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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO BRUNO BARBOSA DA COSTA SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER FORTALEZA 2016

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA

SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

FORTALEZA

2016

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA

SEM REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

Monografia apresentada ao Curso de

Direito da Universidade Federal do

Ceará como requisito parcial para

obtenção do Título de Bacharel em

Direito.

Orientador: Profa. Dra. Theresa Rachel

Couto Correia.

FORTALEZA

2016

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C87s Costa, Bruno Barbosa da. Segurança sanitária : fornecimento de fosfoetanolamina sem regulamentação da Anvisa a pacientes comcâncer / Bruno Barbosa da Costa. – 2016. 61 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,Curso de Direito, Fortaleza, 2016. Orientação: Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia.

1. Direito à Saúde. 2. Medicamentos. 3. Segurança sanitária. 4. Vigilância sanitária. 5.Fosfoetanolamina. I. Título. CDD 340

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BRUNO BARBOSA DA COSTA

SEGURANÇA SANITÁRIA: FORNECIMENTO DE FOSFOETANOLAMINA SEM

REGULAMENTAÇÃO DA ANVISA A PACIENTES COM CÂNCER

Monografia apresentada ao Curso de Direito

da Universidade Federal do Ceará como

requisito parcial para obtenção do Título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Profa. Dra. Theresa Rachel Couto

Correia.

Aprovada em: ____/____/_______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profa. Dra. Theresa Rachel Couto Correia (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________

Profa. Dra. Beatriz Rêgo Xavier

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________________

Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior

Universidade Federal do Ceará - UFC

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

A Deus,

Aos meus pais, Francisco Antônio Albino da

Costa e Maria de Fátima Barbosa Lima,

À Isabel C. Barbosa Lima (in memoriam).

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, criador que me amou primeiro e durante toda

minha vida tem revelado seu amor e misericórdia infinita. Sua providência é revelada a cada

novo dia e protege minha família a todo instante. Sem sua bênção esse trabalho e toda a

trajetória até ele jamais teriam sido possíveis.

Ao meu pai, Francisco, que diante das dificuldades e injustiças da vida sempre

buscou o caminho do trabalho, da honestidade e da fé e que fez da própria vida um sacrifício

em prol da minha educação e formação humana.

À minha mãe amada, Fátima, por ser exemplo de ser humano, fonte constante dos

valores e virtudes que tomo para a vida; pela paciência na educação; pelos conselhos; pelo

carinho; e por ser minha maior e melhor professora.

Aos meus avós maternos, Anísio e Juliana, pelo exemplo de vida humilde e santa;

pelos ensinamentos; pelos momentos inesquecíveis proporcionados na infância.

À minha avó paterna, Lurdes, por todo o carinho e pela força de viver.

À Maria Caroline, por ser minha companheira nos bons e maus momentos.

À professora Theresa Rachel, por ter aceitado o convite para orientar este trabalho

e por todas as dicas e conselhos prestados com paciência e serenidade.

Ao professor William, pela inesgotável paciência e alegria no trato.

À professora Beatriz, por despertar meu interesse ao Direito do Trabalho e pelo

respeito absoluto aos alunos dentro e fora da sala de aula.

Aos amigos da graduação, Renan, Ciro, João Paulo, Anísio, Gabriel, Marília,

Marjorie e Cícero pelo carinho e por toda a ajuda prestada nos momentos difíceis.

Ao Colégio Mauro Bezerra, na pessoa de Maura Bezerra, por toda a educação

adquirida; pela formação cristã; pelo tratamento respeitoso e amoroso; pelos valores

transmitidos; pelas experiências; e pelas oportunidades oferecidas.

À Mariella Pittari, por todos os conselhos e correções; e por proporcionar a

melhor experiência de estágio possível.

Ao Escritório Santana, Maia e Pessoa, pela confiança e oportunidade; e por

permitir a vivência real da advocacia.

Aos parceiros do sagrado futebol, Igor Oliveira (Igovisck) e Junior Barbosa pelos

momentos mais alegres e descontraídos.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

A humanidade de hoje, se conseguir conjugar

as novas capacidades científicas com uma

forte dimensão ética, [...] será capaz de

eliminar os fatores de poluição, de assegurar

condições de higiene e de saúde adequadas,

tanto para pequenos grupos como para vastos

aglomerados humanos [...] com a condição de

que prevaleça a ética do respeito pela vida e a

dignidade do homem [...].

São João Paulo II

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RESUMO

O trabalho investiga a possibilidade de fornecimento de fosfoetanolamina sintética pelo

Estado a pacientes com câncer antes de registrada pela Anvisa. Foram analisados os diversos

conceitos de saúde até a definição mais moderna. Em seguida, foi abordada a proteção

internacional e nacional do direito à saúde até a promulgação da Constituição Federal de 1988

e a criação do Sistema Único de Saúde. Nesse contexto, avaliaram-se os deveres e limitações

do Estado nas ações e serviços de saúde pública diante do mínimo existencial e da reserva do

possível e a intervenção do Poder Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde.

Ademais, a segurança sanitária foi abordada como obrigação a ser seguida pelo Estado e

particulares nos direitos e deveres respectivos. No mesmo sentido a necessidade da ética

sanitária no cuidado da saúde e a legislação para incorporação foram averiguadas para

analisar a necessidade de registro de novas substâncias antes da autorização para o uso. Por

fim, um breve histórico da fosfoetanolamina foi apresentado seguido da análise das decisões

nos tribunais e posicionamento das entidades de saúde, vigilância e pesquisa quanto a seu uso

como medicamento e alternativas para o fornecimento.

Palavras-chave: Direito à Saúde. Medicamentos. Segurança Sanitária. Vigilância Sanitária.

Fosfoetanolamina.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

RESUMEN

El trabajo investiga la posibilidad de suministro de fosfoetanolamina sintética por el Estado

para los pacientes con cáncer antes del registro por la Anvisa. Los diversos conceptos de salud

fueron analizados a la definición más moderna. A continuación, se presentó con a la

protección internacional y nacional del derecho a la salud hasta la promulgación de la

Constitución de 1988 y la creación del Sistema Único de Salud. En este contexto, se

evaluaron los deberes y limitaciones de las acciones del Estado y los servicios de salud

pública en la cara de un mínimo existencial y la reserva posible y la intervención del poder

judicial en la aplicación del derecho fundamental a la salud. Además, la seguridad de la salud

se ha abordado en la obligación de ser seguido por el Estado y los particulares en sus derechos

y obligaciones. En el mismo sentido la necesidad de la ética para la salud en la atención

sanitaria y la legislación para su incorporación se investigaron para analizar la necesidad de

registro de nuevas sustancias antes de la autorización para su uso. Por último, una breve

historia de fosfoetanolamina se presentó seguida por el análisis de las decisiones de los

tribunales y el posicionamiento de las autoridades sanitarias, la vigilancia y la investigación

en cuanto a su uso como medicina y las alternativas a la oferta.

Palabras clave: Derecho a la salud. Medicamentos. Seguridad de la Salud. Vigilancia

Sanitaria. Fosfoetanolamina .

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fluxograma 1 Etapas para registro de medicamento junto à Anvisa ................. 41

Quadro 1 Resultados apresentadas pelo Grupo de Pesquisa da USP .......... 50

Quadro 2 Resultados apresentadas pelo Grupo de Trabalho do MCTI ...... 51

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Academia Brasileira de Ciências

AMB Associação Médica Brasileira

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CIENP Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos

CONEP Comissão Nacional de Ética e Pesquisa

CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS

CONSINCA Conselho Consultivo do Inca

DCI Denominação Comum Internacional de Medicamentos

FDA Food and Drug Administration

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INCA Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva

INPI Instituto Nacional de Propriedade Intelectual

IQSC Instituto de Química de São Carlos

LASSBIO Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias

MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

NPDM Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

STF Supremo Tribunal Federal

SUS Sistema Único de Saúde

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13

2 DIREITO À SAÚDE: PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL .... 14

2.1 Proteção à Saúde no âmbito internacional ....................................................... 15

2.1.1 Conceito de saúde e sua proteção pela OMS ..................................................... 15

2.1.2 A saúde na Declaração Universal dos Direitos Humanos .................................. 18

2.2 A Saúde na Constituição Federal de 1988 e o SUS ........................................... 20

2.3 Reserva do possível e mínimo existencial ......................................................... 22

2.4 Judicialização da saúde ...................................................................................... 27

3. SEGURANÇA SANITÁRIA: ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS ............ 31

3.1 Direito Sanitário ................................................................................................... 34

3.2 Ética Sanitária ..................................................................................................... 37

3.3 Assistência terapêutica e incorporação de novos medicamentos .................... 40

4 FOSFOETANOLAMINA: CONTROLE JURISDICIONAL ......................... 43

4.1 Histórico ............................................................................................................... 43

4.2 A fosfoetanolamina nos tribunais ....................................................................... 44

4.3 Necessidade de pesquisas para comprovação dos efeitos anticancerígenos .... 47

4.4 Lei nº 13.269/2016 ................................................................................................ 51

4.5 Utilização como suplemento ................................................................................ 54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 56

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 58

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1. INTRODUÇÃO

Num Estado Democrático de Direito sua proteção é constituinte fundamental do

conceito de dignidade da pessoa humana compondo o rol dos direitos fundamentais. No

Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 196 a saúde com um direito

de todos e dever do Estado.

Nesse sentido, as dificuldades enfrentadas na concretização desse direito tem

levado ao debate a intervenção judicial na tutela da saúde. No tema, as principais discussões

versam sobre a interferência e separação dos poderes ou sobre o conflito entre o mínimo

existencial e a reserva do possível. Nessa última contenda, questões como o fornecimento de

tratamentos não cobertos pelo SUS ou com valores excessivamente onerosos discutem o

limite da obrigação do Estado nos serviços de saúde.

Diante da resposta positiva do Poder Judiciário em favor dos cidadãos, surge o

problema das decisões determinando o fornecimento de medicamentos em fase experimental

ou sem eficácia comprovada a pacientes contrariando a legislação sanitária nacional.

Em 2014 a fosfoetanolamina ganhou destaque nacional em virtude da grande

demanda de pacientes com câncer pleiteando seu fornecimento pelo Estado. A despeito de não

haver registro da substância no órgão de vigilância sanitária, a Anvisa, milhares de decisões

favoráveis foram concedidas embasadas pelo direito à saúde.

É necessária, pois, a análise legal e axiológica da possibilidade de obrigar o

Estado a fornecer tratamento em descumprimento às normas sanitárias. Nesse aspecto, o

estudo histórico e internacional do direito à saúde e seu desenvolvimento no Brasil são

fundamentais para estabelecer os fundamentos constitucionais em que se apoia o

entendimento favorável ao fornecimento. Do mesmo modo, as problemáticas anteriores

envolvendo o direito à saúde serão abordadas como pressupostos para averiguação da questão

específica envolvendo a obrigatoriedade o registro.

Ademais, far-se-á uma distinção entre direito à saúde e direito sanitário buscando

estabelecer os limites do Estado e dos indivíduos em suas obrigações e direitos. Além disso, a

dimensão ética do direito sanitário será estudada na tentativa de estabelecer critérios para a

limitação do acesso aos medicamentos sem autorização da Anvisa.

Por fim, as decisões judiciais, o posicionamento das entidades de saúde, ciência e

pesquisa e as soluções alternativas de uso da fosfoetanolamina serão apresentados com

objetivo de averiguar a possibilidade de fornecimento da substância.

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

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2. DIREITO À SAÚDE: PROTEÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

O direito à saúde é consequência do direito à vida e da dignidade da pessoa

humana e sua proteção é também a defesa daqueles. Não se pode falar em direito à vida, sem

que se garanta o acesso ou o direito à saúde1.

A palavra saúde deriva do termo latino salus (salutis) que significa, em tradução

livre: salvação, conservação e segurança da vida. A saúde busca conservar a vida, bem maior

de todo ser humano e direito primeiro do qual decorrem todos os outros direitos. Disso, é

possível concluir que o direito à saúde é o direito à proteção da vida. O dicionário Michaelis2

define a palavra “saúde” da seguinte forma:

sf (lat salute) 1 Bom estado do organismo, cujas funções fisiológicas se vão fazendo

regularmente e sem estorvos de qualquer espécie. 2 Qualidade do que é sadio ou

são. 3 Vigor. 4 Força, robustez. 5 Disposição física, estado das funções orgânicas do

indivíduo. 6 Disposição ou estado moral do indivíduo. 7 Bem-estar físico,

econômico, psíquico e social (conceito moderno). 8 Brinde ou saudação que se faz

bebendo à saúde de alguém. S. intercadente: a que apresenta alternativas de melhor

ou pior. S. pública: arte e ciência que trata da proteção e melhoramento da saúde da

comunidade, pelo esforço organizado dos poderes públicos e que inclui a Medicina

preventiva e diversas formas de assistência social.

As definições do dicionário apresentam a saúde em sua dupla face: como

condição sã e de bem-estar do indivíduo ou coletividade e como serviço prestado pelo estado

(saúde pública). Uma vez que não é possível ao estado garantir corpos perfeitamente

saudáveis aos indivíduos, o segundo sentido (serviços e ações públicas) caracteriza de modo

mais razoável a saúde enquanto prestação a ser exigida do estado.

Para Castro (2005), a saúde engloba todo um conjunto de preceitos e regras de

higiene que visam cuidar das funções biológicas do corpo e prevenir de doenças preservando

a saúde, enquanto que no caso em que a saúde esteja fragilizada, os medicamentos são os

principais responsáveis pela recuperação do estado sadio do indivíduo3. Nesse sentido, o

direito à saúde teria duas faces: a preservativa e a protetiva.

1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 35ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 544.

2Michaelis: Dicionário de Português on-line. Editora Melhoramentos, 2009. Disponível em: <

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=sa%FAde>.

Acesso em: 26 maio 2016. 3 CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Direito Público subjetivo à saúde: conceituação, previsão legal

e aplicação na demanda de medicamentos em face do Estado-membro. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/direito-p%C3%BAblico-subjetivo-%C3%A0-sa%C3%BAde-

conceitua%C3%A7%C3%A3o-previs%C3%A3o-legal-e-aplica%C3%A7%C3%A3o-na-demanda-de-med>.

