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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA
JEAN CARLOS SILVA LACERDA
O USO VARIVEL DO MODO IMPERATIVO
NA FALA DE FORTALEZA
FORTALEZA
2015
JEAN CARLOS SILVA LACERDA
O USO VARIVEL DO MODO IMPERATIVO
NA FALA DE FORTALEZA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Cear como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Lingustica. rea de concentrao: Lingustica. Orientadora: Prof. Dr. Hebe Macedo de Carvalho.
FORTALEZA
2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Federal do Cear
Biblioteca de Cincias Humanas
L137u Lacerda, Jean Carlos Silva.
O uso varivel do modo imperativo na fala de Fortaleza / Jean Carlos Silva Lacerda. 2015. 94 f. ; 31 cm. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Cear, Centro de Humanidades,
Departamento de Letras Vernculas, Programa de Ps-Graduao em Lingustica, Fortaleza, 2015. rea de concentrao: Lingustica. Orientao: Profa. Dra. Hebe Macedo de Carvalho. 1. Lngua portuguesa Variao Fortaleza(CE). 2. Sociolingustica. 3. Lngua portuguesa Portugus falado Fortaleza(CE). 4. Lngua portuguesa Imperativo. I. Ttulo.
CDD 469.56
JEAN CARLOS SILVA LACERDA
O USO VARIVEL DO MODO IMPERATIVO
NA FALA DE FORTALEZA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Cear como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Lingustica. rea de concentrao: Lingustica. Orientadora: Prof. Dr. Hebe Macedo de Carvalho
Aprovada em ___/___/_____.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof Dr. Hebe Macedo de Carvalho (Orientadora)
Universidade Federal do Cear (UFC)
____________________________________
Prof.Dr. Aluiza Alves de Arajo
Universidade Estadual do Cear (UECE)
___________________________________
Prof. Dr. Mnica de Souza Serafim
Universidade Federal do Cear (UFC)
A Deus
A toda minha famlia
AGRADECIMENTOS
FUNCAP, pela bolsa de auxlio financeiro durante boa parte do curso.
professora Hebe, pela orientao e pelos valiosos conhecimentos que me passou,
pela confiana, elegncia, firmeza, sinceridade, doura e, principalmente, pela pacincia
inesgotvel com que me tratou todo esse tempo.
professora Aluiza, que juntamente com Hebe, acompanhou desde o incio minha
trajetria neste Mestrado, sempre solcita, at concluso do trabalho, como membro da
Banca Examinadora.
s professoras Mnica Serafim, Josane Moreira de Oliveira e Margarete Fernandes
por disporem de seu tempo e me honrarem com sua participao na Banca Examinadora, com
suas contribuies.
Ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL, smbolo de excelncia nos
estudos da Lngua, do qual tenho muito orgulho de ter feito parte.
Aos demais colegas de ps-graduao, professores e servidores do PPGL, sempre
acolhedores e dispostos a ajudar.
Aos meus pais, Julita e Lacerda, que me ensinaram que o bem mais valioso de nossa
vida o nosso conhecimento, sempre torcendo por mim.
Aos meus irmos, Rgis e Douglas, pelo incentivo de sempre.
minha amada esposa, Elenice, por estar ao meu lado, sempre e em tudo.
Queira,
Basta ser sincero e desejar profundo,
Voc ser capaz de sacudir o mundo, vai.
Tente outra vez.
Tente,
No diga que a vitria est perdida,
Se de batalhas que se vive a vida,
Tente outra vez.
(Raul Seixas/ Paulo Coelho/ Marcelo Motta)
Pense em mim,
Chore por mim,
Liga pra mim,
No, no liga pra ele,
Pra ele, no chore por ele...
(Leandro e Leonardo)
RESUMO
O presente estudo analisa o uso do imperativo na fala de Fortaleza, luz da Sociolingustica
Quantitativa (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968), utilizando como fonte de coleta para
a amostra o banco de dados NORPOFOR Norma Oral do Portugus Popular de Fortaleza
(ARAJO, 2011). O principal objetivo analisar o uso do imperativo gramatical na fala da
capital cearense, em que pesem motivaes semnticas e morfossintticas como conjugao
verbal, posio do pronome oblquo tono, polaridade da estrutura da orao, grupo semntico
e verbos da orao, bem como motivaes de natureza social como sexo, escolaridade e faixa
etria. Trabalhos anteriores como o de Scherre (2007; 2005; 1999) e Cardoso (2009) que
citam ou trabalham diretamente com dados de Fortaleza, e Alves (2001), referente a Joo
Pessoa PB, indicam que o imperativo subjuntivo encontra nestas comunidades de fala um
percentual de uso relativamente significativo. Os dados desta pesquisa foram submetidos ao
programa Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), distribudos entre
nove grupos de fatores sociais e lingusticos. Os grupos de fatores lingusticos selecionados
significativamente pelo GOLDVARB X foram conjugao verbal, polaridade da estrutura da
orao e a posio do pronome oblquo tono quanto ao uso da varivel imperativo
subjuntivo. Em termos gerais, os resultados demonstraram que o imperativo associado ao
indicativo, com 60% das ocorrncias, foi a forma mais frequente na amostra de fala de
Fortaleza. A forma do subjuntivo apresentou 40% de uso, contrariando nossa expectativa,
uma vez que espervamos que o imperativo associado a esta forma apresentasse maior
frequncia de uso na fala da capital cearense.
PALAVRAS-CHAVE: Imperativo, Fortaleza, Subjuntivo, indicativo, Sociolingustica
Quantitativa, Goldvarb X.
ABSTRACT
The present study analyzes the use of the imperative in the speech of Fortaleza, under the
dome of Quantitative Sociolinguistics, using database NORPOFOR Norma Oral do
Portugus Popular de Fortaleza, as a source of collection to the sample. The goal is to analyze
the use of grammatical imperative in the speech of cearenses capital city, considering
semantic and morphosyntactic motivation such as verbal conjugation, oblique pronouns
position, polarity of sentence structure, semantic group and sentence verb as well as the ones
of social nature like gender, education level and age range. Previous researches of Scherre
(2007; 2005; 1999) and Cardoso (2009), which mention or directly work with data concerning
Fortaleza, and Alves (2001), referring to Joo Pessoa, state of Paraba, indicate that
subjunctive imperative finds in these speech communities a relatively significant percentage
of use. The data of this research were put through GOLDVARB X software (SANKOFF;
TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), distributed among nine social and linguistic factor groups.
The linguistic factor groups significantly selected by GOLDVARB X were verbal
conjugation, polarity of the sentence structure and the oblique pronoun position, referring to
the use of the subjunctive imperative variable. In general terms, the results revealed that
imperative associated to indicative, with a 60% occurrence, was the most frequent form in the
speech sample of Fortaleza. The subjunctive form showed 40% of use, opposing to our
expectations, once we hoped that the imperative associated to this form should present higher
frequency of use in the speech of the cearense capital.
