universidade nove de julho programa de mestrado em gestÃo e … · 2017-07-14 · programa de...
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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
PROGRAMA DE MESTRADO EM GESTÃO E PRÁTICAS EDUCACIONAIS
(PROGEPE)
COSMO LUCIANO DO NASCIMENTO
RÁDIO ABRÃO: UMA EXPERIÊNCIA EM EDUCOMUNICAÇÃO
São Paulo
2017
COSMO LUCIANO DO NASCIMENTO
RÁDIO ABRÃO: UMA EXPERIÊNCIA EM EDUCOMUNICAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Gestão e Práticas Educacionais
(PROGEPE) da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE), como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação,
sob a orientação do Professor Doutor Adriano
Salmar Nogueira e Taveira.
São Paulo
2017
Nascimento, Cosmo Luciano do.
Rádio Abrão: Uma experiência em educomunicação. / Cosmo
Luciano do Nascimento. 2017.
96 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Nove de Julho -
UNINOVE, São Paulo, 2017.
Orientador (a): Prof. Dr. Adriano Salmar Nogueira e Taveira.
1. Educomunicação. 2. Educação. 3. Comunicação. 4. Rádio. 5.
Jornalismo.
I. Taveira, Adriano Salmar Nogueira e. II. Titulo.
CDU 372
COSMO LUCIANO DO NASCIMENTO
RÁDIO ABRÃO: UMA EXPERIÊNCIA EM EDUCOMUNICAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Gestão e Práticas Educacionais
(PROGEPE) da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE), como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação,
pela Banca Examinadora, formada por:
São Paulo, ___ de ______________ de 2017
Orientador: Prof. Dr. Adriano Salmar Nogueira e Taveira (Universidade Nove de Julho)
Examinadora: Profª. Drª. Nima Imaculada Spigolon (Universidade Estadual de Campinas)
Examinadora: Profª. Drª. Adriana Aparecida de Lima Terçariol (Universidade Nove de Julho)
Suplente: Profª. Drª. Luciana Giovanni (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Suplente: Profª. Drª. Patrícia Aparecida Bioto-Cavalcanti (Universidade Nove de Julho)
São Paulo.
2017
Dedico esta obra à minha esposa Vânia Gastaldo de
Oliveira, à minha tia-madrinha Conceição Luciano
de Souza, à minha prima Dalva Maria de Souza, à
estudante Gisele, ao estudante Gustavo e ao
estudante William, à professora Adriana Leila
Trentin, à professora Adelina Yamamura, ao
professor Carlos Alberto Mendes de Lima e ao
professor Fernando Antonio Peres.
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos à EMEF Abrão de Moraes, em especial aos estudantes e aos
repórteres estudantis. Agradeço à Aline pelo apoio a todas(os) as(os) estudantes de pós-
graduação stricto sensu junto à Secretaria, à Cris, ao Alex e a toda a equipe. Aos professores
mestrandos e doutorandos e, em especial ao professor Walter Martins.
Agradeço ao Instituto Paulo Freire, aos ensinamentos das disciplinas “Paulo Freire,
Educação e Práxis” e “Pensamento Pedagógico Latinoamericano”, ministradas pelas(os)
professoras(es) Jason Mafra, Adriano Salmar, Cláudia Sabba e Margarita Victoria Gomez.
Agradeço às professoras Rosiley Aparecida Teixeira, Lígia Abões Vercelli, Roberta
Stangherlim, Nima Spigolon, Adriana Aparecida de Lima Terçariol, Cláudia Georgia Sabba,
Margarita Victoria Gomez e ao meu professor-orientador Adriano Salmar Nogueira e Taveira
pelos incentivos e apoios que contribuíram para o meu aprendizado.
Sou grato ao Bruno, à Luciana e à Kati que me acolheram no Chile, durante o módulo
internacional. Também agradeço à Ministra da Educação do Chile, professora Adriana
Delpiano e aos estudantes e professoras(es) que compartilharam experiências e (con)vivências
culturais em intercâmbios como a Fundação Pablo Neruda (Isla Negra); o Programa
Interdisciplinario de Investigaciones en Educación (PIIE); a Universidad Academia de
Humanismo Cristiano (La Academia); a Universidad de Santiago de Chile; a Universidad de
Chile; a Universidad de Los Lagos; a Universidad Metropolitana de Ciencias da La
Educación; o Museu de la Educación Gabriela Mistral; o Centro Cultural do Palacio
Presidencial de La Moneda.
Agradeço à Companhia de Teatro Os Satyros, às(aos)artistas-formadores da SP Escola
de Teatro, em especial, ao Antonio Duran, ao Cláudio Gutierrez, ao “Pardal”, à Cléo de Páris,
à Dione Leal, ao Francisco Turbiani (Chico), ao Guilherme Bonfanti, ao Hugo Possolo, ao
Ivam Cabral, ao J.C. Serroni, ao Joaquim Gama, à Marici Salomão, ao Marcos Moraes, ao
Maurício Paroni de Castro, ao Raul Teixeira, ao Rodolfo García Vázquez, a todas(os) artistas-
aprendizes da SP Escola de Teatro, principalmente, à turma do curso de iluminação e às
turmas de experimentos.
Para finalizar, agradeço a todas(os) as(os) professoras(es) que conheci na caminhada
de descobertas ao longo da vida. Em especial, agradeço pelas aprendizagens intercambiadas
junto às(aos) estudantes às(aos) quais lecionei, leciono e lecionarei.
RESUMO
A presente pesquisa investiga o potencial pedagógico-administrativo de uma experiência em
educomunicação. A escola municipal de ensino fundamental Abrão de Moraes, situada na
Vila Nhocuné – bairro da zona leste da cidade de São Paulo – desenvolveu em 2004 o projeto
Educom.Rádio; ali ministrei oficinas de linguagem radiofônica. Tal assessoria foi contratada
pela municipalidade para subsidiar o projeto, e o foco priorizado era a formação de
professoras(es), estudantes e funcionárias(os), tendo em vista “adotar” a linguagem
radiofônica para melhorar as práticas de ensino/aprendizagem. A pesquisa analisou
documentos, depoimentos gravados, registros sonoros e imagéticos gravados e produzidos em
2004; complementarmente, o pesquisador fez entrevistas em 2017 com as educadoras que, na
época, protagonizaram a experiência. A fundamentação teórica baseia-se no saber de
experiência de Larrosa e nas perspectivas de comunicação, diálogo e educação de Juan
Enrique Díaz Bordenave, David Bohm, Paulo Freire e Carlos Brandão. Os autores Capitão,
Heloani e Piolli contribuíram para a reflexão sobre as dimensões de coletivo e motivação;
Bosi, Josso, Meihy e Priore colaboraram para a análise de inferências relacionadas às
narrativas sobre as experiências educomunicacionais relatadas pelos diversos protagonistas.
Palavras-chave: Educomunicação. Educação. Comunicação. Rádio. Jornalismo.
RESUMEN
En esa reflexión se investiga la posibilidad de encauce administrativo-pedagógico de una
experiencia en educomunicación. La Escuela Municipal de Ensenanza Fundamental Abrão de
Moraes, localizada en Villa Nhocuné, región leste de la ciudad de Sao Paulo en 2004
desarolló el Proyecto Educo.Radio en el que el investigador ministró Oficinas de Lenguaje
Radiofónica. Dicha asesoría estuvo contratada por la Municipalidad para subsidiar el
Proyecto, en la formación de Professores(as). Estudiantes y Funcionários(as) en el objetivo de
“adoptar” el lenguaje radiofónico para calificar a las practicas de enseñanza y aprendizaje. La
investigación analizó documentos, testigos de grabación, registros sonoros y de imágenes
gravados y editados en 2004. De modo complementario el investigador realizó entrevistas
actuales con educadoras que, en la época, protagonizaron la experiencia educomunicativa. La
fundamentación teórica se embasa en el saber de experiencia de J. Larrosa y en las
perspectivas de comunicación, de diálogo e educación de, respectivamente, Juan E.
Bordenave, David Bohm, Paulo Freire e Carlos Brandão. Los autores Capitão, Heloani e
Piolli contribuyeron para reflexión acerca de las dimensiones colectivo y motivación. Bosi,
Josso, Meihy e Priore colaboraron para analice de las inferencias relacionables a las narrativas
de las experiencias relatadas por los diferentes actores.
Palabras clave: Educomunicación. Educación. Comunicación. Radio. Periodismo.
ABSTRACT
This research investigates the pedagogical-administrative potential of an experience in Edu-
communication. The mentioned experience took place at the public elementary school Abrao
de Moraes, located at Vila Nhocume – a neighbourhood of SaoPaulo/Brasil. Where in 2004
the Project Educom.radio was developed. In such Project, the researcher of the present paper
used to give lectures and workshops about Radio Language, whose aim was to train teachers,
professors, students and the school staff, to learn how to make use of a Radio Language to
improve their teaching practices. The research analysed documents, recorded depositions and
declarations, images and radio programs registered in 2004 during the execution of the
Proyect. In addition, the researcher interviewed those profesoors, teachers, school staff people
who lived the Project EduCom.Radio back in 2004, in order to comprehend what they feel
and think about the impact os that experience in their lives. The theoretical basis relies on the
knowledge acquired by this singular experience, and in the communication, dialogue, and
educational perspectives of Juan Bordenave, David Bohm, Paulo Freire and Carlos Brandao.
Others authors, Capital, Helene and Piolli also contributed to the thinking about the
dimensions of collective (group) work and motivation. Lastly, Bosi, Josso, Meihy and Priore
helped in analyzing the interferences related to the narratives of this Edu-communication
experiences told by various actors.
Keywords: Educomunication. Education. Comunication. Radio. Journalism.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEP Coordenadoria de Educação da Penha, vinculada à SME
CEU Centro Educacional Unificado
CF
CRECI
EDUCOM.RÁDIO
Constituição Federal
Centro de Referência de Cidadania do Idoso
Educomunicação
EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental
IDH
NOR
PIIE
PMSP
PPGE
PPP
PRODAM
PROGEPE
SMADS
SME
Índice de Desenvolvimento Humano
Nas Ondas do Rádio
Programa Interdisciplinario de Investigaciones en Educación
Prefeitura do Município de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Educação
Projeto Político-Pedagógico
Processamento de Dados do Município
Programa de Gestão e Práticas Educacionais
Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social
Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo
TCC
TICs
Trabalho de Conclusão de Curso
Tecnologias da Informação e Comunicação
UNINOVE Universidade Nove de Julho
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Programação radiofônica da Festa Junina da EMEF Abrão de Moraes sob
orientação da professora Adriana (à esquerda), no dia 19/06/2004 ......................................... 25
Imagem 2 – A EMEF Abrão de Moraes apresenta programas radiofônicos no pátio da
escola e na praça da comunidade para promover a interação de estudantes, pais e
educadoras(es) .......................................................................................................................... 25
Imagem 3 – Formulário de participação pública da Rádio Abrão de Moraes .......................... 27
Imagem 4 – Estudantes protagonizam o processo de elaboração de pautas, reportagens e
matérias jornalísticas no estúdio de Rádio da EMEF Abrão de Moraes .................................. 29
Imagem 5 – Professora Adelina na festa junina animada pela rádio Abrão de Moraes ........... 30
Imagem 6 – Estudantes demonstram a familiaridade com os microfones e perdem a
timidez para se expressar no programa de rádio temático sobre a festa junina ........................ 31
Imagem 7 – Festa junina animada pelas músicas veiculadas pela Rádio Abrão de
Moraes ...................................................................................................................................... 32
Imagem 8 – Estudantes transmitem programa comunitário radiofônico na praça pública ...... 33
Imagem 9 – Interface do software livre audacity para gravação e edição de áudio ................. 35
Imagem 10 – Professor Carlos Alberto Mendes de Lima, Coordenador do Núcleo de
Educomunicação da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, apresenta o Kit
Educom.Rádio com equipamentos interligados sem computador e sem internet .................... 36
Imagem 11 – Jornal O Estado de S. Paulo registra educandas(os) praticando locução,
sonoplastia e produção executiva no estúdio da rádio da EMEF Abrão de Moraes ................ 37
Imagem 12 – Estudante William usa o gravador de mão para iniciar a entrevista com a
prefeita Marta Suplicy que implantou o programa Educom.Rádio na cidade de São
Paulo ......................................................................................................................................... 40
Imagem 13 – Estudante e repórter Breno entrevista o professor Mário Sérgio Cortella .......... 41
Imagem 14 – Estudantes e repórteres William (esquerda) e Gustavo (centro) entrevista o
diretor de programas especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha,
professor Fernando Antonio Peres (direita).............................................................................. 42
Imagem 15 – Estudante e repórter Breno entrevista a Secretária de Educação do
Município de São Paulo, professora Maria Aparecida Perez ................................................... 42
Imagem 16 – Professor Paulo (direita), da EMEF Visconde de Cairú, em 2004,
entrevista o Subprefeito da Penha, Luiz Barbosa de Araújo (esquerda), no estúdio da
rádio comunitária da escola, enquanto o radialista Cosmo Luciano do Nascimento
(centro) opera os equipamentos ................................................................................................ 43
Imagem 17 – Estudante e repórter Breno, entre outras(os) educandas(os) das EMEFs
atendidas pela Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha, entrevista o
Professor Ismar Soares dos Santos, coordenador do processo de implementação do
curso de licenciatura em educomunicação na Universidade de São Paulo .............................. 43
Imagem 18 – Certificado de participação da professora Adriana Leila Trentin na oficina
de linguagem radiofônica ......................................................................................................... 44
Imagem 19 – Professora Adriana acompanha a instalação do estúdio móvel de rádio do
Kit Educom.Rádio .................................................................................................................... 45
Imagem 20 – Os arquivos de áudio eram gravados e reproduzidos, inicialmente, em fitas
k-7 ............................................................................................................................................. 47
Imagem 21 – Kit Educom com os equipamentos, da esquerda para a direita e de cima
para baixo: caixa acústica, mesa de som, reprodutor e gravador de cd, duplo deck com
reprodutor e gravador de fitas k-7 e um microfone sem fio ..................................................... 47
Imagem 22 – Parâmetro de cabeamento, equalização e configuração de mesa de áudio......... 48
Imagem 23 – Transmissor de frequência modulada de baixa potência operando em canal
autorizado de acordo com a legislação brasileira ..................................................................... 48
Imagem 24 – Antena de transmissora de ondas radiofônicas de frequência modulada ........... 49
Imagem 25 – Lista de presença de participantes do projeto “Nas Ondas do Rádio” ............... 50
Imagem 26 – Folder do Educom.Rádio com o resultado das oficinas de linguagem
radiofônica coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, cujo nome
artístico era Luciano Júnior ...................................................................................................... 52
Imagem 27 – Atestado de intervenção de Cosmo Luciano do Nascimento com a
realização das oficinas de linguagem radiofônica em todas as EMEFs da Coordenadoria
de Educação da Subprefeitura Penha, obtendo resultados satisfatórios e alcance dos
objetivos propostos pelo programa Educom.Rádio da SME .................................................... 53
Imagem 28 – Relatório de gestão documentando os resultados da intervenção das
oficinas de linguagem radiofônica, coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do
Nascimento, em todas as EMEFs atendidas pela Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha ............................................................... 55
Imagem 29 – Relatório do Projeto Vida – Educom.Rádio da Coordenadoria de
Educação da Subprefeitura Penha ............................................................................................ 56
Imagem 30 – Primeira parte do cronograma de aulas e de programa inaugural em 15
rádios implantadas em todas as EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da
Penha, no ano de 2004, durante a intervenção das oficinas de linguagem radiofônica,
coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, no 1º semestre letivo (parte
1 de 2) ....................................................................................................................................... 57
Imagem 31 – Segunda parte do cronograma de aulas e de programa inaugural em 15
rádios implantadas em todas as EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da
Penha, no ano de 2004, durante a intervenção das oficinas de linguagem radiofônica,
coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, no 1º semestre letivo (parte
2 de 2) ....................................................................................................................................... 58
Imagem 32 – Cronograma de oficinas de linguagem radiofônica, coordenadas pelo
radialista Cosmo Luciano do Nascimento, nas EMEFs atendidas pela Coordenadoria de
Educação da Penha, durante a intervenção ocorrida no 2º semestre letivo de 2004 ................ 59
Imagem 33 – Finalização do relatório das atividades de educomunicação desenvolvidas
pela Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura
Penha, em 2004 ........................................................................................................................ 60
Imagem 34 – Folder com fotografia do Educom.Rádio (no canto inferior direito) no rol
de programas especiais desenvolvidos nas EMEFs atendidas pela Coordenadoria de
Educação da Subprefeitura Penha, em 2004 ............................................................................ 61
Imagem 35 – Linha do tempo do Educom.Rádio ..................................................................... 62
Imagem 36 – Estudante William entrevista o professor de fanfarra na praça pública ............. 63
Imagem 37 – Estudantes do ensino fundamental I e II apresentam programa radiofônico
juntos ........................................................................................................................................ 73
Imagem 38 – Radialista Cosmo Luciano do Nascimento ministra oficina de linguagem
radiofônica para estudantes do ensino fundamental I da EMEF Abrão de Moraes ................. 74
Imagem 39 – Logotipo da rádio da EMEF Abrão de Moraes publicado na sua web rádio
(2004) ....................................................................................................................................... 75
Imagem 40 – Layout da Rádio Educativa da EMEF Abrão de Moraes, publicado na
internet, para transmitir o programa inaugural da emissora, simultaneamente nas ondas
do rádio em frequência modulada e também na rede mundial de computadores, no dia
29/04/2004, às 8h35, durante solenidade oficial com a participação de educandas(os),
educadoras(es), pais, comunidade e representantes do poder público ..................................... 77
Imagem 41 – EMEF Abrão de Moraes transmite sua programação radiofônica “ao vivo”
e/ou gravada pela internet, em 2004, durante 24 horas por dia .................................................. 78
Imagem 42 – E-mail da web rádio da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 ............................... 79
Imagem 43 – Endereço eletrônico da rádio da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 ........................ 80
Imagem 44 – Página principal do portal da EMEF Abrão de Moraes com transmissão de
sua programação radiofônica “ao vivo” e/ou gravada na internet, em 2004 ............................ 81
Imagem 45 – Página eletrônica das notícias do portal transmitidas pela Rádio da EMEF
Abrão de Moraes, em 2004, na rede mundial de computadores............................................... 82
Imagem 46 – Página eletrônica do registro de reuniões de pais, entre outros eventos,
com a participação da comunidade, transmitidos pela Rádio da EMEF Abrão de
Moraes, em 2004, na rede mundial de computadores, em formato multimídia (texto,
áudio e imagens estáticas e dinâmicas) .................................................................................... 83
Imagem 47 – Página eletrônica para a participação da comunidade escolar na
programação on-line da Rádio Educativa da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 ...................... 84
Imagem 48 – Página eletrônica da web tv da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 ................... 85
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17
CAPÍTULO 1 - O QUE É EDUCOMUNICAÇÃO? ........................................................... 19
1.1 A educomunicação na comunidade escolar .................................................................... 23
1.2 O caráter participativo ..................................................................................................... 28
1.3 A Diretoria de Programas Especiais ............................................................................... 33
1.4 As oficinas de linguagem radiofônica ............................................................................. 44
1.5 Equipamentos do Kit Educom.Rádio ............................................................................. 46
CAPÍTULO 2 – A INSERÇÃO DA EDUCOMUNICAÇÃO NA ESCOLA
MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL ABRÃO DE MORAES ........................... 50
CAPÍTULO 3 – RÁDIO ABRÃO: MEMÓRIAS, EXPERIÊNCIAS E
APRENDIZAGENS ............................................................................................................... 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 87
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 90
ANEXO – Projeto Rádio Escola on-line ............................................................................... 92
14
APRESENTAÇÃO
A presente pesquisa apresenta narrativas de práticas de linguagem radiofônica
experienciadas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Abrão de Moraes. Essa escola
inaugurou sua rádio educativa no ano de promulgação da Lei n.º 13.941, de 28 de dezembro
de 2004, denominada “Lei do Educom.Rádio-Educomunicação pelas Ondas do Rádio”,
também conhecida como “Lei do Educom”.
