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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO EDUARDO SOUZA SILVA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E JURISDIÇÃO RESPONSÁVEL: BOAS PRÁTICAS ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE Orientador: Prof. Dr. Zéu Palmeira Sobrinho. NATAL/RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

EDUARDO SOUZA SILVA

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E JURISDIÇÃO RESPONSÁVEL: BOAS

PRÁTICAS ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO

NORTE

Orientador: Prof. Dr. Zéu Palmeira Sobrinho.

NATAL/RN 2018

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EDUARDO SOUZA SILVA

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E JURISDIÇÃO RESPONSÁVEL: BOAS

PRÁTICAS ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO

NORTE

Monografia apresentada ao Curso de Direito como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Zéu Palmeira Sobrinho.

NATAL/RN 2018

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AGRADECIMENTOS

A Deus, cujo cuidado silencioso e presença constante promove minha

própria existência.

A minha família, por todo o amor, carinho, incentivo e proteção, sem os

quais nada disso seria possível.

Ao professor Zéu Palmeira Sobrinho, meu orientador, por todo o suporte,

incentivo e inspiração nesses anos de universidade.

Aos amigos que continuaram acreditando em mim mesmo quando

duvidei.

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RESUMO A inserção do direito à saúde no rol dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 representou representou uma significativa conquista social e rompimento com um histórico de vinculação deste bem à regime previdenciário. Noutro pórtico, superadas quase três décadas da promulgação do Constituição, o Estado Brasileiro não conseguiu fornecer a todos os cidadãos uma condição de vida digna, mormente em saúde. O alarmante déficit de efetividade deste direito, decorrente de múltiplos fatores tais como a omissão do Legislativo e Executivo na criação, execução e fiscalização de políticas públicas na área da saúde provoca uma corrida dos usuários do Sistema Único de Saúde ao Judiciário, enxergado como a última instância para satisfação desse direito. Este fenômeno, denominado de judicialização da saúde, superlota o Judiciário com demadandas que reclamam desde a concessão de medicamentos a vagas em leitos hospitalares. Embora o Poder Judiciário não possa se omitir de sua função constitucional de garantir os direitos assegurados na Constituição, a sua atuação, em face das demandas da saúde carece de cuidado especial, isto porque tais ações, mesmo que circunscritas a pessoas determinadas, transborda a esfera dos litigantes, possuindo o condão de impactar toda a sociedade. Partindo dessas premissas, o presente trabalho tem o intuito de analisar as feições conferidas ao direito à saúde pelo ordenamento jurídico pátrio, as bases principiológicas do Sistema Único de Saúde e o tratamento deste direito no ambito do poder judiciário, especialmente no que condiz a adoção, pela Justiça Estadual do Rio Grande do Norte, de boas práticas que visam o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional no enfrentamento das demandas da saúde, na busca por uma prestação jurisdicional mais eficaz e responsável.

Palavras-chave: Direito à saúde. Judicialização. Boas práticas.

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ABSTRACT

The insertion of the right of health on the list of the fundamental rights from the Constitution of 1988 represented a meaningful social achievement and the separation from a connection history of this benefit to the welfare policy. On the other hand, after almost three decades of the promulgation of the Constitution, the Brazilian State could not provide a worthy life condition to everyone, moreover related to health. The alarming deficit of effectiveness of this right, resulting from multiple reasons such as the omission of the Legislative and Executive on the creation, execution and supervision of public policies in the health area, causes the necessity of the Unified Health System users to go to the Judiciary, seeing it as the last resort to achieve this right. This phenomenon, called health judicialization, overloads the Judiciary with demands that approach from the concession of medicaments to vacancies in hospital beds. Although the Judiciary Branch cannot omit itself from its constitutional function of assuring the rights secured in the Constitution, its scope, in face of the health demands, deserves special care, due to the fact that such actions, even being circumscribed to certain people, floods the litigants’ sphere, having the capacity of impacting the whole society. Based upon these premises, this paper has the objective of analyzing the characteristics of the right of health by the native legal system, the underlying principles of the Unified Health System and the treatment of this right in the scope of the Judiciary Branch, specially related to the adoption, by the State Courts of Rio Grande do Norte, of best practice that aims the improvement of the jurisdictional work in face of the demands of health, searching for a more efficient and responsible jurisdictional work. Keywords: Right of health. Judicialization. Best Practice.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 8

2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O CONTEXTO JURIDICO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ................................................................. 11

2.1 CONCEITO DE SAÚDE DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

(OMS) 13

2.2 DIMENSÕES DO DIREITO À SAÚDE ................................................... 14

2.3 A PROBLEMÁTICA DA EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À

SAÚDE ........................................................................................................... 15

2.4 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) ..................................................... 18

2.4.1 Finalidades, objetivos e princípios reitores do Sistema Único de Saúde

(sus) 20

3 A TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE ..................................... 25

3.1 JUDICIALIZÃO DO DIREITO À SAÚDE ................................................. 25

3.2 DO EMBATE ENTRE O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO

POSSÍVEL NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE .................................. 27

3.3 REVISITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO

CONTEXTO DE DÉFICIT NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS 32

3.4 AS DIFICULDADES DA ATIVIDADE JUDICIAL CONCRETIZADORA DO

DIREITO À SAÚDE: COMPLEXIDADE TÉCNICA E JURISDIÇÃO

RESPONSÁVEL ............................................................................................. 33

4 BOAS PRÁTICAS ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL NO RIO

GRANDE DO NORTE NO ENFRENTAMENTO DAS DEMANDAS DA SAÚDE

36

4.1 AÇÕES DO COMITÊ ESTADUAL DE DEMANDAS DA SAÚDE NA

PROMOÇÃO DA CIDADANIA E ACESSO À JUSTIÇA.................................. 40

4.2 AÇÕES DO COMITÊ ESTADUAL DE DEMANDAS DA SAÚDE NA

RESOLUÇÃO DAS DEMANDAS DA SAÚDE ................................................ 41

4.3 APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE AS BOAS PRÁTICAS

ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE NO

ENFRENTAMENTO DAS DEMANDAS DA SAÚDE ....................................... 43

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 45

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 47

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1 INTRODUÇÃO

Superadas quase três décadas da promulgação da Constituição Federal

de 1988, a busca pela efetividade do direito fundamental à saúde,

especialmente em seu caráter prestacional é uma constante no Estado

brasileiro, encontrando-se a realidade fática em descompasso com os

contornos desse direito insertos no carta magna pelo constituinte originário.

Elencado dentre os direitos fundamentais (caput, art. 6.º)1, o direito a

saúde não apenas ganhou destaque no atual texto constitucional, mas rompeu

com a histórica tradição de sua vinculação a regime previdenciário, tendo

ainda sua concepção expandida mediante adoção do conceito de saúde

estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS)2 que a concebe não

somente como a ausência de doenças, mas como o completo bem estar

físico, mental e espiritual do homem.

A simples inclusão no art. 6.º demonstrou a elevada importância deste

direito por redundar na aplicação do § 1.º do art. 5.º da CF/19883, o que lhe

atribui aplicabilidade imediata, podendo ser exigida sua implementação

concreta pelo jurisdicionado.

Em que pese a beleza e completude da proteção constitucional, a

realidade cotidiana nos remete a um claro descompasso entre a vontade

constitucional e a vontade dos governantes na efetivação do direito à saúde,

levando milhões de brasileiros, usuários do Sistema Único de Saúde, a

padecerem em situações calaminosas que de tão frequentemente noticiadas

parecem ter ganhado apatia social.

A superlotação em serviços de saúde é um “fenômeno” contemporâneo

global, impactando fortemente sobre a gestão clínica e a qualidade

assistencial. As causas vão desde insuficiência de recursos humano e

material, passando pela má gestão por parte do poder público, à

1 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ” 2 “§1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. ”

3 OMS. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) - 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 01 mar. 2018.

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indisponibilidade de recursos por parte do usuário para arcar com as

despesas referentes ao tratamento em rede particular.

Diante da necessidade de prestação material, os direitos sociais

envolvem custos mais altos que os direitos de primeira geração (de defesa). A

implementação desses ocorre por intermédio das políticas públicas, encargo

típico do Poder Executivo e Legislativo. A judicialização, no entanto, pode

ocorrer e, no caso de omissão, é possível sua concretização pelo Poder

Judiciário.

Se o direito à saúde não tem sido materializado pelo Estado de modo

pleno, o Poder Judiciário surge como o meio de obtenção de tal desiderato,

seja nas demandas relativas a medicamentos, concessão de insumos e

materiais médicos, tratamentos e leitos de UTI. Essa busca pela garantia e

direito à saúde e de cidadania nos tribunais denominou-se judicialização da

saúde.

É nesse contexto de provocação cotidiana do Judiciário para intervir na

Administração, compelindo-a ao cumprimento do dever que a Constituição lhe

impõe, garantindo, assim, o exercício do direito à saúde, que surge a nossa

pergunta de partida.

Não sendo o Judiciário o espaço originário para a satisfação do direito

à saúde, emergindo apenas nas hipóteses de omissão ou má efetivação

deste, quais as práticas adotadas por este Poder para a concretização do

direito à saúde?

Posta a problemática, fazemos no primeiro capítulo, após a delimitação

do conceito de saúde, uma contextualização desse direito no sistema jurídico

pátrio, traçando os alcances de sua positivação e principiologia. Isto porque a

tutela do direito à saúde, reclamada em sede do Poder Judiciário não culmina

em ato de pacificação social com a simples prestação material (ou negação)

do bem perseguido. Mesmos os litígios individuais postos à apreciação

judicial englobam diversas facetas do direito à saúde, necessitando de um

olhar, ao menos sensível do julgador quanto a aspectos de cunho social,

político, econômico, cultural e geográfico, sob pena de desvirtuação do

sistema público de saúde e da propria atividade judicial.

Abordaremos ainda, na discussão sobre a eficácia e efetividade do

direito à saúde a necessidade de se observar que tal direito social assume um

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papel de essencialidade no contexto social, em face de sua interligação com o

primado da dignidade da pessoa humana, sempre em compatibilização com

os contornos que lhe foram dados na Constituição e legislação

infraconstitucional.

