urolitiase e colica nefretica

12
RECOMENDAÇÕES TERAPÊUTICAS . ACTA MÉDICA PORTUGUESA 2002; 15:369-380 UROLITÍASE E CÓLICA RENAL Perspectiva terapêutica em Urologia J. GOMES, P. VENDERA, U. RIBAU, M. REIS Serviço de Urologia. Hospital de S. João. Porto R ES U ‘~I O/S U ~I ~I ~ R ‘~ A cólica renal é uma patologia frequentemente observada nos Serviços de Urgência, e sem dúvida a patologia urológica mais comum a este nível. No entanto, apesar do sofrimento e apreensão que provoca, a maioria dos casos não necessita de consulta especializada. Os autores apresentam uma perspectiva global da orientação e tratamento recomendados na litíase renal, incluindo as indicações para um tratamento conservador, expectante ou profiláctico, bem como as indicações e diferentes técnicas de intervenção urológica. Palavras-chave: Cólica renal, litíase renal, terapêutica médica, intervenção urológica. )P~TRODUÇÃO A dor da cólica renal engloba um complexo característico de sintomas desencadeados por uma obstrução aguda do sistema excretor renal. A litíase renal é a causa mais frequente e, apesar de diferenças socioculturais e étnicas importantes, é uma doença univer sal que teve um dramático aumento da incidência no último século (Quadro 1). Mais raramente, coágulos sanguíneos, tecido renal necrótico (necrose papilar ou fragmentos tumorais), uma obstrução funcional (síndrome de junção pielo-ureteral) ou uma compressão extrínseca do ureter, são responsáveis por este quadro. Estas duas últimas situações UROLITHIASIS AND RENAL COLIC: A TREATMENT APPROACH IN UROLOGY Renal colic is one of the most common pathologies found in our emergency services. Although a source of great pain and apprehension, most of the episodes do not need a specialised approach. The authors present a general overview in the proposed management of kidney lithiasis, including both recommendations for a conservative, expectant or prophylactic treatment, and recommendations and different techniques for urological intervention. Key words: Renal colic, urinary lithiasis, medical therapy, urologica intervention. funcionam como obstruções parciais, mas em períodos de maior diurese, a distensão súbita do sistema excretor provoca uma agudização da dor. FISIOPATOLOGIA A obstrução ureteral provoca um aumento de pressão intraluminal com distensão da parede ureteral e activação dos receptores nervosos da lamina própria. O músculo liso responde à distensão com um aumento da amplitude das contracções peristálticas e quando não consegue ultrapassar o obstáculo entra em espasmo. A contracção muscular isotónica prolongada aumenta a produção de Recebido para publicação: 12 de Fevereiro de 2001 369

Upload: gabrielqfs1

Post on 17-Nov-2015

23 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

urolitiase e colica nefretica

TRANSCRIPT

  • RECOMENDAES TERAPUTICAS.ACTA MDICA PORTUGUESA 2002; 15:369-380

    UROLITASE E CLICA RENALPerspectiva teraputica em Urologia

    J. GOMES, P. VENDERA, U. RIBAU, M. REISServio de Urologia. Hospital de S. Joo. Porto

    R ES U ~I O/S U ~I ~I ~ R ~

    A clica renal uma patologia frequentementeobservada nos Servios de Urgncia, e sem dvidaa patologia urolgica mais comum a este nvel. Noentanto, apesar do sofrimento e apreenso queprovoca, a maioria dos casos no necessita deconsulta especializada. Os autores apresentam umaperspectiva global da orientao e tratamentorecomendados na litase renal, incluindo asindicaes para um tratamento conservador,expectante ou profilctico, bem como as indicaese diferentes tcnicas de interveno urolgica.

    Palavras-chave: Clica renal, litase renal, teraputica mdica, intervenourolgica.

    )P~TRODUOA dor da clica renal engloba um complexo

    caracterstico de sintomas desencadeados por umaobstruo aguda do sistema excretor renal. A litase renal a causa mais frequente e, apesar de diferenassocioculturais e tnicas importantes, uma doena universal que teve um dramtico aumento da incidncia no ltimosculo (Quadro 1). Mais raramente, cogulos sanguneos,tecido renal necrtico (necrose papilar ou fragmentostumorais), uma obstruo funcional (sndrome de junopielo-ureteral) ou uma compresso extrnseca do ureter, soresponsveis por este quadro. Estas duas ltimas situaes

    UROLITHIASIS AND RENAL COLIC:A TREATMENT APPROACH IN UROLOGYRenal colic is one of the most common pathologiesfound in our emergency services. Although asource of great pain and apprehension, most of theepisodes do not need a specialised approach. Theauthors present a general overview in the proposedmanagement of kidney lithiasis, including bothrecommendations for a conservative, expectant orprophylactic treatment, and recommendations anddifferent techniques for urological intervention.

    Key words: Renal colic, urinary lithiasis, medical therapy, urologicaintervention.

    funcionam como obstrues parciais, mas em perodos demaior diurese, a distenso sbita do sistema excretorprovoca uma agudizao da dor.

    FISIOPATOLOGIAA obstruo ureteral provoca um aumento de presso

    intraluminal com distenso da parede ureteral e activaodos receptores nervosos da lamina prpria. O msculo lisoresponde distenso com um aumento da amplitude dascontraces peristlticas e quando no consegueultrapassar o obstculo entra em espasmo. A contracomuscular isotnica prolongada aumenta a produo de

    Recebido para publicao: 12 de Fevereiro de 2001 369

  • J. GOMES etal

    Quadro 1- NEFROLITASE

    TIPO DE CLCULO ALTERAES MAIS FREQUENTES

    Oxalato de clcio hipercalciria (> 4 mg/kg/dia. N< 200mg/d), hipocitratria (< 320 mg/dia; < lOOmg/dia excluir ATR, diarreia crnica. N>640mg/d), hiperuricosria (>700-800 mg/dia. N< 600 mg/d), hiperoxalria (>45 mgldia), hipomagnesiria (N> 50 mgld),hipercalcmia (excluir HPT 10). Se pH >6,8-7 excluir ATR.

    Fosfato de amnio ITU por bactrias urease + (com - NH3e magnsio urinrio e pH > 7,2-7,5).

    cido rico defeito de produo de NH3 (pH < 5,5-5,8), hiperuricosria (excessos dietticos,uricosricos), hiperuricmia (excluir gota,doena de Lesh-Nyhan ou doenasmieloproliferativas).

    Fosfato de clcio hipercalciria; hipocitratria e - pH urinrio(>7,5 excluir ITU) excluir ATR;hipercalcmia - excluir HPT 10.

