universo autoconsciente

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  • 7/28/2019 universo autoconsciente

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    O UNIVERSO

    AUTOCONSCIENTE

    Amit Goswamicom Richard E. Reed

    e Maggie Goswami

    Traduo de

    Ruy Jungmann

    2a Edio

    como a conscincia cria o mundo material

    1a Reimpresso

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    Copyright Amit Goswami, Richard E. Reed and Maggie Goswami, 1993Copyright Editora Aleph, 2007

    (edio em lngua portuguesa para o Brasil)

    Crditos conferidos p. 367.

    TTULO ORIGINAL: The self-aware universeCAPA: Luiza Franco

    Thiago VenturaREVISO TCNICA: Adilson da Silva

    REVISO: Hebe Ester LucasPROJETO GRFICO: Neide Siqueira

    EDITORAO: Join BureauCOORDENAO EDITORIAL: Dbora Dutra Vieira

    DIREO EDITORIAL: Adriano Fromer Piazzi

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs de quaisquer meios.Publicado mediante acordo com Jeremy P. Tarcher, Inc., uma diviso da Penguin Group (USA) Inc.

    EDITORA ALEPH LTDA.Rua Dr. Luiz Migliano, 1110 Cj. 30105711-900 So Paulo SP Brasil

    Tel: [55 11] 3743-3202Fax: [55 11] 3743-3263

    www.editoraaleph.com.br

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Goswami, AmitO universo autoconsciente : como a conscincia cria o mundo material / Amit

    Goswami com Richard E. Reed e Maggie Goswami ; traduo Ruy Jungmann. 2 ed.

    So Paulo : Aleph, 2008. (Srie novo pensamento)

    Ttulo original: The self-aware universe : how consciousness creates thematerial world

    Bibliografia.

    ISBN 978-85-7675-053-0

    1. Cincias Filosofia 2. Fsica Filosofia 3. Religio e cincia 4. Teoria

    quntica I. Reed, Richard E. II. Goswami, Maggie III. Ttulo. IV. Srie.

    07-1118 CDD-530.12

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Teoria quntica : Fsica 530.12

    1a Reimpresso

    2010

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    sumrio

    Prefcio .................................................................................... 7

    Introduo ............................................................................... 11

    PARTE 1A INTEGRAOENTRE CINCIAE ESPIRITUALIDADE

    Introduo Parte 1 ......................................................... 171. O Abismo e a Ponte ......................................................... 192. A Velha Fsica e seu Legado Filosfico .......................... 313. A Fsica Quntica e o Fim do Realismo Materialista ..... 434. A Filosofia do Idealismo Monista .................................... 69

    PARTE 2O IDEALISMOEA SOLUODOS PARADOXOS QUNTICOS

    Introduo Parte 2 ......................................................... 855. Objetos Simultaneamente em Dois Lugares e Efeitos

    que Precedem suas Causas ............................................. 876. As Nove Vidas do Gato de Schrdinger ......................... 1027. Escolho, Logo Existo ........................................................ 1318. O Paradoxo Einstein-Podolsky-Rosen ............................ 1409. A Reconciliao entre Realismo e Idealismo ................. 167

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    PARTE 3REFERNCIAAOSELF: COMOO UNO TORNA-SE MUITOS

    Introduo Parte 3 ............................................................. 179

    10. Anlise do Problema Corpo-mente ..................................... 18111. Em Busca da Mente Quntica ............................................. 19412. Paradoxos e Hierarquias Entrelaadas ............................... 21113. O Eu da Conscincia ........................................................ 22414. Integrando as Psicologias .................................................... 236

    Parte 4O Reencantamento do Ser Humano

    Introduo Parte 4 ............................................................. 25115. Guerra e Paz ......................................................................... 25716. Criatividade Externa e Interna............................................ 26517. O Despertar de Buddhi........................................................ 27918. Uma Teoria Idealista da tica ............................................. 30119. Alegria Espiritual ................................................................. 316

    Glossrio ...................................................................................... 323

    Notas ............................................................................................ 335

    Bibliografia .................................................................................. 343

    ndice Remissivo ......................................................................... 353

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    prefcio

    Ao tempo em que fazia curso de graduao e estudava mecni-ca quntica, eu e meus colegas passvamos horas discutindoassuntos esotricos do tipo: poder um eltron estar realmenteem dois lugares ao mesmo tempo? Eu conseguia aceitar que umeltron pudesse estar em dois lugares ao mesmo tempo; a men-sagem da matemtica quntica, embora cheia de sutilezas,

    inequvoca a esse respeito. Mas um objeto comum digamos,uma cadeira ou uma mesa, objetos que denominamos reais comporta-se tambm como um eltron? Ser que se transformaem ondas e comea a espalhar-se maneira inexorvel das on-das, em todas as ocasies em que no o estamos observando?

    Objetos que vemos na experincia do dia-a-dia no nos parecemcomportar-se das maneiras estranhas comuns mecnica quntica.Subconscientemente para ns fcil sermos levados acriticamente

    a pensar que a matria macroscpica difere de partculas microsc-picas que seu comportamento convencional regulado pelasleis newtonianas, que formam a chamada fsica clssica. Na ver-dade, numerosos fsicos deixam de quebrar a cabea com os pa-radoxos da fsica quntica e sucumbem soluo newtoniana.Dividem o mundo em objetos qunticos e clssicos o que meacontecia tambm, embora eu no me desse conta do que fazia.

    Se queremos fazer uma carreira bem-sucedida em fsica,no podemos nos preocupar demais com questes recalcitran-

    tes ao entendimento, como os quebra-cabeas qunticos. A

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    maneira certa de trabalhar com a fsica quntica, segundo medisseram, consiste em aprender a calcular. Em vista disso, aceiteium meio-termo, e as questes instigantes de minha juventudepassaram gradualmente para o segundo plano.

    Mas no desapareceram. Mudaram as circunstncias em queeu vivia e aps um sem-nmero de crises de ressentido estresse,que caracterizaram a minha carreira competitiva na fsica come-cei a lembrar-me da alegria que a fsica outrora me dera. Compreen-di que devia haver uma maneira alegre de abordar o assunto, masque precisava restabelecer meu esprito de indagao sobre o signi-ficado do universo e abandonar as acomodaes mentais que fizerapor motivo de carreira. Foi muito til neste particular um livro dofilsofo Thomas Kuhn, que estabelece uma distino entre pesquisade paradigma e revolues cientficas, que mudam paradigmas. Eufizera a minha parte em pesquisa de paradigmas; era tempo de che-gar fronteira da fsica e pensar em uma mudana de paradigma.

