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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
FÁBIO SILVA SOUZA
ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO:
UM FLÂNEUR EM SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE
São Cristóvão (SE) 2004
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FÁBIO SILVA SOUZA
ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO: UM FLÂNEUR EM SÃO CRISTÓVÃO – SERGIPE
Dissertação de mestrado apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, com Área de Concentração – “Formas e Processos Tradicionais de Ocupação Territorial”: Estudos Arqueológicos.
ORIENTADOR:
Prof. Dr. Rogério Proença de Sousa Leite.
São Cristóvão(SE) 2004
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FÁBIO SILVA SOUZA
ARQUEOLOGIA DO COTIDIANO: UM FLÂNEUR EM SÃO
CRISTÓVÃO – SERGIPE
A dissertação Arqueologia do cotidiano: um flâneur em São Cristóvão – Sergipe, elaborada por Fábio Silva Souza, orientada pelo Prof. Dr Rogério Proença de Sousa Leite e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia com Área de Concentração – “Formas e Processos Tradicionais de Ocupação Territorial”: Estudos Arqueológicos. Aracaju-SE, _____ de ____________ de _____ .
Banca Examinadora
Prof. Dr. Rogério Proença de Sousa Leite – Orientador 1º Examinador
Profª. Drª. Lisabete Coradini 2º Examinador
Profª. Drª. Vera Lúcia Alves França 3º Examinador
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Aos meus filhos Rodrigo e Bárbara (a caminho), que este trabalho sirva de inspiração e motivação para suas conquistas emocionais, intelectuais e afetivas.
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AGRADECIMENTOS
A Deus pela luz e força. A todos os familiares, que, de uma forma ou de outra, tiveram de suportar, as minhas
“ausências”: Regina, Rodrigo e Bárbara (a caminho), meus pais e irmãos. Ao Prof. Rogério Proença Leite, por ter possibilitado além de preciosas orientações,
muitas dicas e possibilidades de discutir o trabalho em meio a comunidade científica. Aos amigos Valfran de Brito, pessoa com quem realizei intensos debates e discussões
ao longo dos dois anos de elaboração deste trabalho, e Waldefrankly Rolim de Almeida Santos, pelas discussões iniciais e por ter disponibilizado diversos materiais, fundamentais para a pesquisa histórica.
Ao Prof. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo pela atenção e didática de suas explicações ao
ser entrevistado, além das observações ao ler o trabalho nas fases finais. À Profª Ana Galvão pela paciente revisão dos originais. Aos colegas de curso Renaldo Ribeiro e Daniel Castro pela troca de idéias, sugestões
bibliográficas e realização de fotos. A todos os entrevistados Erundino Prado Junior, Dona Celuta Fenandes Dantas, Dona
Jaci Fenandes Dantas, Seu Sósthenes Ramos Prado, pelas valiosas informações, fundamentais e impossíveis de serem encontradas por meio bibliográfico. Em especial, a Carolina Pereira de Oliveira por ter disponibilizado fotos do acervo particular do Dr. Lauro Rocha.
A todas as pessoas da Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do
Município de São Cristóvão, pela atenção e gentileza de seu atendimento. Aos professores e pesquisadores vinculados ao Laboratório de Estudos Urbanos e
Culturais – LABEURC.
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A paisagem tem uma textualidade que estamos apenas começando a compreender, pois só recentemente pudemos vê-la por inteiro e ‘lê-la’ com respeito a seus movimentos mais amplos e seus eventos e seus sentidos inscritos. (SOJA, 1993, p. 191)
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RESUMO
Esta dissertação analisa as transformações do espaço público ocorridas ao longo dos séculos, tendo como referente empírico o centro histórico da cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Essa cidade possui relevância política, histórica, arqueológica e patrimonial. Surgida em 1590 e tendo atuado como sede política da província até o ano de 1855, São Cristóvão foi reconhecida oficialmente desde o ano de 1938 como cidade-monumento do Estado de Sergipe. Isento dos processos de revitalização, que permearam outros centros históricos, essa cidade conserva elementos que caracterizaram a sua paisagem ao longo de sua história. Este trabalho demonstra como o cotidiano dos atores sociais, a partir de disputas práticas e simbólicas, atuam no sentido da formação de espaços públicos, permitindo, dessa forma, uma multiplicidade de seus usos, possibilitando a criação de delimitações territoriais na paisagem urbana.
Palavras-Chave: cidades coloniais; espaço público, paisagem, sociabilidades.
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ABSTRACT
This dissertation analyses the changing of the public space a long the centuries, having as empiric referring too historic center São Cristóvão town, in Sergipe. This town has politics, historic, archeologic and patrimony important. It appeared in 1590 and it has performed as politics seat of the province until 1855, São Cristóvão was recognized officially since 1938 as monument town of Sergipe Stat. Exempt of the revitalization process, that other historic centers had, this town maintain elements characterized its landscape a long its history. This work landscape a long its history. This work shows as day by day of the social actors, with practice and symbolic disputes, act in sense of the public space formation permitting, then, a multiplicity of its uses, possibiliting the creation territory delimitating at the landscape.
Key words: colonial cities; public space; landscape; sociabilities.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES - FOTOS
Foto 1. Vista aérea da praça São Francisco..............................................................................47
Foto 2. Vista aérea do centro Histórico....................................................................................48
Foto 3. Igreja de Nossa Senhora da Vitória............................................................................101
Foto 4. Vista aérea do centro histórico da cidade de São Cristóvão.......................................102
Foto 5. Desfile de um bloco de carnaval, na rua Erundino Prado..........................................103
Foto 6. Igreja Matriz, foto do início do século XX................................................................104
Foto 7. Universo profano da Procissão do Encontro..............................................................105
Foto 8. Desfile cívico de 07 de setembro...............................................................................105
Foto 9. Ao lado, desfile cívico de 07 de setembro.................................................................105
Foto 10. Antiga casa localizada em frente a Matriz...............................................................106
Foto 11. Ao lado, atual Superintendência Municipal de Transito e Transporte de São Cristóvão.................................................................................................................................106
Foto 12. Vista aérea do centro histórico de São Cristóvão, no detalhe: a Igreja Matriz, ladeira do Porto da Banca e o Carmo Grande.....................................................................................107
Foto 13. Vista aérea do centro histórico de São Cristóvão, no detalhe: o antigo porto da cidade de São Cristóvão..........................................................................................................107
Foto 14. O antigo porto da cidade de São Cristóvão..............................................................108
Foto 15. Atual Terminal Turístico Ecológico (visualizando as torres da Matriz)..................109
Foto 16. Atual Terminal Turístico Ecológico (visualizando o rio Paramopama)..................109
Foto 17. Complexo do Carmo................................................................................................110
Foto 18. Igreja do Amparo.....................................................................................................112
Foto 19. Igreja do Amparo (no detalhe: saliências em superfície).........................................113
Foto 20. Avenida Ivo do Prado, ao fundo Antiga Casa da Misericórdia (imagem antiga)....115
Foto 21. Ao lado, imagem semelhante realizada em 2004.....................................................115
Foto 22. Procissão do Encontro (imagem antiga)..................................................................116
Foto 23. Ao lado, Procissão do Encontro 2004......................................................................116
Foto 24. Repetição da imagem anterior, enfatizando o anúncio contido na faixa..................116
Foto 25. Antigo sobrado de balcão corrido............................................................................117
Foto 26. Antigo sobrado de balcão corrido em um postal......................................................117
Foto 27. Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo.............................................................118
Foto 28. Procissão do Encontro, focalizando a imagem de Nossa Senhora das Dores..........120
Foto 29. Procissão do Encontro, focalizando a imagem de Jesus..........................................120
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Foto 30. Procissão do Encontro – 2004 .................................................................................121
Foto 31. Praça São Francisco em tempo comum, ordinário...................................................122
Foto 32. Praça São Francisco durante a Procissão do Encontro.............................................122
Foto 33. Praça São Francisco durante a Procissão do Encontro, 2004...................................122
Foto 34. Antiga Santa Casa de Misericórdia..........................................................................123
Foto 35. Atual Lar Imaculada Conceição...............................................................................123
Foto 36. Palco do Festival de Arte de São Cristóvão, durante o dia......................................126
Foto 37. Festival de Arte de São Cristóvão à noite................................................................126
Foto 38. Seresta na cidade de São Cristóvão..........................................................................127
Foto 39. Concentração para seresta na praça São Francisco .................................................127
Foto 40. Antigo prédio da Assembléia de São Cristóvão e prédios ao redor ........................128
Foto 41. No detalhe antigo prédio da Assembléia de São Cristóvão.... .................................128
Foto 42. Piso do sobrado no primeiro andar...........................................................................128
Foto 43. Detalhe do piso tomado pelo cupim.........................................................................128
Foto 44. Museu Histórico de Sergipe.....................................................................................130
Foto 45. Lateral do Museu Histórico de Sergipe....................................................................132
Foto 46. Convento Franciscano, imagem do início do século XX.........................................132
Foto 47. Convento Franciscano, imagem recente (2002).......................................................132
Foto 48. Ritual público em frente ao Convento Franciscano.................................................134
Foto 49. Procissão para ritual de “Primeira Comunhão”........................................................136
Foto 50. Ao lado, imagem focalizando “o mesmo espaço” durante um tempo comum.....................................................................................................................................136
Foto 51. Igreja do Rosário......................................................................................................137
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES - MAPAS
Mapa 1. Físico do Estado de Sergipe.......................................................................................24
Mapa 2. Nordeste brasileiro datado de 1637............................................................................26
Mapa 3. Litoral nordestino.......................................................................................................27
Mapa 4. Brasil territorial: (1500-1822)....................................................................................44
Mapa 5. Frans Post. “Ciriri”. Gravura extraída do livro de Gaspar Barléu.............................59
Mapa 6. Incursões e ocupações estrangeiras no Brasil............................................................63
Mapa 7. Invasões holandesas...................................................................................................64
Mapa 8. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão – ca. 1631.............................................................65
Mapa 9. Carta da Costa que se estende da Baía de Todos os Santos até a Barra do Rio São Francisco, 1631.........................................................................................................................99
Mapa 10. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão – ca. 1631...........................................................99
Mapa 11. Recorte ampliado das edificações encontradas no mapa anterior..........................100
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO 1
SÃO CRISTÓVÃO COMO CENTRO HISTÓRICO: UMA PERSPECTIVA
ARQUEOLÓGICA.....................................................................................................24
1.1 Localização..............................................................................................................24
1.2 Espaços e territórios: a consolidação da paisagem..................................................28
CAPÍTULO 2
UMA BREVE (RE)CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA..............................................52
2.1 Formação da capitania de Sergipe Del Rei: (1534 – 1590)....................................52 2.2 A efetiva conquista do território sergipano.............................................................56 2.3 O centro histórico: um debate sobre o patrimônio e a arquitetura..........................69 2.4 O IPHAN e a trajetória na construção de uma identidade......................................78 2.5 A questão patrimonial em Sergipe..........................................................................84
CAPÍTULO 3
SÃO CRISTÓVÃO: UM PASSEIO, VÁRIAS NARRATIVAS.............................91
3.1 A cidade em dois tempos: habitual e ritual...........................................................96
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................147 ANEXOS................................................................................................................................157
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INTRODUÇÃO
Os espaços edificados em seus estilos arquitetônicos podem revelar gostos e costumes
de vida, de classes sociais distintas, construídos nos diferentes tempos históricos. O estudo da
cultura material, evidenciada na paisagem edificada, consolidada ao longo de séculos, pode
ser bastante significativo para a investigação do universo social de períodos distantes. Os
espaços antrópicos podem, ainda, fornecer dados substanciais para a compreensão das
configurações paisagísticas hoje.
As cidades surgem como resultado de lutas cotidianas entre os diversos atores sociais
que atuam, atribuindo múltiplos sentidos às paisagens edificadas, resultando, assim, na
formação de vários espaços dentro de um mesmo espaço urbano. Temas como: as paisagens,
as cidades e seus monumentos têm despertado, cada vez mais, interesse nas agendas de
debates científicos. Esse fenômeno parece resultar da curiosidade sobre as culturas e os estilos
de vida urbanos. Isso decorre, fundamentalmente, pela possibilidade de ser
possível observar, corretamente, que as cidades sempre tiveram culturas, no sentido que produziam produtos culturais, artefatos, construções e modos de vida distintivos. É possível ser ainda mais ‘culturalista’ e afirmar que a própria organização do espaço, o planejamento das edificações, é em si mesma uma manifestação de códigos culturais específicos. (FEATHERSTONE, 1995, p. 135).
A rigor, toda cidade tem uma história que lhe é própria, contudo, algumas são
comumente denominadas “cidades históricas”. Essas parecem vir a se contrapor à crescente
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13
experiência do fenômeno da urbanização. Com isso, contemporaneamente, as cidades têm
despertado o interesse cada vez maior das agências de turismo e de muitos governantes que,
percebendo a importância desse fenômeno, encontraram nesses antigos centros, muitos deles
abandonados e desprestigiados, a experiência exótica de conhecer o outro, de um tempo
distante e que já não mais existe, pois perderam espaço para a modernidade.
Se, nas décadas de trinta e quarenta no Brasil, os atrativos turísticos estavam voltados
para a visitação de monumentos e prédios modernos, hoje em dia, com a intensificação dos
processos urbanos, essa concepção parece ceder espaços para o turismo rural, ecológico e
histórico (CASTRO, 1999). Com isso, ganham maior destaque nas agendas turísticas os
passeios em hotéis chácaras, o “pesque e pague”, as trilhas ecológicas, e, evidentemente, as
cidades históricas.
O sítio primitivo da cidade de São Cristóvão, surgido no ano de 1590, é bastante
representativo dos traços acima abordados. Sua localização estratégica, situada entre dois
importantes pólos produtores de cana-de-açúcar, Salvador e Olinda, serviu, à época, não só
para fornecer carne e couro para o mercado consumidor desses pólos, mas muito mais que
isso, a cidade de São Cristóvão vai integrar uma rede de comunicação entre esses, e ocupar
territórios que poderiam ser facilmente penetrados, principalmente, pelos invasores franceses.
A preocupação com a sua segurança era o elemento primordial para efetivar um
determinado assentamento. Nesse período, marcado pela corrida da conquista de novas terras
e, conseqüentemente, pela formação de novos territórios que vieram contribuir para o
enriquecimento das nações européias, fez reinar nas Américas um estado conflituoso. Por
conta da questão segurança, muitas cidades coloniais dos séculos XVI e XVII tiveram de
transferir a localização do seu sítio original.
São Cristóvão, que originalmente estava muito mais no litoral, percebe a sua
exposição aos ataques inimigos e vai mudar a sua localização, cada vez mais adentrando para
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14
o interior. Ela mudou seu sítio por três vezes até se instalar de modo definitivo às margens do
Paramopama. Nesse sítio, localizado em uma faixa de terra que se estende entre 70 a 90
metros de altura, é possível observar traços que predominaram nos padrões de assentamentos
coloniais.
A primeira construção a surgir em São Cristóvão, por exemplo, foi a da Igreja de
Nossa Senhora da Vitória ou, como é conhecida, Igreja Matriz. No seu entorno, começam a
surgir as primeiras casas que virão a constituir o núcleo urbano são cristovense. À sua frente
encontra-se à praça da Matriz, atual praça Getúlio Vargas, e ao fundo, o rio Paramopama. Do
alto era possível observar o fluxo de embarcações e, lá embaixo, no rio propriamente dito,
muitos pescadores tiravam o seu sustento. Mais adiante, esse mesmo local veio a servir como
porto.
Durante a primeira metade do século XVII, São Cristóvão viveu momentos intensos
em sua história, ocasionados pela invasão holandesa. Sua paisagem foi cenário de conflitos e
interesses diversos, entre holandeses que haviam conquistado a cidade de Recife e pretendiam
estender suas conquistas ao sul, chegando à sede do governo colonial em Salvador, e, por
outro lado, pelos portugueses que não queriam perder sua hegemonia sobre o território
conquistado. Essas lutas se estenderam desde março de 1637, com a tomada de São Cristóvão
pelos holandeses, sendo retomado pelos portugueses em 1640. A reconquista portuguesa
perdurou até o ano seguinte, quando os holandeses retomaram o domínio territorial.
Finalmente, no ano de 1645, os holandeses desistem da conquista de São Cristóvão ao
perceberem os altos custos que teriam de arcar com um projeto de povoamento e de cultivo
das terras de Sergipe. Nesse momento, foi então retomado o processo de colonização
português das terras em Sergipe (NUNES, 1996, 2000).
O século XIX foi bastante significativo em todos aspectos. Durante esse período foram
proporcionadas intensas e profundas modificações que se estenderam desde a produção
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15
intelectual às condições materiais, tendo passado pela reordenação do espaço e reconfigurado
as relações no cotidiano do homem. As mudanças ocorridas nesse período inauguraram um
novo momento na história da humanidade, conhecido pelo progressivo processo de
racionalização, denominado como modernidade, segundo a perspectiva sociológica alemã.
Esses novos ideais suscitaram o aparecimento de novas cidades ao longo do século
XIX, com uma outra logística diferente daquela colonial. Nesse momento, as ameaças de
ataques e invasões inimigas já haviam cessado, com isso a preocupação com a segurança não
mais determinava a localização dos sítios dessas cidades, ao contrário, os novos sítios, de
modo geral, passariam a ocupar o litoral brasileiro.
As cidades surgidas ao longo do século XIX encontram-se, de modo geral, de frente
para a Europa e de costas para o interior. Essa parece ser uma evidência de que o rompimento
com o passado, proposto pela burguesia, iria além da esfera ideológica e da produção
material. O posicionamento e a orientação das novas cidades, segundo Freyre (1980, 1982),
seguiam os parâmetros de referência da modernidade, em nítido sinal de contraposição a tudo
aquilo que eventualmente o associasse ao arcaico, tradicional, demonstrando, sugerindo
evidências do saudosismo, agora em especial para um mundo dito “civilizado”. Esse novo
paradigma europeu, de uma urbanização nascente, seguida da industrialização, encontra mais
força e evidência à medida em que no Brasil é desenvolvido, internamente, um pessimismo
ideológico justificado pela visão racista e determinista, revestido de um cientificismo europeu,
positivista, com toda sua lógica evolucionista.
Essas idéias foram predominantes em todo o Brasil do século XIX, contudo um fato
em especial, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, vai suscitar novos ares na colônia. A vinda
da família real para o Brasil, no início do século, constitui um momento ímpar e de grande
relevância. Ao trazer a máquina administrativa lusitana para a cidade do Rio de Janeiro,
possibilitou-se o advento de novas idéias e práticas no sentido da modernização da então
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16
capital brasileira, “desenvolvendo-se uma cultura laica, mundana, cortesã e aristocrática [...]
perdendo, paulatinamente, os acanhamentos provincianos” (LOPEZ, 1995, p. 14). A vinda da
família real para o Brasil possibilitou, ainda, significativas mudanças no cenário político.
Freyre, por exemplo, chama atenção para o fato de que, tanto o Rei D. João VI como os
imperadores D. Pedro I e II “souberam conciliar o prestígio do governo ou do poder político
com o da aristocracia rústica das casas-grandes patriarcais que suspiravam aquele poder de
aliados valiosos” (1971, p. 38).
Por idéia do Conde da Barca, foi trazida ao Brasil a missão artística francesa. Seu
objetivo era introduzir o ensino artístico acadêmico em terras brasileiras. Esse fato poderia
possibilitar, portanto, não só o despertar de um espírito inovador assim como a possibilidade
de rompimento com os padrões jesuíticos, que haviam perdurado ao longo de séculos. A
missão francesa possibilitou a gradativa substituição da arte colonial barroca, mestiça e
autodidata, pelo neoclassicismo. Nesse momento, é incorporada uma nova concepção de arte
que esteve intrinsecamente ligado ao saber secularizado, predominante durante o século XIX,
caracterizada pelo mundano-aristocrático. Seu estilo simétrico e perene, agiu de forma a
abolir a pompa e os ornamentos característico do barroco.
A vinda da missão artística francesa possibilitou a implantação da arquitetura durante
o século XIX e foi responsável por mudanças significativas ocorridas durante o período
compreendido entre 1800 a 1850 (REIS FILHO, 1978). Essas transformações apresentavam-
se de forma discreta, prestigiando a difusão da arquitetura neoclássica e a implantação de
tipos mais refinados de construção. A gradativa ruptura ocorrida nas edificações do início do
século XIX não se deu de forma abrupta. Ela manteve, ainda, características coloniais, tais
como o avanço sobre os limites laterais e sobre o alinhamento das ruas, a simplicidade dos
esquemas, com suas paredes grossas, suas alcovas e corredores, telhados elementares e
balcões de ferro batido (REIS FILHO, 1978). Interessava à burguesia romper com o passado
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17
rural, marcado pela associação entre Estado e Igreja, alicerçado no tradicionalismo. Em
oposição, foi intensificado o processo de urbanização. Esse rompimento, ao que parece, não
ocorreu subitamente, ao contrário, o crescimento urbano deu lugar a uma burocracia civil e
eclesiástica (RIBEIRO, D., 1995, p. 196) e, em muitos lugares tipicamente rurais, os ares da
modernidade, fizeram suscitar novos arranjos na paisagem, sobretudo nas fachadas das casas.
Quase rentes às calçadas, sem jardins à sua frente, muito próximas umas das outras, essa seria
uma paisagem tipicamente urbana, moderna. Contudo, no interior dessas casas conservavam
traços essencialmente rurais, com criações de animais e diversas árvores frutíferas em seus
quintais.
Em meados do século XIX, várias cidades irão surgir, quase sempre portuárias,
provocando significativas transformações na lógica ocupacional do espaço. O Estado, nesse
sentido, parece ter desempenhado importante papel no processo de viabilização da
modernidade, possibilitando a criação de novos espaços voltados, sobretudo para a
preocupação portuária. Giddens (1991), por exemplo, atribui ao Estado nacional um
importante papel de construção do nacionalismo, por meio do que ele denominou
componentes psicológicos, entendidos enquanto associação de indivíduos ligados a um
conjunto de símbolos e crenças que enfatizam a comunalidade. Contudo, o Estado, parece ter
extrapolado o aspecto ‘simbólico’, proposto por Giddens (1991), atraindo para si a
responsabilidade pela criação de condições materiais, não apenas na edificação desses
espaços, a exemplo de Aracaju, como também na criação de empregos públicos, fomentando
o surgimento de um comércio ainda que incipiente.
Os ares de modernidade eram predominantes e uma elite rural ansiava por ascensão e
status social. Essa classe defrontou-se então com o problema de como angariar recursos e
tornar esses projetos individuais possíveis. Sob o pretexto de exportar produtos e trazer
riquezas para a nação – entenda-se em especial para essa aristocracia rural – sedenta por
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mudanças e pelo consumo não apenas material como também simbólico evidenciado na
importação de louças, chás e hábitos ingleses (LIMA, 1996, 1997). Enfim, esse novo
paradigma parece ter extrapolado o campo das idéias, a produção material e a logística
espacial. Ela trouxe consigo fortes implicações que provavelmente possibilitaram profundas e
gradativas mudanças nos sentimentos e hábitos cotidianos das pessoas daquela época.
As novas idéias, hábitos e ritos trazidos pela corte são paulatinamente incorporados e
difundidos no Brasil. A transferência da capital sergipana ocorrida a 17 de março de 1855,
através da resolução de nº 413, na gestão do então presidente de província Inácio Barbosa, se
deu, ao que parece, por influencia do espírito empreendedor de Mauá. Dessa maneira, sob
fortes argumentos portuários, surge a cidade de Aracaju. Nascida em vantagem com relação
às outras cidades sergipanas pela sua localização à beira mar e pela sua proximidade da zona
canavieira, à época região mais importante economicamente da Província.
Os espaços, antes divididos em sagrados e profanos, assumem uma outra conotação a
partir do processo de secularização. Agora se dividem em privados e públicos, se
entrecruzam, mantendo um relacionamento subjetivo e dialético. Portanto, as Revoluções
Burguesas parecem ter afetado também o debate sobre os espaços: eles deixam de ter uma
relação entre o sagrado e o profano para ser percebido e debatido enquanto privado e público.
Essa é uma transformação não apenas na denominação, mas, sobretudo no entendimento e nos
usos dos espaços vivenciados socialmente. Para Algaranti, “a distinção clássica entre público
e privado não se aplica à vida colonial antes do final do século XVIII e início do XIX, pois o
privado assume conotações distintas daquelas à nossa sociedade atual” (1997, p. 88). O
privado e o público muitas vezes são confundidos ou utilizados enquanto sinônimos de casa e
rua (DAMATTA, 1985, 2001; FREYRE, 1971, 1979).
A casa e a rua constituem categorias que representam muito mais que os aspectos
físicos podem informar. Essas categoriais não se restringem simplesmente a espaços físicos,
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geográficos, algo que se possa mensurar. Acima de tudo são entidades morais, onde se
encontram definidas regulamentações e proibições da vida social. A casa e a rua atuam como
centro da formação social dos indivíduos. Status e prestígio social, muitas vezes derivam dos
ritos praticados e dos bens encontrados na esfera privada. Nas festas privadas os anfitriões
abrem suas portas à sociedade, quase sempre de modo restrito, exclusivo a um grupo de
convidados que tem a oportunidade de adentrar na intimidade de uma família.
O público e o privado constituem verdadeiras províncias éticas dotadas de
positividade, capazes de despertar emoções, leis, orações, músicas e imagens esteticamente
emolduradas e inspiradas (DAMATTA, 1985). A quebra ou o desconhecimento de um
determinado padrão cultural, muitas vezes, pode indicar a impossibilidade de previsão da
reação, podendo provocar uma situação não apenas nova, como provavelmente indesejável.
Para Arendt (1987), o público e o privado se apresentam como forma de coexistência. O
primeiro encontra-se associado ao comum, àquilo que pode ser visto e ouvido por todos e tem
maior divulgação possível. Nessa esfera, as diversas pessoas podem reconhecer nas coisas
algo identitário de maneira real e fidedigna. A esfera privada, por sua vez, é aquela onde a
propriedade e a riqueza assume maior relevância, podendo representar a possibilidade de ação
desprovida do interesse dos outros.
A idéia da possibilidade de coexistência entre o público e o privado, proposta por
Arendt (1987), também pode ser encontrada em Elias (1994). Isso parece ficar evidente
quando ele descreve um determinado hábito europeu de receber visitas no quarto de dormir.
Elias (1994), por exemplo, relata que o anfitrião praticava essa ação com sentido e
consciência, na expectativa de que o visitante comentasse com alguma outra pessoa que em
uma determinada casa ela fora recebida para uma conversa à cama.
A localização espacial da casa em relação à cidade pode ser sinônimo, ou não, de
prestígio social. Nas cidades coloniais, as de maior relevância, estão quase sempre localizadas
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na praça da Matriz, locus de eventos sociais, de ritos sagrados, celebrações religiosas,
procissões, e outras festas, tais como, o carnaval e o desfile cívico de sete de setembro.
A casa representa muito mais que um palco, ou um mero espaço físico onde são
desenvolvidas sociabilidades pelos atores sociais. Tal é a importância da casa para o indivíduo
que, no prefácio do livro “A casa brasileira”, Freyre estabelece uma relação entre o homem e
a casa, comparável à relação entre essa e o ventre materno (1971, p. 10). Para DaMatta (1985)
a casa irá configurar, enquanto categoria sociológica que determina nas pessoas mudanças de
atitudes, preferências, gestos, roupas e papéis e distinções sociais, enfim, hábitos que serão
desenvolvidos no bojo de determinada classe social e que muitas vezes poderá distinguir
grupos heterogêneos. Segundo Elias,
os fenômenos humanos nada mais são que concretizações de relações e comportamentos da vida social e mental. Esta idéia é aplicável à fala (relações humanas transformadas em sons), ciência, economia, política, arte inclusive para fenômenos humanos menos valorizados em nossa escala hierárquica, mas que nos permite conhecer, analisar e esclarecer ‘situações’ da psique humana. (1994, p. 124-5).
As relações entre espaço e tempo atuam no cotidiano dos atores sociais e,
correlativamente, parecem alterar e manipular os sentidos e os significados em narrativas
sociais, nos modos de percepção e funções das relações espaço-temporais, tanto na
significação como na apropriação das ruínas, monumentos e museus das cidades.
Neste contexto, a ênfase deste trabalho encontra-se na análise do indivíduo em suas
tensões cotidianas. Buscou-se por meio de suas lutas na disputa pelo poder e a possibilidade
de multiplicidade de suas ações cotidianas, valorizar o indivíduo em suas escolhas, elementos
simbólicos e contextos, associando-os às questões espaciais, evidenciadas pela presença de
monumentos na paisagem que eventualmente podem atuar como delimitadores territoriais,
específicos para determinado grupo, étnico, social, político ou religioso, desde que sejam
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decodificados os seus respectivos símbolos. O espaço é abordado não só pelas suas
características físicas, mas principalmente pelas especificidades simbólicas contidas nas
imagens.
Há, nas cidades, determinados setores de maior tempo de ocupação. Esses espaços
denominados “centros históricos” trazem na configuração de sua paisagem elementos que
evidenciam uma seqüência de ocupações passíveis de observação arqueológica. Dessa forma,
a arqueologia histórica1,
pode ser confundida com a chamada “arqueologia urbana”, a quem interessa primordialmente analisar o uso e a transformação do espaço através do tempo nas cidades por meio das evidencias arquitetônicas, porquanto elas definem os limites espaciais das atividades e da distribuição dos artefatos, lidando também, por conseguinte, com sociedades complexas. (LIMA, 1989, p. 89).
Essa perspectiva, denominada de arqueologia pós-processual, data da década de 1980.
Nesse momento, a arqueologia passa a se preocupar “[...] com os interesses e inserções sociais
da arqueologia e dos arqueólogos, no passado e no presente. Por isso, foi chamada, também,
de contextual, preocupada com o contexto histórico e social da produção de conhecimento
[...]” (FUNARI, 2003, p. 51).
A convivência de diferentes teorias e campos do conhecimento científico com a
arqueologia histórica, a exemplo da geografia e da história, e sua atuação, de modo
convergente e/ou divergente, sugestiona algo salutar (FUNARI, 2003). Seu objeto de estudo,
a cultura material, pode elucidar traços significativos que caracterizam ou caracterizaram a
produção humana de um determinado período, seja pelos instrumentos tecnológicos ou pela
capacidade criativa desse homem. Por fim, São Cristóvão possui de fato uma relevância
1 A classificação dos sítios e artefatos arqueológicos no Brasil segue os seguintes critérios: “arqueologia pré-histórica” para toda aquela produção que antecede à colonização portuguesa, e “arqueologia histórica” para toda produção datada do período colonial em diante, que tenha alguma influência européia.
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enquanto centro histórico, tendo cravado em sua paisagem marcas da atuação humana e
consolidação do espaço edificado ao longo dos tempos. Estudar o espaço por meio da
paisagem edificada é particularmente interessante pois, ele “testemunha um momento de
produção do espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada.” (SANTOS, Milton,
2002 b, p. 173). Assim, as cidades históricas conservam em suas paisagens formas duráveis
representativas das idéias de outros períodos.
Para a construção deste trabalho, foi realizada uma pesquisa de corte longitudinal.
Essa compreendeu desde os debates acerca da localização do sítio primitivo, da cidade de São
Cristóvão, até os ritos públicos mais recentes, datados do ano de 2004. Para tal, foram
utilizados fontes documentais, primárias e secundárias, acompanhado da formação de um
banco de imagens. Essas parecem fundamentais enquanto documentação da produção ou do
vestígio material e seu referencial de construção simbólica, procurando-se estabelecer
conexões entre o texto e o elemento visual. Elas buscam, de alguma forma, evidenciar
momentos distintos de ocupação dos espaços públicos.
A consolidação de um banco de imagens se deu não apenas por meio de elementos
bibliográficos. Foram utilizadas imagens cedidas pela Secretaria Municipal de Obras,
Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão; pesquisas via internet; junto ao
acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte da Universidade Federal de Sergipe
(CULTART/UFS); além de imagens produzidas recentemente, entre outubro de 2002 e abril
de 2004.
Concomitantemente à realização das imagens, foi desenvolvido, no centro histórico de
São Cristóvão, um incurso etnográfico sobre as ruas da cidade. Esse procedimento
possibilitou a obtenção de informações adquiridas por meio da oralidade além de enriquecer o
banco de dados iconográficos, com imagens de álbuns particulares.
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Para discorrer sobre os usos dos espaços públicos no centro histórico da cidade de São
Cristóvão foram desenvolvidos três capítulos: No primeiro, evidenciou-se a sua paisagem,
tomando-a como um centro histórico e debatendo-a segundo uma perspectiva da arqueologia
histórica. No capítulo seguinte, foi realizada uma (re)constituição histórica, desde a sua
fundação até as políticas públicas de preservação de seu conjunto arquitetônico. No terceiro
capítulo procurou-se compreender quais os usos e sentidos atribuídos aos espaços, formadores
da paisagem hoje, em dias comuns, cotidianos e em momentos extraordinários, envolvendo
manifestações de rituais sagrados, profanos, cívicos e artísticos.
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24
Capítulo 1
SÃO CRISTÓVÃO COMO CENTRO HISTÓRICO: UMA PERSPECTIVA ARQUEOLÓGICA.
1.1 Localização
Canindé deSão Francisco
Poço Redondo
Porto da Folha
Gararu
ItabiN. Sra de Lourdes
Canhoba
Aquidabã
GracchoCardoso
N. Sra da Glória
Carira N. S. Aparecida
S. Migueldo Aleixo
Feira Nova
N. Sra. DasDores
Cumbe
RibeirópolisFrei Paulo
Pinhão
Mancambira
Pedra
São Domingos
Campodo
Brito
Itabaiana
Lagarto
Riachão do Dantas
Tobias Barreto
Poço Verde Simão Dias
Itabaianinha
Tomar do Geru
Cristinápolis
Umbaúba
Indiaroba
Santa Luziado Itanhi
Arauá
PedrinhasEstância
Boquim
Salgado
ARACAJU
Itaporanga D’ajuda
São Cristóvão
N. S. Do SocorroBarra dos Coqueiros
AreiaBranca Laranjeiras
Malhador
Moita Bonita
S. Rosade Lima
Siriri
Riachuelo Maruim
Rosáriodo Catete
Gen. Maynard
Santo Amaro
das Brotas
Carmópolis Pirambu
Japaratuba
CapelaPacatuba
JapoatãMuribeca
Malhada dos BoisS. Francisco
Cedro deSão João
Amparo deS. Francisco
TelhaPropriá
Neópolis
Santana do S. Francisco
Ilha das Flores
BrejoGrande
Monte Alegre de Sergipe
Boquim
DivinaPastora
Cristinápolis
0 20 40 Km
Mapa 1. Digitalizado pelo autor.
