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UNIVERSIDADE FUMEC PROGRAMA DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO REGINA MARIA DE ARAÚJO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: UMA EXPERIÊNCIA DE GESTÃO E PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE Belo Horizonte 2012

Author: hoangnhi

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  • UNIVERSIDADE FUMEC

    PROGRAMA DE MESTRADO EM ADMINISTRAO

    REGINA MARIA DE ARAJO

    ORAMENTO PARTICIPATIVO: UMA EXPERINCIA DE GESTO E

    PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE

    Belo Horizonte

    2012

  • REGINA MARIA DE ARAJO

    ORAMENTO PARTICIPATIVO: UMA EXPERINCIA DE GESTO E

    PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Mestrado em Administrao da FUMEC

    como requisito parcial para a obteno do

    ttulo de Mestre em Administrao.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Antunes

    Teixeira

    Co-orientadora: Profa. Dra. Vera Alice

    Cardoso Silva.

    Belo Horizonte

    2012

  • Universidade FUMEC

    Faculdade de Cincias Empresariais

    Curso de Mestrado em Administrao

    FACE/FUMEC

    Dissertao intitulada Oramento Participativo: uma experincia de gesto e

    planejamento urbano em Belo Horizonte, de autoria da mestranda Regina Maria de

    Arajo, aprovada pela banca examinadora constituda pelos seguintes professores:

    Prof. Dr. Luiz Antnio Antunes Teixeira

    Profa. Dra. Vera Alice Cardoso Silva (UFMG)

    Prof. Dr. Carlos Alberto Gonalves

    Prof. Cid Gonalves Filho

    Coordenador dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Administrao

    Universidade FACE/FUMEC

    Belo Horizonte, 28 de junho de 2012.

    Av. Afonso Pena, n. 3880 - Belo Horizonte, MG - 30130-009- Brasil - tel.: 3223 8033.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo imensamente ao meu orientador, professor Luiz Antonio Antunes Teixeira, e

    professora Vera Alice Cardoso Silva, pela orientao prestimosa e pela pacincia que

    me dedicaram ao longo desta jornada.

    Agradeo muitssimo ao ex-prefeito Patrus Ananias, ao professor Leonardo Avritzer,

    gerente geral do OP da Regional Norte, Senhora Mrcia Adriana de Oliveira Cruz, e ao

    Senhor Ildeu Pereira de Alvim, participante da liderana da COMFORA da Regional

    Leste, pelas entrevistas concedidas.

    Agradeo aos professores da UFMG e da FUMEC que fizeram parte da minha

    formao, os quais contriburam muito para a compreenso dos aspectos tericos e

    metodolgicos trabalhados nesta dissertao.

    Por fim, agradeo a Deus, aos meus familiares e amigos pelo apoio que me dedicaram

    em mais esta etapa em minha vida.

  • A histria um labirinto. Acreditamos saber

    que existe uma sada, mas no sabemos onde

    est. No havendo ningum do lado de fora

    que nos possa indic-la, devemos procur-la

    ns mesmos. O que o labirinto ensina no

    onde est a sada, mas quais so os caminhos

    que no levam a lugar nenhum.

    Norberto Bobbio

  • RESUMO

    O Oramento Participativo de Belo Horizonte (OP/BH) o tema central de

    investigao desta dissertao. Trata-se de um estudo de caso cujo objetivo foi

    apresentar uma anlise dessa experincia participativa no mbito da gesto municipal.

    A anlise se props a percorrer a trajetria do OP/BH, de sua origem, em 1994 at

    2012, visando a identificar as mudanas introduzidas na dinmica do OP e seu impacto

    na participao. importante ressaltar que a experincia do OP/BH est incorporada

    poltica municipal de Belo Horizonte h mais de 18 anos e tornou-se um importante

    instrumento poltico de organizao do governo. Esta pesquisa tem enfoque

    qualitativo. Para sua realizao, recorreu-se pesquisa documental, bibliogrfica e a

    entrevistas semiestruturadas. A pesquisa feita permite concluir que a participao do

    cidado nos processos decisrios da alocao e distribuio de recursos municipais

    fundamental para o aperfeioamento da democracia, contribuindo para promover

    justia social. No entanto, verificou-se tambm que a participao do cidado no OP

    limitada e induzida pelo gestor pblico. A pesquisa feita partiu do pressuposto de que

    a continuidade da participao importante no apenas para a identificao das opes

    para o planejameto do governo da cidade, como tambm para a resoluo de

    problemas relativos ao provimento de bens e servios demandados por diferentes

    grupos de moradores da cidade.

    Palavras-chave: Oramento Participativo. Gesto Pblica. Representao poltica.

    Participao poltica.

  • ABSTRACT

    The dissertation analyses the experiment of the participatory budgeting in Belo

    Horizonte. The research aimed at identifying the rules organizing the citizens

    participation in the decision-making process defining municipal investment priorities in

    public works. The research covered the eighteen-year period of the experiment, that is,

    1994-2012. It supports the conclusion that such innovation in the nature of citizens

    participation has positively contributed to the strengthening of citizenship values among

    poorer sectors of the Belo Horizonte population. It also enhanced patterns of

    distribution of public resources leading to greater levels of social justice. Despite this

    positive outcome, the research findings also support the conclusion that government

    authorities exercise strategic control over the rules of participation aiming at directing

    the investment decisions according to the logic of broader urban planning. However, the

    participatory budgeting in Belo Horizonte really became an efficient means to add

    democratic components to governmental planning and to help finding better solutions to

    problems of provision of public goods to all sectors of the citys population.

    Key-words: participatory budgeting; public management; political representation;

    political participation.

  • LISTA DE SIGLAS

    BHTRANS - Empresa de Transportes e Trnsito de Belo Horizonte

    CE - Coordenao Executiva

    CEMIG - Companhia Energtica de Minas Gerais

    CMOP - Comisso Municipal do Oramento Participativo

    COMFORA - Comisso Regional de Acompanhamento e Fiscalizao do OP

    COP - Conselho do Oramento Participativo

    COPASA - Companhia de Saneamento de Minas Gerais

    CPO - Coordenao do Plano de Obras

    CROP - Coordenao Regional do Oramento Participativo

    DARGO - Departamento de Ao Regional

    FMC - Fundao Municipal de Cultura

    FPM - Fundao de Parques Municipais

    GEOP - Gerncia do Oramento Participativo

    GEROP - Gerncia do Oramento Participativo Regional

    IQVU - ndice de Qualidade de Vida Urbana

    IVS - ndice de Vulnerabilidade em Sade

    LDO - Lei de Diretrizes Oramentrias

    OP - Oramento Participativo

    OP/BH - Oramento Participativo de Belo Horizonte

    OPD - Oramento Participativo Digital

    OPH - Oramento Participativo da Habitao

    PBH - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

    PGE - Planos Globais Especficos

    PPAG - Plano Plurianual de Ao Governamental

    SLU - Superintendncia de Limpeza Urbana

    SMED - Secretaria Municipal de Educao

    SMS - Secretaria Municipal de Sade

    SMURBE - Secretaria de Poltica Urbana

    SPG - Secretaria de Planejamento e Gesto

  • SPO - Secretaria de Planejamento e Oramento

    SUDECAP - Superintendncia de Desenvolvimento da Capital

    UPs - Unidades de Planejamento

    URBEL - Companhia Urbanizadora e de Habitao de Belo Horizonte

  • SUMRIO

    1 INTRODUO............................................................................................... 12

    1.1 Justificativa........................................................................................................ 16

    1.2 Objetivos............................................................................................................ 17

    1.3 Metodologia....................................................................................................... 18

    1.4 Estrutura da dissertao..................................................................................... 19

    CAPTULO 2 - A experincia do oramento participativo de Belo Horizonte..... 21

    2.1 Contextualizando o oramento participativo de Belo Horizonte..................... 21

    2.2 A experincia de implantao............................................................................ 25

    2.3 Regras gerais...................................................................................................... 27

    2.4 A estrutura operacional...................................................................................... 28

    2.5 Regras de funcionamento das rodadas.............................................................. 31

    2.6 Alguns critrios especficos............................................................................... 34

    2.6.1 Critrios para a alocao de cota de recursos.................................................. 34

    2.6.2 Critrios para a escolha dos delegados............................................................ 35

    2.6.3 Critrios para a eleio da COMFORA......................................................... 35

    CAPTULO 3 - Oramento participativo de Belo Horizonte: da origem

    ao destino............................................................................................................... 37

    3.1 A memria da origem....................................................................................... 37

    3.2 A evoluo das regras de organizao das etapas............................................ 39

    2.3 A trajetria do OP de Belo Horizonte: mudanas e impactos nos

    resultados de processos deliberativos.............................................................. 40

    3.3.1 Oramento participativo 1994, 1995, 1996 e 2007: regras utilizadas.............. 40

    3.3.2 A introduo da anlise das prioridades por meio de critrios tcnicos........... 41

    3.3.3 Avaliando os quatro primeiros OPs.................................................................. 43

    3.4 Implantando o OP de 1998: um novo formato................................................. 45

    3.4.1 Oramento Participativo 1999/2000................................................................. 47

  • 3.4.2 Oramento Participativo 2001/2002................................................................. 49

    3.4.3 Oramento Participativo 2003/2004.................................................................. 50

    3.4.4 Oramento Participativo 2005/2006. ............................................................... 51

    3.4.5 Oramento Participativo 2007/2008................................................................. 52

    3.4.6 Oramento Participativo 2009/2010 ................................................................ 53

    3.4.7 Oramento participativo 2011/2012................................................................. 54

    Captulo 4 - O protagonismo do poder pblico na direo das diferntes

    modalidades do OP.................................................................................................... 56

    4.1 As modalidades do OP/BH. ............................................................................ 56

    4.1.1 O OP Regional ............................................................................................... 56

    4.1.2 O OP Habitao .............................................................................................. 57

    4.1.3 O OP Cidade..................................................................................................... 58

    4.1.4 O OP Digital. .................................................................................................... 59

    CAPTULO 5 - O oramento participativo em Belo Horizonte: uma

    avaliao crtica.......................................................................................................... 65

