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V Encontro Nacional da ANPPAS 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil _____________________________________________________________ A Relação entre as Esferas Pública e Privada no Desenvolvimento do Turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil Camila G. de Oliveira Rodrigues (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) Doutora em Política e Gestão Ambiental, Professora e Pesquisadora DAT/IM e PPGDT/UFRRJ [email protected] Resumo Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil protegem formações geológicas e áreas de extrema relevância no contexto da biodiversidade do país. No Brasil, existem sete Sítios do Patrimônio Mundial Natural, os quais abrigam uma diversidade de biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Marinho). Para ilustrar a temática deste artigo, serão abordadas algumas características da visitação nos Parques Nacionais do Iguaçu (PR), da Chapada dos Veadeiros (GO) e Marinho de Fernando de Noronha (PE), áreas inscritas como Sitio do Patrimônio Mundial Natural. O objetivo deste trabalho é discutir as formas de inserção das comunidades locais no desenvolvimento do turismo e a conexão que os turistas estabelecem com essas áreas. Uma das principais reflexões desse artigo sugere que, dependendo da forma como o turismo é planejado e implementado, a atividade pode assumir um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais e na compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a sociedade. A apropriação pode ocorrer em termos de responsabilização, de patrimônio, de respeito e de equidade, mas também em termos econômicos, que tende a despertar questões como individualização, a satisfação imediata das necessidades, o lucro. Essas duas abordagens não são excludentes, mas podem assumir pesos diferenciados, conforme a ênfase atribuída aos aspectos ambientais e socioeconômicos do turismo. Essa análise sugere uma importante reflexão sobre o ‘sentido’ da visita aos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, e o seu potencial para instigar questões relacionadas à consciência patrimonial na utilização dos bens de uso comum. Palavras-chave: Sítios do Patrimônio Mundial Natural; turismo; esfera púplica; efera privada. Apresentação Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural, localizados no Brasil, abrigam áreas de extrema relevância no contexto ambiental e socioeconômico do país. Atualmente, o Brasil conta com sete áreas designadas pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Mundial Natural. Dentre estas, este trabalho irá utilizar como experiências ilustrativas três áreas de significativo impacto na dinâmica do turismo no país: o Parque Nacional de Iguaçu, o mais visitado no Brasil, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, reconhecido principalmente pela sua beleza paisagística e pela riqueza e diversidade do ambiente marinho, e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, uma importante área de preservação do bioma cerrado.

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V Encontro Nacional da ANPPAS 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil _____________________________________________________________

A Relação entre as Esferas Pública e Privada no Desenvolvimento do Turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil

Camila G. de Oliveira Rodrigues (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

Doutora em Política e Gestão Ambiental, Professora e Pesquisadora DAT/IM e PPGDT/UFRRJ [email protected]

Resumo Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil protegem formações geológicas e áreas de extrema relevância no contexto da biodiversidade do país. No Brasil, existem sete Sítios do Patrimônio Mundial Natural, os quais abrigam uma diversidade de biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Marinho). Para ilustrar a temática deste artigo, serão abordadas algumas características da visitação nos Parques Nacionais do Iguaçu (PR), da Chapada dos Veadeiros (GO) e Marinho de Fernando de Noronha (PE), áreas inscritas como Sitio do Patrimônio Mundial Natural. O objetivo deste trabalho é discutir as formas de inserção das comunidades locais no desenvolvimento do turismo e a conexão que os turistas estabelecem com essas áreas. Uma das principais reflexões desse artigo sugere que, dependendo da forma como o turismo é planejado e implementado, a atividade pode assumir um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais e na compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a sociedade. A apropriação pode ocorrer em termos de responsabilização, de patrimônio, de respeito e de equidade, mas também em termos econômicos, que tende a despertar questões como individualização, a satisfação imediata das necessidades, o lucro. Essas duas abordagens não são excludentes, mas podem assumir pesos diferenciados, conforme a ênfase atribuída aos aspectos ambientais e socioeconômicos do turismo. Essa análise sugere uma importante reflexão sobre o ‘sentido’ da visita aos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, e o seu potencial para instigar questões relacionadas à consciência patrimonial na utilização dos bens de uso comum. Palavras-chave: Sítios do Patrimônio Mundial Natural; turismo; esfera púplica; efera privada.

Apresentação

Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural, localizados no Brasil, abrigam áreas de extrema

relevância no contexto ambiental e socioeconômico do país. Atualmente, o Brasil conta com sete

áreas designadas pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Mundial Natural. Dentre estas, este

trabalho irá utilizar como experiências ilustrativas três áreas de significativo impacto na dinâmica

do turismo no país: o Parque Nacional de Iguaçu, o mais visitado no Brasil, o Parque Nacional

Marinho de Fernando de Noronha, reconhecido principalmente pela sua beleza paisagística e pela

riqueza e diversidade do ambiente marinho, e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, uma

importante área de preservação do bioma cerrado.

O objetivo deste trabalho é discutir as formas de inserção das comunidades locais no

desenvolvimento do turismo e a conexão que os turistas estabelecem com os Sítios do Patrimônio

Mundial Natural.

