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    Cap. 1 A estruturao do Instituto de Cinema

    1. O cinema cubano no contexto da Revoluo

    1.1. O lugar peculiar doICAICno meio cultural

    O Instituto de Cinema foi o primeiro, de um conjunto de organismos culturais, como

    a Casa de las Amricas1, o Instituto Cubano de Radiodifusin (1962) e diversos outros,

    fundados com a finalidade de inserir toda forma de organizao e produo cultural no

    Estado ps-revolucionrio2. O governo institudo com a Revoluo, em 1959, ambicionavapromover em Cuba um grande desenvolvimento e ampla popularizao dos bens culturais.

    Essa era a meta primordial do Ministrio da Educao, instncia que cumpria tambm o

    papel de Ministrio da Cultura, inexistente em Cuba at 1975. Para isso, desde os primeiros

    anos da dcada de 60, houve a promoo de muitos eventos massivos e foi dada prioridade

    s artes que mais facilmente atingem as massas - particularmente, o cinema - para que a

    propaganda poltica do novo governo abarcasse uma grande quantidade de pessoas 3.

    Nesse sentido, oICAIC, aproveitando os Estdios Biltmore construdos nos anos 50,

    foi planejado como um verdadeiro complexo cinematogrfico e projetado para ser o maior

    centro de produo flmica da Amrica Latina. Esse complexo era composto por trs

    estdios de filmagens, reformados e dotados de novos equipamentos estrangeiros, dois

    laboratrios, escritrios, galpes que abrigavam vrias oficinas (figurino, carpintaria, etc),

    livraria, caf, cinemateca, salas de projeo, edio, enfim, uma grande estrutura para a

    1Fundada em 28/04/1959 com o objetivo de promover as relaes entre Cuba e as manifestaes artstico-literrias da Amrica Latina e do Caribe, alm de desarrollar relaciones de colaboracin con organismosinternacionales afines, creadores, docentes y estudiantes. A Casa teve como antecessora a SociedadColombista Panamericana. Cf.: XX Aniversrio de la Casa de las Amricas. La Habana: Casa de lasAmricas, 1970, pp 1-10; e SARUSKY, J. Casa es Nuestra Amrica, nuestra cultura, nuestra revolucin(habla Hayde Santamara),Bohemia, 16/04/1977, re-editada pela revista Casa de las Amricas, ao XXIX,nm. 171, nov-dic 1988, p. 4.2 Algumas dessas instituies: Ballet Nacional de Cuba (1959), Instituto Cubano de Derechos Musicales(11/08/60), Imprenta Nacional (1952-62) - transformada em Editora Nacional (1962-66) e depois emInstituto Cubano del Libro (1967) -, Escuela Nacional de Arte (1962). La Poltica Cultural de Cuba. LaHabana: Direccin de Divulgacin del Ministrio de Cultura, 1983.3 Para um conceito de propaganda poltica ver: CAPELATO, M. H. R. Multides em cena. Propagandapoltica no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998, pp. 35-36. O uso de smbolos e outrasformas de representao usadas na propaganda poltica so tratados em TCHAKHOTINE, Serge. Amistificao das massas pela propaganda poltica. Trad. de Miguel Araes. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, s/d, p. 263.

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    qual foi definida uma meta inicial de produo anual de 10 longa-metragens e 50

    documentrios4. Essa produo seria levada ao pblico, pelo ICAIC, atravs de um

    esquema resultante da nacionalizao de vrias companhias distribuidoras norte-americanas

    e mexicanas de cinema, o que ocorreu entre 1961 e 1965, e resultou na formao da

    Distribuidora Nacional de Pelculas5.

    Os primeiros institutos culturais criados contaram com especiais recursos

    governamentais e serviram de vitrine da nova poltica cultural que se inaugurava em

    Cuba. Assim, em 1959, oICAICe a Casa de las Amricas, instituies fundamentais para a

    difuso da nova cultura revolucionria e para o estreitamento de elos com os pases

    amigos de Cuba, foram bastante celebrados e prestigiados internacionalmente. O BalletNacional de Cubatambm pode ser considerado uma instituio privilegiada pelo governo,

    entretanto, como tem uma estrutura muito peculiar e foi uma instituio menos aglutinadora

    e menos visada politicamente que a Casae o ICAIC, no o inclumos no mesmo patamar

    das demais6. Alm da Casae doICAICreunirem um grupo grande de intelectuais e artistas

    cubanos, alguns eram compartilhados por essa duas instituies, isto , colaboravam com

    as revistas de ambas, participavam de debates, e ao longo da vida assumiram cargos l e

    c7.

    Para dirigir essas instituies especiais foram designados quadros polticos que j

    tinham exercido papel de destaque durante os anos 50, nas lutas contra a ditadura de

    Fulgncio Batista: Hayde Santamara passou a dirigir a Casa de las Amricase Alfredo

    4 Os Estdios Biltmore foram construdos durante o governo de Carlos Pro Socarrs, distribudo eminstalaes em Cubanacn e numa rea nobre de Havana (o bairro El Vedado). SUTHERLAND, Elizabeth.Cinema of Revolution: 90 Miles from Home. Films Quartely, vol. 15, n. 2, winter 1961, pp. 42-49.ALMENDROS, Nstor. Cinemana. Barcelona: Seix Barral, 1992, p. 291.Ver tambm El GobiernoRevolucionario visita los estudios cinematogrficos Cine Cubano, nm. 1, 1960, pp. 11-17.5Aps a Resoluo nm. 2868 de 10/05/61, do Ministerio de Recuperacin de Bienes Malversados, foramnacionalizadas as empresas: Pelculas Fox de Cuba, Artistas Unidos, Metro Goldwyn Mayer, Warner,Univesal, Rank e Pelimex. DOUGLAS, M. E. La tienda negra. El cine en Cuba (1897-1990). La Habana:Cinemateca de Cuba, 1996. p. 156.6Dirigido pela bailarina Alicia Alonso que mantinha um grupo com seu nome desde 1950, os membros doBallet Nacional gozavam de algumas regalias, como dispensa das frentes de trabalho. Ao longo dos anossetenta, devido ao nmero crescente de bailarinos que se exilavam em meio s turns internacionais, passou aser bastante controlado. Ver: ALMENDROS, Nstor e JIMNEZ-LEAL, Orlando. Conducta Impropia.Madrid: Editorial Playor, 1984.7 Ambrosio Fornet, Edmundo Desnoes, Eduardo Manet, Pablo Armando Fernndez, Manuel MorenoFraginals, por exemplo, transitaram por ambas instituies, participando de mesas-redondas, de elaboraode roteiros flmicos e de crticas de cinema.

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    Guevara, o ICAIC 8. A primeira era uma clebre ex-guerrilheira que participara do ataque

    ao Quartel Moncada, em 1953, e tornara-se fundadora e membro da direo nacional do

    Movimiento 26 de Julio (M-26)9; enquanto Guevara era um antigo militante do Partido

    Socialista Popular10 e ex-membro da direo da Sociedad Cultural Nuestro Tiempo,

    entidade ligada ao PSPe que representou um plo de resistncia poltica e cultural nos anos

    50. A escolha de Hayde e Guevara, personalidades de tendncias polticas diferentes, para

    dirigir a Casa e o ICAIC, revelava a inteno do governo em distribuir politicamente o

    poder no meio cultural, nesse momento, entre personalidades ligadas a seu prprio ncleo,

    oM-26, e reconhecidos militantes comunistas do PSP.11

    Alfredo Guevara torna-se figura de destaque na histria do cinema cubano, noapenas por ter exercido a funo de presidente durante dcadas a fio, mas tambm por ter

    assumido a condio de porta-voz e historiador do Instituto. Foi ele quem sintetizou, em

    balanos e prognsticos, as conquistas e desafios do Instituto. Num artigo de 1961, em

    Lunes de Revolucin, por exemplo, reiterou as metas do Instituto anunciadas em 1959, as

    quais j considerava parcialmente cumpridas: aprimorar a qualidade dos filmes nacionais,

    atingir o grande pblico e reeducar o gosto das massas, no sentido esttico e ideolgico.12

    Alm da inteno de contemplar o PSP com cargos importantes para solidificar

    laos polticos, a concentrao de comunistas no meio cultural uma opo ideolgica do

    novo governo: a deciso pelo socialismo se concretiza paulatinamente entre 1959 e 1961.

    Um outro fator que costuma ser alegado para tal concentrao a fuga de crebros que

    8A idia de que estas instituies so especiais e diferem das demais reiterada nos discursos de seus prpriosdirigentes. Alfredo Guevara, nos anos setenta, refora a condio doICAICe da Casa de las Amricascomoinstituies privilegiadas, uma vez que as direes de ambas tinham acesso a um volume muito maior deinformaes do que aquele que aparecia na imprensa. GUEVARA, A. Traidores-coloniales nos piden elsuicidio para dormir tranquilos (25/03/1971) in GUEVARA, Alfredo. Tiempo de Fundacin. Madrid:Iberautor/ Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, 2003. p. 246.9Movimento de carter nacionalista e reformista fundado em 1954, quando Fidel Castro se encontrava presoaps frustrado o Ataque ao Quartel Moncada, em 26 de Julio de 1953 (data que batizou o movimento). Seusintegrantes possuam diferentes orientaes ideolgicas (Che se dizia marxista, Raul Castro havia sido filiadoao PSP, Camilo Cienfuegos tinha ligaes com o Partido Obrero Revolucionrio, de tendncia trotskista, etc).MISKULIN, S. Cultura ilhada: imprensa e revoluo cubana (1959-1961). So Paulo: Xam, 2003. p.25-31.10O PSPfoi criado em 1925 por Julio Antonio Mella. Aps 1959 houve um processo de gradual centralizaoque dissolveu este partido e as demais organizaes que haviam chegado ao poder com a Revoluo,resultando no Partido Comunista de Cuba(1965).11 Fidel Castro, apesar de no ser o presidente de Cuba naquele momento, desempenhava o papel deautoridade mxima e atribuiu cargos a pessoas de sua confiana. Ver FURIATI, Claudia. Fidel Castro. Umabiografia consentida.Tomo II: do subversivo ao estadista.Rio de Janeiro: Revan, 2001, 2aedio p. 35.12 GUEVARA, A. Realidad y deberes de la crtica cinematogrfica Lunes de Revolucin, nm. 94,06/02/1961.

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    ocorreu nos primeiros anos aps a Revoluo, isto , a emigrao, para a Europa e para os

    Estados Unidos, de inmeros intelectuais e profissionais qualificados, pertencentes a

    famlias de posses13. Esse dado poderia haver contribudo para uma certa diminuio no

    leque de opes, em favor do PSP, se no fosse igualmente verdade que o fenmeno

    contrrio tambm ocorreu: intelectuais que viviam fora de Cuba, desde os tempos de

    Batista, voltaram aps 1959 entusiasmados com as mudanas polticas.

    Assim, o fator que realmente pesou para a hegemonia comunista foi o de que, aps a

    tomada de poder peloM-26, em 1959, o nico partido aliado ao novo governo que contava

    com uma estrutura slida, e quadros de intelectuais experientes, era o PSP. O governo

    confiou cargos a intelectuais militantes certamente com o intuito de garantir o controlesobre esses dirigentes. Nessa conjuntura inicial j havia laos partidrios consolidados: o

    PSP apoiava o governo e passou a fazer parte das Organizaciones Revolucionarias

    Integradas, em 1961.

