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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS FILIPE WANDERLEY MISTURINI O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS: REFLEXÕES E ANÁLISES A PARTIR DA SOCIOLINGUÍSTICA MANAUS 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

FILIPE WANDERLEY MISTURINI

O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS:

REFLEXÕES E ANÁLISES A PARTIR DA SOCIOLINGUÍSTICA

MANAUS

2015

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FILIPE WANDERLEY MISTURINI

O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS:

REFLEXÕES E ANÁLISES A PARTIR DA SOCIOLINGUÍSTICA

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós Graduação em Letras -

Estudos da Linguagem, da

Universidade Federal do Amazonas,

como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em

Letras.

Orientador: Prof. Dr. Frantomé

Bezerra Pachêco

MANAUS

2015

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Ficha Catalográfica

M678l    O livro didático de português para estrangeiros: reflexões eanálises a partir da Sociolinguística / Filipe Wanderley Misturini.2015   109 f.: 31 cm.

   Orientador: Frantomé Bezerra Pacheco   Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal doAmazonas.

   1. Livro Didático. 2. Português para Estrangeiros. 3. PortuguêsBrasileiro (PB). 4. Variantes Sociolinguísticas. I. Pacheco, FrantoméBezerra II. Universidade Federal do Amazonas III. Título

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Misturini, Filipe Wanderley

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FILIPE WANDERLEY MISTURINI

O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS:

REFLEXÕES E ANÁLISES A PARTIR DA SOCIOLINGUÍSTICA

Manaus, 27 de Março de 2015

Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof. Dr. Frantomé Bezerra Pacheco - Presidente

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

_______________________________________________________

Profa. Dra. Claudiana Nair Pothin Narzetti Costa – Membro

Universidade do Estado do Amazonas - UEA

_______________________________________________________

Prof. Dr. Sérgio Augusto Freire de Souza – Membro

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

_______________________________________________________

Profa. Dra.Maria Luiza de Carvalho Cruz-Cardoso – Suplente

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

_______________________________________________________

Profa. Dra. Raynice Geraldine Pereira da Silva – Suplente

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida e por todas as bênçãos que eu tenho recebido.

À UFAM através do PPGL, por ter permitido percorrermos essa maravilhosa

etapa.

Ao meu orientador prof. Dr. Frantomé Bezerra Pacheco por ter aceito orientar o

meu projeto e por ter conduzido com serenidade e competência o nosso trabalho.

Ao professor Dr. Sérgio Freire, que sempre acreditou em mim.

À professora Dra. Maria Luiza, por todo o incentivo e ensinamentos.

À professora Dra. Claudiana Narzetti, por ter me dado a honra de tê-la como

membro da banca examinadora.

À FAPEAM, pela bolsa de estudos.

Aos colegas do Mestrado, em especial a Antonio Vianez.

Aos meus pais, por sempre terem torcido por mim e por terem ficado ao meu lado.

Aos meus avós Francisco Wanderley e Zilma (in memoriam) que sorriam comigo

a cada vitória.

Aos meus irmãos Carol, Camila e Davi pela torcida.

Aos meus amigos Gustavo Neto, Renato Simões e Ali Assi Filho pelas palavras

de incentivo.

A todos os meus alunos do PARFOR que a cada conversa perguntavam como

estava o andamento da dissertação.

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RESUMO

Essa pesquisa tem como objeto de estudo o livro didático de português para

estrangeiros. Entendemos que nenhum livro didático é um produto acabado. Há sempre

em suas páginas, seus textos e atividades algo a ser conhecido, estudado e investigado.

No nosso caso especificamente, escolhemos cinco manuais que traziam em seus títulos

e/ou capas a questão do Português Brasileiro e do Brasil como um diferencial de

mercado. Todos esses livros foram feitos com uma missão: levar o aluno a aumentar sua

proficiência linguística, principalmente em relação à produção oral. Foi a partir dessa

ousada proposta de levar o aluno a falar o português brasileiro que surgiram nossas

inquietações: o livro estaria, de fato, apresentando a língua portuguesa falada no Brasil?

Estaria a gramática sendo apresentada numa visão inovadora ou apenas tradicional?

Qual é a visão de língua que norteia esses materiais? A partir disso, precisamos eleger o

que exatamente estudar do Português Brasileiro (PB) oral para investigação nos

manuais. A partir da leitura de Bagno (2010), elegemos quatro variantes do PB culto

contemporâneo: a retomada anafórica de objeto direto de terceira pessoa; o verbo ter

com sentido de existir; as estratégias de relativização e o verbo ir com sentido de

direção. Além dessas variantes, foi nosso objetivo analisar os livros através de outras

questões as quais foram pontuadas por um programa da UEL (Universidade Estadual de

Londrina) chamado ENPFOL (Ensinando Português para Falantes de Outras Línguas:

experiência complementar na graduação). As propostas desse programa nos pareceram

bastante positivas uma vez que se tratava da preparação de professores para analisar e

investigar livros didáticos para mais tarde selecioná-los. Analisamos, assim, outras

questões nos nossos livros, tais como aspectos culturais, objetivos e público-alvo,

disposição dos diferentes componentes linguísticos, lista de conteúdos e natureza das

atividades e contexto. Os resultados revelam que a maioria das variantes investigadas

nesses manuais ainda reflete uma visão de língua tradicional e distante do Português

Brasileiro culto contemporâneo falado.

Palavras-chave: Livro didático. Português para estrangeiros. Português brasileiro (PB).

Variantes sociolinguísticas.

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ABSTRACT

This research has as object of study the textbook of Portuguese for foreigners. We

understand that no textbook is a finished product. There is always something to be

known, studied and investigated in its pages, texts and activities. In our specific case,

we chose five manuals bringing in their titles and / or covers the issue of Brazilian

Portuguese and Brazil as a market differentiator. All these books were made with a

mission: to increase the students‟s language proficiency, especially in relation to speak

Portuguese. It was from this bold proposal to make the student to speak Brazilian

Portuguese that our concerns have emerged: was the book, in fact, presenting the

Portuguese of Brazil? Was the grammar being presented in an innovative or just

traditional way? What is the view of language that guides these materials? From this,

we needed to elect what exactly to study in Brazilian Portuguese in order to investigate

the manuals. From the reading of Bagno (2010) we chose four variants of

contemporary cultured Brazilian Portuguese: the anaphoric resumption of direct object

of third person, the verb ter (to have) with the meaning of existir (exist), relativization

strategies verb ir (go) with sense of direction. In addition to these variants, we set out to

examine books through other issues which were punctuated by a program of UEL

(State University of Londrina) called ENPFOL (Teaching Portuguese to Speaker of

Other Languages: further experience at graduation). The proposals in this program

seemed quite positive since it was the teacher preparation to analyze and investigate

textbooks for later select them. When analyze, thus, other issues in our books, such as

cultural aspects, objectives and target audience, arrangement of different linguistic

components, list of contents and nature of activities and context. The results show that

mosto of the variants investigated in these manuals reflect a vision of language in a

traditional way which is far from spoken Brazilian Portuguese.

Keywords: Textbook. Portuguese for foreigners. Brazilian Portuguese. Sociolinguistic

variants.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Critérios para avaliar o desenvolvimento da área de PLE no Brasil. .................... 30

Quadro 2 - Matriz de regências [+padrão] e [-padrão] do verbo IR diretivo. ......................... 54

Quadro 3 - Resultado da ocorrências de preposições com o verbo IR diretivo....................... 54

Quadro 4 - Aspecto cultural nos livros didáticos de português para estrangeiros. .................. 63

Quadro 5 - Tipos de lista de conteúdos mais comuns. ............................................................ 67

Quadro 6 - As estratégias usadas pelos falantes do português brasileiro. ............................... 75

Quadro 7 - Estratégias de Relativização no CLF. ................................................................... 78

Quadro 8 - Tipos de Estratégias de Relativização [-Padrão] no CLF. .................................... 78

Quadro 9 - Matriz de Regências [+padrão] e [-padrão] do verbo IR diretivo. ........................ 79

Quadro 10 - Ocorrências do verbo IR com sentido diretivo no CLF. ..................................... 80

Quadro 11 - Resumo da análise dos livros didáticos. ............................................................ 101

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AULP Associação das Universidades de LP

CEL Centro de Ensino de Línguas

Celpe-Bras Exame de proficiência em Língua Portuguesa

CLF Corpus da Língua Falada

CLE Corpus da Língua Escrita

CNLD Comissão Nacional do Livro Didático

COLTED Comissão do Livro Técnico e Didático

CPLP Comunidade dos Países de Língua portuguesa

ENPFOL Ensinando português para falantes de outras línguas

ESBAM Escola Superior Batista do Amazonas

FAE Fundação de Apoio ao Estudante

FENAME Fundação do Material Escolar

IGD Índice Geral de Desenvolvimento

INL Instituto Nacional do Livro

LAEPLE Linguística Aplicada ao Ensino de Português como Língua Estrangeira

LD Livro Didático

LE Língua Estrangeira

LM Língua Materna

MEC Ministério da Educação

USAID Ministério da Educação e United States Agency for International

Development

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

ONU Organização das Nações Unidas

PB Português Brasileiro

PFOL Português para Falantes de Outras Línguas

PLE Português Língua Estrangeira

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PUC-RS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

SESU Secretaria de Ensino Superior

SIPLE Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira

UFAM Universidade Federal do Amazonas

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9

CAPÍTULO I - O LIVRO DIDÁTICO EM FOCO E A ÁREA DE PLE ................. 19

1.1 A história de livro didático e seu contexto sócio-histórico e político ......................... 19

1.2 Os primeiros livros de inglês LE ................................................................................... 23

1.3 Ensino de Português para Estrangeiros: história e livros didáticos .......................... 27

1.4 Os índices nacionais de desenvolvimento da área de PLE .......................................... 30

1.5 O livro didático de PLE: histórico e avanços ............................................................... 34

1.6 Cronologia da produção de LDs em PLE adaptado de Pacheco ............................... 38

CAPÍTULO II – AS VARIANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO CULTO

CONTEMPORÂNEO INVESTIGADAS ..................................................................... 42

2.1 Retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa ...................................................... 44

2.2 Estratégias de relativização: o desaparecimento do pronome cujo ........................... 50

2.3 Regências do verbo IR com sentido de direção ........................................................... 53

2.4 Verbo TER com sentido de existir ................................................................................ 56

CAPÍTULO III – OS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS .... 59

3.1 Aspectos culturais ........................................................................................................... 59

3.2 Objetivos e público-alvo ................................................................................................. 63

3.3 Lista de conteúdos (syllabus) ......................................................................................... 63

3.4 Natureza das atividades e contexto ............................................................................... 67

3.5 Disposição dos diferentes componentes linguísticos .................................................... 67

3.6 Produção oral .................................................................................................................. 68

3.7 Compreensão oral ........................................................................................................... 69

3.8 Produção Escrita ............................................................................................................ 70

3.9 Compreensão Escrita ..................................................................................................... 71

CAPÍTULO IV – RESULTADOS ................................................................................ 75

4.1 Livro Muito Prazer: fale o português do Brasil .......................................................... 76

4.2 Livro Bem-Vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação. ....................... 86

4.3 Diálogo Brasil: curso intensivo de português para estrangeiros ................................ 92

4.4 Passagens: Português do Brasil para estrangeiros ...................................................... 95

4.5 Português via Brasil: um curso avançado para estrangeiros ..................................... 98

4.6 Quadro-Resumo da análise dos livros didáticos .......................................................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 103

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 106

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INTRODUÇÃO

A proposta da presente pesquisa tem como motivação inicial a minha prática de

professor de língua estrangeira (inglês e português). Em 2011, ao término da minha primeira

especialização em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa na Escola Superior Batista do

Amazonas (ESBAM), meu interesse voltava-se à investigação de uma série de livros didáticos

de inglês como Língua Estrangeira (LE) a fim de constatar ou não a natureza comunicativa

dos mesmos através da adoção de teorias e princípios de ensino e aprendizagem que

permitissem avaliar criteriosamente os exercícios, atividades de produção oral controladas e

menos controladas bem como as „tarefas comunicativas‟ ali presentes.

O gosto em tomar o livro didático como objeto de estudo me acompanhou no

mestrado, mas nesse nível de formação acadêmica outras questões se impuseram, próprias de

um aluno sensível à produção de conhecimento da Linguística (em especial no Brasil) e na

forte relação desses conhecimentos científicos com o trabalho do professor de língua

portuguesa, seja enquanto língua materna ou estrangeira.

Três disciplinas me orientaram no sentido de delimitar o tema e lançar mão das

questões a serem respondidas futuramente. São elas: teorias linguísticas, época em que

conheci de maneira particular a epistemologia da área, em especial às noções ligadas a

estudos pré-saussurianos, o estruturalismo e gerativismo. Essas questões me interessaram

enquanto relacionadas ao processo de aquisição de língua materna e estrangeira; no

estruturalismo, há a questão behaviorista com a aprendizagem da língua ligada a formação de

novos hábitos; no gerativismo de Chomsky o conceito de gramática universal ou dispositivo

de aquisição da linguagem, teoria que preconiza que a aquisição é um processo inato e

biológico através do qual o input ou insumo faz desencadear um processo de chaveamento de

princípios e parâmetros no cérebro do falante; e finalmente questões onde o social ganha

destaque, o Sociointeracionismo, que trás questões importantes para a educação com a noção

de Scaffolding, o papel da fala do adulto, a zona de desenvolvimento proximal, etc. Mas sem

dúvida, a disciplina que mais me auxiliou na pesquisa aqui delineada foi a Sociolinguística,

disciplina surgida na década de 1960 com Labov.

Primeiramente a Sociolinguística não separa de maneira nenhuma, como o fez

Saussure, o estudo da língua de sua materialidade real, a fala. Pelo contrário, a fala, suas

condições de produção e informações sobre a comunidade de fala são essenciais para

compreender e investigar a língua. Afinal, de onde viriam os estudos desta última se não por

mostras autênticas e situadas no plano social? Métodos quantitativos complexos foram

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criados para tratar estatisticamente os resultados investigados, confirmando hipóteses de

implicações geográficas, de faixa etária, grau de escolaridade, procedência (rural/urbano),

registro, etc. nas análises do grupo inquirido. Nossa pesquisa não se situa numa metodologia

criteriosa da Sociolinguística. O que propomos se aproxima da relação dessa área com

questões educacionais, principalmente quando falamos em variação linguística, o combate ao

preconceito linguístico, a gramática, o livro didático (por que só a língua do Chico Bento

varia?), já que no contexto escolar convivem alunos de diferentes contextos sociais os quais

trazem a heterogeneidade e riqueza da língua. Estamos falando da Sociolinguística

educacional, uma área trabalhada por pesquisadores como Stella Maris Bortoni-Ricardo e

Marcos Bagno da Universidade de Brasília.

A contribuição das pesquisas linguísticas para o ensino de língua portuguesa como

língua materna no cenário brasileiro só tem crescido e o contato com a teoria sociolinguística

dá ao professor da educação básica a possibilidade de trabalhar a língua de maneira mais

significativa e inclusiva.

Dentro desse contexto teórico, o da Sociolinguística e sua relação com o ensino de

língua, está o objeto que investigamos: o livro didático, esse que constitui o principal e mais

imediato instrumento do professor e aluno em seu trabalho diário. O Governo Federal através

do Ministério da Educação tem mostrado uma preocupação constante com a qualidade do

material enviado às escolas brasileiras. Muito mais do que comprar e distribuir livros que

serão reutilizados, agora há O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que possui

orientações para os anos iniciais do ensino fundamental, os anos finais e o ensino médio.

Após a avaliação criteriosa dos mesmos, especialmente por professores Doutores de boas

universidades do país, o Ministério da Educação (MEC) produz o Guia do Livro didático com

resenhas das coleções aprovadas, resenhas, vale dizer, feitas pelos professores avaliadores.

Três parâmetros indicados pelo PNLD nos levam a uma exigência oficial da inclusão da

variação linguística nos livros de português língua materna: a interdisciplinaridade, a

cidadania e heterogeneidade. Como se vê não há novidade alguma em trazer as questões

linguísticas ao ambiente escolar, especialmente através dos materiais aprovados pelo MEC.

Contextualizada essa questão, apresentamos dois macros questionamentos que se

configuraram a partir da prática de professor de língua estrangeira (inglês e português, esta

última realizada em 2012 durante um semestre na escola FISK em Manaus): seria possível

abordar essas questões tão pontuadas por órgãos oficiais em livros didáticos de português

língua materna para os de português para estrangeiros? Por onde começar?

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A inquietação veio a partir da observação e seleção dos livros didáticos da pesquisa:

todos trazem a marca particular e diferencial do produto de mercado ao seu público-alvo: o

português brasileiro. Precisamente, e ciente de que o livro é uma mostra pedagógica da língua

e por isso mesmo pode falhar com a propaganda que vende, a minha pergunta assim se

constituiu: haveria ali, de fato, o português brasileiro? O que é o português brasileiro? Que

construções, que aspectos da língua poderíamos ali encontrar que permitissem seguramente

que os denominemos de vernáculo geral brasileiro?

Muito mais do que responder a essas perguntas, eu me situei em um plano de

reflexão mínima sobre a língua portuguesa em âmbito internacional. Que aspectos da

economia globalizada considerar (MERCOSUL, a exemplo), quais as políticas

governamentais explícitas para o desenvolvimento da área (a criação do Exame de

proficiência em Língua Portuguesa (Celpe-Bras), aplicado no Brasil e exterior), qual memória

constitui a área de Português Língua Estrangeira (doravante PLE) e seus materiais, enfim,

algum conhecimento de políticas linguísticas foram essenciais para dar mais credibilidade ao

trabalho.

Os dados apontam que a Língua Portuguesa está entre as dez línguas mais faladas no

mundo, ocupando o sétimo lugar neste ranking. Conforme nos lembra Malaguti (2009) ela é a

terceira língua mais falada da Europa e o interesse pelo seu ensino e aprendizagem vem

crescendo cada vez mais neste cenário internacional. Isso se evidencia, a saber, por dados

estatísticos fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), a qual afirma que a

Comunidade dos Países de Língua portuguesa (CPLP) terá cerca de 357 milhões de habitantes

em 2050, o que representa 110 milhões de pessoa a mais do que em 2008.1

Dito isto, surge o título: “O livro didático de Português para Estrangeiros: reflexões e

análises a partir da Sociolinguística”, que pretende ser antes de tudo uma proposta somada a

outras vozes que apoiam o saudável debate sobre esse tema, deflagrando-se discussões e

resignificações sobre ele.

Conforme o exposto, traremos primeiramente a micro contribuição de um olhar sobre

o livro didático de PLE não como um produto acabado, mas como veiculador de discursos

que sustentam princípios, procedimentos, métodos, ideologias diversas que uma vez

identificadas e teoricamente trabalhadas agregam valor à comunidade acadêmica e ao mesmo

tempo nos especializa na busca de critérios articulados à medição de valor potencial dos

mesmos. É além disso oportuno destacar que nossa pesquisa também tem uma valor social, já

1 Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/2008/11/12/ult611u79966.jhtm.

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que poderá servir de base para futuros trabalhos ou de interesse de professores que atuam na

área.

Esperamos igualmente que questões sociolinguísticas não sejam ignoradas em

quaisquer contextos de ensino de língua materna e, como é o caso, língua estrangeira, já que a

linguagem é um meio de expressão da identidade. O livro didático, ai inserido nesse contexto,

já pontua através do PNLD as questões da agenda da Sociolinguística: variação linguística, a

questão da „norma‟, o combate ao preconceito linguístico e o saudável convívio de múltiplas

realidades sociais, culturais e linguísticas no contexto escolar, principalmente nas séries

iniciais. Apesar de as políticas governamentais sobre o PLE estarem em gradual expansão, os

materiais didáticos da área perfazem um dos componentes do Índice de Desenvolvimento

Nacional da área, avaliados positivamente na avaliação de especialistas quanto aos números

disponíveis no mercado.

Finalmente, esperamos propor uma discussão importante sobre quais aspectos da

Sociolinguística tomar como critérios para pesquisar os livros, a saber, aspectos do português

brasileiro e questões culturais, lista de conteúdos, interações, disposição das quatro

habilidades, etc.

Qual o objetivo da nossa pesquisa? Nosso objetivo é analisar os cinco manuais de

português para estrangeiros através de variantes sociolinguísticas do português brasileiro com

vistas a verificar se há nesses manuais, de fato, características da língua falada no Brasil.

Procuramos responder à pergunta: o livro apresenta o Português Brasileiro (PB) ou ainda

mantém uma visão de língua tradicional? As questões aplicadas, tais como questões culturais,

objetivos e público-alvo, lista de conteúdo, etc. também serão abordadas.

Há em nosso trabalho três pontos teóricos: o livro didático, o português brasileiro e

os aspectos aplicados investigados.

No primeiro, falamos sucintamente sobre a sua história, desde a invenção do papel,

chegando à imprensa e os primeiros livros. Aprendemos que a disponibilidade dos mesmos já

fazia surgir questões metodológicas, já que como poucos eram impressos, acreditava-se que o

espaço da sala deveria ser ocupado pelo „ouvidos‟. Mais tarde tratamos dos materiais de

inglês como Língua Estrangeira (LE) no Brasil e exterior, porque acreditamos ser esse um

mercado potencial que traz contribuições ao mercado de PLE. Embora indiretamente, os

aspectos aplicados perfazem aspectos teóricos dos livros didáticos, entendendo este como um

gênero em que essas questões estão inseridas.

O segundo assunto tratado é o Português Brasileiro (PB). Aqui são investigados

quatro aspectos: retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa; emprego do verbo ter com

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sentido de “existir”; estratégias de relativização: o desaparecimento do pronome cujo;

regência do verbo ir diretivo. Mas por que esses aspectos? O que nos fez escolhê-los? De fato,

queríamos partir de pesquisas já feitas sobre a área, especialmente aquelas dirigidas ao

trabalho do professor de português como língua materna. Nos pareceu oportuno eleger os

fenômenos do PB a partir da obra de Marcos Bagno: Português ou Brasileiro? Um convite à

pesquisa onde propõe, no capítulo 2, página 69, um corpus e metodologia sobre o português

brasileiro culto contemporâneo. Não o padrão, conforme a norma-padrão, das gramáticas

prescritivas, mas o dos falantes escolarizados. Expomos a seguir o que autor propõe em sua

obra, mas é preciso ficar claro que apenas elegemos o que pesquisar a partir dali, não

empreendemos descobertas na sala de aula, porque nosso foco é nos livros didáticos.

A pesquisa de Bagno consiste em primeiro arranjar uma equipe de professores, não

necessariamente apenas de língua portuguesa, e compilar um corpus da língua falada (CLF) e

corpus da língua escrita (CLE). Isso precisa ser feito antes do início do ano letivo. Feito isso a

equipe fará uma pré-seleção dos inquéritos que vão compor o seu corpus de pesquisa, se

fazendo valer dos que aparecem no NURC de todas as cidades que o compõem, pra que seja

possível conhecer a realidade linguística do Brasil de maneira mais abrangente. Bagno sugere

que o gênero notícia seja privilegiado no corpus da língua escrita e falada, e que o material

escrito se transforme numa apostila com mais ou menos 50 páginas de papel tamanho ofício

preenchidas (num só lado) com recortes de jornal ou revista. Ai sim, os professores iriam ler

os corpora (os da língua falada serão transcritos), fichá-los (qual jornal, revista, quem

escreveu, etc., além de um trecho suficiente do fenômeno sintático pesquisado), criar códigos

de identificação da fonte de onde foi recolhida a ocorrência ai se procede três questões:

melhor distribuição das tarefas, já que o volume de material é extenso; teste de aceitabilidade

(o professor incentiva os alunos a examinar a sua gramática intuitiva, elegendo a melhor

opção do fenômeno investigado) e criação de tabelas (do CLF e CLE), para que os fatos

linguísticos sejam examinados sem que haja juízos de valor ao modo como os alunos falam. A

própria obra de Bagno (2010b) já possui um aparato teórico para o professor aprender mais

sobre a doutrina gramatical tradicional e a teoria linguística antes de fichar e tabular os

resultados.

Haja vista que a obra citada já trás dados importantes sobre a caracterização do

português brasileiro, propomos analisar os livros didáticos de português para estrangeiros a

fim de detectar se esses trazem ou não aspectos da gramática do português brasileiro falado,

ou se as variantes ainda são tratadas de forma distante da realidade dos brasileiros, como se a

língua que se fala no Brasil fosse um manual de regras do bem dizer. A não observância a

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aspectos do PB levaria a crer que os alunos não estariam atingindo uma proficiência ideal no

falar fluente e coloquial, já que não estariam falando de fato como os brasileiros falam.

Como se deu a escolha dos livros? Primeiro obedecemos ao critério de

disponibilidade de mercado. Segundo, escolhemos livros que apresentassem o português

brasileiro, principalmente já expresso na capa. Terceiro, elegemos um que estava à disposição

do Centro de Ensino de Línguas (CEL) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o

CEL, já que entendemos que essa instituição se enquadra nas políticas públicas para fomento

à área (a exemplo da aplicação do exame Celpe-Bras) e quarto, e não menos importante,

acreditamos que os livros trazem concepções teóricas e pedagógicas múltiplas, portanto a

questão da riqueza de questões culturais, apresentação do vocabulário, disposição das quatro

habilidades, natureza da lista de conteúdos, etc. foram observadas. Uma breve descrição

desses materiais segue.

Muito Prazer: fale o português do Brasil

Das autoras Gláucia Fernandes, Telma Ferreira e Vera Ramos, o livro da Disal

Editora, de primeira edição em 2009, foi reimpresso, ampliado e atualizado de acordo com o

acordo ortográfico em 2014. Destinado ao público adulto, o livro parte do conhecimento

básico até o intermediário. A partir do título, já sabemos de onde parte a equipe: o aspecto

funcional da língua, sob a proposta de levar o aluno a se comunicar através das mais recentes

abordagens de ensino de língua estrangeira. Atividades contextualizadas, informações

culturais, reforço da aprendizagem, seções de pronuncia do português, além de 2 CDs de

áudio que acompanham o livro do aluno e um site para o professor também estão disponíveis.

Apesar de não ser o momento ideal, é importante frisarmos a semelhança que encontramos

desse livro com a maioria dos de língua inglesa (como LE) que estão no mercado. Finalmente,

o aspecto lexical, ou mais precisamente, a consolidação lexical, é trazido pela “Abordagem

Lexical” de Lewis, que institui que o aluno aprenda as combinações mais frequentes de

palavras e estruturas aprendidas.

Bem-vindo! A Língua Portuguesa no mundo da comunicação

Apesar de não trazer o título „brasileiro‟, ou língua portuguesa do Brasil, PB, etc. a

capa fala por si: cores amarelo e verde e imagens do Cristo Redentor, bichos da amazônia e

trabalhos artesanais de artistas brasileiros. Da editora SBS, das autoras Maria Harumi, Silvia

Burime e Susanna Florissi, é um dos livros mais tradicionais e conhecidos no ambiente de

PLE. Igualmente o seu concorrente „Muito Prazer‟, Bem-Vindo foi atualizado conforme o

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acordo ortográfico em 2014, inclusive em forma de apêndice, mas traz uma novidade:

acompanha os avanços tecnológicos e oferece uma senha que apresenta acesso à versão digital

do livro, com atividades e avaliações multimídia que permitem mais interatividade entre

professores e alunos.

Português Via Brasil: um curso avançado para estrangeiros

Da editora E.P.U. (muito tradicional no ramo) de Emma Lima e Samira Lunes,

destina-se a alunos do nível pré-avançado que queiram alcançar um alto grau de proficiência

linguística, tanto em questões linguísticas como culturais, através de leitura extensiva. Foi

atualizado e ampliado para o acordo ortográfico em 2011.

Passagens: Português do Brasil do Brasil para Estrangeiros

De Rosine Celli, editora Pontes, é o mais antigo livro selecionado, de 2002. Há que

se dizer, no entanto, que ainda se encontra disponível no mercado mas carece de atualização.

O livro tem ótima qualidade de papel e é bastante colorido. Foi elaborado para que as

atividades se transcorram em 60/70 horas, para alunos de nível pré-intermediário,

adolescentes ou adultos. A questão cultural, diz a autora, pretende fugir de estereótipos

tornando-o „mais atual e comunicativo‟. O português falado também é reforçado por gírias e

expressões idiomáticas do cotidiano. “Todas essas Passagens ajudam a inserção do

estrangeiro em nossa cultura, de forma gradual e positiva, dando segurança a quem aprende

para as travessias das pontes que o separam do idioma brasileiro”, encontramos na sinopse.

Diálogo Brasil: curso intensivo de português para estrangeiros

Lançado em 2003 e atualizado em 2014, Diálogo Brasil é um curso para alunos do

público executivo. Emma Eberlein, Samira Lunes e Marina Leite, organizaram os textos e

atividades para profissionais que precisam aprender o português para trabalhar no Brasil ou

com empresas brasileiras. É um curso intensivo, público adulto, partindo do nível básico até

intermediário. As unidades compõem-se de três partes fundamentais: A (A1, A2, A3, A4,

A5), B (B1, B2) e C (C1, C2). A parte A é composta de textos jornalísticos de complexidade

crescente. É a partir desse texto-chave, seguido de outros menores e de ampliação do

vocabulário que se constrói cada unidade. A parte B trás o estudo sistemático da gramática,

aqui entendido como „ponto de percepção e compreensão e expressão pessoal‟. A sequência

verbal parte do indicativo até o subjuntivo, sendo facilmente localizadas e consultadas. Ao

todo são 15 unidades, com 3 avaliações.

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Nossa metodologia possui três pontos básicos: revisão bibliográfica, primeiro sobre

questões de livro didático, depois sobre as questões do português brasileiro e por último as

„aplicadas‟. Na segunda etapa, elegemos duas gramáticas do português brasileiro para

consulta: Nova Gramática do Português Brasileiro, de Ataliba Teixeira de Castilho, 2014,

editora contexto e Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, de Marcos Bagno da

Parábola Editora, 2012. Além de apresentar as variantes do PB (Português Brasileiro),

estudamos a doutrina gramatical tradicional para ver se esses aspectos no livro se enquadram

nesta última, ou de maneira mais inovadora. Elegemos investigar os diálogos (conversação) e

sistematização gramatical, porque acreditamos que na primeira há supostamente um grau

menor de monitoração da fala, e na segunda uma forma „certa‟ ou apropriada de usar a

linguagem, constituindo-se de forma tradicional ou inovadora. De que maneira as variantes

aparecem nesses diálogos e sistematização gramatical?