    Mais ou menos na ocasio em que cheguei a essa encruzilha-da pessoal, saiu O tao da fsica, de Fritjof Capra. Embora minhareao inicial tenha sido de cime e rejeio, o livro me tocou pro-fundamente. Aps algum tempo, observei que o livro menciona umproblema que no estuda em profundidade. Capra sonda os para-

    lelos entre a viso mstica do mundo e a da fsica quntica, mas noinvestiga a razo desses paralelos: sero eles mais do que meracoincidncia? Finalmente, eu encontrara o foco de minha indaga-o sobre a natureza da realidade.

    A forma de Capra abordar as questes sobre a realidade passa-va pela fsica das partculas elementares. Ocorreu-me a intuio,porm, de que as questes fundamentais seriam enfrentadas de formamais direta no problema de como interpretar a fsica quntica. E foi

    isso o que me propus investigar. Mas no previ inicialmente que essetrabalho seria um projeto interdisciplinar de grande magnitude.

    Eu estava na ocasio ministrando um curso sobre a fsica da ficocientfica (sempre tive predileo por fico cientfica), e um estudantecomentou: O senhor fala igualzinho minha professora de psicologia,Carolin Keutzer! Seguiu-se uma colaborao com Keutzer que, em-bora no me levasse a qualquer grande insight, deu-me conhecimentode uma grande massa de literatura psicolgica relevante para o assun-

    to que me interessava. Acabei por conhecer bem a obra de Mike Posnere de seu grupo de psicologia cognitiva na Universidade de Oregon,que deveriam desempenhar um papel decisivo em minha pesquisa.

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    PREFCIOAlm da psicologia, meu tema de pesquisa exigia conhecimen-

    tos considerveis de neurofisiologia a cincia do crebro. Conhe-ci meu professor de neurofisiologia por intermdio de John Lilly, ofamoso especialista em golfinhos. Lilly tivera a bondade de me con-

    vidar para participar do seminrio, de uma semana de durao, queestava ministrando em Esalen. Frank Barr, mdico, participava tam-bm. Se minha paixo era mecnica quntica, a de Frank era a te-oria do crebro. Consegui aprender com ele praticamente tudo deque necessitava para iniciar o aspecto crebro-mente deste livro.

    Outro ingrediente de importncia crucial para que minhasidias ganhassem consistncia foram as teorias sobre intelignciaartificial. Neste particular, igualmente, tive muita sorte. Um dosexpoentes da teoria da inteligncia artificial, Doug Hofstadter,iniciou a carreira como fsico, obtendo o grau de doutor na Escolade Ps-graduao da Universidade de Oregon, a cujo corpo docen-te ora perteno. Naturalmente, a publicao de seu livro despertouem mim um interesse todo especial e colhi algumas de minhasidias principais na pesquisa de Doug.

    Coincidncias significativas continuaram a ocorrer. Fui inicia-do nas pesquisas em psicologia por meio de numerosas discussescom outro colega, Ray Hyman, um ctico de mente muito aberta.

    A ltima, mas no a menor, de uma srie de importantes coinci-dncias tomou a forma do encontro que tive com trs msticos, emLone Pine, Califrnia, no vero de 1984: Franklin Merrell-Wolff,Richard Moss e Joel Morwood.

    Em certo sentido, desde que meu pai era um guru brmanena ndia, cresci imerso em misticismo. Na escola, contudo, inicieium longo desvio por intermdio da educao convencional e daprtica como cientista, que trabalhava com uma especialidade

    separada. Essa direo afastou-me das simpatias da infncia e,como resultado, levou-me a acreditar que a realidade objetivadefinida pela fsica convencional era a nica realidade e que oque era subjetivo se devia a uma dana complexa de tomos, espera para ser decifrada por ns.

    Em contraste, os msticos de Lone Pine falavam sobre conscinciacomo sendo o original, o completo em si, e constitutivo de todas ascoisas. No incio, essas idias provocaram em mim uma grande disso-

    nncia cognitiva, embora, no fim, eu compreendesse que podemosainda praticar cincia mesmo que aceitemos a primazia da conscincia,e no da matria. Esta maneira de praticar cincia eliminava no s os

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    paradoxos qunticos dos enigmas de minha adolescncia, mas tambmos novos da psicologia, do crebro e da inteligncia artificial.

    Este livro o produto final de uma jornada pessoal cheia derodeios. Precisei de 15 anos para superar o preconceito em favor

    da fsica clssica e para pesquisar e escrever este livro. Tomara queo fruto desse esforo valha o tempo que voc, leitor, vai lhe dedicar.Ou, parafraseando Rabindranath Tagore,

    Eu escutei

    E olhei

    Com olhos bem abertos.

    Verti minha alma

    No mundo

    Procurando o desconhecido

    No conhecido.

    E canto em altos brados

    Em meu assombro!

    Obviamente, muitas outras pessoas, alm das mencionadas acima,contriburam para este livro: Jean Burns, Paul Ray, David Clark, JohnDavid Garcia, Suprokash Mukherjee, o falecido Fred Attneave, Jacobo

    Grinberg, Ram Dass, Ian Stuart, Henry Stapp, Kim McCarthy, RobertTompkins, Eddie Oshins, Shawn Boles, Fred Wolf e Mark Mitchell para mencionar apenas alguns. Foram importantes o estmulo eo apoio emocional de amigos, notadamente de Susanne Parker Bar-nett, Kate Wilhelm, Damon Knight, Andrea Pucci, Dean Kisling,Fleetwood Bernstein, Sherry Anderson, Manoj e Dipti Pal, Geraldi-ne Moreno-Black e Ed Black, meu falecido colega Mike Moravcsike, especialmente, nossa falecida e querida amiga Frederica Leigh.

