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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO JOO DEL-REI
Programa de Ps-graduao em Geografia
JULIAR DE SOUZA OLIVEIRA
TURISMO E MINERAO NA PRODUO DO ESPAO NO
MUNICPIO DE SO THOM DAS LETRAS
SO JOO DEL-REI
MINAS GERAIS - BRASIL
JULHO DE 2017
1
JULIAR DE SOUZA OLIVEIRA
TURISMO E MINERAO NA PRODUO DO ESPAO NO
MUNICPIO DE SO THOM DAS LETRAS
Dissertao submetida ao Programa de Ps
Graduao em Geografia, Universidade
Federal de So Joo Del Rei, como parte dos
requisitos necessrios para obteno do ttulo
de Magister Scientiae (MS).
So Joo del-Rei - MG
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo ao meu professor e orientador, Dr. Mrcio Roberto Toledo,
pela confiana, amizade, pacincia, compreenso, disponibilidade e autonomia dada
a mim em todo o percurso do mestrado, pelas suas imprescindveis orientaes, um
exemplo de pessoa e de profissional.
Aos professores Drs. Ivair Gomes e Tatiane Godoy, por terem atendido ao
nosso convite para a banca de qualificao, e pelas valiosas observaes e
orientaes feitas neste exame, indispensveis ao resultado deste trabalho.
A todos os amigos do processo de graduao, em especial aos meus amigos
Andr Luan Macedo, ureo Miguel Sigaud, Eliverto Rosa, Marcela Goulart Fontes,
Luan Ariel Sigaud e Tiago Silva, pelo companheirismo, incentivo e pelas boas
discusses que me possibilitaram a construo do projeto de mestrado.
professora Dra. Larissa Medeiros Marinho dos Santos, pelo carinho,
ateno, pacincia e disponibilidade, contribuindo decisivamente com o meu
amadurecimento acadmico e como pessoa, um exemplo de generosidade e
companheirismo.
Ao amigo professor Mrio Luiz (Pardal), pelo forte incentivo leitura, quando
adolescente, emprestando os primeiros livros com os quais tive contato, alm das
provocativas discusses polticas, filosficas e dos ensinamentos que foram
decisivos nos caminhos trilhados at chegar concluso desse trabalho.
Ao Prof. Dr. Fbio Tozi e Profa. Dra. Tatiane Godoy, por terem aceitado o
convite para participar da minha banca de mestrado.
minha famlia que compartilham de minhas alegrias e dificuldades.
Considero que essa Dissertao seja uma construo coletiva, em que cada
um dos amigos, professores, familiares e autores que referenciaram essas
discusses de alguma forma, me acompanhando no dia a dia ou em minha memria
contriburam, direta ou indiretamente, para o resultado desse trabalho. Portanto,
agradeo sincera e profundamente a todos.
Aqueles que passam por ns no vo ss, no nos deixam ss. Deixam um pouco de si, levam um pouco de ns. (Antoine de Saint-Exupry).
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RESUMO
Nesta dissertao, busca-se entender a produo do espao do municpio de So Thom das Letras-MG, a partir da relao entre as duas principais atividades econmicas deste municpio: o turismo e a minerao de quartzito. Em So Thom das Letras, o turismo e a minerao se desenvolvem com mercados consumidores e produtos completamente distintos. No entanto, essas atividades se realizam em uma mesma base territorial e sob a mesma dinmica de reproduo, assentada na acumulao de capital. A atividade turstica se desenvolve, explorando a paisagem exuberante do alto da serra, as cachoeiras, os afloramentos rochosos, as grutas e a arquitetura peculiar das construes de pedra na cidade. A minerao de quartzito desenvolve-se a cu aberto, de natureza altamente expansiva e predatria, tendo ampliado suas atividades com grandes impactos, alterando radicalmente os locais onde realiza suas atividades, o que tem representado um grande problema para a atividade turstica na regio, j que muitos pontos tursticos se encontram dentro ou prximos de reas de minerao. Por sua vez, o turismo tambm vem limitando a expanso da atividade mineradora, tendo em vista que muitos lugares de explorao turstica se encontram em reas de relevante potencial minerrio, ambicionadas por agentes da minerao, dificultando sua expanso sobre essas reas. Com o desenvolvimento paralelo das duas atividades econmicas, um mecanismo conflitante apresenta-se cada vez mais presente e intenso no municpio, revelando no lugar as contradies da dinmica de reproduo capitalista, como exemplo, a acirrada competio pelo uso do territrio, vinculada necessidade contnua de expanso econmica. Com esta pesquisa, esperamos aprofundar os conhecimentos sobre essas contradies, medida que compreendemos as bases e as consequncias do uso do territrio de cada atividade e da relao entre elas em So Thom das Letras. Palavras-Chave: So Thom das Letras; Turismo; Minerao; produo do espao, capitalismo.
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ABSTRACT
This thesis seeks to understand the reproduction of space in the city of Sao Thome das Letras MG, from the relationship between the two main economic activities of this city: the tourism and the mining of quartzite. In Sao Thome das Letras, the tourism and the mining are developed with cconsumers markets and many different product markets. However, these activities are performed out in the same territorial base and under the same dynamic of reproduction, based on the accumulation of capital. The tourist activity develops, exploring the lush landscape from the top of the mountain range, the waterfalls, the rocky outcrops, the caves and the peculiar architecture of stone buildings in the city. The mining of quartzite develops explicitly, in a highly expansive and predatory way, having expanded its activities with major impacts, radically altering the places where it carries out its activities, which has been big problems for the tourist activity in the region, because many tourist spots are inside or near mining areas. In turn, the tourism has also been limiting the expansion of mining activity, considering that many places of tourist exploration are in areas of relevant mining potential, aspired by mining agents, making it difficult to expand on these areas. With the parallel development of the two economic activities, a conflicting mechanism is increasingly present and intense in the municipality, revealing, in this place, the contradictions of the dynamics of capitalist reproduction, as an example, the fierce competition for the use of territory, linked to the continued need for economic expansion. With this research, we hope to deepen our understanding of these contradictions, as we understand the bases and consequences of using the territory of each activity and the relationship between them in So Thom das Letras.
Keywords: Sao Thome das Letras; Tourism; Mining; production space, capitalism.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Igreja Matriz de So Thom das Letras......................................................33
Figura 2 - Altar da igreja Matriz de So Thom das Letras........................................34
Figura 3 - Igreja de Pedra, Nossa Senhora do Rosrio.............................................35
Figura 4 - Casas de pedra de So Thom das Letras...............................................37
Figura 5 - So Thom das Letras antigo traado urbano (1897) ...........................39
Figura 6 - Estrada de Ferro Minas e Rio (1884) .......................................................40
Figura 7 - Pessoas ocupadas nos diferentes setores da economia em So Thom
das Letras entre 2007-2013.......................................................................................52
Figura 8 - Extenso da atividade mineradora em So Thom das Letras.................54
Figuras 9 - Mapa dos potenciais minerais do municpio de So Thom das
Letras..........................................................................................................................57
Figura 10 - Evoluo da minerao em So Thom das Letras de 1985-
2015............................................................................................................................58
Figura 11 - rea de potencial mineral, limpeza da rea para perfurao das
minas..........................................................................................................................59
Figura 12 - Perfurao das minas por meio de perfuratriz. .......................................59
Figura 13 - Exploso das reas de lavra....................................................................59
Figura 14 - Retirada de entulho..................................................................................59
Figura 15 - Desplacamento manual da rocha de quartzito.........................................60
Figura 16 - Recorte manual das placas de quartzito..................................................60
Figura 17 - Transporte do produto..............................................................................60
Figura 18 - Acabamento com serra eltrica...............................................................60
Figura 19 - Pilha de rejeitos em So Thom das Letras............................................62
Figura 20 - Estimativa dos rejeitos acumulados nas reas de lavra de quartzitos
foliados - So Thom das Letras (1950-2009) ..........................................................62
Figura 21 - Soterramento de vegetao por depsito de rejeitos..............................65
Figura 22 - Alterao da Paisagem............................................................................65
Figura 23 - Assoreamento do Crrego Passa Quatro por materiais provenientes da
minerao...................................................................................................................66
Figura 24 - Evoluo da arrecadao da CFEM no municpio de So Thom das
Letras entre 2004 2009...........................................................................................69
8
Figura 25 - Destaque da concentrao comercial na Praa Baro de Alfenas e na
Rua Plnio Pedro Martins............................................................................................80
Figura 26 - Edificaes de Pedra em So Thom das Letras....................................83
Figura 27 - Sede Urbana de So Thom das Letras e permetro de tombamento do
IEPHA.........................................................................................................................86
Figura 28 - Igreja Nossa Senhora Rosrio e conjunto paisagstico da Praa do
Rosrio.......................................................................................................................88
Figura 29 - Cidade de So Thom das Letras equipamentos urbanos e reas de
expanso....................................................................................................................91
Figura 30 - Loteamento sobre reas de minerao desativadas...............................92
Figura 31 - Evoluo Urbana de So Thom das Letras de 1897 -2010 e permetro
do Parque Antnio Rosa............................................................................................94
Figura 32 - Construo de Casa Sobre os Limites do Parque Antnio
Rosa...........................................................................................................................95
Figura 33 - Visitao Turstica da casa da Pirmide, Sbado da Festa de
Agosto........................................................................................................................96
Figura 34 - Bacia Hidrogrfica do Ribeiro Canta Galo.............................................98
Figura 35 - Permetro da rea de Proteo Ambiental So Thom e Canta
Galo............................................................................................................................99
Figura 36 - Inscrio Rupestre Toca do Leo danificada por Pichaes e
Depredaes............................................................................................................101