Finalmente, chegamos às questões aplicadas. Esses critérios serão mais detalhados a

partir da página 52. Investigamos aqui questões culturais, os objetivos e público-alvo, lista de

conteúdo (syllabus), interação, natureza das atividades, disposição dos diferentes

componentes linguísticos, produção oral, compreensão oral, produção escrita e compreensão

escrita.

É importante que fique claro que nossa pesquisa não se situa obrigatoriamente num

padrão científico da sociolinguística. Não estamos entrevistando informantes, transcrevendo

gravações, criando mapas. O que fazemos é um arrolamento de questões do português

brasileiro e questões aplicadas, procurando verificar se as questões se enquadram no que os

autores já dizem ser o nosso português, e se nas questões aplicadas há um contexto ideal para

as apresentações do PB. Um livro que se diz inovador poderia se enquadrar numa perspectiva

cultural intercultural, mas perderia muita coisa se ficasse apenas na apresentação de fatos e

informações. Nesse sentido, encontramos uma metodologia oportuna nas obras de Viana

(2005) e Tosatti (2009).

O título de Viana (2005) é “Por uma interface sociolinguística no livro didático de

língua portuguesa: análises e contribuições”. A autora traz como foco principal a análise da

concepção de língua e de gramática presentes nos livros didáticos para o ensino de língua

portuguesa no nível fundamental e a forma como tal concepção evidencia aspectos

sociolinguísticos (como a noção de „certo‟ e „errado‟, variação linguística, mudança

linguística e elaboradas). A conclusão a que chega a autora é que a elaboração dos livros

trabalha com um grau mínimo de aspectos sociolinguísticos e que esses aspectos, embora

presentes, não significam que uma interface mais consistente esteja sendo levada em

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consideração. Aqui ainda notamos uma metodologia vaga, embora pertinente, porque de fato

os livros foram analisados e constatou-se uma questão emergente naqueles materiais.

Tosatti (2009) já traz uma metodologia mais próxima do que pretendemos aqui. Com

o título “O aspecto funcional dos gêneros textuais em livros didáticos para ensino de

português como segunda língua”, o objetivo do trabalho é investigar a funcionalidade de

cinco livros didáticos de PLE produzidos na última década. A linha metodológica de sua

pesquisa se insere na perspectiva qualitativa, porém não se exclui a quantificação, exposição

de dados, confecção de tabelas e gráficos que ilustrem a funcionalidade dos gêneros presentes

nos livros. A autora cita Lynch (1992 apud TOSATTI, 2009), o qual defende uma visão que

una a perspectiva quantitativa e qualitativa. Porém, Tosatti (2009) explica que sua pesquisa se

difere da quantitativa na medida que não controla ou manipula os dados descritos.

Nossa dissertação trás uma análise qualitativa, embora usemos dados quantitativos

das pesquisas em linguística para realizarmos nossa investigação.

A presente dissertação possui quatro capítulos. O primeiro trata sobre o livro didático

e a área de Português Língua Estrangeira (PLE). Esse capítulo trás primeiramente a história

do livro didático desde a época em que ele consistia em várias folhas de papiro coladas e

enroladas num cilindro até a invenção da impressa. Com o surgimento dos livros pontuamos

quais foram os métodos de ensino criados e como os livros iam se modificando para atender

ao público. Aprendemos também sobre os livros didáticos no Brasil e o ensino de línguas.

Passamos pelo processo de institucionalização do livro em 1937 com a criação do Instituto

Nacional do Livro (INL), chegamos ao período da ditadura militar, época em que houve um

grande crescimento de escolas de idiomas no Brasil e tratamos dos primeiros livros de inglês

como LE. Após isso, o capítulo apresenta o ensino de português para estrangeiros: história e

livros didáticos. Trazemos em seguida os índices nacionais de desenvolvimento da área, um

breve histórico dos livros didáticos de PLE e seus avanços e finalmente apresentamos uma

cronologia da produção dos livros didáticos em PLE.

O segundo e terceiro capítulos tratam da revisão bibliográfica das variantes que

elegemos para investigar os livros didáticos e das questões aplicadas, respectivamente. As

variantes foram tiradas de Bagno (2010b) e revelam características importantes do Português

Brasileiro Culto Contemporâneo, que incluem: retomada anafórica de objeto direto de 3ª

pessoa, o verbo ter com sentido de existir, estratégias de relativização e regência do verbo ir

com sentido de direção. As questões aplicadas são as questões culturais, objetivo e público-

alvo, disposição dos diferentes componentes linguísticos, lista de conteúdos e natureza das

atividades e contexto.

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Finalmente, o quarto capítulo traz os resultados da análise dos manuais, livro por

livro, com comentário sobre como exatamente as variantes foram tratadas e as questões

aplicadas. Ao final, trazemos um apêndice em forma de quadro resumido sobre as questões

investigadas.

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CAPÍTULO I - O LIVRO DIDÁTICO EM FOCO E A ÁREA DE PLE

Nossa pesquisa traz o livro didático como objeto de estudo, reflexão e análise.

Apesar do enfoque específico, nos pareceu oportuno considerá-lo numa perspectiva mais

abrangente, que minimamente considere questões sobre sua história, seu valor social, bem

como sendo este um instrumento de poder e veiculador de ideologias, ações legais e medidas

governamentais. Citando Carmagnani (1999, p. 45), “[...] suas condições de produção devem

ser analisadas levando-se em conta a política educacional e a produção cultural num

determinado período”. Organizamos as questões pertinentes da seguinte maneira.

Primeiramente, situaremos o livro didático em sua história. Para isso, revisitamos

brevemente a história da escrita e do livro, que trouxe o papel como instrumento poderoso de

práticas sociais letradas, principalmente educacionais. Nesse tocante, ficará evidente a

menção a métodos de ensino uma vez que mesmo em período remotos, questões logísticas e

pragmáticas fizeram surgir medidas diretas para a sala de aula por meio do livro. Interessante

frisarmos que nesse movimento de sentidos pela história também faremos referencia ao livro

didático de língua inglesa no Brasil (produzidos aqui e vindos do exterior), o qual é um marco

fundador para o livro didático de português brasileiro para estrangeiros uma vez que

acreditamos que este último incorpora daquele muitos aspectos de edição, organização,

seleção, sequência de atividades, lista de conteúdos, etc.

Após isso falaremos sobre a área de português brasileiro para estrangeiros no Brasil,

quais os critérios utilizados para avaliar o grau de desenvolvimento da área e finalmente

trataremos brevemente sobre o histórico do livro didático de PLE.

1.1 A história de livro didático e seu contexto sócio-histórico e político

O livro didático é muito importante no contexto de ensino e aprendizagem de

línguas. Ao contrário de algumas disciplinas, em que exercícios soltos podem ser passados no

quadro, ou entregues em folhas xerocopiadas, o material de língua é, na maioria dos casos,

indispensável. Mas como ele se tornou esse objeto tão importante?

Começamos nossa conversa com Vera Menezes de Oliveira e Paiva, titular da

Universidade Federal de Minas Gerais. Em seu artigo intitulado “História do material didático

de língua inglesa no Brasil”, Paiva (2009) nos traz informações interessantes.

Segundo a autora, os precursores do livro foram o volumen e o códex (PAIVA, 2009,

p. 17). O primeiro consistia em várias folhas de papiro coladas e enroladas num cilindro de

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madeira que formavam um rolo. Pelo tamanho, a leitura era desconfortável porque precisava-

se desenrolar todo o material para procurar a passagem que interessava ao leitor e depois era

necessário enrolar tudo novamente. Já o códex se aproximava mais do livro como o

conhecemos. No códex, as páginas eram de papiro ou pele de animais, e utilizava-se os dois

lados do suporte. Mas Paiva (2009) observa que “mesmo assim era grande e desconfortável”.

Em seguida veio a invenção da imprensa, um marco na história da humanidade, pois os livros

paravam de ser copiados à mão e produzidos em série.

Os primeiros livros, nos aponta Paiva citando Kelly (1969, p. 18) eram copiados por

escravos e o papel era reutilizado, através de raspagem. Na idade média, apenas o professor

tinha o livro, e sua seleção não tinha nenhuma relação com princípios e procedimentos

metodológicos ou teorias de ensino e aprendizagem, mas devido tão somente à sua

disponibilidade.

Outros destaques de Paiva (2009) incluem o primeiro livro direcionado ao aprendiz

escrito em 1578 o qual manteve-se no auge até o século XIX.

Como dissemos anteriormente, questões de logística e pragmática (disponibilidade,

custo, uso do livro) começaram a impor questões metodológicas. Obidus, por exemplo,

acreditava que o aluno deveria usar o material, já Lambert Sauveur acreditava que o tempo da

aula era pra ocupar os ouvidos, nesse caso uma herança do „método‟ socrático, centrado no

professor (teacher-centered class) (PAIVA, op. cit., p. 21).

Surge o método de tradução, que ficou mais conhecido como método gramática

tradução. Sua importância ganhou destaque por seu caráter reformista, inovador, porque

objetivava tornar a aprendizagem mais fácil.

Foi nessa perspectiva metodológica que surgiram os primeiros livros didáticos de

língua inglesa no Brasil no final do século XIX. Mas antes, traremos algumas considerações

de Pacheco (2006) e outros autores. A referida autora nos situa na história principalmente a

partir de questões políticas, o efeito das leis, o surgimento da escola pública no Brasil, entre

outras coisas.

No século XVI alguns intelectuais, professores, lecionavam em espaços isolados.

Qualquer possibilidade de intercâmbio, troca de ideias ou ações conjuntas era muito difícil,

por conta da distância de um lugar para outro. Mas isso não durou muito tempo. Logo foram

surgindo espaços com várias salas, professores e alunos. Iniciava-se o „tempo do ensino‟ com

o regime seriado e a divisão horizontal e vertical do currículo. (PACHECO, op. cit., p. 64)

No Brasil, em relação ao ensino de línguas, a situação se desenvolvia tardiamente,

um legado do infeliz processo de colonização que dizimou milhares de índios e culturas

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diversas, e mais tarde até livros didáticos. Com Leffa (1999) aprendemos que no período

colonial, antes e depois da expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal, as línguas

dominantes no ensino eram o grego e o latim. Foi a partir da vinda da família real em 1808 e

com a criação da primeira escola pública, o colégio Pedro II e a reforma de 1855 “[...] que o

currículo da escola secundária começou a evoluir para dar ao ensino de línguas modernas um

status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas” (LEFFA, op. cit., p. 4). Não é difícil

então supor que metodologicamente o ensino de línguas vivas era o mesmo das línguas

mortas. Durante o império, houve a decadência do ensino de línguas seguindo a

desvalorização da escola secundária. Esse desprestígio mostrava-se pela força da lei e a

gradual diminuição de horas línguas no currículo. Nesse contexto, o livro didático “[...]

nasceu para servir à reprodução do poder e continua cumprindo essa missão até hoje”.

(PACHECO, 2006, p. 66).

Dando um salto na história, é importante lembrarmos da Reforma Capanema e a

Reforma de 1931. A primeira equipara todas as modalidades de ensino médio (técnico,

militar, normal, secundário, agrícola, etc.), trazendo a ideia de democratizando do ensino.

Alguns educadores acreditavam que era uma medida fascista (LEFFA, 1999, p. 11) pela

exaltação ao nacionalismo, mas na verdade valorizou bastante o ensino de línguas

estrangeiras: “Todos os alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico, estudavam latim,

francês, inglês e espanhol” (id., 1999). A década de 40 e 50 foram os anos dourados das

línguas estrangeiras no país. Em 1930 surge o Ministério da Educação e Saúde Pública (id.,

1999) e em 1931 a Reforma Francisco de Campos que tinha a precípua missão de resgatar o

ensino secundário de seu descrédito e desorganização. Surge o método direto2, tendo no

professor Carneiro Leão, especialmente em sua obra O ensino de línguas vivas, seu maior

expoente no colégio Pedro II. A reforma de 1931 acabou com a frequência livre e inaugurou o

regime seriado obrigatório. Nesse período houve uma melhora na qualidade do LD e materiais

didáticos em geral.

Pacheco (op. cit., p. 66) nos informa que o processo de institucionalização do LD no

Brasil se dá em 1937 com a criação do Instituto Nacional do Livro (INL) que era um órgão

subordinado ao MEC, responsável pela divulgação e distribuição de obras de interesse

educacional e cultural. Uma das coordenações do INL ficava responsável por acompanhar as

produções dos LDs. A referida autora apresenta alguns decretos nacionais e acordos

2 O método direto consistia no ensino da língua pela língua, de maneira prática e com o uso da língua-alvo, sem

tradução. Outras especificidades sobre o ensino da gramática e do texto lhe conferiram um caráter reformista,

inovador. Sugerimos a p. 8 do artigo de Leffa (1999) para um melhor entendimento dessa abordagem.

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internacionais importantes para entendermos melhor como o LD se configurou politicamente

em nosso país:

Decreto 06/1938: criação da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que

visava principalmente o controle político ideológico. Sua concepção de material

didático estava mais centrada no que era proibido ser publicado do que

propriamente em assuntos didáticos pertinentes.

Na década de 70 o governo brasileiro firma acordo com o americano de convênios

do Ministério da Educação e United States Agency for International Development

(MEC/USAID) . Foi a partir dessa parceria que surgiu a Comissão do Livro

Técnico e Didático (COLTED) com o objetivo principal de “distribuir

gratuitamente 51 milhões de LD no período de três anos. O acordo previa ainda a

instalação de bibliotecas e um curso de treinamento de instrutores e professores”.

(PACHECO, 2006).

Como sabemos, a partir de 1964 até 1985 tivemos o período da ditadura militar em

nosso país. Para Souza (2005)3 foi nesse período que houve uma separação no imaginário do

brasileiro entre língua boa, aquela ensinada em centros de ensino de idiomas, e a língua má,

ineficiente, de péssima qualidade, atribuída à escola pública. As línguas estrangeiras nesta

última passaram a ser dadas por acréscimo e muitos alunos do antigo segundo grau sequer

estudaram-na. O autor chama esse período de “explosão das escolas privadas e a disjunção de

sentidos do inglês” (SOUZA, op. cit., p. 170). Paradoxalmente a economia do Brasil crescia, e

a internacionalização da economia exigia o estudo da língua inglesa e, a partir desse cenário,

surge na década de 1970 as escolas de idiomas, temos portanto desde então “[...] nessa

bifurcação de sentido, temos, desde então, de um lado, a língua inglesa do mercado

linguístico: cada vez mais forte e desejada pelo seu lastro simbólico capitalista e cultural de

massa, de uma sociedade economicamente bem-sucedida” (SOUZA, op. cit., p. 172).

Voltando ao acordo MEC/USAID, vale salientar que uma das consequências do

acordo foi a visão de mercado para o ensino de línguas. Foi nesse contexto que surge o ensino

profissionalizante no cenário educacional brasileiro, mas logo o cenário político do país levou

3 Indicamos a pesquisa de Doutorado de Souza (2005) que trata do movimento dos sentidos sobre as línguas

estrangeiras no Brasil através da análise das legislações educacionais desde a chegada dos portugueses até a

implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996). Acreditamos na relevância de tal trabalho, pois

traz uma grande contribuição à memória das línguas estrangeiras no Brasil, especialmente através de uma visão

Discursiva. Ao final, o leitor tem como resultado da obra uma „periodização discursiva‟, ou seja, o resultado da

análise das leis à luz da teoria da Análise do Discurso Francesa, iniciada por Michel Pêcheux na França,

década de 1960.

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a acreditar que os americanos queriam controlar o mercado livreiro e, consequentemente,

haveria por trás disso tudo uma ideologia de controle sobre nossa educação (PACHECO, op.

cit., p. 67).

Criação da Fundação do Material Escolar (FENAME), que criou diretrizes para a

produção de LDs, bem como garantir sua distribuição em todo o país, criando

programa editorial e executar os programas do LD.

Lei 7091: cria a Fundação de Apoio ao Estudante (FAE), que uniu programas

editoriais, material escolar, bolsas de estudos, etc. revelando forte assistencialismo

estatal.

Lei 91542: fixa parte das características do PNLD, tais como reutilização de

livros, dar a um conjunto de professores a oportunidade de escolher o livro a partir

de um lista escolhida pela diretoria do livro didático da FAE.

Década de 90: Criação do PNLD4, que é referencia do livro didático no Brasil.

1.2 Os primeiros livros de inglês LE

De acordo com Paiva (2009) os livros de inglês como língua estrangeira no Brasil

surgiram a partir da seguinte ordem cronológica: enfoque na gramática e tradução, material

em áudio, ênfase na língua falada e finalmente abordagens comunicativas.

O primeiro, com foco na gramática e tradução aparece na década de 1920, se

distanciando dos livros de grego e latim, os quais tinham como base o texto literário, e

procuravam se aproximar mais da realidade do aluno. O livro “A gramática da língua

inglesa”, publicada em Porto Alegre pela primeira vez em 1880, chegando à 34ª edição em

1940 de Frederico Fitzgerald:

[...] apresenta listas de palavras com a respectiva tradução, conjugações verbais, e

exercícios de tradução e versão. Entre as frases, encontramos enunciados coloquiais

tais como “Which is the shortest way to the village? ou “Is it far from here?” ao lado

de algumas frases preconceituosas que espelham a sociedade da época. (PAIVA,

2009, p. 23).

Apesar de não haver escravidão no Brasil em 1940, parece não ter havido a devida

revisão dos textos nos livros, uma vez que frases para serem vertidas ao inglês, tais como: “A

minha prima vendeu seu escravo” e para tradução ao português: “That negress has very good

teeth” e “A European is generally more civilized than an African” refletiam a sociedade

preconceituosa do século XIX. Outro livro nesses mesmos moldes foi o “The English

4 O PNLD será visto mais tarde.

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Gymnasial Grammar” que trouxe a novidade de juntamente com a gramática, inserir

transcrições fonéticas nas listas de vocabulário e exercício com frases para serem corrigidas.

Vale dizer que aqui também a visão de língua é de estrutura, mas inclui-se o aspecto

fonológico. “An English Method”, escrito pelo padre Julio Albino Pinheiro em Coimbra,

1930, foi adotado na primeira escola pública brasileira, o colégio Pedro II. Com Paiva (2009)

aprendemos:

[...] o que se percebe nesse livro é que o conceito de língua que perpassa o material,

apesar de o foco predominantemente ainda serem nas estruturas gramaticais,

também inclui a língua como comunicação e como veículo de praticais práticas

sociais diversas, da conversa à manifestação estética. O material, com intuito de

promover a autonomia do aprendiz, aposta no uso de transcrições fonéticas,

adotando os símbolos da Associação Internacional de Fonética. (PAIVA, 2009, p.

24).

Esse livro inova, ainda, porque trabalha com gêneros textuais diversos, introduz

atividades com diálogos que mais tarde ficariam conhecidos como exercícios estruturais de

repetição por substituição. O conceito de leitura era o de leitura oral, por isso o enfoque nos

símbolos fonéticos.

Os materiais em áudio “surgem na Europa, em 1901, com a fundação da empresa

Linguaphone” (PAIVA, 2009, p. 27). Fundada por Jacques Roston, tradutor e professor que

emigrou da Polônia para a Inglaterra. O interessante é que ele e sua família posavam para a

capa dos materiais criados. O fonógrafo foi muito importante nessa fase:

[...] os primeiros cursos do Linguaphone em cilindros, combinavam fala nativa

autêntica com textos ilustrados, e observações sobre vocabulário e gramática.

Depois vieram os discos e com eles o dispositivo de repetição, que permitia ao aluno

posicionar a agulha na ranhura adequada sem precisar erguer o braço do toca-disco.

Outra invenção foi o “Solophone”, que permitia que os alunos ouvissem com fones

de ouvido sem perturbar o resto da família. (PAIVA, 2009, p. 27-8).

No final da década de 1940, surgem os livros com ênfase na língua falada. João

Fonseca, com seu livro Spoken English e mais tarde o New Spoken English foram muito

usados no antigo curso ginasial, principalmente na década de 1950. Entre os livros importados

destaca-se o Essential English for foreign students, de Eckerley, editada pela Longman, que

fez sucesso no mundo inteiro. O livro se baseava na “General Service list of English words”,

que incluía uma lista das 2000 palavras mais frequentes do inglês, compilada por Michael

West. Isso seria o que mais tarde ficou conhecido por “corpora”, um banco de dados de

pesquisas profissionais sobre os usos reais da língua, ai incluso os vocabulários mais

utilizados, com que frequência, etc. A série Essential English se manteve na liderança do

material didático por 30 anos, sendo superado pela série New Concept English, de L.G.

Alexander.

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[...] Na introdução do livro do professor, Alexander (1967) critica os métodos

tradicionais baseados em gramática e tradução. Ele afirma que não se ensina uma

língua informando os alunos sobre ela, mas sim capacitando o aluno a usá-la. Uso da

língua para Alexander era sinônimo de repetição de estruturas. Cada unidade

apresentava uma estrutura gramatical e um número limitado de vocabulário, por

Alexander seguia os pressupostos da abordagem estrutural, com forte suporte

behaviorista. (PAIVA, 2009, p. 31).

Paiva (2009) ainda nos ensina que outras coleções, paralelas à de Alexander, de

orientação áudio-oral faziam sucesso, tais como a série English 900, edição americana e

English 901, edição britânica. E por que o nome de um número, o 900? Porque “[...] a coleção

era composta de 6 livros e respectivos livros de exercícios, dez fitas de áudio por livro e

manual do professor. Cada unidade apresentava cerca de 20 frases, perfazendo 150 por livro e

900 no final da série” (PAIVA, op. cit., p. 33). Na década de 1970, surgem os materiais

audiovisuais, que trazem descrédito aos textos do século XIX e dão importância à oralidade

na sala de aula sem o apoio do registro escrito, pois acreditavam que a escrita perturbaria o

desenvolvimento da compreensão oral. “[...] Nessa fase do ensino de línguas, encontramos

duas estratégias para impedir a leitura precoce. Havia um tipo de livro com sonegação total do

texto ao aprendiz, outros usavam uma máscara para cobrir diálogos.” (PAIVA, 2009, p. 35).

A década de 1970 foi muito produtiva em criação de materiais didáticos e “[...] surge

a preocupação com as necessidades dos aprendizes, e inúmeros livros para propósitos

especiais aparecem nessa época.” (PAIVA, 2009, p. 39). Importante frisar também que na

década de 1970 surgem, a despeito do predomínio de formas gramaticais, as primeiras obras

que trazem as funções da linguagem, sendo um dos primeiros o livro Situational Dialogues,

em 1972, de Ockenden. O livro tem como público-alvo alunos de nível intermediário e

avançado e objetiva a prática da conversação informal em 44 situações diferentes.

Foi ainda na década de 1970 que começam a surgir os materiais de abordagens

comunicativas. Destaca-se em 1977 a obra de Brian Abbs e Ingrid Freebairn, com a série

Strategies. No livro do professor de Starting Strategies:

[...] Freebain explicita os objetivos do curso e lá encontram-se a palavras-chave –

useful language, to communicate succesfully, real spoken and real language, a wide

range of accents – que sinalizam a mudança de foco do sistema abstrato de regras

para a língua em uso, a língua para a comunicação, ou como ele mesma diz “what a

learner wants to do through language. (PAIVA, 2009, p. 42).

E continua: “[...] O livro contempla variações linguísticas, acolhe como legítimos

outros dialetos, utiliza a entonação como recurso linguístico para produção de sentido, utiliza

também material autêntico.” (Ibid., p. 42).

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Na década de 1970 no Brasil, com a expansão do ensino universitário e o boom dos

cursos pré-vestibulares, Amadeu Marques inicia sua produção de material didático. Como a

missão era adestrar os alunos àquele tipo de prova, nascem as primeiras apostilas.

De acordo com Carmagnani (1999) a introdução da apostila como

substituta/complemento do livro didático, principalmente em escolas particulares, é um

fenômeno resultante, entre, outras coisas, do desenvolvimento do ensino privado e, sobretudo,

do descaso do Estado com relação à educação em geral. Com argumentos do tipo: altos custos

de livros, má qualidade de materiais disponíveis, inadequação dos livros didáticos ao

conteúdo programático da escola e até mesmo atendimento das necessidades dos alunos, as

apostilas foram ganhando espaço antes apenas ocupado pelo livro didático. Vale ressaltar que

as apostilas, as de língua inglesa inclusive, surgiram nos cursinhos preparatórios para ingresso

na universidade, os então chamados vestibulares. Na verdade o fato de promoverem a

aprovação do aluno tinha-se a opinião de que a apostila era, portanto mais eficiente, eficaz,

“dava mais certo” que o livro tradicional. Carmagnani (op. cit., p. 47) cita algumas qualidades

das apostilas defendidas por seus autores e usuários:

Atualidade: ao contrário dos livros didáticos que eram republicados muitas vezes

sem nenhuma revisão, a apostila poderá ser atualizada periodicamente;

Custo: a produção, reprodução e encadernação de apostilas era muito mais barata

que o livro didático;

Adaptação do exame vestibular: a apostila selecionava os conteúdos com maior

possibilidade de cobrança nos exames vestibulares;

Didática: a apostila incluía dicas e lembretes que raramente eram encontrados no

livro didático;

Modernidade: por ser descartável e poder ser substituída a qualquer momento,

com um custo baixo, a apostila conseguiu impor-se como uma resposta

“moderna” a uma sociedade em constante mudança.

No entanto, a mesma autora nos apresenta o seu ponto de vista crítico em relação ao

ensino apostilado. Um deles é que a apostila apresentava os conteúdos de forma muito

simplista, apenas o estritamente necessário, não havendo a garantia de que os conteúdos

seriam relacionados a outros. Outro ponto é que as questões visam tão somente a levar o aluno

a identificar informações e treiná-los a responder determinados tipos de atividades. Para a

autora isso é um processo de “adestração” que “[...] não leva o aluno a uma análise mais

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27

aprofundada do conteúdo ou à internalização dos conceitos” (CARMAGNANI, op. cit., p.

53). Finalmente a autora afirma que o ideal seria que a apostila fosse um complemento ao

livro didático, não um substituto dele.

De acordo com Paiva (op. cit., p. 46), no final da década de 1970 e início dos anos

80, os livros de língua inglesa como língua estrangeira ficaram mais bonitos e coloridos e

passaram a fazer parte de um conjunto de outros artefatos didáticos, o conhecido sistema

integrado de materiais didáticos. Um exemplo destacado pela referida autora é a série

Streamline de Bernard Hartley, que além do livro do aluno, livro de exercícios e manual do

professor, incluía material para ser usado em laboratório, vídeo e material de leitura que eram

um conjunto de leituras graduadas. A série Headway de Liz e John Soars da editora Oxford

também fez grande sucesso. Sobre a editora Oxford lemos: “É uma política das grandes

editoras, como a Oxford I, investir na divulgação de seus livros didáticos, agregando a eles

uma oferta de outros materiais gratuitos.” (PAIVA, 2009, p. 42).

Algum tempo depois foi lançando o New Headway, que incluía vários recursos ao

professor tais como Resource book, vídeos, DVD, CDs de áudio e páginas na internet para o

aluno praticar inglês e o professor ter ainda mais atividades extras e sugestões para a sua aula.

Um outro livro de grande sucesso da editora foi o English File que também tem um site com

exercícios interativos para download, jogos, e sugestão de links.. A série Interchange, da

Cambridge Press, de Jack C. Richards é a coleção mais famosa e mais vendida da editora, ano

1995.

1.3 Ensino de Português para Estrangeiros: história e livros didáticos

Limitamo-nos agora a tratar mais especificamente o tema concernente a este

trabalho: o ensino de português brasileiro a estrangeiros. Primeiramente tratamos muito

brevemente de como essa área surgiu e qual é o seu cenário atual no Brasil. Em seguida,

falaremos sobre os livros didáticos de português para estrangeiros.

Antes de tudo é importe frisar que ao falarmos de história do ensino de português

(brasileiro) para estrangeiros, estamos tratando de como isso se deu no Brasil e mais

importante, preocupamo-nos aqui com o processo de institucionalização da área, de criação de

programas e profissionais engajados em tornar a área cada vez mais qualificada e promissora.

Portanto, começamos esse assunto na década de 1960, em que começa o desenvolvimento da

área de Linguística Aplicada ao Ensino de Português como Língua Estrangeira (LAEPLE).

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28

Gomes de Matos (1997) nos informa que em 1966 foi formada uma equipe

binacional (norte-americana e brasileira) que se reuniu em Austin, capital do Texas, para

elaborar um manuscrito para uma edição experimental de Modern Portuguese, um projeto

subsidiado pela Modern Language Association of America. Essa equipe levantou algumas

questões fundamentais: „Que estruturas frasais selecionar e por quê? Que amostra do léxico

do Português oral informal incluir e por quê? [...] Que usos do Português descrever? Com

base em que descrições? Na ausência destas (fato que dificultava, sobremodo, a preparação do

material didático), como proceder? É bom lembrar que na década de 1960 a sociolinguística

ainda estava engatinhando no Brasil, o que dificultava o trabalho de encontrar dados

descritivos baseados em pesquisas com metodologia teóricas rigorosas. A esse fato, Gomes de

Matos (op. cit., p. 12) chama de „quando a prática precede a teoria‟. Ou seja, para o autor, o

inicio do processo de criação de materiais didáticos de português brasileiro a estrangeiros,

bem como seu processo de ensino institucionalizado foi primeiramente baseado na prática (o

bom senso prático e intuitivo) preceder a teoria. O autor afirma ainda que

[...] nenhum criador de material didático para ensino de línguas pode depender

exclusivamente de fontes científicas, por mais completas que pareçam ou se

anunciem: por isso, a atividade de produção de livros e outros recursos pedagógicos

é fundamentalmente criativa, muito exigindo do talento e esforço dos que a ela se

dedicam. (Ibid., p. 12).

De acordo com o autor, excetuando-se a Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUC-RS), onde se utilizava o livro Português para Estrangeiros, de

Mercedes Marchandt, a quase totalidade dos cursos de Português do Brasil oferecidos em

nosso país na década de 1950 dependiam de textos escritos no exterior, principalmente nos

Estados Unidos. Assim, é compreensível entender por que o primeiro livro didático para o

ensino da variedade brasileira da língua portuguesa foi o Spoken Portuguese, do ítalo-

americano Vicenzo Cioffari, edição do „American Council of Learned Societies‟ para as

forças armadas dos Estados Unidos.

