villaÇa, flávio. as ilusões do plano diretor

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  • 8/13/2019 VILLAA, Flvio. As Iluses do Plano Diretor.

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    Flvio Villaa

    AS ILUSES DO PLANO DIRETOR

    So Paulo 7 de agosto de 2005

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a

    Arqta. Andra Oliveira VillelaArqta. ngela AmaralProfa. Dra. Maria Lucia Refinetti R. MartinsProf. Dr. Nabil BondukiProfa. Dra. Sarah Feldman

    ....pela colaborao que me prestaram na realizao deste trabalho. Essas pessoas, entretanto,nada tm a ver com as opinies nele manifestadas nem com seus eventuais equvocos..

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    Os planos diretores fracassaram no s em So Paulo, mas em todo o Brasil e Amrica Latina.Fracassaram no s porque eram falhos, mas porque tomaram os desejos pela realidade.

    Paul Singer ( 1995,177)

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    NDICE

    1. Introduo...........................................................................................................................................6

    2 - Plano Diretor X Zoneamento...........................................................................................................7

    3 - A Idia do Plano Direto...................................................................................................................9.4. A Salvao pelos Planos.................................................................................................................17.....5. O Plano Diretor do Municpio de So Paulo................................................................................21.

    5.1 - O Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo.......................................215.2 - Os Planos Regionais....................................................................................................22

    6. O Plano Diretor Estratgico e o Estatuto da Cidade...................................................................26

    7. O Quadrante Sudoeste da cidade de So Paulo.........................................................................28.

    8. Categorias de Dispositivos de Um Plano Diretor..........................................................................41

    8.1 Dispositivos cuja obedincia cabe ao Executivo................................................... 418.2 Dispositivos cuja obedincia cabe ao setor privado..............................................41.

    ....9 - O Iluso do Plano de Obras..........................................................................................................43

    10 - A Iluso do Zoneamento.............................................................................................................45

    11 - A Iluso da Participao Popular...............................................................................................49..

    11.1 Introduo ..................................................................................................................4911.2- A Atuao do Secovi.................................................................................................5311.3 Os Debates Conduzidos pelo Executivo................................................................62.

    11.3.1- Os Debates Conduzidos por Sempla.........................................................6311.3.2 Os Debates nas Subprefeituras...............................................................

    11.4 As Audincias Pblicas Conduzidas pelo Legislativo.......................................73

    11.4.1- As audincias pblicas sobre o Plano Diretor Estratgico................. 7411.4.2-As audincias pblicas sobre os Projetos de Lei 522/02 e 529/02........7611.4.3- As audincias pblicas sobre o Projeto de Lei no. 139.........................80

    ...A. As audincias na subprefeitura do Butant.B. As audincias da Macro Regio LesteC. A ltima audincia pblica

    12 - Reflexes Finais: A Iluso do Plano Diretor...........................................................................90

    Bibliografia...........................................................................................................................................93

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    NDICE DAS ILUSTRAES

    Figura no. 1 - Matria Paga Pela Prefeitura Municipal de So Paulo...............................11

    Figura no. 2 Ocupao de margens de crrego tpica da periferia paulistana.................14

    Figura no. 3 - Regies e subprefeituras analisadas...........................................................30

    Figura no. 4 - Vulnerabilidade social - Censo 2000..........................................................33

    Figura no. 5- Distritos com no mximo 10% de negros Censo 2000............................ 34

    Figura no. 6- Distritos considerados ao melhores locais para jovens............................... 35

    Figura no. 7 - Clima: temperaturas no Municpio.............................................................36

    Fugura no.8 Distritos com mais alto Indice de Desenvolvimento Humano IDH.........37

    Figura no 9 - Renda mdia domiciliar 1997.................................................................38

    Figura no. 10 - Zonas exclusivamente residenciais Z-1 segundo o

    zoneamento 1972/2004................................................................................39

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    NDICE DOS QUADROS

    Quadro no. 1 Populao e rendimentos no municpio e nas trs grandes regies da cidade.............29

    Quadro no 2 Populao e rendimentos na Regio de Grande Concentrao das Camadas de Alta Renda -RGCCAR.....................................................................................................................................30

    Quadro no. 3 Debates sobre os planos regionais em algumas subprefeituras....................................58

    Quadro no. 4 Populao e rendimentos segundo distritos em subprefeituras selecionadas.................59

    Quadro no 5 - Populao e rendimentos segundo distritos da subprefeitura de Itaquera .....................60

    Quadro no 6 Populao e rendimentos segundo distritos da subprefeitura de MBoi Mirim...............61

    Quadro no 7 Populao e rendimentos segundo o nico distrito da subprefeitura de CidadeTiradentes....................................................................................................................................62

    Quadro no. 8 Populao e rendimentos segundo distritos da subprefeitura de Santo Amaro..........63

    Quadro No. 9 Populao e rendimentos segundo distritos da subprefeitura de Pinheiros ..................64

    Quadro No. 10 Audincias pblicas sobre os PL no. 522/03 e no. 529/03............................................71

    Quadro no. 11 Audincias pblicas e painis PL 139/03....................................................................76

    Quadro no. 12 Populao e rendimentos segundo distritos da subprefeitura do Butant.....................78

    Quadro no. 13 Populao e rendimentos das sub- prefeituras que constituem a Zona Leste.................79

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    1. INTRODUO

    Esta obra versa sobre a experincia paulistana de elaborao e principalmente de debates pblicossobre o Plano Diretor. Trata-se de uma experincia que, no nosso conhecimento, nica no pas.Entretanto o que aqui se relata, est longe de se referir apenas essa experincia da cidade de SoPaulo. Muito pelo contrrio. Temos a convico de que a anlise que aqui fazemos da experinciapaulistana, aplica-se aos processos de elaborao, contedo e debates pblicos de planos diretores detodas as cidades grandes e mdias do pas, com exceo, talvez, daquelas inseridas em reasmetropolitanas ( Santo Andr, Guarulhos, Nova Iguau, Duque de Caxias, Contagem etc.).

    Assim, para valer, por exemplo, para o Municpio do Rio de Janeiro, basta fazer as seguintesadaptaes:

    Onde se l Leia-se

    Quadrante Sudoeste Zona SulZona Leste Zona Norte

    Subprefeituras de Pinheiros e/ou Butant Subprefeitura da Zona Sul

    Para valer, por exemplo, para o Municpio de Belo Horizonte...

    Onde se l...........................................................................Leia-se

    Quadrante Sudoeste ................................................ Zona SulZona Leste................................................................Zonas Norte e Oeste

    Etc. etc.

    Como se ver, os debates pblicos do Plano Diretor Estratgico e mesmo seu contedo, foram

    associados violenta desigualdade de poder poltico e econmico que existe em nossas cidadesgrandes e mdias, como de resto, em todo o pas. Entretanto, num grande municpio inserido numarea metropolitana, como Nova Iguau ou Guarulhos, por exemplo, essa desigualdade bem menorque nos municpios centrais ( Rio de Janeiro ou So Paulo). A condio de cidadessubrbio faz comque aqueles municpios apresentem uma populao bem mais homognea do que a das cidadescentrais ou a de uma cidade de interior com populao semelhante. Compare-se, por exemplo, SoBernardo ou Santo Andr, com Ribeiro Preto, Uberlndia ou Londrina. Isso porqu, nos primeirosno existe a alta burguesia urbana e rural e pouco da classe mdia alta, nas propores que existemnestes ltimos. Essa a principal razo pela qual as anlises aqui contidas se aplicam menos aosmunicpios suburbanos.

    Este livro apresenta algumas reflexes suscitadas pela recente experincia decorrente da elaboraodo Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo e principalmente dos subseqentesdebates realizados tanto por iniciativa do Executivo como do Legislativo municipais.

    A elaborao e a aprovao do Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo envolveramuma grande quantidade de audincias e debates pblicos. Estes podem ser divididos em doisgrupos: os realizados por iniciativa do Executivo e os realizados por iniciativa do Legislativo. Osprimeiros e houve dezenas deles foram os conduzidos pela Secretaria Municipal do Planejamento- Sempla e os conduzidos pelas subprefeituras. Ocorreram em duas etapas: antes do encaminhamento

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    do Plano Diretor Estratgico Cmara Municipal (e versando sobre esse plano), e os que ocorreramdepois da sua aprovao. Estes versaram sobre o detalhamento do PDE atravs de planos que maistarde vieram a ser conhecidos simplesmente por Planos Regionais ( entendendo-se por Regio oterritrio de uma subprefeitura, ou seja, muitos bairros).

    Os debates pblicos conduzidos pelo legislativo sob o nome de audincias pblicas - tambmocorreram em vrias etapas e igualmente versaram ou sobre o Plano Diretor Estratgico ou sobre osPlanos Regionais.

    Depois de algumas reflexes sobre o conceito de Plano Diretor, seu real papel em nossa sociedade,sobre a diferena entre ele e o zoneamento e sobre a importncia e significado dessa diferena,analisamos aqui esses debates e audincias pblicas.

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    2. PLANO DIRETOR X ZONEAMENTO

    Frequentemente no Brasil, a idia de Plano Diretor se confunde com a de Zoneamento . Entretantoh tambm, em importantes setores de nossa sociedade, uma generalizada convico de que ambosso diferentes e essa distino est longe de ser mera e inconseqente formalidade. Na verdade, asdiferenas entre ambos tm grande importncia, menos acadmico-terica do que social, ideolgica epoltica. A compreenso dessas diferenas e de suas implicaes e decorrncias, so fundamentaispara a compreenso deste texto e seus objetivos.

    Inmeros destacados defensores do Plano Diretor tcnicos e leigos - fazem questo de diferencia-lo do Zoneamento. Segundo seu pensamento, o Plano Diretor apresentado como um instrumentomuito mais poderoso e abrangente que o Zoneamento. Este, mesmo que tendo objetivos de naturezasocial e econmica, s se refere ao controle do uso do solo e vem se executando no caso de SoPaulo - atravs de leis auto-aplicveis. O Plano Diretor, ao contrrio, abrangeria todos os problemasfundamentais da cidade inclusive e principalmente os de transportes, saneamento, enchentes,educao, sade, habitao, poluio do ar e das guas etc. e at mesmo questes ligadas aodesenvolvimento econmico e social do municpio. Alguns acreditam mesmo que o Plano Diretor,

    apesar de ser aprovado por uma lei municipal, deveria abranger tambm problemas cujas soluesso das aladas dos governos estaduais e federal.

