vendramini - ed campo

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299 Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014 http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index EDUCAÇÃO DO CAMPO OU EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO, DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS Adriana D’Agostini 1 Célia Regina Vendramini 2 Resumo O artigo debate a Educação do Campo sob a perspectiva do empresariado, do Estado e dos movimentos sociais. Demonstra que a relação entre as orientações dos organismos multilaterais para as políticas educacionais estão presentes na educação do campo. Uma via é a intervenção do empresariado agrícola nas escolas por meio do trabalho voluntário, projetos de ONGs, oferecimento de vagas por isenção fiscal, além do PRONATEC formado pelo sistema S, evidenciando as parcerias público-privadas. Outra via são as políticas de educação do campo, como o PROCAMPO, o PRONATEC e o Transporte Escolar, que ocorrem por programas e editais de forma descontínua, fragmentada e pragmática. A perspectiva dos movimentos sociais é de resistência e de construção de uma educação diferenciada pelo corte de classe. Porém, a partir das contradições vividas na sociedade capitalista, acabam por pactuar e consensuar pela necessidade de acesso à escola e formação de professores. Palavras-chave: Educação do Campo; Empresariamento da Educação; Políticas de Educação do Campo; Estado; Movimentos Sociais 1 Doutora em Educação e Pesquisadora e líder do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos sobre as Transformações do Mundo do Trabalho - TMT. Atualmente é professora do departamento EED/CED/UFSC. Endereço: Campus Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970 - Florianópolis, SC Brasil. Telefone: (48) 37212902. E-mail: [email protected] 2 Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa (2005) e pela Cornell University (2013). É professora associada IV da Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Grupo de pesquisa TMT - Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho. Endereço: Campus Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970 - Florianópolis, SC Brasil. Telefone: (48) 37212902. E-mail: [email protected]

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Ed Campo

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    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO, DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS

    SOCIAIS ORGANIZADOS

    Adriana DAgostini1 Clia Regina Vendramini2

    Resumo

    O artigo debate a Educao do Campo sob a perspectiva do empresariado, do Estado e dos

    movimentos sociais. Demonstra que a relao entre as orientaes dos organismos multilaterais

    para as polticas educacionais esto presentes na educao do campo. Uma via a interveno do

    empresariado agrcola nas escolas por meio do trabalho voluntrio, projetos de ONGs,

    oferecimento de vagas por iseno fiscal, alm do PRONATEC formado pelo sistema S,

    evidenciando as parcerias pblico-privadas. Outra via so as polticas de educao do campo,

    como o PROCAMPO, o PRONATEC e o Transporte Escolar, que ocorrem por programas e

    editais de forma descontnua, fragmentada e pragmtica. A perspectiva dos movimentos sociais

    de resistncia e de construo de uma educao diferenciada pelo corte de classe. Porm, a partir

    das contradies vividas na sociedade capitalista, acabam por pactuar e consensuar pela

    necessidade de acesso escola e formao de professores.

    Palavras-chave: Educao do Campo; Empresariamento da Educao; Polticas de Educao do

    Campo; Estado; Movimentos Sociais

    1 Doutora em Educao e Pesquisadora e lder do grupo de pesquisa Ncleo de Estudos sobre as Transformaes do

    Mundo do Trabalho - TMT. Atualmente professora do departamento EED/CED/UFSC. Endereo: Campus Reitor

    Joo David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970 - Florianpolis, SC Brasil. Telefone: (48) 37212902. E-mail: [email protected] 2 Ps-Doutorado pela Universidade de Lisboa (2005) e pela Cornell University (2013). professora associada IV da

    Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Grupo de pesquisa TMT - Ncleo de Estudos sobre as

    Transformaes no Mundo do Trabalho. Endereo: Campus Reitor Joo David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970 -

    Florianpolis, SC Brasil. Telefone: (48) 37212902. E-mail: [email protected]

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    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

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    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    1 INTRODUO

    H 16 anos atrs, quando se constitua a Articulao Nacional por uma Educao do

    Campo, no mbito da I Conferncia Nacional por uma Escola Bsica do Campo (1998), tiveram

    incio aes que visavam romper com a formulao e as polticas e propostas denominadas de

    educao rural. Ao mesmo tempo, buscava-se ampliar as formulaes em torno de uma educao

    e escola vinculada s lutas dos movimentos sociais organizados, o que ficou expresso no I

    Encontro Nacional de Educao da Reforma Agrria ENERA, em 1997.

    O estabelecimento de um sistema pblico de ensino para o campo, passa a ser o objetivo

    de luta de diversos movimentos e organizaes do campo, educadores e pesquisadores.

    Destacam-se as aes educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

    De l para c, avolumam-se lutas e reivindicaes em torno da educao e da escola no

    campo; experincias em escolas e outros espaos educativos em reas de reforma agrria, de

    assentamentos, em associaes e cooperativas, em vilas rurais; programas dirigidos formao

    de educadores e s escolas do campo; regulamentao da educao do campo; encontros e

    seminrios no mbito dos movimentos sociais e das universidades (encontros regionais, nacionais

    e inclusive internacionais); pesquisas e publicaes; aes de formao e escolarizao como

    fruto de parcerias entre universidades e movimentos sociais, entre muitas outras iniciativas.

    Muito j foi dito e escrito sobre a educao do campo, seus avanos e recuos, suas

    conquistas histricas para a populao do campo, seus limites no que diz respeito propagao

    de saberes de uma realidade especfica, sua vinculao com o aparato do Estado e a

    dependncia das polticas pblicas, entre outros temas e problemas. A perspectiva dos

    movimentos sociais no que diz respeito educao do campo tem conquistado ateno, porm

    pouco se refletiu sobre como o empresariado e o Estado tm se apropriado dessa bandeira de luta.

    o que pretendemos perseguir neste artigo.

    Nossa hiptese de que a formulao educao do campo, pelo carter geral e difuso,

    permite a sua apropriao por diferentes grupos, instituies e interesses, ainda que divergentes.

    Sabemos da sua origem vinculada s lutas dos movimentos sociais, bem como da necessidade de

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    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    expanso da escola no campo, diante do ainda alto nmero de analfabetos e jovens e adultos com

    baixa escolarizao, e do desafio de romper com uma escola ruralista que visa a subordinao ao

    desenvolvimento capitalista no campo. Entretanto, observamos os riscos de uma proposio

    generalista que no carrega em si a marca de classe, que no delimita a quem se dirige ou quais

    finalidades formativas pretende alcanar.

    Nesta direo, desenvolvemos trs sees que abordam a relao do empresariado, do

    Estado e dos movimentos sociais com a educao do campo. Tomamos como base, cartilhas e

    publicaes de empresas que atuam no campo, documentos que apresentam aes do Estado no

    que se refere s polticas pblicas para a escola do campo, documentos e publicaes dos

    movimentos sociais, particularmente do MST, bem como resultados de pesquisas j

    desenvolvidas pelas autoras.

