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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA GILBERTO CABRAL DE MENDONÇA NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO TÉCNICO INTEGRADO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA VITÓRIA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

GILBERTO CABRAL DE MENDONÇA

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE DOCENTES DE

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO TÉCNICO INTEGRADO DO INSTITUTO

FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

VITÓRIA

2016

GILBERTO CABRAL DE MENDONÇA

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO

FÍSICA NO ENSINO TÉCNICO INTEGRADO DO INSTITUTO FEDERAL DE

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação Física.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zenólia Christina Campos Figueiredo

VITÓRIA

2016

GILBERTO CABRAL DE MENDONÇA

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DE DOCENTES DE

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO TÉCNICO INTEGRADO DO INSTITUTO

FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Dissertação apresentada Programa de Pós-Graduação em Educação Física do

Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo,

como requisito parcial à obtenção do Grau de Mestre em Educação Física.

COMISSÃO AVALIADORA _________________________________ Prof.ª Dr.ª Zenólia Christina Campos Figueiredo Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora _________________________________ Prof.ª Dr.ª Sandra Soares Della Fonte Universidade Federal do Espírito Santo _________________________________ Prof. Dr. José Francisco Chicon Universidade Federal do Espírito Santo _________________________________ Prof. Dr. Moacyr Cerqueira Calado Instituto Federal do Espírito Santo

Dedico este trabalho às minhas filhas,

Marina e Clara, minhas inspiradoras.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela presença em minha vida.

Agradecer é uma prática contínua, às vezes impensada. Dizemos muito obrigado

banalmente diante de situações do cotidiano. A feitura de um trabalho como este só

pode ser fruto de concessões, de tempos retirados de outros tempos, de lugar

ocupado de outros lugares, por isso se torna bastante difícil saber se os

agradecimentos contemplarão todas as pessoas que atravessaram essa trajetória.

As minhas origens, principalmente de meu pai, que sempre tem histórias para contar

e sabe encantar pela simplicidade e sabedoria ao longo da vida. Minha mãe e minha

avó, que sempre mostraram sensibilidade e ternura no jeito de ensinar.

Às minhas irmãs, irmãos, sobrinhos, sobrinhas e cunhadas, pelo carinho, paciência,

pela confiança sempre em mim e incentivo a minhas escolhas e decisões.

A Marina e Clara, por me ouvirem de longe e me alimentarem com sensibilidade e

coragem de continuar em caminho difícil, mas pleno de sentidos, buscando superar

desafios e a concretização das aprendizagens delas.

Ao Instituto Federal do Espírito Santo, pelo apoio.

Quero agradecer explicitamente aos colaboradores da pesquisa, professores do

Instituto Federal do Espírito Santo que aqui se identificaram como José, Francisco,

João, Maria, Paulo, Gabriel e Artur, que me contaram e permitiram tornar pública

parte de suas histórias de vida, suas experiências profissionais, sem as quais nada

do que eu dissesse faria sentido.

A minha orientadora, professora Zenólia Christina Campos Figueiredo, pela acolhida,

pela sensibilidade e disponibilidade, mas principalmente pela condução neste

percurso.

A todos/as professores/as e colegas da turma de 2014, pela convivência, pelas

trocas, pelos momentos de grande aprendizagem e pela relação construída.

Aos professores Moacyr Cerqueira Calado, Sandra Soares Della Fonte e José

Francisco Chicon, pela convivência, aprendizado e relações construídas.

Por fim, estendo os meus agradecimentos a todos/as amigos/as colegas e

conhecidos/as que, mesmo não citados aqui de forma direta, contribuíram, de outras

maneiras, para a realização deste estudo.

[…] O mais importante e bonito, do

mundo, é isto: que as pessoas não estão

sempre iguais, ainda não foram

terminadas – mas que elas vão sempre

mudando. (GUIMARÃES ROSA)

RESUMO

Esta investigação busca analisar e interpretar as experiências profissionais dos docentes de Educação Física do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes), considerando desde a formação inicial e continuada até as práticas pedagógicas atuais nas aulas de Educação Física no ensino técnico integrado. No que se refere à orientação teórico-metodológica, a pesquisa foi baseada na etnometodologia que contribuiu para compreender melhor as ações e interações mobilizadas pelos professores, com base nas suas experiências profissionais. Para isso, recorreu-se como instrumento para o trabalho de campo à entrevista narrativa individual. Por meio deste instrumento, houve entrevista a sete professores, o que tornou possível identificar experiências profissionais construídas desde a formação inicial, passando pela formação continuada ao longo da carreira docente. Incluem experiências construídas na transição do trabalho anteriormente e já como profissional do Ifes. Mediante as transcrições das entrevistas, foi possível configurar cinco eixos de análise: o lugar da experiência no trabalho docente; a paixão pelo ensino; o contexto do Instituto Federal do Espírito Santo na constituição das identidades docentes; o esporte; o ensino técnico integrado. Baseando-se nas teorias da sociologia da experiência de formação docente, identidade docente, do ensino médio integrado e a Educação Física nesse contexto, a análise dos dados evidenciou que as experiências antes do ingresso no Ifes, e mesmo no processo de formação inicial, são muito diferenciadas. A formação continuada é marcante para os professores e se dá desde as necessidades surgidas na prática docente. As experiências mais frequentes são no esporte, fato que continua relevante no ensino técnico integrado da instituição, tanto no que se refere às escolhas e ao processo de hierarquização dos conteúdos da Educação Física, de acordo com a importância a ele atribuído, quanto nas relações com os projetos desenvolvidos no ensino, pesquisa e extensão. As trajetórias relacionadas às experiências esportivas, apontadas pelos professores, são as mais significativas na carreira. Porém, o tratamento pedagógico difere entre os professores, o que demostra um interesse em trabalhar o esporte numa perspectiva que supere a racionalidade técnica do ensino. As experiências passam por outras funções além da sala de aula tradicional, passam por diferentes cargos, como direção-geral, gerência de ensino e coordenação, o que amplia o conhecimento sobre a instituição. Constata-se, ainda, que existe uma grande dificuldade em trabalhar a Educação Física dentro da proposta do ensino técnico integrado, dificuldade identificada também em outras áreas do saber no Instituto Federal do Espírito Santo. Conclui-se, então, que as experiências profissionais mais significativas dos professores de Educação Física no ensino técnico integrado no Ifes estão no contexto do esporte. Outras funções administrativas na instituição marcam também a trajetória dos professores. A integração entre o ensino médio e o ensino profissionalizante permanece como um grande desafio para o Instituto Federal do Espírito Santo. Palavras-chave: Formação docente. Educação Física. Ensino técnico integrado.

ABSTRACT

This research seeks to analyze and interpret the professional experience of teachers of Physical Education of the Federal Institute of Science Education and Technology of the Holy Spirit (IFES), considering from initial and continuing education to current teaching practices in physical education classes in integrated technical education. As regards the theoretical and methodological orientation, the research was based on ethnomethodology which contributed to better understanding the actions and interactions mobilized by teachers, based on their professional experience. For this, it used as a tool for individual narrative interview with fieldwork. Hereby, was interviewed seven teachers, which made it possible to identify professional experiences built from the initial training, through continued training throughout the teaching career. Include experiences built on transition from work earlier and now as a professional IFES. Through the transcripts of the interviews, it was possible to set up five axes of analysis: the place of experience in teaching; passion for teaching; the context of the Federal Institute of the Holy Spirit in the formation of teachers' identities; the sport; integrated technical education. Based on the theories of sociology of teacher training experience, teacher identity, the integrated high school and Physical Education in this context, the analysis of the data showed that the experience before entering the IFES, and even the initial training process, are very different. Continuing education is striking for teachers and gives from the needs arising in the teaching practice. The most frequent experiences are in the sport, a fact that remains relevant in integrated technical education institution, both with regard to the choices and prioritization process of physical education content, according to the importance assigned to it, as in relations with the projects developed in teaching, research and extension. The trajectories related to sports experiences, pointed out by teachers are the most important in his career. However, the pedagogical treatment differs among teachers, which demonstrates an interest in the sport work in a perspective that goes beyond the technical rationality of education. The experiences go through other functions beyond the traditional classroom, go through different positions as general direction, educational management and coordination, which extends the knowledge of the institution. It appears also that there is great difficulty in working Physical Education in the proposed integrated technical education, difficulty also identified in other areas of knowledge at the Federal Institute of the Holy Spirit. It follows, then, that the most significant professional experiences of physical education teachers in the integrated technical education in IFES are in the context of sport. Other administrative functions in the institution also mark the trajectory of teachers. The integration between high school and vocational education remains a major challenge for the Federal Institute of the Holy Spirit. Keywords: Teacher training. PE. integrated technical education.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Denominações recebidas desde 1909 ................................................... 29

Quadro 2 – Campi e cursos técnicos integrados desde 2008 ................................... 35

Quadro 3 – Quantitativo de servidores do Cefetes em 2008 ..................................... 36

Quadro 4 – Docentes colaboradores ......................................................................... 42

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo e

os respectivos campi ................................................................................ 27

Figura 2 – Expansão da rede federal no Brasil ......................................................... 31

Figura 3 – Cenário da rede federal ............................................................................ 32

Figura 4 – Regiões do estado do Espírito Santo ....................................................... 33

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

1.1 O PONTO DE PARTIDA, O PROBLEMA, O PROPÓSITO DO ESTUDO........... 13

2 O CAMINHO PERCORRIDO NA PESQUISA ........................................................ 23

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: ASPÉCTOS TEÓRICOS ......................... 23

2.2 O INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO: ENSINO, PESQUISA E

EXTENSÃO ........................................................................................................ 25

2.2.1 O Instituto Federal do Espírito Santo: um século de vida .......................... 28

2.2.2 Os Institutos Federais nas diferentes regiões do Brasil: a expansão da

rede federal ..................................................................................................... 30

2.2.3 O Ifes nas diferentes regiões do estado ....................................................... 33

2.2.4 Finalidades e competências institucionais .................................................. 36

2.2.5 Os sujeitos colaboradores da pesquisa ....................................................... 38

2.2.6 Os encontros com o campo e com os colaboradores da pesquisa........... 39

2.2.7 As entrevistas ................................................................................................. 42

3 A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO INSTITUTO FEDERAL DO

ESPÍRITO SANTO ................................................................................................. 48

3.1 UM RESGATE HISTÓRICO ................................................................................ 48

3.2 LAPIDANDO A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: GESTÃO DEMOCRÁTICA,

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO NA

PERSPECTIVA DE UMA FORMAÇÃO CIDADÃ ................................................ 49

4 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ENSINO MÉDIO INTEGRADO: O QUE APONTA

A LITERATURA? ................................................................................................... 55

4.1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ............................................................................. 55

4.2 O ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO ENSINO TÉCNICO .................................. 58

5 ABRINDO AS NARRATIVAS ................................................................................ 64

5.1 O LUGAR DA EXPERIÊNCIA NO TRABALHO DOCENTE ................................ 65

5.1.1 Sobre experiência .......................................................................................... 70

5.1.2 Sobre o trabalho docente .............................................................................. 75

5.2 A PAIXÃO PELO ENSINO .................................................................................. 80

5.3 O CONTEXTO DO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO NA

CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES DOCENTES ........................................... 89

5.4 O ESPORTE ....................................................................................................... 98

5.5 O ENSINO MÉDIO INTEGRADO ...................................................................... 108

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 120

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 127

APÊNDICES ......................................................................................................... 130

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1 INTRODUÇÃO

1.1 O PONTO DE PARTIDA, O PROBLEMA, O PROPÓSITO DO ESTUDO

“Nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar,

um problema da vida prática.” (MINAYO, 1997).

Assumindo o desafio de compreender e analisar as experiências profissionais dos

professores de Educação Física do ensino técnico integrado Instituto Federal do

Espírito Santo (Ifes), começo narrando a minha1 própria trajetória na Educação

Física, buscando inspiração nas palavras de Bozi (1995), quando destaca que aquilo

que lembramos é o que faz sentido em nossa história de vida e, assim, vai dando

significado àquilo que somos no presente. Minha história começa como a de muitos

outros jovens que, na impossibilidade de serem atletas profissionais, resolvem

abraçar a profissão que mais se aproxima desse desejo. Iniciei, em 1989, meu curso

de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física na Universidade Federal de

Viçosa (UFV-MG), trazendo na bagagem muita esperança no futuro: desejava ser

técnico ou preparador físico em um grande clube de futebol profissional.

No decorrer do curso, passei por diferentes experiências, buscando novos

conhecimentos, além de recursos financeiros que tornariam possível minha

permanência em Viçosa. Ainda no processo de formação inicial, por necessidade e

iniciativa próprias, passei por experiências bastante enriquecedoras em colônias de

férias, cursos de natação e estágios.

Em setembro de 1992, fugindo às expectativas do início do curso, minha primeira

oportunidade como profissional, com registro em carteira de trabalho, foi trabalhar

como professor de Educação Física da educação infantil à 4.ª série do ensino

fundamental. Desde março de 1993, comecei também a lecionar à 5.ª e 6.ª séries e,

desde 1995, trabalhei com turmas da educação infantil ao ensino superior.

1 Começo utilizando os verbos no singular por tratar-se de uma narrativa em que apresento

experiências particularmente vividas por mim desde a formação inicial.

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O conhecimento adquirido na graduação forneceu-me, na maioria das vezes,

subsídios para trabalhar em clubes, clínicas e academias. Entretanto, questões que

dizem respeito à Educação Física escolar não foram desenvolvidas na mesma

proporção. Até a minha colação de grau, em janeiro de 1994, não tive a

oportunidade de realizar pesquisas dentro da escola.

No momento de planejar, selecionar e pôr em prática os conteúdos da Educação

Física nos primeiros anos do ensino fundamental, percebi que as metodologias de

trabalho aprendidas no curso de formação não vinham ao encontro da proposta

educacional da escola onde iniciava meu trabalho. Passei a viver outra fase:

comecei a questionar os conhecimentos voltados para uma proposta de Educação e

Educação Física tradicional. Percebi, então, que era necessário refletir e estudar

como trabalhar numa escola que não usava métodos de ensino tradicionais. A

escola citada era uma cooperativa educacional formada por pais, cuja proposta se

fundamentava em pesquisas realizadas nas últimas décadas do século XX, as quais

têm como inspiradores alguns nomes de valor indiscutível: Piaget, Vigotsky, Lúria,

Leontiev e seus seguidores. Essas pesquisas apresentam implicações pedagógicas

desafiadoras, suscitando reflexões que, por grande parte de minha graduação, não

emergiram.

Com base nessas experiências profissionais que se configuraram antes mesmo da

conclusão do curso, foi possível perceber que minha formação prescindia de mais

conhecimentos. Buscando preencher algumas lacunas para superar dificuldades na

prática, resolvi, então, especializar-me em Educação Física escolar na UFV-MG.

Mediante essa especialização (lato sensu), foi possível realizar na escola um

trabalho prático, fundamentado na concepção de Educação Física delineada

teoricamente como cultura corporal, pautada na concepção crítico-superadora,

(COLETIVO DE AUTORES, 1992), o qual foi transformado em monografia final do

curso.2 O estudo ajudou-me a compreender e superar algumas dificuldades e, ao

mesmo tempo, levou a outras inquietações, no que diz respeito à construção do

conhecimento e à formação docente. Entretanto, com o passar das disciplinas, o

2 Monografia: Educação Física: O ensino do futebol na perspectiva crítico-superadora: uma prática

possível. Realizado em 1997, na cidade de Viçosa-MG.

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contato com outras literaturas, a experiência vivida no Projeto Veredas,3 assim como

a participação contínua em encontros, simpósios, congressos, atuações como

professor substituto nas Universidades Federais de São João Del-Rei e Viçosa,

ministrando disciplinas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, contribuíram

para minha formação profissional. Além da docência em instituição particular,

ministrando diferentes disciplinas, acabei atentando-me para uma discussão mais

emergente naquele momento: a formação inicial e continuada de professores de

Educação Física.

Após cinco anos de experiências no ensino superior, atuando na formação de

professores, senti que era necessário intensificar as discussões sobre as

metodologias e práticas voltadas para este segmento da educação. Dessa forma,

ingressei como aluno especial no Programa de Mestrado em Educação da

Universidade Federal de Viçosa, cursando a disciplina Metodologia do Ensino

Superior. Ao estudarmos diferentes autores, foi em Paulo Freire que encontramos

alternativas e metodologias que parecem simples, mas que na prática são muito

instigantes e desafiadoras. Muitas lacunas foram preenchidas, mas outras

inquietações surgiram: o fazer docente exigia de todos o exercício da pesquisa e a

reflexão no processo de construção do conhecimento entre docente e discente.

Dando sequência ao trabalho de investigação e amadurecimento nas práticas que já

estavam mais consolidadas em virtude de uma fundamentação teórica mais

significativa, mas agora com outras indagações, matriculei-me em outra disciplina no

mesmo programa de mestrado. Fui percebendo que era, então, imprescindível

manter contato com a universidade, enquanto desempenhava minhas funções como

docente na educação básica e no ensino superior. Desde a participação como aluno

especial no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de

Viçosa, cursando, portanto, mais uma a disciplina – “Formação de professores:

perspectivas atuais” –, foi possível refletir, de forma mais aprofundada, sobre a

importância de repensar nossas práticas, assumindo, de forma consciente, a nossa

própria formação.

3 O Projeto Veredas – Formação Superior de Professores foi organizado na forma de um curso de

graduação plena -aconteceu no período de 2002 a 2005. Caracterizou-se como formação inicial em serviço, habilitando os professores da rede pública de ensino de Minas Gerais para o exercício do magistério nos primeiros anos do ensino fundamental.

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As experiências que vivenciei possibilitam-me perceber claramente o lugar da

investigação no âmbito da docência. A elaboração deste estudo, por exemplo, em

nenhum momento é para mim um mero cumprimento de requisito acadêmico no

sentido mais restrito do termo. Ao contrário, quando o leio, ainda que bastante

seminal em suas diferentes fases de construção, penso com muita satisfação na

relevância desta pesquisa, no que diz respeito tanto à sua contribuição acadêmica

quanto à realização de um projeto pessoal. Nesse processo de construção, vejo que

cada palavra, cada frase, cada ideia que vai sendo elaborada carrega fragmentos de

uma realidade que há muito vivencio nas experiências como professor de Educação

Física. Muito mais que isso, a todo o momento, lembro uma luta que incorporei e

venho travando ao longo de minha vida, dentro e fora de meu local de trabalho, seja

por acreditar na educação como uma das possibilidades de melhoria da qualidade

de vida das pessoas desprivilegiadas no Brasil, seja por provocar reflexões que

tornam minha prática um pouco melhor. Nessa perspectiva, lanço vários olhares

sobre diferentes frentes de trabalho no processo de valorização das experiências

profissionais no campo da Educação Física. A proposta de estudo nesta pesquisa

resulta de uma identificação pessoal com o tema, faz parte de minha realidade.

Vale ainda dizer que meu pertencimento à comunidade estudada constitui, para mim,

um dos fatores mais enriquecedores da pesquisa. Assim, minha inserção em campo

não ocorreu exclusivamente para a realização do projeto. Relaciono-me com os

participantes do estudo, quer como colega de trabalho, quer como um também

habitante do estado do Espírito Santo. Desse modo, minha frequência aos diversos

campi, engajado em diferentes projetos com os sujeitos que fazem parte do estudo,

não constitui para eles uma novidade. Ao contrário, minha presença, minha forma de

pensar, minha postura política, minha postura profissional, além de minha

concepção de educação e de mundo, são partilhadas com todos. Tentarei determinar

a linha que divide o eu-pesquisador, do eu-professor, do eu-colega, do eu-amigo, do

eu-comprometido politicamente, para compreender a lógica de pensamento do outro.

O fundamental é analisar a fala de cada participante da pesquisa, visando captar seu

conteúdo, de modo a revelar suas intenções de dizer, e evitando que, precipitada e

inadvertidamente, minhas próprias convicções, discordâncias, ressalvas se

sobreponham às suas ideias.

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Meu envolvimento com ensino e pesquisa no Instituto Federal do Espírito Santo

(Ifes) oficialmente se inicia em 5 de abril de 2012, com a minha chegada à

instituição, ministrando aulas para os cursos técnicos integrados em Administração e

Eletromecânica. O primeiro projeto desenvolvido, em setembro de 2012, foi o “Ifes

na Praia”. Depois de ter completado dois anos de implantação, numa iniciativa

inédita, o Ifes campus Guarapari, por meio da disciplina Educação Física, apresenta

esse projeto à comunidade do município. O trabalho envolveu todos os segmentos

da instituição: docentes, discentes, funcionários técnico-administrativos de todos os

níveis e comunidade. Nesse período houve considerável produção de conhecimento

pela instituição que, cumprindo o seu papel social, compartilhou-o com a

comunidade, assim como prestar serviços de qualidade, informar e apresentar os

trabalhos realizados à sociedade tem a nobre missão de contribuir para o

desenvolvimento do ensino, da pesquisa e, consequentemente, da educação.

Considero que a prática esportiva tem papel fundamental em projetos de relevância

social. Hoje é imprescindível a prática de atividades físicas, visando a uma melhor

qualidade de vida. A recomendação de que se busque uma vida mais ativa é

unânime no mundo inteiro. Profissionais da área de saúde de todo o mundo

defendem a atividade física como fator primordial na busca por mais saúde e na

prevenção de várias doenças. Da mesma forma, os valores educativos que podem

ser trabalhados por meio do esporte na instituição escolar são imensuráveis.

Portanto, em face da preocupação com todos os aspectos da vida humana, a

iniciativa não poderia deixar de incentivar a prática da atividade física, essencial para

melhor qualidade de vida.

Percebemos que o município de Guarapari tem suas carências, e uma iniciativa

assim, vinda de uma instituição da grandeza do Ifes e adotada pelo campus desse

município, pode proporcionar mudanças tanto em relação à aquisição de novos

conhecimentos quanto no que concerne à integração entre escola e comunidade. O

projeto “Ifes na Praia” destaca a importância do trabalho de pesquisa, ensino e

extensão. Os objetivos do projeto são estes: compartilhar com a comunidade os

conhecimentos produzidos no Ifes; promover a integração entre os estudantes, os

funcionários técnico-administrativos, os prestadores de serviços de apoio e os

professores; promover atividades esportivas educativas; facilitar a integração entre

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escola e comunidade; despertar o interesse pelo conhecimento produzido no Ifes

campus Guarapari; refletir sobre a importância do tripé ensino, pesquisa e extensão;

e fomentar a prática esportiva inclusiva como atividade importante, visando à

qualidade de vida.

O “Ifes na Praia” repercutiu positivamente na instituição e, em 2013, assim como nos

anos letivos seguintes, no campus Guarapari, já era evento que integrava o

calendário, tendo reconhecida sua importância como projeto de extensão.

Desenvolvemos também em 2012 os projetos: “Jogos Inter-Campi”, além de

intercâmbio com outras instituições de ensino. Os Jogos Internos do Instituto Federal

do Espírito Santo (JINIFES) campus Guarapari, realizados em 2012, 2013 e 2014c

também são realidades que se firmaram no calendário escolar. A realização de tais

projetos proporcionou a inserção de muitos alunos nas atividades desenvolvidas, o

que até então não havia acontecido no campus. A construção e a coordenação dos

referidos projetos têm sido desafiadoras e muito gratificantes.

Com o intuito de colaborar para o crescimento da instituição e ampliar minhas

possibilidades de ações numa prática cada vez mais inclusiva, ingressei em três

importantes frentes de trabalho: a primeira foi o ingresso como membro do Núcleo

de Apoio ao Estudante com Necessidades Especiais (NAPNE); a segunda foi a

realização do Curso de Extensão em Educação Inclusiva – Modalidade EAD – ação

do Programa de Formação em Educação Inclusiva (PROFEI), com carga horária de

260 horas, oferecido pelo Instituto Federal de Educação Profissional e Tecnológica

de Brasília; a terceira foi o ingresso no grupo de pesquisa em Educação Inclusiva no

Ifes. Ainda no segundo semestre de 2012, atendendo às necessidades do Ifes e

tendo o apoio da instituição, participei do II Seminário Nacional de Educação

Especial e XII Seminário Capixaba de Educação Inclusiva.

Além das ricas e pertinentes discussões envolvendo diferentes práticas e a

legislação da Educação Inclusiva, pude participar também de uma discussão mais

específica na área da Educação Física Inclusiva, abordando a formação e a prática

pedagógicas. Tais discussões proporcionaram olhares novos e mais sensíveis para a

prática inclusiva. No mesmo ano, participei do XII Congresso Espírito-Santense de

Educação Física e IV Congresso Sudeste de Ciências do Esporte. Nesse momento

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realizamos frutíferas discussões na forma de pensar e de intervir na (com) Educação

Física para uma Educação (Física) plena. Por entender a formação continuada como

fator imprescindível no cotidiano do docente, considero as participações em cursos

oferecidos pelo Ifes de suma importância. Os seguintes cursos também foram

ofertados pela instituição: Documentos Institucionais – Construções e Propósitos;

Fundamentos da Ética e Ética no Serviço Público Federal. Esses cursos mostraram,

com muita propriedade, o caminho correto para o estabelecimento de relações no

campo profissional com competência, assiduidade e ética. Ainda em 2012, visando

conhecer melhor a instituição e simultaneamente contribuir para o crescimento dela,

pude participar da Comissão Preparatória para Eleição da Comissão Eleitoral, no

processo eleitoral para diretores e reitor. Atuei nas Comissões de Avaliação de

Viabilidade de Criação/Elaboração/Implantação de Projetos Pedagógicos de Cursos

Técnicos Integrados em Período Integral e na Comissão de Viabilidade e Legalidade

da Criação da Coordenadoria de Ensino Técnico Integrado.

Na sequência do trabalho, já em 2013, ainda no primeiro semestre, além da carga

horária destinada às aulas, realizamos quatro etapas dos JIFES. A participação do

campus Guarapari ocorreu em todas as etapas, tendo seu esforço e bom

desempenho reconhecidos por toda a comunidade escolar. O apoio de todos os

setores administrativos e de ensino foi fundamental para as apresentações em

diversas modalidades esportivas. Ainda em março, cumprindo nosso planejamento e

os objetivos da Comissão de Avaliação de Viabilidade de

Criação/Elaboração/Implantação de Projetos Pedagógicos de Cursos Técnicos

Integrados em Período Integral, organizamos e realizamos o I Seminário de

Educação Integral: desafios e possibilidades – Ifes – campus Guarapari.

A formação continuada também seguia os caminhos possíveis, e, com apoio da

instituição, ingressei como ouvinte na disciplina “Educação Inclusiva” no curso de

mestrado em Educação Física, oferecido pelo Centro de Educação Física e

Desporto/Ufes. Acredito que os estudos e as reflexões suscitados no curso

permitiram compreender e modificar a prática pedagógica no cotidiano, aproximando

a realidade dos alunos ao fazer docente e propiciando planejamento conjunto, além

de aulas mais atrativas, ao alcance de todos. Conciliando paralelamente estudos e

prática docente, realizamos em abril o projeto “III Ifes na Praia” com a colaboração e

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participação de toda a comunidade escolar. Nessa perspectiva, prosseguimos em

2013, 2014 e 2015.

Na perspectiva de que o estudo sobre a formação inicial e continuada, sobre as

experiências profissionais dos docentes Ifes e que os impactos dessa formação e

experiência na sua prática pedagógica cotidiana proporcionarão a reconstrução de

meu saber e de minha prática, elaborei o seguinte questionamento para nortear esta

pesquisa: de quais modos os professores de Educação Física olham para suas

experiências e avaliam a sua repercussão na prática pedagógica?

Na tentativa de dialogar com outros estudos que pudessem aproximar-nos do tema,

realizei buscas na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação (ANPEd), bibliotecas do Ifes e periódicos da Capes. Nessa busca

cruzamos os três temas centrais do estudo: formação de professores, ensino técnico

integrado e Educação Física.

A busca na ANPEd se baseou nos registros desde a 27.ª reunião anual em 2004 até

a 38.ª reunião anual em 2015. Pesquisamos os estudos nos respectivos grupos de

trabalho: formação de professores, trabalho e educação, educação de jovens e

adultos. Encontramos vários estudos que dizem respeito à formação docente e

ensino técnico integrado. Porém, no momento de abordar a triangulação formação

de professores, ensino técnico integrado e Educação Física, nenhum estudo mais

significativo foi encontrado; da mesma forma, nas bibliotecas do Ifes e nos

periódicos da Capes.

Dessa forma, assumimos um imenso desafio, ao nos debruçarmos sobre essa

questão, por se tratar de algo novo. Ao explorarmos esse tema, engajamos num

projeto de muita relevância para todos os envolvidos no ensino técnico integrado: a

rede federal de ensino técnico integrado e principalmente a Educação Física no

ensino técnico integrado do Ifes.

Entendemos que estar à frente deste estudo, além de desafiador, é imprescindível

para o Instituto Federal do Espírito Santo. Ao promovermos maior conscientização

acerca do assunto, desejamos ainda que novas investigações apareçam no contexto

21

do Ifes e demais instituições de ensino e pesquisa. A abertura de novos estudos com

base na prática do professor no ensino técnico integrado e a formação de

professores que atuarão nesse nível de ensino são amplamente válidas e

fundamentais para alcançarmos melhores índices de aprendizado entre discentes e

docentes no âmbito do ensino técnico integrado de todo o país.

Buscamos, então, compreender as histórias de vida do profissional de Educação

Física ao longo da profissão e da prática pedagógica, no meu lugar de atuação

profissional, o Ifes, com fins de analisar, interpretar/compreender as experiências

profissionais dos docentes de Educação Física, considerando desde a formação

inicial e continuada até as práticas pedagógicas atuais, com as repercussões nas

aulas de Educação Física no ensino médio. Ademais, especificamente analisar as

experiências profissionais dos docentes da Educação Física do Instituto Federal

do Espírito Santo; compreender como os docentes olham para suas experiências,

tendo como referência a sua formação; e discutir as repercussões das experiências

profissionais dos docentes na prática pedagógica cotidiana.

No primeiro capítulo, discutimos o ponto de partida, o problema e o propósito do

estudo com base em minhas experiências, desde a formação inicial até o início

deste mestrado, como exercício preparatório para compreender as experiências

profissionais dos docentes de Educação Física do ensino técnico integrado; no

segundo, procuramos desenhar e definir o caminho percorrido na pesquisa, o

processo de escolha dos sujeitos investigados, o contexto em que as experiências

dos sujeitos acontecem, as técnicas utilizadas e os caminhos percorridos durante

todo o processo de coleta de dados; o terceiro volta-se para uma discussão sobre a

docência na educação profissional, mediante um breve resgate histórico da trajetória

do Instituto Federal do Espírito Santo, reconhecemos as especificidades do ensino

técnico integrado e procuramos lapidar a educação profissional por meio de uma

gestão democrática com participação social e desenvolvimento humano, na

perspectiva de uma formação cidadã; no quarto, procedemos a uma análise da

educação profissional articulada com o ensino médio com base nas contribuições da

literatura; no quinto, analisamos experiências profissionais de docentes do ensino

técnico integrado mediante a interlocução da literatura, produzidas nas áreas da

sociologia da experiência, formação docente e Educação Física com os dados

22

coletados no trabalho investigativo de campo; por fim, deduzimos que os docentes

apresentam diferentes experiências e as mais significativas estão centradas no

trabalho com o esporte.

Os desafios para implementar uma proposta pedagógica ainda são muitos e há um

longo caminho a trilhar com mais estudos investigativos que envolvam o ensino

técnico integrado, formação docente e Educação Física.

23

2 O CAMINHO PERCORRIDO NA PESQUISA

No percurso para a efetivação do estudo, apresentamos a caracterização teórica da

pesquisa, a instituição que o contextualiza, local de onde falamos – o Instituto

Federal do Espírito Santo, sua história, expansão no estado e no país, as finalidades

e competências institucionais, os sujeitos colaboradores da pesquisa, as entrevistas

e o cenário onde os encontros ocorreram.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: ASPECTOS TEÓRICOS

O aporte teórico-metodológico do estudo insere-se no âmbito das ciências humanas

e sociais. Trata-se de estudo qualitativo com narrativas e histórias de vida dos

professores, cujo instrumento central para a geração dos dados é a entrevista

narrativa. Acrescenta-se a essa perspectiva que o pensar a formação do ponto de

vista do aprendente é evidenciar, e não ignorar o que dizem as disciplinas das

ciências do humano (JOSSO, 2004, p. 38).

Minayo (1994, p. 15) argumenta que a realidade social é o próprio dinamismo da

vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. Para

a pesquisadora, a realidade social é rica e os códigos das ciências sociais possuem

instrumentos e teorias capazes de aproximar a grandiosidade que é a vida dos seres

humanos em sociedade. A ciência a serviço do humano elabora meios em que

A situação de construção da narrativa exige uma atividade psicossomática em vários níveis, pois pressupõe a narração de si mesmo, sob o ângulo da sua formação, por meio do recurso a recordações referenciais, que balizam a duração de uma vida (JOSSO, 2004, p. 39).

O caminhar para si é observado de uma maneira de ir se formando por meio de suas

experiências, pois

[…] o que está em jogo neste conhecimento de si mesmo não é apenas compreender como nos formamos por meio de um conjunto de experiências, ao longo da nossa vida, mas sim tomar consciência de que este conhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou menos ativo ou passivo segundo as circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante, encarar o seu itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma auto-orientação possível, que articule de uma forma mais consciente as suas heranças, as suas experiências formadoras, os seus grupos de convívio, as suas valorizações, os seus desejos e o seu imaginário nas oportunidades socioculturais que soube aproveitar, criar e explorar, para que surja um ser que aprenda a identificar e a combinar

24

constrangimentos e margens de liberdade (JOSSO, 2004, p. 58).

Parece ser óbvio enfatizar implicitamente a necessidade que os professores que

assumem compromisso com o trabalho sentem de possuir, antes mesmo da entrada

na sala de aula, um autoconhecimento considerável e um conjunto claro de valores

e princípios que orientarão suas atitudes. Quanto mais ocupado estiver, menos

tempo terá tanto para refletir sobre o que faz, o modo como faz quanto para planejar

o que ensinará a seguir. Por isso, pensar a sua prática facilita também o

planejamento visando a melhorias, o que é possível de ser feito mediante o tempo

disponível para uma reflexão crítica das suas experiências.

Desse modo, a pesquisa com entrevistas narrativas apresenta-se nesse espaço em

que o docente parte da experiência de si e questiona os sentidos de suas vivências

e aprendizagens, assim como suas trajetórias:

As entrevistas narrativas demarcam um espaço em que o sujeito, ao selecionar aspectos de sua existência e tratá-los oralmente, organiza as ideias e potencializa uma reconstrução de sua vivência pessoal e profissional de forma autorreflexiva como suporte para compreensão de sua itinerância, caracterizando-se como excelente perspectiva de formação (SOUZA, 2011, p. 217).

Ao pesquisar, desejo que esta atividade traga contribuições e oportunidades para

minha formação e para a formação daqueles que são colaboradores do estudo.

As pesquisas pautadas nas entrevistas narrativas contribuem para a superação da racionalidade técnica como princípio único e modelo de formação. Além disso, a pesquisa com entrevistas narrativas funciona numa perspectiva colaborativa, pois quem narra e reflete sobre sua trajetória abre possibilidades de teorização de sua própria experiência a amplia sua formação através da investigação e formação de si (SOUZA, 2011, p. 217).

Nesse sentido, é viável para os professores recuperar, reconstruir, readquirir

acontecimentos, realizações e engajamento em questões relacionadas aos

propósitos, às identidades, aos valores e comprometimento por meio de registros

diários e dos diálogos. Assim, assumir as histórias do trabalho e da vida pessoal e

profissional pode servir como uma janela pela qual os professores possam perceber

as origens das crenças e das suas práticas, de forma a rever as suas influências.