A compreensão sobre a importância e os valores relacionados aos Sítios do Patrimônio Mundial

Natural, por parte das comunidades locais e dos turistas, requer também a “internalização” do

conceito de “público”, à luz dos direitos e das responsabilidades frente à utilização deste

patrimônio coletivo. O termo “público”, pode assumir diferentes abordagens, de acordo com o

posicionamento de cada ator social no processo de apropriação destes sítios.

A participação das comunidades locais na dinâmica do turismo depende da forma como a

atividade é planejada e promovida no âmbito da gestão dos parques nacionais. Uma das

principais estratégias que vem sendo incentivadas no Brasil para apoiar a gestão de áreas

protegidas é o estabelecimento de “parcerias” entre as esferas pública e privada. No caso das

atividades vinculadas ao turismo nos parques nacionais brasileiros, alguns instrumentos como a

concessão, permissão e autorização, formalizam a atuação dos prestadores de serviços de apoio

ao turismo. Dependendo do modelo escolhido para o desenvolvimento do turismo, a atividade

pode assumir um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as

comunidades locais e na compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a

sociedade.

Assim, este trabalho oferece elementos para a reflexão sobre a relação entre as esferas pública e

privada, em dois sentidos principais: na dinâmica de prestação de serviços de apoio ao turismo

nas áreas protegidas e na relação que os visitantes estabelecem com as áreas protegidas,

inscritas como Sítios do Patrimônio Mundial Natural.

A dinâmica do turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil

Os Sítios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil protegem formações geológicas e áreas de

extrema relevância no contexto da biodiversidade do país, incluindo habitat de espécies animais e

vegetais ameaçados de extinção.

No Brasil, existem sete sítios do patrimônio mundial natural1, os quais abrigam uma diversidade

de biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Marinho) e diferentes contextos socioeconômicos,

característicos de um país com dimensões continentais.

Para ilustrar a temática deste artigo, serão abordadas algumas características da visitação no

Parque Nacional do Iguaçu (Mata Atlântica), no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

(Cerrado) e no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Marinho). A dinâmica de

                                                                                                               1 1. Parque Nacional do Iguaçu; 2. Costa do Descobrimento Reservas da Mata Atlântica; 3. Mata Atlântica Reservas do Sudeste; 4. Área de Conservação do Pantanal; 5. Complexo de Conservação da Amazônia Central; 6. Ilhas Atlânticas Brasileiras: Fernando de Noronha e Atol das Rocas; 7. Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas.

visitação nesses parques é bastante diferente, fato que reforça o potencial para se pensar em

diferentes estratégias de planejamento e gestão do turismo. Antes de apresentar algumas

características principais dessas áreas, considera-se oportuno discorrer brevemente sobre a

inserção dos parques nacionais no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do

Brasil.

As “unidades de conservação”, como o parque nacional2, são áreas especialmente protegidas por

lei, com objetivos de conservação e limites definidos. A composição do SNUC3, considerando as

esferas federal, estadual e municipal, está sistematizada no Quadro 1 a seguir:

Fonte: Cadastro Nacional de Unidades de Conservação / Ministério do Meio Ambiente. www.mma.gov.br/cadastro_uc. Atualizado em 03/11/2011.

Este quadro procura demonstrar a dimensão dos desafios para a conservação da biodiversidade

no país, mas também, para o turismo, uma vez que estas áreas representam importantes atrativos

para o desenvolvimento da atividade.

Os parques nacionais brasileiros recebem, anualmente, cerca de 4 milhões de visitantes, sendo

que cerca de 70% se concentram nos Parques Nacionais da Tijuca e do Iguaçu.

O número de visitantes nos parques nacionais brasileiros é bastante limitado, considerando o

potencial dessas áreas. No entanto, as tendências de crescimento do turismo no Brasil, o

aumento da procura por atividades recreativas em ambientes naturais e a estruturação dos

parques nacionais indicam um cenário promissor em termos do impacto econômico da atividade,

                                                                                                               2 Os parques nacionais são criados com o objetivo de preservação de ecossistemas e áreas de grande beleza cênica, possibilitam a pesquisa, a educação e a interpretação ambiental e o turismo em contato com a natureza. São administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. 3 O SNUC é formado por dois grupos de categorias de unidades de conservação, assim denominados: Grupo de Proteção Integral e Grupo de Uso Sustentável. No primeiro grupo, a proteção integral deve assegurar a preservação da natureza, não sendo permitido a presença de moradores no seu interior, mas apenas o uso indireto dos recursos naturais. As categorias de proteção integral são: Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. No segundo, o objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de uma parcela de seus recursos naturais. As categorias desse grupo são: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

tanto no contexto local, como também no que diz respeito ao incremento de recursos para a

manutenção destas áreas.

Além do incremento de infraestrutura nas unidades de conservação, está previsto para os

próximos anos um investimento significativo nas áreas de influência dos parques nacionais e

estaduais, em virtude dos mega eventos esportivos que o país abrigará em 2014 (Copa do

Mundo) e 2016 (Olimpíadas). O Programa “Parques da Copa”, elaborado pelo Ministério do Meio

Ambiente, em parceria com o Ministério do Turismo, selecionou diversas unidades de

conservação que serão alvo de investimentos para a estruturação da visitação. Dentre essas

áreas, destacam-se alguns Sítios do Patrimônio Mundial Natural, como os parques nacionais que

serão abordados neste artigo.