KEY-WORDS: Imperative mode, Fortaleza, Subjunctive-indicative, Quantiative
Sociolinguistic, Goldvarb X.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Estratificao da amostra ........................................................................... 47 Quadro 2 Amalgamao dos verbos que compem o grupo de fatores Verbos da
Orao ...................................................................................................... 56 Quadro 3 Distino ente a primeira e as demais conjugaes .................................... 61
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio das variveis dependentes aps a primeira rodada ......................... 53 Tabela 2 Itens do grupo Verbo da Orao que apresentaram knokout aps a primeira
rodada ................................................................................................................ 53 Tabela 3 Distribuio da varivel dependente aps a segunda rodada .............................. 57 Tabela 4 Comparativo de ocorrncias do subjuntivo e do indicativo em Faixa Etria ....... 57 Tabela 5 Distribuio dos dados de uso do imperativo em relao Faixa Etria dos
falantes ............................................................................................................. 58 Tabela 6 Comparativo das ocorrncias do subjuntivo e do imperativo em Conjugao
Verbal ............................................................................................................... 60 Tabela 7 Distribuio dos dados de uso do imperativo com relao Conjugao Verbal
utilizada pelos falantes de Fortaleza .................................................................. 60 Tabela 8 Comparativo de ocorrncias do subjuntivo e do indicativo em Polaridade da
Estrutura ........................................................................................................... 63 Tabela 9 Distribuio dos dados de uso do imperativo em relao polaridade da estrutura
da orao ............................................................................................................ 63 Tabela 10 Comparativo de ocorrncias do subjuntivo e do indicativo em Posio do
pronome ........................................................................................................... 65 Tabela 11 Distribuio dos dados de uso do imperativo com relao posio do pronome
oblquo tono diante do verbo ......................................................................... 65 Tabela 12 Distribuio de dados do imperativo em relao ao fator Anos de
Escolaridade ..................................................................................................... 67 Tabela 13 Atuao do nvel de escolaridade no uso do presente do subjuntivo
(CARVALHO, 2007) ....................................................................................... 68 Tabela 14 Distribuio dos dados do imperativo em relao ao fator Gnero .................. 69
Tabela 15 Distribuio dos dados do imperativo em relao ao grupo de fatores Grupo
semntico ......................................................................................................... 71
Tabela 16 Distribuio dos dados do imperativo em relao ao grupo de fatores Verbo da Orao .............................................................................................................. 72
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A Distribuio quantitativa de informantes do NORPOFOR por bairro e regional ............................................................................................................ 83
ANEXO B Relao das ocupaes dos informantes do corpus lingustico
NORPOFOR .................................................................................................... 86
ANEXO C Tendncias gerais de favorecimento relativo das duas variantes do imperativo singular em termos de grandes oposies ........................................................ 87
ANEXO D Chave de codificao utilizada para as variveis da pesquisa ........................ 89 ANEXO E Distribuio em clulas dos inquritos D2 do NORPOFOR para esta
pesquisa ............................................................................................................ 93
SUMRIO
1 INTRODUO........................................................................................................ 13
2 O IMPERATIVO NO PORTUGUS BRASILEIRO: DOS GRAMTICOS
AOS VARIACIONISTAS........................................................................................ 18
3 OBJETO DE ESTUDO, OBJETIVOS E HIPTESES............................................ 26
3.1 Objetivos................................................................................................................... 26
3.2 Hipteses................................................................................................................... 27
4 REFERENCIAL TERICO..................................................................................... 29
4.1 Sociolingustica .................................................................................................... 31
4.2 Alguns problemas................................................................................................. 33
4.3 Lngua e sociedade e a regra varivel .................................................................. 34
4.4 Tempo aparente e tempo real ............................................................................... 37
4.5 Questes de Lavandera a Labov: significado referencial para alm da variao
fonolgica ............................................................................................................ 39
4.6 A questo do dialeto e do idioleto............................................................................. 41
4.7 Condicionamentos................................................................................................. 41
5 METODOLOGIA...................................................................................................... 44
5.1 Constituio da Amostra.......................................................................................... 46
5.2 Varveis................................................................................................................. 47
6 RESULTADOS, ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS................................ 52
6.1 Fatores no selecionados........................................................................................ 67
7 CONSIDERAES FINAIS................................................................................. 75
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 80
ANEXOS................................................................................................................ 84
13 1 INTRODUO
Por ser a variao lingustica rica em possibilidades de investigao no que diz
respeito natureza dos falantes, suas motivaes e fatores externos que podem contribuir para
a construo de uma identidade cultural, o estudo ora empreendido inspira-se em tais aspectos
a fim de contribuir para a pesquisa cientfica, notadamente em termos do falar de Fortaleza.
No intuito de se delimitar o tema deste trabalho, so apresentados nos prximos
pargrafos o conceito dos modos verbais, do ponto de vista da tradio gramatical, a
importncia do estudo de seus usos no falar de Fortaleza quando em oraes imperativas que
expressem ordem, pedido, splica, convite e/ou conselho.
Com relao formao do imperativo em portugus, as gramticas tradicionais
registram que:
a) As formas verbais do imperativo afirmativo relacionadas ao pronome tu so
derivadas do modo indicativo sem o morfema s de 2 pessoa (canta tu/ vem tu);
b) as formas verbais do imperativo afirmativo so derivadas do modo
subjuntivo (cante voc/ canta tu);
c) as formas verbais do imperativo negativo so todas derivadas do subjuntivo.
Contudo, na lngua falada, comum a alternncia do imperativo associado ao
indicativo ou ao subjuntivo, sem a correlao dos pronomes tu ou voc, respectivamente.
Observa-se que os falantes escolhem um ou outro de maneira natural e espontnea.
Como bem diz Scherre (2005)
a regra de formao do imperativo formulada pela tradio normativa descreve adequadamente a expresso do imperativo na escrita sem dilogo. Todavia, esta mesma regra no reflete o uso do imperativo na lngua falada de parcela significativa dos brasileiros (SCHERRE, 2005, p. 120)
Na lngua portuguesa, o imperativo um modo derivado do indicativo (este tido
como o modo de assero) e do subjuntivo (este tido como o modo de desejo). Bechara (1994,
p.116) diz que o imperativo em portugus s tem forma afirmativa para as segundas pessoas,
valendo-se estas do indicativo menos o s (2 pessoa do singular e do plural), sendo que as
demais pessoas so todas formadas pelo presente do subjuntivo. J o negativo, segundo Cunha
& Cintra (1985, p.451) no tem nenhuma forma prpria, pois integralmente suprido pelo
presente do subjuntivo.
14 Cunha & Cintra (2001, p.476) classificam o modo imperativo como aquele em
que o indivduo que fala se dirige a um interlocutor, s o admitindo, portanto, as pessoas que
indicam aquele a quem se fala, isto :
a) as segundas pessoas do singular e do plural tu e vs.
b) as terceiras pessoas do singular e do plural, quando o sujeito expresso por
pronome de tratamento, como voc, o senhor e Vossa Senhoria;
c) a primeira pessoa do plural, que no caso denota estar o indivduo que fala
disposto a associar-se a cumprimento da ordem, conselho ou splica que
dirige a outros.
pertinente considerarmos tambm que, quando da realizao do imperativo, a
entonao empregada pelo falante pode denotar uma ordem propriamente dita ou um pedido,
conselho ou sugesto. Como diz Cunha & Cintra (2001, p.481) dispe a lngua de variados
recursos estilsticos para reforar ou atenuar a vontade expressa pelo imperativo. Porm, o
tom de voz nas formas afetivas de linguagem essencial. Exemplos:
(1) Tu diga a Maria que eu chego j l. (Inq.1 37)2
(2) Venha no, venha no, j t ficando doida j... (Inq. 122)
(3) Vai S., comea... Fala qualquer coisa. (Inq. 49)
Todas as sentenas acima foram extradas da amostra em estudo, coletada do
corpus lingustico NORPOFOR, a ser explanado na seo Metodologia. Ao se observar as
sentenas (2) e (3), pode-se entend-las como uma ordem do falante para seu interlocutor.
Segundo a Gramtica Tradicional (doravante GT), o exemplo (2) se d em
conformidade com sua prescrio, ou seja, o modo verbal no subjuntivo atendendo ao
pronome voc, mas (1) e (3) deveriam ter sido realizadas da seguinte maneira, quanto forma
verbal:
(1a) Tu diz a Maria que eu chego j l.
(3a) Vai S., comece... Fale qualquer coisa.
Para a tradio gramatical, a forma verbal correspondente ao pronome de
tratamento voc deve vir do presente do subjuntivo (vai tu/ v voc) e no do indicativo,
muito embora, como estudos anteriores j o tem demonstrado, as formas voc e tu esto
ocupando o mesmo contexto, com o mesmo valor referencial de 2 pessoa, enfrentando-se
1 Inqurito. 2 As informaes entre parnteses remetem ao nmero do inqurito adotado pelo banco de dados NORPOFOR.
15 com as diversas armas de que dispem, adversrias no campo de batalha da variao
(TARALLO, 1985, p.34).
Guimares (2014) em seu estudo sobre as variaes das formas de tratamento no
falar de Fortaleza pondera que no Brasil do sculo XIX, voc passa a concorrer com tu nas
relaes solidrias mais ntimas. O uso do pronome voc no era considerado estigmatizado, o
que pode ter auxiliado a expanso de seu uso (2014, p.32). De acordo com ela, essa mudana
perceptvel na fala da populao brasileira, embora o pronome voc permanea nas
gramticas adotadas nas escolas como pronome de tratamento. Para a autora o uso dos
pronomes est intimamente ligado no apenas localidade onde vive o falante, mas tambm
serve como uma estratgia do interlocutor. (GUIMARES, 2014, p.35). Em sua pesquisa,
Guimares (2014) atestou que tu e voc em Fortaleza esto em situao de franca competio,
com 50,1% de usos do pronome voc ou c e 49,9% de uso do pronome tu.
Na prpria tradio, porm, encontra-se a restrio para que se compreenda a
ocorrncia do que poderia ser visto como opo equivocada do falante sobre este aspecto da
nossa lngua. Na viso prescritiva da GT, o atendimento a esta regra torna-se um tanto
quanto complexa, levando o falante a se expressar da forma mais confortvel e natural
possvel. Entretanto, a questo no reside no conforto ou na facilidade ao falar, partindo do
pressuposto de que a teoria v a lngua sob a perspectiva de um sistema dinmico.
Entendemos haver um vasto campo para o amadurecimento do fenmeno em
pauta, pois se pode observar pela citao de alguns estudiosos nos pargrafos anteriores que,
embora venha sendo estudada h vrias dcadas, esta variao dos modos indicativo e
subjuntivo em oraes imperativas no portugus brasileiro, luz da Sociolingustica
Variacionista, segue o caminho de pesquisas que j demonstraram avanos na anlise deste
tema, mas que ainda necessitam de aprofundamento das questes lingusticas, alargamento da
abrangncia territorial por haver um nmero significativo de estudos concentrados nas
regies Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil -, no sentido de se investigar mais comunidades
de fala em diferentes regies de um pas de dimenses continentais como o Brasil, juntamente
com uma coleta e interpretao de dados consistentes, levando em conta as motivaes
lingusticas e sociais do sistema no contexto social, tal como rege a tradio de estudos de
orientao laboviana.
