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VI SEMINÁRIO DA PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAS – UFRB GT 08 – NOVOS PESQUISADORES NA UNIVERSIDADE E AS CONDIÇÕES DE
ENGAJAMENTO NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
WEDER BRUNO DE ALMEIDA (UFRB) DESOCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO, PESQUISA ENGAJADA E OS NOVOS SUJEITOS
NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
CACHOEIRA, 2016
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DESOCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO, PESQUISA ENGAJADA E OS NOVOS SUJEITOS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Weder Bruno de Almeida (UFRB)1
Resumo - Com o advento da interiorização de instituições de Ensino Superior no Brasil,
novos sujeitos historicamente excluídos destes espaços foram inseridos dentro do
contexto do conhecimento acadêmico, provocando uma „‟tensão‟‟ entre a pluralidade de
saberes desses novos sujeitos, no qual me incluo e a tradicional produção do
conhecimento científico de herança colonial. O Centro de Artes, Humanidades e Letras
(CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), mais precisamente o
Curso de Ciências Sociais, se mostrou um terreno profícuo para se estudar a partir de
uma abordagem descolonial, como tradicionais estruturas acadêmicas podem se
reposicionar e se reconfigurar diante de um contexto em que atores sociais
historicamente tidos como “objetos” de estudo, isto é, os “nativos” a serem pesquisados
hoje se encontram em uma situação de enunciadores de sua própria condição de
subalternidade, ou como “nativos pesquisadores,” explicitando seu lugar de fala e seu
engajamento político frente a sua pesquisa.
Palavras-Chave: Descolonização do Pensamento, Pesquisa Engajada, Novos Sujeitos,
Produção do Conhecimento Científico.
1. INTRODUÇÃO
Autores que seguem a linha do pensamento descolonial acreditam que a partir da
ascensão e estabelecimento das estruturas e instituições coloniais e o seu alcance em
escala mundial, o seu saber/poder se disseminou e produziu o que estes autores
denominam como sistema mundo moderno/colonial que perdura até os dias atuais.
O espaço acadêmico é justamente uma dessas instituições modernas/coloniais
propagadora de discursos e práticas acadêmicas hegemônicas que marcam e delimitam
1 Graduando em Bacharelado no Curso de Ciências Sociais Pela Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia - UFRB .
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por onde corpos subalternos (ou seja, subalternizados durante o processo colonial)
podem ou não circular a partir de seu marcadores raciais, sociais e de gênero dentro
desta estrutura.
Com o advento da descentralização e interiorização de instituições de Ensino
Superior no Brasil, novos sujeitos sociais historicamente excluídos destas instituições de
herança colonial foram inseridos dentro do contexto do conhecimento acadêmico,
provocando uma „‟tensão‟‟ entre a pluralidade de saberes desses novos agentes e a
tradicional produção de conhecimento de herança colonial.
O Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), município de Cachoeira, da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), mais precisamente o seu Curso
de Ciências Sociais, se mostram como um terreno profícuo para se estudar, a partir de
uma abordagem descolonial, como tradicionais estruturas acadêmicas podem se
reposicionar e se reconfigurar diante de um contexto em que atores sociais
historicamente tidos como “objetos” de estudo na esfera acadêmica, isto é, os “nativos”
a serem pesquisados, hoje se encontram em uma situação de enunciadores de sua
própria condição (Mignolo, 2003) ou como “nativos pesquisadores‟‟(Costa, 1999).
Deste modo, a pesquisa se constituiu numa análise da produção do
conhecimento a partir da perspectiva do pensamento descolonial, bem como numa
investigação de práticas acadêmicas dissidentes e engajadas no campo das Ciências
Sociais da UFRB, no âmbito do CAHL. Pretendeu-se investigar o quanto o Curso de
Ciências Sociais da UFRB se insere e/ou dialoga com a temática do pensamento
descolonial.
A noção de pensamento descolonial proposta aqui, se refere ao que autores
latino americanos como Castro-Gomes (2007), Lander (2005), e Mignolo (2007)
propõem enquanto uma abordagem crítica em relação a todo conhecimento produzido
em instituições de nível superior por, seu caráter eurocêntrico, hierarquizador e
universalista que privilegia um determinado tipo de conhecimento em detrimento de
outros saberes possíveis.
Por práticas acadêmicas dissidentes e engajadas considero encarar as ciências e
as disciplinas acadêmicas como componentes instáveis e permanentemente passíveis de
transformações e reconfigurações, (MORAES & COELHO, 2013) bem como a
construção de um tipo de conhecimento engajado capaz de atender as novas demandas
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sociais que advêm da complexidade do contexto em que as novas universidades, como a
UFRB, são instituídas.
Parto do pressuposto que a descentralização do conhecimento proposta pela
interiorização das Universidades Federais no Brasil em regiões de maior concentração
de populações historicamente marginalizadas deva atender as especificidades de grupos
sociais que não tiveram acesso ao Ensino Superior, sendo então, de extrema relevância
o acesso a outros tipos de conhecimentos e saberes possíveis em seus componentes
curriculares.
Uma das metodologias utilizadas foi a análise sobre a produção do
conhecimento oferecido na UFRB a partir dos estudos sobre o PPC (Programa
Pedagógico de Curso) de Ciências Sociais e seus desdobramentos nos Trabalhos de
conclusão de curso (TCC) artigos produzidos por discentes e docentes, com foco em em
trabalhos que dialogavam com a temática do trabalho.
