verificaÇÃo do modelo de traduÇÃo de heloisa barbosa

Upload: taynaves

Post on 05-Apr-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    1/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 1999 35

    Resumo

    O presente trabalho visa apresentar algumas obser-

    vaes a respeito da aplicabilidade do modelo de traduoelaborado por Heloisa Gonalves Barbosa extradas de uma

    pesquisa realizada para elaborao de dissertao de

    Mestrado. A nossa anlise consistiu em identificar os pro-

    cedimentos empregados pelo tradutor do romance EssaTerra, Jacques Thiriot, levando em conta o sentido e o re-gistro de lngua de termos e expresses populares do refe-

    rido romance. Constatamos que o modelo de traduo de

    Barbosa apresenta procedimentos operacionalizveis, mas

    limitado em certos aspectos.

    Palavras-chave: Traduo; modelo; procedimentos.

    Rsum

    Ce travail a pour but de prsenter quelques

    observations concernant lapplicabilit du modle de

    traduction dHeloisa Gonalves Barbosa. Cette rflexion

    sinscrit dans le cadre dune recherche ralise pour

    llaboration dune dissertation de Matrise. Nous avons

    cherch identifier les procdures employes par le

    traducteur du roman Essa Terra, Jacques Thiriot, concernantle sens et le registre de langue des termes et expressions

    populaires de ce roman. Notre recherche nous a permis

    dobserver que ce modle prsente des techniques efficaces,

    mais quil est limit sous plusieurs aspects.

    Mots-cl: Traduction; modle; procdures.

    O presente trabalho fruto de uma pesquisa realizadapara elaborao de dissertao de Mestrado que teve como

    objetivos: 1. Analisar a traduo da linguagem popular do ro-manceEssa Terra tanto do ponto de vista semntico quanto doponto de vista do registro de lngua; 2. Observar, utilizando omodelo de Heloisa Gonalves Barbosa, quais os procedimentosempregados por Jacques Thiriot na traduo da linguagem popu-lar deEssa Terra e 3. Verificar a aplicabilidade desse modelo natraduo dos termos e expresses populares do referido romance.Teceremos, portanto, aqui, algumas consideraes relacionadascom o terceiro objetivo da nossa pesquisa.

    No nosso trabalho, foi elaborada uma reviso do mo-delo de Barbosa no qual a autora elenca treze procedimentostcnicos: a traduo palavra-por-palavra, a traduo lite-

    ral, a transposio, a modulao, a equivalncia, a omissovs. a explicitao, a compensao, a reconstruo de pero-dos, as melhorias, a transferncia (que abrange o estran-geirismo, a transliterao, a aclimatao e a transfernciacom explicao), a explicao, o decalque e a adaptao.Esses procedimentos foram definidos e exemplificados pelaautora em seu livro Procedimentos tcnicos da traduo uma nova proposta.

    Elaboramos um levantamento de 256 termos e ex-presses populares do romanceEssa Terra e suas respecti-vas tradues. Em seguida, tomando como base o modelode traduo de Barbosa, identificamos os procedimentos em-

    pregados pelo tradutor.Durante o processo de identificao dos procedimen-

    tos utilizados no TT 1, deparamo-nos com algumas dificul-

    VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DEHELOISA GONALVES BARBOSA NATRADUO DA LINGUAGEM POPULAR DO

    ROMANCE ESSA TERRA, DE ANTNIO TORRESJacqueline Freitas Bezerra*

    * Professora do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC, Mestre em Letras pela UECE e aluna do Doutorado na Universidade deGrenoble 3 - Frana.

    1 TT: Texto traduzido (texto de Thiriot)TO: Texto original (texto de Torres)TLT: Texto na lngua de traduo (em geral)TLO: Texto na lngua original (em geral)LT: Lngua de traduo (em geral)LO: Lngua original (em geral)LTT: Lngua do texto traduzido (francs)LTO: Lngua do texto original (portugus)

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    2/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 199936

    dades. Uma delas foi que, embora raros, alguns casos ana-lisados no se enquadravam perfeitamente em nenhum pro-cedimento do modelo de Barbosa. Outro problema foi que adiferena entre alguns procedimentos no era muito clara,podendo, na prtica, gerar dvidas e diversas interpretaes.Alm disso, as definies dos procedimentos tradutrios e

    os exemplos apresentados por Barbosa no eram suficiente-mente claros e eficazes para que afirmssemos sempre comsegurana quando se tratava de um ou outro procedimento.Muitas dvidas ocorreram nessa fase da pesquisa e consta-tamos que o trabalho de identificao dos procedimentos muito complexo e passvel de discusses.

