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FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA
ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO
(1974-2005).
CAICÓ
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES – DHC
CURSO DE HISTÓRIA – BACHARELADO
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FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA
ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO
(1974-2005).
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de História, do Centro de Ensino
Superior do Seridó da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, como requisito final
para a obtenção do título de Bacharel em
História, sob a orientação da professora Dr. (a)
Juciene Batista Félix Andrade.
CAICÓ
2015
2
Catalogação da Publicação na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Oliveira, Franciscarla Casimiro de.
Escola de 1º grau Santo Estêvão Diácono: um estudo histórico
1974-2005 / Franciscarla Casimiro de Oliveira. - Caicó: UFRN,
2015.
85f: il.
Orientadora: Dra. Juciene Batista Félix Andrade.
Monografia ( Bacharel em História) Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó -
Campus Caicó.
1. História. 2. Escola. 3. Santo Estevão Diácono. 4.
Caicó/RN. I. Andrade, Juciene Batista Félix. II. Título.
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FRANCISCARLA CASIMIRO DE OLIVEIRA
ESCOLA DE 1º GRAU SANTO ESTÊVÃO DIÁCONO: UM ESTUDO HISTÓRICO
(1974-2005).
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito final para a obtenção do grau
de Bacharel do Curso de História do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, pela seguinte banca:
____________________________________________________
Profa. Dr. (a) Juciene Batista Félix Andrade (Orientadora)
Departamento de História do CERES – UFRN
____________________________________________________
Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno (Examinador)
Departamento de História do CERES – UFRN
____________________________________________________
Prof. Ms. João Quintino de Medeiros Filho (Examinador)
Departamento de História do CERES – UFRN
CAICÓ
2015
4
Dedico este trabalho à minha querida escola
Santo Estevão Diácono, lugar onde passei os
melhores anos de minha infância e que volta e
meia reaparece nos meus sonhos.
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AGRADECIMENTOS
A gratidão é qualidade de quem é grato, é o reconhecimento de uma pessoa por
alguém que lhe prestou um benefício, um auxilio, ou um favor. Ao ingressar no meio
acadêmico, em 2011, conheci várias pessoas a quem eu viria a ser grata nos anos que se
seguiram, tanto na vida pessoal quanto na vida acadêmica.
Gostaria primeiro de agradecer à minha mãe, Vera Lúcia de Oliveira, que no inicio,
devido às suas limitações psíquicas, não queria que eu cursasse uma universidade e hoje
tem orgulho de contar para as pessoas que tem uma filha se formando. E gostaria de fazer
um agradecimento especial à Danúbia Freire de Medeiros, que por muitos anos cuidou de
mim como uma segunda mãe, sempre me incentivou a crescer na vida e sonhou em me ver
formada, fazendo o discurso de oradora da turma; isso não aconteceu Danúbia, você sabe
que sou muito tímida, mas fica gravado aqui o meu muito obrigada por tudo.
Agradeço também a uma pessoa muito especial em minha vida, que sempre faz de
tudo para me alegrar, tem orgulho de mim e consegue aguentar o meu mau-humor. Cláudio
Nascimento, obrigada por me proporcionar os momentos mais felizes da minha vida e por
ter me ajudado na realização deste trabalho; sem sua ajuda e apoio nas madrugadas em que
bateu o desespero eu não teria conseguido terminar. Eu te amo. Ah, e tenho que agradecer
a nossa Dany porque senão você ficará bravo. Ela também me deu apoio usando meu pé
como travesseiro enquanto eu estudava, assim me fazia companhia e pedia comida depois.
Quero agradecer a minha magnífica orientadora, Juciene Batista Félix de Andrade,
primeiro, por aceitar orientar meu trabalho; depois, por sua compreensão na hora das
orientações, e pela paciência para comigo em minhas angustias, e também por me deixar à
vontade para apresentar meus pontos de vista, mas sempre me conduzindo da melhor
forma. Aqui fica meu muito obrigada!
Retornando, gostaria de agradecer à UFRN, especialmente ao CERES de Caicó. Aos
meus professores ao longo desses anos: Almir Bueno, Rosenilson Santos, Helder Macedo,
Lourival de Andrade Júnior, Kyara Almeida, Manuela Aguiar, Muirakytan Kennedy,
Ubirathan Rogerio, Tony Elibio, José Junior, Elton John, Edianne dos Santos, Juciene
Andrade, Fábio Mafra, Jailma Lima, Aletusya Benevides. Muito obrigado a todos e todas.
E, especialmente, agradeço a Hugo Romero (in memoriam), que será sempre lembrado por
mim por sua alegria e por fazer a turma gargalhar a aula inteira, e também por ter nos
ajudado na formulação de um projeto de extensão, que, infelizmente, ele não pôde ver que
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tinha sido aprovado, mas que nós o concretizamos com o pensamento sempre nele.
Saudades eternas.
Agradeço também aos meus colegas da turma de História Bacharelado 2011.1.
Vocês se tornaram amigos muito queridos para mim, e apesar da distância que o término
do curso causa estarão sempre em meu coração. Ao meu querido amigo Jaime Neto, que
era o fera em todas a disciplinas e o piadista do grupo. À minha amiga Lucicleide, que
reclamava sempre que se saía mal nas provas, mas que só tirava notas altas. À minha linda
amiga Geórgia Nara, que vivia dizendo o seu bordão “É grave!”, quando a gente fazia
fofoca ou reclamava das notas. Ao meu amado João Paulo Lima, sempre sutil em suas
“patadas”, adoro você! Em especial, agradeço também ao meu querido amigo Thiago
Rodrigues, que além de todas as vezes que desabafamos um com o outro, me ajudou na
elaboração deste trabalho. Valeu Chico!
Gostaria, ainda, de agradecer à Ariane Medeiros Pereira, por seus conselhos. A
Josinaldo Cesino de Medeiros, que me disponibilizou material para que fosse possível essa
pesquisa. A Joyciana da Silva Medeiros, por tirar minhas dúvidas na hora da formatação do
trabalho. E a David Emmanuel, por ter feito o resumo em língua estrangeira de última hora
para mim. Muito obrigada a todos. Obrigada a Leila Medeiros dos Santos, minha grande
amiga desde a segunda série com Tia Dilma. Dizem que quando uma amizade dura mais de
quatro anos é porque você a levará pela vida inteira, agora acredito que isso seja verdade.
Obrigada por tudo “Galeguenha”.
E, por ultimo, gostaria de agradecer aos meus professores da infância, que
emprestaram sua voz a esse trabalho. Maria de Lourdes Dantas, Dona Lourdes, como
costumamos chamar, a senhora é um grande exemplo de mulher e agradeço por me
proporcionar uma experiência incrível ao entrevistá-la. Agradeço a Francisca Dilma de
Brito Moraes, que sempre será minha tia Dilma, jamais esquecerei aquela sala da primeira
série. Agradeço a Lindalva Oliveira Lima Dantas, que foi minha professora já depois da
quinta série e que também aceitou participar deste trabalho. E agradeço a Nilson Teixeira
de Araújo, que também foi meu professor, apesar de eu querer fugir das aulas de Educação
Física, muito obrigada pela colaboração e por ceder a documentação antiga da Escola de 1º
Grau Santo Estevão Diácono.
A todos que consegui lembrar, e aos que por ventura não consegui, por favor me
perdoem. Deixo aqui meu muito obrigada de todo o coração.
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“Tudo era muito difícil, porque não existia
material didático de maneira nenhuma. Ér, (...)
inclusive quando a gente iniciou lá, nem
carteira tinha pra os alunos sentar e sentavam
no chão [...]” - Maria de Lourdes Dantas.
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RESUMO
Partindo da perspectiva das relações entre as ciências, e da flexibilidade que a Nova
História Cultural permite ao historiador de se aventurar em temas que não lhe eram
próprios, o presente estudo relaciona História e Educação, analisando os processos
históricos que permearam a trajetória da antiga Escola Santo Estevão Diácono, localizada
no Município de Caicó/RN. Objetivou-se problematizar e historicizar esta instituição
expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança de nome e, por conseguinte
proporcionar a comunidade escolar uma leitura de história local a partir de suas vivências e
experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto da comunidade escolar à qual
pertencem. Tentamos demonstrar o reflexo da identidade de seu fundador na escola através
de ações assistencialistas; as perspectivas de ensino que eram trabalhadas naquela época; e
buscamos constituir esse espaço escolar através das lembranças de alguns de seus ex-
professores.
Palavras-chave: História. Escola. Santo Estevão Diácono. Caicó/RN.
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ABSTRACT
Considering the perspective that there are links between sciences, and, the flexibility that
the New Cultural History allows the historian, so he can venture into topics that didn't were
his own, this study relates History and Education by analyzing the historical processes that
have permeated the history of the former school Santo Estevão Diácono, located in the city
named as Caicó/RN. The objective was to problematize and to historicize this institution
by exposing its foundation, its location change, its name change and, therefore, to provide
the school community a reading of their local history by using their practices and
experiences as social actors within the context of this community they belong to. We try to
show how its founder identity reflects in the school through its assistentialist actions; the
education prospects that were worked back then; and seek to establish such school
environment through some of its former teachers memories.
Keywords: History, School, Santo Estevão Diácono, Caicó/RN
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Relação das disciplinas ministradas, relação dos professores e suas 39
respectivas formações no ano de 1979.
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LISTA DE LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1º BEC - 1º Batalhão de Engenharia de Construção
10ª DIRED - Diretoria Regional de Educação e Desportos
10º NURE - Núcleo Regional de Educação
ACB - Ação Católica Brasileira
COHAB - Companhia de Habitação popular
E.E.P.E.K - Escola Estadual Padre Edmund Kagerer
EJA - Ensino a Jovens e Adultos
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 14
CAPÍTULO 1
Da identidade da instituição em seus primórdios: o padre assistencialista ....................... 19
1.1 Um padre austríaco no sertão do Seridó ...................................................................... 19
1.2 A história da Escola: de Santo Estevão Diácono a Padre Edmund Kagerer ............... 21
1.3 As ações assistencialistas: as identidades se confundem ............................................. 25
CAPÍTULO 2
Perspectivas de ensino: as propostas de ensino na Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono .............................................................................................................................. 32
2.1 A Escola Tradicional e sua influência ......................................................................... 33
2.2 Análise dos documentos: disciplinas constantes e a formação dos professores da Escola
de 1º Grau Santo Estevão Diácono no ano de 1979 .......................................................... 37
CAPÍTULO 3
Rememorando a instituição: a escola através das lembranças de seus funcionários ......... 45
3.1 Perfis dos entrevistados ............................................................................................... 46
3.2 Recordando o passado: a escola pelo olhar afetivo de seus funcionários ................... 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 56
FONTES ............................................................................................................................ 57
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 61
APÊNDICE ....................................................................................................................... 66
ANEXOS ........................................................................................................................... 71
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INTRODUÇÃO
Dentre as várias modalidades da História que se desenvolveram durante o século
XX, a História Cultural se destaca ao abrir espaço a um leque infinito de possibilidades de
pesquisa aos historiadores que a praticam (BARROS, 2003). Segundo José de Assunção
Barros, o campo da História Cultural traz objetos multidiversificados, desde os objetos que
já faziam parte dos antigos estudos historiográficos da Cultura, como as Artes, Literatura e
Ciência, bem como os objetos da “cultura material” e os materiais, físicos ou não,
provenientes da “cultura popular” produzida no cotidiano de indivíduos, ou grupos, de
diferentes especificidades sociais. Nesse campo entra ainda o interesse pelos sujeitos
produtores e receptores de cultura, abarcando a função social dos “intelectuais” de todos os
tipos, o público receptor, o leitor comum, ou as massas. O autor afirma, ainda, que
agências de produção e difusão cultural também se encontram no âmbito institucional: a
imprensa, os meios de comunicação, as organizações socioculturais, as organizações
religiosas, e os Sistemas Educativos.
A História hoje, através da História Cultural, tem uma ampliação dos seus objetos de
pesquisa, novas abordagens e uso de novas fontes, gerando novos interesses e novas
perspectivas nos estudos dos costumes e da vida cotidiana dos mais diferentes grupos
sociais, possibilitando estabelecer relações de interdisciplinaridade com outras ciências.
Partindo desse pressuposto, Maurício Estevam Cardoso busca explicitar como a História da
Educação pôde se constituir em um campo da historiografia. Segundo ele, a História da
Educação, e por conseguinte das instituições escolares, tem um lugar na historiografia
graças as abordagens apresentadas pela História Cultural, mais especificamente a História
Cultural Francesa (CARDOSO, 2011). Ele aponta três teóricos da historiografia, Norbert
Elias, Michel Foucault, e Roger Chartier, e apresenta as possibilidades de se operar com
alguns dos conceitos e categorias de análises formuladas por esses autores na História da
Educação.
Cardoso analisa conceitos-chave possíveis de operar visando o alargamento de
referenciais teóricos a serem utilizados pelos pesquisadores da História da Educação. De
Norbert Elias são extraídos os conceitos de interdependência, de configurações, e a análise
do “processo civilizador”, que permitem na História da Educação a “compreensão das
relações que se instalam no processo de escolarização entre os indivíduos nela envolvidos,
permite ainda problematizar as tensões presentes no estabelecimento dos procedimentos de
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coesão social no interior dessas relações” (CARDOSO, 2011. P.290). Ou seja, há a
possibilidade de problematização da educação escolar como prática política. Pode se
questionar as práticas escolares como instrumentos de interdependência, geradoras de
relações de poder que se estabelecem naquele meio; ou questionar a escola como
referencia civilizatória, no sentido de produção da escolarização das crianças e da
formação da própria identidade do aluno. As ideias de Norbert Elias vêm sendo
apropriadas pelos historiadores da educação, principalmente daqueles que tem como objeto
os processos de escolarização.
