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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA THAISA ANGELO BEZERRA MEDO E INSEGURANÇA: A TESSITURA DA PAISAGEM NO BAIRRO EMAÚS EM PARNAMIRIM/RN NATAL/RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

THAISA ANGELO BEZERRA

MEDO E INSEGURANÇA: A TESSITURA DA PAISAGEM NO BAIRRO

EMAÚS EM PARNAMIRIM/RN

NATAL/RN

2018

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THAISA ANGELO BEZERRA

MEDO E INSEGURANÇA: A TESSITURA DA PAISAGEM NO BAIRRO

EMAÚS EM PARNAMIRIM/RN

Monografia apresentada ao Curso de Geografia, do

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para obtenção do título de Bacharel em

Geografia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eugênia Maria Dantas.

NATAL/RN

2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Bezerra, Thaisa Angelo.

Medo e insegurança: a tessitura da paisagem no bairro Emaús em Parnamirim/RN / Thaisa Angelo Bezerra. - 2018.

65f.: il.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Geografia. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eugênia Maria Dantas.

1. Paisagem. 2. Medo. 3. Insegurança. I. Dantas, Eugênia

Maria. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.375.64(813.2)

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer a Deus, que, para mim, sempre foi a

tradução do amor. É Ele quem me dá forças para continuar buscando realizar

todos os meus sonhos. Quero agradecer, em seguida, à minha mãe, Zilca

Bezerra, por sempre acreditar que eu posso mais – mesmo quando eu não

acredito – e por suas palavras de carinho, as quais sempre me acalmam e me

confortam. A sua força, o seu amor incondicional e a sua honestidade sempre

foram as características que mais admirei na senhora, e são algo que pretendo

seguir como exemplo em minha vida. Te amo!

Aos meus familiares, que, desde a minha criação, sempre estiveram

prontos para me ajudar, incentivar, aconselhar e nunca permitiram que nada me

faltasse. Sou grata à minha vó, Zilá Bezerra, que, junto à minha mãe, me educou

e se dedicou para a minha criação, como também ao meu tio Expedito por

conseguir uma bolsa integral para mim no colégio, ato que permitiu a conclusão

dos meus estudos.

Às minhas amigas Jessiane Santiago e Luanna Dantas, por todo o apoio

em minha vida pessoal e acadêmica. Sempre estiveram dispostas a me ajudar

e a me ouvir. Obrigada por aguentar minhas crises durante a escrita deste

trabalho!

A todos os meus colegas de curso pela vivência e suporte durante esses

quatro anos. Em especial, aos meus amigos Dara Emanuella, Clara Beatriz,

Tácia Maria, Karoline Arruda, Rosimeire Maia, Ana Clara e Anderson Geová

(Vavá).

À professora Dra. Eugênia Maria Dantas, minha orientadora, que auxiliou

minha vida acadêmica desde a iniciação científica. Sem suas contribuições e

dedicação, este trabalho não poderia ser concluído. Serei eternamente grata!

A todos os meus professores, pela dedicação e ensinamentos

transmitidos. Em particular, à professora Juliana Felipe Farias pela sensibilidade

de entender as necessidades na construção do projeto inicial para a realização

desta monografia.

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Por fim, agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) pela oportunidade de crescimento tanto pessoal como profissional e por

todas as experiências que me foram fornecidas.

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“Façamos tudo com amor.”

(1 Cor 16:14)

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Resumo

O trabalho apresenta uma análise da relação do medo e da insegurança, com

relação a criminalidade, na tessitura da paisagem do Bairro Emaús em

Parnamirim/RN. Busca-se de modo geral analisar a relação do medo e da

insegurança na tessitura da paisagem citadina, em Parnamirim, considerando a

realidade do Bairro Emaús. Em Emaús, o aumento da criminalidade fez com que

os moradores buscassem medidas mitigadoras para amenizar os danos

causados pela violência, tais como: muros mais altos, cerca elétrica, cerca

serpentina, câmeras instaladas nas casas e em parte do bairro. Além desses

elementos, a recente entrada dos condomínios verticais também é analisado

como um dos elementos dessas estratégias de segurança e como um

modificador da paisagem. A pesquisa está ancorada em estratégias de

observação in loco/descrição, diário de campo, levantamento bibliográfico,

artigos e sites, aplicação de questionários e entrevistas com moradores, além do

registro fotográfico — no qual apresenta-se a materialização dos sentimentos

presentes no local. Dessa forma, compreende-se que Emaús mostra-se como

um cenário materializado na forma de uma visibilidade de insegurança.

Palavras-chave: Paisagem. Medo. Insegurança.

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ABSTRACT

This work presents an analysis of the relationship between fear and insecurity,

with respect to crime, in the landscape of the Emaús neighborhood in

Parnamirim/RN. It is a general search to analyze the relationship of fear and

insecurity in the landscape of the city landscape, in Parnamirim, considering the

reality of the Emmaus neighborhood. At Emmaus, increased crime led residents

to seek mitigation measures to mitigate the damage caused by violence, such as:

higher walls, electric fence, serpentine fence, cameras installed in homes and

part of the neighborhood. In addition to these elements, the recent entry of vertical

condominiums is also analyzed as one of the elements of these security

strategies and as a landscape modifier. The research is anchored in strategies of

in situ observation / description, field diary, bibliographical survey, articles and

sites, application of questionnaires and interviews with residents, besides the

photographic record - in which the materialization of the feelings present in the

place is presented. In this way, it is understood that Emaús appears as a scenario

materialized in the form of a visibility of insecurity.

Keywords: Landscape. Fear. Insecurity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização do município de Parnamirim/RN. 8

Figura 2 – Evolução da população de Parnamirim/RN no período de 1970 a

2018. 9

Figura 3 – Brasil: variação nas taxas de homicídios por Unidade de Federação

(2006 a 2016). 11

Figura 4 – Ranking de CVLI por número absoluto em Parnamirim/RN (2016). 13

Figura 5 – Antes da construção do empreendimento: Parque Nova Colina. 17

Figura 6 –Depois da construção do empreendimento: Parque Nova Colina. 18

Figura 7 – Localização do empreendimento: Parque Nova Colina. 18

Figura 8 – Charge Especulação Imobiliária. 20

Figura 9 – Casa localizada no bairro Emaús. 21

Figura 10 – Casa localizada no bairro Emaús. 21

Figura 11 – Condomínio localizado no bairro Emaús. 22

Figura 12 – Localização dos conjuntos do bairro Emaús no município de

Parnamirim/RN. 27

Figura 13 – Você ou alguém que mora na mesma casa já foi vítima de algum

tipo de crime pelo bairro? 28

Figura 14 – Houve uso de arma? 29

Figura 15 – Foi prestado queixa em alguma delegacia? 29

Figura 16 –Você se sente seguro para andar por Emaús? 30

Figura 17 – Reunião no Conselho Comunitário. 34

Figura 18 – A instalação de câmeras por lugares estratégicos no conjunto Parque

das Orquídeas transmite a sensação de segurança ou provoca mais medo ao

ver as imagens dos assaltos? 35

Figura 19 – Academia ao ar livre no Parque das Orquídeas em Emaús. 36

Figura 20 – Ciclo do medo. 38

Figura 21 – Sistema de monitoramento de vídeo. 40

Figura 22 – Casa da moradora A do bairro Emaús em 2011. 42

Figura 23 – Casa da moradora A do bairro Emaús em 2014. 42

Figura 24 – Casa da moradora A do bairro Emaús em 2018. 43

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Figura 25 – Dispositivos de segurança da casa da moradora A do bairro Emaús

em 2018. 43

Figura 26 – Casa do morador B do bairro Emaús em 2011. 45

Figura 27 – Casa do morador B do bairro Emaús em 2014. 45

Figura 28 – Casa do morador B do bairro Emaús em 2018. 46

Figura 29 – Dispositivos de segurança da casa do morador B do bairro Emaús

em 2018. 46

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LISTA DE SIGLAS

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

HAF – Homicídios por Armas de Fogo

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública

OBVIO – Observatório da Violência

CVLIs – Condutas Violentas Letais Intencionais

IBGE – Instituído Brasileiro de Geografia e Estatística

BO – Boletim de Ocorrência

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................1

2 INSEGURANÇA URBANA E MEDO DO CRIME EM EMAÚS......................6

2.1 Algumas considerações a respeito do tema do capítulo...................6

2.2 Caracterização da área de estudo...................................................8

2.3 Emaús da tranquilidade X Emaús da criminalidade........................10

2.4 O papel dos condomínios verticais na alteração da paisagem do

bairro emaús........................................................................................14

3 A INTERFERÊNCIA DA INSEGURANÇA E DO MEDO NO

COMPORTAMENTO ESPACIAL DOS MORADORES DE EMAÚS.................24

4 MEDO DO CRIME E PAISAGEM.................................................................39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................48

REFERÊNCIAS.................................................................................................50

APÊNDICE ........................................................................................................53

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1 Introdução

Sentir-se seguro é uma condição primordial para viver em um local. Esse

fato pode ser exemplificado com o aumento considerável de condomínios

residenciais, tanto de apartamentos como de casas, em todo o país. Esses

condomínios vendem, em certa medida, a ideia de segurança, lazer e algumas

atividades comerciais, podendo muitos deles serem considerados verdadeiras

fortalezas por conterem a praticidade exigida no mundo moderno, e o conforto

de ter disponível em um mesmo lugar serviços básicos que atendem às mais

diversas necessidades do morador, sem que ele precise enfrentar os problemas

que acometem as cidades grandes: congestionamento, poluição, perda de

tempo. No entanto, esse modelo de organização espacial não tem conseguido

minimizar a ampliação da insegurança e do medo, e, nesse sentido, temos cada

vez mais materializadas na paisagem as estratégias utilizadas para minimizar

essas sensações, principalmente quando afetada pela ampliação da violência e

do crime.

