se dos resultados econômicos/sociais da concorrência perfeita.
A regulação setorial busca, pois, o controle preventivo das estruturas de mercado, a
fim de impedir a concentração e inibir o potencial de abuso de poder de mercado. A probabilidade
de exercício de poder de mercado se dá a partir de estruturas com número pequeno de agentes, que
podem formar cartéis, conluio ou colusão tácita. A lei antitruste visa, por outro lado, o controle
43
repressivo das condutas anticoncorrenciais, tanto no sentido vertical (ao longo da mesma cadeia
produtiva), quanto no horizontal (no mesmo mercado) (Melo, 1999).
Entende-se por situações típicas no âmbito da estrutura, os chamados atos de
concentração, tais como fusões, aquisições ou joint ventures entre empresas concorrentes
(horizontais) e/ou entre empresas situadas em diferentes etapas da cadeia produtiva (verticais40). No
âmbito das condutas anticompetitivas, podem ocorrer práticas do tipo horizontais: combinação de
preços (cartéis), fixação conjunta de tabelas de preços, cooperação entre concorrentes (conluio) e
preços predatórios; e verticais: fixação de preços de revenda, restrições territoriais, acordos de
exclusividade, recusa de negociação, vendas casadas, e discriminação de preços.
2.4.2. Questões de Defesa da Concorrência no Brasil
A Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 –Lei da Defesa da Concorrência–, “dispõe
sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames
constitucionais de liberdade, livre iniciativa e livre concorrência, função social da propriedade,
defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. No que tange às condutas
anticompetitivas, os artigos 20 e 21 dessa lei estabelecem como ilegais os atos dos agentes
econômicos que visem: dominar o mercado de bens e serviços; prejudicar a livre concorrência;
aumentar arbitrariamente os lucros; ou possibilitar o abuso de posição dominante. No que se refere
ao artigo 21, especificamente, todas as condutas enumeradas se pautam pela regra da razão (rule of
reason), o que significa fazer uma análise levando em consideração tanto os efeitos positivos
quanto os efeitos negativos do ato. A depender do efeito líquido sobre o mercado, a conduta pode
não ser considerada como infração à ordem econômica (CADE, 1998).
Certas infrações são difíceis de ser percebidas ou alcançadas pela legislação
antitruste, tendo em vista que o comportamento dos agentes pode não ser explícito. Como ocorre
nas colusões tácitas de oligopólios, a colaboração não se dá de forma explícita, embora não deixe de
ser efetiva, causando danos ao mercado. A Teoria dos Jogos propicia importante pano de fundo para
essa análise, haja vista que estuda o comportamento estratégico dos agentes no mercado, os quais,
na maioria das vezes, têm caráter de comportamento paralelo ou coordenado. A estratégia de tit-for-
tat é um tipo clássico desse comportamento, em que os órgãos reguladores não conseguem
comprovar o conluio, pois este é feito no próprio mercado, sem necessidade de acordos explícitos.
40 Em certos casos podem ocorrer atos de concentração entre empresas que pertencem a mercados distintos, mas que estão relacionados estrategicamente (com proximidade de linha de produtos ou de localização).
44
O conceito de poder de mercado, no âmbito das leis antitruste, está associado à
capacidade de uma empresa de fixar seus preços significativa e persistentemente acima do nível
competitivo, podendo estabelecer, assim, o nível de preços acima dos custos médios ou marginais.
O nível de preços não é o único elemento a ser considerado quanto ao exercício do poder de
mercado, deve-se considerar também outras formas de decisão, como quantidade e qualidade do
bem ou serviço.
A avaliação do poder de mercado se dá a partir da análise da sua potencial existência
e ainda do seu efetivo exercício. O poder de mercado pode existir, mas seu abuso pode não ser
efetivo, deixando de causar danos à concorrência. De forma direta, o poder de mercado pode ser
percebido a partir do aumento do nível de preços (significativo e persistente) a um patamar que
supere os custos médios e marginais. De forma indireta, a concentração de mercado pode ser
medida por meio de dois índices principais, o CR4 e o HHI. O primeiro se associa ao faturamento
das quatro maiores empresas do setor em relação ao faturamento total; o segundo, o Herfindahl-
Hirschman (HHI41), é calculado a partir dos dados da fatia de mercado (market share) individual da
firma participante do mercado relevante. Porém, o resultado do calculo de concentração de
mercado, não vai implicar necessariamente preços abusivos, pois a concentração de mercado é
condição necessária, mas não suficiente para práticas anticompetitivas (Mello, 1999).
Uma importante definição é aquela que está associada ao mercado relevante. Este é
definido a partir de um produto e da região geográfica na qual o monopolista pode exercer seu
poder de mercado. Questões como elasticidade-preço da demanda, “substituibilidade”42 dos
produtos e barreiras à entrada são importantes para delimitar o mercado relevante. Entende-se por
mercado relevante um grupo de produtos e uma área geográfica na qual uma firma maximizadora
de lucros pode aumentar seus preços acima dos custos marginais de forma significativa e não
transitória, sem perder clientes. A delimitação de mercado relevante de produto –e geográfica–
depende de quanto se supõe que deva aumentar o preço para configurar o suposto exercício de
poder de mercado. Neste ponto a definição de mercado relevante mostra um aspecto muito mais
jurídico do que econômico, considerando-se que tal definição é razoavelmente arbitrária. O
mercado relevante de produto se faz a partir da identificação dos produtos relevantes para a análise
do grau de substituibilidade de um produto por outro: se o produto não tem um substituto próximo,
o poder de mercado é maior. O mercado relevante geográfico está relacionado à possibilidade de
41 No Brasil este índice não é utilizado, o CR4 é mais usual.42 Esta é uma questão central no caso dos serviços de eletricidade e será abordada nos próximos capítulos.
45
entrada, no curto prazo, de um outro vendedor em uma dada região onde preços abusivos são
praticados; se tal possibilidade é pouco plausível o mercado relevante será delimitado.
2.4.3. Regulação e Defesa da Concorrência
Conforme mencionado, o modelo Estrutura – Conduta e Desempenho, considera que
a estrutura de uma indústria depende de algumas condições básicas como, por exemplo, as
características da demanda, o padrão tecnológico e as condições de entrada e saída nessa indústria.
Estas condições vão determinar o número de atores participantes no mercado, no que se refere ao
número de vendedores e compradores. Tal número, por sua vez, determina o grau de competição e o
poder de mercado das firmas. É campo comum entre os economistas que a competição é um forte
instrumento para solucionar os problemas econômicos da alocação dos recursos para a sociedade –
e o monopólio, por sua vez, tem sido entendido como o causador das imperfeições diante da busca
do bem-estar social. Devido ao custo social causado pelo monopólio, a intervenção do Governo em
alguns segmentos de mercado tem sido um dos instrumentos que buscam evitar que determinadas
empresas acumulem excessiva quantidade de poder de monopólio. Em geral, tal intervenção ou
regulação de mercados ocorre por meio de defesa da concorrência (leis antitruste) ou pela regulação
setorial.
A dicotomia usual no campo da defesa da concorrência, em termos dos limites de sua
intervenção, entre o chamado controle preventivo nas estruturas de mercado e a ação repressiva
frente a condutas anticompetitivas é em grande medida derivada do modelo Estrutura – Conduta e
Desempenho. Por um lado, a forma de atuação estatal nas estruturas de mercado por meio da
regulação setorial caracteriza-se como uma intervenção ativa, na medida em que atua diretamente
sobre a estrutura da indústria e não tem, como objetivo, a busca da competição como um fim em si
mesmo, mas, sim, a promoção da eficiência econômica, tendo em vista que determinadas estruturas
de mercado, com significativas economias de escala e de escopo, não tornam a competição possível,
e muito menos desejável. Por outro lado, a forma de intervenção estatal nas condutas das empresas
por meio das leis antitrustes caracteriza-se como uma intervenção reativa, na medida em que atua
diretamente nas condutas das empresas e tem como fim a promoção da competição, posto que tal
competição efetiva é capaz de promover a eficiência econômica. Seja do ponto de vista da estrutura,
seja do ponto de vista da conduta, tais intervenções podem ser denominadas de defesa da
concorrência ou defesa da competição (Possas et alii, 1995).
46
Vale lembrar que a defesa da concorrência não se limita necessariamente às leis
antitruste, envolvendo um escopo mais amplo, seja do ponto de vista da regulação, seja do ponto de
vista de outras políticas. A figura abaixo mostra a interação entre essas questões:
Outraspolíticas
Leisantitruste
Regulação
Fonte: Elaboração Própria 43
FIGURA 3 – DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Destaca-se nessa discussão a tendência de se entender papéis diferenciados entre
regulação 44e defesa da concorrência, levando a crer que essas duas formas de intervenção são
completamente separadas, o que constitui inverdade. A defesa da concorrência envolve um escopo
amplo de regulação ou intervenção estatal, que tem como instrumento as leis antitrustes, a própria
regulação, num contexto setorial, e outras políticas.
Uma percepção interessante é que, embora a ação antritruste seja voltada
essencialmente (dada sua origem e natureza) à repressão de práticas de comércio lesivas à
concorrência enquanto bem difuso (e não apenas a concorrentes individualmente considerados), a
prevenção de tais práticas pode ser muito mais eficaz, pois eis que a prevenção poderia ser, em
43 A partir de discussões com Maria Thereza Leopardi de Mello (ANEEL, 2000).
44 Destaca-se que o termo “regular” vem sendo amplamente utilizado, principalmente a partir dos anos 80, com o movimento de reestruturação e mudança da economia mundial. Entretanto, há de se resguardar algumas considerações sobre seu significado, pois a conotação se apresenta de forma distinta daquela associada à Regulação Francesa. A “regulação” que vem sendo tratada sob o enfoque da intervenção do Estado em determinados setores da economia,especificamente nos setores de infra-estrutura, está associada, basicamente, com os autores de influência americana, quetêm usado o termo regulação para sentidos ambíguos. Na verdade, a regulação tratada por estes autores não possui significado tão abrangente que envolveria elementos associados à intervenção de outros agentes na economia, como é o caso da Regulação Francesa (Vinhaes,1999)
47
grande medida, viabilizada pelo alto grau de concentração. Tal percepção contribui para uma
grande mudança na concepção teórica no que se refere à lei antitruste e o próprio papel da regulação
setorial, ao introduzir na primeira uma dimensão repressiva e na segunda uma intervenção
preventiva (Mello, 1999).
No que se refere à lei antitruste, o entendimento é de que seu objetivo último é o de
canalizar as forças de mercado e as estratégias das empresas na direção da competição, com fim de
eficiência econômica, minimizando os custos e riscos da intervenção, o que significa evitar ações
ex-post, o que é quase sempre mais custoso e até mesmo inviável em situações irreversíveis. Em
casos particulares de exercício de poder de mercado em estruturas monopolistas, por exemplo, o
papel da lei antitruste seria efetivo, entretanto uma intervenção para evitar tal estrutura, ou seja, no
sentido preventivo, teria muito maior eficácia.
No que se refere à regulação setorial, regulação dos monopólios naturais ou,
conforme mencionado, regulação ativa, seu objetivo estaria voltado para a substituição dos
mecanismos de mercado pela regulação pública de monopólios. Nesse caso, o objetivo central é
substituir os mecanismos de mercado, que gerariam por si sós resultados ineficientes. Entretanto, a
extensão do escopo da regulação para situações além das de monopólios naturais já é amplamente
aceita em se tratando de setores de infra-estrutura, dado o uso difundido dos chamados bens
públicos. Nesse sentido, a regulação setorial tende a combinar elementos de regulação ativa, o que
por natureza lhe cabe, e ainda outros instrumentos de regulação geral ou “reativa” originalmente
associados à lei antitruste.
Um exemplo prático é o controle preventivo de estruturas e o controle de condutas
anticompetitivas no setor elétrico brasileiro. Embora as situações típicas de fusões e aquisições
horizontais; integração vertical; práticas restritivas horizontais e verticais sejam de interesse das leis
antitruste. Os chamados atos de concentração são objeto de análise dos órgãos de Defesa da
Concorrência, no âmbito antitruste –SDE, SEAE e CADE, e também no âmbito do órgão regulador
setorial – ANEEL.
Em síntese, as políticas antitrustes estão voltadas à preservação e ao estímulo à
formação de ambientes competitivos, seja pela prevenção de estruturas mais concentradas, seja pelo
desencorajamento ou repressão de condutas anticompetitivas derivadas do exercício abusivo de
poder de mercado, tendo em vista preservar e/ou induzir maior eficiência econômica como
resultado de funcionamento dos mercados. O órgão regulador setorial, por sua vez, tem suas
48
políticas voltadas para a preservação e para o estímulo da competição onde esta se torna possível, e
substituir os mecanismos de mercado quando esta não se faz presente.
2.4.4 - A Defesa da Concorrência e sua Interação com o Regulador Setorial
Os órgãos de defesa de concorrência, no que se refere às leis antitrustes, têm seu foco
de atuação nos mercados não competitivos, onde ocorre maior número de ilícitos. Porém, uma
parcela razoável dos problemas pode estar associada a falhas dessa forma de regulação, tornando
necessário o estabelecimento de regras pró-concorrenciais, as quais podem eliminar ou, ao menos,
atenuar as falhas de mercado. Conseqüentemene, as autoridades antitrustes não devem prescindir da
autoridade regulatória setorial, nesses mercados.
O foco da agência regulatória setorial reside, por seu turno, nos monopólios naturais,
onde as condições de produção propiciam a uma única empresa custos sempre decrescentes, à
medida que aumenta sua atividade, fazendo com que a maneira mais eficiente, ou seja, a de menor
custo, seja a produção por uma única firma. Daí, a necessidade de o regulador estabelecer regras
setoriais específicas que impeçam o detentor de monopólio natural abusar de sua posição
privilegiada.
Embora exista razoável dicotomia nas atividades da regulação setorial e das leis
antitruste, ressalta-se que a atividade de regulação setorial guarda estreita relação com a da
autoridade antitruste, uma vez que a boa regulação é aquela que mimetiza da melhor forma possível
o mercado, fazendo convergir o objeto da análise dos dois tipos de autoridade. Além disso, na
prática, um segmento regulado abrange vários subsegmentos que não são necessariamente
monopólios naturais e que, portanto, prescindiria de regulação específica, caso do setor elétrico
brasileiro.
O Quadro 1, a seguir, indica esquematicamente, as áreas de interseção entre as leis
antitruste e a regulação setorial. Por simplicidade, os mercados são divididos em concorrência
perfeita, competitiva, não-competitiva e monopólios naturais. A concorrência perfeita constitui uma
abstração para fins teóricos e uma raridade na prática. Por sua vez, vários mercados funcionam de
forma suficientemente concorrencial, não exigindo maior atenção por parte da autoridade antitruste.
49
QUADRO 1 – FRONTEIRAS ENTRE REGULAÇÃO SETORIAL E LEIS ANTITRUSTE
Atuação//
Estruturas
Concorrência
Perfeita
Competitivas Oligopolistas Monopólio
Lei antitruste Não atuam Atuam levemente Atuam fortemente Atuam levemente
Regulação
Setorial
Não atuam Não atuam Atuam levemente Atuam fortemente
Fonte: Vinhaes et alii, 200045.
Conforme mencionado na seção anterior, é necessário deixar claro o papel da
regulação setorial e o papel das leis antitruste, considerando que ambas pertencem a um escopo
mais amplo da intervenção governamental, no que se refere à defesa da competição ou defesa da
concorrência, não sendo necessariamente excludentes.
Os argumentos anteriores justificariam, por si só, uma articulação institucional entre
os órgãos de regulação setorial e da defesa da concorrência no âmbito antitruste. Destaca-se,
entretanto, que o caráter dinâmico da delimitação entre monopólios naturais e mercados
competitivos - que devido às condições de demanda e tecnologia (e, portanto, o custo) variarem
significativamente no tempo mudando as estruturas de mercado que a princípio deveriam ser
regidas por uma agência regulatória, deveriam ser objeto de simples regras de mercado. Tal
fenômeno tem-se tornado mais freqüente com a aceleração do processo de inovação em
determinados setores, como os de telecomunicações e energia elétrica. Nesse sentido, a defesa da
concorrência, no âmbito antitruste, tem caráter mais geral do que a regulação setorial. Esta última
pressupõe uma determinada estrutura de mercado, cuja natureza de monopólio natural a justifica. A
primeira atua sobre a própria estrutura de mercado, prevenindo, quando for o caso, configurações
anticoncorrenciais. Por outro lado, pode ocorrer minimização do risco de captura. A experiência
regulatória de diversos países revela uma elevada probabilidade daquilo que a literatura
especializada denomina “captura” das agências reguladoras pelos segmentos que deveriam ser
regulados. Independentemente de problemas éticos, verificou-se elevada propensão dos “regulados
capturarem os reguladores46”, em virtude da insuficiência de recursos e de informação adequada por
parte da agência, comparativamente às empresas privadas, e também pela identidade de interesses e
cultura profissionais entre os técnicos especializados da agência e do segmento regulado.
45 Esta figura tem circulado nas discussões sobre o setor elétrico, mas sem indicação de fonte. 46 Esse tema será abordado para o MAE, onde o modelo de governança permitiu sua captura.
50
Há, no mundo, um amplo processo de reforma regulatória, focada, primordialmente,
na competição em ambientes regulados. Na prática, tal reforma raramente consiste em abolir a
regulação e deixar o ambiente submetido apenas às forças de mercado. Assim, uma importante
questão surge neste processo: até que ponto os setores regulados devem submeter-se à ação das
agências de competição?
O Quadro 2, abaixo, generaliza as características e tendências de atuação das
agências reguladoras e de autoridades de defesa da concorrência observadas em diversos países
membros da OCDE. Um ou outro aspecto pode não se ajustar ao caso brasileiro.
QUADRO 2 – ATUAÇÃO E PERSPECTIVAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Agências de Regulação Defesa da Concorrência
Abrangência Setor específico da economia Todos os setores da economia
Objetivos Mais amplos: universalização de
serviços, integração regional, etc
Mais restritos: eficiência alocativa
Método Básico Substituição dos mecanismos de
mercado
Utilização dos mecanismos de
mercado
Intervenção “Ex-ante” e contínua “Ex-post” (exceto atos de
concentração) e eventual
Informação Disponível Detalhada em relação ao setor
regulado
Específica ao caso
Validação das Decisões Menor ação no judiciário Necessidade de validar decisões no
judiciário
Conhecimentos Básicos Engenharia, economia, direito e
contabilidade
Economia e direito
Propensão à captura Maior probabilidade Menor probabilidade
Fonte: OCDE.
51
Tomando-se por referência os países membros da OCDE, verifica-se que, na maioria
das situações, a competição em ambientes regulados é fomentada por um novo tipo de regulação.
Há exemplo de agências de regulação, existentes ou novas, com competência legal para promover
competição, além de formular e aplicar leis gerais e/ou regras “customizadas” (OCDE).
Em um número consideravelmente menor de países, foram destinadas às autoridades
de competição funções antes realizadas por órgãos de governo ou por agências reguladoras.
Qualquer que seja a divisão de responsabilidades entre agências de competição e de regulação, em
poucos países tal questão pode ser considerada como razoavelmente amadurecida, especialmente
pelo fato de que a transição para uma competição mais ampla está longe de completar-se. No Brasil,
o processo de implementação apresenta um relativo atraso: está tramitando um processo de
reestruturação que cria a Agência Nacional de Defesa do Consumidor e da Concorrência, a qual terá
por objetivo colocar em uma única instituição os órgãos de defesa da concorrência atuais, ou seja: o
CADE, SEAE e SDE, entretanto o assunto encontra-se, no momento, esquecido.
2.4.5. Considerações sobre a Regulação Setorial e a Defesa da Concorrência no
Brasil
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência - CADE, autarquia
especial vinculada ao Ministério da Justiça, juntamente com a Secretaria de Direito Econômico -
SDE, do Ministério da Justiça, em conformidade com a Lei no 8.884, de 1994, têm a competência
para fiscalizar, apreciar e julgar as ações anticompetitivas e o abuso de poder econômico em todos
os setores da economia. Juntamente a esses órgãos, atua a Secretaria de Acompanhamento
Econômico - SEAE, do Ministério da Fazenda, quando se fazem necessárias análises econômicas.
Assim, o CADE desempenha o papel de órgão adjudicante, a SDE o de instrutor ou promotor e a
SEAE o de perito econômico e técnico.
As denúncias de abuso de poder ou de práticas anticompetitivas são, inicialmente,
encaminhadas a SDE, que instrui o processo administrativo, recolhendo os documentos necessários
para a análise, elaborando pesquisas e descrevendo os fatos constatados. Nos casos relativos a
condutas anticompetitivas, a SEAE poderá manifestar-se ou não. Contudo, nos casos referentes à
estrutura da indústria, a participação da SEAE é obrigatória. Após sua instrução, o processo é
encaminhado ao CADE, que tem o encargo de julgar, decidindo se as práticas relatadas são
realmente abusivas ou anticompetitivas. Após o julgamento, o CADE deve tomar as providências
necessárias para que se possa coibir ou reparar as práticas – ressalte-se que o CADE representa a
última instância administrativa. Os cidadãos e as empresas podem, igualmente, consultar o CADE
52
acerca de matérias de concorrência ou encaminhar denúncias. Nesses casos, o CADE procura
orientar os agentes e agilizar o processo de investigação, notificando imediatamente a SDE e a
SEAE, ou qualquer outro órgão que possa contribuir no problema em questão.
Com relação à regulação setorial, a Lei no 9.648, de 27 de maio de 1998, atribuiu
competência específica à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL47, para:
Estabelecer limites ou condições quanto à concentração societária e a realização
de negócio entre si, para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à
obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações;
Estabelecer condições com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes
e, também, com o objetivo de impedir a concentração econômica nos serviços e
atividades de energia elétrica;
Zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e
acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica.
Em decorrência dessas disposições, a ANEEL, no exercício de seu poder normativo-
regulamentar, pode estabelecer critérios que incentivem e/ou mantenham a livre concorrência no
mercado de energia elétrica. Além disso, no exercício de seu poder fiscalizatório, deve acompanhar
os movimentos de concentração financeira dos agentes do setor e a ocorrência de eventuais práticas
anticompetitivas por parte dos agentes.48
Porém, a convivência entre regulação setorial e lei antitruste tem sido problemática
em praticamente todos os países que as adotaram simultaneamente. Segundo Mello (1999), a
convivência entre normas de controle destinadas a setores específicos aplicados por uma agência
reguladora setorial e as normas gerais de defesa da concorrência carrega um potencial de conflitos,
diante da natural diversidade de objetivos por ambas as legislações, bem como pelo fato de serem
autoridades distintas: uma –a agência reguladora– encarregada de cuidar de vários assuntos num só
setor; outra –a agência antitruste– encarregada de um só assunto em todos os setores49. Tal questão
levaria a problemas de coerência entre diferentes sistemas normativos aplicáveis à mesma situação,
como também a possibilidades de soluções diferentes aplicadas pelo regulador setorial ou pela
autoridade antitruste.
47 Nesse contexto, a ANEEL realizou a partir de novembro de 1998, convênio com os órgãos de defesa da concorrência. 48 Dificuldade da ANEEL, na condição de agência de consumidores.49 Para maiores detalhes ver Mello, M.T.L. (1999).
53
Exemplo típico desse problema é caso do órgão regulador confundir suas funções.
Enquanto balizador dos interesses dos investidores e dos consumidores, a ANEEL, por exemplo,
vem sendo criticada por desempenhar um papel de defesa do consumidor em detrimento dos
investidores, o que pode trazer uma série de problemas para a continuidade do processo de
privatização do setor elétrico brasileiro. Talvez por não dispor de capital humano suficiente e
conhecimento técnico, os primeiros anos de atuação da ANEEL puderam ser confundidos com a
atuação de um órgão de defesa do consumidor.
2.5 Conclusões
A apresentação dos principais temas que permeiam os pressupostos da Teoria da
Organização Industrial tem como objetivo chamar a atenção para os aspectos centrais que devem
ser observados na análise de uma determinada indústria. Os aspectos institucionais e internos da
firma, as relações externas e a estrutura de mercado são fatores preponderantes do desempenho de
uma determinada firma no mercado. Tendo em vista que este trabalho analisa questões associadas
ao poder de mercado e à estrutura de governança da indústria de energia elétrica brasileira, em um
ambiente de reestruturação e mudança, entende-se que os aspectos teóricos ora apresentados são de
grande importância para a análise empírica proposta.
No que se refere à regulação, é importante destacar que tanto a regulação setorial
como a regulação antitruste indica que determinados setores da economia não estão totalmente
sujeitos às regras do mercado. Se, houvesse intervenção extrema do Estado sobre um setor não faria
sentido falar em lei antitruste. Se, por outro lado, esse controle não é total, existe pelo menos algum
grau de liberdade de iniciativa por parte do agente econômico e um potencial exercício de poder de
mercado e, portanto, margem para atuação das leis antitruste. Assim, as discussões aqui
apresentadas, com enfoque altamente teórico, servem de pano de fundo para a análise empírica das
experiências internacionais, em um contexto de poder de mercado e falhas de estrutura de
governança, para enfim servir de referência para o caso brasileiro. Dessa forma, o próximo capítulo
apresenta as principais contribuições teóricas da Nova Economia Institucional, principal referencial
teórico deste trabalho.
54
CAPÍTULO 3 - A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA50
3.1. Considerações Iniciais
Dados os desvios de eficiência e as falhas de mercado ocasionadas principalmente
pela assimetria de informações, os autores institucionalistas chamam a atenção para a necessidade
de formação das instituições. Segundo Williamson (1985:934), “as instituições são importantes
para os sistemas econômicos e suscetíveis de análises”. De acordo com tal autor, as instituições não
são dadas, ou seja, não são definidas exogenamente, mas, ao contrário, são endógenas, dinâmicas e
determinadas a partir dos interesses dos agentes que as compõem. Em função disso, as falhas
associadas à moral hazard, captura, direito de propriedade, externalidades e seleção adversa, podem
ser utilizadas pelos agentes econômicos para obterem ganhos extraordinários no mercado. Para as
instituições, esses instrumentos se tornam objeto de análise, pois encerram duplo interesse: de um
lado, a existência de falhas de mercado associada a estes temas confere importância a sua
existência; por outro lado, elas podem sofrer conseqüências caso não consigam eliminar
completamente tais aqui problemas.
É neste contexto que se analisa o arcabouço institucional do setor elétrico, dando
destaque ao desenho de mercado, em uma abordagem institucional com o objetivo de identificar
flhas na estrutura de governança que possam permitir comportamento estratégico e uso de poder de
mercado, por parte dos agentes. Por esta razão, discutiu-se anteriormente as questões associadas às
falhas de mercado e os principais instrumentos que podem ser utilizados pelo poder público para
conter o “mau” comportamento dos agentes. Este capítulo apresenta as principais discussões acerca
da Nova Economia Institucional, passando pela Economia dos Custos de Transação, um importante
referencial para a análise institucional, destacando o enfoque teórico do modelo de Estrutura de
Governança.
50 Uma abordagem interessante, que merece destaque, é a Teoria Política Positiva da Regulação, que embora utilize os fundamentos da escolha racional e de agentes maximizadores, como o faz a Nova Economia Institucional, se desprende dessas premissas e busca uma solução similar ao Second Best. Para maiores detalhes ver Mueller (2002).
55
3.2. As Instituições
As instituições são formadas pelo terreno político, social e legal que governa as bases
de produção, troca e distribuição de uma determinada sociedade, e consistem, por um lado, de
regras formais ou racionais associadas às constituições, leis ou direitos de propriedade; e, por outro,
de regras informais –sanções, normas de comportamento, convenções, tabus, tradições, costumes e
códigos de conduta e as características de cumprimento de ambas – (Mathews, 1986; Williamson,
1999). O sistema de restrições que cada ser humano impõe ao tratar com os demais seres humanos,
as estruturas das interações políticas, econômicas e sociais determinam as instituições (North, 1991,
1992). São as duas categorias de instituições, as formais e as informais, que, em conjunto, definem
a estrutura de incentivos das sociedades e, de forma específica, das economias (North, 1994).
No mundo real, as trocas se fazem em um contexto em que os agentes apenas
imperfeitamente podem corrigir seus modelos de escolha com base nas informações que possuem.
Tais informações, via de regra, são distribuídas assimetricamente, e com custos relacionados à sua
obtenção. Assim, o desenvolvimento de instituições que estruturam a interação humana, em que o
processo de troca é parte, não garante necessariamente a eliminação de imperfeições
informacionais. Nos sistemas de restrições criados pelos agentes, as instituições teriam suas
características associadas ao tipo de contrato que estivesse em prática e ao tipo de autoridade51 que
os estivesse regendo. A autoridade neste caso pode ser estabelecida de várias formas, pelo governo
ou órgão regulador, ou por mecanismos de coalisões e cartéis em que exista alguma forma de
subordinação ente os vários agentes no ambiente institucional52.
Segundo a Economia dos Custos de Transação, a dinâmica da economia se associa às
interações entre as instituições e as organizações, aos participantes do jogo, cujas regras são
determinadas institucionalmente. Nesse caso, as organizações são compostas por grupos de
indivíduos vinculados a algum propósito comum de conquista de objetivos específicos e refletirão
as oportunidades oferecidas pela matriz institucional. Em tal ambiente, as mudanças institucionais
resultam das escolhas que possam ser feitas no dia-a-dia das organizações. As organizações, por seu
turno, trabalham com base nas regras institucionais e, se estas regras se encontram em um ambiente
de contrato, a possibilidade de fazer alterações fica restrita. Uma vez que mudanças contratuais
51 A Autoridade é o elemento discricionário que possibilita, em muitos casos, o gerenciamento contratual, para o qual é impossível estabelecer antecipadamente mecanismos de proteção eficazes contra as contingências.52 Destaca-se, aqui, atuação da ANEEL e dos órgãos de defesa da concorrência brasileiros.
56
requerem alteração das regras pré-existentes, para que isto ocorra é necessário que os agentes
percebam alguma possibilidade de ganho com a mudança, ganho este que está associado
basicamente ao aprendizado dos indivíduos e das organizações (North, 1994).
A discussão entre regras formais e informais é interessante, pois se trata de costumes
e valores dos agentes que comandam as instituições e determinam seus objetivos. As duas formas
de instituições definem a estrutura de incentivo das sociedades e, especificamente, das economias.
Os sistemas de incentivos embutidos nas instituições apresentam ambigüidades de sinalização, que
podem favorecer o surgimento de burlas de regras e exigirem a correção por sistemas medidores de
arbitragem53 e realimentadores de informação, capazes de penalizar os desvios de comportamento e
induzir os atores sobreviventes à correção de seus comportamentos (North, 1992). Infere-se que
uma simples mudança das regras do jogo, da noite para o dia, pode não ser capaz de, por si só,
superar as restrições informais, profunda e culturalmente contidas nos padrões comportamentais.
Certas tensões são difíceis de ser acomodadas, e são solucionadas com a reestruturação de todo o
sistema de restrições, o que pode explicar o refluxo ideológico que costuma ocorrer imediatamente
após os movimentos revolucionários políticos (North, 1992).
Este arcabouço explica em grande parte o “insucesso” da implementação de um novo
modelo regulatório e de mercado para a indústria de energia elétrica, em âmbito mundial. De acordo
com os estudos apresentados nos capítulos 4 e 5, o desenho pobre dos modelos regulatórios, os
aspectos ideológicos dos agentes e a capacidade de as empresas burlarem os interesses do órgão
regulador fizeram com que um novo arcabouço regulatório viesse a ser implementado; ou pelo
menos que uma reformulação do modelo existente tenha sido feita.
Sobre essa questão, North (1992) assinala que o processo de mudança institucional
não ocorre tão facilmente, ou continuamente. Ao contrário, é um processo significativamente
incremental, lento e que se realiza, sempre, num contexto de barganhas, onde a parte mais flexível
ou vulnerável necessita ceder para que um novo processo ocorra. Neste caso a rede de
externalidades, que surge de uma dada matriz de regras formais ou restrições informais, irá “viesar”
consistentemente os custos e os benefícios de escolhas em favor da estrutura existente. Senão,
vejamos: as organizações que devem sua existência à matriz institucional atual terão interesse em
preservar a estrutura, produzindo uma trajetória de dependência. Por outro lado, as trajetórias
53 No MAE o abuso de poder de mercado dos agentes econômicos impediu que este mercado funcionasse de maneiraadequada. Um novo modelo vem sendo implementando, e os sistemas de arbitragem fazem parte da proposta atual.
57
podem mudar seu curso em função de uma ação externa capaz de enfraquecer o poder das
organizações existentes, ou fazer surgir organizações com diferentes perspectivas de interesses54.
Ainda de acordo com North (1992), as instituições mantêm um processo de inércia,
apesar de, em muitas situações, mudanças rápidas poderem ocorrer, contribuindo para invalidar ou
reduzir o crédito dessas instituições, pois na realidade de pouco valeriam as instituições se, por uma
razão ou outra, tivesse que estar continuamente mudando, tendo em vista que todos os arranjos de
estruturação teriam que ser desfeitos, após terem sido construídos ao longo de um processo de
barganha. Tal acontecimento significaria uma quebra de contrato, um risco regulatório, que poderia
trazer muitas dificuldades para se recriar a confiança, a partir de novos códigos e novos métodos de
monitoramento. Segundo Mathews, (1986:914) “Alguns agentes podem perder por causa de uma
mudança institucional, enquanto interesses adquiridos estiverem continuamente sendo criados com
a permanência das instituições”. Dessa forma, segundo o autor a instituição que menos sofre o
processo de inércia é o contrato, pois, se houver um contrato bem definido, em muitas situações as
mudanças rápidas podem simplesmente não ocorrer55.
A evolução institucional guarda também uma forte relação de dependência com a sua
própria complexidade e com o seu grau, em termos de configuração estrutural ou em termos dos
propósitos que deve servir. De acordo com Mathews (1986), uma das mais importantes
contribuições da Nova Economia Institucional foi mostrar que os propósitos servidos por uma dada
instituição podem ser muito mais complicados do que parecem ser à primeira vista56. A
complexidade de um arranjo institucional é extremamente difícil de se alterar, principalmente
quando as instituições são formadas por contratos e leis governamentais. É verdade que a as leis
podem ser mudadas, embora com grande grau de dificuldade, mas se as leis são mutáveis os
contratos, por outro lado, são difíceis de ser alterados devido ao caráter de ato jurídico perfeito.
Diante disso, as situações de inércia em determinadas instituições tornam mais fácil a resposta ao
aparecimento de mudanças circunstanciais, as quais incorporam uma trajetória de dependência, em
54 Os atores da indústria de energia elétrica possuem interesses difusos, onde o regulador tem por definição o papel de balizar os interesses entre investidos e consumidores. Sendo que estes últimos buscam individualmente interessescontraditórios, o máximo lucro de um lado e a máxima satisfação de outro. 55 O contrato é, do ponto de vista legal, um ato jurídico perfeito, no qual direitos e deveres não podem ser abalados,independentemente das mudanças institucionais que venham a ocorrer.56 Copiar modelos de outros países não parece uma boa idéia, pois cada país tem suas características sociais e ideológicas.
58
que novas concepções institucionais vão surgindo e se tornando mais complicadas –e num segundo
momento inertes –, adquirindo vida autônoma (Mathews, 1986)57.
A análise institucional tem como ponto de partida a busca da eficiência econômica, e
esta surge como conseqüência das instituições que fornecem a baixo custo as medidas e os meios
para o cumprimento dos contratos, considerando-se que os contratos são formas seguras de
instituições.
Destaca-se aqui o processo de reestruturação e mudança que vem ocorrendo nas
economias mundiais, principalmente nos últimos vinte anos, nos setores de infra-estrutura, em
particular no de telecomunicações e energia elétrica. Embora mudanças associadas a uma nova
regulamentação e à inserção da competição sejam intenção do governo, estas não alcançam com
facilidade os objetivos esperados, uma vez que as instituições formadas e baseadas em modelos
tradicionalmente estatais e monopolizados apresentam resistências brutais para se inserir num
modelo competitivo de mercado privatizado. Cita-se o caso recente do Mercado Atacadista de
Energia, que está parado deste dezembro de 2000, quando problemas associados a conflitos de
interesses dos agentes econômicos impediram o mercado de operar. A despeito da intervenção do
órgão regulador setorial, este mercado veio efetuar sua liquidação em Janeiro de 2003 de forma
parcial e com alto grau de inadimplência.
3.3. O Velho e o Novo Institucionalismo
Derivada do pensamento econômico norte-americano, a versão “velha” do
institucionalismo fez importantes contribuições à ciência econômica, ao trazer, nas décadas de 1920
e 1930, contraposições importantes à economia neoclássica. Personificado por Veblen58 (1857-
1929), seguido de Commons, Clair, Clark, e Galbraith, já na década de 1960 (Oliveira, 1998). Na
concepção de Veblen, o institucionalismo parte de uma visão essencialmente evolucionária do
processo econômico, o que rejeita a análise de equilíbrio geral dos economistas neoclássicos. O
processo de integração institucional é concebido dentro de um processo evolucionário seletivo, que
afeta as formas habituais dos seres humanos verem as coisas e moldar as dimensões cognitivas. Para
57 O modelo institucional em curso de implementação pela Indústria de Energia Elétrica Brasileira, embora não tenha sido totalmente implementado, vem passando por uma reforma. A complexidade dessa mudança é perceptível se for umcontrato bem definido, tendo em vista que o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico está tendo muitadificuldade para encerrar os seus trabalhos na gestão do governo FHC.58 Sem apresentar uma lista exaustiva, cita-se outros institucionalistas: Richard T. Ely, Donald W. McConnel, anton Ayres Friedrich, Emmanuel Stein, Miguel A. de Capriles, Richard A. Girad, T. Edward, Crowder Jr., CarllRaudhenbush, Cirwen Stoddard e Williard E. Attkins (Oliveira,1998).
59
este autor, os instintos, hábitos e instituições teriam um comportamento análogo aos genes
biológicos. Dessa forma, a visão evolucionista de Veblen influenciou sua definição de instituição,
que para ele não seria nada mais do que hábitos e costumes que se modificariam ao longo do tempo
em um processo evolucionista darwinista. Assim, a habitualidade do comportamento humano seria
obtida a partir de um processo adaptativo, em que, mantidas as estruturas básicas de
comportamento, os instintos inatos das pessoas promovem um processo de reação às diferentes
circunstâncias. Por razões claras o velho institucionalismo era muito afeito à pesquisa empírica,
utilizando-se da história e da estatística, desagradando os economistas neoclássicos.
Por sua vez, a Nova Economia Institucional, desenvolvida na década de 197059, com
ênfase no individualismo metodológico, aproxima-se da economia neoclássica, mas não a acolhe
por considerar que a microteoria tradicional opera num nível muito elevado de abstração, não
permitindo que muitos fenômenos importantes sejam tratados de forma menos formalizada. E que,
ainda, as transações são questões cruciais e devem merecer atenção redobrada. Outro ponto forte
nesta teoria é o reconhecimento da firma como alternativa econômica do mercado, e não apenas
uma abstrata função de produção que obedece a um único e forte princípio maximizador. A teoria
considera ainda que o fato de existir racionalidade limitada distorce o princípio da realização do
interesse coletivo, daí decorrendo falhas, custo no processo de trocas, ou custos de transação, o que
leva a crer que a firma pode ser em certos casos a alternativa mais viável para a redução dos custos
de transação (Oliveira, 1998).
De acordo com Hodgson (1993), a Nova Economia Institucional tem nos indivíduos
o elemento básico formador da teoria, os quais, com suas características comportamentais, não
explicam o sistema econômico, mas constitui-se em elementos dados que servem de ponto de
partida para a análise institucional (Oliveira, 1998). Entretanto, este fator não elimina de forma
alguma as instituições do processo de construção da teoria, na realidade, estas últimas afetam o
comportamento individual do processo de escolha e restrições com os quais os indivíduos se
59 Hodgson (1993), apresenta uma extensa relação, embora não exaustiva: Mancur Olson, no campo da ação coletiva e do crescimento econômico; Eirik Furubotn, Svetozar Pejovitch e James Buchanan, que investigam a influência dosdireitos de propriedade e ações de rent-seeking sobre o desempenho da economia; Friedrich Hayek e Robert Sugden, que se interessam pelo surgimento da “ordem espontânea”; Bo Gustafsson, Douglass North e Robert Thomas, que têmuma vasta produção sobre a história da econômica; Armen Alchian, Harold Demsetz, Masahiko Aoki, Steven Cheung,Michael Jensen, William Meckling, e o próprio Oliver Williamson, que participaram intensamente do desenvolvimentode uma teoria econômica da firma; Robert Axelrod, Jon Elster. Nicolas Rowe, Andrew Schotter, Robert Sudgen e Edna Ullmann-Margalit, nas análises e teorizações sobre regras, normas, e suas instituições. William M. Dugger, com maiorou menor ambigüidade. E o precursor da economia dos custos de transação, Ronald Coase, cujo clássico artigo TheNature of the Firm, de 1937, introduz a visão da firma como de contratos e a formulação lógica básica da economia dos custos de transação, além de contribuições importantes sobre direitos de propriedade (Oliveira, 1998).
60
deparam. Finalmente, as instituições não têm poder de moldar as preferências dos indivíduos, mas
podem ser por eles formadas e lhes fornecer informações e algumas restrições.
A Nova Economia Institucional oferece perspectivas diversas à abordagem das
questões relacionadas ao desenvolvimento e reforma de sistemas econômicos, e em seu campo
teórico possui dois enfoques básicos: o Macroanalítico e o Microanalítico60. No caso do primeiro, o
campo de análise envolve os aspectos políticos, legais e institucionais, ou seja, as regras do jogo
para o funcionamento de uma instituição. No campo Microanalítico, a análise se faz por meio da
forma de contratação e da organização da firma no mercado. Destaca-se nesse campo a Teoria dos
Custos de Transação, que se divide ainda em estudos de Governança e Medição.
No campo de análise em que está sendo submetido o setor elétrico brasileiro, a Nova
Economia Institucional servirá como principal referencial teórico, seja no seu enfoque
Macroanalítico, seja no Microanalítico. O estudo da estrutura de governança aqui proposto
extrapola os limites da Economia dos Custos de Transação, embora os contratos sejam importantes,
por definirem a forma de organização de uma determinada firma no mercado, os aspectos políticos,
legais e institucionais que definem a regra do jogo a que está submetido o setor em análise. A
próxima seção discute questões associadas à Economia dos Custos de Transação e estrutura de
governança.