A dinâmica de visitação no Parque Nacional do Iguaçu (PR)

O Parque Nacional do Iguaçu (PNI) foi o segundo parque nacional criado no País, em 1939, e o

primeiro a ser reconhecido como patrimônio mundial natural pela UNESCO, em 1986. Esse

parque é mundialmente conhecido pela exuberância das “Cataratas do Iguaçu”. No entanto, além

da beleza paisagística, o parque protege um importante remanescente do bioma Mata Atlântica.

Está localizado na região Sul do país, no estado do Paraná. Possui uma área de 185.262

hectares, que abrange parte de cinco municípios da região. O primeiro plano de manejo4 do

parque foi elaborado em 1981, tendo sido revisado no ano de 1999.

Em 2010, o parque recebeu cerca de 1,3 milhões de visitantes, sendo que a maioria é estrangeiro.

Para aprimorar a gestão do turismo, o parque vem adotando, desde o ano de 1997, a estratégia

de conceder a prestação de serviços e a utilização da área para a exploração pela iniciativa

privada, conforme regras pré-definidas. Desde então, a experiência desenvolvida no parque tem

sido alvo de inúmeras análises e críticas relacionadas aos aspectos positivos e negativos das

concessões.

O modelo de prestação de serviços no PNI envolve grandes investimentos, pois é desenhado com

base em um padrão de atendimento de larga escala, com equipamentos e serviços compatíveis à

demanda de visitação. Este modelo prioriza a participação de empresas consolidadas no

mercado, com potencial de investimento, e que muitas vezes são de origem externa ao local.

A concessão de serviços de médio e grande portes impulsionou a contratação de mão-de-obra

local e a geração de oportunidades de trabalho no parque. Atualmente as concessionárias

empregam 700 pessoas residentes nos municípios localizados na áreas de abrangência do

parque.

                                                                                                               4 “Plano de manejo é o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade” (BRASIL, 2000).

A composição dos serviços de apoio ao turismo e a forma como são prestados podem induzir a

interpretações equivocadas, por parte dos visitantes, que tendem a compreender o parque

nacional como se fosse um “parque de diversão”, de propriedade privada. Os exemplos a seguir

procuram ilustrar essa dinâmica.

O desenho da concessão no parque atribuiu ao concessionário a responsabilidade de recolher o

pagamento dos ingressos e fazer o controle do fluxo de visitantes. A concessionária repassa

83,34% do valor de cada ingresso vendido e fica com 16,66%, como contrapartida pela

manutenção do sistema de bilheteria. O primeiro contato dos visitantes com o ʻparque nacionalʼ é

o funcionário da bilheteria, cuja função se restringe a recolher o dinheiro em troca do ingresso,

como se fosse um cobrador de metrô. São funcionários da concessionária e não do parque.

Vestem uniforme cedido pela concessionária e seguem as suas orientações. Não têm a função de

fornecer informações sobre as atividades e os regulamentos do parque, apenas entregam ao

visitante o ingresso e algumas vezes um folheto com informações sobre a área.

O ingresso para entrar no PNI engloba o transporte do visitante até o Espaço Porto Canoas5, a

visita ao centro de visitantes e a caminhada na trilha das Cataratas, uma das únicas atividades

prestadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. As outras atividades

como o passeio de elevador panorâmico até o Espaço Naipi, a Trilha do Poço Preto – Porto

Taquara, a Trilha das Bananeiras, o Percurso do Macuco Safari6, o rafting nas corredeiras do rio

Iguaçu, o Campo dos Desafios7 e o passeio de helicóptero são administradas pelas

concessionárias e requerem o pagamento de uma taxa cobrada à parte do ingresso para entrar no

parque. A trilha do Poço Preto – Porto Taquara contribui para interpretações enviesadas sobre a

“privatização” dos parques nacionais. A visitação nessa trilha está condicionada à contratação do

serviço da empresa concessionária. Assim, o visitante que não contratar o serviço não terá direito

a percorrer a trilha, pois a área está sob a administração da concessionária. Nesse caso, a

concessão dos serviços vinculados ao uso da trilha, como a guiagem, o aluguel de bicicletas e o

transporte em veículos elétricos, envolve também a concessão de uso de uma determinada área

do parque. Nesse contexto, é importante frisar que o objeto da concessão envolve a utilização de

uma área, que continua sendo de domínio público, pois está dentro dos limites do parque

nacional.

Desse modo, ainda que a quantidade de atividades não influencie necessariamente a experiência

da visita, pois a contemplação das Cataratas pode ser suficiente para sensibilizar e satisfazer

muitos visitantes, a diversidade de oportunidades recreativas vivenciadas depende em grande

medida do poder aquisitivo dos visitantes. O número de atividades disponibilizadas mediante o

pagamento do ingresso é desproporcional em relação à quantidade de atividades que o parque

oferece.                                                                                                                5 Espaço que apresenta uma área de alimentação, mirante, início da trilha das Cataratas, estacionamento. 6 Esse percurso envolve o passeio de jipe, caminhada por uma trilha suspensa, passeio de barco pelo rio Iguaçu. 7 Engloba atividades de escalada, arvorismo, escalada em rocha, rappel.