Em relao ao tema, importante ressaltar ainda que, primeiro: a maioria dos
dados analisados ou mesmo boa parte dos estudos que sero citados neste trabalho, deram-se
16 nos anos 90, portanto, ainda no sculo XX. Segundo: afora a cronologia, temos que boa parte
das pesquisas ocorreu atravs de corpora que compreendiam falantes em situaes formais de
uso da lngua, quer em entrevistas, elocuo formal ou dilogos dirigidos (com a interveno
do entrevistador). Terceiro: nossa verificao permite at o momento especular a existncia de
poucos trabalhos sobre o uso varivel dos modos indicativo e subjuntivo na fala
compreendendo a regio nordeste do Brasil (especialmente Fortaleza).
Este estudo pretende analisar, a partir de uma amostra do banco de dados
NORPOFOR, o uso do imperativo na capital cearense em entrevistas realizadas nos moldes
labovianos, analisando as condies em que a variao se d. Verificar-se-, por exemplo,
qual a tendncia de uso do imperativo subjuntivo na fala de Fortaleza. Os estudos de Cardoso
(2009), que apresentou 66% de uso desta forma e 34% da forma indicativa na amostra do
Portugus Oral Culto de Fortaleza, doravante PORCUFORT, e Alves (2001), este referente
Joo Pessoa - PB, cuja amostra extrada do Projeto Variao Lingustica do Estado da Paraba
(VALPB) indicou o uso do subjuntivo em 64% e do indicativo em 36% das ocorrncias,
apontam competio entre as formas com tendncia a que o imperativo subjuntivo ocorra com
maior frequncia entre os falantes em boa parte de seu discurso, nos contextos em que
ordenam, solicitam, convidam ou aconselham. Baseados em tais informaes, consideramos
que h similaridade entre as pesquisas anteriormente mencionadas e a presente pesquisa em
vrios aspectos como o controle das variveis independentes sociais sexo, escolaridade e
faixa etria -, clssicas da Sociolingustica Variacionista, por exemplo, e o controle de
variveis lingsticas como conjugao verbal, posio do cltico e dos tipos de oraes
quanto sua carga semntica.
O trabalho divide-se em seis captulos. No prximo, far-se- uma exposio dos
conceitos do imperativo e do que entendido como modo subjuntivo e modo indicativo por
autores da GT e estudiosos do tema e consideraes acerca do seu uso.
No terceiro captulo, so apresentados o objeto do presente estudo, os problemas e
as hipteses suscitadas, que so confirmadas ou refutadas a partir do resultado das anlises
estatsticas.
No quarto captulo, so expostos os pressupostos desta pesquisa: os princpios da
teoria da Sociolingustica Quantitativa ou Laboviana, a partir dos quais os fatores sociais e
lingusticos desta pesquisa so essencialmente concebidos e oferecem o necessrio suporte
para seu desenvolvimento.
17 No quinto captulo, so descritos os procedimentos metodolgicos utilizados na
manipulao dos dados coletados, h o detalhamento do banco de dados utilizado e a
descrio de restries que se apresentaram durante as rodadas estatsticas.
No sexto captulo, tem-se a anlise dos dados e resultados posteriores submisso
dos dados da amostra ao processo de seleo de grupos de fatores e gerao de pesos
relativos, que indicam aqueles que se sobressaem quantitativamente e tem relevncia para a
pesquisa em curso.
Na seo Consideraes Finais, realizamos uma sntese do que foi exposto e,
simultaneamente, identificamos as hipteses confirmadas e refutadas e apontamos caminhos
para futuros estudos que venham a compartilhar da presente temtica.
18 2 O IMPERATIVO NO PORTUGUS BRASILEIRO: DOS GRAMTICOS
AOS VARIACIONISTAS
Neste captulo, faremos uma breve apresentao do tratamento do modo
imperativo na teoria gramatical. Em seguida, sero apresentados alguns estudos de cunho
variacionista sobre o imperativo no portugus do Brasil.
A tradio gramatical atribui categoria de modo as diferentes formas que toma o
verbo para indicar a atitude (certeza, dvida ou suposio) da pessoa que fala em relao ao
fato que enuncia (Cunha & Cintra, 2001, p.380). Atribui ao modo indicativo a atitude de
certeza do falante quanto ao que declara e ao subjuntivo atitude de incerteza, dvida ou desejo
frente ao contedo enunciado.
Said Ali (1966) define como sendo aquele em que se enuncia certeza e/ou
realidade do fato o modo indicativo; por conjuntivo (subjuntivo), o autor entende como sendo
o modo da irrealidade ou incerteza. Entretanto, reconhece alguma inconsistncia para essa
oposio: este conceito que s visa o plo contrrio no basta para definir o emprego do
conjuntivo.
O autor observa o critrio sinttico como possvel causa da alternncia dos modos
em discusso. Em orao principal, por exemplo, em que se interroga ou apenas h exposio
de fatos, o indicativo a forma mais usada. Em subordinadas, possvel encontrar a
alternncia de indicativo e subjuntivo. As razes que levam escolha de um ou de outro,
segundo Ali, poderiam ser:
a) Oraes interrogativas com quem , qual ou que coisa , feitas sob forma
direta recebem o indicativo. Se sob forma de orao subordinada, ora o verbo ser
empregado no indicativo, ora no conjuntivo.
b) Asseres com sujeito indefinido.
c) Oraes substantivas com verbo crer, cuidar, pensar, supor, imaginar, entender,
presumir e achar (no sentido de pensar), cujo fato expresso tido como real, o verbo pode
surgir no indicativo ou no conjuntivo.
Sobre o imperativo, Said Ali (1966) afirma que
as formas prprias do imperativo, 2 pessoa do singular e 2 pessoa do plural, em geral no difere das respectivas formas pessoaes [sic] do presente do indicativo seno pela eliminao do s final: canta, cantai; traze, trazei... funo essencial do imperativo denotar ordem, convite, conselho, pedido, supplica, quer dizer manifestaes de vontade ou desejo acompanhadas da esperana do seu
19 cumprimento da parte do indivduo a quem nos dirigimos. Outras formas verbaes
[sic] podem ocasionalmente preencher o mesmo fim, porem [sic] sempre como funo secundria. (SAID ALI, 1966, p.114, 115).
Os contextos lingusticos elencados por Ali chamam a ateno por descreverem a
existncia da alternncia dos modos indicativo e subjuntivo, entretanto carecem de uma
sistematizao que d conta dos possveis motivadores lingusticos e sociais para tais usos.
Cunha e Cintra (2001) preconizam que ao nos servirmos do uso do modo
indicativo, consideramos o fato expresso pelo verbo como certo, real, seja no presente,
passado ou futuro. No emprego do modo subjuntivo, nossa atitude diversa com perspectiva
da existncia ou no existncia do fato como uma coisa incerta, duvidosa, eventual ou mesmo,
irreal. Para Cunha e Cintra (2001), o indicativo geralmente usado em oraes que
completem o sentido de verbos como afirmar, compreender, comprovar, crer (no sentido
afirmativo), dizer, pensar, ver e verificar. J o subjuntivo o modo exigido nas oraes que
dependem de verbos cujo sentido est ligado a ideia de ordem, de proibio, de desejo, de
vontade, de splica, de condio e de outras correlatas. Os autores exemplificam este conceito
com os verbos desejar, duvidar, implorar, lamentar, negar, ordenar, pedir, proibir, querer,
rogar e suplicar.
Pelos conceitos apresentados at aqui, j se presume que existe a possibilidade de
alternncia dos modos verbais em questo. Para a Sociolingustica, os usos variveis so
motivados por fatores internos e externos lngua.
Para Bechara (1999), modo a posio do falante com respeito relao entre
ao verbal e seu agente ou fim, isto , o que o falante pensa dessa relao, considerando a
ao como algo feito, como verossmil (indicativo), como fato incerto (subjuntivo), como
desejada pelo agente (optativo) ou como um ato que se exige do agente (imperativo).
Ele lista os provveis contextos semnticos em que pode ocorrer o subjuntivo. Diz
que nas oraes subordinadas substantivas ocorre o subjuntivo depois das expresses que
denotam ordem, vontade, consentimento, aprovao, proibio, receio, desejo, probabilidade,
entre outros. O indicativo pode ser usado nos mesmos contextos sinttico-semnticos.
De acordo com Bechara, a possibilidade de alternncia indicativo/subjuntivo,
apesar de reconhecida, no possui uma explicao, o que faz com que a regra do
posicionamento do falante para justificar tal alternncia mostre-se dbil, j que inacessvel
ao pesquisador a inteno do falante. A interpretao a adotar aqui, portanto,
20 morfossinttica para a escolha do modo, em que diferentes fatores de ordem sinttico-
semntica motivam o uso do subjuntivo.
Em Cmara Jr. (1991) temos que o imperativo tem uma forma para o presente,
que deveria ser usada para o cumprimento imediato de ordens, e uma para o futuro, que
caracterizava ordens que poderiam ser posteriormente executadas. Com o tempo, a forma para
o futuro desapareceu passando a existir apenas a do presente. Cmara Jr. diz ainda que j no
latim o subjuntivo era utilizado para suprir as pessoas que no eram contempladas pelo
imperativo morfolgico.
