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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Rodrigo Khury
RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
CURITIBA
2012
RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Curitiba
2012
Rodrigo Khury
RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientadora: Prof
a. Claudia Beeck Moreira de
Souza
CURITIBA
2012
TERMO DE APROVAÇÃO
Rodrigo Khury
RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do titulo de Bacharel em Direito em no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ___ de abril de 2012.
____________________________________
Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias
____________________________________
Orientadora: Professora Claudia Beeck Moreira de Souza Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
____________________________________ Membro da Banca Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
____________________________________ Membro da Banca Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito
RESUMO
A pena privativa de liberdade, cujo cumprimento se pode dar em regime fechado, semi-aberto e aberto, é cumprida em penitenciárias, sob a égide da Lei de Execuções Penais. Este dispositivo legal estabelece diretrizes de assistencialismo ao preso, direcionando o período em que está sob a custódia do Estado para o processo ressocializador, visando, assim, a integração do egresso à sociedade. São formas de assistencialismo o trabalho dentro das prisões, a educação do preso, o cuidado com sua saúde, acompanhamento de profissionais de saúde e de serviço social, bem como o contato com a família, por meio das visitas e correspondência. Todavia, diante da realidade vivida dentro da maioria dos estabelecimentos prisionais nacionais e dos índices de reincidência dos egressos pode-se afirmar que os objetivos de ressocialização do condenado não são alcançados. A criminalidade está presente dentro dos estabelecimentos prisionais, de modo organizado, existindo, inclusive, o comando de ações criminosas de dentro para fora das grades. Mesmo dentro dos presídios modelos, onde o assistencialismo é evidente, não e pode garantir a eficácia do processo de ressocialização, pois este somente pode ser medido a partir de índices de reincidência e integração do egresso ao meio social, mediante exercício de atividade lícita e integração familiar. Palavras-chave: Pena de prisão, ressocialização do preso, reincidência, integração familiar.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6
2 BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO .......................................................... 8
2.1 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL ....................................................................... 18
2.2 A PENA DE PRISÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ............................ 21
2.3 OS FINS DO CUMPRIMENTO DA PENA DE ACORDO COM A LEI DE
EXECUÇÕES PENAIS .............................................................................................. 33
3 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO ......................................................................... 37
3.1 O TRABALHO DO PRESO ................................................................................. 38
3.2 ASSISTÊNCIA MATERIAL .................................................................................. 41
3.3 SAÚDE DO PRESO ............................................................................................ 43
3.4 ASSISTÊNCIA JURÍDICA ................................................................................... 46
3.5 ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL .......................................................................... 48
3.6 ASSISTÊNCIA SOCIAL E O CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR .............. 50
3.7 ASSISTÊNCIA RELIGIOSA ................................................................................ 53
4 PANORAMA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E A
RESSOCIALIZAÇÃO ................................................................................................ 55
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 63
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
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1 INTRODUÇÃO
A prisão é meio de contenção empregado desde os primórdios das
civilizações. Inicialmente não era tida como uma pena, sendo que era executada
somente como meio de se garantir que o criminoso estivesse presente no momento
de seu julgamento.
Modernamente, a concepção de prisão muda, juntamente com a sociedade
nascente e passa a ser vista como o local para cumprimento de pena privativa de
liberdade, ou seja, surge para substituir penas degradantes que incidiam sobre os
corpos dos condenados. Os primeiros modelos de prisão para cumprimento de pena
privativa de liberdade são o filadelfiano e auburiano instituídos nos Estados Unidos
da América.
A partir de então o sistema evoluiu, inclusive no sentido de humanização do
preso, impondo ao Estado o dever de garantir a este, durante o cumprimento da
pena, meios para se reintegrar na sociedade quando do término da pena. É o
sistema ressocializador.
Seguindo esta evolução de humanização das penas, a Constituição Federal
de 1988, cuja redação não é inédita acerca da matéria, prevê garantias aos presos:
a proibição de pena perpétua, de trabalho forçado, banimento e penas cruéis (artigo
5°, inciso XLVII, e suas alíneas); o respeito à integridade física e moral (artigo 5°,
inciso XLVIII); e o direito à condições que permitam as presidiárias permanecerem
com seus filhos durante o período de amamentação (artigo 5°, inciso L).
Coube à Lei de Execuções Penais, Lei n° 7.210/84, disciplinar o
cumprimento das penas. O artigo 1° deste Diploma Legal reza que ao Juízo da
execução cabe efetivar os termos da sentença, bem como proporcionar condições
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para harmônica integração social do condenado e do internado. Assim, ficou
instituído o dever de ressocialização das penas no Brasil.
Medidas assistenciais devem ser concretizadas durante o cumprimento da
pena, de modo a preparar o condenado para o retorno à sociedade e reprimir o
crime, dentre elas: assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e
religiosa, todos nos termos do artigo 11, da Lei de Execuções Penais.
Considerando tais informações, no presente trabalho, após breve exposição
histórica acerca da prisão no decorrer dos séculos, tratar-se-á de cada uma destas
formas de assistencialismo, expondo em que termos devem ser cumpridas e como
podem, ou não, colaborar no processo de ressocialização.
Diante do conhecimento teórico é necessário expor-se a realidade dos
presídios brasileiros, as quais, adiantando-se, não são nada boas em termos gerais,
para verificar se o processo de ressocialização está sendo efetivo, ou seja, se esta
oportunizando ao egresso chances de convívio natural junto a sociedade que o
recebe e se está prevenindo índices de reincidência.
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2 BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO
A prisão perde sua origem na história, de modo que a sua perpetuação não
indica possibilidade de abolição, mas sim de reforma com passar dos séculos.
Modernamente, é tida como um mal necessário, possuindo, em sua essência,
contradições1 das quais não se pode libertar. (BITENCOURT , 2004, p. 459).
Na antiguidade a privação da liberdade não foi conhecida como sanção
penal, em que pese já se aplicasse prisão aos criminosos. Contudo, esta não era
vista como pena, pois tinha a única função de manter o réu à disposição da
autoridade até o seu julgamento, quando era condenado, geralmente, a uma pena
de morte, a uma pena corporal (mutilações, por exemplo) ou a uma pena infamante
(BITENCOURT , 2004, p. 460).
A pena privativa de liberdade é uma forma punitiva recente na história das penas. Apenar da prisão ser conhecida, desde os primórdios da humanidade, esta não possuía caráter punitivo, tratando-se de um simples mecanismo de custódia de presos, durante o julgamento, como forma de se garantir, ao final, a aplicação da verdadeira pena, quase invariavelmente de morte ou corpórea. (BATISTA, 2005, p. 227).
Na Grécia era prevista a possibilidade de contenção em cárcere do devedor
civil até a realização do pagamento da dívida ou até quando ocorresse o julgamento.
Nesta civilização a prisão também não era vista como pena, todavia Platão sugeria
três tipos de prisões:
1 Um exemplo desta contradição está evidenciado no artigo de Andréa Almeida Torres: “Para
THOMPSON a pena de prisão possui métodos contraditórios, pois pretende constituir-se como uma ação pedagógica ou terapêutico-reformativa, onde o seu real e principal fim é a segurança”. TORRES, Andréa Almeida. Críticas ao tratamento penitenciário e a falácia da ressocialização. Revista de Estudos Criminais, n. 26, p. 112, jul./set. 2007.
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uma na praça do mercado (cárcere de custódia); outro (denominado sofonisterion) dentro da cidade e que serviria de correção; e um último, com finalidade de intimidação (caso de suplício), em local deserto e sombrio, afastado o mais possível do centro urbano. (DOTTI, 1988, p. 32).
Os presos que aguardavam julgamento, nesta época, eram alojados em
locais diversos, haja vista a inexistência de prisões específicas a este fim. Assim,
eram depositados em calabouços, aposentos insalubres dentro de castelos, torres,
conventos abandonados, ou seja, nos piores locais disponíveis na localidade.
(BITENCOURT, 2004, p. 462).
Luigi Ferrajoli, no mesmo sentido, argumenta que, embora a prisão seja uma
instituição muito antiga, a pena privativa de liberdade é tipicamente burguesa.
Naquela época, “a detenção propriamente dita não teve em geral uma função
punitiva” (FERRAJOLI, 2006, p. 359). Ferrajoli prossegue ressaltando que “durante
toda a Idade Média sua função continuou sendo precipuamente a cautelar de
prender os imputados durante o tempo necessário para o processo, com o fim de
confiá-los à justiça e impedir sua fuga” (2006, p. 359). Ou seja, a prisão como meio
de acautelar o direito do credor é uma instituição com origens primitivas. Já a prisão
como pena em razão da violação da autoridade estatal é, para o autor, uma criação
moderna, assim como o próprio Estado.
Com o fim da Idade Antiga, a partir da queda de Roma e de seus Impérios, a
Idade Média apresenta novos delineamentos acerca da prisão, embora, esta
continue a não ser vista como pena. Neste tempo, são criadas a prisão do Estado e
a prisão Eclesiástica. A primeira abrigava inimigos do poder, do rei ou do senhorio,
praticantes de crime de traição, ou os adversários políticos daqueles que
governavam, e se apresentava em duas modalidades: “a prisão custódia, onde o réu
espera a execução da verdadeira pena aplicada (morte, açoite, mutilações), ou
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como detenção temporal ou perpétua, ou ainda, até receber o perdão real”
(BITENCOURT, 2004, p. 463).
São exemplos destas prisões a Torre de Londres e a Bastilha de Paris, as
quais não possuíam, assim como as demais, instalações físicas, arquitetonicamente,
adequadas para manutenção de presos, já que a sua destinação inicial era diversa
(BITENCOURT, 2004, p. 463).
A prisão Eclesiástica era direcionada aos integrantes da Igreja, abrigando
clérigos rebeldes, e dentro de uma perspectiva de caridade e fraternidade da
Instituição, o recolhimento tinha como objetivo a penitência e meditação. No ano de
1.000 relatou-se que estas prisões localizavam-se em locais subterrâneos, sendo o
acesso por meio de uma escada, possibilitando a entrada de luz para e o recolhido
ler o breviário e as escrituras sagradas (BITENCOURT, 2004, p. 464).
Assim, “o cárcere, como instrumento espiritual do castigo, foi introduzido
pelo Direito Canônico, posto que, pelo sofrimento e na solidão, „a alma do homem se
depura e purga o pecado” (DOTTI, 1988, p. 33). É certo que este modelo canônico
inspirou o modelo de prisão da modernidade, com destaque no que tange à
recuperação do criminoso e aos termos atualmente utilizados, pois de “penitência”
originaram-se os termos “penitenciária”, “penitenciário” (BITENCOURT, 2004,
p.465).
Entretanto, não se pode esquecer que neste período as prisões não eram
estabelecimentos para cumprimento de pena, ou nos dizeres de Cezar Roberto
Bitencourt: “A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial
aplicáveis àqueles que foram submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por
um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas” (BITENCOURT, 2004, p. 463).
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Estas práticas sangrentas eram conhecidas como suplícios, contavam com a
participação em massa do povo, cujo objetivo era acompanhar o esquartejamento
dos condenados. Isto ainda persistiu após o início da Idade Moderna, todavia
adquiriu formas mais sóbrias até ser substituída por completo pela pena privativa de
liberdade.
A obra Vigiar e Punir de Michel Foucault retrata de forma detalhada esta
transição. Já no início do livro, o autor traz o relato da execução de um condenado
na França em 1757, e em seguida relata a forma de utilização do tempo dos internos
da Casa dos jovens detentos de Paris. Vejamos alguns trechos:
[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde deveria ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola carregando uma tocha de cera de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e num patíbulo que aí será erguido, atenazando os mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (...) [Três décadas mais tarde, eis o regulamento redigido por Leon Faucher para “Casa dos jovens detentos em Paris”]. Art. 17. – O dia dos detentos começará as seis horas da manhã no inverno, às cinco horas no verão. O trabalho há de durar nove horas por dia em qualquer estação. Duas horas por dia serão consagradas ao ensino. O trabalho e o dia terminarão às nove horas no inverno, às oito horas no verão.
(FOUCAULT, 2001, p. 9-10).
Após esta exposição, explica o autor que o suplício e a utilização do tempo
dentro da casa de detenção não são aplicados ao mesmo gênero de criminosos, e
continua:
Mas definem bem, cada um deles, um certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos. É a época em que foi redistribuída na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo. É época de grandes “escândalos” para a justiça tradicional, época dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política
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do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação dos códigos “modernos”: Rússia, 1769; Prússia, 1780; Pensilvânia e Toscana, 1786; Áustria, 1788, França, 1791, Ano IV, 1808 e 1810. Para a justiça penal uma nova era. (grifos nossos). (FOUCAULT, 2001, p. 11).