Acesso em: 28 maio 2016.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

15

A primeira seria referente a uma ação do Estado voltada para a coletividade,

através de medidas de segurança como as ações de fiscalização e vigilância sanitária com fim

de preservar o estado de saúde coletivo e eliminar ou controlar riscos e fatores potencialmente

danosos. Já a proteção teria aplicação direta ao indivíduo e envolveria desde a prevenção,

passando pelo tratamento e a recuperação da saúde através do acesso a tratamentos e

medicamentos prestados pelo Estado. A administração pública seria responsável, portanto,

pelas ações coletivas e individualizadas de cuidados com a saúde.

Esses conceitos atuais nasceram, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, o

que marcou determinantemente seus preceitos básicos como a universalidade do acesso à

saúde, igualdade entre os indivíduos, programas voltados ao controle de epidemias, políticas

públicas de saúde e responsabilidade dos estados no fornecimento de tratamentos.

Apresentam-se a criação da Organização Mundial da Saúde - OMS em 1948 e a

Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas no

mesmo ano. Desde então se passou a exigir dos estados uma prestação positiva em relação à

saúde e demais direitos da coletividade.

Com efeito, o que se assistiu durante o século XX e mais acentuadamente no

século atual é o fortalecimento das normas de garantias dos direitos fundamentais (em

especial os direitos sociais). Houve a superação da previsão meramente programática para

uma aplicação plena e imediata, muito embora sua eficácia seja por vezes garantida mediante

intervenção do Poder Judiciário na esfera de atuação da administração pública, o fenômeno da

judicialização da saúde.

2.1. Proteção à Saúde no âmbito internacional

Internacionalmente, as ações de proteção à saúde como política pública adotada

pelos Estados tem representado uma preocupação crescente. Assim também, a integração e

cooperação das nações diante das crises causadas pela economia, desastres naturais ou

epidemias representam um avanço e conscientização da necessidade de cuidar do bem-estar

dos povos. No século atual é certo que o direito à saúde ganhará destaque nos debates

internacionais. Nesse contexto, as organizações de saúde e direitos humanos exercem papel

fundamental na criação de normas e acordos para promoção da saúde.

2.1.1. Conceito de saúde e sua proteção pela OMS

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

16

A Organização Mundial de Saúde (OMS), entidade representante de 194 Estados-

membros, subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU) tem como principal função a

direção e coordenação da ação sanitária internacional. No preâmbulo de sua constituição

define saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente

ausência de afeções e enfermidades4”. Isso revela que não basta apenas o estado de ausência

de doenças, mas também a situação afirmativa de bem-estar individual e social.

Nas últimas décadas as diversas cartas, documentos e declarações assinadas pelos

países corroboram a ideia de uma ampliação do conceito de saúde5 abrangendo também o

bem-estar econômico, do trabalho, dentre outras condições como paz, habitação, educação,

etc. A Carta de Ottawa (1986) aponta a saúde como “um conceito positivo, que enfatiza os

recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde

não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida

saudável, na direção de um bem-estar global6”. Isso se deve ao desenvolvimento industrial,

crescimento do consumo, maior acesso aos bens e serviços, globalização, velocidade de

informação e integração entre as nações. Como exemplo, a crise econômica em um país é

sentida quase que instantaneamente por outros países de modo que o papel da economia na

vida cotidiana das cidades é cada vez maior. Nesse sentido, a Declaração de Santafé de

Bogotá (1992) foi elaborada com o compromisso de “impulsionar o conceito de saúde

condicionada por fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, de conduta e

biológicos, e a promoção da saúde como estratégia para modificar estes fatores

condicionantes7”. As questões da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável

também passaram a integrar o conjunto de ações e políticas contidas no conceito de saúde

mais moderno.

Além disso, em países subdesenvolvidos a escassez de recursos, materiais e

suporte financeiro impossibilitam a eficácia das ações de saúde nas áreas de extrema pobreza.

A fome, a miséria e a falta de higiene representam grandes desafios na concretização de uma

população majoritariamente saudável e refletem no desenvolvimento econômico num

mercado mundial totalmente integrado. Recentemente, a Declaração de Adelaide sobre a

4ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS/WHO). Constituição. Nova Iorque, 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-

Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2016.

6PRIMEIRA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE PROMOÇÃO DA SAÚDE. Carta de Ottawa,

1986. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf>. Acesso em: 03 jun.2016. 7CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE PROMOÇÃO DA SAÚDE. Declaração de Bogotá, 1992.

Disponível em: <http://www.ergonomianotrabalho.com.br/artigos/Santafe.pdf> Acesso em: 03 jun.2016.

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

17

Saúde em Todas as Políticas reconheceu que a “interface entre a saúde, o bem-estar e o

desenvolvimento econômico tem sido inserida na agenda política de todos os países. Cada vez

mais, comunidades, empregadores e indústrias esperam e demandam ações governamentais

coordenadas e incisivas de combate aos determinantes da saúde e do bem-estar 8[...]”.

Um conceito mais extensivo é defendido por autores com a inclusão do bem-estar

no trabalho; bem-estar do meio ambiente; bem-estar afetivo, dentre outros. A crítica a um

conceito amplo e genérico da saúde é devida à medida que a generalidade leva ao risco da

abstração distante da realidade, o que representaria o regresso das conquistas obtidas na

proteção da saúde nas últimas décadas.

Em contraponto, por muito tempo a saúde foi entendida basicamente como a

perfeição das funções e dos movimentos do corpo ausente de doenças. Somente com o

desenvolvimento da sociedade, o fenômeno da globalização, as novas relações de trabalho a

que se soma o desenvolvimento das ciências humanas e biológicas (medicina, direitos

fundamentais, sociologia, psicologia...) a saúde mental e social passaram a ser também uma

preocupação das políticas estatais e das populações.

A necessidade do bem-estar social integra a busca individual por uma vida

saudável com a solidariedade dos cidadãos em apoio às ações públicas de proteção à saúde.

Aliás, é comum que se leiam reportagens que trazem os termos “população saudável”;

“população obesa”; “sociedade doente”; “filhos desnutridos”, utilizando a definição da OMS

como referência para a ausência de bem-estar social e doença no contexto da coletividade.

A noção de saúde atual contempla a integração de todos os órgãos e sistema do

indivíduo biológico, psíquico e também social. Do mesmo modo, a saúde coletiva contempla

a atuação integrada de todas as instituições públicas de saúde com fim de prover o bem-estar

por meio de ações efetivas de prevenção e tratamento de doenças.

Em sua constituição, a OMS declara ainda que “gozar do melhor estado de saúde

que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem

distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social”.

A saúde é, portanto, bem e direito fundamental de todos e sua proteção depende

de um esforço conjunto dos indivíduos e do estado para que seja alcançada em seu melhor

grau e pelo maior número de pessoas. A OMS considera os governos como portadores de

8 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração de Adelaide sobre a Saúde em Todas as Políticas,

2010. Disponível em:

<http://www.who.int/social_determinants/publications/isa/portuguese_adelaide_statement_for_web.pdf>. Acesso

em: 03 jun.2016.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

18

“responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo

estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas”.

No artigo 2º de sua constituição, a OMS elenca dentre suas funções a promoção

“em cooperação com outros organismos especializados, quando for necessário, o

melhoramento da alimentação, da habitação, do saneamento, do recreio, das condições

econômicas e de trabalho e de outros fatores de higiene do meio ambiente9” bem como o

desenvolvimento de normas internacionais relacionadas aos produtos farmacêuticos o que se

configura na adoção de parâmetros de vigilância rigorosa dos produtos que possam causar

danos à saúde.

Dentre as funções que se podem destacar na atuação da OMS está a codificação

da Denominação Comum Internacional dos Medicamentos10

– DCI (conhecido no Brasil como

nome genérico da substância) além de manter em seu banco de dados informações atualizadas

sobre os efeitos colaterais dos medicamentos e uma lista de referência de medicamentos

essenciais nos cuidados básicos de saúde (WHO Model Lists of Essential Medicines).

De certa maneira, ainda que o objetivo das entidades e estados seja a garantia da

melhor condição de saúde possível, diversos fatores internos, externos, objetivos e subjetivos

interferem no bem-estar do ser humano de maneira que a principal ação no sentido de

preservação da saúde coletiva é a segurança da população na exposição a produtos e

ambientes com potencial nocivo.

As campanhas públicas alertando sobre os perigos da obesidade, do cigarro, das

drogas e até mesmo da automedicação tem ganhado espaço e investimento na mídia brasileira,

mas a ação do Estado não exime os indivíduos, as famílias, empresas e comunidades de

atuarem na defesa da saúde e na responsabilidade por ações que garantam o próprio bem-estar

como a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada, moderação no consumo de

bebidas, dentre outros.

2.1.2 A saúde na Declaração Universal dos Direitos Humanos

9 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS/WHO). Constituição. Nova Iorque, 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-

Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 26 maio 2016.

10 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Denominação Comum Internacional. Disponível em: <

http://www.who.int/medicines/services/inn/innguidance/en/>. Acesso em: 30 maio 2016

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

19

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela

Assembleia Geral das Nações unidas em 10 de dezembro de 1948 onde se considerou “[...]

essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito [...]”.

Os direitos humanos são os direitos universais e as liberdades inerentes a todos os

homens sejam quais forem sua nacionalidade, etnia, condição social, religião ou pensamento.

A igualdade de deveres e direitos perante as leis e o espírito de fraternidade contido na

declaração são lastreados acima de tudo pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentre os direitos humanos está a saúde11

:

Artigo 25

[...]

§1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua

família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados

médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios

de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

O direito à segurança em caso de doença é, em verdade, a proteção da saúde e

nasce do caráter solidário dos direitos humanos e da obrigação dos Estados pela prevenção e

tratamento de doenças. Ainda que abstrata e de caráter não vinculativo a todos os países, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos representou enorme contribuição à concretização

da proteção à saúde na adesão de muitas nações ao documento.

No Brasil, como exemplo da repercussão da Declaração dos Direitos Humanos, a

previsão do direito à segurança em caso de desemprego, doença ou velhice restou consolidada

no artigo 194 da Constituição Federal que trata exatamente da seguridade social como

“conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social12

”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos juntamente com o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos13

(PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais14

(PIDESC), os últimos aprovados pela ONU em 1966,

11

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.dudh.org.br/declaracao/>.

Acesso em: 28 maio 2016. 12

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 2016. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 01jun. 2016. 13

BRASIL. Decreto 592 de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 08

jun. 2016. 14

BRASIL. Decreto 591 de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-

1994/d0591.htm>. Acesso em: 08 jun. 2016.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

20

compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos. O PIDESC que promove em especial

os direitos sociais, dentre eles a saúde, possui a adesão de mais de 160 países aos quais se

integra o Brasil que ratificou todo o conteúdo da Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2.2 A Saúde na Constituição Federal de 1988 e o SUS

No Brasil, os primeiros serviços de saúde eram prestados de modo assistencialista,

onde se destaca a atuação das Santas Casas da Misericórdia no tratamento de doentes.

Posteriormente, a edição da Lei Elói Chaves em 1923 criou as caixas de pensão,

aposentadoria e assistência médica para os trabalhadores ferroviários e representou o início da

atuação estatal por meio da legislação específica.

Posteriormente, outras leis foram editadas estabelecendo no Brasil um serviço de

saúde securitário (assistência somente aos trabalhadores contribuintes) e não integralizado.

Aos demais brasileiros, o acesso à saúde continuou a ser realizado por meio das instituições

beneficentes e filantrópicas, médicos particulares ou, quando havia, por algum hospital

público local. Durante o período do governo militar no Brasil foi criado o INAMPS (Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) que oferecia assistência aos segurados

contribuintes por meio de convênios com hospitais privados.

Somente com a Constituição Federal de 1988 o direito subjetivo à saúde tornou-se

bem jurídico protegido, contendo a previsão de criação de um Sistema Único de Saúde (SUS)

organizado de forma descentralizada, com atendimento integral distribuído em rede

hierarquizada e regionalizada. Só então o acesso aos serviços de saúde passou a ser universal

e igualitário independente de contribuição.

A Constituição Federal de 1988 conferiu à saúde o status de direito fundamental

elencando-o entre os direitos sociais (art. 6º), sendo, pois, um direito do indivíduo em face do

estado e ao qual este não se negará a fornecer. Além disso, conferiu ao Poder Público a

responsabilidade sobre a regulamentação, fiscalização e controle do serviço de saúde (art.

197), passando este a ser realizado através do SUS.

A Lei nº 8.080/9015

, em seu artigo 4º, definiu o SUS como “o conjunto de ações e

serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e

municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder

15

BRASIL. Lei 8.080/90 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 22 jun. 2016.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

21

Público[...]”. Dentre outros princípios contidos no art. 7º da mesma lei, os princípios básicos

norteadores das ações do SUS são a universalidade e equidade.

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou

conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de

acordo com as diretrizes previstas no Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e

os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de

Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da

Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das

ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada

caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

A universalidade entendida como o acesso aos serviços de saúde por todos os

cidadãos e equidade como a segurança do acesso aos serviços de acordo com o grau de

necessidade e complexidade de cada caso, sem privilégios ou preconceitos.

O artigo 200 da CF/88 estabeleceu as competências do SUS:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a

saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,

hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de

saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento

básico;

V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico

e a inovação;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor

nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e

utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Apesar do SUS ser conhecido popularmente como a rede de hospitais públicos

para tratamento de doenças e fornecimento gratuito de medicamentos, com longas filas de

espera e muitas vezes precário em recursos e equipamentos, a previsão de suas atribuições na

Constituição revela a preocupação maior com a prevenção e segurança da saúde dos assistidos

pelo sistema do que propriamente o tratamento na recuperação da saúde e combate às doenças

(sistema de atenção primária).

