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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)
Vai procurar uma rola!: ética, comunicação e consumo na recepção
do discurso de Ricardo Boechat nas redes sociais digitais.1
Fabrizzio Chioccola (ESPM) 2
Andrea Antonacci (FIAM) 3 RESUMO: O objetivo principal deste artigo é apresentar uma análise sobre o recente embate virtual entre o Pastor Silas Malafaia e o jornalista Ricardo Boechat. Para tal, tomamos a Análise do Discurso (AD) como aporte teórico em virtude de sua característica facilitadora no sentido de analisar conteúdos ideológicos. Sendo assim, em um primeiro momento, fazemos uma contextualização do lugar de fala de ambos, assim foi possível relacionar o cariz do discurso de forma individual, bem como suas respectivas análises suas e formações discursivas que são notoriamente mobilizadoras de ideologias. A partir de tal contextualização, analisamos o discurso alguns posts nos quais consideramos também. Os resultados indicam que os discursos que tomam forma na voz do sujeito enunciador produzem efeitos de intolerância e ódio no discurso do enunciatário, e destacam-se a ideia de machismo e intolerância além de uma demarcação de gênero.
Palavras-chave: Análise do Discurso; Linguagem; ética; moral
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho GT 4 - Comunicação, Consumo e Institucionalidades. Coordenação: Prof. Dr. Luiz Peres-Neto, do 5º Encontro de GTs. 2 Prof. Me. Fabrizzio Chioccola – Mestre e Doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo pelo PPGCOM- ESPM. Membro do Grupo de Pesquisa GPECC – Comunicação e consumo: estudos de recepção e ética. 3 Profa. Me. Andrea Antonacci –Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pelo PPGCOM- ESPM. Docente nas disciplinas Cultura, comunicação e Mídia; Estética, Arte e Mídia; Pesquisa de Mercado nos cursos de Comunicação Social da FIAM-FAAM e FMU.
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1. Introdução
Vai procurar uma ‘rola’!. Essa foi a recomendação do jornalista Ricardo
Boechat ao pastor Silas Malafaia, após troca de farpas ocorrida entre ambos. É sobre a
recomendação e sua repercussão nas redes sociais que está centrada a análise de nosso
artigo. A polêmica começou quando o jornalista da Band News, canal de notícias do
conglomerado de TV e Rádio Bandeirantes, afirmou em transmissão televisiva que
alguns pastores neopentecostais provocavam a intolerância contra outras religiões,
bem como atos homofóbicos. Malafaia é pastor e presidente da igreja Assembleia de
Deus Vitória em Cristo. Boechat tinha como base o ocorrido com a garota Kailane
Campos, de 11 anos, que tomou uma pedrada no Rio de Janeiro, em 14 de junho, por
sair de um ritual de candomblé vestida com trajes utilizados em seu culto.
Entretanto, a polêmica transcende este fato. O foco da crítica ao respeito à
diversidade religiosa se desloca, então, para a questão sexual. Um dos pontos recentes
marcantes foi a Parada Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e
Transgêneros), de 7 de junho de 2015, quando uma transexual se vestiu de Jesus
Cristo e surgiu crucificada. A crítica da comunidade LGBT era para os maus tratos e
violência que sofrem os homossexuais, em especial, os travestis e transexuais. Já a
comunidade evangélica se revoltou contra a utilização da imagem de Cristo a favor de
um tema não religioso. A igreja católica se colocou igualmente contrária. Antes disso,
a utilização de casais homossexuais na campanha publicitária da marca de cosméticos
O Boticário para o Dia dos Namorados havia colocado mais lenha numa fogueira há
tempos em chama.
Voltando à frase de Boechat, cabe explicar que a expressão rola é utilizada
para denominar o órgão sexual masculino. Com o que falou, Ricardo Boechat deixou
subentendido que o pastor Malafaia deveria buscar a prática homossexual e se
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entregar aos prazeres do falo. E foi além, atacando os pastores e a estratégia dessas
igrejas de angariarem dízimo, doação que, segundo o jornalista, enriquece os
religiosos.
Malafaia, vai procurar uma rola, vai. Não me encha o saco. Você é um idiota, um paspalhão, um pilantra, tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia e agora vai querer me processar. Você gosta é muito de palanque, eu não vou te dar palanque porque tu é um otário (BOECHAT, BANDNEWS, 2015)4.