    No tocante ao Plano Diretor a questo merece pelo menos um esclarecimento. Uma coisa afirmarque os governos Estaduais e Federal devem, em suas atuaes e ao executarem seus planos,obedecer as leis municipais, portanto, no que couber, os planos municipais aprovados por lei.Assim, por exemplo, a Sabesp, ou o Metr, ao executarem suas obras, devem, no que couber,obedecer o Plano Diretor. Devem alis, obedecer a qualquer lei municipal. Quanto a isso parece nohaver duvidas. Outra coisa completamente diferente achar que a atuao daqueles nveis degoverno nos campos do saneamento, meio ambiente ou transportes, por exemplo, deve seguirplanos que os municpios, eles prprios, elaborarem para esses setores. Isso o que significa osPlanos Diretores abrangeriam aspectos das aladas dos governos estaduais e federal. Significa que os

    Planos Diretores conteriam propostas quanto a esses aspectos. Propostas; no sugestes. Sugestes, claro, todos esto livres para fazerem quantas quiserem. Conter tais propostas nos Planos Diretoresequivaleria aos rgos estaduais e federais abdicarem da atribuio de planejarem suas prpriasatuaes. Assim, por exemplo, So Paulo, Santos, Santo Andr, etc. fariam seus planos desaneamento e transportes e a Sabesp, o METR e a CPTM limitar-se-iam a implementa-los. Aidia de que qualquer problema urbano deva ser abordado no s no diagnstico, mas tambm nasproposies de um Plano Diretor, seja qual for a esfera de governo qual esteja subordinado,significaria isso, o que nos parece despropositado.

    O art. 45 da Lei Orgnica do Municpio de So Paulo, referindo-se aos vrios planos que integram oprocesso de planejamento, um dos quais o Plano Diretor, determina: Os planos vinculam os atos

    dos rgos e entidades da Administrao Direta e Indireta. Evidentemente trata-se dasadministraes Direta e Indireta Municipais, mesmo porqu a Lei Orgnica uma lei municipal. Poroutro lado, a Constituio do Estado de So Paulo em seu art. 155 diz: Os Municpios deverocompatibilizar, no que couber, seus planos, programas, oramentos, investimentos e aes s metas,diretrizes e objetivos estabelecidos nos planos e programas estaduais, regionais e setoriais dedesenvolvimento econmico-social e de ordenao territorial, quando expressamente estabelecidospelo conselho a que se refere o art. 154(*).Note-se pela redao do artigo, que o municpio que temque compatibilizar seus planos aos do Estado. Alis nem poderia ser de outra maneira.

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    Mesmo que abrangendo problemas da estrita competncia municipal, existe a idia de que o PlanoDiretor deve incluir propostas ( alm, evidentemente, de diagnstico) de natureza social eeconmica. Note-se que quando se fala em propostas de natureza social, por exemplo, no est sefalando apenas na construo de escolas, parques, ou hospitais. Est se falando de ao na prpriaesfera social, na natureza das atividades desenvolvidas nos parques e hospitais, ( como o papelformador e pedaggico das escolas por exemplo). A nosso ver, tais aspectos estritamente sociais oueconmicos dificilmente se encaixariam na natureza de um Plano Diretor Uma interveno denatureza social, da qual os equipamentos fsicos seriam apenas instrumento, seria muito maisapropriada a um Plano de Governo do que a um Plano Diretor que, pelo menos pelo discursodominante, deve ser de mdio e longo prazos.

    Inmeros e importantes setores da sociedade brasileira, como partes do setor imobilirio, da classepoltica e claro dos meios universitrios, adotam uma viso bastante abrangente de Plano Diretorque inclui, no mnimo, o leque de problemas urbanos acima listado sob o rtulo de problemasfundamentais da cidade. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Municpio de SoPaulo de 1971, o nico, at 2002 aprovado por lei ( embora por uma Cmara Municipal semlegitimidade, j que muitos dos seus vereadores haviam sido cassados pela ditadura) adotou uma

    concepo bastante abrangente, embora tenha sido um plano consubstanciado em uma lei de apenas57 artigos; no Captulo IV o Ttulo II desse PDDI intitula-se Quanto ao Desenvolvimento social,oTtulo III chama-se Quando ao Desenvolvimento Econmico e o Captulo VII intitulado Sistemasde Circulao e Transportes,mencionava os sistemas virio, ferrovirio, de dutos, hidrovirio e atmesmo areo.

    Um bom exemplo de viso abrangente a definio de FERRARI ( 2004, 280) segundo quemmodernamente se diz plano diretor de desenvolvimento integrado e, citando o jurista Hely LopesMeireles afirma ser esse plano ...o complexo de normas legais e diretrizes tcnicas para odesenvolvimento global e constante do municpio sob os aspectos fsico, social, econmico eadministrativo, desejado pela comunidade local( nfase nossa).

    No pretendemos aqui desenvolver este aspecto da abrangncia dos Planos Diretores, mas apenaschamar a ateno para ele. O importante reter duas idias: a primeira que, para significativossetores da sociedade brasileira, Zoneamento e Plano Diretor so coisas diferentes, sendo este ltimoum instrumento bem mais abrangente e poderoso que o primeiro. A segunda a que esses mesmossetores apiam uma concepo bastante abrangente de Plano Diretor, segundo a qual ele vai muitoalm do zoneamento.

    Sempre que aqui falarmos em Plano Diretor, estaremos nos referindo concepo abrangente, umavez que ela a adotada pelo Plano Diretor Estratgico.

    __________________________________-(*) Esse conselho visaria promover o planejamento regional e seria criado pelo Estado. Seria decarter normativo e deliberativo e teria participao paritria do conjunto dos municpios da regio,com relao ao Estado.

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    3. A IDIA DO PLANO DIRETOR

    A idia de Plano Diretor existe no Brasil, pelo menos desde 1930. Nesse ano foi publicado, emfrancs, o conhecido Plano Agache, elaborado por esse urbanista francs para a cidade do Rio deJaneiro. Nesse plano, pela primeira vez, aparece entre ns a palavra plan directeur (o plano nuncafoi traduzido pelo poder pblico) (*) .

    Desde ento a idia de Plano Diretor alastrou-se entre ns com grande intensidade e rapidezpassando a ser adotada, defendida e prestigiada pela elite da sociedade brasileira, especialmente porarquitetos e engenheiros ligados a problemas urbanos, polticos, cursos universitrios diversos,empresrios ( principalmente os do setor imobilirio) e pela imprensa.

    Nossa sociedade est encharcada da idia generalizada de que o Plano Diretor ( na concepo ampla) um poderoso instrumento para a soluo de nossos problemas urbanos, na verdade indispensvel,e que, em grande parte, se tais problemas persistem porque nossas cidades no tem conseguido ter eaplicar esse miraculoso Plano Diretor. impressionante como um instrumento que praticamentenunca existiu na prtica, possa ter adquirido tamanho prestgio por parte da elite do pas (**).

    Nossa imprensa refletindo o pensamento dominante - est repleta de exemplos que ilustram aenorme importncia atribuda ao Plano Diretor por esse pensamento e vamos nos utilizar muitodela. Para iniciar, entretanto, dois exemplos que nada tem a ver com a imprensa mas que socertamente emblemticos: o primeiro o fato do Plano Diretor constar da Constituio Federal de1988 como obrigatrio para todas as cidades com mais de 20.000 habitantes. O segundo que oEstatuto da Cidade ( Lei 10.257/2001, art. 41) estendeu essa obrigatoriedade para diversas outrascategorias de cidades, tais como as integrantes de reas metropolitanas, de reas de especialinteresse turstico etc. tenham a populao que tiverem.

    Vejamos agora a imprensa. H um exemplo antigo e paradigmtico j que aparece no editorial deum dos mais importantes e mais lidos jornais do pas e que, exatamente por ser um pensamento

    dominante, sobrevive at os nossos dias. Em sua edio de 16/03/1988 a Folha de So Pauloproclamava a necessidade, por parte da administrao municipal ... de um conjunto de diretrizes eaes que, integrado a um imprescindvel planejamento do desenvolvimento urbano, possarepresentar, a mdio e longo prazos, solues duradouras. Logo a seguir, na mesma edio (p. A-16) o jornal dava nome aos bois ( ou ao boi) criticando o prefeito Jnio Quadros. O prefeito nodispe de um instrumento precioso: o Plano Diretor, as linhas mestras de sua administrao, voltadaspara equacionar problemas criados pela expanso permanente de So Paulo. Note-se, apenas parano passar sem comentrio, a viso bastante difundida e endossada pelo pensamento dominante -de que os problemas de So Paulo, no so causados pela desigualdade de riqueza e de poder polticoda sua populao, pelo desemprego, pela misria, pelas ms condies de saneamento, de sade,moradia e educao da maioria, mas pelo rpido crescimento da cidade. Daquele ano para c, o ritmo

    ____________________________(*)AGACHE, Alfred, 1930, Cidade do Rio de Janeiro: Extenso, remodelao, Embelezamento,Paris, Foyer Brsilien, 1930. O Captulo I se chama Le problme du plan directeur, o II, Ossaturedu plan directeur e o III Les elments fonctionnels du plan directeur.(**) Essa grande difuso e prestgio da idia de Plano Diretor em escala universal ainda est para serestudada. Nossa hiptese que, por influncia francesa, ela teria se desenvolvido muito mais naAmrica Latina do que no mundo anglo-saxo. Na Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo, oComprehensive Planning no chegou a ser to pretensioso como nossos Planos Diretores, tevedurao mais efmera e prestgio bem menor, no resistindo a umas poucas dcadas.

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    de crescimento da cidade caiu muito ( a essa altura j deve estar estagnado), mas as condies devida da maioria continuam pssimas. Alguns meses mais tarde como Jnio encaminhasse Cmarao tal precioso instrumento, o jornal pediria mais tempo para sua discusso, depois de repetir,novamente em editorial, o seguinte surrado e oco discurso convencional a respeito das virtudes doPlano A necessidade de um novo Plano Diretor para orientar o desenvolvimento da cidade de SoPaulo sentida h vrios anos. A falta desse instrumento bsico de planejamento tem levado a umcrescimento desarticulado, sem diretrizes estruturais capazes de definir as polticas por setor transportes, habitao, servios urbanos, infra-estrutura e outros. Tambm a legislao de uso do solo em particular o zoneamento vem sofrendo as conseqncias da ausncia de tal plano...O 1.Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, datado de 1971, j h muito se tornou obsoleto.... OPlano Diretor um instrumento de mdio e longo prazos, que deve atravessar necessariamente vriasadministraes. Corre sempre o risco de cair em desuso principalmente quando sua aprovao no foiobjeto de um amplo debate capaz de comprometer as foras polticas com real insero na cidade(*). Criticava em seguida, a pressa em se aprovar o Plano Diretor e sugeria que se esperasse a possedos novos vereadores.

    A necessidade de plano diretor mencionada pelo jornal sentida e anunciada no Brasil muito antesde 1988, a data mais antiga dos exemplos citados Cabe ento indagar e comentar:

    -Como, onde e quando se manifestou essa necessidade? Essas perguntas pressupem umamanifestao prtica. Ou no teria sido na prtica? Teria sido ento na esfera da razo pura?

    -H naquele pensamento, uma clara separao entre o Plano Diretor e o Zoneamento. Porqu? Emque consistiria essa diferena? O autor do pensamento (o editorialista) sendo leigo em urbanismo,mostra que o pensamento dominante, leigo, segue o pensamento dos especialistas e separaZoneamento de Plano Diretor.

    -A participao popular aparece como o mecanismo que vai comprometer as foras polticas com

    real insero na cidade.Na poca ( 1988) a participao popular na esfera do planejamento urbanoera ainda frgil e existia predominantemente apenas nos campos da retrica ou da aspirao, mas jera enfatizada. Que condies um plano diretor deveria atender para realmente ( e no apenas nocampo da retrica) comprometer as foras polticas com real insero na cidade?