O formato da visitação no Parque Nacional do Iguaçu potencializou os serviços agregados e,

consequentemente, a necessidade de equipamentos e técnicas específicas e pessoal qualificado

para prestar os serviços com qualidade e segurança. Esses itens requerem um investimento

significativo e dependem da tarifa paga pelos visitantes. Portanto, para que o ICMBio possa

balancear a viabilidade econômica do empreendimento e a definição de preços módicos para o

usuário, é necessário o acompanhamento sistemático dos rendimentos e das despesas da

prestação de serviços, que deverá indicar as bases para a fixação dos preços (RODRIGUES,

2009).

De acordo com o planejamento da visitação num determinado parque, a realização de atividades

recreativas pode ou não depender da contratação de serviços de terceiros. Assim, a visita e a

prática de determinadas atividades não estariam subordinadas apenas à existência de um

contrato de concessão. A definição da maneira mais adequada de organização da atividade deve

ser avaliada criteriosamente considerando, dentre outros aspectos, o zoneamento e a diversidade

de oportunidades recreativas, as expectativas dos visitantes, a qualidade da experiência, a

segurança e os parâmetros relacionados à minimização dos impactos indesejados da visitação

(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006).

A dinâmica de visitação no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE)

O Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PARNAM Fernando de Noronha) foi criado

1988 para proteger os ecossistemas marinho e terrestre do arquipélago de Fernando de Noronha

e, em 2001, recebeu o título de Sítio do Patrimônio Mundial da Natural pela UNESCO. Além de

paisagens e praias singulares o arquipélago abriga diversas espécies marinhas em habitat

privilegiadamente conservado e abriga também o único mangue insular do Atlântico Sul.

O arquipélago de Fernando de Noronha é administrado pelo estado do Recife e está localizado a

350km da costa nordeste do Brasil. Possui 21 ilhas, sendo que o parque nacional engloba 11.200

hectares da maior ilha do arquipélago. O plano de manejo do parque foi elaborado em 1989 e

revisto em 2005.

Em 2010, o parque recebeu 55 mil visitantes, de diferentes perfis, desde os interessados nas

atividades aquáticas, como aqueles que visitam o parque para contemplar a paisagem e registrar

que conheceram um dos destinos turísticos mais cobiçados do país.

Da mesma forma que outros parques nacionais, o PARNAM de Fernando de Noronha, desde a

publicação de seu plano de manejo, permaneceu um longo período sem receber novos

investimentos para aprimorar a infraestrutura e a gestão da visitação. Os serviços de apoio

oferecidos aos turistas concentram-se basicamente na oferta de condutores de visitantes para

percorrer as trilhas e conhecer as praias do parque e na operação de mergulho profissional e

snorkerling. Estes serviços são ofertados principalmente por profissionais provenientes de outras

regiões, e até mesmo de outros países. Os moradores nativos atuam como condutores de

visitantes, mas também ocupam cargos de recepcionista, limpeza, governança, servente de obra,

garçon, nos empreendimentos hoteleiros e de alimentação, cuja propriedade é, em grande parte,

de pessoas que não nasceram na ilha.

Com o objetivo de aprimorar a qualidade da visitação no parque, foi iniciado, a partir de 2007, o

processo de análise da viabilidade econômica dos serviços de apoio ao turismo para subsidiar a

concessão. Em 2010, foram licitados diversos serviços como a cobrança de ingresso, loja de

souvenir e conveniência, lanchonete e aluguel de bicicletas.

A empresa vencedora da licitação também é uma das concessionárias do Parque Nacional do

Iguaçu. O processo de licitação salientou que as empresas interessadas deveriam apresentar

experiência na operação de serviços similares em unidades de conservação. Contudo, cumpre

salientar que, de acordo com Rodrigues (2009), existem poucos parques que operam serviços

mediante contratos de concessão8. Sendo assim, embora as licitações tenham uma caráter

isonômico, dependendo dos critérios definidos para a seleção da empresa, a questão da isonomia

pode ser relativizada, pois o processo tende a privilegiar as empresas que já possuem experiência

na prestação de atividades similares.

De acordo com as informações obtidas junto à administração do parque, o prazo da concessão

será de 15 anos, podendo ser prorrogado por mais 5 anos caso a operação seja avaliada

satisfatoriamente, segundo critérios ambientais e socioeconômicos. A empresa vencedora irá

investir cerca de 8 milhões de reais nos dois primeiros anos de contrato.