    2 O EMPRESARIADO E A EDUCAO DO CAMPO

    Nos ltimos anos, discursos de setores privados e empresariais juntaram-se a outras

    organizaes, instituies e movimentos sociais em prol da educao do campo, da educao

    ambiental e da educao para o desenvolvimento sustentvel. So iniciativas sociais e ambientais

    de responsabilidade social do setor empresarial, por meio de institutos e fundaes de empresas

    nacionais e multinacionais que atuam no setor agrcola.

    O Instituto Souza Cruz, fundado e mantido pela empresa produtora de cigarros Souza

    Cruz, integrante do grupo British American Tobacco, tem manifestado interesse pela educao do

    campo, como pode ser observado na edio de julho de 2010, da sua revista Marco Social. No

    ano em que o Instituto completa uma dcada de aes educacionais no campo, a revista

    dedica-se a um balano crtico-reflexivo sobre os avanos e desafios da rea em que a

    organizao escolheu atuar, segundo o diretor do Instituto. (LETTI, 2010)

    O estatuto desta edio da revista Marco Social pode ser observado pelas suas matrias:

    textos de pesquisadores de destacadas universidades brasileiras; entrevista com o ministro da

    educao poca, Fernando Hadadd, e com o padre Humberto Pietrogrande, fundador do

    Movimento de Educao Promocional do Esprito Santo - MEPES, que trouxe ao Brasil a

    pedagogia da alternncia; relatos de experincias de cursos de licenciaturas em educao do

  • 302 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

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    campo nas universidades; alm da apresentao de duas iniciativas do prprio Instituto Souza

    Cruz: a Rede Jovem Rural e o Programa Empreendedorismo do Jovem Rural (PEJR).

    A Rede Jovem Rural tem propsitos ambiciosos, como o de mapear as organizaes que

    trabalham com educao do campo no Brasil, por meios das relaes em rede, ou o de subsidiar

    polticas pblicas, sistematizando e divulgando experincias. O gerente do Instituto Souza Cruz e

    coordenador da Rede Jovem Rural apresenta na j citada revista Marco Social, o objetivo do

    projeto de promover aes de cooperao e defesa conjunta da causa do jovem rural brasileiro,

    constituindo um espao para troca de experincias, em especial aquelas focadas no

    empreendedorismo do jovem e no desenvolvimento sustentvel dos territrios rurais. (2010, p.

    76)

    Em 2012, o Instituto Souza Cruz lanou o programa Novos Rurais3, com o objetivo de

    fomentar estratgias de diversificao produtiva e comercial entre jovens que vivem no campo.

    Uma das etapas do Programa a formao, com contedos complementares aos do Ensino

    Mdio, voltados para a gesto de projetos rurais sustentveis.

    Em linhas gerais, os programas desenvolvidos pelo Instituto visam a educao para a

    sustentabilidade do campo, promovendo o empreendedorismo de jovens rurais, por meio de

    projetos, alguns deles complementares e em articulao com o ensino formal, e em parceira com

    diversas instituies. Como sabemos, a Souza Cruz uma das principais compradoras de fumo

    no Brasil, dependendo de milhares de agricultores que produzem pelo sistema integrado de

    produo. Portanto, seu interesse que o agricultor permanea no campo e que os jovens deem

    seguimento produo de fumo, assim como seus pais. O objetivo de fato o da

    sustentabilidade, entretanto a sustentabilidade da empresa e do sistema de integrao, com

    iniciativas que visem aumentar a produtividade e competitividade tanto dos produtores rurais

    quanto da Souza Cruz4.

    Uma outra empresa com iniciativas sociais, ambientais e educativas nos pases onde atua

    a Monsanto, uma indstria agroqumica multinacional de agricultura e biotecnologia, situada

    nos Estados Unidos e lder mundial na produo de herbicida glifosato (marca Roundup).

    Tambm lder na produo de sementes geneticamente modificadas, os chamados transgnicos.

    3 Disponvel em: http://www.institutosouzacruz.org.br. Acesso em 16 de julho de 2014.

    4 Disponvel em: http://www.souzacruz.com.br. Acesso em 16 de julho de 2014.

  • 303 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

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    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    No Relatrio de Aes da empresa desenvolvidas em 2013, so apresentadas as

    iniciativas de investimentos sociais no Brasil. No que se refere educao, constam iniciativas

    vinculadas ONG Inmed Brasil, Instituio Cidade dos Meninos, Instituio Ayrton Senna e

    Associao Vida, alm do programa de voluntariado dos funcionrios da empresa. Os recursos

    destinados a projetos so constitudos de investimento social privado e patrocnio e de doaes

    incentivadas por iseno fiscal, beneficiando-se das leis de Incentivo Cultura (Lei Rouanet) e

    do Esporte.

    Entre as iniciativas da empresa, observamos aes voltadas diretamente s escolas e

    professores da rede pblica de ensino, como a formao em biotecnologia a professores de

    cincias e geografia da rede municipal de Petrolina, Pernambuco. Coincidentemente, a empresa

    se instalou em Petrolina em 2013, com investimentos em tecnologias para a produo de milho,

    soja, algodo, sorgo e cana-de-acar na regio. Segundo notcia no site da empresa, o encontro

    com os professores foi uma oportunidade para o esclarecimento de dvidas sobre o projeto, seus

    objetivos e, tambm, sobre as atividades que a unidade da Monsanto realiza em Petrolina.

    Interessa Monsanto a formao de futuros profissionais para trabalhar na empresa, vendo a

    escola e seus professores como canal para tal. Alm da qualificao dos professores para

    incremento de sua capacidade pedaggica, em curto prazo, os parceiros do projeto Piloto de

    Educao Continuada em Biotecnologia esperam que a iniciativa desperte o interesse dos alunos

    nas oportunidades de trabalho cada vez mais comuns nesse setor.5

    Uma outra iniciativa de parceira entre setor privado e pblico so as aes de educao

    ambiental e revitalizao de reas de nascentes junto Secretaria do Meio Ambiente da cidade de

    So Jos dos Campos, envolvendo alunos, professores e lideranas da Monsanto. Tambm neste

    caso, a empresa tem uma unidade no municpio a preservar e ampliar. Segundo Lgia Izzo,

    gerente da unidade Monsanto no municpio, a empresa comprometida com a sociedade onde

    est inserida.6

    Como mencionamos acima, a Monsanto apoia algumas iniciativas de Organizaes No

    governamentais, como o Instituto Ayrton Senna, o qual atua especialmente na rea da educao,

    visando interferir no potencial das novas geraes, com programas que chegam inclusive s redes

    5 Disponvel em: http://www.monsanto.com/global/br/noticias. Acesso em 16 de julho de 2014.

    6 Disponvel em: http://www.monsanto.com/global/br/noticias/pages/nascente-da-urbanova-recebera-acoes-de-

    educacao-ambiental-e-revitalizacao-na-semana-do-meio-ambiente.aspx. Acesso em 16 de julho de 2014.

