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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA Nathalia Ramos da Silva INTERAÇÕES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: um estudo sobre a gestão das emoções RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA

Nathalia Ramos da Silva

INTERAÇÕES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA:

um estudo sobre a gestão das emoções

RIO DE JANEIRO

2014

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Nathalia Ramos da Silva

INTERAÇÕES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA:

um estudo sobre a gestão das emoções

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva, do Instituto de Estudos em Saúde

Coletiva (IESC), da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como requisito para obtenção

do Título de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rachel Aisengart Menezes

RIO DE JANEIRO

2014

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Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer a Rachel Aisengart Menezes, minha

orientadora, não só pela competência e seriedade, mas por sua dedicação constante ao

longo dos dois anos de desenvolvimento desta dissertação. Agradeço a disponibilidade em

compartilhar seus conhecimentos, sua rica biblioteca e muitas vivências.

Às professoras Claudia Rezende e Jaqueline Ferreira, pelas importantes

contribuições para o desenvolvimento deste estudo.

Aos professores, Martha Moreira, Octavio Bonet e Veriano Terto, por seu aceite em

participar da banca examinadora.

Às colegas Ângela Speroni, Joyce Flores e Patrícia Barbosa, pelo companheirismo

nesta jornada.

À amiga Flavia Teixeira, um presente que recebi neste Mestrado, uma amizade

única, sem suas longas conversas não teríamos chegado até aqui.

Aos funcionários do IESC, Fátima Gonçalves, Nadja de Oliveira, Roberto Unger,

pela atenção e dedicação de sempre.

À Valdemir Santana, “o Dentinho”, pela ajuda com as cópias do material para

estudo.

À direção e às chefias da UTI do HUGG, pela disponibilidade e atenção, pela

confiança, ao permitir a realização desta pesquisa.

Aos profissionais e pacientes da UTI, por compartilharem suas emoções. Agradeço

especialmente à enfermeira Valéria Belo, que foi minha inspiradora, para desenvolver o

estudo que deu origem a esta dissertação.

À amiga Hildeliza Salles, pela incrível ajuda com seu inglês impecável.

Aos meus amigos, por entenderem minha ausência em muitos momentos.

Aos meus avós, Benícia Marinho e José Lourenço da Silva, pela torcida e carinho

de sempre.

Aos meus avós, Irene Ramos (in memorian) e Waldyr Ramos (in memorian), sei

que estarão torcendo por mim, seja onde estiverem.

Por último e não menos importante, aos meus pais, Eliane Ramos e Gerson

Marinho, e à minha irmã, Bruna Ramos, que são a base de tudo. Sem eles nada disso seria

possível. Especialmente à minha mãe, pelo tempo gasto lendo meu trabalho, corrigindo e

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ajudando a construir essa dissertação. Ao meu pai, pelas traduções e auxílios com os

ajustes nos programas de computador.

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Um homem livre pensa em tudo menos na morte,

e sua sabedoria é uma meditação não sobre a morte, mas sobre a vida.

(Baruch Spinoza)

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RESUMO

SILVA, Nathalia Ramos. Interações em uma Unidade de Terapia Intensiva: um estudo

sobre a gestão das emoções. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde

Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina

Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2014.

Esta dissertação objetivou apreender a gestão das emoções dos profissionais de uma

unidade de terapia intensiva (UTI), de hospital público universitário da cidade do Rio de

Janeiro. A UTI é uma unidade hospitalar que foi criada para o atendimento de enfermos

muito graves, com risco de vida. Para tanto, este setor conta com assistência médica e de

enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos, recursos humanos

especializados e acesso a aparelhagem sofisticada, tanto destinada ao diagnóstico quanto à

terapêutica e manutenção da vida. Para realizar este estudo foi empreendida observação

etnográfica na UTI do HUGG, totalizando 356 horas de observação, das interações entre os

diferentes atores sociais: pacientes, seus familiares e profissionais de saúde. A rotina deste setor

é organizada de modo a manter controle das funções vitais do doente, que é monitorizado por

equipamentos eletrônicos. Trata-se de uma unidade que busca controlar a doença e a morte,

sempre que possível. Estudos empreendidos no setor evidenciaram um modo característico de

gestão das emoções, de equipes intensivistas. Há restrito espaço para a expressão de

sentimentos na unidade, mas certas situações provocam uma emergência emocional, tanto da

parte de enfermos, de seus familiares ou dos profissionais. Estes tipos de situações geralmente

provocam reações nas equipes: a morte de um paciente, quando não esperada; sobretudo

quando o enfermo é jovem ou quando ele permanece internado por muito tempo no setor, entre

outras. Como a rotina da unidade não deve ser perturbada, estratégias são construídas e

acionadas, para lidar com estas situações. O estudo evidenciou o recurso ao humor, quando

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eufemismos e brincadeiras emergem, para aliviar a tensão que porventura tenha se instalado no

ambiente da UTI, setor em que a morte é uma presença cotidiana.

Palavras-Chave: UTI. Emoções. Profissionais de Saúde. Vida/Morte. Decisões.

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ABSTRACT

SILVA, Nathalia Ramos. Interações em uma Unidade de Terapia Intensiva: um estudo

sobre a gestão das emoções. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde

Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina

Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2014.

The Intensive Care Unit (ICU) is a hospital unit where people are admitted for

varying lengths of time because their illness or injuries may be life-threatening and they

need intense support while they are treated, constant monitoring and 24-hour medical and

nursing assistance that cannot be performed on general wards. The routine of this unit is

organized in order to maintain the control of the vital functions in critically ill patients. For

these reasons, ICU are recognized as stressful environments. This study aimed to report the

healthcare professionals’ perceptions in the ICU in a university–affiliated hospital in the

city of Rio de Janeiro and their coping mechanisms to deal with the emotions when

patients die. This study was conducted to undertaken ethnographic observation in the

HUGG ICU, with the total of 356 hours of observation of the interactions among different

people: healthcare professionals, patients and their families. Studies undertaken in the unit

showed that everyone deals with death differently. Defensive distancing techniques

support continuing function but raise secondary adaptive problems. In spite of the limited

expression of feelings in this unit, some situations often causes reactions on people: the

patient’s death while not expected, especially when the patient is young or when he

remains for a long time in this unit, the constant health improvements and deteriorations,

trigger emotional emergency on patients, their families and professionals. In fact, emotions

of patient, family, ICU doctors, nurses, and other personnel occurs simultaneously,

interacting in subtle yet powerful ways. The study showed that the use of humor, with

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euphemisms and jokes, relieves tension that may have been installed in the ICU since they

have to deal with death and bereavement everyday.

Keywords: ICU. Emotions. Health Professionals. Life/Death. Decisions.

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LISTA DE SIGLAS

AMIB – Associação de Medicina Intensiva Brasileira

CC – Centro Cirúrgico

CCBS – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde

CCIH – Comissão de Controle de Infecção Hospitalar

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CP – Cuidados Paliativos

CTI – Centro de Tratamento Intensivo

DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

FPTC – Fora de Possibilidades Terapêuticas de Cura

HD – Hemodiálise

HIV - sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS

HUGG – Hospital Universitário Gaffrée e Guinle

IOT – Intubação Orotraqueal

LCD – Display de Cristal Líquido, do inglês, Liquid Crystal Display

NEFRO – Nefrologia

PCR – Parada Cardiorrespiratória

TC – Tomografia Computadorizada

TQT – Traqueostomia

UTI – Unidade de Terapia Intensiva

VM – Ventilação Mecânica

VNI – Ventilação Não Invasiva

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1. A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA 20

1.1. PERSPECTIVA TEÓRICA: MODELOS DE MORTE 20

1.2 UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: HISTÓRICO E FUNCIONAMENTO 24

1.3 TERAPIA INTENSIVA NO BRASIL 26

2. METODOLOGIA DE PESQUISA 31

2.1. DUPLA IDENTIDADE DA PESQUISADORA 33

3. A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

GAFFRÉE E GUINLE 36

3.1 DESCRIÇÃO DO SETOR 36

3.2 ROTINA DE TRABALHO DA UNIDADE 40

4. SITUAÇÕES OBSERVADAS 43

4.1. A “HÓSPEDE” ALICE 43

4.2. “DE VOLTA PARA CASA” 49

4.3 “AQUI DENTRO”, “LÁ FORA” 57

4.3.1. “TUDO É MUITO DIFÍCIL LÁ FORA” 66

4.4 “SE PARAR, PAROU”: SPP 72

4.5. “A MULHER ERA UMA BRUXA” 81

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 90

GLOSSÁRIO 98

APÊNDICE I – LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO 102

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Introdução

Sou formada em Fisioterapia (UFRJ 2007) e desde então atuo em Unidades de

Terapia Intensiva (UTI)1. Em 2010 ingressei na UTI do Hospital Universitário Gaffrée e

Guinle (HUGG) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) por

concurso público. Atualmente ocupo a posição de liderança da equipe da fisioterapia do

setor.

Conversas com colegas da equipe de enfermagem em plantões na UTI foram

fundamentais na elaboração do projeto desta investigação. Em diversas ocasiões,

enfermeiros compartilharam suas dificuldades emocionais, no acompanhamento do

processo do morrer. Eles também expressaram seu incômodo, com seus limites, por não

poderem modificar as condutas na assistência ao paciente “fora de possibilidades

terapêuticas de cura” (FPTC)2, com o objetivo de propiciar conforto no término de sua

vida. A partir destes relatos, defini o objeto de investigação, com o intuito de apreender a

gestão das emoções dos profissionais de UTI. Para tanto, analiso diversas situações

observadas no cotidiano dos intensivistas, com base em referencial teórico das ciências

sociais, especialmente da antropologia da saúde/doença, da morte e da sociologia das

profissões.

O presente estudo se insere no conjunto de estudos das ciências sociais dedicado à

apreensão das diferentes formas de gestão do fenômeno saúde/doença. As ciências sociais

têm desenvolvido relevantes contribuições no campo de investigações dirigido ao

entendimento dos processos saúde/doença (LANGDON et al., 2012, p. 63). O que a

perspectiva sociológica objetiva, nestes estudos, é uma busca de entendimento acerca dos

modos como se processa a afirmação da racionalidade biomédica, em contraste com as

dimensões holísticas das representações ou das vivências dos eventos da saúde/doença

(DUARTE, 2003, p. 177). Parte-se aqui do pressuposto de que, ao analisar as práticas e os

discursos de profissionais de saúde de determinado setor hospitalar, é possível alcançar

uma compreensão das representações de pessoa e indivíduo ali vigentes. Indo além,

considera-se que é possível apreender os valores atribuídos à vida/morte, saúde/doença e

sofrimento, pelos diferentes atores sociais envolvidos na gestão dos cuidados.

1 A partir daqui passo a me referir à Unidade de Tratamento/Terapia Intensiva como UTI. 2 Uso sempre FPTC em referência a “fora de possibilidades terapêuticas de cura”, a partir daqui.

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O campo de estudos da antropologia da saúde3 se constituiu nos anos 1960 nos

Estados Unidos, como ramo aplicado da antropologia geral, fortemente associado à

epidemiologia e à clínica. Em linhas gerais, dedicou-se ao estudo da incidência e

distribuição das doenças, aos cuidados em instituições médicas, aos problemas de saúde e à

etnomedicina. Young (1982) apontou três razões sobre o desenvolvimento da Antropologia

Médica nos Estados Unidos: uma relacionada à emergência de um discurso antropológico

sobre a enfermidade; a outra ligada às novas oportunidades de trabalho, proporcionadas

pelos esforços dos clínicos, insatisfeitos com o reducionismo biológico, o que propiciou a

inclusão de antropólogos junto à clínica e nos programas de atenção primária e familiar.

Por último, o alto estímulo financeiro proporcionado aos cientistas sociais interessados nos

temas médicos (CANESQUI, 1994, p. 15).

Este campo busca rastrear as abordagens em torno da temática do sofrimento e da

emoção. Desde a constituição da área, tratava-se de questionar o estatuto das categorias

saúde, doença, dor e sofrimento. O corpo, o sofrimento e a emoção, ao invés de se

constituírem como objetos delimitados e circunscritos, como pretende o positivismo das

ciências biológicas e psicológicas, demonstraram, na perspectiva antropológica, sua

inelutável abrangência como fenômenos sociais, avessos à circunscrição. O campo nasce,

assim, do que se configurou como um embate com a (poderosa) área biomédica, e de uma

tentativa de se posicionar em relação às verdades produzidas com seu saber, e institui com

suas práticas. Uma boa parte do esforço fundante se concentrou na oposição ao

reducionismo biomédico e procurou em múltiplas frentes desconstruir a arraigada

percepção de uma “naturalidade” das experiências do adoecimento (e de suas terapêuticas)

(SARTI, 2010, p. 201).

No campo da Antropologia da Saúde não houve uma preocupação de definir

sofrimento, dor e emoção como objetos específicos de análise, mas de situá-los em uma

tentativa mais ampla de demarcação de uma perspectiva de análise antropológica das

3 Há uma polêmica acerca da nomenclatura do campo – antropologia médica, antropologia da saúde,

antropologia e saúde -, que reflete os dilemas desse campo híbrido, não apenas no Brasil (SARTI, 2010, p.

200). Na França, a Antropologia da Saúde ou da Doença é considerada uma disciplina bastante recente.

Tanto uma como outra denominação privilegiam o significado ou as representações da doença, sua

causalidade, as medicinas tradicionais e a medicina moderna. Embora esteja em expansão no Brasil o interesse na pesquisa de temas relacionados à antropologia e saúde, inexiste ainda o consenso dos

antropólogos de constituir esta subárea de conhecimento. Tanto é que nos anos de 1970 e 1980 a temática

abordada pelos pesquisadores assumiu diversas denominações: antropologia da saúde, antropologia

nutricional, antropologia da ou e saúde e medicina, antropologia médica, o desvio, as aflições, perturbações

físico-morais, pessoa, corpo, sob as quais configuram-se distintos enfoques das relações da antropologia com

as ciências médicas ou interpretações sobre a doença (CANESQUI, 1994, p. 16).

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perturbações e aflições de diferentes ordens, às quais estão associados esses fenômenos.

Nesse caso, em face das características do campo biomédico, ao qual se contrapõe essa

perspectiva e que, pelo imperativo da “objetivação”, fragmenta, recorta e esquadrinha seu

objeto, reduzindo-o, impôs-se a necessidade de uma estratégia analítica, que implicou um

olhar para a totalidade, por meio dos recursos da etnografia (SARTI, 2010, p. 205).

No Brasil, a pesquisa antropológica em saúde cresceu a partir de estudos sobre

vários temas, como medicina popular, “nervos”, cultura da psicanálise, mudança nas

práticas tradicionais, ideologias e representações, bem como saúde indígena. As primeiras

revisões bibliográficas sobre esse campo de conhecimento (QUEIROZ & CANESQUI,

1986a, 1986b CARRARA, 1994) identificaram as pesquisas como “antropologia da

medicina” ou das medicinas, quando considerado o foco em estudos das medicinas

populares, tradicionais, “religiosas”, “eruditas”, “medicina oficial moderna” etc., e

salientaram a necessidade de desenvolvimento de paradigmas capazes de analisar a

subordinação ao modelo capitalista de processos sociais locais associados à saúde. Essas

resenhas também afirmaram que paradigmas alternativos à abordagem biológica são

fundamentais. Compartilhando esta perspectiva, os antropólogos que pesquisaram o campo

da saúde indígena e dialogaram com a biomedicina e as políticas públicas argumentaram

em prol da importância dos fatores sociais e culturais na produção ritual do corpo, nos

padrões de doença e na cura (BUCHILLET, 1991; VERANI & MORGADO, 1991)

(LANGDON et al., 2012, p. 59).

Como todas as instituições públicas na cultura ocidental moderna, as que se

ocupam da medicina e da saúde sofrem os efeitos da “racionalização” instrumental,

baseada na segmentação dos saberes e domínios de prática. Tal organização tem implicado

na criação de serviços cada vez mais especializados, em que prevalece a atenção a

dimensões isoladas dos “doentes” ou das “doenças”. A segmentação dos domínios de saber

é um dos estímulos originais ao que se veio a chamar de “especialização” médica,

reproduzindo no nível das técnicas e da organização da prática médica, o efeito de

dissolução da totalidade da experiência da saúde/doença. As UTIs parecem representar a

forma mais aguda desta tendência, no radical isolamento a que submetem seus usuários,

em circunstâncias e condições frequentemente vividas ou representadas como

“desumanas” ou “despersonalizantes”. Parte das críticas crescentes a esse efeito se

fundamenta justamente na linguagem de defesa da “pessoa” ou da “personalização” – ou

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seja, de uma atenção à totalidade ou singularidade do doente e de sua vivência (DUARTE,

2003, p.178).

Na sociedade ocidental moderna, os estudos antropológicos acerca dos processos

saúde/doença se associam ao conjunto dedicado à temática da Morte. Como outros

fenômenos da vida social, o processo do morrer pode ser vivenciado de distintas formas,

segundo os significados compartilhados socialmente em torno desta experiência. O morrer

não é um fato biológico, mas um processo construído socialmente. Neste sentido, a morte

não se distingue de outras dimensões do universo das relações sociais e, em cada momento

histórico, há uma produção de práticas e retóricas que constroem significados. Pode-se

afirmar que há uma via de mão dupla: o contexto modela os discursos e estes reconfiguram

o próprio contexto social (MENEZES, 2006, p. 18).

Além dos campos previamente mencionados, cabe acrescentar a perspectiva da

antropologia das emoções. A análise das emoções ganhou força na antropologia com o

desenvolvimento da abordagem interpretativa na década de 1970 nos Estados Unidos. As

emoções passam a ser tomadas como um idioma que define e negocia as relações sociais

entre uma pessoa e as outras. As emoções gozam de um status ambíguo como objeto de

estudo das ciências sociais. Sua representação pelo senso comum ocidental como um

fenômeno pertencente à esfera do individual e à esfera do natural parece ter contribuído

para situá-las no polo “excluído” das duas oposições fundadoras das ciências sociais:

indivíduo-sociedade e natureza-cultura (COELHO, REZENDE, 2011, p.7). O estudo

antropológico das emoções passou a enfatizar o elemento do contexto em que se

manifestam os conceitos emotivos, buscando ir além das relativizações para analisar sob

um ponto de vista pragmático as situações sociais específicas em que eles são expressos

(REZENDE, COELHO, 2010, p. 14).

O campo da Antropologia das Emoções estruturou-se não apenas com uma

variedade de estudos etnográficos, como também com um conjunto de questões teórico-

metodológicas que buscavam fornecer instrumentos para a comparação. Das relativizações

iniciais passou-se para um esforço maior em mostrar a dimensão micropolítica das

emoções e revelou como são mobilizadas em contextos sempre marcados por relações e

negociações de poder em vários níveis. Recentemente este tema apresenta uma

consolidação, como área autônoma de investigação e de elaboração teórica, com ênfases

diferenciadas sobre o foco da atenção e análise, uma vez que a dimensão emotiva é

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considerada como uma esfera central, não somente na vida dos sujeitos, como da estrutura

que rege o funcionamento das instituições (REZENDE, COELHO, 2010, p. 15).

No Brasil, as emoções também aparecem em estudos das Ciências Sociais,

destacando-se os estudos de Roberto DaMatta, que analisam como as formas de expressão

das emoções se ajustam às diferenças entre espaços públicos e privados. Gilberto Velho

(1981, 1986) e Luiz Fernando Dias Duarte (1986) são apontados como figuras de

referência, por seus estudos sobre os modos particulares pelos quais as emoções são

expressas nas camadas médias e populares.

Claudia Rezende dedicou-se ao tema da amizade em perspectiva comparativa, entre

os universos londrino e carioca (2002a, 2002b), ressaltando a relação entre amizade,

emoção e hierarquia. Em estudos recentes, analisou a elaboração subjetiva da identidade

brasileira entre professores universitários que estudaram no exterior, destacando o aspecto

emotivo presente nessa construção identitária, além das emoções ligadas à experiência de

ser estrangeiro (2009). Maria Claudia Coelho explora a temática desde seus estudos sobre

idolatria, em que trabalhou a relação entre amor e fascínio na experiência do fã (1996,

1999), além de sua pesquisa sobre a dádiva no universo das camadas médias cariocas em

que a emoção foi abordada à luz de duas perspectivas: a tensão entre a obrigatoriedade e

espontaneidade (2006a). Mais recentemente, investiga a relação entre emoção e violência,

com foco em relatos de experiências de vitimização em assaltos a residências (2006b,

2009) (COELHO, REZENDE, 2011, p. 19). Estudos de Rachel Aisengart Menezes (2004,

2005, 2006) são dedicados à análise do morrer no hospital e aos modos de gestão das

emoções dos profissionais de saúde, frente à morte e ao sofrimento, a partir de suas

pesquisas etnográficas em duas unidades hospitalares públicas, uma UTI e um hospital de

cuidados paliativos, voltado ao atendimento de pacientes com câncer, considerados FPTC.

No campo da sociologia das profissões, teóricos (GOODE, 1969; MOORE, 1970;

WILENSKY, 1970; LARSON, 1977; FREIDSON, 1978) concordam que dois atributos

são fundamentais e inquestionáveis para definir uma atividade humana como

“profissional”: um corpo específico de conhecimentos e a orientação para o ideal de

serviços. Tais atributos são adotados por Machado (1991), em seus estudos sobre

profissões. A autora considera a medicina uma profissão, enquanto farmacêuticos e

enfermeiros são classificados como “semiprofissões”. Tal posicionamento é justificado por

não haver um corpo específico de conhecimentos nem um mercado de trabalho inviolável,

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como ocorre com os médicos. Já a sociologia e a psicologia seriam categorias profissionais

em processo de profissionalização, que ainda não adquiriram status e perfil de uma

“profissão sólida” (MACHADO, REGO, 1996, p.123).

O estudo sobre e na UTI é desenvolvido a partir das perspectivas da antropologia da

saúde, da morte, das emoções e, também, da sociologia das profissões. A investigação

sobre esta unidade voltou-se a compreender como se produz, na prática cotidiana dos

profissionais de saúde de uma unidade hospitalar muito específica, a busca de resolução da

equação entre as duas dimensões constitutivas dessa mesma prática, diante de situações

que envolvem decisões de vida, morte e sofrimento. A UTI é um espaço social no qual a

dupla dimensão estruturante da prática médica – o cuidado e a competência – está

criticamente implicada no processo decisório (MENEZES, 2006 p. 20).

Os estudos de alguns pesquisadores constituem um referencial de extrema

relevância no desenvolvimento desta pesquisa. Assim, Glaser e Strauss (1965), em um

estudo que analisa as interações sociais na expectativa de morte, de moribundos, seus

familiares e profissionais de saúde, comparando as mobilizações dos atores envolvidos.

Jane Seymour (2001) em investigação realizada em duas UTIs na Inglaterra examina a

reificação da “morte natural” e enfoca a polarização entre morte tecnológica e “natural”.

Seu estudo investiga casos relacionados às experiências de pessoas próximas a doentes que

estiveram internados em UTI. Graça Carapinheiro (2005) analisa o hospital e, ao mesmo

tempo a medicina, os profissionais e os doentes, a fim de descobrir os conteúdos dos seus

saberes, os seus referentes simbólicos e os sentidos das suas práticas sociais, que tornam

possível compreender porque a realidade hospitalar se compõe de realidades sociais tão

diversas. Rachel Menezes (2006), em sua pesquisa etnográfica na UTI de um hospital

público universitário do Rio de Janeiro, analisa de que forma, na prática cotidiana dos

profissionais de saúde, são tomadas as decisões referentes à doença, sofrimento e morte

dos doentes internados.

Esta dissertação está dividida em três partes. A primeira explicita a construção do

objeto de pesquisa, com uma descrição das características de uma UTI, de sua estrutura

física e normas de funcionamento. Ainda nesta seção há uma apresentação da metodologia

utilizada, com uma reflexão sobre a dupla identidade da pesquisadora, ao empreender

investigação no local em que trabalha. Na segunda seção há uma descrição do início das

observações e da rotina de trabalho da UTI do HUGG. Em seguida são apresentadas

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diversas situações, que foram observadas no cotidiano da unidade, com o objetivo de

refletir sobre a gestão das emoções dos atores sociais envolvidos no setor, com foco em

torno dos profissionais de saúde. Por fim, a dissertação é concluída com reflexões acerca

do processo vivenciado pela fisioterapeuta/pesquisadora, e sobre o término do período em

que atuou como investigadora.

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1. A construção do objeto de pesquisa

1.1. Perspectiva teórica: modelos de morte

A morte é uma presença constante na UTI e os profissionais estão em contato

rotineiramente com o processo do morrer. Por vezes, os recursos técnicos, o saber e a

competência do intensivista são limitados, diante do avanço da enfermidade, sobretudo

quando a cura não é mais possível em alguns casos, como quando o paciente recebe o

diagnóstico de FPTC.

Ariès (2012), historiador pioneiro na investigação sobre as mudanças nas atitudes

coletivas frente à morte no Ocidente, pesquisou e descreveu os diferentes períodos

históricos, e as transformações que ocorreram no tempo. A partir desta abordagem, o autor

formulou modelos de morte, como tipos ideais weberianos4. Nesta forma de modelização,

a “morte domada”, característica da Alta Idade Média, era ritualizada, comunitária e

enfrentada com dignidade e resignação. A morte era uma cerimônia pública, confiada à

Igreja, esperada no leito e organizada pelo próprio moribundo, que conhecia e presidia seu

protocolo. Por se tratar de um evento público, o quarto do enfermo era local em que se

entrava livremente. O moribundo morria cercado por familiares, amigos, vizinhos e

crianças. O ritual da morte era aceito e cumprido, de modo cerimonial, sem qualquer

caráter dramático ou gestos de emoção excessivos (ARIÈS, 2012, p. 39).

A “morte de si” surgiu nos séculos XI-XII e se estendeu até o século XIV. Foi

marcada pelo reconhecimento da finitude da própria existência da pessoa e coincidiu com

o surgimento de um sentimento mais pessoal e interiorizado da morte. A morte permanecia

no leito do moribundo, porém com um caráter dramático, com uma carga emocional que

antes não possuía. O enfermo prossegue no centro da ação, que não só preside como

anteriormente, mas também determina como deve ocorrer. Durante a segunda metade da

Idade Média se deu uma aproximação entre três categorias de representações mentais: as

da morte, do reconhecimento por parte de cada indivíduo de sua própria biografia e do

apego apaixonado às coisas e aos seres. A morte tornou-se o lugar em que o homem

melhor tomou consciência de si (ARIÈS, 2012, p. 57).

4 Um conceito formulado por Max Weber sobre um fenômeno, a partir de suas características mais gerais.

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A partir do século XIX e até o século XX, a “morte do outro” se tornou dramática

e insuportável, dando origem a um processo de mudança que resultou no afastamento

social do moribundo e do término da vida. A morte é vista como uma ruptura e não mais

com familiaridade; passa a contar com agitação, decorrente de emoção, choro e gestos.