3.4. A Economia dos Custos de Transação e a Estrutura de Governança
Conforme Simon (1957 apud Oliveira,1998), as instituições são resultados de um
processo de adaptação do indivíduo à sua incapacidade física, neurológica e lingüística em
processar e armazenar as informações, por essa razão as organizações transformam-se em
instrumentos para alcançar os propósitos humanos; e se torna extremamente difícil, ou custoso, para
o indivíduo antecipar as possíveis contingências ao longo do processo de contratação. A
conseqüência disso é que contingências não previstas ex ante significam custos ex post de
renegociação de desvios contratuais, que devem ser administrados por outros meios, ou por
estruturas de governança erigidas especificamente para eficácia contratual (Kreps, 1990).
O comportamento oportunista dos agentes econômicos torna as negociações sujeitas
a risco, e um agente pode usufruir uma situação privilegiada para obter ganhos em detrimento de
61
outro. Desse modo os agentes econômicos devem se envolver em negociações, precavendo-se
contra o comportamento dos demais agentes e se protegendo da sua racionalidade limitada. A coleta
de informações, as salvaguardas contratuais e a utilização do sistema judiciário são mecanismos que
deixam os agentes menos expostos ou mais precavidos. Tais mecanismos, entretanto, representam
custos, os custos de transação.
Desenvolvida por Coase (1937), e mais recentemente por Williamsom (1985), a
Economia dos Custos de Transação traz importantes contribuições para a Organização Industrial, ao
envolver uma série de conceitos-chave associados ao comportamento humano e ao ambiente em
que se encontram as firmas (instituições). O importante papel dado à incerteza dos agentes
econômicos com relação ao futuro; o limite da racionalidade desses agentes em termos de colher e
processar as informações disponíveis; e o comportamento oportunista quando agem pelo auto-
interesse, são destaques da teoria.
Com o objetivo de apresentar uma visão mais aprofundada da firma, Ronald Coase
procurou identificar o escopo, a abrangência e os limites de uma empresa. Considerou que as trocas,
os acordos e as transações entre agentes econômicos apresentavam custos, tornando a firma um
ambiente complexo. Os custos estariam associados principalmente à coleta de informações; os
custos de negociação e estabelecimento de acordos entre partes, estabelecidos como custos de
transação. As transações poderiam funcionar por meio de diferentes formas organizacionais, com o
mercado, em contratos de longo prazo, ou mesmo internamente em uma firma61. No limite, a
depender dos custos de transação, a atividade produtiva poderia se verificar dentro de uma mesma
firma ou no mercado.
Dessa forma os pressupostos básicos da Economia dos Custos de Transação estão
associados ao grau de integração de uma firma numa dada indústria. Os fatores que levariam as
firmas a optar por centralizar ou descentralizar sua produção se devem aos custos de transação. Tais
custos vão interferir nas decisões entre coordenar sua atividade econômica através de mercados
(descentralização), ou coordenar suas atividades no interior da firma (centralização). Se as
vantagens de centralização superarem os custos contratuais, a firma vai optar por desenvolver sua
60 No Setor Elétrico Brasileiro, o estudo do MAE, enquanto centro das transações do setor, se realiza mediante umaanálise Microanalitica; a análise Macroanalítica, por outro lado, poderia se identificada nas demais instituições, a ANEEL, o MME, CNPE, ONS, CGSE e outros. 61 Com seu argumento, Coase colocou em cena as restrições às transações econômicas, cujos custos não mais poderiamser imprudentemente negligenciados (Williamson, 1995).
62
atividade de forma coordenada/integrada, e se os custos contratuais ou de transação não se
mostrarem muito altos, a firma vai preferir coordenar a sua atividade no mercado.
Williamson (1985), por sua vez, acresceu esforços às preocupações com os custos de
transação, propiciando o surgimento de um ramo de estudos que classificou como a Economia dos
Custos de Transação, logo incorporado às teorias que fazem parte da Nova Economia Institucional.
Nessa abordagem, assume-se que os indivíduos são oportunistas e possuem limites à racionalidade,
o que poderia gerar trapaças e quebra de promessas, além de, por outro lado, implicar que quando o
agente buscar informações, empenha-se em obter aquilo que considera melhor para si. No entanto,
para obter as informações necessárias, há custos. Mais ainda: a capacidade de processar as
informações é limitada. Por essa razão, os agentes, em vez de tomarem uma decisão ótima para si
e/ou para sua firma, contentam-se com uma decisão satisfatória, colocando em xeque o princípio da
maximização.
Os custos de transação podem ser maiores ou menores, a depender da freqüência que
ocorrem, do grau de incerteza em que a negociação é realizada e do tipo de ativos envolvidos. Em
transações recorrentes, as partes podem desenvolver reputação, o que limita seu interesse em
praticar oportunismo. Se por outro lado à transação ocorre poucas vezes, as práticas oportunistas
podem ocorrer. A incerteza amplia as lacunas que um contrato não pode cobrir, pois em um
ambiente de incerteza os agentes não conseguem prever os acontecimentos futuros e, assim, o
espaço para renegociação é maior, ampliando as perdas derivadas do comportamento oportunista
(Williamson, 1985).
As especificidades dos ativos envolvidos assumem um papel chave para o modelo.
Entende-se por ativos específicos aqueles ativos cujo retorno depende de uma transação específica.
Por exemplo, no segmento de geração de energia elétrica, o investimento nos ativos, no caso os
equipamentos de geração, não favorece usos alternativos, a não ser a própria geração de energia
elétrica. Adicionalmente, o retorno dessa indústria dependente da atividade de transmissão, outro
segmento que para continuar a atividade deve transmitir a energia gerada pelo segmento de geração.
A transmissão, por sua vez, precisa do segmento de distribuição para levar a energia até os
consumidores finais. Assim, os três segmentos mantêm entre si uma interdependência muito grande,
necessitando, portanto, de grande coordenação. Isto faz com que o retorno dessa indústria fique na
estrita dependência dos contratos estabelecidos entre os segmentos (Oliveira, 1998).
Quanto maior a especificidade dos ativos, maior a perda associada à ação oportunista
por parte de outro agente, e maiores os custos de transação. Por esta razão, Williamson (1985)
63
propõe que as instituições seriam importantes instrumentos que poderiam funcionar como regra do
jogo, a fim de restringir o comportamento oportunista e reduzir os custos de transação. As
instituições teriam dois conceitos característicos: em primeiro lugar, a instituição abrange o elenco
de normas, princípios éticos, morais e comportamentais que, sob a forma de restrições, orientam o
relacionamento entre membros de uma sociedade; em segundo, a instituição é tida como o estudo
das estruturas de governança nas suas diversas modalidades, “(...) de modo que nesta estrutura as
transações são efetivamente realizadas ou decididas” (Williamson, 1996:11). Com efeito, a firma
pode ser entendida como uma estrutura de governança, onde surgem e são concluídas as transações.
E, portanto, a firma e o mercado, ambiente institucional, são formas distintas de governança (Coase,
1937)62.
Caso a discussão passe pela decisão de produzir internamente de forma
integrada/verticalizada, ou produzir externamente, utilizando-se dos instrumentos de mercado, os
custos de transação ficariam, no primeiro caso, associados aos custos de administrar a firma
internamente, ou, no segundo caso, fazer contratos ao produzir externamente.
Williamson (1985) propõe ainda uma ordenação dos diversos modos de se realizar
uma dada transação, em que os custos de transação vão-se reduzindo verticalmente. Começando
pelo mercado spot, passando por contratos de longo prazo e terminando na hierarquia (uma única
firma abarcando toda a transação). Na medida que se caminha por esta ordenação de formas
organizacionais, ganha-se em controle sobre a transação, mas perde-se em termos de flexibilidade –
capacidade de resposta a estímulos externos.
Em caso de baixa ou nula especificidade dos ativos, os custos de transação são, no
limite, negligenciáveis; não havendo necessidade de controle sobre a transação, o mercado seria a
forma de instituição mais eficiente. Mas caso as especificidades dos ativos sejam altas, os custos
associados ao rompimento contratual serão altos e, portanto, seria necessário um maior controle
sobre as transações, optando-se pela hierarquia.
Dessa forma, a Economia dos Custos de Transação concentra-se no exame dos
estágios de execução dos contratos, ainda que considere a importância da fixação ex ante de
incentivos, e subdivide-se num ramo governança e num ramo medição. Este último refere-se à
62 No caso da indústria de energia elétrica no novo modelo, o ambiente institucional é formado por estruturas degovernança distintas: o MAE, o ONS, a ANEEL, o MME, o CNPE e a CGSE. Cada governança, individualmente,devido a sua interdependência, constitui uma macro-governança, a governança da indústria, ou o ambiente institucional desta.
64
verificação do desempenho e das ambigüidades associadas aos atributos das transações, ao passo
que a primeira abordagem está centrada na análise das estruturas de governança, que se constituem
de instituições decisórias criadas para administrar o processo adaptativo das instituições e dos
contratos. O processo de negociação é inerente à evolução dos contratos, tanto quanto o recurso à
arbitragem, uma expressão do ordenamento privado (Williamson, 1985). O esquema que se segue
sintetiza as ramificações discutidas acima.
Monopólio
Eficiência
Alavancagem
Discriminação de preços
Barreiras a Entrada
Comportamento Estratégico
Direitos de Propriedade
Agência
Governança
Medição
Fonte: Williamson (1985:24)
FIGURA 4 – MAPA COGNITIVO DOS CONTRATOS
As discussões sobre especificidades dos ativos, apresentadas por Williamson, trazem
fundamentos interessantes para o modelo de uma determinada firma ou indústria. As características
tecnológicas dessa indústria serão capazes de determinar a estrutura de governança que pode estar
inserida a firma, os tipos de contrato e, por extensão, os custos de transação. Em indústrias cujos
ativos são altamente específicos, os investimentos tendem a ser extremamente altos e com caráter
de não recuperáveis (sunk costs). Tal tipo de indústria, além de dificultar a competição do ponto de
vista do seu desempenho no mercado, traz dificuldades de administração por parte dos empresários.
Indústrias com alto grau de complexidade nos ativos tendem a ser menos eficientes do posto de
65
vista do mercado, e com custos de transação elevados. Os mercados eficientes são aqueles que
fornecem a baixo custo as medidas para o cumprimento dos contratos. A freqüência com que as
transações ocorrem e o grau de especificidade dos ativos integra-se em estruturas de governança
especializadas. Assim, transações recorrentes originárias do uso de ativos específicos serão mais
bem processadas em estruturas de governança especialmente construídas para seu gerenciamento, o
mesmo ocorrendo com as transações de baixa freqüência, mas que apresentam nuanças na sua
governança63(Oliveira, 1998).
A análise conduz a uma conclusão interessante para o caso do setor elétrico brasileiro
e o seu modelo de reestruturação. Embora o setor tenha sido inserido em uma estrutura de mercado
competitiva, este possui características que, a princípio, tornariam o processo complexo, pois os
ativos são específicos e existe um grande grau de interdependência entre as cadeias produtivas. Tal
fato leva o setor a necessitar de mecanismos de salvaguardas, aumentando os custos de transação,
ou, no caso em que mecanismos de salvaguarda não sejam adotados, elevando os riscos
substancialmente, uma vez que, embora o setor elétrico tenha sido inserido numa estrutura de
mercado competitiva, as suas complexidades não foram contornadas totalmente.
Ao proceder a uma análise da indústria de energia elétrica brasileira, sob a ótica da
Economia dos Custos de Transação, Oliveira (1998) conclui que até a recente reforma do setor
elétrico, ela se caracterizava como uma estrutura de produção hierarquizada, dado o predomínio de
formas verticalizadas e as especificidades dos ativos envolvidos, tendo a Eletrobrás como
coordenadora das atividades do sistema. Com a reforma, envolvendo desverticalização, privatização
e introdução da competição, a indústria passou de uma hierarquia para uma forma híbrida de
organização, onde o mercado spot está presente, além de um novo arranjo institucional associado ao
Operador Nacional do Sistema, o qual é fator determinante na eficácia do modelo64.
No seu modelo, Williamson (1989) analisa os mecanismos de salvaguarda
considerando os termos da elaboração ex ante e da execução ex post dos contratos, os quais se
revestem de três formas básicas. A primeira sugere o realinhamento do mecanismo de incentivos
contratuais pela imposição de algum tipo de multa ou penalidade, devido ao término prematuro dos
contratos. A segunda, partindo da premissa de que todos os contratos são incompletos, altera o foro
63 Willliamson (1989:145) desenvolveu um modelo interessante, que classifica os ativos de acordo com sua especificidade e, portanto, segundo a necessidade de mecanismos de salvaguarda. 64 O mercado spot será analisado com mais detalhe neste trabalho. Algumas considerações sobre os custos de transação serão feitas no capítulo 5. Para maiores detalhes sobre a análise da indústria como um todo, na ótica dos custos detransação, ver Oliveira (1998).
66
da resolução de disputas65, e substitui o recurso à corte de justiça pelo ordenamento privado, do qual
a instituição da arbitragem é um dos exemplos clássicos. A terceira forma de assegurar integridade
dos contratos é realizada por meio de um mecanismo adaptativo de trocas e concessões bilaterais.
Em termos de especificidade de ativos, Williamson (1989) apresenta quatro modelos
de contratos:
i. Planejado;
ii. Compromisso;
iii. Competitivo; e
iv. Governança ou ordenamento privado.
O modelo leva em conta que a incerteza comportamental está presente no processo
de contratação em um grau não desprezível, e que as possibilidades de contratação, com suas
diferenças quanto ao grau de especificidade do ativo, racionalidade limitada e oportunismo
determinam os tipos de contrato. Um contrato planejado, por exemplo, ocorre em situações de
ausência de racionalidade limitada e presença de oportunismo, nas quais os incentivos contratuais
são negociados ex ante. Em casos em que não haja presença de oportunismo, ocorrem os contratos
do tipo compromisso, onde os agentes fazem constar subcláusulas de autocumprimento nos
contratos. Os contratos em situação de racionalidade restrita e prática de oportunismo podem
ocorrer em contextos em que as especificidades dos ativos se encontram ausentes. Neste caso,
predomina o processo competitivo, pois nesse tipo de indústria os mercados são competitivos ou, no
mínimo, contestáveis. Em situações em que existe racionalidade limitada, prática de oportunismo e
grande especificidade dos ativos, o processo competitivo se torna difícil, e deve predominar o
mundo da governança, ou, no limite, o ordenamento privado66 (Williamson, 1985).
Conforme apresentado, na concepção do modelo da Economia dos Custos de
Transação, o mercado é apenas uma das formas de organizar a produção, e as estruturas
intermediárias e as formas híbridas de governança dominam as relações entre os agentes, instituindo
contratações bilaterais que serão tanto mais eficientes na redução dos desajustes em relação às
economias de escala e escopo quanto mais se consiga, através de compromissos confiáveis, reduzir
o risco da contratação. O grau de confiabilidade entre os contratantes é o fator determinante para
65 No caso do MAE, a câmara de arbitragem foi criada para resolver as disputas.66 O ordenamento privado é a base da filosofia da Economia dos Custos de Transação, uma vez que os estudos de contratos, de forma geral, no ramo da Economia ou no do Direito, enfatizam essencialmente os aspectos relacionadosàs regras gerais e às tecnicalidades econômicas dos processos (custos e benefícios obtidos pela especialização e pelastrocas).
67
que se mova de um modelo com riscos inerentes para um modelo com custos de transação, mas com
riscos reduzidos.
A criação de mecanismos de incentivo necessita ser ex ante a estruturação dos
desenhos contratuais e deve focalizar a importância dos direitos de propriedade ou ainda tratar dos
efeitos que a separação entre propriedade e controle possam ter sobre a contratação, uma vez que a
sua execução é, em última instância, realizada pelos agentes, por designação dos principais, que
devem conhecer os riscos inerentes à execução contratual pelos agentes. A ênfase no alinhamento
adequado dos direitos de propriedade é vista como a forma por excelência de se evitar a alocação
ineficiente de recursos. Nesse sentido, a propriedade faz a diferença, porque formas de contratação
não triviais exigem desenhos mais complexos de contratação, cujos direitos residuais devem
pertencer àqueles que melhor uso farão de tais direitos, e que, portanto, melhor atenderão às
necessidades de eficiência alocativa (Oliveira, 1998).
Os agentes contratantes, dadas suas características de racionalidade restrita e as
possibilidades de ações oportunistas, ao estruturar contratos de cumprimento autônomo necessitam
de compromissos que possam salvaguardar a execução ex post. Tais contratos existem com atos de
reciprocidade entre as partes, para dar apoio às alianças e sustentar a continuidade do
relacionamento iniciado. De um lado oposto, as ameaças, se críveis, que surgem num contexto da
rivalidade e conflito, são esforços unilaterais para apropriar-se antecipadamente de todas as
vantagens que a situação propicia. Os compromissos confiáveis e as ameaças críveis possuem um
atributo comum, qual seja, fazer parte de um processo de um portfolio de investimentos
especializados e irreversíveis. Williamson (1985, 1996) propõe um modelo de análise nas relações
de troca unilaterais ou bilaterais, cujo propósito seria servir como paradigma para o modelo de
governança (ordenamento privado).
Segundo Willliamson (1996), a Governança dos contratos é resultado da articulação
entre as condições macro institucionais (ambiente institucional) por um lado, e os atributos
comportamentais dos agentes econômicos por outro, e apresentam o objeto central da análise
Micronalítica: as estruturas de governança. O ambiente institucional é que vai definir os parâmetros
para a comparação das estruturas de governança; mudanças nos parâmetros alteram sensivelmente
os custos comparativos das estruturas. A figura 5 é a representação desse esquema.
68
Fonte: Williansom (1996: 223).
FIGURA 5 – O ESQUEMA DE TRÊS NÍVEIS
Os efeitos principais estão demonstrados nas linhas sólidas do esquema (as mudanças
de parâmetros ambientais e as premissas comportamentais); os secundários estão representados por
linhas tracejadas. A flecha circular no interior no setor de Governança é a representação
diagramática da principal propriedade da organização: a sua existência autônoma, resultado de uma
construção progressiva, que depende das decisões empresariais.
3.5. A Adaptação Organizacional e as Estruturas de Governança
O mercado, a hierarquia e a forma híbrida são os tipos de estrutura de governança
considerados pela ECT, que diferem segundo as suas leis de contratação, tanto em contratos
clássicos, neoclássicos ou relacionais67. Segundo Williamson (1996), a análise das estruturas de
governança, ou seja, a análise das matrizes institucionais nas quais a integridade das transações é
67 Os contratos do tipo clássico são aqueles que privilegiam o mercado e desconsideram outros arranjos organizacionais. Não há dependência bilateral entre as partes. A renovação dos acordos contratuais decorre exclusivamente do fato de os supridores do bem ou serviço particular estarem aptos a atender as requisições reiteradas dos consumidores em um mercado do tipo spot. Os contratos neoclássicos apóiam-se na dependência que se estabelece entre os contratantes, ainda que a autonomia seja preservada. Os recursos de arbitragem são utilizados neste esquema decontratos (Williamson, 1995).
69
decidida, exige que as diferenças do processo sejam compreendidas para que se possa fazer da
melhor forma possível o uso dos esquemas de incentivos e de controle administrativos.
Para o autor, a adaptação68 constitui-se no problema central da atividade econômica,
a medida do desempenho econômico das firmas, tendo em vista que o mercado é
extraordinariamente eficiente para comunicar aos agentes econômicos as mudanças de cenário, seja
do ponto de vista da oferta, seja do da demanda. Com base numa função utilidade, cada indivíduo
pode adotar o curso de ação mais adequado, dentro do ideal neoclássico “no qual os consumidores
e produtores respondem independentemente às mudanças paramétricas dos preços de modo a
maximizar suas utilidades e lucros, respectivamente” (Williamson, 1996: 102).
A estrutura de governança pode ser composta de forma comparativa alinhando,
simultaneamente, os instrumentos de ação de que fazem uso; os seus atributos de desempenho, ou
os mecanismos de adaptação a que estão submetidas; e as suas leis implícitas de contratação. Os
pontos extremos são o mercado, por um lado, e a hierarquia, por outro. Em ambos os casos,
características predominantes formam seus atributos. Dessa forma, enquanto o mercado faz uso
intenso dos incentivos, a hierarquia se caracterizada pela maior presença de controles
administrativos.
No caso do Setor Elétrico, dadas as especificidades dos ativos dessa indústria e as
condições de entrada e saída, a estrutura de governança tende a apresentar uma característica
híbrida, uma vez que não pode ficar totalmente exposta às forças do mercado, o que exige um
desenho institucional e regulatório extremamente complexo, gerando a necessidade de haver
perspicácia por parte dos formuladores da mudança, e um papel pró-ativo do órgão regulador.
68 Adaptação é tudo por que a indústria de energia elétrica precisa passar, a adaptação gradual de um modeloinstitucional e regulatório, que não se constrói da noite para o dia.
70
3.6. Conclusões
Conforme será apresentado nos capítulos de experiências internacionas, os atuais
resultados do processo de privatização e reestruturação da indústria de energia elétrica, em âmbito
mundial, não têm sido satisfatórios em termos de eficiência econômica, fato que pode ser observado
pelo grande número de trabalhos que circulam na literatura econômica, fazendo descrições sobre a
“má” performance desta indústria, ocasionada principalmente pela conduta anticompetitivas dos
agentes econômicos. Por essa razão, uma série de estudos vem sendo feitos com o objetivo de
entender quais seriam as causas do “insucesso” do processo. Para a maioria dos autores, o aparato
regulatório dos modelos reformados é crucial para entender os problemas, além do próprio desenho
institucional dos modelos implementados. Fatores ideológicos e a própria seqüência da
implementação da reestruturação é importante para entender este processo. A despeito desse
entendimento, não se encontra na literatura internacional (e tão pouco nacional) estudo que trate
desse tema de forma completa. Para o Brasil, em particular, embora haja muitos trabalhos sobre a
reestruturação do setor, pouco se tem falado a respeito de poder de mercado e desenho institucional.
O referencial teórico da Nova Economia Institucional e Estrutura de Governança apresentado neste
capítulo é o ponto de partida para a análise do modelo do setor elétrico a partir dessa perspectiva.
71
PARTE II
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS DE SISTEMAS ELÉTRICOS
REESTRUTURADOS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE
MERCADO
72
CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS
4.1. Considerações Iniciais
O estabelecimento do conceito de indústria nos sistemas elétricos mundiais,
envolvendo os quatro principais segmentos do antigo setor de energia elétrica, vem ocorrendo
principalmente nos últimos vinte anos. O setor elétrico, que tinha como principal finalidade servir, a
qualquer custo, sob forma de suprimento, produtos e serviços associados à energia elétrica vem
adotando, na maioria dos países, um sistema de mercado competitivo. Tais reformas incluem um
processo de privatização69, além de introduzirem competição nos segmentos de geração e
comercialização de energia e uma nova regulamentação nos segmentos de transmissão e
distribuição, tendo em vista que estes são considerados monopólios naturais. No novo modelo, o
preço se torna o principal sinalizador para os agentes econômicos; e a expectativa de que a
introdução de pressões competitivas pode reduzir – e, no limite, eliminar – a necessidade de
regulação e criar estímulos à eficiência econômica de determinados segmentos da indústria,
induziria a redução de custos e um razoável ganho de eficiência alocativa.
A percepção de fundo quanto às reformas no setor elétrico em diversas partes do
mundo é de que é imprescindível a introdução da concorrência nas indústrias de rede, o que não
constitui tarefa simples (Helm & Jenkinson, 1998). A introdução da competição em pontos
específicos da cadeia produtiva pode gerar efeitos de coordenação ao longo dessa indústria, onde
segmentos competitivos se relacionam com segmentos regulados (essencial facilities), havendo a
possibilidade de extensão do poder de mercado de um segmento não-competitivo para outro
potencialmente competitivo.
No caso do setor elétrico, as redes de transportes (transmissão e distribuição) foram
consideradas monopólios naturais pela maioria dos países que fizeram a reforma, podendo a
competição ser introduzida apenas nas duas pontas da cadeia produtiva (geração e comercialização).
Sendo assim, a segmentação da cadeia de suprimento de eletricidade é elemento central das
reformas que têm por objetivo introduzir a concorrência no mercado de eletricidade.
69Com exceção dos EUA onde a maioria das empresas era privada, e da Noruega que permaneceu estatal.
73
A desverticalização da indústria é, todavia, tarefa complexa, uma vez que a
necessidade de coordenação entre os vários seguimentos da cadeia produtiva permanece, a fim de
garantir a qualidade e a confiabilidade do fornecimento do produto energia elétrica. Cabe destacar a
elevada interdependência das atividades de geração e transporte, exigindo grande coordenação no
momento do despacho da energia elétrica pelas centrais até o ponto de entrega ao consumidor final.
Além disso, o sistema elétrico necessita operar com certa capacidade de reserva para manter o
suprimento em tempo real, pois a demanda pode variar a cada momento e a eletricidade não pode
ser estocada.
A reestruturação da indústria de eletricidade, impulsionada principalmente a partir da
reforma radical do Reino Unido, tem buscado contornar os obstáculos acima mencionados, por
meio de arranjos institucionais que forçam sua desverticalização, institui o livre acesso às redes de
transmissão e distribuição, criam um mercado atacadista de energia elétrica, introduzem regime
contratual das relações comerciais dos agentes setoriais e um mecanismo de regulação que permite
a convivência dos regimes monopolistas e competitivos ao longo da cadeia da indústria. Com o
objetivo de preservar níveis indispensáveis de coordenação setorial, as reformas têm delegado a um
agente independente a responsabilidade pela operação do sistema. Têm também criado um órgão
regulador a quem compete dirimir eventuais conflitos de interesses entre agentes do mercado
elétrico, principalmente na fase de transição, e regular as etapas da cadeia produtiva que
permanecem sendo operadas como monopólio.
Embora apresente peculiaridades, a maioria dos países que introduziram a reforma
no setor elétrico apresentou dificuldades consideráveis na implementação de um modelo de
mercado, de modo que a competição não vem ocorrendo no grau esperado. Invariavelmente, as
experiências internacionais têm demonstrado que os novos agentes a comandar o setor elétrico vêm
adotando práticas anticompetitivas a fim de obter rendas extraordinárias. Dessa forma,
comportamento estratégico e abuso de poder de mercado ao longo da cadeia industrial, e
principalmente no mercado atacadista, levou alguns países a rever o próprio modelo de
implementação do mercado competitivo nesse setor e, sobretudo, na estrutura de governança da
indústria. Cita-se o caso da Inglaterra, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos e, mais
recentemente, o Brasil.
74
A revisão dos modelos implementados, nos diferentes países que fizeram a reforma
do setor elétrico e posteriormente aplicaram uma “revitalização”70 do aparato inicialmente
desenhado, procura reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado. Tal análise tem por
objetivo adequar modelos competitivos baseados em uma estrutura de governança considerada
“adequada” a cada mercado em particular. Nessa perspectiva, e de acordo com o objetivo geral
deste trabalho, o presente capítulo apresenta uma revisão bibliográfica dos principais trabalhos que
tematizam a reforma do setor elétrico no mundo, em particular a experiência dos Estados Unidos e
da Europa, a fim de tirar algumas lições para o caso brasileiro. As próximas seções apresentam um
breve relato das reformas, destacando questões-chave em termos de modelo de mercado, conduta da
firma (exercício de poder de mercado), performance da indústria e questões institucionais71. A
análise de comportamento estratégico em uma estrutura de governança determinada é o foco do
próximo capítulo.
4.2. Questões-chave da Reforma
Dentre as principais características da indústria de eletricidade, a principal delas está
associada ao fato de esta ser uma indústria de rede – com o agravante de que a energia elétrica não
pode ser estocada. Diante desse quadro, a tentativa de comparar o produto energia elétrica com um
bem qualquer pode ocasionar um sério erro de diagnóstico, em termos de definição do que se
pretende para a estrutura de mercado desta indústria em particular. Além disso, a indústria de
energia elétrica exerce papel extremamente importante para a infra-estrutura de um país, sendo
considerada estratégica para a matriz industrial. Em conseqüência, esta indústria, na maioria dos
casos, torna-se objeto de preocupação por parte do Estado e, geralmente, peça importante de um
aparato institucional relativamente amplo.
O intuito de inserir a competição nos segmentos considerados potencialmente
competitivos, e um novo aparato regulatório naqueles segmentos com características de monopólio
natural, tem como ponto de partida o caráter commodity do produto energia elétrica. Entretanto, a
particularidade do produto torna peculiar a cadeia desta indústria e a própria estrutura de mercado
em que está inserida, levando a implicações econômicas importantes. O Quadro 3, abaixo, mostra
70 O termo revitalização passou a ser utilizado para o caso brasileiro quando a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGCE), criou o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico Brasileiro. 71 Embora o modelo de Estrutura-Conduta e Desempenho não seja o principal referencial teórico deste trabalho, por razões metodológicas, a apresentação da experiência internacional segue a lógica do modelo.
75
de forma geral as características econômicas chaves da indústria de energia elétrica e as principais
implicações econômicas em termos de estrutura de mercado.
QUADRO 3 – CADEIA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA
Atividade Características Econômicas Implicações
Geração Economias de escala limitadas
Coordenação e complementaridade
com a transmissão
Portfolio de tecnologias
Segmento potencialmente
competitivo
Transmissão e
Distribuição
Externalidades de rede
Sunk costs elevados
Economias de Escala e de Escopo
consideráveis
Economia de Coordenação
Idéia de bem público (utilities)
Monopólio natural
Tendência de baixos
investimentos
Taxa de retorno limitado
Segmento Regulado
Comercialização Sunk costs baixos
Economias de escala limitadas
Barreiras à entrada/saída baixas
Segmento potencialmente
competitivo
Operação/Despacho Monopólio Segmento Regulado
Outros Serviços:
Mercado Atacadista
Mercado de Contratos
Financeiros
Manutenção de redes e
outros serviços
(ancilares)
Manutenção de
Capacidade
Noção de bem público e definição de
direito de propriedade
Não possuem características
econômicas especiais
Potencialmente competitivo
Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999).
O Quadro 3 descreve de maneira geral os sistemas elétricos que vem passando por
uma desverticalização da cadeia produtiva, envolvendo ainda, na maioria dos casos, privatização e
nova regulamentação. Devido às características econômicas acima apresentadas, algumas questões-
chave vêm sendo destacadas pelos trabalhos que tratam do tema. Nessa perspectiva, para
76
compreender o real funcionamento nos novos modelos do setor elétrico é necessário considerar os
seguintes pontos:
i. Modelo institucional da indústria e o seu inter-relacionamento;
ii. A estrutura de governança do mercado atacadista, do operador do sistema e
das demais instituições envolvidas;
iii. Aparato regulatório do novo modelo, bem como as características das
instituições regulatórias;
iv. Desenho do mercado;
v. Tipo de pool (centralizado ou não);
vi. Mercado spot, bilateral e futuros;
vii. Mecanismo de formação de preços;
viii. Características da oferta e da demanda (elasticidades);
ix. Repartição de riscos do setor e do mercado;
x. Os mecanismos de mercado e os incentivos utilizados para coibir o poder de
mercado e estimular os investimentos;
xi. A transparência nas relações contratuais e regulatórias;
xii. Grau de desverticalização da indústria;
xiii. Relacionamento entre o despacho (centralizado ou não), e a estabilidade e
manutenção do sistema (serviços ancilares);
xiv. Sistema de transporte (transmissão), as tarifas de acesso e rendas de congestão;
xv. Objetivos da reforma, reais benefícios e custos;
xvi. Objetivos do governo, metas sociais e de meio ambiente;
xvii. Objetivos da sociedade e dos agentes de mercado;
xviii. E, principalmente, que tipo de modelo estrutural, institucional e regulatório as
características técnicas e econômicas desta indústria são capazes de se adaptar.
As questões acima mencionadas vêm sendo consideradas fundamentais para a
maioria dos trabalhos sobre o setor elétrico, uma vez que os principais problemas apresentados na
implementação do novo modelo do setor decorrem de fragilidades existentes em grande parte dos
itens acima mencionados, senão em todos. É muito importante, por exemplo, a relação entre o
despacho real do sistema e o despacho comercial, pois a partir daí é que serão determinados o grau
de exposição dos agentes e a possibilidade de extrair renda (rendas de congestão ou surplus), além
do sinal de preços para a expansão dos investimentos.
77
Cabe destacar que o mercado atacadista na maioria dos paises apresenta operações
spot (mercado à vista) e contratos bilaterais (mercado a prazo) e, quando em um grau maior de
desenvolvimento, operam com mercados futuros. A opção pelo desenho do mercado atacadista
depende das características do país, mas destaca-se que a maioria vem escolhendo um pool central.
Nesse sentido o mecanismo de formação de preços se torna uma variável extremamente importante,
à medida que alguns países escolhem a oferta de preços (sistema de bid) ou o mecanismo de oferta
de quantidade (como é o caso brasileiro).
Destaca-se, ainda, que a despeito das inovações tecnológicas na indústria,
principalmente no que se refere a pequenas plantas hidráulicas (PCH’s) e a termelétricas a gás de
ciclo combinado, os investimentos vêm-se tornando objeto de muita preocupação, tendo em vista
que a competição nos segmentos considerados contestáveis passa necessariamente pelo aumento do
número de agentes no mercado, o que não vem ocorrendo no grau esperado.
Ademais, a discussão sobre o pagamento dos serviços ancilares72 se torna importante,
uma vez que a operação privada cria distorções naquelas atividades com alto grau de
externalidades. É nesse contexto que os principais estudos mostram os avanços e os problemas da
reforma do setor elétrico em âmbito internacional. O presente trabalho procura delinear essas
discussões para o caso do Brasil, a fim de trazer lições da experiência internacional.
4.3. As Principais Reformas
Um crescente número de países desenvolvidos ou em desenvolvimento vem
participando de um processo de reforma da indústria de energia elétrica, com o objetivo de
introduzir a competição no segmento de geração e, portanto, na venda desta energia no mercado
atacadista, além de gradualmente introduzir a competição no varejo (Woolf; Halpern, 2001)73. Com
raras exceções, a reforma envolve também um processo de privatização e nova regulamentação da
indústria, além da desverticalização dos quatro segmentos da cadeia produtiva, a saber: geração,
transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.
72 No dia 24 de janeiro de 2002, houve um blecaute no sistema elétrico brasileiro, deixando o país na escuridão durante quatro horas. Os técnicos apontaram que uma das causas foi a falta de investimento nos chamados serviços ancilares, osquais com a privatização da indústria de energia elétrica ficaram sem responsáveis diretos. 73 Não será feita nesta tese uma descrição detalhada das principais reformas na indústria de energia elétrica no mundo,tendo em vista a grande quantidade de trabalho envolvendo este tema. Para maiores detalhes consultar Pires (1999), Vinhaes (1999); Pontes (1999); OCDE (2002) e outros.
78
Nos Estados Unidos, a reforma começou mais cedo, a partir da publicação da lei
PURPA (Public Utility Regulary Police Act) em 1978, quando houve profundas mudanças na
estrutura e, principalmente, na regulação e no desempenho das empresas, uma vez que estes já eram
privados, na sua maioria (Vinhaes, 1999). O Chile, a partir de 1982, iniciou a reforma do setor
elétrico, introduzindo alguma competição principalmente para os grandes consumidores. No
restante da América, com destaque para Canadá, Argentina e Brasil, as reformas tiveram início a
partir da década de 1990.
A Inglaterra e País de Gales também fazem parte dos primeiros países a iniciar o
processo de reforma envolvendo a indústria de rede em um contexto mais geral, a partir de
mudanças na legislação na década de 1980, embora tenha vindo efetivar a reforma no início da
década de 1990.
Nos anos noventa é que se intensifica o processo de reforma da indústria de energia
elétrica em âmbito mundial. Destaca-se na Europa: País de Gales, Noruega, Suécia, Nova Zelândia,
Finlândia, Dinamarca, Austrália, França, Alemanha, Holanda, Espanha e outros. Atualmente, tal
processo se estende para o restante da Europa e aos países asiáticos.
Embora apresente algumas particularidades, a reforma da indústria de energia
elétrica, de uma maneira geral, têm por princípio básico a introdução da competição na indústria,
uma nova regulamentação e uma mudança do papel do estado (privatização). Para tanto, a indústria
vem passando por um intenso processo de desverticalização da cadeia produtiva. A maioria dos
modelos adotados pelos países separa empresarialmente os quatro segmentos da indústria e, em
alguns casos, permitem propriedade comum entre geração e distribuição, como é o caso da Noruega
e Suécia.
Na próxima seção será apresentada a estrutura básica dos modelos utilizados pelos
países em reforma.
79
4.4. Estrutura Básica do Novo Modelo
Com o objetivo de maximizar a eficiência econômica diferentes configurações para a
industria de energia elétrica foram idealizadas inserindo elementos de monopólio e competição no
varejo, entretanto apenas algum desses modelos vem sendo efetivamente implementados e ainda, de
forma incompleta. De um modo geral, o modelo desenhado para a reforma da indústria apresenta as
seguintes características:
1. Compra e venda de energia elétrica entre geradores, distribuidores,
comercializadores (retailers) e consumidores finais, além de possibilidades
intermediárias no pool;
2. Livre acesso ao mercado atacadista, livre escolha do consumidor e oferta de
redução de demanda (Demand Side Bidding);
3. A transmissão e distribuição são consideradas atividades reguladas e com caráter
de utilities, ou seja, tem sido criado o livre acesso às redes de transmissão e
distribuição de energia elétrica;
4. Um operador independente do sistema de energia elétrica, sem vínculo com os
agentes privados e sob a égide do órgão regulador;
5. Separação entre as atividades competitivas e não-competitivas;
6. Reforma institucional com um adequado aparato regulatório, a fim de incentivar a
eficiência econômica das atividades monopolistas;
7. Arranjos de transição para a implementação da reforma;
8. Medidas para assegurar neutralidade das políticas gerais.
Conforme apresentado no Quadro 3, a cadeia produtiva da indústria de energia
apresenta características econômicas diferentes entre os segmentos de geração, comercialização,
transmissão e distribuição, sendo os dois primeiros potencialmente competitivos e os últimos
monopólios naturais. Por essa razão, a introdução da competição na geração de energia elétrica tem
sido um aspecto chave para a descentralização e reforma da indústria, tal descentralização está
associada à criação de um mercado atacadista de energia elétrica, ou seja, um pool de compra e
venda entre agentes de produção de energia e agentes de consumo Von der FEHR et alii (1998).
80
Fonte OCDE: 2001
FIGURA 6 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO
A Figura 6 mostra a passagem de um modelo de monopólio verticalizado e na
maioria dos casos estatal para um modelo de competição no varejo, onde as duas pontas da cadeia
produtiva da indústria, geração e comercialização apresentam características de segmentos
potencialmente competitivos e com baixo grau de regulação. Além disso o modelo apresenta um
mercado atacadista dinâmico, operando com mercado spot.
81
Fonte: OCDE (2001)
FIGURA 7 –COMPETIÇÃO NO VAREJO
De acordo com a Figura 7, o modelo de competição no varejo apresenta
possibilidade de competição na medida que se defina o papel do operador do sistema que garante a
estabilidade das redes de transporte de energia. Além disso, os segmentos de rede considerados
monopolistas devem ser regulados por meio de mecanismos de incentivos, a chamada regulação por
incentivo fundamentadas nos mecanismos de price-cap e revenue-cap.
82
Fonte: OCDE (2001)
FIGURA 8 – OUTROS MODELOS
A Figura 8, resume os principais modelos que podem ser encontrados na experiência
internacional, o modelo de mercado livre concede liberdade aos agentes de decidir a sua
participação nas vendas de geração. O modelo mandatário, determina que todos os geradores devem
ofertar sua geração. Com algumas variações, o modelo acima apresentado pode ser encontrado na
maioria dos países que fizeram a reforma. A criação de um mercado atacadista de energia elétrica
(mercado spot) é destaque neste modelo, pois possibilita o intercâmbio de energia entre geradores e
distribuidores, o que o torna o caminho mais utilizado por grande parte dos modelos de
reestruturação.
As condições essenciais para o funcionamento do novo modelo do setor elétrico
consistem em que as empresas sejam totalmente desverticalizadas e que o acesso ao sistema de
transmissão seja livre, tanto para as geradoras quanto para as distribuidoras. Desse modo, se o
acesso ao mercado de geração é livre (sem barreiras regulatórias ou técnicas), as novas empresas
83
podem competir com as já existentes, o que tende a reduzir os preços médios de energia gerada74.
Além disso, como as condições de geração do sistema devem ser neutras para os agentes
compradores e vendedores de energia, o papel do operador independente do sistema é crucial75,
dada a importância desse agente no formato institucional da indústria e na sua própria estrutura de
governança. Tal órgão deve apresentar uma postura pró-ativa, para evitar influências dos agentes do
mercado nas suas decisões de operação e coordenação do sistema eletroenergético – como se dá nos
Estados Unidos, na Inglaterra, na Argentina e no Brasil.
A competição se faz também entre os diversos segmentos de produção, tendo em
vista que é possível, por exemplo, a venda de energia direta entre um gerador e um consumidor
final. Deve-se frisar o papel ativo do consumidor na escolha do seu fornecedor e no gerenciamento
de sua demanda. Na Inglaterra, essa escolha é efetiva, o mesmo acontece no Chile e na Argentina,
dada a semelhança entre os modelos adotados. No Brasil, esse modelo ainda não foi completamente
implementado, pois a liberalização dos consumidores está sendo feita de forma gradual.
O modelo de reforma tem seguido principalmente o desenho do Reino Unido e, a
depender das características do sistema elétrico de cada país, tem inserido algumas variações no que
se refere ao mercado atacadista. Cita-se o caso brasileiro que, embora tenha copiado o modelo
inglês, difere deste no que se refere à oferta de energia elétrica para o mercado spot, ao passo que na
Inglaterra os agentes geradores ofertam quantidade de energia elétrica e determinam seus preços,
por meio de um mecanismo de leilão. No Brasil, os agentes ofertam energia apenas em termos de
quantidade, e os preços são determinados pelo custo marginal de curto prazo. O mecanismo do
mercado atacadista do Brasil é bastante peculiar, tendo em vista que os preços não são determinados
pelas forças do mercado76, um modelo computacional que se encarrega de determinar o preço de
curto prazo da energia elétrica.