    Nos campos poltico e cultural, a nomeao de quadros do PSPocorreu de forma

    bastante intensa.14 Alm do ICAIC, nos primeiros anos ps-revoluo, outros rgos

    culturais tambm passaram a ser dirigidos por ex-membros ou simpatizantes do PSP, caso

    da Editora Nacional (comandada por Alejo Carpentier), do Consejo Nacional de Cultura

    (dirigido por Edith Garca Buchaca entre janeiro de 1961 e 1964) e da UNEAC - Unin

    Nacional de Escritores y Artistas de Cuba(cujo presidente foi, desde agosto de 1961 e at

    seu falecimento, Nicols Guilln).15

    O lugar do Instituto de Cinema na histria do meio cultural cubano ps-revoluo

    peculiar pois, diferentemente dos demais institutos de cultura que eram subordinados ao

    13Se, por um lado, a emigrao representou uma perda de profissionais e tcnicos, por outro, propiciou aogoverno o aproveitamento de um grande nmero de imveis e outros bens. SEERS, Dudley. Cuba: TheEconomic and Social Revolution. Carolina do Norte: Chaper Hill, 1964, p. 32 apud GOTT, R. Cuba: umanova histria. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 245.14 Raul Roa se tornou Ministro das Relaes Exteriores, Anbal Escalante, diretor da COR - Comisin deOrientacin Revolucionaria, e presidente das Organizaciones Revolucionarias Integradas em julho de 1961;Carlos Rafael Rodrguez foi presidente do Instituto Nacional de Reforma Agrria, Blas Roca foi diretor doperidico Hoy, Vilma Espn, foi nomeada presidente da Federacin de Mujeres de Cuba e Raul Castroassumiu o Ministrio da Defesa e manteve-se como o vice oficial de inmeros cargos desempenhados porFidel Castro nos ltimos quarenta anos.15Tambm so exemplos da presena do PSP na cultura os nomes de Juan Marinello (diretor do ConsejoSuperior de Universidadese reitor da Universidad de La Habana) e outros mais, como Mirta Aguirre, JosAntonio Portuondo, Jos Rodrguez Feo, Fayad Jamis. J os intelectuais mais ligados ao ncleo constitudopelo M-26, eram Hayde Santamara, Armando Hart, Ministro da Educao e depois, Ministro da Cultura; eCarlos Franqui, diretor do jornalRevolucin, que se exilou em 1968

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    Ministrio da Educao, praticamente no havia interferncia administrativa deste sobre o

    ICAIC. Teoricamente, o gerenciamento sobre o meio cultural era da alada do Ministrio da

    Educao. Para isso, dentro dele existia uma Direccin Nacional de Culturae um brao

    dessa direo, chamado Consejo Nacional de Cultura16. Entretanto, podemos afirmar que o

    ICAIC, bem como a Casa de las Amricas, no estavam exatamente subordinados a esses

    organismos que atuavam sobre os demais setores da cultura. Mesmo quando foi criada, em

    1961, a UNEAC, Unin de Escritores y Artistas de Cuba, para centralizar todos os

    intelectuais e servir como intermediao principal entre as entidades culturais e o governo,

    exercendo controle de verbas, autorizao de projetos, dentre outras funes essenciais, o

    ICAICmanteve-se com relativa autonomia.At 1975, o diretor do ICAIC atuou, na prtica, com poder semelhante ao de um

    ministro, participando diretamente de reunies governamentais e da organizao de eventos

    (congressos, encontros, colquios) que determinavam os rumos da poltica cultural, bem

    como o destino de editoras, revistas, grupos artsticos e intelectuais de outros setores. Cabe

    esclarecer que no Estado cubano que se configurava, partido e governo no tinham

    distines claras17.

    1.2. A criao do Instituto

    OICAICfoi criado apenas 83 dias aps a Revoluo, pela Lei 169, de 24 de maro

    de 1959. Alfredo Guevara dirigiu o Instituto at 1982 e depois de um mandato exercido

    pelo cineasta Julio Garca Espinosa, desse ano at 1991, voltou a dirigi-lo entre 1992 e

    2000. A prioridade que o novo governo deu criao de um instituto de cinema, como j

    foi dito, era explicada com o argumento de que a stima arte era um veculo mpar de

    propaganda ideolgica da Revoluo porque divulgava didaticamente, para as massas, as

    16O Consejo Nacional de Culturafoi criado em 1960 e, a partir de 1963, tornou-se um rgo autnomo emrelao Direo Nacional de Cultura. Sua funo no era claramente definida e empregava intelectuais queno tinham sido encaixados nas instituies culturais e que ali se ocupavam com fiscalizaes, funesburocrticas e com uma publicao mantida por esse rgo. Existiu at 1967, quando foi dissolvido ao sercriado oMinistrio de Educacin, Cultura y Deporte.17 Nos anos 60, o pas era administrado efetivamente pelo Primeiro Ministro (Fidel Castro), chefe doConselho de Ministros, do qual tambm fazia parte o presidente da Repblica. Esse Conselho mantinha forteinter-relao com as Foras Armadas (MINFAR,Ministrio de Fuerzas Armadas) e com o Partido Comunistade Cuba. MESA-LAGO, Carmelo. Dialctica de la Revolucin Cubana: del idealismo carismtico alpragmatismo institucionalista. Madrid: Editorial Playor, 1979. p. 111.

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    novas idias e tinha um eficaz - e universal - poder transformador: El cine debe constituir

    un llamado a la conciencia y contribuir a liquidar la ignorancia, a solucionar problemas o

    formular soluciones y plantear dramatica y contemporaneamente las grandes conflictos del

    hombre y de la humanidad.18

    Quando o ICAIC foi formado, nele se integraram vrios membros da Sociedad

    Cultural Nuestro Tiempo, entidade fundada, em 1951, durante a ditadura de Fulgncio

    Batista, com um perfil voltado promoo e discusso das artes em geral. Essa Sociedade

    foi dissolvida em 1960, mas durante sua existncia funcionou como um espao de encontro

    de cineastas, artistas plsticos, msicos e intelectuais que organizavam sesses para debater

    tanto questes da conjuntura poltica, como os ltimos lanamentos do cinema europeu ouas mais recentes obras no campo da msica e das artes plsticas contemporneas. Dentre

    suas atividades constava a publicao de uma revista,Nuestro Tiempo(1954-1959), a cargo

    de Carlos Franqui e Guillermo Cabrera Infante, intelectuais que transitavam pelo

    jornalismo e pela literatura. A Sociedade contava, entre seus membros, com Alfredo

    Guevara, o cinegrafista Jorge Herrera, o fotgrafo Jorge Hayd, o maestro Leo Brouwer

    (que se tornaria o diretor do Grupo de Experimentacin Sonora do ICAIC, em 1969), e os

    cineastas Toms Gutirrez Alea, Julio Garca Espinosa, Santiago Alvarez e Jos Massip.19

    Os dois ltimos e Alfredo Guevara faziam parte de um bur, dentro da entidade,

    encarregado de difundir as posies do PSP, que ali contava com um grande nmero de

    simpatizantes.20

    Com o acirramento do processo revolucionrio no final dos anos 50, muitos dos

    que participavam da Sociedade passaram a colaborar com o Ejrcito Rebelde e com o

    Movimiento 26 de Julio, ingressando em pequenos departamentos de difuso cultural e

    propaganda poltica. Nessa fase (1958-1959) havia tenses entre os militantes comunistas e

    os chamados rebeldes ou revolucionrios (como eram designados os guerrilheiros doM-26) uma vez que o PSP relutou durante um bom tempo em prestar seu apoio luta

    armada. O PSP, que chegara a colaborar com o governo Batista, nos anos 40, condenara a

    18 Lei de Criao do ICAIC, nm. 169, publicada oficialmente em 20/03/1959 na Gaceta Oficial de laRepblica,Anurio 1960, Revolucin, 01/01/1960, p.9.19 A Sociedade era dirigida pelo maestro e musiclogo Harold Gramatges e alm dos cineastas, agregouintelectuais como Jos Ardevol, lvaro Alonso, Carlos Rafael Rodrguez, Mirta Aguirre e Juan Marinello.20Tambm faziam parte do bur Sergio Aguirre, Marta Arjona e Antonieta Enrquez. RODRGUEZ, CarlosRafael. Nuestro Tiempo. Cine Cubanonm. 102, 1982, pp. 87-91.

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    primeira grande investida desses rebeldes: o ataque ao Quartel Moncada, em 1953. A

    direo comunista considerava inadequados os mtodos apregoados pelos lderes doM-26e

    sua ttica guerrilheira. A questo da coexistncia pacfica, assumida pelos partidos

    comunistas aps o XX Congresso do Partido Comunista da URSS, em 1956; as diferenas

    de concepo sobre o papel do partido na conduo do processo revolucionrio, a falta de

    formao terica marxista dos revolucionrios, a crtica opo pela guerra de

    guerrilhas e, mais especificamente, pela guerrilha rural, dentre outros fatores, eram pontos

    de divergncia entre as duas organizaes. Por conta dessas diferenas houve, inclusive, um

    patente boicote, do PSP e dos sindicatos operrios a ele vinculados, greve geral

    organizada pelo M-26, em 09/04/1958, contra Batista. O apoio do PSP guerrilha socorreu, e no integralmente, no final de 1958, quando a tomada de poder se mostrava

    eminente. Vitoriosa a Revoluo, o PSPorganizou uma Comisin Intelectual, formada por

    Carlos Rafael Rodrigues, Juan Marinello e Mirta Aguirre, com a funo de contribuir com

    o novo governo e indicar nomes para ocupar postos administrativos no meio cultural.

    O novo governo revolucionrio, que tinha como presidente Osvaldo Dortics, teve

    incio, em 1959, sustentado por trs organismos polticos aliados: o M-26, que comandava

    o Exrcito Rebelde na figura de Fidel Castro (o comandante-en-jefe), o Diretrio

    Revolucionrio 13 de Marzo(constitudo por estudantes universitrios) e o PSP. Os ataques

    contra-revolucionrios, a opo pelo socialismo, a necessidade de garantir alguma

    estabilidade poltica interna para o novo governo, acabaram favorecendo a fuso gradual

    dessas organizaes, inicialmente sob a forma de ORI, Organizacin Revolucionria

    Integrada (1961), e mais tarde como PCC, Partido Comunista de Cuba(1965).

    Antes da fundao do PCC, e em outros momentos dessa dcada, ocorreram

    depuraes ou purgas, por meio das quais o governo procurou se livrar de antigos

    comunistas, considerados indesejveis por ex-membros do M-26, no contexto da disputapoltica e da institucionalizao do regime. Nessa disputa pelo poder, uma contundente

    estratgia foi colocada em prtica, sob o nome de depuracin contra el sectarismo. Esse

    processo veio tona em dois momentos, especialmente: em maro de 1962, quando Fidel

    fez uma crtica pblica ao secretrio da ORI, Anbal Escalante, e em 1964, quando houve a

    destituio de comunistas importantes, como Edith Garca Buchaca, secretria do Consejo

    Nacional de Cultura, seu marido, Joaqun Ordoqui, vice-ministro do MINFAR, e a

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    condenao pena de morte do ex-lder estudantil Marcos Rodrguez21. Esses episdios

    mostram que, se havia a necessidade do aliancismo, por um lado, havia tambm, por outro,

    um jogo de foras pelos principais postos de poder e que acarretou prolongadas lutas

    internas no cenrio poltico e no meio cultural, s quais voltaremos ao longo do trabalho.

