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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA FÁBIO SILVA SOUZA ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO: UM FLÂNEUR EM SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE São Cristóvão (SE) 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

FÁBIO SILVA SOUZA

ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO:

UM FLÂNEUR EM SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE

São Cristóvão (SE) 2004

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FÁBIO SILVA SOUZA

ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO: UM FLÂNEUR EM SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE

Dissertação de mestrado apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, com Área de Concentração – “Formas e Processos Tradicionais de Ocupação Territorial”: Estudos Arqueológicos.

ORIENTADOR:

Prof. Dr. Rogério Proença de Sousa Leite.

São Cristóvão(SE) 2004

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FÁBIO SILVA SOUZA

ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO: UM FLÂNEUR EM SÃO

CRISTÓVÃO – SERGIPE

A dissertação Arqueologia do cotidiano: um flâneur em São Cristóvão – Sergipe, elaborada por Fábio Silva Souza, orientada pelo Prof. Dr Rogério Proença de Sousa Leite e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia com Área de Concentração – “Formas e Processos Tradicionais de Ocupação Territorial”: Estudos Arqueológicos. Aracaju-SE, _____ de ____________ de _____ .

Banca Examinadora

Prof. Dr. Rogério Proença de Sousa Leite – Orientador 1º Examinador

Profª. Drª. Lisabete Coradini 2º Examinador

Profª. Drª. Vera Lúcia Alves França 3º Examinador

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Aos meus filhos Rodrigo e Bárbara (a caminho), que este trabalho sirva de inspiração e motivação para suas conquistas emocionais, intelectuais e afetivas.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela luz e força. A todos os familiares, que, de uma forma ou de outra, tiveram de suportar, as minhas

“ausências”: Regina, Rodrigo e Bárbara (a caminho), meus pais e irmãos. Ao Prof. Rogério Proença Leite, por ter possibilitado além de preciosas orientações,

muitas dicas e possibilidades de discutir o trabalho em meio a comunidade científica. Aos amigos Valfran de Brito, pessoa com quem realizei intensos debates e discussões

ao longo dos dois anos de elaboração deste trabalho, e Waldefrankly Rolim de Almeida Santos, pelas discussões iniciais e por ter disponibilizado diversos materiais, fundamentais para a pesquisa histórica.

Ao Prof. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo pela atenção e didática de suas explicações ao

ser entrevistado, além das observações ao ler o trabalho nas fases finais. À Profª Ana Galvão pela paciente revisão dos originais. Aos colegas de curso Renaldo Ribeiro e Daniel Castro pela troca de idéias, sugestões

bibliográficas e realização de fotos. A todos os entrevistados Erundino Prado Junior, Dona Celuta Fenandes Dantas, Dona

Jaci Fenandes Dantas, Seu Sósthenes Ramos Prado, pelas valiosas informações, fundamentais e impossíveis de serem encontradas por meio bibliográfico. Em especial, a Carolina Pereira de Oliveira por ter disponibilizado fotos do acervo particular do Dr. Lauro Rocha.

A todas as pessoas da Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do

Município de São Cristóvão, pela atenção e gentileza de seu atendimento. Aos professores e pesquisadores vinculados ao Laboratório de Estudos Urbanos e

Culturais – LABEURC.

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A paisagem tem uma textualidade que estamos apenas começando a compreender, pois só recentemente pudemos vê-la por inteiro e ‘lê-la’ com respeito a seus movimentos mais amplos e seus eventos e seus sentidos inscritos. (SOJA, 1993, p. 191)

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RESUMO

Esta dissertação analisa as transformações do espaço público ocorridas ao longo dos séculos, tendo como referente empírico o centro histórico da cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Essa cidade possui relevância política, histórica, arqueológica e patrimonial. Surgida em 1590 e tendo atuado como sede política da província até o ano de 1855, São Cristóvão foi reconhecida oficialmente desde o ano de 1938 como cidade-monumento do Estado de Sergipe. Isento dos processos de revitalização, que permearam outros centros históricos, essa cidade conserva elementos que caracterizaram a sua paisagem ao longo de sua história. Este trabalho demonstra como o cotidiano dos atores sociais, a partir de disputas práticas e simbólicas, atuam no sentido da formação de espaços públicos, permitindo, dessa forma, uma multiplicidade de seus usos, possibilitando a criação de delimitações territoriais na paisagem urbana.

Palavras-Chave: cidades coloniais; espaço público, paisagem, sociabilidades.

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ABSTRACT

This dissertation analyses the changing of the public space a long the centuries, having as empiric referring too historic center São Cristóvão town, in Sergipe. This town has politics, historic, archeologic and patrimony important. It appeared in 1590 and it has performed as politics seat of the province until 1855, São Cristóvão was recognized officially since 1938 as monument town of Sergipe Stat. Exempt of the revitalization process, that other historic centers had, this town maintain elements characterized its landscape a long its history. This work landscape a long its history. This work shows as day by day of the social actors, with practice and symbolic disputes, act in sense of the public space formation permitting, then, a multiplicity of its uses, possibiliting the creation territory delimitating at the landscape.

Key words: colonial cities; public space; landscape; sociabilities.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES - FOTOS

Foto 1. Vista aérea da praça São Francisco..............................................................................47

Foto 2. Vista aérea do centro Histórico....................................................................................48

Foto 3. Igreja de Nossa Senhora da Vitória............................................................................101

Foto 4. Vista aérea do centro histórico da cidade de São Cristóvão.......................................102

Foto 5. Desfile de um bloco de carnaval, na rua Erundino Prado..........................................103

Foto 6. Igreja Matriz, foto do início do século XX................................................................104

Foto 7. Universo profano da Procissão do Encontro..............................................................105

Foto 8. Desfile cívico de 07 de setembro...............................................................................105

Foto 9. Ao lado, desfile cívico de 07 de setembro.................................................................105

Foto 10. Antiga casa localizada em frente a Matriz...............................................................106

Foto 11. Ao lado, atual Superintendência Municipal de Transito e Transporte de São Cristóvão.................................................................................................................................106

Foto 12. Vista aérea do centro histórico de São Cristóvão, no detalhe: a Igreja Matriz, ladeira do Porto da Banca e o Carmo Grande.....................................................................................107

Foto 13. Vista aérea do centro histórico de São Cristóvão, no detalhe: o antigo porto da cidade de São Cristóvão..........................................................................................................107

Foto 14. O antigo porto da cidade de São Cristóvão..............................................................108

Foto 15. Atual Terminal Turístico Ecológico (visualizando as torres da Matriz)..................109

Foto 16. Atual Terminal Turístico Ecológico (visualizando o rio Paramopama)..................109

Foto 17. Complexo do Carmo................................................................................................110

Foto 18. Igreja do Amparo.....................................................................................................112

Foto 19. Igreja do Amparo (no detalhe: saliências em superfície).........................................113

Foto 20. Avenida Ivo do Prado, ao fundo Antiga Casa da Misericórdia (imagem antiga)....115

Foto 21. Ao lado, imagem semelhante realizada em 2004.....................................................115

Foto 22. Procissão do Encontro (imagem antiga)..................................................................116

Foto 23. Ao lado, Procissão do Encontro 2004......................................................................116

Foto 24. Repetição da imagem anterior, enfatizando o anúncio contido na faixa..................116

Foto 25. Antigo sobrado de balcão corrido............................................................................117

Foto 26. Antigo sobrado de balcão corrido em um postal......................................................117

Foto 27. Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo.............................................................118

Foto 28. Procissão do Encontro, focalizando a imagem de Nossa Senhora das Dores..........120

Foto 29. Procissão do Encontro, focalizando a imagem de Jesus..........................................120

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Foto 30. Procissão do Encontro – 2004 .................................................................................121

Foto 31. Praça São Francisco em tempo comum, ordinário...................................................122

Foto 32. Praça São Francisco durante a Procissão do Encontro.............................................122

Foto 33. Praça São Francisco durante a Procissão do Encontro, 2004...................................122

Foto 34. Antiga Santa Casa de Misericórdia..........................................................................123

Foto 35. Atual Lar Imaculada Conceição...............................................................................123

Foto 36. Palco do Festival de Arte de São Cristóvão, durante o dia......................................126

Foto 37. Festival de Arte de São Cristóvão à noite................................................................126

Foto 38. Seresta na cidade de São Cristóvão..........................................................................127

Foto 39. Concentração para seresta na praça São Francisco .................................................127

Foto 40. Antigo prédio da Assembléia de São Cristóvão e prédios ao redor ........................128

Foto 41. No detalhe antigo prédio da Assembléia de São Cristóvão.... .................................128

Foto 42. Piso do sobrado no primeiro andar...........................................................................128

Foto 43. Detalhe do piso tomado pelo cupim.........................................................................128

Foto 44. Museu Histórico de Sergipe.....................................................................................130

Foto 45. Lateral do Museu Histórico de Sergipe....................................................................132

Foto 46. Convento Franciscano, imagem do início do século XX.........................................132

Foto 47. Convento Franciscano, imagem recente (2002).......................................................132

Foto 48. Ritual público em frente ao Convento Franciscano.................................................134

Foto 49. Procissão para ritual de “Primeira Comunhão”........................................................136

Foto 50. Ao lado, imagem focalizando “o mesmo espaço” durante um tempo comum.....................................................................................................................................136

Foto 51. Igreja do Rosário......................................................................................................137

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES - MAPAS

Mapa 1. Físico do Estado de Sergipe.......................................................................................24

Mapa 2. Nordeste brasileiro datado de 1637............................................................................26

Mapa 3. Litoral nordestino.......................................................................................................27

Mapa 4. Brasil territorial: (1500-1822)....................................................................................44

Mapa 5. Frans Post. “Ciriri”. Gravura extraída do livro de Gaspar Barléu.............................59

Mapa 6. Incursões e ocupações estrangeiras no Brasil............................................................63

Mapa 7. Invasões holandesas...................................................................................................64

Mapa 8. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão – ca. 1631.............................................................65

Mapa 9. Carta da Costa que se estende da Baía de Todos os Santos até a Barra do Rio São Francisco, 1631.........................................................................................................................99

Mapa 10. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão – ca. 1631...........................................................99

Mapa 11. Recorte ampliado das edificações encontradas no mapa anterior..........................100

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

CAPÍTULO 1

SÃO CRISTÓVÃO COMO CENTRO HISTÓRICO: UMA PERSPECTIVA

ARQUEOLÓGICA.....................................................................................................24

1.1 Localização..............................................................................................................24

1.2 Espaços e territórios: a consolidação da paisagem..................................................28

CAPÍTULO 2

UMA BREVE (RE)CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA..............................................52

2.1 Formação da capitania de Sergipe Del Rei: (1534 – 1590)....................................52 2.2 A efetiva conquista do território sergipano.............................................................56 2.3 O centro histórico: um debate sobre o patrimônio e a arquitetura..........................69 2.4 O IPHAN e a trajetória na construção de uma identidade......................................78 2.5 A questão patrimonial em Sergipe..........................................................................84

CAPÍTULO 3

SÃO CRISTÓVÃO: UM PASSEIO, VÁRIAS NARRATIVAS.............................91

3.1 A cidade em dois tempos: habitual e ritual...........................................................96

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................147 ANEXOS................................................................................................................................157

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INTRODUÇÃO

Os espaços edificados em seus estilos arquitetônicos podem revelar gostos e costumes

de vida, de classes sociais distintas, construídos nos diferentes tempos históricos. O estudo da

cultura material, evidenciada na paisagem edificada, consolidada ao longo de séculos, pode

ser bastante significativo para a investigação do universo social de períodos distantes. Os

espaços antrópicos podem, ainda, fornecer dados substanciais para a compreensão das

configurações paisagísticas hoje.

As cidades surgem como resultado de lutas cotidianas entre os diversos atores sociais

que atuam, atribuindo múltiplos sentidos às paisagens edificadas, resultando, assim, na

formação de vários espaços dentro de um mesmo espaço urbano. Temas como: as paisagens,

as cidades e seus monumentos têm despertado, cada vez mais, interesse nas agendas de

debates científicos. Esse fenômeno parece resultar da curiosidade sobre as culturas e os estilos

de vida urbanos. Isso decorre, fundamentalmente, pela possibilidade de ser

possível observar, corretamente, que as cidades sempre tiveram culturas, no sentido que produziam produtos culturais, artefatos, construções e modos de vida distintivos. É possível ser ainda mais ‘culturalista’ e afirmar que a própria organização do espaço, o planejamento das edificações, é em si mesma uma manifestação de códigos culturais específicos. (FEATHERSTONE, 1995, p. 135).

A rigor, toda cidade tem uma história que lhe é própria, contudo, algumas são

comumente denominadas “cidades históricas”. Essas parecem vir a se contrapor à crescente

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experiência do fenômeno da urbanização. Com isso, contemporaneamente, as cidades têm

despertado o interesse cada vez maior das agências de turismo e de muitos governantes que,

percebendo a importância desse fenômeno, encontraram nesses antigos centros, muitos deles

abandonados e desprestigiados, a experiência exótica de conhecer o outro, de um tempo

distante e que já não mais existe, pois perderam espaço para a modernidade.

Se, nas décadas de trinta e quarenta no Brasil, os atrativos turísticos estavam voltados

para a visitação de monumentos e prédios modernos, hoje em dia, com a intensificação dos

processos urbanos, essa concepção parece ceder espaços para o turismo rural, ecológico e

histórico (CASTRO, 1999). Com isso, ganham maior destaque nas agendas turísticas os

passeios em hotéis chácaras, o “pesque e pague”, as trilhas ecológicas, e, evidentemente, as

cidades históricas.

O sítio primitivo da cidade de São Cristóvão, surgido no ano de 1590, é bastante

representativo dos traços acima abordados. Sua localização estratégica, situada entre dois

importantes pólos produtores de cana-de-açúcar, Salvador e Olinda, serviu, à época, não só

para fornecer carne e couro para o mercado consumidor desses pólos, mas muito mais que

isso, a cidade de São Cristóvão vai integrar uma rede de comunicação entre esses, e ocupar

territórios que poderiam ser facilmente penetrados, principalmente, pelos invasores franceses.

A preocupação com a sua segurança era o elemento primordial para efetivar um

determinado assentamento. Nesse período, marcado pela corrida da conquista de novas terras

e, conseqüentemente, pela formação de novos territórios que vieram contribuir para o

enriquecimento das nações européias, fez reinar nas Américas um estado conflituoso. Por

conta da questão segurança, muitas cidades coloniais dos séculos XVI e XVII tiveram de

transferir a localização do seu sítio original.

São Cristóvão, que originalmente estava muito mais no litoral, percebe a sua

exposição aos ataques inimigos e vai mudar a sua localização, cada vez mais adentrando para

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o interior. Ela mudou seu sítio por três vezes até se instalar de modo definitivo às margens do

Paramopama. Nesse sítio, localizado em uma faixa de terra que se estende entre 70 a 90

metros de altura, é possível observar traços que predominaram nos padrões de assentamentos

coloniais.

A primeira construção a surgir em São Cristóvão, por exemplo, foi a da Igreja de

Nossa Senhora da Vitória ou, como é conhecida, Igreja Matriz. No seu entorno, começam a

surgir as primeiras casas que virão a constituir o núcleo urbano são cristovense. À sua frente

encontra-se à praça da Matriz, atual praça Getúlio Vargas, e ao fundo, o rio Paramopama. Do

alto era possível observar o fluxo de embarcações e, lá embaixo, no rio propriamente dito,

muitos pescadores tiravam o seu sustento. Mais adiante, esse mesmo local veio a servir como

porto.

Durante a primeira metade do século XVII, São Cristóvão viveu momentos intensos

em sua história, ocasionados pela invasão holandesa. Sua paisagem foi cenário de conflitos e

interesses diversos, entre holandeses que haviam conquistado a cidade de Recife e pretendiam

estender suas conquistas ao sul, chegando à sede do governo colonial em Salvador, e, por

outro lado, pelos portugueses que não queriam perder sua hegemonia sobre o território

conquistado. Essas lutas se estenderam desde março de 1637, com a tomada de São Cristóvão

pelos holandeses, sendo retomado pelos portugueses em 1640. A reconquista portuguesa

perdurou até o ano seguinte, quando os holandeses retomaram o domínio territorial.

Finalmente, no ano de 1645, os holandeses desistem da conquista de São Cristóvão ao

perceberem os altos custos que teriam de arcar com um projeto de povoamento e de cultivo

das terras de Sergipe. Nesse momento, foi então retomado o processo de colonização

português das terras em Sergipe (NUNES, 1996, 2000).

O século XIX foi bastante significativo em todos aspectos. Durante esse período foram

proporcionadas intensas e profundas modificações que se estenderam desde a produção

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intelectual às condições materiais, tendo passado pela reordenação do espaço e reconfigurado

as relações no cotidiano do homem. As mudanças ocorridas nesse período inauguraram um

novo momento na história da humanidade, conhecido pelo progressivo processo de

racionalização, denominado como modernidade, segundo a perspectiva sociológica alemã.

Esses novos ideais suscitaram o aparecimento de novas cidades ao longo do século

XIX, com uma outra logística diferente daquela colonial. Nesse momento, as ameaças de

ataques e invasões inimigas já haviam cessado, com isso a preocupação com a segurança não

mais determinava a localização dos sítios dessas cidades, ao contrário, os novos sítios, de

modo geral, passariam a ocupar o litoral brasileiro.

As cidades surgidas ao longo do século XIX encontram-se, de modo geral, de frente

para a Europa e de costas para o interior. Essa parece ser uma evidência de que o rompimento

com o passado, proposto pela burguesia, iria além da esfera ideológica e da produção

material. O posicionamento e a orientação das novas cidades, segundo Freyre (1980, 1982),

seguiam os parâmetros de referência da modernidade, em nítido sinal de contraposição a tudo

aquilo que eventualmente o associasse ao arcaico, tradicional, demonstrando, sugerindo

evidências do saudosismo, agora em especial para um mundo dito “civilizado”. Esse novo

paradigma europeu, de uma urbanização nascente, seguida da industrialização, encontra mais

força e evidência à medida em que no Brasil é desenvolvido, internamente, um pessimismo

ideológico justificado pela visão racista e determinista, revestido de um cientificismo europeu,

positivista, com toda sua lógica evolucionista.

Essas idéias foram predominantes em todo o Brasil do século XIX, contudo um fato

em especial, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, vai suscitar novos ares na colônia. A vinda

da família real para o Brasil, no início do século, constitui um momento ímpar e de grande

relevância. Ao trazer a máquina administrativa lusitana para a cidade do Rio de Janeiro,

possibilitou-se o advento de novas idéias e práticas no sentido da modernização da então

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capital brasileira, “desenvolvendo-se uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática [...]

perdendo, paulatinamente, os acanhamentos provincianos” (LOPEZ, 1995, p. 14). A vinda da

família real para o Brasil possibilitou, ainda, significativas mudanças no cenário político.

Freyre, por exemplo, chama atenção para o fato de que, tanto o Rei D. João VI como os

imperadores D. Pedro I e II “souberam conciliar o prestígio do governo ou do poder político

com o da aristocracia rústica das casas-grandes patriarcais que suspiravam aquele poder de

aliados valiosos” (1971, p. 38).

Por idéia do Conde da Barca, foi trazida ao Brasil a missão artística francesa. Seu

objetivo era introduzir o ensino artístico acadêmico em terras brasileiras. Esse fato poderia

possibilitar, portanto, não só o despertar de um espírito inovador assim como a possibilidade

de rompimento com os padrões jesuíticos, que haviam perdurado ao longo de séculos. A

missão francesa possibilitou a gradativa substituição da arte colonial barroca, mestiça e

autodidata, pelo neoclassicismo. Nesse momento, é incorporada uma nova concepção de arte

que esteve intrinsecamente ligado ao saber secularizado, predominante durante o século XIX,

caracterizada pelo mundano-aristocrático. Seu estilo simétrico e perene, agiu de forma a

abolir a pompa e os ornamentos característico do barroco.

A vinda da missão artística francesa possibilitou a implantação da arquitetura durante

o século XIX e foi responsável por mudanças significativas ocorridas durante o período

compreendido entre 1800 a 1850 (REIS FILHO, 1978). Essas transformações apresentavam-

se de forma discreta, prestigiando a difusão da arquitetura neoclássica e a implantação de

tipos mais refinados de construção. A gradativa ruptura ocorrida nas edificações do início do

século XIX não se deu de forma abrupta. Ela manteve, ainda, características coloniais, tais

como o avanço sobre os limites laterais e sobre o alinhamento das ruas, a simplicidade dos

esquemas, com suas paredes grossas, suas alcovas e corredores, telhados elementares e

balcões de ferro batido (REIS FILHO, 1978). Interessava à burguesia romper com o passado

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rural, marcado pela associação entre Estado e Igreja, alicerçado no tradicionalismo. Em

oposição, foi intensificado o processo de urbanização. Esse rompimento, ao que parece, não

ocorreu subitamente, ao contrário, o crescimento urbano deu lugar a uma burocracia civil e

eclesiástica (RIBEIRO, D., 1995, p. 196) e, em muitos lugares tipicamente rurais, os ares da

modernidade, fizeram suscitar novos arranjos na paisagem, sobretudo nas fachadas das casas.

Quase rentes às calçadas, sem jardins à sua frente, muito próximas umas das outras, essa seria

uma paisagem tipicamente urbana, moderna. Contudo, no interior dessas casas conservavam

traços essencialmente rurais, com criações de animais e diversas árvores frutíferas em seus

quintais.

Em meados do século XIX, várias cidades irão surgir, quase sempre portuárias,

provocando significativas transformações na lógica ocupacional do espaço. O Estado, nesse

sentido, parece ter desempenhado importante papel no processo de viabilização da

modernidade, possibilitando a criação de novos espaços voltados, sobretudo para a

preocupação portuária. Giddens (1991), por exemplo, atribui ao Estado nacional um

importante papel de construção do nacionalismo, por meio do que ele denominou

componentes psicológicos, entendidos enquanto associação de indivíduos ligados a um

conjunto de símbolos e crenças que enfatizam a comunalidade. Contudo, o Estado, parece ter

extrapolado o aspecto ‘simbólico’, proposto por Giddens (1991), atraindo para si a

responsabilidade pela criação de condições materiais, não apenas na edificação desses

espaços, a exemplo de Aracaju, como também na criação de empregos públicos, fomentando

o surgimento de um comércio ainda que incipiente.

Os ares de modernidade eram predominantes e uma elite rural ansiava por ascensão e

status social. Essa classe defrontou-se então com o problema de como angariar recursos e

tornar esses projetos individuais possíveis. Sob o pretexto de exportar produtos e trazer

riquezas para a nação – entenda-se em especial para essa aristocracia rural – sedenta por

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mudanças e pelo consumo não apenas material como também simbólico evidenciado na

importação de louças, chás e hábitos ingleses (LIMA, 1996, 1997). Enfim, esse novo

paradigma parece ter extrapolado o campo das idéias, a produção material e a logística

espacial. Ela trouxe consigo fortes implicações que provavelmente possibilitaram profundas e

gradativas mudanças nos sentimentos e hábitos cotidianos das pessoas daquela época.

As novas idéias, hábitos e ritos trazidos pela corte são paulatinamente incorporados e

difundidos no Brasil. A transferência da capital sergipana ocorrida a 17 de março de 1855,

através da resolução de nº 413, na gestão do então presidente de província Inácio Barbosa, se

deu, ao que parece, por influencia do espírito empreendedor de Mauá. Dessa maneira, sob

fortes argumentos portuários, surge a cidade de Aracaju. Nascida em vantagem com relação

às outras cidades sergipanas pela sua localização à beira mar e pela sua proximidade da zona

canavieira, à época região mais importante economicamente da Província.

Os espaços, antes divididos em sagrados e profanos, assumem uma outra conotação a

partir do processo de secularização. Agora se dividem em privados e públicos, se

entrecruzam, mantendo um relacionamento subjetivo e dialético. Portanto, as Revoluções

Burguesas parecem ter afetado também o debate sobre os espaços: eles deixam de ter uma

relação entre o sagrado e o profano para ser percebido e debatido enquanto privado e público.

Essa é uma transformação não apenas na denominação, mas, sobretudo no entendimento e nos

usos dos espaços vivenciados socialmente. Para Algaranti, “a distinção clássica entre público

e privado não se aplica à vida colonial antes do final do século XVIII e início do XIX, pois o

privado assume conotações distintas daquelas à nossa sociedade atual” (1997, p. 88). O

privado e o público muitas vezes são confundidos ou utilizados enquanto sinônimos de casa e

rua (DAMATTA, 1985, 2001; FREYRE, 1971, 1979).

A casa e a rua constituem categorias que representam muito mais que os aspectos

físicos podem informar. Essas categoriais não se restringem simplesmente a espaços físicos,

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geográficos, algo que se possa mensurar. Acima de tudo são entidades morais, onde se

encontram definidas regulamentações e proibições da vida social. A casa e a rua atuam como

centro da formação social dos indivíduos. Status e prestígio social, muitas vezes derivam dos

ritos praticados e dos bens encontrados na esfera privada. Nas festas privadas os anfitriões

abrem suas portas à sociedade, quase sempre de modo restrito, exclusivo a um grupo de

convidados que tem a oportunidade de adentrar na intimidade de uma família.

O público e o privado constituem verdadeiras províncias éticas dotadas de

positividade, capazes de despertar emoções, leis, orações, músicas e imagens esteticamente

emolduradas e inspiradas (DAMATTA, 1985). A quebra ou o desconhecimento de um

determinado padrão cultural, muitas vezes, pode indicar a impossibilidade de previsão da

reação, podendo provocar uma situação não apenas nova, como provavelmente indesejável.

Para Arendt (1987), o público e o privado se apresentam como forma de coexistência. O

primeiro encontra-se associado ao comum, àquilo que pode ser visto e ouvido por todos e tem

maior divulgação possível. Nessa esfera, as diversas pessoas podem reconhecer nas coisas

algo identitário de maneira real e fidedigna. A esfera privada, por sua vez, é aquela onde a

propriedade e a riqueza assume maior relevância, podendo representar a possibilidade de ação

desprovida do interesse dos outros.

A idéia da possibilidade de coexistência entre o público e o privado, proposta por

Arendt (1987), também pode ser encontrada em Elias (1994). Isso parece ficar evidente

quando ele descreve um determinado hábito europeu de receber visitas no quarto de dormir.

Elias (1994), por exemplo, relata que o anfitrião praticava essa ação com sentido e

consciência, na expectativa de que o visitante comentasse com alguma outra pessoa que em

uma determinada casa ela fora recebida para uma conversa à cama.

A localização espacial da casa em relação à cidade pode ser sinônimo, ou não, de

prestígio social. Nas cidades coloniais, as de maior relevância, estão quase sempre localizadas

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na praça da Matriz, locus de eventos sociais, de ritos sagrados, celebrações religiosas,

procissões, e outras festas, tais como, o carnaval e o desfile cívico de sete de setembro.

A casa representa muito mais que um palco, ou um mero espaço físico onde são

desenvolvidas sociabilidades pelos atores sociais. Tal é a importância da casa para o indivíduo

que, no prefácio do livro “A casa brasileira”, Freyre estabelece uma relação entre o homem e

a casa, comparável à relação entre essa e o ventre materno (1971, p. 10). Para DaMatta (1985)

a casa irá configurar, enquanto categoria sociológica que determina nas pessoas mudanças de

atitudes, preferências, gestos, roupas e papéis e distinções sociais, enfim, hábitos que serão

desenvolvidos no bojo de determinada classe social e que muitas vezes poderá distinguir

grupos heterogêneos. Segundo Elias,

os fenômenos humanos nada mais são que concretizações de relações e comportamentos da vida social e mental. Esta idéia é aplicável à fala (relações humanas transformadas em sons), ciência, economia, política, arte inclusive para fenômenos humanos menos valorizados em nossa escala hierárquica, mas que nos permite conhecer, analisar e esclarecer ‘situações’ da psique humana. (1994, p. 124-5).

As relações entre espaço e tempo atuam no cotidiano dos atores sociais e,

correlativamente, parecem alterar e manipular os sentidos e os significados em narrativas

sociais, nos modos de percepção e funções das relações espaço-temporais, tanto na

significação como na apropriação das ruínas, monumentos e museus das cidades.

Neste contexto, a ênfase deste trabalho encontra-se na análise do indivíduo em suas

tensões cotidianas. Buscou-se por meio de suas lutas na disputa pelo poder e a possibilidade

de multiplicidade de suas ações cotidianas, valorizar o indivíduo em suas escolhas, elementos

simbólicos e contextos, associando-os às questões espaciais, evidenciadas pela presença de

monumentos na paisagem que eventualmente podem atuar como delimitadores territoriais,

específicos para determinado grupo, étnico, social, político ou religioso, desde que sejam

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decodificados os seus respectivos símbolos. O espaço é abordado não só pelas suas

características físicas, mas principalmente pelas especificidades simbólicas contidas nas

imagens.

Há, nas cidades, determinados setores de maior tempo de ocupação. Esses espaços

denominados “centros históricos” trazem na configuração de sua paisagem elementos que

evidenciam uma seqüência de ocupações passíveis de observação arqueológica. Dessa forma,

a arqueologia histórica1,

pode ser confundida com a chamada “arqueologia urbana”, a quem interessa primordialmente analisar o uso e a transformação do espaço através do tempo nas cidades por meio das evidencias arquitetônicas, porquanto elas definem os limites espaciais das atividades e da distribuição dos artefatos, lidando também, por conseguinte, com sociedades complexas. (LIMA, 1989, p. 89).

Essa perspectiva, denominada de arqueologia pós-processual, data da década de 1980.

Nesse momento, a arqueologia passa a se preocupar “[...] com os interesses e inserções sociais

da arqueologia e dos arqueólogos, no passado e no presente. Por isso, foi chamada, também,

de contextual, preocupada com o contexto histórico e social da produção de conhecimento

[...]” (FUNARI, 2003, p. 51).

A convivência de diferentes teorias e campos do conhecimento científico com a

arqueologia histórica, a exemplo da geografia e da história, e sua atuação, de modo

convergente e/ou divergente, sugestiona algo salutar (FUNARI, 2003). Seu objeto de estudo,

a cultura material, pode elucidar traços significativos que caracterizam ou caracterizaram a

produção humana de um determinado período, seja pelos instrumentos tecnológicos ou pela

capacidade criativa desse homem. Por fim, São Cristóvão possui de fato uma relevância

1 A classificação dos sítios e artefatos arqueológicos no Brasil segue os seguintes critérios: “arqueologia pré-histórica” para toda aquela produção que antecede à colonização portuguesa, e “arqueologia histórica” para toda produção datada do período colonial em diante, que tenha alguma influência européia.

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enquanto centro histórico, tendo cravado em sua paisagem marcas da atuação humana e

consolidação do espaço edificado ao longo dos tempos. Estudar o espaço por meio da

paisagem edificada é particularmente interessante pois, ele “testemunha um momento de

produção do espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada.” (SANTOS, Milton,

2002 b, p. 173). Assim, as cidades históricas conservam em suas paisagens formas duráveis

representativas das idéias de outros períodos.

Para a construção deste trabalho, foi realizada uma pesquisa de corte longitudinal.

Essa compreendeu desde os debates acerca da localização do sítio primitivo, da cidade de São

Cristóvão, até os ritos públicos mais recentes, datados do ano de 2004. Para tal, foram

utilizados fontes documentais, primárias e secundárias, acompanhado da formação de um

banco de imagens. Essas parecem fundamentais enquanto documentação da produção ou do

vestígio material e seu referencial de construção simbólica, procurando-se estabelecer

conexões entre o texto e o elemento visual. Elas buscam, de alguma forma, evidenciar

momentos distintos de ocupação dos espaços públicos.

A consolidação de um banco de imagens se deu não apenas por meio de elementos

bibliográficos. Foram utilizadas imagens cedidas pela Secretaria Municipal de Obras,

Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão; pesquisas via internet; junto ao

acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte da Universidade Federal de Sergipe

(CULTART/UFS); além de imagens produzidas recentemente, entre outubro de 2002 e abril

de 2004.

Concomitantemente à realização das imagens, foi desenvolvido, no centro histórico de

São Cristóvão, um incurso etnográfico sobre as ruas da cidade. Esse procedimento

possibilitou a obtenção de informações adquiridas por meio da oralidade além de enriquecer o

banco de dados iconográficos, com imagens de álbuns particulares.

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Para discorrer sobre os usos dos espaços públicos no centro histórico da cidade de São

Cristóvão foram desenvolvidos três capítulos: No primeiro, evidenciou-se a sua paisagem,

tomando-a como um centro histórico e debatendo-a segundo uma perspectiva da arqueologia

histórica. No capítulo seguinte, foi realizada uma (re)constituição histórica, desde a sua

fundação até as políticas públicas de preservação de seu conjunto arquitetônico. No terceiro

capítulo procurou-se compreender quais os usos e sentidos atribuídos aos espaços, formadores

da paisagem hoje, em dias comuns, cotidianos e em momentos extraordinários, envolvendo

manifestações de rituais sagrados, profanos, cívicos e artísticos.

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Capítulo 1

SÃO CRISTÓVÃO COMO CENTRO HISTÓRICO: UMA PERSPECTIVA ARQUEOLÓGICA.

1.1 Localização

Canindé deSão Francisco

Poço Redondo

Porto da Folha

Gararu

ItabiN. Sra de Lourdes

Canhoba

Aquidabã

GracchoCardoso

N. Sra da Glória

Carira N. S. Aparecida

S. Migueldo Aleixo

Feira Nova

N. Sra. DasDores

Cumbe

RibeirópolisFrei Paulo

Pinhão

Mancambira

Pedra

São Domingos

Campodo

Brito

Itabaiana

Lagarto

Riachão do Dantas

Tobias Barreto

Poço Verde Simão Dias

Itabaianinha

Tomar do Geru

Cristinápolis

Umbaúba

Indiaroba

Santa Luziado Itanhi

Arauá

PedrinhasEstância

Boquim

Salgado

ARACAJU

Itaporanga D’ajuda

São Cristóvão

N. S. Do SocorroBarra dos Coqueiros

AreiaBranca Laranjeiras

Malhador

Moita Bonita

S. Rosade Lima

Siriri

Riachuelo Maruim

Rosáriodo Catete

Gen. Maynard

Santo Amaro

das Brotas

Carmópolis Pirambu

Japaratuba

CapelaPacatuba

JapoatãMuribeca

Malhada dos BoisS. Francisco

Cedro deSão João

Amparo deS. Francisco

TelhaPropriá

Neópolis

Santana do S. Francisco

Ilha das Flores

BrejoGrande

Monte Alegre de Sergipe

Boquim

DivinaPastora

Cristinápolis

0 20 40 Km

Mapa 1. Digitalizado pelo autor.