No Rio Grande do Norte, o medo decorrente da violência e do crime tem

ampliado a sensação de insegurança na população e se tornado um problema

cada vez maior, em especial em Natal e sua área metropolitana. Parnamirim,

uma das cidades desse entorno, tem sido, nos últimos anos, alvo de constantes

eventos relacionados a crimes, o que acentuou na população a sensação de

insegurança. Nesse aspecto, percebem-se alterações que denotam a relação

entre o aumento da insegurança e a confecção da paisagem, sendo o bairro de

Emaús – localizado justamente em Parnamirim – um exemplo. A forma como a

paisagem do bairro vem sendo produzida por meio dessa relação favorece o

estudo sobre a sensação de medo, insegurança e paisagem como importante

para os estudos geográficos nos tempos atuais.

Partindo desse contexto, essa monografia apresenta a sistematização da

temática do medo e da insegurança, problematizada a partir da paisagem

confeccionada no bairro de Emaús em Parnamirim. Para a pesquisa, algumas

questões foram consideradas, como: em que medida a sensação de medo e de

insegurança se constitui condicionante para as práticas espaciais dos moradores

do bairro de Emáus? Essa questão geral se desdobrou nas seguintes: como a

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paisagem materializa esses afetos? Como os moradores percebem a efetivação

dessas sensações alterando seus comportamentos ao transitar pelo bairro?

A partir desses questionamentos, objetivamos, de modo geral, analisar a

relação do medo e da insegurança na tessitura da paisagem citadina, em

Parnamirim, considerando a realidade do Bairro Emaús. O bairro vem

apresentando indícios que esses sentimentos têm afetado as práticas dos

moradores e daqueles que investem nesse lugar. Portanto, de formar específica:

buscamos refletir sobre a paisagem relacionada às práticas espaciais dos

moradores no bairro de Emaús; compreender as modificações que vêm

acontecendo na paisagem do bairro, considerando a produção de uma

tecnosfera que se revela em usos de cerca elétrica, cerca serpentina, câmeras

e no recente processo de verticalização; explicitar, em certa medida, a percepção

dos moradores a respeito da alteração de seus comportamentos ao transitar pelo

bairro.

Para dar conta da problemática, das questões evidenciadas e dos

objetivos propostos, fizemos uma discussão teórico-metodológica sobre o medo

aliado à sensação de segurança e insegurança, afetando as mudanças na

paisagem do bairro. A respeito de como isso tem alterado a configuração do

espaço, Gehl (2010, p. 97) afirma que:

Há uma abundância de recursos: arame farpado e grades que transformam casas em fortalezas, patrulhas em áreas residenciais, guardas de segurança em frente a bancos e lojas,

placas ameaçadoras onde se lê “Segurança Privada” no exterior de casas de bairros exclusivos, e condomínios fechados [...]

É importante esclarecer que apesar de se pretender desenvolver análises

de paisagens, não se pode de forma alguma afirmar e caracterizar com precisão

os elementos que constituem determinada paisagem. Isto se deve ao fato de que

cada pessoa pensa, age e interpreta diferentemente uma das outras por serem

diferentes. Meinig (2002, p. 35) explicou este fato ao introduzir a ideia de 10

significados para caracterizar uma mesma cena:

Tomemos um pequeno, mas variado grupo de pessoas, com o intuito de olharmos uma porção determinada da cidade ou do campo. Cada qual, a seu tempo, descreverá a “paisagem”

(aquela “parte do espaço que é vista de um único ponto”, como define o dicionário), detalhando sua composição e falando algo sobre o “significado” do que pode ser visto. Ficará logo evidente

que mesmo que nos juntemos e que olhemos para a mesma direção, no mesmo instante, não veremos – não poderemos ver

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– a mesma paisagem. [...] Deste modo nos confrontamos com o

problema principal: qualquer paisagem é composta não apenas por aquilo que está à frente de nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em nossas mentes.

Os pontos que foram desenvolvidos neste estudo se referiram à ideia de

que medo e insegurança são sentimentos que moldam as paisagens de Emaús.

Sendo assim, durante a pesquisa, associamos a noção de paisagem – aqui posta

como uma categoria de análise dedicada à interpretação dos aspectos estéticos,

sociais e espaciais – com a prática espacial dos moradores, pois ambas

interagem profundamente com o tema abordado.

A paisagem foi trabalhada de forma ampla para possibilitar o envolvimento

de todos os aspectos de transformação identificados durante o estudo, como o

medo, a insegurança e as estratégias de mitigar os efeitos da violência. Essas

estratégias são os resultados das práticas espaciais realizadas pelos moradores,

as quais se configuram como os agentes modificadores da paisagem do bairro.

Ou seja, toda configuração geográfica de uma sociedade é produto das práticas

espaciais, como explica Moreira (2001, p. 16, grifo do autor):

A construção geográfica das sociedades é um processo dinâmico. A

paisagem por seletividade se monta, seu arranjo por agregação de práticas se estrutura e esta armadura ganha peso e movimento, até que um ciclo de reestruturação a refaz. Então, ao fim e ao cabo, “todo

o equilíbrio espacial da sociedade encontra-se modificado”.

Partindo do exposto, entende-se que a prática espacial está relacionada

à ação mediada por sensações que se materializam dando características à

paisagem. É importante ressaltar que a paisagem de um determinado lugar é a

junção do passado com o presente. Formada ao longo dos anos, essa

configuração espacial registra o que ocorre em pequenas ou grandes alterações

em dado local. Compreendê-la como um processo é algo fundamental para uma

pesquisa como esta, e, nisso, podemos concordar com as palavras de Soares

(2005, p. 49) quando afirma que “Entender os processos formadores da

paisagem aguça o nosso espírito de observação no sentido de descobrir, nos

vestígios deixados pela natureza ao longo do tempo e do espaço,

transformações ocorridas que propiciaram a formação da paisagem atual”.

A reflexão teórica requereu procedimentos metodológicos cujas

sequências identificação, observação, descrição e análise se configuraram como

estratégias importantes. Essa condução foi necessária para se apreender, além

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dos aspectos físico-materiais, as características imateriais que estão interferindo

em sua paisagem.

Como decorrência dessa escolha, foi utilizado um levantamento em sites

que ampliaram as fontes e dados a respeito do problema, como no “Atlas da

Violência 2018” – o qual procura entender o aumento da violência no Brasil – e

no “Observatório Potiguar 2017” – produzido pelo Observatório da Violência

(OBVIO), que possui o intuito de identificar as estatísticas de crimes violentos

letais intencionais no Rio Grande do Norte. Todos os sites utilizados auxiliaram

na compreensão de como os índices de criminalidade influenciam no processo

de modificação da paisagem.

Para um maior aprimoramento da pesquisa, foi necessária a exploração

de campo aliada ao uso de um diário de campo, visando a identificar e descrever

elementos que interferem na paisagem. Associado ao diário de campo, é

essencial observar e descrever Emaús, considerando como recurso o registro

fotográfico. Por meio dessa ferramenta, apreendemos como os mecanismos

tecnológicos se impõem à paisagem, materializando, em certa medida, a

sensação de medo e insegurança. Além disso, as fotos foram essenciais para

dar visibilidade a recortes que vão contribuir para uma análise e uma descrição

mais precisa do objeto de estudo.

Além dessas técnicas, foram utilizadas a aplicação de questionários e a

realização de entrevistas com moradores para trazer aspectos relativos à

percepção deles quanto às alterações que aparecem e modificam o

deslocamento no bairro. As perguntas foram estabelecidas e inseridas em um

roteiro previamente criado, levando em consideração que o assunto abordado

no capítulo versa sobre como a insegurança e o medo interferem nas atitudes,

de caráter espacial, dos moradores.

A partir dos campos realizados ao longo da pesquisa, encontramos alguns

moradores dispostos a conversar de forma mais profunda acerca do tema. Dois

deles são apresentados no trabalho como morador A e morador B. Optamos por

colocar também alguns depoimentos fornecidos por meio de um questionário on-

line, o qual foi inserido no “Formulários Google” e enviado para alguns moradores

do bairro, na intenção de complementar as informações coletadas em campo.

Após juntar as informações fornecidas, elaboramos gráficos para dinamizar os

dados coletados.

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A monografia está organizada em quatro capítulos, sendo o primeiro a

introdução. No segundo capítulo, “O papel das práticas espaciais dos moradores

na confecção da paisagem de Emaús”, fazemos uma discussão sobre a

influência dessas práticas espaciais e dos condomínios verticais na alteração da

paisagem do bairro. No capítulo três, “A interferência da insegurança e do medo

no comportamento espacial dos moradores de Emaús”, buscamos compreender

como o medo atua/interfere diretamente na vida da população e de seu cotidiano.

No capítulo quatro, “Medo do crime e paisagem”, direcionamos a pesquisa para

o estudo da paisagem do bairro a partir das práticas espaciais dos moradores

em Emáus. Por fim, na conclusão, esclarecemos os resultados trabalhados nos

capítulos.

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2 INSEGURANÇA URBANA E MEDO DO CRIME EM EMAÚS

Neste capítulo, será discutido o aumento da criminalidade e como as

práticas espaciais interferem na modificação da paisagem do bairro Emaús. Será

explicado, além disso, o motivo da transformação visual do bairro, que resulta de

complexas práticas espaciais estabelecidas ao longo do tempo, mas

intensificadas apenas recentemente.

Inicialmente, é explicado o tema do capítulo para facilitar a compreensão,

e, em seguida, é colocada uma caracterização da área de estudo para inserir o

leitor no local estudado. No próximo ponto, a discussão é direcionada para a

transição do bairro tranquilo a um bairro com picos mais elevados de

criminalidade, acompanhando a tendência de todo o estado. Buscamos explicar

como se deu esse recente processo.

O foco do capítulo, por fim, é direcionado para as estratégias do morador

no intuito de garantir sua segurança. Analisamos, dessa forma, como a sensação

de insegurança e medo do crime conduzem alterações na paisagem de Emaús,

sendo o recente surgimento dos condomínios residenciais verticais um exemplo

de estratégia.

2.1 Algumas considerações a respeito do tema do capítulo

Caminhar pela cidade é perceber os diversos elementos que compõe as

suas paisagens. Percorrê-la é também encontrar a materialização dos

sentimentos e das necessidades da população que reside nela. Estas

necessidades podem ser das mais diferentes ordens (econômica, política,

cultural), e esses sentimentos podem significar os mais diversos estados

emocionais (medo, sensação de segurança ou de insegurança, esperança).

