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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da
justia: fundamento, conceito e mbito
Dissertao para Doutoramento em Direito Pblico, sob a orientao de:
Professor Doutor Jos Carlos Vieira de Andrade
Professora Doutora Carla Amado Gomes
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
2
PLANO GERAL DA DISSERTAO
Parte I FUNDAMENTO
Captulo nico Fundamento
Parte II CONCEITO
Captulo I Administrao da justia
Captulo II Mau funcionamento
Parte III MBITO
Captulo I Administrao da justia clssica
Captulo II Administrao da justia exercida por privados
Captulo III Administrao da justia alternativa e complementar
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
3
ndice
PLANO GERAL DA DISSERTAO .................................................................................................... 2
PRINCIPAIS ABREVIATURAS E NOTAS DE LEITURA .................................................................. 6 Principais abreviaturas utilizadas ........................................................................................................ 6
Notas de leitura .................................................................................................................................... 11
INTRODUO ........................................................................................................................................ 12
PARTE I FUNDAMENTO ................................................................................................................... 22
1. Ordenamento jurdico-constitucional ............................................................................................ 22 1.1 Referncia constitucional responsabilidade civil do Estado pela administrao da justia .......... 22
1.2 Responsabilidade civil do Estado e direito tutela jurisdicional efectiva ....................................... 39
2. Ordenamento jurdico europeu: standards mnimos de tutela ..................................................... 53 2.1 Ordenamento jurdico da Unio Europeia ....................................................................................... 53
2.2 Ordenamento jurdico do Conselho da Europa ............................................................................... 79
3. Referncia a ordenamentos jurdicos estrangeiros ....................................................................... 98 3.1 Espanha ........................................................................................................................................... 98
3.2 Frana ............................................................................................................................................ 103
3.3 Itlia .............................................................................................................................................. 109
4. Ordenamento jurdico-ordinrio: regime (imediatamente) antecedente e regime vigente ..... 116 4.1 DL n. 48051 ................................................................................................................................. 116
4.1.1 Direito legislado ............................................................................................................. 116
4.1.2 Jurisprudncia ................................................................................................................ 120
4.2 RRCEE .......................................................................................................................................... 134
4.2.1 Trabalhos preparatrios .................................................................................................. 134
4.2.2 Direito legislado ............................................................................................................. 137
4.2.3 Jurisprudncia ................................................................................................................ 146
4.3 CPT ............................................................................................................................................... 147
5. Sntese ............................................................................................................................................. 149
PARTE II CONCEITO ....................................................................................................................... 155
Captulo I - Administrao da justia ................................................................................................... 155
1. Pluralidade terminolgica e de perspectiva ................................................................................. 155 1.1 Diferentes terminologias e perspectivas ........................................................................................ 155
1.1.1 Noo autnoma de rgo jurisdicional nacional para efeitos de reenvio prejudicial
desenvolvida pelo TJ ....................................................................................................................... 156
1.1.2 Noo autnoma de tribunal desenvolvida pelo TEDH ................................................. 161
1.1.3 Terminologias luz da Constituio .............................................................................. 167
1.2 Terminologia e perspectiva adoptadas .......................................................................................... 182
2. Administrao da justia para efeitos de responsabilidade civil do Estado ............................. 190 2.1 Administrao da justia em sentido estrito e em sentido amplo .................................................. 190
2.2 Administrao da justia em sentido orgnico e em sentido funcional ......................................... 194
2.3 Administrao da justia e servio pblico ................................................................................... 196
2.4 Administrao da justia e administrao pblica da justia ........................................................ 200
2.4.1 Actividade de satisfao das necessidades pessoais e materiais da administrao da
justia .200
2.4.2 Actividade dos rgos de governo, de acompanhamento ou de fiscalizao dos titulares
de funes de administrao de justia ............................................................................................ 202
2.4.3 Actividade governativa ou de gesto do tribunal ........................................................... 208
3. Algumas das mais recentes reformas da administrao da justia em Portugal e sua implicao
na responsabilidade civil do Estado ...................................................................................................... 209 3.1 Desjudicializao e desjurisdicionalizao da administrao da justia ....................................... 211
3.1.1 Desjudicializao ou administrativizao da justia ...................................................... 211
3.1.2 Desjurisdicionalizao da administrao da justia ....................................................... 214
3.2 E-administrao da justia ............................................................................................................ 216
3.2.1 Alguns problemas emergentes da divulgao indevida de dados pessoais presentes em
plataformas informticas ................................................................................................................. 216
3.3 Participao de privados na administrao da justia ................................................................... 221
3.3.1 Participao de privados na administrao da justia: breve enquadramento ................ 221
3.3.2 Participao de privados na administrao da justia e responsabilidade civil do Estado
229
3.4 Administrao da justia e meios alternativos de resoluo de litgios ......................................... 237
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
4
3.4.1 Meios alternativos: termos da sua admisso .................................................................. 237
3.4.2 Impacto dos meios alternativos no conceito de administrao da justia ....................... 248
3.4.3 Meios alternativos e responsabilidade civil do Estado ................................................... 253
4. Conceito de administrao da justia para efeitos de responsabilidade civil do Estado ......... 259
5. Sntese ............................................................................................................................................. 262
Captulo II - Mau funcionamento ......................................................................................................... 269
1. Introduo ...................................................................................................................................... 269
2. Conceito .......................................................................................................................................... 274 2.1 Vrios tpicos de anlise ............................................................................................................... 274
2.1.1 Mau funcionamento no inclui o erro judicirio ............................................................ 277
2.1.2 Relao do mau funcionamento com o erro judicirio ................................................... 282
2.1.3 Relao do mau funcionamento com a administrao da justia em sentido estrito e em
sentido amplo ................................................................................................................................... 284
2.1.4 mbito operativo do conceito de mau funcionamento ................................................... 289
2.1.5 Mau funcionamento enquanto conceito indeterminado .................................................. 294
2.1.6 Apresentao de um conceito de mau funcionamento ................................................... 298
2.2 Modo de apreciao do conceito de mau funcionamento .............................................................. 299
3. Mau funcionamento e outros ttulos de imputao ..................................................................... 302 3.1 Ttulo de imputao erro judicirio ............................................................................................... 302
3.2 Ttulo de imputao privao indevida da liberdade ..................................................................... 303
3.3 Ttulo de imputao condenaes penais injustas ......................................................................... 310
3.4 Brevssima referncia ao ttulo de imputao erro arbitral ............................................................ 311
4. Critrios orientadores ................................................................................................................... 313 4.1 Mau funcionamento e responsabilidade civil subjectiva e objectiva ............................................. 315
4.2 Mau funcionamento e ilegalidade ................................................................................................. 332
4.3 Mau funcionamento e ilicitude culposa ......................................................................................... 335
4.4 Mau funcionamento e divulgao indevida de dados .................................................................... 340
4.5 Mau funcionamento e actuaes materiais .................................................................................... 341
4.6 Mau funcionamento e omisses .................................................................................................... 343
4.7 Mau funcionamento e morosidade ................................................................................................ 344
4.8 Mau funcionamento e falta de coordenao dos servios ............................................................. 346
4.9 Mau funcionamento, licitude e perigo ........................................................................................... 347
5. Mau funcionamento e restantes pressupostos da responsabilidade civil do Estado pela
administrao da justia ........................................................................................................................ 349
6. Efeito do mau funcionamento na distribuio de competncia jurisdicional ........................... 362
7. Sntese ............................................................................................................................................. 366
PARTE III MBITO .......................................................................................................................... 372
Captulo I Administrao da justia clssica .................................................................................... 372
1. mbito subjectivo: rgos e sujeitos que podem gerar responsabilidade ................................ 372 1.1. Juzes e tribunais ........................................................................................................................... 374
1.1.1. Tribunal Constitucional .................................................................................................. 376
1.1.2. Tribunais Judiciais ......................................................................................................... 379
1.1.3. Tribunais Administrativos e Fiscais ............................................................................... 380
1.1.4. Tribunal de Contas ......................................................................................................... 382
1.1.5. Tribunal de Conflitos ..................................................................................................... 383
1.1.6. Tribunais Militares ......................................................................................................... 385
1.2. rgos colaboradores e auxiliares da administrao da justia ..................................................... 387
1.2.1. Ministrio Pblico .......................................................................................................... 387
