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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA CLAUDIA ALMEIDA DE OLIVEIRA FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

CLAUDIA ALMEIDA DE OLIVEIRA

FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL

RIO DE JANEIRO

2013

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CLAUDIA ALMEIDA DE OLIVEIRA

FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de

Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários para obtenção do grau de Doutor em

Saúde Coletiva.

Orientador: MARISA PALÁCIOS DA CUNHA E

MELO DE ALMEIDA REGO

RIO DE JANEIRO

2013

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O48 Oliveira, Cláudia Almeida de. Fundamentos éticos das ações de vigilância em saúde ambiental/ Cláudia Almeida de Oliveira. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2013. 121 f.; 30cm. Orientador: Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego. Tese (Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2013. Referências: f. 109-113. 1. Saúde ambiental. 2. Vigilância sanitária ambiental. 3. Proteção ambiental. 4. Vulnerabilidade em saúde. 5. Populações vulneráveis. 6. Moral. 7. Ética. 8. Conflito de interesses. I. Rego, Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 363.7

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Maria do Carmo e Ahirton pela dedicação, afeto e exemplo.

À minha orientadora Marisa Palácios, pelas instruções sabiamente dadas, pelo

estímulo, confiança e compreensão sempre presentes.

À minhas amigas Adriane e Adriana, pela ajuda e incentivo constantes.

Ao meu marido e companheiro Gilber, que me proporcionou a base familiar e a

firmeza ideológica do caminho que trilho.

Aos meus filhos amados Jihad Muni e Jawad Muni, pela força que me move e

pelo tempo que tiveram que tolerar minha ausência durante este trabalho.

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RESUMO

OLIVEIRA, Claudia Almeida de. FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS AÇÕES DE

VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em

Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, 2013.

O modelo atual de desenvolvimento transforma aceleradamente as relações sociais e

econômicas, acentuando os riscos para a saúde e o ambiente. É nesta relação entre saúde da

população e ambiente que se define o campo de conhecimento da “Saúde Ambiental”. Esta

tese se desenvolve situada no campo teórico da Saúde Ambiental e seu campo de práticas - a

Vigilância em Saúde Ambiental (VSA), procurando dar sua contribuição incorporando

referenciais da ética e bioética, sendo estes: o campo da moral; a Ética da Convergência; e a

vulnerabilidade no contexto da Bioética da Proteção e do Movimento de Justiça Ambiental.

Compõe-se de um estudo qualitativo realizado com gestores da VSA que procura Identificar

os aspectos morais das atividades da Vigilância em Saúde Ambiental e os fundamentos éticos

utilizados por seus profissionais nas tomadas de decisões acerca de suas intervenções. Os

dados foram coletados através de roteiros semiestruturados e interpretados pela Análise de

Conteúdo, mais especificamente a Análise Temática. Consideramos que na prática da

Vigilância em Saúde Ambiental se encontram muitos dilemas e conflitos morais. Observamos

também que os conteúdos da Ética estão sendo pouco aprofundados no campo do serviço da

VSA. Consideramos que a forma de ver a proteção da saúde pelos entrevistados carrega uma

forte influencia da visão tecno-científica. Identifica-se também que um fator que possui forte

relação com uma maior vulnerabilidade destas populações é o poder econômico, que se

sobrepõem aos interesses da população. Apresentamos como sugestão a ampliação deste tipo

de debate, e que, no cerne desta ampliação, a academia se faça presente, estreitando a relação

tanto com o serviço de Saúde Ambiental, quanto com a população.

Palavras-chave

Bioética, fundamentos éticos, Vigilância em Saúde Ambiental, vulnerabilidade.

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ABSTRACT

OLIVEIRA , Claudia Almeida de . ETHICAL BASIS OF ENVIRONMENTAL HEALTH

SURVEILLANCE . Rio de Janeiro , 2013 . Thesis (Ph.D. in Public Health ) - Instituto de

Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

The actual development model quickly transforms the social and economic relationships,

increasing health and the environment risks. Therefore, the relationship between population

healthy and the environment defines the "Environmental Health" field. The Environmental

Health and its field of practice - the Environmental Health Surveillance (VSA) are addressed

in the present study, incorporating benchmarks of ethics and bioethics, namely: the field of

morals, the Ethics of Convergence; and vulnerability in the context of Bioethics of Protection

and the Environmental Justice Movement. Therefore, this is a qualitative study involving

managers VSA looking to identify the moral aspects of the activities of the Environmental

Health Surveillance and ethical foundations used by practitioners in making decisions about

their interventions. Data were collected through semi-structured scripts and interpreted by

content analysis, more specifically thematic analysis. We believe that the practice of

Environmental Health Surveillance are many dilemmas and moral conflicts. We also note that

the contents of the Ethics are little depth of field service VSA. We believe that the way to see

the protection of health by respondents carries a strong influence of techno- scientific vision.

It also identifies a factor that has a strong relationship with a higher vulnerability of these

populations is economic power, which overlap with the interests of the population. This study

suggested an increase of the dialog between society and the, strengthening the relationship

between both the Environmental Health Service and population.

Keywords

Bioethics , ethical, Environmental Health Surveillance , vulnerability.

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1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 O CAMPO DA MORAL .......................................................................................... 15

2.1 O CIENTIFICISMO COMO REJEIÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO MORAL ........ 24

3 VULNERABILIDADE NO CONTEXTO DOS PROBLEMAS SÓCIO-AMBIENTAIS: CONTRIBUIÇÕES DA ÉTICA DA PROTEÇÃO E DA JUSTIÇA AMBIENTAL ....... 30

3.1 VULNERABILIDADE CONFORME A JUSTIÇA AMBIENTAL .......................... 30

3.2 BIOÉTICA DA PROTEÇÃO E VULNERABILIDADE ......................................... 39

4 VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL – CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO NACIONAL........................................................................................... 44

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................... 51

5.1. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS DE PESQUISA ........................... 51

5.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS: .................................................. 52

5.3 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: .................................................. 53

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 56

6.1 OS GESTORES DA VSA .................................................................................... 56

6.1.1 RELATAM CONTATO COM A ÉTICA ............................................................. 58

6.1.2 RELATAM QUE NÃO TIVERAM CONTATO COM ÉTICA ............................. 59

6.1.3 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO SOBRE CONTATO COM A ÉTICA ............ 60

6.2. CONFLITOS E DILEMAS IDENTIFICADOS ..................................................... 61

6.2.1. CONFLITOS ESTADO-POPULAÇÃO ............................................................ 61

6.2.2 CONFLITOS ESTADO-MUNICÍPIOS E OUTRAS INSTÂNCIAS .................... 64

6.2.3 CONFLITOS RELACIONADOS À FALTA DE CONTROLE SOCIAL ............. 65

6.2.4 CONFLITOS VSA-POLÍTICOS E GESTORES ................................................ 65

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6.2.5 CONFLITOS ACADEMIA-SERVIÇO ............................................................... 66

6.2.6 CONFLITOS PROFISSIONAL-ESTADO ......................................................... 67

6.2.7 CONFLITOS ESTADO/VSA-EMPRESAS E INTERESSES ECONÔMICOS .. 68

6.2.8 CONFLITOS RELACIONADOS AO CONTROLE DE FISCALIZAÇÃO .... 69

6.2.9 CONFLITOS EMPRESAS-POPULAÇÃO ........................................................ 69

6.2.10 CONFLITOS INDIVIDUAL-COLETIVO .......................................................... 69

6.2.11 CONFLITOS ENTRE PROJETOS/FRENTE DE ATUAÇÃO ......................... 70

6.2.12 CONFLITO DE PRIORIDADES ..................................................................... 70

6.2.13 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO SOBRE OS CONFLITOS APONTADOS PELOS ENTREVISTADOS ....................................................................................... 70

6.3 SOLUÇÃO DE CONFLITOS IDENTIFICADOS .................................................. 73

6.3.1 CONSIDERAR A POPULAÇÃO ..................................................................... 73

6.3.2 CONSIDERAR A SAÚDE ................................................................................ 74

6.3.3 CONSIDERAR A ÉTICA .................................................................................. 74

6.3.4 USO DA LEGALIDADE ................................................................................... 75

6.3.5 CONSIDERAR NÍVEL TÉCNICO .................................................................... 76

6.3.6 CONTROLE SOCIAL ....................................................................................... 76

6.3.7 DIÁLOGO ......................................................................................................... 77

6.3.8 COMUNICAÇÃO DE RISCO ........................................................................... 78

6.3.9 USO DE PARCERIAS/ACORDOS .................................................................. 78

6.3.10 CONTROLE DAS PESQUISAS ..................................................................... 79

6.3.11 ROTINA DA VIGILÂNCIA .............................................................................. 79

6.3.12 ARGUMENTOS UTILITARISTAS .................................................................. 80

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6.3.13 USO DA FORÇA ............................................................................................ 80

6.3.14 BENEFICÊNCIA E NÃO MALEFICÊNCIA .................................................... 81

6.3.15 OUTROS TEMAS .......................................................................................... 81

6.3.16 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO SOBRE SOLUÇÃO DE CONFLITOS IDENTIFICADOS ...................................................................................................... 81

6.4 POSICIONAMENTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE GASODUTO E LINHAS DE TRANSMISSÃO DE ELETRICIDADE................................................................. 83

6.4.1 CONSIDERAÇÕES DOS QUE SE POSICIONAM PERANTE O DILEMA ...... 84

6.4.2 CONSIDERAÇÕES DOS QUE NÃO SE POSICIONAM .................................. 87

6.4.3 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO ..................................................................... 87

6.5 POSICIONAMENTOS SOBRE O TRATAMENTO DE ÁGUA EM ÁREAS INDÍGENAS .............................................................................................................. 88

6.5.1 PROTEÇÃO DA SAÚDE COMO VALOR PRIORITÁRIO ............................... 89

6.5.2 LEVA EM CONSIDERAÇÃO A PRESERVAÇÃO DA CULTURA................... 90

6.5.3 PONDERAM ENTRE OS DOIS VALORES ..................................................... 92

6.5.4 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO ..................................................................... 94

6.6 POSICIONAMENTOS SOBRE A AÇÃO DO ESTADO NO CASO DO DESASTRE DO CÉSIO 137 ..................................................................................... 96

6.6.1 PROTEÇÃO DA SAÚDE COMO VALOR PRIORITÁRIO ............................... 96

6.6.2- LEVAM EM CONSIDERAÇÃO OS DESEJOS DA POPULAÇÃO E AS LIBERDADES INDIVIDUAIS .................................................................................. 100

6.6.3 PONDERAM ENTRE OS DOIS VALORES ................................................... 103

6.6.4 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO ................................................................... 105

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 107

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 109

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1 INTRODUÇÃO

Os problemas ambientais se tornaram um foco de grande preocupação,

principalmente nas últimas décadas. As transformações causadas pelo atual modelo

de desenvolvimento econômico através de produção e consumo crescentes,

inerentes ao sistema capitalista em voga, desencadearam grandes transformações

nos nichos ecológicos afetando os ciclos naturais. Essa intervenção humana

desenfreada nos sistemas ecológicos gera modificações ambientais podendo

acarretar graves consequências. Segundo Augusto e colaboradores (2003), este

modelo de desenvolvimento transforma aceleradamente as relações sociais e

econômicas, acentuando os riscos para a saúde e o ambiente.

É nesta relação entre saúde da população e ambiente que se define o campo de

conhecimento da “Saúde Ambiental”. Durante muitos anos, no Brasil, as questões

ambientais relacionadas à saúde foram quase que, do ponto de vista institucional,

exclusivas das instituições de saneamento básico. O crescimento da área de Saúde

do Trabalhador, a partir da década de 80 (que explicitava o elo entre ambiente e

saúde), além da mobilização crescente sobre as consequências da degradação do

meio ambiente, contribuíram para a incorporação de uma saúde ambiental

(TAMBELLINE e CÂMARA, 1998).

De acordo com a FUNASA, a Vigilância em Saúde Ambiental (VSA) faz parte da

vigilância em saúde, que preconiza a atenção integral à saúde. A complexidade da

interação do ambiente com a vida humana necessita de uma integração intersetorial,

sendo essa uma das atribuições essenciais da VSA. Esta abordagem complexa

requer integração, processamento e interpretação de informações visando o

conhecimento dos problemas de saúde existentes relacionados aos fatores

ambientais; sua priorização para tomadas de decisão e execução de ações relativas

ás atividades de promoção, prevenção e controle recomendadas e executadas por

este sistema e sua permanente avaliação. A colaboração na proteção do meio

ambiente objetivando a saúde humana, bem como auxiliar a execução de políticas

públicas relacionadas ao ambiente e saúde são algumas das diretrizes da VSA.

(BRASIL, 2003). Esta tese se desenvolve situada no campo teórico da Saúde

Ambiental e seu campo de práticas - a Vigilância em Saúde Ambiental, procurando

dar sua contribuição incorporando referenciais da ética e bioética.

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Cortina e Martínez (2005) observam que a ética consiste na parte da filosofia

que se dedica à reflexão sobre as questões morais, tendo como ferramentas

conceitos e argumentos que permitam dar conta racionalmente da dimensão moral

humana. Esta moral humana pode ser entendida como um conjunto de princípios,

valores e normas que cada geração transmite à geração seguinte na confiança que

seja um bom legado de orientações sobre o modo de se comportar para viver uma

vida boa e justa. Para os autores, a aplicação dos princípios morais às situações

concretas da vida pessoal e social não pode ser feita mecanicamente, “mas exige

dos que tem que tomar as decisões um profundo conhecimento das circunstâncias e

uma cuidadosa avaliação das consequências” (p. 144). Ainda segundo os autores, a

exclusão de argumentações morais em casos relevantes para a humanidade está

trazendo consequências nefastas para o planeta e para a sobrevivência do ser

humano. A bioética possui marcante presença no campo sanitário brasileiro

fornecendo, através de suas ferramentas, condições para a análise das questões e

conflitos morais relativos a esta área. Um dos principais focos de atuação se refere á

justiça sanitária, ou, conforme Schramm (2006), ao problema da injustiça social e

seus efeitos na qualidade de vida e saúde das populações humanas.

No artigo intitulado “Ciência pós-normal”, Funtowicz e Ravetz (1997) relatam

que os problemas atuais de saúde e meio ambiente têm aspectos comuns que os

distinguem dos problemas científicos tradicionais. Os fenômenos são novos,

complexos e variáveis. A função essencial de controle de qualidade e avaliação

crítica não pode mais ser desempenhada por um corpo restrito de especialistas. O

diálogo sobre a qualidade e a formulação de políticas deve ser estendido a todos os

afetados pela questão. Porto e colaboradores (2004) observa que a “ciência normal”

é positivista, e hegemônica quando analisa problemas relacionados à saúde e

ambiente. Como afirma o autor:

Tal ciência é vista como excessivamente especializada e ‘neutra’, despojada de valores, incapaz de reconhecer a complexidade e as incertezas em jogo, e despolitizadora por não considerar as dinâmicas de poder e não dialogar com a sociedade, em especial os mais vulneráveis diante dos problemas analisados. (PORTO e cols, 2004, p. 2)

Pensando no trecho citado acima, ao refletirmos sobre a extensa gama de

funções da VSA, não podemos deixar de considerar que a degradação ambiental se

distribui de maneira desigual, com consequente desigualdade social em relação à

exposição aos riscos ambientais. Essa reflexão torna-se essencial no cotidiano dos

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gestores. A distribuição sócio-espacial desigual dos riscos ambientais expõe a

vulnerabilidade de pessoas com menor capacidade de proteger seus próprios

interesses (FREITAS e PORTO, 2004), gerando formas de exclusão que, marcadas

pela injustiça social e seus efeitos sobre a qualidade de vida e saúde, expõe uma

problematização ética que acrescenta a questão da vulnerabilidade na pauta de

prioridades da bioética (SCHRAMM, 2006). Assim, o conceito de vulnerabilidade

ganha especial relevo. Central para as discussões acerca da Justiça Ambiental e

para as discussões em Bioética da Proteção, os usos do conceito nesses campos

foram analisados em suas semelhanças e diferenças.

Ao realizarmos uma oficina de trabalho sobre aspectos bioéticos da pesquisa e

da prática da Vigilância Ambiental em Saúde (VSA), em julho de 2006, buscamos

aprofundar o cotidiano da VSA com o campo da moral. Para dar conta dessa

relação, procuramos refletir sobre algumas questões:

No campo da prática da VSA, que questões morais vocês acham que estão relacionadas com esta prática, que demandem reflexão ética para a tomada de decisões? Onde existe dúvida sobre o que é justo/certo/bom fazer? Quais são as situações? Quais os conflitos e dilemas mais encontrados nas ações do Estado? (PALÁCIOS e cols, 2009, p.769)

A partir destas questões muitas outras surgiram, ou seja, essas reflexões

suscitaram mais dúvidas do que respostas. Este fato nos levou a crer que o

cotidiano da VSA está repleto de questões morais, que estamos lidando

frequentemente com valores. A vulnerabilidade da população permeou os diversos

temas de discussão. A relação com grupos afetados, entre os diversos

setores/instâncias e com o poder econômico; a comunicação de risco e o papel do

Estado foram aspectos incluídos nos dilemas e conflitos que os gestores enfrentam

cotidianamente.

Diante destes fatos, constatamos a necessidade de aprofundarmos e

ampliarmos essa reflexão. Para tal, foi pensado em verificar, através de uma

pesquisa qualitativa baseada em questões do relatório acima citado, os aspectos

morais das atividades da Vigilância em Saúde Ambiental (VSA) e os fundamentos

éticos utilizados por seus gestores nas tomadas de decisões acerca de suas

intervenções. Estabelecemos, portanto, alguns objetivos específicos para dar conta

desta análise: (1) compreender as diferenças e semelhanças dos conceitos de

vulnerabilidade como são utilizados pelos autores que trabalham com Justiça

Ambiental e com Bioética da Proteção; (2) contextualizar na área da Vigilância em

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Saúde Ambiental os conflitos morais; (3) identificar e analisar quais os conflitos e

dilemas morais encontrados no cotidiano da VSA; (4) identificar e analisar quais os

argumentos utilizados para solucionar os dilemas encontrados nas tomadas de

decisão.

Pensando nos objetivos propostos desse trabalho, procuramos buscar subsídios

na literatura concernente às questões éticas que a VSA nos apresenta. No 2º

capítulo - O campo da moral – procuramos observar, através das considerações de

Dewey, como também de Cortina e Martinez, quais os elementos que caracterizam o

campo da moral, buscando trazer, para esse cenário, a função da ética como

reflexão desse campo moral. Abordamos também, neste capítulo, a sistematização

de algumas estratégias de argumentação moral, culminando na apresentação da

Ética da Convergência proposta por Malliandi e Thuer. Este paradigma busca a

fundamentação do argumento moral reconhecendo a conflitividade dos valores

morais, pretendendo assim, dar conta de sua aplicabilidade em casos concretos.

Abordamos ainda, como um subcapítulo, “o Cientificismo como rejeição da

Fundamentação Moral”, apresentando as observações de autores que reconhecem

este Cientificismo como uma reflexão que exclui a racionalidade para qualquer outro

âmbito que não seja do saber técnico-científico.

No 3º capítulo - Vulnerabilidade no contexto dos problemas

socioambientais: contribuições da Ética da Proteção e da Justiça Ambiental –

procuramos revisar o conceito de vulnerabilidade através das considerações

apresentadas pela Bioética da Proteção e da Justiça Ambiental através de seus

principais autores. Buscamos ainda observar as diferenças desses dois referenciais

em relação ao conceito de vulnerabilidade. Podemos perceber que a Justiça

Ambiental procura centrar seu foco nos processos e relações que levam a

vulnerabilidade das pessoas. Já a Bioética da Proteção procura determinar a falta de

empoderamento característica dessa vulnerabilidade.

No 4º capítulo- Vigilância em Saúde Ambiental - considerações sobre o

contexto nacional - apresentamos um breve panorama histórico da Vigilância em

Saúde Ambiental (VSA), quais as suas características e objetivos, bem como os

instrumentos, métodos e indicadores por ela utilizados. Buscamos também observar

como a atuação da VSA no Brasil é preconizada e qual sua estrutura organizacional,

pretendendo, assim, um reconhecimento maior do campo onde os conflitos morais

estão sendo identificados.

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No 5º capítulo - Procedimentos Metodológicos – apresentamos as etapas

desenvolvidas na pesquisa referente ao critério de seleção dos sujeitos de

pesquisa, instrumento de coleta de dados, e interpretação e análises de dados

conforme preconizadas pelo método de Análise de Conteúdo, mais precisamente a

Análise temática.

No 6º capítulo - Resultados e discussão – apresentamos os resultados

encontrados na pesquisa de campo realizada com os gestores da VSA em 3 partes.

Na primeira parte, descrita com o subtítulo de os gestores da VSA, procuramos

caracterizar os sujeitos de pesquisa e descrever o contato que estes tiveram com os

conteúdos da Ética durante suas formações. Na segunda parte se encontram 2

grandes temas:

(1) Conflitos e dilemas encontrados, no qual são apresentados os principais

conflitos e questões morais identificadas pelos gestores. Tais conflitos foram

classificados em 12 categorias: Conflitos Estado-população; Conflitos Estado-

municípios e outras instâncias; Conflitos relacionados à falta de controle social;

Conflitos VSA-políticos e gestores; Conflitos academia-serviço; Conflitos profissional-

estado; Conflitos estado/vsa-empresas e interesses econômicos; Conflitos

relacionados ao controle de fiscalização; Conflitos empresas-população; Conflitos

individual-coletivo; Conflitos entre projetos/frente de atuação; Conflito de prioridades.

(2) Solução de conflitos identificados, no qual os gestores apresentam

estratégias/ferramentas para a solução dos conflitos. As respostas a essa questão

foram agrupadas em 15 temas: Considerar a população; Considerar a saúde;

Considerar a ética; Uso da legalidade; Considerar nível técnico; Controle social;

Diálogo; Comunicação de risco; Uso de parcerias/acordos; Controle das pesquisas;

Rotina da vigilância; Argumentos utilitaristas; Uso da força; Beneficência e Não

Maleficência; Outros temas.

Na terceira parte se encontra a análise dos comentários dos gestores sobre três

casos concretos apresentados como exemplo de dilemas:

(1) Posicionamentos sobre a construção de gasoduto e linhas de transmissão de

eletricidade;

(2) Posicionamentos sobre o tratamento de água em áreas indígenas; (3)

Posicionamentos sobre a ação do estado no caso do desastre do césio 137.

Diante dos dilemas os gestores se posicionaram. Alguns justificaram suas

posições considerando a proteção da saúde como valor prioritário. Outros levaram

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em conta a preservação da cultura ou os desejos da população e as liberdades

individuais, dependendo do caso analisado e outros ainda defenderam a ideia de

que há que se ponderar entre os dois valores, que devem ser tomados como prima-

facie.

No 7º capítulo – Considerações finais – consideramos que na prática da

Vigilância em Saúde Ambiental se encontram muitos dilemas e conflitos morais.

Observamos também que, inversamente aos resultados achados em relação a

esses conflitos e dilemas, os conteúdos da Ética estão sendo pouco aprofundados

no campo do serviço da VSA. Identificamos que, além dos gestores apresentarem

uma certa dificuldade em perceber a conflitividade dos valores morais, a saúde é

percebida como o maior (e muitas vezes o único) valor moral que deve ser levado

em conta nas tomadas de decisão dos gestores. Podemos considerar essa

dificuldade de ter um olhar sobre outros valores como a falta de uma reflexão mais

aprofundada sobre o campo da moral, incluindo neste os conflitos e dilemas que se

apresentam no cotidiano do trabalho. Apontamos também que a “proteção da

saúde”, considerada pelos gestores, possui um significado obtido pela própria

percepção do que estes consideram como saudável, sem levarem conta o ponto de

vista da população. Consideramos que esta forma de ver a proteção da saúde pelos

entrevistados carrega uma forte influencia da visão tecno-científica.

Observa-se que a população alvo caracterizada pelos entrevistados coincide

com a população apontada no Movimento de Justiça Ambiental e conceituada pela

Bioética da Proteção- uma população vulnerada, destituída de seu pleno potencial.

Levamos em conta que a falta de prática preventiva da VSA apontada pelos

gestores possui uma relação direta com o aprofundamento da vulnerabilidade desta

população.

Ainda como um fator que possui forte relação com uma maior vulnerabilidade

destas populações, identificamos, pelas falas, que os poder econômico se

sobrepõem aos interesses da população. O Estado cooptado pelos interesses

econômicos não consegue cumprir o seu papel de promoção e proteção da saúde.

Podemos constatar que o controle social não consegue ser efetivo na

construção das ações relativas à saúde e ambiente. Apontamos que este fato esta

relacionado com, além dos já citados poder econômico e falta de empoderamento da

população, uma forma paternalista de atuação dos profissionais da VSA, muitas

vezes desconsiderando as demandas e expectativas da população.

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Consideramos que a Bioética da Proteção, a Ética da Convergência e o

Movimento de Justiça Ambiental possuem muitos elementos capazes de colaborar

com um maior aprofundamento acerca desse campo moral que procuramos

identificar nas práticas da VSA.

Apresentamos como sugestão a ampliação deste tipo de debate, e que, no cerne

desta ampliação, a academia se faça presente, estreitando a relação tanto com o

serviço de Saúde Ambiental, quanto com a população.

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2 O CAMPO DA MORAL

Como pretendemos observar a fundamentação ética dos gestores da VSA, cabe

aqui discorrermos sobre o campo da moral, trazendo a sistematização de algumas

estratégias de argumentação moral. Ao contrário da adesão cega a alguns princípios

de caráter diverso, fundamentar significa argumentar, mostrar, através de razões

coerentes, o motivo pelo qual escolhemos determinados valores, critérios e

princípios e excluímos outros (CORTINA E MARTINEZ, 2005).

Estamos dentro do campo da moral quando questionamos se a ação pode ser

desta ou de outra forma; por que uma coisa está certa e outra não, sobre o direito de

criticar uma forma de agir e determinar outra. O “ato moral” manifesta uma escolha,

devendo mostrar o que se pretende; “deve haver um propósito, um fim em vista, algo

por cuja causa o ato é praticado” (DEWEY, 1964, p. XII). A moral humana pode

também ser entendida como um conjunto de princípios, valores e normas que cada

geração transmite à geração seguinte na confiança que seja um bom legado de

orientações sobre o modo de se comportar para viver uma vida boa e justa

(CORTINA E MARTINEZ, 2008).

A ética procura, então, refletir sobre o campo da moral. É “uma ciência que versa

sobre a conduta, na medida em que se considera esta certa ou errada, boa ou má,

podendo ser chamado de conduta moral ou vida moral” (DEWEY,1964 p. IX).

Destrinchar os princípios que formam o juízo moral faz parte dessa ciência. Os

juízos morais se expressam como guia de autoconduta ou da conduta alheia. Mas,

ao contrário de prescrições dogmáticas, “os enunciados morais possuem

intrinsecamente razões e argumentos que procuram validar seus comandos”

(CORTINA, MARTINEZ, 2005, p. 123).

Dewey (1964) observa que as demandas individuais e sociais fomentam a vida

moral, que procura “transformar os ambientes naturais e sociais” (p.X). Portanto a

ética, assim como outras ciências, se foca nas interações com a natureza e

sociedade. No entanto, o autor evidencia que a ética possui “um problema próprio”,

se diferenciando das outras ciências, que têm como foco as mesmas

transformações. Esta diferenciação está relacionada aos aspectos interior e exterior

da conduta moral. Ou seja, a ética tem como função:

(...) estudar o processo interior, determinado pelas condições ou transformações das condições exteriores, e a conduta ou instituição exterior, determinada pelo objetivo interior ou pelo fato de afetar a vida

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interior. Estudar a escolha e o objetivo significa psicologia; estudar a escolha, como afetada pelos direitos dos outros e julgá-la certa ou errada, segundo esse padrão, significa ética. Ou então, estudar uma corporação poderá implicar economia ou sociologia ou leis; estudar suas atividades como resultantes dos objetivos das pessoas ou como afetando o bem-estar delas e julgar seus atos bons ou maus, de tal ponto de vista, significa ética... (DEWEY, 1964 p. X, XI)

Segundo Cortina e Martinez (2008), a ética possui tripla função. Ela procura

esclarecer o que está no âmbito da moral; estabelecer razões para fundamentar a

moral e aplicar isso nos diferentes setores da vida social. Espera-se, assim, a

adoção de uma moral crítica, fundamentada racionalmente. Os juízos (ou princípios)

morais possuem, portanto, razões (mesmo que implícitas) que os fundamentam. Os

autores colocam que para o discurso moral ser coerente, “a noção de fundamento

assinala a necessidade de reflexão” (p.24). “Será fundamentação filosófica da moral

a que estabeleça sistematicamente quantas determinações são necessárias para

estabelecer a coerência no âmbito prático” (p.25). No entanto, os autores observam

que deve-se considerar que esses princípios morais podem estar em conflito entre

eles, devendo ser considerados princípios prima-facie. Ou seja, “devemos assumir a

responsabilidade de ponderar os elementos da situação concreta avaliando as

circunstâncias e as consequências” (p.142). Sendo assim a moralidade se apresenta

de duas formas: é social, pois é gerado dentro de um processo de socialização, e

pessoal, pois o indivíduo deve se responsabilizar ao optar “por uma determinada

ordem de exigências morais pertinentes” (p.142).

Para Dewey (1964), o desenvolvimento da moral reflexiva é inerente ao conflito.

Somente quando se supera o positivismo do certo e errado é que a reflexão tem

razão de existir. Há situações em que atos morais opostos e condutas incompatíveis

com as normas “pareçam moralmente justificados”. Portanto, é no conflito entre

condutas, normas e propósitos morais que o estudo da teoria moral é suscitado,

conforme relata Dewey:

A teoria da moral não se desenvolverá quando existir a crença positiva quanto ao que é certo e quanto ao que é errado, pois não haverá, então, razão de ser para a reflexão. Desenvolve-se quando o homem se vê confrontado com situações nas quais desejos diferentes prometam benefícios opostos e nas quais normas de conduta incompatíveis pareçam moralmente justificadas. Somente tal conflito de bons propósitos, padrões e normas sobre o que é certo ou errado é que suscita um estudo individual das bases da moral. (...) A teoria da moral é apenas o meio mais consciente e mais sistemático de levantar a questão que ocupa o espírito de qualquer pessoa que, em face do conflito moral e da dúvida, procura uma saída através da reflexão. (...) A luta não é entre um bem que lhe é claro e algo mais que o atrai mas que sabe estar errado. É entre valores, cada um dos

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quais, por sua vez, é um bem indubitável que agora prejudica um e outro. Ele é forçado a refletir, a fim de chegar a uma decisão. (...) A compreensão que se tem da moralidade reflexiva e de teorias morais surge do conflito entre fins, responsabilidades, direitos e deveres.(...) A diferença entre moralidade costumeira e moralidade reflexiva está, precisamente, em que preceitos definidos, regras, injunções definitivas e proibições originam-se da primeira, enquanto não podem proceder da segunda. (...) A teoria moral não substitui a decisão pessoal que deve ser tomada em todos os casos de dificuldades que se relacionam à moral. (...) A conclusão decorre da própria natureza da moralidade reflexiva; a tentativa de estabelecer conclusões já preparadas contradiz a própria natureza da moralidade reflexiva. (DEWEY, 1964, P.7-8-9)

A moral reflexiva é sustentada por argumentos que justificam “criticar ações,

atitudes ou juízos morais”. A argumentação moral se apresenta, portanto, como uma

explanação de razões concernentes a “corroborar ou desqualificar alguma ação,

certa atitude ou algum juízo moral” (CORTINA E MARTINEZ, 2005, P. 123).