Um doss objetivo foi averiguar se a UFRB, enquanto uma Universidade nova,
com todas as suas particularidades culturais, sua conexão aos movimentos sociais e
comunidades tradicionais em seu entorno, dentro de um contexto de descentralização e
expansão de novas instituições de nível superior, consegue abarcar ou mesmo estimular
a grande pluralidade de saberes de estudantes dos mais variados estratos socioculturais,
visto que a maioria dos seus ingressantes advém do sistema de cotas raciais (84,3% de
seu corpo discente é composto por afrodescendentes) e sociais, em sua maioria advindos
das classes C, D e E (BARROS, 2013). Realidade esta, que é minha própria, já que
também entrei pelo sistema de cotas raciais e sociais.
Outra questão foi buscar compreender o quanto esses novos agentes tem a
contribuir para o enriquecimento da própria produção acadêmica. Quais os
tencionamentos e questões estão sendo postas por esses novos sujeitos? Quais suas
estratégias de enfrentamento em um espaço que historicamente lhe negou o direito a
fala e a suas próprias pluralidades e racionalidades de conhecimento empírico de suas
realidades?
2. UM DIÁLOGO ENTRE O PENSAMENTO DESCOLONIAL E O
CURSO DE BACHARELADO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFRB
A criação da UFRB se deu através de um longo processo de diálogo e
mobilização das comunidades das cidades do Recôncavo da Bahia e da comunidade
acadêmica ligada à Escola de Agronomia da UFBA (Projeto Pedagógico do Curso de
Graduação em Ciências Sociais - Bacharelado - Pró-Reitoria de Graduação-
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PROGRAD; Coordenadoria de Ensino e Integração Acadêmica -UFRB), processo este
que obteve apoio do Plano de Expansão do Ensino Superior do Ministério da Educação
e de setores do Congresso Nacional.
A UFRB foi criada em 29 de julho de 2005 pela Lei 11.501- sendo
desmembrada da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia com sede em
Cruz das Almas e outras unidades instaladas no Estado da Bahia- com a finalidade de
exercer de forma integrada as atividades de ensino, pesquisa e extensão e a formação de
cidadãos com visão técnica, científica e humanística, valorizando as referências
culturais locais e seus aspectos ambientais e antrópicos específicos.
Vale ressaltar que a região do Recôncavo Baiano possui imensa diversidade
pluri-étnica/racial e pluricultural e de recursos naturais. Foi uma região marcada pelo
sistema escravagista e pela imposição dos valores lusitanos, não sem uma histórica
resistência cultural e de lutas por direitos, que até hoje é observada em sua complexa
configuração social, marcada por fronteiras tênues entre as religiões afroindígenas,
cristãs, pelo grande quantidade de territórios remanescentes de quilombolas, pelas
comunidades tradicionais pesqueiras e pelos movimentos sociais que possui.
O Programa Pedagógico do Curso de Ciências Sociais-Bacharelado da UFRB
proposto pela comissão de expansão do CAHL e aprovado pelo Conselho Diretor de
Centro em Março de 2007, com início efetivo do curso no segundo semestre de 2008 -
se faz presente a preocupação com a rigidez curricular teórica excessiva e a pouca
ênfase dada a dimensão prática dentro das disciplinas, muito embora se perceba uma
busca constante por aprimoramentos e reformulações.
Conforme o PPC do curso, com a ampliação gradual do corpo docente, foram
implementados novos ajustes no projeto pedagógico com o intuito de estreitar o diálogo
deste com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFRB com as Diretrizes
Curriculares Nacionais e com os Instrumentos de Avaliação Externa dos cursos de
graduação. Essas reformulações visariam o fortalecimento e a identidade do curso
através do seu eixo de disciplinas estruturantes- Antropologia, Sociologia e Ciência
Política- eixo esse que se configura primordialmente como interdisciplinar e para o
fomento de competências e habilidades necessárias a pesquisa social empírica, com foco
direcionado excepcionalmente para a realidade do recôncavo e com formação
complementar que visa o diálogo com outros campos de conhecimento.
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Assim, a proposta pedagógica do curso visa a construção do conhecimento,
promoção da autonomia e empoderamento dos sujeitos através da formação teórico-
metodológico no campo das Ciências Sociais.
Porém, o que fica evidente, é que de fato, a colonização curricular segue seu
processo, se reconfigurando e privilegiado visivelmente o ponto de vista eurocêntrico e
universalista da “História” O pouco espaço que é dado para autores contra-hegemônicos
que pensem o Brasil, a América Latina, África e outras regiões do mundo em seus
próprios termos, faz com que fique latente a hierarquização de saberes tendo o eixo
Europa/Estados Unidos da América em posição privilegiada em relação aos
“outros/nós,” fazendo com que essa relação de subalternidade epistemológica se
perpetue.
Buscando compreender como se deu os processos que resultaram na atual
estrutura do Ensino Superior no Brasil, Anastasiou (2002) indica que o sistema
educacional brasileiro institucionalizado formou-se a partir da chegada dos jesuítas, no
qual se estabeleceu a organização dos cursos em séries e anos letivos, a aplicação de
provas e notas para avançar de estágio, sistema esse que permanece até os dias atuais.