  • 304 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    pblicas de ensino para combater, segundo os propositores, os problemas que impedem o aluno

    de ter sucesso na escola. Em reportagem sobre a parceria, o diretor de Assuntos Corporativos da

    Monsanto afirmou: A rea da educao uma das prioritrias dentro do investimento social da

    empresa. Isso porque acreditamos que uma educao de qualidade contribui para transformao

    da realidade social, econmica e cultural da populao ao ampliar empregabilidade, renda e

    incluso.7

    Como vemos, o objetivo da Monsanto associar suas atividades comunitrias aos seus

    princpios de negcios, por meio do investimento social corporativo, o qual est direcionado para:

    agricultura sustentvel e biodiversidade, desenvolvimento local sustentvel e participao cidad.

    Para manter e fazer crescer seus lucros exorbitantes, a empresa vem controlando a

    cadeia alimentcia, desde a produo de sementes, impondo o fim da variedade de sementes

    desenvolvidas pelos prprios agricultores, at a comercializao de pesticidas, inseticidas,

    herbicidas, fungicidas, etc. Com o controle do mercado de soja e milho transgnico, alm dos

    pesticidas, ela tem o poder quase absoluto de determinar o preo das sementes e de outros

    produtos.

    Com as inmeras iniciativas de condenao da produo, da comercializao, das aes

    e das polticas da empresa em diversos pases do mundo, como a Jornada global de luta contra a

    Monsanto iniciada em 2013, a empresa tem buscado fortalecer seus investimentos sociais. Visa,

    assim, tentar encobrir os gravssimos prejuzos causados sade, ao meio ambiente, agricultura,

    soberania alimentar e aos trabalhadores.

    A Souza Cruz e a Monsanto podem ser consideradas dois casos exemplares da crescente

    preocupao dos setores empresariais privados com a educao do campo, a educao

    ambiental e a educao para o desenvolvimento sustentvel. Poderamos indicar outros

    exemplos, tais como as aes vinculadas a bancos pblicos e privadas (Banco do Brasil, Ita,

    Santander, Bradesco), ao Sistema S, como o SENAR, a cooperativas empresariais e outros.

    A educao apresentada pelo setor empresarial como o remdio de todos os males, o

    meio de corrigir os excessos e as consequncias nefastas do modo de produo capitalista. De

    7 Disponvel em: http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/monsanto-apoia-instituto-ayrton-senna-608. Acesso em 16 de

    julho de 2014.

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    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    educar as jovens geraes para cuidar do meio ambiente, enquanto o capital incapaz de se

    impor limites, no importando as consequncias, nem mesmo a eliminao total da humanidade,

    conforme anlise de Meszros (2002). No vemos aqui qualquer novidade. Os liberais, como

    Adam Smith, j propunham solues moralizantes, vendo a educao como um importante

    antdoto aos efeitos degradantes do sistema sobre os trabalhadores.

    O interesse das empresas pela educao pode ser visto sob vrios aspectos. Um deles

    refere-se oferta de treinamento, formao e oportunidades empreendedoras visando a

    permanncia dos agricultores no campo, particularmente dos jovens, e sua vinculao no apenas

    produtiva, mas tambm social com a empresa. No caso da Souza Cruz, preciso que os

    agricultores continuem produzindo tabaco em regime de integrao com a empresa. No caso da

    Monsanto, preciso que os agricultores continuem produzindo e consumindo seus venenosos e

    lucrativos produtos.

    A to propalada sustentabilidade, como j afirmado acima, refere-se sustentabilidade

    das empresas e sua taxa de lucros, o que coloca como condio a permanncia da condio

    subalterna dos agricultores e pequenos produtores rurais, seja como produtores ou como

    consumidores. O que implica a subordinao do trabalho ao capital. O fetiche do discurso da

    sustentabilidade se desvela diante do carter destrutivo do sistema do capital.

    Considerando que nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema prprio de

    educao, segundo anlise de Meszros (2002), vemos o que h por trs da preocupao das

    empresas com a educao, na medida em que esta se constitui em mecanismo fundamental para

    garantir a interiorizao dos valores capitalistas e, portanto, do modo de produzir e reproduzir a

    vida sob controle do capital.

    As iniciativas educacionais das empresas se realizam por meio de parcerias com ONGs,

    o chamado terceiro setor, e tambm de parcerias com setores pblicos, destacando-se aqui as

    secretarias de educao, cultura e meio ambiente de governos municipais. Observa-se um regime

    de colaborao entre entidades pblicas e privadas, as quais enfraquecem a presena do Estado

    nas polticas pblicas sociais e fortalecem a presena do Estado no setor privado, por meio de

    diversos mecanismos, como a iseno de impostos, incentivos fiscais, negociao de dvidas,

    entre outros.

  • 306 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    Montao (2005) um autor que nos ajuda a compreender com profundidade o terceiro

    setor e sua funo ideolgica e mistificadora do real, observando as transformaes do capital

    que o conduzem a um novo padro de respostas questo social, segundo os valores da

    solidariedade voluntria, da auto-ajuda e da ajuda mtua. Segundo o autor, o objetivo retirar o

    Estado da responsabilidade de interveno social e transferi-la para a esfera do terceiro setor.

    Por fim, a imagem da empresa e a sua aceitao social outro elemento que justifica o

    seu interesse pela educao. Suas iniciativas sociais, ambientais e educacionais so louvadas pela

    mdia, transformando de forma mgica, uma empresa que produz veneno em uma empresa do

    bem. Como exemplo, apresentamos abaixo uma notcia publicada quando do estabelecimento da

    parceria entre a Monsanto e o Instituto Ayrton Senna.