    Cistina AR.: cistinria > 250 mg cistina/dia (N

  • IJROLITASE E CliCA RENAl,

    Estas alteraes so parcialmente reversveis, dependendoo grau de recuperao renal do tempo de obstruo e doestado do rim contralateral (maior recuperao na OUB ouna obstruo em rim nico). No entanto, na maioria doscasos, s aps a desobstruo se pode inferir o grau derecuperao renal. Regra geral, verifica-se uma diminuiodo nmero de nefrnios funcionantes, com hiperfiltraoao nvel dos nefrnios remanescentes. A diminuio dacapacidade de concentrao resistente hormonaantidiurtica o defeito mais precoce e caracterstico dauropatia obstrutiva. provocado por uma diminuio dahipertonicidade intersticial medular (wash-out medular queocorre durante a obstruo) e mantido pela leso dostbulos distais e ductos colectores1.

    DIAGNSTICOO doente com clica renal apresenta-se tipicamente

    agitado, com uma dor intensa localizada ao ngulo costovertebral, de aparecimento sbito, sem posio antlgica esem relao com os movimentos. O sistema excretor renaltem cinco locais anatmicamente mais estreitos, onde habitual o encravamento do clculo5: nos infundibuloscaliciais, na juno pielo-ureteral, no cruzamento do uretercom os vasos ilacos, no cruzamento do ureter com vasosplvicos e na mulher com o ligamento largo, e na junouretero-vesical. A irradiao anterior da dor depende dolocal de obstruo:

    1. Na litase calicial e do bacinete a dor habitualmentelocalizada regio lombar, no entanto a irradiao anteriorpara o hipocndrio pode simular uma colecistite oupancreatite agudas.

    2. Na juno pielo-ureteral e ureter superior a dorgeralmente irradia para a gnada homolateral.

    3. No ureter mdio a dor irradia para os quadrantesinferiores do abdmen colocando por vezes dvidas nodiagnstico diferencial com apendicite aguda oudiverticulite aguda.

    4. A juno uretero-vesical o local mais frequentede obstruo litisica. A dor irradia para o hipogastro, uretrae escroto ou vulva, habitualmente associada a sintomas depreenchimento vesical como a disria, a polaquiria e aimperiosidade.

    Conexes sinpticas ao nvel do plexo celaco entrenervos aferentes do sistema nervoso autnomo do rim edo estmago, bem como a irritao local justificam afrequncia de sintomas gastrointestinais associados,nomeadamente os vmitos5. H dois sinais importantesno exame fsico que nos permitem fazer o diagnsticodiferencial com outras patologias de apresentaosemelhante: a ausncia de hipertermia e de sinais de irritao

    peritoneal.A anlise do sedimento urinrio revela eritrocitria em

    mais de 75-80% dos doentes56. A presena de piria empequenas quantidades, no significa necessariamente, umainfeco do tracto urinrio (ITU) associada. No entanto, apresena de numerosos leuccitos e reaco positiva paranitritos tem uma especificidade superior a 90% na detecodestas infeces. A presena de cristalria pode-nosorientar quanto ao tipo de litase. Os cristais de fosfato deamnio e magnsio (estruvite) e de cistina so sempre umachado patolgico. H uma relao entre cristalria esaturao urinria, pelo que os doentes com um nmeroabundante de cristais, cristais de grandes dimenses (> 12mm), ou agregao de cristais, esto em maior risco dedesenvolver nefrolitase, e quando em situao de clicarenal, encontram-se provavelmente na fase activa dadoena. Um pH urinrio inferior a 5,8 sugere a presena delitase rica, e superior a 6,8-7 sugere uma acidose tubularrenal distal ou uma alcalinizao induzida por infecobacteriana, com consequente formao de clculos defosfato de clcio ou fosfato de amnio e magnsio(estruvite), respectivamente.

    A radiografia abdomino-plvica simples (Rx APS) emdecbito dorsal um exame importante na estratgiateraputica. Apesar de mais de 80% dos clculos urinriosserem radipacos (o oxalato de clcio o principalconstituinte em 70-80% dos clculos urinrios), a acuidadedo Rx APS pode atingir apenas os 45-60%~. As imagenssugestivas de litase encontram-se na sombra renal e aolongo do trajecto ureteral. O ureter, na sua progresso distal, encontra-se prximo da extremidade das apfisestransversas das vrtebras lombares inferiores a L2 (obacinete encontra-se habitualmente a este nvel), cruza aolongo da articulao sacro-ilaca, curvando lateralmente entrada na pequena pelve, e inflectindo medialmente juntoda espinha isquitica at sombra vesical. A formahabitualmente alongada e homognea dos clculos permitediferenci-los doutras calcificaes, mais frequentementeos fleblitos, arredondados, com centro hipodenso elocalizados abaixo do plano das espinhas isquiticas. Esteexame radiolgico permite-nos inferir sobre a composio,o nmero, tamanho e posio do clculo. Um quadro clnicotpico, a presena de microhematria e uma imagemradipaca no Rx APS compatvel com litase so suficientespara o diagnstico numa situao de urgncia. Em situaesduvidosas est indicada a realizao de um estudoultrassonogrfico. Este exame no d informaes sobre afuno renal e falha na deteco dos clculos em 30-50%dos casos. No entanto, apresenta uma sensibilidade de91% na deteco de hidronefrose, um sinal indirecto

    371

  • J. GOMES et ai

    O 1Z.SKI

    ,~--,-

    Fig. 1 Ecografia renal evidenciando hidronef,vse e hidrourete,:

    importante num quadro de ciica renal (figura 1)8. Os falsosnegativos variam entre 1 e 3% (percentagens maiores nasprimeiras 24-36 horas aps a obstruo) e os falsospositivos atingem os 8~26%(6,9). A ultrassonografia (US)est tambm indicada no seguimento dos doentes emambulatrio evitando assim o excesso de radiao. Oecodoppler aumenta a acuidade da US convencional nodiagnstico de obstruo renal aguda, pela medio dondice de resistividade (IR) e observao dos jactosureterais. O IR [(velocidade sistlica mxima velocidadediastlica mnima)/velocidade sistlica mxima] estalterado de forma absoluta ou relativa ao rim contralateral,na presena de uma obstruo renal. Na obstruo crnica caracterstico um IR 0,70, quer no adulto quer na criana.Em estudos recentes, um AJR (diferena de IR entre o rimobstrudo e o rim no obstrudo) 0,04 tem umasensibilidade de 90% e uma especificidade de 100% nodiagnstico de obstruo aguda. Em relao avaliaodos jactos ureterais, numa obstruo completa no seobserva qualquerj acto ao nvel do meato ureteral, enquantonuma obstruo parcial o fluxo fraco, contnuo eassimtrico em relao ao meato contralateral2. Asdesvantagens da US com estudo Doppler incluem o factode ser operador-dependente e de haver ainda poucaexperincia na prtica clinica. Os valores limite de IR e i~IRno esto acordados universalmente. Na presena deobstruo aguda bilateral ou unilateral em rim nico o ~MRno tem utilidade2. Por outro lado, os anti-inflamatriosno esteroides (AINEs) reduzem o IR, pelo que o estudodeve ser feito antes da administrao destes analgsicos11.