A Rádio Abrão de Moraes produziu reportagens e programas educativos para
transmiti-los nas ondas do rádio e, até simultaneamente, via internet, durante 24 horas por dia,
ora “ao vivo” em tempo real, ora gravado em podcast. Tal fenômeno ocorreu num período
tecnologicamente desprovido de recursos contemporâneos, tais como: redes wi-fi,
smartphones com aplicativos e a gama de redes sociais eletrônicas como o facebook, por
exemplo.
Fitas k-7 foram utilizadas para gravar conteúdos radiofônicos da EMEF Abrão de
Moraes. Vivíamos um período em que a telefonia móvel era analógica e de alto custo; e o
acesso à internet era um privilégio encontrado em poucas residências que tinham computador,
modem e telefone fixo para efetuar conexão, inclusive, discada. Mesmo assim, o serviço tinha
qualidade ruim porque era baixa a velocidade de navegação pela internet e o sinal de conexão
costumava cair.
Educandas(os) e educadoras(es), generosamente, compartilharam para a pesquisa suas
experiências educomunicacionais. Depoimentos, trechos de programas radiofônicos, registros
sonoros e imagéticos apresentados sob o enfoque desta investigação, narram a história da
rádio educativa na Escola Municipal. Documentos, transcrições de produções radiofônicas e
depoimentos de educandas(os) e educadoras(es) fazem parte do conjunto de materiais
compilados; registros da época e, também, entrevistas e depoimentos recentes viabilizados na
perspectiva da história oral apresentam-se para a análise.
No exercício de suas funções exercidas em 2004, conforme descrito abaixo em ordem
alfabética, os(as) depoentes entrevistados(as) contribuem:
a) Adelina Yamamura: coordenadora do Programa de Projetos Especiais da
Coordenadoria de Educação da Penha;
b) Adriana Leila Trentim: professora orientadora de Informática Educativa da Escola
Municipal de Ensino Fundamental Abrão de Moraes;
c) Gustavo: estudante da 8ª D e repórter;
15
d) Gisele Palla: estudante da 7ª A, locutora e repórter;
e) William: estudante da 8ª A e repórter.
Complementarmente, e conforme discriminado ao longo do texto, as entrevistas com
as educadoras foram realizadas em 2016, consoante com o espírito e pretensões desta
investigação.
Memorial profissional-acadêmico
Desde 1988, iniciei minha carreira na área de comunicação: televisão, internet,
revistas, jornais, estações radiodifusoras (de natureza comercial, pública, educativa,
universitária, comunitária, por assinatura, entre outras), mídias impressas e eletrônicas,
assessorias de comunicação e de imprensa, novas mídias digitais via internet, transmissões
via-satélite etc. Apresentei programas em diversas emissoras de radiodifusão do Brasil, dentre
elas, FM 90 (Salto-SP), Rádio Vanguarda AM/FM (Sorocaba-SP), Antena 1 FM (Campinas-
SP), Ipanema FM (Sorocaba-SP), Vanguarda AM/FM (Sorocaba-SP), Transcontinental FM
(Mogi da Cruzes-SP), Cumbica AM (Guarulhos-SP) e na capital paulista nas rádios Jovem
Pan AM/FM, Record AM/FM, Gazeta AM/FM, Metropolitana FM, Rede American Sat
AM/FM, Rede CBS AM/FM, Brasil 2000 FM, Web Rádio Fênix (Brasil-Japão), MPT (a 1ª
rádio por assinatura em parceria com a Telesp), entre outras.
Em 1991, participei de um curso de rádio e fui convidado a lecionar linguagem
radiofônica. A partir daí, comecei a exercer duas atividades, são elas: comunicador e
educador. Por causa desta experiência, vivenciei transformações pessoais e profissionais ao
aprender com os aprendizes a aprender e a ensinar por meio da ação-reflexão-ação.
A experiência adquirida como professor expandiu minha leitura de mundo tanto no
campo da educação quanto da comunicação. Este divisor de águas propiciou-me saltos
qualitativos para desenvolver produções de comunicação sob as óticas culturais, educativas e
sociais. Algumas delas, inclusive, contempladas com prêmios nos âmbitos federal, estadual e
municipal, tais como:
2012 – Concurso Municipal do Departamento de Bibliotecas Públicas de São Paulo.
“Oficina Cultural de Redes Sociais – O Incentivo à Leitura 2.0” (publicado no então chamado
Diário Oficial do Município de São Paulo – hoje, denominado Diário Oficial da Cidade de
São Paulo –, no dia 22 de maio de 2012, nas páginas 52 a 54).
16
2011 – Prêmio Nacional “Acesso – Experiência Cultural 2011”, concedido pelo Grupo
Votorantim, por ter implantado, por meio de Oficina de Rádio, a RÁDIO CRECI1, a 1ª
web rádio do mundo feita por idosos, em equipamento público municipal, com programação
intergeracional, de acordo com o Estatuto do Idoso (em especial o Artigo 24) e com os
Direitos Humanos. Esta web rádio foi desenvolvida no Centro de Referência de Cidadania do
Idoso (CRECI), situado nos baixos do Viaduto do Chá, ao lado da Prefeitura Municipal de
São Paulo.
Minha trajetória acadêmica inicia-se com a pesquisa científica intitulada “A
construção da imagem midiática da(o) idosa(o)”, desenvolvida durante o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) – sob orientação da Professora Doutora Caroline Sotillo – em
2011, na Universidade Nove de Julho (Uninove) para a graduação do Curso Superior de
Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Realizei a pesquisa no
Centro de Referência da Cidadania do Idoso (CRECI) – instituição vinculada à Secretaria de
Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da Prefeitura do Município de São Paulo
(PMSP). Durante essa pesquisa, desenvolvi uma intervenção em arte-educação com oficinas
de linguagem radiofônica para idosas(os) e essa iniciativa conquistou, nacionalmente, o
primeiro lugar do “I Prêmio Acesso de Experiência Cultural 2011”, do Instituto Votorantim.
A presente pesquisa, sob orientação do Professor Doutor Adriano Salmar Nogueira e
Taveira, realizada durante o Mestrado Profissional em Gestão e Práticas Educacionais
(PROGEPE), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (PPGE), da Universidade Nove
de Julho (Uninove), relaciona e analisa as narrativas de experiências em processos de
educação e de comunicação. Realizados em 2004, na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Abrão de Moraes, tais processos correspondiam ao programa de política pública
de educomunicação do município de São Paulo. A instalação de estações de radiodifusão, as
oficinas para formação tendo em vista o pleno funcionamento do que foi instalado nas escolas
e a repercussão destas iniciativas motivou a presente investigação. Tais experiências
expressavam-se, também, como práticas de ensino favorecendo aprendizagens, em
procedimentos de gestão de processos educomunicativos.
1 Cf. <http://www.radiocreci.blogspot.com>.
17
INTRODUÇÃO
A Lei n.º 13.941, de 28 de dezembro de 2004, institui o Programa EDUCOM –
Educomunicação pelas ondas do rádio, no município de São Paulo. A dinâmica da
educomunicação requer diálogo com os saberes da educação e da comunicação. De acordo
com Truffi e Franco (1990, p. 25),
Diante da urgência de solucionar o distanciamento existente entre a escola e
os Meios de Comunicação, impõe-se como tarefa imediata a preparação de
um novo profissional: o educador que ajude a desenvolver na escola a
preocupação com a comunicação em geral e com os Meios de Comunicação
em particular.
Qual é o perfil desejável desse profissional? Deve ser um conhecedor da
Comunicação, dos Meios de Comunicação e ter experiência pedagógica.
Pode ser um educador com alguma formação na área da Comunicação, ou
um comunicador (professor ou profissional) com experiência em Educação,
ou, ainda, um outro profissional com as qualidades apontadas.
Freire alertou que tudo isso não se dá via transferência de conhecimento, mas, sim,
pela construção do saber. Isto é fazer cultura. E fazer cultura é próprio do ser do Ser Humano.
A reflexão de Freire (1969, p. 108) é, portanto, vanguardista daquilo que, hoje, denominamos
educomunicação, visto que ele já apontava que “[...] precisávamos de uma Pedagogia da
Comunicação, com que vencêssemos o desamor acrítico do antidiálogo”.
A comunicação mal trabalhada obstaculiza na educação a plena construção de saber e
cultura; se o estudante não se sente convidado a participar para comunicar-se, ele não vive a
educação como experiência própria. Neste cenário, o educando não se encanta e, portanto, não
apreende.
Além disso, nas escolas e universidades, os alunos tendem a achar que seus
professores estão com uma carga de informação que suspeitam ser
irrelevante para a vida atual. [...] Dada a insatisfação com o estado de coisas,
acima descrito, tem havido um crescente sentimento de preocupação, cujo
objetivo é resolver o que agora comumente se chama de “problema de
comunicação”. (BOHM, 2005, p. 27-28).
Para compreendermos os processos e práticas educomunicacionais, abordaremos, no
primeiro capítulo, as reflexões sobre os conceitos de educação, comunicação e
educomunicação, considerando, inclusive, a perspectiva dialógica interlegislativa do
arcabouço jurídico que diz respeito aos aspectos de comunicação e liberdade de expressão.
18
Também trataremos da relação de equipamentos entregues nas EMEFs, pela SME, em 2004,
para colocar uma rádio no ar.
No segundo capítulo, trataremos da intervenção das oficinas de linguagem
radiofônicas, coordenadas, em 2004, pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, em todas
as EMEFs atendidas pela Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da
Subprefeitura da Penha.
No terceiro capítulo apresentaremos as narrativas de experiências da comunidade
escolar, durante a transmissão de programas radiofônicos “ao vivo” e gravados, durante 24
horas por dia, pela internet.
19
CAPÍTULO 1 – O QUE É EDUCOMUNICAÇÃO?
“Educação é comunicação”
(FREIRE, 2005, p. 69).
Paulo Freire afirma a relação intrínseca entre educação e comunicação. Ainda há, na
contemporaneidade, dificuldades em compreender o que é educomunicação e sua implicação
ao trabalho educativo. A educomunicação possui cadeira acadêmica de licenciatura na
Universidade de São Paulo e alicerça-se nos conhecimentos da comunicação e da educação.
Educomunicação resulta da junção de educação e comunicação. A primeira em sua
raiz etimológica deriva de ex-ducere. Carlos Rodrigues Brandão compreende à sociabilidade
ampla por meio de como o fenômeno educativo acontece. Para ele,
[...] a educação é uma prática social (como a saúde pública, a comunicação
social, o serviço militar) cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa
humana pode ser aprendido entre os tipos de saber existentes em uma
cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades
e exigências de sua sociedade, em um momento da história de seu próprio
desenvolvimento. Não procurei inventar uma nova definição, porque delas
acho que já há demais. Procurei reunir as idéias correntes entre os que
concebem a Educação como Durkheim. (BRANDÃO, 2001, p. 73-74).
O educador e comunicador paraguaio Juan Díaz Bordenave (2006, p. 24) chama a
atenção para o fato de que “[...] a atribuição de significados a determinados signos é
precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular”. Este pensador
latino-americano dialoga com Paulo Freire ao refletir sobre
O que é, então, a comunicação? Há duas maneiras de definir o que é uma
coisa: enumerar os elementos de que está composta ou indicar para que
serve. Pode-se definir o automóvel, por exemplo, dizendo que é um conjunto
formado por motor, carroçaria e rodas. Mas seria melhor defini-lo como um
veículo autopropulsado que serve para transportar pessoas e coisas de um
lugar a outro. E para que serve a comunicação? Serve para que as pessoas se
relacionem entre si, transformando-as mutuamente e a realidade que as
rodeia. Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado em si
mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham experiências, idéias e
sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-
se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas.
(BORDENAVE, 2006, p. 36).
Sobre comunicação, ainda, é relevante refletirmos sobre o seu significado etimológico:
communicare, ou seja, tornar comum. Tal discussão é antiga...
20
Pode ser útil começar a discutir essa questão pensando no significado da
palavra “comunicação”. Ela vem do latim commun, com o sufixo ie, que é
semelhante a fie, que significa “fazer” ou “pôr em prática”. Assim, um dos
significados de “comunicar” é “fazer alguma coisa juntos” (BOHM, 2005, p.
28-29).
Concordamos com Paulo Freire (2005, p. 69), que afirma que “educação é
comunicação”, considerando comunicação como toda ação dialógica que favoreça os atos de
ensinar aprendendo e aprender ensinando. Não se trata de transferência de dados, que
caracterizaria a educação bancária; esta é opressora, antidialógica e não emancipadora.
Para compreendermos que a educação é comunicação é necessário que
Consideremos, por exemplo, um diálogo. Nele, quando alguém diz alguma
coisa, o interlocutor, em geral, não responde com o mesmo significado que a
primeira pessoa deu às suas palavras. Os significados são similares, mas não
idênticos. Desse modo, quando a segunda pessoa responder, a primeira
percebe uma diferença, entre o que ela quis dizer e o que a outra entendeu.