    5.1 Resultados dos objetivos propostos.................................................................. 67

    5.2 Aspectos limitadores e facilitadores na dinmica do OP.................................. 72

    5.2.1 Aspectos limitadores......................................................................................... 72

    5.2.2 Aspectos facilitadores ...................................................................................... 73

    5.3 Os resultados da participao e dos investimentos no OP Regional e no

    OP Digital de Belo Horizonte, de 1994 a 2012................................................. 75

    CAPTULO 6 - A avaliao do OP/BH a partir de diferentes olhares................. 77

    6.1 Qual o valor do OP como experincia de fortalecimento da cidadania?.......... 77

    6.2 Qual o impacto do OP na melhoria da qualidade de vida na cidade?.............. 79

    6.3 Qual o sentido da continuidade do OP na dinmica da poltica municipal?.... 81

    7. CONSIDERAES FINAIS......................................................................... 85

    7.1 Sugestes para trabalhos futuros....................................................................... 87

    7.2 Limitaes do trabalho...................................................................................... 88

    REFERNCIAS........................................................................................................ 89

  • ANEXO A Mapa das nove Regionais Administrativas de Belo Horizonte............. 95

    ANEXO B Organograma das etapas do OP............................................................. 96

    ANEXO C Tabela 1 resultados da participao popular no OP/BH.................... 97

    ANEXO D Tabela 2 sntese dos empreendimentos e gastos aprovados

    no OP/BH............................................................................................. 98

    ANEXO E Roteiro das entrevistas.......................................................................... 99

  • 12

    1 INTRODUO

    O Oramento Participativo de Belo Horizonte (OP/BH) o tema central de

    investigao desta dissertao. Trata-se de um estudo de caso cujo objetivo apresentar

    uma anlise dessa experincia de participao no mbito da gesto municipal. Como

    tema de interesse acadmico, o Oramento Participativo (OP) oferece ao pesquisador

    diversos aspectos de pesquisa, que admitem diferentes abordagens.

    Nesta dissertao, a anlise se prope a percorrer a trajetria do OP/BH, de sua

    origem, em 1994, at 2012, visando a identificar as principais mudanas no

    funcionamento dos processos deliberativos dessa experincia e seus efeitos sobre a

    participao dos cidados na definio da alocao de recursos do oramento municipal

    em obras pblicas.

    Busca-se esclarecer a natureza das mudanas e seu impacto na participao dos

    cidados na definio de prioridades para a alocao de recursos oramentrios em cada

    ano fiscal do OP/BH. O objetivo analisar o controle governamental sobre a

    participao popular e os efeitos desta na gesto da cidade.

    Neste estudo, parte-se do pressuposto de que o controle governamental sobre a

    participao dos cidados no OP/BH, ao longo dos anos, alterou o ideal inicial desta

    experincia, que promover o que foi chamado de governo popular, voltado para a

    inverso de prioridades, em favor dos estratos sociais de baixa renda da populao.

    Antes de se iniciar a anlise desta experincia, conveniente definir como se

    entende, nesta dissertao, os conceitos de democracia, participao e representao,

    instituio e burocracia, uma vez que fazem parte essencial da anlise desenvolvida.

    Parte-se do pressuposto de que, quando se fala em democracia, participao,

    representao e instituio, diferentes definies so possveis, justamente por serem

    termos de conotao complexa, ou seja, que permitem mais de um entendimento.

    Cada um deles apresentado a seguir, segundo a denotao adotada nesta

    dissertao:

    Democracia

    Dahl (2001, p. 37) argumenta que, quando se discute a democracia, talvez nada

    proporcione confuso maior do que o simples fato de democracia referir-se ao mesmo

    tempo a um ideal e a uma realidade.

  • 13

    Para precisar o conceito, o autor props alguns critrios bsicos para identificar

    o processo democrtico no governo de uma associao. So eles:

    1) participao efetiva - todos os membros envolvidos em uma associao

    devem ter as mesmas oportunidades para fazer os outros conhecerem suas

    opinies sobre qual poltica adotar; 2) igualdade de voto no momento de

    decidir qual poltica adotar todos os membros devem ter oportunidades

    iguais e efetivas de voto e todos os votos devem ser considerados como

    iguais; 3) entendimento esclarecido dentro dos limites de tempo possvel,

    todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de aprender

    sobre as polticas alternativas e suas possveis consequncias; 4) controle do

    programa de planejamento todos os membros devem ter a oportunidade

    para decidir quais questes devem ser colocadas no planejamento; 5)

    incluso dos adultos todos, ou a maioria dos adultos residentes

    permanentes, deveriam ter o pleno direito de cidados implcito no primeiro

    critrio (DAHL, 2001, p. 37-50, grifo nosso).

    No entendimento de Dahl (2001), quando qualquer uma das exigncias

    colocadas nestes cinco critrios violada, os membros de uma determinada associao

    no sero considerados politicamente iguais e, nesse caso, a democracia, em sua

    plenitude, no se configura.

    Para o pensador italiano Bobbio (2000), a regra fundamental da democracia a

    regra da maioria, no que diz respeito a procedimentos a ser utilizados no processo

    decisrio. Decises tomadas pela maioria so decises coletivas, portanto representam

    todo o grupo. Para o autor, para que a democracia possa existir, necessrio que aqueles

    que tomam as decises gozem dos chamados direitos civis, tais como liberdade de

    opinio, de expresso, de reunio e de associao.

    No entanto, da mesma forma que Dahl (2001), Bobbio (2000) identifica alguns

    contrastes entre os ideais democrticos e a democracia real. Segundo ele,

    a) na democracia real no so os indivduos os sujeitos polticos mais

    relevantes, mas os grupos; b) os indivduos ento divididos em grupos

    contrapostos e concorrentes, a representao passa a defender os interesses

    particulares de grupos e no os interesses da maioria; c) na democracia real a

    competio acontece entre as elites pela conquista dos votos dos indivduos,

    d) um ideal democrtico um governo cujas aes sejam desenvolvidas

    publicamente com transparncia, cujo resultado possa ser controlado pelos

    cidados, no entanto, com o avano tecnolgico, o que se verifica o

    contrrio, os detentores do poder controlam a populao (BOBBIO, 2000, p.

    31-45).

    Esse pensador conclui tambm que, nas democracias consideradas

    consolidadas, constata-se o fenmeno da apatia poltica, o que proporciona um aumento

  • 14

    de comportamento poltico em troca de favores. (BOBBIO, 2000, p.32-33) No

    entender desse pensador, a democracia idealizada no se consolidou porque ela foi

    concebida para uma sociedade menos complexa do que a atual. Ele cita trs problemas

    decorrentes dessa transformao:

    a) a necessidade do aumento de competncias especializadas para a soluo

    dos problemas polticos, colocando por terra a hiptese de que na

    democracia todos podem decidir; b) o crescimento da burocracia, um

    aparato de poder ordenado e hierarquizado completamente oposto ao sistema

    de poder democrtico ideal; c) a tenso que se estabeleceu com a prpria

    democracia, ou seja, medida que a democracia se expandiu aumentaram

    consideravelmente e sistematicamente as demandas populares dirigidas ao

    Estado, obrigando-o a fazer opes nem sempre satisfatrias para a

    populao (BOBBIO, 2000, p. 46-49).

    Participao e Representao

    Parece haver consenso na literatura que trata do OP de que essa experincia

    busca aproximar o Estado da sociedade civil, assim como permite, em seu processo, a

    compatibilizao entre a democracia participativa e a democracia representativa.

    A democracia participativa ou direta aquela em que os cidados participam das

    decises polticas sem a interferncia de intermedirios, enquanto, na democracia

    representativa, os cidados elegem representantes que iro deliberar em nome deles.

    Bobbio (1989) afirma que, para a efetividade da democracia integral, essas duas

    formas de democracia, isoladas, no so suficientes. O ideal seria sua combinao nos

    processos decisrios que afetam diferentes aspectos da vida dos cidados (BOBBIO,

    1989, p.52).

    Azevedo (2003) considera relevante identificar as caractersticas dessa

    combinao no OP. Ela ressalta a importncia de explicar as condies dessa

    combinao e seus efeitos, uma vez que ela pode assegurar arranjos mais democrticos

    e mais aptos a levar em conta as demandas dos cidados.

    Na opinio de Wampler (2010, p. 402),

    fundamental reconhecer que os governos esto mais propensos a apoiar a

    gesto participativa se puderem obter benefcios no campo da democracia

    representativa [...] Para compreender a gesto participativa, fundamental

    entender como funciona a democracia representativa em um cenrio

    especfico.

  • 15

    O autor argumenta que a gesto participativa possibilita ao gestor pblico

    conhecer e compreender melhor as reivindicaes que motivam os lderes comunitrios

    a mobilizar os cidados para participar de decises que envolvem polticas pblicas,

    como o caso do OP. Nesse contexto, torna-se significativo que funcionrios do

    governo que se apresentem como candidatos e militantes poltico-partidrios criem e

    fortaleam alianas polticas. Esse autor afirma que, para entender a democracia

    participativa, vital estar ciente de que as estruturas de uma gesto participativa

    fundamentam campanhas, assim como formulam polticas e gesto (WAMPLER,

    2010, p. 402).

    Instituio e burocracia

    Segundo Levi (1991, p. 82-83),

    as instituies so constitudas por uma srie de regras explcitas e

    publicizadas, assim como por uma hierarquizao de pessoas e funes que

    regulam comportamentos atravs de incentivos e desincentivos [..] as

    instituies resolvem problemas de ao coletiva trazendo tona

    contribuies de indivduos que, por sua vez, no conseguem realizar seus

    desgnios a no ser que algum (ou algumas pessoas) tenha o poder de

    coordenar, ou coagir, ou mobilizar um grupo de pessoas para agir

    conjuntamente [...] as instituies so caracterizadas pela dualidade de, ao

    mesmo tempo, conter e criar poder.

    Para Weber (1999), a burocracia entendida como o quadro administrativo de

    um tipo especfico de dominao, isto , o meio pelo qual o detentor do poder vai

    conduzir os dominados a adotar determinado comportamento. A administrao

    burocrtica a administrao realizada segundo regras e baseada em documentos, meios

    pelos quais se procura isolar o ambiente organizacional de influncias pessoais.