Desse modo, os professores também acumulam uma reserva de conhecimento de

ordem emocional e cognitiva moldada pelas experiências passadas (DAY, 2004, p.

171).

25

2.2 O INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO: ENSINO, PESQUISA E

EXTENSÃO

A missão do Ifes é a promoção da educação profissional pública de excelência,

integrando ensino, pesquisa e extensão para construir uma sociedade democrática,

justa e sustentável.

Desde a criação da Escola de Aprendizes Artífices do Espírito Santo em 1909 até a

sua transformação em Instituto Federal do Espírito Santo, tal fato é considerado uma

referência em educação na sociedade capixaba. O Ifes é resultado da união das

unidades do Centro de Formação de Educação Tecnológica e das Escolas

Agrotécnicas Federais em 2008, no qual hoje se promove educação profissional

pública integrando ensino, pesquisa e extensão para construir uma sociedade

democrática, justa e sustentável. O Ifes oferece ensino de cursos técnicos a

mestrados e possui aproximadamente 17 mil alunos. Oferece cerca de 100 cursos

técnicos, 40 cursos de graduação, 12 especializações e 8 mestrados. Possui 21

campi em funcionamento, faz-se presente em todas as microrregiões capixabas. O

instituto possui ainda 36 polos de educação a distância no estado.

O Instituto Federal do Espírito Santo realiza anualmente os Jogos Estudantis do Ifes

ofertando as modalidades – futebol masculino; futsal masculino e feminino; voleibol

masculino e feminino; handebol masculino e feminino; basquetebol masculino e

feminino; atletismo, judô, xadrez e natação – envolvendo toda a comunidade

acadêmica (discentes, docentes e servidores técnico-administrativos).

Na pesquisa identificamos mais de 100 grupos de trabalho e mais de 500 projetos

em desenvolvimento. Existem grupos nas oito áreas de concentração do CNPq:

Ciências Exatas e da Terra; Ciências Biológicas; Engenharias; Ciências da Saúde;

Ciências Agrárias; Ciências Sociais Aplicadas; Ciências Humanas; e Linguística,

Letras e Artes. Existem também programas institucionais de iniciação científica;

desenvolvimento tecnológico e inovação; difusão científica; formação, consolidação

e apoio a grupos de pesquisa; e intercâmbio em ciência, tecnologia e inovação. No

Instituto Federal do Espírito Santo, também têm sido desenvolvidos vários projetos

de pesquisa aplicada em parceria com o setor produtivo nos últimos anos, com

26

destaque em chamadas dessa área, sendo um dos institutos federais que mais

aprovaram projetos no Brasil, em 2013 e 2014.

As atividades de extensão do Ifes proporcionam o relacionamento entre discentes e

docentes com diferentes segmentos da sociedade, gerando oportunidades de

desenvolvimento em comunidades de todo o Espírito Santo. O Ifes atua em

programas e projetos de extensão comunitária, oferecendo cursos que atendem às

demandas do setor produtivo. Com os cursos de Formação Inicial e Continuada do

Pronatec, dos cursos do programa Mulheres Mil, dos Núcleos Incubadores e de

iniciativas como os polos e parques de base tecnológica, o Ifes desenvolve ações

que incentivam o empreendedorismo e geram oportunidades de melhoria das

condições de vida da sociedade capixaba.

27

Figura 1 – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo e os respectivos campi

Fonte: www.ifes.br (2015).

28

2.2.1 Instituto Federal do Espírito Santo: um século de vida

No início do século XX, o café era a base da economia no Espírito Santo, mas já

sonhava com o futuro que se anunciava pelas indústrias que começavam a surgir no

país. O entusiasmo se materializava pelo presidente Nilo Peçanha, ao implantar os

Centros de Educação Técnica nas capitais brasileiras. O objetivo desses centros era

formar jovens para o novo tempo que começava no país. As novas escolas

destinavam-se aos filhos das chamadas classes proletárias (SUETH; MELLO;

DEORCE; NUNES, 2009).

Nesse contexto, o Instituto Federal do Espírito Santo foi oficializado em 23 de

setembro de 1909, no governo de Nilo Peçanha, denominando-se Escola de

Aprendizes Artífices do Espírito Santo (EAA). A escola foi regulamentada pelo

Decreto n.º 9.070, de 25 de outubro de 1910, com o propósito de formar

profissionais artesãos, voltados para o trabalho manual com efetivo valor social e

econômico, propondo-se a ensinar para a vida.

Desde 1937, a instituição foi denominada Liceu Industrial de Vitória e passou a

oferecer a formação de profissionais voltados para a produção em série, porém com

características artesanais. Em 25 de fevereiro de 1942, o Liceu Industrial foi

transformado em Escola Técnica de Vitória. Em 11 de dezembro de 1942, foi

inaugurado o prédio onde funciona até hoje. Nessa época contava com internato e

externato, oficinas e salas de aula para atender aos cursos de artes de couro,

alfaiataria, marcenaria, serralheria, mecânica de máquinas, tipografia e

encadernação. Em setembro de 1965, passou a ser denominada Escola Técnica

Federal do Estado do Espírito Santo, (ETFES), baseada num modelo empresarial.

Em 13 de março de 1993, foi inaugurada a primeira Unidade de Ensino

Descentralizada, localizada em Colatina, norte do estado. A escola técnica passou a

ser um Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) desde março de 1999, o

que possibilitou novas formas de atuação e um novo paradigma de instituição

pública profissionalizante. Em 12 de março de 2001, foram iniciadas as atividades

letivas na Unidade de Ensino Descentralizada da Serra, oferecendo cursos técnicos

em Automação Industrial e em Informática. Em 2004, o Cefetes passou a ser uma

Instituição de Ensino Superior, com os Decretos n.os 5.224 e 5.225, hoje substituído

29

pelo Decreto n.º 5.773.

Em 2005, a Unidade de Ensino Descentralizada de Cachoeiro de Itapemirim entrou

em funcionamento, oferecendo o curso técnico em Eletromecânica e curso técnico

em Rochas Ornamentais, inédito no Brasil. Em 2006, duas novas Unidades iniciaram

suas atividades: a Unidade de Ensino Descentralizada de São Mateus, oferecendo o

curso técnico em Mecânica, e a Unidade de Ensino Descentralizada de Cariacica,

oferecendo o curso técnico em Ferrovias, também inédito no Brasil e fruto de uma

parceria do Cefetes com a Companhia Vale do Rio Doce. Em 2008, foram

inauguradas mais três Unidades de Ensino: Aracruz, Linhares e Nova Venécia.

Em dezembro do mesmo ano, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da

Silva, sancionou a Lei n.º 11.892, que criou 38 institutos federais de educação,

ciência e tecnologia no país. No Espírito Santo, o Cefetes e as Escolas Agrotécnicas

de Alegre, de Colatina e de Santa Teresa se integraram em uma estrutura única: o

Instituto Federal do Espírito Santo. Dessa forma, as Unidades de Ensino do Cefetes

(Vitória, Colatina, Serra, Cachoeiro de Itapemirim, São Mateus, Cariacica, Linhares,

e Nova Venécia) e as Escolas Agrotécnicas de Alegre, Santa Teresa e Colatina

tornaram-se campi do Instituto Federal do Espírito Santo.

Denominações que o Ifes já recebeu:

Quadro 1 – Denominações recebidas desde 1909

Ano Denominação

1909 Escola de Aprendizes Artífices do Espírito Santo

1937 Liceu Industrial de Vitória

1942 Escola Técnica de Vitória – ETV

1965 Escola Técnica Federal do Espírito Santo – ETFES

1999 Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo – Cefetes

2008 Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

30

2.2.2 Os Institutos Federais nas diferentes regiões do Brasil: a expansão da

rede federal

Verificamos atualmente na rede Federal de ensino a maior expansão da sua história.

Tudo começou em 1909 e, até 2002, foram construídas 140 escolas técnicas no

Brasil. Entre 2003 e 2010, o Ministério da Educação entregou à população 214

escolas previstas no plano de expansão da rede federal de educação profissional.

Os investimentos do MEC ultrapassaram R$3,3 bilhões entre os anos de 2011 e

2014, na expansão da educação profissional. Das 208 novas unidades previstas

para o período, todas entraram em funcionamento, totalizando 562 escolas em

atividade.

Há por todo o país 38 institutos federais distribuídos entre os estados, com ofertas

de cursos de qualificação, ensino médio integrado, cursos superiores de tecnologia e

licenciaturas.

A Rede ainda é formada por instituições que optaram por não aderir aos institutos

federais, mas que também oferecem educação profissional em todos os níveis. São

dois Cefets, 25 escolas vinculadas a universidades, o Colégio Pedro II e uma

Universidade tecnológica.

31

Figura 2 – Expansão da rede federal no Brasil

Fonte: http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal (2015).

32

Figura 3 – Cenário da rede federal

Fonte: http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal (2015).

33

2.2.3 O Ifes nas diferentes regiões do estado

Figura 4 – Regiões do estado do Espírito Santo

Fonte: Governo do estado do Espírito Santo, Secretaria de Estado da Saúde (2015).

34

Na região norte, o Instituto Federal do Espírito Santo está presente nos municípios

de Nova Venécia, São Mateus, Montanha e Barra de São Francisco. A região

apresenta uma população residente de 213.557 pessoas, das quais 106.423 homens

e 107.134 mulheres. A população residente alfabetizada é de 173.921 pessoas,

havendo 33.953 matrículas no ensino fundamental e 9.190 no ensino médio.4

Na região central, o Ifes está presente nos municípios de Aracruz, Colatina e

Linhares. A região apresenta uma população residente de 334.926 pessoas, das

quais 165.501 homens e 169.425 mulheres. A população residente alfabetizada é de

281.189 pessoas, havendo 51.688 matrículas no ensino fundamental e 14.495 no

ensino médio.5

Na região metropolitana, o Ifes está presente nos municípios de Cariacica, Serra,

Santa Teresa, Guarapari, Ibatiba, Venda Nova do Imigrante, Viana, Vila Vella e

Vitória. A região apresenta uma população residente de 1.735.315 pessoas, das

quais 841.690 homens e 893.625 mulheres. A população residente alfabetizada é de

1.507.182 pessoas, havendo 258.972 matrículas no ensino fundamental e 67.446 no

ensino médio.6

Na região sul, o Ifes está presente nos municípios de Alegre, Cachoeiro do

Itapemirim e Piúma. A região apresenta uma população residente de 238.780

pessoas, das quais 117.088 homens e 121.692 mulheres. A população residente

alfabetizada é de 205.275 pessoas, havendo 33.226 matrículas no ensino

fundamental e 10.051 no ensino médio.7

Em todas as regiões do estado, os dados revelam uma situação muito preocupante

em relação ao número de matrículas no ensino fundamental, comparado ao dos

matriculados no ensino médio. Em todas as regiões, considerando as matrículas no

ensino fundamental, as matrículas são muito mais reduzidas no ensino médio. Será

que todos os jovens em condições de cursar o ensino médio estão na escola?

4 IBGE-2012.

5 IBGE-2012.

6 IBGE-2012.

7 IBGE-2012.

35

Os cursos técnicos integrados ao ensino médio ofertados por campus são os

seguintes, conforme mostra o quadro 2:

Quadro 2 – Campi e cursos técnicos integrados desde 2008

Campi Cursos Início

Alegre Informática; Agroindústria e Agropecuária. 2008

Aracruz Mecânica; Química e Técnico em Mecânica. 2008

Barra de São Francisco Administração 2015

Cachoeiro de Itapemirim Eletromecânica; Informática e Mineração. 2008

Cariacica Administração; Logística; Eletromecânica Ferroviária e Portos.

2008

Centro Serrano Administração 2015

Colatina Administração, Edificações, Informática. 2008

Guarapari Administração; Eletrotécnica e Mecânica. 2010

Ibatiba Florestas e Meio ambiente. 2010

Itapina Agropecuária e Zootecnia.

Linhares Administração e Automação Industrial. 2008

Montanha Montanha 2014

Nova Venécia Edificações e Mineração. 2008

Piúma Aquicultura e Pesca. 2010

Santa Teresa Agropecuária e Meio Ambiente. 2008

São Mateus Eletrotécnica e Mecânica. 2008

Venda Nova do Imigrante Administração e Agroindústria. 2010

Vitória Edificações, Eletrotécnica, Estradas, Geoprocessamento, Mecânica, Metalurgia e Segurança do Trabalho.

2008

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

A Lei de criação dos Institutos Federais, n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008,

preconiza como missão institucional dos institutos a contribuição para o

desenvolvimento socioeconômico local e regional. Assim, foi criado o Instituto

Federal do Espírito Santo, mediante a integração das unidades do Centro Federal de

Educação Tecnológica do Espírito Santo (Cefetes) de Vitória, Colatina, Serra,

Cachoeiro de Itapemirim, São Mateus, Cariacica, Aracruz, Linhares e Nova Venécia

com as Escolas Agrotécnicas Federais de Alegre, de Colatina e de Santa Teresa.

Após a unificação, foram criados, em 2010, os campi de Guarapari, Ibatiba, Piúma,

Venda Nova do Imigrante, Vila Velha; e, em 2014, os campi de Barra de São

Francisco, Montanha e Viana.

36

Com relação ao quantitativo de docentes e de servidores técnico-administrativos, até

2008 o Instituto Federal do Espírito Santo era assim composto:

Quadro 3 – Quantitativo de servidores do Cefetes em 2008

Unidades Docentes Técnicos-administrativos

Aracruz 15 15

Cachoeiro 37 36

Cariacica 22 30

Colatina 53 42

Linhares 10 16

Nova Venécia 10 18

São Mateus 26 21

Serra 51 32

Vitória 274 183

Total 498 39

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

2.2.4 Finalidades e competências institucionais

Mais do que um espaço de capacitação profissional, o Instituto Federal do Espírito

Santo é um ambiente de aprendizagem e de desenvolvimento integral, assumindo

como principal desafio a promoção de uma educação plena por meio da

diversificação das atividades extracurriculares. Entendendo a educação como

processo de transformação social, o Ifes dispõe de espaço de formação musical e de

grupos teatrais; de amplas áreas para a execução de modalidades esportivas,

sediando importantes eventos na área; e possibilita aos alunos a aproximação com o

mercado de trabalho por meio da fabricação de produtos e da atuação em empresas

juniores, por exemplo, além de criar oportunidades de pesquisa aplicada e sempre

desenvolver atividades que focam a importância do respeito às diferenças e da

garantia da educação a todos.

O Ifes caracteriza-se por ser uma instituição de educação superior, básica e

profissional, pluricurricular, multicampi e descentralizada, especializada na oferta de

educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com

base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos, com suas práticas

pedagógicas, mediante a integração do Centro Federal de Educação Tecnológica do

37

Espírito Santo e das Escolas Agrotécnicas Federais de Alegre, de Colatina e de

Santa Teresa, por meio da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008, com natureza

jurídica de autarquia, vinculada ao Ministério da Educação. O Ifes possui como

objetivos:

1. Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma

de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o

público da educação de jovens e adultos.

2. Ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, com o

objetivo de capacitar, aperfeiçoar, especializar e a atualizar profissionais, em

todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e

tecnológica.

3. Realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções

científicas, técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade.

4. Desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e as

finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo

do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, no

desenvolvimento e na difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos.

5. Estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e

renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento

socioeconômico local e regional; e, em nível de educação superior, oferecer:

a. cursos superiores de tecnologia, visando à formação de profissionais para os

diferentes setores da economia;

b. cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação

pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica,

sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação

profissional;

38

c. cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais

para os diferentes setores da economia e das diferentes áreas do

conhecimento;

d. cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização,

visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e

e. cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado que

contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação,

ciência e tecnologia, com vistas ao processo de geração e inovação

tecnológica.

2.2.5 Os sujeitos colaboradores da pesquisa

Participaram desta pesquisa uma amostra de oito professores de Educação Física,

lotados em diferentes campi do Ifes. Apenas com um dos docentes não

conseguimos agendar um momento para entrevistá-lo, apesar dos contatos feitos

por e-mail, telefone e até mesmo pessoalmente. Os demais sete colaboradores

foram entrevistados sem nenhum problema. Neste estudo, privilegiei o discurso do

professor como fonte de informação, para analisar as representações que eles têm

de sua formação e carreira profissional. Com base nesse procedimento, acredito ter

conseguido olhar para as questões que foram investigadas com maior propriedade.

As narrativas serão entendidas como trajetórias de vida e de experiências

acumuladas ao longo da carreira, independentemente do tempo de docência. As

experiências relatadas serão analisadas, buscando-se compreender como os

próprios docentes atribuem sentidos e significados a suas práticas ao longo da

carreira.

O universo foi composto de 41 professores(as) de Educação Física dos diferentes

campi do Instituto Federal do Espírito Santo. A faixa etária dos colaboradores do

estudo varia de 25 a 64 anos de idade, sendo a média de 47 anos. Com relação ao

tempo de docência, o mais recente efetivo tem um ano de contrato e o mais

experiente 35 anos na instituição. A média em relação ao tempo de docência é de 17

39

anos no Ifes. Considerando o fim da formação inicial, o docente com menor tempo

possui cinco anos de formado e o mais experiente possui 38 anos de formado. A

média entre eles é de 22 anos desde a formação inicial.

Os docentes estão lotados nas diferentes regiões do estado, quatro dos quais na

região norte, oito na região central, 24 na região metropolitana e cinco na região sul.

A escolha por trabalhar com professores de Educação Física do Instituto Federal de

Educação, Ciências e Tecnologia do Espírito Santo deve-se ao fato de eu considerar

importante captar pontos de vista, levando-se em consideração o local de onde falo,

o tempo em que o profissional está envolvido na profissão e as suas experiências

como docente.

Os objetivos e a metodologia da pesquisa foram previamente apresentados aos

docentes, a fim de esclarecer-lhes sobre o estudo. Foram feitas visitas aos campi

para a coleta dos dados que posteriormente serão analisados.

Optamos por trabalhar com professores do quadro permanente da instituição, em

exercício da docência, concentrando atenção ao profissional que atua ou que já

atuou no ensino técnico integrado de alguma forma.

Destaco no estudo meu interesse pessoal em estudar as experiências profissionais

ligadas à escola, a importância da Educação Física escolar no Instituto Federal do

Espírito Santo e, ainda, a necessidade de somar conhecimentos aos estudos já

existentes, que têm como tema central as experiências profissionais, a formação

inicial e a formação continuada.

2.2.6 Os encontros com o campo e com os colaboradores da pesquisa

Os primeiros contatos com os colaboradores da pesquisa foram feitos em 2012,8 nos

8 O primeiro contato com o grupo de docentes de Educação Física do Instituto Federal do Espírito

Santo ocorreu no período de 14 a 18 de novembro de 2012, no campus Vitória, quando foi realizada a primeira versão dos Jogos do Instituto Federal do Espírito Santo. As modalidades disputadas foram futsal, voleibol, basquetebol, handebol, futebol de campo, atletismo, natação, judô, tênis de mesa e Xadrez, nas categorias masculina e feminina, com exceção do futebol de campo, somente na

40

encontros institucionais para discutir, organizar e planejar os Jogos Estudantis do

Instituto Federal do Espírito Santo e os Jogos das Instituições Federais, nos âmbitos

regional e nacional.

O primeiro encontro institucional de 2015 ocorreu em 27 de março, no campus

Vitória, com o objetivo de discutir e planejar os jogos para as fases estadual, regional

e nacional. Nesse encontro foi solicitado por mim um espaço para falar do meu

estudo: Narrativas da Formação Docente de Professores de Educação Física no

Ensino Técnico Integrado do Instituto Federal do Espírito Santo. Nesse sentido,

solicitei a contribuição de todos, para que cada um fizesse a indicação de cinco a

sete professores(as) do Ifes que tivessem experiências profissionais significativas

categoria masculina. Em 2013, os JIFES foram distribuídos ao longo de todo o 1.º semestre, divididos em quatro etapas: na primeira, no campus Itapina, no período de 1.º/5/2013 a 5/5/2013, quando disputadas as modalidades de futsal e basquetebol nas categorias masculina e feminina; a segunda aconteceu no campus Vitória, no período de 16/5/2013 a 19/5/2013. Foram disputadas as modalidades tênis de mesa, xadrez e natação nas categorias masculina e feminina; a terceira foi realizada no campus Colatina, no período de 29/5/2013 a 2/6/2013. Foram disputadas as modalidades de voleibol e handebol, nas categorias masculina e feminina; a quarta e última foi realizada no campus Santa Teresa, no período de 20/6/2013 a 23/6/2013. Foram disputadas as modalidades futebol de campo masculino e atletismo nas categorias masculina e feminina. Ainda em 2013, já no segundo semestre, participamos dos jogos das Instituições de Ensino Federal (JIF), fase regional no mês de julho, realizados no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas – campus Barbacena, Minas Gerais. Foram disputadas as modalidades de futsal, voleibol, basquetebol, handebol, futebol de campo, natação, atletismo, judô, tênis de mesa, vôlei de praia e xadrez, nas categorias masculina e feminina, com exceção do futebol de campo, disputado somente no masculino. Participaram dessa fase representantes de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em 2014, nossos encontros aconteceram em reuniões de planejamento, organização e realização dos Jogos do Instituto Federal do Espírito Santo, distribuídos como em 2013, em quatro etapas: a primeira foi realizada no campus Piúma, no período de 11 a 16 de março, quando foram disputadas as modalidades de vôlei de areia, nas categorias masculina e feminina e futebol de campo, na categoria masculina; a segunda foi realizada no campus Vitória, no período de 9 a 13 de abril, quando foram disputadas as modalidades de atletismo, basquetebol, futsal e judô, nas categorias masculina e feminina; a terceira foi desenvolvida no campus Cachoeiro de Itapemirim, no período de 29 de maio a primeiro de junho, quando foram disputadas as modalidades de natação, tênis de mesa e xadrez, nas categorias masculina e feminina; a quarta etapa foi desenvolvida no campus Itapina, no período de 18 a 22 de maio, quando foram disputadas as modalidades de voleibol e basquetebol, nas categorias masculina e feminina. Não pude participar dessa etapa por motivos técnicos. Realizamos, em 30 de maio de 2014, o 1.º Encontro Capixaba dos Professores de Educação Física do Instituto Federal do Espírito Santo. O evento aconteceu durante a 3.ª etapa dos JIFES, no campus Cachoeiro de Itapemirim, e o tema central foi a construção de políticas pedagógicas no ensino da Educação Física no Instituto Federal do Espírito Santo. A intenção dos docentes é realizar esse encontro ao menos uma vez por ano. No segundo semestre de 2014, foram ainda promovidos dois encontros: um de abrangência regional com representantes de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, ocasião em que foram realizados os Jogos das Instituições Federais do sudeste (JIF), na cidade de Guarapari, no mês de julho; o outro em nível nacional, quando foram realizados os Jogos das Instituições de Ensino Federal (JIF), com representantes das regiões norte, nordeste, centro-oeste, sul e sudeste, desenvolvido no Instituto Federal do Rio Grande do Norte, na cidade de Natal-RN, no período de 19 a 22 de setembro. Foram disputadas as modalidades de futsal, voleibol, basquetebol, handebol, futebol de campo, atletismo, natação, tênis de mesa, xadrez e judô, nas categorias masculina e feminina, com exceção do futebol de campo, que foi disputado somente na categoria masculina.

41

relacionadas à formação inicial e continuada, ao ensino técnico integrado e à prática

pedagógica cotidiana, conforme orientação constante no formulário entregue a eles.

Também solicitei que registrassem ao menos um motivo que os levou a fazer tal

indicação. Posteriormente entreguei-lhes um formulário contendo os nomes de todos

os 41 docentes efetivos de Educação Física do Ifes. Entre os professores que

receberam o formulário, 19 devolveram-no respondido. Havia, entretanto, um

formulário preenchido por um docente já aposentado e outro por um professor

substituto. Como era previsto contar somente os efetivos, contabilizei as indicações

apenas de dezessete docentes. Um deles, entretanto, não se sentiu em condições

de fazer as indicações e, por essa razão, não entregou o documento.

Depois de ter analisado as indicações, encontrei o seguinte quadro: oito professores

receberam cinco ou mais indicações. O primeiro professor mais indicado recebeu

nove indicações e as motivações foram as seguintes: experiência e tempo de

docência, sabe tudo, grande pesquisador, conheço também como técnico e

professor, experiência, pesquisador, excelência no trato afetivo e comportamental

com os alunos no dia a dia pedagógico, pedagógico, vasta experiência.

O segundo mais indicado recebeu oito indicações e as motivações foram estas:

experiência e tempo de docência, sabe tudo, sem comentário, ótimo profissional e

colega de trabalho, tempo de serviço, experiência, pesquisador, experiência na área

e em gestão, experiências múltiplas.

O terceiro professor também recebeu oito indicações com as seguintes motivações:

experiência e tempo de docência, sabe tudo, experiência própria, práticas boas,

dinamismo, aglutinador das perguntas dos colegas, organizando as questões dos

jogos, planejamento, liderança frente as situações.

O quarto mais indicado recebeu sete indicações com as respectivas motivações:

sabe tudo, trabalhamos junto, grande pesquisador e professor, bom trabalho com

atletismo e pesquisador, tempo de casa, pesquisador, pesquisa, experiência

cotidiana.

42

Em quinto ficaram empatados quatro docentes com cinco indicações cada um e as

motivações para o 5(a) foram grande pesquisadora, tempo de serviço, competência

em organização e gerenciar os jogos, experiências múltiplas; para o 5(b), tempo de

serviço, ética e responsabilidade, no trato com os alunos, experiência, vasta

experiência, experiências múltiplas; para o 5(c), sabe tudo, experiência profissional,

experiência, pesquisador, experiência em gestão; e, para o 5(d), trabalha numa

lógica reflexiva, conhecimento de causa, equilíbrio e bom senso no trato com os

alunos e colegas, experiência acadêmica. No entanto, um dos professores exerce o

cargo de diretor geral e não leciona atualmente. Outro docente está em fase final de

carreira, muito próximo da aposentadoria, e não sei se, até a entrevista, o referido

professor ainda lecionará. Ao todo serão entrevistados oito docentes respeitando-

se, assim, as indicações feitas.

Considerando-se os critérios adotados para a seleção dos colaboradores da

pesquisa, ficou assim o quadro dos docentes participantes do estudo que aqui serão

identificados, com conhecimento deles, por nomes fictícios:

Quadro 4 – Docentes colaboradores

Docente Tempo de Ifes Tempo de Ifes Formação

Professor José 7 anos 30 anos Doutorado

Professor Francisco 3 anos 29 anos Mestrado

Professor João 11 anos 23 anos Doutorado

Professora Maria 4 anos 18 anos Doutorado

Professor Paulo 6 anos 30 anos Doutorado

Professor Gabriel 13 anos 2 anos Especialização

Professor Artur 5 meses 30 anos Mestrado

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

2.2.7 As entrevistas

A primeira entrevista realizada serviu como piloto para verificarmos como seria a

percepção do professor e sua narrativa mediante os temas propostos para

discussão. Depois ter analisado as narrativas e os questionamentos feitos durante a

entrevista, percebi a necessidade de retomar algumas questões e realizar nova

entrevista, a fim de complementar a primeira. Foi remarcada com o professor. As

43

entrevistas foram realizadas individualmente, com prévia marcação do dia e horário,

no local de trabalho do participante do estudo. O tema da pesquisa e seus objetivos

foram enviados para o professor previamente.

O primeiro professor entrevistado (E1) concordou prontamente em participar do

estudo e definiu o local do encontro. A entrevista ocorreu em uma sala da biblioteca

do campus e transcorreu de forma tranquila. Percebi que o docente estava muito à

vontade para narrar suas experiências profissionais, assim como suas ideias e

perspectivas em relação à Educação Física. A primeira parte da entrevista foi

realizada em 28 de abril de 2015, na cabina 10, 2.º piso da biblioteca do campus

Vitória, local escolhido pelo próprio professor, iniciando-se às 14h34min e findando

às 15h52min, totalizando 78 minutos. O segundo momento da entrevista aconteceu

em 19 de maio de 2015, na cabina 7, 2.º piso da biblioteca do Ifes campus Vitória e,

tal como na primeira, o local do encontro também foi escolhido pelo professor.

Iniciou-se às 15h e terminou às 15h50min.

Ambos os momentos foram gravados com concordância prévia do entrevistado.

Durante a entrevista, procurei dar um clima informal aos dois encontros para que o

entrevistado não se sentisse julgado por mim ou tivesse qualquer tipo de

constrangimento. Dessa forma, tentei, no início da entrevista, assegurar que meu

objetivo era compreender, analisar e interpretar as experiências profissionais dos

docentes de Educação Física do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

do Espírito Santo (Ifes), considerando a formação inicial e continuada até as práticas

pedagógicas atuais com as repercussões nas aulas de Educação Física no ensino

técnico integrado.

No final, o professor agradeceu a oportunidade de ter falado sobre sua vida

profissional e sua escola e sobre aquilo em que acredita em relação à Educação

Física. Revelou que esperava ter contribuído para algumas reflexões que eu

pudesse fazer, depositando confiança em mim para que eu fizesse leituras que me

permitissem encontrar as respostas que procurava ou que suscitassem novas

inquietações. É esperar que de certa forma tenha contribuído para algumas

reflexões que eu tenho certeza que, arguto como você é fará algumas leituras. O

professor continua seus agradecimentos e simultaneamente lançou votos de

44

sucesso e de descobertas favoráveis à Educação Física na modalidade de ensino

em questão.

[…] E poderá perceber que existe uma aproximação, eu só espero que se aproxime muito daquilo que você está discutindo. Que essas narrativas, elas convertam em uma nova luz que atravesse um novo caminhar. E que nós entendamos que a Educação Física, ela não é só importante não, ela é necessária para o nosso jovem. Cada dia está ficando mais interessante, especialmente nessa fase de ensino médio integrado, que nós pegamos os alunos muito conturbados com informações, são muitas informações e percepções que eles tem do corpo deles e alguma jocosa, outra nem tanto, mas que entenda que o melhor corpo, o corpo mais bonito é o corpo dele (PROFESSOR JOSÉ).

Assim que concluímos a entrevista, o professor se dirigiu à quadra onde ministraria

aulas.

As entrevistas seguintes também transcorreram de forma tranquila, e os professores

ficaram bem à vontade diante das questões que lhes foram apresentadas.

A segunda entrevista, com o professor (E2), foi realizada em 15 de abril de 2015, na

sala da Gerência de Ensino, 2.º piso do Ifes campus Vitória, local escolhido pelo

próprio professor. Teve início às 7h50min e terminou às 8h50min, totalizando 60

minutos.

Na entrevista, o professor demonstrou muito interesse em falar sobre os temas

apresentados e por questão formulada, revelando, em suas narrativas, toda a sua

carreira, toda a sua experiência profissional, assim como suas aspirações para o

futuro. Ressaltou acreditar que teria contribuído para a pesquisa em questão. Ao

término da entrevista, o professor seguiu para uma reunião da Comissão de

Organização dos Jogos do Instituto Federal do Espírito Santo.

A terceira entrevista, com o professor (E3), foi realizada em 2 de junho de 2015, na

cabina 3, 1.º piso da biblioteca do Ifes campus Vitória, local escolhido também pelo

próprio professor. Iniciou-se às 16h e terminou às 17h15min, totalizando 75 minutos.

Na entrevista, o professor narrou suas diversas experiências com todos os detalhes

que julgava necessários e falou sobre a satisfação encontrada na realização de seus

trabalhos, o que ficou nítido em sua narração. Lembrou também as alegrias em

45

presenciar os resultados posteriores de tais trabalhos. Terminada a entrevista,

agradeci pelas contribuições e o professor seguiu para mais um trabalho na

instituição.

A quarta entrevista, com a professora (E4), foi realizada em 13 de junho de 2015, na

sala da Coordenação de Ensino, no Ifes campus Itapina, local também escolhido

pela própria professora. Iniciou-se às 20h20min e terminou às 21h20min, totalizando

60 minutos.

A entrevista transcorreu durante uma das etapas dos Jogos do Instituto Federal do

Espírito Santo – JIFES-2015, com as modalidades futebol de campo masculino e

basquetebol masculino e feminino. Por essa razão, a professora achou melhor

procedermos à entrevista após a realização do último jogo do dia. No final da

entrevista, agradeci pelas contribuições nas narrativas, assim como pela acolhida e

gentileza de nos receber no campus. A professora também me agradece,

destacando o prazer em lembrar coisas boas durante as narrativas.

A quinta entrevista, com o professor (E5), foi realizada em 14 de junho de 2015, no

Ifes campus Itapina. Iniciou-se às 8h20min e terminou às 9h24min, totalizando 64

minutos.

A entrevista aconteceu na residência do professor, local também escolhido pelo

próprio docente, numa pequena vila dentro do próprio campus Itapina, numa área

rural. No momento do encontro, contavam as primeiras horas da manhã. Podíamos

ouvir os latidos de um cão no quintal ao lado da casa e também o canto de

pássaros, sons que em nada prejudicaram a entrevista; ao contrário, deixaram o

ambiente cheio da paz que apenas as cidades do interior ainda podem oferecer.

Tudo que se ouvia naquele momento eram os sons da natureza, o barulho dos

animais e a conversa entre entrevistado e entrevistador.

No final da entrevista, o professor agradeceu-me e disse esperar ter contribuído com

o trabalho que eu ainda teria pela frente, desejando-me sucesso. Eu também

agradeci pelas contribuições, pela recepção e pela gentileza de me receber em sua

residência. Terminamos a entrevista e o professor seguiu para o campo de futebol,

46

onde faria seu trabalho com a equipe de futebol que representava o campus Itapina,

em jogo dentro dos JIFES, naquela manhã de domingo.

A sexta entrevista, com o professor (E6), foi realizada em 15 de julho de 2015, no

Ifes campus Piúma. Iniciou-se às 10h30min e terminou às 11h20min, totalizando 50

minutos. Na ocasião do encontro, ocorria o JIFES-2015 e eu permaneci no campus

durante toda a etapa dos jogos, até encontrarmos o momento ideal para realizarmos

a entrevista.

O professor participante do estudo, responsável pelos jogos dentro do campus,

escolheu a sala da coordenação dos jogos como local para a conversa, a qual foi

interrompida algumas vezes, em razão do envolvimento do professor no evento.

Apesar das interrupções, o trabalho não foi prejudicado, pois o professor sempre

recomeçava a narrativa com muita calma. Educadamente pedia desculpas por

qualquer parada motivada pela dupla tarefa que realizava naquele momento.

Terminada a entrevista, agradeci-lhe pela recepção e pelas contribuições dadas ao

estudo com suas narrativas. O professor me parabenizou pelo trabalho, que avalia

ser de grande importância para os docentes e para a instituição. Agradeceu-me

também pelo convite para participar do estudo e se colocou à disposição para o que

fosse possível em relação à condução da pesquisa, desejando-me sucesso na

conclusão do trabalho e retomando suas atividades com o JIFES.

A sétima entrevista, com o professor (E7), foi realizada em 17 de agosto de 2015, no

gabinete da direção geral no Ifes campus Vitória. Iniciou-se às 13h40min e terminou

às 14h40min, totalizando 60 minutos. O local e o dia do encontro também foram

escolhidos pelo próprio professor.

Durante a entrevista, um detalhe chamou a atenção logo no início: o professor, ao

produzir suas narrativas, fazia-o de olhos fechados e, antes que eu falasse alguma

coisa a respeito, fez questão de se justificar. Segundo ele, essa é uma maneira

encontrada para se concentrar naquilo que falará. E esse é seu comportamento

sempre que ele tem que discutir algo que exija a organização de seus pensamentos.

