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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO
SERTÃO MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.
Identificação:
Discente: Marcelo do Nascimento Gambi.
Orientador: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.
Curso: Mestrado.
Ano de Ingresso: 2011
RIO DE JANEIRO
2013
2
MARCELO DO NASCIMENTO GAMBI.
FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO
SERTÃO MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social do Instituto de
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– RJ., na linha de pesquisa: sociedade e economia
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de mestre em História Social.
Orientador: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.
RIO DE JANEIRO
2013
3
Marcelo do Nascimento Gambi
FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO SERTÃO
MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós
Graduação em História Social, Instituto de História,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito à
obtenção do título de Mestre em História Social.
Orientado: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.
Aprovada em: 13/09/2013.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
______________________________________________________________________
Prof. Dra Márcia Maria Menendes Motta
(Universidade Federal Fluminense)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Leonardo Kelmer Mathias
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
4
G191f Gambi, Marcelo do Nascimento
Fronteiras em Expansão: a conquista espacial no sertão mineiro da Picada de
Goiás, c. 1740 – c. 1800 / Marcelo do Nascimento Gambi – 2013.
172f. ; il.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de História, PPGHIS. Rio de Janeiro, 2013.
Orientador: Antônio Carlos Jucá de Sampaio
1. Brasil - História Sec. XVIII 2.Brasil – História - Minas Gerais I.
Sampaio, Antônio Carlos Jucá de (Orient.) II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de História. III. Título
CDD: 981.51
5
Resumo:
Esta pesquisa visa analisar as dinâmicas de expansões das fronteiras na Comarca do Rio
das Mortes localizada na Capitania de Minas Gerais. Dessa maneira, optamos como
recorte espacial de estudo o antigo caminho da Picada de Goiás, compreendendo este
uma extensa faixa de terra do sertão oeste desta Comarca em questão. Este caminho
desempenhou um importante papel econômico, tendo em vista que nele foram
instalados entrepostos comerciais, bem como o desenvolvimento de áreas produtoras de
gêneros agrícolas e a pecuária. Nosso recorte temporal de análise procedeu-se no
setecentos, mais especificamente entre os anos de 1740 à 1800. A opção por este recorte
deve-se ao fato de que, neste período, aconteceram os principais fluxos populacionais
para estas áreas, assim como o marco no desenvolvimento das atividades agropastoris.
Neste contexto, almejamos, como principais metas para esta pesquisa, o estudo do
processo de ocupação nestas áreas, bem como a análise das estruturas agrárias. Por fim,
ressaltamos que para a realização deste trabalho e a busca dos objetivos traçados,
baseamos nossas investigações nas cartas de sesmarias das vilas e freguesias que
compreendiam o antigo caminho da Picada de Goiás.
Palavras-chave: Picada de Goiás. Agricultura e Pecuária. Fronteiras.
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Abstract:
This study aims at analyzing the dynamics of the frontier expansion of Comarca do Rio
das Mortes in Minas Gerais. In this way, we chose the old road of Picada de Goiás as
our focus of study which is an extensive ribbon of land of the western wilderness of
this area. This trail had an important economic role, considering that many commercial
warehouses were established there to serve the developing areas of land that produced
agricultural products. Our analytical focus was on the seventeen hundreds, more
precisely between the years 1740 and 1800. The option for study is due to two facts.
The first one is that the major population growth in these areas took place during this
time. Second, it was the initial point in the development of agricultural activities. In this
context, our main aim is the study of the process of the occupation of these areas
besides the analysis of the agrarian structures. Finally, we point out that to accomplish
this study and to achieve our aims, we based our investigations on cartas de sesmarias
of these areas which made up the old trail of Picada de Goiás.
Key-words: Picada de Goiás. Agricultural activities. Frontiers.
7
Aos meus avós, Leonidas e
Elza Gambi (In memoriam)
&
Antônio e Alayde
Nascimento.
8
Agradecimentos:
Não sei ao certo como iniciar os agradecimentos, pois ao longo de dois anos de
pesquisa contraí várias dívidas de gratidão. O mais justo é iniciar agradecendo a minha
família. Aos meus pais, José e Henriqueta, devo todo meu amor e respeito, por nunca
terem medido esforços para me proporcionar felicidades. Aos meus irmãos, Henrique e
Lillian, devo a admiração por me ensinarem que com trabalho persistente e dedicação,
somos capazes de alcançar nossos objetivos. Sendo eu o mais novo da família, sem
dúvida alguma, não poderia desejar exemplos melhores a serem seguidos que meus
próprios irmãos.
Agradeço especialmente a orientação do professor Jucá, a quem certamente
posso chamar não apenas de orientador, mas também de amigo. Desde o momento
inicial, quando obtive a aprovação no processo seletivo da UFRJ., ele se prestou com
comprometimento e boa vontade para retirar as (infinitas) dúvidas que um recém
graduado poderia ter. Certamente, sua leitura atenta e sua dedicação em ensinar,
contribuíram especialmente para minha formação como historiador. Ao Jucá, devo
dizer, sem exagero algum, o meu muito obrigado!
A Márcia Motta e ao Carlos Mathias, professores por quem tenho muito respeito
e admiração, agradeço por terem aceitado participar da minha banca de qualificação e
de defesa. As críticas feitas por eles fizeram não só com que meu trabalho evoluísse,
mas também na minha formação como historiador. Agradeço também a estes
professores pelas indicações de pesquisas que foram fundamentais na elaboração deste
trabalho.
Ao Programa de Pós-Graduação, agradeço aos professores que tive a
oportunidade de conhecer e assistir as suas aulas. Em especial, aos professores João
Fragoso, Manolo Florentino, José Pádua e Manoela Pedrosa. A estes, também devo
minha gratidão por terem me ensinado a ser um melhor conhecedor das teorias e
metodologias da história. Também devo agradecimento ao pessoal da secretária da pós,
Beatriz e Sandra, por terem explicado sempre com muita paciência as minhas dúvidas.
Aos professores da UFSJ, onde cursei minha graduação. Assim, agradeço aos
professores Danilo Zanetti, Ivan Vellasco, João Paulo, Moisés, Leônia, Marcos
9
Andrade, Wlamir Silva e Afonso Graça Filho. A este último, em especial, devo o
agradecimento pelos vários anos de convivência, ensinando-me a cada dia os passos
para ser um historiador melhor. Devo dizer também que agradeço ao Afonso e a sua
esposa Regina, por sempre terem me incentivado e acreditado em mim, resultando em
uma boa amizade que perdura desde os anos iniciais da minha graduação.
Agradeço à Capes pelo auxílio financeiro, sem o qual dificilmente poderíamos
avançar e desenvolver as pesquisas.
Devo destacar também os meus agradecimentos ao pessoal do IPHAN de São
João del Rei, onde realizei boa parte das minhas pesquisas. Assim, devo agradecer
principalmente a amizade e o apoio do Jairo e do Rafael, que foram fundamentais para
avançarmos com as pesquisas.
Por fim, devo agradecer aos amigos, sejam estes historiadores ou não. Ao longo
de dois anos tive a felicidade de conhecer pessoas formidáveis que me proporcionaram
momentos muito felizes. Em especial, aos recentes amigos do mestrado, Tarcisio,
Pedro, Angélica, Ana Paula, Thiago e Simone. A estes, agradeço pelas várias horas de
conversas e boas risadas. Aos amigos de residência, João Henrique e Alessandro,
agradeço pelo apoio e companheirismo. Agradeço também ao meu primo Thiago, pela
leitura atenta e pelos bons conselhos. Aos amigos de longa data, Lucas, Rodrigo,
Rafael, Paulo, Bernardo, Marcellone, Samuel e Atemir, que sempre me apoiaram!
Também merece um agradecimento especial os amigos Matheus e Igor, que ajudaram
na elaboração dos gráficos e tabelas presentes neste trabalho. E por fim, agradeço a
Úrsula pela grande amizade e o auxílio nos momentos difíceis. A ela também agradeço
por ensinar a este mineiro o sentido da expressão: "Rio cidade maravilhosa". Todos
vocês foram fundamentais para que este trabalho se realizasse!
10
Sumário:
Introdução .................................................................................................................... 14
Fronteiras em Perspectivas: conceitos e abordagens ......................................... 22
Apresentação dos Capítulos ............................................................................... 29
Capítulo I: Fronteiras em expansão: o domínio do oeste mineiro...................... 30
1.1 – Em Busca das Expansões: analisando a Comarca do Rio das Mortes....... 31
1.2–Entre a vila de São José del Rei e suas freguesias ...................................... 41
1.3 – Fronteiras em expansão: sertões mineiros e a Picada de Goiás ................ 48
Capítulo II: Das fronteiras à ocupação: em busca dos sesmeiros ...................... 70
2.1 - O Instituto Sesmarial: origens, implicações e o domínio .......................... 78
2.2 - Da História Agrária aos Passos da Ocupação ........................................... 97
Capítulo III - Fronteiras e Interações Econômicas: entre o urbano e o rural .. 121
Considerações Finais ....................................................................................... 157
Anexos (mapa da Comarca do Rio das Mortes) ......................................................... 162
Bibliografia ................................................................................................................. 163
11
Índice de Gráficos e Tabelas:
Tabela I: Crescimento da população total da capitania de Minas Gerais por
comarcas (1767 – 1776) .................................................................................... 33
Tabela II: Quadro dos habitantes de Minas Gerais representados por comarcas –
1776. .................................................................................................................. 33
Tabela III: Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por
comarcas – 1821. ............................................................................................... 34
Tabela IV: % de escravos no conjunto da população das quatro comarcas da
capitania de Minas Gerais (1767 – 1821). ......................................................... 35
Tabela V: Rendimento dos dízimos nas freguesias da comarca do Rio das
Mortes (1751 – 1807). ....................................................................................... 39
Tabela VI: Distribuição das povoações da Capitania de Minas Gerais, por
comarca, de acordo com a classificação político-administrativa presente no
Mappa Topográfico e Idrográfico da Capitania de Minas Gerais.
.......................................................................................................................... 119
Tabela VII: Estimativa para a População de São José Del Rei, 1722 ............. 143
Tabela VIII: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1795 .......144
Tabela IX: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1831 ......... 147
Tabela X: Posse de Escravos, São José Del Rei, 1722 ................................... 149
Tabela XI: Distribuição da população escrava paroquial por tamanho das posses
.......................................................................................................................... 150
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Gráfico I: % de roças, lavras e fazendas em Minas Gerais por comarcas – 1766
............................................................................................................................ 37
Gráfico II: Distribuição das cartas de sesmarias referente a Vila de São José del
Rei e suas freguesias na segunda metade do século XVIII.
............................................................................................................................ 53
Gráfico III: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1740. ................................................................... 57
Gráfico IV: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1750 .................................................................... 58
Gráfico V: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1760. ................................................................... 59
Gráfico VI: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1770. ................................................................... 60
Gráfico VII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1780. ................................................................... 61
Gráfico VIII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias na década de 1790. .................................................................. 62
Gráfico IX: % dos tipos de Ups. predominantes por termos 1750 - 1779 ....... 123
Gráfico X: % dos tipos de Ups predominantes por termos - 1780 - 1822 ....... 124
Gráfico XI: Composição das escravarias de S. José - por grupos etários e faixas
de posse ............................................................................................................ 151
13
Índice de Mapas:
Figura I: Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no
século XVIII: ..................................................................................................... 31
Figura II: Mapa da Vila de São José del Rei e suas Freguesias: ....................... 45
Figura III: Mapa da região aproximada do sertão do oeste mineiro. ................ 48
Figura IV: Adaptação do Mapa da Comarca do Rio das Mortes e as rotas de
ocupação das fronteiras no sertão mineiro. ....................................................... 56
Figura V: Mapa da Comarca do Rio das Mortes. ............................................ 162
14
Introdução:
Tenha paciência, o mundo é vasto e largo. (Edwin A. Abbott, In: Planolandia, p. 18)
O cerne deste trabalho consiste na análise do processo de ocupação dos sertões
mineiros, tendo em foco a expansão das fronteiras no oeste da Comarca do Rio das
Mortes. Esta região desempenhou um papel crucial para a viabilidade da extração do
metal precioso, além da formação de importantes centros comerciais destinados a
produção agropastoril. Para tanto, optamos, no que tange ao recorte espacial e temporal,
pelo estudo do Termo de São José D’El Rei e a sua expansão em direção ao oeste, mais
precisamente no antigo caminho da Picada de Goiás1 entre os anos de 1740 a 1800.
Nosso marco temporal decorre de duas condições essenciais para o
desenvolvimento da pesquisa. Primeiramente, refere-se a disponibilidade das fontes
primárias para o nosso recorte de estudo. Portanto, a partir da década de 40 é que
encontramos um volume significativo de documentos que permitem inferirmos uma
melhor compreensão do processo ocupacional, assim como, no movimento das
fronteiras internas. Em um segundo momento, é também neste mesmo período que
ocorrem importantes fluxos populacionais para o interior destas áreas, constituindo,
portanto, novas freguesias ou mesmo, a ampliação no número de indivíduos
encontrados nestas. Quanto a questão espacial, nosso recorte aborda uns dos períodos
mais marcados pelo avanço das fronteiras, provenientes do fluxo populacional
encontrado nesta Comarca. É também neste período que ocorre a ampliação das
atividades ligada aos gêneros alimentícios, desencadeando, portanto, o aumento pela
demanda de faixas de terras. A partir da adoção destes recortes, objetivamos identificar
e compreender como se deu o processo da ocupação territorial 2 nestas áreas e as suas
características socioeconômicas.
1 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Ed. Itatiaia, 1995, p. 227. Segundo Barbosa, o termo “Picada de Goiás” ou “Picada dos Goiazes” era a
referência para as sesmarias situadas nas vizinhanças do caminho que levava de São João del Rei a
Paracatu. Todavia, em nossa pesquisa optamos por concentrar nossos esforços na análise da vila de São
José Del Rei, pois foi este o principal termo que se expandiu ao oeste, constituindo freguesias que
margeavam este antigo caminho. 2 O termo “ocupação territorial” aqui mencionado baseia-se, assim como na obra “Minas e Currais” de
autoria de Ângelo Carrara, “como fase inicial de instalação dos modos de produção específicos, e na qual
já estavam presentes todos os caracteres que correspondiam a cada um deles”. CARRARA, Ângelo
15
Nosso estudo esta atrelado às transformações nos espaços interioranos da
Comarca do Rio das Mortes. Dessa forma, visa identificar através da mobilidade das
fronteiras nos sertões, alguns dos aspectos presentes nestas áreas outrora distantes e que
passaram a desempenhar um papel crucial nas relações econômicas desta Comarca.
Estes aspectos aos quais referimos, tratam-se de elementos pertinentes ao deslocamento
das fronteiras, assim, cabe destacarmos os ritmos de ocupação nestas áreas dos sertões,
exposto através das concessões de sesmarias. Identificar também, como eram compostas
as unidades de terras concedidas através de suas extensões. Quanto ao aspecto social,
visaremos perceber os possíveis embates provenientes do confronto entre os sesmeiros e
outros agentes, como índios e quilombos, que se encontravam nestas regiões em
fronteira aberta. Ainda neste aspecto, cabe ressaltarmos a importância de tentarmos
compreender quem foram os indivíduos que ocuparam e se deslocaram para estas
regiões que compreendiam a Picada de Goiás. Estes são alguns dos elementos que
tentaremos tratar ao longo do desenvolvimento da nossa pesquisa.
É oportuno mencionar que a segunda metade do século XVIII, onde
concentramos nossas análises, é caracterizada por intensas transformações na Capitania
de Minas Gerais3. Dessa maneira, temos que nos ater ao conjunto destas mudanças para
compreendermos as dinâmicas espaciais ocorridas nestas regiões. Assim, cabe
expormos neste momento algumas destas características que influenciaram diretamente
a dinâmica ocupacional, atentando-se aos elementos do movimento/ deslocamento
populacional para a Capitania de Minas Gerais, a formação das primeiras vilas (1711-
1718) e as suas interações com os espaços circunvizinhos e, por fim, a abertura de
caminhos que permitiam o intercâmbio econômico e a ampliação do comércio.
A descoberta dos primeiros veios auríferos na passagem do século XVII para o
XVIII4 viria a provocar uma série de transformações na região de Minas Gerais,
Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora:
UFJF, 2007, p. 52. 3 IGLÉSIAS, Francisco. "Periodização da História de Minas". In: Revista Brasileira de Estudos Políticos,
Belo Horizonte. Vol. 29, Julho 1970. pp. 181-194. A periodização proposta por Iglésias engloba
importantes aspectos políticos e econômicos pertinentes as regiões de Minas Gerais. Sendo de valia ao
nosso trabalho, as importantes transformações ocorridas em 1693 provenientes das descobertas do metal
precioso e a formação da Capitania em 1720. Sendo também válido a redefinição do espaço com a
formação das primeiras vilas em 1711-1718. 4 Registros históricos indicam que a cronologia da descoberta do ouro remonta ao ano de 1693. (...). É
certo que outros pequenos achados foram se sucedendo, mas a revelação da descoberta do ouro em larga
escala situa-se entre 1697 e 1704. Nesse período são descobertas as minas do Sertão dos Cataguases, do
Caeté, do rio das Velhas – cuja principal mina é a do Sabarabuçu –, do Serro Frio e do rio das Mortes.
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desencadeando, portanto, a elaboração do aparato socioeconômico de uma das mais
importantes regiões do período colonial. A montagem desta estrutura deu-se de maneira
lenta e progressiva, estando correlacionada ao ritmo econômico encontrada nesta
Comarca. Dessa maneira, logo no início do seu processo de ocupação, estas áreas já
expunham suas próprias complexidades. Assim, como elemento norteador da economia
vemos inicialmente o metal precioso como desencadeador das correntes migratórias
para a Capitania, que atraiu vários indivíduos ávidos pela possibilidade de
enriquecimento. Entretanto, o metal precioso e o fluxo populacional trouxeram consigo
a constituição de atividades que atuavam concomitantes à extração do ouro. Neste
cenário, o desenvolvimento das atividades voltadas ao abastecimento se destacam pelo
preenchimento da necessidade básica dessa população, ou seja, sua alimentação. 5
Para tanto, a região da Comarca do Rio das Mortes apresentava um dinamismo
em suas atividades produtivas e embora seu sustentáculo fosse inicialmente o metal
precioso, outras foram se desenvolvendo concomitantemente a esta, cabendo mencionar
em destaque o comércio, a agricultura e a pecuária. Segundo os relatos de Antonil em
sua obra de 1711, este dinamismo podia ser identificado em vários pontos da Capitania,
como menciona o autor:
os que assistiram nelas nesses últimos anos por largo tempo, e as correram
todas, dizem, que mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, outras
em mandar catar nos ribeiros do ouro; e outras em negociar, vendendo, e
comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o regalo, mais que
nos portos do mar. 6
Desta forma, ao avançarmos no século XVIII, período em que ocorreram
intensos fluxos migratórios e a abertura das principais rotas terrestres, somos capazes de
identificar as relações sociais que foram se estabelecendo. Assim, como também os
contornos geográficos desta extensa área que ainda caracterizavam-se como uma região
em processo de ocupação.
São essas minas os núcleos primários de irradiação do processo de territorialização de Minas Gerais. Ver:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Itinerários e interditos na territorialização das Geraes. In:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as
Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007. pp. 28-29. 5 MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 23. 6 ANTONIL, André João apud MORAES, Fernanda Borges. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana
das Minas coloniais. In: Op. cit p.64.
17
Considerando ainda os efeitos provocados pelo grande fluxo populacional que
havia se deslocado para as regiões das Minas Gerais, cabe lembrarmos que a Coroa fora
obrigada a preocupar-se com o abastecimento dos centros mineradores, para que, com
isto, evitasse as crises de fome como havia ocorrido nos momentos iniciais da ocupação
desta capitania7. A fim de evitar tais problemas, coube à Coroa incentivar a distribuição
de cartas de sesmarias aos ocupantes destas regiões, desejando, com isto, aumentar a
produção agrícola e o fornecimento de alimentos aos principais centros povoados, que,
neste caso em questão, referiam-se aos núcleos urbanos mineradores. Desta forma,
ocorreu uma intensificação na ocupação das áreas próximas aos centros de extração
mineral, constituindo variados povoados e arraiais, que absorveram parte significativa
dos indivíduos que haviam se deslocado para estas áreas.
Cabe destacarmos também, neste contexto, o papel das concessões de sesmarias
como instrumento de mercê real por parte dos desbravadores dos sertões. "As mercês
eram concedidas de acordo com dois critérios: a posição social do postulante ao
benefício e a importância dos serviços prestados"8. Dessa forma, o mecanismo de
concessão de cartas de sesmarias tratava-se também de um importante instrumento para
incentivar a ocupação dos sertões, pouco conhecidos ou desbravados neste período
colonial.
Outra questão decorrente da intensificação do povoamento destas áreas se
expressou na abertura de caminhos e picadas. Em destaque, havia três principais
caminhos que se conectavam ao interior das Minas Gerais, a saber: o antigo “Currais do
Sertão” que adentrava em território mineiro pela Bahia, o “Caminho Velho” ou
“Caminho Paulista” e por fim, o “Caminho Novo” que ligava as Minas com a região do
7As principais crises de fome ocorreram entre os anos de 1697 / 98 e 1700/ 01. Ver: GUIMARÃES,
Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas.
Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007. p.323. 8 FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.49. Ver também: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da
honra: a remuneração dos serviços de guerra holandesa e os hábitos das Ordens Militares. Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e filosofia, Departamento de História, 2010.
Dissertação de Mestrado. Especialmente os capítulos I e II. & ANDRADE, Francisco Eduardo de. A
invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro da América
portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008. Segundo Andrade, "a estratégia do
governo da Coroa baseava-se na economia do favor e dos prêmios aos súditos que, com gratidão,
retribuíam com mais amor, fidelidade e serviços" p.85.
18
Rio de Janeiro9. Estes caminhos serviam como vias de contato entre a região mineira e
outros importantes centros da colônia. Estabelecia-se assim o comércio de variados
gêneros secos e molhados, além de servir como meio de escoamento do metal precioso.
Dessa maneira, o comércio desempenhava um papel crucial nas regiões mineiras, uma
vez que, permitia a conexão entre as minas e seus currais e as áreas mais distantes.
Ainda neste contexto, como bem ressalta a historiadora Júnia Furtado,
era o comércio que promovia a integração dos mercados internos e externos
da conquista portuguesa na América, e não só era peça fundamental no
abastecimento dos núcleos urbanos, como também forma de promover a
interiorização dos interesses metropolitanos no Brasil 10
.
Deve-se também, pensar no aspecto social dos indivíduos que margeavam tais
rotas,
portanto, os caminhos nas Minas setecentistas devem ser analisados num
contexto mais amplo, destacando-se a sua importância tanto para aqueles que
deles se utilizavam para deslocamento quanto para os sesmeiros que
exploravam as terras contíguas. 11
Posteriormente em nossos estudos, iremos demonstrar a importância que este elemento
desempenhou no processo de ocupação dos sertões mineiros e sua relação direta
estabelecida com os transeuntes destas regiões.
Ainda neste contexto de intenso deslocamento populacional para estas áreas,
iniciava-se também o processo de formação das primeiras vilas e arraiais. Dentre estas,
nas primeiras décadas do século XVIII12
, o território mineiro tinha como principais
núcleos populacionais as vilas de Nossa Senhora do Carmo, Vila Rica e Nossa Senhora
da Conceição de Sabará, São João del Rei, Caeté, Vila do Príncipe, Nossa Senhora da
Piedade de Pitangui e São José del Rei13
. Estes principais centros estavam localizados
9 As principais crises de fome ocorreram entre os anos de 1697 / 98 e 1700/ 01. Ver: GUIMARÃES,
Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria
Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas.
Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007.p.323. 10
FURTADO, Júnia Ferreira.Comentários: as elites no Império Português. In: ALMEIDA, Carla Maria
Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro(Orgs.). Nomes e números: alternativas metodológicas para a
história econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de Fora. 2006. p.121 11
GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as
Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007. p.327. 12
Compreendendo os anos de 1711 a 1718 como referencia temporal. 13
MORAES, Fernanda Borges. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais. In: Op.
citp.80.
19
em quatro Comarcas que compunham a Capitania de Minas Gerais neste período, a
saber: as Comarcas de Ouro Preto, do Rio das Velhas, do Serro Frio e por fim, a do Rio
das Mortes.
O processo de interiorização das regiões distantes do litoral, ou seja, dos
principais centros povoados neste período14
e a dinâmica nas etapas de ocupação dos
sertões mineiros é que se constitui nosso objeto de análise. Destacamos também, de
início, a importância da expansão de fronteiras juntamente com a ocupação do território
mineiro, pois “a constituição de um território é, assim, um processo cumulativo, a cada
momento um resultado e uma possibilidade – um contínuo em movimento” 15
. Desta
forma, a conquista espacial nesta região emerge em decorrência da descoberta mineral,
sendo este o cerne da atração que ocasionou um intenso deslocamento populacional para
estas áreas. Todavia, não podemos desconsiderar de maneira alguma as demais
atividades que surgiram nestas regiões, em destaque as atividades agropastoris e seu
importante papel nesta capitania. Outro ponto fundamental é identificar a ocorrência do
fenômeno de ocupação ao longo do tempo, percebendo assim, a dinâmica deste
complexo processo.
Pelo fato desta pesquisa visar o estudo da ocupação e os processos decorrentes
da expansão das fronteiras no oeste mineiro, serão de grande auxílio os ensinamentos
oriundos da história agrária. Esta análise tem sua origem nas primeiras décadas do
século XX, a partir da junção interdisciplinar entre a história e a geografia. Como bem
ressalta a historiadora Maria Yedda Linhares, esta união enriqueceu as formas de
compreensão do passado, uma vez que, por parte da história,
cabe voltar-se sobre o passado em busca de informações e registros
preciosos, os mais abundantes possíveis, capazes de conduzir a uma
explicação das sociedades humanas nas suas múltiplas determinações e
complexidades. Já ao segundo (campo do geógrafo) cabe observar e
descrever o presente a fim de detectar a ação do homem na ordenação do
espaço que o envolve16
.
14
Todas as vilas quinhentistas, exceto São Paulo de Piratininga, e a maioria das 37 vilas erigidas no
seiscentos também se concentravam no litoral ou muito próximo dele. Idem. p.55. 15
MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005, p.45. 16
LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.
(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.165.
20
No decorrer dos anos, vários autores demonstraram com suas pesquisas a
importância existente na aproximação dos estudos sociais e suas relações com o meio
físico que os circundavam. Neste aspecto, a historiografia francesa cabe de exemplo
para demonstrar os avanços na história agrária, a mencionar os trabalhos de Pierre
Goubert sobre a região de Beauvais, Pierre Vilar sobre a Catalunha e Le Roy Ladurie
sobre a região de Languedoc17
, dentre outros nomes.
Partindo deste princípio, nossa pesquisa visa buscar na dinâmica das fronteiras
nos sertões mineiros uma forma de melhor compreender os processos que influenciaram
a ocupação destas áreas e, também, como se procederam as relações sociais nestes
espaços em formação. Diante deste quadro, nossa região de análise que compreende o
oeste da Comarca do Rio das Mortes, refere-se a uma área de destacada produção
agrícola deste o início de sua formação. Relacionar esta característica com o intenso
fluxo migratório ocorrido nos anos iniciais do setecentos nos auxiliará na compreensão
das fronteiras, bem como na identificação do processo de ocupação nos sertões
mineiros.
Destacando alguns destes pontos, podemos mencionar o interesse na
compreensão do processo de ocupação dos sertões mineiros, centrando na abertura de
caminhos que serviam como áreas de contato entre espaços mais povoados, neste caso a
vila matriz de São José D’El Rei, com as áreas em processo inicial de ocupação, que
compreendem uma série de freguesias18
. Outra questão pertinente a este trabalho refere-
se ao tratamento do conceito de sertões, buscando em suas origens aproximações em
relação à área estudada e o processo de expansão das fronteiras em movimento19
. No
aspecto social, tentar compreender a dinâmica de produção dos gêneros agrícolas
também foi ponto fundamental para este estudo, tendo em vista que nestes espaços em
formação a produção agrícola desempenhou um papel crucial para o elevado
17
GOUBERT, Pierre. Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Paris, Ed. Flammarion, 1968.
LADURIE, Emmanuel Le Roy. The Peasants of languedoc. London. Ed. Urbana, 1974. 18
A vila de São José del Rei compreendia nas seguintes freguesias: Passatempo, Claudio, Lage, Japão,
Matriz, Desterro, Pe. Gaspar, S. João Baptista, Oliveira e Bichinho. 19
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir
da fronteira em movimento. Rio de Janeiro: Edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009.
Segundo Otávio Velho, “fronteira em movimento (movingfrontier) é de uso comum para referir se ao
processo de ocupação do território dos Estados Unidos. Entre nós existem algumas expressões próximas,
embora menos disseminadas, tais como fronteira interna e fronteira econômica”. P. 07.
21
contingente populacional que se deslocou para estas áreas, possibilitando uma
acumulação endógena20
.
20
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. “movimento que
diz respeito à reiteração, no tempo das produções ligadas ao abastecimento interno. Esse movimento, por
ser realizado em todas as suas etapas no espaço colonial, implicaria a retenção de seu excedente no
interior da economia colonial” p.27.
22
Fronteiras em Perspectivas: conceitos e abordagens.
A base deste trabalho compreende a análise da expansão de fronteiras para o
oeste mineiro e o processo de interiorização da região que constitui os sertões mineiros,
tendo como referencial a Picada de Goiás. Como iremos analisar aqui, o aspecto
espacial e as transformações ocorridas nestes espaços ao longo do século XVIII tiveram
vários fatores que influenciaram o seu povoamento. Destacando dois destes principais
elementos, podemos mencionar a descoberta do ouro na vila de São José del Rei e a
formação das zonas produtoras de gêneros agropastoril que se estabeleceram nas regiões
circunvizinhas a esta, acarretando na intensificação do povoamento desta região.
A partir destes eventos, baseamos nossas análises no estudo das transformações
ocorridas nestes espaços em decorrência do povoamento destas áreas. Dito isto,
tratando-se de uma análise regional, buscaremos identificar as transformações ocorridas
ao longo do nosso recorte temporal, pois, a partir disto, podemos “ultrapassar a ideia de
regiões como puras paisagens naturais dado que são, a um só tempo, espaços sociais,
econômicos, políticos, naturais e culturais”21
. Como mencionamos anteriormente, estas
regiões apresentavam duas atividades econômicas que interagiram ao longo do século
XVIII. Estas atividades em destaque eram a extração mineral e o aprimoramento das
áreas de agricultura e pecuária, gerando nestes espaços a formação de unidades
socioeconômicas distintas, todavia, interacionais. Saber isto é crucial na análise
regional, pois
o ponto de partida desse tipo de exercício, (...), deve ser sempre o estudo em
profundidade dos processos de formação e produção do espaço em cada
contexto específico, sendo isto que permite a passagem do dado da paisagem
natural para a socialmente construída, e do espaço indiferenciado para a
progressiva fragmentação de subespaços específicos, de acordo com o
critério de partição adotado22
.
21
CUNHA, Alexandre Mendes, SIMÕES, Rodrigo Ferreira, PAULA, João Antônio de. História
Econômica e Regionalização: contribuições a um desafio teórico-metodológico. Est. Econ., São Paulo,
V.38, N.3, 2008. p.494. 22
Idem. p.495.
23
Cabe, por ora, relacionarmos a regionalização com a dinâmica das fronteiras.
Quando a proposta de pesquisa adota este viés, talvez um dos autores que mais tenham
influenciado nesta abordagem seja Frederick Turner, com suas já disseminadas teses
acerca da fronteira23
. Os estudos de Turner buscaram compreender os efeitos causados
pela conquista do oeste dos Estados Unidos na formação e constituição da identidade
estadunidense, possibilitando, com isto, uma série de pesquisas posteriores. Sua grande
contribuição e que adotaremos neste trabalho, refere-se à possibilidade de percebermos
e identificarmos as fronteiras como espaços de ações sociais. Estas ações/práticas
sociais refletem-se no conjunto de ocupação de uma determinada região, permitindo,
com isto, percebermos as relações sociais existentes nestes espaços em formação. Neste
ponto, Turner ultrapassa a noção unicamente geográfica aplicada para os estudos de
fronteira permitindo com isto, uma análise social dos seus agentes.
Neste trabalho utilizaremos dois elementos básicos das suas teses, que
compreendem a tentativa de analisar as fronteiras através da ideia de espaço e processo.
Primeiramente, quando analisamos a fronteira através da noção de espaço, abrimos a
possibilidade de percebermos as transformações ocorridas nestas áreas, ao invés de
apenas delimitar este conceito como sendo uma divisão ou um limite entre uma área e
outra, ou seja, de uma abordagem unicamente fisiogeográfica. Com isto, o espaço passa
a ser analisado a partir das ações e atuação dos ocupantes de uma determinada área, bem
como os fenômenos provenientes destas ocupações. Como complementação para a
noção de espaço, cabe o conceito de processo nas expansões de fronteiras. Através
desta ideia, a fronteira é analisada segundo as atividades e práticas dos indivíduos
presentes nestes espaços, o que possibilita buscar uma melhor compreensão desta
região.
Aplicando, portanto, estes dois conceitos nesta pesquisa temos por vez, o espaço
apresentado através da ocupação dos sertões mineiros, possibilitado pelo advento da
descoberta do metal precioso e o seu rápido povoamento consequente do acentuado
número de indivíduos que se deslocaram para estas regiões. Em relação ao processo,
podemos identificar através da prática econômico-social existente nestes espaços,
23
AVILA, Arthur Lima. O significado da História. In: História. São Paulo, v.24, N.1, p.191-223, 2005.
“A FrontierThesis postulava a centralidade do processo de expansão para o desenvolvimento da
democracia em terras americanas”. p. 191. & “Apresentava a fronteira como o grande motor do
desenvolvimento social. Os diversos pioneiros, homens e mulheres, eram os verdadeiros founding fathers
da nação”. p. 193.
24
manifestada pela extração do metal precioso juntamente com as práticas agrícolas e a
criação pastoril. Por meio deste ambiente econômico, também ressaltamos a
possibilidade de identificarmos as interações entre os grupos sociais, já que, este
processo ocupacional está intimamente correlacionado com a ação dos agentes sociais
encontrados nestas regiões.
É oportuno destacarmos também, neste momento, a diferenciação entre os
conceitos de limite e fronteira, pois, embora utilizados erroneamente como sinônimos,
estes dois elementos se distinguem. Esta compreensão é de grande valia, já que, o
estudo da fronteira deve-se ao seu aspecto de mobilidade. Assim, o conceito de limite
são,
aquelas que marcam o início e o fim de um determinado terreno, jurisdição,
posse ou província. São lugares onde se podem perceber marcos divisórios.
(...). Ao falar em limite, parte-se hipoteticamente da noção de não existirem
trocas culturais, nem encontro de interesses, seria um conceito estático. Não
há perspectiva de um espaço de interações, mas tão somente marcos que
servem de balizas para jurisdições territoriais de diversas natureza24
.
Em oposição a este aspecto estático que compreende o conceito de limite, temos a
fronteira, que representa a mobilidade e as interações existentes entre determinadas
áreas. Nosso trabalho em questão adota este viés de percepção, uma vez que a fronteira
em movimento na qual iremos nos referir ao longo deste trabalho representa as
transformações decorrentes nestes espaços estudados por nós. Dessa maneira temos,
portanto, as fronteiras como sendo
as terras onde se dá o encontro, a começar pelo de dois diferentes grupos.
Com isso, são percebidas como espaço, não como uma linha divisória; e, por
ser espaço, propiciam uma gama de interpretações e acontecimentos próprios
para o estudo. (...). Fronteira conota movimento e intercâmbio, lugar de
encontro, não de divisão. 25
Continuando na abordagem sobre fronteiras, esta, por sua vez, possui variadas
definições, mas, como nossa pesquisa parte de um estudo com viés na análise social,
iremos assim, nos aproximar da ideia de fluidez constituída nestes espaços em
formação. Assim dizendo, podemos imaginar a fronteira como sendo muito mais que
24
MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: terras indígenas nos sertões fluminenses (1790-
1824). PPG História / UFF. Niterói, 2010. (Tese). p. 20. 25
Idem. p.21.
25
um fenômeno simplesmente geográfico, constituindo-se de um espaço que “agrega
sujeitos, culturas, relações inter-étnicas e de poder, lugar que une e que cria a novidade,
lugar de mitos, beleza, vidas, tensões, tristezas e mortes” 26
. Desta forma as terras de
fronteira tornam-se um rico instrumento de análise para a compreensão de uma
determinada sociedade, já que, podemos analisar variados elementos apresentados em
seus aspectos políticos, econômicos e sociais. Neste momento, nossas considerações se
aproximam da análise do antropólogo José Martins, que percebe esta como sendo a
fronteira do humano. Este conceito identifica a fronteira em suas diversas formas, já
que podem apresentar-se a maneira de “fronteira da civilização (demarcada pela
barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo,
fronteira de etnias, fronteira da História e da historicidade do homem”27
. A fronteira
representa, dessa forma, um conjunto mais interacional e dinâmico do que apenas
aspectos geográficos de uma determinada área em questão. Cabe ressaltar que a ideia
primordial em nosso estudo em questão, compreende a fronteira
não a partir da sua delimitação territorial, mas sim partindo da análise das
relações sociais firmadas nesse espaço social. Nesse sentido, a região passa a
ser uma categoria flexível que pode fazer referência a múltiplas dimensões
espaciais. 28
Os sertões compreendiam uma área pouco povoada e desconhecida, carregada de
elementos culturais 29
. Portanto, esta deve ser pensada a partir do seu processo de
formação. Outra questão importante refere-se ao fato dos sertões compreenderem uma
região não delimitada, ou seja, sem limites precisos. Isto se deve ao fato dos sertões
serem as terras distantes, pouco conhecidas ou povoadas. Vale ressaltar que neste
trabalho estamos considerando como formação as novas áreas que foram se
constituindo a partir da intensificação do povoamento. A partir da consideração dos
elementos sociais desta região, tais como a práticas econômicas e sociais, seremos
26
MACHADO, Marina M. Terras Indígenas e o Avanço do café: abrindo fronteiras no Vale do Paraíba.
In: OLINTO, Beatriz Anselmo. MOTTA, Márcia Menendes. OLIVEIRA, Oséias de (Org.). História
Agrária: propriedade e conflito. Guarapuava, PR: UNICENTRO, 2009. p. 312. 27
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo,
HUCITEC, 1997. p.13. 28
VOLKMER, Márcia. Os Estrategistas da Fronteira: a produção de charque e derivados da carne no
oeste do Rio Grande do Sul (1887-1928). In: GUAZZELLI, Cesar Augusto B., FLORES, Mariana Flores
da Cunha & AVILA, Arthur Lima (org.). Fronteiras americanas: teoria e práticas de pesquisa. Porto
Alegre: Suliani Letra&Vida, 2009. p.131-132. 29
MADER, Maria Elisa. Civilização e barbárie: a representação da nação nos textos de Sarmiento e do
Visconde de Uruguai. Niterói: UFF, 2006 (Tese de Doutorado), pp. 120-125.
26
capazes de perceber a dinâmica das relações destes ocupantes com estes espaços em
formação.
Correlacionando o estudo das fronteiras em seu aspecto regional, caberá por ora,
adentrarmos nos aspectos sociais seguindo as considerações de Frederick Barth. A partir
dos seus conceitos de ato e evento, somos capazes de elaborar uma melhor interpretação
destas regiões.
Segundo o autor, os atos
são ao mesmo tempo instrumentais, nesse sentido mais restrito, e
expressivos, ou seja, mostram a orientação a condição e a posição do ator.
Rastreando as ligações dos atos em direção as suas raízes, encontramos
planos e estratégias, afirmações identitárias, valores e conhecimentos.30
Nestes atos podemos compreender a realidade composta e vivida pelos indivíduos que
se deslocaram para estas áreas, a partir das suas práticas sociais e os motivos que
desencadearam, ou melhor, que levaram estes a se deslocarem para os sertões mineiros.