Neste contexto, a punição deixa de ser um espetáculo de humilhação ao
condenado, sendo extinta por completo, em toda a parte, no final do século XVIII, ou
na primeira metade do século XIX, oportunidade em que a execução pública passa a
ser tida pela população como um espetáculo de violência. Assim, para os
estudiosos, a punição, por não mais se dirigir ao corpo do condenado, deve-lhe
atingir a alma, ou seja, deve recair sobre o coração, intelecto, vontade e sobre as
disposições (FOUCAULT, 2001, p. 18).
Foucault ressalta também que a transição, do suplício diante da multidão
para a pena de prisão cumprida sigilosamente dentro dos grandes muros de
estabelecimentos criados para este fim, “não é passagem a uma penalidade
indiferenciada, abstrata e confusa; é uma passagem de uma arte de punir a outra,
não menos científica que ela. Mutação técnica” (2001, p. 215).
Tratando do tema das penas de privações já na modernidade, Luigi Ferrajoli
salienta que a pena, em sua acepção moderna, deve ser quantificada, determinada
e proporcional à gravidade do delito (2006, p. 362).
Assim, afirma-se ser característica da pena moderna a abstração e
observância de um princípio de igualdade. Além disso, ela deve ser “quantificável e
mensurável e, por isso, predeterminável legalmente e determinável judicialmente
tanto em sua natureza como no que tange à sua medida” (FERRAJOLI, 2006,
p.358).
A partir dessa nova concepção, passou-se a questionar o caráter punitivo da
pena. Ou seja, seu caráter retributivo perdeu importância, em detrimento de sua
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“substituição por técnicas indeterminadas de defesa social de caráter terapêutico ou
pedagógico” (FERRAJOLI, 2006, p.362).
Além do mais Ferrajoli afirma que “a pena - segundo a já aludida tese que
une Montesquieu, Beccaria, Romagnosi, Bentham e Carmignani - deve ser
necessária e a mínima dentre as possíveis em relação ao objetivo da prevenção”
(2006, p. 363). Essa noção traz uma ideia de pena mínima necessária e do respeito
ao indivíduo, que é sim titular de direitos e garantias, sendo proibida a aplicação de
penas cruéis, desumanas ou que extrapolem o mínimo necessário à sua função
terapêutica.
O referido autor ressalta ainda que com o passar do tempo, o valor da
pessoa humana acabou por impor uma limitação à própria aplicação da pena, sendo
vedada a utilização de penas excessivas, pois diz-se que “a lei não deve estabelecer
mais do que penas estritamente e evidentemente necessárias” (FERRAJOLI, 2006,
p. 363).
Isso quer dizer que, acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e à quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Devo acrescentar que este argumento tem um caráter político, além de moral: serve para fundamentar a legitimidade do Estado unicamente nas funções de tutela da vida e os demais direitos fundamentais; de sorte que, a partir daí, um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinqüentes. (FERRAJOLI, 2006, p.364).
Na modernidade, o sistema prisional como meio de punição se mostra como
uma forma de controle social, pois o criminoso, submetido ao tratamento penal, é
objeto de regeneração, recuperação, reforma e reeducação, ou seja, a pena de
prisão, ideologicamente sustentada pela criminologia clássica, passa a objetivar a
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ressocialização do criminoso. Em sendo assim, diversas penitenciárias na Europa e
Estados Unidos, nos séculos XVIII e XIX, utilizaram o isolamento e a religião para
regenerar os indivíduos condenados (TORRES, 2007, p. 108).
Mesmo diante de toda uma evolução no cumprimento de pena prisão no seio
da Europa, a partir do século XVI, com a construção de prisões para correção dos
apenados (BITENCOURT, 2004, p. 466), foi nos Estados Unidos que surgiram os
primeiros modelos organizados de cumprimento de pena privativa de liberdade em
estabelecimentos penitenciários, os quais foram especialmente construídos com o
objetivo de atender a execução da pena.
Os primeiros sistemas de execução de pena privativa de liberdade (sistemas penitenciários) têm origem nos Estados Unidos da América e foram denominados sistema filadélfico ou pensilvânico (sistema celular dos (Quackers) e o sistema auburniano ou “silent systen”. No primeiro, um rigoroso isolamento celular era mantido durante toda a pena de prisão e o indivíduo ficava a mercê de um tutor (Quacker), que o acompanhava promovendo estudos e leituras bíblicas e esperando alcançar o arrependimento e a purificação espiritual do apenado. O segundo propiciava o trabalho comum durante o dia, mantendo a regra do isolamento celular apenas para noite. A disciplina deste sistema penitenciário exigia que o trabalho comum fosse executado totalmente em silêncio (daí a denominação de silent systen) e tinha por finalidade formar operários padrões para o nascente capitalismo industrial do norte dos Estados Unidos (daí a implantação deste sistema em Auburn no estado americano de Nova Iorque). (BATISTA, 2005, p. 227-228).
Neste período, o cumprimento da pena, vista como castigo, era exercido a
partir de políticas públicas do Estado, cujo objetivo era a recuperação do indivíduo.
Nas penitenciárias o preso era submetido ao sofrimento, intimidado e reformado e,
para tanto, eram aplicadas técnicas de disciplina, a qual também se pretendia
alcançar por meio do trabalho, moralização e vigilância constante (TORRES, 2007,
p. 109).
Juarez Cirino dos Santos faz uma relação entre cárcere e fábrica a partir dos
modelos americanos de penitenciária. Afirma que o modelo filadelfiano
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foi a alternativa para o trabalho carcerário no período da produção manufatureira: de um lado, o panótipo de Bentham, como arquitetura disciplinar da instituição penal; de outro, o confinamento em celas individuais para oração e trabalho. (SANTOS, 2008, p. 506).
Todavia, este modelo entra em decadência quando dos tempos da
industrialização, pois o trabalho isolado do preso não atende às expectativas do
trabalho produtivo do encarcerado, haja vista a impossibilidade de este realizar
trabalho coletivo necessário para tornar industrial a prisão.
O modelo auburn, por sua vez, é a solução do problema surgido no modelo
filadelfiano a partir da idéia de trabalho coletivo na industrialização, posto que esta
nova forma de encarceramento, como visto, permite o trabalho coletivo durante o
dia, mesmo que sob o sistema de silêncio. Assim, a exploração do capital é levado
aos presídios, organizando-os no mesmo sistema da “fábrica” (SANTOS, 2008,
p.508).
Na Europa, durante o período final do século XIX e início do século XX,
novas teorias penitenciárias são desenvolvidas pela escola positivista. Aquele que
comete delito é considerado diferente dos demais cidadãos, sendo necessário
serem submetidos a tratamento identificador das causas de seu comportamento.
Para esta escola o crime é cometido por sujeitos que sofrem de patologias
biopsicosociais e, desta forma, o tratamento penitenciário tem o objetivo de correção
do sujeito. “Para a teoria positivista, a criminalidade é determinada por estes fatores
biopsicosociais e comportamentais dos indivíduos delituosos ou com tendências a
cometer delitos” (TORRES, 2007, p. 109).
Ou seja, as causas do crime são consideradas patológicas, a partir de um
determinismo biológico disposto em 3 classes: a primeira antropológica, a segunda
de fatores físicos e a última de fatores sociais. “O delito era conduzido assim, (...) a
uma concepção determinista da realidade em que o homem está inserido, e da qual
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todo seu comportamento é expressão” (TORRES, 2007, p. 109). Neste sentido, a
personalidade dos criminosos era classificada, para que, a partir dela, se pudesse
estabelecer qual o tratamento penitenciário mais adequado.
Neste contexto, não se pode mais falar em retribuição jurídica do crime,
posto que a pena de prisão para ter um caráter repressivo social, de modo a
“corrigir” os criminosos, independentemente do tempo necessário para tanto. Veja-
se a manifestação de Alessandro Baratta acerca do tema:
O desenvolvimento da Escola positiva levará, portanto, através de Grispigni, a acentuar as características do delito como elemento sintomático da personalidade do autor, dirigindo sobre tal elemento a pesquisa para tratamento adequado. (...) Mas a afirmação da necessidade de ação delituosa faz desaparecer todo caráter de retribuição jurídica ou de retribuição ética da pena. Agora, novamente, mesmo na diversidade de pressupostos, e também conseqüências práticas, vemos reafirmada, na história do pensamento penalístico italiano, a concepção de pena como meio de defesa social. Ferri agrega à pena todo o sistema de meios preventivos de defesa social contra o crime, que assumem a forma e a denominação de “substitutivos penais”. Mas como meio de defesa social a pena não age de modo exclusivamente repressivo, segregando o delinqüente e dissuadindo com sua ameaça os possíveis autores de delitos; mas também e sobretudo, de modo curativo e reeducativo. (2002, p. 39-40).
Diante deste quadro é possível afirmar que a pena de prisão em
penitenciárias passou a ser vista como meio de reeducação humana. Assim,
aqueles objetivos de ressocialização, regeneração, readaptação e recuperação do
condenado são perseguidos por medidas terapêuticas, fazendo com que o
condenado seja transformado, de forma a tornar-se capaz a adaptação à vida em
sociedade, de modo a respeitar suas exigências morais e legais. (TORRES, 2007,
p.110).
Torna-se necessária, portanto, uma avaliação pessoal do criminoso, mais
especificamente, uma avaliação subjetiva de sua personalidade, para se estabelecer
qual o tratamento penitenciário mais adequado. Desta forma, passam a atuar nestes
estabelecimentos médicos, psicólogos, psiquiatras e sociólogos, cuja função
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delimitar o perfil do interno, para então, traçar o tratamento de personalidade mais
indicado.
Por meio desta e evolução, e diante do fato de que a resposta do Estado à
transgressão penal é o tratamento penitenciário, este passou a focar a recuperação
do criminoso, por meio de métodos ressocializadores, permitindo a sua volta ao
convívio social.
A instituição da pena privativa de liberdade fez com que, de forma
conseqüente, surgisse a idéia de ressocialização, sendo necessário que o Estado
sancionador ocupasse o tempo do preso que estava à sua disponibilidade.
Chegou-se ao século XX com o sistema prisional progressivo, o qual teve sua origem na Inglaterra, estabelecendo que a pena privativa de liberdade deveria ser cumprida por etapas, incorporando o discurso e Ressocialização nas suas bases ideológicas. Este é o modelo adotado atualmente no Brasil, salvo pequenas alterações. Seu fundamento está no controle do corpo dos indivíduos, tomando este como agente de vontade ou compulsão criminosa, até que seja determinada sua “ressocialização” ou cumprida a totalidade da pena (...). (BREDOW, 2007, p. 206).
Chegando neste ponto, foi possível, mesmo que brevemente, uma
verificação histórica da pena de prisão durante o passar dos séculos. Na história
recente, de uma aplicação subsidiária, somente para se garantir que o criminoso
estivesse presente no momento de seu julgamento e execução, a pena de prisão
passou a ser a principal punição pela prática de crimes, tendo, durante a sua
evolução, diferentes objetivos, até se chegar à idéia de ressocialização.
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2.1 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL
Em 1500, quando do descobrimento do Brasil, vigiam em Portugal as
Ordenações Afonsinas (1446), aplicadas juntamente com o Direito Canônico e o
direito costumeiro. Neste período, de forma geral, a prisão era prevista como medida
preventiva, sendo utilizada como forma de conter a fuga do criminoso até o seu
julgamento. E ainda previa este ordenamento a possibilidade de prisão como forma
de coerção ao agente para que efetuasse pagamento de pena pecuniária. Com
típica natureza repressiva era imposta por uma noite àqueles que presenciassem
jogos, por quinze dias para os jogadores, por três dias para aqueles que violassem
regras, pela segunda vez, acerca das coisas de uso proibido, etc. (DOTTI, 1988,
p.42).
Já em 1514 passaram a viger as Ordenações Manuelinas no país,
documento constituído de cinco livros, sendo o último deles responsável pelas
matérias de direito e processo penal. Assim como nas Ordenações Afonsinas, a
prisão nesta época é pouco utilizada como contenção do agente até seu julgamento
e condenação, todavia, é permitida sua aplicação, sendo que poderia ser de quinze
ou trinta dias, ou estabelecida de forma arbitrária. A pena civil passa a ser menos
aplicada. (DOTTI, 1988, p. 43).
