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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO DIVERSIDADE, DESIGUALDADES SOCIAIS E EDUCAÇÃO FRANCISCO MARCELO DA SILVA PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: UMA POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA PARA A PERMANÊNCIA DE NEGROS MORADORES DE FAVELA, NA UNIVERSIDADE? MAIO 2012 NITERÓI RJ

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

    DIVERSIDADE, DESIGUALDADES SOCIAIS E EDUCAÇÃO

    FRANCISCO MARCELO DA SILVA

    PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: UMA POLÍTICA DE AÇÃO

    AFIRMATIVA PARA A PERMANÊNCIA DE NEGROS MORADORES DE

    FAVELA, NA UNIVERSIDADE?

    MAIO 2012

    NITERÓI – RJ

  • FRANCISCO MARCELO DA SILVA

    PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: UMA POLÍTICA DE AÇÃO

    AFIRMATIVA DE PERMANÊNCIA PARA NEGROS MORADORES DE FAVELA,

    NA UNIVERSIDADE?

    Dissertação apresentada ao Programa de

    Pós-Graduação em Educação da

    Universidade Federal Fluminense como

    requisito para obtenção do Grau de Mestre

    Orientadora: Profª. Drª. Iolanda de Oliveira

    MAIO 2012

    NITERÓI – RJ

  • S586 Silva, Francisco Marcelo da.

    Programa conexões de saberes: uma política de ação

    afirmativa de permanência para negros moradores de favela, na

    Universidade? / Francisco Marcelo da Silva. – 2012.

    250 f.

    Orientador: Iolanda de Oliveira.

    Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,

    Faculdade de Educação, 2012.

    Bibliografia: f. 241-245.

    1. Programa de ação afirmativa. 2. Estudante negro.

    3. Favela. 4. Territorialidade humana. I. Oliveira, Iolanda de.

    II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação.

    III. Título

    CDD 371.829

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de iniciar agradecendo a minha amiga, orientadora e mentora, Professora

    Doutora Iolanda de Oliveira. Foi inspirado na sua determinação e paixão pela História do

    Povo Negro que decidi fazer o curso na Pós-graduação em Educação nessa Instituição de

    Ensino. A senhora, Professora Iolanda, o meu Muito Obrigado!

    À Fundação Ford, representada aqui pela Fundação Carlos Chagas. Agência que

    apostou no meu potencial e investiu no meu projeto me garantindo todo suporte material,

    psicológico e pedagógico para a conclusão dessa pesquisa com toda tranqüilidade e

    qualidade.

    Quero agradecer também a Coordenação do Programa Conexões de

    Saberes/UNIRIO e as bolsistas egressas que foram minhas interlocutoras nesse debate

    sobre permanência de negras/os moradores/as de favela no Ensino Superior e cujas histórias

    estarão para sempre em minhas lembranças. Muito Obrigado!

    Meu muito obrigado a todas e todos bolsistas e ex-bolsistas do Programa Conexões

    de Saberes, em especial a Elisângela Andrade do Nascimento, minha parceira e

    interlocutora nesse trabalho. Assim como a todos voluntários, técnicos e professores, ao

    Fórum de Estudantes de Origem Popular, Ministério da Educação, ao Observatório de

    Favelas do RJ e as Universidades Federais que fazem a verdadeira conexão desse

    Programa.

    Não poderia deixar de agradecer a toda minha família. Sem o amor, a segurança e o

    carinho de vocês eu nada seria.

    À Favela por tudo que me deu e tem me dado até hoje. Espero estar honrando a

    confiança que depositou em mim.

  • .

    À minha mãe (in memoriam). Dona Edna, mulher negra e

    guerreira, minha eterna rainha.

  • RESUMO

    Esta pesquisa tem como objetivo investigar se o Programa Conexões de Saberes: diálogos

    entre a universidade e as comunidades populares, criado pela SECADI/MEC, em 2004,

    caracteriza-se como política de ação afirmativa para negros oriundos de espaços favelados.

    O Programa em sua amplitude não se restringe apenas à população negra, mas também a

    outros sujeitos sociais em similar condição social, com o objetivo de garantir-lhes

    condições de permanência com desempenho satisfatório no Ensino Superior. O recorte

    social e territorial aqui estabelecido foi apontado pela necessidade de delimitar a questão de

    pesquisa e por motivo do interesse particular do pesquisador em relação aos sujeitos negros

    e favelados considerado. Buscou-se nessa pesquisa analisar de que forma o Programa

    Conexões de Saberes, segundo o MEC/SECADI, uma Política de Ação Afirmativa, se

    caracteriza de fato como tal para os estudantes negros e oriundos de favelas. Para a

    realização deste estudo serão considerados dois fatores que se julgam imprescindíveis para

    a permanência satisfatória desses sujeitos sociais no Ensino Superior: garantia das

    condições materiais indispensáveis aos estudos e a conexão entre o saber acadêmico e as

    questões vividas pelos estudantes nos seus respectivos espaços e os conteúdos curriculares

    oferecidos. Entre as 33 IFES que desenvolvem o Programa, selecionou-se a UNIRIO para a

    realização da presente investigação na qual foram realizados estudos sobre a permanência

    no Programa de até cinco egressos, com ênfase nos fatores mencionados. Além dos

    bolsistas egressos, entrevistou-se também o Coordenador Geral do Programa na UNIRIO.

    Utilizou-se como recurso, a análise de documento e entrevistas para contextualizar a

    pesquisa. Como referencial teórico recorreu-se à produção sobre política de ação afirmativa

    e as categorias territorialização, desterritorialização e reterritorialização, como categorias

    da geografia para apoiar o debate sobre entrada e permanência na universidade. O resultado

    da pesquisa aponta para uma redução de estudantes negros e oriundos de favelas no

    Programa Conexões de Saberes, além de outros também importantes que apontam para o

    desenvolvimento de uma política de assistência e extensão, em detrimento da consolidação

    de uma política de ação afirmativa de fato.

    Palavras-chave: Conexões de Saberes, ação afirmativa, negro morador de favela,

    territorialidades.

  • ABSTRACT

    Nuestra investigación tiene como objetivo investigar si el Programa Conexões de

    Saberes: el diálogo entre la academia y la comunidad popular creado por SECAD / MEC en

    el año 2004, se caracteriza por ser de acción afirmativa para los negros en áreas ocupadas.

    El Programa en su amplitud no se limita a la población de negro, pero las otras materias de

    origen popular, con el fin de garantizar las condiciones de estancia de valores con un

    rendimiento satisfactorio en la educación superior. El corte de tugurios negro se determinó

    por primera vez por la necesidad de analizar las estrategias y todos los días a estos

    estudiantes en sus relaciones de convivencia, tanto en la academia y en sus comunidades y,

    en segundo lugar, definir el propósito de la encuesta, otros estudiantes de posgrado con los

    perfiles y trayectorias universo social diferentes también son parte del Programa Conexões

    de Saberes.

  • LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    MAPAS:

    Mapa da Favela da Maré – RJ..................................................................... 32

    FOTOGRAFIAS:

    Foto da Favela da Maré – Fonte: www.myzoom.com.br............................. 36

    GRÁFICOS:

    Gráfico 1 – Distribuição de Bolsistas do Sexo Feminino por Curso no Período de 2006 a

    2010 153

    TABELAS:

    Tabela 1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano

    de 2006, por Curso e Cor............................................................................... 155

    Tabela 1.1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2007, por Curso e Cor......................................................................... 156

    Tabela 1.2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2008, por Curso e Cor.......................................................................... 158

    Tabela 1.3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2009, por Curso e Cor........................................................................... 160

    Tabela 1.4 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2010, por Curso e Cor............................................................................ 161

    Tabela 1.5 – Balanço da Movimentação Estudantil no Programa Conexões de

    Saberes/UNIRIO no Período de 2006 a 2010, por Curso e Cor.......................... 163

    Tabela 2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano

    de 2006, por Local de Moradia e Cor................................................................... 166

    Tabela 2.1 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2007, por Local de Moradia e Cor............................................................ 167

    Tabela 2.2 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2008, por Local de Moradia e Cor............................................................. 169

    Tabela 2.3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no

    Ano de 2010, por Local de Moradia e Cor............................................................. 172

    Tabela 3 – Estudantes que Ingressaram no Programa Conexões de Saberes/UNIRIO no Ano

    de 2006 a 2010, por Curso e Período Letivo.......................................................... 174

    http://www.myzoom.com.br/

  • LISTA DE SIGLAS

    ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de

    Ensino Superior

    CEASM Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré

    CJ Coletivo Jovem

    CLAMA Comissão Local de Acompanhamento, Monitoramento e Avaliação

    CNIJMA Conferência Nacional Infanto Juvenil pelo Meio Ambiente

    CPV Curso Pré-Vestibular

    EJA Educação de Jovens e Adultos

    ENEM Exame Nacional de Ensino Máedio

    EUA Estados Unidos da América

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

    FNEOP Fórum Nacional de Estudantes de Origem Popular

    FONAPRACE Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e

    Estudantis

    FORPROEX Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    IFES Instituição Federal de Ensino Superior