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O sítio da cidade, propriamente dita, encontra-se localizado no vale do Vaza Barris a
aproximadamente 25 km do litoral sergipano. Tendo antes passado por outras duas
localizações, estabeleceu-se de modo definitivo sobre uma colina, denominada pelos
moradores locais de ‘cidade alta’. Nesta acrópole são encontrados os monumentos históricos
mais significativos, enquanto que, na parte baixa, mais moderna, acham-se localizadas as
fábricas de tecidos, as casas de seus respectivos operários e os trilhos da Viação Férrea Leste
Brasileiro, implantados em 1913, quando a cidade passou por um processo de retomada do
seu desenvolvimento. A planície sobre a qual se encontra a ‘cidade alta’ é do tipo arenosa e
baixa, atingindo 100 metros de altitude na curva de nível, formada por terrenos terciários
clásticos do Grupo Barreiras (AZEVEDO, P., 1980 a). São Cristóvão está localizada em uma
“Zona Fisiográfica do litoral sergipano, entre os rios Poxim Assu, ao norte e Vaza Barris ao
sul e sudoeste” (FERREIRA, 1959, p. 463). A cidade propriamente dita encontra-se ao sul do
território do município e à margem esquerda do Paramopama, mais precisamente nas
seguintes coordenadas: 11º 00’ 59” de latitude Sul e 37º 12’ 09” de longitude W. Gr.
(FERREIRA, 1959).
Em período de prosperidade econômica na região Nordeste do Brasil, a cobiça pela
conquista desses territórios foi provavelmente muito grande. No mapa abaixo, datado de
1637, é possível visualizar “Sergippe Del Rey”. A localização de São Cristóvão, sede da
capitania, sugere a sua atuação para fins estratégicos, principalmente por estar localizado
entre dois grandes centros produtores de cana-de-açúcar, Bahia e Recife.
Apesar da prosperidade econômica, esse período ficou marcado pela presença
constante de conflitos, quase sempre permeado por ameaça de invasões estrangeiras. As três
mudanças de sítios, sempre procurando um local mais seguro, distante dos ataques inimigos,
parecem refletir essa situação.
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Mapa 2.
Fonte: http://www.literaturadosviajantes.kit.net/imaginario/mundo/mundo009.jpg
O espaço definitivo de sua localização seguiu o modelo português. Extremamente
preocupado com o fator segurança, São Cristóvão, após duas mudanças, teve o centro de seu
sítio inserido em uma faixa de terra, caracterizada como tabuleiros, formada com altitudes que
variam “entre 30 e 100 metros, com relevos de topos planos, seccionados por vales abertos ou
mesmo em ‘U’, colinas convexas e declives orientados para o litoral” (SANTOS;
ANDRADE, 1992, p. 62).
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Mapa 3.
Fonte2: NASCIMENTO, 1991, p. 23.
As primeiras tentativas de colonização, após as batalhas diante dos índios tupinambá,
vieram com os Jesuítas. Esses representaram as primeiras ordens religiosas a chegar em
Sergipe por volta de 1597, seguidos dos Beneditinos em 1609 e dos Carmelitas em 1618
(OLIVA, 1991; NUNES, 2000). Durante este período foram desenvolvidas atividades
agrícolas nas lavouras açucareiras e boiadas do sertão.
Somente a partir do século XVII, São Cristóvão começa a consolidar seu aspecto
monumental, conservando ainda hoje “62 logradouros públicos, dos quais 13 pavimentados a
paralelepípedos e seis a pedras irregulares” (FERREIRA, 1955, p. 465).
2 Fonte original: Panorama - Revista Portuguesa de Turismo. n. 33-4, IV Série, p. 23. Diz o mapa: “a povoação nova a que chamam São Cristóvão”.
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1.2 Espaços e Territórios: a consolidação da paisagem.
Conforme Raffestin (1993), a análise das atividades humanas envolvem três aspectos
fundamentais: a população, englobando aí o que ele mesmo denominou de “certos seres”; o
território, entendido não só na sua relação espacial como também temporal e, finalmente, os
recursos, ou seja, denominado, ainda, segundo Raffestin (1993) de “certas coisas”. Ao longo
deste capítulo, serão abordados alguns dos principais conceitos que versem sobre o locus de
sociabilidades que se estendem desde o lugar, passando pela constituição do espaço e,
finalmente, o terceiro elemento denominado território.
Segundo Vasconcelos (2001), o termo geográfico “lugar” tem origem anglo-saxã, e
significa “porção do espaço geográfico ocupado por pessoas ou coisas”3. O espaço esteve
tradicionalmente associado à perspectiva “natural”, contudo há algum tempo vários estudiosos
têm se debruçado sobre o aspecto “social” do espaço, e hoje essas duas perspectivas assumem
um papel indissociável. Para Castells, por exemplo, “o lugar é um local cuja forma, função e
significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade física” (1999, p. 447). Em
sentido histórico o lugar pode ser admitido por meio de casas, fortes, igrejas, quarteirões,
cidades, etc. O termo espaço é derivado do latim spatium e, originalmente significava a
porção de uma superfície, intervalo ou o conjunto de superfícies. Ele é constituído de
diferentes usos da terra e, por isso, não pode ser definido sem referencias às práticas sociais.
O espaço, analisado segundo as teorias sociais, corresponde ao produto material fruto das
relações sociais, enfim ele [o espaço] “não é o reflexo da sociedade, é sua expressão. Em
outras palavras: o espaço não é uma fotocópia da sociedade, é a sociedade” (CASTELLS,
1999, p. 435). Enfim, o espaço não se encontra de modo aleatório, jogado ao acaso; ao
contrário, há nele elementos que caracterizaram os diversos pensamentos e interesses típicos
2 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 482 ( apud VASCONCELOS, 2001, p. 23).
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de cada período da organização social. Portanto, em conformidade com Milton Santos, é
possível afirmar que “o espaço é a matéria trabalhada por excelência” (2002 b, p. 172).
O termo território ou territoire, conforme sua idéia original no francês. A essência
formadora desses está na apropriação do espaço, com sentido e consciência de sua
apropriação4. Alexander (1997), chama atenção para o caráter comum tanto em filósofos
quanto em leigos: “ao idealizarem a sociedade civil como um espaço universalista e abstrato,
um mundo aberto, ilimitado, um horizonte sem fim”5. O território, por sua vez, tende a
converter o espaço da sociedade civil em um ‘lugar’ particularizado. Isso ocorre pois
determinados grupos étnicos, decidem revestir, o espaço comum de sociabilidades, de uma
aura ou de um sentido sagrado, muitas vezes, protegido por algo sobrenatural.
O debate sobre a idéia de território foi historicamente construído a partir de duas
perspectivas. A primeira, denominada ‘território étnico’, voltas-e para a apropriação de
diferentes espaços dados pelos interesses tangíveis, econômicos, políticos. A outra perspectiva
compreende o ‘território sagrado’ caracterizado pelos espaços protegidos por algo
sobrenatural, intangível. (VASCONCELOS, 2001) Há, no entanto, um outro entendimento
atribuído a sacralização do território, formulado de forma heterogênea a partir de experiências
cotidianas, entendidas pelo olhar dos atores sociais, que relaciona os
locais privilegiados, qualitativamente diferente dos outros: a paisagem do natal ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na primeira cidade estrangeira visitada na juventude. Todos esses locais guardam, mesmo para o homem mais francamente não-religioso, uma qualidade excepcional, “única”: são os “lugares sagrados” do seu universo privado, como se neles um ser não-religioso tivesse tido a revelação de uma outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana. (ELIADE, 2001, p. 28).
4 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 482 , (apud VASCONCELOS, 2001, 21-2). 5 Não consta página, documento disponível in CD-room: 6º encuentro de geógrafos de América Latina: Territorios en redefinicion: lugar y mundo en América Latina.
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30
Finalmente, a paisagem constitui um elemento bastante significativo para a
compreensão da configuração espacial hoje. Entendida enquanto a aparência de uma área, a
paisagem pode traduzir as diferentes idéias e conflitos sociais que caracterizaram um
determinado período por meio de evidências materiais ou em representações simbólicas
encontradas nos frontispícios e em perfis urbanos.
As diversas sociabilidades desenvolvidas em um determinado contexto espaço-tempo
resultam, quase sempre, em relações poder. Essas disputas quando aplicadas ao espaço
antropológico, são geralmente responsáveis pela formação de territórios. Elas encontram
manifestações mais sutis na modernidade, capazes de atribuir e de reconhecer na paisagem
edificada, elementos simbólicos que atuam, quase sempre, como delimitadores espaciais de
grupos e de práticas sociais. Tem-se aí, então, estabelecidos alguns dos critérios formadores
da paisagem antrópica. Esta será a base para o surgimento das cidades e, a partir das
necessidades típicas de um dado período, o desenvolvimento de redes. O conceito de rede está
umbilicalmente interligado a idéia de fluxos ou deslocamentos, em um ou mais conjunto de
linhas ou de relações mais ou menos complexas. Os fluxos, por sua vez, correspondem a
“seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições
fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e
simbólica da sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 436). Nos espaços de fluxos, há uma permuta
ou o compartilhamento de idéias e de organização material, evidenciada em ações
desenvolvida pelos atores sociais.
A temporalidade é imprescindível para entendermos o presente. Ela é reveladora de
dados substanciais que se estendem desde a origem de determinadas comunidades, sua
localização e, até mesmo nome atribuído a esse sítio. O tempo, ademais, constitui um
importante elemento para o estudo das sociabilidades, por isto é fundamental correlacionar
espaço-tempo, buscando compreender qual a relação entre a paisagem edificada e o tipo de
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pensamento vigente em uma dada sociedade. Por meio desta tríade de elementos - relação
espaço-tempo, paisagem edificada e pensamento vigente - talvez seja possível especular
acerca das sociabilidades e das práticas cotidianas desenvolvidas tanto na esfera pública como
privada daquela sociedade.
Independentemente de abstrações conceituais, as sociabilidades são desenvolvidas
efetivamente em um determinado espaço do qual não se pode excluir o espaço-tempo
simbólico. Haesbaert (2002), por exemplo, chama atenção para o caráter inovador e
desafiador em que o pesquisador do espaço na modernidade é conduzido, isto ocorre
justamente pelo fato, talvez, deste objeto não ter recebido as devidas preocupações na
geografia.
Falar em espaço na geografia era tradicionalmente referir-se ao espaço natural,
entendido enquanto rios, montanhas, vales etc. No primeiro momento esses elementos
naturais foram imbuídos de caráter simbólico por meio da associação de forças políticas. Um
determinado rio qualquer não apenas é um elemento natural, ele pode representar uma
fronteira simbólica entre territórios distintos. Com o decorrer dos tempos a arquitetura
transformou aspectos antes exclusivos da natureza em caráter antrópico, conferindo à política
por meio de mediação simbólica. Neste segundo momento, o elemento simbólico ditado em
obras arquitetônicas, é traduzido por uma maior sutileza e, por vezes acaba por delimitar
territórios antes delimitados por rios, vales, etc. Desse modo, o espaço que tradicionalmente
era tratado de forma absoluta, em suas características naturais e posteriormente associado ao
caráter político, configurando territórios religiosos, políticos ou por consangüidade, parece ter
evoluído para o espaço histórico e, muitos desses, revitalizado (GIL FILHO, 1997).
Soja (1993), propõe o estudo do espaço fundamentando-o em três modelos
epistemológicos. O primeiro deles, denominado de Espaço Percebido, encontra seu foco
centrado na prática espacial e compreende a materialidade do espaço empírico e suas
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mediações locais possíveis. O segundo espaço ou o Espaço Concebido, irá ater-se à
representação do espaço, em um modelo fortemente assentado no simbolismo do visual, de
cunho estético, artístico e interpretativo da estética arquitetônica e do imaginário. O primeiro
modelo encontra-se mais próximo de análises marxistas, enquanto o segundo volta-se para a
semiótica do espaço, neste sentido, parece haver aí uma dualidade. O Espaço Vivido ou o
terceiro espaço – não confundir com a idéia de “Terceiro Espaço” proposta por Hommi
Bhabha (2000), a ser analisado mais adiante – constitui um modelo de estudo que busca
resolver esse “impasse” através da desconstrução da dualidade entre o primeiro e o segundo
espaço. Ele apresenta uma articulação entre as dimensões históricas, sociais e espaciais do
cotidiano. Para Soja (1993), o “Espaço Vivido” parece representar uma tentativa
interdisciplinar de compreensão do espaço. Gomes (2002), por exemplo, defende o diálogo
entre a geografia e as demais ciências sociais, constituindo assim uma possível contribuição
para elaboração de análises espaciais voltadas para a compreensão dos problemas sociais. Ao
que parece, há uma lacuna provocada por estes outros campos disciplinares que ainda não
conseguiram atentar para esta possibilidade de análise, dialética, por meio de tentativas de
compreensão dos conceitos que se exprimem por meio de jogos de oposições e confrontos.
Haesbaert (2002), chama a atenção para a necessária utilização de elementos bibliográficos de
áreas que tradicionalmente se inserem em circuitos de debates “a-espaciais”, como a
sociologia e a história e, por que não dizer, a antropologia.
Conforme apontado no parágrafo anterior, há uma outra compreensão possível para o
entendimento do termo “Terceiro Espaço”, proposto por Bhabha (2000). Fundamentado em
análises que questionam a pureza ou a autenticidade de modelos propostos, tanto pelas nações
imperialistas e colonialistas quanto pelas nacionalistas. Para Bhabha (2000) a cultura é
produto sincrético da adaptação híbrida. O Terceiro Espaço, por isso mesmo, representa o
locus de enunciação entre os atores sociais, onde são desenvolvidas as capacidades
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produtivas. Essa “enunciação da diferença cultural” (BHABHA, 2000, p. 26), por sua vez,
implica em algo mais que a representação binária entre passado e presente, tradição e
modernidade. Ela deriva de uma temporalidade da negociação ou da tradução, na qual o valor
transformacional da mudança reside na rearticulação de elementos constituídos na vida
contemporânea, enquanto espaço de comunicabilidade social e de enunciação ideológica onde
a ênfase não está nem em um e nem no outro, mas nos diferentes grupos sociais. Esse é um
espaço onde há a negociação em detrimento da negação e esse caráter sincrético, híbrido, de
negociação torna possível que “os mesmos signos possam ser apropriados, traduzidos, re-
historicizados e lidos de outro modo” (BHABHA, 2000, p. 28).
Embora o debate em torno da idéia de lugar, de espaço e de território se configure
como categorias conceituais do locus onde são desenvolvidas diversas sociabilidades, é
fundamental esta introdução, pois elas trazem em seu bojo um caráter subjetivo capaz de
orientar experiências e expectativas.
O termo conceito vem do latim con-capere, que significa “compreender o conjunto”.
Segundo Bailly6, o conceito implica em uma “representação mental, abstrata, e uma
reconstrução analítica do mundo” (VASCONCELOS, 2001, p. 15). Para Brunet; Ferras;
Théry7 ele pode ser definido ainda enquanto uma “representação geral, de natureza abstrata,
claramente definida e mesmo consensual, suscetível de guiar a pesquisa e de fundamentar
suas hipóteses” (VASCONCELOS, 2001, p. 15).
A idéia de lugar é fundamental para o debate sobre o patrimônio, pois está implícita a
utilização deste locus pelos atores sociais. Contudo, o lugar pode ser entendido de duas
maneiras, aqui denominadas de sentido ‘isotrópico’ e de sentido ‘antrópico’. A primeira
descrição, por exemplo, parece muito mais próxima dos estudos propriamente geográficos –
6 BAILLY, Antoine (Ed.). Les concepts de la géographie humaine. Paris: Masson, 1991. p. 11 (apud VASCONCELOS, 2001). 7 BRUNET, R.; FERRAS, R; THÉRY, H. Les mots de la géographie humaine, Montpellier, Reclus. Paris: La Docomentation Française, 1993. p. 120 ( apud VASCONCELOS, 2001).
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ou pelo menos da geografia física – nela pode-se afirmar que “um lugar é a ordem (seja qual
for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto
excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. [...]. Um lugar é
portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade”
(CERTEAU, 1994, p. 201). É possível afirmar que, nesta abordagem, há a incompatibilidade
da coexistência de dois ‘corpos’ materiais em um mesmo lugar.
Augé (1994, 1999), contudo, parte de uma abordagem mais próxima da antropologia e
faz uma incursão relacionando lugares e não-lugares. O primeiro representa o lugar do “em
casa”, é comum a todos que o reconhecem enquanto identitário, relacional e histórico, enfim
são espaços antropológicos, pois há entre uma relação estes e seus atores sociais. Neste
sentido a idéia de lugar compreende a correlação entre as características subjetivas e, por
outro lado, os processos de identificação e as relações de identidade. Em outras palavras,
pode-se afirmar que o lugar é marcado pela memória cotidiana, pela identidade entre estes
espaços e aqueles que o reconhece em sentido identitário. Ainda segundo Augé, há no lugar
uma construção concreta e simbólica do espaço, esse passa a ser definido em sentido
antropológico enquanto uma apropriação simbólica de um determinado espaço por um grupo
ou classe social.
O não-lugar corresponde a espaços produzidos pela supermodernidade. Se por um
lado, a idéia de modernidade está geralmente associada ao surgimento do Renascimento,
definido nos termos Antigo e Moderno, há uma outra perspectiva elaborada sob o ponto de
vista da sociologia, segundo a tradição alemã, que associa a modernidade ao processo
progressivo de racionalização e de “diferenciação econômica e administrativa do mundo
social (Weber, Tönnies, Simmel) – processos esses que resultaram na formação do Estado
capitalista-industrial” (FEATHERSTONE, 1995, p. 20). Por outro, para Augé “a
supermodernidade surge quando a história se torna atualidade, o espaço torna-se imagem e o
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indivíduo, olhar, por oposição a uma pós-modernidade concebida como adição arbitrária de
traços aleatórios” (1999, p. 141). O não-lugar, inversamente ao primeiro, encontra-se marcado
pela ausência de identidade. Neste sentido, nele tudo é efêmero, provisório, são, portanto,
ahistóricos. É preciso salientar, contudo, que ambos não existem sob uma forma pura, ao
contrário, há entre estes uma relação dialética, um jogo embaralhado de identidade e de
relação que se reinscreve incessantemente. A crítica ao pensamento de Augé deriva
justamente dessa relação dialética, ela está fundamentada na idéia de que “os ‘lugares’ não
estão simplesmente perdendo identidade, relações e história. [...], eles muitas vezes estão se
redefinindo pela multiplicidade de identidades, relações e histórias que passam a incorporar”
(HAESBAERT, 2002, p. 139).
Segundo Gomes (2002), o Estado criado pelo estado moderno reúne elementos
materiais e abstratos, que configuram um lugar, entendido em sentido material e abstrato,
reafirmando dessa forma a luta contra desigualdades e injustiças. Finalmente, para Castells
(1983) o lugar compreende forma, função e significado, implica em diversidade de usos e de
funções desenvolvidos em um local que, por sua vez, independem da contigüidade das
fronteiras físicas.
Partindo-se da idéia de espaço físico e, por outro lado, de lugar em seu sentido
antropológico, é possível adentrar no segundo elemento conceitual: o espaço. A palavra
espaço vem do latim spatium. Em sentido isotrópico pode significar porção da superfície,
intervalo ou conjunto de superfícies, já no sentido antropológico ele pode representar o espaço
de poder, o espaço sagrado ou o espaço de trabalho (VASCONCELOS, 2001), enfim,
segundo Merleau-Ponty (apud CERTEAU, 1994) é possível distinguir o espaço “físico” e o
espaço “antropológico”. Há, em Certeau, uma diferença entre o espaço geométrico, entendido
enquanto localidade hegemônica ou isotrópica e o espaço antropológico, vinculado às
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múltiplas experiências locais. Conforme apontado por Merleau-Ponty, o espaço é dado pela
efetiva ocupação e práticas desenvolvidas em um determinado lugar.
As atividades e práticas desenvolvidas em um determinado espaço são típicas de um
período. Segundo Castells (1983), o espaço é o produto material produzido a partir de
determinadas relações sociais que, associados em sua forma e função, são responsáveis por
uma significação social. O espaço urbano, por exemplo, não se encontra de modo aleatório,
jogado ao acaso, ao contrário, há nele determinismos de cada tipo e de cada período da
organização social. Neste sentido, a paisagem representa o resultado de acúmulo lógico dos
diversos tempos vivenciados de forma diferenciada, pelos habitantes e citadinos, conforme a
disponibilidade de recursos materiais, equipamentos tecnológicos, expectativas ideológicas e
experiência individual e grupal (ETCHEVARNE, 2002). No espaço antropológico as diversas
forças sociais conduzem a um “efeito produzido pelas operações que o orientam, o
circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas
conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 1994, p. 202), resultando desta
forma nas diversas divisões do espaço e dos subespaços, estes, por sua vez, são frutos dos
conflitos, das lutas e interesses contrários que resultam, no presente, nas diferentes estruturas
espaciais elaboradas no passado.
Assim como o homem e a cultura se confundem, é possível afirmar que a produção do
espaço, conforme proposto por Lefebvre (1974), envolve uma determinada historicidade, que
é específica; determinadas sociabilidades, nas quais estão envolvidas ações de grupos sociais,
seus conhecimentos, ideologias ou domínio das representações exteriorizadas em
manifestações materiais e imateriais, em hábitos cotidianos; e, por fim, a espacialidade,
entendido pela diversidade de arranjos aos quais os objetos naturais e sociais encontram-se
contidos no espaço, bem como as redes e vias através das quais podem vir a se configurar as
trocas de informações e de mercadorias. É possível afirmar, portanto, que “o espaço não é o
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reflexo da sociedade, é sua expressão. Em outras palavras: o espaço não é uma fotocópia da
sociedade, é a sociedade. As formas e processos sociais são constituídos pela dinâmica de
toda estrutura social” (CASTELLS, 1999, p. 435).
Para Carlos, a “paisagem é uma forma histórica específica que se explica através da
sociedade que a produz, [...]” (2001 a, p. 43), por isso o estudo da paisagem pode ser bastante
significativo para o entendimento de como foram elaborados elementos materiais e
simbólicos, delimitadores de práticas cotidianas. Segundo Castells (1983), o espaço
construído e o tempo histórico transformaram-se em paisagem que foram incorporados ao
espaço. Esse fenômeno ao qual Castells se referiu denominando-o de “rugosidade” pode
fornecer pistas de organização social, manifestadas em sociabilidade, técnicas e organização
da produção desenvolvidas no cotidiano desses povos. Esta parece ser a essência delimitadora
para a formação territorial. Assim, esta formação constituída pela paisagem natural e/ou
antrópica, remete a apropriação de um determinado espaço com sentido e consciência, por
meio do qual se configura o espaço político, revelado em lutas e tensões, responsável por
diferenciações no cotidiano de diversos grupos.
Castells (1983) sugere a não existência de uma teoria específica do espaço. Na
realidade, segundo o autor, o que parece haver é um desdobramento e uma especificação da
teoria da estrutura social, que tende a articular o espaço e outras formas de processos
historicamente construídos. O pesquisador interessado em estudar um determinado espaço,
em seus aspectos sociais, deve necessariamente deparar-se com o sistema econômico, ou de
subsistência (conforme o espaço-tempo dessa sociedade), o sistema simbólico em relação às
práticas sociais ali estabelecidas.
A sacralidade de um determinado espaço parece estar associada, acima de tudo, com
as relações subjetivas adotadas pelos atores sociais. Para Certeau & Giard, por exemplo, o
“território onde se desdobram e se repetem, dia a dia, os gestos elementares das artes de fazer,
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é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente. De tudo se faz para não ‘retirar-se’ dela,
porque é o lugar em que a gente se sente em paz” (CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p.
203). Portanto, estas podem se estender desde a esfera privada, a partir de ações vivenciadas
na individualidade, até a esfera pública, quando estas práticas são vivenciadas em sentido
coletivo, pelos diversos atores sociais.
O ator social, e somente ele, é capaz de atribuir sentido a sua ação, pública ou privada.
Ele é o sujeito da ação praticada, em um determinado contexto específico, no tempo e no
espaço. Desta forma, a legitimação desta apropriação não ocorrerá simplesmente pela ação
dos agentes sociais, ou pela intelectualidade, munidos de todo o aparato jurídico/institucional,
ao contrário, é preciso que esta política de apropriação se dê com e não para.
Há, entretanto, uma outra proposta que irá diferenciar os usos e apropriação do espaço,
fundamentada na distinção entre o público e o privado, opondo-se, dessa maneira, à dicotomia
sagrado e profano (GOMES, 2002). O nomoespaço, como é denominado, “é assim construído
de maneira a experimentar relações formais de pertencimentos, mas sobretudo de
ordenamento. Assim, cada instituição social dispõe de sua área de controle e vigilância, as
práticas sociais são regulamentadas no espaço, e os signos de delimitação territorial são
inequívocos” (GOMES, 2002, p. 39-40). O nomoespaço configura-se enquanto um espaço
normativo, regulador e formalizador de práticas, constituindo, portanto, uma condição
necessária para que se configure a idéia de um pacto social do tipo contratual. Corroborando
esta assertiva França (1999, p.33) expõe que:
Os grandes espaços urbanos modernos apresentam-se, identificando-se claramente várias cidades dentro da cidade. São grupos de interesses diversos, gerando nos lugares os conflitos. A administração dessa gama de interesses está a cargo do Estado, que, na maioria das vezes, torna posição de defesa dos grandes grupos econômicos que controlam as cidades.
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Toda apropriação seja ela de qualquer natureza, está amarrada a um contexto.
Lefebvre (1974), por exemplo, sugere o ‘movimento trialético’ para que se possa
compreender a produção do espaço a partir de práticas sociais: a ‘historicidade’, a
‘sociabilidade’ e a ‘espacialidade’. Para entender a historicidade da ação humana em um
movimento trialético, é necessário ligá-la à realidade social por meio de relações e formas. A
ação humana, portanto, deve ser abordada enquanto um tríplice movimento, que se insere em
um determinado contexto histórico. Este não deve limitar-se a elaboração de simples
inventário quantitativo dos objetos inseridos em um espaço, é preciso estabelecer tipologias,
notar a freqüência com que estes se repetem e o respectivo georeferencial da cultura material.
As ciências sociais neste momento parecem privilegiar estudos e abordagens que busquem as
ações subjetivas, o sentido atribuído e o cotidiano desses atores sociais. Estes passam a ser
entendidos não como uma massa amorfa, sem sentimentos, sem vontades, conduzidas pela
intelectualidade, ao contrário, os atores sociais são responsáveis pelas práticas cotidianas e
pelo sentido atribuído a essas.
O segundo elemento traz consigo conhecimentos de grupos específicos que acabam
por legitimar ideologias ou domínios de representações simbólicas, imagens, edificações etc.
que, de alguma forma, estão atrelados a determinados grupos sociais. Encerrando a tríade
tem-se a espacialidade. Aqui, ao que parece, confundem-se elementos isotrópicos e
antrópicos. Segundo Lefebvre (1974), a espacialidade engloba a diversidade de objetos
naturais e sociais contidos no espaço, ou ainda, as redes, as vias, a troca de informações e de
mercadorias. As redes por sua vez podem servir como importante elo em um amplo projeto de
integração territorial. Elas possibilitam a quebra de barreiras, a circulação de mercadorias, de
matérias-primas e de capitais, aproximando lugares distantes e promovendo a integração
territorial (CASTRO; GOMES; CORRÊA, 1995). Elas não existem de modo puro, único ou
exclusivo, há uma gama de possibilidades pelas quais as redes podem de fato ser efetivadas.
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A forma original desse terceiro espaço foi denominada de espaço absoluto. Ele é
representado essencialmente pelos elementos da natureza, tais como rios, montanhas, vales
etc. Deste modo, segue-se àquele que imprime forças de caráter simbólico, por exemplo, a
religião, a economia e a política. Estes são alguns dos principais elementos representativos da
ação antrópica, responsáveis pela transfiguração do espaço natural em espaço social, e pela
ocupação de forças políticas que irão atuar de forma delimitadora sobre o espaço. Em um
segundo momento, a arquitetura transformou o que era da natureza em caráter antrópico
conferindo-lhe caráter político por meio de mediação simbólica. A arquitetura associada ao
simbólico acabou por delimitar territórios antes delimitados por rios, vales, etc.
O homem, ao ocupar um determinado espaço, acaba por configurá-lo, deixando
marcas de sua ocupação de modo temporário ou perene, imprimindo traços que marcam a
paisagem e modificam a natureza, deste modo “o espaço absoluto, religioso e político em
caráter era produto dos laços de consangüidade, solo e idioma mas, além disso, evoluiu para
um espaço revitalizado e histórico” (GIL FILHO, 1997, p. 112). Esta ação traz no seu interior
traços representativos de um determinado grupo social e de suas relações sociais típicas de um
espaço-tempo distinto, imbuído de valores, e de ação simbólica, que são responsáveis pela
formação de territórios distintos. Muitas vezes, alguns elementos da natureza, a exemplo de
rios e vales, etc, são revestidos de caráter simbólico e, a partir daí, são estabelecidas
convenções de delimitação territorial. Há, contudo, outras formas muito mais sutis, e
provavelmente mais eficazes, de se estabelecer tais limites encontrados a partir da
transformação de um locus antrópico expresso em edificações petrificadas no espaço, tais
como igrejas, palácios etc.
O cotidiano se expressa em espaços de representação, colocando de lado as
preocupações relativas à idéia de processo histórico e suas descrições geográficas do espaço
natural, ou ainda, a compreensão das transformações sociais, geralmente preocupadas com os
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eventos e suas instituições. Estas, geralmente, são abordadas por meio de documentos que
representam o olhar do narrador, filtrando o objeto de acordo com suas perspectivas
epistemológicas ou, ainda, com suas percepções sensoriais, muitas vezes atreladas a um
determinado juízo de valor. Ao analisar a cultura material, o arqueólogo encontra a
informação em sua fonte primária, não filtrada por outros olhares. A paisagem edificada além
de representar seu estado quase que in natura, pois este pode ter passado por alguma mudança
ou retoque, contudo dificilmente ocorrerá mudança radical por se encontrar encaixada entre
outras construções.
A cidade é resultado de conflitos cotidianos que caracterizaram não só as gerações
passadas como também os grupos que se transformam e transformam o ambiente em formas
concretamente visíveis. Ela é, portanto possuidora de significado real. Na cidade, é possível
perceber não apenas a natureza dos seus processos evolutivos, dos seus equilíbrios e tensões
(FORTUNA, 1997) exteriorizados, por exemplo, na paisagem edificada, como também a
heterogeneidade entre modos de vida, resultando assim em diferentes usos dos espaços, por
meio do qual ele se constrói e se reproduz de forma desigual e contraditória. Enfim, a cidade
se apresenta tal como um locus privilegiado, onde os atores sociais estão a desempenhar
distintas sociabilidades que podem se estender desde o flâneur8 até a atitude blasé9. Esta
concepção de cidade enquanto espaço fragmentado e disputado abre um leque de
possibilidades para o seu entendimento, na qual ela deixa de ser reconhecida como “coisa” e
passa a ser interpretada em diferentes perspectivas, que podem percebê-la enquanto pares de
oposição, pelos seus conflitos internos ou, ainda, enquanto elemento dialético. Nesse sentido,
8 Conceito elaborado por Walter Benjamin (1997) inspirado na famosa descrição do poeta Baudelaire em “Pintor da vida moderna”. O flâneur ou o vagabundo é identificado como aquele sujeito que passeia despreocupado com um trajeto específico ou o tempo gasto para percorre-lo. Esse sujeito se deixa levar motivado pelas múltiplas possibilidades de experimentar ou de conhecer algo novo. Na realidade, muito mais que um passeio pela cidade, o flâneur busca desenvolver uma etnografia da cidade, observando os múltiplos usos atribuídos aos diferentes espaços de sociabilidades. 9 Georg Simmel (1997), em sua clássica conceituação (atitude blasé), propõe de utilização de diferentes visões de mundo e de estilos de vidas, responsável pela contradição criadora de um ódio tanto “apaixonado” quanto “amargo”. Na atitude Blasé quanto maior a multidão em igual tamanho será o isolamento dos indivíduos. Identificados enquanto multidão anônima, incessível, indiferente.
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o processo urbano deixa de ser abordado enquanto trabalhos descritivos, agora, ao contrário, é
preciso buscar compreender a natureza político-social que está intrínseca a ele. Esta mudança
de perspectiva parece revelar um avanço nas formulações epistemológicas desenvolvidas para
o estudo das cidades, permitindo, dessa maneira, reconhecer na cidade o aspecto real e
representacional, o texto e o contexto, o ético e o estético, onde o tempo e o espaço vividos
podem ser (re)construídos.
A análise urbana passa a ser compreendida a partir da disposição espacial dos objetos
e das práticas sociais desenvolvidas em um determinado contexto, e procurando-se entender
qual o sentido atribuído àquela ordenação espacial. A paisagem edificada e a cidade parecem
abrir uma perspectiva para o entendimento de fenômenos urbanos, da sociedade e da
dimensão social e histórica desse espaço (CARLOS, 2001 a).
As cidades e os espaços edificados representam o acúmulo lógico de situações
produzidas ao longo dos tempos, em conformidade com as diversas ideologias, necessidades e
disponibilidade de material. Assim, a configuração espacial hoje pode informar muito, pode
ser bastante significativo para a construção de interpretações do passado.
Para entender o surgimento de determinado sítio, por exemplo, embrião fundador de
uma cidade, é fundamental a descrição de sua ocupação populacional, quais os recursos do
seu entorno e, na medida do possível, buscar conhecer os modos de viver, de pensar e de
sentir, enfim elementos da cultura local fundamentais na manutenção da existência desse
grupo. É preciso buscar elementos que possibilitem o seu entendimento enquanto produto do
processo em um determinado momento histórico. Neste sentido, a localização de um sítio do
período colonial brasileiro esteve geralmente orientada pelo fator segurança (OMEGNA,
1971). São Cristóvão, por exemplo, não fugiu a essa regra, localizada no alto de modo a
visualizar a chegada de inimigos, que poderiam ser desde os índios até os invasores franceses.
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O projeto português de povoamento do Brasil dá origem, segundo Darcy Ribeiro
(1995), a uma civilização urbana, a exemplo das cidades como Bahia, Rio de Janeiro, João
Pessoa, Olinda, entre outras. Freyre (1982) denominou esse processo de “rurbanização”,
caracterizado pelos toques urbanos a colorirem víveres ecologicamente rurais, ou em outras
palavras, são hábitos, modos viventes, tipicamente rurais em pretensas sociedades urbanas
que caracterizaram a sociedade brasileira no século XVI. São estes traços que irão, de forma
positiva ou negativa, marcar a passagem de uma sociedade pré-histórica para adentrar na fase
colonial, surgindo assim uma nacionalidade brasileira.
Um detalhe a ser observado é que, essas cidades e vilas do período colonial eram
muitas vezes criadas por ordem expressa da Coroa com fins de defesa da costa. De modo
geral “antes da cidade aparecer, um pequeno grupo decide que ela exista, pelo feiticismo de
uma Carta Régia e a implantação do pelourinho” (OMEGNA, 1971, p. 15). São Cristóvão, por
exemplo, nasce entre dois grandes centros produtores de cana-de-açúcar, Salvador e Olinda,
no entanto, embora este não pareça ser o motivo principal, o de guardar a costa, ele não
parece estar totalmente excluso nos planos portugueses. A evidência de outras localizações
para os dois primeiros sítios, embora não se saiba suas localizações precisas, ninguém
contesta que estes estariam mais próximos do mar.
Cristóvão de Barros ao fundar esta aglomeração primitiva parece não fugir à regra.