No que diz respeito aos efeitos na geração de emprego e renda, estima-se que a concessão de

serviços irá empregar entre 50 a 60 pessoas, sendo que os profissionais que irão atuar na

gerência dos empreendimentos não são residentes da ilha. Essa dinâmica de contratação de

mão-de-obra local é freqüente, sobretudo em cidades de pequeno porte e regiões rurais, nas

quais a população necessita de uma qualificação adequada aos postos de trabalho típicos dos

serviços de hospedagem, alimentação, guiagem, entre outros. Além da baixa qualificação e

instrução, a dificuldade de formalização dos empreendimentos de base comunitária e a ausência

de capital para investimento e para manutenção da oferta básica de serviços são os principais

fatores que limitam a inserção das comunidades locais no processo de prestação de serviços de

apoio ao turismo nos parques nacionais. E, com esse panorama, boa parte da população local fica

sujeita ao trabalho assalariado, em atividades com pouca necessidade de capacitação e

especialização. Nesse sentido, dentre as possibilidade de formalização da prestação de serviços

nos parques nacionais, é importante destacar também os arranjos institucionais que possibilitem a

inserção dos atores locais por meio da consolidação de empreendimentos de micro e pequenos

portes.

                                                                                                               8 Em pesquisa de doutorado, realizada em 2009, Rodrigues identificou apenas quatro parques nacionais que utilizam o instrumento ‘permissão’ de serviços (Serra dos Órgãos, Tijuca, Brasília e Aparados da Serra) e quatro que utilizam o instrumento ‘autorização’ (Serra dos Órgãos, Jaú, Grande Sertão Veredas, Aparados da Serra). Os dois registros de atividades realizadas por meio de contrato com concessionárias valem para os Parques Nacionais do Iguaçu (PR) e de Sete Cidades (PI). Ambos iniciaram o processo de concessão no final da década de 1990.

A dinâmica de visitação no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO)

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi criado em 1961, com a função primordial de

proteger uma área significativa do Cerrado de altitude. Foi declarado Patrimônio Mundial Natural

em 2001 pela UNESCO e faz parte da Reserva da Biosfera do Goyaz.

Está localizado na região centro-oeste do país, no estado do Goiás. Abrange uma área de 65 mil

hectares, com inúmeras cachoeiras e trilhas de longo percurso. O plano de manejo do parque foi

elaborado em 1998 e revisado em 2009.

Atualmente, a visitação no parque está concentrada em basicamente duas trilhas de média

distância, que conduzem a cachoeiras, com locais de banho e mirantes. Em 2010 o parque

recebeu 21 mil visitantes.

Antes da criação do parque, a área era intensamente ocupada por garimpos, que empregavam

grande parte da população local. Com a criação do parque, o Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela administração da área, iniciou um

processo de sensibilização junto à população local no sentido de modificar as formas de utilização

da área. Foi nesse processo que surgiu o projeto de capacitação de condutores de visitantes,

envolvendo os ex-garimpeiros que, com a criação do parque, tiveram que modificar a sua

ocupação principal. Como uma forma de garantir o trabalho para a população local e prevenir os

impactos ambientais, o ICMBio instituiu uma normativa que regulamentou o acesso de visitantes

ao parque somente com a condução de visitantes. Embora essa iniciativa tenha beneficiado à

população local, por meio da geração de empregos, diversos protestos e reclamações foram

dirigidas ao ICMBio contra a obrigatoriedade da visita guiada9.

Ao analisar as características dos parques brasileiros, principalmente os localizados em regiões

menos populosas, verifica-se que os serviços desenvolvidos nestas áreas, a maioria não

formalizado, são prestados por associações locais que vêem no turismo uma oportunidade para

incrementar os seus rendimentos. Um exemplo típico da ‘janela de oportunidade’ vinculada ao

turismo é a proliferação de associações e de cooperativas de condutores de visitantes e de

prestadores de serviços que, ao invés de usar diretamente os recursos naturais do parque, são

estimulados a buscar alternativas de uso indireto, como os serviços de apoio à visitação.

Alternativas para o fortalecimento de empreendimentos de base comunitária na prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais

Como salientado anteriormente, apenas dois parques nacionais brasileiros recebem acima de 500

mil visitantes/ano. Os Parques Nacionais de Iguaçu e da Tijuca recebem juntos cerca de 2

milhões de visitantes. No caso do Parque Nacional do Iguaçu, o alto fluxo de visitantes, em

                                                                                                               9 A questão da obrigatoriedade de contratação de condutores é encarada por muitos gestores de unidades de conservação como uma forma de salvaguardar o visitante e a própria instituição em relação aos riscos de acidentes e de degradação do patrimônio ambiental e natural. No entanto, a lógica da obrigatoriedade supõe que o visitante, quando acompanhado (e observado) por um condutor, irá se comportar de maneira ‘exemplar’, diminuindo os riscos de acidentes ou de depredação do patrimônio da UC.

comparação com todos os demais parques nacionais, é uma das principais justificativas para a

consolidação de serviços compatíveis com essa demanda. Assim, o porte dos investimentos e das

estruturas deve ser proporcional à demanda e aos impactos relacionados ao turismo no parque.

Neste caso, o escopo da prestação de serviços no parque prioriza empresas que tenham

capacidade de investimento e, ao mesmo tempo, obtenham o retorno do capital despendido.