    MEC Ministério da Educação

    NEPOS Núcleo de Estudos e Pesquisas do Observatório Social

    ONG Organização Não Governamental

    OSCIP Organização Social e Civil de Interesse Público

  • PET Programa de Educação Tutorial

    PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

    PROUNI Programa Universidade Para Todos

    PVNC Pré-Vestibular Para Negros e Carentes

    REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das

    Universidades Federais

    RJ Rio de Janeiro

    RUEP Rede de Universitários de Espaço Popular

    SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

    SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

    Inclusão

    SESU Secretaria de Ensino Superior

    TDR Territorialização; Desterritorialização e; Reterritorialização

    UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

    UFAC Universidade Federal do Acre

    UFAL Universidade Federal de Alagoas

    UFAM Universidade Federal do Amazonas

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFC Universidade Federal do Ceará

    UFES Universidade Federal do Espírito Santo

    UFF Universidade Federal Fluminense

    UFG Universidade Federal de Goiás

    UFMA Universidade Federal do Maranhão

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

  • UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

    UFPA Universidade Federal do Pará

    UFPB Universidade Federal da Paraíba

    UFPE Universidade Federal de Pernambuco

    UFPI Universidade Federal do Piauí

    UFPR Universidade Federal do Paraná

    UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

    UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco

    UFRR Universidade Federal de Roraima

    UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    UFS Universidade Federal de Sergipe

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSCar Universidade Federal de São Carlos

    UFT Universidade Federal do Tocantins

    UnB Universidade de Brasília

    UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura

    UNIAFRO Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas

    Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior

    UNIFAP Universidade Federal do Amapá

    UNIR Universidade Federal de Rondônia

  • UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

    UNIVASF Universidade Federal do Vale do São Francisco

    UPP Unidade de Policiamento Pacificadora

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16

    CAPÍTULO I

    PERCURSO E DESDOBRAMENTOS DO PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES

    E ATUAL SITUAÇÃO .................................................................................................... 32

    Do Conjunto de Favelas da Maré (RJ) para o Brasil .................................................... 35

    De RUEP a Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as

    comunidades populares ................................................................................................. 42

    O Programa Conexões de Saberes e as Parcerias Institucionais ................................... 46

    2008: o ano que não aconteceu ..................................................................................... 52

    O Programa Conexões de Saberes e o Fórum Nacional de Estudantes de Origem

    Popular – FNEOP .......................................................................................................... 58

    O Programa Conexões de Saberes no PET – Programa de Educação Tutorial: a busca

    pela institucionalização ................................................................................................. 65

    CAPÍTULO II

    CONCEITOS E MARCOS HISTÓRICOS SOBRE POLÍTICAS DE AÇÃO

    AFIRMATIVA ................................................................................................................. 71

    O Programa Conexões de Saberes e a Questão Afirmativa .......................................... 87

    CAPÍTULO III

    TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM TEÓRICA ............. 96

    Concepções de Território para Entender a Desterritorialização ................................. 107

    Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização (T D R): o desafio da

    multiterritorialidade..................................................................................................... 111

  • CAPÍTULO IV

    O PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES NA UNIRIO ......................................... 121

    Programa Conexões de Saberes na UNIRIO: um olhar introspectivo ........................ 125

    A Importância de uma Política de Permanência na Busca por uma Universidade mais

    Equânime..................................................................................................................... 132

    A Formação/Atuação dos Bolsistas do Programa Conexões de Saberes .................... 138

    O Programa Conexões de Saberes na UNIRIO: entre números e fatos ...................... 147

    Programa Conexões de Saberes UNIRIO e a Questão da Identidade Territorial ....... 179

    A Questão Afirmativa no Programa Conexões de Saberes UNIRIO .......................... 205

    A Presença de Estudantes Negros e Oriundos de Favelas no Ensino Superior e o

    Desafio da Igualdade de Oportunidades e Condições ................................................. 223

    ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ...................................................................................... 231

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 241

    ANEXOS

    Instrumento de Investigação/Coordenação ................................................................. 246

    Roteiro de Entrevista/Estudante .................................................................................. 249

  • 16

    INTRODUÇÃO

    Sou natural do Rio de Janeiro e formado em Geografia pela Universidade Federal

    Fluminense – UFF. Cresci entre os becos e vielas da favela Baixa do Sapateiro, a qual

    integra o conjunto de favelas da Maré, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro. A Maré

    é formada por dezesseis favelas1. De acordo com o Censo 2010 realizado pelo IBGE a

    Maré hoje já atingi uma população de aproximadamente 129,7 mil habitantes. Ou seja, em

    termos populacionais ocuparia a 22ª posição entre os municípios do estado do Rio de

    Janeiro, o que demonstra seu enorme potencial político, econômico e cultural.

    Nossa casa na Maré era nas palafitas, os antigos barracos de madeira sobre o mar

    poluído da Baia de Guanabara; na minha memória território era o que me remetia à terra

    firme, algo que só se materializava ao me esquivar pelas pontes de madeira e alcançar os

    aterros diariamente despejados pelos moradores na tentativa de aterrar a Baia até o local de

    suas moradias. Atualmente resido na favela da Vila do João, construída em 1982 pelo

    Governo Militar para abrigar parte das famílias removidas das antigas palafitas da Maré

    através do Programa de Habitação Projeto Rio. Onde morava em meio ao mau cheiro e

    condições insalubres hoje existem o 22° Batalhão de Polícia Militar, a Linha Vermelha, um

    Conjunto Habitacional Nova Maré e uma Vila Olímpica. Com exceção da escola, a Vila do

    João foi uma das minhas primeiras experiências no âmbito da des-re-territorialização. Sair

    de uma casa de madeira e pregos para morar propriamente em um bairro equipado com

    água encanada, esgoto, luz elétrica, rua asfaltada etc., foi meu primeiro contato com um

    mundo “moderno”, uma realidade muito diferente daquelas onde minhas territorialidades

    foram construídas.

    1 As outras favelas que completam a Maré são: Conjunto Esperança, Vila do João, Sala e Merengue, Vila dos

    Pinheiros, Conjunto dos Pinheiros, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Nova Maré, Nova Holanda,

    Parque Maré, Rubens Vaz, Parque União, Marcílio Dias, Roquete Pinto e Praia de Ramos.

  • 17

    Crescer na favela não é tarefa fácil. É preciso entender inúmeros símbolos e

    códigos para desenvolver as estratégias necessárias para driblar as dificuldades impostas.

    Talvez seja daí que venha a expressão “ta ligado!?”. Uma espécie de código, enigma, para

    deixar a todos sempre em alerta, focados.

    Longe de querer criminalizar a pobreza e engrossar o discurso vitimizador que

    fragiliza os favelados, é fato que as dificuldades sociais que nos são impostas desde a

    infância nos forçam, muitas vezes, ao abandono precoce da escola em prol de uma

    oportunidade no mercado de trabalho, e muitos por falta das condições exigidas para

    ingressar no mercado de trabalho preferem o caminho mais “fácil” e rápido, mas quase

    sempre sem volta, que é o da criminalidade.

    Após curta passagem pelo serviço militar, retornei a escola para conclusão do

    ensino médio regular. Até aqui desconhecia por completo a existência de “vida escolar”

    após a Educação Básica. Foi então que pela primeira vez tomei conhecimento da

    universidade através da existência de um curso preparatório para o vestibular, o CPV -

    Maré – Curso Pré-Vestibular Maré.

    Mesmo sendo arrimo de família, e até onde tenho conhecimento, o primeiro pós-

    abolição da escravidão no Brasil, em 1888, a entrar para uma universidade pública, as

    questões relacionadas à minha origem racial e realidade social, só nascem para mim a partir

    do penúltimo ano do Ensino Médio por intermédio das aulas na disciplina de Geografia. Foi

    através das aulas do Prof. Eduardo Francisco, no curso noturno do Colégio Estadual Bahia,

    que tive meus primeiros contatos com as questões que me instigam até hoje. Foi nas aulas

    da disciplina de Geografia que pela primeira vez ouvi falar no movimento negro norte-

    americano liderado por um ativista político de nome Malcolm X. E foi por seu intermédio

  • 18

    que adentrei pela primeira vez uma universidade pública, a UERJ, para assistir a uma

    aula do magnífico Prof. Abdias Nascimento sobre a questão da desigualdade racial no

    Brasil.

    A partir desse momento passei a ter maior compreensão sobre o quanto negativa foi

    à ausência de políticas públicas que garantissem aos libertos, após Proclamação da

    República, igualdade de condições e oportunidades para reconstruírem dignamente suas

    vidas, principalmente em relação à Educação. Acredito que o acesso a uma Educação de

    qualidade é um dos principais meios de luta contra a discriminação racial no Brasil.

    Minha trajetória escolar foi construída nas escolas públicas da Maré2. Em 1998 me

    matriculo no pré-vestibular oferecido pela ONG CEASM – Centro de Estudos e Ações

    Solidárias da Maré.

    Em 1999, fui aprovado no processo seletivo para o curso de graduação em

    Geografia pela Universidade Federal Fluminense - UFF. No mesmo ano passo a integrar os

    grupos de estudos e alguns movimentos sociais estudantis da Maré.

    A partir do meu ingresso no pré-vestibular do CEASM passo a ter contato com

    pessoas cuja atuação política no território das causas sociais, me instigou a buscar respostas

    que me ajudaram a compreender melhor minha realidade social e a de meus pares. O

    ingresso no CEASM e o contato com pessoas com formação universitária e atuantes

    profissionalmente foi fundamental, pois suas trajetórias de vida motivaram-me a construir

    minhas estratégias para ingressar no Ensino Superior.