Outra prática colonial que persiste até hoje no sistema universitário brasileiro se
é a do modelo universitário francês no período de Napoleão Bonaparte, que introduziu
a ideia de currículo e burocratização dos servidores do Estado de forma a organizar essa
esfera de modo mais racional, seletiva e impessoal possível.
Ainda, segundo Anastasiou, uma terceira influência de modelo de Ensino
Superior no Brasil por parte da Alemanha ou Humboldtiano se faz presente, com um
direcionamento de uma ciência vista como uma atividade livre, com autonomia
econômica e de nomeação pessoal da sociedade e voltada para expectativas de
interesses e problemáticas regionais e nacionais. Assim, grupos de pesquisas com
discentes e docentes eram formados e tinham seus currículos diferenciados conforme
suas necessidades. Este modelo de ensino foi seguido pelos E.U.A.
Anastasiou argumenta que cada um destes modelos exerceu influência sobre o
Ensino Superior no Brasil em distintos momentos históricos. No período “colonial”,
vingou os modelos escolásticos portugueses e a partir das guerras pela Independência
mirou-se na cultura francesa como modelo ideal para a formação de uma elite
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preparada para ocupar os cargos superiores do Brasil. Já no período de pós segunda
guerra mundial, buscou-se uma reformulação curricular inspirada no modelo
Humboldtiano, e a partir daí se deu a tentativa da construção de uma identidade
nacional, com foco em pesquisas que investiguem e apontem resoluções para questões
nacionais.
Com o advento da Ditadura Militar, as Universidades brasileiras passaram a
adotar princípios do modelo estadunidense que fortaleceria o aparelhamento ideológico
do Estado. Entre os elementos oriundos do modelo norte-americano implementados pela
Ditadura, estão o sistema de departamento centralizado, que desliga o professor do
vínculo com o curso, o desmantelamento de grupos de trabalho, análise e critica aos
cursos que faziam frente as imposições da Ditadura, predileção pela maior quantificação
possível de conteúdo com centralidade na exposição e memorização dos mesmos.
Observei que alguns destes elementos adotados pela Ditadura ainda hoje
reverberam nos espaços acadêmicos, haja vista a constante cobrança pela produção
quantificada de conteúdo, em detrimento da relevância temática e qualidade das
pesquisas que não possuam um viés econômico atrativo para as principais agências
fomentadoras de pesquisa científica.
Voltando para discussão acerca da grade curricular do curso de Ciências Sociais
da UFRB, na disciplina obrigatória que nos é ofertada, como História Contemporânea,
caberia tranquilamente rebatizá-la como História Contemporânea da Europa e Estados
Unidos do século XIX e como a história “deles”, suas revoluções industriais, científicas
e culturais transformaram todo o mundo enquanto suas periferias subalternas assistiam
estes acontecimentos a tocarem passivamente.
Vale lembrar que, autores descoloniais questionam, por exemplo, o conceito de
modernidade, e afirmam que esta, não teria se desenvolvido exclusivamente na Europa
e desembarcado em terras latinas, mas teria se dado de forma simultânea e intrínseca.a
partir da „‟descoberta‟, invasão destas terras por espanhóis e portugueses e seus
desdobramentos a partir das relações coloniais que se estabeleceram entre os distintos
povos e que, como bem frisam estes autores, ainda reverberam de diversas formas e em
diversas esferas sociais. Justamente uma dessas esferas é a intelectual. Daí a ênfase na
descolonização do pensamento que esses autores propõem
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Mas, porque não temos uma disciplina na grade curricular obrigatória de
História Contemporânea da América Latina e demais continentes e seus efeitos
posteriores em Europa e Estados Unidos? Será que não é possível vislumbrar essa
possibilidade? Será que ainda não existe acúmulo de conhecimento suficiente para tal?
Será que seremos sempre sujeitos passivos na “História”? Será essa naturalização da
História Contemporânea do ponto de vista eurocêntrico irrevogável e imutável? Ou será
uma decisão política?
Na disciplina obrigatória de Filosofia, somos iniciados em correntes de
pensamentos filosóficos como se esse pensamento fosse universal e não como se ele
fosse um pensamento específico de uma determinada região em determinado período
histórico, com interesses políticos de saber/poder estratégicos em face do processo
colonial. Uma estratégia tipicamente eurocêntrica que omite o sujeito que enuncia sua
fala, criando uma falsa impressão de neutralidade e universalidade.
Muito provavelmente este seria um fato que passaria desapercebido por mim,
caso eu não tivesse acesso ao conhecimento de autores descoloniais como Santiago
Castro-Gomes (2005), autores estes, que não fazem parte da grade curricular obrigatória
e que apontam para a tão pretensa busca por neutralidade e universalidade dentro da
filosofia e das ciências ocidentais.
Uma evidência concreta da herança colonial que caracteriza a hierarquia de raça,
gênero e classe, que ainda é promovida no âmbito do Curso de Ciências Sociais, é sua
grade curricular obrigatória. Majoritariamente dominada por autores homens, brancos,
europeus e estadunidenses. Poucos autores brasileiros, pouquíssimos latino-americanos,
africanos e negros. Poucas autoras mulheres, no caso, apenas mulheres brancas e
nenhuma mulher negra. Isto em uma universidade que é composta em sua maioria
justamente por mulheres estudantes negras e advindas de escolas públicas e do sistema
de cotas (Barros, 2013).