Na construção desse capítulo foram especialmente importantes os

estudos de Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo.

O capítulo inicial se encerra com uma caracterização do Sistema Único

de Saúde, indispensável para o adequado entendimento das repercussões do

processo de judicialização.

No capítulo subsequente, discorreremos sobre o fenômeno da

judicialização da saúde, por meio da análise do debate comum entre as

categorias do mínimo existencial e da reserva do possível, além de propormos

uma revisitação ao princípio democrático da separação dos poderes no

contexto de déficit na concretização dos direitos sociais, tudo isto para apontar

as dificuldades da atividade judicial em face das demandas da saúde, desde

que compromissada com a seguraça jurídica e preservação do sistema.

Neste ponto, os estudos de Luiz Roberto Barroso e Ana Paula Barcelos

unem-se aos das autoras supramencionadas na construção deste capítlo.

Por fim, analisaremos as boas práticas adotadas pela Justiça Estadual

no Rio Grande do Norte para o enfrentamento das demandas da saúde,

propondo-lhes uma classificação e apontando possíveis melhorias na

utilização das existentes e criação de novas.

A pesquisa justifica-se na medica em que permite: (i) a academia,

discutir os contornos e feições do direito fundamental à saúde no

ordenamento jurídico pátrio; (ii) a práxis, na medida em que investiga o

tratamento judicial que vem recebendo este direito; e (iii) para os próprios

usuários do sistema, quando enseja a reflexão sobre suas pretensões acerca

da efetivação do direito à saúde.

Esclarecemos que o presente estudo objetiva identificar as boas

práticas implantadas pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Norte com vista

a efetivação do direito à saúde.

Especificamente, entender os contornos, dimensões e alcançes do

direito à saúde, a sua crise de efetividade e que culmina no processo de

judicialização.

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O presente trabalho dirige-se pelo método dedutivo, com procedimento

técnico bibliográfico e documental, direto e indireto, consultando-se, ainda, o

arcabouço jurídico aplicável.

2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O CONTEXTO JURÍDICO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, fruto de um

processo de redemocratização nacional, destaca a proteção aos direitos

humanos fundamentais, dentre os quais está o direito à saúde, concebido em

sua interdependência com uma gama de outros direitos como a vida, moradia,

educação e trabalho. Falar em saúde como direito fundamental dos cidadãos

brasileiros é algo recente na história do país, visto que somente com a atual

Constituição da República esse bem jurídico veio a ser alçado a tal categoria.4

No que tange a tutela do direito à saúde, ao elevá-lo à categoria de

direito fundamental (capítulo II, artigo 6º), a CF/88 universalizou a sua

abrangência, ao passo em que imputa ao Estado o dever promove-lo, por meio

da adoção de uma série de estratégias sociais e econômicas (artigo 196)5.

O artigo 7°, ligado a regulamentação dos direitos trabalhistas, trata da

temática tanto em seu inciso IV, ao mencionar a saúde como necessidade vital

básica a ser abarcada pelo salário-mínimo, bem como no inciso XXII, ao impor

a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde,

higiene e segurança.

Os artigos 23, inciso. II, 24 inciso XII e 30 inc. I e inciso VII tratam de

matérias de competências dos entes federativos, informando que os mesmos

possuem competência comum para cuidar da saúde, bem como

concorrentemente aptos a legislar sobre a defesa da saúde em um cenário em

que aos Municípios cabem a prestação de serviços de atendimento à saúde da

população com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado.

Os artigos 34 (inc. VII, alínea “e”) e 35 (inc. III), por força da EC 29/2000

possibilitam, por sua vez, a intervenção da União nos Estados e no Distrito

Federal bem como dos Estados nos respectivos Municípios em caso de não

aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos na manutenção

e desenvolvimento do ensino e das ações e serviços de saúde, o que ressalta

4 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o

direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, p.125-172, jul./set. 2008, p. 5. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/O_direito_a_saude_nos_20_anos_da_CF_coletanea_TAnia_10_04_09.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2018 5 “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ”

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a preocupação da Constituição com tais direitos, de modo a estes assumirem

um grau de fundamentalidade mais aquilatada no ordenamento pátrio.

Mais do que isto, o constituinte originário foi analítico ao tratar deste

direito, reservando-lhe seção única e exclusiva (artigos 196 ao 200), definindo

as formas de acesso dos usuários, regulamentação, fiscalização e controle

pelo Poder Público, além de definir critérios de gestão.

Com efeito, para a satisfação dos objetivos gerais da República (artigo

3º), não poderia o constituinte originário omitir-se em elenca-lo dentre os

direitos fundamentais, sendo desnecessária, na vigência do atual texto

constitucional, exaustiva defesa quanto a essencialidade do direito à saúde.

Durante o processo de transição democrática, dois grandes eventos

contribuíram para esta mudança de paradigma, a 8ª Conferência Nacional de

Saúde (1986) e o 1º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (1986),

fornecendo subsídios teóricos e influenciando de forma direta o constituinte

originário.

Promulgada a Constituição, o direito à saúde funda-se em dispositivos

com inegável conteúdo de promoção de justiça social. Nas palavras de Aith:

Enfim, o direito à saúde, como Direito social, obriga o Estado a adotar políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Fica evidente aí, o papel do Direito como instrumento de transformação da sociedade. 6

Alcançar os fins almejados pelo constituinte originário no que concerne

realização do direito à saúde é o desafio imposto aos mais diversos atores

sociais, chamados, no exercício da cidadania ou de suas funções institucionais,

a lidar com a complexidade deste direito.

2.1 CONCEITO DE SAÚDE DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS)

Se a essencialidade do direito à saúde não gera grandes divergências

em face de sua extensa proteção constitucional, torna-se imperativo investigar

qual a acepção do direito à saúde adotado pela CRFB/88, isto porque o

6 AITH, Fernando. Curso de Direito Sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São

Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 86.

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vocábulo “saúde”, por si só, comporta interpretações polissêmicas, variável no

tempo e em diferentes ordens constitucionais7.

Não sendo intuito deste trabalho exaurir as inúmeras concepções do

vocábulo “saúde”, tampouco promover resgate histórico, adotamos sua

conceituação normativa.

Neste sentido, podemos afirmar sem maiores entraves que a

Constituição Federal de 1988 ao disciplinar o direito à saúde abandona a

acepção clássica de saúde como ausência de doença, filiando-se ao conceito

consagrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que a define como “um

bem estar físico, mental e social”8.

Este conceito guarda relação intríseca com a ascepção de dignidade da

pessoa humana, amparada em uma noção de vida digna e saudável, de

completo bem-estar físico, mental e social, excluindo as condições insalubres e

precárias.

Neste sentido, se o efeito pretendido pelo princípio da dignidade da

pessoa humana consiste, em última análise, em que as pessoas tenham uma

vida digna, aferida pelos aspectos materiais dessa dignidade, mediante

disponibilização de prestações materiais que a protejam e promovam, e, sendo

o direito a saúde parte integrante desse conceito, nos é cogente analisar as

múltiplas faces que esse direito pode apresentar no ordenamento pátrio.

2.2 DIMENSÕES DO DIREITO À SAÚDE

Os direitos fundamentais em geral podem ser observados sob várias

dimensões complementares. O mesmo ocorre com o direito à saúde que, a

partir da consagração de sua essencialidade no ordenamento jurídico pátrio,

apresenta esfera individual, entendida como a busca de ausência de moléstia,

7 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o

direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, p.125-172, jul./set. 2008, p. 10. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/O_direito_a_saude_nos_20_anos_da_CF_coletanea_TAnia_10_04_09.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2018 8 OMS. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) - 1946. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 01 mar. 2018.

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e coletiva, direcionada à promoção da saúde da coletividade9.

Segundo Sarlet, o direito à saúde pode ser concebido tanto sob uma

perspectiva negativa quanto positiva10.

Na primeira, manifesta-se como um direito de defesa, vocacionado à

proteção da saúde individual ou coletiva, em face de possíveis ameaças do

Estado ou de entes privados. Indica um dever de abstenção, de não praticar

ações que possuam o condão de prejudicar a saúde individual ou pública.

Na dimensão positiva ou prestacional, volta-se ao estabelecimento de

obrigações procedimentais e organizatórias de proteção da saúde individual e

coletiva que são imputadas tanto ao Estado quanto à toda coletividade. Em

sentido amplo, abrange a consecução de medidas de proteção, bem como a

organização de instituições, serviços, ações, procedimentos, os quais não seria

possível o gozo do direito fundamental. Em sentido estrito, a dimensão

prestacional traduz-se pelo fornecimento direto de serviços e bens materiais ao

titular do direito fundamental11.

É justamente a dimensão prestacional, especialmente a de sentido

estrito, que enfrenta os maiores problemas jurídicos da atualidade. Isto porque,

sendo um direito fundamental, o direito à saúde está diretamente relacionado

ao direito à vida, dignidade humana e a integridade física, estando a efetividade

da sua prestação material em constante atrito social.

Contudo, antes de discorrermos especificamente sobre tal problemática,

carece-nos de tecer alguns comentários acerca das categorias jurídicas da

eficácia e efetividade.

2.3 A PROBLEMÁTICA DA EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE

Já restou clarificado que o direito à saúde consiste primordialmente em

um direito fundamental social que poderá assumir diferentes facetas quando

posto frente ao Estado, às vezes posicionando-se como direito de defesa, em

outros momentos como direito a prestação, residindo nessa última hipótese a

9 WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 122. 10

SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 11

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Editora Livraria dos Advogados, 2007, p. 88.

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grande celeuma quanto à sua efetividade, especialmente no que se refere à

busca por prestações materiais em saúde pública.

Neste sentido, percorrido quase trinta anos da promulgação da CF de

1988, o nível atingido no processo de concretização do direito à saúde é

deficiente e não condiz com os anseios do constituinte originário nem do

legislador infraconstitucional.