O autor já citado também destaca, enquanto diretor do Yázigi entre 1966 e 1979, a

importância desse centro de ensino através de seu Centro de Linguística Aplicada quanto ao

aprimoramento da bibliografia sobre o ensino de Português a Estrangeiros. Entre as questões

que se impuseram destacam-se: “O que selecionar, da estrutura e usos do Português do Brasil?

Por quê? Que aspectos da cultura podem (devem) ser salientados em um livro com intenções

didáticas e por quê?”.

Um momento importante na história do ensino de português a estrangeiros no Brasil

foi a criação de Brasília como capital do País, através do projeto do ex-presidente Juscelino

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Kubistcheck, com o lema 50 anos em 5. Dessa maneira o Brasil ganha destaque no cenário

internacional, como nação com desenvolvimento potencial, ocasionando a vinda de muitos

executivos do exterior “[...] para assumirem cargos de direção das empresas multinacionais

que no país se instalavam, especialmente no sudeste do país.” (PACHECO, op. cit., p. 73). Os

filhos desses empresários eram matriculados em escolas internacionais no Rio de Janeiro e em

outros estados da federação, como “[...] forma de acelerar seu processo de adaptação no país.”

(Ibid., p. 73).

O processo de globalização foi acelerando, as tecnologias tomando espaço no cenário

global e isso só intensificou o status da língua inglesa enquanto língua universal, ao passo que

o português e o espanhol foram ganhando espaço com a criação do MERCOSUL. Segundo

Malaguti (2009), o ensino de português passou a ser obrigatório na Argentina em 2009 em

escolas de nível médio e em escolas primárias de províncias da região de fronteira com o

Brasil. Assim, a Argentina se equiparou ao Brasil, que tornou obrigatório o ensino de

espanhol em agosto de 2005. Ainda com Malaguti (2009), a norma argentina determinou que

a lei esteja em plena vigência até 2016, com preferência às Províncias da região de fronteira –

Misiones, Entre Ríos e Corrientes.

Dentro desse cenário, o ensino de PLE, afirma Pacheco (2009, p. 74):

[...] vai se recolocando em outros patamares dentro deste novo contexto. Pode-se

afirmar que vivemos uma nova etapa do processo de institucionalização do ensino

de PLE. Várias frentes de trabalho têm sido abertas simultaneamente. O governo

federal, através de iniciativas ainda tímidas, tem também colaborado nessa tarefa.

Apesar da ausência de política governamental deliberada, a maior conquista da área

foi a criação do Celpe-Bras (Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para

Estrangeiros), da Secretaria de Ensino Superior (SESU) do MEC, aplicado no Brasil e no

Exterior.

A Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira (SIPLE) também é um

marco e conquista da área, referência nacional e internacional em relação a PLE e realiza,

sistematicamente, congressos e seminários. A SIPLE foi criada no III Congresso Brasileiro de

Linguística Aplicada, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) de 31 de agosto a

3 de setembro de 1992. Além de realizar congressos e seminários na área, a SIPLE tem como

objetivo incentivar o ensino e a pesquisa na área de português como língua estrangeira e

segunda língua, a promoção da divulgação e do intercâmbio da produção científica na área.

Pacheco (op. cit., p. 75) nos informa que as universidades brasileiras que mais têm se

destacado em pesquisa na área são: Universidade Federal de Pernambuco, Universidade

Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de Brasília,

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Universidade Federal de São Carlos, Universidade de São Paulo, Universidade Federal

Fluminense, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Franciscana de Santa

Maria, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de Pelotas,

Pontifícia Universidade Católica do RS e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Ainda com esta autora:

[...] O programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem (LAEL) e o Núcleo de Pesquisa Português Língua Estrangeira do

Instituto de Pesquisa Sedes Sapientiae (IP) da PUC-SP e o Instituto de Estudos da

Linguagem (IEL) da UNICAMP são hoje referência em relação à produção

acadêmica em PLE. [...] já existe a oferta de licenciatura em professor de PBSL

(Português do Brasil Segunda Língua) iniciada na UnB, em 1998, e a expansão

dessa oferta deve ser acelerada em função das necessidades emergentes.

1.4 Os índices nacionais de desenvolvimento da área de PLE

Como podemos medir o grau de desenvolvimento da área de PLE no Brasil? Que

aspectos precisam de melhoras? O que tem sido feito para melhorar? Enfim, qual o cenário

atual desta disciplina no Brasil? Trazemos abaixo, os critérios apontados por Almeida Filho

(2007) como essenciais para avaliar minimamente essa área no nosso país. Todos os itens são

essenciais e não podem ser omitidos sem que haja perda para a análise do conjunto de

iniciativas que compõem o quadro de ensino de PLE.

Quadro 1 - Critérios para avaliar o desenvolvimento da área de PLE no Brasil.

1 Materiais didáticos publicados 9 Bolsas de estudos outorgadas na pós

graduação

2 Congressos e encontros organizados 10 Exame Nacional de proficiência vigente

3 Cursos instalados nas universidades 11 Política Governamental explícita

4 Disciplinas de graduação e pós constantes

dos catálogos 12 Profissionalização dos professores

5 Publicações especializadas disponíveis 13 Projetos de intercâmbio estabelecidos

6 Cursos de formação continuada ofertados 14 Entendimento supra-nacional dos países

lusófonos

7 Associação de professores

8 Teses defendidas

Fonte: Almeida Filho (2007).

Almeida Filho (op. cit., p. 42) avalia o grau do desenvolvimento da área no país,

atribuindo uma nota de 0 a 10 a cada item. Ao final as notas são somadas e o valor divido por

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14 chegando ao que o autor chama de Índice Geral de Desenvolvimento (IGD) que variará de

0 a 10 representando o grau médio de desenvolvimento da área de Ensino de Português para

Estrangeiros. O quadro proposto é pois “[...] um macro-organizador das iniciativas setorizadas

e das análises diagnósticas que pesquisadores e instituições interessadas venham a encetar no

futuro” (ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 43). A seguir, apresentamos o IGD, os comentários

referentes à ações sobre os itens e a nota dada por Almeida Filho (op. cit., p. 43-5).

Bolsas de estudo na pós-graduação: nota 8. Há Bolsas CAPES e PEC/PG para

alunos de países conveniados.

Exame Nacional Padrozinado de Proficiência: nota 8. Há o Celpe-Bras

implementado no Brasil e exterior. Em expansão gradual.

Política Governamental para o PLE: nota 2. Precária, com inciativas

esporádicas de cursos de atualização de professores dos CEBs no exterior.

Instituição do Exame Celpe-Bras em 1993.

Certificação do professor: nota 2. Precária, com professores formados em outras

línguas ou língua vernácula, ou sem certificação. Poucos cursos universitários

com componente específico (UnB e UFBa).

Projetos de intercâmbio: Nota 2. Precários, com poucas iniciativas isoladas entre

universidades do sul e sudeste e congêneres argentinas.

Entendimento supra-nacional dos países lusófonos: Nota 2. Não há. A CPLP e

a AULP poderiam vir a cumprir um papel decisivo neste quesito no futuro. -

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Associação das

Universidades de LP (AULP).

Disciplinas sobre EPLE na graduação e pós (em catálogo): Nota 3. Há, embora

ainda não de forma generalizada (UNICAMP, UnB, UFF e UFRJ, na graduação e

UNICAMP e UnB em programas de Pós-Graduação em Linguística Aplicada).

Cursos de PLE instalados nas universidades para alunos estrangeiros: Nota 4.

Há em várias universidades (USP, UFRJ, UNICAMP, UFF, UFRGS, UFJF,

UFMG, UFPE, UnB, etc.) com maior concentração no sul e sudeste.

Materiais didáticos publicados: Nota 7. Há publicações regulares e crescente

diversificação.

Teses sobre PLE defendidas em programas de pós-graduação: Nota 6. Há, só

na UNICAMP são 15 nos últimos anos. Outras instituições apresentam teses

isoladas (USP, UFRJ, UFRGS, PUCSP, UFPE, UFMG, UnB, etc.).

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Publicações especializadas: Nota 6. Há publicações regulares e em expansão.

Eventos (congressos, encontros e grupos de trabalho): Nota 9. Há eventos

anuais específicos são realizados pela SIPLE, desde 1991, além de iniciativas

esporádicas independentes das instituições e entidades. Sub-grupo de trabalho de

Português Língua Estrangeira (GT em Linguística Aplicada) da ANPOLL.

Cursos de formação continuada: Nota 3. Há tanto no exterior junto aos CEBs

quanto no Brasil em minicursos e cursos de atualização (como o SAPEC, por ex.,

com patrocínio da UNESCO/União Latina/MEC/UNICAMP).

Associação de professores: Nota 8. Há o SIPLE, fundada em 1991, publica o

boletim SIPLE (quadrimestral) e organiza os eventos SIPLE a cada ano.

Somando as notas de cada critério, tem-se o valor total de 58 pontos, os quais

divididos por 14 obtemos o quociente de 4.14. Para Almeida Filho (op. cit., p. 47) essa marca

indica grosso modo um desempenho do país claramente mediano no seu conjunto. O autor

argumenta, no entanto, que esse valor não pode ser interpretado como vergonhoso, uma vez

que segundo ele, “[...] não se conta justamente com a força dinamizadora de uma política

nacional deliberada e explícita para a questão estratégica do ensino de Língua Portuguesa e da

cultura brasileira para falantes de outras línguas, tanto no país quanto no exterior” (Ibid., p.

47). Podemos perceber que os pontos mais frágeis, os que tiveram nota 2 na avaliação do

autor, são muito importantes para o desenvolvimento da área, mas não verificamos ações

afirmativas para o avanço profissional e desenvolvimento geral da área de PLE. A falta de

uma política explícita é uma situação de decisão em nível governamental na qual podemos

interferir apenas indiretamente. Já em relação a ausência de cursos e parâmetros para

certificar os professores para atuar profissionalmente na área de EPLE o autor considera que:

[...] os professores de português Língua Materna (L1) careceriam de

complementação mais longa no que tange o ensino-aprendizagem do Português

como Língua Estrangeira (PLE) e os professores de outras línguas (como LE)

precisariam de complementação da sua formação em língua portuguesa e cultura

brasileira a ser estabelecida (mas reconhecidamente menos longa) na perspectiva de

quem a procura como outra ou nova língua”. (ALMEIDA FILHO, 2007, p. 46).

Em relação aos projetos de intercâmbio e entendimento supranacional dos países

lusófonos, os dois com nota 2, Almeida Filho (2007) considera essencial alertar as

autoridades sobre a urgência de se iniciar medidas para desenvolver atividades nesse sentido.

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é uma possibilidade rica em projetos que levem à

circulação de alunos e professores pelo espaço dos países pactuados. No segundo caso:

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[...] a existência da CPLP é uma alentadora promessa de estreitas consultas e

iniciativas conjuntas entre governos e eventualmente especialistas da área de EPLE.

Outra frente que carrega potencial para o desenvolvimento neste quesito é a da

atuação da AULP (Associação das Universidades de Língua Portuguesa) que precisa

ser acionada por nós através dos nossos reitores e representantes acadêmicos no bojo

da entidade. [...] Não podemos desconhecer também o imenso desafio de

auxiliarmos na expansão e criação de universidade nos PALOPs e Timor e de

apoiarmos com força o pleno funcionamento de novas instituições culturais, de

ensino superior e de pesquisa em locais distantes dos países concentradores de

falantes nativos, como, por exemplo, a Universidade de Macau e o Instituo de

Estudos Portugueses dessa região da China Continental. (ALMEIDA FILHO, 2007,

p. 46-7).

O resultado geral de 4.14 nos mostra que iniciativas, mesmo que ainda precárias e

irregulares em algumas categorias, já existem, indicando que o processo de profissionalização

e institucionalização da área de EPLE. Importante frisar também que essas informações foram

retiradas de uma publicação de 2007, portanto muito já deve ter sido desenvolvido na área, em

especial em produção acadêmicas, teses, dissertações, criação de novos livros didáticos, bem

como eventos, congressos e mais universidades ofertando PLE para a crescente demanda de

estrangeiros que precisam se adaptar ao Brasil e, em especial, aos que vão se submeter ao

exame Celpe-Bras.

Finalmente, Almeida Filho (2007) constata que há uma agenda viva de pesquisas na

área de natureza aplicada (de questões situadas na prática) que ajudam a produzir uma base

científica de conhecimentos relevantes para as práticas de ensino em PLE. É notório nessa

agenda:

[...] um interesse pela investigação dos processos de aprender e ensinar (nessa

ordem) em condições contextuais específicas e a pouca eleição de tópicos mais

classicamente linguístico-gramaticais como os de aquisição de elementos formais

dos sistema da língua-alvo. A maioria expressiva dos projetos se inscreve numa

linha de pesquisa qualitativa onde a tendência para a utilização de procedimentos de

pesquisa etnográfica em salas de aula se destaca nos núcleos dos projetos

(ALMEIDA FILHO, 2007, p. 50).

Apesar de esses índices terem sido avaliados por apenas um pesquisador, o mesmo

afirma que cada quesito deveria passar por um crivo rigoroso de outros pesquisadores em

outras iniciativas de levantamento de dados, o que aumentaria a confiabilidade dos quesitos.

O quadro com 14 itens sugerido por Almeida Filho (2007, p. 43) é, portanto, “[...] um macro-

organizador das iniciativas setorizadas e das análises diagnósticas que pesquisadores e

instituições interessadas venham a encetar o futuro”.

Após essa breve exposição de quesitos avaliados para medir o grau de

desenvolvimento da área de EPLE no Brasil, percebemos, como já apontado, o panorama em

que se encontra a área, com frágeis iniciativas em políticas governamentais, mas em franca

expansão principalmente em pesquisas acadêmicas e criação de livros didáticos. A seguir,

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tratamos deste último critério, não menos importante da área: os livros didáticos de PLE,

comentando brevemente seu histórico e os avanços conquistados em sua produção.

1.5 O livro didático de PLE: histórico e avanços

Como já dissemos, a grande fase de interesse pelo português brasileiro foi durante o

século XX, na década de 1950, no cenário mundial pós-guerra e a expansão dos Estados

Unidos como potência econômica mundial.

No entanto, a produção informal de livros didáticos dessa área já surgia, de acordo

com Pacheco (op.cit., p. 69) em 1901. Nessa época um professor de PLE de uma escola alemã

produziu um manual para tornar possível o estudo da língua portuguesa. Os primeiros livros

surgiram pelos próprios imigrantes alemães que chegavam ao Brasil para se comunicarem e se

adaptarem mais facilmente ao país. Ainda com a autora, “[...] muitos materiais se perderam

não somente em função da pressão proibitiva da legislação brasileira, como também pela

própria dispersão constitutiva do processo de produção dos MDs, que eram elaborados por

professores em escolas geograficamente distantes que não mantinham entre si qualquer tipo

de intercambio.” (Ibid., p. 69).

Há uma diferença fundamental entre os livros de português como LM e LE: enquanto

o primeiro tem melhorado em qualidade e barateamento de custos, graças a esforços oficiais

do MEC, em relação ao livro de PLE não observamos esse tipo de influência. Pacheco (2006)

nos informa que os livros de PLE têm recebido um grande investimento em sua qualidade

estética, combinado a uma renovação constante, tendo em vista o potencial mercadológico e a

concorrência crescente nos últimos anos. Esse investimento com a parte visual do livro cria

uma imagem de qualidade nem sempre verdadeira mas altamente eficiente, já que se dirige a

um público de poder aquisitivo mais alto, que podem pagar mais pelo adicional tecnológico.

Já sabemos que os imigrantes que aqui chegaram no século XX produziam seus

próprios livros para aprender português e visavam oferecer uma educação de qualidade a seus

filhos, criando toda uma estrutura para o processo escolar. Com Pacheco (2006, p. 70)

aprendemos que cada grupo de estrangeiros administrava suas escolas segundo a herança

acadêmica que trazia do exterior. No entanto, a partir da década de 30, com o decreto 58 de 28

de janeiro de 1931 o português para estrangeiros deveria ser tratado como língua nacional,

devendo ser ensinado indiferentemente com estratégias de língua materna. Para piorar, o

governo abriu escolas públicas junto à de imigrantes o que praticamente inviabilizou o seu

funcionamento, “[...] em virtude do apelo à gratuidade e a uma „melhor qualidade‟ de ensino

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de português, língua oficial com que os estrangeiros e seus descendentes tinham de se

comunicar” (p.71). Nessa época, especialmente na ditadura militar, com a política do

silenciamento das línguas estrangeiras, muitos livros didáticos produzidos por esses grupos de

imigrantes foram destruídos, fazendo extinguir uma cultura importante para se compreender o

processo de desenvolvimento histórico de PLE no Brasil.

Malaguti (op. cit., p. 32) nos informa que o livro tinha textos não autênticos, muitos

drills (estratégia de exercícios repetitivos) e algumas explicações gramaticais. Nesse mesma

época, como já dissemos, surge o primeiro livro de PLE produzido no Brasil na PUC-RS, por

Marchandt, o Português para Estrangeiros. É importante ressaltar que tanto a obra de

Cioffari quanto a de Marchandt são concebidos com base na teoria estruturalista. Mais tarde,

na década de 1960 surgem métodos alternativos como o áudio lingual, que defendia que a

aprendizagem se dá pela formação de hábitos e condicionamento, focando a aprendizagem de

palavras de maneira contextualizada e não isoladamente. As obras que contemplaram essa

perspectiva foram Português Contemporâneo 1, de Abreu e Rameh, e Modern Portuguese, de

Barrutia, de Matos, Hodges, et al. (este último já tratado anteriormente), os quais foram

financiados por universidades e fundações americanas interessadas no método áudio-lingual.

A partir da década de 1980 a metodologia de ensino de línguas estrangeiras passa por

uma reformulação significativa. O ensino centrado na gramática e repetição mecânica deixam

de ser o foco da abordagem. O aluno passa a ser visto como agente ativo da aprendizagem e

os seus interesses e objetivos passam a ser levados em conta na organização de cursos e

confecção de materiais. De fato, procura-se nesse período um ensino mais significativo e

preocupado em transmitir conteúdos autênticos, próximos de como se observa a linguagem

em situações reais. Por isso, “usa-se na confecção do livro, por exemplo, propagandas,

receitas e artigos de jornais; fotos dos locais, dos objetos e das situações de que se fala e

ilustrações típicas da realidade sociocultural do idioma que se aprende” (MALAGUTI, op.

cit., p. 33).

Nesse contexto comunicativo é que se justifica o uso de gênero textuais (ou

discursivos) nos livros didáticos de língua estrangeira. Citando Tilio (2012, p. 205):

[...] Um engajamento crítico na vida social contemporânea, com participação cidadã

e política, requer cada vez mais o domínio de habilidades, capacidades e

competências comunicativas que permitam que as pessoas ajam, interajam, se

comuniquem e participem do/no mundo. O uso pleno e autônomo da língua

estrangeira deve permitir ao cidadão agir nele, participando dele e modificando-o.

Para isso, a língua precisa ser ensinada contextualizada em práticas discursivas, que

se materializam em gêneros do discurso.

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36

De acordo com Dell‟Isola (2009) a ideia de inserir nos livros didáticos propostas de

leitura e produção de texto com base em gêneros textuais contribui para um maior

conhecimento da cultura da língua-alvo e também cria condições para a expressão verbal (oral

e escrita) do aprendiz. Portanto, é necessário expor o aprendiz de uma língua estrangeira a

uma diversidade de gêneros textuais. No entanto, a autora ressalta que:

[...] não basta inserir grande quantidade de gêneros textuais nos LDs de LE, pois

com isso, certamente, perdem-se os propósitos fundamentais da presença desses

textos que é o aprendizado da LE. No afã desenfreado de utilizá-los, contata-se falta

de estabelecimento prévio de objetivos a serem alcançados, a partir da leitura de

cada texto selecionado. Em geral não se exploram as características que cada gênero

oferece associadas nem, ao menos, se esclarecem as possibilidades oferecidas pelos

textos com que se pretende trabalhar em sala de aula. Isso resulta em muitas

propostas inexpressivas ou na introdução de textos completamente dispensáveis

(DELL‟ISOLA, 2009, p. 113).

Ainda com esta autora, os gêneros textuais em livros de PLE continuam sendo

trabalhados de maneira formalista, revelando falta de preparo de seus autores em conduzir a

exploração das condições de produção, das instâncias enunciativas em que os gêneros são

produzidos e praticados. E continua: “[...] além disso, observa-se relativa desconsideração dos

propósitos comunicativos dos gêneros presentes nesses materiais destinados ao ensino de

PLE.” (DELL‟ISOLA, 2009, p. 114).

Uma observação interessante feita por Dell‟Isola (2009) é que o público-alvo das

aulas de PLE já tem letramento suficiente para explorar por conta própria os gêneros textuais

apresentados nos livros. Portanto, a inclusão destes não objetiva exclusivamente expor sua

forma composicional. Antes disso, sua presença deve voltar-se para o desenvolvimento de

produção oral e escrita. Em relação a essas duas habilidades a autora diz o seguinte:

[...] A teoria dos gêneros exige o desenvolvimento de habilidade de leitura em duas

direções: na busca de uma compreensão totalizadora, que vai além das letras e

apreende o texto como um todo, relacionando-o com seu contexto; e na atenção para

a sua materialidade linguística, tomando-a como base para a construção da

interpretação. Quanto à expressão oral ou escrita, o foco do gênero requer a

capacidade de produzir um texto adequado a determinadas situações de interlocução.

(DELL‟ISOLA, 2009, p. 114).

Existem várias pesquisas que defendem o uso de gêneros textuais em livros didáticos

de línguas estrangeiras. Em relação ao EPLE, a pesquisa de Tosatti (2009) é bem interessante

e foi orientada pela autora citada anteriormente, Dell‟Isola (2009). Tosatti (2009) pesquisou a

funcionalidade de gêneros textuais presentes em cinco livros didáticos de PLE produzidos na

última década (a pesquisa da autora conclui-se em 2009). Por funcionalidade dos gêneros, a

pesquisadora entende que sejam situações para desenvolver competência comunicativa vista

como um conjunto de componentes linguísticos e pragmáticos relacionados não só ao

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conhecimento e habilidades necessários ao processamento da comunicação, mas também à

organização e ao uso da língua em situações socioculturais mais próximas do real. A pesquisa

revela que os livros pesquisados apresentam um número significativo de gêneros textuais, no

entanto, a exploração dos mesmos nem sempre recaiu sobre o processo de comunicação,

revelando, como já apontado, que o tratamento aos gêneros em livros didáticos de PLE ainda

se dá de forma bastante formalista.

Mas a questão dos gêneros textuais não é o único aspecto que merece melhoras nos

livros de PLE. Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) destacam que, apesar do significativo

impulso na produção dos materiais e de uma relativa diversificação no público-alvo, ainda há

várias lacunas nesse mercado.

A primeira, e a que mais chama atenção segundo os autores, é a carência de materiais

brasileiros específicos para falantes de espanhol. Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009, p. 273)

afirmam que é principalmente no exterior que esses livros são publicados sendo alguns deles

publicados para uso local. Outros são de circulação muito restrita no Brasil, o que demonstra

uma “[...] grande defasagem em relação aos estudos desenvolvidos no âmbito da Linguística

Aplicada”. (DINIZ; SRADIOTTI; SCARAMUCCI, op. cit., p. 274). Esse argumento se

baseia no fato de que na literatura de Linguística Aplicada a distinção entre ensino de

português para hispano-falantes e ensino de português para falantes de outras línguas já se

consolidou. Há pesquisas que focam em dificuldades específicas na aquisição do português

advindas do português e do espanhol, no entanto poucas que propõem metodologias

específicas para hispano-falantes. É portanto de grande urgência e importância que livros

didáticos para esse público sejam produzidos:

[...] Tais materiais se tornam cada vez mais necessários, não só na América do Sul –

onde a demanda pelo português foi impulsionada pelo Mercosul -, mas também nos

EUA – onde a procura pelo português entre os falantes de espanhol vem crescendo

substancialmente, a ponto de se caracterizar como área de pesquisa específica,

denominada Português como terceira língua (grifo dos autores). (DINIZ;

SRADIOTTI; SCARAMUCCI, op. cit., p. 276).

Os autores afirmam ainda que os livros dirigidos a falantes do espanhol precisam

incluir não apenas uma análise contrastiva entre os sistemas do português e do espanhol, mas

também comparações de ordem funcional, pragmática, discursiva e cultural. Mas eles

igualmente nos advertem que: “[...] sem dúvida, a falta de descrições detalhadas em relação a

tais aspectos dificulta a elaboração de materiais didáticos dessa natureza”. (Ibid., p. 276).

Outra lacuna no mercado editorial é a escassez de livros que enfoquem a

aprendizagem de português como segunda língua. Vários estudantes e profissionais que vem

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ao Brasil têm necessidades específicas o que requer materiais distintos. No entanto, mesmo

nesses contextos, o livro de PLE tem sido utilizado. Na aula de língua estrangeira em geral,

em especial nas ditas comunicativas, há atividades e tarefas que simulam situações reais de

interação, mas em ensino de segunda língua, essa estratégia é dispensada uma vez que o aluno

já se encontra em ambientes reais onde a língua-alvo é utilizada naturalmente. Diniz, Sradiotti

e Scaramucci (2009) sugerem que o professor de português como L2 trabalhe com estratégias

que possibilitem a observação in loco de questões de ordem funcional, pragmática, discursiva

e cultural, que não podem ser desvinculadas do uso e aprendizagem da língua.

A falta de livros apropriados ao público universitário é outro ponto destacado. Uma

boa parte de interessados na língua portuguesa falada no Brasil são alunos das nossas

universidades que fazem graduação ou pós-graduação parcial ou integral, motivados por

convênios e intercâmbios. Faz-se necessário materiais que sejam elaborados a partir de textos

autênticos que se relacionem às necessidades, interesses e perfis dos estudantes. Para Diniz,

Sradiotti e Scaramucci (2009, p. 277) algumas contribuições do LD nesse intuito poderiam ser

o desenvolvimento de habilidades de estudo, (tomar nota por exemplo), ser capaz de fazer

referencias, redigir textos acadêmicos, etc.

Em último lugar, o mercado precisa produzir livros para crianças e jovens em fase de

escolarização, já que, como já dissemos anteriormente, o ensino de língua portuguesa passou

e passa a ser disciplina obrigatória em alguns países que fazem parte do Mercosul.

Malaguti (2009) nos informa que a melhora na qualidade dos livros didáticos de PLE

e PL2 é um processo em franca expansão já que o Mercosul continua se afirmando como um

grupo forte e homogêneo, aumentando a demanda pela língua portuguesa e propiciando

produção de materiais que atendam a vários públicos e objetivos de aprendizagem. Isso

possibilitará, também, a predisposição de instituições em investir na visibilidade do

português.

A seguir, apresentamos uma cronologia de livros didáticos de Português para

estrangeiros adaptado de Pacheco (op. cit., p. 81-4). Os livros em negrito são os que constam

em nossa pesquisa para análise.

1.6 Cronologia da produção de LDs em PLE adaptado de Pacheco

1901 – Manual de língua portuguesa – Rudolf Damm.

1954 – Português para Estrangeiros, 1º Livro, Mercedez Marchant, Porto Alegre Sulina.

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1973 – Portugues: conversação e gramática. Haydée Magro & Paulo de Paula. São Paulo:

Brazilian American Cultural Institute / Livraria Pioneira Editora.

1974 – Portugues para Estrangeiros, 2º Livro, Mercedez Marchant, Porto Alegre: Sulina.

1978 – Português do Brasil para Estrangeiros. Vol. 1. S. BIAZOLI & Francisco G.

MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.

1978 – Português para estrangeiros I e II: conversação cultura e criatividade. S BIAZOLI

& Francisco G. MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro Editora e

Importadora Ltda.

1978 – Português do Brasil para Estrangeiros. Vol. 2. S. BIAZOLI & Francisco G.

MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.

1980 – Falando, lendo, escrevendo português: Um curso para Estrangeiros. Emma

Eberlein O.F. Lima & Samira A. lunes, São Paulo: Ed. EPU (Editora Pedagógica e

Universitária).

1983 – Português para falantes de espanhol. Leonor Cantareiro Lombello e Marisa de

Andrade Baleeiro. Campinas, SP: UNICAMP/FUNCAMP/MEC.

1984 – Tudo Bem 1: Português do Brasil, Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro, Ed. Ao

Livro Técnico S/A, Indústria e Comércio.

1985 – Tudo Bem 2: Português do Brasil, Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro, Ed. Ao

Livro Técnico S/A, Indústria e Comércio.

1989 – Fala Brasil, Português para Estrangeiros, Elizabeth Fontão do Patrocínio e Pierre

Coudry, São Paulo, Campinas, Pontes Editores Ltda.

1990 – Português Via Brasil: Um curso avançado para estrangeiros: Emma Eberlein O.F.

Lima, Lutz Rohman, Tokiko Ishihara, Cristián Gonzalez Bergweiler & Samira

A.lunes. São Paulo: Ed. EPU.

1990 – Português como Segunda Língua. ALMEIDA, M. & GUIMARÃES, L. Rio de

Janeiro: Ao Livro Técnico.

1991 – Avenida Brasil 1: Curso Básico de Português para Estrangeiros, Emma Ebertein

O.F. Lima, Lutz Rohmann, Tokiko Ishihara, Cristián González Bergweiler &

Samira Abirad lunes. São Paulo: Ed. EPU.

1992 – Aprendendo Português do Brasil, Maria Nazaré de Carvalho Laroca, Nadine Bara

& Sonia Maria da Cunha. Campinas, São Paulo: Pontes Editores Ltda.

1994 – Português para estrangeiros: infanto-juvenil. Mercedes Marchandt. Porto Alegre:

Age.

1995 – Avenida Brasil II – Emma E. Lima, Cristián Gonzaléz & Tokiko Ishihara. São

Paulo: EPU.

1997 – Português para estrangeiros: nível avançado. Mercedez Marchandt. Porto Alegre:

Age.

1998 – Português para estrangeiros I e II. MEYER, R.M et alii. Rio de Janeiro: Puc-Rio.

(Edição experimental).

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1999 – Falar, Ler e Escrever Português: Um curso para Estrangeiros (reelaboração do

Falando, Lendo, Escrevendo Português) de Emma E.O.F. Lima e Samira A l. São

Paulo: Ed. EPU.