Figura 37 - Inscrio Rupestre Extrada de rea de Minerao e assentada na
fachada da Pousada Mirante das Pedras................................................................102
Figura 38 - Populao ocupada por setores de atividade e por gnero no municpio
de So Thom das Letras........................................................................................104
Figura 39 - Fotografia area de So Thom das Letras, incluindo a sede do
municpio, ao centro (1968) .....................................................................................107
Figura 40 - reas de Minerao e Pontos Tursticos de So Thom das
Letras........................................................................................................................109
Figura 41 - Placas de advertncias anunciando a interdio da gruta do Carimbado
pelo Ministrio Pblico Estadual e Pelo IBAMA.......................................................110
Figura 42 - Pilha de rejeito na vertente do ribeiro Passa Quatro que abastece a
cachoeira do Vale das Borboletas e cachoeira da Garganta...................................111
Figura 43 - Afloramento Rochoso (Toca Furada) e Pilhas de Rejeitos....................112
9
Figura 44. reas de Potencial turstico e potencial minerrio..................................114
Figura 45: Vista Area, Encontro da rea Urbana com rea de Minerao............116
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AMIST Associao dos Mineradores de So Thom das Letras
APAS reas de Preservao Ambiental
APP reas de Proteo Permanente
CFEM Contribuio Financeira por Explorao Mineral
CMMAD Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
COOPEDRA Cooperativa dos Extratores de Pedras do Patrimnio de So
Tom das Letras
COPASA MG Companhia de Saneamento de Minas Gerais
DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
FEAM Fundao Estadual do Meio Ambiente
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renovveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadorias e Servios
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IEPHA-MG Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas
Gerais
IGAN Instituto Mineiro de Gesto das guas
INVITUR Inventrio Turstico de So Thom das Letras de 2014
OMT Organizao Mundial do Turismo
ONU Organizao das Naes Unidas
PIB Produto Interno Bruto
TCU Tribunal de Contas da Unio
http://www.iepha.mg.gov.br/http://www.iepha.mg.gov.br/http://www.igam.mg.gov.br/gestao-das-aguas
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SUMRIO
INTRODUO ......................................................................................................... 14
CAPTULO I: ANLISE HISTRICA DA FORMAO DA CIDADE DE SO
THOM DAS LETRAS DA MINERAO E DO TURISMO ....................................26
1 (1 Momento) A Colonizao do Sul de Minas e o Povoamento do Alto da
Serra de So Thom Das Letras: ...........................................................................29
1.2 A ocupao da Serra de So Thom das Letras.............................................31
1.3 (2 momento) Incio e Desenvolvimento do Povoado de So Thom das
Letras, sculo XIX e incio de sculo xx.................................................................38
1.4 (3 Momento) Formao e Desenvolvimento da Indstria da Pedra e do
Turismo.....................................................................................................................41
1.4.1 Dcada de 1940................................................................................................41
1.4.2 Dcada de 1960................................................................................................42
1.4.3 Dcada de 1970 ..............................................................................................43
1.4.4 Dcada de 1980................................................................................................45
1.4.5 Dcada de 1990................................................................................................48
1.4.6 Anos 2000.........................................................................................................49
CAPTULO II: MINERAO E A PRODUO DO ESPAO EM SO THOM DAS
LETRAS ....................................................................................................................51
2.1 A economia Mineradora em So Thom das Letras.......................................51
2.2 Uso e Ocupao do territrio pela Atividade mineradora e a produo do
espao em So Thom das Letras..........................................................................53
2.2.1 A ocupao do territrio pela minerao......................................................53
2.2.2 O Uso do Territrio pela Minerao...............................................................59
2.2.3 Minerao e seus Impactos socioespaciais.................................................61
2.3 - O Estado, a reproduo Capitalista e Produo do Espao em So Thom
das Letras pela minerao .....................................................................................71
CAPTULO III: TURISMO E A PRODUO DO ESPAO EM SO THOM DAS
LETRAS.....................................................................................................................75
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3.1 A Produo do Espao pela atividade turstica: Conceitos e
Discusses................................................................................................................75
3.2 Turismo e Produo do Espao Urbano..........................................................78
3.2.1 Estado e Expanso Urbana em So Thom das Letras...............................89
3.3 Turismo e Produo do Espao Rural em So Thom das Letras................97
3.4 Turismo, minerao e Stios Arqueolgicos em So Thom das Letras....101
3.5 O uso do territrio e relaes de trabalho no setor turstico em So Thom
das Letras................................................................................................................103
CAPTULO IV: A RELAO ENTRE TURISMO E MINERAO E A PRODUO
DO ESPAO EM SO THOM DAS LETRAS.......................................................106
4.1 Turismo e Minerao Em So Thom das Letras: Uma Relao de
Tenso.....................................................................................................................106
4.2 A Expanso como Possibilidade da Reprodues Capitalista: o Caso de
So Thom das Letras ..........................................................................................117
4.3 Reproduo Capitalista e Desenvolvimento Sustentvel: uma Possibilidade
ou Uma Incongruncia?.........................................................................................120
CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................125
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................134
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INTRODUO
A proposta desta dissertao analisar o processo de produo do espao
em So Thom das Letras-MG, a partir de suas principais atividades econmicas: o
turismo e a minerao de quartzito. Essas atividades econmicas envolvem
diferentes interesses, com diferentes agentes sociais que exploram reas comuns
no municpio e sob a mesma dinmica de reproduo, que se orienta pela
acumulao de capital, porm com formas muito distintas no uso e ocupao desse
territrio, o que tem colocado esses diferentes agentes sociais em situao de
tenso.
So Thom das Letras (STL) se localiza na Microrregio de Varginha, no Sul
de Minas Gerais, na poro ocidental da serra da Mantiqueira, com altitudes
variando entre 870m a 1436m a cima do nvel do Mar, cerca de 340 quilmetros de
Belo Horizonte (capital do estado de Minas Gerais). O municpio de So Thom das
Letras tem uma rea de 369.747 km, limitando-se com os municpios de Trs
Coraes, So Bento Abade, Luminrias, Cruzlia, Baependi e Conceio do Rio
Verde, com uma populao estimada em 7.000 habitantes, segundo senso do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) de 2010.
As principais atividades econmicas do municpio so a agropecuria, o
turismo e a minerao de quartzito, todas promotoras de grandes alteraes na
paisagem e vetores da reproduo do espao. A despeito da relevncia da
agropecuria na produo deste espao, concentraremos nossas anlises na
atividade turstica e na minerao de quartzito que, alm de serem fortes indutoras
da produo do espao, o tornam mais complexo e dinmico, multiplicando os
agentes sociais e usos do territrio, assim como os inerentes conflitos pelo seu uso.
Em So Thom das Letras, a atividade turstica explora diversos segmentos,
passando do turismo ecolgico, a partir da fauna e flora do alto da serra e das
cachoeiras, pelo turismo esportivo como trekking, mountaing-bike e motocross em
diferentes trilhas da regio, escalada e rapel nas encostas escarpadas da serra, pelo
cultural, com os diferentes eventos e festas tradicionais, pelo histrico, a partir da
arquitetura peculiar originada no perodo colonial, alm do turismo mstico
esotrico ufolgico, que marca presena no artesanato, nos nomes de pontos
tursticos e nos nomes e na decorao de estabelecimentos comerciais. Muitos
grupos esotricos se estabeleceram na regio, com destaque para o grupo
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Sociedade Eubiose1, cujos integrantes frequentam So Thom das Letras desde a
dcada de 1930, tendo uma sede na cidade, com uma biblioteca aberta ao pblico,
onde, inclusive, promovem atividades socioeducativas e cursos referentes
conhecimentos esotricos.
J a atividade mineradora tem como produto o quartzito serictico, rocha
metamrfica amplamente utilizada na construo civil, de grande valor econmico e
vulgarmente conhecida como Pedra So Tom. A extrao do quartzito se
desenvolve no afloramento rochoso que corta todo o municpio em sua poro
Sudoeste/Nordeste, perfazendo uma rea de cerca de 20 quilmetros de extenso.
A atividade de beneficiamento tem se concentrado na sede do municpio e em seu
entorno imediato, sendo explorado comercialmente desde a dcada de 1940.
A regio de So Thom das Letras o mais importante centro de lavra de
quartzito folheado do Brasil (MINAS AMBIENTE, 2002). Este quartzito destinado
construo civil em ornamentao e revestimento. Sua extrao uma das
principais atividades econmicas do municpio, desenvolvendo, ainda, atividades de
beneficiamento, transporte e comrcio nos municpios vizinhos, como Trs
Coraes, Baependi, Cruzlia, Luminrias e Caxambu, que exploram as vrias
atividades econmicas ligadas cadeia de produo do quartzito em So Thom
das letras.
A partir da dcada de 1970, um crescente nmero de visitantes atrados pelas
casas e igrejas de "pedras", construdas nos sculos XVIII e XIX e ainda
preservadas, pelas paisagens, cavernas, stios arqueolgicos e muitas cachoeiras,
dando incio a um processo de explorao do turismo, viabilizando uma nova fonte
de renda e trabalho no municpio (D'AUREA, 2000).
Em paralelo ao incio da atividade turstica, intensificou-se o processo de
minerao de quartzito em So Thom das Letras, que havia comeado junto com a
formao da cidade, fornecendo a matria prima para as construes das igrejas e
das primeiras casas do povoado. Na dcada de 1940, ocorreu o primeiro impulso
modernizador, com instalao das empresas de extrao de quartzito de Jesiel
Siqueira Luz Ltda e a empresa Sales Andrades Ltda, que iniciam um processo de
produo em escala industrial do quartzito e de comrcio com os principais polos
1 A Sociedade Brasileira de Eubiose uma escola inicitica, voltada conhecimentos esotricos, ao aperfeioamento espiritual e a autoconscincia, buscando congregar, construir e religar integralmente as dimenses do sagrado, profano, divino e humano. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE EUBIOSE, 2016).