    A urografia endovenosa ainda considerada por muitosUrologistas como o exame de referncia. Permite o estudoanatmico e funcional do tracto urinrio alto. Confirma apresena de obstruo, bem como o nvel do obstculo

    que pode no ser evidente nem na US convencional nemno ecodoppler. Os sinais clssicos de obstruo aguda

    incluem um atraso da fase nefrogrfica do rim obstrudo(que posteriormente se torna mais intensa que o nefrogramanormal), com atraso de eliminao e dilatao do sistemaexcretor homolateral. Preferencialmente dever ser realizadaaps o episdio agudo, s se justificando em situaes deurgncia, quando persistem dvidas no diagnstico apso estudo com Rx APS e US62.

    A tomografia computadorizada helicoidal sem contraste

    ~ ~ o mtodo mais eficaz no diagnstico diferencial da clica~ se renal com outras patologias abdominais, e no diagnstico

    diferencial de imagens de subtraco ureteral na urografia,j que todos os clculos urinrios, excepo dos de matrize indanavir puros, apresentam valores de atenuaosuperiores a 75 unidades de Hounsfield (HU) (a grandemaioria tem valores superiores a 300 HU), permitindodiferenciar os clculos radiolucentes das neoplasiasuroteliais, dos cogulos sanguneos, das concreesfngicas e das papilas renais necrosadas. A deteco desinais secundrios de obstruo (dilatao ureteral,nefromegalia, stranding e edema perinfricos) aumenta asua acuidade, sobretudo no diagnstico diferencial comos fleblitos. um exame de rpida execuo (5 minutos) eque no requer contraste. Na avaliao de doentes comdor lombar aguda tem uma sensibilidade de 96% e umaespecificidade de lOO%(6,9,13)

    Tradicionalmente, a ressonncia magntica nuclear no utilizada na deteco de clculos renais. No entanto, emestudos recentes, a urorressonncia revelou-se eficaz nodiagnstico e localizao da obstruo ureteral. Asvantagens incluem o facto de ser realizada sem contrastenefrotxico e sem exposio a radiao ionizante614. Acintigrafia renal, tal como a UIV, permite uma avaliaofuncional de ambas as unidades renais. A determinao dograu de obstruo e a quantificao da funo renal sofactores prognsticos importantes na decisoteraputica5. No entanto, este exame tem inmeraslimitaes (a baixa acuidade diagnstica a mais importante)que impedem a sua aceitao na prtica clnica2.

    TRATAMENTOA atitude imediata perante uma clica renal

    obviamente a analgesia (Quadro II). Para alm doreconhecido papel dos prostanoides na fisiopatologia daobstruo ureteral completa ou parcial, aguda ou crnica,as prostaglandinas (PGs) potenciam e modulam osmecanismos locais e centrais da dor. com base nestesconhecimentos, que o uso tradicional dos narcticos eespasmolticos no tratamento da clica renal, tem vindo a

    372

  • UROLITASEE CLICA RENAL

    Quadro II Analgsicos habitualmente usados na clica renal

    Acetilsalicilato de usina 1,8 gr E.V.

    Petidina 50-100 mg I.M.

    Metamizol de magnsio 2 gr /100 cc S.F. E.V.

    Cloridrato de Tramadol 50-100mg /500 cc Bic. Sdio 1,4% E.V.

    Cetorolac de trometamina 10-30 mg I.M./ IV.

    Diclofenac de sdio 75 mg I.M.

    Butilescopolamina 20 mg E.V.

    ser substitudo pelos inibidores da sintetse da PG H ouciclooxigenase (COX)6. A COX converte o cidoaraquidnico em PG H2 que o substrato de vriassintetses de PGs. A COX existe em duas formas. A COX1 uma enzima constitutiva, activa em praticamente todosos tecidos, e a COX-2 activada por estmulos como ainflamao.

    A maioria dos AINEs inibem de forma reversvel asCOXs. O efeito teraputico decorre por um lado dainterferncia com os mecanismos locais e centrais da dor epor outro da diminuio da presso intraluminal12 A acodestes anti-inflamatrios a nvel central parece ser tambm Fig. 2 Radiografia abdonuno-plvica simples: carter endo-ureteral tipo

    duplo J no ureter direito.responsavel por um efeito protector destas drogas emrelao hiperalgesia muscular referida17.

    Para alm da actividade analgsica central, o metamizolapresenta igualmente uma aco espasmoltica ao nvel doureter18

    Existem vrios quadros de clica renal que requeremobservao por um Mdico Urologista:

    A presena de febre e ITU, ou seja uma pielonefriteaguda obstrutiva (o refluxo pielovenoso que ocorre numrim obstrudo favorece a ocorrncia de spsis) e a existnciade insuficincia renal associada (a maioria das vezes porobstruo em rim nico ou agudizao de uma insuficinciarenal prvia) so indicaes absolutas para derivaourinria interna, com colocao transuretral de um catterendo-ureteral (figura 2), ou derivao externa pela realizaode uma nefrostomia percutnea (figura 3) com orientaoultrassonogrfica.

    Quando a dor resistente analgesia por via entrica, prefervel o internamento com analgesia parentrica eeventualmente uma derivao urinria temporria.

    Clculos coraliformes: os clculos de estruvite so osmais frequentes deste grupo. So originados por infecourinria por bactrias produtoras de urease e acarretamgrande morbilidade, pelo que necessrio antibioterapiaorientada pelo antibiograma e remoo rpida destes Fig. 3 Radiografia abdomino-plvica simples: nefrostomia percurnea noclculos. riu esquerdo.

    373

  • J. GOMES et ai

    Clculos de grandes dimenses, sobretudo no ureterlombar, nos quais a eliminao espontnea poucoprovvel, e a obstruo de longa durao (figura 4) comhidronefrose marcada e atrofia do crtex renal, no souma indicao absoluta para internamento e tratamentourgentes, embora necessitem de uma resoluo clere,temporria ou definitiva, da obstruo.