Sendo assim, descreveremos a seguir algumas estratégias de argumentação

moral finalizando na ética dialógica e da convergência onde o conflito torna-se

inerente a suas estruturações.

Algumas estratégias de argumentação são distinguidas por Annemarie Pieper e

comentadas por Cortina e Martinez (2005):

(1) Referência a um fato: Quando se faz referência a um fato para corroborar

uma atitude ( por ex.: ajudei esta pessoa porque ela estava sofrendo ou porque era

meu vizinho), esta só é considerada moralmente válida se a norma implícita no

enunciado estiver condizente com requisitos que a considerem correta. Para tal,

recorremos as diferentes teorias éticas:

algumas dirão que a norma é correta porque faz parte da prática de uma virtude determinada (aristotelismo), outras acrescentarão que costuma promover o maior bem para o maior número (utilitarismo), outras afirmarão que defende interesses universalizáveis (kantismo) etc. (CORTINA, MARTINEZ, 2005, P.123)

(2) Referência a sentimentos: Argumentar atitudes através de sentimentos (ex:

agi desta forma porque estava com raiva de ver a situação como estava ou estava

temeroso que algo pior acontecesse), mostra-se “totalmente insuficiente do ponto de

vista moral”, pois “só ajuda a explicitar as causas psicológicas da ação, mas não é

suficiente para mostrar a correção ou incorreção moral dessa ação.” (p.123). É

possível que as normas implícitas a esses argumentos estejam corretas, mas, para

tal validação, é preciso o embasamento de alguma teoria ética. Cortina e Martinez

(2005) exemplificam esta validação com o seguinte exemplo:

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“(...) pode ser que uma pessoa adulta justifique o fato de ter tirado uma navalha das mãos de um menor de idade dizendo que “fiquei com medo de vê-lo brincar com ela”; na verdade, o que subjaz nesse caso é uma norma, que habitualmente consideramos correta, segundo a qual é preciso evitar que as crianças se machuquem, em consequência, o que justifica nesse caso a ação não é o medo do adulto, mas o fato de se evitar algumas consequências previsivelmente danosas .” ( CORTINA E MARTINEZ, 2005, p.124)

(3) Referência a possíveis consequências: Considera-se moralmente

importante levar em conta as consequências dos atos. Temos como exemplo

clássico de uma ética teleológica o utilitarismo, onde as consequências dos atos é o

mais relevante critério moral. Porém atualmente, é consenso entre várias teorias

éticas considerar as consequências dos atos; “hoje em dia qualquer outra ética

admite ser importante não só a vontade de fazer o bem, mas também assegurar-se,

na medida do possível, de que o bem aconteça” (Cortina e Martinez, 2005,p.124).

No entanto, não se deve ater somente a essa perspectiva, outros fatores também

são relevantes para considerar uma norma como correta ou não, conforme

esclarecem os autores, citando como exemplo o sacrifício realizado por Jesus ou

Sócrates, que infringiram um “mal” a suas próprias vidas mesmo não tendo como

certo quais seriam as consequências de seus atos.

(4) Referência a um código moral: Esta forma argumentativa é bastante

frequente, retrata a expressão de um juízo moral referente a uma norma moral

considerada correta e justa. No entanto, Cortina e Martinez (2005) esclarecem que

para esta argumentação ser coerente deve-se verificar a validade da norma

invocada e “se o próprio código moral que se indica está suficientemente

fundamentado para ser considerado racionalmente obrigatório” (p.125).

(5) Referência à competência moral de certa autoridade: esta justificativa

recorre à competência moral de alguma autoridade que pode ser outra pessoa ou

instituição ou a própria pessoa que emite o argumento, ou seja, “consiste em afirmar

que a ação moral a ser justificada é congruente com a norma emanada da

autoridade moral” (p.126). Para os autores, este tipo de argumentação é fraco, pois

o que torna um argumento moral valido é o seu caráter racional e não o fato de estar

sendo emitido por quem quer que seja. Cortina e Martinez (2005) observam ainda

que nos estudos de Piaget e Kohlberg “a argumentação baseada na heteronomia

supõe um menor grau de maturidade moral que o da pessoa que é capaz de enfocar

de modo autônomo – a partir de princípios racionais – a justificação de suas próprias

ações” (p.126).

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(6) Referência à consciência: Esta argumentação recorre á própria consciência

da pessoa que emite o juízo moral. Para os autores, esta estratégia, “fortemente

arraigado na tradição moral do ocidente” (p.126), também carece de consistência.

Cortina e Martinez (2005) ressaltam que a consciência é passível de erros, e que,

sendo assim, os juízos emitidos podem retratar seus próprios desejos ou uma

reprodução acrítica de juízos morais emitidos por alguma autoridade influente para a

pessoa. Os autores acrescentam que é imprescindível estarmos “no terreno da

argumentação ética” (p.127) e, dentre várias teorias éticas, escolhermos aquela(s)

que irá validar racionalmente nossa argumentação moral.

Paralelamente, Maliandi e Thuer (2008), propõem 6 paradigmas de

aplicabilidade das teorias éticas. Para os autores, é pouco possível que algum

paradigma seja perfeitamente adequado aos princípios e a situações concretas, mas

“na hora de tentar resolver problemas éticos específicos, se opera, deliberadamente

ou não, de acordo com um paradigma de aplicabilidade determinado” (p.165). Os 4

primeiros paradigmas da autoridade, da situação, do rigorismo/casuísmo e o da

provisionalidade/latitude são considerados deficientes pelos autores (da autoridade,

da situação, do rigorismo/casuísmo e o da provisionalidade/latitude). Os outros dois,

(o da restrição compensada e o da convergência) são considerados mais

consistentes para uma fundamentação da moral.

(1) Paradigma da autoridade: Assim como acima descrito por Cortina e Martinez

na estratégia de argumentação se referindo à competência moral de uma

autoridade, este paradigma “consiste na consideração acrítica de um princípio que

se tem por sacrossanto (...). A ação se regula como obediência a um dogma imposto

de alguma autoridade” (p.166). É considerado casuísta pois “considera as situações

concretas como casos em que se pode aplicar o princípio” (Maliandi e Thuer, 2008,

p.167). Retira-se, portanto, a dimensão crítica da razão, o que torna este paradigma

incapaz de oferecer uma fundamentação. Para os autores, este paradigma se

caracteriza como o mais deficiente, pois “confunde a autoridade como ‘saber’

(sempre falível, mas superior ao saber do leigo) com a autoridade como ‘poder’, ou

seja, como única instância que toma ou que legitima as decisões” (p.175). Outra

deficiência importante se deve ao fato de se confundir uma autoridade científica com

uma autoridade moral, o que incorre na chamada “falácia naturalista”.

(2) Paradigma da situação: O situacionismo considera que “cada situação é

única, sem repetições, e essencialmente incomparável com outras” (p.167). Os

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situacionistas acreditam que princípios gerais não podem ser aplicados em

situações particulares. Para os autores o contexto das situações é complexo e tem

que ser considerado, mas, pelo fato do situacionismo expressar que a aplicação das

teorias éticas para fundamentar a moral é impossível, este não deveria ser

considerado um paradigma de aplicabilidade, visto que “nega justamente a

aplicabilidade” (p.168), pois retira a dimensão da fundamentação da razão crítica.

Mesmo que, possivelmente este paradigma tenha surgido para se contrapor ao

autoritarismo ou para reforçar a autonomia, os autores observam que “se não

existem pautas gerais para fornecer orientações às diversas pessoas, aplicar a ética

é simplesmente impossível” (p.175).

(3) Paradigma do rigorismo: Este paradigma se refere a Kant se distinguindo

do paradigma da autoridade, pois “se apoia na razão, tornando explícitos seus

próprios fundamentos, ao invés de remeter-se à arbitrariedade do tradicional”

(p.170). Para os autores, Kant não atentou para os conflitos existentes no ethos,

excluindo a possibilidade de existir conflito entre os deveres. O paradigma kantiano

ratifica seu rigorismo qualificando como “morais” somente as decisões tomadas por

dever com comprimento estrito da lei moral, ou seja, “o imperativo categórico não só

pode, como também deve ser aplicado em todas as situações. Não pode haver

exceções” (p.170). O paradigma kantiano, portanto, se constitui somente de um

universalismo como premissa para se determinar a moralidade, não levando em

consideração as particularidades e complexidades existentes em cada situação. “Por

sua postura rigorista, Kant incorre em um terrível paradoxo (...), o de que, sendo o

grande representante da filosofia crítica moderna, retira aqui a dimensão crítica (...)

da razão” (p.170).

(4) Paradigma da provisionalidade/latitude: este paradigma tem como princípio

a flexibilidade, sendo oposto ao rigorismo de Kant. Mesmo fundamentando e

reconhecendo os princípios, estes não devem ser aplicados rigorosamente.

Segundo os autores, este paradigma se exemplifica nos platonistas de Cambridge

no século XVII, que assumiam uma postura de flexibilidade/amplitude, sendo

chamados, portanto, de “latitudinaristas”, na “moral provisória” cartesiana (que

resumiremos a seguir), “ou em qualquer teoria ética em que os códigos de normas,

mesmo não questionados, são considerados questionáveis em determinadas

circunstâncias” (p.171). A moral cartesiana é baseada em três regras:

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“1-Seguir as leis e costumes do próprio país, e a religião que se foi educado (em suma, acomodar-se com aqueles que se tem que conviver), 2- Ser firme e resoluto em suas próprias ações uma vez que as tenha decidido (perseverança no que se resolve) e 3- procurar conquistar a si mesmo ao invés da fortuna (clássico princípio do estoicismo, que implica na convicção de que não há nada que dependa exclusivamente de nossos propósitos).” (MALIANDI E THUER, 2008, P.172)

Para os autores, mesmo que a “moral provisória” não seja considerada, de fato,

relativista, esta não se sustenta sozinha “sem apoio de princípios que deveriam ser

expostos” (p.172), além disso flexibiliza em excesso dos princípios éticos. Esta

flexibilização dos fenômenos éticos pode se justificar como uma tentativa de se

contrapor ao rigorismo, mas esta tentativa acaba por diluir os princípios e

consequentemente, a própria moral. Portanto, “está justificada como um marco de

seu método de investigação científica e metafísica; mas mostra-se deficiente como

paradigma de aplicabilidade em geral” (p.172).

Antes de expor os próximos paradigmas, Maliandi e Thuer (2008) enfatizam a

complexidade da aplicabilidade dos princípios, observando que, possivelmente,

nenhum paradigma seja totalmente adequado. Mesmo assim, ao se buscar o

paradigma mais adequado devem-se evitar as deficiências descritas nos quatro

paradigmas anteriores. Para isso, os autores expõe algumas condições dos

paradigmas adequados (p.176):

1) Evitar o autoritarismo, outorgando lugar ao individual e ao autônomo;

2) Assumir uma atitude principialista;

3) Reconhecer que nenhum princípio pode pretender exclusividade, e que

o ethos, inerentemente, é conflitivo; e

4) Reconhecer a validade de todos os princípios básicos.

(5) Paradigma da restrição compensada: Para Maliandi e Thuer (2008), este

paradigma é representado pela ética do discurso, cumprindo as três primeiras

condições citadas acima. Segundo Cortina e Martinez (2005), a ética do discurso

consiste na tentativa de um procedimento dialógico dividido em duas partes: a parte

A - responsável pela fundamentação do princípio ético; e a parte B - relativa a

aplicação deste princípio nos casos concretos. Para que esse diálogo (denominado

discurso) tenha validade através de uma argumentação racional é necessário que

todos os que são capazes de se comunicar sejam considerados interlocutores

legítimos do discurso, que só deve ser considerado como tal se atendo as seguintes

regras:

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a) Qualquer sujeito capaz de linguagem e de ação pode participar do

discurso;

b) Qualquer um pode problematizar qualquer afirmação;

c) Qualquer um pode introduzir no discurso qualquer afirmação;

d) Qualquer um pode expressar suas posições, seus desejos e suas

necessidades;

e) Não se pode impedir nenhum falante de fazer valer seus direitos,

estabelecidos nas regras anteriores, mediante coação interna ou externa

ao discurso”; (HABERMAS apud CORTINA E MARTINEZ, 2005, p.92)

Para Maliandi e Thuer (2008), a ética do discurso consegue ultrapassar o rigor

kantiano. Ao contrário do imperativo categórico de Kant, esta se caracteriza como

uma ética dialógica mediando a universalidade e a responsabilidade, onde o

princípio do discurso (a “norma básica” expressa por Apel) não deve ser aplicado

em todas as situações. Esta flexibilização é sustentada pelo argumento de que uma

aplicação irrestrita poderia incorrer numa quebra de responsabilidades. Porém,

diferente do paradigma da provisionalidade, esta flexibilização não relativiza o

princípio, é, na verdade, uma restrição á aplicação deste quando algumas condições

a exigem. “A não aplicação tem que ser compensada por uma nova forma de

compromisso por parte do agente” (p.176). Esta compensação é uma auto exigência

da ética do discurso, que procura resolver os conflitos de interesses por meio de

argumentação e consenso, de modo que, quando o procedimento da aplicação do

princípio não puder ocorrer pelas contingências reais concretas, o agente deve se

comprometer em usar todos os esforços possíveis para conseguir, em longo prazo,

que se cumpra este princípio. Para os autores, por ser dialógico, este paradigma

supera a unilateralidade característica dos outros paradigmas expostos, mas ainda

apresenta algumas pendências como: uma clareza maior do papel da conflitividade

na fundamentação, considerar outros tipos de conflitos além do de interesses e a

possibilidade de se realizar os discursos práticos quando há assimetria dos

interlocutores.

(6) Paradigma da convergência: Segundo Malliandi e Thuer (2008), a ética da

convergência procura dar conta de dois âmbitos considerados essenciais para a

aplicabilidade de um paradigma ético, a fundamentação e a conflitividade. Para tal,

esta se utiliza de uma fundamentação “pragmático-transcendental” com a ética do

discurso proposto por Apel conjuntamente “com a percepção do conflitivo

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proporcionada pela ética dos valores, em particular a de Nicolai Hartmann” (p.48).

Cortina e Martinez (2005) relatam que a ética material dos valores foi iniciada por

Max Scheler, baseada na fenomenologia de Husserl. Scheler propunha a superação

da proposta kantiana, proposta essa que, segundo Scheler, se vê obrigada a se

apoiar na razão. A obrigação de Kant em se apoiar na razão se dá pelo fato de que,

ao se reconhecer somente como faculdades humanas a razão e a sensibilidade, só

a razão proporciona, a priori, formas práticas e teóricas para se obter o caráter de

universalidade e incondicionalidade do conteúdo moral, ou seja - o apriorismo, a

sensibilidade sempre gerará conteúdos a posteriori. Neste sentido Cortina e

Martinez (2008) relatam:

Max Scheler afirmará que, além da razão e da sensibilidade, o espírito humano é dotado de uma “intuição emocional que realiza atos que não são dependentes do pensamento puro racional nem da sensibilidade subjetiva, mas que alcançam o estatuto de conhecimento a priori. Portanto, pode ser abandonada a identificação do a priori com a racionalidade e do material com a sensibilidade, pois preferir, odiar, estimar, amar etc. não são atos sensíveis nem racionais, mas emocionais, que nos proporcionam a priori conteúdos materiais não sensíveis. (p.73)

Porém, para Maliandi e Thuer (2008), a diferença fundamental entre Scheler e

Hartmann está na denominada “antinomia ética fundamental”, conforme relatado a

seguir:

Esta antinomia é o ponto chave para a distinção entre a ética axiológica de Hartmann e sua precedente, a de Scheler. Neste, os valores “superiores” eram , por sua vez, os fundamentais, de modo que só havia uma “legalidade preferencial”, a saber, a dos valores superiores. Hartmann considerou isto um grave erro de Scheler, e introduz, com a mencionada antinomia, a idéia de uma dupla legalidade preferencial, enfatizando assim o caráter conflitivo do ethos. (p.52)

Maliandi e Thuer (2008) observam que o paradigma da convergência pretende

levar em consideração as relações conflitivas entre os valores, porém não adotando

uma postura intucionista, que mostra-se insuficiente para uma fundamentação

rigorosa. A proposta é utilizar a ética de Hartmann para dar conta da estrutura

conflitiva do ethos com a fundamentação reflexiva proposta por Apel, citada no

paradigma anterior (quinto paradigma). Para os autores a ética da convergência não

possui princípios infinitos equivalentes ao relativismo, os princípios preconizados são

quatro que se ordenam em pares: a universalidade/individualidade – chamada pelos

autores de conflitividade sincrônica; e a conservação/realização – caracterizada

como conflitividade diacrônica. Estes quatro princípios chamados de princípios

cardinais estão relacionados com a bidimencionalidade da razão (que comporta a

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fundamentação e a crítica), a universalidade e a conservação correspondem ao

âmbito da fundamentação, a individualidade e a realização correspondem ao âmbito

da crítica. Maliandi e Thuer (2008) enfatizam que não pode haver consenso em um

diálogo sobre conflito de interesses sem reconhecer a priori o conflito entre os

princípios, portanto, esses pressupostos são relativos à dimensão prática,

explicitado a seguir:

Toda discussão prática é, no fundo, uma discussão sobre a universalidade (por exemplo, igualdade de direitos) ou a individualidade (por exemplo, uma diferença específica que não se deve passar por cima), ou a conservação (por exemplo, a necessidade de evitar riscos) ou a realização (por exemplo, a necessidade de modificar um determinado estado de coisas)(Maliandi e Thuer, 2008, p.50).

O paradigma da convergência, para os autores, se constitui em uma tentativa de

obter condições para uma possibilidade de solução entre conflitos empíricos

concretos, procurando buscar o maior grau de harmonia entre os princípios

preconizados. Porém, se diferenciando da ética do discurso na forma de interpretar

a restrição da aplicação do princípio, esta compensação entre princípios já deve ser

contemplada desde a fundamentação. Ou seja, “a ética da convergência não

necessita de uma “parte B”, já que a restrição da aplicação tem que estar prevista

desde o começo, quer dizer, desde o mais básico: a fundamentação” (p.180).

Maliandi (2010), esclarece que há, então, possibilidade de estruturar fatores que

permitam que o conflito seja inibido, porém o inibir não pode ser visto como um

suprimir , e sim como promover a harmonia. Exemplificando, há autores que

consideram a sociedade como uma estrutura e outros como labirintos. Na teoria da

convergência o termo “estrutura conflitiva” é cunhado visando à harmonia destes

dois conceitos, abarcando o individual (fragmentado) e o coletivo.

2.1 O CIENTIFICISMO COMO REJEIÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO MORAL

Tendo suas origens no positivismo de Comte e Mach e desenvolvido

amplamente no neopositivismo ocidental, o cientificismo é um tipo de reflexão que

preconiza a racionalidade como sendo exclusiva do saber técnico-científico,

colocando as outras esferas pertencentes ao humano, como as reflexões relativas à

moral, no âmbito do irracional. O cientificismo reduz o saber ao objetivismo, retirando

a reflexão prática deste âmbito. Sendo assim, quebra-se a relação entre teoria –

práxis e conhecimento – decisão (CORTINA E MARTINEZ, 2005; CORTINA, 2007).

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Husserl (2008) também corrobora com a crítica ao objetivismo científico que,

para ele, é causa da crise atual. O autor comenta que, para superar esta crise, a

filosofia tem que se afastar do formalismo científico, se voltando para os problemas

relativos à existência humana, como relata a seguir:

Trata-se de problemas procedentes da ingenuidade, em virtude da qual a ciência objetivista toma o que ele chama o mundo objetivo como sendo o universo de todo o existente, sem considerar que a subjetividade criadora da ciência não pode ter seu lugar legítimo em nenhuma ciência objetiva. Aquele que é formado nas ciências naturais julga evidente que todos os fatores puramente subjetivos devem ser excluídos e que o método científico-natural determina, em termos objetivos, o que tem sua figuração nos modos subjetivos da representação. (...) Mas o investigador da natureza não se dá conta de que o fundamento permanente de seu trabalho mental, subjetivo, é o mundo circundante (Lebensumwelt) vital, que constantemente é pressuposto como base, como o terreno da atividade, sobre o qual suas perguntas e seus métodos de pensar adquirem um sentido. Onde se submete à critica e à elucidação a enorme aquisição metodológica, que conduz desde o mundo circundante (Lebensumwelt) intuitivo até as idealizações da matemática e a interpretação do mundo como ser objetivo?” (HUSSERL, 2008, p.83).

Heidegger (2007), que também se dedica a pensar sobre a técnociência, nos

alerta para o grande perigo que a essência da técnica moderna abarca. Hottois

(2002) relata que Heidegger propõe que é através de Gestell que o homem mantém

“com o ente (e logo, consigo mesmo) uma relação de exploração, de maquinação,

de produção, de manipulação e de operação ilimitadas” (p.335). Através da

linguística, Heidegger expõe que Gestell significa a “invocação desafiadora que

reúne o homem a requerer o que se descobre enquanto a subsistência” (Heidegger,

2007, p.384). E é neste Gestell (que tem traduções como “fiscalização e “armação”)

que o autor estabelece relações com o produzir, descobrir e desafiar da técnica

moderna.

Para Heidegger (2007) a técnica é uma forma de desabrigar, e é neste

desabrigar que está fundamentado o produzir. O produzir leva do ocultamento para

o descobrimento e o trazer a frente acontece quando algo oculto chega ao

desocultamento. Sendo um modo de desabrigar, a essência da técnica reúne em si

fim, meio, o instrumental e a causalidade. Porém, para o autor, esta forma de pensar

a essência da técnica não cabe à técnica moderna, mostrando que seu “desabrigar”

é essencialmente diferente nesta relação interdependente entre tecnologia, ciência

empírica e técnica, conforme relata a seguir:

Contra esta determinação do âmbito essencial da técnica podemos objetar que ela, na verdade, vale para o pensar grego e que, no melhor dos casos, cabe para a técnica manual, mas não para a moderna técnica das máquinas

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de força. (...) Diz-se que a técnica moderna é algo totalmente incomparável com todas as outras técnicas anteriores, porque ela repousa sobre a moderna ciência exata da natureza. Entretanto, reconheceu-se com mais clareza que também o inverso é válido: a física, como algo que é experimental, depende de aparelhos técnicos e do progresso da construção de aparelhos. A verificação desta relação mútua entre técnica e física é correta. (...) O desabrigar imperante da técnica moderna é um desafiar (Herausfordern) que estabelece, para a natureza, a exigência de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada enquanto tal. (...) Uma região da terra (...) é desafiada por causa da demanda de carvão e minérios. A riqueza da terra desabriga-se agora como reserva mineral de carvão, o solo como espaço de depósitos minerais. De outro modo se mostrava o campo que o camponês antigamente preparava, onde preparar ainda significava: cuidar e guardar. O fazer do camponês não desafia o solo do campo. Ao semear a semente, ele entrega a semeadura às forças do crescimento e protege seu desenvolvimento. Entretanto, também a preparação do campo entrou na esteira de um tipo de preparação diferente, um tipo que põe (stellt) a natureza. Esta preparação põe a natureza no sentido do desafio. O campo é agora uma indústria de alimentação motorizada. O ar é posto para o fornecimento de nitrogênio, o solo para o fornecimento de minérios, o minério, por exemplo, para o fornecimento de urânio, este para a produção de energia atômica, que pode ser associada ao emprego pacífico ou à destruição. (HEIDEGGER, 2007, p. 381, 382)

Portanto, esta “armação” leva a uma ilusão que Heidegger designou como

“última aparência enganadora”, esta se dá pela falta de conecção do homem

consigo mesmo, ou seja, com a sua essência, pois ele também se torna

“subsistência” e nem se dá conta disso - “O homem ameaçado se arroga como a

figura do dominador da terra” (HEIDEGGER, 2007, p.390).

Cortina (2007) relata que, como constatado por Apel, este “reducionismo

cientificista” recebe respaldo nos trabalhos de Max Weber através de seus conceitos

de racionalização e progresso, tornando-se amplamente difundidos nas sociedades

democráticas ocidentais. Estes pressupostos werberianos são expostos por

Habermas (2001):

Max Weber introduziu o conceito de racionalidade para definir a forma da atividade econômica capitalista, do tráfego social regido pelo direito privado burguês e da dominação burocrática. Racionalização significa, em primeiro lugar, a ampliação das esferas sociais, que ficam submetidas aos critérios da decisão racional. A isto corresponde a industrialização do trabalho social com a consequência de que os critérios da ação instrumental penetram também em outros âmbitos da vida (urbanização das formas de existência, tecnificação do tráfego e da comunicação). Em ambos os casos, trata-se da implantação do tipo de ação racional relativamente a fins: aqui trata-se da organização dos meios e, além, da escolha entre alternativas. Por fim, a planificação pode conceber-se como uma ação racional dirigida a fins de segundo grau: visa a instauração, melhoria ou ampliação dos próprios sistemas de ação racional e dirigida a fins. A “racionalização” progressiva da sociedade depende da institucionalização do progresso científico e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência pervadem as esferas institucionais da sociedade e transformam assim as próprias instituições, desmoronam-se as antigas legitimações. A secularização e o desencantamento das

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cosmovisões orientadoras da ação, da tradição cultural no seu conjunto, é o reverso de uma “racionalidade” crescente da ação social (p.45,46).

Habermas, em seu ensaio dedicado a Marcuse em 1968, coloca que esta

racionalidade esta atrelada apenas a situações possíveis de se empregar a técnica

requerendo, portanto, uma dominação da natureza e sociedade. Esta dominação é

corroborada, segundo o autor, pela conclusão de Marcuse em sua crítica a Weber:

“O conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo ideologia. Não só a sua

aplicação, mas já a própria técnica é dominação metódica, científica, calculada e

calculante (sobre a natureza e o homem)” (HABERMAS, 2001, p.46). Outra

constatação importante de Marcuse que Haberman menciona se refere ao paradoxo

de que, apesar da repressão que o sistema impõe (sujeição intensa das pessoas ao

aparelho de produção e distribuição, desprivatização do tempo livre e a fusão do

trabalho produtivo e destrutivo), esta repressão tende a desaparecer da consciência

da população em uma sociedade capitalista industrial avançada, pelo fato desta

dominação “também proporcionar aos indivíduos uma vida mais confortável” (p.48).

Nesta lógica, “as relações de produção existentes se apresentam como a forma de

organização tecnicamente necessária de uma sociedade racionalizada” onde não há

mais espaço para uma racionalidade em que as relações de produção estejam

voltadas para “um esclarecimento político como fundamento da crítica das

legitimações vingentes” (p.48). Nesse sentido, Marcuse observa:

Hoje, a dominação eterniza-se e amplia-se não só mediante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta proporciona a grande legitimação ao poder político expansivo, que assume em si todas as esferas da cultura. Neste universo, a tecnologia proporciona igualmente a grande racionalização da falta de liberdade do homem e demonstra a impossibilidade “técnica” de ser autônomo, de determinar pessoalmente a sua vida. Com efeito, essa falta de liberdade não surge nem como irracional nem como política, mas antes como sujeição ao aparelho técnico que amplia a comodidade da vida e intensifica a produtividade do trabalho. A racionalidade tecnológica protege assim antes a legalidade da dominação em vez de a eliminar e o horizonte instrumentalista da razão abre-se a uma sociedade totalitária de base racional. (MARCUSE apud HABERMAS, 2001, p.48).

Para Habermas (2001), o progresso técnico-científico aliado ao crescimento

econômico faz com que se crie uma percepção de que a evolução de um sistema

social é dependente do progresso técnico-científico. Esta percepção tem como

consequência a despolitização, conforme ele relata a seguir:

A legalidade imanente de tal progresso parece produzir as coações materiais pelas quais se deve pautar uma política que se submete às necessidades funcionais. E quando esta aparência se impôs com eficácia, então, a referência propagandista ao papel da técnica e da ciência pode

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explicar e legitimar porque é que, nas sociedades modernas, uma formação democrática da vontade política perdeu as suas funções em relação às questões práticas e “deve” ser substituída por decisões plebiscitárias acerca de equipes alternativas de administradores. No campo científico, esta tese de tecnocracia foi desenvolvida em versões diversas. A mim, parece-me ser muito mais importante que ela possa penetrar como ideologia de fundo também na consciência de massa despolitizada da população e desenvolver uma força legitimadora. A eficácia peculiar desta ideologia reside em dissociar a auto compreensão da sociedade do sistema de referência da ação comunicativa e dos conceitos de interação simbolicamente mediada, e em substituí-lo por um modelo científico. Em igual medida, a auto compreensão culturalmente determinada de um mundo social da vida é substituída pela autocoisificação dos homens, sob as categorias da ação racional dirigida a fins e do comportamento adaptativo” (HABEMAS, 2001, p.74).

Habermas (2001) relata que a ética não é anulada na consciência

tecnocrática, mas sim reprimida pelo fato do positivismo reinante retirar a linguagem

comum (e portanto, os atores pertencentes a esta) do sistema de referência

estabelecido, dominando (como ideologia) assim, a comunicação “distorcida” da

linguagem tecnocientífica. O autor também enfatiza que a despolitização das

massas populares é legitimada pela tecnocracia e que “o núcleo ideológico desta

consciência é a eliminação da diferença entre práxis e técnica” (p.82).

Esta tecnocracia descrita por Habermas tem seu respaldo na chamada

neutralidade axiológica da ciência proposto por Weber, abrindo espaço para o

surgimento do chamado “sistema de complementaridade liberal entre a vida pública

e privada”, sendo muito utilizado nas sociedades democráticas liberais. Este sistema

consiste no fato de que, para a vida pública, só se considera válido e legítimo a

racionalidade tecnocientífica, onde os seus “especialistas” é que ficam incumbidos

de levar a cabo este tipo de organização “ajudados pelas disposições jurídicas

estabelecidas convencionalmente” (Cortina e Martinez, 2005, p.130). As decisões

morais não são consideradas racionais e, portanto, postas em um âmbito privado

(CORTINA, 2007, CORTINA E MARTINEZ, 2005), conforme descreve Cortina e

Martinez (2005): “Se o cientificismo e o positivismo jurídico constituem assim as

chaves da vida pública, o irracionalismo seria a chave das decisões pessoais”

(p.130).

