viagem técnica style arthur azevedo.pdf · 2007. 1. 10. · viagem técnica 20 no ano em que se...
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viagem técnica
20
No ano em que se comemoram 250 anos da criação da região demarcada, o tradicional Douro exibe invejável juventude e mostra sua nova face
O DOurO
por Arthur Azevedo fotos Arthur Azevedo/divulgAção
o cultivo de vinhAs nA região do douro
ocorre há milhares de anos, apresentando vestígios até de
épocas pré-históricas. Ao longo do tempo, o vinho forti-
ficado produzido na região sempre teve grande prestígio,
mas a designação “Vinho do Porto” foi adotada somente
na segunda metade do século XVII, para facilitar as expor-
tações. O Tratado de Methuen, assinado entre a Inglater-
ra e Portugal em 1703, que dava tratamento preferencial
ao vinho português em relação ao francês, retrata bem o
interesse por este vinho único. um marco importante na
história do Douro ocorreu em 1756, quando foi instituída
a “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto
Douro” e, logo em seguida, o Marquês de Pombal mandou
delimitar as melhores áreas de produção do vinho do Vale
do Douro com sólidos marcos de granito, os Marcos de
Feitoria. Estava criada aquela que é considerada a primeira
região demarcada de produção de vinhos em todo o mundo.
Para avaliar a situação atual da produção de Vinho
do Porto, e também dos modernos e conceituados vinhos
Douro DOC, Wine Style esteve no Douro, a convite do
IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e Porto –, com o
apoio do ICEP – Instituto de Comércio Exterior de Portu-
gal. um diferencial desta viagem foi o contato estreito com
enólogos e a oportunidade de respirar profundamente os
ares do Douro, pois tivemos o privilégio de ficar nas pró-
prias Quintas, numa experiência realmente inesquecível
Pisa a pé e lagar robótico da Symington. O clássico e o moderno lado a lado, para produção de grandes vinhos do Porto
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Em Vila NOVa DE Gaia,
aNtiGOs armazéNs
E NOVas tEcNOlOGias
Depois de uma manhã esplendorosa, de céu azul
e calor civilizado, quando pudemos dar uma passada
no acolhedor Solar do Vinho do Porto, um local de
vista privilegiada para o Rio Douro, onde o visitante
pode degustar centenas de Vinhos do Porto, de dife-
rentes estilos e produtores, fomos até Vila Nova de
Gaia, para conhecer as instalações de um dos mais
tradicionais produtores do Douro, a Messias.
DEGustaçãO cONfirma
pOtENcial DE
ENVElhEcimENtO
DOs cOlhEitas
na Messias, as grandes estrelas foram os vinhos da
linha Porto Tawny, quando brilharam os Tawny 30
anos e Tawny + de 40 anos, jóias lapidadas ao longo
dos anos em barricas de carvalho, onde o vinho sofreu
lento processo de oxidação, adquirindo complexos
aromas de frutas secas, especiarias e mel. No paladar,
estes vinhos são extremamente macios, longos e con-
centrados. Os Colheitas foram um espetáculo à parte.
Começamos com o caçulinha da turma, o Colheita
1995 (engarrafado em 2006, após 11 anos em barrica),
uma criança bem nutrida, que oferece aromas delica-
dos de frutas caramelizadas, ótimo corpo, destacado
equilíbrio e longa persistência. Os irmãos mais velhos
vieram a seguir. Primeiro, o Messias Colheita 1982
– de cor âmbar intensa, repete o perfil aromático, com
mais toques oxidativos e notas de tostado; o Colheita
1967 prima pela maciez e concentração de sabores. Já
o Colheita 1963 foi a grande atração da degustação,
revelando muita complexidade, aromas elegantes de
frutas secas envoltas em mel e sabor extraordinário,
evocando avelãs, e interminável persistência. Um vi-
nho que mostra todo o potencial de envelhecimento
dos Portos Colheitas, que merecem ser conhecidos
por todos os apreciadores de Vinho do Porto. A título
de informação, o Colheita 1947 é o mais antigo que
a Messias dispõe e o mais novo é o Colheita 1995.