    Essas lutas repercutiram no ICAIC, porm mais no posicionamento de sua direo

    no cenrio cultural que na dinmica interna do instituto. A maioria dos cineastas do ICAIC

    no era comunista, ainda que houvesse vrios filiados ao Partido dentre seus membros, caso

    dos cineastas Santiago Alvarez, Jos Massip, Jorge Fraga e Julio Garca Espinosa22. Dentro

    do Instituto, portanto, no aconteceram depuraes, primeiramente porque Alfredo

    Guevara era comunista e, em segundo lugar porque, nos anos 60, houve ali um amlgamaideolgico produzido pela aliana entre militantes de diferentes tendncias: velhos

    comunistas se tornaram fidelistas, enquanto militantes do M-26 passaram a empunhar

    efusivamente a bandeira do marxismo-leninismo, aps a adoo governamental do

    socialismo como regime. Havia, dentre os cineastas, nessa poca, o consenso de que o

    imperativo era a defesa da Revoluo, o que significava a manuteno de Fidel Castro no

    poder e a execuo das medidas de transio ao socialismo.

    Nesse incio dos anos 60, observamos uma integrao bsica, para usar a

    expresso de Raymond Williams23, de militantes do PSP no espao pblico. Isso ocorre

    devido sobreposio de papis, uma vez que os intelectuais comunistas eram tambm

    funcionrios estatais, como observamos no caso do ICAIC. Para que fosse vivel o bom

    andamento da produo cinematogrfica, houve necessidade de se deixar de lado as

    barreiras partidrias tradicionais e assim se deu o estabelecimento de zonas francas

    simblicas dentro do ICAIC, que permitiram interpenetraes e entrecruzamentos de

    posies diversas24. Entretanto, para entender esse processo de interao, preciso

    inicialmente situar os cineastas em seus fronts originais.

    21Marcos Rodrguez foi acusado de delatar polcia de Fulgncio Batista, quando detido, quatro participantesdo ataque ao Palcio Presidencial em 13/03/57, ao organizada pelo Directorio Revolucionrio, enquanto ocasal Edith e Joaqun foi acusado de ter acobertado o delator. MARTNEZ-PREZ, Liliana. Los hijos deSaturno. Para una historia poltica y cultural de la intelectualidad cubana (1959-1971).Mxico, D.F. Tesede Doutorado em Historia, 2001, pp. 55-56.22SERRANO, P. E. Cuatro Dcadas de polticas culturales.Revista Hispano-Cubana, Madrid, nm.4, may-sept 1999, pp. 37-38.23WILLIAMS, R. Cultura. Op. Cit. p. 219.24 GONZLEZ, J. La volont de tisser: analyse culturelle, fronts culturels et rseaux du futur. Paris,Herms, nm. 28, 2000, p.45.

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    Na constituio do ICAIC, alm dos comunistas, tambm participaram cineastas

    que tinham outro tipo de experincia poltica, fosse como ex-simpatizante do PSP, como

    Nstor Almendros, fosse na condio de colaborador do M-26, caso de Toms Gutirrez

    Alea, que esteve frente da Direo Nacional de Cultura do Exrcito Rebelde, criada em

    janeiro de 195925. A somatria de foras em prol de projetos ambiciosos, como o

    desenvolvimento do Instituto e a criao de uma nova cinematografia, sustentavam a

    comunho necessria equipe. Alm disso, certa convivncia j havia sido

    experimentada nos anos de atuao da Sociedad Cultural Nuestro Tiempo, da qual a

    maioria dos nomes citados havia participado. Outro espao de confluncia havia sido o

    meio publicitrio, setor que garantia o ganha-po dos aspirantes a cineastas, nos anos 50,ainda no inseridos no mercado cinematogrfico, dominado por empresas mexicanas e

    norte-americanas. Trabalharam nesse ramo Gutirrez Alea, Garca Espinosa, Jorge Hayd,

    dentre outros.

    O primeiro grupo de cineastas doICAICera formado por homens na faixa dos trinta

    anos e poucos possuam formao cinematogrfica profissional. Essa primeira gerao

    tardou bastante a ceder espao para as seguintes, o que acarretou um certo conflito

    geracional e ideolgico nas dcadas de 70 e 80, como veremos. At 1975, o ICAIC foi

    constitudo por 5 departamentos fundamentais: Departamento de Estdios, de Processos

    Tcnicos, de Finanas e de Programao Artstica, esse ltimo adjunto ao Departamento de

    Produo Artstica26. Para integrar esses departamentos, contribuir com o ICAICe com o

    novo governo, Alea foi incumbido de convidar vrios colegas que se encontravam fora de

    Cuba, como Ramn Surez, que estava na Sucia, Nstor Almendros, que estava em Nova

    York, Ricardo Vign que estava no Mxico, e Eduardo Manet, que estava na Frana.

    Muitos dos convites, entretanto, no resultaram em contrataes, pois a centralizao da

    25A Direccin Nacional de Cultura del Ejrcito Rebeldeproduziu dois documentrios em 1959, finalizadosposteriormente pelo ICAIC: Esta tierra nuestra de Toms Gutirrez Alea e La vivienda de Julio GarcaEspinosa que tratavam, respectivamente, da reforma agrria e da reforma urbana promovidas pelo novogoverno. Alm desses cineastas, Manuel Prez tambm participou da Seccin de Cine do Exrcito, cujafuno era selecionar os filmes que deveriam ser exibidos nos acampamentos militares. Esta es la historiaque me cont un da Manolito Perez, El Caimn Barbudo, nm. 30, mayo 1969, p. 10. DOUGLAS, M. E.Latienda negra. Op. Cit, p. 146.26BURTON, Julianne. Film and revolution in Cuba: the first twenty years in MARTIN, Michael (ed.) NewLatin American Cinema. Volume 2, Studies of National Cinemas. Detroit: Wayne State University Press,1997, pp. 123-142.

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    26

    direo doICAICem Alfredo Guevara favoreceu queles que dele eram pessoalmente mais

    prximos e afastou seus desafetos, cogitados inicialmente em nome da Revoluo27.

    A nomeao de Alfredo Guevara conferiu ao Instituto, logo de incio, um vnculo

    formal com os princpios e a orientao do PSP. Mas essa ligao com o antigo PSPera

    permeada de tenses, pois Guevara, como entusiasta das artes e avesso a dogmatismos, no

    se identificava com a linha ortodoxa que orientava o partido e era seguida por seus colegas

    comunistas denominados, por ele, de dogmticos28. Por outro lado, Guevara tambm no

    nutria simpatias por aqueles intelectuais e artistas que se declaravam avessos ao PSP em

    nome do chamado liberalismo revolucionrio e se manifestavam por meio de

    suplementos culturais, principalmente oLunes de Revolucin29

    .Voltando questo dos fronts, percebemos a existncia de trs grupos, nos quais

    os cineastas procuraram se situar e a partir dos quais interagiram: 1) os ex-militantes do

    PSP (com diferentes nveis de comprometimento com o marxismo-leninismo e as velhas

    lideranas nacionais), como Guevara, Massip, Valds, Alvarez; 2) os identificados com a

    liderana dos revolucionrios (M-26) como Alea, Garca Espinosa, Giral, e 3) os

    independentes, tambm chamados de liberais por seus adversrios polticos, mais

    prximos dos segundos que dos primeiros, ideologicamente, como Almendros (ex-

    simpatizante do PSP), Manet e Vign.

    27Nstor Almendros e Guillermo Cabrera Infante, por exemplo, dois nomes ento bem conhecidos no meiocinematogrfico cubano, acabaram no integrando o Instituto, uma vez que Alfredo Guevara nutria diferenaspolticas e pessoais com ambos. Almendros era famoso desde suas atividades de cineclubista e CabreraInfante havia exercido a funo de crtico na revista Carteles, nos anos 50, sob o pseudnimo de G. Can.Ambos se exilaram nos anos 60, e antes disso Almendros exerceu funo de crtico de cinema da revistaBohemia, em 1960, enquanto Cabrera Infante se afastou do cinema e assumiu a direo do suplementoculturalLunes de Revolucin.28Esses dogmticos relutaram em apoiar o movimento guerrilheiro encabeado por Fidel Castro (M-26) nodecorrer da Revoluo, pois seguiam fielmente as orientaes do Partido Comunista da URSS. As idiasdefendidas pelos dogmticos esto presentes no jornal Hoy,rgo oficial do PSP. Guevara discordava deque Cuba tinha que seguir a linha sovitica e uma de suas divergncias com os dogmticos, dentro do PSP,eclodiu em 1956, quando criticou a invaso sovitica da Hungria.29Esse suplemento literrio, que apresentava grande ecletismo poltico e esttico, era um encarte do jornalRevolucinque saa toda segunda-feira. Existiu entre 23/03/1959 e 06/11/1961, com uma tiragem de cerca de100 mil exemplares. MISKULIN, Silvia Cezar. Cultura e poltica em Cuba: os debates em Lunes deRevolucin. Depto. de Histria FFLCH-USP, Dissertao de mestrado, 2000, p. 32.

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    Aps Cuba ter sido declarada socialista por Fidel Castro, em 16/04/196130, os

    liberais foram reprimidos no meio cultural e a ala comunista ortodoxa se fortaleceu e

    passou a pressionar o governo a empregar no pas frmulas e orientaes que haviam sido

    executadas na Unio Sovitica, como o modelo do realismo socialista para a poltica

    cultural31. Nesse contexto, Alfredo Guevara, primeiro teve embates com os liberais, mas

    logo depois que esse grupo foi vencido, combateu os chamados dogmticos, seus antigos

    colegas de partido, atravs de inmeros artigos. A resistncia ao realismo socialista, no

    ICAIC, apesar da forte presena do PSPnessa instituio, era muito grande: cineastas de

    variadas tendncias concordavam com a inadequao desse modelo realidade cubana.

    Essa divergncia resultou numa dificuldade de definio esttico-ideolgica que se arrastoupor anos a fio dentro do ICAIC. Esse embate, e outros de natureza diversa que

    evidenciaremos ao longo do texto, nos levam a discordar de depoimentos memorialistas e

    estudos que opem, de forma simplista, o ICAIC, como bastio do conservadorismo

    poltico, a outros espaos e movimentos culturais considerados liberais32. Tal oposio

    tende a generalizar as posies de Alfredo Guevara ou tom-las como representativas da

    maioria dos membros do Instituto. Sem pretender revestir o Instituto de uma aura

    ideolgica progressista ou mesmo anticastrista, nosso propsito mostrar a

    complexidade dessa instituio, tambm visvel na sua produo flmica.

    Vemos, portanto, que o ICAIC nasceu engendrado de um casamento difcil entre

    comunistas (divididos a grosso modo, dentro do PSP, em nacionalistas e dogmticos) e

    revolucionrios (M-26), unidos mais pela conjuntura a bandeira da defesa da Revoluo

    30A declarao do carter socialista da Revoluo ocorreu um dia aps os bombardeios que precederam ainvaso da Playa Girn por tropas contra-revolucionrias treinadas pela CIA. No auge desse conflito, FidelCastro, comandante-en-jefedo Exrcito, procurou garantir o apoio da URSS, no caso de uma invaso de Cubapelos Estados Unidos. Pouco depois da derrota, em 25/04/61, o governo dos EUA declarou total bloqueiocomercial Cuba.31Regine Robin analisou o complexo processo de definio desse modelo na URSS, permeado por tenses econtrovrsias. Ele mencionado publicamente pela primeira vez em 23/05/1932, na Literaturnaia Gazeta, porGronki. No cinema, esse modelo se baseava no princpio de que os filmes deveriam ser realistas, mas noretratando a realidade tal como era, e sim como deveria ser. Otimismo, esprito de partido, sacrifcio pelaptria, herosmo, valorizao da identidade nacional, valorizao da tradio presente na cultura popular,identificao do pblico com o protagonista (individual e coletivo) eram elementos constitutivos dessemodelo. ROBIN, R.Le ralisme socialiste. Une esthtique impossible. Paris: Payot, 1986.32Po Serrano afirma que o ICAICfoi uno de los pocos instrumentos culturales de la Revolucin que desdesus inicios se pone al servicio de una interesada proyeccin partidista. SERRANO, Pio E. Cuatro dcadasde polticas culturales.Revista Hispano-Cubana, Madrid, nmero 4, mayo-septiembre 1999, pp. 37-38. Vertambm: CABRERA INFANTE, G. Mea Cuba. Trad. Josely Vianna Baptista. So Paulo: Companhia dasLetras, 1996 e CANCIO ISLA, W. Cercano colaborador de Castro renuncia a la presidencia del instituto decine. Miami, El Nuevo Herald, 23/03/2000, www.cubanet.org/cnews.