    - Finalmente a prola da obsolescncia do Plano Diretor de 1971.

    Esse Plano jamais foi usado, mesmo porqu no tinha como ser usado j que era um punhado degeneralidades sem condies concretas de aplicao. De seus 57 artigos, apenas trss tinhamcondies de serem usados e de fato o foram: o art. 2, item I b, que fixava o coeficiente deaproveitamento mximo de 4 ( e que sobreviveu at 2002, no Plano Diretor Estratgico) e os artigos

    44 e 45 que regulavam o ocupao de reas verdes por construes. Fora isso, esse plano jamaisserviu para nada! Que mal pode provocar a obsolescncia de um plano 90% do qual nunca serviupara nada? Como pode tornar-se obsoleto, algo que jamais foi usado? Como pode morrer algo quejamais viveu?_______________________________________(*) Pela enorme dose de retrica convencional, surrada e vazia, essas palavras guardam grandesemelhana com a fala do filsofo na pea teatral Galileu Galilei; ver o texto Brecht e o PlanoDiretor, tambm divulgado pela Internet.

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    Prossigamos examinando exemplos do pensamento dominante sobre Plano Diretor tal comoapresentado pela imprensa.

    Frequentemente o Plano Diretor apresentado como o guardio do futuro da cidade, o instrumentoque vai apontar osrumos da cidadeO Jornal do Brasil de 3/11/2002, p.C3, noticia que a ...peafundamental para planejar o crescimento da cidade nos prximos dez anos, o projeto para aimplantao de um novo Plano Diretor do Rio est parado na Cmara de Vereadores. A manchete damatria : Ofuturo da cidade parou na gaveta. A Folha de So Paulo de 7/9/2002 comentandoum imbrglio( ver Captulo 11) ocorrido por ocasio da votao do projeto de lei do Plano Diretorpela Cmara Municipal de So Paulo, noticia que ...duas semanas aps a aprovao do projeto quedefine os rumos da expanso do municpio nos prximos dez anos...

    No Rio de Janeiro a ADEMI Associao de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobilirio v noPlano Diretor poderes para tornar mais justo o crescimento do Rio (!) afirmando: Temos mantidodilogo amplo com os poderes constitudos e demais setores preocupados com a construo urbana.Desejamos consolidar essa experincia em benefcio da populao e ver refletidas nas leiscomplementares do Plano Diretor da Cidade, idias que devero harmonizar e tornar mais justo(!) o

    crescimento do Rio. ( Informativo ADEMI, Jornal do Brasil,13/05/1995, pg.18). Grifos nossos.

    Um exemplo paradigmtico de como a idia do Plano Diretor (e com ela, a idia da objetividade eneutralidade do conhecimento e do saber) domina a mente at mesmo de grandes estudiosos, poremleigos em planejamento urbano ( como Paul Singer) e polticos bem intencionados ( como LuizaErundina) dado pela crena que ambos devotavam ao Plano Diretor. Diz Singer: ( op. cit. Pg.173).Algumas semanas antes de tomar posse em janeiro de 1989, a prefeita eleita de So Paulo LuizaErundina, fez uma visita ao reitor da Universidade de So Paulo. Ela me pediu, na qualidade de seusecretrio do planejamento nomeado e professor da universidade, que eu a acompanhasse. Duranteesse encontro, a prefeita enfatizou a necessidade da assistncia da universidade na administrao dasmuitas tarefas que aguardavam o novo governo da cidade. , sendo a primeira delas a feitura de umnovo Plano Diretor para So Paulo, a fim de preparar a cidade para o prximo sculo. O prprio

    Singer que a poca se confessava um leigo em planejamento urbano - relata como tomouconhecimento das grandes esperanas ... depositadas em planos diretores como instrumentos deordenao, regulamentao e racionalizao do desenvolvimento global das cidades. Alm disso,planos criam equidade, concedendo s pessoas marginalizadas.... acesso terra. As palavras quemostram o desapontamento de Singer com o Plano Diretor est na pgina de abertura deste livro. Ode desapontamento de Luiza Erundina, no deve ter sido menor.

    Talvez o mais eloqente discurso jamais pronunciado sobre os milagrosos poderes de um PlanoDiretor tenha sido uma matria paga mandada publicar na imprensa paulistana pela PrefeituraMunicipal de So Paulo, ocupando uma pgina inteirade jornal. Essa matria um exemplo tantoda concepo ampla de Plano Diretor como de seus poderes, tal a variedade de temas que este

    abordaria. A matria uma resposta a um conjunto de entidades, a maioria representando setores daindstria de materiais de construo, produo e comercializao imobilirias diz que todos todos, sem meias palavras toda a populao paulistana ganha com o Plano Diretor ( Fig. 1). Amatria intitulada Quem Ganha e Quem Perde Com o Plano Diretor( FOLHA DE SO PAULO2/07/2002 toda uma pgina) se apresenta nos seguintes termos:

    Ganham:

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    - A construo civil, porque o Fundo de Urbanizao criado pelo plano...s poder investir em obraspblicas.

    - Os trabalhadores, que com o bilhete nico, os corredores de transporte e as novas linhas de metr,priorizadas no Plano, deixaro de perder horas em transporte.

    - Os moradores de bairro, porque o Plano prev limites e estoques, evitando prdios gigantescos quesombreiam as casas e congestionam as ruas.

    - Os moradores em loteamentos clandestinos e favelas, porqu com a aprovao do Plano poderovir a ter sua casa legalizada.

    - As famlias de classe mdia, hoje empurradas para longe, porque as operaes urbanas do Planocriaro ofertas em bairros centrais, dotados de infra-estrutura e emprego.

    -O meio ambiente, porqu, segundo o plano, os vales dos crregos se transformaro em parqueslineares, o lixo ser reciclado e a drenagem prevista para evitar enchentes ( sic).

    - Os moradores em cortios, que podero ser atendidos, porque o Plano cria Zonas Especiais deHabitao de Interesse Social em terrenos vazios e edifcios desocupados na rea central eurbanizada.

    - Os empreendedores imobilirios de viso porque as novas operaes urbanas do Plano a seremplanejadas e definidas em lei prpria, abrem novas oportunidades.

    - Os moradores das atuais Z-1, cujas caractersticas sero respeitadas no Plano.

    - O trnsito, que ser gradualmente descongestionado, com vias novas ligando bairros,estacionamento em estaes de metr e novas linhas de transporte de massa.

    - O Centro, porqu os projetos estratgicos do Plano lhe devolvero (sic) aos moradores, asatividades e a qualidade que perdeu.

    - A segurana do cidado e o futuro do jovem porque as aes estratgicas do Plano comprometem ogoverno local em aes sociais de curto prazo.

    - Toda a cidade, porque o Plano, alm de prever uma So Paulo mais justa e de qualidade, gerarecursos, estimula parcerias e cria uma gesto democrtica do planejamento urbano, garantindo aparticipao para que o previsto se torne realidade.

    S perde...Quem especula, quem no se importa com os congestionamentos, quem acha que bairros sufocados esem sol so timos, quem no liga para a perpetuao das favelas e quem, por isso, acha que noh pressa em aprovar o plano.

    Chegam a ser chocantes a pretenso e a segurana com que o Plano Diretor apresentado como oMessias! Essa matria ilustra bem como o Plano Diretor pode ser apresentado e frequentemente o - como a salvao da cidade!

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    Traz um elenco enorme dos mais variados benefcios urbanos a todaa populao! No entanto esserol de maravilhas no passa de promessa, como se as boas intenes do Plano Diretor tivessem omgico poder de garantir tudo ( ou a maior parte), do que ele prev. Como essas promessas podemser levadas a srio se elas se baseiam em um instrumento que, legitimamente, (*) jamais jamais vigorou na cidade ou teve qualquer efeito sobre ela? Que jamais vigorou com tal amplitude evariedade de promessas em nenhuma cidade do pas ! Isso sem falar em distores grosseiras e taiscomo:

    - Mencionar o metr, que no da alada da prefeitura, como sendo sua prioridade.

    - Atribuir os CUS e o Bilhete nico ao Plano Diretor.

    O Projeto CEU j estava formulado na Secretaria da Educao antes do Plano. Alm disso, no havianecessidade dele aparecer no Plano Diretor para ser implementado. Ao Plano Diretor no deve seratribudo nenhum dos eventuais mritos desse projeto. Se mritos h e eles efetivamente existem estes devem ser creditados Secretaria da Educao. Este um caso tpico no qual no foi o Plano

    que condicionou a ao da administrao. Muito pelo contrrio, foi a ao da administrao ( daSecretaria da Educao) que condicionou o Plano.

    Tal como no caso anterior, ao Plano Diretor no pode nem deve ser atribudo nenhum dos mritos doprojeto do Bilhete nico ou dos corredores, pelo simples fato de aparecerem dentre as aesestratgicas mencionadas no art. 84. medida que h tempos vem sendo gestada na SecretariaMunicipal dos Transportes, bem antes do plano. Alm disso, tambm no havia a menornecessidade de Plano Diretor para implementar essas medidas. Para viabilizar a implantao destenovo modelo, ( o Integrado, do qual consta o bilhete nico) foi enviado Cmara Municipal emnovembro de 2001 projeto de lei mudando a forma de delegao dos servios de transporte... (**)Trata-se do Projeto de Lei no. 539/2001, enviado Cmara quase um ano antes do Plano Diretor tersido aprovado. Tambm aqui como no caso dos CEUS - no foi o Plano que condicionou a

    administrao. Muito pelo contrrio, foi a administrao que condicionou o Plano. o Plano aorevs, ou o anti-plano.

    A matria paga assegura que , ... os vales dos crregos se transformaro em parque lineares, olixo ser reciclado e a drenagem prevista para evitar enchentes.H dcadas as legislaes brasileirae paulista exigem a preservao das margens dos crregos. No por falta de leis que essas margensno foram preservadas, nelas nada restando para ser transformado em parques lineares. J h maisde meio sculo, em 1951, a Lei Estadual no. 1.561-A de 29 de dezembro, dispunha em seu art. 285:Ao longo dos cursos de gua ser sempre reservada uma faixa de catorze metros, no mnimo_____________________________________________-(*) Os dois nicos Planos Diretores que vigoraram na cidade de So Paulo foram to ilegtimos

    quanto inteis: o j mencionado plano aprovados pelas lei 7688 de31/12/1971 e o aprovado pela lei10.676 de 7/11/1988 ( administrao Jnio Quadros). A ilegitimidade do primeiro deve-se ao fato deter sido aprovado no auge da ditadura, por uma Cmara Municipal da qual vrios vereadores haviamsido cassados. A do segundo, pelo fato de ter sido aprovado por decurso de prazo, mecanismo dochamado entulho autoritrio ainda em vigor na poca. Sua validade foi contestada na justia e elepassou muitos anos sub-judice.

    (**) Prefeitura Municipal de So Paulo, Secretaria Municipal de Transportes, A reconstruo damobilidade, So Paulo, outubro de 2002, pg.38.