Neste momento, o segundo conceito aqui utilizado de Barth entra no contexto, pois o
evento
é percebido como algo que traz informações a respeito do outro e como uma
fonte e consequências. O precipitado da interpretação dos atos na pessoa é a
sua experiência e, sinteticamente, em um plano mais distanciado, seus
conhecimentos e valores, que por sua vez podem retroagir sobre planos e
objetivos futuros, bem como sobre futuras interpretações. 31
Estes dois conceitos auxiliarão para a identificação dos dois grandes aspectos
deste trabalho, sendo os atos auxiliadores na percepção das ações sociais, através da
compreensão dos núcleos populacionais que foram se constituindo ao longo do século
XVIII na Comarca do Rio das Mortes. E, por sua vez, o evento auxiliará na
identificação da expansão das fronteiras, manifestada através da percepção dos efeitos
causados pelo descobrimento do metal precioso e as consequências do rápido
povoamento destas regiões, que, em menos de um século já encontravam suas fronteiras
fechadas e ocupadas.
30
BARTH, Frederick. O Guru o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa,
2000. p. 173. 31
Ibidem.
27
Portanto, estes dois conceitos abordados por Barth contribuem para a
identificação dos agentes sociais destas áreas, dentro de um processo de análise voltado
para as ações e práticas sociais destes indivíduos que se deslocaram para estas regiões.
Dessa forma, a influência de Barth neste trabalho nos permite ainda, analisarmos e
identificarmos
os agentes sociais como sujeitos posicionados para ação. (...). As interações
seriam, assim, jogos atravessados por conflitos e tensões, onde os agentes
procuram maximizar seus interesses. Por seu turno, isto implica em
considerar cada grupo ou pessoa como ponto de encontro de várias relações,
leia-se estrela de uma rede social32
.
Destacamos em nosso quadro de análise a importância de percebermos a
ocorrência destes processos ao longo do tempo. Tratando-se da ocupação de uma
determinada região, como em nosso objeto de estudo, é necessária, portanto, a análise
dos processos ocorridos a partir dos espaços ocupados. Dessa forma, iremos focar nossa
atenção nas etapas de transformações desta região. Como bem ressalta o historiador
João Fragoso,
o objeto primeiro do historiador é a mudança. Entendendo por estrutura,
grosso modo, um conjunto interligado de relações sociais reiterativas no
tempo, porém com liames sempre tensos. Daí que estrutura é sempre
movimento, possui certa elasticidade, que é capaz de absorver novos
fenômenos que mudam as suas "feições", sem alterar suas bases33
.
Outro importante conceito para compreensão da ocupação do oeste mineiro e o
processo de interiorização dos sertões refere-se à divisão das áreas compreendidas entre
as minas e os currais. 34
No caso de São José del Rei, a mineração concentrou-se
propriamente na vila matriz sendo que os esforços para encontrar o metal precioso nas
demais freguesias foram esparsos ou mesmo inexistentes. Assim, as demais freguesias
deste Termo especializaram-se na produção de gêneros alimentícios e pecuários, tendo
32
FRAGOSO, João. Alternativas metodológicas para a história econômica e social: micro-história
italiana, Fredrick Barth a história econômica colonial. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de;
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro (Orgs.). Nomes e números: alternativas metodológicas para a história
econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de Fora. 2006 p.35. 33
FRAGOSO, João. Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica. In: Topoi, Rio de
Janeiro. Dezembro de 2002. p.63 34
Acerca das terminologias minas e currais ver: VASCONCELOS, Diogo. História antiga de Minas
Gerais. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948 & MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do
Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nacional, 1938.
28
como principal finalidade o abastecimento desta área mineradora, criando, assim, um
cenário distinto entre as áreas das minas e dos currais. Estas terminologias serão
fundamentais para a compreensão do espaço estudado, pois ambas se complementam e
inter-relacionam. Por um lado, vemos os currais abastecendo o intenso povoamento das
minas e, por outro, as minas fornecendo o capital necessário para a manutenção e
existência dessas. A partir de relatos de viajantes35
na região sul das Minas Gerais,
pode-se perceber que a formação de sítios e fazendas para suprir as carências de gêneros
alimentícios das zonas mineradoras era uma característica comum, encontrada também
em vários outros pontos da Comarca do Rio das Mortes, caracterizada pela produção
destes gêneros.
Por fim, um último elemento no qual iremos também iremos nos basear, refere-
se ao uso de mapas para o nosso recorte espacial. Assim, buscaremos correlacionar as
expansões de fronteiras com elementos e as representações destas regiões. Esta
ferramenta de análise é muito importante, pois
os mapas produzidos eram, muitas vezes, atos de interpretação. De toda
forma, eles guardam informações geográficas que são fundamentais para a
reconstrução de lugares do passado. Por diversas vezes, detém informações
não contidas em qualquer outra fonte escrita, tais como nomes de locais,
fronteiras e aspectos físicos que podem ter sido modificados ou apagados
pelo homem e pelo tempo36
.
A partir deste referencial acreditamos conseguir guiar nossa pesquisa com o
intuito de alcançarmos nossos objetivos, buscando na identificação das fronteiras
algumas das respostas para os processos sociais ocorridos nesta região dos sertões
mineiros.
35
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. 36
BARBO, Lenora de Castro. SCHLEE, Andrey Rosenthal. As estradas coloniais na Cartografia
Setecentista da Capitania de Goiás. In: Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica: passado
presente nos velhos mapas: conhecimento e poder. Paraty, 2011. p. 01.
29
Apresentação dos Capítulos:
Diante deste quadro, nossa dissertação será organizada em três capítulos, que,
por sua vez, poderão subdividir-se em unidades menores. Desta forma, visamos em um
primeiro momento, analisar o processo de ocupação dos sertões mineiros a partir da
expansão de suas fronteiras. Nesta unidade focaremos em demonstrar os elementos
socioeconômicos da região analisada, apresentando as características da Comarca do
Rio das Mortes, da vila de São José del Rei e suas respectivas freguesias. Assim,
centraremos nossos esforços para apresentar o mapeamento das principais regiões da
Picada de Goiás expondo o processo ocupacional nos sertões a oeste de Minas Gerais,
bem como a dinâmica das fronteiras nesta região.
No segundo capítulo iremos apresentar a composição das unidades de terras
concedidas nestas regiões dos sertões. Almejamos com isto, perceber e identificar quais
eram as extensões das faixas de terras pertencentes aos indivíduos que se deslocaram
para estas áreas, expondo, portanto, a dimensão produtiva e o perfil destas unidades de
terras concedidas ao longo da segunda metade do século XVIII. Também será relevante,
neste momento da pesquisa, tentarmos perceber os conflitos existentes na ocupação
desta região, uma vez que se tratando de um trabalho que prioriza o processo de
ocupação / interiorização, vários embates podem ser identificados neste campo de
estudo.
Posteriormente, no terceiro e último capítulo da pesquisa, iremos adentrar nos
aspectos sociais presentes em nossa região de estudo. Dessa maneira, iremos centrar
nossos esforços na compreensão da força produtiva encontrada no Termo de São José
Del Rei, por meio da análise do aumento populacional tanto de livres como de escravos,
como também na sua relação com as unidades produtoras.
Por fim, em nossas considerações finais, desejamos apresentar os resultados que
conseguimos alcançar ao longo desta pesquisa. Cabendo a exposição das nossas
principais contribuições no estudo das dinâmicas das fronteiras. Assim, portanto, no
entendimento da sociedade constituída a partir do processo de ocupação e
interiorizações nos sertões mineiros da Picada de Goiás.
30
Capítulo I – Fronteiras em expansão: o domínio do oeste mineiro.
Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz. (São Lucas, 8: 17).
Neste capítulo desejamos demonstrar o processo de ocupação na região oeste de
Minas Gerais, centrando nossas análises na interiorização dos sertões mineiros ao longo
do século XVIII. Contudo, iremos dividir esta unidade em alguns subtítulos para
auxiliar na compreensão e a análise deste processo. Dito isto, partiremos de uma análise
“macro”, demonstrando as principais características do espaço estudado e por fim,
passando a um estudo em esfera menor, apresentando as características centrais do
nosso recorte de análise.
Em um primeiro momento iremos apresentar a Comarca do Rio das Mortes,
demonstrando algumas de suas características socioeconômicas e o processo de
formação e ocupação de suas áreas. Nosso objetivo com isto é demonstrar ao leitor
alguns dos pontos centrais que poderemos identificar também quando passarmos a
análise dos espaços menores, a saber, a vila de São José del Rei e o caminho da Picada
de Goiás.
No segundo momento desta unidade, iniciaremos a apresentação do nosso
recorte espacial. Iremos centrar nossas atenções na vila de São José del Rei e suas
freguesias que compunham o antigo caminho da Picada de Goiás, demonstrando seu
processo de ocupação e suas unidades econômicas. Também será importante
identificarmos as fronteiras e os limites deste Termo, pois, é base fundamental para
compreensão do processo de ocupação nos sertões mineiros.
Por fim, no terceiro subtítulo deste capítulo, iremos apresentar os resultados da
análise das fronteiras nesta região. Nosso principal ponto nesta unidade é demonstrar o
processo de ocupação dos sertões seguindo como recorte espacial a Picada de Goiás.
Desta forma, iniciaremos nossas considerações.
31
1.1 – Em Busca das Expansões: analisando a Comarca do Rio das Mortes.
O antigo caminho da Picada de Goiás está localizado na Comarca do Rio das
Mortes, sendo esta, um dos três primeiros37
centros administrativos da Capitania de
Minas Gerais. Sua criação se deu pelo Alvará de 171438
e embora não fosse a maior em
extensão territorial, já apresentava nesta mesma data centros significativamente
povoados39
. Sendo a mais meridional dentre as Comarcas de Minas, tinha como limites
ao norte a Comarca de Vila Rica e do Rio das Velhas, a oeste a capitania de Goiás e ao
sul e sudeste limitava-se com as capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro.
Figura I: Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no
século XVIII:
Fonte: CARRATO, José Ferreira apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do
sertão oeste de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. Pág. 36.
37
A Comarca do Rio das Mortes, juntamente com a Comarca da Vila Real do Sabará e Comarca de Vila
Rica, formavam as primeiras Comarcas de Minas Gerais no início do setecentos. Posteriormente, no ano
de 1720 se constituiu a quarta Comarca da Capitania, sendo esta a de Serro Frio. Ver: GRAÇA FILHO,
Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais: São João del Rei
(1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.31. 38
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas
Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.31. 39
A exemplo a vila de São José del Rei e São João del Rei.
32
Sua localização privilegiada rendeu o contato com outros importantes centros da
colônia, permitindo com isto o desenvolvimento de suas áreas comerciais. Após esta
breve apresentação da formação e dos limites territoriais, cabe agora adentrarmos de
forma mais aprofundada nos aspectos socioeconômicos e também, no processo de
ocupação desta região, pois será de grande valia a compreensão destes pontos em nossa
pesquisa.
De povoamento antigo e desencadeado pelo descobrimento dos veios auríferos,
esta comarca atraiu um elevado contingente populacional para suas áreas. Assim como
em outras localidades mineiras, podemos analisar seu processo de ocupação em duas
etapas. Inicialmente em sentido centrípeto, oriundo do deslocamento de indivíduos de
outras partes da colônia ou mesmo da metrópole, para as áreas de extração mineral. Em
um segundo momento, no sentido centrífugo, ou seja, das minas para o interior da
capitania40
. Neste segundo sentido de ocupação iniciou-se a intensificação da abertura
de caminhos que serviam como áreas de escoamento do metal precioso e também para o
abastecimento dos principais centros povoados. A partir desta interiorização que
ocorreu ao longo de todo o século XVIII damos início às análises socioeconômicas.
Para esta região em questão, os dados demográficos demonstram um acréscimo
significativo no número de habitantes ao longo da segunda metade do século XVIII.
Tendo em vista esta consideração, houve um crescimento populacional de 67,3% entre
os anos de 1767 a 1776, passando em números absolutos de 49.485 para 82.781
habitantes41
, como podemos observar a partir das seguintes tabelas:
40
IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (org.). História Geral da
Civilização Brasileira, Tomo II, v.2. São Paulo. Ed:DIFEL, 1960. p.366. 41
ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial.
In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.139.
33
Tabela I 42
: Crescimento da população total da capitania de Minas Gerais por
comarcas (1767 – 1776).
1767¹ 1776²
Comarcas N. absolutos % N. absoluto % Crescimento
CVR 60.249 28,9 78.618 24,8 30,5%
CRM 49.485 23,7 82.781 25,8 67,3%
CRV 69.328 33,2 99.576 31,1 43,6%
CSF 29.538 14,2 58.794 18,3 99,0%
TOTAL 208.600 100% 319.769 100% 53,3%
Fonte: 1) "Mapa geral de fogos, filhas, escravos e escravas, pardos forros e pretos forros, agregados,
clérigos, almas, freguesias, vigários, com declaração do que pertence a cada termo e total, e geral de toda
a Capitania de Minas Gerais, tirado no ano de 1767". - AHU/MG - cx.93, doc. 58. 2) RAPM, 2:511. Apud
CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Rio de
Janeiro, 1997. Tese de Doutorado. Departamento de História da UFRJ, p.65.
Tabela II 43
: Quadro dos habitantes de Minas Gerais representados por comarcas
– 1776.
Homens Mulheres
Comarca brancos pardos negros Total brancas pardas negras Total
Vila Rica 7.847 7.981 33.961 49.789 4.832 8.810 15.187 28.829
Rio das Mortes 16.277 7.615 26.199 50.091 13.649 8.179 10.862 32.690
Sabará 8.648 17.011 34.707 60.366 5.746 17.225 16.239 39.210
Serro do Frio 8.905 8.186 23.304 39.395 4.760 7.103 7.536 19.339
TOTAL 41.677 40.793 117.171 199.641 28.987 41.317 49.824 120.128
Total
Comarca (homens e mulheres) Nascimentos Mortes
Vila Rica 78.618 1.944 1.839
Rio das Mortes 82.781 2.795 1 .660
Sabará 99.576 2.501 2.270
Serro do Frio 58.794 1.734 1.075
TOTAL 319.769 8.974 6.844
42
ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial.
In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.139. 43
MAXWELL, Kenneth R.A Devassa da devassa. RJ.:Paz e Terra, 1977. p.300.
34
Outro ponto importante que cabe ser ressaltado refere-se ao fato de ser esta
comarca dentre as demais de Minas a que apresenta o maior número de brancos44
,
totalizando em 29.926 indivíduos, enquanto a de segundo maior valor, a Comarca de
Sabará apresentando apenas 14.394 indivíduos brancos. Como iremos observar em
unidade posterior, boa parte dos indivíduos brancos desta região estava empregado na
produção agropastoril, desempenhando assim, um papel crucial na economia do termo
de São José del Rei.
Passando a analisar a população escrava, vemos que esta também se mostrou
crescente ao longo do século estudado, como observamos segundo a tabela a seguir:
Tabela III 45
: Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por
comarcas – 1821.
População Total Livres Escravos
Comarcas
N. absolutos % N. absolutos % N. absolutos %
CVR 75.573 14,7% 48.637 14,6% 26.936 14,8%
CRM 213.617 41,5% 128.622 38,7% 84.995 46,7%
CRV 141.312 27,5% 96.015 28,9% 45.297 24,9%
CSF 83.592 16,3% 58.952 17,8% 24.640 13,6%
TOTAIS 514.094 100% 332.226 100% 181.868 100%
Referência: ESCHWEGE, Wilhem L. von. Notícias e reflexões estatísticas sobre a Província de Minas
Gerais. RAPM, v.4, n.4, pp.732-62, 1899.
Embora, Rio das Mortes não fosse a comarca que tivesse o maior número de
cativos nas primeiras décadas do setecentos, foi a que apresentou entre os anos de 1749
a 1767 o maior crescimento em vista das demais comarcas mineiras, tendo um aumento
44
Este elevado número de brancos presentes na Comarca do Rio das Mortes reforça a presença de
portugueses nestas regiões. Como apresenta Carla Almeida, ao longo do século XVIII, provavelmente
muitos migrantes portugueses vieram para as Minas em busca do enriquecimento fácil e rápido. Ver:
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Trajetórias imperiais: imigração e sistema de casamentos entre a
elite mineira setecentista. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro (Orgs.).
Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de
Fora. 2006. pp.71-75. 45
ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.141.
35
de 96% do número de escravos neste pequeno intervalo de tempo46
. Estes números
viriam a apresentar novos acréscimos na passagem do XVIII e início do XIX, o que
transformaria a Comarca do Rio das Mortes no centro de maior população e também a
de maior número de escravos dentre as comarcas de Minas, apresentando um total de
213.617 habitantes, dos quais 84.995 eram escravos47
. Para demonstrar nossas
considerações, expomos a seguinte tabela:
Tabela IV48
: % de escravos no conjunto da população das quatro comarcas da
capitania de Minas Gerais (1767 – 1821).
1767¹ 1821²
Comarcas
Pop. total Pop. escrava % Pop. total Pop. escrava %
CVR 60.249 38.647 64,1% 75.573 26.936 35,6%
CRM 49.485 26.891 54,3% 213.617 84.995 39,8%
CRV 69.328 43.027 62,1% 141.312 45.297 32,1%
CSF 29.538 18.038 61,1% 83.592 24.640 29,5%
Capitania 208.600 126.603 60,7% 514.094 181.868 35,4%
Fontes: 1) Mapa geral de fogos, filhos, escravos ... - AHU/MG - cx.93, doc.58. 2) ESCHWEGE, Wilhem
L. von. Notícias e reflexões estatísticas sobre a Província de Minas Gerais. RAPM, v.4,n.4, pp.732-62,
1899.
Continuando ainda nesta análise do contexto populacional na Capitania de
Minas Gerais, bem como os aspectos pertinentes às suas Comarcas, cabe atermos a
alguns destes elementos e correlacionarmos com o nosso objeto de estudo, ou seja, a
vila de São José e as suas freguesias. Assim, destacamos de imediato que a população
escrava teve um crescimento expressivo e desempenhou um papel importante na
manutenção das unidades produtoras. Todavia, o que mais nos desperta a atenção é o
número da população não escrava na Comarca do Rio das Mortes, que teve um
46
Neste período a Comarca do Rio das Mortes teve sua população escrava aumentada em 96%, a do Rio
das Velhas em 52%, enquanto a de Vila Rica sofreu uma queda de 1,6%. Ver: ALMEIDA, C. M. C. . De
Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v.
11, 2006. p.140. 47
Idem. p.141. 48
ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p.142.
36
crescimento significativamente expressivo ao longo do século XVIII e nas primeiras
décadas do XIX. Portanto, para o nosso estudo em questão isto remete à demanda por
mais terras e, consequentemente, provoca uma movimentação nas fronteiras internas
pela busca de novas áreas de ocupação.
Dessa maneira, estes dois elementos destacados por nós, ou seja, o aumento no
número de escravos e o crescimento significativo da população não escrava, pode ser
melhor percebido quando passamos a identificar as freguesias da Vila de São José del
Rei. Para demonstrar este contexto podemos apontar a freguesia de Lage, que
apresentou um crescimento populacional de 840 pessoas em 1795 para 1.024 nas
primeiras décadas do XIX, além de apresentar um número significativo de cativos, que
representa mais da metade da população49
. Outro caso que ilustra bem este quadro de
crescimento populacional visto na Comarca do Rio das Mortes é a freguesia de Oliveira.
Esta, nos anos finais do século XVIII, apresentava como população 1713 indivíduos50
.
Todavia, no início do século seguinte já era composta por 2809 indivíduos e a presença
de escravos representava um montante de 1166 pessoas51
. Outras freguesias do Termo,
também apresentaram crescimentos significativos em sua população, tanto no número
de escravos quanto de livres52
.
Diante do quadro exposto, logo prevalece a busca por entender os motivos que
desencadearam tal processo de ocupação, bem como o fato desta região ter se tornado
tão populosa neste período em questão. Neste ponto, talvez, a melhor resposta parta do
entendimento das unidades produtivas que se estabeleceram nestas áreas.
Partimos da premissa deque nestes espaços em formação, onde se constituiu uma
sociedade heterogênea e importantes centros comerciais, a economia não poderia ser
dependente exclusivamente do metal precioso, mas sim baseada numa dinamização nas
unidades produtivas. Tendo em vista o contingente populacional que se deslocou para
estas áreas, formou-se um cenário propício para a produção de gêneros agrícolas e
pecuários. Como bem apontam os estudos de Carlos Guimarães e Flávia Mata Reis,
49
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 38. 50
Idem. p.39. 51
Ibidem. 52
A freguesia de Desterro (262 moradores em 1795 para 471 em 1831, sendo 45% de cativo no primeiro momento e 50% no segundo); São João Baptista (487 moradores em 1795 para 637 em 1831, sendo a maior parte deles escravos). In: MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo
Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado) p. 36.
37
desde os primeiros anos do século XVIII, já existia nas Minas uma economia
diversificada, configurando um amplo mercado interno. A análise
documental, sobretudo das cartas de sesmarias, com as doações de terras ao
longo das principais vias de acesso, com o intuito de fornecer mantimentos
básicos para viajantes, condutores e animais de tropas que se dirigiam para as
Minas comprovam a existência de uma atividade rural que, de modo algum,
pode ser vista como insignificante53
.
Comparando o número de roças e lavras na Capitania de Minas Gerais na
segunda metade do século XVIII, percebemos que as atividades relacionadas à
agricultura e à pecuária desempenharam um papel significativo, como pode ser notado
segundo o gráfico a seguir:
Gráfico I 54
: % de roças, lavras e fazendas em Minas Gerais por Comarcas – 1766.
Fonte: "Resumo geral de roças, lavras, fazendas e escravos..." AHU/MG. - cx.93, doc.58.
Destacando a Comarca do Rio das Mortes, as roças representavam um
percentual de 72,6% das unidades produtivas, enquanto as lavras, apenas 27,4%55
. A
diferenciação no percentual destas unidades produtivas demonstram que, "embora a
53
GUIMARÃES, Carlos Magno, MATA REIS, Flávia Maria da. Agricultura e mineração no século
XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais
– as Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007.p.325. 54
ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p. 146. 55
Ibidem.
57,1%
72,6%
65,2%
82,9%
42,9%
27,4% 26,7%
11,6% 8,1%
5,5%
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
CVR CRM CRV CSF
Roças
Lavras
Fazendas
38
mineração não estivesse ausente, era a produção agropecuária claramente
mercantilizada que caracterizava a comarca"56
. Além do mais, esses dados auxiliam
também para demonstrar e termos uma boa representação da absorção destas unidades
produtivas em relação ao número de indivíduos desta comarca. Segundo a consideração
do desembargador José João Teixeira, referindo-se a esta comarca como sendo “a mais
vistosa, e a mais abundante de toda a Capitania em produção de grãos, hortaliças e
frutos ordinários do País, de forma que além da própria sustentação, provê toda a
Capitania de queijos, gados, carne de porco, etc.” 57
.
Outro ponto importante a ser apresentado é o caráter mercantil desempenhado
pelas atividades agrícolas e pastoris, demonstrado a partir da atuação do número total de
escravos nesta comarca. Para atividades agropastoris vemos empregado um total de
60,8% do número total de cativos, enquanto que para as lavras estes valores
representavam apenas 39,2% 58
. Esses dados reforçam o caráter mercantil da produção
agropecuária, mais visível no século XIX, quando esta comarca iria estabelecer relações
comerciais com outros pontos da colônia, cabendo mencionar, como exemplo, o Rio de
Janeiro 59
.
Passando agora à análise dos rendimentos dos dízimos nas freguesias da
Comarca do Rio das Mortes, fica ainda mais evidente a importância desempenhada
pelas roças e o processo de mercantilização da sua produção. De maneira geral, para a
segunda metade do setecentos, a maior parcela das freguesias que concentravam nas
atividades agropastoris apresentaram um acréscimo no rendimento dos dízimos, se
comparado aos principais centros extratores do metal precioso. O importante a ser
destacado das alterações nos valores dos dízimos refere-se ao papel de destaque das
áreas agropastoris em relação às regiões mineradoras. A seguir, expomos em tabela os
rendimentos dos dízimos na Comarca do Rio das Mortes para a segunda metade do
século XVIII:
56 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p.76. 57
TEIXEIRA, Des. José João apud GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito
da Decadência de Minas Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.36. 58
ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p. 147. 59
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais:
São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002
39
Tabela V60
: Rendimento dos dízimos nas freguesias da comarca do Rio das Mortes
(1751 – 1807):
1751-3 ¹ 1765-8 ² 1784-6 ¹
Freguesias No. Rendimentos No. Rendimentos No. Rendimentos
CRM
São João 404 12:696$300 259 10:835$100 695 12:338$250
Baependi 113 1:233$075 53 1:259$125 -- 2:880$713
Campanha 161 1:912$050 53 1:662$225 -- 3:799$950
Airuoca 164 2:442$450 109 2:786$025 -- 5:239$575
Sapucaí -- -- 9 291$975 -- 1:141$200
Cabo Verde -- -- 2 20$400 -- 901$200
São José 216 5:542$650 207 7:716$487 398 7:997$475
Prados 163 6:370$350 118 5:288$925 159 4:803$413
Carrancas 71 1:874$175 33 1:942$650 -- 6:409$800
Borda d. Camp. 181 5:900$888 217 8:862$263 394 8:632$950
Itaverava 184 5:070$375 140 5:527$838 -- 6:824$100
Caminho Novo 19 2:832$000 19 2:263$838 -- 2:094$975
Fontes: 1) CARRARA, Ângelo. Op.cit., pp.191-92. 2) "Mapa do rendimento dos dízimos..." - In.
OLIVEIRA, Tarquínio J. B. de. Análise e organização do Erário Régio de Francisco A. Rebelo, 1768.
Brasília, ESAF, 1976.
De modo geral, esta economia provinda da terra conseguiu desempenhar, para a
região estudada, uma alternativa onde antes prevalecia em foco a extração dos veios
auríferos e também, permitiu que se estabelecessem interações com outras partes da
colônia, conseguindo com isto, a incorporação da atividade mineral, outrora
predominante, pelas atividades agrárias e pastoris.61
Como apresenta as considerações
do historiador Douglas Libby,
60
ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p. 150. (Grifo nosso). 61
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana (1750-
1850). Dissertação de Mestrado. UFF. Niterói, 1994. LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho
em uma economia escravista. SP: Brasiliense, 1988. pp. 14-22. Ver também: MAXWELL, Kenneth R.A
40
não restando dúvida de que o grande sustentáculo da economia mineira do
século XIX foi à agricultura mercantil de subsistência, ou seja, a produção de
alimentos básicos destinados ora ao autoconsumo, ora ao mercado interno,
dentro e fora da província 62
.
As considerações expostas nos parágrafos desta unidade representam um quadro
“macro” e nos permite entender a notável vitalidade da economia da Comarca do Rio
das Mortes, reconhecidamente uma região voltada para o abastecimento desde muito
cedo. Como podemos observar também, a segunda metade do século XVIII representou
a tendência à diversificação econômica presente desde os primórdios da
ocupação foi se aguçando e os produtos agropecuários passaram a
desempenhar um papel preponderante na economia da capitania,
anteriormente ocupado pelo ouro63
.
Focaremos agora na apresentação da vila de São José del Rei, identificando estas
características gerais presentes na comarca do Rio das Mortes em um espaço menor de
análise. Com isto, seremos capazes de iniciar o estudo do processo de interiorização do
oeste mineiro a partir do antigo caminho da Picada de Goiás.
Devassa da devassa. RJ.: Paz e Terra, 1977. p. 110-114. & LENHARO, Alcir. As tropas da moderação:
o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo, Símbolo, 1979. 62
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no
século XIX. P. 14. 63 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p.47.
41
1.2– Entre a vila de São José del Rei e suas freguesias:
Esta parte do trabalho compreende a apresentação da vila de São José del Rei e
suas respectivas freguesias que compunham o caminho da Picada de Goiás. Identificar a
formação desta vila, bem como, suas unidades produtivas, nos auxilia na percepção das
etapas de ocupação desta região.
Quanto à sua localização, a vila de São José del Rei estava situada em ponto
estratégico da Comarca do Rio das Mortes. Esta boa posição geográfica permitiu o
contato com outros importantes centros comerciais, a saber: ao leste, pelo Caminho
Novo, tinha-se o contato com o Rio de Janeiro; ao Oeste, outros importantes caminhos
que ligavam às regiões de São Paulo e Goiás64
; ao norte e noroeste com as Comarcas de
Ouro Preto e Sabará. Também cabe ressaltarmos a sua proximidade com a Vila de São
João del Rei, outro importante centro desta região e considerada a cabeça65
da comarca
do Rio das Mortes.
Nosso quadro de análise para esta região parte da hipótese66
de que Minas
Gerais, mais precisamente a Comarca do Rio das Mortes no período em questão,
apresentava três unidades econômicas que estavam inter-relacionadas, sendo estas: a) a
exploração mineratória; b) a agricultura voltada para o abastecimento e c) o
desenvolvimento das rotas comerciais, que foram se intensificando ao longo deste
século e adentrando cada vez mais nos sertões a oeste da Capitania. A partir destes
pontos, elaboramos nossos parágrafos seguintes.
Situada na Comarca do Rio das Mortes, a vila de São José Del Rei teve sua
formação na primeira década do século XVIII67
e pelo que tudo nos indica adveio da
64
ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no séc. XVIII. SP: Hucitec
/Edusp, 1990. pp. 45-54. 65
"São João del Rei, a cabeça do comarca e centro do distrito eleitoral, teve seu foral de vila em 1712 e
foi levantada à essa categoria em 08 de dezembro de 1713" In: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro.
Pequenos produtores de São José do Rio das Mortes, 1730 – 1850. p.33. 66
Analisando a evolução do patrimônio da família Ferreira Armonde, o historiador Antônio Lacerda
apresenta estas hipóteses para a região da Comarca do Rio das Mortes. Ver: LACERDA, Antônio
Henrique Duarte. A evolução do patrimônio da família Ferreira Armonde através de três Gerações
(Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, 1751 – 1850). In: MOTTA, Márcia Maria Menendes.
GUIMARÃES, Elione Silva (Orgs.). Campos em Disputa: história agrária e companhia.São Paulo: Ed.
Annablume, 2007. p.64. 67
Na obra História Média das Minas Gerais, Diogo de Vasconcelos citando Herculano Veloso aponta a
descoberta do metal precioso no ano de 1702 no lugar denominado “Ponta do Morro”. Cita as
42
descoberta do metal precioso. Quanto ao achado dos veios auríferos, há divergências
acerca dos nomes dos taubateanos Tomé Portes del-Rei e João de Siqueira Afonso68
,
entretanto, tal ponto não nos desperta atenção no momento, mas sim, as consequências
provindas de tal feito.
A primeira consideração a ser mencionada refere-se ao intenso deslocamento
populacional que ocorreu nesta região, sendo que, nos primeiros anos de formação da
vila já apresentava núcleos significativamente povoados. A população total no Termo de
São José del Rei no ano de 1722 estava estimada em 5.595 habitantes69
e estes números
viriam a aumentar no decorrer do século XVIII. Estes indivíduos desempenhavam como
principais atividades nesta região, a mineração, a agricultura, a pecuária e o comércio70
.
Como demonstramos no subtítulo anterior, uma das características marcantes da
Comarca do Rio das Mortes foi a produção agrícola e a criação pastoril. Assim, também
ocorreu na vila de São José del Rei desde os momentos iniciais de sua formação. Essa
região, servindo como posto avançado para a ocupação do oeste mineiro, formou ao
longo da primeira metade do setecentos vários povoados rurais que se integraram à vila
matriz de São José71
. Esses currais, aqui compreendidos como áreas produtoras de
gêneros agropastoris, passaram então a desempenhar um papel crucial para a viabilidade
da extração do ouro, pois, serviam como áreas abastecedoras dos principais centros
informações do sargento-mor José Matol na notícia que dá ao Pe. Diogo Soares: “O que posso informar a
V. Revma. sobre o que me ordena, é que, no ano de 1702, pouco mais ou menos, descobriu Tomé Portes
del-Rei, junto ao sítio em que está a vila de São José, um ribeiro que ele, como substituto do guarda-mor, repartiu entre si e alguns taubateanos, onde formaram todos um arraial a que deram o nome de Santo
Antônio, levantando nele pequena capela” (VELOSO, Herculano apud VASCONCELOS, Diogo de.
Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José Del Rei). Acrescenta que, o arraial de Santo Antônio havia
se tornado vila por ato de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, em 19 de janeiro de 1718, criando a
vila de São José Del Rei. Por sua vez, a freguesia surgiu logo após a formação do arraial, tendo sido
tornado coletivo pelo alvará de 16 de fevereiro de 1724. Ver VASCONCELOS, Diogo de. História média
das Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999, p.350. 68
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Ed. Itatiaia, 1995, p.350. Ver também VASCONCELOS, Diogo de. História Média das Minas Gerais.
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999, p. 350. 69
BOTELLHO, Tarcísio Rodrigues. “População e escravidão nas Minas Gerais”, Anais eletrônicos do
12º Encontro da Associação Brasileira de Estudos de População – ABEP. Belo Horizonte, 2000, p.14. 70
BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal – família e sociedade (São João del Rei, século
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007. pp.25-44. 71
MALAQUIAS, Carlos. O. População, fronteira e ruralização em São José do Rio das Mortes na
passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e Lugares no Brasil: Itinerários da
Pesquisa Histórica, Médotos, Fontes e Campos Temáticos, Mariana (MG) 2010. p.02
43
minerais. Ainda neste ponto, cabe ressaltarmos a interdependência existente entre as
minas e os currais72
, uma vez que,
da mineração como atividade inicial para uma vida urbana com adensada
estrutura de serviços e ampla atividade comercial é, como se disse, que se
qualifica a necessidade de fluxo regular de abastecimento, polarizando os
espaços produtivos do entorno e articulando áreas um pouco mais distantes
dentro do território com a decorrente necessidade do estabelecimento de
nucleações intermediárias73
.
Outra característica da Vila de São José del Rei é a vasta extensão de terras a
serem exploradas. A partir do intenso fluxo migratório para esta região, juntamente com
a presença de áreas em fronteira aberta, desencadeou-se a ocupação do oeste mineiro ao
longo do século XVIII. Ainda neste cenário, constituiu-se uma ocupação
significativamente voltada para a produção alimentícia nas regiões circunvizinhas à vila
matriz. Este fenômeno procedeu-se pelo fato dos principais veios auríferos estarem
concentrados na vila principal, que por sua vez, fez com as demais freguesias se
especializassem na produção agrícola e pastoril74
. A título de exemplo, entre os currais
e as minas predominavam o comércio de gado bovino – vacum –, porcos, queijos,
toucinhos e grãos dos mais variados75
.
Iniciado o processo de ocupação a partir da descoberta do metal precioso, as
principais áreas e núcleos populacionais foram se constituindo, desempenhando, por sua
vez, uma especialização econômica variando entre as freguesias e a vila matriz, cada
qual mutuamente interagindo. Este processo foi lento, mas visível quando analisado ao
longo deste século.
72
Acerca das terminologias minas e currais ver: VASCONCELOS, Diogo. História antiga de Minas
Gerais. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948 & MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do
Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nacional, 1938. 73
CUNHA, Alexandre Mendes. Minas Gerais, da capitania à província: elites políticas e a
administração da fazenda em um espaço em transformação. Niterói: ICHF/UFF, 2007. pp. 93-94. 74
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José d'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, n1/2, jan./dez. 2000. p.20. 75
GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).
Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.1,Nº2 1986.p. 7-36.& MENESES, José
Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas.
Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000.
44
O Termo de São José del Rei estava constituído ao longo do século XVIII por
nove freguesias, sendo estas, Bichinho, Padre Gaspar, Lages, Passatempo, Oliveira,
Cláudio, Carmo do Japão, São João Batista e Desterro76
.
76
GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).
Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.2, 1986.p. 7-36.& MENESES, José Newton
Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina,
MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000.
45
Figura II: Mapa da Vila de São José del Rei e suas Freguesias:
Fonte: MALAQUIAS, Carlos. População, fronteiras e ruralização em São José do Rio das Mortes na passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e
Lugares no Brasil. UFOP, 2010.
46
Após demonstrar este quadro geral da formação da vila de São José e suas
respectivas freguesias, cabe agora analisarmos as transformações socioeconômicas. Para
tanto, a utilização do Rol dos confessados 77
de 1795 serve para ilustrar a dinâmica
populacional desta região. Neste ano, a vila matriz de São José concentrava o maior
número de habitantes, tendo um total de 4.005 indivíduos e 795 fogos 78
. Estes valores
correspondiam a 36,5% 79
da população total deste termo. Por sua vez, esta
concentração populacional referia-se ao fato de ser esta vila a principal área extratora do
metal precioso e também, o local central das relações comerciais.
Cabe ressaltarmos que, embora neste período em questão a extração mineral já
estivesse em processo de esgotamento, foi ela que impulsionou o adensamento
populacional na vila matriz, que viria a sofrer modificações significativas no seu
contingente populacional somente nas décadas posteriores. Este decréscimo
populacional a qual estamos nos referindo e que analisaremos a seguir, decorre da
produção agropastoril que se estabeleceu nas freguesias próximas e nas áreas mais
adentradas do sertão, que constituía este setor dinâmico da economia80
nesta Comarca,
atraindo assim um número significativo de indivíduos para a prática desta atividade.
Entretanto, também é oportuno destacarmos a importância desta vila a partir do seu
aspecto administrativo, sendo o centro político deste respectivo termo.
Este quadro, no entanto, viria a se transformar nos primeiros anos do século
XIX, quando analisado pelas listas nominativas de 1831. Com o esgotamento dos veios
auríferos e o crescente desenvolvimento da produção agrícola nesta região, ocorreu um
êxodo populacional da vila de São José del Rei para suas respectivas freguesias rurais.
Neste contexto, a população total da vila matriz viria a sofrer uma queda de 37% no
número de habitantes, passando agora, a um total de apenas 2.683 indivíduos 81
. Em
77
O rol de confessados é uma lista de todos os residentes na paróquia com idade superior a 07 anos,
distribuídos pelos fogos a que pertenciam e organizada por ruas e lugares. Nesta lista pode-se encontrar os
nomes completos dos indivíduos casados ou viúvos e dos solteiros isolados ou cabeças de fogo. In:
AMORIM, Maria N.; DURÃES, Margarida & FERREIRA, Antero. Bases de dados genealógicas e
História da Família em Portugal: análises comparativas (do Antigo Regime à Contemporaneidade). La
História de la Família en la Península Ibérica. UCLM, 2003. p.08. 78
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 34. 79
Ibidem. 80
LIBBY, Douglas. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século
XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1998. 81
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 35.
47
contrapartida, as freguesias que constituíam os centros produtores de gêneros
alimentícios deste termo viriam a apresentar um acréscimo significativo no número de
seus habitantes. Como demonstrativo deste crescimento cabe mencionarmos a região de
Claudio e Oliveira, que respectivamente, apresentaram um aumento de 18,09% e 21%
no número de habitantes.
Passando agora para a análise do número de escravos, também constatamos um
quadro similar ao apresentado anteriormente. A vila de São José del Rei que outrora
concentrava 40% de cativos no final do XVIII, viria a ter no início do XIX apenas
18,5%82
. Todavia, a população escrava viria a crescer em todas as freguesias do termo,
cabendo ressaltar as regiões de Claudio e Japão, que dobraram o número de escravos
neste período de análise.
Estes dados ressaltam a postura mercantil da produção agrícola e pecuária nesta
região, que antes, em sua grande maioria atuava como zonas de abastecimento do centro
extrator do metal e agora comercializava com praças mais distantes, a exemplo o Rio de
Janeiro, que “até meados dos Setecentos, gado bovino, queijos, toucinhos e grãos
procedentes de São José haviam penetrado na praça mercantil do Rio de Janeiro e, de lá,
eram redistribuídos para mercados menores, especialmente os litorâneos”83
.
Após a apresentação dos aspectos gerais da vila de São José del Rei e suas
freguesias, partimos agora, para o estudo das fronteiras nos sertões mineiros. Como
tentamos demonstrar nesta unidade, o processo de ocupação estava intimamente
vinculado à expansão das unidades agropastoris. Lembrando que esta unidade de
produção necessitava de uma contínua incorporação de novas terras, resultando assim,
no processo de interiorização do oeste mineiro, como tentaremos apresentar agora.
82
MALAQUIAS, Carlos. O. População, fronteira e ruralização em São José do Rio das Mortes na
passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e Lugares no Brasil: Itinerários da
Pesquisa Histórica, Médotos, Fontes e Campos Temáticos, Mariana (MG) 2010. p.08. 83
FRANK, Zephyr; LIBBY, Douglas. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade
em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. p. 04.