De Michel Foucault o autor extrai os conceitos de: “dispositivo”, que pode ser
utilizado para estudar a maneira como a educação escolar foi produzida historicamente, o
dispositivo representaria as “estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e
sendo sustentado por eles” (CARDOSO, 2011. P.294); o conceito de “poder disciplinar”,
um tipo de poder que recai sobre os indivíduos, que pode ser utilizado como instrumento
de análise para se tratar como as representações sobre a escola se manifestam e são
construídas, essas construções podem ocorrer em forma de discurso; e o terceiro conceito
que o autor relaciona é o de “práticas discursivas”, elas constroem ou constituem os
objetos de que se fala, pode ser utilizado para analisar um processo de construção
discursiva em torno da escola e dos indivíduos que nela atuam. O autor pretende mostrar as
possibilidades de aplicação dos conceitos de Foucault inseridos na História da Educação,
redimensionando seus objetos, ampliando os tipos de fontes, e contribuindo para a
compreensão da escola como um espaço fundamental do conjunto de valores de uma
cultura, ou seja, capaz de integrar análises que se proponham ser feitas na perspectiva da
História Cultural.
O ultimo teórico é Roger Chartier. Segundo o autor, seus estudos vêm sendo
largamente utilizados pelos historiadores da História da Educação. Suas análises sobre a
leitura, desde a elaboração, edição, distribuição e consumo, são importantes referenciais
para as análises da produção de manuais escolares, concebendo tal prática também como
uma produção cultural. Cardoso analisa os conceitos de “representação”, “apropriação” e
“práticas”, como um importante instrumental teórico-metodológico na contribuição dos
estudos da História da Educação. Para ele, a escola deve ser vista como um espaço de
práticas culturais, espaço de construção de identidades, espaço de formação de
representações, e portadora de discursos que buscam disciplinar os corpos e as práticas,
modelando naquele espaço as condutas e os pensamentos dos alunos. Logo, segundo o
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autor, ao utilizar os conceitos de representação e apropriação de Roger Chartier, há a
possibilidade de que os pesquisadores de História da Educação “[...] avancem no
tratamento de novos temas ligados ao cotidiano das práticas escolares, aos processos de
escolarização, às constituições das disciplinas escolares, ao ensino de história, ás práticas
de leitura no interior das escolas etc.” (CARDOSO, 2011. p. 297)
Fizemos esse breve resumo das conjeturas de Cardoso para explicitar que o aporte
teórico-metodológico da História Cultural traz perspectivas de ampliação dos objetos de
pesquisa, das abordagens, das fontes a serem consultadas e seus tratamentos, e oferece aos
pesquisadores a possibilidade de olhares múltiplos sobre campos diversos. A História da
Educação seria um deles, revelando aspectos constituintes das práticas educativas,
revelando dimensões pouco exploradas, possibilitando dar voz aos seus atores,
explicitando sua dinâmica e sua complexidade.
É partindo dessa perspectiva das relações entre as ciências que a presente pesquisa,
relacionando História e Educação, busca analisar os processos históricos que permearam a
trajetória da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, localizada no município de
Caicó/RN, desde sua construção até ela ser cedida ao Estado. Objetivou-se problematizar e
historicizar esta instituição expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança
de nome e, por conseguinte, proporcionar à comunidade escolar uma leitura de história
local a partir de suas vivências e experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto
da comunidade escolar à qual pertencem.
O interesse inicial da presente pesquisa surgiu através da relação de proximidade da
autora com a instituição, que foi aluna da mesma em seus primeiros anos de formação, e do
interesse de proporcionar a comunidade escolar uma leitura de história local a partir de
suas vivências e experiências, de expor sua história em um meio acadêmico. A pesquisa
toma como recorte espacial o município de Caicó/RN, e como lócus de trabalho a extinta
Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. A escolha desse espaço deu-se levando em
consideração que a escola exerceu um papel importante na educação e construção da
comunidade local, e que muitos não conhecem sua trajetória antes de ser transformada em
Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.
É utilizado um recorte temporal diacrônico, do período de sua construção (1975) até
os dias atuais, tendo como objetivo uma narrativa acerca de sua fundação, da relação da
identidade da instituição com o seu fundador, o padre Edmund Kagerer, do seu aspecto
assistencialista no seio da comunidade, das suas perspectivas de ensino e de como a escola
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é vista por seus antigos funcionários. A busca de registros documentais referentes à
reconstituição da memória da instituição nos ajudou a compreender o seu processo
histórico e sua relação com a comunidade, bem como os relatos de alguns de seus ex-
professores. Portando, a pesquisa necessitou de um diálogo com personagens que fizeram e
fazem parte da instituição, e por isso utilizou de fontes orais, mais especificamente de
entrevistas feitas com ex-professores, e utilizou também a documentação cedida pela atual
administração da Escola Padre Edmund Kagerer, que registra a história da escola, e que
compôs as fontes textuais.
Na historiografia local há alguns trabalhos sobre o tema de nossa pesquisa, como: o
trabalho monográfico de Gilmar Donizéti Ferreira da Fonsêca, “Conselho Escolar: a
experiência da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer”, que busca compreender o papel
do Conselho Escolar na perspectiva da gestão democrática como “artífice” de um modo
diferente de fazer Educação; o trabalho monográfico de Maria das Graças Batista Sousa,
“Reconstruindo a memória do Centro de Promoção Social Santo Estevão Diácono: pelas
mãos do austríaco a escola se faz em Caicó”, que faz um estudo da trajetória do ensino
infantil na instituição; o trabalho monográfico de Sheila Kátia Irineu de Medeiros Santos,
“Escola Estadual Padre Edmund Kagerer: avaliação da aprendizagem escolar em foco”,
que analisa as práticas de avaliação e aprendizagem da escola; e o trabalho de Lindalva
Oliveira Lima Dantas, “Evasão escolar na educação de jovens e adultos: o caso da Escola
Estadual Padre Edmund Kagerer”, que estuda a evasão escolar na educação de jovens e
adultos na escola. Contudo, todos os estudos encontrados acerca do nosso tema foram
feitos sob a ótica da pedagogia, diferindo dos objetivos desta pesquisa, que busca
problematizar e historicizar a trajetória da instituição e sua relação com a comunidade.
A pesquisa justifica-se socialmente porque será um meio de preservação da história
de uma instituição que sofreu mudanças significativas e que não são conhecidas do grande
público. Será importante, também, porque dará voz aos agentes participantes dessa
história, como ex-professores, na medida em que poderão expressar suas observações
acerca da trajetória da mesma e como contribuíram para a construção dessa história.
Cientificamente, o estudo aqui proposto é validado pelo fato de seguir uma linha de
pesquisa que vem sendo desenvolvida por historiadores, educadores e pedagogos,
preocupados em compreender a relação entre História e a História da Educação, analisando
o processo histórico de desenvolvimento e ensino, bem como a própria história das
instituições escolares e sua relação com o meio social. A pesquisa foi exequível, na medida
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em que tivemos fácil acesso à Escola Estadual Padre Edmundo Kagerer e a alguns ex-
professores, isto é, a coleta de informações foi relativamente fácil.
Dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, abordamos a questão
do entrecruzamento das identidades da escola com seu fundador quanto ao emprego de
ações de assistencialismo prestadas na instituição. Falamos um pouco da trajetória do
missionário no sertão do Seridó e relatamos a história da escola desde sua construção,
quando é cedida ao Estado, a mudança de prédio e de nome, apontando a importância das
ações sociais empreendidas pela escola no meio social de uma comunidade em construção.
No segundo capítulo, analisamos a documentação que nos foi cedida por Nilson
Teixeira de Araújo, atual diretor da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer, objetivando
compreender as propostas de ensino que permearam a escola de meados da década de 1970
para fins da década de 1980. Realizamos uma análise documental evidenciando aspectos
presentes em seu currículo inicial, vigente ainda no ano de 1979, relacionando-o ao ensino
tradicionalista, bem como uma análise da formação de seus professores.
No terceiro e último capítulo, buscamos relacionar a Memória e a História através
das lembranças de professores que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo
Estevão Diácono. Os relatos dos professores nos permitiram evocar um passado comum
acerca da instituição, e ao mesmo tempo nos deram perspectivas distintas com as
experiências de cada um naquele mesmo espaço social. Traçamos um perfil de cada
entrevistado, e tentamos estimular neles a emergência de memórias afetivas que nos
permitissem um vislumbre do cotidiano de cada um durante a permanência na escola.
19
CAPÍTULO 1 – Da identidade da instituição em seus primórdios: o padre
assistencialista
Quando a escola foi fundada, em 1974, com o nome de Escola de 1º grau Santo
Estevão Diácono, a sua identidade estava entremeada com a identidade do Padre Edmund
Kagerer, o fundador da instituição. Segundo Stuart Hall, nós relacionamos nossa
identidade pessoal com o público, no que ele chama de sujeito sociológico, diz que “a
identidade costura (ou, para usar uma metáfora médica, „sutura‟) o sujeito à estrutura”
(HALL, 2002), ou seja, absorvemos e alinhamos nossos sentimentos subjetivos com os
lugares que ocupamos no mundo social e cultural. Na Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono ocorre o inverso do que o autor nos apresenta. Existiu o espelhamento da
identidade do seu fundador na instituição. A escola é que absorveu seus valores pessoais,
de caridade e solidariedade, principalmente no que se refere ao assistencialismo prestado.
Foram realizadas ações que ultrapassam o âmbito escolar. Os objetivos da instituição,
inicialmente, não era apenas o ensinar e fixar conhecimento, mas sim, de assistir a
população carente que a procurava.
Para entendermos melhor essa explanação devemos, em primeiro lugar, fazer um
esboço sobre a identidade do padre, relatar como se deu o processo fundador da escola, e
como que as identidades se entremearam. Podemos perceber essas relações através de
entrevistas realizadas durante a pesquisa e, ainda, em entrevistas realizadas por Maria das
Graças Batista Sousa, no ano de 2005, quando a escola ainda existia como “Santo Estevão
Diácono”, e do levantamento de documentos da antiga escola, que darão base de
sustentação para a nossa pesquisa.
1.1 - Um padre austríaco no sertão do Seridó
O padre Edmund Kagerer nasceu em um pequeno município no norte da Áustria
chamado Braunau am Inn, em 1937. Foi ordenado padre em 29 de julho de 1967. Vindo
para o Brasil em 1969, devido à renovação da Igreja Católica, através dos ensinamentos do
20
Concilio Vaticano II 1, que fez com que a Igreja realizasse ações humanitárias em vários
lugares do mundo enviando padres missionários “Fidei Donum” 2 para países, aos seus
olhos, menos desenvolvidos e mais necessitados. Assim, em novembro daquele ano, o
padre Edmund Kagerer chegou ao município de Caicó, no Rio Grande do Norte, com o
sentimento de caridade e solidariedade, almejando realizar ações sociais que ajudassem a
população menos favorecida do local.
O padre entrou no Brasil durante um contexto histórico peculiar e turbulento, a
ditadura militar, e sua chegada foi vista com desconfiança por parte das autoridades locais:
Na época, o 1º Batalhão de Engenharia, começou a investigar e observar,
cada passo que eu fiz aqui em Caicó, mesmo sabendo que eu não era
Comunista, era apenas um voluntário que tinha muita boa vontade e
preparo. Quando cheguei aqui, o que eu fiz é o que fizemos. Eu nunca
pensei ser mais do que um voluntário. (SOUZA, 2005, p.37)
Essa desconfiança durou certo tempo, e até mesmo o Capitão de Fortaleza (SOUSA,
2005, p.37) na época foi chamado para investigar a vida de Pe. Edmund. Ele dirigiu-se ao
padre disfarçando que queria aprender alemão com o mesmo, este, logo percebeu que na
verdade tratava-se de um meio para ser observado, e fiscalizarem sua casa de dois em dois
dias.
Para saber a situação social local, e em qual parte do município a população
necessitava de assistência, o padre realizou uma pesquisa de campo e a apresentou ao
Capitão Dídimo, foi aí que as desconfianças começaram a cessar:
Quando terminei a pesquisa, - pronto! Capitão! Aqui está o resultado da
minha pesquisa, isso, isso, isso. O capitão caiu, mais ou menos
devagarinho, caiu aquele negócio que o padre Edmund ao chegar aqui é
subversivo, um Americano, um comunista, começa mais ou menos a
acreditar, que vim apenas a ajudar. O suspeito, a má vontade, tanto ia do
1 O Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia 25 de
Dezembro de 1961, através da bula papal "Humanae salutis", pelo Papa João XXIII. O Concílio, realizado
em 04 (quatro) sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI. 2 Assim são chamados os padres diocesanos que exercem o ministério por um determinado tempo em
dioceses mais necessitadas pelo mundo. Ficam à disposição do bispo da Igreja local e se inserem no
presbitério e no projeto pastoral desta Igreja particular a qual foram enviados. O termo "Fidei Donum" surgiu
com o papa Pio XII, que escreveu a encíclica de mesmo nome em abril de 1957.
21
lado da Igreja do Padre, dos membros da paróquia, do batalhão, da
polícia, uma situação geral. (SOUZA, 2005, p.38)
A partir daí se iniciam as obras de assistencialismo, idealizadas por Edmund
Kagerer, colocando em prática seus objetivos de fazer algo positivo pela comunidade.
Antes de fundar a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, no então abandonado
Complexo Habitacional Castelo Branco, Pe. Edmund realizou obras em outras partes da
cidade, como a construção de uma nova escolinha no Abrigo de Caicó, localizado no bairro
Paraíba, e a construção da unidade filantrópica Aldeias S.O.S Brasil, já na zona leste da
cidade. Essas obras foram possíveis através de sua influencia fora do país, de doações
generosas que recebia, principalmente da Áustria.