Os incisos I, II e VII do art. 200 mais especificamente apontam para o controle e

fiscalização de substâncias químicas e medicamentos que possam vir a causar danos à saúde

de forma que a atuação do sistema de saúde brasileiro deve prezar sobretudo pela ação

preventiva e protetiva, complementada pelas ações de recuperação da saúde.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

22

Em suma, o sistema de saúde é uma estrutura adotada para que os serviços de

prevenção, proteção e recuperação da saúde sejam fornecidos aos cidadãos por meio do

acesso seguro a tratamentos, medicamentos, substâncias químicas e alimentos. A segurança

naquilo que é fornecido aos cidadãos é critério básico e fundamental no dever do Estado à

garantia da saúde de todos.

De fato, o direito à saúde superou o idealismo da pretensão almejada passando a

ser dever do estado de prestação de serviço gratuito a toda a população. No Brasil, esse

serviço é regulado pela previsão constitucional somada à legislação de normas

infraconstitucionais.

Nesse sentido foram criadas leis, dentre as quais se destaca a Lei nº 8.080/90

(Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização

e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências) e mais

recentemente o Decreto nº 7.646/2011 (Dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de

Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação,

exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras

providências) e a Lei nº 12.401/2011(Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para

dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do

Sistema Único de Saúde – SUS).

No tocante à recuperação e manutenção da saúde, o Ministério da Saúde

estabeleceu, por meio da Portaria nº 3.916/98, a Política Nacional de Medicamentos com o

propósito de “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a

promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais16

”.

Nesse seguimento, a legislação brasileira avançou consideravelmente. Contudo, a

maior proteção repercute economicamente em gastos e investimentos, o que muitas vezes

dificulta e limita o acesso aos serviços de saúde.

2.3 Reserva do possível e mínimo existencial

O sistema de saúde brasileiro, incapaz de atender de maneira plena todas as

demandas de saúde e sem recursos financeiros para oferecer todos os serviços necessários à

população, tem gerado a discussão entre a universalidade do atendimento e o mínimo

existencial que deve ser oferecido à população e a reserva do possível.

16

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria 3.916, de 30 de outubro 1998. Disponível em: <

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html>. Acesso em: 29 maio 2016.

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

23

A universalidade contempla o acesso de todas as pessoas aos serviços de saúde

que deve fornecer o maior número de remédios e tratamentos possíveis. Conforme já tratado

anteriormente, a universalidade está prevista expressamente na Lei Orgânica da Saúde (Lei

8.080/90) e também na Constituição Federal.

Já a reserva do possível tem sido alegada pelos gestores públicos municipais,

estaduais e federal como a impossibilidade do estado em suprir todas as necessidades da

população, em específico naquilo que refere aos direitos sociais como educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados...

A análise da questão, ainda que rápida, necessita da adequada compreensão

daquilo que seria “reserva do possível”.

O termo tem origem na tradução de uma palavra de origem alemã utilizada em

uma decisão de 1972 proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão que estabeleceu uma

limitação fática condicionada pela reserva do possível sobre aquilo que o cidadão pode exigir

do Estado. O significado adotado lá equivale ao que se utiliza no Brasil. O orçamento público

tem, obviamente, um limite e desse modo deve ser utilizado de forma a harmonizar os

interesses e necessidades dos quais decorrem despesas econômicas. O primeiro responsável

por essa harmonização seria o legislador na elaboração, destinação e aprovação de verbas para

as diversas áreas em que atua o Estado. Observa-se, no entanto, a rejeição da ideia pela

jurisprudência brasileira que tem compreendido de forma errada a “reserva do possível” como

artifício encontrado pela Administração Pública para preservar os recursos financeiros das

determinações proferidas em sentenças judiciais, com fim último de negar a efetivação dos

direitos sociais. Em verdade, ainda que de fato exista a tentativa de burlar a previsão

constitucional protegida e exigida pela intervenção do poder judiciário, a reserva do possível

não pode ser entendida como simples falácia. Trata-se de termo que busca na economia sua

justificativa diante da realidade da escassez de recursos enfrentada pelo Estado em todas as

esferas administrativas assim como pela iniciativa privada. O Estado deve, pois, levar em

consideração os recursos disponíveis e suas prioridades para escolher a melhor forma de

utilizar o dinheiro público. Cabe então o conceito de “escolhas trágicas” no tocante à

impossibilidade econômica que indivíduos e poder público possuem para resolver todas as

necessidades que surgem. Em se tratando do Estado, são referentes às escolhas políticas que

de fato representam uma opção em destinar mais e prioritariamente recursos para áreas de

maior interesse político para o bem comum. Contudo, não se pode confundir a “reserva do

possível” referente à escassez econômica com “impossibilidade técnica”. A impossibilidade

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

24

técnica trata, por exemplo, de remédios experimentais que até mesmo em virtude de seu

caráter não estão prontos para serem disponibilizados a toda população, enquanto que a

escassez de recursos é exatamente a impossibilidade econômica de produzir o suficiente para

atender a toda demanda que surja (SCAFF, 2013)17

.

A questão parece longe de uma solução pacífica. Afinal, se o cidadão não pode

exigir tudo do Estado, naquilo que pode exigir, o fará sem limites? Havendo, como é comum,

falta de recursos para atender a todos, qual a solução a ser adotada? Seria o caso de um

remanejamento de verbas públicas? Enfim, para o problema proposto em analise nesse

trabalho, mais importante é a diferenciação já feita entre “reserva do possível de caráter

econômico” e “impossibilidade técnica”.

No tocante aos medicamentos experimentais, a reserva do possível ainda que

constante como fator limitador, por restringir até mesmo os recursos do Estado para pesquisas

de novos tratamentos, atua secundariamente em relação à impossibilidade técnica. Os novos

medicamentos e substâncias necessitam ser testados e analisados quanto à segurança e

eficácia em humanos e isso demanda tempo, dinheiro e tecnologias. Ora, de todo modo a

impossibilidade técnica não foge de ser espécie da reserva do possível, uma vez que a falta de

segurança ou técnica de produção viável constituem limites ao que o indivíduo possa cobrar

do estado. Não por acaso crescem a cada dia as demandas judiciais onde se pleiteia o

fornecimento de tratamentos não cobertos pelo SUS o ainda a concessão de remédios novos

ou em fase experimental18

.

Sarlet19

(2009, p. 287) assim compreende a reserva do possível:

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível

apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva

disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a

disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima

conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias,

legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama

equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema

constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um

direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da

proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta

quadra, também da sua razoabilidade.

17 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível pressupõe escolhas trágicas. Revista Consultor Jurídico, 28

de fevereiro de 2013. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-fev-26/contas-vista-reserva-possivel-

pressupoe-escolhas-tragicas>. Acesso em: 09 jun.2016. 18

Sobre a distinção entre remédios novos e experimentais ver capítulo 3. 19

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado,

2009, p. 287.

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25

A definição do autor abrange satisfatoriamente as dimensões da reserva do

possível, as quais merecem comentários. Primeiramente, a disponibilidade fática é

fundamental à justificativa da reserva do possível. Sem dinheiro o Estado não consegue

efetivar direitos. De qualquer forma, diante de recursos finitos, cabe ao poder público garantir

o mínimo existencial, ou seja, aqueles direitos e serviços básicos e fundamentais de que

necessitam todos os cidadãos. A reserva do possível não deve, portanto, ser justificativa para o

não atendimento às demandas de saúde pública, mas, ao contrário, deve ser a principal razão

do bom uso do limitado orçamento visando garantir o mínimo existencial.

Isso já ocorre com, por exemplo, as vacinas. Diante de surtos como a dengue ou a

gripe o governo, tendo pouco tempo para agir e recurso limitado no momento, seleciona

grupos de risco, mais vulneráveis para aplicar o medicamento imediatamente. Nesses casos

cabe ao governo elaborar estratégias para atingir da melhor forma os objetivos da prevenção e

proteção da saúde pública.

Em seguida, a dimensão da disponibilidade jurídica merece alguma crítica. Ainda

que o orçamento preveja um montante específico de gastos para a saúde, sendo o recurso

insuficiente, nada justifica a manutenção de valores para propaganda institucional do governo

ou mesmo o altíssimo número de cargos de confiança e comissionados em todas as esferas do

poder público brasileiro, ou ainda gigantescas e inacabadas obras, muitas delas sem retorno

efetivo nenhum para a população.

A garantia dos direitos fundamentais deve ser a prioridade das verbas públicas,

obviamente resguardando as funções básicas da máquina estatal. De tal modo, a principal

defesa dos Estados e Municípios nas demandas de saúde tem sido o limite dos gastos com a

saúde em respeito à lei orçamentária.

Contudo, as regras estatais não devem estar acima dos direitos do homem. Afinal,

o Estado nasceu para atender ao ser humano. Sua única função é prestar-lhe serviço, de tal

modo que nenhuma construção da estrutura e organização estatal pode sobrepujar os direitos e

liberdades do homem, anteriores aos regramentos públicos. Isso porque o Estado não tem

objetivos e interesses próprios, mas somente é instrumento de efetivação dos direitos do

homem (MARTINS, 1985)20

.

Faz-se necessário, portanto, a prudência na aplicação do princípio da reserva do

possível de tal modo que a última dimensão apresentada por Ingo Sarlet apresenta-se como a

mais adequada limitação da prestação estatal.

20

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A justiça e a lei positiva in Lei Positiva e Lei Natural. Caderno de Direito

Natural. Vol 1. Belém: CEJUP, 1985, pp.21/27.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

26

No tocante ao terceiro aspecto, tratando da razoabilidade, certamente não pode o

indivíduo exigir da coletividade obrigação não prevista em lei, ou passível de prejudicar a

coletividade em favor de um particular. Exemplificando, não seria razoável a aplicação de

todo recurso público disponível no município para atender a um paciente em prejuízo de todos

os outros pacientes atendidos com os mesmo recursos.

Além disso, a atuação estatal deve obviamente prezar pela razoabilidade nos atos,

de modo a limitar-se pelo sensato, moderado, sem transpor os limites de sua responsabilidade

ainda havendo recurso financeiro disponível. Nem toda pretensão pode e deve ser atendida

pelo Estado. O princípio da legalidade, basilar da administração pública, veda ao Estado a

atuação naquilo que não está normatizado.

Ora, ainda que houvesse quantidades muito superiores de recursos, permitir e

atender toda e qualquer pretensão individual colocaria em risco a segurança do indivíduo, da

coletividade e representaria uma sobrecarga nas responsabilidades do estado. Como bem

prevê o artigo 2º, §2º da Lei nº 8.080/90, o dever do Estado não exclui o dever dos indivíduos,

das famílias e empresas. Assim, a reserva do possível supera a possibilidade de recursos e

adentra, de modo complementar, na razoabilidade da prestação e na existência ou não de

obrigação do Estado em fornecer o pleito do indivíduo.

Aparentemente, a reserva do possível só merece acolhimento quando existe real e

absoluta escassez de recurso e este foi utilizado da forma mais adequada possível dentro

daquilo que é de responsabilidade do estado. Ademais, havendo escassez para a área de saúde,

recursos devem ser remanejados para seu atendimento e ainda que não haja mais recursos,

assim que forem obtidos a prioridade deve ser a saúde pública.

Em verdade, encarar a limitação da atuação estatal na saúde como mero controle

de gastos é entender (de forma errada) o Estado com função exclusiva de gestor financeiro

ignorando sua função de prevenção, proteção e manutenção da saúde.

Com efeito, Barcellos21

(2008) defende que de fato os recursos são limitados e

essa limitação não pode ser ignorada, devendo o intérprete e assim também o magistrado levar

essa realidade em conta ao exigir judicialmente algum bem jurídico do Estado. Por outro lado,

o Estado recolhe recursos exatamente para que os direitos fundamentais previstos

constitucionalmente sejam garantidos e realizados por meio dos gastos públicos. Em verdade,

o objetivo da Constituição Federal de 1988 bem como de outras constituições modernas está

em assegurar o bem-estar do homem com base na sua dignidade que envolve dentre outros os

21

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da

pessoa humana. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 271-272.

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27

direitos individuais e condições mínimas matérias. Os elementos essências dessa dignidade,

chamados mínimo existencial, determinam as prioridades do gasto público. Desse modo,

estabelecendo prioridades, o mínimo existencial não conflita com a reserva do possível.

Considerando o Estado como servo do povo, a reserva do possível, ao contrário da

forma como é utilizada atualmente para negar a prestação de serviços básicos à população,

deveria ser pensada e utilizada para a máxima priorização de áreas fundamentais como a

saúde. O mínimo existencial representa, pois, o foco dessa reserva do possível.

Do mesmo modo, o termo “mínimo” limita o direito individual e coletivo de

requerer serviços do poder público que não se encontrem nessa esfera. Representa aquilo que

não pode faltar ao ser humano, o básico, o essencial, o imprescindível e não aquilo que o

Estado considera como o que pode fornecer minimamente. A limitação resulta do próprio

conceito e não de uma determinação administrativa.

O mínimo elementar é a vida. Nesse sentido, o fornecimento de medicamentos a

doentes graves é prioridade do Estado. Nessa situação já está superada a prevenção da saúde,

restando somente a tentativa de restauração do estado sadio por meio de medicamentos. O

Estado, portanto, ciente das limitações da reserva do possível, deve reservar prioritariamente

seus recursos à saúde e não omiti-los, sob pena de não funcionar para o fim ao qual se destina.

2.4 Judicialização da saúde

De toda forma, no Brasil os problemas que a área da saúde enfrenta como

deficiência de recursos, má-distribuição e utilização dos serviços, a corrupção e desvio de

verbas além do pouco incentivo às novas tecnologias e pesquisas representam enorme desafio

na atuação estatal. Consequentemente, a judicialização da saúde tem sido a maneira

encontrada pela população para obter acesso aos tratamentos e medicamentos fornecidos pelo

SUS e até mesmo a outros tratamentos não previstos e medicamentos não regulamentados.