NO DOurO, pErtO
Das EstrElas
E litEralmENtE
NO paraísO
De Vila Nova de Gaia fomos para o Douro, direto para
a Niepoort, um dos ícones do Douro, não só por seus exce-
lentes Vinhos do Porto, em especial os Colheita, mas princi-
palmente pelos modernos Douro DOC Batuta e Charme,
hoje objetos de desejo de uma imensa legião de fãs. O enólo-
go Luis Seabra nos esperava de copo e pipeta na mão, pron-
to para uma prova de barrica das novas safras dos tintos da
casa e de tanque, no caso dos brancos (Redoma e Tiara).
Segundo nos explicou Luis, o Batuta é produzido a partir
de uvas provenientes de vinhas muito velhas (algumas de pé-
franco – sem enxertia), com cerca de 70 anos, da Quinta do
Carril, com boa porcentagem de Tinta Amarela. Os vinhe-
dos da Quinta do Carril têm exposição norte, o que permite
maturação mais lenta, resultando em taninos muito finos. O
amadurecimento é feito em barricas de carvalho francês, 70
a 80% novas, por 20 a 22 meses. Já o Charme é produzido
numa vinícola situada no Vale de Mendiz, a partir de uvas
provenientes de vinhas velhas, com passagem em barricas de
carvalho francês, quase 100% novas, por 12 a 14 meses.
Na prova das barricas, tanto o Batuta quanto o Char-
me 2005 impressionaram pela fineza dos taninos e pelo
frescor, raros de se encontrar em vinhos tintos tão jovens,
ainda em fase embrionária. Luis nos disse que o objetivo
primordial da Niepoort é buscar frescor e equilíbrio, sem
extrações excessivas, um pecado comum em outras empre-
sas. Uma das técnicas empregadas é a maceração pós-fer-
mentativa a frio, por dois meses, visando obter maior com-
plexidade e mais concentração de sabores. Luis Seabra tem
uma visão muito interessante sobre o tempo que um vinho
deve permanecer nas barricas de carvalho. Para ele, “o
erro de muitos enólogos é retirar o vinho precocemente das
barricas, quando o caráter de madeira ainda é muito
acentuado. Isso dá ao vinho um excesso de madeira
quando for engarrafado. Se o vinho permanecer na
barrica por mais tempo, vai perder aos poucos o ca-
ráter de madeira mais agressivo, afinando lentamente
com o tempo”. Faz sentido e pudemos comprovar na
prática a veracidade das afirmações. Seabra reafirma
a política da Niepoort, de não produzir vinhos em
grande quantidade e sim com alta qualidade.
Na degustação dos vinhos engarrafados, um desfile de
primeira, começando com o Tiara 2005 (mineral, frutado,
com muito frescor), Redoma Branco 2005 (delicioso, mine-
ral, com notas de carvalho, elegante e persistente) e Vertente
2004 (frutado, com aromas de chocolate e tostado, ainda um
pouco tânico e bastante persistente). As preciosidades não de-
cepcionaram. o Batuta 2004 veio em roupagem púrpura,
muito escuro, com aromas sofisticados de frutas escuras em
geléia, chocolate e fino carvalho tostado, que evoluiu para café
torrado. Na boca, é concentrado, encorpado e equilibrado,
com taninos finíssimos e longa persistência. Já o Charme
2004 é mais elegante que potente, com aromas complexos e
intensos e bom corpo. Em resumo, macio, longo e saboroso.
Os Portos da Nieepoort dispensam muitos comentários,
mas o Vintage 2005, em amostra de barrica, impressiona
pela opulência e pela maciez. O já engarrafado Niepoort 10
Years exibiu a habitual elegância, com aromas sutis de fru-
tas caramelizadas, equilíbrio perfeito e ótima persistência.
symiNGtON apONta
Os camiNhOs
Da mODErNiDaDE
A visita à Quinta da Cavadinha, uma das proprie-
dades da Família Symington, mostrou-nos como será o
futuro no Douro. Aqui estão instalados alguns dos mais
modernos equipamentos da região. Fizemos, inclusive,
uma inédita prova de Vinhos do Porto produzidos com
técnicas diferentes, o que nos permitiu avaliar as qualida-
des de cada uma das técnicas.
O equipamento principal é o lagar de aço inoxidável,
com controle de temperatura e pisa por meio de enge-
nhosos equipamentos eletropneumáticos, que esmagam
as uvas com suavidade e eficiência, permitindo se obter
um mosto homogêneo, o que facilita a fermentação. To-
dos os processos são controlados pelo operador, incluindo
o enchimento e o esvaziamento do lagar, que dispõe de
duplo controle de temperatura, quente e frio.