Entretanto, há quem informe que não eram aplicadas as Ordenações
Manuelinas no Brasil, o qual vivia a época das capitanias hereditárias, cabendo aos
donatários a imputação de regras jurídicas. Ao capitão era possível nomear ouvidor,
o qual tinha alçada de dez mil réis nas causas cíveis e que poderia absolver ou
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condenar nas causas criminais, aplicando a pena que desejasse, inclusive de morte,
desde que respeitados determinados quesitos. (DOTTI, 1988, p. 43).
As Ordenações Filipinas (1603) não trouxeram muito avanço acerca da
matéria, e foram marcadas pelo terrorismo das penas aplicadas ao novo rol de
delitos previstos. Foi influenciada pelos rituais de suplícios, os quais eram comuns
na Europa durante aquele período, ou seja, a prisão, assim como no período anterior
vivido no Brasil, não era tida como pena, sendo meramente acessória. (DOTTI,
1988, p. 45-46).
Com a independência do Brasil, em 1822, muitas mudanças ocorreram,
todavia, no campo da matéria penal, uma lei promulgada em 1823 ainda
determinava observância à legislação portuguesa, até que em 1824 promulgou-se a
primeira Constituição Federal. Este texto legal trouxe a previsão de defesa dos
direitos das liberdades, determinando a redação, urgente, de um Código Criminal, a
abolição dos açoites e da tortura, determinou que a pena não passaria da pessoa do
condenado, determinando aplicabilidade de segurança e higiene dentro dos
presídios, onde os internos deveriam ser organizados de acordo com suas
circunstâncias e natureza dos delitos cometidos. (DOTTI, 1988, p. 49-50).
Com a elaboração do Código Criminal do Império (1830) surge a pena de
prisão, bem como a preocupação de reforma moral do condenado por meio dos
regimes prisionais.
A privação da liberdade passaria a ser uma autêntica e própria sanção penal para substituir as penas corporais, de largo espectro nas ordenações. E assim ocorreu também no Código Penal português de 1825 como em tantos outros sistemas fundados na doutrina do Iluminismo. No Código Criminal do Império a pena de prisão com trabalho poderia ser perpétua como algumas hipóteses de crimes políticos (...) A chamada prisão com trabalho obrigava aos réus a se ocuparem diariamente no labor que lhes fosse imposto, dentro do recinto das prisões, na conformidade das sentenças e dos regulamentos dos presídios.
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A pena de prisão simples obrigada aos réus permanecerem reclusos nas prisões públicas pelo tempo marcado na sentença. (...) A prisão como autêntica pena ingressava nos costumes brasileiros não como simples instrumento de proteção da classe dominante mas também passaria a ser vista como “fonte de emenda e de reforma moral para o condenado”. A preocupação em torno do regime penitenciário mais adequado traduziu o emprenho de acompanhar o progresso revelado em outros países. (DOTTI, 1988, p. 53-54).
Durante o período da Primeira República (1889-1930) houve várias
mudanças políticas e institucionais no cenário nacional, dentre as quais está a
abolição da escravidão, o que ensejou uma retificação no Código Criminal. Antes
mesmo da revisão neste Diploma Legal, baixou-se o Decreto n° 774, de 1890, cujo
texto previa abolição da pena de galés, redução das penas perpétuas a trinta anos,
a determinação de cômputo no tempo de prisão o tempo de prisão preventiva e a
possibilidade de prescrição das penas. Estas previsões foram incluídas, juntamente
com outras pequenas alterações, no Código Penal de 1890.
Em 1933 houve uma tentativa de codificação das normas de execução
penal, por meio do Código Penitenciário da República, cuja elaboração se deve à
Cândido Mendes, Lemos de Brito e Heitor Carrilho. Todavia, em que pese tenha sido
publicado no Diário do Poder Legislativo, em 1937, foi deixado de lado, haja vista
existência de discrepâncias entre ele e o Código Penal de 1940, o qual estava em
discussão à época. (MIRABETE, 1996, p. 28).
Nas reformas sofridas pelo Código Penal não se alterou de forma
significativa o regime das prisões, sendo que a última grande reforma de 1984,
refere à parte geral, previu que o cumprimento da pena privativa de liberdade se
daria em três etapas: regime fechado, cumprido em estabelecimento prisional,
regime semi aberto, cumprido em colônia penal agrícola, industrial ou
estabelecimento similar, e regime aberto, em prisão-albergue, cumprida em casa do
albergado ou estabelecimento similar.
21
2.2 A PENA DE PRISÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A Constituição de 1824 foi outorgada pelo Chefe de Estado, Dom Pedro I,
assim que proclamada a independência do Brasil. Dentre suas características, forma
unitária de Estado, forma de governo monarquia, território dividido em províncias,
adoção do catolicismo como religião oficial, entre outros, a Constituição de 1824
trazia em seu texto, mais precisamente no artigo 179, a garantia de direitos civis e
políticos dos cidadãos brasileiros. (PINHO, 2003, p. 148-150).
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá
aos parentes em qualquer grau, que seja.
Esse texto normativo foi concebido numa época em que a pena já havia
superado a característica de execração pública (suplício) e se transformado numa
pena de segregação. É natural, portanto, que, espelhando esse momento histórico,
haja proibido as penas cruéis, como os açoites, tortura e marca de ferro quente.
Assegurou ainda a chamada incontagiabilidade ou intransmissibilidade da pena, que
não poderia passar da esfera jurídica do apenado.
É evidente ainda a marca deixada pelo cristianismo católico na justiça do
Império. Como religião oficial do Estado, o catolicismo trouxe ao ordenamento
22
jurídico uma série de valores cristãos, que influenciaram diretamente o sistema de
penas. Como explica Ovídio Baptista da Silva, desde o direito bizantino
a justiça torna-se (...) inteiramente iluminada pela caridade, um dos valores supremos do pensamento cristão [...]. Outros valores cristãos fundamentais, derivados da caridade, como o sentimento de moderação, a clemência e a piedade, informam igualmente, como valores referenciais, o sentido da justiça de cada caso e o próprio ordenamento jurídico, em sua totalidade. (1997, p. 96-99).
Mas essas normas protetivas não abarcavam toda a sociedade. Os escravos
compunham uma grande parte da população. Para estes, como para a classe dos
homens livres, porém, pobres, os direitos e garantias a que se faz alusão
simplesmente não existiam (SAMPAIO, 1989, p. 58).
Assim, embora a Carta Constitucional afirmasse a liberdade e igualdade de
todos perante a lei, a realidade era muito diferente, pois a maior parte da população
ainda permanecia escrava.
Segundo Luiz Augusto Sampaio, “aboliam-se as torturas, mas nas senzalas,
os troncos, os anjinhos, os açoites, as gargalheiras continuavam a ser usados e o
senhor era o supremo juiz, decidindo da vida e da morte dos homens” (1989, p. 60).
René Ariel Dotti, no mesmo sentido, destaca que a Constituição do Império
apenas formalmente declarou a
(...) abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis; proibiu o confisco de bens e a declaração de infâmia aos parentes do réu em qualquer grau; proclamou que nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente e que „as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes. (DOTTI, 1988, p. 50).
Desse modo, o texto escrito da Constituição do Império não foi suficiente
para alterar a realidade social. Por isso, pode-se afirmar que essa Constituição era,
23
na classificação ontológica proposta por Karl Loewenstein (1970), uma constituição
nominal. Afinal, o texto positivado não foi suficiente para promover uma verdadeira
integração entre a norma jurídica e a dinâmica da vida política.
Especificamente quanto à pena de prisão, a Constituição de 1891 garantiu
que ninguém seria preso sem culpa formada, salvo nos casos que a lei
excepcionasse ou nos casos de prisão em flagrante. Autorizou ainda o pagamento
de fiança, que seria regulada por lei própria:
VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto. X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.
Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 fez-se
indispensável a elaboração de uma nova Constituição. A Constituição Republicana
de 1891 teve enorme influência do modelo constitucional adotado pelos Estados
Unidos, motivo que rendeu ao Brasil a denominação de “Estados Unidos do Brasil”.
Essa Constituição adotou o federalismo como forma de Estado e a
República como forma de governo. Diferentemente da Carta que a precedeu, não
adotou o catolicismo como religião oficial. Diferentemente, permitiu o livre culto de
todas as crenças. Mas a influência dos valores cristãos no regramento das penas
persistiu até a Constituição atualmente em vigor.
24
O rol de garantias individuais foi ampliado, com a importante inclusão do
habeas corpus na Carta Constitucional. Manteve-se a proibição de prisão antes da
formação da culpa, o que ocorria com a pronúncia do acusado. Também foi
mantidos a possibilidade de prisão em flagrante e o sistema de fiança.
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§1 - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
§2 - Todos são iguais perante a lei.
§13 - A exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente.
§14 - Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções especificadas em lei, nem levado à prisão ou nela detido, se prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir.
§19 - Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente.
§20 - Fica abolida a pena de galés e a de banimento judicial.
§21 - Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra.
§22 - Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.
Como se observa, a maior inovação operada pela Constituição Republicana
foi a elevação do habeas corpus ao status de garantia constitucional. A Carta
anterior limitava-se a prever que, em caso de prisão arbitrária, o juiz que a
determinara seria punido. O writ, todavia, já existia no direito brasileiro desde 1821,
com a vinda de D. João VI, quando se expediu o Decreto nº 23/05/1821, e foi
previsto expressamente pela primeira vez no Código de Processo Criminal de 1832
(MORAES, 2005, p. 2591-2592).
25
Na prática, entretanto, mais uma vez percebeu-se que a Carta Constitucional
não conseguiu trazer a igualdade material para todos. Novamente ela deixou a
desejar no que toca à implementação dos direitos e garantias que apregoava.
A Constituição de 1934 deu continuidade à tendência de manter as garantias
já instituídas e assegurar outras. Essa Carta, que sofreu grande influência da
Constituição alemã de Weimar, possui entre as suas características principais a
possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica e social, isto é, a
ideologia do laissez-faire. O Estado passa, assim, a desempenhar um papel ativo na
sociedade (prestações positivas) (PINHO, 2003, p. 153).
Todos esses fatores apontam para o sentido eminentemente social da Constituição de 1934. Seguindo uma certa tendência européia do pós-guerra, mas que na verdade só iria se afirmar definitivamente ao término da Segunda Grande Guerra, alguns dos preceitos do chamado “Welfare State” foram consagrados no texo. Pela primeira vez na história constitucional brasileira, considerações sobre a ordem econômica e social estiveram presentes. Uma legislação trabalhista garantia a autonomia sindical, a jornada de oito horas, a previdência social e os dissídios coletivos. A família merecia proteção especial, particularmente aquela de prole numerosa. O deputado Prado Kelly foi em larga medida o responsável pelo item social, até então inédito: um capítulo sobre a educação. (ANDRADE; BONAVIDES, 2003, p. 325).
A ideia de um Estado ativo reflete também na pena de prisão. A Constituição
de 1934 determina, de forma inovadora, que o magistrado promova, de ofício, sem
necessidade de provocação, a prisão ilegal:
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 21) Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.
26
No plano das garantias gerais, o mandando de segurança e a ação popular
foram introduzidos no texto constitucional. Além disso, garantiu-se aos trabalhadores
um rol de direitos que possibilitavam uma convivência mais harmoniosa entre o
Estado e a classe operária e uma forma de viver a vida mais digna, impondo jornada
de trabalho de no máximo oito horas diários, descanso semanal remunerado, direito
a férias anuais, dentre outros (SAMPAIO, 1989, p. 60).
No que tange às garantias criminais, a Carta mencionava em seu texto a
proibição da retroatividade de lex gravior, garantia a pessoalidade da pena, vedava
as penas de banimento, morte e confisco. Pela primeira vez numa Constituição
brasileira, vedou-se também a pena de prisão perpétua. Da mesma forma, proibiu-se
a pena de morte, sendo ressalvados os casos de justiça militar em tempo de guerra
(DOTTI, 1988, p. 59).
Outros textos de garantias e aplicáveis ao processo penal (instituição do juiz natural; proibição de detenção ou prisão arbitrárias, de foro privilegiado e tribunais de exceção; a concessão generosa da fiança; a garantia da plenitude de defesa e os mecanismos de proteção de direitos como o habeas corpus e o direito de petição) integravam-se numa relação de textos de garantia (art. 113 e parágrafos) que caracterizavam o sentindo nitidamente liberal da Carta de 1934. (DOTTI, 1988, p. 60) .