Este quadro apenas apresenta uma ligeira abertura na grade curricular a partir do
5º semestre, quando aparece a possibilidade de cursar disciplinas optativas e com
tópicos especiais em Ciências Sociais.
Outra descoberta que considerei bastante interessante analisando bibliografias
utilizadas nos TCCs do curso de Ciências Sociais da UFRB que tive acesso, foi
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justamente um artigo da prof.ªd.ª Ângela Figueiredo “Por que não GuerreiroRamos?
Novos desafios enfrentados pelas universidades brasileiras,.”docente da própria UFRB,
mas que até então eu não havia tido acesso aos seus trabalhos e que também pode se
enquadrar dentro do contexto de práticas acadêmicas dissidentes e descoloniais.
Foi a partir do Trabalho Conclusão de Curso do discente Ezequias Amorim de
Oliveira, orientado pelo prof.ºdr.º Herbert Toledo Martins com o tema “‟Raça e
Violência: um estudo sobre a vitimização em Feira de Santana” que tive conhecimento
deste artigo. Embora o TCC em questão seja um tema extremamente relevante, o artigo
da professora Ângela Figueiredo me chamou a atenção para o tema proposto da política
do esquecimento para com acadêmicos brasileiros negros, sendo a própria professora
Ângela, uma mulher negra e também assumindo um lugar de enunciação da
subalternidade dentro de sua pesquisa e assumindo de uma postura política explítica de
engajamento acerca da invisibilização de intelectuais negros nos espações acadêmicos.
3. NOVOS SUJEITOS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
As consequências da inserção de agentes historicamente subalternizados nestes
espaços acadêmicos, tem gerado novas tensões, fissuras e possíveis avanços
epistemológicos e metodológicos no campo das Ciências Sociais. Consequentemente no
campo da Antropologia, novas discussões acerca da etnografia e autoridade etnográfica
estão sendo questionadas. Vejo este momento como particularmente interessante, mas
ainda é necessário mais acúmulos sobre estes novos pressupostos epistemológicos
emergentes e dissidentes.
De todo modo, com as limitações do tempo de pesquisa e leituras de TCCS e
artigos, devido a uma série de fatores que surgiram no percurso, um exemplo dessa
reconfiguração ou reposicionamento de atores sociais que tiveram historicamente seu
lugar de enunciação subalternizado e que a UFRB tem proporcionado a sua assunção, já
pôde ser notado no Trabalho de Conclusão de Curso da então discente e agora cursando
o mestrado em Ciências Sociais Roseni Santana de Jesus, pertencente a uma
comunidade quilombola de Cachoeira e militante da luta por direitos sociais dessas
comunidades.
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Em seu trabalho, Etnogênese e Identidade Étnica Enquanto Modo de Vida na
Comunidade Quilombola de São Braz em Santo Amaro/Bahia, de 2013, Roseni
Santana, buscou fazer um estudo etnográfico na comunidade tradicional remanescente
de quilombo de São Braz, no Município de Santo Amaro, próximo a Cachoeira,
procurando identificar as identidades locais a partir de sinais diacríticos que se
relacionam com a problemática de identificação destes sinais e suas fronteiras entre
grupos étnicos dentro de um contexto de conflito territorial.
Porém, o mais interessante para a justificativa de seu trabalho, está no campo da
subjetividade. É a partir da própria experiência e história de vida de Roseni, que se dá o
seu interesse pelo tema de pesquisa. Roseni se apresenta enquanto uma mulher negra,
militante de movimento social, estudante, oriunda de uma Comunidade Quilombola do
Recôncavo da Bahia, chamada São Francisco do Paraguaçu, localizada no Vale do
Iguape, zona rural do Município de Cachoeira.
Roseni relata que os integrantes de sua comunidade passaram pelos mesmos
processos nefastos da escravidão e ainda sofrem os seus efeitos enquanto uma
população relegada a categoria de subcidadania.
Vale ressaltar que o processo de inicial ao projeto que Roseni desenvolveu se
deu enquanto ela se inseriria no grupo de pesquisa MITO, do qual faz parte, que já
possuía essa proposta de diálogo e aliança e engajamento com movimentos sociais da
região, no qual a comunidade de São Braz foi escolhida como campo de atuação e
pesquisa justamente por passar por conflitos territoriais relacionados a sua condição de
comunidade quilombola.
Outra importante informação fornecida por Roseni sobre as condições
epistemológicas no qual foi desenvolvido seu trabalho, trata da sua realização sob
pressão política devido a demanda imediata das comunidades dos laudos antropológicos
para que os resguardem juridicamente e poderiam comprometer o que foi inicialmente o
que foi proposto pelo projeto.
É a partir destes pressupostos que Roseni afirma seu comprometimento de fazer
a ligação entre a sociedade e a academia enquanto um espaço que lhe proporcionará
vantagens e desvantagens dentro do seu campo de pesquisa.