Essa expressão da dor dos sobreviventes se deve a uma nova intolerância em relação à

separação; a simples ideia da morte comove. As grandes mudanças ocorridas neste período

são: a complacência com a ideia da morte e a relação entre o moribundo e sua família. Os

familiares aceitam com dificuldade a morte do outro; não é mais temida a própria morte,

mas a do outro (ARIÈS, 2012, p. 67).

A partir do século XVI ocorreu, em processos concomitantes e convergentes, uma

expansão do poder médico institucional e a consolidação da família como núcleo de

relações afetivas. Este processo conduziu às famílias, no século XIX, a delegarem os

encargos dos cuidados dos moribundos às instituições médicas, então fortalecidas e

reorganizadas. Houve, pois, um deslocamento do lugar da morte: das casas, com a

participação da comunidade, para o hospital, lugar dos médicos. A partir da consolidação

da instituição hospitalar – medicamente administrada e controlada – iniciou-se um

processo de medicalização do social, que foi ampliado no século XIX, sendo extensa e

profundamente desenvolvido durante o século XX. A medicina, seu saber e sua instituição

tornam-se referências centrais no que se refere a saúde, vida, sofrimento e morte, surge o

modelo de “morte moderna” (MENEZES, 2004, p. 28).

A morte, tão presente e familiar no passado, torna-se vergonhosa e objeto de

interdição – a “morte interdita” -. Aqueles que cercam o moribundo tendem a poupá-lo e a

ocultar-lhe a gravidade de seu estado. Esse sentimento foi superado por outro,

característico da modernidade: evitar não somente ao moribundo, mas à sociedade, a

perturbação e a emoção excessivamente fortes, insuportáveis, causadas pela simples

presença da morte em plena vida feliz (ARIÈS, 2012, p. 84).

A morte no hospital não é mais uma cerimônia pública e ritualística presidida pelo

moribundo, em meio a seus parentes e amigos. Na maioria dos casos, o enfermo está

inconsciente. Ela se torna um fenômeno técnico, dividido, parcelado em pequenas etapas,

que substituíram e apagaram sua grande ação dramática (ARIÈS, 2012, p. 86). A visão da

equipe de saúde e dos familiares sobre esse processo pode variar, segundo diferentes

interpretações e percepções (SEYMOUR, 2001, p. 15).

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Diante desse modelo, a morte passou a ser cada vez mais empurrada para os

bastidores da vida social, em um processo que integrou o impulso civilizador. Para os

próprios moribundos, isso significou que eles também passaram ser ocultados da vida

social, tornando-se isolados. Segundo Elias (2001, p.66), essa transformação no

comportamento social em torno do morrer acarretou uma série de mudanças, alterando

comportamentos e sentimentos, o que gerou um processo de internalização individual e o

consequente aumento do autocontrole.

O sentimento amplamente difundido nas sociedades ocidentais modernas com seus

membros altamente individualizados – de que cada um existe apenas para si mesmo,

independente de outros seres humanos e de todo o “mundo externo” – em geral acaba

prevalecendo, e com ele a ideia de que uma pessoa deve ter um sentido exclusivamente seu

(ELIAS, 2001, p. 65).

Em síntese, Elias (2001, p. 23) refere que a vida na sociedade medieval era mais

curta; os perigos, menos controláveis; a morte, muitas vezes mais dolorosa; o sentido de

culpa e o medo da punição depois da morte, a doutrina oficial. Porém, em todos os casos, a

participação de outros na morte de um indivíduo era mais comum. A partir do século XIX,

por vezes, sabe-se aliviar as dores da morte; as angústias de culpa são mais plenamente

recalcadas e talvez dominadas.

No século XX, a morte torna-se um tabu, de modo a acarretar uma interdição à

demonstração de sentimentos (ELIAS, 2001, p. 36). Uma morte aceitável é aquela que

pode ser tolerada pelos que sobrevivem. Ariès (2012, p. 87) afirma que a emoção deve ser

evitada, tanto no hospital quanto na sociedade, de modo geral, e só se tem o direito de

chorar quando ninguém vê nem escuta. Trata-se de um luto solitário e envergonhado, o

único recurso quando a morte se torna tabu. No entanto, sabe-se que no Brasil ainda

existem pessoas contratadas para expressar emoções em velórios e enterros – as carpideiras

-, o que evidencia as diferenças entre os contextos.

De acordo com Seymour (2001, p. 19), a principal característica do hospital do

século XX é o modo como ele assumiu o cuidado, na gestão do morrer dos pacientes,

juntamente com o controle e a definição da morte. A morte hospitalizada é caracterizada

pela perda da possibilidade de escolha individual, pela presença do medo, pelo isolamento

da família e amigos, pela ausência de cuidadores, pela preeminência da alta tecnologia e do

prolongamento do morrer.

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De acordo com Seymour (2001), Menezes (2006) e Ariès (2012), a UTI é um local

exemplar do modelo da “morte moderna”, em que o processo de morrer é medicalizado,

controlado pela equipe de saúde, sem contar com a opinião do doente. A expressão dos

sentimentos é ocultada, tanto do paciente e seus familiares como dos profissionais, que

tendem a manter permanente autocontrole das emoções. Lofland (1978) apresenta seis

definições características do modelo de “morte moderna”: alta tecnologia da medicina,

detecção prévia da doença, definição complexa da morte, alta prevalência da doença

crônica, baixa incidência de doenças fatais e intervenção ativa no processo do morrer.

O modelo de “morte moderna” implica na percepção do enfermo, por parte dos

profissionais de saúde, como partes e não como um todo. A preeminência é concedida ao

tratamento médico, à cura e aos resultados de exames. Glaser e Strauss (1965)

identificaram uma trajetória incerta do processo de morrer de doentes internados em

hospitais. No entanto, esta não é uma questão valorizada no atendimento médico e no

trabalho da equipe da UTI.

A partir dos anos 1960 emergem críticas à excessiva racionalização da assistência

em saúde (GLASER e STRAUSS, 1965, 1968; ELIAS, 2001; MENEZES, 2006; ARIÈS,

2012), sobretudo ao modelo de morte presente no hospital – “morte moderna”. Diante das

críticas a essa racionalização surgem novas propostas, a fim de propiciar uma “boa morte”

dos enfermos. O modelo de “morte contemporânea” - assim denominado por estudiosos

das ciências sociais dedicados ao tema – consiste em resultado destas novas propostas de

assistência ao processo do morrer, como os cuidados paliativos e os programas de

humanização da assistência em saúde, alguns implantados em UTIs, a partir da

preocupação com a produção de uma morte humanizada e aceita socialmente por todos os

envolvidos – pacientes, familiares e equipe de saúde.

A “boa morte” está presente em unidades de cuidados paliativos. Ali a participação

do doente na escolha das condutas é central. O ideal é que a morte ocorra em casa, com

controle da dor e dos sintomas, na companhia da família. No modelo de “morte moderna”,

o paciente está isolado, solitário, e a morte é um processo impessoal, tida como “sem

dignidade” (SEYMOUR, 2001, p. 21).

Contrapondo-se ao modelo da “morte moderna”, eminentemente curativo, no qual

o doente é despossuído de voz, o modelo de “morte contemporânea” (MENEZES, 2004,

p. 37) valoriza os desejos do enfermo. O aspecto central é o diálogo entre os atores sociais

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envolvidos no processo do morrer: uma vez explicados os limites da ação do médico e dos

desejos do doente, é possível a deliberação sobre o período de vida ainda restante, a

escolha de procedimentos e a despedida das pessoas de suas relações, com o suporte da

equipe multidisciplinar. No modelo de “morte moderna” o médico é o principal

personagem a tomar decisões, enquanto no modelo de “morte contemporânea” a

autoridade seria a própria pessoa. A tomada de decisões deste indivíduo depende de três

requisitos: o conhecimento do avanço da doença e da proximidade da morte, por

comunicação da equipe médica; a expressão dos desejos e sentimentos do paciente para as

pessoas de sua relação e, finalmente, a escuta e atuação dos que cuidam do doente. O

primeiro aspecto desse novo modelo é a consciência do indivíduo da proximidade de sua

morte (MENEZES, 2004, p. 40).

Do silêncio, ocultamento e negação passou-se à colocação da morte em discurso na

segunda metade do século XX, devido ao engajamento político, ideológico e social dos

indivíduos portadores do vírus HIV5. De acordo com o ideário dos cuidados paliativos, os

sentimentos face à finitude devem ser expressos. As expressões “boa morte”, “morte

tranquila” e “morreu bem” passam a ser utilizadas amplamente pela literatura de difusão

do ideário dos cuidados paliativos, não se restringindo ao âmbito dos profissionais de

saúde (MENEZES, 2004, p. 37).

No século XXI os dois modelos de morte – a moderna e a contemporânea – podem

ser observados. A morte é um evento sempre presente na vida humana, mas em cada

momento histórico se apresentam novas configurações e possibilidades. Com a crescente

capacidade de prolongar a vida, com auxílio de tecnologia construída com esta finalidade,

atualmente é possível manter vivo um paciente com diagnóstico de morte encefálica, para

que possa ser realizado um transplante de órgãos.

1.2 Unidade de Terapia Intensiva: histórico e funcionamento

Os cuidados intensivos foram criados a partir do reconhecimento, por parte da

equipe de enfermagem, da importância do exercício de controle e vigilância sobre

5 De acordo com o Ministério da Saúde, HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana.

Causador da AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida -, ataca o sistema imunológico, responsável

por defender o organismo de doenças - http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv. Acesso em 19 de outubro

de 2012.

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pacientes em situação de risco de vida. Para tanto, eles passaram a ser agrupados em áreas

específicas do hospital. A ideia era de que, assim, os enfermeiros poderiam se certificar de

que os doentes mais graves poderiam receber mais atenção, quando alocados na

proximidade do posto de enfermagem (SOCIETY OF CRITICAL CARE)6.

De acordo com o mito construído por profissionais de enfermagem, este tipo de

unidade teria origem no século XIX. A enfermeira Florence Nightingale seria a

responsável pela organização deste setor hospitalar. Em 1854, na Guerra da Criméia, ela

atuou como voluntária, quando conseguiu promover a redução da taxa de mortalidade dos

soldados feridos, com a realização de reformas no ambiente, após constatar a falta de

higiene do local. Nightingale contribuiu para que o hospital se transformasse em uma

“máquina de curar”, e se tornou uma figura central na ideia que conduziu à criação dos

cuidados intensivos (KRUSE, 2004, p. 57).

Em 1926 é criada a primeira unidade intensiva em Baltimore, Estados Unidos, pelo

neurocirurgião Dr. Walter E. Dandy, com três leitos pós-operatórios de neurocirurgia, no

Hospital John Hopkins. Segundo a Society of Critical Care7. Este serviço foi o

preconizador do modelo inicial e atual da UTI. Em 1947 e 1948, em decorrência da

epidemia de poliomielite na Europa e nos Estados Unidos, foram desenvolvidos os

ventiladores mecânicos8, na busca pela manutenção da vida das crianças afetadas pela

epidemia (SOCIETY OF CRITICAL CARE)9.

Os primeiros pacientes que usufruíram da assistência intensiva foram os soldados

feridos na Segunda Guerra Mundial e na guerra da Coréia. Pesquisadores ingleses e norte-

americanos concluíram, ao fim dos anos 1960, que os gravemente enfermos possuíam

problemas fisiopatológicos comuns, e que suas sobrevidas dependiam do controle de uma

série de funções corporais. O controle destas funções corporais, aliado às novas drogas e

técnicas para tratamento da falência múltipla de órgãos e de septicemia constituíram as

6 http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012. Tradução de minha

autoria, como todos os trechos a seguir, salvo menção expressa. 7 http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012. 8 A ventilação mecânica (VM) ou o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para tratamento

de pacientes com insuficiência respiratória, por meio da utilização de aparelhos, os ventiladores mecânicos artificiais. Tem por objetivos, além da manutenção das trocas gasosas, aliviar o trabalho da musculatura

respiratória que, em situações agudas de alta demanda metabólica, está elevado; reverter ou evitar a fadiga da

musculatura respiratória; diminuir o consumo de oxigênio, dessa forma reduzindo o desconforto respiratório;

e permitir a aplicação de terapêuticas específicas (CARVALHO, JUNIOR, FRANCA, 2007, p.54). O

ventilador mecânico é o aparelho utilizado na ventilação mecânica, também conhecido como respirador. 9 http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012.

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“tecnologias de salvamento” que catalisaram o crescimento da terapia intensiva

(MENEZES, 2013, p. 415).

Na Segunda Guerra Mundial, os pacientes de pós-operatório passaram a ser

agrupados em salas de recuperação, a fim de garantir um atendimento mais eficaz, devido

ao número reduzido de profissionais de enfermagem. Em 1958, aproximadamente 25% dos

hospitais norte americanos com mais de 300 leitos contava com uma UTI. Os benefícios

deste tipo de organização do trabalho, dirigido ao atendimento destes enfermos resultaram

na disseminação destas salas para quase todos os hospitais, sobretudo a partir dos anos

1960 (SOCIETY OF CRITICAL CARE)10

. No Brasil, essa modalidade de serviço surgiu

nessa mesma década, em hospitais de grande porte do Sul e Sudeste do país (MENEZES,

2006, p. 30).

Esta unidade representa, tanto no sentido simbólico quanto na prática, a

preocupação moderna com o controle de doenças. Sua meta consiste na cura, no

prolongamento e/ou manutenção da vida (MENEZES, 2013, p. 415). Desde o surgimento

dessa modalidade de serviço, da especialização e habilitação de profissionais para prestar

assistência intensiva, apresentam-se diversos questionamentos, sejam em torno das

consequências de uma internação no setor para doentes e seus familiares, sejam referentes

às condições de trabalho da equipe de saúde (MENEZES, 2013, p. 416).

De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, UTI não é sinônimo de CTI

(Centro de Tratamento/Terapia Intensiva). Denomina-se Centro de Terapia Intensiva o

agrupamento, em uma mesma área física, de duas ou mais UTIs, incluindo-se, quando

existentes, as Unidades de Tratamento Semi-Intensivo (PORTARIA Nº 466, 1998).

1.3 Terapia Intensiva no Brasil

De acordo com o Ministério da Saúde brasileiro (1998), as UTIs são unidades

hospitalares destinadas ao atendimento de enfermos graves ou de risco11

, que dispõem de

10 http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012. 11 De acordo com RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, risco refere-se à combinação da probabilidade de

ocorrência de um dano e a gravidade de tal dano - http://brasilsus.com.br/legislacoes/rdc/102985-7.html.

Acesso em 19/09/2012.

A definição de risco em saúde pública pode ser separada em duas perspectivas principais: a primeira, vista

como um perigo para a saúde das populações que são expostas a riscos ambientais, como poluição, lixo

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assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos próprios,

recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas ao

diagnóstico e à terapêutica.

O funcionamento de uma UTI requer alguns requisitos operacionais básicos,

segundo o Ministério da Saúde brasileiro: toda unidade deve contar com, no mínimo, cinco

leitos; 24 horas por dia de acesso aos serviços de laboratório, hemodiálise12

, cirurgia, entre

outros; existência de uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), para

prevenção e controle de infecções hospitalares. Além destas características, é preciso

contar com um manual de rotinas de procedimentos13

médicos, de enfermagem, de

manutenção dos aparelhos, de biossegurança etc. (PORTARIA Nº 466, 1998).

A infraestrutura física deve obedecer a determinadas exigências, como: ser uma

área própria dentro do hospital, de acesso restrito, porém com acesso facilitado ao centro

cirúrgico (CC), unidades de emergência e outras unidades intensivas; o posto de

enfermagem deve estar instalado de forma a permitir completa observação dos leitos, seja

visualmente ou por meio eletrônico, obedecendo à relação de um posto para cada dez

leitos; as paredes devem ser constituídas de material transparente, a fim de permitir a visão

contínua e à distância dos enfermos e monitores; quartos de isolamento providos de

antecâmara e lavatório exclusivo para uso da equipe; iluminação de luz natural e

posicionamento de relógios, de maneira que possa ser observado pelo paciente internado;

nuclear e resíduos químicos tóxicos. Neste contexto, a ameaça para a saúde é considerada como um risco que

é externo, ao longo do qual o indivíduo tem pouco controle. A segunda abordagem concentra-se na

consequência das escolhas de vida feitas por indivíduos e, assim, coloca em ênfase o autocontrole. Nesse

sentido, é imposto internamente, em função da capacidade do indivíduo para gerir a si mesmo. Um terceiro uso menos comum do termo, refere-se a grupos sociais por não terem acesso suficiente aos serviços de saúde.

Neste caso, o risco refere-se à desvantagem social, que, dependendo da posição política, pode ser

representado como uma função de fatores externos, tal como renda, ou fatores internos, como a falta de

motivação, ou uma combinação de ambos. A estratégia de testes de diagnóstico tem sido adotada para lidar

com o risco na saúde, tanto externa quanto internamente imposta. A lógica do teste é que os padrões de risco

devem ser primeiramente determinados, para identificar aqueles que possuam o potencial para desenvolver

uma determinada condição patológica e, em seguida, tratada. Acredita-se que o exame diagnóstico possa

identificar a doença antes dos sintomas aparecerem, o que acarretaria em um tempo maior para tratar ou

prevenir a doença, ou alertar pessoas para o seu potencial de transmissão, tal como o HIV ou de uma doença

genética. Possuir um teste, de qualquer tipo, é conceituado como oferecer controle, uma maneira de “fazer

alguma coisa” na presença de um potencial de uma doença. A relação entre a definição do risco e da

estratégia de testes de diagnóstico é, portanto, sinergética: os indivíduos são estimulados a participar de um teste, pois eles são considerados em risco de desenvolver uma doença ou condição patológica e as estatísticas

produzidas servirão para apoiar ou reformular as avaliações dos padrões de risco na população (LUPTON,

D., 1995, p.77). 12 Processo de filtração do sangue, efetuado por aparelhagem. 13 Termo amplamente utilizado por equipes de saúde. Refere-se à retirada de sangue ou outras condutas,

como punção arterial, dissecção de veia profunda, intubação e colocação de prótese respiratória.

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redes de gás oxigênio e ar comprimido em todos os leitos (PORTARIA Nº 466, 1998). Por

último, é preciso uma equipe multiprofissional exclusiva e materiais e equipamentos

tecnológicos atendendo às quantificações exigidas na Portaria nº 466, 1998.

A UTI é um setor hospitalar que necessariamente deve contar com diferentes

categorias profissionais, como: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de

enfermagem, nutricionistas, residentes de diversas áreas, estagiários, faxineiros e outros

(MENEZES, 2006, p. 34). Assim como o hospital, esta unidade funciona 24 horas por dia,

sete dias por semana. Além destas características, trata-se de um setor que não existe fora

da instituição hospitalar. Para manter seu funcionamento adequado, a UTI necessita do

suporte de outros setores hospitalares.

O trabalho neste ambiente pressupõe a existência de uma equipe multiprofissional,

pois sem os cuidados especializados das distintas categorias profissionais não seria

possível seu desenvolvimento. Cada profissional tem uma tarefa específica, fundamental

para o funcionamento do setor. A unidade tem o objetivo de concentrar três componentes

críticos: os doentes mais graves, o equipamento técnico mais caro e sofisticado, a equipe

com conhecimento e experiência para cuidar desses pacientes e de lidar com essa

aparelhagem (MENEZES, 2006, p. 30).

Uma das principais características da moderna UTI é a preocupação com o domínio

da doença, a erradicação da morte de tempo incerto e o prolongamento da vida. Com seu

surgimento, a organização do hospital modificou-se: alguns tratamentos limitaram-se a esta

unidade, iniciando uma busca pela cura e pelo adiamento da morte, em muitos casos

(SEYMOUR, 2001, p. 10). Por ser um setor fechado e organizado de maneira a permitir

uma vigilância e controle permanentes dos pacientes internados, a UTI promove maior

segurança dos profissionais. Há um notável controle do tempo, com horários estabelecidos

para a realização dos banhos, administração dos medicamentos, realização de exames

complementares, visita dos familiares, descanso dos pacientes e da equipe etc.,

estabelecendo assim, uma rotina dentro do setor.

Para que um doente seja admitido na unidade é necessária avaliação pela equipe

médica, acerca de sua gravidade, por meio de um índice de prognóstico14

com a

classificação da severidade da enfermidade (RDC Nº 7, 2010). Na UTI Adulto esse índice

14 Previsão médica da evolução de uma doença.

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é denominado APACHE II15

(PORTARIA GM/MS Nº 3432, 1998). Sem essa análise, ele

poderá não ser internado no setor, por não possuir os critérios estipulados para tal.

Para o Ministério da Saúde brasileiro (2010), o termo rotina compreende:

“na descrição dos passos dados para a realização de uma atividade ou

operação, envolvendo, geralmente, mais de um agente. Favorece o planejamento

e racionalização da atividade, evitam improvisações, na medida em que definem

com antecedência os agentes que serão envolvidos, propiciando-lhes treinar

suas ações, desta forma eliminando ou minimizando os erros. Permite a

continuidade das ações desenvolvidas, além de fornecer subsídios para a

avaliação de cada uma em particular”.

A UTI é baseada nessa rotina, com a aquisição de informações pelo profissional

com a educação continuada em saúde (RDC Nº 7, 2010) para que o trabalho da equipe seja

sempre o mais próximo da perfeição, sem erros e, com isso, manter o controle do setor, a

estabilidade clínica e hemodinâmica do paciente internado.

Nesta prática é concedida prioridade aos enfermos mais graves, com maior risco de

vida, que são avaliados antes dos demais pela equipe. Essa primazia também é observada

na realização de exames complementares – sobretudo no caso daqueles de maior

complexidade, como a tomografia computadorizada (TC). Devido à prioridade concedida a

seus pacientes, além do fato de possuir os equipamentos mais sofisticados e complexos e

do nível de profissionalização e capacitação especializada de suas equipes, a UTI constrói

uma imagem de um setor essencial ao hospital, posicionado hierarquicamente acima dos

outros serviços. De acordo com Menezes (2006, p. 50), o setor é considerado por alguns

profissionais da UTI por ela observada como o “topo do hospital”, o “suprassumo”.

Essa hierarquia também ocorre com os profissionais atuantes neste ambiente e se

manifesta como um “poder” sobre os demais colegas de outros setores do hospital. O

intensivista é visto por seus pares como um profissional completo, que engloba outras

especialidades. A partir desta abrangência de qualificação, é possível usar o superlativo

“super” para designar o profissional da UTI: um “superespecialista”. A expertise do

intensivista é afirmada pela extensão de sua bagagem de saber, por sua habilidade e perícia

técnica no manejo da aparelhagem moderna, como também pela desvalorização do colega

de outra especialidade: um “leigo” (MENEZES, 2000, p. 32).

15 O escore APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evalution) é uma forma de avaliação e

classificação do índice de gravidade da doença, e tem como objetivo principal a descrição quantitativa do

grau de disfunção orgânica de pacientes gravemente enfermos, gravidade que é traduzida em valor numérico

a partir das alterações clínicas e laboratoriais existentes ou do tipo/número de procedimentos utilizados

(FREITAS, 2010, p. 22).

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As diferentes categorias profissionais que atuam na UTI explicitam a existência de

uma identidade, comum a todos que ali trabalham: a de intensivista – condição que

prevalece, em face de outra possível classificação, que possa ocorrer entre os componentes

da equipe da UTI.

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2. Metodologia de Pesquisa

Para desenvolver esta investigação, a metodologia qualitativa foi considerada a

mais adequada para atingir aos objetivos da pesquisa. Como método de coleta de dados, a

observação participante, a fim de apreender a gestão das emoções dos profissionais de

saúde da UTI. Inicialmente a ideia era utilizar, além da observação participante, entrevistas

com roteiro semiestruturado, como sugerido pela banca examinadora na qualificação do

projeto. Porém não foi possível realizar entrevistas, devido ao tempo prolongado da

aprovação do projeto pelo CEP, o que ocorreu somente em outubro de 2013. Como a

pesquisa já havia recebido autorização das chefias da UTI e da direção do hospital, as

observações foram empreendidas antes da liberação do parecer do CEP.

A importância da utilização da metodologia qualitativa reside na possibilidade de

“estudar o geral através do singular e estudar o singular na sua constituição histórica e

social, fazendo uma escavação no microcosmo para nele entrever o macrocosmo”

(PEREIRA, 1991, p. 117). Portanto, o objeto desse estudo não é o indivíduo em si, mas as

relações nas quais ele se encontra imerso: nas situações sociais das quais ele é, ao mesmo

tempo, produto e produtor. Nesse sentido, o exame das narrativas produzidas pelos sujeitos

consiste em uma forma de acesso às suas experiências (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999,

p. 19), em uma dialética entre o polo do evento e o polo da significação, entre sentido e

referência, entre a singularidade e a subjetividade da experiência e a objetividade e a

intersubjetividade da linguagem, das instituições e dos modelos legitimados socialmente

(ALVES; RABELO, 1999, p. 173).

Como primeira etapa da pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico

sobre a emergência das emoções na UTI16

. Há que se destacar que a maior parte da revisão

bibliográfica examinada sobre o tema é de autoria de profissionais da área de saúde, em

especial os de enfermagem. Não foi selecionado um recorte temporal na escolha dos

artigos, visto que o objetivo era justamente levantar o conjunto de estudos sobre o tema,

até os dias atuais. Para Víctora et al.(2000, p. 71), a análise de documentos é uma técnica

de coleta de dados que, apesar de não ser frequentemente aplicada na pesquisa qualitativa,

constitui importante fonte de informações.

16 Planilha com levantamento bibliográfico no apêndice I.

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A observação foi iniciada em fevereiro de 2013, após autorização oficial das

chefias do hospital e da unidade. As observações foram realizadas durante quatro meses,

totalizando 356 horas. Busquei estar presente em diferentes períodos do dia, de forma a

captar o ritmo de trabalho, inclusive em plantões noturnos, vivenciando diversas situações,

a fim de apreender a gestão das emoções destes profissionais. Como profissional da

unidade, permaneci trajando jaleco, assim como os demais colegas da equipe.

Alguns intensivistas questionaram a metodologia do estudo, por não contar com

números e gráficos, apenas com observação. Quando eles tomaram conhecimento do título,

comentaram: “Ah, muito legal!”. O diário de campo também foi objeto de curiosidade dos

colegas que, ao perceberem que anotava alguma situação, reagiram da seguinte forma: “A

Nathalia tá anotando tudo!”, eles pediam para ler o que estava escrito.

Cada tipo de metodologia traz consigo um conjunto de pressupostos sobre a

realidade, bem como um instrumental, composto por diversos conceitos (Víctora et al.

2000, p. 33). Segundo as mesmas autoras (Víctora et al. 2000, p. 54), o método etnográfico

possibilita ao investigador compreender as práticas culturais em um contexto social mais

amplo, estabelecendo as relações entre fenômenos específicos e determinada visão de

mundo.