47

No final da entrevista, o professor destacou:

[…] talvez aqui agora fique uma mensagem para os nossos colegas de Educação Física de forma geral. É que como eu tenho a vivência de Educação Física e uma vivência muito grande de gestão eu falo para vocês que ser professor de Educação Física é muito legal. Eu estou saudoso de dar aula de Educação Física e que vocês que estão iniciando nesta instituição, os mais novos né, que tem pouco tempo de prática de Educação Física invista nessa profissão. O professor de Educação Física, porque é muito gostosa, é muito prazerosa, é bom ser professor de Educação Física. Espero que muitos que vão ler o seu trabalho, que vão estar pesquisando com você nós possamos ainda ser colegas de profissão, beira de quadra, trabalhando juntos, ministrando aula, competindo, isso é muito bom. Essa dinâmica da Educação Física não tem profissão que faça, não tem profissão. Isso é uma coisa muito peculiar a nós, então nós temos que valorizar isso, não deixar que isso acabe. Abrace a profissão de professor de Educação Física com muita fibra, com muita garra porque é muito gostoso. Ser professor de Educação Física dá prazer (PROFESSOR ARTUR).

Assim como nas outras entrevistas, agradeci-lhe pela recepção e pela

disponibilidade em atender à minha solicitação para colaborar com a pesquisa

narrando suas experiências profissionais. O professor também me agradeceu, pôs-

se à disposição se houvesse necessidade de outros encontros e seguiu com suas

tarefas no campus.

48

3 A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO INSTITUTO FEDERAL DO

ESPÍRITO SANTO

Neste capítulo pretendo trazer algumas considerações a respeito da trajetória

histórica da educação profissional no Instituto Federal do Espírito Santo, desde a

Escola de Aprendizes e Artífices de Vitória; vislumbrar as possibilidades de uma

formação mais humana e crítica dos alunos em seus diversos cursos; apontar

problemas sociais que devem ser analisados melhor nos cursos, além da

conscientização do papel daquele que promove a formação e daquele que se forma

ou vice-versa, ou melhor, quem promove a formação também se forma.

3.1 UM RESGATE HISTÓRICO

Logo no início do século XX, a Escola de Aprendizes e Artífices de Vitória, na capital

capixaba, aquela que se tornará um referencial na educação profissional no estado

embalado pelo entusiasmo dos primeiros anos de um século que se apresentará

promissor. Nesse cenário capixaba com os destaques culturais desde o lançamento

da História da Literatura Espírito-santense de Afonso Cláudio em 1907 até as

questões políticas emergentes no país, além das tensões do movimento operário,

greves de trabalhadores dos setores das indústrias, as quais desabrochavam na

região sudeste e se estendiam por outras regiões, incluindo o estado do Espírito

Santo (SUETH; MELLO; DEORCE; NUNES, 2009). Aflorava nesse momento um

ambiente favorável a uma educação voltada ao ensino industrial que possibilitasse o

acesso da população desfavorecida das cidades, com o olhar voltado para as

classes operárias.

Findando a primeira década do século XXI, mais especificamente em dezembro de

2008, a história marca um novo olhar para a educação profissional e o ensino

técnico integrado, simultaneamente com conquistas e grandes desafios pela frente,

quando o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei

n.º 11.892, que criou 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia no país.

Em particular, aqui no Espírito Santo, o Cefetes e as Escolas Agrotécnicas de Alegre,

de Colatina e de Santa Teresa se integraram em uma estrutura única: o Instituto

Federal do Espírito Santo. Logo as Unidades de Ensino do Cefetes (Vitória, Serra,

49

Cachoeiro de Itapemirim, São Mateus, Cariacica, Aracruz, Linhares e Nova Venécia)

e as Escolas Agrotécnicas de Alegre, Santa Teresa e Colatina tornaram-se, então,

campi do Instituto Federal do Espírito Santo, que atualmente são 21 campi em

funcionamento e 36 polos de educação a distância.

3.2 LAPIDANDO A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: GESTÃO DEMOCRÁTICA,

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO NA

PERSPECTIVA DE UMA FORMAÇÃO CIDADÃ

Ainda durante minha graduação em Educação Física, fui motivado a fazer reflexões

acerca das questões inerentes à educação e à Educação física, principalmente por

alguns professores recém-chegados à universidade em que fazia minha graduação.

Essa chegada se efetivou mais no fim do curso, porém foi de grande significado,

pois prevaleceu ao longo de minha carreira.

Esse processo se fortaleceu ainda mais nos últimos três anos quanto me tornei

docente nos cursos técnicos integrados do Ifes. Nesse período, as reflexões, leituras

e estudos realizados priorizaram o aperfeiçoamento para melhor atuação na referida

modalidade de ensino. Desse modo, visando também à participação em processos

seletivos para o mestrado, apresentei o trabalho intitulado “A Educação Física no

Ensino Médio: uma Proposta para a Escola de Tempo Integral” no Congresso

Educasul 2013 – Ensino Médio em Foco: interfaces com a Educação Integral e

Profissional, realizado no Centrosul, Florianópolis-SC, resultado de reflexões e

discussões feitas também no âmbito do Ifes, até então devido ao interesse pelo

tema. A educação integral é um tema que tanto interessa ao Ifes quanto o preocupa

e tem sido recorrente nos debates educacionais do cenário brasileiro, marcado por

novos paradigmas sociais que, no contexto escolar, estimulam novas reflexões

acerca de alternativas mais adequadas à nossa realidade educativa.

As tensões e transformações sociais perpassam o cotidiano da escola e criam

necessidades pedagógicas que desafiam o desenvolvimento dos alunos de forma

completa, em sua totalidade. Muito mais do que o tempo em sala de aula, a

educação integral reorganiza espaços e conteúdos e representa uma grande

oportunidade para que o debate educacional amadureça questões relacionadas a

50

novas matrizes educativas que irrompem no panorama social brasileiro.

A palavra integral nos remete à ideia de completude, inteireza, totalidade. Portanto, o

processo de edificação da educação integral relaciona-se a uma visão plural do ser

humano que deve ser pensado por inteiro, em todas as dimensões – artísticas,

culturais, físicas, psicológicas, pedagógicas, científicas, profissionais – que

constituem seu percurso formativo.

Por ser um tem ainda em construção, a educação integral certamente exigirá dos

seus idealizadores mais do que compromissos, assim

[...] impõe também e principalmente projeto pedagógico, formação de seus agentes, infraestrutura e meios para sua implantação. Ela será o resultado dessas condições de partida e daquilo que for criado e construído em cada escola, em cada rede de ensino, com a participação dos educadores, educandos e das comunidades que podem e devem contribuir para ampliar os tempos e espaços de formação de nossas crianças, adolescentes e jovens na perspectiva de que o acesso à educação pública seja complementado pelos processos de permanência e aprendizagem (NOLL, 2009, p. 6).

Desse modo, repensar a escola e suas articulações com o contexto social mais

amplo torna-se um imperativo atual, em razão das complexas relações sociais que

desenham novos perfis profissionais e tornam propícia a interlocução entre o

universo escolar e a sociedade. Vale ressaltar o dispositivo legal, a Lei 9.394 (LDB,

1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determina,

ainda, em seu art. 35:

O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Essas discussões fizeram parte de nossa pauta no grupo de pesquisa em Educação

e Interdisciplinaridade no Ifes campus Guarapari e contribuíram para estimular minha

participação como aluno especial na disciplina “Filosofia da Educação” do curso de

51

mestrado em Educação Física, oferecido pelo Centro de Educação Física e

Desportos/Ufes. Estimulou também a participação no III colóquio Internacional sobre

Educação Profissional e Evasão Escolar, realizado, nos dias 11, 12 e 13 de

setembro de 2013, em Belo Horizonte, promovido pela FAE/UFMG, CEFET-MG e

PUC-MG. Ao retornar ao Ifes e retomar as aulas com novos olhares e ideias novas,

mobilizamos os alunos para novas práticas, ao realizarmos, no início de outubro, a

segunda versão dos Jogos Internos do Instituto Federal do Espírito Santo (JINIFES)

campus Guarapari, oferecendo e proporcionando aos alunos atividades

culturais/esportivas, e assim também prosseguimos em 2014 e 2015 com os

mesmos projetos.

A partir desse momento, a participação em diferentes lugares e tempos, os cursos,

seminários, congressos, simpósios, disciplinas de mestrado foram fundamentais e

significativos para repensar o ensino técnico integrado. No decurso do tempo, pude

fazer muitas reflexões buscando compreender meu papel como docente e a

necessidade da pesquisa como fator indispensável nesse processo de formação

contínua. Assim, com a participação em diferentes eventos, refletindo e ouvindo

diferentes autores e estudiosos da educação e da Educação Física, torna-se

inevitável fazer alguns questionamentos para iniciar minhas reflexões, ao pensar na

questão da gestão democrática, a participação social no processo de

desenvolvimento humano: nossos alunos estudam um currículo ampliado com

disciplinas de ética e filosofia? Ser professor é uma carreira que atrai jovens

promissores com capacidade de docência? Nossas universidades têm cumprido seu

papel na formação de bons profissionais? A educação profissionalizante precisa

valorizar o tema da ética ou da filosofia, senão perdemos a capacidade de crítica,

autocrítica e sensibilidade para analisar os grandes problemas sociais existentes em

nosso país. Ao perguntarmos para que serve a educação, analisando criticamente

veremos que, em geral, no mundo capitalista neoliberal em que vivemos, a

educação atualmente serve para formar mão de obra qualificada e favorecer a

reprodução e acumulação do capital privado. A educação profissionalizante nos

institutos federais corre o sério risco de inconscientemente favorecer que seus

alunos egressos caminhem rumo ao serviço e sacrifício de sua vida, de sua

inteligência, de sua cultura, para facilitar a reprodução e acumulação do capital

privado. Ao terminar um curso técnico integrado em agropecuária, o aluno tem a

52

oportunidade de trabalhar numa fazenda de agronegócio, o que, para muitos, é

normal considerar um grande emprego, pois vai ter bom salário, benefícios, entre

outras condições.

Em contrapartida, essa empresa expulsa uma aldeia indígena com a justificativa de

que eles não trabalham nem produzem no espaço de terras que ocupam, e isso não

faz sentido, já que precisamos produzir alimentos para a humanidade. E o que dizer

em relação às atividades das mineradoras espalhadas pelo país, inclusive aqui no

estado do Espírito Santo? Em novembro último, por descuido ou descaso, o mundo

todo pôde acompanhar o rompimento de duas represas de rejeitos da Mineradora

Samarco na cidade de Mariana-MG, proporcionando várias vítimas, trazendo

também prejuízos imensuráveis ao meio ambiente, municípios inteiros e milhares de

seres humanos. Diante dessa situação, como agiria esse profissional recém-formado

em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica? E aqueles formados

no Instituto Federal do Espírito Santo onde se formam técnicos em meio ambiente,

técnicos em mineração, engenheiros ambientais, administradores? Qual o perfil

desses profissionais que ingressam no mercado de trabalho? Precisaria de uma

formação humana omnilateral? Parece que estamos diante de um paradigma, a

educação não é neutra, toda educação é política. O que precisamos definir é se a

educação que recebemos e implementamos nas escolas profissionalizantes estará a

serviço dos opressores ou oprimidos. Apesar da inclusão social dos últimos anos, o

Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo.

A educação hoje visa prioritariamente formar profissionais para favorecer o capital

privado, e isso inclui a tecnologia. Analisando os grandes problemas sociais que se

arrastam por anos no nordeste do Brasil, encontramos a questão da seca nessa

vasta região, onde não chove o ano inteiro. A solução poderia vir de uma tecnologia

simples e barata que nasceu do povo: a multiplicação das cisternas protegidas com

placas de cimento, as quais poderiam armazenar água durante o ano inteiro. O

curioso é que essa tecnologia não nasceu na escola, muito menos na universidade,

além de muitas outras que são criadas pela experiência, pela sabedoria popular.

Muitas vezes, opta-se por tecnologias elitistas para atender ao capital privado, mas

isso não é bom para o cidadão. Os investimentos mais altos ainda não visam

prioritariamente ao desenvolvimento em todas as camadas sociais.

53

Outra situação atual é a crise hídrica, que parece agradar mais o grande capital do

desejar ter o controle do uso da água. À medida que ignorarmos uma tecnologia

simples e artesanal, inconscientemente atendemos a seus interesses. Ao

ignorarmos os filtros de barro, somos clientes assíduos na compra de água nos

supermercados, quando poderíamos ter água o suficiente para satisfazer nossas

necessidades. Mas infelizmente a tecnologia artesanal é abandonada em nome dos

interesses do grande capital, pois é óbvio que jamais o grande capital vai incentivar

alguma coisa que podemos multiplicar em nossa própria casa. Podemos filtrar

muitas garrafas de água no tradicional filtro de cerâmica, o que não se pode fazer

com as garrafas vendidas no supermercado, pois a volta para novas compras

sempre terá que acontecer.

É evidente que precisamos repensar essa educação, partindo do princípio de que

ela não é neutra, e sim política. Podemos questionar: ela é política em que direção?

A quem favorece na sua essência? Ao mesmo tempo é preciso ainda questionar:

existe em nossas escolas movimento estudantil? Falamos em gestão democrática e

o mínimo que se espera da escola de ensino médio é que se tenha grêmio em que

os estudantes se mobilizem também para ter seus espaços de discussões e

reivindicações. Esse seria também um lugar para se formar a consciência de

cidadania e participação das decisões que envolvem a vida dos discentes, mas isso

parece não interessar ao sistema.

O poder econômico tem interesse que os jovens se afastem das decisões políticas

para serem governados por aqueles que fazem as políticas. Quanto mais os jovens

resistirem em participar da vida política do seu município, estado, país, tanto mais

favorecerão aquela minoria que deseja dominar e agir de acordo com seus

interesses. E, como as escolas ainda não trabalham a questão da ética, não

ensinam a refletir por meio da disciplina filosofia ou projetos que promovam tais

reflexões e não estimulam os movimentos estudantis em razão da herança de 21

anos de ditadura, são confinadas numa excessiva grade curricular. Deixam de

formar cidadãos para formar mão de obra qualificada com espírito consumista, o que

caracteriza um dos grandes dramas na sociedade brasileira atualmente. Ainda que a

família e a escola supostamente queiram fazer o seu papel, formar cidadãos, a mídia

apresenta, a todo o momento, uma ideologia a favor do grande capital: a formação

54

de consumistas.

Promover a inclusão política é imprescindível também para uma nação se

desenvolver. E essa inclusão deve acontecer mediante debates racionais, e não

movidos por interesses próprios a favor da minoria. Nossos projetos e utopias

devem mobilizar nossos esforços para o bem de todos.

Para que esses debates, discussões e mudanças de posturas aconteçam, é

importante incluir a filosofia nos currículos dos cursos técnicos. Porém, antes dessa

implementação, é preciso habilitar professores que dão conta de proporcionar uma

formação ampla e crítica, capazes de levar aos cursos técnicos contribuições

eficazes para ampliar a visão de mundo de seus alunos por meio de uma

consciência cidadã. Ao oferecer habilitação aos professores, estes, ao se

conscientizarem do seu papel na qualidade de mediadores do processo de

aprendizagem, terão melhores condições de despertar essa consciência nos alunos

e futuros profissionais para o mundo do trabalho. A formação docente pode vir por

meio da disciplina Filosofia da Educação, com uma emenda capaz de promover

conhecimentos que gerem mudanças de pensamento e atitudes conscientes.

55

4 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E ENSINO MÉDIO INTEGRADO: O QUE APONTA

A LITERATURA?

4.1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Desde o início, a educação brasileira traz, na sua história, a marca da dualidade

estrutural caracterizada pela existência de tipos de escola para classes sociais

distintas (KUENZER, 2005). Por um lado, a parcela da população que detém a

hegemonia política, cultura e econômica do país tem sua trajetória constituída

geralmente no acesso a uma educação básica propedêutica e no ingresso em

cursos universitários; por outro, na grande maioria, resta como alternativa uma

educação básica precária associada, quando possível, à formação para o trabalho

em cursos técnicos e, mais recentemente, em cursos superiores de tecnologia. A

necessidade de acesso ao mundo do trabalho aparece mais cedo para essa parcela

da população, pois o trabalho passa ser uma condição para sobrevivência. O ensino

médio se destaca em relação aos demais por ser o nível de mais difícil

enfrentamento ao longo da história da educação brasileira, em decorrência de sua

função dupla: preparar para continuidade dos estudos e ao mesmo tempo qualificar

para o mundo do trabalho (KUEZER, 1999).

Nessa perspectiva, a educação profissional no Brasil foi criada para atender

crianças, jovens e adultos que viviam marginalizados. As primeiras escolas que

constituíram a Rede Federal de Educação Profissional tinham como função instruir

jovens mediante o ensino de um ofício ou profissão.

Para Kuenzer (1999), ao compreender o trabalho como práxis humana, conjunto de

ações materiais e não materiais que são desenvolvidas pelo homem, na qualidade

de indivíduo e coletivo, ao longo da história, para construir as condições de

existência, estão postas as bases para compreendê-lo para além da práxis produtiva

tal qual ela tem sido dominante sob a proteção do capital, que elegeu a forma

assalariada como sua expressão mais moderna. Essa forma, que foi dominante no

século XX, trouxe alguns direitos aos trabalhadores e tende a deixar de ser

dominante no século XXI, tendo em vista o novo regime de acumulação que, por

meio da globalização e da reestruturação produtiva, incorpora novas tecnologias

56

tanto no processo produtivo como nas formas de organização e gestão do trabalho,

aumenta os ganhos do capital e, consequentemente, reduz postos de trabalho.

Isso é possível mediante a crescente simplificação do trabalho nos setores mais

dinâmicos da economia, deixando o trabalho de ser cada vez mais concreto, dotado

de conteúdo a exigir competências e habilidades específicas, desenvolvidas ao

longo do tempo pela experiência, para ser abstrato, sem conteúdo, a exigir apenas

observação ou manuseio simplificado de máquinas e equipamentos cada vez mais

sofisticados, para o que já não se exige mais qualificação, tal como era entendida no

taylorismo/fordismo, ou seja, como resultante de relações sociais que combinavam

escolaridade, experiência e formação (KUENZER, 1999).

Desse modo, não significa dizer que não exista mais trabalho concreto, mas apenas

que este deixou de ser dominante do ponto de vista da geração de valor. É

necessário compreender que a acumulação flexível se alimenta da contradição

existente entre trabalho concreto e abstrato. Assim, para que possa gerar mais valor,

é preciso que sejam mantidos inúmeros trabalhos cada vez mais precarizados. Para

Frigoto (1996), a tendência ao fim, ou à diminuição do emprego, não significa o fim

do trabalho como práxis humana.

Na acumulação flexível, por meio de suas demandas de competitividade, com a

crescente incorporação de ciência e tecnologia, com a crise do trabalho assalariado,

com a progressiva simplificação do trabalho cada vez mais abstrato, menos

transparente e acessível para o trabalhador que, de modo geral, “vigia” a máquina

sem compreender os processos e a ciência que ela incorpora, há um novo princípio

educativo. As habilidades psicofísicas, a destreza, os modos de fazer, o

disciplinamento baseado na submissão e na obediência, que eram centrais no

princípio educativo taylorista/fordista e que determinavam uma prática pedagógica

escolar fundamentada na rigidez, na repetição e na memorização, passam a ser

substituídos pela necessidade de sólida educação básica pelo menos de nível

médio, mas sendo desejável de nível superior, com domínio das diferentes formas

de linguagem e de comunicação, com raciocínio lógico-formal, criatividade,

autonomia, capacidade de educar-se permanentemente. Nesse sentido, a rigidez é

substituída pela flexibilidade, a obediência pela contestação, de modo a desenvolver

57

identidades autônomas capazes de usar o conhecimento de maneira transdisciplinar

para criar soluções novas com rapidez para as novas situações que a realidade do

trabalho e das relações dispõe para o homem cotidianamente. Nessa perspectiva,

esse novo princípio educativo do trabalho exige da escola uma transformação

radical no projeto político-pedagógico, com sérias implicações para a formação de

professores (KUEZER, 1999).

Essa transformação inicialmente exigiria pelo menos a universalização da educação

básica. Os conteúdos definidos com base na cultura dominante precisam ser

substituídos por uma efetiva relação entre conteúdo e método, em que a autoridade

do professor que expõe a sua ideia particular seja substituída por situações de

aprendizagem em que o aluno se relacione produtivamente com o conhecimento

produzido e as formas de produzi-lo, de modo individual e coletivo, articulando as

diferentes áreas do conhecimento, teoria e prática, reflexão e intervenção social,

lógica e história, para desenvolver sua autonomia intelectual e ética, sua capacidade

de organização coletiva e de transformação social.

Conforme Kuenzer (1999), o nosso desafio, diante da crise no mundo do trabalho,

que precariza a escola pública e a formação de professores, é desenvolver um

projeto competente, com base no novo princípio educativo do trabalho, para os

trabalhadores e excluídos, não para ajustá-los às demandas da acumulação flexível,

mas para torná-los aptos para destruir as condições de exclusão e construir uma

sociedade em que todos usufruam os benefícios da produção social, segundo seus

interesses e necessidades.

Para construir esse novo projeto escolar, seria ingenuidade, um equívoco teórico

imaginar a escola como uma ilha do paraíso, imune à lógica capitalista, em que

alunos e professores, não absorvidos pela lógica da mercadoria, fizessem a

transformação. Da mesma forma, imaginar, como muitos ainda fazem, esperar do

governo uma proposta verdadeiramente democrática e com conteúdo efetivamente

popular. Considerando as limitações, é possível fazer um trabalho de qualidade na

escola, com base na proposição de um adequado projeto político-pedagógico,

construído com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, que

destaque e trabalhe as divergências e contradições de modo a construir, por meio do

58

diálogo, debate e consensos possíveis para fornecer o trabalho pedagógico.

Essa autonomia é reconhecida pelos textos legais, que indicam os institutos federais

como lócus privilegiado de elaboração da proposta pedagógica, embasados nas

diretrizes gerais, as quais, de tão amplas, permitem tudo o que possa desejar.

Assim, podemos observar já de início que, 7

[...] mais do que um espaço de capacitação profissional, o Instituto Federal do Espírito Santo é um ambiente de aprendizagem e de desenvolvimento integral, assumindo como principal desafio a promoção de uma educação plena por meio da diversificação das atividades extracurriculares (DIRETRIZES INSTITUCIONAIS DOS INSTITUTOS FEDERAIS).

Portanto, está implícito o entendimento de que a formação humana

integral/omnilateral é também uma meta a ser alcançada pelo Ifes. Para Frigotto,

Ciavatta e Ramos (2005, p. 85), com o termo formação humana, o que se busca é

“[...] garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma

formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão

pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política”.

Contudo, a formação do aluno na perspectiva omnilateral (seria novamente

ingenuidade acreditar que possa ser possível na lógica do capitalismo, mesmo que

de forma ressignificada na acumulação flexível) continua sendo a mesma, sem que

tenha superado aquilo que é o seu princípio norteador: a divisão social e técnica do

trabalho por meio da propriedade de alguns meios de produção, restando à grande

maioria apenas a posse de sua força de trabalho: para os primeiros, o prazer e o

gozo das delícias postas à mão pelo desenvolvimento capitalista; já para os outros, a

grande maioria, o sofrimento, a miséria, o trabalho que produzirá o gozo dos poucos

escolhidos. Com base nesse modelo, não há omnilateralidade possível, pois ela não

resulta da educação, e sim das condições materiais de existência, as quais

determinam, com mais ênfase, as possibilidades de acesso ao conhecimento

(KUENZER, 1999).

4.2 O ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO ENSINO TÉCNICO

No início do século XXI, o balanço da escola pública brasileira em todos os níveis

revela-nos um retrato preocupante de uma dívida quantitativa e qualitativa. Porém,

59

no ensino médio essa dívida se apresenta de forma mais perversa, no qual se

constitui forte mediação na negação da cidadania efetiva à grande maioria dos

jovens brasileiros. Nesse contexto, 45% dos jovens brasileiros concluem o ensino

médio, dos quais aproximadamente 60% o fazem em situação precária em cursos

noturnos e/ou supletivo. Separados por região e pela classificação urbana e rural,

esses dados mostram outras dimensões da desigualdade (FRIGOTTO; CIAVATTA;

RAMOS, 2005).

De acordo com os autores, a escola é uma instituição produzida dentro de

determinadas relações sociais, e esse panorama só ganha melhor compreensão

quando apreendido no interior da especialidade do projeto capitalista de sociedade

que, ao longo do tempo, foi construído no Brasil: um longo processo de colonização

econômica, político-social e cultural que se torna a última sociedade ocidental a

proclamar o fim da escravidão.

O modo como as relações de poder e de classe foram sendo construídas no Brasil

permitiu, de forma parcial e precária, a vigência do mundo de regulação fordista no

plano tanto tecnológico quanto social. O processo histórico construído no Brasil, em

síntese, define- se por um tipo de desenvolvimento desde a desigualdade da qual se

alimenta: o salto consiste no desafio de grande esforço de investimento em

educação, ciência e tecnologia e em infraestrutura. Para isso, além de reformas

sociais de base agrária, tributária, jurídica e política, é necessário ter uma

quantidade de recursos que, em razão do pagamento excessivo de juros da dívida

externa, não permita o salto além da tradicional regressão de impostos.

A grande desigualdade educacional ganha compreensão nesse contexto como

forma de constituição de nossa formação histórica, de modernização conservadora,

de interdependência e dependência associada ao grande capital, de democracia

restrita e de processos de revolução passiva (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,

2005).

Para os autores, desde 1930 até os dias de hoje, a sociedade brasileira conviveu

com duas ditaduras que, juntas, somaram 32 anos e inúmeros golpes institucionais.

Entendem que é a forma pela qual o poder econômico e o político têm mantido a

60

modernização conservadora e uma estrutura social das mais desiguais do mundo.

Nos intervalos dessas ditaduras, as forças políticas, sindicais e os movimentos

sociais ligados à classe trabalhadora, incluindo a classe média, se movimentam na

busca de construir um projeto nacional popular de desenvolvimento, tendo como

plataforma as reformas estruturais de base.

Nesse processo de lutas e reformas, o que se pretendia era a re(construção) de

princípios e fundamentos da formação dos trabalhadores para a concepção

emancipatória dessa classe. Sendo assim, um fortalecimento das forças

progressistas para a disputa por uma transformação mais estrutural da educação

brasileira. Obviamente isso levaria a uma revisão profunda e orgânica da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). No entanto, a falta de

organização política da sociedade nessa direção mostra que a história já ensinou

que o desfecho é uma solução conservadora (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,

2005).

Na discussão, os autores buscam analisar o dualismo presente nos decretos a

respeito do ensino médio que surgem após a promulgação da LDBEN/96. Trata-se

dos decretos n.º 2.208/97 e n.º 5.154/2004, além da relação entre eles, que vai do

dualismo da educação à possibilidade de uma formação geral integrada à educação

profissional.

Encontramos uma vasta literatura sobre o dualismo na educação brasileira quando

nos referimos ao ensino médio. Neste nível de ensino, revela-se, com mais

evidência, a contradição fundamental entre o capital e o trabalho, podendo ser vista

no falso dilema de sua identidade, ao destiná-lo à formação propedêutica ou à

preparação para o trabalho? A história nos permite compreender melhor essa

questão porque vai revelar a ordenação da sociedade em classes que se distinguem

pela apropriação da terra, da riqueza que advém da produção social e da

distribuição dos saberes (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).

Nesse sentido, o conhecimento sempre foi reservado a uma elite: filósofos, sábios e

religiosos. À medida que vão desaparecendo na Europa o aprendizado tradicional da

oficina do artesão e o controle do saber pelas corporações das artes e dos ofícios,

61

ocorre a criação de escolas e, consequentemente, sua extensão aos trabalhadores

produtivos. Porém, os conteúdos vão atender à formação dos dirigentes e à

instrução do povo, que fica restrita ao trabalho produtivo (MANACORDA, 1989, apud

FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).

O referido dualismo se enraíza em toda a sociedade brasileira através de séculos de

escravidão e discriminação do trabalho manual.

Na educação, apenas quase na metade do século XX, o analfabetismo se coloca como uma preocupação das elites intelectuais e a educação do povo se torna objeto de políticas de Estado. Mas seu pano de fundo é sempre a educação geral para as elites dirigentes e a preparação para o trabalho para os órfãos, os desamparados (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 32).

Ao considerar que o saber tem uma autonomia relativa ante o processo de trabalho

do qual se origina, deveria ser então papel do ensino médio recuperar a relação

entre conhecimento e prática do trabalho. O ensino médio deveria ter como

horizonte propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas

diversificadas utilizadas na produção, e não no adestramento em técnicas

produtivas. O que deveria ser proposto no ensino médio é a formação de

politécnicos, e não técnicos especializados.

Segundo Saviani (2003, apud FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 35),

politecnia diz respeito ao “[...] domínio dos fundamentos científicos das diferentes

técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno”. Desse modo, o ensino

médio deveria concentrar-se nas modalidades que sejam fundamentais e ofereçam

base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes.

Esses autores entendem que o ensino médio se desenvolve sobre uma base unitária

para todos. Desse modo, o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base

unitária de formação geral, é, sem dúvida, uma condição necessária para fazer a

mudança para uma nova realidade.

Essa mudança foi interrompida pelo Decreto n.º 2.208/97, ao forçar a adequação da

realidade à lei, proibindo que o ensino médio ofertasse também a formação técnica.

O novo caminho foi restabelecido por meio do Decreto n.º 5.154/2004, de tal forma

que o horizonte do ensino médio tenha a possibilidade de consolidar a formação

62

básica unitária e politécnica, centrada no trabalho, na ciência e na cultura, numa

relação mediata com a formação profissional específica que se consolida em outros

níveis e modalidades de ensino (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005).

Frigotto (2005) percebe a centralidade do trabalho como práxis que possibilita criar e

recriar, não apenas no plano econômico, mas também no âmbito da arte, cultura,

linguagem e símbolos, o mundo humano como resposta às suas múltiplas e

históricas necessidades.

Para o autor, o trabalho constitui direito e dever gerando um princípio formativo ou

educativo. Destaca que o trabalho como princípio educativo deriva do fato de que

todos os seres humanos são seres da natureza e, assim sendo, têm a necessidade

de alimentar-se, proteger-se das perturbações e criar seus meios de vida.

Gramsci (1981, apud CIAVATTA, 2005) atribui significado, ao enfocar o trabalho

como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho

manual/trabalho intelectual, incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo e

formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.

Frigotto (2005) complementa dizendo que para isso é imprescindível socializar

desde a infância, entendendo que a tarefa de prover a subsistência e outras esferas

da vida pelo trabalho é pertinente a todos os seres humanos, evitando-se criar

indivíduos ou grupos que exploram o trabalho de outros e dele vivem.

O trabalho como princípio educativo, então, não é, primeiro e sobretudo, uma técnica didática ou metodológica no processo de aprendizagem, mas um princípio ético-político. Dentro desta perspectiva, o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um direito. Um dever por ser justo que todos colaborem na produção dos bens materiais, culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida humana. Um direito pelo fato de o ser humano se constituir em um ser de natureza que necessita estabelecer, por sua ação consciente, um metabolismo com o meio natural, transformando em bens, para a sua produção e reprodução (FRIGOTTO, 2005, p. 60-61).

Para o autor, a concepção de ensino médio politécnico ou tecnológico, já debatida

amplamente na década de 1980, pode responder a esse horizonte de formação

humana. Todavia, é preciso desenvolver os fundamentos das diferentes ciências que

facultem aos jovens a capacidade analítica tanto dos processos técnicos que geram

o sistema produtivo quanto das relações sociais que regulam a quem e a quantos se

63

destina a riqueza produzida.

Para Ciavatta (2005), o que se pretende com a formação integrada é que supere o

ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de

executar e a de pensar, dirigir ou planejar. A ideia é superar a redução da preparação

para o trabalho ao seu aspecto restrito e operacional, simplificado, livre dos

conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação

histórico-social.

Para a autora, há hoje, no Brasil, poucas pesquisas que permitam conhecer os

estragos e as conquistas deflagradas com a imposição do Decreto n.º 2.208/97.

Desde a sua revogação e a aprovação do Decreto n.º 5.154/2004, trouxe abertura,

possibilidade e estímulo à formação integrada, mas não trouxe a garantia de sua

implementação, o que ainda é um grande desafio: construir uma proposta pelo

menos razoável. Seu horizonte está na sociedade, na adesão ou na recusa de

escolas, gestores, professores e alunos, incluindo suas famílias, de avançar para a

ruptura com todas as formas dualistas que permeiam a sociedade brasileira. É

responsabilidade também do Ministério da Educação sinalizar um claro e efetivo

papel de orientador e apoiar os projetos de formação integrada.

Nesse sentido, entende-se a necessidade de urgência por um novo ordenamento

social. A educação nesse contexto é uma instituição necessária para incorporar a

população a todo tipo de transformação social e efetiva que se pretenda.

Consideração como já é conhecida, a educação é incapaz de mudar a sociedade

desigual em que vivemos, mas pode ser um recurso relevante para compreender os

fundamentos da desigualdade e para gerar uma nova institucionalidade no país.

64

5 ABRINDO AS NARRATIVAS

“O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes. Estas estórias desadormeceram em mim sempre a partir de qualquer coisa acontecida de verdade mas que me foi contada como se tivesse ocorrido na outra margem do mundo. Na travessia dessa fronteira de sombra escutei vozes que vazaram o sol. Outras foram asas no meu voo de escrever. A umas e outras dedico este desejo de contar e de inventar.”

9

(MIA COUTO).

Chegamos ao principal e estimulante desafio de debruçar sobre as narrativas para

analisar, interpretar e compreender os vários caminhos e trajetórias trazidas pela

leitura acerca das experiências profissionais vividas por docentes de Educação

Física do Instituto Federal do Espírito Santo. Da mesma forma, muitas são as

informações vindas das narrativas de quem vive a docência, seja no início da

carreira, seja no final dela, muitas das quais encontramos também confirmação

quando fizemos um paralelo com a literatura. Algumas são experiências peculiares,

inéditas, cheias de interpretações que provocam diversas discussões e, por essa

razão, talvez queiramos valorizar ao máximo o texto das narrativas.10 Descobrimos,

assim, o que os colaboradores (professores de Educação Física) trazem em suas

narrativas. Como interpretam suas experiências e trajetórias profissionais?11

Realizamos a análise das entrevistas com base em cinco eixos, a fim de valorizar

ao máximo aquilo que os docentes demonstram em suas narrativas, atendendo

melhor aos objetivos propostos: o lugar da experiência no trabalho docente; a

paixão pelo ensino; o contexto do Instituto Federal do Espírito Santo na constituição

das identidades docentes; o esporte; o ensino integrado.

9 MIA COUTO. Vozes anoitecidas – Contos. 1. ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

10 Ao considerarmos que, após transcritas, as narrativas alcançaram, em média, 15 páginas e, em

alguns momentos, elas surgirão no texto de forma mais extensas, ao mesmo tempo somos desafiados a não deixar o estudo muito denso, carregado de páginas além do convencional, mas também não queremos perder detalhes ricos nos conteúdos das narrativas. 11

Decidimos por um roteiro de entrevista com temas e, durante a narrativa, fomos levados a detectar outros aspectos que não havia, em princípio, pensado em abordar, mas que surgiam espontaneamente, bem como questões que julgamos serem significativas para compreender a trajetória profissional do docente.

65

5.1 O LUGAR DA EXPERIÊNCIA NO TRABALHO DOCENTE

Interessa-nos compreender o lugar da experiência como possibilidade de conhecer a

trajetória de formação de docentes de Educação Física no Instituto Federal do

Espírito Santo. Para isso, recorremos a Cunha (2010), ao entender que o lugar se

constitui quando atribuímos sentido aos espaços ocupados, reconhecendo sua

legitimidade para realizar nossas ações, expectativas, esperanças e possibilidades.

