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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL- NOVO CPC- TURMA 1 VELENICE DIAS DE ALMEIDA E LIMA A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO Cuiabá MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL- NOVO

CPC- TURMA 1

VELENICE DIAS DE ALMEIDA E LIMA

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL PARA A

DESJUDICIALIZAÇÃO

Cuiabá – MT

2018

VELENICE DIAS DE ALMEIDA E LIMA

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL PARA A

DESJUDICIALIZAÇÃO

Trabalho de Conclusão, apresentado à

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

como requisito final, para obtenção de grau de

Especialista em Direito processual civil –

NCPC, orientado por Luciana Munduzzi

Figueiredo.

Cuiabá – MT

2018

VELENICE DIAS DE ALMEIDA E LIMA

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL PARA A

DESJUDICIALIZAÇÃO

Trabalho de Conclusão, apresentado à

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

como requisito final, para obtenção de grau de

Especialista em Direito Processual Civil –

NCPC orientado por:

BANCA EXAMINADORA

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Aprovado em: __/__/____

Dedico este trabalho a toda minha família,

meus colegas e todos que me apoiaram

durante esta caminhada.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade, pelo saber adquirido. Uma riqueza

inestimável. Aos meus familiares pela alegria de compartilhar mais essa vitória na

minha vida.

RESUMO

O presente estudo buscou estudar a importância dos serviços notariais e registrais para a desjudicialização. A sociedade em geral tem efetuado uma verdadeira corrida ao judiciário para ver reconhecido seus direitos nos mais diversos temas. O Judiciário encontra-se a beira de um colapso tendo em vista essa grande procura. Se por um lado, isso demonstra que o cidadão está vivendo plenamente a luz de uma sociedade democrática, por outro lado demonstra a fragilidade das relações, pois a maioria das petições visa o reconhecimento de um direito já reconhecido ou uma forma de obrigar uma das partes a cumprir o que foi estipulado contratualmente. A legislação do país certificou à atividade notarial e registral a função de garantir a publicidade, veracidade, segurança e efetividade dos diversos atos jurídicos que constituem, altera e encerram direitos. Sob esse ponto de vista, entende-se que os notários e registradores desempenham um papel imprescindível para a plenitude da cidadania e para a desjudicialização, posto que o cidadão, no percurso da sua vida, demanda por inúmeras vezes os serviços extrajudiciais, com o objetivo de registrar momentos significativos, tais como nascimentos, casamentos e óbitos.

Palavras-chave: Cartório. Atividade notarial. Desjudicialização.

ABSTRACT

The present study sought to study the importance of notary and registry services for disjudicialization. Society in general has run a real race to the judiciary to see its rights recognized in the most diverse subjects. The Judiciary is on the verge of collapse in view of this great demand. If, on the one hand, this shows that the citizen is living fully in the light of a democratic society, on the other hand he demonstrates the fragility of relations, since most of the petitions aim at recognizing an already recognized right or a way of compelling one of the parties to comply with what was contractually stipulated. The law of the country certified to the notarial and registry activity the function of guaranteeing the publicity, veracity, security and effectiveness of the various legal acts that constitute, alter and contain rights. From this point of view, it is understood that notaries and registrars play an essential role for the fullness of citizenship and for unfairness, since citizens in the course of their lives often demand out-of-court services with the objective significant moments, such as births, marriages and deaths.

Keywords: Registry. Notary activity. Disjudicialization.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................. 09

CAPÍTULO I

O DIREITO À TUTELA JUDICIAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA......

11

1.1 Acesso à justiça....................................................................................... 13

1.2 Acesso à justiça e o tempo de tramitação dos processos judiciais......... 14

1.3 Do surgimento da Advocacia.................................................................. 16

1.4 A constante busca da efetividade da tutela jurisdicional ....................... 18

1.5 Direito à tutela adequada, efetiva e tempestiva...................................... 19

1.6 O atual Código de Processo Civil ........................................................... 20

CAPÍTULO II

DO CARTÓRIO: HERANÇA POSITIVA DE PORTUGAL...........................

23

2.1 Sistemas de serviços registrais............................................................... 27

CAPÍTULO III

A ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL NO BRASIL..............................

30

3.1 Breve relato............................................................................................. 30

3.2 A natureza e os fins dos serviços notariais e registrais.......................... 32

3.3 Serviço Notarial e Registral..................................................................... 33

3.4 Atividade Pública Exercida por Pessoa Natural em Caráter Privado...... 35

3.5 A Fiscalização pelo Poder Judiciário....................................................... 36

3.6 Eficácia dos Atos.................................................................................... 37

3.7 Das condições dos serviços notariais e registrais para o público

usuário....................................................................................................

38

3.8 Desjudicialização..................................................................................... 41

3.9 A importância da atividade extrajudicial para a desjudicialização.......... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 54

REFERÊNCIAS............................................................................................ 57

INTRODUÇÃO

O acesso ao direito como ordem jurídica justa é o que se dessume do

postulado constitucional de justiça distributiva e comutativa, segundo a linguagem

tomista, ínsito no devido processo legal formal e material. O processo servindo como

bastião da democracia na defesa e na concreção de direitos subjetivos reforça ainda

mais a ideia de aproximação entre o Direito Processual e o Material.

O constitucionalismo surgido no medievo cria as ferramentas necessárias

para a epistemologia de um processo democrático fértil, otimizado e participativo,

adaptável às mudanças efêmeras dos comportamentos sociais, que acompanham

as diretrizes morais de um mundo globalizado onde as fronteiras passam a ser

limites tênues entre os povos que precisam se relacionar de forma dinâmica e

dialética, sendo o direito e a ética um norte seguro para construção de um discurso

racional de consenso e conteudística em busca da paz, do equilíbrio social e da

igualdade típica de uma república deliberativa que o ideário kantiano considerou

como núcleo da dogmática transcendental da paz perpétua, que tem como essência

a formação de um estado cosmopolita e democrático que tutela a autonomia da

pessoa tratando a dignidade humana como um firmem si mesmo, cujo respeito à

essência do ser determina uma postura passiva de autopreservação.

A atividade notarial e registral presta relevantes serviços jurídicos à

sociedade, preenchendo um vazio estatal, já que se trata de um ramo eclético do

direito, que abrange desde o direito patrimonial aos direitos da personalidade e

direitos fundamentais, valendo ressaltar a ausência de profissionais versados no

tema e por isto mesmo essa lacuna acaba sendo preenchida pelos delegatários

investidos pelo próprio Estado na função.

Neste ponto, é possível afirmar que na terceira onda existe a

preocupação com a orientação jurídica dos hipossuficientes e que a função registral

lato sensu é uma atividade preventiva de conflitos construindo situações jurídicas

saudáveis, mas trabalha também com procedimentalismo de consenso, realizando

mediações informais, conciliações e negociações nas questões patrimoniais.

10

Trata-se da múltipla função da fé pública que é um poder delegado pelo

Estado e que permite o controle da legalidade em relação às questões inerentes aos

registros públicos. A função notarial da qual faz parte a carreira diplomática, tendo

em vista que o consulado pratica atos cartorários, tem mais mobilidade em relação

ao discurso e a comunicação com a parte o que justifica a sua intensa atuação na

Justiça alternativa, inclusive, como condutor de processo notarial em sede de

jurisdição voluntária extrajudicial, a exemplo do divórcio e inventário extrajudiciais.

Assim o objetivo do presente estudo foi de abordar a relevância dos

serviços notariais e registrais para o desafogo do Poder Judiciário.

Tratou-se o presente estudo de um levantamento bibliográfico de caráter

descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa.

CAPÍTULO I

O DIREITO À TUTELA JUDICIAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

O constituinte brasileiro de 1988 procurou garantir o direito à tutela judicial

posto que o tenha feito utilizando-se de fórmula pouco clara em relação ao alcance,

à abrangência e ao próprio conteúdo da norma. De fato, o art. 5º, xxxv, da

Constituição Federal afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito. Uma exegese apressada tomaria o legislador como

destinatário único desta norma constitucional que aparentemente contém apenas um

comando negativo: um não fazer ou uma proibição de legislar.

Contudo, se por um lado a intenção do constituinte foi vedar as iniciativas

Legislativas que limitassem o recurso à jurisdição, parece restar evidenciado que se

pretendeu também afirmar o reverso: que a tutela jurisdicional será prestada a quem

quer que recorra ao Poder Judiciário. Realmente, ao referir que a lei não poderá

excluir do âmbito de cognição dos juízes quaisquer lesões ou mesmo ameaças a

“direito”, restou implicitamente pressuposto que todas essas lesões ou ameaças já

se consideravam a priori inseridas no quadro de matérias submissíveis a esse

Poder.

Parece-nos que os autores da Lei Magna entenderam ser suficiente a expressiva menção de que nem mesmo o Poder Legislativo, órgão de soberania a quem compete a elaboração das leis e Poder dotado da legitimidade que lhe garante a periódica chancela democrática, terá poderes para aprovar lei limitando esta cláusula. O constituinte certamente teve também intenção de manter-se fiel à tradição constitucional brasileira, e reproduzindo quase literalmente, embora agora com maior amplitude, o dispositivo inserto no art. 141 da Carta de 1946. Neste caso, contudo, o apego à tradição não foi benéfico. A redação do texto é pouco clara e inadequada, ensejando interpretações equivocadas e redutoras. 1

Na doutrina critica-se o modelo indireto de negação de competência, pois

quanto mais direta a norma constitucional maior eficácia terá. Fruto disto é que a

cláusula vem sendo genericamente denominada “garantia de acesso a justiça”,

1ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília:

Brasília Jurídica, 2006, p. 76.

12

expressão bastante estrita que contempla apenas parcialmente as dimensões várias

que deveriam estar mais claramente associadas ao dispositivo.

Pode-se afirmar-se que uma resposta negativa tolhe inteiramente o

relevante papel exercido pela função judicial no moderno Estado democrático. Seria

transformar o Judiciário em poder decorativo, a que todos poderiam recorrer, sem

qualquer compromisso de desempenho que garantisse o eficaz resguardo dos

direitos do cidadão. Em verdade, como visto, esta garantia deriva diretamente do

princípio do Estado de direito, proclamado como princípio fundamental do Estado

brasileiro (art. 1º, caput da CF/1988).

É interessante ressaltar que, no entendimento de alguns

constitucionalistas brasileiros mais atentos, como Gilmar Mendes, o inciso XXXV do

art. 5º consagra um verdadeiro “direito de proteção judiciária” nomenclatura bem

mais ampla e adequada do que a consagrada “garantia de acesso à justiça”. 2

Para a doutrina brasileira a existência de um princípio da proteção

judiciária é reconhecida como emanação direta do princípio da legalidade. Esta

proteção é fundamental à preservação dos direitos subjetivos e englobaria uma série

de outras garantias processuais, a exemplo dos direitos de ação e de defesa e o

direito ao devido processo legal.

A estrutura da norma brasileira referente a este direito guarda importante

similitude com o dispositivo germânico, uma vez que a Lei Fundamental alemã, em

seu artigo 19.4, traz uma formulação pouco extensa e relativamente não

sistematizada que poderia limitar o alcance deste direito fundamental. É importante

acrescentar, portanto, que o Tribunal Constitucional da Alemanha, em reiteradas

decisões, tem sedimentado o entendimento de que existe um “direito imediato à

proteção jurídica efetiva” implícito na cláusula que assegura o acesso à via judicial, a

par de outras normas que fundamentariam este direito.

No que concerne ao direito à efetividade da tutela, a Lei Constitucional

deu especial ênfase a dimensão temporal.

2MENDES, Gilmar, Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 2 ed. São

Paulo: Celso Rastos Editor, 1999, p. 202.

13

1.1 Acesso à justiça

Uma das mais relevantes questões que se coloca em matéria de tutela

judicial e que se liga inequivocamente à dimensão de “acesso à justiça” é

precisamente “grau de amplitude” da proteção que os tribunais vão conferir.