Acionado, o Poder Judiciário enfrenta quase sempre a questão da escassez. Trata-

se, contudo, de um problema às vezes relativo. Se por um lado muitas prefeituras enfrentam a

total falta de recursos22

, o que impossibilita de todo modo o cumprimento de decisões

judiciais que obriguem, por exemplo, o fornecimento de medicamentos, inversamente, outras

22

O prefeito de Tabapuã/SP, Jamil Seron (PSDB), afirma que há falta de remédios no município por conta da

falta de recursos. “Praticamente zerou tudo. Está faltando quase tudo”, afirmou. O prefeito admitiu que cortou

cerca de 10 cargos em comissão - de livre nomeação e exoneração do chefe do Executivo. Disponível em: <

http://www.diariodaregiao.com.br/politica/sem-dinheiro-prefeituras-est%C3%A3o-paralisadas-1.387130>.

Acesso em: 09 jun. 2016.

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28

prefeituras, Estados23

e União se negam a cumprir as determinações judiciais enquanto

utilizam seus recursos sem priorizar os direitos fundamentais para dar destaque a banalidades

como pintar os prédios públicos com as cores do partido que no momento detenha o poder.

Nesses casos, a reserva do possível não pode ser alegada como negativa à

prestação jurisdicional. Não há, de fato, escassez, somente mau uso do dinheiro público. E,

havendo escassez, cabe o melhor uso do recurso. Não é razoável que o direito à saúde seja

deixado de lado por falta de recursos enquanto o dinheiro público é gasto com obras e festas

desnecessárias. Daí as decisões judiciais serem, em sua maioria, desfavoráveis aos estados,

municípios e união que não conseguem comprovar a total inexistência de recursos.

Em ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF)24

que versava sobre a

obrigação do estado em custear leitos privados a pacientes atendidos pelo SUS diante da

inexistência de leitos vagos em hospitais públicos, o relator Ministro Celso de Mello destacou

a atuação inafastável do Poder Judiciário em dar efetividade aos direitos sociais sob pena de

ineficácia da própria Constituição Federal. A inércia do poder público na prestação positiva

configuraria violação negativa de dos deveres constitucionais impostos ao Estado, o que o

STF já definiu em outros julgados como inconstitucionalidade por omissão. Nesse caso, o

Ministro considerou que não consta como função ordinária do Poder Judiciário a

implementação de políticas públicas, mas cabendo primariamente aos Poderes Legislativo e

Executivo, a atribuição seria exercida, excepcionalmente, pelo Poder Judiciário quando

aqueles faltarem com suas obrigações políticas de proteção e eficácia dos direitos protegidos

constitucionalmente seja em caráter individual ou coletivo.

Essa atuação do Poder Judiciário nas funções originárias do Poder Legislativo e

Executivo não pode ser entendida como mera liberalidade, sobreposição do Judiciário sobre

os demais poderes ou criação funcional do STF, mas está contida anteriormente na própria

Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXV, bem como também na já citada Declaração

Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 8º onde se lê que “todo ser humano tem direito

a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os

direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.

23

“Isso é um absurdo enorme, sem precedentes. Enquanto o Estado gasta dinheiro para pintar as farmácias com a

cor do partido, os estoques de medicamentos minguam”, disse Geraldo Lucas Lamounier, prefeito de Camacho,

município no Centro-Oeste de Minas. Disponível em: < http://turmadochapeu.com.br/pimentel-gasta-r-34-

milhoes-para-pintar-farmacias-de-vermelho/>. Acesso em: 09 jun. 2016. 24

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental 727864 PR. Agravante: Estado do Paraná. Agravado:

Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 4 de novembro de 2014.

Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7218726>. Acesso em:

23 jun. 2016.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

29

Todavia, a atuação antes pontual do Poder Judiciário em casos individuais tem

crescido ano após ano assustadoramente de tal modo que já representa impacto considerável

nas contas dos Estados e União, sem contar a situação dos pequenos Municípios onde uma só

decisão judicial que determine o cumprimento de uma compra e fornecimento de

medicamento individual compromete todo ou parcialmente o recurso municipal para a saúde.

Assim sendo, Amaral25

(2010) alerta que “as decisões judiciais tomadas no âmbito

da micro-justiça26

podem potencialmente comprometer o orçamento na medida em que, ao

exceder os limites estruturais do sistema jurídico, passam, na prática, a alocar recursos,

determinando de que maneira eles devem ser gastos”.

Por outro lado, apesar do SUS ser um sistema universal com objetivo de atender a

todos os brasileiros, em muitos casos isso não ocorre. Em consequência, milhares de ações

individuais e coletivas são ajuizadas todos os anos em busca de tratamentos e medicamentos

que sejam fornecidos pelo sistema ou não. Em reflexão, ainda que não se possa ignorar o

impacto nas contas públicas, as decisões judiciais apenas efetivam o sistema de saúde adotado

pelo Brasil na Constituição de 1988. Nesse sentido, os tribunais superiores possuem

jurisprudência pacífica quanto ao justificado pleito judicial na efetivação do direito à saúde.

Além disso, o poder público não pode, na tentativa de desobrigar-se de efetivar os

direitos sociais, alegar que para cumprir decisão judicial em ação individual deixará de

atender demandas coletivas. De fato, isso representaria uma transferência de responsabilidade

da má gestão na saúde pública para o cidadão doente. Cabe, portanto, à Administração

Pública gerir os recursos de modo a transferi-los de áreas menos importantes para o

cumprimento de decisões judiciais na área da saúde.

Uma vez que o ente tenha em verdade esgotado seus recursos e possibilidades, a

responsabilidade deverá ser compartilhada com os demais de forma solidária conforme

previsão constitucional 27

e sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal28

.

25

AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a

escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2010. p. 17. 26

Nota: O autor utiliza o termo micro-justiça para referir-se às decisões individualizadas que não contemplam ou

não geram eficácia de direitos à coletividade. 27

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

[...]. 28

“O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência sobre a responsabilidade solidária dos entes

federados no dever de prestar assistência à saúde. A decisão foi tomada na análise do Recurso Extraordinário

(RE) 855178, de relatoria do ministro Luiz Fux, que teve repercussão geral reconhecida, por meio do Plenário

Virtual”. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Entes federados têm responsabilidade solidária na assistência à

saúde, reafirma STF. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287303>. Acesso em: 10.jun.2016.

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30

O problema interessante ao presente trabalho ocorre quando o Poder Judiciário

interfere nas decisões técnicas concernentes à saúde. No caso de um paciente que,

necessitando de tratamento, requer judicialmente um medicamento novo não fornecido pelo

SUS, o pedido merece acolhimento e deferimento por parte do poder judiciário?

No Brasil os medicamentos fornecidos pelo sistema de saúde estão elencados na

Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME. Contudo, é insustentável a

pretensão de exaustão da lista quanto aos medicamentos fornecidos. Uma vez que,

comprovadamente, um paciente precise de certo remédio prescrito por seu médico como mais

adequado ao tratamento da doença e este remédio não esteja incluído na lista, não parece

razoável a negativa no fornecimento. De fato, atualizações são feitas periodicamente na

RENAME ampliando a lista ano após ano, porém é comum que não acompanhem em tempo

hábil as necessidades e novas tecnologias na área da saúde.

Nesse sentido, o entendimento adotado pelo STF ora apoiado tem sido a

determinação “de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida

pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para

a enfermidade29

”. O critério de eficácia deve sempre levar em consideração as variáveis

subjetivas de cada paciente, o que vincula o fornecimento de medicamento não constate na

lista do SUS especialmente ao diagnóstico e prescrição médica. Nesse contexto é necessário

esclarecer que mesmo existindo tratamento no SUS para a doença, se o tratamento não

atender da melhor forma a restauração da saúde do paciente com base naquilo que indicar o

médico responsável, o paciente poderá pleitear outro tratamento.

Mais uma vez, destaca-se que o direito à saúde é indissociável do direito à vida,

daí porque deva ser tratado com privilégio e responsabilidade pelo Estado.

29

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 831.385 RS . Agravante: Estado do

Rio Grande Do Sul. Agravado: Floriani Silva dos Santos. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, 17 de março

de 2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8143345>.

Acesso em: 23 jun. 2016.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

31

3. SEGURANÇA SANITÁRIA: ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS

O medicamento farmacêutico (produzido em laboratório) serve, sobretudo, para a

recuperação da saúde. Contudo, seu uso apresenta risco, possibilidades de efeitos colaterais e

outras reações indesejadas. Cabe à Administração Pública, portanto, regular sua utilização,

seja no fornecimento aos indivíduos quanto na permissão para a venda, distribuição ou

mesmo teste em seres humanos. O estado ao mesmo tempo em que é vedado de causar dano à

saúde do indivíduo, também deve realizar ações no sentido de proibir a utilização de

medicamentos e substâncias ainda não regulamentadas, não testadas ou que já testadas e

proibidas por oferecerem risco à saúde. A Constituição Federal de 1988 obriga o Estado

brasileiro nos moldes do artigo 197 a estabelecer regulamentação, fiscalização e controle

sobre as ações e serviços públicos. Nesse sentido, Dallari (1988) afirma:

Contudo, atualmente, a saúde não tem apenas um aspecto individual que respeita

apenas a pessoa. Não basta que sejam colocados à disposição dos indivíduos todos

os meios para promoção, manutenção ou recuperação da saúde para que o Estado

responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados

são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde

contra todos os perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus próprios

cidadãos. A saúde "pública" tem um caráter coletivo. O Estado contemporâneo

controla o comportamento dos indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação

nociva à saúde de todo o povo. E o faz por meio de leis. É a própria sociedade por

decorrência lógica que define quais são esses comportamentos nocivos e determina

que eles sejam evitados, que seja punido o infrator e qual a pena que deve ser-lhe

aplicada. Tal atividade social é expressa em leis que a administração pública deve

cumprir e fazer cumprir30

.

No Brasil, compete ao SUS por meio de ações de vigilância sanitária esse controle

e fiscalização conforme estabeleceu a Lei nº 8.080/90 que regula em todo o território nacional

as ações e serviços de saúde (art.1º). As ações de vigilância sanitária compreendem “um

conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos

problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da

prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que,

direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e

processos, da produção ao consumo31

”.

Em síntese, a vigilância sanitária atua na prevenção de risco à saúde desde a

produção até o consumo de medicamentos e substâncias relacionados à saúde.

30

DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 22:327-34,

1988. 31

Artigo 6º, §1º da Lei 8.080/90.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

32

No Brasil, a coordenação nacional das ações de vigilância sanitária é realizada

pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, criada por meio de Lei nº

9.782/99, com status de autarquia sob regime especial com a finalidade de “promover a

proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo

de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos

processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados32

”. Dentre outras competências,

destacam-se:

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos

incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

[...]

III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e

as ações de vigilância sanitária;

[...]

IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;

XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a

comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente

ou de risco iminente à saúde;

XXIV - autuar e aplicar as penalidades previstas em lei.

Dentre os produtos submetidos ao controle, fiscalização e regulamentação da

Anvisa estão os medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos,

processos e tecnologias (art.8º, §1º, I). Esse controle é exercido sobre qualquer substância que

possa causar risco à saúde, estando registrada ou não, abrangendo ainda medicamentos

importados sem registro pela Anvisa.

No caso dos medicamentos importados, é possível solicitar à Anvisa uma

autorização para importação de substâncias sem registro no Brasil para pessoas físicas, desde

que acompanhado de laudo e prescrição médica. Sem a autorização o produto não pode entrar

no Brasil e em algumas situações (substâncias controladas internacionalmente) o produto nem

mesmo consegue autorização para sair do país de origem.

A Anvisa disponibiliza em seu sítio virtual a lista das substâncias possíveis de

serem importadas (Portaria SVS/MS nº 344/1998 -Anexo I). Além das substâncias contidas na

portaria, outras podem ser requeridas. A análise e autorização constituem atribuições

discricionárias da agência.

De qualquer forma, a Anvisa atribui ao médico solicitante a responsabilidade pela

utilização do medicamento e somente para uso próprio do paciente acompanhado. Trata-se de

32

BRASIL. Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a

Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9782compilado.htm>. Acesso em 18 jun.2016.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

33

exceção que ainda assim guarda o equilíbrio entre eficácia e segurança pretendidos pelas

ações da Anvisa no controle de medicamentos.

A concessão tem caráter individual, não coletivo, e admite novos medicamentos,

ou seja, substâncias já utilizadas pelos médicos e registradas em outros países que ainda não

chegaram ao Brasil ou não passaram pelos procedimentos administrativos de regularização

segundo as normas brasileiras. Necessário, pois, a distinção entre novos medicamentos e

medicamentos experimentais.

O STF, em julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada33

STA 175 ocorrido em

2010, determinou distinções entre medicamentos novos e medicamentos experimentais. No

caso, uma jovem portadora de patologia neurodegenerativa requereu junto ao Município de

Fortaleza (CE) e União o fornecimento de medicamento não constante na lista do SUS, por

ser de alto custo. Mesmo não constando na lista, o medicamento possuía registro no Brasil e

também na Europa, tendo sido prescrito por médico responsável. Em voto vencedor, o

Ministro (Presidente) Relator Gilmar Mendes negou provimento ao agravo regimental

interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF na qual indeferiu o pedido de

suspensão de tutela antecipada n.º 175, formulado pela União.

Na ocasião, o Ministro Gilmar Mendes distinguiu as categorias de medicamentos

sem registro pela Anvisa. Os medicamentos experimentais (sem garantia de segurança na

utilização por humanos e sem comprovação científica de eficácia) são de uso restrito em

pesquisas em laboratórios, não sendo possível obrigar o Estado a fornecê-los pois não

possuem registro no Brasil ou em outros países.

Já os novos medicamentos são substâncias não fornecidas pelo SUS em virtude

dos procedimentos administrativos burocráticos de incorporação de novas tecnologias e

tratamentos. Contudo, já possuem aprovação e liberação de uso em outros países e, em alguns

casos, também no Brasil. Isso porque o registro pela Anvisa é critério fundamental e anterior à

incorporação do medicamento à lista do SUS.

Nesse caso, os critérios de eficácia e segurança já foram submetidos e aprovados,

não havendo motivo para a recusa do Estado em fornecer o medicamento quando este se

provar mais adequado à restauração da saúde. Na hipótese do registro somente em país

estrangeiro, a Anvisa pode conceder permissão para importação sob pedido médico.