Ao considerar essa diferença, ela pode perceber algo novo, alguma coisa
importante tanto para seus pontos de vista quanto para os do interlocutor. E
assim o processo vai e vem, com a emergência contínua de novos conteúdos
que são comuns a ambos os participantes. Desse modo, num diálogo cada
pessoa não tenta tornar comum certas ideias ou fragmentos de informação
por ela já sabidos. Em vez disso, pode-se dizer que os interlocutores estão
fazendo algo em comum, isto é, criando juntos alguma coisa nova. (BOHM,
2005, p. 29).
O diálogo presente na educação que é comunicação, por sua vez, é o ambiente
comunitário que permite o fazer cultural na construção e reconstrução do conhecimento. Os
interlocutores participantes realizam a prática da comunicação emancipadora. Para Bohm
(2005, p. 29-30),
Entretanto, é claro que uma comunicação como essa só pode levar à
produção de algo novo se as pessoas forem capazes de ouvir livremente
umas às outras. Ouvir de verdade e coerência, de modo a que possam deixar
de lado suas ideias e intenções antigas, e tornarem-se prontas para entrar em
algo diferente quando necessário. Se, contudo, duas pessoas querem trocar
ideias ou pontos de vista como se fossem simples fragmentos de informação,
seu encontro fracassará quase que inevitavelmente. Pois cada uma delas
ouvirá a outra por meio do filtro de seus pensamentos, os quais tentará
conservar e defender, não importa se verdadeiros ou coerentes. É óbvio que
o resultado será apenas o tipo de confusão que leva ao “problema da
comunicação”, que é insolúvel e já foi apontado e discutido.
Freire (2005, p. 24) conceituou que “[...] educação é comunicação, é diálogo, na
medida em que não há transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que
buscam a significação dos significados”. Verificamos, então, que estamos diante de uma
21
relação dialógica. E diante dessa imbricação entre educação e comunicação, o papel formador
da Universidade na educação para a comunicação é importante porque
A Universidade que possui Cursos de Comunicação e Educação tem
obrigação de oferecer alternativas concretas para que a escola possa
desempenhar com competência as atividades relacionadas com a Educação
para a Comunicação. Já existem algumas teses, pesquisas sobre a questão e
algumas pessoas que fazem a ponte entre a Universidade e a Escola na área
da Comunicação [...]. Destacamos a importância de eventos como o III
Vídeo na Escola e o I Simpósio Brasileiro de Comunicação e Educação,
ocorridos no mês de agosto de 1988 na Universidade de São Paulo.
(TRUFFI; FRANCO, 1990, p. 27).
Ainda nesse raciocínio, consideramos que
Outra área importante de preparação de profissionais é a da formação de
futuros professores para a questão dos Meios. As Faculdades de Educação
precisam estar atentas para o enriquecimento do conteúdo da disciplina de
Recursos Audiovisuais com as questões referentes aos Meios de
Comunicação na Educação. A Faculdade de Educação da USP está
oferecendo no novo currículo, dois cursos para pedagogos e professores de
Magistério sobre os Meios de Comunicação na Educação, com apoio de
professores da Escola de Comunicações e Artes. (TRUFFI; FRANCO, 1990,
p. 28)
Constatamos que a linguagem do rádio, como processo educomunicativo nos
processos de ensino, cria alternativas para estimular a melhoria da qualidade de educação. O
Município de São Paulo, na época em que esta experiência configurou-se, promulgou a Lei n.º
13.941, a “Lei do Educom-Educomunicação pelas ondas do rádio”. Analisamos que houve
uma nítida compreensão pedagógico-cultural em sua formulação, conforme encontramos no
inciso VI do artigo 2º da referida lei, procurando “[...] incorporar, na prática pedagógica, a
relação da comunicação com os eixos temáticos previstos nos parâmetros curriculares” (SÃO
PAULO, 2004).
Verificamos a importância da educação sobre os meios de comunicação de massa para
refletirmos sobre as formas de manipulação e dominação do processo de massificação. O
estudo deste fenômeno ultrapassa o âmbito escolar. Ele requer reflexão da comunicação da
vida em sociedade, atentando-se para a análise dos discursos, não somente da publicidade e
propaganda, mas, também, das estratégias narrativas adotadas em noticiários, porque o
[...] jornalismo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é uma
fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos:
22
leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha sutil e que usa uma arma
de aparência extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da
televisão, de imagens. Mas uma batalha nem por isso menos importante do
ponto de vista político e social, o que justifica e explica as imensas verbas
canalizadas por governos, partidos, empresários e entidades diversas para o
que se convencionou chamar veículos de comunicação de massa. (ROSSI,
1980, p. 7).
Investigamos que as oficinas de linguagem radiofônica com profissionais de
comunicação podem e devem contribuir para processos de democratização dos meios e da
comunicação nas instituições de ensino. E mais: é possível incluir a programação da rádio
educativa e cultural num projeto político-pedagógico de escola para evitarmos reproduzir
padrões de comunicação peculiares à sociedade do espetáculo.
Analisamos que é preciso saber comunicar e educar para educomunicar.
Educomunicação, portanto, compreende-se ao perpassar pelas contribuições de conceitos
expressos tanto na área da comunicação quanto na da educação para que possamos avançar na
educomunicação. À época da experiência aqui estudada, o Município instituiu o Programa
“Educom-Educomunicação pelas ondas do rádio”, delimitando que
[...] entende-se por educomunicação o conjunto dos procedimentos voltados
ao planejamento e implementação de processos e recursos da comunicação e
da informação, nos espaços destinados à educação e à cultura, sob a
responsabilidade do Poder Público Municipal, inclusive no âmbito das
Subprefeituras e demais Secretarias e órgãos envolvidos (SÃO PAULO,
2004).
Nos atos de produzir programas educativos na rádio da escola pública Abrão de
Moraes, encontramos consonância e respaldo na Constituição Federal, no tocante à natureza
de programações culturais e educativas. A prática de uma rádio educativa que faz reuniões de
pautas de programação, dialoga com os princípios democráticos constitucionais que
estabelece, nos incisos I a IV descritos no primeiro parágrafo do capítulo V, que
A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão
aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
(BRASIL, 1988).
23
1.1 A educomunicação na comunidade escolar
O Programa “Educom-Educomunicação nas Ondas do Rádio” entregou, em 2004, um
transmissor de frequência modulada de baixa potência para cada EMEF veicular suas
produções educativas e culturais.
Colocando em funcionamento a rádio numa comunidade escolar, encontramos certa
verossimilhança com as rádios comunitárias, pois a Lei n.º 9.612, de 19 de fevereiro de 1998,
que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária diz:
Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora,
em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita,
outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com
sede na localidade de prestação do serviço.
§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão prestado a
comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura
do sistema irradiante não superior a trinta metros.
§ 2º Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de
determinada comunidade de um bairro e/ou vila. (BRASIL, 1998).
Salvo especificidades das rádios comunitárias que apresentam definições focais de
tipo, por exemplo, associações de amigos de bairro ou outra organização social, o fato de a
transmissão priorizar uma comunidade local é um aspecto que favorece o diálogo entre a
rádio comunitária e a rádio escolar. Eventuais parcerias entre os dois tipos de emissoras
fazem-se necessárias em tempos de globalização; a interação comunitária, no bairro ou na
escola, favorece a leitura de mundo que indivíduos podem realizar junto à comunidade. Ao
exercermos o direito de liberdade de expressão também na comunidade escolar
compartilhávamos com expressões da sociedade brasileira ao
I - dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e
hábitos sociais da comunidade;
II - oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade,
estimulando o lazer, a cultura e o convívio social;
III - prestar serviços de utilidade pública, integrando-se aos serviços de
defesa civil, sempre que necessário;
IV - contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos
jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional
vigente;
V - permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão
da forma mais acessível possível. (BRASIL, 1998).
24
Um dos programas de radiodifusão comunitária realizado sob este enfoque, transcrito
e aqui apresentado, permite-nos vislumbrar “o espírito da lei”, tal como o compreendiam
aqueles protagonistas da EMEF Abrão de Moraes:
Sonoplasta educando Vinícius – Fundo musical temático de festa junina,
com volume baixo, para servir de trilha para a locução.
Locutora educanda Gisele – E com ele, a nossa tradicional festa junina!
Hum... pipoca, milho quente, bolo de fubá! Contamos com a colaboração de
todos para a arrecadação de prendas. E que tal organizar uma quadrilha? Fale
com o seu professor!2
Observamos que articulações comunitárias, como a festa junina, participaram
ativamente da programação da rádio da Escola Municipal de Ensino Fundamental Abrão de
Moraes. A constatação de pontos de intersecção entre legislações caucionando as produções
radiofônicas desenvolvidas na comunidade escolar foi fator de motivação na busca por
experiências pedagógicas significativas.
Reparamos que, durante a prática da linguagem radiofônica, a criação partilhada de
programas com estudantes favoreceu a autonomia para a construção da aprendizagem de
forma lúdica e colaborativa. Nessa proposta, a(o) educanda(o) “[...] não pode permanecer
em postura de escutar, copiar e devolver de modo reproduzido na prova” (DEMO, 2014, p.
14).
Verificamos que a linguagem radiofônica motivou a articulação e mobilização de
educandas(os) e educadoras(es), dinamizando os processos de aprendizagem entre discentes,
docentes, pais e comunidades no entorno da escola.
2 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
25
Imagem 1 – Programação radiofônica da Festa Junina da EMEF Abrão de Moraes sob orientação da
professora Adriana (à esquerda), no dia 19/06/2004 Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Imagem 2 – A EMEF Abrão de Moraes apresenta programas radiofônicos no pátio da escola e na
praça da comunidade para promover a interação de estudantes, pais e educadoras(es) Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
26
A Rádio Abrão de Moraes instalou seu estúdio móvel para apresentar e transmitir
atividades artísticas e culturais da comunidade escolar como, por exemplo, o I Encontro de
Educomunicação e, também, a festa junina na escola. Os eventos foram abertos para pais,
estudantes, professores e comunidade em torno da escola. Essa prática buscou democratizar a
participação, congregando a (con)vivência entre os diversos segmentos participantes. Tal
procedimento de cooperação propôs a construção de conhecimentos por meio de programas
radiofônicos construídos técnica e coletivamente.
Observamos que a abertura para o diálogo favoreceu a comunicação e, desta forma,
educou. O processo de democratização dos meios de comunicação na comunidade escolar
estava embasado na Lei n.º 9.612, que estabelecia:
As programações opinativa e informativa observarão os princípios da
pluralidade de opinião e de versão simultâneas em matérias polêmicas,
divulgando, sempre, as diferentes interpretações relativas aos fatos
noticiados.
Qualquer cidadão da comunidade beneficiada terá direito a emitir opiniões
sobre quaisquer assuntos abordados na programação da emissora, bem como
manifestar idéias, propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações,
devendo observar apenas o momento adequado da programação para fazê-lo,
mediante pedido encaminhado à Direção responsável pela Rádio
Comunitária. (BRASIL, 1998).
A programação radiofônica construiu informes em torno dos assuntos pertinentes ao
cotidiano da escola. Salientamos esse aspecto:
Locutora educanda Gisele – Atenção professores e funcionários! Segunda-
feira, haverá eleição para representantes do SIMPEM. Nossa escola será
local de votação. E a mesma ocorrerá das 9h às 17h. A professora Filomena
é uma das candidatas a conselheira. Colabore com a limpeza de nossa escola.
Que cara tem a sua escola? A Rádio Abrão informa.3
Investigamos que os informes da comunidade escolar pautaram-se em temas coletivos
do cotidiano da instituição de ensino, tais como: reuniões, festas, formaturas, entre outros
eventos próprios ao calendário cultural da localidade. Notícias de interesse público foram
construídas sob a forma de leitura de mundo, por meio de reportagens realizadas por
estudantes e educadoras(es), em espaços escolares e espaços extraescolares.
Analisamos que a experiência de expressar-se por meio da linguagem radiofônica
enriqueceu vivências, humanizou relações, alterou hábitos arraigados e elevou a autoestima
3 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
27
em uma “cultura escolar”. Enfim, abriu como leitura de mundo a oralidade do dialogar, do
conviver, do construir conhecimentos “educomunicando” narrativas das experiências
colaborativas.
Ouvir as pessoas, em clima de diálogo, foi uma das características da rádio Abrão de
Moraes. Reconhecer vez e voz em todos tornou-se uma práxis visível na escola. O canal
intitulado “Fale Conosco” instituiu esse avanço e favoreceu a interação entre a educação e a
comunicação na EMEF Abrão de Moraes. A participação da comunidade reverberou no
processo dialógico para acolher, defender e valorizar a cultura. O pensamento e a expressão –
próprios e da alteridade – foram exercitados como cotidiano de uma rádio educativa.
Verificamos que o exercício da educomunicação se deu, diariamente, tanto pela
produção de conteúdos quanto pela interação com públicos vários: ouvintes e internautas.
Expandiram-se os significados e perspectivas de “ler o mundo” por meio da comunicação.
O educador e comunicador paraguaio Juan Díaz Bordenave (2006, p. 24) chama a
atenção para o fato de que “[...] a atribuição de significados a determinados signos é
precisamente a base da comunicação em geral e da linguagem em particular”. A comunicação
através da ferramenta intitulada “Fale Conosco”, da Rádio Abrão de Moraes, abriu caminho
para relações dialógicas entre educandas(os), educadoras(es), pais e comunidade escolar.
Imagem 3 – Formulário de participação pública da Rádio Abrão de Moraes Fonte: página eletrônica da web rádio da EMEF Abrão de Moraes (2004).
28
1.2 O caráter participativo
O grêmio escolar é uma instância que representa o segmento estudantes. A Associação
de Pais e Mestres é outro espaço que congrega segmentos vários. Buscamos vivenciar a
percepção e uso de espaços participativos sob o enfoque da comunicação.
Analisamos que o ponto de intersecção entre as leis do Educom, a prática da rádio
comunitária e a experiência escolarizante apresentou-se no aspecto estrutural da gestão, pois a
rádio desenvolvida na escola precisava de liberdade para criar sua programação sem subjugar-
se a pressões proselitistas, econômicas, entre outras; buscamos respaldo em expressões já
existentes...
De acordo com o artigo 11 da Lei n.º 9.612,
A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de
Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a
subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao
comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante
compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-
partidárias ou comerciais. (BRASIL, 1998).
Investigamos que a Rádio Abrão de Moraes desenvolvia programação de caráter
educativo, cultural e comunitário, portanto não visava o lucro publicitário e nem o propósito
de uma rádio comercial. Tratava-se de uma rádio conforme interesse público, com autonomia
suficiente para não sucumbir às pressões de mercado, de Igrejas, de partido político ou outra
pressão que visasse a massificação para domínio, controle e formação de opiniões sob a ótica
do “fazer-cabeças”. Nesse sentido, por exemplo, não havia veiculação publicitária de produtos
e serviços das indústrias do fumo (sempre presentes!) nem de bebidas alcoólicas, nem
comerciantes do bairro etc.
Notamos que a linguagem radiofônica fecundou a prática da educação ao vivenciar
que
Há um coletivo que pressupõe o estabelecimento de relações intersubjetivas
edificantes de reconhecimento que situa o trabalhador como sujeito para si.
A abordagem do sujeito, em nossa concepção, não quer ficar restrita aos
conflitos individuais entre a dimensão desejante do sujeito e os ditames
impostos pela organização, mas situar este no coletivo, na sua dimensão
histórica de potencial transformador da organização do trabalho patológica.
(HELOANI; PIOLLI, 2014, p. 126).
29
Observamos o protagonismo de estudantes na Rádio Abrão de Moraes, caracterizado
pela prática de produção e apresentação de programas radiofônicos. A expressão manifestada
pela oralidade de locutores e repórteres ou pela sonoplastia de operadores de áudio/rádio ou,
ainda, manifesta no aprendizado de técnicas informáticas corroborou para o processo de
desenvolvimento de sujeitos. O “mote” pedagógico foi a convivência, a experiência da
atuação colaborativa em processos de aprendizagem. Contingenciando a formação que por
estes processos vivemos, “navegamos” num certo civismo, isto é, relembramos direitos de
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários,
ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. (BRASIL, 1990).