1.2.1.1. Ponto de ordem .......................................................................................................... 387
1.2.1.2. Posies doutrinais sobre a caracterizao jurdica do MP portugus ....................... 390
1.2.1.2.1. Caracterizao do MP com maior incidncia no exerccio da aco penal ................ 390
1.2.1.2.2. Caracterizao do MP por considerao do estatuto e das funes constitucionais .. 394
1.2.1.3. Considerao do MP para efeitos de responsabilidade civil do Estado ..................... 402
1.2.2. Secretarias Judiciais e do Ministrio Pblico ................................................................. 421
1.3. Outros rgos e pessoal (funcionalmente) auxiliar da administrao da justia ........................... 425
1.3.1. rgos de polcia criminal ............................................................................................. 425
1.3.2. Mdicos forenses ............................................................................................................ 432
1.3.3. Outros ............................................................................................................................. 435
2. mbito objectivo: actividades que podem gerar mau funcionamento ...................................... 437 2.1. Domnio operativo do mau funcionamento ................................................................................... 437
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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2.2. Situaes mais frequentes de mau funcionamento ........................................................................ 447
2.2.1. Morosidade da administrao da justia......................................................................... 448
2.2.1.1. A regulao especfica prevista no CPT .................................................................... 450
2.2.2. Penhoras indevidas ......................................................................................................... 452
2.2.3. Perda ou venda indevida de bens confiados ordem de um processo judicial............... 455
2.2.4. Violao ou colaborao na violao do segredo de justia........................................... 457
2.2.5. Prescrio de procedimento jurdico-criminal imputvel ao Estado .............................. 458
2.2.6. Erro na identificao do arguido .................................................................................... 460
2.2.7. Outras ............................................................................................................................. 460
3. Sntese .................................................................................................................................... 462
Captulo II - Administrao da justia por privados .......................................................................... 467
1. Privados participantes da administrao da justia ................................................................... 467 1.1. Jurado e juiz social ........................................................................................................................ 467
1.2. Agente de execuo ....................................................................................................................... 473
1.3. Administrador judicial .................................................................................................................. 486
2. Privados auxiliares da administrao da justia ......................................................................... 492 2.1. Perito ............................................................................................................................................. 492
2.2. Outros ............................................................................................................................................ 495
3. Sntese ........................................................................................................................................... 496
Captulo III Administrao da justia alternativa e complementar ............................................... 499
1. Julgados de Paz .............................................................................................................................. 499 1.1. rgos, sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ........................................... 499
1.1.1. Juiz de Paz ...................................................................................................................... 503
1.1.2. Mediador de Paz ............................................................................................................. 504
1.1.3. Outro pessoal ao servio dos JdP ................................................................................... 506
1.2. Responsabilidade civil do Estado pela administrao da justia de paz ........................................ 507
2. Tribunais arbitrais......................................................................................................................... 514 2.1. rgos, sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ........................................... 514
2.1.1. Tribunais arbitrais .......................................................................................................... 514
2.1.1.1. Tribunais arbitrais voluntrios ................................................................................... 514
2.1.1.2. Tribunais arbitrais necessrios e outros ..................................................................... 518
2.1.1.3. Tribunais arbitrais e centros de arbitragem institucionalizada ................................... 522
2.1.1.3.1. Centros de arbitragem institucionalizada ................................................................... 525
2.1.1.3.2. Actividade dos centros de arbitragem institucionalizada ........................................... 526
2.1.1.3.3. Interveno do Estado nos centros de arbitragem institucionalizada ......................... 528
2.2. Responsabilidade civil do Estado pela administrao da justia arbitral ...................................... 531
3. Sistemas de mediao pblica ....................................................................................................... 536 3.1. Sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ........................................................ 536
3.1.1. Sistema de Mediao Laboral ........................................................................................ 539
3.1.2. Sistema de Mediao Familiar ....................................................................................... 540
3.1.3. Sistema de Mediao Penal ............................................................................................ 541
3.1.4. Mediador de conflitos..................................................................................................... 543
3.2. Responsabilidade civil do Estado no mbito dos sistemas de mediao pblica .......................... 545
4. Sntese ........................................................................................................................................... 548
REFLEXES FINAIS: Uma tese e outros desenvolvimentos ............................................................ 552
Resumo .................................................................................................................................................... 557
Abstract ................................................................................................................................................... 558
JURISPRUDNCIA E BIBLIOGRAFIA CITADAS ......................................................................... 560 Jurisprudncia ........................................................................................................................................... 560
Bibliografia ............................................................................................................................................... 575
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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PRINCIPAIS ABREVIATURAS E NOTAS DE LEITURA
Principais abreviaturas utilizadas
Ac. Acrdo
AD Acrdos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo
AAFDL Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa
AG Advogado Geral
AJDA Actualit Juridique. Droit Administratif
AP-DR Apndice do Dirio da Repblica
Art. Artigo
BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra
BMJ Boletim do Ministrio da Justia
BGB Burgerliches Gesetzbuch
C. Contra
CAAD Centro de Arbitragem Administrativa
CACCL Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa
CC Cdigo Civil
CCOPC Conselho Coordenador dos rgos de Polcia Criminal
CDFUE Carta de Direitos Fundamentais da Unio Europeia
CDP Cadernos de Direito Privado
CEDH Conveno Europeia dos Direitos do Homem
CE Constitucin Espaola
CEJ Centro de Estudos Judicirios
CExp Cdigo das Expropriaes
Cf. Confrontar
CI Costituzione della Repubblica Italiana
CGPJ Consejo General del Poder Judicial
CJ Colectnea de Jurisprudncia
CNIACC Centro Nacional de Informao e Arbitragem de Conflitos
de Consumo
COJ Code de l'Organisation Judiciaire
CP Cdigo Penal
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CPC Cdigo de Processo Civil
CPCJ Comisses de Proteco de Jovens em Perigo
CPP Cdigo de Processo Penal
CPPT Cdigo de Procedimento e Processo Tributrio
CPT Cdigo de Processo de Trabalho
CPTA Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos
CRP Constituio da Repblica Portuguesa
CRFB Constituio da Repblica Federativa do Brasil
CSM Conselho Superior da Magistratura
CSMP Conselho Superior do Ministrio Pblico
CSTAF Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
DAR Dirio da Assembleia da Repblica
DJAP Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica
DL Decreto-Lei
DL n. 48051 Drecreto-Lei n. 48051, de 21 de Novembro de 1967
DR Dirio da Repblica
DUDH Declarao Universal dos Direitos Humanos
DUE Direito da Unio Europeia
DVBl Deutsches Verwaltungsblatt
EAJ Estatuto do Administrador Judicial
ECS Estatuto da Cmara dos Solicitadores
EFJ Estatuto dos Funcionrios de Justia
e.g. exempli gratia
EMP Estatuto do Ministrio Pblico
EMJ Estatuto dos Magistrados Judiciais
EJ Estatuto Judicirio, aprovado pelo Decreto-Lei n. 44.2, de
14 de Abril de 1962
ETAF/84 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado
pelo Decreto-Lei n. 129/84, de 27 de Abril, com as
sucessivas alteraes
ETAF/04 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
GG Grundgesetz
JdP Julgados de Paz
JZ JuristenZeitung
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LAV Lei da Arbitragem Voluntria
LDC Lei de Defesa do Consumidor
LGT Lei Geral Tributria
LJdP Lei dos Julgados de Paz
LdM Lei da Mediao
LMP Lei da Mediao Penal
LOSJ Lei da Organizao do Sistema Judicirio
LOFTJ/99 Lei de Organizao e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais, aprovada pela Lei n. 3/99, de 13 de Janeiro
LOFTJ/08 Lei de Organizao e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais, aprovado pela Lei n. 52/2008, de 28 de Agosto
LOPJ Orgnica del Poder Judicial
LPL Ley de Procedimiento Laboral
LPTA Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
LOFPTC Lei de Organizao, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional
LOPTC Lei de Organizao e Processo do Tribunal de Contas
LOSJEFJ Lei Orgnica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos
Funcionrios de Justia
MP Ministrio Pblico
NJW Neue Juristische Wochenschrift
OPC rgos de Polcia Criminal
p. pgina
PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos
PGR Procuradoria Geral da Repblica
PGRep Procurador Geral da Repblica
PJ Polcia Judiciria
RAP Revista de Administracin Pblica
RC/82 Primeira reviso constitucional
RC/89 Segunda reviso constitucional
RC/97 Quarta reviso constitucional
RDDP Rivista di Diritto Processuale
RDPSP Revue du Droit Public et de la Science Politique en France
et l'tranger
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REALA Revista de Estudios de la Administracin Local y
Autonmica
REDA Revista Espaola de Derecho Administrativo
RFDA Revue Franaise de Droit Administratif
RGDP Revue Gnrale de Droit Processuel
RLJ Revista de Legislao e de Jurisprudncia
RNCAI Rede Nacional de Centros de Arbitragem Institucionalizada
RMP Revista do Ministrio Pblico
ROA Revista da Ordem dos Advogados
ROFTJ Regime de Organizao e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais
RPJ Revista del Poder Judicial
RRCEE Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do
Estado e Demais Entidades Pblicas
RTDCP Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile
RTDH Revue Trimestrielle des Doits de lHomme
se sem editora
sl. sem local
SMF Sistema de Mediao Familiar
SML Sistema de Mediao Laboral
SMP Sistema de Mediao Penal
ss. seguintes
STA Supremo Tribunal Administrativo
STJ Supremo Tribunal de Justia
TAC Tribunais Administrativos de Crculo
TC Tribunal Constitucional
TCAN Tribunal Central Administrativo Norte
TCAS Tribunal Central Administrativo Sul
TCE Tratado que institui a Comunidade Europeia
TCO Tribunal de Contas
TConf Tribunal de Conflitos
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
TG Tribunal Geral
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia
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TIR Termo de Identidade e Residncia
TJ Tribunal de Justia da Unio Europeia
T. L. REV Touro Law Review
TRC Tribunal da Relao de Coimbra
TRL Tribunal da Relao de Lisboa
TRP Tribunal da Relao do Porto
TRE Tribunal da Relao de vora
TT Tribunais Tributrios
U.C. Davis L. Rev. University of California Davis Law Review
Vd. Veja-se
Vol. Volume
ZPO Zivilprozessordnung
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Notas de leitura
A. As obras e jurisprudncia consultadas e, consequentemente, as referncias
bibliogrficas e jurisprudenciais correspondem exclusivamente ao material
publicado at Abril de 2014. Tambm as referncias jurdicas/legais tidas em
conta correspondem s normas jurdicas/legais em vigor quela data.