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    para o traado de logradouro pblico. A Lei Federal no. 6.766 de 19/12/1979 j dispunha em seuarto. 4, item III. Ao longo das guas correntes e dormentes e das faixas de domnio pblico dasrodovias, ferrovias e dutos, ser obrigatria a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 ( quinze)metros de cada lado, salvo maiores exigncias da legislao especfica. Hoje, as margens da maioriados crregos do municpio foram ocupadas por dezenas de milhares de moradias em favelas,depsitos, pequenas indstrias ou mesmo ruas e moradias legais. Se essas leis rarissimamenteforam fiscalizadas e obedecidas, (fig 2) por que insondveis razes a partir de agora, sob o mgicopoder do Plano Diretor, elas passaro a s-lo? Com que fundamento a matria paga faz promessasto peremptrias? Onde os recursos para atender essas dezenas de milhares de famlias faveladas aserem desalojadas? Com que recursos ser alterada a situao mostrada na Fig.2 absolutamentecomum nos crregos da periferia? Note-se que nas leis acima citadas o poder pblico fixaobrigaes a serem seguidas pelo setor privado ( os loteadores) e no Plano Diretor o poder pblicodefine obrigaes ( construir parques lineares e habitaes para os favelados desalojados) a seremseguidas pelo prprio poder pblico. Isso reduz ainda mais a credibilidade das promessas. Como eporqu acreditar no Plano e suas promessas ? Porqu acreditar que o mero cardpio sertransformado por obra de quem? em alimento?

    Esse o mundo maravilhoso que o Plano Diretor promete trazer cidade de So Paulo!

    Vejamos agora uma outra viso que o prprio PT ( o partido da prefeitura que pagou por aquelamatria paga) trs de suas administraes municipais, no atravs de discurso tecnocrtico, no dosgabinetes, mas da prtica concreta, inclusive no prprio municpio de So Paulo. Recentemente oPT lanou uma Edio Especial 2004 de uma revista chamada Cidades Vivas na qual avalia asadministraes municipais das principais cidades administradas pelo partido. Diz a abertura dessaedio, sob o ttulo de Caro Leitor: Os textos que se seguem so o resultado de um mutirojornalstico pouco comum na imprensa brasileira atual. Em abril e maio, uma equipe de jornalistasviajou para todas as regies do pas a fim de conhecer de perto os projetos que esto mudando, paramelhor, o panorama do pas. Os reprteres de Cidades Vivas fizeram mais de duas centenas de

    entrevistas, em 26 cidades. Conversaram no s com prefeitos e integrantes das administraes , mastambm com representantes da sociedade civil, dirigentes empresariais, lderes de movimentossociais e principalmente cidados comuns, homens e mulheres, de diferentes faixas etrias econdies sociais. So depoimentos que mostram as polticas do PT nos municpios a partir do olharda prpria sociedade, e no do ponto de vista dos gabinetes ( grifo nosso). Pois bem, nenhuma,absolutamente nenhuma das 26 cidades dentre as quais esto vrias das maiores do pas, como SoPaulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Belm, Recife, Blumenau, Londrina, Santo Andr, Goinia,Ribeiro Preto, Aracaju, Piracicaba, Pelotas etc. menciona uma vez sequer, nem uma vez sequer,suas realizaes como sendo fruto de um Plano Diretor ou com este tendo qualquer relao.Nenhuma delas sequer menciona a expresso Plano Diretor, nem mesmo Porto Alegre que temPlano Diretor h anos ( Lei Complementar no. 434 de dezembro de 1999) elaborado e aprovado por

    administrao petista! Nenhuma dessas cidades, nem remotamente, atribui a Plano Diretor, qualquermrito pelas suas realizaes.

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    FIGURA N 2

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    Em qual olhar acreditar? No olhar da prpria sociedade ou no dos gabinetes? No olhar dos ...representantes da sociedade civil, dirigentes empresariais, lderes de movimentos sociais e principalmente cidados comuns, homens e mulheres, de diferentes faixas etrias e condiessociais ( como diz a revista do PT) ou no discurso tecnocrtico que tece louvores ao ranoso e ocolugar comum do Plano Diretor?

    fundamental destacar que a matria paga no fala de Zoneamento. Fala de programas de obras, derealizaes concretas. Ningum ousa afirmar que o zoneamento trar benefcios aos moradores defavelas ou cortios ( nem as ZEIS Zonas especiais de interesse social - conseguiro isso) nem trara segurana do cidado e o futuro do jovem, nem transformar os nauseabundos fundos de vale doscrregos da periferia, em paradisacas reas verdes. Esse mgico poder jamais foi atribudo aoZoneamento, nem pelos mais audaciosos devaneios.

    Em 24 de janeiro de 2004, vspera do aniversrio de 450 anos da cidade, a Folha de So Paulopublicou um Caderno Especial de 14 pginas denominado: SP 450. Cidade Problema: em buscade solues. Um ano antes, com ampla divulgao pela imprensa, havia sido aprovado o PlanoDiretor Estratgico do Municpio. Nesse Caderno so analisados os principais problemas da cidade,

    tais como ( na terminologia do jornal) trnsito, enchentes, segurana, lixo, gua, habitao, educaoetc. Pois bem, em nenhuma das 14 pginas, sequer aparece a expresso Plano Diretor. Nem comrelao a eventuais progressos j ocorridos, e eventualmente creditveis a planos do passado, nemcom eventuais progressos esperados para o futuro, e eventualmente creditveis ao novo Plano entorecm aprovado.

    A valorizao indevida do Plano Diretor, como j mostramos, faz parte de um discurso antigo e nadatem a ver com a administrao do PT. Este partido no passa de mais uma das muitas vtimas ( masno caso, tambm co-responsvel) das iluses do Plano Diretor. O confronto entre a matria pagapublicada na imprensa e aquela que aparece na revista Cidades Vivas, mostra o abismo que separao discurso tecnocrtico da classe dominante do qual o PT no escapou e a prtica viva deadministraes municipais efetivamente populares e que efetivamente procuram o interesse pblico.

    Mostra tambm como fcil esquecer o Plano Diretor quando so abordados os problemas erealizaes reais das administraes municipais fora do contexto ideologizado do Plano Diretor.

    Esse abismo entre o discurso e a prtica, est longe de ser novidade. H quinze anos atrs a Folhade So Paulo noticiava: Plano Diretor no prioridade para as Prefeituras Paulistas(13/02/89, pg.C-5). Cita ento vrios depoimentos de autoridades municipais que no valorizavam e por isso nopriorizavam - a elaborao de planos diretores.

    Desde que a idia de Plano Diretor surgiu no Brasil h sete dcadas, no se tem notcia de umacidade brasileira, uma administrao municipal sequer, que tenha sido minimamente pautada, mesmoque por poucos anos, por um Plano Diretor com um nvel de abrangncia, ambies e objetivos que

    ultrapassassem significativamente os do zoneamento. Ou seja, por um Plano Diretor no sentidoamplo acima descrito e que aparece na matria paga pela Prefeitura Municipal de So Paulo. Damesma forma no h na bibliografia, pelo menos brasileira ou latino americana, nenhuma obra queproceda a uma anlise crtica da atuao de administraes municipais que, por vrios anos, tenhamsido guiadas por de um Plano Diretor. Das Referncias Bibliogrficas da Tese de Doutorado do Prof.Luiz Carlos Costa, um dos mais destacados trabalhos brasileiros sobre Plano Diretor, constam 118ttulos ( vrios de obras americanas e francesas) mas nenhum se refere a qualquer obra que proceda auma anlise crtica da aplicao de um Plano Diretor em qualquer cidade do Brasil ou do exterior.Isso seria fundamental na verdade indispensvel para dar credibilidade aos Planos Diretores.

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    Para encerrar esse Captulo, cabe comentar a mais recentes das tolices que a tecnocracia nacionalcometeu em relao ao endeusamento do Plano Diretor: o prazo que o Estatuto da Cidade fixa parasua aprovao, por parte das cidades com mais de 20.000 habitantes, daquelas integrantes de reasmetropolitanas e aglomeraes urbanas e vrias outras mencionadas no seu art. 41. Diz o art. 50 doEstatuto que tais cidades ....que no tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigordesta Lei, devero aprova-lo no prazo de cinco anos. A lei no menciona qual seria a sano paraaqueles que a desobedecerem. Como plano diretor no nem nunca foi sentido como importantepela maioria dos prefeitos brasileiros, de se esperar que grande parte das cidades atingidas por essaobrigatoriedade no a cumpram. Ter o governo federal que, ele prprio, no planeja sua ao nemobriga os estados a faze-lo moral para impor sanes sobre tais cidades?

    A tecnocracia nacional parece no ter aprendido com a histria, que mostra a inutilidade einviabilidade de medidas desse gnero. Com efeito, isso j foi tentado inutilmente, claro - nopassado. A Lei Orgnica de cada municpio foi uma conquista da democracia e da Constituio de1988. Antes, durante a ditadura, eram os estados que elaboravam uma nica lei para todos os seusmunicpios. A Lei Orgnica dos Municpios do Estado de So Paulo de 1967 ( lei estadual no. 9.842

    de 19 de setembro de 1967) dizia em seu art. 79, parg. nico: Nenhum auxlio financeiro ouemprstimo ser concedido pelo Estado ao municpio que no possuir Plano Diretor deDesenvolvimento Integrado aprovado aps 3 ( trs) anos da vigncia desta lei. Esse prazo nochegou a ser vencido pois logo depois do AI-5 as constituies tiveram que ser refeitas e a nova LeiOrgnica do Estado de So Paulo ( Decreto-Lei Complementar no. 9 de 31/12/1969) atenuou masno eliminou a tolice dando a seguinte redao quele artigo, que agora aparecia sob o nmero 54:O municpio iniciar seu processo de planejamento, elaborando o Plano Diretor de DesenvolvimentoIntegrado, no qual considerar, em conjunto, os aspectos fsicos, econmicos, sociais eadministrativos. J antes, no pargrafo nico do art. 53, a lei definia processo deplanejamentocomo sendo ...a definio de objetivos, determinados em funo da realidade local, apreparao dos meios para atingi-los, o controle de sua aplicao e a avaliao dos resultadosobtidos. Tudo de acordo com a mais acabada tecnocracia,... s que o Estado, ele prprio, no agia

    assim nem havia nada que o obrigasse a tal. Claro que o cumprimento desse artigo nunca foi exigidopor nenhum governante.

    A mudana, pelo menos, reconhecia que manter um processo de planejamento mais importante doque ter plano, coisa que os tecnocratas do Estatuto da Cidade parecem no ter aprendido. Nos termosem que foi colocado o estatuto, no mnimo, se for levado a srio, estimular a reproduo xerogrficade planos, seu engavetamento e a atuao de profissionais inescrupulosos. fcil ter planosdiretores; basta pagar por um se a procura aumentar o preo dever cair - e se, por acaso, o fiscal(?) aparecer, abrir a gaveta e mostra-lo.