    2 A Maré conta hoje com cerca de dezessete escolas públicas entre creches, ensino fundamental e médio.

    Além disso, existem em funcionamento dezenas de pequenos estabelecimentos de ensino particulares, a

    maioria na clandestinidade, que atende ao excedente provocado pelas poucas vagas oferecidas para crianças

    no primeiro seguimento do ensino fundamental. Em relação ao ensino médio o problema é ainda mais grave,

    pois do universo de estabelecimentos de ensino presentes na Maré, apenas três são destinados a ao ensino

    médio, e desses, apenas um atende em horário integral; os outros dois funcionam apenas no horário noturno,

    fazendo com que se reduza muito a possibilidade de um estudante recém saído do ensino fundamental

    ingressar no ensino médio.

  • 19

    No ano de 2002, conheço o Projeto RUEP – Rede de Universitários de Espaço

    Popular. Esse projeto consistia em garantir uma bolsa-auxílio aos graduandos, além de

    investir na sua formação acadêmica. Concomitantemente acompanhei a fundação do

    NEPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisas do Observatório Social que mais tarde deu

    origem ao Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, hoje uma OSCIP – Organização

    Social e Civil de Interesse Público, onde atuou até fevereiro de 2010 na função de

    pesquisador da Vertente de Desenvolvimento Territorial, que entre outros objetivos se

    prestava a avaliação de políticas públicas, como também, ao desenvolvimento de novas

    tecnologias sociais, como por exemplo, o Programa Conexões de Saberes.

    O NEPOS surgiu como um espaço de formação paralelo à formação acadêmica ao

    mesmo tempo em que se tornou um lugar interdisciplinar onde estudantes de diferentes

    áreas de conhecimento trocavam experiências e debatiam sobre temas quase sempre

    relacionados sempre à favela, assim como, as desigualdades sociais. Seus integrantes, cerca

    de 20 pessoas, eram universitários recém ingressados no Ensino Superior e oriundo do CPV

    – Maré, Pré-vestibular do CEASM. Mas o NEPOS também se preocupava em oferecer uma

    formação técnico-científico para seus integrantes, no geral, universitários de comunidades

    faveladas. Com uma formação também voltada para o campo da pesquisa, seria possível

    minimizar o impacto da entrada na universidade (familiarizando-nos com alguns autores,

    conceitos e termos) e ainda ampliar nosso capital político, social e cultural. O interessante

    era perceber que os temas discutidos no NEPOS raramente eram debatidos em sala de aula.

    A exemplo da ausência de temas importantes para uma formação acadêmica mais ampla e

    plena que reunisse questões do cotidiano vivenciado por esses estudantes em suas

    comunidades, temas como a questão das desigualdades raciais eram também silenciadas nas

    reuniões do grupo.

  • 20

    Criado em 2004, no âmbito da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização

    e Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/MEC, a partir de uma experiência

    pioneira do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, o Programa Conexões de Saberes

    teve o propósito inicial de se construir uma rede sociopedagógica para a ampliação de

    vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares, através da inserção

    de estudantes negros e indígenas de origem popular e outros que não tenham a mesma

    origem étnico-racial, mas que são originários de comunidades cujo padrão socioeconômico

    compromete a sua qualidade de vida. O propósito do Programa é garantir uma formação de

    qualidade por meio da inserção dos sujeitos selecionados nas práticas de pesquisa e

    extensão universitárias, vinculadas aos problemas enfrentados por suas comunidades de

    origem. Entende-se, portanto, que esta qualificação deverá ser caracterizada por uma

    formação que articule os saberes acadêmicos e os problemas e saberes oriundos das

    comunidades dos graduandos selecionados ao mesmo tempo em que são garantidas as

    condições materiais/objetivas necessárias a um desempenho satisfatório. É, portanto,

    durante o processo de formação que a qualificação pretendida deverá ocorrer.

    No âmbito do Programa Conexões de Saberes estão previstas diversas ações, dentre

    as quais destaca-se o desenvolvimento de projetos educacionais inovadores para

    comunidades de baixa renda, que têm como finalidade o apoio a projetos que ampliem as

    oportunidades para a produção de conhecimentos científicos e de intervenção em prol de

    comunidades faveladas, com atenção especial às crianças, adolescentes e jovens,

    pertencentes ou não ao sistema estadual ou municipal de educação básica, e para

    universitários de origem popular/baixa renda, vinculados a instituições públicas federais de

    Ensino Superior.

  • 21

    O Programa busca articular ensino-pesquisa-extensão às atividades voltadas para

    o acesso3 e permanência com garantia das condições materiais para os estudantes de origem

    popular4. Os bolsistas desenvolvem pesquisas e projetos nas suas comunidades de origem e

    recebem orientação para as atividades institucionais (organização de seminários, pesquisas,

    produção de artigos, capacitação etc.) ao mesmo tempo em que devem corroborar para o

    debate político e tensionamento em prol da democratização do acesso e da permanência dos

    estudantes de origem popular no Ensino Superior através da aplicação das políticas de ação

    afirmativa.

    Essa proposta de estudo pretende averiguar o papel desta política pública junto aos

    estudantes negros moradores de favelas e suas contribuições para a permanência dos

    mesmos no ensino superior, assim como, investigar a forma como se estabelecem o

    fortalecimento dos vínculos identitários no que concernem as questões raciais e territoriais,

    metas pretendidas pelo Programa Conexões de Saberes.

    Minha experiência enquanto pesquisador no Programa Conexões de Saberes

    proporcionou-me, em quatro anos de atuação, observar de que forma as dimensões

    territorial e racial são contempladas e desenvolvidas no âmbito dessa política de

    permanência o que o estimulou a publicizar sua rica experiência baseada em dados

    empíricos, além de buscar contribuir para o aperfeiçoamento de políticas importantes para o

    desenvolvimento e equidade na Educação Superior como o Programa Conexões de Saberes.

    3 Por outro lado, como a maioria das coordenações do Programa opta por desenvolver nas favelas atendidas os

    chamados prés-vestibulares comunitários, aproveitando os bolsistas como professores/monitores, isso acaba

    caracterizando o Programa como uma política de acesso ao ensino superior, pois contribui diretamente para a

    entrada de mais estudantes com características semelhantes no espaço universitário. 4 O termo estudante de origem popular foi cunhado pelos organizadores do Programa para identificar nas

    Instituições Federais de Ensino aqueles estudantes que reúnem as características compatíveis com o perfil

    desejado para concorrer a uma bolsa no Programa Conexões de Saberes. A preocupação inicial foi em

    encontrar um termo que ao mesmo tempo em que cria uma identidade, não traz consigo estigmas construídos

    socialmente como, por exemplo, estudante favelado.

  • 22

    Se entendermos o estudante negro morador de favela como parte (corpo) de um

    território que tem cor/raça e as diferentes estratégias utilizadas por eles para se manterem

    na universidade (um espaço majoritariamente elitizado e branco), melhor perceberemos que

    mudanças essa entrada e permanência podem provocar nas diferentes relações nos

    diferentes campos de atuação e convivência desses estudantes. O que pode contribuir para

    novas proposições de políticas afirmativas ou para o aperfeiçoamento de políticas de

    permanência como a que por ora apresentamos: o Programa Conexões de Saberes, que tem

    como propósito primeiro conectar o saber popular e o saber acadêmico na construção de um

    novo paradigma epistemológico educacional acadêmico que leve em consideração o

    pertencimento racial e territorial desses novos estudantes que hoje, adentram em maior

    número o espaço acadêmico.

    O Programa Conexões de Saberes se insere na agenda de debate e proposições de

    políticas públicas para o Ensino Superior, tanto no que diz respeito ao acesso (a maior parte

    dos projetos desenvolvidos pelo Programa, através das universidades nas comunidades

    faveladas está diretamente ligada a cursos preparatórios para o vestibular, os chamados pré-

    comunitários), e permanência com qualidade5 para grupos historicamente desfavorecidos

    6

    nas universidades públicas brasileiras. No foco das ações do Programa se encontram os

    estudantes negros (pretos e pardos) e indígenas, os oriundos de escolas públicas, os com

    pais com ensino fundamental incompleto e os de famílias com baixa renda. Sabe-se que, o

    5 Permanência com qualidade é outro termo cunhado pelos organizadores do Programa para enfatizar a

    importância do Programa para a formação dos bolsistas e que tem como objetivo afirmar o comprometimento

    do Programa com a garantia sem sobressaltos para seus bolsistas em relação às necessidades materiais já que

    as ações do Programa se limitavam majoritariamente a Extensão, com pontuais ações no campo do Ensino

    como, por exemplo, a produção de artigos acadêmicos. 6 O Programa enquanto uma política afirmativa não enfatiza que se destina a esses grupos, ficando subtendido

    já que entre seus critérios de seleção exige que o estudante universitário seja primordialmente (foco da ação)

    a) de família com renda familiar não superior a seis salários mínimos; b) morar ou ser oriundo de espaços

    populares e; c) escolaridade dos pais não superior ao Ensino Fundamental. Entre os critérios

    complementares: d) proveniente de escola pública; e) negro ou indígena e; f) ter inserção em atividades

    cidadãs em sua comunidade de origem. Detalhe: Entre os seis critérios é obrigatória a escolher de quatro para

    os editais de seleção. Não é difícil supor, qual critério fica de fora na maioria dos editais.

  • 23

    acesso ao ensino superior para estudantes pertencentes a tais grupos sociais não garante,

    por si só, que estes disponham das condições e dos requisitos materiais necessários para

    uma permanência com qualidade. Essa problemática se agrava muito mais quando a

    instituição de Ensino Superior na qual são admitidos não oferece nenhum tipo de política

    afirmativa para a sua permanência no campo da assistência estudantil, sinalizando, desta

    forma, um descompromisso com a temática da desigualdade e da discriminação racial e

    social na Educação.