    Fig. 4 Urografla endovenosa evidenciando hidroureteronefrose direita. Este grau de dilatao e o kinking ureteral so caractersticosdas obstrues crnicas.

    Cerca de 90% dos doentes observados por clica renalno Servio de Urgncia tm alta clnica com orientaopara o Mdico Assistente, medicados com uma associaode analgsicos potentes. Laerum et 19 demonstraram aeficcia do diclofenac na profilaxia a curto prazo de novosepisdios de clica. No rim obstrudo h um predomnio deefeitos vasoconstritores, pelo que so produzidoslocaimente eicosanoides vasodilatadores para compensarestes efeitos. Persiste o receio que o bloqueio da sntesede prostanoides acentue este desequilibro comconsequncias deletrias para o rim. A utilizao, noambulatrio, de inibidores selectivos da COX-2 permiteevitar este fenmeno a nvel renal, bem como outros efeitoslaterais, nomeadamente ao nvel do tracto gastrointestinal,mantendo o efeito teraputico e a actividade essencial daCOX-l~2

    A utilizao de bloqueadores de canais de clcio(nifedipina), pelos seus efeitos mio-relaxantes, pareceaumentar a taxa de eliminao espontnea dos clculos20.Por outro lado, a litase radiolucente mais comum (em Portugal a litase rica afecta 10-20% dos doentes litisicos) passvel de dissoluo qumica pela alcalinizao urinria(complexo de pentacitrato hexapotssico hexassdicohidratado Uralyt-U). Em clculos de cido ricoassintomticos < 1 cm a quemlise por via oral o tratamentode primeira escolha. O passo seguinte , obviamente, aeliminao ou remoo do clculo. Dependendo da posioe tamanho, mais de 70% dos clculos ureterais soeliminados espontaneamente. Clculos inferiores a 6 mmde dimetro transversal, localizados no tero inferior doureter so eliminados em 80-90% dos casos. Aspossibilidades de eliminao espontnea vo diminuindo medida que o tamanho aumenta e em posies maisproximais. Em clculos superiores a 6-8 mm, sobretudo selocalizados no ureter lombar, a interveno urolgica quase sempre necessria. A taxa de complicaes aumentacom o tempo de eliminao, sendo no entanto inferior a 7%para perodos at trinta dias, aceitando-se actualmente que,em rins previamente normais, no h efeitos nocivosirreversveis mesmo em obstrues completas, seminfeco, at s quatro semanas. este o perodo aceitvelde tempo de espera nas situaes em que a eliminaoespontnea do clculo previsvel. As obstrues parciais,apesar de terem efeitos deletrios sobre o rim, do-nosmaior margem de manobra, embora sem limite de tempodefinido5. Independentemente do grau de obstruo, umclculo que mantm a mesma posio durante cerca detrinta dias provavelmente est impactado, imobilizado peloedema a montante e a jusante, e no vai ser eliminadoespontaneamente. A litase calicial no faz parte destequadro. Embora seja causa de dor e/ou hematriamacroscpica, o tratamento geralmente programado comoprofilaxia da obstruo e/ou infeco urinria.

    A urografia endovenosa mantm-se como um exameessencial nesta fase. Ela permite confirmar a obstruo ureteral, determinar o grau de obstruo e, em pelculas tardias,o local de obstruo (figura 4), com uma sensibilidade de84-95% e uma especificidade de 96%2,6,8 Quando bemrealizada um excelente mapa anatmico e funcional deambas as unidades renais, permitindo prognosticar epreparar a interveno urolgica. A insuficincia renal numdoente diabtico ou uma histria de alergia ao produto decontraste so contra-indicaes absolutas sua realizao.Contra-indicaes relativas incluem a insuficincia renal(creatinina plasmtica superior a 2 mg/dl), a diabetes mellitus, o mieloma mltiplo (sobretudo se associado a

    374

  • UROLITfASE E CLICA RENAL

    hipercalcmia), a desidratao, a uricosria e a doena cardiovascular tratada com diurticos. A metformina deve sersuspensa 2-3 dias antes do exame. A incidncia denefrotoxicidade baixa, inferior a 1% na ausncia de factoresde risco e 9-40% na presena de factores predisponentes,como a diabetes meilitus e a insuficincia renal. Com aintroduo de meios de contraste de baixa osmolaridade(no inicos), o risco de reaces alrgicas anafilactidesfatais inferior a 1:100000. A prevalncia de reacesadversas graves de 0,22% com contraste inico e de 0,04%com produtos no inicos612.

    Uma vez eliminado, o clculo deve ser analisado. Adifrao por Raios X e a espectroscopia cominfravermelhos (acuidade de 96%) so os examesindicados, uma vez que a anlise bioqumica tem umaacuidade de apenas 65%~. A avaliao metablica e posterior orientao teraputica dos doentes inicia-se nestafase, aps a eliminao do clculo ou quando este assintomtico e no obstrutivo.

    INTERVENO UROLGICAA interveno urolgica electiva, com recurso a tcnicas

    de invasibilidade varivel, est indicada nas situaes emque, por qualquer das razes acima expostas, necessriaa remoo ou reduo do burden litisico.

    A litotrcia extracorprea por ondas de choque (LEOC)veio revolucionar, em meados dos anos 80, o tratamento dalitase renal. Ondas de grande amplitude e baixa frequncia,geradas em meio liquido, atravessam o organismo semcausar dano e libertam a sua energia quando encontramuma rea de diferente impedncia acstica. de naturezano invasiva e de baixa morbilidade, permitindo otratamento do doente no ambulatrio. Actualmente aprimeira opo em mais de 85% dos doentes, incluindotodos os clculos renais no superiores a 20-25 mm,qualquer clculo (em tamanho e composio) do ureterproximal, e, conjuntamente com a ureteroscopia, nosclculos do ureter sagrado ou plvico (Quadros III e IV). Ataxa de sucesso global desta tcnica de 88~91%2. Agravidez, um aneurisma calcificado da aorta abdominal ouda artria renal, as coagulopatias, a hipertenso arterialgrave, uma infeco sintomtica do trato urinrio e apresena de anomalias anatmicas que condicionamobstruo a jusante so contra-indicaes clssicas suarealizao. Trabalhos recentes reduzem as contra-indicaes absolutas gravidez21. Por outro lado aobesidade mrbida, malformaes esquelticas, alteraesanatmicas do sistema excretor renal, a composio doclculo (oxalato de clcio monohidratado, brushite oucistina), a localizao (grupo calicial inferior ou diverticulo