Nesse sentido, o lugar extrapola a condição de espaço ganhando sentido cultural,

subjetivo e muito próprio ao exercício de tal localização.

Segundo Cunha (2010), a noção de espaço tem sido objeto de reflexões filosóficas

desde a antiguidade. A universidade, em princípio, é o espaço da formação dos

professores da educação superior. Embora não citado pela autora, acreditamos

também que a universidade é o principal espaço de formação dos professores que

atuam no ensino médio, mesmo porque é a formação mínima exigida para atuar

nesse nível de ensino. É possível que um espaço se transforme em lugar. Nessa

perspectiva, podem-se identificar duas dimensões legitimadas, que constituem a

formação e acontecem em duas direções.

A primeira e mais institucionalizada refere-se à formação para pesquisa, que tem a

pós-graduação stricto sensu por referência, já que os cursos de mestrado e/ou

doutorado são condições legitimadas para o exercício da docência universitária

(CUNHA, 2010).

A segunda, por sua vez, menos legitimada, é a formação para a docência que, em

geral, se faz assistematicamente em forma de educação continuada. Por ela,

pressupõe-se que existem conhecimentos específicos ligados às ciências humanas

e da educação, que fazem parte da condição de melhoria das práticas de ensinar e

aprender, próprias de um professor (CUNHA, 2010).

O lugar do ensino superior é diferente do do ensino médio, mas a atuação do

professor permite ocupar o lugar onde as experiências e reflexões acontecem. É

interessante observar que o professor José traz à tona essa necessidade de

formação, embasado nas vivências no seu lugar de atuação:

66

[...] eu trabalhei muito as questões do cotidiano escolar do profissional em relação ao que ele fazia, se ele acreditava naquilo que ele estava fazendo num fator mais educacional ou menos educacional [...] será que esse ambiente é o que está reinando dentro das aulas de Educação Física aqui no nosso campus? É um ambiente pobre? Se não é pobre, como é que ele né, ou se aproxima da pobreza ou se afasta um pouco mais, como é que nós podemos, juntos com nossos alunos construir algo [...] para que as pessoas saiam daqui pensando: eu fiz uma Educação Física, não é mais aquela da década de 50 […] nós temos que olhar para o retrovisor da história e ver o que foi feito e ver de que forma, nós podemos fazer agora com esse mundo é, tão mais evoluído onde se oferece muitas dádivas para os alunos né, e eles acabam deixando o lado corporal para ver mais o lado tecnológico do prazer (PROFESSOR JOSÉ).

Como vimos na narrativa acima, o professor, com base em seu espaço de atuação

profissional, refere-se ao ensino médio. Os valores podem ser diferentes daqueles

da década de 1950 conforme sugere o professor, ao fazer as reflexões na busca de

compreender o espaço que ocupa. Em geral, esses valores, produtos da formação

que privilegia o conhecimento profissional de origem científica que vem da pesquisa,

reforçam uma cultura estabelecida, sem ampliar os horizontes de uma reflexão

pedagógica (CUNHA, 2010). Embora a autora se refira ao ensino superior,

entendemos que a atuação no ensino médio oferece também as mesmas

necessidades de reflexão pedagógica.

Os interesses, ainda escassos, de profissionalização docente para professores da

educação superior encontram na educação continuada uma possibilidade (CUNHA,

2010, p. 51). Acreditamos também ser uma possibilidade para professores da

educação básica, conforme podemos verificar em algumas narrativas:

[…] desde a minha graduação eu fiz pós-graduação [...] em avaliação e prescrição de exercício [...] eu me formei em licenciatura e bacharelado eu não trabalhei somente na educação [...] Hoje eu trabalho na educação exclusivamente e a minha perspectiva é fazer o mestrado mais ligado na educação […] para que possa ajudar ainda mais a minha atuação profissional […] (PROFESSOR GABRIEL).

Segundo Cunha (2010), para o professor é possível fazer do espaço de trabalho

local para estudos, formação e reflexões sobre suas práticas, acompanhadas das

necessárias bases teóricas que lhe façam compreender os seus afazeres. Para a

autora, não há profissão sem saberes e conhecimentos próprios, os quais devem ter

um reconhecimento social e institucional para a sua legitimação. Supondo a

docência uma profissão, há de ter uma base de conhecimento que a legitime.

67

Nessa perspectiva, é importante reconhecer que o professor, para construir a sua

profissionalidade, recorre a saberes da prática e da teoria. Desse modo, a prática é

cada vez mais valorizada como espaço de construção de saberes, quer na formação

dos professores, quer na aprendizagem dos alunos. Sendo assim, a prática, que é

fonte de sabedoria, torna a experiência como ponto de reflexão (CUNHA, 2010, p.

52).

Percebe-se que o professor que tem recursos de ação é

Aquele que tem a experiência variada, vivências ricas; não que tem muita experiência sobre uns poucos tipos de ação; importa mais ter esquemas diversos ou conglomerados complexos dos mesmos que possuir esquemas demasiados trilhados como consequência de realizar as mesmas ações constantemente (SACRISTÁN, 1998, p. 85).

Percebemos também que a experiência variada, vivências consideradas ricas são

trilhadas na narrativa seguinte:

[…] A licenciatura plena foi importante […] fiz muito curso também, atuando muito na época da formação. [...] já ingressei numa pós […] na Educação Física escolar [...] Logo após eu fiz uma outra […] pessoas com necessidades especiais […] em 89 o mestrado [...] 2002 a 2003, eu fiz uma especialização na área de […] conteúdos pedagógicos [...] e continue dando curso, muito curso. […] me conduziu a fazer outros trabalhos de pesquisa. E fui forçado a estudar [...] fui professor de ergonomia, de ginástica laboral [...] de condicionamento físico […] Em 2005, fui fazer o meu doutorado [...] E nesse percurso de seis anos, eu já produzi um livro e participei de mais dois livros tudo ligado a área de educação e saúde que foi minha tese de doutorado [...] (PROFESSOR JOÃO).

A trajetória do professor é atravessada por experiência variada, e a ressignificação

da prática não acontece sem teoria, ela sustenta novas formas de atuação. O

pensamento teórico, fruto de inúmeras formulações, adquire sentido quando o

presente e o passado são estímulos para o diálogo com os significados que o sujeito

atribui a esse pensamento. Portanto, a teoria, como sustentação da pesquisa e da

reflexão, é fundamental na profissionalização (CUNHA, 2010).

Para a autora, a existência do espaço garante a possibilidade da formação, mas não

a sua concretização. Ainda não é ampla a oferta pelas instituições de programas de

pós-graduação stricto sensu. Assim, não é comum que elas se preocupem com a

formação continuada de seus professores e com sua condição de docente, para

além da responsabilização individual deles por seus desempenhos.

68

Nessa perspectiva, entendemos que o Instituto Federal do Espírito Santo pode

avançar ainda mais na valorização dos saberes no mundo do trabalho, como um

capital individual dos professores articulando as reflexões sobre eles e também

otimizando esse campo de potencialidades diversas. A existência desse espaço,

então, sendo sempre potencial, abrigará a possibilidade da existência de programas

de formação docente, mas não garantirá a sua efetivação se não houver

comprometimentos de toda a comunidade escolar. Esse espaço estará ligado à

missão institucional e à representação que dela faz a comunidade escolar (docentes

e alunos). O Ifes pode ser reconhecido como espaço de formação docente, como já

é, inclusive pelas prerrogativas legais que tem. Porém, o fato de ser espaço de

formação não significa que necessariamente se reconhece concretamente como um

lugar onde ela aconteça.

O professor João destaca que a sua formação inicial, vivida na universidade, espaço

legítimo de formação, se tornou também o lugar de sentido e significado, ao atribuir

que teve repercussão nas suas experiências profissionais:

[…] A licenciatura plena, anterior a esta legislação atual foi muito importante, nós tínhamos bastante aulas práticas e essas vivências que eu pude desenvolver durante a vida acadêmica elas foram fundamentais […] Então as experiências que eu tive lá dentro da universidade com a prática nos esportes e com essa disciplina de prática de ensino me ajudaram muito[...] ao mesmo tempo que atuava academicamente também [...] podia atuar profissionalmente com essas experiências que eu tive, não só a anterior que foi o ensino da educação infantil […] chegando a atuar como coordenador do curso de Educação Física durante quatro anos [...] tudo baseado lá nessa prática que tive na minha vida acadêmica satisfatória […] (PROFESSOR JOÃO).

Durante a formação inicial, as oportunidades de práticas em estágios acadêmicos, a

prática esportiva, práticas de ensino, modalidades esportivas, a participação em

jogos universitários e contrato de substituição de docente foram fundamentais para

facilitar posteriormente a prática pedagógica, já como profissional graduado e

licenciado na área de Educação Física, o que constitui uma forma muito rica para

contribuir na formação docente.

[…] Isso foi, diria assim, situação sine quo non para que eu pudesse hoje estar fazendo o que eu desenvolvo […] Por exemplo, eu trabalhei minha vida acadêmica durante dois anos de estágio dentro do laboratório de musculação da UFES [...] quando eu sai da faculdade eu trabalhei de 80 a 89, nove anos numa academia. E muitas experiências que eu levei para a academia eu levei, eu fui da pré-escola a musculação […] e sempre ali, que era a formação da época né (PROFESSOR JOÃO).

69

Essas práticas importantes na formação do professor não foram, em sua maioria,

ofertadas pela universidade onde ele cursava a graduação. Embora seja um espaço

de formação, ficou evidente a utilização de outros espaços que se concretizaram em

lugares diferentes de formação docente, conforme expressa o professor:

[...] eu lecionei durante alguns anos como profissional na área de educação psicomotora nos melhores centros do estado ou até melhor do país com projetos e cursos de curta e longa duração. […] E quando eu terminei a faculdade [...] já ministrava cursos pelo interior do Espírito Santo [...] Então isso na minha formação também foi muito importante essa parceria que eu fiz [...] (PROFESSOR JOÃO).

Percebemos que, para a maioria dos professores, a formação inicial repercutiu bem

em suas experiências profissionais:

Eu formei na UFES em licenciatura em Educação Física em 1992 […] Oh Gilberto, eu considero que a minha graduação [...] ela teve assim um ganho excepcional na minha prática [...] eu consegui pegar uma escola do ensino médio e aplicar todas as práticas esportivas: basquete, futebol, vôlei, é exercícios aeróbios, anaeróbios entendeu, ginástica, então tipo assim, eu não tenho o que falar de ruim da minha graduação não. Eu acho que ela me deu muito conhecimento [...] Repercutiu, o que eu aprendi na graduação foi o que eu usei na prática durante o meu período […] de carreira, vamos dizer assim (PROFESSORA MARIA).

O professor Paulo destacou outro ponto que considera positivo na sua formação

inicial, ao considerá-la como rica em recursos materiais e infraestrutura, além da

qualidade dos professores, apesar de ter enfatizado o distanciamento com a

realidade, conforme fala a seguir:

Faltou aproximação com a realidade social. É verdade, a gente vivia num clube lá, tá entendendo, era uma maravilha, piscina, campo de futebol, quadra de esporte, ginásio fechado para o basquetebol, é […] ginástica olímpica fechada né, recreação, um teatro né. E quando eu fui para trabalhar profissionalmente eu me vi sozinho tá, tudo que eu tinha aprendido lá, tive que readaptar para as condições que me eram apresentadas […] Não sei se eu consegui, mas juro que eu tentei (PROFESSOR PAULO).

Nessa perspectiva, a universidade ocupa o lugar da formação quando os sujeitos

que desse processo participam incorporam as experiências na sua biografia. Logo,

fazem também parte do lugar. Reconhecem e valorizam o lugar. Atribuem sentidos

ao que viveram naquele lugar e passaram a percebê-lo como o seu lugar, mesmo

quando já não o habitam (CUNHA, 2010, p. 55).

Acrescentando, podemos dizer:

As experiências, que dão à universidade a condição de lugar de formação, reconhecem nela a condição de locus cultural, que faz intermediações de significados com os sujeitos em formação. Nessa perspectiva, constrói-se

70

uma teia de relações que torna possível a produção de sentidos, perpassadas pelas relações de poder que se estabelecem na relação espaço-lugar da formação (CUNHA, 2010, p. 55).

Essas experiências do professor, ao executar sua atividade, necessitam de espaço e

tempo determinados, visando tornar o lugar o espaço por ele verdadeiramente

ocupado. Logo, esse lugar não é estático, mas, nas suas relações, sofre e promove

modificações em que se verificam manifestações de palavras, sentimentos e atitudes

dos sujeitos em relação ao meio. Aqui, o tempo a que nos referimos é o tempo

humano, “[...] percebido e significado pela experiência humana e como é usado no

transcurso dessa experiência” (VEIGA-NETO, 2006, p. 122).

[...] o IFES me proporcionou alguns cursos né, a gente pedia cursos da área de esportiva, área de ginástica, cursos da área mesmo né […] quando eu formei nem falava em mestrado, doutorado né, entendeu, era mais pós, pós, pós [...] acabei fazendo mestrado em educação [...] mas a minha dissertação ela foi dentro da Educação Física, [...] E a minha dissertação era “Educação Física na escola agrotécnica de Colatina percalços e possibilidades” […] ajudou a tentar entender com que eu estava trabalhando aqui. Como é que estava sendo a minha prática e dos meus colegas né. E em 2012 [...] eu fiz o doutorado em educação [...] área que eu estava atuando, com o cargo de coordenadora […] trabalhava com internato [...] (PROFESSORA MARIA).

Nesse sentido, para Veiga-Neto (2006), o cotidiano não é entendido como um

simples conjunto de acontecimentos triviais no qual estaríamos inseridos, e sim

como um conjunto de memórias selecionadas por nós mesmos em que atribuímos

determinados sentidos.

O Instituto Federal do Espírito Santo é o espaço de atuação dos colaboradores deste

estudo, espaço onde se realizam diversas práticas no campo da Educação e

Educação Física. Percebemos que muitas reflexões e ações têm sido realizadas

demonstrando também que já constitui um lugar de formação. A continuidade e o

fortalecimento desse processo vão depender dos esforços que, ao longo das

trajetórias, são realizados, buscando novos sentidos e significados para as práticas

pedagógicas.

5.1.1 Sobre experiência

Queremos aqui apresentar algumas discussões que permitem compreender um

pouco mais a respeito da experiência no trabalho docente. Dubet (1994) escolheu a

71

noção de experiência para designar as condutas sociais que observou e analisou

durante vários anos em trabalhos que refletem os movimentos sociais, a juventude,

a imigração e a escola. Portanto, essas condutas não eram redutíveis a papéis,

tampouco a estratégias de interesses, podendo ser entendidas à luz da noção de

experiência. Para isso, evidencia três características essenciais.

“A primeira característica é a heterogeneidade dos princípios culturais e sociais que

organizam as condutas” (DUBET, 1994, p. 15). Seria a maneira como os atores se

adaptam simultaneamente a diversos pontos de vista, como se a identidade deles

fosse apenas o jogo movediço das identificações sucessivas. Os papéis, posições

sociais e cultura não bastam para definir os elementos estáveis da ação, já que os

indivíduos não cumprem um programa. Por outro lado, têm em vista a construção de

uma unidade por meio dos vários elementos da vida social e de suas diversas

orientações. “Assim a identidade social não é um ser, mas um trabalho” (DUBET,

1994, p. 16). Exemplificando de forma mais simples, a maioria dos professores

descreve as suas práticas não em termos de papéis, mas de experiência. Desse

modo, ainda que estejam presos às regras burocráticas que nos enquadram, nós

docentes definimos o nosso ofício como uma experiência, como uma construção

individual realizada com base em elementos dispersos: o respeito pelos programas,

a preocupação pelas pessoas, a busca dos desempenhos e a justiça só definem em

parte o que fazem os docentes.

Nesse sentido, é interessante observar como o professor José percebe suas

experiências construídas mediante as próprias concepções de uma prática

significativa:

Eu diria assim: que nós aprendemos, não existe uma única face da moeda. Mas eu vejo assim: que tudo que você, pelo menos das minhas experiências né, eu vejo os meus alunos que já se retiram da escola, estão aqui, as vezes chegam aqui nas terças e quintas-feiras querendo participar de nossas atividades do nosso treinamento escolar. E já são alunos egressos e, eu vejo que o que nós semeamos no nosso percurso ele foi, ele conseguiu um objetivo que era das pessoas alcançarem é uma percepção sobre uma prática corporal, seja ela pelo esporte, pelo basquetebol. É onde ele considera importante essa manutenção para a sua convivência social, para sua saúde física também. Que eles acabam reunindo um grupo de alunos para virem aqui e, são bem recebidos, porque aqui é um espaço público. E bem eu faço com que as pessoas usufruam da melhor forma possível. E eu creio que com esse olhar a gente acaba dando uma certa é, possibilidade para o aluno prosseguir naquilo que ele acredita que depois da sua fase escolar, que ele possa levar para a sua vida social de uma forma

72

geral (PROFESSOR JOSÉ).

A narrativa também nos chama a atenção sobre o modo como o professor narrador

percebe e valoriza seus alunos, mesmo sendo egressos. Sua atuação vai além das

obrigações com o programa escolar.

“A segunda característica indicada pelo autor é relativa à distância subjetiva que os

indivíduos mantêm em relação ao sistema” (DUBET, 1994, p. 16). Os atores não se

prendem às suas personagens, mas mantêm uma distância crítica, não se

colocando plenamente na sua ação, cultura ou interesses. Isso procede da

heterogeneidade de lógicas da ação, mas não significa que o autor esteja desligado

da sociedade, pois cada indivíduo é autor relativo da sua experiência, isto é, a

construção da experiência em certas condições sociais que se apresentam e se

assentam em elementos que não lhe pertencem.

A reflexividade e a distância crítica dos atores participam da experiência social e,

analisando sociologicamente tal processo, definem a autonomia dos atores, o que

faz deles sujeitos.

Essa subjectivação remete para um mecanismo social porque implica que os actores se não reduzam aos seus papéis e aos seus interesses e também que eles possam identificar-se com uma definição cultural da criatividade humana, inscrevendo-a nas relações sociais definidas em termos de obstáculos a um desempenho concebido hoje em termos de “autenticidade” (DUBET, 1994, p. 19).

O compromisso com a qualidade da educação deve ser assumido por todos os

docentes, e o profissional de Educação Física, sem dúvida, está inserido nesse

contexto. O Ifes, na qualidade de lugar de formação, deve ser encarado pelos

docentes como a oportunidade de se afirmarem e assim desempenharem suas

funções como sujeitos de direitos e deveres profissionais.

A terceira característica é que “[...] a construção da experiência coletiva substitui a

noção de alienação no centro da análise sociológica” (DUBET, 1994, p. 17). Os

movimentos sociais deixam de falar em nome da unidade de um mundo, de um ator

ou causa: o povo, a classe ou o progresso. A dominação social mais dispersa do que

unifica a experiência social. Vemos que nem todas as dimensões da experiência de

alunos e professores fazem parte de um projeto global, nem toda agregação de

73

estudantes se constitui como movimento estudantil.

Com esses movimentos, remetemo-nos à formação da sociedade que

[…] só existe verdadeiramente na medida em que os indivíduos são capazes de ligar uma cultura que fixe as suas representações, as suas aspirações e a sua moral à sua adesão às instituições políticas, em especial, e as suas atividades econômicas num mercado regulado por essas instituições e por esses valores (DUBET, 1994, p. 47).

Nesse sentido, percebemos que o professor José procura construir sua experiência

no coletivo da escola, por meio do diálogo com os demais servidores, ampliando as

discussões com os alunos na tentativa de conscientizar a todos das

responsabilidades do processo de ensino e aprendizagem numa perspectiva

integral. Portanto, essa é uma experiência que acontece mediante as relações que

se estabelecem no contexto escolar, e não como um projeto imposto e reproduzido

sem participação de quem vive a experiência.

[...] Eu modifiquei muito esse olhar, as minhas atitudes elas agora são mais para o acolhimento da instituição como um locus de formação integral do indivíduo e aí a Educação Física está inserida nesse processo. Eu diria que tem mais marcado atualmente […] Mas também dentro das demais discussões que norteiam o cotidiano da escola, como os problemas que são levados para a equipe pedagógica da escola […] novo conhecimento em torno de um debate mais amplo envolvendo os outros profissionais de outras disciplinas que estão dentro de uma área em que realmente todos nós devemos ter a responsabilidade de contribuir com o aluno para que ele tenha uma visão mais ampla e também mais crítica daquilo que ele está buscando. Para que quando ele chegue no seu ambiente de trabalho ele possa entender que cada uma dessas disciplinas tem a sua característica e tem a sua importância nessa formação que ele vai ter que levar daqui para lá (PROFESSOR JOSÉ).

Imaginamos uma sociedade que não promova o individualismo, sobretudo aquele

que não promove o indivíduo; pior ainda, destrói-o, uma vez que a referência a si se

torna vazia. O triunfo do individualismo produz um indivíduo autorreferido em que a

busca obsessiva de uma subjetividade não social destrói a subjetividade sincera do

homem (DUBET, 1994, p. 71). Contrariando esse individualismo, Dubet (1994) diz

que, no ideal educativo, parece que o homem sensível, sensato, substitui o homem

culto; a personalização deve-se pôr no lugar da educação, porque o ego social surge

como ilusão que deve ser substituída por um eu autêntico.

[…] Então na escola agrotécnica pude desenvolver além do trabalho em sala de aula, a coordenadoria de internato […] esta experiência nessa época, […] foi muito importante porque pude participar de várias reuniões, principalmente no horário noturno [...] com os alunos, nos grupos de estudos e tive a oportunidade de conhecer temperamentos, de conhecer angústias,

74

de conhecer culturas é [...] situações socioeconômicas e na época né? Isso já tem quase 30 anos atrás […] vinha os alunos de todas as partes do Brasil, porque não tínhamos a rede muito expandida em termos nacionais [...] isso aí colaborava muito com meu trabalho com ensino médio integrado, porque além de não trabalhar só com a prática e teoria na sala de aula, mas também eu conhecia a vida de muitos alunos. Eu conhecia o meio que eles viviam, eu poderia tirar deles né, experiências que contribuíam para eu fazer o melhor desenvolvimento dentro do trabalho na formação [...] completa desses alunos [...] (PROFESSOR FRANCISCO).

O professor, ao aproximar do aluno para conhecer suas necessidades, inseguranças

e inquietações, rompe com a ideia estabelecida culturalmente: de ser aquele que

transmite o conhecimento ou o dono da saber e o aluno um mero receptor. A

aproximação entre professor e aluno na perspectiva que promova o indivíduo

também afasta a ideia do individualismo e contribui para uma formação mais

humana.

Ainda do ponto de vista de Dubet (1994), foi possível considerar, durante muito

tempo, que o papel social do docente constituía sua identidade. Falando mais

claramente, o papel dava origem a uma personagem, ou seja, à fusão dos códigos

culturais e da personalidade. “O professor era verdadeiramente um professor, cuja

subjetividade era formada ao mesmo tempo pelas representações da vocação e

pelas expectativas sociais bem estabelecidas dos colegas, da administração, dos

alunos e dos pais” (DUBET, 1994, p. 97).

[…] não valorizar a Educação Física na escola [...] eu acho que é uma grande falta de sensibilidade e de conhecimento. Por que é na Educação Física que […] forja o homem mesmo […] como pessoa humana [...] o dia que valorizar realmente a Educação Física dentro do Instituto Federal do Espírito Santo a formação do nosso educando vai ser bem melhor, na minha concepção (PROFESSOR PAULO).

Na melhor hipótese, ele representava o papel de docente e acabava por acreditar

em tal fato, uma vez que os outros também assim acreditavam. Já hoje, a imagem

que os docentes apresentam de si mesmos nas entrevistas individuais ou coletivas é

muito diferente. Os docentes

[...] falam, não do seu papel mas da sua experiência, porque consagram o essencial do que dizem para afirmarem que não são personagens e que se constituem como indivíduos mais pela distância em relação ao seu papel que pela sua adesão total (DUBET, 1994, p. 97).

E por que isso? Com certeza, a experiência do docente flutua entre dois universos

de referência separados e entre duas lógicas de ação específicas. É certo que falam

75

em termos de estatuto, como membros de uma organização que fixa condutas,

relações com os outros, em modos de organização e de legitimação. Mas também

falam em termos de profissão, e assim, na medida em que não encontram nos

alunos as atitudes e expectativas que correspondem à sua definição de estatuto, a

profissão é vivida como um ensaio da personalidade, ou seja, uma experiência mais

íntima que privada, em que os critérios de referência e de reconhecimento do outro

estão dissociados da ordem dos estatutos (DUBET, 1994).

A profissão só parece possível no esquecimento do estatuto e na sua negação. A

descrição do estatuto é como uma interpretação permanente, como um debate

social interno a respeito das finalidades da escola, das normas da justiça, como uma

atividade pouco rotineira. Desse modo, o estatuto daquele que ensina pode gerar

mal-estar e desvalorização, e a profissão pode, por sua vez, parecer como uma

experiência gratificante ou penosa, mas não pode ser transcrita na linguagem do

estatuto, incapaz de justificar a profissão (DUBET, 1994).

5.1.2 Sobre o trabalho docente

Para Nóvoa (1995), pensar o trabalho docente significa considerar o percurso

histórico de formação da profissão docente.12 Em seguida, na mesma perspectiva,

consideramos também a formação de professores com a devida relação entre o

desenvolvimento pessoal (produzir a vida do professor), o desenvolvimento

profissional (produzir a profissão docente) e o desenvolvimento organizacional

(produzir a escola). Nesse momento, não é nosso objetivo aprofundar os aspectos

relacionados acima, mas o que pretendemos mesmo é relacionar algumas narrativas

com pontos levantados pelo autor, fazendo as devidas adaptações à realidade do

presente estudo.

Nesse sentido, remetemos à virada do século XIX para o século XX, no momento

em que surge para entender vários fenômenos que configuram uma verdadeira

mutação sociológica do professorado: primeiro com professores do ensino primário

e, mais tarde, professores do ensino secundário. A título de exemplo, a consolidação

12

Para saber mais sobre o assunto, ver: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa, 1995.

76

das instituições de formação de professores, o incremento do associativismo

docente, a feminização do professorado e as modificações na composição

socioeconômica do corpo docente (NÓVOA, 1995, p. 17).

Entre os fenômenos, chama-nos a atenção a feminização do ensino, visto que a

mulher ocupa muitos espaços na docência no Ifes. Apesar de não ser discutido pelo

autor, queremos dar destaque à narrativa abaixo, que demonstra outros desafios na

sua profissionalização, os quais não são diferentes no Ifes.

[...] E aí depois com os anos […] quando eu formei nem falava em mestrado, doutorado [...] era mais pós, pós, pós. Aí depois eu tive um período longo assim de gravidez uma após a outra [rsrsrs] né, ai depois em 2007 aí eu pensei fazer o mestrado [...] (PROFESSORA MARIA).

A mulher assume o trabalho docente, como vimos, desde o início do século XX e, de

lá para cá, vem realizando também várias lutas na conquista de seus direitos no

mundo do trabalho, entre os quais o direito à licença-maternidade remunerada e à

ocupação de espaços antes permitida somente aos homens. Entretanto, mesmo

com essas conquistas, em muitos casos, ainda exerce dupla jornada de trabalho,

assumindo também as responsabilidades com as tarefas domésticas. Há de se

enaltecer a mulher pelas grandes conquistas desde o século XX até os dias de hoje,

em muitos das quais engajadas em movimentos de reivindicação que dizem respeito

à sociedade na realidade brasileira.

É interessante notar que o prestígio, um dia dado ao professor, mesmo esquecido

em razão de transformações ao longo do tempo, permaneceu em suas convicções

na compreensão das suas responsabilidades no trabalho docente, e entendemos

que não deveria ser diferente. A valorização e importância que o docente atribui ao

seu trabalho, assim como os conteúdos da disciplina que leciona desde a década de

1980, são percebidas na narrativa abaixo:

[...] Porque é na Educação Física que você se forja, forja o homem mesmo entendeu, como pessoa humana. Porque as cobranças são imediatas dentro das regras né, os objetivos são imediatos e, é onde a pessoa aprende a conviver com a realidade lá fora, que é o de perder, de ganhar, de competir que é o que a sociedade cobra no dia a dia tá, o dia que valorizar realmente a Educação Física dentro do Instituto Federal do Espírito Santo a formação do nosso educando vai ser bem melhor, na minha concepção (PROFESSOR PAULO).

77

O esforço e dedicação de muitos docentes podem ser detectados também nas

palavras de Nóvoa (1995), quando afirma que a década de 1980 ficou marcada pela

profissionalização em serviço dos professores. A expansão escolar resultou para o

ensino a chegada de muitos indivíduos sem as necessárias habilitações acadêmicas

e pedagógicas, criando desequilíbrios estruturais extremamente graves.

Na nossa realidade, em relação à formação e trabalho docente, identificamos um

desses desequilíbrios na narrativa seguinte:

[...] Eu preciso ter conhecimento da área que a gente está atuando, a gente precisa ter conhecimento né, dos perfis né, dos cidadãos, principalmente do nosso país, para que a gente possa atuar. Mas eu acho que foi muito pouco, muito pobre na minha época de universidade esse conhecimento [...] Ele subestima um pouquinho a prática, a realidade da sociedade enquanto prática pedagógica, enquanto prática de ensino, enquanto prática mesmo com o aluno, o sentimento que esse aluno tem para a disciplina de Educação Física [...] (PROFESSOR FRANCISCO).

Na tentativa de resolver os desequilíbrios, Nóvoa (1995) vai dizer que o poder

político e o movimento sindical procuraram remediar a situação por meio de três

pontos: profissionalização em exercício, formação em serviço e profissionalização

em serviço. Salvo as devidas proporções, aqui, no Brasil, também se faz essa luta:

os movimentos sociais e sindicais levantam essa bandeira para reivindicar melhores

condições de trabalho, educação de qualidade para todos e políticas educacionais

mais justas.

Percebemos que o professor narrador 2 também entende que as experiências

profissionais vividas ainda no processo de formação, a ida à escola, os estágios e a

oportunidade de atuar como docente são fundamentais no processo de formação.

A década de 1990, conforme já previa Nóvoa (1995), seria marcada pelo signo da

formação contínua dos professores, voltada também sua qualificação para o

desempenho de novas funções administrativas e gestão escolar, orientação escolar

e profissional, educação de adultos. Nesse sentido, compreendemos a importante

reflexão feita pelo professor narrador 5, ao falar das experiências como coordenador

de atendimento ao educando e coordenador geral de ensino no ensino técnico

integrado.

[...] Olha dentro dessa trajetória profissional [...] tive experiências que poderiam ser melhores. Como coordenador de atendimento ao educando

78

[...] eu fui muito rígido com os alunos em termos de cobrança disciplinar, em termo de respeito ao outro, em termos de […] preservação do patrimônio público que é nosso [...] quando eu poderia ser um pouquinho mais flexível. Como coordenador geral de ensino, eu fazia uma cobrança aos colegas professores um pouco radical [...] Então acho que poderia ter conversado mais, eu poderia ter me explicado mais, eu acho que eu conseguia mais do que tanta exigência que eu tinha. Então hoje com a minha experiência, eu acredito que faria bem melhor, tanto na coordenação geral de ensino como na coordenação geral de atendimento geral aos alunos [...] eu acho que foi o ponto negativo dentro da minha trajetória, é muito perfeccionista, eu exigia demais (PROFESSOR PAULO).

Até os dias de hoje, os professores não são devidamente preparados para ocupar

esses cargos, senão pelas experiências que adquirem nos setores administrativos e

em diferentes setores no trato com os alunos. Percebemos que o professor, nessa

questão, faz uma análise crítica refletindo sobre a experiência adquirida e que hoje

faria um trabalho melhor em relação ao que foi realizado no passado. Isso também é

um processo de amadurecimento que, de certa forma, só é feito por aqueles que são

capazes de olhar para trás. Ao mesmo tempo, entendemos que fazemos o nosso

trabalho com os instrumentos, conhecimentos e valores nos quais acreditamos. No

entanto, o tempo e as experiências, somados à capacidade de rever nossas

práticas, permitem-nos reelaborar novas práticas quando necessário, conforme

narra bem o professor:

[...] Gilberto, eu passei já quatro anos da época de aposentar. Mas a gente está aprendendo sempre, eu acredito que estou praticando isso dentro da Educação Física, com relação aos treinamentos, com relação as minhas aulas, com relação o meu relacionamento com os alunos. Eu estou usando isso hoje dentro das minhas aulas de Educação Física e no relacionamento também com os colegas professores (PROFESSOR PAULO).

Compartilhamos com Nóvoa (1995), ao afirmar que a troca de experiência e a

partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais todos os

professores são chamados a desempenhar simultaneamente o papel de formador e

de formado (NÓVOA, 1995, p. 26). Identificamos essa possibilidade aqui no Instituto

Federal do Espírito Santo, por meio dessa semente já lançada e esperamos que

encontre campo adequado para germinar. “[...] nós conseguimos [...] um debate bem

coletivo direcionar a disciplina Educação Física para aquilo que nós estávamos

realmente pensando [...] Esse debate realmente foi muito aqui em torno dos nossos

problemas, da nossa realidade [...]” (PROFESSOR JOSÉ).

79

Acreditamos que o diálogo entre os professores tem papel fundamental para

consolidar saberes pertinentes à prática profissional. A criação de redes coletivas de

trabalho constitui também um fator decisivo de socialização profissional e de

afirmação de valores próprios da profissão docente (NÓVOA, 1995, p. 26).

Percebe-se que o professor Paulo, mesmo após longo período de investimentos na

sua formação, é frustrado em relação ao melhor aproveitamento de suas

experiências por parte da escola. “[...] eu acho que poderia ter sido mais valorizado

como profissional, não como professor de Educação Física, mas dentro da escola.

Tanto pelos colegas como pela equipe pedagógica, porque também pelos pais dos

alunos […]” (PROFESSOR PAULO).

Encontramos também respaldo em Nóvoa (1995) na tentativa de compreendermos

os motivos pelos quais esse tipo de situação ainda acontece. Para o autor, se, por

um lado, as escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores, por

outro, estes não podem mudar sem a transformação das instituições em que

trabalham. Logo, o desenvolvimento profissional dos professores tem de estar

articulado com as escolas e os projetos de mudança (NÓVOA, 1995, p. 28).

Nessa perspectiva, a formação contínua deve valorizar as experiências inovadoras e

as redes de trabalho existentes, investindo-as do ponto de vista de sua

transformação qualitativa. Então a trajetória do docente, quando feita de inúmeras

experiências positivas, pode ser útil para contribuir no processo de formação dos

demais. Entendemos que a valorização das áreas de conhecimento pode ser

também uma excelente maneira para promover os investimentos nas boas práticas.

Chama-nos a atenção o modo como o professor Paulo percebe a Educação Física e

simultaneamente, de certa forma, defende a necessidade de a escola investir nas

trocas de experiências, visando ao crescimento da área.

[...] Sim, claro. Eu acho que o diretor inteligente ele valoriza a Educação Física na escola. Porque o aluno que gosta de praticar esporte, o aluno que joga pela escola, o aluno que vai para a Educação Física entendeu, que veste a camisa da escola para competir com as outras escolas, ele passa valorizar ainda mais né. E quando ele valoriza mais, ele fala bem, ele vive bem dentro da escola, ele se sente bem, ele gosta de vir para a escola e fica tudo mais fácil para ele no cotidiano. Então eu acho a Educação Física de suma importância para o cotidiano da escola entendeu. A escola fica mais alegre né, a escola fica mais sadia, não é só sala de aula, conteúdo, como também acho que tem que ter artes, tem que ter a parte lúdica, a

80

escola que ter uma parte lúdica (PROFESSOR PAULO).