Podemos considerar este assunto sob dois distintos prismas: a abertura que algo

inapropriadamente que pode ser denominado subjetivo, relacionado às pessoas que

podem requerer esta proteção e que o fundo reconduz-se ao problema da

titularidade do direito à tutela judicial. A abertura material, ou seja, quais matérias

podem ser apreciadas pelos órgãos jurisdicionais e em que circunstâncias esta

apreciação pode ser requerida. 3

O conceito de acesso à justiça, ao longo da história, vem evoluindo e sofrendo uma série de transformações. No começo, a participação do Estado não ultrapassava a declaração formal dos direitos humanos, prevalecendo o sistema de justiça denominado laissez-faire. O Estado ficava inerte, não se preocupando com o fato da inaptidão de alguns para acessarem formalmente à justiça. Presumia-se a igualdade de todos e a ordem constitucional ficava restrita à criação de mecanismos de acesso à justiça, sem qualquer preocupação quanto eficiência prática ou efetiva. O acesso à justiça, nessa fase, era apenas formal, não efetivo. A contar do Século XX, a idéia do coletivo ou social desperta, passando a existir um interesse maior sobre a questão do acesso à justiça. Novos direitos sociais foram reconhecidos e a política constitucional deixou de atuar como simples declaração de direitos, voltando-se para a efetivação dos direitos fundamentais. O Estado Social de Direito lançou-se na criação de novos mecanismos operacionais dos direitos fundamentais. 4

A discussão exaustiva dos casos eximidos ou eximíveis de apreciação

judicial, e mesmo a validade da restrição contratual a este direito, ultrapassaria a

delimitação deste estudo. Cumpre ressaltar apenas dois pontos que reputamos

essenciais. Em primeiro lugar, a regra deve ser uma abertura da via judicial, de

forma a englobar o que o constituinte brasileiro denominou “lesão ou ameaça a

direito” (ou “defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” na

expressão portuguesa).

3ARRUDA, Samuel Miranda. Op. Cit., p. 77. 4MENDONÇA, Fabiana Salvador Gaspar. Do poder judiciário: racionalidade, celeridade e

efetividade no âmbito estadual. Disponível em: http://tjsc25.tjsc.jus.br/academia/arquivos/racionalidade_celeridade_efetividade_fabiana_mendonca.pdf. Acesso em: 04 jun. 2018.

14

De outra banda, há matérias que, por sua natureza e pela maneira como

estão conformados os tribunais, necessariamente por estes deverão ser analisadas.

São casos em que o tratamento judicial é imperativo. A estes dois pontos ligam-se

os conceitos de reserva de tribunal e reserva de juiz. Este último enuncia uma série

de temas que só podem ser apreciados pelos tribunais e tem como exemplo clássico

a aplicação de penas criminais. No primeiro caso, o que se garante é a possibilidade

de recurso posterior ao judiciário, sendo válida uma intervenção prévia de outros

poderes.

Como justiça tardia, é rematada injustiça, é inacesso à justiça, parece-nos inquestionável, que toda Justiça, deve ser justiça rápida. Mas não poder haver justiça rápida para uns e justiça lenta, para outros. Justiça rápida para uns e justiça lenta para outros, é expressão de cruel injustiça. É discriminação vedada pela Constituição, na medida em que todos são iguais perante a lei. Condena-se, não a justiça rápida, mas censura-se a justiça lenta, porque essa forma de justiça injusta viola o direito constitucional de acesso à justiça concreta. O direito de acesso à justiça é violado, quando se interpreta a norma constitucional, estabelecendo duas formas de ministrar a justiça, uma rápida e a outra, lenta. Não se pode interpretar a norma constitucional semeando desigualdades. Não se pode fomentar a desigualdade. 5

Como bem sintetiza Gomes Canotilho, a reserva de juiz implica uma

reserva total da função jurisdicional, já a reserva de tribunal é parcial, não havendo

uma intervenção inicial do juiz. As duas ideias diferenciam-se, ainda, através das

noções de “monopólio da primeira palavra” e “monopólio da última palavra”. 6

Quer-se com isso dizer que a reserva de juiz impõe um tratamento judicial

constante do tema, não sendo aceitável uma mera intervenção a posteriori.

1.2 Acesso à justiça e o tempo de tramitação dos processos judiciais

Importa estabelecer algumas relações entre o acesso à justiça e o tempo

processual. A mais óbvia e importante é segundo Arruda, o fortalecimento dos

procedimentos céleres como forma de desenvolvimento do acesso à justiça. Isto

5PAULA, Arquilau de. O acesso à justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002.

Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3401. Acesso em: 04 jun. 2018. 6CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed.

Coimbra: Almedina, 1999, p. 55.

15

porque a existência de processos simplificados contribui para um recurso mais

frequente ao Judiciário, ante a expectativa de uma rápida resolução da questão

discutida. 7

Aqui tem vigência a denominada lei de Zeisel, segundo a qual “a

demanda de justiça processual se contrai se a duração do procedimento é elevada,

e aumenta se tal duração diminui”. 8

Anote-se, ainda a este respeito, outra curiosa relação que desta é

corolário: o reforço da estrutura dos órgãos judiciais com aumento do número de

juízes e funcionários, por exemplo, de início leva à redução do prazo de tramitação

processual embora, logo após, tende a repetir-se um aumento no tempo médio de

duração dos processos, em face da sobreprocura decorrente da melhoria do

sistema. Não deixa de ser esta uma aplicação particularizada de uma ideia mais

geral: a prestação inadequada de um serviço afasta os usuários, que se vêem

estimulados a procurar as alternativas disponíveis (autotutela, autocomposição,

etc.), embora nem sempre lícitas ou recomendáveis.

Sintetizando, com Cappelletti e Garth, “uma justiça que não cumpre suas

funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça

inacessível”. 9

Frise-se, aliás, que a demora na prestação jurisdicional eleva de forma

significativa o custo do processo, o que privilegia as partes mais favorecidas e os

litigantes habituais, os quais por vezes a utilizam como estratégia processual e se

beneficiam dos ganhos de escala associados à freqüente presença em juízo.

O tempo do processo pode depender muito mais da efetivação uma

comunicação processual que não se realizou por mudança de endereço, da

realização de uma audiência a que não compareceu testemunha imprescindível.

Nestes casos os prazos processualmente cominados restam imaculados inexistem,

embora o tempo de tramitação possa já não ser razoável. Exemplo oposto dá-se

quando o prazo para contestação não é obedecido.

7ARRUDA, Samuel Miranda. Op. Cit., p. 70. 8Ibidem, p. 70. 9CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

2002, p. 20.

16

Aqui o descumprimento do prazo pode ter como consequência o

encurtamento do tempo global de tramitação, em face do reconhecimento tácito dos

fatos alegados na peça inicial. Veja-se, portanto, que o descumprimento dos prazos

cominados vai dar ensejo a consequências eminentemente processuais, também

previstas na legislação infraconstitucional.

1.3 Do surgimento da Advocacia

Alguns doutrinadores citam a cidade de Atenas como lugar de origem da

advocacia, pois, à época as partes consolidavam os seus compromissos na

presença de Areópago - um conselho de membros da aristocracia ateniense – e

mediante juramento, faziam suas defesas de maneira sucinta, já que Sólon – poeta

e legislador ateniense - determinava que todo cidadão deveria realizar a sua defesa

pessoalmente. Em se tratando de causas públicas, um orador, escolhido pelo povo,

fundamentava a acusação imputada ao terceiro. Em fase seguinte, as partes

passaram a ser representadas por pessoas estranhas a relação. Até então, não

existia na cidade de Roma uma atividade profissional destinada à defesa dos

interesses das partes, caso houvesse algum tipo de litígio. 10

Com o passar do tempo, o comparecimento da parte em juízo que

anteriormente era obrigatório, cedeu espaço para a representação processual, com

a possibilidade de ingresso de ações em nome de terceiros, ressaltando que não se

deixou de operar em próprio nome.

Em que pese o surgimento da advocacia como atividade profissional

organizada, estudiosos citam o século XII, com a Ordenança Francesa do Rei de

São Luiz, como o inicio da regulamentação do exercício da advocacia, momento em

que teria estabelecido requisitos para o seu exercício.

No século XIV, passou a ser chamada de Ordem dos Advogados – ‘Ordre des Advocats’. Com o advento do seu próprio Código, as normas acerca da advocacia passaram vedar a postulação de demanda em juízo por pessoas

10PORTO, Éderson Garin. A função social do advogado. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1879,

23 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11634>. Acesso em: 04 jun. 2018.

17

que não fossem advogadas, sendo consideradas habilitadas aquelas que fossem regularmente inscritas na associação. 11

Um advogado que tivesse militado na década de 1970 não conseguiria

reconhecer o mundo que se apresenta hoje aos operadores do Direito. “O sistema-

base do serviço jurídico no Brasil está sendo gradativamente demolido: lentidão,

linguagem hermética, vaidade excessiva e atraso tecnológico estão literalmente

sendo banidos das práticas jurídicas correntes”. 12

O cliente mudou sua forma de agir e de pensar. “A tecnologia acelerou a

disponibilidade imediata de um volume incalculável de informação. E milhares de

novos advogados são despejados anualmente no já abarrotado

mercado jurídico brasileiro”. 13

Em suma, no âmbito da história global, o exercício da advocacia iniciou-

se com a defesa dos interesses particulares perante a sociedade, tendo em vista a

inexistência de um Estado organizado, e em seguida consolidando na representação

de todos em juízo, uma vez o monopólio da justiça existente.

Em razão da sua essencialidade o advogado atua também na seara

extrajudicial. É prática comum as partes estarem assessoradas pelos advogados,

especialistas nas respectivas matérias, quando buscam os cartórios para praticarem

atos da vida civil.

Ademais, o atual Código de Processo Civil exige a participação de

advogado para a prática de atos nos cartórios extrajudiciais, culminando tal ausência

de nulidade. São exemplos o inventário e a partilha extrajudiciais e a usucapião

extrajudicial. Desta forma, é de bom alvitre que o advogado apresente ao seu

cliente também a via administrativo, ou seja, a extrajudicial. Assim agindo estará

contribuindo fortemente com busca pela desjudicialização.

11PORTO, Éderson Garin. Op. Cit., p. 3. 12SELEM, Lara; BERTOZZI, Rodrigo. Nova reinvenção da advocacia – A bíblia da gestão legal no

Brasil. Curitiba: Juruá, 2014, p. 24. 13Ibidem, p. 24.

18

1.4 A constante busca da efetividade da tutela jurisdicional

A busca pela efetividade da tutela jurisdicional faz com que os

processualistas procurem abandonar cada vez mais a preocupação exclusiva com

conceitos e fórmulas. Só assim o jurisdicionado poderá obter do Poder Judiciário o

grau de efetividade que da tutela se espera. Outrora pregava-se a independência do

direito material e o direito processual. Atualmente os processualistas querem

percorrer o caminho inverso, ou seja, querem, cada vez mais, aproximar o direito

processual do direito material. O processo não pode e não deve ser visto como um

fim em si mesmo, mas proporcionar concretamente a proteção da tutela jurisdicional.

Não cabe mais no processo civil brasileiro o formalismo exarcebado. 14

O eminente professor Humberto Theodoro Junior trata com maestria a

respeito do tema:

No momento histórico em que se busca por constantes reformas do procedimento, todas preocupadas com o processo justo, a efetiva tutela do direito material, reclama do interprete e aplicador do direito processual civil renovado um cuidado mais acentuado com o caráter realmente instrumental do processo, para evitar os inconvenientes do recrudescimento da tecnocracia forense, a qual, uma vez exarcebada, frustraria por completo as metas reformistas do direito positivo. Muito séria é a advertência, entre outros, de Flávio Luiz Yarshell, para quem é hora de revigorar a ideia de fungibilidade, quer em matéria recursal, quer em relação aos diferentes remédios ou meios de impugnação. A hora é de ter clara a ideia de que o processo não é, e não pode ser, um caminho repleto de armadilhas e de surpresas. A hora é de ponderação e de prestigiar a boa-fé e a segurança da relação, que, via processo, se estabelece entre o cidadão e o Estado. Exemplo que merece ser acatado encontra-se na jurisprudência do STJ, que tem repugnado a rejeição de apreciação do mérito, sempre que baseada em exarcebação do formalismo processual. Na ótica daquela Corte, a razoabilidade exige que o Direito Processual não seja fonte de surpresas, sobretudo quando há amplo dissenso doutrinário sobre os efeitos da lei nova. O processo deve viabilizar, tanto quanto possível, a resolução de mérito, e não se perder em questiúnculas que o desviem de sua missão institucional, frustrando as esperanças daqueles que clamam pelo acesso à justiça assegurado pela Constituição. 15.

14DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Manual de Direito Constitucional - Especial para

Concursos. Curitiba: Juruá, 2018, p. 112. 15THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 57 ed. Revista, atualizada e

ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 24.