48
1.3– Fronteiras em expansão: sertões mineiros e a Picada de Goiás.
Nesta unidade do trabalho, almejamos demonstrar como se deu o processo de
ocupação dos sertões mineiros, analisando assim, as etapas de interiorização do antigo
caminho da Picada de Goiás. Segundo o pesquisador Waldemar de Almeida Barbosa,
esta picada compreendia as sesmarias situadas nas vizinhanças do caminho que levava
de São João del Rei a Paracatu84
. Esta área de grande extensão territorial incorporava a
principal região do oeste mineiro, ou seja, os sertões da Comarca do Rio das Mortes.
Figura III: Mapa da região aproximada do sertão do oeste mineiro.
Fonte: CARRATO, José Ferreira apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do
sertão oeste de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. Pág. 38.
84
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Ed. Itatiaia, 1995, p. 227.
49
Seu processo de ocupação e interiorização iniciou-se por volta de 1737, na
tentativa de encontrar metais preciosos, além da expansão de fronteiras para o aumento
da produção agropastoril. Neste contexto da Picada de Goiás, não podemos deixar de
mencionar as expedições realizadas por Inácio Correia Pamplona85
, que conseguiu
conter os quilombos, além de capturar e dizimar boa parte dos índios bravios desta
região86
. Este conjunto de fatores desencadeou o início da ocupação nesta região.
Destacamos neste momento a importância da expansão das fronteiras juntamente
com a ocupação do oeste mineiro, uma vez que, a demanda por mais terras se tornou
constante ao longo da segunda metade do século XVIII, fazendo surgir a necessidade de
ocupação de áreas cada vez mais interioranas da Comarca. Para tanto, a conquista
espacial nesta região emerge em decorrência da descoberta mineral, sendo este o cerne
da atração que ocasionou este intenso deslocamento populacional, provocando,
portanto, uma transformação nesta região. Neste contexto é oportuno destacarmos que
as regiões circunvizinhas à vila matriz e também nas áreas mais interioranas tinham
como base econômica a produção de gêneros agrícolas e a pecuária, com o intuito de
abastecer a principal região mineradora deste termo, neste caso, a vila de São José del
Rei.
Todavia, antes de adentrarmos no estudo da expansão de fronteiras ocorridas
nesta região, cabe neste momento, apresentarmos algumas características dos sertões
mineiros. O sertão (ou os sertões) está intrinsecamente relacionado à percepção dos
povoadores acerca da natureza que lhes rodeavam87
. A busca pela riqueza e o
povoamento de áreas remotas, distantes dos principais centros povoados e do litoral,
contribuíram para a formação da mentalidade destas áreas. As definições variavam de
região para região, cada uma reservando suas próprias características e peculiaridades,
sempre relacionadas com a percepção e impressão do espaço que os circundavam.
85
Segundo o Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, Inácio Correia Pamplona era mestre de
Campo nas Minas Gerais, que de 1764 a 1766 andou chefiando, por ordem do governo, expedições para
segurança e povoamento dos sertões do Campo Grande, Rio das Abelhas e circunvizinhanças. Mandou
depois, de 1766 a 1790, fazer naqueles sertões, a sua custa, 6 entradas exploradoras. In: FRANCO,
Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. séc. XVI-XVII-XVIII. 86
PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 87
FAORO Raimundo apud. CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado
interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 42. Segundo Faoro, “os sertões eram o
outro mar ignoto, cercado por mistérios e desconhecimento”.
50
Iniciemos então com a apresentação de algumas imagens criadas a respeito
destas áreas. Portanto, buscar a sua terminologia pode representar um ponto importante
nesta análise. A palavra sertão é oriunda do radical latino "desertanu" que remete a uma
ideia geográfica e espacial de deserto, de interior e de vazio, caracterizando assim, na
ausência de elementos civilizados88
. Segundo o dicionário de Raphael Bluteau de 1728,
o sertão compreende a região “afastada do mar, e por todas as partes, metida entre
terras”89
. Outra definição que utilizamos neste trabalho trata-se da obra de Antonio de
Moraes Silva, que aponta os sertões assim como Bluteau, compreendendo o “interior, o
coração das terras, oppõe-se ao marítimo, e costa” 90
. Notam-se, segundo estas
definições para o século XVIII a semelhança, ou melhor, uma aproximação entre o
distanciamento destas áreas em relação ao litoral.
Em síntese, carregada de significação geográfica, os sertões compreendiam as
terras distantes do litoral, terras estas, que deveriam ser civilizadas e melhor
delimitadas, pois, “o reino era dificilmente governado por quem mal o conhecia ou mal
o podia conhecer” 91
. Cabe destacarmos também, a utilização dos pressupostos
geográficos para a compreensão destas extensas áreas denominadas como sertão, em
que, apresentam características tão peculiares. Desta maneira, temos então, a concepção
do sertão como
não sendo construções específicas (ou o seu adensamento) que lhe conferem
singularidade. Antes, a ausência de tais elementos é que aparece como fator
de distinção em sua delimitação. (...). Na verdade, o sertão não é um lugar,
mas uma condição atribuída a variados e diferenciados lugares. Trata-se de
um símbolo imposto - em certos contextos históricos - a determinadas
condições locacionais, que acaba por atuar como um qualificativo local
básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade
da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia
geográfica92
.
Após apresentarmos os sertões em seus aspectos geográficos, cabe agora
tentarmos analisá-los em seus aspectos culturais, que tanto influenciaram o imaginário
88
AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século
XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. pág. 26. 89
Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 em 25 de maio de 2012. 90
Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3 em 25 de maio de 2012. 91
MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa, Ed. Estampa. p.24. 92
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, um proposta e uma
crítica. São Paulo:Annablume, 2009. p. 87-89.
51
dos ocupantes destas áreas. Para tanto, talvez os relatos dos viajantes e cronistas de
época sejam o principal sustento para este tipo de análise. Neste caso, o aspecto
fisiogeográfico é deixado um pouco de lado e surge neste cenário a dicotomia entre o
edênico/ paradisíaco, juntamente com o desconhecido e os mistérios. Nesta forma de
descrição dos sertões, a natureza aparece como principal foco, manifestada através das
interações da fauna e da flora em relação aos indivíduos que se deslocaram para estas
áreas. Cabendo ressaltar que este processo esta diretamente relacionada ao ambiente que
circunda estes indivíduos, uma vez que “La historia de La relación humana com El
mundo físico, com El ambiente como objeto, agente o influencia em La historia
humana” 93
.
O exemplo deste imaginário pode ser demonstrado nos relatos de Waldemar de
Almeida Barbosa94
, que apresenta o clima da capitania de Minas Gerais nesta típica
dicotomia entre ora edênico e ora ameaçador, como se nota a seguir. Primeiramente,
ressaltando a boa qualidade para a vivência, fazendo paralelos com a longevidade dos
moradores das Minas Gerais, como se observa na seguinte passagem,
debaixo de um céu temperado e saudável, as Gerais desconhecem as
enfermidades agudas que despovoam a maior parte dos países da terra.
Não maravilha ver nelas homens centenários, e de mais anos95
.
No entanto, como em quase todo o seu relato, o clima também não deixa de apresentar
suas ambiguidades, neste caso, demonstrado no seguinte trecho,
(...) conhecem-se, contudo as moléstias análogas aos climas úmidos e
quentes: a frouxidão, de que no andar dos tempos (se originam) doenças
mortais, é uma das endêmicas de Minas. Também nos sertões, as águas
encharcadas e os pântanos, com os ardores do sol, produzem sezões e febres
malignas96
.
93
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: El médio, La cultura y La expansión de
Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p.11. Livre tradução: "a história da relação humana
com o mundo físico, com o ambiente como objeto, agente o influencia na história humana". 94
VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve Descrição Geográfica, Física e Política da
Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro,
Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. 95
Idem pág. 54 (grifos meus). 96
Ibidem. (grifos meus).
52
Além da mistificação dos elementos naturais, os sertões também eram áreas
perigosas e ameaçadoras representadas pelos índios que habitavam estas regiões,
“porque ninguém pode pelo Sertão dentro caminhar seguro nem passar por terra onde
não ache povoações de índios armados contra as nações humanas” 97
. Estes relatos
auxiliam na percepção da atmosfera que assolava o imaginário dos ocupantes destas
áreas.
Contudo, estas terras distantes percebidas inicialmente pelos bandeirantes
paulistas98
que adentravam nos interiores em busca de riquezas foram ao longo dos anos
constituindo povoados e arraiais, servindo de fonte de enriquecimento para muitos que
se instalavam nestas áreas. Este cenário de regiões perigosas e misteriosas foi sendo
deixado de lado, e a mentalidade de serem terras distantes se modificou, formando
importantes centros econômicos, principalmente para a prática agrária. Novos caminhos
foram sendo abertos, criando uma rede de comunicação entre as áreas distantes e a base
da economia colonial neste período, ou seja, a mineração. Em se tratando da região da
Picada de Goiás, que inicialmente adentra no imaginário dos sertões, conquista ao longo
do século XVIII um status importante como zona curraleira na Comarca do Rio das
Mortes. No final do século XVIII e início do XIX esta região irá mobilizar recursos da
economia mineral já em decadência, nas atividades agrícolas e a pecuária99
,
transformando definitivamente a região dos sertões mineiros.
Retomando agora a análise das fronteiras no oeste mineiro, centraremos no
estudo da Picada de Goiás para a compreensão das etapas de ocupação nesta região.
Cabe ressaltarmos que para a elaboração deste mapeamento, baseamos nossos estudos
em 287 cartas de sesmarias, volume este que compreendiam as faixas de terras
concedidas nesta picada. O motivo para tal refere-se ao fato das cartas de sesmarias
tratar-se de um documento que,
97
CAMINHA, Pero Vaz apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste
de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. pág. 31. 98
CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais
1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 43. “Os sertões foram de início percebidos pelos paulistas que
os penetravam como lugar de risco e perigo, terra de inimigos bichos mui indômitos, desertos e miasmas,
febres e peçonhas”. 99
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana(1750-1850).
Dissertação de Mestrado. UFF. Niterói, 1994. p. 94 & LIBBY Douglas Cole. Transformação e trabalho
em uma economia escravista. São Paulo: Brasiliense, 1988. pp. 14-22.
53
se tomadas num grande conjunto, (...), podem desenhar a ocupação do
território, o perfil dos sesmeiros, os momentos de maior ou menor
distribuição das terras, a ocupação dos sertões, a variação dos seus textos etc.
Mas se tomadas isoladamente, ou em conjuntos menores, talvez respondam a
poucas das questões que inquietam o historiador das estruturas agrárias100
.
Comecemos então, nossa análise, identificando os fluxos de ocupação a partir
das cartas de sesmarias. Para tanto, elaboramos um gráfico dividido por décadas que nos
auxiliará a inferir algumas importantes considerações do processo de interiorização
nesta região. Todavia, é válido ressaltarmos que este gráfico inicia-se no período de
1740 devido à ausência de fontes suficientes para a análise em período anterior e
também, por ser este o momento principal da intensificação populacional nesta região.
Gráfico II: Distribuição das cartas de sesmarias referentes à Vila de São José del
Rei e suas freguesias na segunda metade do século XVIII.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias pertencentes à Vila de São José Del Rei e suas freguesias.
100
PINTO, Francisco Eduardo. As Sesmarias da Comarca do Rio das Mortes nas nascentes do São
Francisco. In: XXIV Simpósio Nacional de História. ANPUH, 2007. p.08.
Décadas N= 287
27
8175
54
21
29
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1740-1750 1750-1760 1760-1770 1770-1780 1780-1790 1790-1800
Década
54
A partir da análise deste gráfico, percebemos uma expansão acentuada das
fronteiras nas décadas de 1750, 1760 e 1770. A análise destas três décadas em questão
serve para inferirmos que neste período as fronteiras desta região encontravam-se
abertas, absorvendo o intenso contingente populacional que se deslocou para estas
áreas. Outro importante ponto referente a este período trata-se da intensificação da
produção agropastoril, que serviu como atrativo para que esses indivíduos ocupassem
tais áreas. Cabe ressaltarmos também, como demonstramos na unidade anterior, que os
currais de São José del Rei tiveram sua população aumentada em todas as suas
freguesias, como demonstramos a partir da análise do Rol dos confessados de 1795,
corroborando assim, com os dados encontrados no mapeamento desta região e provando
a intensificação desta ocupação. Outro ponto importante trata-se da distribuição destas
sesmarias estarem por sua vez, mais próximas da vila matriz – São José del Rei – por
ser este o principal mercado consumidor e possuidor de elevados preços na venda dos
gêneros agrícolas e pastoris.
Entretanto, nas décadas posteriores, compreendendo os anos finais do
setecentos, inicia-se o processo do fechamento destas fronteiras. Neste momento em
questão, percebemos que a ocupação se deu em áreas mais distantes do centro
minerador, que, por sua vez, adentrava em áreas mais próximas da província de Goiás.
Acreditamos que o motivo para tal fenômeno esteja relacionado com o intenso
povoamento ocorrido nas décadas anteriores, que provocou a ocupação de boa parte das
terras nas proximidades da vila de São José del Rei, restando assim, por ora, a
interiorização dos sertões.
Neste ponto em questão, cabe destacarmos a transformação da visão clássica de
sertões, outrora, áreas longínquas dos centros povoados, que por sua vez, passam a
constituir freguesias e arraiais e consequentemente, formando centros economicamente
produtores. Assim, este processo é interessante e permite identificar que "o povoamento
avançava nos espaços contíguos, gerando zonas contínuas de ocupação e jogando para
diante as fronteiras do território ocupado".101
Desse modo, à medida que as fronteiras
internas avançam e a demanda por mais faixas de terras ocasionam a interiorização nas
áreas dos sertões, estes espaços tem seus valores e interpretações culturais
101
MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial
brasileiro no 'longo' século XVI. São Paulo, Ed. Hucitec, 2000. p. 327-28.
55
transformados. A perspectiva simbólica relacionada ao "vazio" destas áreas102
,
fortemente caracterizado pela selvageria e barbárie, passam a integrar, como
mencionado anteriormente, áreas de ocupação.
Deste contexto, prevalece a dinâmica territorial presente nestas regiões tão
carregadas de simbolismos e mitos, que na "perspectiva de avanço e conquista que se
propõe sobre o sertão, assim como a fronteira, faz deste um espaço de mobilidade"103
. O
entendimento destas expansões nos possibilita a compreensão e uma melhor forma de
analisarmos o processo de ocupação destas áreas. Através da identificação dos núcleos
populacionais que se instalaram nesta região, podemos perceber aproximadamente três
rotas de expansão das fronteiras referente ao caminho da Picada de Goiás durante o
período analisado por nós. Desta forma, teremos segundo a ilustração a seguir as
principais rotas:
102
Estamos nos referindo neste momento a percepção do sertão como lugar de barbárie, ausentado de
religião, leis, governo e outros elementos que caracterizavam como espaços de selvageria. Ver: MADER,
Maria Elisa. Civiliação e barbárie: a representação da nação nos textos de Sarmiento e do Visconde de
Uruguai. PPG História / UFF. Niterói, 2006. (Tese). p. 122. 103
MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: terras indígenas nos sertões fluminenses (1790-
1824). PPG História / UFF. Niterói, 2010. (Tese). p. 10.
56
Figura IV: Adaptação do Mapa da Comarca do Rio das Mortes e as rotas de ocupação das fronteiras no sertão mineiro.
Fonte:Apud VIEGAS, Augusto, op. cit. (Grifos meus)
Legenda:
--------- Áreas ocupadas.
Paracatu.
Vila de São José.
57
Por fim, para uma melhor visualização da expansão das fronteiras e a
identificação do processo de ocupação, elaboramos uma análise dos principais centros
ocupados neste período. Novamente, optamos por dividi-los em décadas demonstrando
as áreas ocupadas, bem como seu mapeamento.
Gráfico III: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas
freguesias para a década de 1740.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década 1740 pertencentes à Vila de São José Del Rei e seu termo.
Para a década de 1740 percebemos uma concentração dos pedidos nas áreas de
N. S. da Conceição de Congonhas do Campo e Campos Gerais do Campo Grande.
Podemos inferir que as atenções do processo de ocupação neste momento, estavam
voltadas para estas respectivas áreas, sendo que esta elevada concentração demonstra
que nesta década ainda havia terras a serem ocupadas e demarcadas para as atividades
destinadas à agropecuária.
55%
41%
4%
Década 40 n= 27
N.S. da Conceição de Congonhas do Campo
Campos Gerais do Campo Grande
Prados
58
Gráfico IV: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas
freguesias para a década de 1750.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década 1750 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.
Já na década posterior, em 1750, há o aparecimento de novas áreas (como Boa
Vista, Prados, N. S. da Piedade, Passatempo, entre outras) ocorrendo, assim, uma maior
variação de pedidos de cartas, mas ainda caracterizada pela concentração dos pedidos
em N. S. da Conceição de Congonhas do Campo – com a maior porcentagem de
sesmarias nesta década –, e Santo Antonio, que aparece também com um grande
número de pedidos (28% do total de cartas para este período). Outro ponto pertinente
que se infere da análise deste gráfico é a diminuição do número de sesmarias em
Campos Gerais do Campo Grande, apresentando apenas um total de 7% dos pedidos
neste período. Este declínio brusco da quantidade de sesmarias para esta região, que
havia apresentado uma elevada porcentagem na década anterior, demonstra o fenômeno
7%
33%
28%
1%
7%
4%
8%
1% 3%
5% 3%
Década 50 n= 81
Campos Gerais do Campo Grande
N.S. da Conceição de Congonhas do Campo
Santo Antonio
Boa Vista
Prados
N.S. da Piedade
N.S. da Conceição dos Carijós
N.S. do Pilar
Passatempo
59
do fechamento das fronteiras agrícolas. Este é um ponto interessante, que poderá ser
observado também em outras localidades do termo de São José.
Gráfico V: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas
freguesias para a década de 1760.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década de 1760 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.
Dando continuidade à exposição dos dados coletados, percebemos agora, na
década de 60, a continuidade de N. S. da Conceição de Congonhas do Campo como
principal centro de ocupação. Junto a esta, continua também a grande concentração em
Santo Antonio, apresentando por sua vez, neste momento, uma leve diminuição do
número de sesmarias neste período. Devemos destacar o aparecimento de São Bento do
Tamanduá, que irá apresentar destaque nos anos posteriores. A partir da observação da
34%
3%
4%
4% 24%
7%
2%
7%
11%
4%
Década 60 n= 75
N.S. da Conceição de Congonhas do Campo
N.S. da Piedade
Prados
N.S. da Conceição dos Carijós
Santo Antonio
Campos Gerais do Campo Grande
N.S. da Conceição da Barra
Passatempo
São Bento do Tamanduá
N.S. da Conceição de Carrancas
60
década de 50 e 60, fica clara a expansão das fronteiras do termos de São José,
principalmente ao caminho da “Picada de Goiás”, uma região rica em terras férteis,
reforçando ainda mais a especialização desta região na produção de gêneros agrícolas e
na criação pastoril.
Gráfico VI: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas
freguesias para a década de 1770.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década de 1770 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.
O gráfico referente à década de 70 apresenta vários dados importantes.
Primeiramente, o início do provável fechamento da fronteira agrícola de N. S. da
Conceição de Congonhas do Campo, que nas décadas anteriores aparecia como o
11%
15%
9%
34%
2%
2%
11%
4%
2% 2%
6% 2%
Década 70 n= 54
N.S. da Conceição de Congonhas do Campo
Santo Antonio
Passatempo
São Bento do Tamanduá
Campos Gerais do Campo Grande
N.S. de Oliveira
N.S. da Conceição de Carrancas
Pinhy
Formiga
Santana do Bambui
N.S. da Conceição dos Carijós
São João Batista
61
principal centro das sesmarias. Outra interessante questão é a ampliação da região de
São Bento do Tamanduá, que por sua vez aparece com o maior número de cartas neste
período, totalizando 34% dos pedidos. Campos Gerais do Campo Grande reaparece ao
cenário, porém, em um número muito reduzido, servindo apenas de exemplo para
reforçar a demonstração que suas fronteiras estavam em processo de fechamento.
Gráfico VII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias para a década de 1780.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década de 1780 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.
Em relação à década de 80, algumas considerações devem ser feitas antes de
adentrarmos na análise das informações. Primeiramente, este período apresenta um total
de 21 cartas, como foi demonstrado no primeiro gráfico deste tópico do trabalho.
Porém, a falta de informação precisa da localização de cinco cartas impossibilitou a
atribuição destas a alguma freguesia. Sendo assim, preferimos apontar e analisar apenas
as que realmente apresentavam uma demarcação precisa, tendo totalizado dezesseis
cartas.
19%
19%
31%
6%
13%
6%
6%
Década 80 n= 16
N.S. da Assunção do Caminho Novo do R.J.
N.S. da Conceição de Congonhas do Campo
São Bento do Tamanduá
N.S. da Conceição de Carrancas
Prados
N.S. de Oliveira
Pinhy
62
Adentrando agora nas informações constatadas, continuamos a perceber a
concentração de São Bento do Tamanduá no número de sesmarias solicitadas neste
período. N. S. da Conceição de Congonhas do Campo e N. S. da Assunção do Caminho
Novo do Rj. aparecem com 19% – cada uma – do número total de cartas. Outra região
que aparece em destaque neste momento é Prados, com um total de 13%.
Gráfico VIII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e
suas freguesias para a década de 1790.
Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das
cartas de sesmarias referentes a década de 1790 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.
Por fim, cabe apresentarmos o final do século XVIII. Percebemos agora, três
regiões em destaque, N. S. de Oliveira, N. S. da Conceição de Carrancas e Passatempo.
O restante das sesmarias neste período foi distribuído de forma homogênea em outras
freguesias da região.Interessante observar que São Bento do Tamanduá, que apresentava
um grande número de sesmarias ao longo das décadas de 70 e 80, não é encontrado em
nenhuma carta de sesmaria neste período. Novamente nos deparamos com o fenômeno
do fechamento da fronteira agrícola, devido ao grande número ocorrido nas duas
5% 5%
20%
25% 10%
20%
10%
5%
Década 90 n= 29
Ibituruna
São João Batista
N.S. da Conceição de Carrancas
Passatempo
N.S. da Penha de França
N.S. de Oliveira
Desterro
N.S. da Penha da Lage
63
décadas anteriores e o deslocamento/ampliação do número de sesmarias em outras
localidades de São José de Rei.
Após a apresentação destes gráficos expondo a dinâmica das fronteiras nestas
regiões, cabe, entretanto, destacarmos algumas destas freguesias para melhor
demonstrar o processo na ocupação destas áreas. Inicialmente, destacamos um ponto
central para o entendimento deste processo, que se refere às localidades destas
freguesias. Assim, cabe fazermos um paralelo entre as áreas ocupadas e tentar
compreender um pouco mais dos motivos que fizeram alguns dos sesmeiros desejarem
certas áreas primeiro e posteriormente outras.
Como já apresentamos ao longo deste capítulo, a vila matriz de São José del Rei
era o principal centro minerador do termo, sendo também, nas primeiras décadas da
segunda metade do século XVIII, a região com maior número de indivíduos. Assim, as
regiões próximas a esta vila foram as primeiras áreas desejadas pelos sesmeiros, pois,
encontravam no mercado saojoseense uma boa zona de comercialização. Dessa maneira,
duas freguesias que ilustram bem este processo de ocupação nas áreas próximas a vila
matriz foram Nossa Senhora da Penha de França do Bichino e a freguesia de Lage. A
freguesia de Lage, estando nas proximidades de São José, remete a um processo
ocupacional já na primeira metade do XVIII104
e desempenhava como principais
atividades a agricultura e a pecuária105
. A produção de gêneros alimentícios encontrada
nesta freguesia deve ser vista com atenção, pois, permite caracterizá-la como área
abastecedora106
, já que, "Lage deve ter sido ocupada inicialmente para a produção de
alimentos destinados a abastecer essas aglomerações urbanas, uma vez que não há
notícias de mineração"107
. Nesta mesma vertente de ocupação, a freguesia de Bichinho,
que se localizava muito próximo à vila de São José, da qual distanciava apenas uma
légua e meia, também foi caracterizada por uma ocupação recente, já no ano de 1729.
Identificamos na dinâmica destas fronteiras a presença de solicitações de cartas
de sesmarias na freguesia de Prados, principalmente, para as décadas de 40, 50 e 60.
104
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo
Horizonte. Ed: Itatiaia, 1995. p. 279. 105
TEIXEIRA, Maria Lúcia R. C. Famílias escrava e riqueza na Comarca do Rio das Mortes: o distrito
de Lage (1780-1850). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1998. (Dissertação de Mestrado). p. 40. 106
Ibidem. 107
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 35.
64
Sendo esta área também próxima ao mercado consumidor de São José, acreditamos que
a maior concentração de pedidos nestas décadas vem a reforçar o interesse dos
sesmeiros pelas áreas circunvizinhas a vila matriz. É oportuno também destacarmos
acerca da freguesia de Prados a possibilidade de percepção do movimento das fronteiras
abertas, que apresentam-se até a década de 60 solicitações de documentos para esta
região. Em contrapartida, nos anos posteriores mais ao final do século XVIII, não foi
possível localizar pedidos de faixas de terras, o que, por sua vez, demonstra o processo
de fechamento das fronteiras nestas áreas.
Deste quadro geral demonstrado por estas freguesias próximas a vila de São José
e o seu processo de ocupação, podemos perceber traços importantes nesta dinâmica das
fronteiras. Portanto, cabe destacar que estas freguesias circunvizinhas a vila matriz
tiveram primeiramente sua ocupação inicial em relação às áreas mais interioranas.
Nossas análises, portanto, permitem perceber que a "economia do ouro criou um
mercado interno, articulado em torno dos centros urbanos e das zonas de garimpo,
particularmente propício para os produtos agropecuários".108
Todavia, é pertinente agora tratarmos das áreas mais distantes da vila matriz,
pois, nos auxiliará a compreendermos o processo de interiorização nas áreas dos sertões.
Para tanto, devemos nos ater às regiões que aparecem mais ao final do século XVIII,
pois estas freguesias demonstram o aspecto constante da demanda por mais terras.
Assim, cabe destacarmos a freguesia de Oliveira, Passatempo, São João Batista e
Tamanduá. Estas regiões, diferentemente das outras freguesias aparecem para nós na
documentação das últimas décadas do XVIII. O que de imediato vale considerarmos,
refere-se ao distanciamento destas regiões do centro minerador, a saber que Oliveira se
encontrava a 16 léguas de São José 109
. A freguesia de Passatempo e São João Batista
estavam respectivamente a 14 léguas110
e 11 léguas111
da vila matriz. Para a região de
Tamanduá não temos o distanciamento preciso, embora saibamos que também se trata
de uma área mais interiorana. Dessas considerações, passamos a um ponto também
importante acerca da percepção das fronteiras, uma vez que, estas regiões ao contrario
108
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) p. 35. 109
Idem. p.39. 110
Idem. p. 38. 111
Idem. p.40
65
do que ocorre nas áreas das freguesias mais próximas a vila de São José, aparecem em
número maior de solicitação de faixas de terras nas décadas de 70, 80 e 90.
A freguesia de Tamanduá é um exemplo perceptível deste deslocamento
populacional que efetivou a ocupação em áreas mais distantes, aparecendo na década de
60 com um total de 11%, na década de 70 com um total de 34% e em 80 com 31% das
solicitações de faixas de terras. Assim, podemos inferir que o deslocamento
populacional somado à demanda por mais terras fez proceder a ocupação desta região.
O caso ocorrido na freguesia de Oliveira também é importante para demonstrar
este quadro da necessidade por mais terras e a expansão das fronteiras. Estando, como
dito anteriormente, a 16 léguas da vila de São José, Oliveira teve sua ocupação
ocasionado pela necessidade de mais terras, aparecendo os pedidos de sesmarias ao
longo das três últimas décadas do século XVIII. Quanto a sua ocupação, nossos dados
também demonstram aspectos interessantes, uma vez que vemos um maior número de
pedidos na década de 90, ou seja, a fronteira ainda permanecia aberta nesta região e
nesta última década em questão, Oliveira ainda era área de atração dos sesmeiros.
Assim, "a expansão para o oeste, em busca de terras para pastos e cultura seguindo os
rumos da Picada de Goiás, caracterizou a ocupação de Oliveira".112
Nesta conquista do oeste dos sertões, o caso de São João Baptista também se
aproxima do processo ocupacional ocorrido em Oliveira, aparecendo as solicitações de
faixas de terras nas décadas de 70 e 90. Esta região, segundo Barbosa, também se
caracterizava por ser produtora de mantimentos.113
Os resultados encontrados a partir da realização deste mapeamento vêm
corroborando os obtidos com pesquisas anteriores, como expusemos ao longo deste
trabalho. A ocorrência de ocupações nas proximidades circunvizinhas à vila matriz de
São José del Rei, num primeiro momento, demonstram o caráter mercantil da produção
agropastoril voltadas para o principal centro populacional deste termo. No entanto, com
o fechamento das fronteiras ao avançarmos na segunda metade do século XVIII resultou
no processo de interiorização dos sertões oeste, compreendendo o antigo caminho da
Picada de Goiás.
112
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.38. 113
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo
Horizonte. Ed. Itatiaia, 1995. p. 212.
66
Deste quadro, podemos também inferir, de modo geral, outros três importantes
elementos provenientes da expansão das fronteiras, sendo estes: a) a interiorização dos
sertões, possibilitando, com isto, a constituição de novas vias de comunicação; b) a
produção agropastoril absorvendo o grande fluxo populacional já nas primeiras décadas
do século XVIII e c) a incorporação das atividades minerais, outrora predominantes,
pela produção agropastoril.
Primeiramente, cabe analisarmos o ponto “a” do parágrafo anterior. Esta
interiorização dos sertões, que demonstramos pelos gráficos de ocupação, estava
intimamente relacionada com os fluxos migratórios que ocorreram ao longo do período
estudado. Cabe lembrarmos que neste processo, existia um intenso comércio entre os
principais centros populacionais e suas respectivas áreas de currais, permitindo, com
isto, o incremento do comércio do gênero agropastoril. Este quadro ocupacional
resultou na abertura de rotas e caminhos que auxiliavam no escoamento da produção e
também, para abastecer as tropas e o contingente populacional que percorriam por essas
regiões. Como bem ressalta o historiador Caio Prado Jr.,
ao longo das grandes vias de comunicação, frequentadas pelas numerosas
tropas de bestas, que fazem todo o transporte por terra na colônia... (pois) é
precioso abastecer estas tropas durante a sua viagem, alimentar os condutores
e os animais. (É este movimento de tropas) largamente suficiente para
provocar o aparecimento, sobretudo nas grandes vias que articulam Minas
Gerais, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro entre si, de uma atividade rural que
não é insignificante114
.
No termo de São José del Rei, onde centramos nossas análises, esta
característica mencionada por Prado Jr., encontrava-se presente já nos anos iniciais da
formação desta vila. O descobridor do metal precioso, Thomé Portes del Rei, “instalou-
se nas margens do rio das Mortes, onde era senhor de canoa da passagem e vendia
mantimentos aos passageiros”115
. Ainda neste período, ou seja, nos anos iniciais do
século XVIII, esta região da comarca do Rio das Mortes já havia iniciado sua produção
agrícola, o que é demonstrado pela instalação de sítios vizinhos que objetivava o
comércio destes gêneros. Estas considerações expostas auxiliam para ressaltar a
importância desta atividade na dinâmica da sociedade sãojoseense, tendo sua formação
114
PRADO Jr. Caio. Apud GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão
em Minas Gerais (1700-1750). Revista do Departamento de História, BH: UFMG, vol.1, n.2.p. 13. 115
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995, p. 318.
67
logo nos anos iniciais da vila, como também, o seu aprimoramento ao longo do o século
estudado.
Passando agora para a análise dos pontos “b” e “c”116
, onde ambos estão
correlacionados, podemos perceber outras importantes questões. No que se refere ao
desenvolvimento da produção agropastoril e sua expansão ao oeste do termo de São
José del Rei, percebemos que grande parte da população livre deste termo praticava esta
atividade econômica. Este quadro é representado pelo crescimento populacional nas
áreas dos currais do termo de São José del Rei ao longo da segunda metade do século
XVIII. Como bem aponta Guimarães e Reis,
a agricultura deve ser vista integrando os mecanismos necessários ao
processo de colonização desenvolvidos na própria Colônia, uma vez que,
voltada para o consumo interno, era um meio de garantir a reprodução da
estrutura social, além de permitir a redução dos custos com a manutenção da
força de trabalho escrava117
.
Cabe, por ora, retornarmos a análise dos indivíduos que ocuparam a região do
antigo caminho da Picada de Goiás, pois, também nos auxiliará para melhor
compreender a dinâmica das fronteiras nesta região. Como mencionamos anteriormente,
a Comarca do Rio das Mortes desde o início de sua formação já se destacava pela
produção de gêneros agropastoris. Sendo assim, desde os “primórdios da exploração
aurífera, o setor de abastecimento se fez presente em território mineiro, seja através da
junção dessas duas atividades nas fazendas-minas ou pelas unidades agropastoris com
ou sem mão de obra escrava” 118
.
Analisando o número de escravos empregados nas roças da Comarca do Rio das
Mortes durante a segunda metade do século XVIII, percebemos que 60,8% do número
116
Sendo estes os pontos analisados: b) a produção agropastoril absorvendo o grande fluxo populacional
já nas primeiras décadas do século XVIII e c) a incorporação das atividades minerais, outrora
predominantes, pela produção agropastoril. 117
GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as
Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007.p.323. 118
GUIMARÃES e REIS, apud GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São
José do Rio das Mortes, 1730 – 1850. In: MOTTA, Márcia Maria Menendes. GUIMARÃES, Elione Silva
(Orgs.). Campos em Disputa: história agrária e companhia.São Paulo: Ed. Annablume, 2007. p.134.
68
de cativos encontravam se empregados nesta atividade de produção119
. Esta elevada
porcentagem de escravos empregados nestas atividades reforça o caráter mercantil desta
produção, já que, “não só a agricultura foi atividade desenvolvida desde o início da
colonização das Minas, como desde cedo teve caráter escravista e mercantil” 120
. Desta
forma, a necessidade de terras, bem como a ocupação de novas áreas eram fatores
básicos para o aumento da produção e absorção do intenso contingente que se deslocou
para estas áreas. Para nossa região estudada, a ocupação dos sertões serve para
demonstrar a necessidade de incorporação de novas áreas para o desenvolvimento das
atividades agropastoris.
Além do elevado número de escravos presentes nesta comarca, outra
característica importante a ser mencionada refere-se a sua população livre. Neste
período que compreende nosso recorte de análise, a população livre presente na
Comarca do Rio das Mortes superava as demais comarcas da capitania de Minas Gerais.
Ainda nesta questão, cabe relacionarmos esta característica com o processo de ocupação
dos sertões, bem como a expansão das fronteiras. Desta forma, percebemos que a
ocupação dos sertões mineiros, assim como, a produção agropastoril tiveram seu
crescimento a partir do deslocamento populacional para estas regiões. Quanto à
característica desta produção agrária, os inventários post-mortem para a vila de São José
entre os anos de 1743 a 1850 demonstram a
presença de cativos idosos ou de menores nas escravarias dos pequenos
produtores de São José. (...), de 178 pequenos proprietários com até seis
escravos entre as datas de 1756 e 1848, percebemos que 36,2% dos seus 596
cativos se encontravam em idade infantil ou idosa, com menos de 14 e mais
de 49 anos, ou eram doentes121
.
Dessa forma, podemos perceber que boa parcela da população livre atuava na produção
agropastoril. Estes pequenos produtores saojoseenses tiveram um papel fundamental
para o desenvolvimento das atividades agrárias nesta região, utilizando como
119
ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas
colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.147. 120
GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700-
1750). Revista do Departamento de História, BH: UFMG, vol.1, n.2. p.21. 121
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São José do Rio das Mortes, 1730 –
1850. In: MOTTA, Márcia Maria Menendes. GUIMARÃES, Elione Silva (Orgs.). Campos em Disputa:
história agrária e companhia.São Paulo: Ed. Annablume, 2007. p.141.
69
complementação do trabalho familiar, cativos que em sua grande maioria não se
encontravam em boas condições de trabalho.
Por fim, ao longo desta unidade, tentamos demonstrar o processo de ocupação
dos sertões mineiros, analisando as principais regiões ocupadas ao longo do século
XVIII. A análise realizada até o momento permitiu inferir algumas importantes
considerações acerca da dinâmica das fronteiras nesta região, no entanto, é
indispensável ao historiador das sociedades agrárias “ir além no sentido de perceber as
descontinuidades e as mudanças bruscas que dizem respeito a conjuntos
socioeconômicos maiores e mais complexos”. Assim, tentaremos em nosso próximo
capítulo buscar uma melhor compreensão das unidades produtoras estabelecidas nestas
regiões. Para tanto, nossos esforços irão se centrar nas dimensões das faixas de terras
concedidas nestas áreas interioranas, tentando estabelecer uma identificação destas
unidades, trazendo com isto, novas questões que permanecem ainda pouco conhecidas.
70
Capítulo II - Das fronteiras à ocupação: em busca dos sesmeiros:
A terra é a fonte ou a matéria de onde se tira a riqueza; o trabalho do homem é a forma que a produz. (...). A terra produz ervas, raízes, cereais, linho, algodão, cânhamo, arbustos e árvores de várias espécies, com frutos, cascas e folhagens diversas, como as das amoreiras para bichos da seda; ela produz minas e minerais. O trabalho do homem dá forma de riqueza a tudo isto. (CANTILLON, Richard. Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral (1755). Curitiba, Ed. Segesta, 2002. p.21.)
Este capítulo tem como objetivo analisar as concessões de terras dos sesmeiros
que ocuparam a região oeste dos sertões da Comarca do Rio das Mortes. Dessa maneira,
focaremos nossos esforços para melhor compreender os aspectos pertinentes a estrutura
fundiária constituída nestas áreas do sertão, buscando em nossa documentação a
identificação das faixas de terras concedidas aos indivíduos que ocuparam o antigo
caminho da Picada de Goiás. Outro importante aspecto pertinente a este capítulo refere-
se aos embates oriundos do processo ocupacional, decorrente do aumento populacional
presenciado na maior parte das freguesias estudadas por nós e a constante necessidade
por mais terras.
Como expusemos ao longo do primeiro capítulo, a dinâmica das fronteiras
apresentou um intenso deslocamento na segunda metade do século XVIII,
apresentando-se, na maioria das freguesias em forma de fronteira aberta. Neste contexto
da dinâmica das fronteiras e o seu consequente processo ocupacional, cabe ressaltarmos
que "a colonização é - em essência - um processo de expansão territorial, constituindo
uma modalidade particular de relação sociedade-espaço, marcada pela conquista,
domínio e exploração econômica de novas terras"122
, sendo, portanto, necessário
conhecer e efetivar a realização da ocupação de novas áreas. Tentamos deixar claro
também, ao longo de nossas análises preliminares, a ocorrência do deslocamento
populacional para as regiões dos sertões formando novas freguesias e arraiais, bem
como a intrínseca relação existente entre estes novos espaços ocupados e a prática das
atividades agropastoris. Diante destas questões, partiremos em busca da compreensão
destes espaços em formação, bem como tentar melhor analisar esta sociedade mineira a
122
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, um proposta e uma
crítica. São Paulo:Annablume, 2009. p. 59.
71
partir dos sesmeiros do antigo caminho da Picada de Goiás na segunda metade do
século XVIII.
Dessa maneira, algumas questões nos deixam inquietados acerca deste intenso
deslocamento ocorrido nestas regiões dos sertões oeste desta Comarca. Portanto, quais
seriam os motivos que desencadearam o rush populacional para estas áreas? Ainda
podemos nos questionar acerca do perfil social destes indivíduos, buscando, desta
maneira, compreender quem eram estes sesmeiros ou mesmo, quais as principais
características de suas propriedades e atividades econômicas? Estas são algumas das
questões que nortearão a elaboração deste capítulo e nas quais focaremos nossos
esforços para obter as respostas a partir da análise das fontes primárias.