33

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. na Suspensão de Tutela Antecipada 175 CE. Agravante: União.

Agravado: Ministério Público Federal e outros. Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente). Brasília, 17 de março

de 2010. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28175%2ENUME%2E+OU+175%2E

ACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/nv92q69>. Acesso em: 23 jun. 2016.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

34

3.1 Direito Sanitário

O Direito Sanitário, ramo ainda em desenvolvimento no Brasil, é de todo modo

indissociável do direito à saúde. Contudo concerne ao conjunto de regras de segurança que

obrigam e orientam as atividades de vigilância sanitária do estado em sua atuação na saúde

pública. Portanto, enquanto o direito à saúde tem por fim essencial a disponibilidade de

serviços e condições de saúde aos indivíduos de forma ampla, o direito sanitário possui

caráter regulatório da atividade estatal no controle e segurança dos produtos fabricados e

disponibilizados. Aborda também o efetivo poder de polícia34

em relação às substâncias

utilizadas na área de saúde.

O Direito Sanitário é ramo do Direito que regula e efetiva o direito à saúde. Nesse

sentido, Aith35

(2007) define como “ramo do Direito que disciplina as ações e serviços

públicos e privados de interesse à saúde. Ele é formado pelo conjunto de normas jurídicas

(regras e princípios) que visa à efetivação do Direito à saúde e possui um regime jurídico

específico”.

Dallari (2003)36

compreende o Direito Sanitário como responsável tanto pela

efetivação da saúde enquanto direito humano reivindicado como pela saúde pública enquanto

normas jurídicas de prevenção, proteção e recuperação da saúde. Decerto, é por meio da

atuação regulatória que o direito sanitário exerce sua função em relação ao direito à saúde.

Em verdade, o crescimento da normatização sanitária tem destacado o direito

sanitário como ramo próprio mesmo tomando emprestado princípios de outros ramos. No

caso do direito administrativo, princípios como legalidade, eficiência e moralidade são

obrigatoriamente admitidos ao direito sanitário, notadamente em virtude de seu caráter

público. Em nosso entendimento o ramo sanitário, ainda que indissociável do direito à saúde,

merece distinções didáticas em pelo menos duas classificações adotadas. O direito sanitário

34

Nota: Extraído do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) a definição de poder de polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando

direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público

concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício

de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou

ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. 35

AITH, Fernando. Curso de Direito sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São Paulo: Quartier

Latin, 2007. Pág. 91

36 DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário. In BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito sanitário e

saúde pública. Vol. I: Coletânea de textos. Brasília: Ministério da saúde, 2003. p. 48.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

35

seria, pois, direito objetivo e positivo enquanto que o direito à saúde seria subjetivo e natural.

Em toda forma, o direito sanitário está voltado ao direito à saúde, este mais amplo e anterior.

Nesse seguimento, Caio Mário da Silva Pereira define o direito positivo como

“[...] conjunto de regras e princípios jurídicos que pautam a vida social de determinado povo

em determinada época37

”.

Há no direito positivo o real e necessário componente de tempo/espaço de onde

se extrai que a vigência é o fundamento do direito positivo composto pelas normas e

regulamentos formulados a partir da legislação votada pelo Poder Legislativo, regulamentos

do poder executivo, jurisprudência dos tribunais e demais regramentos da administração

pública além das normas e políticas internacionais editadas, em exemplo, pela OMS.

De tal modo o direito positivo tem sua legitimidade na vigência e tem sua

abrangência e aplicação variável nos territórios e períodos. Aplicado ao Direito Sanitário, este

possui regramentos previstos na lei e complementados pelas portarias, resoluções e outras

normas editadas, por exemplo, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Certamente as

normas são variáveis em cada país e no caso brasileiro é cada vez maior o número de normas

e critérios que visam regular o setor sanitário na saúde.

Em outra análise, o direito natural, aqui entendido como o direito à saúde, está

acima do direito sanitário, das normas criadas pelo legislador nacional. Em verdade, mesmo

diante da ausência de normas sanitárias no Brasil, o direito à saúde continuaria a existir e seria

invocado na defesa do direito à vida do qual é pressuposto e componente. O caráter humano,

universal e fundamental do direito à saúde não depende, pois, de normatização, sendo eterno,

anterior, atual e posterior, sempre válido e vigente em face da própria natureza humana.

O Direito Sanitário está contido no direito à saúde. É um conjunto de leis e

normas que busca realizar a proteção da saúde enquanto direito de todos e dever do estado.

Recorrendo ainda ao civilista Caio Mario da Silva Pereira, conceitua-se o direito

em objetivo ou subjetivo:

Na sua polivalência semântica, a palavra direito ora exprime o que o Estado ordena,

impõe, proíbe ou estatui, ora significa o que o indivíduo postula, reclama e defende.

[...] Para distinguir um e outro sentido, qualifica-o, no primeiro caso, como direito

objetivo, traduzindo o comando estatal, a norma de ação ditada pelo poder público

[...] No segundo caso, acrescenta-lhe outro adjetivo para denominá-lo direito

subjetivo, abrangendo o poder de ação contido na norma, a faculdade de exercer em

favor do indivíduo o comando emanado do Estado [...]. Direito subjetivo e direito

objetivo são aspectos de um conceito único, compreendendo a facultas e a norma os

dois lados de um mesmo fenômeno, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o

aspecto individual, outro o aspecto social.

37

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 25ª ed. Vol. I . Rio de Janeiro: Forense, 2012.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

36

Claramente, a saúde enquanto direito subjetivo pode e deve ser reclamada pelos

indivíduos e isso tem acontecido mais destacadamente através do acionamento do poder

judiciário. Não deixa de ser uma defesa do indivíduo ante uma ofensa do estado (não

prestação do atendimento). Em complemento, o direito objetivo está posto, dentre outras, em

normas sanitárias de fiscalização, produção, registro, comercialização e fornecimento de

produtos como remédios. Nesse caso, o estado proíbe ou impõe condições para os

medicamentos e substâncias bioquímicas aos quais estarão expostos os indivíduos.

Contudo, não se trata de um conflito, mas de relação de equilíbrio entre o

indivíduo e a coletividade. As regras sanitárias visam assegurar o direito do indivíduo a

medida que orientam os limites do próprio estado e também dos próprios indivíduos (ou

empresas). Sem o regramento e o poder de polícia do estado para fazê-lo valer e cumprir se

correria o risco de um domínio demasiado do indivíduo sobre as funções do estado. Ainda que

desagradável, até mesmo a disponibilidade de serviços, ações, procedimentos e medicamentos

para saúde devem ser limitados.

O indivíduo não pode exigir tudo que queira do estado sob pena de causar dano à

coletividade e a si mesmo. Do mesmo modo, não pode exigir atitude omissiva do Estado que

se por um lado não pode fornecer, também não poderá permitir tudo, ainda que adquirido pelo

indivíduo por seus próprios recursos como, por exemplo, já ocorre no caso da proibição ao

uso de drogas ilegais (como a cocaína) e antibióticos sem receita médica. Ora, Estado e

indivíduo são sujeitos de uma relação jurídica onde o bem jurídico a ser protegido é a saúde.

Assim, quando a vontade do indivíduo é orientada em sentido oposto à efetivação da saúde,

cabe ao poder público a proteção da saúde, conquanto na prática o principal agente

responsável pela saúde seja o próprio titular do direito. Além disso, conciliar as medidas de

saúde pública com as liberdades individuais constitui o maior desafio do governo brasileiro.

Da mesma forma, embora tenhamos estados e constituições sociais onde o direito

subjetivo encontra-se submetido ao direito objetivo38

e dentro dos seus limites é exercido, a

relação é configurada pelo direito-dever como o constituinte previu a saúde no artigo 196 39

da

Constituição Federal de 1988.

38

Nota: No século XX, sobretudo após as duas grandes guerras, a constitucionalização dos direitos sociais deu

origem ao estado de bem-estar social intervencionista, forma de organização político-econômica adotada por

muitos países ocidentais onde o estado passou a destacar-se como principal agente defensor e promotor dos

direitos da população. Destaca-se a elaboração de constituições dirigentes e extensivas como a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 com enfoque nitidamente social e coletivo em sentido contrário a

constituições liberais como a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 que promoveu direitos civis

individuais. 39

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que

visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

37

Esse dever do Estado, como já tratado anteriormente, refere-se tanto às ações

públicas, fiscalização e regulamentações como também a permissão a certo grau de liberdade

do indivíduo. A bebida e o cigarro, embora toda a publicidade alertando para os malefícios à

saúde e a elevada carga tributária, são drogas admitidas socialmente. De igual modo, alguns

remédios, antitérmicos, anti-inflamatórios, analgésicos, comprimidos para emagrecimento,

sais, vitaminas, ervas naturais contra câncer, antibióticos e suplementos alimentares podem

ser comprados em farmácias e lojas de produtos naturais sem receita médica, o que revela

uma liberdade, mesmo desencorajada se realizada sem prescrição médica.

Verdadeiramente, há no Brasil uma cultura de automedicação. Nesse caso, a

liberdade demasiada do indivíduo pode trazer graves consequências à saúde e mesmo

diminuir a eficácia dos remédios, além de colaborar, em alguns casos, para o surgimento de

novas formas de doenças. Os riscos aumentam à medida que a população começa a utilizar a

automedicação para tratamento de doenças graves como AIDS e câncer. Em verdade, já se

encontra há tempos no mercado drogas e substâncias que prometem curar todo tipo de doença

sem que haja liberação médica e sanitária para tal uso.

Nesses casos, é razoável que o estado, conforme o direito objetivo e atuando em

seu dever de proteção à saúde, elabore normas de direito sanitário e use do monopólio da

força para restringir tais situações.

3.2. Ética Sanitária

No âmbito privado, o que se vê é a mercantilização da saúde e seus serviços.

Obviamente, produtos, serviços e remédios são produzidos em escala industrial e demandam

altos valores de investimento, o que no setor privado implica um valor a ser resgatado como

lucro. Por um lado, a concorrência, o livre mercado e os altos investimentos da indústria

farmacêutica e do mercado de saúde como um todo proporcionam desenvolvimento

tecnológico e científico gerando como resultado cura e tratamento para doenças antes

consideradas epidemias ou sem tratamento como a tuberculose, a AIDS, alguns vírus da gripe,

entre outros. Por outro lado os interesses comerciais e a busca do lucro (objetivo natural de

toda empresa privada) exigem do poder público uma atuação visando a segurança dos

produtos oferecidos no mercado. Em verdade, a quantidade de produtos que aparecem todos

os dias para a saúde trazem consigo o risco real de dano e necessitam passar por

procedimentos de teste, aprovação e registro junto às autoridades sanitárias.

para sua promoção, proteção e recuperação.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

38

O desafio das agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária no caso dos medicamentos, é realizar uma fiscalização eficiente ao mesmo tempo

em que se reduzam os processos burocráticos e o tempo de aprovação de novas substâncias

para resguardar o interesse dos cidadãos que, no caso da saúde, são sempre urgentes.

Isso porque na busca do lucro e muitas vezes usando de meios publicitários,

midiáticos e ainda do sofrimento e fragilidade dos doentes esperançosos em busca de cura e,

por que não dizer de um milagre, as empresas e laboratórios promovem substâncias que não

possuem eficácia comprovada. Dallari (2003) destaca que a busca do lucro, tratando a saúde

apenas como um mercado, afastando a questão ética transforma o próprio ser humano em

simples mercadoria sob a qual vigora somente as leis de mercado e compromete sua

integridade física e mental40

.

Para o autor, a ética sanitária não constitui um corpo de regras formais prontas e

criadas somente para que sejam cumpridas suas disposições, mas a convicção de que a

prioridade do direito sanitário é a pessoa humana exigindo do agente sanitário uma reflexão

permanente uma vez que as ações sanitárias implicam diretamente na vida, na saúde e bem-

estar das pessoas, o que requer uma harmonização dos serviços e interesses, sem que se olvide

a pessoa humana em sua dignidade.

A ética sanitária atua como freio nessa mercantilização da saúde, dos direitos e do

ser humano. Afinal, as regras de comércio, a normatização, o direito sanitário como norma

positivada, todos são posteriores ao direito à saúde, inerente ao ser humano. Portanto, a ética

sanitária pautada por um controle e filtragem daquilo que chega à população se faz necessária

e é irrenunciável num estado social democrático onde se tem por meta a proteção e promoção

da saúde de seus cidadãos.

Nesse contexto, não se pode olvidar das substâncias promissoras no combate a

doenças ainda não testadas devidamente. De fato, são somente promessas. Ainda que questões

emocionais e psicológicas estejam envolvidas, a atuação estatal deve estar pautada pela

racionalidade e prudência na liberação de novos produtos. O Estado brasileiro agiria com

imensa irresponsabilidade se permitisse o livre comércio de substâncias sem a certificação

necessária. Além disso, seria uma afronta à Constituição Federal que confia à atuação estatal a

redução do risco de doenças (art.196) e veda a aplicação de tortura, tratamentos desumanos e

40 DALLARI, Dalmo de Abreu. Ética sanitária. In BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Direito sanitário e

saúde pública. Vol. 1: Coletânea de textos. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. p 72.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

39

qualquer outra situação que agrida a integridade física e viole a dignidade humana como a

venda de órgãos ou sangue.

Em todo caso, nas relações de saúde a ética sanitária é exercida pelo Estado

sempre como uma ação positiva e com poder de polícia. Mesmo nos casos levados ao Poder

Judiciário, em rigor se pede que o estado realize, forneça, libere ou compre algo. Todavia, em

algumas situações o indivíduo exige do estado uma prestação negativa ou ainda positiva

contrária à legislação sanitária. Nesse sentido alguns exemplos a serem citados são a liberação

do uso da cannabis41

no Brasil, o fornecimento de fosfoetanolamina42

sem registro pela

Anvisa a pacientes com câncer, e a aprovação da lenalidomida43

pela Anvisa.