Imagem 4 – Estudantes protagonizam o processo de elaboração de pautas, reportagens e matérias
jornalísticas no estúdio de Rádio da EMEF Abrão de Moraes Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
30
Descobrimos que educomunicar é questionar valores de opressão ao adotar práticas e
propostas duma “educação como prática de liberdade”. Portanto, a prática educomunicacional
na produção de programas radiofônicos na escola apresentou elementos para uma
metodologia de ensino baseada em relacionamentos horizontais.
Verificamos que, como linguagem radiofônica, foram utilizadas técnicas de locução
para auxiliar na oratória; através, também, da interpessoalidade dialógica nas entrevistas.
Crianças e adolescentes tímidas, retraídas ou mesmo autoritárias desenvolveram a
comunicação, a autoestima e, no contexto escolarizante, isto facilitou aprendizagens.
Imagem 5 – Professora Adelina na festa junina animada pela rádio Abrão de Moraes Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
31
Imagem 6 – Estudantes demonstram a familiaridade com os microfones e perdem a timidez para se
expressar no programa de rádio temático sobre a festa junina. Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Observamos, também, que a busca de melhoria na aprendizagem através de criação em
linguagem radiofônica despertou motivações. Todas(os) educando-se, professoras(es) e
alunas(os) vivenciaram uma relação de mais proximidade e pertencimento com a escola. Tal
educação favoreceu dimensões afetivas que reconfiguraram a qualidade dos vínculos
comunitários dentro e fora da instituição.
32
Imagem 7 – Festa junina animada pelas músicas veiculadas pela Rádio Abrão de Moraes Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Verificamos que o perceber e questionar preconceitos aflorava. Buscamos formas de
combate ao racismo, combate à intolerância face à diversidade cultural e de pensamento, e
combate a toda expressão de opressão. Por exemplo, a experiência da educomunicação, por
meio da criação de programas radiofônicos feitos por educandos e educadores para cobrir e
animar a festa junina da comunidade escolar. Tal prática abriu espaço para o festejo, a
amorosidade em situações escolarizantes. Em outras palavras, pudemos compreender na
práxis educomunicativa que, ao realizar pautas de programação radiofônica, além de
desenvolver-se conforme objetivos escolarizantes, também construímos práticas de
aprendizagens afetivamente comunitárias. E este lugar é o “espaço dialógico” (e não do
antidiálogo) em que a boniteza da amorosidade favorece saltos qualitativos no campo do
saber.
33
Imagem 8 – Estudantes transmitem programa comunitário radiofônico na praça pública Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
1.3 A Diretoria de Programas Especiais
Para atender quesitos administrativo-pedagógicos, a Diretoria de Programas Especiais
da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha contratou oficinas de linguagem
radiofônica. O radialista Cosmo Luciano do Nascimento, conforme depoimento da professora
Adelina Yuriko Iamaura, então coordenadora da Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Penha, atenderia 15 EMEFs:
Professora Adelina - Faltava essa formação! [...] eu contratei você pra dar a
oficina! Porque daí ia ficar uma coisa bem próxima pra cada escola! Cada
escola ia ter a oficina na própria [...] então essa foi a estratégia que eu criei
pra que a escola pusesse a rádio no ar! [...] não tinha como me negar que
num dava pra pôr no ar! [...] tá tendo uma oficina com um técnico! [...] O
oficineiro tá indo na escola! O professor não precisa deslocar, o aluno não
precisa deslocar! Você que [se] deslocava de escola em escola! [...] porque
se não fosse a sua oficina, eu não conseguia viabilizar... a operação da rádio
[...] a maioria tinha medo de mexer no equipamento... de quebrar... de mexer
também sem saber... entendeu? É... e além disso como você era locutor, né...
34
aí dava aula de dicção, dava outros elementos que... incluía a formação da
equipe, entendeu? [...] Porque aí a gente usava o horário da JEI [jornada
especial integral].4
A lei municipal de São Paulo que instituiu o “Programa Educom-Educomunicação
pelas ondas do rádio” – também conhecida como “Lei do Educom” ou “Lei da
Educomunicação” – compreendia, de forma transdisciplinar, o plurienfoque entre os
conhecimentos de comunicação e de educação. Por isso, a formação de educação continuada
que fazíamos compreendia amplamente a formação de profissionais da educação; todos os
servidores foram incluídos no direito a tal formação. Conforme estabelece o artigo 2º da Lei
n.º 13.941, é direito “[...] capacitar os servidores públicos municipais em atividades de
educomunicação” (SÃO PAULO, 2004).
O uso das TICs já era feito, num primeiro momento, em todas as quinze EMEFs
atendidas pela Coordenadoria de Educação da Penha. Em seguida expandiu-se, este uso, por
toda a Coordenadoria de Educação da Sé, que atendia mais três EMEFs. Portanto, a
regulamentação da Lei do Educom, em 2005, incorporou no conceito de educomunicação o
uso das TICs que realizamos, em 2004, durante a proposta de intervenção através de oficinas
de linguagem radiofônica. Tais oficinas permitiram um salto qualitativo, do estágio físico para
o virtual.
A edição de áudio, em 2004, saltando qualitativamente, substituiu as fitas k-7 por
arquivos digitais em mp3. Isso otimizou o espaço do acervo de registros sonoros, como a
discoteca, por exemplo. E, ainda, trouxe mais praticidade, tanto na localização de arquivos
quanto na preservação dos mesmos, por meio da informatização dos preciosos materiais
sonoros construídos e utilizados nas rádios educativas – alguns dos quais utilizados nesta
pesquisa, 12 anos após a realização daquela experiência.
A seguir, apresentamos a interface do software livre audacity com a imagem gráfica
de arquivo sonoro produzido na escola:
4 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016.
35
Imagem 9 – Interface do software livre audacity para gravação e edição de áudio Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
As implicações e repercussões decorrentes da intervenção digital realizada nas oficinas
de linguagem radiofônica foram apoiadas pela Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura da Penha. Parte da atuação do radialista
implicou em pesquisa para otimizar o manuseio e a comunicação; o acoplamento do
computador com acesso à internet no Kit Educom foi proposto neste espírito de otimizar. A
professora Adelina Yuriko Iamamura, então coordenadora, relembra estes processos e
contribui com esse registro. A intervenção das oficinas de linguagem radiofônica para que as
gravações analógicas – antes feitas em fitas k-7 – fossem digitalizadas e assim adotar o
software livre chamado audacity, é relembrada:
Professora Adelina - Aí, você que me deu a solução do audacity. Então, eu
falei nós vamos ter que ter um computador. Como é que vai usar lá o
audacity sem o computador? Pra poder editar os programas. Daí que nós
implementamos de colocar o computador... ao Kit Educom... né? E, aí, eu
solicitei ao Fernando que, lá na Coordenadoria da Penha, que... a gente
tivesse uma dotação orçamentária para o Educom... porque todas as escolas
tinham que ter o kit de rádio e computador junto, entendeu? E aí fazer a
instalação da internet no... no estúdio [...] a minha ideia... que era formar a
rádio na Coordenadoria também... para falar com todos os setores lá.5
5 Transcrição de trecho da entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016.
36
A intervenção planejada propiciou avanço tecnológico para este programa, tido como
especial pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, então denominado
Educom.Rádio. A partir desta experiência ampliamos o raio de inserções das oficinas, tendo em
vista o potencial da educomunicação. Recebemos solicitações para coordenar oficinas nas
EMEFs de diversas Coordenadorias de Educação da cidade de São Paulo, tais como: Itaquera,
Ipiranga, Centro. Tendo em vista a continuidade daquela experiência original, decidimos aceitar
a proposta de renovação de contrato com a Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria
de Educação da Subprefeitura Penha; além disso, passamos, também, a coordenar oficinas de
linguagem radiofônica em escolas da Coordenadoria de Educação da Sé.
As 15 EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha
inauguraram suas rádios educativas à luz desse “mundo novo” digital das TICs (tecnologias
da informação e comunicação). A experiência foi conhecida, localmente, como
Educom.Rádio.Penha, cuja principal característica foi a inclusão do computador com acesso à
internet no Kit Educom, ou seja, o conjunto da primeira geração de equipamentos eletrônicos
entregues para a escola colocar sua rádio no ar sem computador e sem acesso à internet,
configurando a “Educomunicação 1.0”.
Veja abaixo o Kit Educom
Imagem 10 – Professor Carlos Alberto Mendes de Lima, Coordenador do Núcleo de Educomunicação
da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, apresenta o Kit Educom.Rádio com
equipamentos interligados sem computador e sem internet Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
37
O acoplamento do computador no Kit Educom estabeleceu a “Educomunicação 2.0”,
devido ao acesso à internet e aos processos de digitalização das produções e transmissões
radiofônicas em formato multimídia: áudio, vídeo, texto, além de ampliar os canais de
interação (via e-mail, chat, fórum, entre outros).
Verificamos que a experiência na EMEF Abrão de Moraes também despertou a
atenção da “grande imprensa” ao utilizar a linguagem radiofônica informatizada para
contribuir com a escola. À página L10 do caderno intitulado “Link”, do jornal O Estado de S.
Paulo, na segunda-feira, dia 22 de agosto de 2005, a experiência assim se viu:
Imagem 11 – Jornal O Estado de S. Paulo registra educandas(os) praticando locução, sonoplastia e
produção executiva no estúdio da rádio da EMEF Abrão de Moraes Fonte: ESCOLAS..., 2005, p. 10.
38
Após descrever o projeto de educomunicação numa escola privada, a reportagem
destacou a experiência de linguagem radiofônica desenvolvida na Escola Pública Abrão de
Moraes, ao relatar que
Já na Vila Nhocuné, uma emissora de rádio transmitida pela web ganhou os
alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Abrão de
Moraes. Na Rádio Abrão (www.emefabraodemoraes.com.br), os alunos das
6ª, 7ª e 8ª séries assumem os papéis de locutores, técnicos de som e
redatores. Por lá, cada programa aborda um tema, que vai desde festas
juninas a obras de artistas como Vinícius de Moraes.
"A rádio é um espaço para dar recados, fazer charadas e até produzir
reportagens", conta a coordenadora do projeto, a professora Adriana Leila
Frentin.
Uma das "repórteres especiais" é a aluna da 8ª série Gisele Silva Palla, 14
anos. Aproveitando os eventos da Prefeitura, ela já conseguiu entrevistas
"exclusivas" com nomes como Marta Suplicy e José Serra.
"Mas o que eu gosto mesmo é de fazer a locução. Não consigo ver minha
vida sem o rádio", explica ela. Aliás, depois de entrar no ar, ela já decidiu:
"Quero fazer faculdade de jornalismo!"
A professora Adriana conta que o objetivo do projeto é estimular a leitura
nos alunos. Isso porque os garotos têm que pesquisar na internet e na
biblioteca para que possam redigir os programas.
"A partir do momento em que passam a ser leitores, eles começam a escrever
melhor", conta. Ela já tem novos planos: montar a TV Abrão, que será
produzida pelos alunos e transmitirá matérias realizadas na comunidade.
"Mas isso ainda é um sonho muito alto", completa. (ESCOLAS..., 2005, p.
10).
Analisamos que a rádio educativa da EMEF Abrão de Moraes promoveu ações
educativas em torno de temas variados; por exemplo, tematizando a reciclagem, realizou-se a
campanha de doação de caixas de ovos para revestir o estúdio de rádio. A participação e
mobilização, difundida pela rádio, deu origem à construção coletiva da acústica do estúdio.
Pais, educandas(os), educadoras(es) doaram embalagens de ovos. As experiências
colaborativas qualificaram a convivência no ambiente escolar. Nas oficinas, buscamos
conscientizar que
Não se deve confundir o coletivo com o grupo. O coletivo é mais que um
grupo, pois o que define é a construção de regras e ofícios que vão nortear as
relações interpessoais e de trabalho. Os autores têm consciência de que é
muito difícil construir o coletivo. Um outro modo de nomear a construção do
coletivo é a atividade deôntica: atividade de construir acordos, normas e
valores que se estabilizam sob a forma de regras. (HELOANI; PIOLLI,
2014, p. 125).
Investigamos que as produções radiofônicas requalificaram a convivência no ambiente
escolar e isso era parte do objetivo da proposta educomunicacional. A inter-relação entre
39
comunicação e educação na proposta pedagógica da EMEF Abrão de Moraes se deu, por
exemplo, na produção do programa intitulado Momento Ciências, transmitido para a escola
e, também, via internet. A seguir, apresentamos a transcrição de um trecho desta
programação:
Locutora educanda Gisele – Momento Ciências: Trataremos sobre a
leptospirose, ouçam com atenção!
Sonoplasta educando Vinícius – inserção de efeito sonoro específico.
Locutora educanda Gisele – A importância do combate aos ratos. O que é a
leptospirose? É uma doença grave causada pela bactéria leptospira. O rato é
o principal transmissor. Ele elimina bactérias através de sua urina,
contaminando córregos, esgotos e bueiros.6
A comunicação, via rádio, fomentou a experiência de aprendizagens transformadoras
frente a desafios cotidianos. Nos enfoques e estudos propiciados pelas formações das oficinas
de linguagem radiofônica provocamos atitudes reflexivas.
De acordo com Luck (2008, p. 111),
Assim como a história da humanidade é farta em exemplos de superação de
limitações, também temos entre nós grande número de escolas que se
superam e ajudam seus alunos a superarem seus limites socioculturais,
mediante a inspiração de educadores determinados a construir uma realidade
diferente da exposta. Esta determinação e ações correspondentes são, por
certo, uma demonstração de liderança efetiva.
Observamos que a experiência proporcionada pela linguagem radiofônica no processo
de aprendizagem demonstrou “[...] que o indivíduo precisa ter oportunidade de enxergar além
da sua paisagem imediata, tem direito de conhecer a beleza e de entrar em contato com o
mundo” (SUPLICY, 2008, p. 51). Foi assim que se deu esta experiência em cada programa de
rádio ou reportagem protagonizada pelas(os) estudantes. A prefeita de São Paulo citou, em
2004, o que ela ouviu e aprendeu de Paulo Freire: “Tem que ter belezura, ele dizia. Não se
pode aprender na feiúra” (SUPLICY, 2008, p. 51). E a estética da linguagem radiofônica
contribuiu nesse sentido para motivar educandas(os) e educadoras(es) a construírem o
conhecimento de forma coletiva e colaborativa, inclusive com a participação da comunidade
na região da escola.
A animação decorrente da experiência da linguagem radiofônica na prática escolar
movimentou os estudantes a abordarem a prefeita e entrevistá-la:
6 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
40
Imagem 12 – Estudante William usa o gravador de mão para iniciar a entrevista com a prefeita Marta
Suplicy que implantou o programa Educom.Rádio na cidade de São Paulo Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Locutora educanda Gisele – Nossos repórteres estiveram, sexta-feira, dia
21, na Penha, onde fizeram uma entrevista com a Prefeita Marta Suplicy.
Pedimos para que todos ouçam a entrevista.
Sonoplasta educando Vinícius – Insere o áudio da entrevista.
Repórter educando William – Sobre a perspectiva em relação a esse
trabalho?
Prefeita Marta Suplicy – Ah, eu acho que a minha expectativa é que
aprendam. A gente encontra muitos talentos. E que possam fazer uma
profissão do que eles vão aprender. Isso que eu gostaria.
Repórter educanda Gisele – E em relação ao projeto Educom. O que a
senhora tem a dizer aos alunos envolvidos neste projeto?
Prefeita Marta Suplicy – Pra se esforçarem, se empenharem, aprenderem...
porque, também, é outra profissão, né? É uma outra profissão, também, que
vocês vão ter que estudar numa Universidade. Porque Jornalismo tem que...
tem que ter o diploma da Universidade de Jornalismo. mas que é uma
profissão estimulante e desafiadora. E é uma oportunidade única que vocês
têm pra testar se gostam, né?
Repórter educando Douglas – O projeto Educom é um projeto que vem pra
ficar?
Prefeita Marta Suplicy – Na minha gestão, certamente!
Repórter educando Douglas – Obrigado.
41
Repórter educando William – “Muito obrigado. A Rádio Abrão agradece a
participação de todos!”7
A entrevista radiofônica planejada e empreendida pelos estudantes “em clima” de
escolarização revelou que o interesse pela comunicação é experiência educomunicacional, que
sensibiliza a compreensão de que “[...] o mundo humano é, desta forma, um mundo da
comunicação” (FREIRE, 1977, p. 66).
A partir dos estudos impulsionados pelas oficinas discutimos a relação entre
comunicação e educação, pois “[...] todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto
pensado, que mediatiza o primeiro do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá
através de signos linguísticos” (FREIRE, 1977, p. 66).