Outro equipamento muito interessante que a Symington
utiliza para a vinificação é um plunger, uma hélice rotativa
que se movimenta dentro de um tanque de aço inoxidável
com temperatura controlada, no sentido vertical, de baixo
para cima e vice-versa, movendo as massas sólidas.
na prova, testamos o mesmo mosto, vinificado de
três formas diferentes: lagar tradicional com pisa a
Detalhe de azulejona Estação do Pinhão
Portos antigosnas Caves Messias
Niepoort: elaboraçãodos vinhos Douro DOC
pé, lagar robótico e tanque com plunger. O resultado não
poderia ter sido mais interessante. As diferenças são mui-
to evidentes no aroma, mas pouco perceptíveis na boca.
O vinho do tanque com plunger é intensamente aromáti-
co, ressaltando o caráter floral; e o do lagar tradicional
o menos aromático dos três, mostrando que, num futu-
ro muito próximo, esta prática será abolida. Segundo o
pessoal da Symington, “a pisa no lagar robótico simula
com perfeição a pisa a pé no lagar tradicional, com a
vantagem de se conseguir um perfeito controle da tem-
peratura de fermentação, um dos problemas mais críti-
cos do método tradicional, além da consistência do pro-
cesso, que será rigorosamente igual para todo o lote de
uvas”. O investimento não é pequeno, cerca de € 30.000
a peça móvel que faz a pisa e cerca de € 20.000 cada um
dos lagares basculantes onde se faz a pisa.
Na degustação na Symington, os destaques foram o
Warre´s Otima 20 Years, um belíssimo Porto Tawny,
delicado e sutil, e o potente Quinta do Vesúvio Vinta-
ge 2003, de aromas complexos de melaço, chocolate e
tostado, muito encorpado e longo.
QuiNta DO NOVal
mOstra pOrQuE é um
ícONE DO DOurO
A visita ao Noval foi sem dúvida um dos melhores mo-
mentos de nossa curta passagem pelo Douro. Sonho de
consumo de qualquer enófilo que tenha um mínimo de in-
formação, a Quinta do Noval impressiona pela imponência
de seus seculares vinhedos, pela beleza de suas instalações
e, acima de tudo, pela fineza e elegância de seus vinhos,
que estabelecem um novo patamar de qualidade para os
vinhos Douro DOC e Porto.
Produzidos integralmente no Douro, os vinhos elabora-
dos pelo enólogo Antonio Agrellos fazem todo a amadure-
cimento em madeira na própria Quinta, o que permite um
acompanhamento mais preciso de todo o processo. A empre-
sa não tem mais nenhum armazém em Vila Nova de Gaia.
A parte de vinificação da Quinta do Noval mostra uma
perfeita sintonia entre o tradicional e o moderno, começan-
Quinta do Noval, aqui se produzum dos ícones do Douro.Página ao lado - Taylor’s, em Vila Novade Gaia: uma grande atração é o restaurante Barão de Fladgate, que tem uma das mais lindas vistas da cidade do Porto
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do pelos impressionantes lagares de granito, com pisa robótica de alta precisão e
perfeito controle de temperatura, obtido pelo uso de trocadores de calor, por onde
circula o mosto que está sendo fermentado, sempre que for necessário. Os tonéis e
barricas de carvalho estão armazenados em local que dispõe de controle de tempe-
ratura e umidade, permitindo que o vinho receba toda a atenção necessária.
Na degustação pudemos comprovar o quanto esses cuidados extremos são impor-
tantes para se obter vinhos que são a síntese da perfeição. Começamos com os Douro
DOC, em duas versões, ambas com produção reduzida e alta qualidade. O Cedro do
Noval 2004, produzido com uvas provenientes da Quinta do Noval e de outras pro-
priedades da empresa, é o vinho de entrada de gama. É feito com as uvas Touriga Na-
cional, Tinta Roriz e Touriga Franca, e passa 12 meses em barricas de carvalho francês, de
segundo uso. Rubi, com reflexos púrpuras, de boa intensidade, tem aromas de amoras
e ameixas maduras e de chocolate. Macio e concentrado, tem bom equilíbrio e longa
persistência. Já o Quinta do Noval 2004 é produzido apenas com uvas da Quinta, o
que torna a sua disponibilidade ainda menor, quase um ítem de colecionador. Aqui as
uvas são a Touriga Nacional, Tinto Cão e Touriga Franca, com passagem em barricas quase
100% novas, de carvalho francês. Sofisticado e complexo, o vinho tem no equilíbrio e
na textura dos taninos suas maiores virtudes. Encorpado na medida certa, saboroso e
muito longo, é um vinho que honra as tradições da Quinta do Noval.