Embora Roseni tenha explicitado a sua posicionalidade dentro do seu projeto e
suas justificativas subjetivas para sua a empreitada, no decorrer do seu texto, a sua
própria condição de quilombola não foi utilizada enquanto estratégia etnográfica ou
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literária para o seu trabalho. É possível considerar que um dos motivos para este fato se
deve a utilização dos cânones clássicos da antropologia como Barth, Damatta, Bourdieu
e Geertz. Deste modo, ela se utiliza de métodos e conceitos já consagrados pela
etnografia, como observação participante, entrevistas semi-estruturadas, pesquisa
qualitativa.
Embora essas idéias não estejam explicitamente colocadas no trabalho Roseni
ele se enquadram dentro da perspectiva descolonial proposta por Mignolo (2003), no
qual ele argumenta que a maior parte dos teóricos descoloniais latino americanos
estariam assumindo um lugar de enunciação do colonizado/subalternizado e recontando
as histórias da América Latina em seus próprios termos.
Roseni, inclusive salientou em uma das reuniões do grupo MITO, que foi
chamada a sua atenção por docentes da UFRB que já estão alinhados como o
pensamento descolonial, justamente por omitir a sua condição de quilombola e militante
dentro da sua pesquisa, fruto talvez, do condicionamento excessivamente neutro e
objetivista que o curso a direcionou.
Porém, ao se colocar enquanto um sujeito político e engajado de direito, que foi
subalternizado durante os processos coloniais, históricos e sociais, Roseni dá um
importante passo que desmitifica o lugar de neutralidade do sujeito universal da ciência
de herança colonial eurocêntrica, aquele que se coloca de modo que esconde seus
próprios interesses e relações de poder que possam envolver o seu objeto de pesquisa e
os sujeitos envolvidos nele.
Este é um movimento importante, já que, enquanto epistemologia e projeto
político, a teoria descolonial busca a exposição explícita dos sujeitos envolvidos nos
discursos com o intuito de desvendar o lugar de fala do sujeito universal, aquele que
fala a partir de um lugar supostamente neutro em relação ao seu objeto de estudo,
escondendo todas as relações de poder envolvidas em seu contexto.
A proposta descolonial busca desmistificar este lugar de fala. A geopolítica do
poder, de onde partem estes discursos e quais interesses envolvidos nele (BERZEQUIN,
2013) e o corpo político envolvido nestes discursos, ou seja, a posicionalidade do
sujeito que enuncia dentro uma estrutura moderna/colonial de classe, raça e gênero
(FIGUEIREDO; GROSFOGUEL, 2003). A partir destes conceitos de geopolítica do
poder e corpo-político do conhecimento e da localização deste sujeito nas estruturas e
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teorias que temos acesso, é possível abrirmos novos flancos para a atuação de um
engajamento intelectual e dissidente neste espaço acadêmico.
O discurso do sujeito universal que observa e nunca é observado é uma
característica marcante da colonialidade do poder/saber, ainda em voga em nosso meio
acadêmico, principalmente em nossas bases curriculares obrigatórias, no qual temos
acesso aos clássicos das ciências, mas temos pouco acesso a um contraponto a estes
clássicos.
Outro exemplo de prática acadêmica dissidente promovida pela inserção deste
novos sujeitos na academia que observei, mas desta vez fora do cronograma oficial de
pesquisa, se deu em própria sala de aula, na disciplina de Antroplogia III, no qual o
estudante de mestrado Fred Aganju Santiago Ferreira cumpria o seu tirocínio docente.
Sua pesquisa tratava sobre a questão racial no Movimento dos Sem Terra, sendo ele
próprio, negro e militante junto ao movimento.
Considero que houve uma prática acadêmica dissidente e descolonizadora tanto
por parte do estudante Fred quanto por parte da professora Jurema Machado, (também
integrante do MITO) que trouxeram uma abordagem teórica para além da grade
curricular tradicional, abordando autores como a haitiana Jemima Pierre e o brasileiro
João Costa Vargas que desenvolvem teorias e epistemologias contra-hegemônicas, a
Antropologia Ativista/Engajada.
É importante demonstrar um paralelo entre a Antropologia Ativista e o
Pensamento Descolonial, afim de ilustrar esse movimentos e campos de disputa dentro
do meio acadêmico. Tanto Pierre, quanto Vargas não dialogam diretamente com os
conceitos de descolonização do pensamento e práticas acadêmicas dissidentes, mas vem
justamente contribuir com novas perspectivas dentro do campo da Antropologia..
A Antropologia ativista proposta por estes dois autores traz um recorte
epistemológico ainda mais profundo sobre a questão da neutralidade e utilizam
conceitos como o “nativo” pesquisador, diferentemente de Gertz, por exemplo, no qual
ainda havia uma separação entre a imagem do pesquisador e do “nativo”.
Também agora, diferentemente de Gertz o pesquisador ativista não busca apenas
algum tipo de conhecimento situado, ele busca de fato a intervenção através de práticas
mobilizadoras. Ora, tal qual os autores entusiastas do Pensamento Descolonial e e os
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integrantes dos grupo de pesquisa MITO e das NOVAS CARTOGRAFIAS SOCIAIS
buscam.