A recomendação do jornalista gerou ainda mais celeuma numa questão já
bastante complexa. Afinal, o que o falo tem a ver com o fato? Ao se propor uma
postura de respeito, estaria Boechat desrespeitando e banalizando não somente
Malafaia e sua igreja mas, ainda, seus espectadores e ouvintes, inclusive aqueles que
compartilham da visão do jornalista? O discurso de Boechat é ético? Por ser um
formador de opinião, há limite para o que pode ou não ser dito por um jornalista? São
essas as questões norteadoras do nosso texto. Nosso foco está nos comentários de
receptores das mensagens de Malafaia e de Boechat. A título de recorte, centramos
nossa atenção nas palavras do jornalista e na repercussão
2. De que ética falamos? Antes da análise propriamente dita, objetivamos tecer considerações acerca de
alguns apontamentos sobre a ética, entendida neste artigo como uma reflexão
cientifica, filosófica e eventualmente religiosa que pode, como nos diz Valls (2008),
ser estudada no âmbito das ações e dos costumes, como um tipo de comportamento. O
debate acadêmico sugere um posicionamento enquanto pesquisadores. Para tanto,
devemos esclarecer que, apesar de existirem correntes de pensamento que tratam
moral e ética como sinônimos – Roger Silverstone (2007) e Paul Ricoeur (2011) –
nós, no transcorrer deste artigo, compartilhamos da diferenciação entre moral e ética –
Sponville (2002), Barros Filho (2003) e Chauí (2012).
4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=o1tQeJ50mEY>. Acesso em julho de 2015.
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Basicamente, trataremos a moral como atribuição individual de valores às
ações humanas e, por sua vez, o moralismo como a imposição de um sentido ou valor
moral individual a uma ação impetrada por outrem. Diferentemente da ética, que a
efeitos deste trabalho deve ser considerada como o conjunto de valores
compartilhados por um determinado grupo para uma vida boa e virtuosa, a moral está
sempre relacionada à individualidade. Sponville (2002), para quem a moral só se
legitima na primeira pessoa, traz a seguinte colocação:
Moral é o conjunto do que um indivíduo se impõe ou se proíbe a si mesmo, não para, antes de mais nada, aumentar a sua felicidade ou seu bem-estar próprios, o que não passaria de egoísmo, mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro, não para não ser um canalha, mas para permanecer fiel a certa ideia da humanidade e de si. (SPONVILLE, 2002, p. 20)
Acreditamos que seja pertinente utilizarmos a ideia da ética como um
fenômeno oriundo de modelos de comportamento coletivo, capaz de interferir na
liberdade de ação individual do homem, ou seja, em seu livre arbítrio (PERES-NETO,
2013).
No entanto, é importante salientar, quando a liberdade é tolhida, a própria ética
não tem sentido (Valls, 2008). A liberdade, seguindo esta linha de argumentação,
torna-se um fundamento irrenunciável para a ética. No entanto, nem sempre a ética é
vista como um espaço para a liberdade (Cortina, 2005). Com efeito, alguns dos
principais pensadores dessa questão prescindem total ou parcialmente da mesma em
função da existência de valores morais superiores, justificáveis pelas suas virtudes
intrínsecas.
Para Immanuel Kant (1985), fica claro que a noção de ação justa ou de boa
ação só faz sentido se ela for justa e boa por si só. Ou seja, uma ação não precisa da
explicação de outra pessoa para justificar sua virtude além dela mesma. Ajudar um
cadeirante no metrô é, em termos kantianos, uma ação justa e virtuosa, que não requer
explicações. Porque, quem tem esse tipo de atitude conhece, por meio da razão, as
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virtudes inerentes da iniciativa. Kant (1785) acreditava que a igualdade entre os
homens era fator preponderante para o desenvolvimento de uma ética universal,
fundada no exercício da razão prática. Conhecendo o justo, não haveria espaço para
uma ação ética alternativa.