B. As obras so citadas em nota de rodap da seguinte forma: nas monografias
indica-se o autor, ttulo, data e nmero de pgina citada; nos peridicos o autor,
ttulo, revista e nmero de pgina citada e nas obras colectivas indicado o autor,
ttulo, ttulo da obra colectiva, ano e nmero de pgina citada.
C. A citao de documentos electrnicos faz-se por referncia ao autor, ttulo e data
da consulta.
D. Maioritariamente as decises consultadas referentes a tribunais nacionais e os
pareceres da PGR esto disponveis em (www.dgsi.pt). Quando assim no
acontea indicado o respectivo local de consulta. Estas decises citam-se
indicando o tribunal, a data, o nmero do processo e o nome do relator. Os
pareceres da PGR citam-se indicando a data de publicao no jornal oficial e o
nmero do documento. Todas as decises consultadas referentes ao TEDH e ao
TJ esto disponveis, respectivamente, em (http://www.echr.coe.int) e
(http://curia.europa.eu). Estas decises citam-se indicando o tribunal, a data,
nmero do processo e o nome por que conhecido.
E. A bibliografia a final contm a referncia completa de todas as obras citadas e
utilizadas no texto. A referncia dos documentos electrnicos e das decises
judiciais segue os termos referidos para a citao em nota de rodap. A
bibliografia organizada por ordem alfabtica e a jurisprudncia e pareceres da
PGR organizada por ordem cronolgica.
F. A presente dissertao est redigida ao abrigo do Acordo Ortogrfico da Lngua
Portuguesa, assinado em Lisboa em 16 de Dezembro de 1990 e publicado no DR
n. 193/91, Srie I-A, de 23 de Agosto de 1991.
http://www.dgsi.pt/http://www.echr.coe.int/
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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INTRODUO
1. Apresentao
I. A administrao da justia um tema que, no pelas melhores razes,
frequentemente objecto de comentrios, seja da comunicao social, seja do cidado ou
do jurista. Tais comentrios reflectem, muitas vezes, o aparente paradoxo do fenmeno
da (administrao da) justia danosa1. Apesar das sucessivas reformas legislativas
desenvolvidas com vista a ajustar a administrao da justia s necessidades que a nossa
sociedade hodierna reivindica, o cidado frequentemente confrontado com um
aparelho judicirio ainda incapaz de responder tempestiva e adequadamente natureza
do litgio a resolver, queixando-se de mau funcionamento administrao da justia.
Esta legtima preocupao do cidado no pode ser ignorada pelo jurista dada a
importncia que o Estado de Direito, a proteco dos direitos fundamentais e a Justia
representam para a nossa sociedade.
O Estado de Direito e a proteco jurisdicional dos direitos fundamentais2
enquanto ltimas garantias dos particulares perante os poderes pblicos3 reivindicam
que o instituto da responsabilidade civil do Estado como proteco secundria permita
repor o valor Justia ameaado pelo mau funcionamento da administrao da justia.
Ser, assim, no instituto da responsabilidade civil do Estado que se deve procurar a valia
para a reposio do equilbrio posto em causa por uma administrao da justia danosa.
Se premissa que se tem como verdadeira de a responsabilidade civil do Estado
surgir como concretizao do princpio do Estado de Direito4, associarmos outra no
menos verdadeira de que o Estado de Direito dificilmente existe se no for garantido o
direito tutela jurisdicional efectiva5, chegamos ao tema do nosso estudo com a revelao
1 Sendo hoje comummente aceite o dever do Estado indemnizar as vtimas da justia, cf., entre outros,
ROMANO BETTINI/FULVIO PELLEGRINI, "Circolo vizioso giudiziario o circolo vizioso legislativo?: la durata
dei procedimenti giudiziari in Italia", Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, p. 186. 2 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Contributo para uma teoria do Estado de direito: do Estado de direito liberal
ao Estado de direito social e democrtico de Direito, 2006, p. 201 e ss, e JOS CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituio de 1976, 2012, p. 343. 3 Ou de ltima ratio, como afirma JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do
Estado por actos lcitos, 1974, p. 132. 4 Cf., entre outros, PHILIP KUNIG, Das Rechtsstaatsprinzip. berlegungen zu seiner Bedeutung fr das
Verfassungsrecht der Bundesrepublik Deutschland, 1986, p. 191-192, e EBERHARD SCHMIDT-AMANN,
"Der Rechtsstaat" in Handbuch des Staatsrechts, 1987, p. 990-997. 5 Considerado um princpio estruturante do Estado de Direito, cf., por todos, LARS NIESLER, Angemessene
Verfahrensdauer im Verwaltungsproze, 2005, p. 15; JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,
Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, I, 2007, p. 409, e JOS MANUEL DA SILVA SANTOS
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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de que o ordenamento jurdico que no disponha de um correcto meio de eliminao dos
danos causados por mau funcionamento da administrao da justia dificilmente passa o
teste de um Estado constitucional moderno garantidor de direitos fundamentais.
Ora, a nossa Constituio no permite um standard jurdico abaixo do referido, sob
pena de negarmos os seus fundamentos e caminharmos rumo inconstitucionalidade.
Com vista a que sejam assegurados os referidos standards, centramos o nosso estudo no
fim da linha de (necessidade de) proteco jurdica isto , no momento em que o Estado,
em incumprimento da obrigao constitucional de garantir o direito tutela jurisdicional
sem lacunas (lckenlos)6, provoca danos nos utentes deste servio ou a terceiros. O
instituto mais apropriado para o cumprimento da obrigao de eliminao dos referidos
danos remete-nos para um problema que se coloca a propsito da teoria da
responsabilidade civil do Estado.
II. O problema, centrado ao nvel dogmtico, est pois na exacta delimitao do
mbito de proteco que a nossa ordem jurdica positiva confere face aos efeitos lesivos
decorrentes do exerccio da funo de administrao da justia. Sendo que se deve ter por
indiscutvel que a danosidade provocada pela administrao da justia convive mal com
um Estado de Justia que no disponha de garantias jurdico-formais reparatrias
adequadas7.
No descurando que o tratamento jurdico se dever centrar primeiramente no
estudo de mecanismos que previnam o mau funcionamento da administrao da justia,
a verdade que no resta outra opo com vista eliminao dos eventuais danos
causados pelo mau funcionamento da administrao da justia que no seja centrar a
ateno num meio adequado de repor a Justia que qualquer utente legitimamente espera
quando recorre a este servio pblico.
BOTELHO, "A tutela jurisdicional efectiva na jurisprudncia do Supremo Tribunal Administrativo: breves
consideraes" in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, 2012, p. 463. Entendendo o
acesso justia como um elemento fundamental da rule of law, cf. DI MARIO CHIAVARIO, "(Art. 6)" in
Commentario alla convenzione europea per la tutela dei diritti dell'uomo e delle libert fondamentali,
2001, p. 156. No sentido de que o right to a fair trial constitui um elemento central e essencial do Estado
de Direito, cf. FABIENNE QUILLER-MAJZOUB, La dfense du droit un procs quitable, 1999, p. 16. 6 Cf. apelando ao direito tutela jurisdicional sem lacunas, cf. CARLOS LOPES DO REGO, Acesso ao direito
e aos tribunais, Estudos sobre a jurisprudncia do Tribunal Constitucional, 1993, p. 46; KLAUS
STERN/MICHAEL SACHS, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland. Allgemeine Lehren der
Grundrechte: Grundrechtstatbestand, Band III/2, 1994, p. 962, e JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO,
Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 2013, p. 273 e ss. 7 No sentido de que numa sociedade contempornea um Estado de Direito tambm um Estado de Justia,
cf. MARIA LCIA AMARAL, A forma da Repblica: uma introduo ao estudo do direito constitucional,
2005, p. 169.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
14
Se, por um lado, o tema da administrao da justia surge per se como um tema da
mais elevada importncia no mbito das funes estaduais essenciais, por outro, a
proteco dos lesados contra os danos causados pelo mau funcionamento daquela
reivindica uma ateno redobrada, pois a responsabilidade do Estado pelo mau
funcionamento da administrao da justia balana entre vrios interesses: o interesse
dos lesados de eventuais disfuncionamentos, o interesse geral, e, especialmente, o
prestgio e a serenidade da justia necessrios segurana jurdica e paz social8.