1999 – Bem-vindo! Maria Harumi Otuki de Ponce; Silvia R.B. Andrade Burin & Susanna

Florissi. São Paulo, Editora SBS.

2000 – Sempre Amigos: Fala Brasil para Jovens. Elizabeth Fontão do Patrocínio & Pierre

Coudry. Campinas, SP: Pontes.

2000 – Sempre Amigos: De professor para professor. Elizabeth Fontão do Patrocínio &

Pierre Coudry. Campinas, SP: Pontes.

2001 – Tudo bem? Português para Nova Geração. Volume 2. Maria Harumi Otuki de

Ponce, Silvia Regina. B. Andrade Burim & Susana Florissi. São Paulo: Ed. SBS.

2001 – Interagindo em Português. Eunice Ribeiro Henriques & Danielle Marcelle

Granier. Brasília: Thesaurus.

2002 – Passagens: Português do Brasil para Estrangeiros. Rosine Celli. Campinas, SP:

Pontes.

2003 – Diálogo Brasil: Curso Intensivo de Português para Estrangeiros. Emma Ebertein

O.F. Lima, Samira Abirad lunes & Marina Ribeiro Leite. São Paulo: Ed. EPU.

2004 – Aquarela do Brasil: Curso de Português para falantes de espanhol. Edileise

Medes Oliveira Santos. (Pacheco, p.84 nos infoma que a ora é um MD proposta

em sua Tese de Doutorado, apresentada na UNICAMP, em 2004)

2005 – Estação Brasil: Português para estrangeiros. BIZON, A.C. Campinas, SP: Ed.

Átomo.

2005 – Português via Brasil: Um curso avançado para estrangeiros. Emma Eberlein O.F.

Lima. São Paulo: Ed. EPU.

2008 – Muito Prazer: Fale o Português do Brasil. Gláucia Roberta Rocha Fernandes,

Telma de Lurdes São Bento Ferreira e Vera Lúcia Ramos. São Paulo. Disal

Editora.

2014 – Bem-vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação. Maria Harumi

Otuki de Ponce; Silvia R.B. Andrade Burin & Susanna Florissi. São Paulo, Editora

SBS. 8ª edição, 7ª reimpressão. São Paulo, Editora SBS.

2014 – Diálogo Brasil: Curso Intensivo de Português para Estrangeiros. Emma Ebertein

O.F. Lima, Samira Abirad lunes & Marina Ribeiro Leite. Reimpressão com nova

ortografia. São Paulo: Ed. EPU.

Esse capítulo teve como objetivo apresentar a bibliografia básica sobre o nosso

objeto de estudo: o livro didático. Sua história, seu percurso no tempo como tecnologia

inovadora até ser instrumento de leis, medidas governamentais que exercem uma função

controladora do Estado no ambiente escolar. Para isso, englobamos tanto algumas

considerações sobre o livro didático de inglês como LE e, sobretudo os livros de PLE no

Brasil. Estes últimos tiverem sua gênesis em materiais didáticos feitos pelos próprios

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imigrantes alemães que aqui estavam em 1901; cada grupo (entre outros como holandeses,

japoneses, italianos, etc.) ensinava suas crianças e produziam seus materiais de acordo sua

herança acadêmica trazida do exterior. O surgimento da escola pública e a nacionalização

compulsória acabaram exigindo o ensino de português para estrangeiros com as mesmas

estratégias de ensino de português como língua materna. Isso enfraqueceu as escolas

particulares dos estrangeiros, uma vez que além de terem que conviver/concorrer com as

públicas, se acreditava (o poder público) que a língua portuguesa seria melhor ensinada e

aprendida nestas últimas. Isso acabou apagando da história vários livros de PLE criados pelos

estrangeiros para educar seus filhos. Apresentamos, também, os índices nacionais de

desenvolvimento da área no Brasil e o que tem sido feito (ou não) para colocar nosso país e

nossa língua portuguesa brasileira numa posição estratégica no cenário internacional, bem

como um histórico resumido do surgimento de estudos aplicados ao Ensino de Português a

Estrangeiros no país. Ao final estendemos a discussão na literatura sobre o livro didático de

PLE no sentido de delinear os pontos a serem melhorados pelo mercado editorial e quais as

tendências futuras. Feito isso, arrolamos a seguir o que exatamente estaremos examinando nos

cinco livros didáticos escolhidos e em quais referenciais teóricos nos baseamos.

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CAPÍTULO II – AS VARIANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO CULTO

CONTEMPORÂNEO INVESTIGADAS

Após as observações históricas e teóricas indispensáveis dos capítulos anteriores, é

fundamental que apresentemos as sessões que compõem a natureza prática da pesquisa.

Na primeira parte, investigamos o tratamento dado a questões sociolinguísticas nos

livros didáticos, mais especificamente, às variantes gramaticais do português brasileiro culto

contemporâneo. Tal recorte contempla os seguintes elementos:

retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa;

emprego do verbo ter com sentido de “existir”;

estratégias de relativização: o desaparecimento do pronome cujo;

regência do verbo ir diretivo.

Os fenômenos gramaticais escolhidos foram retirados de uma pesquisa empreendida

por Bagno (2010a), cujos resultados revelam aspectos particulares do vernáculo geral

brasileiro, inclusive o culto.

Após uma breve explicação teórica desses aspectos, procuramos identificar se essas

estruturas aparecem nos livros, ou seja, se esses aspectos importantes da nossa língua

aparecem nos livros. Visamos, com isso, responder a seguinte pergunta: as estruturas

investigadas refletem, de fato, o português brasileiro culto contemporâneo, ou ainda se

apegam à gramática normativa, que cultiva uma norma padrão ideal?

Para tal empreendimento, definimos como o corpus do trabalho os diálogos

(conversação) e sistematização gramatical de cinco livros didáticos de português brasileiro

para estrangeiros. Acreditamos na relevância de focar as referidas sessões uma vez que é nos

diálogos dos livros que se encontram os supostos usos espontâneos e menos monitorados da

língua.

Na segunda parte prática da pesquisa, buscamos investigar o LD a partir de critérios

que revelam sua natureza teórica, cultural e metodológica. Tais critérios foram retirados do

trabalho de Oliveira e Furtoso (2009), as quais desenvolvem desde 2004 um projeto muito

interessante no contexto de formação de professores de Português para Falantes de Outras

Línguas (PFOL) na Universidade Estadual de Londrina. Esse projeto, o Ensinando português

para falantes de outras línguas (ENPFOL), tem como objetivo preparar os alunos da

graduação para atuar como professores de PFOL, capacitando-os a analisar e escolher livros

didáticos que melhor se adequem às situações de ensino.

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Partindo dos critérios adotados no ENPFOL, os cincos livros escolhidos, um dos

quais adotado no curso de línguas estrangeiras da Universidade Federal do Amazonas, serão

analisados a partir de seus objetivos, público-alvo, lista de conteúdos, natureza das atividades,

disposição dos diferentes componentes linguísticos, aspectos culturais e contexto.

O recorte para a avaliação de livros didáticos, um dos vários recursos que

materializam o conhecimento (SCHNEUWLY, 1994 apud OLIVEIRA; FURTOSO, 2009),

justica-se porque eles “[...] refletem perspectivas no ensino de línguas num determinado

momento da história e que, por isso, podem não atender às expectativas num período

posterior” e “[...] muitas vezes são o único referencial do professor em sua ação pedagógica.”

(OLIVEIRA; FURTOSO, 2009, p. 252).

É nesse sentido que após a análise, refletiremos o seguinte: o resultado apontado

pelos critérios é propício a uma adequada apresentação do português brasileiro nos livros

didáticos? Explico melhor. Se o livro, por exemplo, se diz incorporado a uma visão de

linguagem comunicativa, então, estariam os diálogos e situações de explicação gramatical

apresentando essa língua “comunicativamente”, sem construções do tipo “Esse é o livro de

que preciso”, ou ainda “A casa cujo dono faleceu foi vendida”?

Como defendemos que língua e cultura não se dissociam, uma outra pergunta de

pesquisa se impõe. Estaria a abordagem cultural, numa perspectiva de língua como prática

social, materializada nos diálogos, textos e atividades do livro numa visão intercultural5? Ou a

cultura ainda estaria se constituindo num simples “saber sobre”, em que toda a complexa

dimensão cultural se resumiria na aprendizagem de nomes, datas, fatos e acontecimentos?

Delineados os fenômenos a serem analisados do português brasileiro bem como os

critérios adotados para melhor compreender a natureza panorâmica dos livros didáticos,

passamos agora a abordar com mais detalhes tais escopos. Primeiramente, faremos a

exposição teórica básica das variações do português brasileiro. Tal tarefa contará com uma

revisão bibliográfica sobre o tema tanto numa perspectiva normativa quanto descritiva.

Adotaremos quatro gramáticas para o estudo básico dos fenômenos linguísticos, duas de

caráter prescritivo e duas descritivas. Na perspectiva normativa, serão adotadas as seguintes

gramáticas:

5 Novamente, a questão cultural é tratada neste trabalho conforme as classificações de Gimenez (2002) e Moran

(1990). A taxonomia de Gimenez inclui a abordagem tradicional, cultura como prática social e a perspectiva

intercultural. Essas três questões encontram um paralelo nas classificações de Moran, em que cultura é vista

como saber sobre; saber como e saber por quê. A semelhança das classificações foi tirada de Fontes (2002

apud OLIVEIRA; FURTOSO, 2009).

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Moderna Gramática Portuguesa, 37ª Ed., 2009, Editora Lucerna e Nova Fronteira,

de autoria de Evanildo Bechara.

Nova Gramática do Português Contemporâneo, 6ª Ed., 2013, editora Lexikon, de

autoria de Celso Cunha e Lindley Cintra.

De caráter descritivo:

Nova Gramática do Português Brasileiro, 1ª Ed. 3ª reimpressão, 2014, editora

contexto, de autoria de Ataliba Teixeira de Castilho.

Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, 2011, editora Parábola, de autoria

de Marcos Bagno.

Após isso, explicaremos os critérios de Oliveira e Furtoso (2009) adotados na

análise, bem como suas fundamentações teóricas.

Conforme apontado anteriormente, os fatos linguísticos analisados foram retirados da

pesquisa de Bagno (2010a) e aplicados à situação dos materiais didáticos de português para

estrangeiros. É importante que se diga que as gramáticas normativas foram indicadas pelo

próprio Bagno (2010a), enquanto as descritivas foram por mim selecionadas, levando em

conta que são obras cientificamente respaldadas, de autores com vasta experiência no estudo

do português brasileiro. Vejamos com mais detalhes, a seguir, as categorias gramaticais de

análise.

2.1 Retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa

Após quinhentos anos da ocupação portuguesa em solo brasileiro, o português aqui

falado e escrito passou e tem passado por várias mudanças. Oliveira (2007) destaca que as

principais estão na maior ocorrência de objetos nulos e sujeitos preenchidos, na progressiva

queda dos clíticos de 3ª pessoa, e na perda da riqueza do paradigma de flexão verbal. Essas

características configuram uma gramática própria, que se distingue das outras línguas

românicas. Em relação ao maior preenchimento de sujeito e apagamento de objeto, Bagno

(2011, p. 596) diz o seguinte:

[...] esse uso, tanto quanto sabemos, é exclusivo do português brasileiro (PB)

dentro de todo o conjunto das línguas românicas. O que se evidencia aqui é a

tendência cada vez mais acentuada do PB a explicitar o sujeito e a apagar o objeto

direto. [...] O objeto direto nulo já se tornou a estratégia de retomada anafórica

preferida dos brasileiros. Ao mesmo tempo, estamos cada vez mais sentindo a

necessidade de explicitar foneticamente o sujeito. [grifos do autor]

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Enquanto no PB a maior tendência é no preenchimento de sujeito e anulação do

objeto, no português europeu acontece o contrário. Tarallo (1996) citado em Oliveira (2007)

nos dá os seguintes exemplos:

(1) Paulo viu Maria ontem?

(2) a. Sim, ele viu [Ø]. (Sujeito preenchido/Objeto vazio = PB)

b. Sim, [Ø] a viu. (Sujeito vazio/Objeto preenchido = PE)

A anulação do objeto direto tem sido investigada por vários estudiosos, que

procuram explicar o fenômeno a partir de perspectivas diversas. No aspecto diacrônico, por

exemplo, Castilho (2014) nos informa que Tarallo (1983) comprovou uma queda do objeto

direto a partir da segunda metade do século XIX. A tabela 01 abaixo, produzida por este

último, ilustra os momentos da história que registraram a frequência da retenção do objeto

direto:

Tabela 1 - Momentos históricos – retenção do objetivo direto.

I. Primeira metade do séc. XVIII 82 %

II. Segunda metade do séc. XVIII 96,2%

III. Primeira metade do séc. XIX 83,7%

IV. Segunda metade do séc. XIX 60,2%

V. Corpus sincrônico do séc. XX (1982) 18%

Fonte: Tarallo (1983).

Duarte (1989) estudou o preenchimento do objeto direto na língua falada, contando

com um corpus de quarenta horas de entrevistas com falantes de São Paulo, oriundos de três

camadas sociais: curso primário, curso colegial e curso superior e de três faixas etárias. Os

resultados apontaram o clítico acusativo foi o menos usado, com 4,9%, seguido do pronome

ele (15,4%), sintagma nominal anafórico (17,1%) e finalmente a categoria vazia.

Seguindo a perspectiva Laboviana da Sociolinguística, Duarte (1989) se questiona a

respeito dos fatores de natureza linguística e extralinguística que condicionaram a escolha de

determinada variante. Os resultados de natureza linguística foram, resumidamente, os

seguintes:

1. Se o verbo estiver conjugado no infinitivo, há mais chances do clítico acusativo

enclítico; em tempo simples do indicativo o proclítico.

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2. No aspecto sintático, se o falante optar construir uma estrutura simples6, há maior

ocorrência de elisão do objeto; já em estruturas complexas, a tendência é a

retenção do mesmo.

3. Em relação ao condicionamento semântico, a maioria dos OD retidos apresentam

o traço [+animado], enquanto os elididos recebem majoritariamente [-animado],

não importando em que estrutura sintática ele ocorra. Quando [+animado] a

realização do objeto se dá principalmente pelo pronome lexical ele, com

proeminência em estruturas complexas.

Já nos fatores extralinguísticos ou sociais, a pesquisadora procurou verificar,

primeiramente, se a escolaridade, idade, formalidade/informalidade do contexto contribuíam

na escolha das estratégias de pronominalização. Concluiu-se que os clíticos não aparecem

entre os jovens e só passam a ser empregados na progressão da formação escolar. A categoria

vazia não sofre influência da idade e formação escolar do falante, o que evidencia que o

objeto nulo já faz parte do vernáculo brasileiro contemporâneo, até mesmo em situações

estilisticamente mais monitoradas.

A pesquisa de Oliveira (2007) também atesta que o uso de clíticos é consequência da

ação conservadora da escola. A autora conduziu sua investigação entre os anos e 2002 e 2006,

adotando um corpus de oitenta e oito textos espontâneos escritos por crianças que cursavam

da 1ª a 4ª série do ensino fundamental. Os resultados apontaram um ligeiro aumento na

retenção do clítico nos dados dos alunos da 4ª série: 34%, contra 8% na 1ª série. Isso

igualmente indica, de acordo com Oliveira (2007), que o uso dos clíticos acusativos se dá

primeiramente na escrita, via instrução formal.

Ainda sobre a repercussão do trabalho de Tarallo (1983), a pesquisa de Cyrino (1997

apud CASTILHO, 2014) também confirmou uma continuada queda no preenchimento do

objeto direto no português brasileiro. Cyrino (1997 apud CASTILHO, 2014) constatou que a

partir da segunda metade do século XIX começam a aparecer os primeiros pronomes lexicais

ele em função de objeto direto, numa frequência de 8,6% se comparados aos clíticos. Cyrino

(1997 apud CASTILHO, 2014) constatou, ainda, que um dos últimos ambientes em que o

clítico parece persistir é com verbos em locuções infinitivas. Oliveira (2007, p. 24) ratifica

esses dados em sua pesquisa nos exemplos extraídos do seu corpus:

a. Fernanda caiu e Solando foi ajudala (1ª série)

6

Estruturas sentenciais simples [S+V+OD ou S+V+OI]; Complexas [S+V+OD+Predicativo]. Exemplos

incluem: a) Você já contou [Ø] pra ele? b) Eu não tenho nada para reclamar não. Eu acho ela sensacional.

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b. Ele falou para a professora que alguns de seus colegas o xingaram. (4ª série)

Uma vez que os clíticos têm propriedades diferentes no português, i.e. alguns têm

uma estrutura silábica (consoante-vogal), como em me, te, se ao passo que outros perderam o

ataque silábico, como o, que tem sua origem no português arcaico lo, Castilho (2014) nos

informa que vários autores observaram o seguinte:

1. A direção da cliticização fonológica no PB é proclítica, movimentando-se da

esquerda para a direita, ao passo que no PE ela é enclítica, da direita para a

esquerda. Isso dá ao PB a possibilidade de iniciar frases por clíticos. Castilho

(2014) nos informa que essa mudança na direção de cliticização se deu a partir da

segunda metade do século XIX.

2. O clítico o em início de sentença tende a cair uma vez que se configura como

vogal átona. Isso explica, segundo Câmara Jr. (1957 apud CASTILHO, 2014) o

uso de ele nessa função, ou sua omissão, com o objeto direto nulo.

A aparição do pronome Ele com função de complemento é bastante antiga na língua

portuguesa. Bagno (2010b) afirma que podemos encontrar exemplos desse uso em textos

literários e arcaicos, como por exemplo, os do historiador Fernão Lopes no século XIV. Mas

como podemos explicar o aparecimento de Ele, um pronome reto, no lugar de um oblíquo?

Para responder essa pergunta, é fundamental que façamos um rápido apanhado da história da

língua, mais especificamente em suas raízes latinas.

No latim clássico, Bagno (2010b, p. 104) nos recorda o seguinte:

[...] não existiam pronomes-sujeitos nem pronomes objetos diretos para a 3ª pessoa.

Existia o ego (sujeito) de onde vem o EU, e o me (objeto direto); o tu, que herdamos

tal e qual para o sujeito, e o te (objeto direto). Havia também os seus respectivos

plurais: nos e vos. Para a 3ª pessoa, porém, não havia nada: bastava a forma do verbo

para indicá-la. Aliás, mesmo os pronomes ego, tu, nos, vos, eram pouco

empregados, já que a desinência do verbo permitia a omissão do pronome-sujeito.

Ainda com este autor, no latim vulgar houve a necessidade de preencher o quadro

dos pronomes pessoais de terceira pessoa. Foram, então, usados os pronomes demonstrativos

ille, illa, illud, que equivaliam a aquele, aquela e aquilo. Illud era usado para o gênero neutro,

que acabou desaparecendo da língua. Percebemos notoriamente que ille e illa são os

antepassados de ele e ela, inclusive se lembrarmos que até meados do século XX esses

pronomes eram escritos como Êlle e Ella. Desses mesmos demonstrativos saíram os artigos

definidos e os pronomes oblíquos átonos de 3ª pessoa (o, a, os, as), após várias mudanças

fonéticas e morfológicas. Para Mattoso Camara Jr (1972 apud BAGNO, 2010b), os pronomes

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demonstrativos, mesmo depois de incorporado à categoria dos retos, continuaram

conservando em boa parte a sua função demonstrativa. Portanto, “[...] é esse resquício de

caráter demonstrativo dos pronomes ele, ela, eles, elas que permite que eles exerçam todas as

funções sintáticas, exatamente como os outros demonstrativos da língua”. O exemplo de

Bagno (2010b, p. 105) é bem ilustrativo nesse sentido:

SUJEITO OBJETO DIRETO OBJETO INDIRETO

Este serve Quero este Dei o livro para este

Ele serve Quero ele Dei o livro para ele

Uma observação interessante pontuada por este pesquisador é que os puristas,

buscando justificar proibições de uso, recorrem muitas vezes ao latim em exemplos como

“Assistir a...”, numa tentativa de nos convencer desse uso uma vez que naquela língua o verbo

assistir era transitivo indireto. Outro exemplo inclui o verbo preferir em construções como

“Eu prefiro mais futebol do que vôlei”. Neste caso, os normativistas afirmam que em latim o

prefixo prae-, presente do verbo preferir, já indicava “mais que”, “de preferência a”, portanto

o “correto” seria “Prefiro futebol a vôlei”. O curioso é que se justifique um uso,

caracterizando-o como “apropriado”, recorrendo à raiz do idioma e, em contrapartida, se

condena outro emprego cuja existência também se origina do latim e sobrevive na língua há

muito tempo.

Apesar de todos os resultados apontados nas pesquisas linguísticas, a gramática

normativa insiste em condenar alguns usos já empregados no vernáculo geral brasileiro. A

gramática de Cunha & Cintra (2013), a despeito do emprego dos pronomes retos, destaca nas

páginas 301 e 302 sob o título de “Equívocos e incorreções” as seguintes observações:

Na fala vulgar e familiar do Brasil é muito frequente o uso do pronome eles(s),

ela(s) como objeto direto de frases do tipo: Vi ele; Encontrei ela.

Embora esta construção tenha raízes antigas no idioma, pois se documenta em

escritores portugueses dos séculos XIII e XIV, deve ser hoje evitada. [grifo

nosso].

Convém, no entanto, não confundir tal construção com outras, perfeitamente

legítimas, em que o pronome em causa funciona como objeto direto. Assim:

a) Quando, antecedido da preposição a, repete o objeto direto enunciado pela

forma normal átona (o,a,os, as):

Não sei se elas me compreendem

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Nem se eu as compreendo a elas. (Fernando Pessoa)

b) Quando precedido das palavras todo ou só:

Ricas prendas! Todas elas

Me deu ele; sim, donzelas...

Que não vo-lo negarei! (João de Deus)

O mesmo discurso purista e prescritivo aparece na gramática de Evanildo Bechara

(2009, p. 175) lemos o seguinte:

O pronome ele, no português moderno, só aparece como objeto direto quando

precedido de todo ou só (adjetivo) ou se dotado de acentuação enfática, em prosa

ou verso:

“No latim eram quatro os pronomes demonstrativos. Todos eles conserva o

português”. (Pacheco da Silva Jr. E Lameira de Andrade, Gramática da Língua

Portuguesa, RJ, 1887).

“Subiu! – e viu com seus olhos/ Ela a rir-se que dançava...” (Gonçalves Dias).

“Olha ele!” (Eça de Queirós).

As definições e exemplos acima apresentados são, para seus autores, modelos da

língua “exemplar”, (essa é o termo usado por Bechara ao se referir à língua padrão), e

qualquer intuição gramatical do falante, quaisquer construções que fujam desse modelo se

tornam, nas palavras de Cunha & Cintra (2013), “incorreções e equívocos que devem ser

evitados”. As frases, pinçadas de autores consagrados da literatura, não devem e nem podem

ser tomadas isoladamente como a língua portuguesa contemporânea falada no Brasil, uma vez

que, como já exaustivamente discutimos, a língua é fundamentalmente um fenômeno

heterogêneo, variável e instável, em constante mudança. Como o discurso purista infelizmente

ainda ganha espaço na escola, é devido às práticas tradicionais de ensino de língua portuguesa

(reflexos das gramáticas materializadas em livros didáticos), que o clítico o ainda sobrevive, e

por isso ele é mais frequente na língua escrita (CASTILHO, 2014, p. 304).

Feitas todas essas considerações, podemos então resumir que os estudos sobre a

retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa no português brasileiro revelam três

estratégias:

a) Comprei um carro novo, mas ainda não usei ele. (Pronome lexical)

b) Comprei um carro novo, mas ainda não Ø usei. (objeto nulo)

c) Comprei um carro novo, mas ainda não o usei. (clítico acusativo)

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A estratégia mais utilizada no vernáculo brasileiro é o objeto nulo, seguido do

pronome lexical. O clítico está praticamente extinto, sendo utilizado com mais frequência na

escrita culta a qual reflete, entre outras coisas, a ação conservadora da escola.

2.2 Estratégias de relativização: o desaparecimento do pronome cujo

O enfoque aqui é pesquisar as estratégias de relativização nos livros didáticos, mais

especificamente, o emprego de pronomes relativos quando empregados com verbos que

regem preposição. O pronome cujo, caracteristicamente de síntese, passa a desaparecer do

vernáculo brasileiro, e está em processo extinção até mesmo no padrão culto, variedade em

que esse pronome é substituindo por de que.

Castilho (2014) nos informa que na língua falada, o relativo que está tomando cada

vez mais o lugar dos outros pronomes, tornando-se uma espécie de pronome relativo

universal. Para compreendermos essa mudança na língua, é necessário um estudo mínimo da

sintaxe das orações subordinadas adjetivas (também chamadas de relativas) que compreende

três aspectos: estratégias de relativização e tipologia das adjetivas; funções do pronome

relativo e as adjetivas livres. Ficaremos apenas com a primeira questão.

É comum entre os pesquisadores que se debruçam sobre as estratégias de

relativização o questionamento de quais funções dos sintagmas da sentença adjetiva

favoreceriam os processos de relativização. Castilho (2014) nos diz que os estudiosos têm

apontado que as línguas variam na quantidade de posições passíveis de relativização, sendo os

mais acessíveis os sintagmas nominais de sujeito, em seguida os que funcionam como objeto

direto, objeto indireto, oblíquo e genitivo; no final estão as línguas que dispensam um

pronome conjunção para a relativização.

Ainda com Castilho (2014), o nome dado a essa descoberta foi “hierarquia de

acessibilidade dos sintagmas nominais à relativização”. Essa hierarquia se justifica, entre

outras coisas, porque (1) toda língua relativiza sujeitos; (2) é mais fácil, de um ponto de vista

semântico-cognitivo, processar a informação contida num sintagma nominal de sujeito, depois

objeto direto, etc. não podendo, assim (3) as estratégias de relativização saltar pontos nessa

hierarquia.

Amaral (1922/1977) foi o primeiro a observar que as subordinadas adjetivas do PB

se distanciavam do PE ao passo que Lemle (1978 apud CASTILHO, 2014) destacou que no

PB há três estratégias de relativização: sentença adjetiva padrão, em que os pronomes

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relativos exibem as formas correspondentes ao caso que recebem do verbo; adjetiva

copiadora, onde o relativo se despronominaliza, perdendo a função fórica, que será preenchida

por um pronome preposicionado ou não e a relativa cortadora, em que a preposição que é

regida pelo verbo e que deveria comparecer na sentença adjetiva é cortada, apagada. Bagno

(2010b) exemplifica essas estratégias nos exemplos a seguir:

a. Esse é um filme de que eu gosto muito. (relativa padrão)

b. Esse é um filme que eu gosto muito dele. (relativa copiadora)

c. Esse é um filme que eu gosto muito. (relativa cortadora)

Como os falantes se comportam diante dessas opções? A pesquisa de Bagno (2010a),

cujos resultados também se confirmam em outros estudos, concluiu que em seu corpus da

língua falada, a relativa cortadora é, de longe, a mais utilizada por falantes cultos. Em seguida

vem a relativa padrão e a menos utilizada é a copiadora. A copiadora é a estratégia mais

antiga das três. Quanto à idade de cada uma, aprendemos com Bagno (2010b) que muito antes

da formação das línguas românticas, ainda no latim vulgar, os pronomes cópia já existiam. A

relativa padrão surge no período de formação da formação da norma-padrão clássica do

português, e a cortadora é um fenômeno bem mais recente, conforme apontam as pesquisas de

Tarallo (1983; 1985). Vale dizer que essas formas de estratégia não padrão também

acontecem em outras línguas românicas como nas variedades não cultas do francês da França

e nas variedades cultas do francês de Quebec, no Canadá. É impróprio, portanto, julgar

falantes que utilizam essas estratégias porque “[...] não se trata de invenção de brasileiro

ignorante nem de consequência negativa da incompetência dos professores de português do

Brasil (até porque estes mesmos fenômenos estão presentes também nas variedades cultas do

português de Portugal)”. (BAGNO, 2010b, p. 86).

A origem das relativas cortadoras, aliás, tem duas explicações. Uma delas, segundo

estudos de Tarallo é de natureza ideológica: os falantes cultos escolhem não parecer pedantes

demais, eliminando a relativa padrão e igualmente não querem soar pouco instruídos ou

ignorantes, eliminando a relativa copiadora. A outra explicação é de natureza sintática. Nesse

caso, o ouvinte ou leitor é capaz de reconhecer a preposição que foi apagada, graças ao

contexto verbal e não verbal do enunciado. Em construções como “Esse é o carro que eu

gosto”, qualquer falante do português brasileiro sabe que quem gosta, gosta de. A omissão da

preposição “de” não traz nenhum problema para a comunicação e evita “o drástico

deslocamento da preposição imposto pela construção da relativa padrão” e “escapa da

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construção copiadora, considerada menos aceitável pelos falantes cultos”. (BAGNO 2010b, p.

90).

Mais uma vez, esses fenômenos são um exemplo de análise substituindo síntese. As

línguas românicas deixaram de lado as características de síntese do latim vulgar e isso

ocasionou, por exemplo, o surgimento de artigos e outros determinantes, o desaparecimento

da morfologia dos casos e o gênero neutro, redução dos tempos verbais e, claro, mudanças no

tratamento dos pronomes relativos.

É justamente por ser uma língua de análise, que as relativas padrão são uma espécie

de “corpo estranho” (BAGNO, 2010b) na língua, um resquício do sistema de declinação do

latim clássico. Quando estamos diante de preposição +pronome relativo, esse processo fica

ainda mais estranho ao falante, o qual recorre a um pronome cópia para respeitar a natureza

analítica da língua.

Na gramática normativa de Cunha e Cintra (2013, p. 569) encontramos a seguinte

definição para preposição: “Chamam-se PREPOSIÇÕES as palavras invariáveis que

relacionam dois termos de uma oração, de tal modo que o sentido do primeiro

(ANTECEDENTE) é explicado ou completado pelo segundo (CONSEQUENTE)”.

A respeito dessa definição, Bagno (2010b, p. 88) diz o seguinte:

O que acontece com as orações relativas padrão, portanto, é uma drástica alteração

dessa ordem ANTECEDENTE – PREPOSIÇÃO – CONSEQUENTE [...] Diante

dessa violenta alteração da sintaxe habitual de sua língua o falante trata de recolocar

as coisas em seus lugares mais naturais.