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O sítio da cidade, propriamente dita, encontra-se localizado no vale do Vaza Barris a

aproximadamente 25 km do litoral sergipano. Tendo antes passado por outras duas

localizações, estabeleceu-se de modo definitivo sobre uma colina, denominada pelos

moradores locais de ‘cidade alta’. Nesta acrópole são encontrados os monumentos históricos

mais significativos, enquanto que, na parte baixa, mais moderna, acham-se localizadas as

fábricas de tecidos, as casas de seus respectivos operários e os trilhos da Viação Férrea Leste

Brasileiro, implantados em 1913, quando a cidade passou por um processo de retomada do

seu desenvolvimento. A planície sobre a qual se encontra a ‘cidade alta’ é do tipo arenosa e

baixa, atingindo 100 metros de altitude na curva de nível, formada por terrenos terciários

clásticos do Grupo Barreiras (AZEVEDO, P., 1980 a). São Cristóvão está localizada em uma

“Zona Fisiográfica do litoral sergipano, entre os rios Poxim Assu, ao norte e Vaza Barris ao

sul e sudoeste” (FERREIRA, 1959, p. 463). A cidade propriamente dita encontra-se ao sul do

território do município e à margem esquerda do Paramopama, mais precisamente nas

seguintes coordenadas: 11º 00’ 59” de latitude Sul e 37º 12’ 09” de longitude W. Gr.

(FERREIRA, 1959).

Em período de prosperidade econômica na região Nordeste do Brasil, a cobiça pela

conquista desses territórios foi provavelmente muito grande. No mapa abaixo, datado de

1637, é possível visualizar “Sergippe Del Rey”. A localização de São Cristóvão, sede da

capitania, sugere a sua atuação para fins estratégicos, principalmente por estar localizado

entre dois grandes centros produtores de cana-de-açúcar, Bahia e Recife.

Apesar da prosperidade econômica, esse período ficou marcado pela presença

constante de conflitos, quase sempre permeado por ameaça de invasões estrangeiras. As três

mudanças de sítios, sempre procurando um local mais seguro, distante dos ataques inimigos,

parecem refletir essa situação.

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Mapa 2.

Fonte: http://www.literaturadosviajantes.kit.net/imaginario/mundo/mundo009.jpg

O espaço definitivo de sua localização seguiu o modelo português. Extremamente

preocupado com o fator segurança, São Cristóvão, após duas mudanças, teve o centro de seu

sítio inserido em uma faixa de terra, caracterizada como tabuleiros, formada com altitudes que

variam “entre 30 e 100 metros, com relevos de topos planos, seccionados por vales abertos ou

mesmo em ‘U’, colinas convexas e declives orientados para o litoral” (SANTOS;

ANDRADE, 1992, p. 62).

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Mapa 3.

Fonte2: NASCIMENTO, 1991, p. 23.

As primeiras tentativas de colonização, após as batalhas diante dos índios tupinambá,

vieram com os Jesuítas. Esses representaram as primeiras ordens religiosas a chegar em

Sergipe por volta de 1597, seguidos dos Beneditinos em 1609 e dos Carmelitas em 1618

(OLIVA, 1991; NUNES, 2000). Durante este período foram desenvolvidas atividades

agrícolas nas lavouras açucareiras e boiadas do sertão.

Somente a partir do século XVII, São Cristóvão começa a consolidar seu aspecto

monumental, conservando ainda hoje “62 logradouros públicos, dos quais 13 pavimentados a

paralelepípedos e seis a pedras irregulares” (FERREIRA, 1955, p. 465).

2 Fonte original: Panorama - Revista Portuguesa de Turismo. n. 33-4, IV Série, p. 23. Diz o mapa: “a povoação nova a que chamam São Cristóvão”.

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1.2 Espaços e Territórios: a consolidação da paisagem.

Conforme Raffestin (1993), a análise das atividades humanas envolvem três aspectos

fundamentais: a população, englobando aí o que ele mesmo denominou de “certos seres”; o

território, entendido não só na sua relação espacial como também temporal e, finalmente, os

recursos, ou seja, denominado, ainda, segundo Raffestin (1993) de “certas coisas”. Ao longo

deste capítulo, serão abordados alguns dos principais conceitos que versem sobre o locus de

sociabilidades que se estendem desde o lugar, passando pela constituição do espaço e,

finalmente, o terceiro elemento denominado território.

Segundo Vasconcelos (2001), o termo geográfico “lugar” tem origem anglo-saxã, e

significa “porção do espaço geográfico ocupado por pessoas ou coisas”3. O espaço esteve

tradicionalmente associado à perspectiva “natural”, contudo há algum tempo vários estudiosos

têm se debruçado sobre o aspecto “social” do espaço, e hoje essas duas perspectivas assumem

um papel indissociável. Para Castells, por exemplo, “o lugar é um local cuja forma, função e

significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade física” (1999, p. 447). Em

sentido histórico o lugar pode ser admitido por meio de casas, fortes, igrejas, quarteirões,

cidades, etc. O termo espaço é derivado do latim spatium e, originalmente significava a

porção de uma superfície, intervalo ou o conjunto de superfícies. Ele é constituído de

diferentes usos da terra e, por isso, não pode ser definido sem referencias às práticas sociais.

O espaço, analisado segundo as teorias sociais, corresponde ao produto material fruto das

relações sociais, enfim ele [o espaço] “não é o reflexo da sociedade, é sua expressão. Em

outras palavras: o espaço não é uma fotocópia da sociedade, é a sociedade” (CASTELLS,

1999, p. 435). Enfim, o espaço não se encontra de modo aleatório, jogado ao acaso; ao

contrário, há nele elementos que caracterizaram os diversos pensamentos e interesses típicos

2 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 482 ( apud VASCONCELOS, 2001, p. 23).

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de cada período da organização social. Portanto, em conformidade com Milton Santos, é

possível afirmar que “o espaço é a matéria trabalhada por excelência” (2002 b, p. 172).

O termo território ou territoire, conforme sua idéia original no francês. A essência

formadora desses está na apropriação do espaço, com sentido e consciência de sua

apropriação4. Alexander (1997), chama atenção para o caráter comum tanto em filósofos

quanto em leigos: “ao idealizarem a sociedade civil como um espaço universalista e abstrato,

um mundo aberto, ilimitado, um horizonte sem fim”5. O território, por sua vez, tende a

converter o espaço da sociedade civil em um ‘lugar’ particularizado. Isso ocorre pois

determinados grupos étnicos, decidem revestir, o espaço comum de sociabilidades, de uma

aura ou de um sentido sagrado, muitas vezes, protegido por algo sobrenatural.

O debate sobre a idéia de território foi historicamente construído a partir de duas

perspectivas. A primeira, denominada ‘território étnico’, voltas-e para a apropriação de

diferentes espaços dados pelos interesses tangíveis, econômicos, políticos. A outra perspectiva

compreende o ‘território sagrado’ caracterizado pelos espaços protegidos por algo

sobrenatural, intangível. (VASCONCELOS, 2001) Há, no entanto, um outro entendimento

atribuído a sacralização do território, formulado de forma heterogênea a partir de experiências

cotidianas, entendidas pelo olhar dos atores sociais, que relaciona os

locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem do natal ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude. Todos esses locais guardam, mesmo para o homem mais francamente não-religioso, uma qualidade excepcional, “única”: são os “lugares sagrados” do seu universo privado, como se neles um ser não-religioso tivesse tido a revelação de uma outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana. (ELIADE, 2001, p. 28).

4 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 482 , (apud VASCONCELOS, 2001, 21-2). 5 Não consta página, documento disponível in CD-room: 6º encuentro de geógrafos de América Latina: Territorios en redefinicion: lugar y mundo en América Latina.

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Finalmente, a paisagem constitui um elemento bastante significativo para a

compreensão da configuração espacial hoje. Entendida enquanto a aparência de uma área, a

paisagem pode traduzir as diferentes idéias e conflitos sociais que caracterizaram um

determinado período por meio de evidências materiais ou em representações simbólicas

encontradas nos frontispícios e em perfis urbanos.

As diversas sociabilidades desenvolvidas em um determinado contexto espaço-tempo

resultam, quase sempre, em relações poder. Essas disputas quando aplicadas ao espaço

antropológico, são geralmente responsáveis pela formação de territórios. Elas encontram

manifestações mais sutis na modernidade, capazes de atribuir e de reconhecer na paisagem

edificada, elementos simbólicos que atuam, quase sempre, como delimitadores espaciais de

grupos e de práticas sociais. Tem-se aí, então, estabelecidos alguns dos critérios formadores

da paisagem antrópica. Esta será a base para o surgimento das cidades e, a partir das

necessidades típicas de um dado período, o desenvolvimento de redes. O conceito de rede está

umbilicalmente interligado a idéia de fluxos ou deslocamentos, em um ou mais conjunto de

linhas ou de relações mais ou menos complexas. Os fluxos, por sua vez, correspondem a

“seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições

fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e

simbólica da sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 436). Nos espaços de fluxos, há uma permuta

ou o compartilhamento de idéias e de organização material, evidenciada em ações

desenvolvida pelos atores sociais.

A temporalidade é imprescindível para entendermos o presente. Ela é reveladora de

dados substanciais que se estendem desde a origem de determinadas comunidades, sua

localização e, até mesmo nome atribuído a esse sítio. O tempo, ademais, constitui um

importante elemento para o estudo das sociabilidades, por isto é fundamental correlacionar

espaço-tempo, buscando compreender qual a relação entre a paisagem edificada e o tipo de

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pensamento vigente em uma dada sociedade. Por meio desta tríade de elementos - relação

espaço-tempo, paisagem edificada e pensamento vigente - talvez seja possível especular

acerca das sociabilidades e das práticas cotidianas desenvolvidas tanto na esfera pública como

privada daquela sociedade.

Independentemente de abstrações conceituais, as sociabilidades são desenvolvidas

efetivamente em um determinado espaço do qual não se pode excluir o espaço-tempo

simbólico. Haesbaert (2002), por exemplo, chama atenção para o caráter inovador e

desafiador em que o pesquisador do espaço na modernidade é conduzido, isto ocorre

justamente pelo fato, talvez, deste objeto não ter recebido as devidas preocupações na

geografia.

Falar em espaço na geografia era tradicionalmente referir-se ao espaço natural,

entendido enquanto rios, montanhas, vales etc. No primeiro momento esses elementos

naturais foram imbuídos de caráter simbólico por meio da associação de forças políticas. Um

determinado rio qualquer não apenas é um elemento natural, ele pode representar uma

fronteira simbólica entre territórios distintos. Com o decorrer dos tempos a arquitetura

transformou aspectos antes exclusivos da natureza em caráter antrópico, conferindo à política

por meio de mediação simbólica. Neste segundo momento, o elemento simbólico ditado em

obras arquitetônicas, é traduzido por uma maior sutileza e, por vezes acaba por delimitar

territórios antes delimitados por rios, vales, etc. Desse modo, o espaço que tradicionalmente

era tratado de forma absoluta, em suas características naturais e posteriormente associado ao

caráter político, configurando territórios religiosos, políticos ou por consangüidade, parece ter

evoluído para o espaço histórico e, muitos desses, revitalizado (GIL FILHO, 1997).

Soja (1993), propõe o estudo do espaço fundamentando-o em três modelos

epistemológicos. O primeiro deles, denominado de Espaço Percebido, encontra seu foco

centrado na prática espacial e compreende a materialidade do espaço empírico e suas

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mediações locais possíveis. O segundo espaço ou o Espaço Concebido, irá ater-se à

representação do espaço, em um modelo fortemente assentado no simbolismo do visual, de

cunho estético, artístico e interpretativo da estética arquitetônica e do imaginário. O primeiro

modelo encontra-se mais próximo de análises marxistas, enquanto o segundo volta-se para a

semiótica do espaço, neste sentido, parece haver aí uma dualidade. O Espaço Vivido ou o

terceiro espaço – não confundir com a idéia de “Terceiro Espaço” proposta por Hommi

Bhabha (2000), a ser analisado mais adiante – constitui um modelo de estudo que busca

resolver esse “impasse” através da desconstrução da dualidade entre o primeiro e o segundo

espaço. Ele apresenta uma articulação entre as dimensões históricas, sociais e espaciais do

cotidiano. Para Soja (1993), o “Espaço Vivido” parece representar uma tentativa

interdisciplinar de compreensão do espaço. Gomes (2002), por exemplo, defende o diálogo

entre a geografia e as demais ciências sociais, constituindo assim uma possível contribuição

para elaboração de análises espaciais voltadas para a compreensão dos problemas sociais. Ao

que parece, há uma lacuna provocada por estes outros campos disciplinares que ainda não

conseguiram atentar para esta possibilidade de análise, dialética, por meio de tentativas de

compreensão dos conceitos que se exprimem por meio de jogos de oposições e confrontos.

Haesbaert (2002), chama a atenção para a necessária utilização de elementos bibliográficos de

áreas que tradicionalmente se inserem em circuitos de debates “a-espaciais”, como a

sociologia e a história e, por que não dizer, a antropologia.

Conforme apontado no parágrafo anterior, há uma outra compreensão possível para o

entendimento do termo “Terceiro Espaço”, proposto por Bhabha (2000). Fundamentado em

análises que questionam a pureza ou a autenticidade de modelos propostos, tanto pelas nações

imperialistas e colonialistas quanto pelas nacionalistas. Para Bhabha (2000) a cultura é

produto sincrético da adaptação híbrida. O Terceiro Espaço, por isso mesmo, representa o

locus de enunciação entre os atores sociais, onde são desenvolvidas as capacidades

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produtivas. Essa “enunciação da diferença cultural” (BHABHA, 2000, p. 26), por sua vez,

implica em algo mais que a representação binária entre passado e presente, tradição e

modernidade. Ela deriva de uma temporalidade da negociação ou da tradução, na qual o valor

transformacional da mudança reside na rearticulação de elementos constituídos na vida

contemporânea, enquanto espaço de comunicabilidade social e de enunciação ideológica onde

a ênfase não está nem em um e nem no outro, mas nos diferentes grupos sociais. Esse é um

espaço onde há a negociação em detrimento da negação e esse caráter sincrético, híbrido, de

negociação torna possível que “os mesmos signos possam ser apropriados, traduzidos, re-

historicizados e lidos de outro modo” (BHABHA, 2000, p. 28).

Embora o debate em torno da idéia de lugar, de espaço e de território se configure

como categorias conceituais do locus onde são desenvolvidas diversas sociabilidades, é

fundamental esta introdução, pois elas trazem em seu bojo um caráter subjetivo capaz de

orientar experiências e expectativas.

O termo conceito vem do latim con-capere, que significa “compreender o conjunto”.

Segundo Bailly6, o conceito implica em uma “representação mental, abstrata, e uma

reconstrução analítica do mundo” (VASCONCELOS, 2001, p. 15). Para Brunet; Ferras;

Théry7 ele pode ser definido ainda enquanto uma “representação geral, de natureza abstrata,

claramente definida e mesmo consensual, suscetível de guiar a pesquisa e de fundamentar

suas hipóteses” (VASCONCELOS, 2001, p. 15).

A idéia de lugar é fundamental para o debate sobre o patrimônio, pois está implícita a

utilização deste locus pelos atores sociais. Contudo, o lugar pode ser entendido de duas

maneiras, aqui denominadas de sentido ‘isotrópico’ e de sentido ‘antrópico’. A primeira

descrição, por exemplo, parece muito mais próxima dos estudos propriamente geográficos –

6 BAILLY, Antoine (Ed.). Les concepts de la géographie humaine. Paris: Masson, 1991. p. 11 (apud VASCONCELOS, 2001). 7 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 120 ( apud VASCONCELOS, 2001).

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ou pelo menos da geografia física – nela pode-se afirmar que “um lugar é a ordem (seja qual

for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto

excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. [...]. Um lugar é

portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade”

(CERTEAU, 1994, p. 201). É possível afirmar que, nesta abordagem, há a incompatibilidade

da coexistência de dois ‘corpos’ materiais em um mesmo lugar.

Augé (1994, 1999), contudo, parte de uma abordagem mais próxima da antropologia e

faz uma incursão relacionando lugares e não-lugares. O primeiro representa o lugar do “em

casa”, é comum a todos que o reconhecem enquanto identitário, relacional e histórico, enfim

são espaços antropológicos, pois há entre uma relação estes e seus atores sociais. Neste

sentido a idéia de lugar compreende a correlação entre as características subjetivas e, por

outro lado, os processos de identificação e as relações de identidade. Em outras palavras,

pode-se afirmar que o lugar é marcado pela memória cotidiana, pela identidade entre estes

espaços e aqueles que o reconhece em sentido identitário. Ainda segundo Augé, há no lugar

uma construção concreta e simbólica do espaço, esse passa a ser definido em sentido

antropológico enquanto uma apropriação simbólica de um determinado espaço por um grupo

ou classe social.

O não-lugar corresponde a espaços produzidos pela supermodernidade. Se por um

lado, a idéia de modernidade está geralmente associada ao surgimento do Renascimento,

definido nos termos Antigo e Moderno, há uma outra perspectiva elaborada sob o ponto de

vista da sociologia, segundo a tradição alemã, que associa a modernidade ao processo

progressivo de racionalização e de “diferenciação econômica e administrativa do mundo

social (Weber, Tönnies, Simmel) – processos esses que resultaram na formação do Estado

capitalista-industrial” (FEATHERSTONE, 1995, p. 20). Por outro, para Augé “a

supermodernidade surge quando a história se torna atualidade, o espaço torna-se imagem e o

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indivíduo, olhar, por oposição a uma pós-modernidade concebida como adição arbitrária de

traços aleatórios” (1999, p. 141). O não-lugar, inversamente ao primeiro, encontra-se marcado

pela ausência de identidade. Neste sentido, nele tudo é efêmero, provisório, são, portanto,

ahistóricos. É preciso salientar, contudo, que ambos não existem sob uma forma pura, ao

contrário, há entre estes uma relação dialética, um jogo embaralhado de identidade e de

relação que se reinscreve incessantemente. A crítica ao pensamento de Augé deriva

justamente dessa relação dialética, ela está fundamentada na idéia de que “os ‘lugares’ não

estão simplesmente perdendo identidade, relações e história. [...], eles muitas vezes estão se

redefinindo pela multiplicidade de identidades, relações e histórias que passam a incorporar”

(HAESBAERT, 2002, p. 139).

Segundo Gomes (2002), o Estado criado pelo estado moderno reúne elementos

materiais e abstratos, que configuram um lugar, entendido em sentido material e abstrato,

reafirmando dessa forma a luta contra desigualdades e injustiças. Finalmente, para Castells

(1983) o lugar compreende forma, função e significado, implica em diversidade de usos e de

funções desenvolvidos em um local que, por sua vez, independem da contigüidade das

fronteiras físicas.

Partindo-se da idéia de espaço físico e, por outro lado, de lugar em seu sentido

antropológico, é possível adentrar no segundo elemento conceitual: o espaço. A palavra

espaço vem do latim spatium. Em sentido isotrópico pode significar porção da superfície,

intervalo ou conjunto de superfícies, já no sentido antropológico ele pode representar o espaço

de poder, o espaço sagrado ou o espaço de trabalho (VASCONCELOS, 2001), enfim,

segundo Merleau-Ponty (apud CERTEAU, 1994) é possível distinguir o espaço “físico” e o

espaço “antropológico”. Há, em Certeau, uma diferença entre o espaço geométrico, entendido

enquanto localidade hegemônica ou isotrópica e o espaço antropológico, vinculado às

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múltiplas experiências locais. Conforme apontado por Merleau-Ponty, o espaço é dado pela

efetiva ocupação e práticas desenvolvidas em um determinado lugar.

As atividades e práticas desenvolvidas em um determinado espaço são típicas de um

período. Segundo Castells (1983), o espaço é o produto material produzido a partir de

determinadas relações sociais que, associados em sua forma e função, são responsáveis por

uma significação social. O espaço urbano, por exemplo, não se encontra de modo aleatório,

jogado ao acaso, ao contrário, há nele determinismos de cada tipo e de cada período da

organização social. Neste sentido, a paisagem representa o resultado de acúmulo lógico dos

diversos tempos vivenciados de forma diferenciada, pelos habitantes e citadinos, conforme a

disponibilidade de recursos materiais, equipamentos tecnológicos, expectativas ideológicas e

experiência individual e grupal (ETCHEVARNE, 2002). No espaço antropológico as diversas

forças sociais conduzem a um “efeito produzido pelas operações que o orientam, o

circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas

conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 1994, p. 202), resultando desta

forma nas diversas divisões do espaço e dos subespaços, estes, por sua vez, são frutos dos

conflitos, das lutas e interesses contrários que resultam, no presente, nas diferentes estruturas

espaciais elaboradas no passado.

Assim como o homem e a cultura se confundem, é possível afirmar que a produção do

espaço, conforme proposto por Lefebvre (1974), envolve uma determinada historicidade, que

é específica; determinadas sociabilidades, nas quais estão envolvidas ações de grupos sociais,

seus conhecimentos, ideologias ou domínio das representações exteriorizadas em

manifestações materiais e imateriais, em hábitos cotidianos; e, por fim, a espacialidade,

entendido pela diversidade de arranjos aos quais os objetos naturais e sociais encontram-se

contidos no espaço, bem como as redes e vias através das quais podem vir a se configurar as

trocas de informações e de mercadorias. É possível afirmar, portanto, que “o espaço não é o

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reflexo da sociedade, é sua expressão. Em outras palavras: o espaço não é uma fotocópia da

sociedade, é a sociedade. As formas e processos sociais são constituídos pela dinâmica de

toda estrutura social” (CASTELLS, 1999, p. 435).

Para Carlos, a “paisagem é uma forma histórica específica que se explica através da

sociedade que a produz, [...]” (2001 a, p. 43), por isso o estudo da paisagem pode ser bastante

significativo para o entendimento de como foram elaborados elementos materiais e

simbólicos, delimitadores de práticas cotidianas. Segundo Castells (1983), o espaço

construído e o tempo histórico transformaram-se em paisagem que foram incorporados ao

espaço. Esse fenômeno ao qual Castells se referiu denominando-o de “rugosidade” pode

fornecer pistas de organização social, manifestadas em sociabilidade, técnicas e organização

da produção desenvolvidas no cotidiano desses povos. Esta parece ser a essência delimitadora

para a formação territorial. Assim, esta formação constituída pela paisagem natural e/ou

antrópica, remete a apropriação de um determinado espaço com sentido e consciência, por

meio do qual se configura o espaço político, revelado em lutas e tensões, responsável por

diferenciações no cotidiano de diversos grupos.

Castells (1983) sugere a não existência de uma teoria específica do espaço. Na

realidade, segundo o autor, o que parece haver é um desdobramento e uma especificação da

teoria da estrutura social, que tende a articular o espaço e outras formas de processos

historicamente construídos. O pesquisador interessado em estudar um determinado espaço,

em seus aspectos sociais, deve necessariamente deparar-se com o sistema econômico, ou de

subsistência (conforme o espaço-tempo dessa sociedade), o sistema simbólico em relação às

práticas sociais ali estabelecidas.

A sacralidade de um determinado espaço parece estar associada, acima de tudo, com

as relações subjetivas adotadas pelos atores sociais. Para Certeau & Giard, por exemplo, o

“território onde se desdobram e se repetem, dia a dia, os gestos elementares das artes de fazer,

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é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. De tudo se faz para não ‘retirar-se’ dela,

porque é o lugar em que a gente se sente em paz” (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p.

203). Portanto, estas podem se estender desde a esfera privada, a partir de ações vivenciadas

na individualidade, até a esfera pública, quando estas práticas são vivenciadas em sentido

coletivo, pelos diversos atores sociais.

O ator social, e somente ele, é capaz de atribuir sentido a sua ação, pública ou privada.

Ele é o sujeito da ação praticada, em um determinado contexto específico, no tempo e no

espaço. Desta forma, a legitimação desta apropriação não ocorrerá simplesmente pela ação

dos agentes sociais, ou pela intelectualidade, munidos de todo o aparato jurídico/institucional,

ao contrário, é preciso que esta política de apropriação se dê com e não para.

Há, entretanto, uma outra proposta que irá diferenciar os usos e apropriação do espaço,

fundamentada na distinção entre o público e o privado, opondo-se, dessa maneira, à dicotomia

sagrado e profano (GOMES, 2002). O nomoespaço, como é denominado, “é assim construído

de maneira a experimentar relações formais de pertencimentos, mas sobretudo de

ordenamento. Assim, cada instituição social dispõe de sua área de controle e vigilância, as

práticas sociais são regulamentadas no espaço, e os signos de delimitação territorial são

inequívocos” (GOMES, 2002, p. 39-40). O nomoespaço configura-se enquanto um espaço

normativo, regulador e formalizador de práticas, constituindo, portanto, uma condição

necessária para que se configure a idéia de um pacto social do tipo contratual. Corroborando

esta assertiva França (1999, p.33) expõe que:

Os grandes espaços urbanos modernos apresentam-se, identificando-se claramente várias cidades dentro da cidade. São grupos de interesses diversos, gerando nos lugares os conflitos. A administração dessa gama de interesses está a cargo do Estado, que, na maioria das vezes, torna posição de defesa dos grandes grupos econômicos que controlam as cidades.

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Toda apropriação seja ela de qualquer natureza, está amarrada a um contexto.

Lefebvre (1974), por exemplo, sugere o ‘movimento trialético’ para que se possa

compreender a produção do espaço a partir de práticas sociais: a ‘historicidade’, a

‘sociabilidade’ e a ‘espacialidade’. Para entender a historicidade da ação humana em um

movimento trialético, é necessário ligá-la à realidade social por meio de relações e formas. A

ação humana, portanto, deve ser abordada enquanto um tríplice movimento, que se insere em

um determinado contexto histórico. Este não deve limitar-se a elaboração de simples

inventário quantitativo dos objetos inseridos em um espaço, é preciso estabelecer tipologias,

notar a freqüência com que estes se repetem e o respectivo georeferencial da cultura material.

As ciências sociais neste momento parecem privilegiar estudos e abordagens que busquem as

ações subjetivas, o sentido atribuído e o cotidiano desses atores sociais. Estes passam a ser

entendidos não como uma massa amorfa, sem sentimentos, sem vontades, conduzidas pela

intelectualidade, ao contrário, os atores sociais são responsáveis pelas práticas cotidianas e

pelo sentido atribuído a essas.

O segundo elemento traz consigo conhecimentos de grupos específicos que acabam

por legitimar ideologias ou domínios de representações simbólicas, imagens, edificações etc.

que, de alguma forma, estão atrelados a determinados grupos sociais. Encerrando a tríade

tem-se a espacialidade. Aqui, ao que parece, confundem-se elementos isotrópicos e

antrópicos. Segundo Lefebvre (1974), a espacialidade engloba a diversidade de objetos

naturais e sociais contidos no espaço, ou ainda, as redes, as vias, a troca de informações e de

mercadorias. As redes por sua vez podem servir como importante elo em um amplo projeto de

integração territorial. Elas possibilitam a quebra de barreiras, a circulação de mercadorias, de

matérias-primas e de capitais, aproximando lugares distantes e promovendo a integração

territorial (CASTRO; GOMES; CORRÊA, 1995). Elas não existem de modo puro, único ou

exclusivo, há uma gama de possibilidades pelas quais as redes podem de fato ser efetivadas.

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A forma original desse terceiro espaço foi denominada de espaço absoluto. Ele é

representado essencialmente pelos elementos da natureza, tais como rios, montanhas, vales

etc. Deste modo, segue-se àquele que imprime forças de caráter simbólico, por exemplo, a

religião, a economia e a política. Estes são alguns dos principais elementos representativos da

ação antrópica, responsáveis pela transfiguração do espaço natural em espaço social, e pela

ocupação de forças políticas que irão atuar de forma delimitadora sobre o espaço. Em um

segundo momento, a arquitetura transformou o que era da natureza em caráter antrópico

conferindo-lhe caráter político por meio de mediação simbólica. A arquitetura associada ao

simbólico acabou por delimitar territórios antes delimitados por rios, vales, etc.

O homem, ao ocupar um determinado espaço, acaba por configurá-lo, deixando

marcas de sua ocupação de modo temporário ou perene, imprimindo traços que marcam a

paisagem e modificam a natureza, deste modo “o espaço absoluto, religioso e político em

caráter era produto dos laços de consangüidade, solo e idioma mas, além disso, evoluiu para

um espaço revitalizado e histórico” (GIL FILHO, 1997, p. 112). Esta ação traz no seu interior

traços representativos de um determinado grupo social e de suas relações sociais típicas de um

espaço-tempo distinto, imbuído de valores, e de ação simbólica, que são responsáveis pela

formação de territórios distintos. Muitas vezes, alguns elementos da natureza, a exemplo de

rios e vales, etc, são revestidos de caráter simbólico e, a partir daí, são estabelecidas

convenções de delimitação territorial. Há, contudo, outras formas muito mais sutis, e

provavelmente mais eficazes, de se estabelecer tais limites encontrados a partir da

transformação de um locus antrópico expresso em edificações petrificadas no espaço, tais

como igrejas, palácios etc.

O cotidiano se expressa em espaços de representação, colocando de lado as

preocupações relativas à idéia de processo histórico e suas descrições geográficas do espaço

natural, ou ainda, a compreensão das transformações sociais, geralmente preocupadas com os

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eventos e suas instituições. Estas, geralmente, são abordadas por meio de documentos que

representam o olhar do narrador, filtrando o objeto de acordo com suas perspectivas

epistemológicas ou, ainda, com suas percepções sensoriais, muitas vezes atreladas a um

determinado juízo de valor. Ao analisar a cultura material, o arqueólogo encontra a

informação em sua fonte primária, não filtrada por outros olhares. A paisagem edificada além

de representar seu estado quase que in natura, pois este pode ter passado por alguma mudança

ou retoque, contudo dificilmente ocorrerá mudança radical por se encontrar encaixada entre

outras construções.

A cidade é resultado de conflitos cotidianos que caracterizaram não só as gerações

passadas como também os grupos que se transformam e transformam o ambiente em formas

concretamente visíveis. Ela é, portanto possuidora de significado real. Na cidade, é possível

perceber não apenas a natureza dos seus processos evolutivos, dos seus equilíbrios e tensões

(FORTUNA, 1997) exteriorizados, por exemplo, na paisagem edificada, como também a

heterogeneidade entre modos de vida, resultando assim em diferentes usos dos espaços, por

meio do qual ele se constrói e se reproduz de forma desigual e contraditória. Enfim, a cidade

se apresenta tal como um locus privilegiado, onde os atores sociais estão a desempenhar

distintas sociabilidades que podem se estender desde o flâneur8 até a atitude blasé9. Esta

concepção de cidade enquanto espaço fragmentado e disputado abre um leque de

possibilidades para o seu entendimento, na qual ela deixa de ser reconhecida como “coisa” e

passa a ser interpretada em diferentes perspectivas, que podem percebê-la enquanto pares de

oposição, pelos seus conflitos internos ou, ainda, enquanto elemento dialético. Nesse sentido,

8 Conceito elaborado por Walter Benjamin (1997) inspirado na famosa descrição do poeta Baudelaire em “Pintor da vida moderna”. O flâneur ou o vagabundo é identificado como aquele sujeito que passeia despreocupado com um trajeto específico ou o tempo gasto para percorre-lo. Esse sujeito se deixa levar motivado pelas múltiplas possibilidades de experimentar ou de conhecer algo novo. Na realidade, muito mais que um passeio pela cidade, o flâneur busca desenvolver uma etnografia da cidade, observando os múltiplos usos atribuídos aos diferentes espaços de sociabilidades. 9 Georg Simmel (1997), em sua clássica conceituação (atitude blasé), propõe de utilização de diferentes visões de mundo e de estilos de vidas, responsável pela contradição criadora de um ódio tanto “apaixonado” quanto “amargo”. Na atitude Blasé quanto maior a multidão em igual tamanho será o isolamento dos indivíduos. Identificados enquanto multidão anônima, incessível, indiferente.

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o processo urbano deixa de ser abordado enquanto trabalhos descritivos, agora, ao contrário, é

preciso buscar compreender a natureza político-social que está intrínseca a ele. Esta mudança

de perspectiva parece revelar um avanço nas formulações epistemológicas desenvolvidas para

o estudo das cidades, permitindo, dessa maneira, reconhecer na cidade o aspecto real e

representacional, o texto e o contexto, o ético e o estético, onde o tempo e o espaço vividos

podem ser (re)construídos.

A análise urbana passa a ser compreendida a partir da disposição espacial dos objetos

e das práticas sociais desenvolvidas em um determinado contexto, e procurando-se entender

qual o sentido atribuído àquela ordenação espacial. A paisagem edificada e a cidade parecem

abrir uma perspectiva para o entendimento de fenômenos urbanos, da sociedade e da

dimensão social e histórica desse espaço (CARLOS, 2001 a).

As cidades e os espaços edificados representam o acúmulo lógico de situações

produzidas ao longo dos tempos, em conformidade com as diversas ideologias, necessidades e

disponibilidade de material. Assim, a configuração espacial hoje pode informar muito, pode

ser bastante significativo para a construção de interpretações do passado.

Para entender o surgimento de determinado sítio, por exemplo, embrião fundador de

uma cidade, é fundamental a descrição de sua ocupação populacional, quais os recursos do

seu entorno e, na medida do possível, buscar conhecer os modos de viver, de pensar e de

sentir, enfim elementos da cultura local fundamentais na manutenção da existência desse

grupo. É preciso buscar elementos que possibilitem o seu entendimento enquanto produto do

processo em um determinado momento histórico. Neste sentido, a localização de um sítio do

período colonial brasileiro esteve geralmente orientada pelo fator segurança (OMEGNA,

1971). São Cristóvão, por exemplo, não fugiu a essa regra, localizada no alto de modo a

visualizar a chegada de inimigos, que poderiam ser desde os índios até os invasores franceses.

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O projeto português de povoamento do Brasil dá origem, segundo Darcy Ribeiro

(1995), a uma civilização urbana, a exemplo das cidades como Bahia, Rio de Janeiro, João

Pessoa, Olinda, entre outras. Freyre (1982) denominou esse processo de “rurbanização”,

caracterizado pelos toques urbanos a colorirem víveres ecologicamente rurais, ou em outras

palavras, são hábitos, modos viventes, tipicamente rurais em pretensas sociedades urbanas

que caracterizaram a sociedade brasileira no século XVI. São estes traços que irão, de forma

positiva ou negativa, marcar a passagem de uma sociedade pré-histórica para adentrar na fase

colonial, surgindo assim uma nacionalidade brasileira.

Um detalhe a ser observado é que, essas cidades e vilas do período colonial eram

muitas vezes criadas por ordem expressa da Coroa com fins de defesa da costa. De modo

geral “antes da cidade aparecer, um pequeno grupo decide que ela exista, pelo feiticismo de

uma Carta Régia e a implantação do pelourinho” (OMEGNA, 1971, p. 15). São Cristóvão, por

exemplo, nasce entre dois grandes centros produtores de cana-de-açúcar, Salvador e Olinda,

no entanto, embora este não pareça ser o motivo principal, o de guardar a costa, ele não

parece estar totalmente excluso nos planos portugueses. A evidência de outras localizações

para os dois primeiros sítios, embora não se saiba suas localizações precisas, ninguém

contesta que estes estariam mais próximos do mar.

Cristóvão de Barros ao fundar esta aglomeração primitiva parece não fugir à regra.

Desse modo, São Cristóvão constituiu um importante elemento estratégico na luta contra os

invasores franceses que margeavam o litoral e, mais tarde, quando Sergipe volta-se para a

pecuária, visando a ocupação territorial e o suprimento de carne e couro nos mercados

vizinhos, este sítio adentra o interior, talvez procurando distanciar-se da exposição ante os

ataques inimigos, mas também para controlar essa passagem que constituía a ligação entre

esses importantes centros produtores de cana-de-açúcar.