Contudo, como deve ser desenhada a prestação de serviços em parques nacionais que

apresentam um fluxo médio e/ou pequeno de visitantes? Um parque com uma visitação anual de

30 mil visitantes é um destino “atraente” em termos de investimentos por parte da iniciativa

privada? Quais são as especificidades entre os modelos de prestação de serviços em termos de

desenvolvimento socieconômico local?

A atratividade para o investidor está relacionada ao retorno econômico que ele poderá obter,

dentro do menor prazo possível e com o maior grau de confiabilidade. Esse retorno pode estar

associado ao número de “clientes” interessados em acessar o serviço e à tarifa cobrada para a

sua utilização, ou a ambos. Contudo, em se tratando de áreas legalmente instituídas para a

conservação da natureza, como os parques nacionais, a dinâmica de visitação é orientada

prioritariamente por estratégias de manejo compatíveis com esse objetivo. Assim, quando o

assunto é a concessão de serviços de apoio à visitação, os elementos relacionados ao mercado

turístico (demanda, competitividade, lucro) entram em cena e, caso não sejam devidamente

planejados, podem distorcer a função dos parques nacionais.

Nesse ponto emerge a discussão sobre a ética que orienta o processo de prestação de serviços

nos parque nacionais. Isso se coloca tanto em termos ambientais, que trazem à tona a questão da

supremacia do mercado frente à conservação da natureza, quanto em termos socioeconômicos,

que dizem respeito aos arranjos institucionais que possibilitem a inserção dos atores locais no

processo de prestação de serviços porte. Seguindo esta perspectiva, o engajamento de micro e

pequenas empresas e/ou cooperativas deve ser incentivado no sentido de fortalecer a cadeia

produtiva de base local.

A prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais é defendida como uma forma

de potencializar a economia e a geração de oportunidades de trabalho e renda para as

comunidades locais (CEBALLOS-LASCURÁIN, 2001; EAGLES, McCOOL & HAYNES, 2002;

CHRIST et al. 2003). Por outro lado, diversos autores salientam que o turismo, quando tratado

apenas sob o enfoque econômico e de maneira desconectada do território, entendido como

espaço de reprodução social e cultural, pode acarretar também a pobreza, a exclusão espacial e a

degradação social e ambiental (RODRIGUES, 2000; IRVING, 2002 e 2008; ZAOUAL, 2008).

Neste contexto, “O que se deve enfatizar é o modelo de desenvolvimento e o tipo de turismo que

se deseja desenvolver” (SANSOLO & CRUZ, 2003, p. 5). Esse é o ponto de reflexão inicial para

as iniciativas que visam incentivar a visitação nos parques nacionais como uma forma de

compatibilizar a conservação da natureza com a geração de alternativas sustentáveis para o

desenvolvimento socioeconômico local. Para tanto, é necessário qualificar a geração de emprego

e renda por meio do turismo e não restringi-la apenas a um mero indicador quantitativo. Qual é a

possíbilidade da prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais propiciar a

organização e o fortalecimento das iniciativas de base local?

Os efeitos econômicos positivos da visitação são argumentos utilizados pelas instituições

responsáveis pela criação dos parques nacionais que tentam “compensar” a perda por parte das

populações locais relacionada às atividades tradicionais praticadas no local. Contudo, a geração

de emprego e renda como forma de assegurar a melhoria da qualidade de vida das populações

locais deve ser relativizada, principalmente em situações como a destacada por Kramer (2002) no

caso dos albergues de caça da África do Sul:

O lado positivo é que a condição lucrativa do empreendimento leva à criação de postos de trabalho bem pagos e duradouros, que beneficiam moradores locais. Por outro lado, os residentes da área estão mais frequentemente resignados a ser empregados de reservas privadas do que a abrir seus próprios negócios. Mesmo quando os proprietários são nativos do país, eles frequentemente pertencem a uma minoria comparativamente rica e branca (2002, p.377).

Outro exemplo que reforça a atuação ‘instrumental’ dos locais no desenvolvimento do turismo é o

caso descrito por Terborgh & Peres (2002) no Parque Nacional Canaima, na Venezuela. O

turismo se tornou a principal atividade da população indígena local, os Pemon. Os homens

trabalham na “indústria de turismo” e as mulheres produzem artesanato para os turistas. A caça e

a agricultura deixaram de ser as suas principais atividades. “Os concessionários logo descobriram

que os integrantes da tribo local eram trabalhadores bons e confiáveis e estavam prontos a aceitar

empregos como pilotos de barcos, cozinheiros, guias e mecânicos (...). Efetivamente, eles agem

como concessionários” (TERBORGH & PERES, 2002, p. 342).

O modelo de desenvolvimento do turismo que vem sendo replicado em muitos destinos deixa

transparecer uma relação de dependência das populações locais frente aos empreendimentos

desenvolvidos por investidores provenientes de outras cidades, regiões e mesmo países (DRUMM

& MOORE, 2002). Estes exemplos se limitam aos indicadores de emprego e renda, deixando de

lado aspectos como a dependência de uma única atividade (turismo), o empreendedorismo e a

consolidação da cadeia produtiva do turismo.