Tal conclusão é facilmente alcançada até mesmo pelos olhares mais

dispersos, visto que somos diariamente bombardeados pelos meios de

comunicação que informam o colapso da saúde pública nacional.12

Em face de tal cenário, nos é cogente percorrer o conceito dos institutos

jurídicos da eficácia e efetividade.

Apesar das expressões efetividade e eficácia das normas constitucionais

possuírem pontos de convergência, situação que dá ensejo ao surgimento de

imprecisões conceituais na doutrina e jurisprudência, cada categoria apresenta

semântica e função própria dentro do sistema jurídico-constitucional.13

Didaticamente, os atos jurídicos comportam análise científica em três

planos distintos e inconfundíveis: o da existência, o da validade e o da

eficácia.14 Com isto, superados os planos da existência e validade, espera-se

que o comando legislativo adentre o plano da eficácia, sendo capaz de produzir

efeitos no mundo real.

O conceito de eficácia está intimamente relacionado a noção

de produção de efeitos, em outras palavras, a possibilidade de certo enunciado

normativo materializar o que do texto se extrai. Neste sentido, leciona José

Afonso da Silva:

Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas, a

12

A título de exemplificação seguem algumas matérias jornalísticas que retratam o colapso da saúde pública no Estado do Rio Grande do Norte: OAB/RN. OAB/RN emite Nota a respeito da situação da Saúde Pública no Rio Grande do Norte. Disponível em: <http://www.oab-rn.org.br/2017/noticias/9946/oabrn-emite-nota-a-respeito-da-situao-da-sade-pblica-no-rio-grande-do-norte>. Acesso em: 12 abr. 2018; SANTOS, Sérgio Henrique. Governo do RN prorroga estado de calamidade na saúde pública. Disponível em: <https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/governo-do-rn-prorroga-estado-de-calamidade-na-saude-publica.ghtml>. Acesso em: 12 abr. 2018. 13

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 63. 14

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 246-247.

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eficácia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. Por isso é que se diz que a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular; desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita.15

O teórico supracitado estabelece ainda parâmetros de eficácia e

aplicabilidade das normas definidoras de direitos fundamentais, dividindo-as

em: a) normas diretivas, ou programáticas, dirigidas essencialmente ao

legislador; b) normas preceptivas, obrigatórias, de aplicabilidade imediata; e, c)

normas preceptivas, obrigatórias, mas não de aplicabilidade imediata.16

Ao seu turno, a efetividade de uma norma jurídica é avaliada pela

extensão ou produção dos objetivos alcançados, ou seja, significando a

materialização, no mundo dos fatos, de preceitos normativos (BARROSO

2008). 17

O exame do grau de eficácia de determinada norma pressupõe,

portanto, um trabalho hermenêutico de identificação do exato efeito e alcance

que o comando normativo pretende produzir e quais condutas são imperiosas

para tornar real determinado enunciado normativo, ou seja, quais

comportamentos acarretarão efeitos práticos no mundo material.

Imperativo ressaltar que problemática da efetividade não é exclusividade

dos direitos sociais, visto que as outras dimensões dos direitos fundamentais

também enfrentam tal desafio, em menor grau nos de primeira dimensão, face

à da ampla exigibilidade que lhe é reconhecida no mundo jurídico. Contudo, em

sede dos direitos fundamentais, a efetividade é baliza de satisfação do

comando constitucional.

A concretização dos direitos sociais incube, inicialmente, aos poderes

Legislativo e Executivo, por seus órgãos estatais próprios, máxime na

formulação e implementação das políticas públicas que dirigidas ao

cumprimento dos comandos jurisdicionais. Oportuno ressaltar, o conceito de

15

SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 66. 16

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª edição, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 80-86. 17

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurídica UNIJUS, Uberaba, v. 11, n. 15, p.13-38, nov. 2008, p.5.

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18

política pública afirmado por Maria Paula Dallari Bucci:

Programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito.18

A atuação do Poder Judiciário surge quando verificado o déficit de

efetividade dos direitos sociais, causada pela inércia da Administração Pública

ou do Legislativo ou sua atuação em desacordo com os paradigmas

constitucionais, bem assim quando a regulamentação ou atividade executiva

lesionarem ou privarem grupos ou indivíduos de seus direitos, pois segundo

Barroso, as normas fundamentais sociais não foram elevadas ao nível

constitucional para não serem cumpridas.19

Diante da insatisfação social quanto a efetividade da prestação do direito

fundamental à saúde que, como vimos é constitucionalmente tutelado, surge,

na atualidade, uma numerosa corrida ao Poder Judiciário, última instância para

a concretização deste direito, de demandas com objetos variados, tais como:

recebimento de medicamentos, realização de procedimentos cirúrgicos,

entrega de órteses e próteses, garantia de leitos hospitalares e realização de

transplantes.

Este fenômeno, nomeado de judicialização do direito à saúde é objeto

de nosso próximo capítulo. Antes, pórem, parece-nos cogente entender a

idealização do sistema público de saúde, voltado à realização desse direito.

2.4 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Apesar da previsão constitucional de estruturação de um sistema para

prestação de ações e serviços públicos de saúde no país, apenas em 1990 o

Sistema Único de Saúde ganha regulamentação própria, com a edição da Lei

Federal de nº 8.080/90, também conhecida como “Lei Orgânica da Saúde”20.

18

BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em Direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p.14. 19

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 251. 20

BRASIL. Lei Federal nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para

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19

Fruto das reivindicações feitas pela sociedade civil organizada no cenário

político pré 1988 e sua previsão constitucional, especialmente pela estipulação

dos seus princípios e objetivos, o fez assumir a condição de verdadeira

garantia institucional fundamental do direito à saúde, superando-se as

sucessivas tentativas frustradas anteriores.21

O objetivo desse sistema é trazer para o plano material as conquistas

constitucionais que asseguraram o acesso de todos as ações e serviços e

programa da saúde.

Na atualidade, o Sistema único de Saúde (SUS) figura entre os

maiores sistemas públicos de saúde do mundo, apresentando-se ao mesmo

tempo como uma política de Estado, vocacionada à realização dos objetivos

fundamentais da República (art. 3º) e instrumento de organização e o

funcionamento dos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde.22

Congloba um “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados

por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da

Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo

Poder Público.”23 Representa, assim, pelo menos no plano normativo, a reunião

de forças de todos os entes estatais e da sociedade que, de forma isolada ou

por atos comunais, visem a construção um sistema ordenado e orientado na

condução das políticas públicas de saúde no Brasil.

A definição do Sistema Único de Saúde, eivada do texto constitucional e

Lei Federal de nº 8.080/90, permite-nos concluir que estamos diante de um

modelo de um sistema com patente complexidade, seja em razão da própria

dinamicidade do direito ao qual encontra-se diretamente relacionado, ou em

função de sua gestão a múltiplas mãos.

a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 21

SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, p.125-172, jul./set. 2008, p. 12. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/O_direito_a_saude_nos_20_anos_da_CF_coletanea_TAnia_10_04_09.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2018 22

SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, p.125-172, jul./set. 2008, p. 12. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/O_direito_a_saude_nos_20_anos_da_CF_coletanea_TAnia_10_04_09.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2018 23

Na conformidade do contido no art.4º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.080/90.

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20

Com isto, não é demasiado afirmar que o Sistema Único de Saúde,

passados mais de vinte e nove anos de promulgação da Constituição Federal

de 1988, encontra-se em permanente processo de construção com fundamento

em diretrizes, objetivos e princípios sintetizados a seguir.

2.4.1 Finalidades, objetivos e princípios reitores do Sistema Único de

Saúde (SUS)

É missão do Sistema Único de Saúde garantir o acesso de toda a

população brasileira às ações e serviços relativos à promoção, proteção e à

recuperação da saúde, uma vez que se encontra sedimentado pelos princípios

da universalidade e da igualdade.

Os objetivos e finalidades do SUS encontram-se delineados nos artigos

5º e 6º da Lei nº 8.080/90, e estão marcados pela abrangência e

interdependência com as diversas áreas sociais, como educação, ciência e

tecnologia, meio ambiente, alimentação e saneamento, expressando as

dificuldades de alcance dos fins almejados.24

Além da observância aos objetivos e finalidades propostos para o SUS,

a realização desse sistema deve levar em consideração os diversos princípios

eleitos pelo constituinte originário, quando da elaboração do atual texto

constitucional.

Não sendo objeto do presente trabalho travar debate sobre a

conceituação de princípios, tampouco de sua distinção das regras, adotamos

expressão “princípios jurídicos” como sendo normas que ordenam que algo

seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas

e fáticas existentes, ou seja, como mandamentos de otimização.25

Corroborando com tal entendimento Sarmento descreve os princípios

como normas com grau de abstração elevado, carentes de mediações

concretizadoras, afirmando possuirem caráter fundamental no ordenamento

24

Cabe ao SUS ainda, identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; formular as políticas de saúde, o fornecimento de assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde; executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica bem como ações visando à saúde do trabalhador; formular políticas referentes a medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde; dentre outras atribuições que denotam a abrangência e complexidade na implementação completa do mesmo. 25

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 90.

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21

jurídico, devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (princípios

constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico

(princípio do Estado de Direito). São standards juridicamente vinculados nas

exigências de justiça que fundamentam as regras.26

Ao dedicar sessão própria ao direito à saúde (artigo 196 ao 200), a

Constituição Federal de 1988 estabeleceu diretrizes a serem atendidas pelo

SUS. Por sua vez, a Lei Orgânica da Saúde elenca os princípios

específicos que devem subsidiar à realização dessas diretrizes:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar

26

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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22

duplicidade de meios para fins idênticos. XIV – organização de atendimento público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre outros, atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, em conformidade com a Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013.27

Esta coleção de princípios deve ser o guia e alicerce de toda formulação

de política pública, execução e decisões, sejam estas tomadas pelo Poder

Legislativo, Executivo ou Judiciário no exercício de suas atribuições próprias ou

derivadas.

Ademais, elencado dentre os catálogos dos direitos fundamentais, o

direito à saúde é ainda influenciado pelos princípios inerentes a tal geração de

direitos.