    Agradecimentos especiais so devidos a Richard Reed, que meconvenceu a submeter o original deste livro a uma editora e que olevou a Jeremy Tarcher. Alm disso, Richard deu importante apoio,crticas e ajuda no trabalho de reviso. Claro, minha esposa, Mag-gie, contribuiu tanto para o desenvolvimento das idias e para alinguagem em que elas foram vazadas que este livro teria sido lite-ralmente impossvel sem ela. Os editores de textos fornecidos pelaJ. P. Tarcher, Inc. Aidan Kelly, Daniel Malvin e, especialmente,

    Bob Shepherd tornaram-se credores de agradecimentos profun-dos, como tambm acontece com o prprio Jeremy Tarcher, por teracreditado neste projeto. Agradeo a todos vocs.

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    introduo

    H no muito tempo ns, fsicos, acreditvamos que havamoschegado finalmente ao fim de todas as nossas buscas: tnhamosalcanado o fim da estrada e descoberto que o universo mec-nico era perfeito em todo o seu esplendor. As coisas comportam-se da maneira como acontece porque so o que eram nopassado. Elas sero o que viro a ser porque so o que so, e

    assim por diante. Tudo se encaixava em um pequenino e ele-gante pacote de pensamento newtoniano-maxwelliano. Haviaequaes matemticas que, de fato, explicavam o comportamen-to da natureza. Observava-se uma correspondncia perfeitaentre um smbolo na pgina de um trabalho cientfico e o movi-mento do menor ao maior objeto no espao e no tempo.

    Corria o fim do sculo, o sculo XIX, para sermos exatos, eo renomado A. A. Michelson, falando sobre o futuro da fsica,

    disse que o mesmo consistiria em adicionar algumas casas de-cimais aos resultados j obtidos. Para sermos justos, Michelsonacreditava estar, ao fazer essa observao, citando o famoso LordKelvin. Na verdade foi Kelvin quem disse que, de fato, tudoestava perfeito na paisagem da fsica, com exceo de duas nu-vens escuras que toldavam o horizonte.

    Essas duas nuvens negras, como se viu depois, no apenasocultavam a luz do sol na paisagem turneresca, newtoniana,

    mas a transformavam numa desnorteante viso abstrata, tipoJackson Pollock, cheia de pontos, manchas e ondas. Essas nu-

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    vens eram as precursoras da agora famosa teoria quntica de tudoque existe.

    E aqui estamos ns, ao fim de um sculo, desta vez o sculoXX, para sermos exatos, e, mais uma vez, mais nuvens se renem

    para obscurecer a paisagem, at mesmo do mundo quntico dafsica. Da mesma forma que antes, a paisagem newtoniana tinha eainda tem seus admiradores. Ela ainda funciona para explicar umafaixa vasta de fenmenos mecnicos, de naves espaciais a autom-veis, de satlites a abridores de lata; mas, ainda assim, da mesmamaneira que a pintura abstrata quntica acabou por demonstrarque essa paisagem newtoniana era composta de pontos aparente-mente aleatrios (quanta), so muitos aqueles entre ns que acre-

    ditam que, em ltima anlise, h algum tipo de ordem mecnicaobjetiva subjacente a tudo, at mesmo aos pontos qunticos.

    A cincia, entenda-se, desenvolve-se de acordo com umasuposio absolutamente fundamental sobre a maneira como ascoisas so ou tm de ser. Essa suposio exatamente aquilo queAmit Goswami, com a colaborao de Richard E. Reed e MaggieGoswami, questiona no livro que voc est prestes a ler. Isso porqueessa suposio, tal como suas nebulosas predecessoras do sculo

    anterior, parece indicar no s o fim de um sculo, mas o fim dacincia, como a conhecemos. A suposio que existe, l fora,uma realidade real, objetiva.

    Essa realidade objetiva seria algo slido, constitudo de coisasque possuem atributos, tais como massa, carga eltrica,momentum,momentum angular, spin, posio no espao e existncia contnuaatravs do tempo, expressa como inrcia, energia e, descendoainda mais fundo no micromundo, atributos tais como estranheza,

    encanto e cor. Mas, ainda assim, nuvens ainda se acumulam. Issoporque, a despeito de tudo que sabemos sobre o mundo objetivo,mesmo com as voltas e dobras de espao que se transforma emtempo, que se transforma em matria, e as nuvens negras denomi-nadas buracos negros, com todas as nossas mentes racionais fun-cionando a pleno vapor, resta-nos ainda em mos um grandenmero de mistrios, paradoxos e peas de quebra-cabea quesimplesmente no se encaixam.

    Ns, fsicos, porm, somos um grupo obstinado e tememos aproverbial perda de lanarmos o beb fora juntamente com a guado banho. Ainda ensaboamos e raspamos o rosto, observando

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    INTRODUOatentos enquanto usamos a navalha de Occam, para termos certe-

    za de que cortamos todas as suposies cabeludas suprfluas. Oque so essas nuvens que obscurecem a forma de arte abstrata defins do sculo XX? Elas se resumem em uma nica sentena: apa-

    rentemente, o universo no existe sem algo que lhe perceba aexistncia.

    Ora, em algum nvel, essa frase certamente tem sentido. Atmesmo a palavra universo um constructo humano. Faria, por-tanto, algum tipo de sentido que aquilo que denominamos univer-so dependesse de nossa capacidade, como seres humanos, decunhar palavras. Mas esta observao seria mais profunda em al-guma coisa do que uma mera questo semntica? Antes de haver

    seres humanos, por exemplo, havia um universo? Aparentemente,havia. Antes de descobrirmos a natureza atmica da matria, haviatomos por a? Mais uma vez, a lgica determina que as leis, asforas e causas na natureza etc., mesmo que nada soubssemossobre coisas tais como tomos e partculas subatmicas, certamentetinham de existir.

    Mas so justamente essas suposies sobre a realidade obje-tiva que foram postas em dvida pelo nosso entendimento corren-

    te da fsica. Vejam, por exemplo, uma partcula simples, o eltron.Ser um pontinho de matria? Acontece que supor que seja talcoisa, que se comporte invariavelmente como tal, evidentemen-te errado. Isso porque, em certa ocasio, ele parece uma nuvemcomposta de um nvel infinito de possveis eltrons, que parecemuma nica partcula quando e apenas quando a observamos. Almdisso, nas ocasies em que no uma partcula nica, ela pareceuma nuvem, ondulando como uma onda, que capaz de mover-se

    em velocidades superiores velocidade da luz, desmentindo re-dondamente o postulado de Einstein, de que nada material pode-ria ultrapass-la. A preocupao de Einstein, porm, aliviada,porque quando ela se move dessa maneira no , efetivamente,uma pea de matria.