Verificamos que tornou-se recorrente a prática jornalística de reportagens, inclusive
externas ao espaço-escola, protagonizadas pelos estudantes e educadoras(es) das EMEFs,
sendo entendidas como “escolarização” pela Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha. Alguns registros:
Imagem 13 – Estudante e repórter Breno entrevista o professor Mário Sérgio Cortella Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
7 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
42
Imagem 14 – Estudantes e repórteres William (esquerda) e Gustavo (centro) entrevistam o diretor de
programas especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha, professor Fernando
Antonio Peres (direita) Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Imagem 15 – Estudante e repórter Breno entrevista a Secretária de Educação do Município de São
Paulo, professora Maria Aparecida Perez Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
43
Imagem 16 – Professor Paulo (direita), da EMEF Visconde de Cairú, em 2004, entrevista o
Subprefeito da Penha, Luiz Barbosa de Araújo (esquerda), no estúdio da rádio comunitária da escola,
enquanto o radialista Cosmo Luciano do Nascimento (centro) opera os equipamentos Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Imagem 17 – Estudante e repórter Breno, entre outras(os) educandas(os) das EMEFs atendidas pela
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha, entrevista o Professor Ismar Soares dos Santos,
coordenador do processo de implementação do curso de licenciatura em educomunicação na
Universidade de São Paulo Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
44
1.4 As oficinas de linguagem radiofônica
O domínio operacional tecnológico, idealizado e proporcionado pela realização das
oficinas de formação, contribuiu para a autonomia das práticas educomunicacionais de
educandas(os) e educadoras(es).
Convencionou-se, conforme prática da Diretoria de Educação, que as intervenções das
oficinas de linguagem radiofônica seriam certificadas, documentando, oficialmente, as
educandas(os), educadoras(es) e comunidade participantes desse processo de formação
continuada. Foram entregues certificados para os participantes que obtiveram, no mínimo,
85% de frequência e conceito 5 na oficina. É o caso, por exemplo, da professora Adriana
Leila Trentin, da EMEF Abrão de Moraes:
Imagem 18 – Certificado de participação da professora Adriana Leila Trentin na oficina de linguagem
radiofônica Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
As intervenções de formação das oficinas de linguagem radiofônica contribuíram para
a emancipação da comunidade escolar na execução de procedimentos técnicos, com
segurança, durante a regulagem dos equipamentos e manuseio do estúdio de rádio. Esse
procedimento foi documentado em programa:
45
Professora Adriana Leila Trentin, da EMEF Abrão de Moraes, orienta
e monitora a ligação de equipamentos no estúdio da Rádio Abrão de
Moraes.
Sonoplasta educando Vinícius – Sobe volume de microfone.
Locutor educando William – Rádio fazendo teste: um, dois, três.8
Imagem 19 – Professora Adriana acompanha a instalação do estúdio móvel de rádio do Kit
Educom.Rádio Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Observamos que a riqueza de detalhes na operação técnica dos equipamentos, bem
como o cuidado com sua configuração, manutenção, preservação e utilização adequada foram
aspectos intencionalmente trabalhados como zelo pelos patrimônios da instituição escola. Tal
atitude de cuidado com equipamentos e espaços físicos ressignificou a compreensão do que é
público. Consideramos que tal ressignificação foi correlata com o prazer de conviver naquele
espaço e, a partir dali, construir conhecimento de forma coletiva e colaborativa.
Verificamos que a cada edição a aparelhagem era equalizada e em seguida a rádio
entrava no ar para iniciar as atividades. Inicialmente havia a execução do hino nacional
brasileiro, conforme a transcrição abaixo:
8 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
46
Locutora educanda Gisele – Bom dia! Pedimos aos professores que
preparem os alunos para a execução do hino nacional. Atenção para a
contagem regressiva!
Professora Adriana – Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois,
um: hino nacional do Brasil.9
1.5 Equipamentos do Kit Educom.Rádio
Durante a fase de implantação da educomunicação, cada escola municipal de ensino
fundamental recebeu o conjunto de equipamentos conhecidos como Kit Educom para operar
sua própria rádio educativa:
- uma mesa de som;
- um reprodutor e gravador de cd;
- um reprodutor e gravador de fita k-7;
- um microfone com fio;
- um cabo de microfone com seus plugues;
- um pedestal;
- um cachimbo (nome dado ao suporte prendedor do microfone no pedestal);
- dois microfones sem fio;
- um transmissor de frequência modulada de baixa potência homologado pelo
Ministério das Comunicações;
- uma antena transmissora de frequência modulada;
- um cabo coaxial com conectores para interligar a transmissora à antena;
- um case para proteger os equipamentos acima, exceto o transmissor com seu
respectivo cabo e antena.
Nas páginas da internet intituladas “Blogando nas Ondas do Rádio”, constam registros
fotografados do Kit Educom, publicadas pelo professor Carlos Alberto Mendes de Lima,
diretor do Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de
São Paulo, conforme se podem ver a seguir:
9 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
47
Imagem 20 – Os arquivos de áudio eram gravados e reproduzidos, inicialmente, em fitas k-7 Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
Imagem 21 – Kit Educom com os equipamentos, da esquerda para a direita e de cima para baixo: caixa
acústica, mesa de som, reprodutor e gravador de cd, duplo deck com reprodutor e gravador de fitas k-7
e um microfone sem fio Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
48
Imagem 22 – Parâmetro de cabeamento, equalização e configuração de mesa de áudio Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
Imagem 23 – Transmissor de frequência modulada de baixa potência operando em canal autorizado de
acordo com a legislação brasileira Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
49
Imagem 24 – Antena de transmissora de ondas radiofônicas de frequência modulada Fonte: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>.
Analisamos que a diversidade de vozes, discursos, falas, atitudes, enfoques e ações
influenciou hábitos arraigados no que se refere à compreensão e tratamento da escola, seus
comunicados, sua presença na comunidade.
Notamos que as produções de reportagens contribuíram para a busca de novas
descobertas provocadas pelo prazer de aprender fazendo programas de rádio coletivamente,
durante a ocupação de vários espaços da escola e fora dela: começando pela sala de aula,
passando pela biblioteca, laboratório de informática, grêmio, refeitório, pela vizinhança, pelo
bairro e por toda a cidade.
Verificamos que se instaurou, como prática escolarizante, a escuta: ouvir a rádio, ouvir
o que se comentava a partir da difusão expandida e, assim, ouvir a comunidade. Ouvir o
outro, ouvir as diferenças, ouvir a alteridade e ouvir para dialogar.
Veremos, a seguir, a intervenção das oficinas de linguagem radiofônica, contratadas
pela Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura
Penha, para que o radialista Cosmo Luciano do Nascimento desenvolvesse a formação
continuada de educandas(os), educadoras(es) e comunidade nas EMEFs atendidas na região,
em especial, na EMEF Abrão de Moraes.
50
CAPÍTULO 2 – A INSERÇÃO DA EDUCOMUNICAÇÃO NA ESCOLA MUNICIPAL
DE ENSINO FUNDAMENTAL ABRÃO DE MORAES
“Na comunicação não há sujeitos passivos.”
(FREIRE, 1977, p. 67).
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Abrão de Moraes, da rede pública de
ensino da Secretaria Municipal de Educação, localiza-se na zona leste da cidade de São Paulo,
no bairro Vila Nhocuné.
Ali se constituiu um projeto em educomunicação que veio a ser intitulado “Nas Ondas
do Rádio”. Professoras(es), alunas(os) e funcionárias(os), todas(os) voluntárias(os)
inscreveram-se numa lista de participantes que, depois, veio a incorporar mais interessados da
comunidade:
Imagem 25 – Lista de presença de participantes do projeto “Nas Ondas do Rádio” Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
51
Os encontros para estudos e encaminhamentos contaram com pleno apoio da Diretoria
de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação Penha. Tais encontros/estudos foram
oficialmente denominados oficinas de linguagem radiofônica. Após a implementação da
escola Abrão de Moraes decidiu-se expandir a experiência e as oficinas para todas as 15
escolas municipais de ensino fundamental daquela macrorregião municipal.
Delimitamos alcances e objetivos conforme a experiência foi se avolumando. A
educomunicação na escola foi intitulada Projeto Educom.Radio, o “Projeto que faz uso
da linguagem radiofônica, através da capacitação de alunos, professores e membros da
comunidade” (cf. imagem 26). Essa formação em radiodifusão constituiu um trabalho
reflexivo, isto é, teórico-prático, que tinha por objetivo tomar a comunicação em termos
de proposta educativo-administrativa. E, na medida em que houve avanços, pretendeu-se
que fosse exequível em todas as EMEFs; para tal, a Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha contratou o radialista Cosmo
Luciano do Nascimento (cujo nome artístico era Luciano Júnior) como responsável pelas
oficinas.
Os primeiros meses de intervenção e os primeiros frutos das reuniões e
encaminhamentos da oficina de linguagem radiofônica resultaram (cf. imagem 26) na
inauguração de “[...] oito estúdios de rádio nos meses de abril e maio de 2004 como resultado
das oficinas do radialista Luciano Júnior”.
O projeto foi sendo divulgado inicialmente como aquele que faz capacitação de
alunos, professores e membros da comunidade. Na medida em que se implementou numa
escola, a Abrão Moraes, a Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação –
subprefeitura Penha, decidiu expandir e, para tal, fomos contratados para Oficinas nas EMEFs
da macrorregião.
52
Imagem 26 – Folder do Educom.Rádio com o resultado das oficinas de linguagem radiofônica
coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, cujo nome artístico era Luciano Júnior Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
A professora Adelina, então coordenadora e depoente voluntária nesta pesquisa,
coordenava a Diretoria de Programas Especiais.
53
Imagem 27 – Atestado de intervenção de Cosmo Luciano do Nascimento com a realização das
oficinas de linguagem radiofônica em todas as EMEFs da Coordenadoria de Educação da
Subprefeitura Penha, obtendo resultados satisfatórios e alcance dos objetivos propostos pelo programa
Educom.Rádio da SME Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
A progressiva inserção e instalação de estúdio de rádio nas escolas objetivou, como
processo de formação, capacitar estudantes e professoras(es) a construir conhecimento por
meio de interações expansivas plurilinguagens. O “espaço da comunicação” instaurou
novidades nas arraigadas concepções de “espaço escolar”, e algumas práticas pedagógicas
inovaram-se na busca de estreitar vínculos entre os vários segmentos da comunidade escolar.
54
Oportunizar a reflexão, a discussão e buscar soluções para os temas problematizados pela
radiodifusão foi um objetivo maior.
As oficinas de linguagem radiofônica buscaram, em sua atuação no conjunto das
EMEFs, promover um desenvolvimento compatível com o objetivo acima mencionado. Os
exercícios práticos, como locução, sonoplastia, manuseio e produção executiva radiofônica,
foram ocasiões para criar, roteirizar, produzir, gravar, programar e apresentar diversos
gêneros de conteúdos “radiofonizados”. Para tal promoção e empreendimento, as oficinas
fundamentaram-se em módulos:
Locução – desenvolveram-se cuidados especiais com a voz e exercícios de dicção,
articulação, leitura, ritmo, pronúncia, interpretação, improvisação, respiração, ressonância,
relaxamento, postura e uso do microfone para gravar ou apresentar programas “ao vivo”, em
ambientes internos ou externos à escola, com ou sem plateia.
Sonoplastia – desenvolveu-se domínio técnico para instalação, manutenção e
operação de equipamentos analógicos e, depois, digitais para programar, gravar, editar,
produzir, reprogramar, converter, e outros tratamentos para transmissão, finalização de
conteúdos da radiodifusão. Em fase de mais sofisticação, estudamos a criação de efeitos e
trilhas sonoras, a instalação e configuração do computador com acesso à internet compatível
ao Kit Educom, informatizando a linguagem radiofônica com o uso de softwares livres.
Produção executiva – campo de conhecimentos que cuidou da roteirização de
programas, gravação de vinhetas, chamadas, recorrências alusivas, propagandas, reportagens,
entrevistas, debates, musicais, entre outros gêneros radiofônicos. Basicamente, administrou
diversas expressões técnicas conforme diferentes tempos de gravação, mixagem e edição
tendo em vista um cronograma a ser viabilizado.
Analisamos que tais estudos para a produção radiofônica implicaram em permanentes
trabalhos de grupos de voluntários, constituídos por professoras(es), estudantes e
funcionárias(os). Através das oficinas, tais trabalhos foram vinculados à frequente e estreita
integração com as rotinas administrativo-pedagógicas da instituição escola: houve reuniões
semanais, planejamento e replanejamento de atividades na busca de uma didática para esta
abertura a inovações por meio da linguagem radiofônica.
Observamos que a Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação
da Subprefeitura Penha empenhou-se para o êxito de uma política pública de educomunicação
em sua macrorregião. Averiguamos que o Kit Educom e as oficinas de linguagem radiofônica
55
em escolas municipais de ensino fundamental contribuíram estruturalmente para
transformações da e na realidade escolar.
Par a par com apresentação, discussões e formações na dimensão tecno-operacional,
buscamos que se consolidassem interações reflexivas. Nessa busca, as oficinas oferecidas para
turmas ocorreram sob a forma de círculos de cultura, em encontros semanais consolidados
numa pedagogia da comunicação inspirada em Paulo Freire, Bordenave e outros.
Evoluindo em clima de favorável consolidação de resultados práticos que a tecnologia
proporciona, buscamos, também, consolidar a autossuficiência para o funcionamento das
rádios educativas nas quinze escolas municipais de ensino fundamental, assistidas pela
Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha.
Nessa realidade dinamizada, buscamos que as experiências inovadoras se manifestassem,
também, como potencializadoras de processos de aprendizagem. Os momentos de registro
tomaram forma e buscamos que fossem incorporados às rotinas de gestão, nos “relatórios de
gestão” usuais à administração municipal.
Imagem 28 – Relatório de gestão documentando os resultados da intervenção das oficinas de
linguagem radiofônica, coordenadas pelo radialista Cosmo Luciano do Nascimento, em todas as
EMEFs atendidas pela Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da
Subprefeitura Penha Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
56
Dimensões e rotinas próprias à instituição escola, como, por exemplo, processos de
ensino e relações ou metodologias de aprendizagem, buscaram formalizar sua expressão
através da linguagem radiofônica. O projeto, então batizado como Projeto Vida –
Educom.Radio, apontou caminhos alternativos para o autoconhecimento e o desenvolvimento
de potencial humano.
Imagem 29 – Relatório do Projeto Vida – Educom.Rádio da Coordenadoria de Educação da
Subprefeitura Penha Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
57
As oficinas consolidaram-se como ocasiões coletivas e rotineiras em que a instituição
escola abordou e construiu questões. Tal conjunto de temas e ocorrências “notabilizadas” pela
mídia viabilizou-se numa programação regular, guardadas suas características específicas. As
oficinas mantiveram datas, horários, programas e eventos específicos concretizados nos
encontros:
Imagem 30 – Primeira parte do cronograma de aulas e de programa inaugural em 15 rádios
implantadas em todas as EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da Penha, no ano de
2004, durante a intervenção das oficinas de linguagem radiofônica, coordenadas pelo radialista Cosmo
Luciano do Nascimento, no 1º semestre letivo (parte 1 de 2) Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
Em seu conjunto de ações, integrações e temáticas refletidas e “radiofonizadas”, as
oficinas constituíram uma perspectiva, contribuíram (a seu modo) para mapear uma
determinada programação pedagógico-educomunicativa presente e interferindo na rotina da
escola.
58
Imagem 31 – Segunda parte do cronograma de aulas e de programa inaugural em 15 rádios
implantadas em todas as EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da Penha, no ano de
2004, durante a intervenção das oficinas de linguagem radiofônica, coordenadas pelo radialista Cosmo
Luciano do Nascimento, no 1º semestre letivo (parte 2 de 2) Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
A partir do 1º semestre de 2004, todas as EMEFs organizaram estúdio de rádio
acoplado a computadores com acesso à internet, implementando oficinas para usar esses
recursos tecnológicos. Algumas escolas incluíram a educomunicação em seus PPPs. Nestes
PPPs, foram priorizadas algumas pautas; seriam aquelas que emergiam da “novidade” da
experiência educomunicativa, por exemplo: trocas de experiências otimizadas em seu
potencial comunicativo; possibilidades e encaminhamentos de problematização construída
59
nesta forma de interação; a realização de congressos, fóruns e encontros entre as diversas
realidades escolares, algumas explicitando vínculo externo ao prédio escolar etc.