19

Quer isso dizer, em outras palavras, que a época dos incontáveis

recursos processuais, das incontáveis “manobras procedimentais” de advogados

detentores de vasta experiência e, por isso mesmo, conhecedores das fragilidades

da justiça brasileira, medidas meramente protelatórias, não encontra mais solo fértil

no ordenamento jurídico brasileiro. A era é da eticidade, boa-fé e primazia da

resolução de mérito.

È tempo de busca de aplicação do princípio da duração razoável do

processo com a participação comum e conjunta de todos os atores embasados dos

mesmos bons objetivos com a composição dos conflitos e a garantia da paz social.

O atual Código inovou e constitucionalizou o processo, introduzindo em

seus primeiros artigos normas denominadas de Normas Fundamentais do Processo

Civil.

1.5 Direito à tutela adequada, efetiva e tempestiva

Ao tratar das normas fundamentais do processo civil, professor Marinoni

nos ensina que:

Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5.º, XXXV, da CRFB), nossa Constituição afirma a existência do direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Ao reproduzir semelhante dispositivo, o art. 3.º, caput, funciona como uma cláusula de destaque desse compromisso do novo Código. Obviamente, a proibição da autotutela só pode acarretar o dever do Estado Constitucional de prestar tutela jurisdicional idônea aos direitos. Pensar de forma diversa significa não só esvaziar o direito à tutela jurisdicional (plano do direito processual), mas também o próprio direito material, isto é, o direito à tutela do direito (plano do direito material). É por essa razão que o direito à tutela jurisdicional só pode ser concebido como direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva (arts. 5.º, XXXV e LXXVIII, da CRFB, e 3.º e 4.º do CPC). 16

16MARINONI, Guilherme. O Novo Processo Civil atualizado com a Lei 13.256/2016. 2 ed. revista,

atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 166.

20

À atividade notarial e registral, órgão auxiliar da justiça, têm se

direcionado um grande número de procedimentos de jurisdição voluntária e de

situações onde não haja conflitos a exemplo da usucapião extrajudicial, ações de

divisão e demarcação de terras particulares, inventário e partilha e o protesto de

sentença judicial, dentre outros.

Induvidoso o caráter essencial da atividade notarial e registral para que o

Poder Judiciário se desafogue e possa assim prestar uma tutela adequada, efetiva e

tempestiva aos que dele se socorrem.

O Código de Processo Civil de 2015 cuidou de regular os

desdobramentos do processo nos registros públicos e a influência dos atos registrais

e notariais sobre o processo.

1.6 O atual Código de Processo Civil

O atual Código de Processo Civil entrou em vigor em março de 2016 e

trouxe profundas mudanças no ordenamento jurídico brasileiro. A boa qualidade

técnica do Código de Processo Civil de 1973 era inquestionável, sendo a discussão

acerca da necessidade de criação de um novo muito debatida entre os

doutrinadores e operadores do direito brasileiro. O fator determinante para a

aprovação da ideia de criação de um novo código foi o grande número de emendas.

Esse fato era causador de um sentimento negativo de grandes perquirições acerca

da segurança jurídica decorrente de tantas emendas ao C.P.C.

De acordo com o professor Humberto Theodor Junior o sentimento

inspirador da elaboração do atual Código de Processo Civil fora:

A Comissão de Juristas, nomeada pela Presidência do Senado, orientou-se na elaboração do anteprojeto, pelos princípios universalmente preconizados para as leis processuais, que aspirem a dotar o Estado Democrático de Direito de um processo justo, e que se apresentam, na ordem constitucional como a garantia a todos de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva. Como tal, entende-se aquela que, a par de viabilizar a composição dos conflitos com total adequação aos preceitos do direito material, o faça dentro de um prazo razoável e sob método presidido pelas exigências da economia

21

processual, sempre assegurando aos litigantes o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5º, LXXVIII).17

Na mesma esteira, Luiz Guilherme Marinone falando acerca do atual

Código de Processo Civil, porém especificamente quanto ao direito fundamental de

ação contemplado pelo novo códex assim lecionou:

O direito fundamental de ação cobre a multifuncionalidade dos direitos fundamentais, ou seja, pode ser utilizado conforme as necessidades funcionais dos direitos fundamentais. Portanto, é um direito que se coloca sobre todas essas funções e, na verdade, sobre todos os direitos fundamentais materiais. Pode-se dizer que os direitos fundamentais materiais dependem, em termos de efetividade, do direito de ação. Mesmo quando se considera que a participação pode se dar por vários meios diversos ao da ação, não há como deixar de ver que sem ela (a ação coletiva) a participação do cidadão na reivindicação dos direitos fundamentais ficaria severamente prejudicada. O direito de ação, enquanto direito fundamental, têm eficácia objetivo e modo de ser que não se confundem com os do tradicional direito de ação. O direito fundamental de ação não vincula apenas o Judiciário, mas também o Legislativo e o Executivo. Além disso, o direito fundamental de ação vincula o juiz de forma distinta, pois esse direito está muito longe de simplesmente gerar um dever de resolver o litígio, na medida em que exige técnicas processuais idôneas ao alcance das tutelas dos direitos e, portanto, comportamento e interpretação adequados a isso. 18

Em suma, a indispensabilidade de um processo justo e capaz de

conceder a tutela de direitos dentro de um prazo razoável é dever de todos os

Poderes.

Assim, o Poder Legislativo pode cumprir com maestria esse dever ao

elaborar leis que desafoguem o Poder Judiciário, permitindo que outros serviços

sejam realizados na seara extrajudicial tal qual fizera o legislador de 2015 ao permitir

a lavratura de inventários, partilhas, usucapiães, as cartas de sentença, tudo

diretamente nas Serventias Extrajudiciais, bem como a mediação e a conciliação

extrajudiciais.

Esta última já é da essência da atividade notarial e registral, merecendo o

atual Código de Processo Civil aplausos por tê-la incluído de forma expressa. É da

17THEODORO JUNIOR, Humberto. Op. Cit., p. 25. 18MARINONI, Guilherme. Op. Cit., p. 119.

22

natureza da atividade esse contato permanente da parte com o tabelião ou

registrador. É nesse lugar que buscam adequar suas vontades à lei.

Nesse mesmo sentido, andou muito bem o atual Código ao dispor

expressamente em seu texto a possibilidade de ser lavrada a ata notarial em

Cartório de Notas.

O Código de Processo de 2015 trouxe oxigênio novo ao instituto da ata

notarial. Aludida ata já era lavrada pelos tabeliães de notas, mas ao ser revitalizada

pelo C.P.C. a procura tornou-se bem maior. A contribuição para a celeridade

processual, ou melhor dizendo, para a duração razoável do processo com essa

possibilidade é inquestionável, uma vez que a mesma antecipa a prova com

presunção de veracidade e evita, na maioria das vezes, que haja a necessidade do

oficial de justiça ter que se deslocar até o local dos fatos. É o serviço extrajudicial

contribuindo com o direito processual. Eis o que diz o art. 384 do atual Código

Processual:

Art. 384 – a existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único – dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial. 19

Por tudo isso, parece claro que a partir da entrada em vigor do atual

Código de Processo Civil são nítidos os impactos do direito processual civil sobre o

direito material registral e notarial, bem ainda, são notáveis as influências recíprocas

entre um e outro, parecendo claro, inclusive, a ocorrência de verdadeiro diálogo das

fontes entre o referido Código e a Lei de Registros Públicos.

19BRASIL, República Federativa do. Casa Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 10 jul. 2018.

CAPÍTULO II

DO CARTÓRIO: HERANÇA POSITIVA DE PORTUGAL

Muitas pessoas queixam-se pelo fato de o Brasil não falar uma língua

universal como o inglês, o francês ou até mesmo o espanhol, ao mesmo tempo em

que lamentam a origem do colonizador pátrio, atribuindo a ele grande parte dos

problemas estruturais do país, inclusive da natureza ôntica do povo brasileiro.

Os contrastes entre a cultura jurídica hispânica e a lusitana devem-se ao

passado turbulento em que a hegemonia espanhola foi cedendo espaço ao processo

de independência de Portugal, sem contar que as duas nações viriam a competir

também na qualidade de conquistadores e colonizadores. A aproximação com o

Direito alemão pode ser notada nas bibliografias dos grandes autores portugueses,

enriquecendo sobremaneira o pensar jurídico lusitano. 20

Na seara do direito registral e notarial observa-se com bons olhos a

essência do sistema de registros públicos pátrio, cuja base metafísica é o cartório,

tão estigmatizado pela opinião pública, mas a isso se deve a malversação política no

Brasil desta instituição criada para abrigar a história do homem e da propriedade.

A palavra cartório vem da atividade matriz de conservação de

documentos, “conglomerados em coleções denominadas cartulários que evoluiu

para cartários, cuja origem veio do baixo latim chartulatium, de chartula”;21 passando

finalmente a cartório, de significado estrutural voltado à temática da conservação

documental, da publicidade e da preservação dos direitos.

A ligação com a base jurídica portuguesa conferiu ao sistema de registros

públicos um viés diferenciado dos países influenciados pelo culturalismo jurídico

hispânico. A doutrina do direito notarial e registral da Espanha é talvez a melhor do

mundo na atualidade, trata com mais profundidade os institutos, além disso, os

notários espanhóis são muito dedicados ao estudo deste ramo do direito.

20SOARES NETO, Júlio. Direito Registral e Arbitragem. Curitiba: Juruá, 2010, p. 184. 21Ibidem, p. 184.

24

Na Alemanha e na Áustria, o Direito notarial e registral tem também um

ótimo nível, mantendo o notariado as características do tipo latino, ou seja, a

epistemologia notarial é preservada em sua essência, que é a produção documental,

o aconselhamento, conservação, registro, publicidade, controle da legalidade das

relações jurídicas submetidas à qualificação, dentre outros. 22

Contudo, mesmo que o sistema português não esteja engajado num

movimento de ativismo cultural e de desenvolvimento constante destas disciplinas,

que no momento sofrem perseguições políticas com constantes ameaças de

estatização, contrariando as novas tendências de desjudicialização, tem-se

convicção que a influência lusitana no sistema pátrio foi e continua sendo positiva.

Mesmo com esses problemas endógenos de fundo político, o sistema

português tem peculiaridades muito interessantes e que valorizam a função

realizada por tabeliães e registradores também conhecidos como conservadores em

Portugal. Um dos fatos que chama a atenção é a atribuição em favor do conservador

de registro civil para realizar a separação e o divórcio extrajudiciais, ao invés do

notário, já que aquele tem uma maior afinidade para lidar comas questões de Direito

de Família, tendo em vista que processa habilitações, realiza casamentos, averba

divórcio etc. 23

A presença de menores no processo de divórcio não impede a realização

do ato,bastando que haja autorização do Ministério Público. As conservatórias de

registro civil exercem um importante papel social, seguindo um modelo estatizado, o

registrador ou conservador tem uma atividade processante, profere despachos

saneadores e prolata a decisão administrativa.

A desnecessidade de inventário quando não há conflito entre os herdeiros

acarreta muitas vantagens, na medida em que o notário realiza a escritura de

partilha do acervo hereditário, ficando os herdeiros dispensados do processo de

inventário, que é obrigatório aqui no Brasil mesmo tendo adotado também o modelo

extrajudicial. 24

22SOARES NETO, Júlio. Op. Cit., p. 184. 23Ibidem, p. 185. 24Ibidem, p. 185.

25

Em caso de haver testamento a lei permite que seu cumprimento seja

realizado pelo tabelião, unificando de forma exemplar os procedimentos de divisão

do acervo e cumprimento do testamento, tudo numa única escritura, conferindo

plena efetividade ao direito subjetivo.

Mesmo havendo herdeiros menores a via administrativa não

sofre bloqueio, prevalecendo à autonomia dos responsáveis. Na Espanha também é

possível o cumprimento do testamento pelo notário, vale a crítica ao sistema judicial

brasileiro, que leva em média mais de dois anos para autorizar o cumprimento da

disposição de última vontade, isso quando as coisas andam muito bem, além disto,

após o registro do testamento um novo processo de inventário aguarda o

beneficiário, se tornando uma verdadeira via crucis para o herdeiro que, muitas

vezes encontra-se em estado de necessidade, precisando receber o seu quinhão

para sobreviver com dignidade.