    NLP

    Sue ~/ ~i~ Frag. Res~dmis

    t~55L0 2~ NLP ~EOCs~j/

    Frug. Res,duai,

    Quadro IV Estratgia teraputica da Fundao Puigvert para

    clculos ureterais23

    LEOC

    Fragmentao com ta par ai sem fragmentao

    2 E ~ Insucessq~

    calicial) ou o excesso de massa litasica reduzem o sucessoda litotrcia extracorprea, sendo habitualmente indicaespara recorrer a outras abordagens, isoladamente ou comocomplemento da LEOC. As complicaes incluem a clicarenal, o empedramento ureteral (steinstrasse), que podenecessitar de tratamento endoscpico, a hematria, queocorre na maioria dos doentes nas primeiras 24 horas, oshematomas, habitualmente sem repercusso hemodinmicae tratados de forma conservadora, e variados efeitos lateraisgastrointestinais autolimitados. A mortalidade seguramente inferior a 0,02%21,22.

    Quadro III Estratgia teraputica para clculos renais24

    coraliforme25mm

    ii4,LEOC

    Su~~o in~cesso

    2L OC

    ~ ini~cesso

    4NLP

    Su~~ in~cesso

    ii = Com ou se,n colocao prvia de um catter endo-ureteral tipo duplo J

    LEOC = Litotrcia extracorprea por ondas de choque

    NLP = Nefrolitotornia percutnea.

    urete lombar ureter sa roplvico

    Deslocao superior do cicaio

    por emperramento + LEOC

    los cesso

    _ /____________Ureterorrenoscopia

    1lnsu~sso

    Cirurgia aberta

    LEOC = Litotrcia extracorprea por ondas de choque.

    375

  • J. GOMES et ai

    A nefrolitotomia percutnea (NLP) uma tcnicainvasiva iniciada nos anos 70, cujo sucesso depende daexperincia do Mdico Urologista. Consiste na realizaode um acesso percutneo de 8 a 10 mm de dimetro atravsdo qual se destroem os clculos, usando habitualmente alitotrcia ultrassnica, e se removem os fragmentos. Estindicada, como abordagem inicial, nos clculos renais dedimenses superiores a 2-3 cm ou volume superior a 450-500mm2 (Quadro ifi), sendo o limite de 1-1,5cm nos clculosde cistina. Num rim em ferradura ou na presena de umaobstruo anatmica ou funcional (p.e. um diverticulocalicial ou um sndrome de juno pielo-ureteral, respectivamente) distal ao clculo, esta abordagem a primeiraopo nas situaes em que pode resolver ambas as patologias. Um clculo com mais de 2 cm no grupo calicial inferior, sobretudo se associado a um infundibulo longo ou aum ngulo infundibulo-plvico agudo so preferencial-mente tratados por NLP. A nica contra-indicao absoluta uma coagulopatia no corrigida. A rotura do sistema excretor a complicao mais frequente, no entanto a hemorragia a complicao mais significativa, com necessidade detransfuso, em alguns registos, em 10-14 % dosprocedimentos. A infeco, a leso pleural ou a perfuraointestinal so outras complicaes possveis2324.

    Com o desenvolvimento de ureteroscpios de menorcalibre, semi-rigidos e flexveis, a ureteroscopia ouureterorrenoscopia (URS) actualmente uma tcnicaminimamente invasiva. Permite a destruio do clculo porintermdio de litotrcia intracorprea (litotrfcia pneumtica,electrohidrulica, ultrassnica ou por laser), ousimplesmente a remoo deste por aco de catteresespeciais para o efeito (litoextrao com catter Dormiaou Zeiss). uma opo frequente nos clculos do uretermdio e distal (Quadro IV), sobretudo se de dimensessuperiores a 1,5 cm, de oxalato de clcio monohidratado oude cistina (clculos mais duros), mltiplos ou impactados.As complicaes mais frequentes incluem a perfurao doureter ( possvel inclusive a sua avulso ao nvel da junoureterovesical) e as estenose ureterais2325.

    Recorre-se cirurgia aberta quando h limitaesou contra-indicaes s tcnicas descritas, mas sobretudoquando estas no so bem sucedidas. A escolha entreuma abordagem clssica ou a nefrolitotomia percutneadepende muito da preferncia e experincia do Urologista.A obesidade mrbida e as deformidades sseas so algumasdas limitaes das tcnicas anteriores. Clculoscoraliformes completos, associados a estenose infundibular ou a hidronefrose, so habitualmente indicaes parauma nefrolitotomia anatrfica. Esta era a tcnica standartpara o tratamento dos clculos coraliformes nos anos 60 e

    70, e consiste em abrir o rim pela sua superfcie externaao longo de um plano avascular (linha de Brdel), como sede um bivalve se tratasse. Um clculo no bacineterefractrio a outras abordagens, pela sua dureza ou porlimitaes anatmicas, preferencialmente tratado com umapielolitotomia, que consiste numa abordagem cirrgicaclssica com inciso do bacinete. Da mesma forma, asindicaes para ureterolitotomia so o insucesso da LEOCe URS, ou quando est indicada a reparao concomitantede uma estenose ureteral. Actualmente so raras assituaes de litase que necessitam de cirurgia aberta.

    ESTUDO METABLICOETRATAMENTOPROFILCHCO

    A litase renal caracterizada por altas taxas derecorrncia. 50% dos doentes no tratados vo terrecorrncia da litase num perodo de cinco anos526.Segundo a hiptese mais aceite actualmente, este fenmenoenvolve um desequilbrio entre a supersaturao urinriade diferentes solutos e a aco de inibidores dacristalizao. O objectivo dos estudos metablicos identificar e corrigir, de forma econmica e eficiente, osfactores responsveis por este desequilbrio. aconselhvel a realizao dos seguinte exames em todosos doentes5:

    Sedimento urinrio e exame bacteriolgico da urina.Ureia e creatinina para avaliao da funo renal.Uma urografia endovenosa que visa excluir uma

    patologia anatmica ou funcional do tracto urinriocausadora de estase urinria, infeco e/ou litase derepetio, incluindo um diverticulo calicial congnito,sndrome de juno pielo-ureteral, ureterocelo, refluxovesico-ureteral, rim esponjoso-medular, rins ectpicos ouem ferradura.

    Um hemograma pode revelar uma neoplasiahematolgica no suspeitada.