Os avanços tecnológicos – por exemplo, a superação do analógico para a web –
abriram caminho como “carro-chefe” das pautas e da própria difusão da experiência. Houve,
então, uma especial preocupação em como inserir a qualidade de moção deste “carro-chefe”
num PPP, projeto político-pedagógico.
Imagem 32 – Cronograma de oficinas de linguagem radiofônica, coordenadas pelo radialista Cosmo
Luciano do Nascimento, nas EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da Penha, durante a
intervenção ocorrida no 2º semestre letivo de 2004 Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
60
Outras prioridades da Gestão Municipal disputaram para obter espaço nos bem-
sucedidos empreendimentos desta comunicação. Houve opções não diretamente vinculadas à
Secretaria de Educação buscando beneficiar-se do potencial integrador da experiência Projeto
VIDA-Educom.Rádio. Priorizamos opções de maior proximidade à vida da comunidade local.
Imagem 33 – Finalização do relatório das atividades de educomunicação desenvolvidas pela Diretoria
de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha, em 2004 Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
61
Divulgações da Diretoria de Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da
Subprefeitura Penha apoiaram ações do Educom.Rádio; nestes apoios, a Diretoria colocou-se
a serviço de iniciativas e opções do projeto:
Imagem 34 – Folder com fotografia do Educom.Rádio (no canto inferior direito) no rol de programas
especiais desenvolvidos nas EMEFs atendidas pela Coordenadoria de Educação da Subprefeitura
Penha, em 2004 Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo.
As oficinas de linguagem radiofônicas foram coordenadas, em 2004, pelo radialista
Cosmo Luciano do Nascimento, em todas as quinze EMEFs atendidas pela Diretoria de
Programas Especiais da Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha. Esta intervenção
também foi realizada nas três EMEFs circunscritas à Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Sé, em virtude do bem-sucedido processo de
gestão e práticas educacionais com metodologias de aprendizagem e práticas de ensino
desenvolvidas nas escolas pelo radialista Luciano.
Foi um tempo de esforços pioneiros, conforme aponta a linha do tempo da história da
educomunicação na cidade de São Paulo, em informação constante no portal da Secretaria
Municipal de Educação (SÃO PAULO, 2017).
62
Imagem 35 – Linha do tempo do Educom.Rádio Fonte: <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/legislacao-1>.
A educomunicação ampliou percepções e leituras de mundo. Repórteres estudantis
cobriram jornalisticamente eventos, festas locais ou outros acontecimentos do calendário
regional. Planejar, discutir e desenvolver reportagens inicialmente na escola e, depois, no
bairro e na macrorregião relacionaram atividades intraescolares com perspectivas mais
amplas. Isso lhes favoreceu um “aprender mais”, na perspectiva de uma pedagogia
extraescolar.
63
Imagem 36 – Estudante William entrevista o professor de fanfarra na praça pública Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Desafios, reconhecimento, gratidão e cooperação otimizaram a convivência entre
estudantes e variados sujeitos, de variados segmentos da comunidade escolar. E isto buscamos
compreender como avanços na aprendizagem, visto que o dinamismo das atividades
comportou atuações não apenas intraescolares. Houve reportagens, produções radiofônicas e
“tomadas” não apenas na rotina escolar.
Vejamos as percepções de uma entrevista-reportagem protagonizada por um
estudante:
Educando William (repórter) – “Bom, eu sou William, da 8ª A, e faço
parte da equipe de reportagem”.
Professora Adriana – “William, o que você está achando deste trabalho do
Educom.Rádio na escola?”
Educando William – “O Educom.Rádio, ele, é muito bom pra escola
porque ele está atraindo os alunos. Agora, eles fazem parte das atividades.
Os alunos estão mais interessados, a, a tá dentro da escola. E eu sou exemplo
disso”.
Professora Adriana – “Qual a, a sua experiência, na entrevista da prefeita
Marta Suplicy, na última sexta-feira? Qual a sensação que você sentiu?”
64
Educando William – “A sensação foi muito boa, né. E foi muito bom que
eu também conheci um ex-professor, aqui da escola, que é o subprefeito.
Nós conhecemos outros alunos que fazem partê da equipe de reportagem de
outras escolas. Foi muito legal, muito bom!”
Professora Adriana – “Qual sua mensagem para o pessoal que participa do
Educom.Rádio, para todos os alunos e professores também?”
Educando William – “Sim, é, o Educom.Rádio está mudando mesmo a
escola, com as campanhas e tudo mais”.10
Conforme nos pareceu, o estudante William demonstrou satisfação ao compartilhar
seu engajamento nas dinâmicas proporcionadas pela experiência radiofônica desenvolvida na
escola. Tal satisfação foi “didaticamente explorada”.
Verificamos que a linguagem radiofônica promoveu ações colaborativas para pensar e
alcançar objetivos comunitários produzidos e apresentados na programação radiofônica da
EMEF Abrão de Moraes. Averiguamos que valores colaborativos fortaleceram os vínculos
afetivos, tornando o dia a dia na escola uma experiência significativa; tal significação
transformou rotinas de aprendizagem em desafios prazerosos para a construção do
conhecimento.
Observamos que as (con)vivências adquiriram ressignificados compartilhados
cotidianamente. Deste modo, notamos que a prática da linguagem radiofônica no processo de
aprendizagem fez da escola um lugar diferente, agradável e especial.
Frequentar a escola deixou de ser uma obrigação monótona, repetitiva, obrigatória e
desmotivadora. Apuramos, ainda, o aumento da assiduidade e permanência na escola tanto
por parte de educandas(os) quanto de educadoras(es) tendo em vista o participar/desenvolver
produções radiofônicas.
Notamos que um “saber-de-experiência-feito” foi promovido durante as práticas
educomunicacionais registradas em radionovelas, entrevistas, programas de auditório,
reportagens, entrevistas coletivas, musicais, entre outros gêneros radiofônicos desenvolvidos
pela comunidade escolar.
Analisamos que o estudante substituiu a posição passiva de ser apenas ouvinte dos
meios de comunicação de massa para experienciar práticas de locução e reportagem na rádio
educativa, cultural e comunitária em sua escola. Esta passou a ser uma postura questionadora,
um exercício de autonomias compartilhadas que “imunizam”, como “antídoto face à cultura
de massa”.
10 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
65
Investigamos que a(o) educanda(o) passou a exercer autonomia no processo de
aprendizagem e a valorizar a construção comunitária. Observamos, ainda, que a interrelação
entre educandas(os) e educadoras(es) foi se horizontalizando durante a experiência
radiofônica. Tal fenômeno favoreceu a prática de ensinar aprendendo e aprender ensinando
numa perspectiva dialógica pautada na inteligência coletiva e colaborativa.
Observamos que a experiência da linguagem radiofônica contribuiu para a
comunidade zelar pelos patrimônios da escola. Sendo assim, certas práticas de vandalismo
esvaziaram seus sentidos. Do mesmo modo, a educação bancária perdeu terreno para a
comunicação horizontal e dialógica, que denominaremos de “comunicação como prática da
liberdade”.
Verificamos que a educomunicação foi experienciada como uma forma de vivência e,
sobretudo, de convivência.
A seguir, conheceremos mais narrativas da comunidade escolar sobre a experiência de
transmitir a programação da Rádio da EMEF Abrão de Moraes, durante 24 horas por dia, via
internet. As contribuições deste fenômeno na aprendizagem e o resgate dos processos
históricos das memórias afetivas dos protagonistas encontram-se na oralidade dos
testemunhos e nos documentos que registraram as páginas eletrônicas da Rádio da EMEF
Abrão de Moraes, no ano de 2004.
66
CAPÍTULO 3 – RÁDIO ABRÃO: MEMÓRIAS, EXPERIÊNCIAS E
APRENDIZAGENS
“A memória grupal é feita de memórias individuais”
(BOSI, 1994, p. 419).
Analisamos que a experiência da linguagem radiofônica promoveu a travessia da
comunicação nas práticas de aprendizagem da EMEF Abrão de Moraes porque na educação a
Aprendizagem é, pois, “dinâmica reconstrutiva”, de dentro para fora. Quer
dizer que o aluno somente aprende se reconstruir conhecimento. Não pode
permanecer em escutar, copiar e devolver de modo reproduzido na prova.
Esta tese está bastante assentada, desde a obra de Piaget, cujas ideias, apesar
das críticas atuais de estruturalismo e cognitismo, mostram-se adequadas:
conhecimento não copia, se constrói. Prefiro usar o conceito de “reconstruir”
apenas porque me parece mais modesto: partimos do que já conhecemos, dos
saberes disponíveis, de nossa cultura e passado e reconstruímos isto tudo.
Mas isto em nada muda o argumento, como se pode apreciar na obra de
Becker, entre outros. (DEMO, 2014, p. 14).
Investigamos que houve sempre desafio e progressão no que se refere a elaborações
curriculares. Dada a diversidade da linguagem radiofônica construiu-se programas cujas
produções foram variadas: vinhetas, chamadas, trilhas sonoras, efeitos especiais, locução,
edição de áudio, programação, reportagem, pesquisa, trabalho em equipe e curiosidade em
torno à “novidade tecnológica”. Processo de aprendizagem complexo no qual buscamos nos
situar e ex-por que havia compreensões em jogo, sempre... porque “[...] não é possível
compreender o pensamento fora de sua dupla função: cognoscitiva e comunicativa” (FREIRE,
1977, p. 67). Em meio a esta compreensão, emergiram propostas.
Movimentos como a tropicália e bossa nova foram contextualizados em perspectiva
histórica para enriquecer as aulas com arte; por exemplo, a produção radiofônica sobre Tom
Jobim, conforme o roteiro subsequente:
Locutora educanda Gisele – Tom foi iniciado, musicalmente, pelo maestro
alemão, radicado na Bahia, Hans-Joachim Koellreuter, por quem nutria
profunda admiração. Juntamente com João Gilberto, Tom foi um dos
principais movimentos musicais do Brasil e do mundo.
Sonoplasta educando Vinícius – Aumenta o volume da canção intitulada
“Águas de março”, interpretada por Elis Regina.11
11 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
67
Observamos que o coletivo com estudantes protagonizou a locução, a sonoplastia e a
produção executiva de programas radiofônicos gravados, editados e transmitidos diretamente
do estúdio da rádio educativa da EMEF Abrão de Moraes. Simultaneamente, as professoras
Adriana e Filomena monitoraram a gravação radiofônica e orientaram educandas(os) tanto no
processo de pesquisa sobre o tema em pauta na rádio quanto na execução da produção dos
programas.
Verificamos que a relação entre educandas(os) e educadoras fluiu na linguagem
radiofônica. De acordo com Freire (1977, p. 67) é “[...] indispensável ao ato comunicativo,
para que este seja eficiente, o acordo entre os sujeitos, reciprocamente comunicantes”.
O resgate de narrativas em práticas de ensino através de depoimentos de
educandas(os) foi realizado em 2004 pela professora Adriana Leila Trentin e demonstrou a
perspectiva dialógica desta experiência radiofônica educomunicacional. Confira:
Educanda Gisele (repórter e locutora) – Eu sou Gisele, da 7ª A, a minha
função, aqui, na Rádio, é de locutora e repórter.
Professora Adriana – Gisele, o que você está achando desta experiência de
trabalho?
Educanda Gisele – Eu tô achando uma coisa muito boa, eu achei que
mudou muito, influenciou muito na minha vida. Eu acho que eu amadureci
mais e tá sendo muito bom.
Professora Adriana – É... sobre a entrevista com a Marta Suplicy, na última
sexta-feira, ah, o que você tem a revelar sobre isso?
Educanda Gisele – Bom, primeiro gelou um pouco a mão, deu uma
tremedeira, mas depois saiu tudo certo. Foi, assim, uma experiência
diferente. Eu nunca pensei que eu fosse conseguir chegar perto dela, mas aí
eu consegui: eu, o Gustavo e o William. Aí a gente conseguiu fazer essa
entrevista e foi, assim, uma experiência muito boa.
Professora Adriana – Qual a sua expectativa deste trabalho na escola?
Educanda Gisele – A minha expectativa é que vá pra frente, que nunca
morra tudo isso que a gente conseguiu construir. E que os alunos, cada vez,
vão se empenhando mais. O pessoal que vai saindo, que vai deixando a
escola, que possa deixar alguma coisa pra quem tá ficando. Pra nunca morrer
isso que a gente conseguiu construir aqui.
Professora Adriana – Qual a sua mensagem para todos os alunos que
participam do Educom.Rádio?
Educanda Gisele – Que não desistam! Que não é fácil! Não é assim: ah, eu
vou chegar e vou ser da rádio e pronto! Tem críticas, tem obstáculos e eles
precisam ser vencidos. E pra isso não é fácil! A gente tem que batalhar um
pouco, mas que não desistam! Persistam, insistam, que um dia vocês
alcançam o objetivo de vocês.
Professora Adriana – Obrigada.12
12 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
68
A educanda Gisele apresentou sua experiência. Na perspectiva de Larrosa (2002, p.
25),
O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto de vista da
experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos),
nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa
maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos),
mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem
de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se
põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz
de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a
quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a
quem nada o ameaça, a quem nada ocorre. (LARROSA, 2002, p. 25).
Mais estudantes também compartilharam suas narrativas de experiências e
(con)vivências. Verificamos, então, que a linguagem radiofônica praticada na EMEF Abrão
de Moraes ressignificou as práticas de ensino nas interações cotidianas. Vejamos, a seguir, o
depoimento do estudante Gustavo, gravado no estúdio da Rádio Abrão:
Educando Gustavo (repórter) – Meu nome é Gustavo, da 8ª D e sou
repórter.
Professora Adriana – Gustavo, o que você está achando deste trabalho do
Educom.Rádio?
Educando Gustavo – É um trabalho importante pra escola porque ele ajuda
no ensino e a educação.
Professora Adriana – Qual a sua sensação em entrevistar a prefeita Marta
Suplicy, na última sexta-feira?
Educando Gustavo – Pra mim foi uma coisa legal, gostei muito, e, posso,
tomara que mais chances dessa.
Professora Adriana – O que você deixa como mensagem para todos os
alunos que participam do Educom.Rádio?
Educando Gustavo – Que é difícil, mas não desistam.
Professora Adriana – Obrigada.13
Analisamos que depoimento deste tipo, como o do estudante Gustavo, expressa a
satisfação em vivenciar a experiência da linguagem radiofônica na escola; o processo de
aprendizagem agregou ludicidade, afetividade e interatividade. Tal experiência despertou a
motivação de Gustavo (e de muitos outros) para continuar experienciando a leitura de mundo.
Conforme Larrosa (2002, p. 21),
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que nos toca. A cada dia se passam
muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia
13 Transcrição de material de áudio da Rádio da EMEF Abrão de Moraes.
69
que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter
Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que
caracterizava o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a
experiência é cada vez mais rara.
Observamos que a motivação proporcionada pelas práticas de educomunicação abriu
perspectivas para a aprendizagem associada à criatividade. Não apenas o aprendizado
escolarizante estava em jogo, mas, sim, vidas em processo estavam sendo assumidas.
De acordo com Luck (2008, p. 111),
Sabe-se que não são apenas as condições de vida das pessoas que
determinam perspectivas vivenciais limitadas, mas sim o desconhecimento
de condições mais amplas e diversificadas, assim como a imaginação para
superá-las. Estas são determinadas, em grande parte, pelo que conhecemos,
como vemos a realidade, como nos vemos nela e como a imaginamos,
aspectos que podem ser facilmente expandidos segundo os nossos próprios
horizontes.
Examinamos que as gravações, os programas radiofônicos, os documentos oficiais e as
narrativas dos protagonistas das ações educomunicacionais materializaram vivências de atores
como testemunhas, como reflexos e, portanto, como reveladores de uma época na história da
EMEF Abrão de Moraes. Além de gravações, programas radiofônicos, edições e documentos
oficiais, esta pesquisa apoiou-se em narrativas de protagonistas. O pesquisador realizou
entrevistas baseando-se nas contribuições da pesquisa em história oral de vida, pois, segundo
Meihy (2005, p. 63), a história oral de vida
[...] é o retrato oficial do depoente. Desse modo, a verdade está na versão
oferecida pelo narrador, que é o soberano para revelar ou ocultar casos,
situações e pessoas. Pelo encaminhamento mais comum que se adota para a
história oral de vida, a periodização da existência do entrevistado é um
recurso importante, posto que organiza a narrativa de fatos que serão
considerados em contextos vivenciais subjetivos.