Desse modo, São Cristóvão constituiu um importante elemento estratégico na luta contra os
invasores franceses que margeavam o litoral e, mais tarde, quando Sergipe volta-se para a
pecuária, visando a ocupação territorial e o suprimento de carne e couro nos mercados
vizinhos, este sítio adentra o interior, talvez procurando distanciar-se da exposição ante os
ataques inimigos, mas também para controlar essa passagem que constituía a ligação entre
esses importantes centros produtores de cana-de-açúcar.
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44
Mapa do Brasil territorial: 1500 – 1822
Mapa 4.
Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa014.htm
As cidades, ao desempenhar um determinado papel, ganham relevância que parecem
perdurar por um determinado tempo. Desse modo “o centro urbano não é uma entidade
espacial definida de uma vez por todas, mas a ligação de certas funções ou atividades que
preenchem um papel de comunicação entre os elementos de uma estrutura urbana”
(CASTELLS, 1983, p. 275). A propósito, há uma diferença substancial entre “centro” e
“centro histórico”. Portanto, o primeiro pode ser entendido enquanto uma aglomeração
correspondente às praticas dos citadinos, geralmente é nesse que são encontradas a gênese das
cidades, enquanto o outro apresenta caráter qualitativo referente ao lugar com o qual se opera
administrativamente (SEABRA, 2001). Há, portanto, um movimento dialético capaz de
diferenciar o centro do centro histórico, mediado pelos usos e apropriação do espaço e pelos
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45
usos cotidianos. Fato semelhante pode ser observado para a diferenciação entre cidades e
cidades históricas.
A rigor, toda cidade é histórica, na medida em que foi construída a partir de lutas e
tensões no cotidiano de seus habitantes, trazendo em seu interior histórias vivenciadas no
decorrer dos tempos. A paisagem é construída, transformada, reformulada, são atribuídos
novos valores e sentimentos de apropriação por parte dos atores sociais. Neste sentido, como
diferenciar uma “cidade” de uma “cidade histórica”? A primeira, segundo Gomes, pode ser
definida enquanto “é um fenômeno de origem político-espacial, cuja manifestação deste
caráter se revela em sua dinâmica territorial” (2002, p. 15), e essa disposição física aliada à
sua dinâmica sociocomportamental constituem elementos formadores da condição urbana, por
outro lado, “a cidade histórica, na sua gênese tem uma realidade fundada numa ordem abstrata
de mando que perpassa as práticas sociais no seu conjunto e que se impõe, esforçando-se por
aplastar as singularidades dos modos de ser. Trata-se da religião como componente
estratégico que foi do projeto de colonização portuguesa” (SEABRA, 2001, p. 78).
O Estado português aliado ao catolicismo, incluía em seu projeto de colonização a
edificação de igrejas monumentais, exuberantes no coração de humildes vilas. Tudo convergia
para fazer do catolicismo um espetáculo proselitista com encenação, incluindo procissões,
músicas, novenas, sermões, ladainhas. A igreja central era o grande monumento vistoso, ela
“marca o centro citadino, porque é ela quase que a única edificação de feitio e estilo realmente
urbano” (OMEGNA, 1971, p. 23). Nas sociedades coloniais, o monumentalismo das igrejas
representava, simbolicamente, a superação da dicotomia entre as zonas rurais e urbanas,
atribuindo ordem a um espaço-tempo definido por meio de rituais simbólicos, praticados por
atores sociais que, independentemente de distâncias, reconhecem a sacralidade atribuída a
esse espaço, identitário e apropriado por todos aqueles que para ele rumam para prática de
zelos e de devoções. A localização “[...] e o domínio arquitetônico de suas edificações na
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praça principal, que as ordenações d’El-Rei lhe separam, é bem figura e testemunho de sua
soberania espiritual, moral e política que poucos ousam contestar” (OMEGNA, 1971, p. 27).
Via de regra a construção da cidade começaria pela chamada praça maior por meio de
monumentos religiosos. Dessa forma, o catolicismo atuava como um fator de coesão
ideológica em uma sociedade rarefeita, agregando as pessoas em um meio disperso e
cumprindo desse modo um papel político (LOPEZ, 1994). Os primeiros monumentos oficiais
edificados na atual São Cristóvão são de caráter religioso, entre eles encontram-se: a Igreja de
Nossa Senhora da Victória ou Igreja Matriz, datada do início do século XVII e o Conjunto
Franciscano (VILELA; SILVA, 1989, CARVALHO, 1989), cuja construção ficou decidida
em 1657, com a chegada dos franciscanos, havia construído a Igrejinha em janeiro de 1659 e,
no dia 12 de setembro foi lançada a primeira pedra do convento, o conjunto só foi concluído
na segunda metade do século XVIII (SANTOS, Marcelo, 2001). “As construções franciscanas
tinham frontispícios decorados, cruz de pedra no adro, e usava geralmente pedra e cal”
(LOPEZ, 1994, p. 46).
“A forma da praça seria de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a
dois terços do comprimento, de modo que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos”
(HOLANDA, 1969, p. 63). O partido arquitetônico das construções da praça,
independentemente de financiamento particular ou não, deveria seguir um plano
preestabelecido, regular, informe e simétrico. Esse espaço de relações sociais configurava
uma paisagem delimitadora de comportamentos, classificações de ações sociais, ordenamento
à dinâmica social e à hierarquia de práticas e de instituições (GOMES, 2002).
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Foto 1
Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, s.página10.
10 No detalhe a frente o Palácio do Presidente de Província, de frente para a praça, do lado esquerdo da imagem a antiga Santa Casa de Misericórdia e no plano inferior da imagem o conjunto Franciscano.
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48
Foto 2.
Fonte: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
A Igreja centralizava a vida citadina, nas cidades nordestinas, onde são desenvolvidas
relações sociais A porosidade, a que se refere Benjamin (1997), irá pensar na cidade
transformada em palco de relações sociais. As ruas, por sua vez, transforma-se em locus, por
excelência onde as tramas sociais são encenadas (CARLOS, 2001 a). O espaço é o ponto de
encontro, ao mesmo tempo em que é produto do próprio encontro, onde são desenvolvidas
sociabilidades e estabelecidas relações cotidianas com o lugar em atividades. Há a efetivação
de uma vivência pelos habitantes e citadinos, a partir de práticas diferenciadas. “A cidadania é
aqui concebida como algo que se traduz no cotidiano e nas ações mais habituais do cenário da
vida pública, ou seja, onde há vida pública há discussão e conflitos, que, de uma forma ou de
outra, traduzem-se em uma disputa territorial” (GOMES, 2002, p. 9). Neste sentido, a praça
onde está localizada a Igreja pode ser entendida não apenas pelo aspecto das sociabilidades,
como também pelo viés da competição, onde são desenvolvidas relações de poder, buscando
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espaços do seu entorno. A cidade colonial cresce nos desdobramentos da matriz e geralmente,
em torno da nova capela, dividindo-se em paróquias ou freguesias, como eram comumente
designadas, comprovando a dominação eclesiástica (OMEGNA, 1971).
Segundo Holanda,
a construção da cidade começaria sempre pela chamada praça maior. Quando em costa de mar, essa praça ficaria no lugar do desembarque do pôrto; quando em zona mediterrânea, ao centro da povoação. A forma da praça seria de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a dois terços do comprimento, de modo em que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos. Em tamanho, seria proporcional ao numero de vizinhos e, tendo-se em conta que as povoações podem aumentar, não mediria menos de duzentos pés de largura por trezentos de comprimento, nem mais de oitocentos pés de comprimento por quinhentos e trinta e dois de largo; a mediana e boa proporção seria a de seiscentos pés de comprimento por quatrocentos de largo. (1969, p. 63).
A ocupação de determinados espaços, onde são desenvolvidas sociabilidades traz,
quase sempre no seu cerne, a luta por interesses antagônicos, praticadas no cotidiano pelos
atores sociais. Para Featherstone (1995), há uma distinção relevante que confunde dois
significados de cultura, um ligado ao significado antropológico ou cotidiano e outro
relacionado à alta-cultura. O primeiro elemento encontra-se presente em todas as culturas, ele
está associado às práticas de representação efetivadas pelos atores sociais, enquanto o outro
representa o produto de uma construção simbólica elaborada por um conjunto de especialistas
que contam com o apoio de instituições e do direito normativo, cujo aumento potencial de
poder ocorrido a partir do século XVIII deu origem à noção de uma esfera cultural autônoma.
A cultura em seu sentido antropológico, cotidiano, por sua vez, co-existe simultaneamente
com a alta-cultura em um mesmo espaço social. Estas oposições ficam mais nítidas a partir do
momento em que são associadas ao estilo de vida e à estrutura ocupacional das diversas
classes sociais. Os grupos dominantes, desse modo, procuram apropriar-se de “bens
posicionais”, conforme apontado por Featherstone (1995), ou conforme Elias (1994), bens
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50
cujo acabamento e sofisticação são diferenciados daqueles utilizados pelas camadas sociais
inferiores. O que separa esses grupos são os gostos e, sobretudo, a disponibilidade para
manter o padrão de consumo por bens simbólicos.
O cotidiano encontra-se intimamente associado às tramas das relações socioespaciais,
exteriorizados nos diferentes modos de vida e sua relação direta espaço-tempo, naquilo que se
refere ao plano de vida imediato das pessoas, tais como ruas, caminhos etc. Essa parece ser a
essência para a passagem do espaço “geométrico11”, entendido enquanto espaço planejado e
traçado por arquitetos e urbanistas, ao espaço em sentido “antropológico”, onde as pessoas
desenvolvem relações sociais e se entrelaçam, identificam símbolos e seus significados, nas
diferentes ruas e caminhos, formando, assim, um tecido urbano. O cotidiano, portanto,
encontra-se associado ao consumo diferenciado, e reconhece nesses princípios e práticas uma
condição fundamental para a legitimação de pertencimento de uma comunidade inclusiva, na
qual abriga princípios de inclusão e de exclusão, respeitando o direito à diferença e a
legitimação aos modos antagônicos (ARANTES, 1999). Este sentimento de pertencimento
pode atuar a nível micro na formação de famílias e clãs, passando pela formação de tribos e,
finalmente, a consolidação de Estado ou da própria nação.
Diante das divergências vivenciadas pelos atores sociais, uma condição é necessária
para que se configure a idéia de pacto social do tipo contratual. O nomoespaço surge enquanto
um espaço normativo, regulador e através do qual são formalizadas as práticas sociais. Ele é
assim construído de maneira a experimentar relações formais de pertencimentos, no entanto, a
ênfase maior está voltada para o ordenamento. “Assim, cada instituição social dispõe de sua
área de controle e vigilância, as práticas sociais são regulamentadas no espaço, e os signos de
delimitação territorial são inequívocos” (GOMES, 2002, p. 39-40). Essa idéia constitui a
essência transformadora, onde é abandonada a distinção entre o sagrado e o profano e
11 Cf. Certeau (1994, p. 172).
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encarada no presente enquanto o público e o privado. Nessa dicotomia entre o público e o
privado, segundo Carlos (2001, c), há ainda uma terceira categoria denominada de espaços
semipúblicos, geralmente comerciais, tal como os shoppings centers, vigiados, não acessíveis
a todos e aberto às pessoas durante um determinado período do dia e/ou da noite. Esta terceira
categoria é aqui mencionada por existir na literatura, no entanto não será trabalhada na
presente dissertação, pois não parece haver nenhum espaço em São Cristóvão que se
aproxime dessa idéia.
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52
Capítulo 2
UMA BREVE (RE)CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA
Distante vinte e cinco quilômetros de Aracaju, atual capital sergipana, encontra-se São
Cristóvão, uma das mais antigas cidades brasileiras. Suas terras, embora tenham sido
conquistadas no final do século XVI, e tendo mudado seu sítio por três vezes, teve seu
processo de consolidação ratificado no século XVII. Ela, que foi construída ao longo de
séculos, possui relativa significância para análise e compreensão de suas sociabilidades por
meio de estudos arqueológicos, por conservar elementos característicos da cultura material
edificado que não foram reformulados à luz de processos urbanísticos, centrados em
programas turísticos, resultando assim, muitas vezes, na desconfiguração por que passaram
outros centros históricos, como o bairro do Recife Antigo e do Pelourinho em Salvador.
“A cidade de São Cristóvão, a quarta mais antiga do Brasil, fundada por Cristóvão de
Barros, nos idos de 1590” (NUNES, 2000, p. 25), foi palco de intensas lutas que se
estenderam desde a sua conquista frente aos índios tupinambá, passando pelas batalhas contra
holandeses durante o século XVII e continuou sendo até março de 1855, quando foi efetivada
a transferência da capital sergipana.
2.1 Formação da Capitania de Sergipe Del Rei (1534 – 1590).
A cinco de abril de mil quinhentos e trinta e quatro (05/04/1534), El Rei D. João III
fez a doação de uma capitania a Francisco Pereira Coutinho, posteriormente regulamentada
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53
em agosto do mesmo ano. Nela, El Rei de Portugal incumbia Coutinho da responsabilidade
de cuidar e de explorar as riquezas naturais. Dizia, então, a carta de doação:
E me apraz de lhe fazer (a Francisco Pereira Coutinho), como tenho feito, e por esta presente carta faço, mercê irrevogável, doaçam antrevyvos, valedoyra deste dia para todo o sempre, de juro e herdade para elle e seus filhos, netos, herdeiros sucessores que após elle vyerem, asy descendentes como transversaes e colateraes, segundo adiante ira declarado, de cyncoenta legoas da costa do Brazil, as quaes se começaram para sul athé a ponta da baya de Todos os Santos, e a largura della da ponta a ponta se contará nas ditas cyncoenta legoas; e não havendo dentro do limite as ditas cyncoenta legoas, ser-lhe-há entregue a parte que pera comprimento dellas fallecer a banda do sul: as quaes cyncoenta legoas se estenderam para o sertam de larguo ao longo da costa, entrando na mesma larguram pelo sertam e terra fyrme a dentro quanto puder entrar e for de minha conquista. (BARRETO, 1920, p. 3).
A Carta Foral, de 26 de agosto de 1534, veio ratificar a doação de terras conforme o
texto abaixo:
A quantos esta minha Carta Foram virem, faço saber que eu fiz ora doação e mercê a Francisco Pereira Coutinho, fidalgo de minha casa, para elle e todos os seus filhos e netos, herdeiros e sucessores, de juro e herdade para sempre, da capitania e governança de cyncoenta legoas de terra na minha costa do Brazil, as quaes começarão na ponta do rio São Francisco e corre para o sul athé a parte da baía de Todos os Santos, segundo mais e inteiramente é contido e declarado na Carta de Doação. (BARRETO, 1920, p. 4).
O território de Sergipe estendia-se em distância de cinqüenta léguas da barra do rio
“São Francisco à Ponta Padrão, hoje Santo Antonio da Barra, no Litoral da Bahia” (SANTOS;
ANDRADE, 1992, p. 21). Inicialmente denominada de Capitania do Coutinho e logo após de
Morgado do Juro (VILELA; SILVA, 1989), esta faixa de terra ficou naturalmente esquecida
pela colonização portuguesa até o governo de Luís de Brito (1572/1578). Sergipe representava
uma área estratégica, por se encontrar entre as capitanias que constituíam, à época, os dois
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54
centros com maiores concentrações populacionais, produtores de cana-de-açúcar, Bahia e
Pernambuco.
Doado pelo Rei de Portugal, D. João III, a Francisco Pereira Coutinho, o território
sergipano estendia suas terras desde a parte da Bahia de Todos os Santos, ao sul, alongando-se
até a parte do rio São Francisco, ao norte, tendo como limite o Oceano Atlântico a leste e o
meridiano de Tordesilhas a Oeste. Frente ao descaso português, esta faixa de terra, ocupada
originalmente pelos índios tupinambá, veio representar um espaço comum, não só para os
índios e negros fugidos, como também, para a presença francesa interessada em explorar o
pau-brasil.
Percebendo a ameaça à integridade da Colônia portuguesa e preocupada em garantir os
interesses da população dos habitantes desses núcleos e, sobretudo, em garantir a posse das
terras sergipanas, a coroa portuguesa em 1557 determinou o avanço sobre as terras sergipanas
(OLIVA, 1991).
A primeira tentativa de colonizar o território sergipano data de 1575. Liderados pelos
jesuítas Gaspar Lourenço e João Salônio, foram fundadas “as aldeias de São Tomé, distante
seis léguas do rio Real, nas imediações do rio Piauí, um de seus afluentes; e São Paulo, à
beira-mar agregando grande contingente de indígenas liderados pelos caciques Serigi, Surubi
e Aperipê” (SANTOS; ANDRADE, 1992, p. 21).
Além dos interesses acima citados, segundo Dantas (1991, p. 33-4), havia também a
preocupação, por parte de Portugal em recrutar mão-de-obra indígena para forçá-los a
trabalhar na produção de cana-de-açúcar, na Bahia e em Pernambuco. Desta forma as aldeias
tupinambás localizadas à margem esquerda do Rio Real caracterizavam-se pela presença de
numerosa população indígena e constituía um importante elemento estratégico para a
realização de tais tarefas.
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Luís de Brito de Almeida, ex-escrivão da Misericórdia e quarto governador do Brasil,
em 1575, ano marcado por muita peste em Lisboa (SALVADOR, 1956), recebe ordens de D.
Sebastião, rei de Portugal, para proceder à imediata conquista de Sergipe. Sob o pretexto de
punir os índios acusados de terem abandonado a catequese, e expulsado os padres jesuítas que
aqui chegaram, decide investir em uma invasão militar, violenta, da qual resultou na
destruição, morte e aprisionamento de inúmeros índios. Os sobreviventes, de maneira geral,
foram levados para a Bahia, tendo morrido a maioria devido aos maus tratos e à sujeição a
doenças. Luís de Brito assume o comando da Campanha da Conquista do Rio Real, para em
seguida povoá-lo conforme havia sido designado por El-rei, apoiado por forte dispositivo
militar frente aos indígenas dirigidos pelos caciques Serigi, Surubi e Aperipê. Entre os
inúmeros índios mortos nessa batalha estava o cacique e líder Surubi. Ao final da batalha,
apesar de toda destruição e massacre, o número de índios escravizados foi bastante pequeno.
A invasão não deixou aqui um marco de conquista e o então comandante retorna à Bahia
“sem ter conseguido lançar bases da Colonização, deixando o campo mais aberto para as
investidas dos franceses” (VILELA; SILVA, 1989, p. 18).
Segundo Frei Vicente do Salvador (1956), havia um interesse particular por parte de
Cristóvão de Barros relacionado ao indígena de Sergipe. Tudo indica, segundo Salvador
(1956), que Cristóvão de Barros pretendia vingar a morte de seu pai, Antonio Cardoso de
Barros, primeiro provedor-mor da fazenda del-rei no Brasil, de quem era filho bastardo. O
governador-geral Manuel Teles de Barreto após ter conhecido o prestígio de sucessivas
guerras e conquistas, foi vitimado pelo engano e traição dos índios de Sergipe, que relatava o
desejo de ir à Companhia de Jesus na Bahia. Desta forma, o governador enviou-lhes soldados
para ajudá-los a chegar ao seu destino com segurança. Cristóvão de Barros, acostumados com
as traições dos índios, foi contrário a decisão do governador, dizendo que estes seriam bem
recebidos e favorecidos em tudo, mas que viessem por conta própria.
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Manuel Teles de Barreto enviou soldados até Sergipe para que estes desempenhassem
tal tarefa. Estes, por sua vez, se deslocaram até Sergipe e descansaram nas
suas casas e ranchos com tanta confiança como se estivera na cidade em suas próprias casas, deixando suas armas às concubinas, e indo-se passear nas aldeias pera outras com um bordão na mão as quais lhe entupiram os arcabuzes de pedra e betume, e tomando-lhe a pólvora dos frascos lhos encheram de pó de carvão. (SALVADOR, 1956, p. 296).
O então governador logo foi tomado por um sentimento de revolta, querendo ir
pessoalmente vingar-se. No entanto, este se encontrava com a idade um tanto avançada, e
antes que ocorresse o fim destas guerras foi levado desta vida para outra por uma grave
enfermidade, fato este ocorrido no ano de 1587, ficando no seu lugar o bispo D. Antonio
Barreiros, o provedor-mor Cristóvão de Barros e o ouvidor geral. Os dois começaram a
governar com a ausência deste último (NUNES, 2000, 1996). Pouco tempo depois,
começaram a governar o bispo Tucumã e Cristóvão de Barros.
2. 2 A Efetiva Conquista do Território Sergipano
Embora tenha recebido ordens expressas de Filipe I da Espanha, que à época também
reinava em Portugal, havia um forte sentimento de vingança que pairava sobre Cristóvão de
Barros. Reunindo um poderoso exército fez avançar por duas frentes: por terra e por mar.
Conforme Frei Vicente do Salvador (1956), Cristóvão de Barros teria entrado para o
governo com o objetivo de vingar a traição que o nativo de Sergipe havia cometido aos
homens da Bahia, resultando na morte de dezenas de homens, entre os quais Antonio de
Barros, além do aprisionamento de escravos. O capítulo vigésimo do quarto livro de Salvador
intitulado “da guerra que Cristóvão de Barros foi dar ao gentio de Cerizipe” (1956, p. 301)
narra detalhes da batalha travada em solo sergipano.
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57
Fêz capitão da vanguarda a Antonio Fernandes e da retaguarda a Sebastião de Faria, determinando ir ao longo do mar, mandou primeiro pelo sertão Rodrigo Martins e Álvaro Rodrigues, seu irmão, com cento e cinqüenta homens brancos e mamelucos e mil índios, pera que levassem todos os tapuias que de caminho pudessem em sua ajuda, como de feito levaram três mil frecheiros. E assim, vendo-se com tanta gente, sem esperar por Cristóvão de Barros cometeram as aldeias dos inimigos que tinham por aquela parte do sertão, os quais foram fugindo até se ajuntarem todos e fazerem um corpo com que lhe resistiram e puseram em cerco mui estreito, donde mandaram quatro índios dar conta a Cristóvão de Barros do perigo em que estavam. [...] trouxeram quatro espias que tomaram aos inimigos, dos quais guiados os nossos chegaram aos cercados véspora da véspora do Natal, às duas horas depois do meio-dia, os quais vistos pelos contrários fugiram logo e levantaram o cêrco, mas não tanto ao seu salvo que lhes não matassem seiscentos e êles a nós seis. (SALVADOR, 1956, p. 301).
Baepeba, conforme narrativa de Salvador, considerado o príncipe dos índios,
conseguiu reunir aproximadamente três mil pessoas. As tropas “portuguesas” construíram
trincheiras tomando-lhes a água que bebiam. O conflito foi ficando cada vez mais acirrado,
principalmente com a convocação de Baepeba para que as “cercas” se reunissem contra o
inimigo comum. Esta atitude gerou por sua vez um conflito mais grave, do qual muitos saíram
feridos e resultando na morte de um homem das tropas portuguesas e extermínio de trezentos
índios, forçando a retirada de todo povo indígena (SALVADOR, 1956).
Na noite do ano novo de 1590, “travou-se decisivo combate na várzea do rio Vasa
Barris, saindo Cristóvão de Barros vitorioso” (FERREIRA, 1959, p. 459). Seguiu-se então um
trabalho de cura dos feridos. O território recém conquistado foi doado ao chefe das tropas
“portuguesas”, Cristóvão de Barros, estabelecendo as seguintes condições: que este vendesse
ou repartisse entre os colonos de sua escolha, estabelecendo entre estes o compromisso de
fundar colônias. Além da repartição de terras foram também distribuídos índios, cujo objetivo
seria o de utiliza-los como mão-de-obra escrava nas fazendas de currais de criação de gado,
fornecedores de bois para os engenhos de Bahia e Pernambuco e para os açougues de carne.
O sítio primitivo são cristovense, segundo Salvador, estaria localizado
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na altura de onze graus e dois terços, por cuja barra com os batéis diante costumavam entrar os franceses com naus de mais de cem toneladas e vinha acabar de carregar da barra pera fora, por ela não ter mais de três braças de baixa-mar. E assim ficou Cristóvão de Barros não só castigando os homicidas de seu pai, mas tirando esta colheita aos franceses que ali iam carregar suas naus de pau-brasil, algodão e pimenta da terra, e sobretudo franqueando o caminho de Pernambuco e mais capitanias do Norte pera esta Bahia e daqui pera elas, que dantes ninguém caminhava por terra que o não matassem e comessem os gentios. (SALVADOR, 1956, p. 301).
Não há, entretanto conhecimento de fato quanto à sua localização. De modo geral, as
informações são muito imprecisas e até mesmo divergentes. “Barleus dá o local como tendo
sido na Barra dos Coqueiros, na confluência do rio Pomonga com o Cotinguiba”
(FERREIRA, 1959, p. 459). O ex-Intendente de Aracaju Antonio de Assis (1962) descreve
que
[...] Cristovam de Barros fundou um arraial ao norte da barra do rio Poxim, num istmo (após um istmo), fazendo construir um forte e uma capela. Estão aí duas proposições que merecem analisadas: - um arraial plantado ao norte do Poxim e um trato de terra confinado por um istmo. Com um pouco de corografia aracajuana e um tanto de geologia geral, parecem-nos demonstradas as proposições acima ditas, e não se colocará mui distante na verdade de quem afirmar que o arraial de Cristovam de Barros, talhado para ser a futura capital de Sergipe, demorou entre os morros da Telha e do Urubu, não só por afirmá-lo o escrivão Manoel Thomé em carta de sesmaria lavrada de 1603, nas palavras – “se mudar a cidade que no tal tempo estava no Aracaju” – como ainda pela configuração do solo, os meios de subsistência etc. (ASSIS, 1962, p. 222-3).
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Mapa 5.
Fonte12: HERKENHOFF, Paulo (Org.); MELLO, José Antonio Gonsalves de (Textos) et. al.
Finalmente, Felisbelo Freire (1997), orientado pela opinião de Vernhagem, admite que
o levantamento do Forte, sob ordens de Cristóvão de Barros, bem como do primitivo povoado
estaria localizado próximo ao rio Poxim, onde este faz a barra no Cotinguiba.
De fato, as informações acerca da localização são muito imprecisas, no entanto, parece
não haver discussão sobre sua denominação, arraial de São Cristóvão, que permaneceu nesta
suposta localidade até fins de 1595, início de 1596. Este aglomerado primitivo fundado por
12 HERKENHOFF, Paulo (Org.); MELLO, José Antonio Gonsalves de (Textos) et. al. O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Sextante Artes: Rio de Janeiro, 1999. Referencia original: Frans Post. Ciriri. Gravura extraída do livro de Gaspar Barléu, Rerum per Octennium. In: Brasilia Et alibi nuper gestarum. Amsterdam, Ioannis Blaeu, 1647. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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Cristóvão de Barros recebera a denominação arraial de São Christovam, seguindo um costume
português, atribuindo-lhe o nome de seu santo onomástico.
São Cristóvão – citado no livro de Aires do Casal, publicado originalmente em 1817 –
foi também dominada de Seregipe, ou ainda Cristoforópolis, tem assim descrito a sua
localização: “bem situada num terreno levantado junto ao Rio Paramopama, que é um ramo
do Vaza Barris, cinco léguas distante do mar” (CASAL, 1976, p. 250). Este espaço primitivo
estaria localizado à margem direita do Cotinguiba, perto de sua barra. A primeira mudança foi
efetuada por motivos de segurança, contra possíveis ataques dos franceses interessados em
reconquistar o território do qual tinha sido expulso há um tempo atrás. Este novo sítio garantia
ainda a proximidade junto às primeiras fazendas e engenhos em Sergipe.
Quanto à segunda transferência, não há documentos precisos que possam fornecer a
data e o local com precisão. O “Álbum de Sergipe” de 1920, escrito por Clodomir Silva,
transcreve a seguinte passagem sobre a transferência de São Cristóvão, datada de 1603.
Saibão quantos este estrm.to de carta de sesmarya vyrem que no ano de nascim.to de nosso sôr Jhus Xpo de mil e seis setos e tres anos aos tres dias do mes de setembro do dito ano nesta sidade de são xpoão cap.ta de Sergipe terás do Brasil nas pousadas de mim escryvão ao diento nomeado por Afonso Pereira procurador do conselho me foy apresentado huâ pitisão com hu despacho ao pee dela do sôr capitão mor thomé da rocha de que o teor he o seguinte – ho juis e vereadores e procurador do conselho nesta capitania que o desembargador Gaspar de Figueiredo omem veo a esta cap.ta a sete ou oito anos e a requerimento de povo consultou e asentou com os moradores e capitão de se mudar a sidade que no tall tempo estava no Aracaju que se asítoase neste outeiro adonde llogo se pasou a ygreja e o forte e diso se fiserão autos o que o sôr gd.or ouve pr bem he ora vosa merse manda a todos os moradores com gravaes penas que fasão casas e pesão chão para isto e praque até agora não são dados terás para o conselho e aredor deste outeiro estão terás devoluto pr. Numqua se aprovetar pedem a vosa ,erse em nome de sua mag.de Mill brasas de terá que se comesara domde acabar a dada de Sebastião de brito e balthezar feras corendo pelo caminho que vay de caípe até chegar allagoa que esta alem de manell thome e pelo dito caminho que say da ponte velha até chegar a dada de xpoão dias corendo runo dr.to alongo do outeiro he que se achar e recebera merse. (SILVA, C., 1920, p. 11).
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No entanto, segundo alguns historiadores, este fato teria ocorrido durante o final da
primeira década do século XVII, mais precisamente em 1607 (VILELA; SILVA, 1989),
quando São Cristóvão teria se transferido da barra do Poxim para o local onde hoje se
encontra, distando quatro léguas da enseada do Vaza Barris. Realmente, parece não haver um
consenso estabelecido quanto à segunda localização desta cidade. Em nota de rodapé nº ‘6’,
por exemplo, Casal descreve este “segundo assento entre o Rio Poxim, e o Cotinguiba, quase
em igual distância entre o lugar da primeira fundação, e o da sua existência” (1976, p. 250).
Os motivos que levaram à realização da segunda mudança não são conhecidos, no
entanto, acredita-se que o novo espaço escolhido era bem distante, situado às margens do
Paramopama. O nome também foi alterado passando a ser chamado de São Cristóvão de
Sergipe d’el Rei e ainda Sergipe de El Rei ou simplesmente São Cristóvão.
As primeiras tentativas de consolidação de cidades brasileiras datadas do século XVI,
e princípios de XVII, encontram-se estabelecidas geralmente na orla marítima, voltada para o
Atlântico, e estão, de modo geral, associadas à ascensão ou decadência de uma determinada
região, desempenhando, desse modo, uma funcionalidade no eixo da economia nacional, e
podendo ser bastante útil para o entendimento de aglomerações urbanas, bem como das
origens e das flutuações dos centros culturais (AZEVEDO, P., 1996). Com sua criação de
gado, ela foi fundamental à economia regional, fornecendo carne e couro, para essas duas
cidades, além de animais fundamentais para movimentar as moendas dos engenhos.
A mudança de sítio primitivo durante o período colonial representava uma prática
bastante comum. Os portugueses ao fundar as cidades coloniais, “não cuidaram de incrustar
na paisagem. Afundavam-na no solo. E o faziam tão sem cuidado que quase tôdas as nossas
vilas inauguradas nos séculos XVI e XVII foram postas, pelo menos seus fundadores, em
sítios inadequados; por isso vemos que a maioria delas teve de se trasladar para novos locais”
(OMEGNA, 1971, p. 12).
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As chamadas “guerras do açúcar”, a partir de 1637, vieram afetar à obra portuguesa de
colonização.
Como episodio da longa guerra que mantiveram com Espanha, os holandeses ocuparam o Nordeste açucareiro do Brasil. Estabelecidos em Pernambuco desde 1630, dirigiram sua expansão para o Sul, buscando alcançar a Bahia. O enfrentamento entre a defesa portuguesa e o avanço holandês em direção à Bahia se dará em território sergipano. Portugueses e holandeses destruíram muito do que se tinha sido feito pelos colonos, tendo sido atingido principalmente o rebanho bovino, que constituía a maior riqueza de Sergipe. (OLIVA, 1991, p. 129).
Maurício de Nassau ao assumir a direção do Governo holandês no Brasil traçou planos
e metas de conquista das terras ao sul do nordeste brasileiro. Para ele o território sergipano se
estendia até a cachoeira de Paulo Afonso, aliás, esta imprecisão da fronteira ocidental foi
também registrada “em outros mapas dos séculos XVII e XVIII, como os de Nicolas Sanson
(1650), Nicolas du Fer (1705), onde só se encontram definidas as fronteiras norte e sul,
respectivamente pelos rios S. Francisco e Real” (NUNES, 1996, p. 55).
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Mapa 6.
Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa021.htm
Em sua investida rumo à Bahia Nassau seguiu para a fortificação de Porto Calvo, sob
o comando do Conde Bagnuolo, local base onde tropas portuguesas foram surpreendidas com
a notícia de avanço das tropas holandesas comandadas por Nassau. Constatando a veracidades
dos fatos “a tropa se põe em demanda e o Comandante foge abandonando seu posto, no
entanto, as tropas de Nassau aprisionaram-lhe bagagens e munições. Finalmente Bagnuolo
chega a São Cristóvão em março de 1637 encontrando no Governo da Capitania de Sergipe
Del Rei, o Capitão-Mor, João Rodrigues Molenar” (VILELA; SILVA, 1989, p. 20). Esta
passagem foi assim descrita por Casal: “Esta cidade, que foi queimada pelos holandeses a
vinte cinco de dezembro de mil seiscentos e trinta e sete, teve princípio sobre a margem
esquerda, e coisa de meia légua acima da embocadura do Rio Cotindiba, onde ainda estão as
ruínas da igreja com o nome de São Cristóvão” (1976, p. 250).
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Mapa 7.
Fonte: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/mapa018.htm
Segundo Gonçalves (2001), a Igreja teria desempenhado um importante papel para
constituição definitiva do território sergipano. Desde sua primeira tentativa empreendida em
1575, porém sem êxito, esta instituição demonstrou em sua atuação, neste território, formas
efetivamente vigorosas com relação ao processo de colonização de Sergipe. Em 1590, a partir
da efetiva colonização do território sergipano, deu-se início a presença da Igreja, através não
só de Ordens religiosas que foram chegando, como também por meio do clero secular
(NUNES, 1996). A intensificação de uma instituição oficial, aliada ao Estado, teria
proporcionado variações na paisagem consolidadas a partir da construção de edificações e,
conseqüentemente das relações sociais do seu entorno. “Em 1637 [...], já existiam a Matriz de
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São Cristóvão e diversas capelas dispersas no interior, conforme o mapa de Barleus”
(NUNES, 1996, p. 220).
Mapa 8.
Fonte: REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. “SERGIPE / 47” – São Cristóvão13 – ca. 1631. In: Cd - room.
Nassau, no entanto, vítima de uma enfermidade, resolve suspender sua marcha pelo
Rio São Francisco. Bagnuolo embora tenha oferecido seus serviços ao Governador Geral do
Brasil e Rei da Espanha este não foi aceito, pois o fato do comandante ter fugido em um
primeiro momento havia propiciado uma “imagem” de covardia, até mesmo entre seus
subordinados.