    Considerando o que foi exposto no parágrafo anterior, e alguns elementos implícitos

    no projeto original (SECAD/MEC, 2004), entende-se que a denominada formação

    qualificada deverá desenvolver nos sujeitos do Programa a capacidade de recorrer aos

    conhecimentos acadêmicos cientificamente produzidos e disponibilizados, para dar

    sustentação as suas argumentações para a transformação de suas comunidades de origem a

    fim de que os direitos humanos sejam devidamente garantidos a tais populações, sem que

    se perda de vista o âmbito mais geral da sociedade nacional e internacional a fim de que

    tenham uma visão de contexto para além das suas realidades imediatas.

    O objetivo ao analisar o Programa Conexões de Saberes é buscar entender de que

    forma o mesmo tem contribuído para essa permanência qualificada de universitários

    negros moradores de comunidades faveladas7, associando as questões de pertencimento

    territorial, formação política e de formação acadêmica, levando em consideração todas as

    especificidades e particularidades desse grupo. Com efeito, a formação de novas redes

    sociais, pode demandar uma maior compreensão em relação a seu território de origem,

    gerando assim uma ampliação do sentimento de pertencimento e identidade por parte

    7 Esse público é o foco desse estudo. Ao evidenciar o estudante de origem popular de forma genérica até

    mesmo na questão territorial, pois ser de origem popular, a nosso entender, não contribui para o debate sobre

    pertencimento. O programa acaba desta forma, por diluir questões extremamente essenciais para uma política

    afirmativa de permanência como a cor/raça e a origem territorial de seus estudantes, induzindo a uma postura

    politicamente incorreta por parte de seus bolsistas que pode vir a ser entendida como uma negação ou até

    mesmo homogeneização da sua cor/raça e território.

  • 24

    desses estudantes universitários, importantes, que podem estimulá-los na produção de

    conhecimentos sobre a realidade sociorracial de suas comunidades faveladas8, assim como,

    na qualificação e aperfeiçoamento de políticas públicas já existentes.

    De acordo com um dos objetivos do Programa, os estudantes ao realizarem

    trabalhos em suas comunidades ou outras com características semelhantes às suas,9 podem

    estreitar ainda mais seus vínculos territoriais criando assim possibilidades para a conexão

    entre diferentes saberes produzidos no espaço acadêmico e nas favelas e,

    conseqüentemente, vindo mais tarde a configurarem-se como legítimas lideranças

    comunitárias. Além disso, todos os graduandos-bolsistas passam por uma formação política

    e social no campo das relações étnico-raciais. Considerando a importância de um currículo

    com tais características e o papel social da universidade, em uma sociedade que pelo menos

    formalmente busca a igualdade10

    , mas mantêm de fato altos índices de desigualdades,

    questiona-se, se esta não seria a formação necessária a todos os brasileiros, independente do

    seu local de residência e de sua origem racial, social e econômica. Buscar a justiça é papel

    político apenas dos pobres discriminados ou de toda a população em um país pretensamente

    democrático?

    Segundo documento da SECAD/MEC (2008), essa nova tecnologia social surgida

    nos territórios favelados da cidade do Rio de Janeiro, tem entre outros objetivos a

    pretensão, em longo prazo, de criar um novo paradigma de universidade pública mais

    democrática e plural e verdadeiramente republicana.

    O desafio inerente ao Programa Conexões de Saberes é justamente o

    empenho sistemático e abrangente de construir uma nova Universidade

    8 Optamos pelo termo comunidades de favelas na intenção de ressignificá-lo. Nos textos e documentos do

    programa consultados até aqui, o termo favela foi substituído pelos eufemismos comunidade popular ou

    comunidade de origem popular, talvez para fugir do estigma. 9 O objetivo do programa é fazer com que cada estudante atue na sua comunidade de origem, mas isso nem

    sempre é possível porque cabe a universidade escolher a comunidade onde as atividades serão realizadas. 10

    Ao longo desse trabalho esse tema será melhor desenvolvido.

  • 25

    Pública, capaz de combinar a excelência da produção do conhecimento

    à ação pública de construção de uma sociedade mais generosa. Seu

    compromisso maior é reunir experiências de práticas inovadoras que

    estimulem o protagonismo de estudantes de origem popular na produção

    do conhecimento científico, técnico e cultural, combinado às ações

    solidárias nos seus territórios de morada. Trata-se, é bom frisar, da criação

    de momentos de aproximação e troca de experiências e de potencializar

    talentos que, além de promover uma formação acadêmica mais universal,

    também estimule novas sociabilidades. Assim, estarão conjugados – de

    modo indissociável – a construção do saber, a realização do fazer e a

    invenção do conviver. (Relatório Final: Observatório de Favelas, 2008 p.

    08)

    O espaço acadêmico brasileiro, segundo informações da Associação Nacional dos

    Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, e do Fórum Nacional

    de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis - FONAPRACE (2004), atualmente

    é a expressão maior do preconceito social e racial no Brasil. Infelizmente, apesar do gradual

    aumento de universitários negros, indígenas, entre outros, oriundos de grupos etnicorraciais

    e sociais também discriminados, na universidade, por conta das políticas de reserva de

    vagas e/ou cotas, aplicadas em mais de 70% das universidades públicas brasileiras até 2010

    (PAIVA, 2010 p. 07), o impacto nas suas comunidades de origem ou no próprio ambiente

    universitário ainda é quase imperceptível11

    . Isso talvez se deva ao papel “catequizador” da

    universidade na vida de seus estudantes, que muitas vezes são “obrigados” a negar suas

    origens para afugentar o estigma racial e/ou social e, assim, usufruir de uma permanência

    menos turbulenta e desgastante, do ponto de vista psicosociopedagógico, e que podem, a

    médio e longo prazo, deixar seqüelas irreversíveis na formação desses estudantes,

    constituindo-se assim, a permanência na universidade, como um rito de passagem de alto

    custo emocional para essa parte da população acadêmica.

    Partimos da consideração de que a inserção de novos sujeitos sociais na

    universidade acarreta implicações diretas no seu funcionamento cotidiano. Em

    11

    Salvo a existência de alguns cursos prés-vestibulares comunitários, ainda não percebe-se de que forma a

    entrada de estudantes moradores de favelas tem impactado essas comunidades.

  • 26

    contrapartida, os afeta também nas suas relações de afetividade, identidade e convivência

    com seus familiares e comunidade. Busca-se, ao analisar o Programa Conexões de Saberes,

    primeiramente entender se realmente o mesmo se constitui enquanto uma política de ação

    afirmativa na forma como nos apresenta GOMES (2001), SISS (2003), MELO (1998) e

    ROCHA (1996).

    Por outro lado, interessa entender de que forma esse Programa tem contribuído para

    uma formação qualificada conjugando simultaneamente a conexão entre os saberes desses

    estudantes negros oriundos de comunidades de favelas, construídos ao longo de suas

    trajetórias e o saber acadêmico/científico, convergindo para uma formação acadêmica

    plena, sem a perda de pertencimento racial e territorial de forma a mitigar o desgaste

    emocional adquirido quando da entrada na universidade (SOUZA, 1983). Quais então

    seriam as estratégias desenvolvidas por esses estudantes para uma permanência com

    sucesso em uma universidade elitista (PAIVA, 2010), de maioria branca e desprovida de

    uma política afirmativa de recorte racial como a UNIRIO? É possível a incorporação de

    novos habitus sem a perda dos habitus antigos? E ainda, quais os efeitos da

    atuação/presença desses novos sujeitos enquanto bolsistas de um programa de permanência

    acadêmico, no debate sobre democratização da universidade?

    Sabendo-se que não raro entre o ideal e a realidade, isto é, entre os valores

    declarados no projeto original e os valores reais que ocorrem durante a realização concreta

    do proposto, acontecem distanciamentos e sendo os graduandos negros moradores de

    favelas, participantes desse projeto, pretende-se averiguar se em sua dinâmica o Programa

    de fato contribuiu para a permanência satisfatória que englobe a garantia das necessidades

    materiais com a formação política no campo das desigualdades sociorraciais dos egressos

    oriundos de espaços favelados.

  • 27

    A nossa experiência e prática como morador da favela da Maré e universitário

    negro, somado as minhas atividades enquanto ativista social em prol das lutas contra as

    desigualdades sociorraciais também me despertaram o desejo de averiguar quais as

    estratégias utilizadas por estudantes, com trajetórias semelhantes a minha, para acessar e,

    principalmente, permanecer na sua universidade.

    Foram selecionados entre os egressos do Programa, três graduadas negras

    moradoras de favelas que concluíram diferentes cursos, sendo um do curso de Pedagogia,

    dois de Museologia alem de um integrante da Coordenação Geral do Programa Conexões

    de Saberes na UNIRIO, para aplicação de um questionário semi-estruturado.

    Com intuito de traçar uma análise mais completa do perfil social dos bolsistas no

    Programa Conexões de Saberes/UNIRIO, analisamos todas as fichas cadastrais com

    informações socioeconômicas dos bolsistas desde o início do Programa na UNIRIO em

    2006 até o ano de 2010, já que a partir de 2011 o Programa sofre algumas alterações, vindo

    a se configurar como Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes, o

    PET/Conexões de Saberes. Como cada universidade no Programa Conexões de Saberes

    goza de autonomia universitária, a análise documental nos proporcionou a possibilidade de

    construir através da distribuição dos dados em tabelas, o perfil dos estudantes que passaram

    pelo Programa Conexões de Saberes UNIRIO nesses mais de cinco anos de existência,

    podendo assim constatar a presença dos percentuais de negros moradores de favela, assim

    como, a distribuição dos contemplados por curso, cor/raça e local de residência.