    Algumas de nossas constataes sobre o modelo deBarbosa encontraram respaldo em outros modelos de tradu-o. Destacamos o modelo elaborado por Francis Aubert 2

    que apresenta divergncias em relao ao modelo da autorae pde esclarecer alguns pontos das nossas observaes. De-cidimos mencionar o modelo de Aubert na nossa pesquisa

    no intuito de enriquecer o nosso trabalho, pois suas obser-vaes nos parecem bastante coerentes e permitiram corro-borar algumas de nossas afirmaes.

    O trabalho de identificao dos procedimentos en-contrados na traduo de termos e expresses populares doromanceEssa Terra nos permitiu fazer vrias reflexes quenos parecem pertinentes acerca do modelo de traduo deBarbosa. Vejamos, portanto, as nossas consideraes queesto divididas em trs partes.

    I INADEQUAES TERMINOLGICAS

    1. Um dos procedimentos mais freqentes foi a equi-valncia, com 141 ocorrncias, de onde pudemos inferir que,em geral, as expresses populares no podem ser traduzidasliteralmente. O tradutor utilizou a equivalncia na maioriados casos em que a traduo literal no era possvel. Algunsexemplos que detectamos como equivalncia, somente o eramdentro do contexto em que estavam inseridos. Portanto, al-guns termos e expresses, da maneira como foram traduzidos,poderiam no fazer sentido em outro contexto ou isolada-mente. Um dos exemplos de equivalncia encontrados nonosso corpus foi cabra ruim traduzido por ordure.

    No modelo de Aubert, a equivalncia foi suprimida

    e substituda pela modulao. Aubert funde os dois proce-dimentos em um s, pois acredita que a diferena entre elesno modelo de Vinay e Darbelnet no clara e que seria dif-cil delimitar com exatido, na prtica, quando se trata deum ou de outro procedimento. Assim, se analisados luz domodelo de Aubert, todos os casos de equivalncia encon-trados na nossa pesquisa seriam modulao, o que teria fa-cilitado o nosso trabalho de identificao, j que algunscasos de equivalncia e modulao do nosso corpus gera-

    ram dvidas. Como Aubert, Barbosa divide a modulaoem obrigatria e facultativa. Os casos de modulao en-contrados no nosso corpus foram, em sua maioria, de modu-lao obrigatria, isto , ocorreram por imposio do uso daLTT, como no seguinte exemplo:filho de uma boa me tradu-zido por enfant de putain.

    A definio de equivalncia apresentada por Barbosaparece-nos efetivamente muito imprecisa, pois explica ape-nas que, quando o segmento de texto no traduzido literal-mente, ser um caso de equivalncia, desde que esteja se-manticamente coerente com o TLO. Constatamos que outrosprocedimentos como a transposio, amodulao, a recons-truode perodos e a explicao poderiam ser definidos damesma maneira. Portanto, levando em conta apenas a defini-ode Barbosa, poderamos dizer que o que diferencia essesprocedimentos da equivalnciaso algumas particularidadesque eles apresentam, logo poderiam ser consideradossubcategorias da equivalncia. O prprio termo equivaln-

    cia vago, pois toda expresso do TLT que apresenta omesmo sentido da expresso do TLO no lhe equivalente?Enfim, muitas vezes, somente atravs dos exemplos apresen-tados por Barbosa, e no de sua definio, conseguimos en-tender em que consiste realmente o procedimento.

    2. A traduo palavra-por-palavra ocorreu em mai-or nmero quando o segmento analisado era apenas umapalavra e muito raramente na traduo de segmentos de tex-to maiores. Confirmamos, ento, o que diz Barbosa a res-peito desse procedimento, que, apesar de corresponder idia que geralmente temos de traduo, muito restrito naprtica, sobretudo em se tratando de segmentos de texto com

    mais de uma palavra, mesmo quando os idiomas envolvidosna traduo apresentam grandes convergncias lingsticas,pois dificilmente as lnguas apresentam uma proximidadeto grande. As estruturas sintticas variam de uma lnguapara outra e nem sempre para cada termo de uma lnguaexiste um correspondente semntico idntico em outra.Quando isso ocorre , geralmente, em pequeno segmentode texto, o que pudemos confirmar pelo baixo nmero doemprego desse procedimento na traduo de expresses demais de uma palavra. Inferimos que, quanto menor for aconvergncia lingstica entre a LO e a LT, menor ser onmero de ocorrncias de traduo palavra-por-palavra.