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consumidores do pas. A partir da dcada de 1970, recebeu novos objetos tcnicos,
tais como: explosivos, escavadeiras, caminhes basculantes, compressores de
perfurao, assim como o crescente recrutamento de mo de obra no prprio
municpio e nos municpios adjacentes. Dessa forma, intensifica-se a explorao do
quartzito e todos os efeitos decorrentes dessa atividade (FEAM, 2009).
O processo de explorao mineral exige extensas reas para lavra e depsito
de rejeitos e encontra na atividade turstica um significativo obstculo. A atividade
mineradora, de natureza expansiva e predatria, feita a cu aberto e com altas
taxas de desperdcio, produzindo "montanhas" de depsito de rejeitos. Desse modo,
representaum expressivo problema realizao da atividade turstica, uma vez que
seu avano promove grandes alteraes na paisagem, o assoreamento de cursos
de gua, inclusive daqueles que abastecem cachoeiras de interesse turstico
(Cachoeira Vale Das Borboletas, da Garganta, do Sobradinho e do Shangrila), o
desmatamento e soterramento da vegetao nativa ocasionada pela abertura de
lavra e pela deposio de grandes volumes de rejeitos.
Em So Thom das Letras, muitos pontos tursticos esto situados dentro ou
prximo de reas de minerao, inclusive alguns protegidos por legislao municipal
e federal, a exemplo do Parque Antnio Rosa, o que tem limitado a expanso da
atividade mineradora sobre essas reas (ver no Captulo II). Por outro lado, os
resultados da atividade mineradora dificultam o desenvolvimento da atividade
turstica, medida que exerce forte impacto sobre as potencialidades tursticas,
sobretudo na paisagem.
Ao passo que a atividade mineradora se desenvolve e expande sua rea de
atuao e a atividade turstica expande seus empreendimentos, a tenso no uso do
territrio se acentua, revelando contradies que esto vinculadas ao processo de
reproduo capitalista. Em So Thom das Letras, duas atividades econmicas
capitalistas levam a cabo seus projetos dissonantes, no que se refere ao uso e
ocupao do territrio, exigindo constantes investimentos e expanso, o que tem
acentuado as tenses.
A atividade mineradora capitaneada principalmente pela Associao dos
Mineradores de So Thom das Letras (AMIST) busca as articulaes polticas
com o poder pblico municipal, estadual e federal, para promover a atividade,
facilitar os processos de licenciamento ambiental e se adequar legislao e s
normas dos diferentes rgos pblicos. Como exemplo, podemos citar a parceria
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entre AMIST e a Fundao Estadual do Meio Ambiente (FEAM), no esforo para
adequar as empresas de minerao no municpio s exigncias da legislao
ambiental. Vale lembrar que a prefeita do municpio de So Thom das Letras
(Marisa Maciel de Souza, 2013 2016 /2017- 2020) esposa de um empresrio da
minerao (Minerao Alves Ltda).
Em contrapartida, o grupo relacionado atividade turstica (proprietrios de
hotis, pousadas, restaurantes, lojas entre outros) organiza-se em busca de
recursos econmicos para promover a atividade no municpio e pressionar o poder
pblico municipal para a criao de reservas ambientais, parques, reas de
Preservao Ambiental (APAS), com o objetivo de manter as reas de interesse
turstico. Exemplos do resultado desta demanda so: a criao do Parque Antnio
Rosa, a criao e delimitao da rea de Preservao Ambiental - APA So Thom
e a APA do Canta Galo (Ver CAPTULO III). As cavernas e grutas so protegidas
por legislao Federal2, a exemplo da gruta do Carimbado, Gruta do Sobradinho,
gruta da bruxa, gruta do Feijo Cru, todas localizadas dentro ou prximo de reas de
minerao, configurando desse modo obstculos expanso da atividade
mineradora.
A tenso no uso do territrio manifestada em So Thom das Letras est
relacionada dinmica de reproduo capitalista em que grupos relacionados a
segmentos diferentes da economia, com formas distintas de apropriao e uso do
territrio, disputam parcelas comuns do espao que oferecem diferentes
potencialidades e possibilidades de extrair mais-valia do territrio. H que se
observar, ainda, que esse espao, objeto de disputa econmica dos grupos
hegemnicos, configura um territrio social e historicamente ocupado por pessoas
que nele buscam reproduzir seu modo de vida. Para compreendermos o processo
que se passa no municpio de So Thom das Letras e as contradies do processo
de produo deste espao utilizamos conceitos que consideramos operacionais na
interpretao desta realidade. As categorias de anlise empregadas aqui nos
ajudam entender a relao entre as especificidades socioespaciais deste municpio
2 No art. 1 do Decreto 99.556, de 1/10/1990: As cavidades naturais subterrneas existentes no territrio nacional constituem patrimnio cultural brasileiro e, como tal, sero preservadas e conservadas de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem tcnico-cientfica, bem como as atividades de cunho espeleolgico, tnico-cultural, turstico, recreativo e educativo (BRASIL, 1990).
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com a totalidade do sistema mundo e a marcha de expanso e reproduo
capitalista, que do movimento produo do espao em So Thom das Letras.
Diante deste quadro, necessrio esclarecermos o que entendemos por
territrio, visto que esse conceito frequentemente utilizado e nos ajuda a entender
o processo em andamento neste municpio. Uma das categorias de anlise da
Geografia, o conceito de Territrio, indica-nos relaes de poder e posse sobre
determinado espao, vinculado ao conceito de soberania, o que nos remete ao
controle e ao domnio sobre uma parcela apropriada do Espao geogrfico.
Conforme Antnio Carlos Robert Morais (1990), Ratzel foi um dos primeiros a
trabalhar o conceito de Territrio na Geografia, desenvolvendo suas formulaes no
contexto da consolidao das relaes capitalistas e imperialistas do Estado
Alemo. Desenvolve o conceito de territrio com base em uma leitura poltico-
jurdica, vinculado ao conceito de Estado-Nao e ideia de domnio e propriedade.
Nesta acepo, o territrio configura determinada parcela do Espao geogrfico
apropriada e dominada por um Estado ou por um grupo social.
Claude Raffestin (1993) evidencia o aspecto poltico-administrativo do Estado-
nacional, as relaes de poder e o trabalho humano projetado em determinado
espao que apropriado e dominado por um especifico grupo social, sendo
aspectos determinantes do conceito de territrio.
Ao se apropriar de um espao, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representao), o ator "territorializa" o espao. Lefebvre mostra muito bem como o mecanismo para passar do espao ao territrio: "A produo de um espao, o territrio nacional, espao fsico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que a se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancrios, autoestradas e rotas areas etc." O territrio, nessa perspectiva, um espao onde se projetou um trabalho, seja energia e informao, e que, por consequncia, revela relaes marcadas pelo poder. O espao a priso original, o territrio a priso que os homens constroem para si (RAFFESTIN, 1993, p.50).
Para Rafestin (1993), o Territrio construdo a partir de relaes de poder. A
apropriao do espao se faz pelo exerccio de dominao e poder. Desse modo, h
uma vinculao direta entre poder e Territrio. A despeito da autonomia de cada
uma dessas categorias conceituais, Rafestin argumenta que no h como definir
Territrio sem compreender as relaes sociais de poder em sua construo.
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Paul Claval (2009) nos diz que: "O territrio nasce das estratgias de controle
necessrias vida social - uma outra maneira de dizer que ela exprime uma
soberania" (CLAVAL, 2008, p. 8). O mesmo autor tambm nos apresenta o conceito
de territrio vinculado ao conceito de identidade e ao seu plano simblico. Milton
Santos (2009) tambm nos apresenta o conceito de territrio articulado noo de
identidade, e diz:
O territrio no apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O territrio tem que ser entendido como o territrio usado, no o territrio em si. O territrio usado o cho mais a identidade. A identidade o sentimento de pertencer quilo que nos pertence. O territrio o fundamento do trabalho, o lugar da residncia, das trocas materiais e espirituais e do exerccio da vida (SANTOS, 2009, p.8).
Alm da dimenso da identidade, Santos nos apresenta uma dimenso
conceitual mais afinada Geografia crtica, ao exibir o conceito de territrio usado. O
territrio usado pelos homens no exerccio da vida, pelas empresas, pelos Estados.
Nesta concepo, o territrio compreende os inerentes conflitos engendrados pelas
mltiplas e distintas formas de apropriao e usos de determinadas parcelas do
espao geogrfico, que em uma sociedade dividida em classes, como a sociedade
capitalista, coloca os diferentes interesses e atores sociais em acirradas disputas
pelo domnio e uso do territrio.
Para Manuel Correia de Andrade (1995) o territrio tem uma acepo
profundamente poltica e econmica, abordando o poder poltico estatal, assim como
o poder econmico das empresas na construo do territrio.
O conceito de territrio no deve ser confundido com o de espao ou de lugar, estando muito ligado ideia de domnio ou de gesto de uma determinada rea. Deste modo, o territrio est associado ideia de poder, de controle, quer se faa referncia ao poder pblico, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentculos por grandes reas territoriais, ignorando as fronteiras polticas (MANUEL CORREIA DE ANDRADE, 1995, p. 19).
Como vimos pelos diferentes autores referenciados, o conceito de territrio
est diretamente vinculado s relaes sociais de poder, de apropriao e domnio
de determinada parcela do espao geogrfico, seja por um Estado que exerce a
soberania sobre seu territrio, ou por empresas e grupos sociais que estabelecem o
controle sobre determinado lugar, apossando e delimitando seus limites de
20
dominao. Karl Marx (2013) destaca que, no capitalismo, a sociedade est dividida
em classes e as relaes sociais esto balizadas por um histrico conflito de
classes, em que a propriedade privada dos meios de produo, incluindo a terra, so
os principais instrumentos de dominao dos grupos hegemnicos e da prpria
reproduo do capitalismo, de modo que o espao apropriado por grupos de
acordo com as leis de troca do mercado. Assim, o espao disputado pelos
diferentes grupos sociais com seus diferentes projetos de poder, articulados
dinmica de reproduo do capital. Nessa dinmica, as empresas e grupos
hegemnicos buscam expandir continuamente seus territrios de domnio, enquanto
outros grupos buscam resistir em seus territrios aos avanos do modo capitalista de
apropriao e produo do espao.