O estudo dos princípios informadores do SUS é de suma importância

visto que, frente ao caráter de autêntica garantia institucional fundamental na

proteção do direito à saúde, sua matriz principiológica e diretiva serve de base

para se interpretar o alcance da eficácia e efetividade de tal direito. Urge,

diante da abundância de princípios, promover a integração destes, não apenas

para a adequada perseguição dos objetivos e finalidades de tal sistema, como

também para a manutenção coesa do ordenamento jurídico.

Neste sentido, imperativo tecer alguns comentários sobre os mais

proeminentes do Sistema único de Saúde, cujos teores são comumente

utilizados nas demandas da saúde, seja pelos usuários na formulação dos

pedidos, pelo Estado na negativa ou pelo magistrado no fundamento de sua

decisão, à saber: os princípios da universalidade, da equidade e integralidade.

Sem dúvidas o princípio mais lembrado em se tratando do Sistema

Único de Saúde é o da Universalidade, por meio do qual é garantido o acesso

universal às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da

saúde, implantados por políticas públicas, de forma gratuita e sem distinção de

classe social.

Representa uma mudança de paradigma, visto que o direito à saúde

estava, nas ordens constitucionais anteriores, adstrito aos que possuíam

27

Art. 7º da Lei nº 8.080/90.

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23

vínculo previdenciário.28 Com isto, pelo princípio da universalidade, todos os

residentes no Brasil, inclusive os estrangeiros, gozam de acesso às ações

e serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que não

contribuam (de forma direta), com o financiamento do sistema de seguridade

social.

O princípio da equidade ou igualdade de acesso encontra previsão

expressa no art. 196 do texto constitucional sendo delineado no inciso IV do

art. 7º da Lei Federal de nº 8.080/90, ao estabelecer igualdade da assistência à

saúde, sem distinção de classe, gênero ou qualquer outra condição social.

Neste sentido:

Equidade - Um dos princípios do Sistema Único de Saúde significa que todos os cidadãos brasileiros, independente de sexo, religião, idade ou situação de emprego têm direito à mesma assistência à saúde. Significa ainda, que em função das diferenças sociais e das disparidades regionais, os recursos para a saúde deverão ser distribuídos no sentido de favorecer àqueles que mais necessitam de atenção e cuidados. Esse termo tem relação estreita com a questão da justiça social e a redistribuição da renda.29

Este princípio assegura aos cidadãos as mesmas oportunidades e

qualidades de acesso aos serviços de saúde, sem excluir a prática de critérios

para o acesso ao serviço como, por exemplo, a classificação de risco. Exige

uma análise extremamente delicada, pois não pode ser considerado de forma

isolada, mas sempre considerando a demanda diante de todo o sistema

público: se todos os usuários do sistema público de saúde devem receber

cuidados idênticos e gozar dos mesmos serviços, o oferecimento de

medicamento a um dos usuários (independentemente da decisão ser

administrativa ou por determinação judicial) deve ser estendido a todos

aqueles que estejam em situação similar. 30

Ao seu turno, o princípio da integralidade, previsto no texto constitucional

28

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Editora Livraria dos Advogados, 2007, p. 170-173. 29

BRASIL. Guia de referências para o controle social: manual do conselheiro. Brasília: Ministério da Saúde, 1994. 30

Imensos debates jurídicos podem ser iniciados a partir da análise deste princípio, pois como adverte Dworkin: “A igualdade é um conceito controverso: quem a louva ou deprecia discorda com relação àquilo que louvam ou depreciam. A teoria correta da igualdade é em si uma questão filosófica difícil [...]” (Ronald Dworkin, o Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p.167.).

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24

como uma diretriz (artigo. 198, II da CF/88) e elevado à categoria de princípio

pela Lei Orgânica da Saúde (artigo 5º, III e 7º, II da Lei Federal de nº 8.080/90),

estabelece o alcance dos serviços, abrangendo todos os níveis de

complexidade.

A interpretação literal dos dispositivos supramencionados permite

concluir que o Sistema Único de Saúde deve, além de adotar medidas

preventivas, pôr à disposição do usuário os instrumentos, insumos e

procedimentos hábeis à recuperação de sua saúde diante de enfermidade.

Contudo, a interpretação literal destes dispositivos é alvo de intensas

críticas e pesquisadores e estudiosos, neste sentido destaca Barcellos:

(...) parece inviável conceber um sistema público de saúde que seja capaz de oferecer e custear, para todos os indivíduos, todas as prestações de saúde disponíveis. Com efeito, é difícil imaginar que a sociedade brasileira seja capaz de pagar (ou deseje fazê-lo) por toda e qualquer prestação de saúde disponível no mercado para todos os seus membros. Ou seja: por vezes, a rede pública de saúde não oferecerá à população determinadas prestações já disponíveis na tecnologia diagnóstica e/ou terapêutica.31

Merecem ser citados, ainda, os princípios finalísticos, no que

concerne às diretrizes políticas, organizativas e operacionais, como a

Descentralização, a Hierarquização e a Participação social.

Ora, a utilização desse arcabouço princípiológico não se dá apenas na

criação, execução e fiscalização das políticas públicas da saúde, mas deve ser

considerados quando da apreciação de ações judiciais que reclamem

assitência a saúde, sob pena de desvirtuação do sistema.

Em que pese ter se apresentado marcadamente descritivo, devido a

apresentação de disposições legislativas, bem como de números percentuais

que refletem o atual quadro da saúde pública no Brasil, o presente capítulo

teve sua importância pois contribuiu com uma visão geral acerca de como a

proteção do direito à saúde é esmiuçada e estruturada no ordenamento pátrio.

A apropriação do conhecimento eivado desse complexo normativo é

indispensável para o estudo do presente capítulo, dedicado a tutela judicial do

31

BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidade, mínimo existencial e o valor das abordagens coletivas e abstratas. Revista da Defensoria Pública, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 133- 160, jul./dez. 2008. p. 152.

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25

direito à saúde.

De modo a facilitar o raciocínio do leitor, lembramos que defendemos no

capítulo anterior que o direito á saúde, inserido no contexto dos direitos sociais,

goza de fundamentalidade no ordenamento jurídico pátrio, a partir de sua

interligação com o próprio conceito de dignidade da pessoa humana. Ademais,

adotamos a premissa de que o nível de concretização do direito à saúde

alcançado no panorama constitucional pátrio não corresponde ao patamar

imaginado pelo constituinte de 1988, emergindo a problemática da eficácia e

efetividade do direito à saúde.

É nesse contexto que surge a problemática discussão acerca dos limites

da atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, tema que

envolve, de forma complexa, além de aspectos de natureza constitucional, a

análise das categorias do mínimo existencial e da de princípio da separação

dos poderes, além de considerações acerca dos impactos da atividade judicial

no orçamento e políticas públicas.

Dito isto, será examinado a seguir o tratamento o fenômeno da

judicilaização da saúde, suas causas, fundadamentação jurídica e

complexidade.

3 A TUTELA JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE

3.1 JUDICIALIZÃO DO DIREITO À SAÚDE

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A Constituição Brasileira de 1988 foi pródiga quanto à formalização de

diversos direitos de cidadania, especialmente delineados no título dos direitos e

garantias fundamentais, com ênfase para os direitos individuais e sociais,

prevendo, ainda, mecanismos para a sua efetivação.32

Dentre as garantias individuais está o princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional ou direito de ação, prescrevendo que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso XXXV do art.

5º da CF/88.). Por meio de tal garantia, preenchidas as condições da ação,

todo cidadão pode provocar o Poder Judiciário a pronunciar-se sobre o objeto

do direito litigioso.

Neste compasso, os direitos fundamentais, dentre os quais se insere o

direito à saúde, abandonam uma visão histórica de norma programática,

passando a gozar de exigibilidade concreta, face à disposição constitucional do

§ 1º do art. 5º da CF/88: “As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata. ”

Em outras palavras, perante o déficit de efetividade, causado por

omissão, falha ou ausência da prestação material, o cidadão goza do poder de

reclamar a sua satisfação diretamente ao Poder Judiciário.

É, pois, sob o alicerce jurídico-constitucional de combinação do princípio

da inafastabilidade do controle jurisdicional e o princípio da imediata aplicação

dos direitos e garantias fundamentais, em face, ainda, do déficit de eficácia dos

direitos fundamentais, que surgem as inúmeras ações judiciais que reclamam a

realização do direito à saúde, cenário sintetizado como

processo judicialização.

Como leciona Barroso a “judicialização significa que algumas questões

de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do

Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso

Nacional e o Poder Executivo (...)”.33

32

OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues de. A consolidação do estado constitucional de direito no Brasil. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.7, n.3, p. 1901-1934, 3º quadrimestre de 2012. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rdp/article/viewFile/5568/2974>. Acesso em: 01 fev. 2018. 33

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2018.

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A judicialização da saúde é uma alternativa para garantir a concretização

dos direitos fundamentais, assim um indivíduo recorre ao Poder Judiciário em

busca de garantir e efetivar seus direitos, vale destacar que ao Poder Judiciário

caberá intervir em eventuais desigualdades ocorridas no campo sanitário, nestes

casos.

Desde modo, as controvérsias pairam em torno da possibilidade do

reconhecimento de um direito subjetivo individual ou coletivo a prestação na

área da saúde e se há um limite ou qual é o seu limite prestacional.

Indaga-se, é dever do Estado fornecer, de modo universal, todos os

meios possíveis para promoção, proteção e recuperação à saúde a todos os

cidadãos? A limitação estaria fundada no mínimo existencial e na reserva do

possível?

Todas essas perguntas são diariamente enfrentadas pelo Poder

Judiciário em sua função institucional, inexistindo, contudo, resposta uniforme

para tais questões.

Para a melhor apreensão dessas questões tona-se imprescindível

averiguarmos melhor o debate entre o mínimo existencia e a reserva do

possível no ambito do direito à saúde.

3.2 DO EMBATE ENTRE O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO

POSSÍVEL NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

Considerando, por um lado, o aspecto de essencialidade dos direitos

fundamentais, e, por outro, os custos para a sua realização, pois dependem de

prestações estatais positivas para sua efetivação, há de se considerar,

igualmente, que as realidades orçamentárias do Estado precisam ser

compreendidas.34 Não é possível se falar em despesas estatais sem considerar

a necessária autorização para realização dos gastos, o que se dá conforme a

Lei Orçamentária Anual (CF, art. 167, I e II).