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    28

    - e pelo entusiasmo com a conquista do poder e as transformaes do pas, que por

    convices ideolgicas comuns. Acrescentemos que, nesse enlace, um dos cnjuges trouxe

    para a relao srios problemas familiares: Alfredo Guevara era marxista mas divergia da

    linha ortodoxa de muitos de seus pares. Como veremos ao longo do trabalho, esse

    casamento se manteve, apesar das incompatibilidades, em parte graas ao vnculo existente

    entre Guevara e Fidel (velhos conhecidos desde tempos de movimento estudantil). Foi essa

    relao que, em muitas circunstncias, garantiu a autonomia do Instituto ou as vistas

    grossas do governo para as pequenas faltas ideolgicas e divergncias internas, entre a

    velha e a nova gerao de cineastas formada ao longo dos anos 60. Nos anos 70 e 80,

    passada a fase inicial da comunho, os frontsinternos doICAICvoltaram a sobressair, enovas alianas entre os cineastas foram feitas, principalmente aps a quebra do pacto entre

    a direo e o governo, ocorrida com a criao do MINCULT, a qual retomaremos ao longo

    do trabalho.

    O Instituto direcionou seus primeiros recursos para a produo dos noticirios,

    documentrios e, em menor peso, para as fices, especialmente as que fossem crnicas do

    momento de transformao pelo qual Cuba passava. A necessidade da mobilizao

    massiva, a urgncia dessa produo e o entusiasmo que advinha daquele momento de total

    adeso Revoluo condicionaram o ritmo intenso das produes iniciais. No calor

    daqueles anos, todos os cineastas estavam vidos por realizar seus primeiros filmes, e por

    mais recursos que estivessem destinados aoICAIC(H dinheiro para filmar!! exclamava

    Vign numa de suas cartas), impunha-se a necessidade de seleo dos cineastas que seriam

    beneficiados com essa possibilidade, bem como dos temas considerados prioridade. O

    critrio da experincia profissional e o das afinidades eletivas foram empregados, como se

    pode perceber ao verificarmos as autorias dos primeiros filmes. Entretanto, vrios cineastas

    que ficaram fora do ICAIC procuraram produzir e divulgar cinema de formaindependente, pagando um certo preo por isso, como veremos no prximo item.

    1.3. Definio da poltica cultural: o Caso P.M.

    Num artigo de apresentao de seu filme Capablanca, Jos Massip, cineasta

    vinculado ao Partido Comunista, usou como exemplo a sabedoria desse famoso enxadrista

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    cubano para criticar certos criadores cinematogrficos, aos quais chamava de jovens

    impetuosos e lamentar o pouco que haviam aprendido com os prprios erros, ao contrrio

    do jogador de quem era f. No final do artigo, condenava os cineastas por se queimarem en

    la llama fascinante que apenas han comenzado a domar.33

    Aqui temos a evidncia do duplo conflito, composto pela disputa por espao dentro

    doICAIC, entre os novos e os velhos cineastas (grupo no qual Massip se enquadrava),

    e pelas divergncias entre comunista e no comunistas. No contexto desse conflito emergiu

    um fato polmico, em 1961, que impulsionou a primeira formulao de poltica cultural do

    governo cubano. Esse fato foi a proibio de exibio de um curta-metragem documental

    feito impetuosamente - diria Massip - sem autorizao prvia da direo do ICAIC, pordois jovens cineastas.

    O curta-metragem de 23 minutos, em branco e preto, intitulado P.M. (pasado

    meridiano em castelhano), havia sido produzido com recursos prprios pela dupla Sab

    Cabrera Infante (editor) e Orlando Jimnez-Leal (cinegrafista), fora dos mecanismos

    institucionais doICAIC.34Documentava, com cmera escondida - recurso inspirado nofree

    cinemaingls, bastante apreciado em Cuba nesses anos - a boemia de Havana, focando os

    bares prximos regio porturia (especificamente o antigo Club Biltmore, atual Crculo

    Social Obrero Cubanacn) com toda sua clientela habitual: prostitutas, vagabundos,

    trabalhadores de origem simples (negros, a maioria), bebendo, danando, gargalhando,

    namorando, etc. Esse argumento flmico foi condenado tanto pela direo do ICAICcomo

    por outros ex-militantes do PSPque ocupavam cargos culturais e que avaliaram ser esse um

    retrato pejorativo do povo cubano, que nada convinha imagem que se estava pretendendo

    construir do novo pas e da nova sociedade. Segundo seus detratores, P.M.mostrava uma

    Havana de cabars e vcios35; prejudicava a formao do cidado revolucionrio e por

    isso no merecia ser exibido publicamente. Paradoxalmente, dentro doICAICtambm eram

    33MASSIP, J. A propsito de Capablanca, Cine Cubano nm, 10,1963, p. 43.34A polmica ou o Caso P.M. foi comentado em vrias memrias e anlises da histria cultural e polticacubana. FRANQUI, Carlos. Retrato de famlia con Fidel. So Paulo: Record, 1981.p. 135. LEANTE, Csar.Revive, historia. Anatoma del castrismo, Madrid: Biblioteca Nueva, 1999, pp. 121-134. CABRERAINFANTE, Guillermo.Mea Cuba. So Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 67-70. DAZ, Duanel. P.M.:sueo y pesadilla. www.cubaencuentro.com, 02/06/2006.35 Segundo consta no Acuerdo delICAIC sobre la prohibicin del film P.M., o filme contribua paradesfigurar e desvirtuar a postura revolucionria do povo cubano. DAZ, D. P.M.: sueo y pesadilla Op. Cit.,p. 2. Ver tambm: Aclaraciones. Tomo 2. La Habana: Editora Poltica, 1965, p. 700; MISKULIN, S. CulturaIlhada... Op. Cit., pp.166-168.

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    produzidos curtas que no poderiam ser chamados, de modo algum, de filmes exemplares

    na educao do homem novo: El negro, de Eduardo Manet, tangenciava a questo da

    discriminao racial, enquanto Carnavalde Fausto Canel e Joe Massou tambm mostrava

    uma Havana um tanto orgistica.36

    Disto se pode concluir que a represlia a P.M. no era apenas por causa do

    contedo: o formato experimental do curta - uma cmera que passeava e captava as

    imagens no calor da hora, com som ambiente, sem qualquer didatismo ou a conduo de

    uma narrao linear era outro libi para se condenar a falta da inteno pedaggica que

    deveria constar nos documentrios doICAIC. Como se isso no bastasse, a esses fatores se

    somava um grave problema de bastidores trazido tona pela realizao desse curta: alivre iniciativa de se filmar fora dos limites de controle da instituio designada para esse

    fim, e exibir o produto num programa de TV do qual participavam muitos intelectuais

    liberais:Lunes en Televisin, transmitido pelo Canal 2. A dupla Jimnez e Cabrera, que

    j havia trabalhado em noticirios doICAIC, produzira o curta nas suas horas vagas, aps o

    expediente de trabalho que exercia na Televiso37. Essa ao ia de encontro a fatores

    relevantes para o ICAIC: disputas polticas com os grupos que dirigiam o programa em

    questo e a rede de televiso cubana, a incumbncia da pr-seleo do que iria ser realizado

    e a hierarquia interna do Instituto, que favorecia os cineastas mais experientes, conferindo a

    esses, e no aos iniciantes, a preferncia para a execuo de projetos.

    Uma outra questo de fundo tambm incidiu negativamente sobre o que se tornou o

    Caso P.M.: um dos realizadores, Sab, era irmo de Guillermo Cabrera Infante, que

    colaborou na produo do curta, patrocinando-o e conseguindo que o mesmo fosse editado

    nos estdios de televiso.38Guillermo Cabrera Infante havia sido diretor das Ediciones Re

    dirigia ento o polmico suplemento literrio Lunes de Revolucin, que mantinha o

    programa de TV mencionado e seria fechado em novembro desse mesmo ano. Naquelemomento, o suplemento Lunes era acusado de ser uma publicao extremamente

    pretensiosa, ecltica e elitista, por ostentar linguagem inacessvel s massas e tratar de

    36SUTHERLAND, E. Cinema of Revolution: 90 Miles form Home. Films Quartely, vol. 15, n. 2, Winter1961, pp. 42-49. Tanto Manet como Canel partiram de Cuba nos anos 60.37Nessa poca ainda no existia o ICRT, Instituto Cubano de Radio y Televisin, criado em 1962 (com onome de Instituto Cubano de Radiodifusin) e reformulado em 1976. A TV cubana passava por muitasmudanas e disputas polticas, entre antigos e novos funcionrios. ALMENDROS, N. Cinemana. Ensayossobre cine. Barcelona: Seix Barral, 1992, p. 172.38MISKULIN, S. Cultura Ilhada.Op. Cit. p. 166.

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    temas considerados pouco pertinentes ao momento poltico. O suplemento e, por extenso,

    seu programa na TV eram fruns de discusso e questionamento, ainda que seus

    realizadores deixassem claro que defendiam a Revoluo39.

    De forma geral, todos esses fatores pesaram para o incio de uma campanha

    difamatria sobre o filme e seus realizadores, iniciada dentro do ICAICe que se alastrou

    pela Casa de las Amricase todo meio cultural40. O resultado, ao fim, foi a proibio e a

    apreenso desse filme, considerado contra-revolucionrio, apesar de no ter sido assistido

    pela maior parte das autoridades, inclusive Fidel Castro. Esta represlia causou a

    indignao de vrios cineastas e intelectuais, manifestada atravs de um abaixo-assinado,

    com cerca de 200 assinaturas, organizado pelo suplemento Lunes de Revolucin.O casoprovocou um debate na Casa de las Amricase um grande burburinho nos corredores do

    Instituto; ele dividiu comunistas e liberais, num momento de muitas interrogaes sobre os

    rumos socialistas de Cuba. Esta onda de agitao foi interrompida por uma convocao

    oficial de uma assemblia, feita pelos dirigentes do pas, a pedido de Alfredo Guevara, em

    junho de 1961, da qual todos os artistas e intelectuais deveriam participar. Essa assemblia

    ocorreu naBiblioteca Nacional Jos Marte se prolongou por trs dias (6, 23 e 30/06), com

    o propsito declarado de deliberao conjunta sobre as prerrogativas e princpios que

    deveriam ser assumidos por todos, em relao arte em Cuba e ao papel do intelectual.41

    Desses encontros e aps uma sucesso de pronunciamentos, sempre finalizados por Fidel,

    resultou a publicao de Palabras a los intelectuales, transcrio editada de suas

    intervenes. Esse texto considerado o primeiro esboo de poltica cultural governamental

    em Cuba, e determinou uma espcie de topografia moral e institucional para as aes e

    relaes do campo cultural42.