Os estudiosos do imperativo trazem perspectivas diferenciadas que permitem
compreender o fenmeno aqui explorado como algo que composto de fatores geogrficos e
estruturais lingusticos. Vejamos em seguida exemplos destes conceitos.
Scherre et al. (2007) trazem os conceitos de imperativo verdadeiro (modo
indicativo) e imperativo supletivo (modo subjuntivo), ressaltando sua correlao no PB
quanto funo que exercem. Segundo as autoras, suas formas variveis so
morficamente idnticas ao indicativo e subjuntivo, por um lado, e a alternncia igualmente transdialetal entre o modo subjuntivo e o indicativo, por outro: as reas geogrficas que privilegiam a forma de imperativo verdadeiro permitem maior variao da forma indicativa/ subjuntiva nas oraes encaixadas; as reas geogrficas que privilegiam a forma de imperativo supletivo restringem a variao de forma indicativa/ subjuntiva nos mesmos contextos. (2007, p.233,234)
Em seu artigo intitulado Reflexes sobre o Imperativo em Portugus, Scherre et
al. (2007) oferecem um olhar detalhado e esclarecedor sobre o uso deste modo verbal no
contexto em que este trabalho se insere, ao abordar as razes que levam questo da
alternncia indicativo/subjuntivo notadamente no Portugus Brasileiro (ver tambm Anexo C,
sobre as tendncias de favorecimento relativo dos modos subjuntivo e indicativo). Para alm
das denominaes de imperativo verdadeiro e supletivo, j descritas anteriormente, as autoras
tambm trabalham com a noo de [+] ou [-] distanciamento do falante para com seu
interlocutor. Segundo as autoras, pesquisas sobre o portugus brasileiro em uso tem
evidenciado que a alternncia abre/abra; faz/faa no apresenta correlao inequvoca com o
contexto discursivo de menor ou maior distanciamento, que caracteriza o uso explcito dos
pronomes tu ou voc em algumas regies brasileiras, sem a presena obrigatria da
morfologia verbal. Assim, diferentemente do que se observa no portugus europeu, e tambm
no espanhol castelhano (Scherre et al., 2007 apud Rivero 1994), a alternncia olha/olhe;
abre/abra, faz/ faa, no portugus brasileiro, no tem relao clara com o trao [+]
21 distanciamento, que rege a distribuio deixe/voc/seu versus deixa/tu/teu. Os imperativos
verdadeiro e supletivo no portugus brasileiro, no que se refere fala, ao invs de um divisor
de interao discursiva, evidencia-se como um marcador geogrfico para as autoras.
Neste sentido, dados apontam para uma predominncia do imperativo verdadeiro
(indicativo) em estados do Sul/Sudeste/Centro-Oeste; de equilbrio na cidade de Recife (50%)
e de predominncia do imperativo supletivo (subjuntivo) em Salvador, Joo Pessoa e
Fortaleza. Porm, elas relatam que em um mesmo estado, Santa Catarina, existem evidncias
de prevalncia total do imperativo verdadeiro em Florianpolis e do imperativo supletivo (da
ordem de 79%) em Lages.
Scherre et al. (2007) ressaltam, porm, que os mesmos estudos acerca de cidades
da regio do Nordeste brasileiro retratam uma tendncia de mudana em direo ao uso do
imperativo verdadeiro devido aos fatores faixa etria e escolaridade, esta ltima em evidncia
na cidade de Salvador, com o trabalho de Sampaio (2001) e Alves & Alves (2005).
Scherre et al. (2007) propem a anlise do modo imperativo quanto comparao
de sua ocorrncia entre o portugus europeu e o brasileiro. So duas as caractersticas de
imperativo verdadeiro que fazem o portugus falado na Europa: (a) morfologia distinta do
modo indicativo imperativo: diz tudo (2 pessoa do singular); indicativo: dizes tudo (2
pessoa do singular). (b) ocorrncia exclusiva em frases afirmativas, ou seja, impossibilidade
gramatical de negar o imperativo verdadeiro imperativo em construes negativas: *no
canta! (forma supletiva: no cantes!). Quanto ao cltico em relao ao verbo, sempre aparece
na segunda posio (deixa-me descansar!), embora esta no seja uma sintaxe especfica do
modo imperativo. Conforme as autoras, no portugus europeu, o cltico no pode ocupar a
posio inicial absoluta, independentemente de estar ou no em uma estrutura imperativa.
Esta impossibilidade decorre de um padro geral que guarda relao com a direcionalidade do
apoio rtmico das cadeias pretnicas no portugus europeu.
O portugus brasileiro padro exibe sistematicamente forma imperativa distinta do
modo imperativo (Tu dizes) para o imperativo afirmativo (Diz!); no nega o imperativo
verdadeiro, valendo-se do subjuntivo como forma supletiva (no digas!). Quanto posio do
cltico, encontra-se a a diferena para o portugus falado na Europa, j que o permite em
posio inicial absoluta, em ocasies de fala e/ou escrita espontneas, em oraes imperativas,
por exemplo: Me desculpe se falei demais e no imperativas, como em me arrepio todo.
22 No entender de Scherre et al. (2007) at aqui, a conceituao do imperativo
colocada por autores brasileiros ou estrangeiros apresenta uma distncia significativa do que
os estudos sociolingusticos voltados para investigao do uso das formas do imperativo (no
portugus brasileiro) tm encontrado. H uma situao de variao nestes usos tanto do
imperativo verdadeiro quanto do imperativo supletivo claramente influenciada pelo quesito
geografia. Ademais, o trao de [+] distanciamento presente no imperativo verdadeiro do
portugus europeu e composio com o sistema pronominal mostra-se pouco relevante e
menos codificado (ou mais difuso) na lngua falada em nosso pas.
Para Scherre et al. (2007), as formas imperativas prprias so denominadas por
autores de orientao gerativa (Rivero, 1994) de IMPERATIVO VERDADEIRO (olha,
abre, faz) ao lado de IMPERATIVO SUPLETIVO (olhe, abra, faa) (p.194). Nas regies
Sul, Sudeste dados de Neta (2000), e Centro-Oeste do Brasil dados de Lima (2005), Silva
(2003), Ferreira e Alves (2001), Scherre et alii (1998), Morais (1994), Rodrigues (1993), o
uso do imperativo verdadeiro , em mdia, de 90%, ao passo que na regio Nordeste tem-se
em Recife um uso de 50%, (Jesus (2006)), em Salvador, 30%, (Sampaio (2004)) e em
Fortaleza a predominncia do uso do imperativo supletivo, da ordem de aproximadamente
70% (p. 195). Note-se uma diferena no percentual de falantes que fazem uso do imperativo
associado ao subjuntivo no dialeto de Fortaleza com relao pesquisa de Cardoso (2009),
pois sua amostra se constituiu de um corpus prprio para mapear falantes de Fortaleza que
residiam em Braslia h mais de 10 anos (sem ter vivido em outra cidade anteriormente) e dos
corpora PORCUFORT e DSC3, estes para mapear os falantes nativos de Fortaleza.
Estas mesmas autoras trazem um aspecto que consideram instigante no que diz
respeito ao imperativo supletivo, expresso pela forma verbal do subjuntivo. Alm de
apresentar tendncia sinttica especfica relacionada aos clticos (em qualquer das variedades
dialetais, estruturas com clticos depois do verbo exibem imperativo na forma supletiva,
analisada como manifestao residual de um sistema em que a nclise se articula com outras
propriedades, que determinam uma codificao distinta para o imperativo), Scherre et al.
constatam que esta forma supletiva, independentemente da estrutura do discurso dialgico
ou no, falado ou escrito, assegura uma leitura imperativa. A independncia desta forma
verbal contrasta com uma situao de dependncia de ncoras discursivas associada forma
do imperativo verdadeiro (indicativo).
3 PORCUFORT Portugus Oral Culto de Fortaleza. DSC Dialeto Social Cearense.
23 Afirmam Scherre et al. (2007) ser esse contraste provocador de reflexes para
com os mecanismos lingusticos e extralingusticos de interpelao dos interlocutores. A
expresso do imperativo, nesse aspecto, nas lnguas constitui excelente campo para a
investigao, com o seu estudo sendo uma das formas de demonstrao da importncia de tais
questes, cabendo, portanto, a sua continuidade. Um outro aspecto diz respeito correlao
no portugus brasileiro entre as formas variveis do imperativo verdadeiro e do imperativo
supletivo e a alternncia igualmente transdialetal entre o modo indicativo e o modo subjuntivo
em oraes encaixadas: as reas geogrficas que privilegiam a forma do imperativo
verdadeiro Sul/Sudeste/Centro-Oeste permitem maior variao da forma
indicativa/subjuntiva nas oraes encaixadas; as reas geogrficas que privilegiam a forma de
imperativo supletivo algumas cidades do Nordeste restringem a variao de forma
indicativa/subjuntiva nos mesmos contextos.