III. Uma vez identificado o instituto que nos vai ocupar a ateno, importa agora que
se considere como prius a funo estadual sobre a qual h-de operar o referido instituto
da responsabilidade.
A densificao da funo de administrao da justia verifica-se, sobretudo, no
discurso constitucional. No entanto, tendo em conta que o instituto da responsabilidade
civil do Estado tem o seu locus dogmtico no Direito administrativo a este ramo do
Direito que se deve prestar ateno. Aproveitando todo o instrumentarium que este ramo
do Direito tem vindo a desenvolver historicamente, nada mais lgico do que entender
aquela funo luz das ferramentas do direito administrativo, convocando o conceito de
administrao da justia para o campo da responsabilidade civil do Estado. Todavia, tal
no significa que se trate de um conceito conhecido da dogmtica administrativista e que
a proteco secundria dos lesados face ao mau funcionamento da administrao da
justia se baste com a mera aplicao acrtica dos pressupostos da responsabilidade
administrativa por factos ilcitos.
O dever pblico de indemnizar os danos causados pela administrao da justia no
pode dispensar o topos administrao da justia. A sua considerao dogmtica e o
desenvolvimento de um conceito operativo de administrao da justia torna-se
indispensvel para a caracterizao e definio do regime a que deve ser sujeita a
responsabilidade civil do Estado pelo exerccio da funo de administrao da justia.
Acresce que a evoluo ocorrida nas tarefas e nos modos de administrao da
justia, quer no mbito da administrao da justia desenvolvida pelos tribunais estaduais,
quer no mbito da administrao da justia alternativa e complementar daquela, revela
uma nova realidade, nomeadamente pela implementao de novas tecnologias na e de
administrao da justia, pela emergncia de privados na administrao da justia e pelo
8 Cf. GENEVIVE GIUDICELLI-DELAGE, "La responsabilit des magistrats et de l'tat en matire pnale,
Justices", RGDP, p. 25.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
15
franco desenvolvimento e implementao de novos modos de administrao da (outra)9
justia10.
O estudo de um conceito dogmtico de administrao da justia, como ponto de
partida, permite compreender que administrar e administrar a justia so conceitos
diferentes, no sendo, por isso, admissvel uma aplicao acrtica de todos os
pressupostos da responsabilidade civil da administrao administrao da justia.
Impe-se, por isso mesmo como resultado do estudo da funo de administrao da
justia (particularidades e diversidade) , uma leitura que v alm da mera adeso
responsabilidade civil da administrao.
A assuno da funo de administrao da justia como elemento determinante do
mtodo interpretativo, por contraponto com a simples pr-compreenso da igualdade dos
pressupostos indemnizatrios, revelou como alis j tinha revelado noutros
ordenamentos onde os pressupostos foram ajustados natureza da funo11 a
insuficincia da resposta dada pela aplicao acrtica da responsabilidade da
administrao administrao da justia. Esta abordagem, que impe a compreenso e
mobilizao dos valores da administrao da justia com um telos distinto do da
administrao, obriga, consequentemente, procura de um modelo de responsabilidade
adequado sua natureza ntima12.
O resultado dessa busca, adiantamos j, levou-nos ao conceito de mau
funcionamento, enquanto elemento adequado de imputao de responsabilidade para
superar as insuficincias da aplicao dos conceitos de ilicitude e culpa (bastante
enraizados na nossa cultura jurdica)13. A compreenso de um conceito que tome o lugar
daqueles dois pressupostos clssicos da responsabilidade civil que apele a standards de
funcionamento revelou-se um critrio de maior flexibilidade e justeza para a compreenso
das situaes com que o juiz administrativo confrontado.
9 Sobre estes novos modos de administrao da justia, cf. VINCENZO VARANO, "Presentazione" in Laltra
Giustizia, 2007, p. VII e ss. 10 Alis, em linha com o que tem acontecido noutros ordenamentos jurdicos, cf. FRANK E. A. SANDER, The
Multi-door Courthouse, 1983, passim. 11 Referimo-nos a Espanha, Frana e Itlia, cf. Parte I, ponto 3. 12 Sobre a adequao da responsabilidade natureza ntima da funo, cf. MARIA LCIA C. A. AMARAL
PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, 1998, p. 108 e 109.
Chamando ateno para a necessidade regimes diferenciados tendo em conta as caractersticas
especficas de cada funo, cf. JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na
Constituio de 1976, 2012, p. 353. 13 A superao, nomeadamente, do pressuposto culpa resulta j de outros modelos de responsabilidade
pblica, como acontece com a responsabilidade por violao de DUE e por violao da CEDH, cf. Parte I,
ponto 2.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
16
Mantendo-nos no mesmo locus dogmtico responsabilidade civil do Estado , o
problema centra-se na determinao dos pressupostos adequados responsabilidade civil
do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia, demonstrando-se que a
rea de actuao desta se situa entre a responsabilidade civil da administrao e a
responsabilidade civil por erro judicirio, embora no se confunda com nenhum destes
regimes.
Acresce que este no o nico ncleo essencial de problemas a resolver, pois, como
j se referiu, os movimentos de reforma da administrao da justia revelam,
nomeadamente, por um lado, que esta actividade que se poderia presumir totalmente
executada por gesto directa do Estado , por determinao legal e em situaes pr-
determinadas, exercida por particulares e, por outro, que outras estruturas de
administrao da justia alm dos tribunais estaduais clssicos tm sido
implementadas entre ns. A este novo cenrio de exerccio de administrao da justia
no pode ficar alheio o mecanismo de responsabilidade civil do Estado, enquanto
mecanismo garantidor do Estado de Direito e de proteco dos direitos fundamentais.
O despertar do Estado de garantia14 (que j no s o Estado de execuo) na rea
da administrao da justia obrigou a revisitar o papel do instituto da responsabilidade
civil do Estado. A diferente interveno do Estado na administrao da justia, longe de
afastar a convocao do tema da responsabilidade civil do Estado pelo mau
funcionamento, antes obriga diferenciao do dever de indemnizar do Estado quando
este j no executa, mas, nomeadamente, atravs de mecanismos de fiscalizao, garante
o bom funcionamento de certas estruturas de administrao da justia.
O objectivo que nos move, neste ponto, consiste em contribuir para o estudo da
caracterizao da responsabilidade civil do Estado (garante) pelo mau funcionamento da
administrao da justia e no em definir este modo de o Estado garantir a execuo de
uma funo pblica.
O nosso objectivo ter sempre como fito contribuir, por um lado, para contrariar a
errada percepo de que no exerccio da funo privada de administrao da justia o
Estado est sempre ausente, estando, por isso, afastada a possibilidade da sua
responsabilizao. Por outro lado, contribuir para que na rea da administrao da justia
14 Cf., entre muitos, CLAUDIO FRANZIUS, Der Gewhrleistungsstaat, internet, consultado em 2012-07-06;
ANDREAS VOSSKUHLE, "Cooperation between the public and private sector in the enabling state" in The
public-private law divide: potential for transformation?, 2009, p. 205 e ss; JOS CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, "Repensar a relao entre o Estado e a sociedade", Nova cidadania, p. 36-38, e FRITZ
OSSENBHL/MATTHIAS CORNILS, Staatshaftungsrecht, 2013, p. 17 e ss.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
17
por particulares que tambm pode provocar danos no exista um dficit de proteco
jurisdicional (secundria) pela simples razo de que o exerccio da funo pblica de
administrao da justia no tem lugar por via de funcionrios pblicos, mas atravs de
particulares que participam naquela funo de administrao da justia.
2. Relevncia e actualidade do estudo
I. O tema da responsabilidade civil do Estado tem sofrido grandes alteraes nas
ltimas dcadas. A esta evoluo, como se dar nota mais frente, a doutrina no tem
estado alheia. Por este motivo, o trabalho cientfico que aqui se desenvolve j no se
centra sobre as grandes questes tericas como o da superao do dogma
soberania/irresponsabilidade15 , mas em torno de questes de pendor mais dogmtico
ou de importncia mais prtica dado o diferente regime que da pode resultar. Em ltima
anlise, so estas questes que permitem que se distinga o que deve ou no ser digno de
garantia reparatria a suportar pelo Estado.