    Segundo esse autor, a massa nunca administra, mas administrada (WEBER, 1999,

    p.141). O que varia o grau de influncia que a massa pode exercer na seleo dos

    chefes da administrao ou sobre os rumos da administrao, por meio da opinio

    pblica.

    Weber (1999, p.141) argumenta que a honra de um burocrata est na

    obedincia, na execuo da ordem, mesmo que a considere errada Por isso, esse autor

    no acredita que a burocracia possa desenvolver lderes polticos, cuja principal

    caracterstica tomar partido, lutar e apaixonar-se, norteados pelo princpio de

    responsabilidade por suas prprias aes.

  • 16

    Para ele, o controle burocrtico do comportamento impede que a conduo dos

    negcios ocorra em razo do favor, dos atributos de carter pessoal e que o

    comportamento dos funcionrios seja motivado por valores e paixes, uma vez que esta

    caracterstica uma prerrogativa da ao poltica.

    Weber (1999) destaca que o valor primordial da burocracia refere-se ao domnio

    da tcnica e da racionalidade. Mas, em sua anlise da burocracia, foi levado a concluir

    que as instituies cujas funes so baseadas somente no predomnio da racionalidade

    e da tcnica conduzem o homem moderno a um processo de desumanizao (WEBER,

    1999, p. 213). Essa caracterstica favoreceria o desenvolvimento do capitalismo, ao

    eliminar quaisquer aspiraes pessoais na execuo de tarefas exigidas nas organizaes

    pblicas e privadas.

    Essa breve conceituao dos termos citados visa a focalizar elementos analticos

    importantes para a reflexo sobre a participao em processos deliberativos que

    envolvem governo e cidados, como o caso do OP.

    O OP/BH se destaca como uma experincia participativa inovadora justamente

    por permitir ao cidado participar diretamente do processo de escolha de obras pblicas

    para a sua regio. Em outras palavras, o OP permite que o cidado intervenha

    diretamente em parte do processo decisrio relativo a intervenes pblicas locais, sem

    demandar a participao na modalidade da representao delegada a partidos polticos e

    autoridades polticas eleitas.

    Portanto, neste estudo, a participao popular no OP/BH dever ser entendida

    como uma interveno direta dos cidados em processos de deliberao sobre a

    alocao de recursos oramentrios em obras pblicas locais. Essa participao vista

    como necessria e imprescindvel para a efetiva democratizao da gesto pblica na

    cidade.

    1.1 Justificativa

    Este estudo justifica-se pela importncia alcanada pelo Oramento Participativo

    na gesto da cidade de Belo Horizonte. Nessa experincia, a participao popular tem

    sido efetiva, mesmo com as sucessivas alteraes nas suas regras ordenadoras. Vale

    ressaltar que a experincia do OP/BH est incorporada poltica municipal de Belo

  • 17

    Horizonte h mais de 18 anos e tornou-se um importante instrumento poltico de

    esquerda, aps a redemocratizao do pas, concluda nos anos de 1980.

    O oramento participativo tem sido objeto de pesquisas, como tambm de uma

    srie de estudos escritos por diferentes autores (AVRITZER, 2000, 2002; BOSCH,

    1999; MARQUETTI; CAMPOS, 2008; AZEVEDO, 2003, 2012; PIRES, 2008;

    SOMARRIBA, 1997; SOUZA, 2001; WAMPLER, 2003, 2004, 2010; entre outros). Em

    linhas gerais, os estudos sobre o OP ressaltam os impactos positivos dessa experincia

    para a consolidao e a expanso da democracia e da cidadania, a incluso social, a

    democratizao do poder local, o aumento da accountability, assim como para um

    melhor detalhamento do oramento municipal e sua prestao de contas e a limitao de

    prticas clientelistas. Outra argumentao presente na literatura que trata do OP a

    associao deste com um possvel renascimento da democracia participativa para

    superar problemas decorrentes de um suposto esgotamento da democracia

    representativa, dada a complexidade das necessidades e demandas vindas de seus

    representados.

    Nesta dissertao, esses temas tambm sero abordados, mas a proposta central

    de discusso investigar, na trajetria dos 18 anos do OP/BH, o aumento do controle

    governamental sobre a participao popular e o impacto desse controle para os cidados

    e para a gesto da cidade. Trata-se de um tema ainda pouco explorado na literatura que

    trata do OP.

    A pergunta que se procura responder neste estudo de caso : qual o impacto do

    controle governamental sobre a participao no oramento participativo de Belo

    Horizonte?

    1.2 Objetivos

    O objetivo principal desta dissertao analisar o impacto do controle

    governamental sobre a participao no Oramento Participativo de Belo Horizonte. Ao

    estudar o oramento participativo, percebe-se que, alm da problemtica da participao

    e do controle governamental sobre ela, abordada nesta dissertao, outras questes so

    recorrentes na literatura que trata do OP. Essas questes se tornaram os objetivos

    especficos deste estudo. So eles: a) compreender a relao entre democracia

    representativa e democracia participativa no OP; b) descrever a evoluo tecnocrtica

  • 18

    da participao no OP; c) avaliar a relevncia social da experincia participativa para a

    gesto da cidade; d) identificar os efeitos distributivos da experincia participativa em

    Belo Horizonte.

    O desafio construir uma investigao integrada dessas questes que possa

    auxiliar no entendimento de temas complexos como democracia, representao,

    deliberao e participao.

    1.3 Metodologia

    Esta pesquisa tem enfoque qualitativo. Para sua realizao, recorreu-se

    pesquisa documental, bibliogrfica e a entrevistas semiestruturadas. As entrevistas

    tratam das questes analisadas na pesquisa, conforme roteiro elaborado (ANEXO A).

    Os entrevistados foram escolhidos pela relevncia que representam para o OP/BH,

    visando a obter vises qualificadas sobre essa experincia participativa e as mudanas

    na sua operacionalizao, observadas ao longo de 18 anos. So eles: o ex-prefeito Patrus

    Ananias; o cientista poltico da UFMG, Leonardo Avritzer; a gerente geral do OP na

    Regional Norte, Senhora Mrcia Adriana de Oliveira Cruz e o Senhor Ildeu Pereira de

    Alvim, lder da COMFORA da Regional Leste.

    Os documentos e as publicaes citados nesta dissertao fazem parte do acervo

    da Prefeitura Municipal e da Secretaria de Planejamento e Gesto de Belo Horizonte

    que se encontra catalogado no Arquivo da Cidade. O estudo terico bibliogrfico foi

    essencial e necessrio para fundamentar a questo central desta dissertao, que visa

    mostrar que as mudanas de regras e procedimentos e a implantao de novas

    modalidades de OP, ao longo dos anos, aumentaram o controle governamental sobre a

    participao e o mbito de deliberao dos cidados nessa experincia deliberativa.

    Para a descrio e a anlise dos dados, foram pesquisados os documentos que

    expem a metodologia, as diretrizes e o regimento geral do OP/BH. Os documentos

    forneceram o esboo do desenho institucional e operacional dessa experincia, assim

    como a formalizao do processo de trabalho e a hierarquizao de responsabilidades

    dos diferentes rgos pblicos envolvidos no processo. Entre esses documentos esto

    aqueles que divulgam as regras que normatizam a participao, a distribuio dos

    recursos oramentrios, a composio das reunies e assembleias, a eleio dos

    delegados e da COMFORA, assim como os relatrios, as avaliaes, as propostas, as

  • 19

    recomendaes, os diagnsticos e as diretrizes e, por fim, os objetivos e metas dessa

    experincia participativa. A escolha dos materiais de referncia foi determinada pela

    descrio do OP, conforme documento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. O

    OP foi criado para possibilitar sociedade civil escolher o destino dos investimentos

    pblicos e participar ativamente na melhoria da cidade, democratizando assim a gesto

    e o planejamento pblico (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE Caderno de

    metodologia e diretrizes do oramento participativo, 2011/2012).

    Para a anlise das entrevistas recorreu-se tcnica conhecida como Anlise do

    Discurso. Para os especialistas da Anlise do Discurso, Maingueneau (1987) e Pcheux

    (1995), entre outros, o discurso uma construo social, no individual, e que s pode

    ser compreendido a partir de seu contexto histrico-social. Isso quer dizer que o

    discurso reflete uma viso de mundo determinada, necessariamente vinculada a seus

    autores e sociedade em que vivem.

    Segundo Maingueneau (1987), o texto ou o discurso inseparvel do contexto,

    do quadro social de sua produo e circulao. Essa tambm a opinio de Pcheux

    (1995). Segundo este autor, o objetivo da anlise do discurso cruzar a via do

    acontecimento, da estrutura e da tenso entre descrio e interpretao.

    A Anlise do Discurso adotada nesta pesquisa caracteriza-se essencialmente pela

    abordagem qualitativa, partindo do pressuposto de que o mundo social no um mundo

    natural, mas ativamente construdo por pessoas em seu cotidiano. Por isso, a

    necessidade de uma compreenso mais detalhada das prticas discursivas presentes nas

    relaes sociais dos sujeitos, como crenas, valores, atitudes, motivaes, paixes, entre

    outras, no que diz respeito s interaes dos sujeitos em contextos sociais especficos.

    1.4 Estrutura da Dissertao

    A sistematizao do OP/BH com suas regras, diretrizes, metodologias e

    procedimentos faz parte do contedo do segundo captulo. Nele, apresenta-se a

    experincia do oramento participativo de Belo Horizonte, identificando-se o seu

    funcionamento e o percurso do processo deliberativo em cada rodada do OP.

    A trajetria de mudanas ocorridas ao longo dos anos tratada no terceiro

    captulo. Este destaca as mudanas de regras de funcionamento que afetaram a forma de

    participao dos cidados e as regras orientadoras dos processos deliberativos. Neste

  • 20

    captulo destaca-se, tambm, o contexto das propostas e da implementao de novas

    modalidades do oramento participativo.

    A concepo terica dessas mudanas na conduo da participao popular e

    seus efeitos polticos sero analisados no captulo quatro. Nele discute-se o

    protagonismo do poder pblico na direo das diversas modalidades do oramento

    participativo implantadas. O objetivo dessa discusso a apresentao sistemtica da

    concluso de que, na evoluo do OP/BH, foi aumentando o controle governamental

    sobre a participao dos cidados, o que alterou o ideal inicial de promover o que foi

    chamado, a princpio, de governo popular.