A justificação notarial é um procedimento extrajudicial existente no direito

português de extrema utilidade e que viabiliza a legalização da moradia, sendo,

portanto um meio de inclusão social do indivíduo, que passa ater uma propriedade

legalizada e que poderá ser utilizada para obtenção de créditos, a fim de possibilitar

a realização de metas pessoais.

Consiste na obtenção do título de propriedade para que possa ser inscrito

no registro predial que no Brasil é conhecido como Registro de Imóveis. Trata-se de

medida administrativa de extrema eficácia em todos os sentidos, seja vertical,

horizontal ou direta, implicando na legitimação do direito fundamental de

propriedade. 25

Volta-se ao Direito notarial português, que se transformou na fonte da

atividade tabelioa brasileira, abrindo as portas para a construção dogmática de uma

ciência jurídica de alta relevância social, aonde o notário com sua fé pública vai

resgatando o seu prestígio na sociedade, emergindo juntamente com o

neoconstitucionalismo e por ironia do destino – que mais parece o fenômeno

autorreprodutor dos sistemas criado pela teoria da autopoiesis de Niklas

Luhmann. 26

25SOARES NETO, Júlio. Op. Cit., p. 185. 26Ibidem, p. 186.

26

A influência da fonte portuguesa trouxe perspectivas expansivas para o

notariado brasileiro, que inspirado na tradição lusitana acabou abrindo caminho para

uma nova participação na jurisdição voluntária. A clara constatação da ingerência do

direito notarial português no sistema brasileiro pode ser percebida com adoção da

especialidade de protesto de títulos realizada por um notário, cuja atuação está

exclusivamente relacionada à prática do protesto, ao passo que na escola espanhola

qualquer tabelião tem atribuição para protestar um título de crédito, lavrando uma

ata notarial. 27

Para representar o Poder Judiciário em atividades cuja vocação não se

lhe encaixam em suas atividades-fim, mas que não estão desassociadas das

atividades-meio, há a delegação das atividades notariais e registrais a pessoas

físicas, aprovadas em concurso público com prerrequisitos fixados na Constituição

Federal (art. 236), em leis (8.935, de 1994 e 9.492, de 1997) e na Resolução 81, de

09.06.2009, do Conselho Nacional de Justiça. 28

A delegação dos serviços registrais tem por finalidade: fazer a Justiça

funcionar em todos os segmentos; evitar que muitos casos acabem buscando

solução junto aos Fóruns e Tribunais; fazer com que atos sejam praticados em

consonância com regras às quais os “totalmente particulares” não estariam sujeitos;

fixar um padrão a ser adotado em todos os prestadores dos ser-viços registrais;

facilitar a orientação quanto às normas aplicáveis ao setor; facilitar a fiscalização

quanto às normas aplicáveis ao setor; possibilitar a aplicação de sanções aos

agentes delegados que descumprirem as normas e orientações, por serem os atos

de delegação sujeitos à continuidade dentro de fixadas condições.

Permitir o cumprimento da parte final do inc. XIII do art. 5º da Constituição

Federal de 1988 que traz a restrição “atendidas às qualificações profissionais que a

lei estabelecer” quando se trata de exercício de profissão; possibilitar a delegação,

por mérito, a pessoas que se mostrarem capazes de prestar serviços eficientes,

porque aprovadas em concurso público ao qual se aplicam os princípios da

publicidade, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, inerentes a todo

serviço público (art. 37 da Constituição Federal de 1988). 29

27SOARES NETO, Júlio. Op. Cit., p. 188. 28VELOSO, Waldir de Pinho. Registro Civil das Pessoas Naturais. Curitiba: Juruá, 2013, p. 22. 29Ibidem, p. 22.

27

2.1 Sistemas de serviços registrais

Pode-se dizer que há duas espécies de Direito quando se pensa em uma

escritura registrada de um imóvel. O Direito Material é o consubstanciado na

escritura em si, ainda sem registro, pois vincula apenas os contratualmente

envolvidos. Não transfere a propriedade, mas, por ser um documento assinado

perante um tabelião de notas, recebendo a informação da fé pública de que todas as

formalidades foram observadas, o referido documento representa obrigação entre as

partes.

Desta forma, o vendedor poderá ter que vir a ressarcir ao comprador,

caso haja empecilho na transferência da propriedade; caso o imóvel, de fato,

pertença a outrem; ou se acontecer de alguém reivindicar o imóvel como garantia

real e o fato resultar em perda do objeto negociado.

Já o Direito Formal, quanto ao registro imobiliário, traduz-se pela relação

entre os indivíduos e as coisas, sendo o momento em que, pelo registro da escritura,

torna-se o imóvel vinculado ao novo dono, o adquirente. Quanto ao registro

imobiliário, há três espécies. O sistema francês é liberal quanto ao registro, e

extremamente rígido quanto à feitura dos contratos e escrituras públicas. O sistema

alemão é rígido tanto na lavratura das escrituras de transferência de imóveis quanto

no registro destes títulos. E há um terceiro sistema que é a origem dos

anteriormente citados, que engloba parte do que cedeu ao sistema francês (é feita

uma escritura) e parte do foi acessado pelo sistema alemão. 30

Em tal sistema, a escritura necessariamente precisa ser registrada para

que haja a transferência da propriedade. E, como o mais antigo referido até agora, e

origem de tudo, é o sistema romano. Há outros mais antigos ainda, de caráter

primitivo.

O Brasil adotou o sistema romano-germânico, denominação mais feliz do

que, simplesmente, latino. E tal escolha tem espelho no art. 236 da Constituição

Federal de 1988, assim redigido:

30VELOSO, Waldir de Pinho. Curso de Direito Notarial e Registral. Curitiba: Juruá, 2017, p. 71.

28

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. 31

Em termos infraconstitucionais, a Lei 8.935, de 18.11.1994, que

regulamenta o texto constitucional ora transcrito, assim giza:

Art. 1º. Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Art. 2º. Notário ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. [...] Art. 8º. É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio. 32

Estão aí, cravadas, resumidas e corporificadas as essências do notariado

românico-germânico em terras brasileiras: a) escolha feita pelos usuários dos

serviços; b) assessoramento ao usuário por parte do titular; c) serviço público

prestado por particulares que agem em nome do Estado; d) remuneração

(emolumentos) fixada pelo Estado, mas obtida fora da folha de pagamento da

Administração; e) robustez suficiente para oferta de publicidade, autenticidade,

segurança e eficácia aos atos jurídicos propostos pelos particulares; f) qualidade de

fé pública nos atos praticados.

Para completar, o notariado latino ou romano-germânico exige dos seus

titulares muito além da necessária honestidade. Também deve haver uma real

vocação para o exercício da atividade, para embalar outras qualidades como

responsabilidade, conduta ilibada, ética, independência e imparcialidade no

exercício da atividade. Além disso, deve haver uma vontade incontestável de estar

sempre em sintonia com a lei e com o Direito, na busca da aplicação equidistante da

legislação, incluindo a que fixa a tabela dos emolumentos.

31BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Op.

Cit., p. 03. 32BRASIL, República Federativa do. Casa Civil. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Op. Cit.,

p. 04.

29

Assim o sistema empregado no Brasil (o sistema romano) de registro de

imóveis guarda semelhança com o sistema alemão que não é tão rígido assim.

Inclusive, para começar, a presunção gerada pelo registro não é absoluta de que o

nome da pessoa, constante do Registro Imobiliário, como se fosse o dono, de fato é

o dono.

Inegavelmente, países como o Brasil exigem posições mais rígidas no

controle da propriedade, sob pena de ser certo o prejuízo aos reais proprietários; e

descrédito aos sistemas de transmissão imobiliária. São firmes os dizeres do art.

1.245 do Código Civil no sentido de que a única forma de transmissão de

propriedade imobiliária é a transcrição, com o registro, do título translativo no

Registro Imobiliário.

CAPÍTULO III

A ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL NO BRASIL

3.1 Breve relato

Pelos idos do ano de 1950, o possuidor por meio do registro em livro

próprio tornava legítima a aquisição da sua posse, sendo que por meio do aludido

registro fora possível diferenciar as terras públicas das terras privadas,

remanescendo sem registro as áreas de domínio público. O registro era feito perante

a autoridade religiosa da situação do bem e tinha efeito meramente declaratório. O

procedimento era regido pela Lei n. 601 de 18/09/1850 e o seu Decreto

regulamentador n. 1318 de 30/01/1854. Era o chamado “registro do vigário”

realizado pela Igreja Católica. Este é o marco histórico da atividade notarial e

registral no Brasil. 33

Posteriormente, as transmissões passaram a ser realizadas através de

contrato e, não raras vezes, necessitava de instrumento público, confeccionado por

um tabelião. No ano de 1.864 com a edição da Lei n. 1.237 fora criado o registro

geral, onde todos os direitos reais sobre bens imóveis encontravam-se a ele

submetidos.

Em 11 de outubro de 1827, foi editado, nosso Brasil, o Decreto-Lei n.º 848

de 11 de outubro de 1827 com o objetivo de regular o provimento dos ofícios da

Justiça e da Fazenda. Nele fora estipulado que os ofícios não poderiam ser

transferidos por meio de negócios entre vivos. Aduziu que os mesmos deveriam ser

conferidos a título de serventia vitalícia a pessoas dotadas de idoneidade para tanto

e que servissem pessoalmente aos ofícios.

A Lei n.º 1.237, de 24.09.1864, regulamentada pelo Decreto n.º 3.453, de

26.04.1865 criou o Registro de Imóveis com a função de transcrever aquisições

imobiliárias e inscrever ônus reais. Em 25 de abril de 1874 foi editado o Decreto n.º

33SARDINHA, Cristiano de Lima Vaz. A contribuição das serventias extrajudiciais para a

sociedade contemporânea como alternativa ao Poder Judiciário Conforme o CPC 2015. Salvador: JusPODIVM, 2018, p. 65.

31

5.604 criando de maneira formal e generalizada o registro civil para fins de

nascimento, casamento e óbitos, sendo que a partir do ano seguinte, 1875, algumas

cidades deram inicio paulatino à criação dos ofícios de registro civil, os denominados

“cartórios” do registro civil. 34

A Constituição republicana de 1891, tratou timidamente da atividade

notarial e registral, dispondo em seu artigo 58 que, o provimento dos ofícios de

justiça nas circunscrições judiciárias competia aos presidentes dos tribunais

federais. A Constituição Cidadã de 1988 dedicou um artigo para a atividade, porém

somente no ano de 1994 o legislador infraconstitucional regulamentou aludida norma

constitucional, mediante a promulgação da Lei Federal n. 8.935 de 18 de novembro

de 1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores. A partir de então a

atividade delegada ganhou relevância social e jurídica.

Conforme definição constante do artigo 1º da Lei n.º 8.935 de 18 de

novembro de 1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores, os serviços

notariais e de registros são os de organização técnica e administrativa destinados a

garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Trata-

se, portanto, os serviços notariais e de registro de instituições de natureza

instrumental, já que possuem atribuições específicas de dar segurança jurídica,

eficácia e efetividade, especialmente no que concerne às relações jurídicas

privadas, imprimindo certeza e garantia à sua concretização entre as partes e ainda

face á terceiros. 35

No dias atuais, devido ao crescimento populacional, a massificação e

complexidade das relações sociais causada pela expansão do comércio, a atividade

notarial e de registro tem desempenhado um importante papel na prevenção da

conflitualidade e na resolução extrajudicial de múltiplos problemas que

quotidianamente se apresentam na vida dos cidadãos os quais não assumem uma

natureza conflitual de litígios, como aqueles de jurisdição voluntária, graciosa ou

administrativa, ou seja, de apenas administração pública dos interesses privados,

onde não há partes, mas interessados, no qual não se faz coisa julgada material,

mas coisa julgada formal, cita-se, como exemplo, a realização de inventários,

partilhas, separações e divórcios consensuais.

34SARDINHA, Cristiano de Lima Vaz. Op. Cit., p. 71. 35Ibidem, p. 71.

32

3.2 A natureza e os fins dos serviços notariais e registrais

Todo começo ou fase de cognição ou conhecimento é credor de

demonstração de alguns pontos, de origens, de estilos, de estradas já percorridas.

Com a Lei 8.935, de 18.11.1994, também pode ser assim feito.

Conhecida como Lei dos Notários e dos Registradores, não nasceu

desprovida de história. Inicialmente, faz bem dar relevo ao fato de que, desde

31.12.1973, está em vigor a Lei 6.015, que cuida dos registros públicos. A tarefa ali

desincumbida, porém, é quanto aos registros propriamente ditos.