13 "Povoação de S. Chsristovão Capitania de Sirigipe" – autor: João Teixeira Albernaz. Fonte: Detalhe de um original manuscrito que integra o atlas de João Teixeira Albernaz, da Mapoteca do Itamarati (Ministério das Relações Exteriores), Rio de Janeiro. “A povoação representada nesse desenho, que ficava cerca de meia légua acima da foz do Rio Cotindiba, foi incendiada pelos holandeses em 1637. A cidade atual, terceira com essa denominação, fica junto ao rio Paramopama, que é um ramo do Vaza-barris (CASAL - 1817-1976, p. 250)”.
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Em São Cristóvão, o Conde Bagnuolo assenta seu quartel-general, iniciando, assim,
guerras de emboscadas e depredações cujo objetivo era enfraquecer o inimigo, autorizando o
deslocamento do gado para o sul do rio Real, como meio de restringir-lhes os meios de
sobrevivência. Sentindo-se, então, em desvantagem, Bagnuolo foge com seu exército para a
Torre de Garcia D’ Ávila na Bahia. Dominado pelo ódio, antes de fugir, executa a tática da
“terra arrasada”, ateando fogo no território que estava abandonando, para que o inimigo não
encontrasse muito que aproveitar.
A 17 de novembro de 1637, Nassau invade a cidade, arrasando-a ainda mais,
destruindo sítios de canaviais, plantações e organizações administrativas implementada pelos
primeiros colonizadores. Enfim, a Capitania transformou-se em um verdadeiro deserto.
Após ter sido saqueada e incendiada pelos flamengos, São Cristóvão foi finalmente
retomada pelos portugueses em 1640, sendo também retomada pelos holandeses no ano
seguinte. Sergipe constituiu, assim, um cenário de disputas e de interesses, cerne do conflito
entre portugueses, instalados na Bahia, e do Brasil holandês, que tinha como objetivo a
conquista de terras mais ao sul do Brasil. O governo flamengo em Pernambuco sugeriu então
contratar o empresário Nuno Olfredi para um projeto de povoamento e de cultivo das terras de
Sergipe, no entanto, este projeto foi vetado pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais
(FREIRE, 1977), levando a capitania a uma situação de abandono até 1645 quando,
finalmente, foi retomado o processo de colonização portuguesa. “A segunda metade do século
XVII é caracterizada por muitas desordens, sendo classificada de ‘período de obscurantismo’,
por Candido Mendes” (FERREIRA, 1959, p. 460; AZEVEDO, P., 1980 a, p. 2). Este é um
período marcado pelas sucessivas nomeações e destituições de autoridades públicas, capitães-
mor, que quase sempre abusavam do poder a eles conferidos.
Este período bastante conturbado, vivido durante os anos de invasão holandesa, pode
ter elevado a auto-estima local e criado um sentimento de autonomia entre os moradores da
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cidade de São Cristóvão. O período seguinte ficou marcado por intensas lutas entre os poderes
locais e o governo representante dos interesses da Bahia. O ano de 1654, em especial, ficou
marcado pelo desentendimento entre a Câmara do município e o então governador, capitão-
mor Pestana de Brito.
O governo da Bahia adota a contribuição em homens e produtos, tabaco, gado etc.
Essas exigências agravam ainda mais os conflitos de jurisdição no campo político. Como
resposta a esse agravamento os capitães-mor começam a assumir funções que eram da
competência da Câmara Municipal, são intensificadas as cobranças de impostos sobre o gado,
os curraleiros são obrigados a prestarem serviço militar e são criados novos impostos sobre o
gado. Como conseqüência, São Cristóvão assiste a intensos conflitos com a Câmara, com
várias deposições seguidas de revoltas.
O exemplo maior talvez seja aquele verificado quando o Governador da Bahia foi
então informado das arbitrariedades praticadas por Brito, este fato, portanto, veio a consolidar
a destituição do mesmo. O referido capitão-mor foi reposto ao cargo e, em outubro de 1656, é
destituído mais uma vez. O então ex-capitão-mor, Pestana de Brito, lidera um movimento
revolucionário cujo propósito explícito seria a emancipação de Sergipe do Governo da Bahia.
Este movimento conseguiu reunir grande número de adeptos. Havia, entretanto, entre estes
adeptos, objetivos implícitos de ordem pessoal que implicaria necessariamente em uma
recuperação do poder. O desejo de conquistar a autonomia gerou conflitos internos entre os
grupos sociais. Se por um lado, os senhores de engenho, ligados aos comerciantes e
portugueses estabelecidos em Salvador, desejavam que o território continuasse sob domínio
baiano, por outro, os habitantes das cidades associaram-se aos pequenos comerciantes,
funcionários públicos e senhores de terras criadores de gado na luta pela autonomia. Foi
preciso ordens vindas da Bahia e, em 1657 o movimento é sufocado culminando com a prisão
de Brito.
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Os anos seguintes foram, de modo geral bastante agitados. Em 1658 foi preciso que
Jerônimo de Albuquerque, o então capitão-mor, organizasse a aldeia de Água Azeda no
município de São Cristóvão reunindo os diversos índios que ali viviam e “dando-lhes um
diretor espiritual” (FERREIRA, 1959, p. 461).
Em 1696 Sergipe torna-se Comarca. Mesmo assim, os conflitos entre autoridades de
Sergipe e da Bahia eram freqüentes. Isto acontecia porque, embora a Comarca de Sergipe
tivesse autonomia jurídica, era ainda subordinada à Bahia política e economicamente. O
território sergipano estendia-se até o Sul de Itapoã, o que gerou muito conflito, pois o Ouvidor
de Sergipe tinha poderes jurídicos até este limite, os moradores desta região, por sua vez, não
aceitavam sua subordinação à Comarca de Sergipe.
O ano de 1696 é bastante significativo para Sergipe por ser elevado a categoria de
Comarca. Com isso, embora continuasse política e economicamente subordinado à Bahia, e
mantivesse os conflitos entre as autoridades de Sergipe e da Bahia, o primeiro ganhava maior
autonomia judiciária e possuía seu próprio Ouvidor. No ano seguinte Jorge Rabelo Leite
capitão-mor é deposto pela Câmara e pelo povo, por abuso de poder, sendo destituído pelo
governador da Bahia em uma “manobra” de contenção dos ânimos dos populares.
No plano econômico, Sergipe foi se recompondo depois da devastação provocada pela
guerra contra os flamengos. O gado que já era a principal riqueza durante o século XVII, vê-
se consolidado no século seguinte, firmando-se como um importante centro de criação de
pecuária, suprindo, assim, as exportações realizadas, sobretudo pela Bahia tanto de boi em pé,
para o abate, como também de couro seco, sela e cavalos para cavalaria (SANTOS;
ANDRADE, 1992, p. 26). Outra importante atividade da economia sergipana, durante o
século XVIII consistia na produção açucareira, momento este, marcado pela participação ativa
sergipana de toda movimentação comercial portuária baiana. Com esta contribuição, à
economia baiana, Sergipe firma importância e identidade como Comarca, e muitas
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manifestações de protestos derivam justamente da “atitude de inconformismo com uma
situação política que não atendia à importância que ia tomando sua economia” (OLIVA, 1991,
p. 131).
São Cristóvão nasce em meio a muitas disputas territoriais, contra índios, franceses e,
posteriormente, holandeses, até ser reconquistada, pelos portugueses de forma definitiva, em
1645. A mentalidade desses conquistadores, levada pelas diversas necessidades, sobretudo a
de proteção foram fundamentais desde a escolha do sítio até a construção da paisagem
edificada. Construída ao longo de séculos, a sua paisagem edificada dessa cidade possui um
valor histórico, patrimonial e arquitetônico reconhecido nacionalmente.
2. 3 O Centro Histórico: um debate sobre o patrimônio e a arquitetura.
As primeiras tentativas de consolidação de cidades brasileiras datadas do século XVI,
e princípios de XVII, encontram-se geralmente associadas à ascensão ou decadência de uma
determinada região, desempenhando, desse modo, uma funcionalidade no eixo da economia
primeiramente local e, por vezes, a nível nacional, podendo ser bastante útil para o
entendimento de aglomerações urbanas, bem como das origens e das flutuações dos centros
culturais. (AZEVEDO, F., 1996). A cidade é o locus da heterogeneidade entre modos de vida
e dos usos diferenciados dos espaços. Nela é possível perceber, por meio de sua paisagem
edificada, os modos de viver, pensar e sentir, os comportamentos, valores, conhecimentos e
formas de lazer presentes no cotidiano de seus habitantes. Por isso ela deve ser entendida
como o produto de um determinado momento histórico, mas que não ficou engessada ou
petrificada no tempo, mas que seus habitantes e citadinos estão constantemente
transformando-a, atribuindo novos usos e significados aos espaços.
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Assim como as relações espaço-tempo se modificam, seus habitantes atribuem novos
sentidos aos elementos encontrados em determinada paisagem. A relação “centro” e “centro
histórico” também demonstra a possibilidade da releitura dos espaços e atribuição de novos
sentidos. O centro de uma cidade não é necessariamente o seu centro histórico, ele “não é uma
entidade espacial definida de uma vez por todas, mas a ligação de certas funções ou atividades
que preenchem um papel de comunicação entre os elementos de uma estrutura urbana”
(CASTELLS, 1983, p. 275). Para Seabra (2001), o primeiro pode ser entendido enquanto uma
aglomeração que corresponde às práticas dos citadinos, o “centro histórico”, por sua vez,
remete a “um conceito que corresponde aos conteúdos qualitativos do lugar com o qual se
opera administrativamente, estrategicamente” (SEABRA, 2001, p. 81). O velho centro
transforma-se em centro histórico, dotado de memória, muitas vezes protegido por leis e
inserido em agendas turísticas.
Nessa possibilidade de releitura dos espaços, associada não só à sua revitalização,
assim como à sua inserção em pacotes turísticos, fenômeno conhecido como “gentrification”,
cria-se uma espécie de segregação sócio-espacial onde os seus antigos moradores,
tradicionalmente do período em que esses espaços encontravam-se em decadência, começam
a ser expulsos transferidos para outros espaços (FEATHERSTONE, 1995; LEITE, 2001;
ZUKIN, 2000).
O debate sobre o patrimônio parece extremamente relevante hoje por apontar uma
possível perspectiva do passado enquanto referencial para a construção do futuro. Aliás, essa
idéia já estava presente de diferentes modos no pensamento de Lúcio Costa e Mário de
Andrade ao propor que “espelhar-se no passado significava buscar as raízes e olhar para o
futuro e não simplesmente copiá-lo ou reproduzi-lo” (SIMÃO, 2001, p. 30). A idéia
patrimonial, preservacionista, parece ir de encontro aos ideais iluministas, caracterizado pelos
cortes abruptos, pela negação do antigo e pela produção constante do novo, inclusive de
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novos espaços, no qual se desvincula do passado e vislumbra-se o futuro sob o ideal de
modernidade (SIMÃO, 2001).
O conceito sobre patrimônio constitui hoje um tema tanto rico quanto polêmico.
Tradicionalmente definido como conjunto de bens, fruto das relações entre homens e recursos
naturais, ou ainda entre homens e sociedade, e as interpretações que são elaboradas a partir
destas relações (BRUNO, 1999). A palavra patrimônio, sugere derivação do termo pater, este,
por sua vez, encontra em um íntimo vínculo de pai para filho, parecendo haver, portanto uma
transferência herdada, resultado da produção material, espiritual e institucional. Contudo, o
discurso uníssono entre os intelectuais é o de que não basta herdar, é preciso preservar.
Originalmente o termo preservar vem do latim praeservare, podendo significar aquilo que se
vê antecipadamente em perigo, nesse sentido, “o perigo maior que paira sobre um bem
cultural é a sua própria morte ou deterioração” (CHAGAS, 1999, p. 104-5 apud FORTUNA;
POZZI; CÂNDIDO, 2001, p. 137).
Dessa forma, antecipando o perigo latente de deterioração dessa herança, o patrimônio
assume contornos importantes e passando a configurar o cerne de debates contemporâneos
nas agendas político-culturais, públicas e privadas, ele parece sair do campo de debates
“abstratos”, sem muitos resultados, para assumir contornos importantes nas sociedades
contemporâneas, atrelando-se à idéia de desenvolvimento sustentável, planejamento urbano e
relações com o meio ambiente. A preservação dos valores culturais e ambientais caracteriza-
se como uma tendência da atualidade e constitui um campo de estudo bastante interessante,
em crescimento e interdisciplinar, que o torna ainda mais rico, e admite hoje um novo
entendimento de cultura associado à política e à economia. Com isso as próprias estratégias de
construção do patrimônio têm se modificado.
O debate sobre o patrimônio parece ter origem na relação indivíduo-Estado e o
surgimento da modernidade. Segundo Stuart Hall, essa é uma problemática originada,
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sobretudo a partir de Descartes ao afirmar “Penso, logo existo”. Na avaliação de Hall, o cerne
desse pensamento teria supostamente produzido um “sujeito racional, pensante e consciente
situado no centro do conhecimento” (2003, p. 27). Em Locke parece haver um deslocamento
do conhecimento, ao menos no que se refere à sua origem, ele deixa de ser revelado,
inspiracional, ao qual Descartes estava preso quando colocou Deus como “Primeiro
Movimentador” de toda criação, e passa a ser adquirido por meio da experiência individual.
Contudo, a centralidade do sujeito individual ou o “indivíduo soberano” proposto por Locke,
parece aproximar-se, segundo Hall, do sujeito cartesiano ao manter a “mesmidade de um ser
racional” (2003, p. 27). Há, ainda, outra observação acerca de racionalidade desse momento.
Para Boaventura Santos (2001), esse momento da história da humanidade, marcado
essencialmente pelos ideais iluministas, levou não apenas a mesmidade do ser racional, como
também o descontextualizou a partir de critérios abstratos, gerando uma expectativa
evolucionista, ditada pelo eurocentrismo, pairando uma crescente tendência para o uso do
instrumental científico e para a relação custo-benefício, desenvolvidos em cálculos
econômicos.
A preocupação indivíduo-Estado na modernidade é retomada mais adiante por
românticos e marxistas. Para Boaventura Santos (2001), “o romantismo propõe uma busca
radical de identidade que implica uma nova relação com a natureza e a revalorização do
irracional, do inconsciente, do mítico e do popular e o reencontro com o outro da
modernidade, o homem natural, primitivo, espontâneo, dotado de formas próprias de
organização social” (2001, p. 140). O conceito do homem romântico sistematizado,
sobretudo, a partir de Rousseau, fundamenta-se na crença da boa natureza humana.
Contrariamente aos ideais iluministas, fortemente incorporados pela burguesia, o “civilizado”,
para os românticos, era todos os povos que conseguiam manter sua integridade cultural ou
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com um forte apelo à memória. Há ainda uma outra perspectiva de compreensão do sentido
indivíduo-Estado, elaborada segundo o viés marxista.
Esse é um viés fortemente centrado nas relações sociais de produção, onde os
indivíduos passam a ser identificados com a classe social a que pertencem. Ainda segundo
Boaventura Santos, a contestação marxista de identidade moderna “tendeu a reproduzir, sob
outra forma, a polarização liberal entre sujeito individual e o super-sujeito, sendo que esse
super-sujeito é agora a classe e não o Estado” (2001, p. 140).
Para Schelling (1990), a dicotomia, indivíduo-Estado originada na modernidade,
revestiu-se de uma intelectualidade quase sempre associada a interesses de grupos
antagônicos. Ela parece admitir a premissa de que a contestação marxista tende a reproduzir a
polarização liberal, proposta por Boaventura Santos (2001). Essa premissa parece justificar
sua idéia para as intensas contestações entre “marxistas” e “românticos”, a qual se estende até
hoje e é bastante representativa por dois aspectos: primeiro, por estar relacionado com
processos transitórios e fugazes, regulamentados por uma relação espaço-tempo, e que podem
resultar em processos de identificação cultural ou não, permeando o cotidiano dos atores
sociais.
Os marxistas, acreditando na “evolução natural das forças produtivas”, acabaram de
certa forma, apoiando o projeto capitalista e fundamentado nessa crença marxista os assim
chamados românticos encontraram um terreno fértil para a construção de suas críticas
(SCHELLING, 1990; SANTOS, Boaventura, 2001). Essas críticas centradas, sobretudo, na
crença da “evolução natural das forças produtivas” sugere um outro viés voltado para a
solução do impasse indivíduo-Estado na modernidade, agora pelo viés romântico. Para esses,
a modernidade não estava no aparato científico-tecnológico, nem necessariamente na lógica
capitalista industrial e sua relação custo-benefício, e sim na capacidade de cada povo em
preservar a sua memória, enfim a sua identidade cultural. Portanto, ao longo dos séculos
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XVIII e XIX a temática do nacionalismo poderia ser compreendida “através do nativismo e
do indianismo românticos” (FONSECA, 1997, p. 94).
Esse debate entre indivíduo-Estado e a modernidade, e quais os rumos que idéias
resultantes nesse debate, tem como objetivo aqui não apenas embasar, como também
contextualizar, a política protecionista do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico
Nacional, hoje IPHAN), suas aplicações e as ideologias. As gradativas mudanças ocorridas na
Europa do século XVIII sofrem um processo de intensificação, sobretudo, com o advento da
Revolução Industrial, afetando diretamente a arquitetura e, essencialmente, o modus vivendi.
A Europa durante o século XIX já discutia sobre teorias
acerca da preservação, existindo um significativo número de obras de restauração do patrimônio, representado pelas edificações monumentais e obras de arte. [...]. As novas relações de trabalho, a urbanização repentina, a possibilidade de novas tecnologias construtivas, a viabilização do uso de outros materiais, alteraram sobremaneira as relações do homem com o seu habitat. (SIMÃO, 2001, p. 23).
Nesse continente, durante o século XIX, surgem duas correntes teóricas voltadas para
a defesa do patrimônio. A primeira, representada pelo arquiteto francês Viollet-le-Duc (1814-
1879), encontrava-se assentada em bases de cunho racionalista e estava fortemente presa a
idéia iluministas, onde eram valorizadas, a razão e a técnica em detrimento da historicidade
do monumento. A segunda corrente, denominada culturalista, era liderada por John Ruskin
(1818-1900) e defendia a não intervenção em monumentos antigos, por considerar que
quaisquer interferências poderiam imprimir um novo caráter à obra, admitia-se, no entanto,
somente intervenções de conservação, respeitando a história do monumento ou da obra e a sua
condição atual (SIMÃO, 2001). Essa dicotomia, entre aqueles que se voltaram para o
racionalismo e estavam despreocupados com o passado e aqueles que, ao contrário, se
preocupavam com a história e suas especificidades, ou em outras palavras, entre iluministas e
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românticos, também parece ter ocorrido no campo do urbanismo. Segundo Bruant, havia um
“Modelo Progressista”, partilhado por Robert Owen, Charles Fourier e, mais adiante, por Le
Corbusier, fundamentado na recusa do valor heurístico e no rompimento com o passado
(1996, p. 169) e, por outro lado, o “Modelo Culturalista”, do qual faziam parte Camillo Sitte e
Lewis Munford, “teria recorrido amplamente à história para construir seu modelo”
(BRUANT, 1996, p. 169).
Notadamente, o século XIX, ficou marcado por importantes e significativas mudanças
ideológicas, científicas, na organização do trabalho, no emprego dos materiais, na
estruturação de novas cidades e, fundamentalmente, nos modos de vida das pessoas daquele
momento. Os padrões de assentamento foram gradativamente substituídos e, como
conseqüência, as antigas cidades coloniais foram sendo reformuladas ou perderam suas
forças. Estabelece-se, então uma aparente contradição “como explicar que no momento em
que a ciência moderna se estabelece, o homem volta os olhos à preservação dos monumentos
passados?” (SIMÃO, 2001, p. 24). Não há de fato nenhuma contradição nesse pensamento,
desde que o contextualize em sua relação com o processo de racionalização do indivíduo na
modernidade.
Em nome da modernidade ou da pós-modernidade, fundamentada em ideais
iluministas, a burguesia, em sua tentativa de romper com o antigo paradigma e consolidar-se
definitivamente, torna-se responsável pela desconstrução do passado. Esse novo paradigma
suscitou outros modelos de organização do trabalho, empregou novos materiais na
estruturação das cidades e transformou de modo significativo a paisagem. Esse momento
ficou marcado pelas novas configurações espaciais, as “antigas14” cidades coloniais,
tradicionalmente interioranas, considerando a preocupação com o elemento segurança frente
aos constantes ataques realizados por inimigos, são vistas como algo decadente frente aos
14 Expressão à qual as cidades coloniais estavam associadas.
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novos padrões estilísticos e arquitetônicos. Nesse contexto, é que grupos modernistas
percebem a necessidade da preservação, sobretudo material, nesse momento, como uma
possível forma de construção futura das identidades locais.
No Brasil, as primeiras tentativas de consolidação de cidades são datadas do século
XVI, e princípios de XVII. Elas encontram-se geralmente associadas à ascensão ou
decadência de uma determinada região, em espaços com pouquíssima estrutura,
desempenhando desse modo uma funcionalidade no eixo da economia primeiramente local e
algumas vezes a nível nacional, podendo ser bastante útil para o entendimento de
aglomerações urbanas, bem como das origens e das flutuações dos centros culturais
(AZEVEDO, F., 1996). São Cristóvão parece não fugir à regra, estando localizada entre dois
grandes centros produtores de açúcar, Salvador e Recife. Com sua a criação de gado, ela foi
fundamental à economia regional, fornecendo carne e couro, para essas duas cidades, além de
animais fundamentais para movimentar as moendas dos engenhos.
Apesar de vários autores apontarem a cidade como o espaço de contradição entre o
campo e o universo urbano não parece ser bem essa a idéia de Freyre, ao menos, ao elaborar o
conceito do termo “rurbano”. Para Freyre, as residências desse período ansiavam por ares
urbanos, voltadas para a Europa em um sentimento saudosista ao mundo civilizado, em seu
interior, porém, os hábitos de seus habitantes eram essencialmente rurais, eles cuidavam de
animais e plantas tal qual no universo rural. A cidade é o locus da heterogeneidade entre
modos de vida e dos usos diferenciados dos espaços. A paisagem edificada pode muitas vezes
fornecer pistas de como eram os modos de vida, pensamentos e sentimentos, bem como os
valores, conhecimentos e formas de lazer presentes no cotidiano de seus habitantes. Para
adentrar nesse nível ideológico, e assim poder caracterizar a cidade pelos seus monumentos, é
fundamental não apenas desvendar sua estrutura simbólica, mas buscar compreender os seus
respectivos significados urbanos, e ainda, determinar qual o sentido de cada monumento na
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organização social das relações sociais. Neste sentido, “o centro simbólico, portanto, é a
organização espacial dos pontos de intersecção dos eixos do campo semântico da cidade”
(CASTELLS, 1983, p. 279). A cidade deve, portanto, ser entendida como o produto de um
determinado momento histórico, que não ficou engessada ou petrificada no tempo, mas que
seus habitantes e citadinos estão constantemente transformando-a, atribuindo novos usos e
significados aos espaços.
Durante os séculos XVIII e início de XIX, o Brasil passou por profundas
transformações, econômicas, político-sociais, proporcionadas pela descoberta do ouro, na
região sudeste. Esse movimento, parece ter implicado não só novos sentidos, nos atores
sociais, como também novos usos, hábitos etc. Como conseqüência, sob uma égide
modernista, surgiram novas cidades, com características distintas das antigas cidades
coloniais.
A descoberta do ouro, durante o século XVIII, foi responsável pelo deslocamento de
parte significativa do pólo econômico e cultural da colônia, para a região sudeste. Ainda,
como conseqüência desse surto de desenvolvimento, a cidade do Rio de Janeiro foi elevada à
condição de capital do Brasil, em 1763. O início do século XIX, mais especificamente em
1808, ficou marcado por um fato bastante significativo na colônia; a chegada da Corte
portuguesa ao Brasil. Esse acontecimento implicou não apenas em um grande surto de
desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro, assim como a criação de lugares de memória, a
exemplo da Biblioteca Nacional e o Museu Nacional, que vieram reforçar o instrumental da
constituição da nacionalidade brasileira após a independência. Mais adiante, em 1838, foram
criados o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Nacional, responsável
respectivamente pela criação da história e manutenção da memória histórica nacional.
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Essa atitude parece ter preocupado um grupo de intelectuais no Brasil, que perceberam
o risco que essas cidades “antigas” estavam correndo, fadadas a total descaracterização em
nome da modernidade, racional, secular.
A prática da destruição de antigos espaços, monumentos e obras, pareciam configurar
um caminho sem retorno. Surge, então, somente no início do século XX, a necessidade de um
projeto específico, que viesse fazer frente a esse processo, que vislumbrasse, de algum modo,
a necessidade de preservação, através de instituições e políticas públicas. Enfim, nasce o
Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN.
2.4 O IPHAN15 e a Trajetória na Construção de uma Identidade.
Embora houvessem os ditos lugares de memória, a preocupação de modo mais
específico com o patrimônio histórico e arquitetônico só veio acontecer, de fato, no século
XX, iniciando-se na década de 1910 (FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000). Se por um
,lado esse momento compreendido entre as décadas de 1910 e 20, ficou marcado por uma
crise política e de identidade no Brasil, por outro, autores como Fonseca (1997), Rodrigues
(2000) chamam a atenção para a expressiva presença de imigrantes freqüentando escolas,
sobretudo no sul, onde eram ensinadas suas línguas natais, fato esse que sugere um
entusiasmo da educação. Houve ainda, nesse período um forte crescimento de idéias voltadas
para o nacionalismo, que vieram caracterizar o ano de 1915 e, manifestada através de diversas
publicações, assim como por meio da Liga Nacionalista, fundada em 1916, contando com
estudantes da Faculdade de Direito e vários professores de diversas faculdades paulistas,
advogados, engenheiros (RODRIGUES, 2000). Um dos pontos-chave desse projeto era a
ampliação das cidades voltada para a “febre do cosmopolitismo, característico desse
15 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
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“movimento”, que implicava em negar hábitos rurais tradicionalmente arraigados e a
transformação dos espaços urbanos” (RODRIGUES, 2000, p. 17-8). Por fim, houve ainda, a
valorização da arte sacra colonial no mercado internacional, fato que provavelmente veio
incentivar a pilhagem e a pirataria.
Nesse momento, surge a necessidade de preservar aquilo que ainda restava de
representação do passado. A estratégia então adotada foi então proteção de bens culturais,
sobretudo as artes barrocas, assentado em um projeto que inicialmente teve por objetivo
moldar o povo para uma modernidade. No entanto, contraditoriamente, o próprio povo
encontrava-se excluído dessa, só havendo aberturas de inclusão para as elites políticas e
intelectuais (FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000). Enfim, o neocolonialismo encontrou
um forte aliado na história em sua tentativa de compor uma identidade nacional. Esse grupo
de modernistas buscou, de fato, extrapolar o campo restrito da literatura e das artes, definindo
limites entre a criação literária e a militância política, enfim, repensando a função social da
arte. O “Modelo Progressista” fundamentado no rompimento com o passado, parece
introduzir não apenas o caráter inovador, mas muitas vezes destrutivos, fomentando novos
produtos a serem consumidos. Esse modelo, do qual Le Corbusier fez parte, parece ter
produzido um estilo arquitetônico no Brasil, o ecletismo, que em linhas gerais “não implicou
reconhecimento da tradição anterior, mas foi um repúdio aos vestígios coloniais” (FABRIS
apud RODRIGUES, 2000, p. 18).
Surge então uma outra proposta, o estilo neocolonial. Ele é resultado da preocupação
de uma pequena elite modernista na busca de elementos que, de fato, possibilitassem a
construção de uma identidade nacional. Esse grupo elege um estilo com características
arquitetônicas genuinamente brasileiras, ao que parece, mais próximos do “Modelo
Culturalista” e de sua ampla preocupação em recorrer à história como fundamento de
elaboração do seu modelo.
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A década de 20 simbolizou um período bastante emblemático na história do Brasil, e o
ano de 22, mais especificamente, ficou marcado pelas comemorações do centenário da
Independência. A preocupação em valorizar o que era de fato brasileiro passa a ser não apenas
sistematizado através da produção de intelectuais modernistas, ela parte de fato para o
pragmatismo encontrado na “favorável valorização dos museus históricos brasileiros”
(RODRIGUES, 2000, p. 22). A valorização do patrimônio sugere uma atuação pedagógica e
uma potencialidade moral, constituindo, assim, elementos formadores da nação.
No Brasil, a exemplo de outras nações, as políticas de preservação do patrimônio histórico sempre estiveram relacionadas à consolidação de uma imagem política e cultural de nação. Desde a sua fundação, em pleno Estado Novo em 1937, o IPHAN tem desempenhado um certo papel “civilizador” de uma idéia de brasilidade, tão cara à história do pensamento social do Brasil. (LEITE, 2001, p. 13).
Os debates ocorridos durante a Semana de Arte Moderna de 1922 marcam o início do
longo trajeto percorrido pelas instituições voltadas para o patrimônio brasileiro. Fortemente
influenciados pelas teorias européias de salvaguarda, esses debates adotaram uma postura em
favor da preservação de sítios urbanos. Esse fato se deu não só pela sua relevância, como
também pelo seu valor simbólico e pela sua representatividade históricos junto aos habitantes
e citadinos desses locais. Durante esse período Mário de Andrade desenvolveu pesquisas
etnográficas e literárias. O arquiteto Lúcio Costa, que também havia participado do
movimento neocolonial, volta-se para a busca da valorização da herança portuguesa e colonial
para a composição de uma arquitetura “autenticamente nacional”. As idéias desses
intelectuais ganham maior representatividade institucional no final da década de 20 a partir de
projetos de lei que propuseram a criação de órgãos de proteção ao patrimônio, apresentados
ao legislativo federal e pela criação, na Bahia, em 1927, e em Pernambuco, em 1928, de
Inspetorias Estaduais de Monumentos Nacionais, cuja atuação se limitou ao inventário de
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bens locais (SIMÃO, 2001; SOUTELO16, 2004). Enfim, todos esses esforços realizados, em
especial, pelo grupo de intelectuais modernistas, no sentido de conhecer, compreender e
recriar o Brasil, veio a constituir os alicerces nos quais estão assentadas e foram
desenvolvidas as idéias de proteção ao patrimônio.
A atuação desse grupo de modernista passou a contar com o respaldo institucional-
legal a partir de 12 de julho de 1933, quando o então chefe do governo provisório federal,
Getúlio Vargas, demonstrando conhecer o potencial simbólico dos bens culturais, seu caráter
cívico e mnemônico, assinou o Decreto n. 22.928, declarando Ouro Preto como “monumento
nacional”, instituindo, assim, o primeiro monumento histórico oficial (RODRIGUES, 2000).
Na justificativa, considerou-se não apenas o fato de Ouro Preto ter sido a antiga capital de
Minas Gerais, com a também por ter sido esse um “teatro de acontecimentos de alto relevo
histórico na formação de nossa nacionalidade e de possuir velhos monumentos, edifícios e
templos de arquitetura colonial, verdadeiras obras d'arte, que merecem defesa e conservação”
(MEC/SPHAN/FNPM, 1980, p. 89 apud SIMÃO, 2001, p. 31-2).
Em 1934, foi criada a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, norteada por uma
perspectiva tradicionalista e patriótica. O Estado veio adentrar na questão patrimonial no ano
de 1936 a partir de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade – atendendo um pedido
de Gustavo de Capanema, então Ministro da Educação durante os anos de 1934 a 1945 –
voltado para a criação de um instituto preservacionista e das diretrizes para a proteção do
patrimônio artístico nacional. A Inspetoria dos Monumentos Nacionais teve atuação restrita e
foi desativada em 1937, em conseqüência da criação do SPHAN.
O primeiro órgão federal dedicado à preservação, SPHAN (Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), foi então criado no dia 30 de novembro de 1937, através de
Decreto-lei n. 25, fundamentado em um anteprojeto de Mário de Andrade. Logo no seu artigo
16 Dr. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo. Entrevista concedida ao autor, na cidade de Aracaju, em 30 de janeiro de 2004.
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1°, o patrimônio histórico artístico nacional é definido como “o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação aos fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”17.
As recomendações da Carta de Atenas18, documento internacional datado de 1931
através do qual se privilegiou a proteção de monumentos de valor excepcional, parece ter
exercido influência primordial na atuação do SPHAN, em especial na sua preocupação para
com as obras do Barroco, nesse momento considerado a essência da brasilidade, assim como
para a produção material dos colonizadores, como antigos fortes, engenhos e igrejas
(FONSECA, 1997; RODRIGUES, 2000).
A preocupação inicial em preservar o patrimônio, durante esse período, esteve
intrinsecamente “relacionada à perpetuidade dos objetos sagrados, essenciais à comunidade”
(RODRIGUES, 2000, p. 26), por esse motivo a atenção do órgão federal voltou-se,
principalmente, para a proteção de monumentos arquitetônicos, religiosos e civis, do período
colonial. A crítica que se faz é a de que,
embora o anteprojeto do SPHAN, elaborado por Mário de Andrade em 1936, contemplasse uma definição abrangente de “obras de arte patrimonial”, a política de preservação do SPHAN (atualmente IPHAN) se inclinou predominantemente para a reestruturação arquitetônica, de cunho fachadista, de bens imóveis de pedra e cal, cujos monumentos expressariam uma versão oficial do patrimônio, compreendendo um conjunto normalmente relacionado à etnia branca [...]. (LEITE, 2001, p. 17).
17 Disponível em <http://www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm > acessado no dia 28 de out de 2001. 18 O 4º Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), ocorrido na capital da Grécia em outubro de 1931, resultou em um documento denominado “Carta de Atenas”. Nesse encontro marcado pelo advento da moderna arquitetura e a redefinição do perfil desse profissional, procurou-se atender aos princípios de salubridade e de justiça social, ficou, então, recomendado a “substituição de antigos conjuntos arquitetônicos e bairros por espaços planejados de tráfego, lazer e moradia”. Disponível em < http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/atenas-31.htm > acessado no dia 28 de out de 2001.
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De fato, parece haver uma relação muito próxima entre um determinado grupo de
intelectuais e o Estado durante o Estado Novo. Se, por um lado, os intelectuais atuavam como
organizadores da cultura, e se propunham as funções de mediadores entre o Estado e a
sociedade, a cultura e o povo, por outro, o SPHAN gozou uma determinada autonomia
durante o período getulista interpretada, de certo modo, como um sinal do pouco interesse
político que o serviço tinha para o governo federal (RODRIGUES, 2000). Havia, ainda, o
interesse na formação de uma imagem de harmonia e de consonância de interesses entre o
governo e os intelectuais, de extrema importância através da qual procurou-se evidenciar a
percepção que o governo autoritário tinha na vantagem de acolher os intelectuais modernistas.
Enfim, o SPHAN atuou como um órgão fundamental durante o período getulista, vindo
contribuir de forma decisiva para ratificar uma imagem de coesão social em torno de um
projeto nacional. Ele foi, de fato, segundo Fonseca (1997) e Rodrigues (2000), os braços do
ministério de Capanema.