Resgatar a perspectiva etnográfica e trazê-la para o âmbito da saúde coletiva é uma

estratégia de qualificação da pesquisa qualitativa na área. A etnografia é entendida aqui

não como simples técnica de coleta de dados, mas enquanto uma forma de olhar, apreender

e interpretar a realidade. Um dos desafios na área da saúde é sua inserção em campos

estruturados, hierarquizados e “privados”, como são os serviços de saúde e, em particular,

alguns espaços, como a UTI. O que é peculiar à antropologia não é apenas sua metodologia

de investigação, mas a maneira como concebe as relações entre social e individual, entre

natureza e cultura, entre universal e particular. A preocupação constante com o sentido e o

significado, com o contexto e a situação na qual se inserem os comportamentos, com as

particularidades de cada cultura ou grupo e com os determinantes sociais que se impõem a

este (KNAUTH, 2010, p. 110).

A observação participante se remete à tradição antropológica e envolve um triplo

trabalho de percepção, memorização e anotação (BEAUD; WEBER, 2007, p. 93). A

observação etnográfica constitui o método antropológico por excelência, na medida em que

possibilita ao pesquisador apreender lógicas que modulam – e são moduladas – por

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práticas sociais específicas. Para compreender os sentidos e significados de uma prática

social é imprescindível a inserção no universo nativo, com participação nos eventos do

contexto. No desenvolvimento deste tipo de trabalho, a sensibilidade e a subjetividade do

antropólogo encontram-se invariavelmente incluídas (GOMES; MENEZES, 2008, p. 2).

Portanto, implicar-se na pesquisa envolve, para o pesquisador, o duplo movimento de

identificação e estranhamento, transformando o “exótico em familiar” e o “familiar em

exótico” (DAMATTA, 1978). Assim, a tarefa primeira do antropólogo deve ser a busca

pelo progressivo distanciamento crítico de seus próprios valores (LERNIER, 2003, p. 27),

especialmente quando o universo pesquisado consiste em um campo conhecido.

2.1. Dupla Identidade da pesquisadora

Como fisioterapeuta da UTI do HUGG, além de ocupar uma posição de liderança

no setor, sou a profissional responsável por resolver questões burocráticas, de modo que

mantenho contato próximo com a direção do hospital. Por esse motivo, tenho fácil acesso

ao diretor. Como foi preciso autorização da instituição para desenvolver meu estudo,

procurei o diretor. Ele estava fora do Rio de Janeiro, em viagem. Tive então a oportunidade

de conversar com seu substituto eventual, o superintendente médico:

Pesquisadora: “Bom, gostaria de saber se poderia realizar a pesquisa do meu

mestrado aqui no hospital, na UTI. Trata-se da gestão das emoções dos

profissionais no cuidado de pacientes FTPC. Seriam observações e entrevistas

com os profissionais”.

Superintendente médico: “Você não está fazendo mestrado em fisioterapia?”

Pesquisadora: “Não, estou fazendo em Saúde Coletiva, no Fundão (UFRJ)”.

Superintendente Médico: “Claro que pode! Quando você for encaminhar ao CEP

e precisar de alguma declaração, me avise!”

Pesquisadora: “Ok! Muito obrigada!”.

Superintendente Médico: “Mais alguma coisa?”

Pesquisadora: “Não, só isso tudo!”

Superintendente Médico: “Qualquer coisa, estamos aqui!”

Pesquisadora: “Ok! Muito obrigada!”.

A partir da autorização da direção, procurei as chefias médica e de enfermagem,

para solicitar seus consentimentos. Na mesma semana consegui reunir as duas chefias,

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apresentei os objetivos do estudo e explicitei a intenção de desenvolver a pesquisa na UTI.

A reação foi de curiosidade em relação à metodologia, seguida de aceitação. Expliquei

como seria efetuada a coleta de dados – observação participante e entrevistas - e solicitei

que comunicassem às equipes, para que todos tomassem conhecimento de que eu passaria

a assumir dois papeis no setor: de fisioterapeuta e pesquisadora. A chefia médica logo se

prontificou a ajudar, caso necessário, afirmando que não haveria problema em relação à

minha investigação. Prometi enviar o projeto por e-mail.

Nesse contexto, passei a ter dupla identidade: de profissional de saúde integrante da

equipe da UTI e de pesquisadora. Tal posicionamento demandou maior capacidade de

reflexão e de autocrítica, tanto na observação como na elaboração desta dissertação. Neste

tipo de trabalho de campo trata-se de transformar o familiar em exótico (DAMATTA,

1978, p. 28). Como profissional de saúde e integrante da equipe da UTI do HUGG, o

desafio consistiu em despir a roupagem de membro de uma classe e/ou de um grupo social

específico, para estranhar regras previamente conhecidas e familiares. Somente deste modo

é possível descobrir o exótico presente em cada pessoa, pelos mecanismos de legitimação.

Tal condição conduz ao encontro com o outro e, ao mesmo tempo, ao estranhamento.

Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de uma

distância mínima que garanta ao investigador condições de objetividade em seu trabalho.

Afirma-se ser preciso que o pesquisador deva observar a realidade com “olhos imparciais”,

evitar envolvimentos que possam deformar ou distorcer seus julgamentos e conclusões.

Este movimento de relativizar as noções de distância e objetividade, se de um lado nos

torna mais modestos quanto à construção do nosso conhecimento em geral, por outro lado

permite-nos observar o familiar e estudá-lo sobre a impossibilidade de resultados

imparciais, neutros. Nesse nível, o estudo do familiar oferece vantagens em termos de

possibilidades de rever e enriquecer os resultados da pesquisa. O processo de estranhar o

familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo

emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a respeito de fatos e

situações (VELHO, 1978, p. 36).

Descrever o outro com presumida neutralidade, sem emitir valores pessoais nem

esclarecer o processo de intercâmbio de experiências entre pesquisador e nativos é assumir

a crença na objetividade do cientista. O que está em jogo durante a pesquisa é tanto a

contenção e o controle da expressão dos sentimentos do pesquisador no campo, quanto o

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uso de suas emoções na elaboração do texto (GOMES; MENEZES, 2008, p. 1). Como

profissional de saúde nesse ambiente hospitalar, a experiência tem servido como eficaz

garantia de autoridade etnográfica, uma presença participativa, um contato sensível com o

mundo a ser compreendido, uma relação de afinidade emocional com seus semelhantes, o

que é considerado por Clifford (2008, p. 36) como uma concretude de percepção.

Realizar a pesquisa etnográfica em um ambiente previamente conhecido, tanto no

sentido de ser uma profissional de saúde como por ser funcionária da instituição, foi uma

nova experiência, que acarretou uma abertura de horizontes e de percepções. Observar os

colegas sob a nova ótica gerou ricas reflexões sobre o trabalho em UTI.

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3. A Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário

Gaffrée e Guinle

A Unidade de Terapia Intensiva em que foi realizada a pesquisa está localizada no

Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), que pertence à Universidade Federal do

Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Situa-se na zona norte da cidade do rio de janeiro,

entre os bairros da Tijuca e Praça da Bandeira.

O HUGG foi fundado em 1929 por Cândido Gaffrée e Guilherme Guinle, com o

nome de Fundação Gaffrée e Guinle. Na época era o maior hospital da cidade, contando

com 320 leitos. Em 1966 foi incorporado à Escola de Medicina e Cirurgia. A partir de

1968 passou a ser denominado Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Na ocasião foi

realizada uma grande reforma para adaptação como um hospital-escola. Em 05 de junho de

1979 passou a integrar a Universidade do Rio de Janeiro, atual UNIRIO, passando a fazer

parte de seu Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS)17

. Atualmente o hospital

possui cerca de 200 leitos para internação e não oferece atendimento de emergência,

apenas ambulatorial.

3.1 Descrição do setor

No início do período de observação etnográfica a UTI do hospital estava em obras,

de modo que as primeiras observações foram realizadas em um espaço reduzido, com

menor número de leitos em relação ao habitual – antes com oito e na etapa com obras

apenas dois -, uma vez que profissionais e pacientes foram alocados na enfermaria de

Ortopedia, no primeiro andar do hospital. Pelo fato de contar com menor número de

pacientes internados, alguns profissionais da equipe de enfermagem foram remanejados

para atuar em outros setores.

O ambiente tinha formato retangular e não contava com divisórias entre os leitos

dos enfermos e a equipe. Havia uma porta na entrada, sempre fechada. Ao entrar era

17 http://www.unirio.br/imunoalerg/infraestrutura.html. Acesso em 27 de julho de 2013.

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possível visualizar todo o setor. À esquerda havia duas mesas, com os prontuários18

e

papéis. As gavetas eram utilizadas para armazenar as medicações dos pacientes. Em um

pequeno canto, ao lado das mesas havia um “carrinho de parada19

”, que foi improvisado

para preparação dos medicamentos. O espaço também contava com um armário, no qual

eram armazenados os soros.

À frente havia uma porta que dava acesso à única pia do local, utilizada para

lavagem das mãos. Este espaço contava com duas portas, uma de cada lado da pia: a da

esquerda, um local no qual os profissionais guardavam seus pertences. Já à direita havia

um vaso sanitário. Este local permanecia trancado com cadeado, para não ser utilizado.

Ao lado desta porta havia um sofá para a equipe e, ao lado estavam: o “carrinho de

parada”, um armário que apoiava o telefone, um carrinho com materiais como luvas, gazes,

álcool etc., uma bancada com uma televisão, outro carrinho que guardava a roupa de cama

e, no final, um ventilador mecânico extra.

Em frente a esse material havia dois leitos dos pacientes, sem divisórias, o que

possibilitava que os doentes conversassem quando isso era possível. Ao lado de um dos

leitos tinha um armário com mais materiais. Os leitos eram dispostos com a cabeceira para

a parede, e os pés dirigidos para os materiais encostados na parede em frente. Cada um

tinha uma mesa com o monitor de sinais vitais e uma cestinha com materiais para uso no

enfermo internado.

O ambiente contava com dois aparelhos de ar condicionados para refrigeração. A

equipe controlava a temperatura. A iluminação com lâmpadas fluorescentes era mantida

acesa, na maior parte do dia. À noite algumas luzes do setor eram apagadas para que os

enfermos pudessem dormir.

A permanência da UTI neste local foi de aproximadamente sete meses. Por se tratar

de um ambiente restrito, com poucos recursos para o funcionamento de uma unidade de

terapia intensiva, comportava somente dois doentes. Por esse motivo, uma parte da equipe

de enfermagem foi remanejada para outros setores, visto que a equipe da UTI é composta

para atender a oito pacientes graves – dois enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem. A

18 O prontuário médico, de fato, prontuário do paciente, é o conjunto de documentos padronizados, ordenados e concisos, destinados ao registro de todas as informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos

prestados ao enfermo. 19 O “carrinho de parada” é um armário com rodas, no qual são armazenados os materiais e medicações

utilizados para reverter em uma parada cardiorrespiratória (PCR) e vai exigir procedimentos de socorro

imediatos. Conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a nomenclatura mais apropriada é

Carrinho de Emergência, http://cientifico.cardiol.br/. Acesso em 22/05/2013.

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cada plantão um enfermeiro e três técnicos eram transferidos para as enfermarias,

escolhidos especialmente no caso de possuírem pacientes graves com demanda de

cuidados intensivos. O fato de a UTI funcionar com apenas dois leitos durante tanto tempo

impossibilitou a realização de diversas cirurgias, pois não havia condições para que os

pacientes permanecessem nas enfermarias no pós-operatório.

Com o término da obra, toda a equipe retornou para o terceiro andar do hospital, no

qual está localizada a UTI, em um ambiente reformado, com as paredes em tom de verde

claro, móveis nas cores bege e azul. Na entrada da UTI há uma grande porta de madeira

(mantida sempre aberta) e uma sala de espera para familiares dos internados na unidade,

com aproximadamente dez cadeiras, uma pia e uma janela, com visão para um jardim

interno do hospital.

Para entrar na UTI é preciso passar por uma porta “vai e vem” de plástico, que dá

acesso a um corredor, no qual há um banheiro para uso dos familiares; um espaço em que é

armazenado material, chamado de “arsenal”, que permanece trancado; além de armários

individuais, utilizados pelos funcionários para seus pertences. Ao lado do “arsenal” há

outra porta, semelhante à anterior, que dá acesso à UTI.

Ao passar pela porta de entrada da UTI há três portas à esquerda: a primeira, um

banheiro para os pacientes em condições de locomoção, ou o local no qual a equipe pega a

água para o banho no leito; a segunda, um expurgo20

; e a terceira, um leito de isolamento

respiratório21

. À direita, outro leito de isolamento respiratório. À frente há duas pias para

lavar as mãos, conectadas ao posto de enfermagem.

O posto de enfermagem tem formato retangular e é dividido em duas partes: uma na

qual os profissionais podem se sentar para escrever nos prontuários, composta por

bancadas, cadeiras, armários e gavetas utilizadas para armazenar materiais e roupas de

cama, com um telefone, um interfone, uma calculadora e um rádio. A outra é destinada à

realização de medicações dos pacientes, isolada por uma divisória com janelas de vidro e

duas portas pequenas “vai e vem” de madeira, para evitar a circulação de pessoas no local.

Também é composto por diversas gavetas e armários, uma extensa bancada e uma pia. Do

lado de fora, na outra extremidade, há mais duas pias para lavagem das mãos. De cada lado

do posto há um carrinho com materiais, como: luvas, gazes, esparadrapo, álcool etc.

20 Local em que são desprezadas as secreções dos pacientes, como urina, fezes e secreção traqueal. 21 Leito específico para pacientes com doenças transmissíveis pelo ar, como a tuberculose.

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O posto está situado em um nível superior do restante (um degrau acima), para que

seja possível ver o que ocorre em nos leitos, inclusive os de isolamento, através das janelas

de vidro. Há cinco leitos do lado esquerdo e sete do direito. Nem todos os leitos são ativos.

No momento apenas oito são utilizados: quatro do lado esquerdo, sendo um leito de

isolamento respiratório e quatro do lado direito. Trata-se de uma estrutura semelhante à do

Panóptico de Bentham (Foucault, 2004, p. 166): uma organização com máxima

visibilidade do ponto central, possibilitando controle e vigilância permanentes.

O leito inativo do lado esquerdo está localizado no fundo da UTI, junto a uma

máquina para digitalização e visualização de raio-x, uma televisão de LCD presa à parede,

uma pequena geladeira para armazenamento de medicações, um “carrinho de parada” e

um armário com materiais de fisioterapia. Em dois leitos inativos do lado direito, também

ao fundo do setor, encontram-se armários com materiais diversos para ventilação mecânica

e ventilação espontânea22

, soro para medicações, cadeira de rodas, balas de oxigênio para

realização de transporte de pacientes e bombas infusoras23

extras conectadas à rede

elétrica. O outro leito inativo é para isolamento respiratório, na entrada da UTI, onde estão

os ventiladores mecânicos e camas extras, além de um aparelho de ultrassom.

Os leitos estão dispostos com as cabeceiras encostadas nas paredes e os pés

voltados para o posto de enfermagem, separados por cortinas de correr presas ao teto. Na

cabeceira de cada um há uma janela (que não abre) e uma grande quantidade de aparelhos

(bombas infusoras, um ventilador mecânico, um monitor de sinais vitais preso à parede),

ao lado, uma mesa com gaveta e uma cestinha plástica contendo materiais de uso cotidiano

como sondas, gazes, luvas etc.

Atrás do posto de enfermagem há uma pequena sala com janelas de vidro,

denominada pelos profissionais de “aquário”, com uma mesa, computador e impressora,

dois sofás, um negatoscópio24

e um quadro de cortiça, no qual são afixados os pareceres

com pedido de vaga para internação na UTI, a folha de frequência dos acadêmicos de

medicina e avisos de congressos de terapia intensiva. Esta sala é utilizada pela equipe

médica para discussões dos casos dos pacientes internados, juntamente com a equipe de

fisioterapia e de enfermagem.

22 Modo normal de respiração. 23 Aparelho para a administração de medicamentos e alimentação. 24 Aparelho para a visualização de exames radiográficos (raios-x, tomografias).

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De cada lado do “aquário” estão os dois quartos de descanso das equipes: do lado

esquerdo, o da enfermagem e do direito, o dos médicos e fisioterapeutas. Em frente ao

quarto da enfermagem, colado ao “aquário”, há um armário onde ficam os prontuários dos

pacientes.

Seguindo pelo lado esquerdo do “aquário” há um corredor: na primeira porta à

esquerda encontra-se a copa, com uma geladeira, um micro-ondas, um filtro de água, uma

pia e armários, onde são realizadas as refeições e lanches pelos profissionais, logo em

seguida, também à esquerda, há duas janelas de vidro para a colocação das roupas sujas;

em frente às janelas está a mesa da funcionária administrativa com um computador e um

armário. No final do corredor, presa à parede, há uma máquina para a realização do exame

de gasometria arterial25

. Ao virar à direita existe um pequeno corredor, onde se localizam

os expurgos – limpo e sujo – para colocação de materiais que foram utilizados pelos

pacientes. À esquerda há uma porta de madeira (que permanece sempre trancada) que dá

acesso à roupa suja desprezada pelas janelas de vidro e outra porta que dá acesso à

enfermaria.

Ao entrar na UTI é possível perceber a baixa temperatura, produzida pelo ar

condicionado central; o ambiente é mantido sempre iluminado por lâmpadas fluorescentes;

as janelas são cobertas por filme, sempre fechadas (não é possível que sejam abertas; há

muitos ruídos, oriundos das vozes dos profissionais, dos aparelhos ligados, com seus

alarmes, do telefone do setor, dos celulares dos profissionais e do rádio ligado no posto de

enfermagem; os odores causados pela mistura de cheiros: materiais de limpeza, secreções e

medicações; e muitos dispensers de álcool gel presos às paredes do setor.

3.2 Rotina de trabalho da unidade

A UTI observada conta com um ambiente no qual circulam muitos profissionais:

médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas,

fonoaudiólogos, dentista, residentes, acadêmicos, funcionários da limpeza e funcionários

administrativos.

25 Exame que avalia a acidez (pH) e a pressão parcial do oxigênio e do gás carbônico no sangue.

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A equipe de enfermagem funciona pelo sistema de plantões: três para o turno do dia

e três para o noturno. A maioria das enfermeiras é do sexo feminino, há dois enfermeiros

no plantão noturno. Entre os técnicos há uma divisão mais equilibrada, entre o número de

homens e mulheres.

Na equipe de medicina há 14 médicos, cinco mulheres e nove homens. O mesmo

ocorre com a equipe de fisioterapia: são oito fisioterapeutas, quatro mulheres e quatro

homens.

Cada plantão, diurno ou noturno, conta com um médico plantonista, um

fisioterapeuta, dois enfermeiros, cinco técnicos de enfermagem e um funcionário da

limpeza. O plantão diurno conta ainda com dois residentes de fisioterapia (um do primeiro

ano e outro do segundo), acadêmicos de medicina (em geral quatro) e enfermagem

(geralmente dois), o médico, o fisioterapeuta e o enfermeiro da rotina, dois funcionários

administrativos, um técnico de enfermagem diarista, além de cirurgiões e nefrologistas26

que vêm ao setor avaliar os doentes internados. Geralmente os plantões diurnos são mais

movimentados do que os noturnos e os finais de semana. A dentista tem dias específicos de

trabalho: terça e sexta-feira. Os nutricionistas e fonoaudiólogos não pertencem

exclusivamente à equipe da UTI, eles atendem todo o hospital e só estão presentes no

período diurno.

A rotina diária se inicia às sete horas da manhã, com a “passagem de plantão” da

enfermagem, da medicina e da fisioterapia, que conta com informes detalhados dos

pacientes internados e termina às 19 horas com o mesmo processo, para a equipe que chega

para “render” a que está de plantão.

No turno da manhã, os enfermeiros e técnicos dão banho nos pacientes, que é

dividido com a equipe noturna, em que cada plantão realiza a higiene na metade dos

enfermos internados. O banho geralmente é feito no leito. Enquanto isso, os médicos

avaliam os pacientes, ajustam as medicações prescritas e determinam quais doentes irão de

alta para a enfermaria e quais serão internados na UTI. A equipe de fisioterapia efetua seu

atendimento com ajustes na ventilação mecânica e atividade motora, como sentar e

caminhar. As equipes de nutrição, fonoaudiologia, cirurgia e nefrologia passam pelo setor

para avaliação dos enfermos. Os funcionários administrativos repõem os materiais nos

leitos, além de verificar se a equipe necessita de algum medicamento ou insumo que o

26 Especialidade referente ao funcionamento dos rins.

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setor não possui. A responsável pela limpeza esvazia as lixeiras e se certifica da limpeza da

unidade.

À tarde, geralmente as modificações já foram realizadas nos doentes e as equipes

aguardam as internações que procedem do centro cirúrgico e transferem os pacientes que

estão de alta para a enfermaria. Os funcionários administrativos, o médico, fisioterapeuta e

enfermeiro da rotina não permanecem no setor, visto que seu horário de trabalho é

concluído no horário de almoço. Assim, nesse período há menor circulação de pessoas no

setor. Quando não há qualquer intercorrência, os intensivistas conversam, assistem

televisão, lancham.

Às 14 horas ocorre a visita dos familiares aos doentes internados, com duração de

uma hora. A visita é liberada pela enfermeira do plantão e é realizada por um familiar de

cada vez. Todos os familiares são orientados a lavar as mãos antes e após o contato com o

doente. Há ainda mais um horário de visita, às 19:30 horas, com duração de 30 minutos.

Ao se aproximar do término do plantão, a equipe de enfermagem se organiza para

“passar o plantão”: troca as fraldas e reposiciona os doentes nos leitos, realizam as

medicações do horário, anotam as evoluções nos prontuários e aguardam os colegas. Os

fisioterapeutas reavaliam os pacientes para verificar a necessidade de ajustes nos

parâmetros da ventilação mecânica ou aspirar a secreção traqueal. Às 19 horas ocorre

novamente a troca de plantão de todas as equipes e a rotina recomeça.

O perfil dos pacientes internados é variado: jovens e idosos, homens e mulheres,

brancos, negros e pardos (não há diferença significativa entre as categorias), de baixa

renda, geralmente estão internados para acompanhamento pós-operatório de cirurgias de

retirada de tumor (câncer), complicações de doentes com HIV27

ou descompensação de

doenças crônicas como, por exemplo, DPOC28

.

A seguir são apresentadas situações observadas na UTI do HUGG, com o objetivo

de analisar as interações e a gestão das emoções dos atores sociais envolvidos.

27 Sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS. 28 Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Obstrução fixa ao fluxo aéreo ou enfisema.

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4. Situações observadas

4.1. A “hóspede” Alice

Alice29

, uma das doentes internadas, já era conhecida por alguns da equipe, por suas

internações anteriores. Ela estava conosco desde que a UTI entrou em obras e permaneceu

internada durante todo o processo. Então, além de apenas dois leitos, um deles não tinha

rotatividade, pois foi ocupado pela mesma paciente, Alice. Tal condição permitiu maior

proximidade entre equipe e a doente, em comparação com outros pacientes, que estavam

no leito ao lado.

Durante os últimos três meses na Ortopedia, os dois pacientes foram sempre os

mesmos: Alice e Paulo, o que fez com que eles desenvolvessem uma “amizade”. Eles

perguntavam um pelo outro, cumprimentavam-se, questionavam o que estava acontecendo.

Como o local era pequeno e com poucos pacientes, os profissionais estavam mais

próximos dos enfermos, comparativamente ao modo cotidiano de funcionamento e de

relacionamento na UTI.

À época, a equipe relatou que eles não eram pacientes, mas hóspedes, por estarem

há certo tempo internados e, por não serem doentes em condição de gravidade extrema,

que precisavam apenas de cuidados que não poderiam ser realizados na enfermaria. Eles

permaneciam acordados, com suas funções vitais estáveis, dependendo de ventilação

mecânica. Esse fato mobilizava a equipe, que expressava de distintas formas: medo de

morrer e da possibilidade de alta para a enfermaria, pois os profissionais da UTI

consideravam que a equipe da enfermaria não seria capaz de cuidar bem deles. Os

intensivistas faziam as vontades destes pacientes: escolha do horário para o banho, de

sentar, do atendimento pela fisioterapia; compravam refrigerantes para Alice, levavam

bolos e doces feitos em casa; além de outras coisas.

Alice, 60 anos, negra, portadora de DPOC e hipertensão pulmonar30

. Em sua

terceira internação nos últimos três anos, e nesta última ficou dependente da ventilação

29 Nome fictício, como todos os mencionados, com o objetivo de garantir sigilo das identidades. 30 Elevação acima dos níveis normais da pressão sanguínea na pequena circulação ou circulação pulmonar (designação dada à

parte da circulação sanguínea na qual o sangue é bombeado para os pulmões e retorna rico em oxigênio de

volta ao coração. Em síntese, é uma circulação coração-pulmão-coração).

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mecânica. Enferma ativa, sentava-se fora do leito, andava pelos corredores do hospital,

comia por via oral, conversava mesmo sem a possibilidade de emissão de som, pois era

traqueostomizada31

. Em frente ao seu leito havia uma televisão, doada por uma médica da

UTI.

Alice foi internada na unidade assim que a UTI entrou em obras, em setembro de

2012, e prontamente foi intubada32

, em decorrência da insuficiência respiratória33

que

sofria. Não demorou muito tempo para que a equipe de saúde realizasse uma

traqueostomia, para facilitar o desmame34

da ventilação mecânica. Ela permaneceu na UTI

durante todo o período em que ficamos na enfermaria da Ortopedia, com apenas dois

leitos. Um leito era o dela, o que impossibilitava a internação de outros doentes, já que se

tratava de uma paciente sem condições clínicas de transferência para uma enfermaria. Por

se tratar de uma doente crônica, que necessitava de ventilação mecânica e de alguns

cuidados intensivos, seu caso passou a não ser mais discutido pela equipe, que questionava

o desmame e a ocorrência de alguma alteração, como febre. Durante a maior parte do

tempo de sua internação ela se encontrava acordada e cooperava com as demandas dos

profissionais. Muitas vezes ela “mandava”: por exemplo, ela determinava o horário em que

desejava tomar banho, dizia que queria tomar café antes de ser atendida pela fisioterapia,

escolhia o horário para sentar na cadeira, não queria ficar com a monitorização, etc. A

equipe geralmente acatava seus pedidos.

No atendimento a Alice os profissionais usualmente se mostravam animados,

sorriam, brincavam, faziam palhaçadas, conversavam sobre assuntos transmitidos pela

televisão. O acordar da paciente mobilizava o setor. Todos iam até seu leito para desejar

um bom dia a Alice.

Profissionais da unidade compravam refrigerante, doces, salgadinhos, geralmente a

pedido da doente, além de cortarem seu cabelo. A equipe permitia que ela trajasse sempre

uma camisola do hospital, que não é comumente usada pelos pacientes da UTI, somente

das enfermarias. Os intensivistas controlavam os programas de televisão que ela poderia

assistir: quando ocorriam desastres, tragédias, como o incêndio da boate Kiss, em Santa

31 Procedimento cirúrgico pelo qual é produzido um orifício na região anterior do pescoço, para permitir a entrada de ar na traqueia. 32 Colocação e fixação de um tubo dentro da traqueia do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão), para

que o ventilador mecânico seja conectado. 33 Condição clinica na qual os pulmões não conseguem desempenhar adequadamente sua principal função, a

troca gasosa, o que significa que a captação de oxigênio e liberação de CO2 estão prejudicadas. 34 Processo gradual de retirada de aparelhagem para ventilação artificial (VM).