    Verificamos que Aubert, a exemplo de Vinay eDarbelnet e Vzquez-Ayora, elimina no seu modelo de tra-duo a diferena entre traduo literal e traduo pala-vra-por-palavra, o que nos parece bastante sensato e pr-tico, pois a diferena entre os dois procedimentos no mo-delo de Barbosa irrelevante. Os autores fundem os doisprocedimentos em um s e o denominam traduo literal.

    3. Para Aubert, a omisso ocorre quando h perda deinformao no TLT ou de passagem da informao para o

    2 Descrio e quantificao de dados em tradutologia. In: Traduo & Comunicao. So Paulo: lamo, n. 4, 1984, p. 71 a 82.

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    3/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 1999 37

    nvel implcito ou contextual, e no quando h simplesomisso de unidades lexicais, e o acrscimo, quando hinformao suplementar no TLT, isto , informao que nofoi mencionada no TLO. Para Barbosa, a omisso ocorreno TLT para evitar repeties desnecessrias apenas de ele-mentos lingsticos explcitos no TLO, no se tratando, por-

    tanto, de perda de informao. A omisso, como definidapor Barbosa, chamada de implicitao no modelo deAubert, pois consiste em eliminar redundncias textual oucultural, sem perda de informao.

    4. A explicitao, no modelo de Barbosa, o procedi-mento oposto omisso, isto , empregado para evitar certasambigidades. evidente que as ambigidades presentes noTLO e eliminadas no TLT devem ser apenas as no intencio-nais, caso contrrio, devem ser mantidas. Para explicar aomisso e a explicitao, Barbosa d o exemplo dos prono-mes pessoais na traduo do portugus para o ingls e vice-versa. Verificamos que essa operao j levada em conta na

    traduo literal, que admite certas omisses ou acrscimoslexicais. Por essa razo, na prtica, a identificao daexplicitao e da omisso se torna, muitas vezes, confusa.

    Como na traduo do portugus para o ingls, obser-vao j feita por Barbosa (1990:68), na traduo do portu-gus para o francs ocorre o mesmo processo de explicitaodos pronomes pessoais. Esse aspecto previsvel, visto quena lngua francesa, a presena de forma explcita dos prono-mes pessoais sujeitos muito mais freqente do que na ln-gua portuguesa. As desinncias verbais na lngua verncula

    j sugerem a presena dos pronomes pessoais que, em geral,so omitidos por estarem subentendidos.

    A explicitao que aparece no modelo de Aubert tam-bm ocorre para evitar ambigidades, masconsiste em subs-tituir segmentos de texto por notas de rodap, apostoexplicativo ou definio, portanto o inverso da implicitaopor ele definida. Nesse caso, a explicitao do modelo deAubert descrita por Barbosa com a denominao de expli-cao. O autor funde os dois procedimentos em um s, oque consideramos coerente, pois a explicao no modelode Barbosa j uma forma de explicitao. Assim, Barbosapoderia considerar a explicao uma subcategoria daexplicitao, e no um novo procedimento.

    5. Alguns exemplos encontrados na nossa pesquisa

    mostraram uma pequena alterao de sentido do termo ouda expresso no TT, tendo sido a idia transmitida ora deforma mais ampla, ora mais restrita ou simplesmente dife-rente. Por no se tratar de mudana significativa de sentido,

    j que o contedo da mensagem havia sido respeitado pelotradutor atravs do contexto, os casos de pequena alteraosemntica foram apenas comentados na nossa anlise, masno foram considerados traduo inadequada. No encon-tramos, no modelo de Barbosa, subsdios que nos permitis-sem destacar esses exemplos. Encontramos, porm, obser-vaes a esse respeito no modelo de traduo de Vazquez-Ayora (1996:56), que leva em conta os casos em que h

    maior densidade semntica no TLT, atribuindo para eles onome de amplificao.

    6. Foram raros os casos de traduo inadequadaen-contrados no nosso corpus, isto , exemplos que apresen-tassem informaes equivocadamente interpretadas pelo tra-dutor. Em um universo de 256 termos e expresses analisa-dos, apenas 8 foram de traduo inadequada, o que mostrouque o tradutor, alm do profundo conhecimento da LTT,possui tambm um largo conhecimento da LTO.