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    4. A SALVAO PELOS PLANOS

    A legislao brasileira rica em determinaes que obrigam a elaborao de grande variedade deplanos urbanos. Vamos ver aqui apenas a legislao paulista. A facilidade e mesmoirresponsabilidade com que exigida a elaborao de planos, muito contribui para suadesmoralizao e a da prpria lei, pois frequentemente a prtica acaba por revelar que a lei no para valer. Apesar disso, essa exigncia permanece, j que preenche uma funo ideolgica e, nofundo, no mesmo para valer. Exemplo disso a prpria Constituio. Passados j mais de 16 anosde sua promulgao, a maioria das cidades brasileiras com mais de 20.000 habitantes ou continuasem planos diretores ou, quando os tm aprovados por lei e sendo mais que Zoneamento, os mantmapenas guardados nas gavetas das prefeituras. Na melhor das hipteses, uma minoria tem s ozoneamento e mesmo assim com as mesmas falhas aqui apontadas para o zoneamento paulistano, ouseja, atendendo apenas aos interesses da minoria mais rica. Como se isso j no bastasse, oEstatuto da Cidade aumenta as exigncias de Plano Diretor e, o que pior, fixa o prazo de cinco anospara que os municpios concluam seus planos.

    A Lei Orgnica do Municpio de So Paulo determina, em seu art. 149, Parg. nico que O

    municpio formular o Plano Municipal de Saneamento Bsico e participar, isoladamente ou emconsrcio com outros municpios da mesma bacia hidrogrfica, do sistema integrado degerenciamento de recursos hdricos previsto no art. 205 da Constituio Estadual. Essa mesmaConstituio, em seu art. 241 menciona ...diagnsticos e necessidades apontados nos PlanosMunicipais de Educao. A mesma Lei Orgnica, em seu art. 200 determina que ... o PlanoMunicipal de Educao previsto no art. 241 da Constituio Estadual, ser elaborado pelo Executivoem conjunto com o Conselho Municipal de Educao... Seu art. 221, item I, diz caber aomunicpio estabelecer sua assistncia social ... a ser gerida e operada atravs de: ... subordinao aPlano Municipal de Assistncia Social aprovado pelo Conselho Municipal.... O art. 34, item VIII, doPlano Diretor Estratgico, determina a elaborao ... do Plano Municipal de Sade e sua discussocom representaes da sociedade civil e outras esferas de governo. Os arts. 41 e 72 determinam,respectivamente, como ao estratgica elaborar o Plano Municipal de Cultura e o Plano Diretor

    de Resduos Slidos.

    Finalmente em seu art. 6 do Plano Diretor Estratgico determina: Os Planos Regionais, a Lei deUso e Ocupao do Solo, e o Plano de Circulao e Transporte e o Plano de Habitao socomplementares a este plano e devero ser encaminhados ao Legislativo Municipal at 30 de abril de2003. Parte disso repetido nos artigos 161 e 271. Este ltimo diz: At 30 de abril de 2003devero ser encaminhados Cmara Municipal projetos de lei contendo os seguintes instrumentos:

    - Reviso da Lei de Uso e Ocupao do Solo- Plano Municipal de Circulao Viria e de Transportes- Plano Municipal de Habitao

    - Planos RegionaisPargrafo nico Os instrumentos referidos no caput deste artigo devero estar articulados entresi.

    O art. 161, pargrafo 2 dessa ltima lei dispes que As categorias de uso, ndices urbansticos,tais como coeficientes de aproveitamento e taxa de ocupao, recuos, nmero de pavimentos,gabarito de altura das Zonas Exclusivamente Residenciais de densidade mdias e altas (sic) serodefinidas ( sic) pela nova legislao de uso e ocupao a ser elaborada at 30 de abril de 2003, em

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    conjunto com o Plano de Circulao Virio (sic) e Transportes , com o Plano de Habitao e com osPlanos Regionais. (Site da Cmara Municipal de So Paulo http://leismunicipais.com.br?cgi-localem 16/04/2004).

    Temos ento, previstos em lei, nada menos que onze planos!

    - Plano Diretor Estratgico- Plano Municipal de Saneamento Bsico- Plano Municipal de Educao- Plano Municipal de Assistncia Social- Plano Municipal de Sade- Plano Municipal de Cultura- Plano Diretor de Resduos Slidos- Reviso da Lei de Uso e Ocupao do Solo- Plano Municipal de Circulao Viria e de Transportes- Plano Municipal de Habitao- Planos Regionais

    Vejamos o que vem ocorrendo com eles.

    Considerando a determinao legal contida no art. 271 de que os instrumentos referidos no caputdeste artigo (os quatro ltimos planos acima mencionados) devero estar articulados entre si, fcil entender que nenhum deles poderia ser aprovado sem os outros, pois s depois de prontos osquatro planos que seria possvel verificar a obedincia ao art. 271 de estarem todos articuladosentre si.

    Em dois artigos ( arts. 6 e 271 ) mencionado que os planos de Habitao e o de Circulao Viria ede Transportes devem ser encaminhados ao Cmara Municipal. Encaminhados Cmara paraque? Com que finalidade? Evidentemente esse encaminhamento s pode ser para que os planos sejam

    apreciados e aprovados pela Cmara, ou seja, para que se transformem em lei. No entanto o governomunicipal houve por bem decidir, contrariando essa interpretao, que uns planos devem ( ounecessitam) ser lei, outros no. Sem que se soubesse exatamente como, nem por qu, nem por quem,foi resolvido que os Planos de Habitao e de Transportes no seriam aprovados por lei.

    Como se j no bastasse a enxurrada de Planos acima indicada, a administrao municipalpaulistana vem introduzindo, atravs da prtica burocrtica de produzir planos, umaincompreensvel, esdrxula e injustificvel variedade de tipos deles. H os planos compulsrios (de cumprimento obrigatrio, como o Zoneamento) e h planos de cumprimento facultativo: oPlano Cardpio. Apesar disso e incompreensivelmente, alguns desses Planos-facultativos precisamser aprovados por lei. H ento os planos que precisam ser aprovados por lei ( mesmo que de

    cumprimento facultativo) e h os que no precisam ( como os de Transporte, Habitao, Educao eSaneamento). H planos que precisam ser publicamente debatidos e h aqueles que dispensam debatepblico ( como os de Habitao e Transportes). H os Planos-Anexo e finalmente h os Planos que aLei Orgnica determina que sejam elaborados, mas que no so. O que se pretende registrar aqui apenas a estranheza quanto a essas exigncias e variedades de planos, no sua importncia, porqueelas so to estapafrdias quanto inconseqentes.

    Como entender no s o excesso de planos mas tambm essa confuso, irracionalidades e desordem?Com essa pergunta comea a ficar claro que o apelo aos planos uma farsa que, de um lado,

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    http://leismunicipais.com.br/?cgi-localhttp://leismunicipais.com.br/?cgi-local
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    contribui para desacredita-los e desmoraliza-los, e de outro, e contraditoriamente, ajuda asustentao de sua imagem de salvao tecnocrtica. Esse apelo contribui tambm para mostrar queos planos no so elaborados para ser levados a srio. So cortina de fumaa para tentar ocultar ofracasso da classe dominante em resolver os problemas urbanos. Os planos so uma claramanifestao da fora da ideologia da tecnocracia que ainda perdura entre ns.

    A f no poder miraculoso dos planos tem sua origem no discurso competente e na tecnocracia que sealojou na esfera da administrao municipal brasileira, mais que em qualquer outra esfera degoverno. intrigante que mesmo planos relativamente bem sucedidos, como o Plano de Metas deJuscelino Kubitschek ou o Plano de Ao do governador Carvalho Pinto, ( 1959-1963) do Estado deSo Paulo, no tenham conferido aos planos estaduais ou federais, a aura de prestigio salvador que osplanos adquiriram na esfera municipal-urbana. A Constituio Federal no obriga nenhum Estado afazer Planos Estaduais. Por outro lado, como entender que um plano do maior interesse para umaenorme parcela da populao como um Plano Municipal de Habitao, dispense debate pblico e nonecessite aprovao legislativa e outro, como o de Zoneamento, que como se ver, s despertou ointeresse dos mais ricos no dispense e necessite?

    A falsa valorizao dos planos urbanos se insere no contexto da supremacia do conhecimento tcnicoe cientfico como guia da ao poltica, ou seja a ideologia da tecnocracia. Isso fica claro no s pelaobrigatoriedade constitucional do Plano Diretor, mas tambm, de um lado, pela desordem naexigncia indiscriminada de planos por parte da legislao paulista e de outro pela falta de seriedadecom que o poder pblico vem tratando os planos h dcadas..

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    5. O PLANO DIRETOR DO MUNICPIO DE SO PAULO

    A maioria dos artigos pura perfumariaVereador Antonio Salim Curiati, PP, Jornal da Tarde, 14/08/02, pg. A11Entre aspas no jornal.

    O Plano Diretor do Municpio de So Paulo, ganhou o pomposo nome de Plano Diretor Estratgico ecom sua aprovao pela Cmara Municipal se transformou na da Lei no. 13.430 de 13 de setembro de2002. Trata-se de uma alentada lei com nada menos que 308 artigos alm de dezenas de quadros emapas. Seu detalhamento veio a ser feito pelos chamados Planos Regionais subsequentementeelaborados e que vieram a ser objeto de outra lei. Esses Planos Regionais passaram a incorporar osdois planos definidos no art. 6 do Plano Diretor Estratgico, a saber a Reviso da Lei de Uso eOcupao do Solo e os Planos Regionais.

    5.1 O PLANO DIRETOR ESTRATGICO DO MUNICPIO DE SO PAULO

    Trazido pela ideologia neo-liberal, o chamado Planejamento Estratgico (*) desenvolveu-se no inciodos anos 90, tendo se expandido razoavelmente pelo menos no campo da retrica na AmricaLatina, principalmente pela influncia de um grupo de ditos urbanistascatales que se empenharambastante na difuso da experincia de renovao por que passou a cidade de Barcelona, por ocasiodas Olimpadas de 1992. Coerentemente com o iderio neo-liberal, esse planejamento parte da idiade concorrncia ou competio entre as cidades a competitividade urbana no mundo globalizadoe informatizado. Diz que necessrio vender as cidades e para isso evidentemente, necessita dapropaganda, do marketing, da iniciativa privada e da viso empresarial. A ideologia neo-liberal,rapidamente passou a difundir a idia de que esse era o planejamento moderno.O Plano Diretor deSo Paulo, na verdade no adota a viso do Planejamento Estratgico, usando essa expresso apenascomo um modismo e uma forma de vestir a roupagem de moderno.