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Maria (RS), a televisão era desligada ou o canal era alterado, sob a alegação de que não

seria a melhor opção para ela naquele momento.

A equipe de fisioterapia se mobilizava, ao perceber que Alice estava mais “pra

baixo” e triste. Algum fisioterapeuta então a levava para caminhar fora do setor, pelos

corredores do hospital e estacionamento. Como a enfermaria da Ortopedia está localizada

no primeiro andar, era fácil levá-la para andar ao ar livre e ver o dia fora da UTI. A

paciente relatava se sentir bem, ao ir ver o sol ou a chuva. No entanto, por se tratar de uma

doente acamada, sentia dores e cansaço ao caminhar. Alguns fisioterapeutas brigavam com

ela, para a realização de certos procedimentos, como aspiração traqueal35

. Eles alegavam

que ela poderia se machucar e que não havia necessidade dela própria se aspirar, pois o

setor contava com muitos profissionais para ajudá-la.

Ela aprendeu a realizar determinados procedimentos, por sempre estar atenta aos

cuidados com ela e com outros pacientes. Por esse motivo, ela sabia se tal conduta estava

correta ou não, e o que seria melhor ou mais confortável. Como ela sempre observava a

rotina do setor, sabia o que acontecia, quem morria, quem ia de alta, quais profissionais

faltavam ao plantão, quem estava de férias etc. Assim, ocorreu um envolvimento dela com

toda a equipe, além dos intensivistas: com as copeiras que levavam sua comida, os técnicos

do laboratório que iam colher material para exames de outros doentes internados (já que

ela não necessitava de exames todos os dias) e os técnicos da radiologia. Algumas

situações provocavam risos, como quando ela observava um paciente levantar da cama e

tentar caminhar com dificuldade, ela expressou: “eu já passei por isso, dói muito e dá

muito medo!”.

Pelo tempo de internação na unidade e pela observação do dia-a-dia, desenvolveu-

se um vínculo da equipe com Alice. Os profissionais tinham grande preocupação com ela,

estavam sempre alerta para atender aos seus pedidos, faziam algumas vontades, além de

expressarem preocupação em relação à alta da UTI e ida para casa. Os intensivistas

comentavam:

“Não consigo parar de pensar que a Dona Alice vai morrer. Prefiro não

saber!”, disse uma enfermeira.

Presenciei o diálogo entre Alice e uma técnica de enfermagem. A paciente chorava.

Quando me aproximei para questionar o que estava acontecendo, Alice disse que não era

35 Retirada passiva das secreções por sonda, conectada a um sistema de vácuo.

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nada demais, só estava triste. Insisti para que dissesse o que havia, mas ela não falou.

Quando me afastei, ela continuou a conversar com a técnica e chorar. Pouco depois a

técnica veio conversar comigo e relatou que a Alice estava triste, devido ao desligamento

de uma técnica de enfermagem, pois declarou que iria sentir saudades. Percebi que os

técnicos de enfermagem mantêm um contato mais próximo com os pacientes, em

comparação com a equipe médica e de fisioterapia, devido aos cuidados que realizam,

como banho, troca de fraldas, medicações, alimentação. Em decorrência deste

envolvimento com Alice, sua filha Joana tinha prioridade no setor, sendo permitido um

tempo maior do que o habitual de permanência durante a visita. Ela podia deixar alguns

pertences da Alice no leito, como escova para cabelos e dentes, perfume, hidratante,

óculos, espelho, comida, tudo a pedido da própria doente. Mesmo que ela chegasse

atrasada para o horário da visita, era concedida a liberdade de visitar sua mãe, sem que a

equipe reclamasse. Essa atitude só era permitida para a filha da Alice, jamais para

familiares de outros doentes.

Na inauguração da UTI após a obra, houve um momento de descontração para esta

paciente. A equipe de fisioterapia a levou para a nova unidade caminhando e, ao chegar na

porta da UTI, brincadeiras foram feitas com a doente:

“Vai para casa nova!”, disse uma enfermeira.

“Corta a fitinha de inauguração, Dona Alice!”, disse uma fisioterapeuta.

Após algumas semanas internadas na “nova UTI”, Joana procurou-me para

conversar sobre a ideia de levar sua mãe para casa. Ela perguntou sobre a maneira de

conseguir um home care36

pelo SUS e questionou se seria muito difícil. Disse a ela que

seria um longo processo judicial, mas que seria possível. Comentei então que conversaria

com o médico da rotina para saber quais procedimentos seriam necessários para iniciar o

processo, pois ela só teria condições de ir para casa com toda a aparelhagem, para suprir

suas necessidades físicas. Conversei com o médico da rotina sobre a possibilidade de dar

alta para Alice. Afirmei que era o momento de pensarmos mais nela do que em nós –

intensivistas -, de pensar no emocional da paciente e não nas condutas traçadas para ela.

Reiterei minha opinião, de que ela não teria condições de ir de alta, pela necessidade de

36 Também conhecido como assistência domiciliar. É uma modalidade continuada de prestação de serviços na

área da saúde, que visa à continuidade do tratamento hospitalar no domicílio. É realizado por equipe

multidisciplinar.

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ventilação mecânica e de cuidados intensivos, mas que a doente precisava permanecer

próxima da família e, quem sabe, assim ela teria “melhor qualidade de vida”. Ele

concordou e disse que é o momento de pensar nos sentimentos de Alice e disse que iria

conversar com a filha, para resolver a situação burocrática. Ele conversou com Joana e

decidiram iniciar o processo para solicitação do home care.

Ao terminar o período de observação, Alice ainda permanecia internada na unidade.

Como logo após o término da coleta de dados entrei de férias, não acompanhei o processo.

No final do mês de maio, ainda de férias, recebi uma mensagem de texto de uma

residente de fisioterapia, que dizia que a Alice tinha ido de alta para a enfermaria e que

todos estavam muito contentes com a situação, sobretudo a enferma. Aguardavam o

julgamento do processo para o home care.

A situação da Alice é análoga ao caso descrito por Menezes (2006, p. 85), sobre o

envolvimento de uma profissional com um paciente, em que uma enfermeira diz em

entrevista: “As minhas barreiras não foram suficientes e acabei levando o Carlos pra

minha casa. Aí eu chegava em casa e o meu marido perguntava: como é que foi o Carlos

hoje? Eu trouxe a minha filha pra conhecer o Carlos. Sabe, Carlos, essa aqui é minha

filha. E lembro da cara dele direitinho, do sorriso que ele dava, um sorriso sem dente. Ele

conheceu minha filha e eu conheci a esposa dele, as filhas, os filhos, os problemas,

tudinho. Eu me envolvi de tal jeito. E ele ficou no CTI durante tanto tempo que ninguém

aguentava mais o Carlos, ninguém queria prestar assistência ao Carlos. E me envolvi

tanto com ele que, mesmo eu sendo enfermeira plantonista, eu ia prestar assistência direta

a ele”. Outra situação semelhante é mencionada por Bonet (2004, p. 106), ao se referir a

um residente de medicina que se preocupava com o bem-estar do paciente de tal modo,

para além do cuidado estritamente médico. Ele havia dado alta para casa para o enfermo,

que apenas aguardava o resultado da biópsia. O residente considerou que o paciente estaria

melhor em casa do que no hospital (sua preocupação era pelo doente e não pelos custos

hospitalares). Dias depois ele comentou: “Dei-lhe alta até que saísse a biópsia, e chamou

a irmã (dele) porque sentia dores (...) disse a ela: ‘é bom trazê-lo porque a cama 28, na

qual ele estava, está desocupada’; mas, quando saiu, estava muito magro (...) voltou a se

internar. Na segunda, à noite, estava em minha casa, vendo televisão; liguei para saber

como estava, e me disseram que havia morrido”. No dia seguinte o residente comentou

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que foi ao enterro do doente, situação inusitada, em se tratando de estudante de medicina

ou de médico.

***

Enquanto a UTI estava em obras e havia apenas dois leitos em funcionamento, uma

doente do sexo feminino, 33 anos, negra, estava internada na enfermaria de ginecologia,

em acompanhamento pós-operatório, de histerectomia37

. A paciente estava grávida de seu

quinto filho, porém ele havia morrido. O parto foi induzido para a retirada do feto. Durante

a indução houve uma ruptura uterina e grande sangramento, o que provocou a decisão

médica de retirada do útero. A doente foi intubada e levada para a enfermaria em estado

grave, já que não havia leito vago na UTI. O médico do plantão geral pediu auxílio ao

médico plantonista da UTI, para dar assistência à enferma. Toda a equipe intensivista foi

mobilizada – médico, fisioterapeuta, enfermeira – e surgiram questionamentos sobre o

caso: “a paciente é muito nova, já tem quatro filhos, por que tantos filhos?”, “por que não

fizeram uma cesárea na paciente, já que era um feto morto?”. O médico explicou à equipe

que, geralmente, nesses casos não é feita a cesárea, para que a doente não fique com uma

cicatriz e não traga recordações daquele momento, por se tratar de um feto morto, além de

se tratar de um hospital público, caso tivesse sido na rede privada, talvez fizessem a

cirurgia. Importante ressaltar que naquele momento não havia apenas esta paciente grave

nas enfermarias, mas foi a que provocou mobilização da equipe da UTI. Todo o cuidado

possível foi fornecido à paciente: transfusão sanguínea, exames laboratoriais, hemodiálise,

retorno ao centro cirúrgico para lavagem da cavidade abdominal, pois ainda havia

sangramento. Todos os procedimentos foram conduzidos pela equipe da UTI, e não das

enfermarias. No início do plantão, ao ser “passado o caso” para o médico intensivista, foi

cogitada a ideia de dar alta para Alice, que estava internada há mais de cem dias na

unidade, mas ainda necessitava de cuidados intensivos, como a ventilação mecânica. A alta

não foi dada na ocasião, e a paciente jovem foi transferida para um hospital de referência

obstétrica dois dias depois.

Esse episódio evidencia a mobilização dos intensivistas, em relação a pacientes

jovens, principalmente ao cogitar a possibilidade de alta da UTI para uma enferma idosa,

mesmo sem condições clínicas de permanecer em enfermaria. Como afirma Lasagna

37 Cirurgia para extração do útero.

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(1982, p. 83), o comportamento do profissional de saúde, em relação ao doente grave, é

influenciado pelo próprio paciente e sua doença. Um dos principais determinantes desse

comportamento é a idade: quanto mais jovem for o enfermo, maior o entusiasmo da

equipe. Casos semelhantes foram descritos por Menezes (2006, p. 68): um residente de

medicina, angustiado, com a solicitação de uma vaga de UTI para um jovem de 16 anos

diz: “Bem que podia acontecer uma desgraça com o senhor do leito 4. Ele podia ter uma

acidose38

daquelas que a gente não consegue controlar e... Seria uma desgraça para ele e

um bem para esse garoto que precisa da vaga”. O paciente do leito 4 tinha 50 anos. Outra

situação observada por Menezes (2005, p. 210): uma médica se referiu a um doente com

AIDS que tinha apresentado piora clínica, afirmando: “não vamos desistir deste doente:

ele é jovem, está reagindo e pode ser salvo”. O valor da juventude é geralmente reiterado

por profissionais de UTIs.

4.2. “De volta para casa”

Com o término das obras e o retorno à UTI, a rotina foi reestabelecida e os

pacientes graves e instáveis que estavam nas enfermarias foram internados no setor. Com

isso, uma unidade que funcionava com apenas dois leitos, passou a trabalhar com oito.

Assim, a movimentação de pessoas aumentou, pois não havia mais necessidade de

remanejamentos de membros da equipe de enfermagem. Um médico comentou que não

aguentava “essa bagunça” e o fato de ser chamado em muitos momentos. Por esta razão,

afirmava precisar de “dar uma respirada lá fora” e descia até a cantina do hospital para

tomar um café. Alguns médicos e técnicos de enfermagem disseram que não queriam ter

retornado para a UTI, pois agora teriam mais trabalho, pois o número de pacientes

aumentou, em comparação com o período em que estavam na enfermaria da Ortopedia.

Alguns fisioterapeutas e médicos declaravam felicidade, por estarem de “volta pra casa”.

Ao atenderem um paciente que havia sido internado no setor, as residentes de

fisioterapia permaneceram além de seus horários, para avaliação e atendimento do

enfermo. Elas comentaram então que estavam nervosas, por não realizar um atendimento

de um paciente grave há muito tempo e, ao mesmo tempo, estavam animadas com a

38 É a diminuição do pH de todo o organismo, tornando-o ácido devido à baixa concentração

de bicarbonato no sangue.

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situação. Esse sentimento de “animação”, tanto pelo fato de estar novamente no “ambiente

próprio”, em um local conhecido e “dominado” pelos profissionais do setor, como pela

possibilidade de cuidar de pacientes graves e instáveis, que não estavam internados na

enfermaria da Ortopedia (pois eram apenas dois pacientes crônicos, porém estáveis) foi

comentado diversas vezes, ao longo da semana.

Somente a funcionária administrativa não demonstrou a mesma “euforia”, pois ela

começou a trabalhar com a equipe intensivista quando a UTI ainda estava em obras.

Assim, ela não pôde presenciar situações com intercorrências com os pacientes. Portanto,

ao retornar ao setor, ela ficou espantada com a “confusão” durante a internação de um

doente grave. Sua atitude não demorou para se modificar, após cerca de três ou quatro dias,

quando a funcionária não se assustou mais com a rotina.

Durante a intubação de uma paciente, de 90 anos, portadora de doença pulmonar

crônica, o médico, a fisioterapeuta e a enfermeira realizavam o procedimento e todos os

técnicos de enfermagem observavam a intercorrência, com “olhar triste”, cabisbaixo. Um

técnico questionou-me se a paciente teria chances de sair da UTI e digo a ele que

provavelmente não, por se tratar de uma doente muito grave, com doença e idade

avançadas, o que interfere no desmame da ventilação mecânica. Ele pergunta se não seria

melhor pedir autorização para a realização de traqueostomia precoce (procedimento que

usualmente é efetuado após aproximadamente 12 dias de tubo orotraqueal39

). Respondi que

sim, pois poderia facilitar a retirada da ventilação mecânica. Essa situação chamou minha

atenção, pois o “olhar triste” e “com pena” dos profissionais de saúde é raramente visível,

em se tratando de intubação de paciente. Geralmente esses eventos são realizados com

rapidez, com restrito espaço para expressão de emoções. A paciente morreu nesta mesma

noite.

Ocorreram situações que despertaram uma mobilização na equipe intensivista,

como no caso em que pacientes internados necessitam de intervenções cirúrgicas, o que

podia agravar seu quadro clínico, quando enfermos acordados e lúcidos necessitam de

auxílio para comer, mudar de posição no leito, etc.; quando não há melhora do paciente e a

morte ocorre, de forma não esperada – para os intensivistas. Situações como estas podem

provocar uma expressão de desconforto, da parte dos profissionais, que desabafam com

seus colegas. Em certa ocasião, ao chegar no plantão, um técnico de enfermagem 39 Intubação orotraqueal (IOT), consiste na colocação e fixação de um tubo (tubo orotraqueal) dentro da

traqueia do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão) para que o ventilador mecânico seja conectado.

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comentou com a enfermeira que não queria cuidar de determinado enfermo, por estar

muito próximo dele, pois no último plantão conversou com ele e tomou conhecimento de

certos dados sobre sua vida fora do hospital. O desejo do profissional foi expresso então:

quer que o paciente saia da UTI bem e, caso morra, sabe que sofrerá muito. Essa situação é

semelhante ao que Menezes (2005, p. 209) descreveu, quando uma enfermeira se referiu à

possibilidade de envolvimento emocional: “Quando eu vejo que a barreira está

diminuindo, levanto ela de novo: eu fujo”.

Esta declaração reflete o que Rabin e Rabin (1982, p. 179) referem, em relação à

forma de lidar com a morte. Não importa qual o tipo de relação existente entre profissional

e paciente, em geral, o intensivista apresenta dificuldades de aceitar a morte. De acordo

com Herzlich (1993, p. 10), o ocultamento da morte visa proteger a vida hospitalar, evitar a

angústia dos profissionais, o que não significa proteger o doente do sofrimento, no final de

sua vida. A angústia ou culpa de um profissional de saúde pode perturbar sua capacidade

de tomar decisões com objetividade. Cada profissional encontra sua própria maneira de

lidar com o sofrimento e com a morte de um paciente. Foram observadas duas formas de

gestão das emoções: uma atitude aparentemente impessoal, na relação com o paciente ou a

evitação de contato com o doente.

Para Deslandes (2002, p. 140) a postura forjada pelo profissional no cotidiano pode

se apresentar de dois modos: ficar insensível, diante da recorrência de tantas situações

semelhantes, ou ter a concreta necessidade de se acostumar, para não sofrer a cada novo

episódio. Entre a “frieza humana” da falta de solidariedade, e a “frieza profissional”

necessária para atuar, muitos desenvolvem uma “comoção seletiva”, o que permite ao

profissional se emocionar somente diante de algum tipo específico de situação ou de

doente, como crianças e jovens. De acordo com Menezes (2004, p. 170), a morte de

crianças e adolescentes, invertendo a sequência natural dos acontecimentos, é, na

sociedade ocidental contemporânea, particularmente triste, tendo em vista a valorização

desta faixa etária, constituindo o principal critério de “morte injusta”, que é especialmente

valorizada pela equipe, ao se tratar de uma situação familiar socialmente valorizada, como,

por exemplo, uma jovem mãe com bebê ou filhos pequenos. A mobilização emocional dos

intensivistas é consideravelmente maior quanto mais jovem for o enfermo (MENEZES,

2006, p. 69).

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Bonet (2004, p. 106) menciona a fala de um residente de medicina, que expressa

esta “frieza profissional”: “à medida que passa o tempo, ‘cada vez mais você se torna

pior’. No princípio, quando morre um paciente seu, você chora; depois vai passando”.

Menezes (2001, p. 128) refere que esse distanciamento do drama vivido pelo doente e por

seus familiares faz parte da prática voltada ao “cuidado competente”, uma forma específica

de organização do tempo do profissional.

O tempo é um dos aspectos a serem levados em conta, na gestão das emoções do

profissional de saúde. Quando o intensivista “se envolve” com o drama vivido pelo

enfermo, ele passa a dedicar um tempo maior do que o “adequado”. Tal aspecto se

apresenta particularmente neste setor, pelo fato de se tratar de um ambiente que lida com

situações críticas, no limiar da vida e da morte, passíveis de extrema mobilização para os

profissionais. Essa aproximação do enfermo foi descrita por Menezes (2006, p. 85), em

uma situação em que um médico, ao “receber o plantão” e ouvir o relato do caso de um

menino de 11 anos com o mesmo nome de seu filho, reagiu: “Deus me livre, que caso

grave, e tem o mesmo nome do meu filho”. Essa identificação influenciou a tomada de

decisão de alterar a medicação: “Diminui o Fentanil40

para 50 por hora, para o menino

não chorar. Assim o pai não fica estressado, nem a gente, Deus me livre”.

Na UTI, a tecnologia dura – descrita por Merhy (1999) como referida aos

equipamentos, insumos, protocolos – associada aos riscos de vida, pela instabilidade crítica

da saúde dos pacientes, pode ser usada como justificativa para reduzir o processo de escuta

do outro. Entretanto, a tecnologia leve – das relações entre os sujeitos, o diálogo ativo, a

escuta atenta – não deveria ser desconsiderada, ao contrário, pode e deve existir

permeabilidade entre elas, sabendo-se que é a tecnologia leve que move as relações,

inclusive com equipamentos e suas leituras. Em ambiente intensivista, somente a

tecnologia não é capaz de responder às múltiplas variáveis que emergem das situações. Se

não houver articulação que favoreça o cruzamento da tecnologia dura ao projeto de

cuidado como reconhecimento da condição de sujeito, não construímos sujeitos, e não

cuidamos de sujeitos, mas apenas mantemos “estabilizados” corpos acoplados e

sustentados pela tecnologia dura (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 695).

Para alguns membros da equipe, lidar com emoções é “perda de tempo”. O trabalho

voltado às funções dos órgãos, às medidas, procedimentos técnicos e terapêuticos, é mais

40 Potente analgésico utilizado contra a dor.

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valorizado do que o contato com sentimentos. Lidar com emoções dos pacientes pode

demandar um tempo e uma mobilização afetiva dos profissionais, que passam a ser

consideradas “interferências” ao bom andamento do trabalho. A delegação dos encargos da

morte à equipe deste setor hospitalar não fornece ao profissional os meios de elaboração do

contato com o sofrimento. Assim, apresenta-se um ônus. As equipes da UTI são formadas

de modo a se posicionarem a uma distância “adequada” do doente e de seu sofrimento. O

profissional não deve estar tão próximo, de modo a propiciar uma identificação com o

drama vivido nem tão distante, o que pode impedir um mínimo de contato necessário ao

desenvolvimento de uma interação entre médico e paciente (MENEZES, 2005, p.210).

Os profissionais de saúde são diariamente confrontados ao sofrimento alheio e

devem reprimir uma forte tendência à empatia com a situação dos doentes para não se

emocionarem. Um quadro de referências, parte integrante de seu ofício que, entretanto não

exclui o sentimento de proximidade ou de compaixão, indica aos profissionais a justa

medida da distância afetiva. Ele permite o reconhecimento do outro ao mesmo tempo em

que impede o absorvimento por suas aflições. A prática de alguns ofícios exige um sólido

autocontrole para que o profissional não se deixe levar pelo sofrimento do outro e

mantenha, até o fim, a atitude adequada, tampouco caindo na indiferença ou na rotina. São

ocupações que exigem uma aptidão ao trabalho emocional, o controle da afetividade

pessoal nos momentos em que o sujeito deve se esforçar para suscitar e manifestamente

ouvir a reclamação ou o pedido do outro, enviando-lhe uma imagem positiva (LE

BRETON, 2009, P. 145).

De acordo com Menezes (2006, p. 85), o envolvimento do profissional com o

doente e seu sofrimento, além de certo limite, é percebido como uma dissolução dos

limites necessários à atitude ideal, uma ameaça à sua atuação técnica. Nesse sentido, os

mecanismos de gestão das emoções são cruciais para garantir a eficiência do trabalho.

Assim, muitas vezes os profissionais procuram se distanciar dos pacientes para não

despertar as emoções que possam emergir no contato com eles.

Na rotina institucional do hospital moderno há restrito espaço para emoções –

sejam as da equipe, dos doentes e/ou dos familiares. Esta restrição de espaço para a

expressão de sentimentos é um sintoma das sociedades contemporâneas, nas quais

frequentemente as pessoas constroem uma autoimagem de mônadas isoladas, o “homo

clausus” (ELIAS, 2001, p. 63).

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De acordo com Rezende e Coelho (2010, p. 98), a expressão dos sentimentos, na

etnopsicologia ocidental moderna, é considerada como um domínio sujeito às regras

sociais que regulam quando, como e para quem manifestar emoções. Em contrapartida, o

sentimento seria uma reação da ordem do natural ou mesmo biológico, que pode ser

diferenciada das normas sociais. Seria, portanto, um fenômeno ao mesmo tempo

individual, no sentido de particular de cada um, e comum a todos os seres humanos.

Fundamental nessa visão é a concepção de que a pessoa possui uma dimensão interna e

privada, que se distingue de sua apresentação pública. As emoções localizam-se assim

nessa interioridade e surge a ideia de uma distinção entre o sentimento sentido e o

sentimento expresso. O que é sentido e pensado no privado é verdadeiro enquanto o que é

apresentado em público pode ser falso. Cria-se, portanto, uma tensão entre sentir e

expressar. Por sua vez, como afirma Sennett (1988), as expressões autênticas dessa

interioridade são valorizadas, principalmente quando acontecem em público.

A emoção expressa pode estar em dissintonia com o sentir já que o indivíduo não

deseja expor-se e pretende responder aos seus companheiros por intermédio de uma série

de sinais que exprimem outra situação. Pode haver vantagem em representar outro

sentimento por razões de conformidade, de preservação da própria imagem, enquanto

estratégia pessoal, no objetivo de alcançar favores de alguém, para não se expor, para não

machucar o outro etc. Ao manifestar os sinais aparentes de uma emoção que não sente, o

indivíduo se insere em meio às expectativas coletivas ou constrói seu personagem de

maneira apropriada a suas intenções. A face social sobrepõe-se, de certa forma, à

interioridade do sentimento (LE BRETON, 2009, p. 142).

As mesmas circunstâncias determinam comportamentos afetivos sensivelmente

diferentes se o indivíduo está sozinho em seu quarto ou em meio a um grupo de pessoas

próximas ou desconhecidas. A ressonância das emoções é, portanto, variável, assim como

o regime de sinais individuais cuja exibição ou pronúncia ela causa. Em nossas sociedades,

a linha que divide o público e o privado, em termos de relacionamento com o corpo e com

a afetividade, é claramente delimitada. Sozinho em sua casa, o homem pode entregar-se ao

choro ou às lamentações num período de tristeza; em meio a desconhecidos, ele se esforça

para se controlar. De acordo com diferentes públicos que presenciam ou que participam

ativamente, a emoção pode tomar formas e intensidades variadas, seja ela compartilhada

ou não (LE BRETON, 2009, p. 162).

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O ambiente da UTI foi construído para a cura dos pacientes, sendo o trabalho da

equipe centrado na técnica, nos procedimentos de cuidado ao enfermo, nas tecnologias e

nas rotinas institucionais. Assim, prioriza-se a objetividade, em detrimento do espaço para

os sentimentos. O que importa para a rotina institucional é a realização das condutas de

maneira correta e, caso o profissional se envolva emocionalmente, ela poderá ser afetada.

O que ocorre na UTI é semelhante ao que Mauss (1979) afirma, em seu artigo “A

Expressão Obrigatória de Sentimentos”. Segundo o autor, as expressões orais dos sentimentos

consistem em fenômenos sociais marcados, de caráter coletivo. Trata-se de uma obrigação para

determinado grupo. A forma de expressar a emoção não é espontânea. Antes, trata-se de uma

linguagem, uma ação simbólica. Na terapia intensiva, o modelo de comportamento dos

profissionais indica a “obrigação” de não expressar o sofrimento, para não perturbar a rotina do

setor. Deste modo, a maneira adequada de expressão no setor é o silêncio. Toda a equipe deve

se posicionar da mesma maneira. A medicina é compreendida por diversos autores como

constituída por uma dupla dimensão, que pode ser nomeada de diversas formas:

“competência-cuidado”, “objetividade-subjetividade”, “racionalidade-experiência”, “saber-

sentir”, entre outras (MENEZES, 2001, p. 118). Não são pólos facilmente articuláveis e ao

mesmo tempo são intrínsecos e inerentes à prática médica, o que conduz necessariamente a

uma tensão, compreendida como estruturante dessa mesma prática. Mary-Jo Del Vecchio

Good e Byron Good (1993) enfocaram a dupla dimensão da medicina, em pesquisa

realizada com estudantes, na qual os temas do “cuidado” e da “competência” representam

uma tensão cultural desenvolvida durante o período de aprendizado. A “competência” é

associada à linguagem das ciências básicas, ao conhecimento, à técnica, ao fazer e à ação,

enquanto o “cuidar” é expresso na linguagem dos valores, das relações, da compaixão e

empatia, isto é, o “não-técnico”, vinculado às “humanidades”. Ao longo de sua formação,

os estudantes entram em contato com esta dupla dimensão e nos estágios práticos eles

serão confrontados com os modos como os profissionais resolvem a difícil equação entre

“cuidado” e “competência”. Mas somente o saber e a competência não dão conta da

abrangência da prática médica, pois a experiência, o sentir e a subjetividade do profissional

também são extremamente relevantes no atendimento ao doente (MENEZES, 2001, p.