A formação exige a mudança dos professores e das escolas, o que não é possível

sem um investimento positivo das experiências inovadoras já existentes. Uma vez

que não se leve isso em consideração, fenômenos de resistência pessoal e

institucional podem ser desencadeados, provocando a passividade de seus atores

(NÓVOA, 1995, p. 30).

5.2 A PAIXÃO PELO ENSINO

“Sem o comprometimento e a paixão, o ensino perde o seu coração.” (CHRIS

CLARK, p. 219).

Ao interpretar as narrativas, percebi momentos que permaneceram, ao longo da

carreira dos docentes, uma dedicação e comprometimento com o trabalho exercido.

Quais foram as experiências mais marcantes? Que influências deixaram? Qual o

impacto para a carreira? A análise das entrevistas nos mostrou que as experiências

são diversas e interpretadas por seus atores por diferentes maneiras. Algumas

narrativas demonstram uma preocupação com os debates em torno dos sentidos,

significados e reformulação da Educação Física.

Quando assumimos um novo trabalho, quer numa instituição privada, quer numa

pública, novas responsabilidades e desafios também aparecem no cotidiano. E

aqueles que manifestam uma paixão pelo ensino podem encontrar-se em qualquer

escola e em qualquer idade, ao longo da fase de seu desenvolvimento (DAY, 2004,

p. 226).13 Para o autor, é preciso ter coragem para não desencorajar quando as

práticas de ensino têm de ser alteradas, quando os currículos têm de ser

implementados e quando têm de ser alcançadas novas regras de conduta em

benefício do ensino. Ensinar bem ao longo do tempo é uma luta e é preciso coragem

para continuar a encorajar-se a si próprio e aos outros a aprender em contextos

pessoais, profissionais, sociais e organizacionais em constante mudança (DAY,

2004, p. 60). Nessa perspectiva, é marcante a fala do professor José, ao enfrentar

13

O autor se baseia em trabalho empírico de Nias (1989), realizado com professores do 1.º ciclo na Inglaterra, o qual apresenta semelhança ao nosso ensino médio.

81

as mudanças necessárias no campo da disciplina Educação Física:

Em 1998, nós conseguimos em um debate bem coletivo direcionar a disciplina Educação Física para aquilo que nós estávamos realmente pensando, no seu sentido para os alunos que estavam, principalmente alunos ingressantes nas primeiras séries. E um coletivo de professores, eu estava junto, nós conseguimos implantar uma proposta e avaliar durante mais três anos seguidos, até por volta de 2000 [...] a partir de 2001, nós começamos a dar um novo enfoque a disciplina Educação Física, tendo em vista é, que as atividades deveriam ser discutidas junto com os alunos, para que a gente tentasse reduzir essa abstinência que estava ocorrendo dentro da própria disciplina. […] Esse debate realmente foi muito aqui em torno dos nossos problemas, da nossa realidade aqui no campus Vitória. Nem todos os professores participaram, os professores que já se, já se apresentavam de forma de, é aposentadoria, já estavam desmotivados, esses achavam que isso aí era coisa que iria ficar mesmo no papel, que eles não teriam interesse. E o grupo que a gente acompanhava mais, que entrou comigo em 1984 né? Esse grupo foi o que mais se envolveu e contando com a chegada de alguns professores de campus, de outras instituições fora do estado, vieram é, em forma de contratos e foi a partir desse envolvimento com esses professores que chegavam e daquele grupo que já me acompanhou desde o nosso acesso aqui na instituição que nós começamos a pensar a Educação Física cada vez de forma mais contextualizada [...] (PROFESSOR JOSÉ).

É interessante notar que o professor Paulo, por algum tempo, se dedicou ao

trabalho, procurando novos sentidos e reformulação dos conteúdos e buscando

mudanças também favoráveis ao aluno no interior da escola:

Os debates que giraram em torno da disciplina Educação Física, que se iniciou na década de 1990. E participei ao longo de todos esses anos, até o ano passado 2014, discutindo é os sentidos, o significado da Educação Física para o ensino técnico integrado e que currículo daria conta dessas necessidades emergenciais. Nós conseguimos implantar uma proposta e avaliar durante mais três anos seguidos, até por volta de 2000. E em 2001, eu já comecei um novo estudo sobre o índice de absteismo de alunos, já que especialmente na década de 80, era de muita crítica a Educação Física que era muito esportivizada, que era muito técnica, voltada única e exclusivamente para os conhecimentos de regras esportivas. E essa crítica que era velada pelos autores mais progressistas (PROFESSOR PAULO).

O professor Francisco procura ampliar seus espaços de atuação além da sala de

aula tradicional, entendendo que assim tem maiores possibilidades para conhecer e

ampliar as potencialidades de seus alunos:

Eu nunca gostei do trabalho puro e simplesmente feito só dentro da sala. Eu sempre me envolvi muito em atividades extras porque na verdade você traça um perfil muito grande do aluno quando você convive com ele. Quando você começa a conviver num ambiente mais amplo com ele, ele realmente se mostra, o aluno fala para você seus sentimentos, demonstra perfis. Criamos o antigo JIFETES que hoje se transformou em JIF regional. Então eu posso falar da experiência que já estou na gestão já a cinco anos. Trabalho como gestor na área de acompanhamento ao educando, então continuando aquele trabalho que comecei lá na escola agrotécnica há 30 anos, mais uma vez eu digo é muito importante para o conhecimento dos perfis de nossos alunos (PROFESSOR FRANCISCO).

82

Nesse sentido também concordamos com Day (2004), quando afirma: “Os

professores com uma paixão pelo ensino esforçam-se por olhar por trás das

máscaras que cada aluno apresenta, para conseguir ver as coisas como elas são

verdadeiramente” (DAY, 2004, p. 133).

O trabalho pode ser mais rico e interessante quando conta com a participação de

diferentes segmentos dentro da comunidade escolar, visando a mudanças para

ocorrerem práticas pedagógicas mais significativas. O professor Gabriel reconhece a

importância do trabalho da comunidade, quando busca, com os demais servidores,

melhorias para as diferentes áreas, não só para a Educação Física:

[…] Esse trabalho, foi um trabalho feito por todos os servidores é […] eu na verdade participei enquanto coordenador de núcleo comum e também como professor de Educação Física. É, nesse momento eu estava sozinho como professor de Educação Física... Eu pude sim é […] o campus deu esse apoio né, nós podemos pensar em outras perspetivas para a área da Educação Física (PROFESSOR GABRIL).

Essa possibilidade de trabalho em grupo se concretiza quando as pessoas são bem

recebidas num grupo seguro, vital e ativo e sentem prazer com esses sentimentos

(SANDELANDS; BOUDENS, apud DAY, 2004, p. 190).

O professor João destaca seus trabalhos e projetos interdisciplinares de

repercussão estadual e nacional envolvendo uma rede de aprendizado. Para Day

(2004), o objetivo dessas redes de aprendizagem é, na maioria das vezes, uma

mudança sistemática, constituindo um conjunto de escolas que trabalham em

cooperação durante longos períodos de tempo, com o apoio de docentes das

universidades e de outras organizações, no intuito de sustentar os esforços de

mudança.

Hoje por exemplo, a gente tem uma experiência muito interessante, não sei se tem aqui, acho que não está aqui, é o nosso laboratório de tecnologia assistiva, em 2002 nós começamos a fazer um projeto de extensão na área chamada PARA LER, que está no instituto já desde, praticamente há 13 anos. Temos seis professores envolvidos, sendo três da Educação Física e três da Engenharia Elétrica, porque nosso projeto é um projeto interdisciplinar. Nós temos hoje, nas portas para as olimpíadas, nós temos hoje no nosso grupo paralímpico três atletas classificados paralímpicos e dois é […] que chamam de guia, então cinco pessoas dentro do nosso projeto classificados para as olimpíadas. Nós acreditamos que eles estarão lá, se Deus quiser. Então esse hoje é um projeto que chama atenção nossa e tem chamado a atenção de outras pessoas também tanto a nível estadual tanto a nível nacional. A questão do laboratório, as práticas, as equipes, o dia a dia e mais específico agora a pós [...] (PROFESSOR JOÃO).

83

Por um lado, os professores que manifestam uma paixão pelo ensino podem

encontrar-se em qualquer escola e em qualquer idade, ao longo da fase do seu

desenvolvimento. Mas, por outro, para cada professor com uma paixão pelo ensino,

haverá outros que não são apaixonados. Nesse grupo, encontram-se os que já

foram apaixonados pelo ensino e que já deixaram de ser. Para a maior parte dos

professores, há sempre um momento ou outro em que a paixão inicial morre ou se

transforma, como resultado das circunstâncias advindas das culturas de escolas

que desaprovam a comunicação do entusiasmo em relação à aprendizagem, ou os

esgotantes desafios intelectuais, emocionais e físicos, quando se faz o melhor

possível a cada dia, cada semana, cada ano, com crianças e jovens que nem

sempre apreciam o seu trabalho (DAY, 2004, p. 226).

O professor José apresenta, em suas narrativas, questões muito interessantes

relativas às experiências profissionais ao longo de sua carreira. As experiências

também anteriores ao Instituto Federal do Espírito Santo, com relação ao

planejamento de ensino, são consideradas de muita relevância, assim como os

incentivos encontrados. Ademais, docentes que não apresentavam o mesmo

entusiasmo pelo ensino permitiram-lhe muitas reflexões:

É, eu acrescentaria ainda, uma experiência muito significativa que eu tive com a […] participei como professor da Fundação Espírito-santense do bem-estar do menor, antiga FESBEM. Foi uma época em que essas experiências é, assumiram um aspecto importante na minha vida pessoal e profissional, uma vez que eu trabalhava em escolas que atendiam alunos é […] por eles na época chamados de contraventores, alunos que viviam na rua, drogados, envolvidos com drogas, na criminalidade. E eu trabalhei na Alzira Brei, na cidade do Garoto na Serra, no Alzira Brey em Cariacica. Trabalhei na casa do menino, trabalhei na casa do menino, trabalhei no orfanato Cristo Rei. Isso nós fazíamos durante a semana é […] uma forma de circuito de atendimento dessas instituições. E a cada uma delas nós vivenciávamos experiências diferentes, por exemplo: na cidade do garoto na Serra o […] as pessoas que eram responsáveis pelo alojamento era um casal de idosos né. E eles trabalhavam com a pedagogia realmente de punição dos alunos, utilizando chicotes, utilizando cintos para agredir o corpo dos garotos. E esses alunos, especialmente esses que iam para a Serra, eram alunos que vinham do interior de Minas Gerais, atravessavam todo o território de Minas para o Espírito Santo naqueles vagões de minério do trem da Vale do Rio Doce. Isso marcou muito a minha vida, porque dois anos depois eu estava trabalhando em sala de aula com a Educação Física. E alguns professores se queixavam da disciplina dos alunos e eu comentava com eles, é porque vocês não conseguiram vivenciar o que eu vivenciei o ano passado na FESBEM. Então foi assim, foi algo que marcou também muito para minha experiência, para que pudesse consolidar uma forma de entender que a Educação Física no espaço escolar, ela ainda tem muito a oferecer especialmente naquele período que eu passei por essas duas esferas. E, a outra experiência que se somou muito essa foi exatamente que eu trabalhei na escola antiga de coqueiral de Aracruz e

84

essa […] a escola ativa era vinculada a empresa, na época da Aracruz celulose. E eles, na forma de manter a sua produção em alta, traziam do Brasil inteiro e as vezes do exterior os profissionais mais capacitados da época. E como eles […] uma das condições que eu […] esses profissionais impunham eram que [...] oferecesse para os seus filhos é, educação, uma escola e que realmente eles pudessem se sentirem seguros que teriam uma boa qualidade de ensino. Realmente essa escola, ela na época que eu trabalhei na década de 80, antes de entrar aqui na Escola Técnica Federal. Foi exatamente uma das escolas que é […] mais conseguia realizar um planejamento coletivo. Eu lembro que todo início de ano a empresa nos obrigava a fazer o exame de saúde integral, nenhum funcionário, nenhum professor ele iniciava o ano sem ter o laudo médico de toda sua capacidade física e emocional. E logo a seguir nós passávamos por três semanas de planejamento coletivo. Os professores que trabalhavam com ensino médio, com ensino fundamental, faziam o planejamento do fundamental inicialmente e depois ia para o médio e fazia todo o planejamento, a Educação Física era considerada por ele uma das disciplinas muito importante para consolidar toda a parte cognitiva do aluno. Que ele falava que as pessoas que pensavam que fosse apenas para a escola para aprender os aspectos cognitivos do seu corpo estavam redondamente enganadas. Porque só teria sentido se houvesse uma articulação entre as suas atividades físicas, relacionais e atitudinais dentro de todo esse processo. Foi onde eu verifiquei que existia um diretor preocupado com a nossa disciplina e não só ele era preocupado como ele fazia com que todos os professores de Educação Física estudassem em seus planejamentos. E o que fosse preciso, qualquer livro, qualquer bibliografia, ele garantia e trazia no tempo e no espaço que nós estivéssemos necessitando (PROFESSOR JOSÉ).

Essas experiências nos remetem ao início de minha carreira, quando pude atuar,

por cinco anos, em uma cooperativa educacional mantida pelos pais dos alunos.

Nesse espaço, vivenciamos também experiências de planejamento e estudos

semanais acerca do Projeto Político-Pedagógico dessa escola. Assim como

sustentação teórica para o nosso trabalho, tínhamos também duas horas semanais

de estudos com toda a equipe pedagógica da escola. Esse período marcou

profundamente o início da minha docência, tal como citou o professor E1 também

no início de sua carreira.

O professor Artur demonstra com orgulho seu comprometimento, sua alegria e

prazer por ser docente de Educação Física. Chamou-me atenção o fato da

investigação feita por Day apud Day (2004, p. 101-102) em relação ao

comprometimento duradouro, ao verificarmos o que declara um educador

experiente:

Dedico-me com meu coração ao meu trabalho [...] Adoro os desafios [...] e sinto-me satisfeito ao investir totalmente neles [...] Exerço esta atividade há 27 anos e até agora nunca considerei a hipótese de mudar de trabalho, porque me comprometi a ajudar todas as crianças a realizarem o seu potencial.

85

Por um lado, ao fazermos um paralelo, pode-se perceber, de forma geral, que o

professor E7, com vários anos de docência, também declara seu comprometimento

utilizando como exemplo uma experiência com o conteúdo de natação:

[…] dos 31 anos que tenho na instituição, 18 anos foram única e exclusivamente na prática da Educação Física... Eu sempre gostei muito da minha profissão... uma experiência marcante na minha vida como professor de Educação Física em se tratando de Ifes, escola técnica federal, eu volto no tempo[...] uma turma grande de primeiro ano e que o objetivo dessa turma no primeiro ano era nadar crawl. Pocha, mas como fazer um aluno nadar crawl, aquele que não sabe e aquele que tem medo da água, aquele que se quer colocava o rosto dentro da água, no final do bimestre ele nadar crawl? Então foi uma experiência fabulosa que eu tive que me reinventar, de forma que, eu conseguisse ao final do bimestre fazer com que todos os alunos nadassem [...] Mas a gente tinha como objetivo todos nadarem. Então um bimestre era em torno de 20 a 23 aulas no máximo e todos tinham que nadar. Então foi aí mesmo que eu fui aprimorando, aprimorando, aprimorando até conseguir com exercícios eficientes, eficazes a fazer com que, quase todos os alunos, exceto aquele que tinha medo do meio líquido, mas todos aqueles que pelo menos, entravam na piscina, eles saiam no final do bimestre nadando crawl [...] Então essa experiência de você fazer um aluno nadar aí em 20 a 23 aulas e conforme o primeiro bimestre que no mês de abril de muito feriado dava menos de 20 aulas. Então você tinha que correr atrás mesmo e trabalhar com muita objetividade para atender esses alunos. Então uma coisa significante é isso, esse recriar, reinventar, não ficar abatido com a situação, mas o professor de Educação Física ressurgir dos imprevistos e contar com toda a sua vontade de forma a obter um resultado bem proveitoso no final […] A Educação Física, ela me dá prazer [...] eu sou professor de Educação Física e eu quero terminar os meus últimos dias de instituição na Educação Física (PROFESSOR ARTUR).

Por outro lado, o professor Paulo, próximo de quatro décadas de prática, também

narra sua paixão pelo ensino e o grande aprendizado adquirido no exercício de

suas funções na docência:

[…] uma carreira de 38 anos de magistério, muitos percursos né diferenciados, vividos e modificados tá. Muitos percalços, muitos aborrecimentos mas em compensação muitas e muitas alegrias tá, você saber que contribuiu na formação de um colega profissional, você saber que contribuiu na formação de um aluno como cidadão, para ele chegar depois de formado e vir aqui na sua casa e agradecer isso te alegra muito, porque você sabe que você cumpriu o seu dever como [...] educador tá. Então, eu acredito que essa experiência me modificou muito como professor e como ser humano para melhor tá. Esses anos de magistério só contribuíram também para a minha formação humana e profissional. E eu tenho uma alegria muito grande em ser professor, se eu tivesse que voltar, eu seria professor outra vez, talvez não de Educação Física tá, mas seria professor [...] (PROFESSOR PAULO).

Nessa perspectiva de formação, Day (2004) apresenta também uma forma muito

interessante de redes para a aprendizagem, com benefícios significativos tanto para

os docentes quanto para os alunos. Entre os benefícios, estão os seguintes: redução

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do isolamento dos professores; maior comprometimento em relação à missão e aos

objetivos da escola e maior vigor no trabalho para fortalecer a missão; maior

probabilidade de os professores estarem bem informados, profissionalmente

renovados para inspirar os alunos; os avanços significativos para a realização das

adaptações de ensino para os alunos e as mudanças para a aprendentes, feitos

mais rapidamente do que nas escolas tradicionais; e maior probabilidade de

empreender uma mudança essencial e sistemática.

Entendemos ainda que o Ifes pode, em longo prazo, construir essas redes de

aprendizagem.

Percebe-se que a prática reflexiva leva a alguns cuidados em relação ao ensino.

Assim, podemos constatar no olhar apresentado pelo professor José:

[…] nós podemos fazer com as pessoas possam refletir muito sobre seus hábitos né? Então eu creio que todo curso, todos os debates, que são expressivos para sua formação né, continuada, seja ela dentro de próprio espaço escolar, seja ela no entorno social em que aconteça. É são importantes para que você comece a pensar é, na sua prática. Como é que você está dando conta dessa prática né e, se realmente, essa sua atividade que está sendo partilhada com os alunos têm a comunhão deles. Até que ponto nós trazemos para o currículo é, mais fluente né, na relação professor e aluno a participação desse indivíduo. Como é que nós conseguimos fazer isso? [...] Porque que você não conversa com seus alunos para saber: quais são os seus problemas, uma aula ou duas aulas para você discutir com eles? O nosso caso por exemplo, como é que eles percebem o corpo deles, nessa conjuntura em que fast food é mais atrativo, como é que ele se relaciona como isso né? Como é que ele concebe o corpo dele dentro de uma atividade? Porque que eles rejeitam uma, porque escolhe outra? Então, eu penso que a importância da formação continuada ela gira em torno disso aí. Fazer com que haja um movimento né, como diz o Jocimar Daólio né, em sentido espiralado, em que não há por exemplo, etapismos, primeiro você aprende, aquilo, depois você aprende a técnica, depois você vai aprimorar essa técnica e depois você, quer dizer, quando é que você vai considerar o humano nessa relação toda. Eu vejo muito importante né, essa formação e essa formação na concepção ela tem que estar é imersa no nosso imaginário, no nosso cotidiano, na nossa relação com nossos colegas, com nossos alunos e fazer cada vez mais um currículo que dê conta de atender o aluno e suas necessidades. Para que a gente possa realmente, tornar de sentido e significado para a vida deles. […] Eu vejo que a minha mudança ela deveu-se muito a tudo que venho fazendo e não paro de fazer. Onde tem um debate e, se eu tenho tempo disponível eu participo dele. Dentro da minha instituição o que eu vejo que é inconcebível para minha percepção, eu procuro saber desse colega porque ele está fazendo aquilo, do jeito que está fazendo, em que ele acredita que aquilo está resultando. De forma que dê sentido para a nossa prática corporal que dê significado para o aluno, permanecer nela. Desse modo, eu creio que todos nós, sem querer deixar nenhum tipo de lição para ninguém. Mas é que vale muito a pena nós pensarmos no que estamos fazendo e também pensar em todas as circunstâncias que envolvem o aluno que está lá fora da nossa escola e quando ele está próximo da gente, nas nossas atividades. Eu digo

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que vale muito a pena você pensar e refletir sobre o que você faz. Nas suas atitudes educativas ou presumidamente educativas na concepção da maioria de todos nós (PROFESSOR JOSÉ).

Day (2004) destaca o cuidado no ensino em que é difícil imaginar um professor

apaixonado sem essa capacidade profissional e integridade e cuja principal

prioridade não seja o estabelecimento de uma ligação com os alunos, os colegas e

com ele próprio. Desta forma, a motivação, a confiança e o entusiasmo não poderão

desenvolver-se. É o que também denomina Freire (1996) de querer bem aos

educandos, afirmando que é digna de nota a capacidade que tem a experiência

pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e

o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido.

De forma semelhante ao professor José, verificamos que Rest (1986, apud DAY,

(2004, p. 157) também destaca que

As pessoas que se desenvolvem [...] são as que gostam de aprender, as que procuram novos desafios, as que gostam de ambientes intelectualmente estimulantes, as que são reflexivas, as que fazem planos e fixam objetivos, as que arriscam, as que se veem a si próprias nos vastos contextos sociais da história, das instituições e das amplas tendências culturais, as que se responsabilizam por si próprias e pelo que as rodeia.

É possível ainda destacar que os estudos sobre uma prática reflexiva podem

contribuir muito para enriquecer a Educação Física e seria um grande avanço

incorporar em nossos projetos político-pedagógicos mecanismos que possibilitem a

construção de uma prática profissional que incorpore em seu cotidiano os processos

reflexivos, de crítica, de análise da realidade (MENDONÇA, 2015).

É interessante notar que o professor José faz reflexões com base em sua prática,

com intenções claras de construir uma proposta mais significativa e contextualizada.

Ademais, simultaneamente busca desenvolver sua formação continuada:

[...] Foi interessante que em 1990, a minha especialização ela girou né, sobre o diagnóstico da Educação Física na ETEVES. Eu lembro que naquela época os professores mais antigos ficaram mais aborrecidos porque: quem são os alunos para dizer se a minha prática está ou não destoando né, frente a disciplina Educação Física? Mas não é o julgamento de valor, era realmente o diagnóstico. Nós estávamos querendo saber pelo menos a minha preocupação naquela época de pesquisador era saber até ponto que a Educação Física ela tinha significado para o aluno. E nós vimos várias distorções, os conteúdos estavam é muito voltados para as questões mais somente técnicas dos esportes, foi uma queixa dos alunos. A segunda, os professores não tratavam, alguns professores não tratavam bem os alunos né, e diga-se né, um buling esportivo, você não joga nada, você fica

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lá sentado, fica observando os outros. Terceiro ponto é a questão metodológica mesmo, fazer com que aquela atividade fosse mais prazerosa, se aproximasse da realidade, da vivência motora dos alunos, algo nesse sentido. É, em 2001, eu tratei da questão do absteismo na disciplina, foi aquilo que nós conversamos anteriormente né? Porque que os alunos se recusavam a participar das aulas de Educação Física? Mas nos momentos de lazer estavam lá nos espaços esportivos nossos, se deliciando, sorrindo, saltando né? E, foi aí que nós começamos a descobrir que realmente o trato metodológico da disciplina para com os alunos ela estava um pouco afastada da realidade, do que eles realmente estavam precisando que eram. Eu lembro que nos conselhos de classe, falavam que essa turma, essa turma é, é boa, mas aí quando começou a falar individualmente a turma já não era mais boa. Que eles conversam muito, que eles não levam nada a sério. E desses problemas eu sempre enumerava e conversava com os alunos, olha, nós discutimos lá no conselho de classe dessa turma que, estava acontecendo isso, isso e aquilo. O que a Educação Física pode fazer para ajudar vocês, normalmente eles falavam que os professores de Educação Física, eles conseguiam se aproximar mais dos alunos do que os outros professores de sala de aula. Então já que nós temos essa possibilidade, porque não construir uma atividade que seria real e que realmente leve os alunos a inclusive se perceberem também que certas inconveniências dentro da sala de aula, elas podem ser né, elas podem ser é, afastadas para que você possa ter uma convivência melhor com a disciplina, com o professor, com os outros colegas. Porque as vezes você não está interessado, mas existe alguém que esteja. De uma certa forma, você acaba fazendo com que o aluno pense um pouco também em suas atitudes dentro do próprio cenário escolar (PROFESSOR JOSÉ).

Outro professor (Artur) olha para sua experiência como gestor e confirma que

sempre procurou respeitar a autonomia dos docentes e ressalta que estes devem

respeitar o projeto pedagógico de cada curso. Em relação à Educação Física

também prefere não impor suas ideias, mas os motiva para conduzir o trabalho na

perspectiva de uma formação integral.

[…] Eu sempre busquei fazer uma gestão democrática e participativa. O que a gente faz? É encontrar com os colegas e tentar motivar de forma que eles possam ter uma prática diferenciada. Mas não dá para o gestor interferir no trabalho dos professores dentro da coordenadoria, isso eu me recuso a fazer. Os professores eles têm autonomia, nós temos definido no projeto pedagógico do curso. Eles têm que trabalhar conforme o projeto pedagógico de cada curso. É […] não dá para ficar fazendo interferência da forma como os colegas vão trabalhar dentro da Educação Física. Isso eu não faço e, isso tem que ser uma luta deles. A gente procura conversar mas de forma nenhuma fazer intervenções da forma de trabalho, isso tem quer ser definido entre eles, da forma que eles querem trabalhar, com liberdade, porém com muita responsabilidade com nossos alunos, sabemos que nós temos um objetivo a cumprir, que é formar os alunos como um ser humano total, ser humano integral. Dar uma formação omnilateral ao ser humano, esse é o nosso objetivo. Porém eu trago muita coisa da Educação Física para a gestão, a parte estratégica dos esportes coletivos, dos esportes individuais, eu trago todos para a gestão. A Educação Física ajuda muito quem está na gestão, muito, muito quem está na gestão. (PROFESSOR ARTUR).

89

Desse modo, considerando a narrativa do professor Artur e concordando com

(BHINDINI; DUIGNAN, apud DAY, 2004), as organizações não devem preocupar-se

unicamente com os resultados e os processos nem com os recursos. Devem

preocupar-se também com o espírito humano, com os seus valores e

relacionamentos. Os líderes autênticos trazem uma força de vida para o local de

trabalho e levam as pessoas a se manterem enérgicas e concentradas. Assim como

os administradores, os líderes constroem as pessoas e a autoestima deles. De

acordo com Day (2004, p. 205), “[...] os diretores das escolas têm como principal

responsabilidade construir, manter, informar e comunicar a cultura da escola”.

5.3 O CONTEXTO DO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO NA

CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES DOCENTES

Em outros momentos da história, o trabalho docente já foi percebido de maneira

muito diferente do que temos hoje. Nas primeiras décadas do século XX, devido à

crença generalizada nas potencialidades da escola e na expansão ao conjunto da

sociedade, os professores assumiam o protagonismo deste desígnio, os quais vão

investir-se de um importante poder simbólico. Nesse sentido, escola e instrução

encarnam o progresso em que os professores são os seus agentes. A época de

glória do modelo escolar é também o período de ouro da profissão docente

(NÓVOA, 1996, p. 19).

Atualmente enfrentamos outro cenário e sabemos que a entrada de um jovem na

carreira docente, numa sociedade em mudança, é difícil, conflituosa e, por vezes,

frustrante, podendo provocar uma crise de identidade em razão das crenças e

valores presentes na sociedade. Quando alguém inicia a profissão docente, teme a

falta de adequação dos seus modos de pensar e agir com os seus pares, não sabe a

quem solicitar ajuda nem mesmo relacionar os seus procedimentos (SILVA, 1997, p.

53).

Nessa perspectiva, verificamos esses conflitos também vividos por professores

antes mesmo de ingressarem no Instituto Federal do Espírito Santo.

[…] Após formado fiz concurso no estado, fui trabalhar numa escola do estado, não tinha quadra, era uma bola só para quarenta alunos e não tinha mais material nenhum. Então eu tive que reaprender a dar aula para poder

90

motivar os alunos […] (PROFESSOR PAULO).

A realidade nas periferias das grandes cidades, na maioria das vezes, apresenta

muitas carências e a população dessas localidades é afetada pelo descaso e

ausência de políticas públicas no campo da educação que atendam as suas

necessidades com uma educação de qualidade para todos. Percebemos que muitos

professores, ao saírem da universidade, ocupam esses espaços logo no primeiro

ano de docência.

[…] meninos que muitas vezes […] moravam no morro né e tinha tiroteio a noite, menino armado já foi para a minha aula armado, de deixar o revólver do meu lado entendeu. Não tinham tênis, o uniforme de Educação Física era um calção, tirava a camisa para não suar a camisa para voltar para a sala de aula […] (PROFESSOR PAULO).

A distância existente entre a escola pública, principalmente nos bairros onde

predomina um poder aquisitivo muito reduzido, e a universidade durante o processo

de formação contribui para o jovem professor questionar sua formação, ao defrontar

tamanha diferença entre o vivido na universidade e a nossa realidade encontrada.

[…] Faltou aproximação com a realidade social. É verdade, a gente vivia num clube lá, tá entendendo, era uma maravilha, piscina, campo de futebol, quadra de esporte, ginásio fechado para o basquetebol, é […] ginástica olímpica fechada né, recreação, um teatro né. E quando eu fui para trabalhar profissionalmente eu me vi sozinho tá, tudo que eu tinha aprendido lá, tive que readaptar para as condições que me eram apresentadas (PROFESSOR PAULO).

Para Silva (1997), esse choque com a realidade14 surge como se, da noite para o

dia, o jovem docente deixasse subitamente de ser estudante e caísse, sobre os seus

ombros, uma responsabilidade profissional cada vez maior, para a qual percebe não

estar preparado. A autora entende que os docentes que se iniciam na profissão

aprendem a gerir esses dilemas próprios da sua atividade profissional sem que se

tornem numa fonte de frustrações, ansiedades ou, em última análise, desmotivação

profissional. É necessário que encontrem apoio na própria escola, ajudando-o na

sua formação por meio de um trabalho conjunto com um supervisor. No estudo

realizado por Mendonça (1997), também acontece o choque com a realidade no

primeiro ano de docência na escola.

O conhecimento adquirido na universidade, na maioria das vezes, forneceu-me subsídios para trabalhar em clubes, clinicas ou academias. As questões que dizem respeito a Educação Física escolar não foram desenvolvidas na mesma proporção. As metodologias de trabalho aprendidas não vinham ao

14

Ver detalhes em SILVA, M. C. O primeiro ano de docência: o choque com a realidade. 1997.

91

encontro da proposta educacional da escola em que trabalhava. Passei a viver uma outra fase, negando os conhecimentos voltados para uma proposta de Educação Física “Tecnicista”. Percebi, então, que era necessário refletir e estudar como trabalhar numa escola que não usava métodos de ensino tradicionais [...] (MENDONÇA, 1997, p. 2-3).

Retomando as questões narradas pelo professor Paulo, verificamos que a realidade

encontrada por ele também não pode contar com o apoio de um supervisor para

ajudá-lo a pensar suas práticas e dificuldades na busca de soluções em conjunto, ao

fazer, sozinho, as adaptações necessárias ao desenvolvimento do seu trabalho.

[...] Eu fui, eu fui lendo, fui buscando [...] fui vendo como que eu poderia trabalhar através de exercícios é para poder motivar a aula [...] mas depois eu fui me adaptando e me tirou da zona de conforto, me faz pensar, me coloquei no lugar daqueles alunos e a gente conseguiu ficar lá durante quatro anos diariamente trabalhando com quarenta meninos e uma bola (PROFESSOR PAULO).

Percebemos que o esporte era o conteúdo que predominava nas escolas naquele

momento, no qual o professor narrador 5 inicia a sua carreira. O que acontecia com

os demais conteúdos, como os jogos, as brincadeiras, a ginástica? Os cursos de

licenciatura não ofereciam outras possibilidades de conteúdos no contexto escolar,

além do esporte? Entendemos ser essa uma questão pertinente à discussão acerca

dos conteúdos da Educação Física na escola, porém não é objetivo deste estudo

aprofundar nessa temática.

No contexto do Instituto Federal do Espírito Santo, local de trabalho dos sete

docentes colaboradores deste estudo, apresenta-se um quadro de 41 docentes ao

todo, divididos em 21 campi. Entendemos que seria muito significativo trocar

experiências, promover estudos, encontros, para falar das dificuldades no campus

de atuação de cada um. Esse tipo de inciativa poderia fortalecer muito mais as

práticas docentes e, da mesma forma, o ensino ganharia em qualidade. Quando o

docente chega ao Ifes, mesmo trazendo experiências na bagagem, não está isento

de encontrar desafios e barreiras de diferentes naturezas, seja na relação com os

demais servidores, seja no processo de ensino e aprendizagem do desenvolvimento

dos seus conteúdos específicos. Muitos que chegam encontram uma estrutura física

favorável para desenvolver o seu trabalho, e o material para as aulas já não é mais

problema.

[...] Quando eu vim aqui para a escola agrotécnica eram quarenta alunos na minha turma e uma bola para dois. Eu trabalhava com vinte bolas de voleibol, vinte bolas de basquete, vinte bolas de futebol, vinte bolas de

92

futsal, então eu fiquei numa zona muito confortável. Porque aprendi muito saindo da faculdade tá e depois para onde eu fui me deram condições de trabalho tá. É difícil você ter uma praça de esportes igual aqui do IFES Campus Itapina [...] (PROFESSOR PAULO).

Nota-se que a boa infraestrutura encontrada no Ifes vai constituindo um aspecto

positivo em pertencer ao quadro de docentes dessa instituição.

[...] nós encontramos aqui no nosso campus estrutura boa para trabalhar né […] estamos iniciando ou melhor iniciando no ano passado esse novo [...] trabalhar com o nosso projeto político, novas ementas das disciplinas né. Isso nos permite atuar de forma mais clara, ter de forma mais clara qual que é exatamente a nossa atuação, enquanto professor de Educação Física. Acredito que positivamente a estrutura que nós temos aqui nos permite fazer um trabalho de qualidade (PROFESSOR GABRIEL).

Por um lado, essa descoberta traduz o entusiasmo dos começos, a experimentação,

a exaltação por ter uma classe e um programa pelos quais é responsável e fazer

parte de um corpo profissional. Esse é um aspecto positivo para muitos professores

e ajuda a superar os problemas relacionados com a sobrevivência15 (LOUREIRO,

1997, p. 122). Por outro lado, existem aqueles professores que, em virtude das

tensões geradas pelas relações interpessoais, se sentem desvalorizados na

instituição, mesmo com muita experiência como docente. “[…] eu acho que poderia

ter sido mais valorizado como profissional, não como professor de Educação Física,

mas dentro da escola. Tanto pelos colegas como pela equipe pedagógica […]”

(PROFESSOR PAULO).

Entendemos como Nóvoa (1996) que a desvalorização atinge todo o professorado:

uma crise que se arrasta por longos anos e não se vislumbram perspectivas de

superação em curto prazo. Entre as consequências da situação de mal-estar citadas

pelo autor, estão a desmotivação pessoal e elevados índices de absenteísmo e

abandono chegado a uma atitude de desinvestimento e de indisposição constante.