    O interesse pblico despertado por esse plano foi mnimo, embora ele tenha sido objeto de inmerasexposies promovidas pela Secretaria Municipal do Planejamento, exposies essas que tiveramum carter eminentemente tcnico. Como se ver, praticamente apenas duas questes polarizaram osdebates desse plano: a questo das chamadas emendas noturnas e a do coeficiente um ( um) e daoutorga onerosa. A primeira deveu-se, no a questes intrnsecas do Plano, mas a um imbrglioocorrido em torno de inexplicadas alteraes sofridas pelo seu projeto de lei quando de sua passagempela Cmara Municipal. A esse respeito o eminente historiador Boris Fausto assim de manifestou:__________________________(*) Sobre o planejamento estratgico, ver principalmente: VAINER, C., Ptria, empresa emercadoria: nota sobre a estratgia discursiva sobre o planejamento estratgico, in ARANTES,

    Otilia, VAINER, Carlos e MARICATO, Ermnia, A cidade do pensamento nico,

    Petrpolis,Vozes, 2000 e ainda BORJA, J.Barcelona: um modelo de transformacin urbana, Quito, Programade Gestin Urbana/Oficina Regional para Amrica Latina y Caribe; BORJA, J. CASTELLS, M.Local and Global, London, Earthscan, 1997; BORJA, J. e MANUEL DE FORN, Polticas daEuropa e dos estados para as cidades, in Espao & Debatesno. 39, So Paulo, 1996 e ainda o artigode HARVEY, D. na mesma revista e nmero. Ver ainda; LIMA JR. Pedro de Novais, Umaestratgia chamada planejamento estratgico tese submetida ao Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional IPPUR, UFRJ, sob orientao de Carlos B. Vainer, Rio deJaneiro, 2003

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    Entretanto, na fase final de aprovao do projeto...foi aprovado um substitutivo que contem algumasemendas noturnas pela hora e por sua estranha especificidade- transformando reas de carterestritamente residencial em reas mistas e algumas ruas em corredores de uso especial. Como taisalteraes favorecem poderosos interesses privados, justa a suspeita em torno do fato. Diante dagrita da opinio pblica organizada e da mdia, as lideranas do PT, responsveis pela aprovao damatria, negaram-se a dar o nome (sic) dos autores das emendas, que s foram pingando, sobpresso, ao longo dos dias. ( FOLHA DE SO PAULO 16/09/2002, pg. A-2).

    Para relatar o Projeto de Lei do Plano Diretor Estratgico foi escolhido o arquiteto e vereador ( PT )Nabil Bonduki, uma rara combinao de poltico, brilhante estudioso ( professor doutor deplanejamento urbano na USP) e lder comprometido com as questes da reforma urbana e da moradiapopular.

    A grande maioria dos 308 artigos do Plano constituda de generalidades diretrizes, objetivos,conceitos etc. que no obrigam ningum a fazer ou deixar de fazer nada. Para princpios gerais,isso at que no seria estranho. Acontece entretanto que a Lei enuncia tambm nada menos que 338 trezentas e trinta e oito - Aes Estratgicas ! Novamente aqui entra em cena a palavra mgica em

    voga no momento : Estratgico! ... e o que so essas Aes Estratgicas? So uma enxurrada depropostas de aes enunciadas sem que se saiba quem vai executa-las, nem quando, nem como, nemcom que recursos. Ali se prope de tudo sobre tudo o que seja problema urbano. Tudo estratgico! H nada menos que 49 Aes Estratgicas no campo da educao, ao lado de 4 nocampo da pavimentao. H 20 no campo da Circulao Viria e Transportes e(incompreensivelmente) nenhuma sobre Infra-estrutura e Servios de Utilidade Pblica emboraapaream aqui, Objetivos, (art.94) e Diretrizes, (art. 95) . Dentre os setores mais aquinhoados comAes Estratgicas esto a Cultura, com 21 Aes, a Assistncia Social, com 24 e a Habitao eUso do Solo com 16 Aes cada. Nada ficou sem proposta de Ao Estratgica, o que mostra que oPlano ideal e inexeqvel, pois prope intervir em tudo, reparar tudo, sem qualquer seletividade.

    Como se j no bastasse essa longa e complexa lei, o Plano Diretor acabou incluindo dois dos

    quatro planos mencionados, sem o quais ele fica inoperante j que no poderia ser aplicado: o Planoe a Lei de Controle de Uso do Solo e os Planos Regionais. Os planos de Habitao e o de CirculaoViria e Transportes transformaram-se em Anexos. O art. 271 fixou o prazo de 30 de abril de 2003para que o Executivo remetesse Cmara os quatro planos j mencionados. Como foi resolvido que oplano de Habitao e o de Transportes no necessitariam de aprovao legislativa, esse prazo atingiaento os Planos Regionais e o de Uso do Solo, sendo que este ltimo seria o Zoneamento. Esse prazofoi posteriormente renovado.

    5.2 - OS PLANOS REGIONAIS

    Como j dito anteriormente, em duas oportunidades ( arts. 6 e 271 ) o Plano Diretor Estratgico PDE, repete que os planos de Habitao e o de Circulao Viria e de Transportes deveriam serencaminhados Cmara Municipal. Aparentemente para simplificar esse excesso de planos, os doisprimeiros foram fundidos num s e passaram a ser chamados de Planos Regionais e os doisltimos foram enviados Cmara como Anexos dos Planos Regionais. De agora em diante vamoschamar simplesmente de Planos Regionais, o Projeto de Lei e a subseqente lei que nasceram comoproduto daquela fuso.

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    Chegaram eles os Planos Regionais e seus Anexos, o de Habitao e o de Transportes - Cmaraem agosto de 2003. Antes de sua remessa Cmara Municipal, e durante os debates pblicos queprecederam essa remessa ( os Planos de Habitao e o de Transportes no foram submetidos adebates pblicos), o andamento dos Planos Regionais foi muito tumultuado por decises judiciais.Em 4/12/2003, ainda antes da fuso dos dois projetos que deram origem aos Planos Regionais, aFolha de So Paulo ( pg. C-3) noticiava que uma ... liminar judicial suspendeu a tramitao dosdois projetos na Cmara Municipal a pedido do promotor Mrio Malaquias. Alm disso, numpensamente absolutamente correto, por ser assim exigido por lei, o promotor afirmava que ...amudana na lei de Zoneamento e os planos diretores regionais tm de ser obrigatoriamentediscutidos em conjunto com dois outros projetos o Plano Municipal de Habitao e o PlanoMunicipal de Circulao Viria e Transportes. Prosseguia ainda o promotor afirmando que ...aprefeitura publicou apenas parcialmente os projetos, porqu no saram noDirio Oficialos mapas eanexos que fazem parte dos textos. Os problemas, entretanto, no pararam por ai.

    Em dezembro a justia anulou ...todas as 31 reunies pblicas realizadas nas subprefeituras para adiscusso dos Planos Regionais de cada uma delas, dando um prazo de 30 dias para a Prefeiturarefazer as reunies ...foi a segunda deciso judicial desfavorvel aos planos.( Folha de So Paulo

    20/12/2003, pg.C-3). Desta vez, no se tratava de uma liminar, mas de uma sentena, que julgouprocedente a ao civil pblica proposta pela Promotoria da Habitao. A razo da ao foram oscritrios de participao popular definidos pela Prefeitura que proibiam votos por procurao e depessoa jurdica. Uma ilustrao da batalha e das ameaas jurdicas travadas em torno dos PlanosRegionais por parte da minoria mais rica da populao, est nas palavras da arqta. Regina Monteiro,presidente do Movimento Defenda So Paulo, uma organizao que luta aguerridamenteprincipalmente pelos interesses dos bairros de classe mdia alta da cidade. Essas palavras foramdivulgadas em folheto de apoio reeleio do arq. Nabil Bonduki vereana em So Paulo. Aatuao de Nabil Bonduki foi fundamental para a aprovao dos Planos Regionais e da nova lei dezoneamento. No fosse o seu empenho pessoal e de toda a sua equipe, teramos uma avalanche deaes judiciais que proporcionariam uma insegurana jurdica, causando desta forma um verdadeirocaos para a nossa cidade.

    Esses contratempos constituram, sem dvida, uma rica e variada experincia de prtica deplanejamento, de participao popular e de promoo de debates pblicos, tanto por parte daPrefeitura e do Poder Judicirio, como por parte da pequena parcela da sociedade organizada quedeles participou.

    Os Planos Regionais, tendo como Anexos os Planos de Habitao e Circulao e Transportes, foramaprovados em sesso extraordinria e em segunda e definitiva votao no dia 2/07/2004 (site daCmara dia 6/7/2004), e publicados em 6/10/2004, com entrada em vigor prevista para 120 dias.Entretanto, a vigilncia das classes de mais alta renda, sempre competente, atuante e atenta a seusinteresses, no parou com essa aprovao. Trs meses depois a Folha de So Paulo noticiava: A

    nova lei de zoneamento de So Paulo, aprovada em julho aps muita polmica na Cmara, passa avaler em 3 de fevereiro do prximo ano. So 120 dias contados a partir de ontem, quando o projetofoi publicado no Dirio Oficial, com os planos diretores regionais. Mesmo antes de entrar emvigor, a nova lei deve sofrer contestao jurdica. O Movimento Defenda So Paulo est concluindouma anlise das 688 pginas da lei e diz ter visto vrias incorrees. A noticia prossegue dizendoque os principais problemas vistos pelo Movimento so a ampliao dos poderes que a lei confere aoExecutivo e a excessiva complexidade da lei. Segundo o Movimento, haveria ...1.560 combinaespossveis de proibies e regulamentos para que algum possa construir uma casa ou um comrcio.(Folha de So Paulo 7/10/2004, pg. C-5).

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    Nada de remotamente semelhante a essa participao ocorreu, como se ver a seguir, com a absolutamaioria da populao da cidade. Porqu? Porqu serem eles ignorantes e incompetentes? Porqueno entendem nem de Plano Diretor nem de Zoneamento? Por serem preguiosos, desleixados e noligam para os seus interesses nem para a qualidade de vida dos seus bairros?

    Uma vez na Cmara os Planos Regionais se transformaram-se no Projeto de Lei no. 139 que, segundoo site da Assessoria de Imprensa da Cmara Municipal de So Paulo no dia 14/05/2004, ...Instituios Planos Regionais Estratgicos, Dispe sobre o Parcelamento, Disciplina e Ordena o Uso e aOcupao do Solo e o Plano Municipal de Circulao Viria e Transportes.

    Para relat-lo permaneceu o vereador Nabil Bonduki. O projeto 139 ocupou nada menos que 696pginas do Dirio Oficial do Municpio do dia 13/05/2004 ( Folha de So Paulo 14/05/2004) enecessitaria passar, antes de sua aprovao, por quatro Comisses da Cmara e duas audinciaspblicas. O vereador competente urbanista que comandou ento a elaborao de umsubstitutivo ao projeto que havia sido encaminhado pelo Executivo, substitutivo este que, alm deaperfeioar o projeto, incorporou vrias das inmeras demandas que tiveram origem em grupos de

    presso, debates nas subprefeituras, audincias pblicas etc. e que se canalizaram para a Cmara epara ele prprio.

    Esse substitutivo foi assim organizado:

    PARTE I DAS NORMAS COMPLEMENTARES AO PLANO DIRETOR ESTRATGICO

    - Ttulo I Dos Elementos Estruturadores-Ttulo II Dos Elementos Integradores-Ttulo III Das Normas de Uso e Ocupao do Solo- Ttulo IV Dos Instrumentos Urbansticos-Ttulo V - Da Gesto Democrtica

    - Ttulo VI- Do Sistema de Planejamento Urbano- Ttulo VII- Dos Anexos da Parte I

    PARTE II - DOS PLANOS REGIONAIS ESTRATGICOS DAS SUBPREFEITURAS-PRE

    Ttulo I Da Conceituao, Abrangncia e FinalidadesTtulo II Das Polticas Pblicas Regionais

    Depois de consideraes gerais, seguem-se quatro captulos, cada um dedicado a umaregio da cidade.