    Para a elaborao do quarto captulo, foi fundamental e relevante recorrer s

    interpretaes de diferentes autores que tratam do OP como inovao poltica. Tal

    contribuio terica serviu de base para a comprovao da hiptese de que prevaleceu a

    racionalidade do gestor pblico sobre o estmulo participao. Ou seja, o gestor

    pblico passou a valorizar uma administrao mais tcnica e rigorosa no planejamento

    de obras e menos espao para decises tomadas por cidados reunidos em assembleias

    populares com regras muito flexveis de fala e de votao.

    No quinto captulo, por meio de uma avaliao crtica, a investigao aponta

    para mudanas significativas na concepo poltica e ideolgica inicial do OP/BH,

    voltada para a justia social, a inverso de prioridades e a participao popular na

    alocao de parte dos recursos municipais em obras pblicas. Ainda nesse captulo,

    conclui-se que a concepo ideolgica inicial do OP cedeu lugar ao planejamento global

    da cidade, em que os gestores pblicos so os atores principais na tomada de decises.

    O sexto captulo traz a anlise das vises de diferentes atores sobre o OP/BH. O

    objetivo colocar a concluso tirada a partir da pesquisa feita a de que intervenes

    governamentais afetaram a natureza da participao popular, na perspectiva de um

    debate ainda em andamento sobre o sentido e amplitude dessa forma de inovao

    participativa dentro do sistema poltico democrtico.

    Por fim, sero apresentadas as consideraes finais.

  • 21

    CAPTULO 2 A EXPERINCIA DO ORAMENTO PARTICIPATIVO DE

    BELO HORIZONTE.

    2.1 Contextualizando o oramento participativo

    O oramento participativo de Belo Horizonte foi implantado em 1994, por

    iniciativa do ento prefeito Patrus Ananias, eleito poucos meses antes. Sua proposta de

    campanha era a de uma administrao baseada na justia social, nos princpios da

    participao popular, na transparncia administrativa e na inverso de prioridades, em

    favor dos cidados mais necessitados, como foco principal de investimentos pblicos.

    A redemocratizao e as vitrias de partidos de esquerda em eleies municipais

    possibilitaram inmeras inovaes institucionais focalizadas na compatibilizao de

    interesses do Estado e da sociedade civil. Uma dessas inovaes institucionais foi o

    Oramento Participativo, implantado em Porto Alegre, em 1989 e, posteriormente, em

    Belo Horizonte, em 1994.

    Segundo Marquetti e Campos (2008), entre as diferentes experincias

    participativas adotadas no pas aps a redemocratizao,

    o OP teve maior capacidade de empoderar a populao de menor renda e de

    inverter prioridades, privilegiando os investimentos pblicos e a oferta de

    servios pblicos nas regies mais carentes das cidades (MARQUETTI;

    CAMPOS, 2008, p. 14).

    O Oramento Participativo de Belo Horizonte foi idealizado com o objetivo de

    proporcionar ao cidado condies de participar efetivamente de decises relativas

    gesto da cidade. No entanto Souza (2001), no artigo Construo e consolidao de

    instituies democrticas papel do oramento participativo, em uma reviso da

    literatura que trata da experincia do OP em Porto Alegre e Belo Horizonte, resulta que

    h um consenso na literatura analisada de que o OP assegura o acesso do cidado ao

    processo decisrio local, mas que esse acesso induzido e coordenado pelos

    governantes (SOUZA, 2001, p. 93).

    Entre os estudiosos desta experincia participativa predomina a viso positiva no

    que se refere ao acesso do cidado ao processo de deliberao sobre a alocao de

    recursos oramentrios. No caso de Belo Horizonte, observa-se que a participao foi-se

    reestruturando e se modificando em virtude de alteraes de regras organizadoras dos

  • 22

    processos deliberativos no OP/BH. As mudanas alteraram significativamente o

    funcionamento dessa experincia, o que afetou as formas e os resultados da

    participao. Note-se que a iniciativa das mudanas partiu sempre dos governantes.

    Vale ressaltar que o OP considerado um arranjo institucional inovador de

    participao popular, por meio do qual o cidado participa diretamente do processo

    decisrio das polticas pblicas, visando a uma melhor distribuio dos recursos

    oramentrios em obras que beneficiem, principalmente, estratos sociais menos

    favorecidos, que vivem em bairros da periferia ou em reas vulnerveis dentro da

    cidade.

    Ubiratan (1999) argumenta que a experincia do Oramento Participativo rompe

    com a viso tradicional da poltica brasileira onde o cidado encerra a sua participao

    poltica no ato do voto, e os governantes eleitos fazem o que bem entendem por meio de

    polticas populistas e clientelistas.

    Para Azevedo e Gomes, (2009, p.67),

    o Oramento Participativo uma inovao institucional brasileira, resultado

    de um esforo de vrios governos municipais ao longo das dcadas de 80 e

    90 do sculo XX, formados por coalizes de esquerda, objetivando prticas

    democrticas de cidadania e a inverso de prioridades do governo.

    Para a autora, o OP tem como caractersticas bsicas a ampliao da participao

    dos cidados na definio dos investimentos pblicos e a distribuio de recursos,

    prioritariamente, para as reas mais carentes de infraestrutura urbana.

    Para esses dois autores, o Oramento Participativo uma importante conquista

    da sociedade brasileira aps a redemocratizao ocorrida na dcada de 1980. Ubiratan

    (1997) ressalta o rompimento da lgica tradicional da poltica brasileira, segundo a qual

    o cidado no tinha mais direito aps o voto, enquanto os eleitos se beneficiavam em

    polticas de interesse prprio. Azevedo e Gomes (2009, P.67) destaca a participao

    popular na deliberao de recursos pblicos priorizando as reas mais carentes da

    populao. So duas conquistas democrticas de grande valia para os municpios que

    adotaram o OP.

    As conquistas democrticas apontadas por Ubiratan (1999), Azevedo e Gomes

    (2009) resultaram em experincias participativas, como o caso do OP, e fazem parte

    de um processo de lutas da sociedade civil em prol da democracia e da justia social. O

  • 23

    novo texto constitucional de 1988 legitima, pelo menos em parte, esse ideal

    democrtico, pois ampliou a cidadania e promoveu a descentralizao poltica,

    administrativa e financeira dos municpios. A primeira insere os cidados no processo

    decisrio da poltica pblica local; a segunda transfere recursos dos demais nveis do

    governo e possibilita a criao de novos tributos para os municpios, o que,

    teoricamente, produz maior arrecadao e, por consequncia, cria condies de melhor

    distribuio dos recursos pblicos. Essa inovao constitucional foi ressaltada por

    Marquetti (2008). Segundo este autor, a Constituio Brasileira de 1988 legitimou o

    poder civil e alterou o balano do poder no pas, transferindo recursos e encargos para

    os estados e municpios. Ou seja, o texto constitucional de 1988 fortaleceu os

    municpios e assegurou aos cidados a oportunidade de participar e de deliberar sobre a

    utilizao de recursos alocados a polticas sociais.

    Do ponto de vista institucional, a Constituio de 1988 possibilitou aos estados e

    municpios um grau significativo de autonomia para arrecadar e aplicar o dinheiro

    pblico segundo planejamento prprio.

    No entanto, do ponto de vista do cidado, o Estado de Direito legitimado no

    texto constitucional no foi suficiente para garantir a participao e a deliberao dos

    cidados no que concerne ao oramento municipal, uma vez que depende de deciso do

    chefe do executivo, o prefeito municipal, com aprovao da Cmara dos Vereadores,

    criar as condies institucionais para que isso ocorra.

    No contexto da redemocratizao, intensifica-se a insatisfao da sociedade civil

    quando no tem suas reivindicaes atendidas pelo poder pblico. Cada vez mais

    questionada a legitimidade da poltica tradicional face s demandas dos cidados, ao

    mesmo tempo em que partidos de esquerda fortalecem-se eleitoralmente e conseguem

    eleger prefeitos.

    Esse embate entre governo e sociedade civil, no caso de Belo Horizonte,

    alcanou dias melhores com a vitria de Patrus Ananias, para a Prefeitura de Belo

    Horizonte, dada sua determinao em governar para todos. Essa determinao abriu

    espao para o dilogo e para experincias participativas populares, o que resultou em

    diretivas mais democrticas de gesto pblica municipal. O OP/BH foi a expresso

    dessa interao poltica entre governo e sociedade civil.

    No entender de Santos (2002), as presses sociais acabaram por forar o Estado

    a reconhecer a sociedade civil como um ator poltico, o que favoreceu a aproximao e

  • 24

    o dilogo entre as partes. Essa tambm a opinio de Somarriba (2005). Segundo esta

    autora, o oramento participativo foi proposto como um novo modelo de gesto da

    cidade, buscando democratizar a relao Estado/Sociedade Civil, ampliando, assim, o

    controle democrtico sobre os recursos e as polticas municipais. A autora ressaltou a

    importncia de aumentar o grau de envolvimento da populao com a administrao

    municipal, sendo esse o caminho para que os cidados possam perceber com maior

    clareza a relao entre as decises polticas dos governantes e as condies sociais em

    que vivem.

    As relaes entre Estado e sociedade civil so sempre complexas e conflituosas

    e nem sempre bem delineadas. Bresser Pereira (1997) argumenta que, medida que a

    democracia avana, as classes dominantes so foradas a fazer concesses para as

    classes dominadas. Na opinio deste autor, o Estado o provedor dos benefcios sociais,

    o que lhe permite atenuar e, ao mesmo tempo, legitimar as relaes de dominao. Tal

    caracterstica no impede que a aproximao do Estado com a sociedade civil resulte,

    muitas vezes, em polticas pblicas mais favorveis para a populao.

    O Oramento Participativo de Belo Horizonte originou-se desse momento

    histrico de mudana na interao entre Governo e sociedade civil. Nas palavras de

    Ubiratan (1997), o governo municipal, ao implantar o OP, rompe com a tradicional

    poltica hierarquizada e clientelista da histria republicana brasileira, e a sociedade civil

    conquista um espao mais democrtico de negociao poltica.