    Os casos de traduo inadequada no foram inseri-dos no quadro em que destacamos o nmero de ocorrnciasdos procedimentos, pois no o consideramos como tal. Porser involuntrio, o erro no poderia constituir um proce-dimento tradutrio. Para Barbosa, os procedimentos so tc-nicas das quais o tradutor dispe ao exercer a sua atividade,no apenas uma mera listagem das dificuldades do processotradutrio. Constituem um elenco abrangente de possveis

    modos de proceder disposio do tradutor, que os selecio-naria de acordo com uma viso ampla (um modelo) daquiloque vem a ser uma traduo (Barbosa, 1990:107). O seumodelo foi elaborado com o intuito de responder perguntacomo traduzir?. A autora se baseia no momento em que atraduo elaborada, no no seu resultado. Partindo desse prin-cpio, Barbosa, efetivamente, no poderia inserir o erro noseu modelo.

    7. Diferentemente de Barbosa, Aubert (1984:73)analisa a traduo, no no momento de sua elaborao,mas enquanto produto acabado e descreve os procedimen-tos a partir de cotejamentos entre tradues e seus origi-

    nais. Por essa razo, ele prefere chamar os procedimentosde modalidades tradutrias e considera o erro uma delas.Acreditamos, porm, que, embora o tradutor possa come-t-lo, o erro no nem um procedimento nem uma moda-lidade de traduo. Trata-se de um equvoco cometidoinvoluntariamente pelo tradutor e deve ser analisado parte. Sobre isso, Aubert esclarece que o termo modalida-de no designa necessariamente o produto de uma refle-xo ou escolha consciente do tradutor. O autor acreditaque muitos recursos empregados automaticamente na tra-duo passam despercebidos pelo tradutor e pelo leitor doTLT, mas podem ser observados cientificamente.

    Aubert descreve dois tipos de erro: o de empregode modalidade inadequada e o erro de interpretao dotradutor. O autor ressalta a necessidade de se emitir, nasanlises das tradues, um juzo valorativo e prudncia namanipulao do conceito de erro, o que nos parece efeti-vamente importante.

    Portanto, alm das divergncias terminolgicas en-tre os modelos de traduo de Barbosa e Aubert, h tambmprocedimentos presentes no modelo de Aubert que no es-to inseridos no modelo de Barbosa e vice-versa. Assim,em se tratando das divergncias entre os dois modelos, des-tacamos alguns exemplos no quadro a seguir.

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    4/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 199938

    ALGUMAS DIVERGNCIAS ENTRE O MODELODE TRADUO DE BARBOSA E O DE AUBERT

    II PROCEDIMENTOS DE MENOR FREQNCIA

    1. Na nossa pesquisa, constatamos que alguns pro-cedimentos no foram muito freqentes, entre eles est atransposio. A grande maioria dos casos de transposioera de transposio obrigatria e no facultativa, pois otradutor se via obrigado a utilizar expresses cujos elemen-tos lingsticos apresentavam categorias gramaticais dife-rentes daqueles empregados nas expresses do TO. Pode-mos ilustrar como exemplo o segmento de texto atrs delatraduzido por sa recherche.Foram raros os casos de trans-posio facultativa, isto , empregada por razes puramen-te estilsticas.

    2. Apesar de muitos tericos acharem que a tradu-o literal constitui a fonte dos maiores erros de traduo,ela foi empregada coerentemente no TT em determinadossegmentos de texto. Jacques Thiriot optou por esse proce-dimento sempre que possvel, sem tornar incoerente o senti-do presente no TO ou artificial a estrutura da LTT. O n-mero no muito elevado de casos de traduo literal nonosso corpus explica-se pelo fato de termos trabalhado compalavras e expresses populares, que, em geral, no podemser traduzidos literalmente.

    3. Foram raros os casos de omisso, reconstruo deperodos, estrangeirismos, estrangeirismos com explicao,aclimatao, explicao e adaptao.

    Os estrangeirismos constituem um dos fatores res-ponsveis pela manuteno da cor local do TLO, pois cau-sam uma certa estranheza ao leitor do TLT. Na nossa opi-nio, aparecem geralmente com mais freqncia quando atraduo se faz entre lnguas com grandes divergncias darealidade extralingstica (clima, geografia, costumes, etc.).