    Sequential multichannel analysis (SMA)-20: Clcio,fsforo, potssio e acido rico plasmticos. Alteraesdestes valores podem sugerir a etiologia da litase. Ahipercalcmia associada a hipofosfatmia sugere umhiperparatireoidismo 1. A hipofosfatmia isolada na litaseclcica sugere uma hipercalciria de absoro do tipo III(por perda urinria de fsforo). A hipocalimia associada aacidose metablica sugerem a presena de acidose tubularrenal (ATR) completa. A hiperuricmia sugere uma doenalinfoproliferativa ou gota la.

    O quadro V mostra um esquema simplificado possvelpara a avaliao do doente litisico, sem necessidade deseguimento por consulta especializada ou em centros dereferncia27.

    376

  • UROLITASE E CLICA RENAL

    Quadro V Abordagem do doente litisico27

    1 CONSULTA:

    NEFROLITASE

    1 passo: Avaliao de factores de risco: Hx familiar oupessoal de litase, d ssea ou GI, ITU crnica,gota, nefrocalcinose. Aberraes dietticas,medicao litognica. Litase rica, cistnica oude estruvite. Grande burden litisico.Hemograma, ionograma e albumina (correcodos valores de clcio)SMA-20Sedimento urinrio + / - uroculturaRx APS +1- ultrassonografiaAnlise do clculo (quando possvel).

    2 passo: Litase recorrente ou factores de risco. Urina de24 horas . dieta habitual: pH, clcio, citratos, cidorico, oxalatos e cistina** (factores metablicos). Volume, sdio, magnsio, sulfatos e fsforo (factoresambientais). Saturao urinria de oxalato de clcio,brushite, urato monossdico e cido rico (factoresfsico-qumicos).

    2 CONSULTA: Avaliao dos resultados:SMA 20 - ver textoVolume < 2L/d - 1 fluidosUsdio > 200 mEq /d restrio sdioUoxalatos > 45 mgld evitar ch, espinafres, nozes,chocolateUclcio > 250 mg /d restrio ligeira de clcio sedieta rica em clcioUcido rico > 700 mg /d e U-sulfato > 30 mEq/d reduo protenas animais.1. pH, .1. potssio, .1. citrato - t frutos citrinosModificao diettica durante 1 semana 3passo: repetir perfil de urina 24 h

    3 CONSULTA4 passo: Correco de factores ambientais (manter

    alteraes dietticas)Tratamento emprico de factores metablicosligeiros (ver quadro VI).Envio a centros de referncia para estudos metablicosmais aprofundados se alteraes metablicas graves ouresistncia teraputica.

    ** Se cistinria no foi excluda por outros testes e a composio do clculo

    desconhecida.

    A limonada melhor tolerada e um bom substituto a longo prazo.

    2Nas esteatorreias pode ser associado a colestira,nina.

    ~Cursam habitualmente com hipocitratria, mas o tratamento individualizado. Na litose rica com hipocitratria justifica-se apreferncia pelo citrato de potssio.

    HPT 1 = Hiperparatireoidismno primrio

    Quadro VI Tratamento profilctico da urolitase mais frequente27

    DESORDEM TRATAMENTO

    Baixo volume urinrio ( 25OmgId) Citratode potssio+ hipercalcmia (Acalka) +tiazidas(excluir HPT 1,sarcoidose, neoplasia) Tratamento da doena primria

    + 1 sdio urinrio (>200 meq/d) Restrio de sdio alimentar

    Hipocitratria, incluindo ATR (pH 77,5),sndrome de diarreia crnica2e hipocalimia Citrato potssio

    Hipomagnesiria Reposio de magnsio (7)

    Hiperoxalria ligeira (>45 mg/d) Reduo de oxalatos da dietamoderada-severa (>60 mgld)entrica Suplementos de clcio p.o. com reduo

    de oxalatos da dieta + / - citrato alcalinoprimria Piridoxina+ citrato alcalino

    Hiperuricosria(>700mg/d)3 Alopurinol se >800 mg /d ou hiperuricmiaDieta com restrio de pumas

    Alcalinizante urinrio (Uralit~U, Acalka)pH 6,5-7

    Estruvite3 (aps remoo ou quemlise) Antibiticos, cido acetohidroxmico

    Cistinria (> 25OmgId) >3L urina + alcalinizao urinria (pH > 7,5)(aps remoo ou quemlise) Restrio proteica (< 0,8 gIKg/d); cido ascrbico (4gId)

    e-mercaptopropionilglicina,captopril (75-lOOmgId)

    pH < 5,5 (gota, diarreia crnica) Alcalinizante urinrio

    Num extremo temos como indicaes absolutas paraavaliao metablica completa5:

    Histria familiar de litase (acidose tubular renal,cistinria, hipercalciria de absoro e hiperoxalria). Aidentificao de um doente com litase cistnica obriga aum screening familiar.

    Os doentes com litase mltipla, bilateral ou recorrente. Doena ssea (osteoporose, dismorfias msculo-

    esquelticas congnitas ou adquiridas), doena gastrointestinal (doena inflamatria ou diarreias crnicas,cirurgia com resseco de leo), gota ou doenagranulomatosa (sarcoidose) associadas litase.

    As crianas e indivduos da raa negra (a diferena deincidncia de litase neste grupo baseia-se nos diferenteshbitos dietticos, quando ainda existem).

    As infeces crnicas do tracto urinrio ou clculosde fosfato de amnio e magnsio (estruvite).

    A nefrocalcinose (calcificaes parenquimatosas,medulares ou corticais).

    Como indicaes relativas temos os doentes com umprimeiro episdio de litase antes dos 20 ou aps os 50anos, com profisses de risco (pilotos de avio) ouimunodeficientes.

    Por outro lado, num doente tpico, um homem brancocom idade compreendida entre os 30 e os 50 anos, com umprimeiro episdio de nefrolitase ou longos perodos entrerecorrncias, com um nico clculo, sem histria familiarde litase renal ou factores fisiopatolgicos pessoais ouambientais de risco, a maioria dos autores evita a realizao

    377

  • J. GOMES et ai

    de estudos pormenorizados. At 60% dos indivduos comum primeiro episdio de litase sintomtica, aps aeliminao do clculo, entram em remisso com medidasde preveno genricas como o reforo da hidratao e oevitar de excessos dietticos:

    O reforo de hidratao de forma a garantir uma diuresesuperior a 2 litros nas 24 horas (3 LId na cistinria), diminuia supersaturao urinria, beneficiando todos os doentes,independentemente do tipo de clculo28.

    O excesso de ingesto de sacarose e outros carbohidratos refinados aumenta a excreo urinria de clcio. Oexcesso de sdio na dieta aumenta o pH urinrio, a excreourinria de clcio e cistina, e diminui a excreo de citratos28.