Nesse sentido, duas categorias jurídicas são fundamentais para avançar

nas discussões e análises sobre a temática da realização dos direitos

fundamentais, ou seja, daqueles que demandam prestações positivas do

34

AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de

recursos e as decisões trágicas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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Estado: “mínimo existencial” e “reserva do possível”.

O mínimo social ou existencial atrela ao Estado o dever propiciar aos

seus cidadãos condições mínimas de existência, através de prestações

estatais positivas. Para Ingo Sarlet e Mariana Filchtiner o mínimo existencial é

a “garantia efetiva de uma existência digna abrange mais do que a garantia da

mera sobrevivência física, situando-se, portanto, além do limite da pobreza

absoluta”.35

Na missão de concretização dos direitos fundamentais

constitucionalmente tutelados, além da apuração dos elementos jurídicos para

a adequada acepção e tutela, torna-se imperativo a perquirição acerca da

existência efetiva de condições materiais e financeiras para a realização dos

comandos normativos.36

O mínimo existencial deve ser compreendido também “como direito e

garantia fundamental, haverão de guardar sintonia com uma compreensão

constitucionalmente adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa

humana como princípio constitucional fundamental”37.

Corroborando, o artigo 170, da Constituição Federal dispõe que “a

ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna”.

Consiste em um núcleo básico de prestações e serviços, que o Estado

deve oferecer aos cidadãos como elementos materiais da dignidade, ou um

precedente do princípio da dignidade da pessoa humana que consiste em um

conjunto de prestações materiais mínimos, sem as quais o indivíduo estará em

situação de vulnerabilidade e/ou risco.

No campo do direito à saúde, a questão do mínimo existencial

materializa-se em “cuidados essenciais de saúde, baseados em métodos e

tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente

aceitáveis ao alcance universal de indivíduos e famílias”.38 Neste sentido

35

SARLET, Ingo Wolfgang, FIGUEIREDO. Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista da Defensoria Pública. São Paulo. V. 1. P. 179-234. Jul./dez. 2008, p. 191. 36

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8° ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 56. 37

SARLET, Ingo Wolfgang, FIGUEIREDO. Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista da Defensoria Pública. São Paulo. v. 1. p. 179-234. Jul./dez. 2008, p. 191. 38

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua

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(...) pelo acolhimento do conceito de mínimo existencial, a ser garantido como direito para a efetivação desse princípio [dignidade da pessoa humana], tem-se por estabelecido um espaço juridicamente assegurado e posto a cumprimento obrigatório, de tal modo que o seu não acatamento pode ser objeto de responsabilização do Estado. (...) o conceito de mínimo existencial dotou de conteúdo objetivo o quanto compete aos Estado e à sociedade garantir a todos o cumprimento do princípio da dignidade humana.39

Esta categoria jurídica é, sem dúvidas, uma das mais utilizadas por

aqueles que se socorrem do poder judiciário peliteando a efetividade do direito

à saúde, sempre em contraponto a teoria da reserva do possível.

Na apuração sobre a existência ou não de condições materiais e

financeiras para garantir a concretização dos direitos fundamentais,

sobressalta-nos a lógica de que as necessidades tendem ao ilimitado, ao passo

em que os recursos enfrentam barreiras orçamentárias. No meio dessas

fronteiras gravita a ideia do instituto popularizado por reserva do possível.

A teoria da reserva do possível exprime, no ordenamento brasileiro, a

ideia de que, além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir

judicialmente do Poder Público, os direitos a prestações materiais estariam sob

a reserva da capacidade financeira do Estado dependendo, portanto, da efetiva

disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado sintetizados no

campo do orçamento público.40

Neste sentido, assevera Gouvêa:

Diversamente das omissões estatais, as prestações positivas demandam um dispêndio ostensivo de recursos públicos. Ao passo em que estes recursos são finitos, o espectro de interesses que procuram suprir é ilimitado, razão pela qual nem todos estes interesses poderão ser erigidos à condição de direitos exigíveis. A doutrina denomina reserva do possível fática a este contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais. Muitas vezes, os recursos financeiros até existem, porém não há previsão orçamentária

eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 208. 39

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O mínimo existencial e o princípio da reserva possível. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, v. 5, p. 439-461, jan./jun. 2005, p. 445. 40

GOUVÊA, Marcos Masseli. O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos. Disponível em: http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc. Acesso em: 09 mai. 2018.

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que os destine à consecução daquele interesse, ou licitação que legitime a aquisição de determinado insumo: é o que se denomina reserva do possível jurídica. 41

Tal teoria abrange duas dimensões básicas: uma fática, ligada

propriamente à noção de limitação dos recursos materiais aproximado da

exaustão orçamentária; e uma jurídica, atrelada ao poder de disposição e

competência para decidir e determinar sobre a alocação dos recursos

existentes para determinada matéria.42

De todo modo, está-se falando de restrição a realização (pelo menos

imediata) dos direitos fundamentais, uma vez que estes não são absolutos43.

Assim, se há um “mínimo” a ser considerado e protegido, abaixo do qual não

se admite transigir pelo consenso social, por outro lado há que se considerar as

possibilidades e limites (fáticos) do Estado em prover o atendimento dos

direitos fundamentais sociais, ou seja, dos direitos/deveres prestacionais.44

Tal teoria não se refere unicamente à análise acerca da existência ou

não de recursos suficientes para a concretização do direito social em exame,

mas à razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação,

resguardando assim um mínimo existencial ligado à dignidade da pessoa

humana.

Na medida em que o Poder Executivo tem se mostrado ineficiente no

que concerne a efetivação do direito à saúde, o Judiciário é buscado para

suprir essa carência, nascendo a grande dificuldade dos operadores do direito

consiste em promover, no âmbito demandada que reclame a efetividade do

41

GOUVÊA, Marcos Masseli, op. cit. 42

MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), n° 21, 2010, Salvador, p. 11. 43

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 44

Nesse sentido, Celso de Mello aponta que: “(...) os condicionamentos impostos, pela cláusula da reserva do possível, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa –, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 45 MC/DF. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 29 de abril de 2004. Diário de Justiça da União de 04 de maio de 2004, p. 12).

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direito à saúde, a ponderação entre tais institutos. Neste sentido:

O conteúdo essencial de um direito social, portanto, está intimamente ligado, a partir da teoria relativa, a um complexo de fundamentações necessárias para a justificação de eventuais não-realizações desse direito. Em outras palavras: tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado, na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como o “mínimo existencial” ou a “reserva do possível” só fazem sentido diante desse arcabouço teórico.45

Embora protagonistas nas demandas reclamam a satisfação do direito à

saúde, as teorias do mínimo existencial e da reserva do possível apenas dois

aspectos a serem considerados. Vislumbrar a problemática da saúde somente

sob a ótica de aumentar os recursos financeiros ou mera satisfação de

pretensão individual desvinculada de um olhar global do sistema é

desconsiderar problemas de maior gravidade como, por exemplo, o déficit na

gestão pública e as trágicas repercussões de uma jurisdição irresponsável.

Isto porque, no cenário ideal, a satisfação do direito à saúde se daria por

meio de políticas públicas e adequada gestão que materializassem o desejo do

legislador, especialmente do constituinte originário. Na medida em que tal

perspectiva não é alcançada, o Poder Judiciário passa, por meio de suas

decisões, a interferir na gestão de políticas públicas e orçamento destinados a

saúde.

Contudo, delegar ao Judiciário a última palavra em uma série de

questões que envolvam aspectos centrais do direito à saúde é o meio

adequado para a garantia desse direito? Qual o papel que o Poder Judiciário

desempenha na construção de uma democracia que esteja em consonância

com a preservação e o respeito aos direitos fundamentais, dentre os quais, o

direito à saúde?

Para responder a essas problematizações, faz-se necessária uma

revisitação ao princípio da separação dos poderes no contexto de défict na dos

direitos sociais.

45

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 206.

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3.3 REVISITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO

CONTEXTO DE DÉFICIT NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

Um dos principais pontos sensíveis concernentes a uma concepção

estatal pautada em base democrático-republicana é o da separação dos

poderes. Muito se questiona acerca da legitimidade da atuação do Judiciário

em questões que envolvam matérias relacionadas aos outros poderes do

Estado.

Em uma concepção jurídico-formalista, os Poderes Executivo e

Legislativo sobrepõem-se ao Judiciário na formação de políticas públicas e na

própria condução do Estado, não cabendo ao Judiciário a participação -

legítima e democrática – em decisões públicas.

Entretanto, dada a complexidade do mundo contemporâneo, exige-se

um Judiciário mais participativo, capaz de decidir conflitos de diversas matizes

que surgem em sociedade - inúmeras questões de índole estritamente política

agora são trazidas ao exame do Poder Judiciário, como no caso do direito à

saúde onde suas decisões impactam de forna direta na formulação de políticas

públicas e orçamento.

Segundo Maia, o alargamento da Jurisdição Constitucional e

consequente ascensão institucional do Judiciário, provocaram um expansão da

judicialização de questões políticas e sociais, as quais passaram a ter nos

tribunais a sua instância decisória final, o que resgatou a discussão sobre os

limites da comunicabilidade entre o sistema político e jurídico.46

A tese da separação dos poderes, por si só, desdobra-se em pelo

menos uma dezena de temas satélites, como o ativismo judicial, crise de

representatividade parlamentar, ascepções do neoconstitucionalismo e teorias

hemeneuticas que transbordam as instensões desse trabalho.

Defendemos, contudo, que no contexto de déficit de efetividade dos

direitos sociais não pode o Poder Judiciário omitir-se de sua função de garantir

os direitos historicamente consquistados. Neste sentido assevera Ana Paula de

Barcellos:

46

MAIA, Christianny Diógenes. Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro. In: SALES, Gabrielle Bezerra; JUCÁ, Roberta Laena Costa (Orgs.) Constituição em foco: 20 anos de um novo Brasil. Fortaleza: LCR, 2008, p. 52.