O recente quadro jurdico implementado em geral pela previso do artigo 12. do
RRCEE (com uma remisso para os pressupostos da responsabilidade civil por actos
administrativos ilcitos) parece, como se ver, ter surgido em desconformidade com as
estruturas cientficas. A realidade subjacente a este regime apenas pode ganhar sentido
quando conjugada com pr-dados do leitor j iniciado na noo de administrao da
justia , pelo que se impe o seu estudo terico e dogmtico.
A falta de compreenso do tema pelo legislador vem a revelar-se noutra norma
prevista no artigo 98.-N do CPT que, apesar de visar o mesmo fim, apresenta um
regime distinto alheio ao regime do instituto da responsabilidade civil do Estado. Este
15 Em sntese, os fundamentos para a irresponsabilidade da funo de administrao da justia so, em
regra: a intangibilidade do caso julgado; a irresponsabilidade do julgador (como garantia de independncia
e imparcialidade no acto de julgar); e a independncia do julgador. Como se ver mais frente (apesar desta
investigao no incidir sobre toda a rea da administrao da justia, mas apenas sobre uma parcela a
qual no impe a considerao de todos aqueles fundamentos ou no impe a sua considerao com tanta
intensidade) se tais fundamentos no estivessem j superados, seriam mais facilmente ultrapassados quando
se est a tratar da responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia.
Sempre prejuzo da referida ressalva, tais posies so hoje inadmissveis. Cf., por todos, PHILIPPE
ARDANT, La responsabilit de l'tat du fait de la fonction juridictionnelle, 1956, p. 171 e ss, e MARTEN
BREUER, Staatshaftung fr judikatives Unrecht. Eine Untersuchung zum deutschen Recht, zum Europa -
und Vlkerrecht, 2011, p. 193 e ss. Devem, portanto, considerar-se afastadas as posies que defendiam
que o Estado no podia ser responsabilizado patrimonialmente pelos danos causados em virtude da sua
actividade jurisdicional, com o fundamento de que essa actividade repara danos, ao invs de comet-los,
cf., entre outros, PAULO SALVADOR FRONTINI, Responsabilidade civil do rgo do Ministrio Pblico,
1975, p. 7.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
18
novo regime no s aumenta a confuso do leitor que se preste compreenso do tema,
como revela uma desigualdade de tratamento difcil se no impossvel de justificar.
O legislador do processo laboral talvez desconfortvel com o regime geral previsto no
artigo 12. do RRCEE (ar)risca um novo regime para uma realidade to pontual como
a reparao de alguns danos (salrios de tramitao) causados pela administrao da
justia morosa em processos urgentes de impugnao do despedimento ilcito. Todavia,
parece ignorar que se est ainda no terreno da funo de administrao da justia.
Em ambas as situaes legalmente previstas dever ser a cincia do direito a dar
uma resposta ao significado hipottico destes enunciados legais mais facilitada no artigo
12. do RRCEE (onde surge expressamente identificada) e literalmente mais dificultada
no artigo 98.-N do CPT pois a interpretao daquelas normas remete o leitor para
conceitos e realidades que lhe so exteriores e que no compreendem em si os
significados a que aludem e que, por fim, no recebero com certeza a chave dessa
interpretao pela mo da jurisprudncia a propsito da funo administrativa. Exige-se,
em suma, um pr-saber do intrprete porquanto a falta deste conhecimento pode
comprometer o resultado da prpria interpretao. Por isto, no basta o alerta face aos
regimes positivados impe-se a sua correco.
II. Ao que se acaba de referir, acresce que os regimes jurdicos sinalizados
representam uma continuidade lgica e histrica do estatudo no diploma revogado pelo
RRCEE, isto , o regime do DL n. 48051. Acresce que, apesar de vrias dcadas de
jurisprudncia dedicada ao tema, tambm no se pode afirmar pela existncia de uma
jurisprudncia rigorosa, porquanto o que se verifica um Richterrecht que visa dar
resposta a casos concretos, conciliando interesses, sem que da resulte a sua compreenso
ordenada em critrios operativos.
A insatisfao do intrprete que se prope anlise do material emprico (que se
recolhe daquela jurisprudncia) resulta, nomeadamente, das dvidas que surgem quando
se procura compreender: a funo administrao da justia que est subjacente a esta
responsabilidade; os pressupostos de indemnizar maxime ilicitude e culpa ; e o regime
jurdico adequado para a assuno pelo Estado dos danos resultantes da actividade de
particulares no exerccio da administrao da justia (pblica e privada).
Refira-se, em abono da funo dos juzes, que esta no se centra na criao de
rigorosos quadros dogmticos correctores do regime jurdico. Esta funo deve caber
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
19
doutrina, deixando para a jurisprudncia a formulao de juzos concretos que no seu iter
discursivo-decisrio tenham presente e revelem j o trabalho da dogmtica.
III. A compreenso da referida e j vasta jurisprudncia sobre administrao da
justia e pressupostos indemnizatrios deve ser feita, no nosso entender, luz de dois
conceitos operativos desenvolvidos para efeitos de responsabilidade civil do Estado pelo
mau funcionamento da administrao da justia: conceito de administrao da justia e
conceito de mau funcionamento. Estes conceitos devero permitir, por um lado, delimitar
com rigor a rea que, no contexto da administrao da justia, pode ainda ser imputada
ao Estado quando a se verifiquem danos e, por outro, um nvel adequado de proteco
dos lesados, nomeadamente, por confronto com outros ttulos de imputao, j
reconhecidos legalmente, de responsabilidade civil do Estado pela administrao da
justia.
Para alm da referida jurisprudncia, podem encontrar-se decises recentes que
vm revelar um novo foco de preocupaes, que se traduz na questo prvia de saber se
o Estado pode/deve ainda ser responsvel pela actuao danosa de particulares que
participam ou auxiliam na administrao da justia levada a cabo pelos tribunais
estaduais. J acima sinalizmos o problema. Todavia, este adquire outras dimenses
medida que se vo diversificando, entre ns, os particulares que exercem tarefas de
administrao da justia juzes sociais, jurados, agentes de execuo e administradores
judiciais ou que auxiliam naquelas tarefas peritos judiciais, depositrios judiciais,
intrpretes.
Por fim e no tendo a preocupao de identificar exaustivamente nesta introduo
todos problemas emergentes do estudo da responsabilidade civil do Estado pelo mau
funcionamento da administrao da justia deve ainda ser includo no mbito desta
investigao o papel da responsabilidade civil do Estado quando esteja em causa a
administrao da justia por outras estruturas como aquelas que se cifram na
administrao da justia de paz, na arbitragem institucionalizada garantida pelo Estado e
na mediao pblica institucionalizada. Embora ainda no se conhea jurisprudncia, o
tema, porque identificado e de grande relevo dogmtico e prtico, no poder deixar de
ser compreendido no contexto em que situamos esta investigao.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
20
3. Estrutura e preciso sobre o objecto de estudo
I. O presente trabalho constitudo por trs partes. A primeira parte dedicar-se- ao
estudo dos fundamentos jurdicos da responsabilidade civil do Estado pela administrao
da justia. Como se ver a seu tempo, a evoluo dos sistemas de responsabilidade civil
do Estado tem passado pela procura dos seus fundamentos.
O tema dos fundamentos da responsabilidade civil do Estado tem sido objecto de
desenvolvimentos cientfico, legislativo e jurisprudencial, que vo alm da mera
compreenso dos regimes jurdicos dos ordenamentos internos. Procuraremos, por isso,
saber quais so os fundamentos jurdicos positivos e pretorianos que sustentam e
definem o tema da presente investigao.
O caminho para alcanar este desiderato passar no s pela considerao dos
elementos normativos previstos no nosso ordenamento jurdico interno e jurisprudncia
associada, mas tambm pela considerao dos elementos jurdicos vinculativos
resultantes dos ordenamentos jurdicos da Unio Europeia e do Conselho da Europa.
Dada a variada oferta de fontes normativas em matria de responsabilidade civil do
Estado pela administrao da justia e as suas diferentes estrutura e caracterizao, visa-
se, em suma, responder com a caracterizao que lhe vai associada pergunta: quais
os fundamentos jurdicos da responsabilidade civil do Estado pela administrao da
justia?
II. Na segunda parte procuraremos definir dois conceitos operativos fundamentais
para o instituto da responsabilidade civil do Estado que nos ocupa. Referimo-nos ao
conceito de administrao da justia e ao conceito de mau funcionamento. Esta segunda
parte decompe-se em dois captulos.
O primeiro centra-se na percepo doutrinria da administrao da justia e na sua
compreenso luz do dever de reparar os danos causados pela administrao da justia,
visando responder pergunta: o que hoje administrao da justia para efeitos de
responsabilidade civil do Estado?
O segundo dedica-se ao conceito de mau funcionamento, enquanto conceito
operativo capaz de fornecer critrios orientadores ao juiz administrativo no momento de
realizar a justia indemnizatria reivindicada pelos danos causados no mbito da
administrao da justia, desde que tais danos no tenham como causa o erro judicirio.