Cabe destacarmos que as cartas de sesmarias utilizadas como principal fonte de
análise neste capítulo nos revelam traços determinantes das estruturas agrárias, já que
estes documentos compreendem a única via de acesso legal para a posse de terra ao
longo do período colonial. A suspensão do sistema sesmarial ocorreu em 1822, sendo
posteriormente substituída pela Lei de Terras em 1850. Todavia, não nos cabe neste
momento adentrarmos nos pormenores da lei de sesmarias, tendo em vista que, em
momento mais oportuno dedicaremos uma unidade neste capítulo para tratarmos acerca
deste sistema.
Em nossa pesquisa em questão, a figura do indivíduo - os sesmeiros - torna-se o
elo para melhor traçarmos as características desta sociedade mineira. Dito isto,
continuaremos a analisar as cartas de sesmarias no anseio de identificar e compreender a
composição da unidade fundiária destes indivíduos ao longo da segunda metade do
século XVIII. Cabe ressaltarmos que a realização do estudo social destes sesmeiros,
refere-se à compreensão das dinâmicas socioeconômicas formadas a partir do processo
de expansão das fronteiras. Dessa maneira, cabe a nós destacarmos que a
história social, (...), surgia no cenário historiográfico como campo relevante e
definitivo a se estabelecer no âmbito das modalidades historiográficas que
devem ser definidas pelas dimensões que são trazidas à tona quando o
historiador se põe a examinar um processo histórico qualquer.123
123
BARROS, José D’Assunção. “A História Social: seus significados e seus caminhos” in LPH - Revista
de História da Universidade Federal de Ouro Preto. N° 15, 2005; p. 235-256.
72
Para tanto, nossas dimensões compreendem o processo de formação e ampliação
das freguesias e arraiais que compunham o antigo caminho da Picada de Goiás ao longo
do século XVIII. Estando esta relação intimamente coligada ao desenvolvimento das
atividades agropastoris nestas áreas do sertão e a necessidade de obtenção de mais
terras, consequência do crescimento populacional presenciado ao longo da segunda
metade deste século estudado por nós.
Em nossa pesquisa, para alcançarmos nossos objetivos e melhor compreender as
dinâmicas ocorridas nesta região, iremos basear nossos estudos em um montante de 268
cartas de sesmarias, almejando, dessa forma, identificar algumas das principais
características dos indivíduos que solicitaram as concessões de terras, bem como
também, a extensão das suas faixas de terras. Este montante documental analisados em
nossa pesquisa, compreendem os registros documentais que se encontram no IPHAN de
São João del Rei referentes ao nosso recorte temporal e espacial de análise. Acreditamos
ser este volume documental suficiente para a identificação e análise das unidades
socioeconômicas do antigo caminho da Picada de Goiás.
Tratando-se de uma fonte que privilegia o estudo agrário, buscaremos nestes
documentos características como: o nome do proprietário, a data de concessão, a
localização da terra, a extensão e, algumas vezes informações sobre o tipo e quantidade
de mão de obra, tipos de atividades desenvolvidas, além dos prazos máximos para
demarcação, cultivo e ocupação124
. Acreditamos que a partir destas informações
poderemos contribuir com nossa pesquisa para uma melhor compreensão das unidades
agrárias presentes nestas regiões estudadas.
Nossa análises, envolvendo o estudo dos sesmeiros e as estruturas agrárias na
região da Picada de Goiás, podem tornar-se uma tarefa por demais complicada, tendo
em vista o número de informações a serem levantadas. Todavia, diante deste labirinto
documental de nomes e números que podem nos deixar por demais confusos,
adotaremos algumas metodologias que nos auxiliarão na pesquisa, para assim,
encontrarmos os resultados almejados.
Dessa forma, primeiramente, cabe destacarmos às considerações de Simona
Cerutti, em que, segundo a autora:
124
GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700-
1750). p. 08.
73
in the view of ‘social’ microhistorians, the reconstruction of individual
trajectories was part of the overall ambition to reconstruct categories and
chronologies from precise contextual analyses. (…). The idea was that
tracing individual paths and analyzing either their individual social relations
or political, economic or social strategies was a question of describing a
social and cultural context together125
.
A partir da identificação dos sesmeiros e suas unidades de produção somos
capazes de traçar uma melhor compreensão deste vasto território que compreendiam as
vilas e as freguesias do antigo caminho da Picada de Goiás. Apesar de nossas análises
privilegiarem o estudo histórico e geográfico do processo de ocupação destes sertões,
buscaremos também, identificar através dos sesmeiros elementos que incentivaram e
possibilitaram os intensos fluxos migratórios ocorridos nesta região ao longo da
segunda metade do século XVIII. Estas características serão melhor apresentadas no
momento em que identificarmos os aspectos das estruturas produtivas e suas respectivas
propriedades em questão.
Ainda no contexto metodológico a ser utilizado neste capítulo, devemos ressaltar
também a utilização do método onomástico que desempenhará um papel crucial para
nossas análises. Como menciona Ginzburg, "o fio de Ariana que guia o investigador no
labirinto documental é aquilo que distingue um indivíduo de um outro em todas as
sociedades conhecidas: o nome"126
. Assim, ao analisarmos os sesmeiros da Picada de
Goiás, identificaremos a partir do seu nome as características que nos permitem
reconstruir e melhor compreendermos os aspectos sociais nestes espaços em formação.
Tentar buscar através das fontes documentais uma forma de dar “voz” aos agentes
sociais da história, talvez seja, um dos maiores legados que a microanálise nos alerta e
possibilita. Dessa maneira, compreender e analisar a partir das fontes documentais uma
forma de reconstruir as características da sociedade estudada, para que, dessa forma,
seja possível perceber como os indivíduos agem para prevalecer seus interesses e
125
CERUTTI, Simona. Microhistory: Social Relations versus Cultural Models ?. In : CASTRÉN, A. M.,
LONKILA, et PELTONEN, M. Peltonen (dir.), Between Sociology and History. Essays on Microhistory,
Collective Action, and Nation-Building, S.K.S., Helsinki, 2004. p.20. Livre Tradução: " na perspectiva da
micro-história social, a reconstrução das trajetórias individuais foi parte de uma ambição maior para
reconstruir categorias e cronologias de uma análise de um contexto preciso. (...). A ideia era de que
traçando trajetórias individuais e analisando suas relações sociais ou políticas, econômicas ou estratégias
sociais era uma questão de descrever ambos os contextos, social e cultural, conjuntamente". (Tradução de
minha autoria). 126
GINZBURG, C. “O nome e o como”. In: A micro-História e outros ensaios, Lisboa, Difel, 1991. p.
174.
74
vontades próprias, utilizando de estratégias e mecanismos sociais para alcançarem seus
objetivos desejados.
Ressaltamos que a tentativa de identificar os sesmeiros que ocuparam os sertões
do oeste da Comarca do Rio das Mortes, bem como também suas características
socioeconômicas, reflete uma conjuntura específica de análise, já que, “considerados
num nível mais profundo, tanto os indivíduos quanto a sociedade conjuntamente
formada por eles são igualmente desprovidos de objetivo. Nenhum dos dois existe sem
o outro” 127
. Dessa maneira, a ocupação dos sertões é um processo decorrente da própria
conjuntura da Capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Dessa
maneira, a comarca do Rio das Mortes, neste período em questão, destacava-se na
intensificação e expansão das atividades agropastoris para estas regiões dos sertões
oeste. Todavia, cabe analisarmos este processo com certa cautela e para tanto é
pertinente adentrarmos na historiografia para compreendermos as conjunturas deste
século em questão.
A descoberta aurífera na Capitania de Minas Gerais desencadeou um intenso
deslocamento populacional para estas regiões na virada do século XVII para o XVIII.
Como bem salienta Caio Boschi,
os aglomerados urbanos foram responsáveis pela introdução e pelo
desenvolvimento de intenso mercado interno, tanto nos seus próprios limites
como no interior da Capitania e, desta, com outras partes da Colônia. Se a
exploração aurífera foi o início, nem sempre e nem em toda região ela foi a
principal atividade produtiva. Para cuidar do abastecimento, simultaneamente
à mineração, vai-se compondo diversificada estrutura produtiva128
.
Dessa maneira, nossa região estudada passa por dinâmicas internas significativamente
complexas. Estes mercados internos vieram a se desenvolver com maiores
especificidades ao longo do setecentos, provocando uma intensificação nas relações
comercias entre a Capitania de Minas Gerais e outras partes da colônia. Este contexto é
demonstrado pela relação de que "somente a menor parte do abastecimento das regiões
mineradoras era garantida por produtos vindos da metrópole, ficando as demais regiões
127
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994. p.18. 128
BOSCHI, Caio. "Apontamentos para o estudo da economia, da sociedade e do trabalho na Minas
Colonial". BH. Análise & Conjuntura, v.4, n.2. 1989.
75
coloniais responsáveis pelo restante"129
. Neste contexto, devemos destacar as relações
comercias existentes entre as Minas e a principal praça mercantil neste período, ou seja,
o Rio de Janeiro que "entre 1754 e 1757, a praça carioca forneceria quase que a metade
do valor das mercadorias que chegavam as Minas"130
.
Passando por ora a análise da comarca estudada em questão, ou seja, a do Rio
das Mortes, esta apresentava algumas características que devemos ressaltar.
Primeiramente, deve-se mencionar a importância das atividades agropastoris encontrada
nesta comarca, onde se notava um "verdadeiro complexo agropecuário"131
que atraiu um
enorme contingente populacional para o desenvolvimento desta atividade econômica132
.
Um bom exemplo para ilustrar a situação encontrada nesta comarca, pode ser
exposta segundo a metáfora de Caio Boschi, em que, "no chamado ciclo do ouro, esse
mineral não foi tudo. Em tendência de longa duração, nas Minas Gerais setecentistas
nem tudo o que reluzia era ouro"133
. Neste aspecto, a historiografia das décadas de 70 e
80 produziu excelentes trabalhos que auxiliaram na compreensão do mercado interno
existente na colônia, como também, a formação de uma "agricultura mercantil de
subsistência" que atuava concomitantemente a exploração do metal precioso. Neste
contexto, destacamos o estudo primordial de Alcir Lenharo que demonstrou a
importância das atividades agrícolas existentes desde as descobertas do metal precioso
que desempenhava um caráter mercantilista com a existência da comercialização do seu
129
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 - c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p.151. 130
FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,
sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.77. Para o século XIX em questão, a pesquisa realizada por
Fragoso e Guedes também comprovam a contínua interação econômica existente entre Minas Gerais e a
praça mercantil no que se refere ao fornecimento de escravos. Ver: FRAGOSO, João; FERREIRA,
Roberto Guedes. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada. Os códices 390, 421, 424 e 425: despachos
de escravos e passaportes da Intendência de Polícia da Corte, 1819-1833. In: BOTELHO, Tarcísio (org.).
História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia:ANPUH, 2001. p.247. 131
FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,
sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 200. p.79. 132
A comarca do Rio das Mortes conheceu um aumento populacional estupendo - de 82.781 habitantes
em 1776 para 213.617 em 1821, ou seja, de 1/4 para 2/5 da população da capitania como um todo. In:
FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.79. 133
BOSCHI, Caio. Nem tudo o que reluz vem do ouro. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. (ORG). História
Econômica do Período Colonial. São Paulo. Ed:Hucitec. 2002. p.65.
76
excedente com o mercado carioca 134
. Ainda nesta questão, os estudos de Kenneth
Maxwell que apontam uma elasticidade na economia mineira capaz de absorver os
impactos causados pela escassez do ouro em novas atividades ou mercantilizando em
maior potencial as atividades ligadas à agricultura e a pecuária135
. Estas duas obras
mencionadas e suas considerações irão desempenhar um importante papel ao longo
deste segundo capítulo, principalmente, no que se refere ao estudo das atividades
econômicas desenvolvidas na região da Picada de Goiás.
Este contexto geral, exposto nesta breve introdução ao nosso segundo capítulo,
auxilia para demonstrar que a intensificação na produção agropastoril demandou a
necessidade da ocupação das fronteiras abertas ao longo da segunda metade do século
XVIII, bem como também, a necessidade de adentrar-se nas terras dos sertões oeste da
comarca do Rio das Mortes. Dessa maneira, observamos a predominância da dinâmica
de ocupação juntamente com o avanço das fronteiras nas áreas que margeavam o grande
e caudaloso Rio São Francisco, "fazendo com que se formassem não só caminhos de
gado, como que se conquistassem terras aos índios com a finalidade de criar gado para a
área mineradora"136
. Neste contexto geral de crescimento demográfico nas áreas dos
currais juntamente com a expansão / interiorização dos sertões, constitui o nosso recorte
espacial, onde buscaremos nossas análises e consequentemente, uma melhor
compreensão destes sesmeiros que margearam e ocuparam o antigo caminho da Picada
de Goiás.
Por fim, cabe mencionarmos que este segundo capítulo será composto por três
unidades. Dessa forma, visamos em um primeiro momento apresentar o sistema
sesmarial implantado no Brasil colonial. Nesta unidade almejamos expor a constituição
deste sistema, bem como também, algumas de suas características para apresentar com
maior clareza ao leitor, o sistema jurídico de acesso à terra que vigorou no Brasil até a
segunda metade do século XIX. Em um segundo momento, visamos expor as
características fundiárias encontradas no processo de ocupação, focando nas unidades
de terras concedidas aos sesmeiros nestas áreas que compreendem os sertões oeste da
Picada de Goiás. Nos valeremos dos ensinamentos e considerações da história agrária
134
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil
(1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-29. 135
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 136
ANDRADE, Manuel C. A pecuária e a produção de alimentos no período colonial. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás. (ORG). História Econômica do Período Colonial. São Paulo. Ed:Hucitec.
2002. p. 104.
77
para demonstrar a complexidade existente na dinâmica das fronteiras. Por fim, na última
unidade deste capítulo, buscaremos nos documentos elementos que auxiliam na
percepção das atividades agropastoris.
78
2.1 - O Instituto Sesmarial: origens, implicações e o domínio:
"Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra". (Sergio Buarque de Holanda in: Raízes do Brasil (1997). p.30.).
Esta unidade do trabalho visa apresentar as origens e as implicações do instituto
sesmarial implantado no Brasil, buscando assim, demonstrar uma análise acerca deste
instrumento jurídico de acesso a terra. Dito isto, objetivamos historicizar este processo
para que auxilie o leitor na compreensão de algumas das complexas questões agrárias
deste sistema que vigorou até a segunda década do século XIX137
.
O instituto sesmarial que regulou a legislação e as concessões de terras no Brasil
colonial teve suas origens no medievo português. Dessa forma, quando se visa ao estudo
das questões agrárias no Brasil ao longo do século XVIII, torna-se necessária a
retomada do processo histórico português na tentativa de compreensão da origem do
sistema de concessão de terras aqui implantado. Como bem ressalta Ruy Lima: "é no
pequeno reino peninsular que vamos encontrar as origens remotas do nosso regimento
de terras"138
. Assim dizendo, iremos expor uma breve contextualização e apresentação
do instituto sesmarial nos parágrafos seguintes. Todavia, ressaltamos que não
objetivamos nos aprofundar na história portuguesa, mas sim, focaremos apenas nas
origens e nas implicações do nosso objeto de estudo em questão, ou seja, o sistema
sesmarial.
No período da formação do reino unificado de Portugal (séc. XI - XII)
juntamente com o apoio da Igreja Romana, caracterizou-se em um momento de
conquistas e anexações de novos territórios a partir da guerra de Reconquista. Nas
batalhas contra os mouros e a vitória / conquista dos povos cristãos contra os infiéis139
o
reino de Portugal aumentou consideravelmente o seu domínio sobre novas áreas.
137
O sistema sesmarial vigorou no Brasil até o ano de 1822, posteriormente, foi substituído pelo regime
jurídico da Lei de Terras em 1850. 138
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.15. 139
A utilização dos termos "cristãos" e "infiéis" refere-se ao fato das terras reconquistadas na batalha de
Reconquista já terem sido pertencentes em tempos anteriores ao povo cristão. Ver: MARQUES, Antonio
H. de Oliveira. Portugal na Crise dos séculos XIV e XV. Lisboa: Presença, 1987. p. 350-65.
79
Todavia, com a anexação destas regiões viria a surgir uma nova questão conflitante,
sendo esta a necessidade de povoar estas áreas e também, possibilitar o
desenvolvimento econômico do reinado.
A solução encontrada pelo monarca consistia em doações de faixas de terras,
visando com isto privilegiar tanto os mais nobres como os menos abastados de prestígio
social, obviamente com o intuito de ocupação destas novas áreas, bem como também,
de incentivo ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, o reinado obtinha o aumento
das suas áreas de influência através do poderio político, além de incentivar o
desenvolvimento econômico com o aumento da produção dos gêneros agrícolas. Neste
contexto, devemos destacar as presúrias que foram cruciais como medidas de
povoamento e adotadas como práticas iniciais de concessões de terras. Como bem
analisa Carmen Alveal,
esse instrumento de acesso à terra, reivindicado ou conquistado pelas armas,
na luta de Reconquista dos séculos IX e X, era realizado por homens livres
não poderosos o bastante. Dessa forma, a ocupação teve como consequência
a pequena e a média, esta em menor escala, propriedade140
.
As presúrias concedidas pelo monarca desencadearam transformações
substanciais na estrutura agrária portuguesa, cabendo a nós, neste momento, apontarmos
algumas destas implicações. Primeiramente, uma das características marcantes deste
sistema consistia na exigência do cultivo da área concedida. Como destaca Virginia Rau
em seu já clássico estudo acerca do sistema sesmarial português, esta exigência na concessão
das presúrias "nunca se perderia a primitiva lembrança da aquisição de direitos sobre a terra
mediante o cultivo" 141
. Preenchida esta condição básica, o indivíduo viria a se tornar o
proprietário da terra, podendo assim, consequentemente, vendê-la, trocá-la ou transmiti-
las aos seus herdeiros142
.
Uma segunda consideração que nos cabe ressaltar acerca das presúrias trata da
ocupação das terras vagas. Dessa forma, sendo exigência básica o estabelecimento do
cultivo como forma de acesso à propriedade, houve no reino de Portugal, neste período,
140
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p. 14. 141
RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.39. 142
Idem. p.35.
80
uma intensificação de solicitações para concessões das faixas de terras devolutas ou em
terras que não haviam sido lavradas. Todavia, cabe ressaltarmos que esse tipo de acesso,
"apresentava problemas no momento em que houvesse direitos de propriedade,
verificando-se a impossibilidade da ocorrência de presúria em terras onde existissem
direitos anteriores"143
.
Neste contexto, devemos destacar três mecanismos que auxiliaram o controle e a
fiscalização da produção, bem como também, da concessão de terras neste período.
Estes instrumentos de controle e fiscalização foram os concelhos, as inquirições e a
confirmação. Expondo de maneira introdutória estes mecanismos, analisamos
primeiramente os concelhos, sendo estes, os responsáveis por "configurar o complexo
sistema legal e regulador da propriedade"144
. Cabe destacarmos também, que os
concelhos ficavam atrelados às determinações régias, o que consequentemente provocou
uma maior concentração do poderio político nas mãos do monarca. As inquirições, por
sua vez, consistiam nas "comissões de inquérito que funcionavam como alçadas, com o
objetivo de avaliar a situação das propriedades de terra no reino"145
, evitando, assim, os
abusos e extrapolações no instituto regulador da propriedade. E por fim, temos as
confirmações que consistiam no reconhecimento real do título de propriedade da faixa
de terra concedida146
.
De maneira geral, as presúrias trouxeram avanços na produção agrária no Reino
de Portugal e conseguiram também proporcionar a ocupação nas áreas recém
conquistadas nas batalhas contra os mouros. Todavia, este sistema viria a sofrer grandes
transformações nos períodos das crises que assolaram o reinado ao longo do século
XIV, tais como as epidemias e as crises de fome, que, consequentemente, vieram a
provocar intervenções mais severas por parte do monarca. Cabe a nós neste momento,
adentrarmos na análise destas crises que estamos mencionando e suas implicações e
consequências nas estruturas sociais do reino.
Neste período em questão, marcado pelas crises de fome e pela terrível peste
negra (1348-1351), ocorreu uma diminuição acentuada na população do reino. Em
143
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p. 18. 144
Idem. p.19. 145
Ibidem. 146
Idem. p.20.
81
decorrência da alta mortalidade, de estimativas em torno de 1/3 147
da população do
reino, vieram a intensificar as crises alimentares e também provocaram o êxodo rural.
Ainda neste contexto, a diminuição demográfica em Portugal provocou também a
escassez de mão de obra nas produções agrícolas. Este quadro de crise era também
percebido através da ocorrência de reclamações dos concelhos, que exigiam soluções
para "o problema agrícola e da falta de trabalhadores rurais, enfatizando o alto nível dos
soldos vigente para a mão de obra rural"148
.
A solução encontrada para o controle desta crise social partiu de medidas mais
rigorosas e coercitivas por parte do monarca, que buscava restaurar o controle e
contornar o abandono das propriedades agrárias. Neste contexto surge então o sistema
sesmarial como medida de controle para o abandono das terras.
A Lei de Sesmarias criada por D. Fernando I em 1375 tinha como principal
finalidade a regulamentação da produtividade agrícola no reino, por meio do controle ao
acesso às terras devolutas na tentativa de aumentar a produção dos gêneros alimentícios.
Dessa forma, o abandono das terras rurais provocado pela crise demográfica e
acentuada pelo êxodo populacional em direção aos centros urbanos, necessitou na
intervenção do monarca na tentativa de solucionar a crise instaurada nos campos. O
instituto sesmarial visava, portanto, a "expropriação de terras não produtivas de forma
coercitiva, na tentativa de solucionar a falta de mão de obra no campo e a consequente
redução da produção de gêneros alimentícios"149
. A partir destas circunstâncias,
desenvolveu-se uma série de mecanismos para tentar solucionar esta crise instaurada,
cabendo agora, analisarmos estes elementos.
Neste contexto geral apresentado até o momento, ressaltamos então dois dos
principais problemas que causavam empecilhos ao desenvolvimento agrícola do Reino,
sendo estes, portanto, o abandono das terras agrícolas e a ausência de indivíduos para o
manejo da terra, fruto do êxodo para os centros urbanos. Este cenário fez surgir a
intervenção do monarca que
147
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p. 18. 148
Idem. p. 29. 149
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p. 29.
82
ouvido o parecer do seu conselho e dos homens-bons, decidiu promover uma
série de medidas com três fins: a partilha do solo por gente de marcada
vocação rural, a obtenção de melhores culturas para benefício da terra e o
aproveitamento da mão de obra disponível ou voluntária150
.
Cabe lembrarmos que a posse da terra dava-se mediante o cultivo e a sua
ausência provocaria a desapropriação da faixa concedida. Assim, como medida adotada
para restabelecer a produção agrícola, as unidades de terra que não apresentavam
cultura eram redestinadas a outros indivíduo que desejassem cultiva-las. Eram portanto,
"obrigados a semear a terra os seus possuidores a qualquer título: por posse, prazo ou
aforamento"151
. Dessa maneira, o controle régio procedeu-se de modo mais rígido na
tentativa de fazer valer o cunho social 152
através dos seus regulamentos.
Coube também ao regime sesmarial tentar controlar a oferta e a demanda da mão
de obra para as produções agrícolas, através de medidas e leis para controlar esta
carência. Neste viés, era necessário acabar com a fuga nos campos em destino as
cidades, provocando com isto, um maior controle sobre o êxodo rural. Assim,
obrigavam-se os filhos de agricultores a retornarem ao campo e estabelecer o cultivo, ou
ainda, caso não tivessem terras, que as tomassem de outros que não produzissem.153
Aproveitaram-se também dos vadios e ociosos como reforço braçal nos campos,
obrigando estes a trabalharem e proibindo a esmola, decretando que "a vida dos homens
não deve ser ociosa, e a esmola não deve ser dada, senão a aquele que por si não pode
ganhar nem merecer por serviço de seu corpo"154
.
De maneira esquemática, o pesquisador Marcos Sanches destacou alguns dos
principais pontos referentes ao sistema sesmarial e à tentativa de controle da crise no
reinado, por meio da regulamentação das terras rurais, a qual expomos a seguir:
150
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: Estado, Pátria e Nação (1080-1415) Vol I. p.
352 151
Ibidem. 152
O aspecto social na qual o monarca fazia valer, referia-se a tentativa de solucionar a crise agrária que
tanto assolava o reino. Como podemos observar na seguinte referência documental: "(...) vendo que, nos
tempos passados, este reino era um dos mais abundantes de Espanha de trigo, cevada e mantimentos, e
por falta de ordem e polícia, era pelo contrário no seu tempo, em Cortes que para isso ajuntou, fez
algumas leis, mui úteis à república e àqueles tempos mui necessárias. (...) E que fosse assinado tempo
conveniente aos que houvessem de lavrar para começarem de aproveitar as terras sob certa pena. E que
quando os donos das herdades as não aproveitassem, ou dessem a aproveitar, que as justiças as dessem a
quem as lavrasse por certa coisa. LEÃO, Duarte Nunes apud LIMA, Ruy Cirne. Pequena História
Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988. p.17-18. 153
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: Estado, Pátria e Nação (1080-1415) Vol I.
p.352. 154
Ibidem. p.352.
83
- Quadro: A Lei e sua conjuntura:
Problemas Lei
"Escassez de cereais pelo abandono das
terras".
"Coagir o proprietário a cultivar a terra,
ou quem a tivesse por qualquer outro
título, mediante a sanção da
expropriação".
"Carência de mão de obra pela fuga para
outros mesteres e vida mais folgada".
"Facilitada o manho da gleba obrigando
ao mester da lavoura todos os que forem
filhos e netos de lavradores, os que não
possuíssem bem válidos até 500 libras e
não tivessem ocupação profícua ao bem
comum, nem senhor certo que
necessitasse do seu trabalho".
"Encarecimento dos gêneros e dos salários
dos homens do campo".
"Evitar o encarecimento geral
estabelecendo taxas de salários para os
servidores rurais e ao mesmo tempo
multas para que lhes desse mais que o
fixado".
"Falta de gado para a lavoura e seu preço
excessivo".
"Entravar a decadência da agricultura
constrangendo os lavradores a terem gado
necessário para a lavoura, e obrigando
quem o possuía para vender a fazê-lo por
preço razoável e previamente fixado"
"Desenvolvimento da criação de gado em
detrimento da agricultura".
"Fomentar o cultivo proibindo a criação
de gados a não ser aqueles que os
necessitassem para lavrar herdades suas e
de outrem".
"Oscilação perigosa entre o preço da terra
pedido pelo senhorio e oferecido pelo
locatário".
"Regular o aproveitamento agrário
fixando equitativamente o preço das
pensões ou rendas, a pagar pelos
lavradores aos proprietários da terra".
"Aumento dos ociosos, vadios e pedintes".
"Aumentar o contingente de proprietários
rurais compelidos ao trabalho agrícola os
ociosos, vadios e os mendigos que
pudessem fazer serviço de seu corpo".
Referência: SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes de propriedade e estruturas
fundiárias no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese
de doutorado). p. 51.
84
A implantação do sistema sesmarial em Portugal apresentava, como dito
anteriormente, aspectos coercitivos que exigiam o cumprimento de determinadas
obrigações com o risco de expropriação pelo não cumprimento. Lembrando, como
aponta Rau, que a "violência da lei é enorme, sem dúvida, mas a orientação jurídica
econômica do século XIV era a de coerção"155
. Este processo ocorreu de maneira lenta,
em um esforço contínuo entre o poder régio de mando e a fiscalização do cumprimento
da lei pelos poderes locais156
.
Neste contexto de implantação e fiscalização da lei de sesmaria, esta viria a
provocar transformações significativas na estrutura agrária do reino, principalmente no
que se refere à propriedade. Cabe, todavia, ressaltarmos que a noção de propriedade
está, de certa maneira, vinculada a determinado contexto e noção social manifestada na
relação entre indivíduo e objeto, neste caso, a terra. Como ressalta Paolo Grossi,
a propriedade não consistirá jamais em uma regrinha técnica mas em uma
resposta ao eterno problema da relação entre homem e coisas, da fricção entre
mundo dos sujeitos e mundo dos fenômenos (...), longe de ceder a tentações
isolacionistas, deverá, ao contrário, tentar colocá-la sempre no interior de
uma mentalidade e de um sistema fundiário com função eminentemente
interpretativa.157
Ao que tudo nos indica, seguindo as jurisdições do sistema sesmarial, nos parece
que o domínio útil tendia a prevalecer, já que, nos termos do instituto sesmarial, o
indivíduo tinha "o direito de explorar a terra, não a propriedade sobre a terra” 158
.
Todavia, esta relação se concretizava numa linha por demais tênue, onde se percebe a
formação de uma "propriedade imperfeita", decorrente da relação entre domínio efetivo
do sesmeiro e a soberania do monarca159
.
Passemos agora para a análise do regimento sesmarial. Encontramos nas
Ordenações Manuelinas as sesmarias como sendo "propriamente aquelas que se dão de
155
RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.92. 156
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p.30-32. 157
GROSSI, Paolo. História da Propriedade e outros ensaios. SP: RENOVAR, 2006. p.16. 158
JONES, Alberto da Silva. Reforma Agrária e direito de propriedade. In: Molina, M. C. e. a. Introdução
Crítica ao Direito Agrário Brasileiro. Brasília: UNB, 2002. P. 128. 159
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes de propriedade e estruturas fundiárias
no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese de
doutorado). p. 45-47.
85
terras, casaes, ou pardieiros, que foram ou são de alguns senhorios, e que já em outro
tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora o não são"160
. A definição demonstra com
clareza a necessidade e preocupação régia com a produção agrícola no reinado, onde
devemos ressaltar também que era estipulado um prazo para se estabelecer o cultivo da
terra161
. Em outras palavras, como bem considera Lima, "tratava-se de promover o
reerguimento da lavoura, já oferecendo braços aos que tivessem terras, já oferecendo
terras aos que as quisessem lavrar162
".
Passando a analisar, por ora, o estatuto jurídico da Lei de Sesmarias,
encontramos as descrições deste regimento nas Ordenações163
. Tendo apresentado
quatro edições, a Lei de Sesmarias pouco se modificou desde a data da sua criação,
permanecendo seu enunciado e os objetivos principais inalterados. Estamos
denominando como objetivos principais a obrigatoriedade do cultivo na terra e também,
a comprovação da posse mediante documentação da concessão real. Comparando as
Ordenações, Lima conclui acerca destas edições que
entre as Ordenações de D. Manuel e as de D. Filipe II, nenhuma
modificação substancial se operou na instituição das sesmarias, e tanto se
pode verificar, ou confrontando os respectivos textos, ou consultando a
compilação das leis intermediárias, aprovada pelo Alvará de 14 de fevereiro
de 1569.164
Todavia, cabe considerarmos que ao longo destas edições, ocorreu a supressão
do "vínculo por ocupação, que restringia a liberdade pessoal, como se fosse um tipo de
servidão, prevalecendo somente o domínio do solo"165
. Esta alteração nas ordenações se
160
Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII. p.164.Acessado em:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 161
Nas Ordenações Manuelinas, expressa-se um prazo de um ano para o estabelecimento do cultivo nas
faixas de terras concedidas, além da fiscalização por um período de cinco anos para verificar o
aproveitamento da terra. Idem. p. 165-66. 162
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.19. 163
Ordenações Afonsinas (1446); Ordenações Manuelinas (1511); Ordenações Filipinas (1603). 164
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.24. (negrito nosso). 165
PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 14; Ver também: LIMA, Ruy Cirne. Pequena História
Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988 p.22-23. "A reversão dos bens
da Coroa - observa Villanova Portugal - que no todo diminuía o direito de propriedade, e prejudicava a
cultura, fez preciso promover esta, por meio da liberdade dos cultivadores: tirarão-se consequentemente
as servidões pessoaes dos filhos e filhas dos lavradores. (...) Estabeleceu-se a Lei de Sesmarias, não
86
deve ao fato da diminuição nos elementos coercitivos da Lei, no que refere-se aos
períodos que englobam crescimentos econômicos em Portugal. Dessa forma, interessava
ao monarca a prevalência e continuidade apenas do manejo da terra, para que, assim, o
sesmeiro garantisse o domínio útil sobre a faixa de terra concedida.
Exposto este contexto geral das sesmarias, podemos identificar, em síntese, que
o objetivo geral do instituto sesmarial era assegurar e promover o crescimento agrícola
no reino, tentando assim, contornar os efeitos conjunturais que assolavam Portugal neste
período. Outro ponto importante deste regimento agrário refere-se ao "controle social
nos momentos em que o poder central se via enfraquecido166
", podendo ser observado,
segundo os aspectos coercitivos167
da Lei. Dessa maneira, apresentado este quadro
introdutório acerca das sesmarias no contexto português, cabe a nós, agora, voltarmos
nossas atenções para a América portuguesa, tentando assim, compreender o sistema
jurídico de acesso à terra aqui implantado ou melhor, transplantado.
Ao primeiro momento, na tentativa de analisar o regime agrário no Brasil, no
período colonial, devemos ter em mente a diferenciação existente entre o contexto
português de surgimento da Lei de Sesmarias e as terras do além mar. Como
demonstramos, as sesmarias surgiram no reino de Portugal objetivando o povoamento /
repovoamento das áreas rurais juntamente com o incentivo ao fomento agrário. Todavia,
no Brasil tratava-se de um contexto diferenciado. Nestas terras distantes e
desconhecidas, cabia ao monarca estabelecer a garantia do seu domínio e unicamente de
povoar um extenso território. Obviamente, tratava-se também, de conseguir riquezas e
enriquecer o erário real. Assim dizendo, "as terras não tinham donos como em Portugal
e os povos indígenas que as habitavam não eram vistos como legítimos proprietários.
Não se tratava, então, de repassar a terra não cultivada de um dono para o outro"168
.
Dessa forma, a implantação do regime jurídico das sesmarias haveria de ser readaptado
ao contexto da colonização.
offendendo a liberdade pessoal, como fizera Dom Fernando, mas ferindo só o domínio, salva a
liberdade". 166
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p.61. 167
RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.92. Como considera a autora: "a
violência da lei é enorme, sem dúvida, mas a orientação jurídica econômica do século XIV era a de
coerção". 168
PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 15.
87
No início da colonização as terras se encontravam sob a jurisdição da Ordem de
Cristo, "e lhe eram tributárias, sujeitas como lhe ficavam ao pagamento do dízimo, para
a propagação da fé"169
. Todavia, as Ordenações em seus regimentos faziam menção
acerca das terras devolutas, sendo estas pertencentes ao monarca, e proibiam que as
Ordens, Igrejas e Mosteiros se apropriassem delas, cabendo a estes maninhos serem
concedidos aos sesmeiros170
para que os lavrassem. Diante deste quadro, nos anos
iniciais da colonização, "ficava subentendido que os maninhos descobertos no Brasil
constituíam propriedade da Coroa portuguesa, ainda que sobre seus beneficiários
recaísse a obrigatoriedade do pagamento de dízimos à Ordem de Cristo"171
.
A primeira referência ao regime sesmarial nas terras do novo mundo é a carta
patente concedida a Martim Afonso de Souza no ano de 1530. Neste documento,
podemos identificar a intenção do monarca no que se refere à estruturação
administrativa e socioeconômica neste novo e vasto território. Tendo em vista o seu
conteúdo, este importante documento expõe as preocupações com a produção
econômica, a proteção do novo território e por fim, a necessidade de se efetivar a
ocupação. Como aponta Lima,
Trouxe Martim Afonso de Souza para o Brasil, na expedição de 3 de
dezembro de 1530, três cartas régias, das quais a primeira autorizava a tomar
posse das terras que descobrisse e a organizar o respectivo governo e
administração civil e militar; a segunda lhe conferia os títulos de capitão-
mor e governador das terras do Brasil; e a última, enfim, lhe permitia
conceder sesmarias das terras que achasse e se pudessem aproveitar.172
Neste trecho apresentado devemos também destacar outro importante ponto. Na
elaboração dos aparatos socioeconômicos referentes ao século XVI, percebemos que os
primeiros responsáveis por distribuir / conceder as sesmarias foram os donatários das
capitanias hereditárias173
, vetada somente a estes a apropriação dos maninhos. Os
169
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.35. 170
Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII. p.166. Acessadoem:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 171
NOZOE, NELSON. Sesmarias e Apossamentos de Terras no Brasil Colônia. In: EconomiA, Brasília,
v.7, n.3, 2006. p.590. 172
Idem. p.36. (grifos nossos). Ver também: COSTA PORTO, José da. O Sistema Sesmarial no Brasil.
Brasília: UNB. p.50-51. 173
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.43. pp. 37-38. "Nas doações de capitanias, feitas pelo monarca, como rei e senhor natural
e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, a instituição das sesmarias reaparece entre as cláusulas das
respectivas cartas, já com permitir-se aos donatários conceder terras (...) sem foro, nem direito algum,
somente o dízimo de Deus". Cabe ressaltarmos que havia um veto nas concessões: "Aos donatários, veda-
88
capitães donatários haviam de receber uma parcela das faixas de terras e se
comprometeriam a distribuir, sob forma de sesmarias, o restante das terras a quaisquer
pessoas, de qualquer condição, contanto que fossem cristãos174
, para poderem assim
elaborar o aparato econômico e efetivar a colonização nas terras recém descobertas.
Todavia, posteriormente, no século XVIII, a prerrogativa de conceder sesmarias coube
também aos governadores e capitães-gerais das capitanias175
a partir do Alvará de 05 de
Outubro de 1795. Ressaltamos que na América portuguesa, os altos cargos
administrativos, como os mencionados anteriormente, adquiriram o direito de concessão
de faixas de terras, cabendo, neste contexto, destacarmos a relação do poderio local e
suas interações com as unidades administrativas da colônia176
.
O fracasso do sistema de capitanias e a ameaça na efetivação da colonização
resultaram na intervenção do monarca. Neste contexto de interferência régia na colônia,
as estruturas agrárias viriam a se modificar em consequência da implantação do
Governo Geral em 1548. Dessa forma, optou o rei de Portugal na centralização das
concessões e a montagem dos aparatos econômicos da colônia a cargo de Tomé de
Souza, como se pode observar na seguinte passagem:
O modo que então pareceu a El Rey melhor e mais a propósito - referente a
crônica de D. João III - para hum governo do Brasil foi revogar os poderes
aos capitães que lá estavam e da-los todos ao capitão da Bahia de Todos os
Santos, que ordenou que fosse governador geral de todas as capitanias177
.
se-lhes, numa palavra, apropriarem-se dos maninhos existentes dentro dos limites de suas capitanias, não
lhes sendo lícito senão concede-los de sesmarias". 174
NOZOE, NELSON. Sesmarias e Apossamentos de Terras no Brasil Colônia. In: EconomiA, Brasília,
v.7, n.3, 2006. p.591. Ver também: LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias
e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988. p.37. "Nas doações de capitania, feitas pelo monarca, como rei
e senhor natural e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, a instituição das sesmarias reaparece entre
as cláusulas das respectivas cartas, já com permitir-se aos donatários conceder terras (...) sem foro, nem
direito algum, somente o dizimo de Deus". 175
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.43. 176
Em nossa região de estudo, compreendendo os sertões da Picada de Goiás, o caso de Inácio Pamplona
serve para elucidar a relação beneficiária existente entre a aproximação com os possuidores de alto cargos
administrativos na colônia, pois este, Foi sesmeiro nos dois sentidos da palavra: recebeu e concedeu
sesmarias. (...) o governador das Minas, conde de Valadares, estendeu essa regalia a Pamplona” (...),“ao
enfaixar em suas mãos o poder de distribuir as sesmarias do Campo Grande, nas nascentes do rio São
Francisco, separou para si uma parcela muito maior do que a dos outros sesmeiros". In: PINTO, Eduardo
Francisco. Potentados e Conflitos nas sesmarias da comarca do Rio das Mortes. Niterói: ICHF/UFF,
2010 (Tese de doutorado). p. 60. 177
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.39.
89
Neste período em questão, caracteriza-se a tentativa de viabilização da estrutura
mercantilista nas terras coloniais, cabendo destacar neste momento a economia
açucareira. A experiência portuguesa no cultivo da cana de açúcar realizada com
sucesso nas ilhas atlânticas e a experiência bem sucedida do cultivo no Nordeste
provocaram modificações substanciais na economia da colônia. Dessa forma, os
sesmeiros neste período focaram as solicitações de concessões de terras para a
montagem dos engenhos de açúcar e também, para a proteção contra o gentio.