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Em um Estado democrático, não se pode pretender que a Constituição invada o espaço da política em uma versão de substancialismo radical e elitista, em que as decisões políticas são transferidas, do povo e seus representantes, apara os reis filósofos da atualidade: os juristas e operadores do direito em geral. (...) Se, contudo, a Constituição contém normas nas quais estabeleceu fins públicos prioritários, e se tais disposições são normas jurídicas, dotadas de superioridade hierárquica e de centralidade no sistema, não haveria sentido em concluir que a atividade de definição das políticas públicas – que irá ou não realizar esses fins – deve estar totalmente infensa ao controle jurídico. Em suma: não se trata de absorção do político pelo jurídico, mas apenas da limitação do primeiro pelo segundo.47

No cenário ideal, os direitos fundamentais teriam sua satisfação

mediante a atuação do Legislativo e Executivo, em um cenário distorcido, o

Poder Judiciário torna-se o espaço para a gantia dos mesmo. É justamente por

não ser o espaço originário de concretização do direito à saúde, que a

atividade judicial, embora legítima, enfrenta severas dificuldades no

enfrentamento dessas demandas, possuindo o condão de produzir efeitos que

perpassam o interesse e esfera dos litigantes, emergindo a necessidade de

vinculação a critérios razoáveis e objetivos que não desvirtuem a organização

dos poderes estruturada constitucionalmente.

3.4 AS DIFICULDADES DA ATIVIDADE JUDICIAL CONCRETIZADORA DO

DIREITO À SAÚDE: COMPLEXIDADE TÉCNICA E JURISDIÇÃO

RESPONSÁVEL

A tutela do direito à saúde, reclamada em sede do Poder Judiciário não

culmina em ato de pacificação social com a simples prestação material (ou

negação) do bem perseguido. Pelo contrário, a atuação deste Poder dá origem

ao surgimento de uma gama de outros questionamentos, tais como: (i) há

mácula ao princípio da equidade em demandas que priorizam o individual em

detrimento do direito à saúde do restante da comunidade? (ii) em que medida o

excesso de judicialização dessas ações impactam no orçamento e formulação

47

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, n. 15, jan./mar. 2007, p. 12.

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de políticas públicas na área da saúde? (iii) como limitar a atuação do Poder

Judiciário em respeito ao princípio da repartição dos poderes?

Todas essas questões configuram palco para intensos debates de

teóricos, pesquisadores, instituições e cidadãos, na busca pela melhor gestão

desse direito.

Neste sentido discorre Ana Paula de Barcellos:

Um doente com rosto, identidade, presença física e história pessoal, solicitando ao Juízo uma prestação de saúde é percebido de forma inteiramente diversa da abstração etérea do orçamento e das necessidades do restante da população, que não são visíveis naquele momento e têm sua percepção distorcida (...).48

Ribeiro tece variadas críticas à Judicialização do direito à saúde, dentre

as quais destaca-se: (i) o direito a saúde é uma norma concretizada a partir de

promoção de políticas públicas, não de decisões judiciais; (ii) o fato de a

atuação do judiciário violar o arranjo institucional quando estabelece ao Poder

Executivo uma visão das necessidades públicas; (iii) a judicialização da saúde

desorganiza a administração pública quando atua numa decisão individual e

imediata; (vi) gastos com a judicialização da saúde prejudicam a coletividade;

(v) a concessão por decisões judiciais restringe aqueles que tem acesso à

justiça e conhece seus direitos; (v) o Poder Judiciário sozinho não detém de

conhecimentos técnicos para tratar determinadas ações de saúde.49

É em resposta a esta última crítica, a ausência de aparato técnico capaz

de dirimir as demandas adstritas ao direito à saúde, que o Poder Judiciário

inova na implementação de boas praticas, na busca por uma jurisdição

responsável. Isto porque as inúmeras demandas judiciais da saúde

distribuídas diariamente não perpassam por um olhar, ao menos preocupado

com o caráter técnico, sendo “dirimidas” por meio de elementos meramente

jurídicos que podem ensejar maiores injustiças do que as que intentam

pacificar.

48

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos Princípios Constitucionais: O princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 3° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 322. 49

RIBEIRO, Laís de Souza. Judicialização da Saúde e a Obrigação do Fornecimento de Medicamentos pelo Poder Público: Parâmetros e Perspectivas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2013. 53 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2013.

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Imaginemos a hipótese ação judicial envolvendo pedidos de custeio de

medicamentos, insumos e/ou procedimentos pelo SUS, fora da cobertura do

sistema público de saúde brasileiro, concedida com fundamentos exclusivo em

elementos jurídicos desconexos com do conhecimento técnico que envolve a

matéria. É enorme a possibilidade de decisão implicar em violação ao princípio

da equidade, circunstância que exige do Poder Judiciário uma atuação mais

acertiva no enfrentamento de tais demandas, buscando alternativas e subsídios

técnicos para que não provoque a descaracterização do seu próprio poder50 e

do Sistema Único de Saúde.

É certo que os problemas de efetividade do direito a saúde não terão a

sua satisfação social por meio do poder judiciário, senão por meio da criação,

gestão e fiscalização de políticas públicas sensíveis as necessidades da

população brasileira. Noutro pórtico, enquanto tal perspectiva não é alcançada,

o Poder Judiciário não pode se omitir, no desempenho da função de guardião

do ordenamento juridico, pacificar os conflitos da saúde postos a sua

apreciação, pacificação esta que deve considerar a complexidade da demanda

que supera os interesses individuais dos litigantes, refletindo em toda

coletividade.

É nessa perspectiva de oferta de uma prestação jurisdicional efetiva e

responsável que passamos a analisar no próximo capítulo boas práticas

emplantadas pela Justiça Estadual do Rio Grande do Norte no enfrentamento

das demandas da saúde.

50

Em uma concepção de judiciário como palco de realização da justiça.

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4 BOAS PRÁTICAS ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL NO RIO

GRANDE DO NORTE NO ENFRENTAMENTO DAS DEMANDAS DA SAÚDE

É no contexto nacional de preocupação com o volume de ações da

saúde que a Justiça Estadual do Rio Grande do Norte desenvolve uma série de

ações voltadas ao desenvolvimento da prestação jurisdicional mais eficaz e

responsável.

Diante das crescentes discussões envolvendo a judicialização do direito

à saúde no âmbito do Sistema único de Saúde (SUS), o Superior Tribunal

Federal (STF) convocou a Audiência Pública nº 4 que, prevista para os dias 27

e 28 de abril de 2009, ocorreu em 27, 28 e 29 de abril e em 4, 6 e 7 de maio de

2009.

No despacho de convocação da audiência de 5 de março de 2009, o

então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, expressa as razões que

motivaram sua realização:

Considerando os diversos pedidos de Suspensão de Segurança, Suspensão de Liminar e Suspensão de Tutela Antecipada em trâmite no âmbito desta Presidência, os quais objetivam suspender medidas cautelares que determinam o fornecimento das mais variadas prestações de saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTI; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias; custeio de tratamentos fora do domicílio e de tratamentos no exterior; entre outros); Considerando que tais decisões suscitam inúmeras alegações de lesão à ordem, à segurança, à economia e à saúde públicas; Considerando a repercussão geral e o interesse público relevante das questões suscitadas;51

Após explanar a importância do ato, algumas perguntas são propostas

para subsidiar as discussões, tais como:

51

STF. Despacho de Convocação de Audiência Pública de 5 de março de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Despacho_Convocatorio.pdf. Acesso em: 10 abr. 2018.

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(…) quais são as consequências práticas do reconhecimento da responsabilidade solidária, por meio da qual todos – União, estados e municípios – são considerados responsáveis por fornecer determinado bem ou serviço em matéria de saúde para a estrutura do sistema e para as finanças públicas? Em relação à própria gestão do SUS e ao princípio da universalidade do sistema, prescrições de medicamentos subscritas por prestadores de serviço privados de saúde podem subsidiar ações judiciais? Ou deve ser exigido que a prescrição seja feita por médico credenciado no SUS e que o processo judicial seja precedido por pedido administrativo? Quanto ao princípio da integralidade do sistema, importa analisar as consequências do fornecimento de medicamentos e insumos sem registro na Anvisa ou não indicados pelos protocolos e pelas diretrizes terapêuticas do SUS? Por que os medicamentos prescritos ainda não se encontram registrados? Ha verá um descompasso entre as inovações da medicina e a elaboração dos protocolos e das diretrizes terapêuticas? Há realmente eficácia terapêutica nos medicamentos não padronizados que vêm sendo concedidos pelo Poder Judiciário? Esses medicamentos possuem equivalentes terapêuticos oferecidos pelo SUS capazes de tratar adequadamente os pacientes? Há resistência terapêutica aos medicamentos padronizados? Por que muitas vezes os próprios profissionais de saúde do SUS orientam os pacientes a procurar o Poder Judiciário? São casos de omissão de política pública, da política existente, ou há outros interesses envolvidos? O estudo da legislação do SUS permitirá distinguir as demandas que envolvem o descumprimento de uma política daquelas que buscam suprir uma omissão do gestor de saúde?

Como isso pode interferir na atuação do Poder Judiciário?52

Em que pese a abrangência dos questionamentos acima perfilados,

pode-se dizer que as discussões gravitaram em três assuntos principais: a

dispensação de medicamentos, a alocação de recursos e a função e a

interligação entre os três poderes.

Proferidas um total de cinquenta e uma apresentações, pode-se concluir

que a audiência pública foi uma experiência importante para o debate

democrático a respeito do direito à saúde, com manifesta a representatividade

identificada pela presença de gestores públicos, profissionais da área médica,

juristas, professores e usuários do SUS.

Inspirado pelos resultados das discussões travadas na Audiência Pública

nº 4, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constituiu por meio da Portaria nº

52

STF. Audiência Pública nº 4, convocada em 5 de março de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__MGM.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018.