No entanto, entre os professores de Educação Física colaboradores deste estudo,

não percebemos nas narrativas nenhuma reação de mal-estar nas dimensões

expostas pelo autor.

Percebemos que as narrativas destacadas em relação à boa estrutura física são de

15

Termo utilizado por Huberman (1992) op cit. Loureiro (1997) para referir-se ao resultado da confrontação inicial com a complexidade da situação profissional, fato designado de “choque com o real”.

93

docentes lotados em campi mais antigos que já possuem essa estrutura favorável.

Porém, identificamos que muitos campi mais novos ainda não contam uma estrutura

física adequada para as práticas da disciplina Educação Física.

No que diz respeito às relações entre os docentes e demais servidores, percebemos

as tensões surgidas no espaço de trabalho, o que é normal, considerando que as

pessoas têm concepções diferentes e isso promove visões divergentes em relação à

educação e à Educação Física. Acreditamos que o Ifes não está isento dessas

tensões que surgem das relações estabelecidas entres as diferentes áreas de

atuação. Assim, os professores apresentam formas diferentes de enfrentar os

conflitos e também ganhar credibilidade no ambiente de trabalho dentro do Ifes.

[…] A Educação Física, ela não era muito conceituada dentro do conselho de classe. Quando a gente ia falar, a gente sentia que não havia uma credibilidade muito grande mesmo com a nossa experiência lá fora. Então o que eu fiz? Eu fui fazer pedagogia [...] fiz administração escolar […] Ai sim, eu passei a ser, no meu conceito, eu passei a ser mais valorizado pelos colegas e eu era ouvido [...] as minhas sugestões eram valorizadas […] (PROFESSOR PAULO). […] eu vejo às vezes uma parte da descriminalização em relação a prática da Educação Física [...] (PROFESSOR ARTUR).

Portanto, entendemos que faltam elementos para comprovar realmente que o fato de

o professor ser mais valorizado no espaço escolar está associado aos cursos feitos

por ele ou a uma mudança de argumentos utilizados, ao se impor diante dos demais

servidores. Porém, essa foi uma maneira encontrada pelo docente para ganhar

credibilidade e concomitantemente ocupar outros espaços, assumindo novos

desafios e responsabilidades.

E aí eu fui é galgando coordenações, assessorias, direções né, só não fui diretor geral [...] Eu consegui fazer alguma coisa em prol da educação dentro da escola tá. Quando você é ouvido, você consegue, quando você é acreditado, você consegue mudar alguma coisa. Então onde que eu passei eu consegui fazer mudanças positivas até hoje elas são valorizadas por aqueles que estavam junto comigo, os ex alunos. Então eu acho que foi muito produtiva essa vivência de trinta anos dentro do Instituto Federal do Espírito Santo, antiga agrotécnica (PROFESSOR PAULO).

Entendemos que a Educação Física como disciplina obrigatória do núcleo comum do

currículo da educação básica já possui elementos suficientes para o professor

justificar sua importância como componente curricular na escola. Nesse sentido, o

professor Artur tem um olhar diferente na condução das suas ações e argumenta

com os conhecimentos próprios do professor de Educação Física: “[...] nós temos

94

que cada vez mais estarmos posicionando positivamente, fazendo ações positivas

dentro do nosso ambiente de trabalho, que nós seremos reconhecidos […]”

(PROFESSOR ARTUR).

Dessa forma, reconhecemos que o professor de Educação Física, dentro do Instituto

Federal do Espírito Santo, vem se afirmando como profissional também capaz de

atuar em outros espaços que vão muito além do ensino na sala de aula.

[...] nós temos até reitores professores de Educação Física. Mas eu não acredito que esses colegas chegaram a ser reitor e diretor-geral de campus simplesmente, sem se posicionar criticamente, se posicionar sem ter uma agenda de ações positivas onde eles atuam [...] (PROFESSOR ARTUR).

Para ocupar o espaço de forma significativa no contexto do Instituto Federal do

Espírito, o professor só terá êxito assumindo ações e atitudes positivas e

posicionando-se de forma cada vez mais crítica. À medida que demonstra

conhecimento por meio de seus argumentos em diferentes espaços de discussão

dentro da instituição, vai expandindo sua credibilidade com trabalho de qualidade. O

reconhecimento chegará antes que quaisquer atitudes preconceituosas em relação à

Educação Física.

Então é preciso que nossos colegas professores de Educação Física tenham ações, atitudes positivas para conseguir se posicionar, não sofrer com processo de descriminalização [...] é preciso que nós professores de Educação Física tenhamos uma posição marcada [...] Nós temos que ter atitude, nós temos que ter ação, ação positiva, nós temos que fazer [...] Nós temos que fazer muito mais que dar aula, nós temos que movimentar toda estrutura do campus[...] (PROFESSOR ARTUR).

Os caminhos percorridos nesse processo de afirmação vêm ocorrendo por

diferentes frentes de trabalho, sejam na perspectiva da formação continuada,

mediante as próprias experiências vividas dentro da instituição e projetos

tecnológicos, sejam na participação e organização de eventos esportivos nos

âmbitos estadual, regional e nacional.

Chama-nos a atenção o modo pelo qual a formação continuada se apresenta ante

as necessidades surgidas na prática com o aspecto educativo da atuação do

profissional. “[…] minha tese de doutoramento [...] eu trabalhei muito as questões do

cotidiano escolar do profissional em relação ao que ele fazia, se ele acreditava

naquilo que ele estava fazendo num fator mais educacional ou menos educacional”

(PROFESSOR JOSÉ).

95

Percebemos que os professores, ao falarem de trabalho e inovação, assumem

também como formação continuada e destacam quanto é significativo as investidas

dessa natureza. As experiências vividas na realização de práticas inovadoras são

consideradas de grande relevância para o processo de formação.

[…] Recentemente nós fizemos uma tecnologia assistiva no laboratório com professores de Cuba, Austrália, EUA, Canadá, Portugal, Nova Zelândia e Rússia, fazendo apresentação de trabalho [...] falei em português mas existia uma professora que traduzia os trabalhos para essas pessoas [...] Foi muito importante esse processo da formação continuada […] (PROFESSOR JOÃO).

Essas experiências na formação continuada contribuem para entender melhor a

prática pedagógica, tornando-a mais significativa e rica. Além de superar a

dificuldades do dia a dia, a vontade de inovar promove um sentimento de busca

constante e, consequentemente, mais experiências profissionais, repercutindo

diretamente na prática pedagógica.

Os projetos realizados com pessoas incluídas na prática esportiva são uma

realidade que ganha muita repercussão nos cenários estadual e nacional.

[…] Nós temos hoje, nas portas para as olimpíadas [...] nosso grupo paralímpico três atletas classificados paralímpicos e dois é […] que chamam de guia, então cinco pessoas dentro do nosso projeto classificados para as olimpíadas. Nós acreditamos que eles estarão lá, se Deus quiser [...] (PROFESSOR JOÃO).

Nota-se que é comum, entre os professores do Instituto Federal do Espírito Santo, a

organização e realização de eventos esportivos intercampi nos contextos estadual,

regional e nacional.

[...] eu peguei e encabecei essa ideia, presidi a primeira reunião [...] aqui em Vitória, não existia no Brasil e nenhuma outra região esses jogos. Então a região sudeste foi a primeira que deu o pontapé inicial para começar a fazer essas etapas. Criamos o antigo JIFETES que hoje se transformou em JIF regional […] (PROFESSOR FRANCISCO).

A organização, realização e participação nos jogos são práticas marcantes no

Instituto Federal do Espírito Santo. Nesse sentido, são mobilizados diversos setores

internos e externos à instituição, desde a reitoria até os setores de apoio em geral.

[…] é o maior evento da rede federal dentro da área de Educação Física. Não existe um outro evento, nem na área federal. É o evento de maior magnitude que existe na rede federal de ensino, principalmente na rede de institutos federais. Não existe um evento maior do que esses nossos jogos, se você contar as etapas intercampi, estaduais, regionais e nacionais [...] (PROFESSOR FRANCISCO).

96

A estabilização16 docente vivida no Instituto Federal do Espírito Santo é uma marca

comum em razão do grau de satisfação alcançado na instituição, mesmo após

décadas de trabalho dedicadas à instituição.

[...] eu vou retornar para trabalhar com a Educação Física com 55 anos de idade [...] com trinta e três anos de instituição, comecei com vinte e dois anos de idade [...] A minha cabeça, ela vai estar muito mais aberta, feliz, com aquela sensação de voltar para lecionar Educação Física, como se fosse o primeiro dia […] E com uma experiência adquirida ao longo desses anos [...] a minha experiência de vida ao longo desses anos vai ser benéfica [...] para o profissional de Educação Física que vai voltar à sala de aula [...] (PROFESSOR ARTUR).

A satisfação alcançada na carreira por todas as experiências vividas leva o professor

à conclusão de que também foi feliz nas decisões tomadas, ou ao menos foram

pensando em solucionar os problemas da melhor forma possível, na tentativa de

responder às questões que angustiavam e provocavam inquietações surgidas no

momento, chegando hoje ao final, com amplas perspectivas de permanecer na

docência com a mesma garra, com a mesma pretensão de fazer o trabalho ainda

melhor, em razão de todos os aprendizados colhidos ao longo da carreira.

Nesta fase, os sentimentos em relação às competências pedagógicas mais

frequentes são responsáveis pela sensação geral de segurança, descontração,

confiança e conforto. Consequentemente, é uma fase em que os indivíduos que a

vivem experimentam sentimentos de agrado e satisfação (LOUREIRO, 1997, p.

123).

Desde a entrada dos professores no Instituto Federal do Espírito Santo para atuar no

ensino médio profissionalizante até os dias de hoje, passou muito tempo, em alguns

casos mais de 30 anos. As experiências vividas por eles ultrapassam, em muitos

momentos, a sala de aula. O fato de estarem em uma instituição escolar, atualmente

presente em 21 municípios do Espírito Santo, com recursos públicos do governo

federal, vai proporcionando experiências diferenciadas de outros estabelecimentos

escolares em razão do que se nota: a diferença entre os recursos liberados e a

menor quantidade de escolas com o caráter de ensino médio profissionalizante.

16

Expressão utilizada por Huberman (1989) op. cit. Loureiro (1997), para dizer que a escolha pessoal e subjetiva do ensino é o compromisso entre indivíduo e a instituição.

97

Ao longo das narrativas, percebemos o envolvimento dos professores em outras

funções possíveis de ocupar, pelo que entendemos, exatamente devido às

oportunidades existentes em razão da diversidade de funções no Ifes. Essa

diversidade não existe em outras instituições com oferta de ensino médio. Por

conseguinte, as experiências vão caracterizando os professores com uma

especificidade peculiar ao Ifes.

Nesse sentido, entendemos que ser docente no Ifes, ao longo do tempo, apresenta

diferenças em relação aos docentes que ocupam outros espaços no ensino médio

na iniciativa privada, ou pública, nos âmbitos municipal e estadual, ou até mesmos

em outras instituições de ensino mantidas também pelo governo federal, como os

colégios de aplicação mantidos pelas universidades federais.

Compondo essas especificidades, identificamos a atuação em cargos de gestão:

coordenação de cursos; coordenação de área de ensino, gerência de ensino;

direção-geral; organização de jogos no âmbito nacional; regional e nacional; o

contato com professores de diferentes campi; encontros periódicos em eventos

esportivos; utilização de estrutura física adequada; material didático em boa

quantidade e qualidade; oportunidade de formação continuada com afastamento

remunerado; Educação Física com carga horária garantida no currículo; participação

em diferentes comissões de trabalho dentro da instituição; contratação em regime de

dedicação exclusiva; projetos de ensino, pesquisa e extensão; estabilidade para

construir carreira; liberdade para trabalhar o esporte com diferentes abordagens,

seja no trato pedagógico, seja no treinamento.

Nesse contexto, até o final da carreira, o professor vivencia experiências

diversificadas que vão além da sala de aula, passando por vários cargos e funções e

estabelecendo essas especificidades presentes na vida do professor no Ifes.

Acreditamos que, por ocuparem esses espaços no Ifes, esse fato vai fazendo do

professor um profissional com habilidades diferentes daqueles que ocupam espaços

no ensino médio, o que deve ser reconhecido como possibilidades diferentes para o

crescimento profissional.

98

Ainda nesse contexto, ensino médio e ensino profissionalizante como meta de um

mesmo curso vêm se mostrando também um espaço de tensões, muito em razão de

uma série de questões: formação docente, falta de projeto definido e construído no

coletivo, concepções de educação e mundo, diversidade de áreas do conhecimento

somadas às divergências em relação aos objetivos do ensino médio

profissionalizante.

[…] Nós da Educação Física ou talvez os professores de história também pode estar passando pelo mesmo problema, que nós estamos no meio [...] da maioria de nossos colegas hoje, são engenheiros, são engenheiros, então eles veem que o importante é a disciplina deles, é o curso que ele fez. Eles não tem, não adianta a gente cobrar de todos os nossos colegas que tiveram uma formação cartesiana que ele olha no sentido omnilateral, não adianta. Então é preciso que nós professores, principalmente nós professores de Educação Física tenha uma posição marcada onde ele esteja. Nós não podemos baixar a guarda, baixar a nossa cabeça para mim para outro tipo de profissão [...] (PROFESSOR ARTUR).

Por um lado, percebemos, entre os licenciados, algumas divergências em relação

aos objetivos do ensino médio com educação profissionalizante e seus métodos de

ensino na formação dos alunos; por outro, profissionais não licenciados que também

ocupam o espaço como docentes e vivem uma relação tensa que ainda parece

longe de terminar. Os acordos e entendimentos visando à melhor formação para os

alunos são um longo desafio a ser enfrentado.

Entendemos que essas especificidades marcam a carreira docente daqueles que há

mais tempo, ou ainda nem tanto, já registram como característica de quem ocupa o

espaço da docência no Instituto Federal do Espírito Santo.

5.4 O ESPORTE

O esporte como um dos componentes curriculares da Educação Física no ensino

médio ocupa espaço com destaque nos diferentes campi do Instituto Federal do

Espírito Santo. Para compreendermos esse componente no ensino médio integrado

no Ifes, com base nas narrativas dos docentes responsáveis pela condução do

processo de ensino e aprendizagem, seria coerente buscarmos outros estudos que

fizessem referência a Educação Física no ensino médio integrado no Ifes e demais

instituições que ofertam tal modalidade de ensino.

99

Porém, ao fazermos esse levantamento de estudos anteriores, não encontramos

experiências externas ao Ifes que pudessem auxiliar no diálogo com outros autores

que trazem especificamente as questões referentes à discussão em torno do esporte

como conteúdo da Educação Física numa escola profissionalizante.

Nesse sentido, mediante a compreensão dos desafios e necessidades específicas

para o ensino médio integrado, utilizaremos o referencial que mais se aproxima da

formação geral colocada como possibilidade na referida etapa da educação básica

articulada a uma área do trabalho. Sendo assim, é pertinente utilizarmos, nas

análises, as discussões e estudos no ensino médio relativos ao esporte

(ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, 2006; ASSIS, 2001;

COLETIVO DE AUTORES, 1993).

A influência do esporte sobre a educação física tem um grande crescimento após a

Segunda Guerra Mundial, assumindo papel hegemônico da cultura corporal. É o

período do fim do estado novo e o avanço no processo de urbanização com o

desenvolvimento industrial e dos meios de comunicação de massa no Brasil.

Observa-se como importante para o avanço dessa influência a difusão do método

denominado Educação Física Desportiva Generalizada, criado pelo Instituto

Nacional de Esportes da França que chega ao Brasil por volta dos anos de 1940

(ASSIS, 2001).

Os professores unanimemente afirmam, em suas narrativas, o trabalho com o

esporte, tanto em aulas quanto em treinamentos, conforme percebemos abaixo:

Aqui no ensino técnico integrado eu tenho trabalhado com a questão das equipes de treinamento, mais especificamente a questão do atletismo e atuo nas turmas com a prática da Educação Física com a questão do atletismo. E quando eu entrei no instituto há alguns anos eu trabalhava na modalidade de natação, voleibol, basquete, handebol, passando por várias modalidades da área da Educação Física (PROFESSOR JOÃO).

Percebemos que o trabalho com o conteúdo de diferentes modalidades esportivas e

o treinamento das mesmas é uma prática adotada pelos professores no Instituto

Federal do Espírito Santo. O esporte no contexto do Ifes recebe atenção com maior

destaque, comparado com outros conteúdos da Educação Física no ensino médio.

100

Nesse sentido, precisamos analisar nossas práticas em relação aos diversos

conteúdos do currículo do ensino médio. Ou seja, será que esgotamos nossas

possibilidades de trabalho somente com a oferta do esporte? Nosso papel, na

qualidade de professores de Educação Física, está restrito à oferta de um conteúdo

em detrimento dos demais?

O advento da esportivização proporcionou à Educação Física escolar alguns

modelos de aulas que eram, sobretudo, cópias das tarefas de iniciação e

treinamento esportivo. No caso do ensino médio, ficou configurada a existência de

aulas pautadas no ensino de gestos determinados pela performance de alguns

atletas; a fixação do gesto, assimilado pela repetição; o aprimoramento técnico e

tático; a formação de equipes para competições. Ou seja, o objetivo era único: ser

atleta em algum nível técnico possível, em qualquer conteúdo da Educação Física.

Em geral, o ensino de esportes aparecia nas modalidades mais conhecidas na

escola: futebol, voleibol, basquetebol e handebol (ORIENTAÇÕES CURRICULARES

PARA O ENSINO MÉDIO, 2006, p. 231-232).

Esse modelo adotado desde os anos de 1960 no Brasil parece ainda não superado

nos currículos de ensino médio. O esporte ainda é um componente curricular de

maior atenção no ensino médio integrado do Ifes.

A crítica feita à esportivização da Educação Física, no contexto das escolas de

ensino básico no Brasil, é absorvida também pelos docentes do Ifes, provocando

algumas reflexões que resultam em atitudes diferentes na prática de cada um.

Nesse sentido, o professor José destaca como esse processo de análise da crítica

feita por profissionais considerados progressistas vai processar-se dentro do Ifes.

[...] E essa crítica que era velada pelos autores mais progressistas. É ele também influenciou bastante, a nossa prática uma vez que, muito embora uma corrente não estava totalmente favorável porque consideravam que os críticos eles não tinham tanta vivência do esporte e que o esporte também não traria tanta é, tanto isolamento dos alunos com relação as questões políticas [...] que nenhum atleta aqui sairia profissional e nem era a nossa pretensão, pelo menos a minha, senão de fazer com que a Educação Física fosse um instrumento que viesse né, colaborar com as atitudes mais saudáveis em que as pessoas pudessem usar o seu corpo para outros fins. E aquele que tivesse mais disponibilidade, que tivesse mais sucesso na vida esportiva pudesse seguir sua carreira, caso fosse o seu desejo […] (PROFESSOR JOSÉ).

101

De acordo com Assis (2001), o esporte exerce grande influência sobre a Educação

Física, fortalecendo-se ainda mais após a Segunda Guerra Mundial e afirmando-se

como elemento hegemônico da cultura corporal. Estabelece ainda, como importante

para o avanço dessa influência no Brasil, a difusão do método denominado

Educação Física Desportiva Generalizada, criado na França e aqui chegou por volta

dos anos de 1940.

Percebemos que, com base nesse modelo, a formação docente nessa época era

toda voltada para uma perspectiva tecnicista.

Eu lembro que nesse período [...] tinha que ter toda essa conotação técnica ou de aperfeiçoamento, ou de aprofundamento. E, eu sentia, quer dizer hoje eu percebo que o impacto […] todo aquele conhecimento que eu obtinha, nada mais era que fortalecer e consolidar as expectativas anteriores, de ser um bom técnico, porque eu aprendi na faculdade ser um bom atleta de Educação Física. Eu não era considerado um professor de Educação Física tão pouco um acadêmico de Educação Física. Mas um atleta que ia se formar com conhecimento de todas as regras, todas as técnicas da disciplina natação, atletismo, judô, basquete, vôlei, handebol, ou seja, eu tinha que ser exímio atleta para poder para ser um exímio professor [...] (PROFESSOR JOSÉ).

Nessa perspectiva, fica mais fácil compreendermos as razões por que o esporte é

amplamente valorizado dentro das práticas da Educação Física, desde a antiga

Escola Técnica de Vitória (ETV)17 até os dias de hoje, no Instituto Federal do Espírito

Santo.

Nota-se que, ao verificar o que é feito com o ensino do esporte e as críticas a ele

atribuídas e ao adotar o modelo esportivista, depende muito da visão e concepção.

Acreditamos que esse é um fator determinante na forma de conduzir o ensino dos

esportes na escola, principalmente no ensino médio integrado, onde a formação

deve ser geral, e não genérica.

O professor José destaca a preocupação com os rumos do esporte ensinado e

praticado Ifes, ao procurar promover, dentro da escola, discussões e debates que

possam modificar seus objetivos e metodologia, ampliando os conhecimentos e

dando novos sentidos a docentes e discentes mediante uma nova prática.

17

O Instituto Federal do Espírito Santo já recebeu diferentes denominações: em 1942, Escola Técnica de Vitória (ETV); em 1965, Escola Técnica Federal do Espírito Santo (ETFES); em 1999, Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo (Cefetes); e, em 2008, Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).

102

[...] o próprio esporte escolar, ele também não procurou assumir a sua parte. Com muita luta, eu tentei fazer agora de 2012 pra cá, nos jogos da nossa rede, que os profissionais, principalmente da nossa rede, tivesse um olhar sobre o esporte como um de forma que fosse possível discutir um novo caminho para que nós pudéssemos fazer o nosso esporte. Se aproximar mais do nosso aluno sem aquela pressão toda de ter que lutar para ser campeão, ser o primeiro, mas é dar uma aprimorada em todas as suas discussões para que nós utilizássemos até mesmo a Educação Física é em favor de uma preparação inicial para esse aluno é sabendo que ele podia um dia defender as tradições de sua escola, se assim a gente pode dizer, ou mesmo experimentar o lado mais amplo da prática corporal que era vivenciada nas aulas de Educação Física os colegas que hoje estão assumindo sabe que a luta tem que ser em torno disso [...] (PROFESSOR JOSÉ).

Entendemos, conforme narrativa acima, que o ensino do esporte, enquanto um dos

componentes curriculares da Educação Física, deve ser vivenciado por todos sem

nenhum impedimento. O tratamento pedagógico vai muito além dos aspectos

técnicos e táticos, passa por conhecimentos das transformações desses elementos,

assim como pelo empoderamento do grande capital, ao tornar o esporte uma prática

comercial por meio do esporte rendimento/espetáculo, para que o aluno o entenda

com toda sua complexidade.

Dessa forma, a escola precisa reconquistar os valores que privilegiam o coletivo

sobre o individual, defender o compromisso da solidariedade e respeito humano e

compreender que jogo se faz a dois e é diferente jogar com o companheiro e jogar

contra o adversário (COLETIVO DE AUTORES, 1993).

O esporte como prática social que institucionaliza temas lúdicos da cultura corporal é

projetado numa dimensão complexa de fenômenos que envolve códigos, sentidos e

significados da sociedade que o cria e também pratica. Desse modo, deve ser

analisado em vários aspectos para determinar a forma como deve ser tratado

pedagogicamente no sentido de esporte da escola, e não como esporte na escola

(COLETIVO DE AUTORES, 1993).

Nesse sentido, tal como a escola, o esporte não serve de forma absoluta à

reprodução da sociedade capitalista; no entanto, para não ficar apenas no plano das

possibilidades formais, examinar as possibilidades reais de o esporte ser uma ou

outra coisa. Assim, é importante saber das potencialidades pelas suas

características intrínsecas e pelo seu papel econômico e político, com tendência

103

maior a que projeto se ajusta melhor (ASSIS, 2001).

Para Bracht (1992, apud ASSIS, 2001), é preciso entender que as atitudes, normas

e valores que o indivíduo assume por meio do processo de socialização pelo esporte

estão relacionados com sistemas de significados e valores mais amplos, para além

da situação imediata do esporte.

Desse modo, realmente o esporte educa. Porém, a educação aqui significa levar o

indivíduo a internalizar valores, normas e comportamento com possibilidade de

adaptação à sociedade capitalista. Em outras palavras, é uma educação que leva ao

acomodamento, e não ao questionamento. É uma educação que ofusca e impede

uma visão mais clara sobre as contradições da sociedade capitalista (BRACHT,

1992, apud ASSIS, 2001).

Compartilhamos com o professor José a necessidade de repensar a prática do

esporte, mediante a formação que se dá por meio da própria prática e da

participação constante em discussões que tratem do assunto. O instituto Federal do

Espírito Santo tem como perspectiva também oferecer formação aos profissionais da

Educação Física de outras instituições, em nível de especialização em esportes

coletivos indoor.18

[...] como palestrante, como ministrante de oficinas, de cursos preparatórios de novos profissionais. E atualmente como professor do curso de pós-graduação do Instituto Federal da área de esportivos coletivos indoor né, os esportes como basquete, vôlei, futsal e handebol. Eu vejo que a responsabilidade que assumimos ao trabalhar com o profissional que está ávido a entrar no cenário do esporte escolar é uma responsabilidade muito grande. Isso nos faz repensar muito a nossa prática e o que realmente esse esporte pode trazer para a formação desses novos profissionais (PROFESSOR JOSÉ).

A presença do esporte às práticas da Educação Física é muito marcante no Ifes,

resultando na oferta de uma pós-graduação na área de esportes coletivos. Isso

demonstra uma grande relação com esporte também nas aulas de Educação Física

no ensino médio integrado.

Percebemos que existe um interesse no esporte, numa perspectiva renovadora, por

18

São esportes praticados em um ambiente fechado, como um ginásio.

104

meio das práticas no ensino médio integrado. Esse compromisso pedagógico, com a

maneira de conduzir o processo de ensino e aprendizagem nessa modalidade de

ensino, vai contribuir muito para as discussões na formação daqueles que atuam na

pós-graduação.

A tradição esportiva no Ifes se confirma na narrativa abaixo.

[…] criamos o JIFETES que hoje se transformou em JIF regional. Isso foi assim […] copiado por outras regiões por outros estados [...] eu posso afirmar com toda certeza que é o maior evento da rede federal dentro da área de Educação Física […] É o evento de maior magnitude que existe na rede federal de ensino, principalmente na rede de institutos federais. Não existe um evento maior do que esses nossos jogos, se você contar as etapas intercampi, estaduais, regionais e nacionais (PROFESSOR FRANCISCO).

Entendemos a importância e relevância dos jogos nos âmbitos estadual, regional e

nacional, assim como tudo que representa para quem participa desse processo. Mas

isso não significa que não podemos pensar os jogos em outras perspectivas e

ampliar a participação dos discentes. Para participar desse processo, existe uma

seleção dos melhores e exclusão de muitos outros, mesmo que desejem participar.

Considerando que os jogos fazem parte da proposta pedagógica da Educação

Física, a participação de todos os alunos deveria ser garantida, desde que o aluno

manifeste interesse e os jogos tenham o mesmo caráter de importância que as aulas

no dia a dia da escola.

Nesse sentido, precisamos pensar nas seguintes questões: é possível ofertar a

prática do esporte para todos os alunos matriculados no Ifes? Os jogos contribuem

para a formação dos alunos numa perspectiva crítica e humana conforme as

finalidades da instituição? A proposta está afinada com a reprodução do esporte

institucionalizado ou com os princípios educativos mais humanos, numa formação

além dos aspectos técnicos e táticos da prática do esporte?

A forma como os conteúdos são tratados nas escolas, nas últimas décadas, acabam

por torná-las formas esportivas/competitivas por excelência, deixando de priorizar

outros temas e perspectivas de formação próprios da Educação Física. Os

conteúdos, em sua maioria, desde jogos populares até danças de salão, foram

transformados em práticas de disputas, com regras formalizadas e

105

institucionalizadas, oferta de torneios e premiação aos melhores. Nesse sentido, os

temas gerais da escola e os específicos da Educação Física ficaram a serviço do

processo de esportivização da comunidade escolar. Essa maneira esportiva de lidar

com os conteúdos acabou por transformar a competição como princípio das relações

educativas. Desse modo, a competição ganha tal força como se essa fosse a única

maneira de promover a formação das pessoas, em especial os nossos jovens

(ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, 2006).

No modelo que prioriza a esportivização da Educação Física, a comunidade escolar

parece vê-lo realmente como a única maneira de promover a formação dos alunos

por meio do esporte. Essa reação equivocada da comunidade escolar é percebida

na narrativa abaixo.

[…] Quando você monta uma equipe, você vai competir e você vai ver o resultado [...] a gente não é muito valorizado com aula [...] parece que a gente não consegue colocar para os outros qual a importância da nossa disciplina. Infelizmente quando você vai compete e mostra resultados, que ganha troféu, medalha né, que é um símbolo, parece que é aí que os outros conseguem ver os resultados da gente [...] (PROFESSORA MARIA).

Esse pensamento pressupõe um aprendizado do esporte em que o domínio dos

elementos técnico-táticos e as precondições fisiológicas para a sua prática assumem

claramente que a finalidade a ele atribuída é somente a vitória na competição,

colocando-o como fim em si mesmo. Porém, o papel do docente vai além desses

elementos na condução de um processo de ensino e aprendizagem mais rico e

significativo para o discente.

Percebemos que as funções docentes se misturam diante da perspectiva de

educação esportivizada, criando uma confusão nos papéis assumidos, sem

incorporar as questões mais amplas na formação dos alunos.

[…] como técnico de natação chegou num ponto que [...] saturou, saturou devido à dificuldade de intervenção durante a competição [...] Então depois eu fui [...] ser técnico de handebol por uma questão, fui atleta de handebol [...] o técnico é mais participativo. No esporte coletivo, nós que gostamos temos uma participação, por substituições que se fazem, mudando o sistema de jogo, isso você consegue mudar totalmente o panorama de uma partida fazendo substituições e mudando sistema de jogo. Ou seja, o técnico é mais atuante (PROFESSOR ARTUR).

Entendemos que o docente adota funções externas à escola, ao assumir o modelo

da esportivização e ao reproduzir o comportamento do esporte institucionalizado

106

com as características, valores e significados do referido modelo.

Nesse sentido, o Ifes, especificamente os docentes de Educação Física, pode refletir

sobre as seguintes questões: somos professores em todos os momentos que

trabalhamos com os alunos? Faz sentido ser técnico em alguns momentos e

professores em outros, quando os alunos são os mesmos? O papel do técnico

supera as responsabilidades do professor? Nossa entrada não se deu por meio de

concurso público para ser professores de Educação Física do ensino básico?

Ao refletirmos sobre essas questões, poderemos entender melhor a dinâmica

curricular, no âmbito da Educação Física, que tem características bem diferentes da

esportivização. Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de

forma de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da

história, exteriorizada pela expressão corporal. O esporte é uma dessas expressões

que podem ser identificadas como forma de representação simbólica da realidade

vivida pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas

(COLETIVO DE AUTORES, 1993).

Esperamos que o Instituto Federal do Espírito Santo veja o esporte como prática

social que institucionaliza temas da cultura corporal e se projeta na dimensão

complexa do fenômeno que envolve códigos, sentidos e significados elaborados na

sociedade que o cria e o pratica. Assim, deve ser analisado nos seus diferentes

pontos, em que podemos verificar a forma em que deve ser abordado

pedagogicamente nessa instituição de ensino, buscando o sentido de esporte da

escola, e não o esporte na escola.

Considerando o esporte uma produção histórico-cultural, subordinado aos códigos e

significados que lhe imprime a sociedade capitalista e, dessa forma, não pode ser

afastado das condições a ela inerentes, principalmente no momento em que se

atribuem valores educativos para justificá-lo no currículo escolar, acreditamos que as

características que o moldam, exigência de máximo rendimento físico, norma de

comparação do rendimento que idealiza o princípio de sobrepujar, regulamentação

rígida e racionalização dos meios e técnicas, revelam que o processo educativo por

ele provocado reproduz inevitavelmente as desigualdades sociais. É, portanto,

107

considerado uma forma de controle social, pela adaptação do praticante aos valores

e normas dominantes defendidas para uma suposta ordem e desenvolvimento da

sociedade (COLETIVO DE AUTORES, 1993).

Questionaremos suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e

cultural da comunidade que o cria e recria, no momento em que aceitamos o esporte

como fenômeno social. O papel do Ifes é transformar a comunidade, e suas

preocupações com o desenvolvimento social não podem ficar restritas somente aos

aspectos técnicos, sem considerar a complexidade dos fenômenos envolvidos.

Entendemos que o Instituto Federal do Espírito Santo precisa recuperar e fortalecer

os valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, principalmente na oferta de

práticas esportivas; assumir o protagonismo na defesa, o compromisso da

solidariedade e respeito humano, a compreensão de que o esporte se faz

coletivamente e de que é diferente jogar com o companheiro e jogar contra o

adversário; fortalecer o entendimento de que só é possível avaliar como o

conhecimento foi apropriado pelos discentes nas experiências vividas como o outro.

Um programa que abarque o esporte nesta perspectiva se apresenta por meio da

oferta, do conhecimento que permita aos alunos criticá-lo no contexto

socioeconômico-cultural e político. Acreditamos que o conhecimento deve promover

a compreensão de que a prática esportiva deve ter o significado de valores e normas

que garantam o direito à prática do esporte a todos, e não somente aos mais

habilidosos.

Nesse programa, é necessário que o ensino do esporte não se esgote nos gestos

técnicos. Estabelecer um limite para o ensino dos gestos técnicos não significa

retirá-los das aulas de Educação Física, mesmo porque eles fazem parte do ensino.

Dessa forma, dizer que o aluno possui conhecimento de determinado esporte não é

suficiente para que ele domine somente os seus gestos técnicos.

Esperamos que o Ifes, aos poucos, avance ainda mais nas questões relativas ao

fortalecimento da Educação Física e ao ensino do esporte em seus diversos campi.

Compartilhamos um projeto que promova uma escola mais alegre, lugar de

108

conquistas pessoais e coletivas: uma escola viva onde se aprende coletivamente,

lugar de construir conhecimentos com protagonismo de todos os envolvidos, de

forma espontânea, como destaca a narrativa abaixo.

[...] Eu acho que o diretor inteligente ele valoriza a Educação Física na escola. Porque o aluno que gosta de praticar esporte, o aluno que joga pela escola, o aluno que vai para a Educação Física entendeu, que veste a camisa da escola para competir com as outras escolas, ele passa valorizar ainda mais né. E quando ele valoriza mais, ele fala bem, ele vive bem dentro da escola, ele se sente bem, ele gosta de vir para a escola e fica tudo mais fácil para ele no cotidiano. Então eu acho a Educação Física de suma importância para o cotidiano da escola entendeu. A escola fica mais alegre né, a escola fica mais sadia, não é só sala de aula, conteúdo, como também acho que tem que ter artes, tem que ter a parte lúdica, a escola que ter uma parte lúdica (PROFESSOR PAULO).

5.5 O ENSINO MÉDIO INTEGRADO

[…] Que essas narrativas, elas convertam em uma nova luz que atravesse um novo caminhar. E que nós entendamos que a Educação Física, ela não é só importante não, ela é necessária para o nosso jovem. Cada dia está ficando mais interessante, especialmente nessa fase de ensino médio integrado [...] (PROFESSOR JOSÉ).

Aceitando o desafio de analisar e compreender as experiências profissionais dos

docentes de Educação Física do Instituto Federal do Espírito Santo, assim como as

repercussões nas aulas de Educação Física no ensino médio integrado, iniciamos o

diálogo com os professores com base em suas narrativas. Esperamos, com isso,

encontrar novos caminhos que permitam obter algumas respostas que nos auxiliem

a pensar o ensino médio integrado como modalidade de formação geral articulada a

uma área de trabalho.