No Brasil h alguns estudos Freitas (1994); Morais (1994); Scherre et al.(1999)
e Cardoso (2004) - realizados sobre a alternncia dos modos indicativo e subjuntivo em
oraes imperativas, proporcionando discusses e apontando caminhos que visam o
esclarecimento do uso destes modos e o enriquecimento do trabalho cientfico luz da
Sociolingustica Variacionista (LABOV, 1972).
Morais (1994), por sua vez, ao pesquisar sobre o uso e o emprego do imperativo,
analisou dados de fala sem, no entanto, informar quantidade e sem explicitar o perfil social
dos falantes, bem como dados da lngua escrita, recolhidos de um jornal de Alegrete - RS, de
veculos de propaganda e de receitas culinrias. Uma anlise preliminar o faz excluir os dados
da lngua falada, por representarem praticamente ausncia de variao, posto que
predominava nessa modalidade o emprego da norma culta4.
Quando houve a submisso dos dados de fala, o autor constatou um grande indcio
de variao representado pelo fato de ser o imperativo negativo formado em sua quase
totalidade pelo modo indicativo, contrariando assim o que prescreve a Gramtica Tradicional
4 importante esclarecer este conceito a fim de contextualiz-la em nosso texto. Por norma culta consideramos as asseres de Bagno (2002) e Faraco (2008). Ambos rechaam o termo como representativo de uma lngua ideal, de tradio prescritivo-normativa (Bagno, 2002; 179) e entendem, ao invs disso, que h que se preservar no uma norma, mas as variedades cultas dos falantes, no possuidores de comportamentos lingusticos homogneos. Para Faraco (2008), se o que o senso comum cr ser norma culta vigorasse, menos de 10 % da populao adulta brasileira seriam seus usurios, conforme interpretao de dados coletados pelo NURC Norma Lingustica Urbana Culta. O autor afirma, ento, que o que se imagina ser norma culta, na verdade trata-se da linguagem urbana comum, resultado de uma interseco dos trs continua em seus pontos mais prximos do urbano, do letramento e dos estilos mais monitorados (FARCO, 2008, p.49), no havendo, portanto, grande distino da norma oral popular.
24 (GT). Conclui afirmando que a salincia fnica o fator de maior peso para a variao, sendo
que os verbos mais salientes privilegiam menos o modo indicativo (a norma culta) ao passo
que os menos salientes privilegiam-no mais.
Freitas (1994), em seu estudo sobre o uso do modo imperativo na linguagem oral
do portugus do Brasil, observou a fala espontnea de entrevistados naturais de Braslia DF.
Freitas (1994) conclui afirmando haver a alternncia subjuntivo/indicativo no
mesmo contexto, contrariando a recomendao da GT. A autora sugere um aprofundamento
do estudo, como a incluso de variveis que reflitam a natureza da linguagem escrita, por
exemplo.
Scherre et al. (2000, p.3), quando se debruaram sobre as restries sintticas e
fonolgicas na expresso varivel do imperativo no portugus do Brasil, realizaram pesquisas
em que os dados por eles analisados foram extrados a partir de situaes registradas em
circunstncias naturais, em eventos formais e informais de lngua falada, em eventos diversos
transmitidos em programas de TV; e em eventos de lngua escrita de propaganda que no
envolvam dilogo.
Scherre et al. (2000, p.4) observam que, em eventos de lngua falada, a forma
indicativa registrada predominantemente (80% das ocorrncias), ao passo que em eventos de
escrita sem dilogo predomina a forma subjuntiva (cerca de 90% das ocorrncias),
principalmente por razes de natureza sinttica e contextual. Os dados analisados foram todos
extrados de situaes concretas de uso lingustico. As construes imperativas submetidas a
tratamento quantitativo forma extradas de (1) eventos informais de lngua falada em
circunstncias naturais; situaes do cotidiano de uma famlia, reunies familiares e conversas
entre amigos de Braslia DF (Jesus & Leite, 1995); (2) eventos formais de lngua falada em
circunstncias naturais: aulas de alfabetizao, de primeiro grau e de curso universitrio, aulas
de cursos tcnicos e reunies formais de trabalho, tambm em Braslia (Freitas, 1995; Dettoni,
1995; Dias, 1994, 1995; (3) eventos diversos transmitidos por programas de televiso; (4)
Talk book de Lair Ribeiro O Sucesso. (Scherre et al., 2000, p.1335).
Cardoso (2009, p.136) constata atravs de seu estudo sobre gnero e identidade no
mbito da variao e mudana que, no portugus brasileiro5, o uso do modo imperativo
gramatical varia entre as formas do imperativo associado ao indicativo e do imperativo
associado ao subjuntivo, tanto para lngua escrita como para lngua falada em situao de
5 A autora estudou as comunidades de fala de Braslia - DF e de Fortaleza CE.
25 dilogo. Fatores lingusticos e sociais interferem neste processo de variao, sendo que cada
regio do pas exibe percentuais diferentes, de acordo com as pesquisas da prpria Cardoso,
de Alves (2001) e de Freitas (1994). Na capital cearense, cuja fonte de dados da autora o
corpus Portugus Oral Culto de Fortaleza, o PORCUFORT, a freqncia mdia de uso do
imperativo associado ao indicativo de 40% enquanto no Distrito Federal a freqncia de uso
dessa forma de mais de 90%.
A mesma autora, ao trabalhar com traos de [+-] distanciamento do voc,
considera que estes no marcam de forma clara e inequvoca o uso do modo imperativo no
portugus brasileiro e que a existncia de traos que marcam relaes simtricas e
assimtricas no dialeto nordestino deve ser investigada criteriosamente, em trabalhos futuros,
por meio da ampliao da anlise dos dados, para que se confirme ou no a hiptese de
que o imperativo associado ao subjuntivo se mantem no Nordeste em funo da manuteno
desses traos de [+-] distanciamento.
Embora o imperativo se prevalea de regras to definidas quanto a seu uso, de
acordo com a GT, observa-se que isto est sujeito a motivaes lingusticas e extralingusticas
determinadas, essencialmente, pelas comunidades de fala brasileiras em geral.
Em suma, o objetivo em apresentar este captulo demonstrar como a GT
enquadra nosso objeto de estudo o imperativo e as pesquisas que retratam este modo
verbal em situao de variao nas diversas comunidades de fala do Brasil.
26 3 OBJETO DE ESTUDO, OBJETIVOS E HIPTESES
Este captulo apresenta os objetivos desta pesquisa e suas hipteses, bem como
detalha o objeto de estudo.
O objeto de estudo desta pesquisa , de maneira geral, analisar o uso do
imperativo gramatical na fala de Fortaleza, em que pesem motivaes semnticas e
morfossintticas dos verbos, bem como as de natureza social como sexo, escolaridade e faixa
etria.
A varivel dependente o uso do imperativo associado forma indicativa ou
forma subjuntiva. As formas cantE/mexA/acendA e CantA/MexE/acendE so consideradas
variantes do imperativo, que podem expressar pedido, solicitao, convite, splica, aviso,
conselho, sugesto, exortao ou ordem, em oraes sem sujeito expresso, todavia, com pouca
ou nenhuma relao aos contextos de ocorrncia dos pronomes tu ou voc (ANDRADE;
MELO; SCHERRE, 2007).
3.1 Objetivos
a) Analisar as motivaes lingusticas e extralingusticas condicionadoras do uso
do modo imperativo associado ao indicativo e o imperativo associado ao subjuntivo na fala de
Fortaleza tais como verbo da orao, conjugao verbal, posio do pronome cltico,
polaridade do imperativo e grupo semntico.
Esse objetivo referente aos condicionamentos lingusticos. Nesse sentido, as
conjugaes verbais favorecem o uso do subjuntivo na fala de Fortaleza? Os grupos
semnticos favorecem o uso do subjuntivo e do indicativo em quais contextos e com que
frequncia? Quanto forma, o imperativo negativo que o falante de Fortaleza usa com mais
frequncia com destaque para o modo subjuntivo? A posio dos clticos na orao influencia
na adeso, pelo falante fortalezense, do imperativo associado ao modo subjuntivo ou ao
indicativo? Qual a tendncia de uso do subjuntivo em oraes em que h ausncia de clticos?
No que se refere ao aspecto semntico dos verbos das oraes imperativas tratadas
nesta pesquisa que indicam comando/ordem; splica, pedido e convite; advertncia, conselho
e sugesto e pedido com as expresses por favor e pelo amor de Deus, quais as que
favorecem o uso mais frequente do imperativo associado ao modo subjuntivo?
27 b) Analisar e quantificar a atuao das variveis sociais sexo, anos de escolaridade
e faixa etria no uso varivel do imperativo gramatical falado em Fortaleza.