Para Rubino (2003), a postura política adotada por essa instituição, dirigida por
Rodrigo Mello Franco de Andrade, teve forte influência de Gilberto Freyre, sobretudo a partir
de sua aproximação com Lúcio Costa e, posteriormente, com as demais personalidades e
intelectualidades do SPHAN, em uma orientação rumo ao abrasileiramento através da estima
da arquitetura colonial, sobretudo do século XVIII.
Nessa missão, Rodrigo contou com a colaboração de outros brasileiros ilustres, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa e Carlos Drummond de Andrade. Intelectual e homem de ação, Rodrigo concentrou seus esforços na proteção dos bens patrimoniais do país, redigindo uma legislação específica, preparando técnicos, realizando tombamentos, restaurações e revitalizações, que asseguraram a permanência da maior parte do acervo arquitetônico e urbanístico brasileiro, bem como do acervo documental e etnográfico, das obras de arte integradas e dos bens móveis.19
19 Disponível em: < http://www.iphan.gov.br/iphan/iphan.htm > acessado em: 28 de out de 2001.
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Na busca da construção de uma brasilidade, foi primordial a estima à arquitetura
colonial, sobretudo do século XVIII, “contudo, não é uma chave que evidencie a vinculação
entre a arquitetura colonial e a moderna; tampouco nos auxilia a interpretar a intervenção
moderna no espaço urbano” (RUBINO, 2003, p. 272). Ela vem de uma perspectiva na qual a
casa grande e a senzala representavam quase um fenômeno social total. Portanto, não era
apenas uma questão de estilo, a casa colonial (reunindo a casa grande e a senzala) fundava-se
em uma relação complementar no qual se englobava todo um sistema econômico, social,
político (RUBINO, 2003).
2.5 A Questão Patrimonial em Sergipe
A preocupação com a cultura e o patrimônio cultural em Sergipe, segundo Soutelo
(2004), representa uma experiência quase que simultânea com a criação do SPHAN. A
instituição federal surgiu em 1937 e em julho de 38 foi baixado um decreto-lei no qual
transformava a cidade de São Cristóvão em cidade-monumento do Estado de Sergipe.
A própria lei, o próprio decreto, ele já estabelece que seria constituída uma comissão para deferir qual seria o sítio histórico mais antigo de São Cristóvão, ou seja, tentar traçar qual seria o contorno do centro histórico de São Cristóvão, o centro original. Que chegou a nomear, se não me engano, uma comissão Manuel de Carvalho Barroso, que era Secretário de Justiça Interior, Oto Altenesh, que é um construtor alguns dizem austríaco outros dizem alemão, e o professor José Calazans Brandão da Silva. Parece-me que essa comissão [...] nunca terminou de fazer este levantamento que era proposto. (SOUTELO, 2004).
Nesse momento, o patrimônio volta sua atenção para preservação dos monumentos de
pedra e cal. Essa característica passa, então, a caracterizar a década de 60. Já no ano de 1959,
o então Governador Luiz Garcia cria o Museu de Sergipe, hoje Museu Histórico de Sergipe,
localizado no antigo palácio provincial, na cidade de São Cristóvão. No ano de 1967, ocorreu
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a transcrição do tombamento estadual da cidade de São Cristóvão nos livros do IPHAN,
durante o governo de Lourival Baptista. O seu tombamento federal, no entanto, só irá ocorrer
em 1986. Outro fato bastante significativo ocorrido no ano de 1967, foi o surgimento do
Conselho Estadual de Cultura, um órgão consultivo, normativo e deliberativo da Secretaria da
Cultura. Esse órgão é responsável, a nível estadual, pelos estudos de processos de
tombamentos “quer sejam originados na Secretaria, quer sejam originados por particulares ou
pelo próprio Conselho, por um conselheiro qualquer” (SOUTELO, 2004). O Conselho é pela
Câmara de Ciências e Patrimônio Histórico, esse é o órgão dentro do Conselho responsável
por instruir os processos não só de tombamento como também de revogação de tombamentos.
Todos esses processos passam obrigatoriamente pela Câmara de Ciências e Patrimônio
Histórico antes de irem ao Plenário.
No plano nacional foi realizada no ano de 1970, na cidade de Brasília, uma reunião
com os secretários de educação e cultura juntamente com especialistas no patrimônio, através
da qual se estabelece a meta de que cada Estado faria uma legislação sobre o patrimônio e
criaria um órgão para trabalhar na área. Em face deste compromisso, no dia 04 de abril de
1970, o então governador Lourival Baptista estabelece o Decreto-Lei nº 405. Surge, dessa
forma, a primeira Lei sobre patrimônio histórico e artístico em Sergipe. Nesse momento, a
Assembléia Legislativa encontrava-se fechada, por conta do regime militar, e o Decreto-Lei nº
405 cria o Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico e Artístico, “cuja implementação
a rigor só vai ocorrer no governo de João de Andrade Garcez, com o complemento material
do governo de Lourival, quando assume o Departamento a professora Beatriz Góis Dantas,
que é quem começa a fazer os primeiros levantamentos sobre o patrimônio de Sergipe, dos
bens móveis e imóveis” (SOUTELO, 2004). Ainda no ano de 1970, através de uma proposta
do conselheiro José Augusto Garcez, o Conselho Estadual de Cultura aprova o tombamento
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de Laranjeiras como cidade monumento estadual, somente concretizado no decreto de 12 de
março de 71, já no final do governo de João de Andrade Garcez.
Em 1972 vem a Sergipe, para proferir a aula inaugural da Universidade Federal, o
então ministro Jarbas Passarinho.
Ele faz uma visita a Laranjeiras e São Cristóvão e, em Laranjeiras, pede ao governador Paulo Barreto que crie uma comissão para apresentar ao MEC um projeto de restauração de Laranjeiras. Este projeto, mais os projetos de outros Estados do Nordeste, vai fazer em 73 e 74 que o Governo Federal crie o Programa das Cidades Históricas do Nordeste com a sua utilização para fins turísticos. (SOUTELO, 2004).
O Programa de Cidades Históricas no Nordeste estabelecia que cada Estado deveria
designar o órgão que coordenaria o programa a nível estadual. Em Sergipe, o governador
Paulo Barreto, vai então designar a EMSETUR (Empresa Sergipana de Turismo S/A).
“Enquanto existiu o Programa das Cidades Históricas a EMSETUR foi a responsável pelo
programa” (SOUTELO, 2004). Portanto, o ano de 1972 ficou marcado pela criação da
EMSETUR e do Festival de Arte de São Cristóvão. No ano seguinte (1973), é criado e
instalado o Museu de Arte Sacra de Sergipe.
Entre os anos de 1973 e 74 ocorre a adesão de Sergipe ao Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, com a sua utilização para fins turísticos.
No plano nacional, a morte de Rodrigo de Mello Franco em 1969 encerra o período conhecido
como pedra e cal. Inaugura-se nesse momento uma nova fase no conceito e nos debates
patrimoniais, sobretudo porque este passa a ser visto como algo presente no cotidiano dos
atores sociais. Em Sergipe, no ano de 1975, ocorre a extinção do Departamento de Cultura e
Patrimônio Histórico e Artístico e a criação da assessoria de Assuntos Culturais da Secretaria
da Educação e Cultura, e ainda a adesão de Sergipe ao Programa Nacional de Artesanato.
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Em 1975, na passagem do governo Paulo Barreto para o governo de José Rollemberg Leite, Luiz Antônio assume a assessoria cultural da Secretaria de Educação e Cultura. É a partir daí, que ele trabalha em primeiro lugar a lei do patrimônio, trabalha a criação do Museu Afro-Brasileiro em Laranjeiras e a realização do encontro cultural de Laranjeiras voltado para os estudos da cultura popular. A lei surge nesse momento, então, Luiz Antônio é o pai da lei, ele é quem redige a lei. Ela foi discutida com o doutor Carlos Brito que era o Consultor Geral do Estado e encaminhada à assembléia. Lembro que o deputado Antonio Carlos Valadares foi o relator na assembléia, e o deputado Eliziário Sobral apresentou algumas emendas ao projeto que foi encaminhado pelo governador. A partir daí, é que se institucionaliza pela lei a legislação de patrimônio em Sergipe. A partir de então os tombamentos passam a ser feitos e as ações a partir da lei. (SOUTELO, 2004).
O ano de 1976 é bastante significativo para a cultura sergipana. Marcada pelo I
Encontro Cultural de Laranjeiras, essa data celebra também a criação do Museu Afro-
Brasileiro de Sergipe, nessa mesma cidade. Em 28 de dezembro de 1976, o então governador
do Estado, José Rollemberg Leite, sanciona a Lei nº 2.06920, que “dispõe sobre o Patrimônio
Histórico e Artístico de Sergipe e dá outras providências”. De fato, uma lei restrita
basicamente ao monumento de pedra e cal, em todos os seus mecanismos. Na Lei, é nítida a
influência do sentido tradicional da fase heróica do SPHAN.
CAPÍTULO I - Do Patrimônio Histórico e Artístico
Art. 1 - Ficam sob a proteção e vigilância do Poder Público
Estadual, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, os bens móveis e imóveis atuais ou futuros, existentes nos limites de seu território, cuja preservação seja de interesse público, desde que se enquadrem em um dos seguintes incisos: I - Construções e obras de arte de notável qualidade estética ou particularmente representativas de determinada época ou estilo; II - Edifícios, monumentos, documentos e objetos intima-mente vinculados a fato memorável da História local ou a pessoa de excepcional notoriedade; III - Monumentos naturais, sítios e paisagens, inclusive os agenciados pela indústria humana, que possuam especial atrativo ou sirvam de "habitat" a espécimes interessantes da flora e da fauna local; IV - Bibliotecas e arquivos de acentuado valor cultural; V - Sítios arqueológicos. Lei nº 2.06921 de 28 de dezembro de 1976
20 Nos anexos do trabalho consta a Lei nº 2.069 na íntegra. 21 In: Revista Sergipana de Cultura, 1978.
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Para Soutelo (2004), a Lei nº 2.069 embora esteja voltada para o patrimônio de pedra e
cal, em todos os seus mecanismos, ela é fundamental para o Estado de Sergipe não só por
possibilitar uma legislação própria, no sentido de proteger os seus bens patrimoniais, como
também por direcionar as ações futuras.
De fato, a preocupação central da Lei nº 2.069 está no patrimônio de pedra e cal, no
entanto, segundo Soutelo (2004) “quando Luiz Antônio passa a trabalhar a questão dos grupos
folclóricos, do fazer folclórico no Encontro Cultural de Laranjeiras e a fazer publicações
sobre a área, [...], ele está trabalhando a cultura imaterial”. É importante perceber que mesmo
a partir de 1969, ou mais especificamente a partir da morte de Rodrigo de Mello, as questões
com o patrimônio imaterial ficam apenas no plano discursivo. Conforme apontado por
Fonseca (1997), o grupo hegemônico no SPHAN permanece com suas atenções voltadas para
os monumentos de pedra e cal. A preocupação com o imaterial, no plano federal, só vai ser
tomada quando Aloísio Magalhães chega à instituição em 1979.
Em Sergipe, durante o Governo de João Alves Filho (1990-1994), por meio de
proposta da Fundação Estadual de Cultura, foi criada uma comissão pelo então Secretário
Geral do Governo, doutor Dílson Meneses Barreto. O projeto foi terminado no final de 94,
tramitou no Conselho de Cultura em 1995, e chegou na atual Secretaria de Governo em 96.
O resultado desse trabalho foi consolidado no Decreto n. 16.607, de 22 de julho de
1997, que regulamenta a Lei 2.069.
A ‘exigência legal de prévia aprovação ou licença para execução e obras ou serviços, edifícios ou outros bens tombados’, e pela resolução nº. 001/97-CEC, de 05 de agosto de 1997 (homologada pelo decreto nº. 16.982, de 09 de dezembro de 1997), a qual ‘dispõe sobre a tramitação dos processos de tombamento’. (SOUTELO22, 2001).
22 Os Serviços Públicos de Cultura: a questão patrimonial. (2001). Texto não publicado. Palestra proferida pelo Doutor Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, então Diretor-Geral do Instituto do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura e do Turismo, durante o I Fórum Estadual de Secretários Municipais de Cultura em Aracaju. Sergipe, 06 de novembro de 2001.
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Na avaliação de Soutelo (2001), durante o I Fórum Estadual de Secretários Municipais
de Cultura Aracaju, ocorrido em 06 de novembro de 2.001, esse projeto inova em alguns
pontos quando:
• estabelece que, no caso de tombamento dos bens pertencentes aos municípios, depende o ato de prévia autorização da Assembléia Legislativa (art. 5°" § 2°.);
• determina a realização pelo órgão competente (a outrora Secretaria da Educação e Cultural, hoje Secretaria de Estado da Cultura e do Turismo), juntamente com a Fundação Aperipê de Sergipe e outras emissoras de rádio e televisão, respeitada a legislação pertinente à radiodifusão, bem como junto aos estabelecimentos de ensino, uma sistemática campanha educativa com vistas a criar, no seio da comunidade e juventude, uma consciência pública sobre o valor e o significado do patrimônio histórico, artístico, etnográfico e paisagístico do Estado e sobre as necessidades de sua preservação. (SOUTELO, 2001).
O projeto é inovador em muitos aspectos. Ao trabalhar a questão
do imaterial, a legislação inova em alguns pontos, por exemplo: não é só o tombamento ela diz que, cada caso, cada tipo de bem ou a especificidade de cada bem, determinará a legislação que deve ser observada. Então, por exemplo, se for o falar sergipano é registrar, gravar e registrar, você não pode tombar o falar. Ela avança, criando uma coisa que não é só o tombamento, chamada declaração de relevante interesse cultural – ao invés de tombar eu posso fazer essas declarações – ela inova em algumas questões quando estabelece que o Estado é obrigado o participar em até 25% do custo da restauração de monumentos de pedra e cal e esse percentual deve ser prefixado na lei de diretrizes orçamentárias a cada ano pelo governo. [...] O Estado pode apenas aconselhar, e aí se diz, por exemplo, na própria legislação que os próprios municípios poderão estabelecer incentivos, que hoje já estão ultrapassados em função de que, a legislação atual de reforma tributária proíbe a concessão de incentivos fiscais a partir de agora, aliás não é nem a reforma tributária, é a lei de responsabilidade fiscal. A lei está parada e nunca foi encaminhada à Assembléia, acredito inclusive que esse projeto já precise ser reavaliado para não ficar obsoleto já de sua própria origem. (SOUTELO, 2004).
Em Sergipe, a década de 70 ficou marcada ainda pela criação do Sistema Estadual de
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Arquivos e pela criação do Museu do Homem Sergipano, somente instalado em 1996, ambos
datados do ano de 1978. No ano seguinte, em 1979, ocorre I Encontro Cultural de Estância e,
ainda, a criação da Fundação Estadual de Cultura. Já no ano de 1980, é instalado o Escritório
Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. No ano de 1989 ocorre a
instalação da 13ª Diretoria Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
extinta no ano seguinte, em 1990. Quatro anos mais tarde, 1994, é criada a 8ª Coordenadoria
Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
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Capítulo 3
SÃO CRISTÓVÃO: UM PASSEIO,
VÁRIAS NARRATIVAS
O homem ao ocupar o espaço imprime marcas que testemunham um determinado
tempo vivido. A questão da segurança constitui uma preocupação que o acompanha desde a
sua pré-história. A passagem do Estado natural para o estado artificial23 parece amenizar essa
preocupação mas, mesmo com todos regulamentos que permeiam as relações humanas ela
ainda parece persistir na modernidade.
O século XVI ficou marcado pelas grandes conquistas territoriais empreendidas pelo
povo europeu. Nesse momento havia uma grande disputa que permeava a conquista do novo
mundo, percebida aqui no nordeste, por exemplo, nas constantes invasões e guerras que os
portugueses tiveram de enfrentar contra franceses e mais tarde versus holandeses. A
preocupação em conquistar terras no novo mundo teria provocado um estado conflituoso e,
como resposta, as cidades coloniais surgidas nesse período vão justamente ficar caracterizadas
por essa preocupação, percebidas de forma latente nas experiências que permearam as
escolhas dos respectivos sítios dessas cidades.
Os sítios, onde hoje se encontram as cidades coloniais, nem sempre equivalem aos
sítios primitivos. As experiências conflituosas que caracterizaram esse período, aliada às
constantes ameaças de invasões estrangeiras, fizeram com que essas cidades viessem a mudar
a sua localização. Muitos deles, a exemplo de São Cristóvão, tiveram de ser mudados da sua
23 A criação do Leviatã ou o estado artificial, ocorre segundo Tomas Hobbes, no momento em que os homens individualmente abrem mão de seus direitos, em um estado conflituoso, em prol da segurança. Ocorre dessa maneira a passagem do estado de guerra para um estado de relativa paz, regulamentado pelo Estado ou o Leviatã.
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localização original. Essas mudanças quase sempre seguiam os seguintes passos: Primeiro,
adentrar para o interior, o que permitiria de certo modo um distanciamento do litoral e uma
provável diminuição do perigo de ser ameaçado por estrangeiros. Uma outra característica é a
sua localização em uma acrópole, de modo a visualizar a aproximação de inimigos.
Segundo Lefebvre (1974), para entender a dinâmica do espaço é preciso reconhecer o
jogo de ação mútua. O espaço pode, ao mesmo tempo, sugerir ou proibir algo, ser o efeito de
ações passadas ou ainda permitir novas ações (ARANTES, 2000). A dinâmica espacial, por
sua vez, formadora da paisagem que caracteriza cada rua, bairro ou cidade resulta das tensões
cotidianas de seus moradores. Esses atores sociais estão a todo o momento não apenas
desenvolvendo sociabilidades, mas também, reconhecendo e se identificando, ou não, com
códigos simbólicos, típicos de cada comunidade e que, por vezes, atuam como delimitadores
espaciais, formadores territoriais.
A cidade, segundo Lemos (2000), deve ser encarada como um artefato que pulsa em
tecidos recriados. Ela é fundamental na relação patrimônio e espaço público, tomando o
segundo elemento enquanto espaço de comunicabilidade social e de enunciação ideológica,
entre os diferentes grupos sociais. Renato Ortiz chama a atenção para as negociações
desenvolvidas nesses espaços, para ele, negociar é “delimitar simbolicamente um território, é
levar em consideração a multiplicidade dos atores sociais” (ORTIZ, 2003, b, p. 88) em
espaços onde são constituídas formas de vida contemporânea. Na cidade, portanto, há, ainda,
a dimensão política do espaço público e a forma de sociabilidade em geral, pois sabemos desde Max Weber que a vida social pauta-se pela escassez de bens materiais e simbólicos, o que gera permanente luta entre indivíduos e grupos sociais pelos sinais de distinção, pelos sinais das referências coletivas, ou seja, há uma luta constante na questão da apropriação seja pelos bens materiais, mas também pelos bens simbólicos. (VELOSO, 2001).
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Para compreender a cidade pelos seus aspectos de comunicabilidade social e de
enunciação ideológica, entendendo a multiplicidade de seus atores sociais, é fundamental
conhecer a paisagem. Ela “é o conceito-chave para compreendermos a transformação
espacial” (ZUKIN, 2000, p. 83). De natureza conflitante, por ela perpassa relações de poder.
Neste sentido, geografia e antropologia comungam um ponto comum ao trabalhar as
socioespacializações. O estudo da paisagem edificada pode ser bastante significativo a medida
em que ela
[...] é, em grande parte, uma construção material, mas também simbólica das relações sociais e espaciais. A paisagem “coloca” homens e mulheres em relação com os grupos sociais e os recursos materiais [...]. A paisagem é uma poderosa expressão das restrições estruturais de uma cidade. Com freqüência, o que observamos como paisagem – aquilo que é construído, escondido e que resiste – é uma paisagem do poder. (ZUKIN, 2000, p. 106).
A cidade de São Cristóvão conserva, em sua paisagem, características de sítio
histórico, passíveis de um trabalho de prospecção em superfície. Suas ruas apresentam uma
paisagem edificada ao longo de séculos e que permanecem até hoje, sobretudo por não ter
sofrido nenhum processo de revitalização que viesse descaracterizá-lo, tal como parece
ocorrer em algumas cidades históricas24, que se encontram incluídas nas agendas turísticas
locais e internacionais. Esse processo de descaracterização das cidades históricas em nome do
turismo, denominado gentrification, vem sendo amplamente estudado, debatido por autores
como Featherstone (1999), Zukin (2000), Proença (2001).
As obras que compõem a paisagem partilham uma série de características
representativas de um tempo especifico e, mesmo que algumas delas encontrem-se hoje em
24 A rigor toda cidade é histórica, pois possui uma história que lhe é especifica, contudo o termo aqui empregado limita-se às cidades coloniais.
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ruínas25, o seu apelo é dirigido à consciência histórica e para a memorialização do passado
(ROJEK, 1993, apud FORTUNA26).
Essa consciência histórica e esse apelo à memorialização do passado encontrado nas
narrativas de Walter Benjamin acerca da “Infância berlinense” serviram de inspiração para
que Bolle (1984) sugerisse três tipos fundamentais de memórias que irão atuar junto à cultura,
ao patrimônio e à preservação. A primeira é a voluntária, típica de uma era dominada pela
redutibilidade técnica. Ela encontra-se muito mais apoiada no uso das diversas fontes
tecnológicas, a exemplo do computador, do gravador, da fotografia etc., sendo muito poderosa
devido à sua precisão. O segundo modelo é a memória involuntária, ela está muito mais
centrada na experiência, pouco vale os recursos tecnológicos, a ênfase maior é dada à emoção
em detrimento dos recursos meramente tecnológicos. Finalmente, um terceiro modelo
denominado memória afetiva mais voltada para a memória involuntária, mas não se restringe
a ela. Para Bolle (1984), Benjamin ao escrever a “Infância berlinense” parece lembrar com
alegria da memória corporal e fisionômica. A memória, portanto é anterior à preservação. Ela
está ligada a uma determinada percepção espacial, ao tempo e à distribuição dos objetos e/ou
das obras arquitetônicas, nela encontra-se o lugar de histórias cotidianas, da sensibilidade e da
formação das emoções.
Inspirado no flâneur, conceito elaborado por Walter Benjamin (1997), foi então
desenvolvido um “incurso etnográfico”27 despreocupado com o trajeto específico ou o tempo
gasto para percorrê-lo. Em Hall (2003), o flâneur é identificado também como o vagabundo
ou ainda, como aquele sujeito que transita com outro intuito diferentemente da multidão,
atitude blasé.
25 A exemplo das ruínas gregas, visitadas anualmente por milhões de turistas. 26 “As cidades e as identidades: Narrativas, patrimônios e memórias”. Disponível em Cd-rom: anpocs\rbcs33\rbcs33_08.htm. 27 A expressão “passeio casual” estaria mais próxima de algo poético, algo que de fato venha a designar o “espírito” do trabalho de campo. Na realidade, foram necessárias várias incursões e diversas conversas com moradores, guias turísticos, arquitetos etc.
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Embora as traduções para o flâneur quase sempre remetam a algo não intencional,
levado por acaso, desenvolvido pelo vagabundo, essa visão parece remeter o ponto de vista da
multidão, quase sempre levada pela preocupação da otimização temporal. O flâneur transita
despreocupado com o tempo, levado pelas possibilidades de experimentar novas experiências.
Em seu trajeto, busca de alguma forma o contato face a face, com diferentes pessoas, que lhe
possibilitem diferentes narrativas, para assim poder compará-las e interpretá-las. A multidão,
ao contrário, busca a informação, simples e objetiva, sua preocupação não está nas
interpretações, mas em poder recebê-las de forma digerida. Enquanto o flâneur é acusado de
vagabundo, por não estar preso ao tempo cronológico e, sim, a um tempo subjetivo,
emocional, afetivo. A multidão, por sua vez, é vista pelo primeiro como algo incessível,
indiferente aos diferentes estímulos, incapaz de se sensibilizar aos diferentes estímulos
(VIANNA, 1999, HALL, 2003). Em uma análise, segundo Featherstone, “o flâneur, portanto,
não é apenas aquele que perambula pela cidade, algo a ser estudado. A flânerie é um método
de leitura de textos para ler os sinais e pistas da cidade” (2000, p. 188).
Durante esse incurso etnográfico pelas ruas do centro histórico da cidade de São
Cristóvão, motivado, sobretudo pela possibilidade de experimentar a descoberta de alguma
dimensão não conhecida, que remonte a um outro tempo e espaço, foram desenvolvidos
trabalhos que remontam à memória voluntária, por meio de gravações de entrevista e relatos
de seus moradores, além de informações que não ficaram registradas28, mas que serviram
como depoimentos de seus moradores e contribuíram com pistas sobre determinadas
informações. Buscou, também, a memória involuntária por meio de relatos e histórias
vivenciadas em outros tempos e contadas por alguns de seus moradores. Algumas dessas
28 Algumas pessoas até conversavam, relatavam fatos de suas infâncias mas não permitiram gravar suas falas. Muitos justificavam que se tratava de histórias pessoais e não seria interessante colocá-las à exposição, contudo ao se deparar com fotos antigas surgiram, de fato, vários relatos das brincadeiras de infância, geralmente soldado e ladrão, manja etc., além da história de um tombo em uma calçada alta (chegando inclusive a mostra a cicatriz na perna por conta desse tombo de infância).
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narrativas foram fundamentais para a compreensão de elementos materiais encontrados na
paisagem edificada.
3.1 A Cidade em dois Tempos: habitual e ritual.
Após ter mudado o sítio primitivo de sua localização por duas vezes, prática muito
comum nas cidades coloniais portuguesas, segundo Omegna (1971), São Cristóvão finalmente
encontra a sua localização definitiva. Situada “nos tabuleiros formados pelos clásticos do
Grupo Barreiras, [...]. São as formas mais elevadas da paisagem, atingindo 70, 80 e até 90
metros” (AZEVEDO, P., 1980 a, p. 27), a cidade de São Cristóvão seguiu os parâmetros de
ocupação espacial da época. A preocupação com a segurança frente às constantes ameaças de
invasão inimigas, pode ser percebida em sua localização, concebida no alto e afastada do
litoral. Ao adentrar para o interior procurou-se não só dificultar a chegada de inimigos, mas
também, facilitar a sua visualização.
Para que fosse realizada a incursão etnográfica pensou-se em comparar os diferentes
usos dos espaços públicos, tomando-se como parâmetros os seguintes tempos: Habitual ou o
tempo ordinário e o ritual ou o extraordinário. O primeiro, compreende o cotidiano de seus
moradores e a relação desses com os espaços, nele encontra-se a monotonia do trabalho
(ELIADE, 2001). No tempo ritual ou o “tempo festivo”, compreendendo o tempo das
procissões, de lazer e dos espetáculos, seguindo uma orientação fornecida por autores como
DaMatta (2001) e Rocha, (2003), procurou-se evidenciar as festas segundo os tipos sagrados,
profanos e cívicos. Contudo, mesmo no tempo sagrado foi possível perceber dois tipos de
atores sociais: o homem religioso e o homem não-religioso. Para o segundo elemento, sendo
inacessível o tempo litúrgico, o tempo sagrado, regido pelas proibições de jogos de azar,
consumo de bebidas alcoólicas etc, é transformado em “tempo festivo” (ELIADE, 2001).
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Neste trabalho, de incursão etnográfica, foi preciso “ter um lugar de onde partir, para
começar a ler o contexto” (SOJA, 1993, p. 269). Foi então escolhida a Igreja Nossa Senhora
Vitória, ou como é conhecida, a Igreja Matriz, por representar o marco zero da cidade de São
Cristóvão. Ela corresponde também ao “centro simbólico”, esse por sua vez, equivale “ao
lugar ou aos lugares que condensam de uma maneira intensa uma carga valorizante, em
função da qual se organiza de forma significativa o espaço urbano” (CASTELLS, 1983, p.
318).
As construções do século XVII, como por exemplo, a Igreja de Nossa Senhora da
Vitória ou Igreja Matriz, a Santa Casa de Misericórdia e o Convento Franciscano, geralmente
podem ser entendidas a partir de um duplo aspecto. Por um lado, as construções religiosas
marcadas pelas normas do conceptismo, do cultismo e do preciosismo, característico do
barroco, onde estão presentes o gosto pela retórica pomposa e rebuscada, encontrada nas artes
plásticas, com temas tipicamente religiosos (LOPEZ, 1994). Por outro, as casas, habitações
particulares, ficaram marcadas pela simplicidade rústica e pela pobreza dos interiores, são
construções geralmente térreas e com móveis, simples e escassos (AZEVEDO, P., 1996).
A Igreja Matriz foi edificada por ordem dos Felipe da Espanha, para ser Sede
Episcopal, em período marcado pela União Ibérica. Para tal, foram colocadas armas na
portada do templo, na qual permaneceram até o século XIX, próximo à Independência do
Brasil (VILELA; SILVA, 1989). A sua construção efetivamente só vai ocorrer entre os anos
de 1608 a 1616, por ordem do Bispo da Bahia D. Constantino Barradas.
Caracterizada pela presença de traços ao estilo barroco, a Igreja da Matriz representa,
conforme idéia de Castells (1983), o “centro simbólico”, ponto de partida para a configuração
da paisagem edificada na cidade de São Cristóvão. Caracterizada como a única igreja
simétrica da cidade, sua localização segue como eixo principal o sentido Leste-Oeste, e
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apresenta sua fachada voltada para o nascente. Do seu lado esquerdo29, apresenta-se a casa
paroquial, com número 342, datada de 1846. Os rios da área seguem a direção Noroeste –
Sudeste (NW-SE), isto porque são formados por pequenos segmentos que compõem as
ramificações menores. Destacam-se duas bacias fluviais: do rio Sergipe, ao norte da área, e do
Vaza Barris, ao sul (AZEVEDO, P., 1980 a).
Em 1616 os moradores da cidade de São Cristóvão celebraram o dia de sua padroeira,
Nossa Senhora da Vitória. Embora a Igreja Matriz não estivesse totalmente concluída, já
oferecia condições para o culto público. Durante as invasões holandesas muitos monumentos
foram incendiados, sobretudo no momento de sua expulsão. Entre essas edificações estava a
Igreja Matriz. Por conta desses agraves, ocorridos, sobretudo no momento das invasões
holandesas, entre os anos de 1637 e 1645, no final do século XVII a Igreja Matriz encontrava-
se em condições altamente precárias. Os moradores da cidade de São Cristóvão, desprovidos
de recursos materiais decidiram apelar para o rei português para que fossem realizados os
serviços de restauração. Esta solicitação só veio a ser atendida somente nove anos depois,
após grande parte da igreja ter sido reconstruída com esforço, empenho e recursos dos
próprios moradores locais (AZEVEDO, P., 1980 a, VILELA; SILVA, 1989, NUNES, 2000).
Portanto, o auxílio real só foi consolidado em 1702, por meio de quatro mil cruzados,
conseguido através dos dízimos dos vinhos e aguardentes que há bem pouco havia tido seu
valor aumentado.
29 Sempre que houver menção “esquerdo” ou “direito”, será admitido como ponto de referência o observador visitante, localizado à sua frente.
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Mapas 9.
Fonte: Os mapas do descobrimento30, 2000.
Os mapas do século XVII já apontam a formação de um núcleo edificado são
cristovense, caracterizados, essencialmente, pela presença de construções religiosas.
Mapa 10.
Fonte: REIS, Nestor Goulart, cd de vilas e cidades coloniais.31
30 ALBERNAZ, João Teixeira. Carta da Costa que se estende da Baía de Todos os Santos até a Barra do Rio São Francisco (1631). In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Os mapas do descobrimento. [s.l.]:Associação Serrana de Educação e Cultura; Centro Cultural Banco do Brasil, 2000. (Manuscrito aquarelado, n.23). 31 A imagem acima está também no capítulo dois. Lá se procurou evidenciar a localização da cidade, aqui se procura destacar as construções existentes nessa.
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100
O mapa 11 traz uma representação detalhada da imagem anterior
Rio ParamopamaIgreja Matriz, com apenas uma torre.
Convento Fanciscano.
No detalhe, a cidade de São Cristóvão conforme mapa datado de 1631. Segundo a
representação, é possível observar a presença de uma única torre sineira, contudo em sua
configuração atual a Matriz apresenta duas torres sineiras. Há três portas centrais e, outras
duas portas falsas em suas extremidades laterais, direita e esquerda respectivamente. Acima
das portas falsas estão cravadas datas. À luz do observador visitante, a porta esquerda traz a
data de 1845 e na porta da outra extremidade o ano de 1855. A história comumente contada
pelos guias turísticos narra que o termino da construção da torre esquerda teria ocorrido no
ano de 1845, e por conta de impostos que eram cobrados, somente dez anos após foi
concluída a torre direita da matriz. Para Erundino Prado Junior, essa diferença se deu por
outros motivos, sobretudo pela dificuldade no emprego de recursos e de mão-de-obra.
Convento Franciscano
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Inscriçãode 1845.
Inscriçãode 1855.
PortasFalsas.
PortasFalsas.
A Igreja de Nossa Senhora da Vitória traz algumas características essenciais e que
merecem destaque. Além de ser a mais antiga construção, encontra-se no ponto mais alto da
cidade de São Cristóvão, e tem ao fundo o rio Paramopama. Esta descrição parece ser
interessante e passível de conjecturas em vários aspectos. Primeiramente ela mostra a
preocupação com a segurança, motivo principal para duas mudanças de sítio até ser
consolidada no local atual, o local escolhido permite uma fácil visualização no caso de
chegada de inimigos, ela sugere ainda que ao situar a Igreja de Nossa Senhora da Vitória no
ponto mais alto da cidade, parece haver aí uma relação hierárquica, que caracterizou várias
cidades coloniais.
Foto 3. Fonte: NASCIMENTO, 1991, p. 24.
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A imagem acima parece dar evidências do posicionamento estratégico da Igreja
Matriz. O centro histórico colonial vai ser estruturado de frente para sua fachada. Em suas
costas, a preocupação primordial estava centrada na vigilância do Paramopama. Bem a sua
frente, encontra-se a praça Getúlio Vargas, também conhecida como praça da Matriz.
Segundo Prado Junior (2004), durante o carnaval, uma festa tradicionalmente profana,
ocorriam os desfiles de fantasias, fobicas, concursos de bicicletas e o baile da cidade na
própria praça da Matriz. Nela, havia o coreto de madeira montado há mais ou menos meio
metro de altura, onde a “socialite brincava e dançava, animada por uma charanga32 formada
por amigos e amantes da música” (PRADO JÚNIOR, 2004), que animava as pessoas ao som
de antigas marchinhas de carnaval. Aqueles menos favorecidos socialmente dançavam e
pulavam circundando o coreto. Paralelamente, ocorria o carnaval privado.
As pessoas mais ilustres da sociedade faziam também seus bailes de máscaras, nos
solares dos próprios sobradinhos. Essas festas particulares, também conhecidas como saraus,
32 Termo comumente empregado para as “bandinhas musicais”. Formadas essencialmente por instrumentos de sopro e de percussão elas saiam pelas ruas a tocar as marchinhas populares.
Foto 4. Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.].