Mais do que um espaço para o exercício da liberdade, como bem expõe
Marcondes (2010, p. 86), Kant postula que “age moralmente aquele que é capaz de se
autodeterminar”. A indicação mais clara que temos a respeito disto é a formulação das
noções de imperativo categórico, como nos esclarece o texto da Fundamentação da
Metafísica dos Costumes: “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer
também que a minha máxima se torne uma lei universal” (Kant,1974, p. 115).
Para melhor compreensão da abordagem kantiana, traremos à luz o autor
Danilo Marcondes (2007) que fornece uma leitura esclarecedora sobre os conceitos
mais relevantes sobre o imperativo categórico e sua formulação. Marcondes explica
que o princípio de imperativo categórico determina que “a ação moral é aquela que
pode ser universalizada” (p. 87). Trata-se, assim, de um princípio formal, ou seja,
independentemente do que fazemos, nossa ação será ética se puder ser universalizada.
Marcondes exemplifica: “devemos cumprir o que prometemos e manter nossa palavra
porque esperamos que as outras pessoas também o façam” (p. 89).
Nesse sentido, a universalização da ética em questão diz respeito ao contexto
social brasileiro. Aos seus costumes e à sua cultura. A universalização que
enxergamos faz sentido dentro dessa fronteira, que é justamente o elemento cultural
brasileiro. A própria fala de Boechat e todos os elementos que ela comunica é
carregada de costumes e modos de ver que foram, ao longo do tempo, construindo a
maneira de pensar e agir do brasileiro. O povo do riso fácil e da malemolência,
estereótipos comuns quando se pensa em identidade nacional, é também calcado em
uma cultura machista. Porque, mesmo ao defender uma postura de embate à tradição,
que apregoa a aceitação de modelos sexuais distintos do padrão homem-mulher, o
jornalista usa mão do poder falocêntrico. Afinal, culturalmente, o falo – ou rola – é
capaz de aplacar espíritos exaltados e a histeria.
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3. O diálogo social – o que se fala com o fato e com o falo Para Bakhtin (1990), a linguagem é a gênese constitutiva das relações
humanas. É por meio dela que se constituem as relações entre as pessoas. A palavra é
convenção e modo de se interpretar o mundo e, portanto, é elemento carregado de
ideologia. Tal aporte é chancelado por Baccega (1998) ao nos esclarecer que a
“linguagem não é, portanto, a produção individual que se manifesta nos atos de fala,
mas sim o processo de produção do sistema de regras e convenções que preside essa
produção individual, ou seja, a natureza histórico social desse processo”. Assim,
podemos considerar que a linguagem é, consequentemente, parte constitutiva também
das relações sociais.
“Processos como paráfrase, metáfora, sinonímia são presença da historicidade
na língua. Dito de outro modo, esses processos atestam, na língua, sua capacidade de
historicizar-se” (ORLANDI, 2010, p. 67). Assim, a expressão “rola” nos conta sobre
um contexto histórico e uma narrativa que faz parte da cultura de uma sociedade.
Bakhtin (1990) também nos lembra que, “a enunciação, compreendida como
uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua (...) Ela não existe fora de
um contexto social, já que cada locutor tem um contexto social” (p. 66). O autor
lembra que “cada enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável,
mas em cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações
no seio de um determinado grupo de locutores” (p. 77).
Ao refletir sobre esse contexto e os elementos discursivos presentes na
sociedade brasileira, buscamos utilizar a narrativa para detectar o que nos fala a
sociedade atual – ou, pelo menos, um extrato dela. Buscamos ainda no consumo das
narrativas midiáticas, na forma como os receptores negociam com as mensagens
apresentadas por elas. Baccega nos lembra o papel do signo e sua interação social
nesta tarefa.
(...) todo signo, toda palavra resulta desse imenso diálogo social que se estabelece a cada momento na sociedade: entre os indivíduos, entre as classes, entre os segmentos das classes, entre as gerações, entre os
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segmentos das classes, entre as gerações, entre os domínios, entre a infra-estrutura e a superestrutura (BACCEGA, 1998, p. 88).