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Mapa do Brasil territorial: 1500 – 1822

Mapa 4.

Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa014.htm

As cidades, ao desempenhar um determinado papel, ganham relevância que parecem

perdurar por um determinado tempo. Desse modo “o centro urbano não é uma entidade

espacial definida de uma vez por todas, mas a ligação de certas funções ou atividades que

preenchem um papel de comunicação entre os elementos de uma estrutura urbana”

(CASTELLS, 1983, p. 275). A propósito, há uma diferença substancial entre “centro” e

“centro histórico”. Portanto, o primeiro pode ser entendido enquanto uma aglomeração

correspondente às praticas dos citadinos, geralmente é nesse que são encontradas a gênese das

cidades, enquanto o outro apresenta caráter qualitativo referente ao lugar com o qual se opera

administrativamente (SEABRA, 2001). Há, portanto, um movimento dialético capaz de

diferenciar o centro do centro histórico, mediado pelos usos e apropriação do espaço e pelos

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usos cotidianos. Fato semelhante pode ser observado para a diferenciação entre cidades e

cidades históricas.

A rigor, toda cidade é histórica, na medida em que foi construída a partir de lutas e

tensões no cotidiano de seus habitantes, trazendo em seu interior histórias vivenciadas no

decorrer dos tempos. A paisagem é construída, transformada, reformulada, são atribuídos

novos valores e sentimentos de apropriação por parte dos atores sociais. Neste sentido, como

diferenciar uma “cidade” de uma “cidade histórica”? A primeira, segundo Gomes, pode ser

definida enquanto “é um fenômeno de origem político-espacial, cuja manifestação deste

caráter se revela em sua dinâmica territorial” (2002, p. 15), e essa disposição física aliada à

sua dinâmica sociocomportamental constituem elementos formadores da condição urbana, por

outro lado, “a cidade histórica, na sua gênese tem uma realidade fundada numa ordem abstrata

de mando que perpassa as práticas sociais no seu conjunto e que se impõe, esforçando-se por

aplastar as singularidades dos modos de ser. Trata-se da religião como componente

estratégico que foi do projeto de colonização portuguesa” (SEABRA, 2001, p. 78).

O Estado português aliado ao catolicismo, incluía em seu projeto de colonização a

edificação de igrejas monumentais, exuberantes no coração de humildes vilas. Tudo convergia

para fazer do catolicismo um espetáculo proselitista com encenação, incluindo procissões,

músicas, novenas, sermões, ladainhas. A igreja central era o grande monumento vistoso, ela

“marca o centro citadino, porque é ela quase que a única edificação de feitio e estilo realmente

urbano” (OMEGNA, 1971, p. 23). Nas sociedades coloniais, o monumentalismo das igrejas

representava, simbolicamente, a superação da dicotomia entre as zonas rurais e urbanas,

atribuindo ordem a um espaço-tempo definido por meio de rituais simbólicos, praticados por

atores sociais que, independentemente de distâncias, reconhecem a sacralidade atribuída a

esse espaço, identitário e apropriado por todos aqueles que para ele rumam para prática de

zelos e de devoções. A localização “[...] e o domínio arquitetônico de suas edificações na

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praça principal, que as ordenações d’El-Rei lhe separam, é bem figura e testemunho de sua

soberania espiritual, moral e política que poucos ousam contestar” (OMEGNA, 1971, p. 27).

Via de regra a construção da cidade começaria pela chamada praça maior por meio de

monumentos religiosos. Dessa forma, o catolicismo atuava como um fator de coesão

ideológica em uma sociedade rarefeita, agregando as pessoas em um meio disperso e

cumprindo desse modo um papel político (LOPEZ, 1994). Os primeiros monumentos oficiais

edificados na atual São Cristóvão são de caráter religioso, entre eles encontram-se: a Igreja de

Nossa Senhora da Victória ou Igreja Matriz, datada do início do século XVII e o Conjunto

Franciscano (VILELA; SILVA, 1989, CARVALHO, 1989), cuja construção ficou decidida

em 1657, com a chegada dos franciscanos, havia construído a Igrejinha em janeiro de 1659 e,

no dia 12 de setembro foi lançada a primeira pedra do convento, o conjunto só foi concluído

na segunda metade do século XVIII (SANTOS, Marcelo, 2001). “As construções franciscanas

tinham frontispícios decorados, cruz de pedra no adro, e usava geralmente pedra e cal”

(LOPEZ, 1994, p. 46).

“A forma da praça seria de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a

dois terços do comprimento, de modo que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos”

(HOLANDA, 1969, p. 63). O partido arquitetônico das construções da praça,

independentemente de financiamento particular ou não, deveria seguir um plano

preestabelecido, regular, informe e simétrico. Esse espaço de relações sociais configurava

uma paisagem delimitadora de comportamentos, classificações de ações sociais, ordenamento

à dinâmica social e à hierarquia de práticas e de instituições (GOMES, 2002).

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Foto 1

Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, s.página10.

10 No detalhe a frente o Palácio do Presidente de Província, de frente para a praça, do lado esquerdo da imagem a antiga Santa Casa de Misericórdia e no plano inferior da imagem o conjunto Franciscano.

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Foto 2.

Fonte: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

A Igreja centralizava a vida citadina, nas cidades nordestinas, onde são desenvolvidas

relações sociais A porosidade, a que se refere Benjamin (1997), irá pensar na cidade

transformada em palco de relações sociais. As ruas, por sua vez, transforma-se em locus, por

excelência onde as tramas sociais são encenadas (CARLOS, 2001 a). O espaço é o ponto de

encontro, ao mesmo tempo em que é produto do próprio encontro, onde são desenvolvidas

sociabilidades e estabelecidas relações cotidianas com o lugar em atividades. Há a efetivação

de uma vivência pelos habitantes e citadinos, a partir de práticas diferenciadas. “A cidadania é

aqui concebida como algo que se traduz no cotidiano e nas ações mais habituais do cenário da

vida pública, ou seja, onde há vida pública há discussão e conflitos, que, de uma forma ou de

outra, traduzem-se em uma disputa territorial” (GOMES, 2002, p. 9). Neste sentido, a praça

onde está localizada a Igreja pode ser entendida não apenas pelo aspecto das sociabilidades,

como também pelo viés da competição, onde são desenvolvidas relações de poder, buscando

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espaços do seu entorno. A cidade colonial cresce nos desdobramentos da matriz e geralmente,

em torno da nova capela, dividindo-se em paróquias ou freguesias, como eram comumente

designadas, comprovando a dominação eclesiástica (OMEGNA, 1971).

Segundo Holanda,

a construção da cidade começaria sempre pela chamada praça maior. Quando em costa de mar, essa praça ficaria no lugar do desembarque do pôrto; quando em zona mediterrânea, ao centro da povoação. A forma da praça seria de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a dois terços do comprimento, de modo em que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos. Em tamanho, seria proporcional ao numero de vizinhos e, tendo-se em conta que as povoações podem aumentar, não mediria menos de duzentos pés de largura por trezentos de comprimento, nem mais de oitocentos pés de comprimento por quinhentos e trinta e dois de largo; a mediana e boa proporção seria a de seiscentos pés de comprimento por quatrocentos de largo. (1969, p. 63).

A ocupação de determinados espaços, onde são desenvolvidas sociabilidades traz,

quase sempre no seu cerne, a luta por interesses antagônicos, praticadas no cotidiano pelos

atores sociais. Para Featherstone (1995), há uma distinção relevante que confunde dois

significados de cultura, um ligado ao significado antropológico ou cotidiano e outro

relacionado à alta-cultura. O primeiro elemento encontra-se presente em todas as culturas, ele

está associado às práticas de representação efetivadas pelos atores sociais, enquanto o outro

representa o produto de uma construção simbólica elaborada por um conjunto de especialistas

que contam com o apoio de instituições e do direito normativo, cujo aumento potencial de

poder ocorrido a partir do século XVIII deu origem à noção de uma esfera cultural autônoma.

A cultura em seu sentido antropológico, cotidiano, por sua vez, co-existe simultaneamente

com a alta-cultura em um mesmo espaço social. Estas oposições ficam mais nítidas a partir do

momento em que são associadas ao estilo de vida e à estrutura ocupacional das diversas

classes sociais. Os grupos dominantes, desse modo, procuram apropriar-se de “bens

posicionais”, conforme apontado por Featherstone (1995), ou conforme Elias (1994), bens

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cujo acabamento e sofisticação são diferenciados daqueles utilizados pelas camadas sociais

inferiores. O que separa esses grupos são os gostos e, sobretudo, a disponibilidade para

manter o padrão de consumo por bens simbólicos.

O cotidiano encontra-se intimamente associado às tramas das relações socioespaciais,

exteriorizados nos diferentes modos de vida e sua relação direta espaço-tempo, naquilo que se

refere ao plano de vida imediato das pessoas, tais como ruas, caminhos etc. Essa parece ser a

essência para a passagem do espaço “geométrico11”, entendido enquanto espaço planejado e

traçado por arquitetos e urbanistas, ao espaço em sentido “antropológico”, onde as pessoas

desenvolvem relações sociais e se entrelaçam, identificam símbolos e seus significados, nas

diferentes ruas e caminhos, formando, assim, um tecido urbano. O cotidiano, portanto,

encontra-se associado ao consumo diferenciado, e reconhece nesses princípios e práticas uma

condição fundamental para a legitimação de pertencimento de uma comunidade inclusiva, na

qual abriga princípios de inclusão e de exclusão, respeitando o direito à diferença e a

legitimação aos modos antagônicos (ARANTES, 1999). Este sentimento de pertencimento

pode atuar a nível micro na formação de famílias e clãs, passando pela formação de tribos e,

finalmente, a consolidação de Estado ou da própria nação.

Diante das divergências vivenciadas pelos atores sociais, uma condição é necessária

para que se configure a idéia de pacto social do tipo contratual. O nomoespaço surge enquanto

um espaço normativo, regulador e através do qual são formalizadas as práticas sociais. Ele é

assim construído de maneira a experimentar relações formais de pertencimentos, no entanto, a

ênfase maior está voltada para o ordenamento. “Assim, cada instituição social dispõe de sua

área de controle e vigilância, as práticas sociais são regulamentadas no espaço, e os signos de

delimitação territorial são inequívocos” (GOMES, 2002, p. 39-40). Essa idéia constitui a

essência transformadora, onde é abandonada a distinção entre o sagrado e o profano e

11 Cf. Certeau (1994, p. 172).

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encarada no presente enquanto o público e o privado. Nessa dicotomia entre o público e o

privado, segundo Carlos (2001, c), há ainda uma terceira categoria denominada de espaços

semipúblicos, geralmente comerciais, tal como os shoppings centers, vigiados, não acessíveis

a todos e aberto às pessoas durante um determinado período do dia e/ou da noite. Esta terceira

categoria é aqui mencionada por existir na literatura, no entanto não será trabalhada na

presente dissertação, pois não parece haver nenhum espaço em São Cristóvão que se

aproxime dessa idéia.

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Capítulo 2

UMA BREVE (RE)CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA

Distante vinte e cinco quilômetros de Aracaju, atual capital sergipana, encontra-se São

Cristóvão, uma das mais antigas cidades brasileiras. Suas terras, embora tenham sido

conquistadas no final do século XVI, e tendo mudado seu sítio por três vezes, teve seu

processo de consolidação ratificado no século XVII. Ela, que foi construída ao longo de

séculos, possui relativa significância para análise e compreensão de suas sociabilidades por

meio de estudos arqueológicos, por conservar elementos característicos da cultura material

edificado que não foram reformulados à luz de processos urbanísticos, centrados em

programas turísticos, resultando assim, muitas vezes, na desconfiguração por que passaram

outros centros históricos, como o bairro do Recife Antigo e do Pelourinho em Salvador.

“A cidade de São Cristóvão, a quarta mais antiga do Brasil, fundada por Cristóvão de

Barros, nos idos de 1590” (NUNES, 2000, p. 25), foi palco de intensas lutas que se

estenderam desde a sua conquista frente aos índios tupinambá, passando pelas batalhas contra

holandeses durante o século XVII e continuou sendo até março de 1855, quando foi efetivada

a transferência da capital sergipana.

2.1 Formação da Capitania de Sergipe Del Rei (1534 – 1590).

A cinco de abril de mil quinhentos e trinta e quatro (05/04/1534), El Rei D. João III

fez a doação de uma capitania a Francisco Pereira Coutinho, posteriormente regulamentada

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em agosto do mesmo ano. Nela, El Rei de Portugal incumbia Coutinho da responsabilidade

de cuidar e de explorar as riquezas naturais. Dizia, então, a carta de doação:

E me apraz de lhe fazer (a Francisco Pereira Coutinho), como tenho feito, e por esta presente carta faço, mercê irrevogável, doaçam antrevyvos, valedoyra deste dia para todo o sempre, de juro e herdade para elle e seus filhos, netos, herdeiros sucessores que após elle vyerem, asy descendentes como transversaes e colateraes, segundo adiante ira declarado, de cyncoenta legoas da costa do Brazil, as quaes se começaram para sul athé a ponta da baya de Todos os Santos, e a largura della da ponta a ponta se contará nas ditas cyncoenta legoas; e não havendo dentro do limite as ditas cyncoenta legoas, ser-lhe-há entregue a parte que pera comprimento dellas fallecer a banda do sul: as quaes cyncoenta legoas se estenderam para o sertam de larguo ao longo da costa, entrando na mesma larguram pelo sertam e terra fyrme a dentro quanto puder entrar e for de minha conquista. (BARRETO, 1920, p. 3).

A Carta Foral, de 26 de agosto de 1534, veio ratificar a doação de terras conforme o

texto abaixo:

A quantos esta minha Carta Foram virem, faço saber que eu fiz ora doação e mercê a Francisco Pereira Coutinho, fidalgo de minha casa, para elle e todos os seus filhos e netos, herdeiros e sucessores, de juro e herdade para sempre, da capitania e governança de cyncoenta legoas de terra na minha costa do Brazil, as quaes começarão na ponta do rio São Francisco e corre para o sul athé a parte da baía de Todos os Santos, segundo mais e inteiramente é contido e declarado na Carta de Doação. (BARRETO, 1920, p. 4).

O território de Sergipe estendia-se em distância de cinqüenta léguas da barra do rio

“São Francisco à Ponta Padrão, hoje Santo Antonio da Barra, no Litoral da Bahia” (SANTOS;

ANDRADE, 1992, p. 21). Inicialmente denominada de Capitania do Coutinho e logo após de

Morgado do Juro (VILELA; SILVA, 1989), esta faixa de terra ficou naturalmente esquecida

pela colonização portuguesa até o governo de Luís de Brito (1572/1578). Sergipe representava

uma área estratégica, por se encontrar entre as capitanias que constituíam, à época, os dois

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centros com maiores concentrações populacionais, produtores de cana-de-açúcar, Bahia e

Pernambuco.

Doado pelo Rei de Portugal, D. João III, a Francisco Pereira Coutinho, o território

sergipano estendia suas terras desde a parte da Bahia de Todos os Santos, ao sul, alongando-se

até a parte do rio São Francisco, ao norte, tendo como limite o Oceano Atlântico a leste e o

meridiano de Tordesilhas a Oeste. Frente ao descaso português, esta faixa de terra, ocupada

originalmente pelos índios tupinambá, veio representar um espaço comum, não só para os

índios e negros fugidos, como também, para a presença francesa interessada em explorar o

pau-brasil.

Percebendo a ameaça à integridade da Colônia portuguesa e preocupada em garantir os

interesses da população dos habitantes desses núcleos e, sobretudo, em garantir a posse das

terras sergipanas, a coroa portuguesa em 1557 determinou o avanço sobre as terras sergipanas

(OLIVA, 1991).

A primeira tentativa de colonizar o território sergipano data de 1575. Liderados pelos

jesuítas Gaspar Lourenço e João Salônio, foram fundadas “as aldeias de São Tomé, distante

seis léguas do rio Real, nas imediações do rio Piauí, um de seus afluentes; e São Paulo, à

beira-mar agregando grande contingente de indígenas liderados pelos caciques Serigi, Surubi

e Aperipê” (SANTOS; ANDRADE, 1992, p. 21).

Além dos interesses acima citados, segundo Dantas (1991, p. 33-4), havia também a

preocupação, por parte de Portugal em recrutar mão-de-obra indígena para forçá-los a

trabalhar na produção de cana-de-açúcar, na Bahia e em Pernambuco. Desta forma as aldeias

tupinambás localizadas à margem esquerda do Rio Real caracterizavam-se pela presença de

numerosa população indígena e constituía um importante elemento estratégico para a

realização de tais tarefas.

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Luís de Brito de Almeida, ex-escrivão da Misericórdia e quarto governador do Brasil,

em 1575, ano marcado por muita peste em Lisboa (SALVADOR, 1956), recebe ordens de D.

Sebastião, rei de Portugal, para proceder à imediata conquista de Sergipe. Sob o pretexto de

punir os índios acusados de terem abandonado a catequese, e expulsado os padres jesuítas que

aqui chegaram, decide investir em uma invasão militar, violenta, da qual resultou na

destruição, morte e aprisionamento de inúmeros índios. Os sobreviventes, de maneira geral,

foram levados para a Bahia, tendo morrido a maioria devido aos maus tratos e à sujeição a

doenças. Luís de Brito assume o comando da Campanha da Conquista do Rio Real, para em

seguida povoá-lo conforme havia sido designado por El-rei, apoiado por forte dispositivo

militar frente aos indígenas dirigidos pelos caciques Serigi, Surubi e Aperipê. Entre os

inúmeros índios mortos nessa batalha estava o cacique e líder Surubi. Ao final da batalha,

apesar de toda destruição e massacre, o número de índios escravizados foi bastante pequeno.

A invasão não deixou aqui um marco de conquista e o então comandante retorna à Bahia

“sem ter conseguido lançar bases da Colonização, deixando o campo mais aberto para as

investidas dos franceses” (VILELA; SILVA, 1989, p. 18).

Segundo Frei Vicente do Salvador (1956), havia um interesse particular por parte de

Cristóvão de Barros relacionado ao indígena de Sergipe. Tudo indica, segundo Salvador

(1956), que Cristóvão de Barros pretendia vingar a morte de seu pai, Antonio Cardoso de

Barros, primeiro provedor-mor da fazenda del-rei no Brasil, de quem era filho bastardo. O

governador-geral Manuel Teles de Barreto após ter conhecido o prestígio de sucessivas

guerras e conquistas, foi vitimado pelo engano e traição dos índios de Sergipe, que relatava o

desejo de ir à Companhia de Jesus na Bahia. Desta forma, o governador enviou-lhes soldados

para ajudá-los a chegar ao seu destino com segurança. Cristóvão de Barros, acostumados com

as traições dos índios, foi contrário a decisão do governador, dizendo que estes seriam bem

recebidos e favorecidos em tudo, mas que viessem por conta própria.

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Manuel Teles de Barreto enviou soldados até Sergipe para que estes desempenhassem

tal tarefa. Estes, por sua vez, se deslocaram até Sergipe e descansaram nas

suas casas e ranchos com tanta confiança como se estivera na cidade em suas próprias casas, deixando suas armas às concubinas, e indo-se passear nas aldeias pera outras com um bordão na mão as quais lhe entupiram os arcabuzes de pedra e betume, e tomando-lhe a pólvora dos frascos lhos encheram de pó de carvão. (SALVADOR, 1956, p. 296).

O então governador logo foi tomado por um sentimento de revolta, querendo ir

pessoalmente vingar-se. No entanto, este se encontrava com a idade um tanto avançada, e

antes que ocorresse o fim destas guerras foi levado desta vida para outra por uma grave

enfermidade, fato este ocorrido no ano de 1587, ficando no seu lugar o bispo D. Antonio

Barreiros, o provedor-mor Cristóvão de Barros e o ouvidor geral. Os dois começaram a

governar com a ausência deste último (NUNES, 2000, 1996). Pouco tempo depois,

começaram a governar o bispo Tucumã e Cristóvão de Barros.

2. 2 A Efetiva Conquista do Território Sergipano

Embora tenha recebido ordens expressas de Filipe I da Espanha, que à época também

reinava em Portugal, havia um forte sentimento de vingança que pairava sobre Cristóvão de

Barros. Reunindo um poderoso exército fez avançar por duas frentes: por terra e por mar.

Conforme Frei Vicente do Salvador (1956), Cristóvão de Barros teria entrado para o

governo com o objetivo de vingar a traição que o nativo de Sergipe havia cometido aos

homens da Bahia, resultando na morte de dezenas de homens, entre os quais Antonio de

Barros, além do aprisionamento de escravos. O capítulo vigésimo do quarto livro de Salvador

intitulado “da guerra que Cristóvão de Barros foi dar ao gentio de Cerizipe” (1956, p. 301)

narra detalhes da batalha travada em solo sergipano.

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Fêz capitão da vanguarda a Antonio Fernandes e da retaguarda a Sebastião de Faria, determinando ir ao longo do mar, mandou primeiro pelo sertão Rodrigo Martins e Álvaro Rodrigues, seu irmão, com cento e cinqüenta homens brancos e mamelucos e mil índios, pera que levassem todos os tapuias que de caminho pudessem em sua ajuda, como de feito levaram três mil frecheiros. E assim, vendo-se com tanta gente, sem esperar por Cristóvão de Barros cometeram as aldeias dos inimigos que tinham por aquela parte do sertão, os quais foram fugindo até se ajuntarem todos e fazerem um corpo com que lhe resistiram e puseram em cerco mui estreito, donde mandaram quatro índios dar conta a Cristóvão de Barros do perigo em que estavam. [...] trouxeram quatro espias que tomaram aos inimigos, dos quais guiados os nossos chegaram aos cercados véspora da véspora do Natal, às duas horas depois do meio-dia, os quais vistos pelos contrários fugiram logo e levantaram o cêrco, mas não tanto ao seu salvo que lhes não matassem seiscentos e êles a nós seis. (SALVADOR, 1956, p. 301).

Baepeba, conforme narrativa de Salvador, considerado o príncipe dos índios,

conseguiu reunir aproximadamente três mil pessoas. As tropas “portuguesas” construíram

trincheiras tomando-lhes a água que bebiam. O conflito foi ficando cada vez mais acirrado,

principalmente com a convocação de Baepeba para que as “cercas” se reunissem contra o

inimigo comum. Esta atitude gerou por sua vez um conflito mais grave, do qual muitos saíram

feridos e resultando na morte de um homem das tropas portuguesas e extermínio de trezentos

índios, forçando a retirada de todo povo indígena (SALVADOR, 1956).

Na noite do ano novo de 1590, “travou-se decisivo combate na várzea do rio Vasa

Barris, saindo Cristóvão de Barros vitorioso” (FERREIRA, 1959, p. 459). Seguiu-se então um

trabalho de cura dos feridos. O território recém conquistado foi doado ao chefe das tropas

“portuguesas”, Cristóvão de Barros, estabelecendo as seguintes condições: que este vendesse

ou repartisse entre os colonos de sua escolha, estabelecendo entre estes o compromisso de

fundar colônias. Além da repartição de terras foram também distribuídos índios, cujo objetivo

seria o de utiliza-los como mão-de-obra escrava nas fazendas de currais de criação de gado,

fornecedores de bois para os engenhos de Bahia e Pernambuco e para os açougues de carne.

O sítio primitivo são cristovense, segundo Salvador, estaria localizado

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na altura de onze graus e dois terços, por cuja barra com os batéis diante costumavam entrar os franceses com naus de mais de cem toneladas e vinha acabar de carregar da barra pera fora, por ela não ter mais de três braças de baixa-mar. E assim ficou Cristóvão de Barros não só castigando os homicidas de seu pai, mas tirando esta colheita aos franceses que ali iam carregar suas naus de pau-brasil, algodão e pimenta da terra, e sobretudo franqueando o caminho de Pernambuco e mais capitanias do Norte pera esta Bahia e daqui pera elas, que dantes ninguém caminhava por terra que o não matassem e comessem os gentios. (SALVADOR, 1956, p. 301).

Não há, entretanto conhecimento de fato quanto à sua localização. De modo geral, as

informações são muito imprecisas e até mesmo divergentes. “Barleus dá o local como tendo

sido na Barra dos Coqueiros, na confluência do rio Pomonga com o Cotinguiba”

(FERREIRA, 1959, p. 459). O ex-Intendente de Aracaju Antonio de Assis (1962) descreve

que

[...] Cristovam de Barros fundou um arraial ao norte da barra do rio Poxim, num istmo (após um istmo), fazendo construir um forte e uma capela. Estão aí duas proposições que merecem analisadas: - um arraial plantado ao norte do Poxim e um trato de terra confinado por um istmo. Com um pouco de corografia aracajuana e um tanto de geologia geral, parecem-nos demonstradas as proposições acima ditas, e não se colocará mui distante na verdade de quem afirmar que o arraial de Cristovam de Barros, talhado para ser a futura capital de Sergipe, demorou entre os morros da Telha e do Urubu, não só por afirmá-lo o escrivão Manoel Thomé em carta de sesmaria lavrada de 1603, nas palavras – “se mudar a cidade que no tal tempo estava no Aracaju” – como ainda pela configuração do solo, os meios de subsistência etc. (ASSIS, 1962, p. 222-3).

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Mapa 5.

Fonte12: HERKENHOFF, Paulo (Org.); MELLO, José Antonio Gonsalves de (Textos) et. al.

Finalmente, Felisbelo Freire (1997), orientado pela opinião de Vernhagem, admite que

o levantamento do Forte, sob ordens de Cristóvão de Barros, bem como do primitivo povoado

estaria localizado próximo ao rio Poxim, onde este faz a barra no Cotinguiba.

De fato, as informações acerca da localização são muito imprecisas, no entanto, parece

não haver discussão sobre sua denominação, arraial de São Cristóvão, que permaneceu nesta

suposta localidade até fins de 1595, início de 1596. Este aglomerado primitivo fundado por

12 HERKENHOFF, Paulo (Org.); MELLO, José Antonio Gonsalves de (Textos) et. al. O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Sextante Artes: Rio de Janeiro, 1999. Referencia original: Frans Post. Ciriri. Gravura extraída do livro de Gaspar Barléu, Rerum per Octennium. In: Brasilia Et alibi nuper gestarum. Amsterdam, Ioannis Blaeu, 1647. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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Cristóvão de Barros recebera a denominação arraial de São Christovam, seguindo um costume

português, atribuindo-lhe o nome de seu santo onomástico.

São Cristóvão – citado no livro de Aires do Casal, publicado originalmente em 1817 –

foi também dominada de Seregipe, ou ainda Cristoforópolis, tem assim descrito a sua

localização: “bem situada num terreno levantado junto ao Rio Paramopama, que é um ramo

do Vaza Barris, cinco léguas distante do mar” (CASAL, 1976, p. 250). Este espaço primitivo

estaria localizado à margem direita do Cotinguiba, perto de sua barra. A primeira mudança foi

efetuada por motivos de segurança, contra possíveis ataques dos franceses interessados em

reconquistar o território do qual tinha sido expulso há um tempo atrás. Este novo sítio garantia

ainda a proximidade junto às primeiras fazendas e engenhos em Sergipe.

Quanto à segunda transferência, não há documentos precisos que possam fornecer a

data e o local com precisão. O “Álbum de Sergipe” de 1920, escrito por Clodomir Silva,

transcreve a seguinte passagem sobre a transferência de São Cristóvão, datada de 1603.

Saibão quantos este estrm.to de carta de sesmarya vyrem que no ano de nascim.to de nosso sôr Jhus Xpo de mil e seis setos e tres anos aos tres dias do mes de setembro do dito ano nesta sidade de são xpoão cap.ta de Sergipe terás do Brasil nas pousadas de mim escryvão ao diento nomeado por Afonso Pereira procurador do conselho me foy apresentado huâ pitisão com hu despacho ao pee dela do sôr capitão mor thomé da rocha de que o teor he o seguinte – ho juis e vereadores e procurador do conselho nesta capitania que o desembargador Gaspar de Figueiredo omem veo a esta cap.ta a sete ou oito anos e a requerimento de povo consultou e asentou com os moradores e capitão de se mudar a sidade que no tall tempo estava no Aracaju que se asítoase neste outeiro adonde llogo se pasou a ygreja e o forte e diso se fiserão autos o que o sôr gd.or ouve pr bem he ora vosa merse manda a todos os moradores com gravaes penas que fasão casas e pesão chão para isto e praque até agora não são dados terás para o conselho e aredor deste outeiro estão terás devoluto pr. Numqua se aprovetar pedem a vosa ,erse em nome de sua mag.de Mill brasas de terá que se comesara domde acabar a dada de Sebastião de brito e balthezar feras corendo pelo caminho que vay de caípe até chegar allagoa que esta alem de manell thome e pelo dito caminho que say da ponte velha até chegar a dada de xpoão dias corendo runo dr.to alongo do outeiro he que se achar e recebera merse. (SILVA, C., 1920, p. 11).

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No entanto, segundo alguns historiadores, este fato teria ocorrido durante o final da

primeira década do século XVII, mais precisamente em 1607 (VILELA; SILVA, 1989),

quando São Cristóvão teria se transferido da barra do Poxim para o local onde hoje se

encontra, distando quatro léguas da enseada do Vaza Barris. Realmente, parece não haver um

consenso estabelecido quanto à segunda localização desta cidade. Em nota de rodapé nº ‘6’,

por exemplo, Casal descreve este “segundo assento entre o Rio Poxim, e o Cotinguiba, quase

em igual distância entre o lugar da primeira fundação, e o da sua existência” (1976, p. 250).

Os motivos que levaram à realização da segunda mudança não são conhecidos, no

entanto, acredita-se que o novo espaço escolhido era bem distante, situado às margens do

Paramopama. O nome também foi alterado passando a ser chamado de São Cristóvão de

Sergipe d’el Rei e ainda Sergipe de El Rei ou simplesmente São Cristóvão.

As primeiras tentativas de consolidação de cidades brasileiras datadas do século XVI,

e princípios de XVII, encontram-se estabelecidas geralmente na orla marítima, voltada para o

Atlântico, e estão, de modo geral, associadas à ascensão ou decadência de uma determinada

região, desempenhando, desse modo, uma funcionalidade no eixo da economia nacional, e

podendo ser bastante útil para o entendimento de aglomerações urbanas, bem como das

origens e das flutuações dos centros culturais (AZEVEDO, P., 1996). Com sua criação de

gado, ela foi fundamental à economia regional, fornecendo carne e couro, para essas duas

cidades, além de animais fundamentais para movimentar as moendas dos engenhos.

A mudança de sítio primitivo durante o período colonial representava uma prática

bastante comum. Os portugueses ao fundar as cidades coloniais, “não cuidaram de incrustar

na paisagem. Afundavam-na no solo. E o faziam tão sem cuidado que quase tôdas as nossas

vilas inauguradas nos séculos XVI e XVII foram postas, pelo menos seus fundadores, em

sítios inadequados; por isso vemos que a maioria delas teve de se trasladar para novos locais”

(OMEGNA, 1971, p. 12).

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As chamadas “guerras do açúcar”, a partir de 1637, vieram afetar à obra portuguesa de

colonização.

Como episodio da longa guerra que mantiveram com Espanha, os holandeses ocuparam o Nordeste açucareiro do Brasil. Estabelecidos em Pernambuco desde 1630, dirigiram sua expansão para o Sul, buscando alcançar a Bahia. O enfrentamento entre a defesa portuguesa e o avanço holandês em direção à Bahia se dará em território sergipano. Portugueses e holandeses destruíram muito do que se tinha sido feito pelos colonos, tendo sido atingido principalmente o rebanho bovino, que constituía a maior riqueza de Sergipe. (OLIVA, 1991, p. 129).

Maurício de Nassau ao assumir a direção do Governo holandês no Brasil traçou planos

e metas de conquista das terras ao sul do nordeste brasileiro. Para ele o território sergipano se

estendia até a cachoeira de Paulo Afonso, aliás, esta imprecisão da fronteira ocidental foi

também registrada “em outros mapas dos séculos XVII e XVIII, como os de Nicolas Sanson

(1650), Nicolas du Fer (1705), onde só se encontram definidas as fronteiras norte e sul,

respectivamente pelos rios S. Francisco e Real” (NUNES, 1996, p. 55).

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Mapa 6.

Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa021.htm

Em sua investida rumo à Bahia Nassau seguiu para a fortificação de Porto Calvo, sob

o comando do Conde Bagnuolo, local base onde tropas portuguesas foram surpreendidas com

a notícia de avanço das tropas holandesas comandadas por Nassau. Constatando a veracidades

dos fatos “a tropa se põe em demanda e o Comandante foge abandonando seu posto, no

entanto, as tropas de Nassau aprisionaram-lhe bagagens e munições. Finalmente Bagnuolo

chega a São Cristóvão em março de 1637 encontrando no Governo da Capitania de Sergipe

Del Rei, o Capitão-Mor, João Rodrigues Molenar” (VILELA; SILVA, 1989, p. 20). Esta

passagem foi assim descrita por Casal: “Esta cidade, que foi queimada pelos holandeses a

vinte cinco de dezembro de mil seiscentos e trinta e sete, teve princípio sobre a margem

esquerda, e coisa de meia légua acima da embocadura do Rio Cotindiba, onde ainda estão as

ruínas da igreja com o nome de São Cristóvão” (1976, p. 250).

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Mapa 7.

Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa018.htm

Segundo Gonçalves (2001), a Igreja teria desempenhado um importante papel para

constituição definitiva do território sergipano. Desde sua primeira tentativa empreendida em

1575, porém sem êxito, esta instituição demonstrou em sua atuação, neste território, formas

efetivamente vigorosas com relação ao processo de colonização de Sergipe. Em 1590, a partir

da efetiva colonização do território sergipano, deu-se início a presença da Igreja, através não

só de Ordens religiosas que foram chegando, como também por meio do clero secular

(NUNES, 1996). A intensificação de uma instituição oficial, aliada ao Estado, teria

proporcionado variações na paisagem consolidadas a partir da construção de edificações e,

conseqüentemente das relações sociais do seu entorno. “Em 1637 [...], já existiam a Matriz de

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São Cristóvão e diversas capelas dispersas no interior, conforme o mapa de Barleus”

(NUNES, 1996, p. 220).

Mapa 8.

Fonte: REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão13 – ca. 1631. In: Cd - room.

Nassau, no entanto, vítima de uma enfermidade, resolve suspender sua marcha pelo

Rio São Francisco. Bagnuolo embora tenha oferecido seus serviços ao Governador Geral do

Brasil e Rei da Espanha este não foi aceito, pois o fato do comandante ter fugido em um

primeiro momento havia propiciado uma “imagem” de covardia, até mesmo entre seus

subordinados.

13 "Povoação de S. Chsristovão Capitania de Sirigipe" – autor: João Teixeira Albernaz. Fonte: Detalhe de um original manuscrito que integra o atlas de João Teixeira Albernaz, da Mapoteca do Itamarati (Ministério das Relações Exteriores), Rio de Janeiro. “A povoação representada nesse desenho, que ficava cerca de meia légua acima da foz do Rio Cotindiba, foi incendiada pelos holandeses em 1637. A cidade atual, terceira com essa denominação, fica junto ao rio Paramopama, que é um ramo do Vaza-barris (CASAL - 1817-1976, p. 250)”.