Ilustrativamente, seguem os artigos da Carta de 1934 de maior relevância
para o presente estudo:
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. 2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. 27) A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu. 28) Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. 29) Não haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em tempo de guerra com país estrangeiro.
27
30) Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas.
As garantias nitidamente liberais asseguradas pela Carta de 1934 tiveram
pouca duração. Logo ela foi substituída pela Constituição revolucionária de 1937.
Em razão do contexto em que foi concebido seu texto, decorrente de um golpe de
Estado, a Carta foi influenciada pelos modelos autoritaristas da época. Por isso,
muitos direitos foram restringidos ou mesmo extintos (PINHO, 2003, p. 156).
Dentre as várias fontes inspiradoras da Constituição de 1937, “seguramente,
influência maior foi da Constituição da Polônia, o que permitiu aos críticos e
analistas da época denominá-la maliciosamente de A Polaca” (ANDRADE;
BONAVIDES, 2003, p. 345). É visível ainda a inspiração no “fascismo de Mussolini
vitorioso na Itália em 1922, do nazismo implantado por Hitler na Alemanha, como
desculpa de prevenção de estabilidade da crise econômica-financeira ainda sob o
impacto da crise mundial de 1929” (ANDRADE; BONAVIDES, 2003, p. 346).
Nem é necessário dizer que, embora essa Constituição faça alusão, no seu artigo 12, aos direitos e garantias individuais, estes foram duramente pisoteados durante o Estado novo. Prisões em massa, torturas, expulsões, mortes, arbitrariedades de toda espécie constituíram o quadro dantesco da ditadura Vargas. (SAMPAIO, 1989, p. 62).
Ainda, em outro trecho de seu livro Sampaio afirma:
Como se observa, não há dúvida de que o Estado Novo de Vargas nada tinha de diferente do fascismo, pois que, embora muitos historiadores pátrios e até mesmo estudiosos do direito, busquem ligá-lo às conquistas sociais, esse período foi negativo para a vida nacional, de vez que nele foram abolidas todas as liberdades e garantias individuais, principalmente, devido à repressão, à perseguição implacável aos opositores políticos, ao terror policial, à aplicação da censura prévia aos órgãos de comunicação, à supressão do poder legislativo e à concentração de poder nas mãos do Ditador. (SAMPAIO, 1989, p. 63).
28
De fato, todas as garantias contra a pena de prisão foram resumidas a um
único inciso, que assim assegurava:
11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa.
Após a queda do governo Vargas, o país se viu diante da necessidade de
redemocratização. Assim, em 1946 a Assembléia Constituinte se reuniu e foi
promulgada aquela que seria a quinta Constituição do Brasil.
A Carta de 1946 não foi elaborada com base em um projeto para se discutir
na Assembléia Constituinte. Ela teve como base as Cartas de 1891 e 1934, o que
“talvez (...) explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente” (SILVA,
2007, p. 85).
Assim, no tocante à pena, como muito se repetiu das Constituições
anteriores, não houve qualquer inovação, sendo assegurado no artigo 141 um rol de
garantias e direitos individuais, tais como, a individualização da pena, a possibilidade
de ela retroagir caso beneficiasse o réu, a noção de que nenhuma pena poderia
passar da pessoa que cometeu o delito e, por fim, a proibição de pena de morte, de
banimento, de confisco e de caráter perpétuo. É nítido, assim, o movimento de
retomada das garantias asseguradas em 1934.
Esse texto normativo vigeu até 1967, quando uma nova Constituição, fruto
do golpe de Estado de 1964, foi promulgado – uma promulgação formal, porquanto
na prática o processo de aprovação da nova Carta foi todo conduzido pelos
militares, o que revela uma verdadeira outorga.
29
A Constituição de 1967, impregnada pela ideologia da segurança nacional,
sofreu forte influência da Carta de 1937. Aquela, inclusive, absorveu muitas das
características desta, como o autoritarismo, redução da autonomia individual e
restrição de direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2007, p. 87).
A prisão perpétua e a pena de morte, por exemplo, foram excepcionadas em
casos de “guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva”. Ou
seja, a configuração dessas situações absolutamente abertas dependia
exclusivamente da interpretação dos próprios agentes do Estado:
Art. 150, § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta.
A fiança, por sua vez, deixou de ser uma garantia constitucional contra a
prisão antes da formação da culpa. A Constituição de 1967 previa laconicamente
que lei disporia acerca da fiança:
Art. 150, § 12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal.
A Carta Política de 1967 durou pouco tempo e logo foi substituída pela
Constituição de 1969. Na verdade, tratou-se de uma emenda à constituição de 1967,
no entanto, estudiosos afirmam que “teórica e tecnicamente, não se tratou de
emenda, mas de nova constituição” (SILVA, 2007, p. 87), na medida em que quase
todo o texto constitucional foi reformulado.
30
Especificamente quanto à pena de prisão e aos direitos do acusado,
entretanto, não houve alteração significativa. Nos termos do artigo 150, foi
assegurada a todos “a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade”.
§ 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.
§ 2º - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
§ 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta.
§ 12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal.
§ 13 - Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. A lei regulará a individualização da pena.
§ 14 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário.
§ 15 - A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção.
§ 16 - A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu.
Por fim, deve-se dar um maior destaque à atual Constituição da República
Federativa do Brasil, promulgada em 1988.
É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania. (SILVA, 2007, p. 90).
Nesse momento apresenta-se pertinente a discussão a respeito do tema
igualdade. A Constituição de 1988 mostrou-se comprometida com a igualdade
31
material. Com efeito, há duas concepções acerca do princípio da isonomia. A
isonomia formal atua “no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos
igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos” (SILVA, 2007, p. 214). Por
outro lado, a igualdade material cuida de forma desigual os desiguais, buscando um
equilíbrio. Silva ressalta que na “igualização dos desiguais pela outorga de direitos
sociais substanciais” (2007, p. 214).
Essa preocupação se mostra também no tratamento constitucional das
penas e do processo penal em si. Atualmente pode-se falar em processo penal
constitucional, pois a própria Constituição estabelece um sistema de direitos e
garantias fundamentais dos acusados ou indiciados – pessoas em situação de
fragilidade frente ao poderio do Estado, o que exige uma desigualação em favor da
parte mais fraca. Prova disso é o próprio artigo 5º da Carta Política de 1988, que em
diversos incisos retoma garantias solapadas durante os períodos de ditadura.
O caráter garantista da Constituição de 1988 ilumina a compreensão de toda
a legislação infraconstitucional. Assim, a alteração dos fundamentos jurídicos do
ordenamento promove uma verdadeira reinterpretação das regras de direito positivo,
pois os princípios, fundamentos e objetivos constitucionais devem permear a
interpretação das normas infraconstitucionais.
A título de exemplificação, pode-se mencionar o inciso III, que estabelece
que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou
degradante”. Mais adiante, o inciso XXXVIII fortalece a regra do juiz natural,
proibindo a existência do juízo ou tribunal de exceção. Seguindo, o inciso XXXIX
assegura o princípio da legalidade e posteriormente o princípio da irretroatividade da
lei penal, salvo se em benefício do réu. Garantem os incisos seguintes que
32
“nenhuma pena passará da pessoa do condenado” e que será assegurada a
individualização da pena.
Ademais, proíbe-se a pena de morte, salvo no caso específico de guerra
externa declarada. É proibida também qualquer pena de caráter perpétuo, de
trabalhos forçados, de banimento e penas cruéis. Assegura-se aos presos ainda o
respeito à integridade física e moral.
Dentre as mais importantes regras encontram-se as estampadas nos incisos
LIV e LV, que se referem ao devido processo legal, à ampla defesa e ao
contraditório.
A Constituição proíbe a utilização no processo de provas obtidas por meios
ilícitos. Faz menção ao princípio da presunção de inocência, segundo o qual
ninguém deverá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória. Esse é um princípio que orienta não apenas o direito e o
processo penal, mas também o legislador, que não pode estabelecer restrições de
maneira desarrazoada. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal
reiteradamente afasta a incidência de normas infraconstitucionais que restringem a
liberdade do cidadão antes do trânsito em julgado.2
Por fim, podem-se citar ainda os remédios constitucionais existentes para
impedir que as autoridades judiciais incorram em ilegalidade. Ou, caso já tenha
ocorrido o ilícito, que se assegure a cessação da ilegalidade. Trata-se do habeas
corpus e do mandado de segurança.
2 Note-se que, de acordo com a interpretação do STF, a presunção de inocência não apenas impede
a prisão antes do trânsito em julgado. Caso o réu já esteja preso, a existência de ação penal em curso não pode ser considerada para afastar a progressão de regime de cumprimento da pena (cf. HC 99141/SP, rel. Min. Luiz Fux). Essa garantia incide também em âmbito extrapenal, como no direito eleitoral e administrativo, porquanto um candidato não pode ser impedido de assumir função pública pelo simples fato de responder a ação penal (cf. RE 634.224/DF, rel. Min. Celso de Mello).
33
Desse modo, conclui-se que a Carta Constitucional de 1988 ampliou
positivamente os direitos e garantias dos indivíduos. Atualmente, a interpretação de
qualquer regra infraconstitucional deve ser orientada pela hermenêutica
constitucional. Desse modo, forma-se o círculo hermenêutico que realiza os
horizontes de significado da Constituição (SILVA, 2005, p. 14).
2.3 OS FINS DO CUMPRIMENTO DA PENA DE ACORDO COM A LEI DE
EXECUÇÕES PENAIS
Conforme já citado anteriormente, em 1933, houve a tentativa de
promulgação, no Brasil, do Código Penitenciário da República, o não foi possível
haja vista determinadas discrepâncias entre este e o novo Código Penal de 1940,
cujo estudo já se havia iniciado. Todavia, esforços no sentido de se elaborar um
documento prevendo regras de direito penitenciário perpetuaram.
Em 1957, Oscar Stevenson, elaborou Anteprojeto de Código Penitenciário,
sendo sucedido por Roberto Lyra, 1963. Em 1970 elaborou-se o anteprojeto do
Código de Execuções Penais, o que se deve a Benjamim Moraes Filho, e ainda o
anteprojeto de lei que define e disciplina as normas gerais do regime penitenciário,
de um Grupo de Trabalho, cuja presidência estava a cargo de A. B. Cotrin Neto
(KUEHNE, 1995, p. 15-16).
Em 1957 promulgou-se a Lei n° 3.274, cujo texto dispunha acerca de
normas gerais de regime penitenciário. Todavia, a aplicação dessa lei foi muito
pouco significativa, de modo que os estudos sobre o tema perpetuaram até e edição
34
da Lei n° 7.210/84, atual Lei de Execução Penal, a qual contou com a colaboração
de professores renomados em sua elaboração, dentre eles professor Francisco de
Assis Toledo, René Ariel Dotti, Miguel Reale Junior, Rogério Lauria Tucci, dentre
outros. Esta legislação passou a vigorar conjuntamente à reforma do Código Penal
em 1984, e sobre ela se manifesta Maurício Kuehne:
Mencionamos tal tópico, posto que, foram artífices de uma avançada legislação, por muitos aplaudida, por outros criticada, mas que, embora careça em alguns aspectos de reformulação, não há negar que se trata de instrumento jurídico avançado, e que veio a dar dignidade à Execução Penal, com o Princípio da Jurisdicionalização da Execução, fazendo com que a Justiça continuasse a acompanhar a execução da pena, em todos os seus incidentes, quer no aspecto técnico, quer nos “casos” que suscita execução da pena. De se gizar que a Lei 7.210/84 passou a vigir juntamente coma Reforma da Parte Geral do CP, que reproduziu, em grande parte, as alterações que foram efetivadas através da Lei 6416/77. (grifos no original). (1995, p. 16).