    Para o real estabelecimento da referida conexão torna-se necessário que ambos os

    atores, graduandos negros favelados e a academia, aqui representada pelos profissionais

    responsáveis pela formação dos bolsistas e pelos coordenadores, assumam um

    compromisso de formar intelectuais genuínos na concepção de Milton Santos (SANTOS,

    2004). Mas, o que significa ser um intelectual genuíno na concepção do autor citado?

  • 28

    Significa a busca da verdade independente de interesses particulares, individuais ou de

    grupos. Daí, a importância da abertura de ambas as partes para ressignificar os saberes

    sempre que as pesquisas apontarem equívocos nas partes que compõem as investigações

    realizadas. Sabe-se, entretanto, que esta conexão possivelmente não ocorre sem conflitos

    por motivo da busca do estabelecimento de uma relação de poder entre as partes, o que

    deve ser eliminado como condição indispensável para que a conexão proposta se

    estabeleça.

    Destacam-se nessa pesquisa, dois aspectos a serem considerados como referenciais

    teóricos pertinentes à investigação pretendida: políticas de ações afirmativas e a questão da

    territorialidade.

    O que permite classificar preliminarmente o Programa Conexões de Saberes como

    uma política de ação afirmativa é a pretendida reparação sobre a permanência de grupos

    historicamente sub-representados nos espaços universitários públicos, cujas identidades são

    em geral negadas nestas instituições. Neste sentido deve-se atentar para a garantia das

    condições materiais necessárias à permanência dos selecionados, com desempenho

    satisfatório na universidade e para as alterações curriculares com vistas à incorporação de

    conteúdos socialmente relevantes para que esses grupos compreendam o seu estar na

    sociedade. Conteúdos estes que, nesse caso, devem versar prioritariamente sobre a

    população negra e favelas, entre outros tradicionalmente já incorporados nos currículos dos

    cursos de Ensino Superior que contribuem para ampliação da visão de mundo dos

    graduandos e para uma formação profissional qualificada.

    Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização (TDR), são conceitos

    que também serão incorporados na pesquisa porque essa investigação trata de dois espaços

    a serem pesquisados; favela/negritude e universidade, que deverão interagir por meio dos

    sujeitos que os freqüentam de maneira concomitante.

  • 29

    Os referenciais teóricos anteriormente citados ao mesmo tempo em que mantém a

    sua autonomia, no caso desta investigação, também se cruzam.

    Sem descartar a possibilidade de que a presente pesquisa tenha implicações com

    outras concepções teóricas, que podem ter sido evidenciadas no processo de

    desenvolvimento da investigação ou por leitores desta produção, decidiu-se incorporar a

    esse trabalho, priorísticamente, alguns aspectos sobre as políticas de ação afirmativa e

    territorialidade.

    A literatura sobre políticas de ação afirmativa se encontra hoje largamente

    difundida. Nesse sentido, diferentes autores utilizam vários elementos para expressar o seu

    significado. Recorreu-se neste estudo a uma definição ampla e ao mesmo tempo

    relativamente consensual utilizada pelo jurista e professor Joaquim Benedito Barbosa

    Gomes, apoiada nas contribuições de Ayas Siss, Mônica de Melo e Cármen Lúcia Antunes

    Rocha.

    É de interesse dessa investigação, entender quais são as implicações, ou não, da

    inserção desses estudantes negros moradores de favelas no espaço acadêmico. E por outro

    lado, analisar como se dá a sua relação com suas comunidades de origem a partir da sua

    entrada na universidade. Essa preocupação se evidencia também nos objetivos do Programa

    Conexões de Saberes a partir do momento em que busca estreitar ainda mais a relação dos

    bolsistas com suas comunidades.

    Essa dissertação estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro apresenta um histórico

    sobre o surgimento do Programa na favela da Maré – RJ, ainda como Rede de

    Universitários de Espaços Populares (RUEP) e seus desdobramentos políticos, sociais e

    financeiros até chegar ao seu formato atual como PET/Conexões – Programa de Educação

    Tutorial/Conexões de Saberes.

  • 30

    O segundo capítulo apresenta os referenciais teóricos, conceitos e histórico sobre

    as políticas de ação afirmativa. A partir dos subsídios conceituais e teóricos oferecidos

    pelos autores privilegiados buscou-se relacioná-los com os objetivos e diretrizes

    encontrados nos documentos do Programa Conexões. Buscou-se também fazer um paralelo

    entre a formação oferecida pelo Programa Conexões de Saberes e a crítica feita por alguns

    intelectuais marxistas que afirmam existir forte cooptação de novas lideranças através de

    Programas sociais de forte teor neoliberal.

    No terceiro capítulo procurou-se explorar o debate sobre território tendo como

    ponto de partida a relação entre favela e universidade para entender como essa dupla

    vivência pode influenciar a vida dos sujeitos sociais entrevistados nessa pesquisa, na

    construção e/ou desconstrução de vínculos, pertencimentos e identidades.

    No quarto e último capítulo apresentamos uma análise do Programa Conexões de

    Saberes na UNIRIO através da análise dos documentos e das entrevistas realizadas com ex-

    bolsistas do Programa, fazendo um cruzamento entre as práticas desenvolvidas pelo

    Programa na universidade e os conceitos e referenciais teóricos contemplados ao longo do

    trabalho como as ações afirmativas e a questão territorial, no intuito de observar qual foi o

    legado deixado pelo Programa Conexões de Saberes para a carreira desses estudantes.

    Buscamos apresentar um levantamento quantitativo e qualitativo do Programa nos últimos

    cinco anos através das variáveis cor/raça, período letivo, local de moradia e curso, para

    construir um perfil do Programa na instituição. Após a análise dos dados quantitativos,

    percebemos que a questão de gênero se apresentou de forma expressiva, fato que se

    confirmou na seleção para as entrevistas. Desta forma, essa pesquisa mesmo não

    privilegiando a questão, buscou de forma tímida iniciar essa discussão na esperança que ela

    possa ser melhor desenvolvida em uma próxima oportunidade.

  • 31

    Mapa da Favela da Maré - RJ

  • 32

    CAPÍTULO I

    PERCURSO E DESDOBRAMENTOS DO PROGRAMA

    CONEXÕES DE SABERES E ATUAL SITUAÇÃO

    A análise desta parte do trabalho é iniciada situando o posicionamento geográfico e

    às condições sociais em que surge o Programa Conexões de Saberes. A intenção nesse

    capítulo é apresentar a realidade de um conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, a

    favela da Maré.

    Nosso esforço é fazer com que todas as arestas sejam aparadas para que possamos

    visualizar com clareza esse “embrião” que recebeu o nome de RUEP – Rede de

    Universitários de Espaços Populares. Entender a origem do Programa Conexões de Saberes

    é de suma importância para a compreensão dos desdobramentos que virão a seguir, pois só

    assim será possível uma análise mais apurada e mais esclarecedora sobre o esforço

    realizado aqui para relacionar a questão territorial com as questões raciais.

    O Programa Conexões de Saberes apresenta metas audaciosas, principalmente,

    geográficas. Tem a seu favor o fator novidade. Pela primeira vez propõe-se a realização de

    um programa de permanência a nível nacional, para estudantes oriundos das camadas

    empobrecidas com recortes específicos de escolaridade dos pais, que não pode ser superior

    ao ensino fundamental e, estritamente para moradores de territórios favelizados, por

    exemplo.

    Mesmo sendo implantado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

    Diversidade, SECAD, os recursos destinados ainda eram parcos frente à demanda existente

    nas IFES no que se refere à assistência estudantil para estudantes sem condições materiais

  • 33

    de prosseguirem suas carreiras universitárias. Com os primeiros resultados do Programa

    nos anos iniciais e a percepção da necessidade de demanda aliada ao desejo da

    Coordenação Nacional em ampliá-lo, a solução foi buscar parcerias com outros Programas

    do MEC e até mesmo com outros Programas em outros Ministérios. Essas parcerias

    influenciaram diretamente o projeto original e determinaram os rumos do Programa

    Conexões de Saberes.

    O ano de 2008 foi um ano crítico em termos de gestão do Programa Conexões de

    Saberes. As dificuldades impostas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,

    responsável a partir daquele ano por administrar todos os recursos do MEC por conta de

    algumas denúncias de corrupção em outros programas sociais, trouxe para o Programa

    Conexões de Saberes dificuldades para a liberação dos recursos para as universidades. O

    que interferiu diretamente no cotidiano do Programa. O FNDE adotou uma postura austera

    de gestão e passou a exigir das universidades uma série de documentos que justificassem os

    orçamentos informados pelas coordenações locais, além da exigência de uma legislação

    específica que regulamentasse as atividades da Extensão nas Instituições Federais de

    Ensino. Esse impasse não decretou o fim do Programa Conexões de Saberes em 2008, mas

    deixou seqüelas irreversíveis que mais tarde acabaram por desestruturá-lo a ponto de vir a

    tornar-se PET/Conexões.