Partimos da compreensão de que as leis são elaboradas como novos discursos que

devem impulsionar a sociedade em determinada direção, mas podem ser entendidas

de diferentes formas. Verificamos, nesse caso, o Decreto n.º 5.154/2004, que é alvo

de controvérsia sobre sua oportunidade e sobre sua efetividade para alimentar a

prática. O referido decreto, no art. 4.º, § 1.º, inciso I, prevê que uma das formas de

“[...] articulação entre educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio

dar-se-á de forma integrada [...]” (FRIGOTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 16).

As angústias em relação a uma compreensão mais clara sobre o que é o ensino

médio integrado surgem na narrativa abaixo.

109

[...] o aluno nosso aqui, estuda três anos [...] Ele tem dezoito disciplinas por dia. Ele não dá conta de estudar 100% a matemática para ser um técnico [...] Fica pesado […] Então, qual o objetivo da nossa escola? É formar o técnico. Então, as pedagogas elas batem muito nessa tecla, elas não estão erradas. Mas também a gente fica naquele conflito né, que eles vão ter que ir para o curso superior [...] (PROFESSORA MARIA).

Nesse sentido, entendemos que o ensino médio integrado, em primeiro lugar, não

tem caráter propedêutico. Constitui uma nova forma em que procuramos integrar

uma sólida educação geral sem ser genérica, científico-tecnológica e sócio-histórica

densa, articulada a conhecimentos vinculados a uma área de trabalho que permita

ao jovem uma inserção menos subordinada às relações entre capital e trabalho,

podendo com isso construir sua autonomia com mais facilidade.

Sabemos que a integração entre educação básica e educação profissional ainda não

é unanimidade entre os estudiosos no assunto aqui no Brasil. Portanto, as dúvidas

nesse campo se apresentam como inquietações na prática do docente.

[…] o meu mestrado foi sobre a educação profissional e, eu acabei acompanhando essa transição da educação profissional para o ensino médio integrado à educação profissional. E eu acredito o seguinte: o Instituto Federal do Espírito Santo, ainda não sabe o que é ensino integrado tá. Mas as experiências assim positivas eu posso falar que eu ainda não consegui dentro do ensino médio integrado. Por que, quando fui coordenador geral de ensino, mesmo trazendo várias pessoas para falarem sobre o ensino técnico integrado, eu não consegui passar isso para a maioria dos professores (PROFESSOR PAULO).

A preocupação do professor é muito pertinente, porém não é só o Instituto Federal

do Espírito que ainda apresenta dificuldades para implementar uma proposta efetiva

para essa modalidade de ensino. As dificuldades se espalham por todo o Brasil,

porque essa é uma modalidade ainda nova, conforme Decreto n.º 5.154/2004.

Considerando as dificuldades e limitações, podemos acreditar na possibilidade de

fazer um trabalho de qualidade na escola, com base na proposição de um

adequado projeto político-pedagógico, construído com a participação de toda a

comunidade escolar, que destaque e trabalhe as divergências e contradições, de

modo a construir esse projeto por meio do diálogo e consensos possíveis, para

fornecer o trabalho pedagógico.

Os professores Maria e Paulo apresentam dúvidas e possibilidades sobre o que

fazer para que suas práticas atendam ao ensino médio na perspectiva da

110

integração com o ensino profissional, no que se refere às diferentes disciplinas,

mais especificamente à Educação Física.

[...] eu entendo que o técnico integrado, a Educação Física teria que trabalhar para a formação desse técnico, não é para formar isoladamente [...] ensinar handebol, basquetebol e tal. Mas o que o handebol e o basquetebol está ajudando na formação do técnico agrícola [...] o desafio que eu vejo maior é esse, entendeu, o conteúdo. O conteúdo da nossa prática entendeu, o conteúdo da Educação Física não sei se ele está sendo adequado. Eu acho que ele teria que estar direcionado envolvendo mais o aluno e que eu percebo é que está isolado entendeu. Eu não sei se os outros campi, o IFES todo eles são técnicos integrados [...] Qual o conteúdo adequado para o meu técnico agrícola na disciplina Educação Física? (PROFESSORA NARRADORA 4).

As dúvidas da professora são pertinentes e simultaneamente ela busca respostas

com o intuito de melhorar sua prática, isto é, um passo fundamental nessa busca.

Nesse sentido, ao falar do conteúdo, entendemos que, ao abordar o esporte, fica

restrito aos seus aspectos técnicos e táticos. Existe a possibilidade de ampliarmos

os conhecimentos dos alunos em relação às modalidades esportivas na perspectiva

da formação geral? Qual o papel da Educação Física como disciplina presente no

currículo do ensino médio integrado? Quais os conteúdos a serem tratados? O

Instituto Federal do Espírito Santo já dá conta dessas questões? Esperamos

encontrar algumas respostas no decorrer das discussões.

O professor Paulo sugere que, para trabalhar na perspectiva da integração, suas

práticas com o conteúdo do esporte sirvam de observação para o aprendizado de

outras disciplinas no seguinte processo.

[…] Passa por esse processo, por exemplo: O professor de Física levar a turma dele para uma aula minha de basquetebol entendeu, os movimentos da bola no arremesso, a força da bola num drible tá, então colocar isso em prática dentro da Educação Física tem-se condição de trabalhar de Física, com Matemática, com Português [...] só que é difícil você tirar alguém da zona de conforto, você pegar uma sala de aula com quarenta alunos assentados, quadro-negro, data show, agora com data show e tudo fica mais fácil pegar essa turma para assistir uma aula de basquetebol, uma aula de futebol, dar para a pessoa fazer anotação […] (PROFESSOR PAULO).

Percebemos, nas narrativas dos professores Maria e Paulo, algumas preocupações

em relação à ideia de ensino médio integrado e aos conteúdos e contribuições da

Educação Física como disciplina curricular nesse contexto. Podemos pensar o

ensino médio integrado e a Educação Física diferentemente do que foi exposto, mas

com intuito de encontrarmos respostas às nossas inquietações.

111

A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente

pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de fazer, dirigir ou

planejar. Pretende superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto

operacional, simplificado, livre dos conhecimentos que estão na sua gênese

científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Uma formação humana

que busque oferecer ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a

uma formação completa visando à leitura do mundo e à atuação como cidadão

pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Nesse

sentido, a formação supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos

os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 85).

Superando a ideia de um ensino meramente técnico, entendemos que a Educação

Física ocidental moderna, historicamente, tem ensinado o jogo, a ginástica, as lutas,

a dança, os esportes. Dessa maneira, esses são os conteúdos clássicos, persistiram

através do tempo para se fixarem como elementos da cultura, como linguagem

singular do homem no tempo. Portanto, as atividades físicas tematizadas pela

Educação Física se afirmam como linguagens e comunicam sempre sentidos e

significados da passagem do homem pelo mundo. Compreendemos que se trata de

um acervo, um patrimônio que deve ser tratado pela escola. A contribuição da

Educação Física, nesse caso, será pôr os alunos diante desse patrimônio da

humanidade (SOARES, 1996).

Nesse sentido, tão importante quanto a decisão dos professores de ensinar ou não

um determinado esporte, dança, ou jogo, entre outros, é pensar que sentidos e

significados são atribuídos a esse esporte, dança ou jogo pelos alunos nas aulas de

Educação Física. Que significados culturais estão presentes em um jogo de futebol?

Em um jogo de bocha? Em uma brincadeira de roda? Em uma dança de rua? O

tratamento pedagógico dado a essas e outras questões da cultura se reflete

diariamente nas possibilidades de formação dos alunos e dos professores

(ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO, 2006, p. 226).

Nesse sentido, Kuenzer (2000) aponta a possibilidade de o professor de Educação

Física desenvolver projetos que atuem em múltiplos tempos e espaços, com

diferentes professores nas áreas de comunicação integrando linguagem do corpo às

112

demais linguagens: com o de química, estudando as reações do organismo; com o

de física, estudando movimentos; com o de biologia, estudando saúde, ecossistema,

preservação ambiental, mas também organizando atividades esportivas, estudando

movimentos, articulando a escola à comunidade, organizando projetos interidades

nas áreas de saúde, recreação e preservação ambiental e participando de projetos

com os demais professores, e assim por diante. Desse modo, faz-se educação

integral em uma escola prazerosa.

Nota-se que a Educação Física, na perspectiva das práticas corporais construídas e

modificadas historicamente como conteúdos, articulada ao ensino médio integrado,

é uma área de pesquisa que começa a ser enfrentada e precisa ganhar destaque

necessário, fortalecendo ainda mais o Instituto Federal do Espírito Santo como

instituição de ensino de qualidade.

O professor Artur entende ser um processo complexo a efetivação do ensino médio

integrado, passando ainda pelas deficiências na formação docente dos que já atuam

nessa modalidade de ensino.

[...] é um tema espinhoso e complexo […] como eu já disse da falta que se tem é [...] da formação para ser professor e você discutir projeto de curso técnico integrado com quem não tem formação é uma coisa uma tanto quanto complexa. Eu confesso a você que a [...] o integrado antigo não era integrado na minha visão de integrado e o integrado atual também ele deixa a desejar enquanto integração das partes. Hoje a gente melhorou um pouco a integração entre os componentes curriculares com vista a formação do aluno. Mas ainda tem muito a melhor, tem muito a melhorar, porque o ensino técnico integrado que eu penso, penso ele ainda está um pouquinho a quem daquilo que a gente realiza [...] Então, nós já conseguimos alguma evolução, mas eu acho que ainda tem uma parte né, que ainda se torna a sequência de conteúdos sem fazer realmente uma integração com os demais. Isso aí ainda é uma parte que vai ter amadurecer muito, muito, muito, muito, tem que trabalhar muito a formação continuada dos docentes de forma que melhore […] são inquietudes que a gente tem também, voltando lá a pesquisa da ideia de trabalho, como cobrar uma formação diferenciada por nossos professores para ele fazer diferente com nossos alunos se não foi formado para dar aula? [...] ele chega aqui e reproduzindo a mesma coisa que ele viu na universidade [...] Nós temos que formar acima de tudo são trabalhadores, mas trabalhadores conscientes de seu papel perante a sociedade, trabalhadores que vão transforma o meio onde que eles vão atuar [...] eu acho que nosso curso técnico [...] para chegar nessa formação omnilateral ele vai ter ainda que mudar um pouco ainda e mudar principalmente a formação, a cabeça de nossos professores, colegas que aqui lecionam (PROFESSOR ARTUR).

Ao pensar numa nova política educacional para o ensino médio integrado, é preciso

que consideremos as exigências necessárias para que tal ensino constitua uma

113

mediação fecunda para a construção de um projeto de desenvolvimento com justiça

social e efetiva igualdade; portanto, uma democracia e cidadania substantivas, de

forma que simultaneamente responda aos imperativos das novas bases técnicas da

produção, preparando para o trabalho complexo (FRIGOTTO, 2005, p. 73-74).

Nessa perspectiva, o ensino médio deve ser politécnico, e não dualista, que articule

cultura, conhecimento, tecnologia e trabalho como direito de todos e condição da

cidadania e da democracia de forma efetiva. “Não se trata de uma relação, pois,

linear como o mercado de trabalho, mas mediada, sem o que não se cumprem os

dois imperativos: de justiça social e de acompanhamento das transformações

técnico-científicas do mundo do trabalho” (FRIGOTO, 2005, p. 74).

O ensino médio integrado é uma proposta que começa a acontecer, Como é uma

proposta nova, sua concepção curricular e prática docente precisam ser construídas

nesse processo. Nesse sentido, não temos elementos ainda para fazer uma

avaliação dessa proposta. Porém, precisamos de fato construir essa proposta

também com base na consideração de que os institutos federais têm abraçado essa

causa, mas precisam voltar-se para essa clientela. Isso significa outras formas de

seleção para não privilegiar apenas os extratos de classe média que miravam os

institutos federais com caráter propedêutico, devido ao reconhecimento social de

considerá-las escolas públicas de excelência e ao fato de os filhos da classe média

não terem, em outros espaços, essa possibilidade de formação. Entendemos que é

preciso levar em conta esse fato para sua afirmação como escola de qualidade, e

não negar essa possibilidade. Porém, o que se pretende com essa nova proposta é

integrar uma formação científico-tecnológica à cultura e ao trabalho de tal maneira

que o jovem, o adolescente ou o adulto que já trabalham tenham condições de ser

menos explorados nas relações de trabalho no mundo capitalista.

[...] A maioria pensa realmente é que o mundo [...] o mundo é esse e eu vou formar para esse mundo. Eu vou trabalhar para os meus alunos de forma que ele encare o mundo do jeito que ele é [...] fazer toda uma propaganda e deixando com que esse aluno está aí no mercado do mundo produtivo [...] nas garras do sistema capitalista [...] Eu sei que o mundo é esse, o mundo é capitalista. Mas se a gente não fizer dentro da escola algo para mudar esse mundo que aí está as coisas cada vez mais caminharão [...] hoje eu vejo que a crise está aí, nós estamos passando por uma situação, mas os grandes investidores estão morrendo de rir […] encheram o bolso de dinheiro e foram embora e deixarem todos os destroços para o povo brasileiro realizar, reinventar, ressurgir das cinzas [...] Então se a gente não fizer algo dentro aqui da escola, dentro das instituições de ensino de forma

114

que os nossos futuros trabalhadores comece a ver o mundo diferente e comece a trabalhar a cabeça do trabalhador no sentido de revolucionar de transformar a sociedade[...] (PROFESSOR ARTUR).

As preocupações narradas pelo professor Artur em relação à formação docente para

atuar no ensino médio integrado são pertinentes por ser assunto ainda muito

complexo, visto que o perfil das licenciaturas são discussões que se arrastam por

décadas sem sucesso, no Brasil. Por quê? Existe um entendimento equivocado de

que basta o domínio de conteúdos para lecionar, os professores fazem uma boa

faculdade como se fossem bacharéis, fazem três ou quatro disciplinas pedagógicas

nos cursos de educação e entendem que já estão preparados para o exercício do

magistério. Isso não é verdade, tanto que os resultados têm sido muito ruins. O

problema é menos de domínio de conteúdos e mais da forma metodológica de

passar esses conteúdos para os alunos, de trabalhar com os alunos. Tanto é

verdade, que a aula expositiva continua sendo a prática pedagógica que predomina.

Os desafios da formação docente adequada para atender ao ensino médio integrado

são imensos, considerando que os professores não são formados nos cursos de

pedagogia, são formados nos cursos de licenciatura que resistem a qualquer

mudança no modelo que, há mais de 40 anos, é hegemônico. Portanto, os cursos de

licenciatura hoje não preparam os docentes para atuar no ensino médio integrado,

até porque essa é uma realidade nova. A formação docente é ainda mais

preocupante, quando pensamos na reformulação dos cursos de pedagogia que, de

acordo com as novas diretrizes curriculares, restringe a formação apenas de

professores para a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental.

Portanto, a pedagogia atualmente não trabalha com a educação do jovem e do

adulto, e as licenciaturas estão focadas no conteúdo e desconsideram essa

realidade.

[...] Isso aí, não foi aprendido na faculdade, as pessoas não trazem essa bagagem, entendeu, muitas vezes a gente está repetindo o que os nossos professores deram pra gente na faculdade a gente repete na sala de aula, porque deu certo com a gente e vai dar certo com os outros tá (PROFESSOR PAULO).

Percebemos, no entanto, que, apesar das deficiências na formação, algumas

inciativas são realizadas no Ifes, no intuito de buscar diálogo com profissionais

externos ao instituto e na tentativa de implementar na prática uma proposta de

115

ensino médio integrado.

[…] Eu só vi Frigotto, Marise e Ciavatta dando palestras [...] eles atrás de uma mesa né e a gente assentado no auditório. Eu queria eles mostrassem isso pra gente. Eu estou citando os três porque, me fugiu o nome de outros agora [...] eu gostaria que eles mostrassem pra gente na prática [...] uma professora que eu trouxe [...] Eu trouxe ela pra dar uma palestra pra gente sobre o ensino integrado, então ela colocou na prática pra gente […] foi em fevereiro que eu trouxe, quando eu era coordenador geral de ensino. Quando chegou em dezembro já se esqueceu tudo, nós voltamos a velha rotina, porque era mais fácil, a gente já sabia de cor aquilo ali. Por isso eu falo tem que se insistir nisso daí tá. Então eu acredito que tem sim (PROFESSOR PAULO).

Compartilhamos com o professor Paulo esse desejo de continuar persistindo e

concordando com Kuenzer (2000), ao afirmar que seria ingenuidade, um equívoco

teórico imaginar a escola como uma ilha do paraíso, imune à lógica capitalista, em

que alunos e professores, não contaminados pela lógica de mercadoria, fizessem a

revolução. Ou mesmo imaginar, como muitos ainda o fazem, que é possível esperar

do governo uma proposta verdadeiramente democrática com conteúdo efetivamente

popular. Apesar das limitações, é possível fazer um trabalho de qualidade, numa

perspectiva de formação geral sem ser genérica, na escola, com base na proposição

de um adequado projeto político-pedagógico, construído com a participação de todos

os segmentos da comunidade escolar, que explicite e trabalhe as divergências e

contradições de modo a construir, no debate, consensos possíveis que forneçam

uma direção para o trabalho pedagógico.

Entendemos a necessidade de construir práticas que, ao menos, criem a

possibilidade de inovar, fazendo algo diferente e aproximando-se daquilo que

poderia ser uma integração de conteúdos. Assim, o professor Paulo clama pela

ampliação das discussões, formação e preparação dos docentes do Ifes, na tentativa

de melhorar as práticas numa perspectiva que melhor atenda os alunos. Sugere e

questiona, mediante suas vivências, algumas possibilidades para promover a

integração no Ifes.

[...] nós temos que nos vestir com humildade, colocar no calendário do Instituto Federal de Educação,

19 datas [...] quatro datas e trazer, santo de

casa não faz milagre, trazer pessoas capacitadas de fora para palestrar pra gente sobre o ensino médio integrado, colocando isso na prática, não só falar teoria, teoria a gente já sabe. Como contextualizar o ensino médio integrado entre três disciplinas, quatro disciplinas entendeu. Como fazer essa integração na prática, não na teoria. Levar a gente para campo, por exemplo: pegar um professor de matemática é [...] levar ele lá para a oficina

19

O professor faz referência ao Instituto Federal do Espírito Santo.

116

mecânica para ele dar uma aula lá, tirar ele do conforto dele. Pegar um professor de Física entendeu, levar ele pra unidade de processamento de leite pra ele dar uma aula de calor. Isso é integração? Não sei. Mas são essas ideias que a gente tem que colocar em prática senão o professor de Física vai falar sobre calor lá na sala de aula de Física. O professor de leite vai falar sobre leite lá, o professor de Física vai falar sobre mecânica lá na sala dele, a oficina de mecânica, o professor de mecânica vai dar a aula dele lá, tudo fragmentado [...] (PROFESSOR PAULO).

Compreendemos os apelos feitos pelo professor Paulo, os quais são pertinentes.

Porém, antes que consigamos resolver as questões relativas aos métodos de ensino

no médio integrado, será preciso uma organização da educação, da cultura e da

ciência, do ponto de vista dos que vivem do trabalho ou dele são excluídos.

Para isso, de acordo com Kuenzer (2000), o primeiro passo será a definição, por

meio da organização de toda comunidade escolar, das finalidades do projeto da

escola, com base num bom conhecimento da realidade da escola e da localidade

onde se insere, de modo a atender às necessidades dos alunos e às condições de

inclusão no mundo do trabalho. Com apoio nessas definições, desenvolver um

trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia intelectual e ética, assim

como o domínio dos princípios que regem a ciência contemporânea, as formas

tecnológicas, as diferentes linguagens, inclusive a sempre esquecida linguagem do

corpo e o conhecimento sócio-histórico. Portanto, é preciso superar a centralidade

dos conteúdos de modo a resgatar a dialeticidade entre conhecimento e método, por

meio do estabelecimento de práticas significativas em que o aluno assume

protagonismo de sua aprendizagem que o leve a se relacionar efetivamente com o

conhecimento, de forma individual e coletiva, desenvolvendo a capacidade de

trabalho intelectual, de criatividade, de avaliação de respostas originais para

problemas novos e articulando conhecimentos de diferentes áreas.

Percebemos que é unânime entre os docentes colaboradores deste estudo que o

caminho ainda a percorrer, e principalmente no que se refere às práticas docentes

no ensino médio integrado, é repleto de desafios.

[…] Qualquer profissional que se […] trabalhar numa instituição de cunho profissionalizante, vai encontrar muitos desafios [...]. Para o profissional da área de Educação Física, eu vejo como grande desafio é encantar o aluno para a percepção de corpo de forma não meritocrática, preconceituosa, que alguém é gordinho, é baixo, é que você tem perfil para ser atleta de salto em altura, para fazer isso ou fazer aquilo. Mas que ele seja olhado de uma forma humana, o seu corpo seja olhado de uma forma integral [...] seguem

117

como cidadãos do mundo […] levar esse aprendizado para a vida […] o grande desafio da prática pedagógica nesse ensino, é o professor repensar a sua prática. E junto com o aluno, eu acredito muito na teoria do Paulo Freire: não existe nenhum aluno desprovido de conhecimento prévio. É você trabalhar com ele e ver até onde que ele pode alcançar o seu maior desejo, que é ser uma pessoa dotada de boas percepções na vida. Se vai ser ou não campeão só o tempo dirá (PROFESSOR JOSÉ).

Nota-se que os desafios observados na narrativa acima apontam várias frentes de

trabalho, na tentativa de alcançarmos resultados mais significativos no ensino médio

integrado. O primeiro deles que identificamos é a necessidade de um novo olhar

para as pretensões da Educação Física, seu significado como disciplina presente no

currículo e principalmente um novo olhar em relação ao aluno. O aluno é sujeito

ativo e protagonista do processo de ensino e aprendizagem, o que favorecerá

melhor apropriação dos conhecimentos adquiridos.

O segundo desafio envolve outros cuidados, não menos importantes, que é a

questão da meritocracia. Entendemos que esse cuidado deve ser observado durante

toda a caminhada, pois pode tornar-se uma armadilha pedagógica, ao promover os

supostamente melhores, excluindo os demais. A meritocracia pode esconder

relações de classe e passar despercebida pelo docente se não forem criadas, de

fato, situações em que todos possam participar das atividades apresentadas durante

todo o processo que envolve a Educação Física dentro da instituição.

Nesse sentindo, precisamos refletir todos os nossos projetos de ensino no Instituto

Federal do Espírito Santo sobre a participação dos alunos. Por exemplo: os Jogos

Escolares do Instituto Federal do Espírito Santo é uma realidade na nossa instituição

e muitas vezes justificado pela sua importância educativa. Porém, todos têm a

oportunidade de participar? Como podemos repensar os jogos para torná-los mais

significativos numa perspectiva do direito ao esporte como lazer? Quem não foi

selecionado para representar seus campi, tem outras oportunidades para vivenciar a

prática esportiva promovida também pela Educação Física? E as outras

manifestações culturais que devem ser trabalhadas pela Educação Física, como

estão sendo apresentadas?

Percebemos todos esses questionamentos, ao nos referirmos à necessidade de

perceber o aluno na forma integral, como cidadão de direitos, e os conhecimentos

118

adquiridos na escola não podem ser desprovidos de significado e sentido à vida do

aluno, também depois da escola. Compartilhamos esses questionamentos e

entendemos também a necessidade de o professor repensar sua prática

constantemente.

Na narrativa abaixo, percebemos que o desafio também passa pela necessidade de

romper com preconceitos em relação à intencionalidade pedagógica da Educação

Física.

[...] o propósito que nós temos como desafio é desmistificar a ideia do aluno sobre a intencionalidade pedagógica da Educação Física. Eles muitas vezes passam pelo ensino fundamental numa concepção de Educação Física despretensiosa em termos pedagógicos. Alguns até dispensados das atividades práticas corporais e quando eles chegam no nosso universo, no ensino médio, no ensino técnico profissionalizante, nós temos como desafio mostrar o outro lado da Educação Física para ele. Que ela pode ser uma ferramenta de fundamental importância para suas percepções corporais, que existe uma intencionalidade educativa que permeia a prática da Educação Física nesse cenário. E que eles aqui poderiam aprender muito uma gestão corporal responsável para que eles carreguem para toda a sua vida, porque quando eles entrarem na sua fase laboral onde eles realmente estiverem trabalhando, eles vão começar a perceber as necessidades de ter uma gestão de corpo mais responsável né. E eu creio que este é o grande desafio que nós estamos enfrentando aqui. Além também de desmistificar a ideia que o esporte tem que ser um campeão [...] Nós temos que tentar junto com os meninos, construir uma ideia de prática coletiva em que seja abordada de […] na perspectiva da inclusão e na percepção das individualidades corporais. Onde o meu colega de equipe ele tem as limitações dele, mas ele tem o mesmo desejo que eu tenho, que é praticar. Se eu tenho o desejo de ser melhor, ele quer apenas praticar. E cabe a nós profissionais tentar aproximar a ideia de que a pessoa não precisa ser melhor, ela precisa melhorar-se a cada prática em que a gente está despontando para que ele se revele como uma pessoa que esteja dentro de um universo em que aceite o outro como seu parceiro e não somente como adversário (PROFESSOR JOSÉ).

Nessa perspectiva, pretender mudar o sentido da Educação Física no ensino médio

integrado significa também superar o modelo da racionalidade técnica presente

ainda no instituto. Entendemos a necessidade de fortalecer as relações humanas e

ampliar as discussões numa perspectiva humanista na formação de discentes e

docentes.

Trata-se de um campo que nos desafia, levando em consideração ainda a falta de

consenso na construção de propostas de integração entre educação básica e

educação profissional tanto no Brasil como nos países mais desenvolvidos.

119

Entendemos que a forma de educar os jovens para o mundo do trabalho depende

muito do desenvolvimento das forças produtivas de cada país. No Brasil existe uma

situação muito peculiar, embora acreditemos que todos os jovens deveriam estar em

escola média politécnica, porém não vinculada imediatamente ao mundo do trabalho

no sentido da profissionalização. A realidade brasileira mostra uma sociedade divida

em classes sociais, a maioria dos jovens brasileiros em classes de poder econômico

reduzido, o que acarreta sua inserção precoce no mundo do trabalho. Existem no

Brasil muitas crianças trabalhando, jovens trabalhando sem nenhuma remuneração,

sem nenhuma proteção social. Por isso, a realidade no Brasil é distinta da dos

países desenvolvidos. Em razão disso, a proposta do ensino médio integrado é para

atender às necessidades brasileiras. Entendemos que precisa voltar-se para

responder a uma educação mais focada nas necessidades dos trabalhadores, na

perspectiva de respeito dos seus direitos no Brasil.

120

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De quais modos os professores de Educação Física do Instituto Federal do Espírito

Santo olham para suas experiências no ensino médio integrado e avaliam a sua

repercussão na prática pedagógica?

Buscamos analisar e compreender essa e outras questões com ela relacionadas no

percurso da investigação. As considerações feitas aqui podem ser vistas como

temporárias, representando algumas das possíveis interpretações e análises, da

mesma forma, questionamentos e dúvidas.

Desde a concepção do projeto desta investigação, nas definições e nas

delimitações do objeto de estudo, nas escolhas metodológicas, nos caminhos

teóricos percorridos, percebemos a complexidade das questões e das análises que

demandavam: por um lado, por tratar-se de questões cujas dimensões subjetivas

estavam presentes; por outro, por tentarmos incansavelmente manter uma atitude

investigativa que evitasse, de nossa parte, certa parcialidade nas análises, em

razão de a investigação ter ocorrido no mesmo espaço da nossa atuação

profissional. Além disso, era preciso considerar a proximidade entre objeto de

estudo e as nossas próprias experiências profissionais.

O roteiro que gerou todo o estudo foi baseado nas seguintes questões: a) as

experiências mais significativas construídas na carreira profissional no ensino

técnico integrado; b) as experiências profissionais menos significativas construídas

na carreira profissional no ensino técnico integrado; c) a formação inicial e a

repercussão nas experiências profissionais; d) a formação continuada e a

repercussão nas experiências profissionais; e) os desafios da prática pedagógica no

ensino técnico integrado; f) os percursos profissionais vividos e modificados no

decorrer da carreira.

Diante da vasta gama de práticas e experiências apresentada em relação às

questões ligadas às experiências profissionais, tomada como central no estudo,

decidimos enfatizar as experiências profissionais. Focalizamos as experiências

profissionais dos professores construídas em suas histórias de vida e histórias

121

profissionais, não deixando de considerar as experiências anteriores àquelas

ocorridas no Instituto Federal do Espírito Santo.

As escolhas e procedimentos metodológicos foram definidos pela natureza do

nosso objeto. Nesse caso, a opção pela orientação teórico-metodológica com

elementos da etnometodologia foi utilizada por diferentes razões: a) porque essa

vertente da Sociologia se volta para a compreensão das formas de comportamento

constituídas pelos sujeitos em seu cotidiano; b) porque permite a análise das ações

e interações construídas pelos sujeitos; c) porque compartilhamos a ideia de que as

experiências profissionais como fatos sociais são construções práticas.

As orientações etnometodológicas permitiram mobilizar a entrevista narrativa como

coleta de dados. Esse instrumento favoreceu as análises e interpretações

articuladas dos diferentes campos teóricas por nós explorados.

Nossa incursão aos campos da formação docente, formação inicial e continuada em

Educação Física foi realizada no intuito de dialogar com a literatura e conhecer

como a questão da experiência é abordada no ensino técnico integrado. Além disso,

na produção específica da Educação Física, tivemos a intenção de mapear as

principais temáticas estudadas em torno da problemática das experiências

profissionais no ensino técnico integrado. Nesse mapeamento, não encontramos

trabalhos voltados para a questão central que investigamos.

A opção por estudar as experiências profissionais dos professores de Educação

Física no ensino técnico integrado no contexto do Instituto Federal do Espírito Santo

foi construída com base nas indagações surgidas nas relações e interações

regulares em cada evento, seja em reuniões pedagógicas, seja na organização de

eventos esportivos ou na realização desses eventos. A cada evento realizado, um

grande desejo surgia, ao notarmos que parte representativa dos 41 docentes de

Educação Física efetivos no Ifes apresentava uma longa trajetória de experiência

nesta instituição de ensino.

As ações realizadas pelos professores nos diferentes projetos e eventos, dos quais

também compartilhamos, motivavam questões relacionadas com as concepções e

122

modos de olhar para suas práticas no contexto do Ifes. Questionávamos por

exemplo: a) a possibilidade de explicação para determinadas atitudes, ao decidir

por um conteúdo ou outro em relação às aulas de Educação Física; b) a concepção

de Educação Física para justificar as práticas pedagógicas; c) a maneira como a

formação inicial e continuada tem interferido no cotidiano profissional; d) a forma

como os professores constroem suas experiências.

Antes mesmo de iniciarmos o mestrado, na condição de aluno especial, por meio

das disciplinas Filosofia da Educação e Educação Inclusiva e, posteriormente já

efetivo nas disciplinas Epistemologia da Educação Física e Metodologia de

Pesquisa Qualitativa, tivemos acesso às leituras nos campos da Educação e

Educação Física. Os estudos realizados em cada uma dessas disciplinas

favoreceram a construção de uma reflexão de cunho pedagógico sobre as nossas

experiências profissionais, que foi marcando espaço na construção e reconstrução

do objeto de pesquisa.

Os primeiros questionamentos foram delimitados e pensados como possibilidades

concretas para elaboração de um projeto de dissertação. Nesse processo,

registramos os primeiros diálogos com a professora orientadora, nos quais

falávamos das questões identificadas em nossa experiência como professor do

ensino médio integrado do Instituto Federal do Espírito Santo. Nessas falas, muito

motivados, revelávamos o que pretendíamos pesquisar, e a professora, de maneira

bem objetiva, dizia: Esse é o seu objeto de estudo.

Ao ouvirmos essa frase, sentimos certo alívio, transformado rapidamente em um

sentimento de que o caminho a percorrer seria longo; porém, tínhamos a

compreensão de nossas inquietações no campo, assim como a elaboração de um

estudo relevante no campo das experiências profissionais dos docentes do ensino

médio integrado.

Ao percebermos as diversas e amplas indagações ocorridas ainda na primeira fase

do projeto de dissertação, optamos por fixar o olhar em uma das dimensões que

poderiam contribuir para melhor compreensão da trajetória profissional dos

professores. As outras dimensões e algumas das indagações iniciais mencionadas

123

que possibilitariam novas compreensões do mesmo objeto estudado são assumidas

nessas considerações aqui realizadas como limitações deste estudo e recortes para

estudos futuros.

Por ora, apresentamos uma síntese das análises sobre o que foi proposto – as

considerações pertinentes: a) as experiências mais ou menos significativas no

ensino técnico integrado; b) a formação inicial e sua repercussão nas experiências

profissionais; c) a formação continuada e a repercussão nas experiências

profissionais; d) os desafios da prática pedagógica no ensino técnico integrado; e)

os percursos profissionais vividos e modificados no decurso da carreira.

As experiências mais significativas construídas no Instituto Federal do Espírito

Santo relatadas pelos professores estão nas aulas, projetos de ensino, pesquisa e

extensão predominantemente associadas ao esporte.

Essas experiências no ensino do esporte, na maioria das vezes vivenciadas em

treinamento de equipes que representassem os respectivos campi em competições

nos âmbitos estadual, regional e nacional. Constatamos que o esporte como

conteúdo da Educação Física ainda tem grande prioridade em relação aos demais

conteúdos.

No entanto, o tratamento pedagógico dado ao esporte apresenta diferenças entre

os professores. Existem concepções diferenciadas de Educação e Educação Física

e, por isso, também algumas tensões nas relações em momentos quando se

discutem os eventos esportivos na instituição, o que não deixa de ser positivo, em

virtude das conquistas que podem ser alcançadas mediante o diálogo na

construção de propostas para o esporte.

Nos diversos projetos esportivos existentes no ensino, pesquisa e extensão, os

professores se dedicam e demonstram grande satisfação em realizá-los e são mais

valorizados em razão disso. Os professores contam uma infraestrutura favorável no

desenvolvimento do trabalho. No entanto, devido ao nosso conhecimento por

pertencermos à mesma instituição, não podemos dizer o mesmo de alguns campi

mais novos, abertos com a expansão da rede federal.

124

Essa prática esportiva culmina nos Jogos do Instituto Federal do Espírito Santo

(JIFES), estendendo sua participação nos Jogos das Instituições de Ensino Federal

(JIF), nos âmbitos regional sudeste e nacional.

A organização desses eventos e a participação são apontadas com muita relevância

para a Educação Física e, ao se engajarem nos eventos, os professores defendem

sua importância na formação dos alunos, mesmo por meio de percepções

diferentes.

A predominância do trabalho com o esporte e a importância dada a esse conteúdo

também merecem outros estudos e investigação sobre os aspectos educativos

desenvolvidos nos eventos esportivos, considerando que a organização destes é

feita pelos professores de Educação Física efetivos na instituição. Precisamos

definir com clareza, para todos, quais os princípios e valores que movimentam os

jogos e verificar como os alunos se apropriam desses conhecimentos e de que

maneira percebem sua atuação, ao representarem a escola.

Em relação à formação inicial e sua repercussão nas experiências profissionais, a

compreensão é diferente entre os professores. Essa compreensão passa por

considerar a formação inicial suficiente para iniciar a carreira até a necessidade de

ampliar as experiências práticas ainda no processo de formação, como participação

em estágios, cursos, eventos, projetos de ensino, pesquisa e extensão,

enriquecendo e preparando melhor para a atuação profissional.