O primeiro mercado atacadista (pool) com características totalmente competitivas foi
adotado no Reino Unido em 1990. Destaca-se que este mercado foi recentemente reformado sendo
criado o New Electricity Market Arrangementes (NETA) implementado em março de 2001. Na
74 Hoje, nos EUA, os produtores independentes são proprietários da maioria das novas plantas de geração e espera-seque, até o ano 2040, 55% da capacidade de geração esteja sob este tipo de propriedade (BAUMOL & SIDAK, 1995). 75 Citam-se os casos da Finlândia, Noruega Espanha e Suécia que possuem um operador do sistema totalmenteindependente dos agentes geradores. 76 Tendo em vista a preponderância de energia hidráulica na IEEB, os preços do MAE refletem o custo marginal de curto prazo da água, o qual a depender das condições hidrológicas podem varia ente um e 100, sendo, portanto muitovolátil. Esta volatilidade não emite sinais para o investimento.
84
Noruega em 1994, foi inserido também um modelo de pool, o qual incorporou o mercado da Suécia
em 1996, formando o Nordpool, com a incorporação da Finlândia e da Dinamarca. Na Austrália, em
1997, dois novos pools de energia foram criados nos estados de Victoria e New South Wales, os
quais formaram um pool nacional. Na Nova Zelândia, nos anos noventa foi criado um pool, o qual
incorporou voluntariamente os mercados de geração, distribuição e escolha dos consumidores.
Mercados atacadistas foram criados também no Chile, Argentina, Canadá, Brasil e Espanha. Nos
Estados Unidos foi criado o mercado da Califórnia, além dos mercados da Pennsylvânia – New-
Jersey-Maryland Interconnection (PJM), abrindo para um número de mercados regionais como o
New York Pool e o New England Pool (OCDE, 2001).
Em paralelo a criação de mercado atacadista e, portanto do incentivo a competição
na energia elétrica vendida sob a forma de suprimento, vem sendo inserida a competição na ponta
da cadeia produtiva, ou seja, para o consumidor final. Dessa forma, os consumidores podem
escolher de quem comprar a energia elétrica na maioria dos países acima mencionados.
A criação de um mercado atacadista levanta um serie de questões no que se refere à
estrutura industrial, o papel da regulação e o desenho de mercado de eletricidade. Tais questões
estão associadas à performance desta indústria em termos de objetivos de competição e os
resultados para os consumidores finais. A experiência internacional tem demonstrando uma série de
frustrações em termos de alcance de eficiência econômica para indústria como um todo, além de
dificuldades de implementação completa do modelo desenhado e, sobretudo do uso de poder de
mercado por parte dos agentes (principalmente os geradores). Tais questões têm trazido uma série
de questionamento aos modelos adotados e, sinalizado para um novo desenho institucional,
envolvendo mudanças de regras e do próprio papel órgão regulador. As principais razões para a
revisão destes modelos tomam por base o fraco desempenho da indústria em termos de eficiência
econômica devido principalmente à limitada possibilidade de competição. Tendo em vista que os
modelos de mercados mal definidos ou mal implementados, possibilitam o uso de poder de mercado
por parte dos agentes, a discussão sobre possibilidade de competição e poder de mercado será
apresentada a seguir.
85
4.5. Poder de Mercado e Possibilidade de Competição na Geração e
Comercialização de Energia Elétrica
Uma grande quantidade de trabalhos vem sendo escrita, principalmente nos últimos
quinze anos, sobre os riscos de uso de poder de mercado no segmento de geração da indústria de
energia elétrica. A preocupação com a manipulação de mercado aumentou consideravelmente nos
países europeus, latino-americanos, entre eles o Brasil, e principalmente nos Estados Unidos,
devido a recente crise da Califórnia77. Dessa forma, os principais mercados analisados, e sobre os
quais se encontra boa parte da literatura no assunto, são a Califórnia e a Inglaterra, tendo em vista
que ambos passaram por uma reformulação profunda78.
Com base no contexto acima salientado, os autores Green & Newbery (1992)
demonstraram preocupação com o risco de ocorrência de manipulação em mercados já estruturados,
como é o caso da Inglaterra. A partir da simulação do equilíbrio da função de oferta no mercado de
eletricidade, com apenas dois competidores (Powergen e National Power), esses autores concluíram
que não há possibilidade de competição no mercado elétrico inglês, uma vez que a estrutura de
duopólio na oferta de energia elétrica permite comportamento estratégico por parte dos agentes.
Portanto, sugeriram que a divisão da capacidade total de geração em cinco atores de mesmo porte
poderia trazer a competição para um grau bastante amplo. Outros trabalhos foram realizados com a
proposta de representar o comportamento estratégico dos agentes, utilizando a metodologia do
equilíbrio de curvas de oferta e demanda. Essa metodologia foi inicialmente desenvolvida por
Klemperer & Meyer (1989), e bastante utilizada na análise de sistemas térmicos do mercado inglês,
apresentado principalmente por Green & Newbery (1992) e Green (1996).
Em uma abordagem bastante interessante, utilizando a modelagem do equilíbrio
Nash-Cournot, os autores Wolak & Patrick (1996) mostraram que não só a oferta a preço alto pode
ser manipulada pelos agentes de geração. Os autores mostraram que ganhos com encargo de
capacidade foram também percebidos pelo estudo, onde os geradores declaravam algumas térmicas
indisponíveis, de modo a diminuir a confiabilidade do sistema e aumentar o custo marginal de longo
prazo. Dessa forma a remuneração por capacidade das demais plantas, que se declaram disponíveis,
77 Tendo em vista que a Califórnia foi um dos primeiros sistemas elétricos a ser reestruturados e a sua recente crise umasérie de artigos foram escritas sobre este tema. Citar todos aqui seria impossível, dessa forma foram selecionados os mais importantes. A referência bibliográfica desta tese aponta os principais trabalhos e cita os principais sites que se encontram estes textos.
86
aumenta de forma razoável, o que ocasiona ganhos altos por parte dos agentes. Tal comportamento,
analisado por aqueles autores, difere muito da maioria dos trabalhos que apresentam algum tipo de
manipulação no mercado.
Em 1998, Catherine Wolfram analisa dados do preço spot do mercado inglês e
conclui que os preços de mercado eram menores do que aqueles encontrados na análise de Green &
Newbery (1992). Tal comportamento foi atribuído à forte intervenção do órgão regulador inglês, o
OFFER, que, apenas no ano de 1994, interferiu quatro vezes. Em um primeiro momento, diante da
preocupação com o nível de preços e o poder de mercado dos agentes, o OFFER recomendou
mudanças na estrutura institucional do pool. Dessa forma, foi adotado um sistema de price-cap.
Entre outras intervenções, a ameaça de fazer a cisão das empresas ofertadoras e ainda a
possibilidade de entrada de novos geradores, que aumentariam a competição no segmento de
geração de energia elétrica e forçariam a redução dos preços, levou os agentes a adotar um
comportamento menos agressivo no mercado. Outro fator importante foi à adoção de contratos de
longo prazo, os quais estavam presentes em grande parte do período de observações feito pela
autora.
Em uma outra abordagem, Weiss (1997) e Bakerman et alii (1997) demonstraram
que a pulverização da geração em sistemas elétricos não é suficiente para resolver a manipulação
dos mercados. Tal mudança deve ser acompanhada por um sistema de Demand Side Bidding, em
que consumidores são capazes de fazer oferta de energia elétrica. Nesse caso, os riscos de
manipulação dos mercados são menores, o que não necessariamente ocorre quando se aumenta o
número de agentes pelo lado da oferta.
Do ponto de vista da Teoria dos Jogos, a manipulação de preços e de mercado na
Califórnia foi analisada pelos autores da London Economics, Borenstein & Bushnell (1997). Eles
simularam, por meio do modelo de Cournot, o comportamento do mercado após a
desregulamentação. Considerando principalmente as restrições de transmissão entre o Norte e o Sul
da Califórnia, os autores concluíram que existe a possibilidade de manipulação de mercado pelas
usinas hidrelétricas nas horas em que a demanda aumenta. Argumentam que talvez seja mais
benéfico investir em tecnologias que permitam aumentar a elasticidade da demanda do que investir
na reestruturação do mercado com o objetivo de diminuir sua concentração. Os autores sugerem
78 Embora apresente estudos de caso de outros países, este trabalho fará uma referencia maior aos casos da Califórniada Inglaterra.
87
ainda que a existência de contratos bilaterais e um teto de preços para a oferta reduziriam o uso de
poder de mercado por parte dos agentes.
Em um outro trabalho, Bushnell (1998) utilizou a Teoria dos Jogos para identificar a
estratégia de maximização de lucros e a capacidade de manipulação de preços em sistemas
hidrelétricos. Nesse trabalho, o autor investiga o mercado de energia da região Oeste dos EUA, no
qual um modelo analítico é desenvolvido para se derivar o equilíbrio de um jogo não-cooperativo
entre os agentes. Na modelagem são consideradas três empresas estratégicas (price makers), sendo
as demais não estratégicas (price takers). O estudo mostra que uma das empresas price makers tem
a capacidade de utilizar seus estoques de água para produzir energia nos patamares fora de pico,
diminuindo sua geração na demanda de ponta, aproveitando-se da congestão nas linhas de
transmissão dos sistemas exportadores vizinhos e, dessa forma, induzindo a um aumento do preço
da energia elétrica.
Em 1998, Von der Ferh; Harbord & Fabra fizeram uma análise do mercado spot da
Noruega, Austrália e Inglaterra, descrevendo características do pool e abordando o uso de poder de
mercado. Embora o Nordpool apresente uma das melhores performances em termos de mercado,
dos países que introduziram a reforma, os autores argumentam que o repentino aumento de preço
que ocorreu em 1992 é resultado de exercício de poder de mercado, associada principalmente a
colusões tácitas entre os agentes geradores. Para o caso da Inglaterra os autores argumentam que a
desregulamentação do mercado da forma que foi conduzida possibilitou a conduta colusiva por
parte dos geradores, o que torna a maioria dos mercados reformados vulneráveis a exercício de
poder de mercado. Segundo os autores, o processo de reforma deve ser feito com muita cautela.
A Teoria dos Jogos também foi utilizada por Borenstein & Bushnell (1999), que
alertaram para a falta de eficiência de modelos baseados em índices de concentração como
ferramentas para medir o poder de mercado em sistemas elétricos. Nesse trabalho, os autores
aplicam modelos baseados na Teoria dos Jogos, nos quais o comportamento individual de cada
agente no mercado pode ser incluído em simulações com o objetivo de analisar possíveis
manipulações de mercado.
Em março de 1999, o Fórum de Energia da Universidade de Stanford, nos Estados
Unidos, tratou da competição na indústria de energia elétrica e discutiu o problema da manipulação
de mercado e o comportamento estratégico nos mercados desregulados da Califórnia, Inglaterra e
países nórdicos (Nord Pool). Da mesma forma, no Brasil, foi realizado, em 2001, na Agência
Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o workshop “Mercados de Energia Comparados”, onde se
88
discutiu o Mercado Atacadista de Energia Elétrica do Brasil e os mercados da PJM – Pensilvânia,
New Jersey e Maryland – e Nord Pool – Noruega.
Nessa mesma abordagem, foi realizado em Brasília no dia 28 de novembro de 2002,
no Ministério de Minas e Energia, um seminário sobre a possibilidade de exercício de poder de
mercado em mercados atacadistas, com a participação de consultores internacionais e acadêmicos,
além de técnicos do setor. O principal objetivo do seminário foi trazer uma discussão mais ampliada
sobre o tema, tendo em vista que o Brasil pretende adotar um modelo de oferta de preços no MAE.
Para o caso brasileiro, na mesma linha dos trabalhos acima mencionados, destacam-
se os estudos de Kelman (1999) e Barroso (2000). Ambos tratam dos esquemas competitivos em
sistema hidrotérmicos: o primeiro faz uma abordagem de eficiência econômica e comportamento
estratégico e o segundo de comportamento estratégico de agentes geradores em ambiente de
mercado. No caso da abordagem de Barroso, o trabalho apresenta um procedimento para detectar
poder de mercado em sistemas hidrotérmicos com despachos baseados em ofertas, baseado em
simulações das ofertas dos agentes estratégicos, por meio de um jogo não cooperativo, seguindo
enfoque similar ao proposto por Borenstein & Bushnell (1997; 1999).
Em seu trabalho, Barroso (2000) apresenta um caso extremo, no qual um sistema
seria composto, por exemplo, por 400 geradores de porte similar, cada um pertencente a uma
empresa diferente. Segundo o autor, é intuitivo supor que dificilmente haverá espaço para alguma
estratégia por parte das empresas de cobrar pela energia fora dos patamares de seu custo de geração.
Naquele caso havia uma solução no próprio mercado, devido à competição. No outro extremo,
todos os 400 geradores pertencem a uma única empresa. Então haverá um monopólio e, a menos
que exista mecanismo de proteção e controle de preços, a empresa detentora do monopólio da
geração poderá cobrar o preço que quiser, principalmente devido à baixa elasticidade da demanda
por energia elétrica.
Utilizando os conceitos da teoria dos jogos, Puller (2001), faz uma análise da
eficiência de longo prazo do mercado de energia da Califórnia. Aplicando o modelo de Cournot
para os períodos de 1998-1999 e 1999-2000, o autor estima que no primeiro período houve
exercício de poder de mercado. Para o período de 1999-2000, o resultado pareceu menos claro, e
segundo o autor isto ocorreu pelo fato de que neste período houve outros fatores para contribuir
com o aumento dos preços, e tais fatores possuem fundamentos econômicos, o que não explicita em
grande grau o uso de poder de mercado. O autor apresenta em detalhes a análise formal do mercado
89
da Califórnia e mostra satisfatoriamente a validade do uso da teoria dos jogos para explicar o
exercício de poder de mercado na indústria de energia elétrica79.
Para a Inglaterra e o País de Gales, Sweeting (2001) realiza um estudo do mercado
depois da introdução do New Electricity Market Arrangementes (NETA), utilizando dados de
preços dos últimos cinco anos do pool. Também discute quais fatores teriam contribuído para os
aumentos de preços, e analisa a validade dos estudos de Patrick & Wolak (1997). O autor mostra
que ao contrário do que se esperava os preços e os lucros não têm caído, desde o início dos anos
noventa, o que denota uma grande concentração no mercado e, portanto, exercício de poder de
mercado. O trabalho mostra que embora tenha havido uma redução na concentração do mercado e a
introdução de novas regras com o NETA, é provável que, os problemas do regulador ainda não
estejam totalmente resolvidos.
Com o objetivo de identificar o exercício de poder de mercado na Califórnia, Harvey
& Hogan (2001a, 2001b) apresentam suas principais preocupações com os fatores que contribuíram
para os aumentos de preço no mercado da Califórnia, no verão de 2000. Estendendo uma discussão
iniciada por Joskow & Kanh (2001)80, os autores argumentam que fundamentos econômicos
contribuíram para o aumento dos preços, como, por exemplo, a situação de escassez de oferta e
elevação da demanda, preço do gás natural, restrições ambientais, e serviços ancilares. Além disso,
os investimentos na indústria ficaram abaixo do esperado. Por essa razão, argumentam que o poder
de mercado é apenas um dos fatores que contribuíram para a elevação de preço. A conclusão pura e
simples, de que o problema da Califórnia estaria associado ao poder de mercado, pode ser perigosa.
Em situações em que o próprio desenho do mercado é ruim, a proposição de medidas apenas
mitigatórias pode distorcer completamente os objetivos e as metas para a indústria, sem considerar
um problema muito sério de fundamento, o próprio desenho institucional e regulatório dessa
indústria.
Em junho de 2002 o United States General Acounting Office – GAO apresentou um
estudo para o desenho de mercado da Califórnia, abordando o tema poder de mercado e citando os
seguintes trabalhos:
i. Para o período de janeiro de 1998 à outubro de 2000, o GAO estimou a relação
entre preços de mercado e demanda estabelecendo como base de comparação
79 Esta abordagem foi também utilizada por Klemperer & Meyer (1989); Wolfram (1988), Borenstein & Shepard (1996) Wolak & Patrick (1997); Wolfram (1999) e outros.80 Identifying the Exercise of Market Power: Refining the Estimates – Joskow & Kanh (2001).
90
para uma estimativa entre agosto a outubro de 2000 período de preços altos e
inconsistentes com qualquer fundamento econômico, o que levou a conclusão de
que tal inconsistência ao uso de poder de mercado;
ii. Para o período de junho-setembro de 2000, o MIT apresentou uma estimativa de
preços, com a metodologia de benchmark, e conclui que embora tenha havido um
aumento nos custos de geração devido ao preço do gás natural, questões
ambientais e outros fundamentos econômicos, o exercício de poder de mercado
contribuiu substancialmente para o aumento dos preços neste período;
iii. Na mesma linha, o CAISO, apresenta estudo para o período maio-novembro de
2000, o estudo conclui que os preços declarados pelos geradores estavam muito
acima dos seus custos marginais, e que ainda a retenção de oferta por parte destes
agentes pressionaram ainda mais os preços do pool. Uma auditoria no mercado da
Califórnia também conclui que o exercício de poder de mercado contribui
substancialmente para o aumento de preços durante o período de crise na
Califórnia.
Esse estudo do GAO, conclui que o exercício de poder de mercado na Califórnia não
tenha violado nenhuma lei federal ou lei antitruste, e que na realidade o desenho regulatório e
institucional da Califórnia, permite espaço para exercício de poder de mercado unilateral, o qual não
poderia ser coibido pela regras vigentes e que eram muito difíceis de ser detectados.
Borenstein, Severin, Bushnell e Wolak (2002), examinam o grau de competição no
mercado da Califórnia para o período de junho de 1998 a outubro de 2000, a partir de comparações
de preços utilizando dados do mercado atacadista e estimativas do custo marginal de produção. Os
autores testam se a media dos preços do mercado é competitiva, levando em consideração toda a
oferta existente, além das várias fontes de geração e custos. A partir de dados de custos os autores
simulam preços perfeitamente competitivos e comparam com os preços do pool e concluem que
cerca de 54% do aumento dos preços no verão de 2000 da Califórnia estão atribuídos ao exercício
de poder de mercado, principalmente nos períodos de pico de demanda.
Joskow & Kanh (2002) – fazem uma simulação de preços competitivos para cenários
de oferta e demanda na Califórnia, durante o período do verão de 2000. Utilizando uma
metodologia de benchmark, ou seja, considerando o último preço a ser declarado para a oferta de
curto prazo no mercado horário, os autores concluem que embora existam fatores econômicos que
expliquem o aumento dos custos neste período, o exercício de poder de mercado por meio de
retenção de oferta contribui para os aumentos excessivos dos preços no mercado spot.
91
O mais recente trabalho de Joskow & Kanh (2002b), apresentado como a palavra
final sobre as causas da crise da Califórnia, utilizam a metodologia de benchmark procurando
incorporar questões ambientais e outros fundamentos geralmente relegados pelos primeiros
trabalhos. Os autores afirmam que embora exista fundamento econômico para a crise, associados
principalmente aos já mencionados aumento de preço do gás natural, restrições de transmissão,
explosão da demanda, redução da importação, redução da oferta e questões ambientais, o exercício
de poder de mercado contribui em grande grau para o aumento de preços no verão de 2000. Tal
exercício utilizado principalmente em horário de pico de demanda, onde a elasticidade da demanda
tende a ser infinitamente inelástica.
Em recente estudo os autores Harvey & Hogan (2002), argumentam que o exercício
sistemático de poder de mercado em sistemas elétricos reestruturados pode eliminar os benefícios
aos consumidores. Entretanto, chamam atenção para o fato de que não só uso de poder de mercado
pode contribuir para aumento de preços. Sendo necessário separar estes fatores, tendo em vista que
uma decisão política pode ser extremamente custosa e negligenciar problemas fundamentais nesta
indústria. Na realidade os autores fazem uma crítica dos vários estudos que utilizam simulações de
preços do mercado e metodologia de benchmark para avaliar a presença de uso de poder de
mercados nos sistemas elétricos reestruturados. O principal argumento em torno desta questão é que
um trabalho desta magnitude necessita de dados completos, que geralmente não são de domínio
público e ainda, as ferramentas tradicionais utilizadas para a simulação costumam negligenciar uma
série de questões importantes. Como por exemplo, a necessidade de reserva de geração, restrições
de transmissão, inflexibilidade de operação, restrições ambientais e outros. Estes autores
desenvolvem então uma metodologia para incluir estas questões e fazem comparações com outros
estudos, concluindo que embora haja exercício de poder de mercado, estes se apresentam em um
grau menor do que aqueles apresentados. E, que, portanto, os erros das simulações podem ser
maiores do que o próprio efeito do uso de poder de mercado, o que pode distorcer as medidas
mitigatórias sugeridas ao órgão regulador.
Nesta mesma abordagem, os autores Rajaramn & Alvarodo (2002), argumentam que
a alegação de exercício de poder de mercado na Califórnia e o conseqüente aumento dos preços,
pode ser uma fixação que não expressa completamente a realidade, tendo em vista que outros
fatores contribuíram para o aumento de preços e que a metodologia utilizada para detectar o poder
de mercado é limitada. Os autores citam os trabalho de Harvey & Hogan (2001; 2002), os quais tem
argumentado vigorosamente que detectar o exercício de poder de mercado por meio de simulações é
um problema difícil. E, argumentam ainda que o teste para detectar o exercício de poder de mercado
92
pode ser feito de duas formas: a partir de uma análise quantitativa por meio de simulações e uma
análise qualitativa por meio de mecanismos de incentivo para o uso ou não de poder de mercado. E
que, conforme mencionado por Harvey &Hogan (2000,2001) as simulações fazem uma importante
aproximação do real comportamento do mercado e conseguem detectar práticas anticompetitivas,
por meio de uma resposta quantitativa, entretanto isto não garante o predomínio do exercício do
poder de mercado. Uma análise qualitativa81 também deve ser feita e esta será capaz de detectar
uma série de acontecimentos que o modelo não consegue capturar, as restrições de transmissão e o
custo de oportunidade da água são exemplos.
A despeito do bom desempenho do mercado da Nova Zelândia, a crise de 2001
suscitou a preocupação com eventual uso de poder de mercado nesta indústria. Segundo estudos da
INFRATIL (2001), apesar dos fatores estruturais terem contribuído para a crise de energia no
inverno de 2001, há suspeitas de uso de poder de mercado nesta indústria. Segundo o estudo, o
desenho do mercado não é eficiente para detectar este tipo de comportamento, principalmente em
situações de escassez de oferta. O trabalho mostra que fatores estruturais foram responsáveis pelo
início da crise, mas que esta tenha sido agravada pelo exercício de poder de mercado por parte dos
agentes, que reduziram suas ofertas em momentos de escassez e pressionaram os preços da energia
elétrica.
O exercício unilateral de poder de mercado é também apresentado por Wolak (2002),
quando o autor argumenta que a demanda no curto prazo é totalmente inelástica, de forma que uma
pequena redução da oferta, aumenta os preços expressivamente. No caso da Califórnia, no modelo
que prevalecia no verão de 2000, não havia a obrigatoriedade de contração e as empresas
distribuidoras ficavam expostas aos preços de mercado. Neste caso os geradores utilizam
unilateralmente de práticas anticompetitvas retendo oferta e pressionado os preços. Tal
comportamento é muito difícil de ser detectado pelo órgão regulador e o desenho institucional não
previa meio legal para impedi-lo.
Apresentando discussões acerca de poder de mercado na Argentina, Ferreira (2002)
descreve de forma bastante clara que o mercado local não está sujeito ao exercício de poder de
mercado como o ocorrido na Califórnia e na Inglaterra. A principal razão para isso é o próprio
desenho regulatório daquele país. Embora a Argentina tenha copiado o modelo inglês, as
peculiaridades da indústria apontaram para a necessidade de alguns mecanismos regulatórios
81 Neste contexto é que se insere esta tese, em uma abordagem qualitativa do uso de poder de mercado.
93
complementares. Tendo em vista que grande parte da geração é hidráulica e que os mercados são
concentrados, a Argentina adotou um sistema de price-cap e um sistema de manutenção de oferta
de quantidade por seis meses. Isto significa que os agentes têm pouca margem para fazer retenção
de oferta e, se acaso isto acontecer, o price-cap não permite que os preços subam muito acima dos
custos. O price-cap corresponde a cerca de 115% dos custos marginais. A existência dos contratos,
além de reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado, sinaliza os preços de longo prazo da
energia estimulando investimentos, por essa razão, na maior parte do tempo a oferta é superior à
demanda. Na Argentina, os preços dos contratos são muito superiores aos preços do mercado spot,
os quais são muito voláteis, devido à participação da fonte hidráulica de geração. Segundo o autor, a
crise pela qual passou a Argentina em outubro de 2000 foi ocasionada por fundamentos
econômicos, e não por exercício de poder de mercado. Naquele período houve um aumento da
demanda acima da média, com redução da oferta das geradoras nucleares, aumento de exportação
para o Brasil e restrições de transmissão causadas por acidentes.
Bushnell & Saraiva (2002) fazem uma estimativa interessante para o mercado da
Nova Inglaterra (Estados Unidos), utilizando a metodologia de benchmark. A partir dos dados do
mercado atacadista (Energy Clearing Price –ECP), os autores encontraram um gap de 12% entre os
preços simulados e o preço do clearing. Os autores afirmam que a metodologia do benchmark
(competitive benchmark), vem sendo adotada para analisar os mercados da Inglaterra e da
Califórnia, sendo originalmente aplicado por Wolfram (1999) para a Inglaterra, depois de alguns
refinamentos incluindo dados de produção e demanda foi aplicada para a Califórnia por Borenstein,
Bushnell and Wolak em 1999. Neste mesmo ano, Joskow and Kanh inserem a questão dos custos
ambientais e aplica o modelo também para a Califórnia. Nesta mesma linha, Mansur (2001), aplica
o modelo para a PJM. Os resultados destes estudos foram utilizados pelo FERC’s para desenvolver
mecanismos de incentivo para mitigar o poder de mercado na Califórnia, principalmente.
Além da metodologia do benchmark acima mencionada os autores utilizaram duas
outras formas para detectar um possível uso de poder de mercado, e utilizando as declarações de
oferta dos geradores no mercado, os autores encontraram um gap de apenas 4% dos preços no
clearing. E a partir de dados de oferta e demanda no agregado encontram um gap de 11%. Segundo
os autores, o gap encontrado nas diferentes metodologias utilizadas se explicam por quatro fatores
básicos: 1) a diferença entre as ofertas diárias (day-ahead bid) e o preço real de operação (real time
operations); 2) as restrições de transmissão; 3) o despacho do ISO que não reflete necessariamente
a ordem de mérito e 4) o uso de poder de mercado por parte dos geradores. Embora os estudos
apresentem quais fatores contribuíram para a diferença de preços no mercado, os autores afirmam
94
não ser capazes de mostrar com precisão em que grau cada uma dessas variáveis contribuem para o
resultado. Conforme outros autores já mencionados anteriormente, estes autores chamam a atenção
para o fato de que não só apenas o poder de mercado contribui para diferenças de preço, e que,
portanto o órgão regulador deve levar isso em consideração, ou do contrário, pode implementar
mecanismos de incentivo distorcidos neste mercado.
4.6. Transmissão e Coordenação
A reforma do setor elétrico tem revolucionado os mercados na maioria dos países
que vêm implementando a privatização e uma nova regulamentação. Exceção feita aos Estados
Unidos, que já eram privatizados, e da Noruega, onde o governo preferiu manter a propriedade
estatal. No caso da Inglaterra, a reforma rompeu com uma secular trajetória de integração horizontal
e vertical, que levava à constituição de grandes monopólios públicos.
Nesses mercados, os quatro segmentos da indústria foram reestruturados como
atividades econômicas independentes. Enquanto a transmissão e a distribuição de energia elétrica
foram mantidas como monopólios, a comercialização e a geração foram expostas a mecanismos de
competição, tendo por intermediário um mercado atacadista de energia (mercado spot), como é o
caso do Brasil.
Devido às características da estrutura pré-reforma e aos mecanismos de competição
desenhados para o modelo do setor elétrico certas considerações devem ser feitas no que se refere à
estrutura de coordenação dessa indústria. Destaca-se aqui o fato desta nova estrutura apresentar na
cadeia produtiva dois segmentos potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e
manter outros dois segmentos com características de monopólio natural – a transmissão e a
distribuição de energia elétrica. Diante dessa estrutura, a cadeia industrial apresenta uma
peculiaridade importante à medida que relaciona segmentos competitivos e não competitivos,
chamando atenção para a importância da coordenação ao longo da cadeia, que gera efeitos
relevantes para a eficiência da indústria em um contexto geral.
Discutir a eficiência, em uma indústria com tal grau de desverticalização, não é
trivial, pois a coordenação das quatro etapas da cadeia produtiva continua sendo indispensável para
garantir a qualidade no fornecimento dos serviços de eletricidade. As atividades de geração e
transmissão se caracterizam por elevada interdependência, exigindo estreita relação no que se refere
ao despacho das centrais. Também é muito estreita a necessidade de coordenação entre a
comercialização e a rede de distribuição para que seja garantido o fornecimento da eletricidade aos
95
consumidores finais. Além disso, o sistema elétrico precisa operar com certa capacidade de reserva
operacional para manter o suprimento em tempo real. Tal característica é típica de uma indústria de
rede, situação na qual os agentes de produção estão interligados com os agentes de consumo, de
forma que a oferta e a demanda ocorrem ao mesmo tempo.
A relação entre os segmentos da cadeia produtiva da indústria de energia elétrica tem
sido tema de uma série de trabalhos, principalmente nos Estados Unidos, mas também se encontram
estudos na Inglaterra e nos Países Nórdicos. Entretanto No caso americano, essa discussão tem sido
considerada mais relevante, principalmente por causa da estrutura dos sistemas de transmissão
desse país. Uma análise para o caso brasileiro se torna bastante relevante devido ao grande volume
das malhas de transmissão e à característica dos vários mercados isolados (submercados) inerentes
ao setor elétrico brasileiro. Todavia, nenhum trabalho foi feito com esse objetivo.
Os casos envolvendo restrições de transmissão e manipulação de mercados, para os
Estados Unidos, foram analisados por Oren et alii (1995). Os autores fazem um estudo do modelo
de reestruturação da indústria de energia elétrica americana, destacando a importância do segmento
de transmissão de energia para o ambiente competitivo. Conceitos associados a preços nodais,
restrições de transmissão e rendas de congestão82 (surplus) são introduzidos pelos autores. A partir
de tais conceitos são formulados modelos matemáticos relativos à regulamentação, ao acesso às
redes de transmissão e às características do despacho econômico da energia elétrica, e à relação com
o mercado competitivo. Segundo os autores, a formação de submercados isolados agrega aos
agentes participantes de cada mercado um mercado relevante maior, de forma que as empresas
geradoras de energia elétrica passam a ter um papel importante na definição de preços deste
mercado, reduzindo em grande grau o escopo da competição. Desse modo, a restrição de
transmissão possibilita aos agentes de produção uma capacidade muito grande de manipulação do
mercado, uma conseqüente elevação do nível de preços e, portanto, margem de lucro maior. Por
outro lado, alguns agentes de produção podem perder dinheiro à medida que fica exposto a
variações de preços no mercado spot. Isso significa dizer que em determinadas condições de
demanda e de restrições de transmissão, alguns agentes ganham margens de lucro superiores em
detrimento de outros. Situações como essa aumentam a incerteza nos mercados de energia elétrica,
elevando seus riscos e, no limite, provocando redução dos investimentos privados.
82 Renda de congestão ou surplus ocorre na indústria de energia elétrica, quando, devido a restrições de transmissão, há diferenças de preços entre dois submercados. Tais diferenças ocasionam a alguns agentes um lucro superior ao normal,à medida que a escassez de energia elétrica em um submercado provoca elevação no nível de preços dentro deste submercado.
96
A incapacidade do sistema elétrico de transferir energia de um submercado para
outro foi também abordada por Hogan (1995), que analisou o mercado americano e trouxe
conceitos importantes no que se refere aos chamados contratos de transmissão. Em seu trabalho, o
autor desenvolve um esquema de contratos de congestionamento de transmissão, a fim de garantir
aos agentes, um mecanismo de hedge para a sua produção. Hogan apresenta um modelo que em
condições de competição e desenvolvimento do mercado tais contratos têm um grande índice de
negociação entre os agentes, desenvolvendo, portanto, a compra e venda de um novo produto no
mercado de energia elétrica, o serviço de transmissão.
Em uma análise mais ampla da cadeia industrial, os autores Bushnell & Stoft (1995)
fazem considerações importantes sobre os investimentos na geração em uma indústria competitiva e
examinam a eficiência de longo prazo desta indústria reestruturada, destacando a importância da
relação entre os investimentos em geração e transmissão, tendo em vista o alto índice de
coordenação existente entre esses dois segmentos da cadeia industrial de energia elétrica. Aos
contratos de transmissão, ou contratos de congestão da transmissão, é dado um papel muito
importante à medida que são compartilhados aos contratos de diferenças utilizados na geração. Os
autores destacam que os contratos de transmissão associados aos contratos de diferenças no pool
reduzem em grande grau as perdas associadas aos contratos bilaterais de curto e de longo prazo à
medida que incorporam uma redução qualitativa da incerteza inerente ao mercado de energia
elétrica, principalmente naqueles setores que possuem uma dependência razoável da geração
hidráulica, como é o caso do Brasil. Os autores argumentam ainda que se por um lado os agentes
podem formar coalizões suficientemente cooperativas para obter ganhos extraordinários na geração
de energia, estes podem também, por outro lado, ter incentivos suficientes para investir em
contratos de transmissão e garantir o escoamento da energia elétrica entre os submercados. Dessa
forma, o estudo aponta para o relevante papel do órgão planejador do sistema elétrico no que se
refere aos investimentos em geração e transmissão de energia elétrica e à importância dos órgãos de
regulação e defesa da concorrência para diminuir a concentração nestes dois segmentos da indústria,
a fim de reduzir a possibilidade do uso de poder de mercado.
Borenstein et alii (1995), em uma análise do poder de mercado na Califórnia,
identificam os principais mercados de energia elétrica e discutem as possibilidades de
comportamento estratégico por parte dos agentes. A partir da introdução do modelo de Cournot
com uma franja competitiva (firmas de porte menor), a análise é feita por meio da interação da
venda de energia no mercado spot e a energia comercializada no mercado bilateral. Os autores
analisam o impacto do poder de mercado e advertem que a medida estrutural do poder de mercado
97
associado ao modelo Hirschman-Herfindahl Index83 (HHI), tem certas deficiências quando aplicado
ao setor elétrico. Um exame do mercado spot para horários de pico de demanda associada às
restrições de transmissão também é abordado pelos autores, além de uma extensão da análise para
os contratos físicos e financeiros de energia elétrica. A conclusão do trabalho mostra que um
equilíbrio do tipo Nash-Cournot se mostra mais plausível na indústria de energia elétrica do que
para outros setores84.
Wu & Varaiya (1995), apresentam um modelo alternativo ao pool de geradores dos
principais mercados de eletricidade. Adicionalmente, chamam atenção para o fato de que os
crescentes movimentos de desverticalização da indústria de eletricidade com objetivos de
competição e livre escolha do consumidor colocam em debate a estrutura dos sistemas de
transmissão. Além disso, mostram que os setores elétricos atuais, na maioria dos países, estão
baseados no modelo de contratos bilaterais e no pool de geradores. Enfatizam ainda que tais
modelos têm por base a operação centralizada convencional a partir de recursos compartilhados de
um sistema de grid de transmissão integrado. Isso significa que o paradigma de operação
convencional de monopólios regulados contrasta com um protótipo operacional de indústria
reestruturada com características de competição. Essa indústria apresenta objetivos contraditórios,
uma vez que necessita manter uma operação centralizada para fins de eficiência produtiva,
mantendo, portanto coordenação necessária para garantir um alto padrão de confiabilidade do
sistema, sujeita a decisões individuais de produtores independentes na geração de energia elétrica.
Os autores propõem um novo paradigma operacional no qual os mecanismos de
decisões relativos à economia e à confiabilidade (segurança) de operação do sistema estão
separados. As decisões econômicas são levadas a cabo através de comércios multilaterais privados
entre geradores e consumidores. No modelo proposto, a função de confiabilidade é coordenada pelo
operador independente do sistema, que provê dados acessíveis aos geradores e consumidores. O
trabalho mostra que os benefícios são exauridos pelos agentes levando a operações eficientes, de
forma que o modelo alcança todos os benefícios de um pool de geradores sem a “mão visível” do
operador independente em decisões econômicas. Os autores concluem que o comércio multilateral
coordenado pode coexistir com o modelo tradicional e prover serviços sem distinção para os
clientes livres e cativos.
83 HHI= Si2, Si= Fatia de mercado do agente.84 Tal análise é passível de questionamento uma vez que o jogo, neste caso, tende a ser infinito, podendo ocasionar umequilíbrio cooperativo. A colusão tácita pode se fazer aqui com estratégias de tit-for-tat.
98
Embora não permita incorporar o comportamento estratégico dos agentes em termos
de poder de mercado utilizando restrições de transmissão dentro do pool, o modelo de simulação
apresentado por Kahn et alii (1996) para o mercado regional da Califórnia mostra que os preços
equivalentes aos custos marginais do sistema produzem ganhos econômicos dentro dos
submercados. Isso acontece devido às mudanças físicas no despacho do sistema elétrico, que
provocam grandes efeitos econômicos. Os autores ainda examinam a entrada potencial de novos
agentes, e mostram que o ingresso de uma nova empresa é pouco favorável diante da necessidade
de investimentos altos, ou seja, existência de barreiras à entrada.
Estudando a reforma do mercado da Califórnia, os autores Harvey & Hogan (2002);
Gilbert & Newbery (2002), aplicam um modelo de oligopólio para explicar a possibilidade de uso
de poder de mercado dos geradores em situações de restrição de transmissão. Na mesma linha dos
trabalhos de Borenstein, Bushnell & Stoft (2000), os autores concluem que os agentes geradores
podem aproveitar as de restrições de transmissão para aumentar seus preços. A solução proposta é
que o órgão regulador utilize contratos de restrição de transmissão a fim de mitigar o uso de poder
de mercado.
4.7. Performance das Indústrias no Pós-Reforma
Na análise econômica, a performance ou desempenho de uma indústria mostra sua
eficiência em uma determinada estrutura de mercado, e a medida da eficiência pode ser percebida
por meio dos preços ao consumidor final, da qualidade dos serviços e dos custos de produção85.
Embora o processo de reforma da indústria de energia elétrica mundial tenha se iniciado há mais de
duas décadas, estudos recentes argumentam que ainda é cedo para analisar o desempenho da
indústria em termos de custos, preços e benefícios sociais, ou seja, em termos de eficiência no
sentido econômico (OCDE, 2001). A experiência internacional tem demonstrado que a despeito das
semelhanças entre o desenho dos modelos adotados, devido a características específicas de cada
país, os resultados têm apresentado significativas diferenças em termos de performance. Em alguns
países, os preços têm seguido uma trajetória de crescimento considerável, ao passo que em outros
os preços apresentam taxas de crescimento bastante modestas (OCDE, 2001).
Na Inglaterra, a reestruturação inicialmente previa competição entre as duas
companhias que foram mantidas em um primeiro momento, Powergen e National Power, de forma
85 O conceito de eficiência está apresentado no Capítulo 2.
99
que os preços fossem determinados em um modelo similar ao oligopólio de Bertrand, próximos dos
custos marginais. E ainda, que a livre entrada de novos geradores fizessem uma grande pressão
competitiva. Entretanto, isto não aconteceu, de modo que o órgão regulador precisou intervir várias
vezes e determinar price-cap (Von der Ferh, 1998). Depois de muitas intervenções, o pool inglês
sofreu uma reestruturação que foi implementada em março de 2001. Quanto aos preços da energia
elétrica, estes apresentaram queda no período de 1990 até 1997, pois em termos reais o preço de
energia elétrico para os consumidores residenciais caiu em torno de 20%, e para os industriais em
torno de 27%.
Do ponto de vista dos geradores, o negócio de energia elétrica permaneceu lucrativo,
com uma taxa de retorno superior a 25% para os dois maiores geradores, no período de 1993-1999
[Littlechild, 1998; OFGEM (2000); OCDE (2001)]. A queda nos preços da energia elétrica para os
consumidores finais é resultado do modelo regulatório adotado na Inglaterra para os segmentos de
transmissão e distribuição de energia (price-cap e fator X) e ainda da introdução da competição na
geração de energia elétrica. Entretanto, a redução do custo de produção de energia elétrica na
Inglaterra, não tem sido completamente refletida no pool, e, portanto, não vem sendo repassados aos
consumidores. Na realidade, os preços do pool estão acima dos preços de novos investimentos (do
custo marginal de expansão). Uma análise de desempenho mostra que os preços não refletem
exatamente os custos, o que distorce qualquer possibilidade de eficiência alocativa; distorções no
despacho e na eficiência produtiva podem ocasionar excesso de capacidade e ineficiência
econômica na indústria como um todo (Von der Fehr, 1998). Tal evidência tem representado uma
sinalização negativa a respeito da efetiva competição no mercado da Inglaterra e País de Gales, o
que estimulou a criação da NETA. A partir da introdução da NETA vem ocorrendo um resultado
melhor no crescimento e desenvolvimento do mercado. Os mercados futuros e a termo, juntamente
com o mercado spot, envolvem a participação de um grande número de agentes, aumentando
significativamente as transações líquidas. Entretanto, resultados aos consumidores finais ainda não
foram percebidos (OCDE, 2001).
Embora tenha praticamente copiado o modelo Inglês, o mercado de energia elétrica
da Argentina apresenta uma performance diferenciada. Naquela indústria a reestruturação tem
apresentado sinais positivos, os preços caíram cerca de 50% entre 1992-2001, enquanto a
capacidade de geração aumentou em torno de 70% no mesmo período. A inserção de mecanismos
regulatórios, que levam em consideração peculiaridades da indústria Argentina, no que se refere à
fonte de geração e grau de concentração nessa indústria, explicam o resultado positivo. A adoção de
100
price-cap e o mecanismo de manutenção (congelada) da declaração reduzem o espaço para uso de
poder de mercado, o que possibilita ganhos de eficiência econômica (Ferreira, 2002).