Neste contexto, o fortalecimento dos arranjos que consolidem micro e pequenos

empreendimentos liderados por iniciativas locais é um campo fértil para o debate sobre o modelo

de desenvolvimento do turismo que se deseja nos parques nacionais e em suas respectivas áreas

de influência.

Algumas iniciativas relacionadas ao turismo de base comunitária, cooperativismo e auto-gestão,

apontam caminhos alternativos para fortalecer as capacidades locais no que tange à autonomia,

qualificação e formalização dos empreendimentos de base local.

Santos & Rodrígues (2002) defendem que “o êxito das alternativas de produção depende de sua

inserção em redes de colaboração e de apoio mútuo”. Os autores compreendem que, devido ao

caráter contra-hegemônico e ao fato de que muitas experiências de produção alternativa são

desenvolvidas por setores marginalizados da sociedade, elas frequentemente são frágeis e

precárias. Nestes casos, o risco de cooptação, fracasso econômico e desvituamento são muito

elevados. No entanto, revelam que “a solução mais adequada para contrariar esta fragilidade é a

integração das iniciativas em redes compostas por outras iniciativas similares (cooperativas) e por

entidades diversas”. (SANTOS & RODRÍGUEZ, 2002; p. 66).

As redes de turismo comunitário propõem um ‘outro tipo de turismo’, diferente das iniciativas que

privilegiam a massificação dos destinos turísticos, a consolidação de grandes empreendimentos e

a predominância de interesses econômicos frente aos aspectos ambientais e culturais. Esse ‘outro

tipo de turismo’ se aproxima ao que Zaoual denominou de “turismo situado” (2008), que

pressupõe uma estreita conexão com o contexto socioeconômico e ambiental do local visitado.

Estas experiências e conceitos estão em evidente expansão e podem repercutir de maneira

positiva na dinâmica de prestação de serviços de apoio à visitação nos parques nacionais.

Assim, dependendo da forma como o turismo for desenvolvido, a conexão que os moradores e os

próprios visitantes estabelecem com os parques nacionais pode engendrar atitudes benéficas no

sentido de valorização do patrimônio coletivo e de respeito às tradições e especificidades

regionais.

O sentido de patrimônio coletivo na apropriação dos Sítios do Patrimônio Mundial

Natural

Ao abordar a relação entre as esferas pública e privada no âmbito da visitação nos Sítios do

Patrimônio Mundial Natural, considera-se essencial refletir sobre o sentido de patrimônio coletivo

que permeia essa relação, sobretudo do ponto de vista dos benefícios que estas áreas

proporcionam para a sociedade e para a conservação da biodiversidade.

Em recente pesquisa sobre os efeitos do título de Patrimônio Mundial sobre a visitação ao Parque

Nacional Marinho de Fernando de Noronha, Widmer & Melo (2009) entrevistaram 420 turistas e

verificaram que a maioria dos visitantes (86,19%) tinha conhecimento de que Fernando de

Noronha é um Sitio do Patrimônio Mundial. De com a pesquisa, a divulgação do “destino”

Fernando de Noronha nos meios de comunicação (televisão, jornal, revista), atrelado ao título de

“Sitio do Patrimônio Mundial Natural”, favorece o conhecimento, mesmo que superficial, sobre a

existência e a importância dessas áreas. Mas, embora a titulação funcione como um elemento

agregador de valor ao parque, enquanto destino turístico, o fato de ser considerado patrimônio

mundial não interfere na motivação dos visitantes para visitar a área. A motivação principal dos

visitantes para conhecer o parque é “conhecer e ficar em contato com a natureza”. Assim, é

possível supor que, após a visita ao parque, os visitantes passem a relacionar a titulação “Sitio do

Patrimônio Mundial Natural” à qualidade e integridade ambiental de um determinado local. Mas, o

que os visitantes entendem como patrimônio coletivo? O que os Sítios do Patrimônio Mundial

representam na vida dessas pessoas?

A utilização do bem ‘público’, como os parques nacionais, é permeada significados de

responsabilização (accountability), no sentido de reforçar a noção de patrimônio coletivo.

O acesso ao patrimônio coletivo, em suas vertentes ambiental e cultural, sugere a reflexão sobre

os direitos fundamentais, como o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na

Constituição Brasileira de 1988. Como salientado por Milaré (2004), o direito ao ambiente

ecologicamente equilibrado não resulta em privilégio especial na escala privada, mas preconiza a

“fruição em comum e solidária do mesmo ambiente com todos os seus bens” (p. 138). Nesta

mesma linha, Derani (1997) argumenta que a realização individual deste direito fundamental está

intimamente ligada à sua realização social por meio da manutenção do patrimônio coletivo. Neste

sentido, argumenta que a apropriação do patrimônio coletivo é:

“imprescindível ao desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, mas também à realização da sociedade como comunidade, isto é, como âmbito onde se travam relações entre sujeitos, voltadas, em última análise, à consecução de um objetivo de bem-estar comum” (DERANI, 1997, p. 258).

Mas a apropriação de um patrimônio coletivo também pode ser “liderada” por dinâmicas que

privilegiam aspectos privados, no sentido dos ganhos e benefícios individuais e econômicos.