Desse modo, compreendemos o territrio como produto/construo social,
como espao apropriado no exerccio da vida, vinculado ao exerccio do poder,
dominao e controle sobre parcela do espao que delimitado, estabelecendo
fronteiras e limites com outros territrios. Compreendendo o territrio como espao
delimitado a partir do exerccio do poder, pressupomos a necessidade de defesa e
expanso dos territrios dominados, de resistncia dos territrios ameaados, desse
modo de confronto, de disputa e de permanente tenso.
Cabe tambm explicitarmos o que entendemos por Paisagem, visto que ela
nos revela e evidencia mais prontamente as contradies operadas no municpio.
Para substanciar nossa concepo sobre Paisagem, concordamos com Milton
Santos (2006) ao apresenta-la como instncia do espao geogrfico. A paisagem
seriam as formas adquiridas em diferentes tempos histricos na relao/contradio
dos homens entre si e com a natureza que coexistem no presente a partir das
formas, dos corpos que se apresentam no espao geogrfico.
A paisagem existe atravs de suas formas, criadas em momentos histricos diferentes, porm coexistindo no momento atual. No espao, as formas de que se compe a paisagem preenchem, no momento atual, uma funo atual, como resposta s necessidades atuais da sociedade. Tais formas nasceram sob diferentes necessidades, emanaram de sociedades sucessivas, mas s as formas mais recentes correspondem a determinaes da sociedade atual (SANTOS, 2006, p.67).
A Paisagem expressa tempos histricos distintos, com formas produzidas em
diferentes momentos, muitas vezes refuncionalizadas, com diferentes contedos que
21
se mesclam com as novas formas produzidas a todo o momento, assim expressando
as formas e as necessidades da sociedade presente. Milton Santos (1988, p.125)
afirma ainda que a paisagem um conjunto heterogneo de formas naturais e
artificiais; formada por fraes de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor,
utilidade, ou por qualquer outro critrio [...]. O mesmo autor enfatiza que a paisagem
sempre heterognea, formada por uma multiplicidade de funes que contornam
as formas do espao de acordo com o nvel de complexidade da vida social.
Suertegaray (2001), assim como Milton Santos (2006), compreende a
categoria Paisagem como um conceito operacional, afirmando que o espao
geogrfico pode ser analisado a partir da perspectiva dos elementos de sua
produo, como os naturais e os sociais e que a paisagem a materializao do
processo de tecnificao da natureza. A paisagem pode ser analisada como a
materializao das condies sociais, podendo persistir elementos naturais, embora
j transfigurados pela ao humana (SUERTEGARAY 2001, p. 5). Nesta acepo
de paisagem h uma tendncia de privilegiar os objetos e formas produzidos pelo
homem no processo de tecnificao do espao como as principais manifestaes da
paisagem.
Adyr Balastrele Rodrigues (2001) argumenta que o conceito de paisagem, de
modo geral, est relacionado a um quadro de visibilidade, aquilo que nossa
percepo visual pode abarcar, mas salienta a diferena entre ver e perceber. Diz
que ver est limitado ao nosso rgo sensorial da viso, enquanto perceber mais
completo, porque percebemos a paisagem com todos os nossos sentidos. Quando
lanamos nossos sentidos sobre determinado lugar captamos a completude do
ambiente, suas cores, suas formas, os cheiros, os sons, a textura, a temperatura.
Alm disso, cada observador tem um foco no olhar, orientado por suas escolhas ou
interesses pessoais, seus referenciais culturais e sua viso de mundo.
Portanto, a percepo da paisagem depende de todos os sentidos e ainda da sinestesia, uma vez que ao movimentar-se o indivduo capta a paisagem de diferentes ngulos. A tudo isto [...] acrescenta-se a experincia individual, que por sua vez constituda de sentimento e pensamento. Portanto, ler a paisagem muito mais complexo do que ver a paisagem. Envolve uma viso de mundo consciente e inconsciente, objetiva e subjetiva, real e imaginria [...] (RODRIGUES, 1991, p.5).
Assim, podemos pensar a paisagem como o resultado entre a interao de
22
processos fsico-qumicos, geolgicos, climticos e biolgicos prprios da natureza e
processos movidos pelo homem no tempo histrico, conforme os diferentes modos
de produo e de reproduo da vida do homem, em uma interao que, contnua e
dialeticamente, transforma, cria e recria formas espaciais. Essa interao acontece
em maior ou menor intensidade, medida que o homem ocupa, usa e, desse modo,
produz espao.
Seguindo o desafio de definir alguns conceitos utilizados neste trabalho,
abordamos a categoria Espao, uma categoria analtica da Geografia que mais gera
dvidas em razo das variadas aplicaes e significados.
Seguindo os passos de Milton Santos, poderamos dizer que a natureza do
espao compreende mltiplos e contraditrios elementos em uma relao dialtica
que passa pela(o) forma contedo, inerte dinmico, abstrato material, social e
natural, uma relao contraditria e inseparvel entre sociedade e seu meio de
reproduo, sendo o espao condio e condicionante dessa reproduo. Milton
Santos afirma ainda que:
O espao formado por um conjunto indissocivel, solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a histria se d. No comeo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da histria vo sendo substitudos por objetos fabricados, objetos tcnicos, mecanizados e, depois cibernticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma mquina (SANTOS, 2006, p. 39).
A partir dessa acepo, podemos compreender o espao como a relao
entre os objetos naturais engendrados pelos processos da natureza e os objetos
fabricados pelo homem a partir do trabalho, legados por sociedades em diferentes
modos de reproduo. Assim, o espao compreendido como a natureza
transformada, socializada, tecnificada e historicizada pelo homem, a partir do
trabalho que transforma a natureza em segunda natureza. Uma reunio de fixos e
fluxos, sistemas integrados que se influenciam mutuamente, organizados em um
verdadeiro sistema, cuja soma e interao nos d o espao total. O desenrolar
indissocivel dos processos da natureza e das atividades humanas historicamente
acumuladas. Os sistemas de aes esto relacionados diviso do trabalho, ao
modo de reproduo social e como o trabalho se organiza na produo do espao.
Essa interao se desenrola no tempo presente, no qual o espao esse quadro
nico que rene sistemas de objetos e sistemas de aes, do passado e do
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presente numa interao s vezes solidria, s vezes conflituosa, numa coexistncia
e materializaes de tempos desiguais (SANTOS, 2006).
A partir de diferentes correntes tericas e metodolgicas, mas, sobretudo, da
perspectiva dialtica, Santos, em suas diferentes obras, constri os referenciais
tericos para a conceituao do Espao. Destaca que, para se apreender o espao,
devemos compreend-lo na totalidade contraditria em que os sistemas de objetos e
sistemas de aes coexistem e do movimento produo e reproduo do espao.
Assim, Santos, alm de construir conceitos, constri um corpo terico e
metodolgico prprio da Geografia, com categorias de anlise operacionalizantes
para se compreender criticamente a realidade.
Henri Lefebvre (2008) define o espao geogrfico como produto da
reproduo das relaes sociais, vinculado ao modo de produo, os meios que
essa sociedade se reproduz. Lefebvre argumenta que o espao deve ser visto em
sua totalidade, na lgica de um sistema, em correlao com a prtica social e no
como espao absoluto, vazio e puro. Para Lefebvre, produzir espao faz parte da
vida do homem, ou seja, viver produzir espao.
Para Corra (2003), o espao compreendido em estreita relao com a
dinmica de reproduo social. A organizao do espao se d partir das aes do
homem, em consonncia com o nvel de desenvolvimento tcnico e com as
necessidades sociais, empreendidas sobre a natureza.
O longo processo de organizao e reorganizao da sociedade deu-se concomitantemente transformao da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de ferro, minas, voorocas, parques nacionais, shopping centers, etc. Estas obras do homem so as suas marcas apresentando um determinado padro de localizao que prprio a cada sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espao do homem, a organizao espacial da sociedade ou, simplesmente, o espao geogrfico (CORRA, 2003, p. 52).
Corra (2000) concebe o espao geogrfico como a morada do homem.
Nesta acepo, esto expressos os diferentes agentes sociais, com suas distintas
formas de apropriao e uso do espao, assim como a diviso do trabalho. O
espao concebido como o lcus da reproduo das relaes sociais de produo,
isto , da reproduo da sociedade (CORRA, 2003, p.26).
24
Ruy Moreira (2014) concebe o espao como um sistema complexo, cuja
unidade esta carregada de contradies e de conflitos, resultado de sua natureza
diversa e das contradies do processo de reproduo social.
A noo da unidade espacial complexa, de vez que uma unidade de contrrios: o espao rene a sntese contraditria da coabitao primeiro da localizao e da distribuio, a seguir da diversidade e da unidade, e por fim da identidade e da diferena e se define como a coabitao dos contrrios. O conflito, eis o ser do espao (MOREIRA, 2014, p.168).
O espao congrega uma diversidade de elementos solidrios e conflituosos
coabitando em uma unidade contraditria, em que a sntese sempre em construo
configura o espao geogrfico. Tambm destaca que o espao no um
receptculo vazio, passvel de ser preenchido com os contedos sociais, constri-se
num processo dialtico.
O processo mediante o qual a histria natural do homem por ele mesmo transformada em histria social, o homem tornando-se natural e social ao mesmo tempo, e, assim, sujeito e objeto de sua prpria existncia... O espao no o a priore de Kant ou o receptculo da histria de Descartes-Newton, mas coincide com a prpria construo da vida humana na histria, de vez que construindo a sociedade que o homem constri seu espao e assim dialeticamente (MOREIRA, 2014, p.41).
Matos (2016) argumenta que o espao expressa como totalidade o processo
de reproduo social, revelando o modo de produo e as contradies de cada
sociedade materializadas no tempo/espao.