Quanto aos fins do cumprimento da pena, este é previsto no artigo 1°, da Lei
de Execuções Penais. Vejamos a redação do dispositivo legal, in verbis:
Art. 1° - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. (grifos nossos)
Neste sentido, resta evidente que a parte final do artigo retro-mencionado
coloca como fim do cumprimento da pena a ressocialização do apenado, em que
pese o texto legal ao faça menção expressa a este termo. É o que indica o
entendimento de Natalia Gimenes Pinzon:
A ressocialização orientada ao deliquente/apenado está prevista em nossa legislação na Lei de Execução Penal (LEP) – Lei 7.210, de 11/7/84 – tanto na sua exposição de motivos, quanto em seu artigo primeiro. Conforme seu artigo primeiro, uma de suas preocupações é “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, que denota seu instituto de corrigir e educar o delinqüente para resguardar a comunidade, embora não use o vocábulo ressocializar. Nas palavras de Muñoz Conde, “reeducação, reinserção social, levar, no futuro, com
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responsabilidade social, uma vida sem delitos; em uma palavra: ressocialização do delinqüente”, são expressões que, quando aparecem nas legislações de execução pena, têm por intuito à execução da pena privativa de liberdade uma função reeducadora e corretora do delinqüente, o que nos remete à prevenção especial positiva, e isso ocorre em nossa LEP, segundo dito anteriormente. Logo, a ideologia do tratamento, que tem por escopo a recuperação do delinqüente para a sociedade, é uma das finalidades da nossa Lei de Execução Penal. (2004, p. 293-294).
É ainda evidente a adoção do Princípio da Defesa Social, cuja idéia foi
articulada por Fillippo Grammatica, Adolfo Prins e Marc Ancel. Este Princípio
desenvolve uma política criminal humanista calcado na idéia de que “a sociedade
apenas é defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado ao
meio social (teoria da ressocialização)” (MIRABETE, 1996, p. 30). Em outras
palavras, com a adaptação do condenado ao convívio fora da penitenciária se está
protegendo a sociedade também.
Gustavo Barboza Batista elenca dois modelos de ressocialização, um
máximo e outro mínimo. O primeiro submete o apenado a um tratamento intenso,
cujo objetivo é a sua reinserção social. Desta forma, é submetido a elementos de
avaliação fundados no discurso médico, administrativo e social, os quais orientam a
vida dentro da penitenciária e as técnicas utilizadas para ressocialização. O objetivo
deste tratamento é a reforma moral do criminoso, o que indica, na opinião do autor,
que este sistema é inconstitucional, pois infringe direito fundamental do preso de
orientação moral, o qual inclui o direito de não se arrepender do delito cometido. O
segundo modelo é o de ressocialização especial, cujo objetivo consiste apenas em
neutralização das causas do delito, evitando a reincidência, por meio de condições
sociais, culturais e econômicas, com a atuação da família, mas sem a intenção de
qualquer reforma moral do apenado (BATISTA, 2005, p. 230-231).
O autor anteriormente mencionado ainda fundamenta, a partir de diversos
pontos de vista, a adequação do modelo de ressocialização especial que propõe, e
36
lamenta o texto da Lei de Execuções Penais fundar-se no modelo ressocializador
máximo:
Infelizmente, a Lei de Execução Penal brasileira (LEP) de 1984 assumiu um paradigma de ressocialização máximo, proposto pela Escola da Nova Defesa Social de Marc Ancel, que redimensiona os princípios da prevenção especial, maximizando a importância dos atores administrativos, médicos e sociais na execução penal. O resultado é que a LEP acaba possibilitando o vício do controle penal de autor através de verdadeiras práticas inquisitoriais, como por exemplo, são os exames das comissões técnicas de classificação (triagem) para concessão de direitos da execução e progressão de regime ou a aplicação de sanções por faltas disciplinares, estas, no tocante às faltas médias e leves, muitas vezes em flagrante desrespeito ao princípio constitucional da legalidade penal. (BATISTA, 2005, p. 234).
Em que pese a discussão travada, o fato é que, tendo em vista o Estado ter
chamado para si o direito de impor pena privativa de liberdade, bem como
acompanhar o seu cumprimento, é seu dever, também, “fazer com que no
cumprimento dessa pena sejam respeitados direitos humanos e a dignidade pessoal
do condenado” (ROSA, 1995, p. 89).
A Lei de Execução Penal indica, no artigo 11, quais as políticas de
assistencialismo a serem desenvolvidas dentro dos presídios, no sentido de orientar
e preparar o condenado para a volta da convivência em sociedade, são elas:
assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Cada uma
delas será tratada separadamente, a fim, inclusive, de verificar a sua eficácia no
processo ressocializador.
37
3 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Conforme mencionado no fim do capítulo anterior, a Lei de Execução Penal
estabelece diretrizes para o Estado evitar o crime e preparar o condenado para o
retorno do convívio social, conforme detalhado nos artigos 10 e 11, deste Diploma
Legal, in verbis:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade. Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa.
O trabalho do condenado também é considerado ressocializador, possuindo
finalidade educativa e produtiva, no termos do que estabelece o artigo 28 e ss., da
Lei de Execução Penal.
Antes de adentrarmos no mérito da eficácia ou não das políticas públicas
instituídas pelo Estado dentro dos estabelecimentos prisionais com a função de
ressocialização do preso, o ideal é tratar separadamente de cada uma das
assistências previstas no artigo 11, acima transcrito, bem como do trabalho do
preso, previsto, especialmente, no Capítulo III, da Lei de Execução Penal.
No capítulo seguinte será elaborada crítica ao não respeito, em grande
maioria, destes direitos de assistência ao preso no cumprimento da pena, no que
tange ao processo de ressocialização, de modo que, nesta oportunidade, limitar-se-á
a descrição e explicação dos elementos acima.
38
3.1 O TRABALHO DO PRESO
A relação entre prisão e trabalho é uma das mais antigas sobre o tema.
Cirino dos Santos afirma, categoricamente, que a prisão nasce das exigências do
mercado de trabalho, pois é o espaço em que a força do trabalho fica à disposição
do capital “e funciona como dispositivo do poder disciplinar instituído para adequar a
força de trabalho às necessidades do capital” (2008, p. 500). Assim, a prisão passa
ser a maior auxiliar da fábrica dentro da sociedade, sendo que ambas constituem
instituições bases das sociedades capitalistas contemporâneas.
Os modelos norte americanos de penitenciárias foram responsáveis pela
popularização de tal concepção. O modelo filadelfiano permitia o trabalho isolado do
condenado em sua cela. Todavia, como meio de resposta às exigências do
capitalismo, criou-se o modelo auburniano, o qual permitia trabalho coletivo durante
o dia, desde que respeitadas as regras de silêncio, e isolamento celular noturno.
Estes modelos não se prestavam à recuperação do condenado, mas tão
somente estabeleciam relações de poder, disciplina e determinavam a exploração
da mão de obra carcerária (PINZON, 2004, p. 300).
Todavia, uma nova concepção acerca do trabalho dentro dos presídios
elenca outras razões para sua existência, além da exploração de mão de obra
carcerária. Esta analisa o trabalho na perspectiva do condenado, concluindo, em
síntese, pela sua indispensabilidade no cumprimento da pena, haja vista os
benefícios que proporciona, segue:
Numa feliz síntese, afirma Francisco Bueno Arus que o trabalho do preso „é imprescindível por uma série de razões: do ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e contribui para manter a ordem; do ponto de
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vista sanitário é necessário que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio orgânico e psíquico; do ponto de vista educativo o trabalho contribui para a formação da personalidade do indivíduo; do ponto de vista econômico, permite ao recluso de dispor de algum dinheiro para suas necessidades e para subvencionar sua família; do ponto de vista da ressocialização, o homem que conhece o ofício tem mais possibilidades de fazer vida honrada ao sair em liberdade‟. (MIRABETE, 1996, p. 92).
A Lei de Execução Penal trata o trabalho como um direito e um dever do
preso. Esta afirmativa fica bem evidente observando-se os artigos 28, 29, 31, 39, V e
126, in verbis:
Art. 28. O trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. (...) Art. 29. o trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo. (...) Art. 31. O condenado a pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. (...) Art. 39. Constituem deveres do apenado: V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; (...) Art. 126. O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo da execução da pena.
Enquanto proporcionador de benefícios, o trabalho é um direito do preso,
como nos casos do artigo 29, da Lei de Execução Penal, em que se determina
remuneração à execução do trabalho do apenado, a qual deverá ser destinada ao
pagamento de suas pequenas despesas, ao auxílio da família, bem como à
reparação dos danos causados com o delito cometido.
E ainda, pode-se considerar o trabalho como um direito do preso quando se
considera que este, cumprindo pena em regime fechado ou semi-aberto, pode ter
sua pena diminuída através do instituto da remissão, conforme artigo 126, da Lei de
Execução Penal, sendo que a cada 3 (três) dias trabalhados, exclui-se um dia da
pena. Neste sentido, entende-se como uma obrigação do Estado propiciar trabalho
aos apenados.
40
Os artigos 31 e 39, V, da Lei de Execução Penal, impõem o trabalho como
dever do apenado, sendo categórico em afirmar a sua obrigatoriedade para presos
em cumprimento de pena privativa de liberdade.
A exemplo desta preocupação de ressocialização por meio do trabalho
pode-se citar os modelos das Penitenciárias Industriais de Cascavel-PR e de
Guarapuava-PR, sendo que nesta última 70% dos detentos trabalham, recebendo,
mensalmente, 75% do salário mínimo (DEPEN). Frise-se, ainda, que a Penitenciária
Industrial de Guarapuava-PR está sob o domínio particular, sendo que somente a
direção e a fiscalização da segurança do estabelecimento são exercidas por
funcionários do Estado (SANTOS, 2008, p. 514).
Todavia, não se poderá submeter o preso ao trabalho forçado, até mesmo
porque a Constituição Federal, no artigo 5°, inciso XLVII, alínea “c”, veda esta forma
de pena. Assim, a imposição do trabalho deve vislumbrar “a idéia de dever jurídico
(e não somente de dever): o dever jurídico que expressa a exigência de que o preso
trabalhe; sujeição que se embute na execução da pena de reclusão não mais no seu
emprego sancionatório e sim como via de ressocialização” (ALVIM, 1991, p. 30).
A partir desta premissa Constitucional, alguns autores, como Andrei Zenkner
Schimidt afirmam que o preso não pode ser obrigado ao trabalho, fazendo não que
não se mantenha a disposição do artigo 36, inciso V, da Lei de Execução Penal,
acima mencionado, que dispõe acerca da obrigatoriedade do trabalho para
criminosos que cumprem pena privativa de liberdade (SCHIMIDT, 2007, p. 243).
Com base nisso, não parece subsistir, constitucionalmente, o enunciado do inciso V, no que se refere à obrigação de execução do trabalho e das tarefas por parte do preso. O legislador constituinte não excepcionou tal regra, além do que não parece condizente ao princípio da tolerância uma obrigação laboral a todos imposta. Isso traz profundas conseqüências à execução da pena, a começar pelos efeitos do enunciado constitucional. Não parece possível restringir-se a liberdade de alguém pelo simples fato de haver recusa para o trabalho. Assim, p. ex., a ninguém poderá ser
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vedado o livramento condicional só com base no fato de ter-se recusado a trabalhar (...). Poder-se-ia argumentar no sentido de que não se lhe está impondo o trabalho forçado, mas sim, apenas, possibilitando a ele uma etapa progressiva do cumprimento da pena. (...) Em outras palavras: obrigar-se alguém a trabalhar em regime fechado é, só semanticamente, diverso de obrigar-se alguém a trabalhar para progredir de regime. Mesmo o discurso ressocializador, aqui, parece deslegitimar os dispositivos citados, visto que, se o objetivo da pena é readaptar o preso ao convívio social, não parece possível obrigarmos ele a fazer alguma coisa que, no meio social “digno”, não é cogente. (SCHIMIDT, 2007, p. 243).
Em outra linha, pode-se afirmar que o trabalho do preso deve, além de evitar
o ócio, estimular o interesse pela atividade laborativa, visando, inclusive, juntamente
com o processo educacional, uma profissionalização, para que, após o término do
cumprimento da pena privativa de liberdade, possa sair do estabelecimento prisional
em condições de pleitear uma vaga no mercado de trabalho.
3.2 ASSISTÊNCIA MATERIAL
De acordo com a Lei de Execução Penal, a assistência material refere-se ao
fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas ao preso, nos
termos dos artigos 12 e 13 deste Diploma legal, in verbis:
Art. 12. Assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Tal dispositivo legal remete à idéia de que o Estado, enquanto detentor do
poder de executar a pena, deve fornecer ao apenado condições básicas de vida
dentro do estabelecimento prisional, ou, nas palavras de Rosa, investe-se o Estado
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“no dever de fazer com que o cumprimento dessa pena sejam respeitados direitos
humanos e a dignidade pessoal do condenado” (1995, p. 89).