Castilho (2014) ressalta que há pesquisas que estabelecem uma correlação entre a

tipologia das adjetivas e as alterações dos clíticos no PB contemporâneo. De acordo com este

autor, Mary Kato mostrou haver uma harmonia no tratamento dos clíticos e pronomes

relativos pois ambos tem a propriedade de foricidade. Dessa maneira, os falantes que usarem

os clíticos na anáfora como em7:

- Eu descasquei as laranjas e Pedro as comeu. Utilizará a relativa padrão:

- Eu descasquei as laranjas que Pedro comeu.

Se o falante optar pelo pronome ele com função de complemento:

- Eu descasquei as laranjas e Pedro comeu elas. Utilizará a adjetiva copiadora:

- Eu descasquei as laranjas que Pedro comeu elas.

Por fim, se a estratégia de pronominalização for a de objeto nulo:

- Eu descasquei as laranjas e Pedro comeu. O falante opta pela relativa cortadora:

7 Todos os exemplos abaixo foram retirados da Nova Gramática do Português Brasileiro de Ataliba T. de

Castilho.

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- Eu descasquei as laranjas que Pedro comeu Ø.

Podemos concluir, então, que as relativas copiadora e cortadora têm sido mais usadas

porque os clíticos têm desaparecido do PB brasileiro, uma língua predominantemente de

análise.

Em relação ao pronome cujo, que tem função de adjunto adnominal, os autores

concordam que é uma construção praticamente extinta do vernáculo brasileiro. Em outras

fases da língua portuguesa, porém, era utilizado com outras funções gramaticais que acabaram

desaparecendo com o tempo. Bagno (2011) nos informa que cujo servia como pronome

interrogativo nessa frase de Padre Antônia Vieira no século XVII8: “Cuja é esta caveira?”

(=De quem é esta caveira?); Podia ser empregado em construções sem antecedente expresso:

“Dar o seu a cujo é” (=Dar a alguém o que é seu); “Bem sabe o gato a cujas barbas lambe”

(Ditado medieval); Na fase moderna da língua, em José de Alencar vemos: “Ele recebeu com

o batismo o nome do santo, cujo era o dia”; sem um consequente expresso, neste exemplo de

Gil Vicente no século XVI: “A dama cujo nasci” (=de quem nasci). No PB contemporâneo a

palavra cujo é: “[...] quebrada, divida em funções. O cujo se divide em que, conector usado

para ligar as duas sentenças, e em dele/dela/deles/delas, para estabelecer a relação de posse”

(BAGNO, 2011, p. 904). Ainda segundo esse autor, a construção cortadora, em português, se

explica pelo uso do artigo definido o qual já indica posse.

Tratamos resumidamente nesta sessão sobre as três estratégias de relativização do

PB: a relativa padrão, copiadora e cortadora. Vimos que os pronomes relativos, um resquício

de estruturas de síntese, estão desaparecendo gradualmente do PB e que o “que” está se

tornando um relativo universal. A gramática da retomada anafórica de objeto direto encontra

um paralelo com a tipologia das adjetivas, o que nos permitiu concluir com Kato que a

extinção dos clíticos favorece ainda mais as estratégias copiadora e cortadora. A relativa

cortadora é a mais empregada pelos falantes cultos, seguida da relativa padrão e por última a

copiadora. Nos livros didáticos, investigaremos se aparecem construções com o pronome cujo

e, caso haja sessões gramaticais sobre os pronomes relativos, verificaremos se o livro tem um

enfoque exclusivamente padrão ou se há espaço nos diálogos para as relativas copiadoras e

cortadoras.

2.3 Regências do verbo IR com sentido de direção

8 Os exemplos de construções com o pronome cujo em diferentes funções gramaticais foram retirados da

“Gramática Pedagógica do Português Brasileiro” de Marcos Bagno (2011).

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Nessa etapa pesquisamos as regências dos verbos IR e CHEGAR com sentido de

direção, não nos interessando, portanto, as ocorrências de IR como auxiliar e de CHEGAR

com sentido de procedência.

No PB o verbo IR com sentido de direção pode reger as preposições EM, A e PARA.

A gramática normativa condena o uso de EM e delimita o uso de A e PARA, sendo o

primeiro usado para indicar uma ida temporária, uma permanência breve, enquanto o segundo

deve ser usado em situações de maior permanência ou mesmo definitiva. Bagno (2011)

apresenta um quadro bastante esclarecedor da regência do verbo IR diretivo:

Quadro 2 - Matriz de regências [+padrão] e [-padrão] do verbo IR diretivo.

TIPO PREPOSIÇÃO TRAÇO SEMÂNTICO

+ padrão A [-permanência]

PARA [+permanência]

- padrão

A [+permanência]

PARA [-permanência]

EM [-permanência]

EM [+permanência]

Fonte: Bagno (2011, p. 143).

Ainda com este autor, em sua pesquisa empreendida no ano de 2000, o resultado da

ocorrência dessas preposições com o verbo IR diretivo foram distribuídas da seguinte maneira

em seu Corpus da Língua Falada:

Quadro 3 - Resultado da ocorrências de preposições com o verbo IR diretivo.

TIPO PREPOSIÇÃO TRAÇO

SEMÂNTICO Quantidade %

+ padrão A [-permanência] 24 57,1

PARA [+permanência] 15 42,9

Subtotal 39 35,4

- padrão

A [+permanência] 4 5,6

PARA [-permanência] 44 38,9

EM [-permanência] 23 20,3

EM [+permanência] 0 0

Subtotal 71 64,5

Total 110 100,0

Fonte: Bagno (2011, p. 143).

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Bagno (2011) conclui que os dados revelam a preferência dos falantes cultos em usar

as variantes não padrão e, ao contrário do que diz a tradição gramatical, eles utilizam a

preposição EM para reger verbos de movimento com traço semântico [-permanência] e PARA

em relação a [-permanência]. Assim, no PB, não há diferença no uso das três preposições

quando se trata de indicar [-permanência].

Há uma explicação para o Brasileiro escolher, na fala, essas construções abominadas

pelas gramáticas tradicionais? Qual a razão para o falante “continuar errando”?

Uma das justificativas, nos informam Bagno (2011) e Castilho (2014), é que no latim

clássico a preposição IN (de onde vem o EM) era usada com essa mesma finalidade de

expressar movimento. De fato, havia a ocorrência de IN e AD (que originou o A em

português), não havendo uma rígida diferença entre as duas, as quais podiam expressar não

apenas repouso, localização como também movimento, direção.

Com o surgimento da norma-padrão clássica literária do português, houve uma

tentativa de delimitar o uso de A e EM. Para A, a ideia de movimento, direção, destino,

enquanto que EM indicaria repouso, situação, localização. Bagno (2011), no entanto, nos

alerta que essa tentativa de delimitação foi frustrada porque até mesmo escritores consagrados

do período clássico da língua, como, por exemplo, João de Barros e Camões, usavam EM

com sentido de movimento.

Outra razão para a utilização das variantes não-padrão no PB com os verbos IR e

CHEGAR diretivos é a questão da gramaticalização das preposições. Castilho (2014) nos

ensina que a gramaticalização das preposições consta dos seguintes passos: (1)

recategorização de outras classes; (2) regramaticalização de preposições já existentes9; e (3)

desaparecimento de preposições. Vamos nos deter em (3).

Algumas preposições, a exemplo de A, estão em processo de substituição no PB. No

caso de A, como sabemos, ocorre a substituição por EM e PARA. De fato, como pontua

Bagno (2011), se ampliarmos a observação para outros verbos (não só os que indicam

direção) verificamos que há um verdadeiro declínio do uso de A como preposição,

restringindo o seu uso para a escrita mais monitorada. No sentido de localização estática

9 Reproduzo aqui as palavras de Castilho (2014, p. 589) em relação aos itens (1) e (2). “Em (1), recategorização

de outras classes, as classes substantivo, verbo e numeral ordinal gramaticalizam-se em preposições. Os

substantivos que indicam parte do corpo podem se tornar preposições como em fronte>frente, em à frente de e

testa (“cabeça”) em à testa de. Outros substantivos como amor passam pela mesma transformação, como em

por amor de (“por causa de”). Em relação ao verbos, as formas nominais destes podem recategorizar-se como

preposições, como exceto, salvo, durante, mediante. O número ordinal segundo transforma-se em preposição

como em: “Segundo as testemunhas, o ladrão teria saltado o muro”. Em (2) as preposições simples se

regramaticalizam combinando-se com outra preposição, aparentemente porque elas vão se tornando opacas

quanto à representação do ESPAÇO.”

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(repouso, situação, imobilidade), a preferência é no uso de EM, daí o surgimento de pares

como falar ao/no telefone, sentar à/na mesa. No sentido de destino surgem pares como: dei o

carro ao/para o Paulo, telefonei à/para a Juliana, etc.

Finalmente, o declínio de A, de acordo com Castilho (2014) pode explicar as

dificuldades em operar com a crase. O PB, ao contrário do PE, não possui uma fonética de

duas vogais distintas, uma mais aberta (quando tônica ou resultante de crase) e outra mais

fechada (átona). Assim, nos diz Bagno (2011, p. 146), “os portugueses pronunciam diferente

viajei a Coimbra e viajei à Galiza, o que lhes permite distribuir mais facilmente a preposição

simples e a preposição combinada com o artigo.”. Ainda com este autor, o frequente desuso

da preposição A também se explica por haver outros itens gramaticais na língua com igual

realização fonética: o verbo há, e o artigo feminino A (que tem a mesma escrita da

preposição). Assim, no PB, se preserva o artigo A, usado com muita frequência; substitui-se o

verbo HÁ por TEM, e, novamente, troca-se a preposição A por EM ou PARA.

Para concluir essa curta explicação teórica, é importante lembrar que não é nossa

intenção fazer um estudo minucioso das variantes gramaticais do PB que serão pesquisadas

nos livros didáticos. Nosso objetivo é compreendê-las minimamente para, a partir disso,

observar de que maneira são apresentadas nos manuais.

2.4 Verbo TER com sentido de existir

Chegamos, enfim, à última variante de investigação sociolinguística nos livros

didáticos de português para estrangeiros. Trata-se de uma construção bastante utilizada no PB

em todos os níveis sociais, independente de grau de escolaridade, sexo, idade ou condição

econômica: o verbo ter com o sentido de existência.

Como sabemos, os verbos têm a importante função de “predicação”, ou seja, eles

falam de e dizem que. Em uma frase como: “Mário não fez a tarefa”, estamos falando de

Mário e dizendo algo sobre ele. Agora num exemplo: “Tem leite no copo”, o verbo ter não

atribui nenhum papel a nenhum dos outros elementos do enunciado. O verbo ter se limita a

informar a existência de algo, no caso, leite no copo, servindo como introdutores das coisas

no mundo. A esses tipos de verbos, que são realmente poucos (ser, ter, haver, fazer, estar,

existir e a construção tratar-se de), os estudiosos chamam de apresentacionais, que, como o

próprio nome sugere, apresentam, introduzem novos tópicos no discurso.

Com os verbos apresentacionais, ou existenciais, os tópicos por eles apresentados

não desempenham, afirma Castilho (2014), nenhuma função sintática que os sintagmas

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nominais geralmente exercem: não são sujeito nem são objeto. Assim, por funcionar apenas

como instrumento, operador gramatical, podemos excluí-lo da frase sem perda de significado.

Bagno (2011, p. 621) nos dá o seguinte exemplo no poema de Carlos Drummond de Andrade:

No meio do caminho, uma pedra

uma pedra no meio do caminho

uma pedra, no meio do caminho, uma pedra

Já que os verbos existenciais não exercem função predicativa, como poderiam ser

classificados esses sintagmas nominais únicos apresentados pelo verbo existencial? Sensível a

isso, Castilho (2014) criou o termo absolutivo [grifo nosso] para representar esses tópicos

discursivos apresentados por verbos existenciais. Bagno (2011) explica que essa terminologia

remonta ao conceito de caso gramatical: o absolutivo para sintagmas nominais não

predicados, assim como o nominativo é o caso do sujeito, o acusativo de objeto direto, o

dativo de objeto indireto, etc.

Os estudiosos do PB que se debruçam sobre verbos apresentacionais notaram uma

incoerência das gramáticas tradicionais na análise desse tipo de sentença. Para os puristas,

quando o verbo é haver o SN é objeto direto. Quando é existir, sujeito. No entanto, em se

tratando de ter, há o que Bagno (2011) chama de “condenação”, proibição do seu uso como

verbo existencial. Assim, a gramática prescritiva permite apenas o verbo haver em

construções existenciais, sendo ter uma incorreção, devendo ser a todo custo evitado.

Cabe aqui, no entanto, uma observação. Como vimos, o uso das variantes aqui

pesquisadas é também uma questão de atitude do falante, ou melhor, de um grupo de falantes.

Mas ao contrário do que ocorre, por exemplo, com as relativas copiadoras, não adotadas pelos

falantes cultos por ser considerada um uso de quem tem baixa escolaridade, ou a relativa

padrão, não usada por essa mesma camada social por ser “pedante”, o mesmo não ocorre com

o verbo ter existencial. Nas palavras de Vitório (2010): “[...] é possível perceber que apesar de

não ser uma forma aceita pela tradição gramatical, o uso de ter em construções existenciais é

um fenômeno variável não estigmatizado pela sociedade, pois é utilizado por falantes de

diferentes níveis de escolarização sem causar preconceito linguístico e social”.

Ainda com Vitório (2010), a preferência por ter pode ser explicada não apenas pelo

fato de haver já não fazer mais parte, no PB, do processo natural de aquisição da linguagem,

uma vez que a criança só começaria a adquirir o haver existencial na aprendizagem da escrita,

como também por ser utilizado apenas em situações bastante formais de uso da língua.

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Em sua pesquisa de mestrado, Vitório (2008) analisou o uso de ter e haver na escrita

de alunos dos ensinos fundamental e médio da cidade de Maceió-AL. Os resultados

mostraram um percentual de 64% de ter contra 36% de uso de haver e que os alunos do

ensino fundamental (representados pela 8ª série) tiveram maior ocorrência de ter existencial –

79% contra 45% do ensino médio (representados pelo 3º ano). A autora conclui que o acesso

às regras gramaticais é determinante na escolha das variantes ter e haver existenciais nos

corpora analisados, tendo a escola, portanto, um papel preponderante na manutenção do verbo

haver existencial na língua escrita.

Por fim, destacamos abaixo as características das sentenças apresentacionais

conforme a gramática pedagógica do português brasileiro, de Bagno (2011, p. 624 e 628):

1. Ocorrem antes do sintagma nominal que introduzem

2. O verbo apresentacional é impessoal, não realiza predicação, e portanto, não

concorda com o sintagma nominal que ele introduz;

3. Esse sintagma nominal está no caso absolutivo, logo, não é nem sujeito nem

objeto direto do verbo apresentacional;

4. O verbo apresentacional, portanto, é invariável, só se conjuga na não pessoa do

singular.

Essas foram as quatro variantes do português brasileiro culto contemporâneo

pesquisadas nos livros didáticos de português para estrangeiros. Objetivamos observar nesse

recorte o quão próximo estão os manuais da língua falada no Brasil, a qual tornaria a

comunicação do estrangeiro muito mais natural e adequada às diversas situações de uso.

Apesar de não ser um substituto absoluto da experiência do dia a dia, da conversa face a face,

da vivência cultural no país, o LD ainda é a opção mais utilizada na aprendizagem formal de

línguas estrangeiras. Por isso mesmo não pode inspirar-se numa concepção de língua obsoleta

literária ou na gramática do português de Portugal. O aluno estrangeiro, no nosso caso de

português, em geral é muito curioso e preza pelo conhecimento da realidade social, autêntica

da língua. Esperamos, assim, que os livros analisados levem em conta as características desse

público diferenciado de forma a aproximá-los de situações comunicativas e culturais

significativas e motivantes.

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CAPÍTULO III – OS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS

Nessa etapa da pesquisa buscamos analisar os livros didáticos do ponto de vista

metodológico e teórico. Para tal utilizamos os seguintes critérios: a questão cultural,

objetivos, público-alvo, lista de conteúdos, interação, natureza das atividades, disposição dos

diferentes componentes linguísticos e contexto. O produto desta análise será um quadro que

apresentará resumidamente esses aspectos, fornecendo um panorama dos manuais

investigados. Como adotamos livros amplamente divulgados pelo mercado editorial e

utilizados em diversas situações de ensino e aprendizagem, inclusive em universidades

públicas, acreditamos que essa investigação auxilie o trabalho de professores de português

como LE, seja na avaliação, adoção ou adaptação dos materiais pesquisados. A seguir

explicaremos teoricamente cada critério.

3.1 Aspectos culturais

Pela filiação teórica em que nos inserimos a língua é prática social. Ela reflete e

refrata as práticas dos falantes que a utilizam como meio de comunicação, como

representação do pensamento e, sobretudo como materialidade de seus valores, tradições,

história, literatura, artes, ciência. Língua, portanto é cultura. Assim como não podemos

dissociar língua e fala, também não é sensato que separemos língua e cultura já que a cultura

como tal só se manifesta por meio da linguagem. No entanto, quando se trata de ensinar uma

língua estrangeira, essa forte relação entre língua e cultura tem deixado a desejar não apenas

na prática docente como também no tratamento dado a essa questão nos livros didáticos de

português para estrangeiros.

Primeiramente começamos com a dificuldade em definir cultura. O que é cultura?

Uma definição torna-se complicada já que vivemos num mundo cada vez mais internacional e

globalizado. Lima (2009) afirma que embora o termo já tenha sido antropologicamente

definido há mais de um século, ele ainda permanece um enigma. Os autores tem opiniões

diversas sobre o que seja cultura.

Hall (1961 apud LIMA, 2009) defende que cultura é uma forma de

autoconhecimento. Para ele, para que uma pessoa se conheça melhor, é preciso que ela

conheça outras culturas e que as leve a sério. Já para Gorodetskaya (1996 apud LIMA, 2009)

a cultura pode ser entendida no sentido amplo e no específico. No sentido amplo, cultura é

uma forma de vida, um contexto em que existimos, sentimos e nos relacionamos em

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sociedade. Já no sentido específico, cultura é, para a autora, um sistema de censura social,

pois determina padrões de comportamento verbal ou não verbal do ser humano. Adaskou,

Britten & Fashi (1990 apud LIMA, 2009) nos dão uma visão mais específica de cultura,

levando em consideração quatro aspectos: o estético, o sociológico, o semântico e o

pragmático ou sociolinguístico. O estético engloba o cinema, a literatura, a música e a mídia;

o sociológico tem a ver com as relações sociais: a organização familiar, os costumes, relações

interpessoais, condições materiais, etc.; o semântico abarca e condiciona as concepções

perceptivas e os processos de pensamento e finalmente o pragmático ou sociolinguístico lida

com as experiências práticas e o uso do código linguístico para uma comunicação eficiente.

Gostaria, por fim, de destacar a contribuição de Tomalin, Stempleski (1996 apud LIMA,

2009) que preferem definir cultura graficamente. Para os autores, Cultura com c maiúsculo é

o feito heroico. Refere-se à história, geografia, literatura, arte, música, etc. de um povo. Já

cultura com c minúsculo, também chamada de cultura do comportamento, tem a ver com as

crenças e percepções de um povo. Existem muitas outras definições e concepções de cultura,

mas não faremos um estudo mais aprofundado dessas questões. O que nos interessa é ver a

relação entre língua e cultura e que maneira ela é entendida nos LDs de português para

estrangeiros.

Apesar da diversidade de conceitos, é importante que digamos o que entendemos por

cultura neste trabalho. Acreditamos que cultura é um conjunto de todos os fatores abordados

anteriormente. Ela é uma forma de autoconhecimento, experiências de vida, um reflexo do

pensamento e da inteligência humana; A cultura constitui uma série de fatos sobre um

determinado povo, tais como sua história, literatura, arte, música, cinema; mas sobretudo nos

filiamos à noção de cultura com c minúsculo, ou seja, como as crenças e percepções de um

povo, as quais “[...] interferem na maneira com que as pessoas são aceitas ou não em

determinada sociedade” (LIMA, 2009, p. 182).

No âmbito do ensino de línguas estrangeiras, a questão cultural tem provocado certa

controvérsia entre os estudiosos do assunto. Afinal, a cultura deve ser ensinada? Qual cultura

ensinar? O professor tem conhecimento cultural da língua que ensina? De que forma a cultura

é abordada nos livros didáticos?

Há muitos autores que reconhecem a forte relação entre língua e cultura, já que,

ponto de vista cultural, o sujeito é constituído pela linguagem. No entanto, nos informa Lima

(2009), existem autores que acreditam que a relação entre língua e cultura não é tão forte

como parece, ou seja, a relação entre o código linguístico e sua cultura é, de certo modo,

arbitrária.

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61

Em relação ao ensino de língua inglesa como LE, Lima (2009) nos lembra que em

países como o Japão, a China e Coreia ela é ensinada, na maioria das vezes, como um sistema

codificado, sem nenhuma ênfase no aspecto intercultural. Em outras palavras, o foco é dado

aos aspectos gramaticais ao invés de suas funções culturais. Nesse caso, o aprendiz de língua

estrangeira acaba interpretando a língua-alvo com base na cultura da sua língua materna.

Para Benett (1997 apud LIMA, 2009), ensinar qualquer língua estrangeira numa

visão apenas de código pode trazer vários problemas ao aluno. De fato, para Benett, a

aprendizagem da língua apenas por tradução e aplicação de regras gramaticais, leva o aluno a

se tornar um fluent fool. Para o autor, fluent fool é uma pessoa que fala uma língua estrangeira

bem, mas desconhece seus componentes filosóficos e sociais. Dessa maneira, o aprendiz

estaria sujeito a situações constrangedoras em reais situações de comunicação, podendo

também constranger outras pessoas. Assim, vemos com Benett que a língua é antes de tudo

nossa representação do pensamento e maneira de ver o mundo. Portanto, ensinar a língua “[...]

é, sobretudo, ensinar sua realidade.” (LIMA, 2009, p. 184).

Venturi (2008) nos lembra que a língua recorta a sua própria realidade, delimita

experiências particulares a cada povo e não coincidem, necessariamente, de uma região para

outra. Assim, na construção do discurso, na construção do sentido, o falante possui várias

formas de designar referentes, podendo selecionar elementos lexicais variados que criam e

mantém seus objetos. Venturi (que possui experiência na área de ensino e aprendizagem de

italiano) nos dá o exemplo da palavra portuguesa “noite”. O tradutor que passasse para o

italiano teria que optar por sera (até a hora de deitar-se) ou notte (quando é costume dormir).

Portanto, pode ser que uma palavra de uma língua nunca desperte no falante de outra

comunidade ou país as mesmas associações e “[...] nem cria os mesmos estados de ânimo

porque estes não procedem do mesmo ambiente nem compartilham das mesmas experiências”

(Venturi, 2008, p. 84). O aluno que estuda uma língua estrangeira percebe que a sua maneira

de interpretar o mundo é apenas uma das muitas possíveis. Venturi cita Colosimo (1979) para

nos informar que as manifestações mais evidentes das diversidades culturais através da língua

se dá por meio do léxico. Mesmo os referentes de objetos comuns às várias línguas poderão

ter conotações outras, ou seja, diferentes valores atribuídos pelos membros das várias

comunidades linguísticas.

Em relação ao LD de línguas estrangeiras, Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009)

afirmam que ele desempenha um papel importante na constituição do imaginário da cultura do

outro, reforçando ou desconstruindo estereótipos e favorecendo uma maior ou menor

identificação com outras culturas. Além disso, “[...] ele pode sensibilizar o aprendiz para

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outros pontos de vista sobre o mundo e, assim, auxiliá-lo a interagir de maneira mais

apropriada em situações reais de uso da língua-alvo” (CORACINI, 1999 apud DINIZ;

SRADIOTTI; SCARAMUCCI, 2009).

Cunningsworth (1995) faz uma reflexão interessante. Para ele todo LD deve oferecer

conteúdos e contextos sociais e culturais que sejam compreensíveis e reconhecíveis aos

aprendizes em termos de localização, costumes sociais, faixa etária, etc. Além do contexto

físico, os relacionamentos, comportamentos e intenções dos personagens do livro devem ser

interpretáveis pelos alunos, a fim de que possam relacionar a língua ao seu propósito no

contexto social. O LD, assim, não poderia ser neutro porque ele necessariamente reflete uma

visão de ordem social e expressa um sistema de valores explicita ou implicitamente.

Cunningsworth (1995) cita o exemplo do tratamento dado à mulher nos livros didáticos de

inglês como LE como um dos objetos de investigação de pesquisadores da área. O autor traz

alguns livros em que as mulheres são vistas apenas como donas de casa, frágeis, dependentes

do homem e medrosas. Outras questões tais como origem étnica, ocupação, idade, classe

social e deficiência física podem ser alvo de discriminação e preconceito. Esses aspectos

negativos (nos livros de inglês norte-americano como LE) eram vistos com maior frequência

em manuais antigos, os quais refletiam os valores e atitudes da classe econômica dominante.

Finalmente, Cunningsworth (1995) trata a respeito da natureza dos personagens apresentados

no livro. O que aprendemos sobre o que os motiva, seus medos, expectativas, enfim, seus

sentimentos? O aspecto afetivo dos personagens parece não ter importância nos livros

didáticos de línguas estrangeiras em geral, tornando-os personagens incompletos, como se não

representassem a real natureza humana.

Dito isto, é essencial, portanto, que nas situações de ensino-aprendizagem de línguas

estrangeiras o LD não apenas apresente um novo estoque de palavras e estruturas de LE. É

preciso levar o aluno a conhecer o contexto sócio cultural da língua, mas não apenas através

de fatos. Seelye (1984 apud LIMA, 2009) atesta que fatos por si sós não fazem sentido. Eles

precisam ser interpretados dentro de determinado contexto. Afinal, os fatos estão sempre

mudando, e focar apenas em fatos pode potencializar os estereótipos ao invés de diminuí-los.

Como dissemos anteriormente, o aspecto cultural nos livros didáticos de português

para estrangeiros serão analisados através de três perspectivas10

representadas no quadro

abaixo:

10

As três perspectivas, conforme dito anteriormente, são um paralelo entre as classificações de Gimenez (2002)

e Moran (1990) adaptado por Fontes (2002 apud OLIVEIRA; FURTOSO, 2009).

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Quadro 4 - Aspecto cultural nos livros didáticos de português para estrangeiros.

Gimenez

(2002)

Abordagem

Tradicional

Cultura como

prática social Intercultural

Moran

(1990)

1) Cultura como

saber sobre:

inclui todos os

aspectos

culturais que se

constituem

informações –

atos, dados,

fatos,

conhecimentos.

2) Cultura como

saber como: inclui os

aspectos culturais

que se constituem

habilidades – ações,

participações e

comportamentos.

3) Cultura como saber por quê:

compreensão dos valores básicos, das

atitudes e suposições da cultura; as razões

que fundamentam e permeiam todos os

aspectos da cultura baseados em uma

dimensão crítica de sua aprendizagem.

4) Cultura como conhecer a si mesmo:

auto-conhecimento e compreensão de seus

próprios valores culturais

Fonte: Oliveira e Furtoso (2009, p. 260).

A análise do aspecto cultural nos livros didáticos visa responder a seguinte pergunta:

qual a visão de cultura mais evidente no LD? Quais tipos de atividades são propostas para

trabalhar o aspecto cultural? Diálogos? Textos escritos? Pesquisas? Discussões orais?

Produção textual? Após isso, alguns exemplos tirados do livro serão apresentados para ilustrar

as noções teóricas culturais que os subjazem.

3.2 Objetivos e público-alvo

Outro critério que vamos analisar é se o livro apresenta objetivo(s) para o ensino de

português para estrangeiros e quais são eles. É importante que investiguemos esse aspecto

uma vez que o material deve ir ao encontro dos objetivos e finalidade do curso e das

expectativas dos alunos. Miyamura (2007 apud OLIVEIRA; FURTOSO, 2009) afirma que “o

mais importante é que o planejamento do curso e suas partes sejam orientados pelos objetivos

da aprendizagem que, consequentemente devem subsidiar também a escolha do material

didático”. Já que é essencial que se leve em conta os objetivos dos alunos na análise do

material didático, e fundamental também que se verifique para qual público-alvo ele foi

escrito, em qual nível de proficiência eles se encaixam. Dependendo do público-alvo teremos

projetos gráficos, personagens, atividades, temáticas e uma linguagem própria para o grupo.

3.3 Lista de conteúdos (syllabus)

Nessa etapa, analisaremos qual a natureza do “syllabus” dos livros didáticos

analisados. A palavra syllabus tem sido frequentemente usada em língua portuguesa porque é

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difícil encontrar na literatura da área um equivalente nesta língua que contemple as diferentes

acepções do termo. Adotaremos aqui o conceito de syllabus de Ur (1996 apud OLIVEIRA;

FURTOSO, 2009) a qual afirma que se trata de um documento que consiste essencialmente de

uma lista que especifica tudo o que é ensinado em um curso. Em outras palavras, syllabus é a

lista de conteúdos do LD.

Todo LD reproduz as suposições do autor sobre a lista de conteúdos, tenha ela sido

teoricamente formulada e justificada ou não. É importante que saibamos que há várias opções,

ou tipos de lista de conteúdos disponíveis durante o processo de criação do livro e devemos

compreender no que consiste cada uma delas.

Para Cunningsworth (1995) as listas de conteúdos são classificadas em dois grupos:

o process syllabus e o content-based syllabus.

O primeiro é baseado na experiência de aprender, no processo da aprendizagem; os

conteúdos não são especificados a priori e os objetivos não são pré-determinados. A ênfase é

no processo e não no produto e há espaço para negociação constante entre o professor e os

aprendizes sobre quais tipos de conteúdos estudar, ou que direção o curso precisa tomar. O

process syllabus é uma visão alternativa sobre lista de conteúdos, uma vez que não encontra

espaço nos livros didáticos de línguas estrangeiras, que por si já são um produto, um construto

que já traz uma lista de conteúdos e objetivos pré-estabelecidos.

A content-based syllabus compreende segundo White (1988 apud

CUNNINGSWORTH, 1995) quatro categorias:

Forma (com enfoque estrutural);

Função (com uma base nocional/funcional);

Situação (com enfoque contextual);

Tópico (com ênfase na informação).