Como autarquia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária 44

deve sempre agir

com responsabilidade, buscando conferir a segurança e eficácia dos medicamentos. A falta de

um desses requisitos atenta também contra a dignidade humana e a saúde. A liberação de uma

substância sem comprovada segurança implicaria na exposição das pessoas a riscos de

doenças e outros efeitos o que se opõe diretamente à função das normas sanitárias e confere

ao indivíduo doente a situação imprópria de experimento científico. Os remédios

experimentais em fase de testes possuem protocolo próprio, e seguem critérios científicos cujo

foco é a pesquisa e o fornecimento restrito aos voluntários.

No mesmo sentido, a liberação de uma substância segura à utilização, mas sem

eficácia representaria charlatanismo e ofensa à dignidade. Válido lembrar que o conceito de

saúde aborda também a dimensão do bem-estar mental. Dessa forma é necessário considerar

os danos psicológicos ao doente e sua família diante dos falsos tratamentos, inúteis nas

funções de proteção, prevenção e restauração da saúde.

Cumpre à ética sanitária por suas normas promover o maior bem possível aos

cidadãos sem, contudo, expor aos riscos, agindo para proteger a vida e dignidade humana.

41

Espécie de planta com efeitos psicotrópicos devido ao THC (tetraidrocanabinol) e potencial viciante,

conhecida popularmente como “maconha” de uso, produção e comercialização proibidos no Brasil. A planta teria

efeitos benéficos no tratamento de doenças o que tem ocasionado a procura do Poder Judiciário para a liberação

da utilização. Não confundir com o canabidiol, substância componente da planta sem efeito tóxico ou psicoativo,

retirada da lista de substâncias proibidas pela Anvisa em 2015 e de importação permitida mediante requerimento

médico. 42

Sobre a fosfoetanolamina, ver o capítulo 4 deste trabalho. 43

Substância indicada a pacientes com mieloma múltiplo (câncer da medula) que não respondem aos dois

principais medicamentos registrados para a doença: a talidomida e o bortezomide. A droga já foi aprovada em

mais de 70 países, mas ainda assim foi negado o registro no Brasil por não restar provada a eficácia e segurança

segundo os padrões adotados pela Anvisa. 44

A lei nº 8.080/90 em seu artigo 6º§1º define Vigilância Sanitária como “um conjunto de ações capaz de

eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio

ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

40

3.3 Assistência terapêutica e incorporação de novos medicamentos

As ações de vigilância sanitária devem ser harmonizadas com a assistência

terapêutica integral, inclusive farmacêutica, também de responsabilidade do SUS. A lei nº

12.401/2011 acrescentou à Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90) o capítulo VIII45

que trata

da assistência terapêutica e da incorporação de tecnologias em saúde.

Em suma, a assistência terapêutica para a distribuição de medicamentos segue a

determinação de que possuam protocolos clínicos orientando critérios para diagnóstico,

tratamento indicado e resultados obtidos com a utilização do medicamento. Nos casos onde

não haja o protocolo, o tratamento será realizado com base na lista de medicamentos

fornecidos pelo SUS. Todos os procedimentos de exclusão, incorporação ou alteração de

medicamentos na lista do SUS é realizado com a assessoria da Comissão Nacional de

Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC.

Para que o medicamento possa ser incorporado à lista do SUS, necessita

primeiramente de registro pela Anvisa e , em seguida, de avaliação da CONITEC que elabora

um relatório considerando eficácia, segurança, e ainda custo benefício da implantação e

comparação com os demais tratamentos fornecidos.

45

“DA ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA E DA INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIA EM SAÚDE”

“Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade

com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou,

na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

[...]

“Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições:

[...]

“Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos

necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles

indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas

pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha.

Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles

avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da

doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo.”

“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e

procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são

atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no

SUS.

[...]

§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração,

necessariamente:

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou

procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas,

inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.”

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

41

Consta no artigo 16 da Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária de

medicamentos e outras drogas, os requisitos para obtenção de registro. Além das exigências

médicos-sanitários, encontra-se também sob responsabilidade da Anvisa a análise do preço,

custo de fabricação e potencial de pacientes a serem tratados. De toda forma, o registro é uma

proteção à saúde pública. Para o registro de medicamentos é necessária autorização

governamental para iniciar a pesquisa. A pesquisa é avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética

e Pesquisa (CEP), pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep) e ainda pela Anvisa.

Logo após, são realizados estudos em animais (pré-clínicos) se constatado

potencial terapêutico in vitro. Nessa fase busca-se averiguar a toxicidade da substância e

atividade terapêutica. A maior parte das substâncias reprova nesta fase. Em seguida, os testes

em humanos são realizados em três fases. Na fase I pessoas saudáveis são testadas quanto à

tolerância do organismo e efeitos colaterais. Já na fase II o estudo passa a ser realizado em

paciência de modo controlado para testes de segurança em curto prazo na utilização. A fase

III necessita de estudos conjuntos em diversos centros médicos e diferentes populações para

comprovação de eficácia e segurança envolvendo grande número de pacientes. Nessa fase

busca-se avaliar a segurança em médio prazo, a melhor utilização terapêutica e comparação

com outras substâncias já existentes. Somente após os ensaios clínicos das três fases primárias

aprovados, dá-se início ao processo administrativo (ver fluxograma 1) para obtenção do

registro. Após registro do medicamento, novas pesquisas continuam a ser realizadas (fase IV)

para conferência de novas reações e segurança sanitária na utilização em longo prazo.

Fluxograma 1 – Etapas para registro de medicamento junto à Anvisa

Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (sítio virtual)

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

42

Obtendo o registro e licença para comercialização o medicamento, o medicamento

será avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que

tem a função de decidir sobre a incorporação ou não do medicamento ao SUS.

De fato, as fases clínicas requerem tempo e recursos, sendo inafastável que todos

os procedimentos sejam seguidos para garantia da saúde pública. Estudos clínicos feitos com

maior rigor e critério são aprovados mais rapidamente pois necessitarão de menos correções e

esclarecimentos. Além disso, alguns medicamentos são priorizados na fila de análise por

interesse do SUS. Contudo, no Brasil o tempo de espera pode levar mais de cinco anos até

que seja disponibilizado no Sistema Único de Saúde46

. Em comparação a outros países, o

Brasil demora muito para fornecer novos medicamentos.

Há ainda o fato de que a maior parte das substâncias analisadas são reprovadas

nos testes clínicos ou nas fases administrativas. Em decorrência disso, muitas pesquisas são

abandonadas, ficam paralisadas ou nem mesmo são autorizadas a realizar estudos clínicos.

Finalmente, a solução encontrada por muitos pacientes portadores de graves

enfermidades quando não conseguem o fornecimento pela via judical tem sido a importação

autorizada pela Anvisa ou mesmo ilegal, a procura por substâncias no mercado informal

vendidas sem receita (contrabando e descaminho).

Na busca por acesso mais rápido à substâncias que podem trazer a cura para as

enfermidades diante da demora dor órgãos sanitários na aprovação dos medicamentos a

população está exposta a riscos diversos de saúde, muitas vezes dispendendo enormes valores

financeiros para obter remédios sem procedência e ficando vulnerável à degradação mais

rápida da condição doentia do corpo.

46

Interfarma defende mais agilidade na aprovação de pesquisas e no registro de medicamentos. 26 de

junho de 2015. Disponível em: <http://www.interfarma.org.br/noticias_detalhe.php?id=645>. Acesso em: 19 jun.

2016.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

43

4. FOSFOETANOLAMINA: CONTROLE JURISDICIONAL

A fosfoetanolamina, apesar de usada há muito tempo no Brasil e no mundo,

somente foi alertada para a Vigilância Sanitária após a judicialização de pedidos de

fornecimento. Antes, sua administração foi realizada sem qualquer controle ou segurança para

a saúde pública. Atualmente, o controle da utilização abrange critérios legais, técnicos,

científicos e também políticos por tratar de tema relevante na proteção da saúde.

4.1 Histórico

A fosfoetanolamina é um fosfato de cálcio, substância presente naturalmente no

organismo humano e de outros animais (encontra-se em abundância no leite materno),

atuando na formação das células e na composição da membrana plasmática47

da célula e nas

mitocôndrias48

. Outra função da fosfoetanolamina (a que mais interessa ao tratamento do

câncer) é de sinalizador celular quando em excesso no organismo, funcionando como alerta

para as células de defesa combaterem doenças.

A descoberta da fosfoetanolamina foi realizada e publicada no Biochemical

Journal,49

por Edgar Laurence Outhouse, da Universidade de Toronto no Canadá, que teria

isolado a substância primeiramente em 1936. Apenas em 1970 a substância foi sintetizada em

laboratório por Emile Cherbuliez.

No início da década de 1990, no Brasil, Gilberto Orivaldo Chierice, do Instituto

de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), realizou estudos

referentes à atuação da substância em células cancerígenas de animais. O cientista, junto a

outros colaboradores, conseguiu sintetizar, registrar e testar a fosfoetanolamina sintética a

partir da combinação de monoamina e ácido fosfórico.

O mérito da pesquisa não foi a descoberto ou síntese, mas o processo econômico

para obtenção (cada pílula é produzida a custo de centavos). O processo descoberto pelo

grupo brasileiro está depositado com pedido de patentes PI 0800463-3 e PI 0800460-9 no

INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) sobre síntese e utilização. Diante de

resultados promissores o laboratório começou a fornecer em 1996 pílulas de fosfoetanolamina

47

A membrana é responsável pela proteção e delimitação do corpo celular, atuando na regulação das trocas entre

a célula e o meio extracelular constituída majoritariamente por lipídios e proteínas. 48

As mitocôndrias são organelas citoplasmáticas contidas no interior da célula responsáveis pelo processo de

respiração celular e produção de energia. 49

OUTHOUSE, E.L. Amino-ethyl phosphoric ester from tumours. Biochemical Journal, v.30, p. 197-201,

1936.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

44

à pacientes com câncer. Contudo, o grupo de pesquisadores nunca solicitou à Anvisa o

registro da substância.

Supostamente, a fosfoetanolamina sintética atua no combate ao câncer no contato

com células cancerígenas. A quantidade elevada sinaliza para o organismo as células

defeituosas, gerando uma reação do sistema imunológico para destruir o câncer. Essa

sinalização ocorre em todos os tipos de célula cancerígena, de modo que a pílula de

fosfoetanolamina teria eficácia sobre todos os tipos de neoplasias. Em laboratório também se

constatou a diminuição de tumores e controle da metástase.

Contudo, nenhum estudo clínico foi realizado em seres humanos com êxito até o

momento. Os estudos feitos por Gilberto Orivaldo Chierice envolveram camundongos e

células humanas in vitro. De toda forma, muitos trabalhos acadêmicos já foram realizados por

pesquisadores da área da saúde sob orientação do cientista comprovando efeitos, sobretudo,

antiproliferativos e apoptóticos em células tumorais50

.

4.2 A fosfoetanolamina nos tribunais

No Brasil, a pílula contendo a substância era fornecida há pelo menos 20 anos

gratuitamente pelo Instituto de Química de São Carlos da USP. Contudo, em virtude de uma

portaria editada pela universidade em 2014 (Portaria IQSC 1389/201451

) determinando

“procedimentos administrativos quanto à produção, manipulação e distribuição de

medicamentos e outros compostos” a produção e distribuição da substância restou proibida na

universidade até a obtenção do registro sanitário:

Artigo 1º - A extração, produção, fabricação, transformação, sintetização,

purificação, fracionamento, embalagem, reembalagem, armazenamento, expedição e

distribuição de drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos,

insumos farmacêuticos e seus correlatos, só podem ser efetuadas nas dependências

do IQSC após apresentação, à Diretoria do Instituto, das devidas licenças e registros

expedidos pelos órgãos competentes, de acordo com a legislação vigente e desde

que tais atividades estejam justificadamente alinhadas com as finalidades da

Universidade.

50

Como exemplo, a tese de mestrado de Renato Meneguelo orientada pelo professor Gilberto Chierice.

Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/82/82131/tde-12022008-135651/pt-br.php>. Acesso

em 19 jun.2016. 51

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Portaria IQSC 1389, de 10 de junho de 2014. Determina procedimentos

administrativos quanto à produção, manipulação e distribuição de medicamentos e outros compostos no IQSC.

Disponível em: <http://www5.iqsc.usp.br/files/2015/09/Portaria-distribuicao-de-medicamentos.pdf>. Acesso em:

19 jun.2016.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

45

Consequentemente à medida, os pacientes que faziam uso da substância

provocaram o Poder Judiciário buscando a determinação do fornecimento de

fosfoetanolamina pela universidade. O número de processos chegou a 13 mil pedidos

requerendo o fornecimento da pílula liminarmente e até por busca e apreensão52

. A questão

configurou verdadeiro imbróglio jurídico, pois seguido à enxurrada de liminares concedendo

a substância, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou a reformar as decisões.

No Supremo Tribunal, o Ministro Luiz Edson Fachin, em decisão monocrática

(PET 5828 MC / SP 2015) tratando de caso onde o paciente sofria de moléstia grave e

terminal, tendo restado ineficazes todos os tratamentos adotados e embasado por laudo

médico solicitando a utilização de fosfoetanolamina, cassou a decisão do tribunal paulista,

concedendo o fornecimento de fosfoetanolamina ao paciente. A decisão divergiu do

entendimento adotado na STA 175/201053

onde ficou estabelecido que o Estado não pode ser

obrigado a fornecer remédio experimental (sem registro pela Anvisa).

Em análise, a decisão do ministro, ainda que conflitante com o entendimento

anterior do tribunal levou em consideração o caráter emergencial da questão. A medida

cautelar deve ser embasada na fumaça do bom direito e risco na demora. Tratando de paciente

em estado grave e terminal, a melhor medida é a disponibilidade do medicamento uma vez

que o direito pleiteado pelo paciente era em última forma o próprio direito à vida, fundamento

constitucional do Estado. O ministro não se posicionou favorável à utilização de substância

sem registro pela Anvisa, mas ponderou que na ausência de comprovada lesão à ordem

pública a medida de urgência apresenta-se como solução provisória à questão. Além disso, o

tema encontra-se pendente desde 2012 de análise pelo Supremo Tribunal Federal em

repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012).