    Alguns dos exemplos encontrados no TT foram: cachaa,caboco, terreiro e outros que no analisamos, como deter-minados nomes de plantas macambira, mulungu, serra-goela, etc. O tradutor apresentou uma nota de rodap paraexplicar alguns deles.

    Diante de um estrangeirismo, o efeito experimen-tado pelo leitor do TLT, acostumado com a sua realidadeextralingstica, diferente daquele que experimenta o lei-tor do TLO, o que no invalida o emprego desse procedi-mento. Se para alguns tericos, como Vinay e Darbelnet, oestrangeirismo considerado a negao da traduo por-que transcreve o termo exatamente como ele aparece no

    TLO, para outros, como Barbosa, simplesmente uma con-seqncia da divergncia extralingstica entre LO e LT. Aautora discorda de Vinay e Darbelnet quando eles afirmamque o estrangeirismo o procedimento mais fcil, pois, paraela, o tradutor precisa fazer uma anlise diacrnica antes deaplic-lo.

    4. Os topnimos Junco, So Paulo, Alagoinhas,Inhambupe, entre outros, foram conservados tal como apa-recem no TO, bem como os antropnimos Totonhim,Nelo,Alcino, Pedro Infante e sobretudo aqueles que representampersonagens reais da cultura da LTO, como Lampeo e An-tnio Conselheiro. A preservao dos nomes prprios uma

    maneira de manter a cor local do TLO e, na traduo liter-ria, deixa transparecer um aspecto da cultura estrangeira. Onome Caetano Jab tambm foi mantido tal como estavano TO, mas foi explicado em nota de rodap por apresentarum sentido especfico.

    Alguns antropnimos foram adaptados fonologia e estrutura morfolgica da LTT. Temos os exemplos deZ dopisto, traduzido porZ-Piston,JeremiasporJrmias, Zia porZoa. Estes no so casos de aclimatao porque esses nomesno so estrangeirismos. O nomeZ da Botica foi transforma-do em Z le Pharmaco no TT,por apresentar uma significaoespecfica no TO o dono da farmcia.

    5. A explicao em forma de nota de rodap, dife-rentemente do que prev Barbosa, no ocorreu apenas paraexplicar um estrangeirismo. Thiriot valeu-se desse recur-so ao realizar a traduo literal em meu corpo est fechado(Torres, 1986:39) e mulas-de-padre (Torres, 1986:67), porexemplo.

    6. No corpus analisado, apenas alguns exemplos deadaptao foram identificados, o que pode nos levar a pen-sar que: 1)no h divergncias muito grandes entre a reali-dade extralingstica da LTO e a da LTT, hiptese que nopodemos confirmar porque nossa pesquisa no nos forneciadados suficientes para faz-lo; 2) o tradutor preferiu, em

    BARBOSA AUBERT

    Procedimentos Modalidades

    Equivalncia / Modulao Modulao

    Traduo palavra-por-palavra /

    Traduo literal Traduo literal

    Omisso __________________________Implicitao

    Explicitao / Explicao _____________Explicitao

    _____________________________Acrscimo

    ____________________________ Omisso

    Melhorias _________________________Correo

    ______________________________Erro

    Compensao ______________________

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    5/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 1999 39

    alguns exemplos, a explicao diluda no texto ou oestrangeirismo com ou sem explicao, nesse caso, manten-do a cor local do TO. So exemplos de adaptao encontra-dos no nosso corpus:forr traduzido por bal,pau-de-ararapor camion ridelles, cachaa por gnle, entre outros.

    De maneira geral, ao utilizar a adaptao, o tradutor

    no distancia o leitor da LT de sua realidade, mas sim darealidade extralingstica dos falantes da LO. Acreditamosque, em alguns casos, a adaptao no nos leva propria-mente a uma traduo, posto que o aspecto cultural da LO negligenciado. Admitimos, entretanto, que, dependendo dotipo de texto e da finalidade da traduo, esse procedimentoseja, s vezes, at aconselhvel.

    7. Alguns termos ou expresses que apareceram maisde uma vez no TO sem alterao de sentido foram traduzi-dos de diferentes maneiras. Essa variao na traduo ocor-reu em funo do contexto, que transmitia o sentido da men-sagem mais claramente em alguns pontos do texto do que

    em outros. Em certos casos, porm, o tradutor decidiu va-riar o termo ou a expresso por uma questo de estilo ou decoerncia com o segmento de texto do TT, o que justifi-cvel quando a repetio dos termos ou expresses do TOno apresenta inteno particular por parte do autor, podendoser negligenciada.