    Vejamos outro exemplo, a interao entre dois eltrons. Deacordo com a fsica quntica, mesmo que os dois estejam separadospor imensas distncias, os resultados de observaes feitas sobreeles indicam que deve forosamente haver alguma conexo entreeles que permita que a comunicao se mova mais rpido do quea luz. Ainda assim, antes dessas observaes, antes que um obser-

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    vador consciente chegasse a uma concluso, at a forma da cone-xo era inteiramente indeterminada. E como terceiro exemplo: umsistema quntico como um eltron em um estado fsico fechadoparece estar em um estado indeterminado, mas, ainda assim, a

    indeterminao pode ser analisada e decomposta em certezas doscomponentes que, de alguma maneira, aumentam a incerteza ori-ginal. Mas ento chega um observador que, como se fosse umAlexandre gigantesco cortando o n grdio, transforma a incertezaem um estado nico, definido, embora imprevisvel, simplesmenteao observar o eltron.

    No s isso, mas o golpe da espada poderia ocorrer no futuro,determinando em que estado o eltron est agora. Isso porque

    temos agora at a possibilidade de que observaes realizadas nopresente determinem legitimamente o que possamos dizer que erao passado.

    Chegamos mais uma vez, portanto, ao fim da estrada. H es-tranheza quntica demais por a, um nmero grande demais deexperimentos a demonstrar que o mundo objetivo um mundo quecorre para a frente no tempo como um relgio, um mundo que dizque ao a distncia, especialmente ao instantnea a distncia,

    no possvel, que diz que uma coisa no pode estar em dois ou maislocais ao mesmo tempo uma iluso de nosso pensamento.Se assim , o que nos resta a fazer? Este livro talvez contenha

    a resposta. O autor prope uma hiptese to estranha nossa men-te ocidental que se pode ignor-la automaticamente, como delriosde um mstico oriental. Diz o autor que todos os paradoxos acima soexplicveis, e compreensveis, se abrirmos mo daquela suposiopreciosa de que h uma realidade objetiva l fora, independente

    da conscincia. E diz ainda mais: que o universo autoconscientee que a prpria conscincia que cria o mundo fsico.Da maneira como usa a palavra conscincia, Goswami dei-

    xa implcito algo talvez mais profundo do que voc ou eu aceita-ramos como implcito. Nos seus termos, conscincia algotranscendental fora do espao-tempo, no local, e que est emtudo. Embora seja a nica realidade, s podemos vislumbr-la pelaao que cria os aspectos material e mental de nossos processos deobservao.

    Por que to difcil para ns aceitar essa tese? Talvez eu es-teja presumindo demais ao dizer que difcil que voc, leitor, a

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    INTRODUOaceite. Voc, quem sabe, pode achar axiomtica essa hiptese. s

    vezes, eu me sinto vontade com ela, mas, em seguida, dou umacanelada numa cadeira e machuco a perna. Essa velha realidadepenetra e eu me vejo diferente da cadeira, enquanto espinafro

    sua posio no espao, to arrogantemente separada da minha.Goswami aborda admiravelmente essa questo e fornece vrios e,amide, divertidos exemplos, para ilustrar a tese de que eu e acadeira surgimos da conscincia.

    O livro de Goswami uma tentativa de lanar uma ponte sobreo antiqssimo abismo entre cincia e espiritualidade, o que, acre-dita ele, sua hiptese consegue. Ele tem muito a dizer sobre idealis-mo monista e como s ele soluciona os paradoxos da fsica quntica.

    Em seguida, examina a velhssima questo da mente e corpo, oumente e crebro, e mostra como sua ambiciosa hiptese, de que aconscincia tudo, elimina a ciso cartesiana e, em particular,caso voc esteja se perguntando, at como uma nica conscinciaparece ser tantas conscincias separadas. Por ltimo, na parte finaldo livro, ele acende uma pequenina luz de esperana, enquantotateamos nosso caminho entre as nuvens, a caminho do sculo XXI,ao explicar como sua hiptese conseguir produzir o reencantamen-

    to do homem com o ambiente, algo que certamente precisamos comurgncia. Explica ele como vivenciou sua prpria teoria ao compre-ender a verdade mstica de que nada, exceto a conscincia, tem deser experienciada, a fim de ser realmente compreendida.

    Lendo este livro, comecei a me sentir tambm dessa maneira.Supondo que a hiptese seja verdadeira, segue-se que voc, tam-bm, ter essa experincia.

    Fred Alan Wolf, Ph.D.La Conner, Washington

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    PARTE 1

    A INTEGRAO ENTRE CINCIA EESPIRITUALIDADE

    Um nvel crtico de confuso satura o mundo contemporneo.

    Nossa f nos componentes espirituais da vida na realidade

    vital da conscincia, dos valores e de Deus est sendo corroda

    sob o ataque implacvel do materialismo cientfico. Por um lado,

    recebemos de braos abertos os benefcios gerados por uma

    cincia que assume a viso mundial materialista. Por outro, essa

    viso, predominante, no consegue corresponder s nossas in-

    tuies sobre o significado da vida.

    Nos ltimos 400 anos, adotamos gradualmente a crena de

    que a cincia s pode ser construda sobre a idia de que tudo

    feito de matria os denominados tomos, em um espao

    vazio. Viemos a aceitar o materialismo como dogma, a despeito

    de sua incapacidade de explicar as experincias mais simples

    de nossa vida diria. Em suma, temos uma viso de mundo in-

    coerente. As tribulaes em que vivemos alimentaram a exign-

    cia de um novo paradigma uma viso unificadora do mundo

    que integre mente e esprito na cincia. Nenhum novo paradig-

    ma, contudo, emergiu at agora.

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    Este livro prope um paradigma desse tipo e mostra que

    podemos construir uma cincia que abranja as religies do mun-

    do, trabalhando em cooperao com elas para compreender a

    condio humana em sua totalidade. O ncleo desse novo para-

    digma o reconhecimento de que a cincia moderna confirmauma idia antiga a idia de que conscincia, e no matria,

    o substrato de tudo que existe.

    A primeira parte deste livro apresenta a nova fsica e uma

    verso moderna da filosofia do idealismo monista. Sobre esses

    dois pilares, tentarei construir o prometido novo paradigma, uma

    ponte sobre o abismo entre cincia e religio. Que haja contato

    entre ambas.