O preso que não trabalha deve receber alimentação suficiente para sua
manutenção, o que em fisiologia é chamado de ração de manutenção. Esta
alimentação deve ser adequada ao clima e aos costumes do local onde está
instalado o estabelecimento prisional. Para o preso que trabalha, carecedor de mais
energia, portanto, a alimentação de manutenção deve ser incrementada com
substâncias convenientemente variadas, para que inclusive, se possa manter a
saúde do condenado enquanto cumpre pena (ROSA, 1995, p. 90).
A alimentação deve ser fornecida em três etapas: desjejum, almoço e jantar,
sendo variada, com nutrientes para atender à comunidade carcerária. Deve-se
observar, e respeitar, eventual necessidade de alimentação especial aos doentes, e
àqueles que possuem necessidades especiais, em razão de idade ou condição
física, de acordo com prescrição médica (MIRABETE, 1996, p. 68).
Instalações higiênicas e vestuário adequado ao local e temperatura refletem
também na manutenção da saúde do preso, o qual, em virtude da dignidade da
pessoa humana, deve receber condições de manutenção.
A administração do estabelecimento prisional tem que velar pelo estado físico e a saúde dos detentos que lhe são confiados. É de sua máxima responsabilidade manter a higiene e o serviço sanitário no interior das prisões – observar a existência de doenças contagiosas e evitar sua propagação, afastar situações de perigo. Higiene significa: manter limpo todos os locais da prisão; fornecer trajes descentes e asseados, instalações sanitárias e acomodações corretas aos presos. São essenciais a toda e qualquer instituição prisional, onde estão abrigados seres humanos – criminosos, é verdade, mas nem por isso despidos de condição humana: ampla circulação de ar, iluminação, proteção contra as intempéries (alívio ao calor e aquecimento nas épocas muito frias), instalações sanitárias funcionando perfeitamente sem exalações mefíticas para a coletividade, ventilação, limpeza das celas, corredores, refeitórios, etc. (ROSA, 1995, p. 92).
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Ainda com relação ao vestuário, aos presos autorizados a usarem roupas
pessoais, estas devem ser mantidas em boas condições, sempre observando as
necessidades com relação ao clima e manutenção da saúde, devendo ser lavadas
periodicamente, para se manter a higiene do preso e do local onde ele está instado.
Quando o estabelecimento prisional fornecer uniformes aos detentos deve observar
as mesmas regras anteriores, somando-se ao fato de que o vestuário deve atender
a dignidade do preso e o seu respeito próprio (MIRABETE, 1996, p. 68).
Os estabelecimentos prisionais devem ser dotados de estrutura interna
capaz de possibilitar o preso acesso à circulação de ar, iluminação e instalações
sanitárias capazes de atender suas necessidades naturais e de higiene (MIRABETE,
1996, p. 69).
Todavia, como se verá adiante, nem sempre condições de higiene, tanto
pessoal como do local, alimentação e vestuário são atendidas, de modo que há
afronta cabal ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois, como bem
mencionou o autor antes citado de forma direta, mesmo sendo criminosos, os presos
são dotados de condição humana, os que lhe garante o direito de exigir o mínimo de
condições adequadas de sobrevivência dentro do estabelecimento prisional. O não
atendimento a estas condições mínimas faz com que o preso sempre se mantenha
rebelde com suas condições, de modo a prejudicar, ou até mesmo inviabilizar, o
processo de ressocialização.
3.3 SAÚDE DO PRESO
A Lei de Execução Penal, novamente, na tentativa de prever garantias
capazes de estabelecer o respeito e à dignidade do preso, fez menção expressa a
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obrigatoriedade de assistência à saúde dos reclusos dentro dos estabelecimentos
prisionais. Vejamos o disposto no artigo 14, deste instituto legal, in verbis:
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. § 1° vetado § 2° Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
Para verificar o estado de saúde do preso, e para mantê-lo saudável, é
necessário se manter uma equipe sanitária no estabelecimento prisional, sob
controle de um médico, os quais devem ser escolhidos de acordo com a
necessidade do local. A função do médico é visitar os detentos recém chegados,
dando atenção àqueles que são encaminhados como portadores de alguma doença,
ou que nesta condição se declaram, os alojados em pavilhões disciplinares, os que
requerem isenções ou benefícios face algum problema de saúde, àqueles que
pleiteiam transferência, tratamento fora do presídio ou internação e os que têm a
pretensão de reintegração (ROSA, 1995, p. 93).
Não há dúvida de que é fundamental para a vida de uma instituição prisional a existência de serviço médico eficiente e adequadamente equipado para fazer frente às necessidades quotidianas da população. As regras mínimas da ONU preconizam que cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de, pelo menos, um médico, com conhecimentos d psiquiatria e que os serviços médicos devem ter a sua organização estreitamente relacionada com a administração geral dos serviços de saúde da comunidade ou da nação (n° 22.I), devendo todo o preso poder-se valer dos cuidados de um dentista devidamente habilitado (n° 22.3). de acordo com essa orientação determina o artigo 14 da LEP que se prestará assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico (MIRABETE, 1996, p. 71).
O corpo clínico do estabelecimento prisional deve conter, além de médicos
clínicos gerais, especialistas, como oftalmologistas, psiquiatras, cardiologistas, etc,
45
cuja função é elaborar exames específicos para detectar doenças, como, por
exemplo, doenças pulmonares, cardíacas e venéreas (em especial AIDS). Inclusive,
é possível que presos com conhecimento na área de saúde integrem a equipe, de
modo a colaborar com os demais e a poder desenvolver alguma atividade dentro do
presídio (ROSA, 1995, p. 94).
Todo atendimento, tratamento e medicamento dispensado ao condenado
devem ser fornecidos de forma gratuita. E ainda, na hipótese de o estabelecimento
prisional não conter equipe médica ou odontológica, deverá o preso ser
encaminhado para tratamento externo, que poderá realizar-se em estabelecimento
prisional que contenha a estrutura adequada, ou em hospital não prisional, sempre
sob a supervisão de algum agente responsável (ROSA, 1995, p. 94).
Em presídios femininos deve haver uma estrutura médica elaborada no
sentido de atender, também, as gestantes, as lactantes e as crianças que residem
ainda na creche do presídio em companhia das mães detentas.
Para atendimento deste direito do preso à saúde, o estabelecimento
penitenciário deve ser dotado de local específico para que o médico/dentista realize
os tratamentos preventivos/curativos. Estes profissionais devem ser responsáveis
pela manutenção do local, sempre fiscalizando o corpo clínico, de modo a atender
as exigências sanitárias e de higiene no exercício da medicina/odontologia
(MIRABETE, 1996, p. 72).
Todavia, é de conhecimento comum que muitos presos, provisórios ou
condenados, são mantidos dentro de celas em Delegacias de Polícia, sem qualquer
visita médica/odontológica periódica, não sendo raras as notícias de doenças
adquiridas e proliferadas dentro do ambiente insalubre em que são alojados.
46
Desta forma, em que pese a boa intenção da Lei de Execuções Penais, é
evidente que grande parte dos reclusos são mantidos em situações que não
atendem requisitos para manutenção da saúde daquele que esta sob a custódia do
Estado. Esta crise também interfere no processo de ressocialização, haja vista o
desrespeito à dignidade da pessoa humana, diante de situação degradante.
3.4 ASSISTÊNCIA JURÍDICA
A Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LV, reza que em todo e
qualquer processo, administrativo ou judicial, deve ser conferido direito de
contraditório e ampla defesa à parte acusada. No inciso LXIII desse mesmo artigo, a
Carta Política garante que deve ser assegurado ao preso, dentre os seus diversos
direitos, a “assistência de advogado”. A Lei Processual Penal, em atendimento ao
preceito constitucional, reza no artigo 261, que nenhum acusado, mesmo ausente ou
foragido, será processado ou julgado sem defensor. Estes direitos se estendem à
fase de cumprimento de pena do condenado, o qual pode, de acordo com o
permissivo legal, requerer benefícios durante a execução.
Todavia, as condições financeiras do preso, ou de sua família, muitas vezes
não permitem a contratação de um advogado, de forma que é dever do Estado
proporcionar, gratuitamente, assistência judiciária. Neste sentido, estatuiu a Lei de
Execução Penal:
Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado.
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Art. 16. As unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica nos estabelecimentos penais.
Há quem considere a assistência jurídica como a mais importante das
assistências destinadas aos apenados, como exemplo, Manoel Pedro Pimentel,
citado por Mirabete:
Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso, e mesmo quando conformado esteja, anseia pela liberdade. Por isso a falta de perspectiva de liberdade ou a sufocante sensação de indefinida duração da pena (...) refletem, de algum modo, na disciplina. (1996, p. 74).
Considerando o ideal de liberdade, nos remetemos à idéia de que a
execução da pena se dá de forma progressiva, ou seja, em sendo cumpridos
determinados requisitos legais poderá o condenado ser encaminhado para regime
prisional menos gravoso, requerer livramento condicional, prisão albergue, dentre
outros benefícios. Com isso, torna-se indispensável o acompanhamento do
cumprimento da pena por um advogado, para que se possa pleitear os benefícios no
tempo certo, evitando-se o esquecimento do encarcerado dentro do sistema
penitenciário (situação nem tão incomum) (ROSA, 1995, p. 109).
Para se evitar este esquecimento é que o artigo 16 da Lei de Execução
Penal, acima transcrito, determina a existência de assistência jurídica dentro dos
estabelecimentos prisionais. Por meio da Lei Complementar n° 89/94, a qual institui
e organiza a Defensoria Pública da União, Distrito Federal e dos Territórios e
prescreve normais gerais de sua instalação nos Estados, determina-se a
obrigatoriedade de as defensorias atuarem nos estabelecimentos penitenciários e
policiais, objetivando o exercício dos direitos e garantias individuais dos detentos
(MIRABETE, 1996, p. 75).
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O conhecimento comum e a prática do forense não nos deixam esquecer
dos presos condenados, cuja pena está sendo cumprida dentro de uma cela de
Delegacia de Polícia. Estes são esquecidos pelo Estado, posto que, salvo exceções
desconhecidas, não existe assistência jurídica nestes estabelecimentos.
3.5 ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL
De acordo com Regras Mínimas da ONU é essencial que o Estado tome
providências no sentido de aprimorar a instrução escolar dos presos. Atendendo a
esta orientação, a Lei de Execução Penal faz menção expressa ao assunto. Segue a
redação dos artigos colacionados à Seção V, desta Lei (MIRABETE, 1996, p. 75).
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único: A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
A educação, tão importante ao homem livre, se mostra essencial dentro do
sistema penitenciário, como meio eficiente de reinserção social do condenado. Esta
previsão também atende ao disposto na Constituição Federal, a qual reza, no artigo
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205, que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser
promovida e incentivada em parceria com a sociedade, visando desenvolvimento da
pessoa, o preparo desta para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho.
Conforme disposto no artigo 18, acima transcrito, a educação básica tem
caráter obrigatório. Como informa Rosa (1995, p. 111), a grande maioria dos presos
possui uma escolaridade bastante baixa, sendo que, dentre eles há um grande
contingente de analfabetos. Assim, para atender a obrigatoriedade do ensino básico,
é necessário que o estabelecimento prisional seja dotado de estrutura física para
aulas, professores, material escolar, etc, e ainda, é obrigatória a presença dos
detentos que não tenham tal grau de escolaridade, posto que, de nada adianta
tornar obrigatório o ensino fundamental dentro dos presídios, se não se obrigar a
presença do público alvo.
Ao setor educacional incumbe: a) a promoção de reuniões pedagógicas com reeducandos; b) propiciar à população carcerária palestras, shows e atividades de caráter cultural; c) incutir no recluso o gosto pelo estudo, incentivando-o para o futuro, e colocando à sua disposição os métodos de aprendizagem correspondentes; d) ao reeducando que freqüentara com assiduidade os cursos a serem ministrados, atribuir pontos, que serão aprovados pela Comissão Disciplinar, e somados à sua avaliação final; e) realizar certames esportivos, dentro dos estabelecimentos, entre reeducandos e entidades estranhas ao Sistema Penitenciário, assim como promover práticas esportivas com regularidade. (ROSA, 1995, p. 111).
O ensino profissionalizante, previsto no artigo 19, da Lei de Execução Penal,
é de caráter facultativo, podendo ser ministrado de modo a iniciar ou aperfeiçoar
tecnicamente o detento. Esta habilitação profissional é uma das exigências da
função da pena, pois prepara, de forma efetiva, àquele que cumpre pena à
reinserção social, fazendo com que, em tese, não volte a praticar outros crimes.