Dentro desse novo contexto epistemológico, Vargas, homem negro e Pierre,
mulher negra, reivindicam tanto o seu engajamento junto ao grupos sociais, no qual
estão inseridos, o que lhes confere informações que não poderiam ser captadas de outro
modo, caso não houvesse a explicitação e a ação política, quanto, seus corpos e seu
gênero, historicamente condicionados a condição de “outro” como arcabouços tanto
para militância quanto para as suas epistemologias ao tratarem da questão que lhes é
mais cara, a questão racial. Vale salientar que, para Jemima Pierre, o ativismo não é o
único caminho a ser percorrido pelo pesquisador negro/a, podendo assim, optar por
outros vieses acadêmicos que não a questão ativista/racial se for a sua vontade.
Porém, ao docente ou discente negro/negra que optar pela trajetória ativista ou
dissidente terá que ultrapassar adversidades específicas. Ainda mais, como Jemima
ressalta, fazendo parte de uma estrutura racialmente hierarquizada como a academia,
que em muitos casos invisibiliza questões raciais em prol da permanência estrutural ao
qual as epistemologias a nós apresentadas cumprem um papel significativo de
despolitizar justamente questões raciais e outras epistemologias tão caras a estudantes
negros e negras, indígenas, de baixa renda, quilombolas, de comunidades tradicionais e
de toda uma infinidade de pluralidades, culturais e sociais.
4. ME SITUANDO NO MEU CAMPO DE PESQUISA
Na atual conjuntura, também me coloco como um estudante/pesquisador
engajado/dissidente, que assume o lugar de enunciação de sujeito historicamente
subalternizado, já que também faço parte dessa nova realidade de estudantes negros
advindos da escola pública e que entraram neste espaço acadêmico através das políticas
de cotas raciais/sociais e que agora investiga/problematiza/contesta a produção do
conhecimento da mesma através de uma perspectiva de decolonização do pensamento,
que na prática se trata da descolonização curricular.
Considero interessante narrar o meu caso específico para demonstrar a profunda
transformação no perfil de ingressantes no Ensino Superior e a necessidade de uma
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ampla discussão sobre o papel do Curso de Ciências Sociais na UFRB e a produção do
seu conhecimento diante dessa nova configuração de estudantes que possuem saberes e
características tão múltiplas.
Em um breve histórico da minha própria trajetória pessoal, basta dizer que ao
final do Ensino Médio no ano de 2004, eu nem sequer cogitava a possibilidade de
ingressar em uma Universidade Pública Federal, e somente após dez anos trabalhando
como um operário “chão de fábrica” em uma empresa automobilística multinacional, no
município de Jundiaí, interior do Estado de São Paulo, vislumbrei a possibilidade e a
concretizei de fato, já com 28 anos de idade, a vontade de adentrar no ensino superior,
sendo até então o primeiro de minha extensa família cearense a ter esta oportunidade.
Para se ter uma noção da dimensão numérica de minha família basta, dizer que
possuo um total de 23 tios e tias, da parte de minha mãe, Francisca Lucimar de
Almeida. Minha família, minha mãe solteira e três irmãs fomos obrigado sair de
Fortaleza/Ceará quando eu tinha 10 anos de idade devido a situação de extrema pobreza
e risco alimentar. Chegamos de fato a passar fome, isso nos idos anos 90, em pleno
apogeu de políticas neoliberais pelo qual o país passava.
Em São Paulo, passei grande parte de minha juventude vivendo em um contexto
periférico de violência policial sempre a espreita e escasso acesso a políticas públicas
sociais. É através de todas essas cargas de minha trajetória pessoal, que agora
compreendo serem frutos desse sistema mundo/mundo moderno/colonial, que falo e
pretendo construir minha trajetória acadêmica, engajada com a luta por direitos sociais
de populações historicamente subalternizadas, em especial, a população negra.
Neste sentido, enquanto um pesquisador que se propõe a fazer uma pesquisa
engajada, busco compreender como me movimentar nesta esfera acadêmica enquanto
uma instituição estatal, que também é propagadora de desigualdades sociais.
Essa também é uma problemática que procuro sempre colocar no meu trabalho,
no sentido de que busco observar quais são minhas reais possibilidades de uma prática
antropológica engajada, mas, que ao mesmo tempo não prejudique minha trajetória
acadêmica, haja vista que, enquanto parte dessa nova geração de estudantes oriundos de
estratos sociais historicamente excluídas do ensino superior, também vislumbro neste
espaço a possibilidade de ascensão social via Instituição Estatal, o que não deixa de ser
uma contradição para mim, já que também faço a discussão acerca do genocídio da
população negra por parte de Instituições Estatais.
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4. GRUPOS DISSIDENTES: DOCENTES E DISCENTES QUE
TENCIONAM PRÁTICAS ACADÊMICAS HEGEMÔNICAS
O grupo de pesquisa MITO (Memória, Processos Identitários e Territorialidades
do Recôncavo da Bahia) liderado pela profª dtª Suzana Moura Maia, do qual faço parte
e este trabalho se inclui, busca se inserir de forma mais aguda na problemática da
construção/desconstrução de saberes locais e acadêmicos, propondo estabelecer uma
relação dialógica, horizontal e menos hierárquica possível entre essas formas de
conhecimento dentro de uma instituição marcadamente colonial.
A explicitação do lugar de enunciação da subalternidade (Mignolo, 2003) de
sujeitos historicamente excluídos da esfera acadêmica talvez seja a principal
característica percebida até o momento e está bastante presente dentro do CAHL, na
região do Recôncavo.