    Em 2011, a Monsanto investiu mais de R$ 5 milhes em projetos socioambientais,

    impactando cerca de 390 mil pessoas, em 90 municpios distribudos por 12 estados

    brasileiros. Seu forte compromisso social e ambiental reconhecido em pesquisas como

    a realizada pela revista Isto Dinheiro, que a elegeu uma das 50 Empresas do Bem. Por trs anos consecutivos, a companhia tambm listada entre as empresas mais sustentveis segundo a mdia, ranking elaborado pela revista Imprensa, a partir de levantamento que aponta as empresas mais presentes no noticirio nacional de maneira

    positiva em temas como sustentabilidade, responsabilidade social, meio ambiente,

    recursos humanos e transparncia. Alm disso, a Monsanto recebeu do Instituto Akatu

    pelo Consumo Consciente e do Instituto Ethos o ndice AAA (o mais alto) de avaliao

    do grau de responsabilidade social de empresas e organizaes.8

    A preocupao do empresariado com a educao do campo e a sustentabilidade expressa

    o seu interesse pela educao e escolarizao em geral, o qual no novo, segundo Rodrigues

    (1998). Ele est presente no Brasil, desde a criao da Confederao Nacional da Indstria (CNI)

    em 1938, quando os empresrios formulam diretrizes e aes para (con)formao da fora de

    trabalho. A CNI torna-se, aps a dcada de 1980, um dos principais aparelhos privados de

    hegemonia no Brasil, defendendo com maior nfase a ampliao da escolarizao como um

    elemento indispensvel para o aumento da competividade da indstria.

    8 Disponvel em: http://ruralcentro.uol.com.br/noticias/monsanto-apoia-instituto-ayrton-senna. Acesso em 16 de

    julho de 2014.

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    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    3 AS POLTICAS PBLICAS PARA A EDUCAO DO CAMPO

    As polticas pblicas e seus documentos acerca da educao do campo esto orientados

    pelo conjunto das polticas focais e fragmentrias prprias do Estado em sua fase neoliberal, cuja

    funo bsica facilmente identificvel com as recomendaes dos organismos internacionais:

    educao como segurana e alvio da pobreza.

    Os estudos de D'Agostini (2009), Titton (2010) e Oliveira (2013) identificam que as

    polticas de educao e, consequentemente, as especficas de educao do campo esto orientadas

    pelas diretrizes e propostas das agncias multilaterais, tais como: Organizao das Naes Unidas

    para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO); Comisso Econmica para a Amrica Latina

    e o Caribe (CEPAL); Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO) e

    Banco Mundial, destinadas educao e que se articulam s polticas de conteno da pobreza

    como meio de regulao social no Brasil.

    A formulao Educao do Campo foi construda juntamente com as polticas de

    consenso, da dcada de 1990. Em 1998, os movimentos sociais do campo, principalmente o MST,

    a partir da presso ao governo pelo direito educao, particularmente uma educao

    diferenciada vinculada realidade das reas de reforma agrria, conquistaram a criao do

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA. Este programa de educao

    se desenvolveu no interior do INCRA/MDA com forte influncia e dilogo com os movimentos

    sociais do campo. No decorrer do processo, o PRONERA foi sendo enfraquecido politicamente e

    o seu financiamento diminuiu. Ao mesmo tempo, ampliou-se a bandeira por educao para os

    povos do campo, o que resultou na terminologia Educao do Campo, com apoio dos

    Organismos Multilaterais como UNESCO e UNICEF, que apoiaram e fortaleceram o ento

    Movimento Nacional pela Educao Bsica do Campo, relativizando o carter de classe e

    construindo certo consenso para a implementao de polticas pblicas focais.

    Neste contexto de discusses, disputas e construo de consenso, em 2002, foram

    construdas e aprovadas as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do

    Campo (DOEBEC), Resoluo CNE/CEB n1, de abril de 2002. Uma legislao especfica e, ao

    mesmo tempo, genrica que trata de princpios para uma educao no/do campo pensada a partir

    de sua realidade e suas potencialidades, numa perspectiva desenvolvimentista e sustentvel.

  • 308 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    Num segundo momento, criou-se, em 2004, a Secretaria de Educao Continuada,

    Alfabetizao e Diversidade - SECAD no MEC para tratar das polticas de Educao do Campo

    no mbito deste ministrio e no mais no INCRA. Neste momento, observa-se uma consonncia

    maior com as diretrizes do Banco Mundial para a educao em torno do slogan educao para

    todos. Esta consonncia pode ser constatada em 2008, quando a SECAD/MEC assumiu o

    programa Escola Ativa9 como a principal poltica de educao do campo e a tornou nacional. Este

    programa oriundo do BM, que financiou e organizou as sries primrias, de forma multisseriada

    nas regies mais pobres do pas, por mais de 10 anos.

    As prprias Diretrizes para a educao do campo respeitam e correspondem s diretrizes

    do BM, como uma ttica do Estado para atingir as metas de universalizao da educao e

    demais questes pactuadas com estes organismos. J para os movimentos sociais, avalia-se que

    foi necessria a produo de um consenso pela necessidade de acessarem a escola e a

    possibilidade de investimento em formao de professores.

    Percebe-se a consonncia entre as Diretrizes da educao do campo e as do BM, como

    por exemplo no artigo que segue:

    Art. 3 O Poder Pblico, considerando a magnitude da importncia da educao escolar

    para o exerccio da cidadania plena e para o desenvolvimento de um pas cujo paradigma

    tenha como referncias a justia social, a solidariedade e o dilogo entre todos,

    independente de sua insero em reas urbanas ou rurais, dever garantir a

    universalizao do acesso da populao do campo Educao Bsica e Educao

    Profissional de Nvel Tcnico. (BRASIL, 2002).

    Em 2010, outro passo a frente na legislao, auxilia na consolidao da educao do

    campo como poltica pblica, o Decreto n 7.352, de 4 de novembro de 2010 - Poltica de

    Educao do Campo e o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria PRONERA. Este

    decreto define o que uma escola do campo e os critrios para a sua identificao, ampliando a

    abrangncia, pois alm dos critrios geopolticos, agora entram em questo, os sujeitos atendidos

    pela escola e a construo do seu Projeto Poltico Pedaggico de acordo com as DOEBEC.

    9 Ver: Verbete Escola Ativa do Dicionrio da Educao do campo em Caldart (In: CALDART, PEREIRA,

    ALENTEJANO e FRIGOTTO, 2012, p. 313-323) e o artigo de Ribeiro (2011).

  • 309 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    Decorrente deste Decreto que regulamenta a Educao do Campo, criou-se um programa

    guarda-chuva, o PRONACAMPO (Programa Nacional de Educao do Campo) que, de acordo

    com a Portaria n 86, de 1 de fevereiro de 2013, tem como objetivo:

    Apoiar tcnica e financeiramente os Estados, Distrito Federal e Municpios para a

    implementao da poltica de educao do campo, visando a ampliao do acesso e a

    qualificao da oferta da educao bsica e superior, por meio de aes para a melhoria

    da infraestrutura das redes pblicas de ensino, a formao inicial e continuada de

    professores, a produo e a disponibilizao de material especfico aos estudantes do

    campo e quilombola, em todas as etapas e modalidades de ensino. (BRASIL, 2013).