    Ttulo III- Dos Anexos da Parte IISeguem-se, como anexos, 31 Livros, cada um dedicado ao Plano Regional de cada umadas 31 Subprefeituras em que est dividida a cidade.

    Depois de aprovado e sancionado pelo Executivo, esse projeto tornou-se a Lei no. 13.885, tendo alirecebido alguns vetos sem grande importncia, os quais foram publicados no Dirio Oficial do dia26/08/2003. A lei somente veio a ser publicada na ntegra no Dirio Oficial de 06/10/2004,especificando que somente entraria em vigor 120 dias depois.

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    Se no considerarmos a Guerra do Coeficiente Um(1), os Planos Regionais despertaram muito maisinteresse na populao embora apenas por parte de uma parcela minoritria - do que o PlanoDiretor Estratgico.

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    6. O PLANO DIRETOR ESTRATGICO E O ESTATUTO DA CIDADE

    A Constituio Brasileira de 1988 diz em seu art. 182:

    A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pblico municipal, conformediretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funessociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes.

    Paragr. 1. O plano diretor aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para as cidades com maisde vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana.

    Paragr. 2. A propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exignciasfundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor.

    Paragr. 3 - As desapropriaes de imveis urbano sero feitas com prvia e justa indenizao emdinheiro.

    Paragr. 4 - facultado ao Poder Pblico Municipal, mediante lei especfica para rea includa noplano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietrio do solo urbano no edificado,subutilizado ou no utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,de:

    I parcelamento ou edificao compulsriosII- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.III- desapropriao com pagamento mediante ttulos da dvida pblica... etc.

    Cabe destacar dois dos pargrafos acima: os pargrafos 2 e 4. O primeiro, pela fora que d aoPlano Diretor e o ltimo por: em primeiro lugar, mencionar uma lei federal e em segundo lugarpor prever vrias sanes para o proprietrio do solo urbano no edificado, subutilizado ou no

    utilizado.

    Aps treze anos essa lei federal fosse aprovada e recebeu o no. 10.257 de 10 de julho de 2001 eveio a receber o nome de Estatuto da Cidade . Essa lei de 58 artigos regulamentou uma srie deinstrumentos urbansticos alm de operacionalizar a aplicao do art. 182 da Constituio Federal de1988.

    At hoje, passados quatro anos da aprovao do Estatuto da Cidade e trs anos da aprovao doPlano Diretor Estratgico, nenhuma lei municipal especfica ( exigida pelo pargrafo 4 do Art. 182 daConstituio e repetida no art. 5 do Estatuto da Cidade) ) foi aprovada e nenhum proprietrio deimvel no edificado, subutilizado ou no utilizado,foi notificado.

    Na verdade, os dispositivos sobre a funo social da propriedade, a fora conferida ao Plano Diretorpelo parg. 2 e finalmente as penalidades contidas no pargrafo 4 que constituem os grandesavanos do Estatuto da Cidade. Muito mais que os dispositivos associados ao controle do uso eocupao do solo como a Outorga Onerosa, a Transferncias do Direito de Construir, as OperaesUrbanas Consorciadas e outros similares e que ocupam o Ttulo IV da Parte I da Lei dos PlanosRegionais. O sucesso desses ltimos instrumentos sucesso aqui entendido como o beneficio quetraro maioria excluda - depende do interesse que vierem a despertar no mercado imobilirio, poiseles tendero a ser utilizados majoritariamente nas reas imobiliariamente dinmicas, ou seja, no

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    Quadrante Sudoeste. Nesse sentido, as perspectivas de sucesso so nebulosas. Apesar disso, essesinstrumentos vm sendo muito mais debatidos e comentados do que o disposto nos supramencionados pargrafos 2 e 4.

    Especial ateno deve ser dada regulamentao da utilizao de edifcios subutilizados ou noutilizados, mais do que a terrenos, glebas ou lotes. O acima referido art. 18 da Lei dos PlanosRegionais estabelece um prazo de 180 dias para que o Executivo encaminhe Cmara Municipalprojeto de lei sobre o parcelamento, edificao ou utilizao compulsrios nos termos do art. 5 doEstatuto da Cidade. Como a referida lei s foi publicada a 6/10/2004, e como ela somente entrarem vigor a 4/2/2005 ( 120 dias depois de publicada), o prazo acima expirar no dia 3/8/2005.Aguardemos.

    O Estatuto da Cidades, mesmo depois de muitos anos de lutas, e passados j trs anos da aprovaodo Plano Diretor, continua letra morta no municpio de So Paulo no tocante implementao do art.182. Note-se que a obstruo a esse avano um dos motivos do prosseguimento da reaodesesperada de movimentos populares como o dos Sem Teto, por exemplo.

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    7. O QUADRANTE SUDOESTE CIDADE DE SO PAULO

    Para bem entender a interpretao e as crticas que mais adiante sero feitas ao Plano DiretorEstratgico, aos Planos Regionais e dita participao popular sobre eles, importante ter umaidia da segregao scioespacial que existe no Municpio de So Paulo. Essa segregao vital paraque se entenda no s o limitadssimo efeito que esses Planos tm sobre as condies de vida damaioria da populao da cidade, como tambm a falta de envolvimento dessa maioria nos debates eaudincias pblicas havidos em torno dos Planos Regionais.

    Em outra obra, (*) analisando a estrutura urbana da rea Metropolitana de So Paulo (assim comoa de outras reas metropolitanas brasileiras) mostramos que a distribuio espacial de suas classessociais no nada uniforme. H uma clara concentrao das camadas de mais alta renda numadeterminada regio da cidade, regio essa constituda por dezenas de bairros. Essa regio oQuadrante Sudoeste. Nela h bairros de todas as classes sociais, inclusive favelas. Entretanto amaioria das classes mdia e a totalidade das classes acima da mdia mora nessa regio. Chamamosento a ateno para o fato de que a recproca dessa afirmao no verdadeira, ou seja, falsa aidia de que maioria dos que moram nessa regio seja das classes mdia e acima da mdia.

    Apesar de minoritria em relao ao total da cidade, a populao do Quadrante Sudoeste tem umpoder poltico muito maior do que o de todo o restante da cidade Em conseqncia dessaconcentrao espacial de poder poltico, a atuao do poder pblico vem favorecendo esseQuadrante h mais de um sculo, em virtude do que ele tem padres urbanos ( especialmente decirculao e transportes) e ambientais muito melhores do que a maior parte da cidade, como se vera seguir.

    O exemplo mais conhecido dessa regio, que chamamos de Regio de Alta Concentrao dasCamadas de Alta Renda RGCCAR, ( fig. 2) talvez seja a Zona Sul do Rio. O fato de haver ali atmesmo favelas ( como a favela da Rocinha) no lhe tira a caracterstica de alta concentrao dos maisricos. A idia importante que em nenhuma outra parte do municpio nem da metrpole - h

    maior concentrao de classes acima da mdia do que nessa regio. Para mostrar essa concentraoutilizamo-nos como linha de corte o salrio mdio mensal de 30 salrios mnimos do chefe dedomiclio, apresentado pelo IBGE para o censo de 2000. Neste caso teremos a seguinte situao ( verquadros 2 e 2A)

    - De todos os chefes de domiclio da Regio Metropolitana, 82% ganhavam menos que 30 salriosmnimos.

    - De todos os chefes de domiclio da regio Metropolitana que ganhavam mais que 30 salriosmnimo, 53,3% moravam na RGCCAR.

    - De todos os chefes de domiclio da Regio Metropolitana que ganhavam menos que 30 salriosmnimos, apenas 9% moravam na RGCCAR.

    Considerando-se apenas o municpio de So Paulo, tem-se:

    _____________________________(*) VILLAA, Flavio, Espao intra-urbano no Brasil, So Paulo, Nobel, Fapesp, Lincoln Institute,2001, 2 ed.

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    - Em todo o municpio, apenas 6% dos chefes de domiclio, ganhavam mais que 30 salrios mnimosem 2000.

    - De todos os chefes de domiclio do municpio que ganhavam mais que 30 salrios mnimos em2000, 68,27% moravam na RGCCAR.

    Se passarmos a linha de corte em 20 salrios mnimos mensais como rendimento do chefe dedomiclio, e chamarmos de integrantes das respectivas famlias de classes mdia e acima damdia e desejando medir sua concentrao na RGCCAR temos:

    -De todos os chefes de domiclio da Regio Metropolitana que ganhavam mais que 20 salriosmnimos, 47% moravam na RGCCAR.

    -De todos os chefes de domiclio do Municpio de So Paulo que ganhavam mais que 20 salriosmnimos, 62% moravam na RGCCAR.

    Essa segregao vem se formando h mais de um sculo e prossegue nos dias atuais. Todo o recente

    crescimento de bairros de alta renda da rea metropolitana de So Paulo e que vem ocorrendo fora domunicpio, continua se localizando nesse Quadrante. Apesar disso a parcela da rea de GrandeConcentrao das Camadas de Alta Renda ( fig. 3) localizada dentro do municpio de So Pauloainda detm a vasta maioria dessas camadas de toda a rea metropolitana. O que vem ocorrendoultimamente que o leque representado pelo Quadrante Sudoeste vem se alargando e essa rea vemcrescendo de forma cada vez mais ampla; entretanto, o crescimento dos bairros das camadas de altarenda continua ocorrendo majoritariamente dentro do Quadrante Sudoeste, ( mesmo que em suasbordas) como nas direes da Granja Viana, Alphaville, Tambor, Itapecerica , Embu, Santana doParnaba, Jundia ( Bairro Malotas) ou Itu. Fora desse quadrante como em Aruj por exemplo osempreendimentos imobilirios destinados quelas classes tm tido menos sucesso e o crescimentodelas, ali, tem sido bem mais lento que no Quadrante Sudoeste.

    A seguir so apresentados dois quadros. O no. 1 mostra a populao e a estratificao segundo osrendimentos ( at 20 salrios mnimos) dos chefes de domiclio do Municpio de So Paulo, doCentro, da Regio de Grande Concentrao das Camadas de Alta Renda - RGCCAR, das ZonasLeste e Norte, e das subprefeituras utilizadas para analisar a participao popular nos debates dosPlanos Regionais ( Captulo 11). Essas regies so mostradas na Fig. 1 . Os Quadros nos. 2 e 2A,mostram essa mesma estratificao, agora chegando a rendas de at 30 salrios mnimos, para omunicpio de So Paulo, para sua regio metropolitana e por distrito, apenas para o QuadranteSudoeste.