Sendo assim, compreender a cidade é adentrar, entre outros campos, na

produção tecida pela paisagem. Esta se configura numa trama cujos fios se

fazem com diversas e diferentes texturas. Caminhar por ruas, avenidas, parques,

áreas comerciais ou residenciais é encontrar o seu campo de visibilidade, mas

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também seu campo imaterial. Essa imaterialidade pode se dar pelos sentimentos

de medo da criminalide, de segurança ou de insegurança que influenciam nas

práticas espaciais. Os resultados dessas práticas seriam o campo material/visual

da paisagem percorrida pelo observador.

O ato de tecer, ou seja, de produzir um tecido através do uso de fios,

assemelha-se com a produção de uma paisagem. Na confecção de um tecido, é

necessário entrelaçar fios soltos até adquirirem uma forma que se adeque às

necessidades de quem está executando a tarefa. Na composição de uma forma

espacial, ocorre uma sobreposição de pensamentos e opiniões a respeito de

como um determinado lugar será organizado, e, em algum momento, os

aspectos/agentes que irão moldá-la serão entrelaçados, gerando um formato

para atender às necessidades de quem está exercendo essa tarefa.

O espaço geográfico permanece em constante transformação. As práticas

espaciais são as ações que transformam o espaço pelo trabalho humano, que

são os agentes modificadores. Sendo assim, as sensações inerentes ao ser

humano são estabelecidas como eixos que podem conduzir práticas espaciais,

denotando como a população age a partir do momento que é exposta a alguma

situação e indicando, assim, a variedade de desejos e expectativas presentes

nas trajetórias dos citadinos. Dessa forma, entende-se que a paisagem também

pode ser pensada do ponto de vista de assumir uma funcionalidade, satisfazendo

necessidades humanas, sejam elas materiais ou afetivas.

Essa funcionalidade contida na paisagem é fruto de uma tendência cada

vez mais notória entre a população citadina. Trata-se do fato de as pessoas

precisarem transbordar as sensações e os afetos sentidos e recebidos ao longo

de suas vidas, para a criação das formas espaciais condutoras da organização

das cidades.

Entende-se, nesse sentido, que a escala de análise espacial do trabalho

é o bairro de Emaús, aqui posto como produtor, receptor e disseminador desses

processos, cujo teor está assentado em discursos e práticas espaciais que se

tornam materializadas nas paisagens.

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2.2. Caracterização da área de estudo

Peixoto (2003, p. 19) relata que o nome “Parnamirim” significa pequeno

presente do mar ou pequeno rio veloz, de origem Tupi-guarani. É um município

do Estado do Rio Grande do Norte (figura 1), pertencente a Mesorregião Leste,

Microrregião de Natal, localizado ao sul da capital estadual, que faz parte da

Região Metropolitana de Natal, onde está situado o bairro de Emaús.

Figura 1 - Localização do Município de Parnamirim/RN

Fonte: IBGE, 2018.

A unidade territorial do município compreende 120,202 km², de acordo

com o Portal da Prefeitura de Parnamirim (2018), abriga uma população de

202.456 pessoas, identificadas no censo de 2010 do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), e uma estimativa de 255.793 pessoas para 2018,

previsão feita pelo mesmo órgão.

A partir do gráfico (figura 2), podemos identificar que, no município de

Parnamirim, entre os anos de 1980 a 1991, houve um aumento populacional com

bastante intensidade, registrando um crescimento médio anual de 8,3%. Esse

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crescimento populacional se apresentou no contexto da cidade colocando o

bairro Emaús como o segundo mais populoso (22.429 habitantes), ficando atrás

apenas do bairro de Nova Parnamirim (46.462 habitantes).

Figura 2 – Evolução da população de Parnamirim/RN no período de

1970 a 2018

Fonte: IBGE, 2018 (adaptado).

O bairro Emaús, localizado em Parnamirim, faz fronteira com Natal, sendo

o seu limite o Rio Pitimbu. Ele é cortado de norte a sul pela BR 101, e funciona

como uma via de passagem dos moradores de Parnamirim para Natal, sendo

difícil identificar o momento em que termina um e começa o outro devido à

semelhança paisagística entre eles. O bairro está dividido da seguinte forma, de

acordo com Rocha (2006, p. 44):

[...] Conjunto Emaús, localizado no lado direito da BR-101 (sentido Parnamirim-Natal) e Parque Industrial, localizado no lado esquerdo da rodovia federal e que abrange, ainda, os conjuntos: Marajoara, Parque

das Orquídeas, Trairi, Jardim Aeroporto e Águas Claras.

Em Emaús, o processo histórico de ocupação se deu, segundo Peixoto

(2003, p. 194) no início dos anos 1970, quando surgiram as primeiras residências

14.50226.360

63.312

124.690

163.144172.751

202.456

235.983

255.793

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

AN O 1 9 7 0

AN O 1 9 8 0

AN O 1 9 9 1

AN O 2 0 0 0

AN O 2 0 0 5

AN O 2 0 0 7

AN O 2 0 1 0

AN O 2 0 1 4

AN O 2 0 1 8

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no bairro ante a iniciativa da arquidiocese de Natal de criar o convento para

freiras da congregação “Irmãs do Amor Divino”, em uma área pertencente à

igreja. Na época, Dom Nivaldo Monte, o então bispo de Natal, possuía terrenos

em Emaús, e, junto à Diocese, doou alguns para famílias que não tinham

condições de comprar.

Ademais, o bispo desenvolveu ações pastorais e sociais para melhorar a

vida da população do bairro e foi responsável por atrair investimentos do poder

público para atender à comunidade que se formava. A população de Emaús foi

a segunda a receber o benefício do transporte e infraestrutura com a construção

da BR 101.

O crescimento do bairro Emaús aponta para a evidência de que o medo

e a insegurança se constituem como vieses de afetação na confecção da

paisagem. A percepção desse fato ocorreu inicialmente por eu ser moradora do

bairro há 20 anos e, logo, por ter acompanhado de perto as transformações que

ocorreram no bairro ao longo desse tempo. Destaca-se, nesse cenário de

transformação, a ascensão da violência em suas diferentes feições. Com isso,

consequentemente, a sensação de medo surge colaborando para a existência

de práticas espaciais de proteção, cujo rebatimento se torna visível em suas

formas espaciais.

2.3 Emaús da tranquilidade X Emaús da criminalidade

No “Mapa da Violência de 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil”,

do autor Julio Jacobo Waiselfisz, foi apurado que a região Nordeste tem as

maiores taxas de homicídios por armas de fogo (HAF), com destaque para

Alagoas, Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte1. Durante os anos de 2000 a

2014, o Rio Grande do Norte passou da posição de décimo oitavo para quarto

1 Alagoas passou da 9º posição para a 1º entre as maiores taxas de homicídios por armas de fogo (HAF); Ceará passou da posição 19º para a 2º; e Sergipe da 10º para 3º posição.

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lugar entre os locais com maior índice de HAF. Isso confere ao estado um status

de espaço marcado pela violência e pelo medo do crime.

No “Atlas da Violência 2018”, produzido pelo Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública

(FBSP) (2018), é apresentado o crescente índice de violência em todo o Brasil.

Nele, observa-se que 553 mil pessoas morreram por causa da violência

intencional no país. Mais uma vez, é concluído que as regiões que mais têm

problema com a violência são os estados do Nordeste e Norte (figura 3). O Rio

Grande do Norte se destaca, nesse contexto, com o maior índice de violência no

país. O aumento registrado foi de 256,9% em 10 anos (2006 a 2016).

Figura 3 - Brasil: variação nas taxas de homicídios por Unidade da

Federação (2006 a 2016)

Fonte: Atlas da Violência (2018).

No livro “Observatório Potiguar 2017: O Mapa da Violência Letal

Intencional do Rio Grande do Norte”, dos pesquisadores Ivenio Hermes, Thadeu

Brandão e de toda a equipe do OBVIO, explicita-se uma análise da violência

considerando os crimes mais complexos do estado durante um período de cinco

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anos (2012 a 2016). No livro, os dados relativos às chamadas Condutas

Violentas Letais Intencionais (CVLIs) apontam para o crescimento dos números

de homicídios no Rio Grande do Norte. Nesse documento, os registros dão conta

de que, nas duas últimas décadas – apesar de o crescimento da renda e da

diminuição da desigualdade (assim como a segurança privada ser considerada

mais acessível) terem contribuído para uma leve melhoria na segurança pública

–, a capacidade do governo de manter uma boa segurança pública é considerada

reduzida. Tal fato pode ser comprovado na afirmação de Hermes e Brandão

(2017, p. 62):

Enquanto os estados tradicionalmente mais violentos – caso de São Paulo – conseguiram diminuir suas taxas de CVLIs,

verificamos que estados outrora mais calmos, como o Rio Grande do Norte (entre outros do Nordeste, por exemplo) passaram a sofrer um expressivo aumento da violência homicida.

Nas reflexões aportadas nesse livro, ainda é possível identificar os

municípios que apresentam destaque no estado do Rio Grande do Norte

considerando os índices relacionados de violência letal do período de 2012 a

2016. Parnamirim ocupa o terceiro lugar, com 8,0%, perdendo apenas para Natal

(32,6%) e Mossoró (10,7%). Foi feita uma análise desses três primeiros

municípios, por bairros, a partir das variáveis gênero, faixa etária, etnia, as

macrocausas primárias da violência e o ranking em números absolutos de CVLI

e taxa por cem mil habitantes.

Em Emaús, as considerações feitas foram as seguintes: de acordo com o

gênero das vítimas de CVLI, morrem mais homens (91%) que mulheres (9%); na

faixa etária, tem-se que a maioria das vítimas possui entre 18 e 30 anos (48%);

na etnia, o maior número de vítimas é parda (44%); no item das macrocausas

primárias da violência sofridas pelas vítimas de CVLI, os crimes por encomenda

(52%) possuem o maior número; por fim, no ranking de CVLI por número

absoluto em Parnamirim, o bairro de Emaús ocupa o segundo lugar com 12%,

ficando atrás apenas de Nova Parnamirim com 13% (figura 4).