118).

Para Testa (1992), a transformação do paciente em objeto não é um fato isolado e

circunstancial, mas a constatação de que qualquer paciente é, ao mesmo tempo, objeto e

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sujeito. A enfermidade de origem biológica, que afeta órgãos definidos, faz com que se

destaque o caráter objetual do indivíduo e, portanto, o tratamento desse particular objeto. A

objetualização incontrolada, todavia, produz consequências negativas para o paciente e o

profissional de saúde, sendo a subjetividade e a socialidade importantes para a eficácia do

tratamento. O autor insiste que considerar o paciente em sua condição de objeto é uma

necessidade parcial da atenção ao paciente, mas a objetualização absoluta leva a

sofrimentos de pacientes e profissionais (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 697).

Bonet (2004, p. 118), em sua etnografia da aprendizagem médica, constatou as

delimitações do “profissional” e do “humano”, ou do “saber” e do “sentir”, como dois

conjuntos de representações separadas, que se manifestam de forma permanente nas

práticas cotidianas do serviço. Para se constituir como um campo de saber científico, a

“biomedicina” – baseada nessa construção dualista, o que se denominou “tensão

estruturante”, - afastou três totalidades: o médico, o paciente e a relação entre eles,

deslocando para o inconsciente os aspectos emocionais dessas totalidades porque não se

encaixavam no discurso criado sobre o processo de saúde-doença. Mas, no dia-a-dia, o que

foi reprimido encontra uma brecha pela qual se manifesta, fazendo sentir seus efeitos na

prática biomédica.

A UTI pode ser considerada um local em que a tensão estruturante da medicina – o

“cuidado” e a “competência” – apresenta-se de forma particularmente explícita, tendo em

vista a importância da tecnologia nesse setor (MENEZES, 2001, p. 118). Segundo

Menezes (2005, p. 211), as formas de gestão emocional utilizadas pela equipe da UTI,

referentes ao modelo de morte presente neste ambiente hospitalar – o modelo de “morte

moderna” -, são: a fragmentação, quando os profissionais se referem ao doente por meio

de partes de seu corpo, de seus parâmetros, órgãos e funções, por exemplo, “o paciente do

leito um”, “o HIV”, “o fígado do leito dois”; e a medicalização, pelo uso de medicamentos,

como os calmantes ou de categorias médicas em relação ao sofrimento, como a psiquiatria.

A rotina das equipes é organizada de forma a silenciar a expressão emocional dos

atores sociais envolvidos. Desse modo a morte, tão presente, é silenciada, banalizada,

regulada e rotinizada. As palavras morte e morrer são evitadas e os eufemismos são

largamente utilizados pela equipe intensivista: “está descendo a ladeira”, “está indo

embora”, “está no finzinho”, “não há mais o que fazer”, “está afundando”, “está entregue a

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Deus”, “não vai durar muito”, “parou, tentaram reverter mas não deu”, “não vai passar de

hoje”, “alta celestial”, além de “faleceu” (MENEZES, 2006, p. 83).

No momento em que o “saber” não dá respostas esperadas, o “sentir” adquire força

e é então que os dramas sociais explodem, os médicos conseguem perceber a ilusão da

separação entre profissional e humano, ou entre o saber e o sentir (BONET, 2004, p. 118).

Quando os sentimentos não são relacionados à morte, geralmente os profissionais

compartilham com todos da equipe. Caso esteja envolvido algum paciente grave, com risco

de morte, as emoções tendem a ser ocultadas o máximo possível, e não sendo

compartilhadas entre os profissionais, mas apenas com os mais próximos, sejam eles da

própria categoria e/ou equipe ou não.

4.3 “Aqui dentro”, “lá fora”

A rotina da UTI é baseada no modelo de interdisciplinaridade, em que a equipe

busca uma abrangência e qualidade na assistência prestada ao paciente, com articulação

entre os profissionais, em que cada especialidade saiba seu local de atuação, sem

prejudicar ou se sobrepor à atuação do colega. Exige que a equipe médica se transforme

em equipe de saúde. Porém, o que ocorre na prática é a multidisciplinaridade, oriunda da

justaposição de disciplinas com o intuito de atuar sobre certos elementos comuns dentro de

uma realidade compartilhada (RIOS, 2011, p. 117).

Entretanto, uma hierarquia se destaca na UTI: “médico-demais profissionais de

saúde”. Esta forma de organização simbólica não permite que o diálogo ocorra sem

divergências, gerando conflitos entres os profissionais, uma vez que os médicos detêm o

“poder” do setor e os outros integrantes da equipe preconizam que o serviço seja

organizado de modo interdisciplinar. Essa hierarquia se apresenta em diversas situações,

especialmente quando são discutidas condutas terapêuticas em relação a enfermos FPTC.

No entanto, na UTI também há situações em que há uma valorização dos profissionais,

como nas seguintes:

Um médico questionou a possibilidade de dar alta da UTI para uma paciente, e

respondi que talvez não fosse o melhor momento, pois ela ainda necessitava de cuidados

intensivos e não os teria na enfermaria. Ele concordou com minha opinião e a alta não foi

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dada. Após esse questionamento, perguntei a ele se não haveria indicação de prescrição de

medicação antidepressiva para a enferma, uma vez que ela estava internada há muitos dias,

lúcida e mal adaptada ao ventilador mecânico quando acordada, o que impossibilitava seu

desmame. Ele também concordou com a conduta41

.

Quando uma das equipes – enfermagem ou fisioterapia – solicita ao médico que

prescreva alguma medicação para um doente, geralmente se trata de analgésicos42

, para

que possam realizar as condutas sem que o enfermo sinta dor, ou sedativos43

, para auxiliar

na adaptação ao ventilador mecânico ou para que o doente fique menos agitado, o que

perturba a rotina do setor. Tais demandas usualmente são bem recebidas e geralmente

atendidas. Nesses casos há uma valorização do que é dito.

Ao perceber alguma alteração no tubo ou na traqueostomia do paciente, os

fisioterapeutas comunicam ao médico a ocorrência. Nesses casos faz-se necessária uma

rápida intervenção, para evitar prejuízos ao doente. Em todas as situações observadas, os

médicos realizaram a conduta prontamente, o que demonstra confiança na avaliação

técnica e clínica dos profissionais.

Entre os profissionais da rotina - especialmente os médicos e de fisioterapia, já que

a rotina de enfermagem se concentra em resolver problemas burocráticos do setor e nem

sempre está na assistência – há um diálogo, para saber o que ocorreu com os pacientes

internados. O médico da rotina afirma aos plantonistas que a rotina da fisioterapia tem

conhecimento de detalhes minuciosos dos doentes, pelo fato de estarem presentes por

maior tempo dentro da unidade.

O médico de plantão recebe várias sugestões, mas nem todas as opiniões são

aceitas, pois dependerá do médico de plantão, do profissional que está contestando e do

enfermo em questão. Alguns médicos tomam decisões sem a concordância das demais

categorias profissionais, como no caso de expor se o paciente tem chances de cura ou se

simplesmente é “conforto” (como é chamado o paciente FPTC nesta UTI). Nestes casos,

não importará a opinião dos demais, visto que o médico chegou a conclusões de que o

doente não terá chances de melhora. Este tipo de situação pode gerar conflitos entre

membros da equipe. Nada é exposto pelos demais profissionais, todos acolhem a decisão,

podem até não concordar, mas não entram em discussão. Geralmente os intensivistas

41 Técnica utilizada para o tratamento. 42 Medicamento contra a dor. 43 Substâncias com o intuito de acalmar o paciente, muitas vezes causando sonolência.

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expressam sua indignação para seus pares. A frustação foi relatada por Seymour (2001, p.

62), em uma situação em que o médico solicita que a sedação da paciente seja reduzida,

para que ele possa evoluir o desmame de ventilação mecânica. As enfermeiras não

concordam com a conduta, mas elas não se dirigem ao médico para afirmar sua opinião,

mas conversam dentro do grupo da enfermagem.

Nesta UTI, quem monitoriza e realiza alterações nos parâmetros da ventilação

mecânica é a equipe de fisioterapia. Contudo, se houver discordância, é o médico o

profissional que toma a decisão. Assim, por vezes há conflitos entre médicos e

fisioterapeutas, por divergência em relação a condutas. Em certas ocasiões, medidas são

tomadas pela equipe médica e não são comunicadas verbalmente às demais, principalmente

à enfermagem. Como exemplo, alta de doentes internados na UTI, suspensão de

medicações ou dieta da prescrição44

do enfermo, pedidos de internação etc.. Nestes casos

os profissionais expressam irritação:

“Ninguém lê minhas evoluções45? Tá escrito lá”, disse um médico.

“A enfermagem é a última a saber das coisas”, disse uma enfermeira, ao tomar

conhecimento de que haveria uma internação.

“Eles diminuem e não avisam a ninguém”, disse uma enfermeira, ao perceber

que a vazão46 da medicação do doente foi modificada.

Este tipo de tensão, em decorrência desta modalidade de circunstâncias são comuns

na rotina da UTI, visto que a enfermagem necessita saber de muitas, senão de todas,

medidas realizadas ou modificadas em relação aos doentes, pois é ela quem administra o

setor. O profissional de enfermagem deve saber a que horas um paciente poderá ir de alta

ou será internado, já que quem prepara o leito para a internação ou prepara o enfermo para

a transferência para a enfermaria é a enfermagem. Além disso, é ele quem controla os

horários de visita, que tem a função de comunicar o momento em que poderá ser liberada a

entrada dos familiares no setor, e antes da liberação, deve conferir se os doentes estão

limpos e estáveis, para que não ocorra qualquer intercorrência durante a visita; manter a

ordem no setor, tanto dos profissionais que realizam procedimentos e necessitam de

materiais que são organizados e instrumentados pela enfermagem, como dos doentes, com

a função de vigiá-los, a fim de saber se estão estáveis, agitados, com febre ou chamando

44 Ato de dispor em papel as drogas e seu modo de usar, a dieta e outros cuidados a serem dados ao paciente; receita médica. 45 Escrita diária sobre o quadro clínico dos pacientes nos prontuários. 46 Quantidade volumétrica de um fluido, no caso a medicação, que escoa por uma seção de uma tubulação ou

canal, no caso a bomba infusora, por unidade de tempo.

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por algum motivo; além de monitorar os equipamentos que estão no setor. Essa série de

tarefas da enfermagem é distinta daquelas dos médicos. Estes últimos profissionais detêm

o “poder” sobre o doente, enquanto a enfermagem é responsável pela ordem do setor, o

que inclui tanto os profissionais como os enfermos.

A enfermagem é o “coração” da UTI, ou quem sabe, do hospital (MENEZES, 2006,

p.50). O enfermeiro deve ter ciência de tudo o que é realizado dentro do setor. Por vezes

ele deve auxiliar o médico, deve realizar medicações; conter o enfermo no leito, para evitar

que ele arranque sondas, tubos e acessos venosos; auxiliar em procedimentos invasivos,

como punção venosa ou arterial47

, com a finalidade de preparar o material para uso do

médico, desde as luvas do tamanho ideal até os instrumentos cirúrgicos; intubações

orotraqueais, em que são separados os materiais como o tubo, medicamentos, ambú48

; nas

paradas cardíacas, auxiliam inclusive na massagem cardíaca etc. Algumas medidas podem

ser realizadas por qualquer membro da equipe, mas geralmente elas constituem

responsabilidade do enfermeiro. No estudo etnográfico que empreendeu na Inglaterra,

Seymour (2001, p. 60) refere um trecho da entrevista com uma enfermeira: “eu sinto que a

equipe de enfermagem da UTI tem a responsabilidade total com tudo o que acontece ao

paciente, seja o cuidado de enfermagem, cuidado do bem-estar psicológico e clínico do

doente, além de cuidar dos familiares e todas as intervenções médicas que acontecem para

o enfermo, você se sente diretamente envolvidos com os pacientes”.

Ao realizar o banho dos pacientes, a enfermagem consulta o profissional de

fisioterapia, sobretudo quando o enfermo está sob os cuidados de fisioterapia respiratória e

necessita de ventilação não invasiva49

(VNI), ou quando precisa trocar a fixação do tubo

orotraqueal (funções dos fisioterapeutas nesta UTI) ou, ainda, no caso de desmame, para

que não ocorra qualquer intercorrência durante o procedimento.

“Quando for dar banho nela (paciente), avisa a gente (fisioterapeutas) para

voltar ela para a VM”, digo ao técnico de enfermagem.

“Posso trocar o fixador ou vocês trocam?”, me pergunta um técnico de

enfermagem durante o banho do paciente.

47 Ato de puncionar; operação que consiste em penetrar em cavidade ou coleção líquida, com instrumento perfurado para retirada de

líquidos. Pode ser na veia ou na artéria. 48 Aparelho para ventilação manual. 49 Técnica na qual é colocada uma máscara adaptada ao rosto do paciente, que evita fuga de ar. A máscara

está ligada a uma máquina que gera um fluxo de ar, para facilitar a respiração e melhorar a oxigenação.

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Há ainda outro tipo de relação, em que os intensivistas não conversam sobre

condutas. São momentos de descontração, conversas informais durante as refeições, entre

um atendimento e outro, comemorações de aniversários dos integrantes da equipe. Essa

convivência ocorre sem tensões, exceto quando alguém “invade” o espaço do colega da

equipe. Cada categoria possui um espaço físico pré-determinado dentro da UTI. Os

médicos, no “aquário”, junto com os fisioterapeutas, seus residentes e os acadêmicos de

medicina e os enfermeiros e técnicos no posto de enfermagem. Caso a dentista esteja

presente no plantão, ela poderá se reunir com qualquer equipe, sem causar incômodo. Os

demais profissionais que atuam no setor – nutricionistas, fonoaudiólogos, cirurgiões -, não

permanecem por muito tempo, apenas passam para avaliar os doentes e retornam para suas

salas, localizadas fora da UTI. As funcionárias da limpeza e administrativa permanecem

sempre com a equipe de enfermagem no posto.

Quando integrantes da equipe de enfermagem permanecem por muito tempo dentro

do “aquário” para utilizar a internet, pois só há computador neste local, alguns médicos

reclamam, dizendo que aquele espaço não é para ser desfrutado por outros, mas somente

por eles e pela equipe de fisioterapia. Alegam que o “aquário” é o único local de discussão

dos casos dos pacientes, para descanso e conversas: “é o lugar deles”. Alguns médicos

sugerem a retirada do computador do “aquário”, para não atrapalhar o ambiente, para o uso

de todos, mas isto nunca é exposto verbalmente para a enfermagem, somente para seus

colegas ou para os fisioterapeutas. De maneira distinta, quando médicos e fisioterapeutas

permanecem no posto de enfermagem, os enfermeiros não reclamam da presença dos

colegas no “seu espaço”. Nestas ocasiões, há conversas informais e brincadeiras. Por

ocasião da obra da UTI surgiram comentários sobre o espaço físico, pois alguns médicos

não concordaram com as mudanças realizadas pela chefe da enfermagem no posto de

medicações, mesmo sabendo que não seria para seu uso, mas para os técnicos e

enfermeiros. Há alguns médicos com uma postura diferente. Eles permitem que todos

utilizem qualquer espaço da UTI, seja o banheiro dos médicos, o computador, o “aquário”

etc., conduta que promove uma relação de proximidade entre as equipes. Nos plantões

destes médicos, geralmente há café da manhã e almoço pagos pelo médico, comemorações

de aniversários com direito a bolo, salgadinhos, bolas de enfeite, em que todos participam,

cantam parabéns, tiram fotos e as despesas são divididas, com exceção do aniversariante,

que poderá ser qualquer membro da equipe.

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***

Nesta UTI, a equipe de enfermagem dificilmente discute ou argumenta com outras

categorias profissionais. Eles permanecem unidos a maior parte do tempo do plantão, seja

no momento do trabalho, no leito ou nas brincadeiras e conversas nos horários de

refeições. Raramente estão sozinhos e dificilmente convidam um médico para almoçar ou

lanchar.

Já a equipe de fisioterapia se mantém próxima da equipe médica, especialmente por

dividirem o mesmo quarto para descanso e utilizarem o mesmo banheiro, que é sempre

separado da enfermagem. A relação com os enfermeiros e técnicos de enfermagem é de

proximidade: conversam, brincam, almoçam, além de dividirem certos momentos de

expressão de emoções, como desabafo sobre situações difíceis vivenciadas no cotidiano,

sobretudo com pacientes jovens ou FPTC.

Há momentos de descontração entre as equipes, com brincadeiras. Este tipo de

situação é valorizado pelos intensivistas, pela capacidade de tornar o plantão “menos

pesado”:

“Fisioterapia que nada, trocar fralda faz muito mais exercício! Fisioterapia é

para os fracos!”, disse uma enfermeira, brincando com o paciente e com o

fisioterapeuta.

“O problema desta paciente é da fisioterapia, o problema dela é o desmame do

ventilador. É preciso ‘intensificar a fisioterapia’”. disse um médico rindo na

passagem de plantão.

“Tá ‘boicotando’ nosso trabalho?”, disse um fisioterapeuta ao técnico ao

administrar diazepam50 no paciente no momento em que ia sentar o enfermo.

“Gasometria!”, exclamou um médico com um estalar de dedos para que a

fisioterapeuta pegue a seringa para realizar o exame.

Além dessas falas rotineiras durante o trabalho, existem situações em que a

conversa é referente a qualquer assunto veiculado na mídia, como: política, novelas, reality

show, esportes, viagens, dietas, quando todos participam, riem, comentam e expõem suas

opiniões. Apesar de os intensivistas realizarem plantões fora da unidade, como nas

enfermarias e nefrologia, eles permanecem grande parte de seu tempo no setor: almoçam,

utilizam o banheiro ou apenas vão para conversar com os colegas e comentam o que

acontece nos setores “lá fora”.

50 Medicamento ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo.

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O panorama aqui descrito, da UTI do HUGG, se assemelha ao que é descrito em

estudos que relatam o cotidiano dos intensivistas, como de Glaser e Strauss (1982),

Moreira (1996), Seymour (2001), Carapinheiro (2005) e Menezes (2006). Segundo

Menezes (2006, p. 48), a prática da UTI pressupõe a existência de uma equipe

multiprofissional. No entanto, há um responsável no que se refere à vida do doente: o

médico, e é a sua posição que está mais diretamente em jogo. Para Freidson (1988), o que

diferencia a profissão médica das paramédicas é o grau de autonomia, prestígio, autoridade

e responsabilidade que a profissão médica detém. Há, assim, uma divisão do trabalho

organizada com uma hierarquia de autoridade, estabelecida e legitimada, não

permanentemente explicitada, uma vez que é necessário um trabalho coordenado entre as

equipes, que pode ser sabotado se a hierarquia se tornar explícita. Por essa razão, surgem

conflitos entre os profissionais que atuam em UTI.

Guimarães e Rego (2005) consideram que o trabalho em equipe é complexo e

apresenta importantes consequências para as corporações profissionais da área da saúde,

que se constituem como tal por possuírem características, historicidades e processos de

trabalhos que as distinguem das demais. Freidson (1970, 1994) afirma que os saberes

profissionais e suas especificidades referem-se à autonomia profissional, tema central para

o entendimento sociológico das profissões. A existência de conhecimentos próprios à

profissão remete ao trabalho especializado e a uma base epistemológica própria,

institucionalmente consagrada. A atuação em equipe multiprofissional prescreve uma

articulação entre todas as profissões, criando uma zona comum de troca de conhecimentos,

de certa forma na contramão do esoterismo corporativo, termo que descreve a

característica do saber exclusivo de cada profissão (MORETTI-PIRES et al., 2011, p.

1087). Para Moretti-Pires e colaboradores (2011, p. 1091), para a efetividade do trabalho

multiprofissional faz-se necessária uma reavaliação dos saberes e das competências

específicas de cada formação profissional, preservar limites e respeitar a divisão do

trabalho, sem desconsiderar a necessidade de ações em comum. Ainda segundo os mesmos

autores (2011, p. 1091), as sociedades atuais desenvolvem o pensamento de que o

profissional não é apenas um indivíduo capaz de resolver problemas concretos,

relacionados aos problemas do cotidiano da população, mas também um indivíduo detentor

de conhecimentos, que proporciona um poder de autorregulamentação, uma das maiores

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ambições das profissões atuais, o que permite a cada profissional conhecer seus limites de

atuação.

Os médicos, em suas atividades cotidianas, instauram constantemente regras

implícitas e normas informais de funcionamento, o que estabelece, para os restantes dos

profissionais, relações permanentemente inseguras e equivocas com as regras e normas

hospitalares, quando pressionados, a cumprir simultaneamente umas e outras

(CARAPINHEIRO, 2005, p. 185). Assim, se só os médicos dispõem do saber de

diagnosticar e tratar, são eles que estabelecem “oficialmente” o fim do processo de

internação, a partir da análise de dados objetivos que comprovam que a situação clínica de

cada doente está controlada e que, portanto ele pode receber alta. No entanto, a versão

médica “oficial”, imperativa e indiscutível, pode não coincidir com a dos enfermeiros e de

outros profissionais de saúde. Para Carapinheiro (2005, p.188), esses desacordos tornam a

figura do médico uma autoridade científica indiscutível. A decisão dos enfermeiros é

demarcada pelos médicos, definem o que eles podem fazer e dizer aos pacientes e exercem

sobre a enfermagem o constante pedido de responsabilidades. Como plataforma de

mediação entre médicos e doentes, exige-se aos enfermeiros que desenvolvam não só um

trabalho técnico, mas também um trabalho de controle social sobre os doentes, na

manutenção da ordem e da disciplina concebida pela autoridade social dos médicos.

De acordo com Moreira (1996, p. 15), a prática de enfermagem é percebida pela

medicina como “menor”, por seu caráter “subalterno” e meramente “executador” de tarefas

e prescrições médicas e, ao mesmo tempo, busca a integridade das ações de cuidado ao

paciente. Estes profissionais apresentam uma singularidade, que é constituída por sua

prática e saber, o que representa uma centralidade nas equipes hospitalares, especialmente

na UTI, pelo fato de terem um contato mais próximo com os doentes internados, em

comparação com as outras categorias profissionais. Tal condição permite um controle

sobre os pacientes, além de manter a organização do setor. Quer se tratem de problemas

relacionados aos pacientes, administrativos ou burocráticos, o controle dos medicamentos

dos enfermos, o empréstimo de materiais para outros setores, a marcação de exames, entre

outras tarefas, constituem responsabilidade da equipe de enfermagem.

Em investigação empreendida na Inglaterra, Seymour (2001, p.64) observou que a

equipe de enfermagem, mesmo quando não concorda com as condutas realizadas, tende a

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não se manifestar. Os enfermeiros se afastam e desabafam com colegas da enfermagem,

com fisioterapeutas ou, até com a própria pesquisadora, mas nunca com os médicos.

Já para Glaser e Strauss (1982, p. 150), no contexto por eles investigado, os

enfermeiros podem demonstrar sua discordância de forma aberta e exercer pressão direta

sobre os médicos nessas situações. Quando eles não tentam influenciar a decisão, eles

contestam sobre o poder paradoxal da medicina moderna: prolongar a vida por um bom

motivo ou nenhum? Essa experiência não foi vivenciada por mim, na relação com

enfermeiros, apenas com outros médicos do setor, cirurgiões, nefrologistas e até com

fisioterapeutas da unidade.

Há situações que acionam processos de negociação. Trata-se daquelas que ocupam

uma posição central no processo de trabalho organizado para o tratamento dos doentes e

que suscitam desacordos, discrepância de pontos de vista entre médicos e enfermeiros.

Nestes casos, há certa padronização e uma tendência a uma solução negociada entre as

duas categorias profissionais. Nesta relação surgem casos em que os enfermeiros com

experiência podem informar e/ou aconselhar um médico mais jovem sobre as iniciativas de

atuação médica, face às situações clínicas problemáticas e seu apoio pode não ser bem

aceito. Também, na sequência de um erro médico de prescrição, o enfermeiro que o

detectou pode tomar a iniciativa de corrigi-lo, atitude que pode ou não receber aprovação

da parte dos médicos (CARAPINHEIRO, 2005, p. 144).

Outra situação capaz de gerar conflitos entre estas duas categorias profissionais é

quando ocorre alguma urgência, em que o enfermeiro pode tomar a decisão de organizar

procedimentos terapêuticos para controlar a crise. Estes profissionais, por vezes sem tempo

para aguardar a autorização dos médicos, realizam manobras de reanimação no paciente,

como, por exemplo, passar um soro ou iniciar massagem cardíaca em doente com parada

cardiorrespiratória. Porém, caso o procedimento não seja eficaz, o enfermeiro pode ser

responsabilizado por atuar sozinho e, assim, ter permitido que o enfermo morresse. Por

essa razão eles não costumam ultrapassar a decisão médica e tendem a se recolher ao

campo cotidiano de tomada de decisões que está delimitado e restrito às intervenções

meramente executivas de ordens médicas de prescrição. Tais situações podem ocorrer com

qualquer profissional de saúde, não somente com os enfermeiros. No caso das UTIs, esse

modelo apresentado por Graça Carapinheiro (2005, p. 190) pode não se confirmar. A

autora afirma que, nas terapias intensivas por ela observadas, esse relacionamento pode ser

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distinto, com melhor entrosamento entre as partes, o que promove satisfação intelectual de

enfermeiros e de outros profissionais de saúde. Esta situação foi observada por mim no

HUGG.

Segundo Menezes (2006, p. 49), há uma tendência, da parte de cada categoria

profissional, a se relacionar com seus pares. Apesar da existência de tantas diferenças e

tensões entre os diversos grupos que trabalham na UTI, há uma identidade profissional

singular, que perpassa todos os agentes de saúde envolvidos – a de intensivista. De acordo

com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)51

, “intensivista é o nome dado

ao profissional dedicado ao atendimento do paciente internado em unidades emergenciais

tais como prontos-socorros e UTIs”.

4.3.1. “Tudo é muito difícil lá fora”

Um médico da UTI foi chamado pelo plantonista do plantão geral (médico que

atende as intercorrências nas enfermarias após a saída dos profissionais da rotina) para

ajudá-lo a conduzir o caso de uma menina de 15 anos internada com pielonefrite52

e

pneumonia53

grave. Ao ser convocado para ir à enfermaria, o médico da UTI me chamou

para auxiliar na atenção respiratória à paciente (é importante lembrar que nas enfermarias

há uma equipe de fisioterapia). Ao chegarmos ao leito da doente estavam presentes uma

fisioterapeuta e uma residente médica daquela enfermaria. Sugeri que a conduta

fisioterapêutica fosse modificada, para melhor adaptação da paciente e o médico

prescreveu um novo antibiótico, deu orientações à residente sobre as condutas a serem

realizadas e conversou com os familiares da doente. Este caso demonstra a relação da

equipe intensivista com a das enfermarias, na qual as decisões dos profissionais da UTI são

respeitadas pelos colegas, sem contestações. Esses eventos ocorriam sempre que algum

doente agravava e não havia vaga disponível na UTI para internação.