No que se referem aos demais mercados, o Nordpool apresenta o menor preço da
energia elétrica de todos os países que efetuaram a reforma. O nível do preço spot no pool está
muito abaixo do custo marginal de expansão. Para uma nova planta, o custo da energia está três
vezes acima do preço spot. Entretanto, esse preço não se reflete totalmente aos usuários finais, uma
vez que os consumidores residenciais sofreram um aumento em torno de 3,5% em 1996 e 1999, e
uma pequena redução no ano de 2000. Os consumidores industriais, por sua vez, permaneceram
com os preços estáveis. Como ocorre na Inglaterra, distorções entre os custos e o preço do pool
demonstram perda de eficiência alocativa. A ineficiência produtiva tem provocado um excesso de
geração, por essa razão o Nordpool apresenta hoje uma característica interessante: há excesso de
oferta no mercado.
Na Austrália, os preços da eletricidade se reduziram em torno de 4% no ano de 1998,
e foram decaindo sucessivamente. Os preços permaneceram baixos devidos principalmente à
competição no mercado e à reserva de capacidade de geração que o país possui.
Na Nova Zelândia, com exceção do período da crise de meados de junho de 2001,
causado principalmente por questões estruturais e de clima, os preços aos consumidores finais não
foram significativamente diferentes após a reforma. A média dos preços no mercado spot tem
permanecido abaixo do custo marginal de expansão (OCDE, 2001). Entretanto, existem algumas
críticas com relação ao modelo do mercado spot, pois em situações de escassez de oferta os
geradores conseguem auferir rendas extraordinárias, utilizando poder de mercado unilateral
(INFRATIL, 2001).
Na Espanha, embora os preços tenham se reduzido em torno de 40% no período de
1996-1999, os preços do mercado atacadista permaneceram estáveis a partir de 2000. Esse mercado
apresenta pouca competição devido à alta concentração da indústria.
Na Alemanha, nos anos de 1999 e 2000, houve intensa guerra de preços, gerando
redução significativa para os consumidores industriais (9,6%) e aumento de 0,8% para os
consumidores residenciais (OCDE, 2001). A diferença dos benefícios da competição entre as
classes de consumo se explica na regulação das redes (networks). Tendo em vista que o aparato
regulatório não estabelece o acesso não discriminatório, os proprietários de redes utilizam poder de
mercado e cobram subsídios cruzados entre os consumidores (Littlechild, 2001).
101
Nos Estados Unidos, historicamente, a energia era vendida por monopólios
verticalizados e regulados. Com a reestruturação, um número grande de companhias privadas
passou a competir no mercado, vendendo energia elétrica no atacado e no varejo, com preços livres.
Segundo estudos do Federal Trade Comission (Dezembro de 2001) a respeito da reforma
regulatória nos Estados Unidos, os reais benefícios aos consumidores ainda não podem ser
percebidos, tendo em vista uma série de tradeoffs que a reestruturação precisa enfrentar para
implementar as mudanças.“O processo de transição permite a permanência de um modelo híbrido
de regulação e competição que torna obscuro o caminho escolhido e que não deixa emergir os
benefícios da competição, o qual se faz com o tempo (FTC, 2001:02)”.
A Califórnia representa um grande mercado nos EUA, importando cerca de 20% do
seu consumo dos estados vizinhos, além do México e do Canadá. Em situações de sobra, a
Califórnia também exporta energia elétrica. Quando o mercado começou a operar, a partir de 1998,
os consumidores cativos sofreram uma redução de preços em torno de 40%. Por cerca de dois anos,
os preços no mercado atacadista permaneceram baixos, embora tenham permanecido em torno de
44% acima dos níveis competitivos. A partir de maio de 2000, os preços subiram drasticamente e
permaneceram altos até meados de 2001. Os principais fatores que contribuíram para isso foram: a)
rápido crescimento da demanda devido ao verão severo; b) baixo crescimento da oferta; c) seca
excepcional, reduzindo a geração hidrelétrica e forçando a demanda; d) restrições de transmissão; e)
falhas no desenho do mercado e redução da importação devido ao clima (GAO, 2002). Problemas
com o meio ambiente e aumento dos preços do gás natural também pressionaram os preços da
energia nesse período, de forma que os preços passaram de uma média de 25-40 dólares por Mwh
para US$ 4,500/Mwh em Dezembro de 2000 (Joskow, 2002). A situação de escassez de oferta
contribuiu para o comportamento estratégico por parte dos geradores, os quais pressionaram ainda
mais os preços (Kanh, 2002).
Diante deste fato, o FERC implementou um price-cap no mercado, o qual
permaneceu até 2002. Entretanto, isso não impediu que as empresas de distribuição decretassem a
falência, e o estado precisou comprar as empresas falidas para garantir o fornecimento de energia
elétrica aos consumidores finais.
Apesar da imposição de price-cap, os preços permaneceram altos até meados de
junho de 2001. A partir desse período, passou a apresentar uma tendência de queda, resultado de
medidas implementadas pelo órgão regulador, dentre elas a imposição de price-cap para os estados
exportadores para a Califórnia; a redução compulsória do consumo de energia; a redução do preço
do gás; e o aumento da oferta de geração. Após a crise, o FERC reformulou o modelo regulatório,
102
tendo em vista uma série de imperfeições que este apresentava, o que contribuiu para o aumento dos
investimentos.
A principal discussão em torno da crise da Califórnia está associada à ocorrência de
exercício de poder de mercado, tendo em vista a fragilidade do modelo regulatório existente no
período.
4.8. Conclusões
Conforme mencionado, um número razoável de estudos tem sido feito relatando as
experiências internacionais de reforma do setor elétrico, sendo que grande parte analisa questões
associadas ao poder de mercado dos agentes. Trabalhos empíricos vêm mostrando o comportamento
estratégico dos agentes, principalmente a partir do referencial teórico da Teoria dos Jogos. Esta tese,
embora faça uma análise ampla do uso de poder de mercado nas experiências internacionais, não
tem a pretensão de fazer uma análise exaustiva, dado o número muito grande de trabalhos.
Entretanto, fez-se aqui uma seleção dos principais trabalhos para auxiliar a análise do setor elétrico
brasileiro, resguardando suas peculiaridades86. Destaca-se, ainda, que a formalização de
comportamento de gaming tem tomado grande espaço nos diversos estudos, conforme apresentado
neste capítulo. Tais estudos têm contribuído para as reformulações do setor nos vários países,
inclusive no Brasil, principalmente no que se refere à revisão de regras do mercado e da própria
estrutura de governança. É, portanto, neste contexto que o trabalho aqui proposto busca contribuir
para o setor elétrico brasileiro, por meio de uma análise qualitativa que mostra as possíveis falhas
das regras de mercado e da estrutura de governança que permitiria uso de poder de mercado por
parte dos agentes, principalmente no Mercado Atacadista de Energia Elétrica. O próximo capítulo
apresenta discussões acerca da estrutura de governança dos mercados internacionais, dando
destaque à Califórnia e Inglaterra.
86 Sobre o tema reforma do setor elétrico, foram encontrados mais de mil trabalhos na Internet e em revistas especializadas. Deste número, foram selecionados os mais importantes, os quais figuram na referência bibliográfica,onde se encontram também os principais sites e revistas pesquisadas.
103
CAPÍTULO 5 - ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DOS SISTEMAS ELÉTRICOS REESTRUTURADOS – UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL DO PODER DE MERCADO87
5.1. Considerações Iniciais
Conforme apresentado no Capítulo 4, os principais estudos dos vários mercados de
energia elétrica mostram resultados que apontam para o fato de que uma das grandes dificuldades
para permitir a eficiente implementação de mercados elétricos competitivos é a prática de poder de
mercado. Mostram ainda, que tal prática, em mercados com desenho regulatório inadequado, pode
causar perdas de eficiência econômica, na medida que permitem aumento artificial nos preços do
mercado spot, causando conseqüências sérias ao longo da cadeia produtiva. É importante salientar
que tais fatos foram realmente observados em sistemas reestruturados cujos despachos são baseados
em ofertas dos geradores. Na Inglaterra, em pleno processo de implementação da reforma, em 1994,
o órgão regulador foi forçado a impor limite superior ao lucro total das empresas geradoras, além de
ter feito várias intervenções ao longo dos últimos dez anos, como a recente implementação do
NETA. Na Colômbia, por exemplo, os preços spot praticados em ambiente de mercado divergiram
claramente de seus valores obtidos no despacho centralizado e executado por um operador do
sistema, conduzindo, conseqüentemente, a um aumento do custo de operação do sistema
colombiano. O potencial de exercício de poder de mercado existe também em algumas regiões dos
Estados Unidos, como Nova Jersey, Pensilvânia, Nova Inglaterra, Colorado e Califórnia.
Adicionalmente, destacam-se os casos de El Salvador, Austrália, Nova Zelândia e Brasil.
Diante da constatação de que existe um grande exercício de poder de mercado nos
sistemas elétricos reestruturados, e de que este poder de mercado, somado a outros problemas de
ordem estrutural, pode ocasionar perdas em termos de eficiência econômica por parte da indústria, o
que torna inócuo os objetivos iniciais da reforma, faz-se necessário compreender quais seriam os
fatores que permitem e contribuem para isso. No capítulo 4, foi apresentado o poder de mercado na
experiência internacional, sem o devido aprofundamento no modelo institucional. Este capítulo
apresenta o poder de mercado em um contexto de modelo institucional da IEEE, a partir do
referencial teórico da Organização Industrial, em particular da Nova Economia Institucional. Dessa
forma, o objetivo deste capítulo é apresentar quais as falhas dos modelos implementados no setor
87 As idéias de governança utilizadas aqui estão associadas ao desenho institucional da indústria.
104
elétrico que permitem uso de poder de mercado – e quais as principais soluções apresentadas pelos
estudos na literatura internacional.
5.2. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – Experiências
Internacionais
Para o caso do setor elétrico inglês, Green e Newbery (1996) fizeram uma
retrospectiva histórica examinando a natureza e a eficiência do ambiente regulatório. A reforma e o
funcionamento do mercado são o foco dos autores. A discussão se concentra, principalmente, nos
mecanismos criados pela nova estrutura, no funcionamento do mercado spot, no mercado de
contratos de longo prazo, nos mecanismos de hedge, e nos problemas que poderiam surgir devido
ao comportamento estratégico dos agentes. Os autores mostram que a reestruturação e a
privatização do setor elétrico inglês teve alguns elementos importantes e decisivos. Citam o
aumento nos investimentos em torno de 50% por parte dos produtores independentes de energia e o
conseqüente aumento da oferta; a expansão do parque gerador com usinas a gás de ciclo
combinado, reduzindo os incentivos ao programa nuclear e as usinas térmicas a carvão. Considere-
se que o modelo tradicional da indústria apresentava inúmeros problemas e limitações relacionadas,
sobretudo com os custos do sistema nuclear.
Entretanto, um dos grandes problemas apresentados pelos citados autores foi à falta
de cooperação das empresas geradoras, no que se refere à maximização dos benefícios energéticos
do sistema para minimizar os custos de geração. Por essa razão, o preço no mercado spot tornou-se
muito volátil, variando, principalmente em períodos de restrição de oferta por parte da França, entre
US$ 200/Mwh a US$ 1.500/Mwh. Essa volatilidade fez com que os preços finais aos consumidores
aumentassem por volta de 55%, entre 1990 e 1995. A partir desse período, surgiram os chamados
contratos de hedge, arranjos contratuais disponíveis para reduzir as incertezas dos preços no
mercado spot. Embora tais contratos tenham custos de transação muitos elevados, cerca de 90% das
compras de energia no mercado spot foram respaldadas por meio desses arranjos contratuais.
Ademais, de acordo com Thomaz (1997), a reverticalização da indústria para reduzir seus custos de
transação foi buscada por algumas empresas, as quais foram contidos com muito esforço políticos
pelo governo inglês.
Em 1997, Wolak et alii apresentaram um estudo da estrutura de mercado da indústria
de eletricidade da Inglaterra analisando o poder de mercado no processo de determinação dos
preços. Os autores argumentaram que o papel do governo deveria estar relacionado fortemente com
105
a estrutura de mercado da indústria, que possuía duas grandes geradoras National Power e Power
Gen além da geradora nuclear. Segundo eles, as empresas teriam possibilidade de vender a preços
substancialmente superiores aos custos marginais de curto prazo. As geradoras teriam duas
estratégias: o preço de oferta de cada gerador; e a sua capacidade de avaliar o preço para cada
período de meia hora durante o dia. Por meio de uma análise de dados de quatro anos dos preços de
mercado e das quantidades ofertadas, os autores detectaram que os dois maiores geradores puderam
obter preços substancialmente superiores aos custos marginais, utilizando-se, portanto, do poder de
mercado.
Valendo-se de evidências empíricas dos casos da Inglaterra, País de Gales, Nova
Zelândia, Noruega e Austrália, Wolak (1997) faz uma comparação internacional das estruturas de
mercado e das condutas de preços em um mercado de eletricidade reestruturado. O trabalho ilustra o
papel importante das estruturas de mercado para o uso do poder de monopólio em cada país, e
mostra evidências desse exercício em relação aos preços. O autor chega a uma conclusão
importante com relação à participação obrigatória no mercado spot, provando empiricamente que os
preços tendem a ser mais voláteis do que naqueles com a participação voluntária. Dessa forma,
aponta para uma flexibilização nas regras de mercado, no sentido de produzir melhores efeitos na
eficiência econômica. Com relação à participação mandatória no pool, a Inglaterra, antes da
reforma, apresentava esta característica, a qual foi modificada com a introdução da NETA.
Atualmente, Austrália e Brasil possuem um sistema mandatório no pool, enquanto Espanha,
Noruega, Califórnia, Pensilvânia e Nova Zelândia possuem um esquema voluntário (OCDE, 2001).
No caso da Escandinávia, Hjalmarsson (1996) fez um estudo descritivo das
características do mercado, destacando as fontes hidrelétricas de geração e o sistema misto de
propriedade. Os sistemas são descritos e analisados em detalhe, através de históricos e
características da regulação, realçando a importância da coordenação na cadeia produtiva, dos
sistemas de transmissão, do regime de tarifas, dos investimentos, da eficiência da indústria, dos
ganhos de produtividade e dos níveis de preços. O autor mostra que, como nos demais países88, a
implementação de mudanças nesses modelos contempla a introdução da competição nos segmentos
de geração e comercialização de energia além da conseqüente desverticalização dos quatro
principais segmentos da indústria, o livre acesso às linhas de transmissão, a criação de um mercado
spot e de um órgão regulador independente.
88 Apesar das grandes semelhanças com os demais países que fizeram a reforma nessa indústria, a Noruega deles se diferencia por não ter sofrido mudança de propriedade, permanecendo nas mãos do Estado.
106
Midttun (1997), analisando a reforma norueguesa, finlandesa e sueca, destaca três
características do mercado nórdico: a existência de um amplo sistema liberal de mercado, a
manutenção da propriedade estatal das firmas e a negociação de energia no mercado competitivo
europeu. Esses modelos de reforma são interessantes por reunirem, ao mesmo tempo, a propriedade
estatal e a exposição das empresas ao mercado competitivo. Nesse trabalho, as principais medidas
das reformas são abordadas, bem como a expansão do mercado nórdico. Ao contrário da reforma
britânica, os países nórdicos, apesar de não terem incluído a privatização, fizeram questão de expor
as empresas de propriedade pública ao mercado competitivo. Essas reformas foram introduzidas e
implementadas tanto por governos liberais como por governos conservadores e, não obstante o fato
de terem sido alvo de controvérsias políticas, constitui-se em modelo atraente para comparar com o
caso brasileiro.
Von der Fehr; Harbord & Fabra (1998), conforme mencionado no Capítulo 4, faz
uma análise dos mercados da Noruega, Austrália e Inglaterra, descrevendo as principais
características do pool. Os autores afirmam que na Noruega e na Inglaterra existem algumas
evidências sobre o exercício de poder de mercado. Argumentam ainda que as experiências desses
países mostram que a desregulamentação dos mercados de energia elétrica, sem respeito às
estruturas inerentes a esta indústria, possibilita conduta anticompetitiva no pool, o que resulta em
sérios problemas de eficiência econômica. Recomendam, pois, que a estrutura de mercado e as
condições de competição sejam inseridas com cuidado. Ao utilizar o modelo de Klemperer &
Meyer (1989), os autores destacam que em um sistema onde a demanda tem uma trajetória
determinística89 (incerteza reduzida), os geradores podem manipular preços, dada a ineslaticidade
da demanda no curto prazo.
Já Wolfram (1998) chama atenção para a importância do papel do órgão regulador no
mercado de energia elétrica da Inglaterra. Naquele país, embora os preços tenham permanecido
muito superiores aos custos marginais, passaram a apresentar trajetória de queda devido à adoção de
algumas medidas, tais como a introdução de contratos, price-cap e ameaça de entrada. A autora
argumenta que, no pool, a baixa elasticidade preço da energia elétrica, principalmente no curto
prazo, contribui para o potencial exercício de poder de mercado. Além disso, os atributos do
mercado spot sugerem a possibilidade de conluio. No pool, as geradoras oferecem energia para o
89 Esta constatação é muito importante para a definição dos preços no mercado spot, pois a demanda é altamenteinelástica e apresenta trajetória determinística, ao passo que os preços apresentam trajetória estocástica, tendo em vistaque os geradores podem jogar com suas ofertas conhecendo as características da demanda. Isto faz com que os preços
107
dia seguinte, como um jogo repetido infinitamente e, em caso de grande concentração, como eram
as duas geradoras à época, com propriedade privada. A simulação mostrou um equilíbrio com
preços muito acima dos custos marginais, o que rejeita a hipótese de Nash-Cournot e aponta para
tit-for-tat90. Em 1999, a autora apresenta os princípios centrais que um mercado deve adotar para
implementar a reforma no setor elétrico, destacando a importância da competição no varejo e o
gerenciamento pelo lado da demanda (demand side bidding91) para amenizar os efeitos da baixa
elasticidade preço da indústria.
Joskow & Kahn (2000; 2002) apresentam dois estudos sobre a crise na Califórnia
ocorrida em 2000, com objetivo de apontar quais seriam suas principais causas e se esta estaria
associada aos fundamentos do mercado ou a fatores externos. Os autores mostraram a capacidade
de os geradores manipularem os preços do mercado, principalmente em períodos de pico de
demanda. A conclusão é de que realmente os fundamentos contribuíram para o aumento dos preços,
principalmente durante a crise de 2000. Entretanto, para o período de 1999, o poder de mercado
explicou grande parte do aumento de preços. Assim, os autores argumentam que o desenho
regulatório do mercado da Califórnia apresenta fragilidades que permitem que os geradores façam
uso unilateral de poder de mercado. Para isso, um único gerador declara sua oferta reduzida,
enquanto os demais ofertam competitivamente, como este gerador tem porte grande e portfolio de
geração, a sua influência é relevante e os preços sobem muito acima dos custos marginais.
Mount et alii (2001) apresentam um estudo para o mercado elétrico da Califórnia, a
partir de simulações em um “Smart-Market” utilizando Power Web. Tendo em vista as
características da crise da Califórnia nos períodos de janeiro de 2001 a abril de 2001, o órgão
regulador necessitou intervir e estabelecer um price-cap. Com o objetivo de compreender melhor
quais seriam as principais falhas deste mercado, os autores utilizaram ferramentas computacionais
simulando leilões, e concluíram que os preços eram bastante voláteis, produzindo uma trajetória
estocástica, que os preços estavam bem acima da média dos preços competitivos, e que, devido à
característica de demanda inelástica, o mercado de energia elétrica necessitava de mais
do mercado spot sejam muito voláteis. Tal situação se agrava em um sistema predominantemente hidrelétrico, pois a trajetória estocástica da oferta já é estabelecida pelo comportamento estocástico da hidrologia.90 Embora exista uma literatura razoável aplicando modelo de Cornout e ou Bertrand para a IEE, as conclusões deWolfram parecem mais adequadas, pois o jogo no mercado spot tem uma característica repetitiva, o que sugere colusãotácita e aplicação de tit-for-tat. O uso unilateral de poder de mercado comprova esta afirmação.91 Segundo a autora, este mecanismo tem a vantagem de reduzir a trajetória determinística da demanda por energia elétrica, na medida que serve de instrumento para o consumidor refletir a sua sensibilidade com relação aos preços no mercado de energia elétrica, o que contribui para a redução da trajetória estocástica dos preços e, portanto, de suavolatilidade.
108
competidores do que os demais mercados para introduzir algum mecanismo competitivo. Os autores
concluem que a introdução de mecanismos de incentivo, principalmente do lado da demanda, é
capaz de reduzir o poder de mercado, do lado da oferta, uma vez que os geradores são capazes de
explorar a possibilidade de dirigir os seus preços no mercado e, portanto, elevá-los acima do nível
competitivo.
A importância dos mecanismos de incentivo do lado da demanda foi também
destacada por Ruff (2002), que apresenta o trabalho Economic Principles of Demand Response In
Electricity. Neste modelo, a demanda contribuindo para o aumento da oferta é melhor alternativa do
que a simples redução da demanda em períodos de pico, pois contribui para a redução dos preços no
pool e os preços de longo prazo, a partir de princípios econômicos mostrando a redução da
inelasticidade da demanda em certo grau, devido à possibilidade de capturar a sensibilidade dos
agentes em termos de preços e, quando estes podem gerenciar sua própria demanda. Em uma
análise da crise da Califórnia, e projetando para os demais estados americanos, Hirst (2001) sugere
ao FERC quais lições devem ser tiradas para o sistema elétrico nacional. O autor argumenta que é
muito cedo para dizer que o modelo de reestruturação não tenha sido bem sucedido e que, portanto,
não cabe aos demais estados americanos simplesmente desistir de implementar mudanças. Na
realidade, o que o autor sugere é que, tendo em vista os erros cometidos pela Califórnia, os demais
estados adotem um modelo estrutural e regulatório capaz de inserir mecanismos para corrigir os
erros.
Em participação no Seminário de Poder de Mercado no Brasil, em novembro de
2002, Wolak apresenta discussões acerca do poder de mercado na Califórnia, e faz algumas
sugestões para o Brasil. O autor argumenta que, em estruturas de mercado razoavelmente
concentradas, as firmas já possuem, por definição, o potencial para o exercício de poder de
mercado. No caso do setor elétrico a situação se torna mais complicada, tendo em vista as
características do produto energia elétrica e a condições nas quais este produto é ofertado, de vez
que um dos grandes problemas é o fato de a energia elétrica não ser estocável. Além disso, no curto
prazo, a elasticidade da demanda por energia elétrica tende a ser totalmente inelástica, dessa forma
a demanda residual em períodos de pico de consumo oferece uma margem razoável para manobras
estratégicas dos agentes, gerando a necessidade de manutenção de encargo de capacidade. Os
principais resultados do trabalho mostram que as estratégias utilizadas pelos agentes na Califórnia
não ferem os princípios da lei antitruste, o que indica a existência de um desenho institucional e
regulatório do setor elétrico com imperfeições que permitem jogo. Logo, o desenho de um mercado
109
competitivo é definido pela capacidade que os agentes possuem de utilizar seu poder de mercado, e
cabe ao modelo institucional/regulatório definir esse espaço, o que não é uma tarefa simples.
As próximas seções apresentam o desenho da Inglaterra e Califórnia,
respectivamente, com o objetivo de discutir a governança destes mercados e apresentar
recomendações para o caso brasileiro, o que será feito no próximo capítulo.
5.3. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da
Inglaterra
Como se sabe, a Inglaterra foi um dos primeiros países a fazer a reforma do setor
elétrico e introduzir um modelo de pool para as transações de compra e venda de energia elétrica
entre os agentes de mercado. Com o objetivo de promover a competição, as principais
características deste mercado foram fundamentadas no caráter mandatário das transações no pool e
na oferta de preços por parte dos geradores. Entretanto, nesse modelo, a competição não se mostrou
efetiva, em função do alto grau de concentração da estrutura de mercado, principalmente na
geração92. O despacho da energia era centralizado, baseado em ofertas de geradores e estimativas de
demanda por parte do operador, e as ofertas eram diárias, ajustadas a cada meia hora. Além disso,
os agentes geradores faziam contratos financeiros para fins de hedge. No que se refere à demanda,
até 1993 esta não participava ativamente do mercado. A partir de então foi implementado o sistema
de Demand Side Bidding para os grandes consumidores. Tal mecanismo foi incluído na ordem de
mérito, o que permitiu que a demanda afetasse o preço e a própria operação do mercado. Destaca-
se, ainda, que o modelo apresentava participação ativa dos serviços ancilares e do encargo de
capacidade.
Segundo Sweeting (2000), este arranjo apresentava três problemas:
a tendência de preços demasiadamente altos devido ao pagamento de capacidade,
o que provoca uma excessiva entrada;
o arranjo para o pagamento de capacidade não previa exercício de poder de
mercado; e
os preços da transmissão eram ineficientes.
92 Até 1998, permaneceu um duopólio na geração entre as principais geradoras, National Power e Powergen. No varejo, havia doze distribuidoras regionais.
110
Por outro lado, o órgão regulador aponta algumas vantagens do modelo, como, por exemplo,
a manutenção da confiabilidade e segurança do sistema e a entrada de novos geradores, o que
facilita a competição e a redução de preços aos consumidores finais.
Entretanto, tal estrutura permitiu manipulação de preços por parte das geradoras,
principalmente no que se refere ao pagamento de encargo de capacidade. Além disso, os geradores
aproveitaram-se de restrições de transmissão e da complexidade das regras do mercado atacadista,
que deixavam espaço para jogo. O uso de subsídios cruzados entre as classes de consumo
prejudicou os consumidores residenciais, que chegaram a pagar 30% a mais pela energia, ao passo
que os grandes consumidores tinham acesso a energia barata.
Em função da alta variabilidade do preço spot no Reino Unido, a agência reguladora
acusou as empresas geradoras National Power e Power Gen de exercerem manipulação de mercado
com o propósito de aumentar o preço spot do sistema, e ameaçou denunciar essas empresas para a
Monopolies and Merger Comission, comissão responsável por estudar e emitir parecer sobre o caso.
A questão foi resolvida com a instituição de limites para o preço do PPP (Pool Power Price), índice
que reflete o custo marginal de curto prazo do sistema inglês para os anos fiscais de 1994/95 e
1995/96, como parte de um acordo “voluntário” entre as duas empresas e o órgão regulador,
fechado em 04 de fevereiro de 1994.
Estudos baseados na análise de bencharmark para o pool mostram a possibilidade de
exercício de poder de mercado. A partir do modelo de Supply Function Equilibrium (SFE)
apresentado por Klemperer & Meyer (1989), Green & Newbery (1992) concluem que há uma
tendência de competição no mercado desde que não haja retenção de oferta por parte dos agentes.
Utilizando um esquema de leilões de primeiro preço (first price), Von der Fehr & Harbord (1993)
apresentam a mesma conclusão. Wolfram (1998), por sua vez, argumenta que a possibilidade de
colusão tácita existe, pois o jogo neste mercado é repetido e a concentração é alta, o que requereria
a quebra do oligopólio na geração e outras medidas com forte intervenção do regulador.
Quanto ao desempenho da indústria em termos de investimento e benefícios aos
consumidores, destaca-se que, em 1990, 30% dos grandes consumidores exerceram a opção de
escolha; em 1994, 20% dos consumidores médios e, em 1999, os pequenos já podiam fazer a opção,
mas poucos fizeram. Tendo em vista que os preços do varejo têm sido bons para os grandes
consumidores, mas ruins para os consumidores residenciais. Embora, desde 1999, o preço no
mercado atacadista tenha caído 35% em média, 20% desta redução foi para os grandes
consumidores; ao passo que os pequenos consumidores sofreram aumento de 5%. Ressalta-se a
111
excessiva concentração da indústria e a verticalização entre os segmentos de geração e
comercialização, possibilitando reserva de mercado e prática de subsídios cruzados, o que limita a
competição no varejo.
No que se refere ao aumento da oferta93, nos segmentos de transmissão e distribuição
os investimentos se mostram adequados desde a privatização. Do lado da geração, considerando que
a demanda cresceu a ritmos lentos, tem havido sobre-investimento, principalmente no período em
que os preços estavam altos devido ao exercício de poder de mercado.
Como houvesse concentração excessiva no mercado, tornando ainda mais grave a
assimetria de informação entre o regulador e os agentes, em 1998 o órgão regulador determinou o
fim do oligopólio na geração. Atualmente, o mercado inglês apresenta treze geradores de médio
porte, entre os quais seis integrados com comercializadoras; doze distribuidoras regionais; duas
geradoras nucleares; e quatro companhias de comercialização não-integradas. Diante dos problemas
enfrentados pelo órgão regulador, principalmente no que se refere ao poder de mercado, o fim do
pool centralizado foi anunciado em 1998, com a criação do NETA, efetivado a partir de março de
2001.
O que se pode concluir sobre a Inglaterra é que durante os dez anos de
funcionamento do pool, foi recorrente a constatação da habilidade de determinados geradores em
manipular as regras do mercado, com conseqüente elevação dos preços. Por essa razão, estes não se
reduziram em linha, como seria de se esperar de acordo com os fundamentos econômicos, mesmo
se considerando a situação de custos decrescentes e a estrutura de mercado cada vez mais
desconcentrada. Ao longo do processo de reformas, apesar de o OFGEM ter monitorado tais
condutas, modificando, inclusive, a regulamentação e as regras do pool, não houve sucesso em
mitigar abusos do poder de mercado por parte de determinados geradores. Além disso, a falta de
participação efetiva da demanda e a complexidade das regras do pool deixaram um razoável espaço
para jogo. Dado este modelo, os geradores fizeram exercício de poder de mercado com retenção de
capacidade; ofertaram preços altos em determinadas áreas devido à restrição de transmissão;
manipularam as regras de mercado, se aproveitando da sua complexidade; além de jogarem com
posições contratuais no mercado futuro.
93 Desde 1990, os preços do atacado são mais altos que o custo marginal de longo prazo. A necessidade de investimentos tem sido muito pequena e, por várias razões, os investimentos têm sido cíclicos. No período de 1989-92,houve grande investimento, de 1993-1996 pouco investimento, em 1997-98 grande investimento e, a partir de 1999,pouco investimento (OCDE, 2002).
112
A introdução da NETA teve como princípio básico permitir a fixação de preços no
mercado de eletricidade, como em um mercado qualquer. O modelo pauta-se em um pool
descentralizado e flexível no arranjo de compra e venda entre os agentes, criando mercados
paralelos sem vínculo ao preço do pool. Este modelo de fato tem resultado em rápido
desenvolvimento de um mercado grande e transparente, similar ao de outras comoditites. Tendo em
vista a introdução de contratos: a termo, bilaterais e futuros, vários mercados têm-se desenvolvido
com a NETA, além do mercado spot, UK APX, que fica aberto 24 horas por dia, com fechamento
de posições em tempo real, um outro mercado, o UKPX opera como um mercado de contratos
futuros, participa também deste mercado o IPE – International Petroleum Exchange, para o
petróleo. O operador do sistema assume um papel importante na determinação dos preços, pois
compra e vende energia com o objetivo de balancear os preços no pool (Balancing Market). Os
contratos podem ser feitos de meia em meia hora, entre consumidores, geradores e agentes
financeiros. Os serviços ancilares também são negociados por meio de contrato.
No que se refere à formação de preços no pool, os geradores recebem o lance
proposto e não são, portanto, tomadores de preços. Além disso, existe um esquema de oferta firme
(como no caso da Argentina), a qual permanece por um determinado período, sem ser modificada.
As principais mudanças no modelo da Inglaterra consistem em:
i. participação ativa do Demand Sid Bidding;
ii. pool descentralizado e dinâmico;
iii. contratos bilaterais, contrato a termo e contratos futuros com prazos
diferenciados;
iv. participação no mercado de serviços ancilares e encargo de capacidade;
v. o operador do sistema faz lances para balancear o mercado;
vi. os agentes recebem pelo preço que ofertam;
vii. ofertas com lances firmes (como na Argentina).
Sweeting (2000) apresenta um estudo para o sistema elétrico inglês, destacando a
mudança radical do desenho do modelo do mercado atacadista e a introdução da NETA. Ao analisar
o arranjo que veio a ser implementado em março de 2001, argumenta que embora o novo arranjo
possa resolver muitos problemas dentro do pool, ainda não seria eficaz, uma vez que a possibilidade
de exercício de poder de mercado tende a permanecer. O autor, na realidade, faz uma análise do
modelo que prevalece em 2000 e do modelo que seria implementado a partir de 2001. São
apresentadas as seguintes questões:
113
i. mesmo com as mudanças do pool para um modelo centralizado, não há garantia
de eficiência, uma vez que a jusante os negócios irão permanecer altamente
centralizados e com regras complexas;
ii. O pool tem pouca liquidez, tendo em vista que 90% da energia está contratada;
iii. a redução do poder de mercado só será efetivada se a estrutura de mercado for
menos concentrada e as regras se tornarem menos complexas;
iv. mesmo com as modificações nas regras propostas pela NETA, estas ainda
permanecem muito complexas;
v. Além disso, os preços de transmissão não serão integrados ao NETA, o que
suscita a necessidade de uma descentralização física para impedir que
ineficiências sejam geradas.
Na mesma linha, o órgão regulador inglês afirma as características econômicas dessa
indústria, destacando a demanda altamente inelástica associada à necessidade de compatibilizar
oferta e demanda a todo instante, e a complexidade das regras de estabelecimento de preços no
pool. Isto torna difícil diferenciar entre elevação de preços que decorre de condições normais do
mercado, daquelas que surgem como resultado de abuso de poder econômico. Além disso,
argumentam que mudanças nas regras do pool podem ser efetivas para lidar com determinadas
práticas, contudo, freqüentemente, elas reaparecem sob forma diferente94. Reconhece-se ainda que o
escopo para a manipulação dos preços de mercado não se reduz de forma muito significativa com a
descentralização e desconcentração do pool. A OFGEM reconhece que outras legislações, como o
Competition Act e o Financial Services and Markets Act, que tratam da regulação dos arranjos
financeiros de compra e venda de energia no NETA, apesar de complementares, não são suficientes
para tratar da possibilidade de abuso de poder de mercado.
Com base nos estudos, a experiência inglesa pode enumerar as seguintes lições:
i. As regras do pool permanecem muito complexas e deixam espaço para jogo;
ii. Há grande dificuldade de se identificar, dentre as condutas dos geradores,
aquelas que são de caráter abusivo;
iii. Certas condutas anticompetitivas específicas são difíceis de ser tratadas por meio
de mudanças na regulação (risco de sobre-regulação);
94 Os agentes de mercado, na tentativa de maximizar seus lucros, sempre encontram uma maneira de burlar as regras, agindo sempre à frente do órgão regulador.
114
iv. É bastante complicados a missão do regulador de balizar os interesses dos
consumidores, empresas e os objetivos de política do governo95;
v. a aplicação da análise antitruste, pautada na idéia de dominação de mercado, se
mostra inadequada para lidar com condutas anticompetitivas no setor elétrico;
vi. faz-se necessário criar mecanismos institucionais, internos à agência, que
permitam que estas assumam papel pró-ativo na aplicação da defesa da
concorrência;
vii. estruturas com baixo grau de concentração ainda permitem abuso de poder de
mercado, tendo em vista as características da oferta e demanda por energia
elétrica.
Uma característica que merece destaque é a baixa elasticidade da demanda somada à
impossibilidade de estocar o produto energia elétrica. Estes fatores indicam a necessidade do
aumento dos investimentos para que, em situações de ausência de escassez (ou excesso de oferta),
os preços tendam a ser mais baixos. Entretanto, a trajetória determinística da demanda, aliada à
trajetória estocástica da oferta, permite comportamento estratégico dos agentes, os quais podem
reter oferta. Nesse caso, a expansão da geração não é suficiente: é importante inserir mecanismos de
incentivo, seja pelo lado da regulação e defesa da concorrência, para conter o poder de mercado dos
geradores, seja pelo lado de possibilitar uma gerência da demanda por parte dos consumidores,
como é o caso do mecanismo de demand side bidding.
5.4. Poder de Mercado e Estrutura de Governança – O Caso da
Califórnia
Quando se investigam as reformas do setor elétrico pelo mundo, a Califórnia é o caso
mais estudado, com um número substancial de trabalhos. Os países que ainda estão em processo de
mudança vêm se beneficiando das lições proporcionadas por esse mercado, principalmente quanto
ao quê não se deve fazer na implementação dos modelos de mercado. É neste contexto que se insere
a presente análise. Embora se reconheça que o Brasil apresente características muito diferentes dos
Estados Unidos, e em particular da Califórnia, alguns acontecimentos desse estado norte-americano
apontam para a busca de soluções para o caso brasileiro.
95 Destaca-se aqui a tentativa da OFGEM de introduzir a MALC - Market Abuse Licence Condition – entre os maioresgeradores. A Malc seria uma cláusula contratual aos geradores identificados como detentores de substancial poder de mercado, os quais teriam obrigações regulatórias adicionais, visando prevenir eventuais abusos até pelo menos a
115
O Setor Elétrico da Califórnia começou seu processo de reforma a partir de 1998.
Antes disso, o modelo predominante apresentava uma estrutura de mercado razoavelmente
concentrada, uma vez que ¾ da energia era ofertada por grandes empresas geradoras, e cerca de
20% da energia era importada de outros estados e do Canadá. Tendo em vista os aumentos de
preços ocorridos neste período, devido em parte ao aumento do preço da energia nuclear, cogitou-se
de reformar esta indústria com o objetivo de inserir a competição, e, portanto buscar a eficiência,
principalmente em termos de redução de preços aos consumidores finais (eficiência alocativa).
A reforma da Califórnia, além de incorporar um modelo similar ao dos demais
países, apresentava um viés estrutural muito forte, já que se fazia necessário expandir a capacidade
de geração, tendo em vista que os investimentos ficaram parados por mais de dez anos, devido às
barreiras à entrada, tanto as econômicas como as institucionais. O modelo escolhido baseava-se em
uma re-regulamentação do mercado, visando: a) estimular a competição no atacado, por meio do
incentivo à entrada de novos geradores; b) propiciar a escolha dos consumidores por meio de um
aparato de desverticalização da indústria; e c) criar um pool central e um operador independente.
Destaca-se também a importância no tratamento separado dos serviços ancilares e da energia de
capacidade.
A despeito do desenho de mercado adotado na Califórnia, os resultados apresentados
nos primeiros anos após a reforma, em particular em 2000-2001, foram os piores possíveis. No
verão de 2000, os preços no mercado atacadista estavam 500% mais altos do que nos mesmos
períodos nos anos de 1998 e 1999. Além disso, em março de 2001 o órgão regulador (FERC)
precisou lançar mão de um price-cap no pool para conter os aumentos sustentados nos preços do
mercado atacadista, além de intervir no sistema de transmissão, nacionalizando o grid.
Conforme mencionado, vários estudos foram apresentados para explicar a crise na
Califórnia. Um estudo apurado da literatura internacional conduz a um diagnóstico convergente96: o
de que houve baixo investimento na indústria; escassez de oferta ocasionada por seca; aumento
excessivo da demanda; redução da energia importada; restrições ambientais; aumento dos preços do
gás natural; perda de capacidade porque havia usinas em manutenção; e, sobretudo, retenção de
oferta por parte dos geradores para pressionar os preços para cima.
introdução da NETA. Entretanto, tal idéia foi abortada, pois dois grandes geradores – AES e Britsh Energy – nãoaceitaram.96 Na vasta literatura internacional sobre a Califórnia, constitui senso comum a prevalência dos fundamentoseconômicos que contribuíram para a crise, mas, principalmente, o viés destes fundamentos devido à manipulação de preços e abuso de poder de mercado.
116
Em trabalho recente Joskow & Kanh (2002) apresentam o que seria a palavra final a
respeito da crise na Califórnia. Os autores afirmam que aumento nos preços do gás, redução na
importação, aumento da demanda e custos ambientais contribuíram significativamente para o
aumento dos preços na Califórnia em 2002. Entretanto, a sustentabilidade desse aumento por um
longo período não pode ser explicada apenas pelos mecanismos naturais dos fundamentos do
mercado. Há uma evidência empírica de que houve exercício de poder de mercado por parte dos
geradores, principalmente no que se refere à retenção de oferta, o que se pode chamar de uso
unilateral de poder de mercado.
Harvey & Hogan (2001), utilizando a metodologia de benchmark para detectar o uso
de poder de mercado na Califórnia, concluíram que, embora o poder de mercado exista, torna-se
muito difícil de ser identificado quantitativamente, o que pode ser perigoso em termos de
apontamentos para decisões regulatórias, de forma que a tentativa de mitigar esse poder de mercado
corre o risco de sobre-regulação. Na mesma linha, discutindo jogos e a dificuldade de capturar
comportamento estratégico, Wolak; Bushnell & Hobbs (2002) apontam para a necessidade de se
separar o que realmente viola as regras de mercado e o que é benefício potencial de uma
determinada atividade. Este fator está estreitamente relacionado com as características técnicas da
indústria de energia elétrica e, portanto, com suas peculiaridades. Os autores chamam a atenção
para a dificuldade de se encontrar um modelo competitivo para este mercado, o que aponta para a
necessidade de se utilizar mecanismos de incentivo adequados, como, por exemplo, a necessidade
de o órgão regulador implantar penalidades fortes para quem burla as regras do mercado. Dessa
forma o mecanismo de incentivo tem que ser tal que os ganhos potenciais de abuso de poder de
mercado sejam menores do que as penalidades incorridas por mau comportamento no mercado.
Rajaraman & Alvarado (2002) afirmam que o teste de exercício de poder de mercado
pode ser feito de forma quantitativa por meio de simulações; e de forma qualitativa por intermédio
de mecanismos de incentivo para o uso de poder de mercado97. Na opinião dos autores, as
simulações quantitativas fazem uma boa aproximação, mas tendem a ignorar questões importantes
como, por exemplo, as restrições intertemporais de transmissão, a incerteza da oferta e da demanda,
a complexidade do despacho hidrotérmico e outros.