Nesse pequeno esboço do início de sua trajetória no Seridó, percebe-se que a
identidade que o padre apresenta é a de um sujeito estrangeiro, benevolente, sem ligação
com a comunidade, mas que vem para uma região desfavorecida aos olhos dos governantes
do país, e que lhe faz trabalhos especialmente voltados para o assistencialismo. Ele
demonstra uma grande preocupação com o meio social, principalmente com as crianças,
utilizando sua influencia fora do país para ajudar aos pobres do município que ele escolheu
para ser missionário, e deixa um pouco de lado sua carreira sacerdotal para empreender
ações que deveriam caber aos poderes públicos.
1.2 – A história da Escola: de Santo Estevão Diácono a Escola Padre Edmund
Kagerer
Para melhor entendimento podemos dividir a história da escola Santo Estevão
Diácono em duas fases distintas. A primeira diz respeito à sua fundação e a grande
prestação assistencialista que exerceu na zona leste de Caicó/RN, em conjunto com o
Centro de Promoção Social; E a segunda fase refere-se à incorporação da escola à rede
estadual de ensino.
A Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono foi fundada pelo padre Edmund Kagerer
ao final do ano de 1974, iniciou suas atividades a partir de 17 de fevereiro de 1975, com
portaria de autorização de funcionamento datada de 30 de dezembro de 1976, publicada no
Diário Oficial do Estado no dia 11 de janeiro de 1977.3
Começou a funcionar com
3 Ver anexo 1
22
matrícula inicial de 326 alunos, de frequência mista (meninos e meninas), divididos em 04
(quatro) salas, com regime escolar matutino, das 7h às 11h, e vespertino, das 13h às 17h. O
ensino ministrado era gratuito.4 Segundo Maria das Graças Batista Souza, tanto o Centro
Social como a escola receberam o nome de Santo Estevão, em homenagem à Catedral
Santo Estevão de Passau, que fica localizada na Alemanha:
A referida instituição recebeu o nome de Santo Estevão em
homenagem a Catedral de Passau denominada no século IX “Igreja
Mãe dos católicos da região do Danúbio”, em homenagem à
implantação do cristianismo na Áustria, região do rio Danúbio e
naquela época província do Império Romano. Os monges
beneditinos da Irlanda, ao evangelizar essa região, implantaram o
nome desse santo nas grandes Catedrais de Passau, Viena e
Budapeste, como dedicatória ao Diácono Estevão e ao pároco
dessa Igreja que se chamava Estevão “Servir em lugar de se servir”
e “Distribuir o pão e fazer o bem, mesmo recebendo pedras em
trocas”. (SOUZA, 2005, p.25)
Era localizada na Praça da Áustria s/n, no Complexo Residencial Castelo Branco, no
município de Caicó, e tinha como entidade mantenedora o Centro de Promoção Social
Santo Estevão Diácono, da Ação Católica Brasileira (ACB) 5
da Diocese de Caicó. Mas era
mantida financeiramente através de doações e parcerias com a Secretaria de Educação, que
cedia os professores, e de ações de arrecadação de dinheiro dentro da própria escola. Isso
fica claro em depoimento de uma de suas ex-diretoras, Miracy Soares Cunha dado a Souza
no ano de 2005:
Temos uma diretora que é nomeada pelo Sr. Bispo Diocesano, porque o
Centro Santo Estevão Diácono faz parte do Departamento Diocesano de
Ação Social, apesar de uma entidade quase que independente porque nós
não recebemos da Diocese nenhuma ajuda financeira vale salientar isso.
(SOUZA, 2005, p.43)
O Centro de Promoção Social Santo Estevão Diácono era composto: pela escola,
pela creche, pela oficina de carpintaria, pela capela e posterirormente pelo pré-escolar. A
4 Ver anexo 4
5 Movimento controlado pela hierarquia da Igreja Católica e fundado pelo cardeal Sebastião Leme da Silveira
Cintra em 1935, com o objetivo de formar leigos para colaborar com a missão da Igreja.
23
construção da escola se deu mediante o início da povoação do bairro Castelo Branco,
antigo complexo habitacional abandonado, que foi sendo ocupado por famílias carentes
locais e vindas de outras localidades do país, isso devido à mudança do 1º Batalhão
Rodoviário para o município, atualmente chamado de 1º Batalhão de Engenharia de
Construção (1º BEC), que trouxe várias famílias de outros espaços para a localidade. O
bairro em formação tinha necessidade de uma escola e de uma capela, cujas missas eram
realizadas debaixo de um “pé de algaroba” 6. Com a ajuda do Presidente da Companhia de
Habitação popular (COHAB), Ezequias Pegado, do Secretário do Bem-estar Social,
Otomar Lopez Cardoso, entre outros colaboradores que o padre Edmund Kagerer
conseguiu reunir, foi inaugurada no dia 24 de dezembro de 1974 com missa festiva,
celebrada pelo Bispo Diocesano Dom Tavares, e presença do Clero caicoense e
comunidade em geral, a capela e as primeiras 04 (quatro) salas de aula da escola de 1º grau
Santo Estevão Diácono.
A escola cresceu em número de alunos rapidamente, e passou a prestar serviços de
assistência à comunidade, foram construídas novas salas e implantado o ensino de 5ª a 8ª
série (SOUZA, 2005, p.47). Apesar de já estar em funcionamento desde fevereiro de 1975
a escola só passou a ser reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação e pela então
Câmara de Ensino de 1º e 2º graus, por processo encaminhado pela Secretaria de Educação
e Cultura, em 25 de junho do ano de 19807. Ao observarmos esse documento, é possível
identificar características da escola e a posição da Secretaria quanto às suas qualificações,
bem como qual argumento é utilizado para que ela seja efetivamente reconhecida pelos
setores responsáveis.
O processo está dividido em quatro partes. A primeira consiste em um relatório,
onde se relacionou a documentação sugerida nos termos da resolução 07/77, e o ano em
que a escola iniciou suas atividades, 1974, bem como a quantidade de alunos que possuía
na época, 669 (seiscentos e sessenta e nove), relata também as áreas existentes na
instituição: pedagógicas, especializada, de administração, de educação física, higiênico-
sanitária e de circulação. Relaciona o corpo docente em 25 (vinte e cinco) elementos
parcialmente habilitados, verificando que a maioria possui autorização precária, cursando
licenciatura pertinente. A Secretaria justifica a ausência de Orientadora Educacional na
instituição, com a afirmação de que a supervisão é feita através do Núcleo Regional de
6 Algaroba é o nome dado ao fruto da algarobeira, árvore originária do deserto do Piura no Peru, largamente
difundida e cultivada na região do semi-árido do Nordeste Brasileiro. 7 Ver anexo 5
24
Educação (10º NURE), atualmente Diretoria Regional de Educação e Desportos (10º
DIRED), afirmando ainda, que a escrituração e o arquivo organizados na escola asseguram
a verificação da autenticidade e regularidade da vida escolar do aluno.
No relatório é constatado que o regimento escolar da Escola de 1º Grau Santo
Estevão Diácono foi elaborado de acordo com o regimento padrão da Secretaria e que
apresenta adequações que evidenciam a identidade da escola, destacando o oferecimento
de assistência médica e dentária aos alunos, objetivando que as instituições escolares eram
dinamizadas. Abrindo aqui um parêntese, podemos perceber que a característica
assistencialista da escola, que citamos no início do capitulo, não é uma falácia, a própria
Secretaria de Educação e Cultura a reafirma neste relatório.
Na segunda parte do documento, chamada de “entendimento”, a Secretaria expressa
claramente seu argumento para que seja efetivado o reconhecimento da escola, baseando-
se na grande demanda social por educação que o sistema educacional não consegue suprir.
Segundo a Secretaria, as ofertas de ensino pelo poder público não conseguiam abranger
toda a população escolarizável de 07 (sete) a 14 (quatorze) anos, e por tal motivo as
iniciativas privadas seriam importantes para acolher esse excedente. Por este motivo,
ressalta que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono apresentava condições físicas e
pedagógicas satisfatórias, oferecendo um ambiente propício ao desenvolvimento das
atividades escolares, podendo assim receber esses alunos. A terceira e a quarta parte do
documento consiste nas decisões da Câmara de 1º e 2º graus e do Conselho Estadual de
Educação, ambas com parecer favorável ao reconhecimento da escola, recomendando que
fossem providenciadas as renovações de autorização aos docentes, especialmente aos
indicados para Educação Física, um cursava o I nível de Matemática e o outro era auxiliar
de escritório.
Nessa primeira “fase”, a escola exerceu medidas que auxiliaram a população local,
desempenhando um papel social importante, um dos temas centrais deste trabalho que
ressaltaremos no tópico 1.3. A segunda “fase” está relacionada à incorporação da escola à
rede estadual de ensino. Tal fato ocorreu no ano de 1997, através do Decreto nº 13.556, de
02 de outubro8, do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, e nesse momento ocorreu
a primeira mudança de nome da escola, que de Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono
passa a ser Escola Estadual Santo Estevão Diácono – Ensino de 1º Grau.
8 Ver anexo 6
25
É uma nova etapa da escola, que passa de uma instituição com marcas filantrópicas e
de assistência social para uma com novas funções e novo sentido social. Seguindo os
parâmetros da educação nacional daquele momento e se adequando às novas políticas
educacionais, a escola apresenta uma educação infantil voltada para a integridade das
crianças e preocupada com a educação das mesmas. Em 19 de maio de 1998 é criado o
Estatuto da Caixa Escolar9, permitindo mais autonomia para a escola manejar os recursos
financeiros repassados pelo Estado, e destacando, dentre as suas finalidades: prestar
assistência aos alunos carentes de recursos; promover em caráter complementar e
subsidiário a melhoria qualitativa do ensino; colaborar na execução de um politica de
concepção da escola como agência comunitária em seu sentido mais amplo. Ou seja, a
escola nessa fase se adequa às exigências do Estado e volta-se especificamente para o
ensino, conforme o poder público vai assumindo as assistências sociais.
Quando a escola foi cedida ao Estado, em 1997, ela continuou funcionando no
prédio da Diocese, sendo prevista a construção de um novo prédio para quatro anos depois;
contudo, a construção só foi inaugurada no ano de 2005. Ao final daquele ano, mais
especificamente no dia 25 de novembro, através de pedido em abaixo-assinado feito pela
comunidade local, foi sancionado pela então Governadora do Estado do Rio Grande do
Norte, Wilma Maria de Faria, o Decreto nº 18.70910
, que regulamentou a Lei nº 8.728, de
09 de novembro de 2005, que designou um novo nome para a escola. Em homenagem ao
seu fundador, hoje a nova escola se chama Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.
1.3 - As ações assistencialistas: as identidades se confundem
Mencionamos no início deste capítulo que a Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono e o padre Edmund Kagerer têm suas identidades entremeadas. Como fundador e
primeiro diretor da escola, o padre empresta, ou reflete, essa sua característica pessoal de
ajudar as pessoas mais necessitadas em seu trabalho na referida escola. Ele empenha
esforços, em conjunto com sua equipe, para criar ações de auxílio às carências da
comunidade do até então recém povoado bairro Castelo Branco, e também de bairros
próximos. Essas ações, entendidas como assistencialistas, promoveram condições melhores
9 Ver anexo 7
10 Ver anexo 8
26
de vida para muitas crianças com necessidades básicas insuficientemente assistidas. Para
entendermos melhor esse assistencialismo prestado na escola, é necessário fazer um
pequeno resumo do como e do porque a prática surgiu na sociedade.
Ao longo do desenvolvimento da humanidade, a criança era tratada como um adulto
em miniatura, inferior na escala social e por isso não era digna de consideração. Até o final
do século XVII ainda não se tinha estabelecido um sentimento de infância, ela era
compreendida como um período curto do qual não se teriam recordações, “a criança
convivia no meio dos adultos sem nenhuma distinção de tratamento” (FULY; VEIGA,
2012, p.86); com condições de higiene e saúde precárias, poucas crianças conseguiam
sobreviver naquela época. Somente quando a criança passou a ser vista como parte da
família e da sociedade, e quando o Estado preocupou-se em protegê-la, é que os
sentimentos de infância se tornaram evidentes, isso ocorre com o advento da
industrialização. Com a crescente urbanização e a reorganização da classe operária da
sociedade europeia, entre os séculos XVIII e XIX, a mulher entrou no mercado de
trabalho, e isso fez com que despontasse a necessidade de ter um lugar onde os filhos
dessas mães trabalhadoras pudessem ficar para que elas trabalhassem. Assim:
A mulher operária, que continuava a cuidar de seu lar em horários
alternados ao do seu trabalho, teve a necessidade de entregar seus
filhos pequenos (os que ainda não tinham destreza o suficiente para
acompanhá-la no trabalho fabril) aos cuidados de outrem: as mães
mercenárias ou gardeuses d‟enfants. (FULY; VEIGA, 2012. p. 88).
Assim surgem as creches e, por conseguinte, o reconhecimento da infância. No
Brasil isso ocorreu por volta do século XIX. Sob jurisdição da Secretaria de Assistência
Social, as creches inicialmente tiveram por finalidade atender a classe trabalhadora
feminina, o cuidar é a sua principal atividade, assistir a criança, daí surgiu também o termo
assistencialismo. Na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono não apenas se ministravam
disciplinas para o conhecimento, mas também se fazia presente um caráter assistencialista
muito forte, como abordaremos a seguir.
O cuidar também é uma característica que o padre Edmund Kagerer implantou na
Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Com o intuito de assistir e formar cidadãos,
foram empregadas medidas assistenciais na referida escola. No início, as crianças
matriculas no Santo Estevão Diácono eram basicamente filhas de pais sem muita condição
27
financeira e mães solteiras, muitos frequentavam a escola para ter algum alimento para
comer no dia, como relata a ex-professora Maria de Lourdes Dantas, em entrevista
concedida a Maria das Graças Batista Sousa no ano de 2005:
As crianças que estudam aqui no Santo Estevão, no início, havia
uma clientela muito carente, essa vinha pra aqui mesmo pra comer
e eram crianças que geralmente os pais não ganhavam nada porque
não tinha em que trabalhar e a maioria dessas crianças eram filhas
de mães solteiras. (SOUZA, 2005, p. 50)
Então, o objetivo primeiro dessa instituição era alimentar essas crianças, depois
cuidar de sua formação e de sua saúde.