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Em São Cristóvão, o Conde Bagnuolo assenta seu quartel-general, iniciando, assim,

guerras de emboscadas e depredações cujo objetivo era enfraquecer o inimigo, autorizando o

deslocamento do gado para o sul do rio Real, como meio de restringir-lhes os meios de

sobrevivência. Sentindo-se, então, em desvantagem, Bagnuolo foge com seu exército para a

Torre de Garcia D’ Ávila na Bahia. Dominado pelo ódio, antes de fugir, executa a tática da

“terra arrasada”, ateando fogo no território que estava abandonando, para que o inimigo não

encontrasse muito que aproveitar.

A 17 de novembro de 1637, Nassau invade a cidade, arrasando-a ainda mais,

destruindo sítios de canaviais, plantações e organizações administrativas implementada pelos

primeiros colonizadores. Enfim, a Capitania transformou-se em um verdadeiro deserto.

Após ter sido saqueada e incendiada pelos flamengos, São Cristóvão foi finalmente

retomada pelos portugueses em 1640, sendo também retomada pelos holandeses no ano

seguinte. Sergipe constituiu, assim, um cenário de disputas e de interesses, cerne do conflito

entre portugueses, instalados na Bahia, e do Brasil holandês, que tinha como objetivo a

conquista de terras mais ao sul do Brasil. O governo flamengo em Pernambuco sugeriu então

contratar o empresário Nuno Olfredi para um projeto de povoamento e de cultivo das terras de

Sergipe, no entanto, este projeto foi vetado pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais

(FREIRE, 1977), levando a capitania a uma situação de abandono até 1645 quando,

finalmente, foi retomado o processo de colonização portuguesa. “A segunda metade do século

XVII é caracterizada por muitas desordens, sendo classificada de ‘período de obscurantismo’,

por Candido Mendes” (FERREIRA, 1959, p. 460; AZEVEDO, P., 1980 a, p. 2). Este é um

período marcado pelas sucessivas nomeações e destituições de autoridades públicas, capitães-

mor, que quase sempre abusavam do poder a eles conferidos.

Este período bastante conturbado, vivido durante os anos de invasão holandesa, pode

ter elevado a auto-estima local e criado um sentimento de autonomia entre os moradores da

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cidade de São Cristóvão. O período seguinte ficou marcado por intensas lutas entre os poderes

locais e o governo representante dos interesses da Bahia. O ano de 1654, em especial, ficou

marcado pelo desentendimento entre a Câmara do município e o então governador, capitão-

mor Pestana de Brito.

O governo da Bahia adota a contribuição em homens e produtos, tabaco, gado etc.

Essas exigências agravam ainda mais os conflitos de jurisdição no campo político. Como

resposta a esse agravamento os capitães-mor começam a assumir funções que eram da

competência da Câmara Municipal, são intensificadas as cobranças de impostos sobre o gado,

os curraleiros são obrigados a prestarem serviço militar e são criados novos impostos sobre o

gado. Como conseqüência, São Cristóvão assiste a intensos conflitos com a Câmara, com

várias deposições seguidas de revoltas.

O exemplo maior talvez seja aquele verificado quando o Governador da Bahia foi

então informado das arbitrariedades praticadas por Brito, este fato, portanto, veio a consolidar

a destituição do mesmo. O referido capitão-mor foi reposto ao cargo e, em outubro de 1656, é

destituído mais uma vez. O então ex-capitão-mor, Pestana de Brito, lidera um movimento

revolucionário cujo propósito explícito seria a emancipação de Sergipe do Governo da Bahia.

Este movimento conseguiu reunir grande número de adeptos. Havia, entretanto, entre estes

adeptos, objetivos implícitos de ordem pessoal que implicaria necessariamente em uma

recuperação do poder. O desejo de conquistar a autonomia gerou conflitos internos entre os

grupos sociais. Se por um lado, os senhores de engenho, ligados aos comerciantes e

portugueses estabelecidos em Salvador, desejavam que o território continuasse sob domínio

baiano, por outro, os habitantes das cidades associaram-se aos pequenos comerciantes,

funcionários públicos e senhores de terras criadores de gado na luta pela autonomia. Foi

preciso ordens vindas da Bahia e, em 1657 o movimento é sufocado culminando com a prisão

de Brito.

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Os anos seguintes foram, de modo geral bastante agitados. Em 1658 foi preciso que

Jerônimo de Albuquerque, o então capitão-mor, organizasse a aldeia de Água Azeda no

município de São Cristóvão reunindo os diversos índios que ali viviam e “dando-lhes um

diretor espiritual” (FERREIRA, 1959, p. 461).

Em 1696 Sergipe torna-se Comarca. Mesmo assim, os conflitos entre autoridades de

Sergipe e da Bahia eram freqüentes. Isto acontecia porque, embora a Comarca de Sergipe

tivesse autonomia jurídica, era ainda subordinada à Bahia política e economicamente. O

território sergipano estendia-se até o Sul de Itapoã, o que gerou muito conflito, pois o Ouvidor

de Sergipe tinha poderes jurídicos até este limite, os moradores desta região, por sua vez, não

aceitavam sua subordinação à Comarca de Sergipe.

O ano de 1696 é bastante significativo para Sergipe por ser elevado a categoria de

Comarca. Com isso, embora continuasse política e economicamente subordinado à Bahia, e

mantivesse os conflitos entre as autoridades de Sergipe e da Bahia, o primeiro ganhava maior

autonomia judiciária e possuía seu próprio Ouvidor. No ano seguinte Jorge Rabelo Leite

capitão-mor é deposto pela Câmara e pelo povo, por abuso de poder, sendo destituído pelo

governador da Bahia em uma “manobra” de contenção dos ânimos dos populares.

No plano econômico, Sergipe foi se recompondo depois da devastação provocada pela

guerra contra os flamengos. O gado que já era a principal riqueza durante o século XVII, vê-

se consolidado no século seguinte, firmando-se como um importante centro de criação de

pecuária, suprindo, assim, as exportações realizadas, sobretudo pela Bahia tanto de boi em pé,

para o abate, como também de couro seco, sela e cavalos para cavalaria (SANTOS;

ANDRADE, 1992, p. 26). Outra importante atividade da economia sergipana, durante o

século XVIII consistia na produção açucareira, momento este, marcado pela participação ativa

sergipana de toda movimentação comercial portuária baiana. Com esta contribuição, à

economia baiana, Sergipe firma importância e identidade como Comarca, e muitas

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manifestações de protestos derivam justamente da “atitude de inconformismo com uma

situação política que não atendia à importância que ia tomando sua economia” (OLIVA, 1991,

p. 131).

São Cristóvão nasce em meio a muitas disputas territoriais, contra índios, franceses e,

posteriormente, holandeses, até ser reconquistada, pelos portugueses de forma definitiva, em

1645. A mentalidade desses conquistadores, levada pelas diversas necessidades, sobretudo a

de proteção foram fundamentais desde a escolha do sítio até a construção da paisagem

edificada. Construída ao longo de séculos, a sua paisagem edificada dessa cidade possui um

valor histórico, patrimonial e arquitetônico reconhecido nacionalmente.

2. 3 O Centro Histórico: um debate sobre o patrimônio e a arquitetura.

As primeiras tentativas de consolidação de cidades brasileiras datadas do século XVI,

e princípios de XVII, encontram-se geralmente associadas à ascensão ou decadência de uma

determinada região, desempenhando, desse modo, uma funcionalidade no eixo da economia

primeiramente local e, por vezes, a nível nacional, podendo ser bastante útil para o

entendimento de aglomerações urbanas, bem como das origens e das flutuações dos centros

culturais. (AZEVEDO, F., 1996). A cidade é o locus da heterogeneidade entre modos de vida

e dos usos diferenciados dos espaços. Nela é possível perceber, por meio de sua paisagem

edificada, os modos de viver, pensar e sentir, os comportamentos, valores, conhecimentos e

formas de lazer presentes no cotidiano de seus habitantes. Por isso ela deve ser entendida

como o produto de um determinado momento histórico, mas que não ficou engessada ou

petrificada no tempo, mas que seus habitantes e citadinos estão constantemente

transformando-a, atribuindo novos usos e significados aos espaços.

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Assim como as relações espaço-tempo se modificam, seus habitantes atribuem novos

sentidos aos elementos encontrados em determinada paisagem. A relação “centro” e “centro

histórico” também demonstra a possibilidade da releitura dos espaços e atribuição de novos

sentidos. O centro de uma cidade não é necessariamente o seu centro histórico, ele “não é uma

entidade espacial definida de uma vez por todas, mas a ligação de certas funções ou atividades

que preenchem um papel de comunicação entre os elementos de uma estrutura urbana”

(CASTELLS, 1983, p. 275). Para Seabra (2001), o primeiro pode ser entendido enquanto uma

aglomeração que corresponde às práticas dos citadinos, o “centro histórico”, por sua vez,

remete a “um conceito que corresponde aos conteúdos qualitativos do lugar com o qual se

opera administrativamente, estrategicamente” (SEABRA, 2001, p. 81). O velho centro

transforma-se em centro histórico, dotado de memória, muitas vezes protegido por leis e

inserido em agendas turísticas.

Nessa possibilidade de releitura dos espaços, associada não só à sua revitalização,

assim como à sua inserção em pacotes turísticos, fenômeno conhecido como “gentrification”,

cria-se uma espécie de segregação sócio-espacial onde os seus antigos moradores,

tradicionalmente do período em que esses espaços encontravam-se em decadência, começam

a ser expulsos transferidos para outros espaços (FEATHERSTONE, 1995; LEITE, 2001;

ZUKIN, 2000).

O debate sobre o patrimônio parece extremamente relevante hoje por apontar uma

possível perspectiva do passado enquanto referencial para a construção do futuro. Aliás, essa

idéia já estava presente de diferentes modos no pensamento de Lúcio Costa e Mário de

Andrade ao propor que “espelhar-se no passado significava buscar as raízes e olhar para o

futuro e não simplesmente copiá-lo ou reproduzi-lo” (SIMÃO, 2001, p. 30). A idéia

patrimonial, preservacionista, parece ir de encontro aos ideais iluministas, caracterizado pelos

cortes abruptos, pela negação do antigo e pela produção constante do novo, inclusive de

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novos espaços, no qual se desvincula do passado e vislumbra-se o futuro sob o ideal de

modernidade (SIMÃO, 2001).

O conceito sobre patrimônio constitui hoje um tema tanto rico quanto polêmico.

Tradicionalmente definido como conjunto de bens, fruto das relações entre homens e recursos

naturais, ou ainda entre homens e sociedade, e as interpretações que são elaboradas a partir

destas relações (BRUNO, 1999). A palavra patrimônio, sugere derivação do termo pater, este,

por sua vez, encontra em um íntimo vínculo de pai para filho, parecendo haver, portanto uma

transferência herdada, resultado da produção material, espiritual e institucional. Contudo, o

discurso uníssono entre os intelectuais é o de que não basta herdar, é preciso preservar.

Originalmente o termo preservar vem do latim praeservare, podendo significar aquilo que se

vê antecipadamente em perigo, nesse sentido, “o perigo maior que paira sobre um bem

cultural é a sua própria morte ou deterioração” (CHAGAS, 1999, p. 104-5 apud FORTUNA;

POZZI; CÂNDIDO, 2001, p. 137).

Dessa forma, antecipando o perigo latente de deterioração dessa herança, o patrimônio

assume contornos importantes e passando a configurar o cerne de debates contemporâneos

nas agendas político-culturais, públicas e privadas, ele parece sair do campo de debates

“abstratos”, sem muitos resultados, para assumir contornos importantes nas sociedades

contemporâneas, atrelando-se à idéia de desenvolvimento sustentável, planejamento urbano e

relações com o meio ambiente. A preservação dos valores culturais e ambientais caracteriza-

se como uma tendência da atualidade e constitui um campo de estudo bastante interessante,

em crescimento e interdisciplinar, que o torna ainda mais rico, e admite hoje um novo

entendimento de cultura associado à política e à economia. Com isso as próprias estratégias de

construção do patrimônio têm se modificado.

O debate sobre o patrimônio parece ter origem na relação indivíduo-Estado e o

surgimento da modernidade. Segundo Stuart Hall, essa é uma problemática originada,

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sobretudo a partir de Descartes ao afirmar “Penso, logo existo”. Na avaliação de Hall, o cerne

desse pensamento teria supostamente produzido um “sujeito racional, pensante e consciente

situado no centro do conhecimento” (2003, p. 27). Em Locke parece haver um deslocamento

do conhecimento, ao menos no que se refere à sua origem, ele deixa de ser revelado,

inspiracional, ao qual Descartes estava preso quando colocou Deus como “Primeiro

Movimentador” de toda criação, e passa a ser adquirido por meio da experiência individual.

Contudo, a centralidade do sujeito individual ou o “indivíduo soberano” proposto por Locke,

parece aproximar-se, segundo Hall, do sujeito cartesiano ao manter a “mesmidade de um ser

racional” (2003, p. 27). Há, ainda, outra observação acerca de racionalidade desse momento.

Para Boaventura Santos (2001), esse momento da história da humanidade, marcado

essencialmente pelos ideais iluministas, levou não apenas a mesmidade do ser racional, como

também o descontextualizou a partir de critérios abstratos, gerando uma expectativa

evolucionista, ditada pelo eurocentrismo, pairando uma crescente tendência para o uso do

instrumental científico e para a relação custo-benefício, desenvolvidos em cálculos

econômicos.

A preocupação indivíduo-Estado na modernidade é retomada mais adiante por

românticos e marxistas. Para Boaventura Santos (2001), “o romantismo propõe uma busca

radical de identidade que implica uma nova relação com a natureza e a revalorização do

irracional, do inconsciente, do mítico e do popular e o reencontro com o outro da

modernidade, o homem natural, primitivo, espontâneo, dotado de formas próprias de

organização social” (2001, p. 140). O conceito do homem romântico sistematizado,

sobretudo, a partir de Rousseau, fundamenta-se na crença da boa natureza humana.

Contrariamente aos ideais iluministas, fortemente incorporados pela burguesia, o “civilizado”,

para os românticos, era todos os povos que conseguiam manter sua integridade cultural ou

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com um forte apelo à memória. Há ainda uma outra perspectiva de compreensão do sentido

indivíduo-Estado, elaborada segundo o viés marxista.

Esse é um viés fortemente centrado nas relações sociais de produção, onde os

indivíduos passam a ser identificados com a classe social a que pertencem. Ainda segundo

Boaventura Santos, a contestação marxista de identidade moderna “tendeu a reproduzir, sob

outra forma, a polarização liberal entre sujeito individual e o super-sujeito, sendo que esse

super-sujeito é agora a classe e não o Estado” (2001, p. 140).

Para Schelling (1990), a dicotomia, indivíduo-Estado originada na modernidade,

revestiu-se de uma intelectualidade quase sempre associada a interesses de grupos

antagônicos. Ela parece admitir a premissa de que a contestação marxista tende a reproduzir a

polarização liberal, proposta por Boaventura Santos (2001). Essa premissa parece justificar

sua idéia para as intensas contestações entre “marxistas” e “românticos”, a qual se estende até

hoje e é bastante representativa por dois aspectos: primeiro, por estar relacionado com

processos transitórios e fugazes, regulamentados por uma relação espaço-tempo, e que podem

resultar em processos de identificação cultural ou não, permeando o cotidiano dos atores

sociais.

Os marxistas, acreditando na “evolução natural das forças produtivas”, acabaram de

certa forma, apoiando o projeto capitalista e fundamentado nessa crença marxista os assim

chamados românticos encontraram um terreno fértil para a construção de suas críticas

(SCHELLING, 1990; SANTOS, Boaventura, 2001). Essas críticas centradas, sobretudo, na

crença da “evolução natural das forças produtivas” sugere um outro viés voltado para a

solução do impasse indivíduo-Estado na modernidade, agora pelo viés romântico. Para esses,

a modernidade não estava no aparato científico-tecnológico, nem necessariamente na lógica

capitalista industrial e sua relação custo-benefício, e sim na capacidade de cada povo em

preservar a sua memória, enfim a sua identidade cultural. Portanto, ao longo dos séculos

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XVIII e XIX a temática do nacionalismo poderia ser compreendida “através do nativismo e

do indianismo românticos” (FONSECA, 1997, p. 94).

Esse debate entre indivíduo-Estado e a modernidade, e quais os rumos que idéias

resultantes nesse debate, tem como objetivo aqui não apenas embasar, como também

contextualizar, a política protecionista do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico

Nacional, hoje IPHAN), suas aplicações e as ideologias. As gradativas mudanças ocorridas na

Europa do século XVIII sofrem um processo de intensificação, sobretudo, com o advento da

Revolução Industrial, afetando diretamente a arquitetura e, essencialmente, o modus vivendi.

A Europa durante o século XIX já discutia sobre teorias

acerca da preservação, existindo um significativo número de obras de restauração do patrimônio, representado pelas edificações monumentais e obras de arte. [...]. As novas relações de trabalho, a urbanização repentina, a possibilidade de novas tecnologias construtivas, a viabilização do uso de outros materiais, alteraram sobremaneira as relações do homem com o seu habitat. (SIMÃO, 2001, p. 23).

Nesse continente, durante o século XIX, surgem duas correntes teóricas voltadas para

a defesa do patrimônio. A primeira, representada pelo arquiteto francês Viollet-le-Duc (1814-

1879), encontrava-se assentada em bases de cunho racionalista e estava fortemente presa a

idéia iluministas, onde eram valorizadas, a razão e a técnica em detrimento da historicidade

do monumento. A segunda corrente, denominada culturalista, era liderada por John Ruskin

(1818-1900) e defendia a não intervenção em monumentos antigos, por considerar que

quaisquer interferências poderiam imprimir um novo caráter à obra, admitia-se, no entanto,

somente intervenções de conservação, respeitando a história do monumento ou da obra e a sua

condição atual (SIMÃO, 2001). Essa dicotomia, entre aqueles que se voltaram para o

racionalismo e estavam despreocupados com o passado e aqueles que, ao contrário, se

preocupavam com a história e suas especificidades, ou em outras palavras, entre iluministas e

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românticos, também parece ter ocorrido no campo do urbanismo. Segundo Bruant, havia um

“Modelo Progressista”, partilhado por Robert Owen, Charles Fourier e, mais adiante, por Le

Corbusier, fundamentado na recusa do valor heurístico e no rompimento com o passado

(1996, p. 169) e, por outro lado, o “Modelo Culturalista”, do qual faziam parte Camillo Sitte e

Lewis Munford, “teria recorrido amplamente à história para construir seu modelo”

(BRUANT, 1996, p. 169).

Notadamente, o século XIX, ficou marcado por importantes e significativas mudanças

ideológicas, científicas, na organização do trabalho, no emprego dos materiais, na

estruturação de novas cidades e, fundamentalmente, nos modos de vida das pessoas daquele

momento. Os padrões de assentamento foram gradativamente substituídos e, como

conseqüência, as antigas cidades coloniais foram sendo reformuladas ou perderam suas

forças. Estabelece-se, então uma aparente contradição “como explicar que no momento em

que a ciência moderna se estabelece, o homem volta os olhos à preservação dos monumentos

passados?” (SIMÃO, 2001, p. 24). Não há de fato nenhuma contradição nesse pensamento,

desde que o contextualize em sua relação com o processo de racionalização do indivíduo na

modernidade.

Em nome da modernidade ou da pós-modernidade, fundamentada em ideais

iluministas, a burguesia, em sua tentativa de romper com o antigo paradigma e consolidar-se

definitivamente, torna-se responsável pela desconstrução do passado. Esse novo paradigma

suscitou outros modelos de organização do trabalho, empregou novos materiais na

estruturação das cidades e transformou de modo significativo a paisagem. Esse momento

ficou marcado pelas novas configurações espaciais, as “antigas14” cidades coloniais,

tradicionalmente interioranas, considerando a preocupação com o elemento segurança frente

aos constantes ataques realizados por inimigos, são vistas como algo decadente frente aos

14 Expressão à qual as cidades coloniais estavam associadas.

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novos padrões estilísticos e arquitetônicos. Nesse contexto, é que grupos modernistas

percebem a necessidade da preservação, sobretudo material, nesse momento, como uma

possível forma de construção futura das identidades locais.

No Brasil, as primeiras tentativas de consolidação de cidades são datadas do século

XVI, e princípios de XVII. Elas encontram-se geralmente associadas à ascensão ou

decadência de uma determinada região, em espaços com pouquíssima estrutura,

desempenhando desse modo uma funcionalidade no eixo da economia primeiramente local e

algumas vezes a nível nacional, podendo ser bastante útil para o entendimento de

aglomerações urbanas, bem como das origens e das flutuações dos centros culturais

(AZEVEDO, F., 1996). São Cristóvão parece não fugir à regra, estando localizada entre dois

grandes centros produtores de açúcar, Salvador e Recife. Com sua a criação de gado, ela foi

fundamental à economia regional, fornecendo carne e couro, para essas duas cidades, além de

animais fundamentais para movimentar as moendas dos engenhos.

Apesar de vários autores apontarem a cidade como o espaço de contradição entre o

campo e o universo urbano não parece ser bem essa a idéia de Freyre, ao menos, ao elaborar o

conceito do termo “rurbano”. Para Freyre, as residências desse período ansiavam por ares

urbanos, voltadas para a Europa em um sentimento saudosista ao mundo civilizado, em seu

interior, porém, os hábitos de seus habitantes eram essencialmente rurais, eles cuidavam de

animais e plantas tal qual no universo rural. A cidade é o locus da heterogeneidade entre

modos de vida e dos usos diferenciados dos espaços. A paisagem edificada pode muitas vezes

fornecer pistas de como eram os modos de vida, pensamentos e sentimentos, bem como os

valores, conhecimentos e formas de lazer presentes no cotidiano de seus habitantes. Para

adentrar nesse nível ideológico, e assim poder caracterizar a cidade pelos seus monumentos, é

fundamental não apenas desvendar sua estrutura simbólica, mas buscar compreender os seus

respectivos significados urbanos, e ainda, determinar qual o sentido de cada monumento na

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organização social das relações sociais. Neste sentido, “o centro simbólico, portanto, é a

organização espacial dos pontos de intersecção dos eixos do campo semântico da cidade”

(CASTELLS, 1983, p. 279). A cidade deve, portanto, ser entendida como o produto de um

determinado momento histórico, que não ficou engessada ou petrificada no tempo, mas que

seus habitantes e citadinos estão constantemente transformando-a, atribuindo novos usos e

significados aos espaços.

Durante os séculos XVIII e início de XIX, o Brasil passou por profundas

transformações, econômicas, político-sociais, proporcionadas pela descoberta do ouro, na

região sudeste. Esse movimento, parece ter implicado não só novos sentidos, nos atores

sociais, como também novos usos, hábitos etc. Como conseqüência, sob uma égide

modernista, surgiram novas cidades, com características distintas das antigas cidades

coloniais.

A descoberta do ouro, durante o século XVIII, foi responsável pelo deslocamento de

parte significativa do pólo econômico e cultural da colônia, para a região sudeste. Ainda,

como conseqüência desse surto de desenvolvimento, a cidade do Rio de Janeiro foi elevada à

condição de capital do Brasil, em 1763. O início do século XIX, mais especificamente em

1808, ficou marcado por um fato bastante significativo na colônia; a chegada da Corte

portuguesa ao Brasil. Esse acontecimento implicou não apenas em um grande surto de

desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro, assim como a criação de lugares de memória, a

exemplo da Biblioteca Nacional e o Museu Nacional, que vieram reforçar o instrumental da

constituição da nacionalidade brasileira após a independência. Mais adiante, em 1838, foram

criados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Nacional, responsável

respectivamente pela criação da história e manutenção da memória histórica nacional.

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Essa atitude parece ter preocupado um grupo de intelectuais no Brasil, que perceberam

o risco que essas cidades “antigas” estavam correndo, fadadas a total descaracterização em

nome da modernidade, racional, secular.

A prática da destruição de antigos espaços, monumentos e obras, pareciam configurar

um caminho sem retorno. Surge, então, somente no início do século XX, a necessidade de um

projeto específico, que viesse fazer frente a esse processo, que vislumbrasse, de algum modo,

a necessidade de preservação, através de instituições e políticas públicas. Enfim, nasce o

Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN.

2.4 O IPHAN15 e a Trajetória na Construção de uma Identidade.

Embora houvessem os ditos lugares de memória, a preocupação de modo mais

específico com o patrimônio histórico e arquitetônico só veio acontecer, de fato, no século

XX, iniciando-se na década de 1910 (FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000). Se por um

,lado esse momento compreendido entre as décadas de 1910 e 20, ficou marcado por uma

crise política e de identidade no Brasil, por outro, autores como Fonseca (1997), Rodrigues

(2000) chamam a atenção para a expressiva presença de imigrantes freqüentando escolas,

sobretudo no sul, onde eram ensinadas suas línguas natais, fato esse que sugere um

entusiasmo da educação. Houve ainda, nesse período um forte crescimento de idéias voltadas

para o nacionalismo, que vieram caracterizar o ano de 1915 e, manifestada através de diversas

publicações, assim como por meio da Liga Nacionalista, fundada em 1916, contando com

estudantes da Faculdade de Direito e vários professores de diversas faculdades paulistas,

advogados, engenheiros (RODRIGUES, 2000). Um dos pontos-chave desse projeto era a

ampliação das cidades voltada para a “febre do cosmopolitismo, característico desse

15 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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“movimento”, que implicava em negar hábitos rurais tradicionalmente arraigados e a

transformação dos espaços urbanos” (RODRIGUES, 2000, p. 17-8). Por fim, houve ainda, a

valorização da arte sacra colonial no mercado internacional, fato que provavelmente veio

incentivar a pilhagem e a pirataria.

Nesse momento, surge a necessidade de preservar aquilo que ainda restava de

representação do passado. A estratégia então adotada foi então proteção de bens culturais,

sobretudo as artes barrocas, assentado em um projeto que inicialmente teve por objetivo

moldar o povo para uma modernidade. No entanto, contraditoriamente, o próprio povo

encontrava-se excluído dessa, só havendo aberturas de inclusão para as elites políticas e

intelectuais (FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000). Enfim, o neocolonialismo encontrou

um forte aliado na história em sua tentativa de compor uma identidade nacional. Esse grupo

de modernistas buscou, de fato, extrapolar o campo restrito da literatura e das artes, definindo

limites entre a criação literária e a militância política, enfim, repensando a função social da

arte. O “Modelo Progressista” fundamentado no rompimento com o passado, parece

introduzir não apenas o caráter inovador, mas muitas vezes destrutivos, fomentando novos

produtos a serem consumidos. Esse modelo, do qual Le Corbusier fez parte, parece ter

produzido um estilo arquitetônico no Brasil, o ecletismo, que em linhas gerais “não implicou

reconhecimento da tradição anterior, mas foi um repúdio aos vestígios coloniais” (FABRIS

apud RODRIGUES, 2000, p. 18).

Surge então uma outra proposta, o estilo neocolonial. Ele é resultado da preocupação

de uma pequena elite modernista na busca de elementos que, de fato, possibilitassem a

construção de uma identidade nacional. Esse grupo elege um estilo com características

arquitetônicas genuinamente brasileiras, ao que parece, mais próximos do “Modelo

Culturalista” e de sua ampla preocupação em recorrer à história como fundamento de

elaboração do seu modelo.

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A década de 20 simbolizou um período bastante emblemático na história do Brasil, e o

ano de 22, mais especificamente, ficou marcado pelas comemorações do centenário da

Independência. A preocupação em valorizar o que era de fato brasileiro passa a ser não apenas

sistematizado através da produção de intelectuais modernistas, ela parte de fato para o

pragmatismo encontrado na “favorável valorização dos museus históricos brasileiros”

(RODRIGUES, 2000, p. 22). A valorização do patrimônio sugere uma atuação pedagógica e

uma potencialidade moral, constituindo, assim, elementos formadores da nação.

No Brasil, a exemplo de outras nações, as políticas de preservação do patrimônio histórico sempre estiveram relacionadas à consolidação de uma imagem política e cultural de nação. Desde a sua fundação, em pleno Estado Novo em 1937, o IPHAN tem desempenhado um certo papel “civilizador” de uma idéia de brasilidade, tão cara à história do pensamento social do Brasil. (LEITE, 2001, p. 13).

Os debates ocorridos durante a Semana de Arte Moderna de 1922 marcam o início do

longo trajeto percorrido pelas instituições voltadas para o patrimônio brasileiro. Fortemente

influenciados pelas teorias européias de salvaguarda, esses debates adotaram uma postura em

favor da preservação de sítios urbanos. Esse fato se deu não só pela sua relevância, como

também pelo seu valor simbólico e pela sua representatividade históricos junto aos habitantes

e citadinos desses locais. Durante esse período Mário de Andrade desenvolveu pesquisas

etnográficas e literárias. O arquiteto Lúcio Costa, que também havia participado do

movimento neocolonial, volta-se para a busca da valorização da herança portuguesa e colonial

para a composição de uma arquitetura “autenticamente nacional”. As idéias desses

intelectuais ganham maior representatividade institucional no final da década de 20 a partir de

projetos de lei que propuseram a criação de órgãos de proteção ao patrimônio, apresentados

ao legislativo federal e pela criação, na Bahia, em 1927, e em Pernambuco, em 1928, de

Inspetorias Estaduais de Monumentos Nacionais, cuja atuação se limitou ao inventário de

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bens locais (SIMÃO, 2001; SOUTELO16, 2004). Enfim, todos esses esforços realizados, em

especial, pelo grupo de intelectuais modernistas, no sentido de conhecer, compreender e

recriar o Brasil, veio a constituir os alicerces nos quais estão assentadas e foram

desenvolvidas as idéias de proteção ao patrimônio.

A atuação desse grupo de modernista passou a contar com o respaldo institucional-

legal a partir de 12 de julho de 1933, quando o então chefe do governo provisório federal,

Getúlio Vargas, demonstrando conhecer o potencial simbólico dos bens culturais, seu caráter

cívico e mnemônico, assinou o Decreto n. 22.928, declarando Ouro Preto como “monumento

nacional”, instituindo, assim, o primeiro monumento histórico oficial (RODRIGUES, 2000).

Na justificativa, considerou-se não apenas o fato de Ouro Preto ter sido a antiga capital de

Minas Gerais, com a também por ter sido esse um “teatro de acontecimentos de alto relevo

histórico na formação de nossa nacionalidade e de possuir velhos monumentos, edifícios e

templos de arquitetura colonial, verdadeiras obras d'arte, que merecem defesa e conservação”

(MEC/SPHAN/FNPM, 1980, p. 89 apud SIMÃO, 2001, p. 31-2).

Em 1934, foi criada a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, norteada por uma

perspectiva tradicionalista e patriótica. O Estado veio adentrar na questão patrimonial no ano

de 1936 a partir de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade – atendendo um pedido

de Gustavo de Capanema, então Ministro da Educação durante os anos de 1934 a 1945 –

voltado para a criação de um instituto preservacionista e das diretrizes para a proteção do

patrimônio artístico nacional. A Inspetoria dos Monumentos Nacionais teve atuação restrita e

foi desativada em 1937, em conseqüência da criação do SPHAN.

O primeiro órgão federal dedicado à preservação, SPHAN (Serviço do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional), foi então criado no dia 30 de novembro de 1937, através de

Decreto-lei n. 25, fundamentado em um anteprojeto de Mário de Andrade. Logo no seu artigo

16 Dr. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo. Entrevista concedida ao autor, na cidade de Aracaju, em 30 de janeiro de 2004.

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1°, o patrimônio histórico artístico nacional é definido como “o conjunto dos bens móveis e

imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua

vinculação aos fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor

arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”17.

As recomendações da Carta de Atenas18, documento internacional datado de 1931

através do qual se privilegiou a proteção de monumentos de valor excepcional, parece ter

exercido influência primordial na atuação do SPHAN, em especial na sua preocupação para

com as obras do Barroco, nesse momento considerado a essência da brasilidade, assim como

para a produção material dos colonizadores, como antigos fortes, engenhos e igrejas

(FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000).

A preocupação inicial em preservar o patrimônio, durante esse período, esteve

intrinsecamente “relacionada à perpetuidade dos objetos sagrados, essenciais à comunidade”

(RODRIGUES, 2000, p. 26), por esse motivo a atenção do órgão federal voltou-se,

principalmente, para a proteção de monumentos arquitetônicos, religiosos e civis, do período

colonial. A crítica que se faz é a de que,

embora o anteprojeto do SPHAN, elaborado por Mário de Andrade em 1936, contemplasse uma definição abrangente de “obras de arte patrimonial”, a política de preservação do SPHAN (atualmente IPHAN) se inclinou predominantemente para a reestruturação arquitetônica, de cunho fachadista, de bens imóveis de pedra e cal, cujos monumentos expressariam uma versão oficial do patrimônio, compreendendo um conjunto normalmente relacionado à etnia branca [...]. (LEITE, 2001, p. 17).

17 Disponível em <http://www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm > acessado no dia 28 de out de 2001. 18 O 4º Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), ocorrido na capital da Grécia em outubro de 1931, resultou em um documento denominado “Carta de Atenas”. Nesse encontro marcado pelo advento da moderna arquitetura e a redefinição do perfil desse profissional, procurou-se atender aos princípios de salubridade e de justiça social, ficou, então, recomendado a “substituição de antigos conjuntos arquitetônicos e bairros por espaços planejados de tráfego, lazer e moradia”. Disponível em < http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/atenas-31.htm > acessado no dia 28 de out de 2001.

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De fato, parece haver uma relação muito próxima entre um determinado grupo de

intelectuais e o Estado durante o Estado Novo. Se, por um lado, os intelectuais atuavam como

organizadores da cultura, e se propunham as funções de mediadores entre o Estado e a

sociedade, a cultura e o povo, por outro, o SPHAN gozou uma determinada autonomia

durante o período getulista interpretada, de certo modo, como um sinal do pouco interesse

político que o serviço tinha para o governo federal (RODRIGUES, 2000). Havia, ainda, o

interesse na formação de uma imagem de harmonia e de consonância de interesses entre o

governo e os intelectuais, de extrema importância através da qual procurou-se evidenciar a

percepção que o governo autoritário tinha na vantagem de acolher os intelectuais modernistas.

Enfim, o SPHAN atuou como um órgão fundamental durante o período getulista, vindo

contribuir de forma decisiva para ratificar uma imagem de coesão social em torno de um

projeto nacional. Ele foi, de fato, segundo Fonseca (1997) e Rodrigues (2000), os braços do

ministério de Capanema.

Para Rubino (2003), a postura política adotada por essa instituição, dirigida por

Rodrigo Mello Franco de Andrade, teve forte influência de Gilberto Freyre, sobretudo a partir

de sua aproximação com Lúcio Costa e, posteriormente, com as demais personalidades e

intelectualidades do SPHAN, em uma orientação rumo ao abrasileiramento através da estima

da arquitetura colonial, sobretudo do século XVIII.