Esta cisão (ou, como diz Habermas, eliminação da diferença) entre a teoria e

práxis, e a dicotomia nas esferas público-privado e conhecimento e decisão leva a

“consequências práticas nefastas para a própria sobrevivência do planeta e do ser

humano nele, já que exclui de início o uso de argumentações morais como elemento

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a ser levado em conta” (p.131) diante de importantes problemas relativos à

humanidade.

Podemos tomar como exemplo, para ilustrar melhor esta racionalidade

dominante, um trecho da agenda 21 comentada por Freitas e Porto (2004):

(...) Um dos papéis da ciência é oferecer informações para permitir uma melhor formulação e seleção das políticas de meio ambiente e desenvolvimento no processo de tomada de decisões. Para cumprir esse requisito, é indispensável desenvolver o conhecimento científico, melhorar as avaliações científicas de longo prazo, fortalecer as capacidades científicas em todos os países e fazer com que as ciências respondam às necessidades que vão surgindo. (CNUMAD, 1992, cap. 35.1).

Para os autores este trecho representa uma ciência desconectada da dimensão

social e econômica que estão relacionadas às questões ambientais; uma ciência

“desvinculada de estar na origem dos principais problemas ambientais que exigem

atuação, e neutra em relação aos diferentes valores e interesses que se encontram

em jogo” (FREITAS E PORTO, 2004, p.2). Os autores questionam (e concordamos

com eles) a capacidade deste tipo de ciência contribuir efetivamente para resolver

problemas que permitam um desenvolvimento sustentável e uma justiça ambiental,

pois esta mesma ciência “se encontra diretamente associada ao modelo de

desenvolvimento econômico e social dominante do qual derivam estes problemas”

(p.2).

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3 VULNERABILIDADE NO CONTEXTO DOS PROBLEMAS SÓCIO-AMBIENTAIS:

CONTRIBUIÇÕES DA ÉTICA DA PROTEÇÃO E DA JUSTIÇA AMBIENTAL

A vulnerabilidade das populações afetadas pelas intervenções da VSA surgiu

como um relevante tema na oficina de trabalho sobre aspectos bioéticos da

pesquisa e da Vigilância Ambiental em Saúde (VSA) (PALACIOS e cols, 2009).

Procuramos revisar este tema sob a ótica de dois referenciais distintos. O primeiro

referencial é a Bioética da Proteção que, a nosso ver, tem priorizado esta reflexão

acerca dos componentes teóricos que amparam o conceito de vulnerabilidade. O

segundo referencial é o Movimento de Justiça Ambiental. Este Movimento procura

discutir a questão da vulnerabilidade de populações focando sua relação com a

questão ambiental. Seu foco principal coincide com as preocupações da VSA que

trata das repercussões, sobre as populações, das intervenções humanas no

ambiente.

Tanto a produção de conhecimento do campo da justiça ambiental como da

bioética da proteção se empenham para delinear a vulnerabilidade, bem como os

mecanismos que levam a esta condição. A justiça ambiental prioriza o entendimento

dos processos que levam indivíduos ou populações a se tornarem vulnerados1. Já

Bioética da Proteção prioriza a determinação das incapacidades e/ou falta de

emponderamento destes, conforme discorreremos a seguir.

3.1 VULNERABILIDADE CONFORME A JUSTIÇA AMBIENTAL

O movimento de justiça ambiental surgiu nos EUA através de uma articulação

entre lutas de caráter social, ambiental, territorial e de direitos civis. Desde a década

de 60 já ocorriam embates relativos a contaminações de moradia e trabalho,

condições inadequadas de saneamento e depósitos indesejáveis de lixo tóxico. Em

1991, na 1ª Cúpula Nacional de lideranças Ambientalistas de Povos de Cor foram

aprovados os “17 Princípios da Justiça Ambiental”, incorporando, na política

ambiental dos EUA, a pauta das minorias, como as comunidades latinas,

afroamericanas, asiaticoamericanas e ameríndias (ACSELRAD, 2002). Os 17

1 Uso o termo cunhado por Kottow para diferenciá-lo do vulnerável, que representa, na verdade, a condição de

todo ser humano.

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princípios são respectivamente (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL,

2013):

1) a Justiça Ambiental afirma a sacralidade da Mãe Terra, a unidade ecológica e

a interdependência entre todas a espécies, e o direito a ser livre da

degradação ecológica;

2) a Justiça Ambiental requer que as políticas públicas tenham por base

respeito e justiça mútuos para todos os povos, libertos de toda forma de

discriminação ou preconceito;

3) a Justiça Ambiental exige o direito a usos éticos, equilibrados e responsáveis

da terra e dos recursos naturais renováveis no interesse de um planeta

sustentável para seres humanos e outros entes vivos;

4) a Justiça Ambiental clama pela proteção universal frente a testes nucleares,

extração, produção e destruição de resíduos tóxicos/perigosos e venenos

que ameaçam o direito fundamental ao ar, à terra, à água e ao alimento

puros;

5) a Justiça Ambiental afirma o direito fundamental à autodeterminação política,

econômica, cultural e ambiental de todos os povos;

6) a Justiça Ambiental exige o encerramento da produção de todas as toxinas,

resíduos perigosos e materiais radioativos, e que todos os produtores

contemporâneos e do passado sejam responsabilizados a prestar contas

aos povos para desintoxicação, e sobre o conteúdo no momento da

produção;

7) a Justiça Ambiental exige o direito de participar em grau de igualdade em

todos os níveis decisórios, incluindo avaliação, planejamento, implemento,

execução e análise de necessidades;

8) a Justiça Ambiental afirma o direito de todos/as os/as trabalhadores/as a um

ambiente de trabalho seguro e saudável, sem que sejam forçados/as a

escolher entre um trabalho de risco e o desemprego. Afirma também o

direito daqueles/as que trabalham em casa de estar livres dos perigos

ambientais;

9) a Justiça Ambiental protege o direito das vítimas de injustiça ambiental de

receber compensação e reparação integrais por danos, bem como o direito à

qualidade nos serviços de saúde;

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10) a Justiça Ambiental considera atos governamentais de injustiça ambiental

uma violação de lei internacional: da Declaração Universal de Direitos

Humanos e da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de

Genocídio das Nações Unidas;

11) a Justiça Ambiental visa o reconhecimento de um relacionamento legal e

natural especial do governo dos Estados Unidos com os povos nativos

através de tratados, acordos, pacotes e convênios afirmando sua soberania

e autodeterminação;

12) a Justiça Ambiental afirma a necessidade de políticas socioambientais

urbanas e rurais para descontaminar e reconstruir nossas cidades e áreas

rurais em equilíbrio com a natureza, honrando a integridade cultural de todas

as nossas comunidades e provendo acesso justo a todos/as à plena escala

dos recursos;

13) a Justiça Ambiental clama pelo fortalecimento dos princípios de

consentimento informado, e pelo fim dos testes de procedimentos médicos e

reprodutivos e de vacinas experimentais em pessoas de cor;

14) a Justiça Ambiental se opõe às operações destrutivas das corporações

multinacionais;

15) a Justiça Ambiental se opõe à ocupação, repressão e exploração militar de

territórios, povos e culturas, e de outras formas de vida;

16) a Justiça Ambiental exige uma educação das gerações atuais e futuras com

ênfase em questões sociais e ambientais, com base em nossa experiência e

em uma apreciação de nossas diversas perspectivas culturais;

17) a Justiça Ambiental requer que nós, como indivíduos, façamos escolhas

pessoais e de consumo que impliquem gastar o mínimo possível de recursos

da Mãe Terra e produzir o mínimo de lixo possível, e que tomemos a decisão

consciente de desafiar e redefinir prioridades em nossos estilos de vida para

assegurar a saúde do mundo natural para as gerações atuais e futuras.

Atualmente o movimento de justiça ambiental consolida-se como uma rede

multirracial e multicultural internacional (ACSELRAD, 2000). A partir desta

perspectiva, organizações de base aprofundaram estudos sobre ligações entre

pobreza, raça e poluição, elaborando instrumentos de uma “Avaliação de Equidade

Ambiental”, introduzindo a relação de problemas ambientais e desigualdade social,

levando em conta a relevância do conhecimento da própria comunidade para a

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elaboração não discriminatória de políticas ambientais (ACSELRAD, 2002;

HERCULANO, 2001).

No Manifesto de Lançamento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental,

organizado em 2001 por diferentes setores da sociedade civil, as definições da

justiça e injustiça social são caracterizados da seguinte forma:

Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que:

a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;

b - asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;

c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;

d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL, 2013)

Temos como exemplo das injustiças socioambientais no Brasil os acidentes

industriais, envenenamento por agrotóxicos e outros poluentes, bem como expulsão

de comunidades tradicionais causadas pela especulação ou destruição de seus

locais de vida e trabalho, entre outros. (HERCULANO, 2002, 2008).

Em 2006 iniciou-se um mapeamento de conflitos envolvendo injustiça ambiental

e Saúde no Brasil, organizada pela Rede Brasileira de Justiça ambiental, Fiocruz e

Fase, com o apoio do departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador

do Ministério da Saúde. Segundo o resultado do mapa, as principais populações

atingidas são as que vivem nos campos, florestas e região costeira nos territórios da

expansão capitalista: povos indígenas, agricultores familiares, comunidades

quilombolas, pescadores artesanais e ribeirinhos. Mas também se destacam

populações urbanas, como moradores em áreas próximas a lixões, operários e

moradores em bairros atingidos por acidentes ambientais. As atividades que mais

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geram conflitos expressam os principais eixos econômicos que orientam o atual

modelo de desenvolvimento brasileiro em sua inserção na economia capitalista

globalizada. Dentre eles se destacam, nesta ordem, o agronegócio, a mineração e

siderurgia, a construção de barragens e hidrelétricas, as madeireiras, as indústrias

químicas e petroquímicas, as atividades pesqueiras e a carcinicultura, a pecuária e a

construção de rodovias, hidrovias e gasodutos, Como resultado dos principais danos

e riscos à saúde, é indicado a piora na qualidade de vida como o principal problema

de saúde levantado pelas populações atingidas em suas lutas (FUNDAÇÃO

OSWALDO CRUZ, 2011).

Para a Justiça ambiental, o poder econômico e político, bem como os sistemas

de proteção sociais são determinantes para o entendimento da vulnerabilidade

ambiental (PORTO, 2006). Neste sentido, Acselrad (2000) relata que a desigualdade

ambiental é uma expressão da desigualdade social. Segundo o autor, os pobres,

pela precariedade e localização de suas moradias, estão mais expostos aos riscos

ambientais como enchentes, desmoronamentos e proximidade com esgotos não

tratados. Consequentemente, há estreita relação entre indicadores de pobreza e

doenças associadas à contaminação da água, esgotos sanitários e rejeitos

industriais. O autor ainda afirma que esta desigualdade é consequência da

privatização dos recursos ambientais coletivos. Nesta lógica, é postergada a relação

entre degradação ambiental e injustiça social que, segundo Acselrad, deve ser

enfrentada através de ganhos de democratização e não de ganhos de eficiência de

mercado. Como exemplo da lógica injusta de distribuição espacial, Acselrad (2002)

observa que a decisão de alocação de lixo tóxico tem por critério a pouca

capacidade de resistência e poder das comunidades na participação nas decisões e

no deslocamento para áreas não poluídas, onde os prejudicados acabam sendo os

que menos influenciam nestas decisões. O autor define como “composição técnica”

esta espécie de divisão social do ambiente: O capital cada vez mais móvel escolhe

seus ambientes preferenciais e obrigam os sujeitos menos móveis a um

deslocamento forçado, liberando ambientes favoráveis aos empreendimentos; como

também forçam os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação de seus

ambientes. Portanto, ambientes que interessam ao capital justifica uma

“preocupação de preservação” através de uma “modernização ecológica”, dentro da

forma dominante do chamado “desenvolvimento sustentável”. Por outro lado, terras

desvalorizadas tendem a habitar “classes ambientais” dotadas de pouca mobilidade

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espacial e espacialmente segregadas (ACSELRAD, 2002). O autor propõe que a

lógica segregadora é o resultado de dois mecanismos, mostrados através de duas

proposições (denominadas momentos subjetivistas). A primeira evidencia que a

desigualdade de poder e social sobre os recursos naturais estão no cerne dos

processos de degradação ambiental, onde as “pressões” sobre o ambiente tendem a

não reduzir quando os seus benefícios de uso, bem como a capacidade de transferir

os custos ambientais para os mais fracos, estão concentrados em poucas mãos.

Portanto, nesta primeira proposição, a proteção do ambiente natural depende do

combate à desigualdade social, “não se poderia enfrentar a crise ambiental sem

promover a justiça social” (p.15). A segunda proposição expõe que o aumento da

desigualdade ambiental, permitindo a transferência de atividades degradantes para

locais de menor resistência social, esta relacionada com a desigualdade social e de

poder sobre os recursos naturais, bem como com a liberdade de movimento do

capital. A resistência organizada dos atores sociais pode evitar a injustiça ambiental,

pois dificultam a mobilidade do capital, o qual tende a se retirar de áreas de maior

organização política e se voltar para áreas com menor nível de capacidade de

resistência e organização (ACSELRAD, 2002). Sendo assim, Acselrad (2006), ao

discorrer sobre o “processo de vulnerabilização” no enfoque da justiça ambiental,

afirma que tratar as condições de vulnerabilidade como uma questão de direitos

humanos vincula estas condições as suas raízes sociais mais profundas,

potencializando e estimulando a mobilização das pessoas para uma transformação

destas condições.

Segundo Freitas e Porto (2004), pessoas relativa ou absolutamente incapazes

de proteger seus próprios interesses; possuindo uma capacidade ou liberdade

limitada, são consideradas vulneráveis. Os autores relatam que a capacidade de

recuperar-se, resistir e sobreviver de algum impacto relacionado a riscos físicos

tecnológicos, naturais, biológicos, além de outros desastres (como fome e mortes

por desnutrição e conflitos civis) esta relacionada à característica populacional

(casta, etnia e classe social) e ao acesso a recursos (bens/informações) que possam

possibilitar a subsistência perante um desastre.

Acselrad (2006) observa que o processo de vulnerabilização está associado a

três fatores, individuais, sociais e político-institucionais. Quando a vulnerabilidade é

limitada ao indivíduo, Acselrad sugere que pode parecer uma questão de escolha

individual o que leva o sujeito a condição de vulnerável, como relata o autor: “fazem

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más escolhas..., comprometendo sua capacidade de acessar a estrutura de

oportunidades sociais” (ACSELRAD, 2006, p.1). Mesmo quando se considera a

vulnerabilidade socialmente produzida, o foco tende a ser o sujeito social e não os

processos que o tornam vulnerável. Diferente desta visão, o Movimento de Justiça

Ambiental define os vulneráveis como vítimas de uma proteção desigual, tendo, o

Estado, um déficit de responsabilidade, não enfocando, portanto, como um déficit de

capacidade na defesa dos sujeitos (BULLARD apud ACSELRAD, 2006). A questão

recai, segundo Acselrad (2006) sobre os mecanismos que tornam os indivíduos

vulneráveis e não sobre a sua destituição da capacidade de se defender. Interessa,

então, determinar e interromper os processos decisórios que expõem os mais

desprotegidos a riscos. Portanto, cabe ao Estado a responsabilidade política de

proteção aos cidadãos. Quando houver proteção desigual, deve-se desfazer os

mecanismos de vulnerabilização requerendo do Estado políticas de proteção

equânime e combate aos processos que concentram os riscos sobre os que são

menos capazes de serem ouvidos no âmbito da esfera pública, sendo, assim, algo

que lhes é devido como um direito, de natureza distributiva. Ao centrar o déficit nos

sujeitos, o Estado pretenderá suprir uma carência destes indivíduos vulneráveis,

voltando-se para algo que lhes falta, não tomando, assim, uma ação decisória sobre

o processo de vulnerabilização. O autor denomina estes enfoques de “relações de

vulnerabilidade” afirmando que “neste caso, pretende-se dar ao cidadão algo que ele

não tem, enquanto no anterior, aponta-se para o processo através do qual esta

capacidade de autodefesa lhe é permanentemente subtraída” (ACSELRAD, 2006,

p.2). Segundo o autor, a noção de vulnerabilidade designa menor ou maior

susceptibilidade de lugares e pessoas sofrerem algum agravo, estando associada à

exposição de riscos. Guimarães e Novaes (apud ACSELRAD, 2006) ressaltam que

para eliminar a vulnerabilidade é necessário que sejam superadas as causas das

privações sofridas por pessoas ou comunidades, como também que haja mudança

nas relações destes com o espaço social que estão inseridos. Os mecanismos de

distribuição desigual da proteção estão relacionado à quantidade de exposição ao

risco e a chance de proteção contra ele. Para esses autores, a desigualdade

compromete a capacidade dos mais “vulneráveis” expressarem livremente suas

vontades. Nesse sentido, Acselrad (2006) observa que quanto menor a gama de

expectativas, maior a tendência a aceitar condições que em outros momentos,

lugares e circunstâncias, seriam inaceitáveis. Como exemplo desta relação,

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podemos citar o caso da Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias que, apesar de

reconhecidamente apresentar grande índice de contaminação por HCH

(vulgarmente reconhecido como “pó de broca”), residentes do local consideram-se

privilegiados em morar sem pagar em um lugar “aprazível com luz, água e

segurança”, temendo serem despejados (HERCULANO, 2001). Portanto, quanto

maior for a destituição, maior o consentimento para com os riscos e danos impostos

(ACSELRAD, 2006).

Segundo Porto (2006), há três eixos básicos que constituem a matriz da

vulnerabilidade ocupacional e ambiental. O primeiro caracteriza a complexidade dos

riscos tecnológicos e das incertezas associadas; O segundo caracteriza a

vulnerabilidade social de grupos expostos através dos processos de

inclusão/exclusão social existente nas sociedades capitalistas; o terceiro caracteriza

a vulnerabilidade institucional relacionado ao campo de desastres tecnológicos e

naturais. No primeiro eixo, a incerteza e a complexidade nas questões ambientais

são expostas por Porto e Freitas (1997), ao afirmarem que a objetividade científica

deverá reconhecer os processos e relações sociais que envolvem a geração e

conseqüências das situações de risco, portanto, a completa dimensão dos riscos

tecnológicos ambientais não pode ser somente observada. Dentro desta

perspectiva, caracteriza-se uma nova visão de gerenciamento de riscos

considerando a participação dos trabalhadores das indústrias e das populações do

entorno, sendo estes os que percebem o risco; das instituições privadas e públicas,

como representantes dos interesses econômicos, políticos e sociais estruturados na

sociedade; como também os contextos culturais e sociais em que o risco é

analisado. Estas questões também são abordadas por Funtowicz e Ravets (1997)

que propõem, ao lidar com problemas relativos ao meio ambiente, o reconhecimento

da incerteza, complexidade e qualidade. Nesta ciência, chamada pelos autores de

pós-normal, as limitações das estratégias tradicionais para resolução de problemas

estão relacionadas ao fato das decisões dependerem de avaliações dos recursos,

da sociedade humana e dos estados futuros do ambiente natural, não se podendo

conhecer em detalhes, nenhum destes fatores. Estas incertezas, portanto, são de

origem técnica, metodológica e epistemológica da ciência tradicional (FUNTOWICZ

E RAVETS, 1994,1997). Como observa os autores:

“A metodologia para lidar com os novos problemas não pode ser a mesma que ajudou a criá-los. O sucesso da ciência tradicional residia, em grande

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parte, no poder de fazer abstração das incertezas nos conhecimentos e valores. Isso se revela na tradição dominante de ensino da ciência, que se apóia num universo de fatos inquestionáveis, apresentados dogmaticamente e assimilados por estudantes acríticos. A expertize ciêntífica conduziu-nos a dilemas políticos que ela não consegue resolver sozinha. Não é só o controle e a previsibilidade que perdemos. Agora nos deparamos com radical incerteza, com a ignorância e com dúvidas éticas no âmago das questões que dizem respeito à política científica” (FUNTOWICZ e RAVETS, 1997 p.3).

Paralelamente, o controle de qualidade de uma pesquisa não pode mais ser

delegado a comunidades isoladas de especialistas, deve ser estendido para todos

os afetados na questão, determinando assim, a “comunidade ampliada de pares”

proposta pela ciência pós-normal (FUNTOWICZ e RAVETS, 1997).

Em relação a vulnerabilidade social, Castel (apud Porto, 2006) observa que a

precariedade do trabalho vem substituindo a estabilidade nesta atual reestruturação

produtiva em curso, com um número cada vez maior de assalariados fragilizados e

ameaçados pelo desemprego. Novas formas de emprego estão suplantando o

emprego estável, como os contratos temporários de trabalho. O autor aborda o

conceito de vulnerabilidade se referindo às dinâmicas de exclusão e marginalização,

sendo estas, atualmente, intensamente marcadas pelos processos de

desestabilização, como a degradação progressiva das condições e das relações de

trabalho, bem como as proteções inerentes a estas. Este processo de inclusão-

exclusão esta relacionado ao trabalho e a inserção relacional. Em relação ao

trabalho tem-se o trabalho estável, o trabalho precário e o não trabalho, em nível

crescente de degradação. A inserção relacional possui também três divisões: a

inserção relacional forte, a fragilidade relacional e o isolamento social. Obtêm-se

então três zonas: a da integração, associando trabalho estável e forte inserção

relacional; a da vulnerabilidade, relacionando o trabalho precário e a fragilidade

relacional; e a desfiliação, representando o duplo processo de marginalização,

ausência de trabalho e o isolamento relacional.

Porto (2006) observa uma tendência atual de se abordar desastres de origem

natural e tecnológica através de um mesmo referencial teórico, pelo fato que os

eventos naturais ocorrem, cada vez mais, pela ação antrópica (como

desmatamentos, barragens causando inundações e poluição). Além do mais,

processos sociais, políticos e econômicos estão frequentemente associados ao

surgimento e agravamento desses eventos. Portanto, a análise de vulnerabilidade

busca articular, através de um enfoque transdisciplinar, o entendimento dos

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processos geofísicos, biológicos e tecnológicos, como também os processos

políticos e socioeconômicos de eventos particulares, em escalas temporais e

espaciais variáveis. O poder econômico e político, bem como as redes de proteção

social, “configuram-se como chaves no entendimento da vulnerabilidade”(p.9).

Sendo assim, a definição de grupos populacionais mais suscetíveis a danos diante

destes desastres é construída através das características populacionais (etnicidade,

idade, classe social, casta), bem como o acesso a recursos como bens, informações

e serviços que permitam a subsistência perante um desastre (PORTO, 2006). A

assimilação do tema da vulnerabilidade proporciona o desenvolvimento de

metodologias científicas contextualizadas, com estratégias de avaliação

territorializadas, proporcionando assim, o delineamento dos problemas prioritários de

grupos mais afetados. Portanto, a territorialização recupera as dimensões éticas,

econômicas e sociais, mudando o padrão alienante das decisões realizadas em

centros desconectados dos territórios investigados (FREITAS e PORTO, 2004).

3.2 BIOÉTICA DA PROTEÇÃO E VULNERABILIDADE

Ao formularem a “Bioética da Proteção”, Schramm e Kottow (2001) ressaltam

que esta deve ser definida como uma ética de responsabilidade social que o Estado

deve se basear, assumindo assim suas obrigações sanitárias para com as

populações humanas, sendo estas consideradas em seus contextos naturais,

sociais, culturais e ecoambientais.

Para Kottow (2005), o dever político de proteger o cidadão não tem sido

questionado, e sim a extensão dessa proteção. A função protetora do estado tem

como preocupação, além dos conflitos humanos, catástrofes (terremotos,

inundações e incêndios), como também os aspectos higiênicos e epidemiológicos.

Ao enfatizar a ação, ou seja, o dever prescritivo da bioética neste aspecto, o autor

afirma que:

A ética da proteção em saúde pública pode ser explorada mais além das ações epidemiológicas preventivas, para englobar políticas sanitárias terapêuticas baseadas em vulnerabilidade, suscetibilidade, necessidade e pobreza. [...] Essa vulnerabilidade constitutiva do ser humano é igual para todos, e a resposta social tem sido a de reduzir os níveis de vulnerabilidade mediante algumas proteções básicas, que receberam o nome de direitos humanos. O mandato é proteger a todos por igual, tornando desnecessárias as especulações éticas sobre os direitos humanos, que são certamente inquestionáveis, mas sendo mais importante adaptar e aplicar a décima primeira tese de Karl Marx contra Ludwig Feuerbach, na qual ele argumenta

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que a filosofia já refletiu o suficiente e deve ocupar-se da intervenção transformadora do mundo. (KOTTOW, 2005, p.37).

Kottow (2005) descreve quatro raízes em que se baseia a ética da proteção: o

compromisso político do Estado; as limitações de um pensamento principialista; o

fundamento ético da convivência; e a necessidade de uma ética própria para a

América Latina, de acordo com a realidade socioeconômica dos países

desenvolvidos precariamente. Segundo Schramm (2006), a bioética da proteção

nasce, em primeiro lugar, para repensar uma ferramenta que seja eficaz

teoricamente e efetiva na prática, dentro de um contexto de crise de credibilidade no

campo das bioéticas mundiais, que são pensadas e aplicadas não levando em

consideração as especificidades de situações concretas; em segundo lugar, para dar

conta de conflitos morais específicos representados pela qualidade de vida e saúde

de “indivíduos e populações que, por uma razão ou outra, não estavam (e não

estão) cobertos em seus direitos cidadãos” (p.147), o que representa a maior parte

das populações latino-americanas e caribenhas, além daquelas que estão em

condições semelhantes nos países do “terceiro mundo”. Desta forma, segundo o

autor, a bioética da proteção é pensada para proteger os que “são vulneráveis ou

fragilizados a ponto de não poder realizar suas potencialidades e projetos de vida

moralmente legítimos, pois as políticas públicas de saúde não os garantem”.

(SCHRAMM, 2006, p.147). Neste sentido, Kottow (2005) ressalta que os

necessitados, suscetíveis e pobres têm como denominador comum o desamparo,

representando uma situação que se carece de proteção e dos elementos para obtê-

la, de forma que esta susceptibilidade torna-se crônica. Portanto, a função protetora

do estado se estabelece como um direito moral. A bioética da proteção se propõe

coletiva, “e o único estamento político passível de assumir funções de proteção

coletiva é o Estado”(KOTTOW, 2005, p.39).

Ser vulnerável, segundo Kottow (2003), é estar suscetível a sofrer danos, e estar

vivo é estar vulnerável a perturbações e a morte. Com o fim da idade média a

dimensão existencial voltada para um mundo transcendente dá lugar a uma

mundanização onde o homem perde o consolo de uma vida pós-terrena, dando

lugar à consciência de sua fragilidade. Este equilíbrio instável e arriscado da vida

humana é reconhecido pelos humanistas do renascimento como um traço

antropológico da vulnerabilidade (KOTTOW, 2007a). Além desta vulnerabilidade

pertencente a todo ser humano, algumas pessoas sofrem situações desfavoráveis

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de cunho social, biológico ou educacional que as tornam mais vulneráveis, como

doenças crônicas e endêmicas, falta de educação, pobreza e dificuldades

geográficas, sendo chamada de vulnerabilidade adicional (KOTTOW, 2003). Os

direitos humanos têm como finalidade reduzir os riscos da existência que provém da

convivência social, na qual todo indivíduo está igualmente exposto, e pelo qual deve

haver acesso equânime e indiscriminado a uma proteção que outorgue os direitos

fundamentais (KOTTOW, 2007a). A vulnerabilidade intrínseca da vida humana

constitui a premissa da política de um Estado protetor e justo que deve estar

disponível a toda a população de uma nação, fazendo valer os direitos humanos de

forma indiscriminada para todos tendo, esta proteção, a inspiração no princípio da

justiça. O respeito aos direitos humanos resguarda o ser humano em sua

vulnerabilidade, entretanto, o cumprimento dos direitos de segunda geração deve

receber atenção social orientada (KOTTOW, 2003, 2007a). Neste sentido, Kottow

argumenta que a linguagem dos direitos não consegue adequadamente expressar o

respeito universal; como também não consegue dar conta da construção de

sociedades dispostas a dar prioridades aos direitos básicos em relação às

considerações econômicas. Decorre daí que as teorias éticas sobre cobertura das

necessidades básicas essenciais e sobre justiça social “têm preferido o discurso dos

deveres que são vinculantes, controláveis e dotados de maior efetividade que a

invocação dos direitos” ( KOTTOW, 2007a, p.138).

A vulnerabilidade intrínseca do homem é definida como primária; e a que

ocasiona a suscetibilidade a sofrer mais danos é definida como vulnerabilidade

secundária ou adquirida. Esta vulnerabilidade circunstancial secundária é marcada

pela destituição, o que alimenta a perda de capacidade e a impotência (KOTTOW,

2003). Como ressalta Sen (2003), a liberdade substantiva dos indivíduos se

concentra na capacidade das pessoas realizarem coisas que elas têm razão para

prezar e na liberdade para levar um tipo de vida que valorizam. O autor observa que

a privação de capacidades básicas pode refletir em deficiências como analfabetismo

disseminado, morbidez persistente entre outras. Neste sentido, Kottow (2003)

observa, ao comentar o artigo de Ruth Macklin -“Bioética, vulnerabilidade e

proteção”, que comunidades e indivíduos “são vulneráveis porque carecem dos bens

fundamentais de que precisam para sair de um estado de destituição” (p.73) e este

estado de destituição torna o destituído mais vulnerável, reduzindo seu campo de

ação livre, tornando o destituído mais predisposto a males e danos, sendo, portanto,

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uma preocupação essencial da bioética. Kottow (2007a) ressalta que além da

vulnerabilidade geral inerente a todo ser humano, há indivíduos ou populações

afetadas por alguma deficiência, o que os converte a susceptíveis ou vulnerados, ou

seja, são seres que sofreram danos e estão, portanto, expostos a danos adicionais.

Exemplificando o reconhecimento da saúde pública na relação potencial entre

pobreza e enfermidade, o autor observa que esta susceptibilidade expressa a

vulnerabilidade convertida em vulneração; não é mais um fragilizado e sim um

afetado, o que o predispõe a maiores danos ainda. Para Kottow (2007b), esta

vulneração ou susceptibilidade é sempre acompanhada de uma falta de autonomia.

Rebatendo as críticas ao protecionismo que negam que os vulneráveis tenham

deficiência de autonomia, o autor coloca que se há o reconhecimento que os

vulneráveis são vulnerados, há de se aceitar a possibilidade de que sua vulneração

pode afetar o exercício de sua autonomia. Portanto, a ética social deve destacar os

susceptíveis da vulnerabilidade geral e proporcionar a eles, através de instituições

sociais, cuidados específicos que atendam suas necessidades, “reduzam sua

suscpetibilidade e os reintegrem, se possível, ao estado pré-mórbido ou pré-lesional

de vulneráveis” (KOTTOW, 2007b p.138).