Outra forma de cuidar era oferecer condições e conhecimento, principalmente
prático, para que a criança obtivesse uma formação que a auxiliasse em sua vida, quando já
não estivesse frequentando a escola. Com esse propósito, eram oferecidas disciplinas de
introdução ao trabalho, tanto de trabalhos com a agricultura e criação de animais, quanto
com a carpintaria. Seu currículo possuía assim um propósito além da educação, buscava
direcionar os alunos para um mercado de trabalho possível nas condições desfavorecidas
em que estavam. Em depoimento da ex-diretora Miracy Soares Cunha e da ex-professora
Maria de Lourdes Dantas, percebemos como se dava essa ação:
Naquela época, também nós tínhamos plantio de horta, nós
tínhamos a parte de educação para o lar, as oficinas de artes, cada
menino trabalhando na carpintaria mesmo, a gente fabricava
pequenos móveis e ombreiras. (SOUZA, 2005, p. 41)
Então, começava a parte de iniciação para o trabalho, começaram a
esperar a parte de agricultura, plantavam hortaliças, grãos e frutas.
Depois, passaram a ter a criação de animais, criavam galinhas,
vacas, ovelhas, porcos, foram diversificando quando começou
propriamente essa criação, a direção da escola tinha mudado, era
Miracy que tinha sido diretora do Rotary, já tinha um trabalho
desse tipo lá, veio para cá e implantou isso. Aqui ficou muito
reconhecido, por esse tipo de trabalho, as pessoas chegavam e viam
a meninada toda trabalhando. Os alunos de 5ª a 8ª série assistiam à
tarde e pela manhã eles vinham trabalhar mesmo e o que eles
colhiam era dividido, levavam para casa, deixavam uma parte na
escola e levavam outra parte. (SOUZA, 2005, p. 47)
28
Medidas de formação ainda faziam parte do programa do Centro mesmo após a
escola ser cedida ao Estado, em 1997: na creche foram oferecidos cursos
profissionalizantes de corte e costura e informática ainda por volta do ano de 2005.
O assistir era muito presente na escola, tanto que, entre 1977 e 1979, foi construído
um posto de saúde onde eram realizados atendimentos médicos, odontológicos, de
enfermaria e de farmácia, sendo medicação doada por entidades da Europa e distribuída
entre as famílias. Esse tipo de assistência era realizado pela escola, porque no bairro não
havia nenhum tipo de atendimento médico para a população, e o padre Edmund Kagerer,
com seu objetivo social de ajudar a comunidade, conseguiu, com doações da Prefeitura
Municipal, que cedeu um espaço, com o apoio da Companhia de Habitação Popular
(COAB), da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e com ajuda de outros países, e da
Cruz Vermelha, implementar essa assistência no bairro Castelo Branco.
Com a construção do Santo Estevão Diácono, a escola recebia
ajuda da juventude, da paróquia onde trabalhei quando era padre
novo, da Alemanha, do Secretário do Bem-Estar Social, da ACB –
ação católica dos homens, da Secretaria da Educação juntamente
com os professores, da Alemanha, da Áustria que mandava
remédios, no mínimo cinco toneladas, a juventude da Cruz
Vermelha, mandava material escolar para as crianças. (SOUZA,
2005, p. 38)
Esse tipo de atendimento na escola deixou de funcionar, à medida que o poder
público assumiu o controle da assistência social e da Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono:
[...]os poderes públicos foram colocando no bairro, então a medida
que isso for tendo no bairro, foi perdendo o objetivo aqui dentro e
foi desaparecendo, é tanto que, a nossa escola de primeiro grau de
1ª a 4ª série, ela hoje, é do Estado, porque não é função da Diocese,
o prédio é da Diocese, a escola de 1º Grau é do Estado. (SOUZA,
2005, p. 48)
Ao destacarmos as ações acima, podemos perceber que enquanto a escola era uma
instituição independente, sem grandes intervenções do Estado, ela mantinha traços
identitários semelhantes aos da identidade do padre Edmund Kagerer. E as ações que são
29
empreendidas nela depois de sua saída da direção manteve a mesma linha de assistência
aos alunos e aos bairros vizinhos:
No período compreendido de 1985 e 1989, o Centro de Promoção
Social Santo Estevão diácono é administrado por Maria Gorete da
Silva que mantém a escola nos padrões filosóficos marcados pelos
seus primeiros anos. (SOUZA, 2005, p. 26)
Segundo estudos contemporâneos, o individuo possui várias fontes identitárias,
identidade de gênero, identidade nacional, identidade etária, identidade étnica, identidade
profissional e entre outras. Dessa forma:
As identidades são representações coletivas contextualizadas e
relativas a povos, comunidades, pessoas, já que a humanidade não
é genérica nem caracterizada por universalismo abstrato. Ao
contrario, encarna-se em expressões e formas originais e
especificas, traduzidas por identidades religiosas, de gênero, de
politicas, corporativas, nacionais, culturais, partidárias, ideológicas.
(FÉLIX, 2010, p. 61)
A identidade social, a que nos referimos neste trabalho, é aquela construída, ou
atribuída, ao individuo em sociedade. O como os outros o veem, não o sentido da imagem
de si, para si e para os outros, mas como o meio social enxerga o indivíduo. Segundo Loiva
Otero Félix, os processos identitários são, por um lado, inatos à vida dos sujeitos e
testemunhas da História, e, por outro, construídos na dinâmica do viver (FÉLIX, 2010).
Portanto, o meio em que o indivíduo está inserido influencia na construção de sua
identidade, e é nesse ponto que embasamos nossa análise, que o sujeito Edmund Kagerer é
fruto do meio em que primeiro se formulou socialmente, ou seja, tem uma identidade
ligada a Igreja Católica, mas também possui características que construiu na sua vivência
com uma comunidade do Seridó. Esta, por conseguinte, lhe atribuiu outra identidade, a de
um sujeito bondoso e caridoso, que se tornou socialmente ativo buscando diminuir as
mazelas que afligiam essa comunidade. Durante a construção identitária do padre na
comunidade, percebemos o reflexo dessa identidade na Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono, que se tornou um meio para a realização dos trabalhos sociais que viriam a ser
marcantes durante o período da gestão de Kagerer.
30
A participação ativa do padre Edmund Kagerer é de suma importância para a zona
leste de Caicó, como percebemos nas falas de Josinaldo Cesino de Medeiros, que realizou
uma biografia sobre o mesmo:
Na história, podemos destacar que a importância de um sujeito
pode mudar a realidade de vida de muitas pessoas. Nesse contexto,
torna-se de certa maneira quase que inviável pensar Pe. Edmund
sem às comunidades dos bairros do Castelo Branco e Nova
Descoberta, assim, essa relação vai além de uma relação padre e
fieis, é uma relação de cumplicidade, amizade e familiaridade.
(MEDEIROS, 2014, p.34)
O padre é o que Boaventura de Souza Santos refere como “sujeitos construtores da
História”. Esses sujeitos seriam aqueles que deixam sua marca visível ou invisível no
tempo em que vivem ou viveram, no cotidiano de seus países e também na historia da
humanidade, como líderes comunitários, empresários, militares, intelectuais, mulheres que
trabalham em maternidades, educadores dentre tantos outros. São eles os responsáveis pela
construção do movimento da História. “Dinâmica que consiste no fato quase milagroso da
singularidade dos processos históricos coletivos e na própria dinâmica da intervenção do
homem na vida social, politica, cultural, artística e cientifica de suas comunidades.”
(SANTOS, 2010, p. 55). Ou seja, a identidade, além de seus aspectos estritamente
individuais, apresenta dimensão coletiva, que se refere à integração do homem como
sujeito do processo de construção da História.
O fundador da escola Santo Estevão deixa sua marca visível no tempo em que
fundou a escola, e no tempo em que seus sucessores na administração da mesma seguiram
a sua ideologia de assistencialismo, e por mais que não se prestem mais as mesmas ações
que ele empreendia na antiga Santo Estevão Diácono, sua imagem estará sempre
interligada na história da instituição, tanto é que a nova escola leva o seu nome.
A relação entre Pe. Edmund e a comunidade pode-se dizer que é
relação de troca, troca não no sentido de que teria (terá) que haver
sempre a necessidade de se obter a todo custo uma recompensa,
mas no sentido que essa permuta surge naturalmente no próprio
seio das questões sociais, a sociedade se sente agraciada com todos
os benefícios que foram possíveis pelo empenho do religioso, e
nesse sentido, contribui da maneira que pode, para que haja essa
retribuição. (MEDEIROS, 2014, p. 38)
31
Foi formulado no imaginário da população de Caicó/RN, principalmente na zona
leste, uma imagem de homem caridoso, bondoso e solidário com as mazelas da população
carente. O padre Edmund Kagerer, ao fundar a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono
reflete suas ambições sociais nas ações desenvolvidas através da Escola e do Centro, com
objetivos de ajudar a comunidade de forma assistencial, alimentando suas crianças, dando-
lhes um ofício e condições de saúde adequadas. Em depoimento, percebemos o sentimento
de dever cumprido que o padre possuía em relação aos seus objetivos sociais empregados
no município de Caicó, e principalmente à comunidade do Castelo Branco:
Vejo que não consegui alcançar meus objetivos exatamente como
padre, com o meu trabalho de padre, mas bem que o lado social
retomou o primeiro lugar, até que essas necessidades quando o
governo começou assumir o seu lugar, é claro, que eu voltei para
meu trabalho de padre. (SOUZA, 2005, p. 39)
Em conclusão, podemos afirmar que a identidade é construída e reconstruída no
meio em que os sujeitos se inserem, cada pessoa é componente especifico de um mosaico
maior que é a coletividade. A identidade traduz um sentimento e uma convicção de
pertencimento e vinculação a uma experiência de vida comum (VOLCOGONOV, 2010),
há uma interligação com o contexto, todas as intervenções sociais e as características de
cada tipo de identidade conectam-se ao social, sendo ao ator social aplicadas as suas
necessidades para com a sociedade. Como vimos no exemplo da escola, o inverso também
pode ocorrer, em situações distintas, uma instituição adquire características identitárias de
seu fundador, assimilando seus anseios de ação social. Isso nos mostra que o “sujeito
construtor da história” tanto pode receber quanto transmitir representações de identidades
no meio em que vive.
No próximo capítulo iremos observar a Cultura Escolar presente na instituição e as
perspectivas de ensino na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono em meados da década
de 1970 e inicio da década de 1980, destacando os processos de mudanças nas disciplinas
ofertadas naquela época, partindo da análise de dois documentos que registram
historicamente os processos que permearam a educação oferecida naquela instituição, mais
especificamente no ano de 1979, pouco tempo depois de sua fundação.
32
CAPÍTULO 2 – Perspectivas de ensino: as propostas de ensino na antiga escola Santo
Estevão Diácono
Ao analisarmos a documentação da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono,
cedida por Nilson Teixeira de Araújo, atual diretor da Escola Estadual Padre Edmund
Kagerer, podemos compreender e analisar aspectos da Cultura Escolar presentes naquela
instituição de ensino entre meados da década de 1970 e fins da década de 1980, e, por
conseguinte, compreender as perspectivas de ensino que eram propostas na escola naquela
época. Realizaremos, assim, uma análise documental evidenciando aspectos presentes em
seu currículo inicial, vigente ainda no ano de 1979, bem como elementos relacionados à
formação de seus docentes.
A memória da educação infantil da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, em
seus primórdios, está atrelada a condição assistencialista no formato das creches. Como foi
dito no capítulo anterior, ela abrigava as crianças, dedicando-lhes cuidados essenciais para
seu bem-estar físico, resguardando-lhes um lugar para comer e dormir, tendo em vista que
seus pais não poderiam garantir essas condições. Com o passar do tempo e os avanços das
políticas educacionais no país, a escola buscou se adequar ao ensino vigente e incorporou
novo sentido e nova função social para além do assistencialismo, exercendo assim, uma
educação preocupada também com o ensino. Antes de expor a análise da documentação,
faz-se necessário contextualizar o momento histórico em que estão inseridas as propostas
de ensino nas escolas de primeiro grau no país.
Não objetivamos, aqui, fazer uma análise acerca dos paradigmas da educação, nem
das diversas tendências que se opuseram à chamada “Escola Tradicional”, deixemos tal
tarefa para os pedagogos e educadores, mas para entendermos as propostas de ensino da
Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono no período citado, faz-se necessário entender
minimamente o que configura a “Escola Tradicional” e quais as políticas educacionais que
prevaleciam naquela época.
33
2.1 - A Escola Tradicional e sua influência
A escola tradicional, ou pedagogia tradicional, surgiu a partir do advento dos
sistemas nacionais de ensino11
, em meados do século XIX, na Europa e América do Norte,
atingindo maior força e abrangência nas ultimas décadas do século XX no Brasil
(SAVIANI, 1984, p. 5). A emergência da classe burguesa fez com que se percebesse a
necessidade de oferecer instrução para a massa trabalhadora, essa instrução seria mínima,
para que se formassem cidadãos disciplinados. Sendo assim, a sociedade burguesa passou a
defender a educação como um direito de todos e dever do Estado, tendo como função
auxiliar a construção e consolidação de uma sociedade democrática. Escola como
redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória. Uma conquista valorosa para o
Ocidente, mas que não deixa de ser em parte utópica, pois havia e ainda há uma grande
desigualdade educacional entre ricos e pobres.