Alegavam estes indivíduos serem homens de posses na tentativa de conseguirem, assim,
as faixas de terras para a montagem dos engenhos. O estudo de Francisco Vianna
demonstra o mecanismo de obtenção de terras através do posicionamento social dos
sesmeiros, alegando serem, "homem de muitas posses e família" ou que "é homem de
posse assim de gente como de criações que a um morador são pertencentes", ou que tem
muita "fabrica de gado de toda sorte e escravos como qualquer morador" 178
. Dessa
maneira, por fim, tentavam se justificar como indivíduos capazes de viabilizar a
construção dos engenhos e merecedores das concessões de terras.
O regimento de Tomé de Souza demonstra o incentivo à criação de engenhos,
bem como também a necessidade de se efetivar a ocupação e o cultivo das terras,
destacando seus esforços para desenvolver mecanismos de efetivação da colonização. O
seguinte trecho retirado do seu regimento nos auxilia a compreender a formação da
estrutura mercantilista neste período da colonização, pois,
Águas e ribeiras que estiverem dentro no dito termo em que houver
disposição para se poderem fazer engenhos de açúcar ou de outras
quaisquer coisas dareis de sesmaria livremente sem foro e as que derdes
para engenhos de açúcar sem as pessoas que tenham possibilidade para
os fazer dentro do tempo que lhes limitardes que será o que vos bem
parecer e para serviço e manejo dos ditos engenhos de açúcar lhes darei
aquela terra que para isso lhes fôr necessária e as ditas pessoas se obrigarão
a fazer cada um em sua terra uma tôrre ou casa-forte da feição e
grandeza que lhe declarardes nas cartas e será o que vos parecer segundo
o qual em que estiverem que bastarão para segurança do dito engenho e
povoadores de seu limite a assim se obrigarão a povoarem e aproveitarem
as ditas terras e águas sem as poderem vender nem trespassar a outras
pessoas por tempo de três anos179
.
178
OLIVEIRA VIANNA, Francisco José de. Evolução do povo brasileiro. São Paulo; Ed. Nacional,
1933. pp.56-57. 179
DOCUMENTOS HISTÓRICOS, Livro 1º de Regimentos (1684 - 1725), Vol. LXXX. Biblioteca
Nacional. p.283. (grifos nosso).
90
Neste contexto em questão, eram solicitadas grandes extensões de terras
"trazendo-lhe o prestígio da lei escrita, o espírito do latifúndio"180
, como justificativa
para a elaboração das unidades mercantilistas na colônia. No entanto, o próprio
regimento de Tomé de Souza havia de alertar acerca das concessões de grandes faixas
de terras, mencionando que, "não dareis a cada pessoa mais terra que aquela que
boamente segundo sua possibilidade vos parecer que poderá aproveitar"181
. Assim
também, encontramos nos regimentos das Ordenações a proibição das concessões onde
não se pudessem lavrar as terras, como se nota na passagem extraída da jurisdição
Manuelina, que ressalva que,
(...) não deem maiores terras a uma pessoa de sesmarias, que as que
razoadamente parecer que no dito tempo poderão aproveitar. E se aquelas a
que assim forem dadas as ditas sesmarias, as não aproveitarem no tempo que
lhes for assinado (...), façam logo os sesmeiros executar as penas que lhe
forem postas, e deem as terras que aproveitadas não estiverem a outros que as
aproveitem. 182
As restrições impostas tanto pelas Ordenações quanto pelo próprio regimento de
Tomé de Souza, tiveram que ser readaptadas ao contexto que se encontrava e se
almejava alcançar nas terras da colônia. Dessa maneira, sendo a colônia possuidora de
grande extensão territorial, ainda que, neste período em questão, pouco conhecimento se
tinha das regiões distantes do litoral, o sistema agrário haveria de ser readaptado a estas
novas condições. Para elucidar com mais clareza esta questão, o estudo de Felisbello
Freire demonstra a diferenciação existente entre a extensão das faixas de terras
concedidas no norte e no sul da colônia, demonstrando que na primeira região havia
maiores propriedades183
. Esta questão se dava devido a maior concentração de engenhos
nas regiões litorâneas do nordeste, sendo assim, as terras eram solicitadas com maior
frequência e em extensões maiores, alegando serem necessárias para o estabelecimento
das atividades açucareiras. Neste ponto em questão, o trabalho de Francisco Carlos
Teixeira nos auxilia na percepção da formação dos extensos latifúndios na Bahia. O
180
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.39. 181
DOCUMENTOS HISTÓRICOS, Livro 1º de Regimentos (1684 - 1725), Vol. LXXX. Biblioteca
Nacional. p.282. 182
Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII.p.166. Acessado em:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 183
FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brazil. 1º volume, 1906. Ver pp.15-22. "as concessões no
norte abrangiam em geral uma maior extensão territorial do que no sul. (...) as sesmarias no sul não
excediam de três léguas de extensão, quando ao norte havemos de encontrar concessões de 20, 50 e mais
léguas. Basta assinalar as concessões de Garcia d'Ávila e seus parentes que se estendiam da Bahia até
Piauhy em uma extensão de 200 léguas".
91
pesquisador demonstra a partir do estudo de alguns sesmeiros a vasta extensão de suas
posses e o poder que suas terras representa, já que "o fato em sim, prova de prestígio,
pois os mecanismos acionados por laços políticos, familiares e clientelísticos e, foram,
efetivamente, os responsáveis pela criação de uma nova aristocracia"184
. É o exemplo da
família Vieira Ravasco, que se apropriou de um grande domínio de terras que entre
1655 e 1673 acumulou mais de 260 léguas de terras.185
Cabe a nós, neste momento, destacarmos a utilização da mão de obra escrava
para a manutenção dos aparatos econômicos na colônia. Retomando ao fato de que os
sesmeiros alegavam serem homens possuidores de posses e de escravos nas solicitações
de faixas de terras, fica clara a necessidade da escravatura como instrumento para a
viabilização dos engenhos. Dessa maneira, como ressalta Raymundo Faoro, "a terra, em
si, pouco valia no conjunto da empresa, valor relativo no século XVI, como ainda no
século XIX: a riqueza necessária, para a empresa, era o escravo"186
. Ainda nesta
questão, o cronista Gandavo indicava em seus relatos, que "os moradores desta Costa do
Brasil, todos têm terras de Sesmarias (...) a primeira cousa que pretendem alcançar são
escravos para lhes fazerem e granjearem suas fazendas, porque sem eles não podem
sustentar a terra"187
.
Outra questão que demonstra a intervenção régia na tentativa de controlar e fazer
valer o cultivo da terra se deu no Alvará de 1699. Um dos aspectos deste documento,
incentivava a denúncia dos sesmeiros que não lavravam suas terras, bem como também,
o beneficiamento por parte do denunciante para o recebimento das sesmarias188
. Ao que
nos parece, este Alvará foi uma tentativa de aumentar a fiscalização sobre as terras
concedidas, cabendo lembrar que no próprio documento das sesmarias encontramos
certas restrições e deveres que deveriam ser exercidos pelos sesmeiros. A respeito das
obrigações, encontramos o prazo para se estabelecer o cultivo das terras ou parte delas,
e quanto as restrição, por exemplo, a de não ocupação das margens dos rios navegáveis.
184
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Universidade Federal Fluminense.
ICHF/Departamento de História., 1990. (Tese de Doutorado). p.320. 185
Idem. 335. 186
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Globo. 2001.
pp.160-161. 187
GANDAVO, Pero de Magalhães apud SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes
de propriedade e estruturas fundiárias no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX.
UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese de doutorado). p. 65. 188
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.42-43.
92
Assim, vemos que este Alvará em especial, tentou ampliar a vigilância sobre as terras
concedidas, uma vez que, incentivava a denúncia pelo não comprimento das obrigações
e deveres, além de incentivar o denunciante. Dessa forma, "os conflitos tornavam-se
cada vez maiores, dentro de um quadro de intensa especulação, ampliação das
propriedades e generalização dos arrendamentos".189
Adentrando agora, neste contexto do século XVIII, cabe fazermos algumas
considerações acerca da estrutura fundiária das áreas mineradoras, uma vez que, a
descoberta do metal precioso trouxe significativas transformações nas terras interioranas
da colônia. Um primeiro ponto a se destacar foi o intenso deslocamento para as áreas
distantes do litoral, o que provocou, consequentemente, "um enorme aumento nos
pedidos e na concessão de sesmarias, como também uma grande ocupação 'não-
oficial'"190
. Dessa maneira, cabia ao monarca estabelecer ou, ao menos, tentar
estabelecer um controle sobre estas novas áreas, que se viam agora, intensificando seu
contingente de ocupação. Assim, coube elaborar um plano estratégico para as
concessões de terras, dessa forma, visando a produção agrícola e os limites das
propriedades. Para demonstrar o aspecto de controle, o "rei, ao ouvir o conselho
ultramarino, determinou que as terras em que houvesse minas e nos caminhos para elas,
fossem somente de meia légua em quadro. E que no sertão fossem de três léguas como
estava determinado"191
. Além destas, tentava-se contralar as terras margeadas por rios,
já que, "tinham que ter uma embarcação para navegar de uma margem a outra, ou se
fosse somente de uma margem do rio, a outra tinha que se reservar meia légua para ficar
em público"192
.
Na questão do desenvolvimento agrário nas áreas mineradoras, cabe
destacarmos as contribuições da pesquisa de Carlos Guimarães e Liana Reis, que
demonstraram a partir do estudo das cartas de sesmarias a importância desempenhada
pela agricultura e pela pecuária desde os primórdios da mineração193
. Esta pesquisa
189
Idem. p.89. 190
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p.102. 191
Idem. p.105. 192
Ibidem. 193
GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).
Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.2, 1986.p. 7-36. Ver também: MENESES,
José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas.
Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000; HOLANDA, Sérgio Buarque. “Metais e pedras preciosas” in
História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel 1982; ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento
93
auxiliou para importantes reflexões acerca do papel da estrutura agrária nas áreas
mineradoras, bem como também, demonstrou a importância do estudo das unidades
agropastoris para a compreensão da sociedade mineira no século XVIII. Outro ponto a
ser destacado, refere-se ao comércio existente nas áreas mineradoras, que vem a
comprovar também, a importância desempenhada pela produção agropastoril. Nesta
linha, o estudo de Alcir Lenharo reforça o aspecto mercantilizado dos gêneros
alimentares através da comercialização do excedente no mercado carioca194
. Por fim, a
historiografia acerca das unidades produtivas nas áreas mineradoras apresentaram,
principalmente os trabalhos da década de oitenta e noventa, interessantes discussões e
reflexões a respeito da dinâmica interna na colônia.
Retornando a análise do sistema sesmarial na colônia, percebemos que na
passagem do século XVII para XVIII, ocorreu uma intensificação das medidas
controladoras das faixas de terras, cabendo mencionar e destacar, a tentativa de
limitação da extensão das concessões e também, a tentativa de se fazer valer o cultivo
da terra concedida. Dessa maneira, cabe adentrarmos no estudo do Alvará de 1795,
sendo este, uma nova tentativa de regulamentar as doações das sesmarias. Neste período
em questão, cabia aos capitães-generais e aos governadores a concessão de sesmarias,
sendo vedadas as concessões por parte dos capitães-mores e governadores
subalternos195
.
Com os problemas agrários intensificados, o Alvará de 1795 "reconhecia o
estado de irregularidade na distribuição a que muitos moradores se submetiam, ao não
conseguir as sesmarias por mercê da rainha ou dos governadores e capitães-generais"196
.
Neste quadro, fica evidente a ausência das demarcações de terras e a apropriação
indevida por parte de alguns sesmeiros, como constatado no seguinte trecho extraído do
documento:
da capitania das Minas Gerais no século XVIII . São Paulo: HUCITEC/Edusp, 1990. pp. 221-222.;
CARRATO, José Ferreira. Iluminismo e escolas mineiras coloniais (notas sobre a cultura da decadência
mineira setecentista). São Paulo: Edusp, 1968. pp. 246-247. LENHARO, Alcir. As tropas da moderação:
o abastecimento da corte na formação política do Brasil (1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-
29. SLENES, Robert. “Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no
século XIX”, in Cadernos IFCH/UNICAMP, n° 17, junho de 1985. 194
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil
(1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-29. 195
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:
ESAF, 1988. p.43. 196
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p.116.
94
Alvará, em que Vossa Majestade, reprovando, e corrigindo os abusos,
irregularidades, e desordens, a que tem dado causa a falta de Regimento das
Sesmarias do Estado do Brasil, É servida Ordenar uma firme, e impreterível
forma das suas Datas, Confirmações, e Demarcações: Dando a respeito delas
invariáveis Regras, para se processarem as Causas destas Sesmarias, com
outras igualmente úteis Providencias ao sobredito fim197
.
A necessidade de se efetivar as demarcações nas faixas de terras concedidas e
solicitadas ao longo deste Alvará, não vieram, por sua vez, a serem cumpridas.
Permaneceu a existência das extensas propriedades sem a realização do efetivo cultivo
nas terras e muitos desejando concessões sem terem o que plantar ou possuir os meios
devidos para se produzir.
Diante de pressões exercidas pelas autoridades e a dificuldade de exercer o
controle sobre a demarcação das terras, o Alvará de 1795 pouco conseguiu efetivar seus
regimentos, chegando assim, a ser suspenso no ano seguinte do seu decreto. Dessa
maneira, o quadro agrário na colônia estava marcado por um de seus períodos mais
conflitantes, caracterizado pelo embate por mais terras e a necessidade de se efetivar a
demarcação e os limites das sesmarias doadas.
Neste contexto apresentado acerca do instituto sesmarial, também é oportuno
destacarmos alguns dos aspectos pertinentes à utilização deste sistema como elemento
de controle e diferenciação social por parte dos detentores das cartas de sesmarias.
Assim, a conquista do direito de posse sobre uma faixa de terra, obtida por meio deste
documento jurídico, servia como instrumento para "atestar o seu direito subjetivo à
propriedade contra outros possíveis direitos de terceiros"198
. Cabendo considerar
também que, para se obter o direito a um título, previa-se a exigência de que o sesmeiro
tivesse condições de cultivar a terra, dispondo das qualidades mínimas para ter direito à
concessão. Assim, caso decorresse alguma disputa por faixas de terras, a elite local,
possuidora de maiores recursos, dispunha das suas qualidades para garantir o direito de
posse. Como bem salienta Maria Mota,
197
Alvará de 1795. Acessado em: http://arisp.files.wordpress.com/2010/02/alvara-de-5-de-outubro-de-
1795-dig.pdf 198
MOTA, Maria Sarita. Sesmaria e Propriedade Titulada da Terra: o individualismo agrário na América
Portuguesa. In: SAECULUM - Revista de História. Vol. 26. João Pessoa. Jan/Jun, 2012. p.34.
95
a prática recorrente de utilização das cartas de sesmarias nos tribunais da
América portuguesa, para provar a qualidade do proprietário, nos contextos
de disputas de terras, irá criar uma espécie de legitimação social deste
instituto. 199
No que diz respeito, ainda, aos embates provenientes por disputas sobre faixas
de terras, o trabalho realizado pela pesquisadora Márcia Motta demonstra mecanismos
utilizados por grandes proprietários que se apossavam de terras vizinhas, chegando a
considerar "que a maior parte dos posseiros era, de fato, grandes fazendeiros - muitos
deles com prestígio e poder em sua localidade". 200
Assim, estes indivíduos faziam
valer, por meio da sua posição social e dos seus prestígios, uma maneira de ampliar seus
domínios, obtendo maiores faixas de terras. Estas considerações auxiliam na
demonstração do fato de que esse sistema servia mais como um instrumento das elites
para apropriação da terra do que apenas como mecanismo de controle da coroa, tendo
em vista as poucas modificações encontradas em seu regimento ao longo do período de
sua vigência.
A extinção da Lei de Sesmarias ocorreu no de 1822, sendo posteriormente
substituída pela Lei de Terras somente em 1850. Neste contexto de extinção o sistema
sesmarial já se encontrava em plena crise,
bastando recordar que há muito tempo se perdera a finalidade inicial do
instituto da sesmaria, que era a cultura efetiva da terra. As exigências de
medição e demarcação judicial também tinham deixado de ser cumpridas em
muitos casos. (...). Em vista da situação caótica, uma resolução de consulta da
Mesa do Desembargo do Paço, de 17 de julho de 1822, assinada por José
Bonifácio, determinou que se suspendessem todas sesmarias futuras até a
convocação da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa201
.
Dessa maneira, podemos atribuir o fim do sistema sesmarial ao "enorme número
de reclamações por parte dos habitantes da colônia que requeriam as sesmarias e não
eram atendidos, bem como também o número de reclamações pela falta de
199
Idem. p.30. 200
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro: Ed: Vício de Leitura, 1998. p. 142. 201
CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice,
Ed.:Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. 1988.
pp. 84-85.
96
demarcações"202
. Durante o período de vinte e oito203
anos entre a extinção das
sesmarias e a implantação da Lei de Terras, caracterizou-se pela intensificação dos
confrontos entre os sesmeiros e os posseiros204
, cada qual, utilizando de variadas
estratégias para obterem mais terras ou garantir o domínio sobre ela.
Analisaremos na unidade posterior deste capítulo algumas das características
fundiárias presentes nas propriedades que margearam o caminho da Picada de Goiás.
Assim, almejamos melhor caracterizar e compreender o contexto agrário nesta região
oeste dos sertões ao longo da segunda metade do século XVIII.
202
ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em
freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História
Social). p.117. 203
Durante o período de extinção da Lei de Sesmarias e a implantação da Lei de Terras em 1850,
prevaleceu o estatuto das Ordenações Filipinas. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do
poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. pp.52-
53. 204
O termo posseiro refere-se aos indivíduos que sem possuir o título das terras as ocupavam, dessa
forma, seria a oposição aos sesmeiros, sendo estes, os possuidores legítimos das faixas de terras. Ver In:
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século
XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. Em especial os capítulos I e IV. & MOTTA, Márcia.
Movimentos rurais nos oitocentos: uma história em (re)construção. In: Estudos Sociedade e Agricultura
(UFRJ). Rio de Janeiro, v.16, 2001.
97
2.2 - Da História Agrária aos Passos da Ocupação:
A Parábola do Lavrador - aplicai os ouvidos e ouvi a minha voz, atendei e escutai a minha palavra: o que ara, nada mais faz que arar e abrir sulcos no campo? Porventura, depois de ter aplanado a superfície, não semeará a nigela e espalhará o caminho, não lançará o trigo e a cevada e, aos cantos, centeio e milho? (Isaías, 28: 23-25).
Para darmos continuidade às nossas análises e buscando uma melhor
compreensão dos sertões oeste da Picada de Goiás, assim como, do processo de
expansão das fronteiras, iremos, neste momento, embasarmos nos pressupostos da
história agrária. Esta metodologia tem como um dos fundamentos básicos a busca por
correlacionar as interações entre os espaços geográficos, compreendendo nosso recorte
espacial de estudo, juntamente com as ações / relações sociais dos indivíduos que
ocuparam estas regiões. Dessa maneira, nas palavras de Maria Yedda Linhares,
a história agrária, como é hoje conhecida, nasceu, nas primeiras décadas do
século XX, de um encontro feliz com a geografia humana, tendo, de um lado,
o historiador - preocupado em explicar as mudanças operadas pela ação do
homem (os grupos sociais) através dos tempos - e, de outro, o geógrafo -
dedicado ao estudo da relação do homem com o seu meio físico205
.
Neste contexto, as relações sociais desempenham um papel crucial e somos
capazes de identificar neste sistema uma lógica complexa que demonstra o processo
dinâmico de ocupação das remotas regiões da Picada de Goiás. Dessa maneira,
estaremos buscando nesta unidade da pesquisa demonstrar que o processo de expansão
das fronteiras, assim como, da ocupação destas regiões, diz respeito a um fenômeno
muito além do processo natural de se ocupar novas áreas, mas sim, de um processo
dinâmico e de interesses em jogo de cada um dos sesmeiros que margearam este antigo
caminho. Por muita das vezes, estes interesses podem estar expostos pelos fatores
econômicos e sociais na tentativa de se conseguir melhores faixas de terras para
estabelecer as unidades de produção mineral, agropastoril, ou ainda, para buscar as
riquezas dos sertões incluindo a captura de índios e escravos.
205
LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.
(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.165.
98
Cabe destacarmos de imediato que a análise do processo de ocupação consiste
em um ponto primordial para a história agrária, pois, é "nesta sessão que são estudados
o acesso a posse e à propriedade da terra, em particular as formas de acesso e a
legislação pertinente, os mecanismos de demarcação territorial, os conflitos pela posse e
propriedade e os ritmos de ocupação do solo"206
. Todavia, ressaltamos que nossa
pesquisa tem como foco de estudo os ritmos de ocupação do solo concomitantemente a
análise das atividades econômicas desenvolvidas nestas áreas recém ocupadas. Dessa
forma, estão correlacionadas as questões sociais e econômicas em seus aspectos
macroanalíticos 207
da Comarca do Rio das Mortes, sendo estes elementos nosso ponto
de partida que nos guiará para a compreensão do fenômeno de ocupação e expansão das
fronteiras para as regiões dos sertões.
Nosso ponto de partida tem como referencial a obra "Agricultura, Escravidão e
Capitalismo" 208
de autoria de Ciro Flamarion Cardoso. Neste já conhecido trabalho, o
autor menciona os processos de transformações nas análises metodológicas que adotam
o viés agrário, bem como também a utilização da história agrária como forma de se
estudar e compreender as dinâmicas sociais, apresentando assim, as vertentes e as
formas de análises que consistem a esta metodologia de estudo.
O enfoque agrário da nossa região estudada torna-se um importante instrumento
de análise socioeconômico e também, como ponto de partida para o entendimento do
rush populacional ocorrido ao longo da segunda metade do século XVIII. Neste
contexto, Ciro Flamarion nos alerta acerca das diferentes modalidades da história da
agricultura, cabendo destacar dentre estas, a "História econômica do Mundo Rural" que
será nosso enfoque adotado para a elaboração de nossas análises. Este viés tem como
ponto de referência
a teoria econômica do sistema em questão (escravismo, feudalismo,
economia do Antigo Regime, capitalismo, economia camponesa ou pequena
produção mercantil, etc.). Neste caso seria necessário introduzir as
determinações de mercado (se existisse), e a ênfase recairia no estudo macro
206
CARRARA, Angelo Alves. DIAS, Marcelo Henrique. História Agrária da Capitania de Ilhéus: notas
preliminares de um programa de estudo. In: MR 06 - História Agrária e Região. Anais do XX Ciclo. p. 02
Acessado em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_I/marcelo_henrique_dias.pdf. 207
Estamos considerando como processo macroanalítico os fenômenos de longa duração, que em nossa
região de estudo estaremos focando no que refere ao período da descoberta aurífera na passagem do séc.
XVII - XVIII e também na expansão da produção agropastoril na segunda metade do século XVIII. 208
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1982.
99
e microeconômico da produção, distribuição e circulação no setor agrícola da
economia 209
.
Dessa forma, cabe a nós correlacionarmos as unidades produtoras com o
processo de expansão das fronteiras, ou seja, com a dinâmica de ocupação das regiões
dos sertões da Comarca do Rio das Mortes a fim de obtermos um melhor entendimento
deste fenômeno. Neste contexto, a economia auxilia a compreender os movimentos
populacionais bem como o deslocamento das fronteiras internas em expansão as regiões
ocidentais desta Comarca em questão.
Por vez, temos como referenciais a economia e o seu desenvolvimento /
transformações ao longo do período temporal e espacial da pesquisa. Nossa análise
parte da expansão da produção agropastoril e também da exploração aurífera existente
em nosso recorte de estudo. Como apresentamos no primeiro capítulo deste trabalho, a
Comarca do Rio das Mortes destacava-se pela produção agropastoril nas regiões
circunvizinhas aos centros mineradores, em destaque, para a Vila de São José del Rei,
formando assim, o "complexo agropecuário" 210
em suas freguesias. Esta produção
remete a um processo de longa duração, iniciado na passagem do século XVII para o
XVIII e se expandindo e aprimorando ao longo da segunda metade do setecentismo a
partir do esgotamento dos veios auríferos. O conjunto destes elementos incentivou e
desencadeou a montagem e o aperfeiçoamento da economia rural nas freguesias que
compunham a Picada de Goiás, concomitantemente a economia mineral.
A montagem deste aparato deu-se de maneira lenta e progressiva, envolvendo o
interesses de homens poderosos como também de pequenos sesmeiros tendo em vista a
209
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1982.
p.16. Cabe destacarmos também, que segundo Flamarion haveria outras vertentes de análise a saber: " I -
História Agrária (strictu sensu) que tratar-se-ia de um aspecto da História das Ciências e das técnicas,
ocupando-se dos métodos, instrumental e organização da agricultura; de saber quais eram exatamente as
plantas cultivadas e os animais criados em determinado período e lugar. (...) Este tipo de História da
Agricultura normalmente tem como sistema de referência o eixo: meio ambiente / superfície cultivada e
tecnologia agrícola (no sentido mais amplo deste termo) / população. (...); II - História Agrária: seu objeto
central estaria constituído pelas formas de apropriação e uso do solo, e pelo status jurídico e social dos
trabalhadores rurais, configurando assim o estudo dos diferentes < sistemas agrários >, suas mudanças e
as causas destas mudanças. (...); IV - História da Civilização Rural: desde a superação do Neolítico, se
define por oposição - campo / cidade, camponeses / citadinos, etc. - e pelo fato de que na maioria dos
casos os grupos celulares do mundo rural estão englobados e / ou dominados por forças econômicas,
sociais e políticas exteriores ou superiores a eles (...). pp. 15-16. 210
FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,
sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 200. p.79.
100
possibilidade viável de se estabelecer unidades produtoras de gêneros agrícolas ou ainda
da obtenção de faixas de terras, nestas áreas ainda em processo de ocupação.
Nas descrições das atividades econômicas desenvolvidas na Capitania de Minas
Gerais, podemos notar o incentivo da produção rural bem como os benefícios oriundos
destas atividades, como menciona Vieira Couto que,
Além d'isso florescendo a agricultura, a capitania se povoará de dois ricos
consumidores, o mineiro (que já o penso em melhor estado) e o agricultor; a
capitania facilitando-se os meios de pagar o que compra, já com o ouro de
suas minas, já com as produções da sua lavoura, comprará também mais,
porque tal é a natureza de todos os homens de despenderem sempre segundo
os seus lucros, ou mais ainda a capitania, posto em atividade a agricultura e
mineração, se aumentará consideravelmente em povoação, porque esta é a
sorte das terras férteis, abundantes em meios de subsistência e bem
legisladas. A capitania por conseguinte consumirá mais o dobro e tresdobro
(...), e isso em aumento animando-se estas importantíssimas classes de gente
Mineiros e Agricultores 211
.
Dessa maneira, os interesses que envolvem a abertura da Picada de Goiás
servem para ilustrar alguns dos fatores que desencadearam a ocupação dos sertões,
permitindo assim, a expansão das unidades econômicas para o interior da Capitania.
Este quadro constitui nosso objeto de análise neste momento.
A abertura deste antigo caminho ocorreu em meados da década de 1730, como
fruto de alianças de alguns homens poderosos da Comarca de Vila Rica e do Rio das
Mortes, atraídos pela possibilidade de enriquecimento com o adentrar / ocupação dos
sertões do oeste. Dentre estes indivíduos cabe destacarmos os nomes de Matias Barbosa
da Silva e José Álvares de Mira, o coronel Caetano Álvares Rodrigues e o guarda-mor
Maximiano de Oliveira Leite 212
. A alegação por parte destes senhores na importância
da abertura desta picada referia-se ao fato de "querer favorecer o comércio legal entre as
Minas Gerais e as minas de Goiás, e procurar um maior controle fiscal e militar da rota,
evitando-se os extravios e contrabandos danosos tanto à Fazenda Real quanto aos
211
COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas
Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.428. Acessado em:
http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 212
VASCONCELOS, Diogo de. História média das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1999. pp.
139-141. ANDRADE, Francisco Eduardo de. Fronteiras e Instituição de Capelas Nas Minas, América
Portuguesa. In: América Latina En La História Econômica. Nº 35, 2011. pp. 280-81.
101
contratos" 213
. Embora partindo desta alegação como justificativa para a abertura deste
caminho, haveria por detrás da mesma outros motivos por parte destes senhores, que se
estendiam por interesses mais lucrativos e rentáveis, tendo em vista que, "se apossaram
de pontos estratégicos das vias comerciais (entroncamentos e passagens de rios),
mantidos por meio dos títulos de sesmarias, e ainda lucravam com o comércio praticado
(mesmo que ilegal) nas fronteiras do sertão"214
.
Apesar de desde o século XVII fazendeiros e mineradores tenham transitado por
estas regiões em busca de riquezas215
, foi a abertura da Picada de Goiás que representou
a tentativa inicial de se efetivar o controle e a ocupação destas regiões dos sertões. Este
processo ocorreu através da formação / crescimento populacional de novas freguesias e
a instalação de unidades produtoras, sejam estas, a mineração ou a prática das atividades
agropastoris.
A tentativa de se conquistar estas regiões remotas procedeu-se à custa de
confrontos e embates nestas áreas. Entretanto, não poderia ser de outra maneira já que,
grande parte do sertão oeste de Minas Gerais (...) era uma área com terras
aparentemente disponíveis. Logo, era passível de ser conquistada por
qualquer agente social e, como consequência, convivia com uma série de
conflitos declarados ou não 216
.
Dessa maneira, neste cenário conflituoso onde ocorreram intensos
deslocamentos populacionais ao longo do século XVIII, viria a provocar disputas e
confrontos pela conquista de unidades de terras nestas regiões. Assim, pode-se constatar
que o avanço das fronteiras retrata as "disputas territoriais que envolvem direitos e
usurpação de direitos", 217
envolvendo variados agentes. Cabe neste momento da
pesquisa, adentrarmos nestas questões conflituosas decorrentes da conquista destes
espaços em formação.
Este processo de conquista, como dito anteriormente, não seria tão simples e
desencadeou violentas disputas pelo controle de terras e também confrontos contra
213
ANDRADE, Francisco Eduardo de. Fronteiras e Instituição de Capelas Nas Minas, América
Portuguesa. In: América Latina En La História Econômica. Nº 35, 2011. p. 281. 214
Idem. p. 283. 215
Idem. p.280. 216
AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século
XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001 (Tese de Doutorado). Pág. 39. 217
MOTTA, Márcia; MACHADO, Marina. Fronteiras internas: apontamentos de pesquisa. In:
COLOGNESE, Silvio (Org.) Fronteiras e identidades regionais. Cascavel. Ed:Coluna do Saber, 2008.
102
índios bravios e negros foragidos. Estes dois últimos agentes em destaque foram os
principais entraves para a realização efetiva da ocupação. Além destes elementos, outra
característica conflituosa refere-se à ausência do efetivo controle da Coroa nestas terras
ainda em processo de ocupação. Acerca da ausência do controle administrativo,
segundo Anastasia,
aos interesses dos potentados do sertão agro-pastoril do São Francisco de
continuarem excluídos da subordinação externa, assegurando a continuidade
não só de sua autonomia política como controle do excedente, gerado pelas
trocas com a região mineradora e, a outra, ligada aos interesses das camadas
mais pobres da região, onde se pode vislumbrar um relativo questionamento
das forças autoritárias de dominação interna exercida pelos grandes
proprietários de terras218
.
Neste quadro geral, apresentado até o momento, devemos nos ater também aos
indivíduos que, atraídos pela possibilidade de enriquecimento a partir da extração do
metal precioso, deslocaram-se para os centros urbanos nas primeiras décadas do século
XVIII, constituindo assim, os concentrados centros populacionais. Embora o ouro tenha
propiciado o enriquecimento de alguns indivíduos, muitos outros foram assolados pela
miséria219
proveniente do aumento do custo de vida, das fiscalizações, ou mesmo, por
não terem encontrado o tão desejado metal precioso. Neste quadro geral,
inúmeras pessoas, principalmente os pobres e os considerados como vadios,
fugiram dos centros populacionais onde o controle se efetivava, e buscaram
novas regiões para garimparem ou mesmo 'tentarem a sorte'. (...). As áreas
privilegiadas para isto eram os sertões ainda não povoados, pois lá não havia
nenhum tipo de controle ou fiscalização.220
Todavia, estes indivíduos que se deslocaram para estas regiões dos sertões
haveriam de conviver com os índios bravios e negros quilombolas que disputavam por
faixas de terras e riquezas nestas regiões. Neste quadro conflituoso que permaneceu ao
longo de todo o século XVIII, embora, a princípio, os principais embates tenham
ocorrido ao longo da primeira metade deste século em questão haveria de dificultar o
218
ANASTASIA, Carla M. J.. Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas minas na primeira metade do
século XVIII. Belo Horizonte: Companhia Arte. 1998. pp.66-7. 219
SOUZA, Laura de Melo. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro. Ed: Graal, 1982. 220
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no
século XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.04.
Acessado em: http://historia_demografica.tripod.com/bhds/bhd41/amantino.pdf
103
processo de ocupação e expansão das fronteiras para estas áreas do oeste da Comarca do
Rio das Mortes.
Como salienta Diogo de Vasconcelos, a presença de negros e índios acarretava
em uma relação por demais conflituosa, como podemos observar na seguinte passagem
de sua obra, que aborda acerca da abertura da Picada de Goiás, onde, segundo o autor,
outra coisa menos duvidosa é que índios e negros fugidos penetraram nos
mais recônditos sertões, e muitos nomes que não tem origem conhecidas vêm
deles, assim como por notícias verdadeiras ou falsas, que traziam, muitas
tentativas se aventuraram em procura de ouro"221
.
Ainda neste tema, outro importante documento que salienta esses embates,
refere-se ao pedido de solicitação de sesmaria por Domingos Vieira da Mota, no qual
ele menciona o problema dos negros e índios na região da Picada de Goiás:
e como na Paragem do Campo Grande, picada que ia para Goiás, se achavam
campos e matos devolutos não povoados por causa dos negros fugidos, quer
povoar as ditas terras não só para afugentá-los mas ainda para dar sentido a
dita picada de Goiás. 222
Nesta sesmaria em questão, vemos também, como justificativa para a concessão
de unidades de terras a necessidade de se combater os entraves, sejam estes, índios ou
negros, para assim, efetivar a ocupação das terras dos sertões e consequentemente fazer
valer o sentido da abertura deste antigo caminho. Dessa maneira, como podemos
perceber desde imediato, os sertões ao contrário de serem terras inabitáveis como se
imaginava nas representações ao longo do século XVII, foram, antes de tudo, regiões
que serviram de esconderijo para os negros foragidos e também com a presença de
índios, constituindo assim, um palco de disputas.
Estes embates permaneceram constantes na maior parte das primeiras décadas
do século XVIII e tornou-se mais brando somente a partir de 1740.223
Este período
caracterizado pelas grandes expedições, contando com a participação de um elevado
221
VASCONCELOS, Diogo de. História média das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1999. p. 140. 222
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.05.
Acessado em: http://historia_demografica.tripod.com/bhds/bhd41/amantino.pdf. Para o documento, citado
pela autora, ver: Carta de Sesmaria de Domingos Vieira da Mota, em 6.4.1754. SC 106 p.140. Arquivo
Público Mineiro. 223
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.05.
104
contingente humano, entre 300 e 400 indivíduos224
, dizimaram grande parte dos
quilombos e índios destas áreas, possibilitando assim, a intensificação do processo
ocupacional. Entretanto, nas décadas posteriores, as campanhas já apareciam em menor
número, mas o fato de ainda existirem demonstram que os confrontos nos sertões
perduraram ao longo do XVIII225
. É oportuno mencionarmos também, que neste período
correspondente à década de 40, encontramos de fato em nossa documentação, um
aumento nas requisições por sesmarias226
, demonstrando assim, que o controle destes
embates incentivavam os indivíduos a se deslocarem para estas regiões.
Ainda neste contexto de análise das expedições, cabe ressaltarmos o nome de
Ignácio Correia Pamplona, que foi um dos principais responsáveis pelo combate e a
captura de índios e negros nas áreas dos sertões227
. Como menciona Waldemar Barbosa,
"o devassamento da região e seu povoamento mais intenso só tiveram lugar depois das
entradas de Pamplona" 228
.
Um importante documento, encontrado nos Anais da Biblioteca Nacional, traz a
"notícia diária e individual das marchas e acontecimentos mais condignos da jornada
que fez o Senhor Mestre de Campo, Regente e Guarda-mor Inácio Correia de
Pamplona"229
. Analisando estas notícias, um dos trechos que nos desperta atenção
refere-se ao contexto de disputa existente nestas áreas, em que é feita a menção pelo
próprio Pamplona da dificuldade de ocupar estas regiões, como podemos presenciar
segundo o trecho transcrito:
224
PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 225
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.07. 226
Ver gráfico na página 51. 227
Ignácio Correia de Pamplona recebeu do Governador o cargo de guarda-mor de todo o continente do
sertão de Pium-i, Bambuí, Campo Grande e Picada de Goiás. In: Arquivo Público Mineiro. Caixa Nº 06.
Documento Nº 32 (documento digitalizado). Acessado em:
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=84688 228
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995, p.39. Ver também: PINTO, Eduardo Francisco. Potentados e Conflitos nas
sesmarias da comarca do Rio das Mortes. Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). pp.51 - 83.
Segundo o pesquisador, Ignácio Correia Pamplona "foi o principal responsável pela integração daquela
grande área à plena administração portuguesa. Os quilombos continuaram existindo ao longo do século
XIX, mas a presença branca onde só era sertão devoluto, diminuiu sensivelmente essa ameaça". p.81. 229
Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm
105
Temos até agora padecido um desprezo total da gente humana
experimentando das feras o bramido, em sua soledade tão tirana (...) trazei
convosco bastante companhia, que a todos que quiserdes serviremos para
mais lustrar vossa bizarria que para vossos criados lugar temos (...) só para
desengano destas feras que deixam de ser gentes, são quimeras230
.
E continua, em sua fala, destacando as riquezas dos sertões e a necessidade de realizar
sua ocupação, como destacamos neste outro trecho do diário: "estavam estes tesouros
escondidos agora se verá o seu valor não foram até agora merecidos, agora é que
acharam seu senhor a vossa poder estamos rendido"231
.
A disponibilidade de terras encontradas nestas áreas em fronteira aberta, foi um
mecanismo utilizado por Pamplona, como incentivador para o processo ocupacional,
destacando a importância de estabelecer sítios e fazendas para garantir o controle sobre
estas áreas. Assim, refere-se Pamplona após uma de suas conquistas aos ocupantes da
Serra da Marcela, que
não esquecessem de ir povoar as suas fazendas, porquanto era melhor possuí-
las ali de graça do que em outra parte como era ordinário costume por muitos
mil cruzados, que toda a sua vida trabalhavam para os pagar; sem nunca
poder satisfazê-los e que no fim se achavam sempre empenhados, e as suas
famílias em extremosa pobreza, como eles bem experimentavam, que a terra
do Sertão era muito fértil, abundante e saudável.232
É oportuno destacarmos também, analisando ainda estas notícias, que Pamplona
nos indica a presença da prática agropastoril nestas áreas dos sertões. Este fato decorre
da disponibilidade de terras e consequentemente, a possibilidade de efetivar o seu
processo ocupacional, onde se veria "multiplicados milhões por certo do vosso gado".233
A necessidade de efetivar a ocupação e estabelecer áreas produtoras era uma
condição básica para afugentar os índios bravios, pois, com a ameaça dos ataques a
população se afugentava e abandonava as terras concedidas. Nos sertões, como aponta
Barbosa acerca do antigo caminho da Picada de Goiás, o quadro do abandono das terras
podia ser presenciado, já que,
230
Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm p.55. 231
Ibidem. 232
Idem. p.80. 233
Ibidem.