O estudo daquele conceito permite dar mais um passo no recorte da rea de actuao da
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
21
administrao da justia, que deve ter um regime distinto do associado ao erro judicirio,
por estar em causa uma actividade diversa da coberta por este ttulo de imputao. Neste
captulo, responde-se indirectamente pergunta: so todos os pressupostos da
responsabilidade civil da administrao pblica aplicveis administrao da justia?
III. Na terceira parte deste trabalho, que est dividida em dois captulos, aplicaremos
os conceitos estudados anteriormente, com vista a delimitar o mbito da responsabilidade
civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia luz do ordenamento
jurdico vigente.
Dada a importncia prtica do tema e com vista sua maior aproximao possvel
a quem este pode ser til operadores da administrao da justia por meio de quem
estas linhas podem ganhar vida , entendemos indispensvel dedicar uma parte desta
investigao identificao luz do nosso ordenamento jurdico vigente dos rgos,
sujeitos e actividades que podem originar responsabilidade civil do Estado pelo mau
funcionamento da administrao da justia.
Tendo presente o risco que esta opo acarreta, sobretudo luz das constantes
alteraes legislativas na rea da administrao da justia e tendo tambm presente a
jurisprudncia nacional que composta por material emprico to rico quanto
desordenado , entendemos que tal delimitao poder contribuir para um outro rigor
decisrio e para uma maior uniformidade de critrios.
O desenvolvimento doutrinrio e legislativo actual permite dividir esta ltima parte
em trs captulos. O primeiro, dedicado administrao da justia clssica, isto , a
desenvolvida pelos tribunais estaduais16. O segundo captulo debrua-se sobre os
privados que participam e que auxiliam na administrao da justia. O terceiro captulo
dedicado administrao da justia alternativa e complementar da administrao da
justia clssica. A diferente filosofia subjacente a estes (outros) meios de administrao
da justia impe um tratamento autnomo, revelando, em regra, uma diferente
interveno do Estado e, consequentemente, uma distinta responsabilidade civil deste.
Em suma, e por fim, quer responder-se, nesta ltima parte do estudo, pergunta:
que rgos, sujeitos e actividades podem gerar responsabilidade do Estado pelo mau
funcionamento da administrao da justia?
16 Referindo-se tambm a tribunais no sentido clssico do termo, cf. FABIENNE QUILLER-MAJZOUB, La
dfense du droit un procs quitable, 1999, p. 43.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
22
PARTE I FUNDAMENTO
1. Ordenamento jurdico-constitucional
1.1 Referncia constitucional responsabilidade civil do Estado pela
administrao da justia
I. Quando um prejuzo ou dano juridicamente relevante causado pelo exerccio de
um poder pblico para a reparao pelo Estado ou outra entidade pblica valero, em
particular, regras de direito pblico17. Afirmao em perfeita concordncia com o
conhecido Arrt Blanco18. Hoje, e apenas por referncia ao bloco de juridicidade vigente
no nosso ordenamento jurdico, tal afirmao sai reforada e obriga-nos a sinalizar e
analisar o j vasto elenco de normas positivas e normas de deciso emitidas sobre o tema
da responsabilidade civil do Estado por mau funcionamento da administrao da justia.
Num perodo de abundncia de direito, pouco compatvel com a segurana jurdica
exigida num Estado de Direito democrtico, o intrprete e aplicador do Direito v-se hoje
confrontado no s com uma crescente actividade do legislador (nesta matria, sobretudo
nacional) como tambm do pretor (nacional e europeu TJ e TEDH) sobre o tema do
dever de reparar os danos causados pela administrao da justia (diga-se nem sempre
em unssono). nesta mltipla sede normativa de responsabilidade civil do Estado que
nos iremos mover.
II. So vrias as normas constitucionais que relevam para a compreenso da
responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia.
Centraremos a nossa anlise nas normas referentes responsabilidade propriamente dita
(e suas dimenses), aos rgos, sujeitos e funo em causa.
17 Assim, expressamente, PETER BADURA, "Fondamenti e sistema della responsabilit dello Stato e del
risarcimento pubblico nella Repubblica Federale di Germania", Rivista trimestrale di diritto pubblico, p.
399. Tambm entre ns se insiste num sistema de responsabilidade do Estado assente em normas de direito
pblico, cf., entre outros, WLADIMIR DE BRITO, "Contributo para uma teoria da responsabilidade pblica do
Estado por acto de funo pblica soberana" in Responsabilidade Civil dos Magistrados, 2002, p. 47-78 e,
recentemente, JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "A responsabilidade indemnizatria dos poderes
pblicos em 3D: Estado de direito, Estado fiscal, Estado social", RLJ, p. 345 e ss. Mantm-se a distino
para a gesto privada, prevista no artigo 501. do CC. Propondo uma leitura diferente, cf. ANTNIO
MENEZES CORDEIRO, "A responsabilidade civil do Estado", O Direito, p. 657. 18 Que d incio, em Frana, admisso de uma responsabilidade por outras regras que j no as de direito
privado. Sobre este acrdo, entre outros, MICHEL PAILLET, La responsabilit administrative, 1996, p. 4 e
ss, e entre ns, CARLA AMADO GOMES, Contributo para o estudo das operaes materiais da administrao
pblica e do seu controlo jurisdicional, 1999, p. 273 e ss. Infra daremos nota da evoluo histrica da
responsabilidade que nos ocupa.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
23
Comeando a nossa anlise pelas normas constitucionais que se referem
directamente responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo mau funcionamento
da administrao da justia, de sublinhar que o fundamento jurdico desta se encontra,
nomeadamente, no artigo 22. da Constituio19. O referido artigo disciplina que o
Estado e as demais entidades pblicas so civilmente responsveis, em forma solidria
com os titulares dos seus rgos, funcionrios ou agentes, por aces ou omisses
praticadas no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio, de que resulte
violao dos direitos, liberdades e garantias ou prejuzo para outrem.
Como j se escreveu, trata-se de uma das normas de mais difcil interpretao20,
dada a amplitude da sua previso e, que, por isso, no tem gerado unanimidade na sua
caracterizao como direito, liberdade e garantia ou como garantia institucional21.
Todavia, tratar-se- sempre de um princpio geral22 que impe a responsabilidade directa
e solidria do Estado e demais entidades pblicas pelos actos funcionais que violem
direitos, liberdades e garantias ou causem prejuzo para outrem23. Trata-se de um
19 Para alm do que se referir infra, trata-se de um preceito normativo que se conexiona com outros
preceitos constitucionais, nomeadamente com os previstos nos artigos 1., 2., 3. e 13. da Lei Fundamental,
estabelecendo um princpio de responsabilidade do Estado de Direito democrtico baseado na dignidade da
pessoa humana de estalo constitucional. Para efeitos do presente estudo, apenas nos interessa a
responsabilidade civil ou patrimonial extracontratual das entidades pblicas que administram a justia. No
entanto, o elenco de preceitos constitucionais referentes indemnizao de danos pelo Estado no se fica
por aqui. A este propsito veja-se o disposto no artigo 37./4 (indemnizao por violao da liberdade de
expresso e informao), no artigo 60./1 (direito reparao no mbito dos direitos dos consumidores), no
artigo 62./2 (indemnizao por requisio e expropriao por utilidade pblica) e no artigo 83.
(nacionalizao e outras expropriaes). 20 Que, por isso, tem levantado muitas questes interpretativas. Apenas nos referiremos aos problemas que
melhor permitam compreender a responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da
administrao da justia. 21 Para um resumo das vrias posies doutrinais sobre esta discusso, Ac. do TC de 2007-03-02, proc. n.
65/02, Prazeres Beleza, e para uma viso panormica das diferentes posies da doutrina sobre a natureza
do artigo 22. e do regime aplicvel, RICARDO PEDRO, Contributo para o estudo da responsabilidade civil
extracontratual do Estado por violao do direito a uma deciso em prazo razovel ou sem dilaes
indevidas, 2011, p. 28 e ss. 22 O tratamento desta norma constitucional como um princpio recorrente na doutrina nacional e parece
sair reforado da evoluo da doutrina dos direitos fundamentais que tende a reconhecer as normas de
direitos, liberdades e garantias com a estrutura de princpios, pelo menos prima facie. Neste ltimo sentido,
entre muitos, ROBERT ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales, 1993, passim. Entre ns, a favor da
teoria dos princpios como modo de solucionar o conflito entre direitos fundamentais, entre outros, JOS
JOAQUIM GOMES CANOTILHO, "Direito constitucional de conflitos e proteco de direitos fundamentais",
RLJ, p. 37 e ss; CARLA AMADO GOMES, Defesa da sade pblica vs. liberdade individual: casos da vida
de um mdico de sade pblica, 1999, p. 24. Mais detalhadamente sobre o mtodo proposto por Alexy,
MARIA SILVINA VALENTE, "Da licitude da interveno do Estado na limitao ao exerccio do segredo
bancrio" in Liber Amicorum de Jos de Sousa e Brito em comemorao do 70. Aniversrio - Estudos de
Direito e Filosofia, 2009, p. 59-87. Para outras referncias sobre o tema, JOS DE MELO ALEXANDRINO, A
estruturao do sistema de direitos, liberdades e garantias na constituio portuguesa - A construo
dogmtica, 2006, p. 442. 23 Apesar de o artigo 22. apenas se referir a direitos, liberdades e garantias, a doutrina tem entendido que
esta garantia se estende a outros direitos fundamentais, outros direitos subjectivos ou quaisquer direitos ou
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
24
dispositivo que permite o desenvolvimento de um modelo de reparao de danos
adequado natureza da funo, nomeadamente, pela modelao dos pressupostos
indemnizatrios.