    39 Slvia Miskulin fez uma extensa anlise dos debates e das causas do fechamento desse suplemento, noltimo captulo de seu livro. MISKULIN. S. Cultura Ilhada. Op. Cit, pp. 159-193.40 Segundo Orlando Jimnez-Leal houve uma longa reunio na Casa, em que Mirta Aguirre, intelectualcomunista ligada ao PSP acusou os realizadores de budapetistas, associando estes aos intelectuais queteriam, a seu ver, iniciado um movimento contra-revolucionrio na Hungria. DAZ, D. Op. Cit, p. 3.41Manifestaram-se a favor do documentrio o cineasta Nstor Almendros e os intelectuais Carlos Franqui,Lezama Lima, Pablo Armando Fernndez, Roberto Fernndez Retamar, Lisandro Otero e Hayde Santamara;enquanto Carlos Rafael Rodrguez, Mirta Aguirre e Alfredo Gevara atacaram o curta e o grupo identificado aosuplemento Lunes. MISKULIN, S. Cultura Ilhada. Op. Cit. p. 201. SERRANO, P. Cuatro dcadas, Op.Cit. p. 41.42QUINTERO HERENCIA, J.C. Fulguracin del espacio. Letras e imaginario institucional de la RevolucinCubana (1960-71). Rosario: Beatriz Viterbo, 2002, p. 35.

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    Este evento e o pronunciamento de Fidel foram maneiras encontradas por Fidel para

    se colocar diante do debate entre comunistas (os remanescentes do PSP, como Alfredo

    Guevara) e os jovens liberais ligados ao Lunes de Revolucin, referendando as posies

    dos primeiros43. As reunies da Biblioteca, das quais participaram centenas de pessoas

    (cerca de 300) foram conduzidas por uma espcie de tribuna, formada por Fidel, o

    presidente Osvaldo Dortics, Armando Hart e vrios intelectuais comunistas como Edith

    Garca Buchaca, Alfredo Guevara, Juan Ordoqui, e Carlos Rafael Rodrguez44. Assim, o

    Caso PMfoi o libi para vrios propsitos polticos que, no fundo, se complementavam: a

    afirmao, por parte da direo do ICAIC, do monoplio do Instituto no meio

    cinematogrfico; o refreamento, pelo governo, de iniciativas de produo independente eousadias estticas; a definio, por este, frente s interrogaes dos intelectuais

    estrangeiros, de uma linha bsica de poltica cultural; e a represlia, por parte do grupo

    hegemnico no meio cultural (os comunistas), ao grupo formado por intelectuais no-

    comunistas que ocupavam alguns espaos significativos at aquele momento.

    O governo cubano ainda buscava um rumo em termos de poltica cultural, e este ora

    se inclinava ao realismo socialista, ancorado no apoio da URSS e na insistncia de

    comunistas do PSP em prol dessa opo, ora se abria em possibilidades mais amplas,

    justificadas pelo argumento de que era preciso encontrar uma soluo cubana, sada que

    era apoiada por diversos intelectuais estrangeiros.45Num cenrio no qual a sobrevivncia

    do intelectual e do artista cubanos como agentes culturais estava atrelada aos espaos

    circunscritos ao Estado (cargos) e aos recursos fornecidos por este (verbas oficiais), atacar

    o concorrente tambm era uma forma de se defender. Em outras palavras, era interessante

    ao grupo ligado ao PSP reafirmar sua credibilidade junto ao governo e desmoralizar

    intelectuais que haviam fincado suas bandeiras no meio literrio.

    Poucos meses aps as reunies, ocorreu o fechamento do suplemento Lunes e acentralizao de todos os artistas e literatos na UNEAC Unin Nacional de Escritores y

    Artistas de Cuba, criada durante a realizao do I Congreso Nacional de Escritores e

    Artistas de Cuba, em agosto de 1961. Essa medida possivelmente foi inspirada por uma

    43VERDS-LEROUX, Jeannine.La lune et le caudillo. Le rve des intellectuels et le rgime cubain (1959-1971).Paris: Gallimard, 1989, p. 472.44Idem, p. 476.45 Nesse sentido, o caso de Sartre paradigmtico e sua visita a Cuba em 1960 foi abordada por SlviaMiskulin em Cultura Ilhada.Op. Cit, pp. 65-68.

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    semelhante, ocorrida no pas socialista que passava a servir de referncia: a criao da

    Unio de Escritores Soviticos, por meio de um decreto de 23/04/1932, que dissolvia as

    organizaes literrias e artsticas ento existentes.

    Esse congresso reiterou os princpios formulados em Palabras, enfatizando a

    importncia das manifestaes culturais populares, da recuperao da tradio dos

    intelectuais revolucionrios do passado, e anunciou a formao do Partido Unificado de la

    Revolucin Socialista, bem como a criao da Escuela Nacional de Arte46. Apesar da

    nfase conferida necessidade da unio dos intelectuais, no congresso continuou latente a

    competio entre os velhos comunistas e os adeptos do M-26: num provocativo discurso, o

    presidente da UNEAC, Nicols Guilln, saudava a oficializao do socialismo,recentemente declarada por Fidel Castro (com apoio de boa parte dos ex-membros do M-

    26), porm atribuindo essa conquista luta histrica do PSP.

    importante frisar, entretanto, que em termos de poltica cultural, diferente do

    similar congresso sovitico que ocorreu em 1934, nesse evento cubano no se adotou

    oficialmente o realismo socialista e nem foram condenadas formas explcitas de arte, como

    o jazz ou a arte abstrata47. As formulaes de poltica cultural em Cuba nos anos 60 foram

    marcadas por seu carter pouco objetivo no que se refere s determinaes tericas e

    conceituais, o que foi positivo para o cinema. Definia-se vagamente que o contedo deveria

    ser revolucionrio, ou seja, que celebrasse o governo e a Revoluo, porm no se

    estipulava uma forma a ser utilizada. No entanto, inaugurando um padro retrico de

    formulao de Fidel para a cultura, o recado principal estava nas entrelinhas, e o que no

    era explicitamente formulado, logo acabava se configurando atravs das aes do governo

    (fechamento de revistas, abertura de jornais vinculados politicamente, destaque para certas

    produes musicais ou cinematogrficas, etc). Na prtica, era evidente que os artistas e

    intelectuais deveriam necessariamente se comunicar com o grande pblico e injetarpropaganda poltica em suas obras, usando criatividade, pois no se pretendia, ao mesmo

    tempo, mostrar ao mundo uma arte cubana realizada como simulacro do realismo socialista

    sovitico.

    46A Escuela Nacional de Arte passa a funcionar em 1962. Conversacin con Juan Marinello, en torno alPrimer Congreso Nacional de Escritores y Artistas.Bohemia. La Habana, ao 53, nm. 25, 18/06/61, pp. 36-37; 87.47Sobre o I Congresso do Partido Comunista da URSS, em 1934 ver ROBIN, R. Le ralisme socialiste. Uneesthtique impossible. Paris: Payot, 1986.

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    34

    O discurso feito pelo presidente da Repblica, Osvaldo Dortics nesse Congresso

    reforava oproyecto cultural revolucionarioque, alm da institucionalizao, previa aes

    educativas de grande difuso popular e apontava a necessidade de aprimoramento da

    cultura poltica dos intelectuais.48O projeto propunha trs eixos de poltica cultural: a) a

    reconstruo de uma cultura revolucionria legitimada pelo passado (lutas

    independentistas); b) a determinao do povo como protagonista e pblico alvo das

    produes artsticas e literrias e c) o respeito liberdade de criao, mas subordinada ao

    controle da produo e da difuso, segundo interesses polticos49. Esse terceiro eixo

    expunha a contradio que permeou todo o processo histrico ps-revolucionrio: a

    liberdade subordinada da arte, em Cuba. Ao longo do trabalho, veremos como o cinemase vincula diretamente a esses trs eixos.

    A censura a P.M.e as reunies na Biblioteca serviram, assim, como um preventivo

    bode expiatrio de outros possveis incmodos como j havia sido, nesse caso, a

    insubordinao de certos realizadores ao ICAIC e o uso do cinema para a abordagem de

    temas inadequados propaganda poltica. Numa de suas declaraes sobre o filme, Fidel

    deixava claro o poder dos organismos governamentais no meio cultural (o ICAIC e o

    Consejo Nacional de Cultura), afirmando: (...) hay algo que creo que no se puede discutir y

    es el derecho establecido por la ley a ejercer la funcin que en este caso desempen el

    Instituto de Cine o la Comisin Revisora.50 No meio cinematogrfico, esse discurso

    desencadeou um acirrado debate sobre o carter a ser assumido pelo cinema cubano, entre o

    estilo autoral e a configurao de um cinema popular. Esse debate eclodir, com muita

    fora, em 1963.

    A censura ao filme tambm foi justificada com o argumento do estado de guerra,

    em funo do momento poltico nacional: algumas semanas antes dos referidos encontros

    para a discusso do Caso P.M., havia acontecido um ataque contra-revolucionrio: ainvaso de Playa Girn51. Esse ataque tornava os nimos muito mais aguerridos em relao

    48 MARTNEZ PREZ, L. Liliana. Los hijos de Saturno. Para una historia poltica y cultural de laintelectualidad cubana (1959-1971).Mxico, D.F. Tesis - Doctorado en Historia, 2001 p. 57-58.49Idem, p. 68.50 CASTRO, Fidel. Palabras a los intelectuales. La Habana: Ediciones del Consejo Nacional de Cultura,1961, p. 1951Em 17/04/1961 ocorreu o enfrentamento da Milcia cubana a 1500 contra-revolucionrios treinados pelaCIA, que desembarcaram na Baa dos Porcos, na provncia de Matanzas. O conflito durou 72 horas, e antes davitria, Fidel proclamou o carter socialista da Revoluo. GOTT, R. Cuba: uma nova histria. Trad. Renato

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    necessria postura combativa, uma vez que o socialismo havia sido assumido e o clima

    era de guerra declarada ao inimigo externo (e interno), situao que no permitia

    concesses. Vale lembrar que o governo procurou sempre alimentar esse esprito blico

    mobilizador, ao longo de toda a histria cubana recente. Este ataque contra-revolucionrio

    serviu para unir ainda mais a opinio pblica em defesa do regime e de Fidel. Em termos

    militares, as investidas dos Estados Unidos e de contra-revolucionrios que atuavam dentro

    do pas foram combatidas at 1966 pelo Exrcito e pelas Milcias Nacionales

    Revolucionariasna campanha chamada limpia de Escambray.

    Nesse contexto de mobilizao do pas contra os inimigos, o famoso lema dentro

    da Revoluo tudo, contra a Revoluo nada presente nas Palabras a los Intelectualesinterferiuna liberdade artstica. O problema central era o apoio ou no ao regime, como

    deixou evidente Juan Marinello quando afirmou: el que ataque a la Revolucin est

    atacando la libertad de que disfruta (...) no debe haber libertad para combatir la

    libertad.52No caso dos cineastas isto significava que eles deveriam encampar uma cultura

    de guerra e, consequentemente, seriam condenados os filmes de temtica pequeno-

    burguesa em plena moda nos anos 60.

    Os critrios para se considerar uma expresso artstica pertinente, no contexto da

    Revoluo se assemelhavam a algumas prerrogativas do realismo socialista, ainda que

    esse termo no fosse enunciado e houvesse, por parte da maioria, inclusive dirigentes como

    Fidel e Che Guevara, um rechao explcito sovietizao cultural de Cuba. Apesar de se

    buscar uma via cubana para a poltica cultural, nas enunciaes desta havia muitos traos

    do modelo sovitico. As formulaes da poltica cultural acompanhavam as (in)definies

    do regime: na ausncia de modelo prprio, o sovitico tornava-se a referncia. A arte

    revolucionria, assim, deveria ser de fcil compreenso, didtica (como j havia sido

    explicitado na Lei de Criao do ICAIC) e conscientizadora. Fidel confirmava, em seudiscurso de 1961, que o organismo autorizado a fomentar e orientar as artes em Cuba era o

    Consejo Nacional de Cultura, que estava a cargo de militantes do antigo PSP.

    Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 218-224. PIERRE-CHARLES, Grard. La Transicin al socialismoin Gnesis de la Revolucin Cubana. Mxico, D.F.: Siglo XXI, 10 edio, 1996, pp. 152-171. Outrasimportantes referncias para a histria da Revoluo Cubana: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Mart aFidel. A Revoluo cubana e a Amrica Latina.Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998.FERNANDES,Florestan.Da guerrilha ao socialismo. A Revoluo cubana.So Paulo: T. A Queiroz, 1979.52MARINELLO, J. Ante el Primer Congreso de Escritores y Artistas. Hoy, 19/08/61, p. 2, reeditado nolivro: Contemporneos. Noticia y Memoria. La Habana: Unin, 1976, Tomo I, pp. 239-251.

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    Ao tratar, posteriormente, do episdio do fechamento de Lunes, do qual participara

    intensamente, Guevara eximiu-se de qualquer culpa tanto em relao proibio do filme,

    como na extino do suplemento. Afirmou, de forma paradoxal, nunca ter desejado que o

    mesmo ocorresse, e sim ter se manifestado contra o papel que Lunes se auto-atribua de

    vocero de la revolucin en el arte, na condio de suplemento do rgo oficial da

    Revoluo53. Cabrera Infante, seu antigo desafeto desde os tempos da Sociedad Cultural

    Nuestro Tiempo, era visto por Guevara como inimigo poltico (uma vez que ambos eram

    intelectuais respeitados, formadores de opinio) e um perigoso crtico de cinema funo

    na qual Cabrera se especializara, quando atuava como jornalista54. Visto com o

    distanciamento dos anos, o Caso P.M., no discurso de Guevara e no discurso oficial, temum peso bem menos importante que a extino de Lunes, o que comprova que o filme em

    questo foi o mote e no a razo principal da polmica criada. Essa no foi a nica vez que

    uma obra especfica foi usada para detonar processos de maior alcance: obras literrias

    premiadas pela UNEAC, determinadas canes e filmes do ICAICserviram tambm como

    gota dgua, em outros momentos.

    H uma calculada estratgia poltica na atuao de Alfredo Guevara no Caso P.M.:

    usa o fato de que o filme havia sido feito foradoICAICpara atingir seus alvos polticos,

    congregando seus pares.55 O gesto de apelar s instncias superiores, inegavelmente,

    descartava qualquer possibilidade de conciliao e buscava referendar a proibio. Ao

    transferir o caso para a dimenso pblica, o Caso P.M.era transformado na expiao de

    outros casos provveis, justamente num momento de af geral dos cineastas em

    experimentar. Para Guevara, assumir sozinho a responsabilidade da proibio, nesse caso,

    teria sido perigoso pois o ato contradizia suas declaraes que at ento haviam sido

    francamente favorveis ao cinema-arte, contrrias ao realismo socialista. A criao do

    53Lunes, mesmo sendo um suplemento mais voltado literatura, tambm era um espao para a discusso dasoutras artes, e contou com nmeros especiais dedicados ao cinema e ao teatro (em 06/02 e 03/04/1961,respectivamente). GUEVARA, A. et al. La poltica de nuestra direccin revolucionaria ha sido la desembrar y desarrollar conciencia. (04/01/1969) in GUEVARA, A. Tiempo de Fundacin, Op. Cit. p. 170.54 Suas resenhas e crticas de filmes, assinadas sob o pseudnimo de G. Can, foram publicadas emCABRERA INFANTE, G. Un ofcio del siglo XX. Madrid: El Pas/Aguilar, 1993.55John King em El carrete mgico... Op. Cit. p. 217, mapeia as anlises que ideologicamente condenamGuevara e o ICAIC, quais sejam: CABRERA INFANTE, G. Bites from a Bearded Crocoldile in LondonReview of Books, 4-17 de junio de 1981; ALMENDROS, N.A man with a camera. London: Faber and Faber,1985, pp.24-29; FRANQUI, Carlos. Family Portrait with Fidel. London: Cape, 1983, pp. 34-39; e cita umaque os defende: CHANAN. M. The Cuban Image: cinema and cultural politics in Cuba. London: BFI,1985.p. 100-109.

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    fato o favoreceu em seus objetivos polticos, ainda que, do ponto de vista ideolgico,

    tenha lhe colocado um impasse: como ser revolucionrio e fazer cinema arte.

    O Caso P.M. um exemplo claro da multiplicidade de fatores que se descortinam

    num ato de censura, nesse perodo, em Cuba. Sua importncia para a definio da poltica

    cultural e para a histria da cinematografia cubana notria, e marcou fortemente o

    imaginrio de uma poca: mais de um filme produzido posteriormente fez referncia,

    deliberada ou no, a esse documentrio56. A partir desse caso, os cineastas passaram a ter

    que considerar novos horizontes de experimentalismo, maquiando suas ousadias formais

    com mensagens explcitas de engajamento ou evitando incorrer no uso de recursos que

    lembrassem o paradigma de filme burgus, pretensioso que passou a identificar o freecinema de P.M.. Alfredo Guevara, por sua vez, viveria sua prova de fogo ao debater

    publicamente o realismo socialista e a cinematografia europia em 1963, momento que se

    coloca como um desdobramento do Caso P.M., e que abordarmos no prximo captulo.

    1.4. Os antecedentes doICAIC

    Inmeras declaraes de Alfredo Guevara e Fidel Castro aludem ao esforo imenso

    que foi constituir um Instituto e uma cinematografia nacional partindo do nada,

    perspectiva endossada por crticos do cinema cubano57. Essa negao da existncia de

    antecedentes, ao mesmo tempo em que conferia maior mrito s conquistas no campo

    cultural, desobrigava o exerccio da comparao com o passado tarefa um pouco delicada,

    pois, se antes de 1959 havia o total domnio das distribuidoras multinacionais e um cinema

    de gosto colonizado, essa realidade poderia soar menos pior para a populao, que o novo

    quadro consolidado no decorrer dos anos 60, quando muitas produes soviticas de

    qualidade duvidosa passaram a preencher as lacunas da programao no atendida pelainsuficiente produo nacional. No toa circulava a piada, em meados dessa dcada, de

    56O filme Memorias del Subdesarrollo, de Toms Gutirrez Alea (1968) inicia com um noturno carnaval derua, no qual vemos pessoas se divertindo, num sugestivo estado de transe, semelhante ao que aparece nodocumentrio P.M.. Mais recentemente, o documentrio Conducta Impropia(1984), de Orlando Jimnez Leale Nstor Almendros e o filme norte-americanoAntes do anoitecer(2000), de Julian Schnabel, sobre a vida doescritor exilado Reinaldo Arenas, reproduziram, a ttulo de homenagem, trechos de P.M..57RODRGUEZ ALEMN, Mario. El movimiento documental en Cuba. Cine Cubanonm. 6, 1962, pp.32-34. Rodrguez Alemn afirma que o cinema anterior Revoluo era to ruim que no se pode tom-locomo antecedente do cinema feito peloICAIC.

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    que os filmes em Cuba podiam ser classificados como buenos, malos y russos58, opinio

    compartilhada por Julio Garca Espinosa, que criticou o fato de diversos filmes socialistas

    terem sido exibidos sem nenhum critrio de seleo59.

    O cinema cubano no comeou do zero e nem se manteve numa trajetria sempre

    ascendente, a partir de 1959, contrariamente memria oficial construda em torno da

    fundao doICAIC. Existe um nmero razovel de livros e artigos que abordam a histria

    do cinema cubano, desde seus primrdios60. Juan Antonio Garcia Borrero um dos autores

    cubanos que refuta a perspectiva oficial de atribuir ao ICAIC o papel de fundador da

    cinematografia nacional. Alega no s a existncia de uma produo anterior, como o

    carter restritivo da associao do termo cinema cubano apenas produo do ICAIC,uma vez que os cineclubes e os diretores amadores tiveram um papel importante nessa

    histria.61Alm disso, fora doICAIC, havia o cinema didtico produzido diretamente pelo

    MINED, Ministrio de Educacin, voltado a escolas, sindicatos, cursos tcnicos, muitas

    vezes realizado em parceria com oMINFAR,Ministrio de las Fuerzas Armadas.62

    As prprias estatsticas oficiais tambm contrariam o discurso que procura fazer

    tabula rasa da histria do meio cinematogrfico anterior Revoluo. Segundo dados

    apresentados pela pesquisadora cubana Maria Eullia Douglas, apesar de ter ocorrido um

    58BARQUET, Jess. El socialismo en cuestin: anti-utopa en Otra vez el mar y El asalto de ReinaldoArenas. La Palabra y el Hombre. Revista de la Universidad Veracruzana, nm. 85, enero-marzo 1993, p.120.59GARCIA ESPINOSA, Julio. Nuestro Cine Documental. Cine Cubanonm. 23-24-25, 1964, p. 16.60Livros: RODRGUEZ, Raul. El cine silente en Cuba, La Habana: Letras Cubanas, 1992; AGRAMONTE,Arturo. Cronologa del cine cubano. La Habana:ICAIC, 1966; GONZLEZ, Reynado. Cine cubano: ese ojoque nos ve.Puerto Rico: Plaza Mayor, 2002. Artigos: CANEL, Fausto. Breve Historia de un Cine.Lunes deRevolucin, nm. 94, 06/02/1961; RODRGUEZ ALEMN, Mario. Bosquejo histrico del cine cubano.Cine Cubano, nm. 23-24-25, pp. 25-35; RODRGUEZ, Raul e RAMOS, Pablo. Una pelea cubana contraMister Edison. Cine Cubanonm. 121, 1988, p. 19-23.61GARCIA BORRERO, J. A. Gua crtica del cine cubano de ficcin. La Habana: Editorial Arte y Literatura,2001, pp. 17; 11.62 O MINED criou a Escuela de Medios Audiovisuales Carlos Manuel de Cspedes (1968), que foiresponsvel por formar quadros para o Departamento de Cinema Educativo do ICAIC. At os anos 80 chegoua realizar mais de 200 curtas documentrios didticos e, em meados dessa dcada, foi criada dentro dele aEmpresa de Pelculas y Diapositivas Dedcticas del MINED , para atuar internacionalmente. De formasemelhante, a Seccin Flmicado MINFAR produzia documentrios e noticirios para os soldados, realizavaprojees em suas unidades militares e, em algumas ocasies, produzia curtas didticos para serem usados nasescolas. Ambos Ministrios possuam estdios prprios, profissionais e salas de projeo. La poltica culturalde Cuba. Op. Cit., p. 27.

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    crescimento contnuo na quantidade de espectadores, at os anos 8063, houve queda do

    nmero de estrias ocorridas aps a Revoluo em relao aos anos 50, e outra queda, mais

    abrupta, entre os anos 60 e 70.64Alm disso, houve um decrscimo na arrecadao obtida

    com o cinema, entre os anos 70 e 8065. Essas informaes indicam que ocorreu um aumento

    de pblico, combinado diminuio de filmes, e uma crise nos anos 80. O cinema cubano,

    que viveu uma fase dourada nos anos 60, no se manteve assim nas dcadas seguintes.