Nessa missão, Rodrigo contou com a colaboração de outros brasileiros ilustres, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa e Carlos Drummond de Andrade. Intelectual e homem de ação, Rodrigo concentrou seus esforços na proteção dos bens patrimoniais do país, redigindo uma legislação específica, preparando técnicos, realizando tombamentos, restaurações e revitalizações, que asseguraram a permanência da maior parte do acervo arquitetônico e urbanístico brasileiro, bem como do acervo documental e etnográfico, das obras de arte integradas e dos bens móveis.19

19 Disponível em: < http://www.iphan.gov.br/iphan/iphan.htm > acessado em: 28 de out de 2001.

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Na busca da construção de uma brasilidade, foi primordial a estima à arquitetura

colonial, sobretudo do século XVIII, “contudo, não é uma chave que evidencie a vinculação

entre a arquitetura colonial e a moderna; tampouco nos auxilia a interpretar a intervenção

moderna no espaço urbano” (RUBINO, 2003, p. 272). Ela vem de uma perspectiva na qual a

casa grande e a senzala representavam quase um fenômeno social total. Portanto, não era

apenas uma questão de estilo, a casa colonial (reunindo a casa grande e a senzala) fundava-se

em uma relação complementar no qual se englobava todo um sistema econômico, social,

político (RUBINO, 2003).

2.5 A Questão Patrimonial em Sergipe

A preocupação com a cultura e o patrimônio cultural em Sergipe, segundo Soutelo

(2004), representa uma experiência quase que simultânea com a criação do SPHAN. A

instituição federal surgiu em 1937 e em julho de 38 foi baixado um decreto-lei no qual

transformava a cidade de São Cristóvão em cidade-monumento do Estado de Sergipe.

A própria lei, o próprio decreto, ele já estabelece que seria constituída uma comissão para deferir qual seria o sítio histórico mais antigo de São Cristóvão, ou seja, tentar traçar qual seria o contorno do centro histórico de São Cristóvão, o centro original. Que chegou a nomear, se não me engano, uma comissão Manuel de Carvalho Barroso, que era Secretário de Justiça Interior, Oto Altenesh, que é um construtor alguns dizem austríaco outros dizem alemão, e o professor José Calazans Brandão da Silva. Parece-me que essa comissão [...] nunca terminou de fazer este levantamento que era proposto. (SOUTELO, 2004).

Nesse momento, o patrimônio volta sua atenção para preservação dos monumentos de

pedra e cal. Essa característica passa, então, a caracterizar a década de 60. Já no ano de 1959,

o então Governador Luiz Garcia cria o Museu de Sergipe, hoje Museu Histórico de Sergipe,

localizado no antigo palácio provincial, na cidade de São Cristóvão. No ano de 1967, ocorreu

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a transcrição do tombamento estadual da cidade de São Cristóvão nos livros do IPHAN,

durante o governo de Lourival Baptista. O seu tombamento federal, no entanto, só irá ocorrer

em 1986. Outro fato bastante significativo ocorrido no ano de 1967, foi o surgimento do

Conselho Estadual de Cultura, um órgão consultivo, normativo e deliberativo da Secretaria da

Cultura. Esse órgão é responsável, a nível estadual, pelos estudos de processos de

tombamentos “quer sejam originados na Secretaria, quer sejam originados por particulares ou

pelo próprio Conselho, por um conselheiro qualquer” (SOUTELO, 2004). O Conselho é pela

Câmara de Ciências e Patrimônio Histórico, esse é o órgão dentro do Conselho responsável

por instruir os processos não só de tombamento como também de revogação de tombamentos.

Todos esses processos passam obrigatoriamente pela Câmara de Ciências e Patrimônio

Histórico antes de irem ao Plenário.

No plano nacional foi realizada no ano de 1970, na cidade de Brasília, uma reunião

com os secretários de educação e cultura juntamente com especialistas no patrimônio, através

da qual se estabelece a meta de que cada Estado faria uma legislação sobre o patrimônio e

criaria um órgão para trabalhar na área. Em face deste compromisso, no dia 04 de abril de

1970, o então governador Lourival Baptista estabelece o Decreto-Lei nº 405. Surge, dessa

forma, a primeira Lei sobre patrimônio histórico e artístico em Sergipe. Nesse momento, a

Assembléia Legislativa encontrava-se fechada, por conta do regime militar, e o Decreto-Lei nº

405 cria o Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico e Artístico, “cuja implementação

a rigor só vai ocorrer no governo de João de Andrade Garcez, com o complemento material

do governo de Lourival, quando assume o Departamento a professora Beatriz Góis Dantas,

que é quem começa a fazer os primeiros levantamentos sobre o patrimônio de Sergipe, dos

bens móveis e imóveis” (SOUTELO, 2004). Ainda no ano de 1970, através de uma proposta

do conselheiro José Augusto Garcez, o Conselho Estadual de Cultura aprova o tombamento

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de Laranjeiras como cidade monumento estadual, somente concretizado no decreto de 12 de

março de 71, já no final do governo de João de Andrade Garcez.

Em 1972 vem a Sergipe, para proferir a aula inaugural da Universidade Federal, o

então ministro Jarbas Passarinho.

Ele faz uma visita a Laranjeiras e São Cristóvão e, em Laranjeiras, pede ao governador Paulo Barreto que crie uma comissão para apresentar ao MEC um projeto de restauração de Laranjeiras. Este projeto, mais os projetos de outros Estados do Nordeste, vai fazer em 73 e 74 que o Governo Federal crie o Programa das Cidades Históricas do Nordeste com a sua utilização para fins turísticos. (SOUTELO, 2004).

O Programa de Cidades Históricas no Nordeste estabelecia que cada Estado deveria

designar o órgão que coordenaria o programa a nível estadual. Em Sergipe, o governador

Paulo Barreto, vai então designar a EMSETUR (Empresa Sergipana de Turismo S/A).

“Enquanto existiu o Programa das Cidades Históricas a EMSETUR foi a responsável pelo

programa” (SOUTELO, 2004). Portanto, o ano de 1972 ficou marcado pela criação da

EMSETUR e do Festival de Arte de São Cristóvão. No ano seguinte (1973), é criado e

instalado o Museu de Arte Sacra de Sergipe.

Entre os anos de 1973 e 74 ocorre a adesão de Sergipe ao Programa Integrado de

Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, com a sua utilização para fins turísticos.

No plano nacional, a morte de Rodrigo de Mello Franco em 1969 encerra o período conhecido

como pedra e cal. Inaugura-se nesse momento uma nova fase no conceito e nos debates

patrimoniais, sobretudo porque este passa a ser visto como algo presente no cotidiano dos

atores sociais. Em Sergipe, no ano de 1975, ocorre a extinção do Departamento de Cultura e

Patrimônio Histórico e Artístico e a criação da assessoria de Assuntos Culturais da Secretaria

da Educação e Cultura, e ainda a adesão de Sergipe ao Programa Nacional de Artesanato.

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Em 1975, na passagem do governo Paulo Barreto para o governo de José Rollemberg Leite, Luiz Antônio assume a assessoria cultural da Secretaria de Educação e Cultura. É a partir daí, que ele trabalha em primeiro lugar a lei do patrimônio, trabalha a criação do Museu Afro-Brasileiro em Laranjeiras e a realização do encontro cultural de Laranjeiras voltado para os estudos da cultura popular. A lei surge nesse momento, então, Luiz Antônio é o pai da lei, ele é quem redige a lei. Ela foi discutida com o doutor Carlos Brito que era o Consultor Geral do Estado e encaminhada à assembléia. Lembro que o deputado Antonio Carlos Valadares foi o relator na assembléia, e o deputado Eliziário Sobral apresentou algumas emendas ao projeto que foi encaminhado pelo governador. A partir daí, é que se institucionaliza pela lei a legislação de patrimônio em Sergipe. A partir de então os tombamentos passam a ser feitos e as ações a partir da lei. (SOUTELO, 2004).

O ano de 1976 é bastante significativo para a cultura sergipana. Marcada pelo I

Encontro Cultural de Laranjeiras, essa data celebra também a criação do Museu Afro-

Brasileiro de Sergipe, nessa mesma cidade. Em 28 de dezembro de 1976, o então governador

do Estado, José Rollemberg Leite, sanciona a Lei nº 2.06920, que “dispõe sobre o Patrimônio

Histórico e Artístico de Sergipe e dá outras providências”. De fato, uma lei restrita

basicamente ao monumento de pedra e cal, em todos os seus mecanismos. Na Lei, é nítida a

influência do sentido tradicional da fase heróica do SPHAN.

CAPÍTULO I - Do Patrimônio Histórico e Artístico

Art. 1 - Ficam sob a proteção e vigilância do Poder Público

Estadual, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, os bens móveis e imóveis atuais ou futuros, existentes nos limites de seu território, cuja preservação seja de interesse público, desde que se enquadrem em um dos seguintes incisos: I - Construções e obras de arte de notável qualidade estética ou particularmente representativas de determinada época ou estilo; II - Edifícios, monumentos, documentos e objetos intima-mente vinculados a fato memorável da História local ou a pessoa de excepcional notoriedade; III - Monumentos naturais, sítios e paisagens, inclusive os agenciados pela indústria humana, que possuam especial atrativo ou sirvam de "habitat" a espécimes interessantes da flora e da fauna local; IV - Bibliotecas e arquivos de acentuado valor cultural; V - Sítios arqueológicos. Lei nº 2.06921 de 28 de dezembro de 1976

20 Nos anexos do trabalho consta a Lei nº 2.069 na íntegra. 21 In: Revista Sergipana de Cultura, 1978.

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Para Soutelo (2004), a Lei nº 2.069 embora esteja voltada para o patrimônio de pedra e

cal, em todos os seus mecanismos, ela é fundamental para o Estado de Sergipe não só por

possibilitar uma legislação própria, no sentido de proteger os seus bens patrimoniais, como

também por direcionar as ações futuras.

De fato, a preocupação central da Lei nº 2.069 está no patrimônio de pedra e cal, no

entanto, segundo Soutelo (2004) “quando Luiz Antônio passa a trabalhar a questão dos grupos

folclóricos, do fazer folclórico no Encontro Cultural de Laranjeiras e a fazer publicações

sobre a área, [...], ele está trabalhando a cultura imaterial”. É importante perceber que mesmo

a partir de 1969, ou mais especificamente a partir da morte de Rodrigo de Mello, as questões

com o patrimônio imaterial ficam apenas no plano discursivo. Conforme apontado por

Fonseca (1997), o grupo hegemônico no SPHAN permanece com suas atenções voltadas para

os monumentos de pedra e cal. A preocupação com o imaterial, no plano federal, só vai ser

tomada quando Aloísio Magalhães chega à instituição em 1979.

Em Sergipe, durante o Governo de João Alves Filho (1990-1994), por meio de

proposta da Fundação Estadual de Cultura, foi criada uma comissão pelo então Secretário

Geral do Governo, doutor Dílson Meneses Barreto. O projeto foi terminado no final de 94,

tramitou no Conselho de Cultura em 1995, e chegou na atual Secretaria de Governo em 96.

O resultado desse trabalho foi consolidado no Decreto n. 16.607, de 22 de julho de

1997, que regulamenta a Lei 2.069.

A ‘exigência legal de prévia aprovação ou licença para execução e obras ou serviços, edifícios ou outros bens tombados’, e pela resolução nº. 001/97-CEC, de 05 de agosto de 1997 (homologada pelo decreto nº. 16.982, de 09 de dezembro de 1997), a qual ‘dispõe sobre a tramitação dos processos de tombamento’. (SOUTELO22, 2001).

22 Os Serviços Públicos de Cultura: a questão patrimonial. (2001). Texto não publicado. Palestra proferida pelo Doutor Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, então Diretor-Geral do Instituto do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura e do Turismo, durante o I Fórum Estadual de Secretários Municipais de Cultura em Aracaju. Sergipe, 06 de novembro de 2001.

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Na avaliação de Soutelo (2001), durante o I Fórum Estadual de Secretários Municipais

de Cultura Aracaju, ocorrido em 06 de novembro de 2.001, esse projeto inova em alguns

pontos quando:

• estabelece que, no caso de tombamento dos bens pertencentes aos municípios, depende o ato de prévia autorização da Assembléia Legislativa (art. 5°" § 2°.);

• determina a realização pelo órgão competente (a outrora Secretaria da Educação e Cultural, hoje Secretaria de Estado da Cultura e do Turismo), juntamente com a Fundação Aperipê de Sergipe e outras emissoras de rádio e televisão, respeitada a legislação pertinente à radiodifusão, bem como junto aos estabelecimentos de ensino, uma sistemática campanha educativa com vistas a criar, no seio da comunidade e juventude, uma consciência pública sobre o valor e o significado do patrimônio histórico, artístico, etnográfico e paisagístico do Estado e sobre as necessidades de sua preservação. (SOUTELO, 2001).

O projeto é inovador em muitos aspectos. Ao trabalhar a questão

do imaterial, a legislação inova em alguns pontos, por exemplo: não é só o tombamento ela diz que, cada caso, cada tipo de bem ou a especificidade de cada bem, determinará a legislação que deve ser observada. Então, por exemplo, se for o falar sergipano é registrar, gravar e registrar, você não pode tombar o falar. Ela avança, criando uma coisa que não é só o tombamento, chamada declaração de relevante interesse cultural – ao invés de tombar eu posso fazer essas declarações – ela inova em algumas questões quando estabelece que o Estado é obrigado o participar em até 25% do custo da restauração de monumentos de pedra e cal e esse percentual deve ser prefixado na lei de diretrizes orçamentárias a cada ano pelo governo. [...] O Estado pode apenas aconselhar, e aí se diz, por exemplo, na própria legislação que os próprios municípios poderão estabelecer incentivos, que hoje já estão ultrapassados em função de que, a legislação atual de reforma tributária proíbe a concessão de incentivos fiscais a partir de agora, aliás não é nem a reforma tributária, é a lei de responsabilidade fiscal. A lei está parada e nunca foi encaminhada à Assembléia, acredito inclusive que esse projeto já precise ser reavaliado para não ficar obsoleto já de sua própria origem. (SOUTELO, 2004).

Em Sergipe, a década de 70 ficou marcada ainda pela criação do Sistema Estadual de

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Arquivos e pela criação do Museu do Homem Sergipano, somente instalado em 1996, ambos

datados do ano de 1978. No ano seguinte, em 1979, ocorre I Encontro Cultural de Estância e,

ainda, a criação da Fundação Estadual de Cultura. Já no ano de 1980, é instalado o Escritório

Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No ano de 1989 ocorre a

instalação da 13ª Diretoria Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

extinta no ano seguinte, em 1990. Quatro anos mais tarde, 1994, é criada a 8ª Coordenadoria

Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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Capítulo 3

SÃO CRISTÓVÃO: UM PASSEIO,

VÁRIAS NARRATIVAS

O homem ao ocupar o espaço imprime marcas que testemunham um determinado

tempo vivido. A questão da segurança constitui uma preocupação que o acompanha desde a

sua pré-história. A passagem do Estado natural para o estado artificial23 parece amenizar essa

preocupação mas, mesmo com todos regulamentos que permeiam as relações humanas ela

ainda parece persistir na modernidade.

O século XVI ficou marcado pelas grandes conquistas territoriais empreendidas pelo

povo europeu. Nesse momento havia uma grande disputa que permeava a conquista do novo

mundo, percebida aqui no nordeste, por exemplo, nas constantes invasões e guerras que os

portugueses tiveram de enfrentar contra franceses e mais tarde versus holandeses. A

preocupação em conquistar terras no novo mundo teria provocado um estado conflituoso e,

como resposta, as cidades coloniais surgidas nesse período vão justamente ficar caracterizadas

por essa preocupação, percebidas de forma latente nas experiências que permearam as

escolhas dos respectivos sítios dessas cidades.

Os sítios, onde hoje se encontram as cidades coloniais, nem sempre equivalem aos

sítios primitivos. As experiências conflituosas que caracterizaram esse período, aliada às

constantes ameaças de invasões estrangeiras, fizeram com que essas cidades viessem a mudar

a sua localização. Muitos deles, a exemplo de São Cristóvão, tiveram de ser mudados da sua

23 A criação do Leviatã ou o estado artificial, ocorre segundo Tomas Hobbes, no momento em que os homens individualmente abrem mão de seus direitos, em um estado conflituoso, em prol da segurança. Ocorre dessa maneira a passagem do estado de guerra para um estado de relativa paz, regulamentado pelo Estado ou o Leviatã.

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localização original. Essas mudanças quase sempre seguiam os seguintes passos: Primeiro,

adentrar para o interior, o que permitiria de certo modo um distanciamento do litoral e uma

provável diminuição do perigo de ser ameaçado por estrangeiros. Uma outra característica é a

sua localização em uma acrópole, de modo a visualizar a aproximação de inimigos.

Segundo Lefebvre (1974), para entender a dinâmica do espaço é preciso reconhecer o

jogo de ação mútua. O espaço pode, ao mesmo tempo, sugerir ou proibir algo, ser o efeito de

ações passadas ou ainda permitir novas ações (ARANTES, 2000). A dinâmica espacial, por

sua vez, formadora da paisagem que caracteriza cada rua, bairro ou cidade resulta das tensões

cotidianas de seus moradores. Esses atores sociais estão a todo o momento não apenas

desenvolvendo sociabilidades, mas também, reconhecendo e se identificando, ou não, com

códigos simbólicos, típicos de cada comunidade e que, por vezes, atuam como delimitadores

espaciais, formadores territoriais.

A cidade, segundo Lemos (2000), deve ser encarada como um artefato que pulsa em

tecidos recriados. Ela é fundamental na relação patrimônio e espaço público, tomando o

segundo elemento enquanto espaço de comunicabilidade social e de enunciação ideológica,

entre os diferentes grupos sociais. Renato Ortiz chama a atenção para as negociações

desenvolvidas nesses espaços, para ele, negociar é “delimitar simbolicamente um território, é

levar em consideração a multiplicidade dos atores sociais” (ORTIZ, 2003, b, p. 88) em

espaços onde são constituídas formas de vida contemporânea. Na cidade, portanto, há, ainda,

a dimensão política do espaço público e a forma de sociabilidade em geral, pois sabemos desde Max Weber que a vida social pauta-se pela escassez de bens materiais e simbólicos, o que gera permanente luta entre indivíduos e grupos sociais pelos sinais de distinção, pelos sinais das referências coletivas, ou seja, há uma luta constante na questão da apropriação seja pelos bens materiais, mas também pelos bens simbólicos. (VELOSO, 2001).

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Para compreender a cidade pelos seus aspectos de comunicabilidade social e de

enunciação ideológica, entendendo a multiplicidade de seus atores sociais, é fundamental

conhecer a paisagem. Ela “é o conceito-chave para compreendermos a transformação

espacial” (ZUKIN, 2000, p. 83). De natureza conflitante, por ela perpassa relações de poder.

Neste sentido, geografia e antropologia comungam um ponto comum ao trabalhar as

socioespacializações. O estudo da paisagem edificada pode ser bastante significativo a medida

em que ela

[...] é, em grande parte, uma construção material, mas também simbólica das relações sociais e espaciais. A paisagem “coloca” homens e mulheres em relação com os grupos sociais e os recursos materiais [...]. A paisagem é uma poderosa expressão das restrições estruturais de uma cidade. Com freqüência, o que observamos como paisagem – aquilo que é construído, escondido e que resiste – é uma paisagem do poder. (ZUKIN, 2000, p. 106).

A cidade de São Cristóvão conserva, em sua paisagem, características de sítio

histórico, passíveis de um trabalho de prospecção em superfície. Suas ruas apresentam uma

paisagem edificada ao longo de séculos e que permanecem até hoje, sobretudo por não ter

sofrido nenhum processo de revitalização que viesse descaracterizá-lo, tal como parece

ocorrer em algumas cidades históricas24, que se encontram incluídas nas agendas turísticas

locais e internacionais. Esse processo de descaracterização das cidades históricas em nome do

turismo, denominado gentrification, vem sendo amplamente estudado, debatido por autores

como Featherstone (1999), Zukin (2000), Proença (2001).

As obras que compõem a paisagem partilham uma série de características

representativas de um tempo especifico e, mesmo que algumas delas encontrem-se hoje em

24 A rigor toda cidade é histórica, pois possui uma história que lhe é especifica, contudo o termo aqui empregado limita-se às cidades coloniais.

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ruínas25, o seu apelo é dirigido à consciência histórica e para a memorialização do passado

(ROJEK, 1993, apud FORTUNA26).

Essa consciência histórica e esse apelo à memorialização do passado encontrado nas

narrativas de Walter Benjamin acerca da “Infância berlinense” serviram de inspiração para

que Bolle (1984) sugerisse três tipos fundamentais de memórias que irão atuar junto à cultura,

ao patrimônio e à preservação. A primeira é a voluntária, típica de uma era dominada pela

redutibilidade técnica. Ela encontra-se muito mais apoiada no uso das diversas fontes

tecnológicas, a exemplo do computador, do gravador, da fotografia etc., sendo muito poderosa

devido à sua precisão. O segundo modelo é a memória involuntária, ela está muito mais

centrada na experiência, pouco vale os recursos tecnológicos, a ênfase maior é dada à emoção

em detrimento dos recursos meramente tecnológicos. Finalmente, um terceiro modelo

denominado memória afetiva mais voltada para a memória involuntária, mas não se restringe

a ela. Para Bolle (1984), Benjamin ao escrever a “Infância berlinense” parece lembrar com

alegria da memória corporal e fisionômica. A memória, portanto é anterior à preservação. Ela

está ligada a uma determinada percepção espacial, ao tempo e à distribuição dos objetos e/ou

das obras arquitetônicas, nela encontra-se o lugar de histórias cotidianas, da sensibilidade e da

formação das emoções.

Inspirado no flâneur, conceito elaborado por Walter Benjamin (1997), foi então

desenvolvido um “incurso etnográfico”27 despreocupado com o trajeto específico ou o tempo

gasto para percorrê-lo. Em Hall (2003), o flâneur é identificado também como o vagabundo

ou ainda, como aquele sujeito que transita com outro intuito diferentemente da multidão,

atitude blasé.

25 A exemplo das ruínas gregas, visitadas anualmente por milhões de turistas. 26 “As cidades e as identidades: Narrativas, patrimônios e memórias”. Disponível em Cd-rom: anpocs\rbcs33\rbcs33_08.htm. 27 A expressão “passeio casual” estaria mais próxima de algo poético, algo que de fato venha a designar o “espírito” do trabalho de campo. Na realidade, foram necessárias várias incursões e diversas conversas com moradores, guias turísticos, arquitetos etc.

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Embora as traduções para o flâneur quase sempre remetam a algo não intencional,

levado por acaso, desenvolvido pelo vagabundo, essa visão parece remeter o ponto de vista da

multidão, quase sempre levada pela preocupação da otimização temporal. O flâneur transita

despreocupado com o tempo, levado pelas possibilidades de experimentar novas experiências.

Em seu trajeto, busca de alguma forma o contato face a face, com diferentes pessoas, que lhe

possibilitem diferentes narrativas, para assim poder compará-las e interpretá-las. A multidão,

ao contrário, busca a informação, simples e objetiva, sua preocupação não está nas

interpretações, mas em poder recebê-las de forma digerida. Enquanto o flâneur é acusado de

vagabundo, por não estar preso ao tempo cronológico e, sim, a um tempo subjetivo,

emocional, afetivo. A multidão, por sua vez, é vista pelo primeiro como algo incessível,

indiferente aos diferentes estímulos, incapaz de se sensibilizar aos diferentes estímulos

(VIANNA, 1999, HALL, 2003). Em uma análise, segundo Featherstone, “o flâneur, portanto,

não é apenas aquele que perambula pela cidade, algo a ser estudado. A flânerie é um método

de leitura de textos para ler os sinais e pistas da cidade” (2000, p. 188).

Durante esse incurso etnográfico pelas ruas do centro histórico da cidade de São

Cristóvão, motivado, sobretudo pela possibilidade de experimentar a descoberta de alguma

dimensão não conhecida, que remonte a um outro tempo e espaço, foram desenvolvidos

trabalhos que remontam à memória voluntária, por meio de gravações de entrevista e relatos

de seus moradores, além de informações que não ficaram registradas28, mas que serviram

como depoimentos de seus moradores e contribuíram com pistas sobre determinadas

informações. Buscou, também, a memória involuntária por meio de relatos e histórias

vivenciadas em outros tempos e contadas por alguns de seus moradores. Algumas dessas

28 Algumas pessoas até conversavam, relatavam fatos de suas infâncias mas não permitiram gravar suas falas. Muitos justificavam que se tratava de histórias pessoais e não seria interessante colocá-las à exposição, contudo ao se deparar com fotos antigas surgiram, de fato, vários relatos das brincadeiras de infância, geralmente soldado e ladrão, manja etc., além da história de um tombo em uma calçada alta (chegando inclusive a mostra a cicatriz na perna por conta desse tombo de infância).

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narrativas foram fundamentais para a compreensão de elementos materiais encontrados na

paisagem edificada.

3.1 A Cidade em dois Tempos: habitual e ritual.

Após ter mudado o sítio primitivo de sua localização por duas vezes, prática muito

comum nas cidades coloniais portuguesas, segundo Omegna (1971), São Cristóvão finalmente

encontra a sua localização definitiva. Situada “nos tabuleiros formados pelos clásticos do

Grupo Barreiras, [...]. São as formas mais elevadas da paisagem, atingindo 70, 80 e até 90

metros” (AZEVEDO, P., 1980 a, p. 27), a cidade de São Cristóvão seguiu os parâmetros de

ocupação espacial da época. A preocupação com a segurança frente às constantes ameaças de

invasão inimigas, pode ser percebida em sua localização, concebida no alto e afastada do

litoral. Ao adentrar para o interior procurou-se não só dificultar a chegada de inimigos, mas

também, facilitar a sua visualização.

Para que fosse realizada a incursão etnográfica pensou-se em comparar os diferentes

usos dos espaços públicos, tomando-se como parâmetros os seguintes tempos: Habitual ou o

tempo ordinário e o ritual ou o extraordinário. O primeiro, compreende o cotidiano de seus

moradores e a relação desses com os espaços, nele encontra-se a monotonia do trabalho

(ELIADE, 2001). No tempo ritual ou o “tempo festivo”, compreendendo o tempo das

procissões, de lazer e dos espetáculos, seguindo uma orientação fornecida por autores como

DaMatta (2001) e Rocha, (2003), procurou-se evidenciar as festas segundo os tipos sagrados,

profanos e cívicos. Contudo, mesmo no tempo sagrado foi possível perceber dois tipos de

atores sociais: o homem religioso e o homem não-religioso. Para o segundo elemento, sendo

inacessível o tempo litúrgico, o tempo sagrado, regido pelas proibições de jogos de azar,

consumo de bebidas alcoólicas etc, é transformado em “tempo festivo” (ELIADE, 2001).

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Neste trabalho, de incursão etnográfica, foi preciso “ter um lugar de onde partir, para

começar a ler o contexto” (SOJA, 1993, p. 269). Foi então escolhida a Igreja Nossa Senhora

Vitória, ou como é conhecida, a Igreja Matriz, por representar o marco zero da cidade de São

Cristóvão. Ela corresponde também ao “centro simbólico”, esse por sua vez, equivale “ao

lugar ou aos lugares que condensam de uma maneira intensa uma carga valorizante, em

função da qual se organiza de forma significativa o espaço urbano” (CASTELLS, 1983, p.

318).

As construções do século XVII, como por exemplo, a Igreja de Nossa Senhora da

Vitória ou Igreja Matriz, a Santa Casa de Misericórdia e o Convento Franciscano, geralmente

podem ser entendidas a partir de um duplo aspecto. Por um lado, as construções religiosas

marcadas pelas normas do conceptismo, do cultismo e do preciosismo, característico do

barroco, onde estão presentes o gosto pela retórica pomposa e rebuscada, encontrada nas artes

plásticas, com temas tipicamente religiosos (LOPEZ, 1994). Por outro, as casas, habitações

particulares, ficaram marcadas pela simplicidade rústica e pela pobreza dos interiores, são

construções geralmente térreas e com móveis, simples e escassos (AZEVEDO, P., 1996).

A Igreja Matriz foi edificada por ordem dos Felipe da Espanha, para ser Sede

Episcopal, em período marcado pela União Ibérica. Para tal, foram colocadas armas na

portada do templo, na qual permaneceram até o século XIX, próximo à Independência do

Brasil (VILELA; SILVA, 1989). A sua construção efetivamente só vai ocorrer entre os anos

de 1608 a 1616, por ordem do Bispo da Bahia D. Constantino Barradas.

Caracterizada pela presença de traços ao estilo barroco, a Igreja da Matriz representa,

conforme idéia de Castells (1983), o “centro simbólico”, ponto de partida para a configuração

da paisagem edificada na cidade de São Cristóvão. Caracterizada como a única igreja

simétrica da cidade, sua localização segue como eixo principal o sentido Leste-Oeste, e

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apresenta sua fachada voltada para o nascente. Do seu lado esquerdo29, apresenta-se a casa

paroquial, com número 342, datada de 1846. Os rios da área seguem a direção Noroeste –

Sudeste (NW-SE), isto porque são formados por pequenos segmentos que compõem as

ramificações menores. Destacam-se duas bacias fluviais: do rio Sergipe, ao norte da área, e do

Vaza Barris, ao sul (AZEVEDO, P., 1980 a).

Em 1616 os moradores da cidade de São Cristóvão celebraram o dia de sua padroeira,

Nossa Senhora da Vitória. Embora a Igreja Matriz não estivesse totalmente concluída, já

oferecia condições para o culto público. Durante as invasões holandesas muitos monumentos

foram incendiados, sobretudo no momento de sua expulsão. Entre essas edificações estava a

Igreja Matriz. Por conta desses agraves, ocorridos, sobretudo no momento das invasões

holandesas, entre os anos de 1637 e 1645, no final do século XVII a Igreja Matriz encontrava-

se em condições altamente precárias. Os moradores da cidade de São Cristóvão, desprovidos

de recursos materiais decidiram apelar para o rei português para que fossem realizados os

serviços de restauração. Esta solicitação só veio a ser atendida somente nove anos depois,

após grande parte da igreja ter sido reconstruída com esforço, empenho e recursos dos

próprios moradores locais (AZEVEDO, P., 1980 a, VILELA; SILVA, 1989, NUNES, 2000).

Portanto, o auxílio real só foi consolidado em 1702, por meio de quatro mil cruzados,

conseguido através dos dízimos dos vinhos e aguardentes que há bem pouco havia tido seu

valor aumentado.

29 Sempre que houver menção “esquerdo” ou “direito”, será admitido como ponto de referência o observador visitante, localizado à sua frente.

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Mapas 9.

Fonte: Os mapas do descobrimento30, 2000.

Os mapas do século XVII já apontam a formação de um núcleo edificado são

cristovense, caracterizados, essencialmente, pela presença de construções religiosas.

Mapa 10.

Fonte: REIS, Nestor Goulart, cd de vilas e cidades coloniais.31

30 ALBERNAZ, João Teixeira. Carta da Costa que se estende da Baía de Todos os Santos até a Barra do Rio São Francisco (1631). In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Os mapas do descobrimento. [s.l.]:Associação Serrana de Educação e Cultura; Centro Cultural Banco do Brasil, 2000. (Manuscrito aquarelado, n.23). 31 A imagem acima está também no capítulo dois. Lá se procurou evidenciar a localização da cidade, aqui se procura destacar as construções existentes nessa.

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O mapa 11 traz uma representação detalhada da imagem anterior

Rio ParamopamaIgreja Matriz, com apenas uma torre.

Convento Fanciscano.

No detalhe, a cidade de São Cristóvão conforme mapa datado de 1631. Segundo a

representação, é possível observar a presença de uma única torre sineira, contudo em sua

configuração atual a Matriz apresenta duas torres sineiras. Há três portas centrais e, outras

duas portas falsas em suas extremidades laterais, direita e esquerda respectivamente. Acima

das portas falsas estão cravadas datas. À luz do observador visitante, a porta esquerda traz a

data de 1845 e na porta da outra extremidade o ano de 1855. A história comumente contada

pelos guias turísticos narra que o termino da construção da torre esquerda teria ocorrido no

ano de 1845, e por conta de impostos que eram cobrados, somente dez anos após foi

concluída a torre direita da matriz. Para Erundino Prado Junior, essa diferença se deu por

outros motivos, sobretudo pela dificuldade no emprego de recursos e de mão-de-obra.

Convento Franciscano

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Inscriçãode 1845.

Inscriçãode 1855.

PortasFalsas.

PortasFalsas.

A Igreja de Nossa Senhora da Vitória traz algumas características essenciais e que

merecem destaque. Além de ser a mais antiga construção, encontra-se no ponto mais alto da

cidade de São Cristóvão, e tem ao fundo o rio Paramopama. Esta descrição parece ser

interessante e passível de conjecturas em vários aspectos. Primeiramente ela mostra a

preocupação com a segurança, motivo principal para duas mudanças de sítio até ser

consolidada no local atual, o local escolhido permite uma fácil visualização no caso de

chegada de inimigos, ela sugere ainda que ao situar a Igreja de Nossa Senhora da Vitória no

ponto mais alto da cidade, parece haver aí uma relação hierárquica, que caracterizou várias

cidades coloniais.

Foto 3. Fonte: NASCIMENTO, 1991, p. 24.

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A imagem acima parece dar evidências do posicionamento estratégico da Igreja

Matriz. O centro histórico colonial vai ser estruturado de frente para sua fachada. Em suas

costas, a preocupação primordial estava centrada na vigilância do Paramopama. Bem a sua

frente, encontra-se a praça Getúlio Vargas, também conhecida como praça da Matriz.

Segundo Prado Junior (2004), durante o carnaval, uma festa tradicionalmente profana,

ocorriam os desfiles de fantasias, fobicas, concursos de bicicletas e o baile da cidade na

própria praça da Matriz. Nela, havia o coreto de madeira montado há mais ou menos meio

metro de altura, onde a “socialite brincava e dançava, animada por uma charanga32 formada

por amigos e amantes da música” (PRADO JÚNIOR, 2004), que animava as pessoas ao som

de antigas marchinhas de carnaval. Aqueles menos favorecidos socialmente dançavam e

pulavam circundando o coreto. Paralelamente, ocorria o carnaval privado.

As pessoas mais ilustres da sociedade faziam também seus bailes de máscaras, nos

solares dos próprios sobradinhos. Essas festas particulares, também conhecidas como saraus,

32 Termo comumente empregado para as “bandinhas musicais”. Formadas essencialmente por instrumentos de sopro e de percussão elas saiam pelas ruas a tocar as marchinhas populares.

Foto 4. Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.].

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eram realizadas não só no carnaval, como também no período junino e nas celebrações de

aniversários. Como era de costume as “sinhazinhas, senhoritas e damas da sociedade, a

exemplo da mãe de Vera Prado, sua prima, durante essas ocasiões costumavam tocar pianos

na parte superior dos sobrados” (PRADO JUNIOR, 2004). Hoje, durante o carnaval na cidade

de São Cristóvão, algumas poucas pessoas saem acompanhando uma bandinha com

instrumentos de percussão e de sopro, percorrendo as ruas da cidade, jogando pó branco entre

eles e nas outras pessoas que encontram pelo caminho. Os foliões guiam uma carroça,

contendo aguardente de cana por eles distribuída e consumida. Depois de percorrerem as ruas

da cidade, os foliões continuam sua farra na praça São Francisco.

A praça da Matriz é o espaço, por excelência, onde são desenvolvidas sociabilidades.