Como dissemos anteriormente o espao uma faceta da totalidade social que produzido materialmente, acomoda e expressa o modo de produo de um dado momento social. Produto e produtor da vida social o espao socialmente produzido se expressa como um palimpsesto, revelando formas e contedos de momentos da vida social que se sucedem (MATOS, 2016, p.10).
Essa acepo o aproxima de Santos quando esse autor diz que o espao
acumulao desigual de tempos (SANTOS, 2004, p. 9). Nesse sentido, o espao
revela os diferentes meios de produo e sistemas tcnicos que se sucedem no
tempo/espao, revelando como as diferentes sociedades produzem seu espao. O
espao visto como produto e produtor da vida social revela a dialtica de sua
produo, no qual, medida que a sociedade produz espao, essa tambm
produzida e transformada. Cada lugar oferece condies e desafios particulares s
25
diferentes sociedades, e no esforo de adaptao para vencer tais particularidades,
o homem produz espao ao mesmo tempo em que transforma a si mesmo.
Compreender o espao como a morada do homem, expresso por Correia ou
como o produto da reproduo social como Lefebvre, ou como na relao dialtica
entre homem e natureza, expresso por Milton Santos, ou como uma unidade de
elementos contraditrios, como sugere Moreira, nos traz uma concepo de espao
geogrfico vinculado, de forma indissocivel, ao homem e suas relaes sociais de
reproduo, relacionando de forma inseparvel dois domnios da realidade, a
dinmica de reproduo social e a dinmica do planeta terra dos processos da
natureza. Assim, o espao entendido como um conjunto de sistemas
interdependentes, em um processo histrico e dialtico, solidrio e contraditrio,
congregando foras da natureza e da dinmica de reproduo social, que
diretamente interligadas como uma unidade contraditria nos d a totalidade do
espao geogrfico.
Esta dissertao prope-se a: 1) apresentar o processo de produo do
espao no municpio de So Thom das Letras a partir da relao entre a atividade
turstica e a atividade mineradora, assim como os impactos de cada atividade e da
relao competitiva entre elas; 2) demonstrar quais so os pontos de conflitos e
complementaridade entre turismo e minerao no uso do territrio; 3) explicar as
vinculaes entre a dinmica capitalista de produo do espao e a produo do
espao urbano deste municpio, assim como o papel dos diferentes agentes
envolvidos neste processo.
Para tal, ela est estruturada em quatro captulos. No primeiro captulo
apresentado o processo histrico da formao socioespacial de So Thom das
Letras. No segundo captulo, mostrada a produo do espao pela atividade
mineradora no municpio, como essa se desenvolve, seus agentes e os principais
impactos no municpio. No terceiro captulo, o debate sobre a produo do espao
pela atividade turstica em So Thom das Letras, seus agentes, o uso e ocupao
do territrio por essa atividade e seus impactos sociais, polticos e econmicos. No
quarto e ltimo captulos, analisamos a relao de conflitos e complementaridades
entre o turismo e a minerao no municpio, ressaltando os principais pontos de
tenso e sua vinculao com a dinmica de reproduo capitalista.
26
CAPTULO I: A FORMAO HISTRICA DA CIDADE DE SO THOM DAS
LETRAS, DA MINERAO E DO TURISMO
Neste captulo, analisamos o processo de ocupao e desenvolvimento do
municpio de So Thom das Letras, buscando compreender o processo
histrico/geogrfico que resultou em sua formao socioespacial. Concordamos com
Milton Santos, para quem "o objeto de estudo da Geografia o presente, sendo toda
a anlise histrica, apenas, o indispensvel suporte para a compreenso do
espao" (SANTOS, 1985, p. 19).
Vale lembrar que as relaes contraditrias verificadas em So Thom das
Letras ocorrem em conformidade com a marcha histrica de desenvolvimento e
expanso do modo capitalista de produo. O capitalismo se inscreve em um
processo histrico, no qual o desenvolvimento das relaes de produo e das
foras produtivas orientadas pela dinmica de acumulao impelem sempre a
expanso econmica e geogrfica, coadunando com o desenvolvimento ininterrupto
em tecnologia de produo, transporte e comunicao, que leva esse sistema
dimenso planetria.
A dinmica de reproduo capitalista sob o regime de acumulao se
movimenta com uma incrvel fora, incorporando, em um processo contnuo de
universalizao de sua lgica s sociedades. Assim, assevera Lefebvre (2002, p.26),
a compra e a venda, a mercadoria e o mercado, o dinheiro e o capital parecem
varrer os obstculos. Com a interao cada vez mais ampliada dos agentes sociais
e econmicos, os intensos fluxos de ideias, pessoas, mercadorias e capitais
colocados sob a dinmica de acumulao tm g/erado cada vez mais cooperaes
competitivas com a formao de um verdadeiro sistema de interdependncias,
denominados de globalizao. A tcnica aliada cincia e em funo dos interesses
do capital vai tecendo no espao verdadeiros sistemas tcnicos integrados e
interdependentes (SANTOS, 1988).
Os lugares tornam-se mundializados e hierarquizados e com tendncias
especializao, o que torna o espao simultaneamente fragmentado e articulado,
como destaca Corra (1995), constituindo, ao mesmo tempo, um mosaico de
tempo/espao e uma totalidade fragmentada e articulada de diferentes formas de
produo do espao.
27
Uma rede com nveis desiguais e hierarquizados produz um espao desigual
e hierarquizado, cuja diviso espacial do trabalho se d de forma desigual, porm
interdependente. Cada lugar atende a um determinado papel no conjunto da
totalidade, com a tendncia de especializao reforando os potenciais econmicos
para sobrepor na lgica da competitividade agressiva, em detrimento das relaes
de solidariedade. A interdependncia sistmica produz uma relao de
funcionalidade organizacional entre os atores, para assegurar a propagao do
capital. Aspectos que no atendem a essa racionalidade so escamoteados
lentamente, at que se tornem totalmente obsoletos e, assim, so tragados pelos
novos objetos que surgem a todo o momento (SANTOS, 2006).
A dinmica de reproduo do capitalismo est orientada por uma
racionalidade que escapa a compreenso dos agentes sociais dos lugares,
justamente por estar inserida numa escala estrutural maior que a leitura parcial pode
abarcar. Hoje, mais do que nunca, necessrio pensar o lugar e suas
especificidades na relao indissocivel com o sistema mundo.
Para comear, Marx deixa claro que a anlise de uma sociedade/situao capitalista de existncia concreta requer uma integrao dialtica do universal, do geral, do particular e dos aspectos singulares de uma sociedade interpretada como uma totalidade funcional (HARVEY, 2014, p.83).
Milton Santos (2006) chama a ateno sobre o fenmeno da globalizao
como um movimento histrico em que as aes dos homens o desenvolvimento
ininterrupto em cincia e tecnologia, orientados pela racionalidade e a dinmica de
produo e reproduo capitalista engendra um processo de totalizao
contraditrio, desigual e combinado. Assim, a Globalizao entendida no como
um dado, como um fim, mas sim como um processo, contraditrio, dinmico e
desigual, em que a diviso histrica e geogrfica do trabalho se inscreve, ao mesmo
tempo, como consequncia e como um dos elementos constitutivos desse processo.
Em nosso ponto de vista, um caminho seria partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste perodo de globalizao - uma totalidade emprica - para examinar as relaes efetivas entre a Totalidade-Mundo e os Lugares. Isso equivale a revisitar o movimento do universal para o particular e vice-versa, reexaminando, sob esse ngulo, o papel dos eventos e da diviso do trabalho como uma mediao indispensvel (SANTOS, 2006, p.73).
28
Consideramos que, mesmo que a fora do capital se apresente de forma
devastadora na eliminao dos obstculos, h resistncias, h especificidades que
fogem lgica do capital, que se relacionam de forma particular, mesmo
contribuindo sua reproduo, o que nos exige um olhar atento a essas
especificidades. Assim, pensar determinada realidade exige o exerccio constante de
se pensar o movimento processual e contraditrio entre a totalidade/mundo e as
especificidades do lugar.
Ento, para entendermos os processos e as contradies em curso em So
Thom das Letras, faz-se necessria uma contextualizao histrico-geogrfica,
tendo em conta tempo-espao como uma unidade dialtica indissocivel.
O espao tem, sempre, um componente de materialidade donde lhe vem uma parte de sua concretude e empiricidade. Se queremos unificar tempo e espao, se pretendemos que possam ser mutuamente includentes, o tempo deve ser, tambm, empiricizado (SANTOS, 2006, p.33).
Compreender tempo-espao como unidade e como categorias
operacionalizantes na anlise pressupe compreender tanto a materialidade e o
contedo do espao como a materialidade e o contedo do tempo. De acordo com
Santos (2005), poderamos dizer que a materialidade do espao se d pela relao
indissocivel entre meio natural e o meio construdo pelos homens, seu contedo
ocorre pelas relaes sociais. A materialidade do tempo se d pelos objetos, os
naturais e os objetos tcnicos. O tempo histrico que nos interessa constitui sua
materialidade a partir dos objetos tcnicos, dotado de um contedo e de uma
intencionalidade. Desse modo, a tcnica constitui a empiricidade do tempo. por
intermdio das tcnicas que o homem, no trabalho, realiza essa unio entre espao -
tempo (SANTOS, 2006, p.33).
por demais sabido que a principal forma de relao entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, dada pela tcnica. As tcnicas so um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espao. Essa forma de ver a tcnica no , todavia, completamente explorada (SANTOS, 2006, p.16).
Reconstituindo a histria de So Thom das Letras, possvel acompanhar a
histria das tcnicas, dos modos de produo e a formao scio-espacial.
29
O que diferencia as pocas econmicas no o que produzido, mas como, com que meios de trabalho. Estes no apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da fora de trabalho, mas tambm indicam as condies sociais nas quais se trabalha. (MARX, 2013, p. 257).