97 É nessa linha que segue a tese ora proposta.
117
Embora o modelo de benchmark contribua para uma resposta quantitativa acerca do
poder de mercado, não se pode garantir que este predomina98. Para os autores, a técnica de
benchmark utilizada por grande parte dos trabalhos feitos para o caso da Califórnia pode sinalizar
de forma inadequada as decisões do órgão regulador; assim, uma análise qualitativa poderia ser
mais eficiente. Não se afirma que não houve poder de mercado, mas sim que quantificá-lo é
demasiadamente complexo, impossibilitando, talvez, determinar em que grau este poder de mercado
foi utilizado.
Em suma, o que os principais trabalhos apresentam é a discussão a respeito dos
fatores que causaram a crise na Califórnia e se estes fatores possuem fundamentos econômicos ou
se estão associados a fatores artificiais ocasionados por comportamento estratégico por parte dos
agentes. O Banco Mundial (2001) apresenta uma clara divisão desta análise, separando
fundamentos econômicos e outros fatores que causaram a crise, além de incorporar recomendações.
O Quadro 4, a seguir, sumariza o modelo do Banco Mundial adaptado para a Califórnia, uma vez
que inclui as conclusões dos demais trabalhos que tratam do tema.
98 Embora o pool da IEEB tenha passado por várias crises, pode-se afirmar com certeza que esse tipo de conduta não aconteceu no Brasil.
118
QUADRO 4 – FUNDAMENTOS DA CRISE DA CALIFÓRNIA
Fundamento Econômico Implicações Desenho do modelo regulatório Desenho do modelo de mercado
Resultados
Aumento dos custos ambientais Pressiona os custos da geração de energia
Relação institucional entre meioambiente e energia elétrica
O desenho do meio ambiente não contemplava o desenho de mercado de forma adequada
Problemas de ordem institucional,governança da IEE e outrasinstituições
Escassez de oferta Ausência de investimentos; Climaseco, escassez de água; Térmicas em manutenção;Redução da importação
Complexidade do aparatoregulatório em que o risco e a incerteza regulatória eram grandes
Barreiras à entrada/saída; Mercado pouco contestável;O sinal de preços do curto prazo do pool não sinalizavainvestimentos
Exercício de poder de mercado a partir de retenção de oferta para pressionar preços no pool
Aumento da demanda O verão intenso provocou umaumento na demanda da ordem de 30%
Faltaram informações sobre a possibilidade de escassez entre oórgão regulador e o operador
O portifolio de geração era dependente de térmicas antigas
Em situação de escassez a retenção de oferta é maior,principalmente na demanda de pico
Aumento dos preços do gás natural
O gás pressionou os custos da geração térmica, que corresponde por cerca de 30% da matriz
Necessidade de relação institucional entre a cadeia do gáse da energia elétrica
O modelo do mercado de gás precisa ser compatível ao do mercado de energia elétrica
Os preços do pool forampressionados pelo custo do gásnatural
Aumento dos preços da energia elétrica
Aumento nos preços do mercadoatacadista
Regras complexas e maldesenhadas permitiram espaçopara jogo
As características do pool, o mecanismo de formação de preço e o despacho permitiramineficiência
Abuso de poder de mercadoexplica em grande grau o aumentodos preços
Desequilíbrio das distribuidoras Pressão de custos O órgão regulador não permitiu orepasse de preços e nem contratosbilaterais.
Não havia exigência de respaldo físico de energia, As distribuidoras ficaram expostasaos preços do pool
As geradoras capturaram a renda das distribuidoras, não houve repasse para os consumidoresdevido a regulação econômica
Fonte: Elaboração própria a partir de World Bank (2001).
119
O resultado da primeira “reforma da reforma” no mercado da Califórnia trouxe para
questionamento as premissas adotadas nas regras de mercado, em especial no que se refere à
convivência dos negócios regulados (transmissão e distribuição) e não-regulados (geração e
comercialização). A ausência de contratos bilaterais de longo prazo entre os agentes foi uma das
grandes fragilidades do modelo anterior, pois sem o mercado de contratos os preços se tornaram
muito voláteis99, e, em momentos de escassez de oferta, alcançavam patamar muito alto. As
distribuidoras, na qualidade de empresas reguladas, não puderam reduzir sua demanda, pois eram
obrigadas a atender os consumidores cativos. Em contrapartida, não tinham permissão para fazer o
repasse total dos preços aos consumidores finais, o que levou a um desequilíbrio nas contas das
empresas, e muitas fecharam seus negócios.
Outros dois fatores importantes relacionados à oferta foram: a grande exigência dos
órgãos ambientais para permitir investimentos em novas gerações, e o grande poder dos agentes que
já estavam no mercado, os quais, percebendo a escassez, manipularam os preços. Tais
características levaram à falência o modelo de mercado da Califórnia, o que exigiu a implementação
de novas regras a partir de 2001, quando a crise se tornou patente. Esse movimento levou a
Califórnia a rever seu modelo e corrigir as fragilidades das regras de mercado e da própria estrutura
de governança.
Os principais problemas associados à governança se pautam no conflito de interesses
entre o órgão regulador central (FERC) e órgão estadual (PURC), pois não havia um acordo entre a
regulamentação do varejo e a regulamentação do atacado. Enquanto os preços do gás e da
eletricidade aumentavam, o varejo tinha que se manter constante para recuperar os stranded costs.
Houve conflito também no relacionamento entre o operador (ISO) e o pool (PX), uma vez que estes
eram separados e não conseguiram compatibilizar o despacho real e comercial, causando problemas
na otimização do sistema100.
Conforme apresentado no Quadro 3, a explicação para a crise se pauta em duas
premissas básicas: os fundamentos econômicos podem explicar a crise partindo da hipótese de que
99 Isso se deve basicamente à característica inelástica da demanda de curto prazo e às características do produto energia(não estocável).100 Esse problema foi percebido em grande parte dos países que fizeram a reforma, do que se infere que há um sérioproblema de coordenação e governança no desenho. Se, antes, essa atividade era coordenada pelo operador do sistemapor um despacho de mínimo custo, com a reforma a coordenação ficou dividida entre o operador e o mercado, causando sério problema de coordenação. Isto sugere que o órgão regulador exerça um papel extremamente ativo para que ineficiências não sejam endogenizadas sob a forma de captura e conflitos de interesses entre os agentes.
120
o mercado é perfeitamente competitivo, se esta hipótese não se verifica (e este é o caso) deve-se
buscar outros fatores, os quais podem ser quantitativa e qualitativamente explicados:
i. A análise de benchmark101 apresenta de forma quantitativa o gap entre os preços
de mercado de um modelo ideal e os preços de mercado verificados na
Califórnia, o que aponta para exercício de poder de mercado por parte dos
agentes geradores;
ii. O abuso de poder de mercado pode ser qualificado, na medida que se verifica
uma falha no desenho do mercado proposto para a Califórnia, nas regras deste
mercado e no aparato regulatório que permitem espaço para jogo.
A crise leva a crer que o modelo de reestruturação da Califórnia não foi bem
sucedido, entretanto, isto não significa que o processo deva ser abandonado. É importante
considerar que as mudanças na tecnologia dessa indústria não transformam fundamentalmente um
setor com características de monopólio natural para um setor caracterizado por ausência total de
monopólio, daí o fato do segmento de geração apresentar características de oligopólio e o
investimento ser fator crucial para inserir a competição (Joskow, 2000). Neste formato, é necessário
regular os preços e, ao mesmo tempo, permitir um gerenciamento de riscos, o que chama a atenção
para a convivência de segmentos regulados e não-regulados ao longo da cadeia dessa indústria.
Também as políticas de liberalização de uma indústria com tais características se tornam
insustentáveis sem um claro desenho regulatório. Uma vez que a característica não estocável do
produto energia elétrica, associada à elasticidade preço da demanda muito baixa, faz com que o
investimento se torne variável chave para este modelo, uma vez que a competição deve ser pautada
em excesso de oferta (ou pelo menos na ausência de escassez)102. Em situação em que exista uma
grande dependência da expansão da oferta, o modelo não pode ser demasiadamente complexo, as
regras precisam ser claras e críveis, caso contrário se tornam instrumentos indesejáveis de barreira à
entrada.
O que se pode concluir é que o desenho de mercado da Califórnia é ainda pior do que
o próprio modelo regulatório, e que a crise poderia ser evitada. Assim, dado que há um modelo
101 O primeiro trabalho nessa vertente foi publicado por Klemperer & Meyer (1989), seguido de Green & Newbery(1992) e outros.102 Os países que vem apresentando razoável sucesso nos seus modelos de mercado apresentam, sem exceção, umexcesso de oferta na geração de energia elétrica. Este fator é forte componente para explicar a competição na indústria. A grande questão que vem sendo colocada é de como inserir mecanismos sinalizadores para os investimentos, pois até hoje nenhum modelo de mercado conseguiu esta façanha. As condições de excesso de oferta de todos os países que apresentam tais características foram determinadas antes da reforma ou em situações atípicas de mercado, como oexcessivo aumento dos lucros na Inglaterra, devido à prática de poder de mercado antes da nova reforma.
121
institucional e um aparato regulatório favorável ao uso unilateral de poder de mercado, um novo
desenho de mercado se faz necessário para criar as condições para a competição (Joskow, 2000).
A experiência internacional acrescenta algumas características importantes àquelas
apresentadas no Capítulo 4. Tais características são resultados do processo de aprendizado
observado na implementação do modelo de mercado. Uma análise ex-post, pós reforma, como está
sendo feita agora, pode acrescentar variáveis de extrema relevância na definição de um aparato
institucional para a IEE, ou seja, a definição da estrutura de governança para a indústria como um
todo precisa considerar alguns fatores chaves não mencionados nos modelos básicos anteriormente
apresentados:
i. é necessário construir um modelo de mercado pautado em três tipos de
contratos para que haja dinâmica no mercado. Os contratos a termo, os
contratos futuros e os contratos bilaterais asseguram sinais para investimentos e
gerenciamento de riscos por partes dos agentes, além disso, em determinadas
circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado;
ii. é de extrema relevância para este mercado a introdução do demand side
bidding, pois contribui para reduzir a volatilidade dos preços, favorecendo
investimentos e coibindo o exercício de poder de mercado;
iii. é necessário um desenho adequado para o mercado spot, para que a competição
tenha dinâmica, sem permitir abuso de poder de mercado;
iv. o operador (ISO) deve ser monitorado cuidadosamente, devido às
características de economia de coordenação que este apresenta juntamente com
o pool, a fim de evitar perdas de eficiência;
v. é importante haver coordenação entre o mercado de gás e o mercado de
eletricidade;
vi. é importante a manutenção de encargo de capacidade e obrigatoriedade de
investimentos em serviços ancilares;
vii. é necessário exigir o respaldo físico de energia, para reduzir os riscos aos
consumidores e aos próprios agentes;
viii. O acesso a rede deve ser livre e indiscriminatório sem poder aos agentes;
ix. é imprescindível não permitir verticalização entre geradoras e transmissoras e
geradoras e comercializadoras;
x. é imperativo adotar mecanismos de incentivo e de hedge.
122
A crise na Califórnia mostra claramente um desenho pobre do mercado, um aparato
regulatório frágil e, sobretudo, uma implementação inadequada do que havia sido proposto. Tal
fator, somado aos problemas inerentes a esse tipo de indústria levou às últimas conseqüências as
falhas de mercado e de mecanismos regulatórios, exigindo uma nova formatação do modelo.
Atualmente, a Califórnia apresenta um bom desempenho em termos de oferta, tal desempenho se
deve a uma intervenção maior do órgão regulador na indústria. Além disso, o estado detém a
transmissão e a posse de algumas distribuidoras. O objetivo inicial foi o de criar um ambiente de
competição na geração e na comercialização de energia elétrica, a fim de reduzir os preços cobrados
aos consumidores finais. Dada a recente “reforma da reforma”, houve um certo recuo do modelo de
mercado para um modelo com maior grau de intervenção. Por razões já apresentadas,
principalmente no que se refere a imaturidade do processo de reforma, o objetivo de eficiência, no
sentido econômico, ainda não foi alcançado.
O caso da Califórnia pode trazer importantes lições, uma vez que, partindo dos
pressupostos da teoria econômica, em particular da Organização Industrial, verifica-se que do ponto
de vista qualitativo o mercado por si só não oferece condições suficientes para a competição. Neste
caso, faz-se necessário um modelo substituto ou complementar, como é o caso de mecanismos de
incentivo que podem ser importantes para estimular a competição e mitigar as imperfeições do
mercado. Além disso, é importante que haja um aparato regulatório eficiente nesse desenho, seja do
ponto de vista da regulação da estrutura, seja do ponto de vista da conduta (defesa da concorrência).
O que importa observar, principalmente para a IEE em particular, é que as características da
indústria é que vão determinar os instrumentos (ou governança) adequados para o seu desempenho.
No caso da IEE, está claro que a estrutura de governança a ser estabelecida não determina a
concorrência ou substituibilidade entre os mecanismos acima apresentados (mercado, incentivos e
regulação) e sim da complementaridade destes elementos, o que sugere uma estrutura híbrida de
governança.
O principal argumento da literatura sobre a Califórnia centra-se na incapacidade que
o órgão regulador possui de detectar o exercício de poder de mercado, uma vez que os instrumentos
regulatórios são insuficientes para conter o abuso. Tendo em vista a dificuldade de se provar tais
evidências, a estrutura de governança do mercado atacadista contribuiu para o problema, uma vez
que os dirigentes do PX defendiam seus próprios interesses. O problema clássico da assimetria de
123
informação e risco moral agregou aos agentes de mercado muito poder, o que fez com que o FERC
mudasse a governança do PX em 2000103.
Atualmente, tanto a Califórnia quanto a Inglaterra vem apresentando um bom
desempenho, e este se deve a um excesso de intervenção no primeiro caso e a um grau maior de
liberdade, no segundo. O mercado da Inglaterra vem-se assegurando, de um lado, pelo excesso de
oferta e, por outro, pela credibilidade que o órgão regulador adquiriu nos últimos anos, com a
intervenção excessiva.
Entretanto, apesar das mudanças inseridas na Califórnia, a experiência de outros
países, inclusive da Inglaterra, deixa claro que não há garantia de que a questão da governança está
resolvida para o modelo de mercado da IEE. Dado o caráter incipiente das mudanças, ainda existe
grande incerteza sobre a conformação do mercado e do aparato regulatório104 que as características
técnicas e econômicas desta indústria irão comportar. A experiência da Noruega demonstra que o
pool requer um desenho cuidadoso, e que a introdução do mercado precisa ser gradual, caso
contrário recorrentes crises podem ocorrer.
Kanh (1995) já chamava atenção para a necessidade de balizar os arranjos
institucionais de determinadas indústrias:
“The conclusion seventeen years later, is essentially the same...industries differ one from the other, and the optimal mix of institutional arrangements for any one of them can not be decided on the basisof ideology alone. The ‘central institutional issue of public utility regulation remains…finding the best possible mix of inevitably imperfect regulation and inevitably imperfect competition’ (Kanh, 1995 in Stoft, 2002)”.
Isto realmente sugere um processo de aprendizado que possa vir a determinar em que
grau a configuração entre mercado e intervenção vai se fazer, o que pode levar um período de
tempo razoável.
103 No Brasil isto também aconteceu, por essa razão, o MAE foi objeto de intervenção por parte da ANEEL. 104 Invariavelmente, os modelos demonstram que o processo de reestruturação possui uma curva de aprendizagem, a qual deve ser percorrida gradualmente. O novo modelo dessa indústria deve ser implementado por meio de um processo de learning by doing, leaning by using e learning by interaction.
124
5.5. Análise da Estrutura de Governança dos Sistemas Elétricos
Reestruturados
De acordo com os principais estudos da experiência internacional de sistemas
elétricos reestruturados, a maioria dos países apresentou problemas na implementação de um
modelo de mercado. Conforme as hipóteses desta tese, o grande problema está na própria
implementação dos modelos propostos e, sobretudo, no desenho inadequado para uma indústria
com características tão peculiares como é a IEE. Por essa razão, com base nos modelos
apresentados no Capítulo 4, este capítulo procura fazer uma comparação entre o que foi proposto
inicialmente para a IEE e o que ocorre efetivamente, com o objetivo de mostrar as principais falhas
dos modelos, principalmente no que se refere à governança. Os desenhos teóricos estão
apresentados nos Quadros 5 e 6, acrescentados do desenho da indústria efetivamente encontrado na
experiência internacional e de uma análise desses modelos.
125
QUADRO 5 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEE E PRINCIPAIS RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
Atividade Características Econômicas Implicações Experiência Internacional ProblemasGeração Economias de escala limitadas
Coordenação e complementaridade com a transmissãoPortfolio de tecnologias
PotencialmenteCompetitivo
Estruturas concentradas na maioriados casos analisados
Abuso de poder de mercado,mesmo com baixo grau de concentração
Transmissão e distribuição
Externalidades de rede; sunk costselevados; economias de escala e de escopo consideráveis; economia de coordenação; déia de bem público (utilities); monopólionatural
Tendência de baixosinvestimentos;Taxa de retorno limitado;Segmento regulado
Grande intervenção do órgão regulador, taxa de retorno limitada e muito baixa na Califórnia
Tarifas altas aos consumidoresfinais, baixa eficiência
Comercialização Sunk costs baixos;Economias de escala limitadas;Barreiras à entrada/saída baixas
Segmento potencialmentecompetitivo
Concentração e verticalização Competição em grau muito baixo e preços altos aos consumidoresfinais
Mercado atacadista; mercado de contratos a termo, bilaterais e financeiros;
Pool de compradores e vendedores Potencialmente dinâmico e altamente competitivo
Alta concentração; falta de transparência; regras complexasgovernança frágil; poucos países apresentam dinâmica nos três modelosde contratos
Preços altos DisputasAbuso de poder de mercado
Operação/despacho Monopólio Segmento regulado Órgão independente, grandes economias de coordenação com o pool governança frágil
Passível de captura
Outros serviços:manutenção de redes e outros serviços(ancilares)Manutenção de Capacidade
Noção de bem público e definição de direito de propriedade;Inexistência de características econômicasespeciais;
Potencialmente competitivo Expostos à competição, participam do mercado atacadista principalmenteapós a “reforma da reforma”
Possibilitam abuso de poder de mercado, disputas e conflitos deinteresses
Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999).
126
As características da indústria de energia elétrica, apresentadas no Quadro 5,
determinam as condições nas quais a definição de um modelo competitivo pode ocorrer, entretanto,
o desenho teórico regulatório e de mercado não garante necessariamente que o desempenho da
indústria vai alcançar os objetivos propostos pelo modelo e pelos formuladores da mudança. É
necessário considerar, em uma análise simples do modelo de Estrutura, Conduta e Desempenho,
apresentada no Capítulo 2, que o desempenho da indústria depende das condutas105 dos agentes
econômicos e estas da estrutura determinada pela indústria. Partindo do pressuposto de que a
estrutura de mercado da IEE tende a ser por definição concentrada106, mesmo em segmentos
potencialmente competitivos (exemplo da geração), o desempenho pode não ser satisfatório. Este
resultado aponta para a necessidade de políticas governamentais que interfiram nessa indústria, seja
por meio da regulação, seja por meio da defesa da concorrência para alcançar os objetivos de
eficiência econômica. O que é preponderante para esta análise é que, de forma alguma, pode-se
desenhar um modelo para uma indústria com características como as apresentadas pela IEE pautado
apenas em mecanismos de mercado. A regulação não pode ser feita apenas do ponto de vista da
estrutura, pois as condutas dos agentes importam muito, em especial quando se trata de uma
tipologia de oligopólio com elevados custos fixos e limites de capacidade, o que reduz a
“contestabilidade” e a rivalidade na indústria, convergindo para uma clara tendência de conluio e
colusão tácita. Esta relação, por sua vez, destaca a importância da defesa da concorrência nessa
indústria e, principalmente, a necessidade de inter-relação entre os instrumentos de regulação e de
defesa da concorrência.
Dada às características econômicas da IEE, principalmente no que se refere a sua
estrutura, o Quadro 6 sintetiza as questões-chave que devem ser consideradas para um modelo de
reestruturação, e os resultados encontrados na experiência internacional.
105 O aprendizado se faz ao longo do processo, o problema é que os agentes tendem a estar à frente do órgão regulador,o que lhes permite ganhos excessivos, além de gerar perda de eficiência na indústria.106 Observando as condições básicas referidas na figura 2 do Capítulo 2, nota-se que a IEE apresenta condições parauma estrutura de mercado altamente concentrada, uma vez que existem fortes barreiras à entrada e à saída, prejudicandoa contestabilidade. Para maiores detalhes, ver Vinhaes (1999).
127
QUADRO 6 – QUESTÕES-CHAVE PARA OS MODELOS E RESULTADO ENCONTRADOS
Questões Chaves para IEE Califórnia Inglaterra Outros Países Implicações
Modelo institucional e seu inter-relacionamento
Modelo frágil, necessidade de reforma pós-crise
Modelo frágil, necessidade de várias reformas
A maioria apresenta fragilidade Lacunas para exercício de poder de mercado e, portanto,ineficiência alocativa
Governança do mercadoatacadista, operador e outras instituições;
Modelo frágil, necessidade de mudança pós-crise
Modelo frágil, necessidade de várias intervenções e reformas
A maioria apresenta fragilidade Lacunas para exercício de poder de mercado, conflito de interesses,captura e ineficiência
Tipo de pool – centralizado ou não Centralizado Central/descentralizado (NETA) A maioria centralizado Necessidade de grande coordenaçãoGovernança separada implicaperdas na otimização
Mecanismo de formação de preços Os preços são muito voláteis, aumentando os riscos e desestimulando os investimentos
Antes da reforma, leilão de últimopreço; após, leilão do tipo price ofbid
A maioria, lances por preços e quantidadeLeilão de último preço
Possibilidade de uso de poder de mercado devido ao leilão de último preço
Mercado spot, bilateral e futuros O bilateral foi introduzido pós-crise, os demais já existiam
Com o NETA os três tipos de contratos foram fortalecidos
A maioria apresenta os três tipos de contratos
Dinâmica no mercado atacadista, sinais para preços e investimentos
Característica da oferta e demanda Demanda inelástica, escassez e retenção de oferta em horários de pico
Demanda inelástica, retenção de oferta em horários de pico
Demanda inelástica, tendência de retenção de oferta emhorários de pico
Geradores têm poder de mercadoalavancado, sobretudo em horáriode pico, mediante estratégias de retenção de oferta
Repartição de riscos entre os agentes
Risco dos agentes Risco dos agentes Risco dos agentes Os agentes querem repassar o risco para os consumidores
Mecanismos de incentivo e de mercado para coibir o poder de mercado
Insuficientes Insuficientes Insuficientes Assimetria de informações,conluio, colusão tácita e abuso de poder de mercado
Transparência nas relações contratuais e regulatórias
Insuficientes Insuficientes Insuficientes Disputas entre o regulador e os regulados e captura
O grau de desverticalização da indústria
Desverticalizadas Desverticalizadas com exceções Desverticalizadas Tendência de reverticalização, altos custos de transação
Despacho e estabilidade dosistema
Pouco estável antes da crise Estável Estável com alguns problemas Pode ocasionar interrupção no fornecimento;Problema com direitos de propriedade e bem público
Transmissão Restrições Restrições Restrições ganhos com rendas de restrições
129
Objetivos da reforma, custos e benefícios
Eficiênciaeconômica
EficiênciaEconômica
Eficiênciaeconômica
Ainda não houve ganhos de eficiência significativos
Objetivos do governo Eficiênciaeconômica
EficiênciaEconômica
Eficiênciaeconômica
Ainda não houve ganhos de eficiência significativos
Objetivos da sociedade e dos investidores
Maximização do lucro ou da satisfação
Maximização do lucro ou da satisfação
Maximização do lucro ou da satisfação
Os agentes em geral estão insatisfeitos
Que modelo a indústria pode adaptar?
Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)
Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)
Menos mercado, mais intervenção (governança híbrida)
O modelo ainda é muito confuso, necessidade de aprendizado
130
O Quadro 5 sintetiza as principais questões a ser consideradas para a reforma da
IEE. As variáveis enumeradas fazem parte de uma estrutura de governança ampla, de um
arcabouço institucional da indústria de energia elétrica, envolvendo seus principais agentes e a
sua relação com o ambiente político e social, na medida que destaca os objetivos do governo e da
sociedade107. As condições-chave apresentadas para essa indústria, com raras exceções, quando
analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado na experiência
internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese. A falha na
estrutura institucional, tanto no aspecto macro da indústria (considerada como um todo), como
no micro, dos principais agentes envolvidos, permite comportamento estratégico e prejudica os
objetivos de eficiência econômica.
Ao observar as características dessa indústria utilizando a abordagem de
concorrência versus monopólio108, considera-se que, no que se refere às falhas de mercado, os
quatro segmentos da indústria apresentam as seguintes características: os segmentos de
transmissão e distribuição possuem um forte componente de bem público, externalidades de rede
e assimetrias de informação, ao passo que os segmentos de geração109 e comercialização
apresentam um certo grau de contestabilidade, por um lado, e possibilidade de uso de poder de
mercado por outro, o que foi provado pela maioria dos trabalhos que utilizaram a teoria dos
jogos.
Do lado da natureza da firma, na abordagem institucional, nota-se que os ativos
possuem um grau de especificidade muito alto, sendo também altas as economias de
coordenação e os custos de transação ao longo da cadeia industrial. Tais características indicam
a necessidade de observar a IEE em uma análise macroanalítica, pois é preciso considerar os
aspectos políticos, legais e institucionais em que a indústria está inserida, ou seja, as chamadas
regras do jogo. A análise microanalitica é também de muita relevância, na medida que apresenta
a forma de contratação e organização do mercado. No caso particular da IEE, o pool é o próprio
mercado, e os contratos nele registrados têm uma governança própria. É importante notar que a
Nova Economia Institucional é um instrumento de grande relevância para explicar os problemas
apresentados pela IEE em termos mundiais, uma vez que a teoria do incentivo, associada à teoria
107 Essa abordagem ampla é feita por Douglas North (1991). 108 A Figura 1, apresentada no Capítulo 2, descreve de forma suscinta essas relações.
131
da agência, e os conflitos resultantes dos direitos de propriedade, por um lado, e a teoria dos
custos de transação na abordagem de governança por outro, completam o modelo teórico para a
análise dessa indústria. Tal modelo é capaz de explicar, em uma abordagem teórica, as razões
institucionais do comportamento estratégico e o uso de poder de mercado ocorrido na maioria
dos modelos apresentados, o que foi percebido na prática, inclusive em trabalhos com aplicação
de teoria dos jogos.
A metodologia parte, portanto, de uma análise do particular para o geral, já que
observa o abuso de poder de mercado no pool, percebendo os seus fundamentos nas falhas do
desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no ambiente
institucional na qual esta se insere. Do ponto de vista teórico, a observação se faz da estrutura de
governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma secundária os
pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um ambiente
macroanalítico (institucional) chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo central
da reforma desta indústria110.
A abordagem microanalítica dos resultados apresentados pela experiência
internacional (Tabela 5), leva à conclusão de que o abuso de poder de mercado no pool é
resultado de uma estrutura de governança mal definida. Esse mercado faz parte de uma estrutura
de governança muito maior e, por meio de uma abordagem macroanalítica, nota-se que o pool é
apenas um dos elementos que compõem um aparato institucional amplo, formado por outros
agentes, como, por exemplo, o órgão regulador, o operador do sistema, o governo, a sociedade e
outros. Neste contexto, cabe observar que, devido às características técnicas e econômicas dessa
indústria, o modelo de reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus
pressupostos, e zelar para que a mudança de uma estrutura de governança pautada em um
modelo verticalizado e estatal com grandes economias de coordenação passem a figurar como
uma estrutura de governança baseada em um modelo competitivo e privado, com elevados custos
de transação, que precisa preservar em grande parte a sua coordenação em benefício da
eficiência econômica111. Daí o importante papel da regulação.
109 O fornecimento de energia elétrica apresenta uma característica interessante: o produto energia tem característicade bem privado, por ser rival e excludente, e o transporte de energia tem característica de bem público, por ser não-rival e não-excludente (Hochstetler, 2002). 110 Este método observa a Figura 1 apresentada no capítulo 2 (de baixo para cima).111 Este trabalho já foi feito por Oliveira (1998).
132
Os modelos de reforma apresentados pelas principais economias estudadas não
pretenderam (e nem poderiam) considerar a governança dos mecanismos de mercado e a
governança dos mecanismos regulatórios concorrentes entre si, e sim utilizá-los de forma
complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa a utilização de uma forma
híbrida de governança112. O principal problema apresentado por este modelo é que a dose
adequada para cada um destes dispositivos ainda não foi encontrada, o que permitiu falhas de
mercado e falhas do modelo regulatório. A experiência tem demonstrado, pelo menos por
aqueles países que vem apresentando algum grau de sucesso, que essa transposição precisa ser
cuidadosa e gradual, pois com o processo de aprendizado que se pode chegar em uma
governança híbrida com doses adequadas de mercado e de regulação.
5.6. Lições e Recomendações
A maioria dos trabalhos aqui mencionados conclui que, na prática, raramente a
competição pela venda de energia entre as empresas geradoras se dá de forma perfeita e
satisfatória, e que isto pode trazer grandes conseqüências no que se refere a domínio de mercado
e manipulação de preços, principalmente pelas empresas geradoras. Assim, tornam-se
necessários alguns requisitos para que os modelos funcionem, e o mais importante é que o
mercado tenha a possibilidade de escolher de quem comprar.
Os autores apontam o que a teoria econômica já afirmara: em um sistema
composto por um número grande de geradores agregados em empresas distintas, as leis de livre
mercado se aplicam e que os preços cobrados tendem ao custo marginal. No entanto, à medida
que os geradores vão sendo incorporados por empresas ou grupos empresariais, tal movimento se
configura em concentração de mercado, o que confere aos agentes grande poder de manipulação.
Por essa razão, a entrada de novos competidores no mercado é um importante fator para eliminar
o exercício de poder de mercado e deve, portanto, ser incentivada.
Dentre as características apresentadas pela IEE, destaca-se a elasticidade preço da
demanda extremamente baixa no curto prazo e a impossibilidade de estoque do produto energia.
Estes fatores foram, sem exceção, apresentados pela literatura internacional como cruciais para
permitir exercício de poder de mercado na indústria. O abuso de poder de mercado se mostrou
persistente em momentos de pico de demanda, quando os geradores puderam jogar com suas
112 Seja do mercado, seja da indústria como um todo.
133
ofertas e pressionar os preços para cima. Vale notar que esse tipo de jogo não fere nenhuma
regra de mercado ou lei antitruste da indústria, uma vez que o exercício de poder de mercado se
faz unilateralmente. Uma empresa geradora com fatia relevante da geração restringe sua oferta
utilizando seu portifolio de geração e pressiona os preços, dado que o preço pago no pool é
baseado na oferta das geradoras (ou no custo marginal da última oferta), o gerador recebe preços
muito acima dos seus custos marginais, sem precisar fazer acordo com nenhum outro gerador – o
processo se faz na realidade, por meio de uma colusão tácita, ou tit-for-tat.113 Por essa razão, fica
difícil para o órgão regulador detectar as ações dos agentes e criar mecanismos regulatórios para
impedi-las. Este fato remete para duas outras possibilidades de desenho: a modificação na
estrutura da indústria e a utilização de mecanismos de incentivo.
No que se refere à modificação na estrutura da indústria, o aspecto axial é o
estímulo aos investimentos, pois se acredita que em condições de excesso de oferta (ou ausência
de escassez) os preços tendem a ser mais estáveis. Para isso, é necessário que o aparato
institucional e regulatório da indústria tenha capacidade de estimular os investimentos.
Entretanto, o que se demonstra na literatura internacional é que, em condições normais, nenhum
dos modelos de mercado apresentados tem a capacidade de sinalizar para os investimentos,
sendo necessário reformá-los para introduzir elementos que produzam tais sinais.
Tendo em vista que o grande problema de desenho desse modelo está relacionado
com a incapacidade do mercado spot de sinalizar para os investimentos. Esta questão remete para
o fato de que os preços são extremamente voláteis no curto prazo, e não oferecem sinais seguros
para a taxa de retorno dos investidores. O comportamento volátil do preço de curto prazo se
explica por dois fatores, basicamente: 1) em sistemas elétricos com grande concentração de
energia hidrelétrica, os preços refletem a própria capacidade de armazenamento dos reservatórios
e as situações hidrológicas; 2) em sistemas elétricos com diferentes portfolios de geração, os
preços tendem a ser voláteis porque os geradores são capazes de manipular seus preços, devido à
trajetória determinística da demanda relacionada ao seu comportamento inelástico no curto
prazo. Logo, os geradores podem jogar com suas ofertas, o que contribui para a volatilidade de
preços. Nesse caso, aumentar o investimento e reduzir a concentração na geração não é um
mecanismo eficaz se for aplicado isoladamente, pois os geradores podem fazer retenção de
oferta. Na realidade, o aumento dos investimentos não garante necessariamente que os preços
113 Enquanto o jogador A se comportar no mercado sem prejudicar o jogador B, este mecanismo tende a permanecerinfinitamente, pois não se trata aqui de um jogo de soma zero.
134
tendam aos níveis competitivos – os casos da Inglaterra e da Califórnia demonstram isso –, pois
mesmo com a redução da concentração e com o aumento da oferta os agentes conseguem espaço
para o exercício de poder de mercado. Faz-se necessário, portanto, reformular o modelo do
mercado spot ou, na impossibilidade de fazê-lo, deve-se criar mecanismos de incentivo para
reduzir esses efeitos. A experiência internacional sugere dois mecanismos de incentivo básicos,
os quais estão associados ao próprio desenho do modelo e ao arcabouço institucional/regulatório
da indústria: a introdução de contratos e de demand side bidding, os quais tem contribuído em
grau significativo para estimular os investimentos e reduzir o uso de poder de mercado.
Em primeiro lugar é necessário que a demanda tenha uma participação mais ativa
no mercado, não ficando na estrita dependência da oferta, e para isso a introdução do demand
side bidding se mostra pertinente, pois, conforme já mencionado, a inelasticidade da demanda,
principalmente no curto prazo, sinaliza para os geradores uma trajetória determinística,
possibilitando jogar com suas ofertas. O mecanismo proposto para o modelo reduz em certo grau
a inelasticidade da demanda, uma vez que tem a capacidade de capturar a sensibilidade dos
agentes em termos de preços, na medida que estes podem gerenciar sua própria demanda. Tal
modelo apresenta duas vantagens: com os agentes mais sensíveis aos preços e participando do
processo de formação de preços no pool, reduz-se a margem de manobra dos geradores na
determinação dos preços, mitigando o poder de mercado e a volatilidade no preço spot; por sua
vez, a redução da volatilidade nos preços do mercado spot pode emitir sinais positivos para os
investimentos.
Em segundo lugar, é conveniente introduzir contratos, pois a experiência tem
demonstrado a necessidade de se desenhar um modelo de mercado pautado em três tipos de
contratos para que haja dinâmica no mercado. Os contratos a termo, os contratos futuros e os
contratos bilaterais, a depender do formato regulatório e da dinâmica do mercado, asseguram
sinais para investimentos e gerenciamento de riscos por partes dos agentes; além disso, em
determinadas circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado.
Devido às características estruturais da IEE, a prática de preços de curto prazo é
insustentável no longo prazo, na medida que torna os preços da energia elétrica muito voláteis,
esta situação se agrava em sistemas hidrotérmicos. Como a tecnologia empregada nessa indústria
apresenta elevada proporção de custos fixos, os custos marginais podem ser menores do que os
custos médios das empresas. O mecanismo de formação de preços do pool, para a maioria dos
modelos analisados, está baseado nos preços marginais de curto prazo, o que prejudica
sensivelmente a possibilidade de expansão da oferta e a própria competição, haja vista que novos
135
agentes não estarão dispostos a entrar em um mercado cujos preços estão abaixo dos seus custos
médios. Por essa razão, dentre outros fatores, a IEE apresenta uma característica altamente
cíclica nos níveis de investimentos (Hochestetler, 2002)114. Segundo este autor, com a prática
dos preços abaixo do custo marginal de expansão (custo marginal de curto prazo ou custo médio
de curto prazo), os novos investimentos são inibidos, impedindo que a oferta acompanhe a
demanda, o que pode provocar desabastecimento e elevação de preços no curto prazo115. Tal
preço estimula os investimentos, os quais voltam a cair quando a oferta alcança os mesmos
níveis da demanda e o preço de curto prazo também volta a cair. Por outro lado, os preços de
longo prazo proporcionam uma sinalização em tempo adequado para promover a expansão da
oferta antes que o mercado indique escassez de energia e riscos de desabastecimento. Tais preços
são mais estáveis e reduzem os riscos para os investidores.
Os contratos possuem mecanismos naturais que contribuem para a sinalização dos
investimentos, na medida que podem ser formatados contratos com prazos mais longos, que
sinalizam preços mais estáveis, além de servir de mecanismos de hedge tanto para os
compradores como para os vendedores. Os três modelos de contratos apresentados anteriormente
têm grande chance de solucionar os problemas tanto no curto como no longo prazo, pois tanto os
contratos bilaterais, a termo ou financeiros podem ter seus prazos determinados de várias formas,
de acordo com a dinâmica do próprio mercado.
Os países que apresentaram algum sucesso na introdução do modelo de mercado
para IEE invariavelmente possuem mecanismos de contratos, os quais são extremamente
dinâmicos. O relativo sucesso da reforma da Califórnia após a crise está em grande parte baseada
nesse mecanismo. A Inglaterra é também um exemplo, bem como a Noruega e a Argentina.
Vale lembrar que introdução dos dois mecanismos de incentivo apresentados pode
reduzir os principais problemas encontrados na IEE. Entretanto, se utilizados isoladamente
podem não produzir resultados eficientes. É necessário que o desenho institucional e regulatório
da indústria esteja bem amarrado, ou seja, que a estrutura de governança esteja bem definida,
pois caso contrário os problemas podem permanecer. Os casos recentes de “reforma da reforma”
da Califórnia e da Inglaterra servem como lição, tendo em vista que foi preciso fazer um novo
desenho de mercado com base no aprendizado dos problemas enfrentados durante o processo de
implementação da reforma –, e mesmo assim não existe garantia de sucesso.
114 Ford (1999, 2001) simula o mercado da Califórnia e apresenta os ciclos de investimentos para esse mercado.115 Isso aconteceu recentemente na Califórnia e no Brasil.
136
Com base nos resultados recentes das reformas, o Quadro 6 apresenta algumas
recomendações para o arcabouço institucional e regulatório da IEE em um contexto geral.
Destacam-se algumas questões-chave para o desenho regulatório e institucional do novo modelo
da IEE, conforme apresentado no Quadro 6 e reformulado no Quadro 7 a seguir:
QUADRO 7 – QUESTÕES-CHAVE, PROBLEMAS E RECOMENDAÇÕES
Questões Chaves para IEE Problemas Encontrados RecomendaçõesModelo institucional e seu inter-relacionamento
Lacunas para exercício de poder de mercado e, portanto, ineficiênciaalocativa
Redesenho da estrutura de governança para contornar as imperfeições no relacionamento entre as instituiçõesque compõem a indústria
Governança do mercado atacadista, operador e outras instituições
Lacunas para exercício de poder de mercado, conflito de interesses,captura e ineficiência
A estrutura de governança deve ser revisada, mecanismos de incentivo devem ser adotados, como, por exemplo, câmara de arbitragem e monitoramento por parte do órgão regulador
Tipo de pool – centralizado ou não Necessidade de grande coordenação, problemas de otimização
A interação entre o mercado spot e o operador independente é muitoimportante para que não haja perda de coordenação e de eficiência
Mecanismo de formação de preços Preços muito voláteis, aumentando os riscos e desestimulando os investimentos
Um mecanismo de leilão do tipo priceof bid, com ofertas firmes, comoadotado na Inglaterra
Mercado spot, bilateral e futuros Dinâmica no mercado atacadista, sinais para preços e investimentos
O mecanismo de demand side biddingaliado aos três modelos de contratostornam o pool mais dinâmico e menosvolátil.Além disso, é importante que o operador do sistema participeativamente do pool para contrabalançar a oferta e a demanda
Característica da oferta e demanda Os geradores têm poder de mercadoalavancado principalmente em horário de pico, utilizando estratégias de retenção de oferta
A dinâmica do demand side biddingcorrige em certo grau a inelasticidade da demanda, e os geradores perdemmargem de manobra para utilizar poder de mercado.Já os contratos reduzem em grande grau a possibilidade de exercício depoder de mercado, além de estabilizar os preços de curto prazo
Repartição de riscos entre os agentes
Os agentes querem repassar o riscopara os consumidores
Os contratos são importantesmitigadores de riscos
Mecanismos de incentivo e de mercado para coibir o poder de mercado
O abuso de poder de mercadopermanece
O aparato regulatório desenhando inicialmente não foi capaz de detectaro abuso de poder de mercado. Os mecanismos de incentivo dos contratos e a dinâmica do demand sidebidding são instrumentos importantes
Transparência nas relaçõescontratuais e regulatórias
Disputas entre o regulador e os regulados e captura
As regras precisam ser claras e críveis, caso contrário sobra espaço para jogo e se tornam instrumentos de barreira à entrada
O grau de desverticalização da indústria
Tendência de reverticalização, custos de transação altos
A regulação não pode permitirintegração entre G-T e G-C. Tal concentração aumenta o poder de mercado e traz ineficiência para a indústria
Despacho e estabilidade do sistema Pode ocasionar interrupção no Necessidade de interação ente o
137
fornecimento. despacho comercial e o despacho físico, para que não haja risco de desabastecimento.Necessidade de inserir serviçosancilares e encargo de capacidade de forma dinâmica no mercado.
Transmissão Ganhos com rendas de restrições A expansão das redes de transmissão é condição necessária para a competição, pois a formação de submercados estabelece mercadorelevante para alguns agentes, que podem utilizar poder de mercado.