Est em causa um preceito que inclui vrias normas24, pelo menos uma por cada
funo do Estado. Esta compreenso obriga a que se considere a natureza e o regime
constitucional relativo a cada funo especfica do Estado, o que pode revelar que o que
vlido para uma funo do Estado ao nvel da responsabilidade no vlido para outra.
Alis, no que tange responsabilidade do Estado pela administrao da justia sempre se
tero de convocar outros preceitos que a Constituio prev para situaes particulares
historicamente identificadas como merecedoras de indemnizao.
A anlise dos diferentes normativos constitucionais relativos ao dever de
indemnizar pela administrao da justia j revela per se um sistema de responsabilidade
que foge aos cnones do sistema nico de responsabilidade civil do Estado25. Acresce
que a adopo de outro mtodo de anlise do direito mais ajustado , como aquele que
privilegia a anlise do problema em detrimento do sistema, permitindo desprendermo-
nos das amarras pr-compreensivas que o sistema traz necessariamente consigo, impe
a considerao das particularidades da funo de administrao da justia e,
nomeadamente, da relevncia desta no contexto do Estado de Direito e de proteco dos
direitos fundamentais dos cidados.
Percebe-se a tentao de tratar a responsabilidade civil do Estado pelo mau
funcionamento da administrao da justia luz dos pressupostos clssicos da
responsabilidade civil da administrao pblica. Para isso poder contribuir, para alm
da cmoda aplicao do sistema comum de responsabilidade, a proximidade lingustica e
a dificuldade em destacar o enclave que aquela responsabilidade representa face aos
dois grandes temas de responsabilidade geograficamente prximos administrao
interesses legalmente protegidos. Por todos, JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,
Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, I, 2007, p. 436-437. 24 Neste sentido, entre ns, JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e proteco jurisdicional contra
omisses legislativas: contributo para uma teoria da inconstitucionalidade por omisso, 2003, p. 310, e no
mesmo sentido, por referncia ao ordenamento jurdico italiano, SERGIO BARTOLE/ROBERTO BIN/ANDREA
AMBROSI, Commentario breve alla costituzione, 2008, p. 291. 25 Contra um sistema nico de responsabilidade, cf. MARIA LCIA C. A. AMARAL PINTO CORREIA,
Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, 1998, p. 28 e 30.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
25
pblica e erro judicirio26-27. No entanto, a tarefa a que nos propomos impe que
resistamos tentao e que se distinga as suas diferenas, delimitando as fronteiras. Ou
seja, que se assuma a funo da administrao da justia no seu contexto e relevncia e
no como uma mera modalidade de responsabilidade civil administrativa28-29.
Ponto assente o de que se trata de um normativo que impe uma garantia30 em
primeira linha31 do Estado pelos danos causados pelo exerccio de funes pblicas, isto
, de uma responsabilidade directa32. Podendo variar o regime de responsabilidade do
Estado consoante a qualidade dos entes e das funes em causa. O que est de acordo
26 Todavia, como se esclarecer mais frente, o objecto da presente dissertao no se estende a toda a
responsabilidade civil do Estado pela administrao da justia antes ser circunscrita ao seu mau
funcionamento. Esta categoria no coincide com a categoria da responsabilidade civil da administrao,
nem com a categoria da responsabilidade civil por erro judicirio. Revelando-se uma categoria com
particularidades que merecem um tratamento destacado, com reflexos ao nvel dos pressupostos. 27 Como se ver mais frente, a jurisprudncia nacional reflecte essa dificuldade. 28 Repare-se que, apesar de o legislador do RRCEE inserir sistematicamente a responsabilidade que aqui
tratamos no captulo dedicado funo jurisdicional, acaba por remeter os pressupostos indemnizatrios
que o que definitivamente caracteriza o instituto da responsabilidade civil para a responsabilidade civil
pela administrao por factos ilcitos. 29 No entanto, assumimos que se est perante o instituto da responsabilidade civil do Estado e no perante
outro instituto com outros fundamento e regime. Adiantando, embora sem desenvolver, a figura da
indemnizao compensatria como figura adequada administrao da justia, cf. CARLA AMADO GOMES,
"A compensao administrativa pelo sacrifcio: reflexes breves e notas de jurisprudncia" in Estudos de
Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, 2012, p. 151-182. Todavia, em nada fica prejudicada a
posio que defendemos nesta investigao, pois, se bem compreendemos o pensamento desta Autora, tal
mbito de aplicao limitar-se-ia ao erro judicirio e no ao mau funcionamento da administrao da justia
que o objecto desta investigao. Por outro lado, a posio da Autora citada refora a nossa posio da
insuficincia dada pela figura da responsabilidade civil da administrao, uma vez que, s a falta de
adequao desta justifica a procura de uma figura jurdica mais capaz. A nossa posio procura no
sacrificar o instituto da responsabilidade civil, mas sim, ajust-lo s particularidades da funo em anlise. 30 Referindo-se a uma garantia mnima (Mindestgarantie) de responsabilidade civil do Estado, a propsito
do art. 34. da GG, cf. AAVV MICHAEL SACHS, Grundgesetz: Kommentar, 1996, p. 884, e MARTEN
BREUER, Staatshaftung fr judikatives Unrecht. Eine Untersuchung zum deutschen Recht, zum Europa-
und Vlkerrecht, 2011, p. 105. 31 Em apoio desta posio est a jurisprudncia do TJ e do TEDH. Infra ponto 2. O fundamento para tal
posio encontra-se, sobretudo, na proteco do lesado atravs do patrimnio estadual e do evitar da
ineficincia administrativa do funcionrio pblico, cf. HARTMUT MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht,
2000, p. 663. O que definitivamente revela a ideia da estatizao da responsabilidade do funcionrio pblico
(Haftungsbernahme) e da proteco do lesado atravs de um patrimnio mais solvente, o do Estado, cf.
FRITZ OSSENBHL/MATTHIAS CORNILS, Staatshaftungsrecht, 2013, p. 10 e 11. JOS CARLOS VIEIRA DE
ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituio de 1976, 2012, p. 352, refere-se a uma
responsabilidade do Estado em nome prprio. 32 Neste sentido, entre outros, CARLA AMADO GOMES, "A responsabilidade civil extracontratual da
administrao por facto ilcito: Reflexes avulsas sobre o novo regime da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro"
in Textos dispersos sobre direito da responsabilidade civil extracontratual das entidades pblicas, 2010,
p., p. 220, e JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "A responsabilidade indemnizatria dos poderes pblicos
em 3D: Estado de direito, Estado fiscal, Estado social", RLJ, p. 347. No mesmo sentido, alguma doutrina
italiana, mesmo perante uma norma constitucional que literalmente se refere responsabilidade do Estado
pela actuao dos funcionrios (art. 28.), insiste numa responsabilidade directa do Estado (ainda que
moldada pela responsabilidade do juiz). Cf. VINCENZO VIGORITI, Le responsabilita del giudice: norme,
interpretazioni, riforme nell'esperienza italiana e comparativa, 1984, p. 45. E, como se ver mais frente,
num dos ltimos diplomas vigentes naquele pas referente responsabilidade civil do Estado pela
administrao da justia assumida uma responsabilidade directa e objectiva do Estado.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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com aqueles que entendem que este tipo de normas constitucionais no so teis para
resolver a questo de saber se concebvel a responsabilidade de um sujeito especial, e
em caso positivo, a determinao e a medida concreta dessas regras33.
A ideia de responsabilidade directa do Estado aquela que est em maior
concordncia com a assuno e exerccio de certas funes pelo Estado, bem como com
a aceitao da responsabilidade exclusiva do Estado em determinadas situaes e ainda
com o contedo de vrias normas que a Constituio veio a dedicar, nomeadamente, ao
modo como deve responder o Estado pela actuao de certos servidores pblicos. Ao que
acresce que permite compreender a evoluo constitucional pouco linear, mas sobretudo
historicamente comprometida da responsabilidade do Estado, no sentido da progressiva
garantia de reparao dos danos causados aos cidados e que culminou com a assuno
dessa garantia por via do patrimnio estatal.