Assim, retomaremos brevemente a chamada corrida do ouro nos sertes do
Brasil (ainda Colnia), que se apresentou decisiva na ocupao do Sul de Minas
Gerais e da regio de So Tom das Letras. Vale dizer que, no perodo da
colonizao brasileira, o continente europeu, atravs dos saques, extrativismo
mineral e agrrio, especulao comercial, trfico de escravos, acumulava foras
que daro origem ao modo capitalista de produo.
1.1 (1 Momento) A Colonizao do Sul de Minas Gerais
Quando os portugueses chegaram em terras brasileiras, j almejavam
minerais preciosos; todavia, tais minerais no foram encontrados, pelo menos em
quantidades relevantes; assim, os primeiros colonizadores se dedicaram extrao
do Pau Brasil e, em seguida, ao cultivo da cana de acar. Diante das sucessivas
crises dessas atividades econmicas, os portugueses decidiram insistir na procura
dos minerais preciosos, financiando expedies de explorao no territrio brasileiro.
As expedies conhecidas por bandeiras adentravam o territrio brasileiro, a partir
da confluncia entre os atuais estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
transpondo a serra da Mantiqueira e cruzando o Sul de Minas em direo ao interior,
acabando por encontrar regies aurferas. Conforme Celso Furtado (1970), a
descoberta de ouro no interior do territrio brasileiro deslocou o eixo econmico e
poltico-administrativo da colnia portuguesa do Nordeste brasileiro para as regies
Sul-Sudeste.
Nas regies aurferas, especialmente na regio de Minas Gerais, surgiram
muitas vilas, onde se desenvolvia a extrao do minrio de ouro. Essas vilas eram
conectadas inicialmente com a cidade de Paraty. A ocupao do Sul de Minas
Gerais, especificamente a Microrregio de Varginha, onde se localiza o municpio de
So Thom das Letras, est diretamente relacionada explorao aurfera.
Conforme Paranhos (2005), o ouro atraiu um grande nmero de imigrantes,
aumentando sobremaneira o contingente populacional nessas regies, o que
demandou, em ritmo crescente, alimentos e todos tipos de recursos. Desse modo,
mais pessoas foram atradas para a regio e ocuparam-se da agricultura e da
http://www.sinonimos.com.br/confluencia/
30
pecuria voltadas ao abastecimento das regies aurferas e da nova capital Rio de
Janeiro.
Caio Prado Junior (1987) argumenta que, se compararmos a regio do Sul de
Minas Gerais com as regies mineradoras, especialmente a da Vila Rica, que era
uma das mais prsperas, possvel assegurar que a ocupao do Sul de Minas,
nesse momento, foi mais lenta e menos prspera do que a ltima, sinalizando um
papel secundrio na economia colonial sob o ciclo do ouro. Contudo, desde o incio
desta ocupao, a economia sul-mineira j sinalizava maior estabilidade que as
regies mineradoras, tendo em conta sua forte vocao agrcola e comercial.
medida que os assentamentos foram se consolidando nessa regio, com a
distribuio de sesmarias, com a instalao de fazendas, com a constituio
lavouras e reas de pastagens, com a abertura de estradas, com a construo de
igrejas e entrepostos comerciais, uma estrutura econmico-social foi se instalando
no territrio, firmando seu domnio e impondo seu modo de produo e de
reproduo do espao.
No comeo da histria do homem, a configurao territorial simplesmente o conjunto dos complexos naturais. medida que a histria vai fazendo-se, a configurao territorial dada pelas obras dos homens: estradas, plantaes, casas, depsitos, portos, fbricas, cidades etc.; verdadeiras prteses. Cria-se uma configurao territorial que cada vez mais o resultado de uma produo histrica e tende a uma negao da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada (SANTOS, 2006, pp.39 40).
Marx assevera ainda que
O trabalho , antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua prpria ao, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matria natural como uma potncia natural. A fim de se apropriar da matria natural de uma forma til para sua prpria vida, ele pe em movimento as foras naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braos e pernas, cabea e mos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua prpria natureza (MARX, 2013, p. 255).
medida que o homem ocupa o espao e se apropria do mesmo, ele introduz
sua fora de trabalho e o transforma, criando prteses de sua existncia no mundo,
como ressalta Santos (2006). Porm, ao passo que transforma a natureza e produz
31
seu espao de reproduo, simultaneamente, o homem se produz, modificando sua
prpria natureza em um processo dialtico, como destaca Marx (2013).
1.2 Ocupao e Formao do Povoado no Alto da Serra de So Thom
No contexto de ocupao do Sul de Minas Gerais e da corrida do ouro
surge, no alto da serra, o povoado de So Thom das Letras. Essa serra, constituda
basicamente de rocha de quartzito, com solos rasos e pedregosos, de baixa
fertilidade e de difcil acesso, no parecia muito atraente. Todavia, j no sculo XVIII,
estabeleceu-se ali um expressivo povoado.
A rota entre as regies mineradoras e as cidades de Paraty e Rio de Janeiro,
conhecida como caminho do ouro, passava cerca de 30 quilmetros de distncia
da serra de So Thom das Letras, nos municpios de Cruzlia e de Baependi. Havia
nesse caminho grande movimentao de tropas. Cargueiros de mulas carregados
de ouro que seguiam das minas para as cidades de Paraty no Rio de Janeiro, de
onde partiam para a Europa. Outros faziam o caminho inverso, carregando todos os
tipos de gneros alimentcios e outros, necessrios nas regies mineradoras.
Especula-se que a serra de So Thom das Letras fosse uma rota alternativa
de escoamento do ouro, buscando escapar da fiscalizao e tributao da coroa
portuguesa pela explorao do ouro em terras coloniais (DAUREA, 2000). A Coroa
portuguesa estabelecia taxas para a explorao e comrcio de ouro em sua colnia,
como O Quinto, que consistia na cobrana de 20% do total de minrio extrado.
Em 2003, quando foi iniciada a incluso dos municpios da rea de
abrangncia da Estrada Real3, o fato de So Thom das Letras estar prximo do
tradicional caminho de escoamento do minrio e de ter sido parte integrante (distrito)
do territrio das cidades de So Joo del-Rei e Baependi, que estavam no
tradicional caminho de escoamento do ouro, justificou a adeso de So Thom das
Letras a este circuito turstico, incluindo o municpio no roteiro do Caminho Velho
da Estrada Real.
3 A Estrada Real um circuito turstico com cerca de 1600 km, composto de vrias cidades histricas
que se formaram a partir do sculo XVIII. Esse caminho foi aberto para ligar as regies de produo aurferas do interior do estado de Minas Gerais regio do litoral carioca (Rio de Janeiro e Paraty-RJ), de onde o ouro era embarcado com destino a Europa. Em 1999 foi criado o Instituto Estrada Real com o objetivo de organizar, fomentar e gerenciar o produto turstico Estrada Real.
32
A incluso de So Thom das Letras no circuito turstico Estrada Real,
mesmo que o caminho tradicional no passasse por terras de So Thom das
Letras, est relacionado a um apelo econmico da atividade turstica, comprometido
com a reproduo do capital, que busca vender essas localidades como destino
turstico.
A explorao das caractersticas histricas, culturais e artsticas da formao
desses municpios faz parte desse processo de mercantilizao e refuncionalizao
das cidades que exploram o legado cultural, arquitetnico e artstico do perodo
colonial, tornando-as produtos tursticos.
No momento da ocupao do Sul de Minas e de grande movimentao no
caminho do ouro, o imigrante portugus Joo Francisco da Junqueira adquiriu, no
Sul de Minas Gerais, na regio entre So Thom das Letras, Carrancas e Cruzlia, a
sesmaria, em que constituiu a fazenda Campo Alegre, da qual a serra de So
Thom das Letras fazia parte.
Em terras da famlia Junqueira, "(...) a histria documentada de So. Thom das Letras se inicia por volta de 1770, quando o padre Francisco Alves Torres, a seu pedido, tem proviso para a ereo da Capela de So Thom, ao lado da gruta de mesmo nome. Tem incio nesta poca o povoamento do arraial, embora seja difcil precisar as causas da ocupao de local de to difcil acesso, desprovido de riquezas aurferas e terras frteis (D'URIA, 2000, p.209).
A formao do povoado e as motivaes para a construo da igreja da
Matriz de So Thom das Letras, to bem acabada e refinada, ainda um desafio
para historiadores; mas para o povo dessa cidade, as motivaes esto fortemente
vinculadas sua viso religiosa, que justifica a construo da igreja neste lugar to
desprovido de atrativos por ter havido ali um milagre, envolvendo Joo Francisco da
Junqueira e um dos escravos de sua fazenda, chamado Joo Anto.
Segundo conta a histria, Joo Anto teria fugido da fazenda Campo Alegre e
se refugiado em uma gruta, no alto da serra, onde, certo dia, apareceu um homem
de vestes brancas que, ouvindo a sua histria, escreveu uma carta pedindo que
Joo a entregasse ao patriarca da famlia Junqueira, justificando que assim seria
perdoado. Joo Anto, mesmo receoso, atendeu ao pedido do homem, entregando
a carta ao fazendeiro, que a lendo quis saber de quem se tratava e, assim, partiram
para o lugar de refgio de Joo Anto, no encontrando mais ali o misterioso
homem, mas, sim, uma imagem de madeira de Tom, um dos apstolos de Jesus
33
Cristo, que a levaram para a fazenda. A imagem, porm, desapareceu da fazenda e
reapareceu na gruta, onde foi reencontrada. O evento foi interpretado como um
milagre e Joo Francisco da Junqueira mandou construir uma capela ao lado da
gruta para abrigar aquela imagem (DUREA, 2000). Essa narrativa faz parte da
memria coletiva do povo de So Thom das Letras, expressa na histria oral desse
povo, que, de gerao em gerao, transmite-a, sendo amplamente explorada pela
atividade turstica no municpio.