    Diante desse impasse várias frentes de mobilização foram abertas para garantir que

    o Programa não perecesse. O projeto original do Programa Conexões de Saberes, sempre

    foi marcado por uma dimensão política e geográfica muito forte, muito maior do que a

    dimensão racial. Os formuladores e dirigentes do Programa tentaram por muitas vezes

    organizar politicamente coordenadores e bolsistas em torno de questões importantes para o

    fortalecimento do Programa. Os coordenadores por sua vez propuseram a criação de uma

    espécie de coordenação colegiada nos moldes da que se encontra na maioria das

  • 34

    universidades públicas onde os votos têm pesos diferentes de acordo com o cargo e

    titulação de cada um. Ou seja, o voto dos bolsistas e técnicos continuaria a ter um peso

    percentualmente menor nas tomadas de decisão em relação às questões cotidianas do

    Programa. Dessa forma, propuseram aos bolsistas a criação de um espaço político de

    articulação para discussão das questões voltadas ao Programa e a questão do acesso e

    permanência no Ensino Superior a nível nacional, é nesse momento que surge o FNEOP –

    Fórum Nacional de Estudantes de Origem Popular. Aos coordenadores de cada

    universidade coube o papel de persuasão junto as Pró-reitorias de Extensão na tentativa de

    tensionar dentro do Fórum de Pró-reitores de Extensão, o FORPROEX, sobre a importância

    do Programa Conexões de Saberes para a Extensão Universitária e a necessidade da criação

    de lei que regulamentasse as atividades da Extensão e que justificasse o pagamento de

    bolsas a estudantes e professores/coordenadores, até então não permitido pelo FNDE.

    Ao final desse primeiro capítulo discutimos as razões que levaram um Programa

    de Permanência para estudantes negros/as oriundos de favelas a se transformar em um

    Programa de Educação Tutorial – PET. A principal alegação da SECAD se encontra na

    busca pela institucionalização do Programa Conexões de Saberes, anteriormente

    identificado como um Programa de Extensão Universitária e que como tal não se

    enquadrava em nenhuma legislação vigente que garantisse o repasse de recursos para

    pagamento de bolsa-auxílio tanto para estudantes como para os professores coordenadores,

    correndo o Programa o risco de extinção.

  • 35

    DO CONJUNTO DE FAVELAS DA MARÉ (RJ) PARA O BRASIL

    Foto Favela da Maré – Fonte: www.myzoom.com.br

    A Cidade do Rio de Janeiro tem na sua formação morfológica centenas de

    comunidades de favelas. Na região da Zona da Leopoldina, bem próximo ao centro da

    cidade, concentra-se o maior número, pejorativamente conhecido como Complexo da Maré.

    Ao contrário do que se pensa a Maré desde 1993, por conta de um decreto municipal, é

    oficialmente um bairro, mas as condições de desigualdades que ainda marcam seus

    moradores e suas favelas estão distantes em comparação a um bairro convencional. Apesar

    de abrigar a 30ª Região Administrativa, prédios públicos, serviços básicos como

    fornecimento de água, luz, escola pública, saúde, entre outros, a Maré está longe de se

    constituir como um bairro de fato. A grande maioria dos serviços públicos oferecidos são

    marcados pela precariedade e pela falta de manutenção. Outro fator preponderante no

    bairro são os constantes conflitos entre grupos armados pela disputa por territórios. Mesmo

  • 36

    a Maré sendo um dos bairros da cidade privilegiado por possuir um destacamento

    permanente de mais de 700 policiais militares, lotados no 22º Batalhão de Polícia Militar.

    Para além das representações estereotipadas que fazem sobre as favelas cariocas, a

    Maré é um espaço em constante movimento, construção e criação de idéias e ideais. É a

    partir dessa riqueza social que tem origem o Observatório de Favelas do RJ. O

    Observatório de Favelas surge, então, com o propósito de desenvolver novas tecnologias

    sociais, análise e proposição de políticas públicas em territórios de favelas, na perspectiva

    de desconstrução de estereótipos negativos e valorização dos espaços favelados.

    Como foi mencionada anteriormente, a Maré é formada por dezesseis favelas, sua

    população no ano 2000 já ultrapassava a casa de 114.000 moradores12

    . No campo

    educacional a Maré não é diferente dos espaços socialmente segregados da cidade em

    termos de precariedade do Sistema de Educação Pública. A disponibilidade de

    equipamentos públicos destinados a suprir a demanda por escolarização é insuficiente. De

    acordo com a oferta de vagas oferecidas pelas escolas de Ensino Médio (das três, apenas

    uma funciona em tempo integral). Segundo o Censo IBGE 2010 a população da Maré

    cresceu 14% nos últimos 10 anos. Mantendo-se esse crescimento se a melhoria e ampliação

    dos serviços públicos, principalmente na Educação de Ensino Fundamental e Médio,

    muitos dos moradores da Maré que chegarem a concluir o Ensino Fundamental estarão

    fadados a não acessar o Ensino Médio. Esse cenário só não é pior porque uma grande

    parcela da população da Maré busca em bairros vizinhos estabelecimentos onde possam

    concluir a Educação Básica. Diante de um cenário como esse, fica explícita a importância

    social, econômica e simbólica que o ingresso no Ensino Superior representa para um

    estudante da Maré. Assim como para sua família.

    12

    Fonte: CENSO IBGE 2000.

  • 37

    O Observatório de Favelas do RJ surge dessa necessidade e dentro dessa

    realidade. Seus fundadores são moradores e ex-moradores da Maré que antes de criarem

    esta instituição também tiveram participação direta, ou indireta, na criação de outra grande

    Organização Não Governamental na Maré, o CEASM – Centro de Estudos e Ações

    Solidárias da Maré13

    . O CEASM é uma instituição que teve na sua constituição interna

    moradores e ex-moradores que conseguiram ingressar no Ensino Superior com sucesso e se

    organizaram para fundar essa instituição que tem a função de dar um retorno positivo as

    suas comunidades de origem. Independente da constituição racial de seus membros

    fundadores, do seu espaço de militância, credo, ou da área de formação universitária de

    cada um, o que os uniu naquele momento foi à ligação mais forte com o território, o

    compromisso social e político e o sentimento de pertencimento. Apesar da felicidade de

    fazer parte do primeiro projeto dessa instituição em 1998, através do pré-vestibular

    comunitário conhecido como CPV – Maré; recordo-me muito bem de que apesar da

    formação política da maioria de seus fundadores e dos professores do curso pré-vestibular,

    questões como as relações raciais apenas perpassavam em sala de aula, ao contrário da

    questão territorial, da valorização dos saberes espontâneos, essa parte sim, sempre foi muito

    bem trabalhada, em detrimento de uma educação voltada para as questões ligadas às

    desigualdades e discriminações raciais, o que pode representar uma lacuna também na

    formação dos fundadores e professores da instituição. Para Gonçalves e Silva (2011), há

    um diálogo de saberes implicado no próprio conhecimento que se faz com e não sobre esses

    espaços. (GONÇALVES e SILVA, 2011 p. 07).

    Para esses autores,

    13

    O Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré “CEASM” é uma organização não-governamental

    localizada no conjunto de favelas da Maré no Rio de Janeiro. Há 12 anos disponibiliza acesso a cultura e

    educação. E seu público alvo são moradores do Bairro Maré.

    http://maps.google.com.br/maps?ll=-22.859128,-43.244685&spn=0.023331,0.045447&z=15

  • 38

    A mestiçagem, mais que uma constatação de um fenômeno sociológico

    de mistura de raças, seja lá o que isso significa, é quase um imperativo

    categórico de um destino inexorável que impede que se seja negro, que se

    seja índio, como se essas afirmações identitárias negassem a democracia

    racial. Ou seja, na democracia racial não se pode ser negro ou ser índio,

    pois estamos todos condenados a ser mestiços quando, então, as

    diferenças se diluem. (2011 p. 36)

    Como se a questão racial já estivesse dada, resolvida, superada através do discurso

    da democracia racial, percebemos nos dirigentes dessas instituições uma preocupação com

    a mobilidade social dos moradores da favela que poderia refletir na mobilidade social do

    próprio território, algo próximo da Teoria do Capital Humano, por meio da qual,

    aumentando o nível escolar das pessoas se aumentaria também o nível da qualidade de

    vida. Como se a questão da favela enquanto fenômeno social não estivesse diretamente

    ligada à questão estrutural do racismo, da discriminação racial. Nessa perspectiva que

    muitos autores especialistas em escrever sobre os territórios favelados, conduzem seus

    estudos, e aonde, muitos dos intelectuais orgânicos desses espaços, alguns por conta da sua

    formação marxista, irão também buscar as informações para entender o fenômeno favela.