Salvo quando dita sobre as responsabilidades, que poderiam ser

aplicáveis aos notários, em interpretação analógica, aos notários não há referências

diretas. E nada é informado sobre a atividade notarial por dois motivos óbvios: a lei é

chamada de “Lei dos Registros Públicos” e, destarte, nada tem que cuidar dos

Serviços Notariais; e tabelionato de notas não se encaixa sequer em “demais

registros”, que a Lei em assunto determina que continuarão a ser regidos por leis

próprias (§ 2º do art. 1º). 36

Em 05.10.1988, veio à luz a Constituição Federal. Embora em sua época

de discussão e redação houve indicações de que os Serviços Notariais e Registrais

seriam estatizados, o que acabou por se consolidar, no texto final, foi a natureza

dúplice dos titulares dos Serviços Notariais e Registrais: exercem uma função

pública, são agentes públicos para efeitos de lei, mas exercem a atividade em

caráter privado. Como pessoas naturais (físicas), no desenvolvimento de atividade

privada, contratam seus empregados pelo regime da Consolidação das Leis do

Trabalho.

Como agentes públicos, submetem-se às regras e fiscalizações do Poder

Judiciário. E, antes do exercício da profissão, precisam ser aprovados em concursos

públicos de provas e títulos – tal como os servidores públicos. Está assim descrito

nas páginas da Constituição Federal de 1988:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º. Lei regulará as atividades,

36VELOSO, Waldir de Pinho. Curso de Direito Notarial e Registral. Curitiba: Juruá, 2017, p. 129.

33

disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de re-moção, por mais de seis meses. 37

Vê-se que a Constituição Federal fixou quatro regras, inalteráveis por

força infraconstitucional, e deixou duas partes como normas programáticas. As

fixações são as seguintes: a denominação “Serviço”, o exercício particular de uma

atividade pública, a fiscalização pelo Poder Judiciário e a forma de ingresso.

3.3 Serviço Notarial e Registral

O que se denominava “cartório”, até 1988, passou a ter nome de

“Serviço”, por determinação da Lei Maior. Neste sentido, vê-se que o constituinte

originário se preocupou em deixar explícito que o usuário do serviço não tem vínculo

para com o correspondente prestador; e vice-versa.

Ao denominar “Serviço”, quis o constituinte, de forma clara e precisa,

retirar até mesmo o significado desgastado de “cartório” que até então significava

uma atividade vitalícia e que passava, também vitaliciamente, para quem o titular

indicasse. Para evitar que a palavra “cartório” continuasse a expressar uma

atividade que se transmitia, normalmente, de pai para filho, e por interesses e

critérios originais políticos, é que até a denominação foi alterada. Já se escreveu

e/ou falou que os titulares dos Serviços Notariais e Registrais “não gostam de ser

chamados titulares de cartório”. 38

O fato não é “não gostar”. A realidade é que, notadamente, os que

assumiram a atividade por meio de concorrido concurso público de provas e títulos

não querem se imiscuir em uma seara cuja própria significação era utilizada para

37BRASIL, República Federativa do. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de

1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 04 jun. 2018.

38VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 130.

34

demonstrar situações que se transmitem, independentemente de dificuldades, para

outrem.

A Lei 8.935, de 18.11.1994, traz em seu art. 1º o que fixou como sendo a

natureza dos Serviços Notariais e Registrais. O Serviço Notarial e Registral têm que

ser exercido por um agente público, a quem o Poder Judiciário delega a atividade. 39

Traz a Lei dos Notários e Registradores a determinação de que os

Serviços Notariais e Registrais sejam “organização técnica e administrativa”, no

sentido de que têm padrão a seguir, têm normas comuns aplicáveis a todos e,

também, têm natureza de atendimento público, ainda que exercidos por particulares.

Até mesmo porque a própria Administração Pública não age por si só: são

os servidores públicos, como pessoas naturais, que servem ao público. Em se

tratando de Serviços Notariais e Registrais, o caráter público do que é feito é

notadamente demonstrado perante as pessoas, usuárias, na forma padronizada,

técnica, obediente às leis.

Os Serviços Notariais e Registrais devem garantir, aos seus usuários e à

Administração Pública (no caso, o Poder Judiciário), publicidade, autenticidade,

segurança e eficácia dos atos jurídicos. A eficácia tem liame tanto com a segurança

que um ato notarial ou registral oferece a quem tem vínculo com o registro, título

público ou o serviço prestado pela Serventia, quanto ao fato de impedir que terceiros

venham vindicar algo contrário do que ali se encontra descrito. 40

A publicidade, neste ponto, diz tanto do serviço ser público no sentido de

estar à disposição de todos, quanto à qualidade de servidor público que é o agente

delegado. A segurança jurídica advém da participação dos Serviços Registrais e

Notariais nos atos propostos pelos usuários. Autêntico é o documento original ou

que ganha esta qualidade com a participação dos Serviços Notariais e Registrais.

A conferência de que o documento se encontra sem mácula autoriza a

Serventia a lhe ofertar autenticidade.

39BRASIL, República Federativa do. Casa Civil. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8935.htm. Acesso em: 04 jun. 2018. 40VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 136.

35

3.4 Atividade Pública Exercida por Pessoa Natural em Caráter Privado

O serviço a ser prestado tem caráter público. É, inclusive, um serviço

extrajudicial e integra o maior centro desenvolvedor de serviços que inicialmente

eram prestados exclusivamente pelo Poder Judiciário e que, quando a lei quis

“desjudicializar” algumas questões, viu somente nos Serviços Registrais e Notariais

a capacidade e a competência para exercer tais serviços tão bem – na qualidade,

validade e segurança jurídica – quanto o próprio Poder Judiciário.

Mas, de acesso mais célere, financeiramente mais barato e em locais

mais próximos dos próprios jurisdicionados ou usuários dos serviços. A Constituição

logo avisou: os Serviços Registrários e Notariais serão exercidos por pessoas

naturais e em caráter particular. E somente pessoas naturais, que a Receita Federal

do Brasil denomina “pessoas físicas”, podem se submeter a concursos públicos de

provas e títulos, pois as pessoas jurídicas recebem delegação por outras

modalidades de concorrência. 41

Mas, a atividade registral e notarial, mesmo prestada por particulares na

condução dos afazeres, continua a ser exercida com a qualidade pública. Como

agente público, a pessoa natural está sujeita ao ingresso na atividade por concurso

público de provas e títulos, enquadra-se como “funcionário público” para efeitos

penais e ainda se encontra subordinada ao Poder Judiciário, além de cumprir

obrigatoriamente o Princípio da Legalidade constitucionalmente previsto para a

Administração Pública e seus agentes. 42

As ordens emanadas do Poder Judiciário têm três níveis: a Corregedoria-

Geral do Conselho Nacional de Justiça; a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça

do Estado delegante e o Juiz Diretor do Foro da Comarca da situação da Serventia.

Ao exercer a atividade que lhe é delegada, o agente passa a ter cátedra de

particular. É quem decide sobre a quem contratar; é quem remunera seus

empregados, que são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e são

segurados obrigatórios do Regime Geral da Previdência Social; é quem adquire os

móveis, equipamentos e suprimentos para fazer a Serventia funcionar; é quem

41VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 130. 42Ibidem, p. 131.

36

recolhe tributos em nome individual. A delegação é à pessoa natural (física) e não à

Serventia. Por isso, a Serventia por si só não tem personalidade jurídica, não é

pessoa jurídica, não responde por si própria. 43

A Serventia é titularizada por uma pessoa natural e esta pessoa natural é

que a representa, é a quem se delega a atividade e, por consequência, é quem

presta a atividade.

O oficial registrador [e o notário] substitui o Poder Público, sendo um

delegado seu; assim, deverá agir dentro dos limites impostos pelo Estado. Por ser

um delegado de função pública, executa-a em seu nome e por conta e risco, como

particular, embora no interesse coletivo, submetendo-se ao controle do Poder

Público. Essa dependência não se confunde com hierarquia, visto exercer o

serventuário ofício público e não uma função estatal, embora se situe entre a função

do Estado e a função meramente particular. Portanto, tem função pública sem ser

estatal. Sua função é pública por ser exercida no interesse da sociedade. De modo

que, se o Cartório não prestar a contento o serviço, o Poder Público poderá delegá-

lo a outrem. 44

Como agentes públicos, no exercício de atividade privada, os titulares de

Serventias não têm vínculo funcional com a Administração Pública e tampouco são

remunerados pelo Poder Público delegante. São, pois, particulares que prestam um

serviço público, mediante delegação do Poder Público.

3.5 A Fiscalização pelo Poder Judiciário

A Constituição deixou explícito, também, que a atividade notarial e

registral é fiscalizada pelo Poder Judiciário. Exatamente por ser o órgão delegante,

tem o poder de fixar as condições não somente a serem seguidas pelos agentes

delegados, como também, os critérios para admissão na atividade. O texto

constitucional esclareceu, sem deixar dúvidas, que não há critérios políticos para a

delegação da atividade. Mas, o que se delega traz, em si, condições, normas,

critérios, pesos e gravames.

43VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 131. 44Ibidem, p. 132.

37

E todos têm que ser cumpridos. E é o Poder Judiciário quem tem a

competência para fiscalizar se a delegação está sendo honrada, se os serviços

estão sendo prestados como determina a lei. Cabe ao Poder Judiciário de cada

Estado-membro lançar as regras e os critérios de ação dos notários e registradores,

e fiscalizar tais atitudes. Inclusive, verificar se os Serviços Notariais e Registrais

estão agindo em benefício do público, cumprindo fielmente os preços e os prazos

fixados, e se a qualidade dos atos praticados atende às determinações.

3.6 Eficácia dos Atos

Os atos notariais e registrais produzem efeitos jurídicos. São exemplos o

fato de com uma via de uma certidão de nascimento se poder conseguir emitir uma

cédula de identidade, habilitar-se para um casamento ou outros atos da vida civil; e

com uma escritura pública de compra e venda se conseguir o registro e a

transferência de uma propriedade imobiliária de qualquer valor, alterando o nome do

proprietário, transferindo direitos e posse. 45

O art. 108 do Código Civil determina que para todo negócio jurídico com

imóvel de valor superior a trinta salários mínimos, somente poderá ser aperfeiçoado,

transmitido, constituído, modificado ou ter seus direitos renunciados por meio de

escritura pública. 46

Traz, tal artigo, a informação de que “não dispondo a lei em contrário”.

Por esta exceção, várias leis determinam que o contrato particular, ainda que tenha

o imóvel valor elevadíssimo, pode ser levado a registro no Serviço de Registro de

Imóveis sem escritura pública.

É assunto muito amplo para estas linhas, mas podem ser citados os

seguintes exemplos: contratos pelo Sistema Financeiro da Habitação; Sentença

Judicial de reconhecimento de Usucapião; Sentença Judicial de Partilha; Sentença

Judicial de Arrematação ou de Adjudicação, dentre outras.

45VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 100. 46Ibidem, p. 100.

38

3.7 Das condições dos serviços notariais e registrais para o público usuário

Um dos mais justificadores motivos para que os Serviços Notariais e

Registrais sejam serviços públicos é que há necessidade de que estejam à

disposição dos usuários nos mais interiores dos interiores. Não seria justo exigir um

documento com firma reconhecida e fazer com que o interessado tivesse que viajar

muitos quilômetros de péssimas ou praticamente inexistentes estradas (não,

rodovias) para ter um cartão de assinaturas, para posterior conferência de

assinatura por semelhança. 47

Ou tivesse que fazer igual percurso quando se tratasse de um

reconhecimento de firma de forma autêntica ou presencial. Igualmente, seria tarefa

injusta exigir o registro de nascimento de uma criança se a única Serventia possível

estivesse localizada a muitos e instransponíveis quilômetros. Também por isso, o

serviço de caráter público deve ser mais interiorizado. Não unicamente em termos

de Brasil, mas também em alguns Estados-membros, as distâncias entre sedes de

municípios são enormes.