A lista de conteúdos estrutural é a mais tradicional e antiga abordagem de seleção de

conteúdos. Baseia-se na estrutura interna da língua com particular ênfase na estrutural

gramatical. O léxico e aspectos fonéticos também são levados em consideração, mas o mais

predominante é certamente a gramática da língua. Cunningsworth (1995) afirma que a seleção

e sequenciamento dos itens linguísticos numa lista de conteúdos estrutural não é baseada em

princípios e teorias sólidas, mas é determinado pelos escritores de maneira pragmática, com

base na experiência prática. Ainda com Cunningsworth (1995, p. 55), as orientações gerais

para a escolha dos aspectos gramaticais são:

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a complexidade da estrutura;

a capacidade de aprendizado;

utilidade.

A complexidade e capacidade de aprendizado estão fortemente relacionadas uma vez

que estruturas gramaticais complexas são mais difíceis de aprender. A aprendizagem também

é afetada pelo uso que se faz da estrutura. Cunningsworth (1995) cita o exemplo do present

perfect em língua inglesa. Nesse caso, a estrutura não é complexa mas o seu uso ou conceitos

semânticos envolvidos no seu uso podem ser difíceis para o aluno, ainda mais quando ele não

tem aquela forma em sua língua materna. A utilidade da estrutura é um aspecto subjetivo na

seleção de itens linguísticos no LD de LE. Para Cunningsworth (1995) há uma percepção

pragmática dos autores sobre o que é mais útil nos estágios iniciais de um curso. Vejamos o

que nos diz o autor:

Coverage is a major criterion affecting usefulness, so the present continuos,

allowing the learner to talk about the immediate present, the immediate future,

intentions, etc. provides a rich return for a relatively small investiment in learning

effort. It is not surprising therefore that this item usually occurs early on in a course

and is given prominence.11

(CUNNINGSWORTH, op. cit., p. 56)

Enfim, para Cunningsworth (1995), o programa estrutural (strucutral syllabus) tem

sua vantage m porque pode dar conta de todas as formas linguísticas e relacioná-las umas com

as outras de forma coerente. No entanto a estrutura é apenas um dos vários aspectos que

compõe a natureza da língua. O LD precisa ir além disso se o que se pretende é desenvolver a

competência comunicativa do aluno.

O aspecto funcional da lista de conteúdos (functional syllabus) baseia-se, como o

nome sugere, nas funções que a língua desempenha, aquilo que fazemos com ela (fazer

perguntas sobre assuntos diversos, fazer um pedido, negar, desculpar-se, obrigar, agradecer,

etc.). Brown (2007) nos lembra que o programa funcional surgiu no Reino Unido na década

de 1970 através do trabalho do Conselho da Europa. Reagindo contrariamente a um currículo

puramente gramatical, o functional syllabus focou fortemente no aspecto pragmático da

linguagem. Essa lista de conteúdos também ficou conhecida como notial-functional syllabus

ou programa nocional funcional. A ideia de “noções” de acordo com Alexander (1975 apud

BROWN, 2007) remonta a conceitos abstratos de aspecto geral e específico. “São domínios

11

A amplitude de uso é um critério importante que afeta a utilidade, de modo que o presente contínuo,

permitindo que o aluno fale sobre o presente imediato, o futuro imediato, intenções, etc. fornece um retorno

rico para um investimento relativamente pequeno em esforço de aprendizagem. Não é de estranhar, portanto,

que este item geralmente ocorra no início de um curso e ganhe destaque. (tradução nossa).

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nos quais usamos a língua para expressar pensamentos e sentimentos12

”. Brown exemplifica

da seguinte maneira: dentro da noção geral de espaço e tempo, por exemplo, estão os

conceitos de localização, movimento, dimensão, velocidade, duração do tempo, frequência

etc. Já as noções mais específicas são os contextos ou situações. Brown cita a identificação

pessoal como uma noção específica em que nome, endereço, número do telefone e outras

informações pessoais estão agrupadas. Por fim, é preciso lembrar que o programa nocional

funcional não desenvolvia necessariamente a competência comunicativa do aluno, uma vez

que não era um método que diria especificamente como se ensinar algo. Era uma lista de

conteúdos, apesar de ter sido um precursor do que mais tarde se chamou de abordagem

comunicativa (Brown 2007, p. 34). Falaremos a seguir sobre a lista de conteúdos situacional e

baseada em tópicos (ou temas).

Cunningsworth (1995) afirma que a situational syllabus ou lista de conteúdos

situacional leva em conta situações do mundo real como um princípio de organização na

seleção e classificação do que deve ser ensinado. Nessa perspectiva, os autores de livros

didáticos produzirão exemplos e exercícios contextualizados para a prática da língua. Portanto

a gramática, o léxico, etc. derivam das situações selecionadas e não são, por si próprios, os

aspectos primordiais na seleção dos conteúdos. É importante lembrar que, de novo com

Cunningsworth (1995), é difícil produzir um currículo situacional que dê conta

sistematicamente do aspecto gramatical, uma vez que não é possível prever exatamente que o

uso que se faz de certa estrutura num contexto de comunicação do LD será utilizada da

mesma maneira em situações reais de comunicação. Apesar dessas limitações, o aspecto

situacional, juntamente com o estrutural são opções geralmente exploradas pelos autores de

livros didáticos de línguas estrangeiras. De fato, a maioria dos autores opta por uma lista de

conteúdos que contemple diversos aspectos da linguagem e interação humana.

Os currículos baseados em tópicos (também chamados de temáticos) consideram o

conteúdo das informações como o princípio fundamental para a seleção e organização dos

conteúdos. A crença é de que a criteriosa escolha de temas interessantes pode melhorar o

desempenho dos aprendizes.

Para a nossa pesquisa, além dos quatro tipos de lista de conteúdos apresentadas

acima: a estrutural, a nocional/funcional, a situacional e a temática, investigaremos também se

os livros apresentam um syllabus baseado em tarefas comunicativas. O quadro abaixo, tirado

de Oliveira e Furtoso (2009) resume os tipos de lista de conteúdos abordados acima.

12

They are domains in which we use language to express thought and feeling. (BROWN, 2007, p. 33). A

tradução é nossa.

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Quadro 5 - Tipos de lista de conteúdos mais comuns.

TIPO DE LISTA DE CONTEÚDO DESCRIÇÃO

Estrutural

(gramatical)

Organizada em torno da gramática e de modelos de

sentenças. Exemplos incluem substantivos, tempos

verbais, adjetivos, etc..

Nocional/Funcional Organizada em torno das funções comunicativas da

língua.

Situacional Organizada em torno de discursos contextualizados da

vida real.

Temática Organizada em torno de temas e tópicos, como saúde,

educação, compras, família, etc..

Baseada em tarefas Organizada em torno de tarefas que os aprendizes

precisam realizar na vida real.

Fonte: Richards (1995); Reilly (1988 apud OLIVEIRA; FURTOSO 2009, p. 259).

3.4 Natureza das atividades e contexto

Aqui buscamos classificar qual a natureza predominante das atividades do LD

através de três perspectivas: exercícios, numa visão estruturalista, de repetição de estruturas,

de substituição e situações descontextualizadas; jogos (TARIND, 1996 apud OLIVEIRA;

FURTOSO, 2009) numa orientação mais cognitivista, e tarefas (SCARAMUCCI, 1999 apud

OLIVEIRA; FURTOSO, 2009), numa perspectiva sociointeracionista. Além dessas questões,

informamos, com dados coletados na apresentação das autoras do livro, na capa, ou sinopse,

em qual formato didático o material é trabalhado (curso geral de português para estrangeiros,

português para executivos, etc.).

3.5 Disposição dos diferentes componentes linguísticos

As perguntas que procuramos responder aqui são: “O livro dá ênfase a alguma(s)

habilidade(s) linguística(s) em particular (ouvir, falar, ler, escrever)?”; há espaço para o

trabalho integrado das quatro habilidades? Quais tipos de atividades e/ou gêneros textuais são

contemplados com cada uma delas? Além disso, procuramos observar o papel da gramática e

do vocabulário. Por papel da gramática significo se ela é trabalhada de maneira instrumental,

ou seja, contextualizada e significativa; e se o vocabulário é, igualmente, inserido em

contextos de uso e não apenas como listas isoladas a serem memorizadas. A seguir, comento

rapidamente o que nos informa a literatura sobre as quatro habilidades nos livros didáticos.

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3.6 Produção oral

Muitos alunos consideram a habilidade de falar um idioma estrangeiro a mais

importante e difícil de ser adquirida. Não é de impressionar que os livros didáticos de línguas

estrangeiras têm dado um maior enfoque ao desenvolvimento da competência oral. Basta

olharmos aos títulos de alguns manuais como no “Muito prazer – fale o português do Brasil”,

que constitui um dos corpora desta dissertação, em que percebemos fortemente a noção da

habilidade da fala como prioritária, trazida inclusive num contexto de interação de

conversação espontânea do dia-a-dia: “Muito prazer”.

Os livros atuais de português brasileiro para estrangeiros têm mostrado uma

preocupação em superar o tratamento da produção oral em frases descontextualizadas, cujo

objetivo principal é a sistematização gramatical. Nessas circunstâncias, elementos lexicais e

gramaticais eram apresentados previamente ao aluno estrangeiro e esperava-se que ele

utilizasse essas estruturas na produção de diálogos dirigidos. Alguns metodologistas como

Willis (1996) advogam que esse excesso apego ao foco na forma pode restringir ou limitar a

produção oral do aluno, que se vê impossibilitado de usar quaisquer possibilidades de que

dispõe para se fazer entender. A produção oral com foco no significado e não na forma tem

sido um desafio na criação de tarefas comunicativas. Apesar desses avanços, o tratamento da

produção oral ainda precisa ser bastante melhorado nos livros didáticos de línguas

estrangeiras em geral.

Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) nos dizem que nos livros de português

brasileiro para estrangeiros, a fala é utilizada como meio para atingir diversos fins: trabalhar

aspectos gramaticais e lexicais, desenvolver compreensão escrita ou oral; alguns manuais

trazem propostas gerais para o desenvolvimento da oralidade especialmente através de temas

e perguntas que incitam discussões. As autoras, no entanto, argumentam o seguinte:

[...] sentimos falta de momentos que focalizem de maneira mais analítica os

diferentes aspectos da oralidade, avaliados, por exemplo, no exame Celpe-Bras

através dos seguintes critérios: competência interacional, fluência, pronúncia,

adequação lexical e compreensão oral. (DINIZ; SRADIOTTI; SCARAMUCCI, op.

cit., p. 279).

No tocante ao desenvolvimento da competência interativa, ou seja, à capacidade de

adequar a fala ao interlocutor, ao assunto e ao contexto; uso de estratégias para suprir

carências lexicais ou gramaticais, as autoras sugerem que “os LDs focalizem aspectos

característicos da interação oral, como hesitações, tomada de turnos e marcadores

conversacionais.” (DINIZ; SRADIOTTI; SCARAMUCCI, op. cit., p. 280). Finalmente Diniz,

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Sradiotti e Scaramucci (2009) ressaltam a importância do domínio do gênero em questão

como essencial ao desenvolvimento da competência interacional, sendo necessário ampliar os

gêneros conforme o público-alvo.

Cunningsworth (1995) nos diz que poucos livros didáticos de ensino-aprendizagem

de línguas estrangeiras tratam a oralidade como uma habilidade separada da mesma maneira

que o fazem com a compreensão oral, a leitura e a escrita. Para ele, conforme apontado

anteriormente, a prática oral acontece na apresentação oral e prática de novos itens

linguísticos, nos diálogos entre pares e dramatizações. Nos níveis mais avançados, alguns

livros fornecem tópicos para discussões e, mais raramente, estratégias para desenvolver a fala

em situações de incerteza e imprevisibilidade. Assim, a habilidade oral deve ser trabalhada

para auxiliar o aluno a se aproximar de situações que possam ocorrer fora da sala de aula, para

que consiga “sobreviver” em interações do dia-a-dia, em que o fator imprevisibilidade é

possível.

3.7 Compreensão oral

Para Cunningsworth (1995) o foco dado à compreensão oral nos livros didáticos de

línguas estrangeiras se dá de duas maneiras. Primeiramente como parte de um trabalho oral

geral, incluindo diálogos e dramatizações, onde ouvir tem um papel secundário comparado à

fala. Conforme o autor, uma das maiores dificuldades que os alunos têm (como dissemos

anteriormente) é a incapacidade de prever a resposta que o seu interlocutor dará. O livro

poderá ajudar o aluno nesse sentido, por exemplo, através de diálogos em que o que o

estudante fale seja bem controlado, porém onde as respostas sejam mais difíceis de

compreender.

A segunda maneira se dá precisamente com o desenvolvimento dessa habilidade por

meio de gravações em áudio as quais simulam interações verbais para que o aluno trabalhe a

compreensão, extração de informação do que foi falado, ou como pretexto para uma discussão

(em conjunto com um texto escrito, etc.) Cunningsworth (1995) afirma que é importante

verificar se os livros apresentam atividades de pre-listening ou seja, que antecedem o

momento de ouvir propriamente a gravação. Esse tipo de atividade envolve perguntas para

ativar o conhecimento prévio do aluno, ou para chamar atenção a algum elemento da

atividade, como uma figura (imagem) a partir da qual uma série de inferências e antecipações

do que vai ser ouvido possa facilitar o processo de compreensão oral, não restringindo a

atividade simplesmente a um processo de “ouvir por ouvir”. Para Diniz, Sradiotti e

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Scaramucci (2009, p. 281) nos casos em que as atividades de compreensão oral aparecem de

forma autônoma, “observamos que elas visam antes à avaliação dessa competência do que ao

seu desenvolvimento”. Em outras palavras, o aluno é levado apenas a decodificar informações

presentes nas gravações, não sendo trabalhadas questões como perceber implícitos, fazer

inferências ou interpretações. Para que o processo de “ouvir” seja ativo e interativo de

construções de sentidos, Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009, p. 281) sugerem que sejam

trabalhadas a compreensão de textos orais de diferentes gêneros, os quais em grande

quantidade são elencados no exame Celpe-Bras13

.

3.8 Produção Escrita

Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) e Cunningsworth (1995) concordam que de

todas as habilidades, a escrita é a mais negligenciada nos livros didáticos. Para este último

autor, produção escrita é trabalha de maneira controlada ou guiada, onde um modelo é

exposto e se espera que o aluno produza algo parecido, geralmente baseado em alguma

informação extra oferecida. Para as primeiras autoras:

Raríssimas são as propostas de textos escritos, de forma que a escrita se limita à

elaboração de frases descontextualizadas – no limite, de diálogos - , com o objetivo

de trabalhar aspectos lexicais e/ou gramaticais estudados na unidade. (DINIZ;

SRADIOTTI; SCARAMUCCI, 2009, p. 282).

A pouca importância que ganha a escrita nos LDs se deve, também, a uma

interpretação equivocada sobre competência comunicativa, na qual a fala é priorizada em

detrimento da escrita e demais habilidades. Quando oportunidades para escrever aparecem,

elas infelizmente acabam sendo um pretexto para a prática de algum aspecto gramatical ou

lexical previamente abordado, ou, como é normal, escrever acaba sendo “tarefa para casa”,

algo que não é feito ou trabalhado de maneira mais técnica em sala de aula. Assim, a escrita

no LD se resolve em frases minimamente coerentes com as situações hipotéticas que

evidenciem algum aspecto estrutural ou lexical da língua.

Para evitar esses problemas, Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) sugerem que o LD

considere a escrita como uma habilidade a ser desenvolvida, com uma ampla gama de gêneros

textuais conforme o público-alvo do material. É necessário ainda, que os livros incluam

parâmetros envolvidos em uma produção escrita em situações reais de comunicação. Ainda

13

Exemplos incluem: entrevistas, depoimentos, noticiários, debates, reportagens, documentários, anúncios de

produtos ou endereços úteis, programa musical, programa de auditório ou de variedades, previsão do tempo,

receita, palestra, aula, instruções, informes de trânsito e de situação nas estradas, mensagens na secretária

eletrônica, conversas ao telefone, filmes, seriados, etc.

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com essas autoras, os critérios de avaliação da produção escrita do exame Celpe-Bras

poderiam servir de orientação para elaboração de atividades de produção escrita nos livros

didáticos. Os critérios são: adequação contextual, ou seja, se o texto atinge seus objetivos;

adequação discursiva, que compreende aspectos relacionados à coesão e coerência e

adequação linguística, que engloba a adequação gramatical e lexical. Finalizamos as

considerações dessa etapa com a nossa tradução das considerações de Cunningsworth (1995)

ao tratamento que se deve dar à produção escrita nos livros didáticos no contexto de ensino-

aprendizagem de línguas estrangeiras:

As well as teaching the mechanics of writing at sentence level, we would expect

writing material to familiarize learners with the way written text is organized in

terms of its discourse structures. Different kinds of writing have different

conventions for their organization and expression, and a coursebook should cover as

many of these as is appropriate for the level and aims of the learners. At the very

least, it should deal with paragraphing, which is the basic unit of organization for

most kinds of written English. (CUNNINGSWORTH, op. cit., p. 80).14

3.9 Compreensão Escrita

As várias pesquisas na área de leitura, sobretudo no letramento, situaram a leitura

(especialmente no meio escolar) como prática social da linguagem; como meio de se inserir

no mundo plenamente. Ler bem é um diferencial, uma forma de adquirir novos

conhecimentos, ampliar possibilidades acadêmicas, profissionais, etc. Com o tempo, as

práticas pedagógicas tradicionais, as quais concebiam o texto de maneira superficial,

descontextualizada e mecanizada, foram dando espaço a novas concepções sobre o que é

leitura e o que é texto. A leitura passou de um mero processo de decodificação para uma

atividade ativa de construção de sentidos. Nesse novo contexto, urge que o LD desenvolva

entre os alunos diferentes estratégias de leitura, tais como identificar informações principais e

secundárias, mobilizar conhecimentos prévios, relacionar texto e contexto, relacionar

linguagem verbal e não-verbal no processo de construção do sentido, identificação de

implícitos e pressupostos, bem como o tratamento com o vocabulário, mais especificamente,

inferir o sentido de palavras desconhecidas pelo contexto e expandir o repertório lexical do

aluno.

14

Além de ensinar a mecânica da escrita no nível da frase, esperaríamos que os livros didáticos familiarizassem

os alunos com a maneira que o texto escrito é organizado em termos de suas estruturas discursivas. Diferentes

tipos de escrita têm diferentes convenções para a sua organização e expressão, e o livro didático deve

contemplar o maior número destes conforme apropriado para o nível e objetivos dos alunos. No mínimo ele

deve lidar com a escrita de parágrafos, que é a unidade básica de organização para a maioria dos tipos de

escrita em inglês. (tradução nossa).

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72

Para Cunningsworth (1995), a compreensão escrita é usada nos livros didáticos para

vários propósitos que podem incluir:

desenvolvimento de habilidades e técnicas de leitura (conforme anteriormente

apontamos);

apresentação/revisão de itens gramaticais;

expansão do vocabulário;

servir de modelo para a produção escrita;

fornecem informações importante aos alunos;

estimula a interação oral.

No entanto, Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) nos alertam que nos livros de

português para estrangeiros, a leitura, da mesma forma que a compreensão oral, tem sido vista

como uma habilidade a ser avaliada e não desenvolvida:

Inúmeras atividades se limitam à apresentação de um texto – autêntico ou não – que

contém perguntas cujas respostas, frequentemente, exigem, por exemplo, mera

localização de informações. Tais perguntas se apresentam, em geral, sob o formato

de respostas abertas ou de verdadeiro/falso, ou menos frequentemente, de múltipla

escolha, sendo este último método totalmente inapropriado para a avaliação que

ocorre em contextos de sala de aula. (DINIZ; SRADIOTTI; SCARAMUCCI. op.

cit., p. 286).

Com Cunningsworth (1995) para se ter um aproveitamento ideal dos textos do LD é

necessário que seus autores incluam exercícios e atividades que ajudem os alunos a ler com

compreensão e prazer. Ainda com este autor, as atividades que podemos esperar nos livros

didáticos de línguas estrangeiras incluem perguntas de pré-leitura, onde se ativa conhecimento

prévio; pré-ensino de vocabulário desconhecido; exercícios para extrair informação específica

do texto e finalmente atividades de pós-leitura. Esta última consiste em integrar a leitura com

a produção oral, de maneira que o aluno relacione o assunto do texto com sua experiência

pessoal.

Na questão da compreensão escrita nos livros didáticos de português brasileiro para

estrangeiros é importante também considerarmos se eles estão trabalhando com gêneros

textuais diversos e de que maneira isso é feito. A respeito dos gêneros textuais, Dell‟Isola

(2009, p. 100) afirma o seguinte:

Por meio da exploração de gêneros textuais é possível realizar um trabalho eficiente,

partindo-se da discussão sobre relações sociais, identidades e formas de

conhecimento, veiculadas por meio de textos em variadas circunstâncias de

interação, contexto-leitor e da observação da variedade de possibilidades de

organização textual.

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Porém, a mesma autora afirma que ainda é inexpressiva a exploração da diversidade

de gêneros textuais nos livros de PLE. Não basta, no entanto, que o livro traga uma grande

quantidade de gêneros pois com isso, para Dell‟Isola (2009, p. 114), perdem-se os propósitos

fundamentais da presença desse textos que é o aprendizado da LE. O trabalho com gêneros

textuais nos manuais de PLE:

[...] continua extremamente formalista, revelando despreparo dos autores em

conduzir a exploração das condições de produção, das instâncias enunciativas em

que os gêneros são produzidos e praticados.

É importante lembrar também que os gêneros textuais favorecem um conhecimento

maior da cultura da língua-alvo, criando condições para a expressão verbal (oral ou escrita do

aprendiz), além de serem textos autênticos, aproximando o aluno das várias situações de

interação social.

De maneira geral, em resumo, pouco tem sido feito para explorar os gêneros textuais

nos livros de português para estrangeiros. Quando se faz algo em torno disso, geralmente se

explora aspectos que não refletem uma ação social real, algo que possa ser transposto para a

prática fora da sala de aula. O livro também precisa ser sensível à exploração dos gêneros, não

bastando a quantidade deles, mas sobretudo a qualidade e se são apresentados de acordo com

o público-alvo e contexto cultural e econômico. Falta nos livros de PLE, de acordo com

Dell‟Isola (2009), focalizar características elementares de determinados gêneros que

contribuem positivamente para a compreensão escrita do aprendiz.

Para finalizar, é importante lembrar que há uma tendência nas abordagens mais

contemporâneas tanto no ensino quanto na avaliação que consiste em integrar as habilidades.

Procura-se dessa maneira reproduzir as situações reais de comunicação, nas quais diferentes

habilidades são usadas de forma integrada: assistimos a um filme e comentamos seu enredo

com colegas, lemos uma postagem em redes sociais online e escrevemos uma resposta,

ouvimos uma música, ao mesmo tempo que lemos e cantamos sua letra, etc. De acordo com

Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009) o exame Celpe-Bras foi desenvolvido numa perspectiva

de avaliar as habilidades de maneira integrada, o que não acontece com outros exames

internacionais tais como o TOEFL (Test of English as a Foreign Language) e o IELTS

(International English Language Testing System). Essa perspectiva tem sido trazida a alguns

manuais de PLE, porém de maneira ainda lenta, uma vez que há momentos em que se

pressupõe que as habilidades sejam trabalhadas separadamente, para que as deficiências ou

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dificuldades de uma não interfiram na outra15

. Apesar disso, Diniz, Sradiotti e Scaramucci

(2009) consideram que trabalhar as habilidades de forma integrada “permite ao professor uma

aproximação maior no trabalho da língua como uma prática social, e não apenas como um

pretexto para exercício de estruturas.”

15

Diniz, Sradiotti e Scaramucci (2009, p. 298) dão um exemplo que justifica o trabalho isolado das

habilidades:“Uma pessoa que tivesse problemas sérios de leitura, por exemplo, poderia ter sua escrita

subestimada, quando precisasse compreender o texto do qual dependeria sua produção”.

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CAPÍTULO IV – RESULTADOS

Como dissemos, esse trabalho tem como objetivo específico verificar se as

ocorrências do PB nos livros didáticos de português para estrangeiros estão de acordo com as

pesquisas em linguística desenvolvidas por especialistas no Brasil. Conforme já

exaustivamente expusemos, os dois principais autores utilizados para tal finalidade foram

Marcos Bagno e Ataliba T. de Castilho, os quais desenvolvem projetos científicos muito

importantes sobre o português do Brasil e o papel da sociolinguística na educação, mais

especificamente, em relação ao ensino de Português enquanto língua materna (LM). Ambos

Bagno (2010a) e Castilho (2014) expõem suas ideias sobre as variantes que elegemos de igual

maneira, ou seja, os dados estatísticos apontam o que de fato é o português brasileiro. A

seguir, faremos uma breve retomada do que nos diz Bagno (2010a) sobre as variantes

investigadas e apresentamos de que maneira elas aparecem nos manuais. Após as variantes,

fazemos o levantamento dos critérios aplicados. Vejamos, portanto o que nos fala Bagno

(2010a) dos seus resultados estatísticos do Corpus da Língua Falada (CLF) para as estratégias

de pronominalização ou retomada anafórica de objeto direto de terceira pessoa. As estratégias

usadas pelos falantes do português brasileiro são, de acordo com o autor, 3: utilizando o

clítico, utilizando um pronome reto ou anulando o objeto. Para Bagno (2010a), na língua

falada a estratégia mais utilizada é a da anulação do objeto. Vejamos no quadro essa

proporção:

Quadro 6 - As estratégias usadas pelos falantes do português brasileiro.

Tipo Qtd %

Clítico 3 0,6

Pron. Ele 18 3,6

Objeto Nulo 479 95,8

Total 500 100,0

Fonte: Bagno (2010a).

Reforçando as palavras de Bagno (2010a), os números indicam que o clítico

praticamente desapareceu da língua falada no Brasil, culta inclusive; o pronome ele com

função de objeto é usado, sobretudo quando se trata de um objeto com traço semântico

[+animado] e o objeto nulo é a estratégia de pronominalização mais amplamente usada pelos

falantes cultos.

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4.1 Livro Muito Prazer: fale o português do Brasil

Retomada anafórica de obj. direto de 3ª pessoa

No livro Muito Prazer: fale o português do Brasil, encontramos a retomada anafórica

de obj. direto de 3ª pessoa na p. 256, unidade 14 que se intitula “Alô, quem fala?”. Esta

unidade começa com um brainstorming de ideias acerca das possibilidades de comunicação.

Um exemplo são as duas perguntas iniciais que situam o aluno no aspecto gramatical

apresentado após a atividade de conversação: “Qual é o meio que você usa para encontrar as

pessoas com quem você quer falar?”; “Você costuma deixar recado em secretárias

eletrônicas?”. As explicações para o uso dos pronomes pessoais oblíquos (objeto direto)

seguem:

1. Os pronomes „o(s)‟ e „a(s)‟ funcionam como objeto direto (grifo das autoras).

Pedro: - Eu vi o Paulo ontem.

Clara: - Verdade? Eu o vi na semana passada (o = Paulo)

2. Quando o verbo terminar em ‘z’, ‘s’, ou ‘r’ os pronomes „o(s)‟, „a(s)‟ mudam para

„lo(s) ou „la(s)‟.

Exemplo:

Verbo terminado em z: fiz + a = fi-la

Eu fiz a lição = Eu fi-la (Não é usado na linguagem oral)

Verbo terminado em s: fazeis + o = fezei-lo

Fazeis o bolo = Fazei-lo (Não é usado na linguagem oral)

Verbo terminado em r: dizer + a = dizê-la

Eles vão dizer a verdade. = Eles vão dizê-la

3. Quando o verbo termina em som nasal, os pronomes „o(s)‟, „a(s)‟ mudam para

„no(s)‟, ou „na(s)‟.

Exemplo:

Verbo terminado com som nasal: viram + os = viram-nos

Eles viram os ladrões. = Eles viram-nos. (Não é usado na linguagem oral)

Verbo terminado com som nasal: põe + a = põe-na

Ela põe a caneta dentro da bolsa. = Ela põe-na dentro da bolsa. (Não é usado na

linguagem oral).

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Antes da explicação gramatical, há a sessão do diálogo entre Sueli e Fernando, em

que aparece apenas o proclítico a em “Você a vê ainda hoje?”. Após a gramática há um

exercício de substituição de palavras grifadas por pronomes pessoais (sujeito, objeto direto) e

finalmente atividades de produção oral controladas em que os alunos precisam perguntar aos

seus colegas cujas respostas incluirão um verbo dado no livro com o acréscimo de um

pronome pessoal oblíquo. Exemplo: “A: O que você acha da Madonna? B: Eu a admiro pela

ousadia (grifos das autoras)”. Percebemos que, apesar da ressalva de que algumas construções

não são usadas na linguagem oral, a gramática ainda é aquela de cunho tradicional, normativa,

sem qualquer compromisso em apresentar a gramática do português falado culto. Não há no

livro nenhuma referência à retomada por pronome reto ou objeto nulo. Portanto, em relação à

retomada anafórica de objeto direto de terceira pessoa, o livro apresenta apenas a retomada

tradicional (da gramática normativa), ou seja, por clítico, como a alternativa mais viável para

a comunicação da língua portuguesa do Brasil.

Verbo ter existencial

Ainda no livro Muito Prazer falaremos a seguir sobre o verbo ter existencial.

Conforme exposto, aprendemos que ele não possui função predicativa porque é um verbo

apresentacional, ou seja, apenas apresenta, informa a existência de algo. Os tópicos

apresentados por esses verbos não desempenham papéis sintáticos que os sintagmas nominais

normalmente desempenham nas sentenças: não são nem sujeito nem são objeto (BAGNO,

2011, p. 621). Vimos também que Atila T. de Castilho propõe o termo absolutivo para

designar esse tópicos discursivos introduzidos pelo verbos apresentacionais. Haveria no livro

Muito Prazer o verbo ter no sentido de existir? A resposta é positiva. Ao contrário das

estratégias de pronominalização, as quais foram mais difíceis de serem encontradas no

sumário, o verbo ter com sentido de existir se encontra precisamente na página 125. No

próprio sumário já lemos assim: “Gramática: verbo ter (=existir)”. A unidade 7, onde consta

tal variante, tem como título “Atrasada de novo, Valquíria?” Na p.125 contém uma curtíssima

explicação gramatical assim exposta: “Verbo ter. Verbo ter = haver (existir). Aqui tem (grifo

das autoras) metrô, ônibus, supermercados, lojas, igreja e até um shopping Center. Aqui não

tem (grifo das autoras) correio.