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    Figura 3

    MUNICPIO DE SO PAULO _ GRANDES REGIES

    E SUBPREFEITURAS ANALISADAS

    A fig. 3 mostra a Regio de Grande Concentrao das Camadas de Mais Alta Renda RGCCAR, juntamente com as outras regies demograficamente importantes da cidade, ou seja,as Zonas Norte e Leste. Mostra ainda as subprefeituras referidas no Captulo 11 A ILUSODA PARTICIPAO POPULAR, onde so apresentados tambm, dados demogrficos eestratificao segundo rendimentos dessas regies e subprefeituras. Nessa figura aparecem assubprefeituras abordadas nesse Captulo, permitindo visualizas as localizadas na Zona Leste eas localizadas no Quadrante Sudoeste.

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    QUADRO No. 1

    MUNICPIO DE SO PAULO GRANDES REGIES2000

    REGI ES POPULA O N DE FAIXAS SALARIAIS SEM

    RESP. POR AT 5 SM > 5 A 20 SM > 20 SM RENDTO.habitantes DOMIC LIOS N Abs. % N Abs. % N Abs. % N Abs. %

    CENTRO 67833 28486 11025 38,7% 13540 47,5% 1980 7,0% 1941 6,8%RGCCAR 1679923 560558 124079 22,1% 227966 40,7% 174588 31,1% 33925 6,1%

    ZONA LESTE 3696248 1020763 557620 54,6% 316758 31,0% 37879 3,7% 108504 10,6%ZONA NORTE 2160552 603289 302623 50,2% 206122 34,2% 36058 6,0% 58486 9,7%

    OUTROS 2829696 772881 424634 54,9% 208305 27,0% 31481 4,1% 108461 14,0%TOTAL 10434252 2985977 1419981 47,6% 972691 32,6% 281986 9,4% 311317 10,4%

    Depois desses Quadros apresentada uma srie de ilustraes ( figs 4 a 11) que mostram osmais variados aspectos pelos quais se manifesta a segregao social no Quadrante Sudoeste de SoPaulo. Como se v, esse Quadrante , em tudo, diferente do restante cidade. So mostrados algunsexemplos dessa diferena, a maior parte deles publicada no jornalA Folha de So Paulo. Note-se adiferena de populao e estratificao de rendimentos entre a RGCCAR e sua oposta, que a Zona

    Leste. Esta, tem uma populao bem maior que a do Quadrante Sudoeste e contm a maiorconcentrao de camadas de baixa renda do municpio. Ver quadros dos itens 11.3 e 11.4.

    Alm do que mostram essas Ilustraes, outras caractersticas que distinguem o Quadrante Sudoestedevem ser destacadas, ou seja:

    - No Quadrante Sudoeste esto localizados todos os inmeros tneis e passagens em desnvel dacidade, com a nica exceo do tnel Maria Maluf e os do centro. O centro, entretanto, no pertencea nenhum quadrante ( ou pertence a todos).

    - No Quadrante Sudoeste est localizada a grande maioria dos viadutos e vias elevadas da cidade.

    - Com exceo do Mini Anel Virio, todas as grandes perimetrais da cidade esto localizadas noQuadrante Sudoeste, a saber : a Av. Paulista, a Av. Brasil-Henrique Schaumann-Av. Sumar, a Av.Faria Lima ( e seus prolongamentos) a Av. Luis Carlos Berrini e a marginal do Rio Pinheiros. Todaselas ( com exceo da Av. Brasil, mas no dos seus prolongamentos, Henrique Schaumann e Av.Sumar) foram abertas pelo poder pblico. As vias perimetrais representam um estgio superior oumais desenvolvido de sistema virio. O estgio mais rudimentar aquele com total ou grandepredomnio de radiais, como ocorria em So Paulo at a dcada de 60 e ainda ocorre at hoje fora doQuadrante Sudoeste. As radiais no se tornam vias nobres e imobiliariamente valorizadas, poisligam o centro a periferia. As perimetrais, ao contrrio, tornam-se valorizadas, pois ligam uma regiode alta renda a outra regio de alta renda ( j que elas s existem no Quadrante Sudoeste). Por isso setransformam ( ao contrrio das radiais) em ruas nobres, ou seja, as de mais alto valor imobilirio

    da cidade. A R. Oscar Freire, a principal via comercial dos Jardins e uma das mais valorizadas dacidade, uma mini-perimetral. At linhas perimetrais de trem (Ramal do rio Pinheiros) e de metr (linha da Paulista), o Quadrante Sudoeste tem!

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    - No Quadrante Sudoeste est o melhor sistema virio da cidade. Alm das j mencionadasperimetrais, o quadrante tem ainda o melhor conjunto de vias radiais da cidade.

    Figura 4

    VULNERABILIDADE SOCIAL

    A figura no 4 mostra que Quadrante Sudoeste concentra as reas com nenhuma ou baixa

    privao social ( reas estas que respondem por 22,1% da populao) numa pesquisa sobreVulnerabilidade Social. Folha de So Paulo, 23/02/2002, pg. C-3. Fonte: CEM - Centro deEstudos da Metrpole e CEBRAP Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento, em pesquisaencomendada pela Secretaria da Assistncia Social da Prefeitura de So Paulo. Segundo afonte, o conceito de vulnerabilidade social desenvolveu-se ultimamente, fazendo parte,inclusive, da Proposta de Carta Mundial do Direito Cidade aprovada no Frum Social dasAmricas, realizado em Quito, Equador, em Julho de 2004. A fig. 4 mostra os distritos demenor Vulnerabilidade Social do Municpio de So Paulo.

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    Figura 5

    DISTRITOS COM NO MXIMO 10% DE NEGROS - Censo 2.000

    A figura no. 5 mostra a distribuio de negros na cidade. Ela mostra que no QuadranteSudoeste est concentrada a maioria dos distritos com menor populao negra. Neles h, nomximo, 10% de negros ( pretos e pardos, na terminologia da pesquisa) (Folha de So Paulo,21/09/2003, pg. C-4. Fonte: Cepid/ Fapesp, CEM Centro de Estudos da Metrpole e Cebrap Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento.

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    Figura 6

    OS MELHORES LOCAIS PARA JOVENS

    A figura no. 6 mostra que no Quadrante Sudoeste esto localizados todos os dez distritosconsiderados os melhores locais para jovens ( nota acima de 0,65 numa escala de 0 a 1:quanto mais alta a nota melhor para jovens a regio). Nessa pesquisa foram considerados...percentuais de populao jovem, mes adolescentes e viagens por lazer, alm de crescimentopopulacional, mortalidade por homicdios, escolaridade, ndice de mobilidade e rendimento

    familiar.Revista da Folha, 24/08/2003, pg. 6. Fonte: Cedec Centro de Estudos de CulturaContempornea. A Fig. 4 mostra esses dez distritos.

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    Figura 7

    CLIMA ; TEMPERATURAS NO MUNICPIO

    A figura no. 7 mostra que clima no Quadrante Sudoeste mais ameno que no restante da zonaurbana do municpio. Nesse Quadrante a temperatura varia entre 25 e 29 graus, enquanto na ZonaLeste varia entre 29 e 33 graus. Ali a temperatura chega a ser 9 graus menor que na Zona Leste.FOLHA DE SO PAULO 15/02/2004, pg. C-8. Fontes: Defesa Civil do Municpio, Nasa, AugustoJos Pereira Filho, Atlas Ambiental do Municpio de So Paulo e Ilhas de calor nas metrpoles: oexemplo de So Paulo. Nossa interpretao que isso se deve ao fato de o Quadrante Sudoeste sermais arborizado e ter mais praas e reas verdes que a Zona Leste, por exemplo. O fato no temrelao com a altitude, como poder-se-ia imaginar. A maior parte dos bairros ao longo do RioPinheiros, e mesmo afastados dele, como os Jardins Amrica e Europa, Alto de Pinheiros e CityButant, por exemplo, ( todos no Quadrante Sudoeste) tem a mesma altitude que a maior parte da

    Zona Leste. A fig. 7 mostra as reas de Temperatura Mais Amena, excetuadas evidentemente, asregies serranas da zona norte ( Serra da Cantareira) e do extremo sul do municpio.

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    Figura 8

    IDH NDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

    A figura no. 8 mostra que no Quadrante Sudoeste esto concentrados todos os seis distritos commais alto IDH ndice de Desenvolvimento Humano do municpio. Numa escala de 0 a 1,

    sendo os valores mais altos representativos de melhores ndices, esses distritos eram: Moema,com IDH igual a 0,884, o mais alto do municpio; Morumbi, com 0,860, Jardim Paulista, com0,850, Pinheiros, com 0,833, Itaim Bibi, com 0,811 e Alto de Pinheiros, com 0,801. NesseQuadrante estava tambm localizada a maioria dos Distritos com IDH acima de 0, 651. Estesreuniam apenas 13,53% da populao do municpio. Dentre estes, apenas os distritos de Mooca,Tatuap e Santana, estavam fora do Quadrantes Sudoeste. Fonte: PMSP Secretaria doDesenvolvimento, Trabalho e Solidariedade.

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    Figura 9

    RENDA DOMICILIAR MDIA

    A figura no. 9 mostra que o Quadrantes Sudoeste concentra a maioria dos distritos com as mais

    altas rendas mdias domiciliares ( acima de R$3.000,00 ) segundo a Pesquisa Origem e Destinorealizada pelo Metr em 1997.

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    Figura 10

    ZONEAMENTO 1972-2004

    ZONAS EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAIS UNIFAMILIARES Z-1

    A Figura no. 10 mostra que no Quadrante Sudoeste estavam localizadas praticamente todas asZonas Z-1 ( Zonas Exclusivamente Residenciais Unifamiliares) do Zoneamento que vigorouno municpio entre 1972 e 2004 ( FELDMAN 1996, 164/65). Segundo o Zoneamento aprovadoem 2004 nos Planos Regionais, a absoluta maioria da ZER Zonas ExclusivamenteResidenciais continuava concentrada no Quadrante Sudoeste.

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    - O gabinete do vereador Nabil Bonduki, relator dos Projetos de Lei do Plano Diretor Estratgico edos Planos Regionais , foi aberto para receber pelo correio, fax, internet - reivindicaes dapopulao, referentes aos Planos Regionais. Foram recebidas 1.088 ( mil e oitenta e oito)reivindicaes ( ou demandas). Destas, o gabinete geo-referenciou 707. Destas, 656 ( 92,8%) vieramde moradores ou entidades do Quadrante Sudoeste.

    Se o Plano Diretor ou o Zoneamento ou os Planos Regionais orientam ou disciplinam ocrescimento da cidade, como diz a lenda, tero eles considerando-se j mais de cem anos dezoneamento e de dcadas de Plano Diretor - condies ou poderes para alterar essa situao deinjustia, desigualdade e excluso?

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    8. CATEGORIAS DE DISPOSITIVOS DE UM PLANO DIRETOR

    As propostas finais de interveno do Plano Diretor Estratgico do Municpio de So Paulo, assimcomo as de vrios planos do gnero que enchem as gavetas, prateleiras ou estantes das nossasprefeituras ou bibliotecas universitrias, podem ser agrupadas em apenas duas grandes categorias: ados dispositivos que devem ser obedecidos pelo prprio poder pblico, no caso os Prefeitos, e adaqueles que devem