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650, de 20 de novembro de 200953 um grupo de trabalho, objetivando

orientação sobre a crescente demanda dos processos envolvendo saúde.

Os trabalhos do grupo resultaram na aprovação da Recomendação nº

31 de 30 de março de 201054 e na Resolução nº 107 do CNJ55 que instituiu o

Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e Resolução das demandas

de assistência à Saúde – Fórum da Saúde.

Por fim, aos 6 de setembro de 2016, o CNJ publica a resolução de nº

23856 determinado a criação de comitês estaduais da saúde no âmbito dos

Tribunais de Justiça e regionais Federais.

Em observância a Resolução nº 238/2016 do CNJ, o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Norte, institui o Comitê Estadual das Demandas da Saúde,

cujas boas práticas para o enfrentamento dessas ações judiciais passamos a

analisar.

O Comitê Estadual das Demandas da Saúde, sob a coordenação do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, possui composição plural,

congregando representantes da Procuradoria do Estado, da Advocacia Geral

da União, do Ministério Público Estadual, Defensoria Pública Estadual e da

União, da Justiça Federal e de conselhos de classe como a Ordem dos

Advogados do Brasil e o Conselho Regional e Medicina.

Possui frentes diversas, incluído ações voltadas ao exercício da

cidadania, prevenção de ações judiciais que reclamem a realização do direito à

saúde, resolução administrativa dos conflitos e fornecimento de subsídios

53

BRASIL. Portaria do CNJ nº 650, de 20 de novembro de 2009. Cria grupo de trabalho para estudo e proposta de medidas concretas e normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=496>. Acesso em: 10 abr. 2018. 54

BRASIL. Recomendação do CNJ nº 31, de 30 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/recomendacao/recomendacao_31_30032010_22102012173049.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018. 55

BRASIL. Resolução do CNJ nº 107, de 06 de abril de 2010. Institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_107_06042010_11102012191858.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018. 56

BRASIL. Resolução do CNJ nº 238, de 06 de setembro de 2016. Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3191>. Acesso em: 10 abr. 2018.

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técnicos para o julgamento das ações.

Para efeitos meramente didáticos, dividimos as ações de enfrentamento

as demandas da saúde em duas categorias, a saber: as voltadas a promoção

da cidadania e acesso à justiça; e as voltadas a pacificação dos conflitos

instaurados.

Para tanto, nos é cogente definir o que entendemos por acesso à justiça

e cidadania.

Prevista no art. 5º, XXXV da Constituição Federal57, o acesso à justiça é

comumente denominado de princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional ou princípio do direito de ação, presente também no art. 8.158, da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos59, da qual o Estado Brasileiro é

signatário.

Em uma interpretação formalista e aligeirada dos dispositivos

supracitados, poder-se-ia delimitar o amplo espectro de tal princípio na

prestação positiva estatal em promover mecanismos processuais de

admissibilidade de litígios. Tal interpretação deve ser de pronto rechaçada. Em

vigência do Estado democrático, o acesso à justiça é melhor concebido se

encarado como um arcabouço de direitos fundamentais dispostos ao indivíduo,

para que, por meio do exercício de sua cidadania, possa alcançar a ordem

jurídica justa, de forma alguma, restrita ou esgotada junto ao Poder Judiciário.

Nesse sentido:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos60.

Ampliar os meios de acesso à justiça é, antes de tudo, promover a

57

“Art. 5º, XXXV, A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. ” 58

“Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza. ” 59

OEA. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 13 abr. 2018. 60

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.12.

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emancipação dos indivíduos possibilitando que estes tenham suas pretensões

apreciadas e pacificando os conflitos da sociedade.

Quanto ao conceito de cidadania, por deveras dinâmico em face dos

diferentes contextos sociais e períodos históricos, adotamos a definição de

Paulo Bonavides que assim o descreve:

O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva na qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto, cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais (educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos (salário justo, emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente, da

construção da vida coletiva no Estado democrático.61

Delineadas tais categorias analíticas, passamos a discorrer sobre as

boas práticas adotadas pela Justiça Estadual do Rio Grande do Norte no

enfrentamento das demandas da saúde.

4.1 AÇÕES DO COMITÊ ESTADUAL DE DEMANDAS DA SAÚDE NA PROMOÇÃO DA CIDADANIA E ACESSO À JUSTIÇA

No âmbito do incentivo a prática da cidadania o Comitê desenvolve o

programa "Registrar é Legal", com o escopo de promover a emissão do Cartão

do SUS aos usuários que em virtude de não possuírem documentos de

identificação civil como o Registro de Nascimento, Cadastro de Pessoa Física

ou Cédula de Identidade, não conseguiam retirar o documento.62 Neste sentido,

o programa promove, em parcerias com instituições civis e governamentais, a

supressão das pendências até a emissão do referido cartão.

A importância deste projeto reside no fato de o Cartão do Sus ser o

documento que possibilita a vinculação de procedimentos, ações e serviços de

saúde executados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) ao cidadão, ao

61

BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 7. 62

TJRN. Registrar é Legal incentiva obtenção do Cartão do SUS para crianças da zona Oeste de Natal. Disponível em: <http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/8063-registrar-e-legal-incentiva-obtencao-do-cartao-do-sus-para-criancas-da-zona-oeste-de-natal>. Acesso em: 02 maio 2018.

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profissional de saúde que os realizou e também à unidade de saúde onde

foram realizados.63 Assim permite, para além do acesso adequado, a

fiscalização, estudo e formulação de políticas públicas.

Ainda no campo de promoção da cidadania e acesso à justiça, o Comitê

Estadual das Demandas da Saúde elaborou e disponibilizou em seu site

cartilha com objetivo de subsidiar a adequada proposição das demandas da

saúde64.

Com a exposição detalhada dos documentos necessários ao ingresso

judicial para pedidos de medicamentos, cirurgia, exame, ou saúde suplementar,

intenta-se: (i) promover celeridade processual, mediante a prevenção de

inúmeras solicitações de diligências no decorrer do processo; (ii) evitar a

extinção prematura do processo nos termos do artigo 330, IV do CPC.

Dentro deste grupo, podemos destacar ainda a realização das

chamadas “Oficinas de Direito à Saúde”, palestras com periodicidade bimestral

com o escopo de pôr em discussão temas que entrelaçam aspectos médicos e

jurídicos, permitindo a profissionalização, discussão e aprofundamento de

temas correlatos ao saber médico e jurídico com destacada importância nas

demandas judiciais.

4.2 AÇÕES DO COMITÊ ESTADUAL DE DEMANDAS DA SAÚDE NA

RESOLUÇÃO DAS DEMANDAS DA SAÚDE

Dentre as ações desenvolvidas pelo Comitê Estadual das Demandas da

Saúde a mais destacada é a da antiga Câmara Técnica, atualmente

denominada de Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS).

Seguindo a recomendação nº 31/2010, do Conselho Nacional de

63

DATASUS. Cartão Nacional do SUS. Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/cartao-nacional-do-sus>. Acesso em: 02 maio 2018. 64

Comitê Estadual das Demandas da Saúde. Direito Fundamental à Saúde: Quando e como podemos demandar? Natal: ESMARN, 2017. Disponível em: <http://comite.tjrn.jus.br/docs/cartilha-direito-fundamental-saude.pdf>. Acesso em: 02 maio 2018.

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Justiça65, O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte firmou Termo de

Cooperação Técnica n.º 08 de 9 de dezembro de 2014 com o Estado do Rio

Grande do Norte, o Município de Natal e o Hospital Universitário Onofre Lopes

(HUOL) para a criação de um órgão multi-institucional que fornecesse

subsídios técnicos aos magistrados no enfrentamento das demandas da saúde.

O Núcleo é composto por médicos e farmacêuticos do quadro de

servidores efetivos dos órgãos e entes cooperadores, indicados pelos

respectivos representantes legais, os quais gozam de mandato de quatro anos,

prorrogável por igual período (artigo 1º da Portaria nº 608/2015-TJRN).

Regulamentada pela Portaria nº 608/2015-TJRN de 13 de abril de

201566, a Câmara Técnica é responsável pela elaboração de documentos

técnicos e especializados na área da saúde, com o fim de auxiliar magistrados

na formação de um juízo de valor, por ocasião da apreciação de questões

clínicas apresentadas nas ações judiciais, envolvendo a assistência à saúde

pública. Neste sentido:

Art. 2º Os documentos produzidos pela Câmara Técnica consistirão na elaboração de: I –Respostas Técnicas rápidas para casos em que não haja necessário levantamento bibliográfico complexo, mas que demande informação qualificada imediata; e II – Notas Técnicas abrangendo casos específicos e complexos que demandem revisão bibliográfica.67

Além das informações médico-bibliográfica, constitui os pareceres uma

análise dos custos do tratamento/insumo requisitado, recomendações sobre os

riscos e benefícios de sua concessão, além de sua oferta pelo Sistema Único

de Saúde.

Imperativo ressaltar que a Núcleo de Apoio Técnico recebeu a adesão

65

BRASIL. Recomendação do CNJ nº 31, de 30 de março de 2010. Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/recomendacao/recomendacao_31_30032010_22102012173049.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018. 66

RIO GRANDE DO NORTE. Portaria nº 608 do TJRN de 13 de abril de 2015. Dispõe sobre a formação e funcionamento da câmara técnica voltada a auxiliar a instrução e o julgamento de demandas relacionadas com a saúde. 67

Ibidem.

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da Justiça Federal de Primeiro Grau no Rio Grande do Norte, através do Termo

Aditivo n. º 01/2015 ao Acordo de Cooperação Técnica 08/2014, no dia

19/06/2015. A adesão da Justiça Federal trouxe significativas melhoras ao

acesso dos serviços prestados pela Câmara Técnica por meio da criação do

banco de dados “JUDSaúde”68, ferramenta que disponibiliza a magistrados,

operadores do direito e todas as pessoas interessadas consulta pareceres

técnicos do Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário sobre as solicitações já

respondidas, bem como a algumas informações de interesse na área das

demandas de saúde.