A abordagem de ensino presente na escola tradicional baseava-se no caráter
cumulativo, pela transmissão dos conhecimentos a ser realizada na instituição escolar. São
enfatizadas as exposições de conteúdos de forma verbal pelo professor, que é a autoridade
máxima, ele domina os conteúdos logicamente organizados e estruturados para serem
transmitidos aos alunos, a quem, no processo de aprendizagem cabe o papel de
passividade, memorizando e repetindo os conhecimentos transmitidos pelo professor e
pelos livros didáticos. Então:
Em termos metodológicos, ensino e aprendizagem eram tidos como
processos separados, correspondendo o primeiro ao professor,
identificado por preleções; e o segundo, ao aluno, marcado pela
memorização [...] (AZEVEDO; STAMATTO, 2010, p.704)
As escolas eram organizadas em forma de séries, contava-se com um professor
razoavelmente bem preparado que expunha as lições que os alunos teriam de seguir
atentamente e aplicava exercícios que eles deveriam realizar disciplinadamente, se
empenhando para atingir o êxito pelo próprio esforço. A educação era entendida como um
processo externo, os conteúdos eram apresentados sem relação com o cotidiano do aluno, a
11
“Em seu conjunto, os sistemas de ensino de várias esferas do Poder Público formam um bloco solidário e
harmônico a que se pode dar o nome de Sistema Nacional de Ensino.” - DIAS, José Augusto. Sistema
Nacional de Ensino. In: CARVALHO, João Gualberto de. (Org). Educação Básica: políticas, legislação e
gestão – leituras. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p 89-98.
34
escola centrava-se numa formação moral e intelectual com normas rígidas de disciplina.
Denise Maria Maciel Leão (1999, p.192) transcreve, em seu artigo, as características da
escola tradicional, baseada na pesquisa de José Carlos Libâneo, que evidenciaremos a
seguir.
Papel da Escola:
A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para
assumir sua posição na sociedade;
O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à
sociedade;
O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que
se esforcem.
Conteúdos de Ensino:
São os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e
repassados ao aluno como verdades;
As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela
sociedade e ordenadas na legislação;
Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais;
É criticada por ser intelectualista ou ainda enciclopédica.
Métodos:
Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração;
Tanto a exposição quanto a análise da matéria são feitas pelo professor;
Os passos a serem observados são os seguintes:
1º) preparação; 4º) generalização;
2º) apresentação; 5º) aplicação.
3º) associação;
A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas e na memorização
visa disciplinar a mente e formar hábitos.
35
Relacionamento professor-aluno:
Predomina a autoridade do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e
impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula;
O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida;
A disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio.
Pressupostos de Aprendizagem:
A capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos
desenvolvida;
Os programas devem ser dados numa progressão lógica, sem levar em conta as
características próprias de cada idade;
A aprendizagem é receptiva e mecânica, utilizando-se muitas vezes a coação;
A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios
sistemáticos e recapitulação da matéria;
A transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a
fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às
respostas dadas em situações anteriores;
A avaliação se dá por verificações de curto e longo prazo: arguição, tarefa de casa,
provas escritas, trabalhos de casa.
Segundo a autora, o ensino tradicional se estruturou através do método pedagógico
expositivo, tendo como matriz teórica os cinco passos formais do alemão Johann Friedrich
Herbart (1776-1841), conhecido como fundador da pedagogia como disciplina acadêmica;
ela faz uma síntese dos métodos de Herbart e os relaciona ao método indutivo de Francis
Bacon (1561-1626). Logo a seguir, expomos os cinco passos em um esquema para tentar
uma explicação mais clara:
36
12
Representamos os cinco passos de Herbart em forma circular, pois os passos depois
de concretizados tendiam a se repetir, tornando-se, assim, um ciclo. Primeiro, inicia-se a
aula recordando a lição anterior, do que já é conhecido, fazendo a correção dos exercícios
que foram passados para casa, realizando uma Preparação (1) para o próximo passo.
Depois seria feita ao aluno uma Apresentação (2) de um novo conhecimento que ele deve
assimilar. Essa Assimilação ocorre por Comparação (3), onde o novo é assimilado a partir
do velho, o aluno é capaz de comparar o novo conhecimento com o velho distinguindo
semelhanças e diferenças entre eles. No quarto passo o aluno seria capaz de fazer uma
Generalização (4), identificando todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento
adquirido, chegando a conceitos gerais. O quinto e ultimo passo é chamado de Aplicação
(5), seria feita a verificação se o aluno efetivamente assimilou o que lhe foi ensinado,
através da aplicação de novos exemplos o aluno evidencia que sabe usar e aplicar aquilo
que aprendeu. Assim, o ciclo se reinicia, com a correção dos exercícios, e se os alunos não
o fizeram corretamente é preciso que a aprendizagem se prolongue por um pouco mais de
tempo, para que o conhecimento seja de fato assimilado. Nessa metodologia, acredita-se
que, se o aluno for capaz de reproduzir os conteúdos ensinados, mesmo que de forma
automática, houve aprendizagem.
Ao expor as características apontadas por Leão (1999), podemos observar que o
suporte teórico e metodológico da escola tradicional ainda exerce influência nas escolas
atualmente. Ela atravessou décadas com várias modificações em sua essência original e
12
Esquema preparado pela autora
37
mesmo com novas vertentes surgindo, como a Escola Nova 13
, ela continua se fazendo
presente no contexto escolar, mesmo que de forma camuflada. Portanto, se atualmente
percebe-se a influência da escola tradicional no ensino vigente, essa influência, por
conseguinte, tenderia a ser mais fortemente enraizada em uma escola de ensino de primeiro
grau, mantida juridicamente por uma entidade religiosa, de meados da década de 1970 para
fins da década de 1980.
Esse seria o contexto histórico em que estariam inseridas as perspectivas de ensino
vigentes na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono daquela época. Um ensino onde são
enfatizadas as exposições de conteúdo de forma verbal pelo professor, tido como centro do
processo de ensino, onde ele deve dominar os conteúdos logicamente organizados e
estruturados para serem transmitidos, e marcado pela memorização por parte do aluno, que
deve repetir os conhecimentos passados pelo professor e pelos livros didáticos.
2.2 – Análise dos documentos: disciplinas ministradas e formação dos professores da
Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono, no ano de 1979.
No tópico anterior, explicitamos em que contexto histórico estavam inseridas as
perspectivas de ensino da antiga Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono e em que
consistia a vertente chamada de escola ou pedagogia tradicional. Neste segundo momento,
buscamos analisar os documentos cedidos pela atual direção da nova escola, Estadual
Padre Edmund Kagerer, dando ênfase aqui a dois documentos bem específicos: a
declaração de contratos ou nomeações e a declaração da constituição do corpo docente,
ambos expedidos no ano de 1979. Para tal, precisamos explicitar qual politica educacional
estruturava as disciplinas naquele ano. Falamos, então, da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971, que expressou a nova organização do sistema educacional do país.
No período em que a lei nasceu, as liberdades democráticas sofriam repressão por
parte do Estado autoritário e ditatorial do regime militar no Brasil, elaborada e promulgada
com o objetivo de reestruturar os níveis de ensino fundamental e médio. Como reflexo do
13
“A partir do final do século XIX, na busca pela superação da concepção tradicional surgiram iniciativas
visando à implantação de novas formas de ensino. Surge, então, a Escola Nova com uma proposta de
inovação, na qual o aluno passa a ser o centro do processo. O professor se torna facilitador da aprendizagem,
priorizando o desenvolvimento psicológico e a autorrealização do educando, agora agente ativo, criativo e
participativo no ensino-aprendizagem. Os conteúdos ganham significação, são expostos através de atividades
variadas como trabalhos em grupo, pesquisas, jogos, experiências, entre outros. Sua principal característica é
„aprender a aprender‟.” (SILVA, 2012, p.3)
38
contexto nacional, a Lei nº 5.692 tinha a intenção de reordenar o sistema educacional
básico no país, que naquela conjuntura política era considerado instrumento importante na
realização de uma nova ordem social, politica e econômica (MAZZANTE, 2005. p. 72). O
alcance pretendido pela lei tomou caráter de Reforma Educacional, com o objetivo de
transformar a extensão populacional brasileira em força de apoio ao governo, e sua
principal mudança quanto à organização do ensino dizia respeito à unificação do ensino
primário com o primeiro ciclo do ensino médio que resultou no Primeiro Grau. Sendo
prolongada a escola única, comum e contínua de oito séries (HAIDAR; TANURI, 2004, p.
67), o colegial se transformaria em um confuso curso profissionalizante, denominado
Segundo Grau (BITTENCOURT, 2012, p.83).
Segundo Fernanda Pinheiro Mazzante, a Lei 5.692/71 foi um dos braços do novo
modelo do Estado, centralizado e burocrático, onde as proposições curriculares traziam a
intenção de conter a contestação pelos mecanismos administrativos do setor público, neste
caso, a educação. Um exemplo no currículo são as disciplinas de História e Geografia, que
foram transformadas em Estudos Sociais para sintetizar o ensino sobre a sociedade e
diminuir o número de docentes, “um conteúdo aligeirado de História e Geografia, de
caráter dogmático, passou a prevalecer nos oito anos do primeiro grau” (BITTENCOURT,
2012, p.84). Portanto, o currículo que prevaleceu na Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono, em 1979, deve ser analisado levando em consideração o novo currículo para o
ensino de 1º Grau estabelecido em 1971, considerando as influências sociais, politicas e
culturais que o determinaram. Vejamos agora em que consistem os documentos:
Os documentos datam do dia 11 de outubro de 1979 e possuem dados similares.
Contudo, cada um contém sua distinção. O primeiro documento14
trata-se de uma
declaração de confirmação de contrato ou nomeação dos professores para lecionar nas
disciplinas a que estão relacionados, a partir do ano letivo de 1979, na Escola de 1º Grau
Santo Estevão Diácono, na cidade de Caicó/RN, uma vez que a escola fosse reconhecida.
O documento contém as assinaturas dos contratados e tem como declarante o seu fundador
e diretor na época, o padre Edmund Kagerer. E o segundo documento15
é uma declaração
do corpo docente, relacionando cada professor à sua formação profissional. Ao ver esses
documentos, ou outros que constam a assinatura do diretor, pode-se observar que o
14
Ver anexo 2 15
Ver anexo 3
39
substantivo “padre” aparece em todos que ele os assina, essa parece ser uma característica
das escolas mantidas por instituições católicas.
Transcrevemos, abaixo, as 22 (vinte e duas) disciplinas citadas no primeiro
documento, com a relação dos respectivos professores, e acrescentamos, do segundo
documento, a formação de cada um deles:
Disciplina
Professor
Formação
Português Maria de Lourdes Dantas Licenciatura Plena em
Letras
Educação Artística Maria Alice Dantas Licenciatura Curta em
Téc.Com.
Educação Física César Augusto Maynard I nível de Matemática
Educação Física Pedro Cândido Filho Auxiliar de Escritório
História e Geografia Vanez Dantas de Araújo Egresso II História
Educação Moral e
Cívica, Ciências e
polivalente
Elizabeth Alves de Medeiros IV nível de Geografia
Matemática e Ciências Rita Dantas Licenciatura Plena em
Geografia e cursando o I
nível de Matemática
Ciências e Polivalente Maria Ozinete de Medeiros VIII nível de Letras
Inglês Djany Nobrega Maynard CADES – reg.45 110
Introdução ao Trabalho Elvira Helena da Silva Cursando o LOGOS II
Ensino Religioso Francinete Alves Pereira Auxiliar de Escritório
Polivalente Ana Cércia de Medeiros Cursando o LOGOS II
Polivalente Ana Souza Magistério
Polivalente Evani Muniz Magistério
Polivalente Francisca Duarte da Costa IV nível de Geografia
Polivalente Lucélia Dantas de Sena Magistério
Polivalente Maria das Graças Dantas e Silva II nível de Estudos Sociais
40
Polivalente Maria Nazaré dos Santos Magistério
Polivalente Mariana Medeiros dos Santos VIII nível de Pedagogia
Polivalente Marli Rodrigues Machado Magistério
Polivalente Marli Santos da Costa Magistério
Polivalente Nadir dos Santos Figueiredo IV nível de Letras
Tabela organizada pela autora
Nos documentos fica notório que a maioria dos professores não possuía uma
formação completa a nível acadêmico, alguns tinham apenas o Magistério e outros nem
eram formados para dar aula.
Dois dos contratados estavam cursando o LOGOS II, que foi um projeto implantado
em 1976 nos Estados do Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rondônia, com o propósito
de formar professores leigos em regime emergencial, e tinha como objetivo geral habilitar
os professores não titulados, mas em exercício nas 04 (quatro) primeiras séries do 1º grau,
mediante ensino à distância (ANDRE; CANDAU; 1983). Outro fato a se notar, é que era
comum para a época que muitos desses professores estivessem nos níveis iniciais de suas
graduações, e ensinavam em disciplinas de outras áreas, a exemplo do professor cursando
o primeiro nível de Matemática que dava aula de Educação Física, e a professora no VIII
nível de Letras ensinando Ciências e polivalente16
. Dos 22 (vinte e dois) contratados 10
(dez) eram de ensino polivalente. Em relação à polivalência e ao professor polivalente,
Silva Cruz (2012) afirma que:
[...] a noção de polivalência estaria associada a um sentido
generalista e superficial de trato com os conteúdos curriculares
denotando uma relação economicista de relação „custo-benefício‟
sob a justificativa de se suprir o déficit de professores para atuarem
na crescente população escolar com ensino obrigatório estendido
no período de oito anos. Já a noção de professor polivalente seria
associada à visão de que este seria um profissional que transita por
diferentes áreas de conhecimentos articulando saberes e
procedimentos. (SILVA CRUZ, 2012, p. 2900)
16
Os professores polivalentes são aqueles que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, ensinando a
uma turma todas as disciplinas.
41
Podemos concluir, neste caso, que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono,
tratando-se de uma instituição basicamente filantrópica, que deveria manter-se à base de
doações e de ações para arrecadação de dinheiro na própria instituição, pode justificar a
prevalência de polivalentes no seu corpo docente como uma forma de economizar gastos,
podendo também ser possível uma mobilidade de professores entre as séries.