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Figura 4 - Ranking de CVLI por número absoluto em Parnamirim (2016).

Fonte: HERMES, 2018 (adaptado).

Os bairros Emaús e Nova Parnamirim têm um importante papel na relação

entre Natal e Parnamirim, pois são os bairros da área de conurbação urbana com

Natal e também os mais populosos do município. Eles ligam Natal a Parnamirim,

por meio das avenidas Prudente de Morais e Ayrton Senna.

Emaús não é apenas um bairro residencial, porquanto abriga indústrias

de micro, pequeno e médio porte de variados seguimentos, tais como: Brasinox,

Nordplast, Madeireira Duarte, ArcelorMittal, entre muitas outras. Esse fato

oportuniza aos moradores um considerável aumento nas ofertas de emprego e

ao bairro um maior desenvolvimento econômico. Rocha (2006, p. 38) elucida tal

situação:

É no bairro Emaús, onde se concentra grande parte das indústrias de Parnamirim, ficando as de médio porte localizadas as margens da BR-101, fazendo com que o local seja reconhecido, também, como bairro

industrial, reforçando mais uma vez, as estratégias dos proprietários dos meios de produção.

Pelo bairro atuar também como uma via que liga Parnamirim a Natal e

abrigar diversas indústrias, confere-se a ele uma visibilidade positiva, pois

aumenta as oportunidades de emprego para seus habitantes e colabora no seu

desenvolvimento econômico. Isso, porém, fornece também um benefício para os

2321 20

1715

107 7 7 6 6 6 6 5 4 4 3 2 2 2 1

13%

12%11%

10%

9%

6%

4% 4% 4%3% 3% 3% 3%

3%2% 2%

2%1% 1% 1%

1%

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criminosos, que veem no bairro a oportunidade de “atuar” em um local que

recebe menos atenção se comparado a Natal.

A notória mudança que o bairro tem sofrido pode ser visualizada em duas

reportagens, feitas em momentos diferentes da sua história: uma no ano de 2011

e outra em 2017. Na reportagem de 2011, publicada pela “Tribuna do Norte”, o

título da matéria é “Emaús da Tranquilidade”, na qual se ressalta que, embora o

bairro ocupe o terceiro lugar entre os bairros que mais cresceram no número de

domicílios na Grande Natal, o local ainda podia ser considerado seguro e

tranquilo. Já na reportagem de 2017, publicada pelo “Agora RN”, o título recebido

foi “Polícia Civil prende liderança do Sindicato do RN que atuava em Emaús”.

Nesta matéria, relata-se que a liderança da facção criminosa do Sindicato do RN

residia no bairro de Emaús.

Esses dados são tomados como indicadores da problematização da

sensação de medo e insegurança causada pelo aumento significativo da

violência no bairro de Emaús. A estruturação paisagística é evidência disso, uma

vez que, nesses últimos anos, vem apresentando um aparato de segurança e

vigilância, denotando como a população tem se posicionado para enfrentar o

problema da passagem de um local seguro para um local já não tão seguro.

2.4 O papel dos condomínios verticais na alteração da paisagem do bairro

Emaús

Ao olhar uma paisagem, é possível identificar formas que, além de

revelarem a sua funcionalidade, revelam também os afetos que a fazem existir.

Percebemos, cada vez mais, uma tendência das pessoas em deixar transbordar

as sensações às quais estão submetidas para a edificação das formas espaciais

que conduzem a organização citadina assentadas na verticalização.

Observar um determinado lugar é deparar-se com a sua materialidade,

seu campo de visibilidade, e, ao mesmo tempo, perceber também componentes

da contemporaneidade tecidos nos sentimentos, os quais se transformam em

dispositivos que podem conduzir práticas espaciais. Destacam-se, dentre as

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práticas, aquelas implementadas pelos moradores, como também as produzidas

por estratégias de mercado, que veem tendências e interferem nelas.

No Rio Grande do Norte – em especial, em Natal e sua área

metropolitana –, a insegurança tem se tornado um problema cada vez maior.

Parnamirim e o bairro de Emaús ratificam isso, tendo, nos últimos anos,

principalmente na última década, sido alvo de constantes eventos relacionados

a crimes, o que acentuou na população a sensação de insegurança e a busca

por morar em residências que assegurem em termos de forma a ideia de que se

pode controlar o entorno de dentro de casa.

Esse aumento do medo do crime é evidenciado de forma direta na

paisagem, visto que, nos últimos anos as casas estão cada vez mais possuindo

aparatos de segurança e vigilância, como cerca elétrica, cerca serpentina,

câmeras, além do surgimento dos condomínios verticais fechados que vendem

a ideia de segurança para população, o que denota a produção da paisagem a

partir de uma tecnosfera da segurança. De fato, Emaus, assim como outros

bairros das outras grandes cidades materializam o medo por meio de estratégias

de vigilância que denotam uma recorrência a dispositivos de segurança que

passam a compor fortemente a sua paisagem a partir do fortalecimento dessa

psicoesfera (Bayer, 2016). Esse contexto, a cifra dessa materialidade técnica se

ampliou mais recentemente com a emergência dos condomínios verticais.

Em Emaús, são cada vez mais notáveis as alterações da paisagem a

partir da emergência desses condomínios verticais fechados. Nesse sentido,

percebemos alterações que denotam a relação entre o aumento da insegurança

e a existência desses tipos de residência. Certamente, a expansão desse tipo de

moradia não está relacionada apenas ao aumento da sensação de medo e

insegurança, embora também não possamos descartar essa influência na

organização do espaço.

Essa tendência dos condomínios verticais já foi considerada sinônimo de

status. Todavia, com o aumento da criminalidade, tornou-se um meio de fuga da

vulnerabilidade instaurada nas casas de bairro. A população tenta proteger suas

casas da maneira que pode, a frustação das pessoas ao saber que não estão

totalmente seguras, porém, aterroriza-as.

Os fatores que tendem a ser determinantes na escolha por condomínios

fechados são a segurança, afinal, no condomínio, o acesso é restrito, o que

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dificulta uma possível ação de criminosos, além de haver muitos dispositivos

eletrônicos de monitoramento – como já dito – e o lazer, o fato de não precisar

sair de casa para encontrar lazer é determinante também, pois a maioria desses

condomínios oferecem piscina, salão de festas, entre outros benefícios.

A função inicial do arranha-céu foi diferente em todos os países. Para

alguns, a finalidade estava apenas para fins comerciais; para outros, servia como

moradia. Segundo Barbosa (2011, n.p.):

O processo de industrialização associado ao contexto da urbanização permitiu a reprodução do arranha-céu para fins habitacionais no Brasil e a difusão deste padrão habitacional tornou-se fundamental na

compreensão da produção do espaço urbano em toda a América Latina.

O surgimento da criminalidade em Emaús não fez com que apenas os

moradores buscassem proteger suas casas, mas também com que muitos

buscassem morar em condomínios fechados. Para atender a essa demanda, as

empresas do ramo imobiliário passaram a investir na construção de

condomínios, principalmente os de apartamentos, fazendo com que a paisagem

predominantemente horizontal passasse a ser uma mescla entre a

horizontalidade e a verticalidade.

Uma nova versão dos condomínios habitacionais são os condomínios-

clube. Eles são conhecidos por proporcionar aos seus moradores uma ampla

estrutura de lazer. Essa nova versão chegou há pouco tempo em Natal, porém,

como a cidade já não apresenta muitos terrenos disponíveis para construções –

pois já foi bastante explorada –, esses condomínios estão se espalhando com

mais intensidade no município de Parnamirim. Neste município, a exploração de

suas terras é mais recente, logo, o número de terrenos disponíveis é bem mais

alto. Com isso, os preços tendem a ser mais baratos, e o morador ainda tem o

benefício de morar perto da capital. Esse fato é esclarecido com mais precisão

na fala de Araújo (2015, n.p.):

O crescimento urbano de Natal, nos últimos anos, está, assim, também associado à expansão em direção aos municípios metropolitanos. Esse crescimento pode ser visto pelo movimento físico, de expansão

da malha urbana, e pelo movimento socioeconômico, que integra um conjunto de atividades, tais como habitação, serviços, consumo, indústria. Nesse contexto, Parnamirim – que faz limite com a Zona Sul

de Natal – é o município em que tal crescimento se dá de maneira mais forte e visível na paisagem urbana, refletindo significativas transformações espaciais. Dentre tais transformações, merece

destaque o expressivo crescimento da área, via mercado imobiliário, modificando a dinâmica espacial da cidade com a edificação de novas

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moradias e de outras edificações para abrigar as novas atividades

comerciais e de serviços, além da necessária infraestrutura.

Essa situação pode ser elucidada no antes e depois de um terreno

localizado na rua Aurino Vi la no bairro de Emaús (figuras 5, 6 e 7), onde a

construção do condomínio vertical ocorreu apenas recentemente (2015). O

empreendimento Parque Nova Colina pertence à construtora MRV Engenharia.

De acordo com o site da MRV, a área total do terreno é de 27.052,00 m², e

o condomínio conta com playground, espaço fi tness, piscinas, entre

outros espaços de lazer.

Figura 5 – Antes da construção do empreendimento: Parque Nova

Colina.

Fonte: Google Maps.

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Figura 6 – Depois da construção do empreendimento: Parque Nova

Colina.

Fonte: Google Maps.

Figura 7 – Localização do empreendimento: Parque Nova Colina.

Fonte: MRV Engenharia (2015).

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Os bairros que se destacam no número de Condomínios Verticais no

município de Parnamirim são Emaús e Nova Parnamirim. Eles possuem um

importante papel na relação entre Natal e Parnamirim, pois são os bairros da

área em que ocorre o transbordamento urbano de Natal para Parnamirim. São

também os bairros mais populosos do município e ainda um dos responsáveis

por ligar Natal a Parnamirim, por meio das Avenidas Prudente de Morais e Ayrton

Senna. Como aponta Turra (2003, p. 112 apud Araújo 2015, p. 114), “Em toda

essa extensão, predomina a construção de edifícios residenciais, representando

uma maior tendência de urbanização vertical quanto maior for a proximidade da

divisa entre os municípios de Natal e Parnamirim”.