    Os oxalatos e o clcio das dietas habituais nonecessitam de restrio. No entanto alguns doentes comhiperoxalria idioptica parecem ter um aumento deabsoro de oxalatos, pelo que a ingesto de alimentoscomo os espinafres, o ruibarbo, as avels, as nozes, certoschs e o chocolate deve ser limitada. A eliminao desuplementos de clcio benfica, mas a restrio do clcioda dieta normal pode ser contraproducente (aumentoabsoro intestinal de oxalatos) e, exceptuando ahipercalciria de absoro do tipo II (dependente da dieta),no est indicada529.

    Dar preferncia a produtos ricos em potssio (vegetaise frutos) pela diminuio da excreo urinria de clcio queacarretam. Esta aco deve-se a uma diminuio quer daexcreo renal quer da absoro intestinal do clcio28.Tambm as fibras destes alimentos, por mecanismos aindadesconhecidos, parecem benficas na doena litisica. Noentanto importante evitar produtos igualmente ricos emoxalatos.

    Uma dieta rica em protenas animais aumenta os nveisurinrios de clcio e diminui os nveis de citratos. Apesarde at 45% dos doentes com hipercalciria idioptica teremhistria familiar de doena litisica, estudos recentesresponsabilizam o excesso de ingesto de protenas animaiscomo sendo o primum movens desta patologia30. Por outrolado o excesso de purinas na dieta a principal causa dehiperuricosria528.

    Os corticides, os anti-cidos contendo hidrxido dealumnio, os diurticos com aco na ansa de Henle e avitamina D provocam hipercalciria. As tiazidas provocamhipocalimia e acidose intracelular responsveis pelahipocitratria. portanto recomendada a sua associaocom suplementos de potssio (sobretudo o citrato depotssio) aquando do tratamento da hipercalciria comtiazidas. Os quimioterpicos, o probenecide e a colquicinaso uricosricos. Anti-hipertensores contendo triamterenoesto associados a litase pelo prprio triamtereno. A

    hiperoxalria pode ocorrer com ingesto de dosesexcessivas de cido ascrbico (doses superiores a 4 g/dia)528.

    SITUAES ESPECIAISUrolitase e clica renal na gravidezDurante uma gravidez normal, 90% das gestantes

    apresentam dilatao do sistema excretor renal (60-80%apresentam hidronefrose direita e 30% hidronefrose esquerda). Esta dilatao fisiolgica inicia-se no final do 1trimestre, atinge umplateau por volta da 24-28 semana epersiste habitualmente nas primeiras 6-8 semanas aps oparto6. A litase renal afecta cerca de 1/750 a 1/2247gestaes, ocorrendo sobretudo em mulheres multiparasnos 2 e 3 trimestres de gravidez31. Apesar da maioriadestes clculos serem assintomticos, a clica renalmantm-se como a principal causa no obsttrica dehospitalizao durante a gestao. Um quadro clnico tpicoe a presena de microhematria so os dados maisconsistentes no diagnstico. O Rx APS est contra-indicado, sobretudo no 1 trimestre da gravidez e a US pouco especfica quando no visualiza o clculo. Oecodoppler um ptimo exame para distinguir entre umahidronefrose obstrutiva e a hidronefrose fisiolgica noobstrutiva observada nestas mulheres32. Entre 50 a 80%dos clculos que ocorrem na mulher grvida so eliminadosespontaneamente. O tratamento inclui repouso, hidrataoe analgesia (meperidina, oxicodona e paracetamol),associando-se um antibitico na presena de bacteririaassintomtica. No entanto, a clica renal pode precipitarum parto prematuro, sobretudo se associada a ITU. Poroutro lado, devemos ter em considerao as limitaes nautilizao de vrios analgsicos nestas mulheres. Destemodo a repetio frequente da dor uma indicao parainterveno urolgica. A abordagem preferida consiste nacolocao de um stent ureteral que permanece at ao finalda gestao. Uma derivao urinria percutnea ou alitoextrao por ureteroscopia so tambm opespossveis23 1

    Urolitase e clica renal na crianaA litase renal uma condio rara na criana. Quando

    presente, est normalmente associada a distrbiosmetablicos, ITU crnica e/ou anomalias anatmicas oufuncionais do tracto urinrio. As crianas so doentes derisco, pelo que requerem sempre um estudo completo quevisa o despiste destas alteraes5.

    A histria familiar um factor prognstico desfavorvel.Doenas hereditrias com transmissibilidade autossmicarecessiva incluem a cistinria, hiperoxalria primria e a

    378

  • 1 JROT ~SF~FC~1 .TCA RENAl.

    litase por 2,8-dihidroxiadenina ou xantina. Algumas formasde ATR e a hipercalciria idioptica tm transmissibilidadeautossmica dominante.

    A maior distensibilidade do ureter da criana favorecea eliminao espontnea de clculos, mais facilmente quenos adultos233.

    Na ausncia de anomalias anatmicas obstrutivas aLEOC o tratamento de primeira escolha, com taxas desucesso de 67-100%. Os receios sobre a possibilidade daLEOC provocar alteraes na funo renal e no crescimentoparecem infundados. A NLP uma opo segura emcrianas com idade superior a quatro anos. Nos centroscom ureterorrenoscpios de pequeno calibre, a URS temas mesmas indicaes que no adulto, com elevada eficciae segurana. O receio que esta interveno possa levar aodesenvolvimento de refluxo vesico-ureteral no foiconfirmado at data. A cirurgia aberta mantm-se como aprimeira opo na litase associada a anomalias anatmicasdo tracto genito-urinrio233.

    Em relao ao estudo metablico e tratamento profilticoda doena litisica os valores devem ser adaptados ao pesoda criana (Quadro VII).