Em contraposição, não se deve negligenciar que obrigar o Estado a fornecer a

fosfoetanolamina sem registro ou comprovada segurança confere responsabilidade pelo risco

à saúde ao qual expõe o indivíduo, atitude obviamente contrária à ética normativa sanitária.

Em outras palavras, a determinação judicial não só impõe ao ente público atuação para além

das suas funções como também contrariamente às normas estabelecidas para cumprir e fazer

cumprir.

Não obstante, com base no artigo 196 da Constituição Federal, o primeiro serviço

de saúde do Estado deve ser a redução do risco de doenças e outros agravos. A situação crítica

52

“Desde o início da polêmica nacional sobre a fosfoetanolamina sintética, a instituição (USP) já foi citada em

mais de 13 mil processos”. Disponível em: <http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,acoes-por-pilula-do-

cancer-travam-sistema-juridico-da-usp,10000016211>. Acesso em 19 jun. 2016. 53

Ver página 30.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

46

do paciente já em fase terminal não escusa o descumprimento das normas constitucionais pela

administração pública.

Ademais, a decisão concedeu ao paciente o fornecimento de substância sem

nenhuma comprovação científica de segurança e eficácia de tal forma que a decisão do

ministro pode ser considerava excessiva em relação à responsabilidade do Estado. Afinal, o

direito à saúde não configura um direito a tudo e de qualquer maneira. Assim como a

fosfoetanolamina, outras milhares de substâncias continuam sem registro pela Anvisa e

admitir a obrigação do Poder Público em fornecê-las configuraria um ônus e não um bônus à

coletividade, exposta, aí sim, a todos os riscos à saúde possíveis, sem ter a única proteção

efetiva contra as drogas e substâncias nocivas, qual seja a regulamentação estatal.

A justiça brasileira vem concedendo o fornecimento de medicamentos registrados,

a despeito de não constarem na lista do SUS bem como medicamentos novos, ainda não

registrados pela Anvisa mas já aprovados em outros países. A concessão poderia ser estendida

a medicamentos experimentais testados em humanos com sucesso, independentemente de não

estarem registrados. Porém, não é razoável que essa medida de caráter excepcional abarque a

fosfoetanolamina, pendente de resultados confiáveis. A excepcionalidade torna-se regra,

descaracterizando a função da vigilância sanitária.

Além disso, destaca-se que a universidade onde são produzidas as “pílulas do

câncer” não está preparada para a produção e normas da Anvisa que estabelecem limites à

contaminação (Lei nº 9.782/ 99 art. 7º, incisos IV, VII e art. 8º), uma vez que sua finalidade

são a pesquisa e o ensino tendo sido, inclusive, autuada pelas instalações inadequadas do

laboratório onde a fosfoetanolamina é produzida sem qualquer cuidado.

Nesse sentido, em abril de 2016, O presidente do STF Ministro Ricardo

Lewandowski analisou a questão na suspensão de tutela antecipada (STA 82854

) peticionada

pela Universidade de São Paulo contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São

Paulo determinando o fornecimento de fosfoetanolamina em tutela antecipada sob pena de

multa diária. Em decisão o Ministro entendeu pela manutenção do fornecimento a pacientes

54

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada 828 SP (Decisão Monocrática).

Requerente: Universidade de São Paulo. Requerido: Relator do AI nº 2242691-89.2015.8.26.0000 do Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente). Brasília, 4 de abril de

2016. Disponível em: <

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%28828%2ENUME%2E+OU+828

%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/heehugn>.

Acesso em: 20 jun. 2016.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

47

que já vinham recebendo a substâncias enquanto durarem os estoques. Por outro lado, as

decisões favoráveis ao fornecimento foram suspensas.

A decisão apontou para a inexistência de estudos comprovando a segurança da

substância, critério minimamente necessário para justificar seu fornecimento assim como o

fato da substância não possuir registro de medicamento em nenhum outro país.

No pedido, a Universidade alegou que os diversos órgãos do Poder Judiciário,

elegem o direito à saúde como norma constitucional absoluta, desprezando outras normas

constitucionais de igual valor, assim como a legislação sanitária criada para proteger a

sociedade de pessoas oportunistas e de substâncias incertas e inseguras.

Em verdade, o direito à saúde está diretamente relacionado ao direito à vida de

forma que sua proteção deve ser priorizada pelo Estado. Porém, isso não significa afirmar

toda e qualquer ação como legítima. Nesse contexto, a atuação pública deve ser no sentido de

concretizar e efetivar o direito à saúde, mas orientado segundo as normas sanitárias e

limitações constitucionais. No respeito e cumprimento das normas constitucionais o Estado

encontra legitimidade para existir e funcionar. Não fosse assim, o legislador não teria

conferido aos serviços de saúde caráter de relevância pública – e de fato são – cabendo ao

Poder Público dispor sobre regulamentação, fiscalização e controle nos moldes do artigo 197

da Constituição Federal.

4.3 Necessidade de pesquisas para comprovação dos efeitos anticancerígenos

Sobre a “pílula do câncer”, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da

Silva (INCA), órgão técnico do Ministério da Saúde, emitiu parecer técnico afirmando que

decisões sobre o uso da substância sem os estudos necessários seriam precipitadas. Em

reunião do Conselho Consultivo (CONSINCA) realizada em 16 de março de 2016, foi

aprovada nota55

oficial de apoio às pesquisas para desenvolvimento da fosfoetanolamina,

estabelecendo a participação do INCA em fases avançadas dos estudos clínicos como

estratégia de combate ao câncer.

Segundo a nota, o objetivo das pesquisas é reconhecer o real efeito terapêutico da

substância, dosagem ideal, risco e modalidades de tratamento. Além disso, o INCA

55

BRASIL. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Nota aprovada em reunião Conselho

Consultivo do INCA (CONSINCA) de 16 de março de 2016. Assunto: Fosfoetanolamina. Disponível em:

<http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/038d4b004c791394ace9be5204641833/Nota+sobre+Fosfoetanolam

ina+-+CONSINCA+de+16-03-

2016.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=038d4b004c791394ace9be5204641833.>. Acesso em 20 jun. 2016.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

48

reconheceu a necessidade de tempo nas pesquisas em virtude do risco de danos a pacientes já

debilitados pelo câncer, reafirmando o posicionamento de outras entidades públicas no

sentido de que a produção e uso de substâncias terapêuticas no Brasil devem ser orientadas

pelas regras da Anvisa.

Do mesmo modo, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicou um

manifesto56

sobre o uso da fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer.

Esclarecendo a questão, o documento informa sobre o processo de aprovação de

medicamentos que se iniciou com a primeira agência regulamentadora, a Food and Drug

Administration (FDA), órgão governamental dos Estados Unidos criado em 1906. Contudo,

somente em 1938 Ceiling e Cannon57

estabeleceram princípios de conduta para realização de

estudos clínicos posteriormente aprovados pelo Código de Nuremberg (1947)58

.

Os critérios para testes em humanos estabelecem, desde então, que qualquer

substância deve conter “composição química, método de preparação e o grau de pureza bem

estabelecidos; testes de toxicidade aguda e prolongada avaliada por doses repetidas

(segurança) em pelo menos duas espécies animais; realização de análise histopatológica

completa em diversos órgãos animais, especialmente nos rins e fígado; conhecimento acerca

da sua absorção, excreção, concentração nos tecidos, etc; possível interação com outras

substâncias e alimentos”.

Segundo a Academia, o desenvolvimento de qualquer medicamento envolve altos

custos, testes e na maioria das vezes as substâncias testadas não apresentam a eficácia

esperada (prova de princípio). Além disso, todo o processo necessário pode levar até 12 anos

para ser concluído. Além disso, o que se compreende por câncer é na verdade um conjunto

abrangente de doenças que se caracterizam comumente pelo crescimento desordenado de

células defeituosas, particularizando o tratamento de cada caso quanto à eficácia do

medicamento para a doença e comparado à outros tipos de tratamentos existentes.

Para a fosfoetanolamina as etapas necessárias não foram cumpridas, constatando-

se após pesquisas em bancos de dados científicos mundiais que não existe qualquer evidência

científica aceitável quanto à segurança e eficácia. Ademais, por tratar-se de substância voltada

56

ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Manifestação da Academia Brasileira de Ciências sobre o uso da

fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer, 2015. Disponível em

<http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-6715.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2016. 57

CEILING, E .M.K. ; CANNON, P .R. Pa tho log ic e f fec t s o f e l ix i r sulphanilamide(diethylene

glycol) poisoning. JAMA, 1ll: 919, 1938. 58

Declaração contendo princípios éticos para experiências em humanos aprovada em decorrência dos excessos

cometidos pelos médicos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

49

ao tratamento de doenças para as quais já existem tratamentos, não se justifica uma aceleração

no tempo dispendido para as análises clínicas.

O Brasil adota as normas internacionais de segurança para utilização de

medicamentos em humanos de modo que deve aguardar estudos precisos para a liberação da

substância como medicamento. A recomendação da Academia orienta que não se utilize a

fosfoetanolamina até que registrada pela Anvisa.

Finalmente, e muito em virtude da repercussão midiática da questão, o Ministério

da Saúde em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação publicou a

Portaria GM/MS nº 1.76759

, em outubro de 2015 para instituir um grupo de trabalho de apoio

às etapas necessárias ao desenvolvimento clínico da substância.

Dentre os objetivos estão a atuação junto a órgãos e entidades públicas que podem

contribuir nas várias etapas de desenvolvimento clínico da fosfoetanolamina; e também junto

a laboratórios públicos oficiais para o desenvolvimento da produção de lotes da substância de

acordo com as Boas Práticas de Fabricação (BPF).

No artigo 2º, III a portaria determina a sequência de análises a serem realizadas: a)

caracterização da molécula; b) realização de estudos não-clínicos para determinar a absorção,

a distribuição, o metabolismo e a excreção, o mecanismo de ação, a toxicologia completa e a

toxicidade farmacológica; c) desenvolvimento da formulação; d) estudos de farmacocinética e

farmacodinâmica em animais; e) produção de lotes de acordo com as BPF; f) realização de

estudos pré-clínicos de caracterização de mecanismos de ação, alvos e potenciais

biomarcadores; g) realização de ensaios clínicos, incluindo elaboração e submissão do Dossiê

de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM); e h) realização de estudos de

farmacovigilância.

Já em dezembro de 2015 foi publicado o relatório inicial de atividades60

do grupo.

Dentre os avanços, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (integrante do grupo de

trabalho) disponibilizou para as pesquisas verba total no valor de 10 milhões de reais.

Inicialmente, os recursos serão destinados aos laboratórios envolvidos nos testes

pré-clínicos e clínicos iniciais escolhidos com base nos avanços científicos e capacidade de

atendimento quanto aos testes necessários.

59

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS nº 1.767, de 29 de outubro de 2015. Institui Grupo de Trabalho

para apoiar as etapas necessárias ao desenvolvimento clínico da fosfoetanolamina. Disponível em:

<http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=43&data=30/10/2015>. Acesso em

20 jun. 2016. 60

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório de Atividades do Grupo de Trabalho sobre a fosfoetanolamina. Brasília,

2015. Disponível em: <http://www.mcti.gov.br/documents/10179/1274125/22-12-2015+-

+Relat%C3%B3rio+de+Atividades+do+Grupo+de+Trabalho+sobre+a+Fosfoetanolamina/d73d9f0f-16e8-4983-

bce9-b5e57dfa2164>. Acesso em: 20 jun. 2016.

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

50

São eles o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos – CIENP, Laboratório de

Avaliação e Síntese de Substâncias - LASSBio/UFRJ e o Núcleo de Pesquisa e

Desenvolvimento de Medicamentos –NPDM/UFC.

Consta ainda no relatório de atividades um quadro-resumo sobre os trabalhos

anteriormente publicados pelo grupo de cientistas do pesquisador Gilberto Chierice, do

Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP).

Quadro 1 – Resultados apresentados pelo Grupo de Pesquisa da USP

Fonte: Ministério da Saúde (2015)

Os trabalhos realizados pelo grupo do Instituto de Química de São Carlos, apesar

de animadores, não abordaram todos os procedimentos estabelecidos para análise de

substância, mas se restringiram à ação direta da substância em células de câncer. Os estudos

pré-clínicos, por exemplo, não foram realizados em nenhum estudo. Além disso, não se

comparou a ação da substância com medicamentos já utilizados para a neoplasia específica.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

51

Em contraposição, o primeiro relatório do Ministério da Saúde apresentou os

resultados iniciais obtidos pelo grupo de trabalho para o estudo da fosfoetanolamina:

Quadro 2 – Resultados apresentados pelo Grupo de trabalho do MCTI/MS

Fonte: Ministério da Saúde (2015)

O relatório concluiu a necessidade de acompanhamento de todo o processo de

pesquisa desenvolvido simultaneamente nos laboratórios do grupo de trabalho. Enquanto isso,

resultados provisórios liberados pelos laboratórios são inconclusivos quanto à eficácia e

segurança da substância. Alguns apontaram a falta de toxicidade, outros apontaram para a

ineficácia da substância quando administrada em ratos de laboratório. Os próximos passos

envolvem testes em humanos. Com base nisso, somente ao final dos estudos será possível

definir a utilidade da fosfoetanolamina à pacientes com câncer.

4.4 Lei nº 13.269/2016

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

52

Em virtude das decisões judiciais e das manifestações pela liberação da

fosfoetanolamina no tratamento de neoplasias, vários projetos de lei foram apresentados na

Câmara dos Deputados referentes à fosfoetanolamina.

O PL 3454/201561

, de autoria do deputado Weliton Prado Weliton (PT/MG),

dispôs sobre fabricação e distribuição de fosfoetanolamina a pacientes com câncer. O projeto

determina à União a garantia do fornecimento mediante termo de responsabilidade do

paciente quando não houver tratamento eficaz no SUS. No mesmo sentido, foi proposto o PL

4510/201662

, de autoria do deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), contudo, mais liberal ao permitir

o uso de fosfoetanolamina por qualquer paciente, ainda que havendo terapia convencional. A

substância seria disponibilizada em laboratórios de pesquisa, instituições de ensino e hospitais

ou mediante a compra custeada pelo próprio paciente, todas submetidas à assinatura de termo

de responsabilidade. Além dos citados, o PL 4558/201663

, de autoria do deputado Celso

Russomanno (PRB/SP), propôs a inclusão do art. 12-A na Lei nº 6.360/76 para permitir a

produção e comercialização da fosfoetanolamina em caráter excepcional, antes de registro em

órgão competente. Os projetos acabaram arquivados por restaram prejudicados em virtude da

aprovação do Projeto de Lei 4639/201664

.