Objetivos da reforma, custos ebenefícios
Ainda não houve ganhos de eficiênciasignificativos
Os resultados de eficiência virão como tempo, resultantes dos erros e acertos da reforma
Objetivos do governo Ainda não houve ganhos de eficiênciasignificativos
O governo precisa deixar claros seus objetivos, levando em conta que fatores ideológicos e sociais podemprejudicar o caminho a seguir
Objetivos da sociedade de dosinvestidores
Os agentes em geral estão insatisfeitos Cabe ao regulador balizar os interessesdos agentes consumidores e investidores, o que não é uma tarefasimples
Que modelo a indústria podeadaptar?
O modelo ainda é muito confuso; há necessidade de aprendizado
Há fortes sinais que a IEE vai se adaptar em um modelo misto, em umaestrutura de governança híbrida. Cabedeterminar em que grau deve permanecer os mecanismosregulatórios e de mercado
Fonte: Elaboração própria.
As recomendações propostas no Quadro acima estão baseadas nos modelos de
mercado que vem apresentando relativo sucesso. Para o caso da Inglaterra, em particular, o pool
foi descentralizado e a participação no mercado é voluntária, o que pode ser uma boa alternativa
em sistemas que possuem relativa sobre-oferta e cujo órgão regulador dispõe de credibilidade.
Entretanto, conforme apresentado por Sweeting (2000), o modelo inglês apresenta imperfeições,
como, por exemplo, o fato dos negócios a jusante do mercado atacadista permanecerem
concentrados. Além disso, a concentração dos negócios em contratos bilaterais possue a
desvantagem de trazer pouca liquidez para o pool.
Neste contexto a redução de poder de mercado só será efetivada se a estrutura de
mercado for menos concentrada e as regras se tornarem menos complexas, pois as regras
propostas pela NETA permanecem muito complexas. Na mesma linha, o órgão regulador inglês
chama a atenção para as características da IEE, em especial a característica inelástica da
demanda associada à necessidade de compatibilizar oferta e demanda a todo instante, e a
complexidade das regras de estabelecimento de preços no pool. Tais fatores tornam difícil
diferenciar a elevação de preços que decorre de condições normais do mercado, daquelas que
surgem como resultado de abuso de poder econômico. Além disso, argumentam que mudanças
138
nas regras do pool podem ser efetivas para lidar com determinadas práticas, contudo,
freqüentemente, estas práticas reaparecem sob formas diferentes.
Os documentos da OFGEM apontam ainda que outras legislações como o
Competition Act e o Financial Services and Markets ACT que tratam da regulação dos arranjos
financeiros de compra e venda de energia no NETA, apesar de complementares não são
suficientes para tratar da possibilidade de abuso de poder de mercado. Além da grande
dificuldade de se identificar dentre as condutas dos geradores, aquelas que são de caráter
abusivo, certas condutas anticompetitivas específicas, são difíceis de ser tratadas por meio de
mudanças na regulação (risco de sobre-regulação). O órgão regulador inglês conclui que a
aplicação da análise antitruste pautada na idéia de dominação de mercado se mostra inadequada
para lidar com condutas anticompetitivas no setor elétrico. Dessa forma se faz necessário criar
mecanismos institucionais internos à agência que permitam que estas assumam papel pró-ativo
na aplicação da defesa da concorrência.
Do lado da Califórnia, a crise mostrou claramente que um desenho pobre do
mercado, um aparato regulatório frágil e, sobretudo, uma implementação inadequada do que
havia sido proposto, somado aos problemas inerentes a esse tipo de indústria pode levar às
últimas conseqüências as falhas de mercado e de mecanismos regulatórios, exigindo uma nova
formatação do modelo, conforme mencionado. Considerando-se os mecanismos já apresentados
no Quadro 4, a experiência da Califórnia sugere mais algumas recomendações:
níveis mínimos de contratação – o agente regulador determina quantidades
(níveis) de contratação que os agentes geradores devem ter com os agentes de
consumo, de forma a reduzir a energia a ser comercializada no mercado spot e,
portanto, diminuir o potencial de manipulação de mercado116;
coordenação entre o mercado de gás e o mercado de eletricidade;
importância da manutenção de encargo de capacidade e obrigatoriedade de
investimentos em serviços ancilares;
exigência de respaldo físico de energia, para reduzir os riscos aos
consumidores e aos próprios agentes;
116 Esse efeito foi detectado por Barroso (2000), inicialmente, em um modelo de mercado estático e em seguidaincorporando-se a dinâmica temporal do processo, simulando um modelo de mercado por meio de um procedimentode programação dinâmica estocástica. Em ambos foi verificada a eficiência da utilização de níveis de contratação como mecanismo para minimizar o poder de mercado. Concluiu-se que um nível de contratação adequado poderia eliminar todo o poder de mercado, convergindo o despacho centralizado para uma solução de mínimo custo. Estemodelo está sendo inserido na IEEB por recomendação do Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico.
139
O acesso à rede deve ser livre e indiscriminatório para todos os participantes
do mercado, de modo que não se permita poder de mercado por parte de
alguns agentes;
5.7 - Conclusões
A experiência internacional descrita nesta segunda parte do trabalho indica os
principais temas que serão tratados para o caso brasileiro, objetivo geral da proposta desta tese.
Tendo em vista que os principais problemas mencionados pelos diversos autores que estudaram
os modelos de mercado de energia elétrica mundiais estão associados às regras do próprio
mercado e da estrutura de governança, infere-se que a má formulação de tais modelos permite o
uso de poder de mercado por parte dos agentes, ocasionando falhas e dificuldades de
implementação de mecanismos regulatórios e de mercado na indústria de energia elétrica.
Devido às características técnicas e econômicas da IEE, o modelo de
reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus pressupostos e zelar para que a
passagem de uma estrutura de governança verticalizada e estatal, com grandes economias de
coordenação, para uma estrutura de governança privada e potencialmente competitiva, necessita
preservar em grande parte a sua coordenação em benefício da eficiência econômica. Tal
conclusão aponta para o importante papel da regulação. Além disso, é de extrema relevância
considerar as particularidades de cada país e de cada indústria, pois estes fatores são
preponderantes na hora de se adotar um modelo. Cita-se o caso da Argentina, que embora tenha
copiado o modelo inglês, implementou mecanismos diferentes para obedecer às especificidades
de sua indústria.
Observa-se aqui que os modelos de reforma apresentados pelas principais
economias estudadas não objetivaram considerar a governança dos mecanismos de mercado e a
governança dos mecanismos regulatórios concorrentes entre si, mas, em vez disso, utilizá-los de
forma complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa a utilização de uma
forma híbrida de governança. O principal problema apresentado é que a dose adequada para cada
um destes dispositivos ainda não foi encontrada, o que permitiu a ocorrência de falhas de
mercado e falhas do modelo regulatório. A experiência dos países que apresentaram algum grau
de sucesso indica que essa transposição precisa ser cuidadosa e gradual, pois com o processo de
aprendizado é possível chegar a uma governança híbrida, com doses adequadas de mercado e de
regulação.
140
As experiências internacionais apresentadas podem trazer lições para o caso
brasileiro, em especial para o fato de que regras mal formuladas podem abrir espaço para jogo. A
partir dessas premissas, o trabalho proposto tem por objetivo analisar o caso brasileiro, que passa
por um processo de implementação do modelo de mercado ponteado por dificuldades. Citam-se,
a priori, cinco características que vêm criando dificuldades adicionais para a introdução de
pressões competitivas no mercado elétrico brasileiro:
elevada participação da geração hidrelétrica na matriz de geração;
presença de fortes diferenças regionais formação de submercados;
configuração do sistema de transmissão;
necessidade de forte expansão da oferta do sistema; e
subdesenvolvimento do mercado de gás natural.
Estes e outros elementos serão discutidos nos próximos capítulos.
141
CAPÍTULO 6 - O MODELO INSTITUCIONAL DA INDUSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA BRASILEIRA E A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA
6.1. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica
Os setores de infra-estrutura formados por rede, como é o caso das
telecomunicações, gás natural, água e energia elétrica apresentam condições econômicas
específicas e particulares, diferenciando-se dos demais setores da economia. Destaca-se o fato de
a oferta ocorrer concomitantemente com a demanda, não havendo, portanto, possibilidade de
estocar o produto. A indústria de energia elétrica, em particular, apresentou até meados dos anos
oitenta, características de origem econômicas e tecnológicas que refletem na especificidade de
seus ativos, na sua estrutura organizacional, na gestão interna, financeira e institucional,
tornando-a tipicamente monopolista. Pelo fato de a produção, o transporte e a distribuição de
energia elétrica terem apresentado, até este momento, características de atividade altamente
intensiva em capital, exigiu-se que os elevados investimentos fossem realizados pelo Estado.
Uma exceção é o mercado dos EUA, onde a indústria de energia elétrica apresentava, até a
reforma nos anos 80, características de monopólio privado.
A supremacia do modelo estatal e monopolizado do setor elétrico era explicada
principalmente pela importância das economias de escala, pela grande coordenação entre seus
segmentos, na obrigação de fornecimento e por um cenário de grande crescimento da demanda,
sem o necessário acompanhamento da oferta. Neste setor, as atividades economicamente
monopolistas, como é o caso da transmissão e distribuição de energia elétrica, foram
desenvolvidas em conjunto com segmentos potencialmente competitivos, no caso a geração e a
comercialização. Tais atividades foram consideradas até então monopólios, dada a estrita
dependência entre os quatro segmentos da indústria, em que a atividade de geração necessita do
acesso às redes de serviços de transmissão e distribuição para que seu produto seja fornecido. Tal
fato demonstra a necessidade de grande estrutura de coordenação na indústria, e de integração
vertical entre seus segmentos (Pontes, 1998).
Entretanto, no final da década de 1980, uma série de fatores tecnológicos e
econômicos contribuiu para o processo de reforma da indústria de energia elétrica, na maioria
dos países. Dentre eles, destaca-se a tecnologia de ciclo combinado das usinas termelétricas, que
143
aumenta a produtividade de unidades geradoras menores e mais flexíveis; e, ainda, as tecnologias
de produção das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)117.
Nota-se que a partir dos anos 90, principalmente, a construção de novas usinas
com tecnologia moderna passou a ser economicamente mais atraente do que a operação de
usinas antigas, mesmo aquelas já amortizadas. Por conseqüência, houve um crescente
movimento de investimentos em usinas de pequeno porte, com custos mais baixos e maior
eficiência, resultando em preços menores. As pressões competitivas, aliadas à incapacidade de
investimento do setor público das principais economias mundiais, permitiram questionamento,
por parte do Estado, aos monopólios de serviços públicos. Por outro lado, no caso dos Estados
Unidos, onde o setor já era privado, a ineficiência do sistema regulatório trouxe ao debate a
necessidade de reformulação dos modelos regulatórios. Por essa razão, a geração de energia
elétrica deixou de ser monopólio natural. O segmento de comercialização de energia, sempre
acoplado à atividade de distribuição, passou a ser reconhecido como um setor potencialmente
competitivo, exigindo, portanto, a separação entre a distribuição e a comercialização, na maioria
dos países que introduziram a reforma. Nesse sentido, as duas pontas da cadeia da indústria
geração e comercialização foram reconhecidas como segmentos potencialmente competitivos
e, portanto, sujeitos às pressões de mercado (De Oliveira, 1998).
Nessa perspectiva, os principais modelos do setor elétrico mundial passaram por
um processo de reforma, com os Estados Unidos na condição de pioneiros, seguidos da
Inglaterra, Chile, França, Argentina, Noruega, China, Colômbia, Brasil e outros. Tais países,
embora apresentem peculiaridades, seguiram filosofias similares no que se refere à privatização,
regulamentação e introdução da competição. Entretanto, as mudanças vêm sendo questionadas
devido às dificuldades de introduzir competição e ao alcance tímido da eficiência econômica. É
nesse contexto que se insere a análise da indústria de energia elétrica brasileira que, embora não
tenha implementado totalmente o modelo proposto, vem apresentando uma série de problemas
desde a sua estrutura institucional até as dificuldades de funcionamento do mercado.
6.2. Características Gerais da Indústria de Energia Elétrica Brasileira
A reforma da indústria de energia elétrica brasileira, embora inspirada pelo
modelo inglês, apresenta grandes peculiaridades, tendo em vista que mais de 90% da geração de
117 Os países que apresentam predomínio de fonte hidráulica na matriz energética percebem menos as mudançastecnológicas dada a maturidade da tecnologia desta fonte.
144
energia elétrica é hidráulica. Dada a localização dos grandes reservatórios e a extensão do país,
tal sistema apresenta um modelo de despacho centralizado e otimizado, e devido a objetivos de
eficiência econômica, opera com usinas térmicas complementares, fazendo o despacho
econômico, ou seja, despachando as usinas por ordem de mérito. A caracterização
predominantemente hidráulica do parque gerador brasileiro traz conseqüências importantes ao
próprio modelo de formação de preços da energia elétrica, uma vez que às empresas geradoras é
concedido o direito de declaração de oferta via quantidade, sendo o preço calculado por um
modelo computacional118. Tal característica difere da maioria dos países que adotaram um
modelo de pool, onde os geradores declaram preços e quantidades (Silva, 2001).
As peculiaridades da indústria de energia elétrica brasileira explicam a
sobrevivência do monopólio estatal e regulado que permaneceu por mais de trinta anos. Observa-
se que antes da reforma, a maioria dos segmentos da indústria pertencia ao poder público: a
geração e transmissão eram regidas por empresas estatais federais e estaduais; ao passo que a
distribuição, acoplada com a comercialização, era de propriedade estadual e municipal.
Dentro os diversos objetivos estruturais mencionados, o processo de reforma
institucional, iniciado em meados dos anos 90, tinha como objetivo básico assegurar os
investimentos privados na expansão da oferta de energia elétrica, diante da perspectiva de
crescimento do mercado e da percepção da incapacidade do Estado em atender a escala de
investimento necessária para suprir a demanda considerando-se ganhos de eficiência econômica
do setor. Os objetivos de competição nos segmentos potencialmente competitivos e a regulação
nos segmentos com características de monopólios naturais, como nos demais países, vêm
orientando a reforma do setor e sinalizando possíveis ganhos de eficiência. Entretanto, o
relacionamento entre os quatros segmentos da cadeia industrial pode trazer dificuldades na
implementação do modelo e inibir os resultados esperados, uma vez que o modelo precisa
coexistir com uma forte coordenação entre segmentos regulados e não-regulados.
Nesse contexto, a implementação da reforma na indústria e o alcance dos
objetivos de competição requerem um equacionamento importante no aparato regulatório. Isso
significa que a regulação da indústria envolve um escopo de regulação em um sentido amplo, o
qual deve ter alcance em medidas preventivas e reativas ao comportamento dos agentes
participantes da indústria. A relação estreita da regulação da estrutura e da regulação da conduta
chama a atenção para um modelo regulatório que incorpora dois instrumentos: a regulação ativa,
118 Newave; Decomp e Dessem.
145
no sentido estrito, dos monopólios naturais e a defesa da concorrência, reativa, dos segmentos
potencialmente competitivos. Tal aparato deve ser resultado da adoção de medidas que
possibilitem uma relação institucional entre o órgão regulador setorial e a política antitruste do
país. Por essa razão, a formação de novas instituições torna-se ponto chave na reforma do setor.
A estrutura atual da indústria de energia elétrica brasileira é formada pelos
seguintes atores: as grandes empresas geradoras, normalmente com diversas plantas de grande
porte; os pequenos geradores com plantas de pequeno porte; as usinas termelétricas a carvão, que
atuam para complementar o sistema; as usinas termelétricas a gás, independentes; os grandes
consumidores; as comercializadoras; e as empresas distribuidoras, que fornecem o serviço de
rede e atendem aos consumidores cativos. Além desses agentes, há também o órgão regulador,
que exerce papel importante na regulamentação da indústria; o Operador Nacional do Sistema,
que faz o despacho centralizado da energia física; e o Mercado Atacadista de Energia Elétrica
(MAE), que faz as transações comerciais entre os agentes compradores e vendedores. Destaca-se
o importante papel do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e do Comitê
Coordenador do Planejamento de Expansão do Sistema – CCPE, 119 que fazem, respectivamente,
a política e o planejamento da indústria. Observa-se que a ANEEL, além de exercer a função de
órgão regulador, é o próprio poder concedente do setor, fazendo concessão e autorização aos
agentes econômicos para atuarem nos quatro segmentos da cadeia produtiva da indústria120.
O Mercado Atacadista de Energia Elétrica – MAE121, do qual participam as
centrais elétricas com capacidade igual ou superior a 50 MW e as comercializadoras cujos
volumes de vendas representam 300GWh/ano, utiliza um conjunto de modelos de simulação e
otimização para determinar ex-ante tanto o preço de comercialização da eletricidade no mercado
spot quanto as quantidades a serem produzidas pela maior parte dos geradores. A otimização não
atinge todas as centrais, porque existe a possibilidade de centrais térmicas optarem entre
participar ou não desse sistema, ou seja, declarar se são ou não flexíveis. As térmicas inflexíveis
decidem o seu próprio despacho e declaram seus preços. Para o pool, a declaração consiste no
fornecimento de parâmetros técnicos e econômicos122 por parte das centrais geradoras para que o
119 O Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos foi criado pela Portaria no 150, de 10/05/99, emitida pelo Ministério de Minas e Energia, órgão responsável pela política do sistema elétrico. Suas principais funções: determinar a expansão da transmissão; indicar a expansão da geração; projetar a demanda e a oferta futura e atualizar asinformações do potencial energético do país.120 Essa atribuição é controversa, devido à possibilidade de captura. 121 O MAE, importante objeto de estudo deste trabalho, será analisado de forma mais detalhada no próximo capítulo. 122 Os principais parâmetros são: eficiência térmica, disponibilidade e custo do combustível das centrais flexíveis; comportamento do preço dos combustíveis em médio prazo; disponibilidade das centrais, situação dos reservatórios e afluxo deágua, no caso das centrais hidráulicas; disponibilidade e programa de geração, no caso das centrais térmicas flexíveis; taxa de
146
MAE possa operar o algoritmo de um modelo de despacho hidrotérmico, cuja função objetiva é
atender a demanda prevista de eletricidade ao menor custo de operação do parque gerador. As
usinas hidrelétricas e as usinas termelétricas flexíveis operam em regime complementar: o uso
econômico da água acumulada nos reservatórios é distribuído ao longo do tempo e a produção
adicional de energia das térmicas é determinada, a fim de atender a demanda prevista.
Para garantir uma maior estabilidade ao sistema, que historicamente vem sendo
operado para garantir o uso eficiente dos recursos energéticos de base hídrica, o modelo atual
instituiu o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)123, que tem por objetivo garantir a
viabilidade financeira das centrais hidráulicas. Tal mecanismo possui regras pré-estabelecidas
que determinam a redistribuição de energia, de tal forma que cada uma das centrais participantes
tenha garantido pelas demais uma quantidade de eletricidade para comercializar, mesmo nos
períodos de baixa hidraulicidade na sua região. O mecanismo se faz desta forma: caso a
produção total do MRE seja menor que o total da energia assegurada do sistema, a energia
gerada é distribuída entre as usinas de forma proporcional ao certificado de energia assegurada
de cada usina participante do sistema. Caso contrário, o excedente, denominado energia
secundária, é alocado entre as geradoras. Esse serviço é remunerado por um encargo baseado na
tarifa de otimização, estabelecido pelo órgão regulador, que deve cobrir a remuneração pelo uso
dos recursos hídricos, os custos variáveis das usinas, os encargos e tributos sobre a produção.
O modelo comercial do mercado de energia elétrica foi desenhado para que os
compradores e vendedores estabelecessem seus negócios livremente. Para isso foi criado o
Mercado Atacadista de Energia Elétrica, que possui as seguintes funções:
definir o preço de mercado (spot) para a energia elétrica de modo a refletir o
custo marginal do sistema;
criar um ambiente de mercado multilateral, onde os agentes possam
comercializar a energia livremente entre si;
oferecer condições para a comercialização da energia não contratada ou spot;
fazer a medição comercial, a contabilização e a liquidação da energia
transacionada;
desenvolver e aperfeiçoar as regras de mercado;
desconto a ser utilizada nos cálculos de valor presente; custo do déficit de suprimento; os indicadores que dinamizarão os modelos de previsão da demanda de energia em períodos futuros. 123 Artigo 14 da Lei n. º 9.648/98. Muitos agentes admitem que o MRE desconfigura a característica de mercado da IEEB, pois omodelo fica praticamente sem fundamento de mercado.
147
criar um mecanismo para monitoramento do comportamento dos agentes no
MAE.
Ressalte-se que os objetivos da reforma da IEEB foram inspirados na experiência
internacional, em particular, no modelo inglês. Entretanto, algumas peculiaridades da indústria
brasileira foram respeitadas, visando adaptá-la ao modelo de mercado. Dessa forma, o desenho
do modelo do setor elétrico brasileiro exigiu um arcabouço institucional e regulatório
extremamente complexo, e um período de implementação lento e incompleto, o que contribui
para a recente crise de abastecimento dessa indústria e a necessidade de reformular o modelo que
ainda estava em processo de implementação. A próxima seção apresenta o modelo institucional
da IEEB, sua performance e as principais situações de contorno do modelo.
6.3. O Modelo Institucional da IEEB e a Estrutura de Governança
6.3.1. O Modelo da IEEB e as Relações Institucionais
Conforme apresentado para a experiência internacional a IEE em um contexto
geral possui características chaves que devem ser consideradas quando da sua reforma. Tendo
em conta que o objetivo da IEEB não difere muito dos objetivos de reforma dos demais países, a
figura 9 a seguir descreve de forma sucinta a transformação do modelo adotado pelo Brasil.
Fonte: OCDE (2001)
FIGURA 9 – MONOPÓLIO VS. COMPETIÇÃO NO VAREJO
A figura 9 mostra a passagem de um modelo de monopólio estatal para um
modelo de competição privado, resguardando a necessidade de se manter os segmentos de
148
transmissão e distribuição sob a forma de monopólio natural, com forte regulação. Já os
segmentos de geração e comercialização ficam expostos à competição com reduzida regulação.
Tal modelo, com algumas modificações, foi adotado pela Inglaterra e Argentina.
Além do modelo básico apresentado para o mercado elétrico brasileiro, a criação
de novos agentes e instituições indica para essa indústria a necessidade de um aparato regulatório
e institucional extremamente complexo, o que envolve a necessidade de considerar os interesses
de uma série de agentes envolvidos direta (intra-setor) e indiretamente (sociedade e governo).
Conforme mencionado, os agentes diretamente envolvidos são as empresas concessionárias de
distribuição, em sua maioria privadas; e as geradoras e transmissoras predominantemente
estatais, com interesses específicos e muitas vezes conflitantes. A convivência entre tais agentes
se torna mais complexa quando se faz necessário otimizar um sistema de geração
predominantemente hidráulico, com o objetivo de diversificar a matriz energética por meio de
investimentos em usinas térmicas, e, ainda os sistemas especiais da usina nuclear e de Itaipu.
A relação política da indústria, ou o alcance político se faz por meio do CNPE,
onde vários órgãos que se encarregam de fazer a política pública em um sentido mais geral
participam do direcionamento da política energética nacional. Destaca-se, entre eles, o
Ministério da Fazenda, o Ministério do Planejamento, o Ministério da Ciência e Tecnologia, a
ANEEL, a ANA e outros.
A cadeia da IEEB está sob a égide do MME que, por determinação do CNPE,
executa a política energética nacional, ou fornece as diretrizes necessárias para a sua execução.
Ressalta-se que os papéis dessas instituições precisam ser suficientemente claros para que não
haja sobreposição de funções ou conflitos. Talvez seja conveniente lembrar que a ANEEL é
órgão regulador setorial, e não lhe cabe, portanto a elaboração da política, ao passo que não cabe
ao MME fazer a regulação.
Outro fator de relevância é a relação da indústria com a Agência Nacional do
Petróleo, Agência Nacional de Águas e o Ministério do Meio Ambiente, pois estes são
responsáveis pela regulação dos principais insumos para a produção da IEEB. A ANA, que
gerencia os recursos hídricos, a ANP, que regula o gás natural, e o MMA, que fornece licença
para a construção de usinas. Destaca-se que a expansão da oferta de energia elétrica passa
necessariamente por esses agentes.
149
A figura 10 a seguir mostra as principais relações institucionais da IEEB
Fonte: NERA 2001
FIGURA 10 – PRINCIPAIS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA IEEB
O desenho institucional apresentado para o novo modelo do setor elétrico
demonstra de forma explícita a necessidade de coordenação entre as instituições que se
relacionam com a IEEB. Tal preocupação mostra a necessidade de uma estrutura de governança
bem definida para a indústria como um todo, além de uma governança bem desenhada para cada
instituição que participa da desta indústria.
Sem dúvida, a nova organização da IEEB está fundamentada em uma estrutura de
governança que funciona em torno de um mercado atacadista de energia, cuja finalidade é
determinar o preço de curto prazo, tornar dinâmica e flexível a relação de compra e venda entre
os agentes e, por fim, sinalizar para os investimentos. E no que se refere aos investimentos, a
150
participação dos contratos de médio e longo prazo tem papel fundamental nesse mercado, na
medida que vão assegurar os preços de médio e longo prazo. Além disso, há a atuação do
operador nacional do sistema (ONS) que, além de se encarregar do planejamento e da
programação da operação de curto prazo, controla o despacho centralizado de acordo com as
regras de operação estabelecidas no pool. A ANEEL é órgão responsável em regular o
relacionamento desses agentes e estabelecer as regras do jogo. Dessa forma, a organização da
IEEB se erige sob uma estrutura de governança híbrida, onde a forma de coordenação se faz por
um contrato regulatório de um lado e pelo mercado de outro.
Os mecanismos de incentivo para a realização de investimentos nesta indústria e,
portanto, a possibilidade de competição, deve ocorrer principalmente por meio de contratos, uma
vez que a governança estabelecida se faz no mercado e no contrato regulatório. Este último
depende essencialmente da credibilidade das instituições formadas, para que subsistam garantias
de que não haverá nenhum ato administrativo capaz de pôr em risco a estabilidade do ambiente
de negócios e a segurança quanto à realização dos objetivos. Ou seja, é necessário reduzir os
riscos regulatórios. Do ponto de vista do regulador, é importante que existam formas de
monitoramento que impeçam ações oportunistas, pois estas poderiam beneficiar alguns agentes
em detrimento de outros, e colocar em xeque a credibilidade do contrato regulatório.
A mudança estrutural e regulatória proposta para a IEEB, representam a passagem
de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança híbrida no
modelo privado e competitivo. A despeito do modelo de mercado bem desenhando para a
indústria, a implementação da estrutura está sujeita a alguns riscos, dentre eles o fato de o
mecanismo regulatório ser extremamente intervencionista, e favorecer o enrijecimento do
modelo de mercado e criar barreiras à entrada. Além disso, é necessário que a transformação
dessa indústria supere a inércia institucional, mencionada por Williamson (1995), haja vista que
o processo de mudança é demorado e pode não ocorrer devido à colisão de forças dos agentes
que venham a participar do modelo. A próxima seção apresenta a performance da indústria e o
grau de implementação do modelo desenhado para a reforma.
6.3.2 – Performance da IEEB
Após sete anos de implementação da reforma, houve grandes mudanças
estruturais na IEEB, principalmente no que se refere ao modelo regulatório. Entretanto, a
performance dessa indústria ainda é pouco razoável. Embora, aparentemente, os formuladores da
reforma tenham pretendido um desenho de mercado adequado, o processo de reestruturação não
se completou. Além disso, a demora do processo de implementação resultou em uma severa crise
151
de abastecimento durante o período compreendido entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, em
que governo precisou intervir e decretar racionamento de energia elétrica.Tal crise teve reflexos
políticos extremamente negativos, com muitas críticas por parte da sociedade, o que findou por
gerar questionamentos sobre o próprio desenho de reestruturação do setor elétrico proposto para
o Brasil. Com efeito, a necessidade de gerenciar um problema conjuntural suscitou a
possibilidade de avaliar um problema estrutural, ao propiciar a revisão do modelo que estava
sendo implementado no país.
O governo federal criou a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE),
com o objetivo de superar os problemas de abastecimento de curto prazo e explicar suas causas,
propondo soluções urgentes. A câmara reuniu técnicos bem preparados e o alto escalão do
governo. Diante da percepção de que o problema em pauta ultrapassava os limites conjunturais, a
GCE criou o Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico124, a fim de detectar as
principais falhas do modelo em processo de implementação para que outros problemas não
viessem à tona. Assim, a GCE atuou em duas frentes: no curto prazo para gerenciar o
racionamento; e no médio prazo, para rever o modelo de reestruturação do setor elétrico
brasileiro.
No que se refere ao curto prazo, com o objetivo de entender as causas da crise, a
GCE contratou uma comissão para analisar o sistema hidrotérmico de energia elétrica125 e emitir
relatório explicando as causas da crise. O relatório apresentado pela Comissão Kelman descreve
de forma detalhada os problemas cruciais encontrados na IEEB, os quais podem ser resumidos
em seis grupos principais:
Insuficiências nos sinais econômicos para a viabilização dos investimentos;
Ineficácia na ação governamental;
Insuficiência de ação preventiva para evitar racionamentos de grande profundidade;
Ineficácia na correção das falhas de mercado;
Falta de reserva de segurança da demanda em situação de crise;
Insuficiência dos programas de conservação de energia;
124 O Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico foi criado pela Resolução nº 18 de 22 de junho de 2001, da GCE e coordenado por Francisco Gros (Presidente do BNDES), com a participação da ANEEL, MME, MF, MP, AGU e outros. Toda a documentação sobre esse comitê e a GCE está disponível no site www.energiabrasil.gov.br.125 Tal comissão foi coordenada pelo Professor Jerson Kelman (Diretor-Presidente da ANA), Altino Ventura Filho (Itaipu), Sergio Valdir Bajay (Unicamp), João Camilo Pena (Itaipu) e Claudio Haddad (IBMEC). Para detalhes, ver Kelman et alii (2001).
152
A conclusão apresentada pela comissão confirma a grande fragilidade do modelo
desenhado para a IEEB e, sobretudo, as graves conseqüências da sua incompleta implementação.
Os itens descritos a seguir explicam os fundamentos da crise:
i. Embora a hidrologia tenha sido desfavorável, a crise foi resultado da
interveniência de outros fatores, pois de vez que a hidrologia por si só não
seria suficiente para causar a crise;
ii. não houve excesso de demanda, o aumento do consumo ocorreu dentro do
previsto;
iii. o desequilíbrio entre oferta e demanda exacerbou-se na transição de um
modelo estatal para um modelo privado, em que houve um relativo impasse;
iv. atraso de obras e falta de investimentos na expansão foram preponderantes;
v. superdimensão das energias asseguradas;
vi. esvaziamento predatório dos reservatórios a partir da década de 1980;
vii. difusão e indefinição de responsabilidades entre a ANEEL e o MME126;
viii.a aposta exagerada do MME no Programa Prioritário de Termelétrica (PPT),
impossibilitou o incentivo em outras alternativas de expansão;
ix. falhas no fluxo de informação entre ONS, ANEEL, MME e CNPE;
x. Faltou coordenação institucional para a implementação da política energética
nacional, principalmente no período de transição do modelo;
xi. a regulação não se caracterizou por regras estáveis, claras e concisas, de forma
a criar um ambiente de credibilidade para estimular os investimentos;
xii. legislação incompleta e insuficiente;
xiii.dificuldade da ANEEL em implementar um ambiente regulatório adequado;
xiv.a legislação existente é, em muitos casos, vaga e conflitante, pois não define
com clareza as atribuições de cada instituição e nem aloca responsabilidades
específicas na gestão do setor;
xv. desobediência a condições contratuais.
Os principais fatores a contribuir para o processo de crise na IEEB estão
fundamentalmente relacionados com a estrutura de governança da indústria, uma vez que o
processo de implementação do aparato institucional não havia sido completado. O CNPE,
126 A Eletrobrás, a ANEEL, o ONS e o MME em maio de 1999 estavam cientes de que havia riscos de déficits muitoelevados para 2000 e 2001. Segundo o ONS, houve instruções do MME para não divulgar publicamente estainformação.
153
embora tenha sido criado em agosto de 1997, foi regulamentado apenas em dezembro de 2000 e,
assim, suas atribuições eram exercidas pelo MME/SEN; além disso, o CCPE não estava
aparelhado o bastante para fazer o planejamento da expansão do setor, o que resultou na falta de
percepção para uma possível escassez de oferta no médio e no longo prazo.
As indefinições institucionais, estruturais e de governança, somadas à interrupção
do processo de privatização, adiou a própria definição dos objetivos do governo no processo de
reforma, e ainda permitiu um grande poder para as empresas estatais, que mantêm cerca de 80%
da capacidade de geração de energia. Por outro lado, embora a ANEEL127 e o ONS tenham tido
grande autonomia e independência econômica, estas não foram suficientes para que adotassem
uma postura neutra e apresentassem as fragilidades do sistema, bem como a possibilidade de
escassez de oferta. Houve problemas na política, no planejamento e na regulação da IEEB, o que
arruinou uma estrutura que mal havia sido construída (Kelman et alii, 2001).
É importante notar que o governo gere o setor elétrico utilizando-se de três
instrumentos bem distintos e complementares entre si: políticas públicas, planejamento e
regulação. Por meio das políticas públicas, o governo sinaliza à sociedade as prioridades e
diretrizes para o desenvolvimento da IEEB. O planejamento permite que se proponham metas
aliadas com as políticas vigentes. A regulação é o elo de ligação entre a legislação setorial e os
mecanismos de mercado. Estes instrumentos são autônomos, mas inarredavelmente
complementares entre si. Neste cenário, percebe-se que o fator institucional constituiu-se na
causa da presente crise (Kelman et alii, 2001).
No que se refere ao médio prazo, a proposta do Comitê de Revitalização do
Modelo do Setor Elétrico Brasileiro foi pautada na missão de encaminhar propostas para corrigir
as disfuncionalidades e propor correções para o modelo do setor. Houve uma recomendação
clara para manter os pilares do modelo, desenhado inicialmente pelo projeto RESEB. Manter os
pilares do modelo significa necessariamente estimular os investimentos por meio do setor
privado, criar condições para a competição nos segmentos de geração e comercialização de
energia, e manter a regulação nos segmentos de transmissão e distribuição.
127 “Trata-se de um regulador com equipe inexperiente, basicamente com forte postura burocrática e estatal, com excesso de atribuições e sem uma firme orientação e coordenação governamental a tomar decisões de ampla importância econômica, seguramente acima de seu limite, habilitação e visão (Greiner, 2001)”.
154
A extensa agenda de trabalho do Comitê de Revitalização enumerou 33
medidas128 que deveriam ser adotadas, abrangendo uma série de temas, tais como: reforço dos
mecanismos de mercado, aperfeiçoamento da formação de preços, estímulo à oferta,
reestruturação do MAE e outros. Tais medidas foram agrupadas em oito objetivos gerais:
a) normalizar o funcionamento do MAE;
b) fortalecer o mercado;
c) assegurar a expansão da oferta;
d) monitorar a confiabilidade de suprimento;
e) aperfeiçoar a interface entre mercado e setores regulados;
f) defesa da concorrência;
g) realismo tarifário;
h) defesa do consumidor;
i) aperfeiçoamento das instituições.
O Comitê de Revitalização divulgou sua agenda de trabalho e as reformas
adotadas por meio de relatórios, os chamados Relatórios de Progresso129. Além disso, uma série
de instrumentos regulatórios foi editada, com a efetiva implementação das propostas. Destacam-
se as Leis 10.433, de 24 de abril de 2002, relativas ao MAE; a Lei 10.438, de 26 de abril de
2002; a Medida Provisória 64, de 26 de agosto de 2002; além de resoluções ANEEL e resoluções
do CNPE130.
O comitê encerrou suas atividades em dezembro de 2002, implementando uma
série de medidas consideradas importantes para a retomada da reestruturação da IEEB, e,
principalmente dos investimentos, fator de extrema relevância para a indústria.
As causas da crise de abastecimento da IEEB mostram claramente um sério
problema de governança entre e intra-instituições desenhadas para este modelo. Tal
performance, pelo menos no curto prazo, embora seja diferente dos problemas apresentados pela
experiência internacional no que se refere às questões microanalíticas, traz uma interessante
implicação para a análise macroanalítica da indústria. No que se refere às questões de médio
128 Na realidade, além das 33 medidas, nove outras foram agregadas e tratadas de forma isolada, somando um totalde 42. Entre elas, destaca-se a questão tributária. Para detalhamento ver Relatório de Progresso número 2. 129 Os relatórios 1, 2, 3 e 4 estão disponíveis no site www.energiabrasil.gov.br.130 Embora o fim do racionamento tenha sido decretado no final de fevereiro de 2002, o Comitê de Revitalização continuou os seus trabalhos. Estes foram transferidos para a Câmara de Gestão do Setor Elétrico, a qual revogou aCGE e passou a coordenar os trabalhos do Comitê, sob a Presidência do então Ministro de Minas e Energia,Francisco Gomide. A CGSE foi criada com status de órgão técnico de suporte ao CNPE e recentemente foi
155
prazo, objeto de trabalho do Comitê de Revitalização, os problemas possuem praticamente os
mesmos fundamentos do curto prazo e até mesmo se confundem.
Tanto as questões de curto e médio prazo da IEEB como os fundamentos dos
problemas apresentados pela experiência internacional dos sistemas elétricos reestruturados,
possuem um forte componente institucional. Tal fenômeno permite inferir que,
independentemente do problema microeconômico enfrentado, a questão básica das crises está
associada à falta de investimentos (escassez de oferta) e exercício de poder de mercado, que por
sua vez estão associados à falta de mecanismos de incentivo na indústria e aos riscos
regulatórios. Estas lacunas resultam principalmente da falta de articulação entre as instituições
que desenham a IEE, o que permite concluir que esta indústria, em um contexto geral, apresenta
invariavelmente um sério problema de governança, seja no âmbito de uma instituição em
particular, seja no âmbito do arcabouço institucional da indústria como um todo. Conforme foi
apresentado para a experiência internacional, tal análise é objetivo geral desta desta tese e será
feita a seguir.
6.3.3. Questões-chave da Reforma e Possíveis Resultados
Nos moldes do que foi apresentado para a experiência internacional, o Quadro 8 a
seguir baixo descreve as características econômicas da IEEB, os principais objetivos da reforma,
os problemas e soluções apresentados pelo Comitê de Revitalização, e os possíveis resultados,
com base no que aconteceu em outros países.
transformada em Câmara de Gestão do Setor Energético, continuando como órgão de apoio técnico do CNPE, comobjetivo de propor as políticas para o Setor Energético Nacional.
156
QUADRO 8 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DA IEEB E PRINCIPAIS OBJETIVOS DA REFORMA
Atividade Características
Econômicas
Implicações Objetivos Problemas Soluções Implementadas Possíveis Resultados
Geração Economias de escalalimitadas;Coordenação e complementaridadecom a transmissão;Cerca de 90% da fontede geração é hidráulica;Custos Fixos Altos
Potencialmentecompetitivo
Privatização;Estímulo aos investimentos e competição
Ausência de investimentos;A privatização foi paralisada;Estrutura de mercado da geração concentrada nas mãos do estado (80%);Potencial Poder de mercado.
Não há nenhuma diretrizpara a privatização; Mudanças regulatórias e mecanismos de incentivo para assegurar a expansão;Destacam-se os contratos de longo prazo e a exigência de respaldo físico;Manutenção de geração de reserva.
Os mecanismos de incentivo podem estimulara expansão privada, mas de forma marginal;A despeito das mudançasregulatórias, o governo não emitiu sinais suficientessobre os seus objetivos comrelação a sua participação na geração; Tendência de o governo assumir os grandes investimentos.
Transmissão e distribuição
Externalidades derede;Sunk costs elevados;Economias de Escala ede Escopo consideráveis;Economia de coordenação;Idéia de bem público(utilities)Monopólio natural
Tendência de baixosinvestimentos;Taxa de retornolimitadaSegmento regulado
Manter monopólioregulado;Propiciar livre acesso para estimular a competição nas pontasda cadeia G e C; propiciar tarifas baixasaos consumidores
Necessidade de investimentos natransmissão;Grande intervenção do órgão regulador, comobjetivos difusos entreinvestidoresconsumidoresTarifas e taxas de retorno insustentáveis naperspectiva dos investidores e muitoaltas para os consumidores
Reestruturação e realinhamento tarifárioRevisão da metodologia de cálculo das tarifas
A transmissão precisa de investimentos altos, osquais provavelmente o Estado deverá assumir;O aparato regulatório da distribuição enfrenta umasérie de críticas comrelação à metodologia de revisão tarifária. Podemocorrer disputas com o órgão regulador e perdas de eficiência econômica
157
Comercialização Sunk costs baixos;Economias de escalalimitadas;Barreiras à entrada/saída baixas
Segmentopotencialmentecompetitivo
Estimular a entrada de novos agentes e, portanto, a competição,tornando o segmentopotencialmente maiscompetitivo
Não houve separação efetiva entre D/C, os consumidorespotencialmente livres não optaram e, portantonão houve dinâmica no segmento
Incentivos para a escolha dos consumidores livres;Separação da tarifa emdois componentes: fio e energia;A questão da desverticalização está indefinida
É possível que haja umacerta dinâmica neste segmento, entretanto tímida. Uma vez que a concentração e a verticalização na indústria prejudicam a competição na ponta da cadeia industrial
MercadoAtacadista;Mercado de Contratos a Termo, bilaterais e Financeiros;
Pool de compradores evendedores
Potencialmentedinâmico e altamentecompetitivo
Inserir a competição no atacado para propiciarpreços baixosDinamizar o mercadopor meio de contratos de curto e de longo prazo
O MAE foi paralisadoem dezembro de 2001, devido a conflitos deinteresses, captura, e abuso de poder de mercado. De forma que a liquidação veio ocorrer em janeiro de 2003, de forma parcial e conflituosa;Apenas os contratos bilaterais possuem umacerta dinâmica
A ANEEL fez várias intervenções, reformoutoda a estrutura de governança deste mercado;Criação de novos mecanismos regulatórios e de incentivos
A estrutura de governança ainda é frágil;Os agentes de produção estão muito concentrados e possuem grande poder de decisão e coalisão;
Disputas, abuso de poder de mercado ainda podemocorrer.