106
foram doadas as sesmarias aos abridores da picada de Goiás; e pelos
territórios de Formiga, Piui e para a frente instalaram-se. (...) Retiraram-se
estes sesmeiros, poucos anos depois, quando a região se povoou de negros
fugidos que, por aí, organizaram seus quilombos.234
Ainda neste quadro de ataques de índios e quilombolas, Pamplona destaca em
carta ao Conde de Valadares a difícil empreitada para efetivar a ocupação destas áreas,
cabendo destacar o seguinte trecho deste documento,
V. Ex.a. sabe que o seu favor foi o motivo que me fez intentar a difícil
empresa de povoar estas terras desertas e incultas esforço por outras tantas
vezes principiados quantos desvanecida pela oposição do gentio brabo e
quilombos de negros que por todos os lados cercavam este continente o que
bem mostram as fazendas que se viram desamparadas.235
Dessa maneira, "os índios bravios e os quilombolas permaneceram nos sertões
provocando durante todo o século XVIII ondas de povoamento e despovoamento".236
A presença destes agentes, índios e quilombolas, ao que nos parece, faz parte do
universo que cercavam os ocupantes destas áreas. Dessa maneira, encontramos na
sesmaria de Constantino Cunha datada em 1766, a menção a paragem chamada
"Quilombo do Ambrósio ou Sertão do Jacuí"237
, cabendo destacar que o Quilombo do
Ambrósio foi um dos maiores e mais temidos quilombos que havia nos sertões, sendo
destruído por duas vezes, em 1746 e posteriormente em 1759.238
Retomando as notícias
de Pamplona e sua empreitada nos sertões, também encontramos a menção a este
Quilombo, no qual ele aponta que
a poucos passos o Ribeirão das onze mil virgens, o qual é bastantemente
grande, e viemos procurando o Quilombo do Ambrósio, no caminho se
mataram 3 perdizes, e um viado, chegamos ao Quilombo do Ambrósio ainda
cedo e tivemos tempo de ir ver o milho que estava plantado, e o achamos
todo nascido e bem bonito.239
234
BARBOSA, Waldemar de Almeida. A decadência das minas e a fuga da mineração. Belo Horizonte.
Ed:UFBH, 1971. pp.31-32. 235
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.08. 236
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.07. 237
IPHAN/ São João del Rei - MG. Sesmaria de: CUNHA, Constantino Barbosa da. SM-29, (1766). fl.02. 238
PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 239
Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm p.79.
107
A respeito do processo de ocupação, também cabe mencionarmos que este
fenômeno está diretamente relacionado com a conjuntura socioeconômica da Comarca
do Rio das Mortes neste contexto da segunda metade do século XVIII. Dessa maneira, a
partir do esgotamento dos veios auríferos e a dificuldade de se enriquecer através da
extração do ouro, fez com que se desenvolvessem as atividades agropastoris ao entorno
das principais vilas necessitando assim, de um volume cada vez maior de terras para o
desenvolvimento das atividades agrícolas. Neste momento, retomaremos os
ensinamentos da história agrária para tentarmos compreender este fenômeno.
A produção agrária, seja ela agricultura ou pecuária, está relacionada com três
principais fatores intercorrelacionais de produção, sendo estes, "a terra (meio ambiente
natural), os homens (a população, o peso demográfico) e as técnicas (as forças
produtivas, no sentido restrito)" 240
. Estes pontos são essenciais para determinar as
formas de produção a serem adotadas e a análise destes elementos permite visualizar de
maneira mais precisa as relações econômicas estabelecidas em uma determinada área.
Neste contexto, encontramos para a nossa região pesquisada, o fator terra (como
meio ambiente natural) sendo oferecida para ocupação nas regiões dos sertões oeste,
local onde ainda se encontravam as fronteiras abertas, permitindo assim, a ocupação por
parte dos sesmeiros que se deslocavam para estas áreas. Dessa maneira, "a médio prazo,
a pressão demográfica leva a uma intensificação do uso da terra ou à incorporação de
novas terras, ou seja, a um processo de ocupação extensiva do solo, com o avanço da
fronteira agrícola ou, ainda, a uma combinação dos dois processos" 241
. Neste momento
em questão, também é importante ressaltarmos que as técnicas empregadas para a
realização do cultivo ou elaboração do aparato produtivo irá influenciar diretamente na
necessidade de maiores ou menores unidades de terras. Todavia, veremos este elemento
em questão em unidade mais adiante, quando tratarmos especificamente das técnicas
empregadas na produção.
Quanto aos homens (a população, o peso demográfico), compreendido aqui
como produtor 242
, temos um acentuado contingente de indivíduos disposto a
240
LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.
(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.168 241
LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.
(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997.p. 169. 242
Utilizamos o termo produtor segundo os critérios definidos por Slicher Van Bath, no qual, compreende
o "homem, para o exercício da agricultura, depende dos conhecimentos que possui acerca deste ramo de
108
desenvolver as atividades agrárias como alternativa viável em relação a extração
mineral. É oportuno mencionarmos também que a população das freguesias da vila de
São José del Rei que margeavam os caminhos da Picada de Goiás apresentaram, em sua
grande maioria, crescimentos significativos na passagem do século XVIII e início da
primeira metade do XIX, quando a crise dos veios auríferos se acentuou 243
.
Este fator auxilia para demonstrar de forma mais clara a importância que as
atividades agropastoris desempenharam para esta região estudada por nós, pois,
consequentemente absorveu uma parcela significativa dos indivíduos que se
encontravam nestas áreas. Neste ponto em questão é pertinente também considerarmos a
pressão existente na demanda por mais terras. Dessa maneira, a oferta da terra é
consequentemente inelástica, cabendo a população crescente, buscar por novas faixas de
terras. Neste contexto, como aponta Maria Yedda acerca do estudo de Ester Boserup,
que "na medida em que se intensifica a utilização do solo, torna-se mais elevado o
índice demográfico (ou vice versa), culminando a densidade demográfico-agrícola"244
.
E por fim, temos as técnicas (as forças produtivas, no sentido restrito) utilizadas
para o manejo da terra. Para tanto, basearemos no relato do viajante suíço Von Tschudi,
em que, segundo ele, as técnicas utilizadas para o cultivo do solo baseavam-se no
sistema extensivo a partir do processo de pousio e da coivara. Cabe ressaltarmos que o
relato deste viajante refere-se a um período posterior ao nosso. Entretanto, optamos por
basear nossas análises em suas considerações, uma vez que não possuímos descrições
mais próximas ao nosso período de pesquisa. Além disso, acreditamos também que nas
últimas décadas do setecentismo, na região estudada por nós, já havia o uso destas
técnicas de cultivo. Assim, em sua obra na qual relata sua passagem pela província de
Minas Gerais, ele menciona da seguinte maneira a utilização destas técnicas:
actividade e dos meios técnicos auxiliares de que dispõe, isto é, por conseguinte, daquilo que, em termos
gerais, se pode chamar técnica agrícola, se por esta entendermos também a aplicação da metodologia
agronómica". In: BATH, Slicher Van. História Agrária da Europa Ocidental (500 - 1850). Editora
Presença. p.14. 243
A exemplo deste crescimento podemos citar as seguintes freguesias que margeavam o antigo caminho
da Picada de Goiás: Passatempo que passou de 782 habitantes em 1795 para 1.186 em 1831; Claudio que
apresentava 1030 habitantes em 1795 passando a ter 2.420 no ano de 1831; Lage 840 habitantes em 1795
para 1.024 em 1831; Japão 745 habitantes em 1731 para 1.568 em 1831. Ver em: MALAQUIAS, Carlos
Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado)
p.23. 244
LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil séculos XVII e
XVIII. Revista Tempo, Niterói, v. 1, n. 2, 1996 p.137.
109
derruba-se um pedaço de mata virgem, a madeira mais seca é queimada
e as cinzas são espalhadas. Sobre a roça assim obtida, entre tocos de árvores
e troncos meio calcinados, as culturas são plantadas com enxada. Quando,
depois de repetidas colheitas sem intervalo entre si, o solo está esgotado, ele
é posta a descansar por alguns anos, e vai se cobrindo novamente com
arbustos e mato. Ao chegar a uma determinada altura ou idade, esse mato é
novamente derrubado, queimado e o solo replantado. O ciclo se repete tantas
vezes que por fim a terra já não pode produzir nenhuma colheita, pois todos
os nutrientes são retirados e nunca são minimamente repostos 245
.
Entretanto, outro fator deve ser adicionado ao sistema da coivara e do pousio
que juntamente a estes, desempenhou um importante papel para este sistema produtivo
em questão. Este elemento refere-se a utilização do esterco animal como auxiliador da
reposição dos nutrientes do solo, tendo em vista a criação de animais de corte, em
especial o gado vacum, nestas regiões dos sertões. Dessa maneira, continuando nas
considerações do relato de Von Tschudi, o viajante menciona que a prática da criação
extensiva acarretava "por meio da circulação do gado, o chão é estercado e assim se
retarda o seu esgotamento"246
.
Embora estes elementos possam ser apresentados de forma isolada, como
expusemos nestes parágrafos anteriores, este processo deve ser entendido em seu
conjunto, ou seja, como um todo. Portanto, a alteração e a elasticidade247
de cada um
destes componentes - a terra, o homem e as técnicas - são capazes de provocar
alterações significativas nas unidades de produção. Dessa maneira, o modelo
esquemático elaborado por Slicher Van Bath tenta demonstrar estes elementos em seu
conjunto inter-relacional, expondo os fatores e o papel desempenhado pelas unidades
produtoras dos gêneros agrários, segundo as considerações já apresentadas por nós,
como vemos a seguir.
245
HALFELD, H. G. e TSCHUDI, J. J. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ed:
Fundação João Pinheiro, 1998. p.111. (Grifos nosso) 246
Ibidem. 247
Estamos baseando a utilização do conceito de elasticidade a partir da oferta e demanda dos fatores
implicados em nossas considerações, ou seja, a terra, o homem e as técnicas. Dessa maneira, a constante
necessidade de ocupar novas áreas e o número de indivíduos dispostos a ocupá-las tornam-se fatores
determinantes para a mensuração do processo de ocupação das regiões do sertão oeste da Comarca do Rio
das Mortes. Acerca do conceito, ver: HOLANDA, Nilson. Introdução à Economia: da teoria à prática e
da visão micro a macroperspectiva. Ed: Vozes, 2002. p.263-72.
110
Esquema de Produção:
MG CG
P A E
T
Fonte: BATH, Slicher Van. História Agrária da Europa Ocidental (500 - 1850). Editora Presença. p.18.
Dessa maneira, pensando neste complexo sistema de produção envolvendo
gêneros agrícolas e a criação de animais, temos, por vez, a vila de São José del Rei e
especialmente em grande parte de suas freguesias o cultivo de "milho, feijão, arroz e
alguns legumes 'menos consideráveis' e na criação de gado vacum, cavalar, lanígeros e
porcos" 248
. A necessidade de terras para o estabelecimento destas unidades produtoras
procedeu-se através das tentativas de ocupação das regiões dos sertões, sendo estas,
disponíveis a partir do avanço das fronteiras para as regiões ocidentais desta Comarca.
Baseado no sistema extensivo de criação de gado somado as técnicas
rudimentares - coivara e pousio -, e também da utilização da enxada como principal
ferramenta de trabalho, podemos perceber um pouco do quadro agrícola nestas regiões
ao longo do século XVIII. Cabe ressaltarmos também, que estas atividades viriam a se
desenvolver e se aprimorar ao longo das primeiras décadas do século XIX, quando
chegariam a ser comercializadas com praças mais distantes, a exemplo, do Rio de
Janeiro, consolidando assim, o complexo agrícola existente nestas áreas pesquisadas em
nosso trabalho.
Para nossa pesquisa em questão, focada na análise das dinâmicas internas das
fronteiras nos sertões oeste, os dois principais fatores que desejamos destacar referem-se
248
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p. 91
Legenda:
MG - Meio Geográfico.
P - População.
A - Área Cultivada.
T - Técnica e conhecimento agrícola.
CG - Contingente de Gado.
E - Estrume.
111
aos elementos populacionais e a necessidade de novas áreas para se estabelecer as
unidades produtoras. Estes dois fatores interferiram diretamente no processo das
fronteiras internas, desencadeando assim, a constituição / aprimoramento das unidades
produtoras de gêneros agrícolas nas regiões circunvizinhas aos centros mineradores ou
mesmo, no que se compreendia como as áreas dos currais. Acerca destes elementos no
qual destacamos, cabe analisá-los com mais atenção.
Para nossa região pesquisada e a partir do nosso escopo documental de
referência, ou seja, as cartas de sesmarias, realizamos a leitura e a análise referentes aos
"Traslado da Carta de Sesmaria"249
e também dos "Autos de Medição"250
, para assim,
buscarmos compreender um pouco das unidades produtoras estabelecidas nestas áreas.
Partimos do estudo de 189 documentos referentes ao nosso recorte temporal e espacial
de pesquisa, afim de assim, identificar as extensões das faixas de terras, bem como as
atividades desempenhadas nestas. Dessa maneira, cabe apresentarmos neste momento
alguns dos dados levantados por nós que nos auxiliará para a identificação das
dinâmicas de fronteiras.
Comecemos então nossas considerações acerca das extensões das faixas de
terras. Estas por sua vez, apresentaram-se constituídas de pequenas unidades produtoras,
já que, dos documentos analisados nos deparamos em sua grande maioria com a
predominância de unidades de até meia légua em quadra de terras. Do montante total
estudado estas unidades representaram 166 solicitações, ou seja, 87,8% dos documentos
pesquisados. Em contrapartida, nos deparamos com algumas cartas onde o suplicante
solicita a concessão de maiores faixas de terras, sendo estas, em sua grande maioria,
constituídas por unidades com até três léguas de extensão. No que se refere a estas
unidades, nos deparamos com 23, representando assim, 12,2% do montante total.
O que nos desperta a atenção desde o início é o alto número de cartas contendo
até meia légua em quadra de terra. Estas apareceram presentes ao longo de todo o nosso
recorte temporal de pesquisa. Podemos mencionar a exemplo, a carta de Domingos da
249
O "Traslado da Carta de Sesmaria" refere-se a uma das unidades presentes ao longo deste documento.
Este por sua vez, compreende a abertura do processo / petição de concessão no qual, indica o nome do
suplicante, o período para demarcação, a abertura e o estabelecimento de cultivo e também, algumas das
vezes faz menção a extensão das unidades de terras. Dessa maneira, focamos nossa leitura nesta unidade
do documento devido a importância como apresentação do indivíduo solicitante da concessão, bem como
também, acerca da finalidade pretendida a se estabelecer nestas devidas terras. 250
O "Auto de Medição" refere-se, como o próprio título sugere, como sendo a unidade do documento
que aborda a medição e a demarcação, aqui entendido como os limites, das faixas de terras concedidas.
112
Costa Afonso em 1747 na paragem de Capão Grande, termo da vila de São José Del
Rei, na qual o suplicante pede a demarcação de uma sesmaria de meia légua de terras
em quadra, para que assim, possa vir a ter a posse desta251
. Outro exemplo a mencionar
é o suplicante José da Costa Ribeiro desejando que se faça o auto de medição e
demarcação de meia légua de terra em quadra em 1770, no distrito de Passatempo termo
da vila de São José 252
. Os casos a serem apresentados neste quesito de extensão são por
demais volumosos, mas servem para demonstrar a predominância das unidades de terras
apresentando esta extensão.253
Ainda nesta questão, devemos destacar uma carta que muito nos chamou a
atenção, que se refere ao documento de auto de medição do Guarda-Mor Domingos
Dias Pereira em 1784, sendo que, sua concessão também compreendia meia légua em
quadra de terra. Como podemos notar segundo o "Auto de medição e demarcação de sua
sesmaria" neste documento, onde destacamos o seguinte trecho: "Diz Domingos Dias
Pereira que ele alcançou do Ilustríssimo General desta Capitania de Minas a Carta de
Mercê de meya Legoa de terra em quadra (...) a qual quer o suplicante medir e
demarcar"254
.
Um ponto importante a ser destacado ainda acerca das extensões das faixas de
terras refere-se a sua localização. A maior parte das cartas analisadas que continham até
meia légua em quadra situavam-se nas regiões circunvizinhas a Vila de São José Del
Rei e nas proximidades do principal centro comercial desta região, ou seja, a Vila de
São João del Rei255
. Assim, encontramos unidades com esta dimensão principalmente
nas regiões de Passatempo, Desterro, Oliveira, Santo Antonio e Prados256
.
251
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONSO, Domingos da Costa. SM-18, 1747. fl.01. 252
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: RIBEIRO, José da Costa. SM-23, 1770. fl.02. 253
Para ilustrar os casos de sesmarias apresentando as faixas de terras com meia légua em quadra de terra,
separamos alguns casos por décadas que demonstram nossas considerações, sendo assim, ver: IPHAN /
SJDR. Carta de Sesmaria: VIÇOSO, José. SM-25, 1748. fl 15-16; IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria:
ANDRADE, Manoel da Silva de. SM-20, 1752. fl.03; IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONSO,
João Francisco. SM-26, 1761. fl.07. IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: CASTRO, Antônio Ribeiro de
Moraes. SM-16, 1770. fl.03. IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ANTUNES, Custódio José. SM-02,
1782. fl.03.;.IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: JESUS, José Mariano Joaquim de.. SM-33, 1798. fl.04. 254
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PEREIRA, Domingos Dias. SM-05, 1784. fl.03. 255
Importante mencionarmos que o "Termo de São José tinha por cabeça a vila de São José, que distava,
de São João del Rei - cabeça da Comarca - somente duas léguas". In: AMENO, Viviane Penha Carvalho
Silva. O Conselho de Jurados do Termo da Vila de São José del-Rei, um estudo de caso (1832-1841). In:
Almanack. Guarulhos, N.03. 1º semestre de 2012. p. 120. 256
Ressaltamos que Passatempo, Desterro e Oliveira constituem freguesias da Vila de São José Del Rei e
Santo Antonio e Prados fazem parte do termo da Vila de São José. Embora em regiões mais distantes
113
Cabe considerarmos, com exceção de Prados, as demais freguesias apontadas
por nós eram regiões que ainda se encontravam em fronteira aberta. Assim, estamos
considerando estas como próximas, uma vez que dentre as demais freguesias elas ainda
absorviam a demanda por mais terras, uma vez que observamos concessões de cartas de
sesmarias ao longo da segunda metade do século XVIII.
Dessa maneira, os dados levantados por nós reforçam a noção de pequenos
produtores que se estabeleceram nestas áreas, adotando a prática agrícola como
alternativa viável em relação a economia do metal precioso. Dizemos isso, pois, foi
comum encontrarmos nos documentos pesquisados, a menção do suplicante de estar
"cultivando umas terras de lavoura". Ainda neste ponto, cabe retomarmos que estas
áreas - Desterro, Passatempo, Oliveira - foram regiões que se desenvolveram,
principalmente nas atividades voltadas aos gêneros agrícolas.
Em contrapartida, as unidades de maior extensão - até três léguas de terra -
referiam-se as regiões mais adentradas da Comarca, ou seja, predominantemente nos
sertões. Nestas maiores unidades podemos apresentar a sesmaria de Joaquim de
Almeida em 1766, na paragem de Tamanduá, Campo Grande do Sertão do Deserto,
onde o suplicante faz menção a uma demarcação de três léguas de terra257
.
No documento de Constantino Barbosa da Cunha em 1766, na freguesia de
Tamanduá, paragem do Sertão do Jacuí, termo da Vila de São José del Rei, ele faz a
solicitação de uma extensa faixa de terra alegando desejar criar gado, como vemos a
partir do "Traslado" da sua sesmaria:
Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que tendo respeito a
me representar por sua petição, Constantino Barbosa da Cunha, que ele
estava cultivando umas terras de lavoura e criações a três anos, do Rio
Lambari correndo Rio Grande acima, que confrontava pelo sul com o dito
Rio Grande e, pelo norte com a Picada de Goiases. (...) Em cujas terras quer,
o suplicante, criar gado vacum e cavalar e, porque as não pode possuir sem
título régio, me pedia que concedesse nelas, por ser sertão, três léguas de
terras por sesmaria.258
também ocorreu o aparecimento de demarcações com meia légua em quadra de terra, destacamos que as
principais sesmarias com esta extensão apresentaram-se nas localidades circunvizinhas da Vilas Matriz. 257
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Joaquim de. SM-31, 1766. fl.03. 258
IPHAN/ São João del Rei - MG. Sesmaria de: CUNHA, Constantino Barbosa da. SM-29, (1766). fl.04.
114
Nossos dados coletados através da análise das cartas de sesmarias vem
corroborando com as pesquisas que tem como foco a análise do termo de São José Del
Rei e a constituição das forças produtivas. Dessa forma, parece-nos que estas pequenas
unidades de terras que tanto prevaleceram ao longo da segunda metade do século XVIII,
estudado por nós, eram constituídas por pequenos sesmeiros que se instalaram nas áreas
curraleiras, a fim de constituir uma agricultura de pequeno porte, tendo como principal
foco o abastecimento local. Assim, podemos perceber que "as pequenas produções
limitadas pela disponibilidade do braço familiar e com áreas de cultivo restrita,
provavelmente abasteciam o mercado local e sustentavam os ranchos de parada de
tropeiros e vendas de beira de estrada"259
.
Neste quadro geral apresentado até o momento e analisando a expansão das
fronteiras para o interior dos sertões, conseguimos perceber que a conjuntura na qual se
encontrava a Comarca do Rio das Mortes desempenhou um papel decisivo na tentativa
de se ocupar estas áreas. Para tanto, os indivíduos da Vila de São José del Rei e suas
respectivas freguesias necessitavam de novas faixas de terras para estabelecer as
unidades produtoras dos gêneros agrícolas. Como bem ressalta Malaquias, estas regiões
"desenvolvendo uma agricultura e uma criação que precisava de mais terras do que as
unidades realmente ocupavam, a freguesia de S. José expandiu-se sobre as áreas abertas
situadas a oeste, agregando nesse processo homens e mulheres brancas que chegavam à
região" 260
. Esse processo permaneceu ao longo do século XVIII, quando começamos a
presenciar o fechamento das fronteiras no início do século seguinte. De certa maneira, a
partir do declínio mineral e o acelerado crescimento das áreas produtoras de alimentos
através da demanda por terras nestas regiões ao oeste de São José intensificaram o
processo de ocupação nestas terras. Em outras palavras, ao ocuparem-se novas terras
nas proximidades do termo de São José e consequentemente também nos sertões,
desencadeou o fenômeno de expansão das fronteiras e absorveu uma significativa
parcela populacional dos centros mineradores, como já demonstramos através de dados
anteriormente.
Após expor estes elementos socioeconômicos e compreender algum dos motivos
que desencadearam a ocupação para os sertões a partir do viés metodológico da história
259
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.105 260
Idem. p. 51.
115
agrária e também as unidades de produção que se estabeleceram nestas áreas, cabe a nós
agora, analisarmos alguns aspectos geográficos acerca destas regiões aqui estudadas. O
ambiente geográfico interferia no decorrer da ocupação do oeste da Comarca do Rio das
Mortes e embora não seja possível delimitar a região dos sertões em seus limites
precisos, um dos referenciais mais importantes para o estudo destas áreas é o grande e
caudaloso Rio São Francisco. A representação deste Rio ocupava com destaque as
tentativas de se expor as áreas que compreendiam os sertões, tendo em vista que,
chamam-se sertões n'esta capitania as terras que ficam pelo seu interior
desviadas das povoações de Minas, e onde não existe mineração. Uma grande
parte porém d'estes sertões é formada pelas terras chans, que ficam da outra
banda da grande serra, e ao poente d'ella: o Rio de S. Francisco corre pelo seu
centro e recebe as águas por um a outro lado de ambas as extremidades 261
.
Não há divergências entre os trabalhos consultados a respeito da ocupação dos
sertões e a importância desempenhada pelo Rio São Francisco para a conquista e
ocupação destas áreas. A grande extensão de áreas banhadas por suas águas auxiliou
como fator geográfico primordial para a possibilidade de ocupação destas áreas, bem
como a formação de freguesias ao seu redor. Segundo Amantino,
este (o Rio São Francisco) aparece como um elemento central e é essencial
para o entendimento do Sertão de Minas Gerais, porque ele e seus afluentes
dominavam a região de maneira a impedir ou facilitar o seu povoamento.
Este rio nasce na região que era, no século XVIII, a Comarca do Rio das
Mortes e recebe uma série de outros rios menores e ribeirões 262
.
A extensão dos sertões são margeadas em sua grande parte pelo Rio São
Francisco e seus afluentes, o que auxiliava os conquistadores destas regiões a adentrar
por suas águas. Outro importante papel que este grande rio irá desempenhar refere-se às
produções agrícolas estabelecidas em seu entorno, fornecendo o elemento básico para o
manejo da agricultura, ou seja, a água. Neste conjunto, Vieira Couto menciona que suas
261
COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas
Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.430. Acessado em:
http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 262
AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século
XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001 (Tese de Doutorado). Pág. 34-35.
116
largas campinas podem-se cobrir de imensas criações de animais domésticos,
(...), a navegação pode-se pôr em prática nesse país pelos seus grandes rios
mais ou menos navegáveis que tão bastos retalham seu território,
comunicam-se com o de S. Francisco, e onde este vasto canal, rio abaixo ou
rio acima, acharão nos habitantes um certo e lucroso consumo dos seus
efeitos263
.
Ainda a respeito do tema, alguns pesquisadores têm focado suas atenções para a
análise de mapas geográficos referentes ao século XVIII, encontrando em instituições
arquivísticas e museológicas de Portugal e no Brasil alguns destes exemplares. Em
particular, para nossa pesquisa e para o tema mencionado em questão, uma importante
representação dos elementos geográficos da Capitania de Minas Gerais em destaque
para seus rios é o "mappa topografico e Idrografico da Capitania de Minas Geraes" de
autoria desconhecida, mas que, todavia, sabido por parte de análises e menções contidas
em suas representações que se trata de uma produção do final do século XVIII. Dessa
maneira, vemos que a tentativa de se mapear e melhor compreender estas áreas foi
consequência de um processo lento e de acúmulo de informações264
. Expomos a seguir
o mapa mencionado, bem como também um outro mapa produzido no início do século
XIX representando alguma das principais vilas e freguesias das Comarcas da Capitania
de Minas Gerais a título de comparação e melhor visualização das áreas banhadas pelo
grade Rio São Francisco.
263
COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas
Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.429. Acessado em:
http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 264
Acerca desta cartografia apontada por nós, as legendas fazem referências, segundo a pesquisadora que
analisou o mapa em questão, de delimitações de rios, caminhos, fazendas e povoações, sendo estes,
representados a partir de signos-sinais e signos-símbolos. In: SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro
exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de
Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica primária, quando comparado a outras representações
cartográficas características daquele período. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-
Dezembro de 2010. p.46-59.
117
Referência: Mappa Topográfico e Idrografico da Capitania de Minas Gerais. Autor desconhecido (17..). Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. apud. SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro
exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica primária,
quando comparado a outras representações cartográficas características daquele período. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-Dezembro de 2010. p.50.
118
Na conquista espacial destas regiões do sertão, um outro elemento importante
que devemos destacar ainda acerca do processo de ocupação e do deslocamento para
estas áreas, refere-se a formação das capelas. Sendo a maior parte do território do termo
da vila de São José del Rei constituído pelas áreas do sertão265
, sendo este ausente em
sua grande maioria do controle efetivo da administração da Coroa, estas capelas
erguidas nos povoados que se estendiam as freguesias desempenhavam um importante
papel no exercício político destas regiões. À medida que ocorriam os deslocamentos
para as áreas interioranas e o aumento do fluxo populacional ao longo do século XVIII,
as capelas eram erguidas. Estas por sua vez eram construídas em locais estratégicos
como "cruzamento de rotas, confluências de rios, passagens obrigatórias, (...), onde
pousos e ranchos, esporadicamente, permitiam trocas e algum nível de sociabilidade"266
.
Como destaca Francisco Andrade, "assim, o lugar da capela, manifestando o movimento
dos entrantes e povoadores, com certa evidência, surgia antes da instituição da
capela"267
. Dessa maneira, fica evidente o controle estabelecido pela instituição
religiosa como forma de dominação, provocando assim, um controle local por parte
destas em relação aos indivíduos que se estabeleciam nas freguesias e nos arraiais.
Com a imprecisão dos limites político-administrativos nas áreas interioranas da
Capitania, tornava-se evidente, a partir do surgimento de novos povoados e arraiais a
tentativa de se estabelecer o controle a partir das capelas por parte dos poderosos locais.
Em documento deste mesmo período, observamos este processo, já que,
sendo as freguesias desta província a princípio pequenos distritos, que apenas
circularam as povoações fundadas nos lugares dos serviços mineradores, hoje
em dia se não pode com individuação descrever os limites de cada uma,
porque passando alguns dos mineiros a agricultores, foram penetrando os
sertões incultos, estabelecendo-se em grandes fazendas, e sem atender às
distâncias, prestaram obediência ao pároco ou capelão do lugar donde se
ausentavam, ficando por este princípio irregulares e tortuosos quase todos os
limites das sobreditas freguesias, por serem estes os princípios de cada um
dos fazendeiros.
265
PINTO, Eduardo Francisco. Potentados e Conflitos nas sesmarias da comarca do Rio das Mortes.
Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p.51. 266
ANDRADE, Francisco Eduardo. A Conversão do Sertão: capelas e a governamentalidade nas Minas
Gerais. In: Varia História. Belo Horizonte, vol.23, nº 37. Jaa/jun, 2007. p.151. 267
Ibidem.
119
A Comarca do Rio das Mortes dentre todas as comarcas da Capitania de Minas
Gerais no século XVIII, foi a que apresentou o maior número de capelas erguidas. A
possível explicação para este fato refere-se ao processo de ocupação das áreas
interioranas do sertão, tendo em vista que o principal eixo de deslocamento
populacional ocorreu para estas regiões onde havia ainda a presença de fronteira aberta.
A tabela apresentada a seguir expõe o erguimento das capelas e compara este número
com as demais comarcas da Capitania de Minas Gerais.
Tabela VI: Distribuição das povoações da Capitania de Minas Gerais, por
comarca, de acordo com a classificação político-administrativa presente no Mappa
Topográfico e Idrográfico da Capitania de Minas Gerais268
:
Serro Frio Vila Rica Rio das Mortes Sabará Capitania de MG.
Comarcas Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Relativo
Capela 35 33 68 56 192 87,0
Arraial 1 -- -- -- 1 0,5
Paróquia 5 2 3 6 16 7,0
Vila 2 1 5 3 10 5,0
Cidade -- 1 -- -- 1 0,5
TOTAL 43 37 76 65 220 100
Fonte: Extraído por contagem do Mappa Topografico e Idrografico da Capitania de Minas Gerais
(s,d..,s.a, Biblioteca Nacional, BN/RJ.)
A expansão de suas fronteiras para as áreas do sertão levou consigo a
constituição do poderio local, pois, "na verdade, as explicações da criação das capelas -
e dos arraiais - hesitam entre uma situação econômica tendente aos ganhos, que conferiu
uma ocupação espontânea (ou livre) do espaço, e os atos fundadores decorrentes de uma
vontade religiosa e política dos agentes, calculando os interesses econômicos" 269
. Por
detrás do processo de avançamento das fronteiras e do intenso fluxo populacional que
268
SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o
Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica
primária, quando comparado a outras representações cartográficas características daquele período. In: Revista do
Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-Dezembro de 2010. p.59. (Grifo nosso). 269
ANDRADE, Francisco Eduardo. A Conversão do Sertão: capelas e a governamentalidade nas Minas
Gerais. In: Varia História. Belo Horizonte, vol.23, nº 37. Jaa/jun, 2007. p.153.
120
ocorreu na segunda metade do século XVIII e principalmente nas primeiras décadas do
XIX, as áreas do sertões serviram como alternativa para vários indivíduos que se
deslocaram por estas terras conseguirem estabelecer suas unidades produtoras. Estas,
mesmo que voltadas a uma produção local e de pequeno porte, desempenharam um
papel significativo na construção e caracterização das áreas produtoras de gêneros
agropastoris que viria a alcançar maiores destaques no século XIX.
Em meio a este cenário em construção a partir das práticas agrícolas e as
criações pastoris, o sertão foi palco de disputa e de interesses dos mais variados agentes
sociais, sejam estes, pequenos sesmeiros, vadios, índios ou negros. Os sertões
representaram uma região por demais dinâmica, onde cada um destes indivíduos
tentavam fazer valer suas estratégias e conseguir assim, alcançar seus objetivos.
Após apresentarmos algumas das características formadoras destes espaços e
alguns dos fatores que interferiram diretamente no processo de ocupação destas regiões,
caberá ao nosso próximo capítulo da pesquisa, tentar compreender e identificar a
presença das unidades produtoras estabelecidas nestas áreas. Para tanto, basearemos
nosso estudo nas interações entre os espaços urbanos e rurais a partir da análise da
formação de sítios e fazendas nestas áreas ocupadas ao longo da segunda metade do
setecentismo. Assim, acreditamos estar avançando na compreensão destes espaços em
formação.
121
Capítulo III - Fronteiras e Interações Econômicas: entre o urbano e o rural.
O sertão intermédio do rio de São Francisco e do Paracatu grandes que pela bondade e largueza das suas pastagens, podiam fazer renascer a antiga idade em que a riqueza e fortuna dos primeiros povoadores do mundo consistia só na criação dos seus rebanhos. (Vieira Couto, 1774).
As análises presentes nos primeiros capítulos desta pesquisa preocuparam-se em
demonstrar o processo de expansão e das dinâmicas nas fronteiras. Portanto,
conseguimos identificar e mapear as principais áreas ocupadas ao longo da segunda
metade do século XVIII, no que se refere aos sertões a oeste da Picada de Goiás. Neste
processo, percebemos também que as áreas primeiramente desejadas pelos ocupantes
eram nas proximidades da vila matriz, compreendendo as freguesias circunvizinhas a
São José del Rei270
. Na medida em que a demanda por mais terras veio a intensificar-se,
desencadeada em grande parte pelo aumento populacional, as regiões mais interioranas
começaram a atrair novos sesmeiros, ampliando o número de indivíduos nas freguesias
e arraiais. Ressaltamos também a ocupação destas áreas outrora distantes, que nas
últimas décadas do setecentismo estabeleceram-se como importantes zonas produtoras
de gêneros agropastoris.
Outro elemento em que focamos nossos estudos refere-se às estruturas fundiárias
e os embates decorrentes do fenômeno ocupacional. Neste aspecto, demonstramos que
as fronteiras não eram constituídas de terras livres, ao contrário, estas apresentaram
variados agentes que interagiam e ocasionavam uma série de conflitos oriundos das
expansões das fronteiras. Ainda neste cenário, destacamos a ação das expedições e o
combate de índios e quilombolas como meio de garantir o controle sobre a terra
ocupada.
Embora nossa pesquisa tenha avançado na compreensão do processo
ocupacional, cabe buscarmos também uma melhor apresentação da sociedade
constituída nestas regiões. Assim, almejamos em nosso terceiro e último capítulo da
270
Neste aspecto, nossa pesquisa aproxima-se do estudo de Alexandre Mendes Cunha, pois o pesquisador
demonstrou a importância da formação de freguesias e arraias nas mediações das áreas extratoras do
metal precioso, constituindo zonas produtoras de gêneros voltados ao abastecimento, tais como
agricultura e agropecuária. Ver: CUNHA, Alexandre Mendes. Minas Gerais, da capitania à província:
elites políticas e a administração da fazenda em um espaço em transformação. Niterói: ICHF/UFF, 2007.
122
dissertação focar nos aspectos sociais, pois, por meio desta abordagem é possível
"formular problemas históricos específicos quanto ao comportamento e às relações entre
os diversos grupos sociais".271
Portanto, o nosso estudo versará a respeito de dois
principais elementos que complementarão nossa compreensão acerca das dinâmicas nas
fronteiras, sendo estes a formação e ampliação dos espaços econômicos e também na
identificação do aumento populacional, tanto de indivíduos livres quanto de escravos ao
longo do setecentismo.
Estes elementos, que constituem o nosso cerne de estudo, são de suma
importância para nossa pesquisa, uma vez que estão intimamente correlacionados com o
aumento da demanda por mais terras e consequentemente ocasionou o avanço nas
fronteiras dos sertões. Dessa maneira, a identificação das unidades produtoras
demonstra a constituição de um mercado interno, que por sua vez tinha como principais
aspectos a produção de gêneros alimentícios. Quanto ao aumento populacional, tanto de
livres quanto de escravos, auxiliam para demonstrar que a área da freguesia de São José
era um importante polo de atração para novos indivíduos se estabelecerem. Nestes
aspectos, como apresenta Libby e Paiva, "foram os solos férteis da região e a crescente
demanda por alimentos básicos vinda dos distritos mineradores vizinhos que atraíram
colonizadores à freguesia"272
.
Nosso ponto de partida consiste na identificação da produção de gêneros
agrícolas e na criação pastoril, ressaltando a importância destas atividades em nosso
termo de estudo. Para tanto, a pesquisa realizada por Carla Almeida volta a nos auxiliar
neste contexto e expõe a predominância desempenhada por estas unidades produtoras
em nossa região pesquisada. Portanto, no final do século XVIII o termo de São José Del
Rei destacava-se em relação a outros importantes centros da Capitania de Minas Gerais
no desenvolvimento destas atividades, como podemos observar a partir dos dados
apresentados a seguir:
271
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. (orgs.).
Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.81. 272
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José d'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, n1/2, jan./dez. 2000. p.20.
123
Gráfico IX: % dos tipos de Ups. predominantes por termos 1750 - 1779273
:
Referência: apud. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Inventários post-mortem - CSM, CPOP,
MRSJDR.
Segundo Almeida, o "termo mais definitivamente vocacionado para a
agropecuária era São José, que, entre 1750 e 1779, chegou a concentrar 91,7 % das suas
propriedades na agropecuária"274
. Partindo da constatação realizada pela pesquisadora e
analisando o processo ocupacional, percebemos que as áreas circunvizinhas à vila
matriz desempenharam um papel crucial para o aprimoramento e expansão destas
atividades, pois, nestas regiões formou-se um mercado abastecedor de gêneros
alimentícios. Cabe considerarmos também que a presença destas atividades auxilia na
compreensão do processo ocupacional, já que as áreas inicialmente ocupadas eram nas
proximidades do principal centro minerador, ou seja, a vila matriz de São José Del Rei.
À medida em que a demanda por mais terras se intensificou ao longo da segunda
metade do XVIII, desencadeou o avanço das fronteiras nas regiões dos sertões e
ampliou a produção alimentícia.
Importante ressaltarmos também que a presença destas atividades manteve-se
crescente nas últimas décadas do século XVIII e início do seguinte, ou seja, no período
em que a mineração já se encontrava em processo de esgotamento. Destacamos este
aspecto, pois este crescimento reforça a noção de que a "economia mineira era elástica o
suficiente para suportar o decréscimo da produção aurífera, e as atividades agropastoris
273
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p. 83. 274
Idem. p. 84
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Mariana Ouro Preto São João São José
mineração
pecuária
agricultura
agropec.
agric.min.
agropec.min.
pec.tec.min.
124
seriam o setor em crescimento"275
. Para tanto, demonstrando as mesmas regiões
apresentadas anteriormente, a título de comparação, é possível vislumbrar que o termo
de São José permanecia ainda em destaque na produção agropastoril. Assim, expomos o
quadro produtivo nas últimas décadas do século XVIII e início do oitocentismo, afim de
ressaltar a importância da produção alimentícia, bem como a elasticidade econômica
presente na Capitania de Minas Gerais.
Gráfico X: % dos tipos de Ups predominantes por termos - 1780 - 1822276
:
Referência: apud. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Inventários post-mortem - CSM, CPOP,
MRSJDR. Inventários post-mortem - CSM, CPOP, MRSJDR.
É oportuno considerarmos que as últimas décadas do século XVIII podem ser
representadas segundo o conceito da acomodação evolutiva, em que predominou a
ampliação das práticas agrícolas e pastoris destinadas ao autoconsumo e também na
comercialização dentro e fora da província277
. Estas considerações apresentadas
demonstram a importância desempenhada por estas unidades produtoras em nosso
recorte temporal e espacial de análise, auxiliando no entendimento acerca da ampliação
dos espaços produtivos. Portanto, cabe destacarmos que os gráficos apresentados
reforçam o aspecto agrário presente no Termo de São José Del Rei, em que nas últimas
décadas do setecentos ocorreu a ampliação das áreas agropastoris e a diminuição
populacional no núcleo urbano, em consequência do esgotamento dos veios auríferos e
275
CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais
1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p.31. 276
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização
social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p. 83. 277
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista. São Paulo. Ed.
Brasiliense, 1988. p.14-22.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Mariana Ouro Preto São João São José
mineração
pecuária
agricultura
agropec.
agric.min.
agropec.min.
pec.tec.min.