A paisagem do bairro de Emaús acompanhou a expansão urbana de

Parnamirim. Na medida em que ocorria o crescimento, associava-se

conjuntamente o aumento de crimes. Com isso, as estratégias adotadas por

algumas pessoas para se proteger passam a ser mais extremas. Aqueles que

possuem condições financeiras optam por trocar de casa e passam a morar em

condomínios residenciais fechados.

Aos poucos, a paisagem horizontal, marca registrada do bairro, vai

ganhando contornos verticais e exuberantes, fazendo com que a imagem de

“progresso” seja refletida na figura dos prédios e as ditas casas de bairros iniciem

o processo de substituição pelos condomínios de apartamentos. Essa situação

pode ser representada na ilustração a seguir (figura 8).

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Figura 8 – Charge Especulação Imobiliária.

Fonte: Charge por Edra (2011).

Os condomínios verticais são um dos principais modificadores do espaço

urbano. Na paisagem do bairro, eles são um dos maiores responsáveis por

alterar a estética do local. Como aponta Levy (2010, p. 98):

Sabemos que um dos fatores que mais modificam o espaço urbano na atualidade é a construção de condomínios residenciais fechados, ou

seja, enclaves fortificados, em sua maioria cercados por aparatos de segurança, cujo objetivo é garantir maior qualidade de vida e tranquilidade para um determinado grupo social.

Ao olhar por alguns instantes a paisagem do bairro, percebemos o

contraste entre as casas mais antigas, que ainda adotam uma fachada mais

simples (figura 9), sem o uso de recursos tecnológicos ou com recursos de pouca

eficiência, com aquelas que apresentam aparatos de segurança por toda a

residência (figura 10). Há também os condomínios residenciais verticais de porte

médio (figura 11), que contrastam com os de porte grande (figura 6).

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Figura 9 – Casa localizada no bairro Emaús.

Fonte: Google Maps.

Figura 10 – Casa localizada no bairro Emaús.

Fonte: Acervo próprio.

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Figura 11 – Condomínio localizado no bairro Emaús.

Fonte: Google Maps.

As imagens 6, 9, 10 e 11 ilustram a dispersão das diferentes formas de

moradia que estão presentes no bairro, que se aproximam e coexistem a poucos

metros de distância umas das outras. O processo de verticalização que vem

acontecendo nesse bairro transforma não apenas o campo visual, mas toda a

sua estrutura, que, por sua vez, afeta de forma significativa a vida dos seus

moradores mais antigos. A sensação de insegurança é ampliada para estes, pois

a impressão que surge é que apenas os que moram em condomínios recebem

a proteção necessária. Nesse sentido, mais moradores buscam esse tipo de

moradia e mais empresas tendem a investir nelas. Ou seja, a iniciativa de morar

em condomínios fechados parte principalmente da necessidade de se sentir

seguro – como aponta Bauman (2006, p. 20, grifo do autor):

Todos que têm condições adquirem seu apartamento num condomínio:

trata-se de um lugar isolado que fisicamente se situa dentro da cidade, mas, social e idealmente, está fora dela. “Presume-se que as comunidades fechadas sejam mundos separados. As mensagens

publicitárias acenam com a promessa de ‘viver plenamente’ como uma alternativa à qualidade de vida que a cidade e seu deteriorado espaço público podem oferecer”. Uma das características mais relevantes dos

condomínios é “seu isolamento e sua distância da cidade…. Isolamento quer dizer separação de todos os que são considerados socialmente inferiores”, e – como os construtores e as imobiliárias

insistem em dizer – “o fator-chave para obtê-lo é a segurança. Isso significa cercas e muros ao redor dos condomínios, guardas (24 horas

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por dia) vigiando os acessos e uma série de aparelhagens e serviços

… que servem para manter os outros afastados”.

Os condomínios verticais são marcas de um progresso recém-chegado

em Emaús, e dão início a um novo contorno no bairro. Entendemos que a

chegada desses empreendimentos decorre principalmente da falta de

segurança, eles servem como um refúgio dos problemas que acometem as

cidades.

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3 A INTERFERÊNCIA DA INSEGURANÇA E DO MEDO NO

COMPORTAMENTO ESPACIAL DOS MORADORES DE EMAÚS

No capítulo anterior, notamos que a ascensão da violência fez com que o

nível de medo da população fosse elevado, colaborando, assim, para a

existência de práticas espaciais de proteção, como a emergência dos

condomínios fechados residenciais, que geram novos e marcantes contornos na

paisagem do bairro Emaús.

Sendo assim, neste capítulo, optamos por debater como esse medo

instaurado no bairro influencia diretamente na população. Foi possível, dessa

maneira, identificar a influência desse sentimento no cotidiano de seus

moradores.

A vivência espacial apresenta diariamente à população as dificuldades de

se viver em espaços marcados pela constante violência. São cada vez mais

nítidas as transformações paisagísticas decorrentes da produção constante de

práticas espaciais que mostram um bairro afetado por sentimentos e sensações

variadas na busca por alcançar a segurança plena. Sobre isto Bayer e Dantas

(2018, n.p.) esclarecem:

Isso porque, quando tratamos do medo do crime, estamos nos

referindo também às possibilidades gestadas para o seu controle. Contrapõe-se ao conteúdo urbano deste medo do crime a necessidade da produção de segurança. A segurança plena é uma utopia, na

medida em que o medo advém da impossibilidade de antever um acontecimento futuro. Se (ainda) somos incapazes de tal previsão de forma plena, então, jamais nos sentiremos plenamente seguros. É no

seio desta incapacidade que crescem ações cada vez mais contundentes de alteração na forma de organização e vivência espacial.

Sentir medo nada mais é do que uma resposta a uma situação

considerada perigosa. É como se o medo fosse um alerta de risco produzido pelo

seu próprio corpo. Em alguns casos, senti-lo pode ser algo positivo, pois esse

alerta protege o indivíduo de passar por situações de perigo, isto é, pode

funcionar como uma forma de autopreservação que auxilia, por exemplo, em

uma possível tentativa de fuga perante o risco.

No entanto, o medo pode ser também um vilão, porque esse sentimento

pode afetar o psicológico e o emocional de uma pessoa. Alguém que sofre de

alguma fobia, como o medo de altura (acrofobia), por exemplo, sofrerá sempre

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que precisar atravessar uma ponte ou andar de avião. Esse sentimento, além

disso, pode atingir a capacidade de convívio com outras pessoas, como o receio

de falar em público.

O medo, no contexto em que está sendo trabalhado nesta pesquisa,

revela-se, como explicado no capítulo anterior, como sendo fruto da sensação

de insegurança presente em Emaús.

O medo da violência tornou-se algo recorrente na vida da população. Não

são apenas suas casas que passam por mudanças; os moradores também são

influenciados em seus comportamentos. É comum as pessoas montarem

estratégias ao sair de casa, como evitar sair à noite sozinho ou esconder seus

pertences principais dentro de suas roupas. Agir dessa forma tornou-se algo normal,

já que são atos involuntários de uma população que se acostumou a temer.

Conviver com esse sentimento tornou-se rotina na vida da população não

apenas de Emaús, mas de toda sociedade que convive diariamente com a

criminalidade em suas ruas. Mesmo quem nunca passou por uma situação de crime

tende a temer ser a próxima vítima.

Essa condição à qual as pessoas estão submetidas é compreensível porque

a todo momento ocorre a propagação de notícias dos mais variados tipos de crimes.

Isso acontece por meio da televisão e de seus programas jornalísticos específicos

para noticiarem as violências do Estado, bem como pelos programas responsáveis

por propagarem notícias em geral, mas que acabam por destacar a violência devido

a seu crescimento.

As redes sociais, por seu turno, são também grandes responsáveis por

veicularem notícias de violência. Muitas vezes, são consideradas, inclusive, mais

eficazes, pois divulgam a notícia de forma mais rápida, sendo, por isso, mais

utilizadas. O site “Tudo Celular” divulgou uma pesquisa que apresenta o Brasil como

o terceiro país do mundo que fica mais tempo na internet:

Já o Brasil é o terceiro país que passa mais tempo online, tendo uma média de 9h e 14min. A Tailândia está em primeiro lugar com 9h38 e logo em seguida vem Filipinas, com 9h24. A pesquisa avaliou usuários de 16 a 64

anos de idade a partir de qualquer dispositivo (MILLER, 2018).

Esses fatos apresentam o quanto a população pode ser afetada por

sentimentos, como o medo, a insegurança e a esperança de se ter segurança.

Sobre as citadas formas extremamente variadas de transmitir notícias que

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podem conduzir uma pessoa a temer, mesmo nunca tendo passado por alguma

situação perigosa, Bayer (2016, p. 81, grifo do autor) explica:

Em uma sociedade cada vez mais organizada em redes virtuais esse “papel” reverberante é dividido, cada vez mais, como novas mídias, sobretudo com a internet. As redes sociais virtuais (como o Facebook,

Twitter, Whatsapp, entre outras) auxiliam, inclusive, na repercussão de notícias veiculadas pela mídia tradicional. A associação entre mídias torna ainda mais potente a característica autorreciclável do medo, subvertendo,

até, o pressuposto da proximidade geográfica: como falamos, não é preciso, necessariamente, estar inserido em um contexto de violência para sentir-se inseguro, basta ser afetado por essa “onda informacional”. Nesse

sentido, o labirinto urbano vai sendo formado não apenas por materialidades, mas também por imaterialidade que passam a condicionar as trajetórias dentro dele.

Para interpretar uma paisagem é preciso considerar vários aspectos,

como os elementos históricos e estruturais que moldam as suas formas. Além

disso, é essencial identificar como ocorre a relação entre os moradores e o local

da paisagem em questão.

São os moradores os principais agentes modificadores da paisagem de

Emaús, visto que são eles que vivem a realidade mais profundamente do bairro.