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eram realizadas não só no carnaval, como também no período junino e nas celebrações de
aniversários. Como era de costume as “sinhazinhas, senhoritas e damas da sociedade, a
exemplo da mãe de Vera Prado, sua prima, durante essas ocasiões costumavam tocar pianos
na parte superior dos sobrados” (PRADO JUNIOR, 2004). Hoje, durante o carnaval na cidade
de São Cristóvão, algumas poucas pessoas saem acompanhando uma bandinha com
instrumentos de percussão e de sopro, percorrendo as ruas da cidade, jogando pó branco entre
eles e nas outras pessoas que encontram pelo caminho. Os foliões guiam uma carroça,
contendo aguardente de cana por eles distribuída e consumida. Depois de percorrerem as ruas
da cidade, os foliões continuam sua farra na praça São Francisco.
A praça da Matriz é o espaço, por excelência, onde são desenvolvidas sociabilidades.
Nela ocorria a anual festa carnavalesca e, ainda hoje acontece a procissão de Senhor dos
Passos e os desfiles de sete de setembro, reunindo assim elementos profanos, religiosos e
cívicos que se alternam constituindo o ciclo de rituais públicos entorno da praça da Matriz.
Foto 5. Desfile de um bloco de carnaval, na rua Erundino Prado, em São Cristóvão. Foto do autor, 2004.
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No tempo cotidiano, as pessoas costumavam se reunir em frente à Igreja da Matriz para as
tradicionais brincadeiras de crianças, os flertes de jovens, que por ali passeavam etc.
A imagem a seguir foi realizada na tarde de domingo da festa de Senhor dos Passos,
2004. Ela mostra a rua José do Prado Franco, vista de baixo para cima. Nela é possível
visualizar o universo profano, através do comércio variado, em um momento festivo religioso.
Foto 6. Igreja Matriz em uma foto do início do século XX. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 281. Autor e data desconhecidos.
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Prédio da Prefeitura Municipal de São Cristóvão.
Alto da torre da Igreja Matriz.
Para aquele que observa da praça, portanto, em posição e sentido muito próximo das
imagens a seguir, é possível observar da esquerda para a direita, um fragmento da torre da
Matriz, ao lado a casa paroquial e, seguindo em um plano que não aparece nas imagens, o
prédio da Prefeitura Municipal.
Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismoe Meio Ambiente de São Cristóvão. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha.
Foto 7. Universo profano da Procissão do Encontro. Na rua José do Prado Franco eram comercializados produtos, desde comidas típicas, bebidas até bijuterias, inclusive religiosas. Foto do autor, realizada durante a Procissão do Encontro, 2004.
Desfile cívico de 07 de setembro. Autores e datas desconhecidos.
Foto 8. Foto 9.
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Nas imagens anteriores, é possível perceber um desfile cívico de sete de setembro,
passando em frente à igreja da Matriz, passando pela casa paroquial (na imagem à esquerda o
prédio em segundo plano) e seguindo rumo à sede da Prefeitura Municipal.
Logo à frente da igreja Matriz, encontrava-se um antigo sobrado. Atualmente, nesse
mesmo espaço, funciona a Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte de São
Cristóvão. A atual configuração do prédio demonstra traços de outro período histórico. Ele vai
de encontro às descrições das características de como eram as casas coloniais, sem jardins,
com suas fachadas rentes à rua, quase não deixando espaço para as calçadas. Na imagem
colorida, que traz a paisagem em sua configuração atual, percebe-se características que vão de
encontro àquelas atribuídas às casas coloniais.
Foto 10. Antiga casa localizada em frente a Matriz. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
Foto 11. Atual Superintendência Municipal de Transito e Transporte de São Cristóvão. Foto do autor, fevereiro de 2004.
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No detalhe, circundada ao centro a representação da Igreja Matriz. Abaixo, à direita, o
adro do Conjunto do Carmo. Seguindo no sentido oposto, na área circundada de vermelho,
uma seqüência de casa que leva ao antigo porto da cidade de São Cristóvão.
Foto 12. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
Igreja Matriz
Ladeira do Porto da Banca.
Carmo Grande.
Foto 13. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
Antigo Porto da cidade de
São Cristóvão
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A imagem anterior traz uma vista do centro histórico da cidade. No detalhe, a Igreja
Matriz e o rio acima, o Paramopama. Em destaque, circundado, o antigo porto por onde
entravam os escravos.
No detalhe, as torresda Igreja Matriz.
No alto da paisagem é possível visualizar as torres da Igreja Matriz. Ela representa
muito mais que o centro simbólico. A sua localização estratégica permitia não só a
visualização, por parte de quem estava no alto, da chegada de tropas inimigas, como também
pode ser entendida como sinônimo de poder e de intimidação para todos aqueles que, por
algum motivo, pretendiam penetrar pelo Paramopama.
Hoje, no referido local, funciona um terminal turístico ecológico, onde as pessoas
embarcam para um passeio de catamarã, conforme apontado pelas imagens abaixo.
Foto 14. O antigo porto, do alto a cidade de São Cristóvão. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
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Saindo do porto, subindo à cidade alta, encontra-se o Conjunto do Carmo, situado no
antigo Largo do Carmo, atual Praça Senhor dos Passos. Com a chegada do grupo de religiosos
conhecidos como Carmelitas Calçados, no ano de 1618, inicia-se a construção da Capela do
Convento do Carmo, no ano de 1639.
O Conjunto engloba a antiga Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo,
conhecida Carmo Grande, onde hoje se encontra localizado o atual mosteiro de São Bento e a
antiga Capela da Ordem III do Carmo. O Carmo Pequeno corresponde a atual Igreja de
Senhor dos Passos. Há divergências no que se refere à data de seu término. As opiniões
divergem entre as datas de 1666 e de 1745. Aqueles que alegam o término no ano de 1666
fundamentam-se, essencialmente, em informações cravadas no frontispício, com Galilé
(SALVADOR, P., 1980 a).
O antigo porto de São Cristóvão, atual Terminal Turístico Ecológico. Na imagem à esquerda, no detalhe, as torres da igreja Matriz. A outra imagem realizada em sentido contrário à primeira, traz no detalhe, o atual ponto de embarque para um passeio de catamarã. Fotos do autor, 2004.
Foto 16 Foto 15
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A Igreja Conventual, atual Mosteiro de São Bento, foi edificada no século XVIII pelo
Frei Antônio de Santa Eufrásia Barbosa. Trata-se de uma edificação ao estilo barroco, o
frontão, rico em decoração, conta com pináculos nas extremidades e ostenta um escudo da
Ordem Carmelita. A galilé recebeu grades de proteção em ferro, no ano de 1986. Segundo
Carvalho “o Convento já existia nos fins do século XVII. Foi reedificado entre 1755 e 1763
por Frei José Ângelo Teixeira, inspirado no modelo franciscano” (1989). Em de 1847 o
prédio da Igreja Conventual veio abrigar em uma de suas salas, o Liceu de São Cristóvão. Em
1922, século XX, o Convento passou por reformas proporcionadas pelas irmãs Clarissas
Concepcionistas, vindo a funcionar o Colégio Imaculada Conceição. Dois anos após, em
1924, foi fundado o Noviciado. E, finalmente, em 1983 a Igreja Conventual veio servir ao
Mosteiro das Irmãs Beneditinas.
Encontra-se hospedada no interior de suas instalações a imagem de Senhor dos Passos,
encontrada por pescadores no rio Paramopama no ano de 1855. Dona Jaci, aos 88 anos, relata
a seguinte história:
Quando eu era menina, eu tenho uma tia muito antiga, que assistiu a mudança da capital. Ela dizia que o Senhor dos Passos, os pescadores encontraram aí no mar [entenda-se mar, enquanto rio Paramopama]. Os
Carmo
Pequeno.
Carmo
Grande.
Foto 17. Conjunto do Carmo. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 280. Autor e data desconhecidos.
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pescadores vieram acompanhando aquele caixão enorme. As pessoas então se perguntavam, o que será, para onde vai? Quando chegou aqui pertinho, do Carmo Grande, lá na maré, o caixão parou. Quando parou, os pescadores colocaram em terra, abriram e era a imagem de Senhor dos Passos. Então, levaram para aquela igreja [entenda-se a Igreja do Carmo] que era a mais próxima e ficou lá até hoje. O povo antigo conta isso. (JACI FERNANDES Dantas33, 2004).
Originalmente, havia apenas a cabeça de Senhor dos Passos. Logo após, foi feita uma
armação em madeira, e imagem coberta com uma roupa, dando a impressão de haver corpo,
quando de fato não há. Ela apresenta, portanto, uma armação em madeira, coberta pela roupa,
caracterizando aquilo comumente denominado de “imagem de roca”.
No interior da Igreja do Carmo, mais precisamente em seu teto, são encontradas várias
pinturas. Elas são dedicadas a Santa Tereza D’Ávila e cada um desses painéis representa um
sonho da Santa. Em outro ambiente, ainda no Carmo, encontra-se no conjunto do Carmo o
museu dos ex-votos34, dedicado ao Senhor dos Passos. Ainda, a titulo de curiosidade, segundo
o guia turístico, Kleber Luiz de Almeida35 (2004), irmã Dulce teria começado sua jornada
naquele convento, por volta de 1833.
Uma festa muito tradicional na cidade é a procissão de Senhor dos Passos. Ela ocorre
quinze dias após a sexta-feira que antecede o carnaval e atrai dezenas de caravanas com
peregrinos do Estado de Sergipe e de outros Estados. “A festa de Senhor dos Passos ocorre
anualmente dentro do período de Quaresma, que por sua natureza já é um período de
penitência” Prado Junior (2004). E, embora todas as igrejas tinham suas penitências, mas a
concentração maior está na igreja que dá nome à festa, Igreja do Senhor dos Passos, anexo ao
conjunto do Carmo.
33 Entrevista concedida no dia 14 de fevereiro de 2004. 34 No museu dos ex-votos encontram-se fragmentos de pernas, braços, mãos etc, geralmente em madeira, deixadas por pessoas que fizeram algum tipo de promessa ao Senhor dos Passos e acreditam ter alcançado a cura para aquele determinado problema. 35 Entrevista concedida no dia 06 de fevereiro de 2004.
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Situada na antiga rua das flores ou na rua do Amparo, como também é conhecida,
encontra-se a Igreja Nossa Senhora do Amparo. Sua construção data do final do século XVII,
e é creditada à Irmandade do Amparo dos Homens Pardos, instituída em 1690, e composta
exclusivamente por homens. Esta Irmandade foi extinta em 1902 e, em 1907 a Igreja passou à
administração do vigário da Cidade de São Cristóvão (AZEVEDO, P. 1980 a, VILELA;
SILVA, 1989, NUNES, 2000).
Saliências na superfície a indicar sinais de “construções futuras”.
Foto 18. Igreja do Amparo. Foto Daniel Castro, 2002.
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No detalhe, as saliências em superfície.
Na igreja de Nossa Senhora do Amparo é possível observar pedras salientes em sua
lateral esquerda. Muitas histórias surgiram entre os populares para justificar aquelas pedras,
algumas inclusive muito curiosas ou no mínimo exóticas. Um primeiro relato, contado pelo
guia turístico Kleber Luiz de Almeida (2004), que parece contraditório, e segundo o próprio,
sem muita credibilidade, relata que os escravos escalavam aquelas pedras nos dias de missa
para tocar os sinos. A contradição está justamente no fato das saliências estarem localizadas
no outro extremo da torre. A segunda explicação, ao que parece mais lógica, relata que as
torres, devido às dificuldades para sua construção, demoravam muito tempo para serem
erguidas e, nesse caso, a mudança da capital teria provocado um abandono, sobretudo dos
poderes públicos, deixando em evidência aquilo que provavelmente viria a se tornar uma
outra torre. Curiosamente essas saliências aparecem também no Palácio Provincial e possuem
a mesma justificativa. Há, no entanto, uma terceira explicação narrada por Erundino Prado
Junior. Segundo ele, ali se trata de um prolongamento no qual ia ser construída a residência da
irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pardos. Esse relato também é curioso e intrigante,
pois, curiosamente as residências paroquiais, a exemplo da Igreja da Matriz, em São
Cristóvão e tantas outras, parecem respeitar um certo distanciamento físico, espacial, com
Foto 19. Ao lado da igreja tem-se a rua do Amor, antigo Beco do Sabão. Nessas paredes as pessoas escrevem declarações, recados apaixonados etc., impossíveis de serem percebidas, nesta foto, por conta da nova pintura (conforme demonstra a comparação entre as imagens das fotos 18 e 19, respectivamente). Foto do autor, 2004.
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relação à igreja a qual ela está ligada. Se de fato essa possibilidade fosse aceita não haveria
esse distanciamento entre igreja e residência paroquial.
Prado Junior conta que “depois do carnaval, já na quarta-feira de cinzas toda a
sociedade se trancava em suas casas. As imagens sacras da cidade eram todas cobertas com
tecido roxo, indicando sinal de penitência” (2004). Este gesto simbólico equivale a afirmar
que a cidade está morta para o mundo durante os quarenta dias da quaresma, período que se
estende da quarta-feira de cinzas até a sexta-feira da paixão quando é celebrada a morte de
Jesus Cristo.
Durante os quarenta dias há uma mortificação do luxo e das vaidades. Esse é um
período eminentemente de penitência, regulamentado por determinadas proibições nas
atividades estéticas, tais como, pintar as unhas, fazer maquiagens e depilações. Durante o
período quaresmal haviam determinadas restrições também na esfera privada. Os pratos só
poderiam ser lavados até as quinze horas, segundo relato de Prado Junior (2004), seria uma
ofensa trabalhar na hora em que Jesus Cristo teria morrido. A casa só poderia ser varrida até
as dezoito horas, e assim por diante.
Durante o dia, conforme os depoimentos dos carmelitas locais, extraindo-se os
preparativos, tais como instalação do som, palanque etc., parece ser um dia normal, comum,
como qualquer outro. Durante o final da tarde pode-se perceber a gradativa chegada de
peregrinos, em caravanas, nos ônibus que fazem o percurso a São Cristóvão e em outros
fretados, assim como nos carros particulares. Às dezenove horas, com as pessoas devidamente
concentradas na praça do Carmo, dá-se início a celebração da missa. Uma celebração com as
músicas tradicionais cantadas no catolicismo, talvez para facilitar que as pessoas possam
acompanhar esses cânticos.
Por volta das vinte horas e trinta e cinco minutos, inicia-se um pequeno espetáculo
pirotécnico, anunciando o fim da celebração eucarística e a passagem ao próximo momento –
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ato – a procissão luminosa, ou como é denominada Procissão das Velas. Nesse momento “as
pessoas saem com as velas acessas acompanhando o Senhor dos Passos, até a matriz, em uma
procissão de penitência muito bonita” (DANTAS, C. 2004). No sábado à noite, a Procissão
das luzes saiu do largo do Carmo, pela rua Pereira Lobo, até o cruzamento entre a antiga
cadeia e o sobrado de balcão corrido, situado à rua Ivo do Prado, daí ela segue até a Igreja
Matriz. O trajeto, apesar de relativamente pequeno – aproximadamente quinhentos metros –
foi percorrido com muita emoção e sentimento no semblante dos fiéis, que levaram algo em
torno de uma hora para a imagem chegar ao seu destino. Mesmo quando lá estava, ainda havia
pessoas que sequer havia deixado o largo do Carmo, tamanho era a aglomeração de pessoas.
As imagens acima mostram, no canto esquerdo, a parede lateral do Colégio Estadual
Deputado Elízio Carmelo, prédio onde funcionava a antiga cadeia de São Cristóvão. Elas
foram realizadas em período habitual ou cotidiano. Nelas é possível perceber o vazio social, a
ausência de um número expressivo de pessoas.
Foto 20. Avenida Ivo do Prado, ao fundo Antiga Casa da Misericórdia. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
Foto 21. Imagem semelhante a do lado, realizada recentemente. Foto do autor, 2004.
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Algumas pessoas transitando na avenida Ivo do Prado, seguindo em direção à praça
São Francisco. Lá, já existe uma concentração de pessoas reunidas na Procissão de Encontro.
A fotografia foi realizada entre o cruzamento das ruas Pereira Lobo e Ivo do Prado, e tem
como referência o Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo, prédio onde funcionou a antiga
cadeia de São Cristóvão. Ao fundo da imagem, onde se encontra a multidão, é possível
perceber um prédio branco, a Santa Casa de Misericórdia.
No detalhe, a faixa da imagem ao lado. Nela é
possível perceber a relevância da Festa de Senhor
dos Passos para os moradores da cidade de São
Cristóvão, “A maior festa religiosa do Nordeste”.
Foto 22. Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
Foto 23. Foto do autor, Procissão do Encontro, 2004.
Foto24. Procissão do Encontro. Foto do autor, 2004.
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As construções que marcaram a primeira metade do século XIX possuem
predominantemente um caráter laico. Esse traço sugere novos tempos na sociedade brasileira,
marcado pelo rompimento entre Estado e Igreja, efetivamente consolidado com a
Proclamação da República, no final do século. Multiplicam-se as construções privadas
localizadas entre os limites da Igreja Matriz, o conjunto do Carmo, o conjunto Franciscano e a
Igreja do Rosário. Os espaços das edificações são visivelmente reduzidos, margeando as
calçadas, com a predominante ausência de árvores, talvez por conta da nova mentalidade
urbana, que começava atuar com maior intensidade na sociedade ocidental capitalista e que
pretendia romper com o passado rural.
Uma importante obra, não religiosa, ainda hoje conservada que data do século XVIII é
o sobrado de balcão corrido, guarnecido por madeira esculpida com decoração em volutas,
sendo uma antiga residência construída com forte influência moura, localizada na praça
Getúlio Vargas, número 40. Trata-se de um espaço ímpar, pois por ali passavam quase todas
as manifestações religiosas e em determinada sociedade onde o Estado encontra-se aliado à
Igreja, este parece ser um espaço privilegiado, de acesso a poucos.
Foto 25. Coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
Foto 26. Fonte: Nordeste Turístico – postal (4601 –a-47). Foto de Edson C. Delgado. [s.d.].
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Em 1981 o sobrado passou por um período de restauração e, foi inaugurado como
Centro de Restauração e Centro Artesanal, pela Empresa Sergipana de Turismo – Emsetur.
Atualmente (2004), funciona em suas instalações o restaurante Solar Parati.
Outra construção bastante significativa que constitui a paisagem da praça da matriz é o
antigo prédio da cadeia. Em estilo colonial, teve início na primeira metade do século XIX,
cujas obras prosseguiram por vários anos. Em 1981, foi restaurado pela Empresa Sergipana de
Turismo (Emsetur) para funcionar como centro de artes. Atualmente o prédio abriga uma
instituição de ensino médio denominado Colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo.
As construções desse período ficaram marcadas pelas profundas mudanças que
ocorreram nos cenários nacional e local. Em 08 de julho de 1820, Sergipe livrou-se da
submissão baiana, através do decreto de D. João VI, o qual dizia assim:
Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a Capitania de Sergipe d'EI-Rei tenha um govêrno independente do da Capitania da Bahia: hei por bem isentá-la ab-solutamente da sujeição em que até agora tem estado do govêrno da Bahia, declarando-a independente totalmente para que os governadores dela a governem na forma praticada nas demais capitanias independentes (SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.]).
Foto 27. Antiga cadeia de São Cristóvão, localizada à praça da matriz.Atual colégio Estadual Deputado Elízio Carmelo. Foto do autor, durante a Procissão do Encontro, 2004.
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Esse período ficou marcado não só pela Independência de Sergipe, como também
pelas gradativas alterações percebidas nas construções desse período. Elas ficaram
caracterizadas, principalmente pelo caráter laico. A paisagem sãocristovense, por sua vez,
passou a ser constituída por edifícios menores que os dos séculos anteriores, representando
talvez as primeiras tentativas voltadas para a modernidade, com características mais urbanas
em detrimento do estilo agrário, feudal e, acima de tudo, religioso que predominou nos
séculos XVII e XVIII.
As edificações do começo do século XIX avançavam sobre os limites laterais e sobre o
alinhamento das ruas, essas se assemelhavam “pela simplicidade dos esquemas, com suas
paredes grossas, suas alcovas e corredores, telhados elementares e balcões de ferro batido”
(REIS FILHO, 1978, p. 34). Durante este século, a arquitetura brasileira assistiu à gradativa
substituição do Barroco, que predominou durante quase todo o período colonial, cedendo
espaço para o Neoclassicismo, sobretudo a partir da vinda da Missão Francesa ao Brasil,
vindo a se tornar a arquitetura oficial durante o primeiro e segundo Império (REIS FILHO,
1978).
A praça São Francisco reúne em um mesmo espaço estilos arquitetônicos distintos.
Elas se estendem desde aquelas que caracterizam o período colonial, a exemplo do Convento
Franciscano e a antiga Santa Casa de Misericórdia, com predominância religiosa, até aquelas
de caráter político, com o antigo Palácio Provincial. Esse é um espaço de sociabilidades, por
excelência. Essas reúnem, a depender do tempo, celebrações sagradas ou festivas. A
seqüência mostra três eventos que ocorrem regularmente na praça São Francisco: A
celebração da Procissão do Encontro, o Festival de Arte de São Cristóvão (FASC) e a Seresta
da Cidade de São Cristóvão.
Durante a Procissão do Encontro, encontra-se montado um palanque entre os prédios
do Museu Histórico de Sergipe e do orfanato (antiga Santa Casa de Misericórdia). Nesse
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momento Senhor dos Passos encontra com sua mãe, Nossa Senhora. Esse ato ficou então
conhecido como Procissão do Encontro que, segundo relatos, trata-se de
uma procissão muito bonita, com as ruas cheias de gente, vindo inclusive, pessoas da cidade do Rio de Janeiro para essa festa. [...]. Eu tenho uma tia que assistiu a mudança da capital. Ela contava que teve um ano que o vigário não quis fazer a procissão, o sino tocou, e as portas da igreja se abriram todas sem ninguém dentro. Aí fizeram e nunca mais deixaram de fazer. (DANTAS, J.36, 2004).
As imagens a seguir fecham o ângulo inverso em sentido contrário. Foram realizadas
entre os cruzamentos onde se encontram localizados o Museu Histórico de Sergipe, a antiga
Assembléia e o orfanato. Nelas é possível perceber uma multidão reunida para a celebração
do encontro.
36 Entrevista realizada em 14 de fevereiro de 2004.
Foto 28. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente do Município de São Cristóvão. Autor e data desconhecidos.
Foto 29. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
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Ainda hoje, em 2004, há um número expressivo de fiéis que se deslocam de vários
municípios e até de outros Estados para acompanhar a festa de Senhor dos Passos. Nessa
procissão, Jesus e Maria percorrem caminhos diferentes, as ruas da cidade ficam estreitas para
a multidão que está a acompanhar.
A seqüência de imagens traz uma idéia do trajeto e da concentração das pessoas na
Procissão de Encontro de Senhor dos Passos37. O prédio branco, à esquerda, é a Santa Casa de
Misericórdia, ao centro o prédio da antiga Assembléia Provincial e do lado direito da imagem
o antigo Palácio Provincial.
37 Na coleta de dados iconográficos, apareceu uma seqüência de fotos que nitidamente representavam um mesmo rito. Infelizmente não há registro de quem possa ter feito essas imagens. Segundo informações dos proprietários das fotos, de Erundino Prado Junior e pela própria representação simbólica, é possível afirmar que se trata de uma celebração religiosa, denominada Procissão de Encontro.
Foto 30. Imagem realizada durante a Procissão do Encontro. Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores percorrem trajetos diferentes até a Praça São Francisco, onde acontece o encontro às 16 horas. Foto do autor, 2004.
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Antigo Palácio Provincial.
Santa Casa deMisericórdia.
Antiga Assembléia Provincial.
Apesar dos caminhos que as sociedades parecem trilhar, rumo a uma crescente
secularização, é nos rituais sagrados que é possível perceber a força simbólica de um bem
apropriado pela comunidade. Isso só parece acontecer porque, antes de tudo, há uma
identificação entre esse bem e os atores sociais, que de fato praticam a ação, bastante nítida
nos sentimentos e emoções daquelas pessoas.
Foto 32. Imagem da praça São Francisco realizada durante a Procissão do Encontro. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
Foto 31. Imagem da praça São Francisco em tempo comum, ordinário. Autor e ano desconhecidos. Fonte: SÃO Cristóvão Del Rei, 1969, [s.p.].
Foto 33. Imagem da praça São Francisco realizada durante a Procissão do Encontro. Foto do autor, 2004 .
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A Santa Casa de Misericórdia representa um marco de todo e qualquer pólo de
colonização lusa38. Em Sergipe Del Rei, a iniciativa partiu de autoridades administrativas e
colonos, aglomerando homens, como Belchior Dias Moreyra (FREIRE, 1977), que haviam
combatido na expedição de Cristóvão de Barros (SILVA FILHO, 2000). Ela data do período
entre 1607 e 162239, não se sabe ao certo se a decisão emanou do governo da Bahia, contudo,
é sabido que as doações de terra para sua construção partiram de oficiais e moradores da nova
capitania. Dentre os benfeitores da instituição nesse período, figura Belchior Dias Moreyra e
seu filho, Rubélio Dias Moreyra, além do capitão-mor Antonio Pinheiro de Carvalho e o
provedor Cosme Barbosa e Balthazar Barbunda (NUNES,1996).
Ela funcionava não só como capela, mas também como hospital de caridade. A
Capela, datada da primeira metade do século XVII, foi construída ao estilo Barroco. Sua torre
sineira liga-se à ala do antigo hospital com grande equilíbrio e riqueza de estilo. A instituição
38 BOXER, Charles. R. O Império colonial português. tradução Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições, 1977. p. 263. (apud SILVA FILHO, 2000). 39 ALMEIDA, Manoel Vasconcelos de Vida do primeiro apostolo de Sergipe: Padre Gaspar Lourenço. RIHGS. Aracaju, v. XVI, n. 21, p. 150, 1952-54 ( apud SILVA FILHO, 2000, [s.p.]).
Foto 34. Imagem da antiga Santa Casa de Misericórdia. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
Foto 35. Atual Lar Imaculada Conceição. Foto: Daniel Castro. 2002
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chegou a desempenhar outras funções ao longo dos séculos, inclusive econômicas,
promovendo o desenvolvimento social na cidade, seja emprestando dinheiro ou materiais para
construção e/ou reforma de casas e estabelecimentos comerciais. Segundo Samarone (1997),
ao longo do século, a Santa Casa de São Cristóvão é identificada com o seu Hospital São
Mateus. Atualmente a Santa Casa abriga o Lar Imaculada Conceição (Orfanato feminino que
abriga cerca de 100 crianças).
O período compreendido entre 1637 a 1645 ficou marcado por intensas lutas, por
conseqüência, a economia da capitania esteve emperrada, gerando, desse modo, prejuízo na
lavoura e no rebanho. São Cristóvão transformou-se em palco de intensas batalhas entre
portugueses e flamengos, e o hospital de caridade participou ativamente, servindo às duas
partes inimigas, socorrendo os feridos. Em 1645, após a expulsão dos holandeses do território
sergipano, buscou-se a retomada do desenvolvimento urbano e econômico. Na capitania de
Sergipe Del Rei reinava o desgoverno e a miséria da população, em uma sociedade marcada
pela degeneração dos costumes (MOTT, 1986, p. 22-3).
Neste período, a Coroa Portuguesa já não recebia tutelas dos espanhóis desde 1640.
Era preciso uma política administrativa nacional voltada para uma ampla reforma nos
territórios coloniais, de modo a possibilitar o controle e a vigilância dos movimentos
exaltados. No ano de 1642 aconteceu na metrópole a criação do Conselho Ultramarino. Na
colônia, por sua vez, a capitania de Sergipe veio a se transformar em Ouvidora e mais adiante
em Comarca da Bahia, no ano de 1695. Essa mudança retirou do governo baiano o poder de
mando na administração de Sergipe; os capitães-mores, ouvidores e juizes lotados em Sergipe
passaram então a ser nomeados em Lisboa (SILVA FILHO, 2000). A Santa Casa de São
Cristóvão não se viu atingida por tais mudanças, pois a irmandade encontrava-se
umbilicalmente ligada à economia da região. Contudo, no ano de 1695 a capela recebeu o
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santíssimo sacramento da igreja matriz da paróquia de Nossa Senhora da Vitória por não
oferecer condições de culto e segurança.
Como conseqüência da dívida registrada pelos foros de terras, contraída pelos
carmelitas em 20 de maio de 1729, a partir dessa data, esses religiosos passaram a pagar juros
do usufruto das terras e dos aluguéis de casas da Santa Casa. A desordem administrativa e do
desvio de livros da irmandade permitiu à maioria de seus devedores uma possibilidade para
sustar o pagamento de dívidas junto a Santa Casa de São Cristóvão.
Tolhida de seus privilégios, a Santa Casa dispunha das atividades econômicas e religiosas para sustentar o hospital de caridade. De um lado, os empréstimos a senhores de engenho e comerciantes; os alugueres de casas, dos salões do prédio ao governo provincial e ordens religiosas; os foros de terra empenhados a pequenos agricultores; do outro, as capelas de missa em refúgio das almas, as procissões encomendadas por outras irmandades, os cortejos fúnebres e a caridade alimentavam e socorriam os internatos. Em 1762 os irmãos pediram nova esmola ao rei de Portugal, a fim de “cumprir as obras de caridades, como em casos similares”40. Desta vez a negativa ecoaria nas portas do hospital que deixou de funcionar. (SILVA FILHO, 2000, p. 28).
A praça São Francisco além de concentrar um número expressivo de monumentos
edificados ao longo de séculos é um locus onde são desenvolvidas atividades sociais, ao longo
do ano. A exemplo da Procissão do Encontro, ocorre ainda, semanalmente, toda a sexta-feira
uma seresta durante a noite, e anualmente a Festival de Arte de São Cristóvão (FASC),
realizado anualmente durante o mês de dezembro.
O FASC, foi realizado pela primeira vez em 1972, sob patrocínio da UFS, FUNART,
Governo do Estado de Sergipe e da Prefeitura Municipal de São Cristóvão. Tradicionalmente,
o festival realizado anualmente ocorria no mês de setembro, aos poucos ele começa a perder
força e passa por um período instável, vindo a ocorrer nos meses de outubro, novembro e até
40 NUNES, Maria Thétis. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existente no arquivo Histórico Ultramarino. São Cristóvão: PDPH, [s. d.]. p.39. (apud SILVA FILHO, 2000).
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mesmo em dezembro. Na programação do evento consta das mais diversas áreas culturais e
artísticas com apresentações de espetáculos, exposições, manifestações folclóricas, cursos e
seminários de folclore, música, teatro, artesanato e literatura. A programação inclui desde
artistas locais até aqueles de nome e projeção nacional. Pelo palco central, da figura a seguir,
passaram nomes da música como Pepeu Gomes, Sivuca, Gilberto Gil, Guilherme Arantes etc.
Ainda na praça São Francisco vem sendo realizada, aproximadamente desde o início
de 2003, todas as sextas-feiras, espetáculos artísticos musicais. A seresta da cidade de São
Cristóvão a cada quinze dias traz para o público uma atração nacional. Antes do show
Foto 36.
Palco do FASC e Convento Franciscano, ao fundo. Acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte, da Universidade Federal de Sergipe (CULTART/UFS). Autor desconhecido, imagem realizada na primeira metade da década de 80, século XX.
Foto 37.
Barco de fogo, tradição junina do Estado de Sergipe, na noite do FASC. Ao fundo, o Museu Histórico de Sergipe. Acervo fotográfico do Centro de Cultura e Arte, da Universidade Federal de Sergipe (CULTART/UFS). Autor desconhecido, imagem realizada na primeira metade da década de 80, século XX.
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propriamente, na praça São Francisco, as pessoas percorrem a cidade ao som de música
executadas de modo acústico (sem nenhum equipamento eletrônico ligado), saindo da igreja
matriz e indo à direção ao palco, propriamente dito.
No sobrado ao lado do Museu Histórico de Sergipe, localizado à rua Erundino Prado,
número 50, já funcionou a antiga assembléia de São Cristóvão. No seu interior uma realidade
totalmente diferente da sua fachada, descuidada, com o piso em madeira tomado pelo cupim.
Foto 38. A imagem, ao lado, mostra as pessoas transitando pelas ruas indo a direção a praça São Francisco. Ao fundo, a Igreja Matriz e a casa paroquial, respectivamente. Disponível em < http: www.infonet.com.br > acessado em agosto de 2003.
Foto 39. A imagem, ao lado, mostra as pessoas na praça São Francisco. Ao fundo, o convento de mesmo nome. Disponível em < http: www.infonet.com.br > acessado em agosto de 2003.
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Na praça São Francisco, encontra-se “o Palácio [...] dos Presidentes de Província de
São Cristóvão foi edificado em data desconhecida [com] vinte e dois metros de frente e igual
Foto 40. Antigo prédio da Assembléia, à sua direita o atual Museu Histórico de
Sergipe. Foto: Daniel Castro, 2002.
Piso no primeiro andar do sobrado, tomado pelo cupim, atualmente (abril de 2004) o prédio encontra-se à venda. Fotos do autor, 2004.
Foto 41. Antigo prédio da Assembléia. Localizada a rua Erundino Prado, número 50. Fonte: NASCIMENTO, 1991, p. 46.
Foto 42. Foto 43.
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metragem ao fundo” (VILELA; SILVA, 1989, p. 42). Originalmente, pertencia ao Tenente
Domingos Rodrigues Vieira de Melo, tendo sido comprado pelo valor de 4.358.323 mil réis,
no ano de 1823, durante o governo do Brigadeiro Carlos César Burlamarque, que havia sido
nomeado o primeiro governador da Capitania de Sergipe d'EI-Rei em 1820, somente veio a
tomar posse no ano seguinte. A partir de então São Cristóvão, a vila mais importante de
Sergipe, ficou sendo capital, contudo, só seria elevada a categoria de cidade através da carta
de lei de 08 de abril de 1823, assinada por D. João VI. O sobrado tornou-se, então, a
residência dos Presidentes de Província, e nos anos de 1825 e 1826, na gestão do Presidente
Manuel Clementino Cavalcante de Albuquerque “foram introduzidos elementos de decoração
neoclássica, estilo já consagrado no Brasil desde a vinda da Missão Francesa em 1816”
(NASCIMENTO, 1991, p. 84). Mesmo sendo considerado “um dos melhores palácios
presidenciais do País” (NASCIMENTO, 1991, p. 84), não resistiu ao duro golpe a que
assistiu, a transferência da Capital e, a 14 de janeiro de 1865, uma década após esse histórico
evento, o Palácio foi levado à arrematação, não havendo, no entanto, nenhuma oferta. No dia
17 de março de 1855 foi assinada a Resolução nº 413, transferindo a Capital da cidade de São
Cristóvão para as praias do Aracaju. O antigo Palácio Imperial abriga hoje o Museu Histórico
de Sergipe.
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Durante o século XIX, o Brasil assistiu a profundas mudanças que vieram modificar as
relações sociais, até então existentes. O modelo de colonização português, devidamente
adaptado ao clima tropical, conforme apontado por Gilberto Freyre, caracterizado pela
associação entre Estado e Igreja, assentado em uma estrutura agrária, mesmo em suas
tentativas de constituir vilas e posteriormente cidades, via-se nitidamente aquilo que
oportunamente fora denominado, por Freyre, de rurbanos. Essas vilas fundadas inicialmente
ao redor de uma igreja, quase sempre a matriz, localizada no alto, tanto pela questão da
segurança como também por representar uma hierarquia, frente às demais igrejas de outras
irmandades. Essa pequena aglomeração de casas ao redor das igrejas, quase sempre rentes às
ruas, não deixando espaço para as calçadas dos passeios públicos, trazia em sua fachada
traços urbanos, caracterizados pela ausência de jardins, aumentando significativamente a
impressão de monotonia, causada pela não presença do verde. Para Reis Filho (1978), a
Foto 44. Museu Histórico de Sergipe. Foto Daniel Castro, 2002.