125
também em grande medida, por causa da importância de São João Del Rei, o principal
centro urbano e comercial da Comarca do Rio das Mortes278
. A partir deste contexto
iremos adentrar agora na identificação da presença destas unidades nos sertões da
Picada de Goiás, dando continuidade ao estudo das cartas de sesmarias e dos sesmeiros
que margearam e ocuparam este importante caminho no século XVIII.
Nosso objeto de estudo auxilia-nos a demonstrar a diversidade das unidades
produtoras em nossa região pesquisada e expõe a complexidade da economia que se
formou no século XVIII279
e se aprimorou no seguinte. Partimos desta consideração,
uma vez que como bem ressaltou Clotilde Paiva e Marcelo Godoy,
a diversidade regional era um dos principais atributos da economia mineira
oitocentista. Em parte herança do século XVIII, da forma como se
organizou e desenvolveu a exploração aurífera, as especificidades
econômicas regionais decorriam também da conjuntura de múltiplos
aspectos geográficos. 280
Nosso escopo de análise consistirá nas concessões de terras e no processo de
abertura e fechamento das fronteiras, correlacionando-o principalmente com a formação
das unidades economicamente produtoras dos gêneros agropastoris. Optamos por
concentrar nestes elementos devido ao acentuado número de cartas de sesmarias que
apresentaram esta atividade econômica, portanto identificá-las torna-se um ponto
importante para a compreensão dos espaços estudados por nós. Assim, cabe
considerarmos que a "necessidade de mais terras, isto é, de novas unidades de produção
para atender ao crescimento demográfico, era respondida com o avanço da fronteira"281
,
portanto, este fenômeno auxilia o redesenhar da paisagem nos sertões a oeste de São
José Del Rei. Compreender e correlacionar o avanço das fronteiras a partir da
elaboração das atividades econômicas constituirá nosso cerne de estudo neste momento.
278
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da decadência de Minas
Gerais: São João del Rei, 1831-1888. São Paulo: Annablume, 2002. 279
Segundo Guimarães e Reis, havia desde os momentos iniciais da extração do metal precioso na
Capitania de Minas Gerais a presença de atividades voltadas ao viés agrário, destinadas a produção de
gêneros alimentícios. Ver: GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos
de Minas (1700-1750). Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.1,Nº2 1986.p. 7-36 280
PAIVA, Clotilde Andrade e GODOY, Marcelo Magalhães. Território de Contrastes: economia e
sociedade das Minas Gerais do século XIX. In: Anais do X Seminário sobre a Economia Mineir. Belo
Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002. p.11. (grifo nosso). 281 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais
1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 160.
126
Para tanto, devemos iniciar nossas considerações tentando delimitar os conceitos
de espaço urbano e rural empregados em nossas análises. Baseando nossos estudos a
partir das pesquisas que abordam tais interações282
, buscaremos correlacionar as
concessões de terras com as suas atividades econômicas, tendo como principal
referência as sesmarias concedidas em nosso recorte espacial de apreciação. A partir
destes estudos e o reconhecimento por parte da historiografia na existência de um
cenário economicamente heterogêneo na Capitania de Minas Gerais, tentaremos
demonstrar o processo ocupacional e as suas atividades econômicas para, assim,
avançarmos na compreensão destas regiões. Por sua vez, esta heterogeneidade que
retrata as dinâmicas produtivas nos traz elementos que estão intimamente relacionados
ao avanço das fronteiras, sendo estes os nossos pontos de estudos.
A extração do metal precioso desencadeou inicialmente o rush populacional para
as áreas mineradoras, trazendo consigo a diversificação das práticas econômicas, neste
ambiente de transformação e ampliação populacional283
. Este processo fez desenvolver
um mercado interno e interacionista entre as áreas urbanas mineradoras e suas
freguesias produtoras de gêneros de abastecimento. Dessa maneira, como salienta
Francisco Andrade acerca destas unidades,
nas minas, houve desde o início da ocupação colonial, necessariamente, uma
estreita articulação entre mineração, agricultura e pecuária. Na capitania de
Minas Gerais, a contiguidade de terras minerais e agrícolas permitiam a
constituição de unidades de produção mineratórias, agrícolas ou mistas, isto
é, que conjugavam, em uma mesma unidade produtiva, a mineração e a
agropecuária 284
.
282
MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais
setecentista. Diamantina: Maria Fumaça, 2000; CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos
Espaços: um esboço de regionalização para o território mineiro no século XVIII e algumas considerações
sobre o redesenho dos espaços econômicos na virada do século. In: X Seminário sobre a economia
mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina. Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20
anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002; GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria.
Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz
Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;
Companhia do Tempo, 2007.ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no
séc. XVIII. SP: Hucitec /Edusp, 1990; CUNHA, Alexandre Mendes. Vila Rica - São João del Rey: as
voltas da cultura e os caminhos do urbano entre o século XVIII e o XIX. Universidade Federal
Fluminense, 2002 (Dissertação de Mestrado); CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção
rural e mercado interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000 283
BOSCHI, Caio. "Apontamentos para o estudo da economia, da sociedade e do trabalho na Minas
Colonial". BH. Análise & Conjuntura, v.4, n.2. 1989. 284
ANDRADE, Francisco Eduardo. Espaço econômico agrário e exteriorização colonial: Mariana das
Gerais nos séculos XVIII e XIX. In: Termo de Mariana: História e Documentação. Mariana: Imprensa
Universitária da UFOP, 1998. pp. 120-121.
127
Este ambiente complexo, que envolvia a relação de diferentes agentes sociais
viria a transformar o espaço físico no interior da colônia, provocando a constituição das
primeiras vilas e a ampliação no número de freguesias da Capitania. Esta consideração é
por demais pertinente, pois neste cenário de expansão é que se intensificaram e
ampliaram as relações econômicas entre as minas e os currais.
Desse modo, o espaço urbano foi "responsável, a partir das centralidades criadas
no século XVIII, por deflagrar ou no mínimo acentuar a especialização das atividades
econômicas, e nisso a diferenciação espacial". 285
Assim, a compreensão desta
diferenciação entre as minas e os currais pode ser melhor demonstrada quando
correlacionamos as expansões das fronteiras e a consequente formação das unidades
produtoras nestas regiões interioranas da Comarca do Rio das Mortes.
Neste processo exposto por nós temos, portanto, três elementos centrais que
contribuíram para o avanço das fronteiras e a ampliação das unidades produtoras, sendo
estes: a volumosa população que havia se deslocado para a Capitania; a necessidade
destes indivíduos de estabelecer unidades economicamente produtoras, em destaque
para as de gêneros alimentícios e, por fim, a constante demanda por ocupação de novas
faixas de terras. O conjunto destes elementos pode ser melhor apresentado quando
avançamos nos conceitos de espaço urbano e de áreas rurais, pois, "com o avanço do
dezoito, verifica-se uma progressiva 'regionalização' do território mineiro a partir da
diferenciação e especialização das atividades econômicas". 286
Para nossa Comarca em
especial, esta progressiva regionalização do território pode ser vista de maneira bem
acentuada, pois desde os momentos iniciais da sua formação esta já se destacava na
produção de gêneros alimentícios.
Estes espaços que foram se formando em decorrência do deslocamento
populacional para as freguesias, referem-se inicialmente às regiões circunvizinhas aos
centros mineradores, que, por sua vez, formaram as freguesias rurais ou áreas
curraleiras. Todavia, para o entendimento da formação destes núcleos rurais é
285
CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmica espaciais e movimentos da
população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. In: Revista Brasileira
de História, São Paulo, v.27, nº 53. p.127. 286
CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o
território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na
virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.
Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.
p.02
128
necessário compreender a dinâmica econômica encontrada nestas áreas, permitindo,
portanto, a identificação das suas relações comerciais.
Para tanto, cabe agora adentrarmos no conceito de áreas rurais, para
delimitarmos nossos espaços de análise. Assim, continuando nas considerações de
Cunha acerca dos espaços constituídos na Capitania de Minas Gerais, temos,
a ruralização, por sua vez, não seria resultado somente do desenvolvimento
do campo com relativa autonomização de circuitos de realização econômica,
mas também, de uma relação nova e específica com os espaços citadinos
intermediários que ao começo do século XIX expandem seu número nas
áreas mais dinâmicas da economia de base agropecuária, cumprindo funções
de entrepostos e centros de serviços e articulando a teia econômica287
.
A partir deste contexto, adentraremos agora na análise das nossas fontes
documentais, através desta "teia econômica" existente entre o espaço urbano e o rural.
Tentaremos, por meio de nossos estudos, deixar mais nítida a visualização das
expansões de fronteiras e a constituição dos espaços economicamente produtivos.
Assim, podemos caracterizar especificamente as regiões curraleiras como as
zonas produtoras de gêneros agrícolas e pastoris, que estabeleciam relações
economicamente complexas nestes espaços constituídos ao longo do século XVIII. É
importante ressaltarmos que estas atividades se desenvolveram inicialmente com o viés
de abastecimento local, entretanto, a partir da sua ampliação ocorrida principalmente
nas últimas décadas do setecentismo e início do oitocentos, já é possível observar a
comercializações com centros mais distantes, a exemplo do mercado carioca.288
Neste
ponto em questão, é importante destacarmos o aumento na concessão das sesmarias nas
últimas décadas do século XVIII, fato este que demonstra à expansão da produção
mercantil de alimentos289
e o seu papel destacado no Termo de São José Del Rei.
Deste quadro geral exposto até o momento, um dos elementos centrais para a
identificação destas atividades pode ser representado a partir da presença de sítios e
287
CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o
território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na
virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.
Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.
p.02 288
FRANK, Zephyr; LIBBY, Douglas. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade
em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. p. 04. 289
Ver gráficos nas páginas 55 a 60.
129
fazendas nestas regiões. Esta característica é importante e também aparece nas
descrições de Saint-Hilaire, que destacava a formação de áreas produtoras de gêneros
alimentícios na Capitania de Minas Gerais, mencionando em seus relatos a presença de
sítios e fazendas290
. A partir destes referenciais, iremos expor alguns dos sesmeiros que
margearam e ocuparam as regiões dos sertões para assim, demonstrar a presença destas
unidades produtoras.
Entretanto, é oportuno tentarmos delimitar os conceitos de sítio e fazenda
utilizados em nossas análises. Para tanto, faremos uso dos dicionários de Raphael
Bluteau (1728) e Antonio de Moraes Silva (1789), a fim de encontrar a delimitação
conceitual de época para estas unidades produtoras. Assim, temos portanto, segundo
Bluteau a terminologia de "sítio" como sendo o "espaço de terra descoberto. O chão em
que se pode levantar edifício"291
. Esta terminologia não se distancia muito do dicionário
de Moraes Silva, que segundo ele, sítio consistia no "espaço de terra descoberto. O chão
apto para nele se levantarem edifícios. Lugar (...), Habitação rústica"292
. Quanto ao
termo "fazenda", Bluteau apresenta uma série de significados, entretanto, quanto ao
empregado em nossa pesquisa, infelizmente ele pouco explora, já que segundo Bluteau,
fazenda corresponde a "bens de reis, terras, quintas etc."293
. Entretanto, Moraes Silva
nos traz melhores informações, apresentando a seguinte definição: "no Brasil terras de
lavoura, ou de gado: uma fazenda de cannas"294
. Como não temos maiores e nem
precisas informações a respeito da utilização destes termos, preferimos analisar nossa
documentação de forma agregada, portanto, estaremos empregando esta terminologia da
maneira como o documento apresenta a utilização deste termo.
Feita esta ressalva, iniciaremos agora a exposição dos nossos dados coletados
por meio das cartas de sesmarias. A análise realizada em nosso recorte temporal e
espacial apresentou pontos interessantes que expõem bem a presença destas unidades.
290
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. 291
Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 292
Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3 293
Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 294
Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico
http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3
130
Nossos estudos serão demonstrados inicialmente de forma quantitativa e posteriormente
de maneira expositiva, para assim, identificarmos estas unidades de produção.
Ao longo do nosso recorte temporal, nos deparamos com a presença constante de
sítios e fazendas, sendo também importante mencionar, que quanto mais vamos
avançando no setecentismo, mais localizamos a presença destas unidades. Portanto, de
maneira quantitativa encontramos as seguintes informações contidas nas cartas de
sesmarias: para a década de 40, nos deparamos com 04 documentos referindo-se a
presença de sítios; para a década de 50, encontramos a referência de 17 sítios e 04
fazendas; já na década de 60 e 70, encontramos o maior número destas unidades,
representando respectivamente o total de 32 e 31 sítios; para a década de 80, nos
deparamos com 02 sítios e 09 fazendas. Por fim, para a década de 90 encontramos 15
sítios e 04 fazendas. No montante final, encontramos menção direta a estas unidades
produtoras em 118 documentos, ou seja, uma representação de 42% do nosso escopo de
análise. Cabe ressaltarmos que estes referenciais partem do estudo de 287 cartas de
sesmarias, compreendendo a documentação encontrada no IPHAN de São João del Rei
pertinente à ocupação do oeste, partindo da vila de São José del Rei em sentido a Picada
de Goiás. Dessa maneira, a medida que vamos avançando na segunda metade do século
XVIII, percebemos uma estreita relação entre a expansão da ocupação e uma maior
tendência ao uso dos termos sítios e fazendas, demonstrado, portanto, a consolidação da
ocupação territorial.
Ainda a respeito destas unidades, é importante correlacionarmos estas com o
processo ocupacional, já que encontramos uma relação entre os aspectos
socioeconômicos destas regiões com as áreas inicialmente ocupadas. Dessa forma,
percebemos que as primeiras menções das áreas de sítios e fazendas encontravam-se nas
proximidades da vila matriz, em especial para as freguesias de Prados, Congonhas do
Campo, Passatempo e também na própria vila de São José del Rei. Na região mais
adentrada dos sertões, encontramos referências a sítios e fazendas mais presentes na
freguesia de Tamanduá. O interessante a notar no que se refere a presença de sítios e
fazendas na vila matriz é a heterogeneidade econômica encontrada no principal centro
minerador deste termo. Assim, percebemos a existência de um mercado voltado aos
gêneros agrícolas e na criação pastoril como fornecedores dos gêneros alimentícios.
131
Passando agora a analisar as freguesias onde encontramos referências a estas
unidades, apresentaremos para tanto alguns dos documentos onde ocorrem a menção a
sítios e fazendas. A maior parte das informações que iremos expor consta nos "Autos
das Sesmarias" a partir das sessões do "Traslado da Carta de Sesmaria" e também em
alguns outros documentos, a partir do "Auto de Vistoria, Medição e Demarcação".
Desse modo, podemos destacar nos anos iniciais a carta de sesmaria de Estevão
dos Reis Mota, referente ao ano de 1753 na freguesia de Prados, termo da vila de São
José. Neste documento, o solicitante pede a demarcação de terra no sítio da
Ressaquinha295
. Outro documento a ser mencionado é a carta de 1759 de João Pacheco
Pimenta, no qual solicita um auto de medição no sítio chamado de Três Pontes296
. Ainda
nesta freguesia de Prados, encontramos também a demarcação de meia légua297
em
quadra da sesmaria de João Francisco Afonso no sítio do Curralinho da Lagoa
Dourada298
no ano de 1761. Para a década de oitenta encontramos o documento de João
Bernardes de Moura, que menciona o auto de demarcação e medição na fazenda
intitulada Curralinho do Brumado299
. Enfim, ainda poderemos considerar alguns outros
sesmeiros, bem como as menções a sítios e fazendas. Todavia, o importante a
considerarmos é que para esta freguesia de Prados encontramos um total de 12
documentos contento referências a estas unidades produtoras, sendo, discriminadamente
10 para sítios e 2 para fazendas.
Passando a analisar a freguesia de Congonhas do Campo, deparamos com a carta
de sesmaria de João da Rocha Gomes no ano de 1742 fazendo menção ao sítio chamado
Santa Cruz. 300
Ainda nesta freguesia encontramos o documento de Domingos Antunes
no ano de 1746, referindo-se ao sítio Recantos dos Campos Gerais301
. Em 1768, a carta
de João Marques Ferreira faz menção ao sítio de Nossa Senhora da Conceição do
Para302
. Assim como no caso da freguesia de Prados, outros sesmeiros poderiam ser
considerados também, mas, o que devemos destacar é que encontramos para a região de
295
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MOTA, Estevão dos Reis. SM-22, 1753. fl.01. 296
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PIMENTA, João Pacheco. SM-26, 1759. fl.01. 297
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONÇO, João Francisco. SM-26, 1761. fl.07. 298
Idem. fl.01. 299
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MOURA, João Bernardes de. SM-14, 1786. fl.03. 300
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: GOMES, João da Rocha. SM-22, 1742. fl.01 e 07. 301
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ANTUNES, Domingos. SM-05, 1746. fl.07. 302
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: FERREIRA, João Marques. SM-14, 1769. fl.01 e 06.
132
Congonhas do Campo um montante de 16 cartas com referencias a sítios e nenhuma
para fazenda.
Para a região de Passatempo, podemos apresentar o documento de José Pereira
Gomes, em 1770, citando no auto da sesmaria o sítio do Bom Retiro do Japão303
. Temos
também o sítio da Mangalarga constando no auto de medição da carta de Manoel Vaz
Diniz304
. Este sítio em questão, apresentava, como a maioria dos documentos deparados
por nós, uma demarcação de meia légua em quadra de terra. 305
O auto de demarcação
de João Gonçalves dos Santos em 1772, no qual faz referência ao sitio Rio dos Bois 306
.
Do total de cartas analisadas para esta freguesia encontramos 15 cartas referindo-se a
presença de sítio.
Na região da freguesia de Tamanduá que compreende mais as áreas interioranas
dos sertões, encontramos 18 documentos, sendo 13 para sítios e 5 para fazendas. Cabe
apontarmos alguns destes sesmeiros. Comecemos então pela carta de Antonio
Gonçalves Lopes de 1769, que faz referência ao sítio da Formiga307
. Podemos
apresentar também a fazenda de Geraldo de Oliveira, denominada de Bom Retiro das
Esperanças308
. Temos também o caso de Antonio Rodrigues da Costa, apontando a
fazenda de São Miguel e Almas no ano de 1787 309
. O interessante a ser mencionado no
que se refere à freguesia de Tamanduá foi a maior presença de fazendas, podendo ser
consideradas como extensões maiores de terras, pois deparamos com faixas de terras de
três léguas em quadra310
. Outro ponto a se considerar acerca das fazendas é o fato da
presença destas unidades maiores estarem mais adensadas no interior dos sertões,
regiões onde foram ocupadas posteriormente, quando as fronteiras nas proximidades da
vila de São José del Rei já se encontrava fechada ou em processo de fechamento.
Assim, a demanda por mais terras fez com que os sesmeiros necessitassem cada vez
mais ocupar as áreas do interior.
Por fim, vamos apresentar alguns dos documentos encontrados para a vila de
São José del Rei, para assim, podermos correlacionar a prática das atividades agrícolas e 303
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria:GOMES, José Pereira. SM-07, 1770. fl.01. 304
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: DINIZ, Manoel Vaz. SM-04, 1770. fl.01. 305
Idem. fl.03 306
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: SANTOS, João Gonçalves dos. SM-09, 1772. fl.03. 307
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: LOPES, Antonio Gonçalves. SM-09, 1769. fl.01. 308
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: OLIVEIRA, Geraldo de. SM-06, 1787. fl.09-10. 309
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: COSTA, Antonio Rodrigues da. SM-28, 1787. fl.11. 310
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Joaquim de. SM-31, 1766. fl.11
133
pastoris também no principal núcleo urbano do nosso Termo de estudo. A primeira carta
de sesmaria pertencente a nosso escopo de análise que faz menção a presença de sítio na
vila matriz é o documento de Braz Álvares Martins, de 1768, apontando no auto de
medição uma faixa de terra de meia légua em quadra311
no sítio do Morro Queimado312
.
Para a década de setenta, encontramos o documento de João Gonçalves Rabelo,
constando o auto de medição no sítio da Antinha em 1771313
, também de meia légua em
quadra314
. Neste mesmo ano, encontramos o documento de João Homem Pereira de
Melo, referindo-se ao sítio chamado Lambari 315
. Encontramos também a menção de
uma fazenda pertencendo ao Capitão Bernardo Martins Pereira em 1784, denominada
de Ponte Alta. 316
Dessa forma, para a vila matriz encontramos 12 referências a estas
unidades, sendo 11 para sítios e 1 para fazenda.
O restante da documentação referente a sítios e fazendas, que correspondem a 45
documentos, encontramos de forma esparsa nas demais regiões do termo da Vila de São
José del Rei, a mencionar Desterro (07 sítios), Carijós (1 sítio), Conceição das
Carrancas (06 sítios), Itaverava (04 sítios) , Piuí (06 sítios e 02 fazendas), Boa Vista (05
sítios), N.S. da Piedade (02 sítios), Borda do Campo (03 sítio e 01 fazenda) e Formiga
(06 sítio e 02 fazendas).
Ainda acerca destas unidades encontradas, estas apresentaram em sua grande
maioria sendo compostas por pequenas faixas de terras, portanto, sendo constituídas por
faixas de até meia légua em quadra de terra. Entretanto, as maiores unidades possuindo
até três léguas em quadra de terra já aparecem em menor proporção em nossa
documentação. Neste contexto, parece-nos que Carlos Malaquias está correto ao afirmar
que "as pequenas produções limitadas pela disponibilidade do braço familiar e com
áreas de cultivo restritas, provavelmente abasteciam o mercado local e sustentavam os
ranchos de parada de tropeiros e vendas de beira de estrada"317
. Em contrapartida, "as
grandes unidades escravistas de alimentos, dotadas de largas escravarias e do virtual
monopólio das terras, tinham participação predominante no comércio de abastecimento
311
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MARTINS, Braz Alvares. SM-31, 1768. fl.09 312
Idem. fl.01 313
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: RABELO, João Gonçalves. SM-07, 1771. fl.01 314
Idem. fl.03 315
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MELO, João Homem Pereira de. SM-08, 1771. fl.01 316
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PEREIRA, Bernardo Martins. SM-32, 1784. fl.01 317
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) . p.105.
134
de longo distância"318
. Ainda neste ponto, cabe ressaltarmos que por meio de nossa
documentação não foi possível perceber uma diferenciação entre os sítios e as fazendas,
sendo estes termos usado indiscriminadamente para designar áreas produtoras de
alimentos. Todavia, a maior presença da documentação que faz menção ao termo
fazenda estavam localizadas nas regiões mais interioranas e de ocupação mais tardia.
Após apresentarmos alguns dos elementos pertinentes às interações entre o
espaço urbano e as suas freguesias rurais bem como, este processo esteve diretamente
correlacionado com a formação de sítios e fazendas, iremos agora analisar um relato de
época para avançarmos na compreensão destas regiões dos sertões. Assim, faremos uso
de um relato da primeira metade do século XVIII a fim de correlacionar alguns dos seus
pontos com o nosso objeto de pesquisa.
Os relatos deixados por viajantes que percorreram as regiões da Capitania de
Minas Gerais, sempre foram uma fonte rica em informações para que os pesquisadores
pudessem compreender a sociedade mineira. Embora grande parte destes documentos
tenham sido elaborados no decorrer do século XIX, como por exemplo, as descrições de
John Mawe (1809-1810), G.W. Freireyss (1814-1815), o célebre Saint-Hilaire (1817-
1822), Fox Bunbury (1832-1835), Johann Pohl (1818-1821), dentre vários outros319
,
encontramos para o século XVIII o relato do comerciante José da Costa Diogo.
Este indivíduo em questão adentrou nas regiões dos sertões percorrendo os
caminhos que compreendiam as áreas dos currais do rio São Francisco até a Capitania
de Goiás. Assim, em sua viagem pelo interior, Costa Diogo apresenta em seu diário os
caminhos e o contato com alguns dos sítios e fazendas encontrados ao longo de sua
jornada. Apresenta também, aspectos da paisagem destas regiões, como rios e
montanhas que auxiliavam na identificação dos locais que transitavam.
Através da análise deste relato podemos perceber um pouco da heterogeneidade
econômica encontrada nestas áreas interioranas, a partir da existência de lavras minerais
e da prática da agropecuária. Assim, ao estudarmos o diário deste comerciante, somos
capazes de identificar alguns dos aspectos desta sociedade constituída nos sertões e
318
Ibidem. 319
Acerca destes viajantes, o trabalho elaborado por Clotilde Paiva e Marcelo Godoy retrataram
ricamente alguns dos importantes elementos encontrados nestes relatos. Ver: PAIVA, Clotilde Andrade e
GODOY, Marcelo Magalhães. Território de Contrastes: economia e sociedade das Minas Gerais do
século XIX. In: Anais do X Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG,
2002. p.10.
135
podemos, também, perceber como se deu o processo de ocupação e avançamento das
fronteiras.
Cabe considerarmos que este importante documento encontra-se na coleção do
Arquivo Histórico Ultramarino - AHU, referente ao acervo da Capitania dos
Goyazes320
. Contudo, também podemos encontrá-lo na obra "Viagem pela Estrada Real
dos Goyazes321
", onde os pesquisadores Wilson Júnior, Rafael Cardoso e Deusdedith
Rocha analisaram e transcreveram este diário. Assim, pretendemos correlacionar alguns
dos aspectos deste documento com o nosso objeto de pesquisa.
Apresentando como nota de abertura a menção "Derrota do Rio de S. Francisco
pelo Urucuia acima das minas dos Goyazes" 322
, este trecho faz alusão ao trajeto
percorrido pelo comerciante compreendendo, portanto, o recorte espacial viajado por
ele. O emprego do termo "derrota" no contexto do século XVIII adota dois sentidos
diferentes, podendo referir-se a conquista, trajeto, caminho ou ainda, assim como no
sentido contemporâneo, referindo-se a perda 323
. Nesta viagem, Costa Diogo partiu
"juntamente com Joaquim Barbosa e outros mais camaradas (...) com alguns cavalos
carregados" 324
. A importância destes elementos, em especial os cavalos carregados,
serve para demonstrar sua atividade econômica, ou seja, a de um tropeiro comerciante.
Inicialmente, o trajeto que seria adotado por estes indivíduos não compreendia o
caminho para Goiás, mas sim para Serro Frio. Entretanto, a oportunidade de realizar
melhores negócios os fizeram adentrar pelo caminho das Minas dos Goyazes, como
podemos perceber na seguinte passagem deste documento que diz,
se divulgou que o caminho das Minas dos Goyazes estava desimpedido para
que pudesse entrar tudo o que quisessem vindo do Rio de São Francisco e de
outra qualquer parte, pegando contagens como era costume nas mais minas, e
parecendo-nos que nas Minas dos Goyazes poderíamos fazer melhor negócio
do que nas do Serro do Frio, nos resolvemos seguir para aquelas e deixar
estas (...) 325
.
320
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. 321
ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela
Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. 322
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 323
ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela
Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 45. 324
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 325
Ibidem.
136
A opção pelas Minas dos Goyazes adentrando pelos currais do Rio São
Francisco foi visto por Costa Diogo, como uma área possivelmente mais rentável, já
que, nestas áreas havia centros povoados que se formaram a partir da extração e pela
busca do metal precioso. Outro ponto que também os fizeram percorrer este local, ao
invés de adentrarem para a Comarca do Serro Frio, foi a notícia da abertura deste
caminho para circulação de mercadorias, que outrora se encontrava fechado para evitar
os descaminhos e os contrabandos. 326
As descrições geográficas também são elementos importantes ao longo do seu
relato, servindo como pontos de referência para identificar as regiões que estavam
percorrendo. Interessante neste aspecto é a aproximação entre os elementos que
circundavam o cotidiano destes indivíduos, como nomes de árvores, e sua utilização
para representar os aspectos geográficos. Assim, podemos encontrar referências como
Dois Irmãos, que tanto está para rios como para morros, nomes como
Gameleira, emprestado de uma árvore, que batiza povoados e rios, como
também rios 'Preto' que se espalham pelos sertões e lagoas 'Formosa', 'Bonita'
ou 'Feia' 327
.
Passando a analisar um dos pontos que mais nos despertou atenção em seu
diário, e que está diretamente relacionado com a nossa pesquisa, trata-se das referências
aos vários sítios e fazendas presentes ao longo do percurso trilhado por eles. Assim,
encontramos no seu diário referências à "fazenda do Acarí, que fica na beira do Rio de
São Francisco na Barra do Rio Urucuia"328
, a "fazenda do Faz Tudo, última fazenda das
povoações antigas"329
, "a fazenda de Santa Rosa, primeira fazenda das povoações
novas"330
, ao "sítio chamado dos Macacos"331
dentre algumas outras. A importância de
destacarmos estas unidades produtoras é que elas refletem a presença de atividades
econômicas nos sertões, como também, nos permite ter uma dimensão da ocupação
destas áreas.
326
ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela
Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 47. 327
Idem. p. 57. 328
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 329
Idem. fl. 01. 330
Idem. fl. 02. 331
Ibidem.
137
O relato de Costa Diogo não faz maiores especificidades acerca das atividades
desenvolvidas nestes sítios e fazendas, nem apontam os demais elementos que possam
melhor ilustrá-las, mas, somente as cita como referências aos locais em que passaram.
Entretanto, os viajantes apontam alguns destes sítios e fazendas como localidades nas
quais passavam a noite para dar continuidade no dia seguinte com o seu trajeto.
Acreditamos, serem estes locais entrepostos comerciais, servindo aos transeuntes destas
regiões como áreas de comercialização e de paragem.
Ainda acerca das fazendas e sítios encontradas nestas regiões, cabe
mencionarmos que este trajeto percorrido por eles era predominantemente agrícola e
pastoril, em destaque para o rio Urucuia, que é "um dos tributários do Rio São Francisco
nas Minas Gerais, (...), região densamente ocupada por fazendas que estabeleciam
comércio de seus produtos, principalmente o gado, com as demais regiões das Minas
Gerais e outras Capitanias" 332
.
Devemos destacar também a referência a expressões como "ultima fazenda das
povoações antigas" e também ao termo "primeira fazenda das povoações novas". Estes
elementos nos fazem crer que havia um fluxo populacional nestas regiões, sendo que, a
distinção entre "antigas" e "novas" refletem o processo ocupacional destas áreas. A
circulação de pessoas nestas regiões também é exposta no diário, onde encontramos
referência a "uns homens que vinham das tidas Minas dos Goyazes"333
e também no
trecho, "achamos uns passageiros que vinham dos Goyazes"334
. Segundo Andrade, as
notícias de achados de minas de ouro despertavam o interesse dos indivíduos,
provocando mobilidades internas e deslocamentos populacionais, o que
consequentemente, contribuía para a formação de sítios e fazendas nestes locais.
Segundo o pesquisador,
pessoas oriundas das Minas Gerais e das capitanias adjacentes, atraídas pelo
lucro nos descobrimentos, ocasionavam fortes aglomerações populacionais
de curta duração que animavam o comércio das vilas. 335
332
ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela
Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 47. 333
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 334
Idem. fl. 02. 335
ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e
entradas nos sertões do ouro da América portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008.
p. 227.
138
A presença de caminhos e estradas no interior dos sertões também revela
elementos importantes sobre estas regiões. Dessa maneira, podemos perceber por meio
deste elemento a existência do comércio e de práticas econômicas estabelecidas nestas
regiões. Em seu relato, Costa Diogo aponta a presença de alguns destes caminhos, como
por exemplo, quando haviam eles chegado ao sítio dos Bezerras,
ao qual vem sair uma estrada que vem do Rio de São Francisco. (...). Todas
estas estradas se ajuntam no sítio dos Bezerras, e fazem estrada Real para as
Minas dos Goyazes336
.
É oportuno destacarmos também que a presença destes sítios como notamos por
meio do relato deste viajante, demonstra a consolidação do povoamento destas regiões
mais interioranas e também, destaca a criação de referenciais geográficos que auxiliam
para a localização dos transeuntes destas áreas.
Por fim, um outro elemento pertinente ao nosso objeto de estudo e que podemos
encontrar também no relato deste viajante trata dos perigos encontrados nestas regiões
dos sertões. Como apontamos anteriormente, a presença de índios e quilombolas nestas
áreas provocaram vários embates durante o processo ocupacional, principalmente na
primeira metade do século XVIII. Dessa maneira, Costa Diogo menciona que tivera
notícia acerca de uma expedição realizada
no ano de 1732, saiu uma bandeira de 50 pessoas, entre brancos e escravos
em descobrimento de ouro e até 9 de abril de 1734 não houve mais notícias
dela por onde se julgava perdida ou derrotada pelo gentio. 337
A presença destes agentes, índios e quilombolas nestas regiões dos sertões pode
ser encontrada em outros relatos deste período e demonstra o temor que eles causavam.
Segundo Amantino, a "presença de índios considerados ferozes foi uma das causas do
abandono de terras em várias regiões de Minas Gerais" 338
.
Estes elementos apresentados a partir do relato de Costa Diogo nos auxiliam
para melhor identificar os espaços formados nestas regiões dos sertões, que conectavam
336
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.02. 337
Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.07. 338
AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século
XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.09.
139
a Capitania de Minas Gerais à região de Goiás pelos currais do Rio São Francisco.
Embora se trate de um breve relato, as considerações feitas por este viajante são ricas
em informações e servem para demonstrar aspectos desta sociedade dinâmica que se
encontrava nos recôncavos dos sertões. Ressaltamos também a importância deste diário
como fonte de análise, pois através do seu relato conseguimos inferir as representações
destes espaços a partir de um individuo que adentrou nestas áreas deixando, portanto,
suas próprias impressões.
O conjunto dos elementos apresentados até o momento expõe, a partir das
interações existentes entre a área urbana e as suas freguesias rurais, uma maneira de
compreender alguns dos aspectos pertinentes às expansões das fronteiras. Dessa
maneira, foram se intensificando a ocupação do oeste dos sertões devido à necessidade
por mais terras e consequentemente, intensificando a correlação econômica entre as
zonas produtoras de gêneros agrícolas e as regiões mineradoras. Assim, estes elementos
ressaltam novamente o processo dinâmico destas fronteiras que contribuíram para
redesenhar a espacialidade mineira ao longo do século XVIII.
A importância destas pequenas unidades produtoras, encontradas em número
expressivo através da nossa fonte documental, demonstram a importância destes
sesmeiros na economia da Comarca do Rio das Mortes 339
. Por meio destes indivíduos,
podemos também perceber a fluidez dos movimentos internos, variando seus circuitos a
partir da formação e adensamento populacional nos arraiais e freguesias do interior.
Assim, neste processo ocupacional em constante transformação, "conjugar-se-iam,
nesse horizonte econômico aurífero, o caráter errante da população, a instabilidade e
fluidez social, a flexibilidade dos costumes, a heterodoxia política e religiosa, num
cenário urbano peculiar". 340
Como apresentamos a partir do estudo de alguns dos sesmeiros destas áreas e a
partir das suas unidades produtoras, percebemos que a presença de sítios e fazendas
estabelecidas ao longo dos sertões a oeste da Comarca do Rio das Mortes, caracteriza o
desenvolvimento de atividades agrícolas nestas regiões. Outro fator importante da
presença destas unidades é que elas absorveram parte do contingente populacional
339
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Formas de acumulação de capital numa economia escravista
de abastecimento: a Comarca do Rio das Mortes de Minas Gerais, 1750-1850. 340
ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e
entradas nos sertões do ouro da América portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008.
p. 118.
140
encontrado nestas áreas e, consequentemente, fizeram surgir a constante demanda por
mais terras. Ao que nos indica a partir do estudo das nossas fontes, o quadro econômico
presente nesta expansão das fronteiras corrobora com as considerações de Meneses, já
que, a agricultura foi para estes sesmeiros,
uma forma de acesso à riqueza e uma resposta econômica à necessidade de
sobrevivência das populações crescentes da área mineradora. Mesmo antes da
diminuição desta atividade, a diversificação da economia se dava em direção
à produção agrícola, ao comércio, ao artesanato etc. 341
Este processo também está intimamente correlacionado com a dinâmica
ocupacional destas áreas, pois percebemos a partir das concessões das sesmarias o
fechamento das fronteiras e o avanço para as regiões dos sertões. Assim, percebemos
uma maior concentração de sítios e fazendas nas regiões circunvizinhas à vila de São
José del Rei, principalmente nos anos iniciais da ocupação onde a fronteira ainda se
encontrava aberta. Todavia, ao avançarmos no setecentos, percebemos através das
cartas de sesmarias um número maior destas unidades produtoras nas áreas cada vez
mais interioranas dos sertões, a exemplo da freguesia de Tamanduá. Desse modo,
o avanço das áreas conhecidas, como sua apropriação econômica, é que
marcariam as transformações nessas categorias de percepção do espaço.
Desta forma os 'sertões', antes a designação irrestrita dos espaços
desconhecidos, vão se diferenciando, como na conformação dos 'currais' onde
se espalha a pecuária extensiva ou dos 'campos' onde começa a florescer uma
área de produção agrícola para o abastecimento das 'minas'. 342
Dessa maneira, como identificamos em nossa pesquisa, as áreas nas
proximidades com o centro minerador de São José foram as inicialmente ocupadas e as
terras visivelmente mais desejadas pelos sesmeiros. Novamente este processo ocorre em
consequência da conjuntura socioeconômica deste período, além das relações
interacionistas existentes entre a área urbana e as freguesias rurais. Como ressalta
Malaquias,
341
MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais
setecentistas. Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000. p.151. 342
CUNHA, Alexandre Mendes. Vila Rica - São João del Rey: as voltas da cultura e os caminhos do
urbano entre o século XVIII e o XIX. Universidade Federal Fluminense, 2002 (Dissertação de Mestrado)
p. 142.
141
a atividade mineradora e a produção de alimentos puderam conviver na
freguesia de S. José uma vez que os filões de metal estiveram relativamente
concentrados nos morros e riachos da vila e existiram condições propícias
para a agricultura comercial de alimentos nos distritos como a
disponibilidade de terras e o mercado consumidor . 343
Por fim, tentamos trazer acerca destes espaços interioranos algumas das relações
complexas decorrentes do processo ocupacional, correlacionando-as com os aspectos
econômicos percebidos através da constituição de sítios e fazendas nestas regiões. Estas
unidades remetem a "um processo espacial complexo, fruto da própria complexificação
da base econômica, produzindo novas relações de centralidade, e nisto bases para novo
desenho regional, e de forma mais ampla, neste imbricamento de urbano com o rural".
344 Portanto, percebemos que o avanço das fronteiras e a formação das unidades
produtoras foram elementos cruciais para o "redesenhar" as áreas adentradas nos sertões
oeste da Picada de Goiás.
Após expormos as unidades produtoras por meio da presença de sítios e
fazendas em nossas freguesias estudadas, cabe adentrarmos agora nos aspectos
pertinentes ao crescimento populacional, tanto de indivíduos livres como de escravos,
durante a segunda metade do setecentismo. Por meio desta abordagem é possível
dimensionarmos a força produtiva, bem como a correlação entre o crescimento
populacional e a demanda por mais terras.
Para identificarmos o crescimento populacional em nossa região pesquisada,
basearemos nossas análises em dois momentos distintos a título de comparação. Dessa
maneira, nosso período inicial de análise correspondente a 1722-23 e posteriormente
apontaremos o número de indivíduos no final do século XVIII, mais precisamente no
ano de 1795. A demonstração destes dados é de grande relevância para nossa pesquisa,
uma vez que permite caracterizar as transformações populacionais ocorridas em nossas
áreas de estudo, englobando portanto todo o nosso recorte temporal de análise.
Optamos por compararmos estes dois períodos em questão, pois correspondem a
momentos de intensas transformações na conjuntura socioeconômica do Termo. Assim,
343
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado) . p.32. 344
CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmica espaciais e movimentos da
população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. In: Revista Brasileira
de História, São Paulo, v.27, nº 53. p.127.
142
o período de 1722-23 nos revela o contingente populacional no início da formação da
Vila de São José Del Rei. Em contrapartida, o período de 1795 já trás consigo
elementos referentes ao processo de esgotamento dos veios auríferos, bem como o
redirecionamento / ampliação das atividades rurais.
É oportuno mencionarmos também que nossas análises irão englobar tanto o
estudo dos indivíduos livres quanto dos escravos. No caso dos cativos, devemos nos ater
com atenção, já que a sua presença pode ser encontrada desde os momentos iniciais da
extração do metal precioso e auxiliou para redimensionar o espaço da Capitania de
Minas Gerais. Neste contexto é importante ressaltarmos que,
a abertura de uma nova frente de expansão econômica deu-se com base no
trabalho escravo, dando continuidade a este que é um dos grandes traços
característicos da colonização das Américas. Em função disso, o boom
aurífero provocou o rápido incremento do tráfico atlântico de escravos.345
Iniciamos agora nossas considerações a respeito do primeiro momento em foco.