Na linha dos Portos, uma seqüência de tirar o fôlego. Para começar, o Noval
Port LBV 2000, engarrafado em 2006, é puro prazer. Com deliciosos aromas de
fruta em compota, melaço de cana e chocolate, doçura equilibrada, é extrema-
mente macio, com taninos sedosos e longa persistência. É certamente o padrão-
ouro para este estilo, cada vez mais valorizado, de Vinho do Porto.
Os Noval Tawny não ficam atrás. O Noval Tawny Port 10 Years Old tem no
aroma ainda um restinho de frutas maduras, mescladas a frutas secas, com paladar
equilibrado. É elegante, longo e com textura sedosa. Já o Noval Tawny 20 Years
é de uma complexidade difícil de definir, com aromas de frutas secas envoltas em
mel e especiarias, sabor marcante e longo, muito macio e equilibrado. Coisa séria.
Na linha de Portos Vintage, a Noval tem três opções diferentes. A mais econô-
mica, o Porto Sinval, marca criada para ter um pouco mais de volume, é vendi-
do por preços muito competitivos; e as duas versões do Quinta do Noval Port, o
ícone noval nacional e o vintage clássico.
Provamos o Sinval Vintage 2003, muito agradável e concentrado, com tani-
nos muito finos, boa acidez e retroolfato delicioso. O Noval Vintage Port 2003
veio a seguir e mostrou força, com cor púrpura impenetrável (tem a uva Souzão na
fórmula), aromas ainda reticentes, com presença de frutas e toques florais. Na boca
é impecável, com perfeito equilíbrio, taninos de extraordinária qualidade, macio,
concentrado, longo e saboroso. Ainda uma criança, deve ter evolução espetacular.
o Noval Port Vintage 2004 é uma aposta certa, pois neste ano não foi pro-
duzido o Noval Nacional e as uvas foram direcionadas para a produção da versão
clássica. Monolítico e muito concentrado, o Noval 2004 tem frutas muito maduras
Graham’s Quinta dos Malvedos,Um dos belíssimos vinhedos do Douro
no aroma, chocolate e tostado, corpo pleno, muita concen-
tração e longo final. Ainda não está sendo comercializado.
O fecho de ouro veio com o Quinta do Noval Vinta-
ge Nacional 2003, produzido com uvas das videiras de pé-
franco da propriedade, pré-phylloxera, velhas senhoras de
muito respeito. Negro e impenetrável na cor, exibe aromas
complexos e profundos, com toques de melaço, especiarias,
chocolate amargo, tostado, um movimento sinfônico ain-
da em lenta evolução. Na boca é inacreditável: antológica
concentração, equilíbrio perfeito, longo, untuoso, taninos
maduros e, acreditem, já acessível em sua mais tenra infân-
cia, algo impensável para um Vintage deste pedigree.
Uma constatação curiosa logo após a degustação: foi
a primeira vez que não consegui perceber o álcool em ne-
nhum dos vinhos degustados na Noval, algo muito interes-
sante quando o assunto é Vinho do Porto. A conclusão foi
inevitável. Trata-se realmente de vinhos muito especiais e
que estão num patamar muito acima de tudo o que se pro-
duz hoje no Douro. Sem receio de cometer uma heresia e
sem ofensas a ninguém, poderíamos dizer que, guardadas
as devidas proporções, a Quinta do Noval é o “Yquem do
Douro” e certamente um dos vinhos que todo enófilo tem
a obrigação de experimentar antes de morrer.
Tonéis e barricas da Casa Ferreira (Sogrape),um dos mais tradicionais produtores do Douro
A g r A d e c i m e n t o s A c A r l o s s o A r e s ( i V d P ) ,
A c A r o l i n A l o u s i n h A ( i c e P ) , A o n o s s o
m o t o r i s t A P A u l o , c o m P e t e n t e e g e n t i l ,
e A t o d o s o s P r o d u t o r e s , q u e t ã o b e m n o s
r e c e b e r A m e m s u A s q u i n t A s .
A r t h u r A z e V e d o é e d i t o r d e W i n e s t y l e
e P r e s i d e n t e d A A b s - s P .