Motivos mais do que justificadores para que, sempre que possível, haja

em todas as sedes dos distritos um Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais,

com competência estendida para fazer os serviços notariais básicos. Mas, não é por

estar em um distrito de pouco movimento ou na mais movimentada região da mais

rica capital brasileira, que pode haver regras desencontradas para os Serviços

Notariais e Registrais. 48

A padronização é uma exigência natural, sob pena de as distâncias

voltarem em razão da concorrência: valeria a pena andar quilômetros e mais

quilômetros para um serviço a preço mais baixo, se não houvesse padronização. E

como cabe ao Poder Judiciário fiscalizar a atividade, este mesmo Poder Judiciário,

antes de iniciar a fiscalização, deve emitir normas-padrão, igualitárias, isonômicas,

às quais todos os Serviços Registrais e Notariais estão submetidos. Depois disso é

que pode haver a fiscalização, pois se poderá cobrar procedimentos compatíveis

com o que foi publicamente fixado, divulgado e exigido o cumprimento. A

47VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 137. 48Ibidem, p. 137.

39

anterioridade da lei é que carrega em si a punição quanto a procedimentos não

condizentes.

A prestação do serviço de forma eficiente e adequada, além de um

compromisso legal e moral, é um dever do servidor público. E, neste ponto, o notário

e o registrador se equiparam ao servidor público propriamente dito.

As três leis federais da atividade (6.015, de 31.12.1973; 8.935, de

18.11.1994, e 9.492, de 10.09.1997), mais a Lei 10.169, de 29.12.2000, com as leis

estaduais e as normas das Corregedorias de Justiça também estaduais, formam o

conjunto de pontos orientadores da prestação do serviço de forma eficiente. Por

exemplo, a Lei 6.015, de 31.12.1973, determina em seu art. 106, que sempre que

houver uma anotação ou averbação à margem de um registro, cabe ao oficial

registrador, no prazo máximo de cinco dias ou fazer as correspondentes anotações

em suas notas anteriormente existentes (se o que foi alterado é lançado nos livros

da correspondente Serventia) ou fazer a comunicação ao titular da Serventia na qual

se acham lançados os registros a serem alterados e cuja história está em formação.

49

Também consta do art. 19 da Lei 6.015, de 31.12.1973, e art. 27 da Lei

9.492, de 10.09.1997, que as certidões requeridas devem ser emitidas, assinadas e

estar à disposição dos requerentes em prazo máximo de cinco dias. Não seria

eficiente, apropriado, o serviço que não tivesse um prazo final para ser concluído e

que a Serventia, por quaisquer e inconfessáveis motivos, quisesse deixar para um

tão distante dia que sequer seria revestido de Justiça. As leis estaduais fixam

horários de funcionamento das Serventias e quais os dias em que ficarão fechadas.

Também as questões regionais implicam e se aplicam. 50

E, dentro de um Estado-membro, pode haver, por Portaria do Juiz

Corregedor (normalmente, o Juiz Diretor do Foro) de cada Comarca, autorização

para que uma determinada Serventia tenha horário diferenciado de atendimento,

levando-se em consideração as particularidades. Um exemplo é uma pequena

Serventia de um distrito igualmente pequeno em cujo local não há costume de

comparecimento de pessoas após às 17h.

49VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 100. 50Ibidem, p. 137.

40

Se no Estado-membro dispõe a lei que o horário de atendimento é até

18h, uma Portaria do Juiz Corregedor poderá autorizar aquela Serventia em assunto

a funcionar somente até 17h. Há, porém, um detalhe: o atendimento ao público, ou

seja, o serviço externo, deve ser de, no mínimo, seis horas diariamente. A regra é

que haja funcionamento em dois expedientes.

Uma particularidade é quanto aos Tabelionatos de Protesto, que têm

horário externo de atendimento vinculado a tempo compatível com os horários de

atendimento ao público, pelos bancos. Outra particularidade é quanto aos Serviços

Registrais das Pessoas Naturais, que têm que funcionar em sistema de plantão para

o caso de assento de óbito. A natureza impõe não haver como fixar horário para

necessidade de se requerer um assento de óbito. 51

E, como não se pode fazer sepultamento de pessoas sem o

correspondente comprovante de que houve o assento do óbito junto ao competente

Serviço Registral das Pessoas Naturais, este tem que ter plantão em sábados,

domingos e feriados. Tudo conforme legislação estadual, pois as especificidades

vão além da região: em uma grande cidade em que há dez Serviços Registrais, o

plantão pode ser de um ou dois deles; em um local, no mesmo Estado-membro, em

que há somente um Serviço Registral das Pessoas Naturais, não há escolha.

As especificidades continuam: todos os títulos apresentados em um dia

serão registrados na rigorosa ordem de sua apresentação; e, chegando-se no

horário do encerramento da atividade registral, deixa-se o serviço para o dia

seguinte e este terá que ser feito, com a data do dia anterior, antes do início dos

registros do próprio dia. Mas, os registros civis das pessoas naturais não são

adiáveis para dia seguinte: se encerram as atividades às 18h e às 17h50min chega

alguém para requerer um registro de um nascimento ou requerer um assento de

óbito, para aquele usuário o expediente somente se encerrará quando o serviço

estiver terminado e a correspondente certidão emitida (art. 10 da Lei 6.015, de

31.12.1973). 52

O que não se exige é que pessoas adentrem à Serventia após o

encerramento das atividades diárias; mas, quem está no interior da Serventia, será

atendido. Não há exigência de entrega, no mesmo dia, da certidão quando o usuário

51VELOSO, Waldir de Pinho. Op. Cit., p. 139. 52Ibidem, p. 139.

41

apenas requer uma segunda via de um fato registrado na Serventia. Há outras

observâncias gerais por parte dos notários e registradores quanto ao público

usuário. Uma delas é a prestação dos serviços conforme preços determinados na

tabela de emolumentos, não podendo tanto haver majoração quanto descontos ou

diminuição dos valores fixados. Outro ponto de cumprimento obrigatório: em se

tratando de algumas atividades há uma competência territorial definida pelo ato da

delegação; e quanto aos Serviços Notariais, a escolha é do usuário. Têm territórios

de atuação regrados os Registros de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Naturais e

Registro Civil das Pessoas Jurídicas, como exemplos.

3.8 Desjudicialização

A temática do acesso a justiça envolve variados aspectos. O “acesso à

Justiça” sob o ponto de vista interno da disciplina do Direito Processual Civil está em

franca ascensão, considerando o tratamento pelo Judiciário das lides que lhe são

submetidas e as reformas constitucionais e legislativas tendentes a promover com

maior efetividade um devido processo legal à população. Já foi observado que o

Processo Civil, pensado num contexto liberal de proteção da propriedade individual

e liberdade, tornou-se estagnado em razão justamente da mudança de paradigmas

e de demandas que hoje lhe são inerentes.

A reforma começa pela Constituição Brasileira de 1988. Em termos de

garantias processuais constitucionais, mister se faz a sua leitura com base nessa

dogmática da ordem política vigente. A técnica legislativa e a judiciária, cada uma a

seu nível, equacionalizam o estamento constitucional que hoje proclama com maior

intensidade valores de ordem plural, individual, coletiva e difusa em variadas esferas

de proteção. 53

Sob o ponto de vista processual, a Constituição traça diretrizes e

estabelece princípios a serem observados pelo agir legislativo e judiciário.

53OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Desjudicialização, Acesso à Justiça e Teoria Geral do Processo

- Edição Revista e Atualizada de Acordo com a Lei 13.105 de 16.03.2015 Novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2015, p. 35.

42

Convencionou-se chamar "processo justo" aquele em que é pautado

numa matriz de justiça cunhada pelo Direito. A Constituição implanta as regras

processuais e o Processo assegura a própria Constituição. Essa relação não pode

ser perdida, especialmente porque o processo traz um sentido de realização

constitucional, em última análise. É assim que ele deve ser pensado. O momento

atual indica que os movimentos renovatórios do acesso à Justiça tendem a tornar-se

mais efetivos, afinal o processo está recebendo mais cuidados por parte do Estado.

54

José Roberto dos Santos Bedaque, alerta que os empecilhos processuais

ao acesso à Justiça surgem ligados à própria ampliação do acesso, por mais

paradoxal que isso possa parecer. Explica o autor que a adoção das técnicas

tendentes a facilitar o acesso, como a previsão da assistência judiciária gratuita, dos

juizados especiais, a ampliação da legitimidade do Ministério Público, e outros

anteriormente já citados, enfim, e que fizeram parte de um grupo de medidas que

visaram tornar a tutela jurisdicional mais acessível, acabaram provocando, por seu

turno, um aumento do número de distribuição de novos processos. E como a

preocupação também deve albergar o resultado eficaz, outras medidas passaram a

ser incluídas na pauta de reformas processuais. 55

Destaca-se a Emenda Constitucional 45/04, que configurou a chamada

Reforma do Judiciário, e que inseriu na Constituição temas significativos, como a

garantia da duração razoável do processo, a federalização das violações aos direitos

humanos, a súmula vinculante, a repercussão geral da questão constitucional como

pressuposto para a admissibilidade do recurso extraordinário e os Conselhos

Nacionais da Magistratura e do Ministério Público. 56

É reconhecida a dialética entre o texto e as ações tomadas para que seja

implementado o texto. E assim, novos textos, com caráter modelador (ou aparador

de pequenas arestas), são também inseridos no sistema.

A Emenda 45/04 é um exemplo dessa realidade, oriunda de uma

necessidade de adequação do sistema processual ao volume de demandas

54OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 36. 55BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 61. 56PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito Processual Civil contemporâneo: teoria geral do

processo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.

43

originado pela própria Constituição. É neste ponto em que se pensa no acesso à

Justiça, além do aspecto numérico, posto que triagem processual não é acesso. O

sentido da expressão “atendimento” vai desde a triagem, ou distribuição do feito, até

a realização efetiva do direito material, litigado com o respectivo retorno à

pacificação social. Ou ainda, desde que atendidos estes mesmos objetivos de

pacificar, pode-se então vislumbrar na instrumentalidade das formas, até mesmo

estranhas ao Processo Judicial, a realização do direito justo. De qualquer modo, e

do ponto de vista estritamente interno para a maximização da forma processual, a

partir das alterações no núcleo fundamental constitucional, as normas

infraconstitucionais vão surgindo para completar o ciclo de reformas tendentes à

melhoria dos resultados. 57

Analisando as inúmeras modificações introduzidas no âmbito

infraconstitucional, Humberto Dalla Bernardina de Pinho, promove um inventário das

inovações legislativas sob a ótica processual dos últimos anos. Esse inventário é

bastante interessante, pois proporciona conhecimentos sobre o caminho que o

legislador vem trilhando em vista de um apuro técnico para o devido processo legal.

Começa o autor em 1994 (Lei 8.952/94), ano marcado por um ciclo de significativa

reforma processual, que trouxe novas sistematizações da tutela antecipada e da

tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, além do novo regime do

recurso de agravo. 58

Em sequência, são arroladas as seguintes reformas, citadas

sucintamente.

As Leis 10.352 e 10.358 limitaram os casos de reexame necessário;

permitiram a fungibilidade entre as providências antecipatórias e as medidas

cautelares incidentais; reforçaram a execução provisória; permitiram ao relator a

conversão de agravo de instrumento em agravo retido; e limitaram os casos de

cabimento de embargos infringentes. 59

Lei 11.232, que alterou o regime de agravo e a que deu novo tratamento à

execução por quantia certa fundada em sentença, consagrando o sincretismo no

sistema processual pátrio.

57OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 37. 58PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. Cit., p. 40. 59Ibidem, p. 40.

44

A Lei 11.382, que trouxe nova hipótese de sentença liminar; a inserção da

súmula obstativa de recurso; a nova sistematização para a execução fundada em

títulos extrajudiciais; a previsão da informatização do Processo Judicial.

A Lei 11.448, que prevê novo tratamento para o procedimento de

inventário, partilha, separação e divórcio consensuais. Esta Lei que atribuiu

legitimidade à Defensoria para a propositura de Ação Civil Pública. 2008 – Lei

11.672, a regulamentação do julgamento pelo STJ dos processos repetitivos. 60

Lei 11.969, estabelece novas disposições sobre a retirada dos autos em

cartório por advogado para cópia, independentemente de prévio ajuste com o

procurador da outra parte, pelo tempo máximo de uma hora. 61

Lei 12.008, sobre a prioridade concedida à pessoa idosa no trâmite

processual. Lei 12.016, sobre o mandado de segurança coletivo. Lei Complementar

132, sobre a organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos

Territórios. Lei 12.122, dispondo sobre a inclusão das causas de revogação de

doação ao rol das causas de procedimento sumário. 62

Lei 12.153, sobre a ampliação do rol de legitimados a propor ações nos

Juizados Especiais Cíveis no âmbito estadual, admitindo também, como legitimados

ativos, as microempresas e organizações de sociedade civil de interesse público

(Oscip’s); sobre a previsão da criação de Juizados Especiais da Fazenda Pública no

âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. 63

Lei 12.137, sobre a dispensa da exigência de que o preposto de pessoa

jurídica no Juizado Especial não precisa ser empregado desta.