Alguns pensadores, tem se mantido fieis à concepção do conceito de

vulnerabilidade como atributo humano; outros, apesar de manterem o seu

significado, transformam este atributo antropológico em princípio bioético o que,

segundo Kottow (2007a), constitui uma falácia naturalista, pois não podem explicar

como este atributo descritivo da natureza humana se transforma em um conceito

normativo da bioética. Neste sentido, há consequências negativas na utilização

errônea do significado de vulnerabilidade, sendo este termo frequentemente utilizado

de uma forma descompromissada. O autor exemplifica esta distorção semântica do

termo vulnerabilidade ao se referir à transformação do atributo antropológico do ser

humano em uma característica social que desconhece a singularidade de cada

pessoa, “levando a utilizar uma linguagem se referindo a populações particularmente

vulneráveis, que no fundo nada diz” (p.136); como uma segunda imprecisão

argumentativa, ocorre a indistinção do ser humano vulnerável (frágil, mas não

lesionado ou destituído) com o ser humano vulnerado (já destituído de suas

possibilidades e potencialidades). Para o autor, esta diferença é tão categórica que a

designação de vulnerabilidade não pode abarcar estas duas realidades, pois todo

ser humano é vulnerável, mas só alguns possuem alguma destituição que os

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transformam de potencialmente lesionados a realmente afetados. Portanto, Kottow

(2007a) conclui que a distinção entre vulnerabilidade geral e especial demonstra

uma diferença de graduação, sem frisar que se trata de categorias existenciais

diferentes, uma de um indivíduo intacto apesar de estar inserido no mundo de forma

frágil e incerta; e a outra categoria que é de indivíduos ou populações que sofreram

alguma destituição e são, portanto, vulneradas.

As ambiguidades que emanam do uso pouco cuidadoso do termo

vulnerabilidade são sanadas em grande parte ao adotar a nomenclatura de A. Sen

denominada de empoderamento (KOTTOW, 2007b). Sen (2001) nega que a

pobreza seja somente carência material, definindo-a como um défict de liberdade

para exercer capacidades no desenvolver de uma vida protegida materialmente e

aberta à realização de certos anseios. O autor ressalta que quem está em condições

de atuar livremente são empoderados, ou seja, dispõe de poder necessário das

oportunidades que a sociedade oferece. Portanto, para Kottow (2007b) os

destituídos ou carentes de empoderamento são mal chamados de vulneráveis, e

devem ser vistos como vulnerados. O autor enfatiza que a visão de Sen deixa claro

que os desempoderados sofrem de algum défict existencial que deve tentar ser

sanado por toda sociedade decente e justa através da organização de instituições

sociais terapêuticas que outorguem aos despossuídos o necessário para empoderá-

los em um nível tanto político como social. Esta visão “coincide com a da filósofa

britânica O. O’Neill, que define a vulnerabilidade essencial e a vulnerabilidade

especial, sendo esta última um estado de franca vulneração que requer ajuda para

ser sanada” (KOTTOW, 2007b, p.46).

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4 VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL – CONSIDERAÇÕES SOBRE O

CONTEXTO NACIONAL

Pode-se dizer que a relação entre Ambiente e Saúde sempre se fez presente na

história da Saúde Pública brasileira. No decorrer do tempo, devido a fatores como as

pressões da sociedade e a própria mudança de conceitos ou evolução de

disciplinas, esta abordagem foi aprimorada (BRASIL, 2003). A Vigilância em Saúde

Ambiental (VSA) é compreendida no âmbito do SUS como:

um conjunto de ações que proporciona o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou outros agravos à saúde (BRASIL, 1988, art. 225 apud BRASIL, 2003, p. 7).

A base normativa de sustentação à Saúde Ambiental no país, já se encontrava

na Constituição da República Federativa do Brasil (1988), quando os Artigos 23,

196, 200 e 225 faz referência: à competência comum da União, dos estados,

municípios e do Distrito Federal de cuidar da saúde e de proteger o Meio Ambiente;

ao dever do Estado de garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a redução

do risco de doenças; e ao direito universal ao “meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo

para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2007, p. 16).

Logo a seguir, a Lei 8080/90, além de elencar diversas atividades que hoje são

englobadas pela Saúde Ambiental no “campo de atuação do SUS”, também cita “a

moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o

transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais” como fatores

determinantes e condicionantes à saúde e a Lei 8142/90, embora não se refira

diretamente à Saúde Ambiental, passa por temáticas transversais, como “as

políticas nacionais de saneamento, educação ambiental, recursos hídricos e

resíduos sólidos” (BRASIL, 1990 e BRASIL, 1980 apud BRASIL, 2007, p. 17).

Em 1997, o projeto VigiSUS, formulado pelo Ministério da Saúde, teve entre

seus objetivos estruturar o Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde

(SINVAS), que começa a se institucionalizar a partir do Decreto n.º 3.450/00

(BRASIL, 2007). Tal decreto, que aprova o estatuto da FUNASA – Fundação

Nacional de Saúde, assegura a implantação do SINVAS no território nacional e

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vincula a competência do planejamento, coordenação e supervisão de suas

atividades ao Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI). A Portaria FUNASA nº

410 de 2000 aprova o Regimento Interno da fundação e estabelece as competências

da Coordenação Geral de Vigilância Ambiental em Saúde (CGVAM), no âmbito do

CENEPI (BRASIL, 2003).

Em 2003, com o Decreto nº 4.726, é aprovado a Estrutura Regimental do

Ministério da Saúde, na qual a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) fica

responsável por coordenar a gestão do SINVAS. Foi apenas em 2005, com a

Instrução Normativa nº 1, que o Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde

Ambiental (SINVSA) foi regulamentado tal como é hoje. Esta Instrução Normativa

destaca sobre quais fatores de riscos relacionados às doenças e agravos à saúde o

SINVAS se debruçará: a água para consumo humano; o ar; o solo; os

contaminantes ambientais e as substâncias químicas; os desastres naturais; os

acidentes com produtos perigosos; os fatores físicos; e o ambiente de trabalho

(BRASIL, 2007).

O desenvolvimento da VSA no Brasil tem como proposta gerar informações

antecipadas não no sentido de “vigiar e punir”, mas de “educar e prevenir”. Não é

apenas a VSA que se articula dentro do marco da promoção, mas todas as ditas

“Vigilâncias” no campo da Saúde. Entretanto, a VSA seria aquela que mais se

aproximaria da proposta de “Vigilância em Saúde”, numa perspectiva integradora

das vigilâncias e baseada não apenas em doenças e agravos à saúde pré-definidos,

mas também em problemas de saúde, entendidos de uma forma ampla o suficiente

para contemplar um conjunto de ações direcionadas para a prevenção desses

agravos. (FRANCO NETTO e cols, 2002)

Neste aspecto, outra característica chave da VSA é seu perfil necessariamente

interdisciplinar. Esta característica advém do reconhecimento de que no mundo real

as questões ambientais existem independentemente das disciplinas, bem como do

conhecimento teórico e metodológico que desenvolveram e acumularam

(AUGUSTO, 2003).

Dentre as implicações provocadas pelo reconhecimento da interdisciplinaridade

da VSA, duas são de especial importância. A primeira refere-se à necessidade de

superação do modelo cartesiano-positivista de ciência. Esta implicação obriga

necessariamente o reconhecimento da multicausalidade para uma análise global da

realidade. Nesta perspectiva, reconhece-se que, para uma vigilância efetiva dos

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determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana,

não se pode considerar que cada efeito está vinculado a apenas uma causa, mas a

várias, de diferentes ordens e que, inclusive, podem agir sinergicamente para a

produção deste efeito. Pode-se dizer também que a obrigatoriedade em trabalhar

tanto com aspectos quantitativos quanto qualitativos no referencial teórico-conceitual

da VSA é reflexo desta implicação (AUGUSTO, 2003).

A segunda implicação provocada pelo reconhecimento da interdisciplinaridade

da VSA é a obrigatoriedade da intersetorialidade. Isto significa dizer que para que a

ação da VSA seja de fato efetiva na atenção às necessidades da população, não

pode restringir-se ao setor Saúde, mas integrar diferentes políticas, de diferentes

níveis e setores do governo e da sociedade. Ou seja, mais do que diferentes

ministérios, por exemplo, as ações da VSA devem estar estreitadas com grupos da

sociedade civil como ONGS, Associações, entre outros (BARCELOS e QUITÉRIO,

2006). No entanto, embora a interdisciplinaridade seja reconhecida como um

princípio geral, nem todos os problemas ambientais ou de saúde necessitam de uma

abordagem interdisciplinar, devendo a questão ser analisada caso a caso

(AUGUSTO, 2003).

Em relação aos instrumentos e métodos, a Epidemiologia Ambiental; a Avaliação

e o Gerenciamento de Risco; os lndicadores de Saúde e Ambiente; um Sistema de

lnformação de Vigilância Ambiental; e os Estudos e as Pesquisas podem ser

compreendidos como basilares para o desenvolvimento e estruturação da VSA

(FRANCO NETTO e CARNEIRO, 2006).

A Epidemiologia ambiental consiste no “estudo das causas ambientais em

populações e como esses riscos variam em relação à intensidade e duração da

exposição”, entre outros fatores (GUIMARÃES, 2012, p. 1). A influência do ambiente

na saúde relaciona-se com os antecedentes da própria Epidemiologia, exemplificado

no estudo clássico relativo às formas de transmissão de Cólera, onde no ano de

1854 o médico John Snow constatou, após um surto de cólera em Londres, que a

doença era veiculada através do abastecimento inadequado de água.

A Epidemiologia Ambiental leva em consideração alguns fatores de risco, sendo

estes químicos, biológicos, físicos, ergonômicos, mecânicos e psicossociais além

das “características especiais do ambiente que interferem no padrão de saúde da

população; as pessoas expostas; e, os efeitos adversos à saúde (destacadamente

doenças e acidentes)” (FRANCO NETTO E CARNEIRO, 2002, p. 7).

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Nas palavras dos mesmos autores, a Avaliação de Risco é “um procedimento

utilizado para sintetizar as informações disponíveis e os julgamentos sobre as

mesmas com o objetivo de estimar os riscos associados a uma determinada

exposição” (p.7). Em relação ao gerenciamento, os autores colocam que este

consiste em organizar estratégias eficazes para prevenir os riscos, o que demanda

uma “regulamentação, a utilização de tecnologias de controle e a remediação

ambiental, a análise de custo/beneficio, a aceitabilidade de riscos e a análise de

seus impactos nas políticas públicas” (FRANCO NETTO E CARNEIRO, 2002, p. 7).

Quanto aos lndicadores, deve-se reconhecer que, para a execução das ações

de VSA, a informação é de suma importância. Mas, para obter a informação, é

preciso coletar dados de interesse e construir indicadores capazes de refletir a

realidade ou parte dela. Sendo assim, os indicadores de saúde ambiental podem ser

compreendidos como uma expressão da relação entre o ambiente e a saúde, ou,

entre um indicador ambiental (mais relacionado aos compartimentos ambientais) e

um indicador de saúde (mais relacionados às questões sanitárias propriamente

ditas), “acrescida do conhecimento sobre a inter-relação do quadro da situação

ambiental, da exposição ambiental e dos efeitos sobre a saúde” (BRASIL, 2011, p.

79).

O relatório final do Simpósio Internacional sobre a Construção de Indicadores

para a Gestão Integrada em Saúde Ambiental, organizado em 2004 pela CGVAM

propõe que:

A construção dos indicadores de saúde ambiental deve representar uma reflexão coletiva, interdisciplinar e participativa voltada para a mudança de contextos sócio-ambientais que representem situações de risco à saúde humana;

Os indicadores devem ser construídos a partir da compreensão dos problemas priorizados, considerando a leitura da sociedade naquilo que interpreta como um problema. Devem conduzir para a proteção e promoção da saúde e para orientar mudanças, como facilitadores da tomada de decisão, considerando que as decisões políticas, na construção de indicadores, devem ter em conta a saúde como um valor em si e não como um valor econômico;

A construção de indicadores de saúde ambiental deve ainda respeitar e incorporar os saberes emanados da sociedade, que contribuem para aumentar o poder de explicação e avaliação, instrumentalizando de modo adequado o planejamento estratégico, a gestão integrada que privilegia ações de interdisciplinaridade e de intersetorialidade e o controle social, nos três níveis de governo e de acordo com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

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A participação dos gestores desde o início do processo de construção de indicadores apresenta-se como uma necessidade e um avanço para a qualidade da gestão. (BRASIL,2004, p. 21, 22).

Vale também destacar que alguns dos objetivos específicos do Sistema de

lnformação para a Vigilância em Saúde Ambiental são:

“Identificar os riscos e divulgar, para o SUS e para a sociedade, as informações referentes aos fatores ambientais condicionantes e determinantes das doenças e outros agravos à saúde”; (...) “conhecer e estimular a interação entre saúde, meio ambiente e desenvolvimento, visando o fortalecimento da participação da população na promoção da saúde e qualidade de vida” (BRASIL, 2003, p. 12).

A estrutura organizacional atual da CGVAM engloba Áreas de Articulação/Ação

Integrada, Áreas de Apoio à Coordenação e também áreas finalísticas. Estas últimas

direcionam-se para diversos fatores ambientais de riscos relacionados às doenças e

agravos à saúde. Atualmente, a CGVAM possui, como áreas finalísticas, a Vigilância

em Saúde Ambiental relacionada à qualidade da água para consumo humano –

VIGIAGUA; a Vigilância em Saúde Ambiental de Populações Expostas a Solo

Contaminado – VIGISOLO; a Vigilância em Saúde relacionada à Qualidade do Ar -

VIGIAR; a Vigilância em Saúde Ambiental relacionada aos riscos decorrentes de

Desastres Naturais – Vigidesastres; a Vigilância em Saúde frente a Situações de

Calamidade Pública por Inundações; a Vigilância em saúde de populações expostas

a Substâncias Químicas prioritárias – VIGIQUIM; a Vigilância em Saúde Ambiental

Relacionada aos Acidentes com Produtos Perigosos – VIGIAPP; a Vigilância em

Saúde Ambiental relacionado a Fatores Físicos (emissões de campos

eletromagnéticos); e a Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada ao ambiente de

trabalho - a VIGIAMBT, ainda em estruturação (BRASIL, 2013).

Essa estrutura da VSA visa dar conta de um cenário atual complexo. A

deteriorização ambiental cada vez mais crescente em escala planetária e

exacerbada a nível local incita uma efetiva participação da saúde nas questões

ambientais, conforme mencionado na página do MS:

Esses problemas são exacerbados em situações locais em que se acumulam fontes de riscos advindas de processos produtivos passados ou presentes, como a disposição inadequada de resíduos industriais, a contaminação de mananciais de água e as péssimas condições de trabalho e moradia. O setor saúde tem sido instalado a participar mais ativamente dessa agenda, seja pela sua atuação tradicional no cuidado de pessoas e populações atingidas pelos riscos ambientais, seja pela valorização das ações de prevenção e promoção da saúde. Essa tendência tem apontado a necessidade de superação do modelo de vigilância à saúde baseado em

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agravos e a incorporação da temática ambiental nas práticas de saúde pública (BRASIL, 2013).

Dessa forma, tomando o paradigma do desenvolvimento sustentável, que tem a

melhoria das condições de saúde como uma das suas buscas estratégicas, a

perspectiva de orientação do desenvolvimento para a transformação das realidades

e a proposta de intervenções e pesquisas que utilizem métodos e práticas

participativas, reforça-se também que na VSA sejam valorizados os aportes, as

interpretações e os saberes de todos de forma a atingir uma via de cooperação com

a comunidade, com o setor saúde e demais setores (AUGUSTO, 2003). Tal

cooperação é fundamental para garantir a priorização, continuidade e transparência

de políticas públicas (BARCELLOS e QUITÉRIO, 2006).

Esta relação próxima com a comunidade vem ao encontro da responsabilidade

da VSA para com a proteção da população, buscando uma “construção e

interpretação de vulnerabilidades socioambientais enquanto evidência da complexa

trama de determinação da saúde” (ROHLFS e cols, 2011, p.397).

Portanto, alguns desafios à VSA podem ser mencionados: O primeiro refere-se à

necessidade de delimitação mais precisa do objeto de trabalho e de instrumentos de

avaliação e controle. Tais necessidades, principalmente comparadas às ações de

outras frentes como a Vigilância Sanitária ou Epidemiológica, são perceptíveis no

dia-a-dia de quem tenta implementar e executar ações, mas não se sente

respaldado o suficiente para isso ou sente falta de valorização nas estruturas do

governo, sobretudo nas secretarias municipais. Outra questão é a estruturação das

ações hoje reconhecidas como dentro do escopo da VSA nas secretarias estaduais

e municipais, que se deu de maneira diversa. Como exemplo, pode-se citar a

criação de departamentos ou secretarias específicas, a vinculação das atividades à

Vigilância Epidemiológica ou Sanitária ou ainda a estruturação fora do setor saúde.

Tal panorama cria uma dificuldade na eficácia dos canais de diálogo e impõe à VSA

uma estrutura mais corpulenta do que a que seria necessária (BARCELLOS e

QUITÉRIO, 2006).

Pode ser também colocado como desafio a própria reflexão das categorias de

Risco e Exposição. A primeira, de risco, é compreendida como a probabilidade de

ocorrência de um evento e está ligado à causa e ao contexto. No entanto, não se

pode perder de vista que não é um conceito puramente técnico, mas também social

e cultural e, portanto, não é neutro. Sendo também subjetivo, não pode ser reduzido

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a valores numéricos (AUGUSTO, 2003). O segundo, de exposição, se não for

vinculado a uma análise multicausal que leve em consideração também os macro-

determinantes socioespaciais, pode ter como resultado a produção de análises

descontextualizadas. Mais além, deve-se reconhecer que estas situações de

exposição raramente são voluntárias, mas produzidas pela própria organização de

produção e reprodução social. Há autores que chegam a propor a terminologia de

Imposição ao invés de Exposição para estes casos (BARCELLOS e QUITÉRIO,

2006).

Por fim, o próprio desenvolvimento de ações interdisciplinares e intersetoriais

configuram-se como um desafio no panorama de recorte do conhecimento em

disciplinas que traçaram histórico específico e desconectado, bem como de serviços

que estabeleceram vocações institucionais distintas, na maioria das vezes

desarticulados com a sociedade. Uni-los todos em prol de uma ação única, evitar

conflitos e estimular a responsabilidade compartilhada certamente não é tarefa fácil

(FRANCO NETTO e CARNEIRO, 2002).

A VSA segue, assim, num período em que a deterioração ambiental é cada vez

mais perceptível no dia a dia das comunidades e que praticamente todas as causas

de morbi-mortalidade apresentam alguma questão ambiental diretamente

relacionada em suas causas, buscando ao menos mitigar os efeitos nocivos dos

fatores ambientais à saúde humana. Enfrentando desafios e ainda estruturando-se

no dia a dia do serviço, propondo um modelo de compreensão holística desde o

diagnóstico à ação, centrada principalmente no coletivo e menos no nível individual,

bem como na prevenção, na antecipação dos agravos à saúde. Para tanto, as

questões ambientais devem estar contidas em todas as esferas e etapas de atuação

(AUGUSTO, 2003), bem como já citado, a vulnerabilidade socioambiental deve ser o

fio condutor das ações, tarefa que a VSA vem buscando cumprir.

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5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho consiste em uma pesquisa de campo qualitativa realizada com

gestores da Vigilância em Saúde Ambiental (VSA) das 3 esferas de governo –

municipal, estadual e federal, durante o período de março a dezembro de 2010.

Esta pesquisa qualitativa foi consolidada através de uma entrevista com roteiro

semi-estruturado (Apêndice A) aplicada aos gestores da VSA, a fim de observar e

discutir como os profissionais identificam as questões morais no quotidiano da VSA;

quais são os fundamentos éticos que amparam as decisões tomadas pelos

profissionais da Vigilância em saúde Ambiental e como estes profissionais se

posicionam em relação a população afetada pelas intervenções do Estado.

A metodologia qualitativa foi escolhida por considerarmos ser o método mais

adequado para dar conta dos objetivos propostos. Segundo Minayo e Sanches

(1993) a investigação qualitativa caracteriza a fala cotidiana, seja na sua dimensão

afetiva ou técnica, expressada em diferentes discursos. Ainda segundo estes

autores, uma análise qualitativa completa interpreta o conteúdo dos discursos ou a

fala cotidiana dentro de um quadro de referência, onde a ação e a ação objetivada

nas instituições permitem ultrapassar a mensagem manifesta e atingir os

significados latentes, ou seja, checar o que é dito com o que é feito, com o que é

celebrado e/ou está cristalizado; um verdadeiro modelo qualitativo descreve,

compreende e explica, trabalhando exatamente nesta ordem.

5.1. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS DE PESQUISA:

Como critério de seleção dos entrevistados, foi proposto que os sujeitos da

pesquisa fossem gestores ativos da VSA, podendo ser de diferentes instâncias -

municipal, estadual e federal, como também podendo estar atuando em qualquer

setor dos vários setores que compõe o sistema da VSA. Este perfil foi escolhido

visando, propositalmente, uma maior amplitude geográfica na composição do grupo,

com o intuito de apresentar uma abrangência maior sobre os aspectos morais das

atividades da Vigilância em Saúde Ambiental.

Pensando em como chegar aos profissionais com este perfil, concluímos que o

momento e lugar mais adequado seria nos encontros promovidos sobre temas

relativos à saúde ambiental. O primeiro encontro foi promovido pelo IESC, onde nos

situamos, com o objetivo de discutir mesmo as questões morais que emergiam das

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práticas em VSA, o segundo e o terceiro foram encontros em que haveria

concentração de profissionais em VSA:

1) Seminário sobre Bioética, Pesquisa e Saúde Ambiental realizado na cidade

do Rio de Janeiro entre os dias 15 e 17 de Março de 2010 onde foram

entrevistados 12 gestores;

2) Reunião de Saúde Ambiental no Brasil' e 'Pesquisa em Saúde Ambiental –

Fontes de Financiamento' realizadas nos dias 08 e 09 de Abril de 2010 em

Brasília/DF onde foram entrevistados 15 gestores;

3) Primeiro Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental que ocorreu entre os dias 6

e 10 de dezembro de 2010 em Belém do Pará onde foram entrevistados 6

gestores .

As técnicas utilizadas para que o acesso aos sujeitos se adequasse a nossos

critérios de seleção foram variadas. Os dois primeiros encontros eram reuniões

promovidas pelo IESC e pelo Ministério da Saúde com gestores de todo o Brasil. O

que nos facilitou muito a abordagem. Assim, nestes encontros, apresentamos

verbalmente o projeto para os gestores e os convidamos a participar. Após esta

abordagem, esperamos que voluntariamente os gestores interessados em participar

viessem nos procurar.

Já o terceiro encontro, o Simpósio, era uma reunião de todos os interessados no

tema da Saúde Ambiental, não se restringiu a gestores. Nesse o encontro de

pessoas que atingissem nossos critérios foi diferente. Foi feita aproximação com

gestores, já conhecidos ou através de sua identificação no crachá, e, após

confirmarmos que estes se encaixavam no perfil dos sujeitos da pesquisa, eram

convidados a participar da entrevista. Após as entrevistas com os gestores

escolhidos dessa forma, pedimos que cada um deles indicasse outro gestor para

ser entrevistado, utilizando assim a técnica do snowball. Ao todo foram entrevistados

33 gestores.

5.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DOS DADOS:

Após o projeto deste trabalho ter sido submetido e aprovado pelo CEP do

IESC/UFRJ (ANEXO I) começamos a preparação para as entrevistas. Três

graduandos que participavam de projetos da Bioética no IESC/UFRJ integraram a

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equipe de pesquisa entrevistando os gestores. As entrevistadoras foram

devidamente treinadas para realizar as entrevistas.

As entrevistas foram realizadas através de um roteiro semi-estruturado

(Apêndice A). Os roteiros do questionário foram elaborados baseando-se no

relatório da oficina de trabalho sobre aspectos bioéticos da pesquisa e da Vigilância

Ambiental em Saúde (VSA), realizado em julho de 2006, no qual o subtema “bioética

no cotidiano do VSA” apresentou uma série de questões de ordem moral,

explicitando as dificuldades e limites nas tomadas de decisões por parte dos

profissionais envolvidos nesta área.

Foi solicitado aos gestores que respondessem as questões apresentadas no

roteiro relativas às questões morais no cotidiano da VSA; princípios éticos que

amparam as tomadas de decisões; e dilemas relativos a população afetada pelas

intervenções do Estado.Os entrevistados também foram instados a se colocarem em

situações hipotéticas e a justificarem suas ações preferenciais. As entrevistas foram

gravadas.

O termo de consentimento livre esclarecido (TCLE) (APÊNDICE B) foi

apresentado para cada entrevistado juntamente com uma explicação acerca da

entrevista. Após os esclarecimentos, o gestor que voluntariamente aceitou participar

da entrevista, assinou o TCLE em duas vias, ficando uma para ele e outra para o

entrevistador, sendo posteriormente anexada na pasta da pesquisa.

Após as entrevistas serem encerradas, começou o processo de transcrição. As

entrevistas foram divididas entre duas entrevistadoras, sendo que uma transcreveu

05 entrevistas e a outra transcreveu as outras 28 entrevistas. Foi tomado o cuidado

de transcrever o mais fidedigno possível as falas dos gestores, procurando repassar

a escuta para dirimir dúvidas, como também buscando ter o máximo de precisão

quanto a forma dos gestores se expressarem. Os gestores foram numerados

aleatoriamente e, após as transcrições, as gravações das entrevistas foram

apagadas.

5.3 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS:

Os depoimentos dos gestores foram analisados segundo a técnica de Análise do

Conteúdo, técnica que busca articular estruturas semânticas (significantes) e

sociológicas (significados) extraídos das falas analisadas, bem como os enunciados

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aos fatores que os determinam. Dentro da Análise de Conteúdo, foi utilizada

especificamente a Análise Temática. A técnica preconizada possibilita a identificação

de núcleos de sentido na comunicação e entende que os temas constituem os

elementos centrais que ancoram as representações daqueles que emitem as falas

(MINAYO, 2006).

Na primeira etapa metodológica foi lido todo o material relativo a cada pergunta

quando se procurou identificar os trechos mais significativos das falas. A partir dessa

identificação de cada trecho selecionado foi formulada uma frase que sintetizaria o

sentido da fala. Em seguida, de cada pergunta foram criadas categorias de resposta

agrupando as respostas semelhantes. As primeiras entrevistas foram analisadas por

3 pesquisadores para codificação das respostas abertas. Todo o material depois foi

categorizado pela autora e revisto por mais 2 pesquisadores. .

A apresentação dos resultados seguiu a ordem de apresentação das perguntas

no questionário. Cada item correspondendo a uma questão foi desdobrado em

subitens correspondendo a categorias mais abrangentes, e dentro desses subitens

são apresentados a codificação das respostas e alguns exemplos de falas para

ilustrar. Nos anexos apresentamos todos os trechos de fala que constituiu o material

básico de análise que deu origem a codificação realizada para que o leitor possa

fazer seu julgamento independente das escolhas da autora e sua equipe.

A parte que caracteriza os sujeitos de pesquisa foi incluída no subtítulo os

gestores da VSA. A parte que explora qual a contato com conteúdos de ética foi

dividida em duas categorias: relatam que tiveram contato com a Ética e relatam que

não tiveram contato com a Ética.

Na parte que explora quais os conflitos e dilemas encontrados, foi realizado uma

análise temática que dividiu as respostas em 12 categorias: Conflitos Estado-

população; Conflitos Estado-municípios e outras instâncias; Conflitos relacionados à

falta de controle social; Conflitos VSA-políticos e gestores; Conflitos academia-

serviço; Conflitos profissional-estado; Conflitos estado/vsa-empresas e interesses

econômicos; Conflitos relacionados ao controle de fiscalização; Conflitos empresas-

população; Conflitos individual-coletivo; Conflitos entre projetos/frente de atuação; e

Conflito de prioridades.

Na parte que procuramos identificar a solução de conflitos identificados, também

foi realizado uma análise temática que dividiu as respostas em 15 categorias:

Considerar a população; Considerar a saúde; Considerar a ética; Uso da legalidade;

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Considerar nível técnico; Controle social; Diálogo; Comunicação de risco; Uso de

parcerias/acordos; Controle das pesquisas; Rotina da vigilância; Argumentos

utilitaristas; Uso da força; Beneficência e Não Maleficência; e Outros temas.

Na parte que se apresenta 3 casos concretos como exemplo de dilemas aos

gestores as respostas foram categorizadas da seguinte forma: (1) os

posicionamentos sobre a construção de gasoduto e linhas de transmissão de

eletricidade foram divididos em 2 categorias Considerações dos que se posicionam

perante o dilema e Considerações dos que não se posicionam; (2) os

posicionamentos sobre o tratamento de água em áreas indígenas foram divididos

em 3 categorias: Proteção da saúde como valor prioritário; Leva em consideração a

preservação da cultura; e Ponderam entre os dois valores; (3) os posicionamentos

sobre a ação do estado no caso do desastre do césio 137 também foram divididos

em 3 categorias: Proteção da saúde como valor prioritário; Levam em consideração

os desejos da população e as liberdades individuais; e Ponderam entre os dois

valores.

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6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados da investigação serão apresentados a seguir começando por um

panorama de quem são nossos sujeitos participantes da pesquisa e, em seguida, a

análise das respostas.

6.1 OS GESTORES DA VSA

Foram entrevistados ao todo 33 gestores da VSA. Em relação às esferas de

governo, 6 gestores atuavam em municípios, 15 em estados, 6 dentro da esfera

federal e 6 não identificaram em que esfera atuavam durante as entrevistas (Quadro

1).

A formação acadêmica destes gestores se mostrou variada. Procuramos

destacar a formação de base (graduação) de cada gestor. Alguns gestores não

explicitaram sua formação de base, apenas o tipo de pós-graduação, sendo esta,

portanto, a formação considerada para estes. As formações referidas mais

frequentemente pelos entrevistados foram: biologia (8); medicina (2); farmácia (2);

geografia (3); engenharia agrônoma (3); engenharia química (3); engenharia

ambiental (2); e especialização em saúde ambiental (2) (Quadro1).

As respostas dadas em relação ao conteúdo da ética foram divididas em dois

grupos. Os que relatam que tiveram contato com conteúdos disciplinares

relacionados à Ética durante sua formação e os que relatam que não tiveram.

Consideramos 21 gestores incluídos no grupo 1 (que tiveram contato com a Ética), e

12 gestores incluídos no grupo 2 (que não tiveram contato com a Ética em sua

formação).

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Quadro 1 - Esfera de Atuação, Formação e Contato com a Ética dos Gestores Entrevistados, 2010.