Falantes de Fortaleza do sexo feminino esto mais propensos ao uso do modo
subjuntivo nas oraes imperativas do que falantes do sexo masculino, considerando-se que
este uso atende ao que afirmam alguns gramticos da GT?6 A maior escolaridade estimular,
da mesma forma, preservao do uso tradicional da fala de Fortaleza? Os falantes mais
jovens tendem ao uso varivel dos modos verbais de forma mais evidente na fala e utilizam o
imperativo indicativo, forma menos marcada, sinalizando para mudana em progresso?
c) Analisar os resultados fornecidos pelas rodadas estatsticas realizadas com o
suporte do programa GOLDVARB X, a fim investigar a tendncia de uso em termos
estatsticos e lingusticos das formas verbais subjuntivo e indicativo, especificamente da
primeira, valor de aplicao desta pesquisa.
Importante salientar neste momento que o tema deste trabalho e dos dois autores
referidos acima se interseccionam se houver a considerao de que tratam da lngua falada.
No entanto, a abordagem se modifica ao compreender que Cardoso tratou dos fortalezenses
migrantes e comparou a fala destes com a dos brasilienses. A pesquisa de Alves, sim,
aproxima-se mais desta por haver a replicao de alguns grupos de fatores como grupo
semntico, conjugao verbal ou forma do imperativo aqui chamado de polaridade da
estrutura da orao e a insero de outros como verbos da orao, por exemplo.
3.2 Hipteses
Como primeira hiptese temos que o imperativo negativo favorece o uso dos
verbos no modo subjuntivo, como Scherre (2001; p. 03) j encontrara em dados analisados a
partir de revistas em quadrinhos em que a polaridade negativa aumenta o uso do
imperativo negativo, assim como o posicionamento do pronome oblquo explcito ou
implcito diante do verbo da orao, como Scherre (2000; p. 1338) apresenta em sua pesquisa.
No fator que est sendo chamado aqui de grupo semntico, dever encontrar-se o subfator
ordem como o que mais beneficiar ou motivar o uso verbal em modo subjuntivo,
considerando que est primordialmente relacionado com o ato de comando.
6 Ver captulo 2, em especial Cunha e Cintra (2001).
28 Na hiptese seguinte, afirmamos que os falantes de idade mais avanada
conservam as formas e os usos verbais mais cristalizados, enquanto os mais jovens tm maior
suscetibilidade mudana. No quesito escolaridade, ratificar-se- a teoria de que os mais
escolarizados apresentam motivao para o uso da variante imperativo indicativo, ao passo
que os de escolaridade de 0-4 anos usam o imperativo subjuntivo. Carvalho (2014), em seu
estudo sobre a alternncia das formas subjuntiva e indicativa na fala do Cear, no contexto de
oraes subordinadas substantivas e comparando dados de Fortaleza e da regio do Cariri,
concluiu que os falantes da faixa etria dos menos escolarizados (0 a 4 anos de instruo)
usam mais o subjuntivo.
Quanto ao gnero, na pesquisa de Cardoso (2009), que tratava de falantes
nascidos em Fortaleza que migraram para a capital federal, informantes do sexo feminino tem
uma porcentagem maior de utilizao do indicativo em oraes imperativas do que os
informantes do sexo masculino. A proposta, ento, a comprovao ou no dos falantes
fortalezenses que residem em sua cidade natal se encontrarem em situao cujos resultados
corroborem os de pesquisas anteriores, como a supracitada.
Buscou-se neste captulo balizar a pesquisa ora empreendida e lanar luz sobre os
questionamentos cuja anlise de dados, fundamentados na teoria Sociolingustica, dever
respond-los e apontar caminhos para o desenvolvimento deste e de outros empreendimentos
cientficos da rea de Descrio e Anlise Lingustica. No prximo captulo, apresentaremos o
arcabouo terico que serve a este trabalho.
29 4 REFERENCIAL TERICO
O captulo que se inicia versar sobre a Sociolingustica Quantitativa, que atua
como um valioso suporte ao estudo e anlises que so apresentados neste trabalho. Tratar-se-
, sinteticamente, da Teoria da Variao e Mudana Lingustica com o foco na
Sociolingustica Quantitativa ou Laboviana (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968).
Embora alguns possam considerar a relao direta dos preceitos desta pesquisa
com o Funcionalismo um pouco distante, entendemos caber aqui uma pequena aluso a esta
escola, para introduzir este captulo, uma vez que o funcionalismo em Lingustica se
caracterizar como um instrumento de interao social entre os seres humanos. Segundo
Nogueira (2006) o paradigma funcionalista considera a lngua como uma atividade voltil,
de regularidade provisrias, sensvel s presses de uso e, portanto, sujeita a todo tipo de
adaptao (NOGUEIRA, 2006, p.23-24).
Assim, em todas as suas vertentes, a saber: os funcionalismos praguense, ingls
(de Halliday), norte-americano e holands, percebe-se o interesse dos estudos funcionalistas
na investigao da lngua como um sistema no-autnomo, capaz de ceder s presses de
demandas de uso diferentes no mbito de interaes verbais.
Entendamos a partir de agora sob que condies o surgimento da Sociolingustica
Quantitativa se deu, bem como sua contribuio para os estudos que abrangem a variao e a
mudana lingustica. Para isso, necessria uma rpida revisita ao fim do sculo XIX e incio
do sculo XX.
A influncia de Herman Paul7, citado por Weinreich, Labov e Herzog (1968),
sobre uma gerao de linguistas, no reconhecimento do ponto de vista dialetolgico sobre a
mudana lingustica, embora se tornasse um futuro alvo de pensamentos antineogramticos
encontra eco em Saussure (2006), para quem a lngua tem um lado individual, denominado
parole, e um lado social, denominado langue, que no podem ser concebidos isoladamente.
Como bem dizem Weinreich, Labov e Herzog (1968, p.55), para Saussure, a sistematicidade
da lngua depende da existncia, dentro do indivduo, de uma faculdade de associao e de
uma coordenao. Tambm estabelecido pelo suo o estudo da lngua em sincronia e
diacronia, no qual a primeira compreende a lngua como um sistema esttico, homogneo e
7 Hermann Otto Theodor Paul (1846-1921), linguista alemo.
30 regular. J no nvel diacrnico os termos evoluem e se substituem. Dessa forma, a lingustica
sincrnica
se ocupa das relaes lgicas e psicolgicas que unem os termos coexistentes e sistemticos, tais como so percebidos pela conscincia coletiva. A Lingustica sincrnica, por sua vez, estuda as relaes que unem termos sucessivos no perceptveis por uma mesma conscincia coletiva e substituem uns aos out ros sem formar sistema entre si (SAUSSURE, 2006, p.116).
O estudo da lingustica sincrnica no , para ele, o conjunto de um todo
simultneo, mas os fatos simultneos que pertencem a uma mesma lngua. Ele prossegue
alertando que deve haver uma necessria separao dos objetos de estudo homogneos e que
no existem dialetos naturais, acrescentando que no fundo, o termo sincronia no bastante
preciso; ele deveria ser substitudo pelo termo, um pouco mais longo, idiossincronia
(SAUSSURE, 2006, p.128). J a lingustica diacrnica rejeita semelhante especializao.
Ao distinguir fala (parole) de lngua (langue), Saussure rompe com o
psicologismo caracterstico do pensamento neogramtico. Ele via a lngua como social e a
fala como individual. O que o suo no contempla, entretanto, o papel da comunidade
como a matriz de desempenho da fala individual. Em sua teoria, uma lngua heterognea no
encontra lugar como objeto legtimo de investigao sincrnica, afinal, para ele a lngua
homognea (SAUSSURE, 2006, p.32). Em consonncia com Paul, Saussure encara a
heterogeneidade como uma impreciso de desempenho dentro do uso lingustico de uma
comunidade.
Vale abordar ainda, no Formalismo, a viso de Bloomfield, para quem, segundo
Weinreich, Labov e Herzog (1968) demonstrava um nvel varivel de interesse pela
diversidade lingustica de uma comunidade de fala. O que o vincula ao grupo dos mestres
neogramticos a falta de interesse pelo carter sistemtico da lngua heterognea de uma
comunidade. No reagindo possibilidade do estado de uma lngua servir como um
determinante de mudanas em si mesma. A explicao da mudana, para o norte-americano,
estava na imitao, inteiramente determinada pelo prestgio do modelo.
Labov (1978, p.186) entende que conceber a lngua enquanto aspecto social e
estudar a fala postulada como individual inserida no contexto social um paradoxo
saussuriano.
Sinteticamente, na perspectiva chomskiana, representativa do Gerativismo, o
interesse pela competncia de um falante-ouvinte ideal, pertencente a uma comunidade
31 lingustica homognea que tem domnio sobre sua lngua e no se deixa afetar por condies
gramaticais irrelevantes, como limitaes de memria, distraes, mudanas de ateno e
interesse e erros de aplicao de seu conhecimento de lngua em desempenho real. Mussalin e
Bentes (2008) vm subsidiar esse dado ao argumentarem, baseadas nesta perspectiva, que o
ser humano traz consigo a capacidade da linguagem, que vem a ser os universais lingsticos,
o que a coloca sob o domnio cognitivo e biolgico, j que preconiza a existncia de uma
Gramtica Universal (GU), dotada de princpios universais pertencentes faculdade da
linguagem, e de parmetros fixados pela experincia, no marcados, com valores (+ ou -)
por contato com a lngua materna 8 (LABOV, 2008, p. 208). Portanto, no h espao para
que se considere o uso e fatores que podem interferir na produo, aquisio ou interao dos
falantes de uma lngua, posto que Chomsky entende que o input e o output exercem o papel
de construtores da gramtica de um individuo.