Fonte: Adaptação OCDE (2001) e Vinhaes (1999)
158
Os objetivos da reforma do setor elétrico brasileiro estão baseados em um modelo
de mercado que depende fundamentalmente do papel do órgão regulador e do aparato
institucional, tendo em vista os potenciais problemas apresentados para esta indústria, que possui
características muito particulares, por exemplo, o fato de a oferta ser predominantemente
hidráulica e o sistema de despacho depender de uma grande complementaridade e otimização
entre as usinas. Diante disso, torna-se crucial o papel do operador do sistema em manter a
segurança e a confiabilidade do fornecimento de energia. Além disso, a competição deve ser
determinada em uma cadeia industrial onde segmentos regulados e não-regulados compartilham
grandes economias de coordenação, fato que indica a existência de uma estrutura de governança
razoavelmente complexa.
Tendo em vista as principais características econômicas apresentadas para a IEEB,
o Quadro 9 apresenta, com base na experiência internacional as questões-chave para a
competição na indústria, suas implicações e objetivos.
QUADRO 9– QUESTÕES-CHAVE, IMPLICAÇÕES E OBJETIVOS DA REVITALIZAÇÃO
Questões-chavepara IEEB
Implicações Objetivos Principais Mudanças Prováveis Resultados
Modeloinstitucional eseu inter-relacionamento
Podem surgir lacunasque permitamcomportamentoestratégico e abuso de poder de mercado,prejudicando aperformance daindústria
Redesenho da estruturade governança paracontornar asimperfeições norelacionamento entre asinstituições quecompõem a indústria.
Foram tomadas medidaspara a reestruturação doMME e uma novagovernança para o ONS.O CNPE criou a CGSEpara lhe fornecer apoio técnico nos assuntos de política energéticanacional
É provável que ocorra uma relativa melhora na comunicação entre asinstituições, mas quedependefundamentalmente da forma de governança do ONS e do MAE.
Governança do mercadoatacadista,operador eoutrasinstituições;
Podem surgir lacunasque permitamexercício de poder demercado, conflito deinteresses, captura eineficiência.
A estrutura degovernança deve serpautada em uma forteregulação e pormecanismos deincentivo.
Desenho de novagovernança para o MAEe para o ONS que deveser implementadoefetivamente;
Dada a concentração na indústria, os agentes demercado permanecemcom grande poder sobre essas instituições
Tipo de pool –centralizado ou não
A interação entre omercado spot e ooperadorindependente éimportante para que não haja perda de coordenação e de eficiência.
O pool e o operadorprecisam trabalhar emsintonia fina paramanter a otimização,confiabilidade esegurança do sistema.
O pool permanececentralizado,mecanismos de sintoniaforam criados entre o ONS e o MAE
As informações e dados técnicos podem transitarmelhor entre essesagentes mantendo anecessáriaconfiabilidade e segurança do sistema
Mecanismo deFormação dePreços
Os preços podem se tornar muito voláteis,principalmente emum sistemahidrelétrico,aumentando os riscose desestimulando
A oferta de energiaelétrica se fará por meioda quantidade, os preços são determinados pelocusto marginal de curtoprazo
Existe possibilidade deinserir o mecanismo deoferta por preço noMAE, entretanto, está em estudo.
O modelo por oferta dequantidades comformação de preço baseado no customarginal não se mostrouadequado uma vez quenão sinaliza
159
investimentos investimentos. Amanutenção deste modelo torna o MAEmuito instável
Mercado spot,
bilateral efuturos
Dinâmica nomercado atacadista,sinais para preços e investimentos
O MAE é um mercadode diferenças, a suadinâmica é importantepara a competição.
A nova regulamentaçãocria obrigatoriedade de compra por parte das distribuidoras emleilões. O MAE fica naestrita função dediferenças.
O processo decompetição será feitobasicamente quando doleilão de compra.Podem surgir contratosa termo. Entretanto, a manutenção dos contratos iniciais tornaráo leilão pouco competitivo;Os contratos futuros dificilmente se desenvolverão nestemercado
Característicada oferta edemanda
No curto prazo aelasticidade preço daoferta e aelasticidade preço dademanda são muitobaixas, devido àcaracterística não estocável da energiaelétrica
Aumentar a oferta da energia por meio daexpansão para atender ademanda crescente
Exigência decontratação bilateral e de respaldo de geração; Contratos com prazoscurtos, médios e longos;Manter reserva degeração
A introdução dos contratos pode sinalizaros investimentos pelosetor privado.Entretanto, pode não sersuficiente para garantiro atendimento da demanda. Portanto, outros mecanismosprecisam ser criados
Repartição deriscos entre osagentes
Os segmentos livresdevem gerenciar seus próprios riscos; ossegmentos reguladospossuem cláusula deequilíbrio econômicofinanceiro, seus riscos são pactuadoscom o órgão regulador, ou seja, com os consumidores.
Manter respaldo físico para os agentes deconsumo por meio de contratos bilaterais.Garantir compra e vendapor meio de contratos.
Os contratos com prazosvariados aumentam asegurança dos agentes edo próprioabastecimento.
Os riscos que as distribuidoras devemassumir ainda não estãoclaros no contrato deconcessão
Mecanismos de incentivo e de mercado paracoibir o poder de mercado
A possibilidade deexercício de poder demercado sempreexiste em umaindústriaparcialmentecompetitiva
O aparato regulatório e os mecanismos deincentivo desenhados devem ser suficientespara conter abuso depoder de mercado.
Exigência decontratação
As geradoras federaisainda mantêm muitopoder de mercado, de modo que abusos podemocorrer.
Transparêncianas relaçõescontratuais eregulatórias
As regras precisamser claras e críveis,caso contrário sobra espaço para jogo criando instrumentosde barreira à entrada.
Um órgão reguladorforte e independente
Melhor definição dopapel da política, daoperação e da regulaçãodo setor.
Os mecanismosregulatórios ainda nãosão suficientes paragarantir estabilidade. Há sinais de riscoregulatório na percepção dos agentes
O grau dedesverticalização da indústria
A desverticalizaçãoda indústria envolvenecessariamente os quatro segmentos.
Regras claras e criveispara a desverticalização
Embora o Comitê tenharecomendado adesverticalização estánão passou nocongresso.
A manutenção daconcentração na geração, a verticalização e manutenção doscontratos iniciais,elimina praticamente aspossibilidades de
160
competiçãoDespacho eestabilidade dosistema
Necessidade deinteração ente odespacho comercial eo despacho físico,para que não haja risco de desabastecimento.
Interação entre o MAE eo ONS
Medidas foram tomadascom relação a interação entre o ONS e o MAE; Serviços ancilares eencargo de capacidade precisam ser mais bemdefinidos
Pode haver problemascom os serviçosancilares e encargo de capacidade.O governo em ultimainstância vai manterreserva de geração.
Transmissão Podem ocorrerrestrições físicas de transmissão, demodo que a expansãodas redes é condiçãonecessária para a competição.
Proporcionar uma infra-estrutura de transmissãopara permitir acompetição nas duaspontas da cadeia (G e C)
Um projeto de expansão da transmissão estásendo implementado. Osinvestimentos devemficar a cargo dogoverno.
Com a expansão da transmissão os submercados serão praticamenteeliminados, o queresolve o problema de diferenças de preços entre submercados,melhorando as condições de competição
Objetivos dareforma, custos e benefícios
A competição não éum fim em simesmo, mas o meiopara alcançar a eficiência naindústria.
Eficiência econômica Houve redirecionamentono processo de reforma,pois os custos políticose sociais, do racionamento, forammuito altos.
A eficiência, se ocorrer,será no longo prazo. Oprocesso está no início
Objetivos dogoverno,consumidores e investidores
Cabe ao reguladorbalizar os interessesdos agentes consumidores e investidores, o que não é tarefa simples.
Eficiência econômica Os objetivos do governo ainda não ficaramclaros. Os interessesentre consumidores einvestidores são difusos.
A indefinição por partedo governo coloca emxeque a implementaçãodas mudanças propostas
Que modelo a indústria podeadaptar?
O modelo pode se tornar confuso e nãoalcançar seusobjetivos
A IEEB vai se adaptar em um modelo misto, de mecanismosregulatórios e demercado.
Após a revitalização o modelo tem um forteviés intervencionista,com pouca margem para a competição
Da forma que está omodelo, a competiçãonão ocorrerá nos moldesesperados; Os pilares do modelo decididamentenão foram mantidos.
Fonte: Elaboração própria
Como se vê, as características econômicas da industria de energia elétrica,
determinam quais os fatores-chave a ser considerados para que haja um relativo sucesso na
reforma dessa indústria. De acordo com o que foi apresentado pela experiência internacional,
principalmente na Inglaterra e Califórnia, o modelo de revitalização do setor elétrico brasileiro
representa um grande avanço na reforma e na possibilidade de um relativo sucesso; entretanto,
questões cruciais ainda não foram resolvidas. Os possíveis resultados, apresentados nos Quadros
8 e 9, chamam a atenção para a importante definição do papel do Estado na indústria. Além disso
os mecanismos de incentivo não se mostram suficientes para dinamizar os investimentos e
possibilitar a competição.
161
O modelo de revitalização, na realidade, mostra um relativo retrocesso com
relação ao que foi proposto pelo projeto inicial de reforma. Tal escolha poderia até constituir-se
em um bom caminho, pois a experiência tem demonstrando que a melhor alternativa é caminhar
pausadamente rumo à competição. Entretanto, no que se refere à questão dos investimentos, fator
central para a indústria, percebe-se que as mudanças no modelo apresentam um grande mérito de
sinalização para a expansão de geração de energia elétrica a médio e longo prazo, inclusive pela
formação gradual de uma ainda incipiente estrutura a termo de preços da energia. Entretanto,
caso a sinalização não seja emitida com a antecedência adequada, corre-se o risco de ver a
substituição gradual do modelo competitivo na geração de energia elétrica pelo modelo de
inversão centralizada nas empresas públicas, o que em um quadro de relativa restrição fiscal
pode sujeitar o sistema à persistência indesejável de um desequilíbrio entre demanda e oferta de
energia elétrica.
Dessa forma é importante que alguns ajustes sejam feitos por parte do governo,
principalmente quanto à necessidade de sinalizar exatamente o que se pretende em termos de
modelo para a indústria, pois tendo em vista as últimas medidas adotadas, o modelo corre o risco
de ficar no “meio do caminho”.
6.4. Conclusões
Com base no que foi apresentado para a experiência internacional, e fazendo um
paralelo com o caso brasileiro, é importante que certas questões sejam consideradas: 1) os
problemas apresentados pela experiência internacional estão associados principalmente ao
exercício de poder de mercado no pool e à falta de investimentos na indústria, os quais estão
fundamentados na fragilidade da estrutura de governança desenhada para o modelo de mercado;
2) a introdução de mecanismos de incentivo no mercado não foi suficiente para sinalizar os
investimentos, além disso, um aparato regulatório tradicional não poderia conter os eventuais
comportamentos estratégicos. É bem verdade que pode ser muito cedo para fazer uma análise
dos sistemas reformados, como é nos casos da Califórnia e Inglaterra. Entretanto, com base na
performance atual das indústrias, pode-se inferir que os modelos estão indicando um caminho
adequado, respeitando as particularidades de cada país e as características da indústria.
No caso brasileiro, os problemas apresentados estão associados a dois aspectos
fundamentais: 1) a falta de implementação de um modelo de mercado com o necessário aparato
institucional e regulatório, conforme havia sido proposto; 2) as características técnicas e
162
econômicas da indústria, a qual exige grande coordenação entre os agentes que a compõem,
determinando, portanto, uma estrutura institucional extremamente complexa.
Diante do processo de “reforma da reforma”, implementado recentemente pelo
Comitê de Revitalização, reconhece-se que muitas imperfeições no modelo foram corrigidas,
embora inexistam garantias de que tais medidas alcançarão os objetivos desenhados, uma vez
que muitas indefinições permanecem. Como é o caso da permanência do grande poder de
mercado no MAE, principalmente das empresas estatais, que descumprem as regras e praticam a
própria governança do mercado atacadista. O que se percebe, na realidade, é que o modelo
competitivo desenhado para a IEEB sofreu um relativo retrocesso, o que significa que a estrutura
híbrida de governança está muito mais fundamentada em um contrato regulatório e institucional
do que no próprio mercado, dada as condições reduzidas de concorrência nesse mercado. Tal
fato traz questões importantes, no que se refere ao papel do órgão regulador, tendo em vista que
a necessidade de intervenção nessa indústria foi ampliada em grande grau.
Cabe ressaltar que a intervenção no mercado de energia elétrica por parte do órgão
regulador precisa de um forte aparato para monitorar o Operador Nacional do Sistema e o
Mercado Atacadista de Energia. Estas instituições são de extrema importância para a
manutenção dos mecanismos de competição inseridos na indústria, além de estarem muito
sujeitas ao abuso de poder de mercado. A análise do abuso de poder de mercado na IEEB passa
pelo mercado atacadista, uma vez que este é o lócus das transações da indústria, o que será feito
no próximo capítulo.
163
CAPÍTULO 7 – ESTRUTURA DE GOVERNANÇA E PODE DE MERCADO NO MAE – UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL
7.1. Considerações Iniciais
A “reforma da reforma” do modelo do setor elétrico brasileiro, em um contexto
internacional de sistemas elétricos reestruturados, levanta questões teóricas e práticas muito
importantes. A análise desse processo, que antes da sua efetiva implementação já havia
apresentado sinais de fragilidade -, juntamente com a verificação das principais diretrizes no
contexto atual do comitê de revitalização, em um paralelo com as experiências internacionais,
permite apontar, na estrutura de governança da indústria, recentemente modificada, as principais
falhas e, portanto, a possibilidade de uso de poder de mercado por parte dos agentes.
Conforme apresentado para a experiência internacional, as regras podem deixar
espaço para jogo, principalmente se forem demasiadamente complexas. Os casos da Inglaterra e
Califórnia mostram claramente o uso de poder de mercado no pool da indústria de eletricidade,
os quais contribuíram para a ineficiência da indústria e apontaram para a necessidade de uma
nova formulação para o modelo de mercado. O caso brasileiro apresenta uma particularidade,
relacionada ao não funcionamento do mercado. Conforme será apresentado a seguir, no Brasil,
pode-se afirmar que não houve exercício de poder de mercado, no sentido de manipulação de
oferta de energia, conforme ocorreu na experiência internacional, pois o mercado atacadista nem
chegou a funcionar. Na realidade, houve sim exercício de poder de mercado, mas um exercício
diferente daquele apresentado tradicionalmente pela teoria dos jogos. O uso de poder de mercado
se fez no MAE, quando da ocorrência de disputas e captura dentro da instituição responsável
para arbitrar pelo mercado. Entretanto, o fundamento do exercício de poder de mercado no Brasil
não se diferencia dos demais países, uma vez que foram as falhas do desenho institucional do
modelo de mercado e da estrutura de governança que permitiram comportamento estratégico por
parte dos agentes.
Diante das grandes peculiaridades do modelo do setor elétrico brasileiro e das
principais características associadas ao mercado de energia, este capítulo aponta algumas
diretrizes de análise para o problema de tese ora proposto. Destaca-se a grande complexidade das
regras de mercado, o que dificulta o entendimento por parte dos agentes, causando um ambiente
164
de risco e de incerteza muito grande aos agentes, além de conter insuficiências conceituais que
podem levar a resultados incoerentes, permitindo algum espaço para jogo.
Uma característica importante da IEE, marcante para o caso da indústria
brasileira, é o fato de haver submercados regionais131, nos quais os preços alcançam patamares
diferenciados, a depender da hidrologia e da demanda dentro de cada submercado. Tal
característica confere a esse mercado um grau de exposição ao risco muito alto para os
investidores e para os consumidores, que não podem prever qual será efetivamente o preço da
energia a ser comercializada fora dos contratos. Em outras palavras, no mercado spot a
existência de submercados na estrutura da indústria faz com que o MAE apresente preços
distintos em regiões diferentes do país. Tais diferenças ocasionam grande exposição ao risco por
parte dos agentes e formação de excedente financeiro - (surplus). Tal excedente, se mal
distribuído entre os agentes, pode ocasionar ganhos excessivos por parte de uns, em detrimento
de outros.
A tecnologia de produção de eletricidade se divide em grandes centrais
hidrelétricas e centrais térmicas. Estas últimas apresentavam, até a vigência do sistema estatal,
uma característica de complementação do sistema hidrelétrico. No modelo atual as usinas
termelétricas são divididas em usinas flexíveis e inflexíveis. As flexíveis pertencem a produtores
independentes que receberam autorização da ANEEL para produzir energia e vender no
mercado. Nestas usinas a decisão de declarar o preço e a quantidade de energia fica por conta e
risco do produtor, entrando na ordem de mérito de despacho econômico e contribuindo para a
determinação do preço. As usinas inflexíveis132, por sua vez, se declaram disponíveis ao sistema
a qualquer custo, o que significa dizer que os seus proprietários se dispõem a gerar energia
independentemente do preço. Tais usinas, embora entrem na ordem de mérito, são tomadoras de
preço, ou seja, são remuneradas ao preço de curto prazo estipulado pelo MAE. No caso das
usinas hidrelétricas, não há no modelo a declaração de preços, e sim de quantidade: as usinas
ofertam as suas quantidades e o preço é calculado por um modelo computacional. Note-se que o
mecanismo para os geradores extraírem renda (se existir) está associado à declaração de
disponibilidade de suas plantas, visto que não existe declaração de preços.
131 O número de submercados do Sistema Elétrico Brasileiro foi reduzido de quatro para dois, a partir de janeiro de 2003, de acordo com a Resolução do CNPE n. º 6, de 1 de agosto de 2002. 132 As usinas inflexíveis são formadas por aquelas pertencentes ao sistema como backup de geração, e algumas são de propriedade privada.
165
7.2. Caracterização Geral do MAE133
O MAE é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, submetidos à
autorização, regulamentação e fiscalização pela ANEEL, integrado por titulares de concessão,
permissão ou autorização, e tem por finalidade viabilizar as operações de compra e venda de
energia elétrica no sistema elétrico interligado nacional.134
Para evitar riscos de flutuação de preços spot os agentes fazem entre si os
chamados contratos bilaterais. Em julho de 2001 esteve entre R$ 4,00 por MW/h e 684,00MW/h,
nos submercados Sul e Sudeste/Centro-Oeste, respectivamente. Segundo legislação da ANEEL,
as empresas comercializadoras devem obrigatoriamente contratar pelo menos 85% de sua
demanda de energia por um prazo de no mínimo dois anos, e registrar esses contratos no MAE,
para não ficarem expostas aos preços spot.
O MAE é, de fato, um mercado de compra e venda de energia elétrica onde devem
ser efetuadas e registradas todas as operações de curto135 e longo prazo, mediante contratos
bilaterais e iniciais. O contrato bilateral consiste em um documento comercial de acordo entre os
agentes de mercado, cujo objetivo é estabelecer preços e volumes para a comercialização de
energia elétrica em períodos de tempo determinados. Trata-se de um contrato comercial de
compra e venda que, em função da regulamentação vigente, requer registro das quantidades
contratadas e das partes contratantes perante o MAE. Tendo em vista que os contratos bilaterais
são liquidados entre as partes, é perfeitamente possível definir as figuras do agente comprador e
vendedor de energia elétrica nessa operação136.
Os contratos iniciais137 representam a transição do antigo modelo do sistema
elétrico – no qual competia ao Poder Concedente a definição dos montantes de energia elétrica e
das respectivas tarifas para a comercialização de energia entre os agentes –, para o modelo
133 Mesmo no modelo estatal anterior a função do MAE existia, sendo exercida pelo GCOI. A vantagem do MAEem relação ao GCOI é ser mais formalizado, com regras teoricamente conhecidas por todos. 134 Composto pelos sistemas interligados Sul/Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste, modificados a partir de janeirode 2003, conforme resolução do CNPE n. º 6/2002.135 De acordo com o modelo, no futuro as operações de curto prazo no MAE poderão ser efetuadas comperiodicidade mensal, semanal, diária e/ou horária.136 Embora os contratos sejm bilaterais, as transações físicas são multilaterais de modo que todos os compradorespodem adquirir indistintamente energia elétrica de todos os vendedores. Os contratos por sua vez, não implicam a entrega física de energia elétrica, podendo a energia ser entregue por outro agente.137 O término de vigência dos contratos iniciais está previsto para o final de 2006, sendo que, a partir de 2003, os montantes estabelecidos pela ANEEL são reduzidos gradualmente em 25%, até o final da fase de transição, quando a compra e venda de energia elétrica serão livres.
166
vigente do setor de energia elétrica, onde há liberdade de negociação de montantes de energia e
liberdade de prática de preços. Nesse sentido, os contratos iniciais configuram a transição dos
contratos de suprimento do antigo modelo para os contratos bilaterais e multilaterais com preços
e quantidades definidos entre as partes, sem a intervenção do órgão regulador.
Nas operações de compra e venda de energia no mercado de curto prazo do MAE
(spot), não se pode identificar, a priori, os agentes compradores e vendedores, haja vista que as
operações no MAE ocorrem em duas etapas distintas: ex ante, os agentes efetuam o registro das
quantidades de energia que pretendem comprar (e/ou vender); ex post, o MAE procede a
contabilização e verificação das quantidades efetivamente transacionadas. Tal procedimento
ocorre porque as expectativas de geração e consumo de energia elétrica inicialmente registradas
no MAE podem, de fato, não se concretizar. Por isso, o merdado de curto prazo é um mercado
onde se liquidam as diferenças.
Apesar de não ser possível identificar o fluxo físico de energia elétrica nas
operações do MAE, é perfeitamente possível a identificação do fluxo financeiro das negociações
efetuadas, com a indicação do agente credor e do agente devedor de energia elétrica e os serviços
a ela associados. Isso porque, ao final do período mensal de apuração, o MAE atribui créditos
aos agentes que efetivamente forneceram energia elétrica, ou seja, o MAE informa a tais agentes
o montante relativo às vendas de energia elétrica por eles realizados, dentro do período de
apuração, aferido por meio do processo de contabilização. Assim, os créditos atribuídos pelo
MAE aos agentes que realizaram operações de venda no mercado correspondem às receitas
auferidas por tais agentes em razão da venda de energia elétrica.
Considerando-se que as operações de compra e venda de energia, objeto de
contratos de longo prazo, efetivam-se mediante contratos bilaterais e/ou iniciais, pode-se dizer,
de forma bastante pragmática, que o mercado de curto prazo do MAE é um “mercado de
diferenças”. Significa dizer que o mercado irá adequar situações de excesso e escassez de
energia138 vis-à-vis os montantes pactuados nos contratos de longo prazo. Confere-se, portanto,
ao mercado de curto prazo, a importante função de propiciar um clearing entre as quantidades
ofertadas e demandadas, fazendo com que, ex post, toda a energia contratada seja efetivamente
138 Segundo a Resolução ANEEL n.º 102, de 1º de março de 2002, no segmento de curto prazo do MAE étransacionada a energia elétrica não contratada bilateralmente, decorrente de eventuais insuficiências em relação aos contratos bilaterais de venda de energia elétrica, de responsabilidade dos agentes da categoria de produção, e desobras de contratos bilaterais de compra de energia elétrica firmados pelos agentes da categoria consumo.
167
alocada segundo as condições de oferta e demanda dos agentes participantes do mercado. A
figura 11 a seguir mostra as relações comerciais do MAE.
Fonte: ANEEL, 2001.
FIGURA 11 – RELAÇÕES COMERCIAIS
7.3. Agentes do Mercado
Com a criação do MAE, tornou-se obrigatória a associação dos agentes de
produção e consumo ao citado mercado, na qualidade de membros, para (i) os agentes de geração
com capacidade instalada igual ou superior a 50MW; (ii) os agentes de comercialização,
incluindo os agentes de distribuição, cujo volume comercializado seja igual ou superior a 300
GWh/ano; e (iii) os agentes de importação e exportação com carga igual ou superior a 50MW.
Nos demais casos, a associação ao MAE é facultativa.139
Os agentes da categoria produção devem buscar alocar toda a sua energia elétrica
no MAE, e os agentes da categoria consumo devem buscar atender a todas as necessidades de
168
energia elétrica de seus consumidores no âmbito do mercado. Em outras palavras, os agentes do
MAE são responsáveis pelo fornecimento de energia elétrica por eles contratados,
independentemente do montante a ser gerado (na categoria de produção) ou efetivamente
fornecido (na categoria de consumo). Para honrar o montante de energia elétrica, contratado ou
consumido, os agentes podem utilizar a energia elétrica disponível no mercado de curto prazo
(spot).
Conforme as disposições da Lei 10.433/2002, os agentes cuja associação ao MAE
é obrigatória devem realizar as transações de compra e venda de energia elétrica no mercado,
observando para tanto as normas instituídas pela Convenção e as regras de mercado. São
realizadas fora do âmbito do MAE apenas as transações de compra e venda de energia elétrica
entre os agentes que não sejam membros desse mercado, ou seja, aqueles agentes cuja faculdade
de associação ao mercado não tenha sido exercida.
O mercado de curto prazo, caracterizado pela realização de transações
multilaterais, envolve a contabilização e a liquidação do efetivo fornecimento de energia elétrica
em cada período de apuração para cada um dos submercados de energia. As transações
realizadas no citado mercado, portanto, caracterizam-se como operações de compra e venda de
energia elétrica ocorrida durante o período de apuração.
7.4. Contabilização e Liquidação das operações realizadas no âmbito
do MAE
O Sistema de Contabilização e Liquidação compreende os processos de
contabilização, conciliação e liquidação financeira e tem por finalidade apurar as compras e
vendas de energia elétrica no âmbito do MAE, valorar as transações realizadas no mercado de
curto prazo e gerenciar as transferências financeiras entre os membros do mercado.140
Contabilizar significa, basicamente, registrar as transações multilaterais de
compra e venda de energia elétrica realizadas no MAE individualmente pelos agentes, tanto por
meio dos contratos bilaterais como por meio de contratos iniciais. Tal registro é realizado a partir
da medição da energia elétrica efetivamente ofertada e demanda individualmente pelos agentes,
139 Nos termos da Convenção do MAE aprovada pela Resolução ANEEL 102/2002, modificada pela Lei 10.433 de 24 de abril de 2002. 140 Conceito constante da Resolução ANEEL 73/2002.
169
em intervalos temporais definidos. O processo tem por finalidade ajustar e conciliar a energia
elétrica efetivamente gerada e consumida individualmente pelos agentes, com todas as operações
de compra e venda de energia por eles realizadas, apurando-se a situação individual dos agentes,
como credor ou devedor no MAE, no período de apuração. Após o processo de contabilização
ocorre a liquidação, que é caracteriza pela compensação financeira dos débitos e créditos
contabilizados na esfera do MAE, referentes às operações realizadas no mercado de curto
prazo141.
Conforme apresentado, o modelo institucional e de mercado do MAE é
extremamente complexo e exige uma coordenação muito importante das atividades, juntamente
com as atividades do ONS. Além disso, o órgão regulador exerce papel importante no sentido de
fiscalizar e regular o mercado. Dada a sua complexidade, o MAE vem passando por inúmeros
problemas que o impediram de executar as suas operações de modo que, até a primeira
liquidação de suas operações ocorreu em janeiro de 2003 de forma parcial (que deveria ser
mensal deste setembro de 2000)142.
7.5. Características Econômicas Relacionadas ao MAE
O Mercado Atacadista de Energia Elétrica foi criado pela Lei 9.648 de 27 de maio
de 1998 e regulamentado pelo Decreto 2.655 de 1998. Entretanto, começou a funcionar apenas a
partir de 1º de setembro de 2000, autorizado pela ANEEL por meio da Resolução nº 290, de 4 de
agosto de 2000. A resolução, entre outros dispositivos, tem por objetivo homologar as regras de
funcionamento do mercado atacadista formuladas pelos próprios agentes (Regras de Mercado), e
que contém os procedimentos técnicos e operacionais para o desempenho do papel do mercado.
Embora aparentemente sejam simples as funções do MAE, algumas variáveis
inerentes a esse mercado devem ser observadas, dentre elas as condições de oferta e demanda de
energia elétrica, as condições de acesso à rede, o grau de competitividade dos contratos bilaterais
e spot, as condições de entrada e saída, a liberdade para a fixação de preços, a estrutura da
indústria, o grau de concentração, a performance do mercado, a cartelização, a liquidação física e
141 É importante lembrar que a liquidação das posições de longo prazo dos contratos bilaterais, e equivalentes, é efetuada entre as partes, fora do MAE. 142 Tal discussão será apresentada nas próximas seções, que tratam das características econômicas do MAE e da suaperformance, respectivamente.
170
contratual, os instrumentos financeiros, a governança, além do relacionamento com o Operador
Nacional do Sistema. O Quadro 10 mostra as características econômicas relacionadas ao MAE.
QUADRO 10 – CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS DO MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELÉTRICA
Atividade CaracterísticasEconômicas
Implicações Problemas
Comercialização de energia elétrica
Condições de oferta e demanda desfavorável
Competição reduzida devidoà escassez de oferta emalguns períodos
Competição marginal
Contratos bilaterais Contratos entre partes de médio e longo prazos
Sinalizam preços e investimentos no médio e longo prazo.
Não houve grandes investimentos.
Contratos a termo e contratos futuros
Curto, médio e longoprazos
Reduzem os riscos, tornam o mercado dinâmico e sinalizam preços e investimentos
Estes contratos não se desenvolveram, o risco é muito alto.
Mercado spot Mercado de diferenças Sinalizam preços de curtoprazo, preços voláteis e riscos altos
Os preços extremamentevoláteis causaram sérias exposições aos agentes o que contribuiu para a crise no MAE
Contabilização/liquidação Registro e pagamento das transações
Os agentes sabem as suas posições líquidas para efetuarou receber os pagamentos
A contabilização foi interditada desdedezembro de 2000; a liquidação ocorreu emjaneiro de 2003, de forma parcial
Estrutura de mercado/grau de Concentração
Mercado altamenteconcentradoprincipalmente na geração (80% estatal)
A participação de um númeromaior de agentes determina a competição
Os agentes geradores causaram uma série de problemas no mercado;Houve disputas severas entre geradores e distribuidores
Condições de entrada e saída
Os custos de entrada e saída são muito altos nomercado principalmentepara a geração.
A entrada não é dinâmica O alto grau de concentração permitiuuso de poder de mercado.
Formação de preços A declaração se faz pela quantidade; só as térmicasdeclaram preço
O gerador não pode gerenciarseu próprio risco.
A entrada de novos agentes foi reduzidadada a complexidade dos mecanismos de formaçãode preços
Governança do mercado O mercado é reguladopelos próprios agentes
A estrutura de governança é que vai dar credibilidade aomercado e possibilitar a entrada de novos agentes
Houve captura no mercado, o MAE passou a defender os interessesde alguns poucos agentes.
Operação/despacho O despacho físico é centralizado pelo ONS O despacho comercial é feito pelo MAE
Necessidade de um grande compartilhamento entreMAE e ONS
Nem sempre o MAE eONS estavam afinados para fazer o despacho, o que gerou custosexcedentes aos agentes
Encargo de capacidade Não há Escassez de demanda de pico Potencial problema para atender pico de demanda
Serviços ancilares O ONS é responsável A falta desses serviços pode prejudicar a confiabilidade dosistema.
Em termos regulatóriosessa função não está bemdefinida, o que causa conflitos
171
O Quadro 10143 descreve, de maneira geral, as principais características
econômicas do mercado atacadista de energia elétrica brasileiro, que devido a uma série de
problemas passou recentemente por um processo de reestruturação, o que será apresentado na
próxima seção. As características econômicas mencionadas para este mercado remetem para o
estudo de algumas questões-chave que vêm sendo destacadas pela maioria dos trabalhos
apresentados pela experiência internacional. Nessa perspectiva, e de acordo com os principais
estudos, para compreender o real funcionamento do MAE em paralelo com os demais mercados,
o Quadro 11 a seguir destaca as questões-chave para o mercado atacadista brasileiro.
143Fonte: Elaboração própria.
172
QUADRO 11 – QUESTÕES -CHAVE PARA O MERCADO ATACADISTA E RESULTADOS ENCONTRADOS
Questões-chave para o
MAE
Califórnia Inglaterra Brasil Outros Países Implicações
Modelo institucional e seu
inter-relacionamento
Modelo frágil, necessidade
de reforma pós-crise
Modelo frágil, necessidade de
várias reformas
Modelo frágil,
necessidade de reforma
A maioria apresenta
fragilidade
Lacunas para exercício de poder de
mercado e, portanto, ineficiência
alocativa
Governança do mercado
atacadista e do operador
Modelo frágil, necessidade
de mudança pós-crise
Modelo frágil, necessidade de
várias intervenções e reformas
Modelo frágil, houve
disputas e captura;
necessidade de reforma
A maioria apresenta
fragilidade
Lacunas para exercício de poder de
mercado, conflito de interesses, captura
e ineficiência.
Tipo de pool –
centralizado ou não
Centralizado Central/descentralizado (NETA) Centralizado A maioria
centralizado
Necessidade de grande coordenação;
governança separada implica perdas na
otimização
Tipo de pool – mandatário
ou voluntário
Mandatário Antes mandatário, pós reforma
voluntário
mandatário A maioria
mandatário
Os preços tendem a ser mais voláteis em
pool mandatário
Mecanismo de formação
de preços
Lances por preços e
quantidade
Leilão de ultimo preço
Antes da reforma leilão de último
preço, após a reforma leilão do
tipo price of bid.
Declaração de
quantidade para as
hidrelétricas (90% do
mercado) e declaração
de preços para as
térmicas; Leilão com
preço no custo marginal
de operação
A maioria, lances
por preços e
quantidade; leilão
de último preço
Os preços são muito voláteis,
aumentando os riscos e desestimulando
os investimentos Possibilidade de uso de
poder de mercado devido o leilão de
ultimo preço
Mercado spot, bilateral e
futuros
O bilateral foi introduzido
pós-crise, os demais já
existiam.
Com o NETA os três tipos de
contratos foram fortalecidos;
No Brasil só o mercado
bilateral é dinâmico
A maioria apresenta
os três tipos de
contratos.
Dinâmica no mercado atacadista, sinais
para preços e investimentos
173
Característica da oferta e
demanda
Demanda inelástica,
escassez e retenção de
oferta em horários de pico
Demanda inelástica,
Retenção de oferta
Em horários de pico
Demanda inelástica,
forte dependência
hidrológica o que
aumenta os riscos e a
volatilidade dos preços
Demanda inelástica,
tendência de
retenção de oferta
em horários de pico
Os geradores têm poder de mercado
alavancado principalmente em horário
de pico, utilizando estratégias de
retenção de oferta.
Repartição de riscos entre
os agentes
risco dos agentes Risco dos Agentes Riscos dos agentes Risco dos Agentes Os agentes querem repassar o risco para
os consumidores
Mecanismos de incentivo
para coibir o poder de
mercado
Insuficientes Insuficientes insuficientes insuficientes Assimetria de informações, conluio,
colusão tácita, captura e abuso de poder
de mercado
Transparência nas
relações contratuais e
regulatórias
Pouca transparência antes
da crise
Pouca transparência antes da crise Regras complexas,
aparato regulatório frágil
Pouca transparência Disputas entre regulador e regulados,
captura e abuso de poder de mercado
Despacho e estabilidade
do sistema
Pouco estável antes da
crise
Estável Pouco estável Estável, mas com
problemas
Pode ocasionar interrupção no
fornecimento de energia elétrica
Que modelo o pool pode
adaptar?
Um pool dinâmico com os
três tipos de contratos e
mercado spot estritamente
de diferenças
Um pool dinâmico com os três
tipos de contratos e mercado spot
estritamente de diferenças
Um pool dinâmico com
os três tipos de contratos
e mercado spot
estritamente de
diferenças
Um pool dinâmico
com os três tipos de
contratos e mercado
spot estritamente de
diferenças
O espaço para uso de poder de mercado
pode ser reduzido com a introdução do
pool
174
As questões mencionadas no Quadro 11 vêm sendo consideradas essenciais para a
maior parte dos trabalhos apresentados sobre o mercado, uma vez que as questões-chave
apresentadas na implementação do modelo de mercado apresentam fragilidades em grande parte dos
itens acima mencionados, senão em todos. É muito importante, por exemplo, o inter-relacionamento
do ONS com o MAE, ou seja, a relação entre o despacho real do sistema e o despacho comercial,
pois a partir daí determina-se o grau de exposição dos agentes, além do sinal de preços para a
expansão dos investimentos. Uma questão interessante é a participação obrigatória ou voluntária no
pool, que de acordo com alguns estudos apresentados pela experiência internacional, Von der Fehr
(1998), por exemplo, mostra que os mercados voluntários tendem a ser mais estáveis em termos de
preços. A Inglaterra também apresenta esse quadro. Merece destaque o fato de que o mercado, na
maioria dos países apresenta operações spot (mercado à vista) e contratos bilaterais (mercado a
prazo) e, quando em um grau maior de desenvolvimento, operam com mercados futuros. A maioria
dos países optou por um pool centralizado, o que torna necessário um mecanismo de formação de
preços adequado, que permita o gerenciamento de riscos por parte dos ofertadores, sinalize para os
investimentos e reduza a possibilidade de exercício de poder de mercado neste caso, o modelo
inglês parece razoável.
Note-se que as características econômicas relacionadas ao MAE e as condições-
chave apresentadas para o pool em um contexto internacional, remetem a uma questão importante:
o fato de que as falhas na estrutura institucional e regulatória permitirem comportamento estratégico
e uso de poder de mercado, o que prejudica em grande grau os objetivos de competição no mercado
atacadista, fato este provado por vários trabalhos que utilizam a teoria dos jogos. No caso do Brasil,
a aplicação da teoria dos jogos, a priori, não se mostra um bom instrumento, pois embora o
fundamento da crise no MAE tenha sido praticamente o mesmo daquele apresentado para a
experiência internacional, o uso de poder de mercado se fez devido ao forte componente de auto-
regulação que existia no mercado, o que será apresentado na próxima seção.
7.6. Performance do Mercado Atacadista de Energia Elétrica Brasileiro
Conforme mencionado, o MAE começou a operar em setembro de 2000, efetuando a
contabilização (que deveria ser mensal) no segundo semestre de 2002. Ao passo que a liquidação
financeira ocorreu de forma parcial em janeiro de 2003. Isso se explica por uma série de problemas
enfrentados pelo mercado, principalmente no que se refere a disputas entre os agentes, além de
problemas com o órgão regulador e com as próprias regras de mercado.
175
O primeiro obstáculo a causar paralisação do MAE ocorreu com as empresas
geradoras. O episódio, conhecido no setor por “dívida de Furnas”, ocorreu devido ao atraso na
operação de ANGRA II, que iniciou o seu despacho quatro meses depois do período previsto, os
contratos que dependiam de sua energia ficaram expostos ao preço do mercado spot. Para atender os
contratos, Furnas, que é a responsável pela comercialização da Energia de ANGRA II, ficou
exposta aos preços do mercado spot, na medida que precisou comprar a energia para cumprir seu
contrato com as distribuidoras144. Tal questão não foi pacífica, pois Furnas não quis assumir a
posição de devedora; algumas empresas distribuidoras credoras da suposta dívida, por sua vez,
exigiram o cumprimento do contrato. O problema suscitou um conflito de interesses muito grande
entre os agentes, de forma que a ANEEL precisou intervir. Além disso, a Eletronuclear alegou que
“a exposição aos preços de mercado” de Furnas não era legítima, pois a energia de ANGRA II não
poderia ser comercializada no MAE, face ao tratamento especial dado pela Lei 9648/98 à energia de
Itaipu e Nuclear. Entretanto, esta energia estava comprometida nos chamados Contratos Iniciais, o
que poderia ter sido um erro do órgão regulador em homologar a comercialização de uma energia
que teria tratamento específico. O problema foi resolvido a posteriori, quando a Eletrobrás aceitou
assumir a dívida de Furnas para o bom funcionamento do mercado (Folha de São Paulo, O Valor –
Março/Abril de 2001).
O episódio deixou claro que a quebra de contratos, ou a arbitrariedade em sua
interpretação, tem no mínimo duas conseqüências severas para o funcionamento do setor. Primeiro,
a divergência quanto aos compromissos contratuais de ANGRA II, levou à paralisação do mercado
apenas três meses depois do início de seu funcionamento, ficando parado até janeiro de 2002, sem
efetuar sua liquidação, o que resultou em perda de credibilidade dos agentes no MAE, elemento
fundamental para a competição na indústria. Segundo, ao perceber que os compromissos podem não
ser cumpridos, os agentes entram em risco moral, de forma a prejudicar a performance do mercado
(Kelman, 2001).
O episódio Furnas chamou a atenção do órgão regulador no sentido de observar o
comportamento dos agentes no Mercado Atacadista de Energia Elétrica, o que fez com que a
ANEEL publicasse as resoluções nº 160, 161 e 162 de 20 de abril de 2001 que, dentre outros
dispositivos inseriam regras de garantias, penalidades para os participantes do mercado, e
extinguiam o Comitê Executivo do MAE (COEX), modificando a governança do mercado e
propondo uma revisão do acordo de mercado, tendo em vista que o COEX não implementou as
144 Naquela ocasião, o montante de “exposição ao MAE” de Furnas era de 578 milhões de reais.
176
garantias e nem aplicou as penalidades previstas pela Resolução nº 290, de 4 de agosto de 2000, o
que complicou a credibilidade do MAE.