    Portanto o OP o resultado de novas formas de relao entre o Estado e os

    cidados. Nesse contexto, combinam-se aspectos da democracia representativa e da

    democracia participativa ou direta. Em linhas gerais, quando falamos em democracia

    representativa, estamos nos referindo a um sistema de decises polticas deliberadas por

    aqueles que foram eleitos para tal finalidade, atravs do sufrgio universal. Eleitas,

    essas pessoas gozam do direito de decidir sobre os interesses gerais da coletividade que

    as elegeu. No caso da democracia participativa ou direta, o cidado participa do

    processo decisrio sem intermedirios, por meio de assembleias, plebiscitos ou

    referendos. Nesse caso, as decises so tomadas a partir da vontade da maioria ou

    atravs do consenso entre os participantes.

  • 25

    2.2 A experincia de implantao do oramento participativo em Belo Horizonte

    Segundo Pires (2008), simultaneamente s transformaes no contexto poltico-

    social, vrias mudanas institucionais relevantes vinham sendo processadas em Belo

    Horizonte, desde a dcada de 1980, que facilitaram a implantao do OP na cidade.

    Entre essas mudanas, o autor destaca:

    a) o Legislativo municipal inclui o princpio participativo para a

    administrao da cidade na elaborao da Lei Orgnica, com a organizao

    de instncias de participao popular na tomada de deciso sobre polticas

    pblicas; b) a implantao de polticas que continham um componente

    participativo, como o Programa de Desenvolvimento de Comunidades

    (Prodecom), o Programa de Aes Scio-Educativas e Culturais para as

    Populaes Carentes do Meio Urbano (Prodasec), o Programa Participativo

    de Obras Prioritrias (Propar), a subdiviso em administraes regionais e a

    criao dos conselhos comunitrios (PIRES, 2008, p. 59).

    Para Pires (2008), essas iniciativas geraram um processo de aprendizagem

    organizacional, o que favoreceu a implementao de prticas e experincias

    participativas, como o caso do OP.

    Eleito, Patrus Ananias aproveitou esse momento institucional favorvel e,

    imediatamente, colocou em prtica um modelo alternativo de gesto que se distinguisse

    efetivamente da relao clientelista do modelo tradicional, marcado pela troca de

    favores entre vereadores e lideranas comunitrias, visando aprovao de

    determinadas obras. O novo formato de gesto seria pautado na participao dos

    cidados em processos deliberativos, nos quais as reivindicaes por obras e servios

    seriam apresentadas, discutidas e votadas pelos prprios moradores de cada regio da

    cidade. Tais processos permitiriam Prefeitura Municipal conhecer melhor as

    necessidades e carncias desses territrios e, a partir da, planejar com mais eficincia e

    eficcia a distribuio dos recursos municipais destinados execuo de obras pblicas.

    Esse novo formato de gesto pressupunha coibir o clientelismo e implantar a

    transparncia administrativa, a democratizao das informaes e a elaborao do

    oramento municipal de forma participativa, por meio do qual se operaria a inverso de

    prioridades governamentais em prol da justia social.

    Para os novos gestores municipais, essa proposta impunha um redirecionamento

    da poltica municipal no sentido de criar novos critrios para os gastos pblicos. Com

  • 26

    isso, buscava-se novo padro de equilbrio do oramento municipal, diretiva proposta

    pela Lei Oramentria Municipal.

    A implantao do OP/BH demandou um grande empenho da Prefeitura

    Municipal, em conjunto com rgos da administrao direta e indireta, administradores

    regionais e representantes das Secretarias de Planejamento, Oramento e Governo para

    execuo do OP.

    Em linhas gerais, o oramento participativo consiste em um processo que

    envolve a participao popular na definio que orienta a distribuio de investimentos

    em obras pblicas para a cidade. O processo envolve duas rodadas de assembleias

    regionais intercaladas por uma rodada de reunies nos bairros, na primeira fase. Em

    seguida, realizam-se os fruns das prioridades regionais, quando so eleitos os

    delegados que monitoram os empreendimentos aprovados no frum municipal por meio

    das Comisses Regionais de Fiscalizao das Obras do Oramento Participativo

    (COMFORA).

    O OP , ento, considerado uma experincia ou estratgia de promoo da

    participao dos cidados adotada pelo Executivo Municipal em Belo Horizonte, a

    partir de 1994, tendo por objetivo criar um novo formato de gesto em que o cidado

    possa participar e de deliberar sobre processos decisrios relativos definio dos

    gastos pblicos municipais. A partir dessa experincia, pretende-se que o cidado

    conhea melhor a sua realidade e a realidade da cidade no que se refere ao provimento

    de bens e servios pblicos.

    A troca de informao e a disputa por uma parte do oramento entre os

    diferentes atores que participam do processo participativo, isto , representantes das

    Administraes Regionais, representantes de Associaes de Bairro e outras entidades

    civis no OP, muitas vezes resultam em longos debates e negociaes, antes de se chegar

    a um consenso sobre as obras a serem executadas. Nessa perspectiva, o OP caracteriza-

    se como uma estratgia poltica mediadora de conflitos de interesses entre os cidados e

    o governo. O resultado dessa experincia, para aqueles que a vivenciam, o pleno

    exerccio da cidadania e da democracia, por meio do qual os resultados so obtidos por

    consenso. Essa dinmica corrobora a interpretao de autores como Avritzer (2003),

    Azevedo e Gomes (2008), que defendem a tese de que o OP possibilita a

    compatibilizao entre elementos da democracia participativa ao lado de regras que

    caracterizam o modelo da democracia representativa. Em outras palavras, o OP

  • 27

    estruturado de forma a permitir maior participao da sociedade civil no processo de

    planejamento de gastos pblicos.

    2.3 As regras do OP/BH

    A experincia do oramento participativo se fundamenta no reconhecimento do

    direito de participao do cidado no planejamento de polticas pblicas. O desafio

    dessa experincia democratizar a gesto municipal atravs da participao popular nos

    assuntos do executivo. Para a realizao do OP, cabe Prefeitura Municipal criar regras

    e procedimentos que organizam sua implementao. As regras gerais e permanentes so

    abaixo descritas.

    I Regras relativas distribuio dos recursos e participao:

    a) A participao dos cidados tem carter deliberativo, isto , cabe

    populao decidir sobre as obras a serem executadas na cidade, a cada ano, de

    acordo com prioridades das regies da cidade.

    b) A definio do montante de Recursos Ordinrios do Tesouro Municipal que

    caber ao OP oficial, isto , cabe ao governo municipal. O montante aprovado

    corresponde a 5% da receita tributria municipal. Em 1994, esse montante foi

    assim distribudo: 50% divididos igualmente entre as regionais e 50% divididos

    conforme valores do ndice de Qualidade de Vida Provisrio. Esse ndice tem

    como referncia de clculo a renda per capita mdia em cada regio da cidade.

    c) A populao escolhe os representantes, por regio, para compor as

    Comisses Regionais de Acompanhamento e Fiscalizao da Execuo do

    Oramento Participativo COMFORAS.

    As regies administrativas do municpio de Belo Horizonte so assim divididas:

    1) Venda Nova; 2) Norte; 3) Pampulha; 4) Nordeste; 5) Noroeste; 6) Leste; 7) Oeste; 8)

    Centro-Sul; 9) Barreiro. Para efeito de identificao das obras, essas regionais foram

    subdivididas de acordo com os seguintes critrios: a) cada regional contm de trs a seis

  • 28

    sub-regies; b) a populao de cada sub-regio deve ser aproximadamente igual; c) o

    comparecimento da populao de cada regio s assembleias do OP deve ser facilitado.

    II Regras relativas promoo da cidadania e da inverso de prioridades.

    a) Criao de estmulos para promover a participao dos governados nas

    decises relativas alocao de recursos pblicos.

    b) Compromisso do governo municipal com a inverso de prioridades, ou seja,

    com o atendimento de necessidades mais urgentes das populaes menos

    favorecidas da cidade.

    c) Estmulo participao de entidades organizadas de Belo Horizonte, como

    sindicatos, associaes de bairros, grupos culturais, religiosos e de jovens,

    comisses e conselhos setoriais (Sade, Educao e Meio Ambiente), entre

    outros, nas decises pblicas do OP.

    d) Divulgao de informaes sobre a situao financeira e administrativa da

    Prefeitura Municipal, principalmente no que se refere a receitas e despesas do

    municpio, tornando-as referncia para os debates sobre prioridades de obras a

    serem financiadas.

    2.4. A estrutura operacional do OP/BH

    Atualmente, a dinmica do Oramento Participativo Regional consiste em

    realizar, a cada dois anos, plenrias com a populao nas nove regionais da cidade, para

    a definio de empreendimentos a serem executados pela Prefeitura de Belo Horizonte.

    Essa regra alterou o princpio de rodadas anuais do OP. Antes de o processo ser

    iniciado, a prefeitura torna pblicas as diretrizes do OP. Esse documento visa

    uniformizar procedimentos e trazer orientaes e definies para cada poltica setorial,

    bem como informar sobre a metodologia que define as regras de funcionamento de cada

    etapa do processo.

    Para viabilizar a dinmica do OP, foi necessrio o envolvimento de diferentes

    rgos pblicos municipais:

  • 29

    rgos envolvidos: a Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento e Gesto a

    executora do OP. Para seu encaminhamento, essa Secretaria conta com a parceria da

    Gerncia do Oramento Participativo (GEOP), da Gerncia do Oramento Participativo

    Regional (GEROP), da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL),

    responsvel pela execuo das obras nas Zonas Especiais de Interesse Social, e da

    Superintendncia de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP), responsvel pela

    execuo de obras nos demais zoneamentos da cidade, conforme definidos no Plano

    Diretor da cidade. Tambm participam deste grupo todas as Secretarias Regionais,

    Empresas Pblicas, Autarquias e Fundaes Municipais.

    Monitoramento: o monitoramento do Oramento Participativo feito pelas Comisses

    Regionais de Acompanhamento e Fiscalizao do OP (COMFORAS) e pelo Grupo

    Gerencial do Oramento Participativo (GGOP), composto por representantes da

    prefeitura. O objetivo monitorar a execuo das obras, informar sobre seu andamento

    e encaminhar a soluo de eventuais problemas.