    O contexto em que os elementos lingsticos estoinseridos outro aspecto importante na traduo, pois cons-titui uma arma fundamental para o tradutor. Muitas vezes,um determinado termo ou expresso do TLT no equivale-ria semanticamente ao do TLO se analisado isoladamente,mas, atravs do contexto, o leitor poder inferir o sentido da

    mensagem. Devemos ressaltar que o contexto depende dotexto por inteiro, por isso no se pode pensar em traduodos termos isoladamente. Muitas vezes, as inferncias sofeitas a partir de elementos que foram mencionados em outras partes,anteriores ou posteriores, do TLO.

    8. Nenhum caso de decalque, transliterao oumelhorias foi identificado no nosso corpus. O que Barbosachama de melhorias so as correes que o tradutor faz doserros (informaes equivocadas, ortografia incorreta, etc.)presentes no TLO. Por essa razo, esse procedimento des-crito por Aubert com o nome de correo.Acreditamos queo seu emprego raro em determinados textos, sobretudo

    aqueles de reconhecido valor literrio, como o caso doromance Essa Terra. A transliterao normalmente noocorre entre a LTO e a LTT, j que ambas apresentam omesmo alfabeto.

    9. Algumas vezes, mais de um procedimento ocor-reu na traduo do mesmo segmento de texto. Os autores demodelos, em geral, prevem essa possibilidade, o que Aubertchama de modalidade hbrida, e o que admitido tambmpor Vinay e Darbelnet e Barbosa.

    Pudemos verificar, entretanto, que alguns procedi-mentos no podem ocorrer simultaneamente no mesmo seg-mento de texto, pois a presena de um implica a ausncia do

    outro. o caso, por exemplo, da traduo literal com atraduopalavra-por-palavra, da traduo palavra-por-palavra com a transposio, da traduo literal com a re-construo de perodos,entre outras combinaes. Alguns,ao contrrio, podem co-ocorrer freqentemente com outros,como o caso, por exemplo, da transposio, da explicitao

    e da omisso. Por essa razo, Vzquez-Ayora considera osdois ltimos como procedimentos complementares.

    10. Com exceo do decalque, da transliterao edas melhorias, todos os demais procedimentos descritos porBarbosa apareceram na traduo deEssa Terra, o que pro-va que o seu modelo apresenta um elenco bastante razovelde procedimentos que so efetivamente empregados na pr-tica, e mostra o que de fato ocorre na traduo, mas comotodo modelo terico que tenta simplificar uma atividadecomplexa como a traduo apresenta falhas e limitaes.

    11. Embora raros, houve alguns exemplos que nose enquadravam em nenhum procedimento definido por

    Barbosa, o que nos mostra que o seu modelo, apesar deabrangente, no engloba todos os recursos que podem serutilizados na traduo. Um desses recursos foi o empregode letras maisculas, um artifcio grfico que o tradutorempregou para destacar uma expresso do TO: Caboco se-tenta (Torres, 1986:18) Sacr Caboco Septante (Torres,trad. Thiriot, 1984:13). Outros foram a pontuao (pontode exclamao e barras inclinadas) e a repetio de fonemaspara recuperar o efeito musical de algumas frases, como emla femme au foyer, ! / et lhomme au boulot, ! / Cest le

    serto (Torres, trad. Thiriot, 1984:27) que traduziu o seg-mento textual Serto de mui sria e de homi trabaiad

    (Torres, 1986:27).

    III OBSERVAES GERAIS SOBRE OMODELO DE BARBOSA

    Aps o trabalho de identificao dos procedimentosempregados na traduo do romanceEssa Terra, pudemosperceber a grande quantidade de recursos que existem parase traduzir os termos e expresses populares. Um deles acompensao, que nos parece muito importante sobretudoem se tratando de traduo literria. Observamos que umnmero elevado de termos e expresses analisados no nos-

    so trabalho no apresentava um correspondente semnticoque pertencesse ao mesmo registro de lngua. Todavia, oregistro de lngua, efeito estilstico do TO, havia sido recu-perado no TT por meio da compensao.