Nela ocorria a anual festa carnavalesca e, ainda hoje acontece a procissão de Senhor dos

Passos e os desfiles de sete de setembro, reunindo assim elementos profanos, religiosos e

cívicos que se alternam constituindo o ciclo de rituais públicos entorno da praça da Matriz.

Foto 5. Desfile de um bloco de carnaval, na rua Erundino Prado, em São Cristóvão. Foto do autor, 2004.

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No tempo cotidiano, as pessoas costumavam se reunir em frente à Igreja da Matriz para as

tradicionais brincadeiras de crianças, os flertes de jovens, que por ali passeavam etc.

A imagem a seguir foi realizada na tarde de domingo da festa de Senhor dos Passos,

2004. Ela mostra a rua José do Prado Franco, vista de baixo para cima. Nela é possível

visualizar o universo profano, através do comércio variado, em um momento festivo religioso.

Foto 6. Igreja Matriz em uma foto do início do século XX. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 281. Autor e data desconhecidos.

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Prédio da Prefeitura Municipal de São Cristóvão.

Alto da torre da Igreja Matriz.

Para aquele que observa da praça, portanto, em posição e sentido muito próximo das

imagens a seguir, é possível observar da esquerda para a direita, um fragmento da torre da

Matriz, ao lado a casa paroquial e, seguindo em um plano que não aparece nas imagens, o

prédio da Prefeitura Municipal.

Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismoe Meio Ambiente de São Cristóvão. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha.

Foto 7. Universo profano da Procissão do Encontro. Na rua José do Prado Franco eram comercializados produtos, desde comidas típicas, bebidas até bijuterias, inclusive religiosas. Foto do autor, realizada durante a Procissão do Encontro, 2004.

Desfile cívico de 07 de setembro. Autores e datas desconhecidos.

Foto 8. Foto 9.

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Nas imagens anteriores, é possível perceber um desfile cívico de sete de setembro,

passando em frente à igreja da Matriz, passando pela casa paroquial (na imagem à esquerda o

prédio em segundo plano) e seguindo rumo à sede da Prefeitura Municipal.

Logo à frente da igreja Matriz, encontrava-se um antigo sobrado. Atualmente, nesse

mesmo espaço, funciona a Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte de São

Cristóvão. A atual configuração do prédio demonstra traços de outro período histórico. Ele vai

de encontro às descrições das características de como eram as casas coloniais, sem jardins,

com suas fachadas rentes à rua, quase não deixando espaço para as calçadas. Na imagem

colorida, que traz a paisagem em sua configuração atual, percebe-se características que vão de

encontro àquelas atribuídas às casas coloniais.

Foto 10. Antiga casa localizada em frente a Matriz. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

Foto 11. Atual Superintendência Municipal de Transito e Transporte de São Cristóvão. Foto do autor, fevereiro de 2004.

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No detalhe, circundada ao centro a representação da Igreja Matriz. Abaixo, à direita, o

adro do Conjunto do Carmo. Seguindo no sentido oposto, na área circundada de vermelho,

uma seqüência de casa que leva ao antigo porto da cidade de São Cristóvão.

Foto 12. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

Igreja Matriz

Ladeira do Porto da Banca.

Carmo Grande.

Foto 13. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

Antigo Porto da cidade de

São Cristóvão

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A imagem anterior traz uma vista do centro histórico da cidade. No detalhe, a Igreja

Matriz e o rio acima, o Paramopama. Em destaque, circundado, o antigo porto por onde

entravam os escravos.

No detalhe, as torresda Igreja Matriz.

No alto da paisagem é possível visualizar as torres da Igreja Matriz. Ela representa

muito mais que o centro simbólico. A sua localização estratégica permitia não só a

visualização, por parte de quem estava no alto, da chegada de tropas inimigas, como também

pode ser entendida como sinônimo de poder e de intimidação para todos aqueles que, por

algum motivo, pretendiam penetrar pelo Paramopama.

Hoje, no referido local, funciona um terminal turístico ecológico, onde as pessoas

embarcam para um passeio de catamarã, conforme apontado pelas imagens abaixo.

Foto 14. O antigo porto, do alto a cidade de São Cristóvão. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

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Saindo do porto, subindo à cidade alta, encontra-se o Conjunto do Carmo, situado no

antigo Largo do Carmo, atual Praça Senhor dos Passos. Com a chegada do grupo de religiosos

conhecidos como Carmelitas Calçados, no ano de 1618, inicia-se a construção da Capela do

Convento do Carmo, no ano de 1639.

O Conjunto engloba a antiga Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo,

conhecida Carmo Grande, onde hoje se encontra localizado o atual mosteiro de São Bento e a

antiga Capela da Ordem III do Carmo. O Carmo Pequeno corresponde a atual Igreja de

Senhor dos Passos. Há divergências no que se refere à data de seu término. As opiniões

divergem entre as datas de 1666 e de 1745. Aqueles que alegam o término no ano de 1666

fundamentam-se, essencialmente, em informações cravadas no frontispício, com Galilé

(SALVADOR, P., 1980 a).

O antigo porto de São Cristóvão, atual Terminal Turístico Ecológico. Na imagem à esquerda, no detalhe, as torres da igreja Matriz. A outra imagem realizada em sentido contrário à primeira, traz no detalhe, o atual ponto de embarque para um passeio de catamarã. Fotos do autor, 2004.

Foto 16 Foto 15

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A Igreja Conventual, atual Mosteiro de São Bento, foi edificada no século XVIII pelo

Frei Antônio de Santa Eufrásia Barbosa. Trata-se de uma edificação ao estilo barroco, o

frontão, rico em decoração, conta com pináculos nas extremidades e ostenta um escudo da

Ordem Carmelita. A galilé recebeu grades de proteção em ferro, no ano de 1986. Segundo

Carvalho “o Convento já existia nos fins do século XVII. Foi reedificado entre 1755 e 1763

por Frei José Ângelo Teixeira, inspirado no modelo franciscano” (1989). Em de 1847 o

prédio da Igreja Conventual veio abrigar em uma de suas salas, o Liceu de São Cristóvão. Em

1922, século XX, o Convento passou por reformas proporcionadas pelas irmãs Clarissas

Concepcionistas, vindo a funcionar o Colégio Imaculada Conceição. Dois anos após, em

1924, foi fundado o Noviciado. E, finalmente, em 1983 a Igreja Conventual veio servir ao

Mosteiro das Irmãs Beneditinas.

Encontra-se hospedada no interior de suas instalações a imagem de Senhor dos Passos,

encontrada por pescadores no rio Paramopama no ano de 1855. Dona Jaci, aos 88 anos, relata

a seguinte história:

Quando eu era menina, eu tenho uma tia muito antiga, que assistiu a mudança da capital. Ela dizia que o Senhor dos Passos, os pescadores encontraram aí no mar [entenda-se mar, enquanto rio Paramopama]. Os

Carmo

Pequeno.

Carmo

Grande.

Foto 17. Conjunto do Carmo. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 280. Autor e data desconhecidos.

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pescadores vieram acompanhando aquele caixão enorme. As pessoas então se perguntavam, o que será, para onde vai? Quando chegou aqui pertinho, do Carmo Grande, lá na maré, o caixão parou. Quando parou, os pescadores colocaram em terra, abriram e era a imagem de Senhor dos Passos. Então, levaram para aquela igreja [entenda-se a Igreja do Carmo] que era a mais próxima e ficou lá até hoje. O povo antigo conta isso. (JACI FERNANDES Dantas33, 2004).

Originalmente, havia apenas a cabeça de Senhor dos Passos. Logo após, foi feita uma

armação em madeira, e imagem coberta com uma roupa, dando a impressão de haver corpo,

quando de fato não há. Ela apresenta, portanto, uma armação em madeira, coberta pela roupa,

caracterizando aquilo comumente denominado de “imagem de roca”.

No interior da Igreja do Carmo, mais precisamente em seu teto, são encontradas várias

pinturas. Elas são dedicadas a Santa Tereza D’Ávila e cada um desses painéis representa um

sonho da Santa. Em outro ambiente, ainda no Carmo, encontra-se no conjunto do Carmo o

museu dos ex-votos34, dedicado ao Senhor dos Passos. Ainda, a titulo de curiosidade, segundo

o guia turístico, Kleber Luiz de Almeida35 (2004), irmã Dulce teria começado sua jornada

naquele convento, por volta de 1833.

Uma festa muito tradicional na cidade é a procissão de Senhor dos Passos. Ela ocorre

quinze dias após a sexta-feira que antecede o carnaval e atrai dezenas de caravanas com

peregrinos do Estado de Sergipe e de outros Estados. “A festa de Senhor dos Passos ocorre

anualmente dentro do período de Quaresma, que por sua natureza já é um período de

penitência” Prado Junior (2004). E, embora todas as igrejas tinham suas penitências, mas a

concentração maior está na igreja que dá nome à festa, Igreja do Senhor dos Passos, anexo ao

conjunto do Carmo.

33 Entrevista concedida no dia 14 de fevereiro de 2004. 34 No museu dos ex-votos encontram-se fragmentos de pernas, braços, mãos etc, geralmente em madeira, deixadas por pessoas que fizeram algum tipo de promessa ao Senhor dos Passos e acreditam ter alcançado a cura para aquele determinado problema. 35 Entrevista concedida no dia 06 de fevereiro de 2004.

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Situada na antiga rua das flores ou na rua do Amparo, como também é conhecida,

encontra-se a Igreja Nossa Senhora do Amparo. Sua construção data do final do século XVII,

e é creditada à Irmandade do Amparo dos Homens Pardos, instituída em 1690, e composta

exclusivamente por homens. Esta Irmandade foi extinta em 1902 e, em 1907 a Igreja passou à

administração do vigário da Cidade de São Cristóvão (AZEVEDO, P. 1980 a, VILELA;

SILVA, 1989, NUNES, 2000).

Saliências na superfície a indicar sinais de “construções futuras”.

Foto 18. Igreja do Amparo. Foto Daniel Castro, 2002.

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No detalhe, as saliências em superfície.

Na igreja de Nossa Senhora do Amparo é possível observar pedras salientes em sua

lateral esquerda. Muitas histórias surgiram entre os populares para justificar aquelas pedras,

algumas inclusive muito curiosas ou no mínimo exóticas. Um primeiro relato, contado pelo

guia turístico Kleber Luiz de Almeida (2004), que parece contraditório, e segundo o próprio,

sem muita credibilidade, relata que os escravos escalavam aquelas pedras nos dias de missa

para tocar os sinos. A contradição está justamente no fato das saliências estarem localizadas

no outro extremo da torre. A segunda explicação, ao que parece mais lógica, relata que as

torres, devido às dificuldades para sua construção, demoravam muito tempo para serem

erguidas e, nesse caso, a mudança da capital teria provocado um abandono, sobretudo dos

poderes públicos, deixando em evidência aquilo que provavelmente viria a se tornar uma

outra torre. Curiosamente essas saliências aparecem também no Palácio Provincial e possuem

a mesma justificativa. Há, no entanto, uma terceira explicação narrada por Erundino Prado

Junior. Segundo ele, ali se trata de um prolongamento no qual ia ser construída a residência da

irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pardos. Esse relato também é curioso e intrigante,

pois, curiosamente as residências paroquiais, a exemplo da Igreja da Matriz, em São

Cristóvão e tantas outras, parecem respeitar um certo distanciamento físico, espacial, com

Foto 19. Ao lado da igreja tem-se a rua do Amor, antigo Beco do Sabão. Nessas paredes as pessoas escrevem declarações, recados apaixonados etc., impossíveis de serem percebidas, nesta foto, por conta da nova pintura (conforme demonstra a comparação entre as imagens das fotos 18 e 19, respectivamente). Foto do autor, 2004.

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relação à igreja a qual ela está ligada. Se de fato essa possibilidade fosse aceita não haveria

esse distanciamento entre igreja e residência paroquial.

Prado Junior conta que “depois do carnaval, já na quarta-feira de cinzas toda a

sociedade se trancava em suas casas. As imagens sacras da cidade eram todas cobertas com

tecido roxo, indicando sinal de penitência” (2004). Este gesto simbólico equivale a afirmar

que a cidade está morta para o mundo durante os quarenta dias da quaresma, período que se

estende da quarta-feira de cinzas até a sexta-feira da paixão quando é celebrada a morte de

Jesus Cristo.

Durante os quarenta dias há uma mortificação do luxo e das vaidades. Esse é um

período eminentemente de penitência, regulamentado por determinadas proibições nas

atividades estéticas, tais como, pintar as unhas, fazer maquiagens e depilações. Durante o

período quaresmal haviam determinadas restrições também na esfera privada. Os pratos só

poderiam ser lavados até as quinze horas, segundo relato de Prado Junior (2004), seria uma

ofensa trabalhar na hora em que Jesus Cristo teria morrido. A casa só poderia ser varrida até

as dezoito horas, e assim por diante.

Durante o dia, conforme os depoimentos dos carmelitas locais, extraindo-se os

preparativos, tais como instalação do som, palanque etc., parece ser um dia normal, comum,

como qualquer outro. Durante o final da tarde pode-se perceber a gradativa chegada de

peregrinos, em caravanas, nos ônibus que fazem o percurso a São Cristóvão e em outros

fretados, assim como nos carros particulares. Às dezenove horas, com as pessoas devidamente

concentradas na praça do Carmo, dá-se início a celebração da missa. Uma celebração com as

músicas tradicionais cantadas no catolicismo, talvez para facilitar que as pessoas possam

acompanhar esses cânticos.

Por volta das vinte horas e trinta e cinco minutos, inicia-se um pequeno espetáculo

pirotécnico, anunciando o fim da celebração eucarística e a passagem ao próximo momento –

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ato – a procissão luminosa, ou como é denominada Procissão das Velas. Nesse momento “as

pessoas saem com as velas acessas acompanhando o Senhor dos Passos, até a matriz, em uma

procissão de penitência muito bonita” (DANTAS, C. 2004). No sábado à noite, a Procissão

das luzes saiu do largo do Carmo, pela rua Pereira Lobo, até o cruzamento entre a antiga

cadeia e o sobrado de balcão corrido, situado à rua Ivo do Prado, daí ela segue até a Igreja

Matriz. O trajeto, apesar de relativamente pequeno – aproximadamente quinhentos metros –

foi percorrido com muita emoção e sentimento no semblante dos fiéis, que levaram algo em

torno de uma hora para a imagem chegar ao seu destino. Mesmo quando lá estava, ainda havia

pessoas que sequer havia deixado o largo do Carmo, tamanho era a aglomeração de pessoas.

As imagens acima mostram, no canto esquerdo, a parede lateral do Colégio Estadual

Deputado Elízio Carmelo, prédio onde funcionava a antiga cadeia de São Cristóvão. Elas

foram realizadas em período habitual ou cotidiano. Nelas é possível perceber o vazio social, a

ausência de um número expressivo de pessoas.

Foto 20. Avenida Ivo do Prado, ao fundo Antiga Casa da Misericórdia. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

Foto 21. Imagem semelhante a do lado, realizada recentemente. Foto do autor, 2004.

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Algumas pessoas transitando na avenida Ivo do Prado, seguindo em direção à praça

São Francisco. Lá, já existe uma concentração de pessoas reunidas na Procissão de Encontro.

A fotografia foi realizada entre o cruzamento das ruas Pereira Lobo e Ivo do Prado, e tem

como referência o Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo, prédio onde funcionou a antiga

cadeia de São Cristóvão. Ao fundo da imagem, onde se encontra a multidão, é possível

perceber um prédio branco, a Santa Casa de Misericórdia.

No detalhe, a faixa da imagem ao lado. Nela é

possível perceber a relevância da Festa de Senhor

dos Passos para os moradores da cidade de São

Cristóvão, “A maior festa religiosa do Nordeste”.

Foto 22. Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

Foto 23. Foto do autor, Procissão do Encontro, 2004.

Foto24. Procissão do Encontro. Foto do autor, 2004.

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As construções que marcaram a primeira metade do século XIX possuem

predominantemente um caráter laico. Esse traço sugere novos tempos na sociedade brasileira,

marcado pelo rompimento entre Estado e Igreja, efetivamente consolidado com a

Proclamação da República, no final do século. Multiplicam-se as construções privadas

localizadas entre os limites da Igreja Matriz, o conjunto do Carmo, o conjunto Franciscano e a

Igreja do Rosário. Os espaços das edificações são visivelmente reduzidos, margeando as

calçadas, com a predominante ausência de árvores, talvez por conta da nova mentalidade

urbana, que começava atuar com maior intensidade na sociedade ocidental capitalista e que

pretendia romper com o passado rural.

Uma importante obra, não religiosa, ainda hoje conservada que data do século XVIII é

o sobrado de balcão corrido, guarnecido por madeira esculpida com decoração em volutas,

sendo uma antiga residência construída com forte influência moura, localizada na praça

Getúlio Vargas, número 40. Trata-se de um espaço ímpar, pois por ali passavam quase todas

as manifestações religiosas e em determinada sociedade onde o Estado encontra-se aliado à

Igreja, este parece ser um espaço privilegiado, de acesso a poucos.

Foto 25. Coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

Foto 26. Fonte: Nordeste Turístico – postal (4601 –a-47). Foto de Edson C. Delgado. [s.d.].

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Em 1981 o sobrado passou por um período de restauração e, foi inaugurado como

Centro de Restauração e Centro Artesanal, pela Empresa Sergipana de Turismo – Emsetur.

Atualmente (2004), funciona em suas instalações o restaurante Solar Parati.

Outra construção bastante significativa que constitui a paisagem da praça da matriz é o

antigo prédio da cadeia. Em estilo colonial, teve início na primeira metade do século XIX,

cujas obras prosseguiram por vários anos. Em 1981, foi restaurado pela Empresa Sergipana de

Turismo (Emsetur) para funcionar como centro de artes. Atualmente o prédio abriga uma

instituição de ensino médio denominado Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo.

As construções desse período ficaram marcadas pelas profundas mudanças que

ocorreram nos cenários nacional e local. Em 08 de julho de 1820, Sergipe livrou-se da

submissão baiana, através do decreto de D. João VI, o qual dizia assim:

Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a Capitania de Sergipe d'EI-Rei tenha um govêrno independente do da Capitania da Bahia: hei por bem isentá-la ab-solutamente da sujeição em que até agora tem estado do govêrno da Bahia, declarando-a independente totalmente para que os governadores dela a governem na forma praticada nas demais capitanias independentes (SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.]).

Foto 27. Antiga cadeia de São Cristóvão, localizada à praça da matriz.Atual colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo. Foto do autor, durante a Procissão do Encontro, 2004.

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Esse período ficou marcado não só pela Independência de Sergipe, como também

pelas gradativas alterações percebidas nas construções desse período. Elas ficaram

caracterizadas, principalmente pelo caráter laico. A paisagem sãocristovense, por sua vez,

passou a ser constituída por edifícios menores que os dos séculos anteriores, representando

talvez as primeiras tentativas voltadas para a modernidade, com características mais urbanas

em detrimento do estilo agrário, feudal e, acima de tudo, religioso que predominou nos

séculos XVII e XVIII.

As edificações do começo do século XIX avançavam sobre os limites laterais e sobre o

alinhamento das ruas, essas se assemelhavam “pela simplicidade dos esquemas, com suas

paredes grossas, suas alcovas e corredores, telhados elementares e balcões de ferro batido”

(REIS FILHO, 1978, p. 34). Durante este século, a arquitetura brasileira assistiu à gradativa

substituição do Barroco, que predominou durante quase todo o período colonial, cedendo

espaço para o Neoclassicismo, sobretudo a partir da vinda da Missão Francesa ao Brasil,

vindo a se tornar a arquitetura oficial durante o primeiro e segundo Império (REIS FILHO,

1978).

A praça São Francisco reúne em um mesmo espaço estilos arquitetônicos distintos.

Elas se estendem desde aquelas que caracterizam o período colonial, a exemplo do Convento

Franciscano e a antiga Santa Casa de Misericórdia, com predominância religiosa, até aquelas

de caráter político, com o antigo Palácio Provincial. Esse é um espaço de sociabilidades, por

excelência. Essas reúnem, a depender do tempo, celebrações sagradas ou festivas. A

seqüência mostra três eventos que ocorrem regularmente na praça São Francisco: A

celebração da Procissão do Encontro, o Festival de Arte de São Cristóvão (FASC) e a Seresta

da Cidade de São Cristóvão.

Durante a Procissão do Encontro, encontra-se montado um palanque entre os prédios

do Museu Histórico de Sergipe e do orfanato (antiga Santa Casa de Misericórdia). Nesse

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momento Senhor dos Passos encontra com sua mãe, Nossa Senhora. Esse ato ficou então

conhecido como Procissão do Encontro que, segundo relatos, trata-se de

uma procissão muito bonita, com as ruas cheias de gente, vindo inclusive, pessoas da cidade do Rio de Janeiro para essa festa. [...]. Eu tenho uma tia que assistiu a mudança da capital. Ela contava que teve um ano que o vigário não quis fazer a procissão, o sino tocou, e as portas da igreja se abriram todas sem ninguém dentro. Aí fizeram e nunca mais deixaram de fazer. (DANTAS, J.36, 2004).

As imagens a seguir fecham o ângulo inverso em sentido contrário. Foram realizadas

entre os cruzamentos onde se encontram localizados o Museu Histórico de Sergipe, a antiga

Assembléia e o orfanato. Nelas é possível perceber uma multidão reunida para a celebração

do encontro.

36 Entrevista realizada em 14 de fevereiro de 2004.

Foto 28. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.

Foto 29. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

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Ainda hoje, em 2004, há um número expressivo de fiéis que se deslocam de vários

municípios e até de outros Estados para acompanhar a festa de Senhor dos Passos. Nessa

procissão, Jesus e Maria percorrem caminhos diferentes, as ruas da cidade ficam estreitas para

a multidão que está a acompanhar.

A seqüência de imagens traz uma idéia do trajeto e da concentração das pessoas na

Procissão de Encontro de Senhor dos Passos37. O prédio branco, à esquerda, é a Santa Casa de

Misericórdia, ao centro o prédio da antiga Assembléia Provincial e do lado direito da imagem

o antigo Palácio Provincial.

37 Na coleta de dados iconográficos, apareceu uma seqüência de fotos que nitidamente representavam um mesmo rito. Infelizmente não há registro de quem possa ter feito essas imagens. Segundo informações dos proprietários das fotos, de Erundino Prado Junior e pela própria representação simbólica, é possível afirmar que se trata de uma celebração religiosa, denominada Procissão de Encontro.

Foto 30. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores percorrem trajetos diferentes até a Praça São Francisco, onde acontece o encontro às 16 horas. Foto do autor, 2004.

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Antigo Palácio Provincial.

Santa Casa deMisericórdia.

Antiga Assembléia Provincial.

Apesar dos caminhos que as sociedades parecem trilhar, rumo a uma crescente

secularização, é nos rituais sagrados que é possível perceber a força simbólica de um bem

apropriado pela comunidade. Isso só parece acontecer porque, antes de tudo, há uma

identificação entre esse bem e os atores sociais, que de fato praticam a ação, bastante nítida

nos sentimentos e emoções daquelas pessoas.

Foto 32. Imagem da praça São Francisco realizada durante a Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

Foto 31. Imagem da praça São Francisco em tempo comum, ordinário. Autor e ano desconhecidos. Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.].

Foto 33. Imagem da praça São Francisco realizada durante a Procissão do Encontro. Foto do autor, 2004 .

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A Santa Casa de Misericórdia representa um marco de todo e qualquer pólo de

colonização lusa38. Em Sergipe Del Rei, a iniciativa partiu de autoridades administrativas e

colonos, aglomerando homens, como Belchior Dias Moreyra (FREIRE, 1977), que haviam

combatido na expedição de Cristóvão de Barros (SILVA FILHO, 2000). Ela data do período

entre 1607 e 162239, não se sabe ao certo se a decisão emanou do governo da Bahia, contudo,

é sabido que as doações de terra para sua construção partiram de oficiais e moradores da nova

capitania. Dentre os benfeitores da instituição nesse período, figura Belchior Dias Moreyra e

seu filho, Rubélio Dias Moreyra, além do capitão-mor Antonio Pinheiro de Carvalho e o

provedor Cosme Barbosa e Balthazar Barbunda (NUNES,1996).

Ela funcionava não só como capela, mas também como hospital de caridade. A

Capela, datada da primeira metade do século XVII, foi construída ao estilo Barroco. Sua torre

sineira liga-se à ala do antigo hospital com grande equilíbrio e riqueza de estilo. A instituição

38 BOXER, Charles. R. O Império colonial português. tradução Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições, 1977. p. 263. (apud SILVA FILHO, 2000). 39 ALMEIDA, Manoel Vasconcelos de Vida do primeiro apostolo de Sergipe: Padre Gaspar Lourenço. RIHGS. Aracaju, v. XVI, n. 21, p. 150, 1952-54 ( apud SILVA FILHO, 2000, [s.p.]).

Foto 34. Imagem da antiga Santa Casa de Misericórdia. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

Foto 35. Atual Lar Imaculada Conceição. Foto: Daniel Castro. 2002

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chegou a desempenhar outras funções ao longo dos séculos, inclusive econômicas,

promovendo o desenvolvimento social na cidade, seja emprestando dinheiro ou materiais para

construção e/ou reforma de casas e estabelecimentos comerciais. Segundo Samarone (1997),

ao longo do século, a Santa Casa de São Cristóvão é identificada com o seu Hospital São

Mateus. Atualmente a Santa Casa abriga o Lar Imaculada Conceição (Orfanato feminino que

abriga cerca de 100 crianças).

O período compreendido entre 1637 a 1645 ficou marcado por intensas lutas, por

conseqüência, a economia da capitania esteve emperrada, gerando, desse modo, prejuízo na

lavoura e no rebanho. São Cristóvão transformou-se em palco de intensas batalhas entre

portugueses e flamengos, e o hospital de caridade participou ativamente, servindo às duas

partes inimigas, socorrendo os feridos. Em 1645, após a expulsão dos holandeses do território

sergipano, buscou-se a retomada do desenvolvimento urbano e econômico. Na capitania de

Sergipe Del Rei reinava o desgoverno e a miséria da população, em uma sociedade marcada

pela degeneração dos costumes (MOTT, 1986, p. 22-3).

Neste período, a Coroa Portuguesa já não recebia tutelas dos espanhóis desde 1640.

Era preciso uma política administrativa nacional voltada para uma ampla reforma nos

territórios coloniais, de modo a possibilitar o controle e a vigilância dos movimentos

exaltados. No ano de 1642 aconteceu na metrópole a criação do Conselho Ultramarino. Na

colônia, por sua vez, a capitania de Sergipe veio a se transformar em Ouvidora e mais adiante

em Comarca da Bahia, no ano de 1695. Essa mudança retirou do governo baiano o poder de

mando na administração de Sergipe; os capitães-mores, ouvidores e juizes lotados em Sergipe

passaram então a ser nomeados em Lisboa (SILVA FILHO, 2000). A Santa Casa de São

Cristóvão não se viu atingida por tais mudanças, pois a irmandade encontrava-se

umbilicalmente ligada à economia da região. Contudo, no ano de 1695 a capela recebeu o

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santíssimo sacramento da igreja matriz da paróquia de Nossa Senhora da Vitória por não

oferecer condições de culto e segurança.

Como conseqüência da dívida registrada pelos foros de terras, contraída pelos

carmelitas em 20 de maio de 1729, a partir dessa data, esses religiosos passaram a pagar juros

do usufruto das terras e dos aluguéis de casas da Santa Casa. A desordem administrativa e do

desvio de livros da irmandade permitiu à maioria de seus devedores uma possibilidade para

sustar o pagamento de dívidas junto a Santa Casa de São Cristóvão.

Tolhida de seus privilégios, a Santa Casa dispunha das atividades econômicas e religiosas para sustentar o hospital de caridade. De um lado, os empréstimos a senhores de engenho e comerciantes; os alugueres de casas, dos salões do prédio ao governo provincial e ordens religiosas; os foros de terra empenhados a pequenos agricultores; do outro, as capelas de missa em refúgio das almas, as procissões encomendadas por outras irmandades, os cortejos fúnebres e a caridade alimentavam e socorriam os internatos. Em 1762 os irmãos pediram nova esmola ao rei de Portugal, a fim de “cumprir as obras de caridades, como em casos similares”40. Desta vez a negativa ecoaria nas portas do hospital que deixou de funcionar. (SILVA FILHO, 2000, p. 28).

A praça São Francisco além de concentrar um número expressivo de monumentos

edificados ao longo de séculos é um locus onde são desenvolvidas atividades sociais, ao longo

do ano. A exemplo da Procissão do Encontro, ocorre ainda, semanalmente, toda a sexta-feira

uma seresta durante a noite, e anualmente a Festival de Arte de São Cristóvão (FASC),

realizado anualmente durante o mês de dezembro.

O FASC, foi realizado pela primeira vez em 1972, sob patrocínio da UFS, FUNART,

Governo do Estado de Sergipe e da Prefeitura Municipal de São Cristóvão. Tradicionalmente,

o festival realizado anualmente ocorria no mês de setembro, aos poucos ele começa a perder

força e passa por um período instável, vindo a ocorrer nos meses de outubro, novembro e até

40 NUNES, Maria Thétis. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existente no arquivo Histórico Ultramarino. São Cristóvão: PDPH, [s. d.]. p.39. (apud SILVA FILHO, 2000).

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mesmo em dezembro. Na programação do evento consta das mais diversas áreas culturais e

artísticas com apresentações de espetáculos, exposições, manifestações folclóricas, cursos e

seminários de folclore, música, teatro, artesanato e literatura. A programação inclui desde

artistas locais até aqueles de nome e projeção nacional. Pelo palco central, da figura a seguir,

passaram nomes da música como Pepeu Gomes, Sivuca, Gilberto Gil, Guilherme Arantes etc.

Ainda na praça São Francisco vem sendo realizada, aproximadamente desde o início

de 2003, todas as sextas-feiras, espetáculos artísticos musicais. A seresta da cidade de São

Cristóvão a cada quinze dias traz para o público uma atração nacional. Antes do show

Foto 36.

Palco do FASC e Convento Franciscano, ao fundo. Acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte, da Universidade Federal de Sergipe (CULTART/UFS). Autor desconhecido, imagem realizada na primeira metade da década de 80, século XX.

Foto 37.

Barco de fogo, tradição junina do Estado de Sergipe, na noite do FASC. Ao fundo, o Museu Histórico de Sergipe. Acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte, da Universidade Federal de Sergipe (CULTART/UFS). Autor desconhecido, imagem realizada na primeira metade da década de 80, século XX.

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propriamente, na praça São Francisco, as pessoas percorrem a cidade ao som de música

executadas de modo acústico (sem nenhum equipamento eletrônico ligado), saindo da igreja

matriz e indo à direção ao palco, propriamente dito.

No sobrado ao lado do Museu Histórico de Sergipe, localizado à rua Erundino Prado,

número 50, já funcionou a antiga assembléia de São Cristóvão. No seu interior uma realidade

totalmente diferente da sua fachada, descuidada, com o piso em madeira tomado pelo cupim.

Foto 38. A imagem, ao lado, mostra as pessoas transitando pelas ruas indo a direção a praça São Francisco. Ao fundo, a Igreja Matriz e a casa paroquial, respectivamente. Disponível em < http: www.infonet.com.br > acessado em agosto de 2003.

Foto 39. A imagem, ao lado, mostra as pessoas na praça São Francisco. Ao fundo, o convento de mesmo nome. Disponível em < http: www.infonet.com.br > acessado em agosto de 2003.

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Na praça São Francisco, encontra-se “o Palácio [...] dos Presidentes de Província de

São Cristóvão foi edificado em data desconhecida [com] vinte e dois metros de frente e igual

Foto 40. Antigo prédio da Assembléia, à sua direita o atual Museu Histórico de

Sergipe. Foto: Daniel Castro, 2002.

Piso no primeiro andar do sobrado, tomado pelo cupim, atualmente (abril de 2004) o prédio encontra-se à venda. Fotos do autor, 2004.

Foto 41. Antigo prédio da Assembléia. Localizada a rua Erundino Prado, número 50. Fonte: NASCIMENTO, 1991, p. 46.

Foto 42. Foto 43.

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metragem ao fundo” (VILELA; SILVA, 1989, p. 42). Originalmente, pertencia ao Tenente

Domingos Rodrigues Vieira de Melo, tendo sido comprado pelo valor de 4.358.323 mil réis,

no ano de 1823, durante o governo do Brigadeiro Carlos César Burlamarque, que havia sido

nomeado o primeiro governador da Capitania de Sergipe d'EI-Rei em 1820, somente veio a

tomar posse no ano seguinte. A partir de então São Cristóvão, a vila mais importante de

Sergipe, ficou sendo capital, contudo, só seria elevada a categoria de cidade através da carta

de lei de 08 de abril de 1823, assinada por D. João VI. O sobrado tornou-se, então, a

residência dos Presidentes de Província, e nos anos de 1825 e 1826, na gestão do Presidente

Manuel Clementino Cavalcante de Albuquerque “foram introduzidos elementos de decoração

neoclássica, estilo já consagrado no Brasil desde a vinda da Missão Francesa em 1816”

(NASCIMENTO, 1991, p. 84). Mesmo sendo considerado “um dos melhores palácios

presidenciais do País” (NASCIMENTO, 1991, p. 84), não resistiu ao duro golpe a que

assistiu, a transferência da Capital e, a 14 de janeiro de 1865, uma década após esse histórico

evento, o Palácio foi levado à arrematação, não havendo, no entanto, nenhuma oferta. No dia

17 de março de 1855 foi assinada a Resolução nº 413, transferindo a Capital da cidade de São

Cristóvão para as praias do Aracaju. O antigo Palácio Imperial abriga hoje o Museu Histórico

de Sergipe.

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Durante o século XIX, o Brasil assistiu a profundas mudanças que vieram modificar as

relações sociais, até então existentes. O modelo de colonização português, devidamente

adaptado ao clima tropical, conforme apontado por Gilberto Freyre, caracterizado pela

associação entre Estado e Igreja, assentado em uma estrutura agrária, mesmo em suas

tentativas de constituir vilas e posteriormente cidades, via-se nitidamente aquilo que

oportunamente fora denominado, por Freyre, de rurbanos. Essas vilas fundadas inicialmente

ao redor de uma igreja, quase sempre a matriz, localizada no alto, tanto pela questão da

segurança como também por representar uma hierarquia, frente às demais igrejas de outras

irmandades. Essa pequena aglomeração de casas ao redor das igrejas, quase sempre rentes às

ruas, não deixando espaço para as calçadas dos passeios públicos, trazia em sua fachada

traços urbanos, caracterizados pela ausência de jardins, aumentando significativamente a

impressão de monotonia, causada pela não presença do verde. Para Reis Filho (1978), a

Foto 44. Museu Histórico de Sergipe. Foto Daniel Castro, 2002.

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inexistência de jardins domésticos e públicos e de arborização das ruas, acentuava ainda mais

a natural impressão de concentração, mesmo em núcleos de população reduzida.

A imagem anterior parece corroborar a idéia dos não calçamentos. Para Reis Filho

(1978), até mesmo os Palácios desse período foram edificados como as residências comuns,

sobre o alinhamento das vias públicas. A rua existia quase sempre como um traço de união

entre o conjunto de prédios e por eles era definido espacialmente (REIS FILHO, 1978). A

casa, por sua vez, era tida simbolicamente como o locus do domínio ético, da liberdade e da

segurança, onde o indivíduo é reconhecido como pessoa, no âmbito familiar (DAMATTA,

2001; LEITE, 2003).