Nesta linha, dependendo da forma como o turismo é desenvolvido nos destinos, a atividade pode

impulsionar essa dinâmica de apropriação econômica e mercadológicas de bens públicos.

Na medida em que a visitação nos parques nacionais é ressignificada pelo turismo, os ‘ serviços’

encontrados nestas áreas se tornam elementos essencias na composição dos ‘negócios’ que

utilizam a natureza como a sua principal fonte de inspiração. Essa dinâmica impulsiona o viés

mercadológico na utilização dos parques nacionais e aporta novos significados na relação entre

as esferas pública e privada.

O caráter público do parque nacional está vinculado ao espaço, ao patrimônio, ao regime de

propriedade e aos bens e serviços que ajuda a proteger. O caráter privado no uso destas áreas é

reforçado por meio da ‘institucionalização’ do acesso, caracterizado pelos aspectos de

formalização e agregação de valor econômico aos serviços de apoio à visitação.

Assim, a mercantilização das relações entre os indivíduos e o espaço público pode gerar

interpretações equivocadas sobre a função destes espaços. No caso dos parques nacionais, na

medida em que a presença dos prestadores de serviços (concessionários) se sobrepõe à da

equipe do parque, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos (imagem institucional, foco no

lucro, pouca identificação com os objetivos do parque), a relação do público com o parque

nacional passa a ser mediada prioritariamente pela ‘rede de consumo’ vinculada ao turismo,

propiciando uma ruptura com o sentido de coletividade e responsabilidade frente ao espaço

público. Nestes casos, as pontes entre o público e o privado são fragilizadas em função da

exagerada artificilização e mercantilização da visita. Esta dinâmica coloca o cidadão em uma

posição de ‘visitante-consumidor’, membro de um grupo que tem o ‘direito’ de acesso (e de

consumo do espaço). Neste sentido, pode-se supor que os cidadãos, na qualidade de ‘visitantes-

consumidores’, não percebem o parque nacional como um patrimônio coletivo, mas como um

espaço que ele pode ‘experimentar’ e ‘vivenciar’ mediante o pagamento de uma taxa. Assim, as

ações do cidadão passam a se concentrar na esfera privada do consumo que, por sua vez, “passa

a ser encarado não apenas como um “direito” ou um “prazer”, mas como um dever do cidadão”

(PORTILHO, 2005, p. 184).

A relação entre o parque nacional e o visitante, quando intermediada por prestadores de serviços,

assume um novo contorno, orientada pela lógica do mercado, que também provoca mudanças no

modelo de administração pública. Essa lógica influencia a forma como o Estado encara o

visitante, como cidadão ou consumidor, categorias que sugerem direitos e responsabilidades

diferenciadas.

Assim, dependendo da conexão que o visitante estabelece com o parque, a apropriação do

espaço público pode se dar de duas maneiras diferentes. A apropriação pode ocorrer em termos

de responsabilização, de patrimônio, de respeito e de eqüidade, mas também em termos

econômicos e comerciais, o que desperta a individualização, a satisfação imediata das

necessidades, o lucro. Essas duas abordagens não são excludentes, mas podem assumir pesos

diferenciados, conforme a ênfase atribuída aos aspectos ambientais e socioeconômicos da

visitação nos parques nacionais. Essa análise sugere uma importante reflexão sobre o ‘sentido’ da

visita aos parques nacionais, e também aos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, e o seu

potencial para instigar questões relacionadas à consciência patrimonial na utilização dos bens de

uso comum, favorecendo o papel dos visitantes como co-proprietários dessas áreas.

Conclusão

O uso público dos parques nacionais suscita o debate sobre diferentes conceitos e práticas que

exercem influência no contexto atual de políticas públicas de turismo e proteção da natureza. A

integração entre estas políticas necessita ser promovida, no sentido da consolidação da noção de

parque nacional como patrimônio coletivo e bem comum. Neste sentido, a promoção dos parques

nacionais, associada à difusão de conhecimento sobre os Sítios do Patrimônio Mundial Natural,

pode favorecer a compreensão, por parte da sociedade, dos objetivos e das funções destas

áreas, sobretudo no que diz respeito aos direitos e às responsabilidades frente ao uso deste

patrimônio.

Este artigo apresentou questões relevantes para se pensar a relação entre as esferas pública e

privada no âmbito do turismo nos Sítios do Patrimônio Mundial Natural. Essas reflexões indicam

que, dependendo da forma como o turismo é planejado e implementado, a atividade pode assumir

um papel diferenciado no aporte de benefícios socioeconômicos para as comunidades locais e na

compreensão sobre as funções ambiental e social destas áreas para a sociedade. Nesse

processo, o patrimônio passar a ser compreendido como parte integrante da vida das pessoas e

não como um espaço intocado, distante e alheio à dinâmica social de um determinado local. Essa

abordagem sugere uma compreensão ampla dos Sítios do Patrimônio Mundial Natural, que vai

além de sua apropriação econômica pelo turismo, e incorpora questões éticas sobre a dinâmica

de uso e valorização dessas áreas pela sociedade.

   

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