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    captulo 1

    o abismo e a ponte

    Vejo uma caricatura estranha, despedaada, de homem acenan-do para mim. O que que ele est fazendo aqui? Como queele pode existir em um estado to fragmentado? Que nomelhe darei?

    Como se estivesse lendo minha mente, a mutilada figuracomea a falar:

    Em meu estado, que diferena faz um nome? Chama-mede Guernica. Estou procura de minha conscincia. No tenhodireito conscincia?

    Reconheci o nome. Guernica a obra-prima de Pablo Pi-casso, pintada em protesto contra o bombardeio fascista da pe-quena cidade espanhola do mesmo nome.

    Bem respondi, procurando tranqiliz-lo , se vocme disser exatamente o que precisa, talvez eu possa ajud-lo.

    Voc acha, mesmo? Os olhos dele se iluminaram. Voc, quem sabe, defender minha causa?

    E me lanou um olhar ansioso. Perante quem? Onde? perguntei, intrigado. L dentro. Eles esto se divertindo numa festinha, en-

    quanto eu estou abandonado aqui, inconsciente. Talvez, seencontrar minha conscincia, eu volte a ser inteiro novamente.

    Quem so eles? perguntei.

    Os cientistas, os que decidem o que real.

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    Oh? Neste caso a situao no pode ser to ruim assim. Eusou cientista. Cientistas formam um grupo de mente aberta. Vouconversar com eles.

    O pessoal da festinha dividia-se em trs grupos separados,como as ilhas do tringulo das Bermudas. Hesitei por um momen-to e, em seguida, em passos largos, dirigi-me a um deles emterra de sapos, de ccoras com eles, e tudo mais. A discusso esta-va acalorada. O grupo conversava sobre fsica quntica.

    A fsica quntica faz prognsticos sobre fatos que obser-vamos experimentalmente, nada mais disse um cavalheiro deaparncia distinta, com uns poucos fios grisalhos nos cabelos. Por

    que fazer suposies sem base sobre a realidade, quando a con-versa sobre objetos qunticos?

    O senhor no est um pouco cansado desse disco? Umagerao inteira de fsicos parece ter sofrido lavagem cerebral e sidolevada a acreditar que uma filosofia convincente da fsica qunticafoi formulada h 60 anos.1 Isso simplesmente no aconteceu. Nin-gum entende a mecnica quntica disse outro, cuja posturamelanclica era bvia.

    Essas palavras mal foram notadas na discusso quando outrocavalheiro, exibindo uma barba desgrenhada, disse com arrogan-te autoridade:

    Escutem aqui, vamos corrigir o contexto. A fsica qunticadiz que objetos so representados por ondas. Objetos so ondas. Eondas, como todos ns sabemos, podem estar em dois (ou mais)lugares na mesma ocasio. Mas, quando observamos um objetoquntico, ns o encontramos, todo ele, em um nico lugar, aqui, e

    no ali, e, com certeza, no ambos aqui e ali ao mesmo tempo.O senhor barbado agitava nervoso as mos. O que que isso significa, em termos simples? O senhor

    disse, fitando-me , o que que o senhor pensa a respeito?Por um momento, fiquei abalado com o desafio, mas recuperei-

    me rpido. Bem, parece que nossas observaes, e portanto ns, pro-

    duzem um efeito profundo sobre objetos qunticos. No. No. No trovejou meu inquisidor. Quando obser-

    vamos, nenhum paradoxo existe. Quando no observamos, volta oparadoxo de o objeto estar simultaneamente em dois lugares.

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    OABISMOEAPONTEObviamente, a maneira de evitar o paradoxo prometer jamais

    conversar, entre observaes, sobre o paradeiro do objeto.

    Mas... e se nossa conscincia produzir realmente um efei-

    to profundo sobre objetos qunticos? insisti.

    Por alguma razo, parecia-me que a conscincia de Guernicatinha alguma coisa a ver com essa especulao.

    Mas isso significa influncia da mente sobre a matria ex-

    clamaram em unssono os membros do grupo, olhando-me como

    se eu tivesse dito uma heresia.

    Mas, mas gaguejei, recusando ser intimidado , supo-

    nhamos que haja uma maneira de aceitar o poder da mente sobre

    a matria.

    Contei a eles a triste situao de Guernica.

    Escutem aqui, os senhores tm uma responsabilidade social

    neste particular. Os senhores sabem h 60 anos que a maneira

    convencional, objetiva, de estudar fsica no funciona no caso de

    objetos qunticos. Encontramos paradoxos. Ainda assim, os senho-

    res fingem usar de objetividade e o resto da sociedade perde a

    oportunidade de reconhecer que ns nossa conscincia esta-

    mos intimamente conectados com a realidade. Os senhores podemimaginar o impacto que produziriam sobre a viso de mundo das

    pessoas comuns se os fsicos reconhecessem abertamente que ns

    no somos separados do mundo, mas, sim, somos o mundo, e que

    temos de assumir responsabilidade por isso? Talvez s ento Guer-

    nica, no, todos ns possamos retornar completeza.

    O cavalheiro de aparncia distinta tomou a palavra:

    Reconhecerei, nas caladas da noite e quando no houver

    ningum por perto, que tenho dvidas. Talvez estejamos perdendouma oportunidade. Mas, como minha me me ensinou, na dvida,

    muito melhor fingir ignorncia. No sabemos coisa alguma sobre

    conscincia. A conscincia assunto que pertence psicologia,

    queles caras ali finalizou, apontando para um canto.

    Mas insisti teimosamente suponhamos que definimos

    conscincia como o agente que afeta objetos qunticos para lhes

    tornar o comportamento apreensvel pelos sentidos. Tenho certeza

    de que os psiclogos estudariam essa possibilidade, se os senhoresse aliassem a mim.

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    Eu tinha me convencido de que a possibilidade de Guernica

    obter uma conscincia dependia de meu sucesso em atrair esses

    cavalheiros para o meu lado.

    Dizer que a conscincia afeta causalmente os tomos a

    mesma coisa que abrir a caixa de Pandora. Essa idia viraria a f-sica de cabea para baixo. A fsica no seria independente e ns

    perderamos nossa credibilidade.

    Havia um tom de finalidade na voz que falava. Outra pessoa,

    com uma voz que eu ouvira antes, disse:

    Ningum entende a mecnica quntica.