    Essa fase dourada pode ser melhor compreendida se traarmos um panorama dos

    anos 50, perodo em que Havana era uma capital bastante moderna, com ampla oferta de

    lazer e consumo cultural. Em 1952, Cuba apresentava a terceira maior renda per captada

    Amrica Latina, e publicava muitos jornais e revistas66

    . Em 1959, Cuba era o segundo pasdo continente em nmero de aparelhos de TV por habitante, havia mais de 400 salas de

    cinema e um circuito significativo de salas de teatro e de espetculos em Havana, uma vez

    que a capital sempre exercera a funo de parque caribenho de diverses da elite local e

    norte-americana67. Com um nmero to grande de salas de cinema, foram feitos planos,

    aps a Revoluo, de que essas fossem usadas tambm para outros espetculos, como

    shows musicais e apresentaes de dana. Contrariado, Alfredo Guevara, em carta a Fidel

    Castro defendeu que houvesse espaos exclusivos para o cinema, uma vez que, na sua

    opinio: El cine debe llegar puro e incontaminado, con toda su fuerza y potencia casi

    hipntica al espectador.68

    63Referentes aos anos de 1962, 1970 e 1980, correspondem os seguintes nmeros de espectadores: 1.200.000,12.900.000 e 30.900.000. DOUGLAS, M. La tienda negra. El cine en Cuba (1897-1990). La Habana:Cinemateca de Cuba, 1996, pp. 320-321.64Os grficos Estrenos de Pelculas nos indicam que os nmeros de estrias por ano, em 1960, 1970, 1980 e1990, foram, respectivamente: 382, 114, 124 e 68 filmes. O que os dados evidenciam que a produonacional e a remessa socialista no supriram a ausncia dos filmes europeus e norte-americanos, que passarama ser menos importados nos anos 70. Idem, p. 318.65 Temos os seguintes nmeros (que acreditamos se tratarem de pesos cubanos, apesar de no haverespecificao) referentes a 1958, 1959 e 1960: 15.310.000, 22.160.000 e 28.200.000. Em 1970, a arrecadaosalta para 48.018.800 e, em 1980, cai para 25.850.900. Nessa obra os dados anteriores Revoluo so maisesmiuados, j os nmeros ps-1959 so mais esparsos e imprecisos. Idem, p. 291.66PERICS, L. B. Che Guevara e o debate econmico em Cuba. So Paulo: Xam, 2004, p. 31. Ver tambmCap. 3 de MISKULIN, S. Cultura Ilhada. Op. Cit.; MARTNEZ-PREZ, L.Los hijos de Saturno. Op. Cit. p.24-25 e BENITEZ, Leon.Jornalismo em Cuba.So Paulo: Com-Arte, 1990, pp. 46, 47 e 60.67 Havana foi uma das primeiras capitais a possuir sistema de Televiso (1950) dotado, em 1958, de seiscanais de TV em branco e preto e um a cores (o canal 12) Em 1959, contava com cerca de 365 mil aparelhosde TV e 156 emissoras e retransmissoras de rdio. Ver PIERRE-CHARLES. Gnesis de la RevolucinCubana. Op. Cit., p. 46 e BENITEZ, L. Op. Cit., p. 67.68 Carta datada de 18/10/1960, publicada como El oficio del artista . Verdad y belleza. GUEVARA, A.Tiempo de fundacin.Op. Cit. p. 87-88.

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    A cinematografia cubana foi marcada pela hegemonia de produtoras norte-

    americanas nos anos 30 e 40, acompanhada por uma crescente penetrao mexicana de

    produtoras como a Cubmexe empreendedores como Ramn Pen (anos 20-40) e Manuel

    Alonso (anos 50). Fora do circuito mercadolgico havia um incipiente cinema amador, que

    motivou, em 1943, a realizao do Primer Concurso Nacional de Cine Amateurauspiciado

    pelo Club Fotogrfico de Cuba. Vrios cineclubes se encontravam em atividade nos anos

    50, caso do Cine Club Visin, criado em 1956 e ligado Juventude Socialista (do qual

    participaram os cineastas Octvio Cortzar, Jorge Fraga, Alberto Roldn, Manoel Prez); o

    Cine Club de La Habana, organizado por Germn Puig e Ricardo Vign, o cineclube Cine

    de Arte,organizado por Jos Manuel Valds Rodrguez e o CCOC Centro Catlico deOrientacin Cinematogrfico que publicava sua prpria revista de cinema. Respaldando

    essa atividade cinematogrfica da capital, a Universidad de La Habanapassou a abrigar um

    curso de cinema, com a criao de um Departamento de Cinematografia encabeado pelo

    professor Jos Manuel Valds Rodrguez, ligado ao PSP.69

    O hispanista francs Emmanuel Vincenot analisou a questo da negao do passado

    cinematogrfico pr-revolucionrio, focando o caso da Cinemateca de Cuba70, cuja

    fundao oficial data de 1960, mas que, na realidade, existiu, ainda que sob condies

    precrias (sem sede prpria), entre 1951 e 1956, por iniciativa de Germn Puig e Ricardo

    Vign, e a colaborao de seus amigos, Nstor Almendros e Guillermo Cabrera Infante,

    69 Valds Rodrguez, segundo constatamos, uma figura pouco benquista, mesmo entre seus ex-alunos,possivelmente em razo de seu carter centralista, refratrio s iniciativas individuais e aos cineclubes queconcorriam com o seu. Ver mais sobre sua histria pessoal em MANET, Eduardo. Cine y Cultura en laUniversidad de La Habana. Cine Cubano nm.2, 1960, pp. 54-55; e SANTOS, Romualdo. Jos ManuelValds Rodrguez o la historia de una vocacin. Cine Cubanonm. 109, 1984.70Nos dados oficiais sobre a Cinemateca, consta que esta foi criada em 06/02/1960 com boa parte do acervocedido por Jos Manuel Valds Rodrguez, e que foi dirigida, desde sua fundao, por Hctor Garca-Mesa,ex-membro da Sociedad Cultural Nuestro Tiempo, sucedido, aps seu falecimento, por Reynaldo Gonzlez eEnrique Ubieta. Garca Mesa foi responsvel pela ampliao do acervo que chegou, em 1985, a 7000 ttulos,distribudos por cinco sees politicamente divididas: Cine cubano, Cine latino y del Caribe, Cine de lospases capitalistas europeos y norte-americanos (incluindo Austrlia) e Cine de los pases socialistas. ACinemateca promovia exibies dirias (cujo acesso no era livre apenas s segundas-feiras, quando o espaoficava reservado ao uso dos funcionrios do ICAIC), numa sala de 1500 lugares e que seguia, via de regra, aseguinte programao fixa: teras, quintas e sbados ciclos ou mostras temticas, segundas e quartas -exibio de curtas, documentrios e animaes e, sextas e domingos - Panorama del Cine (filmes clssicos,histricos). GARCIA MESA, H. La cinemateca de Cuba. Cine Cubanonm. 23-24-25, 1964, pp. 57-62.Ver tambm a Programao da Cinemateca de Cuba no nm. 27, 1965, pp. 64-65. GALIANO, Carlos. FelizAniversario. 25 aos de la Cinemateca de Cuba. Cine Cubanonm. 112, 1985, pp. 49-54.

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    todos jovens cubanos aficionados por cinema71. Vincenot, que pretende fazer jus

    participao francesa nessa criao influncia de fato muito significativa no meio cinfilo

    cubano dos anos 50 - afirma ter ocorrido um apagamento dessa histria, por motivos

    polticos, e dos nomes de Puig e Vign na bibliografia sobre a histria do cinema cubano72.

    Segundo o autor, a razo para o desmerecimento dessa experincia nos anos 50, foi

    principalmente o conflito travado entre estes dois cineastas e os demais membros da

    Sociedad Cultural Nuestro Tiempo (da qual tambm faziam parte) em razo dos dois

    primeiros pretenderem constituir a Cinemateca de forma autnoma, e no concordarem

    com a instrumentalizao poltica da entidade. A esse conflito se somaram outros

    agravantes, como as disputas pela posse do acervo francs doado Cuba, entre os doisjovens e o professor Valds Rodrguez, de quem haviam sido alunos. Um conjunto de

    problemas, alm destes levantados, culminou na dissoluo da Cinemateca, em 1956.

    O caso da Cinemateca nos mostra as tentativas feitas dos anos 50 e o quanto os

    fatores polticos foram considerados na configurao do discurso histrico sobre o cinema

    cubano. Aps a oficializao do Partido Comunista de Cuba, em 1965, a Sociedad Cultural

    Nuestro Tiempocomeou a ser lembrada como uma espcie de antecedente doICAIC, uma

    vez que havia forte influncia do PSP na entidade, enquanto que a experincia dos

    cineclubes e da primeira Cinemateca continuou sendo ignorada73.

    Em geral, o cinema de fico anterior a 1959 tambm costuma ser menosprezado

    pela histria oficial, que enfatiza sua condio de pastiche dos melodramas mexicanos e

    dos filmes B norte-americanos, os chamados culebrones, que garantiam longas filas nas

    bilheterias (filas compridas como culebras, cobras). Ainda que o fossem, a quantidade

    71VINCENOT, Emmanuel. Germn Puig, Ricardo Vign et Henri Langlois, pionniers de la Cinemateca deCuba. Caravelle, Universit de Toulouse, nm, 83, decembre 2004.72 Puig e Vign, fundadores do Cine-Club de la Habana em 1949, contaram com os auspcios daCinmathque Franaisee de seu administrador Henri Langlois (em relao orientao, estatutos, acervo)para montar essa Cinemateca. Almendros e Cabrera Infante tambm colaboravam escrevendo sinopses, eresenhas crticas que eram distribudas junto com os programas. Idem. Ver tambm LISBOA, Ftima. OCineclubismo na Amrica Latina: idias sobre o projeto civilizador do movimento francs no Brasil e naArgentina (1940-70) in MORETTIN, E., NAPOLITANO, M. et alli. Histria e Cinema. Anlise flmica,anlise histrica. So Paulo: Alameda / Histria Social USP, no prelo.73 Carlos Rafael Rodrguez, ento membro do Bur Poltico e Vice-presidente do Conselho de Estado,pronunciou discurso em homenagem ao 30 Aniversrio da Sociedad: RODRGUEZ, C. R. NuestroTiempo. Cine Cubanonm. 102, 1982, pp. 87-91.

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    estimada de filmes produzidos em Cuba at 1959 - cerca de 150 merece uma anlise mais

    cuidadosa74.

    O cinema documental pr-revolucionrio, por outro lado, melhor historiado, com

    destaque para a produo de curta-metragens pelo PSP, entre 1945 e 1953, e as

    experincias isoladas de pequenas produes, chamadas de curtas argumentales, como

    Una confusin cotidiana(1947) de Toms Gutirrez Alea baseado num conto de Kafka e

    filmado em 8mm, ou o reverenciado El Mgano, realizado por Alea, Julio Garca Espinosa

    e outros colaboradores, em 1955.

    Segundo Santiago Alvarez, cineasta cubano considerado o melhor realizador de

    curta-metragens, e criador de um estilo prprio de jornalismo cinematogrfico, Cuba jcontava, antes da Revoluo, com uma forte tradio na produo de cine-jornais: em 1945

    havia cerca de seis empresas atuando nesse ramo e, antes da criao do Noticiero ICAIC

    Latinoamericano, do qual ele foi diretor-chefe por muitos anos, j existiam trs noticirios

    do gnero que circulavam pelo pas.