Em 2010, alterações que possibilitaram nomear como inventariante o

cônjuge casado sob o regime da comunhão de bens, que estivesse convivendo com

o outro ao tempo de sua morte, e o herdeiro que se achar na posse e administração

do espólio, se não houver cônjuge supérstite. Em 2011, a previsão de que a

constituição do advogado na seara trabalhista, com poderes para o foro em geral,

60PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. Cit., p. 40. 61Ibidem, p. 40. 62Ibidem, p. 40. 63Ibidem, p. 41.

45

poderá ocorrer mediante simples registro na ata da audiência, a partir de

requerimento verbal, desde que haja anuência da parte representada. 64

Todas essas foram reformas processuais que, do ponto de vista interno

da processualística civil, visaram promover melhor acesso, pelo melhor resultado. Ao

lado de todas elas, destaca-se ainda o projeto de lei sobre a Ação Civil Pública. Uma

tentativa ainda, mas que visa a reformulação principiológica e sistêmica dos

processos coletivos. Cuida-se um projeto de demandas coletivas, trazendo também

a lume a sistematização das suas normas dentro de um método que propicia maior

visibilidade do ponto de vista externo e tende à efetividade, se, finalisticamente, levar

em consideração o tratamento das demandas. No mesmo sentido, o Código de

Processo Civil 2015 é a consagração deste movimento da técnica, com sua

reconfiguração instrumental e finalística, operando-se em primeiro lugar em prol da

efetividade dos direitos fundamentais e demais direitos decorrentes do sistema

jurídico. O movimento de reforma comemora um importante marco legal, um código,

eis que ressignifica principiologimente a processualística brasileira. 65

Pode-se observar nos dias atuais que a busca da conciliação e da

pacificação tende a retomar seu lugar como principal objetivo do Estado e do

Processo. Mas sabe-se que, tradicionalmente, a expressão “acesso à Justiça”

permaneceu ligada à ideia de acesso ao Poder Judiciário e ao Estado Paternalista,

na resolução de conflitos. 66

A preocupação com a técnica é atual e decisiva na observação da crise

do acesso à justiça nos dias atuais.

A valoração da forma é uma tendência contemporânea, considerando o

processo como instrumento que visa atender a finalidades sociais.

O desenvolvimento de fórmulas extrajudiciais de solução de controvérsias

que se intensificam diuturnamente não traz consigo o condão de eliminar a procura

pelo órgão judicial. Ao contrário, a explosão de litigiosidade aumenta com o passar

dos tempos e com o amadurecimento da cidadania na sociedade. O conhecimento

dos direitos, as reformas processuais, os casos polêmicos sendo acompanhados

pela mídia e as políticas de informatização e de transparência são todos pontos de

64OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 39. 65Ibidem, p. 39. 66Ibidem, p. 18.

46

discussão que se intensificam na pauta de debate sobre o acesso à Justiça. Cuida-

se de uma discussão que envolve não somente a abertura do Poder Judiciário às

demandas sociais, numericamente falando, mas também o modus operandi desse

Judiciário, em se tratando de sua organização ou da técnica processual. 67

De outra ponta, sob novas concepções, examina-se o acesso à Justiça

pela ótica de meios coexistenciais de soluções de controvérsias, seja pelas já

consagradas técnicas de mediação e arbitragem, seja pelos procedimentos

desjudicializados, com a oportunização de outros focos de tratamento das lides e de

construção dos valores concretos, bem como pelas propostas do Código de

Processo Civil de 2015. Ao que parece, tudo faz parte de um único cenário, sendo

sintetizado neste novo marco legal. 68

Para não perder de vista a efetividade dos princípios constitucionais

processuais que promovem o devido processo legal e o acesso à Justiça, busca-se

o entendimento, seja sob o ponto de vista da justiça-moral ou sob o ponto de vista

da justiça-pacificação, sobre o núcleo central do que seja acesso à Justiça nos dias

atuais. Portanto, faz-se necessário compreender, numa primeira linha de

argumentação, as concepções relacionadas ao termo “acesso à Justiça”, seu

delineamento histórico e os sentidos experimentados, a consagração doutrinária

sobre o núcleo substancial do princípio, para só então examinar o monopólio

jurisdicional e o ativismo atual, a ideia de justiça e a chamada desjudicialização.

O ponto de partida deve ser, pois, a identificação da concepção de

acesso à Justiça. E o objetivo é verificar se os movimentos de desjudicialização

atendem ao princípio referido.

A desjudicialização tem sido um movimento crescente em termos de

globalização, parece que a pós-modernidade está promovendo mudanças de

paradigmas e um deles é a valorização da autonomia privada da pessoa para traçar

os seus planos de vida, o que reforça tudo o que se tem visto nos dias atuais. A

Espanha está promovendo uma reforma geral em seu sistema clássico de jurisdição,

dinamizando a jurisdição voluntária que passa a ser exercida por especialistas,

notadamente, notários, registradores e secretários judiciais.

67OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 19. 68Idem, p. 19.

47

A abertura aos meios alternativos e coexistenciais de solução de

controvérsias, não obstante a consolidação de um novo Código de Processo Civil,

vem se fortalecendo. Esse movimento se fortalece com a conhecida crise do Poder

Judiciário, vivenciada a partir da segunda metade do século XX e com a crescente

judicialização da política e das questões sociais com seus conflitos cada vez mais

complexos. 69

Os chamados Métodos Alternativos de Solução de Conflitos - MASC’s

surgem como forma de tutela jurisdicional diferenciada, em oposição aos

procedimentos clássicos do Processo Civil tradicional. 70

A grande bandeira desses métodos é lastreada na técnica que incentiva e

promove a conciliação, pela defesa da pacificação social efetiva. De outra ponta,

porém no mesmo sentido, os MASC’s também promovem a autonomia dos

indivíduos e a diminuição da intervenção estatal nas lides. Em conformidade com o

pensamento de Boaventura de Sousa Santos, esses meios alternativos têm por

unidade de análise o litígio (e não a norma) e por orientação teórica o pluralismo

jurídico. Portanto, são instrumentos próprios das sociedades contemporâneas e

complexas, refletindo a democratização da sociedade, correspondendo a outras

opções face ao direito estatal e aos tribunais oficiais. 71

Humberto Dalla Bernardina de Pinho, pesquisador dessa temática, traça

os principais aspectos dos MASC’s: “caracterizam-se pela ruptura com o formalismo

processual; pela possibilidade de juízos de equidade, (...) bem como pela celeridade

e confidencialidade”. 72

Certo é que os MASC’s não geram uma ruptura jurisdicional, do ponto de

vista formal, “haja vista a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional

estatal. Assim, a palavra alternativos está mais para a autonomia do indivíduo em

relação às suas escolhas pela resolução de conflitos”. 73

O modelo brasileiro de jurisdição estatal reflete o monopólio da última

palavra, de forma a contarmos com o controle do órgão judicial sobre as questões

69OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 49. 70Ibidem, p. 49. 71SOUSA SANTOS, Boaventura de. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo:

Cortez, 2007, p. 35. 72PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. Cit., p. 48. 73OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 50.

48

de Direito que perpassam pelas tratativas humanas, inclusive quando se opta por

essas vias alternativas de soluções de controvérsias. Da mesma forma, a existência

de tribunais não jurisdicionais não significa dupla jurisdição, permanecendo o

controle judicial dos atos privados, administrativos e legislativos. 74

Interessante arguir que a sistematização da Lei nº 11.441/2007, a

posterior alterou simultaneamente a matéria temática do ordenamento jurisdicional

dos preceitos dos atos notariais, e isso só foi possível porque a lei disciplinou as vias

paralelas sobre o foco de isonomia, e colocou normas regulamentadora que

disponibilizasse a matéria via judicial e extrajudicial, estas satisfaz os requisitos e

interesse material e normatiza o interesse jurídico, qual seja, inventário, partilha,

separação e divórcio consensual, e acrescenta simplificação e implementação da lei

aos interesses das partes no divórcio.

Faz necessário esclarecer que o contexto histórico (fatos) e normativo

(leis) concedeu para o universo do ordenamento jurídico as vias judicial e

extrajudicial, onde a natureza normativa (ciência do direito) desse procedimento

(vias administrativas) antecedem a estreita contestação do poder judiciário quanto

ao ordenamento jurídico aplicável.

Ou seja, os atos notariais e o benefício da lei é recíproco para aplicar o

ato de registro pelas vias de fé pública com segurança jurídica, porque atrela na

escritura pública o plena ciência do Código Civil explanado no art. 215 caput e art.

236, § 1º da CF/88 que demonstra a intensificação do ato notarial quanto ao divórcio

pelas vias administrativas e suas respectivas estabilidade e seriedade normativa

constitucional.

O que novamente devemos considerar é que o espírito da Lei Federal nº 11.441/77, a qual coloca que as partes maiores e capazes, que estejam em consenso acerca do que será estipulado, podem firmar acordo sem que seja necessária a intervenção judicial. 75

Em decorrência desse contexto, considera-se que há um mutuo acordo entre

as partes, assim é possível e admissível que outros critérios na dissolução do

divórcio sejam previamente feito por ato notarial, assim como o que dispõe no

acordo posterior. 74OLIVEIRA, Daniela Olímpio de. Op. Cit., p. 50. 75PINHO, Ruy Rebello; et al. Op. Cit., p. 22.

49

No sistema inaugurado, não só inexiste causa específica para a decretação do divórcio (decurso de separação de fato ou qualquer outra) como também não atua mais nenhuma condição impeditiva da decretação do fim do vínculo, tradicionalmente conhecida como cláusula de dureza.76

Permite neste sentido expor que a lei limita a exprimir os fatos

redundantes da separação, basta haver vontade das partes, e como este realiza a

termo a escritura pública. Em outro sentido, a lei nº 11.441/77 determina de forma

específica as vias administrativas e o instituto de cada ato notarial e seu aspecto

extrajudicial. Sendo assim, adequado ao rito e o que é decidido entre as partes da

sociedade conjugal.

Mediante a essa via, a lei processual expõe os requisitos determinado e

certifica-se da vontade das partes na dissolução de divórcio. Importante expor que o

ministério público diante da responsabilidade na qual foi atribuída tem a finalidade de

proteção aos interesses sociais, no entanto o que não convalida preencher tal

proteção. E o mesmo, neste caso, não precisa manifestar porque os interesses são

privados e na vontade entre as partes.

Temos agora no Brasil centenas de novos registradores imobiliários, tabeliães de notas, registradores civis, tabeliães de protesto, registradores de títulos e documentos e civil de pessoa jurídica civis de pessoas jurídicas, que têm a missão histórica de recuperar essa atividade aos olhos da população, mostrando a utilidade social econômica destas atividades dos Registros Públicos e Notas para a população e utilizando-se de todas as possibilidades de eficiência possibilitados conferidas pela gerência privada.77

E essa alternativa de descasamento, é devido ao que as partes

interessam, bem como a própria desburocratização de procedimentos das relações

dependem do que os interessados admitem. Mas para isso são expostos os meios e

modalidades, porque em relação ao desvinculo, é cabível que a sociedade conjugal

se reserva a situações especiais.

Ou seja, quando cumpridas os procedimentos administrativos e os

quesitos da Lei n º 11.441/07, esta determina no próprio contexto normativo da

norma e estabelece e disciplina no CPC as regras de preenchimento.

76PINHO, Ruy Rebello; et al. Op. Cit., p. 23. 77Ibidem, p. 101.

50

Baseado na edição da Lei nº 11.441/2007, e no Conselho Nacional de

Justiça, a Resolução nº 35 de 24.04.07 regulamenta a matéria e leciona a regra

contida. Portanto, é legal proceder à dissolução de divórcio extrajudicial por vias

administrativas, visto que as escrituras públicas na separação e divórcio não

dependem de homologação judicial, assim como são hábeis para processar a opção

por via extrajudicial.