É justamente esse diálogo, que pode ser embate mas também consoante, que
vamos buscar nas análises. A partir de nossa compreensão da relação entre
comunicação e práticas de consumo como lugar de significação, entendemos que a
narrativa midiática está tomando novos caminhos na cibercultura. Recorremos a
Slater (2002, p. 131), para quem “é através das formas de consumo culturalmente
específicas que produzimos e reproduzimos culturas, relações sociais e, na verdade, a
sociedade”. Assim, estabelecemos um diálogo entre a presença de um discurso que é
midiático nas redes digitais e a construção social ocorrida a partir dos diversos modos
de consumo dessa narrativa.
O contexto cultural cria novas possibilidades de produção e consumo das
narrativas. A participação do receptor de maneira ativa não é inovação. O que muda
no cenário de redes digitais é a agilidade e a capilaridade – “agora tudo ocorre com
uma velocidade maior e tem condições de atingir um número quase incalculável de
pessoas” (BACCEGA, 2012, p. 1298). Além da quantidade de pessoas, há ainda um
caráter tribal (MAFFESOLI, 2007) estabelecido nesse tipo de consumo. São criadas
novas redes de pessoas, que se relacionam tendo como base gostos em comum. Em
defesa de seu caráter social, André Lemos afirma que “a cibercultura não é uma
cibernização da sociedade, mas a tribalização da cibernética” (2010, p. 90).
Cientes dessas colocações, voltemos ao texto do jornalista Ricardo Boechat
para iniciar nossa análise. Utilizaremos como aporte os procedimentos da Análise de
Discurso de Linha Francesa (ADF).
Malafaia, vai procurar uma rola, vai. Não me encha o saco. Você é um idiota, um paspalhão, um pilantra, tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia e agora vai querer me processar. Você gosta é muito de
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palanque, eu não vou te dar palanque porque tu é um otário (...) (BOECHAT, BANDNEWS, 2015)5.
Logo de início, na recomendação do jornalista, temos no interdiscurso
elementos relevadores da narrativa. “O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam
o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada” (ORLANDI, 2010,
p. 31). Assim, quando recomenda a Malafaia que este procure uma rola, há ali
elementos reveladores, que estão implícitos na narrativa. Se perguntarmos, o que o
falo tem a ver com o fato?, ou seja, com a discussão entre o jornalista e o pastor,
desvelamos a existência de um discurso machista por parte de Boechat. Ao dizer que
Malafaia deveria ‘procurar uma rola’, o jornalista desviou a atenção para um segundo
tema.
Historicamente, o falo é tido como um ‘remédio’ para acalmar a histeria, em
especial, o nervosismo feminino. Diz-se, no discurso machista, que a pessoa está
‘com falta de”. É como se o sexo em si, ou melhor, o fato de usar o falo sexualmente,
fizesse com que o indivíduo se acalmasse. É bastante comum, coloquialmente, dizer
que uma mulher “precisa de um pau” para ser mais feliz. Esse é um comentário
também identificado como machista. Afinal, não se diz que uma pessoa precise do
órgão sexual feminino para se tranquilizar. O falo, na narrativa machista da sociedade
brasileira, é um remédio para aplacar um mal. Por exemplo, da mesma maneira que se
pode ter deficiência de uma vitamina, a falta de sexo – e especialmente do falo – gera
transtornos que podem ser resolvidos com uma boa dose de ... sexo.
Ainda na falta de Boechat, o jornalista recomenda a prática da
homossexualidade. Porque o interlocutor do discurso é um homem. Novamente, em
estilo jocoso, bastante comum na sociedade brasileira, se desvia do assunto central
para trazer a tona outro discurso. Malafaia é pastor e sua igreja condena a prática
homossexual. Se o cerne da discussão é o respeito a outra religião, não estaria
Boechat desviando a atenção para trazer justamente uma polêmica ao centro da
5 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=o1tQeJ50mEY>. Acesso em julho de 2015.
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narrativa? Se tomarmos como referência que a ética são valores estabelecidos para o
bem comum, Boechat feriu esse elemento ao trazer um tema que não estava
diretamente ligado ao fato?