QUANTIDADE

PORCENTAGEM

INSTÂNCIA

GOVERNAMENTAL

MUNICIPAL 6 18%

ESTADUAL 15 46%

FEDERAL 6 18%

NÃO IDENTIFICADO 6 18%

FORMAÇÃO ACADÊMICA

MEDICINA VETERINÁRIA 1 3%

BIOLOGIA 8 25%

MEDICINA 2 6%

BIOMEDICINA 1 3%

FARMÁCIA 2 6%

SERVIÇO SOCIAL 1 3%

SOCIOLOGIA 1 3%

GEOGRAFIA 3 9%

TECNÓLOGO EM SANEAMENTO

AMBIENTAL 1 3%

QUÍMICA 1 3%

ENGENHARIA CIVIL 1 3%

ENGENHARIA AGRÔNOMA

3 9%

ENGENHARIA QUÍMICA 3 9%

ENGENHARIA AMBIENTAL

2 6%

ESPECIAIZAÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL

3 9%

CONTATO

COM A ÉTICA

SIM 21 64%

NÃO 12 36%

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A diversidade de formação dos gestores, como observada no Quadro 1, é

característica da área de Saúde Ambiental e demonstra adequação às diretrizes da

VSA quando preconizam que a VSA deve, necessariamente, ser interdisciplinar.

Podemos encontrar essas diretrizes abordadas no capítulo 4 deste trabalho nas

observações de Augusto (2003), que relata a necessidade da interdisciplinaridade

da VSA, como também nas diretrizes preconizadas pelo relatório organizado pela

CGVAM em 2004.

6.1.1 Relatam contato com a Ética

Em relação à aproximação com a Ética, o primeiro grupo, que inclui os gestores

que consideram ter tido algum contato com a Ética, reconheceu este contato através

de múltiplas formas, níveis de formação ou ambientes. Relatam contato com a Ética

durante a formação acadêmica – graduação, pós-graduação, especialização

mestrado e doutorado; na confecção de monografias: “Sim, na apresentação da

monografia” (E.3); dentro da própria VSA, durante o cotidiano do trabalho: “Sim.

Essa parte da bioética e da ética ela mexe muito com o nosso trabalho do dia-a-dia”

(E.9) ou através de uma capacitação: “nós passamos por uma capacitação sobre

vigilância em saúde e uma das matéria é Ética” (E.18); na participação em comitê de

Ética: “Sim. Eu participei do Comitê de Ética” (E.23); e através da luta pela

democracia: “A nossa luta era liberdade política. Então o que a gente relacionava à

ética era o direito que a sociedade tinha da construção da democracia” (E.8). As

falas colocam o contato com a Ética de forma pontual: “Tive no curso de doutorado.

Foi só uma disciplina que a gente fez e onde foram trabalhados alguns conceitos de

ética mesmo, mas não teve muita coisa não” (E.30), contrastando com falas que

relatam ter tido este contato durante toda a sua formação ou que cursaram várias

disciplinas de Ética: “Claro, durante toda a minha formação. (...) Na década de 80

era Ética 1, Ética 2, Ética 3, Ética 4, Ética 5” (E.19).

Apesar de relatarem um contato com o conteúdo da Ética, muitos entrevistados

retratam que este contato é pequeno e não aprofundado. Aponta-se que somente o

básico foi visto, sem uma profundidade: “não dá para aprofundar todo o

conhecimento, mas a gente vê o básico da área, né” (E.2); que a Ética foi vista como

conteúdo transdisciplinar: “Então, é um conteúdo transdisciplinar. Você não tem uma

cadeira de ética, mas você faz” (E.27), não sendo denominada como Ética ou

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Bioética: “Sempre tem. Só que a gente não denomina assim, né?Bioética, Ética”

(E.21); que não tiveram conteúdos referentes à Ética em Pesquisa e Ética

Profissional: “tivemos o conteúdo de Ética numa discussão ampla não em detalhes

como: trabalhar com Ética na pesquisa, a Ética no âmbito profissional” (E.6); e que a

pesquisa feita para a conclusão não exigiu que passasse pelo CEP: “Mas na

verdade a pesquisa que eu fiz para conclusão do curso, no meu trabalho de campo,

não exigiu”(E.13). Aponta-se também que a Ética passa a ser aprofundada na

prática profissional: “Foi aprofundado agora na minha prática profissional, mas na

minha formação não” (E.27).

Algumas características da Ética vistas pelos gestores foram citadas: legislação

da Bioética: “E a experiência basicamente é a legislação da bioética” (E.15); Ética do

conhecimento e esclarecimento: “Nós tivemos várias disciplinas e todas elas falavam

sobre ética, ética de conhecimento, ética de esclarecimento” (E.7); questões éticas

através da conceituação da sustentabilidade: “E a questão ética, dentro da

conceituação da sustentabilidade, é um elemento fundamental”(E.5); Ética

profissional voltada para trabalhos comunitários: “Eu peguei uma cadeira no

mestrado dessas questões ambientais de ética profissional voltada para trabalhos

comunitários” (E.16); e questões relacionadas a Ética do serviço e Ética profissional:

“a gente trabalhou sim com questões de ética. Tanto ética para o serviço, ética para

a atuação profissional” (E.22).

6.1.2 Relatam que não tiveram contato com Ética

Em relação ao segundo grupo, apesar de apontarem que não tiveram contato

com a Ética, muitos relatam alguma aproximação com este tema: “conteúdo

especificamente não, mas foram feitas abordagens com a gente em relação aos

trabalhos de conclusão do curso que a gente deveria considerar as questões de

ética” (E.3).

Cabe resaltar que há falas apontando para nenhum contato com a Ética: “Não,

nada” (E.20) e que não possui experiência sobre o que é Bioética: “mas não tive

experiência sobre o que é Bioética” (E.25). Algumas falas abordam também que a

questão ética é muito forte dentro da prática profissional: “Mas acho que esse tema

é uma questão muito forte (...) na área minha de formação profissional que é a

saúde do trabalhador” (E.33).

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Quanto aos que relatam algum contato, este se deu de algumas formas: a

necessidade de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa de projeto de pesquisa

seja para monografia de conclusão de curso, durante a graduação ou

especialização, ou outros lugares: “porque agora nós temos que ser submetidos a

comissão de ética” (E.10) e com bioeticistas em grupos de genética humana: “a

gente tinha grupos de genética humana e que direto a gente tinha participação

desses bioeticistas para discutir essas questões” (E.24); . Há também relato que “a

ética faz parte do cotidiano das famílias brasileiras” (E.32) , e que, sendo assim, o

contato com este tema se dá por uma formação de berço para olhar para os menos

favorecidos: a formação acho que de berço,(...) a sensibilidade para conseguir

enxergar a pessoa menos favorecidas... Acho que isso te dá uma bagagem para a

questão ética (E.32). No que diz respeito aos conteúdos disciplinares relacionados à

Ética , constata-se que ele é pequeno. Os entrevistados, em resumo, relatam que há

muito pouco contato com este tema e quando se tem é visto de forma muito

superficial: “Assim, faz uma disciplina muito superficial sobre o que é Bioética”

(E.25); e que não tiveram uma aula, um conteúdo formal ou formação específica

sobre a Ética: “mas foram pinceladas, não foram uma carga horária específica para

um item de ética” (E.3), sendo, este tema, pouco explorado e discutido: “Então é um

ponto ainda pouco explorado, pouco discutido. Ainda hoje é muito pouco discutido”

(E.12).

6.1.3 Comentários e discussão sobre contato com a Ética

Nos dois grupos se observa que o contato com a Ética acontece de formas

variadas. Verifica-se que o conteúdo da Ética relatado é limitado a algumas

questões específicas. Algumas das características deste conteúdo nos parece não

estar propriamente relacionado ao campo da Ética, o que nos leva a considerar que

as falas demonstram um certo desconhecimento sobre o que se encontra no campo

da moral.

Cabe observar que para Dewey (1964) o campo da moral está relacionado ao

questionamento sobre o agir, sobre pensar se nossas condutas estão certas ou

erradas. Podemos também perceber a moral humana como um conjunto de valores

considerados justos transmitidos de geração a geração, conforme relatam Cortina e

Martinez,2008. A Ética, portanto, segundo os autores citados, é considerada uma

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ciência que procura refletir sobre esse campo da moral (capítulo 2). Considerando o

fato que este campo da moral se desenvolve no âmbito das práticas da VSA,

retomamos mais uma vez as observações de Dewey (1964) quando aponta que a

Ética se distingue das outras ciências por possuir um problema próprio. O autor

relata que podemos estudar as leis ou situação econômica de uma Instituição

através da economia ou do direito, porém, cabe a Ética estudar as atividades desta

Instituição relacionando-as com os objetivos das pessoas que as põem em prática,

como também observar se as resultantes destas ações influenciam no bem estar

das pessoas, refletindo se estas ações são justas ou não a partir de um determinado

ponto de vista (capítulo 2).

No entanto, identificamos que frequentemente é abordado, pelos gestores,

que essa aproximação com o campo da Ética é pequena e superficial. As falas

apontam que, apesar das questões éticas se mostrarem intensas e aprofundadas na

prática profissional, este tema ainda é pouco debatido. Mostra-se, portanto, nestes

relatos, um contato incipiente com os conteúdos da Ética durante a formação dos

gestores da VSA

6.2. CONFLITOS E DILEMAS IDENTIFICADOS

Esta parte dos resultados está relacionada às respostas dos entrevistados sobre

quais os conflitos e dilemas mais encontrados nas ações do Estado quando se

pensa nas relações com as comunidades afetadas, com os grupos de pesquisas,

com as organizações da sociedade civil, com as empresas e com as

municipalidades. Procuramos dividir os conflitos identificados em treze categorias,

conforme exposto a seguir.

6.2.1. Conflitos Estado-população

Em relação aos conflitos de interesses abordados entre o Estado/VSA e a

população , as falas observam que o Estado falha com a população, o que pode ser

observado em falas como: “a gente vê que o Estado é ausente, a gente percebe que

estamos sempre correndo atrás do prejuízo” (E.09); “Precisou ocorrer uma explosão,

precisou ocorrer uma morte para a gente ter certeza que aquilo lá iria dar problema”

(E.09). Os entrevistados identificam um dever de prevenir acidentes e observam que

o Estado falta com vigilância preventiva, conforme coloca a fala seguinte: “Dá uma

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ênfase muito grande só no momento da resposta. E isso com certeza gera um

conflito (...)Por quê? Ela ao mesmo tempo que diz ‘nossa, que bom que tem uma

resposta’, mas ao mesmo tempo diz ‘por que que deixou isso acontecer’?” (E.22).

Os entrevistados também apontam que há outros interesses que prevalecem

sobre os interesses da população gerando um descrédito por parte desta: “vem

outros interesses e passam um projeto desses e ninguém vê, então a população, a

sociedade perde o respeito(...) a população não acredita no poder do Estado” (E.09).

Há um predomínio de falas que identificam que os interesses relativos ao

desenvolvimento econômico são divergentes dos interesses de promoção da saúde,

como aborda um entrevistado: “e você muitas vezes não pode estar inserindo

maiores procedimentos na correção dessa política porque você vai poder estar

sendo taxada de estar barrando o progresso” (E.12). Nota-se também que esses

interesses econômicos prevalecem sobre os da população nas tomadas de decisão

dos gestores, sendo que, esses interesses, aparecem como aliados aos interesses

do Estado, expressos como interesses político-partidários. Podemos exemplificar

essas constatações em algumas falas: “Conflitos é entre o poder econômico, hoje

aliado ao poder político-partidário” (E.32); “Vejo quando você tem interesses dos

grandes grupos econômicos, e as vezes o papel do estado se confunde com os

interesses deles” (E.29);“É o poder político instituído a favor do capital, para

viabilizar os recursos do capital, se autobeneficiar” (E.32).

Outros entrevistados abordam a condição de vulnerabilidade da população

diante desse poder econômico e das próprias práticas da VSA: “eu nem cheguei a

apresentar o documento que eles concordariam que eu lacrasse os poços, porque

eles não poderiam pagar a tarifa social para empresa, a operadora da região queria

cobrar” (E.11); “Então você vive esse conflito, que você enquanto órgão regulador,

normatizador e até fiscalizador, pode aceitar que numa legislação federal tenha esse

tipo de restrição para uso de água subterrânea, sendo que nem todos os cidadãos

são abastecidos por água” (E.18). Aborda-se também o preconceito / discriminação

por parte de parcela da população que não aceita intervenções do Estado em

benefício de populações marginalizadas : “Se você esta trabalhando com essas

populações marginalizadas e que muitas vezes o restante da população não

enxerga isso como prioritário” (E.24).

Outro conflito identificado é em relação às práticas da população, que interferem

com o controle e mitigação dos problemas de saúde, que observamos na seguinte

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fala: “pessoas que são contaminadas com agrotóxicos, (...) elas sabem do risco, mas

não relatam o que passam.(...) Aí no caso elas estão defendendo aquelas pessoas

que estão fornecendo os agrotóxicos” (E.15).

Alguns conflitos de valores são identificados como dilemas no cotidiano da VSA.

Como conflito entre direito de autonomia da população e a promoção da saúde, é

abordado a questão das práticas de remoção compulsórias. Verificamos que há

falas que apontam que o conflito está no fato da população não aceitar e entender:

“Com as populações as grandes dificuldades são às vezes você precisar remover a

população de determinada área e ela resiste. Ela entende que está sob risco, mas

não entende que ela precisa ser removida, retirada dali” (E.14). Outras falas

ampliam esta questão considerando o que a população enfrenta ao ter que ser

removida compulsoriamente: “é você dizer para aquela população que, ‘olha, esse

local que você vive é um local que não tem como você morar aí e você vai ter que se

mudar’. Quer dizer, a pessoa viveu a vida dela inteira ali, construiu tudo naquele

lugar, ela tem raiz” (E.26). É retratado também um conflito entre a autonomia da

pessoa e responsabilidade do Estado, verificado na fala: “eu vou ter que obrigar, aí

ela vai ter que pagar. Aí é uma questão ética, mas tem também a questão da

responsabilidade do Estado, eu vou deixar a pessoa vulnerável, apenas com aquela

água que não é tratada” (E.17).

O conflito entre o direito a esclarecimento e sigilo para evitar maleficência pode

ser observado na fala: “eu acho que o principal dilema é o da comunicação (... ) a

gente em muitos momentos tem que abrir mão desse principio para poder se

instrumentalizar melhor para poder apresentar resposta a essa questão” (E.27).

O conflito de valores entre o direito animal e a promoção de saúde também é

abordado, como nos mostra a fala: “Você tem necessidade de controle de população

animal. (...) Uma série de organizações e associações não governamentais de

proteção ao animal tem princípios de orientação muito boas e claras, mas que

conflitam com a saúde pública” (E.14).

Apresenta-se também conflitos relacionados à condição de ser representante do

Estado, nos parecendo um conflito de se assumir como representante do povo e

defender seus interesses ou sucumbir aos interesses outros do Estado, conforme

demonstrado na fala: “então se eu assumir a minha postura junto com vários outros

atores na comunidade, eu obrigatoriamente tenho que sair da Saúde Ambiental”

(E.32).

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As falas geralmente expressam uma relação direta entre práticas de promoção

da saúde da VSA e interesses da população. Ou seja, se a VSA consegue realizar

estas práticas estariam automaticamente realizando os interesses da população.

Contrariamente, algumas falas apresentam conflitos que expressam que nem

sempre os interesses da população coincidem com estas práticas ou até com a

própria promoção da saúde conforme exemplificamos na fala a seguir: “embora eu

ache que estou lá oferecendo saúde, (...) não é isso que ela quer saber. Ela quer

saber quando é que vai tirar aquela contaminação de lá, porque ela não quer perder

mais do valor do imóvel dela” (E.18). Outra abordagem neste sentido é o conflito

entre autonomia e sustentabilidade econômica da população com as práticas da

VSA, como descreve a fala: “algumas decisões, por exemplo, se vai fechar ou se vai

interditar a área... pensar no trabalhador e como é que ele vai ficar nessa situação

também. Se ele vai ficar sem emprego, se ele vai ter renda... A questão também do

quanto que aquela atuação nossa vai interferir na vida daquela comunidade (...)

(E.18).

Cita-se também a falta de recursos da VSA para atender as demandas da

população, expressado por certo sentimento de impotência, conforme se coloca na

fala: “é a angustia de você não conseguir dar resposta com agilidade que aquelas

pessoas demandam” (E.33).

6.2.2 Conflitos Estado-municípios e outras instâncias

As respostas dos entrevistados que foram reunidas como conflitos entre as

várias esferas de poder envolvidas nas questões ambientais referem-se a relações

interpessoais: “as pessoas vêm de lá dizendo que fulano não faz, que sicrano não

quer trabalhar” (E.10); conflitos em relação ás práticas de ação e prioridades da

VSA: “Eles dizem que a questão é que o prefeito não dá prioridade, que a

coordenação aonde eles estão alocados também não dão prioridade. Eles priorizam

a epidemiologia, que não é o caso do estado” (E.07); e conflitos em relação a

responsabilidade e compreensão das práticas da VSA, conforme retrata um

entrevistado: “é responsabilidade também da municipalidade atuar para exercer

determinada atividade e às vezes você tem dificuldade não só de entendimento, mas

de recursos... eticamente com as municipalidades às vezes você tem

enfrentamentos de não conhecimento” (E.14).

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6.2.3 Conflitos relacionados à falta de controle social

A falta de controle social aparece nas respostas dos entrevistados não como um

conflito em si, mas como uma causa que antecede o conflito. As falas retratam que

há pouca participação da população no conhecimento das causas e dos problemas

em saúde, bem como nas tomadas de decisão para esses problemas:“(...) da falta

de fortalecimento social no campo da saúde. (...) Como isso não é fortalecido, as

pessoas de uma maneira geral não entendem o papel da Saúde e não entendem a

importância que a saúde tem sobre as vidas deles em situações de risco” (E.04);

“acaba que o controle social não tem muito esclarecimento de suas atribuições e da

sua força” (E.03).

Conflitos gerados pela dificuldade do Estado em escutar as demandas da

população também são observados nas falas: “É que muitas vezes as confusões e

os conflitos que surgem (...) se dão em função de uma limitação, de uma redução da

escuta fundamental dos interesses da população que está ali envolvida” (E.05).

Há aqueles entrevistados que simplesmente constatam a falta de poder das

populações para fazer frente às ações do poder econômico aliado ao Estado

afirmando que o controle pela sociedade é pequeno, “ ainda não brecam esse trator

que é o capitalismo, que vem chegando, vem com a cara de que traduz o

desenvolvimento para a população, mas nem sempre é assim” (E.08).

6.2.4 Conflitos VSA-políticos e gestores

Neste tema foram agrupadas as respostas que se referem a um conflito

interpessoal entre gestores e políticos, como também com o poder econômico.

A hierarquia das instancias políticas e gestoras inibem ou modificam as tomadas

de decisão e as práticas da VSA. Como exemplos de conflitos relacionados a uma

hierarquia da gestão dificultando a tomada de decisões apontam alguns

entrevistados: “algumas autoridades fiscalizadoras, (...) elas tem mais poder que

outros órgãos. Então aqueles órgãos que deveriam impor a sua opinião e tudo mais,

às vezes eles estão inibidos possivelmente com a decisão maior deles” (E.15). Os

interesses hierarquizados se sobrepõem às ações em saúde considerados mais

adequadas pelos gestores da VSA e aos interesses da população. Nesse sentido

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algumas falas expressam uma coação de políticos e gestores nas tomadas de

decisão: “O prefeito te liga, o gestor te liga (...)e perguntam ‘O que você está

fazendo aqui? (...)o que tem a ver saúde ambiental dentro do processo? Os

problemas que a gente tem são meramente políticos’” (E.07); outra fala: “Na esfera

municipal e estadual já, eu já sofri pressão significativa e já vi companheiros meus

sofrerem pressão significativa para tomar decisão que o governo local naquele local

achava que era a acertada, mas o setor saúde não” (E.27). Coloca-se também que o

dever de prevenção à saúde não é cumprido por parte dos políticos, que se

aproveitam das consequências disso: “a drenagem urbana. (...) Ela não dá votos.

(...) porque eles utilizam desses serviços para ganhar votos. Mas ganhar votos

como? Nas enchentes, quando tem uma questão de calamidade publica” (E.16).

Alguns entrevistados observam que interesses pessoais se sobrepõem aos

interesses da população, demonstrando uma impotência de se sobrepor a

hierarquias estabelecidas no serviço: “aquele na hierarquia entende que deve ser

feito... porque até então ele tem o poder e está dizendo que sim ou não e tu, o teu

poder é relativo. (...) o gestor às vezes está muito mais preocupado com os seus

interesses pessoais do que o interesse (...) do coletivo” (E.19).

6.2.5 Conflitos academia-serviço

Alguns entrevistados assinalaram que há conflito entre academia e serviço. Há

um distanciamento que gera deficiências na comunicação entre ambos os setores e

para a população, segundo a percepção desses entrevistados: “não temos essas

informações porque a academia e a pesquisa em si (...), a gente não tem muito esse

afinamento, esse refinamento, essa integração, pouco a gente sabe que aconteceu

alguma coisa (...)” (E.07). A academia aparece como desvinculada do setor de

trabalho em saúde, gerando divergências de fins da produção acadêmica. A

academia produz para sua própria lógica acadêmica produtivista e o serviço de

saúde tem como perspectiva a saúde da população, conforme a fala: “muitas vezes

o que é importante para a academia não é importante para o serviço. (...) O serviço

quer um resposta pro sistema de saúde e normalmente a academia quer uma

resposta para a própria academia, para que ela evolua ali dentro dela mesmo”

(E.24). Apontam para a pouca difusão da educação ambiental para saúde na

academia: “Porque muitas vezes a saúde ambiental é vista de uma maneira

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dissociada do homem e do ambiente. Aí quando fala de meio ambiente, de

educação ambiental e nunca educação ambiental para a saúde. Esse vinculo falta

ainda na academia ser mais explorado.” (E.16).

Alguns apontam ligações espúrias entre academia e o poder econômico, o que

gera defesa de interesses privados em detrimento do público: “(...) você tem uma

academia que está completamente atrelada ao poder econômico das empresas,

inclusive de uma maneira não ética usa a sua posição de doutor de uma

universidade pública para estar defendendo os interesses privados” (E.33).

Referindo-se a pesquisas acadêmicas alguns entrevistados apontam para a

vulnerabilidade da população como sujeito de pesquisa (referidas como cobaias) e a

falta de retorno da pesquisa para essa população: “‘Não, vocês não estão

entendendo, nós vamos fazer, nós vamos publicar’, mas aquela população está ali já

há um ano sendo submetida a analises de sangue, a entrevistas, a analise dos seus

filhos, medição de altura... então ele precisa dar um retorno para depois nós

solicitarmos uma nova intervenção. Então você não pode simplesmente tratar uma

comunidade como se ela fosse uma simples cobaia para um experimento.” (E.26).

6.2.6 Conflitos profissional-estado

Outro núcleo temático que pode ser identificado nas respostas dos entrevistados

foi o conflito entre o profissional e o Estado. A questão central abordada foi a

limitação do gestor em cumprir as ações em saúde e atender as demandas da

população.. Uma dessas limitações é que a expectativa de produtividade por parte

do Estado e da população ser maior do que a capacidade do gestor de cumpri-las,

conforme se observa na fala: “Ele é observado (...) pela sua capacidade de resolver

os problemas da unidade, do atendimento, agenda, da medicação, da vaga, do

acolhimento, (...) e ao mesmo tempo ele é olhado pela população como uma

expectativa para resolver todos esses critérios(...). E ele não resolve, ele não

consegue” (E.08). Um outro tipo de limitação das ações abordado se refere à

precariedade do Estado e a pouca repercussão das ações da VSA dentro das

instâncias do Estado, relatado na fala: “é a gente não ter resposta ou estruturas para

fazer aquilo que foi demandado(...), o próprio desconhecimento (...), a falta de apoio,

a falta de visibilidade que nós temos” (E.28).

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Outro ponto levantado acerca das limitações do gestor é uma certa coação do

Estado nas tomadas de decisão, onde os interesses do Estado prevalecem sobre os

interesses da população: “ (...) já tive situações em que eu tive que me calar,(...) é

muito difícil para uma pessoa que depende, você vê a população necessitando que

você tome uma atitude e você de alguma forma não poder por conta dessa restrição”

(E.21). Outra limitação abordada está relacionada a conflitos interpessoais entre os

profissionais do serviço: “de querer fazer coisas na coordenação, de querer fazer

alguma coisa e a gente não conseguir as pessoas. (...) tipo assim, exemplo, de um

técnico que coloca atestado médico toda semana. Toda semana ele falta” (E.31).

6.2.7 Conflitos estado/VSA-empresas e interesses econômicos

Alguns entrevistados apontaram como conflito comum a dificuldade dos gestores

de agir contra a lógica do desenvolvimento econômico. Esta dificuldade é apontada ,

em algumas falas, em uma pressão (coação) do poder econômico via seus

defensores dentro da instância do Estado:“ interesses econômicos importantes junto

a empresas de grande porte... você recebe algumas pressões por conta do poder

econômico. E pautado pelo seu profissionalismo... e as vezes questões políticas...

você não consegue atuar” (E.14). O valor econômico acaba se sobrepondo ao direito

à saúde da população: “Há um impacto na saúde da população que não entra a

priori na liberação daquela área. E é imenso. (...) o desenvolvimento a todo custo, a

implantação de empresas sem monitoramento prévio (...)É o estado a serviço do

capital. Pro capital ele tem toda sua estrutura, suas pernas se movendo para trazer

essas indústrias.(E.08) ”

Descrevem uma certa permissividade por parte do Estado relacionada ao poder

econômico sobre as demandas de saúde da população: “a queima da cana para

poder fazer a colheita. (...) Eles utilizam subsídios do governos,e ainda dizem que

poluem porque não tem condições de trocar o maquinário (...). Então deixa de lado a

questão da saúde em prol de economia” (E.16).

Nesse sentido, é apontado uma limitação nas tomadas de decisão que afetam

as empresas. As tomadas de decisão ficam restritas a população afetada, como

observado na fala: “Aí como, no caso, a vigilância ambiental não tem prática de

fiscalização no âmbito de autuar essas empresas, tem o problema que você não tem

o poder de autuar e elas não respondem às necessidades do Estado” (E.15).

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6.2.8 Conflitos relacionados ao controle de fiscalização

Alguns entrevistados abordam o controle de fiscalização como um conflito ético

do Estado fiscalizar o próprio Estado. As mesmas instâncias que realizam ações são

fiscalizadoras destas próprias ações : “Porque é o estado fiscalizando o estado (...),

não funciona” (E.21); “Esses dilemas, acontecem mais quando a gente tem que

estar inspecionando os mesmos órgãos que a gente trabalha, então eu acho que

essa é a maior falta de ética” (E.20). Percebe-se também, implícito, nestas falas, a

falta de controle social , que pelos valores democráticos, deveria pertencer

intrinsecamente ao Estado.

6.2.9 Conflitos empresas-população

Alguns entrevistados identificam como situação potencialmente conflituosa a

relação empresas-população. Afirmam que o poder econômico encontra espaço

político diferentemente do controle social nas diferentes instâncias do Estado:

“Porque em muitos fóruns ... quem está todo dia lá com os projetos de lei são os

lobbistas das empresas, né? dificilmente a sociedade civil organizada está lá todo

dia, né?” (E.33).

Outro conflito apresentado está relacionado a valores, entre preservar a saúde

da população e conservar atividade econômica que sustenta a população: “aquela

atividade produtiva é responsável pelo emprego e renda de um número significativo

da população daquele determinado território. Em contrapartida a atividade vai gerar

um agravo” (E.27).

6.2.10 Conflitos individual-coletivo

Nesse grupo de sentidos encontrados na análise das entrevistas encontram-se

conflitos entre valores moralmente justificáveis. Um deles está relacionado ao

conflito entre direito coletivo à informação e o direito de privacidade: “Eu acho que

um dilema é você saber como é que você vai lidar com essa situação de manter

essa disponibilidade de informação sem comprometer uma questão pessoal de

alguém” (E.13). Outra questão apontada está relacionada ao conflito entre o direito

individual (autonomia de escolha) e o direito coletivo a saúde, conforme exposto na

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fala: “a escolha de uma pessoa por crença ou por qualquer outra situação, entender

que não vai vacinar o seu filho... ‘Bom, mas o seu filho está em contato com outros e

outro tem a vacina’... trava a imunidade...” (E.19).

6.2.11 Conflitos entre projetos/frente de atuação

Os entrevistados apontam conflitos de interesses que interferem negativamente

na aprovação e condução de projetos que podem beneficiar a população: “você

depende de diversos atores que estão envolvidos e atores esses que tem seus

interesses, suas linhas de atuação especificas e que querem fortalecer aquela linha

de atuação que é a sua” (E.22). Estes projetos podem estar em conflito com as

convicções técnicas do profissional e com as próprias demandas em saúde da

população: “nem sempre aquilo que é concretizado como política, que é

normatizado, é aquilo que você como profissional acredita que é o melhor” (E.33).

6.2.12 Conflito de prioridades

Outra categoria de resposta identificada nas falas dos entrevistados como

conflito presente no cotidiano da VSA foi o que chamamos de conflito de prioridade.

Os gestores abordam que as situações-problema mais urgentes é que acabam

pautando as ações da VSA se sobrepondo, inclusive, a questões éticas: “acho que

vai primeiro pelo que é premente. O que é mais urgente naquele momento para ser

resolvido. E não é avaliada somente a questão ética, ou principalmente a questão

ética” (E.24). Esta situação de hierarquização das ações pode gerar um conflito

entre o dever de cumprir todas as demandas em saúde da população e ter que ter

critérios de opção para essas demandas. A falta de capacidade técnica e financeira

são apontadas como limitação para as ações, conforme expresso na fala: “situação-

problema é para ser resolvida, mas em função da nossa capacidade financeira, em

função da nossa capacidade técnica de resposta (...), a gente tem que hierarquizar

algumas situações-problemas para dar resposta” (E.27).

6.2.13 Comentários e discussão sobre os conflitos apontados pelos entrevistados

A VSA tem como diretriz básica a prevenção de agravos à saúde. Esta relação

com a prevenção, com o monitoramento de indicadores que possam alertar sobre

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possíveis agravos a saúde, para que a Vigilância possa efetivamente atuar, intervir,

antes que o agravo a saúde se concretize. Essa perspectiva foi abordada no capítulo

4, especialmente por Neto e colaboradores (2002). No entanto, as falas demonstram

que a ação preventiva, própria da VSA, se transforma em uma ação de remediar as

consequências. Nota-se assim, certa frustração dos gestores por não estarem

cumprindo de forma mais ampla estas ações preventivas.