Quanto à formação continuada, os professores têm o entendimento de que é

necessária e a consideram como muito importante. Ela vem sendo feita desde as

situações e necessidades surgidas na prática docente, cujos resultados repercutem

positivamente na prática profissional dos professores. Essa formação também se dá

em nível de mestrado e doutorado realizados no país e fora do Brasil.

O ensino técnico integrado ainda é um grande desafio para o Ifes e não é diferente

para os professores de Educação Física que colaboraram com este estudo.

125

Os desafios são apresentados na maneira de conduzir o processo de ensino-

aprendizagem, ao lidar com os conteúdos e relacioná-los com os das demais

disciplinas, verificando a especificidade de cada curso. Os professores consideram

como desafios encontrar uma maneira de encantar o aluno para a percepção de

corpo, não na forma meritocrática e preconceituosa, mas em um olhar de forma mais

humana e integral, como cidadãos do mundo, ao levar o aprendizado adquirido na

escola para a vida inteira. Assim, o grande desafio da prática pedagógica dos

professores é repensar a sua prática.

Nesse sentido, abre-se uma grande lacuna para novos estudos no Ifes que

viabilizem uma proposta de trabalho que atenda, pelo menos de forma razoável, ao

ensino médio integrado sem o caráter propedêutico, mas que seja uma forma que

integre uma sólida educação geral, científico-tecnológica e sócio-histórica densa,

articulada a conhecimentos vinculados a uma área de trabalho que permita ao

jovem uma inserção menos subordinada às relações entre capital e trabalho, em

que ele possa construir sua autonomia com mais facilidade. E é possível começar

esse trabalho por meio da Educação Física. Por que não?

De maneira geral, interpretamos que as experiências profissionais ao longo da

carreira são múltiplas e heterogêneas. Entre os próprios professores, um mesmo

tipo de situação pode gerar diferentes ações pedagógicas em diversas lógicas de

ação. Entre outras possibilidades de interpretação, pensamos ser importante

considerar a subjetividade e a identidade como elementos centrais nessas

trajetórias.

Nas análises das narrativas, neste estudo, circunscreve uma subjetividade própria,

constituída na prática profissional, que traduz também uma experiência vivida,

anterior à entrada no Ifes como professor, experiência determinante que repercute

no trabalho dentro da instituição. Cada professor tem consciência de suas ações

geradas por experiências ligadas à Educação Física. Nesse contexto, podemos

observar as diferentes concepções de educação e Educação Física que, ao longo

da carreira, permitem ou não repensar a prática pedagógica em dimensões que

superem a racionalidade técnica do ensino.

126

Ao longo da carreira dentro do Ifes, o professor exerce diferentes funções, seja na

gestão em cargos de diretor, gerente ou coordenador, seja nos projetos de ensino,

pesquisa e extensão. Entre os professores, a leitura e olhar para as suas práticas

que cada um tem em relação a essas experiências, também depende da disposição

em refletir sobre a experiência profissional.

A nossa intenção, ao realizarmos este estudo, conforme dissemos ao iniciá-lo,

significou mais que um trabalho acadêmico. Podemos dizer que ele constituiu um

desafio em superar nossos limites teóricos, superar preconceitos, respeitar o

diferente, aprender, ao ouvir o outro, que o caminho a percorrer por todos nós não

tem fim.

Temos clareza de algumas limitações neste trabalho: sentimos que é preciso

ampliar e aprofundar algumas questões no contexto do Ifes, pensando na Educação

Física, a formação dos professores e o ensino técnico integrado, de modo a gerar

conhecimentos que ajudem a enfrentar concretamente os desafios apresentados.

127

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130

APÊNDICES

131

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CAMPUS GUARAPARI

Estrada da Tartaruga, S/Nº – Muquiçaba – 29215-090 – Guarapari – ES

27 3261-9900

APÊNDICE A – ROTEIRO GERADOR DA ENTREVISTA NARRATIVA

1. Sobre experiências profissionais mais significativas construídas na carreira

profissional no ensino técnico integrado.

2. Sobre experiências profissionais menos significativas construídas na carreira

profissional no ensino técnico integrado.

3. Sobre a formação inicial (graduação) e a repercussão nessas experiências

profissionais.

4. Sobre a formação continuada (cursos de pós-graduação, participação em

eventos, seminários, palestras...) e a repercussão nessas experiências

profissionais.

5. Os desafios da prática pedagógica no ensino técnico integrado.

6. Os percursos profissionais vividos e modificados no decorrer da carreira.

Gilberto Cabral de Mendonça

SIAPE: 1506699

Campus Guarapari

132

APÊNDICE B – ENTREVISTA REALIZADA COM O PROFESSOR PAULO

Gilberto: Professor, bom dia!

Prof.: Bom dia!

1. Gilberto: Primeiramente gostaria de agradecer por me receber tão gentilmente,

ceder um pouco do seu tempo para narrar um pouco das suas experiências e o

primeiro ponto é sobre as experiências profissionais mais significativas construídas

na carreira profissional no ensino técnico integrado.

Prof.: Olha Gilberto, o ensino técnico integrado começou faz pouco tempo né. Então

a minha carreira ela vem desde 1977 e desde 1984 aqui no IFES – Campus Itapina,

então nós tivemos mais experiências antes com principalmente com o ensino técnico

concomitante na mesma escola, que era o ensino médio na parte da manhã e o

ensino profissional a tarde, então antes disso eu tive várias experiências. No ensino

técnico integrado, as várias experiências que eu tive foi exercendo coordenação. Fui

coordenador geral de ensino, onde eu pude passar para os colegas um pouco do

conhecimento que eu tive. Por que o meu mestrado foi sobre a educação

profissional e, eu acabei acompanhando essa transição da educação profissional

para o ensino médio integrado à educação profissional. E eu acredito o seguinte: o

Instituto Federal do Espírito Santo, ainda não sabe o que é ensino integrado tá. Mas

as experiências assim positivas eu posso falar que eu ainda não consegui dentro do

ensino médio integrado. Por que, quando fui coordenador geral de ensino, mesmo

trazendo várias pessoas para falarem sobre o ensino técnico integrado, eu não

consegui passar isso para a maioria dos professores. Principalmente hoje que os

professores estão chegando, muitos deles, direto da faculdade para ministrar aulas e

não está sendo passado para eles o que é ensino médio integrado. Por que na

faculdade não se ensina isso e eles estão chegando e as pessoas não estão

passando isso para eles. Então está muito em cima de erro e acerto, aprendizagem

é [...] sozinho tá. Por que [...] eu acredito que o currículo ele está muito é […]

fragmentado. O nosso ensino médio, ele trabalha para a educação profissional. Eu

vou dar um exemplo: o professor de campo está ensinando é […] regra de três, aí

nosso professor de matemática também pode ensinar regra de três

133

simultaneamente, mas você não vê o professor de educação profissional

preocupado passar a mesma coisa que o professor de ensino médio está passando.

Então eu não vejo ainda essa integração tão propagada tá.

1.a. Gilberto: Professor, então em síntese o senhor citou aí nesse primeiro ponto:

pouco tempo com ensino técnico integrado e ainda com algumas dúvidas e

incertezas em relação as experiências nesse curso especificamente. E citou também

o mestrado profissional, nessa experiência com o mestrado profissional, como que

isso repercutiu, como que você considera esse mestrado como um ponto de apoio

ou uma ajuda para entender as possibilidades que podem ser feitas aí, a busca de

novas experiências e essas experiências mais significativas aí no ensino técnico

integrado?

Prof.: Gilberto, o mestrado ele nos dá muita bagagem e nos abre portas em termos

de clarear sobre a educação. No meu caso, principalmente sobre educação

profissional, só que quando você chega no seu campus, você não é cobrado sobre

isso, você não é solicitado para dar palestra entendeu. As pessoas te valorizam

mais, então o que acaba acontecendo? Você acaba guardando essa bagagem para

você tá, então o professor que chega de um mestrado ele é pouco solicitado pelo

campus. E muitas vezes os alunos tá, ele não consegue passar, porque os alunos

estão muito aquém em termo de conteúdo, para que você possa ministrar isso daí. E

eu acho que é uma perda […] melhor, é um desperdício de saber dentro do instituto

com tantos doutores, com tantos, com tantos mestres e a gente fala tão pouco sobre

o que esses caras foram buscar lá fora, sobre o que a gente foi buscar lá fora tá.

Porque ô, na minha concepção, o ensino médio busca dar aos alunos a

oportunidade do ensino médio e ao mesmo tempo ele busca uma formação

específica para sua inclusão no mundo do trabalho. Esse, na minha concepção, um

dos objetivos do ensino integrado. Só que o ensino médio, ele busca proporcionar

melhores condições de cidadania de trabalho de inclusão social dos jovens adultos

em busca de uma formação profissional de qualidade, de novos horizontes para a

sua vida. Mas o que acontece? Quando o professor chega na sala de aula, em sua

maioria, ele só passa o conteúdo, se acontecer um problema extra conteúdo dentro

da sala de aula, a maioria bota o aluno para fora. Ele não para, para discutir sobre

aquele problema. Por exemplo o buling, se acontecer um buling dentro da sala de

134

aula, o professor normalmente ele não para sua aula para falar sobre esse assunto.

Ele bota os dois alunos ou um aluno para fora de sala para ser resolvido lá fora.

Então a gente ainda está muito conteudista tá. A LDB 9394, ela fala sobre ensino por

competências, avaliação por competências. Qual é o campus, eu desconheço, que

trata disso? Nós continuamos ainda em cima de conteúdos e saberes, então. Eu

acho que não mudou muita coisa, mudou a nomenclatura. Mas o ensino continua o

mesmo, dual, ensino médio e educação profissional tá. Eu penso que a gente é

pouco utilizado, você vai sentir isso na pele quando voltar do mestrado tá. Seu

próprio campus, espero que não, vai utilizar pouco o que você aprendeu na fora.

1.b. Gilberto: Professor Rogério, os comentários e as reflexões que o senhor

acabou de fazer dentro do Instituto Federal do Espírito Santo, foram significativas

como o senhor está colocando, as experiências anteriores ao IFES, que o senhor

considera e lembra de algum aspecto que gostaria acrescentar?

Prof.: Gilberto, é eu cheguei aqui em 1984, eu fiz UFES né, talvez até possam

perguntar, eu fiz UFES, depois fiz concurso do estado fui efetivo, fiz concurso na

prefeitura da Serra fui efetivo, trabalhei no instituto […] Centro Educacional

Agostiniano, trabalhei no Libanês como técnico de basquetebol e trabalhei na […]

como técnico da seleção de basquetebol. Lá eu era muito valorizado

profissionalmente porque existe uma cobrança diária. Quando eu vim para a escola

agrotécnica, o objetivo principal é formar o técnico em agropecuária. A Educação

Física, ela não era muito conceituada dentro do conselho de classe. Quando a gente

ia falar, a gente sentia que não havia uma credibilidade muito grande mesmo com a

nossa experiência lá fora. Então o que eu fiz? Eu fui fazer pedagogia, aí me formei

em pedagogia. Aí fiz administração escolar, me formei em administração escolar. Aí

sim, eu comecei a ter um respaldo, porque além quando eu falava no conselho de

classe, além de ser professor de Educação Física experiente dentro de sala de aula

eu era um pedagogo e tinha uma noção teórica em administração escolar. Ai sim, eu

passei a ser, no meu conceito, eu passei a ser mais valorizado pelos colegas e eu

era ouvido. E muitas vezes essas informações os meus [...] as minhas sugestões

eram valorizadas né. E aí eu fui é galgando coordenações, assessorias, direções né,

só não fui diretor geral. E, o que acontece? Eu consegui fazer alguma coisa em prol

da educação dentro da escola tá. Quando você é ouvido, você consegue, quando

135

você é acreditado, você consegue mudar alguma coisa. Então onde que eu passei

eu consegui fazer mudanças positivas até hoje elas são valorizadas por aqueles que

estavam junto comigo, os ex alunos. Então eu acho que foi muito produtiva essa

vivência de trinta anos dentro do Instituto Federal do Espírito Santo, antiga

agrotécnica. (sons de pássaros no quintal da casa onde era realizada a

entrevista)

1.c. Gilberto: Algo mais a acrescentar professor?

Prof.: Não, eu acho que não.

2. Gilberto: Professor, agora sobre o segundo tema: sobre as experiências

profissionais menos significativas construídas na carreira profissional no ensino

técnico integrado.

Prof.: Olha dentro dessa trajetória profissional minha eu acredito que sim, tive

experiências que poderiam ser melhores. Como coordenador de atendimento ao

educando que hoje é o CEGAC, eu fui muito rígido com os alunos em termos de

cobrança disciplinar, em termo de respeito ao outro, em termos de […] preservação

do patrimônio público que é nosso, eu acabei […] mandando alguns alunos embora,

quando eu poderia ser um pouquinho mais flexível. Como coordenador geral de

ensino, eu fazia uma cobrança aos colegas professores um pouco radical, eu me

colocava no lugar dele e, esquecia que eu já tinha uma experiência enorme de 20

anos de profissão, entendeu. Então acho que poderia ter conversado mais, eu

poderia ter me explicado mais, eu acho que eu conseguia mais do que tanta

exigência que eu tinha. Então hoje com a minha experiência, eu acredito que faria

bem melhor, tanto na coordenação geral de ensino como na coordenação geral de

atendimento geral aos alunos. Esse eu acho que foi o ponto negativo dentro da

minha trajetória, é muito perfeccionista, eu exigia demais.

2.a. Gilberto: Bom professor, nesta questão destaca essa importante reflexão dada

a experiência adquirida e hoje faria um trabalho melhor em relação ao que foi

realizado no passado. Isso também é um processo de amadurecimento que de certa

forma também a gente tem olhar para trás né e saber que fiquemos o trabalho

136

necessário dentro daquilo que a gente acreditava no momento e o senhor vê nesta

reflexão a possibilidade de tomar novas atitudes ainda na carreira?

Prof.: [Rsrsrs] Gilberto, eu passei já quatro anos da época de aposentar. Mas a

gente está aprendendo sempre, eu acredito que estou praticando isso dentro da

Educação Física, com relação aos treinamentos, com relação as minhas aulas, com

relação o meu relacionamento com os alunos. Eu estou usando isso hoje dentro das

minhas aulas de Educação Física e no relacionamento também com os colegas

professores.

2.b. Gilberto: Algo mais a acrescentar professor?

Prof.: Não, acredito que […] não sei se eu te respondi a sua pergunta [rs]! (Aos

sons de pássaros)

3. Gilberto: Professor agora sobre o terceiro tema, exatamente sobre a formação

inicial a graduação ou a licenciatura e a repercussão nessas experiências

profissionais.

(Aos sons de um pássaro parecido com bem-te-vi e também um cão)

Prof.: Gilberto, eu sou licenciado pela UFES em Educação Física né e, fiz uma

excelente faculdade, excelentes professores tá, só que com uma diferença, quando

eu fiz Educação Física na UFES, era uma bola para cada aluno, entendeu. E a gente

trabalhava uma média de vinte alunos por turma, eu como aluno. E a gente

vivenciou uma realidade maravilhosa, tudo era muito bonito. Após formado fiz

concurso no estado, fui trabalhar numa escola do estado, não tinha quadra, era uma

bola só para quarenta alunos e não tinha mais material nenhum. Então eu tive que

reaprender a dar aula para poder motivar os alunos. E eram meninos que muitas

vezes é […] moravam no morro né e tinha tiroteio a noite, menino armado já foi para

a minha aula armado, de deixar o revólver do meu lado entendeu. Não tinham tênis,

o uniforme de Educação Física era um calção, tirava a camisa para não suar a

camisa para voltar para a sala de aula. Então, a minha aprendizagem no estado foi

muito boa. Depois eu fui dar aula na escola particular era uma bola para dois alunos

tá, fui trabalhar como técnico no Libanês era uma bola para cada atleta. Quando eu

137

vim aqui para a escola agrotécnica eram quarenta alunos na minha turma e uma

bola para dois. Eu trabalhava com vinte bolas de voleibol, vinte bolas de basquete,

vinte bolas futebol, vinte bolas de futsal, então eu fiquei numa zona muito

confortável. Porque aprendi muito saindo da faculdade tá e depois para onde eu fui

me deram condições de trabalho tá. É difícil você ter uma praça de esportes igual

aqui do IFES Campus Itapina. Então, eu acredito que a minha experiência, a minha

formação foi muito boa e a minha experiência no estado, no início foi ruim, mas

depois eu fui me adaptando e me tirou da zona de conforto, me faz pensar, me

coloquei no lugar daqueles alunos e a gente conseguiu ficar lá durante quatro anos

diariamente trabalhando com quarenta meninos e uma bola.

3.a. Gilberto: Professor aí então o senhor destacou uma graduação rica, mais que

faltou então essa aproximação com a realidade social?

Prof.: Faltou aproximação com a realidade social. É verdade, a gente vivia num

clube lá, tá entendendo, era uma maravilha, piscina, campo de futebol, quadra de

esporte, ginásio fechado para o basquetebol, é […] ginástica olímpica fechada né,

recreação, um teatro né. E quando eu fui para trabalhar profissionalmente eu me vi

sozinho tá, tudo que eu tinha aprendido lá, tive que readaptar para as condições que

me eram apresentadas.

3.b. Gilberto: E nesse aprendizado professor, teve a oportunidade de procurar

novamente a instituição de formação para dividir essas experiências, procurar as

soluções juntos, alguma coisa nesse sentido?

Prof.: Não. Eu fui, eu fui lendo, fui buscando entendeu, e fui vendo como que eu

poderia trabalhar através de exercícios é para poder motivar a aula né, sem correr

aquele risco de dar pelada e queimada tá. Para que minha aula não ficasse uma

aula sem objetivo nenhum, embora tenha o objetivo lúdico né, certo, mas eu não

queria isso. Aqueles meninos produzisse alguma coisa em termos de

condicionamento físico, em termos de relacionamento pessoal de mudança de

atitude. Não sei se eu consegui, mas juro que eu tentei.

138

3.c. Gilberto: Algo mais a acrescentar professor?

Prof.: Não. Acredito que é isso.

4. Gilberto: Professor agora o quarto tema sobre a formação continuada os cursos

de pós-graduação, participação em eventos, seminários, palestras e a repercussão

nessas experiências profissionais.

Prof.: Gilberto, depois de 84, quando eu vim para cá né, em Vitória, em Vitória antes

de 84 eu fiz vários cursos [...] de basquetebol, futsal e atletismo o tempo que eu mexi

no clube e na escola né. É […] cursos de 120 horas, fiz cursos que a gente está

acostumada a fazer na Educação Física. Depois que eu vim pra cá, em 84, todo ano

a gente saia para dois cursos dentro da área de Educação Física, no mínimo tá. E,

eu via a necessidade também de me aprimorar mais na parte pedagógica aí eu fui

para a faculdade de pedagogia, fiz o curso de pedagogia. Depois eu senti que

precisava conhecer mais sobre administração aí fiz um curso de administração

escolar também, pós-graduação. Aí fiz o mestrado sobre educação profissional né e,

fiz o doutorado sobre o buling, a minha tese é o buling na concepção dos alunos,

como que os alunos vem o buling. Eu acredito que tive uma formação bem grande,

participei de várias palestras, principalmente sobre competências. E quando eu falei

sobre educação profissional eu usei muito competências, por que a 9394 de 96, ele

frisava que o ensino e avaliação era por competências. E ouvia aqui na escola que a

gente estava ensinando e avaliando por conteúdos, então não batia a legislação com

a prática diária e não bate até hoje né. Aí eu vi a necessidade de participar de várias

palestras com Perrenoud, entendeu, vários seminários, acabei ministrando palestras

também. Acredito que a minha, a minha, a minha educação continuada ela foi bem

rica, nesses 36 anos, mais ou menos de profissão, de 77 à 2015 dá quantos anos?

38 anos […] como professor de Educação Física só.

4.a. Gilberto: Professor o senhor destacou aí nessa trajetória da formação

continuada o curso de pedagogia o que não é muito comum o profissional de

Educação Física buscar a pedagogia para entender melhor as questões da

educação como um todo. A procura por esse curso foi mais por esse sentido de

complementação, uma preocupação com a Educação Física, seus métodos de

139

ensino, como passar melhor os conteúdos ou foi só mesmo uma procura a mais,

uma graduação a mais?

Prof.: Não. Foi, foi a necessidade de saber mais sobre a educação. Eu a cheguei a

conclusão de que professor lê pouco, professor só lê o conteúdo dele, muitas vezes

nem lê, ele já sabe o que vai dar, aquele professor que não leva livro nenhum para a

sala de aula é porque ele está repetindo o que ele fez a vários anos, entendeu, tá.

Porque é sinal que ele não está fazendo o seu planejamento diário de acordo com a

necessidade da turma, de acordo com a necessidade da turma. Então o que

aconteceu? Pensando nesse ponto, que o professor lê pouco, eu fui buscar ler sobre

educação e cada vez que eu mais lia, eu achava que eu sabia menos. Se você, hoje

o nosso professor tem um defeito muito grande ele não sabe ensinar nada, é lógico

toda regra tem exceção, ele não sabe sobre legislação educacional e não lê

legislação educacional. E ele se acha porque ouviu os outros falar que ele sabe

também sobre educação, só que não leu vários autores tá, ele ouviu alguém falar. E

passou e fez a sua definição em cima disso aí. Acredito que se ele fosse buscar

mais ele ia ter um campo muito maior de visão entendeu, poderia refazer alguns

conceitos dele, dentro da educação, foi o que eu busquei fazer. Eu acredito que me

acrescentou bastante.

4.b. Gilberto: E aí professor, os cursos de mestrado e doutorado então continuaram

contribuindo nesse processo de contribuição em relação as experiências

profissionais?

Prof.: O curso de mestrado ele me deu uma visão da educação profissional desde

1909,entendeu, desde 1900 né? Quando foram criadas as escolas de aprendizes no

Brasil. E eu fui vendo que cada educação profissional tinha sua época política tá,

então todas elas tem um respeito muito grande […] o povo pode falar assim: ahh de

setenta foram criadas as escolas, as escolas técnicas para a mão de obra das

indústrias automobilistas e também do, do, do, do deserto verde né, dentro da

agricultura, certo? Mas é uma realidade do momento, contribuiu muito para a

manutenção dessas escolas até hoje. Então, cada etapa teve um processo político

muito grande que influenciou demais na educação profissional. (Sons de um pássaro

ao fundo) Sobre o buling, o doutorado me abriu um […] me clareou sobre a relação

140

dos alunos dentro da escola entendeu. O buling é uma relação de poder, onde o

garoto que faz o buling entendeu, muitas vezes lá fora [...] ele é fraco. Mas dentro da

sala de aula, dentro da escola ele agride para poder é [...] se sentir bem, para ter

respeito e o grande problema do buling que eu descobri foi que não está no agressor

nem na vítima não, está nos espectadores. Os espectadores é que dão combustível

para o agressor continuar agredindo a vítima diariamente. Então são coisas que eu

falo para você tanto no aspecto da educação profissional quanto no aspecto do

buling dentro da escola eu hoje poderia contribuir bastante tá, e não sou usado.

Como vários colegas meus que fizeram mestrado e doutorado também que não são

usados. A gente vê buling todos os dias né, vê que tem que se discutir a educação

profissional todo dia, por que a nossa escola, o nosso instituto é um instituto de

educação profissional. Mas que se fala pouco, se faz todos os dias através dos

conteúdos, se vivencia muito todos os dias, mas, na prática, se faz pouco.

4.c. Gilberto: Com certeza, a sua atuação junto aos alunos, já foi modificada e

bastante em função desses aprendizados, dessas reflexões e estudos que o senhor

têm feito nessa área também?

Prof.: Sim. Quando o aluno vai falar, reclamar da educação profissional dentro de

uma aula de Educação Física, se acontecer alguma coisa dentro da aula, eu paro a

aula entendeu, e converso com os alunos sobre o assunto. Quando eu vejo uma

situação de buling na minha aula, eu paro a aula e converso com os alunos. Depois

eu retomo a aula normalmente, mas eu procuro conversar no momento que

aconteceu, para ter uma resposta para eles, senão eles jogam no ar e fica por aí

mesmo, senão eles se agridem e a gente finge que não vê né, e não é esse o

objetivo da escola.

4.d. Gilberto: Mais alguma consideração professor?

Prof.: Não, acredito que não.

5. Gilberto: Professor agora sobre o quinto tema: os desafios da prática pedagógica

no ensino técnico integrado.

141

Prof.: Gilberto, eu acredito para a equipe pedagógica do campus é fazer com que o

professor entenda o que é ensino integrado tá, muitas, muitas pessoas da própria

equipe pedagógica conhece a teoria mas não sabe colocar na prática. E para o

professor, para mim, como professor, acredito que para você também, como é que a

gente vai contextualizar essa teoria, com os nossos colegas tá. Como é que os

nossos saberes vão se somar aos outros professores em prol da formação de

nossos alunos. Eu acho que o grande problema hoje está na contextualização.

Vamos colocar em prática isso daí: na teoria está muito bonito mas como colocar em

prática essa é a minha grande pergunta. Dentro da escola o ensino médio integrado

na educação profissional.

5.a. Gilberto: E com a sua experiência professor, teria alguma sugestão? O senhor

citou o trabalho da parte pedagógica da escola, para o núcleo pedagógico ajudar os

professores a encontrar esse caminho, mas o senhor, o que o senhor acha que

poderia ser feito?

Prof.: Gilberto, eu acredito o seguinte, nós temos que nos vestir com humildade,

colocar no calendário do Instituto Federal de Educação, datas, umas quatro datas e

trazer, santo de casa não faz milagre, trazer pessoas capacitadas de fora para

palestrar pra gente sobre o ensino médio integrado, colocando isso na prática, não

só falar teoria, teoria a gente já sabe. Como contextualizar o ensino médio integrado

entre três disciplinas, quatro disciplinas entendeu. Como fazer essa integração na

prática, não na teoria. Levar a gente para campo, por exemplo: pegar um professor

de matemática é [...] levar ele lá para a oficina mecânica para ele dar uma aula lá,

tirar ele do conforto dele. Pegar um professor de Física entendeu, levar ele pra

unidade de processamento de leite pra ele dar uma aula de calor. Isso é integração?

Não sei. Mas são essas ideias que a gente tem que colocar em prática senão o

professor de Física vai falar sobre calor lá na sala de aula de Física. O professor de

leite vai falar sobre leite lá, o professor de Física vai falar sobre mecânica lá na sala

dele, a oficina de mecânica, o professor de mecânica vai dar a aula dele lá, tudo

fragmentado. Então, nós precisaríamos o seguinte: ter datas para professor não

reclamar que está fazendo muita reunião e não está podendo [...] porque o grande

problema da reunião é o seguinte: o professor ele reclama que tem muita reunião e

ele não está podendo passar e está atrasado com o conteúdo. Aí quando não tem

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reunião ele reclama que não tem reunião. Quando não tem reunião ele também não

passa o conteúdo todo, tá entendendo, ou termina antes o conteúdo antes de acabar

o ano. Então tem esses detalhes que tem que vir de cima para baixo, infelizmente.

Mas nós temos que fazer na prática, a gente está vendo isso desde quando foi

conversado sobre o ensino médio integrado que a gente está vendo teoria sobre

isso. Mas eu acho que está como colocar isso em prática? Então a minha sugestão

é que tivesse datas no calendário do IFES e todo o Instituto parasse para poder falar

ao mesmo tempo sobre o ensino médio integrado a educação profissional, se é isso

mesmo que nós queremos. Se é isso mesmo que nós acreditamos tá. Porque hoje,

acredito que o sistema de ensino é dual tá, ensino médio é uma coisa, educação

profissional é outra com um nome bonitinho. É como se você fizesse um bolo né,

você bota uma camada de chocolate, a outra camada em cima de laranja e cobre ele

todo, não é nem bolo de laranja, nem bolo de chocolate é um bolo de aniversário. É

o que é o ensino na minha opinião, o ensino médio integrado hoje, educação

profissional, ensino médio e, chama-se de ensino médio integrado e educação

profissional tá. Isso na minha opinião, lógico.

5.b. Gilberto: E aí em relação a Educação Física professor, teria também, o senhor

citou exemplos com outras disciplinas, outras áreas do saber e entende então que a

Educação Física também passa por esse processo?

Prof.: Passa por esse processo, por exemplo: o professor de Física levar a turma

dele para uma aula minha de basquetebol entendeu, os movimentos da bola no

arremesso, a força da bola num drible tá, então colocar isso em prática dentro da

Educação Física tem-se condição de trabalhar de Física, com Matemática, com

Português tá, só que é difícil você tirar alguém da zona de conforto, você pegar uma

sala de aula com quarenta alunos assentados, quadro-negro, data show, agora com

data show e tudo fica mais fácil pegar essa turma para assistir uma aula de

basquetebol, uma aula de futebol, dar para a pessoa fazer anotação. Então é isso

que nós precisamos mostrar, nós precisamos, isso quando eu falo nós, desculpa, eu

coloco a parte pedagógica. Isso que a parte pedagógica da escola precisa mostrar

para os professores. Mas se você pegar uma pessoa da parte pedagógica para falar

com o colega talvez ele não seja acreditado. Mas se trouxer alguém de fora ele vai

ser mais valorizado entendeu, vai ser mais ouvido e talvez possa dar certo. Mas não

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pode ser feito esse ano, no ano que vem já não […] quando você faz no começo do

ano, no final do ano já se esqueceu tudo. Então tem que se repetir né, tem que

insistir. Por que? Isso aí, não foi aprendido na faculdade, as pessoas não trazem

essa bagagem, entendeu, muitas vezes a gente está repetindo o que os nossos

professores deram pra gente na faculdade a gente repete na sala de aula, porque

deu certo com a gente e vai dar certo com os outros tá.

5.c. Gilberto: Professor, o senhor citou uma série de ideias, sugestões e caminhos,

o senhor acredita que já temos esses profissionais em condições de ajudar nesses

desafios?

Prof.: Sim e não tá. Porque? Marise Ramos, Ciavatta, Frigotto falam sobre isso

entendeu, mais outros. Só que eles são professores de ensino superior dão poucas

aulas. Então eles são muito teóricos, se você conversar com Marise, quando eu fiz o

mestrado, eu cito muito Marise, Ciavatta e Frigotto por isso eu estou citando os três

né. Antes de publicar livros, eles mandaram artigos pra mim, para que eu pudesse

inserir na minha, na minha […] eu tive artigos deles antes de ser publicado o livro

sobre o ensino médio integrado. Eu gostaria que eles nos mostrasse isso daí na

prática. Porque eu só vi Frigotto, Marise e Ciavatta dando palestras pra gente, eles

atrás de uma mesa né e a gente assentado no auditório. Eu queria eles mostrassem

isso pra gente. Eu estou citando os três porque, me fugiu o nome de outros agora. É,

mas eu gostaria que eles mostrassem pra gente na prática, tem uma professora, tem

uma professora que eu trouxe ela, esqueci, me fugiu o nome agora, do Paraná. Eu

trouxe ela pra dar uma palestra pra gente sobre o ensino integrado, então ela

colocou na prática pra gente. Mas só que foi, foi em janeiro […] foi em fevereiro que

eu trouxe, quando eu era coordenador geral de ensino. Quando chegou em

dezembro já se esqueceu tudo, nós voltamos a velha rotina, porque era mais fácil, a

gente já sabia de cor aquilo ali. Por isso eu falo tem que se insistir nisso daí tá.

Então eu acredito que tem sim.

5.d. Gilberto: Mais alguma consideração professor?

Prof.: Acredito que não.

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6. Gilberto: Professor, o sexto e último tema são os percursos profissionais vividos e

modificados no decorrer da carreira.

Prof.: Gilberto, uma carreira de 38 anos de magistério, muitos percursos né

diferenciados, vividos e modificados tá. Muitos percalços, muitos aborrecimentos

mas em compensação muitas e muitas alegrias tá, você saber que contribuiu na

formação de um colega profissional, você saber que contribuiu na formação de um

aluno como cidadão, para ele chegar depois de formado e vir aqui na sua casa e

agradecer isso te alegra muito, porque você sabe que você cumpriu o seu dever

como [...]educador tá. Então, eu acredito que essa experiência me modificou muito

como professor e como ser humano para melhor tá. Esses anos de magistério só

contribuíram também para a minha formação humana e profissional. E eu tenho uma

alegria muito grande em ser professor, se eu tivesse que voltar, eu seria professor

outra vez, talvez não de Educação Física tá, mas seria professor, Educação Física

eu acho que poderia ter sido mais valorizado como profissional, não como professor

de Educação Física, mas dentro da escola. Tanto pelos colegas como pela equipe

pedagógica, porque também pelos pais dos alunos tá. Por que nós temos colegas

que acham que a Educação Física […] para que Educação Física na escola? Nós

temos pedagogos que se pudessem tiravam a Educação Física da escola e nós

temos pais de alunos que não valorizam a Educação Física na escola e que eu acho

que é uma grande falta de sensibilidade e de conhecimento. Por que é na Educação

Física que você se forja, forja o homem mesmo entendeu, como pessoa humana.

Porque as cobranças são imediatas dentro das regras né, os objetivos são imediatos

e é onde a pessoa aprende a conviver com a realidade lá fora, que é o de perder, de

ganhar, de competir que é o que a sociedade cobra no dia a dia tá, o dia que

valorizar realmente a Educação Física dentro do Instituto Federal do Espírito Santo a

formação do nosso educando vai ser bem melhor, na minha concepção.

6.a. Gilberto: Então na realidade professor, a sua trajetória é ampla né, já citou esse

desejo aí […] prazer e alegria em contribuir no processo de formação tanto de

docentes como discentes, esses seriam um dos motivos também pelos quais o

senhor permanece ainda mesmo tempo para aposentadoria, permanecer ainda na

ativa, permanecer ainda exercendo o trabalho, porque acredita ainda na Educação

Física, acredita ainda na função do professor?

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Prof.: Sim, claro. Eu acho que o diretor inteligente ele valoriza a Educação Física na

escola. Porque o aluno que gosta de praticar esporte, o aluno que joga pela escola,

o aluno que vai para a Educação Física entendeu, que veste a camisa da escola

para competir com as outras escolas, ele passa valorizar ainda mais né. E quando

ele valoriza mais, ele fala bem, ele vive bem dentro da escola, ele se sente bem, ele

gosta de vir para a escola e fica tudo mais fácil para ele no cotidiano. Então eu acho

a Educação Física de suma importância para o cotidiano da escola entendeu. A

escola fica mais alegre né, a escola fica mais sadia, não é só sala de aula, conteúdo,

como também acho que tem que ter artes, tem que ter a parte lúdica, a escola que

ter uma parte lúdica.

6.b. Gilberto: Algo mais a acrescentar professor?

Prof.: Acredito que não. O que você mandar, a gente revê.

6.c. Gilberto: Professor, então eu gostaria de agradecer imensamente a recepção, a

acolhida tão prontamente atendido quando solicitei esse encontro pra gente refletir,

falar um pouco né, ouvi-lo sobre as experiências profissionais, sobre as tuas ideias,

o teu pensamento, as tuas práticas, sua forma de pensar. E agradecer por esses

depoimentos, por essa narrativa, desejar também então aí já sucesso, muita paz e

saúde e na sua trajetória também que permaneça sempre na busca por novos

conhecimentos, crescendo profissionalmente e como pessoa também. Só tenho a

agradecer e desejar muita felicidade na sua trajetória e na sua vida. Muito obrigado,

professor.

Prof.: Gilberto, eu espero ter contribuído com a sua dissertação de mestrado e tenho

certeza que você vai fazer um excelente trabalho e que possa contribuir com esse

trabalho para melhorar a parte, melhorar ainda mais a parte pedagógica do campus

Guarapari. Eu espero que seja usado né, que muito conhecimento para pouco uso,

entendendo, investindo em ideias e acabam não sendo usadas e elas vão se

esvaindo tá.