O grupo de pesquisa MITO (Memória, Processos Identitários e Territorialidades
no Recôncavo da Bahia) já seja um reflexo desse choque/interação de saberes locais e
acadêmicos, já que ele vem se consolidando como um grupo com um viés
extremamente crítico e questionador de práticas acadêmicas tradicionais, justamente por
tentar estabelecer uma relação dialógica entre os saberes acadêmicos e as
especificidades culturais locais, sendo que parte majoritária do corpo discente vem
dessa esfera da subalternidade imposta durante o processo colonial. Dentro do grupo,
temos desde de estudantes quilombolas, a jovens vindo de contexto periférico, mas já
engajados em movimentos sociais.
Dentro do grupo dialogamos com trabalhos de pesquisa dos membros em torno
do eixo da relação do saber local e do saber acadêmico e já foram produzidos trabalhos
como os da mestranda Maria das Candeias dos Santos sobre a importância dos idosos e
da oralidade na comunidade quilombola de São Braz e também o envolvimento do
grupo com relação a luta dessa comunidade tradicional pesqueira por direitos, pela
demarcação e regulamentação de seus territórios tradicionais. e já mencionada Roseni
Santana, quilombola e pesquisadora da etnogênese de sua própria comunidade.
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Ainda temos o exemplo de Samyr Ferreira, também integrante do MITO,
discente e militante do Conselho Pastoral dos Pescadores e que possui uma relação
intrínseca com a Comunidade Quilombola de São Braz a partir de sua militância, tendo
inclusive laços de parentesco dentro dessa comunidade. Ou seja, ele parte de um lugar
muito específico e fora dos tradicionais padrões acadêmicos de um pesquisador e a sua
relação com o seu campo de estudo, que foi um estudo antropológico sobre as
articulações entre os movimentos pesqueiros e quilombola Subaé.
Também foi organizado pelo grupo MITO e coordenado por Suzana Maia em
conjunto com o Conselho Pastoral dos Pescadores, um encontro no qual os próprios
pescadoras e pescadoras e seu militantes tiveram o espaço de fala dentro da academia
para expor sua situação de busca por direitos, sua relação e crítica com o espaço
acadêmico, o que esperam dela, suas lutas e suas perspectivas, em seus próprios termos.
Também considero este como um momento emblemático de uma prática acadêmica
dissidente engendrada pelo grupo MITO e nos proporcionou importantes reflexões
acerca da problemática acadêmica e sua relação com comunidades locais e tradicionais.
Posteriormente os integrantes do MITO participaram de uma campanha de coleta de
assinaturas no CAHL para um projeto de Lei de iniciativa popular pela demarcação e
regularização de territórios tradicionais de pescadorese pescadoras, momento em que
tivemos a oportunidade de uma maior interação e intercâmbio de conhecimento entre os
estudantes, pescadores e militantes da luta pela demarcação e regularização de seus
territórios tradicionais
Estas observações me fizeram refletir sobre até que ponto o pesquisador
ativista/militante/nativo/intelectual engajado/dissidente está envolto com seu contexto e
no que isso se reflete em sua pesquisa. O que pesa mais em suas decisões: o teor
político ou metodológico? São questões ainda em aberto, mas que tentamos elucidar a
partir de perspectivas descoloniais, durante as reuniões que fazemos com o grupo
MITO, em seminários de pós-graduação, grupos de estudo, em estudos de TCCs,
movimentos sociais, artigos, em sala de aula e na própria vivência acadêmica e no seu
entorno.
Tambémfoi registrado uma reunião entre o Grupo de Pesquisa MITO, Pesquisa
de Pesquisa Novas Cartografias Sociais, e a Comunidade Quilombola de Acupe, no dia
27 de novembro de 2015 na Associação da comunidade, no qual lideranças da mesma
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registraram a grave situação pela qual passavam devido a conflitos por seu território
frente a especulações econômicas e empreendimentos ilegais.
Neste momento foi relatado e questionado qual a relevância e compromisso
social que a UFRB possuía com as comunidades em seu entorno, haja vista as diversas
atividades acadêmicas ocorridos na localidade que não tiveram reverberações positivas
e concretas em prol de sua luta por seu território.
Pude observar o quanto o modelo de pesquisa adotada pela academia de caráter
moderno/colonial ainda é um reprodutor de desigualdades e privilégios, colocando esses
sujeitos historicamente subalternizados ainda em condições de objeto de estudo dentro
do atual contexto social.
De modo a tentar romper com esta lógica através de práticas acadêmicas
dissidentes e descolonizadoras foi promovido pelo grupo MITO, junto a Associação de
Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), o Movimento dos Pescadores e
Pescadoras Artesanais (MPPBA) e a Comissão Pastoral da Pesca (CPP), o seminário
Impactos Sócio Ambientais da monocultura do Eucalipto no Recôncavo da Bahia, no
dia 10 de dezembro de 2015. Neste seminário, a proposta do grupo de pesquisa MITO
foi ceder o espaço acadêmico para que estes sujeitos organizassem e enunciassem as
suas próprias vivências, situações e demandas relacionadas a mais esta está ameaça da
expansão do capital dentro do território do Recôncavo da Bahia.
No atual momento, tanto o grupo de pesquisa MITO quanto as Novas
Cartografias Sociais, coordenado pelo Profº. Drº Franklin Carvalho estão em uma
parceria juntamente com comunidades tradicionais e quilombolas do Recôncavo no qual
buscamos abrir diálogo e alianças com estas comunidades, que estão passando por um
grave momento, com o avanço da monocultura do eucalipto na região.