Pelo fato de recorrer à equipe intensivista para auxiliar na assistência desses

pacientes, além de pedir materiais emprestados na UTI, como monitores, ventiladores

mecânicos e medicamentos, por vezes os profissionais das enfermarias eram considerados

pelos intensivistas como “não capazes” de cuidar de enfermos graves. Importante destacar

51 http://www.amib.org.br/conteudo.asp?cod_site=0&id_menu=53&men=53. Acesso em 01/11/2013. 52 Infecção dos rins, geralmente produzida por bactérias. 53 Inflamação do tecido pulmonar.

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que a equipe intensivista só auxilia os pacientes graves das enfermarias caso eles tenham

alguma proposta terapêutica, ou seja, quando não são diagnosticados como FPTC e, em

especial, ao se tratar de doente jovem.

“Fui ver um paciente na 10ª enfermaria, que a residente não sabia o que fazer,

ajudei na parada (cardíaca) e na intubação. Depois de tudo feito, a residente me

disse que achava que não era para fazer nada, que o paciente era sem proposta

(FPTC). Quase bati na residente”, disse um médico.

Um médico disse que as enfermarias deveriam ter o material necessário

(medicamentos, ventiladores mecânicos, monitores) para atender pacientes graves que

ficam internados, e não ir buscar na UTI.

“Eles precisam ir à farmácia pegar, funciona 24 horas. Mas é mais fácil ir na

UTI”, disse a enfermeira.

“É isso que está acontecendo, e não temos como justificar na farmácia a

quantidade de medicamentos gastos com apenas dois pacientes internados, e isso pode trazer problemas”, disse o médico.

“Olha aí! Compras da 10ª (enfermaria)!”, disse a enfermeira com a chegada de

outra enfermeira na UTI pedindo material.

A equipe relatou que as enfermarias não possuem condições para dar assistência

adequada para um enfermo grave:

“Tudo é muito difícil lá fora”, disse um médico.

“Eles (residentes de medicina) não sabem manejar esse tipo de doente”, disse

uma fisioterapeuta.

“Depois de tudo isso (grande tempo de internação na UTI), ele vai acabar

piorando e a vaga dele vai estar ocupada e vai morrer na enfermaria”, disse

uma enfermeira.

“Sabemos que ela vai morrer lá fora!”, disse uma enfermeira sobre uma

paciente traqueostomizada ir de alta para a enfermaria.

“A paciente tem condições de alta (da UTI), mas não no feriado, é preciso saber

cuidados de enfermagem para sobreviver na enfermaria. É contra a minha

religião dar alta hoje (véspera de feriado)”, disse um médico rindo.

Via de regra, a transferência de um paciente para a enfermaria provoca preocupação

no intensivista, em relação à qualidade da assistência que o doente passará a receber. A

UTI usualmente é descrita por seus profissionais como uma unidade “fechada”, por ser um

ambiente isolado do restante do hospital, com características específicas, como isolamento

do mundo exterior, iluminação artificial, entre outras. As expressões “aqui dentro” e “lá

fora” são muito utilizadas por equipes intensivistas de todo o país. Essa perspectiva faz

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com que os intensivistas sejam criticados por seus pares, por formarem uma “elite”

institucional, e desfrutar de privilégios. Por vezes, o intensivista se considera um

profissional que sabe mais do que seus colegas, sobretudo acerca dos cuidados referentes a

estados físicos de grande gravidade. A UTI ocupa uma posição hierárquica superior,

relativamente aos outros setores do hospital no qual está inserida. Tal posicionamento é

justificado tanto pela existência de aparelhagem mais moderna e sofisticada quanto pelo

nível de especialização da equipe (MENEZES, 2013, p. 421).

Os médicos ligados à UTI, pela experiência que adquiriram na prática de certas

manobras de urgência, deslocam-se frequentemente aos outros setores hospitalares. Assim,

estes médicos vêem o seu poder aumentar, na medida em que os procedimentos técnicos

que produzem não sejam de rotina, utilizem equipamentos complicados e de manuseio

arriscado, um mínimo deslize pode comprometer a eficácia do procedimento e exija a

apropriação de conhecimentos muito recentes (CARAPINHEIRO, 2005, p. 201).

Quando a UTI estava em obras e alguns profissionais de enfermagem eram

remanejados e vivenciaram a rotina de outros setores, surgiram comentários sobre o

cotidiano das enfermarias:

“O pessoal do CTI precisa chegar nas enfermarias para dar ordem no setor!”,

disse uma técnica de enfermagem sobre conseguir realizar três banhos em uma

hora e a equipe da enfermaria não conseguir.

Eles relatavam que, pelo fato de serem remanejados para as enfermarias, passaram

a ser obrigados a cuidar dos pacientes mais graves, que deveriam estar na UTI e não

estavam por falta de leitos. Os demais profissionais afirmavam que, como eram

intensivistas, estavam prontos para cuidar “daquele tipo de doente”. Quando se tratava de

enfermo FPTC, os intensivistas reagiam da seguinte maneira:

“É uma sacanagem o que fazem com a gente, dão os pacientes mais graves pra

gente”, disse um técnico de enfermagem. “Ninguém ajuda! Colocam mais

pacientes pra gente e sempre muito grave”, disse uma técnica de enfermagem.

“Não quero ser remanejado, nos últimos plantões fiquei com dois pacientes

FPTC”, disse um técnico de enfermagem.

Durante o período de remanejamento, surgiam brincadeiras ao tocar o telefone, pois

era desta forma que a chefia de enfermagem comunicava para qual setor os profissionais

seriam deslocados:

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“O ‘Big Fone’ vai tocar e dizer: Atenção, atenção! Você não pode falar com

ninguém! É merda! Você vai se ferrar na 10ª enfermaria!”, disse um técnico de

enfermagem relacionando o telefone a um episódio de reality show. Ele falava

com o mesmo tom de voz do programa de TV, Big Brother Brasil, transmitido

no primeiro semestre de 2013.

“O ‘Big Fone’ ainda não tocou”, disse uma técnica de enfermagem.

***

A enfermagem apresentava contato frequente com diversos setores do hospital:

radiologia, tomografia, laboratório, farmácia etc. Com alguns, o contato se dava por

telefone, como a lavanderia e a manutenção. Por vezes, o contato com o centro cirúrgico

(CC) provocava atrito com as enfermeiras da UTI, pela falta de comunicação entre os

setores, para transferência de pacientes, situação que “pega” a equipe despreparada para

internação de doente em pós-operatório e, às vezes, sem o preparo do leito com os

materiais necessários para a acomodação do enfermo, trabalho que é realizado pela equipe

de enfermagem:

Enfermeira: “Quem mandou subir?”.

Anestesista: “Ah! Falaram que podia vir!”.

Enfermeira: “Então quem te falou está mentindo. Pode voltar (para o CC)!”.

A nutrição pede auxílio para os fisioterapeutas, para pesar os doentes – os que têm

condições -, pois é necessário colocá-los de pé. Além das fonoaudiólogas, que necessitam

de comunicação constante com a equipe de fisioterapia, para evolução do enfermo. Já com

a equipe médica há tensão na comunicação com a radiologia, a farmácia, a tomografia,

além das equipes de nutrição e fonoaudiologia.

“Ela não faz favor, não encaixa paciente do CTI, não dá atenção a ninguém,

nem olha pra você”, disse uma médica sobre a radiologista de plantão.

“Marquei a TC54 ontem e não chamaram o paciente para fazer o exame. É um

absurdo!”, disse o médico.

Um médico comenta sobre a dificuldade de lidar com os nutricionistas,

principalmente da via oral (a nutrição dos hospitais geralmente é organizada em: oral,

enteral55

e parenteral56

), pois eles “desacatam” os médicos, e realizam suas condutas; da

dificuldade de liberar comidas (sólidas) para os pacientes e alega que eles só querem dar

54 Tomografia Computadorizada. 55 Alimentação por meio de sonda, que libera o alimento diretamente no intestino. 56 Alimentação por meio de cateter inserido na veia do paciente. Serve para complementar ou substituir

completamente a alimentação oral ou enteral.

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sopa aos enfermos. Ele refere que, em todo hospital, a relação é a mesma. Completa que,

por vezes, no caso de dieta enteral e parenteral, a convivência é melhor, pois é coordenada

por médicos. Outra médica relata que ficou chateada com a postura da nutricionista, que

não acatou sua decisão de liberar a dieta oral para a paciente, e disse que precisava da

autorização da fonoaudióloga para a liberação.

Na relação com a farmácia, um médico reclama da “má interação com a UTI”, pois

não há liberação de alguns medicamentos prescritos, ou pela rejeição, para a compra do

medicamento, e solicita que o médico mude a medicação.

A equipe intensivista admira os profissionais que atendem suas necessidades

prontamente, como afirma Menezes (2006, p. 56): os contatos entre a UTI e outros setores

do hospital não são homogêneos e o intensivista estabelece distinções entre eles. Enquanto

alguns setores “não servem para nada”, outros são valorizados, especialmente quando a

UTI solicita exames ou pareceres de outra unidade e é rapidamente atendido. A relação

com a equipe cirúrgica é central na UTI. Os médicos intensivistas relatavam que os

cirurgiões staffs deveriam ir à UTI mais vezes, para acompanhar o doente, e não somente

os residentes.

“Eles operam e ‘jogam’ esses pacientes aqui pra gente olhar”, disse um médico.

“O paciente não tinha dono”, disse médico se referindo à equipe da cirurgia não

ir à UTI acompanhar o paciente.

Além disso, havia discordância entre condutas, por exemplo, quando o doente

apresentava infecção no pós-operatório de cirurgia abdominal. A equipe cirúrgica afirmava

que o foco era pulmonar e a equipe clínica afirmava que era “da barriga”. Essa divergência

era frequente: os intensivistas desejavam que se reabordasse o enfermo, e a cirurgia não.

“Tem um abscesso57 e eles não querem reabordar, o problema é o antibiótico”,

disse um médico ao ler a evolução58 da equipe cirúrgica que sugere a troca do

antibiótico.

“A prova de função pulmonar59 era ruim e vocês operaram? Agora precisamos

fazer milagres para tirar ele da VM. Não tinha como operar ele!”, disse um

médico da UTI para a residente da cirurgia.

“Estamos saturados desses pacientes insolúveis”, disse um médico.

57 Coleção de pus, geralmente produzida em geral por infecção bacteriana. 58 Anotações diárias, efetuadas por profissionais de saúde, sobre o quadro clínico dos pacientes, em seus

prontuários. 59 Técnica capaz de medir a capacidade pulmonar.

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“Não tinha que ter operado ela, tinha que dar dignidade para a paciente morrer

em casa, com a família”, disse um médico.

“Não é uma duodenopancreatectomia60, e sim uma

‘atropelamentopancreatectomia’”, disse uma fisioterapeuta.

Quando o cirurgião considerava que o doente tinha condições de alta para a

enfermaria e a equipe da UTI não concordava havia tensão entre os profissionais:

“Quando a gente quer dar alta, eles não querem, e quando eles querem, a gente

não quer”, disse um médico da UTI que não queria dar alta para uma paciente

com menos de 24 horas de cirurgia.

“Eles estão colocando pressão para poder operar, por isso querem que dê alta”,

disse uma fisioterapeuta.

Em certa ocasião, um intensivista afirmou:

“Nem sempre a gente está com razão, a cirurgia não abordou e pela gente teria

reabordado várias vezes, mas eles estavam certos. Agora ele vai de alta”, disse

um médico da UTI ao saber que um paciente iria de alta para casa.

O relacionamento da equipe da cirurgia com a fisioterapia era diferente. O

profissional por vezes pedia ajuda em certos procedimentos, como traqueostomias e

drenagens de tórax61

. Com a enfermagem, o cuidado é com a ordem do setor: não levantar

a grade da cama do paciente; não ter o cuidado de separar os materiais pérfuro-cortantes ao

terminar um procedimento, para que a enfermeira recolha a bandeja de instrumentos

cirúrgicos sem o risco de acidentes; não calçar a luva e vestir o capote62

para examinar os

pacientes, são atitudes que deixam a enfermagem contrariada.

“Assim não tem como! Se for para ter dois procedimentos, tem que ter

organização! Deixou tudo jogado aqui no leito três e já está no leito nove!”,

disse uma enfermeira ao cirurgião.

Uma equipe de cirurgia é admirada pelos intensivistas do HUGG: a torácica,

principalmente pelo fato de que a médica staff costumava ir à UTI acompanhar os doentes.

Ela também se mostrava disposta a ajudar em procedimentos, como traqueostomias.

Os confrontos com os outros setores hospitalares são frequentes, uma vez que a

competição é constante no ambiente hospitalar (MENEZES, 2006, p. 57).

60 Também chamada de procedimento de Whipple. Cirurgia que envolve o pâncreas, duodeno e estômago,

realizada para o tratamento de tumor na cabeça do pâncreas. 61 Esvaziamento de conteúdo líquido ou gasoso patologicamente retido na cavidade pleural. 62 Roupa utilizada por cima do jaleco.

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As relações entre os profissionais, intensivistas ou não, depende do problema ou do

foco em pauta: quando o doente está envolvido, as tensões aparecem devido à hierarquia

presente no ambiente hospitalar: médicos-demais profissionais de saúde. Na UTI, em

certas situações é possível que os intensivistas valorizem outro profissional. Em momentos

de descontração, a hierarquia aparentemente desaparece. Há, também, preferência por

staffs, o que significa uma desqualificação das condutas realizadas por residentes.

Conclui-se, portanto, que o modelo interdisciplinar no qual a rotina do setor é baseada, na

prática, não é implementada, em decorrência da hierarquia, de forma que o trabalho se

baseia em equipe multiprofissional.

4.4 “Se parar, parou”: SPP

Na rotina da UTI há uma diferença entre o óbito e a parada cardiorrespiratória

(PCR): os termos se distinguem pela postura da equipe, em relação ao paciente internado,

para reanimá-lo ou não. Ao diagnosticarem um paciente como FPTC, os médicos tomam

certas decisões, como a de não mais “investir” no enfermo, não mudar de antibióticos, não

tratar novas infecções que porventura possam surgir. Eles comunicam a toda equipe que

“se o paciente parar, parou” (SPP). Caso ocorra uma parada cardiorrespiratória, a ordem é

de não realizar manobras de ressuscitação. Nesta UTI, este tipo de enfermo passa a ser

denominado de “conforto”. Assim é definido o óbito.

A comunicação aos profissionais é necessária, pois quem monitora os doentes é a

equipe de enfermagem. Estes profissionais informam ao médico os casos de parada

cardíaca ou qualquer intercorrência. Entretanto, quando o enfermo é considerado “viável”,

ele passa a receber todas as formas possíveis de tratamento e, em caso de parada cardíaca,

é prontamente reanimado. Assim é definida a PCR. Neste caso, os intensivistas realizam

todas as condutas para que o doente não morra, o que pode ter duração de cerca de até uma

hora de reanimação.

Em conversa com um colega, um técnico de enfermagem relatou que, para trabalhar

na UTI, é preciso estar sempre atento e preparado para “entrar em uma parada” a

qualquer momento, pois os pacientes são de alta complexidade.

A grande diferença entre os dois termos – óbito e parada – concerne à expectativa e

ao controle. No óbito a morte é esperada, aparentemente os profissionais não se abalam

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quando ela ocorre. No segundo caso ela é evitada ao máximo, por meio do uso de

tecnologia e de medicamentos. Quando o doente morre, a equipe considera que foi uma

surpresa, que ocorreu algo inesperado. Neste tipo de situação é possível observar expressão

de sentimentos dos intensivistas. Quando um doente é diagnosticado como FPTC, a equipe

espera uma PCR, que não se trata de uma “parada”, mas de um óbito.

Em certa ocasião, enquanto conversava com dois técnicos de enfermagem, olhei

para o monitor de um paciente FPTC e percebi que a frequência cardíaca estava “zerada”.

Falei com um técnico: “acho que ele parou”. O técnico de enfermagem foi até o leito e

ajeitou os eletrodos de monitorização cardíaca para verificar se havia alguma interferência,

procurou o pulso no doente e constatou que não havia. O outro técnico foi ao “aquário”

comunicar à médica de plantão que o paciente havia “parado”. O técnico retornou, dirigiu-

se ao leito do paciente, fechou a cortina e disse: “ela (médica) pediu para esperar um

pouco, ela está terminando de passar os casos (dos doentes) com os acadêmicos (de

medicina)”.

Este episódio demonstra que os profissionais agem sem pressa quando um óbito

ocorre, pois não é preciso interromper a rotina do setor. Depois da constatação do

falecimento de um enfermo, faz-se necessário que a enfermagem prepare o corpo e que

comunique à família do doente. A seguir, deve decidir qual será o novo paciente a ser

admitido no setor.

A definição do paciente como “conforto” pode conduzir à manifestação de

diferentes tipos de emoção por parte dos profissionais de saúde. Por vezes, quando o

médico informa à equipe que o paciente é FPTC, alguns profissionais passam a não mais

atentar para a analgesia e sedação63

do enfermo, para que ele não sinta dor. Este aspecto é

valorizado pela equipe de enfermagem, já que no banho no leito, na troca de fraldas e nos

curativos os pacientes podem expressar desconforto. Afinal, são os profissionais da

enfermagem que estão presentes nesses episódios. Por vezes, alguns enfermeiros não

aceitam o diagnóstico e a conduta médica, o que provoca tensão na equipe. Para eles, o

essencial é que o paciente não sofra, não sinta dor, seja ele “viável” ou não. Este dado foi

relatado por Seymour (2001, p. 63), em entrevista com uma enfermeira staff acerca de uma

paciente idosa. Sua sedação foi retirada pela equipe médica, e a enfermeira achava que não

seria o certo para a doente, pois considerava importante que a paciente “morresse em paz”. 63 Ou sedativos. Substâncias para produzir alteração do estado de consciência do paciente, muitas vezes

causando sonolência.

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A morte é, tanto para o médico como para o hospital, antes de tudo um fracasso

(HERZLICH, 1993, p. 7). Por esta razão torna-se conveniente que a morte perca sua

importância central e cesse de mobilizar recursos e energias, sobretudo nas atitudes

cotidianas da equipe face ao agonizante. Neste sentido, os profissionais de UTI devem

aprender estratégias de enfrentamento da tensão emocional, no contato com a morte e

sofrimento. Eles devem se comportar com autocontrole. A rotina das equipes do hospital é

organizada de forma a silenciar a expressão emocional dos profissionais, dos doentes e de

seus familiares. A morte tão presente na UTI – é silenciada, regulada e rotinizada, talvez

como uma tentativa de banalização desse fenômeno (MENEZES, 2001, p. 126).

Para Glaser e Strauss (1982, p.150), a enfermagem parece estar presa a um dilema,

entre o prolongamento da vida ou a aceleração do processo da morte. Geralmente, ela

tende a resistir ao prolongamento da vida de um paciente internado. Quando se trata de

doente diagnosticado como FPTC, esta situação é evidente. As duas categorias – médicos e

enfermeiros – apresentam diferentes perspectivas: o médico tende a explicitar uma visão

fragmentada e despersonalizada do paciente, “o corpo separado da pessoa”, com uma

postural impessoal (GOOD, 1994, p. 73); o enfermeiro tende a uma visão mais abrangente

da pessoa, com troca de sentimentos, em busca da promoção de um cuidado totalizante do

paciente. Além dos aspectos técnico e fisiológico, a enfermagem relata aos médicos os

dados subjetivos que observam dos enfermos internados, mesmo quando sedados, o que

não é priorizado pela medicina convencional (SEYMOUR, 2001 p. 55).

A discussão da “boa morte” na UTI é recorrente: para os intensivistas, há diferença

entre este conceito, em relação à “boa morte” dos cuidados paliativos (CP). Na terapia

intensiva, o “conforto” ao paciente é fornecido por meio da intubação orotraqueal, por

aparelhos de ventilação mecânica e sedativos, condição oposta da que é priorizada na

assistência em CP, sem manobras invasivas, apenas com analgesia. O discurso profissional

sobre a “boa morte” tornou-se um ponto de referência central para as ideias mais amplas

sobre o “momento natural de morrer” e a “forma de morrer”. Ele é caracterizado pelas

ideias da consciência da morte, de desenvolvimento da consciência de auto-identidade e de

preparação social e psicológica para a morte. No entanto, a aplicação destas ideias para os

óbitos ocorridos na UTI é, à primeira vista, complexa. Quando ocorre uma morte na UTI,

geralmente é marcada pela vulnerabilidade e dependência física do doente que, muitas

vezes, conta com uma aparente ausência de consciência do “eu”. Tal condição é resultado

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da gravidade de seu estado biológico e, em parte, devido à indução de um estado

“artificial”, por drogas sedativas e analgésicas para aliviar a dor inevitável da doença e o

desconforto causados pelos tratamentos da terapia intensiva (SEYMOUR, 2001, p. 128)

A “boa morte” está presente em unidades de CP, com a participação do doente na

escolha das condutas. O ideal na assistência paliativa é que a morte ocorra em casa, com

controle da dor e dos sintomas, na companhia da família. No modelo de “morte moderna”,

a morte é hospitalizada, caracterizada pela perda da possibilidade de escolha individual,

pela presença do medo, pelo isolamento da família e amigos, pela ausência de cuidadores,

pela preeminência da alta tecnologia e do prolongamento do morrer. Nesta forma, o

paciente está isolado, solitário, e a morte é um processo impessoal, considerada como sem

dignidade (SEYMOUR, 2001, p. 19). Contrapondo-se a esse modelo, eminentemente

curativo, no qual o doente é despossuído de voz, o modelo de “morte contemporânea”

valoriza os desejos do enfermo. O aspecto central é o diálogo entre os atores sociais

envolvidos no processo do morrer: uma vez explicados os limites da ação do médico e dos

desejos do doente, é possível a deliberação sobre o período de vida ainda restante, a

escolha de procedimentos e a despedida das pessoas de suas relações, com o suporte da

equipe multidisciplinar. No modelo de “morte moderna” o médico é o principal

personagem a tomar decisões, enquanto no modelo de “morte contemporânea” a

autoridade seria a própria pessoa. A tomada de decisões deste indivíduo depende de três

requisitos: o conhecimento do avanço da doença e da proximidade da morte, por

comunicação da equipe médica; a expressão dos desejos e sentimentos do paciente para as

pessoas de sua relação e, finalmente, a escuta e atuação dos que cuidam do doente. O

primeiro aspecto desse novo modelo é a consciência do indivíduo da proximidade de sua

morte. De acordo com o ideário dos cuidados paliativos, os sentimentos face à finitude

devem ser expressos. As expressões “boa morte”, “morte tranquila” e “morreu bem”

passam a ser utilizadas amplamente pela literatura de difusão do ideário dos cuidados

paliativos, não se restringindo ao âmbito dos profissionais de saúde (MENEZES, 2004, p.

37).

Alguns militantes da proposta paliativista descrevem a “boa morte” como “uma

morte o mais próximo possível das circunstâncias em que a pessoa teria escolhido”

(CAMPBELL, 1990, p.2); “a morte com integridade, de acordo com a vida que a pessoa

levou” (KOMESAROFF et al., 1995, p.597). Se, no século XVI, descreveu-se a pessoa que

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está morrendo como a figura poderosa, com o controle de seu leito de morte sobre as

pessoas próximas, no século XX, houve uma transferência de poder para o médico. No

século XXI, parece mover-se, novamente, em direção a um modelo participativo do

doente. Os conflitos atuais sobre os papéis e responsabilidades em torno da morte e do

morrer refletem os movimentos de mudança de poder (PETERSEN & WADDELL, 1999,

p. 298).

A “boa morte” significa um processo em que o doente terminal, a família e a equipe

profissional de saúde aceitam a morte que se aproxima e participam da tomada de decisões

compartilhada. Acima de tudo, esta maneira de morrer é dito ser digna e pacífica. Porém,

ela só pode ocorrer se o enfermo, a família e os profissionais, todos concordam com o que

acontece pouco tempo antes da morte. (PETERSEN & WADDELL, 1999, p. 170).

Na UTI não é possível a ocorrência da morte de acordo com este modelo.

Geralmente o paciente está inconsciente e a família não é abordada pelos profissionais para

ter sua opinião expressa, ela não participa da tomada de decisões, que se restringe aos

intensivistas, principalmente ao médico. Neste setor, o conforto é oferecido aos membros

da equipe, uma vez que, para o alívio dos profissionais, por vezes decide-se intubar o

enfermo e conectá-lo ao aparelho de ventilação artificial, de modo a não acompanhar e

testemunhar o doente em insuficiência respiratória. A enfermagem usualmente apoia a

realização dessas intervenções, para o “menor sofrimento do paciente”. Em certa ocasião,

um médico se referiu a um paciente internado com sedação, com noradrenalina64

, tubo e

ventilador mecânico. Ele se irritou ao avaliar o doente, pois achava que o mesmo deveria

ser reoperado, para resolver a infecção e disse:

“Era para ter sido resolvido ontem, chamado a cirurgia e mandado abrir (a

barriga), ou então pára de fazer tudo, porque nora e sedação é tudo paliativo!”.

Este episódio evidencia a diferença entre os conceitos dos cuidados paliativos, na

UTI e em unidade paliativa. Os dados analisados por Seymour (2001, p. 152), em seu

estudo na Inglaterra, sugerem que é pela percepção do significado da tecnologia que são

determinadas as representações da “boa morte” na UTI. Essas percepções, por sua vez,

dependem das circunstâncias específicas nas quais o paciente é atendido, como a

tecnologia é empregada pela equipe clínica, e até que ponto os familiares são capazes de

compreender e aprovar tais ações.

64 Medicação utilizada para elevar a pressão arterial.

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***

Durante o período de observação ocorreram algumas mortes de figuras públicas.

Diferentes formas de expressão de sentimentos ocorreram em dois casos. Praticamente no

mesmo dia dois homens morreram: o presidente venezuelano, Hugo Chavez, e o cantor da

banda Charlie Brown Jr., o Chorão. O primeiro faleceu em decorrência de um câncer na

região pélvica, aos 58 anos. O segundo morreu aos 42 anos, por overdose de cocaína. Os

comentários que surgiram então na UTI do HUGG foram diversos, sobretudo pelo espanto

em relação à morte do cantor, por ser jovem. Ninguém esperava que fosse ocorrer, mesmo

sabendo que o cantor fazia uso de drogas. Já em relação à morte de Chavez, todos

consideraram tratar-se de uma “morte esperada”, pois ele tinha um câncer.

“Foi uma surpresa!”, disse uma enfermeira, sobre a morte do cantor.