Acreditamos que o livro Muito Prazer apresenta o verbo ter existencial de maneira

muito satisfatória apesar de não haver nenhuma explicação gramatical simples sobre por que

ele é usado como tal. As atividades de produção oral e escritas, bem como exercícios de

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vocabulário reforçam a visão positiva das autoras para com o real retrato do português

brasileiro culto falado, conforme pesquisas acadêmicas. Atividades como as da p.128 em que

o aluno é levado a descrever sua vizinhança com uma frase já dada no livro “No meu bairro

tem...” reforça o que acabamos de afirmar. Outra atividade interessante é a da p. 126: “Oral:

Entreviste um colega sobre o que tem perto da casa e do trabalho dele. Marque com um X o

que tem e pergunte o nome dos estabelecimentos.”

Estratégias de relativização

Em relação às estratégias de relativização, recordamos com Bagno (2010b) que

existem 3 (três possibilidades): as relativas-padrão (a), as relativas copiadoras (b) e as

relativas cortadoras (c). Exemplos seriam:

a) Este é um livro de que eu preciso muito. (padrão)

b) Este é um livro que eu preciso muito dele. (copiadora)

c) Este é um livro que eu preciso muito. (cortadora)

As relativas padrão são as únicas aceitas pela gramática normativa. De acordo com

Bagno (2010b), as copiadoras tem um pronome cópia (ele) do antecedente. No exemplo acima

o antecedente é livro. As cortadoras, assim como as copiadoras são rejeitadas pela gramática

normativa. Na cortadora, a preposição que o verbo rege, no nosso caso de, é apagada. O

pronome cujo já está em extinção do vernáculo culto do português brasileiro contemporâneo.

Bagno (2010a) apresenta os seguintes resultados para o seu CLF (corpus língua falada):

Quadro 7 - Estratégias de Relativização no CLF.

Tipo Qtd. %

+ Padrão 26 20,5

- Padrão (copiadoras e cortadoras) 101 79,5

TOTAL 127 100,0

Fonte: Bagno (2010a).

Para as [– padrão] assim fez Bagno (2010a) a distribuição no CLF:

Quadro 8 - Tipos de Estratégias de Relativização [-Padrão] no CLF.

Tipo Qtd. %

Copiadora 6 5,6

Cortadora 95 94,4

TOTAL 101 100,0

Fonte: Bagno (2010a).

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Haveria no livro Muito Prazer a inclusão das estratégias menos padrão? A resposta é

negativa. Não encontramos no sumário nenhuma referência a pronomes relativos nem a

orações que tivessem o relativo com verbo regendo preposição. É claro que encontramos um

capítulo de regência verbal, mas ele por si não interessava para a nossa pesquisa. De fato, o

que há que pudesse ao menos servir de registro consta no apêndice gramatical que vem no

final do livro. Na página 418 parte 4.5 aparece assim:

Pronomes relativos

invariáveis: que, quem, onde, quando, como;

variáveis: o qual, os quais, a qual, as quais, cujo, cuja, cujas, quanto, quantos e

quantas.

Notamos claramente que o livro não pontua que o pronome cujo já está em processo

de desaparecimento do PB falado culto e tampouco traz exemplos com esses pronomes

relativos. Esses exemplos poderiam ser apresentados em forma de exercícios se pedindo, por

exemplo, que os alunos continuassem uma frase com esses pronomes ou que ligassem duas

frases separadas por um ponto seguido. Assim: “Ele é um aluno. Ele é muito inteligente = Ele

é um aluno que é muito inteligente”.

Verbo IR diretivo

Finalmente chegamos à ultima variante investigada: a regência do verbo IR sentido

de direção. Para Bagno (2010a) a preposição A está cada vez mais em desuso no PB e a

matriz de regências [+padrão] e [-padrão] do verbo IR diretivo são as seguintes:

Quadro 9 - Matriz de Regências [+padrão] e [-padrão] do verbo IR diretivo.

Tipo Preposição Traço Semântico

+ padrão A [-permanência]

PARA [+permanência]

- padrão

A [+permanência]

PARA [-permanência]

EM [-permanência]

EM [+permanência]

Fonte: Bagno (2010a).

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As ocorrências no CLF de Bagno (2010a) são as seguintes:

Quadro 10 - Ocorrências do verbo IR com sentido diretivo no CLF.

Tipo Preposição Traço Semântico Qtd. %

+ Padrão A [-permanência] 24 57,1

PARA [+permanência] 15 42,9

Subtotal 39 35,4

- Padrão

A [+permanência] 4 5,6

PARA [-permanência] 44 38,9

EM [-permanência] 23 20,3

EM [+permanência] 0 0

Subtotal 71 64,5

Total 110 100,0

Fonte: Bagno (2010a).

Os dados revelam que os falantes dão preferência aos usos considerados “errados”

pela gramática normativa. Haveria no livro Muito Prazer essas questões gramaticais? Haveria

no livro espaço para o esclarecimento de que o brasileiro emprega a preposição EM em larga

escala? Haveria neste livro uma explicação mínima da matriz anteriormente exposta?

A unidade 6 intitulada “Vamos pro cinema, Ana”? Traz em sua gramática os

seguintes aspectos: verbos ir, ter que e poder (presente do indicativo) e verbos: ir, achar e

gostar (presente do indicativo). A unidade trata de entretenimentos no fim de semana e

apresenta diálogos e um monólogo como segue:

- “No domingo de manhã, eu vou pro (os grifos são meus) parque. No parque, dá pra

caminhar e praticar esportes.”

- “No fim de semana, nós vamos pro teatro. Dá pra assistir a uma boa peça e, depois,

jantar fora”.

- “No sábado à tarde, nós vamos ao shopping. Dá pra fazer compras e comer na

praça de alimentação”.

- “No sábado à noite, a gente vai pro cinema. Dá pra assistir a um bom filme e,

depois, tomar um café”.

- “No fim de semana, a gente vai pra balada. Dá pra dançar e encontrar muitas

pessoas”.

- “No fim de semana, a gente vai pro barzinho. Dá pra encontrar com os amigos e

conversar”.

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Em seguida, o aluno é levado a completar uma atividade oral controlada da

completando as seguintes lacunas:

A: Pra onde você vai no fim de semana?

B: Eu vou..........

A: O que dá pra fazer lá?

B: Dá pra....

Depois disso, na página 102, vem o diálogo principal da lição A, onde aparece o

verbo ir em forma de pergunta (num convite): “Vamos pro cinema, Ana?”. E no futuro em

“Às terças e quintas vou pra academia”.

A sessão de gramática só apresenta o verbo IR juntamente com a preposição PARA,

apesar de termos constatado apenas UMA ocorrência de A no panorama da lição A, conforme

apresentado anteriormente: “No sábado à tarde, nós vamos ao shopping. Dá pra fazer

compras e comer na praça de alimentação”. Na página 107 lemos a explicação de que o verbo

IR é irregular e é da terceira conjugação. Ainda há a seguinte observação: “Lembra? Verbo IR

+ Verbo = Futuro; O que a gente vai fazer?”. Na página 169 o verbo IR é apresentado no

pretérito imperfeito do indicativo e é importante lembrar que nesta mesma página há um

diálogo entre Cláudia e Patrícia em que a preposição A é usada com o verbo IR no seguinte

exemplo: “Ele corria todas as manhãs e, à noite, ia à sua casa para conversar e sempre levava

uma flor pra você. Que romântico!”. Concluímos, portanto que a preposição eleita como mais

frequente no uso do PB pelo livro Muito Prazer foi a PARA, com raros exemplos de A. Não

foi encontrada a preposição EM o que mostra claramente que o livro precisaria estar mais

sensível à realidade da fala do PB culto contemporâneo.

Aspectos Culturais

Conforme apresentado na revisão bibliográfica da nossa pesquisa, entendemos

cultura a partir de três perspectivas: a tradicional, a de prática social e a intercultural. Na

tradicional a cultural é aprendida através de informações, fatos culturais tais como a música,

a literatura, arte, cinema. Na visão de cultura como prática social há uma ligação estreita entre

língua e cultura e o ensino se dá sobre os modos de pensar e agir do Outro. Já na intercultura,

língua é necessariamente cultura e o ensino se dá a partir do conhecimento sobre a cultura, a

comparação entre as culturais e pela exploração do significado de cultura. Haveria no livro

Muito Prazer aspectos culturais como práticas sociais e/ou interculturais?

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Na sinopse do livro (na parte de trás), as autoras colocam como uma das principais

ferramentas do livro o seguinte:

-“Informações cultuais que estimulam discussões e propiciam oportunidades de

comparação à própria cultura, muito valiosas na aprendizagem de uma língua estrangeira”.

Apenas com essa afirmação já poderíamos nos antecipar afirmando que no mínimo uma visão

de cultura como prática social é instituída nesse livro didático. Mas precisamos investigar

mais como este se organiza e o que mais está apresentado nas lições. Na página 17

aprendemos mais sobre as partes do Muito Prazer. O livro tem 20 unidades e depois de cada 4

unidades apresenta-se uma revisão e uma de pronúncia totalizando 5 de cada. As autoras nos

informam que as unidades são divididas em três lições (A, B e C) e no final vem uma parte

que as relaciona e as revisa, conforme o tópico principal da unidade. Cada lição, com exceção

da unidade 1 apresenta as seguintes partes: PANORAMA, DIÁLOGO, CONSTRUÇÃO DO

CONTEÚDO, AMPLIAÇÃO DO VOCABULÁRIO, COMPREENSÃO AUDITIVA,

APLICAÇÃO ORAL DO CONTEÚDO, LEITURA, REDAÇÃO e CONSOLIDAÇÃO

LEXICAL. Deixando um pouco de lado esses aspectos pontuados na apresentação do livro

notamos que no sumário do mesmo aparecem sessões não mostradas na apresentação. Ou

foram mostradas indiretamente (como é o caso da gramática). Peguemos o exemplo da

unidade 2 intitulada “Este é o meu amigo Paulo”. Temos a seguinte organização:

Lição A Panorama: apresentações

Gramática: Pronomes demonstrativos

Ampliação do vocabulário: expressões e inversão

Lição B Panorama: Números I

Gramática: Verbos: precisar e ligar (presente do indicativo)

Ampliação do vocabulário: Verbos

Lição C Panorama: respostas a respeito de pessoas

Gramática: pronomes demonstrativos e verbo morar + preposição EM

(presente do indicativo)

Ampliação do vocabulário: Relacionamentos

Lições A, B e C Ampliação do vocabulário: Relacionamentos

Leitura e redação: recados

Consolidação Lexical: verbos

Há de se concluir, portanto, que o referente de “construção do conteúdo” é a

gramática que aparece nas unidades. O diálogo vem sempre antes da gramática. E os aspectos

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culturais, de que maneira eles são apresentados? O que percebemos é que o livro traz muita

visão de cultura numa perspectiva tradicional. Por exemplo, na unidade 3 na parte de Leitura

encontramos um texto sobre o horário de verão. Reproduzimos o texto que está na p.59:

Hora de verão

Hora de verão ou Horário de Verão é o tempo local de uma região, apenas durante

um período do ano, geralmente uma hora adiantada do tempo oficial. Nas regiões que adotam

a hora de verão, é normal se ter luz solar entre 18:30 e 20:15. A Alemanha é um dos países

que adota o horário de verão, entre o fim de março e o começo de novembro. É curioso se

perceber que às 21 horas ainda tem luz solar. O sol se põe entre 21:30 e 21:50 nessa época.

Depois do texto, temos as seguintes perguntas:

A. De acordo com o texto responda as perguntas abaixo:

1. O que é o horário de verão?

2. Normalmente, nessa época, temos luz solar depois das 18 horas?

3. Qual país adota o horário de verão? Que horas o sol se Poe nessa época?

B. Seu país de origem adota o horário de verão?

Percebemos claramente que há uma visão apenas tradicional na unidade 3.

Apresentam-se fatos (o horário de verão) e a aprendizagem da cultura se dá em receber

passivamente esses fatos. Há, obviamente, a questão do tópico B que pretende ser de prática

social, mas percebemos que ainda assim é uma pergunta muito vaga e genérica, sem o devido

aprofundamento que leve o aluno a refletir sobre o que é cultura numa perspectiva

intercultural. Para além da simples comparação entre uma cultura e outra.

O mesmo raciocínio vale para a unidade 4 que traz um texto sobre restaurantes no RJ

acompanhado não apenas de perguntas de compreensão imediata do texto como também de

questões de cultura como prática social: “Quais são suas comidas e bebidas brasileiras

favoritas? O que você come durante a semana? E no fim de semana?” p.80.

Existem aspectos trazidos em outras unidades que não se caracterizam propriamente

como aspectos culturais. É o que acontece na unidade 5 por exemplo, na página 98, que traz

um texto sobre rotinas. A atividade de redação proposta: “Escreva uma redação descrevendo

sua rotina. Utilize os depoimentos da Leitura como modelo.” Não chega a ser tal atividade

uma “informação cultural”, ou algo novo a se aprender sobre a cultura-alvo já que em

qualquer cultura há rotinas.

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A unidade 6, “Vamos pro cinema, Ana”? É uma unidade que nos leva a pensar o

conceito de cultura. Mais especificamente sobre a família como elemento cultural. Na página

111 temos um pequeno texto seguido de um diálogo entre Fábio, uma criança que tem um

dever de casa a fazer, seu pai Ronaldo, sua mãe Mara e uma moça chamada Sueli. Fábio pede

a seu pai que o ajude no dever de casa, mas o pai nega. Assim também faz sua mãe. Sueli, a

quem Fábio recorre por último, atende a criança e a socorre. Que tipo de família é essa

apresentada no diálogo? É importante lembrar que no texto que precede o diálogo as autoras

intitularam-no de “Rotina: a família de Ronaldo Gomes”. Ronaldo Gomes é o pai que está

lendo jornal e não pôde ver o dever de casa do filho. A mãe está fazendo o café da manhã e

também está „ocupada‟. Enfim, poderíamos refletir que modelo de família brasileira é

apresentada nessa unidade e se é comum esse tipo de acontecimento nas famílias dos países

de onde os alunos vieram.

A unidade 7 intitulada “Atrasada de novo, Valquíria?” traz na sessão leitura dois

textos sobre parques de São Paulo: o primeiro sobre o parque da aclimação e o segundo sobre

o parque Ibirapuera. Após a apresentação da cultura tradicional vem a pergunta que situa o

aluno numa perspectiva social: “Qual é o maior parque do seu país? Você costuma ir ao

parque? O que você faz e aonde costuma ir aos finais de semana? Escreva uma redação com

base na leitura e nas perguntas acima.”.

Como último exemplo trazemos a unidade 9 que a nosso ver trouxe uma pergunta

que se encaixa em cultura numa perspectiva intercultural já que nesta inclui-se fatores como

conhecer a si mesmo (autoconhecimento) e compreensão de seus próprios valores culturais. A

pergunta após a leitura que segue é a seguinte (p.179): “Descreva uma das pessoas famosas

abaixo. Você acha que as cores de sua roupa tem relação com as qualidades que você vê nessa

pessoa?”. Acreditamos que essa pergunta leva a uma reflexão bem mais profunda em que

necessariamente a resposta, para ser formulada, passaria pelo conhecimento de si mesmo, de

nossos valores culturais.

Na unidade 10, p. 194 também temos uma pergunta intercultural: “Em qual medicina

você mais confia? Por quê? Você acredita na fitoterapia? O que você faz quando está

nervoso(a)? Quais são suas maneiras de relaxar de um dia estressante? Escreva uma redação

com base no texto e questões acima.”.

Concluímos, assim, que o livro Muito Prazer traz como proposta principal uma visão

de cultura na perspectiva tradicional e de prática social. Isso se dá na exposição de textos que

apresentam informações, fatos e dados a serem aprendidos pelo aprendiz. Esses dados devem

ser escritos como respostas às perguntas dos exercícios de compreensão textual. Apenas após

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85

isso é que as autoras se propõem a lançar mão de perguntas de cultura como prática social.

Cabe ao professor aprofundar questões para tornar os debates numa perspectiva intercultural.

A partir da unidade 9 observamos maior ocorrência de perguntas que levem a uma maior

reflexão de cultura na perspectiva intercultural.

Objetivos e público-alvo

O objetivo do livro Muito Prazer: fale o português do Brasil é capacitar o aluno

estrangeiro a comunicar-se com precisão e fluência. É um curso para iniciantes até o nível

intermediário fazendo com que os alunos interajam entre si e com o professor(a). As autoras

continuam: “Por darmos grande ênfase à interação oral, o aluno aprende a aplicar o que

aprendeu para se comunicar. Além disso, as experiências de aprendizagem são

personalizadas, pois o aluno fala sobre si e suas ideias, discutindo assuntos relevantes no seu

dia-a-dia, o que possibilita uma troca de experiências.” Não fica claro na apresentação do

livro a que público (faixa etária) o livro é dirigido, mas presumimos que seja para adultos por

conta dos tópicos trazidos no livro bem como pelas interações entre os personagens (público

adulto).

Disposição dos diferentes componentes linguísticos

O livro enfatiza a produção oral e a leitura. O vocabulário é bastante contextualizado

seguido de exercícios gramaticais relacionados ao assunto da unidade. Há também a

compreensão oral que se dá pelos Cds que acompanham o livro. As respostas das atividades

vêm no final.

Lista de conteúdos

Ênfase na temática e situacional. Também há, mas não com tanto destaque, a

estrutural.

Natureza das atividades e contexto

Curso geral de Português do Brasil para estrangeiros com ênfase na comunicação

oral. Bastante exercícios de gramática, vocabulário e atividades pouco controladas com ênfase

na produção oral.

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86

4.2 Livro Bem-Vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação.

Retomada anafórica de obj. direto de 3ª pessoa

A unidade que trata dos pronomes oblíquos é a unidade 5. Não há nela qualquer

referencia de retomada anafórica que não seja por meio do clítico. Os exercícios gramaticais

13 e 14 ambos localizados na página 49 são norteados pela gramática prescritiva apenas. No

exercício 13 os alunos são levados a usar os oblíquos como nos exemplos dados e no 14 os

alunos devem reescrever as frases substituindo as palavras indicadas por pronomes. Um

exemplo deste último exercício inclui:

“Enviei (a) o pacote (b) aos meus pais, por via aérea.

a) Enviei-o aos meus pais por via aérea. (o grifo é das autoras)

b) Enviei-lhes o pacote por via aérea.

No apêndice gramática, p. 209, temos um quadro de pronomes pessoais do caso

reto e oblíquo. A explicação para o uso dos oblíquo é puramente tradicional. Vejamos:

O pronome Oblíquo é facultativo e pode vir antes, depois e no meio do verbo. Há

regras para sua colocação, que, na linguagem escrita, devem ser seguidas de acordo

com a norma-padrão. De um modo geral, especialmente na linguagem falada, no

Português do Brasil são usados antes do verbo. Os pronomes oblíquos tônicos vem

sempre depois de preposição:

- Não há mais nada entre mim e ti.

- Entreguei a revista para os meninos.

- Entreguei a revista para eles.

- Vocês viajarão com todos nós?

- Vocês viajarão conosco?

Os pronomes oblíquos são complementos de verbos:

a. o, a, os, as completam verbos SEM preposição:

ex: vi o menino – vi-o.

b. lhe, lhes completam verbos COM preposição:

ex: explicou às meninas o problema – explicou-lhes o problema.

c. Os demais podem ser diretos ou indiretos, dependendo do verbo:

ex: entreguei o livro ao professor. – Entreguei-o ao professor. (o = complemento

direto) / Entreguei-lhe o livro. (lhe = complemento indireto).

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87

Vemos que em nenhum momento há referencia ao uso do pronome ele ou mesmo o

objeto nulo para retomar anaforicamente o objeto direto de terceira pessoa. Apesar de

mencionar a próclise como preferência de uso no português brasileiro falado, o livro Bem-

Vindo não apresenta no apêndice gramatical nenhum exemplo de frases com o pronome antes

do verbo.

Verbo ter existencial

Ao contrário do livro Muito Prazer, o livro Bem-Vindo não traz em seu sumário o

assunto “verbo ter existencial” expressamente. Não encontramos nenhum registro no sumário

sobre essa variante do PB. No entanto, ao folhearmos as páginas a sua procura, encontramos o

verbo ter existencial no início da unidade 9, p.81, intitulada “O Lar”. O contexto para a

aparição dessa variante é um texto chamado “Na imobiliária”. O diálogo é entre o Corretor

(C) e Sílvio (S). Abaixo algumas passagens em que ter aparece com o sentido de existir:

C: Que tipo de casa está procurando?

S: Tem que ter no mínimo três dormitórios, um deles suíte. A cozinha pode ser

pequena, mas a sala de visitas e a sala de jantar devem ter um tamanho razoável.

C: Então acho que vai gostar desta aqui. Tem três dormitórios com uma suíte, sala de

visitas, sala de jantar e cozinha grandes. Tem também lavanderia e dependências

de empregada.

S: E garagem?

C: Naturalmente. Tem uma garagem para dois carros.

S: Onde fica?

C: Perto da estação Vila Mariana. É um local bem servido, em todos os sentidos.

Perto tem padaria, supermercado, restaurantes, posto de gasolina, etc. Além do

metrô, passam ônibus para todos os lugares.

S: Já está imobiliada?

C: Tem armário embutido em todos os cômodos, inclusive na cozinha.

S: É acarpetada?

C: Não, o assoalho é de madeira. Por isso, é fresco no verão e quentinho no inverno.

S: Tem quintal?

C: Sim, não é muito grande, mas dá pras crianças brincarem. Tem até uma mangueira

que agora deve estar cheia de mangas.

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Apesar do verbo TER aparecer no sentido existencial na unidade 9 do livro Bem-

Vindo percebemos a carência de uma explicação mais aprofundada do seu uso. De fato só há

exemplos com o verbo, nenhuma explicação ou observação de que ele é bastante usado na

fala espontânea do PB.

Estratégias de relativização

O livro contempla os pronomes relativos mas não da forma que nos interessa:

naquelas em que o pronome aparece com um verbo que rege preposição. A forma utilizada no

livro é no tocante a orações explicativas apenas. Encontramos esse assunto na Unidade 11, p.

103.

Verbo IR com sentido de direção

Há no livro Bem-Vindo duas unidades que trazem o verbo IR com sentido de direção:

a unidade 4, intitulada “Meu futuro” e a unidade 5 chamada “Minhas expectativas”.

Novamente, não encontramos um detalhamento explicando quais preposições seriam comuns

encontrarmos no vernáculo do PB. Tampouco vemos uma explicação sobre as questões

prescritivistas do verbo IR diretivo. O que há são exemplos e exercícios gramaticais. Na

página 34 encontramos um texto que tem partes que não nos interessam:

“[...] Daqui pra frente vou ser diferente: vou estudar mais, não vou mais responder

mal aos meus pais e não vou deixar de fazer as tarefas de casa.”

E por que não nos interessa? Porque aqui o verbo IR não é usado no sentido de

direção.

Já na p. 37 encontramos o que nos interessa. Na parte 10, num exercício de

completar os espaços com os verbos corretamente, encontramos a seguinte construção:

“Muita gente de fora ___________________ (vir) a São José em busca de trabalho”. Após

isso há pequenos textos em que encontramos: “Fiz a faculdade lá. Saí da faculdade e logo vim

pra cá. Estou aqui em São Paulo há dois anos.” Na parte 13 temos o seguinte enunciado: Leia

o pensamento de Luís e escreva o que ele fará nos próximos anos. Dentre as coisas pontuadas

está “Ir à França”. Na unidade 5, p.43 encontramos assim no texto: “É a primeira vez que vou

ao Brasil”; “Vou poder ver o carnaval porque vou em abril para lá”. Na p. 44, parte 3 o aluno

precisa colocar os verbos na forma adequada e completar o texto. Lemos como primeira frase

o seguinte: “Ontem Carla _____________________ (ir) ao supermercado da esquina.

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Concluímos que o livro Bem-Vindo contempla apenas as preposições A e PARA com

verbo IR diretivo. Deixando EM de lado. Perde-se assim mais uma oportunidade de

apresentar o vernáculo do PB ao aluno estrangeiro.

Aspectos Culturais

O livro Bem-Vindo traz predominantemente o aspecto de cultura numa visão

tradicional. Isso se dá por meio dos vários textos que são apresentados nas unidades. Esses

textos são bastante densos, especialmente a partir da unidade 8. Encontramos ocorrências de

cultura como prática social e intercultural nas últimas unidades do livro, a partir da 15, com

especial destaque para a cultura como prática social. Falaremos, a seguir, dessas atividades.

Em relação ao trato com a cultura brasileira, o livro Brem-Vindo trás, a partir da

unidade 17, uma sessão chamada Gente e Cultura Brasileira, que é uma parte que não consta

nas unidades anteriores. No entanto, a partir da unidade 15 já vemos a cultura sendo

apresentada de maneira mais forte. Pelo próprio nome da unidade já vemos uma possibilidade

de encontrarmos atividades de cultura como prática social: “A Cultura Brasileira no

Trabalho”, em que um texto de uma palestra sobre globalização é apresentado a empresários

brasileiros. Encontramos na página 143 um exemplo de atividade que contempla o aspecto de

prática social: “Discuta com seu colega a importância ou não de se conhecer bem a cultura e

os costumes dos países com quem mantemos relação de trabalho ou parceria nos negócios”.

A unidade 16 traz apenas textos informativos, nenhuma atividade de produção oral

ou escrita que contemple a cultura que não seja numa visão tradicional.

A partir da unidade 17, como dissemos, temos uma nova sessão no livro chamada

“Gente e Cultura Brasileira”, a qual é apresentada depois da etapa “Curiosidades”. Trata-se de

um longo texto que traz algum aspecto da cultura brasileira. Na unidade 17, especificamente,

temos o texto “Quem somos, afinal?” que apresenta ao aluno estrangeiro um pouco sobre a

fusão de raças que originou o povo brasileiro. Nesta unidade temos informações sobre o

caipira, o sertanejo, o caboclo e o gaúcho. Encontramos uma atividade de produção oral que

pode ser considerada numa perspectiva de cultura como prática social que aparece na página

163: “Em seu país, ouve-se mais músicas nacionais ou internacionais na rádio?”. Acreditamos

que essa pergunta leve, mesmo que minimamente, uma comparação ao que já foi exposto

sobre o Brasil e o país de onde veio o aluno.

A unidade 18 é bastante interessante porque contém não apenas atividades de cultura

como prática social como também numa atitude intercultural. A unidade começa com um

texto intitulado “O mundo nas costas” que em resumo trata sobre uma iniciativa do Ministério

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do Turismo em aumentar as hospedagens nos albergues do Brasil incentivando os

mochileiros. Em seguida temos uma pergunta que visa prática oral: “E você? Alguma vez

passou pela experiência de fazer uma viagem com a mochila nas costas? Caso tenha feito

várias viagens assim, qual foi a sua favorita? Por quê? No seu país existem muitos Albergues

da Juventude? São bem localizados? São muito utilizados? Por quê?” Na página 176 dessa

mesma unidade temos outro exemplo onde lemos: “Agora vamos criar um folheto informativo

para uma agência de viagens a fim de fazer propaganda do seu país, da sua beleza, da sua

cultura. Deve ser o mais atraente, convidativo e convincente possível. Use e abuse do

IMPERATIVO (grifo das autoras). Coloque também um título sugestivo para o folheto”. Já

na página 179 temos uma atividade de cultura numa perspectiva intercultural onde os alunos

precisam entrevistar os colegas em duplas a respeito de:

1. Experiência com pescaria (quando, onde, com quem, quantos peixes, etc.)

2. Opinião sobre pesca

3. Opinião sobre “sorte de principiante”

4. Opinião sobre “histórias de pescador”

Percebemos claramente que essa atividade de entrevista traz uma reflexão sobre

cultura do aluno e consequentemente um conhecimento de si e de suas crenças a respeito de

cultura, o que a caracteriza como intercultural.

A unidade 19, chamada “esportes”, apresenta as seguintes atividades de cultura como

prática social: na p. 188 lemos o seguinte: “Como vocês acham que os pais de um esportista

famoso se sentem quando seus filhos estão competindo? Vocês gostariam de ser mãe ou pai

de um esportista famoso? Leia a reportagem sobre a mãe de um famoso piloto brasileiro de

fórmula 1 e saiba como ela se sente ao ver o filho competindo.” Após o texto temos: “Você

concorda com o pensamento de Dona Idely? Você apoiaria seu filho se ele lhe dissesse que

gostaria de ser um piloto de fórmula 1?”. Aqui, também, percebemos que o aluno é levado a

fazer comparações de aspectos culturais de outras pessoas que pertencem a um país diferente

do seu. Prática Social de Cultura.

Finalmente chegamos à unidade 20, a última unidade do livro Bem-Vindo. Na página

194 já temos uma atividade que começa com uma pergunta de cultura numa visão

intercultural e em seguida prática social. Vejamos: “Qual é o seu conceito de folclore? Qual é

o personagem folclórico mais popular no seu país? Algum personagem folclórico é usado para

tornar as crianças mais obedientes? Existe algum personagem folclórico do seu país que tenha

alguma semelhança com os nossos?”. Na página 195 lemos um texto sobre as vantagens e

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desvantagens das transformações de uma metrópole a exemplo de São Paulo. Depois as

autoras propõem as seguintes perguntas:

1. Qual é a imagem que você faz de São Paulo nos anos 50?

2. Quais foram as mudanças contra as quais lutou Adoniran Barbosa?

3. Quem venceu a batalha, São Paulo ou Andoniran Barbosa?

4. O que você acha das mudanças ocorridas na cidade de São Paulo?

5. Pesquise na internet quem foi Adoniran Barbosa e quais eram as suas

peculiaridades.