Desse total de contratados, apenas 03 (três) professoras eram licenciadas, sendo que
(02) duas delas tinham Licenciatura Plena e (01) uma era formada em Licenciatura Curta, e
deste já pequeno número, apenas uma atuava em sua área. Essa divisão de Licenciaturas
surgiu no país a partir da Lei 5.692/71. As Licenciaturas Curtas foram criadas para atender
a uma nova demanda de professores, num contexto em que se exigia uma formação rápida,
onde o individuo poderia dar aulas com uma restrição, ensinar para a pré-escola e em casos
de complementação até a quarta série. Mas, se a pretensão era a de lecionar em todos os
níveis escolares aí seria necessário a Licenciatura Plena, que tratava-se de um curso
completo que habilitava o professor para ensinar à pré-escola, de primeira à quarta série e
dar aula até o fim do ensino fundamental. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) 17
, de 1996, as licenciaturas curtas deixam de existir, e continuam as Licenciaturas
Plenas, somente denominadas de Licenciatura.
Em relação às disciplinas mencionadas nos documentos, podemos fazer uma
pequena conjectura. Suponhamos que um aluno da Escola de 1º Grau Santo Estevão
Diácono tendo iniciado seus estudos já nos anos 2000, observe esses documentos com as
disciplinas ofertadas na escola no período de sua formulação, ele provavelmente está
habituado a ver disciplinas como Português, Matemática, Geografia e tantas outras que
fazem parte do seu cotidiano, mas qual seria sua reação ao ver disciplinas como Introdução
para o Trabalho e Educação Moral e Cívica? Ele no mínimo as acharia diferentes, ou até
mesmo estranhas, haja vista que essas disciplinas não são ensinadas nos dias de hoje.
As disciplinas ministradas eram Português, Educação Artística, Educação Física,
História e Geografia juntas, Educação Moral e Cívica, Ciências, Inglês, Introdução para o
Trabalho, Ensino Religioso. Essas disciplinas contavam como metade do currículo da
escola, e a outra metade consistia em ensino polivalente.
17
Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
está em vigor atualmente, com algumas mudanças.
42
As disciplinas de Introdução para o Trabalho e Educação Moral e Cívica entraram
no currículo com a implantação da lei de 1971, nas alíneas “a” e “b”, do parágrafo 2º do
artigo 5º, e no artigo 7º, respectivamente:
[...] a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o
trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no
ensino de 2º grau; b) será fixada, quando se destina a iniciação e
habilitação profissional, em consonância com as necessidades do
mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos
periodicamente renovados. (BRASIL, 1971).
Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,
Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de
setembro de 1969. (BRASIL, 1971)
A disciplina Moral e Cívica já havia surgido anteriormente à lei de 1971, a partir de
1969, mas tornou a constar no currículo de 1971 e perdurou obrigatoriamente nos
currículos, como disciplina escolar e prática educativa em todos os níveis de ensino no
país, até o ano de 1993. A discussão em torno do civismo era uma das grandes
preocupações dos militares durante a ditadura, já que utilizaram a educação de forma
estratégica para o controle da população. Segundo Filgueiras (2006), a institucionalização
dessa disciplina fazia parte de um projeto politico nacional que procurou construir um
ideário patriótico, com uma nação forte, que ressaltava os valores da moral, da família, da
religião, e da defesa da pátria, fixando nos jovens e crianças valores anticomunistas.
Partindo desse contexto, não contrariando ao governo repressor militar, a Escola de 1º
Grau Santo Estevão Diácono seguiu os padrões de ensino impostos pelas politicas
educacionais e a disciplina Moral e Cívica constou no seu currículo por mais de uma
década.
A disciplina de Introdução para o Trabalho, na escola pesquisada foi além da sala de
aula. Saindo da aula teórica, os alunos aprendiam na prática a exercer funções que lhe
proporcionariam experiências com trabalhos manuais. A respeito disso, a ex-diretora
Miracy Soares Cunha relatou que, além do trabalho ensinado aos alunos na carpintaria,
onde eles poderiam aprender a fazer pequenos móveis e utensílios, e dos cursos destinados
ao ensino doméstico, os alunos também aprendiam a plantar legumes, hortaliças, grãos,
frutas e a criar animais, como galinhas, ovelhas, porcos e vacas. Inclusive, aprendiam a
43
tirar o leite que seria usado na merenda da escola, como fonte de renda para a mesma, e
que era levado pelas crianças para casa, assim como parte de tudo que elas colhiam. O
ensino da iniciação para o trabalho na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono possuía
um caráter técnico, contudo, as atividades, em grande parte, serviram para suprir
necessidades de subsistência das crianças e para manter a escola funcionando.
As disciplinas de História e Geografia são apresentadas como uma disciplina única,
as quais, segundo Bittencourt (2012), mais à frente seriam chamadas de Estudos Sociais.
Elas sintetizariam o ensino sobre a sociedade, diminuindo o número de docentes. Havia
uma redução significativa do conhecimento histórico a que os alunos teriam acesso, eram
feitos resumos simplificados, que visavam engrandecer os heróis nacionais. A disciplina
tinha como objetivo veicular uma “história nacional” e construir na mente das crianças
uma “identidade nacional”, bem como o de “criar meios de frear a inquietude de uma
geração em um mundo submetido a um ritmo acelerado de transformações de seus valores
tradicionais, tais como família, as condições de trabalho e a ética” (BITTENCOURT,
2012, p. 74). O ensino de História nas séries iniciais tornou-se a rememoração da
“descoberta do Brasil”, da “independência do Brasil”, “da abolição da escravatura”, e da
“proclamação da República”. Inclusive, era obrigatório sair ao pátio da escola e cantar o
Hino Nacional no Dia da Bandeira. Essa era uma das disciplinas em que predominava o
método de ensino voltado para a memorização, era preciso saber de cor datas, nomes e
acontecimentos, repetindo automaticamente o que estava escrito nos livros.
Com essas observações acerca das disciplinas presentes na Escola de 1º Grau Santo
Estevão Diácono, no ano de 1979, concluímos que o currículo parte de uma construção
social, justificando as intenções básicas da escolarização em determinado contexto
histórico (FILGUEIRAS, 2006). Através dele, o historiador pode ter uma fonte documental
importante para compreender e analisar as modificações ocorridas no meio educacional,
bem como das politicas públicas que foram aplicadas e qual a intenção ao se propor tais
medidas. Portando, a construção curricular da escola, em 1979, atende às aspirações do
governo militar, que interferiu no sistema educacional reformulando leis, reestruturando
sua organização interna, reorganizando currículos, implementando disciplinas que
tenderiam a manejar a população e, principalmente, criar um sentimento de patriotismo nas
crianças.
No próximo capítulo, buscaremos relacionar a Memória e a História através das
lembranças de ex-professores que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo
44
Estevão Diácono, quando daremos voz a esses agentes que participaram da história dessa
instituição. Construímos uma colônia de narradores buscando a rememoração da Escola
Santo Estevão Diácono nos relatos de seus antigos funcionários. Poderemos assim, evocar
o passado através de suas lembranças, tornando-se possível outra visão sobre a escola, haja
vista que as memórias dos entrevistados são fontes do tempo vivido na escola, desde sua
fundação até a mudança de nome.
45
CAPÍTULO 3 – Rememorando a instituição: a escola através das lembranças de seus
funcionários
Nesta parte do nosso trabalho, buscamos relacionar a Memória e a História através
das lembranças de agentes que fizeram parte da história da Escola de 1º Grau Santo
Estevão Diácono. Utilizamos os relatos de ex-professores para evocar um passado comum
acerca da construção da instituição, e ao mesmo tempo convocamos um passado individual
com as experiências de cada indivíduo, suas intenções e memórias distintas.
Rememoramos a instituição através dessa pequena colônia de narradores, com o objetivo
de ter uma representação da vivência dos indivíduos nesse meio social e como eles
contribuíram para que essa história se concretizasse.
Segundo Jacques Le Goff (1994), o conceito de Memória é fundamental, para ele a
memória é a propriedade de conservar determinadas informações, como um conjunto de
funções psíquicas em que o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou
que ele representa como passadas, tendo em vista que a memória também é subjetiva. Na
definição de Memória constante no Dicionário de Conceitos Históricos, de Kalina
Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva (2009), a Memória está nos próprios alicerces da
História, confundindo-se com o documento, com o monumento e com a oralidade. Ao final
da década de 1970, os historiadores da Nova História começam a trabalhar com a
Memória, transformando-a em objeto de estudo da historiografia. Por conseguinte, houve a
distinção entre História e Memória. Segundo os autores, a História representaria fatos
distantes, acontecimentos colocados para a sociedade, enquanto a Memória age sobre o que
foi vivido, sobre a reação que o fato causa no indivíduo ou na comunidade em que ocorreu.
Segundo Maria Elisabeth Blanck Miguel (2012), a relação entre a História, a
Memória e as instituições escolares compreende a duas grandes categorias e uma
subcategoria. A História e a Memória são consideradas grandes categorias, sendo a
Memória componente da História e elemento necessário da mesma. As instituições
escolares seguiriam na condição de subcategoria, pois fazem parte da História da Educação
e consequentemente da Memória. Miguel examina que há duas possibilidades de abordar a
relação entre História, Memória e instituições escolares: a primeira é aquela que estuda as
instituições escolares enquanto unidades específicas; e a segunda é o estudo do processo
46
histórico da construção da escola enquanto instituição. Estudando as instituições como
unidades específicas, são incluídas, por exemplo:
[...] o estudo da história de um grupo escolar em um determinado
período, sua organização, seu funcionamento, alunos, formação de
seu corpo docente e demais componentes que constituem a sua
existência, enquanto um determinado tipo de escola. É possível
neste enfoque procurar compreender o significado desse tipo de
escola para a população e o Estado que o provê, a partir de
elementos ou indicadores que possibilitem a reconstrução da
história daquela escola. (MIGUEL, 2012. p.245)
Aqui vamos um pouco além das considerações da autora para se estudar uma
instituição escolar como unidade específica, tendo em vista que ela utiliza a memória
contida em documentos impressos. Nós utilizamos as memórias individuais de pessoas que
fizeram parte da construção histórica da escola Santo Estevão Diácono, para compreender
esse todo social, através de seus relatos e experiências pessoais que lhe ocorreram na
instituição pesquisada. Essas narrativas nos permitem confrontar histórias de vida de
pessoas que vieram de localidades distintas, tinham diferentes intenções que as levaram
para aquela escola, e que são portadoras de memórias e interpretações diversas sobre
acontecimentos que tiveram lugar em um mesmo espaço social.
3.1 – Perfis dos entrevistados
Como dito anteriormente, os entrevistados são ex-professores da Escola de 1º Grau
Santo Estevão Diácono, em sua maioria aposentados, e fizeram parte da construção de sua
história. Cada uma dessas pessoas inicia a experiência de docência na escola, em anos
diferentes. Uma entra logo durante a fundação, em 1975, e é uma das primeiras professoras
a dar aula na escola; outra ingressa em 1978 e assiste às obras assistencialistas em ação;
outra começa em 2003, quando a escola já é mantida pelo Estado, e o ultimo entrevistado
entra na escola em 1983 como professor e atualmente é o diretor da nova escola, assistindo
a transição da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono para a Escola Estadual Padre
Edmund Kagerer.
As entrevistas não foram realizadas na ordem descrita acima, mas para termos uma
sequência melhor definida colocaremos os entrevistados seguindo a sequência dos
47
respectivos anos em que entraram no corpo docente da instituição, colocando o atual
diretor da E.E.P.E.K como quarto entrevistado.
1ª entrevistada: Maria de Lourdes Dantas, 67 (sessenta e sete) anos. Nasceu no município
de São José do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, em 09 de julho de 1948. É
professora aposentada, trabalhando atualmente como coordenadora administrativa
financeira na Escola Estadual Padre Edmund Kagerer. Ela iniciou seu trabalho de docência
na Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono no dia 14 de fevereiro de 1975, sendo uma
das primeiras professoras da escola. Ensinou Português, Matemática, Moral e Cívica,
Ensino das Artes e atuou também no ensino polivalente.
2ª entrevistada: Francisca Dilma de Brito Moraes, 62 (sessenta e dois) anos. Nasceu no
município de Jucurutu, no Estado do Rio Grande do Norte, no dia 24 de dezembro de
1953. É professora aposentada e participou da docência da escola do ano de 1978 a 2005,
lecionando no ensino polivalente
3ª entrevistada: Lindalva Oliveira Lima Dantas, 53 (cinquenta e três) anos. Nasceu no
município de Campina Grande, no Estado da Paraíba, no dia 10 de outubro de 1962. É
professora aposentada, e trabalhou na escola de 2003 a 2011, após ela sua cessão ao Estado
do Rio Grande do Norte. Era professora de Geografia, foi coordenadora pedagógica e
lecionou no Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
4º entrevistado: Nilson Teixeira de Araújo, 62 (sessenta e dois) anos. Nasceu no
município de Caicó, no Estado do Rio Grande do Norte, no dia 17 de setembro de 1953.
Iniciou suas atividades na escola no ano de 1983, como professor de Educação Física, e
atualmente é diretor da Escola Estadual Padre Edmund Kagerer.
3.2 Recordando o passado: a escola pelo olhar afetivo de seus funcionários
Não objetivamos fazer reflexões acerca da História Oral, mas a utilizamos, aqui,
como método para extrair dos nossos entrevistados o maior número de informações
48
possível, seguindo os passos do Manual de História Oral, de José Carlos Sebe Bom Meihy
(1998).