    Mas eu prometi a Guernica que defenderia a causa da

    devoluo de sua conscincia! Por favor, ouam o resto do que eu

    tenho a dizer protestei.

    Mas ningum me deu a menor ateno. Eu me tornei um zero

    nesse grupo uma no-conscincia, igual a Guernica.

    Resolvi tentar os psiclogos. Reconheci-os pelo grande n-

    mero de gaiolas de ratos e computadores no canto que ocupavam

    na sala.

    Uma mulher com aparncia de pessoa competente explicavanesse momento alguma coisa a um rapaz:

    Ao supor que o crebro-mente um computador, temos

    esperana de transcender a briga de foice dos behavioristas. O

    crebro o hardware do computador. Nada h, realmente, seno

    o crebro. Isso que o real. No obstante, os estados do hardwa-

    re do crebro, com o passar do tempo, executam funes indepen-

    dentes, como o software do computador. E so esses estados do

    harware que chamamos de mente. Neste caso, a conscincia o qu? quis saber o rapaz.

    Puxa, que sincronizao perfeita. Isso era exatamente o que

    me trouxera quele canto para saber o que os psiclogos pensam

    da conscincia! Eles deviam ser os tais que exerciam controle sobre

    a conscincia de Guernica.

    A conscincia semelhante unidade central de proces-

    samento, o centro de comando do computador respondeu pa-

    cientemente a mulher.O rapaz, insatisfeito com a resposta, insistiu:

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    OABISMOEAPONTE Se pudermos explicar todo o nosso desempenho de entrada-

    sada em termos da atividade dos circuitos do computador, ento,ao que parece, a conscincia inteiramente desnecessria.2

    No pude me conter:

    Por favor, no desistam ainda de discutir a conscincia.Meu amigo Guernica precisa dela.

    E lhes contei o problema de Guernica.Parecendo at um eco de meu amigo fsico momentos antes,

    um cavalheiro elegantemente vestido intrometeu-se casualmentena conversa:

    Mas a psicologia cognitiva no est pronta ainda para aconscincia.3 Nem mesmo sabemos como defini-la.

    Eu poderia lhe dar a definio do fsico sobre conscincia.Ela tem a ver com a fsica quntica.

    Esta ltima palavra despertou-lhes a ateno. Inicialmente,expliquei que os objetos qunticos eram ondas que surgiam e seespalhavam por mais de um lugar e que a conscincia poderia sera agncia que focaliza as ondas, de tal modo que podemos obser-v-las em um nico lugar.

    E esta a soluo do problema dos senhores sugeri. Os

    senhores podem aceitar a definio de conscincia dada pela fsica.E, em seguida, podero ajudar Guernica. Mas o senhor no estaria misturando as coisas? Os fsicos no

    dizem que tudo feito de tomos de objetos qunticos? Se a cons-cincia feita tambm de objetos qunticos, de que maneira podeela atuar como fonte causal sobre eles? Pense, homem, pense.

    Senti uma pequena sensao de pnico. Se esses psiclogossabiam do que estavam falando, at minha conscincia era uma

    iluso, quanto mais a de Guernica. Mas eles estariam certos apenasse todas as coisas, incluindo a conscincia, fossem realmente feitasde tomos. De repente, outra possibilidade relampejou em minhamente! E eu disse impetuosamente:

    Os senhores esto fazendo as coisas da maneira errada!No podem ter certeza de que todas as coisas so feitas de tomos...Isso uma suposio. Vamos supor, em vez disso, que todas ascoisas, incluindo tomos, sejam feitas de conscincia!

    Meus ouvintes pareceram atordoados. Escute, h alguns psiclogos que pensam assim. Reconhe-

    o que a possibilidade a que voc se refere interessante. Mas no

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    cientfica. Se queremos elevar a psicologia ao status de cincia,temos de nos manter longe da conscincia especialmente daidia de que a conscincia possa ser a realidade primria. Sintomuito, moo.

    A mulher que havia falado parecia realmente penalizada.

    Eu no havia ainda conseguido fazer progresso algum paratrazer de volta a conscincia de Guernica. Em desespero, voltei-mepara o ltimo grupo o terceiro pice do tringulo. Descobri queeles eram neurofisiologistas (cientistas do crebro). Talvez elesfossem os rbitros que realmente importavam.

    Os neurocirurgies discutiam tambm nesse momento a cons-

    cincia e minhas expectativas subiram muito. A conscincia uma entidade causal que d significado

    existncia, admito isso disse um deles, dirigindo-se a um senhormais velho e esqueltico. Mas tem de ser um fenmeno emer-gente do crebro, no separado dele. Afinal de contas, tudo feitode matria. Isso tudo o que h.4

    O tipo magrelo, falando com um sotaque britnico, objetou: De que maneira algo feito de alguma outra coisa pode

    agir causalmente sobre aquilo de que constitudo? Isso seriaequivalente a um comercial de televiso repetindo-se ao agirsobre os circuitos eletrnicos do monitor. Deus nos livre disso!No, a conscincia tem de ser uma entidade diferente do crebro,a fim de produzir um efeito causal sobre ele. Ela pertence a ummundo separado, fora do mundo material.5

    Nesse caso, como que os dois mundos interagem? Umfantasma no pode atuar sobre uma mquina.

    Interrompendo-os rudemente, um terceiro, usando rabo-de-cavalo, soltou uma risada e disse: Vocs dois esto dizendo tolices. Todo o problema de vocs

    surge da tentativa de encontrar significado em um mundo materialinerentemente sem sentido. Olhem aqui, os fsicos tm razo quan-do dizem que no h significado, no h livre-arbtrio, e que tudo uma ciranda aleatria de tomos.

    O defensor britnico de um mundo separado para a conscin-cia, sarcstico nesse momento, retrucou:

    E voc pensa que o que diz faz sentido! Voc, voc mes-mo, o jogo de movimentos aleatrios, sem sentido, de tomos.

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    OABISMOEAPONTEAinda assim, formula teorias e pensa que suas teorias significam

    alguma coisa.Insinuei-me em meio ao debate: Conheo uma maneira de obter significado, mesmo no jogo

    dos tomos. Suponhamos que tudo, em vez de ser feito de tomos,que tudo fosse feito de conscincia. O que aconteceria, nestecaso?