O Palácio está situado em frente ao Conjunto Franciscano, no qual se encontra

localizado um dos mais belos conventos coloniais. Seu posicionamento não parece ter sido

aleatório, mas pode trazer elementos característicos dos novos destinos que a sociedade

parecia estar tomando, rumo à secularização.

Tanto Erundino Prado (2004) como o guia turístico Kleber Almeida (2004) afirmaram

que o Palácio Provincial é uma obra inacabada, Prado inclusive vai mais longe e afirma que o

projeto para o prédio seria o de ocupar todo o quarteirão. A evidência encontra-se na lateral

do prédio, tal como na Igreja do Amparo, que também apresenta algumas saliências em

superfície.

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O Conjunto Franciscano teve sua construção decidida em 1657, época da chegada dos

Franciscanos em São Cristóvão. O superior da Ordem era o Frei Luiz do Rosário, frade

franciscano português.O conjunto só foi concluído na segunda metade do século XVIII,

devido à pobreza da Ordem Franciscana e da sociedade da época. São do século XVIII, o

frontão, sacristia, claustro e retábulos.

O convento de São Francisco representa a segunda obra mais antiga edificada em São

Cristóvão e certamente a mais monumental. “Em 26 de agosto 1657, os franciscanos

resolveram aceitar o pedido dos moradores de São Cristóvão para fundar um convento

Foto 45. Na imagem ao lado é possível perceber:

1. Saliências em superfície na lateral do Museu Histórico de Sergipe;

2. O Palácio edificado sobre o alinhamento das vias públicas, tal como a residência ao lado, obrigando o pedestre a transitar à margem das calçadas.

Foto do autor, durante a preparação para a Procissão do Encontro, 2004.

Foto 46. Convento Franciscano. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 280. Autor e ano desconhecidos.

Foto 47. Convento Franciscano. Foto Daniel Castro, 2002.

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religioso a que se deu o título de Bom Jesus, foi enviado o Frei Luiz do Rosário,

acompanhado de um irmão leigo” (VILELA; SIVA, 1989, p. 31). O terreno onde está

localizado foi doado pelo Sargento-mor Bernardo Correa Leitão através de escritura emitida

em 1659. O capital investido na construção foi conseguido através de esmolas recolhidas

entre a população da cidade. No dia 29 de janeiro foi construída a Igrejinha e o recolhimento

dos franciscanos. Somente após mais de trinta anos, a 12 de setembro de 1693, foi lançada a

pedra fundamental para a construção do Convento, que tem uma arquitetura caracterizada

pelas linhas retas e sóbrias. O conjunto só foi concluído na segunda metade do século XVIII

devido à pobreza da Ordem Franciscana e da sociedade da época.

Paradoxalmente à pobreza franciscana, o seu conjunto arquitetônico é marcado por um

monumentalismo sem igual em São Cristóvão, constituindo uma das mais belas obras

arquitetônicas coloniais. Para Omegna “a Igreja grande, vistosa, marca o centro citadino,

porque é ela quase que a única edificação de feitio e estilo realmente urbano” (1971, 23). Há

ainda um outro aspecto relevante a ser aqui apontado que sugere, compreender o

monumentalismo das igrejas, vicejando no coração de humildes vilas; ela representa a

superação entre o urbano e o rural, a igreja colonial é ponto de concentração de todas as

almas, encontra-se revestida pela aura sagrada, ela inspira respeito e confiança para a qual

rumam os interesses, os zelos e as devoções. O conjunto franciscano representou muito mais

que uma obra suntuosa. A partir de seu estabelecimento, foi possível definir, de modo mais

significativo, o “eixo principal da composição urbana; a definição de um novo e amplo espaço

aberto, que seria a Praça de São Francisco, em comunicação direta, por rua de pequena

extensão, com a Praça da Matriz, estabelecendo o esquema lusitano de composição urbana por

meio de múltiplas praças” (AZEVEDO, P., 1980 b, p. 42).

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Acima o Conjunto Franciscano em um determinado ritual. Outro detalhe que chama

atenção é a enorme estrutura em frente ao monumento. Na realidade trata-se de um catavento,

que, segundo narrativa do senhor Sóstenes Ramos Prado, havia uma engrenagem que ao rodar

puxava água para os habitantes da cidade.

As transformações econômicas e sociais vivenciadas pela sociedade são cristovense

entre os séculos XVII e XIX, na capitania de Sergipe Del Rey, foram marcadas de perto pela

ação evangelizadora e ao mesmo tempo assistencialista dos franciscanos (SANTOS, Marcelo,

2001). Eles encontraram um terreno fértil para desenvolver suas atividades evangelizadoras e

assistencialistas em meio a uma sociedade marcada pela degeneração dos costumes, bigamia,

homossexualismo, blasfêmias e heresias, inclusive envolvendo padres (NUNES, 2000).

Por volta de 1630 a 1645 Sergipe Del Rey se viu invadida pelos holandeses. O período

posterior à invasão holandesa ficou caracterizado pelos conflitos entre as autoridades baianas

Foto 48. Imagem realizada durante algum ritual público, não identificado. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 283. Autor e ano desconhecidos.

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e sergipanas. Como conseqüência, Sergipe consegue sua autonomia judiciária, sendo elevada

à categoria de Comarca em 1696 (OLIVA, 1991). Com esta nova realidade, São Cristóvão

passou a concentrar burocratas e religiosos inaugurando um novo período de prosperidade

(SANTOS, Marcelo, 2001). É neste momento que tem início a reforma do Convento

Franciscano, que até 1695 era de “taypa e pau-a-pique, com dez ou doze Religiosos [...]”

(ALVES, 2001, p. 34)41, e a construção da Capela dos terceiros franciscanos.

Seguindo processo semelhante ao das suas congêneres nordestinas, a Ordem Terceira

da Penitência de São Francisco de Assis da cidade de São Cristóvão funda em 1693, o

Convento Bom Jesus. Contudo, as obras de edificação da sua igreja só foram concluídas na

primeira metade do século XVIII (SANTOS, Marcelo, 2001, p. 34-5). Não há certeza sobre a

data exata da construção da Capela da Ordem Terceira. Nunes e Soutelo embora utilizem a

mesma fonte, única existente até o momento (JABOATAM), divergem nesta informação. A

historiadora Thétis Nunes (1996), por exemplo, acredita que as obras se iniciaram em 1699 e

terminaram em 1741. Por sua vez, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo (1996), aponta 1725 como

sendo o ano de conclusão das obras, justificando a referida data a partir da inscrição

localizada no lavabo da Ordem.

Ainda na praça São Francisco, conforme as imagens abaixo, é possível perceber, à

esquerda, o rito da primeira comunhão (segundo informações de Erundino Prado Junior) e, no

lado oposto a paisagem em dia de tempo comum, não ritualístico.

41 Parecer do Conselho Ultramarino. Lisboa, 17 de setembro de 1695. apud: ALVES, Francisco José. Fontes para a história de Sergipe Colonial. p. 62.

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Saindo da praça São Francisco pela rua Erundino Prado e seguindo adiante, um pouco

mais afastado do pólo de convergência de atividades sociais, encontra-se a Igreja Nossa

Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

A Igreja da Irmandade dos Pretos ou, como é mais conhecida a Igreja do Rosário,

encontra-se localizada na antiga rua do Rosário, hoje Erundino Prado. Edificada pelos

membros da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, no século XVIII, teve o início de sua

construção cravado no lavabo em cantaria data do ano de 1743. Trata-se de um prédio com

predominância de linhas retas e com frontão triangular. Essa igreja representava o centro dos

“festejos de tradição africana, como a Taieira e a Chegança. Atualmente ainda se realiza a

Procissão dos Fogaréus e a Chegança, com participação exclusivamente masculina”

(CARVALHO, 1989, p. 19).

Foto 49. Imagem realizada na Praça São Francisco durante um ritual de Primeira Comunhão, na cidade de São Cristóvão. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.

Foto 50. Imagem realizada durante o tempo comum, na praça São Francisco, em São Cristóvão. Foto do autor , 2004

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Para Paulo Azevedo (1980 b), São Cristóvão, por volta de 1750, já apontava fortes

sinais de consolidação frente aos intensos desgastes causados pelas invasões holandesas,

crescendo de maneira significativa o seu traçado urbano. Assentados nas construções de

Ordens Religiosas, a acrópole apresentava de modo mais claro a futura ligação em direção ao

oeste, “ou seja, da zona de chegada e de saída de mercadorias, propiciando condições de

trocas indispensáveis à vida urbana” (AZEVEDO, P., 1980 b, p. 52).

O mês de junho é bastante festivo. Na segunda quinta-feira do mês, ocorre a festa

Corpus Christi. Nesta celebração as pessoas que moram tradicionalmente no itinerário da

procissão, colocavam, como de costume, toalhas e adereços com imagens sacras nas sacadas

de suas janelas, em sinal de respeito àquela festa. Nela são desenvolvidos sete passos, cada

um equivale a uma acolhida em casas diferentes, durante sete dias. Há também o coral que

acompanha esses encontros com os cânticos tradicionalmente religiosos.

Ainda durante o mês de junho, são realizadas as festas de São João, São Pedro e São

Paulo. Prado Junior relata que a mais marcante era a de São Pedro, por conta dos pescadores,

Foto 51. Igreja do Rosário. Foto Daniel Castro, novembro de 2002.

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uma festa tradicional, na cidade de São Cristóvão mas, que infelizmente foi abolida, por conta

do abandono político e da falta de incentivos.

Antigamente as pessoas mais ilustres faziam suas festas nos solares de seus sobrados,

dentro de suas próprias residências. Elas distribuíam convites a outras personalidades também

ilustres da sociedade são cristovense. Esses saraus se estendiam durante o ciclo de festas

juninas, geralmente com músicas e comidas típicas, muitas delas feitas com milho e bolos de

diversos sabores. Aqueles menos favorecidos socialmente, segundo Prado Junior (2004),

faziam suas festas cada um em locais específicos. Os pescadores, por exemplo, desciam para

as margens do Paramopama e faziam suas festas com o forró tradicional. Outras pessoas que

moravam nas periferias faziam suas festas à beira da suas calçadas, na porta de suas casas.

Prado Junior (2004) salienta que as festas públicas populares eram essencialmente de caráter

religioso e se davam essencialmente na esfera privada, seja nos solares dos sobrados, à beira

do Paramopama ou na porta de suas casas. Não havia de fato uma preocupação pública, por

parte dos políticos, em relação às festas juninas. Essa é característica bastante recente.

A 25 de julho ocorre a festa de São Cristóvão, santo onomástico da cidade. No dia 08

de setembro é comemorado o dia do santo padroeiro da cidade, Nossa Senhora das Vitórias,

celebrando três vitórias alcançadas pelos portugueses frente os franceses, holandeses e

espanhóis.

A segregação social parece ser algo muito forte na sociedade oitocentista são

cristovense. Ela pode ser percebida na paisagem edificada, em seus traços estilísticos e na

ordenação espacial de seus prédios e monumentos. Essa segregação presente nas festas

particulares, mas ao mesmo tempo pública, na medida em que são convidadas personalidades

ilustres ou no simples fato de pessoas humildes sentarem-se em suas calçadas, e percebidas na

paisagem, é também levada ao cotidiano de seus habitantes e citadinos.

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Segundo Kleber Luiz de Almeida (2004), guia turístico da cidade de São Cristóvão, as

casas de uma porta e uma janela correspondem a meia morada, as de duas portas e duas

janelas equivalem a uma morada e, finalmente, aquelas que têm mais de duas portas e de duas

janelas afirma-se ser uma morada e meia. As condições sociais das pessoas que habitavam a

cidade de São Cristóvão eram também percebidas na sutileza das fachadas de suas casas.

Aquelas casas com um beiral, formado por eira e bica, comumente conhecida como casas de

eira eram habitadas por pessoas mais simples. Havia ainda as casas com dois beirais, eira e

beira, sendo ocupada por uma classe intermediária. E, finalmente, os sobradinhos construídos

por elite local e personalidades ilustres da sociedade. Daí o provérbio popular, relativo

àquelas pessoas desprovidas de condições financeiras ou sem posses; “fulano é um cara sem

eira nem beira”.

As pessoas pertencentes à elite geralmente não iam à feira, afinal ali era um espaço

desprestigiado, justamente porque circulavam pessoas da classe baixa. Essa classe social tinha

determinadas pessoas, feirantes, que selecionavam produtos de primeira e os deixavam nos

sobrados. Se por acaso viesse algum produto não muito bom, ele era então devolvido e o

feirante liberado desse “pacto”. Prado Junior (2004) relata que, já no século XX, por volta de

1910 as “senhoras da sociedade” ao irem à feira, acompanhadas por seus empregados,

mantinham um certo distanciamento deles, tal como acontecia na escravidão.

Nitidamente, São Cristóvão parece viver dois momentos: o primeiro, habitual, ou o

tempo de trabalho em que a cidade parece deserta, com ruas vazias e museus fechados, ou

abertos de modo irregular (sobretudo o Museu Histórico de Sergipe). Durante esse período

seus moradores geralmente estão a se queixar do descaso das autoridades, que parecem só

lembrar que ela existe na história. “A quarta cidade mais antiga do Brasil” torna-se lema de

propaganda turística, mas, tudo indica a falta de programas de inclusão nos roteiros e pacotes

turísticos. Falta infraestrutura e políticas públicas votadas para a visitação a São Cristóvão. No

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tempo festivo, claramente, a cidade se reveste de uma outra feição. O discurso de seus

moradores se transforma, a cidade ganha vida na expressão de cada morador, o mesmo que no

tempo habitual a vê como algo velho, ultrapassada no tempo, agora se orgulha de seus prédios

e lamenta não haver maior preservação.

A solução para esse impasse perpassa a inserção de São Cristóvão em roteiros

turísticos. Dessa forma, trazendo turistas e movimentando a economia, parece ser possível

despertar o gosto pela cidade, sua paisagem e seus monumentos. Talvez falte uma perspectiva

de entendimento que aquela paisagem, histórica, assume hoje uma relevância não só no

projeto político de uma identidade nacional, mas sobretudo de exploração econômica de seus

moradores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caminhar pelas ruas de São Cristóvão equivale a respirar o ar das antigas cidades. No

alto de uma acrópole é possível penetrar em uma atmosfera colonial, com ruas estreitas,

igrejas, conventos e casarões seculares que, aparentemente esquecidos durante quase todo o

ano, mostram sua força e sua magia nos momentos ritualísticos.

As cidades coloniais, nascidas do projeto português de ocupação das terras brasileiras,

consolidaram ao longo do tempo paisagens edificadas, que tiveram determinada relevância e

desempenharam funções específicas. Esses espaços gradativamente perderam sua

importância, a partir do deslocamento logístico, proporcionado pelo surgimento de novas

redes, responsáveis pela articulação entre o conjunto de novos conglomerados urbanos. Hoje,

transformados em centros históricos, vários desses antigos centros retomam sua força.

São Cristóvão nasce em 1590 com um propósito nitidamente estratégico. Situada entre

dois centros produtores cana-de-açúcar, a ocupação desse território sugere ter sido

fundamental no projeto de colonização e ocupação de terras brasileiras, por parte dos

portugueses, sobretudo, por ser esse um período de inseguranças e constantes ameaças, não só

pelos índios, que viam suas terras ameaçadas, como também pelos piratas e aventureiros, que

vinham para o Brasil à procura de riquezas.

Essas cidades tiveram sua paisagem consolidada ao longo de séculos se viram

ameaçadas pelos ideais da modernidade. O século XIX funcionou como divisor de águas.

Nesse momento todas as lutas pela conquista e apropriação territorial, parecem ter sido

esquecidas. Surgem então os novos espaços, aglomerando pessoas de origens distintas, muitas

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vezes formando verdadeiros cadinhos culturais. Eis as novas cidades, assim denominadas

modernas.

As pessoas começaram a migrar para as cidades modernas, ansiosas por prosperidade

e uma vida nova, o que não acontecia com os moradores das cidades coloniais. Esquecidas no

tempo e no espaço, essas cidades se viram à margem dos interesses políticos e econômicos,

sobretudo a partir da segunda metade desse ao longo do século XIX. Elas só retornaram à

cena por volta do início do século XX, através de um projeto modernista, não mais

preocupado em romper com o antigo, e sim para a construção de uma identidade nacional.

É possível afirmar que esse novo paradigma, divisor de águas, assim como essa nova

lógica de ocupação espacial, fortemente trabalhado na modernidade, fizeram com que as

cidades coloniais perdessem muito de sua relevância. As novas paisagens seguiam uma outra

perspectiva, por sua vez, as antigas permaneceram à margem durante um determinado período

de tempo. Essa dicotomia deu origem ao que se tem, agora, o centro e o centro histórico.

Nas cidades coloniais, tradicionalmente fundadas a partir de uma igreja edificada e do

conjunto de casas que começam a surgir ao seu redor, começam a surgir prédios cuja principal

representação simbólica não seria o pertencimento a uma determinada ordem religiosa

específica. Ao contrário, os prédios surgidos nas cidades coloniais ao longo do século XIX,

parecem sofrer uma forte influência das idéias que se praticavam na sociedade da corte, no

Rio de Janeiro, sobretudo com a vinda da Missão Francesa e a importação de um estilo laico.

De modo específico, na cidade de São Cristóvão, esses espaços sagrados eram maiores e mais

ricos em detalhes, em suas fachadas, que os prédios públicos, propriamente ditos. Além disso,

os espaços sagrados permaneceram desempenhando funções religiosas, enquanto que nos

prédios públicos, muitos deles, perderam suas atribuições originais, vindo a se transformar em

restaurantes, museus e casarões particulares. Portanto, a mentalidade secular, oitocentista, fez

mudar não só a relação entre os espaços e os seus usos, mas também as sociabilidades

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desenvolvidas e os estilos arquitetônicos, fazendo surgir novas fronteiras territoriais. Esse

momento sugere algo muito mais significativo.

Anteriormente, os espaços entendidos enquanto uma relação entre o sagrado e o

profano, sobretudo pela forte e decisiva influência da Igreja, ao longo do século XIX,

caracterizado pelo crescente processo de secularização, essa relação vai gradativamente

perdendo sua força e cedendo lugar a uma outra relação; o privado e o público.

Durante o governo Vargas (1934-45), coube ao Ministro da Educação, Gustavo

Capanema, tomar a iniciativa de estudos para um projeto de lei federal. Foi, então, convocado

Mário de Andrade para a elaboração do projeto propriamente dito. A criação do SPHAN,

instituição responsável pelos bens patrimoniais a nível federal, data de 1937. Já no ano

seguinte, portanto, quase simultaneamente ao surgimento do SPHAN, é baixado um decreto

lei no qual transformava a cidade de São Cristóvão em cidade-monumento do Estado de

Sergipe. Nesse momento a instituição voltada para a proteção do bem cultural irá atuar, de

modo específico, sobre os elementos da cultura material, fundamentado, no risco latente de

desaparecimento. Percebeu-se a relevância para aglutinar elementos formadores de uma

identidade nacional.

Mais recentemente, esses centros e cidades históricas retomaram sua força a partir da

possibilidade de exploração econômica desses através do turismo. Contudo, o pré-requisito

para a apropriação é a identificação histórica com seus atores sociais, agindo,

fundamentalmente, com sentido e consciência.

Já há algum tempo, Sergipe sugere oferecer nítidos sinais de interesse de sua inserção

nas agendas turísticas do Nordeste, por meio de eventos ritualísticos, a exemplo da prévia

carnavalesca (pré-caju) e o dos festejos carnavalescos promovidos, sobretudo, nos municípios

do Estado. Além disso, faz parte da tradição as celebrações dos festejos juninos, amplamente

divulgados aqui, e em outros Estados, que parecem ganhar fôlego a partir da inserção de

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apresentações de nomes consagrados a nível nacional, a exemplo de Alceu Valença, Zé

Ramalho, Elba Ramalho, Dominguinhos etc.

A infraestrutura da cidade sugere ser também motivo de preocupação das autoridades

políticas. Em diversas obras públicas, parece ficar claro o caráter e a preocupação com o

aspecto turístico, por exemplo, a construção da orla em Aracaju e, ainda do recente projeto de

revitalização do Mercado Central. Portanto, além dos aspectos ritualísticos e de infraestrutura,

Sergipe também desenvolveu o seu turismo ecológico e natural, sobretudo nos passeios de

catamarãs.

É nítida a preocupação das autoridades públicas com relação ao turismo, contudo esse

exige um alto custo, principalmente simbólico, afetivo. Ele deve ser apropriado, antes de tudo,

pela comunidade local. Contudo, isso só parece ser possível ocorrer se o ator social se

apropriar daquilo que ele se reconhece e se identifica. Uma forma possível para essa

identificação sugere ser a sua efetivação por meio de rituais públicos, despertando o gosto e o

sentimento para aquele momento Além disso, parece interessante a possibilidade através de

ações pedagógicas, entendendo-se enquanto atividades relacionadas com jogos infantis,

concursos literários, além das artes expressas nos desenhos, nas músicas etc. (CORDEIRO;

COSTA, 1999).

São Cristóvão, enquanto cidade colonial, é particularmente interessante para se

compreender o passado e, daí se buscar uma identidade, mesmo que local. Sua relevância vai

além do fato de ter sido a antiga de capital Sergipe. Muito mais do que ela já foi e

representou, o seu centro histórico é possuidor ainda hoje de um vasto e rico acervo

paisagístico edificado, em superfície, a céu aberto, tendo permanecido praticamente intacto ao

longo dos tempos, não tendo sofrido nenhum processo de revitalização que pudesse vir a

descaracterizá-lo. Sua relevância histórica inserida em um contexto nacional, pode revelar e

fornecer pistas de traços que caracterizaram a sociedade colonial.

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Apesar de todos esses aspectos positivos, São Cristóvão, em seu tempo comum,

cotidiano, ordinário parece de fato esquecida no tempo, desabitada, desértica, só vindo de fato

a ocupar suas ruas, de modo expressivo, nos momentos ritualísticos. É aí que a cidade de São

Cristóvão parece mostrar mostra sua força, em especial, na festa de Senhor dos Passos e no

Festival de Arte de São Cristóvão (FASC).

Nesses momentos ritualísticos e, em particular, nos dois eventos acima mencionados,

a cidade adormecida desperta. Suas ruas estreitas parecem não comportar a imensa quantidade

de pessoas que por elas circulam, os moradores colocam-se nas sacadas, janelas e calçadas, de

suas casas e casarões. De fato, é uma outra paisagem que contrasta completamente com

aquela dos dias em tempo ordinário. Os seus moradores se enchem de orgulho, claramente

percebido nos relatos anônimos da multidão, em frases do tipo; “esse ano a procissão – se

referindo à procissão de Senhor dos Passos – teve vinte por cento a mais de pessoas”, ou

ainda, no relato fervoroso de um determinado cobrador de ônibus, morador da cidade de São

Cristóvão; “eu participo todos os anos da festa de Senhor dos Passos, infelizmente, por um

problema na empresa eu fui escalado de última hora. [...]. Mas tem muita gente, as pessoas

vêm de ônibus, de linha e fretado, nos seus carros, e interessante que mesmo nos carros não

passa uma pessoa ou duas, não, eles passam lotados com quatro, cinco pessoas”.

Nas festas de Senhor dos Passos e no FASC fica nítido o entusiasmo dos moradores

com sua cidade, que normalmente não ocorre em outros momentos ou no tempo ordinário.

Esses eventos ritualísticos demonstram a força da apropriação dos bens pela comunidade

local. Muito mais do que isso, são manifestações que parecem equacionar o impasse entre

atores e agentes sociais. Essas manifestações funcionam “dentro de confinamentos culturais

precisos [...] culturas históricas específicas que possuem conotações emocionais fortes para

aqueles que a compartilham” (SMITH, 1999, p. 190-1).

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Muitas vezes a comunicação entre esses elementos, agentes e atores, é ruidosa por

conta dos interesses e motivações distintos, não consoantes. Quem vive de fato a realidade

cotidiana desses espaços é a comunidade local, são os atores sociais. Essas manifestações

“devem, antes de tudo, provocar uma resposta popular para poderem sobreviver, e isto

significa trabalhar em cima dos motivos e estilos vernaculares” (SMITH, 1999, p. 191-2).

A multidão reunida por ocasião da festa de Senhor dos Passos sugere ser a prova mais

evidente de que a identificação e a apropriação parecem não só necessária como possível. As

pessoas, mesmo em suas portas, acompanhando de suas janelas a multidão passar,

comentavam: “este ano tem vinte por cento de pessoas a mais que no ano passado”42, “este

ano tem muita gente diferente, veio muita gente de fora”43. De fato, foi possível observar a

presença de vários peregrinos, locais e de outros Estados, tais como, Porto Real do Colégio

(AL), Paripiranga (BA), Lagarto (SE) etc.

A idéia da cidade em dois tempos, desenvolvida neste trabalho, tem um objetivo. Ela

mostra que é possível, segundo uma orientação Weberiana, unir “atividade racional visando

um fim prático e uma atividade comunicacional, mediada por símbolos” (SANTOS, Milton,

2002 a, p. 315). A condição necessária para que exista essa comunicabilidade, de acordo com

Smith (1999), perpassa a adoção de estilos vernaculares, nos quais os indivíduos se

reconheçam. Por isso, durante as festas de Senhor dos Passos e o FASC, a cidade de São

Cristóvão, que habitualmente parece morta, mostra que está viva e forte no sentimento de seus

moradores.

42 Frase coletada em meio à multidão. 43 Frase coletada em conversa com uma vendedora ambulante

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MAPA do Brasil datado de 1637. Disponível em: < http://www.literaturadosviajantes.kit.net/imaginario/mundo/mundo009.jpg > acessado em: 02 de jun de 2002. MAPA do Brasil territorial: 1500 – 1822. Disponível em: < http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa014.htm > acessado em: 02 de jun de 2002. MUNDO 03. Disponível em: < http://www.literaturadosviajantes.kit.net/imaginario/mundo/mundo009.jpg > acessado em: 02 de jun de 2002. SERESTA de São Cristóvão (peregrinação pela cidade). Disponível em: < http: www.infonet.com.br > acessado em: 15 ago de 2003. SERESTA de São Cristóvão (Praça São Francisco). Disponível em: < http: www.infonet.com.br > acessado em: 15 ago de 2003. • Entrevistas: Celuta Fenandes Dantas, moradora da cidade de São Cristóvão, Sergipe, em 14 de fevereiro de 2004. Erundino Prado Junior, morador, artista e pesquisador da história de São Cristóvão, Sergipe, em 22 de fevereiro de 2004. Jaci Fenandes Dantas, moradora da cidade de São Cristóvão, Sergipe, em 14 de fevereiro de 2004. Kleber Luiz de Almeida, guia turístico da cidade de São Cristóvão, Sergipe, em 06 de fevereiro de 2004. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, professor, Aracaju, Sergipe, em 30 de janeiro de 2004. Sósthenes Ramos Prado, morador da cidade de São Cristóvão, Sergipe, em 14 de fevereiro de 2004.

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A N E X O S

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ANEXO A – Anteprojeto da criação do SPHAN (elaborado por Mário de Andrade)44

SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL CAPÍTULO I

Finalidade: O Serviço do Patrimônio Artístico Nacional tem por objetivo determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio artístico nacional.

Ao S.P.A.N. compete: I - determinar e organizar o tombamento geral do patrimônio artístico nacional; II - sugerir a quem de direito as medidas necessárias para conservação, defesa e enriquecimento do patrimônio artístico nacional; III - determinar e superintender o serviço de conservação e de restauração de obras pertencentes ao patrimônio artístico nacional; IV - sugerir a quem de direito, bem como determinar dentro de sua alçada, a aquisição de obras para enriquecimento do patrimônio artístico nacional; V - fazer os serviços de publicidade necessários para propagação e conhecimento do patrimônio artístico nacional.

CAPÍTULO II

Determinações preliminares Patrimônio Artístico Nacional

Definição: entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de arte pura ou

de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil.

Ao Patrimônio Artístico Nacional pertencem: I - Exclusivamente as obras de arte que estiverem inscritas, individual ou

agrupadamente, nos quatro livros de tombamento adiante designados. Estão excluídos do Patrimônio Artístico Nacional: I - as obras de arte pertencentes às representações diplomáticas estrangeiras aqui acreditadas e as que adornam quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no Brasil; II - as obras de arte estrangeira, pertencentes a casas de comércio de objetos de arte; III - as obras de arte estrangeira, vindas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; IV - as obras de arte estrangeira, importadas expressamente por empresas estrangeiras para adorno de suas repartições. Distinções: I - as obras de arte nacional pertencentes a casas de comércio de objetos de arte sujeitam-se também a tombamento, não podendo sair mais do país as que forem tombadas;

44 Texto transcrito da publicação MEC/SPHAN /FNPM. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: SPHAN/FNPM; 1980, p. 90-8. (In: SIMÃO, 2001, p. 103-10).

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II - as obras de arte tombadas, pertencentes a particulares, poderão, por qualquer processo de transação, mudar de proprietário, desde que esta mudança não implique possibilidade de saírem do país; a) em quaisquer casos de venda de obras de arte tombadas, o S.P.A.N. pelo Governo

Federal, e os poderes públicos do Estado em que a obra de arte residir, terão direito de opção na compra, pelo mesmo preço;

III - as obras de arte nacional ou estrangeira vindas para exposição, terão alvará de licença para livre trânsito, fornecido pelo Conselho Fiscal do S.P.A.N.; IV - estão no mesmo caso do número anterior, as obras de arte importadas para adorno de suas repartições, por empresas estrangeiras, mediante declaração expressa destas.

Obra de arte patrimonial

Definição: Entende-se por obra de arte patrimonial, pertencente ao Patrimônio

Artístico Nacional, todas e exclusivamente as obras que estiverem inscritas, individual ou agrupadamente, nos quatro livros de tombamento. Essas obras de arte deverão pertencer pelo menos a uma das categorias seguintes:

1. arte arqueológica 2. arte ameríndia 3. arte popular 4. arte histórica 5. arte erudita nacional 6. arte erudita estrangeira 7. artes aplicadas nacionais 8. artes aplicadas estrangeiras. Das artes arqueológica e ameríndia (1 e 2). Incluem-se nestas duas categorias todas as

manifestações que de alguma forma interessem à Arqueologia em geral e particularmente à arqueologia e etnografia ameríndias.

Essas manifestações se especificam em: a) objetos: fetiches; instrumentos de caça, de pesca, de agricultura; objetos de uso doméstico; veículos, indumentária, etc, etc.; b) monumentos: jazidas funerárias; agenciamento de pedras; sambaquis, litógrifos de qualquer espécie de gravação, etc.; c) paisagens: determinados lugares da natureza, cuja expansão florística, hidrográfica ou qualquer outra, foi determinada definitivamente pela indústria humana dos Brasis, como cidades lacustres, canais, aldeamentos, caminhos, grutas trabalhadas, etc.; d) folclore ameríndio: vocabulários, cantos, lendas, magias, medicina na, culinária ameríndias, etc, Da arte popular. (3). Incluem-se nesta terceira categoria todas as manifestações de arte

pura ou aplicada, tanto nacional como estrangeira, que de alguma forma interessem à Etnografia, com exclusão da ameríndia.

Essas manifestações podem ser: a) objetos: fetiches, cerâmica em geral, indumentária, etc.; b) monumentos: arquitetura popular, cruzeiros, capelas e cruzes mortuárias de beira-estrada, jardins, etc.; c) paisagens: determinados lugares agenciados de forma definitiva pela indústria popular, como vilarejos lacustres vivos da Amazônia, tal morro do Rio de Janeiro, tal agrupamento de mocambos no Recife, etc.;

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d) folclore: música popular, contos, histórias, lendas, superstições, medicina, receitas culinárias, provérbios, ditos, danças dramáticas, etc. Da arte histórica (4). Incluem-se nesta categoria todas as manifestações de arte pura ou

aplicada, tanto nacional como estrangeira, que de alguma forma refletem, contam, comemoram o Brasil e a sua evolução nacional.

Essas manifestações podem ser: a) monumentos (Há certas obras de arte arquitetônica, escultórica, pictórica que, sob

o ponto de vista de arte pura não são dignas de admiração, não orgulham a um país nem celebrizam o autor delas. Mas, ou porque fossem criadas para um determinado fim que se tornou histórico - o forte de Óbidos, o dos Reis Magos - ou porque se passaram nelas fatos significativos de nossa história - a Ilha Fiscal, o Palácio dos Governadores em Ouro Preto - ou ainda porque viveram nelas figuras ilustres de nacionalidade - a casa de Tiradentes em são José deI Rei, a casa de Rui Barbosa - devem ser conservadas tais como estão, ou recompostas na sua imagem “histórica”.): ruínas, igrejas, fortes, solares, etc. Devem pela mesma qualidade "histórica" ser conservados exemplares típicos das diversas escolas e estilos arquitetônicos que se refletiram no Brasil. A data que um exemplar típico possas ser fixada: de 1900 para trás, por exemplo, ou de cinqüenta anos para trás;

b) iconografia nacional: todo e qualquer objeto que tenha valor histórico, tanto um espadim de Caxias, como um lenço celebrando o 13 de maio. Pode ser considerado “histórico” para fins de tombamento, o objeto que conservou seu valor evocativo depois de 30 anos;

c) iconografia estrangeira referente ao Brasil: gravuras, mapas, porcelanas, etc., etc., referentes à entidade nacional em qualquer dos seus aspectos, História, Política, costumes, Brasil, natureza, etc.;

d) brasiliana: todo e qualquer impresso que se refira ao Brasil, de 1850 para trás. Todo e qualquer manuscrito referente ao Brasil, velho de mais de 30 anos, se inédito, e de 100 anos, se estrangeiro e já publicado por meio tipográficos;

e) iconografia estrangeira referente a países estrangeiros: incluem-se nesta categoria objetos que tenham conservado seu valor histórico universal de 50 anos para trás.

Da arte erudita nacional (5). Incluem-se nesta categoria todas e quaisquer

manifestações de arte, de artistas nacionais já mortos, e também dos artistas vivos, as obras de arte que sejam propriedade de poderes públicos, ou sejam reputadas “de mérito nacional”. São condições para que uma obra de arte de artista nacional vivo seja reputada “de mérito nacional”:

1. ter a obra conquistado ao artista qualquer primeiro ou segundo prêmio no ano final de curso em escolas oficiais de Belas-Artes; 2. ter a obra conquistado ao artista qualquer espécie de primeiro prêmio em exposições coletivas organizadas pelos poderes públicos; 3. ter a obra conquistado o título acima referido por quatro quintos de votação completa do Conselho Consultivo do S.P.A.N. Da arte erudita estrangeira (6). Incluem-se nesta categoria todas e quaisquer obras de

arte pura de artistas estrangeiros que pertençam aos poderes públicos ou sejam reputadas “de mérito”. São condições para que um artista estrangeiro seja reputado "de mérito":

1. figurar o artista em Histórias da Arte universais; 2. figurar o artista em museus oficiais de qualquer país; 3. no caso do artista ainda estar vivo e não preencher nenhuma das duas condições

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anteriores, conquistar o título por quatro quintos de votação completa do Conselho Consultivo do S.P.A.N.