Segundo Verena Alberti (2005), ao se utilizar a História Oral como método ela não é
encarada como um fim em si mesma, mas como um meio de conhecimento. Ela pode ser
utilizada no contexto de uma investigação científica com um projeto de pesquisa
previamente definido, onde devem ser estabelecidas questões que justificarão o porquê da
investigação. As entrevistas de História Oral tornam-se assim, fontes para a compreensão
do passado conforme os documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. As
entrevistas que foram realizadas com os ex-professores nos serviram como fontes, para
compreender como esses indivíduos experimentaram e interpretaram os acontecimentos e
as situações que ocorreram na escola durante o período em que estiveram naquele espaço.
Segundo David Lowenthal (1998) toda a consciência do passado está fundada na
memória, “através das lembranças recuperamos consciência de acontecimentos anteriores,
distinguimos ontem de hoje, e confiamos que já vivemos um passado” (LOWENTHAL,
1998. p.75), e é a partir dessa consciência de passado, pelas lembranças, que buscamos
estimular nossos entrevistados à rememoração do que vivenciaram na escola, através de
um roteiro com perguntas objetivas, conseguimos estimular a memória de nossos
depoentes.
Questionamos os entrevistados acerca de como era trabalhar na escola, quais seriam
os pontos negativos e positivos para eles, principalmente durante o período inicial em que
estiveram lá. Obtivemos respostas diferenciadas e que nos chamaram atenção quanto à
percepção de cada um sobre o que deveria ser levado em consideração como negativo ou
positivo:
(...) Tudo era muito difícil, porque não existia material didático de
maneira nenhuma. Ér, (...) inclusive quando a gente iniciou lá, nem
carteira tinha pra os alunos sentar e sentavam no chão. E não tinha,
não tinha merenda escolar porque a escola era da Diocese, não era
do Estado, então tudo era muito difícil. A merenda escolar, por
exemplo, era padre Edmundo, mandava plantar milho ali atrás na
parte da of (...) da oficina, que é a oficina. E depois mandava, Zé
Brito moía e fazia um angu de água com, com fubá né. A merenda
era essa. Ai nós, os professores da tarde, a gente doava o açúcar,
(...) que era pra ficar, (...) pra dar o, (...) a papa doce a eles.
(Informação verbal) 18
18
Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5.
49
(...) Naquele tempo era muito bom, né (risos). Eu tive boas
diretoras né. (...) Fui muito bem acolhida lá quando cheguei e era
muito bom, foi tanto que eu passei 28 anos, né, lá. E os pontos
negativos é só que tem pessoas que não querem colaborar né, com
a gente. (...) As vez deixa a gente nervosa. Um aluno ficava
atrapalhando, um aluno de outra sala de aula ficava atrapalhando, a
gente pedia ajuda, num tinha uma pessoa pra ficar ajudando, né.
(Informação verbal) 19
(...) Eu gostei muito de trabalhar lá. Primeiro porque era perto da
minha casa e isso é até um ponto positivo. É uma escola boa, uma
clientela boa e, (...) foi muito bom. O pessoal muito bom também,
de trabalhar. Alunos conhecidos né, de famílias aqui dos bairros. E
o ponto negativo foi assim, porque, (...) por exemplo, o período
que a gente trabalhou na escola antiga era, era, “tava” muito
estragada, num sabe? (...) Mas o resto foi muito bom. (Informação
verbal) 20
(...) Porque é, é o seguinte, a escola Santo Estevão sempre foi uma
escola bem sucedida, reconhecida em Caicó como uma escola
padrão, uma escola boa, então a gente, (...) e até hoje continua
ainda, (...) apesar de ter mudado de nome, diminuído o numero de
aluno, mas é uma escola que se destaca dentro do cenário
educacional aqui de Caicó. (Informação verbal) 21
Partindo desse questionamento evidenciamos momentos diferentes da história da
instituição na memória dessas pessoas. A primeira entrevistada leva em consideração as
dificuldades que a instituição enfrentou no inicio de sua trajetória, em 1975, como foi
referenciado no primeiro capítulo, a escola funcionava com recursos mínimos e através de
doações de entidades filantrópicas internacionais. Ao falar da falta de merenda escolar e do
empenho do padre em conjunto com os professores para que as crianças tivessem o que
comer na escola, Dona Lourdes, como é conhecida na escola, demonstra o caráter
assistencialista que seria empreendido durante os próximos anos na instituição. O relato da
professora Dilma, que ingressou em 1978, revelou outra visão acerca da vivência na
escola, para ela o lado positivo era a boa relação com os colegas de trabalho e o ponto
19
Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9. 20
Entrevista concedida por DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s), p. 1-4. 21
Entrevista concedida por ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s), p. 1-3.
50
negativo se dava em sala de aula, com o mau comportamento de alguns alunos e a falta de
apoio para contê-los.
O terceiro relato, da professora Lindalva, deixa em evidência o estado físico da
escola alguns anos após ela ser cedida ao Estado, o prédio ainda era o da época da
fundação, e não estava em boas condições de funcionamento, a espera do prédio que seria
entregue pelo Estado estava se arrastando há anos. Já o atual diretor da Escola Padre
Edmund Kagerer não aponta pontos positivos ou negativos, ele considera que a escola
sempre foi bem sucedida e reconhecida no cenário Educacional de Caicó/RN, essa fala se
ajusta ao contexto em que ele entrou na escola, 1983, nesse período as obras
assistencialistas da escola, em conjunto o Centro de Promoção Social, foram amplamente
reconhecidas no meio social do município, principalmente por fornecer medicação à
população no posto de saúde.
O caráter assistencial da escola fez parte do cotidiano da professora Lourdes, da
professora Dilma e do professor Teixeira, ambos ingressaram na docência da escola antes
que se tornasse estadual, portanto possuem lembranças desse período:
(...) La sempre foi assistencialista. (...) Padre Edmundo ele
conseguia ér (...) verbas do exterior, da Europa, ai ele fundou a
creche, ai tinha um clube de mães que inclusive davam (...) quem
estava gestante recebia todo o enxoval da criança, ai tinha o clube
de jovens que eles ensinavam musica, faziam muitos passeios. (...)
A enfermaria com o posto de saúde, tinha médico, tinha remédio, o
remédio era doado. Tinha a igreja também né? Que tinha as
associações. Funcionava tudo ali como um só conjunto, escola,
creche é, posto de saúde, igreja e assistência social às famílias.
(Informação verbal) 22
(...) Tinha dentista, tinha né (...) fazia “érr”, tinha aquelas hortas né
(...) comunitárias que a professora era até, como era o nome dela?
Elvira, trabalhava com hortas, sabe? (...) Naquela época tinha. Na
época que eu cheguei aí tinha muita coisa. (Informação verbal) 23
(...) A escola tinha o, (...) através do centro de promoção Santo
Estevão Diácono, tinha um posto de saúde que funcionava dentro
22
Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5. 23
Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9.
51
da escola. Tinha creche, é tinha, tinha pré-escola. (Informação
verbal) 24
Outra das questões que colocamos aos nossos depoentes foi acerca do ensino.
Percebemos em algumas falas a influência da pedagogia tradicionalista, principalmente no
que se refere ao disciplinamento do aluno em sala de aula, com as professoras que estavam
nos anos iniciais depois da fundação da escola. Segundo Dilma Brito, ela conseguia
dominar o aluno em sala de aula, em um momento até se considera rígida ao impor
autoridade. Esse sentido de autoridade maior dirigida ao professor é predominante na
metodologia da Escola Tradicionalista, como abordamos no capítulo anterior. A Dona
Lourdes relembra que o ensino era mesmo tradicionalista, citando a Lei 5.692/71, que
regulava as politicas educacionais ainda no ano de 1975, segundo ela também havia uma
maior participação das famílias no meio escolar, havia certo acompanhamento dentro da
escola, e maior valorização do ensino por parte dos familiares dos alunos, isso nos anos 70
e 80 do século XX.
Ao buscarmos estimular a emergência de memórias afetivas nas lembranças de
nossos depoentes, fizemos perguntas a respeito de seus vínculos pessoais com a instituição,
se possuíam uma memória marcante relacionada à escola, e qual a primeira recordação que
lhes vinham à mente ao relembrar da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Foi
possível observar tipos de relações de afetividade significativamente distintas entre os
professores. Há aqueles que se mostram sensíveis ao relembrar de um aluno, há aquele que
objetiva crescer profissionalmente, há aquele que sente saudades da amizade e das
confraternizações depois do expediente e há aquele que diz não ter um vinculo afetivo com
a escola, mas que sente orgulho ao relembrar do empenho de seus alunos nos jogos
escolares. Segundo Alistair Thomson (1997), esse processo de recordar é uma das
principais formas de identificarmos o que pensamos que éramos no passado, quem
pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser, e sob essa ótica percebemos
que nossos narradores trazem representações de si mesmo em um passado vivido na escola,
eles compõem reminiscências que lhes dão um sentido mais satisfatório ao tempo de
trabalho na escola.
24
Entrevista concedida por ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s), p. 1-3.
52
O primeiro relato que abordaremos é o de Dona Lourdes. Ao questioná-la sobre uma
memória marcante que ocorreu na escola, ela expõe um dado não muito conhecido hoje na
comunidade próxima à escola. Ela refere-se a uma grande taxa de mortalidade de alunos da
Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Conta-nos que muitos alunos morriam durante o
ano letivo, que havia muitos suicídios e acidentes com armas de fogo na época, mas o
principal motivo das mortes dos alunos era o atropelamento. Segundo a mesma, ela
começou a contar as mortes, e, quando atingiu o número de 150 (cento e cinquenta)
acidentes fatais, ela parou de contar, por não aguentar a tristeza. No trecho abaixo é
relatado o ultimo acidente que Dona Lourdes teve conhecimento:
(...) Esse índice de mortalidade que tinha de aluno de lá. Tinha
muito aluno, muito aluno que ia a óbito. Eu também não sei se os
acidentes automobilísticos eram porque a escola era próxima a uma
rodovia né. Não sei se era isso, sei que a, (...) o ultimo acidente ér,
(...) a menina era minha aluna, eram duas e morreram ali em Nova
Descoberta. Saíram da escola, pegaram uma carona no coletivo,
desceram do coletivo ali em Nova Descoberta e quando
atravessaram a pista, um carro vinha e matou as duas. E as duas
eram minhas alunas, eram crianças de 7 anos e (...) assim, eu acho
que por providência da, da natureza deu uma chuva muito grande
depois do acidente que não ficou nenhum resquício de sangue na
pista. (Informação verbal) 25
Ao levantarmos a questão dos laços afetivos, Dona Lourdes relembra das amizades e
da confiança mútua que tinha com os colegas de trabalho, com os pais, e com os próprios
alunos:
(...) então havia uma amizade, uma confiança muito grande assim
dos pais com os professores e havia um, uma amizade, uma
brincadeira entre professores e alunos sempre que a gente sentava
ali naqueles alpendres e ficava conversando com os alunos. (...) E
na sala de aula era, era mantida a hierarquia, mas fora da sala de
aula era como se nós fossemos todos amigos, um personagem só.
(Informação verbal) 26
25
Entrevista concedida por DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s), p. 1-5. 26
Ibid., p.4
53
É nítida a relação afetiva que se estabeleceu nos anos de convivência na escola por
parte da entrevistada. Ela rememora as amizades com um sentimento de saudade, fala que
além do espaço de trabalho, elas se estendiam nos encontros sociais na cidade, como o
encontro das sextas-feiras depois do expediente para beber e jogar conversa fora. E que em
conjunto com os colegas de trabalho, buscava melhorar a qualidade da escola para os seus
alunos:
(...) no inicio a gente fazia muita festa pra poder sustentar a escola.
Fazia forró, passava a noite todinha fazendo aqueles forró,
vendendo bebida e ouvindo piada e tudo mais, mas a gente era
jovem não é, gostava também da festa e trabalhava mesmo assim
pra, pra ter uma escola melhor, pra dar alguma coisa melhor para
nossos alunos, já que, que o governo não contribuía com nada nem
a Diocese também né. (Informação Verbal) 27
A professora Dilma Brito também fala das festinhas com saudade. Relembra que a
direção chamava os professores para lavar a escola aos sábados, para fazer a limpeza, e
isso era uma grande festa para ela, todos reunidos e se confraternizando. Ela se sentia parte
de uma família. Ao indagarmos sobre algo marcante que aconteceu na escola, ela nos conta
uma memória acerca de um aluno que ela chama de especial, falando dele com um carinho
contagiante, inclusive, se emocionando ao contar sua lembrança. É um relato um pouco
extenso, mas, para entendermos a história e a emoção da entrevistada, é necessário a sua
transcrição fielmente:
(...) Aí uma coisa que me marcou muito que eu nunca esqueci, até
meu ex-aluno já até faleceu. Ele era muito, ele era meio especial.
Todos nós somos especiais, mas ele era um pouquinho mais. Aí ele
brincava muito. Ele trazia uns cavalinhos, umas coisinhas,
brinquedinhos de, de plástico, sabe? (...) E num aprendia a ler, eu
ia passando e ele ia ficando comigo, que num aprendia que num
prestava muita atenção ai ficava nessas brincadeiras. Aí uma vez eu
mandei buscar um, um livro de classe pela líder de classe né. Eu
esqueci de pegar o, o, (...) pra fazer a chamada e mandei o menino
pegar, (...) aí ia lá no andar, disse que não podia e eu, eu fiquei né,
de cabeça quente e sai com raiva e fui pegar o livro e quando eu
cheguei, Joãozinho “tava” com os bonequinho tudo brincando, (...)
eu nunca esqueci disso. Até quando eu, ele morreu, eu chorei muito
me lembrando. Aí eu estava com raiva por causa de outro motivo
27
Ibid., p.5
54
né, e me vinguei. Peguei os “cavalinho” dele “tudinho” e joguei em
cima do telhado, aqueles “telhadinho” que tinha ali, você sabe. (...)