4.1 Sociolingustica
At aqui, pode-se observar as diferentes (e divergentes) perspectivas dos
estudiosos no que dizia respeito investigao lingustica e sua mudana. Em comum, os
conceitos de homogeneidade e idealizao de falantes, excluindo o fator comunidade como
determinante no processo de transformao destes e considerando as variaes como
imprecises ou interferncias em um grau a ser desprezado. A Sociolingustica ir discutir os
paradoxos e procurar preencher as lacunas deixadas pelos conceitos formalista e gerativista
quanto a estas questes e, como ser visto adiante, explicar os mecanismos que tornam
possveis mudanas e variaes lingusticas a partir de comunidades de fala.
Partindo da premissa de que Labov considera o termo Sociolingustica um tanto
redundante, por argumentar que a lngua uma forma de comportamento social (LABOV,
1972, p.215), j que o uso deve ser realizado em um contexto social e com a inteno de
comunicao, o estudo empreendido nesta pesquisa se insere no aparato terico da Teoria da
Variao e Mudana Lingustica, que introduz a noo de variao inerente ao sistema
lingustico e considera a relao entre lnguas e sociedade. Desta feita, busca-se obter o
embasamento adequado que oferecer subsdios investigao cientfica a ser empreendida.
8 Teoria de Princpios e Parmetros ou paramtrica. (Mussalin e Bentes, 2008), descrita neste trabalho de maneira simplista tal como se concebia na ocasio de seu destacamento. Atualmente, n ovas teorias sobre o assunto j ultrapassaram esse modelo.
32 Mussalin e Bentes (2008) oferecem uma explanao simples e muito didtica
sobre o estudo da variao lingustica luz da Sociolingstica:
Lngua e variao so inseparveis: a Sociolingustica encara a diversidade lingustica no como um problema mas como uma qualidade constitutiva do fenmeno lingustico. Nesse sentido, qualquer tentativa de buscar apreender apenas o invarivel, o sistema subjacente se valer de oposies como lngua e fala ou competncia e performance significa uma reduo na compreenso do fenmeno lingstico (MUSSALIN, BENTES, 2008, p.33).
Este dever ser o mote para se demonstrar de que forma a abordagem dos
pressupostos tericos serviro para o maior entendimento, descrio e anlise do fenmeno
em estudo.
A Teoria da Variao e Mudana ou Sociolingustica Quantitativa surgiu nos anos
60 do sculo passado, da proposta de Uriel Weinreich, Marvin Herzog e William Labov
(1968), com o objetivo de desenvolver uma teoria que pudesse descrever a lngua e seus
determinantes sociais e lingusticos, bem como produzir uma teoria da mudana que
sedimentasse o uso varivel da lngua.
Weinreich, Labov e Herzog (1968) consideram ainda indispensvel construir
uma teoria que rompa com o axioma da homogeneidade (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968, p. 13) que norteava os estudos lingusticos a partir dos neogramticos at ali,
ao responder questo sobre como funciona a lngua enquanto muda a estrutura e se ela
guarda a mesma eficincia ao ter esta mudana promovida. A homogeneidade da lngua,
propem eles, deve ser abandonada instaurando-se em seu lugar o axioma da
heterogeneidade ordenada (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p.13) buscando
caminhos tericos para que os fatos da heterogeneidade (lngua como realidade varivel) e
abordagem estrutural (lngua como realidade ordenada) fossem harmonizados.
Weinreich, Labov e Herzog (1968) ponderam que um modelo de lngua que
organize os fatos de uso varivel com seus determinantes sociais e estilsticos, conduz a
descries mais adequadas da competncia lingustica. Assim sendo, uma teoria da mudana
deve conceber a lngua como um objeto portador de heterogeneidade sistemtica, sob a tica
da diacronia e/ou da sincronia. Nessa perspectiva, o reflexo da heterogeneidade atravs do
desempenho o evento no qual se busca a estrutura, sistema e funcionamento da lngua, bem
como deve explicar o efetivo funcionamento dos sistemas em momentos de mudana. Para
tal, faz-se necessrio estudar a lngua do indivduo na comunidade, em situao real de
contexto e fala.
33 So dois os princpios bsicos para o estudo da lngua, ao se tentar estabelecer a
heterogeneidade sistemtica:
a) Deixar de identificar estrutura lingustica com homogeneidade e conceber
como opo racional a possibilidade de descrever ordenadamente a
diferenciao numa lngua que serve comunidade.
b) Entender que as gramticas nas quais uma mudana lingustica ocorre
representam gramticas de comunidade de fala. (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 1968, p.104).
A Sociolingustica no corrobora com o iderio da relao lngua/homogeneidade
ao absorver a ideia de variao sistemtica motivada por presses sociais que operam sobre a
lngua, no devendo, pois, ser estudada fora do contexto social (LABOV, 1972).
Weinreich, Labov e Herzog explicam que ao longo das dcadas de 1920 e 1930
linguistas da Europa e da Amrica afastam-se da unidade psicolgica simples do idioleto tal
como postulada por Paul. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p.97). Abordagens
multiestratificadas foram utilizadas para caracterizar sistemas coexistentes em uma mesma
comunidade e Jakobson declarou que a alternncia de estilo um fato permanente que no
compromete a sistematicidade de cada estilo como um objeto da descrio lingustica.
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p.97). Isto se configura em um indcio de que a
descrio das lnguas faladas no mundo passava a contar com um novo olhar, mais abrangente
e prximo do que se poderia considerar real sobre a fala de seus respectivos praticantes,
situao em grande parte renegada pelas concepes estruturalista e gerativista.
4.2 Alguns problemas
H, no entanto, alguns problemas apontados por Labov (1972) no que tange fala
como objeto de estudo, a saber:
a) A agramaticidade a fala cheia de formas agramaticais. Frases mal-formadas
so rechaadas pelos falantes, que as condenam e mudam quando sua ateno chamada para
elas;
b) A variao na fala e na comunidade de fala as variantes pertencem a dois
sistemas diferentes; a alternncia um exemplo de mistura dialetal ou alternncia de cdigo
ou as mesmas encontram-se em variao livre dentro do mesmo sistema. Este problema
34 coloca a variao fora do sistema em estudo, porm, para se comprovar uma alternncia de
cdigo, deve-se mostrar que o falante realiza um movimento de um conjunto consistente de
regras para outro. J na variao livre, preciso demonstrar que este movimento no ocorre
de nenhuma forma;
c) Dificuldade de ouvir e gravar gravaes de fala em situao de uso real,
conforme Labov (1972), so quase sempre de qualidade muito deficiente. Os rudos de toda
sorte reduzem a qualidade fontica dos dados;
d) A raridade das formas sintticas no se pode esperar que os falantes
produzam formas que no sejam as adequadas s mais comuns. A no ser que sejam
estimuladas, as formas sintticas e fonolgicas reais no faro parte do corpus.
Labov (1972) aponta ainda alguns problemas no estudo das intuies.
Contrariando as expectativas de Chomsky, de que o objeto prprio da Lingustica devia estar
restrito aos julgamentos intuitivos dos falantes nativos, casos considerados marginais,
duvidosos na mente do terico ou do falante so numerosos e no decididos por regras
formadas a partir dos casos claros (grifo nosso). Estes casos permanecem problemticos e no
contam com o consenso geral de seus estudiosos.
4.3 Lngua e sociedade e a regra varivel
Situada em relao ao conjunto lngua e sociedade, a Teoria da Variao e
Mudana Lingustica considera a variedade das formas em uso como objeto complexo,
decorrente dos fatores internos, prprios do sistema lingustico e dos fatores sociais cuja
interao ocorre nos atos comunicacionais. O modelo terico-metodolgico variacionista
busca a ordenao da heterogeneidade e considera a variao inerente ao sistema lingustico,
sistemtica, regular e ordenada. Prope-se explic-la, descrev-la, relacionando-a com
contextos social e lingustico (LABOV, 1972). Alm disso, devem os objetos atores de uma
variao coexistir de modo que se estabeleam como em competio entre si e no se
complementando. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968).
Partindo do pressuposto que a abordagem sociolingustica enfatiza a variabilidade
e concebe a lngua como instrumento de comunicao usado por falantes da comunidade, num
sistema de associaes comumente aceito entre formas arbitrrias e seus significados,
verifica-se o objetivo como sendo o de explicar o processo de mudana lingustica em funo
35 de diversos fatores, assim subdivididos: lingusticos, variveis internas da lngua; e sociais,
variveis relacionadas ao falante como sexo, idade, grau de escolaridade, classe social, entre
outras, atuando de maneira probabilstica na variao da lngua, sendo possvel revelar quais
ambientes lingusticos influenciam regularmente a frequncia, de uma variante ou outra, e
quais contextos lingusticos e/ou sociais so mais relevantes no fenmeno observado
(LABOV, 1994).