Em razão do crescente número de disputas e pendências entre os agentes, o órgão
regulador criou o Conselho do MAE – COMAE, com o objetivo de profissionalizar a gestão e
retirar a interferência de interesses específicos dos agentes nos procedimentos operacionais do
MAE. Assim, foram estabelecidos os esquemas de garantia e os mecanismos de penalidades para as
atuações do MAE, dando sustentação e credibilidade às transações de compra e venda de energia
elétrica. Além disso, a ASMAE foi transformada em agente autorizado para atuar como Agente
Administrador de Serviços do Mercado, sujeitando-se à fiscalização e regulação da ANEEL. As
figuras 12 e 13 a seguir mostram a governança do MAE antes e depois da reformulação:
Estrutura Anterior
MAE
Assembléia Geral
COEX
ASMAE ComitêsTécnicos
FIGURA 12 – GOVERNANÇA DO MAE
177
Ajustes
MAE
Assembléia Geral
COMAE
ASMAE
Fonte: ANEEL, 2001
FIGURA 13 – NOVA GOVERNANÇA DO MAE
O argumento da ANEEL para a reformulação do mercado atacadista se pautou na
dificuldade que este enfrentou para efetivar as suas atividades, tal reestruturação teve por objetivo
fortalecer o mercado e possibilitar que as transações fossem feitas conforme desenhado para o
modelo proposto. A mudança na governança e a extinção do COEX foram motivadas pela auto-
regulação que o MAE preconizava, tendo em vista a composição do COEX com 26 conselheiros
divididos entre categoria de produção e categoria de consumo, os quais detinham participação
cruzada, uma vez que muitos eram representados nas duas categorias. Essa composição permitia
que o COEX viesse a defender os interesses de alguns agentes em detrimento de outros, o que se
findou por configurar uma captura do principal pelo agente, já que o MAE (principal) passou a
defender os objetivos das empresas de geração (agente) 145. No novo desenho, o COMAE passou a
ter seis conselheiros: dois representantes das empresas de distribuição, dois das empresas de
geração, e dois eleitos pela ANEEL, inviabilizando a possibilidade de participação cruzada. A
Assembléia Geral, por sua vez, permaneceu a mesma, tendo como nova atribuição a aprovação da
alteração na estrutura organizacional da ASMAE.
178
A despeito das mudanças inseridas no MAE, até meados de agosto de 2001 o acordo
não havia sido assinado devido ao boicote dos agentes. Neste ambiente, o MAE não pôde fazer a
contabilização/liquidação e outros problemas surgiram, como o caso do ANEXO V dos Contratos
Iniciais que por causa do racionamento decretado a partir de junho de 2001, trouxe grandes
prejuízos às empresas geradoras. Os problemas apresentados naquele momento levaram o órgão
regulador a fazer uma segunda intervenção, nomeando inclusive os conselheiros do MAE
(COMAE). Tal acontecimento deixou claro que a questão da auto-regulação não estava resolvida, o
que levou a uma segunda reformulação da governança deste mercado. Uma das grandes fragilidades
apontadas foi o fato de que a Assembléia Geral do MAE não foi modificada pela reforma anterior, o
que manteve a participação cruzada dos agentes e a possibilidade de captura.
Considerando que a forma de regência do MAE e a forma de administração de sua
prestadora de serviços (ASMAE), constituíram fato impeditivo ao curso normal das operações de
compra e venda no mercado, principalmente no que se refere à contabilização e liquidação, o
governo federal decidiu pela reorganização do MAE, conferindo-lhe personalidade jurídica e
regência específica, o que resultou na Medida Provisória nº 29, de 7 de Fevereiro de 2002, logo
depois convertida na Lei 10.433, de 24 de abril de 2002. Além disso, a referida MP instituiu a
Convenção do Mercado Atacadista, em substituição ao Acordo de Mercado, estabelecendo a
estrutura e a forma de funcionamento do MAE. Assim, o MAE passou a ser pessoa jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos e submetido à autorização, regulamentação e fiscalização pela
ANEEL. A ASMAE foi extinta e, em seu lugar, foi criada uma Superintendência do MAE, além de
uma Câmara de Arbitragem para resolver os conflitos146. Um fator importante foi a mudança na
Assembléia Geral, na qual os votos deixaram de ser por categoria de consumo e passaram a ser por
empresas, excluindo a possibilidade de participação cruzada e concentração em uma única
categoria147.
Mesmo com as reformas no mercado atacadista, este veio a efetuar sua liquidação
apenas em Janeiro de 2003, de forma parcial, uma vez que após as mudanças determinadas pela Lei
10.433/2002 permanecram alguns conflitos e disputas entre os agentes. Destaca-se o conflito ente a
Eletrobrás e as concessionárias de distribuição de energia elétrica, devido a um possível excedente
145 Na prática o COEX era controlado por 3 grupos: Eletrobrás, AES e EDP, os quais reuniam 13 votos dos 26 possíveis, além de apresentar conflitos de interesses entre os agentes no MAE e no ONS (Santana, 2001). 146 Embora a Câmara de Arbitragem tenha sido criada em 2002, com a possibilidade de participação de todos osagentes de mercado, muitos ainda não assinaram o termo de arbitragem, e este ainda está em processo de homologaçãopela ANEEL.147 Para maiores detalhes ver Resolução ANEEL nº 102, de 1 março de 2002.
179
da energia de Itaipu. Embora a ANEEL tenha arbitrado favoravelmente às distribuidoras, a
Eletrobrás entrou na justiça contra a decisão do regulador, o que travou novamente o MAE, de
forma que, por ordem judicial, a contabilização do MAE que foi feita no segundo semestre de 2002
não levou em consideração o excedente de Itaipu. Houve uma tentativa por parte do Poder
Executivo em resolver a questão, entretanto não houve sucesso e a questão ainda está pendente.
Conforme mencionado a liquidação se fez de forma parcial e causou uma série de questionamentos
por parte dos agentes, algumas estão em demanda judicial.
Sem dúvida, a fragilidade do mercado atacadista se explica pelo alto grau de
concentração no mercado de energia elétrica onde cerca de 80% da geração pertencem a um
monopólio estatal148 e que cerca de 80% da distribuição privada pertecem a oligopólios cruzados,
uma vez que oito grandes grupos, a maioria estrangeiros, dominam este segmento. O que de acordo
com a experiência internacional é um aspecto negativo no que se refere à dinâmica desse mercado.
Somando a esses problemas, há ainda a complexidade das regras do mercado as quais necessitam
urgentemente de nova formulação, e o próprio mecanismo de formação de preços que não reflete a
disposição de oferta dos agentes, mas sim os custos de oportunidade do despacho calculado pelo
ONS. Tais mudanças não foram implementadas pelo Comitê de Revitalização. A próxima seção
discute os fundamentos dos principais problemas que contribuíram para a crise no mercado
atacadista.
7.7. Os Fundamentos dos Problemas no MAE
Cabe ressaltar que os problemas enfrentados pelo mercado atacadista não possuem
relação direta, nem de causalidade nem de conseqüência, com o racionamento de energia elétrica.
Na realidade quando os primeiros sinais da escassez de oferta de energia elétrica surgiram, o
mercado atacadista já estava interdidato. Entretanto, uma vez que o mercado já apresentava
fragilidades e uma crise de escassez emergiu, tais questões não podem ser observadas de forma
isolada. Conforme mencionado, no Capítulo 6, a crise de energia elétrica no Brasil, embora
apresente fundamentos econômicos estruturais, foi resultado principalmente de um desenho
regulatório e de mercado frágil e incompleto. Os problemas enfrentados pelo MAE padecem de um
forte viés de má implementação e, sobretudo, de má formulação do aparato regulatório e das regras
de mercado. Tal constatação vem ao encontro das conclusões dos estudos apresentados pela
148 As empresas públicas burlam as regras por ideologias, hábitos, e necessidade de manutenção de status (Mueller,2001).
180
experiência internacional, na medida que os principais problemas enfrentados pelos países que
reformaram sua indústria de eletricidade se associam a questões institucionais e regulatóras.
Um aspecto importante é a metodologia utilizada para avaliar o uso de poder de
mercado nos sistemas elétricos reestruturados, onde a maioria apresenta estudos com base na teoria
dos jogos. Na Inglaterra, por exemplo, houve jogos com encargo de capacidade e com a declaração
de disponibilidade; na Califórnia houve jogos com declaração de disponibilidade, principalmente
em períodos de demanda de pico149. Conforme foi apresentado para o caso da Argentina, o Brasil
apresenta peculiaridade, pois o exercício de poder de mercado ocorrido no mercado atacadista
brasileiro não é o exercício convencional percebido por grande parte dos países que introduziram a
reforma. A explicação central para esta afirmação é que o MAE mal começou a funcionar e foi
paralisado, não havendo oportunidade de se observar os tradicionais comportamentos estratégicos
por parte dos agentes. Entretanto, esta avaliação não confirma que o abuso de poder de mercado
esteve ausente no mercado brasileiro, mas que este apareceu com uma “roupagem” diferente
daquela apresentada para outros países: por meio da auto-regulação e auto-governança que
possibilitaram captura. O Quadro 12, a seguir, apresenta os fundamentos dos problemas no MAE.
149 Para maiores detalhes ver Wolak (2002) e outros.
181
QUADRO 12 – OS FUNDAMENTOS DOS PROBLEMAS DO MAE
Problemas Falha Regulatória Falha do mercado Implicações
Dívida de Furnas O órgão regulador
homologou contratos de
energia nuclear que
possuem tratamento especial
A usina de Angra II não
entrou em operação no
período estabelecido,
ficando exposta ao mercado
spot
O não cumprimento dos
contratos compromete a
credibilidade do mercado
Não implementação de
garantias e penalidades
A regulação previa a
implementação das
garantias e penalidades
pelos agentes, o que é auto-
regulação
Os agentes do mercado não
tinham interesse em
penalidades e garantias para
puni-los, houve captura
Sem credibilidades nas
regras os agentes entraram
em moral hazard
Auto-regulação e auto-
governança
O aparato regulatório
vigente permitia a auto-
regulação e auto-
governança; O potencial
para exercício de poder de
mercado e conflitos de
interesses foi estabelecido
na própria regulação
O mercado extremamente
concentrado é sujeito a
falhas se a regulação não é
eficiente
Houve exercício de poder de
mercado e conflito de
interesses
Reformulação da
governança
A reformulação não foi
suficiente, pois manteve
parte da velha estrutura
A concentração permitiu
falhas de mercado
Os conflitos, disputas e
abusos de poder de mercado
permaneceram
Racionamento/
Anexo V
O racionamento mostrou a
fragilidade da regulação
para situações limites
Os mecanismos de mercado
não eram suficientes para
situações limites
Houve pressão por parte dos
agentes e necessidade de
revisão do ANEXO V
Excedente de Itaipu Não existe nenhum aparato
regulatório/legal que
determina a quem pertence
o excedente de Itaipu
As regras do mercado
atacadista demonstram
claramente que não existe
excedente.
A questão se passa no
âmbito político, sujeita a
pressões dos grupos
interessados
Concentração na
indústria, por parte das
empresas estatais – auto-
regulação e auto-
governança
O aparato regulatório teve o
cuidado de eliminar a
potencial captura
As regras do mercado foram
modificadas, mas a
concentração continua.
O problema pode persistir
dada a concentração na
indústria e ao poder dos
agentes
Fonte: Elaboração própria
182
O MAE representa o locus da competição na IEEB, e o seu bom funcionamento é o
fator central para inserção da competição e o bom funcionamento da indústria como um todo. Tal
fato demonstra a necessidade de um compartilhamento do mercado, que tem um papel comercial,
com o operador do sistema (ONS), que faz o despacho real da energia, pois qualquer diferença entre
o despacho comercial (MAE) e o despacho físico pode causar perdas financeiras por parte de alguns
agentes econômicos150. Tal fato torna fundamental definir adequadamente a estrutura de governança
dos organismos responsáveis pela operação do sistema e pela contabilização e liquidação dos
contratos, e seu inter-relacionamento uma vez que vem aumentando exageradamente a
predominância da representação dos agentes estatais, dado a concentração na indústria. Conforme
apresentado no Quadro 12, a explicação para os problemas enfrentados pelo mercado atacadista se
pauta em duas premissas básicas: i) os fundamentos econômicos podem explicar a crise partindo da
hipótese de que o mercado é perfeitamente competitivo, se esta hipótese não se verifica (e este é o
caso), existe um potencial para que as condições de competição não se apresentem; ii) na hipótese
de um mercado com características monopolísticas (o que é o caso), a dinâmica competitiva deve se
apresentar por meio de mecanismos de incentivo, credibilidade dos agentes e aceitabilidades dos
contratos. Se esta questão também não se verifica, ou seja, se os mecanismos de incentivo não são
suficientes, se o comportamento dos agentes levam à ausência de credibilidade nas próprias regras
do mercado, a crise inevitavelmente se instala. A próxima seção discute com mais detalhes esses
dois fatores.
7.8. Os Fundamentos do Uso de Poder de Mercado no MAE
Conforme apresentado para a experiência internacional, as condições de competição
para a indústria de energia elétrica estão pautadas na definição do modelo de mercado e na estrutura
institucional e de governança da indústria. Uma vez que a maioria das reformas tem como o locus
de negociação o mercado atacadista, discutir competição e uso de poder de mercado nesta indústria
passa necessariamente pela discussão no âmbito deste mercado. Uma análise detalhada do mercado
atacadista brasileiro (MAE) mostrou que os principais problemas estão fundamentados na estrutura
de mercado da indústria, que apresenta características de monopólio e, portanto dificuldade de
implementação de um modelo institucional e regulatório que seja capaz de levar em conta o
eventual comportamento estratégico dos agentes que participam do mercado, no âmbito de uma
150 Destaca-se entre outros encargos, os Encargos de Serviços de Sistemas (ESS) que ocorrem devido a problemasconjunturais na rede elétrica que impedem o despacho físico de algumas usinas por indisponibilidade de rede elétrica, ou seja, restrições de transmissão dentro de um submercado.
183
estrutura de mercado que não havia sido prevista. Tais características permitem inferir que na
realidade, a interrupção no processo de privatização e a má formulação das regras de mercado
permitiram uso de poder de mercado por parte de alguns agentes, tendo em vista que o modelo
proposto para a indústria passa necessariamente pela venda das empresas ao setor privado, de forma
pulverizada. Uma vez que isto não tenha acontecido, o desenho de mercado proposto não cabe a
esta configuração de indústria, fazendo-se necessário um novo desenho.
Neste sentido a mudança estrutural e regulatória da IEEB que representaria a
passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança
híbrida no modelo privado e competitivo não foram alcançadas. O que se observa para esta indústria
é a mudança no desenho de mercado por meio da regulação e de regras no mercado atacadista que
não servem a uma estrutura de governança que mantém a hierarquia no modelo estatal, mantendo as
empresas do governo, ou seja, a holding Eletrobrás151, no topo da hierarquia do mercado152. Ao
passo que do ponto de vista do desenho proposto e do próprio aparato regulatório, esta empresa é
um agente de mercado como outro qualquer. Na prática, porém, tal empresa possui um grande
poder no âmbito do MAE, isto pode ser percebido na análise das principais disputas que ocorreram
durante a paralisação deste mercado. Conforme apresentado no Quadro 12, os fundamentos dos
problemas do MAE se explicam principalmente pelas disputas em torno da Dívida de Furnas, Auto-
regulação, Auto-governança, Anexo V e Excedente de Itaipu, em todos esses temas as empresas
estatais foram as principais protagonistas.
Conforme apresentado nas seções anteriores, parte dos problemas de auto-regulação
e auto-governança foram resolvidos pelo órgão regulador, com a reestruturação do mercado
atacadista, entretanto, os conflitos ainda permanecem, cita-se o caso da liquidação financeira
ocorrida em janeiro de 2003, feita de forma parcial e com uma série de conflitos. Além disso, se
observa que não existe competição no mercado atacadista e, portanto não foram estabelecidas as
condições de competição para a indústria como um todo, uma vez que tal indústria permanece
extremamente concentrada nas mãos do Estado.
Com base no que foi proposto por Willianson (1995), mencionado no Capítulo 3, a
mudança estrutural e regulatória proposta para a IEEB, representa a passagem de uma governança
hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança híbrida no modelo privado e
151 A Eletrobrás é a holding estatal que controla as empresas: Chesf, Furnas, Eletronorte e outras.152 A Eletrobrás deixou de determinar a hierarquia da indústria e passou a determinar a hierarquia do mercadoatacadista, com grande poder com relação ao governo e aos próprios agentes privados.
184
competitivo. Entretanto, a despeito do modelo proposto estar “teoricamente” bem desenhado para a
indústria, na prática isto não ocorreu, o que se percebe é que a mudança da hierarquia embora tenha
sido criada por mecanismos regulatórios e legais, estas não se fizeram, tendo em vista que as
empresas públicas se mantiveram no topo hierárquico da indústria. Tal questão está de acordo com
as preocupações levantadas pelo citado autor, ao recomendar que “é necessário que a indústria
supere a inicércia institucional, uma vez que alguns agentes podem perder por causa de uma
mudança instucional brusca enquanto interesses adquiridos estiverem continuamente sendo criados
com a permanência das instituicões (...) tendo em conta que o processo de mudanças é demorado e
pode não ocorrer devido à colisão de forças dos agentes que venha a participar deste modelo”. No
caso da IEEB esta constatação é explícita no comportamento das empresas estatais, já que a inércia
institucional não foi superada.
A recente “reforma da reforma” da IEEB implementada pelo Comitê de Revitalização
corrigiu uma série de imperfeições no modelo. Entretanto, existe uma grande possibilidade de tais
medidas não alcançarem os objetivos propostos, dado que muitas indefinições ainda permanecem.
Na verdade o modelo de revitalização sofreu um relativo retrocesso com relação ao que havia sido
proposto no primeiro desenho de reestruturação (modelo RE-SEB), uma vez que os pilares da
competição, privatização e nova regulamentação, não foram mantidos. Este fator se deve por um
lado, pelo desenho regulatório manter uma estrutura híbrida de governança muita mais
fundamentada em um contrato regulatório e institucional do que em um modelo de mercado dadas
às características da cadeia produtiva, que apresenta a convivência entre dois segmentos
potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e outros dois segmentos com
características de monopólio natural – a transmissão e a distribuição de energia elétrica. E por outro
lado, por não haver de fato uma substituição da hierarquia pela estrutura híbrida de governança,
dadas às características estruturais desta indústria que mantém um monopólio estatal no topo da
hierarquia. Isto leva a crer que a privatização não se fez, e, portanto não permitiu a competição, e
que o contrato regulatório é imperfeito para manter o desenho proposto.
7.9 Conclusões
As características econômicas relacionadas ao MAE e as condições-chave
apresentadas para o pool em um contexto internacional remetem a uma questão importante: o fato
de as falhas na estrutura institucional e regulatória permitirem comportamento estratégico e uso de
poder de mercado, o que prejudica os objetivos de competição no mercado atacadista, e portanto os
185
obejtivos da indústria como um todo. Fato provado pela maioria dos trabalhos que utilizaram a
teoria dos jogos. No caso do Brasil, a aplicação da teoria dos jogos, a priori, não se mostra um bom
instrumento, tendo em vista que embora os fundamentos dos problemas no MAE tenham sido
praticamente os mesmos, daqueles apresentados para a experiência internacional, o uso de poder de
mercado se fez devido ao forte componente de auto-regulação que existia no mercado e, sobretudo
pela manutenção de uma estrutura de mercado extremamente concentrada.
A metodologia utilizada nesta tese, parte de uma análise do particular para o geral, na
medida que se observa o abuso de poder de mercado no MAE e encontra os seus fundamentos nas
falhas do desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no
ambiente institucional na qual esta se insere. Do ponto de vista teórico, procede-se à observação da
estrutura de governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma
secundária os pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um
ambiente macroanalítico (institucional), chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo
central da reforma desta indústria.
Tal análise permite concluir que existem elementos suficientes, tanto na experiência
internacional como no caso brasileiro, para explicar o comportamento estratégico e o abuso de
poder de mercado por parte dos agentes econômicos, na indústria de energia elétrica, em particular
no caso do mercado atacadista. As condições-chave apresentadas para esta indústria, com raras
exceções, quando analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado
na experiência internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese: a
falha na estrutura institucional da indústria permite comportamento estratégico e prejudica os seus
objetivos de eficiência econômica, seja em um aspecto macro (da indústria como um todo), seja em
um aspecto micro, dos principais agentes envolvidos.
No caso brasileiro, em particular, conclui-se que com esse desenho, dificilmente os
problemas do mercado atacadista poderão ser resolvidos apenas com a mudança na estrutura de
governança. Isto significa que o poder de mercado ainda vai persistir. O setor precisa, na verdade, é
de um aparato institucional e regulatório que ultrapasse os limites do MAE e defina regras claras
para a indústria como um todo, principalmente no que se refere à participação das empresas estatais
nesta indústria. O próximo capítulo apresenta as conclusões e recomendações desta tese.
186
CAPÍTULO 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho foi formulado no ambiente de “reforma” do modelo de
reestruturação da indústria de energia elétrica em um contexto internacional onde as principais
discussões passam pela dificuldade da operação dos mercados, associadas principalmente ao uso de
poder de mercado por parte dos agentes. Uma análise aprofundada dos principais trabalhos
apresentados para a experiência internacional apontou para a importância de se estudar a IEEE,
utilizando os instrumentos da Organização Industrial, em particular a abordagem da Nova
Economia Institucional, as falhas na estrutura de governança dessas indústrias e o seu arcabouço
institucional que permitem espaço para comportamento estratégico e abuso de poder de mercado
por parte dos agentes econômicos, principalmente no mercado atacadista.
Dessa forma, o objetivo geral deste estudo foi identificar as eventuais falhas no
desenho de mercado e da própria estrutura de governança da Indústria de Energia Elétrica Brasileira
(IEEB), que permitam comportamento estratégico e exercício de poder de mercado por parte dos
agentes econômicos. O trabalho passou pelo objetivo específico de analisar a IEEB confrontando-a,
com as experiências internacionais, principalmente o caso da Califórnia e da Inglaterra, a fim de
identificar lições para auxiliar no diagnóstico dos principais problemas no modelo regulatório e de
mercado, para o caso brasileiro. Foi observado que as fragilidades da estrutura de governança da
IEEB e em particular do MAE permitiram condutas estratégicas por parte dos agentes, impedindo o
funcionamento adequado do mercado, apontando para a necessidade de reformulação desta
estrutura, embora tal mercado já tenha passado por duas reformas.
Destaca-se que a formalização de comportamento de gaming tem tomado grande
espaço nos diversos estudos, conforme apresentado nesta tese. Tais estudos têm contribuído para as
reformulações do setor nos vários países, principalmente no que se refere à revisão do modelo de
mercado e da própria estrutura de governança. É, portanto, neste contexto que o trabalho aqui
proposto busca contribuir para o setor elétrico brasileiro, por meio de uma análise qualitativa que
mostra as possíveis falhas do desenho de mercado e da estrutura de governança que permitiria uso
de poder de mercado por parte dos agentes no mercado atacadista, uma vez que este é o locus das
transações na IEEB.
Em linhas gerais, os principais pontos do desenvolvimento deste trabalho foram:
187
1. A possibilidade de manutenção dos objetivos de reforma baseados nos pilares da
competição, privatização e nova regulamentação, que configuram a nova estrutura da
IEEB. Destaca-se que tais pilares não foram mantidos. Este fator se deve por um lado,
do desenho regulatório manter uma estrutura híbrida de governança muita mais
fundamentada em um contrato regulatório e institucional do que em um modelo de
mercado dado as características da cadeia produtiva, que apresenta a convivência entre
dois segmentos potencialmente competitivos – a geração e a comercialização – e outros
dois segmentos com características de monopólio natural – a transmissão e a distribuição
de energia elétrica. E por outro lado, por não haver de fato uma substituição da
hierarquia pela estrutura híbrida de governança, dado as características estruturais desta
indústria que mantém um monopólio estatal no topo da hierarquia. Isto leva a crer que a
privatização não se fez, e, portanto não permitiu a competição, e que o contrato
regulatório é imperfeito para manter o desenho proposto;
2. A IEEB apresenta uma peculiaridade importante à medida que relaciona uma grande
coordenação ao longo da cadeia, gerando efeitos relevantes para a eficiência da indústria
em um contexto geral. Isso se deve à característica de rede da indústria com o agravante
de a energia elétrica não poder ser estocada. Diante desse quadro, qualquer tentativa de
comparar o produto energia elétrica com um bem qualquer pode ocasionar um sério erro
de diagnóstico. Esta ampla coordenação está a exigir, portanto, uma estrutura
institucional, regulatória e de mercado adequada e complexa, com especial atenção para
o fundamental papel do desenho de mercado e da própria estrutura de governança do
mercado atacadista, elemento essencial para a competição na indústria;
3. O funcionamento de um mercado atacadista levanta uma série de questões no que se
refere à estrutura industrial, o papel da regulação e o desenho do mercado de
eletricidade. Tais questões estão associadas à performance da indústria em termos de
objetivos de competição e os resultados para os consumidores finais. A experiência
internacional tem demonstrando que há uma série de frustrações em termos de alcance
de eficiência econômica para a indústria como um todo, além de dificuldades de
implementação completa do modelo desenhado e, sobretudo do uso de poder de mercado
por parte dos agentes (principalmente os geradores). Tais questões têm trazido uma série
de questionamentos aos modelos adotados, convergindo para a necessidade de se
estabelecer um novo desenho institucional, envolvendo mudanças no desenho de
mercado e do próprio papel do órgão regulador. As principais razões para a revisão
desses modelos tomam por base o fraco desempenho da indústria em termos de
188
eficiência econômica devido, principalmente, à limitada possibilidade de competição. A
revisão dos modelos implementados, nos diferentes países que fizeram a reforma do
setor elétrico e posteriormente aplicaram uma “reforma da reforma” do aparato
inicialmente desenhado, a fim de reduzir a possibilidade de uso de poder de mercado.
Tal reforma tem por objetivo adequar modelos competitivos baseados em uma estrutura
de governança considerada “adequada” a cada mercado em particular;
4. A recente crise da IEEB, que levou ao racionamento de energia no período de junho de
2001 a fevereiro de 2002, trazendo implicações importantes para a implementação da
reforma culminando na necessidade de rever o próprio modelo de reestruturação;
5. A “reforma da reforma” do modelo do setor elétrico brasileiro, em um contexto
internacional de sistemas elétricos reestruturados, levantou questões teóricas e práticas
importantes. Assim, procurou-se analisar esse processo, que antes da sua efetiva
implementação apresentou sinais de fragilidade; além de verificar as principais diretrizes
no contexto atual do comitê de revitalização fazendo um paralelo com as experiências
internacionais. Isto permitiu apontar na estrutura de governança da IEEB, recentemente
modificada, as principais falhas e, portanto, a possibilidade de uso de poder de mercado
por parte dos agentes;
Posto isto, conclui-se que existem elementos suficientes, tanto na experiência
internacional como no caso brasileiro, para explicar o comportamento estratégico e o abuso de
poder de mercado por parte dos agentes econômicos, na indústria de energia elétrica, em particular
no mercado atacadista. As condições-chave apresentadas para esta indústria, com raras exceções,
quando analisadas do ponto de vista prático, ou seja, o que efetivamente foi encontrado na
experiência internacional, remete à constatação da hipótese levantada pela proposta desta tese: a
falha na estrutura institucional da indústria permite comportamento estratégico e prejudica os seus
objetivos de eficiência econômica, seja em um aspecto macro (da indústria como um todo), seja em
um aspecto micro, dos principais agentes envolvidos;
No que se refere à natureza da firma, na abordagem institucional, nota-se que os
ativos desta indústria possuem um grau de especificidade muito alto, sendo também altas as
economias de coordenação e os custos de transação ao longo da cadeia industrial. Tais
características geram a necessidade de observar a IEE sob uma análise macroanalítica, na medida
que é preciso considerar os aspectos políticos, legais e institucionais nos quais a indústria está
inserida, ou seja, as regras do jogo. A análise microanalitica é também de relevância, na medida que
apresenta a forma de contratação e organização do mercado, no caso da IEE, o pool é o próprio
189
mercado, e os contratos nele registrados apresentam governança própria. É importante notar que a
Nova Economia Institucional é um instrumento importante para explicar os problemas apresentados
pela IEE em termos mundiais, uma vez que a teoria do incentivo, associada à teoria da agência, e os
conflitos resultantes dos direitos de propriedade, por um lado, e a teoria dos custos de transação na
abordagem de governança por outro, completa o modelo teórico para a análise desta indústria. Tal
modelo é capaz de explicar, em uma abordagem teórica, as razões institucionais do comportamento
estratégico e o uso de poder de mercado ocorrido na maioria dos modelos apresentados, o que foi
percebido na prática, inclusive em trabalhos com aplicação da teoria dos jogos.
A metodologia aqui utilizada parte de uma análise do particular para o geral, na
medida que se observa o abuso de poder de mercado no pool e encontra os seus fundamentos nas
falhas do desenho de mercado e do desenho regulatório da indústria como um todo, inclusive no
ambiente institucional na qual se insere. Do ponto de vista teórico, procede-se a observação da
estrutura de governança no âmbito da teoria dos custos de transação, considerando de forma
secundária os pressupostos da teoria do incentivo, em uma abordagem microanalitica dentro de um
ambiente macroanalítico (institucional), chegando à abordagem da eficiência econômica, objetivo
central da reforma desta indústria.
A abordagem microanalitica dos resultados apresentados pela experiência
internacional leva à conclusão de que o abuso de poder de mercado no pool é resultado de uma
estrutura de governança mal definida, no que se refere ao desenho do modelo e seu aparato
regulatório, que permite espaço para jogo, disputas, conflito de interesses e captura. O mercado faz
parte de uma estrutura de governança muito maior e, em uma abordagem macroanalítica nota-se
que o pool é apenas um dos elementos que compõem um aparato institucional amplo, formado por
agentes como, por exemplo, o órgão regulador, o operador do sistema, o governo, a sociedade e
outros. Nesse contexto, cabe observar que devido às características técnicas e econômicas da
indústria, o modelo de reestruturação necessita estar muito bem fundamentado nos seus
pressupostos, de modo a zelar para que a mudança de uma estrutura de governança pautada em um
modelo verticalizado e estatal com grandes economias de coordenação, transmude-se em uma
estrutura de governança, pautado em um modelo competitivo e privado, com elevados custos de
transação, e que precisa preservar boa parte de sua coordenação em benefício da eficiência
econômica. Vai-se percebendo, pois, o importante papel da regulação.
Os modelos de reforma apresentados pelas principais economias estudadas, não
pretenderam (e nem poderiam) considerar a governança dos mecanismos de mercado e a
190
governança dos mecanismos regulatórios, concorrentes entre si, e sim utilizá-los de forma
complementar para alcançar os objetivos de eficiência, o que significa valer-se de uma forma
híbrida de governança. O principal problema apresentado pelo modelo é que a dose adequada para
cada um destes dispositivos ainda não foi encontrada, permitindo falhas de mercado e falhas do
modelo regulatório. A experiência tem demonstrado, pelo menos nos países em que se obteve
algum grau de sucesso, que essa transposição precisa ser cuidadosa e gradual, pois é somente com o
processo de aprendizado que se pode chegar a uma governança híbrida com doses adequadas de
mercado e de regulação.
Atualmente, tanto a Califórnia quanto a Inglaterra apresentam um bom desempenho,
o qual se deve a um excesso de intervenção no primeiro caso e um grau maior de liberdade, no
segundo. O mercado da Inglaterra vem sendo assegurado tanto pelo excesso de oferta quanto pela
credibilidade que o órgão regulador adquiriu nos últimos anos, com a intervenção excessiva.
Entretanto, apesar das mudanças inseridas na Califórnia, a experiência de países
como a Inglaterra deixa claro que não há garantia de que a questão da governança está resolvida
para o modelo de mercado da IEE, haja vista o caráter incipiente das mudanças, e a permanência da
incerteza sobre a conformação do mercado e do aparato regulatório que as características técnicas e
econômicas desta indústria irão comportar. A experiência da Noruega demonstra que o pool requer
um desenho cuidadoso e que a introdução do mercado precisa ser gradual, caso contrário
recorrentes crises podem ocorrer. Isto realmente sugere um processo de aprendizado que possa
determinar em que grau a configuração entre mercado e intervenção vai se fazer, o que pode
demorar anos e anos.
Embora a crise e os principais problemas apresentados pela experiência internacional
possam levar a crer que o modelo de reestruturação não foi bem sucedido, isto não significa que
este processo deva ser abandonado. É importante destacar que as mudanças na tecnologia dessa
indústria não transformam fundamentalmente um setor com características de monopólio natural
para um setor caracterizado por ausência total de monopólio, daí o fato de o segmento de geração
apresentar características de oligopólio e o investimento ser fator crucial para inserir a competição
(Joskow, 2000). Recomenda-se, portanto, regular os preços e, ao mesmo tempo, permitir um
gerenciamento de riscos, o que chama a atenção para a convivência de segmentos regulados e não-
regulados ao longo da cadeia da indústria.
Há de se considerar, também, que a política de liberalização de uma indústria com
tais características se torna insustentável sem um claro desenho regulatório, uma vez que a
191
característica não estocável do produto energia elétrica, associada à elasticidade preço da demanda
muito baixa, faz com que o investimento se torne uma variável chave para o modelo, tendo em vista
que a competição deve ser pautada pelo excesso de oferta. Em situação em que exista uma grande
dependência da expansão da oferta, o modelo não pode ser demasiadamente complexo, as regras
precisam ser claras e críveis, sob pena de se tornarem instrumentos indesejáveis de barreira à
entrada.
Além disso, a experiência internacional ora apresentada acrescenta algumas
características importantes associadas ao processo de aprendizado observado na implementação do
modelo de mercado. Uma análise ex-post, pós reforma, como está sendo feita agora, pode
acrescentar variáveis de extrema relevância na definição de um aparato institucional para a IEE, ou
seja, a definição da estrutura de governança para esta indústria como um todo precisa considerar
alguns fatores-chave. A experiência internacional sugere dois mecanismos de incentivo básicos, os
quais estão associados ao próprio desenho do modelo e ao arcabouço institucional/regulatório desta
indústria: a introdução de contratos e de demand side bidding, os quais tem contribuído para
estimular os investimentos e reduzir o uso de poder de mercado.
Em primeiro lugar, é necessário que a demanda tenha uma participação mais ativa no
mercado, não ficando na estrita dependência da oferta, e para isso a introdução do demand side
bidding se mostra pertinente, pois conforme já mencionado, a inelasticidade da demanda,
principalmente no curto prazo, sinaliza para os geradores uma trajetória determinística da demanda,
que possibilita jogar com as ofertas. O mecanismo proposto para o modelo reduz em certo grau a
inelasticidade da demanda, pois o modelo tem a capacidade de capturar a sensibilidade dos agentes
em termos de preços, na medida que estes podem gerenciar sua própria demanda. São duas as
vantagens: como os agentes são mais sensíveis aos preços e participam do processo de formação de
preços no pool, reduz-se a margem de manobra dos geradores na determinação dos preços,
reduzindo o poder de mercado e a volatilidade no preço spot. Em conseqüência, a redução da
volatilidade nos preços do mercado spot pode emitir sinais positivos para os investimentos.
Em segundo lugar, a introdução de contratos se mostra pertinente. A experiência
evidencia a necessidade de se desenhar um modelo de mercado pautado em três tipos de contratos
para que haja dinâmica no mercado: o contrato a termo, os contratos futuros e os contratos
bilaterais, a depender do formato regulatório e da dinâmica do mercado. Estes asseguram sinais para
investimentos e gerenciamento de riscos por partes dos agentes; além disso, em determinadas
circunstâncias, podem conter o abuso de poder de mercado.
192
Percebe-se que os contratos possuem mecanismos naturais que contribuem para a
sinalização dos investimentos, na medida que podem ser formatados contratos com prazos mais
longos, sinalizam preços mais estáveis, além de servir de mecanismos de hedge tanto para os
compradores como para os vendedores. Os três modelos de contratos apresentados anteriormente
contribuem para a solução dos problemas tanto no curto como no longo prazo, de vez que os
contratos bilaterais, a termo ou financeiros podem ter seus prazos determinados de várias formas,
pois a dinâmica do próprio mercado determina o formato.
Os países que apresentam algum grau de sucesso na introdução do modelo de
mercado para IEE invariavelmente possuem esses mecanismos de contratos, os quais são
extremamente dinâmicos. O relativo sucesso da reforma da Califórnia após a crise está em grande
parte baseada na inserção deste mecanismo. A Inglaterra é também um exemplo, bem como a
Noruega e a Argentina. Vale lembrar que a introdução destes mecanismos pode reduzir os
principais problemas encontrados na IEE. Entretanto, tais mecanismos, se utilizados isoladamente
não produzem resultados eficientes. É necessário que o desenho institucional e regulatório da
indústria esteja bem amarrado, ou seja, que a estrutura de governança esteja bem definida, pois caso
contrário os problemas podem permanecer.
Tendo em vista o diagnóstico apresentado para a experiência internacional, algumas
conclusões e recomendações podem ser feitas paro o caso brasileiro em particular:
a) A nova organização da IEEB está fundamentada em uma estrutura de governança
que funciona em torno de um mercado atacadista de energia, cuja finalidade é determinar o preço de
curto prazo, tornar dinâmica e flexível a relação de compra e venda entre os agentes e, por fim,
sinalizar para a direção dos investimentos. No caso específico para os investimentos, a participação
dos contratos de médio e longo prazo, tem papel fundamental neste mercado, na medida que vai
assegurar os preços de médio e longo prazo. Uma vez que a ANEEL, é órgão responsável para
regular o relacionamento destes agentes e estabelecer as regras do jogo, a organização da IEEB se
faz sob uma estrutura de governança híbrida, onde a forma de coordenação se faz por um contrato
regulatório, de um lado, e pelo mercado de outro.
b) Dado o modelo apresentado, os mecanismos de incentivo para a realização de
investimentos nesta indústria e, portanto, a possibilidade de competição, deve ocorrer,
principalmente, por meio de contratos, uma vez que a governança estabelecida se faz no mercado e
no contrato regulatório. No mercado a governança se fundamenta nos contratos bilaterais e em um
estágio mais dinâmico em contratos a termo e contratos futuros. No caso do contrato regulatório, a
193
governança depende essencialmente da credibilidade das instituições formadas, de forma que haja
garantias de que não haverá nenhum ato administrativo capaz de pôr em risco a estabilidade do
ambiente de negócios e a segurança quanto à realização dos seus objetivos. Ou seja, é necessário
reduzir os riscos regulatórios. Do ponto de vista do regulador, é importante que existam formas de
monitoramento capazes de impedir ações oportunistas, pois estas ações podem beneficiar alguns
agentes em detrimento de outros e colocar em xeque a credibilidade do contrato regulatório;
c) Conforme apresentado para a experiência internacional, as condições de
competição para a indústria de energia elétrica estão pautadas na definição do modelo de mercado e
na estrutura institucional e de governança da indústria. Uma vez que a maioria das reformas tem
como o locus de negociação o mercado atacadista, discutir competição e uso de poder de mercado
nesta indústria passa necessariamente pela discussão no âmbito deste mercado. Uma análise
detalhada do mercado atacadista brasileiro (MAE) mostrou que os principais problemas estão
fundamentados na estrutura de mercado da indústria, que apresenta características de monopólio e,
portanto dificuldade de implementação de um modelo institucional e regulatório que seja capaz de
levar em conta o eventual comportamento estratégico dos agentes que participam do mercado, no
âmbito de uma estrutura de mercado que não havia sido prevista. Tais características permitem
inferir que na realidade, a interrupção no processo de privatização e a má formulação das regras de
mercado permitiram uso de poder de mercado por parte de alguns agentes, tendo em vista que o
modelo proposto para a indústria passa necessariamente pela venda das empresas ao setor privado,
de forma pulverizada. Uma vez que isto não tenha acontecido, o desenho de mercado proposto não
cabe a esta configuração de indústria, fazendo-se necessário um novo desenho.
d) Na prática, a mudança estrutural e regulatória da IEEB que representaria a
passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio estatal para uma governança
híbrida no modelo privado e competitivo não foi alcançada. O que se observa para esta indústria é a
mudança no desenho de mercado por meio da regulação e de regras no mercado atacadista que não
servem a uma estrutura de governança que mantém a hierarquia no modelo estatal, tendo as
empresas do governo, a holding Eletrobrás, no topo da hierarquia do mercado. Ao passo que do
ponto de vista do desenho proposto e do próprio aparato regulatório, esta empresa é um agente de
mercado como outro qualquer. Na realidade, tal empresa possui um grande poder no âmbito do
MAE, isto pode ser percebido na análise das principais disputas que ocorreram durante a
paralisação do MAE.
194
e) Com base em Williamson (1995), a mudança institucional e regulatória proposta
para a IEEB, representa a passagem de uma governança hierárquica no modelo de monopólio
estatal para uma governança híbrida no modelo privado e competitivo. Entretanto, a despeito do
modelo proposto estar “teoricamente” bem desenhado para a indústria, na prática isto não ocorreu, o
que se percebe é que a mudança da hierarquia embora tenha sido criada por mecanismos
regulatórios e legais estas não se fizeram, tendo em vista que as empresas públicas se mantiveram
no topo hierárquico da indústria.
f) É verdade que a recente “reforma da reforma” da IEEB implementada pelo
Comitê de Revitalização corrigiu uma série de imperfeições no modelo. Entretanto, existe uma
grande possibilidade de tais medidas não alcaçarem os objetivos propostos, tendo em vista que
muitas indefinições ainda permanecem. Na verdade o modelo de revitalização sofreu um relativo
retrocesso com relação ao que havia sido proposto no primeiro desenho de reestruturação (modelo
RE-SEB), uma vez que os pilares da competição, privatização e nova regulamentação, não foram
mantidos. Este fato, leva a concluir que tal escolha poderia até ser um bom caminho, pois a
experiência tem demonstrando que a melhor alternativa é caminhar a passos lentos rumo à
competição. Entretanto, no que refere aos investimentos, fator central para a indústria, percebe-se
que as mudanças no modelo apresentam o mérito de sinalizar para a expansão de geração de energia
elétrica a médio e longo prazo, inclusive pela formação gradual de uma incipiente estrutura a termo
de preços da energia. Porém, caso a referida sinalização não seja emitida com a antecedência
adequada, corre-se o risco de ver a substituição gradual do modelo competitivo na geração de
energia elétrica pelo “velho” modelo de inversão, centralizado nas empresas públicas, o que em um
quadro de relativa restrição fiscal, pode sujeitar o sistema à persistência indesejável de um
desequilíbrio entre demanda e oferta de energia elétrica. Assim, é importante que alguns ajustes
sejam feitos por parte do governo, principalmente quanto a definir, de forma precisa, o que se
pretende em termos de modelo para esta indústria. Dado que o desenho atual não comporta as
características estruturais que de fato se apresentam para indústria, principalmente no que se refere
à participação das empresas estatais no mercado atacadista.
195
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