Ai quando eu joguei nos “telhado” que ele começou a chorar e
reclamar que era os “cavalinho” dele e tudo aí eu me arrependi. Eu
chorando no quadro, de costas, chorando, arrependida pelo ato que
eu tinha feito, (...) então o que é que eu fiz. Ele pedindo pra ir
buscar uma escada pra pegar e eu não deixava, mas aí quando eu
me concentrei mesmo, disse "vá, Joãozinho!". Que eu vi quando
ele saiu todo feliz correndo com os braços pra cima, aí foi que isso
me marcou muito. Eu nuca esqueci (...) (Informação Verbal) 28
A professora Dilma Brito criou um laço de afetividade muito forte com os alunos,
essa poderia ser uma das características dos professores polivalentes, tendo em vista que só
leciona em uma única turma todo o ano letivo. Essa professora, em especial, estabeleceu
uma relação de troca afetiva com uma turma do ano de 1999 ao ano 2002. Ela seguiu a
turma conforme os anos avançavam. Ensinou a primeira série em 1999, e a segunda no ano
2000, no ano seguinte, não querendo tirar a turma da professora que lecionava apenas à
terceira série, a professora Dilma não seguiu a turma, mas, na quarta série, em 2002,
retorna a lecionar na sua turma. Hoje, ela ainda guarda fotos dessa e de outras turmas, e
alguns de seus ex-alunos, mesmo depois de adultos, ainda a chamam de “Tia Dilma”.
Os outros entrevistados possuem uma relação diferenciada dos demais em se
tratando de afetividade. Como memória marcante, a professora Lindalva Dantas relata sua
experiência como coordenadora pedagógica da escola e a sua participação no programa de
Ensino a Jovens e Adultos (EJA):
(...) Eu lembro assim, da, da, (...) principalmente do, (...) do
período que eu trabalhei no Jovens e Adultos, eu fui muito feliz. Eu
adorei, eu amei trabalhar lá de Educação de Jovens e Adultos. Eu
me identifiquei muito. A gente passou um ano muito produtivo em
2009 e sempre quando eu passo ali, eu me lembro daquele ano, de
2009, porque foi um ano de muitas realizações. Quando chegou no
final do ano, a gente ganhou até um prêmio, eu e o professor Djanir
fomos ér (...) é apresentar nosso trabalho em Natal, de Educação de
Jovens e Adultos. A gente ganhou como os melhores projetos de,
de, de Educação de Jovens e Adultos e sempre quando eu passo lá,
eu lembro, daquele ano que foi muito feliz. (Informação Verbal) 29
28
Entrevista concedida por MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s), p. 1-9. 29
Entrevista concedida por DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador:
Franciscarla Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s), p. 1-4.
55
A experiência em caráter profissional na escola Santo Estevão Diácono é o que
marca a memória da entrevistada. Ela afirma se doar de corpo e alma no empreendimento
daquele trabalho, principalmente na época em que foi coordenadora pedagógica da escola,
e os laços de afetividade que ela construiu na escola foram apenas com alguns professores,
continuando com a amizade fora da escola.
Por último, quando indagamos ao professor Nilson Teixeira se ele teve algum
vinculo afetivo com a escola, para além do profissional, ele enfatizou que não, que só
atuou como professor e que está como diretor finalizando sua carreira. Indagamos, então,
sobre alguma memória acerca da escola e ele nos relatou o seguinte:
Sim, tinha sim porque é (...) eu vou falar da parte que, que da
minha disciplina que era Educação Física, justamente os, os
“aluno” eles tinha, tinha prazer, vocação de participar dos jogos e a
gente disputava com, com outras escola até particular como, por
exemplo, o Diocesano, Santa Terezinha e a gente disputava, é, por
igual e foi assim (...)
Apesar de negar uma afetividade com a escola, o professor Nilson Teixeira, ao falar
dos jogos que eram disputados entre as escolas na cidade, e do empenho de seus alunos ao
participarem dessas atividades esportivas, evidencia em sua voz um sentimento de orgulho.
Isso se manifesta, principalmente, por ser o técnico daqueles meninos, e de tê-los jogando
com escolas como o Colégio Diocesano Seridoense e o Externato Santa Terezinha, que são
consideradas grandes referências de ensino no município de Caicó/RN.
Buscamos estimular os nossos depoentes com questões diversas sobre o tempo
vivido na escola, para que surgissem memórias que fossem capazes de transmitir um pouco
de como foi o convívio social naquele espaço, como se deram as relações de afetividade
entre professores e alunos, e como era trabalhar naquela escola. Concluímos que, ao
utilizar a História Oral como metodologia, os relatos nos levaram a versões e
interpretações diferenciadas sobre um mesmo objeto. No processar dessas memórias, estão
presentes as dimensões do tempo individual e do tempo coletivo vivido na escola.
Halbwachs (1950) aponta que não há apenas uma memória coletiva sobre determinado
acontecimento, mas sim várias memórias, que podem se opor ou se complementar.
Portanto, aos buscarmos as memórias dos professores entrevistados, foi possível
compreender a história da Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono sob perspectivas
diferenciadas.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa, na forma que foi proposta, significou a junção de uma
série de métodos e conceitos para se perceber a construção histórica de uma instituição
escolar, a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Tal trabalho foi possível graças à
ampliação dos objetos de estudo, novas abordagens e novas fontes que a História Cultural
traz à historiografia. Na visão da nova história, percebemos a relação entre história e
cotidiano, no qual o cotidiano de uma escola pode também ser estudado a partir de
pressupostos teórico-metodológicos da historiografia. Os olhares múltiplos sobre os
diversos aspectos das práticas educativas, como a história das disciplinas escolares, a
história das instituições escolares, a história da leitura, a história da profissão docente, a
história dos processos de escolarização e alfabetização, só foram possíveis depois que
alguns estudiosos fizeram a ponte entre História Cultural e História da Educação.
Partindo dessa relação entre História e Educação, tentamos analisar os processos
históricos que fizeram parte da trajetória da antiga escola, desde sua construção (1974) até
sua cessão do Estado (1997). Buscamos problematizar e historicizar esta instituição
expondo sua fundação, a mudança de localização, a mudança de nome e, por conseguinte
proporcionar à comunidade escolar uma leitura de história local a partir de suas vivências e
experiências enquanto atores sociais inseridos no contexto da comunidade escolar à qual
pertencem.
As fontes utilizadas neste trabalho são resultados de diálogos coletados pela
pesquisadora enquanto investigadora do cotidiano e das práticas sociais dos indivíduos na
instituição, além dos próprios documentos cedidos pela administração da nova escola. O
intercruzamento dessas fontes com as leituras e questionamentos, possibilitou um
aprofundamento da pesquisa no âmbito de uma pesquisa histórica. Através da
problematização dessas fontes podemos entender como se deu o processo de construção da
escola, como era a relação da escola com a comunidade, como seu fundador influenciou na
sua formação, e como ela é vista pelos atores que participaram dessa história.
Quanto ao assistencialismo prestado na escola de 1975 a 1997, fizemos uma
listagem de ações que foram empreendidas, como assistência médica e odontológica,
distribuição de medicamentos, horta comunitária e enfermaria. Foi possível compreender a
importância que a escola teve no meio social, como ela contribuiu para a formação dos
bairros da Zona Leste de Caicó/RN e para a sobrevivência das crianças carentes que
57
frequentavam a instituição. Foi possível também estabelecer uma relação das identidades
da instituição e do padre Edmund Kagerer, que empreendeu seus anseios de realizar
trabalhos de assistência social através da escola.
Fez-se também uma análise do ensino vigente na escola nas décadas de 1970 e 1980.
A escola seguia um ensino influenciado pela pedagogia tradicional, que primava pela
repetição e memorização dos conhecimentos pelos alunos. Foram evidenciados aspectos
presentes no currículo de 1979 e a formação dos professores. Constatou-se que a escola
seguia as diretrizes da reforma politica educacional da Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971,
onde as liberdades democráticas sofriam repressão por parte do Estado autoritário e
ditatorial do regime militar no Brasil, e possuíam em seu currículo a disciplina de
Educação Moral e Cívica e de Introdução pra o Trabalho. Esta última foi além da sala de
aula e proporcionou aos alunos conhecimentos que serviam para suprir as necessidades de
subsistência das crianças, tendo em vista a situação de pobreza que foi relatada por uma de
suas professoras: elas aprenderam técnicas de carpintaria, aprenderam a plantar e a cuidar
de animais.
Por fim, ficaram expostos pontos de vista diversificados de sujeitos históricos que
fizeram parte da história da instituição. Realizamos 04 (quatro) entrevistas com ex-
professores que entraram na escola em momentos diferentes da sua história. Utilizamos a
História Oral como método, transformando as entrevistas em fontes para a compreensão do
passado, conforme os documentos escritos, traçamos o perfil dos entrevistados, e
rememoramos a instituição através dessa pequena colônia de narradores. Conseguimos ter
uma representação da vivência de cada indivíduo nesse meio social, que era a Escola de 1º
Grau Santo Estevão Diácono, e como eles contribuíram para que essa história se
concretizasse.
Levando em consideração a diversidade temática que a História Cultural dá ao
pesquisador, através da ampliação de abordagens e do uso de novas fontes, constatou-se
também que há uma variedade de objetos passíveis de análise de histórica, tomando como
lócus de trabalho a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono. Há a possibilidade de se
fazer um estudo mais detalhado dos processos de ensino; uma análise sobre a permanência
de estrangeiros no Brasil durante a ditadura militar, tomando como objeto o fundador da
escola, padre Edmund Kagerer, e ainda reduzir o lócus de trabalho para o Seridó; podem-se
questionar as relações que se estabeleceram no processo de escolarização entre alunos e
58
professores, a saber, do mestre-escola; e também, é possível estudar os discursos que foram
construídos sobre, ou na instituição, bem como a imagem criada na população local.
Todos esses exemplos servem para dizer que a presente pesquisa aborda poucos
aspectos no grande mar de possibilidades que a Escola de 1º Grau Santo Estevão Diácono
possui de temas que um pesquisador pode trabalhar. E pode servir de ponto de partida para
algum pesquisador que busque estudar a história da instituição e realizar um trabalho de
continuação desta pequena apreciação.
59
FONTES CONSULTADAS
1 FONTES IMPRESSAS
1.1 ARQUIVO DA 10ª DIRED
Portaria nº 401/76 da Secretaria de Educação e Cultura, que autoriza o funcionamento da
escola – 1976.
1.2 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL PADRE EDMUND KAGERER
Declaração de contrato de funcionários da Escola Santo Estevão Diácono - 1979.
Declaração do corpo docente - 1979.
Questionário informativo sobre o estabelecimento – 1979.
Processo de reconhecimento da escola – 1980.
Decreto nº 13. 556, que incorpora a escola à rede estadual de ensino – 1997.
Certidão da criação do estatuto escolar – 1998.
Decreto nº 18.709, regulamentando a nova nomenclatura da escola – 2005
1.3 TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS
SOUZA, Maria das Graças Batista. Reconstruindo a memória do Centro de Promoção
Social Santo Estevão Diácono: pelas mãos do austríaco a escola de faz em Caicó. 2005.
64 f. Monografia apresentada ao final do curso de Pedagogia, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Caicó, Rio Grande do Norte.
2 FONTES LEGISLATIVAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.692 de 11 de setembro de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases para
o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências.
60
3 FONTES ORAIS
ARAÚJO, Nilson Teixeira de. Entrevista IV. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla
Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 2 arquivos. Àudio/wav (5m 1s).
DANTAS, Maria de Lourdes. Entrevista I. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla
Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 26s).
DANTAS, Lindalva Oliveira Lima. Entrevista III. (nov. 2015) Entrevistador: Franciscarla
Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (6m 44s).
MORAIS, Francisca Dilma de Brito. Entrevista II. (set. 2015) Entrevistador: Franciscarla
Casimiro de Oliveira. Caicó/RN, 2015. 1 arquivo. Àudio/wav (13m 59s).
61
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66
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1- Nome completo:
2- Local e data de nascimento:
3- Profissão:
4- Qual o período em que trabalhou na escola Santo Estevão Diácono, e qual era a sua
função?
5- Como era trabalhar na Santo Estevão Diácono? Quais os pontos positivos e
negativos em sua opinião?
6- Na sua época a escola já era mantida pelo Estado?
7- Houve alguma obra de assistencialismo? Como cursos de introdução ao trabalho ou
assistência médica?
8- Na sua época a Diocese exercia alguma influência na escola?
9- O ensino daquela época era diferenciado do ensino atual? Quais mudanças você
observa?
10- Você tem alguma memória marcante ocorrida ou relacionada à escola que queira
relatar?
11- Teve algum vínculo de afetividade com a escola? Quais lembranças te fazem sentir
saudade daquela época?
12- Guarda recordações, como fotos ou trabalhos de alunos ou turmas?
84
Anexo 9 Anexo 10
Maria de Lourdes Dantas Francisca Dilma de Brito Moraes
Crédito: Franciscarla Casimiro de Oliveira Fonte: Acervo pessoal de Fca. Dilma de B. Moraes
Anexo 11 Anexo 12
Lindalva Oliveira Lima Dantas Nilson Teixeira de Araújo
Fonte: Acervo pessoal Lindalva O. L. Dantas Fonte: Acervo pessoal de Nilson Teixeira de Araújo
85
Anexo 13
Tuma 4ª série do ano de 2002,comemoração de natal
Fonte: Acervo pessoal de Francisca Dilma de Brito Moraes
Anexo 14
Tuma 4ª série do ano de 2002 em visita ao Açude Itans- Caicó/RN
Fonte: Acervo pessoal Francisca Dilma de Brito Moraes
86
Anexo 15
Padre Edmund Kagerer visitando a construção da escola Santo Estevão Diácono (1974)
Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono
Anexo 16
Primeiro prédio da Escola Santo Estevão Diácono (1975)
Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono
Anexo 17
Crianças trabalhando na horta da escola (197?)
Fonte: Acervo da Paróquia de Santo Estevão Diácono