Desta forma, havendo quantidade constante de presos que possam freqüentar estas
50
aulas profissionalizantes, a instituição penitenciária deve manter de forma contínua o
curso dentro do estabelecimento, caso contrário, será permitido ao preso que
cumpre pena em regime semi-aberto e aberto freqüentem cursos desta natureza
fora do estabelecimento prisional (MIRABETE, 1996, p. 78).
A profissionalização dos condenados deve ser o foco dos administradores
da execução da pena, em primeiro lugar porque esta é a melhor forma de preparar o
recluso para a volta do convívio social, de modo que ele terá meios de se engajar no
mercado de trabalho. E ainda, porque a formação profissional favorece de forma
direta a boa disciplina e reeducação do preso, pois estimula pensamentos,
proporciona orientação vocacional, sentimento de utilidade, de modo a aumentar a
auto-estima e confiança em si mesmo (ROSA, 1995, p. 112).
A Lei de Execução Penal permite convênios entre os Estado e instituições
privadas para se inserir o estudo dentro dos estabelecimentos penitenciários. A
forma deste trabalho deve ser instituída por lei estadual. Esta previsão é mais um
indício de que a sociedade pode contribuir com a ressocialização do preso.
Como institui o artigo 21, da Lei de Execução Penal, é possível a existência
de biblioteca dentro da penitenciária. Esta possibilidade trás ao preso inúmeros
benefícios, pois, além de servirem para a sua educação, os livros proporcionam
acesso aos mais diversos níveis de cultura e informação.
3.6 ASSISTÊNCIA SOCIAL E O CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR
Dentro de cada presídio existe uma equipe de Serviço Social, a fim de
colaborar com a readaptação do condenado para o convívio social, de modo que
51
exerce função sócio-educativa. Quanto ao tema, prescreve a Lei de Execução
Penal, in verbis:
Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los ao retorno à liberdade. Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social: I- conhecer os resultados dos diagnósticos e exames; II- relatar, por escrito, ao direitos do estabelecimento, os problemas e as
dificuldades enfrentados pelo assistido; III- acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas
temporárias; IV- promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; V- promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da
pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI- providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da
previdência social e do seguro por acidente do trabalho; VII- orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do
internado e da vítima.
A função do serviço social, de certa forma, é a comunicação do preso com o
mundo exterior, do qual se encontra, temporariamente, afastado.
(...) Mas o Serviço Social Penitenciário é um ramo específico, cujos pacientes têm uma situação específica, um status de condenado do qual decorrem direitos e deveres específicos, exigindo-se assim dos assistentes penitenciários sólidas noções a respeito da pena (...), da sentença condenatória (...), dos direitos e deveres dos condenados etc. (...) Corresponde à administração penitenciária, assim, a prestação da assistência social individual, mas, sem descuidar do auxílio comunitário . prevê a lei a obrigatoriedade da criação do Conselho da Comunidade, a quem incumbe visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca, entrevistar presos, apresentar relatórios mensais ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário e diligenciar para a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento (arts. 80 e 81 da LEP). Deu-se assim guarida à recomendação das Regras Mínimas da ONU para que se centralize a atividade dos organismos, oficiais ou não, que auxiliam na tarefa de reintegração social, a fim de assegurar a melhor utilização das suas atividades. (MIRABETE, 1996, p. 81).
São funções a serem exercidas pelo serviço social do estabelecimento
prisional: entrevistas os condenados quando do ingresso na instituição; elaboração
de parecer sócio-econômico e diagnóstico social; orientação aos presos acerca de
seus problemas familiares e sociais; promoção da integração dos reclusos,
52
estimulando o sentido de coletividade e respeito mútuo; dedicação à observação e
reeducação social dos reclusos, o que reflete na progressão de regime destes;
dedicação, se necessário, ao ensino e organização de atividades culturais e
recreativas; analisar a personalidade do preso e anotar sua evolução individual;
visitas à família do preso para facilitar o processo de reintegração deste; tomar
providências no sentido de procurar trabalho aos presos interessados; etc. (ROSA,
1995, p. 114-115).
O contato do preso com o mundo exterior pode se dar por meio de
correspondência com seus amigos e familiares. Ainda são permitidas visitas dentro
do estabelecimento prisional, em dia e hora previamente fixados, desde que
atendidos alguns requisitos impostos pelo estabelecimento prisional. E ainda, poderá
o detento ter acesso às notícias por meio de jornais e revistas previamente
autorizados pela administração da penitenciária.
O grande papel do serviço social está estampado na sua função de auxílio
ao preso durante o término do cumprimento de sua pena, quando será novamente
integrante da sociedade. É nesta fase que o preso se encontra bastante ansioso,
haja vista diversas particularidades novas a serem enfrentadas, como, por exemplo,
um endereço para se dirigir, um trabalho que possa ajudar a manter sua família,
ausência por longo tempo do local onde vivia, etc. É a função do serviço social
orientar o egresso nestas questões, oferecendo-lhe segurança para o retorno social
(MIRABETE, 1996, p. 84).
53
3.7 ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A maioria das pessoas sente grande necessidade de orientação religiosa,
sendo livre, inclusive, para escolher sua crença e manifestá-la, direito este garantido
pela Constituição Federal (artigo 5°, inciso VI). Assim, aos presos não poderia ser
diferente, sendo que, neste sentido a Lei de Execução Penal prevê, in verbis:
Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1° No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2° Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.
A esperança de reforma do criminoso por meio da religião é uma idéia muito
antiga, sendo que desde o Império Romano os sacerdotes eram levados até os
locais de prisão para oferecer assistência moral necessárias aos presentes.
Atualmente, a religião não ocupa o espaço principal dentro dos estabelecimentos
prisionais, todavia, lá está presente para aqueles que crêem, constituindo um
elemento importante na educação integral dos presos, fazendo com que esta
previsão esteja presente nas legislações modernas (MIRABETE, 1996, p. 86).
A assistência religiosa não é obrigatória, dependendo da vontade do
condenado de acordo com suas crenças. Todavia, a assistência deve estar
presente, para que este possa escolher em aderir ou não, posto que é permitido a
todos participarem dos serviços organizados para os membros de determinada
religião e recebem “visitas do ministro do culto indicado ou que o represente junto ao
estabelecimento” (ROSA, 1995, p. 117).
54
A assistência religiosa dos presos e internados, conforme regulamentação local, pode estar a cargo de um corpo de capelães, de sacerdotes ou párocos das diversas religiões, e os internos devem ser atendidos pelos ministros da religião que professem. O serviço de assistência deve compreender todas as atividades que sejam necessárias para o adequado desenvolvimento religioso da pessoa, permitindo-se, portanto, a celebração de missas, a realização de cultos, a promoção de atividades piedosas como a leitura da Bíblia ou de outros livros sagrados, os cânticos, as orações, etc. Não basta, porém, que se permitam essas atividades religiosas, sendo preciso que o capelão esteja sempre presente para escutar os presos que o procuram e lhes dizer a palavra de que necessitam, para guiá-los, aconselhá-los ou censurá-los. (MIRABETE, 1996, p. 87).
Para que esta assistência não crie tumultos dentro do sistema penitenciário
é necessário que cada estabelecimento prisional tome a iniciativa no sentido de
organizá-lo, adequando-o às suas necessidades, horários, sem interferir na rotina e
disciplina do estabelecimento. Assim, havendo local apropriado para cultos, como
determina a Lei de Execução Penal, é função do estabelecimento prisional
estabelecer os horários de realização, garantir a presença dos presos interessados e
a disciplina durante o culto.
55
4 PANORAMA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E A
RESSOCIALIZAÇÃO
Após análise do disposto na Lei de Execução Penal, acerca dos programas
necessários à efetivação da ressocialização do preso, é hora de se averiguar a
realidade dentro dos estabelecimentos penitenciários nacionais. As perguntas que
se pretendem responder são: será que o modelo ressocializador está sendo
executado? Será que está atingindo os seus fins (de evitar reincidência)?
No entendimento de Mello,
há um verdadeiro descompasso entre a realidade concreta e a utopia legal no que diz respeito ao Sistema Penal, pois é visível que as normas não condizem com a realidade do sistema e a prisão está longe de cumprir um papel ressocializador. (2002, p. 335).
A imprensa, não raramente, nos trás notícias do que acontece no interior dos
elevados muros das penitenciárias existentes no Brasil afora. Em matéria publicada
no ano de 2008, a Revista Super Interessante, com matéria capa intitulada “A cadeia
como você nunca viu”, revelou detalhes de alguns estabelecimentos prisionais (para
detentos provisórios e condenados), tratando da forma de organização dos presos,
no sentido de escalonar poderes dentre eles, a utilização de drogas, celulares, etc.
(SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 54-55).
A reportagem antes mencionada apresenta os seguintes números
estatísticos: em 2002, 182 mil vagas abrigavam 240 mil presos, ou seja, déficit de 58
mil vagas no sistema penitenciário. Em 2007, este déficit de vagas cresceu para 157
mil, pois o sistema penitenciário nacional comporta 437 mil presos em, somente, 262
vagas existentes. Neste contexto, que inclui número de presos provisórios e
56
condenados, 13% destes últimos, cumprem pena em Delegacias de Polícia, sem a
incidência de qualquer assistencialismo para ressocialização previsto na Lei de
Execução Penal (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 56).
A razão para este crescimento populacional dentro das prisões pode estar
estreitamente ligada à produção da desigualdade e das condições lamentáveis de
vida, as quais são submetidas as classes mais pobres e vulneráveis, principalmente
nos países mais periféricos. Some-se a isso o fato de as políticas econômicas e
sociais neoliberais têm feito com que se aumente o desemprego ou a informalidade
deste (TORRES, 2007, p. 114).
Voltando aos estabelecimentos prisionais, o comércio “negro” dentro destes
é comum. Dentre os presos provisórios, ante a superlotação das celas em
Delegacias de Polícia, é normal que se pague por um lugar para dormir, por um
colchão e até mesmo para não sofrer abusos físicos pelos companheiros de cela. Os
preços cobrados pelos “Pilotos” dentro das cadeias públicas são mais altos do que
os preços praticados dentro das penitenciárias, pois estas são projetadas para
abrigarem menos presos por celas. Esses fatos são conhecidos pelas autoridades,
todavia, o que estimula tal “comércio” é a superlotação, de modo que, de acordo
com o Diretor do Departamento Penitenciário Nacional, vinculado do Ministério da
Justiça, tal situação somente terá fim quando não houver mais necessidade de
disputa de espaço entre os presos (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 56-57).
O sistema penitenciário nacional é um submundo, no qual os mais fortes se
organizam e criam as regras do local, as quais, inclusive, podem se estender para
fora dos portões da prisão. O melhor exemplo de tal afirmativa é o Primeiro
Comando da Capital, organização criminosa criada por 8 (oito) presos em
cumprimento de pena dentro da Penitenciária de Taubaté, interior de São Paulo:
57
Hoje temida, a facção começou bem modesta. No início era só um time de futebol na penitenciária de Taubaté, interior de São Paulo. O escrete: Cesinha, Geleião, Esquisito, Dafé, Cara Gorda, Bicho Feio, Baianão e Zé Cachorro. Esses 8 eram conhecidos como “os da capital”, já que tinham vindo de São Paulo, e formavam uma equipe imbatível. Na bola e no crime. Eram a elite de Taubaté. Mandavam e desmandavam. Em 31 de agosto de 1993 um deles perguntou: „A gente só vai usar nossa popularidade para jogar bola?”. Resolveram então montar uma espécie de sindicato mesmo, com a idéia de representar os detentos perante o Estado. Aí “os da capital” adicionaram as palavras “Primeiro Comando” ao nome do time de futebol. Nascia o PCC. No estatuto do grupo, escrito naquele dia, constava que cada membro deveria ajudar o outro financeiramente, mesmo quando estivesse solto. Foi o que deu músculos à organização, que passou a adquirir armas, financiar fugas e subordinar policiais e carcereiros para ter seus interesses atendidos. (...) (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 59-60).