    Onde foi que voc arranjou essa idia? perguntaram,em tom de desafio.

    Na fsica quntica. Mas no h fsica quntica no macronvel do crebro! ex-

    clamaram todos eles, com a autoridade de quem sabe, unificados

    na objeo comum. A fsica quntica para o micro, para os to-mos. tomos formam molculas, molculas formam clulas e clulasformam o crebro. Ns trabalhamos diariamente com o crebro. Noh necessidade de invocar a mecnica quntica dos tomos paraexplicar o comportamento do crebro no nvel grosseiro.

    Mas os senhores no alegam que compreendem inteira-mente o crebro? O crebro no to simples assim! No houvealgum que disse que se o crebro fosse to simples que pudsse-

    mos entend-lo ns seramos criaturas to simples que no o en-tenderamos? Seja isso como for concederam eles , de que maneira

    a idia da fsica quntica ajudaria, no caso da conscincia?Expliquei-lhes como a conscincia afetava a onda quntica. Olhem aqui, isso um paradoxo, se a conscincia consti-

    tuda de tomos. Mas se viramos pelo avesso nossa idia sobre comoo mundo constitudo, o paradoxo resolvido de forma muito satis-

    fatria. Garanto aos senhores que o mundo feito de conscincia.No posso esconder minha emoo e at mesmo orgulho seesta idia suficientemente forte. Apelei para que seguissem meuraciocnio.

    O triste em tudo isso continuei que se as pessoascomuns realmente soubessem que conscincia, e no matria, oelo que nos liga uns aos outros e ao mundo, as opinies delas sobreguerra e paz, poluio ambiental, justia social, valores religiosose todas as demais atividades humanas mudariam radicalmente.

    Isso que o senhor est dizendo parece interessante e sim-patizo com a idia, pode acreditar. Mas a idia parece tambm

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    alguma coisa tirada da Bblia. De que modo podemos adotar idiasreligiosas como cincia e ainda merecer credibilidade?

    Meu interlocutor dava a impresso de que falava consigomesmo.

    Estou pedindo aos senhores que concedam conscinciao que lhe pertence respondi. Meu amigo Guernica precisa deconscincia para tornar-se novamente uma pessoa completa. E peloque ouvi nesta festa, ele no o nico. Se assim , como os senho-res podem ainda debater se a conscincia de fato existe? Maschega disso! A existncia da conscincia no em absoluto assun-to debatvel, e os senhores sabem disso.

    Entendo disse o jovem de rabo-de-cavalo, sacudindo a

    cabea. Meu amigo, h aqui um mal-entendido. Todos ns re-solvemos ser Guernica. E voc ter de fazer o mesmo, se quiserfazer cincia. Temos de supor que todos ns somos feitos de tomos.Nossa conscincia tem de ser um fenmeno secundrio um epi-fenmeno da dana dos tomos. A objetividade fundamental dacincia assim o exige.

    Voltei ao meu amigo Guernica e, triste, contei-lhe a expe-

    rincia. Como disse certa vez Abraham Maslow: Se a nica fer-ramenta que voc tem um martelo, comece a tratar todas ascoisas como se elas fossem pregos. Essas pessoas esto acostuma-das a considerar o mundo como feito de tomos e separado de simesmas. Consideram a conscincia como um epifenmeno ilusrio.No podem lhe conceder conscincia.

    Mas, e o senhor? perguntou Guernica, fitando-me. O

    senhor vai esconder-se por trs da objetividade cientfica ou vaifazer alguma coisa para me ajudar a recuperar a completeza?Nesse momento, ele tremia.A emoo com que falava despertou-me do sonho. Lentamente,

    nasceu a deciso de escrever este livro.

    * * *

    Enfrentamos hoje na fsica um grande dilema. Na fsica qun-tica a nova fsica descobrimos um marco terico que funciona.Explica um sem-nmero de experimentos de laboratrio, e muitomais. A fsica quntica deu origem a tecnologias de imensa utili-

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    OABISMOEAPONTEdade, tais como as de transistores, lasers e supercondutores. Ainda

    assim, no conseguimos extrair sentido da matemtica da fsicaquntica sem sugerir uma interpretao dos resultados experimen-tais que numerosos indivduos s podem considerar como parado-

    xal, ou mesmo inaceitvel. Vejamos, como exemplo, as propriedadesqunticas seguintes:

    Um objeto quntico (como um eltron) pode estar, no mesmoinstante, em mais de um lugar (a propriedade da onda).

    No podemos dizer que um objeto quntico se manifestena realidade comum espao-tempo at que o observemoscomo uma partcula (o colapso da onda).

    Um objeto quntico deixa de existir aqui e simultaneamen-te passa a existir ali, e no podemos dizer que ele passouatravs do espao interveniente (o salto quntico).

    A manifestao de um objeto quntico, ocasionada pornossa observao, influencia simultaneamente seu objetogmeo correlato pouco importando a distncia que ossepara (ao quntica a distncia).

    No podemos ligar a fsica quntica a dados experimentaissem utilizar alguns esquemas de interpretao, e a interpretaodepende da filosofia com que encaramos os dados. A filosofia queh sculos domina a cincia (o materialismo fsico, ou material)supe que s a matria que consiste de tomos ou, em ltimaanlise, de partculas elementares real. Tudo mais so fen-menos secundrios da matria, apenas uma dana dos tomosconstituintes. Essa viso do mundo denominada realismo porque

    se presume que os objetos sejam reais e independentes dos sujei-tos, ns, ou da maneira como os observamos. A idia, contudo, deque todas as coisas so constitudas de tomos uma suposiono provada. No se baseia em prova direta no tocante a todas ascoisas. Quando a nova fsica nos desafia com uma situao queparece paradoxal, quando vista da perspectiva do realismo mate-rialista, tendemos a ignorar a possibilidade de que os paradoxospossam estar surgindo por causa da falsidade de nossa suposiono comprovada. (Tendemos a esquecer que uma suposio man-tida por longo tempo no se transforma, por isso, em verdade, e,no raro, no gostamos que nos lembrem disso.)