    O Programa est estruturado em quatro eixos, a saber: 1) Gesto e Prticas Pedaggicas;

    2) Formao Inicial e Continuada de Professores; 3) Educao de Jovens e Adultos e Educao

    Profissional e; 4) Infraestrutura Fsica e Tecnolgica. Estes eixos resultam em 16 aes de

    educao do campo. Dentre elas, destacamos para o debate neste artigo, o PROCAMPO

    (Licenciaturas em Educao do Campo), o PRONATEC e o Transporte Escolar.

    O PROCAMPO o programa destinado a oferecer e apoiar cursos de formao inicial

    em forma de licenciaturas para atuao nos anos finais do ensino fundamental e mdio. Ele

    fomentado via editais, dos quais as Instituies de Ensino Superior submetem propostas de

    acordo com a legislao e as normas do edital em questo. Estas licenciaturas esto organizadas

    de forma flexvel, local, voltadas ao desenvolvimento sustentvel territorial. Para garantir acesso

    e permanncia dos estudantes do campo, os cursos so organizados em regime de alternncia

    entre tempo universidade e tempo comunidade e por reas de conhecimento, a saber: cincias da

    natureza, matemtica, linguagens e cdigos, cincias humanas, cincias agrrias.

    Com o discurso de modernizao e flexibilizao, de superao da educao tradicional

    e de interdisciplinaridade por meio da organizao por reas de conhecimento, o Programa

    iniciou com 4 projetos pilotos em 2008 e hoje abrange um universo de 43 cursos em andamento

    no pas, alguns permanentes e muitos no formato de 'turmas especiais', alm de cursos pela

    Universidade Aberta do Brasil - UAB.

    Estudos de Arajo (2007), Machado e Vendramini (2013), Titton (2010), D'Agostini

    (2009) e Oliveira (2013) demonstram a fragilidade e contradies destas propostas e polticas. As

    crticas apontam que juntamente com a flexibilizao dos cursos e currculos, h um processo de

    precarizao e aligeiramento da formao inicial, por exemplo, a rea de Cincias da Natureza

  • 310 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    corresponde s disciplinas de qumica, fsica e biologia para a educao bsica. Assim, em apenas

    4 anos, forma-se um professor flexvel, pois na escola ele pode atuar em qualquer das disciplinas

    correspondentes de sua rea.

    O PRONATEC Campo (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego)

    foi criado em 2011 e hoje o principal programa do governo para formao dos jovens, sejam do

    campo ou da cidade. As parcerias para esta formao tcnica profissional se do por meio da

    oferta de cursos pela Rede Federal e Estaduais de Formadores e principalmente pelo Sistema 'S':

    SENAC, SENAI, SENAR, SENAT. O programa apresenta 3 tipos de aes:

    1) Expanso da oferta de cursos voltados ao desenvolvimento do campo na Rede Federal e Redes

    Estaduais de Formadores, SENAC, SENAI, SENAR, SENAT, por meio de cursos tcnicos de

    durao de um ano para quem concluiu o ensino mdio e necessita de formao profissional. Os

    cursos ofertados podem ser de mecnico, pintura artesanal, cabeleireiro, vendedor, eletricista,

    informtica, ingls, etc.

    2) Expanso de cursos de qualificao profissional especficos para o campo, por meio do e-Tec,

    destinado a quem ainda est cursando o ensino mdio ou trabalhadores em geral que necessitam

    de uma qualificao tcnica. Estes cursos, em sua grande maioria, so cursos rpidos para,

    minimamente, qualificar os sujeitos para um emprego, como por exemplo: manicure,

    cabeleireiro, encanador, pedreiro, maquinista, padeiro, vendedor, eletricista, informtica, ingls,

    etc. Em uma busca no catlogo10

    de cursos do PRONATEC visvel que a maior oferta pela

    parceria com o sistema 'S' e que mesmo nos municpios do interior, com alto ndice de

    desenvolvimento agrcola, os cursos so de servios gerais e no necessariamente voltados ao

    trabalho do campo. No catlogo, h a apresentao dos cursos para a rea da agricultura e

    recursos naturais, porm estes no esto sendo ofertados pelas redes formadoras.

    3) Bolsa-formao Pronatec para estudantes e trabalhadores rurais, como forma de incentivo

    permanncia e concluso do ensino mdio e de formao profissional.

    Analisamos que o PRONATEC e as aes de educao do campo por parte do

    empresariado, tm incorporado o que Neves (2011) denomina de privatizao de novo tipo, ou

    seja, atravs das parcerias pblico-privadas como uma via de mo dupla, pois ao mesmo tempo

    10 Disponvel em: http://pronatec.mec.gov.br/cnct/eixos_tecnologicos.php. Acesso em 29 de julho de 2014.

  • 311 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    em que o Estado financia o privado atravs de isenes, o privado direciona e atua no pblico

    atravs da venda de servios ou aes de responsabilidade social, como pode ser constatado nos

    exemplos da atuao do empresariado, na educao do campo e ambiental no item anterior.

    Neves11

    ainda alerta para o significado da mudana de slogan de educao para todos para

    todos pela educao, ou seja, no perodo do primeiro slogan foram elaboradas as DOEBEC e

    houve certa ampliao da oferta educacional a fim de abarcar todos os povos do campo e

    aumentar o ndice para a pretensa universalizao da educao. J no segundo slogan, so

    visveis as parcerias pblico-privadas e a ampliao do empresariado sobre a educao, sendo

    agora todos responsveis pela educao, no centralizando esta tarefa no Estado.

    O fenmeno do empresariamento na educao do campo, tambm constatado nos

    estudos de Lima (2012), a qual afirma que, no caso do PRONATEC, isto fica evidenciado quando

    o governo destina:

    parte do fundo pblico por meio de bolsas de estudo para o setor privado e o Sistema

    S. [...] indica nos seus resultados que a expanso da rede federal de Educao Profissional e o acesso ao Ensino Mdio como direito social est ameaado por uma

    estratgia privatizante e mercantil de atendimento s demandas econmicas e presses

    sociais por mais vagas no Ensino Tcnico. (Lima p.73, 2012).

    Outra contradio apontada por Lima (2012) diz respeito ao objetivo de integrar o

    Ensino Mdio formao tcnico-profissional, porm h uma disparidade na carga horria

    proposta, pois a maioria dos cursos tcnicos oferecidos correspondem a 160 horas, tornando-se

    um apndice e no uma forma integrada de escolarizao e formao tcnica.

    O PRONATEC Campo representa a perspectiva empreendedora e empresarial para os

    jovens do campo, uma formao voltada para o mercado local. Com cursos rpidos, tcnicos e

    currculos flexveis e pragmticos orientados pelo sistema 'S' para um emprego precarizado e no

    necessariamente voltado ao trabalho no campo.