Das artes aplicadas nacionais (7). Incluem-se nesta categoria todas as manifestações de

arte aplicada (móveis, torêutica, tapeçaria, joalheria, decorações murais, etc.) feita por artista nacional já morto, ou de importação nacional do Segundo Império para trás. Inclui-se ainda, dos artistas nacionais vivos, toda e qualquer obra de arte aplicada que pertença aos poderes públicos.

Das artes aplicadas estrangeiras (8). Inclui-se nesta categoria toda e qualquer obra de

arte aplicada de artista estrangeiro, que figure em Histórias da Arte e museus universais.

Livros de Tombamento e Museus

O S.P.A.N. possuirá quatro livros de Tombamento e quatro Museus, que compreenderão as oito categorias de artes acima discriminadas. Os livros de tombamento servirão para neles serem inscritos os nomes dos artistas, as coleções públicas e particulares, e individualmente as obras de arte que ficarão oficialmente pertencendo ao Patrimônio Artístico Nacional. Os museus servirão para neles estarem expostas as obras de arte colecionadas para cultura e enriquecimento do povo brasileiro pelo Governo Federal. Cada museu terá exposta no seu saguão de entrada, bem visível, para estudo e incitamento ao público, uma cópia do Livro de Tombamento das artes a que ele corresponde. Eis a discriminação dos quatro livros de tombamento e dos museus correspondentes:

1. Livro de Tombo Arqueológico e Etnográfico, correspondente às três primeiras categorias de arte, arqueológica, ameríndia e popular.

2. Livro de Tombo Histórico, correspondente à quarta categoria, arte histórica. 3. Livro de Tombo das Belas-Artes/Galeria Nacional de Belas-Artes, correspondente

às quinta e sexta categorias, arte erudita nacional e estrangeira; 4. Livro de Tombo das Artes Aplicadas/Museu de Artes Aplicadas e Técnica

Industrial, correspondentes às sétima e oitava categorias, artes aplicadas nacionais e estrangeiras.

Discussões

Primeira objeção: objetos há que pertencem a mais de uma categoria: em que livro de

tombamento inscrevê-los e, se pertencentes ao Governo Federal, em que museu colocá-los? Resposta: estas dúvidas existirão sempre e são próprias exclusivamente das

mentalidades sem energia. É um simples caso de adoção de critérios preliminares. Basta que tais critérios sejam idôneos, razoáveis, não será que eles decidem problemas estéticos insolúveis. Que critérios poderão ser adotados? Por exemplo:

1. objeto que seja ao mesmo tempo histórico e de real valor artístico (a Casa dos Contos; o livro de Debret, etc.) será tombado pelo valor histórico. Excetuam-se naturalmente quadros ou esculturas que tomaram por tema um assunto histórico, mas que são evocativos e não reprodutores do real (O grito do Ipiranga, de Pedro Américo; a Partida da monção de Almeida Júnior);

2. nas manifestações artísticas que ainda e sempre se discutirá se são de arte pura ou arte aplicada, fixar discricionariamente um critério qualquer, o mais geralmente seguido: colocar, por exemplo, a Arquitetura entre as Belas-Artes; colocar a pintura mural, em qualquer dos seus processos, também entre as Belas-Artes; a

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Numismática toda entre as artes aplicadas e da mesma forma toda a cerâmica, com exceção única das estátuas possíveis em tamanho natural, para jardins.

Segunda objeção: um objeto histórico pertencente à atual Escola Nacional de Belas-Artes deverá ir para o Museu Histórico só porque pertenceu a D. João VI, devem então mudar de museu ou permanecer onde estão?

Resposta: Está claro, a meu ver, que o objeto histórico que está na Escola Nacional de Belas-Artes deverá ir para o Museu Histórico, e acho que o quadro de Taunay deverá ficar onde está. Simplesmente porque D. João VI tem muito mais valor histórico que Taunay artístico, pra nós. Já se o quadro fosse de Rafael, de Rembrandt, de Delacroix, gênios universais, o quadro deveria ir para a Galeria de Belas-Artes. Apenas se ajuntaria ao seu título, a designação de seu acidental valor histórico.

Terceira objeção: como fazer-se um livro de tombo único para reunir várias categorias de artes, como o primeiro por exemplo, que reúne a Arqueologia desde os povos pré-históricos, cerâmica marajoara e pedras esculpidas dos astecas, a Etnografia Ameríndia e a Etnografia nacional e estrangeira?

Resposta: um livro pode ter vários volumes. Faça-se um volume para a Arqueologia, outro para a Etnografia Ameríndia, outro para a Etnografia Brasileira, outro para a Etnografia Universal. Sou de opinião, ainda, que mesmo a parte arqueológica da etnografia ameríndia deverá ser reunida a esta e não à arqueologia universal, para obter-se maior unidade.

Quarta objeção: por que o quarto museu é chamado Museu de Artes Aplicadas e Técnica Industrial? Então a técnica industrial é uma arte?

Resposta: arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos. Isso foi aproveitado para preencher uma feia lacuna do sistema educativo nacional, a meu ver, que é a pouca preocupação com a educação pela imagem, o sistema talvez mais percuciente de educação. Os livros didáticos são horrorosamente ilustrados; os gráficos, os mapas, pinturas das paredes das aulas são pobres, pavorosos e melancolicamente pouco incisivos; o teatro não existe no sistema escolar; o cinema está em três artigos duma lei, sem nenhuma ou quase sem nenhuma aplicação. Aproveitei a ocasião para lembrar a criação dum desses museus técnicos que já estão se espalhando regularmente no mundo verdadeiramente em progresso cultural. Chamam-se hoje mais ou menos universalmente assim os museus que expõem os progressos de construção e execução das grandes indústrias, e as partes de que são feitas, as máquinas inventadas pelo homem. São museus de caráter essencialmente pedagógico. Os modelos mais perfeitos geralmente citados são o Museu Técnico de Munich e o Museu de Ciência e Indústria de Chicago. Imagine-se a "Sala do Café", contendo documentalmente desde a replanta nova, a planta em flor, a planta em grão, a apanha da fruta; a lavagem, secagem, os aparelhos de beneficiamento, desmontados, com explicação de todas as suas partes e funcionamento; o saco, as diversas qualidades de café beneficiado, os processos especiais de exportação, de torrefação e de manufatura mecânica (com máquinas igualmente desmontadas e explicadas) da bebida, enfim a xícara de café. Grandes álbuns fotográficos com fazendas, cafezais, terreiros, colônias, os portos cafeeiros; etc., etc. Tudo o que a gente criou sobre o café, de científico, de técnico, de industrial, reunido numa só sala. E o mesmo sobre o algodão, açúcar, laranja, extração do ouro, do ferro, da carnaúba, da borracha; o boi e suas indústrias, a lã, o avião, a locomotiva, a imprensa, etc., etc.

Publicidade

O S.P.A.N. deverá necessariamente, pertencente ao seu próprio organismo, um serviço de publicidade. Em que consistirá essa publicidade?

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1. na publicação dos quatro livros de tombo, assim que estes estiverem em dia, e na publicação anual de seus suplementos. Os livros de tombo devem ser publicados. Além de indispensáveis aos estudiosos, têm valor moral de incitamento à cultura e à aquisição de obras de arte.

2. na publicação da Revista do S.P.A.N. A revista é indispensável como meio permanente de propaganda, e força cultural. Nela serão gradativamente reproduzidas também as obras de arte pertencentes a,o patrimônio artístico nacional. Nela serão publicados os estudos técnicos, as críticas especializadas, as pesquisas estéticas, e todo o material folclórico do país.

3. na publicação de livros, de monografias com estudos biográficos, críticos, técnicos, descritivos, comparativos, dos autores, coleções e obras individualmente tombadas; catálogos dos quatro museus federais e outros regionais pertencentes aos poderes públicos; cartazes e folhetos de propaganda turística.

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ANEXO B - Decreto-lei n° 25 de 30 de novembro de 193745

ORGANIZA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:

CAPÍTULO I Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Artigo 1º - Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

§ 1º - Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o Art. 4º desta lei. § 2º - Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indústria humana.

Artigo 2º - A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.

Artigo 3º - Excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira:

1º) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no País; 2º) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no País; 3º) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução ao Código Civil, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário; 4º) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos; 5º) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; 6º) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos.

Parágrafo único: As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

CAPÍTULO II Do Tombamento

Artigo 4º - O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:

45 Fonte: http://www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm

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1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º; 2º) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; 3º) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou estrangeira; 4º) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

§ 1º - Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes. § 2º - Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.

Artigo 5º - O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.

Artigo 6º - O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.

Artigo 7º - Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.

Artigo 8º - Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.

Artigo 9º - O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:

1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação; 2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo; 3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.

Artigo 10º - O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.

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Parágrafo único - Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equipará ao definitivo.

CAPÍTULO III Dos efeitos do tombamento

Artigo 11 - As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.

Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Artigo 12 - A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, sofrerá as restrições constantes da presente lei.

Artigo 13 - O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.

§ 1º - No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por centro sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis. § 2º - Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiveram sido deslocados. § 3º - A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.

Artigo 14 - A coisa tombada não poderá sair do País, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Artigo 15 - Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação para fora do País, da coisa tombada, será esta seqüestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.

§ 1º - Apurada a responsabilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cinqüenta por cento do valor da coisa, que permanecerá seqüestrada em garantia do pagamento, e até que este se faça. § 2º - No caso de reincidência, a multa será elevada ao dobro. § 3º - A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, além de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando.

Artigo 16 - No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o valor da coisa.

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Artigo 17 - As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.

Parágrafo único: Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.

Artigo 18 - Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.

Artigo 19º - O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.

§ 1º - Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa. § 2º - À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa. § 3º - Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.

Artigo 20 - As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.

Artigo 21 - Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.

CAPÍTULO IV Do direito de preferência

Artigo 22 - Em face da alienação, onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os Municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.

§ 1º - Tal alienação não será permitida sem que previamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao Município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.

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§ 2º - É nula a alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o seqüestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias. § 3º - O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. § 4º - Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, previamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação. § 5º - Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir. § 6º - O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do Município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto de arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta enquanto não se esgotar este prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência.

CAPÍTULO V Disposições gerais

Artigo 23 - O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sobre o mesmo assunto.

Artigo 24 - A União manterá, para conservação e exposição de obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim providenciar no sentido a favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com finalidades similares.

Artigo 25 - O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais e jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional.

Artigo 26 - Os negociantes de antigüidade, de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.

Artigo 27 - Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na multa de cinqüenta por cento sobre o valor dos objetos vendidos.

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Artigo 28 - Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido previamente autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cinqüenta por cento sobre o valor atribuído ao objeto.

Parágrafo único: A autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento sobre o valor da coisa, se este for inferior ou equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil-réis por conto de réis ou fração que exceder.

Artigo 29 - O titular do direito de preferência goza de privilégio especial sobre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude de infrações da presente lei.

Parágrafo único - Só terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este artigo os créditos inscritos no registro competente antes do tombamento da coisa pelo Serviço Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Artigo 30 - Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1937; 116º da Independência e 49º da República.

Getúlio Vargas Gustavo Capanema

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ANEXO C - Lei n° 3.924de 26 de julho de1961

DISPÕE SOBRE OS MONUMENTOS ARQUEOLÓGICOS E PRÉ-HISTÓRICOS46.

O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Artigo 1° - Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público, de acordo com o que estabelece o art. 180 da Constituição Federal.

Parágrafo único - A propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem a dos objetos nela incorporados na forma do art. 161 da mesma Constituição.

Artigo 2° - Consideram-se monumentos arqueológicos ou pré-históricos:

a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico, a juízo da autoridade competente; b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleomeríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha; c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento "estações" e "cerâmios", nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico; d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios.

Artigo 3° - São proibidos em todo território nacional o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas conhecidas como sambaquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou sernambis, e bem assim dos sítios, inscrições e objetos enumerados nas alíneas b, c e d do artigo anterior, antes de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas.

Artigo 4° - Toda pessoa, natural ou jurídica, que, na data da publicação desta Lei, já estiver procedendo, para fins econômicos ou outros, à exploração de jazidas arqueológicas ou pré-históricas, deverá comunicar à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro de sessenta (60) dias, sob pena de multa de Cr$ 10.000,00 a Cr$ 50.000,00 (dez mil a cinqüenta mil cruzeiros), o exercício dessa atividade, para efeito de exame, registro, fiscalização e salvaguarda do interesse da ciência.

Artigo 5° - Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se refere o art. 2° desta Lei será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acordo com o disposto nas leis penais.

46 http://www.iphan.gov.br/legislac/lei3924.htm

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Artigo 6° - As jazidas conhecidas como sambaquis, manifestadas ao governo da União, por intermédio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o art. 4° e registradas na forma do artigo 27 desta Lei, terão precedência para estudo e eventual aproveitamento, em conformidade com o Código de Minas.

Artigo 7° - As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer natureza, não manifestadas e registradas na forma dos arts. 4° e 6° desta Lei, são consideradas, para todos os efeitos, bens patrimoniais da União.

CAPÍTULO II Das Escavações Arqueológicas realizadas por particulares

Artigo 8° - O direito de realizar escavações para fins arqueológicos, em terras de domínio público ou particular, constitui-se mediante permissão do Governo da União, através da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando obrigado a respeitá-lo o proprietário ou possuidor do solo.

Artigo 9° - O pedido de permissão deve ser dirigido à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, acompanhado de indicação exata do local, do vulto e da duração aproximada dos trabalhos a serem executados, da prova de idoneidade técnico-científica e financeira do requerente e do nome do responsável pela realização dos trabalhos.

Parágrafo único - Estando em condomínio a área em que se localiza a jazida, somente poderá requerer a permissão o administrador ou cabecel, eleito na forma do Código Civil.

Artigo 10° - A permissão terá por título uma portaria do Ministro da Educação e Cultura, que será transcrita em livro próprio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e na qual ficarão estabelecidas as condições a serem observadas ao desenvolvimento das escavações e estudos.

Artigo 11° - Desde que as escavações e estudos devam ser realizados em terreno que não pertença ao requerente, deverá ser anexado ao seu pedido o consentimento escrito do proprietário do terreno ou de quem esteja em uso e gozo desse direito.

Parágrafo 1° - As escavações devem ser necessariamente executadas sob orientação do permissionário, que responderá civil, penal e administrativamente pelos prejuízos que causar ao Patrimônio Nacional ou a terceiros. Parágrafo 2° - As escavações devem ser realizadas de acordo com as condições estipuladas no instrumento de permissão, não podendo o responsável, sob nenhum pretexto, impedir a inspeção dos trabalhos por delegado especialmente designado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, quando for julgado conveniente. Parágrafo 3° - O permissionário fica obrigado a informar à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, trimestralmente, sobre o andamento das escavações, salvo a ocorrência de fato excepcional, cuja notificação deverá ser feita imediatamente, para as providências cabíveis.

Artigo 12° - O Ministério da Educação e Cultura poderá cassar a permissão concedida, uma vez que:

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a) não sejam cumpridas as prescrições da presente Lei e do instrumento de concessão da licença; b) sejam suspensos os trabalhos de campo por prazo superior a doze (12) meses, salvo motivo de força maior, devidamente comprovado; c) no caso de não cumprimento do parágrafo 3° do artigo anterior.

Parágrafo único - Em qualquer dos casos acima enumerados, o permissionário não terá direito a indenização alguma pela despesas que tiver efetuado.

CAPÍTULO III Das Escavações Arqueológicas realizadas por Instituições Científicas Especializadas da União, dos Estados e dos Municípios

Artigo 13° - A União, bem como os Estados e Municípios mediante autorização federal, poderão proceder a escavações e pesquisas, no interesse da Arqueologia e da Pré-história em terrenos de propriedade particular, com exceção das áreas muradas que envolvam construções domiciliares.

Parágrafo único - À falta de acordo amigável com o proprietário da área onde se situar a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada a sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos termos do art. 36 do Decreto-lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941.

Artigo 14° - No caso de ocupação temporária do terreno, para realização de escavações nas jazidas declaradas de utilidade pública, deverá ser lavrado um auto, antes do início dos estudos, no qual se descreva o aspecto exato do local.

Parágrafo 1° - Terminados os estudos, o local deverá ser restabelecido, sempre que possível, na sua feição primitiva. Parágrafo 2° - Em caso de as escavações produzirem a destruição de um relevo qualquer, essa obrigação só terá cabimento quando se comprovar que, desse aspecto particular do terreno, resultavam incontestáveis vantagens para o proprietário.

Artigo 15° - Em casos especiais e em face do significado arqueológico excepcional das jazidas, poderá ser promovida a desapropriação do imóvel, ou parte dele, por utilidade pública, com fundamento no art. 5°, alíneas K e L do Decreto-lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941.

Artigo 16° - Nenhum órgão da administração federal, dos Estados ou dos Municípios, mesmo no caso do art. 28 desta Lei, poderá realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas, sem prévia comunicação à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para fins de registro no cadastro de jazidas arqueológicas.

Parágrafo único - Dessa comunicação deve constar, obrigatoriamente o local, o tipo ou a designação da jazida, o nome do especialista encarregado das escavações, os indícios que determinaram a escolha do local e, posteriormente, uma súmula dos resultados obtidos e do destina do material coletado.

CAPÍTULO IV Das Descobertas Fortuitas

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Artigo 17° - A posse e a salvaguarda dos bens de natureza arqueológica ou pré-histórica constituem, em princípio, direito imanente ao Estado.

Artigo 18° - A descoberta fortuita de quaisquer elementos de interesse arqueológico ou pré-histórico, artístico ou numismático deverá ser imediatamente comunicada à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou aos órgãos oficiais autorizados, pelo autor do achado ou pelo proprietário do local onde tiver ocorrido.

Parágrafo único - O proprietário ou ocupante do imóvel onde se tiver verificado o achado é responsável pela conservação provisória da coisa descoberta, até o pronunciamento e deliberação da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Artigo 19° - A infringência da obrigação imposta no artigo anterior implicará na apreensão sumária do achado, sem prejuízo da responsabilidade do inventor pelos danos que vier a causar ao Patrimônio Nacional, em decorrência da omissão.

CAPÍTULO V Da remessa, para o exterior, de objetos de interesse Arqueológico ou Pré-histórico, Histórico, Numismático ou Artístico.

Artigo 20° - Nenhum objeto que apresente interesse arqueológico ou pré-histórico, numismático ou artístico poderá ser transferido para o exterior, sem licença expressa da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, constante de uma "guia" de liberação na qual serão devidamente especificados os objetos a serem transferidos.

Artigo 21° - A inobservância da prescrição do artigo anterior implicará na apreensão sumária do objeto a ser transferido, sem prejuízo das demais cominações legais a que estiver sujeito o responsável.

Parágrafo único - O objeto apreendido, razão deste artigo, será entregue à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

CAPÍTULO VI

Disposições Gerais

Artigo 22° - O aproveitamento econômico das jazidas, objeto desta Lei, poderá ser realizado na forma e nas condições prescritas pelo Código de Minas, uma vez concluída a sua exploração científica, mediante parecer favorável da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou do órgão oficial autorizado.

Parágrafo único - De todas as jazidas será preservada, sempre que possível ou conveniente, uma parte significativa, a ser protegida pelos meios convenientes, como blocos testemunhos.

Artigo 23° - O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas encaminhará Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional qualquer pedido de cientista estrangeiro, para realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas no país.

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Artigo 24° - Nenhuma autorização de pesquisa ou de lavra para jazidas de calcário de concha, que possua as características de monumentos arqueológicos ou pré-históricos, poderá ser concedida sem audiência prévia da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Artigo 25° - A realização de escavações arqueológicas ou pré-históricas, com infringência de qualquer dos dispositivos desta Lei, dará lugar à multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), sem prejuízo de sumária apreensão e conseqüente perda, para o Patrimônio Nacional, de todo o material e equipamento existente no local.

Artigo 26° - Para melhor execução da presente Lei, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional poderá solicitar a colaboração de órgãos federais, estaduais, municipais, bem como de instituições que tenham entre seus objetivos específicos o estudo e a defesa dos monumentos arqueológicos e pré-históricos.

Artigo 27° - A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional manterá um Cadastro dos monumentos arqueológicos do Brasil, no qual serão registrados todas as jazidas manifestadas, de acordo com o disposto nesta Lei, bem como das que se tornarem conhecidas por qualquer via.

Artigo 28° - As atribuições conferidas ao Ministério da Educação e Cultura, para o cumprimento desta Lei, poderão ser delegadas a qualquer unidade da Federação, que disponha de serviços técnico-administrativos especialmente organizados para a guarda, preservação e estudo das jazidas arqueológicas e pré-históricas, bem como de recursos suficientes para o custeio e bom andamento dos trabalhos.

Parágrafo único - No caso deste artigo, o produto das multas aplicadas e apreensões de material legalmente feitas reverterá em benefício do serviço estadual, organizado para a preservação e estudo desses monumentos.

Artigo 29° - Aos infratores desta Lei serão aplicadas as sanções dos artigos 163 a 167 do Código Penal, conforme o caso, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis.

Artigo 30° - O poder Executivo baixará, no prazo de 120 dias, a partir da vigência desta Lei, a regulamentação que for julgada necessária à sua fiel execução.

Artigo 31° - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, em 26 de julho de 1961; 140° da Independência e 73° da República.

Jânio Quadros Brigido Tinoco Oscar Pedroso Horta Clemente Mariani João Agripino

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ANEXO D - lei n 2069 - de 28 de dezembro de 197647

Dispõe sobre o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe e dá outras providencias.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE:

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPITULO I

Do Patrimônio Histórico e Artístico

Art. 1 - Ficam sob a proteção e vigilância do Poder Público Estadual, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, os bens móveis e imóveis atuais ou futuros, existentes nos limites de seu território, cuja preservação seja de interesse público, desde que se enquadrem em um dos seguintes incisos:

I - Construções e obras de arte de notável qualidade estética ou particularmente representativas de determinada época ou estilo;

II - Edifícios, monumentos, documentos e objetos intimamente vinculados a fato memorável da História local ou a pessoa de excepcional notoriedade;

III - Monumentos naturais, sítios e paisagens, inclusive os agenciados pela indústria humana, que possuam especial atrativo ou sirvam de "habitat" a espécimes interessantes da flora e da fauna local;

IV - Bibliotecas e arquivos de acentuado valor cultural;

V - Sítios arqueológicos

Art. 2 - Os bens a que se refere o art. 1 passarão a constituir o Patrimônio Histórico e Artísticos de Sergipe, depois de decretado o seu tombamento por ato do Chefe do Poder Executivo Estadual e efetuada a sua inscrição no Livro de Tombo.

Parágrafo único - O Decreto de tombamento será precedido de estudos e indicações da Secretaria da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura.

Art 3 - Excluem-se do tombamento a que se refere o art. 2 desta Lei os bens:

I - Pertencentes às representações diplomáticas ou consulares;

II - Trazidos ao Estado de Sergipe para exposições comemorativas, educativas ou comerciais;

III - Pertencentes a casas de comércio de antiguidades ou de objetos históricos ou artísticos;

IV - Importados por empresas estrangeiras, para servirem de adorno aos seus estabelecimentos sediados ou com filial no Estado de Sergipe;

V - Enviados para fora do Estado com o objetivo de restauração, caso em que o 47 Disponível em: Revista Sergipana de Cultura. 1978.

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envio somente se processará mediante termo em que o proprietário se obrigue a fazê-lo voltar dentro do prazo máximo de 1 (um) ano, sob pena de multa correspondente a 5 (cinco) vezes o valor do bem

Parágrafo único - As obras mencionadas nos incisos II e III, terão que vir acompanhadas da respectiva licença para livre trânsito, fornecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

CAPITULO II

Do Tombamento

Art.4 - O tombamento dos bens que constituirão o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe, far-se-á pela sua inscrição nos respectivos Livros de Tombo, devendo ser notificado o seu proprietário ou aquela que detenha a sua posse

Art. 5 - Desde que preencham as condições estipuladas no art 2 desta lei, poderão ser tombados os bens:

I - De domínio privado;

II - De domínio público estadual e municipal

§ 1 - O tombamento poderá ser total ou parcial, especificando-se, no segundo caso, com a maior precisão possível as características e demais informações da parte ou partes tombadas

§ 2 - O tombamento de bens pertencentes aos municípios sergipanos será precedido de autorização da Assembléia legislativa Estadual

§ 3 - Dar-se-á certidão de tombamento a quem a solicitar, com as especificações pedidas

§ 4 - O tombamento de bens de propriedade de pessoa natural ou jurídica de direito privado será voluntário ou compulsório

Art. 6 - O tombamento de bens de propriedade de pessoa natural ou jurídica de direito privado será voluntário ou compulsório

§ 1 - O tombamento será voluntário se o proprietário inscrever espontaneamente o bem ou anuir, por escrito, com a inscrição, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da notificação de que trata o art 4

§ 2 - Será compulsório o tombamento, quando o proprietário não responder à notificação no prazo previsto n § 1 deste artigo, ou apresentar, no mesmo prazo, impugnação escrita à inscrição e esta vier a ser ordenada em decisão administrativa

§ 3 - Havendo impugnação, que deverá ser feita perante o Governador do Estado, competirá à Secretaria da Educação e Cultura contestá-la no prazo de 30 (trinta) dias, após parecer do Conselho Estadual de Cultura, enviando-a ao Chefe do Poder Executivo para decisão, em decorrência da qual:

I - Se favorável à inscrição, decretar-se-á o tombamento;

II - Se contrária à inscrição, arquivar-se-á o processo

§ 4 - No tombamento compulsório, a inscrição terá efeito a partir da data do recebimento da notificação pelo proprietário ou possuidor do bem tombado.

Art. 7 - Far-se-á o tombamento dos bens de domínio do Estado independentemente de

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notificação, desde que se obtenha parecer favorável do Conselho Estadual de Cultura e solicitado diretamente ao Chefe do Poder Executivo, este autorize a inscrição

Art. 8 - Respeitado o disposto no parágrafo único do art. 5, para o tombamento de bens de propriedade dos Municípios, observar-se-á o disposto no art. 6 desta lei

Art. 9 - O tombamento de conjuntos urbanísticos-cidades, vilas, povoações -, para dar-lhes o caráter de monumento histórico, será processado pela Secretaria da Educação e Cultura, mas a sua efetivação far-se-á mediante Decreto que regulará a matéria

Art. 10 - A disposição, uso e gozo dos bens que passarem a construir o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe estarão sujeitos às restrições da legislação federal referente ao assunto e -às decorrentes desta Lei

§ 1 - Na alienação dos bens tombados de propriedade de particular, o Estado terá a preferência, devendo-lhes ser oferecido, por escrito, o preço de alienação, para que o mesmo declare a sua opção no prazo de 30 (trinta) dias

§ 2 - O direito de preferência não impede o proprietário de gravar com ônus real o bem tombado

§ 3 - Os bens tombados não poderão em hipótese alguma, ser demolidos ou mutilados não podendo, igualmente, sem prévia licença da Secretaria da Educação e Cultura, ser reformados, pintados ou restaurados, sob pena de multa correspondente ao custo da reparação do dano causado, para retorno ao estado anterior, sem prejuízo das sanções previstas nos artigos 165 e 166 do Código Penal

§ 4 - Tratando-se de bens tombados pertencentes ao Estado, responderá, pessoalmente, pelas sanções constantes do §3, a autoridade responsável pela infração

§ 5 - Nenhuma venda judicial de bem tombado na forma desta lei poderá ser realizada sem prévia notificação da Secretaria da Educação e Cultura, não podendo, de igual modo, ser expedido edital de praça, sob pena de nulidade, antes de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias para resposta da notificação, a contar da data do seu recebimento

§ 6 - Ao Estado assiste o direito de remição, na conformidade do disposto no Código de Processo Civil

§ 7 - Sob pena de ser requerido o necessário seqüestro e aplicada a multa correspondente a 10 (dez por cento) do seu valor, em dobro no caso de reincidência, os bens móveis tombados nos termos da presente Lei não poderão sair do Estado, salvo se destinados a exposição ou outra forma de intercâmbio cultural, exigindo-se o compromisso de retorno dos bens por um prazo não superior a 6 (seis) meses

§ 8 - No caso de furto, roubo, extravio ou destruição de bem tombado, deverá o proprietário ou possuidor dar conhecimento do fato à Secretaria da Educação e Cultura, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa de 10 (dez por cento) do respectivo valor

Art. 11 - O proprietário de bem tombado que não dispuser de recursos financeiros para nele realizar as imprescindíveis obras de conservação e reparação, deverá comunicar à Secretaria da Educação e Cultura a necessidade de realização dessas obras, sob pena de incorrer em multa correspondente à importância em que for avaliado o dano que, em conseqüência, o bem vier a sofrer

§ 1 - Recebida a comunicação e verificada a necessidade de realização das obras, a Secretaria da Educação e Cultura promoverá as providencias que julgar acertadas

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§ 2 - Independentemente da comunicação de que trata o "caput" deste artigo, se for constatada urgência na realização de obras em proveito do bem tombado, a Secretaria da Educação e Cultura poderá empreendê-la, cabendo-lhe notificar administrativamente o proprietário ou possuidor

Art. 12 - Os bens tombados ficam sujeitos a permanente vigilância da Secretaria da Educação e Cultura, que poderá livremente inspecioná-los, mediante simples notificação ao proprietário ou possuidor, advertindo-o. se for o caso, da necessidade de realização de obras de conservação e/ou reparação

Parágrafo único - O proprietário ou possuidor que se opor ou impedir a inspeção prevista neste artigo, ficará sujeito a uma multa correspondente a 5 (cinco) vezes o "Valor de Referência" vigente para o Estado de Sergipe

Art. 13 - Os danos causados aos bens tombados serão equipara dos, para todos os efeitos legais, aos praticados contra o Patrimônio do Estado

Art. 14 - A qualquer tempo e sempre que haja conveniência, poderá ser desapropria o bem tombado, observada a legislação específica

Art. 15 - A Secretaria da Educação e Cultura providenciará a averbação dos bens imóveis tombados, à margem da respectiva transcrição do domínio

Art. 16 - Poderá ser revogado o ato de tombamento:

I - Quando se provar que resultou de erro de fato quanto à sua causa determinante;

II - Por outro motivo de relevante interesse público Parágrafo único - A revogação do ato de tombamento será realizada pelo

Chefe do Poder Executivo Estadual, por proposta do Secretário da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura

CAPITULO III

Dos Livros de Tombo

Art. 17 - A Secretaria da Educação e Cultura manterá os seguintes livros, nos quais inscreverá os tombamentos:

I - Livro de Tombo Histórico e Etnográfico, destinado ao registro dos bens de interesse da História e da Etnografia;

II - Livro de Tombo Artístico, destinado a inscrição dos bens de interesse das Artes, eruditas e folclóricas;

III - Livro de Tombo Paisagístico, destinado ao registro de monumentos naturais, paisagens e locais de singular beleza ou de interesse turístico, existente no Estado;

IV - Livro de Tombo Arqueológico, destinado ao registro dos bens de valor arqueológico

Parágrafo único - A Secretaria da Educação e Cultura adotará, nas inscrição dos livros de que trata este artigo, os métodos aconselhados e racionais em consonância com as normas aplicadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

CAPITULO IV

Disposições Gerais

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Art. 18 - A Secretaria da Educação e Cultura manterá entendimentos com as autoridades federais, estaduais e municipais, quer civis, militares ou eclesiásticas, com instituições científicas, históricas e artísticas e com pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, visando a obtenção de apoio e cooperação para a constituição do Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe

Art. 19 - A Secretaria da Educação e Cultura realizará, juntamente com a Fundação Aperipê de Sergipe e outras emissoras de rádio e televisão, respeitada a legislação pertinente à radiodifusão, bem como junto aos estabelecimentos de ensino, uma sistemática campanha educativa com vistas a criar, no seio da comunidade e da juventude, uma consciência pública sobre o valor e o significado do patrimônio histórico, artístico, etnográfico e paisagístico do Estado e sobre as necessidades de sua preservação

Art. 20 - Os negociantes de obras de arte de qualquer natureza, e de manuscritos históricos e artísticos, deverão manter registro das compras e vendas efetuadas, ficando obrigados à inscrição especial na Secretaria da Educação e Cultura, à qual apresentarão semestralmente, relação completa de seus estoques e demonstrativos das vendas, com nome e endereço dos compradores

Art. 21 - Os agentes de leilão, quando se tratar de objetos de valor histórico ou artístico, deverão apresentar relação dos mesmos à Secretaria da Educação e Cultura, sob pena de multa equivalente a 50 (cinqüenta por cento) do seu valor venal

Parágrafo único - Nas vendas em leilão judicial, o Estado terá preferências na arrematação, em igualdade de condições, sobre qualquer licitante

Art. 22 - Mediante provocação do proprietário ou possuidor, a Secretaria da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura, poderá sugerir ao Chefe do Poder Executivo a anulação de tombamento feito na conformidade da Lei presente, se houver, para isso, motivo de utilidade pública ou fundamento justo

Art. 23 - Constitui dever das autoridades, dos responsáveis por instituições e das pessoas mencionadas no art 18, a comunicação, à Secretaria da Educação e Cultura, de fatos infringentes da presente lei, que cheguem ao seu conhecimento

Art 24 - Apurado qualquer delito contra o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe, a Secretaria da Educação e Cultura enviará o resultado de suas averiguações ao Procurador Geral do Estado, a fim de habilitar o Ministério Público a proceder contra os indiciados, de acordo, com a legislação penal que rege a espécie

Art. 25 - É vedado, sem prévia autorização da Secretaria da Educação e Cultura, na vizinhança do bem tombado, fazer construção que lhe impeça ou reduza a estrutura, o estilo, a estética, a visibilidade, nem tampouco colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto colocado, impondo-se neste caso multa de 50 (cinqüenta por cento) sobre o valor da obra, aplicada pelo Titular do referido órgão

Art. 26 - Os valores resultantes da aplicação rias multas previstas nesta lei serão integrados ao Fundo de Promoção Cultural de Sergipe, nos termos da lei nº 1962, de 30 de setembro de 1975, constituindo recursos para a proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe

Art. 27 - O Poder Executivo poderá, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, realizar convênio com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para coordenação e desenvolvimento das atividades determinadas na presente lei

Art. 28 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação

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Art. 29 - Revogam-se as disposições em contrário

Aracaju, 28 de dezembro de 1976; 155º da Independência e 88º da República.

JOSÉ ROLLEMBERG LEITE GOVERNADOR DO ESTADO Everaldo Aragão Prado Secretário da Educação e Cultura Luiz Machado Mendonça Secretário Geral do Governo Adroaldo Campos Filho Secretário da Segurança Pública Eduardo Vital Santos Meio Secretário da Saúde Pública Yolando José de Macêdo Secretário da Administração Enivaldo Araújo Secretário da Fazenda Helber José Ribeiro Secretário da Justiça e Ação Social, em exercício Manoel Conde Sobral Secretário Extraordinário

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ANEXO E – Localização do acervo de bens imóveis de interesse de preservação

LEGENDA BENS IMOVEIS DE INTERESSE DE PRESERVAÇÃO

BENS TOMBADOS

50

ESCALA GRÁFICA

00 100

150

200

Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão.