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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO SERTÃO MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800. Identificação: Discente: Marcelo do Nascimento Gambi. Orientador: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio. Curso: Mestrado. Ano de Ingresso: 2011 RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO

SERTÃO MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.

Identificação:

Discente: Marcelo do Nascimento Gambi.

Orientador: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.

Curso: Mestrado.

Ano de Ingresso: 2011

RIO DE JANEIRO

2013

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MARCELO DO NASCIMENTO GAMBI.

FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO

SERTÃO MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Social do Instituto de

História da Universidade Federal do Rio de Janeiro

– RJ., na linha de pesquisa: sociedade e economia

como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de mestre em História Social.

Orientador: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.

RIO DE JANEIRO

2013

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Marcelo do Nascimento Gambi

FRONTEIRAS EM EXPANSÃO: A CONQUISTA ESPACIAL NO SERTÃO

MINEIRO DA PICADA DE GOIÁS, c. 1740 - c. 1800.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós

Graduação em História Social, Instituto de História,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito à

obtenção do título de Mestre em História Social.

Orientado: Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio.

Aprovada em: 13/09/2013.

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio

(Universidade Federal do Rio de Janeiro)

______________________________________________________________________

Prof. Dra Márcia Maria Menendes Motta

(Universidade Federal Fluminense)

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Leonardo Kelmer Mathias

(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

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G191f Gambi, Marcelo do Nascimento

Fronteiras em Expansão: a conquista espacial no sertão mineiro da Picada de

Goiás, c. 1740 – c. 1800 / Marcelo do Nascimento Gambi – 2013.

172f. ; il.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Instituto de História, PPGHIS. Rio de Janeiro, 2013.

Orientador: Antônio Carlos Jucá de Sampaio

1. Brasil - História Sec. XVIII 2.Brasil – História - Minas Gerais I.

Sampaio, Antônio Carlos Jucá de (Orient.) II. Universidade Federal do Rio

de Janeiro. Instituto de História. III. Título

CDD: 981.51

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Resumo:

Esta pesquisa visa analisar as dinâmicas de expansões das fronteiras na Comarca do Rio

das Mortes localizada na Capitania de Minas Gerais. Dessa maneira, optamos como

recorte espacial de estudo o antigo caminho da Picada de Goiás, compreendendo este

uma extensa faixa de terra do sertão oeste desta Comarca em questão. Este caminho

desempenhou um importante papel econômico, tendo em vista que nele foram

instalados entrepostos comerciais, bem como o desenvolvimento de áreas produtoras de

gêneros agrícolas e a pecuária. Nosso recorte temporal de análise procedeu-se no

setecentos, mais especificamente entre os anos de 1740 à 1800. A opção por este recorte

deve-se ao fato de que, neste período, aconteceram os principais fluxos populacionais

para estas áreas, assim como o marco no desenvolvimento das atividades agropastoris.

Neste contexto, almejamos, como principais metas para esta pesquisa, o estudo do

processo de ocupação nestas áreas, bem como a análise das estruturas agrárias. Por fim,

ressaltamos que para a realização deste trabalho e a busca dos objetivos traçados,

baseamos nossas investigações nas cartas de sesmarias das vilas e freguesias que

compreendiam o antigo caminho da Picada de Goiás.

Palavras-chave: Picada de Goiás. Agricultura e Pecuária. Fronteiras.

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Abstract:

This study aims at analyzing the dynamics of the frontier expansion of Comarca do Rio

das Mortes in Minas Gerais. In this way, we chose the old road of Picada de Goiás as

our focus of study which is an extensive ribbon of land of the western wilderness of

this area. This trail had an important economic role, considering that many commercial

warehouses were established there to serve the developing areas of land that produced

agricultural products. Our analytical focus was on the seventeen hundreds, more

precisely between the years 1740 and 1800. The option for study is due to two facts.

The first one is that the major population growth in these areas took place during this

time. Second, it was the initial point in the development of agricultural activities. In this

context, our main aim is the study of the process of the occupation of these areas

besides the analysis of the agrarian structures. Finally, we point out that to accomplish

this study and to achieve our aims, we based our investigations on cartas de sesmarias

of these areas which made up the old trail of Picada de Goiás.

Key-words: Picada de Goiás. Agricultural activities. Frontiers.

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Aos meus avós, Leonidas e

Elza Gambi (In memoriam)

&

Antônio e Alayde

Nascimento.

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Agradecimentos:

Não sei ao certo como iniciar os agradecimentos, pois ao longo de dois anos de

pesquisa contraí várias dívidas de gratidão. O mais justo é iniciar agradecendo a minha

família. Aos meus pais, José e Henriqueta, devo todo meu amor e respeito, por nunca

terem medido esforços para me proporcionar felicidades. Aos meus irmãos, Henrique e

Lillian, devo a admiração por me ensinarem que com trabalho persistente e dedicação,

somos capazes de alcançar nossos objetivos. Sendo eu o mais novo da família, sem

dúvida alguma, não poderia desejar exemplos melhores a serem seguidos que meus

próprios irmãos.

Agradeço especialmente a orientação do professor Jucá, a quem certamente

posso chamar não apenas de orientador, mas também de amigo. Desde o momento

inicial, quando obtive a aprovação no processo seletivo da UFRJ., ele se prestou com

comprometimento e boa vontade para retirar as (infinitas) dúvidas que um recém

graduado poderia ter. Certamente, sua leitura atenta e sua dedicação em ensinar,

contribuíram especialmente para minha formação como historiador. Ao Jucá, devo

dizer, sem exagero algum, o meu muito obrigado!

A Márcia Motta e ao Carlos Mathias, professores por quem tenho muito respeito

e admiração, agradeço por terem aceitado participar da minha banca de qualificação e

de defesa. As críticas feitas por eles fizeram não só com que meu trabalho evoluísse,

mas também na minha formação como historiador. Agradeço também a estes

professores pelas indicações de pesquisas que foram fundamentais na elaboração deste

trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação, agradeço aos professores que tive a

oportunidade de conhecer e assistir as suas aulas. Em especial, aos professores João

Fragoso, Manolo Florentino, José Pádua e Manoela Pedrosa. A estes, também devo

minha gratidão por terem me ensinado a ser um melhor conhecedor das teorias e

metodologias da história. Também devo agradecimento ao pessoal da secretária da pós,

Beatriz e Sandra, por terem explicado sempre com muita paciência as minhas dúvidas.

Aos professores da UFSJ, onde cursei minha graduação. Assim, agradeço aos

professores Danilo Zanetti, Ivan Vellasco, João Paulo, Moisés, Leônia, Marcos

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Andrade, Wlamir Silva e Afonso Graça Filho. A este último, em especial, devo o

agradecimento pelos vários anos de convivência, ensinando-me a cada dia os passos

para ser um historiador melhor. Devo dizer também que agradeço ao Afonso e a sua

esposa Regina, por sempre terem me incentivado e acreditado em mim, resultando em

uma boa amizade que perdura desde os anos iniciais da minha graduação.

Agradeço à Capes pelo auxílio financeiro, sem o qual dificilmente poderíamos

avançar e desenvolver as pesquisas.

Devo destacar também os meus agradecimentos ao pessoal do IPHAN de São

João del Rei, onde realizei boa parte das minhas pesquisas. Assim, devo agradecer

principalmente a amizade e o apoio do Jairo e do Rafael, que foram fundamentais para

avançarmos com as pesquisas.

Por fim, devo agradecer aos amigos, sejam estes historiadores ou não. Ao longo

de dois anos tive a felicidade de conhecer pessoas formidáveis que me proporcionaram

momentos muito felizes. Em especial, aos recentes amigos do mestrado, Tarcisio,

Pedro, Angélica, Ana Paula, Thiago e Simone. A estes, agradeço pelas várias horas de

conversas e boas risadas. Aos amigos de residência, João Henrique e Alessandro,

agradeço pelo apoio e companheirismo. Agradeço também ao meu primo Thiago, pela

leitura atenta e pelos bons conselhos. Aos amigos de longa data, Lucas, Rodrigo,

Rafael, Paulo, Bernardo, Marcellone, Samuel e Atemir, que sempre me apoiaram!

Também merece um agradecimento especial os amigos Matheus e Igor, que ajudaram

na elaboração dos gráficos e tabelas presentes neste trabalho. E por fim, agradeço a

Úrsula pela grande amizade e o auxílio nos momentos difíceis. A ela também agradeço

por ensinar a este mineiro o sentido da expressão: "Rio cidade maravilhosa". Todos

vocês foram fundamentais para que este trabalho se realizasse!

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Sumário:

Introdução .................................................................................................................... 14

Fronteiras em Perspectivas: conceitos e abordagens ......................................... 22

Apresentação dos Capítulos ............................................................................... 29

Capítulo I: Fronteiras em expansão: o domínio do oeste mineiro...................... 30

1.1 – Em Busca das Expansões: analisando a Comarca do Rio das Mortes....... 31

1.2–Entre a vila de São José del Rei e suas freguesias ...................................... 41

1.3 – Fronteiras em expansão: sertões mineiros e a Picada de Goiás ................ 48

Capítulo II: Das fronteiras à ocupação: em busca dos sesmeiros ...................... 70

2.1 - O Instituto Sesmarial: origens, implicações e o domínio .......................... 78

2.2 - Da História Agrária aos Passos da Ocupação ........................................... 97

Capítulo III - Fronteiras e Interações Econômicas: entre o urbano e o rural .. 121

Considerações Finais ....................................................................................... 157

Anexos (mapa da Comarca do Rio das Mortes) ......................................................... 162

Bibliografia ................................................................................................................. 163

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Índice de Gráficos e Tabelas:

Tabela I: Crescimento da população total da capitania de Minas Gerais por

comarcas (1767 – 1776) .................................................................................... 33

Tabela II: Quadro dos habitantes de Minas Gerais representados por comarcas –

1776. .................................................................................................................. 33

Tabela III: Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por

comarcas – 1821. ............................................................................................... 34

Tabela IV: % de escravos no conjunto da população das quatro comarcas da

capitania de Minas Gerais (1767 – 1821). ......................................................... 35

Tabela V: Rendimento dos dízimos nas freguesias da comarca do Rio das

Mortes (1751 – 1807). ....................................................................................... 39

Tabela VI: Distribuição das povoações da Capitania de Minas Gerais, por

comarca, de acordo com a classificação político-administrativa presente no

Mappa Topográfico e Idrográfico da Capitania de Minas Gerais.

.......................................................................................................................... 119

Tabela VII: Estimativa para a População de São José Del Rei, 1722 ............. 143

Tabela VIII: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1795 .......144

Tabela IX: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1831 ......... 147

Tabela X: Posse de Escravos, São José Del Rei, 1722 ................................... 149

Tabela XI: Distribuição da população escrava paroquial por tamanho das posses

.......................................................................................................................... 150

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Gráfico I: % de roças, lavras e fazendas em Minas Gerais por comarcas – 1766

............................................................................................................................ 37

Gráfico II: Distribuição das cartas de sesmarias referente a Vila de São José del

Rei e suas freguesias na segunda metade do século XVIII.

............................................................................................................................ 53

Gráfico III: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1740. ................................................................... 57

Gráfico IV: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1750 .................................................................... 58

Gráfico V: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1760. ................................................................... 59

Gráfico VI: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1770. ................................................................... 60

Gráfico VII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1780. ................................................................... 61

Gráfico VIII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias na década de 1790. .................................................................. 62

Gráfico IX: % dos tipos de Ups. predominantes por termos 1750 - 1779 ....... 123

Gráfico X: % dos tipos de Ups predominantes por termos - 1780 - 1822 ....... 124

Gráfico XI: Composição das escravarias de S. José - por grupos etários e faixas

de posse ............................................................................................................ 151

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Índice de Mapas:

Figura I: Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no

século XVIII: ..................................................................................................... 31

Figura II: Mapa da Vila de São José del Rei e suas Freguesias: ....................... 45

Figura III: Mapa da região aproximada do sertão do oeste mineiro. ................ 48

Figura IV: Adaptação do Mapa da Comarca do Rio das Mortes e as rotas de

ocupação das fronteiras no sertão mineiro. ....................................................... 56

Figura V: Mapa da Comarca do Rio das Mortes. ............................................ 162

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Introdução:

Tenha paciência, o mundo é vasto e largo. (Edwin A. Abbott, In: Planolandia, p. 18)

O cerne deste trabalho consiste na análise do processo de ocupação dos sertões

mineiros, tendo em foco a expansão das fronteiras no oeste da Comarca do Rio das

Mortes. Esta região desempenhou um papel crucial para a viabilidade da extração do

metal precioso, além da formação de importantes centros comerciais destinados a

produção agropastoril. Para tanto, optamos, no que tange ao recorte espacial e temporal,

pelo estudo do Termo de São José D’El Rei e a sua expansão em direção ao oeste, mais

precisamente no antigo caminho da Picada de Goiás1 entre os anos de 1740 a 1800.

Nosso marco temporal decorre de duas condições essenciais para o

desenvolvimento da pesquisa. Primeiramente, refere-se a disponibilidade das fontes

primárias para o nosso recorte de estudo. Portanto, a partir da década de 40 é que

encontramos um volume significativo de documentos que permitem inferirmos uma

melhor compreensão do processo ocupacional, assim como, no movimento das

fronteiras internas. Em um segundo momento, é também neste mesmo período que

ocorrem importantes fluxos populacionais para o interior destas áreas, constituindo,

portanto, novas freguesias ou mesmo, a ampliação no número de indivíduos

encontrados nestas. Quanto a questão espacial, nosso recorte aborda uns dos períodos

mais marcados pelo avanço das fronteiras, provenientes do fluxo populacional

encontrado nesta Comarca. É também neste período que ocorre a ampliação das

atividades ligada aos gêneros alimentícios, desencadeando, portanto, o aumento pela

demanda de faixas de terras. A partir da adoção destes recortes, objetivamos identificar

e compreender como se deu o processo da ocupação territorial 2 nestas áreas e as suas

características socioeconômicas.

1 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:

Ed. Itatiaia, 1995, p. 227. Segundo Barbosa, o termo “Picada de Goiás” ou “Picada dos Goiazes” era a

referência para as sesmarias situadas nas vizinhanças do caminho que levava de São João del Rei a

Paracatu. Todavia, em nossa pesquisa optamos por concentrar nossos esforços na análise da vila de São

José Del Rei, pois foi este o principal termo que se expandiu ao oeste, constituindo freguesias que

margeavam este antigo caminho. 2 O termo “ocupação territorial” aqui mencionado baseia-se, assim como na obra “Minas e Currais” de

autoria de Ângelo Carrara, “como fase inicial de instalação dos modos de produção específicos, e na qual

já estavam presentes todos os caracteres que correspondiam a cada um deles”. CARRARA, Ângelo

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Nosso estudo esta atrelado às transformações nos espaços interioranos da

Comarca do Rio das Mortes. Dessa forma, visa identificar através da mobilidade das

fronteiras nos sertões, alguns dos aspectos presentes nestas áreas outrora distantes e que

passaram a desempenhar um papel crucial nas relações econômicas desta Comarca.

Estes aspectos aos quais referimos, tratam-se de elementos pertinentes ao deslocamento

das fronteiras, assim, cabe destacarmos os ritmos de ocupação nestas áreas dos sertões,

exposto através das concessões de sesmarias. Identificar também, como eram compostas

as unidades de terras concedidas através de suas extensões. Quanto ao aspecto social,

visaremos perceber os possíveis embates provenientes do confronto entre os sesmeiros e

outros agentes, como índios e quilombos, que se encontravam nestas regiões em

fronteira aberta. Ainda neste aspecto, cabe ressaltarmos a importância de tentarmos

compreender quem foram os indivíduos que ocuparam e se deslocaram para estas

regiões que compreendiam a Picada de Goiás. Estes são alguns dos elementos que

tentaremos tratar ao longo do desenvolvimento da nossa pesquisa.

É oportuno mencionar que a segunda metade do século XVIII, onde

concentramos nossas análises, é caracterizada por intensas transformações na Capitania

de Minas Gerais3. Dessa maneira, temos que nos ater ao conjunto destas mudanças para

compreendermos as dinâmicas espaciais ocorridas nestas regiões. Assim, cabe

expormos neste momento algumas destas características que influenciaram diretamente

a dinâmica ocupacional, atentando-se aos elementos do movimento/ deslocamento

populacional para a Capitania de Minas Gerais, a formação das primeiras vilas (1711-

1718) e as suas interações com os espaços circunvizinhos e, por fim, a abertura de

caminhos que permitiam o intercâmbio econômico e a ampliação do comércio.

A descoberta dos primeiros veios auríferos na passagem do século XVII para o

XVIII4 viria a provocar uma série de transformações na região de Minas Gerais,

Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora:

UFJF, 2007, p. 52. 3 IGLÉSIAS, Francisco. "Periodização da História de Minas". In: Revista Brasileira de Estudos Políticos,

Belo Horizonte. Vol. 29, Julho 1970. pp. 181-194. A periodização proposta por Iglésias engloba

importantes aspectos políticos e econômicos pertinentes as regiões de Minas Gerais. Sendo de valia ao

nosso trabalho, as importantes transformações ocorridas em 1693 provenientes das descobertas do metal

precioso e a formação da Capitania em 1720. Sendo também válido a redefinição do espaço com a

formação das primeiras vilas em 1711-1718. 4 Registros históricos indicam que a cronologia da descoberta do ouro remonta ao ano de 1693. (...). É

certo que outros pequenos achados foram se sucedendo, mas a revelação da descoberta do ouro em larga

escala situa-se entre 1697 e 1704. Nesse período são descobertas as minas do Sertão dos Cataguases, do

Caeté, do rio das Velhas – cuja principal mina é a do Sabarabuçu –, do Serro Frio e do rio das Mortes.

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desencadeando, portanto, a elaboração do aparato socioeconômico de uma das mais

importantes regiões do período colonial. A montagem desta estrutura deu-se de maneira

lenta e progressiva, estando correlacionada ao ritmo econômico encontrada nesta

Comarca. Dessa maneira, logo no início do seu processo de ocupação, estas áreas já

expunham suas próprias complexidades. Assim, como elemento norteador da economia

vemos inicialmente o metal precioso como desencadeador das correntes migratórias

para a Capitania, que atraiu vários indivíduos ávidos pela possibilidade de

enriquecimento. Entretanto, o metal precioso e o fluxo populacional trouxeram consigo

a constituição de atividades que atuavam concomitantes à extração do ouro. Neste

cenário, o desenvolvimento das atividades voltadas ao abastecimento se destacam pelo

preenchimento da necessidade básica dessa população, ou seja, sua alimentação. 5

Para tanto, a região da Comarca do Rio das Mortes apresentava um dinamismo

em suas atividades produtivas e embora seu sustentáculo fosse inicialmente o metal

precioso, outras foram se desenvolvendo concomitantemente a esta, cabendo mencionar

em destaque o comércio, a agricultura e a pecuária. Segundo os relatos de Antonil em

sua obra de 1711, este dinamismo podia ser identificado em vários pontos da Capitania,

como menciona o autor:

os que assistiram nelas nesses últimos anos por largo tempo, e as correram

todas, dizem, que mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, outras

em mandar catar nos ribeiros do ouro; e outras em negociar, vendendo, e

comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o regalo, mais que

nos portos do mar. 6

Desta forma, ao avançarmos no século XVIII, período em que ocorreram

intensos fluxos migratórios e a abertura das principais rotas terrestres, somos capazes de

identificar as relações sociais que foram se estabelecendo. Assim, como também os

contornos geográficos desta extensa área que ainda caracterizavam-se como uma região

em processo de ocupação.

São essas minas os núcleos primários de irradiação do processo de territorialização de Minas Gerais. Ver:

RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Itinerários e interditos na territorialização das Geraes. In:

RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as

Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007. pp. 28-29. 5 MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 23. 6 ANTONIL, André João apud MORAES, Fernanda Borges. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana

das Minas coloniais. In: Op. cit p.64.

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Considerando ainda os efeitos provocados pelo grande fluxo populacional que

havia se deslocado para as regiões das Minas Gerais, cabe lembrarmos que a Coroa fora

obrigada a preocupar-se com o abastecimento dos centros mineradores, para que, com

isto, evitasse as crises de fome como havia ocorrido nos momentos iniciais da ocupação

desta capitania7. A fim de evitar tais problemas, coube à Coroa incentivar a distribuição

de cartas de sesmarias aos ocupantes destas regiões, desejando, com isto, aumentar a

produção agrícola e o fornecimento de alimentos aos principais centros povoados, que,

neste caso em questão, referiam-se aos núcleos urbanos mineradores. Desta forma,

ocorreu uma intensificação na ocupação das áreas próximas aos centros de extração

mineral, constituindo variados povoados e arraiais, que absorveram parte significativa

dos indivíduos que haviam se deslocado para estas áreas.

Cabe destacarmos também, neste contexto, o papel das concessões de sesmarias

como instrumento de mercê real por parte dos desbravadores dos sertões. "As mercês

eram concedidas de acordo com dois critérios: a posição social do postulante ao

benefício e a importância dos serviços prestados"8. Dessa forma, o mecanismo de

concessão de cartas de sesmarias tratava-se também de um importante instrumento para

incentivar a ocupação dos sertões, pouco conhecidos ou desbravados neste período

colonial.

Outra questão decorrente da intensificação do povoamento destas áreas se

expressou na abertura de caminhos e picadas. Em destaque, havia três principais

caminhos que se conectavam ao interior das Minas Gerais, a saber: o antigo “Currais do

Sertão” que adentrava em território mineiro pela Bahia, o “Caminho Velho” ou

“Caminho Paulista” e por fim, o “Caminho Novo” que ligava as Minas com a região do

7As principais crises de fome ocorreram entre os anos de 1697 / 98 e 1700/ 01. Ver: GUIMARÃES,

Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria

Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas.

Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007. p.323. 8 FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade

agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.49. Ver também: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da

honra: a remuneração dos serviços de guerra holandesa e os hábitos das Ordens Militares. Universidade

Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e filosofia, Departamento de História, 2010.

Dissertação de Mestrado. Especialmente os capítulos I e II. & ANDRADE, Francisco Eduardo de. A

invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e entradas nos sertões do ouro da América

portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008. Segundo Andrade, "a estratégia do

governo da Coroa baseava-se na economia do favor e dos prêmios aos súditos que, com gratidão,

retribuíam com mais amor, fidelidade e serviços" p.85.

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Rio de Janeiro9. Estes caminhos serviam como vias de contato entre a região mineira e

outros importantes centros da colônia. Estabelecia-se assim o comércio de variados

gêneros secos e molhados, além de servir como meio de escoamento do metal precioso.

Dessa maneira, o comércio desempenhava um papel crucial nas regiões mineiras, uma

vez que, permitia a conexão entre as minas e seus currais e as áreas mais distantes.

Ainda neste contexto, como bem ressalta a historiadora Júnia Furtado,

era o comércio que promovia a integração dos mercados internos e externos

da conquista portuguesa na América, e não só era peça fundamental no

abastecimento dos núcleos urbanos, como também forma de promover a

interiorização dos interesses metropolitanos no Brasil 10

.

Deve-se também, pensar no aspecto social dos indivíduos que margeavam tais

rotas,

portanto, os caminhos nas Minas setecentistas devem ser analisados num

contexto mais amplo, destacando-se a sua importância tanto para aqueles que

deles se utilizavam para deslocamento quanto para os sesmeiros que

exploravam as terras contíguas. 11

Posteriormente em nossos estudos, iremos demonstrar a importância que este elemento

desempenhou no processo de ocupação dos sertões mineiros e sua relação direta

estabelecida com os transeuntes destas regiões.

Ainda neste contexto de intenso deslocamento populacional para estas áreas,

iniciava-se também o processo de formação das primeiras vilas e arraiais. Dentre estas,

nas primeiras décadas do século XVIII12

, o território mineiro tinha como principais

núcleos populacionais as vilas de Nossa Senhora do Carmo, Vila Rica e Nossa Senhora

da Conceição de Sabará, São João del Rei, Caeté, Vila do Príncipe, Nossa Senhora da

Piedade de Pitangui e São José del Rei13

. Estes principais centros estavam localizados

9 As principais crises de fome ocorreram entre os anos de 1697 / 98 e 1700/ 01. Ver: GUIMARÃES,

Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria

Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas.

Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007.p.323. 10

FURTADO, Júnia Ferreira.Comentários: as elites no Império Português. In: ALMEIDA, Carla Maria

Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro(Orgs.). Nomes e números: alternativas metodológicas para a

história econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de Fora. 2006. p.121 11

GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In:

RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as

Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007. p.327. 12

Compreendendo os anos de 1711 a 1718 como referencia temporal. 13

MORAES, Fernanda Borges. De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais. In: Op.

citp.80.

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19

em quatro Comarcas que compunham a Capitania de Minas Gerais neste período, a

saber: as Comarcas de Ouro Preto, do Rio das Velhas, do Serro Frio e por fim, a do Rio

das Mortes.

O processo de interiorização das regiões distantes do litoral, ou seja, dos

principais centros povoados neste período14

e a dinâmica nas etapas de ocupação dos

sertões mineiros é que se constitui nosso objeto de análise. Destacamos também, de

início, a importância da expansão de fronteiras juntamente com a ocupação do território

mineiro, pois “a constituição de um território é, assim, um processo cumulativo, a cada

momento um resultado e uma possibilidade – um contínuo em movimento” 15

. Desta

forma, a conquista espacial nesta região emerge em decorrência da descoberta mineral,

sendo este o cerne da atração que ocasionou um intenso deslocamento populacional para

estas áreas. Todavia, não podemos desconsiderar de maneira alguma as demais

atividades que surgiram nestas regiões, em destaque as atividades agropastoris e seu

importante papel nesta capitania. Outro ponto fundamental é identificar a ocorrência do

fenômeno de ocupação ao longo do tempo, percebendo assim, a dinâmica deste

complexo processo.

Pelo fato desta pesquisa visar o estudo da ocupação e os processos decorrentes

da expansão das fronteiras no oeste mineiro, serão de grande auxílio os ensinamentos

oriundos da história agrária. Esta análise tem sua origem nas primeiras décadas do

século XX, a partir da junção interdisciplinar entre a história e a geografia. Como bem

ressalta a historiadora Maria Yedda Linhares, esta união enriqueceu as formas de

compreensão do passado, uma vez que, por parte da história,

cabe voltar-se sobre o passado em busca de informações e registros

preciosos, os mais abundantes possíveis, capazes de conduzir a uma

explicação das sociedades humanas nas suas múltiplas determinações e

complexidades. Já ao segundo (campo do geógrafo) cabe observar e

descrever o presente a fim de detectar a ação do homem na ordenação do

espaço que o envolve16

.

14

Todas as vilas quinhentistas, exceto São Paulo de Piratininga, e a maioria das 37 vilas erigidas no

seiscentos também se concentravam no litoral ou muito próximo dele. Idem. p.55. 15

MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005, p.45. 16

LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.

(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.165.

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20

No decorrer dos anos, vários autores demonstraram com suas pesquisas a

importância existente na aproximação dos estudos sociais e suas relações com o meio

físico que os circundavam. Neste aspecto, a historiografia francesa cabe de exemplo

para demonstrar os avanços na história agrária, a mencionar os trabalhos de Pierre

Goubert sobre a região de Beauvais, Pierre Vilar sobre a Catalunha e Le Roy Ladurie

sobre a região de Languedoc17

, dentre outros nomes.

Partindo deste princípio, nossa pesquisa visa buscar na dinâmica das fronteiras

nos sertões mineiros uma forma de melhor compreender os processos que influenciaram

a ocupação destas áreas e, também, como se procederam as relações sociais nestes

espaços em formação. Diante deste quadro, nossa região de análise que compreende o

oeste da Comarca do Rio das Mortes, refere-se a uma área de destacada produção

agrícola deste o início de sua formação. Relacionar esta característica com o intenso

fluxo migratório ocorrido nos anos iniciais do setecentos nos auxiliará na compreensão

das fronteiras, bem como na identificação do processo de ocupação nos sertões

mineiros.

Destacando alguns destes pontos, podemos mencionar o interesse na

compreensão do processo de ocupação dos sertões mineiros, centrando na abertura de

caminhos que serviam como áreas de contato entre espaços mais povoados, neste caso a

vila matriz de São José D’El Rei, com as áreas em processo inicial de ocupação, que

compreendem uma série de freguesias18

. Outra questão pertinente a este trabalho refere-

se ao tratamento do conceito de sertões, buscando em suas origens aproximações em

relação à área estudada e o processo de expansão das fronteiras em movimento19

. No

aspecto social, tentar compreender a dinâmica de produção dos gêneros agrícolas

também foi ponto fundamental para este estudo, tendo em vista que nestes espaços em

formação a produção agrícola desempenhou um papel crucial para o elevado

17

GOUBERT, Pierre. Beauvais et le Beauvaisis de 1600 à 1730. Paris, Ed. Flammarion, 1968.

LADURIE, Emmanuel Le Roy. The Peasants of languedoc. London. Ed. Urbana, 1974. 18

A vila de São José del Rei compreendia nas seguintes freguesias: Passatempo, Claudio, Lage, Japão,

Matriz, Desterro, Pe. Gaspar, S. João Baptista, Oliveira e Bichinho. 19

VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir

da fronteira em movimento. Rio de Janeiro: Edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009.

Segundo Otávio Velho, “fronteira em movimento (movingfrontier) é de uso comum para referir se ao

processo de ocupação do território dos Estados Unidos. Entre nós existem algumas expressões próximas,

embora menos disseminadas, tais como fronteira interna e fronteira econômica”. P. 07.

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21

contingente populacional que se deslocou para estas áreas, possibilitando uma

acumulação endógena20

.

20

FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça

mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. “movimento que

diz respeito à reiteração, no tempo das produções ligadas ao abastecimento interno. Esse movimento, por

ser realizado em todas as suas etapas no espaço colonial, implicaria a retenção de seu excedente no

interior da economia colonial” p.27.

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Fronteiras em Perspectivas: conceitos e abordagens.

A base deste trabalho compreende a análise da expansão de fronteiras para o

oeste mineiro e o processo de interiorização da região que constitui os sertões mineiros,

tendo como referencial a Picada de Goiás. Como iremos analisar aqui, o aspecto

espacial e as transformações ocorridas nestes espaços ao longo do século XVIII tiveram

vários fatores que influenciaram o seu povoamento. Destacando dois destes principais

elementos, podemos mencionar a descoberta do ouro na vila de São José del Rei e a

formação das zonas produtoras de gêneros agropastoril que se estabeleceram nas regiões

circunvizinhas a esta, acarretando na intensificação do povoamento desta região.

A partir destes eventos, baseamos nossas análises no estudo das transformações

ocorridas nestes espaços em decorrência do povoamento destas áreas. Dito isto,

tratando-se de uma análise regional, buscaremos identificar as transformações ocorridas

ao longo do nosso recorte temporal, pois, a partir disto, podemos “ultrapassar a ideia de

regiões como puras paisagens naturais dado que são, a um só tempo, espaços sociais,

econômicos, políticos, naturais e culturais”21

. Como mencionamos anteriormente, estas

regiões apresentavam duas atividades econômicas que interagiram ao longo do século

XVIII. Estas atividades em destaque eram a extração mineral e o aprimoramento das

áreas de agricultura e pecuária, gerando nestes espaços a formação de unidades

socioeconômicas distintas, todavia, interacionais. Saber isto é crucial na análise

regional, pois

o ponto de partida desse tipo de exercício, (...), deve ser sempre o estudo em

profundidade dos processos de formação e produção do espaço em cada

contexto específico, sendo isto que permite a passagem do dado da paisagem

natural para a socialmente construída, e do espaço indiferenciado para a

progressiva fragmentação de subespaços específicos, de acordo com o

critério de partição adotado22

.

21

CUNHA, Alexandre Mendes, SIMÕES, Rodrigo Ferreira, PAULA, João Antônio de. História

Econômica e Regionalização: contribuições a um desafio teórico-metodológico. Est. Econ., São Paulo,

V.38, N.3, 2008. p.494. 22

Idem. p.495.

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23

Cabe, por ora, relacionarmos a regionalização com a dinâmica das fronteiras.

Quando a proposta de pesquisa adota este viés, talvez um dos autores que mais tenham

influenciado nesta abordagem seja Frederick Turner, com suas já disseminadas teses

acerca da fronteira23

. Os estudos de Turner buscaram compreender os efeitos causados

pela conquista do oeste dos Estados Unidos na formação e constituição da identidade

estadunidense, possibilitando, com isto, uma série de pesquisas posteriores. Sua grande

contribuição e que adotaremos neste trabalho, refere-se à possibilidade de percebermos

e identificarmos as fronteiras como espaços de ações sociais. Estas ações/práticas

sociais refletem-se no conjunto de ocupação de uma determinada região, permitindo,

com isto, percebermos as relações sociais existentes nestes espaços em formação. Neste

ponto, Turner ultrapassa a noção unicamente geográfica aplicada para os estudos de

fronteira permitindo com isto, uma análise social dos seus agentes.

Neste trabalho utilizaremos dois elementos básicos das suas teses, que

compreendem a tentativa de analisar as fronteiras através da ideia de espaço e processo.

Primeiramente, quando analisamos a fronteira através da noção de espaço, abrimos a

possibilidade de percebermos as transformações ocorridas nestas áreas, ao invés de

apenas delimitar este conceito como sendo uma divisão ou um limite entre uma área e

outra, ou seja, de uma abordagem unicamente fisiogeográfica. Com isto, o espaço passa

a ser analisado a partir das ações e atuação dos ocupantes de uma determinada área, bem

como os fenômenos provenientes destas ocupações. Como complementação para a

noção de espaço, cabe o conceito de processo nas expansões de fronteiras. Através

desta ideia, a fronteira é analisada segundo as atividades e práticas dos indivíduos

presentes nestes espaços, o que possibilita buscar uma melhor compreensão desta

região.

Aplicando, portanto, estes dois conceitos nesta pesquisa temos por vez, o espaço

apresentado através da ocupação dos sertões mineiros, possibilitado pelo advento da

descoberta do metal precioso e o seu rápido povoamento consequente do acentuado

número de indivíduos que se deslocaram para estas regiões. Em relação ao processo,

podemos identificar através da prática econômico-social existente nestes espaços,

23

AVILA, Arthur Lima. O significado da História. In: História. São Paulo, v.24, N.1, p.191-223, 2005.

“A FrontierThesis postulava a centralidade do processo de expansão para o desenvolvimento da

democracia em terras americanas”. p. 191. & “Apresentava a fronteira como o grande motor do

desenvolvimento social. Os diversos pioneiros, homens e mulheres, eram os verdadeiros founding fathers

da nação”. p. 193.

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24

manifestada pela extração do metal precioso juntamente com as práticas agrícolas e a

criação pastoril. Por meio deste ambiente econômico, também ressaltamos a

possibilidade de identificarmos as interações entre os grupos sociais, já que, este

processo ocupacional está intimamente correlacionado com a ação dos agentes sociais

encontrados nestas regiões.

É oportuno destacarmos também, neste momento, a diferenciação entre os

conceitos de limite e fronteira, pois, embora utilizados erroneamente como sinônimos,

estes dois elementos se distinguem. Esta compreensão é de grande valia, já que, o

estudo da fronteira deve-se ao seu aspecto de mobilidade. Assim, o conceito de limite

são,

aquelas que marcam o início e o fim de um determinado terreno, jurisdição,

posse ou província. São lugares onde se podem perceber marcos divisórios.

(...). Ao falar em limite, parte-se hipoteticamente da noção de não existirem

trocas culturais, nem encontro de interesses, seria um conceito estático. Não

há perspectiva de um espaço de interações, mas tão somente marcos que

servem de balizas para jurisdições territoriais de diversas natureza24

.

Em oposição a este aspecto estático que compreende o conceito de limite, temos a

fronteira, que representa a mobilidade e as interações existentes entre determinadas

áreas. Nosso trabalho em questão adota este viés de percepção, uma vez que a fronteira

em movimento na qual iremos nos referir ao longo deste trabalho representa as

transformações decorrentes nestes espaços estudados por nós. Dessa maneira temos,

portanto, as fronteiras como sendo

as terras onde se dá o encontro, a começar pelo de dois diferentes grupos.

Com isso, são percebidas como espaço, não como uma linha divisória; e, por

ser espaço, propiciam uma gama de interpretações e acontecimentos próprios

para o estudo. (...). Fronteira conota movimento e intercâmbio, lugar de

encontro, não de divisão. 25

Continuando na abordagem sobre fronteiras, esta, por sua vez, possui variadas

definições, mas, como nossa pesquisa parte de um estudo com viés na análise social,

iremos assim, nos aproximar da ideia de fluidez constituída nestes espaços em

formação. Assim dizendo, podemos imaginar a fronteira como sendo muito mais que

24

MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: terras indígenas nos sertões fluminenses (1790-

1824). PPG História / UFF. Niterói, 2010. (Tese). p. 20. 25

Idem. p.21.

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25

um fenômeno simplesmente geográfico, constituindo-se de um espaço que “agrega

sujeitos, culturas, relações inter-étnicas e de poder, lugar que une e que cria a novidade,

lugar de mitos, beleza, vidas, tensões, tristezas e mortes” 26

. Desta forma as terras de

fronteira tornam-se um rico instrumento de análise para a compreensão de uma

determinada sociedade, já que, podemos analisar variados elementos apresentados em

seus aspectos políticos, econômicos e sociais. Neste momento, nossas considerações se

aproximam da análise do antropólogo José Martins, que percebe esta como sendo a

fronteira do humano. Este conceito identifica a fronteira em suas diversas formas, já

que podem apresentar-se a maneira de “fronteira da civilização (demarcada pela

barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo,

fronteira de etnias, fronteira da História e da historicidade do homem”27

. A fronteira

representa, dessa forma, um conjunto mais interacional e dinâmico do que apenas

aspectos geográficos de uma determinada área em questão. Cabe ressaltar que a ideia

primordial em nosso estudo em questão, compreende a fronteira

não a partir da sua delimitação territorial, mas sim partindo da análise das

relações sociais firmadas nesse espaço social. Nesse sentido, a região passa a

ser uma categoria flexível que pode fazer referência a múltiplas dimensões

espaciais. 28

Os sertões compreendiam uma área pouco povoada e desconhecida, carregada de

elementos culturais 29

. Portanto, esta deve ser pensada a partir do seu processo de

formação. Outra questão importante refere-se ao fato dos sertões compreenderem uma

região não delimitada, ou seja, sem limites precisos. Isto se deve ao fato dos sertões

serem as terras distantes, pouco conhecidas ou povoadas. Vale ressaltar que neste

trabalho estamos considerando como formação as novas áreas que foram se

constituindo a partir da intensificação do povoamento. A partir da consideração dos

elementos sociais desta região, tais como a práticas econômicas e sociais, seremos

26

MACHADO, Marina M. Terras Indígenas e o Avanço do café: abrindo fronteiras no Vale do Paraíba.

In: OLINTO, Beatriz Anselmo. MOTTA, Márcia Menendes. OLIVEIRA, Oséias de (Org.). História

Agrária: propriedade e conflito. Guarapuava, PR: UNICENTRO, 2009. p. 312. 27

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo,

HUCITEC, 1997. p.13. 28

VOLKMER, Márcia. Os Estrategistas da Fronteira: a produção de charque e derivados da carne no

oeste do Rio Grande do Sul (1887-1928). In: GUAZZELLI, Cesar Augusto B., FLORES, Mariana Flores

da Cunha & AVILA, Arthur Lima (org.). Fronteiras americanas: teoria e práticas de pesquisa. Porto

Alegre: Suliani Letra&Vida, 2009. p.131-132. 29

MADER, Maria Elisa. Civilização e barbárie: a representação da nação nos textos de Sarmiento e do

Visconde de Uruguai. Niterói: UFF, 2006 (Tese de Doutorado), pp. 120-125.

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26

capazes de perceber a dinâmica das relações destes ocupantes com estes espaços em

formação.

Correlacionando o estudo das fronteiras em seu aspecto regional, caberá por ora,

adentrarmos nos aspectos sociais seguindo as considerações de Frederick Barth. A partir

dos seus conceitos de ato e evento, somos capazes de elaborar uma melhor interpretação

destas regiões.

Segundo o autor, os atos

são ao mesmo tempo instrumentais, nesse sentido mais restrito, e

expressivos, ou seja, mostram a orientação a condição e a posição do ator.

Rastreando as ligações dos atos em direção as suas raízes, encontramos

planos e estratégias, afirmações identitárias, valores e conhecimentos.30

Nestes atos podemos compreender a realidade composta e vivida pelos indivíduos que

se deslocaram para estas áreas, a partir das suas práticas sociais e os motivos que

desencadearam, ou melhor, que levaram estes a se deslocarem para os sertões mineiros.

Neste momento, o segundo conceito aqui utilizado de Barth entra no contexto, pois o

evento

é percebido como algo que traz informações a respeito do outro e como uma

fonte e consequências. O precipitado da interpretação dos atos na pessoa é a

sua experiência e, sinteticamente, em um plano mais distanciado, seus

conhecimentos e valores, que por sua vez podem retroagir sobre planos e

objetivos futuros, bem como sobre futuras interpretações. 31

Estes dois conceitos auxiliarão para a identificação dos dois grandes aspectos

deste trabalho, sendo os atos auxiliadores na percepção das ações sociais, através da

compreensão dos núcleos populacionais que foram se constituindo ao longo do século

XVIII na Comarca do Rio das Mortes. E, por sua vez, o evento auxiliará na

identificação da expansão das fronteiras, manifestada através da percepção dos efeitos

causados pelo descobrimento do metal precioso e as consequências do rápido

povoamento destas regiões, que, em menos de um século já encontravam suas fronteiras

fechadas e ocupadas.

30

BARTH, Frederick. O Guru o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa,

2000. p. 173. 31

Ibidem.

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27

Portanto, estes dois conceitos abordados por Barth contribuem para a

identificação dos agentes sociais destas áreas, dentro de um processo de análise voltado

para as ações e práticas sociais destes indivíduos que se deslocaram para estas regiões.

Dessa forma, a influência de Barth neste trabalho nos permite ainda, analisarmos e

identificarmos

os agentes sociais como sujeitos posicionados para ação. (...). As interações

seriam, assim, jogos atravessados por conflitos e tensões, onde os agentes

procuram maximizar seus interesses. Por seu turno, isto implica em

considerar cada grupo ou pessoa como ponto de encontro de várias relações,

leia-se estrela de uma rede social32

.

Destacamos em nosso quadro de análise a importância de percebermos a

ocorrência destes processos ao longo do tempo. Tratando-se da ocupação de uma

determinada região, como em nosso objeto de estudo, é necessária, portanto, a análise

dos processos ocorridos a partir dos espaços ocupados. Dessa forma, iremos focar nossa

atenção nas etapas de transformações desta região. Como bem ressalta o historiador

João Fragoso,

o objeto primeiro do historiador é a mudança. Entendendo por estrutura,

grosso modo, um conjunto interligado de relações sociais reiterativas no

tempo, porém com liames sempre tensos. Daí que estrutura é sempre

movimento, possui certa elasticidade, que é capaz de absorver novos

fenômenos que mudam as suas "feições", sem alterar suas bases33

.

Outro importante conceito para compreensão da ocupação do oeste mineiro e o

processo de interiorização dos sertões refere-se à divisão das áreas compreendidas entre

as minas e os currais. 34

No caso de São José del Rei, a mineração concentrou-se

propriamente na vila matriz sendo que os esforços para encontrar o metal precioso nas

demais freguesias foram esparsos ou mesmo inexistentes. Assim, as demais freguesias

deste Termo especializaram-se na produção de gêneros alimentícios e pecuários, tendo

32

FRAGOSO, João. Alternativas metodológicas para a história econômica e social: micro-história

italiana, Fredrick Barth a história econômica colonial. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de;

OLIVEIRA, Mônica Ribeiro (Orgs.). Nomes e números: alternativas metodológicas para a história

econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de Fora. 2006 p.35. 33

FRAGOSO, João. Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica. In: Topoi, Rio de

Janeiro. Dezembro de 2002. p.63 34

Acerca das terminologias minas e currais ver: VASCONCELOS, Diogo. História antiga de Minas

Gerais. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948 & MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do

Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nacional, 1938.

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como principal finalidade o abastecimento desta área mineradora, criando, assim, um

cenário distinto entre as áreas das minas e dos currais. Estas terminologias serão

fundamentais para a compreensão do espaço estudado, pois ambas se complementam e

inter-relacionam. Por um lado, vemos os currais abastecendo o intenso povoamento das

minas e, por outro, as minas fornecendo o capital necessário para a manutenção e

existência dessas. A partir de relatos de viajantes35

na região sul das Minas Gerais,

pode-se perceber que a formação de sítios e fazendas para suprir as carências de gêneros

alimentícios das zonas mineradoras era uma característica comum, encontrada também

em vários outros pontos da Comarca do Rio das Mortes, caracterizada pela produção

destes gêneros.

Por fim, um último elemento no qual iremos também iremos nos basear, refere-

se ao uso de mapas para o nosso recorte espacial. Assim, buscaremos correlacionar as

expansões de fronteiras com elementos e as representações destas regiões. Esta

ferramenta de análise é muito importante, pois

os mapas produzidos eram, muitas vezes, atos de interpretação. De toda

forma, eles guardam informações geográficas que são fundamentais para a

reconstrução de lugares do passado. Por diversas vezes, detém informações

não contidas em qualquer outra fonte escrita, tais como nomes de locais,

fronteiras e aspectos físicos que podem ter sido modificados ou apagados

pelo homem e pelo tempo36

.

A partir deste referencial acreditamos conseguir guiar nossa pesquisa com o

intuito de alcançarmos nossos objetivos, buscando na identificação das fronteiras

algumas das respostas para os processos sociais ocorridos nesta região dos sertões

mineiros.

35

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. 36

BARBO, Lenora de Castro. SCHLEE, Andrey Rosenthal. As estradas coloniais na Cartografia

Setecentista da Capitania de Goiás. In: Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica: passado

presente nos velhos mapas: conhecimento e poder. Paraty, 2011. p. 01.

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Apresentação dos Capítulos:

Diante deste quadro, nossa dissertação será organizada em três capítulos, que,

por sua vez, poderão subdividir-se em unidades menores. Desta forma, visamos em um

primeiro momento, analisar o processo de ocupação dos sertões mineiros a partir da

expansão de suas fronteiras. Nesta unidade focaremos em demonstrar os elementos

socioeconômicos da região analisada, apresentando as características da Comarca do

Rio das Mortes, da vila de São José del Rei e suas respectivas freguesias. Assim,

centraremos nossos esforços para apresentar o mapeamento das principais regiões da

Picada de Goiás expondo o processo ocupacional nos sertões a oeste de Minas Gerais,

bem como a dinâmica das fronteiras nesta região.

No segundo capítulo iremos apresentar a composição das unidades de terras

concedidas nestas regiões dos sertões. Almejamos com isto, perceber e identificar quais

eram as extensões das faixas de terras pertencentes aos indivíduos que se deslocaram

para estas áreas, expondo, portanto, a dimensão produtiva e o perfil destas unidades de

terras concedidas ao longo da segunda metade do século XVIII. Também será relevante,

neste momento da pesquisa, tentarmos perceber os conflitos existentes na ocupação

desta região, uma vez que se tratando de um trabalho que prioriza o processo de

ocupação / interiorização, vários embates podem ser identificados neste campo de

estudo.

Posteriormente, no terceiro e último capítulo da pesquisa, iremos adentrar nos

aspectos sociais presentes em nossa região de estudo. Dessa maneira, iremos centrar

nossos esforços na compreensão da força produtiva encontrada no Termo de São José

Del Rei, por meio da análise do aumento populacional tanto de livres como de escravos,

como também na sua relação com as unidades produtoras.

Por fim, em nossas considerações finais, desejamos apresentar os resultados que

conseguimos alcançar ao longo desta pesquisa. Cabendo a exposição das nossas

principais contribuições no estudo das dinâmicas das fronteiras. Assim, portanto, no

entendimento da sociedade constituída a partir do processo de ocupação e

interiorizações nos sertões mineiros da Picada de Goiás.

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30

Capítulo I – Fronteiras em expansão: o domínio do oeste mineiro.

Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz. (São Lucas, 8: 17).

Neste capítulo desejamos demonstrar o processo de ocupação na região oeste de

Minas Gerais, centrando nossas análises na interiorização dos sertões mineiros ao longo

do século XVIII. Contudo, iremos dividir esta unidade em alguns subtítulos para

auxiliar na compreensão e a análise deste processo. Dito isto, partiremos de uma análise

“macro”, demonstrando as principais características do espaço estudado e por fim,

passando a um estudo em esfera menor, apresentando as características centrais do

nosso recorte de análise.

Em um primeiro momento iremos apresentar a Comarca do Rio das Mortes,

demonstrando algumas de suas características socioeconômicas e o processo de

formação e ocupação de suas áreas. Nosso objetivo com isto é demonstrar ao leitor

alguns dos pontos centrais que poderemos identificar também quando passarmos a

análise dos espaços menores, a saber, a vila de São José del Rei e o caminho da Picada

de Goiás.

No segundo momento desta unidade, iniciaremos a apresentação do nosso

recorte espacial. Iremos centrar nossas atenções na vila de São José del Rei e suas

freguesias que compunham o antigo caminho da Picada de Goiás, demonstrando seu

processo de ocupação e suas unidades econômicas. Também será importante

identificarmos as fronteiras e os limites deste Termo, pois, é base fundamental para

compreensão do processo de ocupação nos sertões mineiros.

Por fim, no terceiro subtítulo deste capítulo, iremos apresentar os resultados da

análise das fronteiras nesta região. Nosso principal ponto nesta unidade é demonstrar o

processo de ocupação dos sertões seguindo como recorte espacial a Picada de Goiás.

Desta forma, iniciaremos nossas considerações.

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31

1.1 – Em Busca das Expansões: analisando a Comarca do Rio das Mortes.

O antigo caminho da Picada de Goiás está localizado na Comarca do Rio das

Mortes, sendo esta, um dos três primeiros37

centros administrativos da Capitania de

Minas Gerais. Sua criação se deu pelo Alvará de 171438

e embora não fosse a maior em

extensão territorial, já apresentava nesta mesma data centros significativamente

povoados39

. Sendo a mais meridional dentre as Comarcas de Minas, tinha como limites

ao norte a Comarca de Vila Rica e do Rio das Velhas, a oeste a capitania de Goiás e ao

sul e sudeste limitava-se com as capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro.

Figura I: Mapa aproximado das Comarcas da Capitania de Minas Gerais no

século XVIII:

Fonte: CARRATO, José Ferreira apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do

sertão oeste de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. Pág. 36.

37

A Comarca do Rio das Mortes, juntamente com a Comarca da Vila Real do Sabará e Comarca de Vila

Rica, formavam as primeiras Comarcas de Minas Gerais no início do setecentos. Posteriormente, no ano

de 1720 se constituiu a quarta Comarca da Capitania, sendo esta a de Serro Frio. Ver: GRAÇA FILHO,

Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais: São João del Rei

(1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.31. 38

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas

Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.31. 39

A exemplo a vila de São José del Rei e São João del Rei.

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32

Sua localização privilegiada rendeu o contato com outros importantes centros da

colônia, permitindo com isto o desenvolvimento de suas áreas comerciais. Após esta

breve apresentação da formação e dos limites territoriais, cabe agora adentrarmos de

forma mais aprofundada nos aspectos socioeconômicos e também, no processo de

ocupação desta região, pois será de grande valia a compreensão destes pontos em nossa

pesquisa.

De povoamento antigo e desencadeado pelo descobrimento dos veios auríferos,

esta comarca atraiu um elevado contingente populacional para suas áreas. Assim como

em outras localidades mineiras, podemos analisar seu processo de ocupação em duas

etapas. Inicialmente em sentido centrípeto, oriundo do deslocamento de indivíduos de

outras partes da colônia ou mesmo da metrópole, para as áreas de extração mineral. Em

um segundo momento, no sentido centrífugo, ou seja, das minas para o interior da

capitania40

. Neste segundo sentido de ocupação iniciou-se a intensificação da abertura

de caminhos que serviam como áreas de escoamento do metal precioso e também para o

abastecimento dos principais centros povoados. A partir desta interiorização que

ocorreu ao longo de todo o século XVIII damos início às análises socioeconômicas.

Para esta região em questão, os dados demográficos demonstram um acréscimo

significativo no número de habitantes ao longo da segunda metade do século XVIII.

Tendo em vista esta consideração, houve um crescimento populacional de 67,3% entre

os anos de 1767 a 1776, passando em números absolutos de 49.485 para 82.781

habitantes41

, como podemos observar a partir das seguintes tabelas:

40

IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (org.). História Geral da

Civilização Brasileira, Tomo II, v.2. São Paulo. Ed:DIFEL, 1960. p.366. 41

ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial.

In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.139.

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33

Tabela I 42

: Crescimento da população total da capitania de Minas Gerais por

comarcas (1767 – 1776).

1767¹ 1776²

Comarcas N. absolutos % N. absoluto % Crescimento

CVR 60.249 28,9 78.618 24,8 30,5%

CRM 49.485 23,7 82.781 25,8 67,3%

CRV 69.328 33,2 99.576 31,1 43,6%

CSF 29.538 14,2 58.794 18,3 99,0%

TOTAL 208.600 100% 319.769 100% 53,3%

Fonte: 1) "Mapa geral de fogos, filhas, escravos e escravas, pardos forros e pretos forros, agregados,

clérigos, almas, freguesias, vigários, com declaração do que pertence a cada termo e total, e geral de toda

a Capitania de Minas Gerais, tirado no ano de 1767". - AHU/MG - cx.93, doc. 58. 2) RAPM, 2:511. Apud

CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Rio de

Janeiro, 1997. Tese de Doutorado. Departamento de História da UFRJ, p.65.

Tabela II 43

: Quadro dos habitantes de Minas Gerais representados por comarcas

– 1776.

Homens Mulheres

Comarca brancos pardos negros Total brancas pardas negras Total

Vila Rica 7.847 7.981 33.961 49.789 4.832 8.810 15.187 28.829

Rio das Mortes 16.277 7.615 26.199 50.091 13.649 8.179 10.862 32.690

Sabará 8.648 17.011 34.707 60.366 5.746 17.225 16.239 39.210

Serro do Frio 8.905 8.186 23.304 39.395 4.760 7.103 7.536 19.339

TOTAL 41.677 40.793 117.171 199.641 28.987 41.317 49.824 120.128

Total

Comarca (homens e mulheres) Nascimentos Mortes

Vila Rica 78.618 1.944 1.839

Rio das Mortes 82.781 2.795 1 .660

Sabará 99.576 2.501 2.270

Serro do Frio 58.794 1.734 1.075

TOTAL 319.769 8.974 6.844

42

ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial.

In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.139. 43

MAXWELL, Kenneth R.A Devassa da devassa. RJ.:Paz e Terra, 1977. p.300.

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Outro ponto importante que cabe ser ressaltado refere-se ao fato de ser esta

comarca dentre as demais de Minas a que apresenta o maior número de brancos44

,

totalizando em 29.926 indivíduos, enquanto a de segundo maior valor, a Comarca de

Sabará apresentando apenas 14.394 indivíduos brancos. Como iremos observar em

unidade posterior, boa parte dos indivíduos brancos desta região estava empregado na

produção agropastoril, desempenhando assim, um papel crucial na economia do termo

de São José del Rei.

Passando a analisar a população escrava, vemos que esta também se mostrou

crescente ao longo do século estudado, como observamos segundo a tabela a seguir:

Tabela III 45

: Distribuição da população da capitania de Minas Gerais por

comarcas – 1821.

População Total Livres Escravos

Comarcas

N. absolutos % N. absolutos % N. absolutos %

CVR 75.573 14,7% 48.637 14,6% 26.936 14,8%

CRM 213.617 41,5% 128.622 38,7% 84.995 46,7%

CRV 141.312 27,5% 96.015 28,9% 45.297 24,9%

CSF 83.592 16,3% 58.952 17,8% 24.640 13,6%

TOTAIS 514.094 100% 332.226 100% 181.868 100%

Referência: ESCHWEGE, Wilhem L. von. Notícias e reflexões estatísticas sobre a Província de Minas

Gerais. RAPM, v.4, n.4, pp.732-62, 1899.

Embora, Rio das Mortes não fosse a comarca que tivesse o maior número de

cativos nas primeiras décadas do setecentos, foi a que apresentou entre os anos de 1749

a 1767 o maior crescimento em vista das demais comarcas mineiras, tendo um aumento

44

Este elevado número de brancos presentes na Comarca do Rio das Mortes reforça a presença de

portugueses nestas regiões. Como apresenta Carla Almeida, ao longo do século XVIII, provavelmente

muitos migrantes portugueses vieram para as Minas em busca do enriquecimento fácil e rápido. Ver:

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Trajetórias imperiais: imigração e sistema de casamentos entre a

elite mineira setecentista. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro (Orgs.).

Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social. Ed. UFJF, Juiz de

Fora. 2006. pp.71-75. 45

ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.141.

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de 96% do número de escravos neste pequeno intervalo de tempo46

. Estes números

viriam a apresentar novos acréscimos na passagem do XVIII e início do XIX, o que

transformaria a Comarca do Rio das Mortes no centro de maior população e também a

de maior número de escravos dentre as comarcas de Minas, apresentando um total de

213.617 habitantes, dos quais 84.995 eram escravos47

. Para demonstrar nossas

considerações, expomos a seguinte tabela:

Tabela IV48

: % de escravos no conjunto da população das quatro comarcas da

capitania de Minas Gerais (1767 – 1821).

1767¹ 1821²

Comarcas

Pop. total Pop. escrava % Pop. total Pop. escrava %

CVR 60.249 38.647 64,1% 75.573 26.936 35,6%

CRM 49.485 26.891 54,3% 213.617 84.995 39,8%

CRV 69.328 43.027 62,1% 141.312 45.297 32,1%

CSF 29.538 18.038 61,1% 83.592 24.640 29,5%

Capitania 208.600 126.603 60,7% 514.094 181.868 35,4%

Fontes: 1) Mapa geral de fogos, filhos, escravos ... - AHU/MG - cx.93, doc.58. 2) ESCHWEGE, Wilhem

L. von. Notícias e reflexões estatísticas sobre a Província de Minas Gerais. RAPM, v.4,n.4, pp.732-62,

1899.

Continuando ainda nesta análise do contexto populacional na Capitania de

Minas Gerais, bem como os aspectos pertinentes às suas Comarcas, cabe atermos a

alguns destes elementos e correlacionarmos com o nosso objeto de estudo, ou seja, a

vila de São José e as suas freguesias. Assim, destacamos de imediato que a população

escrava teve um crescimento expressivo e desempenhou um papel importante na

manutenção das unidades produtoras. Todavia, o que mais nos desperta a atenção é o

número da população não escrava na Comarca do Rio das Mortes, que teve um

46

Neste período a Comarca do Rio das Mortes teve sua população escrava aumentada em 96%, a do Rio

das Velhas em 52%, enquanto a de Vila Rica sofreu uma queda de 1,6%. Ver: ALMEIDA, C. M. C. . De

Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v.

11, 2006. p.140. 47

Idem. p.141. 48

ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p.142.

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crescimento significativamente expressivo ao longo do século XVIII e nas primeiras

décadas do XIX. Portanto, para o nosso estudo em questão isto remete à demanda por

mais terras e, consequentemente, provoca uma movimentação nas fronteiras internas

pela busca de novas áreas de ocupação.

Dessa maneira, estes dois elementos destacados por nós, ou seja, o aumento no

número de escravos e o crescimento significativo da população não escrava, pode ser

melhor percebido quando passamos a identificar as freguesias da Vila de São José del

Rei. Para demonstrar este contexto podemos apontar a freguesia de Lage, que

apresentou um crescimento populacional de 840 pessoas em 1795 para 1.024 nas

primeiras décadas do XIX, além de apresentar um número significativo de cativos, que

representa mais da metade da população49

. Outro caso que ilustra bem este quadro de

crescimento populacional visto na Comarca do Rio das Mortes é a freguesia de Oliveira.

Esta, nos anos finais do século XVIII, apresentava como população 1713 indivíduos50

.

Todavia, no início do século seguinte já era composta por 2809 indivíduos e a presença

de escravos representava um montante de 1166 pessoas51

. Outras freguesias do Termo,

também apresentaram crescimentos significativos em sua população, tanto no número

de escravos quanto de livres52

.

Diante do quadro exposto, logo prevalece a busca por entender os motivos que

desencadearam tal processo de ocupação, bem como o fato desta região ter se tornado

tão populosa neste período em questão. Neste ponto, talvez, a melhor resposta parta do

entendimento das unidades produtivas que se estabeleceram nestas áreas.

Partimos da premissa deque nestes espaços em formação, onde se constituiu uma

sociedade heterogênea e importantes centros comerciais, a economia não poderia ser

dependente exclusivamente do metal precioso, mas sim baseada numa dinamização nas

unidades produtivas. Tendo em vista o contingente populacional que se deslocou para

estas áreas, formou-se um cenário propício para a produção de gêneros agrícolas e

pecuários. Como bem apontam os estudos de Carlos Guimarães e Flávia Mata Reis,

49

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 38. 50

Idem. p.39. 51

Ibidem. 52

A freguesia de Desterro (262 moradores em 1795 para 471 em 1831, sendo 45% de cativo no primeiro momento e 50% no segundo); São João Baptista (487 moradores em 1795 para 637 em 1831, sendo a maior parte deles escravos). In: MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo

Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado) p. 36.

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desde os primeiros anos do século XVIII, já existia nas Minas uma economia

diversificada, configurando um amplo mercado interno. A análise

documental, sobretudo das cartas de sesmarias, com as doações de terras ao

longo das principais vias de acesso, com o intuito de fornecer mantimentos

básicos para viajantes, condutores e animais de tropas que se dirigiam para as

Minas comprovam a existência de uma atividade rural que, de modo algum,

pode ser vista como insignificante53

.

Comparando o número de roças e lavras na Capitania de Minas Gerais na

segunda metade do século XVIII, percebemos que as atividades relacionadas à

agricultura e à pecuária desempenharam um papel significativo, como pode ser notado

segundo o gráfico a seguir:

Gráfico I 54

: % de roças, lavras e fazendas em Minas Gerais por Comarcas – 1766.

Fonte: "Resumo geral de roças, lavras, fazendas e escravos..." AHU/MG. - cx.93, doc.58.

Destacando a Comarca do Rio das Mortes, as roças representavam um

percentual de 72,6% das unidades produtivas, enquanto as lavras, apenas 27,4%55

. A

diferenciação no percentual destas unidades produtivas demonstram que, "embora a

53

GUIMARÃES, Carlos Magno, MATA REIS, Flávia Maria da. Agricultura e mineração no século

XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais

– as Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007.p.325. 54

ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p. 146. 55

Ibidem.

57,1%

72,6%

65,2%

82,9%

42,9%

27,4% 26,7%

11,6% 8,1%

5,5%

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

CVR CRM CRV CSF

Roças

Lavras

Fazendas

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mineração não estivesse ausente, era a produção agropecuária claramente

mercantilizada que caracterizava a comarca"56

. Além do mais, esses dados auxiliam

também para demonstrar e termos uma boa representação da absorção destas unidades

produtivas em relação ao número de indivíduos desta comarca. Segundo a consideração

do desembargador José João Teixeira, referindo-se a esta comarca como sendo “a mais

vistosa, e a mais abundante de toda a Capitania em produção de grãos, hortaliças e

frutos ordinários do País, de forma que além da própria sustentação, provê toda a

Capitania de queijos, gados, carne de porco, etc.” 57

.

Outro ponto importante a ser apresentado é o caráter mercantil desempenhado

pelas atividades agrícolas e pastoris, demonstrado a partir da atuação do número total de

escravos nesta comarca. Para atividades agropastoris vemos empregado um total de

60,8% do número total de cativos, enquanto que para as lavras estes valores

representavam apenas 39,2% 58

. Esses dados reforçam o caráter mercantil da produção

agropecuária, mais visível no século XIX, quando esta comarca iria estabelecer relações

comerciais com outros pontos da colônia, cabendo mencionar, como exemplo, o Rio de

Janeiro 59

.

Passando agora à análise dos rendimentos dos dízimos nas freguesias da

Comarca do Rio das Mortes, fica ainda mais evidente a importância desempenhada

pelas roças e o processo de mercantilização da sua produção. De maneira geral, para a

segunda metade do setecentos, a maior parcela das freguesias que concentravam nas

atividades agropastoris apresentaram um acréscimo no rendimento dos dízimos, se

comparado aos principais centros extratores do metal precioso. O importante a ser

destacado das alterações nos valores dos dízimos refere-se ao papel de destaque das

áreas agropastoris em relação às regiões mineradoras. A seguir, expomos em tabela os

rendimentos dos dízimos na Comarca do Rio das Mortes para a segunda metade do

século XVIII:

56 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização

social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p.76. 57

TEIXEIRA, Des. José João apud GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito

da Decadência de Minas Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. p.36. 58

ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p. 147. 59

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais:

São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002

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Tabela V60

: Rendimento dos dízimos nas freguesias da comarca do Rio das Mortes

(1751 – 1807):

1751-3 ¹ 1765-8 ² 1784-6 ¹

Freguesias No. Rendimentos No. Rendimentos No. Rendimentos

CRM

São João 404 12:696$300 259 10:835$100 695 12:338$250

Baependi 113 1:233$075 53 1:259$125 -- 2:880$713

Campanha 161 1:912$050 53 1:662$225 -- 3:799$950

Airuoca 164 2:442$450 109 2:786$025 -- 5:239$575

Sapucaí -- -- 9 291$975 -- 1:141$200

Cabo Verde -- -- 2 20$400 -- 901$200

São José 216 5:542$650 207 7:716$487 398 7:997$475

Prados 163 6:370$350 118 5:288$925 159 4:803$413

Carrancas 71 1:874$175 33 1:942$650 -- 6:409$800

Borda d. Camp. 181 5:900$888 217 8:862$263 394 8:632$950

Itaverava 184 5:070$375 140 5:527$838 -- 6:824$100

Caminho Novo 19 2:832$000 19 2:263$838 -- 2:094$975

Fontes: 1) CARRARA, Ângelo. Op.cit., pp.191-92. 2) "Mapa do rendimento dos dízimos..." - In.

OLIVEIRA, Tarquínio J. B. de. Análise e organização do Erário Régio de Francisco A. Rebelo, 1768.

Brasília, ESAF, 1976.

De modo geral, esta economia provinda da terra conseguiu desempenhar, para a

região estudada, uma alternativa onde antes prevalecia em foco a extração dos veios

auríferos e também, permitiu que se estabelecessem interações com outras partes da

colônia, conseguindo com isto, a incorporação da atividade mineral, outrora

predominante, pelas atividades agrárias e pastoris.61

Como apresenta as considerações

do historiador Douglas Libby,

60

ALMEIDA, C. M. C. . De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2005. p. 150. (Grifo nosso). 61

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana (1750-

1850). Dissertação de Mestrado. UFF. Niterói, 1994. LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho

em uma economia escravista. SP: Brasiliense, 1988. pp. 14-22. Ver também: MAXWELL, Kenneth R.A

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não restando dúvida de que o grande sustentáculo da economia mineira do

século XIX foi à agricultura mercantil de subsistência, ou seja, a produção de

alimentos básicos destinados ora ao autoconsumo, ora ao mercado interno,

dentro e fora da província 62

.

As considerações expostas nos parágrafos desta unidade representam um quadro

“macro” e nos permite entender a notável vitalidade da economia da Comarca do Rio

das Mortes, reconhecidamente uma região voltada para o abastecimento desde muito

cedo. Como podemos observar também, a segunda metade do século XVIII representou

a tendência à diversificação econômica presente desde os primórdios da

ocupação foi se aguçando e os produtos agropecuários passaram a

desempenhar um papel preponderante na economia da capitania,

anteriormente ocupado pelo ouro63

.

Focaremos agora na apresentação da vila de São José del Rei, identificando estas

características gerais presentes na comarca do Rio das Mortes em um espaço menor de

análise. Com isto, seremos capazes de iniciar o estudo do processo de interiorização do

oeste mineiro a partir do antigo caminho da Picada de Goiás.

Devassa da devassa. RJ.: Paz e Terra, 1977. p. 110-114. & LENHARO, Alcir. As tropas da moderação:

o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo, Símbolo, 1979. 62

LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no

século XIX. P. 14. 63 ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização

social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p.47.

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41

1.2– Entre a vila de São José del Rei e suas freguesias:

Esta parte do trabalho compreende a apresentação da vila de São José del Rei e

suas respectivas freguesias que compunham o caminho da Picada de Goiás. Identificar a

formação desta vila, bem como, suas unidades produtivas, nos auxilia na percepção das

etapas de ocupação desta região.

Quanto à sua localização, a vila de São José del Rei estava situada em ponto

estratégico da Comarca do Rio das Mortes. Esta boa posição geográfica permitiu o

contato com outros importantes centros comerciais, a saber: ao leste, pelo Caminho

Novo, tinha-se o contato com o Rio de Janeiro; ao Oeste, outros importantes caminhos

que ligavam às regiões de São Paulo e Goiás64

; ao norte e noroeste com as Comarcas de

Ouro Preto e Sabará. Também cabe ressaltarmos a sua proximidade com a Vila de São

João del Rei, outro importante centro desta região e considerada a cabeça65

da comarca

do Rio das Mortes.

Nosso quadro de análise para esta região parte da hipótese66

de que Minas

Gerais, mais precisamente a Comarca do Rio das Mortes no período em questão,

apresentava três unidades econômicas que estavam inter-relacionadas, sendo estas: a) a

exploração mineratória; b) a agricultura voltada para o abastecimento e c) o

desenvolvimento das rotas comerciais, que foram se intensificando ao longo deste

século e adentrando cada vez mais nos sertões a oeste da Capitania. A partir destes

pontos, elaboramos nossos parágrafos seguintes.

Situada na Comarca do Rio das Mortes, a vila de São José Del Rei teve sua

formação na primeira década do século XVIII67

e pelo que tudo nos indica adveio da

64

ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no séc. XVIII. SP: Hucitec

/Edusp, 1990. pp. 45-54. 65

"São João del Rei, a cabeça do comarca e centro do distrito eleitoral, teve seu foral de vila em 1712 e

foi levantada à essa categoria em 08 de dezembro de 1713" In: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro.

Pequenos produtores de São José do Rio das Mortes, 1730 – 1850. p.33. 66

Analisando a evolução do patrimônio da família Ferreira Armonde, o historiador Antônio Lacerda

apresenta estas hipóteses para a região da Comarca do Rio das Mortes. Ver: LACERDA, Antônio

Henrique Duarte. A evolução do patrimônio da família Ferreira Armonde através de três Gerações

(Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais, 1751 – 1850). In: MOTTA, Márcia Maria Menendes.

GUIMARÃES, Elione Silva (Orgs.). Campos em Disputa: história agrária e companhia.São Paulo: Ed.

Annablume, 2007. p.64. 67

Na obra História Média das Minas Gerais, Diogo de Vasconcelos citando Herculano Veloso aponta a

descoberta do metal precioso no ano de 1702 no lugar denominado “Ponta do Morro”. Cita as

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42

descoberta do metal precioso. Quanto ao achado dos veios auríferos, há divergências

acerca dos nomes dos taubateanos Tomé Portes del-Rei e João de Siqueira Afonso68

,

entretanto, tal ponto não nos desperta atenção no momento, mas sim, as consequências

provindas de tal feito.

A primeira consideração a ser mencionada refere-se ao intenso deslocamento

populacional que ocorreu nesta região, sendo que, nos primeiros anos de formação da

vila já apresentava núcleos significativamente povoados. A população total no Termo de

São José del Rei no ano de 1722 estava estimada em 5.595 habitantes69

e estes números

viriam a aumentar no decorrer do século XVIII. Estes indivíduos desempenhavam como

principais atividades nesta região, a mineração, a agricultura, a pecuária e o comércio70

.

Como demonstramos no subtítulo anterior, uma das características marcantes da

Comarca do Rio das Mortes foi a produção agrícola e a criação pastoril. Assim, também

ocorreu na vila de São José del Rei desde os momentos iniciais de sua formação. Essa

região, servindo como posto avançado para a ocupação do oeste mineiro, formou ao

longo da primeira metade do setecentos vários povoados rurais que se integraram à vila

matriz de São José71

. Esses currais, aqui compreendidos como áreas produtoras de

gêneros agropastoris, passaram então a desempenhar um papel crucial para a viabilidade

da extração do ouro, pois, serviam como áreas abastecedoras dos principais centros

informações do sargento-mor José Matol na notícia que dá ao Pe. Diogo Soares: “O que posso informar a

V. Revma. sobre o que me ordena, é que, no ano de 1702, pouco mais ou menos, descobriu Tomé Portes

del-Rei, junto ao sítio em que está a vila de São José, um ribeiro que ele, como substituto do guarda-mor, repartiu entre si e alguns taubateanos, onde formaram todos um arraial a que deram o nome de Santo

Antônio, levantando nele pequena capela” (VELOSO, Herculano apud VASCONCELOS, Diogo de.

Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José Del Rei). Acrescenta que, o arraial de Santo Antônio havia

se tornado vila por ato de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, em 19 de janeiro de 1718, criando a

vila de São José Del Rei. Por sua vez, a freguesia surgiu logo após a formação do arraial, tendo sido

tornado coletivo pelo alvará de 16 de fevereiro de 1724. Ver VASCONCELOS, Diogo de. História média

das Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999, p.350. 68

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:

Ed. Itatiaia, 1995, p.350. Ver também VASCONCELOS, Diogo de. História Média das Minas Gerais.

Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999, p. 350. 69

BOTELLHO, Tarcísio Rodrigues. “População e escravidão nas Minas Gerais”, Anais eletrônicos do

12º Encontro da Associação Brasileira de Estudos de População – ABEP. Belo Horizonte, 2000, p.14. 70

BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal – família e sociedade (São João del Rei, século

XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007. pp.25-44. 71

MALAQUIAS, Carlos. O. População, fronteira e ruralização em São José do Rio das Mortes na

passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e Lugares no Brasil: Itinerários da

Pesquisa Histórica, Médotos, Fontes e Campos Temáticos, Mariana (MG) 2010. p.02

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43

minerais. Ainda neste ponto, cabe ressaltarmos a interdependência existente entre as

minas e os currais72

, uma vez que,

da mineração como atividade inicial para uma vida urbana com adensada

estrutura de serviços e ampla atividade comercial é, como se disse, que se

qualifica a necessidade de fluxo regular de abastecimento, polarizando os

espaços produtivos do entorno e articulando áreas um pouco mais distantes

dentro do território com a decorrente necessidade do estabelecimento de

nucleações intermediárias73

.

Outra característica da Vila de São José del Rei é a vasta extensão de terras a

serem exploradas. A partir do intenso fluxo migratório para esta região, juntamente com

a presença de áreas em fronteira aberta, desencadeou-se a ocupação do oeste mineiro ao

longo do século XVIII. Ainda neste cenário, constituiu-se uma ocupação

significativamente voltada para a produção alimentícia nas regiões circunvizinhas à vila

matriz. Este fenômeno procedeu-se pelo fato dos principais veios auríferos estarem

concentrados na vila principal, que por sua vez, fez com as demais freguesias se

especializassem na produção agrícola e pastoril74

. A título de exemplo, entre os currais

e as minas predominavam o comércio de gado bovino – vacum –, porcos, queijos,

toucinhos e grãos dos mais variados75

.

Iniciado o processo de ocupação a partir da descoberta do metal precioso, as

principais áreas e núcleos populacionais foram se constituindo, desempenhando, por sua

vez, uma especialização econômica variando entre as freguesias e a vila matriz, cada

qual mutuamente interagindo. Este processo foi lento, mas visível quando analisado ao

longo deste século.

72

Acerca das terminologias minas e currais ver: VASCONCELOS, Diogo. História antiga de Minas

Gerais. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948 & MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do

Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nacional, 1938. 73

CUNHA, Alexandre Mendes. Minas Gerais, da capitania à província: elites políticas e a

administração da fazenda em um espaço em transformação. Niterói: ICHF/UFF, 2007. pp. 93-94. 74

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José d'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, n1/2, jan./dez. 2000. p.20. 75

GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).

Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.1,Nº2 1986.p. 7-36.& MENESES, José

Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas.

Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000.

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44

O Termo de São José del Rei estava constituído ao longo do século XVIII por

nove freguesias, sendo estas, Bichinho, Padre Gaspar, Lages, Passatempo, Oliveira,

Cláudio, Carmo do Japão, São João Batista e Desterro76

.

76

GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).

Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.2, 1986.p. 7-36.& MENESES, José Newton

Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina,

MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000.

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45

Figura II: Mapa da Vila de São José del Rei e suas Freguesias:

Fonte: MALAQUIAS, Carlos. População, fronteiras e ruralização em São José do Rio das Mortes na passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e

Lugares no Brasil. UFOP, 2010.

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46

Após demonstrar este quadro geral da formação da vila de São José e suas

respectivas freguesias, cabe agora analisarmos as transformações socioeconômicas. Para

tanto, a utilização do Rol dos confessados 77

de 1795 serve para ilustrar a dinâmica

populacional desta região. Neste ano, a vila matriz de São José concentrava o maior

número de habitantes, tendo um total de 4.005 indivíduos e 795 fogos 78

. Estes valores

correspondiam a 36,5% 79

da população total deste termo. Por sua vez, esta

concentração populacional referia-se ao fato de ser esta vila a principal área extratora do

metal precioso e também, o local central das relações comerciais.

Cabe ressaltarmos que, embora neste período em questão a extração mineral já

estivesse em processo de esgotamento, foi ela que impulsionou o adensamento

populacional na vila matriz, que viria a sofrer modificações significativas no seu

contingente populacional somente nas décadas posteriores. Este decréscimo

populacional a qual estamos nos referindo e que analisaremos a seguir, decorre da

produção agropastoril que se estabeleceu nas freguesias próximas e nas áreas mais

adentradas do sertão, que constituía este setor dinâmico da economia80

nesta Comarca,

atraindo assim um número significativo de indivíduos para a prática desta atividade.

Entretanto, também é oportuno destacarmos a importância desta vila a partir do seu

aspecto administrativo, sendo o centro político deste respectivo termo.

Este quadro, no entanto, viria a se transformar nos primeiros anos do século

XIX, quando analisado pelas listas nominativas de 1831. Com o esgotamento dos veios

auríferos e o crescente desenvolvimento da produção agrícola nesta região, ocorreu um

êxodo populacional da vila de São José del Rei para suas respectivas freguesias rurais.

Neste contexto, a população total da vila matriz viria a sofrer uma queda de 37% no

número de habitantes, passando agora, a um total de apenas 2.683 indivíduos 81

. Em

77

O rol de confessados é uma lista de todos os residentes na paróquia com idade superior a 07 anos,

distribuídos pelos fogos a que pertenciam e organizada por ruas e lugares. Nesta lista pode-se encontrar os

nomes completos dos indivíduos casados ou viúvos e dos solteiros isolados ou cabeças de fogo. In:

AMORIM, Maria N.; DURÃES, Margarida & FERREIRA, Antero. Bases de dados genealógicas e

História da Família em Portugal: análises comparativas (do Antigo Regime à Contemporaneidade). La

História de la Família en la Península Ibérica. UCLM, 2003. p.08. 78

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 34. 79

Ibidem. 80

LIBBY, Douglas. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século

XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1998. 81

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 35.

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47

contrapartida, as freguesias que constituíam os centros produtores de gêneros

alimentícios deste termo viriam a apresentar um acréscimo significativo no número de

seus habitantes. Como demonstrativo deste crescimento cabe mencionarmos a região de

Claudio e Oliveira, que respectivamente, apresentaram um aumento de 18,09% e 21%

no número de habitantes.

Passando agora para a análise do número de escravos, também constatamos um

quadro similar ao apresentado anteriormente. A vila de São José del Rei que outrora

concentrava 40% de cativos no final do XVIII, viria a ter no início do XIX apenas

18,5%82

. Todavia, a população escrava viria a crescer em todas as freguesias do termo,

cabendo ressaltar as regiões de Claudio e Japão, que dobraram o número de escravos

neste período de análise.

Estes dados ressaltam a postura mercantil da produção agrícola e pecuária nesta

região, que antes, em sua grande maioria atuava como zonas de abastecimento do centro

extrator do metal e agora comercializava com praças mais distantes, a exemplo o Rio de

Janeiro, que “até meados dos Setecentos, gado bovino, queijos, toucinhos e grãos

procedentes de São José haviam penetrado na praça mercantil do Rio de Janeiro e, de lá,

eram redistribuídos para mercados menores, especialmente os litorâneos”83

.

Após a apresentação dos aspectos gerais da vila de São José del Rei e suas

freguesias, partimos agora, para o estudo das fronteiras nos sertões mineiros. Como

tentamos demonstrar nesta unidade, o processo de ocupação estava intimamente

vinculado à expansão das unidades agropastoris. Lembrando que esta unidade de

produção necessitava de uma contínua incorporação de novas terras, resultando assim,

no processo de interiorização do oeste mineiro, como tentaremos apresentar agora.

82

MALAQUIAS, Carlos. O. População, fronteira e ruralização em São José do Rio das Mortes na

passagem do século XVIII para o XIX. In: III Simpósio Império e Lugares no Brasil: Itinerários da

Pesquisa Histórica, Médotos, Fontes e Campos Temáticos, Mariana (MG) 2010. p.08. 83

FRANK, Zephyr; LIBBY, Douglas. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade

em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. p. 04.

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48

1.3– Fronteiras em expansão: sertões mineiros e a Picada de Goiás.

Nesta unidade do trabalho, almejamos demonstrar como se deu o processo de

ocupação dos sertões mineiros, analisando assim, as etapas de interiorização do antigo

caminho da Picada de Goiás. Segundo o pesquisador Waldemar de Almeida Barbosa,

esta picada compreendia as sesmarias situadas nas vizinhanças do caminho que levava

de São João del Rei a Paracatu84

. Esta área de grande extensão territorial incorporava a

principal região do oeste mineiro, ou seja, os sertões da Comarca do Rio das Mortes.

Figura III: Mapa da região aproximada do sertão do oeste mineiro.

Fonte: CARRATO, José Ferreira apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do

sertão oeste de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. Pág. 38.

84

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:

Ed. Itatiaia, 1995, p. 227.

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49

Seu processo de ocupação e interiorização iniciou-se por volta de 1737, na

tentativa de encontrar metais preciosos, além da expansão de fronteiras para o aumento

da produção agropastoril. Neste contexto da Picada de Goiás, não podemos deixar de

mencionar as expedições realizadas por Inácio Correia Pamplona85

, que conseguiu

conter os quilombos, além de capturar e dizimar boa parte dos índios bravios desta

região86

. Este conjunto de fatores desencadeou o início da ocupação nesta região.

Destacamos neste momento a importância da expansão das fronteiras juntamente

com a ocupação do oeste mineiro, uma vez que, a demanda por mais terras se tornou

constante ao longo da segunda metade do século XVIII, fazendo surgir a necessidade de

ocupação de áreas cada vez mais interioranas da Comarca. Para tanto, a conquista

espacial nesta região emerge em decorrência da descoberta mineral, sendo este o cerne

da atração que ocasionou este intenso deslocamento populacional, provocando,

portanto, uma transformação nesta região. Neste contexto é oportuno destacarmos que

as regiões circunvizinhas à vila matriz e também nas áreas mais interioranas tinham

como base econômica a produção de gêneros agrícolas e a pecuária, com o intuito de

abastecer a principal região mineradora deste termo, neste caso, a vila de São José del

Rei.

Todavia, antes de adentrarmos no estudo da expansão de fronteiras ocorridas

nesta região, cabe neste momento, apresentarmos algumas características dos sertões

mineiros. O sertão (ou os sertões) está intrinsecamente relacionado à percepção dos

povoadores acerca da natureza que lhes rodeavam87

. A busca pela riqueza e o

povoamento de áreas remotas, distantes dos principais centros povoados e do litoral,

contribuíram para a formação da mentalidade destas áreas. As definições variavam de

região para região, cada uma reservando suas próprias características e peculiaridades,

sempre relacionadas com a percepção e impressão do espaço que os circundavam.

85

Segundo o Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, Inácio Correia Pamplona era mestre de

Campo nas Minas Gerais, que de 1764 a 1766 andou chefiando, por ordem do governo, expedições para

segurança e povoamento dos sertões do Campo Grande, Rio das Abelhas e circunvizinhanças. Mandou

depois, de 1766 a 1790, fazer naqueles sertões, a sua custa, 6 entradas exploradoras. In: FRANCO,

Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. séc. XVI-XVII-XVIII. 86

PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 87

FAORO Raimundo apud. CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado

interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 42. Segundo Faoro, “os sertões eram o

outro mar ignoto, cercado por mistérios e desconhecimento”.

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Iniciemos então com a apresentação de algumas imagens criadas a respeito

destas áreas. Portanto, buscar a sua terminologia pode representar um ponto importante

nesta análise. A palavra sertão é oriunda do radical latino "desertanu" que remete a uma

ideia geográfica e espacial de deserto, de interior e de vazio, caracterizando assim, na

ausência de elementos civilizados88

. Segundo o dicionário de Raphael Bluteau de 1728,

o sertão compreende a região “afastada do mar, e por todas as partes, metida entre

terras”89

. Outra definição que utilizamos neste trabalho trata-se da obra de Antonio de

Moraes Silva, que aponta os sertões assim como Bluteau, compreendendo o “interior, o

coração das terras, oppõe-se ao marítimo, e costa” 90

. Notam-se, segundo estas

definições para o século XVIII a semelhança, ou melhor, uma aproximação entre o

distanciamento destas áreas em relação ao litoral.

Em síntese, carregada de significação geográfica, os sertões compreendiam as

terras distantes do litoral, terras estas, que deveriam ser civilizadas e melhor

delimitadas, pois, “o reino era dificilmente governado por quem mal o conhecia ou mal

o podia conhecer” 91

. Cabe destacarmos também, a utilização dos pressupostos

geográficos para a compreensão destas extensas áreas denominadas como sertão, em

que, apresentam características tão peculiares. Desta maneira, temos então, a concepção

do sertão como

não sendo construções específicas (ou o seu adensamento) que lhe conferem

singularidade. Antes, a ausência de tais elementos é que aparece como fator

de distinção em sua delimitação. (...). Na verdade, o sertão não é um lugar,

mas uma condição atribuída a variados e diferenciados lugares. Trata-se de

um símbolo imposto - em certos contextos históricos - a determinadas

condições locacionais, que acaba por atuar como um qualificativo local

básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade

da superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia

geográfica92

.

Após apresentarmos os sertões em seus aspectos geográficos, cabe agora

tentarmos analisá-los em seus aspectos culturais, que tanto influenciaram o imaginário

88

AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século

XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. pág. 26. 89

Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 em 25 de maio de 2012. 90

Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3 em 25 de maio de 2012. 91

MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa, Ed. Estampa. p.24. 92

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, um proposta e uma

crítica. São Paulo:Annablume, 2009. p. 87-89.

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51

dos ocupantes destas áreas. Para tanto, talvez os relatos dos viajantes e cronistas de

época sejam o principal sustento para este tipo de análise. Neste caso, o aspecto

fisiogeográfico é deixado um pouco de lado e surge neste cenário a dicotomia entre o

edênico/ paradisíaco, juntamente com o desconhecido e os mistérios. Nesta forma de

descrição dos sertões, a natureza aparece como principal foco, manifestada através das

interações da fauna e da flora em relação aos indivíduos que se deslocaram para estas

áreas. Cabendo ressaltar que este processo esta diretamente relacionada ao ambiente que

circunda estes indivíduos, uma vez que “La historia de La relación humana com El

mundo físico, com El ambiente como objeto, agente o influencia em La historia

humana” 93

.

O exemplo deste imaginário pode ser demonstrado nos relatos de Waldemar de

Almeida Barbosa94

, que apresenta o clima da capitania de Minas Gerais nesta típica

dicotomia entre ora edênico e ora ameaçador, como se nota a seguir. Primeiramente,

ressaltando a boa qualidade para a vivência, fazendo paralelos com a longevidade dos

moradores das Minas Gerais, como se observa na seguinte passagem,

debaixo de um céu temperado e saudável, as Gerais desconhecem as

enfermidades agudas que despovoam a maior parte dos países da terra.

Não maravilha ver nelas homens centenários, e de mais anos95

.

No entanto, como em quase todo o seu relato, o clima também não deixa de apresentar

suas ambiguidades, neste caso, demonstrado no seguinte trecho,

(...) conhecem-se, contudo as moléstias análogas aos climas úmidos e

quentes: a frouxidão, de que no andar dos tempos (se originam) doenças

mortais, é uma das endêmicas de Minas. Também nos sertões, as águas

encharcadas e os pântanos, com os ardores do sol, produzem sezões e febres

malignas96

.

93

ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: El médio, La cultura y La expansión de

Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p.11. Livre tradução: "a história da relação humana

com o mundo físico, com o ambiente como objeto, agente o influencia na história humana". 94

VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve Descrição Geográfica, Física e Política da

Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro,

Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. 95

Idem pág. 54 (grifos meus). 96

Ibidem. (grifos meus).

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52

Além da mistificação dos elementos naturais, os sertões também eram áreas

perigosas e ameaçadoras representadas pelos índios que habitavam estas regiões,

“porque ninguém pode pelo Sertão dentro caminhar seguro nem passar por terra onde

não ache povoações de índios armados contra as nações humanas” 97

. Estes relatos

auxiliam na percepção da atmosfera que assolava o imaginário dos ocupantes destas

áreas.

Contudo, estas terras distantes percebidas inicialmente pelos bandeirantes

paulistas98

que adentravam nos interiores em busca de riquezas foram ao longo dos anos

constituindo povoados e arraiais, servindo de fonte de enriquecimento para muitos que

se instalavam nestas áreas. Este cenário de regiões perigosas e misteriosas foi sendo

deixado de lado, e a mentalidade de serem terras distantes se modificou, formando

importantes centros econômicos, principalmente para a prática agrária. Novos caminhos

foram sendo abertos, criando uma rede de comunicação entre as áreas distantes e a base

da economia colonial neste período, ou seja, a mineração. Em se tratando da região da

Picada de Goiás, que inicialmente adentra no imaginário dos sertões, conquista ao longo

do século XVIII um status importante como zona curraleira na Comarca do Rio das

Mortes. No final do século XVIII e início do XIX esta região irá mobilizar recursos da

economia mineral já em decadência, nas atividades agrícolas e a pecuária99

,

transformando definitivamente a região dos sertões mineiros.

Retomando agora a análise das fronteiras no oeste mineiro, centraremos no

estudo da Picada de Goiás para a compreensão das etapas de ocupação nesta região.

Cabe ressaltarmos que para a elaboração deste mapeamento, baseamos nossos estudos

em 287 cartas de sesmarias, volume este que compreendiam as faixas de terras

concedidas nesta picada. O motivo para tal refere-se ao fato das cartas de sesmarias

tratar-se de um documento que,

97

CAMINHA, Pero Vaz apud AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste

de Minas Gerais – século XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001. pág. 31. 98

CARRARA, Angelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais

1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 43. “Os sertões foram de início percebidos pelos paulistas que

os penetravam como lugar de risco e perigo, terra de inimigos bichos mui indômitos, desertos e miasmas,

febres e peçonhas”. 99

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana(1750-1850).

Dissertação de Mestrado. UFF. Niterói, 1994. p. 94 & LIBBY Douglas Cole. Transformação e trabalho

em uma economia escravista. São Paulo: Brasiliense, 1988. pp. 14-22.

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53

se tomadas num grande conjunto, (...), podem desenhar a ocupação do

território, o perfil dos sesmeiros, os momentos de maior ou menor

distribuição das terras, a ocupação dos sertões, a variação dos seus textos etc.

Mas se tomadas isoladamente, ou em conjuntos menores, talvez respondam a

poucas das questões que inquietam o historiador das estruturas agrárias100

.

Comecemos então, nossa análise, identificando os fluxos de ocupação a partir

das cartas de sesmarias. Para tanto, elaboramos um gráfico dividido por décadas que nos

auxiliará a inferir algumas importantes considerações do processo de interiorização

nesta região. Todavia, é válido ressaltarmos que este gráfico inicia-se no período de

1740 devido à ausência de fontes suficientes para a análise em período anterior e

também, por ser este o momento principal da intensificação populacional nesta região.

Gráfico II: Distribuição das cartas de sesmarias referentes à Vila de São José del

Rei e suas freguesias na segunda metade do século XVIII.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias pertencentes à Vila de São José Del Rei e suas freguesias.

100

PINTO, Francisco Eduardo. As Sesmarias da Comarca do Rio das Mortes nas nascentes do São

Francisco. In: XXIV Simpósio Nacional de História. ANPUH, 2007. p.08.

Décadas N= 287

27

8175

54

21

29

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1740-1750 1750-1760 1760-1770 1770-1780 1780-1790 1790-1800

Década

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54

A partir da análise deste gráfico, percebemos uma expansão acentuada das

fronteiras nas décadas de 1750, 1760 e 1770. A análise destas três décadas em questão

serve para inferirmos que neste período as fronteiras desta região encontravam-se

abertas, absorvendo o intenso contingente populacional que se deslocou para estas

áreas. Outro importante ponto referente a este período trata-se da intensificação da

produção agropastoril, que serviu como atrativo para que esses indivíduos ocupassem

tais áreas. Cabe ressaltarmos também, como demonstramos na unidade anterior, que os

currais de São José del Rei tiveram sua população aumentada em todas as suas

freguesias, como demonstramos a partir da análise do Rol dos confessados de 1795,

corroborando assim, com os dados encontrados no mapeamento desta região e provando

a intensificação desta ocupação. Outro ponto importante trata-se da distribuição destas

sesmarias estarem por sua vez, mais próximas da vila matriz – São José del Rei – por

ser este o principal mercado consumidor e possuidor de elevados preços na venda dos

gêneros agrícolas e pastoris.

Entretanto, nas décadas posteriores, compreendendo os anos finais do

setecentos, inicia-se o processo do fechamento destas fronteiras. Neste momento em

questão, percebemos que a ocupação se deu em áreas mais distantes do centro

minerador, que, por sua vez, adentrava em áreas mais próximas da província de Goiás.

Acreditamos que o motivo para tal fenômeno esteja relacionado com o intenso

povoamento ocorrido nas décadas anteriores, que provocou a ocupação de boa parte das

terras nas proximidades da vila de São José del Rei, restando assim, por ora, a

interiorização dos sertões.

Neste ponto em questão, cabe destacarmos a transformação da visão clássica de

sertões, outrora, áreas longínquas dos centros povoados, que por sua vez, passam a

constituir freguesias e arraiais e consequentemente, formando centros economicamente

produtores. Assim, este processo é interessante e permite identificar que "o povoamento

avançava nos espaços contíguos, gerando zonas contínuas de ocupação e jogando para

diante as fronteiras do território ocupado".101

Desse modo, à medida que as fronteiras

internas avançam e a demanda por mais faixas de terras ocasionam a interiorização nas

áreas dos sertões, estes espaços tem seus valores e interpretações culturais

101

MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial

brasileiro no 'longo' século XVI. São Paulo, Ed. Hucitec, 2000. p. 327-28.

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55

transformados. A perspectiva simbólica relacionada ao "vazio" destas áreas102

,

fortemente caracterizado pela selvageria e barbárie, passam a integrar, como

mencionado anteriormente, áreas de ocupação.

Deste contexto, prevalece a dinâmica territorial presente nestas regiões tão

carregadas de simbolismos e mitos, que na "perspectiva de avanço e conquista que se

propõe sobre o sertão, assim como a fronteira, faz deste um espaço de mobilidade"103

. O

entendimento destas expansões nos possibilita a compreensão e uma melhor forma de

analisarmos o processo de ocupação destas áreas. Através da identificação dos núcleos

populacionais que se instalaram nesta região, podemos perceber aproximadamente três

rotas de expansão das fronteiras referente ao caminho da Picada de Goiás durante o

período analisado por nós. Desta forma, teremos segundo a ilustração a seguir as

principais rotas:

102

Estamos nos referindo neste momento a percepção do sertão como lugar de barbárie, ausentado de

religião, leis, governo e outros elementos que caracterizavam como espaços de selvageria. Ver: MADER,

Maria Elisa. Civiliação e barbárie: a representação da nação nos textos de Sarmiento e do Visconde de

Uruguai. PPG História / UFF. Niterói, 2006. (Tese). p. 122. 103

MACHADO, Marina Monteiro. Entre Fronteiras: terras indígenas nos sertões fluminenses (1790-

1824). PPG História / UFF. Niterói, 2010. (Tese). p. 10.

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56

Figura IV: Adaptação do Mapa da Comarca do Rio das Mortes e as rotas de ocupação das fronteiras no sertão mineiro.

Fonte:Apud VIEGAS, Augusto, op. cit. (Grifos meus)

Legenda:

--------- Áreas ocupadas.

Paracatu.

Vila de São José.

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Por fim, para uma melhor visualização da expansão das fronteiras e a

identificação do processo de ocupação, elaboramos uma análise dos principais centros

ocupados neste período. Novamente, optamos por dividi-los em décadas demonstrando

as áreas ocupadas, bem como seu mapeamento.

Gráfico III: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas

freguesias para a década de 1740.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década 1740 pertencentes à Vila de São José Del Rei e seu termo.

Para a década de 1740 percebemos uma concentração dos pedidos nas áreas de

N. S. da Conceição de Congonhas do Campo e Campos Gerais do Campo Grande.

Podemos inferir que as atenções do processo de ocupação neste momento, estavam

voltadas para estas respectivas áreas, sendo que esta elevada concentração demonstra

que nesta década ainda havia terras a serem ocupadas e demarcadas para as atividades

destinadas à agropecuária.

55%

41%

4%

Década 40 n= 27

N.S. da Conceição de Congonhas do Campo

Campos Gerais do Campo Grande

Prados

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Gráfico IV: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas

freguesias para a década de 1750.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década 1750 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.

Já na década posterior, em 1750, há o aparecimento de novas áreas (como Boa

Vista, Prados, N. S. da Piedade, Passatempo, entre outras) ocorrendo, assim, uma maior

variação de pedidos de cartas, mas ainda caracterizada pela concentração dos pedidos

em N. S. da Conceição de Congonhas do Campo – com a maior porcentagem de

sesmarias nesta década –, e Santo Antonio, que aparece também com um grande

número de pedidos (28% do total de cartas para este período). Outro ponto pertinente

que se infere da análise deste gráfico é a diminuição do número de sesmarias em

Campos Gerais do Campo Grande, apresentando apenas um total de 7% dos pedidos

neste período. Este declínio brusco da quantidade de sesmarias para esta região, que

havia apresentado uma elevada porcentagem na década anterior, demonstra o fenômeno

7%

33%

28%

1%

7%

4%

8%

1% 3%

5% 3%

Década 50 n= 81

Campos Gerais do Campo Grande

N.S. da Conceição de Congonhas do Campo

Santo Antonio

Boa Vista

Prados

N.S. da Piedade

N.S. da Conceição dos Carijós

N.S. do Pilar

Passatempo

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do fechamento das fronteiras agrícolas. Este é um ponto interessante, que poderá ser

observado também em outras localidades do termo de São José.

Gráfico V: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas

freguesias para a década de 1760.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década de 1760 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.

Dando continuidade à exposição dos dados coletados, percebemos agora, na

década de 60, a continuidade de N. S. da Conceição de Congonhas do Campo como

principal centro de ocupação. Junto a esta, continua também a grande concentração em

Santo Antonio, apresentando por sua vez, neste momento, uma leve diminuição do

número de sesmarias neste período. Devemos destacar o aparecimento de São Bento do

Tamanduá, que irá apresentar destaque nos anos posteriores. A partir da observação da

34%

3%

4%

4% 24%

7%

2%

7%

11%

4%

Década 60 n= 75

N.S. da Conceição de Congonhas do Campo

N.S. da Piedade

Prados

N.S. da Conceição dos Carijós

Santo Antonio

Campos Gerais do Campo Grande

N.S. da Conceição da Barra

Passatempo

São Bento do Tamanduá

N.S. da Conceição de Carrancas

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década de 50 e 60, fica clara a expansão das fronteiras do termos de São José,

principalmente ao caminho da “Picada de Goiás”, uma região rica em terras férteis,

reforçando ainda mais a especialização desta região na produção de gêneros agrícolas e

na criação pastoril.

Gráfico VI: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e suas

freguesias para a década de 1770.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década de 1770 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.

O gráfico referente à década de 70 apresenta vários dados importantes.

Primeiramente, o início do provável fechamento da fronteira agrícola de N. S. da

Conceição de Congonhas do Campo, que nas décadas anteriores aparecia como o

11%

15%

9%

34%

2%

2%

11%

4%

2% 2%

6% 2%

Década 70 n= 54

N.S. da Conceição de Congonhas do Campo

Santo Antonio

Passatempo

São Bento do Tamanduá

Campos Gerais do Campo Grande

N.S. de Oliveira

N.S. da Conceição de Carrancas

Pinhy

Formiga

Santana do Bambui

N.S. da Conceição dos Carijós

São João Batista

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principal centro das sesmarias. Outra interessante questão é a ampliação da região de

São Bento do Tamanduá, que por sua vez aparece com o maior número de cartas neste

período, totalizando 34% dos pedidos. Campos Gerais do Campo Grande reaparece ao

cenário, porém, em um número muito reduzido, servindo apenas de exemplo para

reforçar a demonstração que suas fronteiras estavam em processo de fechamento.

Gráfico VII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias para a década de 1780.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década de 1780 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.

Em relação à década de 80, algumas considerações devem ser feitas antes de

adentrarmos na análise das informações. Primeiramente, este período apresenta um total

de 21 cartas, como foi demonstrado no primeiro gráfico deste tópico do trabalho.

Porém, a falta de informação precisa da localização de cinco cartas impossibilitou a

atribuição destas a alguma freguesia. Sendo assim, preferimos apontar e analisar apenas

as que realmente apresentavam uma demarcação precisa, tendo totalizado dezesseis

cartas.

19%

19%

31%

6%

13%

6%

6%

Década 80 n= 16

N.S. da Assunção do Caminho Novo do R.J.

N.S. da Conceição de Congonhas do Campo

São Bento do Tamanduá

N.S. da Conceição de Carrancas

Prados

N.S. de Oliveira

Pinhy

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Adentrando agora nas informações constatadas, continuamos a perceber a

concentração de São Bento do Tamanduá no número de sesmarias solicitadas neste

período. N. S. da Conceição de Congonhas do Campo e N. S. da Assunção do Caminho

Novo do Rj. aparecem com 19% – cada uma – do número total de cartas. Outra região

que aparece em destaque neste momento é Prados, com um total de 13%.

Gráfico VIII: Distribuição das cartas de sesmarias da Vila de São José del Rei e

suas freguesias para a década de 1790.

Referência: IPHAN/ São João del Rei - MG. Acervo da Comarca do Rio das Mortes. Documentação das

cartas de sesmarias referentes a década de 1790 pertencentes a Vila de São José Del Rei e seu termo.

Por fim, cabe apresentarmos o final do século XVIII. Percebemos agora, três

regiões em destaque, N. S. de Oliveira, N. S. da Conceição de Carrancas e Passatempo.

O restante das sesmarias neste período foi distribuído de forma homogênea em outras

freguesias da região.Interessante observar que São Bento do Tamanduá, que apresentava

um grande número de sesmarias ao longo das décadas de 70 e 80, não é encontrado em

nenhuma carta de sesmaria neste período. Novamente nos deparamos com o fenômeno

do fechamento da fronteira agrícola, devido ao grande número ocorrido nas duas

5% 5%

20%

25% 10%

20%

10%

5%

Década 90 n= 29

Ibituruna

São João Batista

N.S. da Conceição de Carrancas

Passatempo

N.S. da Penha de França

N.S. de Oliveira

Desterro

N.S. da Penha da Lage

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décadas anteriores e o deslocamento/ampliação do número de sesmarias em outras

localidades de São José de Rei.

Após a apresentação destes gráficos expondo a dinâmica das fronteiras nestas

regiões, cabe, entretanto, destacarmos algumas destas freguesias para melhor

demonstrar o processo na ocupação destas áreas. Inicialmente, destacamos um ponto

central para o entendimento deste processo, que se refere às localidades destas

freguesias. Assim, cabe fazermos um paralelo entre as áreas ocupadas e tentar

compreender um pouco mais dos motivos que fizeram alguns dos sesmeiros desejarem

certas áreas primeiro e posteriormente outras.

Como já apresentamos ao longo deste capítulo, a vila matriz de São José del Rei

era o principal centro minerador do termo, sendo também, nas primeiras décadas da

segunda metade do século XVIII, a região com maior número de indivíduos. Assim, as

regiões próximas a esta vila foram as primeiras áreas desejadas pelos sesmeiros, pois,

encontravam no mercado saojoseense uma boa zona de comercialização. Dessa maneira,

duas freguesias que ilustram bem este processo de ocupação nas áreas próximas a vila

matriz foram Nossa Senhora da Penha de França do Bichino e a freguesia de Lage. A

freguesia de Lage, estando nas proximidades de São José, remete a um processo

ocupacional já na primeira metade do XVIII104

e desempenhava como principais

atividades a agricultura e a pecuária105

. A produção de gêneros alimentícios encontrada

nesta freguesia deve ser vista com atenção, pois, permite caracterizá-la como área

abastecedora106

, já que, "Lage deve ter sido ocupada inicialmente para a produção de

alimentos destinados a abastecer essas aglomerações urbanas, uma vez que não há

notícias de mineração"107

. Nesta mesma vertente de ocupação, a freguesia de Bichinho,

que se localizava muito próximo à vila de São José, da qual distanciava apenas uma

légua e meia, também foi caracterizada por uma ocupação recente, já no ano de 1729.

Identificamos na dinâmica destas fronteiras a presença de solicitações de cartas

de sesmarias na freguesia de Prados, principalmente, para as décadas de 40, 50 e 60.

104

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo

Horizonte. Ed: Itatiaia, 1995. p. 279. 105

TEIXEIRA, Maria Lúcia R. C. Famílias escrava e riqueza na Comarca do Rio das Mortes: o distrito

de Lage (1780-1850). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1998. (Dissertação de Mestrado). p. 40. 106

Ibidem. 107

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 35.

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Sendo esta área também próxima ao mercado consumidor de São José, acreditamos que

a maior concentração de pedidos nestas décadas vem a reforçar o interesse dos

sesmeiros pelas áreas circunvizinhas a vila matriz. É oportuno também destacarmos

acerca da freguesia de Prados a possibilidade de percepção do movimento das fronteiras

abertas, que apresentam-se até a década de 60 solicitações de documentos para esta

região. Em contrapartida, nos anos posteriores mais ao final do século XVIII, não foi

possível localizar pedidos de faixas de terras, o que, por sua vez, demonstra o processo

de fechamento das fronteiras nestas áreas.

Deste quadro geral demonstrado por estas freguesias próximas a vila de São José

e o seu processo de ocupação, podemos perceber traços importantes nesta dinâmica das

fronteiras. Portanto, cabe destacar que estas freguesias circunvizinhas a vila matriz

tiveram primeiramente sua ocupação inicial em relação às áreas mais interioranas.

Nossas análises, portanto, permitem perceber que a "economia do ouro criou um

mercado interno, articulado em torno dos centros urbanos e das zonas de garimpo,

particularmente propício para os produtos agropecuários".108

Todavia, é pertinente agora tratarmos das áreas mais distantes da vila matriz,

pois, nos auxiliará a compreendermos o processo de interiorização nas áreas dos sertões.

Para tanto, devemos nos ater às regiões que aparecem mais ao final do século XVIII,

pois estas freguesias demonstram o aspecto constante da demanda por mais terras.

Assim, cabe destacarmos a freguesia de Oliveira, Passatempo, São João Batista e

Tamanduá. Estas regiões, diferentemente das outras freguesias aparecem para nós na

documentação das últimas décadas do XVIII. O que de imediato vale considerarmos,

refere-se ao distanciamento destas regiões do centro minerador, a saber que Oliveira se

encontrava a 16 léguas de São José 109

. A freguesia de Passatempo e São João Batista

estavam respectivamente a 14 léguas110

e 11 léguas111

da vila matriz. Para a região de

Tamanduá não temos o distanciamento preciso, embora saibamos que também se trata

de uma área mais interiorana. Dessas considerações, passamos a um ponto também

importante acerca da percepção das fronteiras, uma vez que, estas regiões ao contrario

108

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) p. 35. 109

Idem. p.39. 110

Idem. p. 38. 111

Idem. p.40

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do que ocorre nas áreas das freguesias mais próximas a vila de São José, aparecem em

número maior de solicitação de faixas de terras nas décadas de 70, 80 e 90.

A freguesia de Tamanduá é um exemplo perceptível deste deslocamento

populacional que efetivou a ocupação em áreas mais distantes, aparecendo na década de

60 com um total de 11%, na década de 70 com um total de 34% e em 80 com 31% das

solicitações de faixas de terras. Assim, podemos inferir que o deslocamento

populacional somado à demanda por mais terras fez proceder a ocupação desta região.

O caso ocorrido na freguesia de Oliveira também é importante para demonstrar

este quadro da necessidade por mais terras e a expansão das fronteiras. Estando, como

dito anteriormente, a 16 léguas da vila de São José, Oliveira teve sua ocupação

ocasionado pela necessidade de mais terras, aparecendo os pedidos de sesmarias ao

longo das três últimas décadas do século XVIII. Quanto a sua ocupação, nossos dados

também demonstram aspectos interessantes, uma vez que vemos um maior número de

pedidos na década de 90, ou seja, a fronteira ainda permanecia aberta nesta região e

nesta última década em questão, Oliveira ainda era área de atração dos sesmeiros.

Assim, "a expansão para o oeste, em busca de terras para pastos e cultura seguindo os

rumos da Picada de Goiás, caracterizou a ocupação de Oliveira".112

Nesta conquista do oeste dos sertões, o caso de São João Baptista também se

aproxima do processo ocupacional ocorrido em Oliveira, aparecendo as solicitações de

faixas de terras nas décadas de 70 e 90. Esta região, segundo Barbosa, também se

caracterizava por ser produtora de mantimentos.113

Os resultados encontrados a partir da realização deste mapeamento vêm

corroborando os obtidos com pesquisas anteriores, como expusemos ao longo deste

trabalho. A ocorrência de ocupações nas proximidades circunvizinhas à vila matriz de

São José del Rei, num primeiro momento, demonstram o caráter mercantil da produção

agropastoril voltadas para o principal centro populacional deste termo. No entanto, com

o fechamento das fronteiras ao avançarmos na segunda metade do século XVIII resultou

no processo de interiorização dos sertões oeste, compreendendo o antigo caminho da

Picada de Goiás.

112

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.38. 113

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo

Horizonte. Ed. Itatiaia, 1995. p. 212.

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Deste quadro, podemos também inferir, de modo geral, outros três importantes

elementos provenientes da expansão das fronteiras, sendo estes: a) a interiorização dos

sertões, possibilitando, com isto, a constituição de novas vias de comunicação; b) a

produção agropastoril absorvendo o grande fluxo populacional já nas primeiras décadas

do século XVIII e c) a incorporação das atividades minerais, outrora predominantes,

pela produção agropastoril.

Primeiramente, cabe analisarmos o ponto “a” do parágrafo anterior. Esta

interiorização dos sertões, que demonstramos pelos gráficos de ocupação, estava

intimamente relacionada com os fluxos migratórios que ocorreram ao longo do período

estudado. Cabe lembrarmos que neste processo, existia um intenso comércio entre os

principais centros populacionais e suas respectivas áreas de currais, permitindo, com

isto, o incremento do comércio do gênero agropastoril. Este quadro ocupacional

resultou na abertura de rotas e caminhos que auxiliavam no escoamento da produção e

também, para abastecer as tropas e o contingente populacional que percorriam por essas

regiões. Como bem ressalta o historiador Caio Prado Jr.,

ao longo das grandes vias de comunicação, frequentadas pelas numerosas

tropas de bestas, que fazem todo o transporte por terra na colônia... (pois) é

precioso abastecer estas tropas durante a sua viagem, alimentar os condutores

e os animais. (É este movimento de tropas) largamente suficiente para

provocar o aparecimento, sobretudo nas grandes vias que articulam Minas

Gerais, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro entre si, de uma atividade rural que

não é insignificante114

.

No termo de São José del Rei, onde centramos nossas análises, esta

característica mencionada por Prado Jr., encontrava-se presente já nos anos iniciais da

formação desta vila. O descobridor do metal precioso, Thomé Portes del Rei, “instalou-

se nas margens do rio das Mortes, onde era senhor de canoa da passagem e vendia

mantimentos aos passageiros”115

. Ainda neste período, ou seja, nos anos iniciais do

século XVIII, esta região da comarca do Rio das Mortes já havia iniciado sua produção

agrícola, o que é demonstrado pela instalação de sítios vizinhos que objetivava o

comércio destes gêneros. Estas considerações expostas auxiliam para ressaltar a

importância desta atividade na dinâmica da sociedade sãojoseense, tendo sua formação

114

PRADO Jr. Caio. Apud GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão

em Minas Gerais (1700-1750). Revista do Departamento de História, BH: UFMG, vol.1, n.2.p. 13. 115

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo

Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995, p. 318.

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logo nos anos iniciais da vila, como também, o seu aprimoramento ao longo do o século

estudado.

Passando agora para a análise dos pontos “b” e “c”116

, onde ambos estão

correlacionados, podemos perceber outras importantes questões. No que se refere ao

desenvolvimento da produção agropastoril e sua expansão ao oeste do termo de São

José del Rei, percebemos que grande parte da população livre deste termo praticava esta

atividade econômica. Este quadro é representado pelo crescimento populacional nas

áreas dos currais do termo de São José del Rei ao longo da segunda metade do século

XVIII. Como bem aponta Guimarães e Reis,

a agricultura deve ser vista integrando os mecanismos necessários ao

processo de colonização desenvolvidos na própria Colônia, uma vez que,

voltada para o consumo interno, era um meio de garantir a reprodução da

estrutura social, além de permitir a redução dos custos com a manutenção da

força de trabalho escrava117

.

Cabe, por ora, retornarmos a análise dos indivíduos que ocuparam a região do

antigo caminho da Picada de Goiás, pois, também nos auxiliará para melhor

compreender a dinâmica das fronteiras nesta região. Como mencionamos anteriormente,

a Comarca do Rio das Mortes desde o início de sua formação já se destacava pela

produção de gêneros agropastoris. Sendo assim, desde os “primórdios da exploração

aurífera, o setor de abastecimento se fez presente em território mineiro, seja através da

junção dessas duas atividades nas fazendas-minas ou pelas unidades agropastoris com

ou sem mão de obra escrava” 118

.

Analisando o número de escravos empregados nas roças da Comarca do Rio das

Mortes durante a segunda metade do século XVIII, percebemos que 60,8% do número

116

Sendo estes os pontos analisados: b) a produção agropastoril absorvendo o grande fluxo populacional

já nas primeiras décadas do século XVIII e c) a incorporação das atividades minerais, outrora

predominantes, pela produção agropastoril. 117

GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria Agricultura e mineração no século XVIII. In:

RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as

Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;Companhia do Tempo, 2007.p.323. 118

GUIMARÃES e REIS, apud GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São

José do Rio das Mortes, 1730 – 1850. In: MOTTA, Márcia Maria Menendes. GUIMARÃES, Elione Silva

(Orgs.). Campos em Disputa: história agrária e companhia.São Paulo: Ed. Annablume, 2007. p.134.

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de cativos encontravam se empregados nesta atividade de produção119

. Esta elevada

porcentagem de escravos empregados nestas atividades reforça o caráter mercantil desta

produção, já que, “não só a agricultura foi atividade desenvolvida desde o início da

colonização das Minas, como desde cedo teve caráter escravista e mercantil” 120

. Desta

forma, a necessidade de terras, bem como a ocupação de novas áreas eram fatores

básicos para o aumento da produção e absorção do intenso contingente que se deslocou

para estas áreas. Para nossa região estudada, a ocupação dos sertões serve para

demonstrar a necessidade de incorporação de novas áreas para o desenvolvimento das

atividades agropastoris.

Além do elevado número de escravos presentes nesta comarca, outra

característica importante a ser mencionada refere-se a sua população livre. Neste

período que compreende nosso recorte de análise, a população livre presente na

Comarca do Rio das Mortes superava as demais comarcas da capitania de Minas Gerais.

Ainda nesta questão, cabe relacionarmos esta característica com o processo de ocupação

dos sertões, bem como a expansão das fronteiras. Desta forma, percebemos que a

ocupação dos sertões mineiros, assim como, a produção agropastoril tiveram seu

crescimento a partir do deslocamento populacional para estas regiões. Quanto à

característica desta produção agrária, os inventários post-mortem para a vila de São José

entre os anos de 1743 a 1850 demonstram a

presença de cativos idosos ou de menores nas escravarias dos pequenos

produtores de São José. (...), de 178 pequenos proprietários com até seis

escravos entre as datas de 1756 e 1848, percebemos que 36,2% dos seus 596

cativos se encontravam em idade infantil ou idosa, com menos de 14 e mais

de 49 anos, ou eram doentes121

.

Dessa forma, podemos perceber que boa parcela da população livre atuava na produção

agropastoril. Estes pequenos produtores saojoseenses tiveram um papel fundamental

para o desenvolvimento das atividades agrárias nesta região, utilizando como

119

ALMEIDA, C. M. C. De Vila Rica ao Rio das Mortes: mudança do eixo econômico em Minas

colonial. In: Locus (Juiz de Fora), v. 11, 2006. p.147. 120

GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700-

1750). Revista do Departamento de História, BH: UFMG, vol.1, n.2. p.21. 121

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São José do Rio das Mortes, 1730 –

1850. In: MOTTA, Márcia Maria Menendes. GUIMARÃES, Elione Silva (Orgs.). Campos em Disputa:

história agrária e companhia.São Paulo: Ed. Annablume, 2007. p.141.

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complementação do trabalho familiar, cativos que em sua grande maioria não se

encontravam em boas condições de trabalho.

Por fim, ao longo desta unidade, tentamos demonstrar o processo de ocupação

dos sertões mineiros, analisando as principais regiões ocupadas ao longo do século

XVIII. A análise realizada até o momento permitiu inferir algumas importantes

considerações acerca da dinâmica das fronteiras nesta região, no entanto, é

indispensável ao historiador das sociedades agrárias “ir além no sentido de perceber as

descontinuidades e as mudanças bruscas que dizem respeito a conjuntos

socioeconômicos maiores e mais complexos”. Assim, tentaremos em nosso próximo

capítulo buscar uma melhor compreensão das unidades produtoras estabelecidas nestas

regiões. Para tanto, nossos esforços irão se centrar nas dimensões das faixas de terras

concedidas nestas áreas interioranas, tentando estabelecer uma identificação destas

unidades, trazendo com isto, novas questões que permanecem ainda pouco conhecidas.

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Capítulo II - Das fronteiras à ocupação: em busca dos sesmeiros:

A terra é a fonte ou a matéria de onde se tira a riqueza; o trabalho do homem é a forma que a produz. (...). A terra produz ervas, raízes, cereais, linho, algodão, cânhamo, arbustos e árvores de várias espécies, com frutos, cascas e folhagens diversas, como as das amoreiras para bichos da seda; ela produz minas e minerais. O trabalho do homem dá forma de riqueza a tudo isto. (CANTILLON, Richard. Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral (1755). Curitiba, Ed. Segesta, 2002. p.21.)

Este capítulo tem como objetivo analisar as concessões de terras dos sesmeiros

que ocuparam a região oeste dos sertões da Comarca do Rio das Mortes. Dessa maneira,

focaremos nossos esforços para melhor compreender os aspectos pertinentes a estrutura

fundiária constituída nestas áreas do sertão, buscando em nossa documentação a

identificação das faixas de terras concedidas aos indivíduos que ocuparam o antigo

caminho da Picada de Goiás. Outro importante aspecto pertinente a este capítulo refere-

se aos embates oriundos do processo ocupacional, decorrente do aumento populacional

presenciado na maior parte das freguesias estudadas por nós e a constante necessidade

por mais terras.

Como expusemos ao longo do primeiro capítulo, a dinâmica das fronteiras

apresentou um intenso deslocamento na segunda metade do século XVIII,

apresentando-se, na maioria das freguesias em forma de fronteira aberta. Neste contexto

da dinâmica das fronteiras e o seu consequente processo ocupacional, cabe ressaltarmos

que "a colonização é - em essência - um processo de expansão territorial, constituindo

uma modalidade particular de relação sociedade-espaço, marcada pela conquista,

domínio e exploração econômica de novas terras"122

, sendo, portanto, necessário

conhecer e efetivar a realização da ocupação de novas áreas. Tentamos deixar claro

também, ao longo de nossas análises preliminares, a ocorrência do deslocamento

populacional para as regiões dos sertões formando novas freguesias e arraiais, bem

como a intrínseca relação existente entre estes novos espaços ocupados e a prática das

atividades agropastoris. Diante destas questões, partiremos em busca da compreensão

destes espaços em formação, bem como tentar melhor analisar esta sociedade mineira a

122

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, um proposta e uma

crítica. São Paulo:Annablume, 2009. p. 59.

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partir dos sesmeiros do antigo caminho da Picada de Goiás na segunda metade do

século XVIII.

Dessa maneira, algumas questões nos deixam inquietados acerca deste intenso

deslocamento ocorrido nestas regiões dos sertões oeste desta Comarca. Portanto, quais

seriam os motivos que desencadearam o rush populacional para estas áreas? Ainda

podemos nos questionar acerca do perfil social destes indivíduos, buscando, desta

maneira, compreender quem eram estes sesmeiros ou mesmo, quais as principais

características de suas propriedades e atividades econômicas? Estas são algumas das

questões que nortearão a elaboração deste capítulo e nas quais focaremos nossos

esforços para obter as respostas a partir da análise das fontes primárias.

Cabe destacarmos que as cartas de sesmarias utilizadas como principal fonte de

análise neste capítulo nos revelam traços determinantes das estruturas agrárias, já que

estes documentos compreendem a única via de acesso legal para a posse de terra ao

longo do período colonial. A suspensão do sistema sesmarial ocorreu em 1822, sendo

posteriormente substituída pela Lei de Terras em 1850. Todavia, não nos cabe neste

momento adentrarmos nos pormenores da lei de sesmarias, tendo em vista que, em

momento mais oportuno dedicaremos uma unidade neste capítulo para tratarmos acerca

deste sistema.

Em nossa pesquisa em questão, a figura do indivíduo - os sesmeiros - torna-se o

elo para melhor traçarmos as características desta sociedade mineira. Dito isto,

continuaremos a analisar as cartas de sesmarias no anseio de identificar e compreender a

composição da unidade fundiária destes indivíduos ao longo da segunda metade do

século XVIII. Cabe ressaltarmos que a realização do estudo social destes sesmeiros,

refere-se à compreensão das dinâmicas socioeconômicas formadas a partir do processo

de expansão das fronteiras. Dessa maneira, cabe a nós destacarmos que a

história social, (...), surgia no cenário historiográfico como campo relevante e

definitivo a se estabelecer no âmbito das modalidades historiográficas que

devem ser definidas pelas dimensões que são trazidas à tona quando o

historiador se põe a examinar um processo histórico qualquer.123

123

BARROS, José D’Assunção. “A História Social: seus significados e seus caminhos” in LPH - Revista

de História da Universidade Federal de Ouro Preto. N° 15, 2005; p. 235-256.

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Para tanto, nossas dimensões compreendem o processo de formação e ampliação

das freguesias e arraiais que compunham o antigo caminho da Picada de Goiás ao longo

do século XVIII. Estando esta relação intimamente coligada ao desenvolvimento das

atividades agropastoris nestas áreas do sertão e a necessidade de obtenção de mais

terras, consequência do crescimento populacional presenciado ao longo da segunda

metade deste século estudado por nós.

Em nossa pesquisa, para alcançarmos nossos objetivos e melhor compreender as

dinâmicas ocorridas nesta região, iremos basear nossos estudos em um montante de 268

cartas de sesmarias, almejando, dessa forma, identificar algumas das principais

características dos indivíduos que solicitaram as concessões de terras, bem como

também, a extensão das suas faixas de terras. Este montante documental analisados em

nossa pesquisa, compreendem os registros documentais que se encontram no IPHAN de

São João del Rei referentes ao nosso recorte temporal e espacial de análise. Acreditamos

ser este volume documental suficiente para a identificação e análise das unidades

socioeconômicas do antigo caminho da Picada de Goiás.

Tratando-se de uma fonte que privilegia o estudo agrário, buscaremos nestes

documentos características como: o nome do proprietário, a data de concessão, a

localização da terra, a extensão e, algumas vezes informações sobre o tipo e quantidade

de mão de obra, tipos de atividades desenvolvidas, além dos prazos máximos para

demarcação, cultivo e ocupação124

. Acreditamos que a partir destas informações

poderemos contribuir com nossa pesquisa para uma melhor compreensão das unidades

agrárias presentes nestas regiões estudadas.

Nossa análises, envolvendo o estudo dos sesmeiros e as estruturas agrárias na

região da Picada de Goiás, podem tornar-se uma tarefa por demais complicada, tendo

em vista o número de informações a serem levantadas. Todavia, diante deste labirinto

documental de nomes e números que podem nos deixar por demais confusos,

adotaremos algumas metodologias que nos auxiliarão na pesquisa, para assim,

encontrarmos os resultados almejados.

Dessa forma, primeiramente, cabe destacarmos às considerações de Simona

Cerutti, em que, segundo a autora:

124

GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas Gerais (1700-

1750). p. 08.

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in the view of ‘social’ microhistorians, the reconstruction of individual

trajectories was part of the overall ambition to reconstruct categories and

chronologies from precise contextual analyses. (…). The idea was that

tracing individual paths and analyzing either their individual social relations

or political, economic or social strategies was a question of describing a

social and cultural context together125

.

A partir da identificação dos sesmeiros e suas unidades de produção somos

capazes de traçar uma melhor compreensão deste vasto território que compreendiam as

vilas e as freguesias do antigo caminho da Picada de Goiás. Apesar de nossas análises

privilegiarem o estudo histórico e geográfico do processo de ocupação destes sertões,

buscaremos também, identificar através dos sesmeiros elementos que incentivaram e

possibilitaram os intensos fluxos migratórios ocorridos nesta região ao longo da

segunda metade do século XVIII. Estas características serão melhor apresentadas no

momento em que identificarmos os aspectos das estruturas produtivas e suas respectivas

propriedades em questão.

Ainda no contexto metodológico a ser utilizado neste capítulo, devemos ressaltar

também a utilização do método onomástico que desempenhará um papel crucial para

nossas análises. Como menciona Ginzburg, "o fio de Ariana que guia o investigador no

labirinto documental é aquilo que distingue um indivíduo de um outro em todas as

sociedades conhecidas: o nome"126

. Assim, ao analisarmos os sesmeiros da Picada de

Goiás, identificaremos a partir do seu nome as características que nos permitem

reconstruir e melhor compreendermos os aspectos sociais nestes espaços em formação.

Tentar buscar através das fontes documentais uma forma de dar “voz” aos agentes

sociais da história, talvez seja, um dos maiores legados que a microanálise nos alerta e

possibilita. Dessa maneira, compreender e analisar a partir das fontes documentais uma

forma de reconstruir as características da sociedade estudada, para que, dessa forma,

seja possível perceber como os indivíduos agem para prevalecer seus interesses e

125

CERUTTI, Simona. Microhistory: Social Relations versus Cultural Models ?. In : CASTRÉN, A. M.,

LONKILA, et PELTONEN, M. Peltonen (dir.), Between Sociology and History. Essays on Microhistory,

Collective Action, and Nation-Building, S.K.S., Helsinki, 2004. p.20. Livre Tradução: " na perspectiva da

micro-história social, a reconstrução das trajetórias individuais foi parte de uma ambição maior para

reconstruir categorias e cronologias de uma análise de um contexto preciso. (...). A ideia era de que

traçando trajetórias individuais e analisando suas relações sociais ou políticas, econômicas ou estratégias

sociais era uma questão de descrever ambos os contextos, social e cultural, conjuntamente". (Tradução de

minha autoria). 126

GINZBURG, C. “O nome e o como”. In: A micro-História e outros ensaios, Lisboa, Difel, 1991. p.

174.

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vontades próprias, utilizando de estratégias e mecanismos sociais para alcançarem seus

objetivos desejados.

Ressaltamos que a tentativa de identificar os sesmeiros que ocuparam os sertões

do oeste da Comarca do Rio das Mortes, bem como também suas características

socioeconômicas, reflete uma conjuntura específica de análise, já que, “considerados

num nível mais profundo, tanto os indivíduos quanto a sociedade conjuntamente

formada por eles são igualmente desprovidos de objetivo. Nenhum dos dois existe sem

o outro” 127

. Dessa maneira, a ocupação dos sertões é um processo decorrente da própria

conjuntura da Capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. Dessa

maneira, a comarca do Rio das Mortes, neste período em questão, destacava-se na

intensificação e expansão das atividades agropastoris para estas regiões dos sertões

oeste. Todavia, cabe analisarmos este processo com certa cautela e para tanto é

pertinente adentrarmos na historiografia para compreendermos as conjunturas deste

século em questão.

A descoberta aurífera na Capitania de Minas Gerais desencadeou um intenso

deslocamento populacional para estas regiões na virada do século XVII para o XVIII.

Como bem salienta Caio Boschi,

os aglomerados urbanos foram responsáveis pela introdução e pelo

desenvolvimento de intenso mercado interno, tanto nos seus próprios limites

como no interior da Capitania e, desta, com outras partes da Colônia. Se a

exploração aurífera foi o início, nem sempre e nem em toda região ela foi a

principal atividade produtiva. Para cuidar do abastecimento, simultaneamente

à mineração, vai-se compondo diversificada estrutura produtiva128

.

Dessa maneira, nossa região estudada passa por dinâmicas internas significativamente

complexas. Estes mercados internos vieram a se desenvolver com maiores

especificidades ao longo do setecentos, provocando uma intensificação nas relações

comercias entre a Capitania de Minas Gerais e outras partes da colônia. Este contexto é

demonstrado pela relação de que "somente a menor parte do abastecimento das regiões

mineradoras era garantida por produtos vindos da metrópole, ficando as demais regiões

127

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994. p.18. 128

BOSCHI, Caio. "Apontamentos para o estudo da economia, da sociedade e do trabalho na Minas

Colonial". BH. Análise & Conjuntura, v.4, n.2. 1989.

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coloniais responsáveis pelo restante"129

. Neste contexto, devemos destacar as relações

comercias existentes entre as Minas e a principal praça mercantil neste período, ou seja,

o Rio de Janeiro que "entre 1754 e 1757, a praça carioca forneceria quase que a metade

do valor das mercadorias que chegavam as Minas"130

.

Passando por ora a análise da comarca estudada em questão, ou seja, a do Rio

das Mortes, esta apresentava algumas características que devemos ressaltar.

Primeiramente, deve-se mencionar a importância das atividades agropastoris encontrada

nesta comarca, onde se notava um "verdadeiro complexo agropecuário"131

que atraiu um

enorme contingente populacional para o desenvolvimento desta atividade econômica132

.

Um bom exemplo para ilustrar a situação encontrada nesta comarca, pode ser

exposta segundo a metáfora de Caio Boschi, em que, "no chamado ciclo do ouro, esse

mineral não foi tudo. Em tendência de longa duração, nas Minas Gerais setecentistas

nem tudo o que reluzia era ouro"133

. Neste aspecto, a historiografia das décadas de 70 e

80 produziu excelentes trabalhos que auxiliaram na compreensão do mercado interno

existente na colônia, como também, a formação de uma "agricultura mercantil de

subsistência" que atuava concomitantemente a exploração do metal precioso. Neste

contexto, destacamos o estudo primordial de Alcir Lenharo que demonstrou a

importância das atividades agrícolas existentes desde as descobertas do metal precioso

que desempenhava um caráter mercantilista com a existência da comercialização do seu

129

SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas

econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 - c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p.151. 130

FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,

sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.77. Para o século XIX em questão, a pesquisa realizada por

Fragoso e Guedes também comprovam a contínua interação econômica existente entre Minas Gerais e a

praça mercantil no que se refere ao fornecimento de escravos. Ver: FRAGOSO, João; FERREIRA,

Roberto Guedes. Alegrias e artimanhas de uma fonte seriada. Os códices 390, 421, 424 e 425: despachos

de escravos e passaportes da Intendência de Polícia da Corte, 1819-1833. In: BOTELHO, Tarcísio (org.).

História quantitativa e serial no Brasil: um balanço. Goiânia:ANPUH, 2001. p.247. 131

FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,

sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 200. p.79. 132

A comarca do Rio das Mortes conheceu um aumento populacional estupendo - de 82.781 habitantes

em 1776 para 213.617 em 1821, ou seja, de 1/4 para 2/5 da população da capitania como um todo. In:

FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade

agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.79. 133

BOSCHI, Caio. Nem tudo o que reluz vem do ouro. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. (ORG). História

Econômica do Período Colonial. São Paulo. Ed:Hucitec. 2002. p.65.

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excedente com o mercado carioca 134

. Ainda nesta questão, os estudos de Kenneth

Maxwell que apontam uma elasticidade na economia mineira capaz de absorver os

impactos causados pela escassez do ouro em novas atividades ou mercantilizando em

maior potencial as atividades ligadas à agricultura e a pecuária135

. Estas duas obras

mencionadas e suas considerações irão desempenhar um importante papel ao longo

deste segundo capítulo, principalmente, no que se refere ao estudo das atividades

econômicas desenvolvidas na região da Picada de Goiás.

Este contexto geral, exposto nesta breve introdução ao nosso segundo capítulo,

auxilia para demonstrar que a intensificação na produção agropastoril demandou a

necessidade da ocupação das fronteiras abertas ao longo da segunda metade do século

XVIII, bem como também, a necessidade de adentrar-se nas terras dos sertões oeste da

comarca do Rio das Mortes. Dessa maneira, observamos a predominância da dinâmica

de ocupação juntamente com o avanço das fronteiras nas áreas que margeavam o grande

e caudaloso Rio São Francisco, "fazendo com que se formassem não só caminhos de

gado, como que se conquistassem terras aos índios com a finalidade de criar gado para a

área mineradora"136

. Neste contexto geral de crescimento demográfico nas áreas dos

currais juntamente com a expansão / interiorização dos sertões, constitui o nosso recorte

espacial, onde buscaremos nossas análises e consequentemente, uma melhor

compreensão destes sesmeiros que margearam e ocuparam o antigo caminho da Picada

de Goiás.

Por fim, cabe mencionarmos que este segundo capítulo será composto por três

unidades. Dessa forma, visamos em um primeiro momento apresentar o sistema

sesmarial implantado no Brasil colonial. Nesta unidade almejamos expor a constituição

deste sistema, bem como também, algumas de suas características para apresentar com

maior clareza ao leitor, o sistema jurídico de acesso à terra que vigorou no Brasil até a

segunda metade do século XIX. Em um segundo momento, visamos expor as

características fundiárias encontradas no processo de ocupação, focando nas unidades

de terras concedidas aos sesmeiros nestas áreas que compreendem os sertões oeste da

Picada de Goiás. Nos valeremos dos ensinamentos e considerações da história agrária

134

LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil

(1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-29. 135

MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 136

ANDRADE, Manuel C. A pecuária e a produção de alimentos no período colonial. In:

SZMRECSÁNYI, Tamás. (ORG). História Econômica do Período Colonial. São Paulo. Ed:Hucitec.

2002. p. 104.

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para demonstrar a complexidade existente na dinâmica das fronteiras. Por fim, na última

unidade deste capítulo, buscaremos nos documentos elementos que auxiliam na

percepção das atividades agropastoris.

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2.1 - O Instituto Sesmarial: origens, implicações e o domínio:

"Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra". (Sergio Buarque de Holanda in: Raízes do Brasil (1997). p.30.).

Esta unidade do trabalho visa apresentar as origens e as implicações do instituto

sesmarial implantado no Brasil, buscando assim, demonstrar uma análise acerca deste

instrumento jurídico de acesso a terra. Dito isto, objetivamos historicizar este processo

para que auxilie o leitor na compreensão de algumas das complexas questões agrárias

deste sistema que vigorou até a segunda década do século XIX137

.

O instituto sesmarial que regulou a legislação e as concessões de terras no Brasil

colonial teve suas origens no medievo português. Dessa forma, quando se visa ao estudo

das questões agrárias no Brasil ao longo do século XVIII, torna-se necessária a

retomada do processo histórico português na tentativa de compreensão da origem do

sistema de concessão de terras aqui implantado. Como bem ressalta Ruy Lima: "é no

pequeno reino peninsular que vamos encontrar as origens remotas do nosso regimento

de terras"138

. Assim dizendo, iremos expor uma breve contextualização e apresentação

do instituto sesmarial nos parágrafos seguintes. Todavia, ressaltamos que não

objetivamos nos aprofundar na história portuguesa, mas sim, focaremos apenas nas

origens e nas implicações do nosso objeto de estudo em questão, ou seja, o sistema

sesmarial.

No período da formação do reino unificado de Portugal (séc. XI - XII)

juntamente com o apoio da Igreja Romana, caracterizou-se em um momento de

conquistas e anexações de novos territórios a partir da guerra de Reconquista. Nas

batalhas contra os mouros e a vitória / conquista dos povos cristãos contra os infiéis139

o

reino de Portugal aumentou consideravelmente o seu domínio sobre novas áreas.

137

O sistema sesmarial vigorou no Brasil até o ano de 1822, posteriormente, foi substituído pelo regime

jurídico da Lei de Terras em 1850. 138

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.15. 139

A utilização dos termos "cristãos" e "infiéis" refere-se ao fato das terras reconquistadas na batalha de

Reconquista já terem sido pertencentes em tempos anteriores ao povo cristão. Ver: MARQUES, Antonio

H. de Oliveira. Portugal na Crise dos séculos XIV e XV. Lisboa: Presença, 1987. p. 350-65.

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Todavia, com a anexação destas regiões viria a surgir uma nova questão conflitante,

sendo esta a necessidade de povoar estas áreas e também, possibilitar o

desenvolvimento econômico do reinado.

A solução encontrada pelo monarca consistia em doações de faixas de terras,

visando com isto privilegiar tanto os mais nobres como os menos abastados de prestígio

social, obviamente com o intuito de ocupação destas novas áreas, bem como também,

de incentivo ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, o reinado obtinha o aumento

das suas áreas de influência através do poderio político, além de incentivar o

desenvolvimento econômico com o aumento da produção dos gêneros agrícolas. Neste

contexto, devemos destacar as presúrias que foram cruciais como medidas de

povoamento e adotadas como práticas iniciais de concessões de terras. Como bem

analisa Carmen Alveal,

esse instrumento de acesso à terra, reivindicado ou conquistado pelas armas,

na luta de Reconquista dos séculos IX e X, era realizado por homens livres

não poderosos o bastante. Dessa forma, a ocupação teve como consequência

a pequena e a média, esta em menor escala, propriedade140

.

As presúrias concedidas pelo monarca desencadearam transformações

substanciais na estrutura agrária portuguesa, cabendo a nós, neste momento, apontarmos

algumas destas implicações. Primeiramente, uma das características marcantes deste

sistema consistia na exigência do cultivo da área concedida. Como destaca Virginia Rau

em seu já clássico estudo acerca do sistema sesmarial português, esta exigência na concessão

das presúrias "nunca se perderia a primitiva lembrança da aquisição de direitos sobre a terra

mediante o cultivo" 141

. Preenchida esta condição básica, o indivíduo viria a se tornar o

proprietário da terra, podendo assim, consequentemente, vendê-la, trocá-la ou transmiti-

las aos seus herdeiros142

.

Uma segunda consideração que nos cabe ressaltar acerca das presúrias trata da

ocupação das terras vagas. Dessa forma, sendo exigência básica o estabelecimento do

cultivo como forma de acesso à propriedade, houve no reino de Portugal, neste período,

140

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p. 14. 141

RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.39. 142

Idem. p.35.

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80

uma intensificação de solicitações para concessões das faixas de terras devolutas ou em

terras que não haviam sido lavradas. Todavia, cabe ressaltarmos que esse tipo de acesso,

"apresentava problemas no momento em que houvesse direitos de propriedade,

verificando-se a impossibilidade da ocorrência de presúria em terras onde existissem

direitos anteriores"143

.

Neste contexto, devemos destacar três mecanismos que auxiliaram o controle e a

fiscalização da produção, bem como também, da concessão de terras neste período.

Estes instrumentos de controle e fiscalização foram os concelhos, as inquirições e a

confirmação. Expondo de maneira introdutória estes mecanismos, analisamos

primeiramente os concelhos, sendo estes, os responsáveis por "configurar o complexo

sistema legal e regulador da propriedade"144

. Cabe destacarmos também, que os

concelhos ficavam atrelados às determinações régias, o que consequentemente provocou

uma maior concentração do poderio político nas mãos do monarca. As inquirições, por

sua vez, consistiam nas "comissões de inquérito que funcionavam como alçadas, com o

objetivo de avaliar a situação das propriedades de terra no reino"145

, evitando, assim, os

abusos e extrapolações no instituto regulador da propriedade. E por fim, temos as

confirmações que consistiam no reconhecimento real do título de propriedade da faixa

de terra concedida146

.

De maneira geral, as presúrias trouxeram avanços na produção agrária no Reino

de Portugal e conseguiram também proporcionar a ocupação nas áreas recém

conquistadas nas batalhas contra os mouros. Todavia, este sistema viria a sofrer grandes

transformações nos períodos das crises que assolaram o reinado ao longo do século

XIV, tais como as epidemias e as crises de fome, que, consequentemente, vieram a

provocar intervenções mais severas por parte do monarca. Cabe a nós neste momento,

adentrarmos na análise destas crises que estamos mencionando e suas implicações e

consequências nas estruturas sociais do reino.

Neste período em questão, marcado pelas crises de fome e pela terrível peste

negra (1348-1351), ocorreu uma diminuição acentuada na população do reino. Em

143

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p. 18. 144

Idem. p.19. 145

Ibidem. 146

Idem. p.20.

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decorrência da alta mortalidade, de estimativas em torno de 1/3 147

da população do

reino, vieram a intensificar as crises alimentares e também provocaram o êxodo rural.

Ainda neste contexto, a diminuição demográfica em Portugal provocou também a

escassez de mão de obra nas produções agrícolas. Este quadro de crise era também

percebido através da ocorrência de reclamações dos concelhos, que exigiam soluções

para "o problema agrícola e da falta de trabalhadores rurais, enfatizando o alto nível dos

soldos vigente para a mão de obra rural"148

.

A solução encontrada para o controle desta crise social partiu de medidas mais

rigorosas e coercitivas por parte do monarca, que buscava restaurar o controle e

contornar o abandono das propriedades agrárias. Neste contexto surge então o sistema

sesmarial como medida de controle para o abandono das terras.

A Lei de Sesmarias criada por D. Fernando I em 1375 tinha como principal

finalidade a regulamentação da produtividade agrícola no reino, por meio do controle ao

acesso às terras devolutas na tentativa de aumentar a produção dos gêneros alimentícios.

Dessa forma, o abandono das terras rurais provocado pela crise demográfica e

acentuada pelo êxodo populacional em direção aos centros urbanos, necessitou na

intervenção do monarca na tentativa de solucionar a crise instaurada nos campos. O

instituto sesmarial visava, portanto, a "expropriação de terras não produtivas de forma

coercitiva, na tentativa de solucionar a falta de mão de obra no campo e a consequente

redução da produção de gêneros alimentícios"149

. A partir destas circunstâncias,

desenvolveu-se uma série de mecanismos para tentar solucionar esta crise instaurada,

cabendo agora, analisarmos estes elementos.

Neste contexto geral apresentado até o momento, ressaltamos então dois dos

principais problemas que causavam empecilhos ao desenvolvimento agrícola do Reino,

sendo estes, portanto, o abandono das terras agrícolas e a ausência de indivíduos para o

manejo da terra, fruto do êxodo para os centros urbanos. Este cenário fez surgir a

intervenção do monarca que

147

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p. 18. 148

Idem. p. 29. 149

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p. 29.

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ouvido o parecer do seu conselho e dos homens-bons, decidiu promover uma

série de medidas com três fins: a partilha do solo por gente de marcada

vocação rural, a obtenção de melhores culturas para benefício da terra e o

aproveitamento da mão de obra disponível ou voluntária150

.

Cabe lembrarmos que a posse da terra dava-se mediante o cultivo e a sua

ausência provocaria a desapropriação da faixa concedida. Assim, como medida adotada

para restabelecer a produção agrícola, as unidades de terra que não apresentavam

cultura eram redestinadas a outros indivíduo que desejassem cultiva-las. Eram portanto,

"obrigados a semear a terra os seus possuidores a qualquer título: por posse, prazo ou

aforamento"151

. Dessa maneira, o controle régio procedeu-se de modo mais rígido na

tentativa de fazer valer o cunho social 152

através dos seus regulamentos.

Coube também ao regime sesmarial tentar controlar a oferta e a demanda da mão

de obra para as produções agrícolas, através de medidas e leis para controlar esta

carência. Neste viés, era necessário acabar com a fuga nos campos em destino as

cidades, provocando com isto, um maior controle sobre o êxodo rural. Assim,

obrigavam-se os filhos de agricultores a retornarem ao campo e estabelecer o cultivo, ou

ainda, caso não tivessem terras, que as tomassem de outros que não produzissem.153

Aproveitaram-se também dos vadios e ociosos como reforço braçal nos campos,

obrigando estes a trabalharem e proibindo a esmola, decretando que "a vida dos homens

não deve ser ociosa, e a esmola não deve ser dada, senão a aquele que por si não pode

ganhar nem merecer por serviço de seu corpo"154

.

De maneira esquemática, o pesquisador Marcos Sanches destacou alguns dos

principais pontos referentes ao sistema sesmarial e à tentativa de controle da crise no

reinado, por meio da regulamentação das terras rurais, a qual expomos a seguir:

150

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: Estado, Pátria e Nação (1080-1415) Vol I. p.

352 151

Ibidem. 152

O aspecto social na qual o monarca fazia valer, referia-se a tentativa de solucionar a crise agrária que

tanto assolava o reino. Como podemos observar na seguinte referência documental: "(...) vendo que, nos

tempos passados, este reino era um dos mais abundantes de Espanha de trigo, cevada e mantimentos, e

por falta de ordem e polícia, era pelo contrário no seu tempo, em Cortes que para isso ajuntou, fez

algumas leis, mui úteis à república e àqueles tempos mui necessárias. (...) E que fosse assinado tempo

conveniente aos que houvessem de lavrar para começarem de aproveitar as terras sob certa pena. E que

quando os donos das herdades as não aproveitassem, ou dessem a aproveitar, que as justiças as dessem a

quem as lavrasse por certa coisa. LEÃO, Duarte Nunes apud LIMA, Ruy Cirne. Pequena História

Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988. p.17-18. 153

SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: Estado, Pátria e Nação (1080-1415) Vol I.

p.352. 154

Ibidem. p.352.

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- Quadro: A Lei e sua conjuntura:

Problemas Lei

"Escassez de cereais pelo abandono das

terras".

"Coagir o proprietário a cultivar a terra,

ou quem a tivesse por qualquer outro

título, mediante a sanção da

expropriação".

"Carência de mão de obra pela fuga para

outros mesteres e vida mais folgada".

"Facilitada o manho da gleba obrigando

ao mester da lavoura todos os que forem

filhos e netos de lavradores, os que não

possuíssem bem válidos até 500 libras e

não tivessem ocupação profícua ao bem

comum, nem senhor certo que

necessitasse do seu trabalho".

"Encarecimento dos gêneros e dos salários

dos homens do campo".

"Evitar o encarecimento geral

estabelecendo taxas de salários para os

servidores rurais e ao mesmo tempo

multas para que lhes desse mais que o

fixado".

"Falta de gado para a lavoura e seu preço

excessivo".

"Entravar a decadência da agricultura

constrangendo os lavradores a terem gado

necessário para a lavoura, e obrigando

quem o possuía para vender a fazê-lo por

preço razoável e previamente fixado"

"Desenvolvimento da criação de gado em

detrimento da agricultura".

"Fomentar o cultivo proibindo a criação

de gados a não ser aqueles que os

necessitassem para lavrar herdades suas e

de outrem".

"Oscilação perigosa entre o preço da terra

pedido pelo senhorio e oferecido pelo

locatário".

"Regular o aproveitamento agrário

fixando equitativamente o preço das

pensões ou rendas, a pagar pelos

lavradores aos proprietários da terra".

"Aumento dos ociosos, vadios e pedintes".

"Aumentar o contingente de proprietários

rurais compelidos ao trabalho agrícola os

ociosos, vadios e os mendigos que

pudessem fazer serviço de seu corpo".

Referência: SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes de propriedade e estruturas

fundiárias no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese

de doutorado). p. 51.

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A implantação do sistema sesmarial em Portugal apresentava, como dito

anteriormente, aspectos coercitivos que exigiam o cumprimento de determinadas

obrigações com o risco de expropriação pelo não cumprimento. Lembrando, como

aponta Rau, que a "violência da lei é enorme, sem dúvida, mas a orientação jurídica

econômica do século XIV era a de coerção"155

. Este processo ocorreu de maneira lenta,

em um esforço contínuo entre o poder régio de mando e a fiscalização do cumprimento

da lei pelos poderes locais156

.

Neste contexto de implantação e fiscalização da lei de sesmaria, esta viria a

provocar transformações significativas na estrutura agrária do reino, principalmente no

que se refere à propriedade. Cabe, todavia, ressaltarmos que a noção de propriedade

está, de certa maneira, vinculada a determinado contexto e noção social manifestada na

relação entre indivíduo e objeto, neste caso, a terra. Como ressalta Paolo Grossi,

a propriedade não consistirá jamais em uma regrinha técnica mas em uma

resposta ao eterno problema da relação entre homem e coisas, da fricção entre

mundo dos sujeitos e mundo dos fenômenos (...), longe de ceder a tentações

isolacionistas, deverá, ao contrário, tentar colocá-la sempre no interior de

uma mentalidade e de um sistema fundiário com função eminentemente

interpretativa.157

Ao que tudo nos indica, seguindo as jurisdições do sistema sesmarial, nos parece

que o domínio útil tendia a prevalecer, já que, nos termos do instituto sesmarial, o

indivíduo tinha "o direito de explorar a terra, não a propriedade sobre a terra” 158

.

Todavia, esta relação se concretizava numa linha por demais tênue, onde se percebe a

formação de uma "propriedade imperfeita", decorrente da relação entre domínio efetivo

do sesmeiro e a soberania do monarca159

.

Passemos agora para a análise do regimento sesmarial. Encontramos nas

Ordenações Manuelinas as sesmarias como sendo "propriamente aquelas que se dão de

155

RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.92. 156

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p.30-32. 157

GROSSI, Paolo. História da Propriedade e outros ensaios. SP: RENOVAR, 2006. p.16. 158

JONES, Alberto da Silva. Reforma Agrária e direito de propriedade. In: Molina, M. C. e. a. Introdução

Crítica ao Direito Agrário Brasileiro. Brasília: UNB, 2002. P. 128. 159

SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes de propriedade e estruturas fundiárias

no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX. UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese de

doutorado). p. 45-47.

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terras, casaes, ou pardieiros, que foram ou são de alguns senhorios, e que já em outro

tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora o não são"160

. A definição demonstra com

clareza a necessidade e preocupação régia com a produção agrícola no reinado, onde

devemos ressaltar também que era estipulado um prazo para se estabelecer o cultivo da

terra161

. Em outras palavras, como bem considera Lima, "tratava-se de promover o

reerguimento da lavoura, já oferecendo braços aos que tivessem terras, já oferecendo

terras aos que as quisessem lavrar162

".

Passando a analisar, por ora, o estatuto jurídico da Lei de Sesmarias,

encontramos as descrições deste regimento nas Ordenações163

. Tendo apresentado

quatro edições, a Lei de Sesmarias pouco se modificou desde a data da sua criação,

permanecendo seu enunciado e os objetivos principais inalterados. Estamos

denominando como objetivos principais a obrigatoriedade do cultivo na terra e também,

a comprovação da posse mediante documentação da concessão real. Comparando as

Ordenações, Lima conclui acerca destas edições que

entre as Ordenações de D. Manuel e as de D. Filipe II, nenhuma

modificação substancial se operou na instituição das sesmarias, e tanto se

pode verificar, ou confrontando os respectivos textos, ou consultando a

compilação das leis intermediárias, aprovada pelo Alvará de 14 de fevereiro

de 1569.164

Todavia, cabe considerarmos que ao longo destas edições, ocorreu a supressão

do "vínculo por ocupação, que restringia a liberdade pessoal, como se fosse um tipo de

servidão, prevalecendo somente o domínio do solo"165

. Esta alteração nas ordenações se

160

Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII. p.164.Acessado em:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 161

Nas Ordenações Manuelinas, expressa-se um prazo de um ano para o estabelecimento do cultivo nas

faixas de terras concedidas, além da fiscalização por um período de cinco anos para verificar o

aproveitamento da terra. Idem. p. 165-66. 162

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.19. 163

Ordenações Afonsinas (1446); Ordenações Manuelinas (1511); Ordenações Filipinas (1603). 164

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.24. (negrito nosso). 165

PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 14; Ver também: LIMA, Ruy Cirne. Pequena História

Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988 p.22-23. "A reversão dos bens

da Coroa - observa Villanova Portugal - que no todo diminuía o direito de propriedade, e prejudicava a

cultura, fez preciso promover esta, por meio da liberdade dos cultivadores: tirarão-se consequentemente

as servidões pessoaes dos filhos e filhas dos lavradores. (...) Estabeleceu-se a Lei de Sesmarias, não

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deve ao fato da diminuição nos elementos coercitivos da Lei, no que refere-se aos

períodos que englobam crescimentos econômicos em Portugal. Dessa forma, interessava

ao monarca a prevalência e continuidade apenas do manejo da terra, para que, assim, o

sesmeiro garantisse o domínio útil sobre a faixa de terra concedida.

Exposto este contexto geral das sesmarias, podemos identificar, em síntese, que

o objetivo geral do instituto sesmarial era assegurar e promover o crescimento agrícola

no reino, tentando assim, contornar os efeitos conjunturais que assolavam Portugal neste

período. Outro ponto importante deste regimento agrário refere-se ao "controle social

nos momentos em que o poder central se via enfraquecido166

", podendo ser observado,

segundo os aspectos coercitivos167

da Lei. Dessa maneira, apresentado este quadro

introdutório acerca das sesmarias no contexto português, cabe a nós, agora, voltarmos

nossas atenções para a América portuguesa, tentando assim, compreender o sistema

jurídico de acesso à terra aqui implantado ou melhor, transplantado.

Ao primeiro momento, na tentativa de analisar o regime agrário no Brasil, no

período colonial, devemos ter em mente a diferenciação existente entre o contexto

português de surgimento da Lei de Sesmarias e as terras do além mar. Como

demonstramos, as sesmarias surgiram no reino de Portugal objetivando o povoamento /

repovoamento das áreas rurais juntamente com o incentivo ao fomento agrário. Todavia,

no Brasil tratava-se de um contexto diferenciado. Nestas terras distantes e

desconhecidas, cabia ao monarca estabelecer a garantia do seu domínio e unicamente de

povoar um extenso território. Obviamente, tratava-se também, de conseguir riquezas e

enriquecer o erário real. Assim dizendo, "as terras não tinham donos como em Portugal

e os povos indígenas que as habitavam não eram vistos como legítimos proprietários.

Não se tratava, então, de repassar a terra não cultivada de um dono para o outro"168

.

Dessa forma, a implantação do regime jurídico das sesmarias haveria de ser readaptado

ao contexto da colonização.

offendendo a liberdade pessoal, como fizera Dom Fernando, mas ferindo só o domínio, salva a

liberdade". 166

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p.61. 167

RAU, Virgínia. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, 1982. p.92. Como considera a autora: "a

violência da lei é enorme, sem dúvida, mas a orientação jurídica econômica do século XIV era a de

coerção". 168

PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 15.

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No início da colonização as terras se encontravam sob a jurisdição da Ordem de

Cristo, "e lhe eram tributárias, sujeitas como lhe ficavam ao pagamento do dízimo, para

a propagação da fé"169

. Todavia, as Ordenações em seus regimentos faziam menção

acerca das terras devolutas, sendo estas pertencentes ao monarca, e proibiam que as

Ordens, Igrejas e Mosteiros se apropriassem delas, cabendo a estes maninhos serem

concedidos aos sesmeiros170

para que os lavrassem. Diante deste quadro, nos anos

iniciais da colonização, "ficava subentendido que os maninhos descobertos no Brasil

constituíam propriedade da Coroa portuguesa, ainda que sobre seus beneficiários

recaísse a obrigatoriedade do pagamento de dízimos à Ordem de Cristo"171

.

A primeira referência ao regime sesmarial nas terras do novo mundo é a carta

patente concedida a Martim Afonso de Souza no ano de 1530. Neste documento,

podemos identificar a intenção do monarca no que se refere à estruturação

administrativa e socioeconômica neste novo e vasto território. Tendo em vista o seu

conteúdo, este importante documento expõe as preocupações com a produção

econômica, a proteção do novo território e por fim, a necessidade de se efetivar a

ocupação. Como aponta Lima,

Trouxe Martim Afonso de Souza para o Brasil, na expedição de 3 de

dezembro de 1530, três cartas régias, das quais a primeira autorizava a tomar

posse das terras que descobrisse e a organizar o respectivo governo e

administração civil e militar; a segunda lhe conferia os títulos de capitão-

mor e governador das terras do Brasil; e a última, enfim, lhe permitia

conceder sesmarias das terras que achasse e se pudessem aproveitar.172

Neste trecho apresentado devemos também destacar outro importante ponto. Na

elaboração dos aparatos socioeconômicos referentes ao século XVI, percebemos que os

primeiros responsáveis por distribuir / conceder as sesmarias foram os donatários das

capitanias hereditárias173

, vetada somente a estes a apropriação dos maninhos. Os

169

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.35. 170

Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII. p.166. Acessadoem:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 171

NOZOE, NELSON. Sesmarias e Apossamentos de Terras no Brasil Colônia. In: EconomiA, Brasília,

v.7, n.3, 2006. p.590. 172

Idem. p.36. (grifos nossos). Ver também: COSTA PORTO, José da. O Sistema Sesmarial no Brasil.

Brasília: UNB. p.50-51. 173

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.43. pp. 37-38. "Nas doações de capitanias, feitas pelo monarca, como rei e senhor natural

e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, a instituição das sesmarias reaparece entre as cláusulas das

respectivas cartas, já com permitir-se aos donatários conceder terras (...) sem foro, nem direito algum,

somente o dízimo de Deus". Cabe ressaltarmos que havia um veto nas concessões: "Aos donatários, veda-

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capitães donatários haviam de receber uma parcela das faixas de terras e se

comprometeriam a distribuir, sob forma de sesmarias, o restante das terras a quaisquer

pessoas, de qualquer condição, contanto que fossem cristãos174

, para poderem assim

elaborar o aparato econômico e efetivar a colonização nas terras recém descobertas.

Todavia, posteriormente, no século XVIII, a prerrogativa de conceder sesmarias coube

também aos governadores e capitães-gerais das capitanias175

a partir do Alvará de 05 de

Outubro de 1795. Ressaltamos que na América portuguesa, os altos cargos

administrativos, como os mencionados anteriormente, adquiriram o direito de concessão

de faixas de terras, cabendo, neste contexto, destacarmos a relação do poderio local e

suas interações com as unidades administrativas da colônia176

.

O fracasso do sistema de capitanias e a ameaça na efetivação da colonização

resultaram na intervenção do monarca. Neste contexto de interferência régia na colônia,

as estruturas agrárias viriam a se modificar em consequência da implantação do

Governo Geral em 1548. Dessa forma, optou o rei de Portugal na centralização das

concessões e a montagem dos aparatos econômicos da colônia a cargo de Tomé de

Souza, como se pode observar na seguinte passagem:

O modo que então pareceu a El Rey melhor e mais a propósito - referente a

crônica de D. João III - para hum governo do Brasil foi revogar os poderes

aos capitães que lá estavam e da-los todos ao capitão da Bahia de Todos os

Santos, que ordenou que fosse governador geral de todas as capitanias177

.

se-lhes, numa palavra, apropriarem-se dos maninhos existentes dentro dos limites de suas capitanias, não

lhes sendo lícito senão concede-los de sesmarias". 174

NOZOE, NELSON. Sesmarias e Apossamentos de Terras no Brasil Colônia. In: EconomiA, Brasília,

v.7, n.3, 2006. p.591. Ver também: LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias

e terras devolutas. Brasília: ESAF, 1988. p.37. "Nas doações de capitania, feitas pelo monarca, como rei

e senhor natural e administrador perpétuo da Ordem de Cristo, a instituição das sesmarias reaparece entre

as cláusulas das respectivas cartas, já com permitir-se aos donatários conceder terras (...) sem foro, nem

direito algum, somente o dizimo de Deus". 175

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.43. 176

Em nossa região de estudo, compreendendo os sertões da Picada de Goiás, o caso de Inácio Pamplona

serve para elucidar a relação beneficiária existente entre a aproximação com os possuidores de alto cargos

administrativos na colônia, pois este, Foi sesmeiro nos dois sentidos da palavra: recebeu e concedeu

sesmarias. (...) o governador das Minas, conde de Valadares, estendeu essa regalia a Pamplona” (...),“ao

enfaixar em suas mãos o poder de distribuir as sesmarias do Campo Grande, nas nascentes do rio São

Francisco, separou para si uma parcela muito maior do que a dos outros sesmeiros". In: PINTO, Eduardo

Francisco. Potentados e Conflitos nas sesmarias da comarca do Rio das Mortes. Niterói: ICHF/UFF,

2010 (Tese de doutorado). p. 60. 177

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.39.

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Neste período em questão, caracteriza-se a tentativa de viabilização da estrutura

mercantilista nas terras coloniais, cabendo destacar neste momento a economia

açucareira. A experiência portuguesa no cultivo da cana de açúcar realizada com

sucesso nas ilhas atlânticas e a experiência bem sucedida do cultivo no Nordeste

provocaram modificações substanciais na economia da colônia. Dessa forma, os

sesmeiros neste período focaram as solicitações de concessões de terras para a

montagem dos engenhos de açúcar e também, para a proteção contra o gentio.

Alegavam estes indivíduos serem homens de posses na tentativa de conseguirem, assim,

as faixas de terras para a montagem dos engenhos. O estudo de Francisco Vianna

demonstra o mecanismo de obtenção de terras através do posicionamento social dos

sesmeiros, alegando serem, "homem de muitas posses e família" ou que "é homem de

posse assim de gente como de criações que a um morador são pertencentes", ou que tem

muita "fabrica de gado de toda sorte e escravos como qualquer morador" 178

. Dessa

maneira, por fim, tentavam se justificar como indivíduos capazes de viabilizar a

construção dos engenhos e merecedores das concessões de terras.

O regimento de Tomé de Souza demonstra o incentivo à criação de engenhos,

bem como também a necessidade de se efetivar a ocupação e o cultivo das terras,

destacando seus esforços para desenvolver mecanismos de efetivação da colonização. O

seguinte trecho retirado do seu regimento nos auxilia a compreender a formação da

estrutura mercantilista neste período da colonização, pois,

Águas e ribeiras que estiverem dentro no dito termo em que houver

disposição para se poderem fazer engenhos de açúcar ou de outras

quaisquer coisas dareis de sesmaria livremente sem foro e as que derdes

para engenhos de açúcar sem as pessoas que tenham possibilidade para

os fazer dentro do tempo que lhes limitardes que será o que vos bem

parecer e para serviço e manejo dos ditos engenhos de açúcar lhes darei

aquela terra que para isso lhes fôr necessária e as ditas pessoas se obrigarão

a fazer cada um em sua terra uma tôrre ou casa-forte da feição e

grandeza que lhe declarardes nas cartas e será o que vos parecer segundo

o qual em que estiverem que bastarão para segurança do dito engenho e

povoadores de seu limite a assim se obrigarão a povoarem e aproveitarem

as ditas terras e águas sem as poderem vender nem trespassar a outras

pessoas por tempo de três anos179

.

178

OLIVEIRA VIANNA, Francisco José de. Evolução do povo brasileiro. São Paulo; Ed. Nacional,

1933. pp.56-57. 179

DOCUMENTOS HISTÓRICOS, Livro 1º de Regimentos (1684 - 1725), Vol. LXXX. Biblioteca

Nacional. p.283. (grifos nosso).

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Neste contexto em questão, eram solicitadas grandes extensões de terras

"trazendo-lhe o prestígio da lei escrita, o espírito do latifúndio"180

, como justificativa

para a elaboração das unidades mercantilistas na colônia. No entanto, o próprio

regimento de Tomé de Souza havia de alertar acerca das concessões de grandes faixas

de terras, mencionando que, "não dareis a cada pessoa mais terra que aquela que

boamente segundo sua possibilidade vos parecer que poderá aproveitar"181

. Assim

também, encontramos nos regimentos das Ordenações a proibição das concessões onde

não se pudessem lavrar as terras, como se nota na passagem extraída da jurisdição

Manuelina, que ressalva que,

(...) não deem maiores terras a uma pessoa de sesmarias, que as que

razoadamente parecer que no dito tempo poderão aproveitar. E se aquelas a

que assim forem dadas as ditas sesmarias, as não aproveitarem no tempo que

lhes for assinado (...), façam logo os sesmeiros executar as penas que lhe

forem postas, e deem as terras que aproveitadas não estiverem a outros que as

aproveitem. 182

As restrições impostas tanto pelas Ordenações quanto pelo próprio regimento de

Tomé de Souza, tiveram que ser readaptadas ao contexto que se encontrava e se

almejava alcançar nas terras da colônia. Dessa maneira, sendo a colônia possuidora de

grande extensão territorial, ainda que, neste período em questão, pouco conhecimento se

tinha das regiões distantes do litoral, o sistema agrário haveria de ser readaptado a estas

novas condições. Para elucidar com mais clareza esta questão, o estudo de Felisbello

Freire demonstra a diferenciação existente entre a extensão das faixas de terras

concedidas no norte e no sul da colônia, demonstrando que na primeira região havia

maiores propriedades183

. Esta questão se dava devido a maior concentração de engenhos

nas regiões litorâneas do nordeste, sendo assim, as terras eram solicitadas com maior

frequência e em extensões maiores, alegando serem necessárias para o estabelecimento

das atividades açucareiras. Neste ponto em questão, o trabalho de Francisco Carlos

Teixeira nos auxilia na percepção da formação dos extensos latifúndios na Bahia. O

180

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.39. 181

DOCUMENTOS HISTÓRICOS, Livro 1º de Regimentos (1684 - 1725), Vol. LXXX. Biblioteca

Nacional. p.282. 182

Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII.p.166. Acessado em:www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas 183

FREIRE, Felisbello. História Territorial do Brazil. 1º volume, 1906. Ver pp.15-22. "as concessões no

norte abrangiam em geral uma maior extensão territorial do que no sul. (...) as sesmarias no sul não

excediam de três léguas de extensão, quando ao norte havemos de encontrar concessões de 20, 50 e mais

léguas. Basta assinalar as concessões de Garcia d'Ávila e seus parentes que se estendiam da Bahia até

Piauhy em uma extensão de 200 léguas".

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pesquisador demonstra a partir do estudo de alguns sesmeiros a vasta extensão de suas

posses e o poder que suas terras representa, já que "o fato em sim, prova de prestígio,

pois os mecanismos acionados por laços políticos, familiares e clientelísticos e, foram,

efetivamente, os responsáveis pela criação de uma nova aristocracia"184

. É o exemplo da

família Vieira Ravasco, que se apropriou de um grande domínio de terras que entre

1655 e 1673 acumulou mais de 260 léguas de terras.185

Cabe a nós, neste momento, destacarmos a utilização da mão de obra escrava

para a manutenção dos aparatos econômicos na colônia. Retomando ao fato de que os

sesmeiros alegavam serem homens possuidores de posses e de escravos nas solicitações

de faixas de terras, fica clara a necessidade da escravatura como instrumento para a

viabilização dos engenhos. Dessa maneira, como ressalta Raymundo Faoro, "a terra, em

si, pouco valia no conjunto da empresa, valor relativo no século XVI, como ainda no

século XIX: a riqueza necessária, para a empresa, era o escravo"186

. Ainda nesta

questão, o cronista Gandavo indicava em seus relatos, que "os moradores desta Costa do

Brasil, todos têm terras de Sesmarias (...) a primeira cousa que pretendem alcançar são

escravos para lhes fazerem e granjearem suas fazendas, porque sem eles não podem

sustentar a terra"187

.

Outra questão que demonstra a intervenção régia na tentativa de controlar e fazer

valer o cultivo da terra se deu no Alvará de 1699. Um dos aspectos deste documento,

incentivava a denúncia dos sesmeiros que não lavravam suas terras, bem como também,

o beneficiamento por parte do denunciante para o recebimento das sesmarias188

. Ao que

nos parece, este Alvará foi uma tentativa de aumentar a fiscalização sobre as terras

concedidas, cabendo lembrar que no próprio documento das sesmarias encontramos

certas restrições e deveres que deveriam ser exercidos pelos sesmeiros. A respeito das

obrigações, encontramos o prazo para se estabelecer o cultivo das terras ou parte delas,

e quanto as restrição, por exemplo, a de não ocupação das margens dos rios navegáveis.

184

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez: crises de subsistência e política

econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Universidade Federal Fluminense.

ICHF/Departamento de História., 1990. (Tese de Doutorado). p.320. 185

Idem. 335. 186

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Globo. 2001.

pp.160-161. 187

GANDAVO, Pero de Magalhães apud SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e negócios: regimes

de propriedade e estruturas fundiárias no Brasil: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX.

UFRJ/PPGHIS, 1997. (Tese de doutorado). p. 65. 188

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.42-43.

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Assim, vemos que este Alvará em especial, tentou ampliar a vigilância sobre as terras

concedidas, uma vez que, incentivava a denúncia pelo não comprimento das obrigações

e deveres, além de incentivar o denunciante. Dessa forma, "os conflitos tornavam-se

cada vez maiores, dentro de um quadro de intensa especulação, ampliação das

propriedades e generalização dos arrendamentos".189

Adentrando agora, neste contexto do século XVIII, cabe fazermos algumas

considerações acerca da estrutura fundiária das áreas mineradoras, uma vez que, a

descoberta do metal precioso trouxe significativas transformações nas terras interioranas

da colônia. Um primeiro ponto a se destacar foi o intenso deslocamento para as áreas

distantes do litoral, o que provocou, consequentemente, "um enorme aumento nos

pedidos e na concessão de sesmarias, como também uma grande ocupação 'não-

oficial'"190

. Dessa maneira, cabia ao monarca estabelecer ou, ao menos, tentar

estabelecer um controle sobre estas novas áreas, que se viam agora, intensificando seu

contingente de ocupação. Assim, coube elaborar um plano estratégico para as

concessões de terras, dessa forma, visando a produção agrícola e os limites das

propriedades. Para demonstrar o aspecto de controle, o "rei, ao ouvir o conselho

ultramarino, determinou que as terras em que houvesse minas e nos caminhos para elas,

fossem somente de meia légua em quadro. E que no sertão fossem de três léguas como

estava determinado"191

. Além destas, tentava-se contralar as terras margeadas por rios,

já que, "tinham que ter uma embarcação para navegar de uma margem a outra, ou se

fosse somente de uma margem do rio, a outra tinha que se reservar meia légua para ficar

em público"192

.

Na questão do desenvolvimento agrário nas áreas mineradoras, cabe

destacarmos as contribuições da pesquisa de Carlos Guimarães e Liana Reis, que

demonstraram a partir do estudo das cartas de sesmarias a importância desempenhada

pela agricultura e pela pecuária desde os primórdios da mineração193

. Esta pesquisa

189

Idem. p.89. 190

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p.102. 191

Idem. p.105. 192

Ibidem. 193

GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos de Minas (1700-1750).

Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.2, 1986.p. 7-36. Ver também: MENESES,

José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas.

Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000; HOLANDA, Sérgio Buarque. “Metais e pedras preciosas” in

História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel 1982; ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento

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auxiliou para importantes reflexões acerca do papel da estrutura agrária nas áreas

mineradoras, bem como também, demonstrou a importância do estudo das unidades

agropastoris para a compreensão da sociedade mineira no século XVIII. Outro ponto a

ser destacado, refere-se ao comércio existente nas áreas mineradoras, que vem a

comprovar também, a importância desempenhada pela produção agropastoril. Nesta

linha, o estudo de Alcir Lenharo reforça o aspecto mercantilizado dos gêneros

alimentares através da comercialização do excedente no mercado carioca194

. Por fim, a

historiografia acerca das unidades produtivas nas áreas mineradoras apresentaram,

principalmente os trabalhos da década de oitenta e noventa, interessantes discussões e

reflexões a respeito da dinâmica interna na colônia.

Retornando a análise do sistema sesmarial na colônia, percebemos que na

passagem do século XVII para XVIII, ocorreu uma intensificação das medidas

controladoras das faixas de terras, cabendo mencionar e destacar, a tentativa de

limitação da extensão das concessões e também, a tentativa de se fazer valer o cultivo

da terra concedida. Dessa maneira, cabe adentrarmos no estudo do Alvará de 1795,

sendo este, uma nova tentativa de regulamentar as doações das sesmarias. Neste período

em questão, cabia aos capitães-generais e aos governadores a concessão de sesmarias,

sendo vedadas as concessões por parte dos capitães-mores e governadores

subalternos195

.

Com os problemas agrários intensificados, o Alvará de 1795 "reconhecia o

estado de irregularidade na distribuição a que muitos moradores se submetiam, ao não

conseguir as sesmarias por mercê da rainha ou dos governadores e capitães-generais"196

.

Neste quadro, fica evidente a ausência das demarcações de terras e a apropriação

indevida por parte de alguns sesmeiros, como constatado no seguinte trecho extraído do

documento:

da capitania das Minas Gerais no século XVIII . São Paulo: HUCITEC/Edusp, 1990. pp. 221-222.;

CARRATO, José Ferreira. Iluminismo e escolas mineiras coloniais (notas sobre a cultura da decadência

mineira setecentista). São Paulo: Edusp, 1968. pp. 246-247. LENHARO, Alcir. As tropas da moderação:

o abastecimento da corte na formação política do Brasil (1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-

29. SLENES, Robert. “Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no

século XIX”, in Cadernos IFCH/UNICAMP, n° 17, junho de 1985. 194

LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação política do Brasil

(1808-1822). São Paulo, Símbolo, 1979. pp. 24-29. 195

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. Brasília:

ESAF, 1988. p.43. 196

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p.116.

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Alvará, em que Vossa Majestade, reprovando, e corrigindo os abusos,

irregularidades, e desordens, a que tem dado causa a falta de Regimento das

Sesmarias do Estado do Brasil, É servida Ordenar uma firme, e impreterível

forma das suas Datas, Confirmações, e Demarcações: Dando a respeito delas

invariáveis Regras, para se processarem as Causas destas Sesmarias, com

outras igualmente úteis Providencias ao sobredito fim197

.

A necessidade de se efetivar as demarcações nas faixas de terras concedidas e

solicitadas ao longo deste Alvará, não vieram, por sua vez, a serem cumpridas.

Permaneceu a existência das extensas propriedades sem a realização do efetivo cultivo

nas terras e muitos desejando concessões sem terem o que plantar ou possuir os meios

devidos para se produzir.

Diante de pressões exercidas pelas autoridades e a dificuldade de exercer o

controle sobre a demarcação das terras, o Alvará de 1795 pouco conseguiu efetivar seus

regimentos, chegando assim, a ser suspenso no ano seguinte do seu decreto. Dessa

maneira, o quadro agrário na colônia estava marcado por um de seus períodos mais

conflitantes, caracterizado pelo embate por mais terras e a necessidade de se efetivar a

demarcação e os limites das sesmarias doadas.

Neste contexto apresentado acerca do instituto sesmarial, também é oportuno

destacarmos alguns dos aspectos pertinentes à utilização deste sistema como elemento

de controle e diferenciação social por parte dos detentores das cartas de sesmarias.

Assim, a conquista do direito de posse sobre uma faixa de terra, obtida por meio deste

documento jurídico, servia como instrumento para "atestar o seu direito subjetivo à

propriedade contra outros possíveis direitos de terceiros"198

. Cabendo considerar

também que, para se obter o direito a um título, previa-se a exigência de que o sesmeiro

tivesse condições de cultivar a terra, dispondo das qualidades mínimas para ter direito à

concessão. Assim, caso decorresse alguma disputa por faixas de terras, a elite local,

possuidora de maiores recursos, dispunha das suas qualidades para garantir o direito de

posse. Como bem salienta Maria Mota,

197

Alvará de 1795. Acessado em: http://arisp.files.wordpress.com/2010/02/alvara-de-5-de-outubro-de-

1795-dig.pdf 198

MOTA, Maria Sarita. Sesmaria e Propriedade Titulada da Terra: o individualismo agrário na América

Portuguesa. In: SAECULUM - Revista de História. Vol. 26. João Pessoa. Jan/Jun, 2012. p.34.

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a prática recorrente de utilização das cartas de sesmarias nos tribunais da

América portuguesa, para provar a qualidade do proprietário, nos contextos

de disputas de terras, irá criar uma espécie de legitimação social deste

instituto. 199

No que diz respeito, ainda, aos embates provenientes por disputas sobre faixas

de terras, o trabalho realizado pela pesquisadora Márcia Motta demonstra mecanismos

utilizados por grandes proprietários que se apossavam de terras vizinhas, chegando a

considerar "que a maior parte dos posseiros era, de fato, grandes fazendeiros - muitos

deles com prestígio e poder em sua localidade". 200

Assim, estes indivíduos faziam

valer, por meio da sua posição social e dos seus prestígios, uma maneira de ampliar seus

domínios, obtendo maiores faixas de terras. Estas considerações auxiliam na

demonstração do fato de que esse sistema servia mais como um instrumento das elites

para apropriação da terra do que apenas como mecanismo de controle da coroa, tendo

em vista as poucas modificações encontradas em seu regimento ao longo do período de

sua vigência.

A extinção da Lei de Sesmarias ocorreu no de 1822, sendo posteriormente

substituída pela Lei de Terras somente em 1850. Neste contexto de extinção o sistema

sesmarial já se encontrava em plena crise,

bastando recordar que há muito tempo se perdera a finalidade inicial do

instituto da sesmaria, que era a cultura efetiva da terra. As exigências de

medição e demarcação judicial também tinham deixado de ser cumpridas em

muitos casos. (...). Em vista da situação caótica, uma resolução de consulta da

Mesa do Desembargo do Paço, de 17 de julho de 1822, assinada por José

Bonifácio, determinou que se suspendessem todas sesmarias futuras até a

convocação da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa201

.

Dessa maneira, podemos atribuir o fim do sistema sesmarial ao "enorme número

de reclamações por parte dos habitantes da colônia que requeriam as sesmarias e não

eram atendidos, bem como também o número de reclamações pela falta de

199

Idem. p.30. 200

MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do

século XIX. Rio de Janeiro: Ed: Vício de Leitura, 1998. p. 142. 201

CARVALHO, José Murilo de. Teatro de Sombras: a política imperial. São Paulo: Vértice,

Ed.:Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. 1988.

pp. 84-85.

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demarcações"202

. Durante o período de vinte e oito203

anos entre a extinção das

sesmarias e a implantação da Lei de Terras, caracterizou-se pela intensificação dos

confrontos entre os sesmeiros e os posseiros204

, cada qual, utilizando de variadas

estratégias para obterem mais terras ou garantir o domínio sobre ela.

Analisaremos na unidade posterior deste capítulo algumas das características

fundiárias presentes nas propriedades que margearam o caminho da Picada de Goiás.

Assim, almejamos melhor caracterizar e compreender o contexto agrário nesta região

oeste dos sertões ao longo da segunda metade do século XVIII.

202

ALVEAL, Carmen M. Oliveira. História e Direito: sesmarias e conflitos de terras entre índios em

freguesias extramuros no Rio de Janeiro. UFRJ/PPGHIS, 2002. (Dissertação de Mestrado em História

Social). p.117. 203

Durante o período de extinção da Lei de Sesmarias e a implantação da Lei de Terras em 1850,

prevaleceu o estatuto das Ordenações Filipinas. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do

poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. pp.52-

53. 204

O termo posseiro refere-se aos indivíduos que sem possuir o título das terras as ocupavam, dessa

forma, seria a oposição aos sesmeiros, sendo estes, os possuidores legítimos das faixas de terras. Ver In:

MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século

XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. Em especial os capítulos I e IV. & MOTTA, Márcia.

Movimentos rurais nos oitocentos: uma história em (re)construção. In: Estudos Sociedade e Agricultura

(UFRJ). Rio de Janeiro, v.16, 2001.

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2.2 - Da História Agrária aos Passos da Ocupação:

A Parábola do Lavrador - aplicai os ouvidos e ouvi a minha voz, atendei e escutai a minha palavra: o que ara, nada mais faz que arar e abrir sulcos no campo? Porventura, depois de ter aplanado a superfície, não semeará a nigela e espalhará o caminho, não lançará o trigo e a cevada e, aos cantos, centeio e milho? (Isaías, 28: 23-25).

Para darmos continuidade às nossas análises e buscando uma melhor

compreensão dos sertões oeste da Picada de Goiás, assim como, do processo de

expansão das fronteiras, iremos, neste momento, embasarmos nos pressupostos da

história agrária. Esta metodologia tem como um dos fundamentos básicos a busca por

correlacionar as interações entre os espaços geográficos, compreendendo nosso recorte

espacial de estudo, juntamente com as ações / relações sociais dos indivíduos que

ocuparam estas regiões. Dessa maneira, nas palavras de Maria Yedda Linhares,

a história agrária, como é hoje conhecida, nasceu, nas primeiras décadas do

século XX, de um encontro feliz com a geografia humana, tendo, de um lado,

o historiador - preocupado em explicar as mudanças operadas pela ação do

homem (os grupos sociais) através dos tempos - e, de outro, o geógrafo -

dedicado ao estudo da relação do homem com o seu meio físico205

.

Neste contexto, as relações sociais desempenham um papel crucial e somos

capazes de identificar neste sistema uma lógica complexa que demonstra o processo

dinâmico de ocupação das remotas regiões da Picada de Goiás. Dessa maneira,

estaremos buscando nesta unidade da pesquisa demonstrar que o processo de expansão

das fronteiras, assim como, da ocupação destas regiões, diz respeito a um fenômeno

muito além do processo natural de se ocupar novas áreas, mas sim, de um processo

dinâmico e de interesses em jogo de cada um dos sesmeiros que margearam este antigo

caminho. Por muita das vezes, estes interesses podem estar expostos pelos fatores

econômicos e sociais na tentativa de se conseguir melhores faixas de terras para

estabelecer as unidades de produção mineral, agropastoril, ou ainda, para buscar as

riquezas dos sertões incluindo a captura de índios e escravos.

205

LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.

(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.165.

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98

Cabe destacarmos de imediato que a análise do processo de ocupação consiste

em um ponto primordial para a história agrária, pois, é "nesta sessão que são estudados

o acesso a posse e à propriedade da terra, em particular as formas de acesso e a

legislação pertinente, os mecanismos de demarcação territorial, os conflitos pela posse e

propriedade e os ritmos de ocupação do solo"206

. Todavia, ressaltamos que nossa

pesquisa tem como foco de estudo os ritmos de ocupação do solo concomitantemente a

análise das atividades econômicas desenvolvidas nestas áreas recém ocupadas. Dessa

forma, estão correlacionadas as questões sociais e econômicas em seus aspectos

macroanalíticos 207

da Comarca do Rio das Mortes, sendo estes elementos nosso ponto

de partida que nos guiará para a compreensão do fenômeno de ocupação e expansão das

fronteiras para as regiões dos sertões.

Nosso ponto de partida tem como referencial a obra "Agricultura, Escravidão e

Capitalismo" 208

de autoria de Ciro Flamarion Cardoso. Neste já conhecido trabalho, o

autor menciona os processos de transformações nas análises metodológicas que adotam

o viés agrário, bem como também a utilização da história agrária como forma de se

estudar e compreender as dinâmicas sociais, apresentando assim, as vertentes e as

formas de análises que consistem a esta metodologia de estudo.

O enfoque agrário da nossa região estudada torna-se um importante instrumento

de análise socioeconômico e também, como ponto de partida para o entendimento do

rush populacional ocorrido ao longo da segunda metade do século XVIII. Neste

contexto, Ciro Flamarion nos alerta acerca das diferentes modalidades da história da

agricultura, cabendo destacar dentre estas, a "História econômica do Mundo Rural" que

será nosso enfoque adotado para a elaboração de nossas análises. Este viés tem como

ponto de referência

a teoria econômica do sistema em questão (escravismo, feudalismo,

economia do Antigo Regime, capitalismo, economia camponesa ou pequena

produção mercantil, etc.). Neste caso seria necessário introduzir as

determinações de mercado (se existisse), e a ênfase recairia no estudo macro

206

CARRARA, Angelo Alves. DIAS, Marcelo Henrique. História Agrária da Capitania de Ilhéus: notas

preliminares de um programa de estudo. In: MR 06 - História Agrária e Região. Anais do XX Ciclo. p. 02

Acessado em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_I/marcelo_henrique_dias.pdf. 207

Estamos considerando como processo macroanalítico os fenômenos de longa duração, que em nossa

região de estudo estaremos focando no que refere ao período da descoberta aurífera na passagem do séc.

XVII - XVIII e também na expansão da produção agropastoril na segunda metade do século XVIII. 208

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1982.

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99

e microeconômico da produção, distribuição e circulação no setor agrícola da

economia 209

.

Dessa forma, cabe a nós correlacionarmos as unidades produtoras com o

processo de expansão das fronteiras, ou seja, com a dinâmica de ocupação das regiões

dos sertões da Comarca do Rio das Mortes a fim de obtermos um melhor entendimento

deste fenômeno. Neste contexto, a economia auxilia a compreender os movimentos

populacionais bem como o deslocamento das fronteiras internas em expansão as regiões

ocidentais desta Comarca em questão.

Por vez, temos como referenciais a economia e o seu desenvolvimento /

transformações ao longo do período temporal e espacial da pesquisa. Nossa análise

parte da expansão da produção agropastoril e também da exploração aurífera existente

em nosso recorte de estudo. Como apresentamos no primeiro capítulo deste trabalho, a

Comarca do Rio das Mortes destacava-se pela produção agropastoril nas regiões

circunvizinhas aos centros mineradores, em destaque, para a Vila de São José del Rei,

formando assim, o "complexo agropecuário" 210

em suas freguesias. Esta produção

remete a um processo de longa duração, iniciado na passagem do século XVII para o

XVIII e se expandindo e aprimorando ao longo da segunda metade do setecentismo a

partir do esgotamento dos veios auríferos. O conjunto destes elementos incentivou e

desencadeou a montagem e o aperfeiçoamento da economia rural nas freguesias que

compunham a Picada de Goiás, concomitantemente a economia mineral.

A montagem deste aparato deu-se de maneira lenta e progressiva, envolvendo o

interesses de homens poderosos como também de pequenos sesmeiros tendo em vista a

209

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1982.

p.16. Cabe destacarmos também, que segundo Flamarion haveria outras vertentes de análise a saber: " I -

História Agrária (strictu sensu) que tratar-se-ia de um aspecto da História das Ciências e das técnicas,

ocupando-se dos métodos, instrumental e organização da agricultura; de saber quais eram exatamente as

plantas cultivadas e os animais criados em determinado período e lugar. (...) Este tipo de História da

Agricultura normalmente tem como sistema de referência o eixo: meio ambiente / superfície cultivada e

tecnologia agrícola (no sentido mais amplo deste termo) / população. (...); II - História Agrária: seu objeto

central estaria constituído pelas formas de apropriação e uso do solo, e pelo status jurídico e social dos

trabalhadores rurais, configurando assim o estudo dos diferentes < sistemas agrários >, suas mudanças e

as causas destas mudanças. (...); IV - História da Civilização Rural: desde a superação do Neolítico, se

define por oposição - campo / cidade, camponeses / citadinos, etc. - e pelo fato de que na maioria dos

casos os grupos celulares do mundo rural estão englobados e / ou dominados por forças econômicas,

sociais e políticas exteriores ou superiores a eles (...). pp. 15-16. 210

FRAGOSO, João. & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,

sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 200. p.79.

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possibilidade viável de se estabelecer unidades produtoras de gêneros agrícolas ou ainda

da obtenção de faixas de terras, nestas áreas ainda em processo de ocupação.

Nas descrições das atividades econômicas desenvolvidas na Capitania de Minas

Gerais, podemos notar o incentivo da produção rural bem como os benefícios oriundos

destas atividades, como menciona Vieira Couto que,

Além d'isso florescendo a agricultura, a capitania se povoará de dois ricos

consumidores, o mineiro (que já o penso em melhor estado) e o agricultor; a

capitania facilitando-se os meios de pagar o que compra, já com o ouro de

suas minas, já com as produções da sua lavoura, comprará também mais,

porque tal é a natureza de todos os homens de despenderem sempre segundo

os seus lucros, ou mais ainda a capitania, posto em atividade a agricultura e

mineração, se aumentará consideravelmente em povoação, porque esta é a

sorte das terras férteis, abundantes em meios de subsistência e bem

legisladas. A capitania por conseguinte consumirá mais o dobro e tresdobro

(...), e isso em aumento animando-se estas importantíssimas classes de gente

Mineiros e Agricultores 211

.

Dessa maneira, os interesses que envolvem a abertura da Picada de Goiás

servem para ilustrar alguns dos fatores que desencadearam a ocupação dos sertões,

permitindo assim, a expansão das unidades econômicas para o interior da Capitania.

Este quadro constitui nosso objeto de análise neste momento.

A abertura deste antigo caminho ocorreu em meados da década de 1730, como

fruto de alianças de alguns homens poderosos da Comarca de Vila Rica e do Rio das

Mortes, atraídos pela possibilidade de enriquecimento com o adentrar / ocupação dos

sertões do oeste. Dentre estes indivíduos cabe destacarmos os nomes de Matias Barbosa

da Silva e José Álvares de Mira, o coronel Caetano Álvares Rodrigues e o guarda-mor

Maximiano de Oliveira Leite 212

. A alegação por parte destes senhores na importância

da abertura desta picada referia-se ao fato de "querer favorecer o comércio legal entre as

Minas Gerais e as minas de Goiás, e procurar um maior controle fiscal e militar da rota,

evitando-se os extravios e contrabandos danosos tanto à Fazenda Real quanto aos

211

COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas

Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.428. Acessado em:

http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 212

VASCONCELOS, Diogo de. História média das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1999. pp.

139-141. ANDRADE, Francisco Eduardo de. Fronteiras e Instituição de Capelas Nas Minas, América

Portuguesa. In: América Latina En La História Econômica. Nº 35, 2011. pp. 280-81.

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101

contratos" 213

. Embora partindo desta alegação como justificativa para a abertura deste

caminho, haveria por detrás da mesma outros motivos por parte destes senhores, que se

estendiam por interesses mais lucrativos e rentáveis, tendo em vista que, "se apossaram

de pontos estratégicos das vias comerciais (entroncamentos e passagens de rios),

mantidos por meio dos títulos de sesmarias, e ainda lucravam com o comércio praticado

(mesmo que ilegal) nas fronteiras do sertão"214

.

Apesar de desde o século XVII fazendeiros e mineradores tenham transitado por

estas regiões em busca de riquezas215

, foi a abertura da Picada de Goiás que representou

a tentativa inicial de se efetivar o controle e a ocupação destas regiões dos sertões. Este

processo ocorreu através da formação / crescimento populacional de novas freguesias e

a instalação de unidades produtoras, sejam estas, a mineração ou a prática das atividades

agropastoris.

A tentativa de se conquistar estas regiões remotas procedeu-se à custa de

confrontos e embates nestas áreas. Entretanto, não poderia ser de outra maneira já que,

grande parte do sertão oeste de Minas Gerais (...) era uma área com terras

aparentemente disponíveis. Logo, era passível de ser conquistada por

qualquer agente social e, como consequência, convivia com uma série de

conflitos declarados ou não 216

.

Dessa maneira, neste cenário conflituoso onde ocorreram intensos

deslocamentos populacionais ao longo do século XVIII, viria a provocar disputas e

confrontos pela conquista de unidades de terras nestas regiões. Assim, pode-se constatar

que o avanço das fronteiras retrata as "disputas territoriais que envolvem direitos e

usurpação de direitos", 217

envolvendo variados agentes. Cabe neste momento da

pesquisa, adentrarmos nestas questões conflituosas decorrentes da conquista destes

espaços em formação.

Este processo de conquista, como dito anteriormente, não seria tão simples e

desencadeou violentas disputas pelo controle de terras e também confrontos contra

213

ANDRADE, Francisco Eduardo de. Fronteiras e Instituição de Capelas Nas Minas, América

Portuguesa. In: América Latina En La História Econômica. Nº 35, 2011. p. 281. 214

Idem. p. 283. 215

Idem. p.280. 216

AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século

XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001 (Tese de Doutorado). Pág. 39. 217

MOTTA, Márcia; MACHADO, Marina. Fronteiras internas: apontamentos de pesquisa. In:

COLOGNESE, Silvio (Org.) Fronteiras e identidades regionais. Cascavel. Ed:Coluna do Saber, 2008.

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índios bravios e negros foragidos. Estes dois últimos agentes em destaque foram os

principais entraves para a realização efetiva da ocupação. Além destes elementos, outra

característica conflituosa refere-se à ausência do efetivo controle da Coroa nestas terras

ainda em processo de ocupação. Acerca da ausência do controle administrativo,

segundo Anastasia,

aos interesses dos potentados do sertão agro-pastoril do São Francisco de

continuarem excluídos da subordinação externa, assegurando a continuidade

não só de sua autonomia política como controle do excedente, gerado pelas

trocas com a região mineradora e, a outra, ligada aos interesses das camadas

mais pobres da região, onde se pode vislumbrar um relativo questionamento

das forças autoritárias de dominação interna exercida pelos grandes

proprietários de terras218

.

Neste quadro geral, apresentado até o momento, devemos nos ater também aos

indivíduos que, atraídos pela possibilidade de enriquecimento a partir da extração do

metal precioso, deslocaram-se para os centros urbanos nas primeiras décadas do século

XVIII, constituindo assim, os concentrados centros populacionais. Embora o ouro tenha

propiciado o enriquecimento de alguns indivíduos, muitos outros foram assolados pela

miséria219

proveniente do aumento do custo de vida, das fiscalizações, ou mesmo, por

não terem encontrado o tão desejado metal precioso. Neste quadro geral,

inúmeras pessoas, principalmente os pobres e os considerados como vadios,

fugiram dos centros populacionais onde o controle se efetivava, e buscaram

novas regiões para garimparem ou mesmo 'tentarem a sorte'. (...). As áreas

privilegiadas para isto eram os sertões ainda não povoados, pois lá não havia

nenhum tipo de controle ou fiscalização.220

Todavia, estes indivíduos que se deslocaram para estas regiões dos sertões

haveriam de conviver com os índios bravios e negros quilombolas que disputavam por

faixas de terras e riquezas nestas regiões. Neste quadro conflituoso que permaneceu ao

longo de todo o século XVIII, embora, a princípio, os principais embates tenham

ocorrido ao longo da primeira metade deste século em questão haveria de dificultar o

218

ANASTASIA, Carla M. J.. Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas minas na primeira metade do

século XVIII. Belo Horizonte: Companhia Arte. 1998. pp.66-7. 219

SOUZA, Laura de Melo. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de

Janeiro. Ed: Graal, 1982. 220

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no

século XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.04.

Acessado em: http://historia_demografica.tripod.com/bhds/bhd41/amantino.pdf

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processo de ocupação e expansão das fronteiras para estas áreas do oeste da Comarca do

Rio das Mortes.

Como salienta Diogo de Vasconcelos, a presença de negros e índios acarretava

em uma relação por demais conflituosa, como podemos observar na seguinte passagem

de sua obra, que aborda acerca da abertura da Picada de Goiás, onde, segundo o autor,

outra coisa menos duvidosa é que índios e negros fugidos penetraram nos

mais recônditos sertões, e muitos nomes que não tem origem conhecidas vêm

deles, assim como por notícias verdadeiras ou falsas, que traziam, muitas

tentativas se aventuraram em procura de ouro"221

.

Ainda neste tema, outro importante documento que salienta esses embates,

refere-se ao pedido de solicitação de sesmaria por Domingos Vieira da Mota, no qual

ele menciona o problema dos negros e índios na região da Picada de Goiás:

e como na Paragem do Campo Grande, picada que ia para Goiás, se achavam

campos e matos devolutos não povoados por causa dos negros fugidos, quer

povoar as ditas terras não só para afugentá-los mas ainda para dar sentido a

dita picada de Goiás. 222

Nesta sesmaria em questão, vemos também, como justificativa para a concessão

de unidades de terras a necessidade de se combater os entraves, sejam estes, índios ou

negros, para assim, efetivar a ocupação das terras dos sertões e consequentemente fazer

valer o sentido da abertura deste antigo caminho. Dessa maneira, como podemos

perceber desde imediato, os sertões ao contrário de serem terras inabitáveis como se

imaginava nas representações ao longo do século XVII, foram, antes de tudo, regiões

que serviram de esconderijo para os negros foragidos e também com a presença de

índios, constituindo assim, um palco de disputas.

Estes embates permaneceram constantes na maior parte das primeiras décadas

do século XVIII e tornou-se mais brando somente a partir de 1740.223

Este período

caracterizado pelas grandes expedições, contando com a participação de um elevado

221

VASCONCELOS, Diogo de. História média das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1999. p. 140. 222

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.05.

Acessado em: http://historia_demografica.tripod.com/bhds/bhd41/amantino.pdf. Para o documento, citado

pela autora, ver: Carta de Sesmaria de Domingos Vieira da Mota, em 6.4.1754. SC 106 p.140. Arquivo

Público Mineiro. 223

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.05.

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104

contingente humano, entre 300 e 400 indivíduos224

, dizimaram grande parte dos

quilombos e índios destas áreas, possibilitando assim, a intensificação do processo

ocupacional. Entretanto, nas décadas posteriores, as campanhas já apareciam em menor

número, mas o fato de ainda existirem demonstram que os confrontos nos sertões

perduraram ao longo do XVIII225

. É oportuno mencionarmos também, que neste período

correspondente à década de 40, encontramos de fato em nossa documentação, um

aumento nas requisições por sesmarias226

, demonstrando assim, que o controle destes

embates incentivavam os indivíduos a se deslocarem para estas regiões.

Ainda neste contexto de análise das expedições, cabe ressaltarmos o nome de

Ignácio Correia Pamplona, que foi um dos principais responsáveis pelo combate e a

captura de índios e negros nas áreas dos sertões227

. Como menciona Waldemar Barbosa,

"o devassamento da região e seu povoamento mais intenso só tiveram lugar depois das

entradas de Pamplona" 228

.

Um importante documento, encontrado nos Anais da Biblioteca Nacional, traz a

"notícia diária e individual das marchas e acontecimentos mais condignos da jornada

que fez o Senhor Mestre de Campo, Regente e Guarda-mor Inácio Correia de

Pamplona"229

. Analisando estas notícias, um dos trechos que nos desperta atenção

refere-se ao contexto de disputa existente nestas áreas, em que é feita a menção pelo

próprio Pamplona da dificuldade de ocupar estas regiões, como podemos presenciar

segundo o trecho transcrito:

224

PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 225

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.07. 226

Ver gráfico na página 51. 227

Ignácio Correia de Pamplona recebeu do Governador o cargo de guarda-mor de todo o continente do

sertão de Pium-i, Bambuí, Campo Grande e Picada de Goiás. In: Arquivo Público Mineiro. Caixa Nº 06.

Documento Nº 32 (documento digitalizado). Acessado em:

http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=84688 228

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo

Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995, p.39. Ver também: PINTO, Eduardo Francisco. Potentados e Conflitos nas

sesmarias da comarca do Rio das Mortes. Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). pp.51 - 83.

Segundo o pesquisador, Ignácio Correia Pamplona "foi o principal responsável pela integração daquela

grande área à plena administração portuguesa. Os quilombos continuaram existindo ao longo do século

XIX, mas a presença branca onde só era sertão devoluto, diminuiu sensivelmente essa ameaça". p.81. 229

Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm

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Temos até agora padecido um desprezo total da gente humana

experimentando das feras o bramido, em sua soledade tão tirana (...) trazei

convosco bastante companhia, que a todos que quiserdes serviremos para

mais lustrar vossa bizarria que para vossos criados lugar temos (...) só para

desengano destas feras que deixam de ser gentes, são quimeras230

.

E continua, em sua fala, destacando as riquezas dos sertões e a necessidade de realizar

sua ocupação, como destacamos neste outro trecho do diário: "estavam estes tesouros

escondidos agora se verá o seu valor não foram até agora merecidos, agora é que

acharam seu senhor a vossa poder estamos rendido"231

.

A disponibilidade de terras encontradas nestas áreas em fronteira aberta, foi um

mecanismo utilizado por Pamplona, como incentivador para o processo ocupacional,

destacando a importância de estabelecer sítios e fazendas para garantir o controle sobre

estas áreas. Assim, refere-se Pamplona após uma de suas conquistas aos ocupantes da

Serra da Marcela, que

não esquecessem de ir povoar as suas fazendas, porquanto era melhor possuí-

las ali de graça do que em outra parte como era ordinário costume por muitos

mil cruzados, que toda a sua vida trabalhavam para os pagar; sem nunca

poder satisfazê-los e que no fim se achavam sempre empenhados, e as suas

famílias em extremosa pobreza, como eles bem experimentavam, que a terra

do Sertão era muito fértil, abundante e saudável.232

É oportuno destacarmos também, analisando ainda estas notícias, que Pamplona

nos indica a presença da prática agropastoril nestas áreas dos sertões. Este fato decorre

da disponibilidade de terras e consequentemente, a possibilidade de efetivar o seu

processo ocupacional, onde se veria "multiplicados milhões por certo do vosso gado".233

A necessidade de efetivar a ocupação e estabelecer áreas produtoras era uma

condição básica para afugentar os índios bravios, pois, com a ameaça dos ataques a

população se afugentava e abandonava as terras concedidas. Nos sertões, como aponta

Barbosa acerca do antigo caminho da Picada de Goiás, o quadro do abandono das terras

podia ser presenciado, já que,

230

Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm p.55. 231

Ibidem. 232

Idem. p.80. 233

Ibidem.

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foram doadas as sesmarias aos abridores da picada de Goiás; e pelos

territórios de Formiga, Piui e para a frente instalaram-se. (...) Retiraram-se

estes sesmeiros, poucos anos depois, quando a região se povoou de negros

fugidos que, por aí, organizaram seus quilombos.234

Ainda neste quadro de ataques de índios e quilombolas, Pamplona destaca em

carta ao Conde de Valadares a difícil empreitada para efetivar a ocupação destas áreas,

cabendo destacar o seguinte trecho deste documento,

V. Ex.a. sabe que o seu favor foi o motivo que me fez intentar a difícil

empresa de povoar estas terras desertas e incultas esforço por outras tantas

vezes principiados quantos desvanecida pela oposição do gentio brabo e

quilombos de negros que por todos os lados cercavam este continente o que

bem mostram as fazendas que se viram desamparadas.235

Dessa maneira, "os índios bravios e os quilombolas permaneceram nos sertões

provocando durante todo o século XVIII ondas de povoamento e despovoamento".236

A presença destes agentes, índios e quilombolas, ao que nos parece, faz parte do

universo que cercavam os ocupantes destas áreas. Dessa maneira, encontramos na

sesmaria de Constantino Cunha datada em 1766, a menção a paragem chamada

"Quilombo do Ambrósio ou Sertão do Jacuí"237

, cabendo destacar que o Quilombo do

Ambrósio foi um dos maiores e mais temidos quilombos que havia nos sertões, sendo

destruído por duas vezes, em 1746 e posteriormente em 1759.238

Retomando as notícias

de Pamplona e sua empreitada nos sertões, também encontramos a menção a este

Quilombo, no qual ele aponta que

a poucos passos o Ribeirão das onze mil virgens, o qual é bastantemente

grande, e viemos procurando o Quilombo do Ambrósio, no caminho se

mataram 3 perdizes, e um viado, chegamos ao Quilombo do Ambrósio ainda

cedo e tivemos tempo de ir ver o milho que estava plantado, e o achamos

todo nascido e bem bonito.239

234

BARBOSA, Waldemar de Almeida. A decadência das minas e a fuga da mineração. Belo Horizonte.

Ed:UFBH, 1971. pp.31-32. 235

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.08. 236

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.07. 237

IPHAN/ São João del Rei - MG. Sesmaria de: CUNHA, Constantino Barbosa da. SM-29, (1766). fl.02. 238

PINTO, Francisco Eduardo. Potentados e conflitos nas sesmarias da Comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p. 59. 239

Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, V.108, 1988. Acessado em:

http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais.htm p.79.

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A respeito do processo de ocupação, também cabe mencionarmos que este

fenômeno está diretamente relacionado com a conjuntura socioeconômica da Comarca

do Rio das Mortes neste contexto da segunda metade do século XVIII. Dessa maneira, a

partir do esgotamento dos veios auríferos e a dificuldade de se enriquecer através da

extração do ouro, fez com que se desenvolvessem as atividades agropastoris ao entorno

das principais vilas necessitando assim, de um volume cada vez maior de terras para o

desenvolvimento das atividades agrícolas. Neste momento, retomaremos os

ensinamentos da história agrária para tentarmos compreender este fenômeno.

A produção agrária, seja ela agricultura ou pecuária, está relacionada com três

principais fatores intercorrelacionais de produção, sendo estes, "a terra (meio ambiente

natural), os homens (a população, o peso demográfico) e as técnicas (as forças

produtivas, no sentido restrito)" 240

. Estes pontos são essenciais para determinar as

formas de produção a serem adotadas e a análise destes elementos permite visualizar de

maneira mais precisa as relações econômicas estabelecidas em uma determinada área.

Neste contexto, encontramos para a nossa região pesquisada, o fator terra (como

meio ambiente natural) sendo oferecida para ocupação nas regiões dos sertões oeste,

local onde ainda se encontravam as fronteiras abertas, permitindo assim, a ocupação por

parte dos sesmeiros que se deslocavam para estas áreas. Dessa maneira, "a médio prazo,

a pressão demográfica leva a uma intensificação do uso da terra ou à incorporação de

novas terras, ou seja, a um processo de ocupação extensiva do solo, com o avanço da

fronteira agrícola ou, ainda, a uma combinação dos dois processos" 241

. Neste momento

em questão, também é importante ressaltarmos que as técnicas empregadas para a

realização do cultivo ou elaboração do aparato produtivo irá influenciar diretamente na

necessidade de maiores ou menores unidades de terras. Todavia, veremos este elemento

em questão em unidade mais adiante, quando tratarmos especificamente das técnicas

empregadas na produção.

Quanto aos homens (a população, o peso demográfico), compreendido aqui

como produtor 242

, temos um acentuado contingente de indivíduos disposto a

240

LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.

(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.168 241

LINHARES, Maria Yedda. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo.

(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997.p. 169. 242

Utilizamos o termo produtor segundo os critérios definidos por Slicher Van Bath, no qual, compreende

o "homem, para o exercício da agricultura, depende dos conhecimentos que possui acerca deste ramo de

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desenvolver as atividades agrárias como alternativa viável em relação a extração

mineral. É oportuno mencionarmos também que a população das freguesias da vila de

São José del Rei que margeavam os caminhos da Picada de Goiás apresentaram, em sua

grande maioria, crescimentos significativos na passagem do século XVIII e início da

primeira metade do XIX, quando a crise dos veios auríferos se acentuou 243

.

Este fator auxilia para demonstrar de forma mais clara a importância que as

atividades agropastoris desempenharam para esta região estudada por nós, pois,

consequentemente absorveu uma parcela significativa dos indivíduos que se

encontravam nestas áreas. Neste ponto em questão é pertinente também considerarmos a

pressão existente na demanda por mais terras. Dessa maneira, a oferta da terra é

consequentemente inelástica, cabendo a população crescente, buscar por novas faixas de

terras. Neste contexto, como aponta Maria Yedda acerca do estudo de Ester Boserup,

que "na medida em que se intensifica a utilização do solo, torna-se mais elevado o

índice demográfico (ou vice versa), culminando a densidade demográfico-agrícola"244

.

E por fim, temos as técnicas (as forças produtivas, no sentido restrito) utilizadas

para o manejo da terra. Para tanto, basearemos no relato do viajante suíço Von Tschudi,

em que, segundo ele, as técnicas utilizadas para o cultivo do solo baseavam-se no

sistema extensivo a partir do processo de pousio e da coivara. Cabe ressaltarmos que o

relato deste viajante refere-se a um período posterior ao nosso. Entretanto, optamos por

basear nossas análises em suas considerações, uma vez que não possuímos descrições

mais próximas ao nosso período de pesquisa. Além disso, acreditamos também que nas

últimas décadas do setecentismo, na região estudada por nós, já havia o uso destas

técnicas de cultivo. Assim, em sua obra na qual relata sua passagem pela província de

Minas Gerais, ele menciona da seguinte maneira a utilização destas técnicas:

actividade e dos meios técnicos auxiliares de que dispõe, isto é, por conseguinte, daquilo que, em termos

gerais, se pode chamar técnica agrícola, se por esta entendermos também a aplicação da metodologia

agronómica". In: BATH, Slicher Van. História Agrária da Europa Ocidental (500 - 1850). Editora

Presença. p.14. 243

A exemplo deste crescimento podemos citar as seguintes freguesias que margeavam o antigo caminho

da Picada de Goiás: Passatempo que passou de 782 habitantes em 1795 para 1.186 em 1831; Claudio que

apresentava 1030 habitantes em 1795 passando a ter 2.420 no ano de 1831; Lage 840 habitantes em 1795

para 1.024 em 1831; Japão 745 habitantes em 1731 para 1.568 em 1831. Ver em: MALAQUIAS, Carlos

Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado)

p.23. 244

LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil séculos XVII e

XVIII. Revista Tempo, Niterói, v. 1, n. 2, 1996 p.137.

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derruba-se um pedaço de mata virgem, a madeira mais seca é queimada

e as cinzas são espalhadas. Sobre a roça assim obtida, entre tocos de árvores

e troncos meio calcinados, as culturas são plantadas com enxada. Quando,

depois de repetidas colheitas sem intervalo entre si, o solo está esgotado, ele

é posta a descansar por alguns anos, e vai se cobrindo novamente com

arbustos e mato. Ao chegar a uma determinada altura ou idade, esse mato é

novamente derrubado, queimado e o solo replantado. O ciclo se repete tantas

vezes que por fim a terra já não pode produzir nenhuma colheita, pois todos

os nutrientes são retirados e nunca são minimamente repostos 245

.

Entretanto, outro fator deve ser adicionado ao sistema da coivara e do pousio

que juntamente a estes, desempenhou um importante papel para este sistema produtivo

em questão. Este elemento refere-se a utilização do esterco animal como auxiliador da

reposição dos nutrientes do solo, tendo em vista a criação de animais de corte, em

especial o gado vacum, nestas regiões dos sertões. Dessa maneira, continuando nas

considerações do relato de Von Tschudi, o viajante menciona que a prática da criação

extensiva acarretava "por meio da circulação do gado, o chão é estercado e assim se

retarda o seu esgotamento"246

.

Embora estes elementos possam ser apresentados de forma isolada, como

expusemos nestes parágrafos anteriores, este processo deve ser entendido em seu

conjunto, ou seja, como um todo. Portanto, a alteração e a elasticidade247

de cada um

destes componentes - a terra, o homem e as técnicas - são capazes de provocar

alterações significativas nas unidades de produção. Dessa maneira, o modelo

esquemático elaborado por Slicher Van Bath tenta demonstrar estes elementos em seu

conjunto inter-relacional, expondo os fatores e o papel desempenhado pelas unidades

produtoras dos gêneros agrários, segundo as considerações já apresentadas por nós,

como vemos a seguir.

245

HALFELD, H. G. e TSCHUDI, J. J. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo Horizonte. Ed:

Fundação João Pinheiro, 1998. p.111. (Grifos nosso) 246

Ibidem. 247

Estamos baseando a utilização do conceito de elasticidade a partir da oferta e demanda dos fatores

implicados em nossas considerações, ou seja, a terra, o homem e as técnicas. Dessa maneira, a constante

necessidade de ocupar novas áreas e o número de indivíduos dispostos a ocupá-las tornam-se fatores

determinantes para a mensuração do processo de ocupação das regiões do sertão oeste da Comarca do Rio

das Mortes. Acerca do conceito, ver: HOLANDA, Nilson. Introdução à Economia: da teoria à prática e

da visão micro a macroperspectiva. Ed: Vozes, 2002. p.263-72.

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Esquema de Produção:

MG CG

P A E

T

Fonte: BATH, Slicher Van. História Agrária da Europa Ocidental (500 - 1850). Editora Presença. p.18.

Dessa maneira, pensando neste complexo sistema de produção envolvendo

gêneros agrícolas e a criação de animais, temos, por vez, a vila de São José del Rei e

especialmente em grande parte de suas freguesias o cultivo de "milho, feijão, arroz e

alguns legumes 'menos consideráveis' e na criação de gado vacum, cavalar, lanígeros e

porcos" 248

. A necessidade de terras para o estabelecimento destas unidades produtoras

procedeu-se através das tentativas de ocupação das regiões dos sertões, sendo estas,

disponíveis a partir do avanço das fronteiras para as regiões ocidentais desta Comarca.

Baseado no sistema extensivo de criação de gado somado as técnicas

rudimentares - coivara e pousio -, e também da utilização da enxada como principal

ferramenta de trabalho, podemos perceber um pouco do quadro agrícola nestas regiões

ao longo do século XVIII. Cabe ressaltarmos também, que estas atividades viriam a se

desenvolver e se aprimorar ao longo das primeiras décadas do século XIX, quando

chegariam a ser comercializadas com praças mais distantes, a exemplo, do Rio de

Janeiro, consolidando assim, o complexo agrícola existente nestas áreas pesquisadas em

nosso trabalho.

Para nossa pesquisa em questão, focada na análise das dinâmicas internas das

fronteiras nos sertões oeste, os dois principais fatores que desejamos destacar referem-se

248

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p. 91

Legenda:

MG - Meio Geográfico.

P - População.

A - Área Cultivada.

T - Técnica e conhecimento agrícola.

CG - Contingente de Gado.

E - Estrume.

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aos elementos populacionais e a necessidade de novas áreas para se estabelecer as

unidades produtoras. Estes dois fatores interferiram diretamente no processo das

fronteiras internas, desencadeando assim, a constituição / aprimoramento das unidades

produtoras de gêneros agrícolas nas regiões circunvizinhas aos centros mineradores ou

mesmo, no que se compreendia como as áreas dos currais. Acerca destes elementos no

qual destacamos, cabe analisá-los com mais atenção.

Para nossa região pesquisada e a partir do nosso escopo documental de

referência, ou seja, as cartas de sesmarias, realizamos a leitura e a análise referentes aos

"Traslado da Carta de Sesmaria"249

e também dos "Autos de Medição"250

, para assim,

buscarmos compreender um pouco das unidades produtoras estabelecidas nestas áreas.

Partimos do estudo de 189 documentos referentes ao nosso recorte temporal e espacial

de pesquisa, afim de assim, identificar as extensões das faixas de terras, bem como as

atividades desempenhadas nestas. Dessa maneira, cabe apresentarmos neste momento

alguns dos dados levantados por nós que nos auxiliará para a identificação das

dinâmicas de fronteiras.

Comecemos então nossas considerações acerca das extensões das faixas de

terras. Estas por sua vez, apresentaram-se constituídas de pequenas unidades produtoras,

já que, dos documentos analisados nos deparamos em sua grande maioria com a

predominância de unidades de até meia légua em quadra de terras. Do montante total

estudado estas unidades representaram 166 solicitações, ou seja, 87,8% dos documentos

pesquisados. Em contrapartida, nos deparamos com algumas cartas onde o suplicante

solicita a concessão de maiores faixas de terras, sendo estas, em sua grande maioria,

constituídas por unidades com até três léguas de extensão. No que se refere a estas

unidades, nos deparamos com 23, representando assim, 12,2% do montante total.

O que nos desperta a atenção desde o início é o alto número de cartas contendo

até meia légua em quadra de terra. Estas apareceram presentes ao longo de todo o nosso

recorte temporal de pesquisa. Podemos mencionar a exemplo, a carta de Domingos da

249

O "Traslado da Carta de Sesmaria" refere-se a uma das unidades presentes ao longo deste documento.

Este por sua vez, compreende a abertura do processo / petição de concessão no qual, indica o nome do

suplicante, o período para demarcação, a abertura e o estabelecimento de cultivo e também, algumas das

vezes faz menção a extensão das unidades de terras. Dessa maneira, focamos nossa leitura nesta unidade

do documento devido a importância como apresentação do indivíduo solicitante da concessão, bem como

também, acerca da finalidade pretendida a se estabelecer nestas devidas terras. 250

O "Auto de Medição" refere-se, como o próprio título sugere, como sendo a unidade do documento

que aborda a medição e a demarcação, aqui entendido como os limites, das faixas de terras concedidas.

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Costa Afonso em 1747 na paragem de Capão Grande, termo da vila de São José Del

Rei, na qual o suplicante pede a demarcação de uma sesmaria de meia légua de terras

em quadra, para que assim, possa vir a ter a posse desta251

. Outro exemplo a mencionar

é o suplicante José da Costa Ribeiro desejando que se faça o auto de medição e

demarcação de meia légua de terra em quadra em 1770, no distrito de Passatempo termo

da vila de São José 252

. Os casos a serem apresentados neste quesito de extensão são por

demais volumosos, mas servem para demonstrar a predominância das unidades de terras

apresentando esta extensão.253

Ainda nesta questão, devemos destacar uma carta que muito nos chamou a

atenção, que se refere ao documento de auto de medição do Guarda-Mor Domingos

Dias Pereira em 1784, sendo que, sua concessão também compreendia meia légua em

quadra de terra. Como podemos notar segundo o "Auto de medição e demarcação de sua

sesmaria" neste documento, onde destacamos o seguinte trecho: "Diz Domingos Dias

Pereira que ele alcançou do Ilustríssimo General desta Capitania de Minas a Carta de

Mercê de meya Legoa de terra em quadra (...) a qual quer o suplicante medir e

demarcar"254

.

Um ponto importante a ser destacado ainda acerca das extensões das faixas de

terras refere-se a sua localização. A maior parte das cartas analisadas que continham até

meia légua em quadra situavam-se nas regiões circunvizinhas a Vila de São José Del

Rei e nas proximidades do principal centro comercial desta região, ou seja, a Vila de

São João del Rei255

. Assim, encontramos unidades com esta dimensão principalmente

nas regiões de Passatempo, Desterro, Oliveira, Santo Antonio e Prados256

.

251

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONSO, Domingos da Costa. SM-18, 1747. fl.01. 252

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: RIBEIRO, José da Costa. SM-23, 1770. fl.02. 253

Para ilustrar os casos de sesmarias apresentando as faixas de terras com meia légua em quadra de terra,

separamos alguns casos por décadas que demonstram nossas considerações, sendo assim, ver: IPHAN /

SJDR. Carta de Sesmaria: VIÇOSO, José. SM-25, 1748. fl 15-16; IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria:

ANDRADE, Manoel da Silva de. SM-20, 1752. fl.03; IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONSO,

João Francisco. SM-26, 1761. fl.07. IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: CASTRO, Antônio Ribeiro de

Moraes. SM-16, 1770. fl.03. IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ANTUNES, Custódio José. SM-02,

1782. fl.03.;.IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: JESUS, José Mariano Joaquim de.. SM-33, 1798. fl.04. 254

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PEREIRA, Domingos Dias. SM-05, 1784. fl.03. 255

Importante mencionarmos que o "Termo de São José tinha por cabeça a vila de São José, que distava,

de São João del Rei - cabeça da Comarca - somente duas léguas". In: AMENO, Viviane Penha Carvalho

Silva. O Conselho de Jurados do Termo da Vila de São José del-Rei, um estudo de caso (1832-1841). In:

Almanack. Guarulhos, N.03. 1º semestre de 2012. p. 120. 256

Ressaltamos que Passatempo, Desterro e Oliveira constituem freguesias da Vila de São José Del Rei e

Santo Antonio e Prados fazem parte do termo da Vila de São José. Embora em regiões mais distantes

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Cabe considerarmos, com exceção de Prados, as demais freguesias apontadas

por nós eram regiões que ainda se encontravam em fronteira aberta. Assim, estamos

considerando estas como próximas, uma vez que dentre as demais freguesias elas ainda

absorviam a demanda por mais terras, uma vez que observamos concessões de cartas de

sesmarias ao longo da segunda metade do século XVIII.

Dessa maneira, os dados levantados por nós reforçam a noção de pequenos

produtores que se estabeleceram nestas áreas, adotando a prática agrícola como

alternativa viável em relação a economia do metal precioso. Dizemos isso, pois, foi

comum encontrarmos nos documentos pesquisados, a menção do suplicante de estar

"cultivando umas terras de lavoura". Ainda neste ponto, cabe retomarmos que estas

áreas - Desterro, Passatempo, Oliveira - foram regiões que se desenvolveram,

principalmente nas atividades voltadas aos gêneros agrícolas.

Em contrapartida, as unidades de maior extensão - até três léguas de terra -

referiam-se as regiões mais adentradas da Comarca, ou seja, predominantemente nos

sertões. Nestas maiores unidades podemos apresentar a sesmaria de Joaquim de

Almeida em 1766, na paragem de Tamanduá, Campo Grande do Sertão do Deserto,

onde o suplicante faz menção a uma demarcação de três léguas de terra257

.

No documento de Constantino Barbosa da Cunha em 1766, na freguesia de

Tamanduá, paragem do Sertão do Jacuí, termo da Vila de São José del Rei, ele faz a

solicitação de uma extensa faixa de terra alegando desejar criar gado, como vemos a

partir do "Traslado" da sua sesmaria:

Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que tendo respeito a

me representar por sua petição, Constantino Barbosa da Cunha, que ele

estava cultivando umas terras de lavoura e criações a três anos, do Rio

Lambari correndo Rio Grande acima, que confrontava pelo sul com o dito

Rio Grande e, pelo norte com a Picada de Goiases. (...) Em cujas terras quer,

o suplicante, criar gado vacum e cavalar e, porque as não pode possuir sem

título régio, me pedia que concedesse nelas, por ser sertão, três léguas de

terras por sesmaria.258

também ocorreu o aparecimento de demarcações com meia légua em quadra de terra, destacamos que as

principais sesmarias com esta extensão apresentaram-se nas localidades circunvizinhas da Vilas Matriz. 257

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Joaquim de. SM-31, 1766. fl.03. 258

IPHAN/ São João del Rei - MG. Sesmaria de: CUNHA, Constantino Barbosa da. SM-29, (1766). fl.04.

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Nossos dados coletados através da análise das cartas de sesmarias vem

corroborando com as pesquisas que tem como foco a análise do termo de São José Del

Rei e a constituição das forças produtivas. Dessa forma, parece-nos que estas pequenas

unidades de terras que tanto prevaleceram ao longo da segunda metade do século XVIII,

estudado por nós, eram constituídas por pequenos sesmeiros que se instalaram nas áreas

curraleiras, a fim de constituir uma agricultura de pequeno porte, tendo como principal

foco o abastecimento local. Assim, podemos perceber que "as pequenas produções

limitadas pela disponibilidade do braço familiar e com áreas de cultivo restrita,

provavelmente abasteciam o mercado local e sustentavam os ranchos de parada de

tropeiros e vendas de beira de estrada"259

.

Neste quadro geral apresentado até o momento e analisando a expansão das

fronteiras para o interior dos sertões, conseguimos perceber que a conjuntura na qual se

encontrava a Comarca do Rio das Mortes desempenhou um papel decisivo na tentativa

de se ocupar estas áreas. Para tanto, os indivíduos da Vila de São José del Rei e suas

respectivas freguesias necessitavam de novas faixas de terras para estabelecer as

unidades produtoras dos gêneros agrícolas. Como bem ressalta Malaquias, estas regiões

"desenvolvendo uma agricultura e uma criação que precisava de mais terras do que as

unidades realmente ocupavam, a freguesia de S. José expandiu-se sobre as áreas abertas

situadas a oeste, agregando nesse processo homens e mulheres brancas que chegavam à

região" 260

. Esse processo permaneceu ao longo do século XVIII, quando começamos a

presenciar o fechamento das fronteiras no início do século seguinte. De certa maneira, a

partir do declínio mineral e o acelerado crescimento das áreas produtoras de alimentos

através da demanda por terras nestas regiões ao oeste de São José intensificaram o

processo de ocupação nestas terras. Em outras palavras, ao ocuparem-se novas terras

nas proximidades do termo de São José e consequentemente também nos sertões,

desencadeou o fenômeno de expansão das fronteiras e absorveu uma significativa

parcela populacional dos centros mineradores, como já demonstramos através de dados

anteriormente.

Após expor estes elementos socioeconômicos e compreender algum dos motivos

que desencadearam a ocupação para os sertões a partir do viés metodológico da história

259

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.105 260

Idem. p. 51.

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agrária e também as unidades de produção que se estabeleceram nestas áreas, cabe a nós

agora, analisarmos alguns aspectos geográficos acerca destas regiões aqui estudadas. O

ambiente geográfico interferia no decorrer da ocupação do oeste da Comarca do Rio das

Mortes e embora não seja possível delimitar a região dos sertões em seus limites

precisos, um dos referenciais mais importantes para o estudo destas áreas é o grande e

caudaloso Rio São Francisco. A representação deste Rio ocupava com destaque as

tentativas de se expor as áreas que compreendiam os sertões, tendo em vista que,

chamam-se sertões n'esta capitania as terras que ficam pelo seu interior

desviadas das povoações de Minas, e onde não existe mineração. Uma grande

parte porém d'estes sertões é formada pelas terras chans, que ficam da outra

banda da grande serra, e ao poente d'ella: o Rio de S. Francisco corre pelo seu

centro e recebe as águas por um a outro lado de ambas as extremidades 261

.

Não há divergências entre os trabalhos consultados a respeito da ocupação dos

sertões e a importância desempenhada pelo Rio São Francisco para a conquista e

ocupação destas áreas. A grande extensão de áreas banhadas por suas águas auxiliou

como fator geográfico primordial para a possibilidade de ocupação destas áreas, bem

como a formação de freguesias ao seu redor. Segundo Amantino,

este (o Rio São Francisco) aparece como um elemento central e é essencial

para o entendimento do Sertão de Minas Gerais, porque ele e seus afluentes

dominavam a região de maneira a impedir ou facilitar o seu povoamento.

Este rio nasce na região que era, no século XVIII, a Comarca do Rio das

Mortes e recebe uma série de outros rios menores e ribeirões 262

.

A extensão dos sertões são margeadas em sua grande parte pelo Rio São

Francisco e seus afluentes, o que auxiliava os conquistadores destas regiões a adentrar

por suas águas. Outro importante papel que este grande rio irá desempenhar refere-se às

produções agrícolas estabelecidas em seu entorno, fornecendo o elemento básico para o

manejo da agricultura, ou seja, a água. Neste conjunto, Vieira Couto menciona que suas

261

COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas

Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.430. Acessado em:

http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 262

AMANTINO, Marcia. O Mundo das Feras: os moradores do sertão oeste de Minas Gerais – século

XVIII. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 2001 (Tese de Doutorado). Pág. 34-35.

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largas campinas podem-se cobrir de imensas criações de animais domésticos,

(...), a navegação pode-se pôr em prática nesse país pelos seus grandes rios

mais ou menos navegáveis que tão bastos retalham seu território,

comunicam-se com o de S. Francisco, e onde este vasto canal, rio abaixo ou

rio acima, acharão nos habitantes um certo e lucroso consumo dos seus

efeitos263

.

Ainda a respeito do tema, alguns pesquisadores têm focado suas atenções para a

análise de mapas geográficos referentes ao século XVIII, encontrando em instituições

arquivísticas e museológicas de Portugal e no Brasil alguns destes exemplares. Em

particular, para nossa pesquisa e para o tema mencionado em questão, uma importante

representação dos elementos geográficos da Capitania de Minas Gerais em destaque

para seus rios é o "mappa topografico e Idrografico da Capitania de Minas Geraes" de

autoria desconhecida, mas que, todavia, sabido por parte de análises e menções contidas

em suas representações que se trata de uma produção do final do século XVIII. Dessa

maneira, vemos que a tentativa de se mapear e melhor compreender estas áreas foi

consequência de um processo lento e de acúmulo de informações264

. Expomos a seguir

o mapa mencionado, bem como também um outro mapa produzido no início do século

XIX representando alguma das principais vilas e freguesias das Comarcas da Capitania

de Minas Gerais a título de comparação e melhor visualização das áreas banhadas pelo

grade Rio São Francisco.

263

COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas

Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar. In: Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862. p.429. Acessado em:

http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19 264

Acerca desta cartografia apontada por nós, as legendas fazem referências, segundo a pesquisadora que

analisou o mapa em questão, de delimitações de rios, caminhos, fazendas e povoações, sendo estes,

representados a partir de signos-sinais e signos-símbolos. In: SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro

exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de

Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica primária, quando comparado a outras representações

cartográficas características daquele período. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-

Dezembro de 2010. p.46-59.

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Referência: Mappa Topográfico e Idrografico da Capitania de Minas Gerais. Autor desconhecido (17..). Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. apud. SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro

exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica primária,

quando comparado a outras representações cartográficas características daquele período. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-Dezembro de 2010. p.50.

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Na conquista espacial destas regiões do sertão, um outro elemento importante

que devemos destacar ainda acerca do processo de ocupação e do deslocamento para

estas áreas, refere-se a formação das capelas. Sendo a maior parte do território do termo

da vila de São José del Rei constituído pelas áreas do sertão265

, sendo este ausente em

sua grande maioria do controle efetivo da administração da Coroa, estas capelas

erguidas nos povoados que se estendiam as freguesias desempenhavam um importante

papel no exercício político destas regiões. À medida que ocorriam os deslocamentos

para as áreas interioranas e o aumento do fluxo populacional ao longo do século XVIII,

as capelas eram erguidas. Estas por sua vez eram construídas em locais estratégicos

como "cruzamento de rotas, confluências de rios, passagens obrigatórias, (...), onde

pousos e ranchos, esporadicamente, permitiam trocas e algum nível de sociabilidade"266

.

Como destaca Francisco Andrade, "assim, o lugar da capela, manifestando o movimento

dos entrantes e povoadores, com certa evidência, surgia antes da instituição da

capela"267

. Dessa maneira, fica evidente o controle estabelecido pela instituição

religiosa como forma de dominação, provocando assim, um controle local por parte

destas em relação aos indivíduos que se estabeleciam nas freguesias e nos arraiais.

Com a imprecisão dos limites político-administrativos nas áreas interioranas da

Capitania, tornava-se evidente, a partir do surgimento de novos povoados e arraiais a

tentativa de se estabelecer o controle a partir das capelas por parte dos poderosos locais.

Em documento deste mesmo período, observamos este processo, já que,

sendo as freguesias desta província a princípio pequenos distritos, que apenas

circularam as povoações fundadas nos lugares dos serviços mineradores, hoje

em dia se não pode com individuação descrever os limites de cada uma,

porque passando alguns dos mineiros a agricultores, foram penetrando os

sertões incultos, estabelecendo-se em grandes fazendas, e sem atender às

distâncias, prestaram obediência ao pároco ou capelão do lugar donde se

ausentavam, ficando por este princípio irregulares e tortuosos quase todos os

limites das sobreditas freguesias, por serem estes os princípios de cada um

dos fazendeiros.

265

PINTO, Eduardo Francisco. Potentados e Conflitos nas sesmarias da comarca do Rio das Mortes.

Niterói: ICHF/UFF, 2010 (Tese de doutorado). p.51. 266

ANDRADE, Francisco Eduardo. A Conversão do Sertão: capelas e a governamentalidade nas Minas

Gerais. In: Varia História. Belo Horizonte, vol.23, nº 37. Jaa/jun, 2007. p.151. 267

Ibidem.

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A Comarca do Rio das Mortes dentre todas as comarcas da Capitania de Minas

Gerais no século XVIII, foi a que apresentou o maior número de capelas erguidas. A

possível explicação para este fato refere-se ao processo de ocupação das áreas

interioranas do sertão, tendo em vista que o principal eixo de deslocamento

populacional ocorreu para estas regiões onde havia ainda a presença de fronteira aberta.

A tabela apresentada a seguir expõe o erguimento das capelas e compara este número

com as demais comarcas da Capitania de Minas Gerais.

Tabela VI: Distribuição das povoações da Capitania de Minas Gerais, por

comarca, de acordo com a classificação político-administrativa presente no Mappa

Topográfico e Idrográfico da Capitania de Minas Gerais268

:

Serro Frio Vila Rica Rio das Mortes Sabará Capitania de MG.

Comarcas Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Absoluto Nº Relativo

Capela 35 33 68 56 192 87,0

Arraial 1 -- -- -- 1 0,5

Paróquia 5 2 3 6 16 7,0

Vila 2 1 5 3 10 5,0

Cidade -- 1 -- -- 1 0,5

TOTAL 43 37 76 65 220 100

Fonte: Extraído por contagem do Mappa Topografico e Idrografico da Capitania de Minas Gerais

(s,d..,s.a, Biblioteca Nacional, BN/RJ.)

A expansão de suas fronteiras para as áreas do sertão levou consigo a

constituição do poderio local, pois, "na verdade, as explicações da criação das capelas -

e dos arraiais - hesitam entre uma situação econômica tendente aos ganhos, que conferiu

uma ocupação espontânea (ou livre) do espaço, e os atos fundadores decorrentes de uma

vontade religiosa e política dos agentes, calculando os interesses econômicos" 269

. Por

detrás do processo de avançamento das fronteiras e do intenso fluxo populacional que

268

SANTOS, Márcia Maria Duarte dos. Raro exemplar da catografia e da informação geográfica do Setecentos, o

Mappa Topografico e Idrográfico da Capitania de Minas Geraes ganha relevo como importante fonte histórica

primária, quando comparado a outras representações cartográficas características daquele período. In: Revista do

Arquivo Público Mineiro. Ano XLVI. Nº02, Julho-Dezembro de 2010. p.59. (Grifo nosso). 269

ANDRADE, Francisco Eduardo. A Conversão do Sertão: capelas e a governamentalidade nas Minas

Gerais. In: Varia História. Belo Horizonte, vol.23, nº 37. Jaa/jun, 2007. p.153.

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120

ocorreu na segunda metade do século XVIII e principalmente nas primeiras décadas do

XIX, as áreas do sertões serviram como alternativa para vários indivíduos que se

deslocaram por estas terras conseguirem estabelecer suas unidades produtoras. Estas,

mesmo que voltadas a uma produção local e de pequeno porte, desempenharam um

papel significativo na construção e caracterização das áreas produtoras de gêneros

agropastoris que viria a alcançar maiores destaques no século XIX.

Em meio a este cenário em construção a partir das práticas agrícolas e as

criações pastoris, o sertão foi palco de disputa e de interesses dos mais variados agentes

sociais, sejam estes, pequenos sesmeiros, vadios, índios ou negros. Os sertões

representaram uma região por demais dinâmica, onde cada um destes indivíduos

tentavam fazer valer suas estratégias e conseguir assim, alcançar seus objetivos.

Após apresentarmos algumas das características formadoras destes espaços e

alguns dos fatores que interferiram diretamente no processo de ocupação destas regiões,

caberá ao nosso próximo capítulo da pesquisa, tentar compreender e identificar a

presença das unidades produtoras estabelecidas nestas áreas. Para tanto, basearemos

nosso estudo nas interações entre os espaços urbanos e rurais a partir da análise da

formação de sítios e fazendas nestas áreas ocupadas ao longo da segunda metade do

setecentismo. Assim, acreditamos estar avançando na compreensão destes espaços em

formação.

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121

Capítulo III - Fronteiras e Interações Econômicas: entre o urbano e o rural.

O sertão intermédio do rio de São Francisco e do Paracatu grandes que pela bondade e largueza das suas pastagens, podiam fazer renascer a antiga idade em que a riqueza e fortuna dos primeiros povoadores do mundo consistia só na criação dos seus rebanhos. (Vieira Couto, 1774).

As análises presentes nos primeiros capítulos desta pesquisa preocuparam-se em

demonstrar o processo de expansão e das dinâmicas nas fronteiras. Portanto,

conseguimos identificar e mapear as principais áreas ocupadas ao longo da segunda

metade do século XVIII, no que se refere aos sertões a oeste da Picada de Goiás. Neste

processo, percebemos também que as áreas primeiramente desejadas pelos ocupantes

eram nas proximidades da vila matriz, compreendendo as freguesias circunvizinhas a

São José del Rei270

. Na medida em que a demanda por mais terras veio a intensificar-se,

desencadeada em grande parte pelo aumento populacional, as regiões mais interioranas

começaram a atrair novos sesmeiros, ampliando o número de indivíduos nas freguesias

e arraiais. Ressaltamos também a ocupação destas áreas outrora distantes, que nas

últimas décadas do setecentismo estabeleceram-se como importantes zonas produtoras

de gêneros agropastoris.

Outro elemento em que focamos nossos estudos refere-se às estruturas fundiárias

e os embates decorrentes do fenômeno ocupacional. Neste aspecto, demonstramos que

as fronteiras não eram constituídas de terras livres, ao contrário, estas apresentaram

variados agentes que interagiam e ocasionavam uma série de conflitos oriundos das

expansões das fronteiras. Ainda neste cenário, destacamos a ação das expedições e o

combate de índios e quilombolas como meio de garantir o controle sobre a terra

ocupada.

Embora nossa pesquisa tenha avançado na compreensão do processo

ocupacional, cabe buscarmos também uma melhor apresentação da sociedade

constituída nestas regiões. Assim, almejamos em nosso terceiro e último capítulo da

270

Neste aspecto, nossa pesquisa aproxima-se do estudo de Alexandre Mendes Cunha, pois o pesquisador

demonstrou a importância da formação de freguesias e arraias nas mediações das áreas extratoras do

metal precioso, constituindo zonas produtoras de gêneros voltados ao abastecimento, tais como

agricultura e agropecuária. Ver: CUNHA, Alexandre Mendes. Minas Gerais, da capitania à província:

elites políticas e a administração da fazenda em um espaço em transformação. Niterói: ICHF/UFF, 2007.

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dissertação focar nos aspectos sociais, pois, por meio desta abordagem é possível

"formular problemas históricos específicos quanto ao comportamento e às relações entre

os diversos grupos sociais".271

Portanto, o nosso estudo versará a respeito de dois

principais elementos que complementarão nossa compreensão acerca das dinâmicas nas

fronteiras, sendo estes a formação e ampliação dos espaços econômicos e também na

identificação do aumento populacional, tanto de indivíduos livres quanto de escravos ao

longo do setecentismo.

Estes elementos, que constituem o nosso cerne de estudo, são de suma

importância para nossa pesquisa, uma vez que estão intimamente correlacionados com o

aumento da demanda por mais terras e consequentemente ocasionou o avanço nas

fronteiras dos sertões. Dessa maneira, a identificação das unidades produtoras

demonstra a constituição de um mercado interno, que por sua vez tinha como principais

aspectos a produção de gêneros alimentícios. Quanto ao aumento populacional, tanto de

livres quanto de escravos, auxiliam para demonstrar que a área da freguesia de São José

era um importante polo de atração para novos indivíduos se estabelecerem. Nestes

aspectos, como apresenta Libby e Paiva, "foram os solos férteis da região e a crescente

demanda por alimentos básicos vinda dos distritos mineradores vizinhos que atraíram

colonizadores à freguesia"272

.

Nosso ponto de partida consiste na identificação da produção de gêneros

agrícolas e na criação pastoril, ressaltando a importância destas atividades em nosso

termo de estudo. Para tanto, a pesquisa realizada por Carla Almeida volta a nos auxiliar

neste contexto e expõe a predominância desempenhada por estas unidades produtoras

em nossa região pesquisada. Portanto, no final do século XVIII o termo de São José Del

Rei destacava-se em relação a outros importantes centros da Capitania de Minas Gerais

no desenvolvimento destas atividades, como podemos observar a partir dos dados

apresentados a seguir:

271

CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. (orgs.).

Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997. p.81. 272

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José d'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, n1/2, jan./dez. 2000. p.20.

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Gráfico IX: % dos tipos de Ups. predominantes por termos 1750 - 1779273

:

Referência: apud. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Inventários post-mortem - CSM, CPOP,

MRSJDR.

Segundo Almeida, o "termo mais definitivamente vocacionado para a

agropecuária era São José, que, entre 1750 e 1779, chegou a concentrar 91,7 % das suas

propriedades na agropecuária"274

. Partindo da constatação realizada pela pesquisadora e

analisando o processo ocupacional, percebemos que as áreas circunvizinhas à vila

matriz desempenharam um papel crucial para o aprimoramento e expansão destas

atividades, pois, nestas regiões formou-se um mercado abastecedor de gêneros

alimentícios. Cabe considerarmos também que a presença destas atividades auxilia na

compreensão do processo ocupacional, já que as áreas inicialmente ocupadas eram nas

proximidades do principal centro minerador, ou seja, a vila matriz de São José Del Rei.

À medida em que a demanda por mais terras se intensificou ao longo da segunda

metade do XVIII, desencadeou o avanço das fronteiras nas regiões dos sertões e

ampliou a produção alimentícia.

Importante ressaltarmos também que a presença destas atividades manteve-se

crescente nas últimas décadas do século XVIII e início do seguinte, ou seja, no período

em que a mineração já se encontrava em processo de esgotamento. Destacamos este

aspecto, pois este crescimento reforça a noção de que a "economia mineira era elástica o

suficiente para suportar o decréscimo da produção aurífera, e as atividades agropastoris

273

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização

social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p. 83. 274

Idem. p. 84

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Mariana Ouro Preto São João São José

mineração

pecuária

agricultura

agropec.

agric.min.

agropec.min.

pec.tec.min.

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124

seriam o setor em crescimento"275

. Para tanto, demonstrando as mesmas regiões

apresentadas anteriormente, a título de comparação, é possível vislumbrar que o termo

de São José permanecia ainda em destaque na produção agropastoril. Assim, expomos o

quadro produtivo nas últimas décadas do século XVIII e início do oitocentismo, afim de

ressaltar a importância da produção alimentícia, bem como a elasticidade econômica

presente na Capitania de Minas Gerais.

Gráfico X: % dos tipos de Ups predominantes por termos - 1780 - 1822276

:

Referência: apud. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Inventários post-mortem - CSM, CPOP,

MRSJDR. Inventários post-mortem - CSM, CPOP, MRSJDR.

É oportuno considerarmos que as últimas décadas do século XVIII podem ser

representadas segundo o conceito da acomodação evolutiva, em que predominou a

ampliação das práticas agrícolas e pastoris destinadas ao autoconsumo e também na

comercialização dentro e fora da província277

. Estas considerações apresentadas

demonstram a importância desempenhada por estas unidades produtoras em nosso

recorte temporal e espacial de análise, auxiliando no entendimento acerca da ampliação

dos espaços produtivos. Portanto, cabe destacarmos que os gráficos apresentados

reforçam o aspecto agrário presente no Termo de São José Del Rei, em que nas últimas

décadas do setecentos ocorreu a ampliação das áreas agropastoris e a diminuição

populacional no núcleo urbano, em consequência do esgotamento dos veios auríferos e

275

CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais

1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p.31. 276

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização

social no mundo colonial (1750 - 1822). Belo Horizonte, Ed: ARGVMENTVM, 2010. p. 83. 277

LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista. São Paulo. Ed.

Brasiliense, 1988. p.14-22.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Mariana Ouro Preto São João São José

mineração

pecuária

agricultura

agropec.

agric.min.

agropec.min.

pec.tec.min.

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também em grande medida, por causa da importância de São João Del Rei, o principal

centro urbano e comercial da Comarca do Rio das Mortes278

. A partir deste contexto

iremos adentrar agora na identificação da presença destas unidades nos sertões da

Picada de Goiás, dando continuidade ao estudo das cartas de sesmarias e dos sesmeiros

que margearam e ocuparam este importante caminho no século XVIII.

Nosso objeto de estudo auxilia-nos a demonstrar a diversidade das unidades

produtoras em nossa região pesquisada e expõe a complexidade da economia que se

formou no século XVIII279

e se aprimorou no seguinte. Partimos desta consideração,

uma vez que como bem ressaltou Clotilde Paiva e Marcelo Godoy,

a diversidade regional era um dos principais atributos da economia mineira

oitocentista. Em parte herança do século XVIII, da forma como se

organizou e desenvolveu a exploração aurífera, as especificidades

econômicas regionais decorriam também da conjuntura de múltiplos

aspectos geográficos. 280

Nosso escopo de análise consistirá nas concessões de terras e no processo de

abertura e fechamento das fronteiras, correlacionando-o principalmente com a formação

das unidades economicamente produtoras dos gêneros agropastoris. Optamos por

concentrar nestes elementos devido ao acentuado número de cartas de sesmarias que

apresentaram esta atividade econômica, portanto identificá-las torna-se um ponto

importante para a compreensão dos espaços estudados por nós. Assim, cabe

considerarmos que a "necessidade de mais terras, isto é, de novas unidades de produção

para atender ao crescimento demográfico, era respondida com o avanço da fronteira"281

,

portanto, este fenômeno auxilia o redesenhar da paisagem nos sertões a oeste de São

José Del Rei. Compreender e correlacionar o avanço das fronteiras a partir da

elaboração das atividades econômicas constituirá nosso cerne de estudo neste momento.

278

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da decadência de Minas

Gerais: São João del Rei, 1831-1888. São Paulo: Annablume, 2002. 279

Segundo Guimarães e Reis, havia desde os momentos iniciais da extração do metal precioso na

Capitania de Minas Gerais a presença de atividades voltadas ao viés agrário, destinadas a produção de

gêneros alimentícios. Ver: GUIMARÃES, Carlos Magno & REIS, Liana Maria. Agricultura e Caminhos

de Minas (1700-1750). Revista do Departamento de História da FAFICH/UFMG. V.1,Nº2 1986.p. 7-36 280

PAIVA, Clotilde Andrade e GODOY, Marcelo Magalhães. Território de Contrastes: economia e

sociedade das Minas Gerais do século XIX. In: Anais do X Seminário sobre a Economia Mineir. Belo

Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002. p.11. (grifo nosso). 281 CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais

1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000. p. 160.

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126

Para tanto, devemos iniciar nossas considerações tentando delimitar os conceitos

de espaço urbano e rural empregados em nossas análises. Baseando nossos estudos a

partir das pesquisas que abordam tais interações282

, buscaremos correlacionar as

concessões de terras com as suas atividades econômicas, tendo como principal

referência as sesmarias concedidas em nosso recorte espacial de apreciação. A partir

destes estudos e o reconhecimento por parte da historiografia na existência de um

cenário economicamente heterogêneo na Capitania de Minas Gerais, tentaremos

demonstrar o processo ocupacional e as suas atividades econômicas para, assim,

avançarmos na compreensão destas regiões. Por sua vez, esta heterogeneidade que

retrata as dinâmicas produtivas nos traz elementos que estão intimamente relacionados

ao avanço das fronteiras, sendo estes os nossos pontos de estudos.

A extração do metal precioso desencadeou inicialmente o rush populacional para

as áreas mineradoras, trazendo consigo a diversificação das práticas econômicas, neste

ambiente de transformação e ampliação populacional283

. Este processo fez desenvolver

um mercado interno e interacionista entre as áreas urbanas mineradoras e suas

freguesias produtoras de gêneros de abastecimento. Dessa maneira, como salienta

Francisco Andrade acerca destas unidades,

nas minas, houve desde o início da ocupação colonial, necessariamente, uma

estreita articulação entre mineração, agricultura e pecuária. Na capitania de

Minas Gerais, a contiguidade de terras minerais e agrícolas permitiam a

constituição de unidades de produção mineratórias, agrícolas ou mistas, isto

é, que conjugavam, em uma mesma unidade produtiva, a mineração e a

agropecuária 284

.

282

MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais

setecentista. Diamantina: Maria Fumaça, 2000; CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos

Espaços: um esboço de regionalização para o território mineiro no século XVIII e algumas considerações

sobre o redesenho dos espaços econômicos na virada do século. In: X Seminário sobre a economia

mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina. Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20

anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002; GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Liana Maria.

Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de, VILLATA, Luiz

Carlos (Orgs). História de Minas Gerais – as Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica;

Companhia do Tempo, 2007.ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das Minas Gerais no

séc. XVIII. SP: Hucitec /Edusp, 1990; CUNHA, Alexandre Mendes. Vila Rica - São João del Rey: as

voltas da cultura e os caminhos do urbano entre o século XVIII e o XIX. Universidade Federal

Fluminense, 2002 (Dissertação de Mestrado); CARRARA, Ângelo Alves. Minas e Currais: produção

rural e mercado interno em Minas Gerais 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2000 283

BOSCHI, Caio. "Apontamentos para o estudo da economia, da sociedade e do trabalho na Minas

Colonial". BH. Análise & Conjuntura, v.4, n.2. 1989. 284

ANDRADE, Francisco Eduardo. Espaço econômico agrário e exteriorização colonial: Mariana das

Gerais nos séculos XVIII e XIX. In: Termo de Mariana: História e Documentação. Mariana: Imprensa

Universitária da UFOP, 1998. pp. 120-121.

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127

Este ambiente complexo, que envolvia a relação de diferentes agentes sociais

viria a transformar o espaço físico no interior da colônia, provocando a constituição das

primeiras vilas e a ampliação no número de freguesias da Capitania. Esta consideração é

por demais pertinente, pois neste cenário de expansão é que se intensificaram e

ampliaram as relações econômicas entre as minas e os currais.

Desse modo, o espaço urbano foi "responsável, a partir das centralidades criadas

no século XVIII, por deflagrar ou no mínimo acentuar a especialização das atividades

econômicas, e nisso a diferenciação espacial". 285

Assim, a compreensão desta

diferenciação entre as minas e os currais pode ser melhor demonstrada quando

correlacionamos as expansões das fronteiras e a consequente formação das unidades

produtoras nestas regiões interioranas da Comarca do Rio das Mortes.

Neste processo exposto por nós temos, portanto, três elementos centrais que

contribuíram para o avanço das fronteiras e a ampliação das unidades produtoras, sendo

estes: a volumosa população que havia se deslocado para a Capitania; a necessidade

destes indivíduos de estabelecer unidades economicamente produtoras, em destaque

para as de gêneros alimentícios e, por fim, a constante demanda por ocupação de novas

faixas de terras. O conjunto destes elementos pode ser melhor apresentado quando

avançamos nos conceitos de espaço urbano e de áreas rurais, pois, "com o avanço do

dezoito, verifica-se uma progressiva 'regionalização' do território mineiro a partir da

diferenciação e especialização das atividades econômicas". 286

Para nossa Comarca em

especial, esta progressiva regionalização do território pode ser vista de maneira bem

acentuada, pois desde os momentos iniciais da sua formação esta já se destacava na

produção de gêneros alimentícios.

Estes espaços que foram se formando em decorrência do deslocamento

populacional para as freguesias, referem-se inicialmente às regiões circunvizinhas aos

centros mineradores, que, por sua vez, formaram as freguesias rurais ou áreas

curraleiras. Todavia, para o entendimento da formação destes núcleos rurais é

285

CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmica espaciais e movimentos da

população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. In: Revista Brasileira

de História, São Paulo, v.27, nº 53. p.127. 286

CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o

território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na

virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.

Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.

p.02

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necessário compreender a dinâmica econômica encontrada nestas áreas, permitindo,

portanto, a identificação das suas relações comerciais.

Para tanto, cabe agora adentrarmos no conceito de áreas rurais, para

delimitarmos nossos espaços de análise. Assim, continuando nas considerações de

Cunha acerca dos espaços constituídos na Capitania de Minas Gerais, temos,

a ruralização, por sua vez, não seria resultado somente do desenvolvimento

do campo com relativa autonomização de circuitos de realização econômica,

mas também, de uma relação nova e específica com os espaços citadinos

intermediários que ao começo do século XIX expandem seu número nas

áreas mais dinâmicas da economia de base agropecuária, cumprindo funções

de entrepostos e centros de serviços e articulando a teia econômica287

.

A partir deste contexto, adentraremos agora na análise das nossas fontes

documentais, através desta "teia econômica" existente entre o espaço urbano e o rural.

Tentaremos, por meio de nossos estudos, deixar mais nítida a visualização das

expansões de fronteiras e a constituição dos espaços economicamente produtivos.

Assim, podemos caracterizar especificamente as regiões curraleiras como as

zonas produtoras de gêneros agrícolas e pastoris, que estabeleciam relações

economicamente complexas nestes espaços constituídos ao longo do século XVIII. É

importante ressaltarmos que estas atividades se desenvolveram inicialmente com o viés

de abastecimento local, entretanto, a partir da sua ampliação ocorrida principalmente

nas últimas décadas do setecentismo e início do oitocentos, já é possível observar a

comercializações com centros mais distantes, a exemplo do mercado carioca.288

Neste

ponto em questão, é importante destacarmos o aumento na concessão das sesmarias nas

últimas décadas do século XVIII, fato este que demonstra à expansão da produção

mercantil de alimentos289

e o seu papel destacado no Termo de São José Del Rei.

Deste quadro geral exposto até o momento, um dos elementos centrais para a

identificação destas atividades pode ser representado a partir da presença de sítios e

287

CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o

território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na

virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.

Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.

p.02 288

FRANK, Zephyr; LIBBY, Douglas. Voltando aos registros paroquiais de Minas colonial: etnicidade

em São José do Rio das Mortes, 1780-1810. p. 04. 289

Ver gráficos nas páginas 55 a 60.

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fazendas nestas regiões. Esta característica é importante e também aparece nas

descrições de Saint-Hilaire, que destacava a formação de áreas produtoras de gêneros

alimentícios na Capitania de Minas Gerais, mencionando em seus relatos a presença de

sítios e fazendas290

. A partir destes referenciais, iremos expor alguns dos sesmeiros que

margearam e ocuparam as regiões dos sertões para assim, demonstrar a presença destas

unidades produtoras.

Entretanto, é oportuno tentarmos delimitar os conceitos de sítio e fazenda

utilizados em nossas análises. Para tanto, faremos uso dos dicionários de Raphael

Bluteau (1728) e Antonio de Moraes Silva (1789), a fim de encontrar a delimitação

conceitual de época para estas unidades produtoras. Assim, temos portanto, segundo

Bluteau a terminologia de "sítio" como sendo o "espaço de terra descoberto. O chão em

que se pode levantar edifício"291

. Esta terminologia não se distancia muito do dicionário

de Moraes Silva, que segundo ele, sítio consistia no "espaço de terra descoberto. O chão

apto para nele se levantarem edifícios. Lugar (...), Habitação rústica"292

. Quanto ao

termo "fazenda", Bluteau apresenta uma série de significados, entretanto, quanto ao

empregado em nossa pesquisa, infelizmente ele pouco explora, já que segundo Bluteau,

fazenda corresponde a "bens de reis, terras, quintas etc."293

. Entretanto, Moraes Silva

nos traz melhores informações, apresentando a seguinte definição: "no Brasil terras de

lavoura, ou de gado: uma fazenda de cannas"294

. Como não temos maiores e nem

precisas informações a respeito da utilização destes termos, preferimos analisar nossa

documentação de forma agregada, portanto, estaremos empregando esta terminologia da

maneira como o documento apresenta a utilização deste termo.

Feita esta ressalva, iniciaremos agora a exposição dos nossos dados coletados

por meio das cartas de sesmarias. A análise realizada em nosso recorte temporal e

espacial apresentou pontos interessantes que expõem bem a presença destas unidades.

290

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. São Paulo:

Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. 291

Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 292

Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3 293

Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5 294

Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3

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130

Nossos estudos serão demonstrados inicialmente de forma quantitativa e posteriormente

de maneira expositiva, para assim, identificarmos estas unidades de produção.

Ao longo do nosso recorte temporal, nos deparamos com a presença constante de

sítios e fazendas, sendo também importante mencionar, que quanto mais vamos

avançando no setecentismo, mais localizamos a presença destas unidades. Portanto, de

maneira quantitativa encontramos as seguintes informações contidas nas cartas de

sesmarias: para a década de 40, nos deparamos com 04 documentos referindo-se a

presença de sítios; para a década de 50, encontramos a referência de 17 sítios e 04

fazendas; já na década de 60 e 70, encontramos o maior número destas unidades,

representando respectivamente o total de 32 e 31 sítios; para a década de 80, nos

deparamos com 02 sítios e 09 fazendas. Por fim, para a década de 90 encontramos 15

sítios e 04 fazendas. No montante final, encontramos menção direta a estas unidades

produtoras em 118 documentos, ou seja, uma representação de 42% do nosso escopo de

análise. Cabe ressaltarmos que estes referenciais partem do estudo de 287 cartas de

sesmarias, compreendendo a documentação encontrada no IPHAN de São João del Rei

pertinente à ocupação do oeste, partindo da vila de São José del Rei em sentido a Picada

de Goiás. Dessa maneira, a medida que vamos avançando na segunda metade do século

XVIII, percebemos uma estreita relação entre a expansão da ocupação e uma maior

tendência ao uso dos termos sítios e fazendas, demonstrado, portanto, a consolidação da

ocupação territorial.

Ainda a respeito destas unidades, é importante correlacionarmos estas com o

processo ocupacional, já que encontramos uma relação entre os aspectos

socioeconômicos destas regiões com as áreas inicialmente ocupadas. Dessa forma,

percebemos que as primeiras menções das áreas de sítios e fazendas encontravam-se nas

proximidades da vila matriz, em especial para as freguesias de Prados, Congonhas do

Campo, Passatempo e também na própria vila de São José del Rei. Na região mais

adentrada dos sertões, encontramos referências a sítios e fazendas mais presentes na

freguesia de Tamanduá. O interessante a notar no que se refere a presença de sítios e

fazendas na vila matriz é a heterogeneidade econômica encontrada no principal centro

minerador deste termo. Assim, percebemos a existência de um mercado voltado aos

gêneros agrícolas e na criação pastoril como fornecedores dos gêneros alimentícios.

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Passando agora a analisar as freguesias onde encontramos referências a estas

unidades, apresentaremos para tanto alguns dos documentos onde ocorrem a menção a

sítios e fazendas. A maior parte das informações que iremos expor consta nos "Autos

das Sesmarias" a partir das sessões do "Traslado da Carta de Sesmaria" e também em

alguns outros documentos, a partir do "Auto de Vistoria, Medição e Demarcação".

Desse modo, podemos destacar nos anos iniciais a carta de sesmaria de Estevão

dos Reis Mota, referente ao ano de 1753 na freguesia de Prados, termo da vila de São

José. Neste documento, o solicitante pede a demarcação de terra no sítio da

Ressaquinha295

. Outro documento a ser mencionado é a carta de 1759 de João Pacheco

Pimenta, no qual solicita um auto de medição no sítio chamado de Três Pontes296

. Ainda

nesta freguesia de Prados, encontramos também a demarcação de meia légua297

em

quadra da sesmaria de João Francisco Afonso no sítio do Curralinho da Lagoa

Dourada298

no ano de 1761. Para a década de oitenta encontramos o documento de João

Bernardes de Moura, que menciona o auto de demarcação e medição na fazenda

intitulada Curralinho do Brumado299

. Enfim, ainda poderemos considerar alguns outros

sesmeiros, bem como as menções a sítios e fazendas. Todavia, o importante a

considerarmos é que para esta freguesia de Prados encontramos um total de 12

documentos contento referências a estas unidades produtoras, sendo, discriminadamente

10 para sítios e 2 para fazendas.

Passando a analisar a freguesia de Congonhas do Campo, deparamos com a carta

de sesmaria de João da Rocha Gomes no ano de 1742 fazendo menção ao sítio chamado

Santa Cruz. 300

Ainda nesta freguesia encontramos o documento de Domingos Antunes

no ano de 1746, referindo-se ao sítio Recantos dos Campos Gerais301

. Em 1768, a carta

de João Marques Ferreira faz menção ao sítio de Nossa Senhora da Conceição do

Para302

. Assim como no caso da freguesia de Prados, outros sesmeiros poderiam ser

considerados também, mas, o que devemos destacar é que encontramos para a região de

295

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MOTA, Estevão dos Reis. SM-22, 1753. fl.01. 296

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PIMENTA, João Pacheco. SM-26, 1759. fl.01. 297

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: AFONÇO, João Francisco. SM-26, 1761. fl.07. 298

Idem. fl.01. 299

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MOURA, João Bernardes de. SM-14, 1786. fl.03. 300

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: GOMES, João da Rocha. SM-22, 1742. fl.01 e 07. 301

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ANTUNES, Domingos. SM-05, 1746. fl.07. 302

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: FERREIRA, João Marques. SM-14, 1769. fl.01 e 06.

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Congonhas do Campo um montante de 16 cartas com referencias a sítios e nenhuma

para fazenda.

Para a região de Passatempo, podemos apresentar o documento de José Pereira

Gomes, em 1770, citando no auto da sesmaria o sítio do Bom Retiro do Japão303

. Temos

também o sítio da Mangalarga constando no auto de medição da carta de Manoel Vaz

Diniz304

. Este sítio em questão, apresentava, como a maioria dos documentos deparados

por nós, uma demarcação de meia légua em quadra de terra. 305

O auto de demarcação

de João Gonçalves dos Santos em 1772, no qual faz referência ao sitio Rio dos Bois 306

.

Do total de cartas analisadas para esta freguesia encontramos 15 cartas referindo-se a

presença de sítio.

Na região da freguesia de Tamanduá que compreende mais as áreas interioranas

dos sertões, encontramos 18 documentos, sendo 13 para sítios e 5 para fazendas. Cabe

apontarmos alguns destes sesmeiros. Comecemos então pela carta de Antonio

Gonçalves Lopes de 1769, que faz referência ao sítio da Formiga307

. Podemos

apresentar também a fazenda de Geraldo de Oliveira, denominada de Bom Retiro das

Esperanças308

. Temos também o caso de Antonio Rodrigues da Costa, apontando a

fazenda de São Miguel e Almas no ano de 1787 309

. O interessante a ser mencionado no

que se refere à freguesia de Tamanduá foi a maior presença de fazendas, podendo ser

consideradas como extensões maiores de terras, pois deparamos com faixas de terras de

três léguas em quadra310

. Outro ponto a se considerar acerca das fazendas é o fato da

presença destas unidades maiores estarem mais adensadas no interior dos sertões,

regiões onde foram ocupadas posteriormente, quando as fronteiras nas proximidades da

vila de São José del Rei já se encontrava fechada ou em processo de fechamento.

Assim, a demanda por mais terras fez com que os sesmeiros necessitassem cada vez

mais ocupar as áreas do interior.

Por fim, vamos apresentar alguns dos documentos encontrados para a vila de

São José del Rei, para assim, podermos correlacionar a prática das atividades agrícolas e 303

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria:GOMES, José Pereira. SM-07, 1770. fl.01. 304

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: DINIZ, Manoel Vaz. SM-04, 1770. fl.01. 305

Idem. fl.03 306

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: SANTOS, João Gonçalves dos. SM-09, 1772. fl.03. 307

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: LOPES, Antonio Gonçalves. SM-09, 1769. fl.01. 308

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: OLIVEIRA, Geraldo de. SM-06, 1787. fl.09-10. 309

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: COSTA, Antonio Rodrigues da. SM-28, 1787. fl.11. 310

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Joaquim de. SM-31, 1766. fl.11

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pastoris também no principal núcleo urbano do nosso Termo de estudo. A primeira carta

de sesmaria pertencente a nosso escopo de análise que faz menção a presença de sítio na

vila matriz é o documento de Braz Álvares Martins, de 1768, apontando no auto de

medição uma faixa de terra de meia légua em quadra311

no sítio do Morro Queimado312

.

Para a década de setenta, encontramos o documento de João Gonçalves Rabelo,

constando o auto de medição no sítio da Antinha em 1771313

, também de meia légua em

quadra314

. Neste mesmo ano, encontramos o documento de João Homem Pereira de

Melo, referindo-se ao sítio chamado Lambari 315

. Encontramos também a menção de

uma fazenda pertencendo ao Capitão Bernardo Martins Pereira em 1784, denominada

de Ponte Alta. 316

Dessa forma, para a vila matriz encontramos 12 referências a estas

unidades, sendo 11 para sítios e 1 para fazenda.

O restante da documentação referente a sítios e fazendas, que correspondem a 45

documentos, encontramos de forma esparsa nas demais regiões do termo da Vila de São

José del Rei, a mencionar Desterro (07 sítios), Carijós (1 sítio), Conceição das

Carrancas (06 sítios), Itaverava (04 sítios) , Piuí (06 sítios e 02 fazendas), Boa Vista (05

sítios), N.S. da Piedade (02 sítios), Borda do Campo (03 sítio e 01 fazenda) e Formiga

(06 sítio e 02 fazendas).

Ainda acerca destas unidades encontradas, estas apresentaram em sua grande

maioria sendo compostas por pequenas faixas de terras, portanto, sendo constituídas por

faixas de até meia légua em quadra de terra. Entretanto, as maiores unidades possuindo

até três léguas em quadra de terra já aparecem em menor proporção em nossa

documentação. Neste contexto, parece-nos que Carlos Malaquias está correto ao afirmar

que "as pequenas produções limitadas pela disponibilidade do braço familiar e com

áreas de cultivo restritas, provavelmente abasteciam o mercado local e sustentavam os

ranchos de parada de tropeiros e vendas de beira de estrada"317

. Em contrapartida, "as

grandes unidades escravistas de alimentos, dotadas de largas escravarias e do virtual

monopólio das terras, tinham participação predominante no comércio de abastecimento

311

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MARTINS, Braz Alvares. SM-31, 1768. fl.09 312

Idem. fl.01 313

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: RABELO, João Gonçalves. SM-07, 1771. fl.01 314

Idem. fl.03 315

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: MELO, João Homem Pereira de. SM-08, 1771. fl.01 316

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: PEREIRA, Bernardo Martins. SM-32, 1784. fl.01 317

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) . p.105.

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de longo distância"318

. Ainda neste ponto, cabe ressaltarmos que por meio de nossa

documentação não foi possível perceber uma diferenciação entre os sítios e as fazendas,

sendo estes termos usado indiscriminadamente para designar áreas produtoras de

alimentos. Todavia, a maior presença da documentação que faz menção ao termo

fazenda estavam localizadas nas regiões mais interioranas e de ocupação mais tardia.

Após apresentarmos alguns dos elementos pertinentes às interações entre o

espaço urbano e as suas freguesias rurais bem como, este processo esteve diretamente

correlacionado com a formação de sítios e fazendas, iremos agora analisar um relato de

época para avançarmos na compreensão destas regiões dos sertões. Assim, faremos uso

de um relato da primeira metade do século XVIII a fim de correlacionar alguns dos seus

pontos com o nosso objeto de pesquisa.

Os relatos deixados por viajantes que percorreram as regiões da Capitania de

Minas Gerais, sempre foram uma fonte rica em informações para que os pesquisadores

pudessem compreender a sociedade mineira. Embora grande parte destes documentos

tenham sido elaborados no decorrer do século XIX, como por exemplo, as descrições de

John Mawe (1809-1810), G.W. Freireyss (1814-1815), o célebre Saint-Hilaire (1817-

1822), Fox Bunbury (1832-1835), Johann Pohl (1818-1821), dentre vários outros319

,

encontramos para o século XVIII o relato do comerciante José da Costa Diogo.

Este indivíduo em questão adentrou nas regiões dos sertões percorrendo os

caminhos que compreendiam as áreas dos currais do rio São Francisco até a Capitania

de Goiás. Assim, em sua viagem pelo interior, Costa Diogo apresenta em seu diário os

caminhos e o contato com alguns dos sítios e fazendas encontrados ao longo de sua

jornada. Apresenta também, aspectos da paisagem destas regiões, como rios e

montanhas que auxiliavam na identificação dos locais que transitavam.

Através da análise deste relato podemos perceber um pouco da heterogeneidade

econômica encontrada nestas áreas interioranas, a partir da existência de lavras minerais

e da prática da agropecuária. Assim, ao estudarmos o diário deste comerciante, somos

capazes de identificar alguns dos aspectos desta sociedade constituída nos sertões e

318

Ibidem. 319

Acerca destes viajantes, o trabalho elaborado por Clotilde Paiva e Marcelo Godoy retrataram

ricamente alguns dos importantes elementos encontrados nestes relatos. Ver: PAIVA, Clotilde Andrade e

GODOY, Marcelo Magalhães. Território de Contrastes: economia e sociedade das Minas Gerais do

século XIX. In: Anais do X Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG,

2002. p.10.

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podemos, também, perceber como se deu o processo de ocupação e avançamento das

fronteiras.

Cabe considerarmos que este importante documento encontra-se na coleção do

Arquivo Histórico Ultramarino - AHU, referente ao acervo da Capitania dos

Goyazes320

. Contudo, também podemos encontrá-lo na obra "Viagem pela Estrada Real

dos Goyazes321

", onde os pesquisadores Wilson Júnior, Rafael Cardoso e Deusdedith

Rocha analisaram e transcreveram este diário. Assim, pretendemos correlacionar alguns

dos aspectos deste documento com o nosso objeto de pesquisa.

Apresentando como nota de abertura a menção "Derrota do Rio de S. Francisco

pelo Urucuia acima das minas dos Goyazes" 322

, este trecho faz alusão ao trajeto

percorrido pelo comerciante compreendendo, portanto, o recorte espacial viajado por

ele. O emprego do termo "derrota" no contexto do século XVIII adota dois sentidos

diferentes, podendo referir-se a conquista, trajeto, caminho ou ainda, assim como no

sentido contemporâneo, referindo-se a perda 323

. Nesta viagem, Costa Diogo partiu

"juntamente com Joaquim Barbosa e outros mais camaradas (...) com alguns cavalos

carregados" 324

. A importância destes elementos, em especial os cavalos carregados,

serve para demonstrar sua atividade econômica, ou seja, a de um tropeiro comerciante.

Inicialmente, o trajeto que seria adotado por estes indivíduos não compreendia o

caminho para Goiás, mas sim para Serro Frio. Entretanto, a oportunidade de realizar

melhores negócios os fizeram adentrar pelo caminho das Minas dos Goyazes, como

podemos perceber na seguinte passagem deste documento que diz,

se divulgou que o caminho das Minas dos Goyazes estava desimpedido para

que pudesse entrar tudo o que quisessem vindo do Rio de São Francisco e de

outra qualquer parte, pegando contagens como era costume nas mais minas, e

parecendo-nos que nas Minas dos Goyazes poderíamos fazer melhor negócio

do que nas do Serro do Frio, nos resolvemos seguir para aquelas e deixar

estas (...) 325

.

320

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. 321

ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela

Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. 322

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 323

ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela

Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 45. 324

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 325

Ibidem.

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A opção pelas Minas dos Goyazes adentrando pelos currais do Rio São

Francisco foi visto por Costa Diogo, como uma área possivelmente mais rentável, já

que, nestas áreas havia centros povoados que se formaram a partir da extração e pela

busca do metal precioso. Outro ponto que também os fizeram percorrer este local, ao

invés de adentrarem para a Comarca do Serro Frio, foi a notícia da abertura deste

caminho para circulação de mercadorias, que outrora se encontrava fechado para evitar

os descaminhos e os contrabandos. 326

As descrições geográficas também são elementos importantes ao longo do seu

relato, servindo como pontos de referência para identificar as regiões que estavam

percorrendo. Interessante neste aspecto é a aproximação entre os elementos que

circundavam o cotidiano destes indivíduos, como nomes de árvores, e sua utilização

para representar os aspectos geográficos. Assim, podemos encontrar referências como

Dois Irmãos, que tanto está para rios como para morros, nomes como

Gameleira, emprestado de uma árvore, que batiza povoados e rios, como

também rios 'Preto' que se espalham pelos sertões e lagoas 'Formosa', 'Bonita'

ou 'Feia' 327

.

Passando a analisar um dos pontos que mais nos despertou atenção em seu

diário, e que está diretamente relacionado com a nossa pesquisa, trata-se das referências

aos vários sítios e fazendas presentes ao longo do percurso trilhado por eles. Assim,

encontramos no seu diário referências à "fazenda do Acarí, que fica na beira do Rio de

São Francisco na Barra do Rio Urucuia"328

, a "fazenda do Faz Tudo, última fazenda das

povoações antigas"329

, "a fazenda de Santa Rosa, primeira fazenda das povoações

novas"330

, ao "sítio chamado dos Macacos"331

dentre algumas outras. A importância de

destacarmos estas unidades produtoras é que elas refletem a presença de atividades

econômicas nos sertões, como também, nos permite ter uma dimensão da ocupação

destas áreas.

326

ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela

Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 47. 327

Idem. p. 57. 328

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 329

Idem. fl. 01. 330

Idem. fl. 02. 331

Ibidem.

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O relato de Costa Diogo não faz maiores especificidades acerca das atividades

desenvolvidas nestes sítios e fazendas, nem apontam os demais elementos que possam

melhor ilustrá-las, mas, somente as cita como referências aos locais em que passaram.

Entretanto, os viajantes apontam alguns destes sítios e fazendas como localidades nas

quais passavam a noite para dar continuidade no dia seguinte com o seu trajeto.

Acreditamos, serem estes locais entrepostos comerciais, servindo aos transeuntes destas

regiões como áreas de comercialização e de paragem.

Ainda acerca das fazendas e sítios encontradas nestas regiões, cabe

mencionarmos que este trajeto percorrido por eles era predominantemente agrícola e

pastoril, em destaque para o rio Urucuia, que é "um dos tributários do Rio São Francisco

nas Minas Gerais, (...), região densamente ocupada por fazendas que estabeleciam

comércio de seus produtos, principalmente o gado, com as demais regiões das Minas

Gerais e outras Capitanias" 332

.

Devemos destacar também a referência a expressões como "ultima fazenda das

povoações antigas" e também ao termo "primeira fazenda das povoações novas". Estes

elementos nos fazem crer que havia um fluxo populacional nestas regiões, sendo que, a

distinção entre "antigas" e "novas" refletem o processo ocupacional destas áreas. A

circulação de pessoas nestas regiões também é exposta no diário, onde encontramos

referência a "uns homens que vinham das tidas Minas dos Goyazes"333

e também no

trecho, "achamos uns passageiros que vinham dos Goyazes"334

. Segundo Andrade, as

notícias de achados de minas de ouro despertavam o interesse dos indivíduos,

provocando mobilidades internas e deslocamentos populacionais, o que

consequentemente, contribuía para a formação de sítios e fazendas nestes locais.

Segundo o pesquisador,

pessoas oriundas das Minas Gerais e das capitanias adjacentes, atraídas pelo

lucro nos descobrimentos, ocasionavam fortes aglomerações populacionais

de curta duração que animavam o comércio das vilas. 335

332

ROCHA Jr., Deusdedith Alves, VIEIRA Jr, Wilson, CARDOSO, Rafael Carvalho. Viagem pela

Estrada Real dos Goyazes. Brasília: Ed. Paralelo 15, 2006. p. 47. 333

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.01. 334

Idem. fl. 02. 335

ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e

entradas nos sertões do ouro da América portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008.

p. 227.

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A presença de caminhos e estradas no interior dos sertões também revela

elementos importantes sobre estas regiões. Dessa maneira, podemos perceber por meio

deste elemento a existência do comércio e de práticas econômicas estabelecidas nestas

regiões. Em seu relato, Costa Diogo aponta a presença de alguns destes caminhos, como

por exemplo, quando haviam eles chegado ao sítio dos Bezerras,

ao qual vem sair uma estrada que vem do Rio de São Francisco. (...). Todas

estas estradas se ajuntam no sítio dos Bezerras, e fazem estrada Real para as

Minas dos Goyazes336

.

É oportuno destacarmos também que a presença destes sítios como notamos por

meio do relato deste viajante, demonstra a consolidação do povoamento destas regiões

mais interioranas e também, destaca a criação de referenciais geográficos que auxiliam

para a localização dos transeuntes destas áreas.

Por fim, um outro elemento pertinente ao nosso objeto de estudo e que podemos

encontrar também no relato deste viajante trata dos perigos encontrados nestas regiões

dos sertões. Como apontamos anteriormente, a presença de índios e quilombolas nestas

áreas provocaram vários embates durante o processo ocupacional, principalmente na

primeira metade do século XVIII. Dessa maneira, Costa Diogo menciona que tivera

notícia acerca de uma expedição realizada

no ano de 1732, saiu uma bandeira de 50 pessoas, entre brancos e escravos

em descobrimento de ouro e até 9 de abril de 1734 não houve mais notícias

dela por onde se julgava perdida ou derrotada pelo gentio. 337

A presença destes agentes, índios e quilombolas nestas regiões dos sertões pode

ser encontrada em outros relatos deste período e demonstra o temor que eles causavam.

Segundo Amantino, a "presença de índios considerados ferozes foi uma das causas do

abandono de terras em várias regiões de Minas Gerais" 338

.

Estes elementos apresentados a partir do relato de Costa Diogo nos auxiliam

para melhor identificar os espaços formados nestas regiões dos sertões, que conectavam

336

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.02. 337

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8. fl.07. 338

AMANTINO, Márcia. Os avanços e recuos no povoamento do Sertão Oeste de Minas Gerais no século

XVIII: os limites da pobreza. In: Boletim de História Demográfica. São Paulo, V. 41. 2006. p.09.

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a Capitania de Minas Gerais à região de Goiás pelos currais do Rio São Francisco.

Embora se trate de um breve relato, as considerações feitas por este viajante são ricas

em informações e servem para demonstrar aspectos desta sociedade dinâmica que se

encontrava nos recôncavos dos sertões. Ressaltamos também a importância deste diário

como fonte de análise, pois através do seu relato conseguimos inferir as representações

destes espaços a partir de um individuo que adentrou nestas áreas deixando, portanto,

suas próprias impressões.

O conjunto dos elementos apresentados até o momento expõe, a partir das

interações existentes entre a área urbana e as suas freguesias rurais, uma maneira de

compreender alguns dos aspectos pertinentes às expansões das fronteiras. Dessa

maneira, foram se intensificando a ocupação do oeste dos sertões devido à necessidade

por mais terras e consequentemente, intensificando a correlação econômica entre as

zonas produtoras de gêneros agrícolas e as regiões mineradoras. Assim, estes elementos

ressaltam novamente o processo dinâmico destas fronteiras que contribuíram para

redesenhar a espacialidade mineira ao longo do século XVIII.

A importância destas pequenas unidades produtoras, encontradas em número

expressivo através da nossa fonte documental, demonstram a importância destes

sesmeiros na economia da Comarca do Rio das Mortes 339

. Por meio destes indivíduos,

podemos também perceber a fluidez dos movimentos internos, variando seus circuitos a

partir da formação e adensamento populacional nos arraiais e freguesias do interior.

Assim, neste processo ocupacional em constante transformação, "conjugar-se-iam,

nesse horizonte econômico aurífero, o caráter errante da população, a instabilidade e

fluidez social, a flexibilidade dos costumes, a heterodoxia política e religiosa, num

cenário urbano peculiar". 340

Como apresentamos a partir do estudo de alguns dos sesmeiros destas áreas e a

partir das suas unidades produtoras, percebemos que a presença de sítios e fazendas

estabelecidas ao longo dos sertões a oeste da Comarca do Rio das Mortes, caracteriza o

desenvolvimento de atividades agrícolas nestas regiões. Outro fator importante da

presença destas unidades é que elas absorveram parte do contingente populacional

339

GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Formas de acumulação de capital numa economia escravista

de abastecimento: a Comarca do Rio das Mortes de Minas Gerais, 1750-1850. 340

ANDRADE, Francisco Eduardo de. A invenção das Minas Gerais: empresas, descobrimentos e

entradas nos sertões do ouro da América portuguesa. Belo Horizonte: Ed: Autêntica: PUC Minas, 2008.

p. 118.

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encontrado nestas áreas e, consequentemente, fizeram surgir a constante demanda por

mais terras. Ao que nos indica a partir do estudo das nossas fontes, o quadro econômico

presente nesta expansão das fronteiras corrobora com as considerações de Meneses, já

que, a agricultura foi para estes sesmeiros,

uma forma de acesso à riqueza e uma resposta econômica à necessidade de

sobrevivência das populações crescentes da área mineradora. Mesmo antes da

diminuição desta atividade, a diversificação da economia se dava em direção

à produção agrícola, ao comércio, ao artesanato etc. 341

Este processo também está intimamente correlacionado com a dinâmica

ocupacional destas áreas, pois percebemos a partir das concessões das sesmarias o

fechamento das fronteiras e o avanço para as regiões dos sertões. Assim, percebemos

uma maior concentração de sítios e fazendas nas regiões circunvizinhas à vila de São

José del Rei, principalmente nos anos iniciais da ocupação onde a fronteira ainda se

encontrava aberta. Todavia, ao avançarmos no setecentos, percebemos através das

cartas de sesmarias um número maior destas unidades produtoras nas áreas cada vez

mais interioranas dos sertões, a exemplo da freguesia de Tamanduá. Desse modo,

o avanço das áreas conhecidas, como sua apropriação econômica, é que

marcariam as transformações nessas categorias de percepção do espaço.

Desta forma os 'sertões', antes a designação irrestrita dos espaços

desconhecidos, vão se diferenciando, como na conformação dos 'currais' onde

se espalha a pecuária extensiva ou dos 'campos' onde começa a florescer uma

área de produção agrícola para o abastecimento das 'minas'. 342

Dessa maneira, como identificamos em nossa pesquisa, as áreas nas

proximidades com o centro minerador de São José foram as inicialmente ocupadas e as

terras visivelmente mais desejadas pelos sesmeiros. Novamente este processo ocorre em

consequência da conjuntura socioeconômica deste período, além das relações

interacionistas existentes entre a área urbana e as freguesias rurais. Como ressalta

Malaquias,

341

MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais

setecentistas. Diamantina, MG.: Ed: Maria Fumaça, 2000. p.151. 342

CUNHA, Alexandre Mendes. Vila Rica - São João del Rey: as voltas da cultura e os caminhos do

urbano entre o século XVIII e o XIX. Universidade Federal Fluminense, 2002 (Dissertação de Mestrado)

p. 142.

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141

a atividade mineradora e a produção de alimentos puderam conviver na

freguesia de S. José uma vez que os filões de metal estiveram relativamente

concentrados nos morros e riachos da vila e existiram condições propícias

para a agricultura comercial de alimentos nos distritos como a

disponibilidade de terras e o mercado consumidor . 343

Por fim, tentamos trazer acerca destes espaços interioranos algumas das relações

complexas decorrentes do processo ocupacional, correlacionando-as com os aspectos

econômicos percebidos através da constituição de sítios e fazendas nestas regiões. Estas

unidades remetem a "um processo espacial complexo, fruto da própria complexificação

da base econômica, produzindo novas relações de centralidade, e nisto bases para novo

desenho regional, e de forma mais ampla, neste imbricamento de urbano com o rural".

344 Portanto, percebemos que o avanço das fronteiras e a formação das unidades

produtoras foram elementos cruciais para o "redesenhar" as áreas adentradas nos sertões

oeste da Picada de Goiás.

Após expormos as unidades produtoras por meio da presença de sítios e

fazendas em nossas freguesias estudadas, cabe adentrarmos agora nos aspectos

pertinentes ao crescimento populacional, tanto de indivíduos livres como de escravos,

durante a segunda metade do setecentismo. Por meio desta abordagem é possível

dimensionarmos a força produtiva, bem como a correlação entre o crescimento

populacional e a demanda por mais terras.

Para identificarmos o crescimento populacional em nossa região pesquisada,

basearemos nossas análises em dois momentos distintos a título de comparação. Dessa

maneira, nosso período inicial de análise correspondente a 1722-23 e posteriormente

apontaremos o número de indivíduos no final do século XVIII, mais precisamente no

ano de 1795. A demonstração destes dados é de grande relevância para nossa pesquisa,

uma vez que permite caracterizar as transformações populacionais ocorridas em nossas

áreas de estudo, englobando portanto todo o nosso recorte temporal de análise.

Optamos por compararmos estes dois períodos em questão, pois correspondem a

momentos de intensas transformações na conjuntura socioeconômica do Termo. Assim,

343

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado) . p.32. 344

CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmica espaciais e movimentos da

população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. In: Revista Brasileira

de História, São Paulo, v.27, nº 53. p.127.

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142

o período de 1722-23 nos revela o contingente populacional no início da formação da

Vila de São José Del Rei. Em contrapartida, o período de 1795 já trás consigo

elementos referentes ao processo de esgotamento dos veios auríferos, bem como o

redirecionamento / ampliação das atividades rurais.

É oportuno mencionarmos também que nossas análises irão englobar tanto o

estudo dos indivíduos livres quanto dos escravos. No caso dos cativos, devemos nos ater

com atenção, já que a sua presença pode ser encontrada desde os momentos iniciais da

extração do metal precioso e auxiliou para redimensionar o espaço da Capitania de

Minas Gerais. Neste contexto é importante ressaltarmos que,

a abertura de uma nova frente de expansão econômica deu-se com base no

trabalho escravo, dando continuidade a este que é um dos grandes traços

característicos da colonização das Américas. Em função disso, o boom

aurífero provocou o rápido incremento do tráfico atlântico de escravos.345

Iniciamos agora nossas considerações a respeito do primeiro momento em foco.

Os dados extraídos para a elaboração do mapeamento demográfico deste período

provém das listagens de cobrança dos quintos reais de 1722 e 1723 referentes à Vila de

São José Del Rei. Esta fonte documental traz consigo importantes dados acerca da

estrutura populacional, principalmente no que se refere ao número de cativos, pois tinha

como finalidade a arrecadação do tributo sobre o número de escravos dos proprietários.

Embora esta documentação não exponha a totalidade da população livre encontradas

nas vilas da Capitania de Minas Gerais, mas apenas a quantificação do número de

escravos, o pesquisador Tarcísio Botelho propôs três hipóteses na tentativa de mapear o

número de indivíduos livres346

. Dessa maneira, por ausência de dados que possamos

utilizar para comparação, optamos por basearmos nas considerações e hipóteses

propostas segundo o pesquisador, para assim tentarmos compreender este momento

inicial da formação da Vila de São José Del Rei. Portanto, apresentamos a seguir os

dados levantados segundo a pesquisa de Botelho,

345

BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro

Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 01. 346

Acerca das hipóteses I, II e III, estas foram propostas a partir do número de escravos presentes na

documentação fiscal dos quintos reais, em que Botelho tenta apresentar a estimativa da população livre,

sendo portanto compostas da seguinte maneira: Hipótese I: população livre correspondente a 50% da

população total; Hipótese II: população livre correspondente a 40% da população total; Hipótese III:

prevê apenas 33,3% da população livre. In: BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas

Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG),

outubro de 2000. p. 14.