    TERAPUTICA

    Diurese 30 40 mi/Kg.d

    Citrato de potssio 0,9 2mEq/Kg.d

    Aiopurinoi 4mg/Kg.d

    BIBLIOGRAFIA1. GULMI F, FELSEN D, VAUGHAN ED: Pathophysioiogy ofurinary tract obstruction. In Walsh, Retik, Vaughan, Wein et ai Campbells Urology, 7th ed. Voi 1. Phiiadeiphia, W.B. Saunders 1998;342-3852. SHOKEIR AA: Renal Colic. Pathophisiology, diagnosis and treatment. Eur Urol 200i;39:241-2493. ROZA C, LAIRD JM, CERVERO F: Spinai mechanisms underlying persistent pain and referred hyperalgesia in rats with experimental ureteric stone. J Neurophysiol 1998, 79 (4): 1603 1612.4. GIAMBARARDINO M: Recent and forgotten aspects of visceral pain. Eur J Pain 1999; 3 (2): 77-92

    5. MENON M, PARULKAR BG, DRCH GW: Urinary Lithiasis:EtioIogy, diagnosis and medical management. In Walsh, Retik,Vaughan, Wein et ai Campbells Urology, 7th ed. Vol 2. Phiiadelphia, W.B. Saunders 1 998;266 1-27336. CARLIN BI, RESNIK MI: Urinary stone disease. In Resnik MI eOlder RA Diagnosis of genitourinary disease, 2~ edition. ThiemeMedical Pubiishers, mc. i 997;303-3 147. LEVINE JA, NEITLICH J, DALRYMPLE N, SMITH RC: Ureterai calculi in patients with flank pain: correlation of piam radiography with unenhanced helical CT. Radiology 1997;204: 27-318.KUULILA 1K, NIEMI LK, AL-OPS MY: Ultrasonographyfor diagnosis of obstructing ureteral calculus. Scand J Urol Nephrol1988; 22:275-2779. MILLER OF, KANE CJ: Unenhanced helical computed tomography in the evaluation of acute flank pain. Current opinion in UroIogy 2000:10: 123-12910. SHOKEIR , ABDULMAABOUND M: Prospective comparison of nonenhanced helical computerized tomography anddoppler uitrasonography for the diagnosis of renal colic. J Urol200l;165: 10821084li. SHOKEIR , BLULMABOUND M, FARAGE Y,MUTBEJNI H: Resistive index in renal colic: the effect of nonsteroidal anti-inflamatory drugs. BJU Int 1999; 84 (3): 24925112. LEDER RA: Editorial review: The safe administration of intravenous contrast material for urologists and radiologists. CurrentOpinion in Urology 2000;l0: 9 9813. MILLER OF, RINEER SK, REICHARD SR et ai: Prospectivecomparison of unenhanced spirai computed tomography and intravenous urogram in the evaluation of acute flank pain. Urology1998; 52: 982-98714. SUDH M, VNNINEN R, PRTNEN K et ai: MR urography in evaluation of acute flank pain: T2-weighted sequences andgadolinium-enhanced three-dimensionai FLSH compared with urography. Fast Low-ngle Shot. m J Roentgenol 2001;176 (1):l0511215. SPOKIANAKIS GN, COHEN DJ, BRANSTEIN RH et ai: MAG3-FO scintigraphy in decision making for emergency intervention inrenal coiic after helical CT positive for a urolith. J Nuci Med 2000;41(11): 1813182216. LUNDSTM SQA, LEISSNR K-H, WAHLNDER L et ai:Prostaglandin-synthetase inhibition with diclofenac sodium in treatment of renal colic: comparison with use of a narcotic analgesic.Lancet 1982;2(828i):i096-i09717. GIAMBARARDINA M, VLENTE R, AFFAIFTI G,VECLHIET L: Central neuronal changes in recurrent visceral pain.Int J Clin Pharmacol Res 1997;17(2-3):636618. LIRD JM, CERVERRO F: Effects of metamizol on nociceptive responses to stimuiation of the ureter and on ureter motiiity inanaesthetised rats. Inflamm Res 1 996;43(3): 15015419. LERUM E, OMMUNDSEN OE, GRONSETH JE et ai: Oraldiclofenac in prophylactic treatment of recurrent renal colic. EurUrol 1995; 28:10811120. BORGHI L, MESCHI T, MATO F et ai: Nifedipine and methyiprednisolone in facilitating ureterai stone passage: a randomised,double blind, piacebo-controiied study. J Urol 1994;152:l095-i09821. STREEM SB: Contemporary clinical practice of shock wavelithotripsy: a reavaluation of contraindications. J Urol i997;i57:1c92-120322. MARTIN TV, SOS RE: Shock-wave iithotripsy. In Waish,

    Quadro VII Urolitase na criana(34)

    Valores limite de excreo renal (mmoi/KgId)

    Clcio >0,1

    Oxalato > 0,0063

    Citrato

    Cistina heterozigtico

    homozigtico

    cido rico

    < 0,01

    0,0058-0,0117

    > 0,024

    > 0,063

    379

  • J.GOMES etal

    Retik, Vaughan, Wein et ai Campbells Urology, 7th ed. Voi 2.Philadelphia, W.B. Saunders 1 998;2735-275223. SALVADOR J, VICENTE IR: Cirurga endoscpica dei urter. InTratado de endourologia: Vicente JR; Barcelona, Pulso edies1996;143-23624. MERIA P, LE DUC A: Stratgie thrapeutique dans les calculsurinaires. Editions Techniques Encycl. Md. Chir. (Paris-France),Techniques chirurgicales Uroiogie-gyncoiogie, 41-090, 1994; 2p25. HUFFMAN JL: Ureteroscopy. In Walsh, Retik, Vaughan, Weinet ai Campbells Uroiogy, 7th cd. Vol 2. Philadelphia, W.B. Saunders,1998, 2755-2787.26. HESSE A, TISELIUS H-G, JAHNEN A: Urinary stones: Diagnosis, treatment and prevention of recurrence. English ed., GustavFisher Veriag lena, 199727. PAK CYC, RESNICK MI: Medical therapy and new approachesto management of urolithiasis. Urol CI N Am 2000; 27 (2) : 243-253.

    Hospital de S. Joo. Porto

    28. ASSIMOS DO, HOLMES RP: Role of diet in the therapy ofurolithiasis. Urol Ci N Am, 27 (2): 255-265.29. CURHAN GC, CURHAN SG: Diet and urinary stone disease.Current Opinion in Urology 1997, 7(4): 222-225.30. JAEGER P: Pathophysiology of idiopathic hypercalciuria: thecurrent concept. Current Opinion in Urology 1998, 8(4): 321-325.31. SMOTHERS L, Lee LM: Renal colic in pregnancy. J Urol 1992,142: 1383 1387.32. SHOKEIR AA, MAHRAN MR e Abdulmaaboud M. Renal colicin pregnant women: role of resistive index. Urology 2000, 55 (3):344 347.33. JAYANTHI VR, ARNOD PM E KOFF SA: Strategies for managing upper tract calculi in young children. J Urol 1999, 162: 1234 1237.34. RIEDMILLER H, ANDROULAKAKIS P, BEURTON D et ai:Paediatric Nephrolithiasis. Guidelines in Paediatric Urology fromthe European Association of Urology, 2001: pp 33.

    380