    Fazem parte do GGPO: a) a Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e

    Informao (SMPL) e sua Secretaria Adjunta de Planejamento; b) a Secretaria de

    Poltica Urbana (SMURBE) com as suas adjuntas e suas empresas e/ou autarquias

    municipais: Meio Ambiente, Regulao Urbana, Habitao, Superintendncia de

    Desenvolvimento da Capital (SUDECAP), Superintendncia de Limpeza Urbana

    (SLU), Empresa de Transportes e Trnsito de Belo Horizonte (BHTRANS), Fundao

    de Parques Municipais (FPM), Companhia Urbanizadora e de Habitao de Belo

    Horizonte (URBEL); c) a Secretaria de Poltica Social e suas adjuntas (Assistncia

    Social e Esportes); d) a Secretaria Municipal de Educao (SMED) e a Secretaria

    Municipal de Sade (SMS); e) a (FMC) e as nove Secretarias Municipais de

    Administrao Regional.

    A Coordenao Geral do OP exercida pelos Secretrios de Governo e

    Planejamento, cabendo-lhes estabelecer as diretrizes gerais de cada rodada do OP. A

    Coordenao Executiva do OP exercida conjuntamente pelo Gabinete do Prefeito,

    Coordenadores de Administraes Regionais e Departamento de Oramento. Compete a

    essa coordenao organizar e executar o calendrio de atividades, convocar a plenria

    de Coordenadores de Participao Popular e Administradores Regionais para discutir a

    execuo do OP e avaliar os resultados das decises tomadas.

  • 30

    Para encaminhamento das etapas do OP, a Coordenao Executiva (CE) conta

    com coordenaes especficas. A etapa de levantamento e priorizao de investimentos

    fica a cargo da Coordenao do Plano de Obras (CPO), composta por membros da

    Superintendncia de Desenvolvimento da Capital (SUDECAP), da Companhia

    Urbanizadora e de Habitao de Belo Horizonte (URBEL) e do Departamento de Ao

    Regional (DARGO). A etapa de discusso do Plano Diretor fica a cargo da Secretaria

    Municipal de Planejamento (SMP). A etapa de levantamento e priorizao de projetos e

    atividades setoriais de trabalho fica a cargo da Coordenao Executiva (CE), acrescida

    de um representante das Secretarias de Educao, Sade e Meio Ambiente.

    As COMFORAS e o GGOP tm como atribuio: a) reunir-se periodicamente

    para discutir, com base nas informaes prestadas pela Prefeitura, o andamento da

    execuo oramentria e a prestao de contas do cumprimento das prioridades

    estabelecidas; b) junto com a Prefeitura, discutir e acompanhar a preparao da

    participao no oramento municipal do exerccio seguinte; c) acompanhar e fiscalizar

    as obras, os gastos e a prestao de contas; d) explicar, prestar informaes e ouvir a

    comunidade, sempre que for necessrio; e) solicitar esclarecimento e informaes

    Prefeitura, sempre que necessrio; f) designar pelo menos dois de seus membros

    efetivos para acompanhar os processos de licitao de projetos das obras aprovadas.

    A solenidade de abertura de cada oramento participativo conta com a presena

    do prefeito municipal, de representantes das secretarias envolvidas com o OP, de

    gestores municipais, de membros das COMFORAS e da populao em geral. Nessa

    abertura, so apresentadas aos cidados as diretrizes e metodologias do OP, assim como

    seu calendrio anual ou bianual, que contm a agenda das etapas a cumprir para o ano

    em exerccio.

    A partir da, seguindo o cronograma estipulado e divulgado pela Prefeitura, so

    realizadas as rodadas do OP/BH, assim definidas:

    1 rodada assembleia sub-regional, considerada de participao direta, para

    prestao de contas do exerccio anterior e apresentao dos critrios para o prximo

    exerccio;

    2 rodada assembleia sub-regional, considerada de participao direta, para

    levantamento das propostas; reunies nos bairros, com participao direta, para a

    definio de qual empreendimento ser reivindicado;

  • 31

    3 rodada- assembleias sub-regionais, com participao direta, para a pr-seleo dos

    empreendimentos apresentados pelas comunidades e eleio dos representantes das sub-

    regies para o Frum Regional.

    Aps a 3 rodada, realizazam-se:

    a) caravana das prioridades, com participao indireta, que se realiza por meio de

    visita aos locais com solicitao de obras;

    b) estimativa dos custos, com participao indireta, que rene pessoas para realizar

    vistoria e propor estimativa dos custos.

    Finalizando o processo do OP, acontecem:

    a) o Frum Regional, com participao indireta, (delegados) para discusso e

    aprovao das obras para o Plano Regional de Obras e para eleio da COMFORA;

    b) Frum Municipal, com participao indireta, (delegados) para entrega ao Prefeito

    do plano de obras do OP para o ano em curso (ver organograma das etapas do OP no

    ANEXO B).

    Com as regras j estabelecidas, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte lanou,

    em 1994, o primeiro OP Regional de Belo Horizonte com o slogan Agora sua voz tem

    vez na cidade.

    2.5 Regras de funcionamento das rodadas do OP/BH

    A pauta das rodadas do oramento participativo preparada pela Coordenao

    Geral do OP em discusso com os Administradores Regionais e com os Coordenadores

    de Participao Popular.

    A primeira rodada do OP comea em maro, com as assembleias sub-regionais

    abertas participao popular. Esta etapa coordenada pelos Administradores

    Regionais e por equipes da PBH. Nesta primeira assembleia, a Prefeitura presta

    esclarecimento sobre o oramento municipal, apresenta a situao econmico-financeira

    do municpio, presta conta dos projetos em andamento, fornece aos participantes

    informaes gerais das etapas do OP, tira dvidas, divulga o Calendrio de Atividades

    do OP e instrui sobre o correto preenchimento dos formulrios de solicitao de obras.

  • 32

    Embora esta primeira rodada seja considerada de participao direta, fica claro o

    inteiro domnio dos representantes do governo na conduo das etapas, na fixao das

    regras e procedimentos do OP, restando aos cidados participantes apenas conhec-las.

    Assim sendo, a participao dos cidados, na primeira assembleia do OP, resume-se ao

    conhecimento de regras e calendrio das atividades, no sendo possvel a eles modificar

    a formatao dessa prtica, j definida pelas autoridades municipais.

    A segunda rodada de assembleia tem como participantes os Administradores

    Regionais, equipes da PBH e os moradores das sub-regionais. Esta assembleia tambm

    considerada de participao direta. Nesta rodada, ainda forte a interferncia da

    equipe da PBH e dos Administradores Regionais nas discusses que deliberam sobre os

    recursos disponveis para investimento, sobre a realidade social e fsica de cada regio e

    sobre a escolha de obras prioritrias. Estas, segundo a Prefeitura, devem ser

    selecionadas com base em critrios de interesse social, como a sade, a educao, a

    habitao, o transporte e a infraestrutura viria.

    A Coordenao Geral do OP define a quantidade de recursos para cada regio,

    usando como critrio o ndice de Qualidade de Vida Provisrio, que leva em

    considerao a populao e a renda per capita mdia da regio, elaborado a partir de

    dados do IBGE. Essa condio, de acordo com Wampler e Avritzer (2004), garante

    melhor distribuio dos recursos entre as regies, embora no determine a forma como

    esses recursos devam ser utilizados. As informaes sobre a realidade social das regies

    ficam a cargo dos Administradores Regionais que, de posse desses dados, buscam

    influenciar as discusses com os moradores.

    No entanto nessa etapa do OP que a populao local comea a ter voz.

    Segundo Wampler e Avritzer (2004), intensa a disputa poltica entre os participantes

    nessas assembleias, visando a garantir maior acesso aos recursos. Segundo esses

    autores, nesse momento que a participao atinge o seu pice, quando os participantes

    buscam mobilizar o maior nmero possvel de pessoas para aumentar a chance de uma

    determinada obra ser a escolhida entre as demais, pois nenhum grupo grande o

    suficiente para ter o seu projeto garantidamente escolhido. Tal situao estimula a

    negociao entre as regionais no que se refere definio de prioridades. Essa

    movimentao proporciona aos envolvidos no OP o exerccio poltico de cidadania e

    democracia, conforme se prope na concepo desse processo participativo.

  • 33

    Aps essa assembleia, acontecem as reunies nos bairros para a definio dos

    empreendimentos a serem reivindicados. Nesta etapa, a Prefeitura no est presente, e

    os Administradores Regionais comparecem apenas quando solicitados. Portanto, nesse

    momento, a populao e os representantes das Associaes Comunitrias esto em

    pleno processo de participao e de deliberao. So eles os atores desse ato, ou seja,

    cabe aos moradores de cada regio a deciso de escolher as obras a serem reivindicadas.

    Nesse caso, a participao , de fato, direta, sem intermedirios.

    Na terceira assembleia, a equipe da PBH e os administradores regionais esto

    presentes. Nesta ocasio, os moradores entregam equipe da Prefeitura os formulrios

    com a relao das obras escolhidas para apreciao. Tambm nessa assembleia

    realizada a eleio para os representantes, que so os delegados da sub-regio, aos quais

    caber representar os cidados no Frum Regional das Prioridades Oramentrias. Esta

    etapa a ltima em que o cidado participa diretamente das deliberaes. A partir da,

    os delegados decidiro em nome da populao que os elegeu.

    Entre a terceira rodada e o Frum Regional, os delegados eleitos, os

    administradores regionais e as equipes da Prefeitura visitam os locais indicados como

    obras prioritrias de cada regional. Este evento chamado de Caravana das

    Prioridades. Ao mesmo tempo, tcnicos da URBEL e da SUDECAP fazem a vistoria e

    a estimativa de custo das obras indicadas. Nesta etapa, os moradores da regio esto

    fora do processo decisrio.

    O Frum Regional de Prioridades Oramentrias composto pelas equipes da

    PBH, pelos administradores regionais e delegados eleitos na terceira assembleia. O

    Frum Regional tem regimento prprio, definido pela coordenao geral do OP. O

    regimento estabelece a sequncia dos trabalhos e as regras gerais que orientam as

    discusses e aprovao das obras e a eleio da Comisso de Acompanhamento e

    fiscalizao do OP (COMFORA).