    Como a equivalncia de registros de lngua um as-pecto muito relevante na traduo, sobretudo em se tratan-do de traduo literria, pudemos afirmar que a compensa-o foi um dos principais procedimentos utilizados pelo tra-dutor para manter o equilbrio estilstico entre TLO e TLT.Alguns autores, como Aubert, deixam de descrever esse pro-cedimento, mas ele reconhece que o seu modelo no ade-quado para registrar os marcadores estilsticos.

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    6/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 199940

    Como afirma Barbosa (1990:69), efetivamente acompensao que evita o empobrecimento do TLT e spode ser observada em um segmento de relativa extensoou, de preferncia, em todo o texto. No tocante traduodo romanceEssa Terra, verificamos que o processo com-pensatrio foi uma ferramenta fundamental do tradutor para

    manter um equilbrio estilstico entre TO e TT. Portanto, atraduo efetivamente um constante jogo de perda e gan-ho, j que o empobrecimento em alguns pontos do TLTpode ser compensado em outros.

    No foi detectado caso exorbitante de dialetos malempregados pelos personagens ou outros exemplos flagran-tes que pudessem descaracterizar a linguagem do TO. Ondeno foi possvel empregar termos ou expresses do registrofamiliar, o tradutor optou pelo emprego dos arcasmos,mantendo, no TT, um certo tom rural ou utilizou uma lin-guagem comum, evitando assim um distanciamento exage-rado entre os dialetos e valendo-se da compensao em v-

    rios pontos do texto.Pudemos observar queas formas marcadas de or-

    dem lexical do TO foram substitudas no TT por marcadoreslexicais, sintticos ou fonolgicos, mantendo, assim, o re-gistro de lngua no TT. Isso mostra que cada lngua possui,como marcadores de registro, formas lingsticas diferentese, por esse motivo tambm, dificilmente podem ser tra-duzidas palavra por palavra.

    Em resumo, para que a traduo dos termos e ex-presses populares esteja coerente tanto no sentido quantono registro, h duas possibilidades. A primeira seria quandosentido e registro so preservados no mesmo segmento de

    texto, e a segunda quando o sentido mantido na traduodo segmento de texto e o registro recuperado posteriormen-te, em outro ponto do texto, por meio da compensao.

    Enfim, a maioria dos recursos de que dispe o tradu-tor est presente no modelo de traduo de Barbosa, o queno significa dizer que este, assim como os demais mode-los, no apresente limitaes, pois todos eles tentam teorizaruma atividade prtica que envolve diversos aspectos.

    Os modelos so uma descrio das tcnicas de quedispe o tradutor e no receitas preelaboradas para res-ponder pergunta como traduzir?. Ao chamar os proce-dimentos de modalidades tradutrias, Aubert elimina a

    conotao arbitrria que o modelo de Barbosa apresenta.Para ele, as modalidades tradutrias so, na realidade, re-cursos empregados espontaneamente pelo tradutor no mo-mento em que exerce a sua atividade. Discordamos de Bar-bosa quando ela afirma que os procedimentos tradutriosseriam possveis modos de proceder disposio do tradu-tor. Em geral, os modelos surgem a partir do cotejamento detradues j realizadas, e no o processo inverso, isto , queos tradutores aplicam os procedimentos seguindo um mo-delo especfico. Eles recorrem, de maneira espontnea, aoconjunto dos diversos procedimentos elencados em diferen-tes modelos, baseando-se em parmetros dos prprios co-

    nhecimentos, da experincia que adquiriram traduzindo edo objetivo da traduo, efetuando as operaes lingsticasnaturalmente. Em geral, o tradutor tenta superar os proble-mas da traduo medida que eles vo surgindo, levandoem conta no apenas as operaes puramente lingsticas,mas tambm outros aspectos como a criatividade, requisito

    fundamental, principalmente do tradutor de texto literrio.Por isso, muitos tericos, ao se referirem traduo, falamem recriao.

    Acreditamos que os modelos de traduo so teis,sobretudo para que no somente o tradutor, mas outros pro-fissionais da traduo, professores e alunos tenham consci-ncia das tcnicas aplicadas durante o processo tradutrio,mas no devem ser considerados receitas de traduo. Osmodelos de traduo no abrangem todas as mincias queenvolvem o processo tradutrio. No h um modelo de tra-duo perfeito que d conta de todas as nuanas ou que en-sine a traduzir por meio de uma frmula milagrosa. Todos

    apresentam falhas e imprecises, o que admitido pela mai-oria dos estudiosos do assunto. Isso, entretanto, no anula atentativa dos tericos de descrever as tcnicas de traduo.Evidentemente, descrever detalhadamente todos os recur-sos de que dispe o tradutor constituiria um trabalho exaus-tivo ou at interminvel. O que os tericos tentam mos-trar, de forma abrangente, os mecanismos empregados natraduo. Provavelmente outros modelos de traduo aindairo surgir a partir do cotejamento de tradues existentese, certamente, reformulaes sero feitas e novos procedi-mentos elencados.