    Outra poltica em evidncia o transporte escolar, um grande projeto para as escolas

    rurais, segundo entrevista do ex-ministro do MEC Fernando Hadadd Revista Marco Social da

    Souza Cruz. A poltica em desenvolvimento a da nucleao intracampo por meio do transporte

    11 Debate realizado na Conferncia de Abertura do Seminrio Preparatrio para o Encontro Nacional de Educao

    Regional Sul do ANDES-SN, em Florianpolis-SC, no dia 10 de julho de 2014.

  • 312 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    escolar, a Resoluo Complementar CNE/CEB n 2, de 28 de abril de 2008 em seus artigos 3 e

    4 anuncia:

    Art. 3 A Educao Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental sero sempre

    oferecidos nas prprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleao de

    escolas e de deslocamento das crianas.

    1 Os cincos anos iniciais do Ensino Fundamental, excepcionalmente, podero ser

    oferecidos em escolas nucleadas, com deslocamento intracampo dos alunos, cabendo aos

    sistemas estaduais e municipais estabelecer o tempo mximo dos alunos em

    deslocamento a partir de suas realidades.

    2 Em nenhuma hiptese sero agrupadas em uma mesma turma crianas de Educao

    Infantil com crianas do Ensino Fundamental.

    Art. 4 Quando os anos iniciais do Ensino Fundamental no puderem ser oferecidos nas

    prprias comunidades das crianas, a nucleao rural levar em conta a participao das

    comunidades interessadas na definio do local, bem como as possibilidades de percurso

    a p pelos alunos na menor distncia a ser percorrida.

    Pargrafo nico. Quando se fizer necessria a adoo do transporte escolar, devem ser

    considerados o menor tempo possvel no percurso residncia-escola e que as crianas

    sejam transportadas do campo para o campo. (BRASIL, 2008).

    O Programa objetiva apoiar os sistemas de ensino atravs da garantia de transporte dos

    estudantes do campo para o campo, com o menor tempo possvel no percurso residncia-escola,

    respeitando as especificidades geogrficas e culturais e os limites de idade dos estudantes. As

    metas do programa preveem a entrega de lanchas, bicicletas e capacetes e nibus escolar.

    Nos locais em que temos visitado escolas do campo, podemos afirmar que tem ocorrido

    um processo de nucleao intracampo, porm as distncias percorridas pelos estudantes so

    imensas. As condies dos nibus e das estradas so de calamidade, as licitaes so de

    responsabilidade das prefeituras municipais e comum encontrar nibus com pneus desgastados,

    com pouco combustvel, sem bancos, sem cintos de segurana, em sua maioria esto lotados e

    no garantem segurana aos estudantes transportados.

    Consideramos contraditrio termos polticas que anunciam a ampliao e a

    universalizao da educao, bem como o aumento de investimentos num contexto de

    fechamento de escolas. O censo escolar de 2013, demonstra o fechamento de 103.328 escolas no

    Brasil, a maioria no campo. Esse nmero um contrassenso com o que definem as polticas de

    educao do campo.

    Outra contradio visvel por parte do Estado, em pleno desenvolvimento da poltica de

    consenso e na busca da legitimidade atravs das Conferncias Nacionais, foi adiar a Conferncia

  • 313 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    Nacional de Educao que aconteceria em 2014. Sobre estas contradies e posies polticas, o

    MST publicou uma carta12

    repudiando o adiamento da referida conferncia e tambm

    posicionando-se contra a destinao dos recursos pblicos para o Sistema S via Pronatec.

    Como podemos evidenciar acima, as polticas de educao do campo ocorrem na

    perspectiva de polticas focais, por intermdio de programas e editais que no garantem

    continuidade das atividades. A apresentao dos programas PROCAMPO, PRONATEC e

    Transporte Escolar demonstram uma relao das polticas de educao do campo com as polticas

    educacionais em geral e o direcionamento para o projeto educacional do capital por meio da

    flexibilizao, fragmentao e precarizao da formao humana, tanto em nvel do ensino

    superior, quanto tcnico profissionalizante.

    Concordamos com Titton (2010, p. 208) quando evidencia que um dos limites centrais

    impostos educao do campo decorre de seu aprisionamento na poltica, especialmente, via

    polticas do Estado e de governo, distanciando-se cada vez mais, do carter de classe

    evidenciado na luta dos movimentos sociais por educao.

    4 AS LUTAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A EDUCAO DO CAMPO: A EXPERINCIA DO MST

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra carrega em seu nome e em sua

    origem, a marca de classe. um movimento de trabalhadores que expressa a histrica e atual

    concentrao de terras, de riquezas, de conhecimentos e de tecnologias. Em suma, expressa a

    voracidade da acumulao capitalista, num contexto de crise profunda do capital, que o leva a

    sofisticar seus mecanismos de explorao do trabalho, de apropriao dos recursos naturais, de

    grilagem, compra e arrendamento da terra, de financeirizao e transnacionalizao da economia,

    por meio do agronegcio e de ruptura de barreiras territoriais para a produo e o consumo.

    Nesse contexto, fica cada vez mais difcil e limitado compreender o MST e outras

    organizaes de trabalhadores como movimentos localizados, rurais, delimitados

    geograficamente, quando eles so produto de movimentos histricos e espaciais do capital. Nesta

    12 Disponvel em: http://www.mst.org.br/node/15674. Acesso em 27de julho de 2014.

  • 314 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    direo, Silver (2005) desenvolve uma anlise de longo prazo e em perspectiva mundial,

    observando a dinmica de recriao das contradies entre capital e trabalho. Tal dinmica

    implica na expanso industrial do capital (por meio de realocao geogrfica da produo, de

    criao de novas linhas de produo menos sujeitas competio e ao conflito, de deslocamento

    do capital da produo para as finanas e especulao e de solues tecnolgicas e

    organizacionais) seguida de movimentos trabalhistas fortes.

    Neste contexto, a designao Novos Movimentos Socais insuficiente para compreender

    a natureza no s do MST, mas tambm do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do

    Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e outros. Alain Touraine (1999) refere-se

    formao de novos atores sociais autnomos, em relao aos partidos polticos, aos sindicatos,

    organizaes que propem um projeto social de futuro e de articulao entre diferentes

    movimentos.

    Por um lado, importante e necessrio que os movimentos sociais mantenham a

    autonomia e a independncia, especialmente em relao aos governos, que exercitem a

    organizao democrtica e participativa. Por outro lado, no h qualquer possibilidade de sucesso

    e conquistas fundamentais nas lutas localizadas, setorizadas, sem uma capacidade de articulao

    com outras lutas e movimentos sociais. O capital cada vez mais globalizado e sua expanso

    pressupe a superao de fronteiras. Desta forma, o seu enfrentamento implica lutas globais,

    articuladas, que impliquem a associao de jovens, de mulheres, de trabalhadores de diferentes

    nacionalidades e etnias, visando a criao de uma alternativa global.