Consideramos, então, que “[...] o depoente é quem tem maior liberdade para dissertar
sobre sua experiência pessoal e deve ser dado a ele espaço para que sua história seja
encadeada segundo sua vontade” (MEIHY, 2005, p. 62). Nessa perspectiva, a professora
Adelina, entrevistada, relembra os encontros de educomunicação com todas as 15 rádios de
cada EMEF situada na região da Coordenadoria de Educação da Penha:
Professora Adelina - Eu viabilizava arrumando ônibus que passava de
escola em escola pegando os alunos e os professores do projeto pra se
encontrar na Penha pra ter... esses seminários, né? Pra ir àqueles encontros
70
semestrais do Educom. Fazia no CEU Aricanduva também. Então, eu
tentava viabilizar, né... é... a parte burocrática, tentava viabilizar tudo isso.
Tanto é que na época eu colocava para o coordenador Fernando Peres... que
no orçamento do início do ano na educação... os ônibus tinha que tá incluído
como material pedagógico! Que era um instrumento pedagógico para os
alunos. Então eu incluía lá, não sei quantos ônibus lá... na nossa dotação
orçamentária. Que isso fazia eu viabilizar todos os projetos. Troca de
experiência entre as escolas...era muito importante e com a criação do
CEU... o CEU com aquele Teatro era um ponto de encontro... os alunos
ficavam maravilhados porque... com palco, com computador, com cortina,
com tudo... eles pode apresentar todos trabalhos deles lá... nos encontros...
nossa! Era assim... valorizado... a dignidade pro aluno, entendeu? Dá voz,
dignidade e... ele ter um local que era deles, né? Justamente pra motivar as
outras escolas nessa troca de experiência, num é? Pra uma ver o que a outra
está fazendo e todas irem melhorando! [...] Solicitava espaço lá no CEU
Aricanduva e pra... estimular todas escolas... eu não sei se você lembra... a
gente fez a exposição do rádio antigo na entrada... e eu fiz o Manassés, que
era da minha equipe, levar quinze monitores... cada escola teve que levar o
seu monitor pra mostrar o programinha da sua escola... que tava lá no
rodando pra quem quisesse assistir, num é? Pra contemplar todas escolas,
porque no palco só dava pra contemplar, acho que, dois ou três porque o
tempo era muito curto! Então esse... eu me preocupava com esse estímulo!
Para os professores, pro aluno e pra escola! Entendeu? A gente selecionava
três pra falar, mas todos estavam lá presentes! [...] Eu fazia... dava muita
motivação aos professores, justamente, fazendo esses encontros.14
A professora Adelina comenta, ainda, como os estudantes de todas as EMEFs da
Coordenadoria de Educação da Penha começaram a fazer reportagens externas:
Professora Adelina - E aí, na proposta do Educom, pras repórteres-mirim...
surgiu... porque era assim... todos eventos... da... Secretaria da Educação... a
gente envolvia todas as escolas pra encaminhar os repórteres-mirins. Então,
tinha o Fórum da Educação... que levava os alunos pra participar dos
repórteres. Tinha... a inauguração do CEU... levava... repórteres... Então, em
outros eventos da Secretaria, a gente convidava as escolas que queria... e ia
dois repórteres de cada escola.15
Entrevistamos, também, no dia 18/12/2016, a professora Adriana Leila Trentin, da
EMEF Abrão de Moraes. Ao lado da professora Adelina, a professora Adriana compartilha
conosco, voluntariamente, seu vínculo afetivo com a EMEF Abrão de Moraes, iniciado na sua
infância: “É, eu fui aluna do Abrão! É... de setenta até oitenta! Né? Depois fui fazer
magistério. Retornei em 2001 e tô até hoje”.16
14 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016. 15 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016. 16 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016.
71
Emocionada, a professora Adriana, que teve oportunidade de vivenciar tantas histórias
na EMEF Abrão de Moraes, ao longo de sua vida, revela-nos a importância da experiência de
desenvolver a linguagem radiofônica nesta escola:
Professora Adriana - Essa rádio resgatou o nome do Abrão de Moraes. Ela
elevou a escola, sabe!? Como... como uma referência até! [...] diminuiu a
incidência de indisciplina [...] o aluno começou a ser mais participativo...
olhar a escola diferente... a gostar mais da escola, a gostar de ficar mais na
escola, entendeu? Porque, assim, geralmente, o aluno, ele fica as quatro
horas, dá o sinal e ele quer ir embora pra casa dele. E esses alunos que
faziam a rádio [...] eles não se importavam de ficar. Até, é... eu pedi... eu
solicitava que eles tivessem acesso à merenda fora do horário deles. Porque
eles ficavam lá, às vezes, o dia inteiro, né?17
Observamos, no testemunho da professora Adriana, as contribuições da linguagem
radiofônica no processo de aprendizagem. Segundo ela, esta prática educomunicacional
corroborou para a escola ser um território de descobertas, desafios, sentidos e
ressignificações.
Nesse sentido, Josso (1999, p. 10) afirma que
O trabalho de pesquisa a partir da narração das histórias de vida ou, melhor
dizendo, de histórias centradas na formação, efetuado na perspectiva de
evidenciar e questionar as heranças, a continuidade e a ruptura, os projetos
de vida, os múltiplos recursos ligados às aquisições de experiência, etc., esse
trabalho de reflexão a partir da narrativa da formação de si (pensando,
sensibilizando-se, imaginando, emocionando-se, apreciando, amando)
permite estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas
singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional
e social.
Durante a entrevista, a professora Adriana lembra, ainda, da apresentação das
atividades desenvolvidas na rádio educativa da EMEF Abrão de Moraes, realizada nos
encontros de educomunicação promovidos pela Diretoria de Programas Especiais da
Coordenadoria de Educação da Subprefeitura Penha:
Professora Adriana - [...] eu nunca vou me esquecer desse momento que
eu... nossa... eu planejei uma megaprodução pra poder expor o trabalho do
Abrão de Moraes! Até coloquei uma [música] do Queen, que é Radio Ga
Ga... e... é... com a tradução do significado da música! Pra mostrar que,
realmente, tinha a ver com o trabalho pra abertura desse trabalho todo. 18
17 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016. 18 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016.
72
Verificamos que os encontros de educomunicação valorizaram as produções
radiofônicas das escolas. Nas reuniões gerais, em cada macrorregião, as experiências foram
compartilhadas entre as escolas e suas comunidades.
A professora Adriana, com alegria, relembra, ao longo de nossa entrevista, os avanços
desenvolvidos na EMEF Abrão de Moraes, por meio de produções radiofônicas transmitidas
nas ondas do rádio de frequência modulada e, também, via internet.
Professora Adriana - E é assim... foi uma coisa muito emocionante! Né?
Porque a nossa escola foi, assim, um destaque, né?... desse dia, desse
encontro! E destaque, também, em outros eventos, né?... Eu... eu... eu falo,
agora, e me vem aquele entusiasmo! Que eu sentia da época, né? Por que é...
sem dúvida nenhuma, foi um momento muito emocionante da educação! [...]
Foi o momento mais marcante da minha carreira profissional. Eu acho que
eu mais amei fazer. A coisa que eu mais amei fazer dentro da educação... foi
esse projeto.19
Analisamos que o depoimento da professora Adriana denota que a linguagem
radiofônica na prática de ensino configurou-se numa experiência agregada, complementar e
estimulante da aprendizagem. Cada produção radiofônica desenvolvida despertava alegria,
curiosidade, prazer e motivação sobre uma rotina sem monotonia na escola. Vivenciamos a
experiência de um processo de comunicação comunitária com diálogo e alteridade, visto que
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender
o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p.
24).
Verificamos que a experiência da linguagem radiofônica no processo de aprendizagem
desenvolvido na EMEF Abrão de Moraes foi, para ela, tão significativo que chegou a ser
registrado em cartório pela professora Adriana Leila Trentin.
O projeto Rádio Escola On Line surgiu da necessidade em se disponibilizar,
de forma imediata e compartilhada, utilizando para isso o meio da Internet, a
programação da Rádio Educativa da Escola, bem como transmissão de
Reuniões, Palestras, Cursos, Debates, Conselhos Escolares e Eventos,
19 Transcrição de entrevista gravada, em áudio, no dia 18/12/2016.
73
utilizando-se da Rádio Educativa e/ou transmissão direta amparada e
divulgada por computador. (TRENTIN, 2004, p. 92, anexo).
Observamos que a adoção da linguagem radiofônica nos processos de aprendizagem
contribuiu para uma prática dialógica que reconhece os saberes da oralidade num espaço em
que há hegemonia grafocêntrica, pois
O aumento do envolvimento das participações nas atividades da Rádio On
Line reforça em todos os sentidos que a tecnologia empregada na propositura
deste enunciado é mola propulsora para, digitalmente, incluir o indivíduo
menos favorecido e dar voz à sua manifestação intelectual, social e moral
(TRENTIN, 2004, p. 94, anexo).
Imagem 37 – Estudantes do ensino fundamental I e II apresentam programa radiofônico juntos Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Examinamos que o exercício da radiodifusão na comunidade escolar favoreceu a
prática do saber de experiência num cenário em que “[...] a educação é um ato de amor, por
isto, um ato de coragem. Não pode temer o debate. Não pode fugir à discussão criadora, sob
pena de ser uma farsa” (FREIRE, 1969, p. 96). Desta forma, o
[...] educador precisa sempre, a cada dia, renovar sua forma pedagógica para,
da melhor maneira, atender seus alunos, pois é por meio do
comprometimento e da “paixão” pela profissão e pela educação que o
74
educador pode, verdadeiramente, assumir o seu papel e se interessar em
realmente aprender a ensinar (FREIRE, 1969, p. 31).
Observamos que grupos de estudantes visitaram o estúdio para conhecer como eram
feitos os programas de rádio que eles ouviam na escola. A curiosidade dos ouvintes despertou
a curiosidade de conhecer o estúdio de radiodifusão de sua própria escola. Assim, na hora do
intervalo ou durante as atividades educativas, os estudantes descobriram como era produzido
e transmitido um programa de rádio na EMEF Abrão de Moraes. Deste contato, emergiram
ideias para a criação de novas produções radiofônicas com mais estudantes motivados em ser
locutores, repórteres, sonoplastas, redatores, comentaristas, produtores etc.
Imagem 38 – Radialista Cosmo Luciano do Nascimento ministra oficina de linguagem radiofônica
para estudantes do ensino fundamental I da EMEF Abrão de Moraes Fonte: arquivo pessoal do pesquisador.
Graças à preocupação de registro da professora Adriana Trentin, sabemos que a rádio
educativa da EMEF Abrão de Moraes fomentou os seguintes avanços:
[...] redução no número de faltas; melhora comportamental; convívio social
melhorado; integração entre as faixas etárias e níveis escolares (fundamental
e médio). Além de, indiretamente, promover, nos grupos não-participantes
do projeto, maior interesse na participação social e consequentemente a
evolução dos índices de melhora nos conceitos acadêmicos. (TRENTIN,
2004, p. 95, anexo).
75
Verificamos a participação de turmas de estudantes, desde o ensino fundamental I,
com atividade programada por seus professores para visitar o estúdio de rádio e participar de
oficinas de linguagem radiofônica.
Observamos que estudantes viveram a experiência de ouvir a própria voz ao ouvir seus
programas de rádio. Tal experiência despertou reações diversas diante da descoberta de
escutar a própria voz. A riqueza desta experiência ampliou-se ao compartilhar o fenômeno de
ouvir os outros e de ser ouvido por eles também, possibilitando, assim, sensibilizar-se de que
“[...] a comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social”
(BORDENAVE, 2006, p. 19).
Investigamos que, ao ser instaurada a experiência da comunicação radiofônica no
processo de educação da EMEF Abrão de Moraes, foram desenvolvidas inúmeras ações de
diálogo na comunidade ao invés de comunicados unilaterais, pois “[...] a comunicação, pelo
contrário, implica numa reciprocidade que não pode ser rompida” (FREIRE, 1977, p. 67).
A seguir, apresentamos o logotipo utilizado para representar a rádio educativa da
EMEF Abrão de Moraes:
Imagem 39 – Logotipo da rádio da EMEF Abrão de Moraes publicado na sua web rádio (2004) Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
76
A professora Adriana Leila Trentin, da EMEF Abrão de Moraes, relata, ainda, que a
intervenção da oficina de rádio “[...] aproximou os alunos do conhecimento da tecnologia”.20
Ela relembra que muitos estudantes superaram dificuldades de aprendizagem quando se
envolveram nas atividades radiofônicas, sobretudo na sonoplastia e operação de áudio. É o
caso do estudante Vinícius, por exemplo, que gostou tanto de operar os equipamentos
eletrônicos da rádio on-line da escola que se interessou pela carreira da tecnologia e concluiu,
inclusive, o curso superior de tecnologia da informação.
A professora Adriana afirma, ainda, que, voluntariamente, contratou o provedor
hospedeiro chamado Locaweb para garantir a transmissão da rádio da EMEF Abrão de
Moraes, via internet, durante 24 horas por dia, em tempo real, com transmissões “ao vivo” ou
gravadas: “Esse servidor eu bancava com meus recursos financeiros. A prefeitura só dava o
recurso para manter o suprimento de material e o meu trabalho como professora da rede”.
Observamos que a cerimônia de inauguração da rádio da escola municipal de ensino
fundamental Abrão de Moraes recepcionou a comunidade local, discentes, docentes, diretoria,
entre outros profissionais da Secretaria Municipal de Educação. Os convidados adentraram na
emissora educativa, após desatarmos o laço da fita de inauguração que instalamos na porta do
estúdio da emissora educativa. Esse rito de passagem foi musicalizado pelas notas de um
professor artista que tocou piano para celebrar a transformação da realidade na escola.
O Hino Nacional foi transmitido pela rádio Abrão de Moraes, durante o ato de
solenidade para a inauguração desta emissora. Foi desta forma que entrou no ar a
programação da rádio Abrão de Moraes, simultaneamente via internet e pelas ondas de
frequência modulada de baixa potência, oficialmente, no dia 29 de abril de 2004.
Analisamos que a implantação da rádio na EMEF Abrão de Moraes desencadeou uma
experiência de comunicação pautada no diálogo e na prática da alteridade que nos favoreceu
compreender que
[...] se pretendemos viver em harmonia com nós mesmos e com a natureza,
devemos ser capazes de nos comunicar livremente num movimento criativo,
no qual ninguém adere em definitivo às suas ideias nem as defende de
maneira radical. (BOHM, 2005, p. 31).
Examinamos que a arte do encontro se espalhou nas ondas do rádio e no ciberespaço,
pois as (con)vivências iniciadas no pátio da escola e na sala de aula interligaram-se com as
ações de interesse da comunidade e da escola.
20 Entrevista concedida, em áudio, no dia 18 de dezembro de 2016.
77
Observamos a página eletrônica com o layout da rádio da EMEF Abrão de Moraes
publicado no dia de sua inauguração:
Imagem 40 – Layout da Rádio Educativa da EMEF Abrão de Moraes, publicado na internet, para
transmitir o programa inaugural da emissora, simultaneamente nas ondas do rádio em frequência
modulada e também na rede mundial de computadores, no dia 29/04/2004, às 8h35, durante
solenidade oficial com a participação de educandas(os), educadoras(es), pais, comunidade e
representantes do poder público Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
Analisamos que a alusão do ícone de receptor radiofônico contribuiu para ilustrar para
o internauta que ele podia ouvir a programação da rádio da EMEF Abrão de Moraes, via
internet, da mesma forma que se fazia ao sintonizar as ondas do rádio em determinada
frequência. Esta informação orientou o público sobre a novidade de ouvir a rádio da escola no
ciberespaço, por meio de um clique em frases orientadoras e explicativas em formato de links
e não de botões iconográficos.
Complementamos nossa análise com a imagem abaixo que ilustra que, para ouvirmos
a rádio com transmissão da programação “ao vivo”, ou seja, em tempo real, pela internet, nós
acessávamos o endereço eletrônico <www.emefabraodemoraes.com.br> e clicávamos no link
78
intitulado “Clique para Ouvir a Rádio On Line”. Explicar era preciso para garantir o acesso à
audiência, visto que se tratava de um “mundo novo” tanto para quem fazia a rádio quanto para
quem ouvia a emissora educativa da EMEF Abrão de Moraes.