Importante observar que uma questão relevante para a Bioética, a questão da

alocação dos recursos em saúde, é aqui mencionada pelos entrevistados, nas falas

relacionadas à categoria de resposta que chamamos Conflito de prioridades. É digno

de nota que nesse particular, a prioridade é sempre balizada ou fundamentada em

critérios de justiça que nem sempre estão claros ou suficientemente discutidos e

negociados, como bem salienta nosso entrevistado (E.24).

A comunicação de risco aparece nas falas como um fator problemático. Este se

apresenta de duas formas: como um conflito de valores, onde se lida com o direito a

informação da população e a prudência da comunicação como estratégia de maior

eficiência nas ações em saúde; e como uma deficiência tanto do serviço quanto da

academia, prejudicando a interação comunicativa com a população e afetando

diretamente o direito a informação desta. Este ponto vai de encontro contra um dos

objetivos do Sistema de Informação da VSA, que preconiza ampla divulgação dos

fatores de risco para o SUS e para a população (FUNASA, 2003), conforme relatado

no capítulo 4.

Os valores econômicos da lógica capitalista também aparecem muitas vezes em

confronto com o direito à saúde da população e o dever do estado de cumpri-lo.

Percebe-se em várias falas que esta debilidade de atender as demandas de saúde

da população tem relação com a cooptação, pelo Estado, da lógica capitalista de

desenvolvimento econômico. Estas falas retratam um conflito com as próprias

diretrizes preconizadas pela CGVAM em seu relatório realizado em 2004, citado no

capítulo 4. O relatório enfatiza que as ações em saúde não devem ser pautadas por

valores econômicos (BRASIL, 2004). O que se observa, porém, é que o poder

econômico tem grande interferência nas tomadas de decisões. O valor do

desenvolvimento econômico frequentemente se sobrepõe aos valores da saúde.

Esta constatação endossa o que foi também constatado no relatório sobre a oficina

de bioética e VSA realizada em 2006: “O interesse econômico tem sido mais

determinante nos processos decisórios de saúde ambiental do que os interesses dos

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grupos afetados” (PALÁCIOS E COLS, 2009, P. 775). O poder político também é

abordado como um grande fator de interferência nas tomadas de decisão. As falas

relatam que a hierarquia e a pressão política coíbem ou desviam as práticas em

saúde da VSA.

Inversamente ao poder econômico e político, observa-se nas falas que as

demandas da população frequentemente não são fatores prioritários nas tomadas

de decisão por parte dos gestores. Pode-se apontar nessa constatação pelo menos

dois fatores de influência: os interesses econômicos e políticos que se sobrepõem

aos interesses da população e a falta de controle social nas ações do Estado.

Observa-se também, nas falas, o dilema dos gestores de querer tomar decisões

em favor das demandas da sociedade e acabar tomando outros caminhos. Alguns

fatores que influenciam estas decisões também são apontados: hierarquia das

instâncias, coação do poder político; dificuldade de intervir nas empresas e déficit

estrutural da VSA.

Algumas falas focaram dilemas morais especificamente, apontando para o

conflito entre valores moralmente justificáveis pela reflexão crítica. Esta relação entre

o conflito e a moral reflexiva está exposto no capítulo 2, através das observações de

Dewey (1964). O autor observa que a diferença da moral costumeira para a moral

reflexiva está justamente no fato desta última não considerar como claro o que é

bom ou mal. No cerne da moral reflexiva está justamente a dúvida sobre valores

moralmente justificáveis que nos forçam a refletir. No entanto, muitas vezes os

conflitos são vistos como um problema técnico de execução e não como confronto

de valores que permeiam as ações. Os conflitos apresentam algumas vertentes:

conflito entre interesses de diversos atores; conflitos expressados como dilemas

com confronto entre valores moralmente justificáveis; e conflitos de relacionamento

interpessoal ou entre diferentes instâncias.

Interessante notar que a Ética também se apresenta como um dilema, no

sentido de ser um elemento desconhecido e novo introduzido na VSA, e que implica

uma reflexão maior. Aponta-se esta questão na seguinte fala: “Na verdade eu acho

que um dos dilemas é a própria ética na Vigilância em Saúde Ambiental. Porque eu

acho que é uma coisa nova, no sentido das pessoas estarem pensando nisso no

momento” (E.24).

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6.3 SOLUÇÃO DE CONFLITOS IDENTIFICADOS

Nesta parte da entrevista, pedimos aos gestores que pensassem como o conflito

entre grupos afetados pelas ações de vigilância eram solucionados; quais os tipos

de ação, argumentos; e quais os princípios e teorias que os entrevistados recorriam

para tentar solucionar esses conflitos, caso houvesse. Foram identificadas quatorze

categorias de respostas, que identificaremos a seguir.

6.3.1 Considerar a população

Neste tema foram agrupadas as falas que, de alguma forma, colocam a

população, a comunidade, a coletividade e as pessoas como objetos de atenção nas

tomadas de decisão para solucionar os conflitos/dilemas. A população alvo, citada

nas falas, foi, predominantemente, uma população considerada vulnerável pelos

entrevistados, mencionada também como população envolvida, população afetada,

menos favorecida economicamente, comunidade penalizada, população excluída e

sem proteção social, podendo ser exemplificada na fala: “Se tu tem claro que o teu

aliado é a população vulnerável, excluída, desfiliada de qualquer proteção social”

(E.19).

As falas demonstram que, para a avaliação e ações da VSA, deve-se levar em

conta (1) o histórico da população: “se a gente não fortalece e não resgata o

histórico de vida deles, fica inviável qualquer política pública (E.03); (2) a percepção

da comunidade envolvida: “fazer com que a percepção daquela sociedade seja

levada em conta tanto qualquer outro interesse que esteja colocado aqui, ali” (E.05);

e (3) os interesses fundamentais da população: “é fazer com que os interesses

fundamentais da população que necessita de ter uma questão sua enfrentada,

possam ser levadas em consideração acima de qualquer outra”(E.05). Aborda-se

que essas ações que incidem sobre a população devem ser no sentido de garantir

seus direitos fundamentais; empoderar a população e diminuir a vulnerabilidade;

utilizar os princípios do SUS visando o bem estar coletivo e diminuir os riscos da

população afetada, conforme relata a fala: “Eu acho que a decisão correta é sempre

aquela (...) que deixa a população menos vulnerável. (...)Você tem que pensar em

diminuir ao máximo o risco àquela população que está exposta” (E.22).

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6.3.2 Considerar a saúde

Levar em conta a saúde é considerado, em algumas falas, como uma forma de

solução dos conflitos. É colocado a necessidade de incorporar os impactos à saúde

nas decisões sobre empreendimentos: “eu acredito que vá melhorar a medida que a

saúde for considerada na avaliação desse impacto desses empreendimentos”

(E.12); que a saúde deve ser vista de forma coletiva; deve ser priorizada em relação

aos interesses econômicos e aos costumes locais de utilização do meio ambiente:

“Eu acho que a preservação da Saúde Humana é a mais importante de todas,

né?(...)só que a preservação da Saúde Humana muitas vezes passa por questões

econômicas, por questões da forma de utilização do Meio Ambiente que esse

pessoa está inserida (...) mas primordialmente a saúde das pessoas tem que ser

colocada em primeiro lugar” (E.23). Observa-se também que a saúde é colocada se

sobrepondo a outros valores moralmente justificáveis, como o meio de sobrevivência

econômica da população, conforme relata a fala: “O que é pior, morrer de fome hoje

ou morrer de câncer daqui a 30 anos? (...) ou seja, nosso objeto técnico é a saúde

ambiental e a saúde das populações expostas. Então nosso objeto técnico diz que

aquela atividade não pode ser realizada ali” (E.27).

6.3.3 Considerar a ética

Este tema abrange as falas que (1) relacionam a ética a alguma atitude; (2)

consideram a ética um tema importante para as tomadas de decisão; e (3) que não

citam propriamente a ética, mas expressam alguma corrente ou teoria ética.

Entre as falas que relacionam a ética a alguma atitude, algumas propõem que

esta se relaciona á moralidade do agente, ou seja, que a ética está no âmbito

individual, relacionado a virtudes pessoais, conforme observamos na fala: “mas, pelo

menos, no meu estado, a minha secretária é muito ética” (E.01). Também é visto

como ético tomar uma decisão correta, bem como usar o bom senso nas decisões:

“desde que seja uma coisa correta, ética” (E.10). Aborda-se também que é uma

questão de ética focar o direito coletivo ao invés do direito individual: “entra em

questão a ética... você tem que olhar o direito da população como um todo e não o

direito individual” (E.13).

A ética também é abordada como um elemento importante para compor as

decisões. Sugere-se um fortalecimento das teorias éticas no âmbito do serviço,

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visando focar mais a pessoa do que a situação: “não há o fortalecimento de teorias

éticas, (...) em um conflito explícito, a gente não considera muito a pessoa, a gente

considera a situação então é por isso que é mais complicado” (E.03). É colocado

que as ações da VSA são predominantemente baseadas na técnica, pela falta do

conhecimento da ética no cotidiano do serviço: “Essa falta de conhecimento, a gente

se preocupa muito com a parte técnica aí a questão ética não está (...), não porque a

gente não queira, mas é por falta de estar com isso no nosso cotidiano presente”

(E.04). É abordado também que as questões éticas devem permear as discussões

em saúde ambiental entre todos os atores envolvidos em diferentes instâncias, estas

debates devem ser ampliados focando a “melhor decisão”.

Quanto às falas que expressam preocupação ética, observa-se a atenção com o

cuidado, levando em consideração que o cuidar das pessoas faz parte do serviço

em saúde, considerar o outro como seu objeto de preocupação. Nesse sentido, se a

pessoa percebe sua ação como um cuidado, ela provavelmente terá interesse nesse

cuidado, ou seja, o cuidado permeia as ações e o retorno dessas ações: “(...) ‘você

quer entrar num grupo para eu te acompanhar por 30 anos?’, ‘Mas acompanhar por

quê?’, ‘Ah, porque você pode ter câncer, seu filho pode nascer com um problema...’.

Então assim, esse é um dilema, (...) isso é cuidado. É como decodificar isso de uma

maneira que as pessoas queiram se cuidar e também entendam que o meu trabalho

é do cuidado, né, com ela” (E.18).Uma outra preocupação ética é abordada na

forma de ver a questão ambiental, partindo de um princípio antropocêntrico: “eu

coloco muito o Ser Humano, né? Eu não coloco muito ‘Ah, olha que pena, do ponto

de vista ambiental um morro desabou. Perdeu-se arvores, perdeu-se

biodiversidade...” (E.22).

6.3.4 Uso da legalidade

As falas considerando que as ações devem ser guiadas pelo respaldo legal

estão neste tema.

Algumas falas consideram que as decisões tem que estar baseadas nas leis,

não podendo sair desta prerrogativa: “ele tem que se guiar pela legislação, ele não

pode ferir a legislação e tem que tá bem embasado” (E.02). Outras consideram

recorrer á legislação para fazer valer as ações em saúde:“a gente é obrigado a usar

a legislação. A própria constituição te garante o direito de, para você garantir saúde

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para a população, você utilizar esses recursos” (E.13). Consideram também que o

correto e justo é o que está estabelecido pelas leis, ou seja, o “justo” e o “legal” se

apresentam como sinônimos, conforme demonstra a fala: “tem que ser avaliado

justamente. Qual a lei que é estabelecida para ser feita de maneira correta aquela

ação, o que está ocorrendo?” (E.25). Há também a observação de que na falta de

um arcabouço legal para as ações deve-se procurar as instituições defensoras dos

direitos sociais para esse respaldo: “você enquanto está carente num processo

desse de justificar técnicas legalmente, fica difícil. Mas se você procura as

instituições como aquelas que estão na luta pelos direitos da sociedade, já é um

bom caminho” (E.29).

6.3.5 Considerar nível técnico

O discurso relativo ao nível técnico aparece nas falas de diversas formas.

Observa-se a técnica sendo preconizada como uma prerrogativa pessoal, uma

virtude da pessoa: “a gente tem que assumir uma postura mais técnica” (E.27).

Aparece também como forma de obtenção de informação: “os argumentos são de

saúde pública mesmo, baseado em levantamentos feitos na comunidade, naquele

momento, naquele instante, baseado também em dados epidemiológicos” (E.06); e

como instrumento utilizado em ações padrões da VSA: “ela vai e faz a fiscalização

com os seus instrumentos de ação que já estão definidos. Então problema de água

ela já tem todo um procedimento para monitorar aquele problema” (E.08). Há falas

sugerindo que grupos técnicos sejam formados para que suas decisões guiem as

ações da VSA: “formular um grupo técnico para ter uma ação coerente” (E.15).

6.3.6 Controle social

O controle social é apontado nas entrevistas como um mecanismo capaz de

minimizar os conflitos e fazer valer as demandas da população. As falas

demonstram a necessidade do fortalecimento do controle social e a necessidade da

percepção de sua importância pela sociedade, conforme observa a fala: “se o

controle social fosse mais fortalecido e entendesse das suas atribuições e da sua

importância, esses dilemas talvez, pudessem ser minimizados” (E.03). Há falas

destacando que o controle social deve ser visto como um direito da população:

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“então a população não vê que ela que está pagando a festa, que ela que deveria na

verdade estar ditando como é que essa festa deveria ser dada. (...) Então você fica

meio que impotente para se encabeçar um conflito desse, se na verdade, não for

entendido na população como um direito dela” (E.12). Nesse sentido, observa-se

que a informação torna-se um instrumento fundamental para o controle social: “e o

controle social tem que estar muito bem informado. A maioria das pessoas não esta

hoje talvez reivindicando porque precisam de informação. Se você não tem

informação, você não vai exigir os seus direitos” (E.18). A união das pessoas

também é vista como importante, até mesmo para se conseguir o que a própria VSA

se vê impedida de fazer: “eu acho que em primeiro lugar a comunidade deve se unir

para pelo menos estar tentando combater o que a gente não pode fazer” (E.20).

Aponta-se também para a necessidade de uma participação efetiva de

representação social nas instâncias decisórias: “usar as representações da

sociedade para que elas possam estar refletindo, possam estar colocando, possam

ter o mesmo espaço de colocação de argumentos” (E.33).

6.3.7 Diálogo

O diálogo aparece em algumas falas como um aspecto que tem que ser

considerado para diminuir conflitos e tomar a melhor decisão: “com integração, com

conversa, com argumentações... levar para uma solução mais adequada” (E.14). Ele

é apontado como integrador entre os vários setores e âmbitos da saúde ambiental,

com o objetivo de estabelecer parcerias e prestar esclarecimentos: “Eu acho que

quando você tem um conflito e você quer resolver, eu acho que o diálogo entre as

pessoas, entre os gestores... de esclarecimento” (E.16). O sentido do diálogo pode

ser percebido de duas formas: (1) como uma negociação/interação no sentido de

diminuir a individualidade/unilateralidade das decisões e ampliar o consenso,

conforme relatado na fala “a única coisa que tem que ser feita é o diálogo e a

negociação. (...); hoje em dia é uma vigilância mais orientadora, mais moderada, que

negocia” (E.09); e (2) para gerar confiança e convencer a população de que as

ações propostas pela VSA são benéficas: “antes de tudo precisa ter um diálogo, (...)

aquela comunidade tem que acreditar, tem que confiar(...). Porque se eles

entenderem que aquilo é melhor para eles, com certeza vão acatar” (E.10).

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6.3.8 Comunicação de risco

A atribuição da VSA de informar, fazer a comunicação de risco tem,

essencialmente, a função de, segundo as falas, aumentar o conhecimento da

população. Aborda-se que este conhecimento deve visto como um direito, conforme

é colocado na fala: “levar em consideração que as pessoas tem o direito de saber,

aquela população exposta, o que está acontecendo” (E.18). As ações educativas

são apontadas como estratégia de comunicação: “Outras ações são as ações

educativas, né? as ações de formação, as ações de reflexão” (E.19). Essas ações

são observadas como pouco frequente na prática da VSA: “falta um pouco essa

parte educativa, falta um pouco não, falta muito” (E.17).

Alguns objetivos da comunicação de risco são apontados: (1) para capacitar a

população e aumentar sua participação nas instâncias decisórias: “fazer essa

comunicação de risco para que essas pessoas possam se organizar e cobrar do

poder público” (E.18); (2) esclarecer no sentido de contribuir para que a população

aceite as ações em saúde propostas pela VSA: “mas ele não sabe que aquilo é

importante, então tem que explicar, saber colocar” (E.17); e (3) para ajudar a

população a fazer suas escolhas no sentido de (A) ter capacidade de escolha:

“informação pra que esses sujeitos possam escolher” (E.19) e (B) mostrar que a

opção de estar em áreas de risco é da pessoa : “Você às vezes é obrigado a falar

que as pessoas optam por ter uma residência, uma moradia em área de risco... você

é obrigado a dizer que a pessoa tem essa opção” (E.13).

6.3.9 Uso de parcerias/acordos

As parcerias e os acordos aparecem com frequência para a busca de soluções

de conflitos. Os parceiros incluem variados setores (academia, setor privado, setor

público); instâncias governamentais; grupos de trabalho; e gestores. O Ministério

Público é colocado, em muitas falas, como um aliado na execução das ações:

“Quando existe um conflito o nosso maior parceiro ainda é o Ministério Público”

(E.06). A sociedade representada pelo controle social, lideranças comunitárias e

movimentos sociais também é citada como parceira. Aponta-se alguns objetivos

para esses pactos: (1) para minimizar os conflitos buscando uma solução mediada

pelos diversos setores: “incluir todos os atores possíveis nesse processo(...). Quanto

mais as propostas forem consolidadas com as parcerias, mais forças elas tem para

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serem colocadas” (E.33); (2) para defender a população (consumidor) e o ambiente:

“se achou que devia ir no Ministério Público, se unir com o Ministério Público, tudo

em defesa do consumidor, do meio ambiente” (E.32); e (3) para conseguir efetuar as

ações propostas pela VSA, que podem ser contrárias aos anseios da população: “As

soluções econômicas e sociais, a gente tem que chamar os parceiros e naquele

momento a gente tem que ter uma posição firme até mesmo de contrariar o

posicionamento daquela população vulnerável” (E.27).

6.3.10 Controle das pesquisas

Algumas formas de regulação da pesquisa foram colocadas como relevantes. As

falas relatam que deve haver maior controle nas pesquisas em saúde ambiental e

efetivação do retorno dessas pesquisas para a população: “acho que ainda falta um

pouco de um controle mais rigoroso não só na liberação de pesquisas pelos Comitês

de Ética em Pesquisa, mas também envolvendo a ética no retorno dessa resposta

para a comunidade” (E.26). Observa-se que as pesquisas devem ser mais

vinculadas com a prática da VSA: “nós precisamos de pesquisas vinculadas com o

desenvolvimento de ações de saúde visando à promoção da saúde daquela

população” (E.26). É abordado também que o Estado deve criar formas de regular o

conflito de interesses nas pesquisas demandadas pelo SUS que são financiadas

pelas empresas, como colocado na fala: “e nessa relação entre grupo de pesquisa,

empresa pagante, né? para pesquisa de interesse pro SUS, (...) acho justo que o

empreendedor pague a conta. Mas eu acho que é preciso que haja alguma forma de

regular para que não haja conflito e para que essa pesquisa faça ser dos interesses

estabelecidos.” (E.28).

6.3.11 Rotina da vigilância

Este tema abarca as falas que apontam ações próprias da vigilância como um

elemento para ajudar a resolver conflitos. O uso de procedimentos padrões da

vigilância são abordados na forma de (1) realizar fiscalização e monitoramento: “e

que tipo de ação é essa, como ela é solucionada? A ação é a ação de vigilância, né?

Em alguns momentos a ação fiscalizatória, por mais antipática que seja, pode ser

uma ação importante” (E.19); (2) formar relatórios para serem distribuídos às

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instâncias cabíveis: “mas aí enquanto vigilância, faço os autos, faço os relatórios,

junto num trabalho com o órgão ambiental para levar ao Ministério Público” (E.18); e

(3) formular demandas e ações através de uma hierarquização, cabe a gestão

escolher as ações consideradas justas para depois atuar na população, conforme

relata a fala:“eu acho que primeiro a gente vai ao gestor, certo? Depois a gente

chega na comunidade já com todas as demandas, com todas as ações previamente

organizadas. Eu acho que de uma maneira justa para não estar prejudicando

nenhum lado nem o outro” (E.20).

6.3.12 Argumentos utilitaristas

Destacamos, neste tema, falas que defendem suas posições com argumentos

utilitaristas. Podemos obsevar, nesse sentido, argumentos econômicos onde se

preconiza um menor gasto com maior benefício:“o tempo que ele vai gastar dinheiro

com hidratação oral, antibiótico, vários medicamentos, ele minimamente colocando

um filtro e uma desinfecção naquela água que ele oferece a população, vai ser um

recurso que ele investiu lá mas vai ganhar aqui” (E.07); e (2) argumentos para se

obter um maior benefício para o maior número de pessoas, mesmo que, para isso,

haja maleficência, conforme relatado na seguinte fala: “Então você faz algumas

campanhas em que algumas pessoas precisam ser talvez penalizadas para que

outras pessoas possam ser beneficiadas. Tem que levar em conta o direito popular,

o direito público. E não o direito individual” (E.13).

6.3.13 Uso da força

O uso da força policial aparece nas falas como um coadjuvante no cumprimento

das ações em saúde da VSA. Os contextos apresentados para este uso da força

são retratados pelos gestores. O fato de ser considerado a situação e não as

pessoas é relatado como um “conflito explícito”, seguido da seguinte fala: “(...)tipo os

sem-terra... eles vão ser tirados a força por questões ambientais se tiverem em

áreas de proteção permanente pela força policial, né. Mas eles não são amenos

não, eles são difíceis, né?” (E.3). Outro contexto apresenta esta prática no sentido

de consolidar a defesa do direito coletivo sobre o direito individual, conforme

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relatado na fala:“Se for necessário utilizar a força policial, usar um mandado para

invadir uma casa...” (E.13).

6.3.14 Beneficência e não maleficência

Levar em consideração os princípios da beneficência e não maleficência é

abordado como subsídio para se pensar na decisão mais adequada, conforme relata

a fala:“eu acho que você tem que levar a decisão para o lado correto mesmo da

coisa para criar o melhor benefício para a população que tá ali né... Que não traga

prejuízo à saúde daquela população ou do entorno que vem vivendo em alguma

área” (E.2).

6.3.15 Outros temas

Alguns elementos, apesar de englobados em outros temas, foram considerados,

em algumas falas, como relevantes para pensar em soluções de conflito e dilemas.

Destacamos os seguintes: considerar o ambiente nas tomadas de decisão: “que não

comprometa não só a população, mas todo o ambiente” (E.25); utilizar o princípio da

precaução: “eu acho que o princípio da precaução tem sido um princípio que, muito

mais no setor ambiental, que tem sido útil nessas situações” (E.19); a coleta de

informações: “a base primeira da vigilância ambiental junto com a saúde é a

informação, é a busca da identificação dos problemas” (E.11); e a capacitação dos

agentes da VSA para práticas educativas com a população: “Não sei se os agentes

comunitários em alguns momentos estão capacitados, tem conteúdo adequando

para estar passando para essa comunidade, é a porta de entrada, tem que ser por

aí, se não tem, a gente tem que dar essa capacitação para que se consiga utilizar”

(E.17).

6.3.16 Comentários e discussão sobre solução de conflitos identificados

Consoante com as afirmações do movimento de justiça ambiental (capítulo 3),

as falas demonstram que as populações expostas às injustiças ambientais

frequentemente são as destituídas de proteção social e vulneráveis aos interesses

econômicos e políticos/partidário.

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Evidencia-se, de forma expressiva, nas falas, que as soluções passam pelo

empoderamento dessas populações em vários âmbitos de seus direitos

fundamentais e sociais. No entanto, se observa um sentimento de certa impotência

diante dessa constatação. Estes relatos nos remete às observações de Kottow

(2007b), expostas no capítulo 4 deste trabalho. O autor conceitua a população com

essa falta de empoderamento como “população vulnerada”, afirmando que os

vulnerados não devem, na verdade, ser chamados de vulneráveis, visto que já não

se trata de estarem fragilizados, e sim, afetados e destituídos. A comunicação de

risco, o diálogo e as parcerias aparecem, para os entrevistados, como elementos

capazes de possibilitar esse empoderamento.

Percebe-se também uma expressão de pouca possibilidade de ação quando os

interesses econômicos se sobrepõem à população afetada e à saúde. Em algumas

falas, a VSA parece estar acuada perante poderes hierárquicos políticos, de gestão

e econômicos, colocando o controle social como alternativa e/ou parceria para

conseguir superar as pressões e realizar as devidas ações em saúde. O Ministério

Público aparece também frequentemente como um parceiro para efetivar essas

ações. De acordo com essa perspectiva, Acselrad (2002) ressalta que quanto maior

organização dos atores sociais, maior a capacidade de resistir aos interesses

econômicos (capítulo 3).

Observa-se, paradoxalmente, que algumas falas colocam as decisões dos

gestores soberanas, devendo a VSA realizar as ações que julga ser a mais correta,

mesmo indo contra os interesses da população afetada.

A defesa do coletivo em relação ao direito individual é evidenciada nas falas. O

auge desta defesa se dá através de argumentos utilitaristas em que se defende a

maleficência para poucos em prol de benefícios para muitos.

As falas também demonstram que as ações técnicas são naturalizadas como

eficientes e são consideradas distintas das ações éticas. Já a legalidade das ações

é muitas vezes considerada como sinônimo de “ações justas”. É importante

salientar que uma parte significativa dos entrevistados adota uma visão muito

empobrecida da Ética ao limitá-la às concepções individuais sobre o certo e errado,

como se a discussão ética fosse exclusividade do espaço privado e não como

espaço de discussão e pactuação, características do espaço público. Outros exibem

um certo desconforto relacionado ao valor atribuído à discussão ética, é como se

dissessem que o que importa, em verdade, é a discussão técnica e legal. Diante do

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observado, podemos relacionar esta certa desvalorização da discussão moral com o

cientificismo (2.1), que, segundo Cortina e Martinez (2005), considera que a

racionalidade pertence somente ao conhecimento técno-cientifico. Nesse sentido,

podemos também considerar as observações de Marcuse ao criticar o reducionismo

cientificista de Max Weber, apontando a razão técnica como sendo, na verdade,

uma ideologia de dominação metódica e científica (Marcuse apud Haberman,

2001).Podemos também observar a Ética, como filosofia moral, sendo preconizada

de algumas formas: como Ética profissional de direitos e deveres (deontológica);

como defesa do justo; e como uma das correntes da Ética ambiental, a

antropocêntrica. Aqui ressaltamos que a ética antropocêntrica não,

necessariamente, exclui os aspectos ambientais. Já afirmamos que vemos como

válida a abordagem humanista, no entanto, esta visão “deve abarcar princípios

morais através de um novo paradigma produtivo, levando-se em consideração a

relação entre degradação ambiental e injustiça social” (OLIVEIRA e PALÁCIOS,

2009, p. 493).

6.4 POSICIONAMENTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE GASODUTO E LINHAS DE

TRANSMISSÃO DE ELETRICIDADE

Os entrevistados foram instados a refletirem sobre o dilema hipotético de

construção de gasodutos e linhas de transmissão de eletricidade. Foi exposto a eles

que poderíamos identificar como atores envolvidos as empresas responsáveis, a

população afetada e a beneficiada. Pedimos que respondessem que aspectos

devem ser levados em conta para uma possível decisão se aprova ou não tal

projeto, numa possível intervenção da VSA. O dilema moral que pretendemos

suscitar remete a seguinte questão: eu posso penalizar uma população para

beneficiar outro grupo?

As respostas foram analisadas e agrupadas em dois tipos, (1) o grupo que toma

posição, ou seja, aceita a situação e se posiciona; e (2) que não toma posição,

partindo do princípio que a Vigilância não interfere nesta questão.

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6.4.1 Considerações dos que se posicionam perante o dilema

Uma grande parte dos entrevistados aceita tomar posição sobre o caso

apresentado. Ao relatarem seus argumentos, muitos usam a prerrogativa do ‘custo e

benefício’: “o que isso vai trazer de troca, o custo-benefício” (E.16).

A consideração com os impactos futuros é abordada, devendo, esta, estar acima

dos benefícios do presente: “se o ambiente no futuro vai dar uma resposta negativa,

então você tem que inclusive evitar que esse beneficio para a população, entre

aspas, seja conferido naquele momento” (E.13). Aponta-se também para o princípio

da precaução, mostrando a necessidade de acompanhamento do risco potencial e

de um plano de contingência: “... o princípio da precaução.(...) A vigilância em saúde

é muito mais para acompanhar o risco potencial de populações. (...) a gente tem

plano de contingência para saúde para o caso de ter algum problema” (E.27).

Propõe-se, como prevenção, que a empresa pague os custos dos impactos: “a gente

utiliza muito o principio do poluidor-pagador, no sentido de que eles são

responsáveis pelos impactos que eles estão causando, mas sempre no sentido de

tentar a prevenção” (E.26). Há falas que levam em consideração as normas

corretas, legais e técnicas do empreendimento: “se estão dentro das normas legais;

se naquele processo de licenciamento ambiental ele está adequadamente à técnica

referendada...” (E.29), no entanto este poderá sofrer desvios: “às vezes um projeto

passa de (...) maneira bem corretinha, mas quando volta para começar aí começa a

desviar...” (E.25).

As falas expressam que a saúde da população deve ser um tema incluído na

avaliação ambiental: “Na verdade a avaliação ambiental que é feita é muito mais

relacionada à natureza. E o homem fica um pouco excluído, né? Nós temos que

caminhar para que isso seja uma coisa só” (E.12). Outro ponto relatado é que a

dificuldade de decisão neste âmbito se deve ao fato de que a VSA tem poder

consultivo e não deliberativo, conforme colocado na fala: “(...) porque a saúde ela

não tem o poder de embargar, de inviabilizar um projeto. O órgão ambiental é que

tem essa atribuição. (...) o papel da saúde é muito mais um papel consultivo do que

um papel deliberativo (E.27). E ainda que há um limite legal: “a gente não tem como

impedir, (...) só podemos fazer alguma coisa se for pela legislação” (E.6). No

entanto, observa-se relatos da crescente participação do setor saúde nesse tipo de

tomada de decisões: “nós temos tido cada vez mais participação do setor saúde nos

mecanismos de licenciamento ambiental” (E.5).

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Algumas parcerias são preconizadas, o trabalho intersetorial: “e aí a gente

procura todos os órgãos possíveis que possam nos ajudar para tentar ver como a

gente poderia chegar a um consenso da situação” (E.31); com outras instâncias do

SUS: “então a Atenção Básica ela também ajuda a gente a saber como está esse

problema na comunidade. E a Saúde da Família tem sido uma parceria fundamental

para você ter acesso a esse trabalhador na sua família” (E.8); e parcerias com o

setor acadêmico-científico: é preciso ter base acadêmica e científica para se buscar

essa avaliação,(...) fazer parceria com essa direção” (E.11) .