A celeridade nestes termos soluciona a vontade das partes e o acesso

mais simples, assim como coloca a dissolução do vínculo direto, rápida na forma

administrativa, e isso é possível porque em uma acepção ampla tudo que é viável e

benéfico para a sociedade e para o poder judiciário é admissível no direito, assim a

disciplina normativa do divórcio extrajudicial é de relevância para as relações

familiares, porque exclui a desburocratização dos procedimentos judiciais.

A Lei 11.790, de 02.10.2008, que passou a permitir o registro da

declaração de nascimento fora do prazo legal diretamente nas serventias

extrajudiciais, sem mais o imperativo da interferência judicial, como se dava até

então. No caso, o requerimento deve ser feito mediante duas testemunhas, e, no

caso de suspeita de falsidade da declaração, o oficial do Registro Civil poderá exigir

provas. Persistindo a suspeita, aí, sim, o oficial encaminhará os autos ao juízo

competente.

Na verdade, o efeito social causado por esses diplomas é que se destaca,

haja vista a percepção de que o acesso à Justiça pode se dar também pela

simplicidade dos procedimentos e pelo desafogar do judiciário. Ainda mais numa

questão que envolve a privacidade de pessoas, em que a temática acerca da

afetividade era posta em discussão junto à autoridade judicial, em muitas ocasiões

num desconforto desnecessário.

A Justiça alternativa extrajudicial é formada pelos vários métodos de

solução de conflitos, que podem ser aplicados em situações variadas, bem como

pelos registros públicos, que vêm se caracterizando por ser um espaço eclético e

que tem sido o palco principal da desjudicialização, incorporando procedimentos

importantes de jurisdição voluntária, tendo em conta a instrumentalidade do

processo registral.

51

3.9 A importância da atividade extrajudicial para a desjudicialização

Desde o nascimento até a morte, o cartório, por meio de sua atividade

notarial e registral estará presente na vida dos seres humanos. Na verdade, a

atividade estará presente até mesmo na iminência de sua morte e além dela. Na

primeira situação, quando ouve as suas diretrizes de última vontade e lavra o

testamento vitae. Na segunda, ao lavrar o inventário, partilha ou adjudicação dos

bens deixados. 78

Nos dias atuais, quando o oficial registrador faz o assento de nascimento

de uma criança ele já fornece, simultaneamente, a certidão do registro de

nascimento e o número de inscrição daquela criança no Ministério da Fazenda, ou

seja, o número do seu CPF emitido pela Receita Federal.

Ressalte-se que existe pelo menos um cartório de registro civil em cada

município e até mesmo nos distritos municipais. Sem falar que por meio de

interligação e convênio com as maternidades, esses documentos já são entregues

aos pais na própria maternidade sem qualquer necessidade de ir até o cartório.

Por fim, a Lei Federal 13.484/2017 ratificou o entendimento que os

cartórios de registro civil das pessoas naturais são os cartórios da cidadania.

Segundo o então presidente da Associação dos Notários e Registradores de São

Paulo (Anoreg/SP), Leonardo Munari, com a medida os órgão públicos podem

aproveitar da capilaridade dos cartórios, além de tornar a emissão de documentos

mais acessível à população.

Tramita na Câmara dos Deputados a proposta de emenda à Constituição

Federal n. 255/2016, a qual tem o objetivo de acrescer ao texto constitucional a

atividade notarial e registral como uma função essencial à justiça, o que de fato já o

é. Eis a aludida emenda:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC. 255 /2016 - Acrescenta Seção V – DAS FUNÇÕES DA FÉ PÚBLICA NOTARIAL E DE REGISTRO, ao Capítulo IV - DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA, do Título IV da Constituição. As Mesas da Câmara dos Deputados e do

78CUNHA, Anna Cecilia Guedes de Farias; et al. Direito Notarial e Registral. Salvador: JusPODIVM,

2016, p. 101.

52

Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º Fica acrescida a Seção V- DAS FUNÇÕES DA FÉ PÚBLICA NOTARIAL E DE REGISTRO, ao Capítulo IV, do Título IV, da Constituição, com a seguinte redação: “CAPITULO IV - DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA” SEÇÃO V DAS FUNÇÕES DA FÉ PUBLICA NOTARIAL E DE REGISTRO Art. 135-A As funções notariais e de registro são permanentes e essenciais para conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia aos atos e negócios jurídicos, à produção de todos os efeitos inclusive em relação a terceiros, prevenção de conflitos, manutenção da ordem jurídica e ao desenvolvimento econômico. § 1º As funções notariais e de registro são exercidas exclusivamente por notários e registradores, em caráter privado, por delegação do poder público, não se lhes aplicando as disposições pertinentes aos servidores públicos previstas nesta Constituição, e sob fiscalização: I – dos atos notariais e de registro, pelo Poder Judiciário dos Estados e do Distrito Federal; II – das relações de trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; III - da arrecadação, das despesas e dos tributos municipais, estaduais e federais, pelas respectivas fazendas públicas. § 2º São funções típicas e privativas de notários e registradores: I – praticar os atos de inscrição, registro e averbação declaratórios, constitutivos, modificativos ou extintivos da vida civil da pessoa natural ou jurídica, da propriedade, direitos e situações relacionadas a bens móveis e imóveis e seus titulares, além de registros para conservação, e os procedimentos a eles relacionados; II – a recuperação de crédito, a prova do inadimplemento ou da mora, e os atos deles decorrentes. III – a formalização da vontade das partes e a intervenção nos atos e negócios jurídicos a que as partes queiram ou devam dar forma legal ou autenticidade; IV - exercer outras funções que lhes forem conferidas por lei. § 3º Compete aos notários e registradores o desempenho eficiente, a manutenção e o aperfeiçoamento de suas funções, bem como a guarda e conservação dos dados e acervo documental dos Tabelionatos e Registros, a emissão de certidões e a disponibilização de acesso às informações na forma da lei, respeitado o direito à privacidade do cidadão. § 4º Lei regulará o desempenho das funções notariais e de registro e sua organização, observadas, relativamente a notários e registradores: I - as seguintes garantias: a) independência jurídica; b) autonomia financeira e administrativa. c) perda da delegação somente por sentença judicial transitada em julgado, e invalidez total e permanente. II - as seguintes vedações: a) exercer a advocacia; b) exercer qualquer cargo público, salvo, o decorrente de mandato eletivo, de provimento comissionado ou de magistério; c) a intermediação de seus serviços. III- a responsabilidade administrativa e civil, direta e subjetiva, dos notários e registradores, e de seus prepostos, assegurado o direito de regresso. 79

Os serviços notariais e de registro fazem parte da vida do cidadão, tendo

participação de grande relevância para dirimir conflitos e prevenção de fraudes,

abrangendo rigoroso cumprimento dos prazos legais de execução dos atos,

79BRASIL, República Federativa do. PEC 255/2016. Disponível em:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2092228. Acesso em: 04 jun. 2018.

53

agilidade, diligencia no atendimento ao público, instalações modernas e processos

de controle de informações e a execução dos atos rigorosamente de acordo com o

direito.

A inserção da atividade como uma função essencial à administração da

justiça é questão que merece acurada análise e há uma grande possibilidade de não

encontrar respaldo na ciência jurídica.

No entanto, a importância da atividade notarial e registral para o desafogo

do Poder Judiciário é ideia que encontra solo fértil e água abundante. A colheita é

certa e os frutos desse plantio a atual e todas as novas gerações hão de colher.

Portanto, cabe aos processualistas plantarem, cada vez mais, nesta terra

prometida e conquistada, novos e novos procedimentos extrajudiciais, tais como o

cumprimento de inventários, a alteração de regime de bens, a pré-executividade

fiscal ou até a própria execução fiscal, dentre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desafios da advocacia sobrepujam o exercício técnico, a necessária

atualização constante e as batalhas diárias frente aos órgãos judiciais, auxiliares da

justiça e afins. Também não se limitam à dedicação ao cliente e prontidão no

atendimento. Talvez o maior desafio para o advogado do terceiro milênio seja

compreender, aceitar e pôr em prática inovadores conceitos de gestão jurídica,

geralmente desconhecidos e até mesmo temidos.

Os crescentes espaços para deliberação em negócios jurídicos ou

acordos, criados pela atividade legislativa é a prova cabal da legitimação da Justiça

alternativa que também é um corolário do constitucionalismo brasileiro. A

participação democrática não se restringe apenas ao processo político de formação

do poder, mas se estende à esfera da vida pessoal, já que a epistemologia do

processo democrático tanto serve para tutelar o Estado de Direito, quanto para

permitir a efetivação dos direitos fundamentais por meio de procedimentos

dialéticos. A jurisdição constitucional seria uma forma de controle realizado pelo

Estado em relação às normas que compõem o ordenamento jurídico e que devem

respeitar os ditames da Constituição, admitindo tal procedimento a participação

ampla da sociedade.

Desde milhares de anos atrás, cada pessoa interessada procura pelo

escriba no qual deposita a sua fé, a sua confiança. Assim os notários são

procurados em razão da sua boa fama, e cada usuário pode escolher o notário da

sua confiança.

A história da civilização tem demonstrado que, a atividade notarial e de

registro, desde a antiguidade, são um importante instrumento da fé pública, instituído

pelo Estado para dar segurança e certeza às relações sociais e econômicas,

guardando, inclusive, estreita relação com a evolução da sociedade e dos negócios

jurídicos por ela praticados.

No sistema do notariado latino ou romano-germânico, adotado pelo Brasil,

deve o notário prestar informação precisa, minudente e especializada às partes

55

acerca dos negócios jurídicos que elas pedem para oficializar. Assim, os poderes

constantes de uma procuração, o teor de uma escritura, os termos técnicos de um

documento redigido pelo notário, são exemplos de explicações necessárias aos

usuários do serviço.

Pelo estudo ora em epigrafe pode-se concluir que a atividade notarial e de

registro constitui, em consequência de sua própria natureza jurídica, função

substancialmente estatal e de caráter administrativa, sendo inadequado amparar

que a execução de serviços em cunho privado descaracteriza sua essência.

Para efeitos da Lei 8.935, de 18.11.1994, “notário” tem aplicação ampla,

genérica e não se restringe ao tabelião de notas. Serve para as três espécies de

tabelião. Assim, tanto o tabelião de notas, quanto o tabelião de protesto e o tabelião

e oficial de contratos marítimos são notários.

O fato de, desde a conceituação inicial, constar da Lei 8.935, de

18.11.1994, que tanto o notário quanto o registrador são profissionais do Direito

implica dizer que o serviço é especializado, privativo de conhece-dores das leis e,

assim, capacitados a assessorar às pessoas que precisam declarar algo perante

uma Serventia.

E a modalidade de assessoria não meramente passiva, à distância: o

notário e o registrador são participantes ativos e intermediários da vontade das

partes, pois somente poderão registrar um fato jurídico ou constituir um ato jurídico

com o modo definido pela lei; não necessariamente como os narradores

descreveram em suas pretensões, em suas conversas, em seus pedidos ou

requerimentos.

A fé pública que a lei confere aos notários e registradores é o que oferta

eficácia e segurança jurídica aos atos por eles praticados ou por eles chancelados.

A democracia deliberativa é de extrema importância para a construção

epistêmica, em torno dos procedimentos alternativos de solução de conflito, na

medida em que dela nasce a lei legitimadora dos espaços de Justiça extrajudicial,

caracterizados pela facultatividade e pela potencialização da autonomia da pessoa

para deliberar sobre seus planos de vida. Por outro lado, a deliberação em sede

jurisdicional em sentido amplo representa o cerne do processo democrático, em que

o indivíduo em pleno exercício de cidadania traça o rumo de seu destino e de sua

56

família, fato que apresenta reflexos na própria sociedade formada por uma

pluralidade de gentes capazes de deliberar sobre a efetividade desses espaços,

provocando a sua mantença e evolução sistemática – fato que vem ocorrendo

progressivamente com o aumento da competência jurisdicional por meio de lei – ou

até mesmo a sua derrocada.

A cooperação entre delegatários e advogados é fundamental para

formação de um processo em sintonia com o devido processo legal em sentido

material e formal, tendo como diferencial a celeridade, o respeito à dignidade

humana e a garantia da responsabilidade objetiva dos serviços registrais.

Logo, a atividade notarial e de registro representa atualmente um

importante instrumento para a plena, rápida e eficaz realização do direito e da

justiça, tornando assim um braço forte do Estado, investido na sua função

jurisdicional, com capacidade real de evitar a lide e oferecer solução segura e

confiante para o cidadão em tudo contribuindo para a desjudicialização dos

processos.

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