Imagem 41 – EMEF Abrão de Moraes transmite sua programação radiofônica “ao vivo” e/ou gravada
pela internet, em 2004, durante 24 horas por dia Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
Observamos que vivíamos a predominância da chamada “Era dos Portais”, também
conhecida como “internet 1.0”. Por isto, era recomendável publicar páginas eletrônicas leves e
estáticas para facilitar o acesso dos internautas naquele momento, sobretudo quando se tratava
de transmissão de arquivos de áudio ou vídeo em tempo real ininterruptamente.
Sabemos que, na internet, a transmissão de programas de rádio ao vivo é chamada de
publicação em tempo real. Examinamos que a rádio da EMEF Abrão de Moraes conseguiu
transmitir sua programação no ciberespaço desta forma.
Verificamos, ainda, que a rádio da EMEF Abrão de Moraes também disponibilizou a
opção de transmitir seus programas em formato denominado podcast, ou seja, programas
gravados que eram publicados na internet para permitir o público acessá-los a qualquer
79
tempo, sob demanda (on demand), por inúmeras vezes. Tínhamos, portanto, um acervo
histórico da programação da Rádio Abrão disponível na internet.
Examinamos que o primeiro portal eletrônico da EMEF Abrão de Moraes foi
desenvolvido para transmitir a programação da rádio desta escola na internet. Com os
serviços do provedor hospedeiro intitulado Locaweb foram construídas as imagens, abaixo,
que complementam nossas investigações:
Imagem 42 – E-mail da web rádio da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
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Imagem 43 – Endereço eletrônico da rádio da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
Investigamos que a página eletrônica da EMEF Abrão de Moraes foi um portal que
continha dispositivos tecnológicos com recursos de rádio, tv, álbum de fotografia, blog, chat,
fórum, enquete, notícias e o canal interativo intitulado “fale conosco”. “Desta forma, na
comunicação, não há sujeitos passivos” (FREIRE, 1977, p. 67), por isto a participação se
proliferou tanto na produção radiofônica da comunidade escolar quanto na interação pública
pela internet.
A diversidade de canais de comunicação permitiu-nos participar ativamente dos
processos interativos da EMEF Abrão de Moraes. Nós nos comunicamos com a comunidade
da escola e com educadores doutros estados que se interessaram em saber como construir uma
web rádio educativa. Ouvintes internautas doutros países também acompanharam a
programação da rádio da EMEF Abrão de Moraes. A professora Adriana Leila Trentin
relatou-nos que tínhamos ouvintes da Rádio Abrão em Angola, Portugal, Canadá, Inglaterra e
Estados Unidos.
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A empresa Locaweb apresentou-nos relatórios mensais sobre o local de origem dos
países que acessaram a programação on-line da rádio da EMEF Abrão de Moraes.
Em nossas análises buscamos apreender o que o computador com acesso à internet,
acoplado ao Kit Educom, poderia permitir e potencializar à rádio; a coexistência acoplada à
web rádio, web tv e jornal eletrônico ampliou as ações desenvolvidas pelas ondas de
frequência modulada, por meio da convergência das mídias no ciberespaço.
Imagem 44 – Página principal do portal da EMEF Abrão de Moraes com transmissão de sua
programação radiofônica “ao vivo” e/ou gravada na internet, em 2004 Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
Verificamos, ainda, a intenção de utilizar o site da EMEF Abrão de Mores para
incorporar a comunicação nas práticas de ensino a fim de gerar experiências de aprendizagem
educomunicacionais.
E observamos que a rádio educativa prestou, também pela internet, informações
acerca de processos da escola municipal de ensino fundamental Abrão de Moraes.
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Compreender e acompanhar tal fenômeno, para nós inédito, ampliou a tradicional forma de
construção e vigência de um Projeto Pedagógico da unidade escolar. Divulgações de notícias
de interesse público para a comunidade escolar foram apresentadas em formatos de áudio,
texto e vídeo, pela internet.
A entrada do painel de notícias permitiu à comunidade ler e, inclusive, enviar
informações: esta experiência foi um marco dialógico na EMEF Abrão de Moraes, no ano de
2004. “A comunicação confunde-se, assim, com a própria vida” (BORDENAVE, 2006, p.
19).
Imagem 45 – Página eletrônica das notícias do portal transmitidas pela Rádio da EMEF Abrão de
Moraes, em 2004, na rede mundial de computadores Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
Verificamos que as fotografias de eventos da escola tornaram-se documentos
acessíveis por todos a qualquer momento, via web rádio. Um álbum de fotografias eletrônico
alimentou a memória afetiva com os registros de encontros especiais tais como: reuniões de
pais e mestres, festividades da semana da família, deliberações de orçamentos participativos
denominados “OP Criança”, saraus de música e poesia, torneios esportivos da escola,
atividades do grêmio estudantil, assembleias de polo, entre outras atividades desenvolvidas
83
dentro ou fora da EMEF Abrão de Moraes. As imagens tornaram de domínio público um
registro de ocorrências e isso ampliou as interpretações e inserções de pessoas nas atividades
escolarizantes.
Imagem 46 – Página eletrônica do registro de reuniões de pais, entre outros eventos, com a
participação da comunidade, transmitidos pela Rádio da EMEF Abrão de Moraes, em 2004, na rede
mundial de computadores, em formato multimídia (texto, áudio e imagens estáticas e dinâmicas) Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
A experiência da linguagem radiofônica na escola fomentou a prática de ensino com
uma rádio educativa, articulando a escolarização com a ampliação da participação de pais na
comunidade escolar, por meio de ações coletivas e colaborativas. A práxis dessa forma de
educomunicação, via linguagem radiofônica, colaborou para a cultura da cooperação.
Então, a comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida
da sociedade. Sociedade e comunicação são uma coisa só. Não poderia
existir comunicação sem sociedade, nem sociedade sem comunicação. A
comunicação não pode ser melhor que sua sociedade nem esta melhor que
sua comunicação. Cada sociedade tem a comunicação que merece. “Diz-me
como é tua comunicação e te direi como é a tua sociedade”. (BORDENAVE,
2006, p. 17).
O canal de interação com a comunidade escolar foi contemplado pela arquitetura da
web rádio, por meio do formulário de participação de ouvintes e internautas.
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Imagem 47 – Página eletrônica para a participação da comunidade escolar na programação on-line da
Rádio Educativa da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
A sugestão de canções era atendida, caso a música estivesse disponível nos arquivos
da Rádio Abrão de Moraes. E, devido ao acoplamento do computador com acesso à internet
no Kit Educom, foi possível construir e ampliar o acervo de músicas, trilhas e efeitos sonoros
da rádio da escola.
Observamos, ainda, que o critério de sorteio foi considerado justo e democrático para
atender as sugestões musicais requisitadas pelo público. Este procedimento é apresentado na
página de programação on-line da rádio.
Complementando a investigação com o formulário de participação disponibilizado
para o público, via internet, utilizamos também este canal para motivar a participação de
educandas(os), educadoras(es) e pessoas da comunidade extraescolar. Neste formulário,
podia-se fazer pedidos musicais, podia-se dedicar a programação para as pessoas,
compartilhando vínculos. Esse canal de participação na programação da rádio escola
contribuiu nos processos de comunicação e de educação pautados em valores humanísticos.
De acordo com Freire (1977, p. 43),
O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo,
o pronunciam, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para
a humanização de todos. Este encontro amoroso não pode ser, por isto
mesmo, um encontro de inconciliáveis. (FREIRE, 1977, p. 43).
85
Verificamos que a arte do encontro presencial no estúdio de rádio desdobrou-se em
encontro virtual em interações promovidas pela web rádio. Desta forma, a experiência da
educomunicação pela linguagem radiofônica contribuiu para refletirmos sobre as inter-
relações entre cultura, educação e comunicação.
A comunicação foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua cultura
foram-lhe transmitidos, pelo qual apreendeu a ser membro de sua sociedade
– de sua família, de seu grupo de amigos, de sua vizinhança, de sua nação.
Foi assim que adotou sua cultura, isto é, os modos de pensamento e de ação,
suas crenças e valores, seus hábitos e tabus. [...] isto aconteceu
indiretamente, pela experiência acumulada de numerosos pequenos eventos,
insignificantes em si mesmos, através dos quais travou relações com diversas
pessoas e aprendeu naturalmente a orientar seu comportamento para o que
convinha. Tudo isto foi possível graças à comunicação. (BORDENAVE,
2006, p. 17).
A TV Abrão de Moraes exibia imagens das ações desenvolvidas pela e na comunidade
escolar; sobretudo a produção de conteúdos radiofônicos vinculados ao calendário letivo em
andamento, tais como entrevistas, apresentações no estúdio de rádio.
A ilustração da página eletrônica da TV Abrão indicava, ainda, a possibilidade de
baixar os vídeos produzidos pela EMEF Abrão de Moraes:
Imagem 48 – Página eletrônica da web tv da EMEF Abrão de Moraes, em 2004 Fonte: <www.emefabraodemoraaes.com.br>.
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Observamos que a linguagem radiofônica foi uma experiência motivadora. A rádio da
EMEF Abrão de Moraes instaurou formas de interação antes inexistentes e,
consequentemente, passou a utilizar vídeos para desenvolver e ampliar as ações de
comunicação nas práticas de ensino, viabilizadas com produções de conteúdo para a TV
Abrão.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência da linguagem radiofônica, aqui pesquisada através de relatos,
documentos e mídia de estudantes e educadores, retrata a perspectiva de aprendizagens e
construção do conhecimento por meio da educomunicação.
A educação comunitária educomunicativa pode ser uma experiência libertadora em
que as pessoas deixam de girar em torno da comunicação para que a comunicação passe a
girar em torno das pessoas.
Ante o desafio de montar e operar a rádio do Kit Educom, vivenciamos o período que
chamaremos de “Educom 1.0” para a primeira configuração de equipamentos utilizados para
gravar as produções radiofônicas em fitas k-7 ou cds. Nossa intervenção permitiu gravação
em software livre de edição não linear e, ainda, utilizarmos o computador com acesso à
internet acoplado no Kit Educom, ou seja, avançando para a fase que chamaremos de
“Educom 2.0”. Atualmente, podemos utilizar aplicativos, redes sociais e a internet das coisas
para desenvolver o “Educom 3.0”.
O conhecimento técnico da linguagem radiofônica é a base para a instalação,
configuração, operação e manutenção dos equipamentos eletrônicos disponibilizados para
desenvolver as práticas de educomunicação.
Procedimentos padronizados pela ABNT e recomendações específicas dos fabricantes
de equipamentos encontrados no Kit Educom precisaram ser cumpridos, rigorosamente, para
evitar a danificação parcial ou total dos aparelhos que compõem esse patrimônio público.
Todos os protocolos para a instalação segura do Kit Educom junto à rede elétrica
foram imprescindíveis para evitarmos acidentes na escola, em especial com crianças e
adolescentes. Isso garantiu vida longa ao patrimônio encontrado no Kit Educom, em 2004,
especificamente.
A expertise tecnológica e o domínio da linguagem radiofônica promoveram autonomia
para cada EMEF colocar e manter sua rádio educativa no ar. Essa realidade apresentou-se
como um desafio a ser empreendido em cada escola municipal. Diante desse cenário, a
Coordenadoria de Educação da Penha desenvolveu estratégias para subsidiar demandas das
escolas portadoras do Kit Educom. Implementaram-se elementos de uma política pública em
educomunicação.
Focalizando a formação, tinham em vista vivenciarmos o desenvolvimento de valores
comunitários nas interações diretamente preocupadas com a aprendizagem. Tal enfoque foi
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estimulado e potencializado por enlaces afetivos de proximidade e pertencimento entre ações
pedagógicas e leituras do cotidiano. Isso favoreceu o florescimento de uma estética e de
compreensões segundo uma pedagogia reconhecidamente própria. As perspectivas
vislumbradas ao experimentar processos de democratização nas interações comunicativas
foram um exercício de “educomunicação como prática da liberdade”. Tal experiência
contribuiu para criações e práticas de uma pedagogia da comunicação.
A transformação da realidade das práticas de ensino resultantes da adoção da
linguagem radiofônica na criação de conhecimentos foi um aspecto motivador que
observávamos na escola. Estudantes e educadoras(es) vivenciaram uma comunicação
comunitária democrática, horizontal e participativa para fertilizar práticas de ensinar
aprendendo e aprender ensinando.
A experiência da adoção da linguagem radiofônica, tratada nesta pesquisa, apresentou
mobilização e motivação de participações – e não apenas em ambiente intraescolar – na
construção do conhecimento com autonomia e em torno de tematizações que emancipam, ou
seja, conhecimento que não apenas instrui.
O fenômeno viabilizou leituras de mundo por meio de registros sonoros e visuais. Tais
motivações e participações exigiram interações além das usuais e costumeiras numa unidade
escolar; por exemplo, realizamos círculos de cultura para as reuniões de pauta, para as
coletivas de entrevistas e em outras práticas radiofônicas. Realizamos expedientes próprios ao
“mundo do rádio-comunitário”. Os desafios de gravar, editar, transmitir e apresentar
programas radiofônicos estimularam protagonismos feitos pela parceria educadoras(es) e
estudantes.
Aquela intervenção, aqui analisada nesta pesquisa, provocou práticas de aprendizagem
investigativa, reflexiva e comunicativa com pesquisas e trabalhos coletivos e colaborativos
compartilhados com a comunidade extraescolar.
Os resultados foram práticas humanas cidadãs incorporadas democraticamente ao
cotidiano escolar. A experiência educomunicacional radiofônica implicou em (con)vivências
comunitárias constituídas por valores solidários na relação interpessoal e no zelo com o
espaço público. Orgulhar-se de pertencer àquela unidade escolar da rede pública e merecer o
reconhecimento social por suas práticas de pedagogia da comunicação com amorosidade
tornaram-se características marcantes dos estudos aqui analisados.
Ao vivenciarmos uma experiência nestes moldes, abrimo-nos à transformação. E a
experiência radiofônica articulou esse processo com a oralidade praticada pelo usufruto de
89
aparatos elétrico-eletrônicos. O suporte técnico é imprescindível e, metaforicamente, pode ser
comparado ao motor de arranque de um veículo, que faz com que a faísca provocada pela
parte elétrica gere autonomia para o posterior processo de combustão. Com essa comparação
quero dizer que um domínio técnico foi colocado a serviço da oralidade, da locução e de
outras práticas educativas.
É fundamental, portanto, a contribuição de profissionais de comunicação nos
processos de educação. Não apenas para o desenvolvimento das linguagens jornalísticas,
radiofônicas, televisivas, entre outras mídias, mas, sobretudo, para a construção coletiva de
experiências de aprendizagens.
A contribuição de radialistas, jornalistas, publicitários, relações públicas, entre outros
profissionais de comunicação social, agrega valor, como, por exemplo, o domínio da
linguagem de diversos meios de comunicação. Juntamente com os profissionais de educação e
de tecnologias da informação e comunicação pode-se desenvolver experiências de
aprendizagens enriquecedoras e significativas.
O “saber-de-experiência-feito” propiciado pela linguagem radiofônica favorece o
desenvolvimento de possibilidades lúdicas e criativas que transformam a rotina escolar em
práticas prazerosas e relevantes. Isto contribui para o engajamento da comunidade escolar
“absorvida” em exercícios de autonomia escolar, em ambiente cooperativo e colaborativo
durante a produção de programações em variados gêneros (jornalístico, musical, entre outros).
A interação com o público da rádio da escola é experiência importante para
compreendermos as dimensões da comunicação em suas implicações culturais: o diálogo, a
memória oral, a história e o saber de experiência.
A leitura crítica dos meios de comunicação de massa e a compreensão da comunicação
para compreender/conceituar pode contribuir para ampliar as possibilidades dialógicas do
encontro com o outro, por meio de práticas de alteridade.
A comunicação é fundamental para transformações na educação e para transformações
por meio da educação. Portanto, a comunicação mal trabalhada gera problemas para a
qualidade da formação.
Por fim, a leitura de mundo que se expressa, enquanto se o compreende, dá-se na
prática educomunicacional. Dialogamos com o outro e compreendemos outras possibilidades
de leituras de mundo, em variadas linguagens. Nesse processo dialógico, a comunicação
prolifera interações que, em especial na linguagem radiofônica, promovem experiências que
gestam saberes de experiência...
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Comunicação. Disponível em: <http://escolacomradio.blogspot.com.br/>. Acesso em: 20
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TRUFFI, Ymair Helena; FRANCO, Luiz Antonio Carvalho (Org.). Multimeios aplicados à
Educação: uma leitura crítica. São Paulo: FDE, 1990.
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ANEXO – Projeto Rádio Escola on-line
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