Se, num primeiro momento, reinou a irresponsabilidade (Estado/Monarquia),
admitindo-se apenas a responsabilidade do funcionrio, num segundo (Estado/Ditadura),
ditou-se a responsabilidade do Estado (caso houvesse lei expressa nesse sentido) e, j
num terceiro (Estado/Democracia), declarou-se a responsabilidade do Estado34.
Embora durante demasiado tempo se tenha discutido se o artigo 22. da CRP inclua
todas as funes do Estado ou apenas a funo administrativa variando as posies
consoante as leituras maximalistas ou minimalistas35 do texto constitucional , hoje, ter
de se admitir que no se encontra segmento normativo que circunscreva a
responsabilidade civil do Estado apenas a uma qualquer funo deste. Logo, o instituto
da responsabilidade civil do Estado deve compreender a funo administrativa,
jurisdicional e legislativa36. Apesar de o artigo 165./1-s) da CRP, relativo reserva
33 Neste sentido, por referncia ao ordenamento italiano, SERGIO BARTOLE/ROBERTO BIN/ANDREA
AMBROSI, Commentario breve alla costituzione, 2008, p. 291. 34 Sem prejuzo de posteriores referncias especficas responsabilidade pela administrao da justia, deve
ter-se presente que na nossa histria constitucional se verificou uma tendncia para a admisso da
responsabilidade dos funcionrios pelo exerccio de funes. Assim aconteceu na Constituio Poltica da
Monarquia Portuguesa de 1822 (arts. 14. e 17.), na Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa de
1826 (art. 145. 27 e 28), na Constituio Poltica da Monarquia Portuguesa de 1838 (arts. 15. e 26.),
na Constituio Poltica da Repblica Portuguesa de 1911 (art. 3. 30) e na Constituio Poltica da
Repblica Portuguesa de 1933 (art. 8./17). 35 Defendendo uma leitura do artigo 22. numa perspectiva gradativa, de um patamar minimalista a um
nvel maximalista, CARLA AMADO GOMES, "A responsabilidade civil extracontratual da administrao por
facto ilcito: Reflexes avulsas sobre o novo regime da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro" in Textos
dispersos sobre direito da responsabilidade civil extracontratual das entidades pblicas, 2010, p., p. 221.
Contra leituras maximalistas ou minimalistas do artigo 22. da Constituio, MANUEL AFONSO VAZ, A
responsabilidade Civil do Estado consideraes breves sobre o seu estatuto constitucional, 1995, p. 16. 36 Hoje vasta a doutrina neste sentido. Entre muitos, tendo tambm por referncia a doutrina a citada,
MARGARIDA CORTEZ, Responsabilidade civil da Administrao por actos administrativos ilegais e
concurso de omisso culposa do lesado, 2000, p. 24, maxime nota 34, e RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
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relativa da competncia legislativa da Assembleia da Repblica, apenas se referir
responsabilidade civil da Administrao37, a leitura conjugada de vrios dispositivos,
nomeadamente dos artigos 271., 216./2 e 117./1 da CRP denuncia a responsabilidade
civil do Estado pelas suas vrias funes38.
III. A discusso relativa caracterizao da norma do artigo 22. da CRP como um
direito, liberdade e garantia anlogo ou antes como uma garantia institucional, sobretudo
para aqueles que entendem que as garantias institucionais no beneficiam do regime dos
direitos, liberdades e garantias de suma importncia, desde logo, pela possibilidade de
tal norma se considerar directamente aplicvel ou no. Esta discusso tornou-se com
certeza menos necessria com a entrada em vigor do novo regime de responsabilidade
civil extracontratual do Estado, mas tal no quer dizer que no tenha actualidade. Por um
lado, porque necessrio prever uma cobertura adequadas s reas em que o RRCEE
responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, 1992, p. 86 e ss, maxime nota 255. No sentido deste
normativo incluir tambm a funo poltica, JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituio Portuguesa
Anotada, I, 2010, p. 474. No sentido de o artigo 22. no incluir a funo legislativa, MARIA LCIA C. A.
AMARAL PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, 1998, passim,
esclarea-se que esta Autora admite o dever de indemnizar do Estado por actos legislativos, mas o
fundamento para tal deve encontrar-se no disposto no artigo 62. da CRP. A posio da doutrina maioritria
nem sempre foi acompanhada pela jurisprudncia, que, por exemplo, ora entendia existir no nosso
ordenamento jurdico um regime de responsabilidade civil pela administrao da justia, ora entendia o
contrrio. A ttulo de exemplo, sem prejuzo de outros desenvolvimentos que se adiantaro na Parte I, ponto
4.1.2. No sentido positivo, Ac. do STA de 1989-03-07, proc. n. 26524, Antnio Samagaio. No sentido
negativo, Ac. do STA de 1990-10-09, proc. n. 025101, Santos Patro. 37 Este artigo esclarece que esta matria integra a reserva relativa legislativa da Assembleia da Repblica.
O mesmo se deve entender, por igualdade de razo, em relao responsabilidade pela funo jurisdicional.
Tal resulta tambm do disposto no artigo 165./1-b) e p) que estabelece uma reserva relativa legislativa da
Assembleia da Repblica. A primeira alnea refere-se reserva relativa legislativa da Assembleia da
Repblica em matria de direitos, liberdades e garantias. Entre estes direitos conta-se o direito tutela
jurisdicional efectiva (art. 20.) e o direito reparao dos danos decorrentes da violao daquele (art. 22.).
A segunda alnea refere-se () ao estatuto dos respectivos magistrados. No entanto, o mesmo j no se
passar relativamente responsabilidade pessoal de alguns magistrados, podendo esta estar sujeita a uma
reserva absoluta. Isto, caso se faa uma leitura mais favorvel competncia parlamentar, tendo em conta
o disposto no artigo 164-m) que trata do Estatuto dos titulares de rgo de soberania onde se dever
incluir o estatuto dos magistrados judiciais, enquanto titulares de rgos de soberania (cf. art. 110.); assim,
se se perfilhar esta leitura ter de se entender que deve existir reserva absoluta relativamente ao estatuto
dos magistrados judiciais. J assim no ser relativamente aos magistrados do Ministrio Pblico, que, por
no serem titulares de rgos de soberania, vem o seu estatuto apenas sujeito a reserva relativa. 38 No sentido de que tal concluso no se revela na simples leitura do artigo 22., antes convocando outros
normativos constitucionais, cf. MARIA LCIA C. A. AMARAL PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado
e dever de indemnizar do legislador, 1998, p. 460. Dvidas no podem existir de que se trata de um preceito
constitucional (art. 22.) com uma formulao ampla que, por isso, revela um grande potencial de
desenvolvimento, oferecendo um vasto leque de alternativas ao legislador ordinrio, nomeadamente, pela
considerao das diferentes especificidades que cada funo do Estado apresenta. Como se ver infra, o
desenvolvimento feito pelo RRCEE, especialmente, no que tange responsabilidade civil do Estado pelo
mau funcionamento da administrao da justia, convoca a considerao de duas funes do Estado,
administrativa e jurisdicional.
Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administrao da justia: fundamento, conceito e mbito.
28
ainda no garante a indemnizao devida e, por outro, porque urge solucionar as situaes
ainda regidas pelo regime antecedente39.
Quer-se com isto dizer, agora apenas por referncia s situaes do passado, face
dvida que o DL n. 48051 incutia quanto ao mbito material de aplicao (apenas funo
administrativa?), que se questiona se o disposto no artigo 22. da CRP apresenta uma
norma sem determinabilidade suficiente ao nvel constitucional que no dispensa uma
mediao concretizadora do legislador ou se, pelo contrrio, se trata de norma
imediatamente vinculante e autoexecutiva40. Dito de outro modo, est em questo saber
se os comandos constitucionais do artigo 22. dirigem-se s ao legislador ou tambm ao
juiz.
Na matria da responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da
administrao da justia era corrente (antes da entrada em vigor do RRCEE) encontrar
alegaes do MP nos tribunais nacionais insistindo na inexistncia de um quadro jurdico
que admitissem este tipo de responsabilidade.
Em sentido distinto, o STJ tem fornecido coordenadas a admitir a aplicabilidade
directa do artigo 22. da CRP, devendo os tribunais assegurar a sua implementao de
modo a reparar os danos causados pelos actos lesivos de direitos, liberdades e garantias
ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidados41.
Face opo do legislador do RRCEE no tema da responsabilidade civil pelos
danos causados pela administrao da justia pela remisso para o regime da
responsabilidade civil por factos ilcitos no se pode afirmar com toda a segurana que o
problema deixou de se colocar. Por isso, deve operar uma interpretao conforme
Constituio para as