Os dados extraídos para a elaboração do mapeamento demográfico deste período
provém das listagens de cobrança dos quintos reais de 1722 e 1723 referentes à Vila de
São José Del Rei. Esta fonte documental traz consigo importantes dados acerca da
estrutura populacional, principalmente no que se refere ao número de cativos, pois tinha
como finalidade a arrecadação do tributo sobre o número de escravos dos proprietários.
Embora esta documentação não exponha a totalidade da população livre encontradas
nas vilas da Capitania de Minas Gerais, mas apenas a quantificação do número de
escravos, o pesquisador Tarcísio Botelho propôs três hipóteses na tentativa de mapear o
número de indivíduos livres346
. Dessa maneira, por ausência de dados que possamos
utilizar para comparação, optamos por basearmos nas considerações e hipóteses
propostas segundo o pesquisador, para assim tentarmos compreender este momento
inicial da formação da Vila de São José Del Rei. Portanto, apresentamos a seguir os
dados levantados segundo a pesquisa de Botelho,
345
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro
Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 01. 346
Acerca das hipóteses I, II e III, estas foram propostas a partir do número de escravos presentes na
documentação fiscal dos quintos reais, em que Botelho tenta apresentar a estimativa da população livre,
sendo portanto compostas da seguinte maneira: Hipótese I: população livre correspondente a 50% da
população total; Hipótese II: população livre correspondente a 40% da população total; Hipótese III:
prevê apenas 33,3% da população livre. In: BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas
Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG),
outubro de 2000. p. 14.
143
Tabela VII: Estimativa para a População de São José Del Rei, 1722347
.
______________________________________________________________________
Vila Escravos Livres Total
Hipóteses: I II III I II III
50% 40% 33,3% 50% 40% 33,3%
______________________________________________________________________
São José Del Rei 3357 3357 2238 1676 6714 5595 5033
______________________________________________________________________ Referência: APM, Coleção Casa dos Contos, Planilha 30099/2 (microfilmada)
Antes de nos atermos aos dados expostos nesta tabela, iremos apresentar o
contexto populacional de São José nos momentos finais do setecentismo, para assim
fazermos as considerações pertinentes ao cenário de transformação comparando os
dados destes dois momentos. Dessa maneira, a partir da utilização da documentação do
Rol dos Confessados de 1795, onde já é possível encontrar os dados populacionais com
maior precisão, podemos perceber que a população total tanto de indivíduos livres como
de escravos, passou por transformações significativas. Portanto, para este período em
questão os dados levantados expõe o seguinte cenário populacional,
347
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro
Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 14.
144
Tabela VIII: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1795.348
______________________________________________________________________
Capelas População Nº de Fogos
______________________________________________________________________
Livres Escravos
Passatempo 480 8,57% 298 5,60% 137
Claudio 637 11,38% 392 7,37% 165
Lage 354 6,32% 486 9,14% 83
Japão 356 6,36% 391 7,35% 89
Matriz 1874 33,47% 2126 39,96% 729
Desterro 143 2,55% 119 2,24% 43
Pe. Gaspar 265 4,73% 136 2,56% 58
Oliveira 941 16,81% 772 14,51% 225
S. João Batista 179 3,20% 308 5,79% 57
Bichinho 370 6,61% 292 5,49% 133
Total: 5599 100% 5320 100% 1719 Referência: Rol dos Confessados de 1795.
Cabe considerarmos, antes de adentrarmos em nossos estudos, os aspectos
referentes a documentação utilizada na elaboração destas tabelas. Portanto, a primeira
tabela diz respeito aos dados obtidos por meio da listagem de proprietários de escravos
para o pagamento dos quintos reais, utilizada por Botelho, na tentativa de identificar o
comportamento demográfico349
. Por outro lado, o Rol dos Confessados, utilizado por
Malaquias, já trata de uma documentação elaborada pela Igreja afim de identificar as
pessoas aptas a confessar, excluindo os menores de sete anos.350
Dessa forma, embora
tais documentos não sejam exclusivamente censos demográficos, ambos foram
utilizados por estes pesquisadores como forma de compreensão para o comportamento
demográfico, dessa forma, trata-se de uma tentativa de melhor mapear a população
presente em nossas áreas pesquisadas. Feitas estas considerações pretendemos agora
tratar de alguns dos aspectos que estão intimamente correlacionados com o processo
ocupacional em nossas áreas pesquisadas.
348
Adaptado de MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte:
FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado). p.35-36 349
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro
Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p.02. 350
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.27.
145
Passando a analisar estes dois períodos em cena, ressaltamos de início o
crescimento no número de escravos. Comparando as duas tabelas, vemos que o
pesquisador Tarcísio Botelho encontrou segundo a listagem de cobrança dos quintos
reais um total de 3357 escravos, enquanto o Rol dos Confessados de 1795, analisado
por Malaquias, apresentou um total de 5320 cativos. Dessa maneira, podemos observar
um aumento de 58,47% no número de escravos, o que demonstra que, embora o final do
setecentismo já compreenda um período marcado pelo declínio aurífero na Capitania de
Minas Gerais, a presença de escravos mantivera em número bem superior ao comparado
nos anos iniciais da formação da Vila de São José Del Rei. Quanto ao número de
indivíduos livres, também é possível perceber o aumento comparando a documentação
de 1795 e as hipóteses propostas por Botelho. Portanto, apresentando uma população
livre de 5599 no final do XVIII, percebemos um aumento de 66,78% quanto comparado
com a hipótese I; de 150% em relação a hipótese II e por fim, um crescimento de 234%
em relação a hipótese III. A presença dos indivíduos livres, encontrados em quantidade
significativas nas capelas das freguesias de São José também expõe um dado importante
para a conjuntura socioeconômica destas regiões, pois, "sugere fortemente que, de fato,
a região estava atraindo imigrantes masculinos livres e que a paróquia poderia ter
constituído uma espécie de fronteira interna no final do século XVIII"351
.
Ainda analisando estas duas tabelas, cabe considerarmos também que a Vila de
São José Del Rei permanecia como principal centro populacional no final do século
XVIII, apresentando uma totalidade, incluindo livres e escravos, de 4005 indivíduos, ou
seja, 36,65% da população do Termo. A presença deste adensado núcleo urbano
constituído nesta Vila nos remete a capacidade comercial e administrativa presentes
nela, além disto, sua proximidade com a cabeça da Comarca do Rio das Mortes, a Vila
de São João Del Rei, também auxilia para a concentração populacional neste centro.
Neste ponto em questão, como salientou Libby, "no final do século XVIII a vila vizinha
de São João Del Rey quase que certamente havia tornado o mais importante entreposto
comercial da Capitania de Minas Gerais"352
.
351
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.
p.23. 352
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.
p.20. Acerca da Vila de São João Del Rei e sua importância como principal centro comercial da Comarca
146
Entretanto, passando agora a análise das freguesias deste Termo, sendo estas
compostas por nove capelas, elas juntas totalizam uma população de 6924 incluindo os
indivíduos livres e escravos, ou seja, uma representatividade de 63,37% da população
total do Termo. Estes dados constituem elementos importantes para a nossa pesquisa,
pois demonstram o papel desempenhado pelas freguesias rurais que circunvizinhavam
São José Del Rei. Dessa forma, este ponto nos remete ao aumento na demanda por mais
terras e consequentemente provocou mudanças nas fronteiras a oeste do nosso Termo
estudado.
É oportuno destacarmos também que as cartas de sesmarias solicitadas ao longo
da segunda metade do século XVIII apresentaram em sua grande maioria menção a
estas freguesias rurais353
. Portanto, este aspecto reforça a visualização da ocupação dos
sertões, bem como a ampliação no número de indivíduos nestas áreas onde ainda havia
terras em disponibilidade. Neste contexto também podemos inferir o processo de
ampliação das atividades agropastoris, tão presente e caracterizada em nossa região
pesquisada, elemento este já demonstrando anteriormente.
Por fim, ainda neste contexto de crescimento populacional, cabe em nossas
análises adentramos nas décadas iniciais do oitocentismo. Embora este período não
corresponda a nosso recorte temporal de estudo, optamos por apresentá-lo uma vez que
auxilia na percepção do processo de ruralização presente em nossa região pesquisada.
Dessa maneira, a partir do estudo do Rol dos Confessados de 1831, outra importante
fonte documental para a análise demográfica, encontramos os seguintes dados em nossa
área pesquisada.
do Rio das Mortes, ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da
Decadência de Minas Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. 353
Ver gráficos elaborados em nosso capítulo I. pp.54-59.
147
Tabela IX: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1831.354
______________________________________________________________________
Capelas População Nº de Fogos
______________________________________________________________________
Livres Escravos
Passatempo 651 8,54% 535 9,30% 191
Claudio 1700 22,30% 720 12,51% 461
Lage 449 5,89% 575 9,99% 121
Japão 662 8,68% 906 15,75% 178
Matriz 1619 21,24% 1064 18,49% 497
Desterro 238 3,12% 233 4,05% 59
Pe. Gaspar 391 5,13% 188 3,27% 117
Oliveira 1643 21,55% 1166 20,26% 475
S. João Batista 270 3,54% 367 6,38% 75
Total: 7623 100% 5754 100% 2174 Referência: Lista Nominativa de 1831. *Não considerados as crianças com menos de sete anos.
Os dados apresentados quanto ao contexto populacional na primeira metade do
século XIX revelam importantes transformações para a nossa região estudada. Cabe
destacarmos o crescimento no número de habitantes em todas as freguesias do Termo,
tanto em número de escravos quanto em sua população livre, o que representa, portanto,
a ampliação das atividades agropastoris e o crescimento destas atividades em nossa
região pesquisada. Situação oposta viria a ocorrer quanto ao contingente populacional
na vila matriz de São José Del Rei, o principal centro minerador do termo, que
apresentou uma diminuição em seu número de habitantes. Segundo Malaquias, este
processo decorre do "êxodo de habitantes que cada vez mais estabeleciam residência
permanente nas suas propriedades rurais"355
.
Por meio deste contexto geral acerca da estrutura demográfica em nossa região
pesquisada, englobando a título de comparação um extenso período temporal (1720-
1831), tentamos apresentar algumas das dinâmicas socioeconômicas presentes em nosso
Termo. Portanto, o constante crescimento demográfico, nos dois primeiros períodos
analisados (1722-1795) ocasionou a necessidade por mais terras, provocando o avançar
das fronteiras nos sertões a oeste da Vila Matriz, principal área em fronteira aberta neste
354
Adaptado de MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte:
FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado). p.35-36 355
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.35.
148
período. Além deste aspecto, os dados apresentados para a primeira metade do século
XIX expõe a importância das atividades agropastoris, bem como ressalta a ampliação
das atividades rurais nas freguesias.
Cabe agora em nossa pesquisa, adentrarmos com maior atenção ao contexto da
escravidão, para assim continuarmos a avançar na compreensão e análise da força
produtiva. Os dados apresentados anteriormente demonstraram a presença significativa
no número de cativos, sendo que neste ponto em questão "a proporção de escravos é,
geralmente, um bom indicador do nível da atividade econômica regional"356
. Portanto,
iniciaremos agora algumas considerações na utilização da escravidão como força de
trabalho.
Nosso ponto de partida consiste na demonstração da posse de escravos, tentando
dimensionar os plantéis em nosso Termo estudado. Estes dados são de grande valia,
uma vez que permitem dimensionar a força cativa empregada nas unidades produtoras.
Nosso estudo partirá novamente da comparação entre os plantéis de 1722 para
posteriormente adentrarmos no contexto do final do setecentismo. Portanto, vamos
demonstrar estes aspectos englobando todo o nosso recorte temporal pesquisado, afim
de realizarmos as oportunas comparações e análises entre estes dois períodos em
questão.
A referência para o nosso primeiro período analisado parte da listagem da
cobrança dos quintos reais de 1722. Como apontamos anteriormente, esta fonte traz os
dados acerca dos escravos e seus proprietários, com o intuito de realizar a cobraça sobre
o número de indivíduos cativos. Assim, vamos apresentar em forma de tabela as
dimensões dos plantéis neste período em questão.
356
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.
p.22.
149
Tabela X: Posse de Escravos, São José Del Rei, 1722357
.
FTP Escravos Proprietários Média
1-4 624 277 2,25
5-9 802 119 6,74
10-19 794 60 13,23
20-49 896 34 26,35
50 e mais 241 4 60,25
Total 3357 494 6,80 Fonte: APM, CC 1046.
Os dados contidos nesta tabela expõe o contexto geral acerca do Termo de São
José nos anos iniciais da formação da Vila. Portanto, o número total de cativos
presentes no Termo era de 3357 escravos, pertencentes a 494 proprietários neste período
em questão. Devemos destacar também a maior presença dos cativos localizados na
faixa entre 10 e 49 escravos, apresentando uma média de 26,36358
. Importante também o
fato da maior parte dos proprietários (277) terem planteis pequenos, compostos entre 1 e
4 escravos359
.
Neste contexto, observamos que a presença do maior número de proprietários
possuírem plantéis pequenos pode ser um indicador de unidades menores de produção,
onde o braço cativo utilizado como força de trabalho seja complementar a força familiar
empregada. Em contrapartida, já os plantéis maiores que apresentam entre 20-49 ou
maiores que 50, estando concentrado nas mãos de um número menor de proprietários,
pode representar a formação de uma elite local.
Passando a analisar a listagem dos plantéis no final do setecentismo, para
realizar a comparação com os momentos iniciais da formação da Vila, encontramos
dados que podem melhor esclarecer o contexto da escravidão em nosso Termo.
Portanto, neste período em questão a partir do estudo do Rol dos Confessados,
deparamos com o seguinte cenário:
357
BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro
Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 07. 358
Idem. p.07 359
Ibidem.
150
Tabela XI: Distribuição da população escrava paroquial por tamanho das
posses360
.
______________________________________________________________________
Tamanho das Posses Posses Escravos
N % N %
1 - 5 620 71.2 1427 26.8
6 - 10 118 13.5 877 16.5
11 - 20 84 9.6 1189 22.4
21 - 30 26 3.0 635 11.9
31 - 50 16 1.8 646 12.1
> 50 7 0.8 545 10.2
Totais 871 100 5319 100 Fonte: Rol dos Confessados da freguesia de São José Del Rei, 1795
Um importante aspecto que cabe destacarmos ao compararmos estes dois
períodos, refere-se ao aumento no número de escravos, que passou de 3357 para 5319
indivíduos, ou seja, um crescimento de 58% na presença de cativos. Estes números
revelam a forte presença escrava em nosso Termo pesquisado, uma vez que a partir do
Rol de São José, mais da metade dos fogos possuíam cativos.361
É oportuno
mencionarmos também que maior número de proprietários permanecem representados
por plantéis pequenos, variando entre 1 e 5 cativos no final do século XVIII. Entretanto,
os grande plantéis ficaram concentrados nas mãos de apenas 7 proprietários. Este ponto
em questão também reforça a importância desempenhada pelas pequenas unidades
produtoras em nossa região pesquisada, uma vez que o maior número de posses de
escravos ocorrem entre os plantéis de 1 a 10 cativos.
Realizando a comparação do contexto saojoseense com outras regiões
produtoras de gêneros alimentícios, podemos perceber algumas proximidades. É o caso,
por exemplo, de Curitiba e o Sul de Minas (1831-1838), onde em ambas as regiões
também predominaram em sua grande maioria a existência de pequenos plantéis de
escravos362
. Como ressaltou Antônio Carlos Jucá, "as regiões abastecedoras eram
dominadas por estes pequenos proprietários até porque, (...), os grandes capitais não se
360
LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São
José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.
p.29. 361
Idem. p.28-29. 362
Na região de Curitiba predominou os plantéis de 1 a 5 escravos (70,5% dos proprietários) e o Sul de
Minas, apresentou em sua grande maioria o plantel de 1 a 5 escravos (64% dos proprietários). In:
SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução
econômica na produção de alimentos (1850 - 1888). DPGH./ UFF, 1994. Dissertação de Mestrado) p.
119.
151
interessavam normalmente pela produção de alimentos"363
. Este fator predominante da
pequena escravaria na Capitania de Minas Gerais, foi demonstrado por Libby em que,
segundo o pesquisador, 2/3 dos proprietários possuíam pequenos plantéis não superiores
a cinco escravos364
. A importante constatação feita por este pesquisador também se
aplica ao Termo de São José Del Rei, onde observamos que embora o número de
escravos tenha crescido ao longo do setecentos, percebemos a maior predominância das
pequenas posses de escravos (1-10) que representou um total de 43,3% dos cativos
segundo o Rol dos Confessados.
Por fim, um último aspecto acerca do contexto da escravidão que desejamos
apresentar refere-se à idade dos cativos presentes em São José Del Rei. Por meio deste
elemento podemos inferir o potencial de trabalho destes indivíduos quando empregados
como força produtiva. Acerca deste quadro e analisando o final do setecentismo,
deparamos com o seguinte contexto para o nosso Termo estudado,
Gráfico XI: Composição das escravarias de S. José - por grupos etários e faixas de
posse365
.
Referência: Rol dos Confessados de 1795.
363
SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução
econômica na produção de alimentos (1850 - 1888). DPGH./ UFF, 1994. Dissertação de Mestrado) p.
120. 364
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1988. 365
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.78.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%
100%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
a 1
5
16
a 2
0
21
a 3
0
31
a 5
0
mai
s d
e 5
1
% e
m c
ada
faix
a
Faixas de posse
1795
7-14 anos 15-44 anos +45 anos
152
Podemos perceber a partir destes dados apresentados a grande predominância de
cativos com idades entre 15 e 44 anos. Portanto, vemos que estes indivíduos eram
escolhidos preferencialmente em idade adulta para serem aproveitados como força de
trabalho. Outro aspecto que cabe destacarmos é a presença deste indivíduos nas
pequenas unidades de produção, pois "no final do século XVIII, os escravos em idade
produtiva chegavam, em alguns casos, a representar mais de 70% da escravaria das
pequenas posses"366
.
Deste quadro geral apresentado por nós e correlacionando com o processo
ocupacional do Termo de São José Del Rei, cabe fazermos alguns considerações para
destacar alguns dos aspectos que estão intimamente correlacionados com o avanço das
fronteiras na região dos sertões. Assim, primeiramente, é oportuno destacarmos o
caráter rural constituído na sociedade saojoseense, tratando-se de uma área de pequenos
produtores escravistas que utilizavam a mão de obra escrava provavelmente em
conjunto com a mão de obra familiar. Além deste aspecto é também importante
ressaltarmos o maior crescimento da população livre em relação à escrava o que expõe o
maior dinamismo da migração livre como força de trabalho do que baseada unicamente
na compra de escravos. E por fim, neste contexto geral apresentado, devemos
retomarmos novamente o papel periférico de São José Del Rei em relação a São João
Del Rei, uma vez que a primeira apresentou-se nas últimas décadas do setecentos com
um núcleo urbano modesto em comparação com o grande centro comercial encontrado
em São João neste mesmo período em questão367
.
Apresentado o contexto populacional e também os aspectos gerais da escravidão
em nosso recorte espacial de estudo, iremos agora correlacionar alguns destes elementos
a partir dos sesmeiros estudados por nós. Dessa maneira, faremos uso dos Registros de
Batismo dos Escravos368
, afim de continuarmos a avançar na compreensão do contexto
366
MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008
(Dissertação de Mestrado). p.78. 367
O destaque econômico presente em São João Del Rei como importante centro comercial da Comarca
do Rio das Mortes foi demonstrado por Afonso de Alencastro Graça Filho. Segundo o pesquisador, o
caráter diminuto dos pequenos plantéis de escravos ou assentados no trabalho familiar, diz respeito não à
existência disseminada dessas formas produtivas em toda Minas Gerais, mas à participação predominante
das grandes unidades escravistas de alimentos no produto total mercantilizado pelo município de São
João Del Rei. In: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da decadência de
Minas Gerais: São João del Rei, 1831-1888. São Paulo: Annablume, 2002. p.24. 368
Nossas análise acerca do Registro de Batismo de Escravos basearão no banco de dados elaborado pelo
pesquisador Douglas Cole Libby, juntamente com o grupo de pesquisa CEDEPLAR/UFMG. Este
153
social nestas regiões. A opção por utilizarmos esta fonte documental, refere-se "as
características únicas que transformaram os registros paroquiais em fontes de primeira
linha para se chegar às populações e às sociedades do passado, passando por seus traços
culturais particulares"369
.
É oportuno destacarmos que neste momento em especial do capítulo, torna-se
válida e necessária a realização do cruzamento de fontes primárias. Isso se deve pois, as
cartas de sesmarias largamente utilizadas em nossa pesquisa, tem como principais
finalidades o estudo dos ritmos de ocupação e a identificação da estrutura fundiária370
,
elementos estes, trabalhados ao longo do capítulo I e II desta pesquisa. Todavia, esta
documentação torna-se deficitária quando utilizadas por si só para avançar na
compreensão dos aspectos sociais. Nesta questão, Maria Yedda Linhares salientou que
somente o estudo quantitativo, demonstrando o número de sesmeiros, arrendatários e
escravos, pouco auxilia para o entendimento da estrutura social presente em uma
determinada sociedade371
, tornando-se necessário, portanto, a realização do cruzamento
das fontes primárias, a fim de identificar uma melhor compreensão da sociedade
estudada.
Consideramos para a realização das nossas análises o total de 287 sesmeiros,
objetivando buscar através dos registros de batismo dos negros melhores informações
sobre estes indivíduos. Assim, deparamos ao realizar este cruzamento com 48 registros
acerca destes sesmeiros, correspondendo, portanto, a 16.7% da nossa amostragem total.
As informações que conseguimos extrair por meio destas fontes possibilitam
visualizarmos alguns aspectos presentes nesta sociedade.
Iniciamos nossas análises focando nos indivíduos possuidores de patente. Neste
quesito, conseguimos localizar por meio dos nossos bancos de dados um total de 12
sesmeiros que apresentaram a titulação de Sargento Mor, Alferes, Capitão e Guarda-
Mor, o que corresponde a um total de 25% da nossa amostragem de 48 sesmeiros
encontrados nos registro de batismo. Por meio destes indivíduos conseguimos perceber
importante banco de dados foi cedido gentilmente para a realização das nossas análises pelo pesquisador
Afonso de Alencastro Graça Filho. 369
MARCILIO, Maria Luiza. Os Registros Paroquiais e a História do Brasil. In: Revista Varia (UFMG),
vol. 31, jan. 2004. p.18. 370
CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Rio de
Janeiro, 1997. Tese de Doutorado. Departamento de História da UFRJ, p.33. 371
LINHARES, Maria Yedda. A pesquisa histórica no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História. São
Paulo, vol.15, nº30, 1995. p.87.
154
que estes foram o que apresentaram o maior número de escravos, aparecendo como
possuidores de um total de 61 cativos. Estes dados permitem inferir a distinção existente
entre os sesmeiros possuidores de patente e os que não possuíam, servindo portanto,
como elemento de distinção social e poderio nas relações sociais existentes em nossa
região. Para ilustrar este quadro, apresentamos por exemplo o Alferes Domingos
Fernandes Barandas, possuidor de uma sesmaria em Santo Antônio no ano de 1754372
,
aparecendo no Registro de Batismo de Escravos como possuidor de 9 escravos. O caso
apresentado a seguir, expõe de maneira mais nítida o poderia destes indivíduos, como é
o caso do Capitão Antonio José de Almeida que obteve uma carta de sesmaria em 1773
na freguesia de São João Batista373
, aparecendo como possuidor de 24 escravos de
acordo com o Registro de Batismo.
Um outro aspecto também relevante para o nosso estudo trata-se da relação de
compadrio identificada por meio dos registros de batismo. É importante analisarmos
estes elementos, uma vez que a identificação dos padrinhos demonstra a presença de
uma determinada hierarquia na sociedade, onde os indivíduos mais poderosos
estabeleciam relações de superioridade perante os menos poderosos. Assim, como bem
ressalta Furtado, "os laços de compadrio - um dos mecanismos de sociabilidade da
época - criavam redes de clientelismo e dependência entre os diferentes segmentos
sociais"374
. Neste contexto em questão, por meio do cruzamento dos nossos dados
deparamos com o seguinte quadro: 19 sesmeiros que apareceram como possuidor de
escravos no Registro de Batismo e também na relação de padrinhos; 09 sesmeiros que
não apareciam como proprietários de escravos, todavia constavam como sendo
padrinhos de alguns cativos e por fim, encontramos 06 sesmeiros possuidores de patente
que apresentaram sendo tanto possuidor de escravos como também padrinhos.
Desta relação encontrada, deparamos com um quadro interessante que expõe
aspectos pertinentes a hierarquização. Assim, temos o caso do sesmeiro João Francisco
Afonso, que aparece nos registros de batismo de escravos como sendo possuidor de 2
cativos e também, como sendo padrinho de um destes. Este também é o caso de Manoel
Gonçalves Chaves que aparece possuindo somente 1 escravo e ao mesmo tempo,
padrinho deste. O caso de José Ferreira da Costa se aproxima destes dois outros
372
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: BARANDAS, Domingos Fernandes. SM-05, 1754. 373
IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Antonio Jose de. SM-33, 1773. 374
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamanetes: o outro lado do mito. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.159
155
sesmeiros, pois aparece como sendo proprietário de 2 escravos, mas somente consta
como sendo padrinho de apenas 1. Estes três casos destacados por nós, expõe um
quadro interessante onde identificamos que os próprios senhores dos cativos eram ao
mesmo tempo padrinho deles, portanto, caracteriza a relação de proximidade e de
hierarquização entre estes indivíduos.
Em contrapartida, deparamos com uma situação diferenciada à medida em que
os sesmeiros apareceram como sendo detentores de um maior número de escravos.
Assim é o caso dos indivíduos possuidores de patente, como mencionados
anteriormente, que embora apresentassem o maior número de cativos, totalizando 61
escravos, apenas 6 dos 12 sesmeiros com parente aparecem na relação de padrinhos.
Destes que apareceram, o caso do Guardo-Mor Gervasio Pereira de Alvim elucida bem
o contexto destacado por nós, uma vez que aparece possuindo 8 escravos, todavia
quanto a relação de padrinho aparece uma única vez. Este aspecto também aparece
como no caso do Alferes João Machado Rodrigues e também do Alferes Bento José
Peixoto, possuidores respectivamente de 7 e 5 cativos de acordo com o registro de
batismo, entretanto, não aparecem nenhuma vez como padrinho de escravos.
Destes dados apresentados acerca da relação entre possuidores de escravos e de
padrinhos, percebemos através dos casos estudados uma relação inversamente
proporcional entre possuir mais escravos e a constatação como padrinho de cativos.
Assim, deste quadro apresentado por nós, o batismo de escravos era, para os mais
humildes, a possibilidade de criar vínculos sociais com outros indivíduos subalternos,
mesmo sendo estes cativos pertencentes a outros senhores. Em contrapartida, já para os
indivíduos que apareceram com um maior número de escravos e possuidores de parente
tais vínculos mostravam-se menos importantes e bem possivelmente eles preferiam
manter relações de aproximação com os indivíduos livres.
Por último, outro ponto que também nos despertou a atenção acerca do
cruzamento dos nossos bancos de dados, refere-se às repetições no nome das mães dos
escravos. Assim, como exemplo, podemos apontar os escravos do Alferes Domingos
Fernandes Barandas, que entre 9 dos escravos que constam como sendo de sua
propriedade, estes apresentam apenas 3 diferentes mães no registro de batismo.
Portanto, temos 3 batizados apresentando como a mesma mãe chamada Mariana; 2
cativos de mãe chamada Isabel e 4 escravos sendo filho de Esperança. Identificamos
156
também, nos batismo de escravos pertencentes ao Capitão Antonio Jose de Almeida,
possuidor da maior escravaria dentre os sesmeiros localizados neste banco de dados,
uma maior variação de mães para os escravos batizados, embora ainda existam
repetições. Do registro dos seus 24 escravos, encontramos 13 mães diferentes. No caso
dos escravos do sesmeiro Francisco Fernandes Gandra, os 5 escravos de sua
propriedade apresentou apenas 2 mães diferentes, sendo estas de nome Juliana, mãe de
4 e Joana, sendo mãe de 1. O caso do Alferes João Machado Rodrigues que dos seus 7
escravos apenas tinha 2 mães diferentes. Este aspecto foi encontrado em grande parte
dos sesmeiros analisados, apenas como exceção os registros de batismo onde havia a
presença de apenas 1 ou 2 escravos. Destes dados apresentados a partir do nosso
cruzamento de dados, cabe destacarmos o papel da reprodução endógena no contexto
local, uma vez que, por meio da constatação da repetição por parte do nome das mães
dos cativos.
Por fim, neste último capítulo da pesquisa tentamos trazer questões pertinentes
as estruturas socioeconômicas em nossas regiões pesquisadas. Portanto, buscamos
correlacionar as nossas análises com os aspectos sociais que interferiam diretamente no
processo das expansões nas fronteiras. Dessa maneira, ao identificarmos a presença de
sítios e fazendas nas regiões dos sertões, percebemos um número significativo de
unidades produtoras encontrada nestas áreas outrora distantes, que passaram a
desempenhar um papel significativo na economia do Termo. Apresentamos também o
crescimento tanto da população livre quanto no número de escravos nas freguesias
rurais, aspecto este que ressalta a importância das atividades agropastoris para os
sesmeiros que ocuparam e margearam estas regiões interioranas.
Neste cenário em transformação o estudo das fronteiras mostrou-se necessário e
de grande importância, sendo que por meio da nossa documentação primária
conseguimos identificar novos elementos que auxiliam na compreensão da sociedade
saojoseense, bem como dos sertões da Picada de Goiás.
157
Considerações Finais:
Certamente, as palavras estão ali, e também os detalhes. Sabemos o que acontece, e tudo o que não se diz é dito e visto de maneira mais clara. (BLANCHOT, Maurice. In: A parte do fogo p.181.).
Ao tentarmos entender o processo dinâmico das fronteiras a oeste da Comarca
do Rio das Mortes, nos deparamos com uma série de fatores correlacionais: a ocupação,
os agentes sociais e a sua economia. Dentre as atividades desenvolvidas, se destacam a
mineração e as atividades agropastoris, cada qual desempenhando suas especificidades
ou de modo interdependente. O conjunto destes elementos, por sua vez, viria a provocar
transformações constantes ao longo de toda a segunda metade do século XVIII e início
do século seguinte, período que ocorreu um crescimento significativo tanto nas
produções agrárias, como também do comércio com as praças mais distantes375
a
exemplo do mercado carioca 376
.
Nesta conjuntura, a expansão das atividades agrárias em consequência do
esgotamento dos veios auríferos e o elevado número de indivíduos que haviam se
deslocado para as Minas Gerais, acarretou na necessidade de ocupação de novas áreas,
criando-se, assim, um cenário que apresentou suas próprias especificidades e constantes
transformações. As interações entre os espaços urbanos, aqui compreendidos como os
centros mineradores, estabeleciam relações comerciais com as regiões circunvizinhas
produtoras de gêneros agrícolas, constituindo um contexto interacionista e
economicamente complexo. Como ressalta Cunha, estas relações comerciais viriam a
caracterizar e demarcar o processo ocupacional na Capitania de Minas Gerais, em que,
segundo o pesquisador,
375
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no
século XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1988. p. 14. 376
A passagem do século XVIII e início do XIX seria caracterizado por um período que "fazia mais
explícita uma ordem econômica em que cada vez mais pesaria, no arranjo da economia mineira, o
mercado interno e o comércio de gêneros de subsistência com a praça do Rio de Janeiro, residindo aí o
espaço ampliado de um processo de expansão das areas de produção agropecuária nas Minas". In:
CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmicas espaciais e movimentos da
população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. Revista Brasileira de
História. São Paulo, v. 27, nº 52, 2007. p.124. Ver também: BERGARD, Laird W. Escravidão e história
econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004. p.68. Segundo
Bergard, no século XVIII a Comarca do Rio das Mortes já apresentava relações comerciais com o
mercado carioca, fornecendo especialmente, gêneros agrícolas e pastoris.
158
no intervalo de um século, o espaço da capitania se transformaria com grande
velocidade, produzindo não só redesenhos internos de sua economia e
estrutura demográfica, como mais contundentemente, promovendo, a partir
do impulso do ouro, a primeira articulação macro-regional do território
brasileiro. 377
A ocorrência do processo de ocupação de novas áreas deu-se de maneira
conflitante com os variados agentes sociais que se encontravam na região, como os
índios e os quilombos, que foram combatidos pelas expedições e entradas nestas áreas
dos sertões. Após a conquista territorial, iniciou-se a construção dos aparatos produtivos
e foram estabelecidas as unidades de gêneros agropastoris que desempenharam um
papel tão expressivo na Comarca do Rio das Mortes.
Quando aprofundamos nestas questões agrárias a partir da utilização da
documentação das cartas de sesmarias, tentamos trazer à tona uma série de fatores
decorrentes do processo ocupacional destas regiões, para melhor compreendermos
algumas das especificidades do vasto sertão a oeste da Comarca do Rio das Mortes.
Segundo Carrara, "o principal mérito da sistematização das sesmarias (distribuição por
tamanho e por localização) é o da demonstração dos movimentos de ocupação",
elementos nos quais concentramos nossos esforços para elaborarmos nosso estudo.
Dessa forma, partindo da utilização em série desta fonte documental, fomos capazes,
por meio da nossa pesquisa, de avançar na compreensão do processo ocupacional e da
dinâmica das fronteiras nestas regiões dos sertões, que, por sua vez, são regiões que
desempenharam para a Comarca do Rio das Mortes um papel economicamente
importante.
Dessa maneira, o antigo caminho da Picada de Goiás, uma das principais vias de
acesso para estas regiões interioranas, torna-se um elemento chave para compreender e
ilustrar as correntes migratórias internas que adentraram nestes confins, trazendo
consigo o avanço do processo ocupacional. Os indivíduos que margearam este antigo
caminho constituíram novas áreas produtoras, permitindo portanto, a ampliação
populacional das freguesias e dos arraiais locais.
377
CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o
território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na
virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.
Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.
p. 01-02.
159
Embora tenhamos adotado como principal escopo de análise o processo
ocupacional, devemos ressaltar que o autor de toda esta dinâmica de ocupação foi o
próprio indivíduo como ser social. Foram estes sujeitos, principalmente os pequenos
sesmeiros, os agentes que provocaram e desencadearam a conquista espacial nestas
áreas longínquas, constituindo este cenário que compunha os sertões da Comarca do Rio
das Mortes. Tratando-se de indivíduos, estes, por sua vez, podem ser analisados a partir
de dimensões ou manifestações diversas e, consequentemente, demonstrando a nós, uma
representação do contexto socioeconômico oriundos desta dinâmica das fronteiras.
Portanto, ao adentrarmos em suas unidades produtoras a partir das dimensões de
suas faixas de terras ou mapeando as áreas ocupadas ao longo da segunda metade do
XVIII, pudemos identificar que estas eram compostas em sua grande maioria por
pequenas faixas de terras, em vista da predominância de meia légua em quadra, voltadas
principalmente para a produção de gêneros agrícolas. Em contrapartida, nas regiões
mais adentradas dos sertões, foi possível nos depararmos com faixas de terras de maior
extensão, a exemplo de unidades com três léguas em quadra.
Outro fator importante a destacar, refere-se ao ponto de partida da ocupação das
áreas dos sertões, sendo estas ocupadas inicialmente nas regiões circunvizinhas à vila de
São José e São João Del Rei, que eram, por sua vez, os principais centros urbanos /
comerciais da Comarca. Certamente as melhores unidades de terras que permitiam um
contato mais próximo entre estas duas vilas, em decorrência de serem estas, vilas
importantes, eram as faixas de terras mais almejadas pelos indivíduos que estabeleciam
suas unidades produtoras. Prova disto decorre de serem as áreas circunvizinhas a estas
vilas o ponto de partida para a ocupação das regiões mais interioranas, como expusemos
ao longo do nosso trabalho. A partir do fenômeno de fechamento das fronteiras e a
constante necessidade de se ocupar novas terras, fizeram com que os indivíduos
adentrassem cada vez mais nos limites dos sertões, provocando, assim, o seu processo
de ocupação e intensificando as áreas economicamente produtoras.
Com isso, fomos capazes de perceber também que a lógica ocupacional parte de
um fenômeno intimamente dependente da conjuntura da Comarca do Rio das Mortes no
período em questão, já que havia um aumento significativo da população nas freguesias
rurais em detrimento do número de indivíduos nos centros mineradores à medida que
vamos avançando nas décadas finais do século XVIII. Este processo ocorre, como
160
mencionado anteriormente, em consequência do esgotamento do metal precioso e o
dinamismo crescente das atividades agrárias nas áreas curraleiras.
Neste momento, cabe considerarmos também que, mesmo o metal precioso
sendo o grande atrativo que causou as ondas migratórias para as regiões das Minas
Gerais nos anos iniciais da descoberta, nunca foi este o único sustentáculo econômico
da Capitania. Assim, como menciona Arruda, "insistir no fato de que a noção de ciclo
aplicada à economia brasileira é inadequada, tanto no sentido físico quanto
econômico"378
. Dessa forma, cabe destacarmos novamente o papel dos sesmeiros e suas
atividades nas pequenas unidades de terras, pois
foram as pequenas lavouras de mantimentos e a pequena criação que
garantiram, com uma base técnica restrita, níveis de rendimentos agrícola e
pastoril tais, que permitiram não só o crescimento ininterrupto da população,
como o avanço consequente da fronteira agrícola. 379
Seguindo os sesmeiros a partir das fontes documentais, expusemos um processo
complexo que está muito além da simples ocupação natural do território, tendo em vista
que este fenômeno foi provocado concomitantemente aos interesses destes indivíduos e
a demanda constante de se conseguir ocupar novas áreas. Novamente, estes elementos
ocorrem em consequência da conjuntura da Comarca neste período em questão. Assim,
podemos mencionar que "a complexidade das relações entre os homens é essencial para
compreender quais são as principais dificuldades da construção explicativa que o
historiador pretende apresentar como história". 380
A partir dos nossos referenciais,
pudemos perceber que as áreas nas proximidades da vila de São José Del Rei e São João
del Rei foram as primeiras a serem ocupadas em decorrência da sua proximidade com
estes importantes centros comerciais, demonstrando o desejo destes indivíduos em obter
estas melhores faixas de terras. Portanto, o processo de fechamento das fronteiras nas
freguesias e a constante necessidade de se ocupar novas áreas ocasionou a efetiva
ocupação das áreas compreendidas como sertões.
Nesta série de transformações que ocorria ao longo do século XVIII, destacamos
a importância de percebê-los como um processo dinâmico. As análises a partir dos
378
ARRUDA, José. O Brasil no comércio colonial. SP:Ática, 1980. p. 608. 379
CARRARA, Ângelo. A Capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma
sociedade agrária. In: História Econômica & História de Empresas. Ano III, nº2, 2002. p. 54. 380
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc, 2006. p. 307.
161
agentes socais destas regiões foram capazes de demonstrar um sistema complexo e
heterogêneo que desencadeou o processo ocupacional nestes sertões. Assim, ao
estudarmos estes indivíduos, através da formação de espaços econômicos e o
avançamento das fronteiras nos sertões, fomos capazes de identificar elementos que
"compunham as experiências e as estratégias de pessoas e grupos sociais. Por meio
destes fenômenos, podia-se perceber a lógica da sociedade estudada, não mais
petrificada, porém em movimento". 381
Por fim, após a apresentação da nossa pesquisa, não seria possível chamar esta
última unidade do trabalho de "conclusão", mas sim, somos capazes apenas de chama-la
de "considerações finais". Nossos esforços permitiram apenas avançarmos um pouco no
estudo desta sociedade constituída nas áreas interioranas, trazendo, portanto, uma
melhor identificação e compreensão da dinâmica existente nas fronteiras deste vasto
território compreendido como sertões.
381
FRAGOSO, João. Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica. In: Topoi. Rio de
Janeiro, Dezembro 2002. p. 62.
162
Anexo: Mapa da Comarca do Rio das Mortes.
Fonte: ROCHA, J. J. da. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1995
163
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