    A COMFORA tem um importante papel no OP, uma vez que lhe cabe

    direcionar a discusso das prioridades locais, acompanhar e fiscalizar as obras, prestar

    contas dos investimentos e deliberar sobre a escolha das obras que sero encaminhadas

    Prefeitura para execuo. Portanto essa Comisso funciona como um arranjo

    institucional do poder pblico para assegurar a representao dos interesses populares,

    acompanhando, fiscalizando e definindo, junto aos cidados e aos representantes do

  • 34

    Executivo, as prioridades locais, o que faz da COMFORA uma mediadora entre o

    governo e os cidados moradores em cada regio.

    O Regimento do Frum Regional estabelece trs regras para a votao de

    escolha das obras, a saber: a) a discusso dos subgrupos, combinada com uma votao

    numa assembleia geral que homologa os acordos; b) a aplicao da regra da maioria na

    assembleia final; c) a combinao da regra da maioria com a votao secreta.

    Azevedo (2003) conclui que, entre as trs regras de votao para a escolha das

    obras admitidas no Regimento dos Fruns Regionais, a mais condizente com o carter

    participativo a primeira, ou seja, aquela que permite a discusso dos subgrupos

    combinada com uma votao numa assembleia geral. No entanto ela no a opo que

    prevaleceu nas regionais nas vrias edies do OP/BH. Segundo essa autora, a variao

    da regra numa etapa decisria do OP preocupante, uma vez que a aplicao de

    diferentes regras pode gerar diferentes resultados e, tambm, afetar a confiana do

    cidado, o que tem consequncias na sua motivao para participar do processo.

    A ltima etapa do OP o Frum Municipal, que tem a presena do Prefeito

    Municipal, das equipes de governo e de representantes da populao que participaram

    das etapas anteriores. Esta cerimnia de encerramento tem um carter poltico. Nela,

    oficializa-se a entrega do Plano Regional de Obras ao Prefeito Municipal e fica, assim,

    firmado um compromisso poltico.

    2.6 Alguns critrios especficos do OP/BH

    2.6.1 Critrios para a alocao de cota de recursos

    Para que uma sub-regio tenha pelo menos uma obra aprovada, dentro de sua

    cota de recursos, exigida uma taxa mnima de presena dos moradores, definida em

    0,5 % da sua populao, calculada conforme dados do ltimo censo realizado no pas. O

    comparecimento abaixo da quota mnima leva a uma reduo proporcional dos recursos

    ou at redistribuio dos recursos para as demais sub-regies.

  • 35

    2.6.2 Critrios para a escolha dos delegados

    Os delegados so escolhidos da seguinte forma:

    - 1 delegado(a) representante de Associao Comunitria legalmente estabelecida;

    - 1 delegado(a) para cada 10 presentes, at o limite de 200 moradores presentes;

    - mais um delegado(a) para cada 15 presentes, no intervalo de 201 a 400 presentes;

    - mais um delegado(a) para cada 20 presentes, acima de 400 presentes.

    - Para cada delegado(a) escolhido(a), eleito(a) um suplente.

    2.6.3 Critrios para a eleio da COMFORA

    A COMFORA deve ser composta de acordo com as seguintes faixas de

    delegados presentes na plenria:

    - at 180 delegados presentes 20% dos delegados presentes;

    - de 181 a 270 delegados presentes 15% dos delegados presentes;

    - de 271 a 360 delegados presentes 12 % dos delegados presentes;

    - acima de 360 delegados 10% de delegados presentes.

    Esse conjunto de procedimentos e de regras de planejamento e gesto sofreu

    modificaes, ao longo do tempo, para atender a crescentes demandas populares, assim

    como para superar problemas polticos, operacionais, administrativos e oramentrios

    do municpio. Tais alteraes ficaram claras em cada chamada do OP, quando a

    Prefeitura Municipal props diferentes metodologias e diretrizes de execuo do

    processo. No entanto, mesmo diante dos ajustes e de diferentes regras em cada

    chamada do OP/BH, possvel verificar que a participao popular tem sido efetiva

    nesta prtica de conduo do debate e de deliberao relativa alocao dos recursos

    pblicos em polticas que so benficas para as classes sociais menos favorecidas da

    cidade.

    Na introduo desta dissertao, o estudo proposto foi justificado pela

    importncia alcanada pelo OP na gesto pblica da cidade de Belo Horizonte. Mas este

    estudo tambm se justifica por ser o OP uma experincia de participao popular

    inovadora no Brasil, que possibilitou a aproximao entre governantes e governados,

  • 36

    que, juntos, deliberam sobre polticas pblicas municipais em prol da minimizao das

    desigualdades sociais existentes na cidade.

    Para dar sequncia anlise desta experincia, sero apresentadas, no prximo

    captulo, as principais mudanas ocorridas nas regras organizadoras do OP/BH, desde

    sua implantao, em 1994, at 2012, quando novas modalidades j estavam em

    operao. O objetivo, ao navegar por esse percurso, identificar as mudanas nas regras

    da participao e seus impactos na dinmica e nos resultados do processo deliberativo.

  • 37

    CAPTULO 3 - ORAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE: DA

    ORIGEM AO DESTINO

    Neste captulo, so apresentadas as principais mudanas nas regras de

    funcionamento do OP/BH que influenciaram a forma de participao dos cidados nos

    processos decisrios prprios desta modalidade de definio da alocao de recursos

    oramentrios municipais.

    3.1 A memria da origem

    Pesquisas do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicadas (2007) revelam que o

    Brasil possui uma elevada e contnua desigualdade na distribuio de renda e da

    riqueza. Segundo essas pesquisas, em 2005, a renda per capita dos 10% mais ricos era

    50 vezes maior do que a renda per capita dos 10% mais pobres.

    Esses dados mostram a urgncia de se construrem, no pas, formas de

    redistribuio da riqueza que possam reverter tamanha desigualdade. Uma questo

    fundamental para as esquerdas e para o movimento popular como reduzir as enormes

    desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira (MARQUETTI; CAMPOS,

    2008, p. 13).

    Para os estudiosos da desigualdade social, um caminho possvel para diminu-la

    a construo de instituies democrticas capazes de alcanar a populao mais pobre,

    abrindo espao para que essa populao possa participar diretamente da definio de

    polticas pblicas que as beneficie.

    No Brasil, esse caminho foi aberto com a redemocratizao do pas que se

    concretizou nos anos de 1980. Desde ento, ampliou-se o debate sobre polticas

    pblicas, democracia, cidadania e participao popular nas decises pblicas. A

    abertura democrtica possibilitou a implantao de inmeras inovaes institucionais

    que buscam associar interesses do Estado e da sociedade civil. Uma dessas inovaes

    foi, como j se afirmou antes, o Oramento Participativo.

    O OP tornou-se um programa participativo de grande reconhecimento no Brasil

    e fora dele. No final de 1990, atravessou fronteiras e despertou o interesse de diferentes

    agncias de cooperao internacional, como a Organizao das Naes Unidas (ONU),

  • 38

    o Banco Mundial, a Comisso Europeia. Atualmente, esta experincia participativa est

    espalhada por alguns pases da Amrica Latina e da Europa.

    No entanto, apesar de esta experincia participativa j estar incorporada na

    poltica oramentria municipal de Belo Horizonte h mais de 18 anos, o OP ainda

    necessita da boa vontade poltica do Prefeito Municipal para acontecer. Essa condio

    pode colocar em risco a participao dos cidados em decises municipais sobre a

    alocao e distribuio de obras na cidade.

    Depois de 20 anos de participao de cidados, lderes governamentais e

    ativistas polticos nos espaos participativos no Brasil, ainda existe uma

    considervel incerteza sobre como esses programas tm transformado o

    governo e a sociedade (WAMPLER, 2010, p. 394).

    Sob esse prisma, possvel identificar uma constante tenso entre a participao

    como concesso do governante e a participao como direito do cidado. Por um lado,

    existe a presso da sociedade civil por uma poltica social mais participativa e

    distributiva, voltada para as camadas menos favorecidas. Por outro lado, observa-se a

    dificuldade de o Executivo ceder parte do poder a ele concedido legitimamente, atravs

    do voto, por meio das eleies. O OP insere-se nessa tenso.

    No OP, a sociedade civil tem a oportunidade de participar do processo de

    escolha de obras pblicas a serem executadas pela Prefeitura Municipal. No entanto

    bom lembrar que cabe ao Prefeito Municipal a deciso de propor o oramento municipal

    Cmara de Vereadores, que deve aprov-lo. Nas negociaes entre os poderes, coloca-

    se o montante a ser reservado ao OP.

    Aparentemente, essa tenso no compromete os resultados do OP em cidades

    como Porto Alegre, Pelotas, So Bernardo do Campo, Santos e Belo Horizonte, entre

    outras, que, segundo estudiosos, apresentam resultados participativos e distributivos

    positivos. Entre essas cidades, Belo Horizonte tem uma das mais expressivas

    experincias do OP, sendo por isto vencedora de importantes prmios de boa

    governana, como os da Fundao Getlio Vargas, Fundao Ford e ONU/Habitat.

    No entanto essa tenso merece ser avaliada com um pouco mais de cuidado.

    Sabe-se que o OP o resultado de um contexto de significativa mobilizao popular em

    favor da democracia e de novas formas de gesto pblica. Esta proposta de ampliao

    da democracia por meio do estmulo participao, como o caso do OP, baseou-se em

    um conjunto de regras e procedimentos operacionais definidos e controlados pelos

  • 39

    gestores municipais. Disso decorre a importncia de compreender como as regras e

    procedimentos definem e controlam a participao e os seus resultados.

    3.2 A evoluo das regras de organizao das etapas do OP/BH

    Como mencionado acima, a implantao do Oramento Participativo de Belo

    Horizonte concretizou-se atravs de um conjunto de regras e procedimentos

    operacionais definidos e controlados pelo Executivo Municipal. Nesses termos, uma

    parte do oramento municipal seria aplicada de acordo com prioridades definidas pela

    populao, que passaria a discutir e a deliberar sobre obras pblicas a ser executadas na

    cidade pela Prefeitura Municipal.