Não é preciso mencionar a dimensão tomada pelo grupo, presente na
maioria dos presídios existentes nos Estados brasileiros, e do quanto são
organizados e poderosos, não sendo raro ouvir-se notícias dos mesmos. Compram
agentes penitenciários, colocam celulares e drogas dentro dos presídios, além de
traficarem externamente. Dentre as drogas, não é permitido aos membros do PCC,
contudo, o uso de craque, pois esta droga é tida como traiçoeira, haja vista sua
potencialidade de vício, e o viciado passa a pensar somente em satisfazer a sua
dependência, podendo deixar de lado a cooperação mútua entre os membros da
facção. Todavia, facções como o Comando Vermelho, também presente em massa
nos presídios, permitem o uso desta droga, de tal maneira que os interessados
sempre acabam conseguindo-a (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 61).
A presença de celulares dentro dos presídios não é rara. Os aparelhos
entram no sistema prisional mediante suborno de agentes penitenciários corruptos,
que cobram entre R$500,00 (quinhentos reais) a R$800,00 (oitocentos reais) e por
meio das visitas, transformando as celas em “escritórios”, de onde se organizam
seqüestros, assaltos e assassinatos (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 63).
A comida não é o ponto forte das penitenciárias. Os recém chegados muitas
vezes ficam vários dias sem comer até terem coragem (necessidade) de ingerir o
58
conteúdo das marmitas. Muitos dos estabelecimentos prisionais não possuem
refeitório e os presos recebem as marmitas quando já frias, improvisando, quando
possível, meios de esquentar a refeição (SOUZA; VERSIGNASSI, 2008, p. 59; 64).
Não se pode imaginar que tais mazelas são sofridas somente pelos detentos
em penitenciárias sob a guarita do Estado, pois se tem notícia de que logo após a
terceirização da Penitenciária Estadual de Piraquara (PR), a qual voltou à
supervisão do Estado, o leite servido aos presos era, antes de servido, misturado
com água (BREDOW, 2007, p. 209-210).
Todavia, para não se alegar somente ter se dado destaque ao modelo
penitenciário que não atende às expectativas de ressocialização3, deve-se informar
a existência de (poucas) exceções. A Revista Época, em matéria intitulada “Nem
parece uma cadeia”, também publicada em março de 2008, mostra a realidade da
Penitenciária Industrial de Cascavel-PR (PIC), inaugurada em 2002, possuindo
120.000 m² de área, lembrando um hotel fazenda (FERNANDES, 2008, p. 60).
De acordo com a Revista a penitenciária tem números nada comuns a
outros estabelecimentos prisionais, pois nela 89% dos presos freqüentam aulas
regulares que vão desde alfabetização e ensino médio, contra a média 17% no
restante do país. A unidade também oferece cursos de arte e música duas vezes por
semana e possui uma biblioteca bem organizada. Todas as celas são equipadas
com rádio, televisão e banheiro. Sendo que estes benefícios podem ser perdidos
gradativamente com a ocorrência de infrações. Por se tratar de uma penitenciária
industrial comporta, em galpões ao lado de sua estrutura, empresas que oferecem
empregos aos detentos, fazendo com que estes, durante o cumprimento de pena,
3 Aqui se deve fazer uma observação. Em que pese a Penitenciária Industrial de Cascavel – PR
represente o modelo do que institui a LEP, no que tange ao respeito aos direitos dos presos no sistema penitenciário, a partir de assistencialismo no sentido de ressocializar, em nada se tem de conclusivo acerca da eficácia de tal método após o término do cumprimento de pena, pois não se têm números acerca da reincidência, ou não, dos presos desta unidade.
59
possam se profissionalizar e guardar uma soma em dinheiro (FERNANDES, 2008,
p.60).
À época da reportagem uma empresa de bolas estava instalada no presídio,
sendo que empregava 60 (sessenta) presos, com a perspectiva de dobrar o número
de “trabalhadores”. Os presos recebem um salário mínimo, sendo que 25% do valor
é destinado à Penitenciária, e o restante é dividido, entregando-se uma parte para a
família do preso e a outra para um fundo que só pode ser retirado pelo condenado
quando do término da pena. Recebem R$ 80,00 (oitenta reais) por mês os presos
que trabalham na limpeza do presídio, e também não têm acesso ao dinheiro. Não
permitir que o dinheiro do trabalho fique com o preso é medida adotada para se
evitar a compra de favores dentro do estabelecimento (FERNANDES, 2008, p. 60).
Durante os primeiros anos de funcionamento, a Prisão Industrial de
Cascavel era administrada por uma empresa privada, mas, há dois anos, o Governo
do Estado do Paraná retomou a gestão do estabelecimento prisional (e de todos os
outros que estava sob o comando de empresas terceirizadas). Segundo informações
oficiais, o gasto com o preso continuou estável, todavia, o salário dos agentes
penitenciários passou de R$600,00 (seiscentos reais) para R$2.400,00 (dois mil e
quatrocentos reais). Com esta retomada utilizou-se o que seria lucro das empresas
para investir em melhorias para o próprio presídio (FERNANDES, 2008, p. 61-62).
Embora seja uma penitenciária considerada modelo, a PIC também é alvo
de críticas. Nas palavras do diretor de Assuntos Penitenciários da OAB de Cascavel,
quando o preso sai da Penitenciária “só sabe colar bola” (FERNANDES, 2008, p.62).
A partir destas duas reportagens foi possível demonstrar dois estilos de
penitenciárias existes, todavia, o próprio conhecimento comum nos faz acreditar que
o primeiro modelo apresentado, no qual há evidente criminalidade interna, o
60
desrespeito aos direitos do preso e a falta de programas de ressocialização são
maiorias no país. Some-se a isso a situação precária dos presos provisórios (e
alguns condenados) presos em Delegacias de Polícia, cuja instalação não permite
sequer contato com luz solar. Com isso, após esta prévia exposição da realidade,
vejamos as considerações acerca da ressocialização por meio do sistema
penitenciário e da própria pena de prisão.
Vale lembrar que a ressocialização é o espelho do objetivo da pena, que
visa recuperar o criminoso, fazendo com que este volte ao convívio social não mais
praticando crimes.
De acordo com Borges D‟Urso a eficácia do processo de ressocialização
deve ser medido pelo índice de reincidência, sendo que, os egressos, em maioria,
praticam novos crimes, e no Brasil eles representam 70%, ou seja, a pena privativa
de liberdade e o processo de ressocialização brasileiro, pouco ou nada contribuem
para contenção da criminalidade (2003, p. 36).
Alessandro Baratta entende que o modelo prisional nas sociedades
capitalistas não atende os objetivos de educação e reinserção social, possuindo,
desta forma, efeitos totalmente contrários:
A comunidade carcerária tem, nas sociedades capitalistas contemporâneas, características constantes, predominantes em relação às diferenças nacionais, e que permitiram a construção de um verdadeiro e próprio modelo. As características deste modelo, do ponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fato de que os institutos de detenção produzem efeitos contrários à reeducação e à reinserção do condenado, e favoráveis à sua estável inserção na população criminosa. O cárcere é contrário a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o auto-respeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimônias de degradação no início da detenção, com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria autonomia (vestuário e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante. Exames clínicos realizados com os clássicos testes de personalidade mostraram os efeitos negativos do encarceramento sobre a psique dos
61
condenados e a correlação destes efeitos com a duração daquele. A conclusão a que chegam estudos deste gênero é que „a possibilidade de transformar um delinqüente anti-social violento em um indivíduo adaptável, mediante longa pena carcerária, não parece existir‟ e que „o instituto da pena não pode realizar a sua finalidade como instituto de educação‟. (grifos nossos). (BARATTA, 2002, p. 183-184).
Conforme leciona Gonçalves, na prática o processo ressocializador dentro
dos estabelecimentos penitenciários não atende aos seus fins, pois se trata de um
sistema absolutamente saturado, oferecendo-se ao preso um “cursinho” para o
crime, onde se “lecionam” verdadeiras aulas de aprimoramento em práticas
criminosas a serem aplicadas quando da liberdade (2004, p. 36). Pode-se afirmar,
inclusive, que muitas destas práticas criminosas conhecidas dentro dos presídios
sequer exigem o retorno do preso à sociedade, pois como vimos anteriormente,
muitos presidiários coordenam de dentro dos presídios atividades criminosas
externas. Este fato representa a crise do sistema penitenciário.
Para fundamentar algumas das questões aqui tratadas vejamos alguns
números apresentados pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento
Penitenciário Nacional no mês de junho de 2011 (valores considerando homens e
mulheres): a) a escolaridade da maior parte dos presos (198.153) é o ensino
fundamental incompleto; b) o crime mais cometido é o de roubo qualificado (80.091);
c) a faixa etária predominante no sistema prisional varia entre 18 e 24 anos
(125.302). Os números falam por si e as conclusões não gritantes (BRASIL, 2011).
Deve-se considerar, ainda, que a sociedade é por demais preconceituosa,
fazendo com que haja a estigmatização do indivíduo que cumpriu pena (como um
delinqüente) fincando sobrestada a reinserção social do egresso, haja vista que não
se abre espaço a ele na sociedade quando se conhece seu passado criminoso.
62
Esta situação coloca por terra qualquer processo ressocializador que se
tenha efetivado dentro do estabelecimento prisional, posto que o problema da
ressocialização também é externo. Desta forma, é necessário mudar-se a sociedade
juntamente com os dela excluídos, fazendo com que haja efetiva participação da
população durante o processo ressocializador (MELLO, 2002, p. 339).
63
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz-se muito importante o processo evolutivo da pena de prisão, pois serve
para melhor entendimento do porque o modelo atualmente utilizado de prisão.
Graças a evolução da sociedade e a partir de uma concepção de respeito à
dignidade da pessoa humana, passou-se a humanizar a execução da pena, de
modo a se garantir determinadas assistências aos presos, os quais, embora
criminosos, também são seres humanos.
Todavia, em que pese todas as garantias previstas constitucionalmente no
Brasil, os assistencialismos determinados pela Lei de Execução Penal, é evidente
que a situação dos presos no país, provisórios ou condenados, é degradante.
Vislumbra-se, em um primeiro momento, que a situação daqueles presos em
estabelecimentos penitenciários não é tão humilhante quanto daqueles presos em
Delegacias de Polícia (muitas vezes cumprindo pena nestes estabelecimentos), pois
estes sequer têm condições mínimas de higiene, saúde, alimentação, e nenhuma
possibilidade de trabalho ou aperfeiçoamento por meio dos estudos, estando,
portanto, no limbo da sociedade.
O Sistema Penitenciário Nacional, em que pese algumas poucas exceções,
da forma como estruturado, não permite ressocialização do peso, pois estes sequer
foram socializados. As condições para garantir melhoria pessoal dos presos é
precária, pois o sistema “tenta” ensinar-lhes alguma coisa de útil para viver em
sociedade, enquanto a pessoa está fora dela, vivendo em outra realidade. As
qualificações permitidas são limitadas dentro dos estabelecimentos prisionais, o
trabalho ofertado ensina pouca coisa, ou quase nada, para o convívio social.
64
Os que pretendem ressocializar o preso durante o cumprimento de pena
privativa de liberdade se esquecem que é preciso também mudar a sociedade onde
este preso voltará, pois vivemos em uma sociedade estigmatizante, na qual aquele
egresso do sistema prisional não é digno de confiança, é deixado de lado, tornando
absolutamente inócuo qualquer esforço pessoal do condenado, ou do
estabelecimento prisional no sentido de melhoramento do preso.
Some-se a isso o fato de os presídios estarem infestados de criminalidade.
As facções criminosas, ou mesmo presos que se pode chamar de irrecuperáveis,
vez que podem se tornar “dóceis”, mas jamais se arrependem do delito praticado,
são fatores determinantes para a não ressocialização. A penitenciária passa a ser
uma escola, para onde, na maioria das vezes, é para onde retornará aquele que
alcança a liberdade. É claro que tal afirmativa não é uma sentença, pois há casos
em que o egresso não volta a delinqüir, todavia, como exposto na parte final deste
trabalho, a maioria dos condenados no Brasil é reincidente, situação que mostra de
forma clara a falência da prisão enquanto instituição capaz de ressocializar.
Desta forma, é necessária uma urgente mudança de paradigma, ou seja,
devem as autoridades repensar formas de coibir a criminalidade, dentro e fora dos
presídios, de modo a transformar o cumprimento da pena mais benéfica ao
condenado e à sociedade. Políticas públicas devem ser revistas, investimentos
devem ser direcionados de formas mais eficientes, para que, somente então, o
quadro atual possa ser alterado, a sociedade sentir-se mais segura e à repressão do
crime ser efetivada.
65
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