De acordo com a Teoria da Variao e Mudana Lingustica, os fatos lingusticos
so entidades tericas, de modo que a realizao de uma ou outra variante das formas em
competio (em concordncia com o que preconizam Weinreich, Labov e Herzog (1968))
constitui o seu objeto de anlise. Esse modelo terico-metodolgico observa que a noo da
opcionalidade deixa de captar a natureza da variao sistemtica que existe no mesmo nvel
da gramtica de um nico indivduo (CERDERGREN; SANKOFF, 1974).
O modelo variacionista reza que a frequncia de aplicao de uma dada regra
opcional pode depender fortemente de restries do contexto lingustico e dos aspectos sociais
diretamente ligados ao falante. Introduz, nesse sentido, a noo de regra varivel,
desenvolvida a partir da anlise e notao fonolgica gerativa, em que a presena de um dado
trao ou subcategoria deve afetar a frequncia de aplicao de uma regra de forma
probabilisticamente uniforme em todos os ambientes em que esses traos apaream
(CEDERGREN; SANKOFF, 1974).
Por esta razo, com o intuito de que se consiga a sustentao embasada de um
fenmeno cuja variao pode existir no dialeto de uma comunidade de fala, no idioleto9 de
um de seus falantes ou mesmo dentro de uma orao produzida por eles que se trabalha com
o conceito de regra varivel, isto , um elemento varivel dentro do sistema controlado por
uma nica regra (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p.105). Assim, uma varivel
lingustica, conforme esses autores
tem de ser definida sob condies estritas, para que seja parte da estrutura lingustica; de outro modo, se estar simplesmente escancarando a porta para regras em que frequentemente ou ocasionalmente ou s vezes se aplicam. A evidncia quantitativa para a co-variao entre a varivel em questo e algum outro elemento lingustio ou extralingustico oferece uma condio necessria para admitir tal unidade estrutural. (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968, p.107).
9 Segundo Weinreich, Labov & Herzog, (1968), lngua da qual o indivduo faz uso, absorvida da comunidade de fala em que se insere, mas sujeita a variaes no obrigatoriamente compartilhadas por es ta.
36 Para Naro (1992) a operao de uma regra varivel sempre o efeito da ao
simultnea de vrios fatores. As regras variveis apresentam, portanto, os fatos lingusticos
que a lingustica estruturalista e a gerativa representariam por meios de regras opcionais ou
categricas (LABOV, 1972). Assim, o estudo do processo da mudana envolve o conceito de
variao e regra governada.
A fim de que se obtenha tal conceito, os dados da fala semi-espontnea so
submetidos a um suporte metodolgico baseado em modelo matemtico estatstico que
fornece a frequncia da aplicao e probabilidade de uso de uma dada regra varivel
condicionada por restries lingusticas e sociais.
A observao e a anlise de fenmenos variveis permitem o levantamento de
hipteses sobre porque se produzem certas mudanas, como se difundem atravs do tempo e
quais so os mecanismos linguisticamente sociais que as favorecem.
Em Corvaln (1988 apud CARVALHO, 2007) o processo de covariao,
pertinente por ocasio do tema desta pesquisa, que est em competio por um longo perodo
de tempo se completa produzindo um elemento lingustico categrico adquirindo novo
significado social. No entanto, no facilmente observado. Implica, em princpio, em
identificar as formas analisadas e os contextos que esto operando esse processo de mudana.
Ao analista cabe inferir o significado ou a funo de cada dado, conhecer a variedade de fala e
entender o bastante sobre o que est implcito no discurso particular para ser capaz de
compreender a variao da comunidade de fala. Sankoff (1988) diz que necessrio utilizar-
se de observaes diretas com base em grandes amostras de dados coletados no seio da
comunidade de fala. H casos em que uma determinada variante permanece estvel ao longo
dos sculos. Assim, o comportamento do indivduo estvel por todo o tempo de sua vida, e
a comunidade, consequentemente, permanece estvel, no havendo, portanto, variao para
analisar.
Nesse sentido, verifica-se uma estreita correlao dos fatores sociais sobre os
fenmenos lingusticos. Sexo, faixa etria, escolaridade so indicadores do processo de
variao e no poderia ser diferente. Afinal, ainda que, segundo Labov (1972), regras
lingsticas no estejam necessariamente ligadas a qualquer valor social, so parte do
elaborado mecanismo do que o falante precisa para traduzir seu complexo conjunto de
significados ou intenes em forma linear. (LABOV, 1972). Segue o autor citando os valores
sociais como influenciadores de regras lingsticas quando se percebe a variao. De
37 imediato, difcil que os falantes compreendam que duas expresses diferentes tenham o
mesmo significado e que por isso, de acordo com o estudioso norte-americano, tende-se a
atribuio de significados distintos para elas. Sua observao sobre o assunto continua ao
afirmar que
Se dado grupo de falantes usa uma variante particular, ento os valores sociais atribudos a esse grupo sero transferidos a essa variante lingustica. Sturtevant (1947) props um modelo geral de mudana lingustica mostrando a oposio de duas formas, cada qual favorecida por um grupo social particular. Quando a questo fica resolvida, e uma forma se torna universal, o valor social associado a ela desaparece. (LABOV, 1972, p. 290, 291).
Em caso de variao estvel, os jovens e velhos apresentam o mesmo
comportamento, contrariando com a populao de meia-idade, por exemplo. Nesse caso, o
quadro representativo apresenta um padro curvilinear, com o uso das formas de prestgio
situado na faixa etria intermediria.
J a mudana lingustica requer, virtualmente, um perodo de transio constante,
de variabilidade, de competio entre estruturas e de divergncias dentro da comunidade do
falante (SANKOFF, 1988a).
4.4 Tempo aparente e tempo real
Para o processo de entendimento da mudana lingustica em progresso, faz-se
necessrio traar os estudos em dois aspectos baseados na estratificao da amostra: tempo
aparente e tempo real.
Na amostra em tempo aparente a varivel lingustica distribuda atravs dos
nveis de idade dos falantes, o que em termos de acompanhamento do progresso da mudana,
tem uma aplicabilidade maior, pois, em relao ao tempo real, difere por no ter que
acompanhar um grupo ou uma comunidade de falantes, por exemplo, por 20, 30 ou at 50
anos. A dificuldade desse tipo de observao consiste em entender se a significativa
correlao entre a idade e a varivel lingustica estabelecida trata-se de uma verdadeira
mudana em progresso ou de gradao etria, que a mudana de comportamento lingustico
caracterstica de certa idade, que se repete em cada gerao, alterando a frequncia de
algumas variveis lingusticas por serem modificadas ou corrigidas em uma idade mais
avanada do indivduo. Para Labov (1966), adolescentes e adultos jovens usam variantes
38 estigmatizadas mais livremente do que falantes de meia-idade, especialmente quando esto
sendo observados.
Pode-se citar como exemplo de pesquisa em tempo aparente, a de Tagliamonte e
Cameron10. Meyerhoff (2006) relata que Tagliamonte usou o tempo aparente para inferir se as
variveis as quais ela estudava em Yorkishire English encontravam-se em mudana
progressiva ou no, agrupando sua amostra de informantes conforme suas faixas etrias. Ela
os aglutinou em quatro faixas para avaliar quais eram as tendncias gerais.
Cameron tambm utilizou, segundo Meyerhoff (2006) dados em tempo aparente
para explorar o uso varivel dos verbos de citao no espanhol de Porto Rico, usados para
introduzir discurso indireto, pois, diferentemente do ingls, que usa os verbos cannicos say
(dizer, diz) e think (pensar, pensa), o espanhol de Porto Rico tem vrias estratgias para tal.
Para no estender muito este tpico, conclumos o exemplo de Meyerhoff informando que
Cameron, por meio dos dados em tempo aparente, encontrou caso claro de mudana em
progresso, comparando a amostra dos informantes mais jovens com a dos de idade mais
avanada.
Os dados em tempo aparente so usados pelos linguistas para que chequem
dinamicamente tipos de dados longitudinais aos quais eles nem sempre tem acesso. Mas com
o desenvolvimento dos estudos sociolingusticos, Meyerhoff comea a ver mais estudos
inclurem o componente tempo real em seus mtodos11 (MEYERHOFF, 2006, p.139,
traduo nossa). Isso significa seguir os mesmos indivduos durante um perodo real de
tempo, chamado de estudo de painel (panel studies).
Assim como no caso dos estudos em tempo aparente, tambm h exemplos
relatados por Meyerhoff sobre este tipo que ora se analisa. Trata-se de uma pesquisa que
envolveu os mesmos informantes em repetidas entrevistas na cidade de Montreal, Canad.
Vejamos o relato de Meyerhoff: Os pesquisadores agora possuem dados de entrevistas de
1971, 1984 e 1995 e
podem comparar o comportamento dos informantes em relao a diversas
variveis fonolgicas, morfolgicas e lexicais. 12 (MEYERHOFF, 2006, p.139, traduo
nossa).
10 Sali Tagliamonte e Richard Cameron realizaram as pesquisas citadas respectivamente em 1998. 11
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