Em relação à população afetada e beneficiada, observa-se falas no sentido de

buscar um equilíbrio para dar conta de não gerar maleficência da população exposta

e, ao mesmo tempo, garantir o benefício para outra parcela da população: “(...) de

forma ética, de forma justa para não afetar aquela população que já está exposta e

também não tirar a garantia daquela população que vai ser beneficiada. Tentar

trabalhar num meio termo” (E.31). Outros recolocam o problema proposto- a mesma

população afetada pode ser a beneficiada, podendo ser causa de conflitos: “porque

a própria população vai ser beneficiada com a maior oferta de empregos, mas isso

vai acabar encobrindo o risco todo que terá na questão do impacto ambiental... E a

própria população entrar em conflito em querer o projeto, mas ao mesmo tempo ...

Se é claro que aquilo vai prejudicar, ela precisa entender isso. É difícil, é difícil...”

(E.14). Percebe-se que há, nas falas, uma caracterização da população afetada - a

que vive no entorno e trabalhadores do empreendimento: “primeiro as pessoas que

estão trabalhando ali, naquele momento, de onde vem a água dessas pessoas? (...)

a população que mora próximo dali, você vai ter um campo eletromagnético próximo

a essa comunidade” (E.17). Algumas propostas são sugeridas para melhorar a

situação dos afetados como gerar benefícios econômicos: “tem que ter o viés

econômico também” (E.15) entre outros benefícios: “o que é que a empresa oferece

para essa população em relação a educação, a saúde e a lazer” (E.7).

Para alguns entrevistados, a maleficência está acima da beneficência na

decisão, ou seja, não basta ter benefícios, não deve haver malefícios. Aponta-se,

nesse sentido, que está acima de qualquer outro interesse, a população: “em

primeiro lugar, priorizar as populações expostas. Depois com os outros interesses...”

(E.4); a saúde: “os aspectos de saúde prevaleçam sobre qualquer outro interesse

que esteja colocado ali” (E.5); e a vida:“ele traz emprego, traz beneficio para 200,

mas morrem 20... O que é mais importante, 200 ou 20? A vida, né?” (E.19). Aponta-

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se também que o interesse da população está acima do interesse comercial: acho

que o ultimo deles é o interesse comercial, é o interesse da indústria, né?”(E.13); e

que os danos ambientais se justificam se há beneficência da população: “...tem que

colocar em peso numa balança e o que vai provocar no ambiente, sim. Porém,

desde que esse impacto venha a provocar beneficio para a população” (E.13).

O diálogo aparece nas falas relacionado à busca de soluções, sendo uma forma

de incluir a população na tomada de decisão: “é que a gente possa estar se

aproximando dessas comunidades que vão ser atingidas positivamente ou

negativamente e estar fazendo essa discussão da maneira mais ampliada possível

no sentido de construir uma proposta aí a ser negociada” (E.33). Dentro desta

perpectiva, observa-se relatos que a sociedade deve ser a instância principal da

decisão e que a atuação da VSA está condicionada ao posicionamento da

população: “em primeiro lugar é a posição da população, é a própria sociedade que

vai decidir, daí com avaliação da sociedade é que a vigilância sanitária vê os meios”

(E.9).

A proposta de realocação da população é frequentemente abordada. Percebe-

se, nesse sentido, argumentos utilitaristas - se o benefício for grande, se justifica os

impactos causados à população afetada: “dependendo do impacto positivo que esse

empreendimento possa ter, até em retirar essa população desse local e colocar em

outro. Isso se for um benefício muito grande” (E.23). Considera-se também que

estas decisões devem ser técnicas, mesmo que contrarie a vontade dos sujeitos

afetados, conforme relata a fala: “eu acho que a nossa preocupação é técnica. Seja

ela se o sujeito quer ou não sair, nossa posição tem que ser técnica” (E.30). Esta

realocação também é relatada como uma forma de minimizar os riscos: “se caso

aquela população fosse passar por tal perigo, que realocassem aquela população

porá área menos danosa” (E.15). Aponta-se também que a empresa seja

responsável por destinar recursos para essas desapropriações: “que esse

empreendimento tenha assegurado recursos para, se for o caso, desapropriação de

comunidades que estão próximas”(E.27). No entanto, há falas que ponderam sobre

esta realocação, levando em consideração o impacto na mudança de vida da

população afetada: “Porque você mudar todo um estilo de vida de uma população

que vive há séculos da mesma forma, tem um impacto que muitas vezes não é

mensurável. (...)Até que ponto aquele empreendimento vai ter realmente um

beneficio tão grande ao ponto de deixar uma população totalmente desorganizada,

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né?” (E.22). Outro ponto colocado é que deve haver critérios dignos de

compensação para a população realocada: “para realocação de populações, com

um viés de dignidade de compensação mesmo por esse processo que está se

impondo ali” (E.11). E, nesse sentido “ver um local que seja mais ou menos o local

onde eles viviam ou que seja melhor, mas pior nunca” (E.10).

6.4.2 Considerações dos que não se posicionam

Um grupo menor não se posiciona sobre o dilema apresentado. As falas relatam

que a VSA não toma decisão neste âmbito, conforme observado:“ ... até então a

gente como vigilância ambiental não precisou tomar decisão nenhuma, porque não

somos nós que aprovamos ou não” (E.20). Coloca-se também que há falta de

preparo da VSA para lidar com estas questões e que a VSA não tem diretrizes

claras nesse sentido: “mas, mesmo assim, eu digo para você que nós temos ainda

muito pouco em tecnologia. Nós temos a questão da saúde para estar falando o

tempo todo lá, né? mas ainda é preciso um pouco mais. É preciso de diretrizes mais

claras de como nós vamos nos posicionar” (E.18). Nesse sentido é abordado que o

problema não passa por uma questão ética e sim pela falta de preparo: “mas a gente

não tem nenhuma atuação nesses empreendimentos, né? enquanto Saúde

Ambiental. Por falta de pernas mesmo. Não é nem uma questão de ética não.”

(E.32). É apontado que, pela pouca interferência da VSA nestas decisões, sendo

difícil se posicionar sobre algo não concreto: “é difícil responder em cima de uma

teoria” (E.32) . No entanto, relata-se que mesmo com a falta de demanda nesta

questão, é possível se posicionar nesse sentido: “mas independente da demanda,

nós poderíamos ter sido pró-ativos seguramente” (E.32). Também é relatado que já

está sendo preconizado que a VSA atue neste tipo de situação: “Por isso uma das

diretrizes que saiu inclusive na Conferência [Conferência de Saúde Ambiental] foi a

questão da saúde começar a poder dar uns 'pitacos' nos licenciamentos ambientais

através de pareceres”(E.1).

6.4.3 Comentários e discussão

Apesar do caso ter surgido dos próprios profissionais que atuam na área, há um

grau grande de estranhamento por não estarem diretamente tomando decisões

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neste âmbito, tanto o grupo que se posiciona quanto o outro relatam a pouca

influência que a VSA tem nesses empreendimentos.

Conforme já constatado nas observações relacionadas a soluções de conflitos

identificados (6.3.15), as falas expressam uma impotência nas tomadas de decisão

em relação à população afetada. A VSA está tendo dificuldades de proteger a

parcela “vulnerada” da população, traduzida, pelos entrevistados, como população

afetada.

Apesar de algumas falas enfatizarem a importância de considerar a população

nas tomadas de decisão, chama a atenção a facilidade do gestor realocar

populações. Há claramente uma intenção de proteger a população de forma muito

paternalista, sem considerar os interesses e perspectivas de vida dessa mesma

população, sem incluí-la como sujeito ativo nas decisões. Esta observação vai de

encontro às diretrizes da VSA, que preconiza a participação da sociedade na

construção de indicadores (capítulo 4).

6.5 POSICIONAMENTOS SOBRE O TRATAMENTO DE ÁGUA EM ÁREAS

INDÍGENAS

Apresentamos, para que os entrevistados refletissem sobre, a questão dos

sistemas de tratamento de água em áreas indígenas não adaptados a cultura local e

a proibição do uso de água de poço em residências pobres. Apontamos que

algumas pessoas consideram situações como essas dilemáticas entre o respeito à

cultura local e a intervenção do Estado. Pedimos então que respondessem se

concordavam com a consideração apontada e quais argumentos poderiam

apresentar. Pretendíamos, ao propormos este caso, suscitar uma reflexão, do ponto

de vista moral, se a saúde deve ser o único valor considerado para realizar as ações

ou deve-se levar em conta outros valores; o que deve orientar a ação do Estado

nesta situação.

As respostas foram divididas em 3 grupos. No primeiro (6.5.1) foram incluídas

as falas que consideram a proteção da saúde como um valor prioritário; o segundo

grupo (6.5.2) levam em consideração a preservação da cultura, ou seja, defende a

importância dos costumes da população nas estratégias de ação; e o terceiro (6.5.3)

ponderam entre os dois valores: proteção da saúde e preservação da cultura, as

ações devem focar a saúde sem desconsiderar os costumes locais.

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6.5.1 Proteção da saúde como valor prioritário

Como já dito, as falas agrupadas no tema proposto consideram que as

intervenções da VSA devem focar prioritariamente a saúde; hierarquiza valores,

sobrepondo a saúde sobre outros valores que podem ser considerados importantes

pela população.

Aponta-se que o Estado deve atuar para melhorar a saúde. Esta atuação é

apontada como responsabilidade do Estado: “tem que atuar com a responsabilidade

do Estado para intervir nisso aí” (E.25), e que o dever de um profissional em saúde

é defender a saúde da população impondo suas ações: eu sei que as resistências

são grandes em relação a situações como essas, eu creio que isso não exime,

apenas dificulta a nossa missão sanitaristas e a nossa missão de comunicar o risco

e de impor, dificulta a imposição dessas medidas de proteção a saúde” (E.11).

Aponta-se também que se deve avaliar o que é “menos pior” para comunidade

indígena: “então eu acho que nessa situação a gente tem que ver o que vai ser

menos pior para ele” (E.13).

Os entrevistados apontam que as ações devem ser realizadas mesmo que tenha

que mudar a cultura e costumes locais: “a população indígena tem que ser

convencida de alguma forma de que o ideal é que ela mude alguma coisa da cultura

dela para que ela possa ter garantia da água saudável (E.23). Observa-se que as

falas apontam alguns argumentos para que se priorize a saúde em relação a cultura.

Aponta-se o fato da população indígena já ter tido uma “interferência humana”: “se o

indígena está lá isolada, sem interferência do homem, eles tem que ficar lá mesmo,

no ambiente deles. Agora, a partir do momento que eles tem interferência humana, a

interferência tem que ser total” (E.21); que quando a cultura trás prejuízo á saúde ela

não deve ser preservada: “Eu acho que a cultura deve ser seguida quando traz

benefícios. A partir do momento que vi trazer doença ou outro tipo de dano àquela

população, eu sou contra” (E.20); e que a população indígena já não preserva sua

cultura, devendo levar a cultura absorvida para a saúde: “ele abandonou sua cultura

para absorver a cultura dos povos não indígenas. (...)Ele está se voltando para a

modernidade, então ele não pode abrir mão de não levar a modernidade para a

saúde” (E.13).

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O uso de convencimento da população foi frequentemente abordado como

estratégia de concretização das intervenções. Aponta-se que a aceitação das

intervenções por parte do Estado passa pela compreensão da proteção à saúde pela

população: É uma questão mesmo de compreensão, de entendimento da proteção à

saúde que vai acontecendo”(E.14). Aborda-se também que se o Estado der

condições dignas para a população, esta aceitará as mudanças, pois ninguém quer

ficar com o pior: “Porque eu tenho certeza que ninguém fica com o pior, deixa de ter

o melhor para ficar com o pior. A não ser que você não ofereça condições

dignas”(E.20). Citamos aqui algumas falas que apontam como este convencimento

deve se dar: buscar mudanças culturais adequadas:“deve-se buscar uma forma

adequada de alterar esse aspecto cultural, para que as pessoas possam entender

que isso é para o benefício delas” (E.11); deve-se, através da educação, convencer

a população do que é mais benéfico para ela: “então é preciso um trabalho de

educação para poder convencê-los de que vai ser melhor para eles”(E.3); usar o

diálogo para esclarecer o papel da VSA: “tem que ter todo um dialogo, todo um

preparo dessa população para o entendimento do que está acontecendo. As

pessoas geralmente não tem noção do que a Vigilância é e quais são os benefícios

que ela pode trazer” (E.24); e esclarecer sobre a importância das intervenções e

informar que a população tem direito a essas intervenções: “para que eles possam

ter direito a isso, a esse tipo de água, assim, potável, eu acho que tem que ser

esclarecido para essa população a importância de você usar a água tratada” (E.27).

6.5.2 Leva em consideração a preservação da cultura

Os entrevistados que apresentaram respostas que pudemos agrupar como

interessados prioritariamente na preservação da cultura, apontam preocupação com

outros aspectos da população além da saúde, levando em conta as demandas e os

anseios desta população. As falas relatam que o respeito à cultura é imprescindível

e prioritário; os costumes devem ser considerados, mesmo que estes estejam

dissociados de um padrão de saúde : “você tem que considerar esses costumes,(...)

que são validados por esse grupo, que claro podem estar totalmente dissociados de

um padrão de saúde, de um comportamento de promoção a saúde” (E.8). Dentro

desta perspectiva, alguns reconhecem a dificuldade de dar conta dessas duas

dimensões (respeito à cultura e proteção da população): “Nesse caso eu acho que o

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respeito à cultura local ela é prioridade. O que nos traz uma dificuldade de ‘como é

que a gente faz isso?’, também pensando na proteção. Eu acho que é um caminho

que vai se aprender trilhando ele” (E.19). Aponta-se também para o despreparo da

VSA para lidar com esses dilemas: “E nós da vigilância, não estamos preparados

para tratar de dilemas nesse sentido” (E.18). Outros não reconhecem a dimensão do

dilema, apresentando somente a defesa do respeito â cultura.

Os entrevistados apontam que a intervenção deve se adequar à cultura local e

que o Estado deve achar meios de atuar que respeite os costumes da população:

“Não adianta você chegar numa aldeã e dizer ‘vocês não vão mais usar a criança

pelada, vocês vão colocar fralda descartável’. (...) mesmo as ações do governo elas

tem que respeitar a cultura. (...) há formas de o governo atuar, as legislações

especificas que existem, respeitando a população...” (E.22). Alguns sublinham para

que essa adequação se concretize, é necessário saber como trabalhar com a

comunidade, compreender a dimensão cultural: “vai ter que entender para poder

saber trabalhar com a comunidade” (E.19). Algumas formas de intervenções são

apontadas pelos gestores: 1- o Estado deve intervir no que causa a poluição para

preservar os costumes indígenas: então a água estava muito poluída. Aparecia

muito peixe morto. (...) eu acho, assim, o Estado deve intervir no sentido de

preservar aquela população. Ver o que está poluindo, o que está sendo usado”

(E.16); 2- a comunidade deve participar na formação das estratégias de intervenção:

“tem que construir conjuntamente com essa população” (E.8); 3- a tecnologia deve

estar atrelada com os costumes da população, caso contrário, não gera benefícios:

“a tecnologia deve ser trabalhada com aquilo que a população que vai se beneficiar

entende e que faz sentido para ela. Porque senão a gente vai fazer um investimento

de engenharia, mas não social, não de benefício mais global da saúde da pessoa”

(E.5); 4- deve-se incentivar o uso de estratégias locais de abastecimento buscando

uma mudança de paradigma do Estado: “Soluções alternativas que cumprem com a

sua funcionalidade, elas devem ser potencializadas. Mas também devem ser alvo de

Vigilância” (E.27).

O diálogo é apresentado como uma forma de orientação e interação com a

população. A intervenção só deve ser feita se houver aceitação da comunidade:

“mas se eles aceitarem tudo bem, mas se não aceitam tem que orientar (...) então é

uma questão de estar conversando (...) você não pode forçar a pessoa a mudar o

jeito de ser, isso não pode ser assim”(E.10).

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As falas apontam as crianças e idosos como população mais vulnerável: “Mas

você tem que reconhecer que as doenças de veiculação hídricas, elas são presentes

na população infantil e na população idosa, porque tem uma vulnerabilidade maior,

tem uma exposição maior” (E.8).

Quanto ao acesso à agua para as comunidades pobres, as falas relatam que

impedir o acesso a água nas populações pobres é um ato de violência: “sem duvida

proibir a água para quem é pobre é de uma total violência” (E.21), e atenta contra o

direito a vida: “nós vamos ser mais um contra o direito que essas pessoas tem de

respirar, de usar água, de viver”(E.18). Argumentam que a água é pública, não deve

ser negada a comunidade: “Porque a água a gente sabe, que de acordo com a

legislação, ela é de todos. É domínio público, é da União” (E.31).

6.5.3 Ponderam entre os dois valores

Outro grupo de entrevistados acentua a necessidade de ponderar entre os dois

valores a Saúde e o direito às diferenças culturais. As falas que estão incluídas

neste grupo apontam que, apesar da saúde ser um valor básico com o qual a VSA

trabalha, outros valores, como a preservação da cultura, devem ser considerados na

tomada de decisão. Algumas falas partem do pressuposto que a preservação da

cultura é importante, mas o Estado também tem que intervir, ponderam entre esses

dois valores: “Você intervir na cultura deles seria drástico, no caso. Mas também o

Estado não pode se omitir e ver que aquela população indígena pode estar sendo

contaminada” (E.15). Há falas apontando que, mesmo tendo que respeitar a cultura

local, a intervenções devem ser realizadas pois é uma questão de saúde pública:

“apesar que eu vou ter que respeitar a cultura local, mas eu acho que essa mudança

vai ter que ser feita, porque isso é um problema de saúde pública”(E.6). É colocado

também que as duas culturas (indígena e Estado) estão corretas e se

complementam: “Eu acho que as duas culturas estão certas, acabam se

complementando”(E.12).

Alguns informam que o Estado enfrenta resistência por parte da população para

mudar seus costumes: “Mas ele mesmo colocou que ia ser difícil ir contra uma

cultura. Que as pessoas não estariam disponíveis para rever isso aí” (E.4). Obesrva-

se que os entrevistados apontam agumas estratégias para concretizar as ações em

saúde: recrutar a comunidade não indígena que contribui para poluição: “populações

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não indígenas, populações que contaminaram aquele ambiente e a comunidade

indígena consome essa água... Deveria recrutar a comunidade” (E.15); usar

intervenções simples para modificar o menos possível os costumes da população:

“que minimamente ele faça esse sistema de abastecimento de forma simples e que

não vai trazer grandes prejuízos para essa população, que está acostumada com

essa cultura de água de pocinho” (E.7); usar estratégias para adaptar as

intervenções preventivas á cultura local: “O que a gente pode e o que a gente vai

tentar fazer é tentar adaptar à cultura deles a prevenção” (E.4); e, em relação aos

poços em comunidades pobres, tentar evitar contaminação sem impedir que tenha

acesso a agua: “desenvolvam programa, no caso, que essa população evite ser

contaminada por esses recursos hídricos. E não evite que ele tenha o reforço. Já

que o estado ou aquela empresa responsável não fornece a água necessária para

essas comunidades ” (E.15). Coloca-se também que as intervenções do Estado não

deviam ser só baseadas em argumentos técnico-científicos, que o Estado deveria

ser mais maleável com a cultura local: essa convicção hoje da ciência dizendo que

nenhuma água da natureza se apresenta de forma pura. Então isso para mim é um

argumento muito técnico, científico. (...)eu acho que a gente tinha que ser mais

maleável sim (...) porque eu acho que as vezes a gente se impõe à cultura local ”

(E.28).

Algumas formas de comunicação com a população afetada são colocadas pelos

gestores no sentido de obter sucesso na intervenção e para sensibilizar a

comunidade. São elas: diálogo e conscientização da população: “Esse dilema entre

esse respeito tem que ser trabalhado numa visão mais ampla de conscientização,

efeitos demonstrativos. (...) a gente tem que buscar alternativas, dialogando com a

população”(E.6); mostrar a relação contaminação-doença para a população: “e

mostrar para ele que a partir do momento que o aumento de doenças dentro da

aldeia (...), porque deve ser uma água contaminada, porque eles vivem sempre

dentro daquele rio”(E.7); e usar a educação ambiental: “deve existir não uma

proibição dessa utilização mas sim uma forma de educação ambiental ali naquela

comunidade”(E.2).

É colocado também que se deve tentar implementar as intervenções na medida

em que a população for aceitando: “não assim é indo lá radicalizar: 'acabou, você

não usa mais isso!' Isso não pode mais. Mas sim tentar sensibilizar e aos poucos ir

tentando vê o que é melhor até que chegue na forma ideal” (E.2); que a recusa á

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intervenção do Estado é um direito da pessoa e que há um dilema entre ter que

tratar a doença e não poder obrigar a aceitar a intervenção: Até que ponto isso fere

a constituição a gente não sabe. É o direito da pessoa, ela não quer.(...) Então a

gente tá dentro da ação da doença, mas a gente não pode obrigar também a ter o

uso do cloro... são os dilemas...” (E.30).

Outro ponto abordado nas falas é que há dificuldade para o controle de

qualidade, pelo Estado, em relação à agua, isto dificulta a confiança da população

indígena em relação ás intervenções da VSA: “a gente não avalia a qualidade da

água que nós bebemos. (...) nós estamos certos de querer fornecer para o indígena

uma água de boa qualidade, mas eles estão certos quando eles desconfiam dessa

água de boa qualidade” (E.12). Há falas que colocam que não há como o Estado

oferecer a solução ideal para toda população e que há necessidade de melhorar a

capacidade da VSA para dar conta dessas demandas: na nossa situação atual é

impossível a gente ter a solução ideal de esgotamento sanitário em todo o país.

(...)Vai precisar ter um aparelhamento muito maior da vigilância (...) a gente tem que

avançar para dar conta (E.33).

6.5.4 Comentários e discussão

Observa-se, nas entrevistas, um certo estranhamento em relação à população

alvo citada (indígenas). Em relação a este fato, chama atenção a fala em que os

indígenas são caracterizados como “população não humana”.

Observa-se também, em muitas falas, um pressuposto categórico de que a VSA

sabe o que é melhor para a população; que as ações em saúde decididas e

concretizadas pelo Estado trarão, consequentemente, um benefício para a

população alvo. Ressalta-se assim, mais uma vez, a tendência paternalista das

ações do Estado, não levando em consideração os anseios da população.

Contrapondo-se a essa visão, o Movimento de Justiça Ambiental, dentro de seus 17

princípios (3.1), exige participação popular igualitária nas decisões. E, consoante ao

exposto, o Manifesto de Lançamento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (3.1)

preconiza a participação democrática da população na construção de projetos

alternativos sustentáveis. É interessante notar que a ética em pesquisa tem

avançado mais do que as reflexões éticas das práticas do Estado. Não podemos

dizer que não haja conhecimento acumulado no Brasil sobre isso, haja vista as

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considerações da Justiça Ambiental sobre o assunto. Em termos de Ética em

Pesquisa há uma resolução específica - Resolução CNS no. 304/00 - sobre normas

para realização de pesquisas com populações indígenas (BRASIL, 2000), na qual se

lê:

“2 - Qualquer pesquisa envolvendo a pessoa do índio ou a sua comunidade deve :

2.1 – Respeitar a visão de mundo, os costumes, atitudes estéticas, crenças religiosas, organização social, filosofias peculiares, diferenças lingüísticas e estrutura política;

2.2 - Não admitir exploração física, mental, psicológica ou intelectual e social dos indígenas;

2.3 - Não admitir situações que coloquem em risco a integridade e o bem estar físico, mental e social;

2.4 - Ter a concordância da comunidade alvo da pesquisa que pode ser obtida por intermédio das respectivas organizações indígenas ou conselhos locais, sem prejuízo do consentimento individual, que em comum acordo com as referidas comunidades designarão o intermediário para o contato entre pesquisador e a comunidade. Em pesquisas na área de saúde deverá ser comunicado o Conselho Distrital;

2.5 - Garantir igualdade de consideração dos interesses envolvidos, levando em conta a vulnerabilidade do grupo em questão.”

Neste sentido, um ponto que surge em comum é a constatação da resistência

das comunidades às intervenções do Estado. Porém, as falas variam a partir desta

constatação. Um grupo preconiza que a saúde (via ações do Estado) tem que se

impor sobre esta resistência; outro grupo coloca que a população tem direito de

recusar as intervenções do Estado. Outro ponto comum abordado é que a VSA

deve se preparar melhor pra lidar com estes dilemas.

A comunicação com a população foi frequentemente abordada, porém, com

objetivos diferentes. Um grupo coloca o diálogo como forma de convencimento,

outro grupo coloca como um processo de interação com a comunidade. De nosso

ponto de vista, são dois tipos de diálogo inteiramente distintos: no primeiro caso não

há um verdadeiro diálogo uma vez que o Estado parte do princípio de que só existe

uma solução e no outro caso sim, há possibilidade de verdadeiro diálogo, de

abertura para o diferente, de novas possibilidades de solução de um conflito.

As estratégias de ação sugeridas também são diferenciadas. Algumas falas

preconizam que as ações devem ser executadas a partir de um entendimento feito

pelo Estado, dentro de uma lógica técnico-científica. Nesse sentido, cabe ressaltar

aqui as observações de Habermas (2001), que aponta a dominação da linguagem

tecno-científica como repressora da Ética, pois retira a linguagem comum

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(e,consequentemente, seus atores) do campo estabelecido para se pensar e

executar as ações (2.1). Outros entrevistados preconizam a inclusão da população

para esse entendimento e que a lógica não deve ser só técnica, devendo levar em

conta os costumes da população. Este ponto vem ao encontro do que é preconizado

na própria VSA (capítulo 4), no relatório organizado em 2004 pela CGVAM, que

preconiza o respeito e a incorporação dos saberes populares (BRASIL, 2004, P.22).

A Justiça Ambiental também aponta para esta questão, o quinto princípio da 1ª

Cúpula Nacional de lideranças Ambientalistas de Povos de Cor (3.1) afirma o direito

a autodeterminação cultural da população.

6.6 POSICIONAMENTOS SOBRE A AÇÃO DO ESTADO NO CASO DO

DESASTRE DO CÉSIO 137

Foi exposto aos gestores que a ação o Estado no caso do desastre do Césio

137 em Goiânia consistiu em: segregação e intervenção para controle da

contaminação, confisco de bens e monitoramento clínico e ambiental. Tomando

como base esse exemplo, pedimos que os entrevistados discorressem sobre os

seguintes questionamentos: quais devem ser os limites da atuação do Estado?

Quais são esses limites e quais os argumentos que os justificam? É justo o Estado

intervir desta forma visando a proteção da saúde da população? Por quê? O

indivíduo pode ter a liberdade de se negar a adotar as medidas? Por quê?

A análise das respostas nos levaram a classifica-las em 3 grupos.. O primeiro

grupo (1) inclui as falas que consideram a proteção da saúde como um valor

prioritário; o segundo grupo (2) inclui as colocações que levam em consideração os

desejos da população e as liberdades individuais, e também que há limites para a

atuação do Estado; no terceiro grupo (3) as falas ponderam entre os valores de

proteção da saúde e os desejos da população/liberdades individuais.

6.6.1 Proteção da saúde como valor prioritário

As falas contidas nesse grupo têm em comum a proteção da saúde da

população como fundamento para a tomada de decisão. Observa-se nas falas que

outros valores e considerações podem ser suprimidos em prol do que consideram

melhor para a saúde coletiva.

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Algumas falas reconhecem situação exposta como um dilema: “Isso é muito

complicado de se colocar. Aí eu sempre coloco... são situações muito complexas”

(E.22), outras não o percebem como um dilema, e nem mesmo reconhecem sua

dimensão moral. Nesse sentido, há falas que excluem a saúde do campo da moral,

colocando que a VSA se preocupa com os agravos a saúde enquanto que questões

morais dizem respeito a outros assuntos: “Porque é diferente, por exemplo, de uma

decisão moral de retirar a criança do convívio da mãe porque a mãe é prostituta.

Isso é uma questão moral e tem todo um debate. (...) O setor saúde não quer saber

se a atividade econômica da mãe é a prostituição. Ele quer saber se essa atividade

gera agravo à saúde da criança. Já a questão moral, não”(E.27). Há falas que

apontam que o Estado deveria intervir de forma justa, se fortalecer em questões

ético-morais e ambientais: “O estado ele tem que fortalecer, se mostrar de forma

presente, fortalecer questões éticas, morais, legais, ambientais...” (E.29). Outras

falas colocam a Ética no âmbito do pessoal - o que é ético para um pode não ser

para outro: “Eu acho que o indivíduo não deveria se negar. Mas é complicado. O que

eu vejo como ético, pode ser ético para mim, mas para você pode não ser” (E.31).

Alguns entrevistados afirmam que o Estado deve assumir a responsabilidade de

não ter conseguido proteger, posto que tem obrigação de garantir o bem- estar da

população: “ele deve assumir a responsabilidade, nesse caso aí pelo próprio

acidente, se esse acidente ocorreu certamente ele não tem políticas adequadas, não

tem protocolos de segurança necessários. ele deve assumir, dar conta a

sociedade”(E.11). Para isso, deve-se dar condições da população levar uma vida

digna após a intervenção: “Então você tem que dar condições daquela família que

também está perdendo tudo, que está com tudo confiscado, a ter uma vida digna

daquele dia em diante” (E.20). Um entrevistado afirma o poder de polícia do Estado:

“Então foi antes da Criação do Sistema Único de Saúde (...). Então o

comportamento do estado nesse ano foi realmente um comportamento de poder de

polícia do Estado” (E.27).

Alguns entrevistados afirmam que o confisco de bens está relacionado a uma

questão ética devendo, portanto, ser feito: “Eu acho que é uma questão ética bem...

E acho que o estado pode confiscar os bens” (E.31). Afirmam também que se deve

isolar as pessoas contaminadas para que outras não se contaminem e, mesmo que

a população seja contra a remoção, esta deve ser feita: “tem que ter a obrigação de

proteger a saúde da população (...). E se para isso tiver que tirar uma determinada

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população de uma área de risco mesmo não sendo da vontade dela, eu acho que é

necessário”(E.20).

Em relação aos limites do Estado, há gestores que reconhecem que é

complicado e complexo falar de limites do Estado; que o Estado deve apresentar

ações para minimizar os problemas, devendo dar respostas para a população

afetada. No entanto, as falas expressam, em sua maioria, que não há limites para

essa ação. É afirmado que está correto o Estado tomar decisões radicais quando

preciso: “claro que o estado tem momentos que tem que ser radical”(E.20) e que o

Estado tem obrigação de intervir fortemente para garantir a saúde da população:

“Quais são os limites? Eu acho que não tem limite não, para proteger a população

naquele momento” (E.6). Ressalta-se ainda que não deve haver limites para utilizar

estratégias de prevenção através de argumentos econômicos: “Com o meu dinheiro,

que deveria ir para a educação dos meus filhos, para a segurança e não sei o que...