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inexistência de jardins domésticos e públicos e de arborização das ruas, acentuava ainda mais
a natural impressão de concentração, mesmo em núcleos de população reduzida.
A imagem anterior parece corroborar a idéia dos não calçamentos. Para Reis Filho
(1978), até mesmo os Palácios desse período foram edificados como as residências comuns,
sobre o alinhamento das vias públicas. A rua existia quase sempre como um traço de união
entre o conjunto de prédios e por eles era definido espacialmente (REIS FILHO, 1978). A
casa, por sua vez, era tida simbolicamente como o locus do domínio ético, da liberdade e da
segurança, onde o indivíduo é reconhecido como pessoa, no âmbito familiar (DAMATTA,
2001; LEITE, 2003).
O Palácio está situado em frente ao Conjunto Franciscano, no qual se encontra
localizado um dos mais belos conventos coloniais. Seu posicionamento não parece ter sido
aleatório, mas pode trazer elementos característicos dos novos destinos que a sociedade
parecia estar tomando, rumo à secularização.
Tanto Erundino Prado (2004) como o guia turístico Kleber Almeida (2004) afirmaram
que o Palácio Provincial é uma obra inacabada, Prado inclusive vai mais longe e afirma que o
projeto para o prédio seria o de ocupar todo o quarteirão. A evidência encontra-se na lateral
do prédio, tal como na Igreja do Amparo, que também apresenta algumas saliências em
superfície.
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O Conjunto Franciscano teve sua construção decidida em 1657, época da chegada dos
Franciscanos em São Cristóvão. O superior da Ordem era o Frei Luiz do Rosário, frade
franciscano português.O conjunto só foi concluído na segunda metade do século XVIII,
devido à pobreza da Ordem Franciscana e da sociedade da época. São do século XVIII, o
frontão, sacristia, claustro e retábulos.
O convento de São Francisco representa a segunda obra mais antiga edificada em São
Cristóvão e certamente a mais monumental. “Em 26 de agosto 1657, os franciscanos
resolveram aceitar o pedido dos moradores de São Cristóvão para fundar um convento
Foto 45. Na imagem ao lado é possível perceber:
1. Saliências em superfície na lateral do Museu Histórico de Sergipe;
2. O Palácio edificado sobre o alinhamento das vias públicas, tal como a residência ao lado, obrigando o pedestre a transitar à margem das calçadas.
Foto do autor, durante a preparação para a Procissão do Encontro, 2004.
Foto 46. Convento Franciscano. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 280. Autor e ano desconhecidos.
Foto 47. Convento Franciscano. Foto Daniel Castro, 2002.
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religioso a que se deu o título de Bom Jesus, foi enviado o Frei Luiz do Rosário,
acompanhado de um irmão leigo” (VILELA; SIVA, 1989, p. 31). O terreno onde está
localizado foi doado pelo Sargento-mor Bernardo Correa Leitão através de escritura emitida
em 1659. O capital investido na construção foi conseguido através de esmolas recolhidas
entre a população da cidade. No dia 29 de janeiro foi construída a Igrejinha e o recolhimento
dos franciscanos. Somente após mais de trinta anos, a 12 de setembro de 1693, foi lançada a
pedra fundamental para a construção do Convento, que tem uma arquitetura caracterizada
pelas linhas retas e sóbrias. O conjunto só foi concluído na segunda metade do século XVIII
devido à pobreza da Ordem Franciscana e da sociedade da época.
Paradoxalmente à pobreza franciscana, o seu conjunto arquitetônico é marcado por um
monumentalismo sem igual em São Cristóvão, constituindo uma das mais belas obras
arquitetônicas coloniais. Para Omegna “a Igreja grande, vistosa, marca o centro citadino,
porque é ela quase que a única edificação de feitio e estilo realmente urbano” (1971, 23). Há
ainda um outro aspecto relevante a ser aqui apontado que sugere, compreender o
monumentalismo das igrejas, vicejando no coração de humildes vilas; ela representa a
superação entre o urbano e o rural, a igreja colonial é ponto de concentração de todas as
almas, encontra-se revestida pela aura sagrada, ela inspira respeito e confiança para a qual
rumam os interesses, os zelos e as devoções. O conjunto franciscano representou muito mais
que uma obra suntuosa. A partir de seu estabelecimento, foi possível definir, de modo mais
significativo, o “eixo principal da composição urbana; a definição de um novo e amplo espaço
aberto, que seria a Praça de São Francisco, em comunicação direta, por rua de pequena
extensão, com a Praça da Matriz, estabelecendo o esquema lusitano de composição urbana por
meio de múltiplas praças” (AZEVEDO, P., 1980 b, p. 42).
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Acima o Conjunto Franciscano em um determinado ritual. Outro detalhe que chama
atenção é a enorme estrutura em frente ao monumento. Na realidade trata-se de um catavento,
que, segundo narrativa do senhor Sóstenes Ramos Prado, havia uma engrenagem que ao rodar
puxava água para os habitantes da cidade.
As transformações econômicas e sociais vivenciadas pela sociedade são cristovense
entre os séculos XVII e XIX, na capitania de Sergipe Del Rey, foram marcadas de perto pela
ação evangelizadora e ao mesmo tempo assistencialista dos franciscanos (SANTOS, Marcelo,
2001). Eles encontraram um terreno fértil para desenvolver suas atividades evangelizadoras e
assistencialistas em meio a uma sociedade marcada pela degeneração dos costumes, bigamia,
homossexualismo, blasfêmias e heresias, inclusive envolvendo padres (NUNES, 2000).
Por volta de 1630 a 1645 Sergipe Del Rey se viu invadida pelos holandeses. O período
posterior à invasão holandesa ficou caracterizado pelos conflitos entre as autoridades baianas
Foto 48. Imagem realizada durante algum ritual público, não identificado. Fonte: SILVA, Clodomir, 1920, p. 283. Autor e ano desconhecidos.
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e sergipanas. Como conseqüência, Sergipe consegue sua autonomia judiciária, sendo elevada
à categoria de Comarca em 1696 (OLIVA, 1991). Com esta nova realidade, São Cristóvão
passou a concentrar burocratas e religiosos inaugurando um novo período de prosperidade
(SANTOS, Marcelo, 2001). É neste momento que tem início a reforma do Convento
Franciscano, que até 1695 era de “taypa e pau-a-pique, com dez ou doze Religiosos [...]”
(ALVES, 2001, p. 34)41, e a construção da Capela dos terceiros franciscanos.
Seguindo processo semelhante ao das suas congêneres nordestinas, a Ordem Terceira
da Penitência de São Francisco de Assis da cidade de São Cristóvão funda em 1693, o
Convento Bom Jesus. Contudo, as obras de edificação da sua igreja só foram concluídas na
primeira metade do século XVIII (SANTOS, Marcelo, 2001, p. 34-5). Não há certeza sobre a
data exata da construção da Capela da Ordem Terceira. Nunes e Soutelo embora utilizem a
mesma fonte, única existente até o momento (JABOATAM), divergem nesta informação. A
historiadora Thétis Nunes (1996), por exemplo, acredita que as obras se iniciaram em 1699 e
terminaram em 1741. Por sua vez, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo (1996), aponta 1725 como
sendo o ano de conclusão das obras, justificando a referida data a partir da inscrição
localizada no lavabo da Ordem.
Ainda na praça São Francisco, conforme as imagens abaixo, é possível perceber, à
esquerda, o rito da primeira comunhão (segundo informações de Erundino Prado Junior) e, no
lado oposto a paisagem em dia de tempo comum, não ritualístico.
41 Parecer do Conselho Ultramarino. Lisboa, 17 de setembro de 1695. apud: ALVES, Francisco José. Fontes para a história de Sergipe Colonial. p. 62.
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Saindo da praça São Francisco pela rua Erundino Prado e seguindo adiante, um pouco
mais afastado do pólo de convergência de atividades sociais, encontra-se a Igreja Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
A Igreja da Irmandade dos Pretos ou, como é mais conhecida a Igreja do Rosário,
encontra-se localizada na antiga rua do Rosário, hoje Erundino Prado. Edificada pelos
membros da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, no século XVIII, teve o início de sua
construção cravado no lavabo em cantaria data do ano de 1743. Trata-se de um prédio com
predominância de linhas retas e com frontão triangular. Essa igreja representava o centro dos
“festejos de tradição africana, como a Taieira e a Chegança. Atualmente ainda se realiza a
Procissão dos Fogaréus e a Chegança, com participação exclusivamente masculina”
(CARVALHO, 1989, p. 19).
Foto 49. Imagem realizada na Praça São Francisco durante um ritual de Primeira Comunhão, na cidade de São Cristóvão. Foto da coleção particular do Dr. Lauro Rocha. Autor e ano desconhecidos.
Foto 50. Imagem realizada durante o tempo comum, na praça São Francisco, em São Cristóvão. Foto do autor , 2004
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Para Paulo Azevedo (1980 b), São Cristóvão, por volta de 1750, já apontava fortes
sinais de consolidação frente aos intensos desgastes causados pelas invasões holandesas,
crescendo de maneira significativa o seu traçado urbano. Assentados nas construções de
Ordens Religiosas, a acrópole apresentava de modo mais claro a futura ligação em direção ao
oeste, “ou seja, da zona de chegada e de saída de mercadorias, propiciando condições de
trocas indispensáveis à vida urbana” (AZEVEDO, P., 1980 b, p. 52).
O mês de junho é bastante festivo. Na segunda quinta-feira do mês, ocorre a festa
Corpus Christi. Nesta celebração as pessoas que moram tradicionalmente no itinerário da
procissão, colocavam, como de costume, toalhas e adereços com imagens sacras nas sacadas
de suas janelas, em sinal de respeito àquela festa. Nela são desenvolvidos sete passos, cada
um equivale a uma acolhida em casas diferentes, durante sete dias. Há também o coral que
acompanha esses encontros com os cânticos tradicionalmente religiosos.
Ainda durante o mês de junho, são realizadas as festas de São João, São Pedro e São
Paulo. Prado Junior relata que a mais marcante era a de São Pedro, por conta dos pescadores,
Foto 51. Igreja do Rosário. Foto Daniel Castro, novembro de 2002.
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uma festa tradicional, na cidade de São Cristóvão mas, que infelizmente foi abolida, por conta
do abandono político e da falta de incentivos.
Antigamente as pessoas mais ilustres faziam suas festas nos solares de seus sobrados,
dentro de suas próprias residências. Elas distribuíam convites a outras personalidades também
ilustres da sociedade são cristovense. Esses saraus se estendiam durante o ciclo de festas
juninas, geralmente com músicas e comidas típicas, muitas delas feitas com milho e bolos de
diversos sabores. Aqueles menos favorecidos socialmente, segundo Prado Junior (2004),
faziam suas festas cada um em locais específicos. Os pescadores, por exemplo, desciam para
as margens do Paramopama e faziam suas festas com o forró tradicional. Outras pessoas que
moravam nas periferias faziam suas festas à beira da suas calçadas, na porta de suas casas.
Prado Junior (2004) salienta que as festas públicas populares eram essencialmente de caráter
religioso e se davam essencialmente na esfera privada, seja nos solares dos sobrados, à beira
do Paramopama ou na porta de suas casas. Não havia de fato uma preocupação pública, por
parte dos políticos, em relação às festas juninas. Essa é característica bastante recente.
A 25 de julho ocorre a festa de São Cristóvão, santo onomástico da cidade. No dia 08
de setembro é comemorado o dia do santo padroeiro da cidade, Nossa Senhora das Vitórias,
celebrando três vitórias alcançadas pelos portugueses frente os franceses, holandeses e
espanhóis.
A segregação social parece ser algo muito forte na sociedade oitocentista são
cristovense. Ela pode ser percebida na paisagem edificada, em seus traços estilísticos e na
ordenação espacial de seus prédios e monumentos. Essa segregação presente nas festas
particulares, mas ao mesmo tempo pública, na medida em que são convidadas personalidades
ilustres ou no simples fato de pessoas humildes sentarem-se em suas calçadas, e percebidas na
paisagem, é também levada ao cotidiano de seus habitantes e citadinos.
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Segundo Kleber Luiz de Almeida (2004), guia turístico da cidade de São Cristóvão, as
casas de uma porta e uma janela correspondem a meia morada, as de duas portas e duas
janelas equivalem a uma morada e, finalmente, aquelas que têm mais de duas portas e de duas
janelas afirma-se ser uma morada e meia. As condições sociais das pessoas que habitavam a
cidade de São Cristóvão eram também percebidas na sutileza das fachadas de suas casas.
Aquelas casas com um beiral, formado por eira e bica, comumente conhecida como casas de
eira eram habitadas por pessoas mais simples. Havia ainda as casas com dois beirais, eira e
beira, sendo ocupada por uma classe intermediária. E, finalmente, os sobradinhos construídos
por elite local e personalidades ilustres da sociedade. Daí o provérbio popular, relativo
àquelas pessoas desprovidas de condições financeiras ou sem posses; “fulano é um cara sem
eira nem beira”.
As pessoas pertencentes à elite geralmente não iam à feira, afinal ali era um espaço
desprestigiado, justamente porque circulavam pessoas da classe baixa. Essa classe social tinha
determinadas pessoas, feirantes, que selecionavam produtos de primeira e os deixavam nos
sobrados. Se por acaso viesse algum produto não muito bom, ele era então devolvido e o
feirante liberado desse “pacto”. Prado Junior (2004) relata que, já no século XX, por volta de
1910 as “senhoras da sociedade” ao irem à feira, acompanhadas por seus empregados,
mantinham um certo distanciamento deles, tal como acontecia na escravidão.
Nitidamente, São Cristóvão parece viver dois momentos: o primeiro, habitual, ou o
tempo de trabalho em que a cidade parece deserta, com ruas vazias e museus fechados, ou
abertos de modo irregular (sobretudo o Museu Histórico de Sergipe). Durante esse período
seus moradores geralmente estão a se queixar do descaso das autoridades, que parecem só
lembrar que ela existe na história. “A quarta cidade mais antiga do Brasil” torna-se lema de
propaganda turística, mas, tudo indica a falta de programas de inclusão nos roteiros e pacotes
turísticos. Falta infraestrutura e políticas públicas votadas para a visitação a São Cristóvão. No
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tempo festivo, claramente, a cidade se reveste de uma outra feição. O discurso de seus
moradores se transforma, a cidade ganha vida na expressão de cada morador, o mesmo que no
tempo habitual a vê como algo velho, ultrapassada no tempo, agora se orgulha de seus prédios
e lamenta não haver maior preservação.
A solução para esse impasse perpassa a inserção de São Cristóvão em roteiros
turísticos. Dessa forma, trazendo turistas e movimentando a economia, parece ser possível
despertar o gosto pela cidade, sua paisagem e seus monumentos. Talvez falte uma perspectiva
de entendimento que aquela paisagem, histórica, assume hoje uma relevância não só no
projeto político de uma identidade nacional, mas sobretudo de exploração econômica de seus
moradores.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caminhar pelas ruas de São Cristóvão equivale a respirar o ar das antigas cidades. No
alto de uma acrópole é possível penetrar em uma atmosfera colonial, com ruas estreitas,
igrejas, conventos e casarões seculares que, aparentemente esquecidos durante quase todo o
ano, mostram sua força e sua magia nos momentos ritualísticos.
As cidades coloniais, nascidas do projeto português de ocupação das terras brasileiras,
consolidaram ao longo do tempo paisagens edificadas, que tiveram determinada relevância e
desempenharam funções específicas. Esses espaços gradativamente perderam sua
importância, a partir do deslocamento logístico, proporcionado pelo surgimento de novas
redes, responsáveis pela articulação entre o conjunto de novos conglomerados urbanos. Hoje,
transformados em centros históricos, vários desses antigos centros retomam sua força.
São Cristóvão nasce em 1590 com um propósito nitidamente estratégico. Situada entre
dois centros produtores cana-de-açúcar, a ocupação desse território sugere ter sido
fundamental no projeto de colonização e ocupação de terras brasileiras, por parte dos
portugueses, sobretudo, por ser esse um período de inseguranças e constantes ameaças, não só
pelos índios, que viam suas terras ameaçadas, como também pelos piratas e aventureiros, que
vinham para o Brasil à procura de riquezas.
Essas cidades tiveram sua paisagem consolidada ao longo de séculos se viram
ameaçadas pelos ideais da modernidade. O século XIX funcionou como divisor de águas.
Nesse momento todas as lutas pela conquista e apropriação territorial, parecem ter sido
esquecidas. Surgem então os novos espaços, aglomerando pessoas de origens distintas, muitas
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vezes formando verdadeiros cadinhos culturais. Eis as novas cidades, assim denominadas
modernas.
As pessoas começaram a migrar para as cidades modernas, ansiosas por prosperidade
e uma vida nova, o que não acontecia com os moradores das cidades coloniais. Esquecidas no
tempo e no espaço, essas cidades se viram à margem dos interesses políticos e econômicos,
sobretudo a partir da segunda metade desse ao longo do século XIX. Elas só retornaram à
cena por volta do início do século XX, através de um projeto modernista, não mais
preocupado em romper com o antigo, e sim para a construção de uma identidade nacional.
É possível afirmar que esse novo paradigma, divisor de águas, assim como essa nova
lógica de ocupação espacial, fortemente trabalhado na modernidade, fizeram com que as
cidades coloniais perdessem muito de sua relevância. As novas paisagens seguiam uma outra
perspectiva, por sua vez, as antigas permaneceram à margem durante um determinado período
de tempo. Essa dicotomia deu origem ao que se tem, agora, o centro e o centro histórico.
Nas cidades coloniais, tradicionalmente fundadas a partir de uma igreja edificada e do
conjunto de casas que começam a surgir ao seu redor, começam a surgir prédios cuja principal
representação simbólica não seria o pertencimento a uma determinada ordem religiosa
específica. Ao contrário, os prédios surgidos nas cidades coloniais ao longo do século XIX,
parecem sofrer uma forte influência das idéias que se praticavam na sociedade da corte, no
Rio de Janeiro, sobretudo com a vinda da Missão Francesa e a importação de um estilo laico.
De modo específico, na cidade de São Cristóvão, esses espaços sagrados eram maiores e mais
ricos em detalhes, em suas fachadas, que os prédios públicos, propriamente ditos. Além disso,
os espaços sagrados permaneceram desempenhando funções religiosas, enquanto que nos
prédios públicos, muitos deles, perderam suas atribuições originais, vindo a se transformar em
restaurantes, museus e casarões particulares. Portanto, a mentalidade secular, oitocentista, fez
mudar não só a relação entre os espaços e os seus usos, mas também as sociabilidades
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desenvolvidas e os estilos arquitetônicos, fazendo surgir novas fronteiras territoriais. Esse
momento sugere algo muito mais significativo.
Anteriormente, os espaços entendidos enquanto uma relação entre o sagrado e o
profano, sobretudo pela forte e decisiva influência da Igreja, ao longo do século XIX,
caracterizado pelo crescente processo de secularização, essa relação vai gradativamente
perdendo sua força e cedendo lugar a uma outra relação; o privado e o público.
Durante o governo Vargas (1934-45), coube ao Ministro da Educação, Gustavo
Capanema, tomar a iniciativa de estudos para um projeto de lei federal. Foi, então, convocado
Mário de Andrade para a elaboração do projeto propriamente dito. A criação do SPHAN,
instituição responsável pelos bens patrimoniais a nível federal, data de 1937. Já no ano
seguinte, portanto, quase simultaneamente ao surgimento do SPHAN, é baixado um decreto
lei no qual transformava a cidade de São Cristóvão em cidade-monumento do Estado de
Sergipe. Nesse momento a instituição voltada para a proteção do bem cultural irá atuar, de
modo específico, sobre os elementos da cultura material, fundamentado, no risco latente de
desaparecimento. Percebeu-se a relevância para aglutinar elementos formadores de uma
identidade nacional.
Mais recentemente, esses centros e cidades históricas retomaram sua força a partir da
possibilidade de exploração econômica desses através do turismo. Contudo, o pré-requisito
para a apropriação é a identificação histórica com seus atores sociais, agindo,
fundamentalmente, com sentido e consciência.
Já há algum tempo, Sergipe sugere oferecer nítidos sinais de interesse de sua inserção
nas agendas turísticas do Nordeste, por meio de eventos ritualísticos, a exemplo da prévia
carnavalesca (pré-caju) e o dos festejos carnavalescos promovidos, sobretudo, nos municípios
do Estado. Além disso, faz parte da tradição as celebrações dos festejos juninos, amplamente
divulgados aqui, e em outros Estados, que parecem ganhar fôlego a partir da inserção de
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apresentações de nomes consagrados a nível nacional, a exemplo de Alceu Valença, Zé
Ramalho, Elba Ramalho, Dominguinhos etc.
A infraestrutura da cidade sugere ser também motivo de preocupação das autoridades
políticas. Em diversas obras públicas, parece ficar claro o caráter e a preocupação com o
aspecto turístico, por exemplo, a construção da orla em Aracaju e, ainda do recente projeto de
revitalização do Mercado Central. Portanto, além dos aspectos ritualísticos e de infraestrutura,
Sergipe também desenvolveu o seu turismo ecológico e natural, sobretudo nos passeios de
catamarãs.
É nítida a preocupação das autoridades públicas com relação ao turismo, contudo esse
exige um alto custo, principalmente simbólico, afetivo. Ele deve ser apropriado, antes de tudo,
pela comunidade local. Contudo, isso só parece ser possível ocorrer se o ator social se
apropriar daquilo que ele se reconhece e se identifica. Uma forma possível para essa
identificação sugere ser a sua efetivação por meio de rituais públicos, despertando o gosto e o
sentimento para aquele momento Além disso, parece interessante a possibilidade através de
ações pedagógicas, entendendo-se enquanto atividades relacionadas com jogos infantis,
concursos literários, além das artes expressas nos desenhos, nas músicas etc. (CORDEIRO;
COSTA, 1999).
São Cristóvão, enquanto cidade colonial, é particularmente interessante para se
compreender o passado e, daí se buscar uma identidade, mesmo que local. Sua relevância vai
além do fato de ter sido a antiga de capital Sergipe. Muito mais do que ela já foi e
representou, o seu centro histórico é possuidor ainda hoje de um vasto e rico acervo
paisagístico edificado, em superfície, a céu aberto, tendo permanecido praticamente intacto ao
longo dos tempos, não tendo sofrido nenhum processo de revitalização que pudesse vir a
descaracterizá-lo. Sua relevância histórica inserida em um contexto nacional, pode revelar e
fornecer pistas de traços que caracterizaram a sociedade colonial.
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Apesar de todos esses aspectos positivos, São Cristóvão, em seu tempo comum,
cotidiano, ordinário parece de fato esquecida no tempo, desabitada, desértica, só vindo de fato
a ocupar suas ruas, de modo expressivo, nos momentos ritualísticos. É aí que a cidade de São
Cristóvão parece mostrar mostra sua força, em especial, na festa de Senhor dos Passos e no
Festival de Arte de São Cristóvão (FASC).
Nesses momentos ritualísticos e, em particular, nos dois eventos acima mencionados,
a cidade adormecida desperta. Suas ruas estreitas parecem não comportar a imensa quantidade
de pessoas que por elas circulam, os moradores colocam-se nas sacadas, janelas e calçadas, de
suas casas e casarões. De fato, é uma outra paisagem que contrasta completamente com
aquela dos dias em tempo ordinário. Os seus moradores se enchem de orgulho, claramente
percebido nos relatos anônimos da multidão, em frases do tipo; “esse ano a procissão – se
referindo à procissão de Senhor dos Passos – teve vinte por cento a mais de pessoas”, ou
ainda, no relato fervoroso de um determinado cobrador de ônibus, morador da cidade de São
Cristóvão; “eu participo todos os anos da festa de Senhor dos Passos, infelizmente, por um
problema na empresa eu fui escalado de última hora. [...]. Mas tem muita gente, as pessoas
vêm de ônibus, de linha e fretado, nos seus carros, e interessante que mesmo nos carros não
passa uma pessoa ou duas, não, eles passam lotados com quatro, cinco pessoas”.
Nas festas de Senhor dos Passos e no FASC fica nítido o entusiasmo dos moradores
com sua cidade, que normalmente não ocorre em outros momentos ou no tempo ordinário.
Esses eventos ritualísticos demonstram a força da apropriação dos bens pela comunidade
local. Muito mais do que isso, são manifestações que parecem equacionar o impasse entre
atores e agentes sociais. Essas manifestações funcionam “dentro de confinamentos culturais
precisos [...] culturas históricas específicas que possuem conotações emocionais fortes para
aqueles que a compartilham” (SMITH, 1999, p. 190-1).
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Muitas vezes a comunicação entre esses elementos, agentes e atores, é ruidosa por
conta dos interesses e motivações distintos, não consoantes. Quem vive de fato a realidade
cotidiana desses espaços é a comunidade local, são os atores sociais. Essas manifestações
“devem, antes de tudo, provocar uma resposta popular para poderem sobreviver, e isto
significa trabalhar em cima dos motivos e estilos vernaculares” (SMITH, 1999, p. 191-2).
A multidão reunida por ocasião da festa de Senhor dos Passos sugere ser a prova mais
evidente de que a identificação e a apropriação parecem não só necessária como possível. As
pessoas, mesmo em suas portas, acompanhando de suas janelas a multidão passar,
comentavam: “este ano tem vinte por cento de pessoas a mais que no ano passado”42, “este
ano tem muita gente diferente, veio muita gente de fora”43. De fato, foi possível observar a
presença de vários peregrinos, locais e de outros Estados, tais como, Porto Real do Colégio
(AL), Paripiranga (BA), Lagarto (SE) etc.
A idéia da cidade em dois tempos, desenvolvida neste trabalho, tem um objetivo. Ela
mostra que é possível, segundo uma orientação Weberiana, unir “atividade racional visando
um fim prático e uma atividade comunicacional, mediada por símbolos” (SANTOS, Milton,
2002 a, p. 315). A condição necessária para que exista essa comunicabilidade, de acordo com
Smith (1999), perpassa a adoção de estilos vernaculares, nos quais os indivíduos se
reconheçam. Por isso, durante as festas de Senhor dos Passos e o FASC, a cidade de São
Cristóvão, que habitualmente parece morta, mostra que está viva e forte no sentimento de seus
moradores.
42 Frase coletada em meio à multidão. 43 Frase coletada em conversa com uma vendedora ambulante
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A N E X O S
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ANEXO A – Anteprojeto da criação do SPHAN (elaborado por Mário de Andrade)44
SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL CAPÍTULO I
Finalidade: O Serviço do Patrimônio Artístico Nacional tem por objetivo determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio artístico nacional.
Ao S.P.A.N. compete: I - determinar e organizar o tombamento geral do patrimônio artístico nacional; II - sugerir a quem de direito as medidas necessárias para conservação, defesa e enriquecimento do patrimônio artístico nacional; III - determinar e superintender o serviço de conservação e de restauração de obras pertencentes ao patrimônio artístico nacional; IV - sugerir a quem de direito, bem como determinar dentro de sua alçada, a aquisição de obras para enriquecimento do patrimônio artístico nacional; V - fazer os serviços de publicidade necessários para propagação e conhecimento do patrimônio artístico nacional.
CAPÍTULO II
Determinações preliminares Patrimônio Artístico Nacional
Definição: entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de arte pura ou
de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil.
Ao Patrimônio Artístico Nacional pertencem: I - Exclusivamente as obras de arte que estiverem inscritas, individual ou
agrupadamente, nos quatro livros de tombamento adiante designados. Estão excluídos do Patrimônio Artístico Nacional: I - as obras de arte pertencentes às representações diplomáticas estrangeiras aqui acreditadas e as que adornam quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no Brasil; II - as obras de arte estrangeira, pertencentes a casas de comércio de objetos de arte; III - as obras de arte estrangeira, vindas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; IV - as obras de arte estrangeira, importadas expressamente por empresas estrangeiras para adorno de suas repartições. Distinções: I - as obras de arte nacional pertencentes a casas de comércio de objetos de arte sujeitam-se também a tombamento, não podendo sair mais do país as que forem tombadas;
44 Texto transcrito da publicação MEC/SPHAN /FNPM. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: SPHAN/FNPM; 1980, p. 90-8. (In: SIMÃO, 2001, p. 103-10).
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II - as obras de arte tombadas, pertencentes a particulares, poderão, por qualquer processo de transação, mudar de proprietário, desde que esta mudança não implique possibilidade de saírem do país; a) em quaisquer casos de venda de obras de arte tombadas, o S.P.A.N. pelo Governo
Federal, e os poderes públicos do Estado em que a obra de arte residir, terão direito de opção na compra, pelo mesmo preço;
III - as obras de arte nacional ou estrangeira vindas para exposição, terão alvará de licença para livre trânsito, fornecido pelo Conselho Fiscal do S.P.A.N.; IV - estão no mesmo caso do número anterior, as obras de arte importadas para adorno de suas repartições, por empresas estrangeiras, mediante declaração expressa destas.
Obra de arte patrimonial
Definição: Entende-se por obra de arte patrimonial, pertencente ao Patrimônio
Artístico Nacional, todas e exclusivamente as obras que estiverem inscritas, individual ou agrupadamente, nos quatro livros de tombamento. Essas obras de arte deverão pertencer pelo menos a uma das categorias seguintes:
1. arte arqueológica 2. arte ameríndia 3. arte popular 4. arte histórica 5. arte erudita nacional 6. arte erudita estrangeira 7. artes aplicadas nacionais 8. artes aplicadas estrangeiras. Das artes arqueológica e ameríndia (1 e 2). Incluem-se nestas duas categorias todas as
manifestações que de alguma forma interessem à Arqueologia em geral e particularmente à arqueologia e etnografia ameríndias.
Essas manifestações se especificam em: a) objetos: fetiches; instrumentos de caça, de pesca, de agricultura; objetos de uso doméstico; veículos, indumentária, etc, etc.; b) monumentos: jazidas funerárias; agenciamento de pedras; sambaquis, litógrifos de qualquer espécie de gravação, etc.; c) paisagens: determinados lugares da natureza, cuja expansão florística, hidrográfica ou qualquer outra, foi determinada definitivamente pela indústria humana dos Brasis, como cidades lacustres, canais, aldeamentos, caminhos, grutas trabalhadas, etc.; d) folclore ameríndio: vocabulários, cantos, lendas, magias, medicina na, culinária ameríndias, etc, Da arte popular. (3). Incluem-se nesta terceira categoria todas as manifestações de arte
pura ou aplicada, tanto nacional como estrangeira, que de alguma forma interessem à Etnografia, com exclusão da ameríndia.
Essas manifestações podem ser: a) objetos: fetiches, cerâmica em geral, indumentária, etc.; b) monumentos: arquitetura popular, cruzeiros, capelas e cruzes mortuárias de beira-estrada, jardins, etc.; c) paisagens: determinados lugares agenciados de forma definitiva pela indústria popular, como vilarejos lacustres vivos da Amazônia, tal morro do Rio de Janeiro, tal agrupamento de mocambos no Recife, etc.;
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d) folclore: música popular, contos, histórias, lendas, superstições, medicina, receitas culinárias, provérbios, ditos, danças dramáticas, etc. Da arte histórica (4). Incluem-se nesta categoria todas as manifestações de arte pura ou
aplicada, tanto nacional como estrangeira, que de alguma forma refletem, contam, comemoram o Brasil e a sua evolução nacional.
Essas manifestações podem ser: a) monumentos (Há certas obras de arte arquitetônica, escultórica, pictórica que, sob
o ponto de vista de arte pura não são dignas de admiração, não orgulham a um país nem celebrizam o autor delas. Mas, ou porque fossem criadas para um determinado fim que se tornou histórico - o forte de Óbidos, o dos Reis Magos - ou porque se passaram nelas fatos significativos de nossa história - a Ilha Fiscal, o Palácio dos Governadores em Ouro Preto - ou ainda porque viveram nelas figuras ilustres de nacionalidade - a casa de Tiradentes em são José deI Rei, a casa de Rui Barbosa - devem ser conservadas tais como estão, ou recompostas na sua imagem “histórica”.): ruínas, igrejas, fortes, solares, etc. Devem pela mesma qualidade "histórica" ser conservados exemplares típicos das diversas escolas e estilos arquitetônicos que se refletiram no Brasil. A data que um exemplar típico possas ser fixada: de 1900 para trás, por exemplo, ou de cinqüenta anos para trás;
b) iconografia nacional: todo e qualquer objeto que tenha valor histórico, tanto um espadim de Caxias, como um lenço celebrando o 13 de maio. Pode ser considerado “histórico” para fins de tombamento, o objeto que conservou seu valor evocativo depois de 30 anos;
c) iconografia estrangeira referente ao Brasil: gravuras, mapas, porcelanas, etc., etc., referentes à entidade nacional em qualquer dos seus aspectos, História, Política, costumes, Brasil, natureza, etc.;
d) brasiliana: todo e qualquer impresso que se refira ao Brasil, de 1850 para trás. Todo e qualquer manuscrito referente ao Brasil, velho de mais de 30 anos, se inédito, e de 100 anos, se estrangeiro e já publicado por meio tipográficos;
e) iconografia estrangeira referente a países estrangeiros: incluem-se nesta categoria objetos que tenham conservado seu valor histórico universal de 50 anos para trás.
Da arte erudita nacional (5). Incluem-se nesta categoria todas e quaisquer
manifestações de arte, de artistas nacionais já mortos, e também dos artistas vivos, as obras de arte que sejam propriedade de poderes públicos, ou sejam reputadas “de mérito nacional”. São condições para que uma obra de arte de artista nacional vivo seja reputada “de mérito nacional”:
1. ter a obra conquistado ao artista qualquer primeiro ou segundo prêmio no ano final de curso em escolas oficiais de Belas-Artes; 2. ter a obra conquistado ao artista qualquer espécie de primeiro prêmio em exposições coletivas organizadas pelos poderes públicos; 3. ter a obra conquistado o título acima referido por quatro quintos de votação completa do Conselho Consultivo do S.P.A.N. Da arte erudita estrangeira (6). Incluem-se nesta categoria todas e quaisquer obras de
arte pura de artistas estrangeiros que pertençam aos poderes públicos ou sejam reputadas “de mérito”. São condições para que um artista estrangeiro seja reputado "de mérito":
1. figurar o artista em Histórias da Arte universais; 2. figurar o artista em museus oficiais de qualquer país; 3. no caso do artista ainda estar vivo e não preencher nenhuma das duas condições
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anteriores, conquistar o título por quatro quintos de votação completa do Conselho Consultivo do S.P.A.N.
Das artes aplicadas nacionais (7). Incluem-se nesta categoria todas as manifestações de
arte aplicada (móveis, torêutica, tapeçaria, joalheria, decorações murais, etc.) feita por artista nacional já morto, ou de importação nacional do Segundo Império para trás. Inclui-se ainda, dos artistas nacionais vivos, toda e qualquer obra de arte aplicada que pertença aos poderes públicos.