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143

Tabela VII: Estimativa para a População de São José Del Rei, 1722347

.

______________________________________________________________________

Vila Escravos Livres Total

Hipóteses: I II III I II III

50% 40% 33,3% 50% 40% 33,3%

______________________________________________________________________

São José Del Rei 3357 3357 2238 1676 6714 5595 5033

______________________________________________________________________ Referência: APM, Coleção Casa dos Contos, Planilha 30099/2 (microfilmada)

Antes de nos atermos aos dados expostos nesta tabela, iremos apresentar o

contexto populacional de São José nos momentos finais do setecentismo, para assim

fazermos as considerações pertinentes ao cenário de transformação comparando os

dados destes dois momentos. Dessa maneira, a partir da utilização da documentação do

Rol dos Confessados de 1795, onde já é possível encontrar os dados populacionais com

maior precisão, podemos perceber que a população total tanto de indivíduos livres como

de escravos, passou por transformações significativas. Portanto, para este período em

questão os dados levantados expõe o seguinte cenário populacional,

347

BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro

Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 14.

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144

Tabela VIII: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1795.348

______________________________________________________________________

Capelas População Nº de Fogos

______________________________________________________________________

Livres Escravos

Passatempo 480 8,57% 298 5,60% 137

Claudio 637 11,38% 392 7,37% 165

Lage 354 6,32% 486 9,14% 83

Japão 356 6,36% 391 7,35% 89

Matriz 1874 33,47% 2126 39,96% 729

Desterro 143 2,55% 119 2,24% 43

Pe. Gaspar 265 4,73% 136 2,56% 58

Oliveira 941 16,81% 772 14,51% 225

S. João Batista 179 3,20% 308 5,79% 57

Bichinho 370 6,61% 292 5,49% 133

Total: 5599 100% 5320 100% 1719 Referência: Rol dos Confessados de 1795.

Cabe considerarmos, antes de adentrarmos em nossos estudos, os aspectos

referentes a documentação utilizada na elaboração destas tabelas. Portanto, a primeira

tabela diz respeito aos dados obtidos por meio da listagem de proprietários de escravos

para o pagamento dos quintos reais, utilizada por Botelho, na tentativa de identificar o

comportamento demográfico349

. Por outro lado, o Rol dos Confessados, utilizado por

Malaquias, já trata de uma documentação elaborada pela Igreja afim de identificar as

pessoas aptas a confessar, excluindo os menores de sete anos.350

Dessa forma, embora

tais documentos não sejam exclusivamente censos demográficos, ambos foram

utilizados por estes pesquisadores como forma de compreensão para o comportamento

demográfico, dessa forma, trata-se de uma tentativa de melhor mapear a população

presente em nossas áreas pesquisadas. Feitas estas considerações pretendemos agora

tratar de alguns dos aspectos que estão intimamente correlacionados com o processo

ocupacional em nossas áreas pesquisadas.

348

Adaptado de MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte:

FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado). p.35-36 349

BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro

Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p.02. 350

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.27.

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Passando a analisar estes dois períodos em cena, ressaltamos de início o

crescimento no número de escravos. Comparando as duas tabelas, vemos que o

pesquisador Tarcísio Botelho encontrou segundo a listagem de cobrança dos quintos

reais um total de 3357 escravos, enquanto o Rol dos Confessados de 1795, analisado

por Malaquias, apresentou um total de 5320 cativos. Dessa maneira, podemos observar

um aumento de 58,47% no número de escravos, o que demonstra que, embora o final do

setecentismo já compreenda um período marcado pelo declínio aurífero na Capitania de

Minas Gerais, a presença de escravos mantivera em número bem superior ao comparado

nos anos iniciais da formação da Vila de São José Del Rei. Quanto ao número de

indivíduos livres, também é possível perceber o aumento comparando a documentação

de 1795 e as hipóteses propostas por Botelho. Portanto, apresentando uma população

livre de 5599 no final do XVIII, percebemos um aumento de 66,78% quanto comparado

com a hipótese I; de 150% em relação a hipótese II e por fim, um crescimento de 234%

em relação a hipótese III. A presença dos indivíduos livres, encontrados em quantidade

significativas nas capelas das freguesias de São José também expõe um dado importante

para a conjuntura socioeconômica destas regiões, pois, "sugere fortemente que, de fato,

a região estava atraindo imigrantes masculinos livres e que a paróquia poderia ter

constituído uma espécie de fronteira interna no final do século XVIII"351

.

Ainda analisando estas duas tabelas, cabe considerarmos também que a Vila de

São José Del Rei permanecia como principal centro populacional no final do século

XVIII, apresentando uma totalidade, incluindo livres e escravos, de 4005 indivíduos, ou

seja, 36,65% da população do Termo. A presença deste adensado núcleo urbano

constituído nesta Vila nos remete a capacidade comercial e administrativa presentes

nela, além disto, sua proximidade com a cabeça da Comarca do Rio das Mortes, a Vila

de São João Del Rei, também auxilia para a concentração populacional neste centro.

Neste ponto em questão, como salientou Libby, "no final do século XVIII a vila vizinha

de São João Del Rey quase que certamente havia tornado o mais importante entreposto

comercial da Capitania de Minas Gerais"352

.

351

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.

p.23. 352

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.

p.20. Acerca da Vila de São João Del Rei e sua importância como principal centro comercial da Comarca

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Entretanto, passando agora a análise das freguesias deste Termo, sendo estas

compostas por nove capelas, elas juntas totalizam uma população de 6924 incluindo os

indivíduos livres e escravos, ou seja, uma representatividade de 63,37% da população

total do Termo. Estes dados constituem elementos importantes para a nossa pesquisa,

pois demonstram o papel desempenhado pelas freguesias rurais que circunvizinhavam

São José Del Rei. Dessa forma, este ponto nos remete ao aumento na demanda por mais

terras e consequentemente provocou mudanças nas fronteiras a oeste do nosso Termo

estudado.

É oportuno destacarmos também que as cartas de sesmarias solicitadas ao longo

da segunda metade do século XVIII apresentaram em sua grande maioria menção a

estas freguesias rurais353

. Portanto, este aspecto reforça a visualização da ocupação dos

sertões, bem como a ampliação no número de indivíduos nestas áreas onde ainda havia

terras em disponibilidade. Neste contexto também podemos inferir o processo de

ampliação das atividades agropastoris, tão presente e caracterizada em nossa região

pesquisada, elemento este já demonstrando anteriormente.

Por fim, ainda neste contexto de crescimento populacional, cabe em nossas

análises adentramos nas décadas iniciais do oitocentismo. Embora este período não

corresponda a nosso recorte temporal de estudo, optamos por apresentá-lo uma vez que

auxilia na percepção do processo de ruralização presente em nossa região pesquisada.

Dessa maneira, a partir do estudo do Rol dos Confessados de 1831, outra importante

fonte documental para a análise demográfica, encontramos os seguintes dados em nossa

área pesquisada.

do Rio das Mortes, ver: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da

Decadência de Minas Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. 353

Ver gráficos elaborados em nosso capítulo I. pp.54-59.

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147

Tabela IX: População da Freguesia de S. José e suas Capelas em 1831.354

______________________________________________________________________

Capelas População Nº de Fogos

______________________________________________________________________

Livres Escravos

Passatempo 651 8,54% 535 9,30% 191

Claudio 1700 22,30% 720 12,51% 461

Lage 449 5,89% 575 9,99% 121

Japão 662 8,68% 906 15,75% 178

Matriz 1619 21,24% 1064 18,49% 497

Desterro 238 3,12% 233 4,05% 59

Pe. Gaspar 391 5,13% 188 3,27% 117

Oliveira 1643 21,55% 1166 20,26% 475

S. João Batista 270 3,54% 367 6,38% 75

Total: 7623 100% 5754 100% 2174 Referência: Lista Nominativa de 1831. *Não considerados as crianças com menos de sete anos.

Os dados apresentados quanto ao contexto populacional na primeira metade do

século XIX revelam importantes transformações para a nossa região estudada. Cabe

destacarmos o crescimento no número de habitantes em todas as freguesias do Termo,

tanto em número de escravos quanto em sua população livre, o que representa, portanto,

a ampliação das atividades agropastoris e o crescimento destas atividades em nossa

região pesquisada. Situação oposta viria a ocorrer quanto ao contingente populacional

na vila matriz de São José Del Rei, o principal centro minerador do termo, que

apresentou uma diminuição em seu número de habitantes. Segundo Malaquias, este

processo decorre do "êxodo de habitantes que cada vez mais estabeleciam residência

permanente nas suas propriedades rurais"355

.

Por meio deste contexto geral acerca da estrutura demográfica em nossa região

pesquisada, englobando a título de comparação um extenso período temporal (1720-

1831), tentamos apresentar algumas das dinâmicas socioeconômicas presentes em nosso

Termo. Portanto, o constante crescimento demográfico, nos dois primeiros períodos

analisados (1722-1795) ocasionou a necessidade por mais terras, provocando o avançar

das fronteiras nos sertões a oeste da Vila Matriz, principal área em fronteira aberta neste

354

Adaptado de MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte:

FAFICH/UFMG, 2008 (Dissertação de Mestrado). p.35-36 355

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.35.

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148

período. Além deste aspecto, os dados apresentados para a primeira metade do século

XIX expõe a importância das atividades agropastoris, bem como ressalta a ampliação

das atividades rurais nas freguesias.

Cabe agora em nossa pesquisa, adentrarmos com maior atenção ao contexto da

escravidão, para assim continuarmos a avançar na compreensão e análise da força

produtiva. Os dados apresentados anteriormente demonstraram a presença significativa

no número de cativos, sendo que neste ponto em questão "a proporção de escravos é,

geralmente, um bom indicador do nível da atividade econômica regional"356

. Portanto,

iniciaremos agora algumas considerações na utilização da escravidão como força de

trabalho.

Nosso ponto de partida consiste na demonstração da posse de escravos, tentando

dimensionar os plantéis em nosso Termo estudado. Estes dados são de grande valia,

uma vez que permitem dimensionar a força cativa empregada nas unidades produtoras.

Nosso estudo partirá novamente da comparação entre os plantéis de 1722 para

posteriormente adentrarmos no contexto do final do setecentismo. Portanto, vamos

demonstrar estes aspectos englobando todo o nosso recorte temporal pesquisado, afim

de realizarmos as oportunas comparações e análises entre estes dois períodos em

questão.

A referência para o nosso primeiro período analisado parte da listagem da

cobrança dos quintos reais de 1722. Como apontamos anteriormente, esta fonte traz os

dados acerca dos escravos e seus proprietários, com o intuito de realizar a cobraça sobre

o número de indivíduos cativos. Assim, vamos apresentar em forma de tabela as

dimensões dos plantéis neste período em questão.

356

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.

p.22.

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149

Tabela X: Posse de Escravos, São José Del Rei, 1722357

.

FTP Escravos Proprietários Média

1-4 624 277 2,25

5-9 802 119 6,74

10-19 794 60 13,23

20-49 896 34 26,35

50 e mais 241 4 60,25

Total 3357 494 6,80 Fonte: APM, CC 1046.

Os dados contidos nesta tabela expõe o contexto geral acerca do Termo de São

José nos anos iniciais da formação da Vila. Portanto, o número total de cativos

presentes no Termo era de 3357 escravos, pertencentes a 494 proprietários neste período

em questão. Devemos destacar também a maior presença dos cativos localizados na

faixa entre 10 e 49 escravos, apresentando uma média de 26,36358

. Importante também o

fato da maior parte dos proprietários (277) terem planteis pequenos, compostos entre 1 e

4 escravos359

.

Neste contexto, observamos que a presença do maior número de proprietários

possuírem plantéis pequenos pode ser um indicador de unidades menores de produção,

onde o braço cativo utilizado como força de trabalho seja complementar a força familiar

empregada. Em contrapartida, já os plantéis maiores que apresentam entre 20-49 ou

maiores que 50, estando concentrado nas mãos de um número menor de proprietários,

pode representar a formação de uma elite local.

Passando a analisar a listagem dos plantéis no final do setecentismo, para

realizar a comparação com os momentos iniciais da formação da Vila, encontramos

dados que podem melhor esclarecer o contexto da escravidão em nosso Termo.

Portanto, neste período em questão a partir do estudo do Rol dos Confessados,

deparamos com o seguinte cenário:

357

BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. População e Escravidão nas Minas Gerais, c.1720. In: XII Encontro

Nacional de Estudos de População - ABEP, Caxambu (MG), outubro de 2000. p. 07. 358

Idem. p.07 359

Ibidem.

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150

Tabela XI: Distribuição da população escrava paroquial por tamanho das

posses360

.

______________________________________________________________________

Tamanho das Posses Posses Escravos

N % N %

1 - 5 620 71.2 1427 26.8

6 - 10 118 13.5 877 16.5

11 - 20 84 9.6 1189 22.4

21 - 30 26 3.0 635 11.9

31 - 50 16 1.8 646 12.1

> 50 7 0.8 545 10.2

Totais 871 100 5319 100 Fonte: Rol dos Confessados da freguesia de São José Del Rei, 1795

Um importante aspecto que cabe destacarmos ao compararmos estes dois

períodos, refere-se ao aumento no número de escravos, que passou de 3357 para 5319

indivíduos, ou seja, um crescimento de 58% na presença de cativos. Estes números

revelam a forte presença escrava em nosso Termo pesquisado, uma vez que a partir do

Rol de São José, mais da metade dos fogos possuíam cativos.361

É oportuno

mencionarmos também que maior número de proprietários permanecem representados

por plantéis pequenos, variando entre 1 e 5 cativos no final do século XVIII. Entretanto,

os grande plantéis ficaram concentrados nas mãos de apenas 7 proprietários. Este ponto

em questão também reforça a importância desempenhada pelas pequenas unidades

produtoras em nossa região pesquisada, uma vez que o maior número de posses de

escravos ocorrem entre os plantéis de 1 a 10 cativos.

Realizando a comparação do contexto saojoseense com outras regiões

produtoras de gêneros alimentícios, podemos perceber algumas proximidades. É o caso,

por exemplo, de Curitiba e o Sul de Minas (1831-1838), onde em ambas as regiões

também predominaram em sua grande maioria a existência de pequenos plantéis de

escravos362

. Como ressaltou Antônio Carlos Jucá, "as regiões abastecedoras eram

dominadas por estes pequenos proprietários até porque, (...), os grandes capitais não se

360

LIBBY, Douglas Cole. PAIVA, Clotilde Andrade. Alforrias e forros em uma freguesia mineira: São

José D'El Rey em 1795. In: Revista Brasileira de Estudos de População. V.17, nº 1/ 2, jan./dez. 2000.

p.29. 361

Idem. p.28-29. 362

Na região de Curitiba predominou os plantéis de 1 a 5 escravos (70,5% dos proprietários) e o Sul de

Minas, apresentou em sua grande maioria o plantel de 1 a 5 escravos (64% dos proprietários). In:

SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução

econômica na produção de alimentos (1850 - 1888). DPGH./ UFF, 1994. Dissertação de Mestrado) p.

119.

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151

interessavam normalmente pela produção de alimentos"363

. Este fator predominante da

pequena escravaria na Capitania de Minas Gerais, foi demonstrado por Libby em que,

segundo o pesquisador, 2/3 dos proprietários possuíam pequenos plantéis não superiores

a cinco escravos364

. A importante constatação feita por este pesquisador também se

aplica ao Termo de São José Del Rei, onde observamos que embora o número de

escravos tenha crescido ao longo do setecentos, percebemos a maior predominância das

pequenas posses de escravos (1-10) que representou um total de 43,3% dos cativos

segundo o Rol dos Confessados.

Por fim, um último aspecto acerca do contexto da escravidão que desejamos

apresentar refere-se à idade dos cativos presentes em São José Del Rei. Por meio deste

elemento podemos inferir o potencial de trabalho destes indivíduos quando empregados

como força produtiva. Acerca deste quadro e analisando o final do setecentismo,

deparamos com o seguinte contexto para o nosso Termo estudado,

Gráfico XI: Composição das escravarias de S. José - por grupos etários e faixas de

posse365

.

Referência: Rol dos Confessados de 1795.

363

SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução

econômica na produção de alimentos (1850 - 1888). DPGH./ UFF, 1994. Dissertação de Mestrado) p.

120. 364

LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1988. 365

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.78.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

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Faixas de posse

1795

7-14 anos 15-44 anos +45 anos

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152

Podemos perceber a partir destes dados apresentados a grande predominância de

cativos com idades entre 15 e 44 anos. Portanto, vemos que estes indivíduos eram

escolhidos preferencialmente em idade adulta para serem aproveitados como força de

trabalho. Outro aspecto que cabe destacarmos é a presença deste indivíduos nas

pequenas unidades de produção, pois "no final do século XVIII, os escravos em idade

produtiva chegavam, em alguns casos, a representar mais de 70% da escravaria das

pequenas posses"366

.

Deste quadro geral apresentado por nós e correlacionando com o processo

ocupacional do Termo de São José Del Rei, cabe fazermos alguns considerações para

destacar alguns dos aspectos que estão intimamente correlacionados com o avanço das

fronteiras na região dos sertões. Assim, primeiramente, é oportuno destacarmos o

caráter rural constituído na sociedade saojoseense, tratando-se de uma área de pequenos

produtores escravistas que utilizavam a mão de obra escrava provavelmente em

conjunto com a mão de obra familiar. Além deste aspecto é também importante

ressaltarmos o maior crescimento da população livre em relação à escrava o que expõe o

maior dinamismo da migração livre como força de trabalho do que baseada unicamente

na compra de escravos. E por fim, neste contexto geral apresentado, devemos

retomarmos novamente o papel periférico de São José Del Rei em relação a São João

Del Rei, uma vez que a primeira apresentou-se nas últimas décadas do setecentos com

um núcleo urbano modesto em comparação com o grande centro comercial encontrado

em São João neste mesmo período em questão367

.

Apresentado o contexto populacional e também os aspectos gerais da escravidão

em nosso recorte espacial de estudo, iremos agora correlacionar alguns destes elementos

a partir dos sesmeiros estudados por nós. Dessa maneira, faremos uso dos Registros de

Batismo dos Escravos368

, afim de continuarmos a avançar na compreensão do contexto

366

MALAQUIAS, Carlos Pequenos produtores de São José. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008

(Dissertação de Mestrado). p.78. 367

O destaque econômico presente em São João Del Rei como importante centro comercial da Comarca

do Rio das Mortes foi demonstrado por Afonso de Alencastro Graça Filho. Segundo o pesquisador, o

caráter diminuto dos pequenos plantéis de escravos ou assentados no trabalho familiar, diz respeito não à

existência disseminada dessas formas produtivas em toda Minas Gerais, mas à participação predominante

das grandes unidades escravistas de alimentos no produto total mercantilizado pelo município de São

João Del Rei. In: GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da decadência de

Minas Gerais: São João del Rei, 1831-1888. São Paulo: Annablume, 2002. p.24. 368

Nossas análise acerca do Registro de Batismo de Escravos basearão no banco de dados elaborado pelo

pesquisador Douglas Cole Libby, juntamente com o grupo de pesquisa CEDEPLAR/UFMG. Este

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153

social nestas regiões. A opção por utilizarmos esta fonte documental, refere-se "as

características únicas que transformaram os registros paroquiais em fontes de primeira

linha para se chegar às populações e às sociedades do passado, passando por seus traços

culturais particulares"369

.

É oportuno destacarmos que neste momento em especial do capítulo, torna-se

válida e necessária a realização do cruzamento de fontes primárias. Isso se deve pois, as

cartas de sesmarias largamente utilizadas em nossa pesquisa, tem como principais

finalidades o estudo dos ritmos de ocupação e a identificação da estrutura fundiária370

,

elementos estes, trabalhados ao longo do capítulo I e II desta pesquisa. Todavia, esta

documentação torna-se deficitária quando utilizadas por si só para avançar na

compreensão dos aspectos sociais. Nesta questão, Maria Yedda Linhares salientou que

somente o estudo quantitativo, demonstrando o número de sesmeiros, arrendatários e

escravos, pouco auxilia para o entendimento da estrutura social presente em uma

determinada sociedade371

, tornando-se necessário, portanto, a realização do cruzamento

das fontes primárias, a fim de identificar uma melhor compreensão da sociedade

estudada.

Consideramos para a realização das nossas análises o total de 287 sesmeiros,

objetivando buscar através dos registros de batismo dos negros melhores informações

sobre estes indivíduos. Assim, deparamos ao realizar este cruzamento com 48 registros

acerca destes sesmeiros, correspondendo, portanto, a 16.7% da nossa amostragem total.

As informações que conseguimos extrair por meio destas fontes possibilitam

visualizarmos alguns aspectos presentes nesta sociedade.

Iniciamos nossas análises focando nos indivíduos possuidores de patente. Neste

quesito, conseguimos localizar por meio dos nossos bancos de dados um total de 12

sesmeiros que apresentaram a titulação de Sargento Mor, Alferes, Capitão e Guarda-

Mor, o que corresponde a um total de 25% da nossa amostragem de 48 sesmeiros

encontrados nos registro de batismo. Por meio destes indivíduos conseguimos perceber

importante banco de dados foi cedido gentilmente para a realização das nossas análises pelo pesquisador

Afonso de Alencastro Graça Filho. 369

MARCILIO, Maria Luiza. Os Registros Paroquiais e a História do Brasil. In: Revista Varia (UFMG),

vol. 31, jan. 2004. p.18. 370

CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-1807). Rio de

Janeiro, 1997. Tese de Doutorado. Departamento de História da UFRJ, p.33. 371

LINHARES, Maria Yedda. A pesquisa histórica no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História. São

Paulo, vol.15, nº30, 1995. p.87.

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154

que estes foram o que apresentaram o maior número de escravos, aparecendo como

possuidores de um total de 61 cativos. Estes dados permitem inferir a distinção existente

entre os sesmeiros possuidores de patente e os que não possuíam, servindo portanto,

como elemento de distinção social e poderio nas relações sociais existentes em nossa

região. Para ilustrar este quadro, apresentamos por exemplo o Alferes Domingos

Fernandes Barandas, possuidor de uma sesmaria em Santo Antônio no ano de 1754372

,

aparecendo no Registro de Batismo de Escravos como possuidor de 9 escravos. O caso

apresentado a seguir, expõe de maneira mais nítida o poderia destes indivíduos, como é

o caso do Capitão Antonio José de Almeida que obteve uma carta de sesmaria em 1773

na freguesia de São João Batista373

, aparecendo como possuidor de 24 escravos de

acordo com o Registro de Batismo.

Um outro aspecto também relevante para o nosso estudo trata-se da relação de

compadrio identificada por meio dos registros de batismo. É importante analisarmos

estes elementos, uma vez que a identificação dos padrinhos demonstra a presença de

uma determinada hierarquia na sociedade, onde os indivíduos mais poderosos

estabeleciam relações de superioridade perante os menos poderosos. Assim, como bem

ressalta Furtado, "os laços de compadrio - um dos mecanismos de sociabilidade da

época - criavam redes de clientelismo e dependência entre os diferentes segmentos

sociais"374

. Neste contexto em questão, por meio do cruzamento dos nossos dados

deparamos com o seguinte quadro: 19 sesmeiros que apareceram como possuidor de

escravos no Registro de Batismo e também na relação de padrinhos; 09 sesmeiros que

não apareciam como proprietários de escravos, todavia constavam como sendo

padrinhos de alguns cativos e por fim, encontramos 06 sesmeiros possuidores de patente

que apresentaram sendo tanto possuidor de escravos como também padrinhos.

Desta relação encontrada, deparamos com um quadro interessante que expõe

aspectos pertinentes a hierarquização. Assim, temos o caso do sesmeiro João Francisco

Afonso, que aparece nos registros de batismo de escravos como sendo possuidor de 2

cativos e também, como sendo padrinho de um destes. Este também é o caso de Manoel

Gonçalves Chaves que aparece possuindo somente 1 escravo e ao mesmo tempo,

padrinho deste. O caso de José Ferreira da Costa se aproxima destes dois outros

372

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: BARANDAS, Domingos Fernandes. SM-05, 1754. 373

IPHAN / SJDR. Carta de Sesmaria: ALMEIDA, Antonio Jose de. SM-33, 1773. 374

FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamanetes: o outro lado do mito. São

Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.159

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sesmeiros, pois aparece como sendo proprietário de 2 escravos, mas somente consta

como sendo padrinho de apenas 1. Estes três casos destacados por nós, expõe um

quadro interessante onde identificamos que os próprios senhores dos cativos eram ao

mesmo tempo padrinho deles, portanto, caracteriza a relação de proximidade e de

hierarquização entre estes indivíduos.

Em contrapartida, deparamos com uma situação diferenciada à medida em que

os sesmeiros apareceram como sendo detentores de um maior número de escravos.

Assim é o caso dos indivíduos possuidores de patente, como mencionados

anteriormente, que embora apresentassem o maior número de cativos, totalizando 61

escravos, apenas 6 dos 12 sesmeiros com parente aparecem na relação de padrinhos.

Destes que apareceram, o caso do Guardo-Mor Gervasio Pereira de Alvim elucida bem

o contexto destacado por nós, uma vez que aparece possuindo 8 escravos, todavia

quanto a relação de padrinho aparece uma única vez. Este aspecto também aparece

como no caso do Alferes João Machado Rodrigues e também do Alferes Bento José

Peixoto, possuidores respectivamente de 7 e 5 cativos de acordo com o registro de

batismo, entretanto, não aparecem nenhuma vez como padrinho de escravos.

Destes dados apresentados acerca da relação entre possuidores de escravos e de

padrinhos, percebemos através dos casos estudados uma relação inversamente

proporcional entre possuir mais escravos e a constatação como padrinho de cativos.

Assim, deste quadro apresentado por nós, o batismo de escravos era, para os mais

humildes, a possibilidade de criar vínculos sociais com outros indivíduos subalternos,

mesmo sendo estes cativos pertencentes a outros senhores. Em contrapartida, já para os

indivíduos que apareceram com um maior número de escravos e possuidores de parente

tais vínculos mostravam-se menos importantes e bem possivelmente eles preferiam

manter relações de aproximação com os indivíduos livres.

Por último, outro ponto que também nos despertou a atenção acerca do

cruzamento dos nossos bancos de dados, refere-se às repetições no nome das mães dos

escravos. Assim, como exemplo, podemos apontar os escravos do Alferes Domingos

Fernandes Barandas, que entre 9 dos escravos que constam como sendo de sua

propriedade, estes apresentam apenas 3 diferentes mães no registro de batismo.

Portanto, temos 3 batizados apresentando como a mesma mãe chamada Mariana; 2

cativos de mãe chamada Isabel e 4 escravos sendo filho de Esperança. Identificamos

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156

também, nos batismo de escravos pertencentes ao Capitão Antonio Jose de Almeida,

possuidor da maior escravaria dentre os sesmeiros localizados neste banco de dados,

uma maior variação de mães para os escravos batizados, embora ainda existam

repetições. Do registro dos seus 24 escravos, encontramos 13 mães diferentes. No caso

dos escravos do sesmeiro Francisco Fernandes Gandra, os 5 escravos de sua

propriedade apresentou apenas 2 mães diferentes, sendo estas de nome Juliana, mãe de

4 e Joana, sendo mãe de 1. O caso do Alferes João Machado Rodrigues que dos seus 7

escravos apenas tinha 2 mães diferentes. Este aspecto foi encontrado em grande parte

dos sesmeiros analisados, apenas como exceção os registros de batismo onde havia a

presença de apenas 1 ou 2 escravos. Destes dados apresentados a partir do nosso

cruzamento de dados, cabe destacarmos o papel da reprodução endógena no contexto

local, uma vez que, por meio da constatação da repetição por parte do nome das mães

dos cativos.

Por fim, neste último capítulo da pesquisa tentamos trazer questões pertinentes

as estruturas socioeconômicas em nossas regiões pesquisadas. Portanto, buscamos

correlacionar as nossas análises com os aspectos sociais que interferiam diretamente no

processo das expansões nas fronteiras. Dessa maneira, ao identificarmos a presença de

sítios e fazendas nas regiões dos sertões, percebemos um número significativo de

unidades produtoras encontrada nestas áreas outrora distantes, que passaram a

desempenhar um papel significativo na economia do Termo. Apresentamos também o

crescimento tanto da população livre quanto no número de escravos nas freguesias

rurais, aspecto este que ressalta a importância das atividades agropastoris para os

sesmeiros que ocuparam e margearam estas regiões interioranas.

Neste cenário em transformação o estudo das fronteiras mostrou-se necessário e

de grande importância, sendo que por meio da nossa documentação primária

conseguimos identificar novos elementos que auxiliam na compreensão da sociedade

saojoseense, bem como dos sertões da Picada de Goiás.

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Considerações Finais:

Certamente, as palavras estão ali, e também os detalhes. Sabemos o que acontece, e tudo o que não se diz é dito e visto de maneira mais clara. (BLANCHOT, Maurice. In: A parte do fogo p.181.).

Ao tentarmos entender o processo dinâmico das fronteiras a oeste da Comarca

do Rio das Mortes, nos deparamos com uma série de fatores correlacionais: a ocupação,

os agentes sociais e a sua economia. Dentre as atividades desenvolvidas, se destacam a

mineração e as atividades agropastoris, cada qual desempenhando suas especificidades

ou de modo interdependente. O conjunto destes elementos, por sua vez, viria a provocar

transformações constantes ao longo de toda a segunda metade do século XVIII e início

do século seguinte, período que ocorreu um crescimento significativo tanto nas

produções agrárias, como também do comércio com as praças mais distantes375

a

exemplo do mercado carioca 376

.

Nesta conjuntura, a expansão das atividades agrárias em consequência do

esgotamento dos veios auríferos e o elevado número de indivíduos que haviam se

deslocado para as Minas Gerais, acarretou na necessidade de ocupação de novas áreas,

criando-se, assim, um cenário que apresentou suas próprias especificidades e constantes

transformações. As interações entre os espaços urbanos, aqui compreendidos como os

centros mineradores, estabeleciam relações comerciais com as regiões circunvizinhas

produtoras de gêneros agrícolas, constituindo um contexto interacionista e

economicamente complexo. Como ressalta Cunha, estas relações comerciais viriam a

caracterizar e demarcar o processo ocupacional na Capitania de Minas Gerais, em que,

segundo o pesquisador,

375

LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no

século XIX. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1988. p. 14. 376

A passagem do século XVIII e início do XIX seria caracterizado por um período que "fazia mais

explícita uma ordem econômica em que cada vez mais pesaria, no arranjo da economia mineira, o

mercado interno e o comércio de gêneros de subsistência com a praça do Rio de Janeiro, residindo aí o

espaço ampliado de um processo de expansão das areas de produção agropecuária nas Minas". In:

CUNHA, Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmicas espaciais e movimentos da

população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao começo do século XIX. Revista Brasileira de

História. São Paulo, v. 27, nº 52, 2007. p.124. Ver também: BERGARD, Laird W. Escravidão e história

econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004. p.68. Segundo

Bergard, no século XVIII a Comarca do Rio das Mortes já apresentava relações comerciais com o

mercado carioca, fornecendo especialmente, gêneros agrícolas e pastoris.

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no intervalo de um século, o espaço da capitania se transformaria com grande

velocidade, produzindo não só redesenhos internos de sua economia e

estrutura demográfica, como mais contundentemente, promovendo, a partir

do impulso do ouro, a primeira articulação macro-regional do território

brasileiro. 377

A ocorrência do processo de ocupação de novas áreas deu-se de maneira

conflitante com os variados agentes sociais que se encontravam na região, como os

índios e os quilombos, que foram combatidos pelas expedições e entradas nestas áreas

dos sertões. Após a conquista territorial, iniciou-se a construção dos aparatos produtivos

e foram estabelecidas as unidades de gêneros agropastoris que desempenharam um

papel tão expressivo na Comarca do Rio das Mortes.

Quando aprofundamos nestas questões agrárias a partir da utilização da

documentação das cartas de sesmarias, tentamos trazer à tona uma série de fatores

decorrentes do processo ocupacional destas regiões, para melhor compreendermos

algumas das especificidades do vasto sertão a oeste da Comarca do Rio das Mortes.

Segundo Carrara, "o principal mérito da sistematização das sesmarias (distribuição por

tamanho e por localização) é o da demonstração dos movimentos de ocupação",

elementos nos quais concentramos nossos esforços para elaborarmos nosso estudo.

Dessa forma, partindo da utilização em série desta fonte documental, fomos capazes,

por meio da nossa pesquisa, de avançar na compreensão do processo ocupacional e da

dinâmica das fronteiras nestas regiões dos sertões, que, por sua vez, são regiões que

desempenharam para a Comarca do Rio das Mortes um papel economicamente

importante.

Dessa maneira, o antigo caminho da Picada de Goiás, uma das principais vias de

acesso para estas regiões interioranas, torna-se um elemento chave para compreender e

ilustrar as correntes migratórias internas que adentraram nestes confins, trazendo

consigo o avanço do processo ocupacional. Os indivíduos que margearam este antigo

caminho constituíram novas áreas produtoras, permitindo portanto, a ampliação

populacional das freguesias e dos arraiais locais.

377

CUNHA, Alexandre Mendes. A Diferenciação dos Espaços: um esboço de regionalização para o

território mineiro no século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na

virada do século. In: X Seminário sobre a economia mineira - CEDEPLAR/UFMG, 2002, Diamantina.

Anais do X Seminário sobre a economia mineira - 20 anos. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2002.

p. 01-02.

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Embora tenhamos adotado como principal escopo de análise o processo

ocupacional, devemos ressaltar que o autor de toda esta dinâmica de ocupação foi o

próprio indivíduo como ser social. Foram estes sujeitos, principalmente os pequenos

sesmeiros, os agentes que provocaram e desencadearam a conquista espacial nestas

áreas longínquas, constituindo este cenário que compunha os sertões da Comarca do Rio

das Mortes. Tratando-se de indivíduos, estes, por sua vez, podem ser analisados a partir

de dimensões ou manifestações diversas e, consequentemente, demonstrando a nós, uma

representação do contexto socioeconômico oriundos desta dinâmica das fronteiras.

Portanto, ao adentrarmos em suas unidades produtoras a partir das dimensões de

suas faixas de terras ou mapeando as áreas ocupadas ao longo da segunda metade do

XVIII, pudemos identificar que estas eram compostas em sua grande maioria por

pequenas faixas de terras, em vista da predominância de meia légua em quadra, voltadas

principalmente para a produção de gêneros agrícolas. Em contrapartida, nas regiões

mais adentradas dos sertões, foi possível nos depararmos com faixas de terras de maior

extensão, a exemplo de unidades com três léguas em quadra.

Outro fator importante a destacar, refere-se ao ponto de partida da ocupação das

áreas dos sertões, sendo estas ocupadas inicialmente nas regiões circunvizinhas à vila de

São José e São João Del Rei, que eram, por sua vez, os principais centros urbanos /

comerciais da Comarca. Certamente as melhores unidades de terras que permitiam um

contato mais próximo entre estas duas vilas, em decorrência de serem estas, vilas

importantes, eram as faixas de terras mais almejadas pelos indivíduos que estabeleciam

suas unidades produtoras. Prova disto decorre de serem as áreas circunvizinhas a estas

vilas o ponto de partida para a ocupação das regiões mais interioranas, como expusemos

ao longo do nosso trabalho. A partir do fenômeno de fechamento das fronteiras e a

constante necessidade de se ocupar novas terras, fizeram com que os indivíduos

adentrassem cada vez mais nos limites dos sertões, provocando, assim, o seu processo

de ocupação e intensificando as áreas economicamente produtoras.

Com isso, fomos capazes de perceber também que a lógica ocupacional parte de

um fenômeno intimamente dependente da conjuntura da Comarca do Rio das Mortes no

período em questão, já que havia um aumento significativo da população nas freguesias

rurais em detrimento do número de indivíduos nos centros mineradores à medida que

vamos avançando nas décadas finais do século XVIII. Este processo ocorre, como

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mencionado anteriormente, em consequência do esgotamento do metal precioso e o

dinamismo crescente das atividades agrárias nas áreas curraleiras.

Neste momento, cabe considerarmos também que, mesmo o metal precioso

sendo o grande atrativo que causou as ondas migratórias para as regiões das Minas

Gerais nos anos iniciais da descoberta, nunca foi este o único sustentáculo econômico

da Capitania. Assim, como menciona Arruda, "insistir no fato de que a noção de ciclo

aplicada à economia brasileira é inadequada, tanto no sentido físico quanto

econômico"378

. Dessa forma, cabe destacarmos novamente o papel dos sesmeiros e suas

atividades nas pequenas unidades de terras, pois

foram as pequenas lavouras de mantimentos e a pequena criação que

garantiram, com uma base técnica restrita, níveis de rendimentos agrícola e

pastoril tais, que permitiram não só o crescimento ininterrupto da população,

como o avanço consequente da fronteira agrícola. 379

Seguindo os sesmeiros a partir das fontes documentais, expusemos um processo

complexo que está muito além da simples ocupação natural do território, tendo em vista

que este fenômeno foi provocado concomitantemente aos interesses destes indivíduos e

a demanda constante de se conseguir ocupar novas áreas. Novamente, estes elementos

ocorrem em consequência da conjuntura da Comarca neste período em questão. Assim,

podemos mencionar que "a complexidade das relações entre os homens é essencial para

compreender quais são as principais dificuldades da construção explicativa que o

historiador pretende apresentar como história". 380

A partir dos nossos referenciais,

pudemos perceber que as áreas nas proximidades da vila de São José Del Rei e São João

del Rei foram as primeiras a serem ocupadas em decorrência da sua proximidade com

estes importantes centros comerciais, demonstrando o desejo destes indivíduos em obter

estas melhores faixas de terras. Portanto, o processo de fechamento das fronteiras nas

freguesias e a constante necessidade de se ocupar novas áreas ocasionou a efetiva

ocupação das áreas compreendidas como sertões.

Nesta série de transformações que ocorria ao longo do século XVIII, destacamos

a importância de percebê-los como um processo dinâmico. As análises a partir dos

378

ARRUDA, José. O Brasil no comércio colonial. SP:Ática, 1980. p. 608. 379

CARRARA, Ângelo. A Capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma

sociedade agrária. In: História Econômica & História de Empresas. Ano III, nº2, 2002. p. 54. 380

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc, 2006. p. 307.

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agentes socais destas regiões foram capazes de demonstrar um sistema complexo e

heterogêneo que desencadeou o processo ocupacional nestes sertões. Assim, ao

estudarmos estes indivíduos, através da formação de espaços econômicos e o

avançamento das fronteiras nos sertões, fomos capazes de identificar elementos que

"compunham as experiências e as estratégias de pessoas e grupos sociais. Por meio

destes fenômenos, podia-se perceber a lógica da sociedade estudada, não mais

petrificada, porém em movimento". 381

Por fim, após a apresentação da nossa pesquisa, não seria possível chamar esta

última unidade do trabalho de "conclusão", mas sim, somos capazes apenas de chama-la

de "considerações finais". Nossos esforços permitiram apenas avançarmos um pouco no

estudo desta sociedade constituída nas áreas interioranas, trazendo, portanto, uma

melhor identificação e compreensão da dinâmica existente nas fronteiras deste vasto

território compreendido como sertões.

381

FRAGOSO, João. Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica. In: Topoi. Rio de

Janeiro, Dezembro 2002. p. 62.

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Anexo: Mapa da Comarca do Rio das Mortes.

Fonte: ROCHA, J. J. da. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1995

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163

Bibliografia:

Fontes Primárias Manuscritas:

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IPHAN de São João Del Rei. (287 documentos).

Fontes Primárias Digitalizadas:

Arquivo Histórico Ultramarino - Goiás, AHU_ACL_CU_008, Cx.1, D.8.

Alvará de 1795. In: http://arisp.files.wordpress.com/2010/02/alvara-de-5-de-outubro-de-

1795-dig.pdf

Arquivo Público Mineiro. Caixa Nº 06. Documento Nº 32. In:

http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtdocs/photo.php?lid=84688

Banco de Dados contendo o Registro de Batismo de Escravos em São José Del Rei

elaborado pelo pesquisador Dr. Douglas Cole Libby.

COUTO, José Vieira. Sobre as duas classes mais importantes de povoadores da

Capitania de Minas Geraes, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as

animar. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo XXV, 1862.

Acessado em: http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19

___________________. Descripcção dos sertões de Minas, despovoação, suas causas e

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Tomo XXV, 1862.

Dicionário de Raphael Bluteau, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/serta%C3%B5

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Dicionário de Antonio de Moraes Silva, acessado pelo endereço eletrônico

http://www.brasiliana.usp.br/pt-br/dicionario/2/sert%C3%A3

Ordenações Manuelinas. Livro IV, título LXVII. . In :www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas

Fontes Primárias Impressas:

HALFELD, H. G. e TSCHUDI, J. J. A Província Brasileira de Minas Gerais. Belo

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SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do

Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.

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