Para além do grupo de pesquisa MITO e das Novas também faço parte do núcleo
de estudantes negros e negras AKOFENA no CAHL. Trata-se de um núcleo
interdisciplinar, aonde também pretendemos praticar dissidências acadêmicas,
engajadas e descolonização do pensamento na prática.
Nos reunimos periodicamente para discutir justamente autores negros e negras,
em busca de outras epistemologias que não fazem parte da grade curricular oficial e
contemplem nossas realidades e militâncias e ao mesmo tempo nos proporcionem
subsídios teóricos e metodológicos que norteiam nossas práticas acadêmicas. Sendo
que semestralmente realizamos formações políticas sobre a questão racial no Brasil,
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para estudantes ingressantes da UFRB e participamos de uma série de atividades
relacionadas a esta temática praticamente durante todo ano.
Foi através do núcleo AKOFENA que eu tive contato com autores como, Frantz
Fanon, Aimé Césaire, Abdias Nascimento, Guerreiro Ramos, Lélia Gonzales, Stuart
Hall e tantas outras referências negras de nossa estima que anteciparam muitas das
discussões que se fazem atualmente à respeito da condição pós colonial que nos
encontramos.
Nós, enquanto núcleo Akofena, consideramos que o espaço acadêmico, apesar
de sua herança colonial, é um espaço que vale a pena ser disputado, já que, para nós, se
trata de uma questão de sobrevivência para o jovem negro estar neste espaço e sair da
zona geográfica de conflitos violentos diários pelo qual a maioria deste estão expostos.
Porém, só a sobrevivência física não é o suficiente para nós, é preciso descolonizar a
academia e nossas mentes.
Como bem frisa Carolina Castañeda (2013,p. 10) esse esforço deverá ser
coletivo e contínuo: [...] “eu afirmaria que não existe um pensamento latino-americano
a priori. Ou melhor, não subscreveria propostas que afirmem a existência de um
pensamento que seja “nosso” sem antes entender como se constrói e se produz esse
“nosso” e quem nele inclui-se”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi observado que apenas a descentralização do acesso a um tipo de
conhecimento acadêmico estabelecido, hegemônico e de herança colonial a grupos
historicamente marginalizados não é suficiente para atender as suas demandas locais e
específicas, compreendendo o conhecimento acadêmico também como um
conhecimento específico e localizado, marcado por diversos interesses, hierarquias e
relações de poder. Interesses estes que são respaldados e legitimados através de
discursos acerca da neutralidade, objetividade e autoridade científica.
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A temática da descolonização do pensamento ainda é pouco pesquisada e
conhecida tanto entre docentes quanto dissentes neste espaço acadêmico Na atual
conjuntura política nacional e das universidades brasileiras, em especial o curso de
Ciências Sociais as UFRB, há uma grande demanda por novos paradigmas
epistemológicos em nossas bases curriculares, especialmente voltadas para a questão
racial, de gênero e demandas de grupos locais e comunidades tradicionais em seu
entorno.
Através dos resultados da pesquisa, foi compreendido que ainda existe uma
grande disparidade entre a produção do conhecimento instituído pela UFRB e esses
novos sujeitos historicamente excluídos da esfera acadêmica, estabelecida e
hegemônica.
É necessário e urgente traçarmos estratégias de alianças entre a Universidade, as
comunidades locais e movimentos sociais em seu entorno afim de consolidar a
produção de um conhecimento que seja engajado e responsável perante a estes sujeitos
historicamente subalternizados através de práticas acadêmicas dissidentes propostas
pelos teóricos do pensamento descolonial.
Por pensamento descolonial, Castro-Gomes (2007), Lander (2005) e Mignolo
(2007) compreendemos uma abordagem crítica em relação a todo o conhecimento
produzido em instituições de nível superior que possuem caráter eurocêntrico,
hierarquizador e universalista que privilegiam um determinado tipo de conhecimento
em detrimento de outros saberes possíveis. Por práticas acadêmicas dissidentes
consideramos a construção de um tipo de conhecimento engajado capaz de atender as
novas demandas sociais que advêm da complexidade do contexto pós colonial em que
as novas universidades, como a UFRB, foram instituídas.
Como bem frisa Carolina Castañeda (2013,p. 10) esse esforço deverá ser
coletivo e contínuo: [...] “eu afirmaria que não existe um pensamento latino-americano
a priori. Ou melhor, não subscreveria propostas que afirmem a existência de um
pensamento que seja “nosso” sem antes entender como se constrói e se produz esse
“nosso” e quem nele inclui-se”.
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O projeto político e teórico de descolonização do pensamento é sem dúvida
complexo, ousado, mas de importância sem precedentes para compreendermos e
vivermos todas as nossas diversidades culturais/políticas tanto dentro quanto fora do
espaço acadêmico.
Compreendo que a descolonização do pensamento não algo palpável, concreto e
objetivo que possamos chegar e sentenciar quem alcança ou não, mas antes de mais
nada, é uma postura crítica diante do processo de colonização. Compreendendo este
processos, acredito é possível, que , para além da postura crítica, nos mobilizemos em
ações práticas e concretas.
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