Fez-se necessário, desse modo, interpretar a paisagem por meio dos

sentimentos que envolve a relação morador/bairro. Sobre essa necessidade de

relacionar os sentimentos das pessoas e o local, Carvalho (2012, p. 37) aponta:

O enfoque valorativo da cidade fundamentado, apenas, em fatores

visuais tem sido muito criticado. Acredita-se que o valor da imagem é resultante da relação existente entre o comportamento e a maneira pela qual os atores/agentes sociais percebem e estimam determinados

aspectos territoriais. Assim sendo, tão importante, quanto aos aspectos estruturais e das imagens mentais são os aspectos valorativos dos espaços concebido, percebido e vivido. Deste modo, o comportamento

das pessoas depende da percepção, recursos de localização referencial da paisagem, mas também, a maneira como eles são sentidos e interpretados.

Portanto, como o capítulo trata da influência da insegurança e do medo

na alteração do comportamento espacial da população que reside em Emaús,

achamos importante ouvir os moradores sobre isso.

O bairro é subdividido em sete conjuntos (figura 12): Parque das

Orquídeas, Trairi, Marajoara, Parque Industrial, Jardim Aeroporto, Águas Claras

e Conjunto Emaús, este último localizado do outro lado da BR. Sendo assim,

optamos por entrevistar 10 pessoas por conjunto, totalizando 70 pessoas.

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27

Figura 12 - Localização dos conjuntos do bairro Emaús no

Município de Parnamirim/RN.

Fonte: Google Maps (adaptado).

Parte das entrevistas foram realizadas a partir de um questionário on-line

inserido no Formulários Google, e a outra parte foi aplicada em campo. O campo

fez-se necessário para podermos ampliar a escuta sobre o problema. Para tal,

em alguns momentos, deixamos em aberto as questões para que os moradores

expressarem suas experiências e opiniões de forma mais espontânea.

Iniciamos nosso questionário perguntando há quanto tempo moram no

bairro. 79% responderam que residem há mais de 10 anos; 10% responderam

entre 3 e 5 anos; e 6% de 0 a 10 anos. Esses dados denotam que a maior parte

dos entrevistados tem acompanhado a transição de Emaús da tranquilidade para

Emaús da insegurança e do medo.

Na pergunta seguinte, questionamos se o entrevistado ou alguém que

mora na mesma casa já foi vítima de algum tipo de crime pelo bairro. Mais da

metade dos entrevistados afirmaram positivamente (figura 13), dos quais muitos

responderam terem sido vítimas mais de uma vez. Apenas 26% declararam que

nunca passou por alguma experiência de crime pelo bairro. No entanto, alguns

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dos respondentes que compõem essa última porcentagem afirmaram já ter

passado por assaltos em outros locais da cidade.

Figura 13 –

Você ou alguém que mora na mesma casa já foi vítima de algum tipo de crime pelo bairro?

Fonte: Pesquisa de campo.

A maioria dos entrevistados declararam que o tipo de crime que sofreram

foi de roubo. Ao serem perguntados acerca do local de ocorrência desses crimes,

as respostas variavam, em sua maioria, entre perto de casa e parada de ônibus.

74% responderam “sim” ao serem perguntados se já foram vítimas ou se alguém

de sua residência já foi vítima de algum tipo de crime pelo bairro, tendo a maior

parte afirmado que houve o uso de arma (figura 14). No entanto, a maioria não

prestou queixa em delegacia (figura 15).

74%

26%

0

10

20

30

40

50

60

Sim Não

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29

Figura 14 – Houve uso de arma?

Fonte: Pesquisa de campo.

Figura 15 – Foi prestado queixa em alguma delegacia?

Pesquisa de campo.

79%

21%

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Sim Não

40%

60%

0

5

10

15

20

25

30

35

Sim Não

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30

Ao serem perguntados se sentem segurança para andar por Emaús, a

grande maioria dos entrevistados afirmaram que “não” (figura 16).

Questionamos, então, qual seria o motivo. Dos principais, estão a falta de

iluminação e de polícia nas ruas, como também devido à alta frequência de

roubos no bairro nos últimos anos.

Figura 16 –Você se sente seguro para andar por Emaús?

Fonte: Pesquisa de campo.

Estes são alguns dos relatos fornecidos pelos moradores sobre o motivo

de não se sentirem seguros para andar por Emaús2:

- Não tem posto policial. Quando tem alguma ocorrência, a demora para

a polícia chegar é bem maior. Além disso, não existe nenhum outro tipo de

segurança.

- Ruas escuras, sem nenhum tipo de vigilância.

2 Relatos coletados a partir de questionário online e aplicação de questionário em campo.

10%

90%

0

10

20

30

40

50

60

70

Sim Não

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- A cidade está abandonada. Não há nem iluminação nas ruas, como

Jerusalém, que é perpendicular à rua Santa Gema, como diversos outros trechos

do conjunto Emaús.

- Emaús é um lugar que em alguns pontos são bem escuros, não tem

muitas pessoas nas ruas e sem nenhum posto policial.

- A falta de policiamento, ruas mal iluminadas e terrenos baldios

contribuem para o surgimento de bandidos, nos deixando amedrontados.

- Imagino que a qualquer momento serei assaltada, em qualquer canto

que estiver.

- Porque existem muitos relatos de assalto e quadrilhas que alugam casas

no bairro.

- Mesmo não tendo sido vítima, conheço várias pessoas que já foram

assaltadas. Não temos policiamento, por isso a insegurança!

- Pela quantidade de pessoas conhecidas que já foram vítimas.

Perguntamos também o que o morador considera que o bairro precisa

para garantir a segurança da população. Todas as pessoas entrevistadas

responderam de forma enfática que o bairro precisa de um maior policiamento.

Muitos também ressaltaram a importância de mais iluminação em todos os

conjuntos. A seguir, alguns dos relatos fornecidos pelos moradores sobre essa

questão:

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- Mais policiamento e iluminação.

- Iluminação, policiamento, câmeras de segurança.

- Um maior policiamento e mais iluminação nas ruas.

- Investimento em pessoal de segurança e posto policial local.

- Reativação do posto policial do bairro e mais rondas motorizadas.

- Mais rondas de policiais armados e também um posto policial dentro do

bairro.

- Reativar a guarita policial próximo à praça e colocar os policiais para

fazer a ronda, blitz em locais estratégicos e câmeras em várias ruas.

- O bairro precisa de um posto policial urgente e rondas frequentes da

polícia militar.

Questionados se sua residência dispõe de algum dispositivo de

segurança, a proporção foi equivalente para o sim e para o não. A maioria dos

entrevistados que responderam “sim” declararam possuir principalmente os

seguintes itens: cerca elétrica, cerca serpentina e câmeras. Grande parte da

população que utiliza algum ou mais de um desses mecanismos de segurança

afirmou que passou a usar entre 2015 e 2018.

Como já citado no capítulo anterior, o aumento da violência em todo o

bairro fez com que o Conselho Comunitário tomasse a iniciativa de buscar

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remediar esse problema enfrentado diariamente pela população. A medida

adotada foi a implantação de um sistema de monitoramento de vídeo no bairro,

o chamado “Vizinho Solidário”.

Em uma conversa, Sonia Gomes, uma das participantes do Conselho,

relatou que inicialmente a ideia era instalar câmeras em todo o bairro, porém não

se obteve apoio total da população. Resolveu-se, então, colocar apenas no

Parque das Orquídeas, local de onde veio o maior apoio.

Segundo Sonia, as câmeras são instaladas em vários pontos estratégicos

e existe um aplicativo que mostra as imagens ao vivo, permitindo aos moradores

que pagam pelo recurso, assim, visualizar como está a rua sem precisar sair de

casa. Outrossim, eles contam com o auxílio de uma viatura da polícia, a qual fica

em alguns momentos no Conselho Comunitário pronta para atender a algum

chamado da população. Foi dito ainda que o “Vizinho Solidário” só não tem mais

apoio porque a população se divide entre os que pagam pelas câmeras e os que

pagam o vigia3. Para Sonia, o ideal, se fosse possível, era pagar aos dois.

Como tudo que é novo atrai expectativas, a implantação do sistema de

monitoramento de vídeo em Emaús gerou curiosidade sobre os possíveis

benefícios que iria trazer. O Conselho Comunitário, com isso, passou a realizar

reuniões junto à comunidade e à polícia (figura 17) para entender melhor como

iria funcionar a instalação das câmeras e o seu monitoramento posterior.

3 Os vigias fazem rondas motorizadas pelo bairro. A empresa responsável pelas rondas mais

atuante é a “MS Olho na Rua”.

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Figura 17 – Reunião no Conselho Comunitário.

Fonte: Gira Parnamirim (2017).

Para entender melhor a relação dos moradores com esse recurso,

perguntamos em nosso questionário – apenas para os moradores do Parque das

Orquídeas – se a instalação de câmeras por lugares estratégicos no conjunto

transmite a sensação de segurança ou provoca mais medo ao ver as imagens

dos assaltos, que sempre são veiculadas pelas redes sociais (figura 18).

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Figura 18 – A instalação de câmeras por lugares estratégicos no

conjunto Parque das Orquídeas transmite a sensação de segurança ou

provoca mais medo ao ver as imagens dos assaltos?

Fonte: Pesquisa de campo.

Para quase todos os entrevistados a instalação das câmeras transmite

uma sensação de segurança (figura 18). O conjunto do Parque das Orquídeas,

após o uso das câmeras, passou a revalorizar os espaços públicos, como no

caso da academia ao ar livre, instalada pela prefeitura de Parnamirim (figura 19).

Este espaço fica próximo a uma lagoa de captação, e as pessoas utilizam-no

geralmente para caminhar. Desde a implantação da academia (2014), o número

de pessoas que a utilizava era bastante reduzido, porém, com o “Vizinho

Solidário”, uma maior sensação de segurança encorajou a população a usufruir

do espaço público.

10%

90%

0

5

10

15

20

25

Provoca mais medo Transmite a sensação de

segurança

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Figura 19 – Academia ao ar livre no Parque das Orquídeas, em

Emaús

Fonte: Acervo próprio.