    Nesse sentido, estudos como o que vem sendo realizado pela pesquisadora Licia

    Valladares, sobre o impacto dos graduandos e graduados de favela nos seus espaços de

    moradia, apenas corroboram ainda mais para essa concepção economicista do espaço

    favelado, em detrimento do combate da questão racial. Ou seja, para eles a questão

    econômica está sempre acima da questão racial, quando acreditamos ao contrário, de que a

    questão da discriminação racial é anterior a questão econômica, ou classe. Para Valladares,

    Em oposição a essa linha de pensamento, fala-se da “nova favela”, que é

    mais heterogênea e diversificada tanto do ponto de vista do seu espaço

    construído quanto de sua população residente (MACHADO DA SILVA,

    1967; LEEDS, 1969; MEDINA, 1969; PRETECEILLE e

    VALLADARES, 2000; ALVITO, 2001; ABRAMO, 2002; SOUZA e

    SILVA, 2003; PICCOLO, 2006). Com efeito, o modelo tradicional é

    posto em questão frente a mudanças verificadas nas mais consolidadas e

    antigas, na “favela globalizada” (VALLADARES, 2000), que há pelo

    menos 15 anos tem comércio e serviços como agência de correios, bancos,

  • 39

    clínicas médicas particulares, supermercados, MacDonald’s, telefones

    celulares, internet, turismo, ONGs que oferecem os serviços mais

    variados, que vão desde o aprendizado de línguas estrangeiras até a

    formação de fotógrafos, músicos e dançarinos, sem falar de agências

    imobiliárias e o desenvolvimento de um mercado de aluguéis. Além disso,

    uma parte de sua população usa cartões de crédito, toma empréstimos em

    bancos, compra carros e motos a prestação etc. Nossa hipótese é a de que

    as favelas (que correspondem atualmente a cerca de mil aglomerados só

    no município do Rio de Janeiro) estão passando, a cada dia mais, por um

    complexo processo de diferenciação social, seguindo a tendência geral de

    mobilidade social por que passa a sociedade urbana brasileira (SCALON,

    1999), onde a educação tem seu lugar. Com base em um estudo sobre

    graduados e graduandos que moram ou tenham morado em favelas do

    Rio, sugerimos que, já há alguns anos, estamos diante de um processo

    significativo de mobilidade social por intermédio da educação. Mediante

    o acesso de alguns ao ensino superior, a população das favelas se

    diversifica e complexifica, afetando assim sua estrutura social. Diversos

    programas governamentais e políticas públicas vêm colaborando nesse

    sentido. (VALLADARES, 2010)

    Nosso objetivo com essa breve introdução não é apenas de criticar o modelo

    pedagógico oferecido pelo CEASM aos seus vestibulandos, mas sim, estabelecer uma

    ligação entre atmosfera sociopedagogica do CEASM que teve continuidade no

    Observatório de Favelas do RJ, com a presença de geógrafos entre seus fundadores, para

    assim compreendermos o surgimento do projeto RUEP – Rede de Universitários de Espaço

    Popular, que mais tarde daria origem ao Programa Conexões de Saberes: diálogo entre a

    universidade e as comunidades populares.

    O Projeto RUEP foi uma tecnologia social criada pelo Observatório de Favelas em

    2002 e desenvolvido em 2003 em parceria com as universidades UFF e UERJ com recursos

    da SESU – Secretaria de Ensino Superior. O Programa RUEP tinha como propósito

    subsidiar a criação de agendas propositivas para políticas públicas afirmativas, tendo como

    princípio à participação de instituições públicas de Ensino Superior e de organizações

    comunitárias e, principalmente, de jovens estudantes das comunidades de favelas. Seu

    objetivo maior era constituir novas relações de saberes e fazeres em relação à realidade dos

    jovens dos espaços populares e, através destes, constituir novas práticas sociopedagógicas

    capazes de estimular a participação direta na resolução de demandas socioculturais, geração

  • 40

    de trabalho e renda e na orientação de políticas públicas focais e transversais para

    juventude moradora de espaços populares. Seu objetivo geral era contribuir com a produção

    e difusão de experiências culturais e educacionais que dessem suporte a construção de

    políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social dos jovens residentes nos espaços

    populares de Niterói (UFF) e São Gonçalo (UERJ).

    A semelhança com os princípios e objetivos do Programa Conexões de Saberes não

    deixam dúvidas de que tratou-se na prática do projeto embrionário que mais tarde daria

    origem ao Programa Conexões de Saberes, mas desta vez com uma roupagem étnico-racial

    e pequenas mudanças na sua metodologia e estratégias de implementação. Não queremos

    afirmar uma reprovação, longe disso. Não há nada em contrário a tentativa de

    aperfeiçoamento de uma tecnologia social e sua ampliação na busca para aperfeiçoá-la e

    transformá-la em uma política pública, muito menos nesse caso onde o grupo a ser

    beneficiado é merecedor e faz jus a tais políticas. A mudança de status em 2004, tomando

    dimensão nacional e passando a ser financiado pelo MEC/SECAD, implicou em algumas

    mudanças filosóficas e conceituais para transformar o Programa Conexões de Saberes em

    uma ação afirmativa a ser desenvolvida em todo Ensino Superior a nível nacional.

    Infelizmente, apesar das mudanças engendradas que o promoveram nacionalmente a ponto

    de receberem do Banco do Brasil o prêmio de metodologia social, na prática ainda deixava

    muito a desejar na busca pela institucionalização enquanto uma política afirmativa de

    permanência para estudantes oriundos de territórios favelados.

    Sua chegada ao MEC/SECAD o transformou em uma política de ação afirmativa de

    permanência com recorte social, territorial e racial, e apesar da presença da Professora

    Eliane dos Santos Cavalleiro (especialista e ativista das questões raciais em Educação) à

    frente da Diretoria de Diversidade da SECAD, e sua extensa contribuição militante e

    acadêmica no campo das políticas de ação afirmativa no campo da Educação, as mudanças

  • 41

    efetuadas no Programa pouco alteraram suas características na prática. O exemplo disso

    é que em 2007 em um encontro da coordenação nacional em Brasília com a presença de

    cerca de noventa integrantes entre professores, estudantes e técnicos, quando se debatia

    sobre a escolha dos eixos temáticos para a produção dos artigos para a publicação do

    segundo volume da Coleção Grandes Temas14

    ; na votação para escolha desses eixos

    temáticos, o tema que tratava das políticas de ação afirmativa foi voto vencido, ficando fora

    dos que comporiam a publicação. Não fosse uma defesa emocionada da coordenação do

    Programa na UFMG, que ameaçou se retirar do Programa caso o eixo temático sobre ações

    afirmativas não fosse aprovado, pois defendia que um programa de ação afirmativa não

    poderia abster-se dessa discussão imprescindível para a formação de seus bolsistas. A mesa

    coordenadora formada pelo MEC/SECAD e Observatório de Favelas (que não tinha poder

    de voto) decidiu que o eixo temático passaria então a ser obrigatório a todas as IFES.

    Ao se tornar um programa nacional com 33 IFES, o Programa Conexões de Saberes

    com mais de 2.000 graduandos (bolsistas e voluntários), constitui-se como a principal

    política de permanência do MEC, mas seu crescimento vertiginoso passando de cinco para

    catorze e depois para trinta e três universidades e cobrindo todos os estados da federação

    incluindo o Distrito Federal representou uma vitória, mas ao mesmo tempo passou a exigir

    um esforço muito maior da Coordenação Nacional para geri-lo de forma eficiente.

    14

    O Programa Conexões de Saberes tem duas publicações nacionais, além das publicações locais que ficam a

    cargo de cada coordenação, são elas: Coleção Caminhadas e Coleção Grandes Temas. Em ambas os bolsistas

    são os autores, com uma pequena diferença. Na primeira os bolsistas fazem um relato de sua trajetória até a

    universidade, a intenção é publicizar o ardo caminho percorrido por esses estudantes e sensibilizar a

    comunidade acadêmica em relação as políticas de permanência para esses grupos. O segundo, se trata artigos

    produzidos coletivamente pelos bolsistas sob orientação de um professor (o programa destinava recursos para

    contratação desse profissional, mas na maioria das vezes esse professor-orientador era o coordenador do

    programa).

  • 42

    DE RUEP A PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES: DIÁLOGOS ENTRE A

    UNIVERSIDADE E AS COMUNIDADES POPULARES

    Como já foi explicitado anteriormente, o Programa Conexões de Saberes teve sua

    origem embrionária no coração do conjunto de comunidades de favelas do bairro Maré no

    Rio de Janeiro, mais especificamente na ONG, hoje OSCIP (Organização Social e Civil de

    Interesse Público), Observatório de Favelas do RJ. Instituição que até bem pouco tempo

    estava diretamente ligada ao Programa na condição de parceira, responsável por coordenar

    as produções acadêmicas das coordenações locais produzidas pelos bolsistas. Foi através da

    Rede de Universitários de Espaço Popular – RUEP que o Programa Conexões de Saberes

    teve origem, chegando ao MEC em 2004 por meio da SECAD sob a Coordenação Nacional

    Executiva da Diretoria de Diversidade. SECAD que na época era dirigida pelo Secretário

    Ricardo Henriques.

    Abre-se aqui um parêntese e pede-se atenção para o fato de que a criação da

    SECAD se deu de modo concomitante ao lançamento do Programa Conexões de Saberes

    pelo MEC no final de 2004. Ou seja, esse Programa foi uma das primeiras iniciativas da

    SECAD a nível nacional e em parceria com as universidades e o Terceiro Setor. No

    segundo ano do primeiro mandato do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em

    2004, cria-se a SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,

    que tinha entre várias atribuições a de contribuir para a redução das desigualdades

    educacionais por meio da participação de todos os cidadãos, propondo políticas públicas

    que assegurassem a ampliação do acesso à Educação. Apesar de algumas observações em

    relação à política desenvolvida pela SECAD nos últimos anos, reconhece-se que seu

    surgimento representou um avanço, principalmente, no diálogo entre o Governo e os

    Movimentos Sociais Negros Organizados e as ONGs. Até início desse ano esta Secretaria

  • 43

    era responsável pela execução de 24 Projetos Educacionais nas áreas de Direitos

    Humanos, Diversidade, EJA, Educação Étnico-racial, Educação Quilombola, Educação no

    Campo, entre outros. É também na SECAD que se encontram os principais programas do

    MEC voltados para a permanência de grupos historicamente desfavorecidos como o

    UNIAFRO e o Programa Conexões de Saberes, tidos até então como as únicas políticas de

    permanência com recorte sócio-racial do Ministério da Educação15

    .