Então não pode, eu acho que realmente o Estado não deve ter limites nessa

questão que diz respeito a prevenção, porque se não nós pagamos a conta” (E.12);

que o poder público deve ser o defensor da coletividade e detentor das regras: “E

alguém tem que ter regras... e ai eu acho que o poder público tem que fazer isso”

(E.14). Também é abordado que acidentes com produtos perigosos constitui “estado

de exceção”, legitimando a ação do Estado: “Em caso de contaminação de radiação

ionizante o estado ele tem que ter... é um estado de exceção” (E.27).

A parceria e articulação entre as diferentes setores são apontadas como formas

de atuação para ajudar na efetivação das ações do Estado, sendo entre as

instâncias governamentais: “Eu acho que tem que ter ação do município, do estado

e da esfera federal”(E.30) ou de outros setores: “você pode ter colaboração, seja da

iniciativa privada, de órgãos que tenham essas iniciativas” (E.13). Aponta-se

também que o Estado deve avaliar e intervir de forma rápida: “ele tem que dar

resposta imediata, ele precisa avaliar as condições de riscos. (...) (E.13).

Outro ponto abordado é o uso da força. Algumas falas argumentam que o uso da

força é justificável para intervir em alguns agravos, para proteger a saúde da

população: “em uma situação de emergência não dá para ficar esperando que a

população chegue e diga: 'não, eu não posso'. Porque vai ter que ter uma hora que

vai ter que agir, nem que seja a força” (E.2); e que o Estado pode usar a força para

impedir que os indivíduos morram, senão o Estado será culpado por isso: “o estado

também tem que tomar as suas decisões emergenciais e também, se necessitar,

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tem que ser a força sim. Por que vai deixar aquele indivíduo morrer? E depois? O

estado é que é o culpado”(E.20). É apontado também que o uso da força deve

acontecer de forma humanizada: “Tem como você intervir com força em

determinados agravos, mas com um tratamento humanizado” (E.27).

A comunicação de risco é apontada como uma importante estratégia, devendo

ser feita, segundo as falas, de forma adequada. O objetivo desta comunicação tem

distinções. Há falas relatando que “o Estado tem que ter poder de convencimento”

(E.7), observando-se, assim, argumentos econômicos utilitaristas para este fim:

“você está sabendo que você pode vir a adoecer, então se você não quer colaborar

com o Estado, então você vai preferir que o estado vai querer gastar com você em

relação a saúde, ao passo que ele poderia beneficiar toda essa área e o restante da

população ao redor”(E.7). Por outro lado, afirma-se que a comunicação de risco é

fundamental para que a população se sinta acolhida e não invadida, evitando

preconceito de outras comunidades: “(...) porque chegou uma hora que ninguém

queria os goianos mais por perto, entendeu? Achavam que eles eram fonte de

radiação. Então acho que a comunicação de risco entra ai novamente como (..) um

instrumento fundamental para que as pessoas não sofram preconceito por pessoas

de outras comunidade” (E.26).

Alguns argumentos são apontados no sentido de justificar porque o Estado não

deve considerar a autonomia das pessoas neste tipo de intervenção, conforme

listados a seguir: Há ocasiões que a população não tem capacidade de decisão: “a

população não sabe, dependendo da situação, o que é melhor para si” (E.2); a

liberdade de decisão individual deve ser negada quando o problema é de saúde

pública: “nesse caso específico o individuo não deve ter liberdade de se negar a

adotar as medidas, porque ele vai estar levando risco a ele e aos outros (...). Ele tem

que entender que foi um problema de saúde pública” (E.6); a falta de conhecimento

deste indivíduo não exime o Estado de cumprir seu papel de proteção: “a ignorância

do indivíduo, a falta de conhecimento do indivíduo não exime o responsável, não

exime a política pública de protegê-lo”(E.11); direito de um acaba quando começa o

do outro, sendo esta a condição de se viver em sociedade: “Se ele se negar ele tem

que viver sozinho.(...) você deve ir para uma ilha e se isolar. Você não pode viver na

sociedade. Porque o seu direito termina onde o meu começa”(E.12); o direito

individual termina quando começa o direito coletivo: “esse direito termina quando

começa o direito da coletividade” (E.13). Há falas que reconhecem que o indivíduo

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tem direito a negar a intervenção, no entanto, afirmam paradoxalmente, que o

Estado deve obrigá-lo a aceitar: “claro ele tem a liberdade de se negar é o espaço

dele ali, mas só que eu iria convencê-lo a sair dali. Caso ele se negasse o Estado

obrigaria a ele aceitar, porque quem é o responsável com a doença de um ser é o

Estado” (E.7); e que o Estado deve intervir quando entender que o comportamento

de determinado indivíduo ou população põe em risco a própria saúde, exemplificado

com os usuários de drogas: “Sim, justifica.quando o estado entende que o

comportamento individual ou de determinada comunidade pode colocar risco à sua

própria saúde. No caso do usuário de droga, que é o caso.... E essa situação do

Césio é clássica”(E.27).

6.6.2- Levam em consideração os desejos da população e as liberdades individuais

Este grupo leva em consideração os direitos individuais e as demandas da

população para efetuar as ações do Estado. As falas apontam que há limites para

essa atuação. Alguns gestores reconhecem a complexidade da situação e a aceita

como um dilema: “Embora, aí de novo, eu acho que a gente entre na questão dos

dilemas éticos do individuo aceitar, participar... A restrição, esse confisco, como

aconteceu” (E.24).

O dever do Estado de intervir não é colocado em questão nas falas. Nesse

sentido, é apontado que o dever do Estado é proteger a saúde da população,: “Acho

que a gente tem garantia Constitucional né? é dever do Estado proteger a

população”(E.2). No entanto, aborda-se que há limites para esta intervenção, que

não deve haver imposições; o Estado não deve ser autoritário: “o estado nunca deve

ser autoritário. Sou totalmente contra qualquer tipo de intervenção autoritária do

estado” (E.33). Há falas que apontam para a dificuldade de se pensar no limite do

Estado por estas questões não estarem presentes no cotidiano: “Ai, não sei. Nunca

pensei nesses limites da intervenção” (E.32).

Algumas falas apontam para a precariedade de atendimento por parte do

Estado. Afirmam que é justamente a ausência do Estado que gera este tipo de

problema para a população, citando a falta de controle do lixo: “no caso do césio foi

justamente a ausência do Estado. Porque o césio foi exposto dentro de um lixão, de

um aterro clandestino, não foi num aterro controlado pelo estado” (E.8). Aponta-se

também que as intervenções são influenciadas por interesses políticos e

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econômicos: Porque na medida em que o estado intervém, ele intervém no sentido

de fechar a alternativa coletiva (...), a gente caminha para um processo de

privatização. Então isso é preocupante sim. Infelizmente é o estado se colocando a

favor da concentração do capital” (E.32).

A importância da participação popular foi ressaltada nas falas. É apontado,

nesse sentido, que a sociedade devia opinar mais nas tomadas de decisões nas

questões nucleares: “Então uma área em que demandaria muito essa discussão

pública com a sociedade, de tomada de decisão sobre o que fazer, ela é muito

controlada pelos governos”(E.33); que a população deve ser envolvida no

monitoramento dos problemas: “o diálogo do estado com a sociedade tem que ser

de uma forma bem (...) objetiva, apontando os problemas, incorporando a população

nesse monitoramento, colocando ela como parte nessa saúde”(E.8); que para o

Estado não avançar seus limites, o controle social deve ser fortalecido: “se não tem

um controle social nesse local fortalecido, o Estado vai tomar conta, não adianta.

Esse é o grande desafio nosso, (...) se o controle social está fortalecido, ele

consegue fazer uma ponte entre a situação do Estado e aquilo que a população

realmente precisa”(E.4). Aborda-se também que as intervenções devem ser

dialogadas e consensuadas, com os atores sociais envolvidos no processo de

construção, devendo ser considerado a dimensão cultural: “a gente tem que

trabalhar uma relação mais dialógica (...) com a sociedade (...). Que esse processo

de construção possa estar respeitando as culturas.(...) Eu acho que o caminho tem

que ser o estado ser mais aberto no processo de construção, envolvendo da melhor

maneira possível, da maneira mais orgânica os atores sociais”(E.33). Há falas que

caracterizam a população com quem a VSA trabalha, colocando que é uma

população marginalizada: “Se a gente for pensar nas populações que a gente

trabalha que são o tempo todo marginalizadas” (E.24).

O diálogo com a população também é apontado como necessário. Coloca-se

que a divulgação depende de todos os setores envolvidos - academia, governo,

estados e municípios: “como é que chega isso a essas populações? Depende do

que, do pesquisador ir lá falar? Acho que não depende só do pesquisador. Depende

do governo, do estado, do município, de todos os setores” (E.24); e que, para essa

população se mobilizar e buscar seus direitos, é preciso que seja esclarecida: “para

que elas possam vir a ter um movimento, para que elas possam agir, para que elas

possam se relacionar com a academia e com o governo, elas precisam ser

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esclarecidas. Porque do contrario eu acho impossível” (E.24). “. Algumas falas

afirmam que a construção do diálogo com a população está sendo feito sem um

embasamento ético: “Por mais que a todo tempo a gente ouça falar (...) nesse

diálogo com os movimentos sociais... mas a verdade é que isso é feito sem esse

embasamento ético. É feito por crença, é feito por idealismo... Mas eu acho que

precisa ter esses princípios, esse embasamento”(E.24); que há necessidade de

estar próximo da população para esclarecer a importância de se pensar em

vigilância e bioética: “Conceito de Bioética, conceito de Vigilância em Saúde

Ambiental... mostrando quais seriam os benefícios dessas discussões, (...) para que

a população possa entender e aderir a esse movimento” (E.24); e que há

necessidade de discutir mais esses dilemas e princípios éticos: “Mas eu acho que aí

é mesmo a necessidade de conversar mais sobe o assunto, discutir mais sobre o

assunto. A gente está mexendo com coisas que até então a população não discutia”

(E.24).

Em relação à autonomia, as falas desse grupo, praticamente todas abordam que

o indivíduo deve ter liberdade de decisão; o Estado deve respeitar o direito individual

mesmo que, em princípio, o direito coletivo deva se sobrepor ao individual. A

questão do direito individual e interesse coletivo é complexa, está relacionada a

valores e foi pouco debatida: “Eu nunca parei para discutir muito liberdade individual

e interesse coletivo(...). Num primeiro momento me parece que o interesse coletivo

tem que se sobrepor ao individual. Agora eu acho que o estado tem que respeitar a

liberdade individual do cidadão.(...) Que que é a liberdade do vizinho? Porque a

liberdade também não é desvinculada de valores, né? de crenças. É complicado...”

(E.32). Aponta-se também, reconhecendo o dilema, que é difícil decidir sobre a

liberdade individual quando um grupo maior de pessoas pode ser afetado: “É difícil.

Vamos dizer que o indivíduo está aí com algum microorganismo aí super infeccioso

que se ele tiver ali no meio da sua família ele vai contaminar um monte de gente.

Como que...? Aí é difícil, né? a decisão. A gente pode estar ali entrando na esfera do

indivíduo, mas visando proteger um número maior de pessoas” (E.33).

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6.6.3 Ponderam entre os dois valores

Consideramos pertencentes a esse grupo as falas que consideraram válida a

intervenção do Estado, porém, ponderam suas considerações entre o direito e

deveres do Estado com outros valores abordados, como o direito individual.

Em relação ao direito de intervir do Estado e suas possíveis limitações,

identifica-se que as falas relatam diferentes concepções acerca deste tema

proposto. Verifica-se, em algumas falas, a convicção de que o Estado deve ter

limites: “Eu creio que o estado tem que ter limites sim (...). Na democracia que

vivemos, tem que ter limites sim” (E.18). Em outras falas, aponta-se que é justo o

Estado intervir fazendo o que for preciso, visando à proteção da saúde: “Nesses

casos eu acho que sim. O estado justifica a sua ação” (E.15); que se a intervenção é

para não expor outras pessoas tem que ser feita: “se é o risco conhecido, de que

você vai expor outras pessoas, aí eu creio que você tem que impedir mesmo” (E.18);

como também que não tem nada contra as medidas que o Estado tomou: “Eu não

tenho nada contra as medidas que ele está tomando. Eu acho até que ele tinha que

amparar mais”(E.28). Aponta-se ainda, nas falas, outras formas de refletir sobre a

intervenção, que o Estado tem direito de intervir sem interferir no direito da

coletividade: “Porque poder ele pode, desde que esse direito dele não interfira no

direito da coletividade” (E.5); que os limites de intervenção do Estado devem ser

analisados caso a caso: “Então é o que eu digo, cada caso é um caso” (E.5); e que a

intervenção deve minimizar ao máximo o impacto na população tentando preservar

seu modo de vida: “Tem o impacto cultural, tem o impacto social, a gente não pode

deixar. Eu não sei, sinceramente, até que ponto o Estado pode modificar totalmente

a vida dessas pessoas. E de que forma ele pode intervir, mas dar condições para

que ela continue a sua vida, não é da melhor forma possível, mas com

características parecidas, com locais, com uma vida próxima com que ela tinha

antes (E.17).

Aborda-se, como perspectivas a serem consideradas pelo Estado em suas

tomadas de decisão, que o ônus deve ficar com quem gerou o problema: “porque se

você é dono de uma empresa e causou isso daí, quem tem que pagar é a empresa,

não o Estado, você é que é o culpado daquela poluição daquele rio e não é o Estado

quem vai pagar e sim quem fez a poluição - poluidor pagador” (E.9). Identifica-se

nas falas, nesse sentido, que no caso desse tipo de desastre a população pobre não

pode ser considerada culpada, há um juízo de valor: “Assim como no caso que você

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pode falar que a epidemia de dengue é culpa da população mais pobre, que

armazena água. Você não pode justificar que, no caso do Césio 137 as pessoas tem

que ser atribuídas”(E.15). Aborda-se também que o conceito ampliado de saúde

deve ser levado em conta nas intervenções do Estado: “o que nós entendemos que

é necessário ser feito é revisitar o tema lá do acidente com o olhar da saúde, o olhar

ampliado de saúde, de forma tal que você consiga fazer que todos os grupos que

entendem que tenham sentido algum tipo de exposição (...) possa ser efetivamente

examinado e eventualmente acompanhado” (E.5);e que o Estado devia focar mais a

prevenção do que a remediação: “o estado tem que se preocupar mais em

anteceder esses problemas do que você tomar decisões paliativas depois” (E.15).

Nesse aspecto observa-se que algumas falas justificam esta prevenção com

argumentos econômicos, dos custos serem mais altos numa remediação: “E os

custos, tanto ambiental quanto de saúde vão para o estado. Quem paga a conta?

As despesas de saúde são bem mais caras, você fazer a remediação do que a

precaução” (E.16). Ressalta-se ainda que o papel do Estado é proteger a

população, portanto, a falta de proteção do Estado é que gerou o problema.

Quanto aos aspectos do direito individual, identifica-se que as falas conservam

uma tentativa de respeitá-lo. É abordado que o indivíduo tem liberdade para decidir,

ou seja, tem liberdade para negar ou adotar as intervenções: “o indivíduo tem que

ter autonomia, decidir o que ele quer ou não quer para si (E.17). Algumas falam nos

parece ir em um sentido de concordar com esse direito acrescentando, porém,

algumas reflexões e condicionantes: que o indivíduo tem o direito de negar a

intervenção desde que assuma a responsabilidade: “Agora, se esse indivíduo se

negar, que ele assine uma responsabilidade” (E.15); que há o direito individual mas

o Estado tem que pensar no coletivo: “Eu não posso decidir só por mim, eu tenho

que pensar no coletivo e se eu não penso, o Estado tem que olhar por isso” (E.17);

que o indivíduo tem o direito de negar a intervenção, mas o Estado deve propor o

que acredita ser melhor para o indivíduo: “Acho que o estado tem que colocar o que

é melhor para ele. Quer dizer, o que a gente acredita muito que é melhor, mas o

individuo pode se negar” (E.23). Aponta-se ainda que se o indivíduo negar as

intervenções para protegê-lo, a responsabilidade é do Estado que se mostra

incompetente em seu trabalho de educação: “se o individuo hoje se negar a adotar

as medidas para protegê-lo, (...) continua sendo uma culpa do estado em não saber

convencer esse individuo da real necessidade que ele tem de continuar um

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tratamento para que as dores dele sejam eliminadas. (...) é culpa do próprio estado

que não consegue fazer esse trabalho de educação”(E.28). Dentro desta respectiva,

há falas que argumentam que o Estado tem a função de orientar a população sobre

o que é bom ou mal: “a pessoa tem que ser convencida de que é bom para ela. E

isso faz parte do nosso papel. De convencer pro bem. Igual convenço as pessoas a

pararem de fumar. Não é um mal fumar?”(E.28); ou mesmo que o Estado age com a

melhor das intenções, mesmo que ocorram erros: “O estado agiu errado em muitos

aspectos, mas por total desconhecimento. Não foi, assim, por uma escolha de falta

de respeito às populações. (...) acho que o Estado fez o que estava ao seu alcance

com a melhor das intenções, né? para o controle mesmo da situação” (E.23).

6.6.4 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO

Em relação aos limites da intervenção do Estado os entrevistados se

posicionaram de forma bastante diversificada quando confrontados ao direito

individual dos afetados. No entanto, a maioria dos entrevistados argumenta no

sentido de que não deve haver limites para esta intervenção. Relacionando esta

constatação a falas que justificam aceitar esta falta de limite do Estado por se tratar,

este caso, um Estado de exceção, parece-nos transparecer que quanto maior a

sensação de ameaça à saúde, maior será a aceitação de medidas que, em outras

situações, seriam moralmente inaceitáveis, como o uso da força e o isolamento

compulsório de pessoas.

Partindo desta mesma percepção apresentada acima, podemos verificar que,

com relação à consideração dos direitos individuais, a argumentação ocorre no

mesmo sentido em muitas falas. O bem da coletividade e/ou a saúde pública são

vistos como valores hierarquicamente superiores ao direito individual. Observa-se

que, ao se abordar casos de tamanha gravidade como a do césio 137, a questão

coletiva da saúde humana se torna o grande foco de preocupação, como que não

cabendo, nestes casos, refletir, ou mesmo agregar outros valores a serem

considerados nas intervenções do Estado. Parece que podemos identificar uma falta

de percepção da conflitividade de valores, indo de encontro ao que a Ética da

Convergência (capítulo 2) preconiza como base para se tentar alcançar um

consenso entre todos os interlocutores válidos envolvidos nestas questões.

Consequentemente, o diálogo com a população aparece mais como um recurso

para que se cumpra as ações cabíveis do que uma interação, propriamente dita,

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com a comunidade. Uma grande parte dos entrevistados endossa a forma

paternalista de ação do Estado; percebe-se que, para se conseguir salvaguardar a

saúde coletiva, considerar o ponto de vista da população não parece confiável,

deve-se atribuir essa missão às estruturas do Estado próprias para este fim. Por

outro lado, algumas falas ressaltam a importância da participação popular e

enfatizam a necessidade do fortalecimento do controle social para a construção das

intervenções. Podemos associar esta inclusão da população na avaliação, no

processo de produção das ações e, até mesmo, na reflexão dos limites das

intervenções do Estado com a construção da “comunidade ampliada de pares”,

proposta pela ciência pós-normal e utilizada como referencial nas concepções do

Movimento de Justiça Ambiental (3.1).

Outro ponto observado nos três grupos, que praticamente aparece como

consenso, é a responsabilidade, o dever do Estado com a saúde da população. É

interessante notar que muitos observam, ao expormos o caso do césio, que o

problema abordado vai justamente de encontro a esse dever. Que é justamente a

ausência do Estado as causas geradoras deste tipo de problema. Por outro lado,

chama atenção identificar falas que, de forma naturalizada, responsabilizam a

população pobre pelos problemas de saúde ambiental. Esta observação nos faz

lembrar a inversão do que se preconiza o SUS de “Direito do Cidadão e Dever do

Estado”, passa a ser “Direito do Estado e Dever do Cidadão”. Além do mais, a fala

caracteriza o cidadão como sendo pobre, portanto, vulnerado.

Podemos perceber que há uma demanda por parte dos gestores de um

envolvimento maior com o campo da Ética. As falas expressam uma dificuldade e

limitação para lidar com esses dilemas, abordando a necessidade de uma maior

aproximação com estes temas.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos perceber, pelos resultados deste trabalho, que a prática do cotidiano

da Vigilância em Saúde Ambiental está repleta de dilemas e conflitos morais. No

entanto, paradoxalmente, observamos que o campo da Ética não está sendo

aprofundado no âmbito do serviço em Saúde Ambiental. Os problemas e dilemas ou

são apresentados como questões técnicas cujas soluções são naturalizadas ou

observa-se um limitado arsenal argumentativo para lidar com esses problemas ou

dilemas.

Há uma dificuldade dos gestores perceberem o dilema como valores morais que

se conflitam. Nesse sentido, observamos que a saúde se sobressai como o maior

(ou único) valor a ser considerado entre os entrevistados. Observa-se uma

dificuldade de se pensar em outros valores, o que reflete a falta de aprofundamento

reflexivo sobre estes temas. Importante ressaltar também que até mesmo a saúde

pode não ser reconhecida como um valor moral.

Desta forma, identificamos que a “proteção da saúde”, apontada pelos

entrevistados, carrega um significado interpretado pela própria lógica dos gestores,

desconsiderando o ponto de vista da população para o que consideram como

saudável. Podemos arriscar dizer que há uma ampla influência da visão tecno-

científica no conceito desta proteção à saúde abordada pelos entrevistados.

A característica da população alvo dos problemas em Saúde Ambiental,

identificada pelos entrevistados, é a mesma apontada pelo movimento de Justiça

Ambiental, e, de certo modo, conceituada pela Bioética da Proteção. Uma população

considerada destituída, desempoderada, vulnerada. Identifica-se também, através

das falas dos gestores, que a prática preventiva própria da VSA está sendo pouco

realizada, o que nos leva a pensar em uma população ainda mais comprometida em

sua vulnerabilidade.

Podemos ainda observar, através das entrevistas realizadas, que o direito á

saúde da população está sendo comprometido pelos interesses econômicos.

Identificamos, nesse sentido, através do relato dos gestores, que a pressão exercida

pelo poder econômico compromete o dever do Estado de promover a saúde de seus

cidadãos.

Identificamos também que o direito da população de ser considerada, pelo

Estado, um interlocutor válido na construção das ações relativas à Saúde Ambiental

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não está sendo cumprido. Podemos apontar como causa alguns fatores: o já citado

domínio do poder econômico; a falta de empoderamento da população para a

construção de um controle social efetivo; e, o que nos parece bastante frequente, a

forma paternalista com que os profissionais atuam em relação à população.

Consideramos que o campo da Ética, mais precisamente as reflexões do

Movimento de Justiça Ambiental, da Ética da Proteção e da Ética da Convergência

tem muito a contribuir com a prática da VSA, colaborando com o aprofundamento

dos temas morais que surgem cotidianamente. Ressaltamos aqui a importância de

uma aproximação maior da Vigilância em Saúde Ambiental, especificamente com o

Movimento de Justiça Ambiental que, desde sua criação, vem se dedicando a se

aprofundar nas questões relativas à Saúde e Ambiente, focando, prioritariamente, a

população vulnerada. Cabe aqui também pensarmos em uma maior aproximação da

Justiça Ambiental com a própria Bioética, visto que, apesar de teoricamente não ser

conceituada como uma corrente da Bioética, possui uma íntima relação com este

campo.

Este trabalho nos faz perceber a premência de ampliarmos este tipo de debate,

que nos parece fundamental para as reflexões e tomada de decisões nas ações de

Vigilância em Saúde Ambiental. Desta forma, pensamos que a Academia,

identificada como distante da realidade do serviço pelos entrevistados, possui um

compromisso moral de apoiar esse debate. Dentro desta perspectiva, a aproximação

da academia com o cotidiano da VSA e, principalmente, com a população que está

relacionada a esse cotidiano- a população vulnerada, provavelmente contribuirá para

quebrar a lógica que muito bem retrata um dos entrevistados: a lógica da Academia

querer criar respostas para a própria Academia.

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE A -

ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

1- Qual a sua área específica de atuação dentro da VSA? 2- Qual a sua formação relacionada a esta área de atuação? Durante a sua formação, o (a) Sr. (Sra.) teve contato com conteúdos de Ética? A teoria e prática da VSA demandam o envolvimento de diversos atores (Estado, empresas, populações organizadas, organismos internacionais, ‘bóias frias’ – populações não organizadas), cujas relações têm numerosas implicações éticas. Dentro desta perspectiva algumas questões serão colocadas. Se o (a) Sr (Sra.) achar melhor basear as suas respostas em exemplos concretos, fique a vontade. Nenhum exemplo concreto será utilizado para não revelar a origem da resposta. 3- No campo da prática da Vigilância em Saúde Ambiental, algumas decisões demandam uma reflexão ética, envolvem algum dilema ou problema ético. Como o (a) Sr (Sra.) caracterizaria esses dilemas ou problemas? 4- Quais os conflitos e dilemas mais encontrados nas ações do Estado quando se pensa nas relações com as comunidades afetadas, com os grupos de pesquisas, com as organizações da sociedade civil, com as empresas, com as municipalidades? Em algumas ações da VSA pode-se identificar muitos interesses divergentes envolvidos, e a decisão a ser tomada afetará diferentemente os grupos afetados. Nesses casos, o que se deve levar em conta para tomar a decisão correta ou a mais justa? 5- Se há conflito explícito entre grupos afetados por medidas de vigilância, como, em geral, é solucionado? Que tipo de ação? Quais os argumentos? Baseados em que princípios/teorias?

ALGUNS CASOS ILUSTRATIVOS E OS QUESTIONAMENTOS ÉTICOS QUE

SUSCITAM

Caso 1- No exemplo da construção de gasodutos e linhas de transmissão de eletricidade podemos identificar como atores envolvidos as empresas envolvidas na construção, na transmissão e na produção, a população afetada e população a ser

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beneficiada. Numa possível intervenção da VSA, que aspectos devem ser levados em conta para uma possível decisão se aprova ou não tal projeto?

Caso2- Os sistemas de tratamento de água em áreas indígenas não adaptados a cultura local e a proibição do uso de água de poço em residências pobres. Algumas pessoas consideram situações como essas dilemáticas entre o respeito à cultura local e a intervenção do Estado. O (A) Sr.(Sra.) concorda? Quais argumentos o(a) Sr.(Sra.) poderia apresentar?

Caso3- No caso do desastre do Césio 137, em Goiânia, a ação do estado consistiu em: segregação e intervenção para controle da contaminação, confisco de bens, monitoramento clínico e ambiental. Tomando como base o exemplo, na sua opinião: quais devem ser os limites da atuação do Estado? Quais são esses limites e quais os argumentos que os justificam? É justo o Estado intervir desta forma visando a proteção da saúde da população? Por quê? O indivíduo pode ter a liberdade de se negar a adotar as medidas? Por quê?

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APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Título: FUNDAMENTOS ÉTICOS DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE AMBIENTAL

Você foi selecionado a participar do projeto de pesquisa “Fundamentos éticos das ações de vigilância em saúde ambiental”, de responsabilidade da pesquisadora Claudia Oliveira.

O projeto tem como objetivo identificar os fundamentos éticos utilizados pelos profissionais da Vigilância em saúde Ambiental nas tomadas de decisões acerca de suas intervenções e verificar em que medida se aproximam ou se distanciam das reflexões teóricas sobre justiça sócio-ambiental, vulnerabilidade e proteção . A idéia é identificar as questões morais envolvidas nas tomadas de decisão dos agentes de VSA, observar como os profissionais identificam e lidam com estas questões morais no seu quotidiano e quais os fundamentos éticos que amparam as tomadas de decisões. Como resultado final, a pesquisa pretende oferecer subsídios para que as ferramentas éticas conceituais possam favorecer as demandas dos gestores nas tomadas de decisão, visando uma maior aproximação entre a teoria e a prática. Serão entrevistados gestores da Vigilância em Saúde Ambiental.

Diante da gama de funções pertinentes ao Sistema de Vigilância em Saúde Ambiental, a formulação de políticas públicas, expressa através da tomada de decisão dos gestores da VSA, não pode deixar de considerar que a degradação ambiental se distribui de maneira desigual expondo, assim, a desigualdade social em relação à exposição aos riscos ambientais. A bioética possui marcante presença no campo sanitário brasileiro fornecendo, através de suas ferramentas, condições para a análise das questões e conflitos morais relativos a esta área. Um dos principais focos de atuação se refere á justiça sanitária, ao problema da injustiça social e seus efeitos sobre a qualidade de vida e a saúde de indivíduos e populações humanas.

Você participará da pesquisa respondendo a um questionário semi-estruturado, contendo perguntas abertas. A aplicação dos questionários será feita pela equipe de trabalho de campo, que está devidamente treinada.

Quanto aos riscos da pesquisa, poderá haver constrangimentos com relação às situações não adequadas eticamente que serão levantadas. Esse risco será minimizado com o total anonimato. Quando situações forem apresentadas para discussão, procurar-se-á fazer de forma a não ser possível identificar e expor o gestor que está sendo entrevistado. O principal benefício para os participantes será ter um conjunto de informações sobre fundamentos éticos em Saúde Ambiental que poderá resultar em ferramentas para embasar a tomada de decisões durante o exercício profissional dos gestores. O projeto de pesquisa será apresentado aos CEP do IESC/UFRJ, e somente será iniciada a pesquisa após sua aprovação.

Instituição responsável:

Instituto de Estudos em Saúde

Coletiva / IESC: (21) 2598-9293

Universidade Federal do Rio de

Janeiro / UFRJ

Pesquisadora responsável:

Claudia Oliveira

Doutoranda IESC/UFRJ

CPF- 026257147-19

RG 07709990-1

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Seu nome não constará no questionário e não será utilizado de maneira nenhuma em qualquer momento da pesquisa, o que garante o anonimato. Sua participação é voluntária e você poderá recusar-se a participar ou retirar seu consentimento a qualquer momento da pesquisa. Você não terá qualquer penalização por isso.

O Termo só deverá ser assinado mediante ao esclarecimento de toda e qualquer dúvida, que poderá ser explicada por Claudia Oliveira no telefone 8635-7931 ou no CEP mencionado no quadro abaixo:

CEP Telefone

IESC/UFRJ 2598-9293

Eu, _____________________________________________

______________________________________ declaro ter sido

informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto

de pesquisa acima descrito.

______________________________________________

Nome e assinatura do participante voluntário do projeto

______________________________________________

Claudia Oliveira

Rio de Janeiro, _____ de ____________ de _______.

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ANEXO 1 – Aprovação do CEP