    Essa experincia participativa veio a se concretizar por meio de assembleias

    populares com a participao direta dos cidados na escolha de obras prioritrias em

    cada regional e nos Fruns Regionais deliberativos, conforme apresentao feita no item

    1.5 desta dissertao.

    Esta articulao poltica entre atores representantes do Poder Executivo e atores

    representantes da sociedade civil, vinculados em momentos de participao direta e

    indireta, define o que chamamos de desenho institucional do OP/BH. Na concepo de

    Avritzer (2003), o OP possibilita a compatibilizao entre elementos da democracia

    participativa ao lado de regras que caracterizam o modelo da democracia representativa.

    Para esse autor, parece estar claro que, quando se fala em debate democrtico no OP,

    trata-se de procurar uma forma de articulao entre representao e participao. Em

    outras palavras, h etapas que permitem maior presena da sociedade civil no processo

    participativo e etapas que envolvem maior controle do poder pblico no processo. Para

    Azevedo (2003), a experincia do oramento participativo remete a discusses

    fundamentais em pauta no debate democrtico contemporneo, referindo-se relao

    entre Estado e sociedade civil e conexo entre democracia representativa e democracia

    direta, assim como a discusses em torno da eficincia, eficcia e accountability na

    gesto pblica contempornea.

  • 40

    3.3 A trajetria do Oramento Participativo de Belo Horizonte:

    mudanas de regras e impactos nos resultados de processos

    deliberativos

    3.3.1 Oramento participativo 1994, 1995, 1996 e 2007: regras utilizadas

    Na avaliao da Secretaria Municipal de Planejamento (1997), veiculada no

    documento Diretrizes para o aprimoramento do oramento participativo, a

    implementao do OP/BH promoveu uma profunda mudana poltica na cidade. Para a

    populao, significou a inaugurao de um canal direto e transparente de interlocuo

    entre o Governo e diferentes segmentos sociais com reivindicaes prprias; para a

    Prefeitura, significou um intenso questionamento e remanejamento de seus mtodos de

    planejamento e execuo de investimentos pblicos.

    Para os organizadores desta experincia participativa, o desafio das regras a ser

    seguidas passa pela combinao das premissas expressas na concepo original do OP,

    principalmente no que se refere ao carter decisrio das discusses e do amplo processo

    de participao popular que prev a escolha, pela populao, de um conjunto de

    intervenes na cidade. O processo implica, tambm, o aprimoramento de diretrizes de

    governo, levando em conta o custo que esta prtica impe ao oramento municipal.

    Segundo o documento, Diretrizes para o aprimoramento do oramento

    participativo (2007), o OP de 1994 encontrou a Prefeitura despreparada para atuar de

    forma eficaz, o que gerou alguns problemas na sua execuo. Foram destacados os

    seguintes problemas: primeiro, o desconhecimento do processo por parte dos

    participantes; segundo, um grande nmero de obras foi aprovado sem uma orientao

    tcnica e financeira adequada, o que provocou um desequilbrio entre execuo e custos

    para a Prefeitura. O resultado foi o desencadeamento de conflitos entre as demandas

    populares e os limites da administrao pblica para atender a essas demandas.

    Esse impasse entre demanda e execuo alertou a Prefeitura de que a

    legitimidade do OP estava diretamente ligada ao compromisso governamental de efetuar

    as obras deliberadas no Frum Regional. Do contrrio, a inovao perderia

    credibilidade e, consequentemente, diminuiria o interesse pela participao. A partir

    dessa avaliao, no OP de 1995, a Prefeitura buscou determinar, com rigor, o volume

  • 41

    dos recursos disponveis e sua compatibilidade com os custos das obras j escolhidas.

    Essa medida garantiu confiana nas relaes entre as partes e maior espao para a

    negociao das demandas seguintes.

    Na primeira assembleia popular do OP de 1995, a Prefeitura foi minuciosa nos

    esclarecimentos sobre as etapas do processo participativo, sobre a situao econmico-

    financeira da Prefeitura e sobre os recursos disponveis para o ano corrente. Na segunda

    assembleia, a Prefeitura distribuiu os formulrios para a indicao de obras e

    recomendou que a escolha delas fosse feita de acordo com critrios tcnicos

    implantados no OP daquele ano.

    3.3.2 A introduo da anlise das prioridades por meio de critrios tcnicos

    Para solucionar os problemas decorrentes do primeiro OP, a Prefeitura criou a

    Coordenao do Plano de Obras do Oramento Participativo, composta pela

    Coordenao Geral do OP (Secretaria de Planejamento e Governo), pelas

    Administraes Regionais, pela URBEL e pela SUDECAP. Esta ficou responsvel por

    superar os problemas de execuo e agilizar a concluso de obras aprovadas, visando a

    evitar um retrocesso na experincia participativa do OP.

    A aplicao de critrios tcnicos no segundo ano do OP gerou muito desconforto

    e confuso entre os participantes, ainda em fase de adaptao ao processo participativo.

    Tal situao levantou duas questes importantes: primeiro, a interferncia da Prefeitura

    em decises que deveriam caber aos cidados em um processo deliberativo que, em

    princpio, pretende ser difusor da participao direta; segundo, a necessidade

    visualizada pela equipe da Prefeitura de planejar melhor aes e gastos vinculados ao

    OP.

    Paralelamente ao OP Regional de 1995, a Prefeitura, com a inteno de

    compatibilizar diferentes polticas pblicas, realizou cinco Fruns Setoriais focalizando

    as reas da sade, educao, desenvolvimento social, meio ambiente e administrao. A

    expectativa era orientar as decises, de modo que fossem aprovadas apenas as obras

    tecnicamente viveis e condizentes com a capacidade oramentria da Prefeitura.

    Ainda em 1995, segundo divulgao do Portal do OP de Belo Horizonte (2011),

    agravou-se na cidade o problema da poltica habitacional para a populao de baixa

    renda, o que motivou a Prefeitura Municipal a propor a discusso de uma nova

  • 42

    modalidade do OP, a saber, o Oramento Participativo da Habitao (OPH). Essa nova

    modalidade visava a planejar a oferta de moradias para as famlias de baixa renda sem

    casa prpria ou morando em situao precria.

    No OP de 1996, segundo o Relatrio de Avaliao da Operacionalidade do

    Oramento Participativo de Belo Horizonte, houve um avano no sentido de

    compatibilizar a execuo de obras com as condies operacionais e financeiras da

    Prefeitura, apesar das dificuldades de harmonizar as diversas vises tcnicas dos

    diferentes rgos executores do OP. Nesse ano, os Fruns Setoriais foram suspensos, e

    as demandas dos setores de Sade, Educao e Meio Ambiente passaram a fazer parte

    do preenchimento do formulrio de reivindicao de obras. Tambm as primeiras

    rodadas do OP foram unificadas, contando com a presena do Prefeito Municipal,

    membros do secretariado e representantes da Cmara Municipal, num esforo de

    consolidar o OP e aproximar os vereadores do processo participativo.

    Em1996, a Prefeitura lanou, ento, a nova modalidade de OP o OP Habitao,

    sob a coordenao da URBEL. O OP Habitao foi implantado com as mesmas

    caractersticas do OP Regional, ou seja, uma experincia participativa em que

    associaes de bairros e ncleos de sem casa pudessem deliberar sobre o planejamento

    de novos assentamentos. O OP Habitao contribuiu para consolidar o recm-criado

    Sistema Municipal de Habitao, composto pelo Conselho Municipal de Habitao,

    pelo Fundo Municipal de Habitao e pela URBEL. Segundos dados da publicao da

    Prefeitura Municipal (2008), Oramento participativo de Belo Horizonte: 15 anos, Belo

    Horizonte contabilizou 6.668 unidades habitacionais aprovadas pelo OPH, sendo que,

    dessas, 3.211 j esto prontas e o restante em fase de execuo.

    O OP de 1997 seguiu a mesma metodologia dos anteriores. Nele, buscou-se

    aperfeioar a fiscalizao e o monitoramento das obras do OP, atravs do Grupo

    Gerencial do Oramento Participativo (GGOP), composto pelas Secretarias do

    Planejamento, de Governo e de Fazenda; pelo Gabinete do Prefeito; pela Procuradoria

    Geral do Municpio; pelas Administraes Regionais; pela SUDECAP, URBEL e SLU.

    Mas, a partir de 2007, os gestores pblicos comearam a incorporar ao OP regras e

    critrios tcnicos mais rigorosos para a escolha de obras, com o objetivo de alinhar

    demanda e recursos, assim como de sistematizar o planejamento urbano por meio da

    consolidao de informaes dos diversos rgos envolvidos no OP, de modo a definir

    metas, prioridades e resultados desejados para a cidade.

  • 43

    3.3.3 Avaliando os quatro primeiros OPs de Belo Horizonte (1994, 1995, 1996 e 1997)

    Segundo a Secretaria Municipal de Planejamento (2007), o OP/BH fixou-se, nestes

    quatro anos (de 1994 a 1997), na priorizao de investimentos regionais, o que teve um

    efeito mobilizador imediato da populao, devido relevncia social das obras

    aprovadas e executadas.

    Problemas de diferentes ordens e magnitudes foram diagnosticados pelos

    gestores do OP, no decorrer desses primeiros anos, desde dificuldades decorrentes da

    conduo dos processos deliberativos a problemas administrativos, financeiros,

    estruturais e tcnicos da PBH. Houve, tambm, problemas no cumprimento da

    legislao vigente referente contratao de servios, licitao de projetos, execuo de

    obras, entre outros. Em razo dessas condies, a Prefeitura tratou de adequar suas

    rotinas e prticas criando um modelo de gesto gerencial integrado dos diferentes

    rgos com responsabilidades no OP como condio essencial para a continuidade desta

    prtica. Isso levou alterao de alguns procedimentos na realizao do OP, como a

    deciso de realiz-lo a cada dois anos, e no mais anualmente, perodo considerado pela

    Prefeitura como adequado para a execuo de obras aprovadas, para a realizao dos

    Fruns Setoriais e para a implantao do OP Habitacional.