    O MST exemplo de um movimento social de massa, com formas de luta originais, que

    mantm lideranas fortes e um projeto poltico de transformao social, aliado com experincias

    de produo e de educao avanadas, nos limites desta sociedade. um movimento que

    preserva a autonomia, mas que busca articular sua luta com movimentos em mbito mundial,

    como o caso da Via Campesina.

    importante e necessrio conhecer a natureza e as caractersticas especficas dos

    trabalhadores ligados atividade agrcola, ao trabalho e vida no campo, seja como assalariados

    rurais, permanentes e temporrios, arrendatrios, pequenos agricultores e outros. O desafio,

    entretanto, compreender o que os une ao conjunto dos trabalhadores, o que h em comum entre

  • 315 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    eles, em termos de produo e reproduo da vida. Evita-se assim secundarizar ou at mesmo

    retirar de cena, categorias como classe trabalhadora, luta de classes, trabalho e capital.

    Para Miliband (1999), a noo de que a classe trabalhadora est diminuindo, repousa

    sobre um grande equvoco quanto ao significado do termo. O componente industrial,

    manufatureiro, da classe operria est de fato diminuindo, mas a classe operria como um todo,

    as pessoas cuja fonte de renda exclusiva a venda da sua fora de trabalho (ou que dependem

    sobretudo da folha de pagamento do Estado), cujo nvel de renda situa-os nos grupos de renda

    baixa ou inferiores, cujo poder e responsabilidade individual no trabalho e fora dele baixo ou

    virtualmente inexistente essa classe de pessoas tem aumentado, e no diminudo, com o passar

    dos anos.

    Na mesma direo, Silver (2005, p. 34) observa a transformao permanente da classe

    operria e da forma de conflito trabalho-capital. A percepo de que o trabalho e os movimentos

    operrios so feitos e refeitos, continuamente, nos fornece um antdoto importante contra a

    tendncia comum de sermos rgidos demais ao especificarmos quem faz parte da classe

    trabalhadora.

    A autora sugere que fiquemos atentos para sinais emergentes de uma nova formao da

    classe trabalhadora, assim como de um contra-ataque daquelas classes trabalhadoras que esto

    sendo desfeitas.

    Concepes tericas que dificultam compreender com radicalidade as foras em luta

    nesta sociedade, aliadas com condies objetivas difceis que empurram os movimentos para

    aes imediatas e pontuais, dada a necessidade de produo e reproduo da vida da base que os

    compe, conduzem a um distanciamento entre os objetivos tticos e estratgicos de luta.

    Isso traz como consequncia, propsitos educativos e escolares que, da mesma forma, se

    desprendem de objetivos formativos humansticos, no sentido atribudo por Gramsci (1989), de

    no ter finalidades prticas muito imediatas. As histricas polarizaes entre escola neutra e

    escola de classe, entre os interesses individuais e os coletivos, entre o contedo da

    universalizao e da particularizao, entre contedo e forma escolar, continuam atuais.

    A educao do campo, como vem sendo apresentada, hegemonicamente, no abre

    espao para problematizar os antagonismos e as polarizaes acima referidas, ao tender para uma

    educao com contedo particularista (do campo), mas que, contraditoriamente, tende para um

  • 316 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    ensino geral e unificador (da populao ou dos povos do campo). Sabemos que os liberais

    defendem, desde a Revoluo Francesa, a unificao do ensino, num contexto em que a produo

    social e universal, mas em que a apropriao dos resultados da produo privada e controlada

    politicamente. De acordo com Machado (1991), a unificao escolar s possvel, medida que

    forem eliminadas as condies geradoras da diferenciao e da desigualdade social.

    A to propalada unificao escolar, na perspectiva dos liberais, implica a unidade da

    escola burguesa, ou melhor, a subordinao ao processo de diviso capitalista do trabalho. Ela

    comporta a padronizao necessria integrao de todos ordem burguesa, seja pela difuso de

    conhecimentos bsicos vida social, seja pela cooptao poltico-ideolgica. (MACHADO,

    1991)

    Alm disso, a burguesia tenta desarticular as diversas experincias autnomas de

    educao desenvolvidas pela classe trabalhadora. o caso das experincias educativas do MST.

    Alguns exemplos evidenciam isso, como o fechamento das escolas itinerantes pelo governo e

    pelo ministrio pblico do estado do Rio Grande do Sul em 2008; a criao de mecanismos para

    dificultar, retardar ou mesmo impedir o funcionamento de cursos voltados para os movimentos

    sociais em universidades pblicas brasileiras; a criminalizao de escolas de formao poltica do

    Movimento; entre muitos outros.

    O MST, desde os seus primeiros acampamentos e assentamentos vem defendendo e

    buscando materializar uma escola diferente para atender os filhos dos trabalhadores que se

    juntam ao Movimento. Ainda que o termo diferente possa no ser preciso quanto educao

    que se pretende, ele significa a negao da escola burguesa para todos e a afirmao de uma

    educao e escola diferenciada. Sabemos que a educao no pode ser a mesma para todos, se

    no forem suprimidas as causas da desigualdade social.

    Nesta direo, justifica-se a defesa de uma educao diferenciada (diferenciada da

    educao capitalista) para a classe trabalhadora, visando a sua elevao cultural e a vinculao

    orgnica s lutas sociais. A trajetria de 30 anos do MST, revela os avanos e tambm as

    dificuldades de conduzir experincias educativas e escolares no mbito de um projeto de

    sociedade.

    Entre as aes educacionais acumuladas pelo Movimento, neste perodo, podemos fazer

    referncia s escolas itinerantes no interior dos acampamentos e quelas montadas nos

  • 317 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    congressos e encontros do MST, nos cursos de formao, em praas pblicas, em rodovias e

    outros locais. Elas corajosamente esto presentes nos espaos de maior tenso e radicalidade da

    luta do Movimento e, portanto, talvez sejam as mais sujeitas perseguio, criminalizao e

    tentativas de descontinuidade.

    Podemos mencionar algumas experincias: a Escola Nacional Florestan Fernandes,

    construda e mantida por meio do trabalho voluntrio militante, como espao de formao

    poltica de matriz internacionalista, ao agregar ativistas de movimentos sociais de diferentes

    pases, predominantemente, da Amrica Latina; o Instituto de Educao Josu de Castro,

    administrado de forma autogestionria, busca articular a formao escolar, tcnica e poltica nos

    cursos de formao de professores, de agentes de sade e de administradores de cooperativas; as

    escolas localizadas nos assentamentos e seu desafio de ensinar, a partir da articulao com o

    trabalho e a vida dos assentados; os cursos de graduao e de ps-graduao em parceria com

    universidades, os quais provocam o ingresso de jovens trabalhadores nas melhores universidades

    pblicas do pas e favorecem importante troca de experincias com estudantes universitrios no

    vinculados aos movimentos sociais.