    O Noticirio feito pelo ICAIC, bastante marcado por esses antecedentes e pelos

    similares soviticos de vrias dcadas atrs - o Kino-Nedelia (Cine-Semana) e o Kino-

    Pravda(Cine-dirio) que contaram com a produo do cineasta Dziga Vertov - teve uma

    enorme importncia como escola para os realizadores que ingressaram no ICAIC. O

    Noticiero ICAIC Latinoamericanoque existiu at 1991, sendo o ltimo grande cinejornal

    americano a desaparecer, tinha uma importante funo de propaganda, principalmente nos

    lugares de difcil acesso, pois veiculava, a cada semana, as orientaes prticas e

    ideolgicas do governo, e as notcias nacionais e internacionais selecionadas por este.75

    Filmado em branco e preto, com o formato de 10 minutos, o noticirio semanal era

    produzido por uma equipe coordenada por Alvarez e Humberto Garca Espinosa (irmo de

    Julio Garca Espinosa), distribudo para as quase 500 salas de cinema do pas, eobrigatoriamente exibido antes de cada sesso e como parte da programao das sesses

    74A estimativa de 150 filmes apresentada por GETINO, O. e VELLEGGIA, S. El cine de las Historias dela revolucin. Buenos Aires: Altamira / Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales, 2002. p. 76. Emseu filme Cinema de lgrimas, Nelson Pereira dos Santos retratou com maestria a produo cinematogrficaque marcou os anos 50. Informaes sobre o cinema cubano dos anos 50 podem ser encontradas tambm emRODRGUEZ, Ral. El cine silente en Cuba. La Habana: Letras Cubanas, 1992, e DOUGLAS, M. E. LaTienda Negra. El cine en Cuba (1897-1990). La Habana: Cinemateca de Cuba, 1996.75GARCIA MESA, Hctor. Un reportaje sobre el Cine-Movil ICAIC. Cine Cubano, nm. 60-61-62, 1970,p. 110.

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    itinerantes dos cines-mveis76. Em sua elaborao eram utilizadas estratgias semelhantes

    s existentes nos cine-jornais cubanos dos anos 50: colagens, sobreposies, interttulos

    com farta explorao de grafismos, aproveitamento de caricaturas, animaes, jornais,

    panfletos, etc.

    Esses recursos j eram experimentados na Cine Revista, um dos principais veculos

    de publicidade nos anos 50, que foi um laboratrio tcnico para muitos jovens cubanos77

    que, recm egressos de estgios e escolas de cinema no exterior, se viam na situao de ter

    que dedicar seus talentos a atividades menos glamurosas que a sonhada produo de fico.

    Tal experincia, seguramente, lhes possibilitou a aquisio de uma linguagem gil,

    carregada de humor e bastante criativa, prerrogativa dos sketchs que produziamsemanalmente, a toque de caixa78.

    Essa tradio jornalstica e publicitria contribuiu, juntamente com as urgncias do

    momento poltico, para que noticirios, documentrios e curtas educativos se tornassem o

    cerne da produo doICAIC. A importncia dada linguagem documental fica patente na

    lgica do plano de carreira existente para os profissionais ingressantes no Instituto: antes

    de ter o aval para realizar um filme de fico, o cineasta deveria aprender a fazer bons

    documentrios. Essa pr-condio para a promoo, dentro do Instituto, foi questionada

    mais de uma vez pelos cineastas, que alegavam, dentre outros argumentos, a pouca

    importncia conferida s inclinaes pessoais, aos talentos individuais e liberdade de

    opo por determinado gnero. A negao do intelectual como privilegiado, numa

    perspectiva que procurava considerar qualquer um capaz de se tornar intelectual, era a

    estratgia governamental usada para neutralizar reivindicaes como essas, e que se mostra

    como mais um componente da poltica cultural, principalmente aps 1965.79

    76Depoimento a Rodi Broullon, Gary Crowdus e Allan Francovich em 1978, apud LABAKI, A. O olho daRevoluo: o cinema-urgente de Santiago Alvarez, So Paulo: Iluminuras, 1984, p. 3877 Prestaram servios para a Cine Revista vrios profissionais que se tornariam diretores, roteiristas efotgrafos do ICAIC: Toms Gutirrez Alea, J. Carlos Tabo, Jorge Herrera, Jorge Hayd, Ivan Npoles,Pablo Martnez, Lopito, Onelio Jorge Cardoso, Holbein Lopez, dentre outros. NOGUERAS, Luis Rogelio.Vivir ciento cincuenta aos. Entrevista con Holbein Lopez. Cine Cubanonm. 108, 1984, pp. 63-67.78 Mario Rodrguez Alemn reconhece que as notas realizadas para a Cine Revista, muitas das quaispossuam at certa ndole social, foram importantes na formao de alguns dos cineastas do ICAIC.RODRGUEZ ALEMN, M. El movimiento documental em Cuba. Cine Cubano, nm. 6, 1962, p. 32.79 Data da publicao do texto de Che Guevara El socialismo y el hombre en Cuba (Montevidu,marzo/1965). Ver Ernesto Che Guevara: poltica e ideologa. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales,1990, pp. 242-244. Ver tambm observaes sobre o potencial intelectual de todo cidado em CASTRO, F.Palabras a los intelectuales. La Habana: Ediciones del Consejo Nacional de Cultura, 1961.

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    Aps essa data, veremos como os cineastas e intelectuais de modo geral se esforam

    cada vez mais para provar sua necessidade na sociedade cubana e a legitimidade de sua

    condio. J nos primeiros anos da dcada de 60, podemos verificar na revista Cine Cubano

    como eram valorizadas e cuidadosamente registradas cada conquista ou novidade no campo

    cinematogrfico, como forma de afirmao do sucesso do Instituto e de seus realizadores: a

    publicao demarcava o primeiro longa-metragem, o primeiro curta, o primeiro musical, o

    primeiro desenho animado, o primeiro cartaz, a primeira mostra de cinema de determinado

    pas, etc. Ainda assim, o ttulo de primeiro longa-metragem feito aps a revoluo um

    tanto disputado na historiografia sobre o cinema cubano e exemplifica a importncia desses

    rtulos, que conferiam certo herosmo ao realizador e confirmavam o pioneirismo doICAIC.80Na constituio do imaginrio e da memria coletiva a partir de 1959, o cinema

    teve (e ainda tem) um papel muito importante de monumentalizao81de todos os feitos

    revolucionrios, incluindo aqueles que colaboram para marcar e legitimar a prpria

    histria dessa arte no pas.

    2. Linguagens e circuitos doICAIC

    A estrutura do ICAIC sempre contou com uma complexa engrenagem envolvendo

    os meios de produo, exibio e difuso, cada qual com seu prprio circuito. A partir

    dessa base, o Instituto desenvolveu produes artsticas que ora se aproximavam, ora se

    distanciavam das diretrizes da poltica cultural explicitadas no discurso de Fidel, de 1961.

    Consideramos que essas oscilaes configuraram a existncia de uma engrenagem (ICAIC)

    que, embora vinculada engrenagem maior (a poltica cultural do governo) realizava seus

    movimentos com uma certa autonomia. Isso explica como foi possvel conseguir, em vrias

    80Apesar de, oficialmente, constar Historias de la Revolucin, de Toms Gutirrez Alea (filmado aps Estatierra nuestra, documentrio curta-metragem desse diretor em parceria com Julio Garca Espinosa, sobre aReforma Agrria), Garca Borrero confere o primeiro lugar dentre as produes ps-revoluo ao filme Lavida comienza ahora, de Antonio Vzquez Gallo, uma obra da Cooperativa Cinematogrfica RKO em Cubaque, por no ter sido produzida peloICAIC, acabou sendo oficialmente desconsiderada. J o primeiro curta atribudo a Julio Garca Espinosa, Sexto aniversrio(1959), que registrava uma celebrao popular pelo sextoaniversrio do famoso assalto ao Quartel Moncada contra o regime de Fulgncio Batista, em 26/07/1953,que fracassou mas foi determinante para a fundao do Movimiento 26 de Julio. GARCA BORRERO, J. A.Gua crtica del cine cubano de ficcin. Op. Cit, p. 15.81 Segundo a perspectiva de monumento definida em LE GOFF, Jacques. (trad. Bernardo Leito)Documento/Monumento inHistria e memria. Campinas: Editora da Unicamp, 1990, p. 533.

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    ocasies, driblar o controle do poder centralizador. Para entender melhor essa dinmica, no

    entanto, cabe primeiro esclarecer como funcionava a engrenagem do cinema.

    O ICAIC possua meios de exibio direcionados para a populao pobre e rural,

    como o cine-mvel, os curtas-metragens didticos ou os breves esquetes que compunham

    a Enciclopdia Popular. Alm disso, diferentes veculos e suportes foram criados para

    chamar a ateno e reeducar o gosto das massas para o cinema, caso das artes grficas (a

    cartazstica), dos programas televisivos e das EdicionesICAICque atravs da publicao de

    livros, manuais e da produo da revista Cine Cubano colaborou para sistematizar um

    discurso sobre o cinema e sobre o prprio Instituto.

    Assim, a comunicao do Instituto com a populao ocorreu sempre por meiosdiversos e a Cinemateca de Cubaera co-responsvel pela difuso de cartazes, catlogos, a

    produo de programas de TV, mostras, ciclos, debates e shows.82. OICAIC, incumbido de

    traduzir visualmente a nova fase de Cuba, se serviu de vrios suportes e meios de

    comunicao de massa no cumprimento de sua misso. Bastante inspirado na prtica

    sovitica de apropriao de todos os meios artsticos para a difuso da propaganda poltica,

    o governo cubano aderiu lgica da espetacularizao dos seus feitos, lderes e

    instituies. Mobilizao e pedagogia poltica esto presentes no s no cinema, a arte

    preferida por Lnin para esse fim83, como em todas as linguagens artsticas de rpida

    assimilao (artes grficas, canes, outdoors, murais, hinos, consignas, monumentos, etc).

    O ICAIC se tornou uma estrutura enorme, aps a nacionalizao e ampliao de

    todo o circuito de distribuio e exibio, em 1961. Essa dimenso se refletia tanto no

    nmero de salas, como vimos, como no montante de pessoas empregadas em ofcios

    82Na Cinemateca, entre 1969 e 1976, ocorreram vrias apresentaes do Grupo de Experimentacn Sonoradel ICAIC, que foi objeto de nossa Dissertao de Mestrado. A Cinemateca chegou a possuir tambm umagaleria onde eram feitas freqentemente exposies de cartazes e um museu de equipamentos antigos. Soba direo de Reynaldo Gonzlez, aps o falecimento de Garca Mesa, a Cinemateca passou a contar com umaequipe de pesquisadores encarregada de publicar catlogos e estudos a respeito da produo e da memria doInstituto, composto por Mara Eulalia Douglas, Alejandro Leyva, Teresa Toledo, Sara Vega, Ivo Sarra, PedroOrteg e Hilda Hernndez. SANTOS MORAY, Mercedes. La cinemateca de Cuba, el sueo de 24 imgenespor segundo. Consta da relao de publicaes da Cinemateca as obras: DOUGLAS, M. E. Latienda Negra.Op. Cit; TOLEDO, T. & ORTEGA, P.Diez aos del Festival; GARCA, A & VEGA, S.La otra imagen delCine Cubano; (vrios autores) Las coordenadas del cine cubano, Op. Cit. Cine Cubano, nm. 144, abril-junio/1999, pp. 55-56.83So vrias as referncias sobre a importncia do cinema como propaganda poltica, tanto na obra do prprioLnin, como em textos de tericos como Lunacharsky e Zhdanov, citados por Donald Egbert em seu livro Elarte en la teoria marxista y en la prctica sovitica. Barcelona: Tusquets, 1973. pp. 47-49.

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    ligados ao cinema.84 Em vista desse conjunto de elementos, esmiuamos, nos tpicos a

    seguir, esses e outros dos principais mecanismos e servios que conformavam o Instituto.

    2.1. O cine-mvel e a Enciclopdia Popular

    No cumprimento da meta ampliao do pblico, logo se tornou um dos orgulhos

    da direo doICAICo cine-mvel (cine-movil), que comeou a funcionar em 1961, com a

    adaptao do primeiro caminho sovitico - ou unidade mvel - para a realizao de

    exibies onde no houvesse salas de cinema nas proximidades. O cine-mvel nasceu no

    bojo da criao da seo de cineclubes da Cinemateca de Cuba (janeiro/1961), e passou aconstituir, em seguida (setembro/1961), oDe