Nossa análise vai identificar a questão ética pelo post de usuários das redes
sociais. Da mesma forma, iremos verificar se há consonâncias ou dissonâncias com o
discurso de Boechat. Em um post que comentava a matéria Boechat dispara contra
Malafaia: ‘vai procurar uma rola!”, do site de notícias 2476, temos o seguinte
comentário: Kiko Nogueira do DCM acertou na mosca! Resta esperar que o pastor
atenda a sua recomendação (de Boechat) e encontre o que lhe falta há décadas: uma
rola de proporções bíblicas. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Aqui, vemos o reforço do discurso machista. Afinal, um falo grande é remédio
para qualquer problema. Já num dos posts que comentava o vídeo de Boechat
publicado no Youtube, encontramos o seguinte comentário de Renata Lopes: “Muito
bom, Boechat!!!! Seu equivoco é só mandá-lo PROCURAR uma ROLA. Pq isso esse
ridículo preconceituoso do armário já faz. Malafaia é daqueles que não só procura: ele
acha, abocanha, senta e dança o Ilariê em cima da mesma!!” A leitora parece
identificar o discurso machista do jornalista. Ao mesmo tempo, rafitica a narrativa
deste e faz menção ao gosto de Malafaia pelo falo.
Em outro comentário, encontramos: “boechat deveria dar o papo sem essa
palavrinha q gente baixa costuma falar.... me estranha um jornalista defecar pela boca
uma palavra tão chula.... vocabulário feio ne kkkk PARABÉNS AI”. Neste post, ao
mesmo tempo que o espectador identifica e parece se incomodar com o uso de uma
expressão vulgar, também parabeniza o jornalista pelo comentário. Outros são mais
explícitos em relação à ética jornalística: “Esse jornalista no mínimo foi
irresponsável. Independente de gostar ou não do Malafaia, não se deve usar esse tom.
Deixo aqui o meu repúdio, por essa fala desrespeitosa”; “O Boechat deveria,
minimamente, ter dito este palavrão em um meio de comunicação ou horário mais
6 Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/185667/Boechat-‐dispara-‐contra-‐Malafaia-‐'vai-‐procurar-‐uma-‐rola'.htm>. Acesso em julho de 2015.
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apropriado. Não em um horário em que milhares de pais estão dentro do carro
levando seus filhos pequenos para a escola. Dessa vez ele deveria, mais do que nunca,
ter dito antes "tirem as crianças do carro". Escutamos rádio para nos informar, não
para ouvir discussões privadas de seus âncoras” e “Boechat baixo nivel...jornalista de
respeito nao fala isso na rádio”7.
A fala também enveredou para caminhos políticos, como se percebe neste
comentário: “Não gosto de nenhum dos dois. Boechart deixei de ouvi-lo porque os
comentários sobre política que faz são pessimos, se vê que ele desconhece ou finge. A
verdade que só ouvimos nas redes sociais pois a imprensa de TV aberta esconde e
como ele é âncora do Jornal da Band..... ..! Quando ele acusa as igrejas
neopentecostais de fomentar o ódio religioso, BOECHART FOI CRIMINOSO,
Incitou o ódio sim e é bem o papel de comunistas pq é isso que ele é: um PETISTA,
DILMISTA E COMUNISTA DO KCT. Devia se assumir logo, ASSUME
BOECHART, VOCÊ COMUNISTA!!”
4. Considerações finais As análises realizadas neste trabalho não esgotam as possibilidades de novas
abordagens, visto que, como coloca Orlandi (2009, p. 39), “não há começo absoluto
nem ponto final para o discurso”. Ao iniciarmos este trabalho, interessava-nos
identificar e analisar aspectos ideológicos presentes na linguagem e no discurso de
uma determinada linguagem.
Retomarmos um ponto que consideramos relevante ao enlaçar nossas
considerações, nos referimos à contribuição de Bakhtin (1990, p. 47-48) ao considerar a
palavra como “arena onde se confrontam valores sociais contraditórios; os conflitos da
língua refletem os conflitos de classe no interior do mesmo sistema”. As redes sociais
servem de palco para esse conflito de valores sociais, como pudemos verificar pelos posts
selecionados para análise. Mas, a ética na sociedade contemporânea é mais de embate de
7 Os comentários citados estão disponíveis em: < https://www.youtube.com/watch?v=sqN1n_6_GpA>. Acesso em julho de 2015.
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valores do que um consenso. Lipovestsky (2006, p. 359) bem analisa essa questão, ao
colocar que não há “desaparecimento catastrófico de valores, mas o desenvolvimento de
morais em conflito (...)”.
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