    Alm dos inmeros obstculos externos para dificultar ou impedir tais experincias, por

    vias miditicas, burocrticas e legalistas, pela cooptao e pela coero, outros tantos obstculos

    internos so observados. A iluso da educao como soluo para muitos problemas que no so

    de natureza educacional muito comum, aproximando-se dos ideais utpicos e at mesmo

    liberais. A escolha por uma formao especfica, tcnica, profissional, em detrimento de uma

    formao geral e humanista outro risco, muito comum, diante de contextos de crise que

    empurram a classe trabalhadora organizada para sadas imediatas e pontuais. A desvinculao das

    pautas e reivindicaes de um projeto futuro de educao e de sociedade perde de vista a

    necessidade da revoluo. Nesta direo, uma das questes levantadas por Pinassi (2014) no VI

    Congresso do MST, fundamental: Para o MST, a luta pela terra constitui um fim ou uma

    mediao, uma continuidade ou uma ruptura com a ordem estabelecida pelo capital?

    Por fim, consideramos que a proposio educao do campo tambm pode se constituir

    num obstculo para a radicalizao das lutas e experincias de formao no interior do MST. Ao

    mesmo tempo que ela contribui para ampliar os debates, pesquisas, aes e polticas dirigidas

    para a populao do campo, apresentando-a como um problema social, no cenrio poltico

  • 318 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

    http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/index

    brasileiro, contribui tambm para que o MST se desprenda dos seus propsitos iniciais, de uma

    educao diferente ou diferenciada para os trabalhadores e seus filhos.

    5 CONCLUSES

    A partir da anlise realizada acerca das proposies para a educao do campo, por parte

    dos empresrios, do Estado e do MST, podemos afirmar que h o predomnio da perspectiva do

    empresariamento e do Estado, para uma educao tcnica, frgil e fragmentada, formando um

    trabalhador raso, flexvel e pragmtico. A contraposio a esta posio so de iniciativas de

    formao por parte do MST e de outros movimentos sociais organizados, tendo como base um

    projeto poltico com carter de classe e as lutas pela terra e pela reforma agrria.

    Neste jogo de foras evidente que o capital, mesmo em crise, ainda hegemnico e

    direciona a formao para o mercado de trabalho e para o empresariamento / mercadorizao da

    educao em todos os nveis e modalidades. No mbito da educao do campo, que surge da

    presso dos movimentos sociais, esta incorporada e aprisionada na poltica por meio da

    formao do consenso. Programas como PROCAMPO, PONATEC e Transporte Escolar

    demonstram estas foras em luta.

    Constatamos que, apesar das polticas e programas aqui apresentados serem uma

    tentativa para aumentar os anos de escolarizao dos brasileiros, diminuir o analfabetismo,

    ampliar as vagas de ensino mdio e de cursos profissionalizantes e/ou superiores, os ndices de

    desenvolvimento social permanecem alarmantes. um contrataste visto que, ao mesmo tempo,

    em que se amplia o financiamento e o nmero de vagas nas escolas, tambm se avolumam os

    problemas sociais e a pobreza que imperam no Brasil.

    Por fim, avaliamos que a formulao e proposio educao do campo, em seu sentido

    genrico, enfrenta limites diante dos desafios da formao e da escolarizao dos filhos dos

    trabalhadores que vivem no campo. preciso perguntar: para qual campo e para qual populao a

    formao est dirigida? E qual a finalidade formativa das escolas do campo? No nosso ponto de

    vista, falta ao debate, o corte de classe. Defendemos a mobilizao, enquanto produo terica e

    interveno poltica, em torno de uma educao do campo para a classe trabalhadora. Uma

  • 319 DAGOSTINI, A.; VENDRAMINI, C. R.

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    educao que seja, ao mesmo tempo, universal e clssica, mas tambm crtica e diferenciada em

    relao educao capitalista.

    FIELD OF EDUCATION EDUCATION OR WORKING CLASS? PERSPECTIVE OF ENTREPRENEURS, STATE AND SOCIAL MOVEMENTS ORGANIZED

    Abstract

    The paper discusses the rural education from the perspective of entrepreneurs, state and social

    movements. It shows that the relationship between the guidelines multilateral agencies for

    educational policies is present in rural education. One way is intervening the agricultural

    entrepreneurship in schools through volunteering, NGO projects, jobs by offering tax exemption,

    besides the PRONATEC formed by System S, demonstrating public-private partnerships. Another

    way is rural education policies, like the PROCAMPO, PRONATEC and school transport, that

    take place by programs and public notices that are discontinuous, fragmented and pragmatic. The

    perspective of social movements is of resistance and building a differentiated education by

    cutting off classes. However, from the contradictions of the capitalist society, they end up

    agreeing about the need for access to education and training of teachers.

    Keywords: Rural Education; Entrepreneurship of Education; Policies for Rural Education; State;

    Social Movements

    EDUCACIN CAMPESINA O EDUCACIN DE LA CLASE OBRERA? LA PERSPECTIVA DE LOS EMPRESARIOS, DEL ESTADO Y DE LOS MOVIMIENTOS

    SOCIALES ORGANIZADOS

    Resumen

    El artculo aborda la educacin campesina desde la perspectiva empresarial, del Estado y los

    movimientos sociales. Muestra que la relacin entre las directrices de los organismos

  • 320 EDUCAO DO CAMPO OU EDUCAO DA CLASSE TRABALHADORA? A PERSPECTIVA DO EMPRESARIADO,

    DO ESTADO E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS

    Revista Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v.22, n.2, p.299-322, jul./dez.2014

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    multilaterales para las polticas educacionales estn presentes en la educacin campesina. Un

    camino es la intervencin del sector de los empresarios de la industria de la agricultura a travs

    de las escuelas, del trabajo voluntario, proyectos de las ONGs, ofreciendo exencin de impuestos,

    ms all PRONATEC formado por el sistema S, destacando las relaciones pblico-privadas. Otro

    camino es lo de las polticas de educacin campesina, como PROCAMPO, el PRONATEC y

    Transporte Escolar, que ocurren a travs de programas y edtales pblicos pero de forma

    discontinua, fragmentada y pragmtica. La perspectiva de los movimientos sociales es la

    resistencia y la construccin de una educacin diferenciada clasista. Sin embargo, a partir de las

    contradicciones de la sociedad capitalista, terminan acordando y consensuando debido a la

    necesidad de acceso a la escuela y la formacin docente.

    Palabras clave: Educacin Campesina; Mercantilizacin de la Educacin; Polticas Educacionales

    Campesinas; Estado; Movimientos Sociales

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