Por volta de 1770, inicia-se a construo da Igreja da Matriz de So Thom
das Letras, em substituio primeira capela, concluda por volta de 1785.
Figura 1: Igreja Matriz de So Thom das Letras
.
Crditos: Juliar de Souza Oliveira, 2015.
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Figura 2: Altar da igreja Matriz de So Thom das Letras, com imagem de So Tom no fundo.
Crditos: Juliar de Souza Oliveira, 2015.
A igreja de So Thom das Letras constitui o marco de fundao do povoado
no alto da serra. No h consenso entre historiadores se j havia um povoado
quando a igreja foi construda, ou se moradores migraram para a regio durante e
aps sua construo.
O que se sabe que, aps a construo da igreja, por volta de 1785, as
terras do seu entorno foram doadas aos pobres por Gabriel Francisco Junqueira,
sob a tutela da parquia, o que provavelmente teria incentivado migrao para
aquele lugar. A igreja foi construda em um nvel mais alto do terreno e se sobrepe
s casas do seu entorno, expressando um poder simblico no territrio. Feita no
estilo barroco mineiro, com refinado acabamento arquitetnico, representa, com
sutileza, as conotaes aristocrticas, que serviam para demarcar o prestgio e a
importncia da igreja Catlica na poca. Hoje, representa a principal referncia
turstica da cidade.
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Ainda no sculo XVIII, inicia-se a construo da igreja Nossa Senhora do
Rosrio, conhecida como Igreja de Pedra que foi concluda somente em 1974. H
poucas referncias histricas sobre o incio da construo dessa igreja, no entanto,
presume-se que sua construo tenha sido iniciada pelo povo negro que foram
escravizados na regio. Tambm segue o estilo da arquitetura colonial, mas as
pedras de sua construo ficam expostas, conferindo um aspeto rstico e peculiar
(INVENTRIO DE PROTEO DO PATRIMNIO CULTURAL DE SO THOM
DAS LETRAS MG, 2014).
Figura 3. Igreja de Pedra, Nossa Senhora do Rosrio Figura 3. Igreja de Pedra,
Nossa Senhora do Rosrio
Crditos: Juliar de Souza Oliveira, 2015.
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Antes da colonizao da regio do Sul de Minas Gerais, da apropriao das
terras que compunham a fazenda Campo Alegre, outros povos j haviam habitado
essas terras e deixaram sua marca no municpio em vrios stios arqueolgicos. Um
dos mais significativos, que, inclusive, contribuiu com o nome da cidade, o stio
arqueolgico localizado no afloramento rochoso ao lado da igreja da Matriz,
composto de inscries rupestres impressas na parede da rocha. Essas inscries
apresentam smbolos de difcil decifrao, que os moradores chamaram de letras,
o que teria inspirado o nome da cidade So Thom das Letras.
Aps a fuga ou extermnio das populaes amerndias da regio, os novos
moradores, habituados a outro modo de vida e de moradia, tiveram que adaptar
suas moradias s condies e restries que a serra de quartzito lhes impunha.
A pouca oferta ou mesmo ausncia de certos recursos e materiais, somados
s dificuldades de acesso no alto da serra, obrigaram os moradores dessa
localidade a procurarem alternativas de moradias condizentes com as condies e
recursos existentes.
Assim, a alternativa foi construir casas com o recurso mais abundante da
serra, que era a rocha de quartzito, conhecida por esses como Pedra So Tom.
Os primeiros moradores de So Thom das Letras extraam dos afloramentos
rochosos, conhecidos como tocas; as placas de pedra, que foram utilizadas na
construo da igreja da Matriz e das casas que foram surgindo ao seu entorno. As
pedras eram extradas com ferramentas rudimentares a partir de chapas, cunhas de
ferro e marretas.
As rochas de quartzito, formadas em camadas foliadas, permitia a extrao
de placas de tamanhos e espessuras variadas. Com as rochas de quartzito, foram
erguidas as paredes da igreja da Matriz, da igreja Nossa Senhora do Rosrio e das
primeiras moradias, encaixando, pedra sobre pedra, sem a utilizao de argamassa,
apenas pela sobreposio bem arranjada e delineada das lajes, produzindo slidas
e belas construes que, alinhado ao modo de construo tpico mineiro do sculo
XVIII, formou-se um rico patrimnio arquitetnico desta cidade.
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Figura 4. Casas de pedra de So Thom das Letras
Crditos: Juliar de Souza Oliveira, 2015.
As pedras foram amplamente utilizadas na arquitetura da cidade, no s nas
paredes das casas e igrejas, mas tambm como piso, portais, telhado, e at mesmo
como pea de mobilirio, como prateleiras, mesas e bancos. Os terrenos do
povoado tambm eram cercados com muros de pedra.
As casas construdas de lajes de quartzito, em sua maioria, eram rebocadas
apenas em sua parte interna, cobrindo as frestas das paredes, para evitar foco de
insetos e impedir a passagem do vento intenso do alto da serra. Algumas casas de
fazendeiros e pessoas mais abastadas da regio privilegiavam o reboco na parte
externa, conciliando suas casas ao estilo colonial mineiro; porm, a maioria deixava
as rochas de quartzito das paredes expostas, tornando o ambiente do arraial
bastante rstico e peculiar, configurando um importante potencial turstico desta
localidade.
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1.3 (2 momento) Desenvolvimento do Povoado de So Thom das Letras -
sculo XIX e incio de sculo XX
No perodo Imperial, em 1840, quando contava com uma populao de 373
pessoas distribudas em 75 casas, o povoado de So Thom das Letras foi elevado
categoria de Parquia, pertencente cidade de So Joo del-Rei (DAUREA,
2000).
Assim, So Thom das Letras foi incorporada organizao poltica-
administrativa da igreja e, por conseguinte, do Imprio, que tinha na igreja um
significativo instrumento poltico-administrativo e de controle social
No Sculo XIX, j havia um incipiente comrcio do quartzito So Tom com
as cidades vizinhas, mas naquele momento, no constitua ainda uma atividade
regular no municpio, j que esse comrcio se dava apenas quando havia alguma
encomenda que ainda no representava uma demanda efetiva e regular.
Consta que a atividade extrativa local de quartzitos foliados teve incio de 1869, em uma rea pertencente ao patrimnio da Igreja e situada contiguamente ao povoado. No obstante, os quartzitos foliados aflorantes na Serra de So Thom foram utilizados para a construo de moradias e da prpria Igreja Matriz, desde o sculo anterior (FEAM, 2009, p.25).
Nas imediaes da igreja da Matriz de So Thom das Letras foram
construdas as primeiras casas do povoado, delimitando assim as primeiras ruas que
se estendem at a igreja Nossa Senhora do Rosrio, no sentido sudoeste/nordeste.
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Figura 5: So Thom das Letras antigo traado urbano (1897)
Fonte: Resende (2009).
A figura 5 apresenta a evoluo urbana de So Thom das Letras at 1897,
exibindo as primeiras casas que esto concentradas na parte Sudoeste da cidade,
prximo igreja da Matriz de So Thom. Vale dizer que, naquele momento, a igreja
Nossa Senhora do Rosrio era apenas uma runa inacabada. Observa-se ainda que
a maioria das vias e quadras originais tiveram seus traados modificados,
permanecendo, at os dias de hoje, apenas algumas vias, como as de acesso
cidade.
Em 1884, foi inaugurada a estrada de ferro Minas & Rio, construda com
capital ingls. Essa estrada tinha incio na cidade de Cruzeiro-SP e terminava na
cidade de Trs Coraes, no Sul de Minas Gerais, passando a apenas 18
quilmetros do povoado de So Thom das Letras. A estrada de ferro foi construda
com a inteno de integrar a malha rodoviria da regio do Sul de Minas e,
principalmente, escoar os diversos produtos agrcolas e minerais desta regio para
seus mercados consumidores.
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Figura 6: Estrada de Ferro Minas e Rio (1884)
Elaborado por: Juliar de Souza Oliveira, 2016.
Na figura 6, observa-se que o ncleo urbano de So Thom das Letras se
encontrava prximo da Estrada de Ferro Minas e Rio, de tal sorte que foi construda,
a apenas 18 quilmetros desse ncleo urbano, a Estao Ferroviria So Tom,
viabilizando a troca comercial de regies mais distantes com a regio de So Thom
das Letras.
Caio Prado Junior (1987) ressalta que a construo de estradas de ferro,
canais, portos, estradas de rodagem configuraram estruturas da expanso do
capitalismo, tendo em vista a transferncia das riquezas dos pases pobres da
periferia para os pases centrais imperialistas. Nesse contexto, a estrada de Ferro
Minas e Rio, construda com capital ingls, tinha um duplo propsito: 1) a otimizao
do escoamento dos produtos agrcolas e minerais, acelerando os processos de
produo e circulao, portanto, da explorao dos recursos minerais e agrcolas do
territrio; 2) a alocao dos excedentes de capital das naes imperialistas,
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desafogando os mercados de capital da Europa e assim dando continuidade a
expanso capitalista.
A partir da dcada de 1940, a Estrada de Ferro Minas e Rio passou a ser
utilizada para transportar as rochas de quartzito extradas no alto da serra. As
pedras eram carregadas em carros de boi at a Estao Ferroviria So Tom, e
dali partiam em vages para a cidade do Rio de Janeiro, onde eram
comercializadas. Desse modo, a Estrada de Ferro Minas e Rio representou o
primeiro meio de transporte moderno que possibilitou a produo do minrio de So
Thom das Letras, em nvel industrial e comercial, ligando o municpio aos
mercados consumidores distantes. Na dcada de 1960, os caminhes a substituram
como principal meio de transporte do minrio na regio.