O referido projeto, posteriormente denominado Projeto de Lei da Câmara nº 3, de

2016, dispunha sobre o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com

neoplasia maligna. O PL foi proposto em 08 de março de 2016 e tramitou em velocidade

surpreendente nas casas legislativas e no Congresso Nacional, transformado em Lei Ordinária

nº 13.269/2016 em 13 de abril de 2016 e sancionada em seguida pela Presidente da República

Dilma Rousseff , pouco mais de um mês após a proposição.

61

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 3454/2015. Dispõe sobre a fabricação, produção e

distribuição da Fosfoetanolamina Sintética aos pacientes com câncer. Disponível em: <

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1405837&filename=PL+3454/2015>.

Acesso em 20 jun. 2016. 62

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4510/2016. Dispõe sobre o uso compassivo da

fosfoetanolamina sintética por parte de pacientes com câncer. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F635EBEB2FBB77A092AB512C8

5589174.proposicoesWeb1?codteor=1435568&filename=PL+4510/2016>. Acesso em 20: jun. 2016. 63

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4558/2016. Inclui o Art. 12-A à Lei nº 6.360/76 para permitir

a produção e comercialização da Fosfoetanolamina em caráter excepcional, antes de registro em órgão

competente. Disponível em: <

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1436693&filename=PL+4558/2016>.

Acesso em: 20 jun. 2016. 64

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4639/2016. Autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por

pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Disponível em: <

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1440430&filename=PL+4639/2016>.

Acesso em: 20 jun. 2016.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO …

53

Em seu conteúdo estabeleceu o fornecimento restrito de fosfoetanolamina à

pacientes com neoplasia maligna mediante laudo médico constatando a malignidade e termo

de responsabilidade. Contudo, não exige requerimento médico para utilização da substância e

sustenta o direito de acesso à outros tratamentos. Além disso, permitiu a produção,

importação e distribuição da substância mediante autorização da Anvisa enquanto em fase de

teste65

.

A justificativa para o projeto de lei foi a constatação de que “se não há mais

alternativas terapêuticas eficazes, se o estágio do câncer não deixa muitas saídas médicas para

o paciente, nada mais justo que ele possa ter o direito de escolher o que consumir, de tentar

outros caminhos e alternativas, mesmo que estes ainda estejam no campo experimental”.

Ainda que válido e sensível o argumento, a entrada em vigor da lei conflita com

todas as normas sanitárias vigentes no Brasil, abrindo a possibilidade de novas situações onde

o registro possa ser dispensado. Em todo caso, a lei apresenta indícios notórios de

inconstitucionalidade, posto que a Constituição Federal atribuiu ao SUS o controle e a

fiscalização dos produtos e substâncias de interesse para a saúde nos termos do artigo 200 da

CF/88. Em acréscimo, o artigo 5º garante a inviolabilidade do direito à vida e à segurança.

Nesse caso, a Associação Médica Brasileira (AMB) ingressou com Ação Direta

de Inconstitucionalidade em caráter liminar junto ao STF questionando a Lei nº 13.269/2016

obtendo por maioria dos votos a suspensão da eficácia da lei liminarmente enquanto se

aguarda uma posição final do tribunal.

Em seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso destacou:

“[...] o processo de desenvolvimento de substâncias e medicamentos deve estar

cercado de máxima cautela, em razão dos perigos envolvidos. Seu consumo pode

apresentar riscos à saúde, produzir efeitos colaterais e causar danos ao organismo,

em diversos graus de intensidade, dos mais leves aos mais graves e mesmo

irreversíveis. Nesse contexto, a exigência de registro sanitário junto à agência

competente constitui relevante ferramenta regulatória que garante a proteção da

saúde pública, estabelecendo-se uma ponderação entre interesses por vezes

conflitantes das empresas farmacêuticas, dos pesquisadores, dos médicos e dos

pacientes. Por isso, a atividade de controle e avaliação de pedidos de registro de

medicamentos deve ser exercida com grande seriedade e rigor”.

[...]

Em tema de tamanha relevância, que envolve pessoas fragilizadas pela doença e com

grande ânsia para obter a cura, não há espaço para especulações. Diante da ausência

de informações e conhecimentos científicos acerca de eventuais efeitos adversos de

uma substância, a solução nunca deverá ser a liberação para consumo. Mas, sim, o

65

Brasil. Lei 13.269, de 13 de abril de 2016. Autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes

diagnosticados com neoplasia maligna. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2016/Lei/L13269.htm>. Acesso em: 21 jun. 2016.

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54

incentivo à realização de estudos científicos, testes e protocolos, capazes de garantir

proteção às pessoas que desejam fazer uso desses medicamentos66

.

A decisão e todos os argumentos levantados em voto orientam no sentido do dever

do Estado em cumprir o estabelecido na Constituição. Em contrapartida, merece destaque a

distinção de que não representa proteção do direito à saúde a concessão de substância não

testada e aprovada, mas inversamente, o ato caracterizaria afronta ao citado direito e

desobediência aos princípios constitucionais.

Ademais, a instituição de norma sanitária pelo Poder Judiciário é afronta à

separação dos poderes, por interferir em função própria do Poder Executivo (elaboração de

normas sanitárias pelo SUS conforme art. 6º da Lei 8.080/90). No entanto, o Ministro

levantou a possibilidade de concessão de medicamento por via do programa de uso

compassivo com base na Resolução nº 38/2013 da Anvisa:

Ressalve-se, porém, que para os pacientes terminais, já sem alternativa terapêutica

satisfatória no país para a condição clínica e seus estágios, a própria Anvisa tem um

programa de uso compassivo, regulamentado pela Resolução – RDC nº 38/2013. Tal

programa viabiliza a oferta de medicamento novo promissor, para uso pessoal de

pacientes, ainda sem registro na Anvisa, que esteja em processo de desenvolvimento

clínico, destinado a pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ou que

ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados

no país. A fosfoetanolamina sintética poderá, portanto, ser oferecida no âmbito

desses programas, com a autorização da própria Anvisa.

A previsão suscita esperança aos portadores de neoplasias malignas, mas não

descarta a necessidade de teste de segurança e a autorização da Anvisa. Além disso, a

resolução considera para o fornecimento da substância a ausência de outro tratamento eficaz,

avaliação do risco-benefício do uso do medicamento solicitado e ainda “evidência científica

para a indicação solicitada ou estar em qualquer fase de desenvolvimento clínico, desde que

os dados iniciais observados sejam promissores e que se comprove a gravidade da doença e a

ausência de tratamentos disponíveis”. De toda forma, com o avanço das pesquisas existe a

possibilidade que a Anvisa libere o fornecimento da fosfoetanolamina antes de completo o

processo de registro.

4.5 Utilização como suplemento

66

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.501 MC. Requerente: Associação

Médica Brasileira. Intdo.: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília,

19 de maio de 2016. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/adi-5501-plula-cncer-fosfoetanolamina.pdf>.

Acesso em: 22 jun. 2016.

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55

Apesar de toda a dificuldade quanto à liberação da fosfoetanolamina no Brasil, em

outros países a substância pode ser consumida como suplemento alimentar. Nos Estados

Unidos e Europa a fosfoetanolamina é encontrada como suplemento de cálcio há algumas

décadas. De fato, é um composto simples, um fosfato de cálcio (sal de cálcio) encontrado em

farmácias não isoladamente, mas constituindo a composição química de produtos repositores

de cálcio. Nesses países há produção industrial da substância sem controle sanitário rigoroso

sobre o consumo. Dentre os produtos que utilizam a fosfoetanolamina está o Calcium AEP

comercializada livremente nos Estados Unidos e Europa e facilmente acessível para compras

na internet em cápsulas contendo cada uma 1.500 mg de ácido 2-amino etil fosfórico de cálcio

(outro nome para a mesma substância fosfoetanolamina)67

. Alguns suplementos chegam a

conter níveis de fosfoetanolamina superiores aos das pílulas fornecidas no Brasil.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) sugeriu à Anvisa a

liberação da substância como suplemento até a conclusão dos testes clínicos. Em todo caso,

muitos pacientes tem comprado pela internet o produto como suplemento alimentar.

A medida, possivelmente eficaz a curto prazo para atender a demanda de pacientes

que necessitam da substância em caráter de urgência, não resolve a questão da segurança e

eficácia, mas transfere para o próprio enfermo a responsabilidade pela utilização.

Para mais, expõe o produto a pessoas saudáveis ou com doenças tratáveis com

medicamentos regulares ocasionando o abandono de tratamentos comprovadamente efetivos

em busca de uma “pílula milagrosa” comprada indiscriminadamente em qualquer farmácia.

Além disso, o uso como suplemento não afastaria a necessidade dos estudos

clínicos. É necessário descobrir, se houver, o potencial poder de cura e adequada forma de

consumo da fosfoetanolamina para combater de maneira eficaz o câncer. Nesse caso, todos os

interesses e ações do Estado devem ser voltados para uma solução rápida, mas sobretudo

segura sobre a substância. Os interesses políticos e econômicos não podem sobrepujar o

interesse maior do direito fundamental à saúde. As exigências sanitárias não podem

representar obstáculos ao avanço científico da medicina. Na verdade, a segurança sanitária

deve ser encarada e realizada pelo Estado como medida de concretização do direito à saúde.

Enquanto houver dúvidas, é inadmissível a liberação da substância como

suplemento. A solução jurídico-administrativa não garante a solução sanitária e por isso,

enquanto se aguarda a resposta da ciência, o Estado não deve apostar a saúde dos cidadãos.

67

A substância é encontrada e comercializada facilmente na internet. Disponível em: < http://www.super-

smart.eu/article.pl?id=0455&lang=pt&fromid=GG132&gclid=CNWi2bzAt80CFYQJkQodN1sIeg>. Acesso em:

20 jun. 2016.

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56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior parte dos cientistas afirma que jamais encontraremos uma cura definitiva

para a doença. Trata-se de uma enfermidade cruel que mexe com a confiança, a autoestima, a

estética, os sentimentos, as relações, enfim, com a saúde física, mental e social.

Contudo, não se pode perder a esperança. Doenças antes consideradas sentenças

de morte hoje são curáveis e tratáveis. A ciência avança, mas requer tempo. Para pacientes de

tão grave doença na maioria das vezes não há tanto tempo.

A saúde é o bem mais precioso do ser humano. O direito à saúde é preceito

fundamental de qualquer estado por ser condição do direito à vida. Sua proteção deve ser

prioridade máxima do poder público. Nenhum outro gasto público justifica a ausência de

recursos ou a falta de atendimento. Aos pacientes com câncer nenhuma questão econômica ou

administrativa deve ser posta à frente do valor humana. Todos os gastos necessários devem

ser realizados.

Em verdade, nada justifica submeter seres humanos a experiências com

substâncias sem nenhuma comprovação de eficácia e segurança. O dever do Estado é a

promoção de uma vida segura e minimamente confortável tendo por base a dignidade da

pessoa humana.

Ao fornecer tratamento para doenças, deve fazê-lo com a garantia de que não

colocará a saúde das pessoas em risco. Testes e experiências definitivamente não configuram

a efetivação do direito à saúde. Interesses políticos, econômicos e comerciais também não

podem interferir na atuação estatal de vigilância sanitária. A promulgação da Lei nº

13.269/2016 autorizando o uso da fosfoetanolamina a pacientes com neoplasia maligna

representou atitude irresponsável e inadmissível dos poderes públicos.

Acertadamente, o STF suspendeu a lei bem como fixou parâmetros para a

concessão de medicamentos. Substâncias sem segurança comprovadas não podem ser

fornecidas pelo Estado. Não se deve, contudo, entender as normas sanitárias como restritivas

do direito à saúde. Ao contrário, a proteção da saúde deve contemplar a prevenção da doença,

o reestabelecimentos das funções normais, o bem-estar e também o tratamento. Se, ao tratar, o

Estado expõe o paciente ao risco está lesionando o direito à saúde. Assim, o poder público só

pode agir dentro dos limites da segurança sanitária.

Enquanto não comprovados os efeitos benéficos da fosfoetanolamina no

tratamento de câncer, a produção e fornecimento devem permanecer suspensos. Uma eventual

autorização para fornecimento antes do registro pela Anvisa só se justificaria mediante

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57

comprovação científica da segurança e eficácia. Em complemento, a população deve

continuar pressionando os poderes públicos para que haja a garantia de recurso necessários à

pesquisa e celeridade na tramitação burocrática dos estudos.

Por outro lado, aos pacientes decididos a tentar todas as possibilidades, resta a

alternativa de importação do produto como suplemento. Afinal, a proibição definitiva da

substância, incluindo sua importação, também está sujeita aos resultados das pesquisas ora em

andamento. Aliás, outra possibilidade é a adesão do paciente como voluntário nos testes

científicos da fosfoetanolamina. Ademais, muitos pacientes continuam a recorrer a remédios

naturais, chás, garrafadas, folhas, frutos, sementes, na esperança de obtenção da cura. A busca

particular por tratamentos alternativos é válida se não interferir ou prejudicar os tratamentos

médicos cientificamente reconhecidos.

Finalmente, diante das novas tecnologias e descobertas científicas, a ética do

respeito à vida e dignidade do homem devem prevalecer como único caminho viável na

proteção do direito à saúde. Assim, a disposição de novos medicamentos deve assegurar aos

pacientes a real possibilidade de cura e o mínimo risco de danos, levando sempre em conta a

situação frágil do enfermo. Somente é lícita e justa a ação do Estado que respeita a integridade

do indivíduo como ser humano e não gera risco desproporcional.

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58

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