Das artes aplicadas estrangeiras (8). Inclui-se nesta categoria toda e qualquer obra de
arte aplicada de artista estrangeiro, que figure em Histórias da Arte e museus universais.
Livros de Tombamento e Museus
O S.P.A.N. possuirá quatro livros de Tombamento e quatro Museus, que compreenderão as oito categorias de artes acima discriminadas. Os livros de tombamento servirão para neles serem inscritos os nomes dos artistas, as coleções públicas e particulares, e individualmente as obras de arte que ficarão oficialmente pertencendo ao Patrimônio Artístico Nacional. Os museus servirão para neles estarem expostas as obras de arte colecionadas para cultura e enriquecimento do povo brasileiro pelo Governo Federal. Cada museu terá exposta no seu saguão de entrada, bem visível, para estudo e incitamento ao público, uma cópia do Livro de Tombamento das artes a que ele corresponde. Eis a discriminação dos quatro livros de tombamento e dos museus correspondentes:
1. Livro de Tombo Arqueológico e Etnográfico, correspondente às três primeiras categorias de arte, arqueológica, ameríndia e popular.
2. Livro de Tombo Histórico, correspondente à quarta categoria, arte histórica. 3. Livro de Tombo das Belas-Artes/Galeria Nacional de Belas-Artes, correspondente
às quinta e sexta categorias, arte erudita nacional e estrangeira; 4. Livro de Tombo das Artes Aplicadas/Museu de Artes Aplicadas e Técnica
Industrial, correspondentes às sétima e oitava categorias, artes aplicadas nacionais e estrangeiras.
Discussões
Primeira objeção: objetos há que pertencem a mais de uma categoria: em que livro de
tombamento inscrevê-los e, se pertencentes ao Governo Federal, em que museu colocá-los? Resposta: estas dúvidas existirão sempre e são próprias exclusivamente das
mentalidades sem energia. É um simples caso de adoção de critérios preliminares. Basta que tais critérios sejam idôneos, razoáveis, não será que eles decidem problemas estéticos insolúveis. Que critérios poderão ser adotados? Por exemplo:
1. objeto que seja ao mesmo tempo histórico e de real valor artístico (a Casa dos Contos; o livro de Debret, etc.) será tombado pelo valor histórico. Excetuam-se naturalmente quadros ou esculturas que tomaram por tema um assunto histórico, mas que são evocativos e não reprodutores do real (O grito do Ipiranga, de Pedro Américo; a Partida da monção de Almeida Júnior);
2. nas manifestações artísticas que ainda e sempre se discutirá se são de arte pura ou arte aplicada, fixar discricionariamente um critério qualquer, o mais geralmente seguido: colocar, por exemplo, a Arquitetura entre as Belas-Artes; colocar a pintura mural, em qualquer dos seus processos, também entre as Belas-Artes; a
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Numismática toda entre as artes aplicadas e da mesma forma toda a cerâmica, com exceção única das estátuas possíveis em tamanho natural, para jardins.
Segunda objeção: um objeto histórico pertencente à atual Escola Nacional de Belas-Artes deverá ir para o Museu Histórico só porque pertenceu a D. João VI, devem então mudar de museu ou permanecer onde estão?
Resposta: Está claro, a meu ver, que o objeto histórico que está na Escola Nacional de Belas-Artes deverá ir para o Museu Histórico, e acho que o quadro de Taunay deverá ficar onde está. Simplesmente porque D. João VI tem muito mais valor histórico que Taunay artístico, pra nós. Já se o quadro fosse de Rafael, de Rembrandt, de Delacroix, gênios universais, o quadro deveria ir para a Galeria de Belas-Artes. Apenas se ajuntaria ao seu título, a designação de seu acidental valor histórico.
Terceira objeção: como fazer-se um livro de tombo único para reunir várias categorias de artes, como o primeiro por exemplo, que reúne a Arqueologia desde os povos pré-históricos, cerâmica marajoara e pedras esculpidas dos astecas, a Etnografia Ameríndia e a Etnografia nacional e estrangeira?
Resposta: um livro pode ter vários volumes. Faça-se um volume para a Arqueologia, outro para a Etnografia Ameríndia, outro para a Etnografia Brasileira, outro para a Etnografia Universal. Sou de opinião, ainda, que mesmo a parte arqueológica da etnografia ameríndia deverá ser reunida a esta e não à arqueologia universal, para obter-se maior unidade.
Quarta objeção: por que o quarto museu é chamado Museu de Artes Aplicadas e Técnica Industrial? Então a técnica industrial é uma arte?
Resposta: arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos. Isso foi aproveitado para preencher uma feia lacuna do sistema educativo nacional, a meu ver, que é a pouca preocupação com a educação pela imagem, o sistema talvez mais percuciente de educação. Os livros didáticos são horrorosamente ilustrados; os gráficos, os mapas, pinturas das paredes das aulas são pobres, pavorosos e melancolicamente pouco incisivos; o teatro não existe no sistema escolar; o cinema está em três artigos duma lei, sem nenhuma ou quase sem nenhuma aplicação. Aproveitei a ocasião para lembrar a criação dum desses museus técnicos que já estão se espalhando regularmente no mundo verdadeiramente em progresso cultural. Chamam-se hoje mais ou menos universalmente assim os museus que expõem os progressos de construção e execução das grandes indústrias, e as partes de que são feitas, as máquinas inventadas pelo homem. São museus de caráter essencialmente pedagógico. Os modelos mais perfeitos geralmente citados são o Museu Técnico de Munich e o Museu de Ciência e Indústria de Chicago. Imagine-se a "Sala do Café", contendo documentalmente desde a replanta nova, a planta em flor, a planta em grão, a apanha da fruta; a lavagem, secagem, os aparelhos de beneficiamento, desmontados, com explicação de todas as suas partes e funcionamento; o saco, as diversas qualidades de café beneficiado, os processos especiais de exportação, de torrefação e de manufatura mecânica (com máquinas igualmente desmontadas e explicadas) da bebida, enfim a xícara de café. Grandes álbuns fotográficos com fazendas, cafezais, terreiros, colônias, os portos cafeeiros; etc., etc. Tudo o que a gente criou sobre o café, de científico, de técnico, de industrial, reunido numa só sala. E o mesmo sobre o algodão, açúcar, laranja, extração do ouro, do ferro, da carnaúba, da borracha; o boi e suas indústrias, a lã, o avião, a locomotiva, a imprensa, etc., etc.
Publicidade
O S.P.A.N. deverá necessariamente, pertencente ao seu próprio organismo, um serviço de publicidade. Em que consistirá essa publicidade?
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1. na publicação dos quatro livros de tombo, assim que estes estiverem em dia, e na publicação anual de seus suplementos. Os livros de tombo devem ser publicados. Além de indispensáveis aos estudiosos, têm valor moral de incitamento à cultura e à aquisição de obras de arte.
2. na publicação da Revista do S.P.A.N. A revista é indispensável como meio permanente de propaganda, e força cultural. Nela serão gradativamente reproduzidas também as obras de arte pertencentes a,o patrimônio artístico nacional. Nela serão publicados os estudos técnicos, as críticas especializadas, as pesquisas estéticas, e todo o material folclórico do país.
3. na publicação de livros, de monografias com estudos biográficos, críticos, técnicos, descritivos, comparativos, dos autores, coleções e obras individualmente tombadas; catálogos dos quatro museus federais e outros regionais pertencentes aos poderes públicos; cartazes e folhetos de propaganda turística.
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ANEXO B - Decreto-lei n° 25 de 30 de novembro de 193745
ORGANIZA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:
CAPÍTULO I Do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Artigo 1º - Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º - Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o Art. 4º desta lei. § 2º - Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indústria humana.
Artigo 2º - A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Artigo 3º - Excluem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira:
1º) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no País; 2º) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no País; 3º) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução ao Código Civil, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário; 4º) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos; 5º) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; 6º) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único: As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II Do Tombamento
Artigo 4º - O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
45 Fonte: http://www.iphan.gov.br/legislac/decretolei25.htm
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1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º; 2º) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; 3º) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou estrangeira; 4º) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º - Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes. § 2º - Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.
Artigo 5º - O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
Artigo 6º - O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Artigo 7º - Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Artigo 8º - Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
Artigo 9º - O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação; 2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo; 3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Artigo 10º - O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
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Parágrafo único - Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equipará ao definitivo.
CAPÍTULO III Dos efeitos do tombamento
Artigo 11 - As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Artigo 12 - A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Artigo 13 - O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
§ 1º - No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por centro sobre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis. § 2º - Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiveram sido deslocados. § 3º - A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Artigo 14 - A coisa tombada não poderá sair do País, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Artigo 15 - Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação para fora do País, da coisa tombada, será esta seqüestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.
§ 1º - Apurada a responsabilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cinqüenta por cento do valor da coisa, que permanecerá seqüestrada em garantia do pagamento, e até que este se faça. § 2º - No caso de reincidência, a multa será elevada ao dobro. § 3º - A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, além de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando.
Artigo 16 - No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o valor da coisa.
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Artigo 17 - As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.
Parágrafo único: Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Artigo 18 - Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.
Artigo 19º - O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º - Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa. § 2º - À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa. § 3º - Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Artigo 20 - As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.
Artigo 21 - Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
CAPÍTULO IV Do direito de preferência
Artigo 22 - Em face da alienação, onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os Municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.
§ 1º - Tal alienação não será permitida sem que previamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao Município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.
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§ 2º - É nula a alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o seqüestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias. § 3º - O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. § 4º - Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, previamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação. § 5º - Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir. § 6º - O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do Município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto de arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta enquanto não se esgotar este prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência.
CAPÍTULO V Disposições gerais
Artigo 23 - O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sobre o mesmo assunto.
Artigo 24 - A União manterá, para conservação e exposição de obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim providenciar no sentido a favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com finalidades similares.
Artigo 25 - O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais e jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional.
Artigo 26 - Os negociantes de antigüidade, de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
Artigo 27 - Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na multa de cinqüenta por cento sobre o valor dos objetos vendidos.
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Artigo 28 - Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido previamente autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cinqüenta por cento sobre o valor atribuído ao objeto.
Parágrafo único: A autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento sobre o valor da coisa, se este for inferior ou equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil-réis por conto de réis ou fração que exceder.
Artigo 29 - O titular do direito de preferência goza de privilégio especial sobre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude de infrações da presente lei.
Parágrafo único - Só terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este artigo os créditos inscritos no registro competente antes do tombamento da coisa pelo Serviço Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Artigo 30 - Revogam-se as disposições em contrário. Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1937; 116º da Independência e 49º da República.
Getúlio Vargas Gustavo Capanema
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ANEXO C - Lei n° 3.924de 26 de julho de1961
DISPÕE SOBRE OS MONUMENTOS ARQUEOLÓGICOS E PRÉ-HISTÓRICOS46.
O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Artigo 1° - Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público, de acordo com o que estabelece o art. 180 da Constituição Federal.
Parágrafo único - A propriedade da superfície, regida pelo direito comum, não inclui a das jazidas arqueológicas ou pré-históricas, nem a dos objetos nela incorporados na forma do art. 161 da mesma Constituição.
Artigo 2° - Consideram-se monumentos arqueológicos ou pré-históricos:
a) as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico, a juízo da autoridade competente; b) os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleomeríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha; c) os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento "estações" e "cerâmios", nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico; d) as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios.
Artigo 3° - São proibidos em todo território nacional o aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim, das jazidas arqueológicas ou pré-históricas conhecidas como sambaquis, casqueiros, concheiros, birbigueiras ou sernambis, e bem assim dos sítios, inscrições e objetos enumerados nas alíneas b, c e d do artigo anterior, antes de serem devidamente pesquisados, respeitadas as concessões anteriores e não caducas.
Artigo 4° - Toda pessoa, natural ou jurídica, que, na data da publicação desta Lei, já estiver procedendo, para fins econômicos ou outros, à exploração de jazidas arqueológicas ou pré-históricas, deverá comunicar à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro de sessenta (60) dias, sob pena de multa de Cr$ 10.000,00 a Cr$ 50.000,00 (dez mil a cinqüenta mil cruzeiros), o exercício dessa atividade, para efeito de exame, registro, fiscalização e salvaguarda do interesse da ciência.
Artigo 5° - Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se refere o art. 2° desta Lei será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de acordo com o disposto nas leis penais.
46 http://www.iphan.gov.br/legislac/lei3924.htm
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Artigo 6° - As jazidas conhecidas como sambaquis, manifestadas ao governo da União, por intermédio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o art. 4° e registradas na forma do artigo 27 desta Lei, terão precedência para estudo e eventual aproveitamento, em conformidade com o Código de Minas.
Artigo 7° - As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer natureza, não manifestadas e registradas na forma dos arts. 4° e 6° desta Lei, são consideradas, para todos os efeitos, bens patrimoniais da União.
CAPÍTULO II Das Escavações Arqueológicas realizadas por particulares
Artigo 8° - O direito de realizar escavações para fins arqueológicos, em terras de domínio público ou particular, constitui-se mediante permissão do Governo da União, através da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ficando obrigado a respeitá-lo o proprietário ou possuidor do solo.
Artigo 9° - O pedido de permissão deve ser dirigido à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, acompanhado de indicação exata do local, do vulto e da duração aproximada dos trabalhos a serem executados, da prova de idoneidade técnico-científica e financeira do requerente e do nome do responsável pela realização dos trabalhos.
Parágrafo único - Estando em condomínio a área em que se localiza a jazida, somente poderá requerer a permissão o administrador ou cabecel, eleito na forma do Código Civil.
Artigo 10° - A permissão terá por título uma portaria do Ministro da Educação e Cultura, que será transcrita em livro próprio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e na qual ficarão estabelecidas as condições a serem observadas ao desenvolvimento das escavações e estudos.
Artigo 11° - Desde que as escavações e estudos devam ser realizados em terreno que não pertença ao requerente, deverá ser anexado ao seu pedido o consentimento escrito do proprietário do terreno ou de quem esteja em uso e gozo desse direito.
Parágrafo 1° - As escavações devem ser necessariamente executadas sob orientação do permissionário, que responderá civil, penal e administrativamente pelos prejuízos que causar ao Patrimônio Nacional ou a terceiros. Parágrafo 2° - As escavações devem ser realizadas de acordo com as condições estipuladas no instrumento de permissão, não podendo o responsável, sob nenhum pretexto, impedir a inspeção dos trabalhos por delegado especialmente designado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, quando for julgado conveniente. Parágrafo 3° - O permissionário fica obrigado a informar à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, trimestralmente, sobre o andamento das escavações, salvo a ocorrência de fato excepcional, cuja notificação deverá ser feita imediatamente, para as providências cabíveis.
Artigo 12° - O Ministério da Educação e Cultura poderá cassar a permissão concedida, uma vez que:
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a) não sejam cumpridas as prescrições da presente Lei e do instrumento de concessão da licença; b) sejam suspensos os trabalhos de campo por prazo superior a doze (12) meses, salvo motivo de força maior, devidamente comprovado; c) no caso de não cumprimento do parágrafo 3° do artigo anterior.
Parágrafo único - Em qualquer dos casos acima enumerados, o permissionário não terá direito a indenização alguma pela despesas que tiver efetuado.
CAPÍTULO III Das Escavações Arqueológicas realizadas por Instituições Científicas Especializadas da União, dos Estados e dos Municípios
Artigo 13° - A União, bem como os Estados e Municípios mediante autorização federal, poderão proceder a escavações e pesquisas, no interesse da Arqueologia e da Pré-história em terrenos de propriedade particular, com exceção das áreas muradas que envolvam construções domiciliares.
Parágrafo único - À falta de acordo amigável com o proprietário da área onde se situar a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada a sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos termos do art. 36 do Decreto-lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941.
Artigo 14° - No caso de ocupação temporária do terreno, para realização de escavações nas jazidas declaradas de utilidade pública, deverá ser lavrado um auto, antes do início dos estudos, no qual se descreva o aspecto exato do local.
Parágrafo 1° - Terminados os estudos, o local deverá ser restabelecido, sempre que possível, na sua feição primitiva. Parágrafo 2° - Em caso de as escavações produzirem a destruição de um relevo qualquer, essa obrigação só terá cabimento quando se comprovar que, desse aspecto particular do terreno, resultavam incontestáveis vantagens para o proprietário.
Artigo 15° - Em casos especiais e em face do significado arqueológico excepcional das jazidas, poderá ser promovida a desapropriação do imóvel, ou parte dele, por utilidade pública, com fundamento no art. 5°, alíneas K e L do Decreto-lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941.
Artigo 16° - Nenhum órgão da administração federal, dos Estados ou dos Municípios, mesmo no caso do art. 28 desta Lei, poderá realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas, sem prévia comunicação à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para fins de registro no cadastro de jazidas arqueológicas.
Parágrafo único - Dessa comunicação deve constar, obrigatoriamente o local, o tipo ou a designação da jazida, o nome do especialista encarregado das escavações, os indícios que determinaram a escolha do local e, posteriormente, uma súmula dos resultados obtidos e do destina do material coletado.
CAPÍTULO IV Das Descobertas Fortuitas
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Artigo 17° - A posse e a salvaguarda dos bens de natureza arqueológica ou pré-histórica constituem, em princípio, direito imanente ao Estado.
Artigo 18° - A descoberta fortuita de quaisquer elementos de interesse arqueológico ou pré-histórico, artístico ou numismático deverá ser imediatamente comunicada à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou aos órgãos oficiais autorizados, pelo autor do achado ou pelo proprietário do local onde tiver ocorrido.
Parágrafo único - O proprietário ou ocupante do imóvel onde se tiver verificado o achado é responsável pela conservação provisória da coisa descoberta, até o pronunciamento e deliberação da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Artigo 19° - A infringência da obrigação imposta no artigo anterior implicará na apreensão sumária do achado, sem prejuízo da responsabilidade do inventor pelos danos que vier a causar ao Patrimônio Nacional, em decorrência da omissão.
CAPÍTULO V Da remessa, para o exterior, de objetos de interesse Arqueológico ou Pré-histórico, Histórico, Numismático ou Artístico.
Artigo 20° - Nenhum objeto que apresente interesse arqueológico ou pré-histórico, numismático ou artístico poderá ser transferido para o exterior, sem licença expressa da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, constante de uma "guia" de liberação na qual serão devidamente especificados os objetos a serem transferidos.
Artigo 21° - A inobservância da prescrição do artigo anterior implicará na apreensão sumária do objeto a ser transferido, sem prejuízo das demais cominações legais a que estiver sujeito o responsável.
Parágrafo único - O objeto apreendido, razão deste artigo, será entregue à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO VI
Disposições Gerais
Artigo 22° - O aproveitamento econômico das jazidas, objeto desta Lei, poderá ser realizado na forma e nas condições prescritas pelo Código de Minas, uma vez concluída a sua exploração científica, mediante parecer favorável da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou do órgão oficial autorizado.
Parágrafo único - De todas as jazidas será preservada, sempre que possível ou conveniente, uma parte significativa, a ser protegida pelos meios convenientes, como blocos testemunhos.
Artigo 23° - O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas encaminhará Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional qualquer pedido de cientista estrangeiro, para realizar escavações arqueológicas ou pré-históricas no país.
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Artigo 24° - Nenhuma autorização de pesquisa ou de lavra para jazidas de calcário de concha, que possua as características de monumentos arqueológicos ou pré-históricos, poderá ser concedida sem audiência prévia da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Artigo 25° - A realização de escavações arqueológicas ou pré-históricas, com infringência de qualquer dos dispositivos desta Lei, dará lugar à multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros), sem prejuízo de sumária apreensão e conseqüente perda, para o Patrimônio Nacional, de todo o material e equipamento existente no local.
Artigo 26° - Para melhor execução da presente Lei, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional poderá solicitar a colaboração de órgãos federais, estaduais, municipais, bem como de instituições que tenham entre seus objetivos específicos o estudo e a defesa dos monumentos arqueológicos e pré-históricos.
Artigo 27° - A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional manterá um Cadastro dos monumentos arqueológicos do Brasil, no qual serão registrados todas as jazidas manifestadas, de acordo com o disposto nesta Lei, bem como das que se tornarem conhecidas por qualquer via.
Artigo 28° - As atribuições conferidas ao Ministério da Educação e Cultura, para o cumprimento desta Lei, poderão ser delegadas a qualquer unidade da Federação, que disponha de serviços técnico-administrativos especialmente organizados para a guarda, preservação e estudo das jazidas arqueológicas e pré-históricas, bem como de recursos suficientes para o custeio e bom andamento dos trabalhos.
Parágrafo único - No caso deste artigo, o produto das multas aplicadas e apreensões de material legalmente feitas reverterá em benefício do serviço estadual, organizado para a preservação e estudo desses monumentos.
Artigo 29° - Aos infratores desta Lei serão aplicadas as sanções dos artigos 163 a 167 do Código Penal, conforme o caso, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis.
Artigo 30° - O poder Executivo baixará, no prazo de 120 dias, a partir da vigência desta Lei, a regulamentação que for julgada necessária à sua fiel execução.
Artigo 31° - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, em 26 de julho de 1961; 140° da Independência e 73° da República.
Jânio Quadros Brigido Tinoco Oscar Pedroso Horta Clemente Mariani João Agripino
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ANEXO D - lei n 2069 - de 28 de dezembro de 197647
Dispõe sobre o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe e dá outras providencias.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SERGIPE:
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPITULO I
Do Patrimônio Histórico e Artístico
Art. 1 - Ficam sob a proteção e vigilância do Poder Público Estadual, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, os bens móveis e imóveis atuais ou futuros, existentes nos limites de seu território, cuja preservação seja de interesse público, desde que se enquadrem em um dos seguintes incisos:
I - Construções e obras de arte de notável qualidade estética ou particularmente representativas de determinada época ou estilo;
II - Edifícios, monumentos, documentos e objetos intimamente vinculados a fato memorável da História local ou a pessoa de excepcional notoriedade;
III - Monumentos naturais, sítios e paisagens, inclusive os agenciados pela indústria humana, que possuam especial atrativo ou sirvam de "habitat" a espécimes interessantes da flora e da fauna local;
IV - Bibliotecas e arquivos de acentuado valor cultural;
V - Sítios arqueológicos
Art. 2 - Os bens a que se refere o art. 1 passarão a constituir o Patrimônio Histórico e Artísticos de Sergipe, depois de decretado o seu tombamento por ato do Chefe do Poder Executivo Estadual e efetuada a sua inscrição no Livro de Tombo.
Parágrafo único - O Decreto de tombamento será precedido de estudos e indicações da Secretaria da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura.
Art 3 - Excluem-se do tombamento a que se refere o art. 2 desta Lei os bens:
I - Pertencentes às representações diplomáticas ou consulares;
II - Trazidos ao Estado de Sergipe para exposições comemorativas, educativas ou comerciais;
III - Pertencentes a casas de comércio de antiguidades ou de objetos históricos ou artísticos;
IV - Importados por empresas estrangeiras, para servirem de adorno aos seus estabelecimentos sediados ou com filial no Estado de Sergipe;
V - Enviados para fora do Estado com o objetivo de restauração, caso em que o 47 Disponível em: Revista Sergipana de Cultura. 1978.
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envio somente se processará mediante termo em que o proprietário se obrigue a fazê-lo voltar dentro do prazo máximo de 1 (um) ano, sob pena de multa correspondente a 5 (cinco) vezes o valor do bem
Parágrafo único - As obras mencionadas nos incisos II e III, terão que vir acompanhadas da respectiva licença para livre trânsito, fornecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
CAPITULO II
Do Tombamento
Art.4 - O tombamento dos bens que constituirão o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe, far-se-á pela sua inscrição nos respectivos Livros de Tombo, devendo ser notificado o seu proprietário ou aquela que detenha a sua posse
Art. 5 - Desde que preencham as condições estipuladas no art 2 desta lei, poderão ser tombados os bens:
I - De domínio privado;
II - De domínio público estadual e municipal
§ 1 - O tombamento poderá ser total ou parcial, especificando-se, no segundo caso, com a maior precisão possível as características e demais informações da parte ou partes tombadas
§ 2 - O tombamento de bens pertencentes aos municípios sergipanos será precedido de autorização da Assembléia legislativa Estadual
§ 3 - Dar-se-á certidão de tombamento a quem a solicitar, com as especificações pedidas
§ 4 - O tombamento de bens de propriedade de pessoa natural ou jurídica de direito privado será voluntário ou compulsório
Art. 6 - O tombamento de bens de propriedade de pessoa natural ou jurídica de direito privado será voluntário ou compulsório
§ 1 - O tombamento será voluntário se o proprietário inscrever espontaneamente o bem ou anuir, por escrito, com a inscrição, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da notificação de que trata o art 4
§ 2 - Será compulsório o tombamento, quando o proprietário não responder à notificação no prazo previsto n § 1 deste artigo, ou apresentar, no mesmo prazo, impugnação escrita à inscrição e esta vier a ser ordenada em decisão administrativa
§ 3 - Havendo impugnação, que deverá ser feita perante o Governador do Estado, competirá à Secretaria da Educação e Cultura contestá-la no prazo de 30 (trinta) dias, após parecer do Conselho Estadual de Cultura, enviando-a ao Chefe do Poder Executivo para decisão, em decorrência da qual:
I - Se favorável à inscrição, decretar-se-á o tombamento;
II - Se contrária à inscrição, arquivar-se-á o processo
§ 4 - No tombamento compulsório, a inscrição terá efeito a partir da data do recebimento da notificação pelo proprietário ou possuidor do bem tombado.
Art. 7 - Far-se-á o tombamento dos bens de domínio do Estado independentemente de
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notificação, desde que se obtenha parecer favorável do Conselho Estadual de Cultura e solicitado diretamente ao Chefe do Poder Executivo, este autorize a inscrição
Art. 8 - Respeitado o disposto no parágrafo único do art. 5, para o tombamento de bens de propriedade dos Municípios, observar-se-á o disposto no art. 6 desta lei
Art. 9 - O tombamento de conjuntos urbanísticos-cidades, vilas, povoações -, para dar-lhes o caráter de monumento histórico, será processado pela Secretaria da Educação e Cultura, mas a sua efetivação far-se-á mediante Decreto que regulará a matéria
Art. 10 - A disposição, uso e gozo dos bens que passarem a construir o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe estarão sujeitos às restrições da legislação federal referente ao assunto e -às decorrentes desta Lei
§ 1 - Na alienação dos bens tombados de propriedade de particular, o Estado terá a preferência, devendo-lhes ser oferecido, por escrito, o preço de alienação, para que o mesmo declare a sua opção no prazo de 30 (trinta) dias
§ 2 - O direito de preferência não impede o proprietário de gravar com ônus real o bem tombado
§ 3 - Os bens tombados não poderão em hipótese alguma, ser demolidos ou mutilados não podendo, igualmente, sem prévia licença da Secretaria da Educação e Cultura, ser reformados, pintados ou restaurados, sob pena de multa correspondente ao custo da reparação do dano causado, para retorno ao estado anterior, sem prejuízo das sanções previstas nos artigos 165 e 166 do Código Penal
§ 4 - Tratando-se de bens tombados pertencentes ao Estado, responderá, pessoalmente, pelas sanções constantes do §3, a autoridade responsável pela infração
§ 5 - Nenhuma venda judicial de bem tombado na forma desta lei poderá ser realizada sem prévia notificação da Secretaria da Educação e Cultura, não podendo, de igual modo, ser expedido edital de praça, sob pena de nulidade, antes de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias para resposta da notificação, a contar da data do seu recebimento
§ 6 - Ao Estado assiste o direito de remição, na conformidade do disposto no Código de Processo Civil
§ 7 - Sob pena de ser requerido o necessário seqüestro e aplicada a multa correspondente a 10 (dez por cento) do seu valor, em dobro no caso de reincidência, os bens móveis tombados nos termos da presente Lei não poderão sair do Estado, salvo se destinados a exposição ou outra forma de intercâmbio cultural, exigindo-se o compromisso de retorno dos bens por um prazo não superior a 6 (seis) meses
§ 8 - No caso de furto, roubo, extravio ou destruição de bem tombado, deverá o proprietário ou possuidor dar conhecimento do fato à Secretaria da Educação e Cultura, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa de 10 (dez por cento) do respectivo valor
Art. 11 - O proprietário de bem tombado que não dispuser de recursos financeiros para nele realizar as imprescindíveis obras de conservação e reparação, deverá comunicar à Secretaria da Educação e Cultura a necessidade de realização dessas obras, sob pena de incorrer em multa correspondente à importância em que for avaliado o dano que, em conseqüência, o bem vier a sofrer
§ 1 - Recebida a comunicação e verificada a necessidade de realização das obras, a Secretaria da Educação e Cultura promoverá as providencias que julgar acertadas
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§ 2 - Independentemente da comunicação de que trata o "caput" deste artigo, se for constatada urgência na realização de obras em proveito do bem tombado, a Secretaria da Educação e Cultura poderá empreendê-la, cabendo-lhe notificar administrativamente o proprietário ou possuidor
Art. 12 - Os bens tombados ficam sujeitos a permanente vigilância da Secretaria da Educação e Cultura, que poderá livremente inspecioná-los, mediante simples notificação ao proprietário ou possuidor, advertindo-o. se for o caso, da necessidade de realização de obras de conservação e/ou reparação
Parágrafo único - O proprietário ou possuidor que se opor ou impedir a inspeção prevista neste artigo, ficará sujeito a uma multa correspondente a 5 (cinco) vezes o "Valor de Referência" vigente para o Estado de Sergipe
Art. 13 - Os danos causados aos bens tombados serão equipara dos, para todos os efeitos legais, aos praticados contra o Patrimônio do Estado
Art. 14 - A qualquer tempo e sempre que haja conveniência, poderá ser desapropria o bem tombado, observada a legislação específica
Art. 15 - A Secretaria da Educação e Cultura providenciará a averbação dos bens imóveis tombados, à margem da respectiva transcrição do domínio
Art. 16 - Poderá ser revogado o ato de tombamento:
I - Quando se provar que resultou de erro de fato quanto à sua causa determinante;
II - Por outro motivo de relevante interesse público Parágrafo único - A revogação do ato de tombamento será realizada pelo
Chefe do Poder Executivo Estadual, por proposta do Secretário da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura
CAPITULO III
Dos Livros de Tombo
Art. 17 - A Secretaria da Educação e Cultura manterá os seguintes livros, nos quais inscreverá os tombamentos:
I - Livro de Tombo Histórico e Etnográfico, destinado ao registro dos bens de interesse da História e da Etnografia;
II - Livro de Tombo Artístico, destinado a inscrição dos bens de interesse das Artes, eruditas e folclóricas;
III - Livro de Tombo Paisagístico, destinado ao registro de monumentos naturais, paisagens e locais de singular beleza ou de interesse turístico, existente no Estado;
IV - Livro de Tombo Arqueológico, destinado ao registro dos bens de valor arqueológico
Parágrafo único - A Secretaria da Educação e Cultura adotará, nas inscrição dos livros de que trata este artigo, os métodos aconselhados e racionais em consonância com as normas aplicadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
CAPITULO IV
Disposições Gerais
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Art. 18 - A Secretaria da Educação e Cultura manterá entendimentos com as autoridades federais, estaduais e municipais, quer civis, militares ou eclesiásticas, com instituições científicas, históricas e artísticas e com pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, visando a obtenção de apoio e cooperação para a constituição do Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe
Art. 19 - A Secretaria da Educação e Cultura realizará, juntamente com a Fundação Aperipê de Sergipe e outras emissoras de rádio e televisão, respeitada a legislação pertinente à radiodifusão, bem como junto aos estabelecimentos de ensino, uma sistemática campanha educativa com vistas a criar, no seio da comunidade e da juventude, uma consciência pública sobre o valor e o significado do patrimônio histórico, artístico, etnográfico e paisagístico do Estado e sobre as necessidades de sua preservação
Art. 20 - Os negociantes de obras de arte de qualquer natureza, e de manuscritos históricos e artísticos, deverão manter registro das compras e vendas efetuadas, ficando obrigados à inscrição especial na Secretaria da Educação e Cultura, à qual apresentarão semestralmente, relação completa de seus estoques e demonstrativos das vendas, com nome e endereço dos compradores
Art. 21 - Os agentes de leilão, quando se tratar de objetos de valor histórico ou artístico, deverão apresentar relação dos mesmos à Secretaria da Educação e Cultura, sob pena de multa equivalente a 50 (cinqüenta por cento) do seu valor venal
Parágrafo único - Nas vendas em leilão judicial, o Estado terá preferências na arrematação, em igualdade de condições, sobre qualquer licitante
Art. 22 - Mediante provocação do proprietário ou possuidor, a Secretaria da Educação e Cultura, ouvido o Conselho Estadual de Cultura, poderá sugerir ao Chefe do Poder Executivo a anulação de tombamento feito na conformidade da Lei presente, se houver, para isso, motivo de utilidade pública ou fundamento justo
Art. 23 - Constitui dever das autoridades, dos responsáveis por instituições e das pessoas mencionadas no art 18, a comunicação, à Secretaria da Educação e Cultura, de fatos infringentes da presente lei, que cheguem ao seu conhecimento
Art 24 - Apurado qualquer delito contra o Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe, a Secretaria da Educação e Cultura enviará o resultado de suas averiguações ao Procurador Geral do Estado, a fim de habilitar o Ministério Público a proceder contra os indiciados, de acordo, com a legislação penal que rege a espécie
Art. 25 - É vedado, sem prévia autorização da Secretaria da Educação e Cultura, na vizinhança do bem tombado, fazer construção que lhe impeça ou reduza a estrutura, o estilo, a estética, a visibilidade, nem tampouco colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto colocado, impondo-se neste caso multa de 50 (cinqüenta por cento) sobre o valor da obra, aplicada pelo Titular do referido órgão
Art. 26 - Os valores resultantes da aplicação rias multas previstas nesta lei serão integrados ao Fundo de Promoção Cultural de Sergipe, nos termos da lei nº 1962, de 30 de setembro de 1975, constituindo recursos para a proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico de Sergipe
Art. 27 - O Poder Executivo poderá, por intermédio da Secretaria da Educação e Cultura, realizar convênio com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para coordenação e desenvolvimento das atividades determinadas na presente lei
Art. 28 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação
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Art. 29 - Revogam-se as disposições em contrário
Aracaju, 28 de dezembro de 1976; 155º da Independência e 88º da República.
JOSÉ ROLLEMBERG LEITE GOVERNADOR DO ESTADO Everaldo Aragão Prado Secretário da Educação e Cultura Luiz Machado Mendonça Secretário Geral do Governo Adroaldo Campos Filho Secretário da Segurança Pública Eduardo Vital Santos Meio Secretário da Saúde Pública Yolando José de Macêdo Secretário da Administração Enivaldo Araújo Secretário da Fazenda Helber José Ribeiro Secretário da Justiça e Ação Social, em exercício Manoel Conde Sobral Secretário Extraordinário
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ANEXO E – Localização do acervo de bens imóveis de interesse de preservação
LEGENDA BENS IMOVEIS DE INTERESSE DE PRESERVAÇÃO
BENS TOMBADOS
50
ESCALA GRÁFICA
00 100
150
200
Fonte: Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Meio Ambiente de São Cristóvão.