1.4 (3 Momento) Constituio e Desenvolvimento da Indstria da Pedra e do
Turismo
1.4.1 Dcada de 1940
No incio da dcada de 1940, no contexto do Estado Novo, sob o comando
autoritrio de Getlio Vargas, inicia-se a chamada indstria da pedra no alto da
serra de So Thom das Letras. A rea denominada Patrimnio, que estava sob a
tutela da igreja catlica, administrada pela Mitra Diocesana de Campanha, foi
arrendada para o engenheiro Jesiel Siqueira Luz, em contrato por 20 anos. Nesse
momento, foram abertas estradas, construdo um galpo todo de pedra para
armazenar a produo, guardar maquinrios e equipamentos.
No final da dcada de 1940, foi criada a empresa Virglio de Andrade Martins
Comrcio Ltda., que est em atividade at hoje, sendo uma das maiores
mineradoras do municpio. A instalao das empresas Jesiel Siqueira Luz e da
empresa Sales Andrade, em So Thom das letras, deram incio a um impulso
modernizador na localidade, iniciando a construo de uma infraestrutura de
produo, transporte e comrcio da atividade mineradora (FEAM, 2009).
intrnseca modernizao capitalista, indutora da industrializao e por esta induzida, a integrao de diversas dimenses da natureza como fora produtiva da sociedade. Ou seja, existe uma relao entre os fundamentos prprios dos lugares e a modernizao
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capitalista, cujo desdobramento a apropriao da natureza na (e para a) produo do espao (FREITAS, 2007, p.80).
Antes da instalao das empresas Jesiel Siqueira Luz e Sales Andrade, a
extrao das rochas de quartzito se dava de forma irregular, acontecendo apenas
quando os moradores construam suas casas ou quando havia alguma encomenda
de cidades vizinhas. Naquele momento, quando ainda no havia um comrcio
estvel e regular das rochas de quartzito, a extrao estava assentada, em boa
parte, no valor de uso deste recurso, de trabalho familiar e autnomo, de baixo
impacto. O ritmo da extrao, assim como o do cotidiano, eram lentos; o mtodo e
os instrumentos de trabalhos, rudimentares, imprimiam na produo do espao, um
ritmo, igualmente, lento. Com a instalao da indstria da pedra, um novo processo
se iniciou, e o valor de troca, aos poucos, se sobreps, estabelecendo uma nova
dinmica das relaes de trabalho e na produo do espao.
O espao transformado em fora produtiva, subordinado lgica da mercadoria, transformado ele mesmo em uma mercadoria, onde o valor de troca e as relaes de consumo subordinam as formas e os contedos do valor de uso que so gerados pela dinmica da vida cotidiana, um espao passvel de ser fragmentado, homogeneizado, hierarquizado, um espao alienado e fonte de alienao (COSTA CARDOSO, 2012, p.5).
Quando a rocha de quartzito se transformou em mercadoria, sua extrao
passou a ser balizada pelo mercado. Ento, a produo passou a ficar submetida
aos interesses do capital, merc das oscilaes do mercado. Assim, as exigncias
do processo de acumulao de capital orientam a intensidade e a velocidade de
produo, tanto da mercadoria (rocha ornamental) quanto do espao, sendo ele
prprio transformado em mercadoria, subordinado racionalidade do capital e aos
interesses do mercado. O trabalho passa a responder exigncias do mercado em
ritmo e em tempo empregado, iniciando o processo de modernizao da produo,
orientado pelo lucro.
1.4.2 Dcada de 1960
Na dcada de 1960, outras empresas chegaram ao municpio, e o nmero de
trabalhadores empregados na minerao aumentou consideravelmente, competindo
43
por trabalhadores com as atividades rurais e, inclusive, atraindo trabalhadores dos
municpios vizinhos.
Em 1962, o contrato entre a parquia e a empresa Jesiel Siqueira Luz
terminou, e os trabalhadores subordinados empresa que continuavam trabalhando
nas lavras da rea do Patrimnio passaram a pagar o arrendo diretamente para a
parquia. Nesse perodo, os caminhes constituram o principal veculo de
transporte no escoamento das rochas quartzito; a atividade mineradora j havia
estabelecido uma infraestrutura de produo e transporte, e se revelou ento
predominante na economia do municpio.
Em 1962, So Thom das Letras emancipado poltico-administrativamente,
deixando de ser distrito subordinado ao municpio de Baependi. Nessa ocasio, o
ento prefeito Jos Cristiano Alves iniciou uma tenso com a parquia de So
Thom das Letras, ao doar terrenos na rea urbana do municpio, tendo em conta
que a igreja entendia ser a legtima proprietria das terras desocupadas do
permetro urbano deste municpio.
1.4.3 Dcada de 1970
No incio da dcada de 1970, sob o regime autoritrio do governo militar,
ocorreram algumas mudanas no municpio, entre elas o fornecimento de gua
encanada e de energia eltrica, iniciando profundas transformaes polticas,
econmicas, sociais e culturais no municpio. Na esteira da energia eltrica, muitos
aparelhos domsticos chegam s casas, trazendo junto com eles outros referenciais
culturais e novos hbitos de sociabilidade e consumo, permitindo que,
paulatinamente, a racionalidade capitalista e a lgica de mercado penetrassem os
interstcios dessa sociedade. Os objetos no so as coisas, dados naturais; eles
so fabricados pelo homem para serem a fbrica da ao (SANTOS, 1985, p.44).
Os objetos tcnicos so dotados de informaes e de intencionalidades,
construdos com o discurso de facilitar a vida do homem, conjuntamente ideia de
modernidade e progresso; assim, invadem os lugares, reorganizando e substituindo
os objetos preexistentes e impondo uma nova racionalidade. Os objetos
tecnicamente mais avanados se instalam no territrio, reconfigurando a ordem das
coisas e gerando tenses, que se inscrevem igualmente no campo das aes
(SANTOS, 1985).
44
Na dcada de 1970, sob a poltica econmica desenvolvimentista do governo
militar, novas tecnologias foram ento implementadas na minerao em So Thom
das Letras, tais como: o uso de explosivos, de compressores hidrulicos na
perfurao das minas, de tratores-ps-carregadeiras e os caminhes basculantes
utilizados para limpeza das reas de explorao, aumentando consideravelmente a
produo, o que tambm intensificou a produo do espao sob a lgica de
reproduo capitalista e hierarquizou as relaes de produo.
As leis coercitivas que regem a concorrncia tambm foram novas tecnologias e formas de organizao a entrar em operao o tempo todo, uma vez que os capitalistas com maior produtividade podem submeter os que usam mtodos inferiores (HARVEY, 2012, p.74).
Acompanhando o raciocnio de Harvey sobre o uso de tecnologias como
instrumento da concorrncia intercapitalista, Moreira (2013, p.218) assevera que:
Nesse nvel, o progresso tcnico visto como arma da concorrncia intercapitalista e como meio de aumentar a eficincia produtiva do trabalho associado a um determinado capital privado. Este tambm o campo analtico dos processos de inovao, adoo e difuso tecnolgica. Aqui, a lgica tecnolgica do processo competitivo garantiria ao empresrio inovador uma vantagem relativa frente aos competidores. Com o barateando relativo de seus custos de produo sua taxa de lucro se amplia, aumentando seu poder de competio e de investimento (MOREIRA, 2013, p.218).
As inovaes tcnicas e adoo de tecnologias de produo permitiram
acelerar os processos, aumentando a produtividade e barateando os custos de
produo, o que implicou em maiores lucros. O investimento em tecnologias permitiu
a hegemonia daqueles que podem pagar pela inovao, suprimindo a concorrncia,
tanto dos agentes econmicos com menor capacidade de investimento (capitalistas),
quanto dos trabalhadores autnomos que ainda tinham uma relao de produo
familiar e tradicional, o que tende a concentrar as riquezas socialmente produzidas,
assim como o poder dos agentes hegemnicos.
Ainda na dcada de 1970, o turismo despontou como alternativa econmica
para o municpio, dando incio a um processo de refuncionalizao da infraestrutura
da cidade para atender s suas exigncias. As principais estradas de acesso
cidade foram ampliadas pela prefeitura municipal, permitindo maior fluidez no
territrio.
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Com a ampliao das estradas, materiais de construo industrializados,
como cimento, cal, tijolos, lajes pr-fabricadas, telhas de cermica e de amianto,
pisos, portas, janelas, entre outros, praticamente inexistentes no povoado at ento,
comearam a chegar no alto da serra. Os novos materiais, aliados s novas
tcnicas, impeliram novos olhares e padres de construo na cidade, dando incio
ao processo de descaracterizao arquitetnica do arraial. Durea (2000) afirma
que cerca de 80% do patrimnio arquitetnico do ncleo urbano de So Thom das
Letras ainda estava bem preservado at o incio da dcada de 1970, quando esse
processo se inicia. A arquitetura vernacular das construes de pedra, a partir da,
gradativamente, foi sendo substituda pelas construes de alvenaria moderna, com
o uso de novos recursos tcnicos e materiais, at ento praticamente inexistentes no
alto da serra.
A noo de racionalidade do espao tambm emerge das condies do mundo contemporneo, mostrando como a marcha do capitalismo, alm de ensejar a difuso da racionalidade hegemnica nos diversos aspectos da vida econmica, social, poltica e cultural, conduz, igualmente, a que tal racionalidade se instale na prpria constituio do territrio (SANTOS, 2006, p.15).
As mudanas nos padres de construo, com a adoo de novas tcnicas e
materiais industrializados, participaram de um processo de reorientao da produo
do espao sob as bases de novos sistemas tcnicos e de aes que tm como
horizonte a acumulao de capital. O sistema capitalista vai imprimindo sua
racionalidade, orientada pela dinmica de acumulao, que exige a tecnificao e a
refuncionalizao do espao, assim como a sua mercantilizao.
1.4.4 Dcada de 1980
Em 1984, inaugurou-se o transporte interurbano entre a cidade de So Thom
das Letras e a cidade de Trs Coraes, o que facilitou o aumento das conexes do
municpio com outr