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    Atualmente, numerosos fsicos desconfiam que h algumacoisa de errado no realismo materialista, mas tm medo de sacudiro barco que lhes serviu to bem, por tanto tempo. No se do contade que o bote est deriva e precisa de novo rumo, sob uma nova

    viso do mundo.H por acaso uma alternativa ao realismo materialista? Essa

    tese esfora-se, sem sucesso, a despeito de seus modelos de com-putador, para explicar a existncia da mente, em especial o fen-meno de uma autoconscincia causalmente potente. O que conscincia? O realista materialista tenta ignorar a pergunta comum encolher de ombros e com a resposta arrogante de que elanenhuma importncia tem. Se, contudo, estudamos, por menor que

    seja a seriedade, todas as teorias de que a mente consciente cons-tri (incluindo os que a negam), ento a conscincia tem, de fato,importncia.

    Desde o dia em que Ren Descartes dividiu a realidade emdois reinos separados mente e matria , numerosas pessoastm-se esforado para racionalizar a potncia causal da menteconsciente dentro do dualismo cartesiano. A cincia, contudo,oferece razes irresistveis para que se ponha em dvida que seja

    sustentvel uma filosofia dualista: para que haja interao entreos mundos da mente e da matria, ter de haver intercmbio deenergia. Ora, sabemos que no mundo material a energia per-manece constante. Certamente, portanto, s h uma realidade.A que surge o problema: se a nica realidade a realidadematerial, a conscincia no pode existir, exceto como um epife-nmeno anmalo.

    A pergunta, portanto, consiste no seguinte: h uma alterna-

    tiva monstica ao realismo materialista, caso em que mente ematria so partes integrais de uma mesma realidade, mas umarealidade que no se baseia na matria? Estou convencido de queh. A alternativa que proponho neste livro o idealismo mons-tico. Esta filosofia monstica, em oposio dualstica, e idea-lismo porque idias (no confundir com ideais) e a conscincia daexistncia das mesmas so consideradas como os elementos b-sicos da realidade; a matria julgada secundria. Em outraspalavras, em vez de postular que tudo (incluindo a conscincia) constitudo de matria, esta filosofia postula que tudo (incluin-do a matria) existe na conscincia e por ela manipulado. Notem

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    OABISMOEAPONTEque a filosofia no diz que a matria no real, mas que a reali-

    dade da matria secundria da conscincia, que em si ofundamento de todo ser incluindo a matria. Em outras palavras,em resposta pergunta O que a matria?, o idealista mons-

    tico jamais responderia: Esquea!Este livro mostra que a filosofia do idealismo monstico pro-

    porciona uma interpretao, isenta de paradoxo, da fsica quntica,e que lgica, coerente e satisfatria. Alm disso, fenmenos men-tais tais como autoconscincia, livre-arbtrio, criatividade, atmesmo percepo extra-sensorial encontram explicaes simplese aceitveis quando o problema mente-corpo reformulado em umcontexto abrangente de idealismo monstico e teoria quntica. Este

    quadro reformulado do crebro-mente permite-nos compreendertodo nosso self, em total harmonia com aquilo que as grandes tra-dies espirituais mantiveram durante milnios.

    A influncia negativa do realismo materialista sobre a quali-dade da moderna vida humana tem sido assombrosa. O realismomaterialista postula um universo sem qualquer significado espiri-tual: mecnico, vazio e solitrio. Para ns os habitantes do cosmo este talvez o aspecto mais inquietante porque, em um grau

    assustador, a sabedoria convencional sustenta que o realismo ma-terialista predomina sobre teologias que propem um componenteespiritual da realidade, em acrscimo ao componente material.

    Os fatos provam o contrrio. A cincia prova a superioridadede uma filosofia monstica sobre o dualismo sobre o espritoseparado da matria. Este livro fornece uma argumentao con-vincente, fundamentada em dados existentes, de que a filosofiamonstica necessria agora no mundo no o materialismo, mas o

    idealismo.Na filosofia idealista, a conscincia fundamental e, nessaconformidade, nossas experincias espirituais so reconhecidas evalidadas como dotadas de pleno sentido. Esta filosofia aceita mui-tas das interpretaes da experincia espiritual humana que de-flagraram o nascimento das vrias religies mundiais. Desseponto de observao, vemos que alguns dos conceitos das vriastradies religiosas tornam-se to lgicos, elegantes e satisfatriosquanto a interpretao dos experimentos da fsica quntica.

    Conhece-te a ti mesmo. Este foi o conselho dado atravs daseras por filsofos inteiramente cientes de que nosso self o que

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    UTOCONSCIENTE organiza o mundo e lhe d significado, e compreender o selfjun-

    tamente com a natureza era o objetivo abrangente a que visavam.A aceitao do realismo materialista pela cincia moderna mudoutudo isso. Em vez de unidade com a natureza, a conscincia afas-

    tou-se dela, dando origem a uma psicologia separada da fsica.Conforme observa Morris Berman, esta viso realista materialistado mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivamos nopassado e condenou-nos a um mundo aliengena.6 Atualmente,vivemos como exilados nesta terra estranha. Quem, seno um exi-lado, arriscar-se-ia a destruir esta bela terra com a guerra nucleare a poluio ambiental? Sentirmo-nos como exilados solapa nossoincentivo para mudar a perspectiva. Condicionaram-nos a acreditar

    que somos mquinas que todas as nossas aes so determinadaspelos estmulos que recebemos e por nosso condicionamento ante-rior. Como exilados, no temos responsabilidade nem escolha. E olivre-arbtrio uma miragem.

    Este o motivo por que se tornou to importante para cadaum de ns analisarmos em profundidade nossa viso do mundo.Por que estou sendo ameaado de aniquilao nuclear? Por que aguerra continua a ser um meio brbaro para resolver litgios mun-

    diais? Por que h fome endmica na frica, quando ns, s nosEstados Unidos, podemos tirar da terra alimento suficiente parasaciar o mundo? Como foi que adquiri uma viso do mundo (maisimportante ainda, estou engasgado com ela?) que determina tantaseparao entre mim e meus semelhantes, quando todos ns com-partilhamos de dotes genticos, mentais e espirituais semelhantes?Se repudiamos a viso de mundo ultrapassada, que se baseia norealismo materialista e investigamos a nova/velha viso que a f-

    sica quntica parece exigir, poderemos, o mundo e eu, ser integra-dos mais uma vez?Precisamos nos conhecer; precisamos saber se podemos mudar

    nossas perspectivas se nossa constituio mental permite isso.Podero a nova fsica e a filosofia idealista da conscincia dar-nosnovos contextos para a mudana?