Uma das moradoras, entretanto, deixou claro ao responder que, apesar

de achar que as câmeras não passam a sensação de medo, também não acha

que passa tranquilidade. Em seu depoimento ela diz:

É porque assim, tem as câmeras é bom porque inibe um pouco, mas

assim não transmite total segurança porque o assalto tá acontecendo. Se tivesse

tipo um policiamento ali direto 24 hora, que tivesse acompanhando as câmeras

ele vendo o assalto acontecendo é mais rápido ele estando perto pra ir atrás dos

bandidos e serem pegos, entendeu? Agora da forma que tá, ok tem as câmeras,

tá sendo filmado, mas fica muito mais difícil porque quando ele sai do Parque

das Orquídeas que toma o rumo deles fica muito mais difícil de serem localizados

e aí daqui que a polícia seja acionada que daqui que chegue lá naquele conjunto

que passa 500 anos pra chegar, que não chega né, que na verdade a gente tem

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que ir na delegacia fazer o BO, só quando é no caso de arrombamento que a

pessoa liga e eles vão.4

O depoimento dessa moradora é um contraponto. Coloca em xeque a

garantia de os dispositivos oferecerem efetivamente a segurança no bairro. A

sensação de medo apresenta-se não somente em sua fala, mas em todos os

entrevistados. É algo decorrente do descaso nos investimentos de segurança

pelos verdadeiros responsáveis. Na ausência deles, a população se protege da

forma que pode, mas nem sempre é possível obter êxito em suas ações.

Na tentativa de se sentir seguro, é natural que ocorra a procura por formas

de proteção (escolher mecanismos de segurança para colocar nas casas, passar

a não andar portando itens de valor, evitar passar por ruas “desertas” ou com

pouca iluminação, escolher o ponto de ônibus onde aconteceu menos crimes e

que tenha mais pessoas e estabelecimentos por perto). Com isso, acaba-se por

desconfiar de tudo e de todos e tornar o espaço citadino cada vez mais seletivo.

Um ciclo de medo é criado (figura 20). Ele inicia com o aumento de crimes

no bairro, passando a sensação de insegurança, que, por sua vez, incentiva a

utilização de recursos de segurança em suas casas. Isso fornece, por alguns

instantes, uma sensação de segurança e de bem-estar, que logo é deixada para

trás com as notícias de que casas que possuíam tais recursos foram invadidas.

Volta-se ao medo, nesse sentido. Só que dessa vez com proporções maiores,

visto que a população percebe que não está segura em nenhum canto e que os

mecanismos de proteção em suas casas nem sempre irão salvá-los. Sobre tal

fato Melgaço (2010, p. 248) reforça que:

Ademais, a segurança alcançada através da vigilância generalizada, além de não combater as causas da violência, traz diversas conseqüências negativas que não devem ser ignoradas. Não apenas

as liberdades individuais são perdidas, como também se cria um ambiente marcado pela desconfiança e por uma ampliação dos temores. Dialeticamente, da mesma forma que a psicoesfera do medo

leva à criação de uma tecnoesfera da segurança, a disseminação da tecnoesfera da segurança reforça as situações de tensão que alimentam a psicoesfera do medo.

4 Transcrição fiel da fala da moradora.

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Figura 20 – Ciclo do medo.

Fonte: Elaboração própria.

As estratégias montadas antes de sair de casa e os recursos de proteção

nas residências e ruas correm o risco de exercer o papel contrário na vida das

pessoas. Por mais que a intenção inicial seja a de mitigar os riscos, a valorização

dos recursos que vendem a sensação de segurança torna-se prejudicial no

momento em que as pessoas se convertem em prisioneiras de suas próprias

casas por medo de sair às ruas. Por desacreditar que seja possível estar seguro

em algum lugar, estar em casa também não garante a sensação de segurança.

Isso só gera mais medo, alimentando, dessa forma, o ciclo do medo.

AUMENTO DE CRIMES NO

BAIRRO

SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA

UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE

SEGURANÇA EM SUAS CASAS

SENSAÇÃO DE

SEGURANÇA

NOTÍCIAS DE QUE CASAS QUE POSSUÍAM RECURSOS DE

SEGURANÇA FORAM INVADIDAS POR LADRÕES

+ MEDO

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4 MEDO DO CRIME E PAISAGEM

Nos capítulos anteriores, foi debatido como o aumento da violência elevou

a sensação de medo, contribuindo, portanto, para a existência de práticas

espaciais de proteção transformadoras da paisagem. Vimos também que esse

sentimento possui influência direta na vida da população do bairro, afetando de

forma significativa o cotidiano dos seus residentes. Neste capítulo, avançamos

no estudo da paisagem do bairro a partir das práticas espaciais dos moradores

em Emáus.

Durante anos o conceito de paisagem foi associado apenas a natureza, e

apesar de tal associação permanecer ainda bastante presente, estudos mais

atuais tratam a paisagem de forma mais geral, incluindo a cidade e a

industrialização. Conforme aponta Besse (2014, p. 43)

Mas, então, o que é a paisagem, concretamente, nessa

perspectiva? De que é composta a realidade paisagística?

Encontramos nela, é verdade, topografia, geologia, formações

vegetais e grupamentos de animais, condições climáticas,

hidrográficas, pedológicas etc. Entretanto, encontramos também

prédios, reunidos de forma mais ou menos densa e servindo a

usos muito diversos (habitação, culto, comércio), vias de

comunicação, estradas, ferrovias, instalações agrícolas, mas

também industriais, que afetam de forma mais ou menos

profunda o solo que os sustenta (extração, evacuação dos

resíduos, simples posição sobre uma superfície etc.). Esses

diversos elementos interagem constantemente uns com os

outros. O que significa que uma paisagem é, antes de tudo, uma

totalidade dinâmica, evolutiva, atravessada por fluxos de

natureza, intensidade e direção bastante variáveis e, por isso,

lhe é atribuída uma temporalidade própria.

É nessa paisagem citadina que o trabalho está centrado, é na

materialização dos sentimentos que ela ganha forma e é na incorporação de

vários elementos que tem-se a dinamicidade da paisagem urbana. Segundo

Dardel (2011 p. 30, grifo do autor) “Muito mais que uma justaposição de detalhes

pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido,

uma ligação interna, uma ‘impressão’, que une todos os elementos.”

É cada vez mais notável, no bairro, as alterações que o medo e a

insegurança vêm causando. A reverberação ganha relevo na paisagem, de

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modo que a materialização dos sentimentos de medo e de insegurança são

reveladas justamente nas estratégias criadas pela sociedade para mitigá-las.

Na última década, a sensação de segurança foi diminuindo, chegando ao

ponto de o Conselho Comunitário investir em um sistema de monitoramento de

vídeo em parte do bairro (figura 21), além da população adotar sistemas de

proteção em suas residências.

Figura 21 - Sistema de monitoramento de vídeo

Fonte: Acervo próprio.

Os sistemas de proteção utilizados pela população tornaram-se

recorrentes em diversos lugares, e em Emaús não é diferente. Esses

equipamentos demonstram as práticas espaciais realizadas pelos moradores do

bairro, ou seja, eles se tornam os agentes que interferem diretamente na

paisagem. Portanto, o medo aliado à sensação de segurança e insegurança, por

consequência, colabora bastante para mudar a aparência de um local, inserindo

elementos que interferem na paisagem do lugar.

Em uma conversa com uma moradora do bairro, a qual vamos chamar de

“moradora A”, foi constatado o quanto a insegurança do bairro leva ao medo que,

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por conseguinte, induz os moradores a buscarem formas de se proteger. No

relato, essa moradora, que reside em Emaús desde sua infância, explica que

sua casa foi invadida em 2014. Ela conta que, por volta das 13 horas, já não

havia ninguém em casa e que, ao chegar, deparou-se com a porta aberta e toda

a casa bastante bagunçada. Levaram diversos pertences, como TVs, roupas,

perfumes, tablet e celular. Esse último ela havia comprado recentemente, pois

tinha sido assaltada e preferira deixar em casa por considerar mais seguro. O

assalto sofrido pela moradora foi apenas 15 dias antes da invasão e ocorreu no

caminho de casa para o ponto de ônibus. Dois anos depois, mais um assalto

ocorreu com ela. Novamente, no mesmo percurso em que ocorreu o primeiro

evento, e levaram mais uma vez seu celular. Após esses fatos, a família decidiu

aumentar o muro, colocar cerca elétrica, cerca serpentina e câmeras (figuras 8

e 9), na tentativa de amenizar os riscos.

Nas imagens a seguir, é possível verificar como era a casa da moradora

A nos anos de 2011 (figura 22), 2014 (figura 23) e como está atualmente, em

2018 (figura 24)5. As mudanças evidenciadas no decorrer do tempo não denotam

apenas o fator estético, representado nas diferentes cores do muro, mas retrata

também a preocupação com a falta de segurança que afeta essa família diante

do problema que acomete o bairro.

Essa sobreposição de recursos utilizados (figuras 24 e 25) demonstra o

nível de medo instalado na residência. O muro mais alto, a cerca elétrica e a

cerca serpentina refletem a intensão e estratégia para impedir a tentativa de uma

nova invasão. As câmeras, por sua vez, mostram que, por não confiar totalmente

nos outros recursos, os moradores preferem possuir provas de como aconteceu

caso ocorra outro incidente – além de procurar entender como ocorreu a invasão.

5 Com a autorização da moradora A, foi possível constatar como era a sua casa nos anos de 2011 e 2014 por meio do Google Maps, assim como contrastar essas imagens com uma atual

de sua residência.

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Figura 22 - Casa da moradora A do bairro Emaús em 2011

Figura 23 - Casa da moradora A do bairro Emaús em 2014

Fonte: Google Maps.

Fonte: Google Maps. .

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Figura 24 - Casa da moradora A do bairro Emaús em 2018

Figura 25 - Dispositivos de Segurança da casa da moradora A do bairro Emaús em 2018.

Fonte: Acervo próprio.

Fonte: Acervo próprio.