A maior parte do livro Bem-Vindo traz perguntas que requerem apenas respostas

simples, numa visão de cultura numa visão tradicional. Mas a pergunta 1 e 4 trazem

respectivamente uma visão intercultural (uma reflexão sobre cultura) e prática social. Por fim,

gostaríamos de apresentar as páginas 197 e 199. Na página 197 lemos: “Agora convide o

seu/sua colega a assistir um evento folclórico no seu país, dando detalhes sobre ele: nome do

evento, quando e onde ele se realiza, o que acontece nesse dia, etc.”. Trata-se de uma

atividade que traz a questão da cultura enquanto prática social. A pergunta na mesma página

que segue é a seguinte: “Você sabe como se comemora a Páscoa no Brasil? E no seu país,

existe alguma comemoração especial? É uma festa religiosa?”. Finalmente, na página 199

também vemos uma atividade de cultura como prática social: “Existem expressões como

nomes de animais no seu idioma materno? No Brasil existem expressões como “peixe-fora

d‟água”, “olho de lince”... você saberia usá-los? Os nomes de animais também são utilizados

com sentido figurado? Quais? Com que sentido? Têm mais sentido positivo ou negativo?

Tente descobrir com que sentido são usados, no Brasil, os seguintes animais: burro, lesma,

porco, coruja e cobra. Se pensarmos que na perspectiva intercultural língua é necessariamente

cultura, então as perguntas anteriores que focam na reflexão sobre o idioma também poderiam

ser considerados como cultura numa visão intercultural.

Objetivos e público-alvo

O objetivo do livro Bem-Vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação é

levar ao aprendizado do português brasileiro falado sem deixar de lado as referências à

gramática normativa. O livro é destinado ao público adulto e vai do nível básico até o

avançado, fazendo uso de vários textos e exercícios gramaticais. A versão mais recente trás

senha para acesso à plataforma digital, onde o aluno poderá desenvolver as habilidades

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linguísticas. Estando há 14 anos no mercado, o livro Bem-Vindo! É um dos mais vendidos e

utilizados no Brasil e no exterior.

Disposição dos diferentes componentes linguísticos

O livro enfatiza a leitura, vocabulário e muitos exercícios gramaticais. Em segundo

plano fica a produção oral e poucas atividades de compreensão oral.

Lista de conteúdos

O livro enfatiza a situacional, temática e estrutural. Também trás a baseada em

gêneros.

Natureza das atividades e contexto

Curso geral de Português para Estrangeiros do nível básico até o avançado com

ênfase na estrutura da língua para levar à satisfatória prática de produção oral. Bastante tarefas

comunicativas, poucas atividades de compreensão oral e livro bastante ilustrativo, rico em

informações culturais e gêneros textuais diversos.

4.3 Diálogo Brasil: curso intensivo de português para estrangeiros

Retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa

O livro prioriza a retomada anafórica por meio de clíticos apenas, não havendo

espaço para o pronome reto e tampouco para o objeto nulo, que é a variante mais emprega na

fala do PB culto. Na p. 114 lemos uma explicação gramatical intitulada Pronomes: o(s), a(s),

lo(s), la(s). Os exemplos e explicações são os seguintes:

Onde você pôs o barbeador (grifo das autoras)? ou Onde você o pôs?

A loja vai entregar os móveis na 6ª feira. ou A loja vai entregá-los na 6ª feira.

Nestas frases, os pronomes o, lós substituem os substantivos barbeador e móveis.

Ele contratou a empresa Ele a contratou

Nós ajudamos os amigos. Nós os ajudamos.

Quero comprar a casa. Quero comprá-la

Vamos ver o filme. Vamos vê-lo.

Não posso abrir as janelas. Não posso abri-las.

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A visão de estratégias de pronominalização do livro é bastante ligada à gramática

normativa apenas. A fala do PB não é levada em consideração no ensino da estrutura da

língua.

Verbo ter existencial

Não encontramos nenhuma ocorrência do verbo ter no sentido de existir. Apenas o

verbo haver.

Estratégias de relativização

Como dissemos, o foco do nosso interesse são os pronomes relativos que aparecem

com verbos regendo preposição. Nos interessa também observar se aparece ou não o relativo

cujo. Em relação a cujo, o livro o apresenta como pronome relativo variável através de 4

exemplos. Em relação às estratégias de relativização com verbos que regem preposição,

observamos apenas o uso da relativa padrão como em: “O rapaz com quem viajamos é do

Rio”. E em exercícios gramaticais para completar com QUE ou QUEM, como em: “Na

novela, o rapaz de _____________ ela gosta, gosta dela também”; “Veja, esse é o ator de

_____________ lhe falei ontem”.

Verbo IR com sentido de direção

O verbo IR com sentido de direção é apresentado muito rapidamente com a

preposição A através de um exemplo: “Marcos, por favor, você pode ir ao banco e levar estes

documentos para o gerente?” e em exercícios para completar com o verbo IR ou VIR. Como

em: “Ontem, você ______________ à festa de Paulo, lá no clube?”. Encontramos apenas a

preposição A nos exemplos com o verbo ir diretivo. Nenhum registro de PARA ou EM.

Aspectos culturais

O livro Diálogo Brasil é direcionado a profissionais e executivos que precisam

aprender português para trabalhar no Brasil ou com empresas brasileiras. Os aspectos

culturais têm como objetivo dar aos profissionais uma visão global do país: sua economia,

cultura, turismo, aspectos esses que são úteis para a atuação desses executivos no país. A

questão cultural é apresentada nas partes C1 (trocando ideias) e C2 (chegando lá), que são

sessões de produção oral, acompanhadas de um curto texto. As perguntas para prática da fala

focam os aspectos de cultura enquanto prática social e intercultural, ambas direcionadas,

como dissemos, ao público de profissionais que precisam aprender o Português para o mundo

dos negócios. Não é de se estranhar que os textos tenham tópicos direcionados ao público

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executivo. Vamos expor alguns exemplos (não todos) de atividades de cultura como prática

social e intercultural. Antes disso, é bom frisarmos que a cultura tradicional é apresentada no

início das unidades, através de um texto. Na unidade que vamos analisar, a unidade 9 que tem

o nome de “Batendo Bola”, o texto inicial trata sobre os desafios do esporte no século XXI.

Na página 150, na sessão C1, vemos um pequeno texto seguido de duas perguntas que

apresentam a cultura num aspecto intercultural: Como você vê o esporte? No seu dia a dia,

você tem tempo para praticar algum esporte? Ou você é apenas um bom espectador? Em

seguida, em C2, temos as perguntas de cultura como prática social: Como o esporte é visto no

seu país? Quais as modalidades mais praticadas? Fale um pouco sobre os principais ídolos

nacionais. Em esporte, você vê semelhanças entre o Brasil e o seu país? E diferenças? Quais?

A unidade 13 intitulada “Pintando e bordando” traz como texto inicial para trabalhar

perguntas numa visão tradicional da cultura uma espécie de manchete de jornal com o nome

de “Vocação brasileira: alegria!” em que são expostos os festejos mais comuns no Brasil. Na

sessão C1 lemos: “Você saberia explicar por que gostamos tanto de cantar e dançar? Na sua

opinião, a música e o ritmo brasileiro lembram muito o ritmo africano? Você gostar de

sambar? Ou de algum outro ritmo brasileiro? Você conhece a bossa nova? Que músicas você

conhece? Você conhece algum cantor brasileiro? Tem preferência por algum?”. São perguntas

que focam no aspecto intercultural. Uma reflexão sobre cultura e autoconhecimento. Já na

sessão C2 temos perguntas de cultura como prática social: “Que tipo de música é mais

difundido em seu país: a clássica ou a popular? A música popular é muito desenvolvida? (aqui

implicitamente percebemos que o aluno é levado a comparar a música e cultura brasileira com

a sua) Ela sofre influência de música de outros países? E você, que tipo de música você

prefere? Como são as festas populares tradicionais de seu país? São muito importantes? Fale

sobre elas.

Percebemos um equilíbrio no livro Diálogo Brasil entre as três formas que

concebemos cultura neste trabalho. O livro traz as três possibilidades em todas as unidades.

Nas sessões C1 e C2 respectivamente temos a questão intercultural e de prática social através

de perguntas que estimulam a prática de produção oral. No início de cada unidade na sessão

A3 temos um texto seguido de perguntas objetivas sobre o mesmo que focam a cultura na

visão tradicional.

Objetivos e público-alvo

Dirige-se a profissionais e executivos (público adulto) de todas as áreas que queiram

falar o português brasileiro para morar no Brasil ou atuar numa empresa neste país. Vai do

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nível básico até o intermediário. É um curso intensivo com quinze unidades. Traz também

avaliações para medir o conhecimento adquirido.

Disposição dos diferentes componentes linguísticos

O livro Diálogo Brasil enfatiza primeiramente a leitura, exercícios gramaticais e

vocabulário. No final de cada unidade, sessões C1 e C2, vem a parte de prática oral. Não há

atividades de compreensão oral e são pouquíssimas as de produção escrita, sendo estas

últimas encontradas apenas nas partes de avaliação.

Lista de conteúdos

Ênfase na temática e estrutural.

Natureza das atividades e contexto

Curso intensivo de português para estrangeiros adultos executivos e profissionais de

qualquer área indo do nível básico até o intermediário. Bastantes atividades de produção oral

menos controladas, exercícios gramaticais, atividades de leitura (compreensão textual) e

quase nenhuma atividade de redação. Não encontramos atividades que focassem a habilidade

de compreensão oral.

4.4 Passagens: Português do Brasil para estrangeiros

Retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa

O uso dos pronomes clíticos que retomam o objeto direto de terceira pessoa aparece

na unidade 177 intitulada “Deixe-o na mesa”. A unidade começa com um pequeno texto que

tira dúvidas sobre regras de etiqueta à mesa. Dois aspectos são apresentados nos textos: o

primeiro informa onde o guardanapo de papel deve ser deixado e o outro fala sobre como

deve ser servido o café. Em relação ao primeiro ponto, o texto nos diz: “Ele deve ser colocado

no colo mantendo uma dobra para não escorregar facilmente. Quando terminar a refeição,

coloque-o (grifo da autora) ao lado do prato”. Em relação ao café, lemos: “Deixe-o na mesa

numa bandeja para que cada um se sirva”.

Após esse texto nós temos a apresentação de o, os, a e as como pronomes pessoais,

mas nenhuma explicação gramatical ocorre no livro. Pede-se que os alunos leiam os exemplos

e façam exercícios de substituição de objetos diretos por clíticos. Um exemplo seria Comprei

os sapatos – Comprei-os, etc. O exercício visa a substituição e a atenção para a posição do

clítico. No caso anterior ele é enclítico. Já no próximo exercício, ele é proclítico. O enunciado

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96

diz: “Observe como fica quando a frase começa com pronomes: Eu comprei os sapatos. Eu os

comprei”.

Assim, a opção de retomada anafórica de terceira pessoa se dá exclusivamente pelo

clítico, sem nenhuma ocorrência de pronome reto ou anulação de objeto.

Verbo ter com sentido de existir

O verbo ter é apresentado com o sentido de existir na unidade 75 que é uma unidade

de revisão. Através de exercícios, os alunos são ensinados que o verbo ter tem o mesmo

sentido de haver em frases como “Há uma agência de turismo na esquina. Tem uma agência

de turismo na esquina”.

Estratégias de relativização

Os pronomes relativos são apresentados nas unidades 211 e 212. Os pronomes o

qual, a qual, cujo e cuja e formas plurais são, de acordo com a unidade, os variáveis, ao passo

quem, que e onde são os invariáveis. Há um pequeno diálogo que mostra uma frase com o uso

do relativo que seguido de um exercício de reescrita de frases utilizando um pronome. Um

exemplo é “A caixa onde deixei as bebidas é de isopor” que ficaria “A caixa em que deixei as

bebidas é de isopor”. A unidade 212 apresenta cujo, cuja e forma plurais como indicadores de

posse e que precedem um substantivo sem artigo. As estratégias de relativização com verbos

que regem preposição aparecem apenas na forma de relativa padrão, não havendo exemplos

e/ou explicações para a ocorrência das copiadoras e cortadoras.

Verbo IR com sentido de direção

O verbo IR com sentido de direção é mostrado na unidade 87 que se chama “Fui à

joalheria”. Ele é apresentado como verbo irregular no modo presente e pretérito perfeito do

indicativo. A única preposição que acompanha este verbo no livro é A. Exemplos incluem o

próprio título da unidade e “Aonde você vai? Ao banco. Preciso depositar dinheiro” e “

Aonde você foi ontem? À farmácia. Precisei comprar remédios”. Não há registro algum de

exemplos com as preposições EM e PARA.

Aspectos culturais

O livro Passagens apresenta a questão cultural principalmente através de uma visão

tradicional e de prática social. Os alunos são expostos a textos que apresentam informações,

fatos sobre a cultura brasileira para que respondam questões simples sobre os mesmos. Às

vezes os textos são seguidos de perguntas direcionadas aos países dos alunos, numa visão de

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prática social, já que haveria na resposta uma certa comparação do Brasil com o país de onde

vieram os alunos. No entanto, o livro carece de uma abordagem intercultural já que as

perguntas expostas não levam a uma reflexão sobre a cultura, sendo apenas uma simples

referência de como as coisas funcionam no país-alvo, sem qualquer preocupação em refletir

sobre os fatos. Uma típica atividade de cultura numa visão tradicional é a apresentada na

unidade 99 intitulada “Perigo, tubarões!” em que lemos um texto sobre Recife que é

considerada a capital mundial de ataques de tubarões. As perguntas que visam o

conhecimento dos fatos culturais são as seguintes: 1. De que maneira os banhistas são

avisados de perigos na praia? 2. A que espécies de perigos os banhistas estão expostos?

Existem perguntas que precisam de melhoras para que a questão cultural seja desvinculada

apenas de uma questão tradicional. É o caso, por exemplo, da unidade 133 intitulada “Cultura

Popular” em que lemos sobre o Negrinho do Pastoreio e o Saci-Pererê. A pergunta que segue

é a seguinte: “fale alguma coisa de seu país que faça parte da cultura popular”. Se na pergunta

fosse pedido algo como: “Há alguma semelhança entre a cultura popular do Brasil e a do seu

país? Há lendas parecidas? Personagens?”, a questão cultural seria melhor trabalhada podendo

até ser abordada numa perspectiva intercultural já que poderíamos refletir sobre o conceito de

cultura, o que levaria ao autoconhecimento e à noção de língua como cultura.

Objetivos e público-alvo

O livro Passagens é um curso geral de Português para estrangeiros do público jovem

e adulto em nível pré-intermediário cujas atividades devem ser feitas num período de 60 a 70

horas. O livro não vem com as páginas impressas no canto inferior direito porque cada folha

equivale a uma lição ou unidade com um assunto específico que apresenta situações variadas

da cultura brasileira e necessidades dos estrangeiros no Brasil.

Possui expressões idiomáticas e sessões de revisão. As expressões idiomáticas, são,

de acordo com a autora, um diferencial do livro, que dá destaque ao aspecto falado do PB,

sendo uma característica que não aparece em qualquer livro do gênero.

Disposição dos diferentes componentes linguísticos

Foco principal na gramática e expressões idiomáticas, com bastante exercícios. O

livro também traz a habilidade de leitura através de diálogos e textos curtos. A habilidade de

escrita e fala também são abordadas mas com menor frequência. Não há atividades de

compreensão oral.

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Lista de conteúdos

Ênfase na estrutural e funcional. Menor destaque na situacional.

Natureza das atividades e contexto

Curso geral de português para estrangeiros com nível pré-intermediário que visa

desenvolver as quatro habilidades linguísticas. O material contém bastante exercícios

gramaticais e de vocabulário, com especial destaque a expressões idiomáticas. O trabalho com

a produção oral se dá, geralmente, a partir do assunto do texto ou do diálogo apresentado,

sendo exigida do aluno uma atividade de produção oral menos controlada. As tarefas

comunicativas não são exploradas a exemplo daquelas que exigem a solução de um problema.

O livro é bastante colorido, cheio de imagens e possui diversos assuntos a cada página. Ele

vem com um apêndice ao final que enfoca aspectos gramaticais, pronúncia, expressões e

gírias, numerais, tempos compostos e o resumo das unidades (uma espécie de sumário).

4.5 Português via Brasil: um curso avançado para estrangeiros

Retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa

As estratégias de pronominalização aparecem no livro na unidade 1, p.6, porém sem

nenhuma explicação gramatical porque se supõe que como se trata de um livro de nível pré-

avançado os alunos já tenham conhecimento do assunto. Por isso, apenas um pequeno texto

sobre a violência nas grandes cidades vem exposto com alguns clíticos em negrito que

retomam um objeto direto de terceira pessoa. Em seguida, os alunos são instruídos a

completar frases com um pronome pessoal adequado. Um outro texto aparece em seguida o

qual trata de um anúncio de classificado com vaga para auxiliar de departamento pessoal. Um

dos pronomes apresentados é o de objeto indireto lhe, que deverá, juntamente com os demais

o, a,os, as, -lo, -no, ser utilizado nas frases para completar do exercício que segue. A única

estratégia de pronominalização trazida no livro é o uso do clítico, não sendo encontradas

ocorrências de pronome reto nem objeto nulo.

Verbo ter com sentido de existir

Não há no índice nenhuma gramática específica sobre o verbo ter. Porém vemos na

unidade 8 o estudo do verbo haver. Lemos na p.166 que o verbo haver como verbo impessoal

é usado sempre na 3ª pessoa do singular. A referência ao verbo ter no livro é apenas como

verbo auxiliar e não aquele também impessoal usado com o mesmo sentido de haver. O livro

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nos informa que haver pode substituir o verbo auxiliar ter, como em: “Ninguém me havia

visto” (tinha visto). Não há, portanto, ocorrências do verbo ter existencial.

Estratégias de relativização

Apresenta apenas ocorrências da relativa padrão em forma de exercício na página 95

os pronomes relativos variáveis e invariáveis e em seguida pede aos alunos substituam os

elementos destacados em frases como “Desisti dos planos de que lhe falei” por que, quem,

onde, o qual, a qual, os quais e as quais.

Verbo IR com sentido de direção

O verbo ir aparece juntamente com o verbo vir na página 94. Pelos exemplos

concluímos que aparecem apenas casos com a preposição A, sem nenhuma ocorrência de EM

e PARA. Exemplos incluem: “Nunca _____________ ao Japão. Agora tenho vontade de

______________” e “Não quero que você _____________ àquele encontro”.

Aspectos culturais

Os textos do livro Via Brasil apresentam a cultura brasileira (literatura, modos de

vida, etc.) numa visão predominantemente intercultural. Apesar de algumas perguntas sobre

os textos visarem à aprendizagem de informações, a maioria delas leva à reflexão sobre

pontos de vista do leitor e a ideia passada pelo autor, dando à aquisição da cultura um aspecto

bem mais significativo. Os textos se encontram nas sessões ponto de vista e linguagem formal

de cada unidade.

Objetivos e público-alvo

Levar o aluno em nível pré-avançado a um maior nível de proficiência através do

aprofundamento gramatical, lexical e conhecimento sobre a cultura brasileira através de textos

e redações.

Disposição dos diferentes componentes linguísticos

Ênfase na leitura e estrutura da língua. Há algumas oportunidades para produção oral

mas não encontramos registro de atividades de compreensão oral.

Lista de conteúdos

Ênfase no estrutural e em segundo lugar no temático.

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Natureza das atividades e contexto

Curso avançado de Português para Estrangeiros que estejam acima do nível

intermediário. Bastantes exercícios gramaticais, lexicais e textos longos sobre a cultura

brasileira, visando a aprendizagem formal de fatos bem como uma reflexão mais abrangente

sobre cultura.

Apresentamos a seguir um quadro resumido com as análises feitas.

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4.6 Quadro-Resumo da análise dos livros didáticos

Quadro 11 - Resumo da análise dos livros didáticos.

Muito Prazer: fale o

português do Brasil

Bem-vindo! A língua

portuguesa no mundo

da comunicação

Diálogo Brasil: curso

intensivo de português

para estrangeiros

Passagens: português

do Brasil para

estrangeiros

Português via Brasil:

um curso avançado

para estrangeiros

Retomada anafórica

de objeto direto de

terceira pessoa

Aparece na unidade 14,

p.256 trazendo

exemplos apenas com

pronomes clíticos.

Apenas por pronome

clítico.

Apenas por pronomes

clíticos.

Pronomes clíticos

apenas.

Retomada por pronomes

clíticos apenas.

Verbo ter existencial

É apresentado na

unidade 7. No próprio

sumário o verbo ter já

aparece equivalente ao

verbo existir.

Aparece no início da

unidade 9 num diálogo

sobre imobiliária.

Não encontramos

nenhuma ocorrência de

ter existencial.

É visto na unidade 75,

através de exercícios.

Não há ocorrências do

verbo ter existencial.

Estratégias de

relativização

Não encontramos

exemplos de orações

relativas com verbos

que regem preposição

Não há exemplos de

orações relativas com

verbos que regem

preposição.

Apenas relativas-padrão. Apenas relativas-

padrão

Apenas relativa-padrão.

Verbo ir diretivo

O verbo IR é

acompanhado pela

preposição PARA, com

raros exemplos com a

preposição A.

O verbo IR vem com as

preposições A e PARA.

Nenhuma ocorrência de

EM.

Apenas usando a

preposição A.

Nenhum registro de

EM e PARA. Apenas

A.

Apenas ocorrência da

preposição A.

Aspectos culturais

Cultura numa visão

tradicional e de prática

social.

A cultura é apresentada

predominantemente num

aspecto tradicional.

Visão tradicional,

prática social e

intercultural.

Aspecto tradicional e

de prática social.

Textos que levam a uma

reflexão de cultural

numa visão intercultural.

Objetivos e público-

alvo

Capacitar o aluno a se

comunicar com precisão

e fluência, público

adulto.

Levar ao aprendizado do

português brasileiro

falado sem deixar de

lado as referências à

gramática normativa.

Destinado ao público

Dirige-se a profissionais

e executivos de todas as

áreas que queiram falar

o português brasileiro

para morar no Brasil ou

trabalhar numa empresa

Curso geral de

português para

estrangeiros do

público jovem ao

adulto em nível pré-

intermediário

Levar o aluno em nível

pré-avançado a um

maior nível de

proficiência linguística

através do

aprofundamento 10

1

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102

adulto. brasileira. Escrito ao

público adulto vai do

nível básico até o

intermediário.

gramatical, lexical e

conhecimento da cultura

brasileira.

Disposição dos

diferentes

componentes

linguísticos

Maior ênfase na

produção oral,

vocabulário e gramática.

Ênfase na leitura,

vocabulário e gramática.

Ênfase na leitura e

gramática. Em segundo

a produção oral. Não há

atividades de

compreensão oral e

pouquíssimas de escrita.

Foco na gramática e

expressões

idiomáticas, com

bastante exercícios.

Não há atividades de

compreensão oral.

Ênfase na leitura e

gramática. Há

oportunidades para

produção oral mas não

há atividades de

compreensão oral.

Lista de conteúdos

Ênfase na temática e

situacional

Ênfase na situacional,

temática e estrutural.

Temática e situacional. Ênfase na estrutural e

funcional.

Ênfase no estrutural e

em segundo lugar o

temático.

Natureza das

atividades e contexto

Curso geral de

português para

estrangeiros com ênfase

na comunicação oral.

Curso geral de

português para

estrangeiros do nível

básico até o avançado

com ênfase na estrutura

da língua para levar à

satisfatória prática de

produção oral.

Curso intensivo de

português para

estrangeiros adultos

executivos e

profissionais de

qualquer área indo do

nível básico até o

intermediário.

Curso geral de

português para

estrangeiros com nível

pré-intermediário que

visa desenvolver as

quatro habilidades

linguísticas.

Curso avançado de

Português para

estrangeiros que estejam

acima do nível

intermediário.

Fonte: Elaborado pelo Autor.

1

02

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103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa teve como objetivo investigar cinco livros didáticos de português para

estrangeiros a fim de verificar se estes traziam características do Português Brasileiro (PB)

falado a partir de variantes escolhidas do português brasileiro falado culto contemporâneo.

Além disso procuramos estudar de que maneira questões aplicadas, tais como a cultura, os

objetivos e público-alvo, a lista de conteúdo entre outras estavam dispostas nos livros. Nossa

inquietação surgiu a partir da constatação de que todos os livros trazem a questão da cultura

brasileira e de sua língua para promover a proficiência do aluno. Ora, se a proposta é

apresentar o Português do Brasil, a cultura brasileira, sua gente, sua história, haveria ali, de

fato, o Português Brasileiro? Que visão de língua estaria ali expressa nos livros? Em seguida

precisamos eleger as variantes gramaticais e conhecer mais sobre o PB. Tivemos um

conhecimento diacrônico da língua portuguesa do Brasil, especialmente em relação às idades

das variantes que escolhemos. Também conhecemos mais sobre a área de português para

estrangeiros, os livros didáticos para esse público e o que ocorreu para que muitos desses

materiais desaparecessem. Depois desse levantamento bibliográfico, trouxemos os resultados

da pesquisa, o que nós achamos propriamente.

Em relação à retomada anafórica de objeto direto de terceira pessoa em todos os

livros tivemos a ocorrência de apenas retomada por pronome clítico, sem nenhum exemplo ou

menção a pronome reto e objeto nulo. Percebemos que o livro se inscreve numa visão de

língua muito normativa e pautada na escrita culta formal. O verbo ter existencial, outra

característica importante do nosso PB não foi encontrado em todos os livros. Ele aparece em

três livros: Muito Prazer, Bem-vindo! e Passagens. O livro que melhor apresenta essa variante

é o livro Muito Prazer, que já traz no seu sumário de maneira bem expressiva a observação de

que ter equivale a existir, trazendo vários exemplos e situações de comunicação. Os demais

livros não trazem, ao contrário do que aconteceu no livro Muito Prazer, um assunto

gramatical específico para o verbo ter existencial. O que há são diálogos e exercícios em que a

variante gramatical aparece.

Em relação às estratégias de relativização, encontramos exemplos de relativas com

verbos que regem preposição em apenas três livros: Diálogo Brasil, Passagens e Português via

Brasil, sendo que a única estratégia utilizada nesses livros foi a relativa-padrão. Nos outros

dois livros não tivemos nenhuma ocorrência, apesar de vermos uma pequena explicação sobre

quais são os pronomes relativos, com exemplos ou situações com verbo regendo preposição.

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O verbo IR com sentido de direção apareceu em todos os livros. Em nenhum deles

houve ocorrência da preposição EM. Nos livros Muito Prazer e Bem-vindo! o verbo IR é

acompanhado da preposição PARA e há poucos exemplos de A. Nos livros Diálogo Brasil,

Passagens e Português via Brasil aparece apenas a preposição A. Uma observação importante

é que os exemplos do livro não nos indicam pelo contexto qual é o traço semântico do verbo

ir com a preposição.

Os aspectos culturais são apresentados de maneira particular em cada livro. Todos

eles trazem informações, fatos sobre o Brasil e sua gente. A maioria dos livros, com exceção

de Português via Brasil, trouxeram uma visão de cultura numa perspectiva tradicional, com

textos que visavam a aprendizagem de nomes, datas, acontecimentos, histórias. É o caso do

livro Bem-Vindo! cujas atividades sobre os textos que apresentavam o aspecto cultural

visavam apenas o aprendizado de informações a respeito da cultura. Muito Prazer e

Passagens além do aspecto tradicional, trouxeram atividades que promoveram a

aprendizagem de cultura como prática social com oportunidades de comparação entre as

culturas. Já Diálogo Brasil e Português via Brasil trouxeram também a questão da cultura

numa visão intercultural, aprofundando a reflexão sobre o que é cultura, sobre os valores

culturais, o autoconhecimento, etc. Podemos dizer que cada livro trouxe uma contribuição

interessante sobre o que é cultura para os alunos estrangeiros, possibilitando na maior parte

das vezes uma reflexão para muito além da aprendizagem de fatos isolados.

Em relação aos objetivos e público-alvo todos os livros com exceção de Passagens

se dirigem exclusivamente ao público adulto. Português via Brasil é um curso avançado que

visa aprofundar o conhecimento gramatical, lexical e cultural do aluno. Todos os demais

livros visam a aquisição do português falado, ou seja, focam a produção oral, a fluência do

aluno. Para isso, alguns livros como Bem-vindo! enfatizam que isso só será possível se não for

deixado de lado as referências à gramática normativa.

Em relação à disposição dos diferentes componentes linguísticos tivemos o seguinte

resultado. O livro Muito Prazer dá maior ênfase na produção oral, vocabulário e gramática.

Bem-vindo! enfoca na leitura, vocabulário e gramática. Diálogo Brasil também trás a leitura e

gramática como principais habilidades. Em seguida vem a produção oral, sendo importante

observarmos que não há atividades de compreensão oral neste livro. As atividades de

produção escrita são muito pouco apresentadas. Já o livro Passagens trás como foco principal

a gramática e expressões idiomáticas, com bastante exercícios. Neste livro também não há

atividades de compreensão oral. Finalmente, o livro Português via Brasil enfatiza a leitura e a

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gramática, havendo oportunidades para produção oral, porém sem atividades de compreensão

oral.

Em relação à lista de conteúdos, tivemos em todas elas de alguma maneira a

estrutural, já que todos os livros traziam vários assuntos gramaticais. O livro Muito Prazer,

Bem-vindo e Diálogo Brasil enfatizaram a temática e a situacional. Passagens trouxe uma lista

mais funcional e estrutural, ao passo que Português via Brasil deu ênfase no aspecto estrutural

e temático.

Por fim, todos os livros se enquadram na modalidade de curso geral de português

para estrangeiros, diferenciando-se apenas no nível, nas disposições dos componentes

linguísticos e na forma como concebem cultura.

A análise dos livros nos fez alcançar os objetivos da nossa pesquisa: saber de que

maneira o PB estava sendo observado nesses manuais. O PB nas quatro variantes observadas

não tem sido apresentado de maneira satisfatória, sendo trazidas, em sua maioria, de maneira

normativa. Sabemos que o uso de clíticos na fala praticamente está extinto e que a principal

maneira de retomar um objeto direto de terceira pessoa é por meio da anulação do objeto. O

verbo ter existencial acabou não aparecendo em dois manuais e as estratégias de relativização

também não apareceram em dois manuais. As estratégias de relativização, novamente,

aparecem apenas na forma padrão, o que distancia ainda mais o português do livro didático do

português brasileiro falado. As questões levantadas nesse trabalho podem servir de base ao

professor que usa ou precisará usar esses livros em situações de ensino-aprendizagem para

que, conhecendo as principais características do PB falado, desenvolva, acrescente, substitua,

modifique as atividades presentes nos manuais. Acreditamos, assim, que apesar das falhas

apontadas na investigação das variantes, nossa proposta trouxe uma contribuição positiva aos

livros de Português para Estrangeiros, já que colocamos questões que podem melhorá-los.

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