4.3 APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE AS BOAS PRÁTICAS

ADOTADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE NO

ENFRENTAMENTO DAS DEMANDAS DA SAÚDE

A busca pelo aperfeiçoamento da atividade jurisdicional nas demandas

que reclama assistência à saúde parece-nos indispensável para o alcance de

uma jurisdição mais justa e responsável. Isto porque a atividade judicial, em

face da demanda da saúde deve, especialmente quando discutido o acesso a

prestações materiais, levar em consideração não apenas o interesse das

partes, mas também de toda a coletividade, em observância ao princípio da

equidade.

De igual forma, ao se filiar a um posicionamento garantista,

despreocupado com os limites e consequências das decisões e afastado dessa

percepção global do sistema que leva em conta toda a coletividade, o Judiciário

contribui para a formação é um círculo vicioso: da omissão do Executivo em

materializar o direito à saúde sob o argumento de que tal valor já está

reservado para as possíveis decisões judiciais, ou de implementação das

políticas públicas depois de exigidas judicialmente.

Já defendemos ao longo deste trabalho não ser o Poder Judiciário o

espaço originário nem o mais adequado para a perseguição da efetividade do

direito à saúde nos moldes insertos na Constituição Federal de 1988, embora

seja legítima a sua atuação toda vez que a omissão estatal ou, até mesmo, a

68

JFRN. JUDSaude. Disponível em: <www.jfrn.jus.br/judsaude>. Acesso em: 04 mai. 2018.

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ação insuficiente ou desvirtuada dos propósitos constitucionais e legais, gerem

afronta ao direito em questão. Esta atuação, contudo, pode gerar efeitos que

disvirtuem a própria atividade judicial e o Sistema Único de Saúde,

especialmente no que condiz ao princípio da equidade.

Neste sentido, a adoção das boas como as perfiladas no item anterior,

quando bem empregadas, ensejam uma prestação judicial mais eficaz e

responsável, ao passo em que tentam envitar anacrônias oriundas das

decisões. Explicamos melhor: (i) As boas práticas elencadas no item de

promoção da cidadania e acesso à justiça, corroboram para uma visão de

igualdade de todos os usuários do sistema, a partir da difusão dos maios de

acesso, momento e procidimento para instauração dos litígios. Ao contrário do

que possa pensar o leitor desatento, essas ações não militam no incremento do

alarmante número de demandas da saúde, mas permitem uma melhor

concientização dos usuários do sistema acerca dos limites e perspectivas dos

seus direitos, incitando-lhes à pacificação administrativa de suas pretensões;

(ii) Por sua vez, as ações voltadas à resolução judicial dos conflitos cercam a

atividade decisória de subsídios técnicos capazes de excluir, ou ao menos

mitigar, possíveis desvirtuações do Sistema Único de Saúde decorrentes de

uma cognisção amparada apenas em elementos jurídicos e despreocupada

com a visão global dos problemas postos à apreciação.

Embora inexistam dados estatíscos das ações desenvolvidas pelo

Comitê Estadual das Demandas da Saúde, especialmente no que concerne ao

número de consulta, oferta de pareceres e da utilização destes na resolução

dos litícios judiciais, pode-se afirmar que sua atuação, ainda tímida, possui um

amplo espaço para crescimento.

Dentre as iniciativas que podem ser implantadas, está a criação de um

câmara de conciliação para as demandas da saúde, com participação dos

entes públicos e conciliadores do poder judiciário, com vistas a resolução dos

conflitos ainda na fase pré-processual.69

Investir-se na educação popular e incentivo a partipação dos conselhos

69

Embora o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte tenha divulgado a assinatura de termo de cooperação técnica com o Município do Natal para a criação da Câmara de Conciliação da Saúde, as tratativas parecem não ter avançado, inexistindo registros acerca do funcionamento de tal órgão. Cf. TJ, Estado e Município lançam programa de conciliação de demandas ligadas à saúde. Disponível em: <http://agorarn.com.br/cidades/tj-estado-e-municipio-lancam-programa-de-conciliacao-de-demandas-ligadas-saude/>. Acesso em: 05 maio 2018.

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comunitários de saúde seria, sem sombra de dúvidas, uma iniciativa louvável.

De todo modo, a correta utilização de tais práticas exige de todos os

atores envilvidos uma mudança de mentalidade no que concerne a

admiminstração, efetividade e judicialização do direito à saúde: (i) dos usuários,

na melhor apreensão das pretensões formuladas em juízo; do Executivo, na

elaboração das políticas públicas; e (iii) dos magistrados, na apreciação dos

pedidos e fundamentação das decisões com elementos técnicos, em face da

impossibilidade de uma cognição meramente jurídica ofertar a resposta mais

adequada para a pacificação dos litígios, necessitando ser subsidiada por

conhecimentos advindos de outras áreas do saber.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o direito à

saúde foi alçado à categoria de direito fundamental, fato que não constituiu

mera deliberalidade do constituinte originário, mas representou uma conquista

social que encontrou no processo de redemocratização nacional o espaço

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para se afirmar.

A inserção do direito à saúde no rol dos direitos fundamentais não pode

ser encarada como mera opção formal do constituinte originário, pelo

contrário, a opção legislativa deve espelhar a essencialidade de tal direito para

a realização do primado da dignidade humana, fundamento da República.

Neste sentido, a realização deste direito não pode estar vinculada a

discursos vagos, promessas eleitoreiras ou ideologias desconexas com a

realidade social, possuindo exigibilidade imediata.

Contudo, à semelhança do que ocorre com os demais direitos sociais em

solo pátrio, o direito à saúde enfrenta um alarmante déficit em sua efetivação,

causada por múltiplos fatores, desde a omissão do Poder Público em

materializar o texto constitucional, perpassando a suposta insuficiencia de

recursos, desaguando na gestão ineficiente. Este cenário coloca o Estado

Brasileiro em débito com o cidadão, refém de um sistema público de saúde

que beira a perfeição em sua concepção legislativa, mas passível de imputar-

lhe maior dor e sofridomento do que as causadas por suas patologias na

realidade fática.

Na ausência de ações que corrijam esta discrepância, sobretudo por

parte do Legislativo e Executivo na formulação, na execução e fiscalização de

políticas públicas voltadas à satisfação do direito à saúde, o Poder Judiciário

apresenta-se como o último recurso do cidadão que o superlota com pedidos

diversos, desde a simples concessão de medicamentos em falta para

distrubuição nos postos de saúde, concessão de próteses e demais insumos

para a superação da patologia, até requisições de internação em leitos

hospitalares.

Viu-se que o Sistema Único de Saúde fundado sobre os princípios da

universalidade, equidade e integralidade instaurou um novo modelo de

atenção a saúde, de gestão e de participação social.

No que pertine a judicialização, embora o presente estudo tenha adotado

como positiva a interferência judicial por meio de uma revisitação ao princípio

da separação dos poderes, com o intuito de corrigir tal déficit evolutivo, diante

da omissão e ineficiência do Legislativo e Executivo, também pactuamos da

ideia de que o Poder Judiciário não é o espaço originário, tampouco o mais

adequado para a satisfação deste direito.

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Isto porque a gestão deste direito congloma múltiplos fatores sociais,

econômicos, geográgicos e culturais, infactíveis de serem mensurados em sua

completude quando da apreciação dos litígios.

Para além disso, a temática da saúde, por si só, exige dos operadores do

direito, especialmente dos magistrados no processo decisório, a apropriação

de preceitos técnicos afetos ao campo da ciência médica, circunstância que

imputa maior complexidade a essas demandas.

Ademais, concluímos que a atividade judicial eficaz e responsável, em

face das demandas da saúde deve, sempre que necessário, amparar-se em

subsídicos técnicos e lançar um olhar global sobre o litígio, evitando, assim, a

desvirtuação do Sistema Único de Saúde, pensado para prestar atendimento

universal, igualitário e integral a todos os indivíduos em solo nacional.

Neste pórtico, analisamos as preocupação do Judiciário com o volume e

enfrentamento dessas demandas, espelhadas nas audiências públicas

convocadas pelo Superior Tribunal Federal para discussão e aprofundamento

do tema, seguidas das suscessivas portarias e recomendações do Conselho

Nacional de Justiça com vistas ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

Desponta, neste contexto, a análise das boas práticas adotadas pela

Justiça Estadual do Rio Grande do Norte para o enfrentamento das demandas

da saúde que, embora tímidas e pouco estudadas, apresentam-se como

importantes ações, voltadas não apenas ao aperfeiçoamento da prestação

jurisdicional e gestão do direito à saúde, mas também para a difusão da

cidadania, acesso à justiça e, por que não, para a difusão de uma nova cultura

de judicialização, mais madura e eficaz.

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demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/recomendacao/recomendacao_31_30032010_22102012173049.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018. _____. Resolução do CNJ nº 107, de 06 de abril de 2010. Institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_107_06042010_11102012191858.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018. _____. Resolução do CNJ nº 238, de 06 de setembro de 2016. Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3191>. Acesso em: 10 abr. 2018. _____. Supremo Tribunal Federal. ADPF 45 MC/DF. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 29 de abril de 2004. Diário de Justiça da União de 04 de maio de 2004. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em Direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. Comitê Estadual das Demandas da Saúde. Direito Fundamental à Saúde: Quando e como podemos demandar? Natal: ESMARN, 2017. Disponível em: <http://comite.tjrn.jus.br/docs/cartilha-direito-fundamental-saude.pdf>. Acesso em: 02 maio 2018. DATASUS. Cartão Nacional do SUS. Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/cartao-nacional-do-sus>. Acesso em: 02 maio 2018. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. GOUVÊA, Marcos Masseli. O direito ao fornecimento Estatal de Medicamentos. Disponível em: http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc. Acesso em: 09 maio. 2018. JFRN. JUDSaude. Disponível em: <www.jfrn.jus.br/judsaude>. Acesso em: 04 mai. 2018. MAIA, Christianny Diógenes. Paradigmas do Neoconstitucionalismo brasileiro. In: SALES, Gabrielle Bezerra; JUCÁ, Roberta Laena Costa (Orgs.) Constituição em foco: 20 anos de um novo Brasil. Fortaleza: LCR, 2008.

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