Esta situação evidencia a diferença entre uma “morte inesperada” e “esperada”,

para a equipe da UTI. Um câncer é uma doença grave, até o momento sem cura, é uma

morte aguardada pelos intensivistas, assim como no caso de paciente com AIDS65

. Nesse

caso, mesmo se o enfermo for jovem, a morte é esperada, pois ele é portador de uma

enfermidade grave. Geralmente os doentes que internam na UTI não aderem ao

tratamento66

de modo regular, não tomam os antirretrovirais67

, condição que conduz a uma

antecipação da morte.

Glaser e Strauss (1982, p. 133) afirmam a existência de três tipos de morte rápida: a

esperada, na qual fica claro para os profissionais que o paciente morrerá em algumas horas

ou, no máximo, em um ou dois dias. A segunda é a morte esperada, com a consciência que

o doente irá morrer. A equipe tem certeza de que o doente irá morrer, mas não se antecipa

para o pior. Por último, a morte inesperada, quando não se espera que o enfermo morra;

espera-se que o paciente se recupere e, ao contrário, ele morre rapidamente, para surpresa

dos profissionais e familiares. Em geral, a morte inesperada e a esperada apresentam

diferentes impactos, tanto para profissionais como para familiares.

Apesar de seu contato frequente com o processo do morrer, em certas situações

alguns intensivistas demonstraram tensão e dificuldade em aceitar a morte de algum

65 Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV. É o estágio mais avançado da doença,

que ataca o sistema imunológico. 66 Adesão ao tratamento: quando a pessoa segue as recomendações do profissional de saúde, sejam elas

medicamentosas ou não. 67 Medicamentos para impedir a multiplicação do vírus HIV no organismo.

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paciente. Os enfermos jovens ou aqueles que apresentaram uma “morte inesperada”

podiam provocar incômodo, sobretudo quando o paciente se encontrava com um quadro

clínico estável e, até, em condições de alta da UTI. Quando ocorrem estas situações no

setor, alguns profissionais expressaram sentimentos, especialmente aqueles que

permaneceram mais tempo em contato com o doente internado, como a equipe de

enfermagem e fisioterapia – o que não significa que alguns médicos não tenham

demonstrado suas emoções.

A equipe médica não permanece rotineiramente ao lado dos pacientes. No início do

plantão, os médicos avaliam o enfermo, modificam as medicações e as condutas, e não se

mantêm próximos aos doentes até o fim do turno. Diferentemente de outras equipes, que

devem realizar intervenções diversas vezes ao dia, como no caso da fisioterapia: retirada da

ventilação mecânica dos pacientes em desmame, realização de VNI, aspiração traqueal

para eliminar as secreções etc., e da enfermagem: troca de fraldas, curativos, banho,

mudança de decúbito68

no leito, para evitar o surgimento de feridas, alimentar os doentes

que comem por via oral etc. Essas condutas demandam uma presença constante em contato

ao enfermo, uma monitorização constante, para que não ocorra qualquer intercorrência. Os

médicos reconhecem a proximidade do enfermo, da parte de alguns profissionais:

“A enfermagem está mais próxima do doente e por isso podem dizer ao médico se o paciente está urinando ou não”, disse um médico durante o round69.

“O contato da fisioterapia e da enfermagem com os pacientes é maior e, por isso, a ligação é maior”, disse uma médica.

Essas equipes demonstram suas angústias ao ver um paciente morrer, ainda que se

trate de um doente FPTC, principalmente se ele for jovem ou apresentar uma “morte

inesperada”.

Quando um doente com AIDS recebe alta da terapia intensiva, a equipe espera que

ele sobreviva por alguns anos. Contudo, quando ele vem a falecer na enfermaria poucos

dias após a alta, esta situação é considerada como uma “morte inesperada”, provocando

surpresa nos profissionais. Este tipo de situação pode ser ilustrado pelo seguinte diálogo,

68 Modificação da posição do corpo, quando deitado. 69 De acordo com Dicionário Prático Collins (2001, p. 283) round significa rodada, ronda, visitas. No

contexto investigado refere-se a uma reunião de importância central na UTI. As informações dos pacientes

são relatadas de forma detalhada – desde a história da internação, evolução, até o exame físico e as dosagens

dos medicamentos do dia. Procede-se uma avaliação e discussão sobre o estado do paciente e as decisões são

tomadas: pedidos de exames, pareceres de outros serviços do hospital ou alterações da terapêutica e dos

medicamentos (MENEZES, 2000, p. 36).

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ocorrido entre eu, uma fisioterapeuta, o médico da enfermaria. O tema da conversa era um

paciente jovem, portador do vírus HIV, que havia recebido alta há poucos dias:

Fisioterapeutas: “Como ele está?”

O médico responde: “Morreu!”

Fisioterapeutas: “Como?”

O médico contesta: “Vocês queriam o quê? Ia morrer!”

Fisioterapeutas: “Mas não agora!”

Quando a situação ocorre com um paciente FPTC ou com um doente com uma

“morte esperada”, os comentários são os seguintes: “vai morrer”, “esse paciente não sai”,

“dos oito leitos, nove vão morrer”, “ele está com olho de peixe morto, não passará de

amanhã”, “esse é highlander70

”, “se piorar, não é para ficar inventando”, “não é para

ficar nem olhando muito”, “tem um prognóstico horrível, não vou fazer nada para

atrapalhar”, “pra ficar ruim, precisa melhorar um pouco”, “se intubar reza, não sai

mais”. Essas falas consistem em eufemismos para a morte, o que também foi observado

por Menezes (2001, p. 126), em sua pesquisa. Esta maneira de expressão evidencia

angústia frente à morte, condição gera uma produção de mecanismos de defesa71

. O uso de

eufemismos pode ser uma estratégia para se afastar do drama vivido pelo enfermo e/ou por

seus familiares.

70 Refere-se a um filme cujo herói é um guerreiro imortal. Trata-se da pessoa que, a despeito de todo o

investimento terapêutico, não apresenta melhora nem piora, durante certo tempo prolongado. Em geral, ele

resiste, apesar da decisão médica de interromper o tratamento (MENEZES, 2006, p. 79). 71 Os mecanismos de defesa do ego entram em ação com a finalidade de proteger o ego do indivíduo e

reduzir / aliviar a tensão interna. Representam a parte inconsciente do ego. São eles: Repressão: operação

psíquica que tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno (ideia, afeto) – recalcamento. Formação reativa: duas atitudes ambivalentes e antagônicas, onde: uma se torna inconsciente

e a outra aparece supervalorizada (consciente). Exemplo; amor X ódio. Regressão: retorno do indivíduo a

estágios anteriores do seu desenvolvimento pulsional. Negação: consiste em negar parte da realidade externa

desagradável ou indesejável à consciência, por meio de uma fantasia de satisfação do desejo ou pelo

comportamento. Introjeção: relacionada à identificação. O indivíduo faz passar de “fora” para “dentro”

objetos e qualidades inerentes ao outro. Projeção: enquanto mecanismo de defesa consiste em atribuir ao

outro, características que o sujeito recusa ou rejeita em si. Os desejos são retirados da consciência e

colocados no outro. Isolamento: consiste em isolar um pensamento ou comportamento, de forma que sua

ligação com os demais seja quebrada. Ocorre um breve vazio mental por certo período (pausa ou silêncio).

Anulação: uma ação cuja finalidade é invalidar ou anular um possível dano que o indivíduo,

inconscientemente, imagina que seus desejos possam causar. Deslocamento: uma carga psíquica é deslocada

(transferida) de uma representação mental para outra. Esse mecanismo de defesa encontra-se muito presente nos sonhos. Racionalização: tentativa inconsciente de forjar razões capazes de conciliar os desejos reprimidos

com as exigências da censura. O indivíduo procura apresentar uma explicação do ponto de vista lógico, ou

aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento, de cujos motivos

verdadeiros não se apercebe. Sublimação: os impulsos instintivos sexuais e/ou agressivos sofrem uma

“dessexualização”, sendo descarregados para objetos ou objetivos socialmente aceitos (LAPLANCHE, J. &

PONTALIS, J.B., 1983).

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Os intensivistas estão em contato constante com a morte, ainda que façam todo o

possível para que ela não ocorra, por meio do uso de medicamentos e aparelhos de alta

tecnologia. Menezes (2006, p. 78) conclui em seu estudo em UTI que os recursos técnicos,

o saber e a competência do profissional de UTI são limitados, diante do avanço da

enfermidade, sobretudo quando a cura não é mais possível.

Em muitos momentos surgiram brincadeiras entre os intensivistas, especialmente ao

se tratar de situações tensas, associadas a mortes. Durante um round, em que um

acadêmico de medicina relatava o caso de um doente internado com câncer, ele comentou

a localização do tumor, concluindo sua frase da seguinte maneira: “saiu do bom, para

morto”. O tumor era de vias biliares, quadro clínico com péssimo prognóstico. Todos os

presentes reagiram com risos.

Em outra ocasião, um profissional atendeu a uma ligação de um funcionário da

capela do hospital, questionando a presença de familiares de um paciente que havia

morrido de madrugada. No entanto, outro doente havia falecido há poucos minutos na

unidade. Perguntei ao médico se poderia avisar ao funcionário da capela para retirar o

corpo. O médico respondeu da seguinte maneira: “a capela tá pró-ativa hoje!”. Todos os

presentes riram deste comentário. Brincadeiras surgiram em torno de um aparelho para dar

banho nos pacientes no leito, uma ducha. Os profissionais apelidaram o objeto de

“Michael”, em homenagem ao cantor Michael Jackson, pois o aparelho chegou à unidade

na época em que o cantor morreu. Na inauguração da UTI outro aparelho foi comprado,

pois haveria mais leitos, e foi nomeado de “Chorão”, pois foi no dia da morte do cantor.

Esses episódios demonstram o uso de estratégias pelos profissionais, em momentos

tensos, relacionados à morte. Segundo Menezes (2001, p. 126), o humor é uma forma de

expressão e de gestão das emoções neste ambiente. A partir da perspectiva da psicanálise,

o humor tem sido compreendido como revelador de verdades – às vezes extremamente

difíceis – que só podem vir à tona por meio de chistes ou de metáforas. Como a morte é

encarada, no modelo “moderno”, como fracasso, por vezes observa-se comentários jocosos

ou piadas de humor negro, relacionados a situações tensas (MENEZES, 2005, p. 212).

De acordo com Apte (1985, p. 115), o humor é principalmente verbal, embora muitas

vezes seja acompanhado de gestos e outras modalidades não-verbais, ele se apresenta através de

piadas, provérbios, enigmas, rimas, contos, anedotas e lendas. No mundo ocidental, a forma

mais popular de humor são as piadas, seguido por enigmas e rimas, como se pode observar na

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UTI. Expressões como “trambiclínicas”, “PIMBA – Pé Inchado Mulambo Bêbado

Atropelado”, “mulambulatório” são utilizadas como um referencial tanto às condições de saúde

do indivíduo e da população brasileira, como às próprias condições de trabalho do profissional

de saúde (MENEZES, 2001, p. 128). Segundo Peterson (1998, p. 673), as gírias médicas têm a

função de promover harmonia entre os profissionais de saúde, manter uma distância entre

profissionais e pacientes e diminuir as tensões produzidas pelo trabalho médico. Este autor

demonstra, em seu estudo sobre as gírias médicas cariocas, que elas criam novos significados na

relação de médicos, não só com pacientes, mas também para a sua própria aquisição de

conhecimento clínico e experiência, sobretudo, para o sistema público de saúde. Deslandes

(2004) aponta que a linguagem é um instrumento que reúne diversas dimensões: de gênero,

poder, classe social. Essas dimensões refletem uma cultura e constroem as relações e

interações no ambiente de saúde (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 690).

Os intensivistas evitam ao máximo o uso da palavra morte, ainda que se trate de um

evento muito presente, em sua rotina na UTI. Brincadeiras, metáforas e eufemismos são

frequentemente utilizados por estes profissionais, para amenizar o sentimento de frustração e

impotência em diversas situações, como quando ocorre uma morte, sobretudo não esperada.

4.5. “A mulher era uma bruxa”

Os pacientes categorizados como FPTC ou muito graves, com risco iminente de

morte mobilizavam os intensivistas, que se manifestavam da seguinte maneira: “ele está

pedindo pista”, “não quero que ele morra ‘que nem uma pipa72

’”, “é preciso começar a

fazer macumba, mágica para poder melhorar o paciente”, “pegue seu banquinho e saia de

mansinho”, “ela é um ser anaeróbio73

”. Alguns profissionais, ao ouvirem essas falas,

achavam graça na forma de expressão. Ao mesmo tempo, muitos se lembravam do caso da

médica de Curitiba (PR), Virgínia Soares de Souza (Revista Piauí, Junho, 2013), que foi

presa em 19 de fevereiro de 2013, acusada de provocar mortes na UTI do Hospital Evangélico.

Inicialmente esta médica foi acusada por uma fisioterapeuta da unidade, por “antecipação de

óbitos”. Ela relatou que a doutora mandava administrar um coquetel de sedativos e de

72 Refere-se a um paciente com edema, inchado. 73 Organismos que vivem sem ar ou sem oxigênio.

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bloqueadores neuromusculares74

, o chamado “kit morte”, além de manipular os padrões de

oxigênio dos aparelhos respiratórios, de modo que, na maioria dos casos, a morte do doente

ocorria em poucas horas. Ainda segundo a fisioterapeuta Karina Casser, o motivo era a

liberação de leitos na UTI, para acomodação de novos pacientes. A maioria dos funcionários da

unidade discordava desta prática, mas muitos eram coniventes, “por obediência à chefe”.

De acordo com notícias na mídia, Karina realizou diversas ligações para a Ouvidoria

Geral do Estado do Paraná, em março de 2012, para dar queixa da Dr.ª Virgínia. Após oito dias

de ligações, a Promotoria de Proteção à Saúde Pública de Curitiba foi acionada. Por meio de

certidões de óbito, promotores confirmaram nomes, dia e horário das mortes dos pacientes

mencionados na denúncia. O Núcleo de Repressão aos Crimes contra a Saúde, da Polícia Civil,

passou a investigar o caso. A investigação correu em segredo de Justiça.

Em janeiro de 2013 a Promotoria realizou gravações telefônicas dos números da casa,

do celular e do ramal da Dr.ª Virgínia do hospital. Nas gravações, a doutora conversa com

médicos, enfermeiros, diretores do hospital e com familiares dos doentes. As expressões

utilizadas pela médica chamaram a atenção dos policiais: “infelizmente, a missão nossa é

intermediá-los do trampolim do além”, “preciso desentulhar a UTI”, “a UTI tem de girar”,

“está quase lá”, “desligar o paciente”, “com a cabeça tranquila para assassinar”. Para os

investigadores, havia material suficiente para incriminá-la.

Ainda segundo notícias veiculadas pela mídia, a médica apresentava uma postura

arrogante, não possuía amizades, cobrava trabalho dos demais profissionais, principalmente da

enfermagem, o que gerava comentários entre as equipes, que a apelidaram de “bruxa”, tanto por

seu comportamento quanto por sua aparência física. Além disso, ela confiava em alguns

profissionais da UTI. Testemunhas afirmavam que ela cultivava “um grupinho”, “os

preferidos”. Aos demais, não dirigia a palavra. Quando o fazia, era para chamar a atenção: “não

quero ver bunda em cadeira”, “olha aqui, ô, primor de inteligência”. O superintendente do

hospital, o pastor Olegário Teixeira da Costa, declarou: “ela tratava mal as pessoas, é verdade,

mas é uma questão de temperamento, cada um tem o seu. Com os doentes nunca houve

reclamação. Ao contrário. Muitas vezes, vi familiares pedindo para ela desistir de tentar salvar

um parente, deixá-lo ir em paz, e ela tentando todas as alternativas”.

Cinco dias após a prisão da médica, a polícia voltou atrás. Segundo notícias, ela não

dissera “com a cabeça tranquila para assassinar”, mas “com a cabeça tranquila para

74 Medicamento que causa a paralisia dos músculos esqueléticos.

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raciocinar”. O procurador Marco Antonio Teixeira afirmou então que o conjunto de conversas

era pesado e evidenciava a intenção de provocar a morte dos pacientes, independente das

palavras “assassinar” ou “raciocinar”. Nos relatos em juízo de testemunhas, havia frases como:

“eu ouvi dizer”, “era consenso no hospital”, “soube que”, “o grande comentário é”. Mas a

essa altura, Dr.ª Virgínia era “um monstro”. Ela permaneceu presa por um mês.

Durante o processo, comentários de colegas de profissão surgiram, em defesa da

médica. A presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, Cintia Grion, considerou ter

havido criminalização das falas analisadas fora de contexto. Seu advogado, Elias Assad,

afirmou que as acusações foram feitas por leigos, que se impressionaram com o que se passa em

ambiente de UTI, além de terem sido motivadas por vingança pessoal, contra os desacatos ditos

pela médica. Para o ortopedista Manuel Ruedas Guerrero, seu companheiro de trabalho no

Hospital Evangélico: “pegaram o que existe de mais sensível, que é a morte, com o que há de

mais obscuro, que é uma UTI: portas fechadas, a tênue linha entre vida e morte. E uma mulher

que era uma bruxa”. Para ele, é possível que as acusações contra a médica tenham outras

razões: “ela é grossa, é racista, é mal-educada, é implicante, é desrespeitosa, é feia. Se for isso,

acusem-na, processem-na por racismo ou assédio moral. Mas falar que ela matava? Qual seria

o seu interesse? Financeiro? Loucura?”.

Após ser libertada, em entrevista, a médica disse que só queria saber o motivo de suas

supostas ações: “sou uma psicopata que montou, ao longo de 25 anos, uma quadrilha de outros

psicopatas, que aderiram sem ganho algum? Nesses anos todos, 400 médicos não acharam

nada errado? Ou, se acharam, ficaram calados porque sou extremamente poderosa? Isso é

sensacional!”. Segundo a médica, o que a promotoria chamou de “kit morte” constituem

procedimentos corriqueiros, usados em UTI em pacientes de extrema gravidade, na tentativa de

melhorar o estado do doente, jamais com a intenção de criar uma situação inversa. Ainda em

entrevista, Virgínia comentou o caso de uma menina que havia sido atacada por um cachorro, e

estava em morte cerebral documentada: “não se prolonga um sofrimento desses, isso é

desesperar uma família. Mas nós, latinos, temos essa cultura de deixar tudo, respirador, droga,

e isso é um crime porque a pessoa não está mais lá”.

A doutora foi acusada de “antecipar a morte” de um paciente de 65 anos, acamado

desde 1996, pois havia sofrido sete derrames. Ele fora reanimado durante 100 minutos, depois

de ter sofrido uma parada cardíaca. Segundo Virgínia, o prontuário deste paciente é a maior

testemunha de que tudo foi feito para salvá-lo. No inquérito constava uma foto deste senhor

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pescando. A doutora afirmou então: “Deve ser de 1995. Então o que parece é que ele chegou lá

andando e morreu do nada” 75

. Virgínia comentou com a jornalista que nem todo paciente cujo

coração pára tem que ser reanimado: “Tem doente que até não tem que ir para a UTI. Mas, se

você tenta explicar isso, acontece o que aconteceu comigo: ‘ela deixou ele morrer’, ‘ela

acelerou a morte’. Não! O doente já estava tecnicamente morto. Ninguém acelera nada”.

Não se trata aqui de defender a médica, mas de utilizar seu caso para refletir sobre o

processo de tomada de decisões em UTI. Quando trechos de falas são mencionados, fora de

contexto ou presenciadas por leigos, os relatos adquirem diferentes sentidos. Assim, podem

veicular significados associados a cenas e situações drásticas. Um médico, ao comentar esse

caso, afirmou que nós, intensivistas, falamos o mesmo que ela. Para os profissionais de

UTI essa linguagem é comum, mas para quem não trabalha neste ambiente pode ser um

absurdo, quando fora do contexto do setor, como: “deixa morrer”, “não vou fazer nada”,

“tem paciente mais viável lá fora (nas enfermarias)”. Mesmo com a lembrança desse caso, o

assunto era abordado com descontração no setor:

“Fala baixo, porque podem gravar e vai todo mundo preso”, diz um médico.

“Fala baixo, se alguém ouvir pode ser perigoso”, diz outro médico.

“Cuidado para não ser presa, hein! Igual à médica!”, diz um médico.

Durante o período de observação, o tema provocou polêmica entre os intensivistas.

Ao mesmo tempo, a permanência do assunto na mídia acarretou uma tomada de

consciência, por parte dos profissionais, de que sua linguagem poderia ser interpretada de

diferentes maneiras. Na época, todos os profissionais com quem conversei sobre este caso

não concordaram com a prisão da médica, com base em suas falas em conversas

telefônicas gravadas. Para eles, todos os profissionais do HUGG também poderiam ser

presos pelo uso daquela linguagem.

A delegação dos encargos da morte ao intensivista é capaz de gerar angústia, em

torno da decisão acerca de quem irá morrer ou sobreviver. Pelo fato de este profissional de

saúde deter o controle sobre a morte de um paciente, é possível que surjam críticas e

especulações, especialmente com os médicos, o que conduz ao surgimento de julgamentos,

como no caso da “bruxa” Dr.ª Virgínia.

75 Este paciente, na UTI do HUGG, talvez nem tivesse sido reanimado pela equipe, por se tratar de um enfermo

totalmente dependente, com “prognóstico reservado”.

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5. Considerações Finais

Como profissional de saúde de UTI, não esperava dar conta e observar tantos detalhes

de meu trabalho cotidiano. O medo de não conseguir realizar a observação era grande, por se

tratar de um ambiente extremamente familiar. Este questionamento surgiu antes e durante o

período de observação, inclusive foi um tema debatido na qualificação. Inicialmente achei que

faria relatos do dia a dia, sem “ver com outros olhos” ou “ver de fora”. No entanto, aos poucos

percebi que meu olhar se transformou. Passei a enxergar o contexto com um olhar diferente e

mais distanciado, em relação à perspectiva da biomedicina.

Estudar o familiar, principalmente no próprio ambiente de trabalho, requer um exercício

de reflexividade contínuo, pois a exposição a determinadas situações do setor; das equipes,

discussões, contradições, sentimentos; das condutas; dos pacientes, pode conduzir à sensação de

traição nos colegas. Acrescente-se que, após o término do estudo, é preciso retornar ao mesmo

local apenas como fisioterapeuta, e não mais como pesquisadora. Situação análoga ocorreu

com Maria Cristina Senna Duarte (2011), em sua pesquisa em UTI pediátrica na cidade do Rio

de Janeiro. Neste caso, a pesquisadora chefiava a unidade e foi necessário colocar em

suspensão perspectivas, valores e ideias anteriores, para deixar emergir o sujeito e sua

relação com os objetos, como se mostravam nos momentos de observação participante e de

entrevistas (DUARTE; MOREIRA, 2011, p.689).

No período de observação e na redação desta dissertação, estas questões se mostraram

centrais, no que tange ao que ocorre na UTI. Após meu retorno, desempenhando novamente

apenas o papel de profissional de saúde, determinadas atitudes e comentários de colegas, que

anteriormente ao período de observação eram rotineiros, passaram a provocar em mim certo

incômodo. Percebi que palavras ditas em um plantão sobre um paciente, por exemplo, podem

ser mal interpretadas por pessoas leigas ou pelas que não estão inseridas no contexto da

unidade, de modo que passei a me policiar em relação ao que falo. Além disso, como durante

as observações não poderia haver um julgamento de valor da minha parte, passei a

redimensionar as concepções de “certo” e “errado”, pois percebi que tudo depende do contexto,

e não necessariamente da minha opinião. Assim, o que pode ser certo na UTI do HUGG pode

não o ser, em outra UTI.

A principal transformação que observo em mim diz respeito à emergência de meus

sentimentos, no contato com os pacientes e em momentos próximos da morte. O fato de ler,

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refletir e escrever sobre a morte, o morrer e acerca do paciente terminal fez com que minha

visão sobre a UTI mudasse. Hoje, quando auxilio em uma parada cardiorrespiratória, e o doente

morre, não considero que isto seja mais um simples procedimento e que a vida volte logo ao

normal. Fico triste, choro ou sinto raiva, por não ter conseguido fazer com que o enfermo

sobrevivesse, mesmo sabendo que toda a equipe, inclusive eu, se empenhou ao máximo para

que isso acontecesse. A percepção de insucesso é frustrante, mas agora busco vivenciar aquele

momento com a consciência de que todos nós, da equipe intensivista, fizemos de tudo para

salvar aquele paciente, mas isso não significa ignorar ou “virar uma pedra” sem sentimentos.

Agora, trata-se de entender que, no local em que trabalho, há contato frequente com doentes

graves e com a eventualidade da morte.

A UTI é considerada uma “unidade fechada”, tanto em seu espaço físico, com janelas e

portas fechadas, ar condicionado central, luzes artificiais, mantendo o ambiente externo “lá

fora”, como pela “superespecialização” de sua equipe profissional, que lida com equipamentos

de alta tecnologia para o cuidado de pacientes graves. Por tais características, a equipe

intensivista é considerada “melhor” do que a de outros setores do hospital, tanto pelos

intensivistas como pelos profissionais de outros setores do hospital.

A rotina da UTI é organizada pela equipe, com a função de manter o maior controle

possível sobre as condições clínicas e funções vitais do doente, que é mantido em constante

monitoramento, por equipamentos eletrônicos, pela equipe de enfermagem. Trata-se de evitar a

morte, sempre que possível. Devido às especificidades da UTI, as relações entre a equipe

intensivista com os profissionais dos demais setores hospitalares podem ser tensas, pela

hierarquia entre os serviços. Dentro do setor, mesmo com a rotina estabelecida em equipe

multiprofissional, há forte distinção entre “médicos e demais profissionais de saúde”. A palavra

e a decisão do médico têm preeminência sobre as demais opiniões. Porém, quando outro setor

do hospital está envolvido na tomada de decisões, a escolha do intensivista, seja ele de qualquer

categoria profissional, tende a prevalecer.

Os intensivistas “se acham melhores” do que os demais profissionais, por possuírem

uma carga de conhecimentos teóricos e uma experiência prática “mais avançada”, por cuidarem

de pacientes graves, com risco de morte, e atuarem em procedimentos que geralmente só

acontecem dentro da unidade, como intubações e reanimação de paradas cardíacas. Por vezes,

este posicionamento conduz a conflitos, mas ao mesmo tempo, também se apresenta como um

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suporte para os outros setores hospitalares, como quando não há vagas para internação e um

doente grave permanece em enfermaria.

A principal preocupação dos intensivistas é referente ao atendimento que o paciente terá

na enfermaria, visto que os profissionais que lá atuam são considerados pelos intensivistas como

“não possuindo capacidade técnica para lidar com esse tipo de pacientes”, inclusive quando o

doente apresenta condições de alta da unidade, mas ainda necessitam de maior vigilância. Essa

preocupação faz com que, muitas vezes, enfermos permaneçam mais tempo internados na UTI.