    Cada Instituição Federal de Ensino Superior integrante do Programa deve produzir

    diagnósticos sobre as condições socioeconômicas, culturais e pedagógicas dos estudantes

    universitários residentes em espaços populares denominados de favelas. Aos bolsistas

    atendidos pelo Programa cabe assumir postura de mediador na relação entre universidade e

    comunidade. Além disso, cabe a cada estudante o direito a uma bolsa de auxílio financeira

    no valor de R$300,00 (trezentos reais) e orientação para produção de artigos com temáticas

    ligadas a políticas de ação afirmativa, permanência de estudantes de origem popular na

    universidade, relação universidade e comunidade e sobre acesso ao ensino superior, que são

    publicados em coleções acadêmicas financiadas com recursos do próprio Programa, mas

    sob controle e coordenação do MEC através da parceria com o Observatório de Favelas do

    RJ. Para a construção dos artigos os bolsistas devem participar de pesquisas sobre as

    desigualdades sociais, inclusive no interior da universidade, e sobre as experiências

    vivenciadas no campo de atuação, seja na comunidade, seja na escola pública através da

    parceria com o Programa Escola Aberta16

    onde desenvolvem oficinas com jovens nos finais

    de semana.

    15

    Importante salientar nossa estranheza em constatar que os principais programas de permanência com

    recorte social, racial e territorial do Ministério da Educação estejam alocados na SECAD e não na SESU. 16

    O Programa Escola Aberta se propõe a promover a ressignificação da escola como espaço alternativo para o desenvolvimento de atividades de formação, cultura, esporte, lazer para os alunos da educação básica das

    escolas públicas e suas comunidades nos finais de semana. O Programa é uma parceria da UNESCO com o

    Ministério da Educação e assim como o Programa Conexões de Saberes, abrange todas as unidades

    federativas do país. Suas atividades são realizadas por oficineiros voluntários e destinadas a toda população

  • 44

    O Programa Conexões de Saberes é um Programa de abrangência nacional com

    grande diversidade cultural. Os bolsistas que o integram apesar de genericamente

    identificados nas produções e documentos oficiais do Programa como estudante de origem

    popular17

    apresentam ricas experiências de vida e trajetórias escolares muito distintas umas

    das outras. Apesar do status de política de ação afirmativa, o Programa não exige das

    coordenações locais a utilização do recorte racial (negro e indígena) nos processos de

    seleção18

    , atitude diferente em relação às publicações, nas quais todas as coordenações

    foram obrigadas a produzir um artigo sobre o tema, em parceria com os bolsistas, para fazer

    parte da Coleção Grandes Temas no eixo temático “E” sobre políticas de ação afirmativa no

    Ensino Superior. O que demonstra uma preocupação em explicitar uma realidade que não

    condiz com o que de fato ocorre internamente.

    De acordo com as diretrizes do Programa, são seis os critérios para seleção dos

    bolsistas, classificados em primordiais e complementares. Segundo os documentos oficiais

    do Programa, homologados em assembléias da Coordenação Executiva Nacional, critérios

    primordiais seriam a intenção primeira, o objetivo principal a ser atingido, os obrigatórios a

    serem contemplados nos editais de seleção para bolsistas. Os complementares ficariam a

    cargo de cada coordenação local em cada universidade de acordo com seu momento

    político. Como o recorte racial foi colocado entre os critérios complementares, ficando

    explícito o não comprometimento da Coordenação Nacional em garantir a presença do

    do entorno da escola. Segundo seus coordenadores o objetivo é a redução da violência no bairro e nas

    localidades próximas.

    17

    Não se pretende nesse trabalho desenvolver uma problemática sobre as questões que envolvem esse termo.

    Mas esclarecemos que de acordo com o documento Termo de Referência 2007 do Programa, não se apresenta

    uma explicação conceitual para o termo. A categoria estudante de origem popular foi uma tentativa

    consensual entre os coordenadores do programa e o MEC/SECAD para escolha de uma terminologia

    socioeconômica que pudesse ser aplicada em todo território nacional para identificar os sujeitos sociais a

    serem contemplados pelo programa. Mas que nos pareceu muito mais uma tentativa de “marketing” sem uma

    preocupação teórico-metodológica. Muito comum em projetos desenvolvidos pelo Terceiro Setor. 18

    Esse critério passa a ser exigência para a seleção de bolsistas a partir do Edital-2009, mas é revogado no

    ano subseqüente no Edital de 2010 que marca a transição do Programa para PET – Programa de Educação

    Tutorial.

  • 45

    estudante negro no Programa. Ou então, o interesse em não se indispor com as

    universidades que insistentemente se negavam a utilizar o critério de cor/raça em seus

    editais de seleção, diferente do ocorrido em relação ao critério de recorte territorial,

    socioeconômico e socioeducacional. Os primordiais são: a) soma da renda mensal dos pais

    ou responsáveis pela criação, não superior a seis salários mínimos mensais, podendo ser

    reduzida de acordo com as especificidades econômicas regionais; b) morar ou ser oriundo

    de espaços populares [favela]; c) escolaridade dos pais ou responsáveis pela criação, não

    superior ao ensino fundamental. Os complementares: d) proveniência de escola pública

    (corriqueiramente utilizado pelas universidades para complementar o mínimo de quatro

    critérios no momento da seleção); e) ser negro ou indígena e; f) ter histórico de

    engajamento em atividades coletivas cidadãs em suas comunidades de origem. Dos seis

    critérios, cada universidade tem a obrigação de privilegiar no mínimo quatro ao divulgarem

    seus editais internos de seleção para bolsistas. Como o tema das políticas afirmativas está

    longe de ser um consenso em nossa sociedade, e isso se reflete também nas IFES, os editais

    divulgados pelas coordenações locais para seleção dos bolsistas quase sempre deixam de

    fora o critério racial, privilegiando, primordialmente o critério econômico, territorial,

    proveniência na Educação Pública e escolaridade dos pais19

    . No início cada universidade

    poderia ter entre 25 e 30 bolsistas. A partir do início das parcerias institucionais em 2006,

    com o Programa Escola Aberta, esse número poderia ser facilmente extrapolado chegando

    a mais de cem bolsistas em uma única universidade, de acordo com o número de escolas a

    serem atendidas, como ocorria no Programa Conexões de Saberes/UFRPE.

    19

    Ao atentar para os critérios primordiais e complementares fica fácil o entendimento da coordenação

    nacional do programa a intenção de selecionar o estudante morador de favela e universitário de primeira

    geração ao sugerir como critério estudantes que tenham pais com escolaridade fundamental incompleta.

  • 46

    O PROGRAMA CONEXÕES DE SABERES E AS PARCERIAS

    INSTITUCIONAIS

    A partir de 2006 a SECAD/MEC firmou uma parceria entre o Programa Conexões

    de Saberes e o Programa Escola Aberta20

    . Por parte do Programa Conexões de Saberes a

    parceria se deu de forma satisfatória, pois além de ampliar os recursos do Programa,

    aumentou significativamente o número de graduandos e, principalmente, o número de

    universidades, cobrindo todo o território brasileiro. Na outra ponta do Programa, contribuiu

    para estender ainda mais as ações nas comunidades de favelas em todo país e nas parcerias

    locais, sem falar do aumento substancial nos recursos anuais do Programa. No edital de

    2009 o MEC/SECAD disponibilizou mais de R$11.000.000,00 (onze milhões de reais) para

    gestar o Programa, uma boa parte desses recursos veio dessas parcerias institucionais. A

    parceria com o Programa Conexões de Saberes proporcionou ao Programa Escola Aberta a

    oportunidade de melhoria qualitativa nas ações realizadas por seus oficineiros já que passou

    a ter o apoio de professores e estudantes universitários que passaram a coordenar as

    oficinas de Leituração e Direitos Humanos nas escolas públicas nos fins de semana. A

    aproximação do Programa Escola Aberta com a universidade através do Programa

    Conexões de Saberes trouxe a possibilidade de troca de experiências metodológicas e

    institucionais. Com o crescimento da abrangência do Programa Conexões de Saberes,

    cresceu também sua força política junto ao MEC e junto às universidades federais. As

    ações extensionistas se multiplicaram fazendo com que a extensão universitária passasse a

    ser mais e melhor valorizada no espaço acadêmico, inclusive melhorando a infra-estrutura

    dos projetos de Extensão nas universidades.

    20

    O Programa Escola Aberta tem como objetivo diminuir os pequenos atos criminosos realizados por

    adolescentes, ocupando seu tempo nos finais de semanas com atividades lúdicas para moradores de favelas

    nos prédios escolares da vizinhança nos fins de semanas.

  • 47

    Em meado de 2007, outra parceria foi firmada, mas desta vez sem muito sucesso,

    entre MEC e Ministério do Meio Ambiente. Ambos buscaram construir uma parceira que

    envolveria o Programa Conexões de Saberes e Escola Aberta, pelo MEC, e o Coletivo

    Jovem de Meio Ambiente, apelidado de CJ. O CJ foi criado em 2003, em torno da

    construção e realização da I Conferência Nacional Infanto Juvenil pelo Meio Ambiente

    (CNIJMA). A idéia inicial seria formar um representante do Coletivo Jovem, não

    necessariamente universitário, e um graduando