    Os modelos tm, portanto, funes prticas, sobretu-

    do em se tratando de estudos de traduo; de formao detradutores; de cursos em que se deseja planejar, praticar deforma mais consciente as tcnicas tradutrias; de anlise com-parativa de lnguas; da conscientizao dos recursos que otradutor utiliza, das suas diferentes posturas face ao TLO edas inmeras possibilidades de se traduzir um mesmo texto.Conhecer instrumentos com os quais trabalha j um grandepasso para dar segurana e autoconfiana a qualquer profissi-onal. Por isso, o tradutor poder at no se valer consciente-mente dos modelos de traduo, mas a prtica aliada teoriapode facilitar o seu trabalho ou pelo menos faz-lo entendermelhor as operaes lingsticas com as quais lida.

    Portanto, so vrias as possibilidades de se traduziro mesmo texto, j que para respeitar a mensagem do TLO, oestilo do autor e a lngua para a qual se traduz e ao se depa-rar com as divergncias lingsticas e extralingsticas en-tre LO e LT, vrios fatores entram em jogo, como a maneirade o tradutor interpretar o texto, a sua viso do mundo, assuas preferncias individuais, a sua criatividade, o objetivoda traduo, o pblico-alvo, etc. Alm disso, a traduo no um texto definitivo, depois de realizada poder sofrerreformulaes, melhorias ou ser atualizada.

    Apesar de no termos nos proposto, na nossa pes-quisa, a avaliar a qualidade da traduo nem a criatividade

  • 7/31/2019 VERIFICAO DO MODELO DE TRADUO DE HELOISA BARBOSA

    7/7

    Rev. de Letras - N0. 21 - Vol. 1/2 - jan/dez. 1999 41

    de Thiriot, pudemos constatar que foram poucos os equ-vocos cometidos por ele no que se refere traduo da lin-guagem popular. O tradutor de Essa Terra conseguiu serfiel ao TO sem trair a LT, respeitando as particularidadesque esta apresenta e driblando, na medida do possvel, asdivergncias lingsticas e extralingsticas entre a LTO e a

    LTT. Alm do profundo conhecimento da cultura e da estru-tura lingstica das duas lnguas envolvidas no processotradutrio, Jacques Thiriot pde mostrar como o tradutorrompe as barreiras culturais e ultrapassa a fronteira do par-ticular, penetra em outro universo lingstico e extralin-gstico sem, no entanto, dessacralizar o TO, mantendo asua mensagem e o seu estilo.

    Todavia, os problemas da traduo literria vo almda simples decodificao dos aspectos lingsticos eextralingsticos do TLO. O texto literrio representa parao tradutor uma aventura que pe prova o seu talento arts-tico. A qualidade da traduo de Thiriot, enquanto ativida-

    de de recriao, no pode ser avaliada tomando como baseos modelos de traduo, pois os seus elaboradores no sepropem a isso, mas mereceria um estudo mais aprofundado

    em pesquisas que considerassem a especificidade do textoliterrio, onde a margem de liberdade do tradutor maiordo que em textos tcnicos ou cientficos.

    BIBLIOGRAFIA

    BARBOSA, Heloisa Gonalves. (1990) Procedimentostcnicos da traduo: uma nova proposta. Campi-nas: Pontes.

    GONALVES, Jos Luiz V. R. (1996) Vzquez-Ayora:introduccin a la traductologa.In: VIEIRA, Else (org.).Teorizando e contextualizando a traduo. Belo Hori-zonte: Faculdade de Letras da UFMG, Curso de Ps-Graduao em Estudos Lingsticos, p. 42-57.

    THIRIOT, Jacques. (1984) Cette terre. Paris: A. M.Mtaili. Traduo de Essa terra.

    TORRES, Antnio. (1986)Essa terra. 7. 2a. ed. So Paulo:

    tica.VINAY, J.-P., DARBELNET, J. (1977) Stylistique compare

    du franais et de langlais. Paris: Didier, rudition.