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Essa abundância de recursos em prol da segurança é uma forma de

mitigar riscos. Tal expressão é utilizada no sentido de tomar cuidado com algo

que possa provocar problemas para, dessa forma, reduzir os possíveis impactos

que venham surgir. Bayer (2016, p. 57) explica que esse sentimento não é algo

que nasce por causa de uma violência específica, mas sim algo que acompanha

a humanidade desde os primórdios. O autor faz a seguinte colocação:

[...] como já em tempos passados o medo se manifestava em suas múltiplas territorializações, sobre o corpo dos indivíduos,

caracterizando espaços e outros indivíduos como “perigosos” (como no caso do mar, das bruxas ou da noite) e como práticas espaciais já podiam ser pensadas para mitigá-lo, como as muralhas das cidades

medievais. Também nos mostra como ele pode ser “ativado” e “desativado”, como no caso da peste na Europa, a partir de situações específicas, sendo efêmera sua territorialização.

Os recursos que transformaram a aparência da residência da moradora A

assemelham-se à situação das casas de muitos moradores do bairro. Revelam

o medo como sendo um sentimento perceptível na confecção da paisagem. Com

efeito, Bayer (2016, p. 14) defende que o medo configura-se em um importante

agente modificador da paisagem.

Ampliando o registro sobre o problema a partir da fala dos moradores,

pudemos ouvir do morador B que a sua residência foi modificada para inibir

ações criminosas. Podemos apurar que ele, assim como no outro caso

apresentado, modificou a aparência de sua casa. No caso dele, sua família não

passou diretamente por nenhuma situação de perigo, porém, devido ao medo

causado pela insegurança instaurada em todo o bairro, achou adequado se

prevenir.

As imagens repetem o padrão, denotando que o fenômeno do medo se

torna espacial e acomete a sua paisagem. É possível notar que, em 2011 (figura

26), não havia medidas mais extremas de segurança, enquanto, em 2014 (figura

27), as mudanças começaram a surgir. A primeira medida foi a instalação de

cerca elétrica, seguida, por fim, da adição de uma cerca de arame e um sistema

de monitoramento de vídeo – mudanças observadas na imagem atual de 2018

(figuras 28 e 29)6.

6 Com a autorização do morador B, foi possível constatar como era a sua casa nos anos de 2011 e 2014 por meio do Google Maps, assim como contrastar essas imagens com uma atual de sua

residência.

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Figura 26 - Casa do morador B do bairro Emaús em 2011

Fonte: Google Maps.

Figura 27 - Casa do morador B do bairro Emaús em 2014

Fonte: Google Maps.

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Figura 28 - Casa do morador B do bairro Emaús em 2018

Fonte: Acervo próprio.

Figura 29 - Dispositivos de Segurança da casa do morador B do

bairro Emaús em 2018.

Fonte: Acervo próprio.

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Essa tentativa de se proteger é algo inerente ao ser humano, que, desde

a infância até a vida adulta, cria estratégias para acabar com ele – conforme

explica Tuan (2005, p. 250):

O medo da cidade como um ambiente físico não pode ser nitidamente isolado do medo dos habitantes da cidade. É sugestivo que muitas

crianças ocidentais queiram ser bombeiros ou policiais quando crescerem – isso expressa uma necessidade de assumir autoridade e superar sua sensação de impotência e ansiedade tanto diante do

ambiente físico quanto de adultos estranhos.

Sobre esse pensamento de segurança por parte da população, Gehl

(2010, p. 97) declara: “Ser capaz de caminhar com segurança no espaço da

cidade é um pré-requisito para criar cidades funcionais e convidativas para as

pessoas. Real ou percebida, a segurança é crucial para a vida na cidade”.

É perceptível o surgimento de um nível maior de medo da população do

bairro, destacando-se nesse cenário a ascensão da violência, em suas

diferentes feições, corroborando, em larga medida, para a existência de práticas

espaciais de proteção, cujo rebatimento se torna visível na paisagem, que para

Santos (1988, p. 21) “Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é

a paisagem”.

É importante ressaltar que a paisagem de um determinado lugar é a

junção do passado com o presente. Formada ao longo dos anos, essa

configuração espacial registra o que ocorre em pequenas ou grandes alterações,

em dado local. Compreendê-la como um processo é algo fundamental para uma

pesquisa como esta, e, nisso, podemos concordar com as palavras de Soares

(2005, p. 49), quando afirma que:

Entender os processos formadores da paisagem aguça o nosso

espírito de observação no sentido de descobrir, nos vestígios deixados pela natureza ao longo do tempo e do espaço, transformações ocorridas que propiciaram a formação da paisagem atual.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta discussão, podemos compreender que, em Emaús, o

fenômeno da violência vem interferindo na dinâmica de organização espacial do

bairro. O aumento da criminalidade fez com que o bairro, antes calmo, passasse

a ser considerado perigoso. Esse fato configura-se em mecanismo de

transformação paisagística, pois é nítida a tendência dos moradores em se

deixar levar pelas sensações e afetos que os permeiam todos os dias.

Durante a pesquisa, o sentimento que prevaleceu foi o medo. Os

entrevistados descreveram o medo que sentem ao chegar à noite em casa –

porque as ruas não estão bem iluminadas –, o medo de ir para o ponto de ônibus

e ser assaltado no caminho ou no próprio ponto de ônibus, o medo de ser

assaltado na calçada de casa ou até mesmo dentro de casa.

Com isso, fica evidente que o bairro Emaús necessidade de melhorias,

como os próprios entrevistados sugeriram, é preciso um maior policiamento,

mais iluminação nas ruas, reativação do posto policial, do contrário, os

problemas referentes a criminalidade não terão fim.

A impressão que ficou é que não se está seguro em nenhum lugar, e que

esta sensação de insegurança faz nascer a necessidade de utilizar medidas

mitigadoras.

Essas medidas mitigadoras são as práticas espaciais conduzidas pelas

sensações. Sabemos que o espaço geográfico se encontra sempre passando

por mudanças, no bairro podemos perceber que as práticas espaciais estão

tecendo uma nova paisagem para este espaço.

Sendo assim, o estudo levou a concluir que Emaús apresenta uma

paisagem movida pelas sensações (medo, segurança e insegurança), através

das quais mecanismos de segurança são cada vez mais utilizados, tais como:

muros mais altos, cerca elétrica, cerca serpentina, câmeras instaladas nas casas

e em parte do bairro. Configurando-se, dessa maneira, uma paisagem

materializada na forma de uma visibilidade de segurança. Essas medidas que

ficam restritas à esfera do morador já se acrescem para a ação de grupos mais

amplos e de monitoramento de áreas como as medidas adotadas pelo Conselho

Comunitário.

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Além do visível, procuramos apreender como o medo diário interfere na

vida dos moradores. Identificamos que, na tentativa de procurar proteção, a

população buscou, além de proteger suas residências, montar estratégias para

evitar ser mais uma vítima. Exemplos disso foi colocar dispositivos eletrônicos

de segurança, andar com poucos objetos de valor e evitar passar por ruas com

pouca iluminação. O medo da violência tornou-se algo cotidiano, e até mesmo

quem nunca sofreu diretamente com a criminalidade sente-se atingindo de forma

indireta, sendo a sensação a mesma de quem já sofreu.

Emaús mostra-se como um cenário moldado pelas diferentes paisagens

que o constitui. Nele, o processo de modificação de sua estrutura fica cada vez

mais visível com a entrada dos grandes e modernos prédios. Esses

empreendimentos verticais conduzem o local a uma nova organização

paisagística, trazendo mudanças tanto visuais como estruturais, fazendo com

que as casas de bairro convivam com os condomínios verticais, conferindo,

assim, uma nova arquitetura paisagística.

Portanto, compreendemos que o processo que está ocorrendo no bairro

Emaús nada mais é do que o imaterial dando visibilidade ao material. É o campo

das sensações formando a nova imagem de Emaús, moldando/tecendo a atual

realidade que caracteriza e dá funcionalidade às paisagens do bairro. Isso não

significa que a aparência atual será a mesma com o passar dos anos, afinal,

provavelmente novos medos irão surgir, assim como novas práticas espaciais

serão criadas para combater esse sentimento.

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APÊNDICE

FORMULÁRIO REFERENTE À MONOGRAFIA DE THAISA ANGELO

BEZERRA, INTITULADA "MEDO E INSEGURANÇA: A TESSITURA DA PAISAGEM NO BAIRRO EMAÚS EM PARNAMIRIM/RN".

*Obrigatório

1- Qual é o seu nome?

2- Em qual desses conjuntos você mora? *

a) Conjunto Parque das Orquídeas

b) Conjunto Trairi c) Conjunto Marajoara d) Conjunto Parque Industrial

e) Conjunto Jardim Aeroporto f) Conjunto Águas Claras

g) Conjunto Emaús

3- Há quanto tempo mora no bairro? * a) 0 a 2 anos b) 3 a 5 anos

c) 6 a 10 anos d) Mais de 10 anos

4- Você ou alguém que mora na mesma casa já foi vítima de algum tipo de crime

pelo bairro? * a) Sim b) Não

5- Se a resposta à pergunta anterior for “sim”, qual o tipo de crime?

6- Se a resposta à pergunta 4 for “sim”, houve uso de arma?

7- Se a resposta à pergunta 4 for “sim”, onde ocorreu?

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8- Se a resposta à pergunta 4 for “sim”, foi prestado queixa em alguma

delegacia? a) Sim

b) Não

9- Você se sente seguro ao andar por Emaús? * a) Sim

b) Não

10- Se a resposta à pergunta 9 for “não”, por que você não se sente seguro ao

andar por Emaús?

11- Utiliza algum dispositivo de segurança em sua residência (por exemplo:

câmera de segurança, cerca elétrica, ...)? * a) Sim b) Não

12- Se a resposta à pergunta 11 for “sim”, qual ou quais os tipos de dispositivos

de segurança utilizados?

13- Caso a resposta à pergunta 11 tenha sido “sim”, em qual ano passou a utilizar

algum dispositivo de segurança? a) Antes ou em 2011 b) Entre 2013 e 2014

c) Entre 2015 e 2018

14- O que você considera que o bairro precisa para garantir a segurança dos

moradores? *

15- Apenas para os moradores do Parque das Orquídeas: A instalação de

câmeras por lugares estratégicos no conjunto transmite a sensação de

segurança ou provoca mais medo ao ver as imagens dos assaltos?

a) Provoca mais medo

b) Transmite a sensação de segurança