Os intensivistas atuam neste ambiente especializado, com doentes de alta gravidade, de

modo que estão em constante contato com a morte. Porém, no setor, o processo do morrer é

denominado de diferentes maneiras: como óbito e como PCR. Esta diferenciação acarreta

formas distintas de ação, assim como de expressão – ou não – de sentimentos. O óbito é

entendido como uma morte esperada, quando todos os profissionais aguardavam que aquele

enfermo morresse em algumas horas ou em poucos dias. A equipe não faz nada para reverter o

quadro. Os profissionais não expressam sofrimento quando a morte de fato ocorre. Já na PCR,

os intensivistas fazem todo o possível para que o paciente sobreviva, utilizam todos os recursos

da unidade. Quando o doente sobrevive, há grande satisfação da equipe. Ao contrário, quando a

morte ocorre, os profissionais referem a existência de sentimentos de fracasso, insucesso,

impotência. Por vezes, eles consideram tratar-se de uma morte inesperada.

A partir dessas definições, é possível diferenciar a visão da “boa morte” na UTI, vista

pelos profissionais como aquela em que se deve amenizar o sofrimento do paciente que está

morrendo com analgésicos, sedativos e intubações, conectado a aparelhos de ventilação

mecânica e monitores, sem a presença dos familiares, apenas dos profissionais, até que o óbito

ocorra. Diferente da “boa morte” dos cuidados paliativos, em que nenhum procedimento

invasivo é realizado, apenas analgesia, para que o doente não sinta dor e a presença constante da

família com o enfermo.

A mobilização de sentimentos na UTI varia de acordo com o doente e com o que

acontece com ele. A morte inesperada é uma situação capaz de provocar a emergência de

sentimentos, por parte da equipe intensivista. Por vezes, quando o enfermo envolvido é jovem

observa-se o surgimento de desconforto na equipe, pelo fato de aquele indivíduo “ter muita

coisa para viver ainda”. No caso de internação prolongada no setor, pode se desenvolver um

processo de identificação entre o intensivista e o enfermo, o que pode gerar preocupações com o

momento da alta para enfermaria e/ou para casa, se terá ou não os cuidados necessários. Por

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vezes o profissional estabelece uma amizade com o paciente e passa a comprar comidas,

presentes, a ter longas conversas com o doente e com seus familiares, o que não é comumente

feito com outros pacientes internados. Essa situação ocorreu com a paciente Alice e sua filha

Joana: a equipe se mostrou muito mobilizada com o fato de a enferma permanecer por um

longo período internada na UTI. Por ocasião de sua alta para a enfermaria, a equipe se

preocupou e considerou que ela poderia não receber os cuidados necessários.

Quando ocorre este tipo de envolvimento, alguns profissionais utilizam recursos para

lidar com a emergência de sentimentos em momentos difíceis, como o uso de eufemismos e de

brincadeiras para aliviar o clima tenso. Brincadeiras com uso do nome de artistas que já

morreram eram frequentemente utilizadas no setor. Aparelhos passaram então a receber

apelidos, como “Chorão” e “Michael”. Os eufemismos, como “ele está pedindo pista”, “se

intubar reza, não sai mais”, “ele está com olho de peixe morto”, “pegue seu banquinho e saia

de mansinho” eram utilizados frequentemente pelos intensivistas como meio de afastamento do

sofrimento associado à morte e ao processo do morrer. Quando uma médica de Curitiba, Dr.ª

Virgínia Soares de Souza, foi presa e acusada de antecipar óbitos em uma UTI, o uso destas

frases passou a ser menos frequente, e surgiram comentários como o seguinte: “fala baixo,

porque podem gravar e vai todo mundo preso”.

As emoções não são frequentemente demonstradas neste setor. Os profissionais evitam

um contato mais próximo com o doente e com seus familiares, como modo de evitar

envolvimento emocional. Na UTI, a expressão de emoções é considerada como uma

perturbação à rotina da unidade, que pode atrapalhar a atuação técnica dos profissionais. Por

esse motivo, a não expressão se torna uma obrigatoriedade para os intensivistas. Quando não é

possível um autocontrole emocional e as emoções afloram, por vezes os profissionais

desabafam com os colegas de sua confiança, sejam eles da mesma categoria profissional ou não.

Recentemente surgiram programas de humanização da assistência hospitalar,

especialmente em UTIs. Contudo, apesar da implantação desta proposta, o modelo de morte

moderna ocorre neste setor, em pleno século XXI. Na UTI investigada, observa-se uma

tentativa de mudança desse modelo, por exemplo, na identificação dos pacientes por seus

nomes e não mais por números, no aumento da quantidade de períodos de visitas de familiares

durante o dia, na permissão de permanência de parentes no setor, em alguns casos. Tais

modificações no modelo de morte moderna, tão presente em UTIs, não significam a

implementação, na prática, do modelo de morte contemporânea, mas representam formas

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inovadoras de gestão do processo do morrer e da rotina de trabalho no local exemplar do

modelo de morte moderna.

Ainda são necessárias muitas mudanças, para que a assistência em UTIs se torne

efetivamente “humanizada”, principalmente aquelas referentes ao processo de formação dos

profissionais de saúde. Desde a graduação, estudantes da área da saúde aprendem a pensar no

enfermo como um objeto, constituído por partes, e não como um indivíduo. Considero que, se

ocorrerem transformações no ensino das formações do campo da saúde, é possível que muitas

características do modelo de morte moderna se modifiquem.

Atualmente atingiu-se um patamar de desenvolvimento tecnológico no qual é possível

certo domínio e regulação do processo do morrer. O médico é figura central neste cenário.

Cabe ampliar os debates em torno da gestão da morte e das possibilidades de expressão de

sentimentos na unidade de terapia intensiva, talvez como possibilidade de evitar – ou, pelo

menos reduzir - o sofrimento de todos os atores sociais envolvidos no acompanhamento do

término de uma vida – o que evidencia a fragilidade da existência humana.

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GLOSSÁRIO

ABSCESSO – coleção de pus, geralmente produzida por infecção bacteriana.

ACIDOSE - É a diminuição do pH de todo o organismo, tornando-o ácido devido à baixa

concentração de bicarbonato no sangue.

ADESÃO AO TRATAMENTO - quando a pessoa segue as recomendações do

profissional de saúde, sejam elas medicamentosas ou não.

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV. É o estágio

mais avançado da doença que ataca o sistema imunológico.

AMBÚ – aparelho para ventilação manual.

ANAERÓBIO – organismos que vivem sem ar ou oxigênio.

ANALGÉSICO – medicamento contra dor.

ANTIRRETROVIRAIS - medicamentos para impedir a multiplicação do vírus HIV no

organismo.

ASPIRAÇÃO TRAQUEAL – retirada passiva das secreções por sonda, conectada a um

sistema de vácuo.

BLOQUEADOR NEUROMUSCULAR - medicamento que causa paralisia dos músculos

esqueléticos.

BOMBA INFUSORA – aparelho para administração de medicamentos e alimentação.

CAPOTE – roupa utilizada por cima do jaleco.

CARRINHO DE PARADA – armário com rodas, no qual são armazenados materiais e

medicações utilizados para reverter uma parada cardiorrespiratória (PCR).

DESMAME – processo gradual de retirada de aparelhagem para ventilação artificial

(VM).

DIAZEPAM – medicamento ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo.

DIETA/NUTRIÇÃO ENTERAL – alimentação por meio de sonda, que libera o alimento

diretamente no intestino.

DIETA/NUTRIÇÃO PARENTERAL – alimentação por meio de cateter inserido na veia

do paciente. Serve para complementar ou substituir completamente a alimentação oral

ou enteral.

DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) – obstrução fixa ao fluxo

aéreo ou enfisema.

DRENAGEM DE TÓRAX - esvaziamento de conteúdo líquido ou gasoso

patologicamente retido na cavidade pleural.

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DUODENOPANCREATECTOMIA – também chamada de procedimento de Whipple.

Cirurgia que envolve o pâncreas, duodeno e estômago, realizada para tratamento de tumor

na cabeça do pâncreas.

EVOLUÇÃO – anotações diárias, efetuadas por profissionais de saúde, sobre o quadro

clínico dos pacientes, em seus prontuários.

EXPURGO – local em que são desprezadas as secreções dos pacientes, como urina, fezes,

secreção traqueal.

FENTANIL - potente analgésico utilizado contra a dor.

GASOMETRIA ARTERIAL – exame que avalia a acidez (pH) e a pressão parcial do

oxigênio e de gás carbônico no sangue.

HEMODIÁLISE – processo de filtração do sangue, efetuado por aparelhagem.

HIGHLANDER- refere-se ao filme cujo herói é um guerreiro imortal. Trata-se da pessoa

que, a despeito de todo investimento terapêutico, não apresenta melhora nem piora, durante

certo tempo prolongado. Em geral, ele resiste, apesar da decisão médica de interromper o

tratamento.

HIPERTENSÃO PULMONAR - elevação acima dos níveis normais, da pressão

sanguínea na pequena circulação ou circulação pulmonar (é a designação dada à parte

da circulação sanguínea na qual o sangue é bombeado para os pulmões e retorna rico

em oxigênio de volta ao coração. Em síntese, é uma circulação coração-pulmão-coração).

HISTERECTOMIA – cirurgia para extração do útero.

HOME CARE – também conhecido como assistência domiciliar. É uma modalidade continuada

de prestação de serviços na área da saúde, que visa à continuidade do tratamento hospitalar

no domicílio. É realizado por equipe multidisciplinar.

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA – condição clinica na qual os pulmões não

conseguem desempenhar adequadamente sua principal função, a troca gasosa, o que

significa que a captação de oxigênio e a liberação de CO2 estão prejudicadas.

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL – colocação e fixação de um tubo dentro da traqueia

do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão), para que o ventilador mecânico seja

conectado.

MECANISMOS DE DEFESA - os mecanismos de defesa do ego entram em ação com a

finalidade de proteger o ego do indivíduo e reduzir / aliviar a tensão interna. Representam a

parte inconsciente do ego. Tirar os sublinhados Repressão: operação psíquica que tende a

fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno (ideia, afeto) –

recalcamento. Formação reativa: duas atitudes ambivalentes e antagônicas, onde: uma se

torna inconsciente e a outra aparece supervalorizada (consciente). Exemplo; amor X ódio.

Regressão: retorno do indivíduo a estágios anteriores do seu desenvolvimento pulsional.

Negação: consiste em negar parte da realidade externa desagradável ou indesejável à

consciência, por meio de uma fantasia de satisfação do desejo ou pelo comportamento.

Introjeção: relacionada à identificação. O indivíduo faz passar de “fora” para “dentro”

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objetos e qualidades inerentes ao outro. Projeção: enquanto mecanismo de defesa consiste

em atribuir ao outro, características que o sujeito recusa ou rejeita em si. Os desejos são

retirados da consciência e colocados no outro. Isolamento: consiste em isolar um

pensamento ou comportamento, de forma que sua ligação com os demais seja quebrada.

corre um breve vazio mental por certo período (pausa ou silêncio). Anulação: uma ação

cuja finalidade é invalidar ou anular um possível dano que o indivíduo, inconscientemente,

imagina que seus desejos possam causar. Deslocamento: uma carga psíquica é deslocada

(transferida) de uma representação mental para outra. Esse mecanismo de defesa encontra-

se muito presente nos sonhos. Racionalização: tentativa inconsciente de forjar razões

capazes de conciliar os desejos reprimidos com as exigências da censura. O indivíduo

procura apresentar uma explicação do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista

moral, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento, de cujos motivos

verdadeiros não se apercebe. Sublimação: os impulsos instintivos sexuais e/ou agressivos

sofrem uma “dessexualização”, sendo descarregados para objetos ou objetivos socialmente

aceitos.

MUDANÇA DE DECÚBITO – modificação da posição do corpo, quando deitado.

NEFROLOGIA – nefrologista, especialidade referente ao funcionamento dos rins.

NEGATOSCÓPIO – aparelho pra visualização de exames radiográficos (raios X,

tomografias).

NORADRENALINA – medicação utilizada para elevar a pressão arterial.

PIELONEFRITE – infecção dos rins, geralmente produzida por bactérias.

PNEUMONIA – inflamação do tecido pulmonar.

PRESCRIÇÃO – ato de dispor em papel as drogas e seu modo de usar, a dieta e outros

cuidados a serem dados ao paciente; receita médica .

PROCEDIMENTO – termo amplamente utilizado por equipes de saúde. Refere-se à

retirada de sangue ou outras condutas, como punção arterial, dissecção de veia profunda,

intubação e colocação de prótese respiratória.

PROGNÓSTICO – previsão médica da evolução de uma doença.

PRONTUÁRIO – prontuário médico, de fato, prontuário do paciente, é o conjunto de

documentos padronizados, ordenados e concisos, destinados ao registro de todas as

informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos prestados ao enfermo.

PROVA DE FUNÇÃO PULMONAR – técnica capaz de medir a capacidade pulmonar.

PUNÇÃO VENOSA/ARTERIAL – ato de puncionar; operação que consiste em penetrar

em cavidade ou coleção líquida, com instrumento perfurado para retirada de líquidos.

Pode ser na veia ou na artéria.

ROUND – Rodada, ronda, visitas. No contexto investigado refere-se a uma reunião de

importância central na UTI. As informações dos pacientes são relatadas de forma detalhada

– desde a história da internação, evolução, até o exame físico e as dosagens dos

medicamentos do dia. Procede-se uma avaliação e discussão sobre o estado do paciente e

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as decisões são tomadas: pedidos de exames, pareceres de outros serviços do hospital ou

alterações da terapêutica e dos medicamentos.

SEDAÇÃO/SEDATIVOS – substâncias para produzir alteração do estado de consciência

do paciente, muitas vezes causando sonolência.

STAFF – profissional que possui estabilidade funcional, geralmente concursado que ocupa

posição hierárquica superior aos outros profissionais, que trabalham em regime de contrato

temporário.

TRAQUEOSTOMIA - procedimento cirúrgico pelo qual é produzido um orifício na

região anterior do pescoço, para permitir a entrada de ar na traqueia.

TUBO OROTRAQUEAL - tubo colocado na traqueia do paciente, durante intubação

orotraqueal, para que o ventilador mecânico seja conectado.

VAZÃO – quantidade volumétrica de um fluido, no caso a medicação, que escoa por uma

seção de uma tubulação ou canal, no caso a bomba infusora, por unidade de tempo.

VENTILAÇÃO ESPONTÂNEA – modo normal de respiração.

VENTILAÇÃO MECÂNICA – método de suporte para tratamento de pacientes com

insuficiência respiratória, por meio da utilização de aparelhos, os ventiladores mecânicos

artificiais.

VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA - técnica na qual é colocada uma máscara adaptada ao

rosto do o paciente, que evita fuga de ar. A máscara está ligada a uma máquina que gera

um fluxo de ar, para facilitar a respiração e melhorar a oxigenação.

VENTILADOR MECÂNICO/ARTIFICIAL – respirador, aparelho utilizado na

ventilação mecânica.

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APÊNDICE I – LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

TÍTULO AUTOR CATEGORIA

PROFISSIONAL

REVISTA ANO

Coping with emotion in intensive care nursing Philip Burnard Enfermagem Intensive Care

Nursing

1987

A autonomia e o trabalho em medicina José M. Ribeiro; Lilia B. Scharaiber Saúde Coletiva Cad. Saúde Públ. 1994

A difícil convivência com o câncer: um estudo das

emoções na enfermagem oncológica

Noeli Marchioro Liston Andrade

Ferreira

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 1996

Os Profissionais de Enfermagem e seus Emblemas:

Identidades e Distinções na Construção de uma Cultura

Profissional. Dissertação de Mestrado.

Martha Cristina Nunes Moreira Psicologia Escola Nacional de

Saúde Pública,

Fundação Oswaldo

Cruz.

1996

A percepção da equipe de enfermagem em situação de

morte: ritual do preparo do corpo pós-morte

Maria Cecília Ribeiro; Solange Baraldi;

Maria Júlia Paes da Silva

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 1998

O paciente em Centro de Terapia Intensiva: reflexão

bioética

Adriana Kátia Corrêa Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 1998

Etnografia: estratégia metodológica utilizada para

contextualizar o cenário cultural do CTI de um hospital

universitário

Marisa Antonini Ribeiro Bastos Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2001

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O que é paciente terminal Pilar L. Gutierrez Medicina Rev. Ass. Med. Brasil 2001

O saber e a tecnologia: mitos de um Centro de

Tratamento Intensivo

Marisa Antonini Ribeiro Bastos Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2002

Posicionamento dos enfermeiros relativo a revelação de

prognóstico de fora de possibilidade terapêutica: uma

questão bioética

Daniela Vivas dos Santos; Maria

Cristina Komatsu Braga Massarollo

Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2004

A morte no cotidiano dos profissionais de enfermagem de

uma Unidade de Terapia Intensiva

Ligia Aparecida Palú; Liliana Maria

Labronici; Leomar Albini

Enfermagem Cogitare Enfermagem 2004

Análise do discurso oficial sobre a humanização da

assistência hospitalar

Suely Ferreira Deslandes Saúde Coletiva Ciência & Saúde

Coletiva

2004

A distanásia como geradora de dilemas éticos nas

Unidades de Terapia Intensiva: considerações sobre a

participação dos enfermeiros

Maria Cecilia Toffoletto; Suely S. Viski

Zanei; Edilene Curvelo Hora; Gisele

Puerta Nogueira; Ana Maria K.

Miyadahira; Miako Kimura; Kátia

Grillo Padilha

Enfermagem Acta Paulista de

Enfermagem

2005

Dificuldades vivenciadas pela equipe multiprofissional na

Unidade de Terapia Intensiva

Maria Abadia Leite; Vanessa da Silva

Carvalho Vila

Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2005

O projeto ético político da humanização: conceitos,

métodos e identidade

Suely Ferreira Deslandes Saúde Coletiva Interface – Comunic.,

Saúde, Educ.

2005

Uma tentativa de humanizar a relação da equipe de

enfermagem com a família de pacientes internados na

Rosemary Silva da Silveira; Valéria

Lerch Lunardi; Wilson Danilo Lunardi

Enfermagem Texto Contexto

Enferm.

2005

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UTI Filho; Adriane M. Netto de Oliveira

A biomedicina Kenneth Rochel Camargo Jr. Saúde Coletiva Physis: Rev. Saúde

Coletiva

2005

Profissionais de enfermagem frente ao processo de morte

em Unidades de Terapia Intensiva

Beatriz Aparecida Ozello Gutierrez;

Maria Helena Trench Ciampone

Enfermagem Acta Paul Enferm. 2006

Compartilhando o processo de morte com a família: a

experiência da enfermeira na UTI pediátrica

Kátia Poles; Regina Szylit Bousso Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2006

O processo de humanização do ambiente hospitalar

centrado no trabalhador

Dirce Stein Backes; Wilson D. Lunardi

Filho; Valéria Lerch Lunardi

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2006

Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas

situações de terminalidade na Unidade de Terapia

Intensiva

Rachel Duarte Moritz Medicina RBTI 2007

Número de horas de cuidados de enfermagem em

Unidade de Terapia Intensiva adultos

Ana Maria Tranquitelli; Maria Helena

Trench Ciampone

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2007

Intensive Care Units cultures and end of life decision

making

Judith Gedney Baggs; Sally A. Norton;

Madeline H. Schmitt; Mary T.

Dombeck; Craig R. Sellers; Jill R.

Quinn

Enfermagem J. Crit. Care 2007

Cuidado humanizado de enfermagem: o agir com respeito

em um hospital universitário

Ingrid de Almeida Barbosa; Maria Júlia

Paes Silva

Enfermagem Rev. Bras. Enferm. 2007

Cuidado humanizado em terapia intensiva: um estudo Joselany Áfio Caetano; Enedina Soares; Enfermagem Esc. Anna Nery R. 2007

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reflexivo Luciene Miranda de Andrade; Roberta

Maria da Ponte

Enferm.

Perspectivas da avaliação na Política Nacional de

Humanização em Saúde: aspectos conceituais e

metodológicos

Serafim Barbosa Santos Filho Saúde Coletiva Ciência & Saúde

Coletiva

2007

A autonomia do paciente no processo terapêutico como

valor para a saúde

Jussara Calmon Reis de Souza Soares;

Kenneth Rochel Camargo Jr.

Saúde Coletiva Interface - Comunic.,

Saúde, Educ.

2007

O enfermeiro frente ao paciente fora de possibilidades

terapêuticas oncológicas: uma revisão bibliográfica

Jacqueline Camilo da Costa; Kassandra

Lopes; Dienne Margaria Caetano

Rebouças; Ludmila do Nascimento

Rodrigues Carvalho; Juliana Furtado

Lemos; Orcélia P. Sales C. Lima

Enfermagem Revista Vita et Sanitas 2008

Percepção de pacientes sobre o período de internação em

Unidade de Terapia Intensiva

Rosãngela Zampieri Pina; Luciane

Ferrira Lapchinsk; Jussara Simone

Lenzi Pupulim

Enfermagem Cienc. Cuid. Saude. 2008

Reflexões acerca da assistência de enfermagem e o

discurso de humanização em terapia intensiva

Roberto Carlos Lyra da Silva; Isaura

Setenta Porto; Nébia Maria Almeida de

Figueiredo

Enfermagem Esc. Anna Nery R.

Enferm.

2008

Visita em Unidades de Terapia Intensiva: concepção dos

familiares quanto à humanização do atendimento

Lúcia M. Beccaria; Roberta Ribeiro;

Giovanna L. Souza; Nathalia Scarpetti; Lígia M. Contrin;

Roseli A.M. Pereira; Ana Maria S. Rodrigues

Enfermagem Arq. Ciênc. Saúde 2008

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A temática da humanização na saúde: alguns

apontamentos para debate

Waldir da Silva Souza; Martha Cristina

Nunes Moreira

Saúde Coletiva Interface - Comunic.,

Saúde, Educ.

2008

Por uma etnografia dos cuidados de saúde após a alta

hospitalar

Edna Aparecida Barbosa de Castro;

Kenneth Rochel Camargo Jr.

Enfermagem; Saúde

Coletiva

Ciência & Saúde

Coletiva

2008

Percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos

relacionados a pacientes terminais em Unidade de Terapia

Intensiva

Adriano Aparecido Bezerra Chaves;

Maria Cristina Komatsu Braga

Massarollo

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2009

Sentimentos vivenciados pelos profissionais de

enfermagem que atuam em unidade de emergência

Geraldo Magela Salomé; Maria de

Fátima Moraes Salles Martins; Vitória

Helena Cunha Espósito

Enfermagem Rev. Bras. Enferm. 2009

O enfermeiro em Unidade de Terapia Intensiva

vivenciando e enfrentando situações de morte e morrer

Mertieli Sulzbacher;

Anelise Vieira Reck;

Eniva Miladi Fernandes Stumm; Leila Mariza Hildebrandt

Enfermagem Scientia Medica 2009

Vivência dos enfermeiros de Unidade de Terapia

Intensiva frente à morte e o morrer

Patrícia Gisele Sanches; Maria Dalva de

Barros Carvalho

Enfermagem Rev. Gaúcha Enferm. 2009

Distanásia, eutanásia e ortotanásia: percepções dos

enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva e

implicações na assistência

Chaiane Amorim Biondo; Maria Júlia

Paes da Silva; Lígia Maria Dal Secco

Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2009

Humanização em Unidade de Terapia Intensiva adulto:

compreensões da equipe de enfermagem

Silvio Cruz Costa; Maria Renita Burg

Figueiredo; Diego Schaurich

Enfermagem Interface – Comunic.,

Saúde, Educ.

2009

O conceito de humanização na Política Nacional de Luiz Augusto de Paula Souza; Vera Ciências Humanas e Interface – Comunic., 2009

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Humanização Lúcia Ferreira Mendes da Saúde Saúde, Educ.

Princípio da integralidade numa UTI pública: espaço e

relações entre profissionais de saúde e usuários

Rosangela de Oliveira; Sônia Ayako

Tao Maruyama

Enfermagem Rev. Eletr. Enf. 2009

Princípios do SUS e a humanização das práticas de saúde Ruben Araújo de Mattos Saúde Coletiva Interface – Comunic.,

Saúde, Educ.

2009

Tecnologia e humanização na Unidade de Terapia

Intensiva neonatal: reflexões no contexto do processo

saúde-doença

Laura Johanson da Silva; Leila Rangel

da Silva; Marialda Moreira Christoffel

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2009

Perfil e gravidade dos pacientes das Unidades de Terapia

Intensiva: aplicação prospectiva do escore APACHE II

Eliane Regina Ferreira Sernache de

Freitas

Fisioterapeuta Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2010

Estudo fenomenológico sobre a vivência da morte em

uma Unidade de Terapia Intensiva neonatal

Laureana Cartaxo Salgado Pereira

Silva; Cecília Nogueira Valença;

Raimunda Medeiros Germano

Enfermagem Rev. Bras.

Enfermagem

2010

Assistência humanizada em UTI neonatal: os sentidos e

as limitações identificadas pelos profissionais de saúde

Kátia Maria Oliveira de Souza; Suely

Deslandes Ferreira

Psicologia Médica Ciência & Saúde

Coletiva

2010

Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em

vivências e ou evidências?

Severina Alice da Costa Uchôa;

Kenneth Rochel Camargo Jr.

Saúde Coletiva Ciência & Saúde

Coletiva

2010

Reações e sentimentos de profissionais da enfermagem

frente à morte dos pacientes sob seus cuidados

Marina Soares Mota; Giovana Calcagno

Gomes; Monique Farias Coelho; Wilson

Danilo Lunardi Filho; Lenice Dutra de

Sousa

Enfermagem Rev. Gaúcha Enferm. 2011

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Sentimentos do estudante de enfermagem em seu

primeiro contato com pacientes

Janaína Gomes Perbone; Emília

Campos de Carvalho

Enfermagem Rev. Bras. Enferm. 2011

Cuidando do paciente no processo de morte na Unidade

de Terapia Intensiva

Rudval Souza da Silva; Ana Emília

Rosa Campos; Álvaro Pereira

Enfermagem Rev. Esc. Enf. USP 2011

A integralidade na formação dos profissionais de saúde:

tecendo valores

Gabriela Guerra Gonze; Girlene Alves

da Silva

Saúde Coletiva Physis Revista de

Saúde Coletiva

2011

Autonomia e cuidado em terapia intensiva pediátrica: os

paradoxos da prática

Maria Cristina Senna Duarte; Martha

Cristina Nunes Moreira

Saúde Coletiva Interface – Comunic.,

Saúde, Educ.

2011

A dialética humanização-alienação como recurso à

compreensão crítica da desumanização das práticas de

saúde: alguns elementos conceituais

Rogério Miranda Gomes; Lilia Blima

Schraiber

Saúde Coletiva Interface - Comunic.,

Saúde, Educ.

2011

Competência profissional do enfermeiro para atuar em

Unidades de Terapia Intensiva: uma revisão integrativa

Silvia Helena Henriques Camelo Enfermagem Rev. Latino-Am.

Enfermagem

2012

End of life care in the intensive care setting: a descriptive

exploratory qualitative study of nurses' beliefs and

practices

Kristen Ranse; Patsy Yates; Fiona

Coyer

Enfermagem Australian Critical

Care

2012

Perspective of physicians and nurses regarding end of life

care in the Intensive Care Unit

Emir Festic; Michael E. Wilson; Ognjen

Gajic; Gavin D. Divertie; Jeffrey T.

Rabatin

Medicina J. Intensive Care Med. 2012